violÊncia escolas - o bÊ-a-bÁ intolerÂncia e discriminaÇÃo [sd]

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    Ofenmeno da violncia no cenrio escolar mais antigo do que se pensa. Provadisso o fato de ele ser tema de estudo nos Estados Unidos desde a dcadade 1950. Porm, com o passar do tempo, ele foi ganhando traos mais gravese transformando-se em um problema social realmente preocupante. Hoje, relaciona-secom a disseminao do uso de drogas, o movimento de formao de gangues even-tualmente ligadas ao narcotrfico e com a facilidade de portar armas, inclusive as defogo. Tudo isso tendo como pano de fundo o fato de que as escolas perderam o vn-culo com a comunidade e acabaram incorporadas violncia cotidiana do espao ur-bano. Enfim, deixaram de ser o porto seguro para os jovens estudantes.

    O b--b daintolerncia e dadiscriminao

    VIOLNCIA NAS ESCOLAS

    Aluno de 15 anos retrata o professor como uma figura mitolgica que causa medo. O desenho faz parteda tese de doutorado da pedagoga Sonia Koehler (veja texto na pgina 37)

    A escola, por excelncia o local dedicado educaoe socializao da criana e do adolescente, transformou-se em cenrio de agresso, autoritarismo e desrespeito mtuo.So lies que jamais poderiam estar nessa cartilha

    Por Miriam Abramovay, professora da Universidade Catlica de Braslia e coordenadora do Observatrio de Violncias nas Escolas-Brasil, Marta Avancini, pesquisadora da UNESCO, e Helena Oliveira, oficial de projetos do UNICEF

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    VIOLNCIA NAS ESCOLAS

    Sinal dos tempos, at o foco dos estudos atuais difere do dos antigos. Antes, essetipo de violncia era tratado como simples questo disciplinar. Depois, passou a seranalisada como delinqncia juvenil. Hoje, percebida de maneira bem mais ampla,sob perspectivas que expressam fenmenos como a globalizao e a excluso social.Diante disso, as anlises precisam ser mais profundas e no se restringir s transgres-ses praticadas por estudantes ou violncias nas relaes entre eles.

    Vrias pesquisas no Brasil tm buscado o mapeamento desse fenmeno, assim comoas causas e os efeitos sobre os alunos, os professores e o corpo administrativo e tcni-co das instituies de ensino. Embora sejam estudos ainda incipientes, por focarem, emsua maioria, situaes regionais ou localizadas, os resultados obtidos apontam os prin-cipais tipos de violncia.

    Os primeiros estudos brasileiros datam da dcada de 1970, quando pedagogos e pes-quisadores procuravam explicaes para o crescimento das taxas de violncia e crime.Na dcada de 1980, enfatizavam-se aes contra o patrimnio, como as depredaes eas pichaes. J na maior parte da dcada de 1990, o foco passa a ser as agresses in-terpessoais, principalmente entre alunos.

    Nos ltimos anos do sculo XX e nos primeiros do sculo XXI a preocupaocom a violncia nas escolas aumentou e tornou-se questionvel a idia de que asorigens do fenmeno no esto apenas do lado de fora da instituio ainda quese d nfase, em especial, ao problema do narcotrfico, excluso social e s aesde gangues.

    A maioria dos estudos de larga escala, realizados ao longo dos ltimos anos pelosprincipais organismos internacionais, procurou explorar os contextos violentos queemergiam no ambiente escolar, a percepo de atores internos e externos, regiona-lidades e o tamanho dos municpios. Um aspecto inovador o foco nas representa-

    O que caracterizado como violncia escolar variaem funo do estabelecimento, de quem fala (pro-fessores, diretores, alunos etc.), da idade e prova-velmente do sexo. No existe consenso em tornodo seu significado.

    Professor de Cincias da Educao, o especia-lista Bernard Charlot amplia o conceito, classifican-do-o em trs nveis: violncia (que inclui golpes,ferimentos, roubos, crimes e vandalismos, e se-xual), incivilidades (humilhaes, palavras gros-seiras e falta de respeito) e violncia simblica ouinstitucional compreendida, entre outras coisas,como desprazer no ensino, por parte dos alunos,

    e negao da identidade e da satisfao profissio-nal, por parte dos professores.

    Os termos para indicar a violncia tambm variamde um pas para outro. Nos Estados Unidos, diversaspesquisas usam delinqncia juvenil. Na Inglaterra,alguns autores defendem que o termo violncia na es-cola s seja empregado no caso de conflito entre es-tudantes e professores ou em relao a atividades quecausem suspenso, atos disciplinares e priso.

    Apesar das diferenas entre os pases, h umconsenso quanto ao fato de que no apenas a vio-lncia fsica merece ateno. Outros tipos de vio-lncia podem ser traumticos e graves.

    O que violncia escolar

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    es das crianas e dos adolescentes que estudam nas escolas analisadas. Os concei-tos de violncia verbal, simblica, racial e psicolgica foram exaustivamente analisa-dos, sempre no contexto da escola.

    Foras de dentro e de foraPara entender o fenmeno da violncia nas escolas, preciso levar em conta fatoresexternos e internos instituio de ensino. No aspecto externo, influem as questesde gnero, as relaes raciais, os meios de comunicao e o espao social no qual aescola est inserida. Entre os fatores internos, deve-se levar em considerao a idadee a srie ou o nvel de escolaridade dos estudantes, as regras e a disciplina dos pro-jetos pedaggicos das escolas, assim como o impacto do sistema de punies e ocomportamento dos professores em relao aos alunos (e vice-versa) e a prtica edu-cacional em geral.

    Segundo alguns autores, como o educador Eric Debarbieux, um dos fundado-res do Observatrio Europeu de Violncia Escolar, na Universidade de Bordeaux,a escola est mais vulnervel a fatores e problemas externos, como o desempre-

    go e a precariedade da vida das famlias nos bairros pobres. No livro La Violen-ce lcole: Approaches Europenes ele menciona ainda o impacto da massifica-o do acesso escola, que passa a receber jovens afetados por experincias deexcluso e de participao em gangues. Esses fatores externos de vulnerabilida-de se somam queles decorrentes do aumento das condutas inadequadas ou nousuais na escola.

    Embora os fatores externos tenham impacto e influncia sobre a violncia escolar, preciso reconhecer que dentro da prpria escola existem possibilidades de lidar com asdiferentes modalidades de violncia e de construir culturas alternativas pela paz, adotan-do estratgias e capital prprios. O Fundo das Naes Unidas para a Infncia e Adoles-cncia (UNICEF), por exemplo, entende que a questo da violncia nas escolas deve sertratada sob a perspectiva da garantia de direitos e da qualidade da educao. Isso signi-fica que as escolas, assim como os servios de sade, a assistncia social, os ConselhosTutelares e outros mecanismos e instituies, so vistas como agentes protetores dascrianas e dos adolescentes. Ou seja, tm um papel estratgico na defesa dos direitosdessa faixa etria.

    O contexto nacionalO debate sobre os fatores externos e internos, associados violncia no ambienteescolar, bastante controvertido e delicado, pois a tendncia enfatizar os primei-ros, o que amenizaria a responsabilidade do sistema escolar, tanto diante do pr-prio fenmeno quanto do seu enfrentamento. O ideal, porm, no isolar um nicofator como possvel causa ou antecedente. Prefere-se, em lugar disso, identificarconjuntos ou ambientes favorveis violncia. Por isso, alm de enfoques multidi-mensionais, vrios autores defendem a importncia da abordagem transdisciplinar,com a contribuio da sociologia, da cincia poltica, da psicologia, das cinciasda educao e da justia criminal.

    Entre as pesquisas brasileiras, a Pesquisa Nacional Sobre Violncia, Aids e Drogas nas

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    Escolas, que resultou no livro Violncia nas Escolas, 1 publicado em 2002 pela Organiza-o das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO), um dos es-tudos mais abrangentes. A anlise recorreu a enfoques multidimensionais, nos quais seaponta um conjunto de fatores como provvel causa da violncia, sejam eles internos ouexternos. Ela adotou uma concepo ampla de violncia, incorporando no s a idia desevcia, de utilizao da fora ou intimidao, mas tambm as dimenses socioculturais esimblicas do fenmeno. Segundo essa idia, a violncia escolar sempre resulta da inter-seo de trs conjuntos de variveis independentes: o institucional (escola e famlia), osocial (sexo, cor, emprego, origem socioespacial, religio, escolaridade dos pais, status so-cioeconmico) e o comportamental (informao, sociabilidade, atitudes e opinies).

    Os alunos e membros do corpo tcnico-pedaggico que participaram da pesquisada UNESCO afirmam que nas cercanias da escola que mais ocorrem situaes violen-tas. Eles tambm apontam a vizinhana como um dos cinco principais problemas da es-cola. Apesar disso, um quinto dos alunos e um quarto do corpo pedaggico asseguramque as dependncias da instituio so ainda mais violentas do que o seu entorno, oque descaracteriza o ambiente escolar como espao confivel e protegido.

    Entre os problemas apontados no entorno, alguns ganham destaque. o caso daprecariedade da sinalizao e da insegurana no trnsito. A falta de equipamentos fun-damentais nas vias de trnsito de acesso explica o significativo nmero de atropelamen-tos dos membros da comunidade escolar. Em muitas ruas, onde esto situadas as esco-las, no h semforo, passarela, faixa de travessia para pedestres nem guarda contro-lando o trnsito. Alm disso, em alguns bairros, a segurana fica comprometida no pe-rodo noturno devido iluminao deficiente.

    O acesso a bebidas alcolicas reconhecidamente um motivador da violncia. Em63% das escolas observadas verificou-se que os alunos freqentam bares ou botequinsprximos escola, algumas vezes desviando do seu trajeto e faltando s aulas. Essesestabelecimentos so freqentados por grupos ou turmas que, quando consomem be-bidas alcolicas, podem se envolver em prticas violentas.

    A falta de segurana tambm apontada, apesar de no existir consenso em rela-o convenincia da vigilncia policial. Muitos acreditam que seria ainda pior. im-portante atentar para o fato de que as opinies variam conforme a imagem que se temdos policiais. Os inspetores escolares, por exemplo, defendem a idia. J os alunos, queno confiam na polcia, afirmam que a escola deve resolver sozinha seus problemas. Arelao entre alunos e policiais delicada, principalmente porque alguns estudantes dizemtemer a polcia. J alguns policiais reclamam da falta de respeito por parte dos alunos.

    Tanto os estudantes quanto o corpo tcnico-pedaggico concordam ao apontar como

    1 O estudo, coordenado por Miriam Abramovay e Maria das Graas Rua, foi realizado em 13 capitais (Goi-nia, Cuiab, Manaus, Belm, Fortaleza, Recife, Macei, Salvador, Vitria, Rio de Janeiro, So Paulo, Floria-npolis e Porto Alegre) mais o Distrito Federal. Ao todo, 33.655 alunos de escolas pblicas e privadas, dosturnos diurno e noturno, responderam aos questionrios. Como a amostra expandida, os dados corres-pondem a 4.663.301 alunos das localidades pesquisadas. Tambm responderam aos questionrios 3.099professores e 10.225 pais. Alm da pesquisa quantitativa, foi realizada uma qualitativa, que consistiu na rea-lizao de entrevistas, grupos focais e observao de campo com todos os atores sociais envolvidos.

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    um dos maiores problemas, em muitas escolas, a formao de gangues ou o trfico de dro-gas no espao escolar ou no seu entorno, levando a um total clima de insegurana. Isso fra-giliza a autoridade dos responsveis pela ordem na escola a tal ponto que ficam imveis, comreceio de sofrer represlias. Em vrios depoimentos dessa pesquisa, ressalta-se a presena dotrfico. Em muitos casos, os traficantes utilizam vendedores ambulantes e at alunos para a

    venda e distribuio de drogas. So os chamados avies. As gangues, por sua vez, interfe-rem na vida da escola de vrias formas: ameaas a alunos, demarcao de territrios onde unspodem entrar e outros no, atos de vingana, clima de tenso e outras barbaridades.

    A pesquisa da UNESCO revelou aspectos curiosos em relao ao ambiente escolar.O primeiro est relacionado estrutura fsica do estabelecimento, em geral separado doentorno por muros, cercas e grades. Significativa parcela dos alunos critica a qualidadedo ambiente fsico, principalmente as salas de aula, os corredores e ptios, embora ainda

    assim afirmem gostar da escola em que estudam. Os locais que os alunos preferem soa cantina ou a lanchonete, a biblioteca, e, quando h, o centro de informtica, o gin-sio de esportes, o laboratrio e o pavilho de artes.

    As relaes sociais na escola A observao local direta efetuada pelos pesquisadores mostrou que aproximadamen-te um tero dos alunos exibe comportamento indisciplinado. Quando se trata de gaze-tear ou matar aulas, os percentuais so bastante significativos. Em geral, as escolas im-pem regras a quem vive no seu cotidiano, sobretudo aos alunos. Dentre elas, provo-cam reaes mais imediatas as relacionadas observncia do horrio das aulas, ao usodo uniforme, identificao e s prticas permitidas ou proibidas no espao escolar. Namaioria das escolas h regras referentes a todos esses aspectos, mas no ocorre o con-senso da prpria comunidade escolar em relao a elas.

    Um bom exemplo a proibio de fumar, regra comum especialmente no perododiurno. O aluno no pode fumar, mas o diretor, o professor e demais funcionrios estoliberados. Parece muito injusto. Os alunos se queixam de que os prprios adultos quebramas regras. Apesar de algumas escolas serem mais flexveis e aceitarem o dilogo, h diver-sos exemplos de abuso de poder por parte da instituio, que impe regras sem margensde defesa ou possibilidades de contra-argumentao por parte dos jovens. Em sntese, asregras so indispensveis ordem escolar, mas chamam a ateno para o tipo de coero

    Apesar de algumas escolas serem maisflexveis e aceitarem o dilogo, h diversosexemplos de abuso de poder por parte dainstituio

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    a que so submetidos para alcanar tal fim. Segundo Debarbieux, novamente, dos proble-mas que se colocam hoje, entre os docentes e o corpo escolar em geral, emergem, priori-tariamente, as formas de contestao da prpria ordem escolar, que se manifestam comoincivilidades, como uma violncia mais evidenciada ou como comportamento de rejeio.

    Os comportamentos negativos so combatidos com punies especficas. Como, namaioria das vezes, elas so estipuladas de forma arbitrria, a escola pode ser um lugarprivilegiado do exerccio da violncia simblica, praticada pelo uso de sinais de poderque falam por si ss, sem a necessidade da fora fsica, nem de armas, nem do grito. Somedidas que silenciam protestos, exercidas no s de um estudante para outro, mas aindana relao professor ou diretor e aluno. Nas transgresses mais graves, como pichaese vandalismo, por exemplo, o jovem tanto pode ser transferido quanto expulso ou leva-do delegacia acompanhado pelos pais. As medidas mais drsticas so defendidas, porexemplo, pelos inspetores. Os alunos, porm, tecem duras crticas s punies.

    A primeira delas refere-se ao tratamento diferenciado que dispensado a alguns, j queos tais queridinhos da diretoria nunca so punidos severamente. A segunda crtica refe-re-se ao exagero das ameaas de punio, comportamento que leva ao descrdito. Ocor-

    re, ainda, que essa atitude tem sido to banalizada que deixa de ser tida como sano.H escolas que adotam castigos alternativos, que podem ser to ou mais severos queos habitualmente utilizados, pois costumam levar a situaes de humilhao e constran-gimento. Vrios alunos reclamam da falta de critrios e de abusos de poder por parte daescola na imposio de punies, como podemos ver no relato de um aluno de um grupoestudado em uma escola pblica de Macei: (...) Foi um fato que eu achei um tanto er-rado [sobre] as regras daqui do colgio. Um rapaz e uma moa que estavam se beijandoaqui (...). No caso s se adverte. [Mas] tomaram uma suspenso de uma semana. Ao con-trrio de uns que usam drogas, lana-perfume, e tomaram uma punio de dois dias.

    Existem, ainda, os casos de no-aplicao das punies previstas nas normas esco-lares. Segundo membros do corpo discente, isso pode ocorrer por diversas razes, comoa inoperncia e a omisso da direo da escola. Mas, geralmente, a presso dos paisque est por trs da impunidade.

    O que mais desagrada na escola muito importante diagnosticar o que leva os alunos e membros do corpo tcnico-pe-daggico a apreciar ou no a escola onde estudam ou trabalham. Aproximadamente80% dos alunos responderam que gostam da instituio. Ainda assim, apontam vriosaspectos que os desagradam. O espao fsico o item mais citado. Nas capitais pesqui-sadas, uma mdia de quatro a cada dez alunos critica a sala de aula, os corredores, optio. Um segundo item que desagrada aos estudantes a secretaria e a diretoria. Elestambm dizem no gostar da maioria dos alunos, das aulas e de grande parte dos pro-fessores (veja quadro O que a Escola Tem de Pior ).

    O fato de os alunos dizerem que no gostam da maioria dos seus colegas leva a umquestionamento da idia de que a escola um espao de convvio social prazeroso entrejovens. Isso generaliza uma situao de desconforto e desconfiana e fragiliza os laosafetivos entre os membros da classe. Quanto s relaes com os colegas, os alunos ale-gam desunio e falta de solidariedade, observando que comum a falta de coleguismo

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    e dilogo. Formam-se grupos fechados, as panelinhas, que impedem a aproximao deoutros colegas. Essa ausncia de empatia e solidariedade entre os estudantes acaba seestendendo a outras relaes, como a que liga professores e alunos.

    Finalmente, fica claro que as relaes entre os alunos influenciam a permanncia naescola, porque ali eles desfrutam de convivncia social e se ligam afetivamente uns aosoutros. J os professores so apontados como objeto de desgosto por uma parcela dosestudantes. Entre os motivos, est o fato de os docentes estigmatiz-los de vrias for-mas. Muitos alunos sentem-se discriminados e incomodados pelo fato de outros rece-berem tratamento diferenciado e privilegiado.

    Esses dados levantam uma pergunta crucial: que escolas so essas em que parcelassignificativas dos alunos no gostam de seus colegas? Pistas bastante teis para respon-der a essa indagao encontram-se nos dados obtidos a partir da consulta a alunos emembros do corpo tcnico-pedaggico, sobre os principais problemas da escola.

    De sua parte, os estudantes apontam como os maiores problemas da escola os alu-nos desinteressados e indisciplinados, as carncias materiais e humanas e os profes-sores incompetentes e faltosos. J a equipe tcnico-pedaggica da escola cita como os

    trs principais problemas as carncias materiais e humanas, a existncia de estudantesdesinteressados e indisciplinados e o desinteresse dos pais. Chama a ateno o fato deque os alunos desinteressados e indisciplinados tenham sido mencionados como pro-blema tanto pelos estudantes quanto pelos membros da equipe tcnica.

    Uma possvel explicao para o desinteresse dos alunos parece ser o contedo pro-gramtico das aulas. H alunos que demonstram desconhecimento sobre a utilidade deum contedo ou avaliam de acordo com o que consideram instrumento s para um fu-

    Distrito Federal 48 36 32 29 25

    Goinia 47 27 27 23 24

    Cuiab 39 30 33 24 21

    Manaus 43 32 31 19 23

    Belm 50 35 24 19 20

    Fortaleza 40 37 34 21 27

    Recife 45 40 33 26 22

    Macei 38 28 42 20 25

    Salvador 46 36 39 24 26Vitria 46 30 27 30 26

    Rio de Janeiro 49 28 28 23 20

    So Paulo 41 35 36 26 24

    Florianpolis 41 38 33 34 29

    Porto Alegre 45 29 30 31 25Fonte: Pesquisa Nacional Violncia, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001.

    Capitais

    O que no gostam (%)

    Do espao fsico(salas de aula,

    corredores)

    Da secretaria,da direo

    Da maioriados alunos

    Das aulas Da maioria dosprofessores

    O que a Escola Tem de Pior

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    turo distante. curioso o depoimento obtido em uma escola privada do Rio de Janeiro:Geografia uma parada (...) que no bate. Pra mim, tem gente que quer aprender geo-grafia no colgio (...) quem vai ser professor, mais nada. Meu pai mesmo fala que algu-mas coisas voc vai usar. Agora, raiz quadrada, no sei o que mais, s se for professorde matemtica (...). Dependendo da profisso, voc no vai usar matemtica em nada.

    Os jovens sentem-se sobrecarregados com tantas matrias, reclamam da monoto-nia das aulas e, ao mesmo tempo, da falta de acesso a temas e cursos que realmentelhes interessam. Os dados apontados por eles trazem tona a discusso sobre a atri-buio de culpas e responsabilidades no processo educacional. Enquanto os alunosse reconhecem sem interesse e como causadores de problemas disciplinares, os pro-fessores no se sentem responsabilizados pelo fracasso escolar, atribuindo a culpa aosalunos e famlia, bem como s precrias condies de trabalho.

    Alguns membros do corpo pedaggico afirmam que o maior problema da escola a indisciplina, a falta de respeito, de responsabilidade, de educao que deveria ter sidorecebida em casa. Alguns professores no apontam os responsveis por essa situao,mas dizem que a indisciplina causada pela falta de limites. Em contrapartida, algunspais entrevistados julgam que a indisciplina resulta do fato de que uma escola enfa-donha, com professores que no se preparam, no esto interessados em dar aula, que-rem mais se livrar das aulas e trabalham com programas caducos.

    O professor na berlindaMuitos alunos informaram manter relaes satisfatrias com os professores, que so seusprincipais interlocutores depois dos colegas, sejam essas relaes cordiais ou no. Eles

    valorizam aqueles que os incentivam a continuar os estudos, demonstram interesse poreles e preocupao com o desempenho dos estudantes, do conselhos, dialogam e soamigos. A ateno e o dilogo so ressaltados pelos alunos, criando momentos de des-contrao nas aulas, facilitando a aproximao entre eles. Dialogar, para os alunos, sig-nifica falar sobre assuntos que despertam o interesse deles, conversar, trocar opiniessobre as principais decises a serem tomadas nas escolas.

    A falta de comunicao entre professores e alunos causa muita revolta nos estudan-tes, independentemente da idade ou da srie em que se encontram. possvel que essaatitude afete a auto-estima dos jovens, incomodados com o fato de serem ignorados.

    Muitos alunos informaram manter relaessatisfatrias com os professores, que soseus principais interlocutores depois dos co-legas, sejam essas relaes cordiais ou no

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    H uma forte crtica aos professores cuja preocupao se restringe ao repasse de con-tedo, sem interesse em interagir com a turma.

    A situao dos mestres na sala de aula tambm desconfortvel, pois muitossentem na pele a falta de respeito. Esse quadro agrava-se nas escolas da rede pri-

    vada, onde h alunos que acham que, pelo fato de pagarem o estudo, tm o direi-to de enfrentar funcionrios e professores. Em alguns casos, comportam-se de ma-neira autoritria, humilhando ou insultando o professor ou, em casos extremos, uti-lizando-se do poder ou do prestgio dos pais para forar a demisso daquele dequem no gostam.

    J os diretores so elogiados pelos alunos quando possibilitam o dilogo, do con-selhos e se envolvem com os jovens por diferentes motivos. As qualidades que mais re-conhecem no comandante da instituio so a comunicabilidade, a disponibilidade paraatender a reivindicaes e a flexibilidade para lidar com as situaes. Para os pais, o di-retor deve ser reconhecido por atitudes que demonstrem sua preocupao com os es-tudantes. Tambm foram destacados talentos e habilidades intelectuais do diretor, suacapacidade de se impor, dentro e fora da escola.

    Existem reclamaes de alunos em relao aos diretores. Entre as queixas maisfreqentes, est a falta de visita s aulas, de se reunir com representantes de turma,a ausncia na rotina escolar, o autoritarismo e o tratamento diferenciado aos alunosquando esto acompanhados pelos pais.

    Apesar das dificuldades em algumas relaes estabelecidas entre os vrios atores so-ciais envolvidos, a escola surge como espao de socializao para os jovens. o lugar

    Para identificar como a violncia psicolgica aconte-ce nas salas de aula, a pedagoga e psicloga SoniaKoehler ouviu os alunos. Em sua tese de doutorado,516 alunos da 8 srie do ensino fundamental respon-deram a um questionrio sobre sua experincia coma pessoa que consideravam o pior professor de suasvidas. Dentre os sujeitos pesquisados, 94,6% mencio-naram atos praticados pelos professores e conside-rados como violncia psicolgica: gritos, humilhaes,comparaes depreciativas, ameaas, arremesso deobjetos, mentiras.

    Alm de responderem ao questionrio, os ado-lescentes foram convidados a desenhar o professorao qual se referiam nas respostas. A imagem que osmeninos e meninas tm na memria mostra um efei-to da violncia psicolgica na escola. Boa parte deles(36,2%) retratava os docentes de forma desfavorvel:

    braos erguidos, em riste, mo na cintura, rosto si-sudo e ausncia de sorrisos. Essas caractersticas de-notaram a recordao de um professor autoritrio eagressivo. Alguns (23,8%) retratavam o professorcomo figuras mitolgicas que causam medo: mons-tros, bruxas. Os estudantes mencionaram sentimen-tos de vergonha, humilhao e inferioridade dianteda violncia psicolgica. Apenas 4,4% retratavam afigura humana do professor de modo favorvel: sor-riso no rosto, braos abertos, corao na blusa.

    Na opinio da psicloga, o contexto atual mostraque a violncia no mundo adulto tem aguado a situa-o de risco de crianas e jovens, alm de reproduziros valores desumanos. Portanto, necessrio investirnas relaes interpessoais, na educao e na pessoa doprofessor como educador como uma forma de apoiaro pleno desenvolvimento de crianas e adolescentes.

    O imaginrio dos estudantes

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    VIOLNCIA NAS ESCOLAS

    onde ocorrem aprendizagens significativas, j que o modo de vida dos sujeitos em in-terao no cenrio escolar propicia trocas materiais e simblicas.

    Sob essa perspectiva, pode-se verificar que as escolas que se organizam com baseem princpios democrticos e constroem as regras com a participao de toda a comu-nidade escolar conseguem maior comprometimento no que tange a sua observncia. Oaluno sente-se menos encorajado a testar os limites da conduta aceitvel pelos adultos,j que ele tambm ser cobrado pelos colegas.

    Uma outra forma de excluso socialEmbora seja vista como chave de oportunidades para uma vida melhor, a escola pode dis-criminar e estigmatizar, marginalizando o indivduo formal ou informalmente nos seus di-reitos de cidadania e no seu acesso s oportunidades de estudo, profissionalizao, traba-lho, cultura, lazer, entre outros bens e servios do acervo de uma civilizao. Com a finali-dade de contribuir para a construo de uma cultura contra violncias, faz sentido lidar comdiscriminaes, intolerncias e excluses no espao escolar, ainda que essas no desgemem ameaas, brigas e mortes, ou seja, no configurem violncia fsica propriamente dita.

    Nos trabalhos promovidos pela UNESCO, a excluso social estendida falta ou insufi-cincia da incorporao de parte da populao comunidade poltica e social, conforme de-fende a estudiosa Miriam Abramovay no livroGangues, Galeras, Chegados e Rappers Juven-tude, Violncia e Cidadania nas Cidades da Periferia de Braslia (Editora Garamond, 1999).Ou seja, ao deixar alguns sujeitos margem do contato social, nega-se, formal ou informal-mente, seus direitos de cidadania, como a igualdade perante a lei e as instituies pblicas, aproteo do Estado e seu acesso s oportunidades diversas, quais sejam, de estudo, profissio-nalizao, trabalho, cultura, lazer, entre outros bens e servios do acervo de uma civilizao.

    Na pesquisa, excluso social entendida como mais que desigualdade econmica. Englo-ba dimenses e processos culturais e institucionais, por meio dos quais numerosas parcelasda sociedade brasileira tornam-se e permanecem alheias ao contrato social, privadas do exer-ccio da cidadania, desassistidas pelas instituies pblicas, desamparadas pelo Estado.

    Uma das vertentes socioculturais da excluso diz respeito questo racial, aqui tra-tada em termos de percepes, assim como exemplos de discriminaes. De fato, o ra-cismo uma forma de excluso social encravada na sociedade brasileira em geral e nosistema educacional em particular. Ele aparece, algumas vezes, de forma explcita e, ou-tras, por meio de atitudes de pseudocordialidade.

    Quando vista como via de acesso ao exerccio da cidadania, a escola, a educao e oprocesso de ensino-aprendizagem funcionam como uma espcie de salvo-conduto moral,um passaporte para a entrada na sociedade moderna, em que o estudo cada vez mais umrequisito para o acesso s oportunidades de trabalho. Porm, nesse ponto de interseoentre o estudo e o trabalho que se situa um dos mais graves problemas da excluso social,no qual o ensino de boa qualidade abre as oportunidades e o de m qualidade, ao contr-rio, acentua a excluso. As classes menos favorecidas economicamente vivenciam essa situa-o como fenmeno cultural, social e institucional. Nem sempre o acesso escola garantetrabalho e melhores salrios. Quando estudantes verificam essa realidade, assim como quan-do se do conta da baixa remunerao dos professores, perdem o interesse pelos estudos.

    Ainda assim, a ascenso social percebida como vivel graas formao escolar, j que

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    os empregos que exigem baixo nvel de instruo tm remunerao muito baixa e as posi-es mais ambicionadas exigem diploma de nvel superior. Por isso, muitos alunos achamque o vestibular seria a meta principal e, nessa discusso, acham que melhor estudar naescola privada do que na pblica. Os professores tambm concordam que, para os alunosdas escolas privadas, o futuro mais promissor, devido ao poder aquisitivo dos pais e dis-ponibilidade de tempo para estudar. Mas a universidade fica mais distante para os alunos darede pblica, especialmente quando se trata de cursos requisitados e profisses valorizadas.

    Alm das desigualdades no que se refere qualidade de ensino, possibilidade deestudar em escolas de bom nvel e disponibilidade de tempo e material escolar ade-quado, a discriminao e a excluso social manifestam-se nas atitudes quanto prpriaescola e s relaes entre os alunos. Nesse sentido, possvel distinguir trs padres deexcluso ou discriminao social na escola.

    O primeiro diz respeito viso sobre a escola pblica e seus alunos. Muitos so vis-tos como marginais, despreparados, mal-educados e, portanto, nocivos sociedade.O segundo refere-se s relaes entre os alunos de uma mesma rede de ensino sejapblica ou privada cujas condies econmicas so desiguais. H indicaes de que

    os que sofrem discriminao reagem tanto com retraimento como com agressividade.O terceiro padro tem lugar nas escolas privadas com aqueles de menor poder aquisi-tivo, como os que tm bolsas de estudo e os filhos de funcionrios ou de professores.

    O racismo na escolaEmbora institucionalmente silenciada, a violncia relacionada a prticas discriminat-rias resultantes de preconcepes quanto raa mostra-se evidente na comunidade es-colar. Muitas pessoas, principalmente alunos, relatam casos de discriminaes. Depoi-mento colhido em grupo focal de pais mostra que se considera a existncia de precon-ceito na escola at mesmo contra uma estudante branca, que se percebe discriminadapelos colegas negros. Alm do acesso diferenciado segundo a dependncia administra-tiva das escolas, brancos e no-brancos tambm se distinguem pelos turnos de estudo.Os maiores percentuais de no-brancos esto no turno da noite.

    De fato, existe, por parte de vrios alunos, de membros do corpo tcnico-pedaggicoe de pais, o reconhecimento de que h preconceito racial nessa instituio. Isso foi frisado,principalmente, pelos que so ou j foram vtimas desse problema, aos quais so dirigidaspalavras como negona, molambo, fedorenta e cabelo de bombril. Os depoimentostrazem evidncias de que predomina a ideologia pela qual se associam padres de belezaa caractersticas de brancos. No resta dvida de que existe hostilidade racial e de que elapode prejudicar a trajetria escolar da vtima ao criar um estigma contra ela e marginaliz-la.

    Alguns diretores e professores de estabelecimentos privados sustentam que no ocor-re preconceito nas escolas onde trabalham, devido ao fato de existirem poucas pes-soas negras no ambiente escolar. Essa uma expresso de racismo estrutural, pelo aces-so diferenciado de brancos e negros a escolas da rede pblica e da privada.

    Na literatura sobre o tema no Brasil, comum destacar-se o fato de que o racismo realizado por formas complexas, no sendo sequer admitido conscientemente pelamaioria da populao. Em um primeiro momento, tambm difcil detectar prticas oucomportamentos que se caracterizem por padres racistas nas escolas. O comum negar-

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    VIOLNCIA NAS ESCOLAS

    se qualquer tipo de discriminao. Mas existe a percepo dos alunos de que o precon-ceito racial est em todos os nveis. Quem racista? Muita gente, menos a pessoa emsi. Raros entrevistados assumem essa ideologia. Negros culpam brancos, loiros delatamescuros, professores apontam para os alunos, alunos falam da direo, e filhos indicampais. Concluso: sempre o outro que tem preconceito.

    Muitos alunos afirmam que no existem preconceitos, mas, sim, brincadeiras. Paise membros do corpo tcnico-pedaggico tambm observaram, em grupos focais, queessas brincadeiras podem ser exerccios de legitimidade aos preconceitos raciais, que,por sinal, no ocorrem apenas contra o negro mas tambm contra pessoas de origemindgena, japonesa e mesmo contra brancos. Ainda assim, o racismo tende a ser enca-rado como uma manifestao natural do ambiente escolar.

    As muitas faces da violncia escolar A pesquisa da UNESCO levou em conta a violncia de maneira ampla, no buscan-do um sentido universal, seno a partir do conhecimento do seu significado para osdistintos atores grupos que compem a escola em um conjunto de capitais brasi-

    leiras. Para melhor compreender o fenmeno, as situaes foram categorizadas emtrs grupos. Assim, a violncia contra a pessoa aquela que pode ser expressa ver-bal ou fisicamente e pode tomar a forma de ameaas, brigas, violncia sexual, dis-criminaes, bullying , coero mediante o uso de armas. A violncia contra a pro-priedade, por sua vez, se traduz em furtos, roubos e assaltos. A contra o patrimnio aquela que redunda em vandalismo e depredao das instalaes escolares.

    Violncia contra a pessoa A primeira modalidade de violncia contra a pessoa consiste em ameaas, ou seja, promes-sas explcitas de provocar danos ou de violar a integridade fsica ou moral, a liberdade ouos bens de outrem. Elas so mais freqentemente mencionadas pelos estudantes de SoPaulo e do Distrito Federal (40%) e menos pelos de Belm (21%). Com exceo do Distri-to Federal, em todas as capitais, os percentuais de membros do corpo tcnico-pedaggicoque relatam ameaas so sistematicamente superiores aos de alunos. Isso no significa queas ameaas sejam necessariamente dirigidas a eles, embora, muitas vezes, isso ocorra.

    A maioria das ameaas aos professores pelos alunos ocasionada por notas e pelas fa-lhas disciplinares nas salas de aula. As ameaas aos diretores geralmente acontecem quandoestes recorrem a punies mais severas, como suspenses e expulses. Os agentes e inspe-tores de disciplina seriam ameaados por aplicarem advertncias e sanes por faltas disci-plinares e impontualidades. Essa ameaa tambm atinge os policiais de batalhes escolares.

    Sem verbalizar diretamente, os estudantes reagem de maneira agressiva s rotinasadotadas pelos professores, que so consideradas violentas. Assim como imposiodo poder da instituio escolar, como a disciplina, as exigncias e as regras de aferiodo conhecimento. Mas dificilmente comunicam os motivos ou por quais parmetros en-tendem tais rituais do mundo escolar como violaes a serem rebatidas por ameaas.

    As ameaas podem redundar em violncia fsica, o que gera um clima de tenso co-tidiana. Por isso, freqente que professores, diretores e outros membros do corpo pe-daggico expressem sentimentos de insegurana. Entre as ameaas que atingem a co-

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    munidade escolar esto aquelas relacionadas a bombas, felizmente, em geral falsas, compuro intuito de transtornar a rotina escolar.

    A modalidade de violncia mais freqente na escola a briga. Ela abrange desdeformas de sociabilidade juvenil at condutas brutais. Briga-se por futebol, lanche, notas,por causa de apelidos e tomada de objetos uns dos outros. O olhar direto, o enca-rar, visto como desrespeitoso e desafiador e pode levar a confrontos. Tambm es-barrar no outro, mesmo sem querer, pode ser interpretado como atitude pouco cui-dadosa e de provocao, podendo ocasionar brigas violentas. Elas so consideradasacontecimentos corriqueiros, sugerindo a banalizao da violncia e sua legitimaocomo mecanismo de resoluo de conflitos. Muitas vezes, surgem como continuida-de de brincadeiras entre alunos, podendo ter ou no conseqncias mais graves.

    Os dados indicam que parece prevalecer, entre os alunos, um padro de comporta-

    mento que descarta o recurso autoridade dos adultos ou aos mecanismos institucionaisexistentes na escola para resolver os conflitos em favor da violncia, praticada em grupo,o que pode estimular novos confrontos. Esse padro de reao a agresses parece ser umimportante componente da cultura que incorpora a prpria violncia ao universo dos alu-nos. Assim, partem para brigas e acertos de contas. H, tambm, rivalidades entre alunosde sries ou turnos diferentes. Muitas vezes, os do perodo noturno denunciam acentua-da estigmatizao por parte do diurno, confirmada pelos entrevistados do corpo tcnico-pedaggico. Alegam que, por serem mais velhos, j haveria a suspeita de envolvimentocom drogas ou terem relao com assaltantes. H, tambm, rivalidade entre estudantesde diferentes escolas e de distintos bairros. Existe, ainda, demarcao de lugares apropria-dos como nossos e os dos outros. Essa delimitao leva a rivalidades e brigas.

    O fantasma do abuso sexualO assdio sexual, entendido como diversas formas de intimidao sexual (olhares, gestos,piadas, comentrios obscenos, exibies) e de abusos, como propostas, insinuaes e con-tatos fsicos aparentemente no-intencionais, fofocas, frases ou desenhos nos banheiros, uma das formas mais comuns de violncia de professores contra alunos. Principalmente con-tra mulheres, ainda que possa ocorrer entre os jovens ou envolver outros autores nas esco-las. Inclui desde brincadeiras at estupros. As brincadeiras ou comentrios jocosos podemser dirigidos pelos alunos aos professores e vice-versa, gerando um constrangimento terrvel.

    Embora institucionalmente silenciada, a vio-lncia relacionada a prticas discriminatriasresultantes de preocupaes quanto raamostra-se evidente na comunidade escolar

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    VIOLNCIA NAS ESCOLAS

    Entre os depoimentos colhidos, um denunciou uma proposta de um professor paraprogramas sexuais envolvendo idas a motis, com pagamento pelos servios prestados.Ou seja, estmulo prostituio. O estudante de uma escola pblica de Vitria, no Esp-rito Santo, narrou a experincia: Aconteceu tambm no meu colgio e realmente tinhaassdio mesmo. Eu ficava conversando com o professor de (...) no colgio. Eu estava de-sempregado, procurando emprego, doido para arrumar dinheiro. A [ele] falou para mim:Eu sei um jeito fcil de voc arrumar dinheiro. A deixei para l, pensei que ele estavabrincando. Depois eu falei assim: Professor, que tipo de trabalho esse? Ah, que temuns colegas meus que saem assim: um dinheiro fcil. Eu falei: Ento explica, professor,que eu estou precisando trabalhar (...). Ele falou para mim que era programa com homos-sexuais, sabe? (...) A parei tudo. No falei nada com ningum, mas falei que se isso acon-tecesse novamente eu ia arrumar um problema com ele, eu ia falar com a diretora (...).

    Muitos comentrios transferem a culpa da violncia para as meninas. So elas queprovocariam os rapazes, por usarem um tipo de roupa diferente, insinuante. A di-retoria de algumas escolas chega, inclusive, a supervisionar o vesturio das alunas.

    Em diversos relatos, o assdio dos professores est associado a providncias mais ri-

    gorosas, com processos judiciais encaminhados pelas vtimas. s vezes, fica-se s na amea-a de denunciar polcia, mas no se vai adiante por temor de represlias. Acontecem,ainda, estupros nas imediaes das escolas, o que leva ao medo e ao abandono dos es-tudos. Embora as meninas sejam as maiores vtimas, h casos de abuso de meninos.

    Com o dedo no gatilhoO recurso s armas em brigas e conflitos, nesses tempos do agravamento da violnciana sociedade, chega em grande medida escola. Alguns estudantes justificam o portecomo necessidade de impor respeito, proteger e defender-se. Mas a disponibilidade de

    Distrito Federal 18 15 5 10

    Goinia 11 14 7 18

    Cuiab 17 16 8 13

    Manaus 9 12 6 13

    Belm 9 12 7 10

    Fortaleza 12 12 8 13

    Recife 12 10 8 11

    Macei 11 14 2 8

    Salvador 10 12 2 14Vitria 12 15 3 12

    Rio de Janeiro 10 9 5 6

    So Paulo 15 14 7 10

    Florianpolis 12 20 4 18

    Porto Alegre 17 16 6 19Fonte: Pesquisa Nacional Violncia, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001.

    Capitais Alunos Corpo tcnico-pedaggicoArmas de fogo Outras armas Armas de fogo Outras armas

    Testemunho de Porte de Armas (%)

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    uma arma aumenta o perigo de confrontos e homicdios, como ressalta a literatura na-cional e internacional sobre o tema.

    No Brasil, os dados da pesquisa da UNESCO indicam que as armas de fogo so apenasuma pequena poro das encontradas nas escolas. H mais armas brancas do tipo faca outesoura, alm de correntes, cacetes, porretes. Os diretores e o corpo tcnico-pedaggico re-latam que habitual encontrar esses instrumentos com os alunos. Alguns pais at defendema atitude dos filhos, alegando que preciso carregar alguma coisa para se defender.

    Os alunos demonstram familiaridade com a compra e asseguram que muitosimples adquirir uma arma de fogo por intermdio de amigos e conhecidos. Em mui-tas lojas no exigida a autorizao, e a prpria polcia aparece como fornecedo-ra. Segundo membros das diretorias, muitos alunos vo escola com armas de brin-quedo para intimidar, o que evidencia a importncia das armas no imaginrio dosjovens. Tanto que uma parcela informou j ter visto alunos, pais ou professores car-regando arma de fogo no ambiente escolar ( veja quadro Testemunho de Porte de

    Armas ). J entre os membros do corpo tcnico-pedaggico, os percentuais somuito menores, variando entre 2% e 8%. Tudo indica que, em muitos casos, o porte

    no notado nem noticiado. A presena de qualquer tipo de armamento sinaliza no somente violncias efetivase explcitas mas tambm cenrios que banalizam violncias, j que as armas, mesmo quan-do no acionadas, tornam-se constituintes do prprio cenrio escolar. Testemunhar o portede armas de fogo e de outras significa fazer parte de um campo que pode viver uma ba-talha a qualquer momento. O mais grave o fato de muitos jovens afirmarem que tmacesso a armas de fogo em casa ( veja quadro Formas de Contato com Armas de Fogo ). Elasgeralmente pertencem aos pais ou a outros familiares e ficam escondidas ou guardadas.

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    Distrito Federal 22 21 13 7

    Goinia 22 14 10 4

    Cuiab 30 17 14 6

    Manaus 19 12 6 4

    Belm 18 9 9 5

    Fortaleza 22 11 6 4

    Recife 24 10 5 2

    Macei 20 11 6 3

    Salvador 19 13 7 4Vitria 24 12 8 4

    Rio de Janeiro 20 8 8 4

    So Paulo 19 19 11 4

    Florianpolis 21 14 12 3

    Porto Alegre 32 13 14 5Fonte: Pesquisa Nacional Violncia, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001. Foram entrevistados alunos.

    Capitais Seus pais, parentes tm arma de fogoem casa

    Voc tem fcil acessoa armas na escola ouimediaes

    Voc sabeonde/quemvende armas

    Voc j teveou tem umaarma de fogo

    Formas de Contato com Armas de Fogo (%)

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    VIOLNCIA NAS ESCOLAS

    A cultura da violncia se sustenta, tambm, pela coero e pela cumplicidade ativa oupassiva de muitos. Existe acobertamento entre os alunos que sabem quem vende armas,quem entra armado na escola e como fazer isso. Vigora a lei do silncio, pela qual todos secalam sobre tais acontecimentos. No bojo de uma cultura de violncia, em que se amplia ouso das armas, quebram-se as clivagens sexuais quanto violncia. Tanto que os membrosda comunidade escolar ouvidos na pesquisa consideram que est aumentando o nmerode meninas flagradas com armas brancas, principalmente quando envolvidas em brigas.

    Entre alunos, h queixas de que no existem medidas eficazes para inibir a entradade armas nas escolas. Pode-se perceber, em algumas escolas pblicas e privadas, certapreocupao dos estudantes em que haja efetivo controle de entrada de pessoas arma-das. Anteriormente, ocorriam as chamadas revistas nas entradas das escolas, quando erampegos alunos com armas, mas essas medidas no acontecem mais.

    Algumas opinies de professores de escolas pblicas demonstraram as limitaesao tentar coibir a entrada de alunos armados. Eles comentaram que o Conselho Tu-telar probe que as escolas tomem qualquer atitude quando deparam com um alunoarmado. O mximo que se pode fazer passar esse problema para o conselho ava-

    liar e tomar as devidas providncias.Porte de arma , no entanto, segundo Paulo Afonso Garrido de Paula, procurador de Justia de So Paulo e membro da comisso redatora do Estatuto da Criana e do Adoles-cente, crime grave, inafianvel. O Conselho Tutelar no tem atribuio de normatizar essaquesto, afirma o especialista. De acordo com ele, cabe escola comunicar o fato direta-mente Delegacia de Polcia ou Promotoria, que ir proceder nos termos do ECA.

    Violncia contra a propriedadeMacular a propriedade sobre um bem uma ati-tude corriqueira nas escolas, sendo que os roubose furtos esto em destaque nessa lista. Registram-se vrios informes dos alunos e do corpo tcnico-pedaggico sobre roubos de carros e objetos pes-soais (veja quadro Relatos de Roubos nas Imedia-es da Escola). Os informantes consideram que ospequenos furtos so praticados, em grande parte,por pessoas de dentro do espao escolar, permi-tindo a aceitao desses atos como natural. Isso levaalunos, coordenadores e diretores a diminurem suagravidade e, em alguns casos, desconsiderar a na-tureza do ato em si. Caractersticas de comporta-mento da juventude foram apresentadas como jus-tificativas de pequenos furtos, considerados atosnormais da idade.

    Entre os informantes, as opinies divergem quan-to ao grau e freqncia de roubos e furtos nas esco-las, mas a maioria concorda que as ocorrncias maisgraves so cometidas por pessoas externas comu-

    Distrito Federal 36 58

    Goinia 27 46

    Cuiab 30 32

    Manaus 29 42

    Belm 20 41

    Fortaleza 27 33

    Recife 29 39

    Macei 26 30

    Salvador 26 43

    Vitria 29 41

    Rio de Janeiro 24 32

    So Paulo 26 46

    Florianpolis 38 42

    Porto Alegre 38 62Fonte: Pesquisa Nacional Violncia, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001.

    Capitais Alunos Corpo tcnico-pedaggico

    Relatos de Roubosnas Imediaes da Escola (%)

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    nidade escolar, que ali penetram na noite, nos fins de semana e ou nas frias. Dessa forma,constri-se uma dicotomia entre o espao realmente violento da rua e o espao relativa-mente menos inseguro da escola.

    Quando os alunos so vistos como praticantes de roubos e furtos, os jovens sentem-se inseguros em deixar os pertences fora de seu controle. Na pesquisa, entre as ocor-rncias, foram identificados os pequenos furtos, como os de material escolar caneta,borracha e estojo , pequena quantidade de dinheiro, celulares e bolsas.

    Violncia contra o patrimnio A dilapidao do espao e do equipamento escolar, sem o furto de bens, surge comoato de reao social contra a escola. Pesquisas norte-americanas demonstram que o van-dalismo costuma estar associado a administraes escolares autoritrias ou indiferentes

    e omissas, assim como a diretores e professores sem receptividade para com os alunos, alta rotatividade do corpo docente e, finalmente, s punies. necessrio tentar des-

    vendar as mensagens escondidas nos atos de violncia contra o patrimnio das esco-las, que podem ter vrios significados: a necessidade de chamar a ateno, de exibir-separa os colegas, expressar revolta ou, segundo a pesquisadora Nancy Day, querer dei-xar sua marca no mundo.

    Atos de pichao, depredao de muros, janelas, paredes e destruio de equi-pamentos, acompanhados de furtos, apresentam-se como as formas de vandalismomais comuns apontadas nas diversas categorias de entrevistados. A pichao ocorredentro das escolas pblicas e privadas, principalmente nos banheiros, com frases deamor, declaraes, mensagens sobre legalizao da maconha fumo, sim, legalize;chapado da maconha e, em menor quantidade, protestos contra o governo. H,ainda, pichaes de nomes, referncias a gangues, palavres e frases pornogrficasdirigidas a determinadas pessoas. Nos banheiros femininos, encontram-se frasesdesse tipo e declaraes de amor.

    A exploso de bombas nos banheiros retratada, evidenciando a cumplicidade doscolegas ao no denunciar o responsvel pelo ato. Alm dos episdios de depredao den-tro da escola, pais e professores relatam que tiveram seus carros riscados pelos alunos.Os depoimentos contribuem com a hiptese de que no existe o cuidado com o bem co-letivo e que a escola ainda se encontra muito distante do aluno e da comunidade.

    Atos de pichao, depredao de muros, ja-nelas, paredes e destruio de equipamentos,acompanhados de furtos, apresentam-secomo as formas de vandalismo mais comuns

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    VIOLNCIA NAS ESCOLAS

    Vtima e algoz A escola vive situaes nas quais as transgresses, os atos agressivos e as ocorrnciasde diferentes nveis de gravidade tornam-se cada vez mais presentes. Na pesquisa daUNESCO, os alunos se apresentam como principais autores dessa violncia e, ao mesmotempo, como as principais vtimas, seguidos pelos professores, diretores e funcionrios.Professores e funcionrios raramente so autores. Os policiais, por sua vez, aparecemmais como praticantes do que como vtimas.

    A violncia fsica foi a que mais atingiu todos os grupos de vtimas, seguindo-se a violncia contra a propriedade. Por ltimo, a violncia verbal, apesar de ela normal-mente passar despercebida. Foi possvel verificar que mesmo os que no se envolve-ram diretamente com as ocorrncias relatam inmeros casos dos quais tomaram conhe-cimento ou presenciaram no espao escolar. Essa proximidade contribui para banalizaro comportamento violento, tornando trivial a ocorrncia de furtos, roubos, assaltos, es-tupros, agresses fsicas, vinganas, homicdios, depredaes, entre outros. A gratuida-de da violncia para eles uma realidade, e o medo comum em suas falas.

    A violncia fsica a face mais visvel do fenmeno. O confronto corporal ou arma-

    do mobiliza parte considervel das discusses, aparecendo como referncia para queos informantes discursem sobre o tema e o ampliem para incluir outros tipos de violn-cia. Em algumas situaes, justifica-se o recurso violncia fsica como uma forma dedefesa pessoal, como atitude de proteo aos amigos mais fracos ou como uma respos-ta ao de um sujeito mais forte. Em outras, aparece como uma atitude impensadadiante de uma provocao. Independentemente da justificativa, trata-se sempre deuma forma de negociao que exclui o dilogo, ainda que seja impulsionada por ml-tiplas circunstncias e se revista de uma conotao moral como a defesa dos amigos.

    Distrito Federal 46 32 31

    Goinia 46 34 34

    Cuiab 51 39 34

    Manaus 52 33 34

    Belm 46 28 28

    Fortaleza 49 32 34

    Recife 41 29 27

    Macei 46 33 29

    Salvador 46 30 31

    Vitria 44 34 31Rio de Janeiro 42 28 27

    So Paulo 42 32 33

    Florianpolis 38 32 29

    Porto Alegre 42 33 32Fonte: Pesquisa Nacional Violncia, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001.

    Foram entrevistados alunos.

    Capitais No consegue seconcentrar nos estudos

    Fica nervoso,revoltado

    Perde a vontadede ir escola

    Conseqncias sobre o Desempenho Escolar (%)

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    Por isso, analisar a violncia na escola significa lidar com uma interseo de elemen-tos. Trata-se de um fenmeno singular, com prticas sociais que, para serem compreen-didas, requerem um olhar que no o reduza, mas o enxergue na sua complexidade.

    Os ecos da violnciaDiante do que se passa, uma das identidades mais comprometidas a da escola lugarde sociabilidade positiva, de aprendizagem de valores ticos e de formao de espri-tos crticos, pautados no dilogo, no reconhecimento da diversidade e na herana civi-lizatria do conhecimento acumulado. Essas situaes repercutem sobre a aprendiza-gem e a qualidade de ensino tanto para alunos quanto para professores.

    Entre os alunos entrevistados, quase metade sustenta que a violncia no ambienteescolar faz com que no consigam se concentrar nos estudos. Muitos afirmam ficar ner-

    vosos, revoltados com as situaes que enfrentam. A terceira conseqncia da violn-cia mais citada pelos alunos a perda da vontade de ir escola ( veja quadro Conse-qncias sobre o Desempenho Escolar ). Os alunos so os que mais deixam de ir esco-la por temer agresses, roubos e humilhaes ( veja quadro Falta s Aulas devido Vio-

    lncia ) e admitem que esse problema afeta muito a qualidade de seu estudo ( veja qua-dro Impacto sobre a Qualidade do Ensino ).Uma pesquisa mais recente sobre violncia e escola, realizada em 2004 pelo Cen-

    tro de Estudos de Criminalidade e Segurana Pblica da Universidade Federal de MinasGerais (CRISP/UFMG), aborda o impacto da violncia e do medo na eficincia e nodesempenho dos estudantes. De acordo com ela, 10% dos estudantes entrevistados nas50 escolas de Belo Horizonte j faltaram aula pelomenos uma vez por causa do medo da violncia.

    No que se refere aos membros do corpo tcni-co-pedaggico, a primeira conseqncia a perdade estmulo para o trabalho. Em segundo lugar,

    vem o sentimento de revolta e, em terceiro, a difi-culdade de concentrao nas aulas (veja quadroConseqncias sobre o Desempenho Profissional) . Osprofessores preferem transferir-se para ambientes es-colares mais seguros, ocasionando, portanto, umadefasagem de professores em escolas onde ocorremmais violncias.

    As sugestes dos protagonistasOs entrevistados na pesquisa responderam a umquestionrio que tratava de medidas para contenodas violncias nas escolas. A proposta de aumentara vigilncia policial nas escolas e imediaes obtevemaior proporo de adeses. Tambm se destaca aproposio de dilogo entre alunos, professores e di-retoria e um outro, parceria entre escola e comuni-dade, bastante citada pelos professores.

    Distrito Federal 7 1

    Goinia 7 2

    Cuiab 9 4

    Manaus 8 3

    Belm 6 1

    Fortaleza 5 4

    Recife 5 4

    Macei 4 2

    Salvador 7 2

    Vitria 5 0Rio de Janeiro 7 7

    So Paulo 8 3

    Florianpolis 3 2

    Porto Alegre 5 2Fonte: Pesquisa Nacional Violncia, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001.

    Foram entrevistados alunos.

    Capitais No compareceu s aulas nosltimos 12 meses (%)

    Alunos Corpo tcnico-pedaggico

    Falta s Aulas Devido Violncia (%)

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    Apesar de desejarem a presena policial na escola e nas suas imediaes, os alunostambm demonstram uma postura crtica em relao ao tipo de polcia e forma de se-gurana oficial. H um grande descrdito na instituio policial.

    Destaca-se, como um indicador positivo, a vontade de pais, alunos, professores e fun-cionrios em apostar em medidas de resoluo compartilhada do problema, tendo em

    vista a indicao do dilogo entre alunos, pais, professores e diretoria e da parceria entreescola e comunidade, como dispositivos importantes para conter o fenmeno nocivo atodos. Os estudantes insistem em medidas preventivas de participao ampliada, basea-das na interao da famlia com a escola. A instituio vista, aparentemente, como ele-mento de mediao entre o aluno e a famlia, cabendo-lhe trabalhar os significados da

    violncia dentro e fora de seus limites a fim de combat-la, abordando aspectos impor-tantes na vida do estudante que extrapolam os muros da escola e o perodo letivo.

    Mas existem as opinies mais radicais. Tanto pais como alunos e corpo tcnico-peda-ggico advogam disciplina mais dura para quem comete atos irregulares. Citam a expul-so e medidas de segurana como muros altos ou grades de proteo nas escolas. Den-tro do contexto das discusses, chamou-se a ateno para a entrada de armas de fogo no

    ambiente escolar e foi proposta a revista na entrada do colgio para coibir a violncia.Entre outras medidas, tem sido bastante utilizado o apoio de psiclogos nas escolas,focalizando a violncia sob uma perspectiva psicolgica, e no social. Outro papel de re-levncia cabe cultura e educao, levando ao resgate da auto-estima e a uma conscien-tizao dos problemas e das desigualdades, possibilitando super-los e gerar solidarieda-de. O fortalecimento da auto-estima dos alunos serve para combater preconceitos.

    Nas estratgias adotadas a fim de combater a violncia, duas tm apresentado bonsresultados. Uma delas a melhoria da relao da escola com a comunidade. A outra

    a abertura de canais de expresso dos alunos. De-posita-se na escola, portanto, uma responsabilida-de no tratamento da violncia, mediante a criaode um ambiente mais amistoso e de cooperao,em que todas as partes estariam envolvidas, comodefende o artigo Violncia nas Escolas Epide-mia Mundial, publicado no jornal O Estado de So Paulo , em julho de 2001.

    A expectativa de a escola ser uma agncia privile-giada para o combate das violncias e das culturas de

    violncia viria, por outro lado, encontrando ressonnciaem experincias que destacam profissionais que combi-nam as funes formais de docentes com as de articu-ladores entre a escola e a famlia, ou na postura dialgi-ca nas relaes com os alunos. Os estudantes sugerem,ainda, uma grade curricular mais flexvel, com apelo alinguagens da arte e nfase nas lies prticas da vida.

    Vale assinalar, ainda, os relatos de reduo dosatos de vandalismo em conseqncia da mudana f-sica do ambiente escolar, realizada por intermdio do

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    VIOLNCIA NAS ESCOLAS

    Distrito Federal 44 34

    Goinia 38 30

    Cuiab 42 30

    Manaus 34 31

    Belm 33 28

    Fortaleza 36 30

    Recife 35 27

    Macei 33 25

    Salvador 39 31

    Vitria 43 30Rio de Janeiro 37 28

    So Paulo 42 35

    Florianpolis 48 29

    Porto Alegre 44 30Fonte: Pesquisa Nacional Violncia, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001.

    Foram entrevistados membros do corpo tcnico-pedaggico.

    Capitais O ambiente daescola fica pesado A qualidade dasaulas piora

    Impacto sobre a Qualidade do Ensino (%)

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    autoridades competentes ou no. Para isso, foram entrevistados os diretores, professo-res, equipe administrativa e prestadores de servios de 4.150 escolas municipais e esta-duais de 15 unidades da federao brasileira 37% do total.

    Apesar de um cenrio desfavorvel em relao violncia, detectado nos resultados pre-liminares da pesquisa, 70% dos entrevistados concordam com a afirmao de que o fato deuma criana passar boa parte do tempo em uma instituio educacional torna esse espaoespecial para detectar sinais de sofrimentos experimentados por crianas e adolescentes.

    A respeito de medidas de proteo e iniciativas tomadas pelas escolas, os resulta-dos da pesquisa indicam que 88% dos entrevistados acreditam ser importante ter umlivro para registrar e relatar casos de violncia, 43% mencionaram que o diretor da es-cola deve fazer esse registro, e 37% tambm acreditam que o diretor deva levar o casos autoridades competentes, como o Conselho Tutelar.

    Eles acreditam que importante para a escola participar da soluo de casos de vio-lncia e que esses casos sejam levados ao Conselho Tutelar, para garantir a proteo ade-quada. Apesar disso, existem dificuldades na relao institucional entre as escolas e o Con-selho Tutelar. De acordo com os resultados do estudo, no h consenso quanto ao crit-rio a ser utilizado para decidir se o evento violento deve ou no ser relatado ao rgo; 29%dos entrevistados acreditam que um caso deva ser levado ao conselho sempre que acon-tecer. O mesmo percentual acha que ele s deva ser relatado quando se torna repetitivo.

    Os resultados completos da pesquisa sero divulgados at o final de 2005. Espera-se, com eles, produzir material para ajudar profissionais da educao sobre como rela-tar casos de violncia e um vdeo a ser veiculado nas emissoras educativas do pas.

    Recomendaes As medidas contra as violncias nas escolas partem de trs premissas gerais: realizardiagnsticos e pesquisas para conhecer o fenmeno em sua forma concreta, conseguira legitimao pelos sujeitos envolvidos (o que pressupe a participao da comunida-de escolar) e fazer um monitoramento permanente das aes nas escolas.

    A preveno fundamental. Uma das premissas para se conseguir isso relacionarconhecimento sensvel, tico, valorizao do jovem, criao de um clima agradvel eparticipativo, com conhecimento especializado e transdisciplinar, bem como anlises sobresegurana pblica e segurana escolar.

    O UNICEF entende que a questo da vio-lncia nas escolas deve ser tratada sob aperspectiva da garantia de direitos e daqualidade da educao

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    cial. Esse mesmo projeto est sendo realizado em outros estados brasileiros, com nomes variados, atendendo a mais de 7 milhes de pessoas. O programa tambm foi assumi-do pelo Ministrio da Educao (MEC) e est implantado em trs unidades da federa-o, chegando a seis no total de 2005.

    A percepo do fenmeno das violncias nas escolas resulta das histrias vividas erecolhidas pelos diversos atores que convivem no ambiente escolar e das relaes queestabelecem entre si. Nessa medida, as violncias so percebidas como um fenmenocorriqueiro no cotidiano daqueles que j vivenciaram situaes ligadas a roubos, amea-as, assalto, discriminao, vandalismo, atitudes autoritrias, brigas etc. Para evitar a con-tinuidade dessa situao, indiscutvel a necessidade de se identificarem medidas paraque os estabelecimentos de ensino se apresentem como espao seguro para seus inte-grantes, uma vez que a violncia afeta a integridade fsica, emocional e psicolgica dealunos, professores, funcionrios e pais.

    Diante desse contexto, as especificidades nacionais devem ser consideradas na horade planejar as polticas pblicas, que devem ser firmadas nas aes de preveno da vio-lncia, e no se basearem em medidas repressivas. Em relao escola, deve-se ter uma

    proposta pedaggica mais atraente linguagem juvenil, considerando os jovens comoprotagonistas das polticas. As sugestes a seguir precisam do apoio dos governos federal, estaduais e munici-

    pais, assim como da sociedade civil. No mbito das escolas, necessrio o envolvimen-

    H escolas que apresentam violncias permanentes eoutras apenas ocasionais. Algumas, ainda, so histo-ricamente mais violentas do que outras. Curiosamen-te, h tambm aquelas que so seguras, apesar de es-tarem localizadas em regies extremamente perigo-sas. o caso de uma escola pblica na periferia do Riode Janeiro, considerada privilegiada entre as demais.A justificativa dada por professores e alunos ser elauma instituio escolar com as dependncias sempreconservadas como novas e um corpo de professoresunidos em prol do ensino. Os alunos tm ambientede amizade e respeito. Por isso, ajudam na conserva-o do colgio, e a segurana de tima qualidade.A escola conta com um grmio organizado, e cadaturma possui um representante e um suplente, almde um professor conciliador da turma que represen-ta o colgio na reunio de pais. Esses, por sinal, tmparticipao freqente nas atividades escolares. A

    direo tem discurso democrtico enfatizando o di-logo como forma de interao do aluno. Os profes-sores tambm manifestam esse sentimento incorpo-rando seus prprios filhos na comunidade escolar.

    Outro exemplo uma escola na periferia de Cuia-b, com vizinhana considerada perigosa, mas relati-vamente segura. Os alunos que a freqentam so mo-radores do bairro, assim como a direo da escola. Osalunos percebem que o colgio um espao de so-cializao onde as relaes de afetividade so cons-trudas e vividas entre professores e alunos, direoe coordenao. A direo garante controle rgido deentrada de pessoas estranhas no estabelecimento.

    H, tambm, momentos em que o estabelecimen-to de vnculos com a comunidade traz implicaes,como a necessidade de lidar com os traficantes de dro-gas e as gangues. A diretora de uma escola da peri-feria do Rio de Janeiro recorre poltica da boa vizi-

    Por que uma escola se torna violenta?

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