neopentecostalismo. intolerância religiosa

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  • 8/12/2019 Neopentecostalismo. Intolerncia Religiosa

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    MANA 13(1): 207-236, 2007

    NEOPENTECOSTALISMO E RELIGIES AFRO-BRASILEIRAS: SIGNIFICADOS DO ATAQUEAOS SMBOLOS DA HERANA RELIGIOSA

    AFRICANA NO BRASIL CONTEMPORNEO*

    Vagner Gonalves da Silva

    Introduo

    O neopentecostalismo, em conseqncia da crena de que preciso eliminar

    a presena e a ao do demnio no mundo, tem como caracterstica classificaras outras denominaes religiosas como pouco engajadas nessa batalha, ouat mesmo como espaos privilegiados da ao dos demnios, os quais se dis-

    farariam em divindades cultuadas nesses sistemas. o caso, sobretudo, dasreligies afro-brasileiras, cujos deuses, principalmente os exus e as pombagiras,

    so vistos como manifestaes dos demnios. Uma outra face desse processo ,paradoxalmente, a incorporao da liturgia afro-brasileira nas prticas neo-pentecostais de algumas igrejas. Neste trabalho, pretendo analisar as relaesde proximidade e antagonismo existentes entre estes dois campos religiosos, o

    neopentecostal e o afro-brasileiro, e suas conseqncias na transformao decerto imaginrio brasileiro construdo a partir dos valores a existentes.

    Em primeiro lugar, bom que se diga que a viso das igrejas neopente-

    costais sobre as religies afro-brasileiras conseqncia do desenvolvimentodo sistema teolgico e doutrinrio do pentecostalismo, surgido no Brasil noincio do sculo XX, sobretudo a partir das dcadas de 1950 e 1960. Nessa

    poca, o movimento religioso assumiu novos contornos, expandindo a base

    de suas igrejas, adensando o nmero de denominaes e ganhando maiorvisibilidade. Ao se distinguir pela nfase do dom da cura divina (por isso

    chamada muitas vezes de igrejas da cura) e pelas estratgias de proseli-tismo e converso em massa, essa segunda onda1do pentecostalismo pre-servou as caractersticas bsicas do movimento que j tinha 40 anos, como

    a doutrina dos dons carismticos (f, profecia, discernimento, cura, lnguasetc.), o sectarismo e o ascetismo (Mariano 1999:31).

    A terceira fase do movimento pentecostal, iniciada nos anos de 1970,

    com grande projeo nas duas dcadas seguintes, foi marcada por algumas

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    diferenas significativas no perfil das igrejas surgidas e nas prticas adotadas,o que lhe valeu a classificao de neopentecostal. Com o acrscimo doprefixo latino neo, pretendeu-se expressar algumas nfases que as igrejas

    identificadas nessa fase assumiram em relao ao campo do qual, em geral,faziam parte: abandono (ou abrandamento) do ascetismo, valorizao dopragmatismo, utilizao de gesto empresarial na conduo dos templos,

    nfase na teologia da prosperidade, utilizao da mdia para o trabalhode proselitismo em massa e de propaganda religiosa (por isso chamadasde igrejas eletrnicas) e centralidade da teologia da batalha espiritual

    contra as outras denominaes religiosas, sobretudo as afro-brasileiras e oespiritismo.Mas por que a escolha dessas religies como principal alvo? Ser que

    uma igreja to organizada e interessada na converso em massa, como aIgreja Universal do Reino de Deus (IURD)2, principal representante do seg-mento neopentecostal, iria se importar com religies (candombl, umbanda

    e espiritismo) que juntas, segundo o Censo Demogrfico do IBGE de 2000,somam apenas 1,7 % da populao? Ainda que consideremos estes valoressubestimados pelos motivos histricos que geraram o duplo pertencimento

    dos adeptos s religies afro-brasileiras e ao catolicismo, o ataque neo-pentecostal no seria muita plvora para pouco passarinho? Ou seja, o

    bom combate a ser travado no seria contra o catolicismo que, apesar dadiminuio de fiis verificada nas duas ltimas dcadas, ainda representa,segundo as mesmas fontes, 73,7 % da populao? Como declarar guerraaberta a esse monoplio religioso que possui vnculos com diversas esferas

    da sociedade brasileira? O episdio do chute na santa e suas repercus-ses negativas (Mariano 1999:81) so um bom exemplo da dificuldade doenfrentamento aberto.

    O ataque s religies afro-brasileiras, mais do que uma estratgia deproselitismo junto s populaes de baixo nvel socioeconmico, potencial-mente consumidoras dos repertrios religiosos afro-brasileiros e neopente-

    costais, conseqncia do papel que as mediaes mgicas e a experincia

    do transe religioso ocupam na prpria dinmica do sistema neopentecostalem contato com o repertrio afro-brasileiro. O desenvolvimento recente do

    catolicismo carismtico atestaria a demanda crescente por tais mediaestambm nesse segmento religioso majoritrio. No Brasil, enquanto os pro-cessos de secularizao e racionalizao atingiam os setores cristos (cato-

    licismo, protestantismo histrico etc.), o pentecostalismo surgiu como umapossibilidade, ainda tmida na primeira e segunda fases, mas muito forte naterceira, de valorizao da experincia do avivamento religioso. No neopen-

    tecostalismo, essa caracterstica radicaliza-se em termos de transform-la

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    em uma religio da experincia vivida no prprio corpo, caracterstica quetradicionalmente esteve sob a hegemonia das religies afro-brasileiras e doespiritismo kardecista. Combater essas religies pode ser, portanto, menos

    uma estratgia proselitista voltada para retirar fiis deste segmento embora tenha esse efeito e mais uma forma de atrair fiis vidos pelaexperincia de religies com forte apelo mgico, extticas, com a vantagem

    da legitimidade social conquistada pelo campo religioso cristo.Entre o neopentecostalismo e as religies afro-brasileiras h, portanto,

    muitas diferenas, mas so as semelhanas entre estes campos que este artigo

    pretende analisar. Ou seja, julgo possvel entender algumas dimenses daviso antagnica do pentecostalismo sobre denominaes afro-brasileiras(a qual se expressa, muitas vezes, por meio da violncia simblica e mesmo

    fsica) partindo da anlise do trnsito de certos termos entre os sistemasreligiosos em conflito. Esse trnsito tem sido objeto de vrios estudos recen-tes, nos quais me baseio para sistematizar os argumentos apresentados, alm

    da observao de campo e da literatura de divulgao religiosa produzidanos meios neopentecostais.

    O demnio nos livros

    A viso demonaca das religies afro-brasileiras, propagada pelo neopen-tecostalismo, j estava presente nas fases anteriores do movimento pente-costal como elemento da teologia da cura divina. A cura, sendo uma das

    partes constitutivas do ritual da beno aos doentes, servia para mostrar avitria de Deus sobre o demnio, geralmente identificado com a umbandae o candombl (Rolim 1990:49). Nesse perodo, entretanto, no se convo-

    cavam os exrcitos de Cristo para sarem s ruas e impedirem rituaisafro-brasileiros, ou mesmo tentar fechar terreiros, como tem ocorrido nasduas ltimas dcadas.

    Um dos indcios do acirramento desse antagonismo contra as religies

    afro-brasileiras pode ser identificado na publicao do livroMe-de-santo

    (1968), do missionrio canadense Walter Robert McAlister, fundador da Igreja

    Pentecostal de Nova Vida no Rio de Janeiro, em 1960. Conforme consta noprefcio do livro:

    Esta a incrvel histria de uma baiana, cuja marca de faca, em seu brao di-

    reito, predestina-a desde o nascimento a ser me-de-santo, servindo os orixs

    e sacrificando aos exus a partir dos nove anos de idade. Nesta quarta edio,

    reestruturada, voc vai sentir a repugnncia experimentada por Georgina

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    Arago dos Santos Franco, ao ser enclausurada num quarto ftido, cheirando

    a sangue seco, sangue este com que lhe cobriram o corpo inteiro, ao fazer o

    santo. Adivinhar depois toda sua alegria e euforia, quando finalmente des-

    cobriu no mais pertencer sua alma ao diabo, pois o sangue de Jesus Cristo

    passou a ser em sua vida mais forte e poderoso que quaisquer oferendas, vos

    ou obrigaes. Estou convencido de que voc voltar muitas vezes a ler esse

    livro, como tambm o passar s mos de amigos, parentes ou conhecidos que

    seguem as seitas afro-brasileiras. Alis, este um livro que todo brasileiro deve

    ler (1983 [1968]:5).3

    Aqui os temas centrais desse antagonismo esto postos: 1. Identificao

    das divindades do panteo afro com o demnio; 2. Libertao pelo poder(maior) do sangue vivo de Jesus (em oposio ao sangue seco ou ftidoda iniciao ou das oferendas); 3. Em conseqncia da libertao, a conver-

    so. McAlister escreve que ao tomar contato no Brasil com a macumba,inicialmente achou tratar-se de folclore, depois, ao curar uma mulher cujaperna estava paralisada desde que ela dera um pontap em um despacho,

    percebeu o quanto essas crendices eram nocivas e reais.

    Comecei, a partir da, a ter contato direto com vtimas do Candombl e da

    Umbanda, que me contaram do drama terrvel que submeter-se s influn-

    cias dos exus e orixs. Foi assim que passei da atitude de certa incredulidade

    para a conscientizao de que aquelas narrativas no eram apenas resultado

    de imaginao, e no obstante as razes supersticiosas, seus efeitos eram reais

    (1983 [1968]:10).

    Esta seria ento a quarta caracterstica importante dessa batalha espiri-tual: no se trata de ver as religies afro-brasileiras como folclore, crendicepopular, ignorncia ou imaginao, mas reconhecer que suas divindades

    existem, embora sejam na verdade espritos demonacos que enganame ameaam o povo brasileiro.

    Creio que o Brasil tem que se libertar desse mal que j domina segundo

    atestam algumas autoridades mais de um tero da populao, que se curva

    perante pais e mes-de-santo e obedecem s leis e ordens dos orixs. s v-

    timas do poder diablico do Candombl e da Umbanda, portanto, que dedico

    este livro (1983 [1968]:11).

    A convocao de libertao, como se v, feita em nvel nacional, sendo

    esta outra caracterstica da ao evangelizadora neopentecostal.

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    211NEOPENTECOSTALISMO E RELIGIES AFRO-BRASILEIRAS

    No me estenderei aqui sobre o livro de McAlister. Basta dizer que a me-de-santo Georgina poderia ser vista como um tipo ideal weberiano, na medidaem que por meio dela percebe-se o perfil do desenvolvimento do candombl

    na regio Sudeste. Georgina negra, nascida na Bahia, sede desta religiono Brasil, predestinada a ser do candombl na dupla funo de herdeira dosorixs de sua av e sacerdotisa deste culto. Vem para o Rio de Janeiro, onde

    freqenta o candombl e a umbanda, assiste a um culto do pastor McAlistere durante um ano transita entre a igreja e o terreiro, mostrando o quanto lhefoi difcil abandonar a prtica religiosa anterior. Finalmente, aceita a ceia

    do Senhor e passa a se dedicar a pregar a nova verdade para seus antigosirmos de f esprita. Ao descrever este ponto da vida de Georgina, o livroparece atingir o clmax, quando a herona, a pedido de outra me-de-santo

    recm-convertida, destri impiedosamente o peji (altar) do terreiro desta.

    McAlister descreve nesse livro as fontes do espiritismo4no Brasil e localiza na

    bblia as passagens que justificariam sua condenao. Curiosamente, alega que

    certas cerimnias do candombl como o oss (rito de purificao pela gua)

    e o sacrifcio de animais sobre a pedra (ot) foram roubadas de antigas leis

    de Deus presentes em livros do Velho Testamento, como o Levtico. Estas leis

    foram, entretanto, reformuladas por Jesus Cristo, cujo sacrifcio final sinalizou

    para a salvao e a purificao de todos os que nele crem. Nos dois captulos

    centrais do livro, o relato feito pela prpria Georgina, que revela os rituais de

    sua antiga religio aos quais se submeteu ou que realizou, como a iniciao

    (rituais de raspagem de sua cabea para Oxum, que incluram banhos com ervas

    e com sangue), os trabalhos feitos em cemitrios, despachos com miolo de boi,

    com bonecas para amarrao etc. Ao final, revela que [] o povo do candombl

    acredita que o poder dos trabalhos est nos segredos que a me-de-santo

    aprende atravs dos votos feitos aos orixs. Hoje sei perfeitamente que segre-

    dos so esses, e qual a sua fonte [...]: por trs dos sacrifcios sangrentos, das

    oferendas, comidas e banhos de ervas; enfim, por trs de todas as obrigaes,

    h um poder maligno e diablico em ao. O povo acredita que os orixs so

    deuses, mas no entende que na realidade so foras do mal forcejando por

    entrar em suas vidas a fim de as controlar e depois destruir (1983 [1968]:93).

    Georgina, espcie de alter ego de McAlister, reproduz no trecho acimaa lgica do prprio candombl, na qual so os ebmis (mais velhos no culto)

    que, detentores dos segredos do culto, os revelam aos poucos, de acordo com asenioridade dos seus interlocutores e segundo as relaes de poder no interiorda comunidade religiosa. Mas, sendo ela uma me-de-santo convertida, a

    legitimidade de sua revelao radical (o segredo dos segredos) apia-se

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    simultaneamente em dois sistemas de legitimao: o afro-brasileiro e o pen-tecostal. Por isso, o livro uma pea de dilogo e sobreposio desses doissistemas religiosos: nos captulos centrais, aparece Georgina em sua jornada

    para Deus descrita em primeira pessoa; nos captulos iniciais e finais, surgeo relato de McAlister em sua jornada para os recnditos do Diabo (candomble a umbanda) para conden-los e convidar seus praticantes libertao.

    Alm de pioneiro neste tipo de produo literria5, McAlister pareceter sido tambm o primeiro a utilizar a possessoin loco dos fiis, durantesua pregao evanglica, como pea de enfrentamento dos demnios supos-

    tamente advindos dos cultos afros. Segundo Ricardo Mariano (1999:131),esse pastor, na poca, j obrigava os demnios a se manifestarem nos cultospblicos, conversava com eles, descobria seus nomes e os identificava com

    os cultos afro-brasileiros e espritas.O impacto das prticas da Igreja de Nova Vida no desenvolvimento

    desse antagonismo contra as religies afro-brasileiras foi, entretanto, redu-

    zido. Essa Igreja, apesar de utilizar o rdio e posteriormente ser uma daspioneiras no uso da televiso para transmitir sua mensagem evanglica,nunca teve uma grande expanso e sobreviveu modestamente aps a morte

    do seu fundador em 1993. Sua contribuio maior foi a formao de impor-tantes lideranas, como Edir Macedo e Romildo Ribeiro Soares, que poste-

    riormente fundaram suas prprias igrejas e se tornaram famosos partindodos pressupostos de evangelizao em relao s religies afro-brasileirasaprendidos com McAlister.

    Edir Macedo, de origem catlica e com passagem pela umbanda, havia

    se convertido Nova Vida, na qual ficou por mais de uma dcada (Freston1994:131; Mariano 1999:54). Dissidente desta igreja fundou, em 1977, junta-mente com Romildo Soares e Roberto Lopes, a Igreja Universal do Reino do

    Deus. Porm, disputas pelo poder ocasionaram a dissoluo do triunvirato,ficando a igreja sob o comando exclusivo de Edir Macedo. Nas dcadas se-guintes, aliando uma ttica agressiva de proselitismo, investimento na mdia

    televisiva e acirramento da guerra espiritual contra as denominaes rivais,

    a Universal tornou-se a mais conhecida e influente igreja do movimentoneopentecostal. Na mdia impressa, o ataque iniciou-se desde as primeiras

    publicaes da Igreja. Como menciona Ronaldo Almeida (1996:38):

    A primeira publicao da Igreja Universal foi a revista Plenitude, criada pouco

    tempo depois da sua fundao e, desde o seu primeiro nmero, o ataque

    Umbanda e ao Candombl imperaram como matrias principais. A Folha Uni-

    versal, que substituiu posteriormente a revista, traz todas as semanas diversas

    reportagens a respeito dos males causados por estas religies.

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    213NEOPENTECOSTALISMO E RELIGIES AFRO-BRASILEIRAS

    da autoria de Edir Macedo o principal e mais contundente livro deoposio aos cultos afro-brasileiros: Orixs, caboclos & guias. Deuses ou

    demnios?6 Lanado em 1988, esse livro, cuja vendagem j teria chegado a

    3 milhes de exemplares7, foi motivo de processo judicial, tendo sido final-mente liberado pela justia, como se l na capa. Uma sntese do perfil doautor e do livro fornecida no prefcio de J. Cabral:

    Atravs dos veculos de comunicao e das igrejas que tem estabelecido pelos

    rinces de nossa ptria e no exterior, o bispo Macedo tem desencadeado uma

    verdadeira guerra santa contra toda obra do diabo. Nesse livro denuncia as ma-

    nobras satnicas atravs do kardecismo, da Umbanda, do Candombl e outras

    seitas similares; coloca a descoberto as verdadeiras intenes dos demnios que

    se fazem passar por orixs, exus, ers, e ensina a frmula para que a pessoa se

    liberte do seu domnio (apud Macedo 1996 [1988]:20).

    Orixs, caboclos & guias. Deuses ou demnios?retoma a estrutura e ostemas centrais de Me-de-santo. Porm, pretendendo no deixar nem sombrade dvida sobre a resposta certa pergunta do ttulo, apresenta argumentos

    mais detalhados, em um tom muito mais agressivo de condenao e alertasobre os perigos que correm os que cultuam o panteo mencionado.

    Segundo a exegese bblica contida no livro de Macedo, os demnios exis-tem e so criaturas de Deus que, por invejarem o criador, caram em desgraae vivem a disputar desde ento o trono celeste. Como espritos sem corpo,procuram apoderar-se dos corpos dos homens para causar-lhes doenas, infor-

    tnios e afast-los de Deus. A luta dos homens contra os demnios , portanto,uma decorrncia da guerra destes contra Deus. Alm disso, a vitria sobre odemnio significa, para os homens, dar o devido valor ao sacrifcio feito por

    Jesus em nome de toda a humanidade da ser em nome deste (do seu sanguesacrificial) que se invoca a vitria sobre o mal e a posse da salvao eterna.

    Para Macedo, os diabos se apoderam dos homens especialmente quando

    estes freqentam terreiros de candombl, umbanda e espritas ou realizam

    prticas de magia (como trabalhos e despachos); tm, ou tiveram, pessoasda famlia ou prximas envolvidas com esta prtica (no caso de pessoas

    da famlia, mesmo quando estas j morreram, o demnio pode atacar seusparentes; nessa circunstncia, diz-se que um demnio hereditrio);comeram comidas ofertadas aos orixs e, em resumo, no aceitaram Jesus

    plenamente em seu corao, ou seja, no tm o Esprito Santo em sua vida.Entretanto, mesmo quando estes fatores propiciatrios esto ausentes, apossesso demonaca poder ocorrer simplesmente por maldade do prprio

    demnio. As evidncias de que as religies afro-brasileiras so diablicas

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    decorrem da realizao de sacrifcios de animais, transe de possesso porespritos, culto aos mortos, uso da magia para fazer malefcios etc.

    A exemplo do livro Me-de-santo, no de Macedo h uma descrio quese pretende objetiva dessas religies, baseada em inmeros testemunhosde ex-membros dos cultos afros que se converteram IURD8, na prpriaexperincia do autor como ex-participante da umbanda e em um caderno

    (manuscrito) de fundamentos (conhecimentos secretos) doado por umaex-me-de-santo ao autor.9

    Para alm das semelhanas existentes entre os livros de McAlister e

    Macedo

    10

    , o que torna a publicao do segundo mais convincente para osobjetivos pretendidos o uso de uma farta ilustrao que se vale do prpriostatusda dimenso esttica e ritualstica das religies afro-brasileiras para

    julg-las como demonacas. Na capa, uma foto do orix Oxal (paramentadode branco) reproduzida sobre um fundo vermelho e preto (cores de Exu)11,tendo sua frente a esttua de um caboclo e de So Jorge, fios de contas,

    quartinhas etc. Ao centro, uma caveira rodeada por velas acesas em crculo.Obviamente, trata-se de uma montagem de peas na forma estilizada deum despacho e, por isso mesmo, seu poder imagtico bastante suges-

    tivo, sobretudo pelas associaes que induz por meio de coisas funestas (acaveira); ameaadoras (o caboclo com a sua clave erguida em posio de

    combate); misteriosas (os elementos litrgicos).No interior do livro, as legendas que acompanham as fotos pretendemdesvendar-lhes os significados verdadeiros. No incio do livro, por exem-plo, a reproduo de um convite para uma festa de candombl, tendo um

    tridente como emblema, apresenta a seguinte legenda: O tridente do diaborevela o intuito deste ritual (:27). Uma foto de imagem de pombagira seguida pelas frases: A pomba-gira causa em muitas mulheres o cncer de

    tero, ovrio, frigidez sexual e outras doenas. sua atuao atribuem-secomportamentos ligados a prticas sexuais ilcitas e outras situaes liga-das sensualidade pecaminosa (:36).12Mas o impacto maior decorre da

    reproduo fotogrfica de inmeras cenas de rituais secretos de iniciao,

    como o or (momento do sacrifcio do animal sobre a cabea do iniciado).Essas cenas so, de fato, o calcanhar de Aquiles dos cultos afros, sobretudo

    quando retiradas de seu contexto, visando criar a imagem dessas religiescomo sangrentas, selvagens ou primitivas. As fotos de um sacrifcioanimal feito sobre a cabea de uma iniciada e de fiis ajoelhados diante de

    um cong (altar) apresentam as seguintes legendas: A feitura da cabea!Nesse estgio o adepto j fez um pacto com os demnios. S Jesus poderlibert-lo (Macedo 1996:77); Festa de formatura, onde os adeptos ganham

    de presente uma legio de demnios para trabalhar com eles (:65).

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    No entanto, a evidncia maior da ao do demnio estaria, segundoo livro, nos assassinatos de pessoas em rituais afro-brasileiros, noticiados

    pela impressa e cujas manchetes esto reproduzidas no livro: Matarammoa pra fazer despacho (:46); A polcia encontrou no local do despacho,crebro e outros rgos humanos, entre eles, um corao (:56); Beb vtima

    de satanismo (:109); Homem morto faca em ritual de umbanda (:109).Obviamente que esses fatos, embora tenham ocorrido como atestam as re-portagens, no constituem prticas caractersticas dos sistemas religiososafro-brasileiros. Entretanto, seu autor est convencido de que as religies

    afro-brasileiras esto por trs de todas essas manifestaes, da colocar fotosde pessoas assassinadas como animais em rituais (tendo o corpo coberto porsangue) e de pessoas deitadas em um quarto de iniciao (tendo sobre o

    corpo o sangue ritual dos animais). A seqncia de imagens parece quererexprimir uma lgica na qual se prescreve que onde se mata o animal sobreo humano pode-se matar o humano como se fosse animal.13

    Tambm as legendas das fotos de crianas participando dos rituaisreforam o esteretipo negativo sobre a religio: Essas crianas, por teremsido envolvidas com os orixs, certamente no tero boas notas na escola e

    sero filhos problemas na adolescncia (:50).As referncias s religies afro-brasileiras existentes em espaos

    pblicos tambm demonstrariam, segundo o livro, a expanso da ao dodemnio para alm dos muros dos terreiros. Sob a foto da esttua de Ieman-j, localizada no litoral paulista, l-se: Iemanj, na Umbanda, a mesmaVirgem Maria da religio catlica. Muitos outros santos so associados

    aos demnios (:53). Fotos de placas de casas comerciais com os nomes deorixs (Grfica Oxum, Restaurante Xang etc.) ou esculturas de orixs, muitocomuns em Salvador, tambm so alvos de crticas (:80,153).

    Na trilha aberta por Me-de-santo, alm de Orixs, caboclos & guias.Deuses ou demnios?, muitos outros livros tm sido escritos delimitandouma rea de interesse crescente na literatura de divulgao religiosa dos

    pastores neopentecostais. o caso do livro Espiritismo, a magia do engano,

    cujo autor, o missionrio Romildo Ribeiro Soares (ou R.R. Soares), depoisde romper com Edir Macedo, fundou em 1980 a Igreja Internacional da

    Graa de Deus. Do plpito desta igreja tambm vem convocando os fiispara combaterem os demnios afro-brasileiros sem, contudo, ameaar oprotagonismo que marca a atuao de Macedo nesse campo.14Esta literatura

    tem, inclusive, se diversificado e estende seu foco de ataque para outrasreligies consideradas heresias ou seitas15.

    Se os livros citados nos permitem uma introduo ao universo da lite-

    ratura de divulgao que fundamenta a teologia da batalha espiritual 16,

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    sobretudo no plano dos atos rituais que sua mensagem tem gerado maioreficcia e adquirido grande visibilidade, tanto no interior das igrejas pen-

    tecostais como em outros espaos. Vejamos a seguir alguns exemplos daao neopentecostal contra a presena do diabo associada s religiesafro-brasileiras.

    O demnio na prtica

    Para que possamos entender melhor a natureza e a extenso dos casos deataques neopentecostais17s religies afro-brasileiras, recolhi informaessobre eles publicadas na imprensa escrita e na literatura acadmica dos

    ltimos anos e classifiquei-os segundo alguns critrios: 1. Ataques feitos nombito dos cultos das igrejas neopentecostais e em seus meios de divulgaoe proselitismo; 2. Agresses fsicasin lococontra terreiros e seus membros;

    3. Ataques s cerimnias religiosas afro-brasileiras realizadas em locais p-blicos ou aos smbolos destas religies existentes em tais espaos; 4. Ataquesa outros smbolos da herana africana no Brasil que tenham alguma relao

    com as religies afro-brasileiras; 5. Ataques decorrentes das alianas entreigrejas e polticos evanglicos e, finalmente, 6. As reaes pblicas (polticas

    e judiciais) dos adeptos das religies afro-brasileiras. Vejamos alguns casosrepresentativos de cada grupo.1. Como vimos acima, os ataques feitos no mbito das prticas rituais

    das igrejas neopentecostais e de seus meios de divulgao e proselitismo

    tm como ponto de partida uma teologia assentada na idia de que a causade grande parte dos males deste mundo pode ser atribuda presena dodemnio, que geralmente associado aos deuses de outras denominaes

    religiosas. Caberia aos fiis, segundo esta viso, dar prosseguimento obra de combate a esses demnios iniciada por Jesus Cristo: Para isto semanifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo (1 Joo 3:8).

    O panteo afro-brasileiro especialmente alvo deste ataque, sobretudo a

    linha ou a categoria de exu, que foi associada inicialmente ao diabo cristoe posteriormente aceita nessa condio por uma boa parcela do povo-de-

    santo, principalmente o da umbanda.No interior das igrejas neopentecostais so freqentes as sesses de

    exorcismo (ou descarrego, conforme denominao da Igreja Universal do

    Reino de Deus IURD) dessas entidades, que so chamadas a incorporarpara em seguida serem desqualificadas e expulsas como forma de liberta-o espiritual do fiel. Dos plpitos, este ataque estende-se aos programas

    religiosos (Fala que eu te escuto, Ponto de luz, Pare de sofrer, Show da f

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    217NEOPENTECOSTALISMO E RELIGIES AFRO-BRASILEIRAS

    etc.) transmitidos pela Rede Record (de propriedade da IURD) e por outrasemissoras que tm seus horrios comprados pelas igrejas neopentecostais.

    Em muitos desses programas so exibidas reconstituies de casos reaisou dramatizaes, nas quais smbolos e elementos das religies afro-bra-sileiras so retratados como meios espirituais para a obteno unicamente

    de malefcios: morte de inimigos, disseminao de doenas, separao decasais ou amarrao amorosa, desavena na famlia etc. So comuns nessesprogramas os testemunhos de converso dados por pessoas que se apre-sentam como antigos freqentadores de terreiros, so entrevistados pelo

    pastor e confessam os malefcios que teriam sido feitos com a ajuda dasentidades afro-brasileiras (chamadas de encostos). Os testemunhos maisexplorados so os dos que se apresentam como ex-sacerdotes das religies

    afro-brasileiras, chamados de ex-pais-de-encosto, que explicam detalha-damente como faziam os despachos e sua inteno malvola.

    A vasta rede de comunicao dessas igrejas inclui ainda programas de

    rdio, sites na Internet e material de divulgao religiosa (livros, jornais,revistas e folhetos), como a Folha Universale a revista Plenitude, ambas daIURD. Os livros best-sellersj mencionados, Orixs, caboclos e guias. Deusesou demniose Espiritismo. A magia do engano,so os mais conhecidos.

    2. Insuflados por essa crena, os membros das igrejas neopentecostais

    muitas vezes invadem terreiros visando destruir altares, quebrar imagense exorcizar seus freqentadores, o que geralmente termina em agressofsica. No Rio de Janeiro, umbandistas do Centro Esprita Irmos Frei da Luzforam agredidos com pedradas pelos freqentadores de uma IURD situada

    ao lado deste Centro, na Abolio.18Uma adepta da Tenda Esprita Antniode Angola, no bairro do Iraj, foi mantida, por dois dias, em crcere privadoem uma igreja evanglica em Duque de Caxias, com o objetivo de renunciar

    sua crena e converter-se ao evangelismo.19

    Em Salvador, tida como a capital da macumbaria ou a Sodoma eGomorra da magia negra pelos neopentecostais, uma iniciada no candom-

    bl teve sua casa, no bairro de Tancredo Neves, invadida por 30 adeptos da

    Igreja Internacional da Graa de Deus, que jogaram sal grosso e enxofre nadireo das pessoas ali reunidas durante uma cerimnia religiosa.20Estas

    substncias materiais tambm so atiradas em automveis que possuemcolar de contas (guia) pendurado no espelho retrovisor.21

    Em So Lus, capital maranhense, alguns fiis da Assemblia de Deus

    residentes no bairro acusaram os chefes do Terreiro do Justino, localizado naVila Embratel, de seqestro de um beb, filho de um casal de freqentadoresdesta igreja que residia na vizinhana. Acreditavam que o beb teria sido

    raptado para ser sacrificado nos ritos do terreiro.22Acionaram a polcia que,

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    NEOPENTECOSTALISMO E RELIGIES AFRO-BRASILEIRAS218

    mesmo sem uma ordem judicial, revistou as instalaes do templo, incluindoos quartos sagrados interditados aos no-iniciados. At a geladeira da casa

    e os carros estacionados no quintal foram alvos da busca policial. A inves-tigao s no foi levada adiante porque os reais seqestradores da crianaforam capturados. O terreiro, fundado h 104 anos, um dos mais antigos

    da cidade e vem sofrendo presses por parte dos evanglicos do bairro paraque seja transferido dali.23Esta , alis, uma estratgia dos pastores que, aose instalarem nos bairros, identificam os terreiros da regio e estabelecemprazos para fech-los.24

    No bairro Engenho Velho da Federao, em Salvador, onde existem cercade 19 terreiros de candombl (famosos por sua tradio, como a Casa Brancae o Gantois), o confronto vem se acirrando. Para demonstrar sua fora, as

    igrejas evanglicas organizaram uma passeata para intimidar os seguidoresdos demnios naquele bairro. Em resposta, o povo-de-santo saiu s ruasvestindo roupas brancas, cor associada paz e a Oxal, o orix da criao,

    segundo o candombl.25Outra manifestao deste tipo de ataque dificultar,utilizando vrios meios, a realizao das atividades rituais dos terreiros. Umame-de-santo da Cidade Tiradentes, em So Paulo, reclamou de um carro de

    som, contratado por uma igreja neopentecostal das imediaes, que paravaou circulava insistentemente em frente ao seu terreiro para anunciar em alto

    volume as sesses de descarrego realizadas na referida igreja.

    26

    3. Quando as atividades religiosas (festas de orix, oferendas, procissesetc.) so feitas em lugares pblicos (praias, matas, cachoeiras, ruas, largose ginsios), os adeptos ficam mais expostos a esses ataques, que englobam

    desde a simples distribuio aos presentes de panfletos com propagandacontra esses cultos at a tentativa de interrupo forada dos rituais. Duranteuma festa de Iemanj ocorrida na praia do Leme, Rio de Janeiro, neopen-

    tecostais pregaram contra esta cerimnia com o auxlio de alto-falantes edestruram os presentes ofertados a esta entidade associada ao mar. O mesmoocorreu durante uma festa de ers (entidades infantis) realizada na Quinta

    da Boa Vista, quando os neopentecostais quebraram imagens e queimaram

    roupas de santo.

    27

    Smbolos das religies afro-brasileiras colocados em espaos pbli-

    cos tambm podem ser atacados. A revitalizao do Dique do Toror, queincluiu a instalao de esculturas dos orixs pela prefeitura de Salvador,rendeu uma srie de crticas das igrejas evanglicas que condenaram esse

    ato de enaltecimento de uma religio diablica, associada ao mal, queprecisaria ser exorcizada, segundo esta tica, e no homenageada pelopoder pblico. Este ltimo, argumentando que as imagens dos orixs, mais

    do que smbolos religiosos especficos, fazem parte da cultura baiana, assim

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    219NEOPENTECOSTALISMO E RELIGIES AFRO-BRASILEIRAS

    justificou sua ao. De fato, esculturas e imagens retratando deuses afro-brasileiros esto dispersas em muitos outros locais da capital baiana, como

    ruas, praas e edifcios, sendo seus nomes usados, inclusive oficialmente,para identificar alguns desses locais e estabelecimentos comerciais e cultu-rais. H, entretanto, uma forte oposio a isto. A diretora de uma escola, no

    bairro de Stella Maris, teve de mandar apagar a figura do orix Ogum, quehavia em um painel artstico situado naquele edifcio escolar, por pressodos pais evanglicos cujos filhos estudavam ali.28

    Em So Paulo, agresses esttua de Iemanj, na Praia Grande, como

    tentativa de depredao, tambm tm sido registradas (Mariano 1999:123).A intolerncia religiosa pode manifestar-se no compartilhamento de locaisou transportes pblicos, como no caso de uma mulher que por trajar um

    turbante branco, tpico dessas religies, foi expulsa do nibus em que viajavana zona norte da cidade carioca.29

    4. Smbolos da herana africana no Brasil, mesmo que no sejam exata-

    mente religiosos, mas de alguma forma aludam s religies afro-brasileiras,so estigmatizados e combatidos. No Rio de Janeiro, por influncia dasigrejas neopentecostais, houve um esvaziamento da bateria mirim da Toca o

    Bonde Usina de Gente, uma organizao no-governamental que ensinamsica s crianas e aos jovens carentes moradores em algumas comuni-

    dades da regio de Santa Teresa. Os pais evanglicos retiraram seus filhosdessa ONG, alegando que o samba est vinculado ao culto do demnio.Nessa tica, escola de samba , portanto, escola do capeta30.

    Uma outra face da desqualificao desses smbolos , paradoxalmente,

    a sua incorporao nas prticas evanglicas, porm dissociando-os de suarelao com as religies afro-brasileiras. Assim, surge a capoeira de Cristo,evanglica ou gospel,em cujas letras no h referncias aos orixs ou aos

    santos catlicos. O 1o. Encontro Nacional de Capoeiristas Evanglicos acon-teceu em 2005, em Goinia, e o tema escolhido foi Deus o verdadeiroancestral da capoeira31. Neste contexto, h uma refutao da contribuio

    da ancestralidade ou da espiritualidade africana na formao da capoeira,

    como se v na meno a Deus como o verdadeiro ancestral dessa prticaque, na sua origem, esteve intimamente relacionada ao candombl. Outro

    exemplo o acaraj do Senhor feito por mulheres evanglicas que queremdissociar este alimento das religies afro-brasileiras (o acaraj uma comidavotiva de Ians) e da imagem das baianas que tradicionalmente o comercia-

    lizam vestidas com suas saias brancas e seus colares de conta (guias) umaindumentria tpica dos terreiros e conhecida nacionalmente.

    Com a recente deciso do Ministrio da Educao pela incluso da

    temtica Histria e Cultura Afro-brasileira no currculo oficial da rede de

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    NEOPENTECOSTALISMO E RELIGIES AFRO-BRASILEIRAS220

    ensino32, livros didticos abordando este assunto comeam a ser produzidos.Como as religies afro-brasileiras so parte desta histria e desta cultura, suas

    caractersticas tm sido tratadas de forma no-sectria ou proselitista, comoconvm a um material destinado ao ensino laico, humanista e de difusoda tolerncia diversidade cultural. Entretanto, colocar nos livros escolares

    as religies de origem africana ao lado de religies hegemnicas, como ocristianismo, dando-lhes o mesmo espao e legitimidade destas ltimas, temgerado, por si s, protestos. Foi o que ocorreu com uma coleo de livrosdidticos destinada ao Ensino Fundamental, lanada por uma editora de

    So Paulo. No volume indicado para a 2

    a

    . srie, no captulo Nossas razesafricanas, a autora trata da formao das religies afro-brasileiras, inclusivecom exerccios que objetivam que as crianas pesquisem sobre a histria

    dos orixs. Uma coordenadora pedaggica evanglica de Belfort Roxo, Riode Janeiro, protestou junto editora, alegando que o livro fazia apologiadas religies afro-brasileiras e que no seria adotado em sua escola, onde

    a maioria dos alunos e professores, segundo ela, era evanglica. A mesmacoleo tambm gerou protesto na Cmara da cidade de Pato Branco, Paran,onde um vereador tambm pastor evanglico denominou a obra de livro

    do demnio e pediu a cassao da coleo.33Vale lembrar que o referidomaterial didtico foi avaliado e obteve parecer muito favorvel, sendo reco-

    mendado pelo Guia do Plano Nacional do Livro Didtico (PNLD-2004).

    34

    5. Como se v neste ltimo caso, com a crescente eleio de candi-datos evanglicos ou de aliados dessas igrejas, a batalha contra outras de-nominaes religiosas se reflete ou se ampara no campo da representao

    poltica. Polticos evanglicos, aproveitando-se do poder decorrente destecampo, vm articulando aes antagnicas ao desenvolvimento das religi-es afro-brasileiras. No Rio Grande do Sul, por presso desses polticos e

    com o apoio das sociedades protetoras dos animais, o Cdigo Estadual deProteo aos Animais tem sido acionado na tentativa de coibir os sacrifciosrituais do candombl. Um pargrafo especfico deste Cdigo, que no foi

    aprovado por presso dos religiosos afro-brasileiros, vetava a realizao de

    cerimnia religiosa que envolvesse a morte de animais.

    35

    Mesmo assim,baseadas na interpretao deste Cdigo, tm sido possveis aes judiciais

    contra sacerdotes afro-brasileiros, como ocorreu com a me-de-santo GisseleMaria Monteiro da Silva, de Rio Grande, condenada a 30 dias de priso porrealizar sacrifcios de animais em seu terreiro.36

    6. Diante desses ataques, as reaes dos religiosos afro-brasileiros e deseus aliados, que eram quase insignificantes h duas dcadas, tm crescido,mas ainda esto muito longe de representar um movimento articulado que

    faa frente organizao dos evanglicos, que cada vez mais se empenham

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    em ocupar espaos estratgicos nos meios de comunicao e nos poderesLegislativo e Executivo. Inicialmente, essa reao se fez na forma de protes-

    tos, como o do deputado estadual e umbandista tila Nunes que, em 1981,solicitou ao ento ministro da justia Ibrahim Abi Ackel providncias sobreo tema.37No final dessa mesma dcada, Edir Macedo foi processado peloConselho Nacional Deliberativo da Umbanda e dos Cultos Afro-brasileiros

    por vilipndio a culto religioso, calnia e difamao, o que ocasionou umabreve conteno na intensidade dos ataques nesse perodo.38

    A trgua durou pouco, pois em meados dos anos de 1990, a agresso

    a uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, feita por um bispo da IURDdurante um programa televisivo fato que ficou conhecido como o Chutena Santa motivou a reao de vrios segmentos da sociedade brasileira,

    colocando essa igreja neopentecostal em uma situao difcil.39Este epis-dio foi duplamente exemplar. Primeiro, mostrou que quando os ataques daIURD dirigem-se diretamente aos smbolos de uma religio majoritria e

    hegemnica, como o catolicismo, sua eficcia reduzida. O que no ocorrecom os ataques s religies afro-brasileiras que, em geral, tm se mostra-do eficazes tanto na converso de adeptos, como no comprometimento da

    imagem pblica desta religiosidade. Segundo, mostrou aos adeptos afro-brasileiros a necessidade de reagirem de forma cada vez mais organizada

    para tentarem preservar a relativa aceitao e legitimidade conquistadas aduras penas perante a sociedade.Assim, nos ltimos anos, alguns movimentos de defesa das religies

    afro-brasileiras tm sido criados e, no mbito jurdico, aes legais tm sido

    impetradas pelos babalorixs e ialorixs contra pastores e/ ou suas igrejas.A Bahia o estado onde existe atualmente um nmero maior de casos regis-trados de reao. Segundo levantamentos publicados por um jornal 40, nos

    ltimos sete anos foram registrados quase 200 reclamaes e processos, osquais englobam, entre outras, aes por difamao contra sacerdotes evan-glicos e seus seguidores (e tambm contra alguns padres) por afirmarem

    publicamente serem as religies afro-brasileiras demonacas, distriburem

    folhetos com este contedo (geralmente em festas pblicas de orixs), apre-sentarem programas na televiso vilipendiando smbolos dessas religies

    ou atacarem terreiros e seus membros.Nesses processos, o Ministrio Pblico tem tido uma atuao impor-

    tante, embora a lentido das varas judiciais criminais, para as quais os

    processos so enviados, desestimule uma ao sistemtica por parte dasvtimas. Alm disso, elas no possuem, em geral, conhecimento suficientedos mecanismos de funcionamento do poder judicirio para neles atuarem

    de forma mais incisiva. Ao considerarem essas dificuldades e na tentativa de

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    NEOPENTECOSTALISMO E RELIGIES AFRO-BRASILEIRAS222

    criarem fruns de debate e rotinas mais geis para o encaminhamento dosprocessos, entidades de defesa dos direitos civis esto propondo a criao

    de uma vara especfica para os casos de discriminao racial e religiosa.41

    Apesar das dificuldades, essas aes jurdicas comeam a dar resultadosfavorveis aos adeptos das religies afro-brasileiras. As igrejas evanglicasresponsveis pelos programas, considerados ofensivos s religies afro-brasi-

    leiras, e as redes de televiso que os exibem esto sendo notificadas. Na Bahia,h inmeros processos em andamento, alguns deles com sentenas outorga-das.42O programa Ponto de Luz, da Igreja Universal de Deus, teve seu horrio

    de exibio alterado (reclassificao etria), ficando proibidas as refernciaspejorativas s religies afro-brasileiras.43Em So Paulo, as redes de televiso(Record, Rede Mulher e outras) que apresentam programas ofensivos (SessoDescarrego, Mistriosetc.) foram condenadas a exibir em sua programao odireito de resposta dos representantes das religies afro-brasileiras.44

    O caso mais emblemtico de reao o de me Gilda (Gildsia dos

    Santos e Santos), do Ax Abass de Ogum, em Itapu, Bahia, que em 1992participou em Braslia de um protesto contra o governo Collor, tendo sidofotografada pela revista Vejaao lado de um despacho.45Posteriormente, essa

    imagem foi usada em uma edio de 1999 da Folha Universal46(publicaoda IURD) ao lado da manchete Macumbeiros charlates lesam a bolsa e a

    vida dos clientes O mercado da enganao cresce no Brasil, mas o Proconest de olho. Este fato e a invaso de seu terreiro por membros da IgrejaDeus Amor que tentaram exorciz-la levaram a me-de-santo a decidirpela ao judicial contra seus agressores e difamadores. Me Gilda faleceu

    em seguida, aos 65 anos, de um infarto fulminante, em conseqncia, se-gundo sua famlia, desses acontecimentos que a abalaram profundamente.47

    Em 2004, a Justia condenou a Igreja Universal e sua grfica a indenizar

    a famlia da ialorix em R$ 1.372.000 pelo uso indevido de sua imagem(R$1,00 para cada exemplar do jornal publicado com a matria).48O carteremblemtico deste caso levou nesse mesmo ano a Cmara de Vereadores

    de Salvador a transformar a data de falecimento da ialorix, 21/1/2000, em

    Dia Municipal de Combate Intolerncia Religiosa.O livro Orixs, caboclos e guias. Deuses ou demnios? outra publicao

    que vem sendo questionada na Justia. Na Bahia, a Procuradoria Estadualenviou Procuradoria da Repblica um pedido para retirar de circulao olivro por considerar seu carter ofensivo s religies afro-brasileiras.49No

    Rio de Janeiro, a Justia condenou em 2004 a IURD e a Editora GrficaUniversal, responsvel pela publicao do livro, a pagar R$ 120.000 pelo usoindevido da imagem do adolescente Ricardo Navarro que aparece em uma

    foto, na poca com 4 anos de idade, tocando atabaque no terreiro de sua av,

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    a ialorix Palmira de Ians, em Mesquita. Segundo a legenda da foto: Essascrianas, por terem sido envolvidas com os orixs, certamente no tero boas

    notas na escola e sero filhos problemas na adolescncia. A ialorix j haviaprocessado a Editora h dez anos pelo uso da imagem de trs crianas emseu terreiro, que aparece no livro e no Jornal Folha Universalpara ilustrar

    uma matria intitulada Filhos do demnio. A grfica foi condenada a pagar20 salrios mnimos para as famlias das trs crianas. Uma destas crianas,hoje adolescente, lembra que na poca foi alvo de chacota na escola: Eu fuichamada de macumbeira, que vivia em religio de demnio50.

    O povo-de-santo, percebendo a necessidade de se contrapor aos ata-ques neopentecostais e de se defender deles, tem procurado articular-se esuperar as divergncias existentes entre as vrias denominaes religiosas

    (candombl e umbanda, por exemplo) e entre os diferentes modelos de cultoque h no seu interior (candombl queto e angola, entre outros). Histori-camente, essas religies desenvolveram-se muito mais por dissidncias ou

    contraposies do que por aglutinao em torno de entidades de represen-tao coletiva. O modelo de organizao federativa dos centros espritas,por exemplo, foi adotado com relativo sucesso pelos terreiros de umbanda,

    mas pouca influncia teve entre os de candombl. Mesmo assim, algumasentidades federativas tm procurado encaminhar posies e estabelecer

    interlocuo com outros agentes do poder pblico, do movimento negro,das organizaes no-governamentais etc.Na Bahia, o Movimento Contra a Intolerncia Religiosa, iniciado em

    2000, teve como articuladores vrios desses agentes, como a Federao

    Baiana de Culto Afro, o Centro de Estudos Afro-Orientais (da UniversidadeFederal da Bahia), o Programa Egb Territrios Negros (desenvolvido pelaKoinonia Presena Ecumnica e Servio), e vem aglutinando outras insti-

    tuies afins. Em So Paulo, o Instituto da Tradio e Cultura Afro-brasileira(Intecab) e a Comisso de Assuntos Religiosos Afrodescendentes tambmbuscam articular a comunidade religiosa, organizando passeatas e atos de

    protesto contra a discriminao religiosa e alertando sobre a necessidade de

    eleger polticos afinados com os interesses das religies afro-brasileiras.

    51

    O Superior rgo de Umbanda do Estado de So Paulo e a Unio

    das Tendas de Umbanda e Candombl do Brasil vm atuando por meio deprocessos judiciais contra pastores evanglicos.52No Rio Grande do Sul, aComisso de Defesa das Religies Afro-Brasileiras (CDRAB), estruturada

    em 2002, e as federaes de cultos da capital gacha organizam-se tantopara eleger candidatos da comunidade religiosa, como para reagir ao depolticos evanglicos, como no caso citado acima de tentativa de proibio

    de sacrifcios de animais nos terreiros.

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    Outra estratgia de resistncia dos afro-brasileiros tem sido a de buscarapoio no movimento ecumnico, considerando que o ataque neopentecostal

    tambm se dirige a outras religies, principalmente ao catolicismo. Almdo j comentado episdio do chute na santa, manifestaes pblicas def catlica so alvo de ataques, como os tumultos provocados por fiis neo-

    pentecostais durante as procisses catlicas, como a do Senhor Morto, naSexta-feira da Paixo53, ou nas romarias populares, como a de Padre Ccero,em Juazeiro do Norte.54Sem contar que o prprio papa visto como o repre-sentante do demnio na terra e padres e bispos geralmente so apontados

    como praticantes de pedofilia e homoerotismo (Mariano 1999:124). Por meiodesse movimento ecumnico, os cultos afro-brasileiros podem encontrar asolidariedade de igrejas evanglicas que discordam e condenam os ataques

    realizados pelas denominaes neopentecostais mais intolerantes.55

    Enfim, o desenvolvimento das religies afro-brasileiras foi marcado pelanecessidade de se criarem estratgias de sobrevivncia e dilogo diante das

    condies adversas. Essas religies foram perseguidas pela igreja catlicaao longo de quatro sculos; pelo Estado republicano, sobretudo na primeirametade do sculo XX, quando este se valeu de rgos de represso policial e

    de servios de controle social e higiene mental; finalmente, pelas elites sociais,em um misto de desprezo e fascnio pelo exotismo que sempre esteve associado

    s manifestaes culturais dos africanos e seus descendentes no Brasil.Entretanto, desde pelo menos a dcada de 1960, quando essas religi-es conquistaram relativa legitimidade nos centros urbanos, resultado dosmovimentos de renovao cultural e de conscientizao poltica, da aliana

    com membros da classe mdia, acadmicos e artistas, entre outros fatores,no se tinha notcia da formao de agentes antagnicos to empenhadosna tentativa de sua desqualificao. Portanto, ainda que incipiente, a unio

    de religiosos afro-brasileiros, movimento negro, ONGs, acadmicos, pes-quisadores, polticos, advogados, promotores pblicos, entre outros, pareceapostar mais uma vez na capacidade de resistncia e reao dessas religies

    contra um assdio proporcionalmente muito mais eficaz e, a julgar por seu

    estado atual e crescimento numrico, duradouro. Outra questo que essesantagonismos indicam refere-se s possveis mudanas de certo imaginrio

    construdo sobre o Brasil, no qual as religies afro-brasileiras aparecemassociadas a um jeito de ser brasileiro (em figuras como o malandro,representado por Exu, ou a mulher faceira e sensual, representada pela

    Pombagira), cujo epteto o do to afamado jeitinho que misturaria asesferas do pblico e do privado, do favor e do direito. Vejamos de queforma o neopentecostalismo parece colocar novos desdobramentos para essa

    interpretao do imaginrio brasileiro.

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    225NEOPENTECOSTALISMO E RELIGIES AFRO-BRASILEIRAS

    Nem malandro, nem caxias o favor e o direito como

    mediadores

    No artigo Duas respostas aflio: umbanda e pentecostalismo, Peter Frye Gare Howe (1975) se perguntavam como era possvel a coexistncia desses

    dois movimentos religiosos, que diferem to profundamente em termos deorganizao e cosmologia, entre um pblico de mesmo perfil sociolgico(trabalhadores e imigrantes urbanos). Concluram que ambos representavam

    duas maneiras distintas e opostas de interpretar e lidar com as aflies da

    sociedade brasileira. O pentecostalismo, descendente do metodismo wes-leyano, estaria mais relacionado com o mundo da ordem, (ou do caxias, para

    usar a dicotomia proposta por Roberto DaMatta 1979), no qual a rennciaaos divertimentos e aos prazeres do corpo (bebidas, sexo etc.), em prol deuma moral rigorosa, criava uma ntida separao entre crentes e no-cren-

    tes. O mundo de Cristo no se confundia com o mundo do Diabo, sendo oculto aos espritos das trevas, atribudo umbanda, a principal crtica dospentecostais a esta religio. Ou seja, o primeiro movimento encontraria na

    ordem asctica imposta pelo sistema de crenas uma forma de lidar coma desordem e a desigualdade da vida social. O segundo, sem negar essadesordem, buscaria seus mediadores na tentativa de super-la com base na

    manipulao mgica em proveito prprio.

    De um lado (umbanda) temos a idia do mundo como algo manipulvel, o

    mundo do galho quebrado e do malandro (DaMatta 1973), onde o indivduo

    negocia um caminho pela vida na base de manipulaes pessoais de recursos

    sociais. De outro lado (pentecostalismo) achamos um mundo percebido como

    essencialmente racional, no sentido weberiano (Fry e Howe 1975:82).

    Para Peter Fry, em trabalho posterior, no qual compara a umbanda em

    So Paulo com o metodismo praticado em Manchester no sculo XIX, o termodespacho e seus derivados, usados tanto no contexto umbandista como no

    da burocracia oficial, permitem entender a forma pela qual a experinciasocial de grupos destitudos do direito legtimo de acesso ao Estado se refle-te no plano do imaginrio religioso: Os despachantes e os polticos locaisfazem a mediao entre Estado e o homem comum, assim como os espritos

    da umbanda mediam sua relao com um Deus distante e desinteressado.Por isso, os espritos das trevas (principalmente Exu), a quem se pede ofavor por meio do despacho, seriam to fundamentais nesse sistema como

    os espritos de luz: Exu da meia-noite/ Exu da encruzilhada/ O povo daumbanda/ Sem Exu no consegue nada (Fry 1982:40).

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    A novidade que vem transformando este cenrio, desde que foi anali-sado h 30 anos por estes autores, o desenvolvimento do neopentecosta-

    lismo que ao se distanciar do pentecostalismo clssico e ao se aproximar daumbanda e de outras religies afro-brasileiras, ainda que seja para neg-las,passou a traduzir para seu prprio sistema o ethosda manipulao mgica

    e pessoal, mas agora sob nova direo, colocando o direito no lugar dofavor. A base sociolgica comum entre pentecostais e umbandistas, quepropiciava a dupla resposta aflio opostas e distintas conformeapontada por Fry e Howe, muito provavelmente tenha possibilitado o sur-

    gimento desta terceira resposta aflio, que se apropria a seu modo dasduas anteriores. Ou seja, o neopentecostalismo, ao abrandar o ascetismo,suavizando o esteretipo do crente do protestantismo histrico, passou a

    valorizar os prazeres terrenos e a estimular o consumo de bens materiaiscomo sinais da salvao.

    Ao abrir-se para o mundo, para a sociedade de consumo (incluindo o

    consumo do corpo), promoveu uma intermediao importante entre o ethos

    religioso do pentecostalismo tradicional e o das concepes afro-brasileiras,marcadas historicamente por sua abertura para o mundo (nas quais o sagra-

    do assume a feio do mundano e no o contrrio). Sintomaticamente, essaaproximao elegeu a figura de Exu (ou dos espritos das trevas), invocado

    originariamente nas sesses umbandistas e agora nas sesses neopente-costais de exorcismo ou de descarrego, como seu elemento de mediaoe inverso. Ao contrrio da invocao umbandista, no neopentecostalismoExu no mais chamado para atuar como mensageiro ou sujeito do favor.

    Agora, sua funo vir para ser expulso em nome da cura e da salvao dopossudo. No sendo mais a morada do maligno, o liberto expulsa o favor(que no sistema da umbanda sempre o deixava merc dos despachos) e

    impe seu direito graa divina, falando diretamente ao seu detentorcelestial por excelncia. Na literatura religiosa neopentecostal, proliferamttulos que aludem necessidade do fiel se colocar como algum que exi-

    ge seus direitos, que toma posse da beno56. Nesse sentido, ao mesmo

    tempo em que combatem o feitio, no descartam a magia implcita emsuas liturgias que se aproveitam do lxico e dos elementos simblicos das

    religies afro-brasileiras.57

    Os ritos de expulso do demnio e cura (e muitos outros) representam,ainda, o retorno ao ritual mgico como uma dimenso crucial da prtica da

    f e dos mecanismos de salvao ou obteno da graa. Essa dimenso, quehavia sido expulsa do metodismo, reaparece de certa forma no pentecos-talismo (com o reavivamento do sagrado no transe do Esprito Santo), mas

    reintroduzida em grande escala somente no neopentecostalismo, aproxi-

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    227NEOPENTECOSTALISMO E RELIGIES AFRO-BRASILEIRAS

    mando este segmento das religies afro-brasileiras, que tm na rotinizaodos ritos um de seus elementos estruturantes (Silva 1995). Entretanto,

    como o uso de um lxico s faz sentido no interior de uma comunidade quecompartilha seus significados ou, nos termos levistraussianos, quando en-feitiado, feiticeiro e grupo compartilham os significados dos smbolos

    usados, a introduo de certos ritos exige o conhecimento de seu lxico egramtica. O neopentecostalismo, ao disseminar essa gramtica (na formade livros, programas televisivos, entrevistas com o demnio etc.), acabapor torn-la eficaz nos seus ritos de cura e libertao. Como apontam Fry

    e Howe (1975:90):

    [...] podemos deduzir que h uma maior probabilidade de cura milagrosa onde

    os smbolos empregados tm significado para o paciente. Poderamos ento argu-

    mentar que um motivo poderoso para um indivduo afiliar-se a uma associao

    religiosa poderia depender de quo significativos so a crena e o ritual.

    Livros como Me-de-santoe Orixs, caboclos e guias, entre muitos ou-tros, parecem mesmo manuais de feitiaria que primeiro apresentam com

    detalhes os sistemas religiosos afro-brasileiros e espritas, com informaesextradas preferencialmente de seus ex-participantes, e depois os condenam

    com base na bblia, finalmente ensinando ao leitor convertido distanciar-se desses sistemas com a ajuda dos pastores e seus ritos. As freqentessesses de exorcismos contribuem enormemente para esse aprendizado,pois articulam tais sistemas de crenas. O prprio Edir Macedo (1996:121)

    reconhece que

    Se algum chegar igreja no momento em que as pessoas esto sendo libertas,

    poder at pensar que est em um centro de macumba, e parece mesmo [...]

    Algum poder pensar: Como podem baixar esses espritos em uma igreja,

    uma Casa de Deus?. importante, antes de mais nada, termos cincia de que

    as pessoas nas quais se manifestam os espritos infernais no os encontraram

    na igreja: estavam dentro delas.

    Para que tais espritos entrem no corpo das pessoas como exus e saiamcomo demnios, preciso uma operao em que os dois sistemas de refe-rncia (neopentecostal e afro-brasileiro) se sobreponham e forneam previa-

    mente seus significados, um a servio da eficcia simblica do outro. Casocontrrio, no somente impossvel responder se os orixs, os caboclos eos guias so deuses ou demnios, como a prpria pergunta no faz sentido.

    Antes que os termos sejam trocados de lugar de um sistema para outro,

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    NEOPENTECOSTALISMO E RELIGIES AFRO-BRASILEIRAS228

    preciso estabelecer equivalncias entre eles a partir dos lugares que ocupamem seus prprios sistemas e nos sistemas que os recebem.58

    Enfim, as igrejas neopentecostais ao combaterem os terreiros afro-bra-

    sileiros em nome da evangelizao e da libertao espiritual promovemum afastamento entre esses dois campos religiosos. Tal afastamento estimulao crescimento dessas igrejas em funo da evaso de adeptos e de clientes

    dos terreiros e da degenerao da imagem pblica destes ltimos. H, porm,em sentido inverso, um entrelaamento destes campos que os aproxima,como tem sido demonstrado por alguns estudiosos do tema.

    Esta afirmao torna-se consistente ao observarmos que a produoliterria, as concepes religiosas, o uso da oralidade e do transe, as cos-mogonias, os ritos e as liturgias que constituem a teologia neopentecostal

    fornecem uma pedagogia em que se aproveita o lxico e a gramtica dosistema detratado em seu prprio benefcio. Valer-se da lgica mgico-re-ligiosa do outro o primeiro passo para tentar garantir a operacionalidade

    desta lgica quando aplicada em seu prprio sistema, a partir de outros pres-supostos. A inverso, tambm sendo uma verso, s faz sentido quandose conhece o que se inverte. No limite, porm, ambas, verses e inverses,

    dependem umas das outras para ampliar seus significados e afirmar suasidentidades por contraste.

    Recebido em 10 de julho de 2006

    Aprovado em 22 de janeiro de 2007

    Vagner Gonalves da Silva professor do Departamento de Antropologia daUSP. E-mail:

    Notas

    * Verses preliminares deste texto foram apresentadas na Jornada de DireitosHumanos (Associao Brasileira de Antropologia ABA e Universidade So JudasTadeu), no VII Congresso da Associao de Estudos Brasileiros (BRASA) e na XXIVReunio da Associao Brasileira de Antropologia, eventos ocorridos em 2003, enos Seminrios: O campo das religies no Brasil: continuidades e rupturas (ISER/

    Assessoria) e Raa, Racismo e Polticas Pblicas: um debate antropolgico (ABA-UFBA), ocorridos em 2004. Gostaria de agradecer aos interlocutores nessas ocasies

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    e aos leitores da verso final deste artigo pelas crticas e sugestes recebidas, espe-cialmente a Rita Amaral.

    1 recorrente entre os autores consultados a diviso do movimento pentecostal emtrs ondas, fases ou momentos histricos, em uma classificao ora cronolgica-institucionalem relao ao perodo de fundao das igrejas, ora de nfase em relao a alguns aspectosdo seu corpo teolgico ou doutrinrio (veja, entre outros Freston 1994 e Mariano 1999).

    2Como tem sido prtica entre muitos estudiosos, adotarei a sigla IURD paradesignar esta igreja.

    3Na impossibilidade de localizar a 1a. edio deste livro, utilizarei para minhasobservaes sua 4a. edio.

    4Classifica por esse termo o candombl e a umbanda.

    5Em 1975, McAlister lanou Crentes endemoniados: a nova heresia.

    6Por meio da nomeao dessas trs entidades, o autor anuncia os trs principaissistemas religiosos que sero abordados em seu livro: orixs (candombl); caboclos(umbanda) e guias (espiritismo).

    7Na capa da 13a. edio, de 1996, consta: 2 milhes de exemplares vendidos,mas em vrias pginas da Internet contendo informaes sobre a Grfica Universal,

    editora do livro, esta cifra aparece atualizada.

    8Ao contrrio do livro de McAlister, em que o testemunho da ex-me-de-santoGeorgina central (inclusive narrado em 1a pessoa), no de Macedo h inmerosrelatos de ex-adeptos dos cultos afros feitos pelo autor (em 3a. pessoa).

    9A existncia desses cadernos de fundamentos escritos pelos religiosos comoforma de reter os inmeros detalhes do conhecimento ritual comum no candombl(Silva 1995).

    10Tal como o livro de McAlister, o de Macedo tambm dedicado aos pais e smes-de-santo e tem um captulo indicando os passos para a libertao (seis noprimeiro caso e dez no segundo). Um dos captulos de Orixs, caboclos e guias... tem

    o mesmo nome de um outro livro de McAlister: Crentes endemoniados.

    11Na ordem mtica do candombl tudo deve comear com Exu e terminar comOxal.

    12A Pombagira representa o princpio feminino de Exu.

    13Nas religies afro-brasileiras o simbolismo do sacrifcio animal representa amorte da vida anterior da iniciada e o seu nascimento para uma vida nova com eno orix. Pela morte do animal, homens e deuses se aproximam.

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    22/6/1999; O Dia, 17/8/2000, 21/9/2000, 2/2/2000), os autores desse tipo de crime seidentifiquem como adeptos de tais religies. Nesses casos, enfatizo, no a prticareligiosa que determina o crime (ainda que este se apresente com certas caracte-rsticas dos ritos sacrificiais das religies afro-brasileiras), mas o criminoso que, apartir de uma tica particular, extrai do sistema religioso justificativas para o crime.Reprodues de notcias sobre esses crimes (com suas fotos impactantes) proliferamem materiais de divulgao neopentecostal, como o j citado livro de Edir Macedo.E sob o termo de magia negra nomeiam-se esses fatos sobrepondo o preconceitoreligioso ao preconceito de cor.

    23 Boletim da Comisso Maranhense de Folclore, dez/2001. Relato pessoal dos

    antroplogos Sergio e Mundicarmo Ferretti, presentes no momento do ocorrido.

    24 Folha de S. Paulo, 3/10/2002. Veja tambm o livro do ex-pastor Mario Justino(1995), Nos bastidores do reino: a vida secreta na Igreja Universal do Reino de Deus,no qual o autor declara que era prtica durante os cultos quebrar imagens catlicase queimar roupas de candombl e colares de miangas levados pelos filhos-de-santoque se convertiam.

    25A Tarde, 27/12/2004 e 10/1/2005.

    26 Folha de S. Paulo, 14/12/2003.

    27 O Globo, 23/10/1988.

    28A Tarde, 10/1/2005; 21/2/2005.

    29 Revista Veja, 30/11/88.

    30Informao de Leandro Braga, maestro dirigente da organizao na Lista dediscusso Samba e Choro, 2004 (www.samba-choro.com.br).

    31www.capoeira.jex.com.br.

    32Lei 10.639, sancionada em 9/1/2003, que altera a Lei de Diretrizes e Basesda Educao Nacional (LDB). Maiores informaes em: http://www.mec.gov.br/cne/pdf/003.pdf

    33Jornal de Pato Branco, 6/6/2003.

    34Trata-se da Coleo Histria paratodos, Ensino Fundamental, Editora Scipione,de autoria de Maria da Conceio Carneiro de Oliveira, 2004.

    35O texto da proposio da Lei de nmero 11.915, aprovada em 21 de maio de2003, inclua o seguinte pargrafo que no foi aprovado: Artigo II vedado: [...]Pargrafo XII Realizar espetculos, esporte, tiro ao alvo, cerimnia religiosa, feitio,rinhadeiros, ato pblico ou privado, que envolvam maus tratos ou a morte de animais,

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    bem como lutas entre animais da mesma espcie, raa, de sua origem extica ounativa, silvestre ou domstica ou de sua quantidade (grifos meus). Disponvel em:http://www.xapana.com.br/matriz.htm.

    36A sentena foi assim determinada pelo juiz em 30/4/2003: Nos termos doart. 77 do Cdigo Penal, entendendo ser incabvel a substituio prevista no art. 44do Cdigo Penal pela personalidade intransigente da r, concedo-lhe, contudo, asuspenso condicional da pena privativa de liberdade, por quatro anos, mediante asseguintes condies: 1) apresentar-se bimestralmente no cartrio para justificar a suaatividade profissional e manter atualizado o seu endereo; 2) limitao e cessao dasatividades da Sociedade de umbanda Oxum e Xang que, nos sbados, no poder

    manter atividades espirituais e festivas a partir das 24:00 horas e, nos demais diasde semana, at no mximo s 22:00 horas; 3) proibio de sacrifcios de animais degrande porte na sede da sociedade, eis que localizada em zona central e residencial,sendo proibido pelas normas sanitrias e de sade pblica o abate de animais emlocais deste tipo. Em 31/10/2003, a justia acatou parcialmente um recurso impe-trado e retirou a sentena anterior aplicando uma multa de R$ 240. Disponvel em:(http://www.oxum.com.br/mobilizacao.asp).

    37Jornal do Brasil, 21/11/1988.

    38 O Globo, 1/8/1989; O Estado de S. Paulo, 27/8/1992. Cf. Mariano, 1999:120.

    39O autor da agresso foi condenado com base no Artigo 208 do Cdigo Penal

    (vilipndio a objeto de culto religioso e estmulo ao preconceito religioso) a 2 anos e2 meses de priso. Folha de S. Paulo, 1/5/1997.

    40A Tarde, 10/1/2005.

    41Entre estas entidades esto Aganju (Afro Gabinete de Articulao Jurdica) eAnaas (Associao dos Advogados Afro-descendentes).A Tarde, 10/1/2005.

    42A maioria desses processos tem sido encaminhada pelo promotor LidivaldoReaiche Raimundo Britto, titular da 2a. Promotoria de Justia de Cidadania de Salva-dor, do Ministrio Pblico. Essa promotoria tem tido um papel ativo nas aes contraa intolerncia religiosa naquele estado (A Tarde, 21/2/2005).

    43A Tarde, 10/1/2005.

    44A ao foi movida pelo Ministrio Pblico Federal e outros (Instituto Nacionalde Tradio e Cultura Afro-brasileira Intecab e Centro de Estudos das Relaes deTrabalho e da Desigualdade CEERT). Folha de S. Paulo, 27/5/2005.

    45 Veja, 26/9/1992.

    46 Folha Universal, ano VII, n.390, set./out. de 1999.

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    47A Tarde, 7/7/2005.

    48Em 2005, a sentena proferida em julgamento de segunda instncia redu-ziu este valor para R$ 960.000, o teto praticado pelo Tribunal de Justia do Estado(A Tarde, 12/1/2003; 7/7/2005).

    49A Tarde, 10/1/2005.

    50 O Dia, 31/3/2004. Como foi mencionado, o ataque s religies afro-brasileiras,mesmo no tendo explicitamente este objetivo, acaba reforando o preconceito e adiscriminao contra negros.

    51 Folha de S. Paulo, 3/10/2002.

    52Processo movido contra dois pastores da Misso Evanglica Global (http://www.meg.org.br/) acusados de perturbarem as festividades em homenagem a Iemanjna Praia Grande.

    53 O Estado de S. Paulo, 29/3/89.

    54 O Estado de S. Paulo, 18/8/89.

    55Sobre este aspecto interessante consultar o Relatrio elaborado pela IgrejaPresbiteriana do Brasil visando o esclarecimento de seus membros referente f e

    prtica da Igreja Universal do Reino de Deus. Disponvel em: (http://www.cacp.org.br/iurd.htm).

    56Veja, por exemplo, de R. R. Soares, os livros Exija seus direitose Como tomarposse da beno. No site de vendas da Igreja Internacional da Graa, eles so assimanunciados, respectivamente: Como ter, usar e desfrutar de tudo o que Cristo con-quistou um desafio que est frente do cristo; Voc quem decide o que ter ouno. Aprenda a tomar posse das maravilhas que Deus j nos preparou. Disponvelem: (http://www.gracaeditorial.com.br/). Cf. Mariano 1999:154.

    57Sobre este cruzamento de ritos e de cosmogonias que chamei de afro-pen-tecostais, ver Silva 2005b.

    58No trabalho de Ronaldo Almeida (1996) h uma anlise de como essa inversosimetricamente oposta ocorre nos ritos de expulso dos demnios.

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    Resumo

    Neste trabalho, pretendo analisar asrelaes de proximidade e antagonismoexistentes entre o neopentecostalismo eas religies afro-brasileiras, e suas conse-qncias na transformao do imaginriosocial brasileiro construdo a partir dosvalores existentes nesses dois campos.Palavras-chave:Candombl, Umbanda,Neopentecostalismo, Conflito Religioso,Smbolos Africanos.

    Abstract

    In this work, I analyze the relationsof proximity and antagonism betweenNeo-Pentecostalism and Afro-Brazilianreligions, and their consequences forthe transformation of the Brazilian socialimaginary constructed on the basis ofvalues derived from these two fields.Key words: Candombl, Umbanda, Neo-Pentecostalism, Religious Conflict, Afri-can Symbols