violÊncia psicolÓgica/ bullying: problematizando os...
TRANSCRIPT
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA/ BULLYING: PROBLEMATIZANDO OS DIREITOS HUMANOS A PARTIR DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE
PÚBLICAS1.
CRISTINA MIYUKI HASHIZUME
O presente resumo se refere a uma pesquisa sobre os trabalhos de conclusão de curso do curso
“Educação e Direitos Humanos”, organizado pela UFABC, projeto esse que ofereceu curso de
aperfeiçoamento à rede de professores municipais da prefeitura Municipal de São Paulo. O livro
valoriza a produção cultural e dialoga com os projetos desenvolvidos ao longo dos meses de
2015 e 2016 pelas turmas do curso, focando também a dimensão da pesquisa. A partir de sua
condição de autores dos projetos, os cursistas puderam discorrer sobre a intervenção e os
resultados obtidos conjuntamente com a comunidade escolar, seja gestão, comunidade e
docentes. Metodologicamente falando, os projetos sobre Bullying incluíram diferentes
abordagens formadoras com o intuito de modificar a realidade violenta escolar. São métodos e
instrumentos utilizados: aulas abertas em grupos, rodas de conversa, semanas de discussão,
dentre outras. Paralelamente à intervenção, em si, foram realizadas pesquisas qualitativas e
quantitativas para cartografar o conhecimento da comunidade escolar acerca do tema violência
e bullying através de questionários e entrevistas, abordando agressores, vítimas, professores e
os resultados foram apresentados à comunidade escolar do projeto participante. Sobre os
referenciais teóricos utilizados para subsidiar as intervenções nas escolas, odemos citar a
Sociologia da Violência, a perspectiva pedagógica, a abordagem antropológica, abordagens
psicológicas e de saúde pública em geral, além de uma abordagem jurídica. Faz-se aqui,
necessária uma breve discussão sobre os processos de judicialização e medicalização que
tratam-se de desdobramentos do fenômeno do bullying. A medicalização trata-se de uma
abordagem médica/farmacológica, baseada em parâmetros biologicistas em relação a
fenômenos que são multideterminados por aspectos sociais. Sabemos que os impactos da
violência psicológica sobre os alunos têm piores efeitos em crianças cujas famílias e
comunidade estão alijados dos direitos básicos sociais como saneamento básico, acesso aos
equipamentos de saúde, desemprego, moradia em áreas de risco, dentre outros. Por esse motivo,
É, pois, ingênuo acreditar que a erradicação do bullying se dará através de intervenções às
1 Cristina Miyuki Hashizume, doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano – Instituto de
Psicologia da USP.
consequências psicológicas ou psiquiátricas que a violência pode causar no aluno e em seus
familiares restringe uma atuação mais preventiva em relação à promoção de uma cultura da
paz.
PALAVRAS-CHAVE: Educação; Direitos Humanos; Bullying;
Judicialização.
Introdução ao tema e sobre os projetos apresentados
O bullying é um tema do momento: da mesma forma que o assédio moral, esse tema tem sido
alvo de estudos de especialistas de diferentes áreas que lançam livros, técnicas para tratar suas
consequências, formas de prevenção e impactos sobre a saúde da vítima. O bullying, ou
intimidação ou ainda violência entre pares é investigado no Brasil a partir do final da década
de 90, focando em comportamentos agressivos de crianças de escolas públicas no Rio Grande
do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Em 2005 datam os primeiros programas com o objetivo de
diminuir a incidência da prática da violência entre alunos (LOPES NETO, 2005).
O projeto do curso Educação em Direitos Humanos da UFABC nos possibilitou, de forma
privilegiada, a discussão sobre bullying e saúde, relacionando esses temas aos Direitos
Humanos e Respeito à diferença. Nos 18 projetos desenvolvidos no curso que focaram o tema
Bullying e saúde, foram sugeridas diferentes formas de intervenção junto às escolas. Os
cursistas Andreia Cristina Da Silva Oliveira, Deborah Figueiredo Izeppi, Degmar Antonio
Buzatto Lozer, Eugênio Mendes Dos Santos, Fábio Ferreira Ramos, Fernanda Da Silva Santos,
Ivone Lima Lacerda Dos Santos, Lizandra Simionato, Maria Aparecida Rodrigues Dos Santos,
Maria Cristina Cuccurullo, Maria De Lourdes Ribeiro Vilanova, Maria Rozeneyre Muniz,
Mônica Escudeiro Da Silva, Ronaldo De Andrade Zocher, Sara Aparecida Garcia Lopes, Sara
Cristina Nogueira e Silvia Ferreira Dos Santos escolheram o tema para problematizá-lo junto a
seus alunos, coordenação, pais e comunidade em geral. A riqueza da abordagem desses temas
nos projetos apresentados no curso de Educação em Direitos Humanos justifica a necessidade
de mais estudos sobre a relação entre educação e violência psicológica nas relações
interpessoais, além de estudos que evidenciam os impactos dessa violência para a saúde pública
dos envolvidos.
Metodologicamente falando, os projetos apresentados no curso Educação e Direitos Humanos
utilizam métodos qualitativos de intervenção, o que inclui diferentes abordagens formadoras
com o intuído de modificar a realidade violenta escolar. São métodos e instrumentos utilizados:
aulas abertas em grupos, rodas de conversa, semanas de discussão, dentre outras. Paralelamente
à intervenção, em si, alguns cursistas realizaram pesquisas qualitativas e quantitativas com o
intuito de cartografar o conhecimento da comunidade escolar acerca do tema violência e
bullying. Para tanto, foram utilizados instrumentos como questionários e entrevistas, abordando
agressores, vítimas, professores e os resultados foram apresentados à comunidade escolar do
projeto participante. Essas diferentes metodologias utilizadas na pesquisa e na intervenção
frente ao problema do bullying mostram a importância da ação qualificada do docente,
juntamente com a gestão escolar e de alunos, pais e comunidade em geral.
No que se tange aos referenciais teóricos utilizados para subsidiar as intervenções nas escolas,
podemos citar a Sociologia da Violência, a perspectiva pedagógica através da formação e
conscientização educacional, a abordagem antropológica, que contextualiza o fenômeno da
violência na cultura, tradição, e influências étnicas que engendram um contexto propício ao
bullying, abordagens psicológicas e de saúde pública em geral, além de uma abordagem
jurídica, que tangencia alguns projetos na medida em que mostra as consequências do bullying
e classifica os atores em “agressores”, “vítimas” e “testemunhas”. Faz-se salientar também, que
há tendências explicativas do bullying como um fenômeno que produz doenças psicológicas, e
que, portanto, seria necessária uma intervenção no sentido de garantir a sanidade das vítimas e
algozes nesse processo. Ao mesmo tempo, podemos afirmar que o grande interesse do senso
comum em relação ao tema também se espalha nos diferentes espaços, incentivando indústria
médica (psicológica e psiquiátrica), farmacológica e jurídica, com fins utilitaristas de adaptação
dos indivíduos ao modo de funcionar socialmente instituído.
Faz-se aqui, necessária uma breve discussão sobre os dois processos acima citados, que tratam-
se de desdobramentos do fenômeno do bullying. A medicalização trata-se de uma abordagem
médica e farmacológica, baseada em parâmetros biologicistas em relação a fenômenos que são
multideterminados por aspectos sociais, políticos, culturais, dentre outros. Sabemos que os
impactos da violência psicológica sobre os alunos têm piores efeitos em crianças cujas famílias
e comunidade estão alijados dos direitos básicos sociais como saneamento básico, acesso aos
equipamentos de saúde, desemprego, moradia em áreas de risco, dentre outros.
Por esse motivo, é ingênuo acreditar que a erradicação do bullying se dará através de
intervenções às consequências psicológicas ou psiquiátricas que a violência pode causar no
aluno e em seus familiares restringe uma atuação mais preventiva em relação à promoção de
uma cultura da paz.
O bullying, como iremos discutir mais adiante, não é a causa dos sofrimentos sociais, mas sim,
consequência de um modo produtivo social, individualista, competitivo e meritocrático, que
tem seus tentáculos extensivos à instituição escola, e que tem por objetivo o enquadramento
para posterior controle dos sujeitos e funcionamento normal da sociedade. Para tanto, a postura
policialesca de controle, perseguição e atitudes preconceituosas podem ter como foco, a partir
de punições exemplares, abrir um debate moralizante ou religioso em relação ao tratamento de
questões que deveriam ser analisadas como processos multideterminados.
No que se refere às terminologias: “vítimas, agressores e testemunhas” do bullying, é
importante destacarmos o terceiro processo em que se desdobra o bullying: a judicialização do
tema, que culpabiliza individualmente os praticantes de bullying, através de enquadramento nas
leis existentes, e ao mesmo tempo, tenta recuperar a autoestima, e os transtornos psicológicos
causados à vítima com somas em dinheiro (reparação de danos morais). Essa se trata de mais
uma prática utilitarista, que num primeiro momento, parece compensar o “dano moral” causado
pela prática do bullying, porém, deixa de lado uma discussão mais profunda sobre a produção
social de indivíduos cada vez mais intolerantes com as diferenças e com o não enquadramento
de determinados grupos minoritários, fazendo-os “pagar” pela sua opção através do enquadre
judicial.
Nesse aspecto, a lei 13185, de 06/11/2015 é muito importante pois ela trata da prevenção e
promoção de relações sociais mais tolerantes e amigáveis, cabendo à escola não medicalizar
nem judicializar o bullying, mas atuar na construção de relações mais humanizadas de
tolerância para com o diferente, numa intervenção preventiva. Formar indivíduos para a cultura
da paz, num futuro, que a sociedade se perca em práticas mais utilitaristas que não oferecem
saídas mais efetivas em relação à violência escolar.
Entendemos que a violência psicológica, categoria em que se inclui o bullying trata-se de uma
questão de saúde pública: a violência tem um efeito negativo independente de outras situações
adversas e costuma ocorrer associada a outras situações difíceis, como problemas financeiros,
alcoolismo e doenças vivenciadas pela família. Também algumas violências que ocorrem na
família ou na comunidade, embora não atinjam diretamente a criança e o adolescente, mas das
quais eles são testemunhas, podem afetar seu desenvolvimento. Conviver em meio a conflitos
é tão danoso para a criança ou o adolescente quanto as situações em que ele próprio é o alvo
(ASSIS, 2010).
Os trabalhos versam, primeiramente, sobre o esclarecimento do conceito e formas de bullying
naturalizadas nos meios de comunicação, no dia a dia, em casa e na escola. Assim como a
extensa bibliografia disponível sobre o bullying, os projetos abordaram em larga escala, além
do conceito para identificação do fenômeno, formas de se prevenir e as consequências sociais,
psicológicas e micropolíticas da prática de bullying no espaço escolar. A educação vem sendo
entendida como uma das mediações fundamentais tanto para o acesso ao legado histórico dos
Direitos Humanos, quanto para a compreensão de que a cultura dos direitos é um dos alicerces
para a mudança social (CNE, 2012).
O parecer do CNE de 2012 ainda informa que, em meio a tantas contradições (de ordem social,
política, étnica, de gênero, de deficiências) que também se fazem presentes na escola, cabe aos
sistemas de ensino, personificados na figura de gestores, professores e demais profissionais da
educação, envidar esforços para reverter o cenário construído historicamente. Para tanto, tais
contradições precisam ser reconhecidas para o estabelecimento de compromisso da sociedade
e agentes públicos no sentido de instituir práticas que promovam efetivamente os Direitos
Humanos. Assumindo a formação de sujeitos de direitos e de responsabilidades, a escola pode
colaborar na construção e na consolidação da democracia em práticas cotidianas escolares,
focando grupos tradicionalmente excluídos de seus direitos.
O curso de Educação e Direitos Humanos contribuiu para problematizar e promover a
construção de concepções e práticas dos Direitos Humanos e “seus processos de promoção,
proteção, defesa e aplicação na vida cotidiana” (CNE, 2012). Ao mesmo tempo, traz à cena a
necessidade do protagonismo da comunidade escolar na participação da vida democrática,
problematizando os direitos e responsabilidades da sociedade, através de uma educação integral
para a construção de uma nova ética inclusiva e mais tolerante com as diferenças.
Breve revisão de literatura sobre o tema
Os estudos sobre bullying, no Brasil, foram antecedidos por pesquisas sobre violência no
ambiente escolar da década de 80. Eleito à condição de problema nacional, a violência escolar
conta com estudos realizados por organismos públicos da educação, focando, inclusive, a
violência dos estabelecimentos escolares, considerados autoritários e estimuladores de um
clima de agressão. Já na década de 90, as ONG´s , sindicatos docentes e órgãos públicos
realizaram pesquisas de natureza descritiva e com intenção de diagnosticar a violência. Boa
parte desses estudos foram de natureza quantitativa, como os realizados pela UNESCO e pela
Fundação Perseu Abramo (SPOSITO, 2001).
Ainda na década de 90, pesquisas em institutos de pós graduação abordam a temática segundo
uma relação entre a violência dos bairros periféricos e favelas e a vida escolar, o que culminou
em conclusões de que as incivilidades se espraiam para além das regiões e estabelecimentos
situados em regiões precárias, podendo atingir também escolas de elite. Os estudos também se
referiam à violência fora dos muros escolares.
O bullying surge, então, numa mudança no caráter das práticas de violências estudadas, em que
agora, se priorizam aspectos introspectivos, e não mais depredações ou invasões de prédios
(ANTUNES, 2010). Passa-se a priorizar estudos sobre agressões verbais, físicas e ameaças,
despertando interesse não apenas em pesquisadores de universidades, mas também nas escolas,
mídia e sociedade em geral. O interesse pelo tema se insere num paradigma de recrudescimento
dos direitos sociais e humanitários, mas também na assunção de uma sociedade que valora
intensamente o indivíduo e sua privacidade.
Posto isso, vale explicitar o conceito de bullying. Seu uso vem da Europa, na década de 70. Mas
também foi estudado na Grécia, Japão, Noruega, sempre fazendo referência a alguma
característica ou comportamento incluso no conceito atual. Apesar de várias definições, a mais
comum e reconhecida é a de Lopes Neto, que a define como “atitudes agressivas, intencionais
e repetitivas (...) adotadas por um ou mais estudantes contra outro, causando dor e angústia,
sendo executadas dentro de uma relação desigual de poder”. (LOPES NETO, 2005, P. 165).
Vale ressaltar que esse conceito é bem delimitado, e por isso, exclui diversas formas de
violência psicológica que não se adequam a esses critérios. Diversas são as suas manifestações:
agressões físicas, psicológicas, verbais, intelectuais, psicológicos, sexuais, materiais, morais,
em que todas elas manifestam intolerância com aquele que não se adéqua às regras, agindo
quase sempre de forma autoritária.
Há fatores causais para esse fenômeno, o que inclui desde características individuais, como
agressividade inata ou aprendizagem de comportamentos agressivos até a sociedade desigual,
programas de televisão, família ou escola. Estudos também investigam as consequências do
bullying, apontando efeitos emocionais e sociais, no curto e longo prazos, como ansiedade e
depressão, baixa auto estima, queixas físicas e psicossomáticas, suicídio e efeitos na vida adulta,
no caso das vítimas; e no caso dos agressores, dificuldades acadêmicas, sociais, emocionais e
legais, instabilidade no trabalho e reacionamentos afetivos pouco duradouros (LOPES NETO,
2005).
Estudos internacionais têm demonstrado que os grupos-alvo de bullying são aqueles vistos
como diferentes da norma e estão divididos em grupos específicos dentro da sociedade.
Geralmente são minorias que se tornam incapazes de se defender por si mesmas, o que se soma
à agressividade dos agressores (ANTUNES, 2010). O perfil das vítimas inclui aspectos de
personalidade como timidez, baixa autoestima, insegurança, ansiedade, aspectos depressivos,
submissão, medo e dificuldade de impor-se frente aos outros.
Como se posicionar para além da razão instrumental?
O individualismo, a competitividade, a meritocracia são valores da cultura dos tempos
modernos, terreno onde se engendra práticas agressivas como o bullying. Nesse cenário, o ter
é muito mais valorizado que o ser, demonstrando uma quebra de valores, antes, considerados
fundamentais para a formação do caráter e da subjetividade. A vida de tempos velozes, com
grandes mudanças em todas as esferas sociais faz com que os valores sejam relativizados e
diluídos, principalmente, quando a convivência entre jovens e suas famílias se tornam mais
raras e deixam de ser a principal referência ao indivíduo em formação.
Para além da conceituação do termo, precisamos compreender esse contexto mais amplo em
que o fenômeno bullying se insere. Assim o faz os projetos desenvolvidos pelos cursistas do
Aperfeiçoamento em Educação em Direitos Humanos, que nos fazem refletir em que medida
esse novo conceito possibilita que, de fato, compreendamos o cerne da violência, intervindo
para além de uma visão ideológica de mais um objeto de estudo que segue uma razão
instrumental. Ao naturalizar o fenômeno como sendo uma adaptação dos indivíduos a uma
ordem desigual, se deixa de lado os fundamentos epistemológicos em que tal conceito está
edificado. A barbárie não é resolvida apenas ao ser classificada (o que ocorre, por exemplo,
quando teorias se propõem a classificar os tipos de bullying, de agressores, ou os sintomas de
transtornos psicológicos causados pela sua incidência). Devemos reconhecer, sim, a sua
incidência, porém, ao nos limitarmos a ela, corremos o risco de recair num raciocínio circular,
fixando-nos apenas na exposição dos acontecimentos, fornecendo contornos autoexplicativos
do conceito, de modo que a mediação histórico cultural se esfacela ratificando um discurso
autossuficiente.
Para ir além da visão instrumental do conceito, precisamos pensar , problematizar, questionar
e tratar esse fenômeno não como natural, e nem como uma variável neutra e despretensiosa que
a ciência vai estudar. A razão instrumental, portanto, objetiva apenas o esclarecimento, a busca
por informações sobre o tema, seprando-se fins e meios da ciência.
Adorno (apud ANTUNES, 2010) propõem que para um pensamento não se submeter à
ideologia e à sociedade da aparência, deve se preocupar, antes de tudo, a não reduzir o fenômeno
em termos operacionais e instrumentais. Propõe que o objeto deva ser estudado recusando-se
toda e qualquer reificação do pensamento. É necessário ir além da aparente emergência em se
tratar alguns temas, por exemplo, relacionando espontaneamente com o objeto do
conhecimento.
Antunes (2010) inspirada em Adorno, relaciona o fenômeno do bullying a um preconceito já
estudado durante a década de 40 pelos pesquisadores da Escola de Frankfurt em decorrência do
nazismo. Estudos sobre preconceito e bullying sobre obesos, homossexuais, pessoas com
necessidades especiais mostram a vitimização de crianças e adolescentes porque eles desviam
dos ideais impostos. No caso da obesidade, o obeso difere dos padrões de beleza propagados
pelos produtos da indústria cultura, cujos artistas remetem seu sucesso e performance à
aparência física. Da mesma forma, estudos com bullying contra portadores de necessidades
especiais mostram haver ligação com um ideal de perfeição (saúde) do ser humano. E no caso
dos homossexuais, os estudos sobre bullying apontam para um argumento irracional que é
direcionado ao diferente da norma, que pode escolhe em ser ou não normal, em estar contra ou
a favor do percurso e das restrições de determinada cultura. Maltratar o mais fraco, parece se
relacionar como desejo de libertar-se da opressão social, voltando-se a essas minorias, a fim d
efazer que estes também sintam essa pressão. A partir de uma visão psicanalista, Kehl (2004)
coloca que através do bullying, inconscientemente, há uma expectativa de se curar do mal estar,
mas as atitudes não desfazem tal sensação, e é por isso que tenderiam à repetição.
Outros estudos ainda se aprofundaram na personalidade autoritária em situações de preconceito,
que mostram uma mentalidade fascista, presente de forma velada em nossas sociedades
modernas democráticas. No entanto, não entraremos nessa discussão.
Problematizar o bullying, para Aquino (1998) é não negar a importância da macroestrutura, que
afeta todas as instituições sociais existentes, mas enfatizar que as instituições possuem
características próprias cuja dinâmica tem também papel fundamental na produção de
violências. Afirma que não é possível admitir que o cotidiano das diferentes instituições opere,
por completo, à revelia dos desígnios de seus atores constitutivos, nem que sua ação se dá, de
fato, a reboque de determinações macroestruturais abstratas. (Aquino, 1998) Para além de
visões psicologizantes ou socializantes sobre o fenômeno, devemos analisar institucionalmente
como a escola produz um contexto propício para a emergência do bullying. Esse contexto se
refere a aspectos culturais, como o adultismo, o individualismo, o patriarcalismo, o racismo, a
homofobia, o sexismo, ou a intolerância com as diferenças, se fazem presentes no cotidiano
escolar, especialmente por meio de: ‘Regras’; competição; reificação do aluno (priorização do
aspecto quantitativo), além de avaliações realizadas de formas tradicionais, que determinariam
o potencial futuro do aluno. Analisar tais práticas propicia à escola uma autoavaliação e
possibilidade de, através do diálogo, construir outras formas de relacionamento com a
comunidade escolar como um todo (ASSIS, 2010).
Candau (2016) ressalta a importância da educação para ponderar necessidades e direitos de uma
gama de estudantes em situações de desvantagem e risco social, o que desemboca em inúmeras
dificuldades. Nesse sentido, educar para o “Nunca mais” exige manter viva a memória dos
horrores da dominação, colonização, autoritarismos, e reler a história mobilizando energias em
prol da coragem, justiça e compromisso com o nunca mais. Nesse sentido, a autora propõe
quatro movimentos que devemos desenvolver na educação. Primeiramente, saber e conhecer os
direitos: o conhecimento das leis e dos movimentos de conquistas e lutas é importante para se
impedir que catástrofes ou outras situações já ocorridas na história se repitam; em segundo
lugar, propõe o desenvolvimento da autoestima positiva, que se refere à formação ajudar o aluno
a assumir-se plenamente, como indivíduo e como coletivo. A capacidade argumentativa
possibilitaria a cada um se reafirmar como um ser pensante, que usa a palavra e sua capacidade
de argumentação para ter condições de defender com consistência seus direitos e os de outros
grupo, sem uso da força física, mas sim da persuasão. Por fim, a autora propor a cidadania ativa
e participativa, que se opõe à cidadania formal e passiva. Enquanto a primeira garantiria uma
participação protagonista, a segunda significa apenas posse de direitos legais pelos indivíduos
privados, o que nem sempre garante que os direitos se efetivem.
Considerações finais... para não concluir...
Reconhecendo a educação como um dos Direitos Humanos, a Educação em Direitos Humanos
passa a ser parte fundamental do conjunto desses direitos, inclusive do próprio acesso à
educação e promoção de saúde, no caso específico do bullying. Como proposto em alguns
projetos do curso que serão apresentados, a formação cidadã e crítica, deve ir além do senso
comum sobre os estereótipos e padrões sociais; deve analisar a visão tradicional do bullying,
que geralmente culpabiliza sujeitos, dá conselhos morais, religiosos e judicializa a questão. Essa
formação deve atuar preferencialmente em grupos, construindo coletivamente modos de lidar
com o bullying, sem preconceitos e questionando as tendências destrutivas que fundamentam
o comportamento de intolerância com o diferente. Esses questionamentos podem analisar não
apenas a situação específica de bullying, mas deve ser capaz de autoanalisar as relações
institucionais existentes na escola, envolvendo a própria dinâmica educacional, também
suscetível a práticas preconceituosas ou intolerantes. A participação do coletivo escolar, que
inclui a gestão escolar, docentes, alunos e toda a comunidade do entorno é de fundamental
importância, por seu caráter multiplicador e promotor de novas relações sociais baseadas na
cultura da paz.
Entendendo que a educação formadora e libertadora deve ser um direito a ser exercido por todos
os cidadãos, igualmente, a prática do bullying vai de encontro com esse direito humano de
acesso à educação. Da mesma forma, pelas consequências ocasionadas pelo bullying, podemos
considerar esse fenômeno como um problema de saúde pública.
Promover o protagonismo de toda a comunidade e o cuidado ao lidar com os grupos
minoritários é uma forma interessante, proposta nos trabalhos que serão apresentados a seguir
e que vão além das informações que as pessoas normalmente acessam através do senso comum,
da mídia e de discursos totalitários.
Referências
ANTUNES, D. Bullying: razão instrumental e preconceito. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.
AQUINO, J. G. A violência escolar e a crise da autoridade docente. Cadernos Cedes, 19(47):
7-19, 1998.
ASSIS, S.G.(org.) Impactos da violência na escola: um diálogo com professores. Rio de
Janeiro: Ministério da Educação / Editora FIOCRUZ, 2010.
BRASIL, MEC. PARECER CNE/CP Nº: 8/2012. Brasília: MEC, 2012.
CANDAU, V . et al. Educação em Direitos Humanos e formação de professores(as). São Paulo: Cortez,
2016.
KEHL. Ressentimento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
LOPES NETO, A.A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de pediatria,
v. 81, n. 5, Supl., p. s164-s172, 2005.
MONTEIRO, A. & PIMENTA, S.G. Educação em direitos humanos e formação de professores.
São Paulo: Cortez, 2014.
SPOSITO, M.P. Um breve balanço da pesquisa sobre violência escolar no Brasil. Educação e
Pesquisa. São Paulo, v.27, n.1, p. 87-103, jan-jun. 2001.