da intolerância religiosa aos direitos humanos
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Da Intolerância Religiosa Aos Direitos HumanosTRANSCRIPT
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DA INTOLERNCIA RELIGIOSA AOS DIREITOS HUMANOS
FROM THE RELIGIOUS INTOLERANCE TO HUMAN RIGHTS
Antonio Baptista Gonalves
Mestre e Doutor em Filosofia do Direito, Ps-doutorando em Cincias da
Religio (PUC/SP)
Resumo
A Religio a responsvel direta por temas como proselitismo, laicismo e laicidade.
Portanto, compreender como eram as relaes religiosas nos tempos antigos trar o
arcabouo de conhecimento necessrio para apresentar a intolerncia religiosa professada e
praticada em larga escala pelas religies ocidentais, principalmente. Assim, a liberdade
religiosa que hoje se propaga e se busca atravs dos elementos protetivos de Direitos
Humanos fruto direto de uma evoluo histrica da prpria religio, bem como de sua
influncia na vida das pessoas e da disputa pelo poder entre o Estado e a Igreja. E a tolerncia
ser o resultado de toda uma construo dos organismos internacionais em defesa dos direitos
do homem, ou os Direitos Humanos.
Palavras-chave: Intolerncia; Religio; Direitos Humanos
Abstract
The religion is the main responsible for subject-matters such as proselytism, secularism and
secularity. Therefore, comprehend how those religious relations were taken in ancient times
would bring up the baggage of knowledge necessary to present the explicit religious
intolerance, performed on a wide range for western religions mainly. By that, the religious
freedom, propagated and sought through the protective elements of the Human Rights, was
born from the historic evolution of religion itself, as well as the influence on peoples lives
and on the struggle for power between the State and the Church. And the tolerance would be
the result of the construction of international organs, in defense of rights of humankind, the
Human Rights.
Keywords: Intolerance; Religion; Human Rights
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Introduo
A liberdade religiosa passou por momentos delicados na histria. E, em grande parte,
tais atos foram fomentados pela atuao da prpria Igreja em uma ntida disputa pelo poder
com o Estado. Quando, em verdade, a questo central deveria ser a f e a funo religiosa em
primeiro plano. Contudo, a Igreja atravs de seus lderes influenciou sobremaneira nas
atitudes polticas dos Estados, amealhando, assim, poder, influncias, riquezas e posses.
Somado a isso a Igreja, em especial a crist, propalou e disseminou a intolerncia
religiosa atravs do proselitismo da Santa Inquisio, um dos processos de perquirio e
julgamento mais sangrentos que a histria religiosa conheceu.
A resposta da sociedade foi impor o laicismo s religies ocidentais, em especial
crist. Esse bloqueio estatal, como resposta s inferncias religiosas perdurou at as duas
grandes Guerras Mundiais, quando o enfoque passou a ser outro.
De tal sorte que, analisar a evoluo histrica desta relao com a religio e a
intolerncia, ainda que de forma sinttica, ser fundamental para compreender qual a relao
da tolerncia religiosa com esta evoluo e, at mesmo, com o surgimento dos Direitos
Humanos.
1. A influncia da religio na vida humana
A religio se mostra presente no cotidiano da sociedade h mais tempo do que a
existncia das religies com mais quantidade fsica de adeptos e seguidores1 (Cristianismo,
Islamismo, Hindusmo, Budismo, Judasmo) que conhecemos nos dias correntes.
As religies tm um passado muito longo. Os homens de Neandertal,
que viveram entre 95000 e 35000 a.C. e cujos vestgios foram
encontrados da Frana ao Oriente Mdio, j prestavam homenagem a
seus mortos. A mais antiga sepultura at hoje conhecida provm de
uma gruta situada perto de Nazar e foi descoberta em 1969: de um
adolescente de aproximadamente 14 anos. Revela um verdadeiro
ritual: escavao e arrumao da cova, colocao do corpo em
posio intencional e oferendas de significado simblico. (Delumeau;
Melchior-Bonnet, 2000, p. 17)
1 Cristos 32,84%, Muulmanos 19,9%, Hindus 13,29%, Budistas 5,92% e Judeus 0,23% Revista Curiosidades,
Poltica, Cultura e Geografia de Povos e Naes, 2009, p. 12.
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E se faz necessrio apresentar que a relao do homem com o culto a uma divindade
igualmente se modificou com o transcorrer do tempo.
O modelo monotesta seguido e difundido por religies como o Cristianismo,
Islamismo e Judasmo, no era o predominante em piscas eras2, mas sim, um culto a vrios
Deuses, isto , o politesmo, o mais puro conceito de liberdade religiosa, desde o comeo dos
tempos3.
David Hume (2005, p. 23) afirma ser um fato incontestvel que toda a humanidade h
1700 anos era politesta4, e vai mais alm (Hume, 2005, p. 24):
At onde a escrita ou a histria penetram, a humanidade, nos tempos
antigos, parece ter sido universalmente politesta. Afirmaremos que
em tempos mais remotos ainda, antes do conhecimento da escrita ou
da descoberta das artes e das cincias, os homens professavam os
princpios do puro monotesmo? Ou seja, que quando eram ignorantes
ou brbaros descobriram a verdade, mas que caram no erro assim que
adquiriram conhecimento e educao?5
2 H uma polmica sobre se o monotesmo, a crena em um s Deus, era uma forma original de religio. Essa uma postura assumida h muito tempo pelos judeus, cristos e muulmanos de todo o mundo, de acordo com a
histria da criao, do primeiro homem e da primeira mulher, Ado e Eva. So Paulo aproveitou esse argumento e disse que o politesmo (a crena em muitos deuses) era uma degenerao, resultado de coraes embrutecidos
porque as pessoas haviam se afastado de Deus. Essa viso foi rejeitada pelos estudiosos dos sculos XIX e XX,
baseados na perspectiva evolucionria. ODonnell, Kevin. Conhecendo as religies do mundo. So Paulo: Edies Rosari, 2007, p. 10. 3 Paolo Scarpi ao se reportar ao conceito de religio no mundo antigo: As religies no mundo antigo constituem um bloco um tanto compacto e homogneo, circunscrito cronolgica e geograficamente, mas com
todas as diferenas que permitiram a cada civilizao expressar uma cultura prpria e especfica. Essas religies
se configuram como tnicas, pois pertencer por nascimento a um preciso contexto tnico condicionava a participao na vida religiosa, o que era, por si s, garantia de identidade cultural. A conscincia dessa
identidade, nem sempre expressada, levava celebrao de cultos comuns dedicados s mesmas divindades. E a
presena do politesmo, em que os deuses so organizados em um sistema, constitui o segundo elemento
caracterstico e comum s religies do mundo antigo. Nenhuma delas, pois, tem aspiraes universalistas, o que se tornaria uma orientao tpica na poca do Imprio Romano. Tambm no se apresentam como religies do livro, no qual esto contidas verdades reveladas que fundamentam uma teologia. (...) Desprovidos da prpria noo de religio, os povos politestas do mundo antigo no separavam e no distinguiam propriamente a
dimenso religiosa do conjunto de outras atividades humanas que, pelo contrrio, eram impregnadas e
legitimadas pela dimenso religiosa. Scarpi, Paolo. Egito, Roma, Grcia, Mesopotmia, Prsia Politesmos: As religies do mundo antigo. So Paulo: Hedra, 2004, pgs. 11 e 12. 4 Politesmo um termo culto, documentado na Frana a partir do sculo XVI, onde usado, no sentido
teolgico, em oposio a monotesmo. Composto com o sufixo tesmo, como monotesmo, uma construo moderna derivada do vocbulo grego pols, muitos, e thes, (deus). No mbito histrico-religioso, o termo politesmo determina um tipode religio e, portanto, classifica e descreve formas religiosas que admitam a coexistncia de mais de uma divindade, s quais se devota um culto. Conseqentemente, para poder classificar uma religio como politesta, ela deve admitir a noo de divindadeou pressupor uma noo anloga a esta e por ela assimilvel. Isto , ela requer ao menos uma idia de transcendncia dos seres sobre-
humanos diante da realidade humana, em relao qual, todavia, participam ativamente. bastante provvel
que essa idia tenha se originado na regio mesopotmica e que de l tenha sido exportada por um processo de
difuso. Scarpi, Paolo. Egito, Roma, Grcia, Mesopotmia, Prsia Politesmos: As religies do mundo antigo.
So Paulo: Hedra, 2004, p. 12. 5 E conclui: Essa afirmao contradiz no somente toda a aparncia de probabilidade, mas tambm nossos
conhecimentos atuais a respeito dos princpios e opinies das naes brbaras. As tribos selvagens da
AMRICA, FRICA e SIA so todas idlatras. No h uma nica exceo a essa regra. De tal modo que, se
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E, gradualmente, essa viso e adorao a vrios deuses perdeu intensidade e deu lugar
a um cultuar singular, a um nico Deus, em uma viso monotesta, como ao modelo adotado
pelos cristos, muulmanos, judeus, etc.6 O que no significa que o culto politesta deixou de
existir, pois, o Hindusmo tem por sua essncia a adorao a vrios deuses.
Assim, com o transcorrer do tempo, o que se torna quase que uma premissa
indiscutvel a aceitao dos povos acerca da presena de uma fora, um poder, um ser
superior, invisvel, Deus7, os nomes variam de acordo com a religio ou o entendimento
religioso.8
E esse culto a um nico Deus propiciou uma srie de interpretaes variadas sobre
qual o Deus que deve ser cultuado. E, assim, se disseminou a pluralidade religiosa com o
surgimento de vrias religies que cultuam um nico Deus, porm, diferentes entre si, seja na
forma do culto ou na prpria divindade.
um viajante se mudasse para uma regio desconhecida e encontrasse ali habitantes versados nas cincias e nas
artes ainda que tal hiptese haja probabilidade de eles no serem monotestas -, nada poderia concluir sobre esse tema sem antes realizar uma investigao mais profunda. Mas se ele os considerasse ignorantes e brbaros,
poderia afirmar, antecipadamente, com mnimas possibilidades de erro, que eram idlatras. Hume, David.
Histria natural da religio. So Paulo: Editora UNESP, 2005, p. 24. 6 Erich Zenger: Em algum momento no decorrer da Antiguidade as datas oscilam entre o final da Era do Bronze e o final da Antiguidade ocorreu uma mudana que foi mais decisiva para o mundo do que todas as alteraes polticas com as quais convivemos hoje. Trata-se da mudana das religies politestas para aquelas monotestas, de religies de culto para religies de livros, de religies especficas de determinadas culturas para religies universais, em suma: de religies primrias para religies secundrias. ZENGER, Erich. Violncia em nome de Deus O preo necessrio do monotesmo bblico? In Frst, Alfons. Paz na Terra? As
Religies Universais entre a Renncia e a disposio violncia.So Paulo: Idias & Letras, 2009, p. 19. 7 A Revista Superinteressante produziu uma edio especial, na qual chamou de Deus uma biografia: Cada
sociedade v a figura do Criador sua maneira. Cada indivduo, at. Para Einstein, Ele era as leis que governam o tempo e o espao a natureza em sua acepo mais profunda. Para os ateus, Deus uma iluso. Para o papa Bento 16, o amor, a caridade. Quem ama habita Deus; ao mesmo tempo, Deus habita quem ama, escreveu em sua primeira encclica. Pontos de vista parte, toda cultura humana j teve seu Deus. Seus deuses, na
maioria dos casos: seres divinos que interagiam entre si em mitologias de enredo farto, recheadas de brigas,
lgrimas, reconciliaes. Os deuses eram humanos. Mas isso mudou. A imagem divina que se consolidou bem
diferente. Deus ganhou letra maiscula na cultura ocidental. Os pantees divinos acabaram. Deus tornou-se
nico. o Deus da Bblia, Jav, o criador da luz e da humanidade. O pai de Jesus. Essa concepo, que hoje
parece eterna, de tanto que a conhecemos, no nasceu pronta. Ela fruto de fatos histricos que aconteceram
antes de a Bblia ter sido escrita. O prprio Jav j foi uma divindade entre muitas. Fez parte de um panteo do
qual no era nem chefe. O fato de ele ter se tornado o Deus supremo, ento, marcante: se fosse entre os deuses
gregos, seria como se uma divindade de baixo escalo, como o Cupido, tivesse ascendido a uma posio maior que a de Zeus. A histria de Jav, a figura que comeou como um pequeno deus do deserto e depois moldaria a
forma como cada um de ns entende a idia de Deus, no importando quem ou o que Deus seja para voc.
Revista Superinteressante, n 284. Deus uma biografia. So Paulo: Abril, p. 59. 8 David Hume uma vez mais: A nica questo teolgica sobre a qual encontramos um consenso quase universal entre os homens que existe um poder invisvel e inteligente no mundo. Mas se esse poder supremo ou
subordinado, se est nas mos de um nico ser ou distribudo entre vrios, quais atributos, qualidades, conexes
ou princpios de ao devem ser atribudos a esses seres? Sobre todas essas questes existe a mais completa
divergncia nos sistemas teolgicos populares. Hume, David. Histria natural da religio. So Paulo: Editora UNESP, 2005, p. 43.
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Neste movimento trs religies despontaram sobremaneira: Judasmo9, Islamismo
10 e
Cristianismo11
.
9 H 4.000 anos, os judeus (ou hebreus) se uniram como uma nao. Abrao, Isaac e Jac, nas antigas histrias judaicas, eram os lderes dessa nova nao. Mais tarde, os judeus foram dominados pelos egpcios e forados a
partir para o Egito e trabalhar como escravos. Depois de muito tempo, foram salvos por um lder chamado
Moiss que os conduziu para fora do Egito, para a terra hoje conhecida como Israel. Isso aconteceu cerca de
1.250 anos antes do nascimento de Jesus Cristo. Charlesworth, Max & Ingpen, Robert. Trad. de Elda Nogueira. Religies no mundo.So Paulo: Global, 2003, p. 17.
Kevin ODonnell: Os judeus acreditam que foram eleitos por Deus; que foram chamados por Deus para aprender suas leis e representar o seu caminho entre as demais naes. Eles esto ligados a Deus pela aliana
feita com Moiss, seu grande profeta e lder espiritual. Uma aliana um compromisso solene, um juramento de
unio entre duas partes. A Lei foi dada a seu povo e sua parte na aliana seguir a Lei: Deus libertou seu povo
da escravido no Egito, e demonstrando gratido, eles devem segui-lo. A responsabilidade desse chamado ficou
clara com o passar do tempo. Eles devem ser a luz das naes e os propsitos de Deus frustrar-se-iam se seu povo abandonasse suas leis. As histrias dos ancestrais tm suas origens no que hoje o territrio conhecido como Israel, mas que naquela poca era chamado de Cana. As tribos ocuparam o topo da montanha da Judia e
transformaram Jerusalm em sua capital. Uma sucesso de reis os manteve unidos durante anos. O mais famoso
destes reis foi David.
O nome inicial das tribos era hebreus, termo que significa viajante ou errante. Literalmente o significado do outro lado ou, em outras palavras, do outro lado do Rio Tigre e do Rio Eufrates. As histrias dos ancestrais mostram as tribos viajando da rea do golfo at a regio de Cana. Hebreu tambm pode significar o mesmo que o antigo termo habiru, aqueles que no se estabelecem. Seus ancestrais, s vezes so chamados arameus. O termo Israel foi introduzido logo no incio do ciclo de sagas ancestrais; foi o nome dado a seu ancestral Jac,
depois da revelao de Deus. Os hebreus tornaram-se israelitas, depois o termo judeu passou a indicar aquele que vem da terra da Judia. Essa regio ficava ao sul do reino e continuou existindo mesmo depois que os
assrios conquistaram a regio norte. Ento, hebreu, israelita ou judeu so trs termos que designam o mesmo povo. Ao longo dos anos apareceram diferentes tipos de Judasmo. Havia sacerdotes e sacrifcios desde a poca
do Templo, e depois da queda de Jerusalm, em 70 d. C., comearam a existir os rabis e as sinagogas. Os rabis
so especialmente treinados na Lei, a Tor, e nas tradies orais de seu povo, a Halach. ODonnelll, Kevin. Conhecendo as religies do mundo. So Paulo: Edies Rosari, 2007, p. 89. 10 Maom era rabe. Nasceu por volta de 570 d.C., na cidade de Meca, na Arbia Saudita. Maom conhecia o judasmo e o cristianismo. Aos quarenta anos, recebeu uma mensagem de Deus pedindo-lhe para ser seu profeta,
ou mensageiro. Charlesworth, Max & Ingpen, Robert. Trad. de Elda Nogueira. Religies no mundo. So Paulo: Global, 2003, p. 30. E ainda Kevin ODonnell: A f do Isl considerada pelos muulmanos como a f original, a f revelada. Eles acreditavam que ela foi revelada a Ado e aos profetas, incluindo Abrao, Moiss,
David e Jesus. Mais tarde, no comeo do sculo VII d.C., surgiu um novo profeta na Arbia, que confirmava as
profecias anteriores. Suas mensagens profticas foram apreendidas na memria e mais tarde foram reunidas no
Alcoro. A palavra Islvem do verbo slm em rabe e significa paz ou submisso. A palavra tem sentido duplo, mas os muulmanos acreditam que devem se submeter vontade de Deus (Al), para encontrar a paz. A palavra
muulmano tambm deriva da mesma raiz significando aquele que se submete (a Deus). A primeira surata (seo) do Alcoro, a orao Fattiha, fala sobre essa submisso e o caminho para a paz. A palavra Al o termo rabe para Deus. Hoje em dia ela significa o Deus ou o Deus nico, mas as tribos rabes j veneraram muitos deuses, em um panteo em que Al era o deus principal, juntamente com sua consorte, Allat e suas trs
filhas. Muhammad (Maom) ouviu falar do Deus nico dos judeus e dos cristos em suas viagens, e identificou
Al com esse Deus nico, rejeitando sua consorte e rejeitando a hiptese de ele ter uma descendncia. ODonnell, Kevin. Conhecendo as religies do mundo. So Paulo: Edies Rosari, 2007, p. 142. 11 A religio crist teve incio com Jesus Cristo. Jesus era judeu e vivia na regio hoje conhecida como Israel. Seus primeiros seguidores tambm eram judeus. O cristianismo desenvolveu-se dentro do judasmo, sendo,
portanto, uma ramificao dessa religio. Mais tarde, quando o cristianismo tornou-se a religio da Europa, os cristos eram, na maioria, no-judeus gregos, romanos e outros povos vizinhos. Charlesworth, Max & Ingpen, Robert. Trad. de Elda Nogueira. Religies no mundo. So Paulo: Global, 2003, p. 22. E Kevin
ODonnell: O Cristianismo uma crena religiosa baseada no Cristo, que se acredita ser Jesus de Nazar. Jesus foi um judeu que viveu no sculo I d.C.. Os cristos acreditam que ele era Deus e homem ao mesmo
tempo, a unidade sublime da terra com o cu. Prossegue: O Cristianismo comeou como um movimento judeu no Oriente Mdio. Jesus era um Galileu, que viveu em um lugar afastado no Imprio Romano, entre os anos 4
a.C. e 33 d.C. A f que ele inspirou espalhou-se por todo o Imprio Romano, ganhando status de religio oficial
no sculo 4 d.C.. Sculos de venerao ao imperador e aos deuses pagos foram descartados em favor do profeta
e do carpinteiro do Ocidente. A f tambm alcanou a antiga Prsia, China e ndia, o mundo grego e a regio
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Esse cultuar de maneiras distintas o mesmo Deus ou um Deus diferente propiciou a
busca dos lderes religiosos em difundir a sua prpria religio entre as pessoas e, assim,
amealhar novos fieis. Com isso, existe a possibilidade concreta de migrao de fieis de uma
religio para outra ou na adeso de uma pessoa, at ento, sem religio, por uma crena
determinada.
E nesta relao entre a aceitao das pessoas e a difuso de idias por um lder
religioso que os problemas despontam, pois, o objetivo fulcral de uma religio cultuar o(s)
Deus(es) que acreditam, porm, atrair a maior quantidade de fieis possvel
No entanto, o objetivo no apenas atrair novos fieis, pois os outros lderes religiosos
tambm usaram de tal estratagema. Ao mesmo tempo, o lder religioso tambm deve se
preocupar em manter seus prprios fieis imunesas propagandas das outras religies.
Ento, se proteger e atrair os demais ao mesmo tempo, fazer sua religio crescer
diminuindo as demais. A esse teste da prpria f e dos participantes da f alheia denomina-
se proselitismo.
2. O proselitismo e seu impacto positivo e negativo
Proselitismo12
: zelo ou diligncia em fazer proslitos: o proselitismo religioso.
Proslito13
. Do grego proselytos, pelo latim eclesistico proselytus). 1. Pessoa que se
converteu a uma religio. 2. Pessoa que abraou uma seita, uma doutrina, um partido;
adepto, partidrio. 3. Pessoa que abjurava suas crenas para adotar a religio judaica.
Proselitismo, ento, deve ser entendido como o convencimento de uma pessoa a trocar
de religio, ou caso no possua uma, a aderir a uma determinada crena. E podemos citar
que depois se tornaria a Europa. O Cristianismo uma f construda sobre um paradoxo. Alega-se no somente
que Deus poderia se tornar homem, mas tambm que um homem crucificado podia ser saudado como Salvador
e Senhor. A crucificao era uma punio brbara que os romanos aplicavam nos criminosos e rebeldes e morrer
dessa maneira era uma desonra. Mas os cristos acreditavam que aquele homem que aparentemente havia
falhado to fragorosamente era o mesmo que depois se tornaria o mais sublime de todos. Os valores do
Cristianismo giram em torno da humildade, do perdo e da graa divina (ato de generosidade de Deus para com o homem, mesmo quando este no alcanou o mrito necessrio por meio das boas aes). ODonnell, Kevin. Conhecendo as religies do mundo. So Paulo: Edies Rosari, 2007, p. 117. 12 Grande Enciclopdia Larousse Cultural. So Paulo, 1998, vol.20, p.4805. Proselitismo. 1. Atividade ou
esforo de fazer proslitos, catequese, apostolado. 2. Conjunto de proslitos. Dicionrio Houaiss da lngua
portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p.2315. 13
Grande Enciclopdia Larousse Cultural. So Paulo, 1998, vol.20, p.4805. Proslito. 1. Entre os antigos
hebreus, indivduo recm-convertido religio judaica. 2. Pessoa que foi atrada e que se converteu a uma outra
religio, uma seita, uma doutrina ou um partido, um sistema, uma idia, etc. Adeptos, sectrio, partidrio.
Dicionrio Houaiss da lngua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p.2315.
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duas, dentre vrias religies que possuem essa prtica: os Testemunhas de Jeov14
e os
Mrmons15
.
O proselitismo a forma encontrada pelas religies tanto no papel dominante, como
maioria, ou como minoria religiosa, para atrair novos fieis a sua crena. Para isso, uma gama
de estratgias e formas de apresentao dessa crena desenvolvida. Tudo no intuito de
convencer o indivduo de que a sua religio no a adequada e que se sentir muito melhor
fsica, moral, psicolgica e espiritualmente se migrar e adotar a nova palavra.
O proselitismo sempre foi um importante catalisador dos iderios das igrejas,
independentemente da religio escolhida. Ao longo de uma missa, quando o padre realiza o
seu sermo e elogia a sua religio e enfatiza uma srie de passagens, do que estamos falando
seno de proselitismo?
Alm disso, temos de incluir as manifestaes pblicas de f, as viagens apostlicas e
a forma como as igrejas se utilizam de seus mrtires como forma de captao da f alheia.
Em tempos presentes o proselitismo ganhou novas armas: a internet, os programas de
rdio, os programas de TV, jornais especializados etc. Todos meios de comunicao em
massa com o objetivo nico de disseminar a doutrina e conquistar novas pessoas crena
religiosa.
No entanto, no apenas de aspectos positivos temos o proselitismo, e, assim,
importante analisar o proselitismo negativo. Sobre o proselitismo negativo16
temos dois
pontos controvertidos: o proselitismo em si e a relao do proselitismo com os Estados que
adotam uma religio de forma oficial ou que so influenciados politicamente por ela.
14 A comunidade religiosa Testemunhas de Jeov foi fundada no EUA no final do sculo XIX por integrantes da
sociedade Torre de Vigia de Sio, cujo primeiro presidente foi Charles T. Russel. At o incio da dcada de
1930, eram conhecidos como Estudantes da Bblia, passando ento a ser denominados de Testemunhas de
Jeov. Revista Conhecimento Prtico de Filosofia, n 26. Filosofia e guerra. So Paulo: Escala, p. 21. 15 A comunidade religiosa Mrmons, inicialmente era conhecida como A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos
ltimos Dias. Foi organizada em 6 de abril de 1830, em Fayette, Nova York. Entre os seis primeiros membros
estava Joseph Smith, primeiro profeta e presidente da Igreja restaurada. Em 1823, Joseph foi mandado, por um
mensageiro celestial chamado Morni, a um monte perto de Palmyra. L mostrou a Joseph placas de ouro que
continham a histria secular e religiosa de uma antiga civilizao americana. Quatro anos mais tarde, Joseph teve permisso para tirar as placas da colina e traduzi-las para o ingls. O volume traduzido, que leva o nome de
um dos antigos profetas e historiadores que havia guardado os registros, foi publicado como o Livro de
Mrmon. O apelido da Igreja "Mrmon", vem do ttulo deste livro sagrado. O Livro de Mrmon contm a
histria de vrias civilizaes da Amrica antiga, entre cerca de 2200 a.C e 420 d.C. O volume inclui um relato
do ministrio de Jesus Cristo no continente americano, depois de sua ressurreio. Fonte:
www.mormons.com.br, acesso em 13 de fevereiro de 2011. 16 O Brasil sofreu o proselitismo negativo quando os jesutas, atravs de suas misses praticamente obrigaram os
ndios a seu converterem e a aceitar a sua nova crena, o cristianismo, sem se importar com os prprios desejos
ou anseios da comunidade.
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O primeiro aspecto se refere ao proselitismo propriamente dito. Ocorre que essas
tentativas de converso nem sempre cumprem com os ritos ideais de lisura e respeito
religio alheia.
O ponto que cerca o proselitismo no a liberdade religiosa e nem o convertimento de
pessoas a sua crena religiosa. O problema impera na forma como alguns procedimentos so
feitos, pois, se transformam em verdadeiras prticas de (in)tolerncia religiosa, especialmente
em locais em que o Estado adota uma religio de forma oficial17
.
Em Estados que no so considerados laicos18
esse posicionamento considerado
como prejudicial para o governo, pois, a converso de seus fiis ou a propagao das idias
diferentes da religio oficial do pas podem perturbar a ordem e, quem sabe, incitar a
populao, logo, representam uma ameaa s pretenses estatais.
Os representantesdo governo tendem a reprimir essas minorias religiosas, como
forma de assegurar a integridade religiosa do prprio Estado, o que, de forma alguma,
justifica ou, tampouco, autoriza a intolerncia religiosa. Com isso a liberdade religiosa e o
livre direito de circulao e de pensamento j foram prejudicados.
3. Religio e (in)tolerncia
O proselitismo o exemplo de que as prprias religies podem ultrapassar a lisura e a
cordialidade das relaes que as mesmas professam para manter os fieis em seus quadros e,
ainda, retirar alguns de outro culto. E ao acrescentar mais um elemento: o Estado, temos o
cenrio a ser analisado em termos de tolerncia religiosa: o povo, a Igreja e o Estado.
O tema religio por si s j espinhoso. Tente definir religio, ou melhor, pergunte a
dez pessoas aleatoriamente o que vem a ser religio para cada uma delas e lhe asseguramos:
haver dez respostas diferentes.
E a existncia de uma complexidade acerca da definio da religio tambm gera
controvrsias acerca de sua aceitao, pois, no cenrio global a religio vista de forma
muito diversa.
17 A actuao do Estado face ao proselitismo encontra-se estritamente ligada proteco concedida liberdade religiosa e aos direitos do homem, o que depende em ltima anlise do regime poltico perfilhado e mesmo da
confisso religiosa dominante. Guerreiro, Sara. As Fronteiras da Tolerncia Liberdade religiosa e proselitismo na Conveno Europia dos Direitos do Homem. Coimbra: Almedina, 2005, p. 180. 18
Mesmo o Estado laico pode adotar uma postura restritiva acerca do proselitismo, se for perceptvel que a
liberdade de crena do prprio Estado est prejudicada e se faz necessria uma interveno estatal para
assegurar os direitos da coletividade. Frana e Espanha, inclusive possuem respostas penais para as atividades
abusivas derivadas do proselitismo.
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A Igreja em uma busca pela consolidao de uma soberania e de um poder teve como
escopo buscar no apenas o seu espao religioso, mas, tambm, exercer uma influencia
poltica, para assim, ter a fora sobre a coletividade.
Com isso, houve uma confuso de interesses, assim, o objetivo religioso e a busca
para levar a palavra divina se mesclaram a pretenses terrenos e, principalmente, ratificao
de fora que, em um segundo momento, se converteriam em acmulo de riquezas.
A Igreja passou a se relacionar intrinsecamente com o Estado e o resultado foi uma
confuso entre as partes, pois, o Estado teve tanta influncia da Igreja que as decises
passaram a ser subordinadas vontade da Igreja, independente da religio A, B ou C, pois,
foi assim com o Judasmo, Cristianismo e com o Islamismo.
Quando essa disputa por poder no aflige nenhuma das partes envolvidas, ento, tem-
se a paz e, por conseguinte, a tolerncia religiosa19
. No entanto, a Igreja, em sua busca por
amealhar novos fieis, nem sempre de forma amistosa, como no caso das cruzadas20
, professou
mais a intolerncia do que os preceitos religiosos fundamentais.
A histria nos mostra que a relao entre Estado e Igreja sempre foi prxima, em
especial, com o advento do cristianismo, contudo, a influncia da religio muito maior do
que a existncia da prpria igreja, visto que no Egito antigo bem como na Grcia no se fazia
uma ntida distino entre o domnio religioso e o Estado em si.
19 Particularmente no gostamos do termo tolerncia religiosa, pois, mais parece que a religio alheia no
respeitada, mas sim suportada, e esse no o objetivo de um Estado laico e, muito menos deve ser a atitude de
seus membros. Tolerncia parece muito mais um sentimento de que a pessoa, no possuindo alternativa, ir
respeitar o prximo, por enquanto, quase que uma manifestao latente de um sentimento de preconceito
religioso e descontentamento que, a qualquer momento, poder vir tona. 20 As cruzadas foram movimentos religiosos, polticos e militares, liderados pela Igreja Catlica, apoiados e
patrocinados pela nobreza europia, com a finalidade de dominar a cidade de Jerusalm, considerada santapor judeus, cristos e muulmanos e lugar de peregrinaes para estes povos. Quando Jerusalm foi tomada pelos turcos otomanos, no ano de 1071, por estes serem muulmanos e intolerantes, proibiram aos cristos as
peregrinaes aos lugares sagrados. Por essa razo e pela crise do feudalismo europeu, em 1095, o papa Urbano
II conclamou a populao a defender o cristianismo contra os infiis rabes muulmanos, afirmando ser esta a vontade de Deus. Woloszyn, Andr Lus. Terrorismo Global Aspectos gerais e criminais. Porto Alegre: Est
Edies, 2009, pgs. 47 e 48. Os mtodos e a rotina dos membros das cruzadas na maioria das vezes eram cruis
e violentos e o que importava era o objetivo final, para que o leitor tenha uma idia mais concreta
apresentaremos abaixo o relato acerca da primeira cruzada, que ocorreu muito antes da descoberta do Brasil,
para que assim, possa ser desfeita a imagem romntica de que as cruzadas foram um movimento pacifico que
tinha como condo apresentar a boa palavra da Igreja para os nativos. O relato acerca da primeira cruzada, que
j relatava os indcios dos saques e a grande religiosidade envolta nas misses: Tendo entrado na cidade, nossos peregrinos perseguiam e massacravam os sarracenos at o templo de Salomo, onde estes estavam reunidos e onde travaram com os nossos o mais furioso combate durante todo o dia, a ponto de ficar banhado de
seu sangue o templo inteiro. [...] Os cruzados correram logo por toda a cidade, apoderando-se rapidamente do
ouro, da prata, dos cavalos, dos mulos e saqueando as casas. Depois, muitos contentes e chorando de alegria, os
nossos foram adorar o Sepulcro de nosso Salvador Jesus e se desoneraram da dvida para com ele. Na manh
seguinte, os nossos escalaram o teto do templo, atacaram os sarracenos, homens e mulheres e, puxando a
espada, decapitaram-nos. Alguns se lanaram do alto do templo. Vendo isso, Tancredo encheu-se de indignao.
Ento, os sacerdotes decidiram em conselho que todos dariam esmolas e fariam oraes, para que Deus elegesse
aquele que ele gostaria que reinasse sobre os outros e governasse a cidade. Delumeau, Jean & Melchior-Bonnet, Sabine. Trad. Nadyr de Salles Penteado. De Religies e de Homens. So Paulo: Ipiranga, 2000, p. 171.
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Sobre o cristianismo necessria a sua relao com o Imprio Romano e, em especial
com o Imperador Constantino, pois o cristianismo ainda claudicava21
, at a converso de
Constantino22
, quando despontou poucas dcadas depois23
.
O cristianismo teve papel decisivo para inserir a Igreja como protagonista nas relaes
de governana, como relata J. Vasconcelos:
A medida em que o Cristianismo avanava por toda parte do Imprio
Romano, a Igreja Catlica foi se organizando como uma poderosa fora
institucional, salientando-se uma poderosa classe sacerdotal. Com o vazio deixado pela queda do imprio, a Igreja enveredou por uma poltica de
expanso e destruio das crenas nativas das regies europias, para tanto
usando da persuaso e da fora. (Revista Conhecimento Prtico Filosofia, n
26. Filosofia e guerra, p. 18)
Segundo Trcio Sampaio Ferraz Jnior (2003, pgs. 63-65) , aps o declnio do Imprio
Romano a herana espiritual e poltica do poder poltico romano passou para a Religio
crist24
.
21 Um dos acontecimentos decisivos da histria ocidental e at mesmo da histria mundial deu-se no ano de 312 no imenso Imprio Romano. A Igreja crist tinha comeado muito mal esse sculo IV de nossa era: de 303 a
311, sofrera uma das piores perseguies de sua histria, milhares foram mortos. Em 311, um dos quatro
coimperadores que repartiam entre si o governo do Imprio estava decidido a pr fim quele estado de coisas,
reconhecendo amargamente em sua atitude de tolerncia que perseguir no adiantava nada, pois muitos cristos
que tinham renegado sua f para salvar a vida no tinham voltado ao paganismo. Assim (e esse, poca, foi um
assunto de inquietao para um governante), criaram-se buracos no tecido religioso da sociedade. Veyne, Paul.
Quando nosso mundo se tornou cristo. Trad. Marcos de Castro. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2010, p.
11. 22 Ora, no ano seguinte, 312, deu-se um dos acontecimentos imprevisveis: outro dos coimperadores,
Constantino, o heri dessa grande histria, converteu-se ao cristianismo depois de um sonho (sob este sinal vencers). Por essa poca, considera-se que s cinco ou dez por cento da populao do Imprio (70 milhes de habitantes, talvez) eram cristos. Veyne, Paul. Quando nosso mundo se tornou cristo. Trad. Marcos de Castro. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2010, p. 11. 23
Oitenta anos mais tarde, como se descobrir depois, num outro campo de batalha e ao longo de um outro rio,
o paganismo ser proibido e acabar vencido, sem que tenha sido perseguido. Porque, ao longo de todo o sculo
IV, a prpria Igreja, deixando de ser perseguida como o tinha sido ao longo de trs sculos, ter o apoio
incondicional da maioria dos Csares, tornados cristos; assim, no sculo VI o Imprio estar quase todo
povoado apenas de cristos. Veyne, Paul. Quando nosso mundo se tornou cristo. Trad. Marcos de Castro. Rio
de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2010, p. 12. 24 Paul Veyne relata a virada positiva para o cristianismo com a prpria ascenso de Constantino no Imprio
Romano: Em 324, a religio crist assumia com um golpe nico uma dimenso mundiale Constantino estaria alado estatura histrica que dali em diante seria a sua: ele acabava de esmagar Licnio no Oriente, outro
pretenso perseguidor, e assim restabelecia sob seu domnio a unidade do Imprio Romano, reunindo as duas metades sob o seu cetro Cristo. O cristianismo dispunha da em diante desse imenso imprio que era o centro
do mundo e que se considerava com a mesma extenso da civilizao. Aquilo a que se chamar por longos
sculos de Imprio Cristo, sim, a Cristandade acabava de nascer. Veyne, Paul. Quando nosso mundo se tornou
cristo. Trad. Marcos de Castro. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2010, p. 19. Aps a queda do Imprio
Romano, toda a edificao cultural e religiosa estava a disposio plena do cristianismo, afinal, o Imprio rura,
porm, no o Clero ou a religio. Assim, todo o arcabouo de conhecimento, riqueza, influencia poltica, social
e ideolgica apenas permaneceu. O resultado foi uma mudana da geografia do planeta, mas no da influencia
religiosa sobre os novos atores. A Igreja Catlica era a referencia, e seus lderes tinham ntida influencia de
poder sobre os governantes.
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O cristianismo representou um perodo de grande prosperidade e influncia da Igreja
com o Estado. Relao esta que trouxe pontos positivos e, em concomitncia, uma srie de
problemas a serem analisados25
.
4. A Igreja Catlica fomenta a intolerncia
Importante salientar que a partir deste momento trataremos dos eventos advindos e
decorrentes da influencia da Igreja, em especial, no mundo ocidental. No se aplicando,
assim, os fatos a seguir na realidade do mundo rabe e dos seguidores da religio islmica.
A relao da religio com a liberdade religiosa, ou seja, a possibilidade de crer em
um Deus e de poder cultu-lo marcada por passagens que variam de tolerncia a
intolerncia ao longo da Histria.
Outrossim, a prpria Igreja Catlica26
contribuiu negativamente para o
desenvolvimento da intolerncia com a Inquisio27
. De tal sorte que a intolerncia religiosa,
a violncia e a destruio do patrimnio cultural e religioso de outras sociedades foi o marco
deste movimento imposto pela Igreja Catlica28
.
A prosperidade do cristianismo perdurou at o seu movimento mais audacioso: a Inquisio, pois, o que deveria
ter sido sua catequese maior foi, em verdade, o princpio de sua runa e da chegada de um perodo sombrio em
contraponto a toda a prosperidade de sculos de conquistas e expanses. 25 Alfons Frst: No cristianismo, as converses tornaram-se um fenmeno de massa. No sabemos o que levou a
maioria dos cristos e das crists a se converter nem o que vivenciaram, tampouco o que a converso significou
para eles mais tarde, simplesmente porque nada consta das fontes. Contudo, alguns eruditos entre os cristos
manifestaram-se a respeito de sua converso, e seu relato geralmente feito de modo bastante comedido permite-nos observar determinado trao de sua mentalidade religiosa. (...) Ser que essa mentalidade
condicionava a intolerncia e a disposio violncia? Segundo a rigorosa concepo da Igreja da Antiguidade,
converter-se significava distanciar-se da maneira mais clara possvel do ambiente religioso, social e cultural,
relativizar seus valores e suas pretenses, question-lo ou rejeit-lo. Mesmo quando esse procedimento se mostrava profundamente ambivalente pois os cristos no podiam simplesmente abandonar o tempo e a cultura em que haviam crescido e em que continuaram a viver e a pensar -, sua mentalidade era determinada, em
primeiro lugar, pela delimitao religiosa. Frst, Alfons. tica da paz e disposio violncia Sobre a
ambivalncia do monotesmo cristo em seus primrdios. In Frst, Alfons. Paz na Terra? As Religies
Universais entre a Renncia e a disposio violncia.So Paulo: Idias & Letras, 2009, p. 97 e 98. 26 Antes da Inquisio Jacques Le Goff j aponta traos de intoler6nacia por parte da Igreja crist: Dos sculos
XI a cristandade torna-se uma sociedade de perseguio. Beneficiada por um grande desenvolvimento demogrfico, econmico, militar, poltico e cultural, ela quer defender suas conquistas contra aqueles que lhe
parecem amea-las; e passa a adotar os instrumentos da represso e da agresso. Le Goff, Jacques. A razes
medievais da intolerncia. In A Intolerncia. Trad. Elo Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p. 39. 27 Toby Green: preciso comear reconhecendo a amplitude do tema. De 1478 a meados do sculo XVIII, a Inquisio foi a mais poderosa instituio da Espanha e de suas colnias nas ilhas Canrias, na Amrica Latina e
nas Filipinas. A partir de 1536, no vizinho Portugal e nas colnias portuguesas na frica, na sia e no Brasil, a
Inquisio foi preeminente durante 250 anos. Isso quer dizer que foi uma fora significativa em quatro
continentes por mais de trs sculos; estamos tratando de um perodo que se estende da unificao da Espanha
sob Fernando e Isabel, no sculo XV, s guerras napolenicas. Green, Toby. Inquisio O reinado do medo.Trad. Cristina Cavalcanti. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 30. 28 A Inquisio atingiu o pice da violncia na Espanha, nos primeiros cinqenta anos aps sua criao, em
1478, perodo em que, segundo estimativas, cerca de 50 mil pessoas foram julgadas e uma parcela significativa
desse nmero foi queimada na fogueira na condio de relaxados. Em alguns anos, como em 1492m 2 mil
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Nesta esteira, a justificativa para tamanha atrocidade foi a defesa da prpria Igreja
Catlica ao perseguir os considerados hereges29
. E o resultado seria a pureza da religio
catlica sem a influncia negativa dos maus convertidos ou dos infiis.
A Inquisio foi um claro exemplo de proselitismo negativo com o uso da intolerncia
de forma indiscriminada e atroz30
. E a difuso de sua fora propiciou a Igreja Catlica outras
ambies que no as religiosas. E a principal delas foi ratificar uma influencia poltica sobre
os Estados. E, assim, os lderes catlicos perceberam que a busca pelo poder estava
diretamente atrelada a uma demonstrao de fora, logo, um alinhar de interesses com o
Estado seria vital para as novas pretenses eclesisticas.
Sendo assim, tal como j tinha ocorrido no Imprio Romano a religio comea a
influenciar, via Igreja, nos poderes decisrios dos mandatrios. E, com isso, no logrou muito
tempo para a Igreja estar no centro das decises polticas. O perodo histrico foi
determinante para a influncia da Igreja31
.
pessoas podem ter sido relaxadas e outras 2 mil podem ter tido suas efgies queimadas. Aproximadamente setecentas pessoas foram mortas s em Sevilha entre 1481 e 1488, e outras cinqenta em Cidade Real entre
1483 e 1484. Cerca de 10% de toda a populao de Toledo foi julgada pela Inquisio entre 1486 e 1499, e 3%
foi relaxada em vida ou em efgie. Green, Toby. Inquisio O reinado do medo.Trad. Cristina Cavalcanti. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 32 e 33. 29 A Inquisio for a criada na Espanha para detector supostos maus cristos entre os convertidos. Green, Toby.
Inquisio O reinado do medo.Trad. Cristina Cavalcanti. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 42. 30 Alfons Frst: A dificuldade dos cristos com a pluralidade religiosa era relevante no apenas do ponto de
vista teolgico e interno Igreja, mas tambm do lado social e poltico. No final da Antiguidade, o mundo era
em grande parte pluralista. No gigantesco Imprio Romano, que ia da latitude de clima temperado-frio das ilhas
britnicas e do centro da Europa at as zonas subtropicais do Alto Egito, de Gibraltar e do Monte Atlas no
Ocidente at o Tigre e o Eufrates no Orientes, viviam inmeros povos com suas respectivas lnguas, culturas e
tradies, em conjunto ou paralelamente. A religiosidade dessas comunidades ecumnicas (no sentido antigo)
era marcada por uma multiplicidade de usos e cultos que se interpenetravam e misturavam permanentemente
num clima bastante favorvel ao sincretismo. Essa situao religiosa e por si s variegada parece ter-se alterado
profundamente nos primrdios do perodo imperial. Inserida na famlia, no cl, na tribo e na cidade, a religio, que uma questo de uso e tradio, passou a ser uma questo de livre-arbtrio. Em termos mercantis, surgiu
uma concorrncia entre grupos religiosos, desconhecida nos primrdios da Antiguidade, e o novo
comportamento que levava a conflitos, principalmente queles condicionados pela religio. O cristianismo no
chegou ao mundo como novo grupo religioso. Era uma oferta de sentido a mais no mercado das esperanas de
salvao e promessas de cura. Contudo, do ponto de vista dos antigos, os cristos agiam com seu mpeto
missionrio e com enorme importncia que, na falta de outras marcas de identidade, eles atribuam com
inabitual agressividade confisso religiosa. Frst, Alfons. tica da paz e disposio violncia Sobre a
ambivalncia do monotesmo cristo em seus primrdios. In Frst, Alfons. Paz na Terra? As Religies
Universais entre a Renncia e a disposio violncia.So Paulo: Idias & Letras, 2009, p. 102 e 103. 31 Pinto Ferreira: A sociedade antiga era de ndole religiosa. Do mesmo modo o Estado antigo e o Estado medieval, com suas crenas religiosas, o primeiro dominado pelo paganismo e o segundo pelo catolicismo. A Idade Mdia assistiu ao domnio pleno da Igreja Catlica, inclusive atuando na esfera poltica, com a idia da
espada temporal e da espada espiritual, do poder sobre o mundo e sobre as almas. A religio catlica teve
predomnio intenso, impedindo a liberdade de crena e de culto, queimando nas fogueiras da Inquisio os
hereges e os que discordavam de sua orientao. Basta lembrar o caso de Giordano Bruno, queimado em 1600,
torturado lentamente na fogueira durante duas horas, por defender idias que foram inclusive adotadas por
Einstein. Inmeras figuras pagaram com a morte as suas crenas, como um crime de lesa-religio. Guerras
surgiram entre as naes e massacres entre as pessoas da mesma ptria, como na noite de So Bartolomeu, na
Frana, em 1572, quando os catlicos trucidaram inmeros huguenotes (protestantes). Ferreira, Pinto. Curso de
direito constitucional. 9 ed. So Paulo: Saraiva, 1998, p. 102.
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A Igreja se aproveitou do perodo em que exercia forte influncia, inclusive sobre o
Estado, para acumular riquezas, conquistar territrios e ampliar seu domnio. O resultado
direto foi o ganho de poder por parte da Igreja e, por conseguinte, amealhar no apenas novos
fieis para sua crena, como tambm, uma expanso territorial e o acmulo de riquezas. E,
assim, a religio se distanciava de sua principal funo: a religiosa. Agora as preocupaes
eram nitidamente polticas em uma clara busca por poder.
O domnio da Igreja apenas aumentava, bem como seu patrimnio e sua riqueza. Na
Europa, particularmente na Frana32
, se tornou comum os governantes serem coroados pelo
Papa em uma clara demonstrao de que o lder supremo do Estado estava submisso
Igreja.33
Evidentemente, os governantes no se mostraram felizes com essa expanso, todavia,
contrariar o povo seria ainda pior, portanto, o perodo de dominao da Igreja perdurou por
muitos sculos, mas comeou a declinar exatamente com a prpria Inquisio.
O temor, as mortes sem sentido, a cultura que se perdeu devido enormidade de
livros que foram queimados abalaram a confiana cega do povo na Igreja. A figura do
salvador se transformou na do inquisidor, uma ntida ameaa. E, com a queda da Inquisio a
prpria Igreja comeou a perder sua influncia, foi, portanto, a oportunidade perfeita dos
governantes reaverem seus territrios e aumentarem seus poderes.
Em decorrncia, a burguesia era a mais afetada com a expanso territorial da Igreja.
Logo, ao perderem terras e, em concomitncia, o Estado no ter o poder decisrio pleno
ambos os lados perceberam que o cerne do problema era o mesmo: a influencia da Igreja nas
relaes de poder.
Assim, uma forma de se afastar a Igreja do poder era o mote fundamental a ser
desenvolvido.
32 Georges Lefebvre: Na antiga Frana, a lei distinguia trs ordens: o clero, a nobreza e o Terceiro Estado. Suas propores numricas so imprecisas: dos 23 milhes de habitantes que o reino podia conter, sem dvida no
havia mais de 100 mil sacerdotes, monges e freiras, e de 400 mil nobres; todo o resto pertencia ao Terceiro Estado. Lefebvre, Georges. 1789 O surgimento da Revoluo Francesa. Trad. Cludia Schilling. 2 ed. So
Paulo: Paz e Terra, 2011, p. 43. 33 Toby Green: Ao longo de seus mais de trezentos anos de existncia, naturalmente as estruturas da Inquisio
evolura. No devemos pensar que seu alcance administrativo tenha sido sempre universal e todo-poderoso, e,
como vimos, na Espanha o nmero de familiares diminuiu rapidamente no sculo XVII. No entanto, no h
dvidas de que, durante a maior parte de sua existncia, a Inquisio atingiu quase todos os aspectos da vida da
maior parte das pessoas. Por volta do sculo XVII, em Portugal, era considerada um Estado dentro do Estado e,
indiscutivelmente, contava com a maior e mais poderosa burocracia do pas. Green, Toby. Inquisio O reinado
do medo.Trad. Cristina Cavalcanti. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 277.
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E foi a Frana, com o crescimento da burguesia, que determinou a mudana do poder,
os eventos que antecederam a Revoluo Francesa e a chegada ao poder por Napoleo
Bonaparte acabaram por cindir a relao poltica que outrora existia entre Igreja e Estado34
.
A prpria coroao de Napoleo Bonaparte j demonstra isso, pois, atravs de
pinturas existe a retratao do Papa corando Napoleo, em uma inferncia clara ao domnio
da Igreja sobre o Estado. Contudo, em outra tela temos Napoleo retirando a coroa das mos
do soberano religioso e se autocoroando, em uma separao entre Estado e Igreja.
Napoleo era um lder inteligente e astuto, portanto, excluir a Igreja, em um primeiro
momento seria uma idiossincrasia, ento, inicialmente houve uma aproximao, quando
Bonaparte decretou uma trgua trazendo a igreja para o abrigo do Estado, porm com uma
srie de restries impostas pelo governante francs, o que culminou com uma ruptura
definitiva.
Entretanto, aos olhos do povo Napoleo estava com a Igreja e foi esta que o
abandonou, logo, o governo conseguiria, assim, consolidar a separao poltica definitiva
com a Igreja.
O relato nos trazido por E. Beau de Lomnie, primeiro sobre a tentativa de
reconciliao entre Bonaparte e a Igreja e depois a ciso:
Bonaparte compreendeu que lhe era necessrio achar um acrdo com a
Igreja, isto , com o papado. Logo que subiu ao poder procurou entrar em
negociaes com Roma. Mas chocou-se imediatamente com muitas resistncias. Os homens bem colocados, comprometidos por seu passado
anticlerical, e com les os eclesisticos que tinham aderido constituio
civil do clero, temiam as represlias. As negociaes foram longas e difceis (Lomnie, E. Beau, 1958, p. 116-117).
O acordo firmado ficou conhecido como a concordata de Bonaparte e teve uma curta
durao como nos relata em um segundo momento Lomnie:
E outras complicaes tinham surgido. Bonaparte no se contentara de
negociar com a Igreja. No mesmo esprito de conciliao, le procurara aliar
34 Essa conjuno de fatores tambm foram igualmente importantes para a derrocada da Inquisio como relata Toby Green: Assim, podemos resumir da seguinte maneira os inimigos e os amigos da Inquisio em 1789: os
inimigos era a liberdade, a igualdade e a interdependncia; os amigos eram o status quo e a hierarquia. A
instituio prosseguiu seriamente em suas tentativas de censura. A proibio de livros e a inspeo de
bibliotecas tornaram-se sua funo principal. Seus arquivos secretos cresciam com o grande nmero de casos
documentados, medida que cada vez mais livros eram publicados, promovendo o que ela considerava idias
ultrajantes. O grande nmero de livros proibidos naquela poca assinala tanto o florescimento das edies
quanto a incapacidade da Inquisio de conter seu fluxo.(...) Era impossvel conter a libertinagem e o escrnio
sobre a Inquisio e sobre tudo que ela prezava. Green, Toby. Inquisio O reinado do medo. Trad. Cristina
Cavalcanti. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 369.
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a si, dando-lhes lugares em seus quadros administrativos, alguns dos
membros da antiga nobreza que tinham voltado da emigrao logo que a ordem interior fra restabelecida. (...) O assunto cujas consequncias iam ser
as mais catastrficas foi o Bloqueio Continental, destinado em princpio a
impelir a Inglaterra runa, fechando ao seu comrcio todos os portos da Europa.
Na Itlia, o Papa recusou fechar seus portos aos inglses. Napoleo ocupou ento os Estados Pontificais. Da surgiram irritaes que, ajuntando-se s
dificuldades j suscitadas pela aplicao da Concordata, levaram Napoleo a
deportar o Papa Pio VII para Savana. (Lomnie, E. Beau, 1958, p. 118).
Era a ruptura entre a Igreja e o Estado...
Esse movimento iniciado na Frana, com Napoleo Bonaparte, culminou com a ciso
definitiva entre Estado e Igreja em 9 de setembro de 1905, quando a Terceira Repblica
promulgou a separao definitiva entre a Igreja e o Estado em forma de lei.
Contudo, a ruptura no foi apenas a nica conseqncia a ser enfrentada pela Igreja,
pois, a maior punio aos lderes religiosos seria o laicismo.
5. A chegada do laicismo
O Estado sempre buscou uma autonomia de decises em relao Religio, afinal
dividir a soberania no um interesse almejado pelos representantes do povo. Inmeras
foram as aes de governantes para afastarem a influncia da Igreja, ou melhor, da Religio
de seus governos. Entretanto, a resistncia religiosa tambm existiu e, por conseguinte, os
estratagemas de manter o vnculo ativo.
Sobre o tema Lucy Risso Moreira Csar:
Contra as pretenses dos Estados de se afastarem da influncia do sacerdcio e da Igreja, os Papas Gregrio XVI e Pio IX comeam a
combater as conseqncias do novo direito pblico, surgido das teorias
protestantes, da Revoluo Francesa, do sculo das luzes, do naturalismo e laicismo modernos (Cesar Lucy Risso Moreira, 1982, p. 13)
E demonstra qual foi o contra remdio adotado pela Igreja:
Neste sentido, inauguram as encclicas, novo exerccio do magistrio que
substitui o poder sobre a sociedade temporal. Trata-se de ensinamentos que ultrapassam o testemunho da f, desenvolvendo as razes e conseqncias
da doutrina, atravs da teologia, para esclarecer os problemas da Igreja e da
sociedade. (Cesar Lucy Risso Moreira, 1982, p. 13)
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Esse relato histrico nos mostra que a Igreja nunca deixou de tentar manter seu poder
poltico, independente da sua fora religiosa, afinal, a expanso territorial e o acmulo de
riquezas da igreja se deveu muito em parte ao estratagema de unir f e poltica.
Entretanto, Marco Aurlio Cassamano em sua tese de Doutorado (2006) apresenta trs
acontecimentos fundamentais para a queda da Igreja e a ascenso do Estado: a) o Estado
Moderno, b) a Reforma35
e o Protestantismo e c) a secularizao.
E justifica o porqu desses trs eventos:
O Estado Moderno representa a supremacia da fora poltica, concentrada nas mos do monarca absolutista, em detrimento da Igreja. A Reforma e o
Protestantismo ocasionaram a quebra do monoplio religioso mantido at
ento pelo Catolicismo, provocando uma profunda mudana nos laos que
prendiam a poltica religio. J a secularizao o processo pelo qual as pessoas, perdendo confiana num outro mundo ou no sobrenatural,
abandonaram suas crenas religiosas, ou pelo qual a religio perdeu a sua
influncia na sociedade.(Cassamano, 2006, p. 94)
Com a ruptura do Estado com a religio a influencia poltica da Igreja sobre o Estado
cessou. Contudo, o receio dos detentores do poder em uma possvel nova ascenso motivou
uma resposta enrgica por parte dos governantes. Como se fora um recado direto sobre quem,
agora, retinha o poder.
Destarte, na Frana, com a ruptura em 1905 se inaugurou um perodo de completa
intolerncia Igreja, foi o que se denominou de Laicismo.
Laicismo pode ser traduzido como a completa ignorncia da presena da Igreja e,
pior, da prpria Religio, como em um ato de censura, especialmente a Frana a partir da
ruptura com a Igreja em 1905, instaurou a proibio de manifestao religiosa, atos de f e,
por que no dizer da prpria manifestao da Igreja.
A Carta do Papa Joo Paulo II a D. Jean-Pierre Ricard, Arcebispo de Bordus e
Presidente da Conferncia Episcopal Francesa possuem importante dados acerca da separao
do Estado e da Igreja e a relao de tais fatos com o laicismo:
Em 1905, a lei de separao da Igreja e do Estado, que denunciava a
Concordata de 1804, foi um acontecimento doloroso e traumatizante para a
35 Miguel Chaia: A tolerncia contra a intolerncia religiosa desloca-se, de forma laica, para a ordem poltica.
Calvino, mesmo reconhecendo que o governo secular e o reino interno e espiritual de Cristo so diferentes,
tornou-se partidrio de uma ordem poltica que toma a seu cargo impedir que a verdadeira religio, a qual est contida na lei de Deus, seja manchada e violada com impunidade pela heresia pblica e ofensiva. A lei moral,
com duplo sentido, quais sejam reverenciar a Deus e amar nosso prximo, fornece a argamassa para a
organizao poltico-crist que engendrada a partir da Reforma e afeta a ordem civil, as leis e a organizao do
povo. Chaia, Miguel. Tolerncia e liberdade aforismos intempestivos. In Passetti, Edson e Oliveira, Salete (coord.). A Tolerncia e o intempestivo. So Paulo: Ateli Editorial, 2005, p. 39.
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Igreja na Frana. Ela regulava o modo de viver em Frana o princpio do
laicismo e, neste mbito, ela mantinha unicamente a liberdade de culto, relegando ao mesmo tempo a f religiosa para a esfera privada e no
reconhecendo vida religiosa e Instituio eclesial um lugar no seio da
sociedade. Desta forma, a vida religiosa do homem era considerada unicamente como um simples sentimento pessoal, no reconhecendo assim a
natureza profunda do homem, ser ao mesmo tempo pessoal e social em
todas as suas dimenses, incluindo a dimenso espiritual.36
Sendo assim, podemos concluir que o laicismo a supresso da religio da realidade
estatal, a ponto de a mesma no ser considerada sequer como um elemento de f, pertencente
a todos os seres humanos, logo, presente na sociedade.
As pessoas poderiam cultuar seus deuses, exercer seus votos religiosos, desde, que
no turbassem a ordem social, ou seja, o mesmo que dizer que a religio somente estava
autorizada no interior dos lares das pessoas.
A inteno for realmente cindir qualquer tipo de influencia da Igreja com o Estado,
como conseqncia direta ruptura promovida pela Frana, atravs dos atos relatados
anteriormente por ns e que culminaram na definitiva ruptura em 1905.
E prossegue Joo Paulo II a falar sobre o laicismo na mesma carta:
O princpio do laicismo, ao qual o vosso Pas est muito ligado, se for bem
entendido, faz tambm parte da Doutrina social da Igreja. Ele recorda a necessidade de uma justa separao dos poderes (cf. Compndio da
Doutrina Social da Igreja, nn. 571-572), que faz eco ao convite feito por
Cristo aos discpulos: "Dai, pois, a Csar o que de Csar e a Deus o que de Deus" (Lc 20, 25). Por seu lado, a no-confessionalidade do Estado, que
uma no-ingerncia do poder civil na vida da Igreja e das diferentes
religies, assim como na esfera do espiritual, permite que todos os
componentes da sociedade trabalhem juntos ao servio de todos e da comunidade nacional. De igual modo, como recorda o Conclio Vaticano II,
a Igreja no tem por vocao a gesto do que temporal, pois, "em razo da
sua misso e competncia, no pode confundir-se de modo algum com a comunidade poltica nem est ligada a nenhum sistema poltico"
(Constituio Gaudium et spes, n. 76; cf. n. 42). Mas, ao mesmo tempo,
fundamental que todos trabalhem pelo interesse geral e pelo bem comum. neste sentido que o Conclio diz: "No terreno que lhe prprio, a
comunidade poltica e a Igreja, so independentes e autnomas. Mas ambas,
embora a ttulos diferentes, esto ao servio da vocao pessoal e social dos
mesmos homens. Exercero tanto mais eficazmente este servio para o bem de todos quanto mais cultivarem entre si uma s cooperao".
37
A manifestao papal apenas demonstra que a Igreja nunca deixou de lutar contra esse
banimento por parte do Estado.
36
Fonte: http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/letters/2005/documents/hf_jp-ii_let_20050211_french-
bishops_po.html, acesso em 3 de fevereiro de 2011. 37 Fonte:http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/letters/2005/documents/hf_jp-ii_let_20050211_french-
bishops_po.html, acesso em 3 de fevereiro de 2011.
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O que o Papa insiste em dizer que no se pode suprimir a f das pessoas como forma
de ratificar a soberania poltica de um Estado, uma coisa no se confunde com outra, logo, a
soluo apresentada pelo Pontfice a liberao da religio sem nenhum tipo de vnculo com
o Estado, o que viria a se denominar laicidade.38
6. Os Direitos Humanos e a ruptura do laicismo
Enquanto nos pases ocidentais, a Igreja observava sua dominao e sua influencia ser
nitidamente reduzida, o mesmo no se pode dizer dos pases do mundo rabe, aos quais, em
sua esmagadora maioria no apenas adotam o islamismo como religio oficial, como esta tem
uma influencia muito presente em termos polticos.
Ao invs de existir e de se edificar uma aproximao entre as religies o que se viu ao
longo dos sculos foi um profundo distanciamento, com caminhos a serem trilhados em
movimentos distintos.
Enquanto que as religies crists buscavam ocupar novamente o centro decisrio com
uma influencia poltico-religiosa os lderes islmicos se preocupavam em edificar o Estado de
acordo com os seus interesses e, assim, criar um ideal poltico religioso.
A mudana da realidade religiosa ocidental ocorreu com dois eventos que
modificaram sobremaneira o cenrio poltico e geogrfico do mundo: as duas Guerras
Mundiais.
Mais importante do que discutir o boicote aos ideais da Igreja tivemos uma profunda
mudana acerca do conceito da vida humana, pois a banalizao e o descarte motivados pelas
milhares de vidas dizimadas como esplio de Guerra, agora, eram a agenda do dia.
38 Parte final da Carta de Joo Paulo II, como forma de ratificar a laicidade: Reconhecer a dimenso religiosa das pessoas e dos componentes da sociedade francesa, significa querer associar esta dimenso s outras
dimenses da vida nacional, para que contribua com o seu dinamismo para a edificao social e para que as
religies no se refugiem num sectarismo que poderia representar um perigo para o prprio Estado. A sociedade
deve poder admitir que as pessoas, no respeito do prximo e das leis da Repblica, possam manifestar a sua
pertena religiosa. Em caso contrrio, corre-se sempre o risco de um fechamento de identidade e sectrio, e do
incremento da intolerncia, que impede a convivncia e a concrdia no seio da Nao. Devido vossa misso,
estais chamados a intervir regularmente nos debates pblicos sobre as grandes questes da sociedade. De igual modo, em nome da sua f, os cristos, pessoalmente ou em associaes, devem poder tomar a palavra
publicamente para expressarem as suas opinies e manifestar as suas convices, contribuindo assim para os
debates democrticos, interpelando o Estado e os seus concidados sobre as responsabilidades de homens e
mulheres, principalmente no campo dos direitos fundamentais da pessoa humana e do respeito da sua dignidade,
do progresso da humanidade que no pode ser obtido a qualquer preo, da justia e da igualdade, assim como da
proteo do planeta, so mbitos que dizem respeito ao futuro do homem e da humanidade, e responsabilidade
de cada gerao. Eis por que a laicidade, longe de ser o lugar de um confronto, verdadeiramente o espao para
um dilogo construtivo, no esprito dos valores de liberdade, igualdade e fraternidade, que so justamente muito
queridos ao povo da Frana.
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Afinal, com o trmino da Segunda Guerra Mundial, que perdurou de 1939 a 1945 e
deixou um esplio estimado entre 40 a 52 milhes de pessoas mortas em decorrncia dos
conflitos (Dados da Grande Enciclopdia Larousse Cultural,1998, p. 2863).
No existe afronta maior contra a vida de um ser humano do que uma guerra? O que
diriam as autoridades e os defensores dos direitos humanos por conta da ao humana mais
de quarenta milhes de vidas deixaram de existir?
Ademais, somente as mortes j seria uma justificativa minimamente razovel para
uma mudana de paradigma, porm, a Segunda Guerra mundial conteve requintes especficos
de crueldade que afrontam a dignidade de qualquer ser humano.
O holocausto produziu cenas terrveis protagonizadas em campos de concentrao, em
especial Auschwitz39
e Bikernau com esterilizao em massa, experimentos em seres vivos,
em corpos, mortes em cmaras de gs, perseguies e agresses que culminaram com mortes
por conta de orientao sexual, raa e religio.
A histria nos mostra que os direitos humanos sempre foram impulsionados por
acontecimentos histricos, isto , se firmaram ao longo do tempo como uma resposta aos
fatos sociais em um determinado espao-tempo, assim, receberam a classificao de direitos
humanos de primeira, segunda e terceira gerao.
Para nosso estudo ser importante situar o surgimento dos direitos humanos, portanto,
iremos apresentar o surgimento histrico dos direitos humanos, sem deixar de mencionar as
influncias histricas, contudo, no adentraremos na questo da classificao dos direitos
humanos, pois, iremos por um caminho distinto.
Nossa misso ser apresentar como eram os direitos humanos ps Independncia
Americana e Revoluo Francesa e como ficaram aps as duas grandes guerras mundiais, as
mudanas de paradigma e o novo caminho a ser defendido.
Toda a nossa ateno sobre os Direitos Humanos estaro centradas na questo
religiosa, tanto na permissibilidade como no combate aos abusos.
39 Hannah Arendt fornece o relato histrico acerca da funcionalidade de Auschwitz: Lendo as atas do julgamento, deve-se ter sempre em mente que Auschwitz fora estabelecido para massacres administrativos que
deviam ser executados segundo as regras e regulamentos mais rigorosos. Essas regras e regulamentos tinham
sido estipulados pelos assassinos burocratas, e eles pareciam excluir provavelmente tinham a inteno de excluir toda iniciativa individual, quer para melhorar a situao, quer para pior-la. O extermnio de milhes foi planejado para funcionar como uma mquina: os prisioneiros chegando de toda a Europa; as selees na
rampa, e as selees subseqentes entre aqueles que tinham sido robustos na chegada; a diviso em categorias
(todos os idosos, crianas e mes com filhos deviam ser gaseados imediatamente); os experimentos humanos; o
sistema dos prisioneiros de confiana, os caps e os comandos de prisioneiros que manejavam as instalaes de extermnio e detinham posies privilegiadas. Tudo parecia previsto e assim previsvel dia aps dia, ms aps ms, ano aps ano. E, ainda assim, o que resultou dos clculos burocrticos foi o exato oposto da
previsibilidade. Foi uma completa arbitrariedade. Arendt, Hannah. Responsabilidade e julgamento.Trad.
Rosaura Eichenberg. So Paulo: Companhia das letras, 2004, pgs. 319 e 320.
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6.1. Os Direitos Humanos evoluo histrica
A doutrina determina que a primeira gerao de direitos humanos tenha seu incio
com a Independncia Americana e a Revoluo Francesa40
. Contudo, inegvel a
contribuio de alguns outros atos anteriores. Foi assim com a Magna Carta Inglesa em 1215,
e, principalmente, com os atos impulsionados nos sculos XVI e XVII, por advento do
movimento conhecido como iluminismo, quando uma srie de atos foram profcuos para o
desenvolvimento dos direitos humanos fundamentais atravs do habeas corpus act, de 1679;
o Bill of Rights em 1689. No entanto necessrio compreender o contexto histrico para
concordar com a doutrina.41
Afinal, se a concesso de um direito dependia de um soberano, ento o direito no era
universal e a disposio do homem, logo, ao ser atrelado a vontade de outrem se tornava
restrito, realidade essa, que realmente, somente se modificou com as Declaraes Americana
de 1776 e Francesa de 1789.
Todavia, a quebra de paradigma se iniciou com o iluminismo, pois esse movimento
foi o responsvel por impulsionar novamente os iderios dos direitos humanos, que
resultaram nos processos de conflitos na Frana e nos Estados Unidos, que culminaram com a
40 Nilo Odalia: Compreender-se a Revoluo Francesa como fundadora dos direitos civis impe que no nos
esqueamos de que o sculo XVIII conhecido como o sculo do Iluminismo e da Ilustrao, por ser o sculo
de Voltaire e Montesquieu, de Kant e Holbach, de Diderot e DAlembert, de Goethe e Rousseau, de Mozart e Beethoven. Nele se deu, tambm, a tentativa de transformar as cincias da natureza em cincias da razo e da
experimentao. Odalia, Nilo. A liberdade como meta coletiva. In Pinsky, Jaime & Pinsky, Carla Bassanezi
(org.). Histria da cidadania. 5 ed. So Paulo: Contexto, 2010, p. 159. Somado ao relato de Nilo Odalia temos de
considerar os sculos de opresso da Igreja Catlica em decorrncia da Inquisio, a dominao do Clero e da
Nobreza sobre a esmagadora maioria da populao francesa denominada de Terceiro Estado. No entanto, o Terceiro Estado, ao qual se situava a Burguesia, era explorado e perdia riquezas e territrios para o Clero,
especialmente, e para a nobreza. Em toda essa conjuntura histrica era de se esperar que a Revoluo fosse
apenas uma questo de tempo. E ainda, com a influencia dos ideais propostos pela abertura de Napoleo
Bonaparte o avano em defesa das liberdades e a ciso com a tirania e com a submisso eram inevitveis. E o
marco dessa Revoluo foi a conseqncia direta produzida ao longo do globo, pois, se no foi o embrio dos
direitos fundamentais, foi, sem dvida, a sua mola propulsora. 41 Na verdade, Norberto Bobbio elucida a importncia dos movimentos anteriores Revoluo Francesa e
explica os motivos de no serem considerados como marcos para os direitos humanos: A relao tradicional entre direitos dos governantes e obrigaes dos sditos invertida completamente. At mesmo nas chamadas
cartas de direitos que precederam as de 1776 na Amrica e a de 1789 na Frana, desde a Magna Charta at o Bill
of Rights de 1689, os direitos ou as liberdades no eram concedidos ou concertados, devendo parecer mesmo que fossem resultado de um pacto entre sditos e soberano como um ato unilateral deste ltimo. O que equivale dizer que, sem a concesso do soberano, o sdito jamais teria tido qualquer direito. No diferente o
que ocorrer;a no sculo XIX: quando surgem as monarquias constitucionais, afirma-se que as Constituies
foram octroyes pelos soberanos. O fato de que essas Constituies fossem a conseqncia de um conflito entre
rei e sditos, concludo com um pacto, no devia cancelar a imagem sacralizada do poder, para a qual os
cidados obtm sempre o resultado de uma graciosa concesso do prncipe. As Declaraes de Direito estavam
destinadas a inverter essa imagem. E, com efeito, pouco a pouco lograram invert-la. Hoje, o prprio conceito
de democracia inseparvel do conceito de direitos do homem. Bobbio, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 114.
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Revoluo Francesa e a Independncia norte americana, respectivamente e que determinaram
o surgimento da primeira gerao dos direitos humanos42
.
Todos esses atos foram importantes para desenvolver o conceito de liberdade,
fraternidade e igualdade entre todos os homens. Contudo, os conflitos e, especialmente, as
mortes impulsionaram uma necessidade de buscar a valorao do prprio homem. E a
Primeira Guerra Mundial que ocorreu entre 1914 e 1918, com um saldo negativo de 9
milhes de mortos acelerou ainda mais o processo (Dados da Grande Enciclopdia Larousse
Cultural, 1998, p. 2859.
No entanto, como que as Naes se organizaram para discutir e desenvolver um
contraremdio s agruras trazidas pelas guerras? A resposta a essa indagao, a nosso ver,
representou a evoluo concreta dos direitos humanos para a defesa do cidado.
6.2. Os Direitos humanos ps I e II Guerras Mundiais
Os Direitos Humanos conheceram uma nova fase com o final da Segunda Guerra
mundial, em um movimento que se iniciou com as guerras francesas e sua Declarao dos
Direitos do Homem em 1789.
O marco histrico a presena na Declarao Francesa de 1789 o artigo 243
:
A finalidade de toda associao poltica a preservao dos direitos naturais
e imprescritveis do homem. Esses direitos so a liberdade, a prosperidade, a
segurana e a resistncia opresso.
Com o trmino das guerras e a perda inestimvel de milhes de vidas, o primeiro
grande ato em busca da defesa dos direitos humanos foi a criao em 26 de junho de 1945,
em So Francisco de um rgo que iria representar os cinqenta e um pases signatrios e
proteger os cidados, suas relaes, liberdades, etc., nascia assim a Organizao das Naes
Unidas (ONU).
Apenas trs anos aps a sua criao, em 1948, a ONU aprovou a Declarao
Universal de Direitos do Homem44
, que notadamente foi influenciada pela Declarao de
1789, mas lapidada pelas agruras dos acontecimentos histricos j referidos.
42 Fbio Konder Comparato afirma: O artigo I da Declarao que o bom povo da Virgnia tornou pblica, em 16 de junho de 1776, constitui o registro de nascimento dos direitos humanos na Histria. Comparato, Fbio
Konder. A afirmao histrica dos Direitos Humanos. 3 Ed. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 49. 43
Fonte: http://www.senat.fr/lng/pt/declaration_droits_homme.html, acesso em 3 de fevereiro de 2011. 44 Norberto Bobbio afirma que: A Declarao Universal dos Direitos do Homem pode ser acolhida como a maior prova histrica at hoje dada do consensus omnium gentium sobre um determinado sistema de valores. Os
velhos jusnaturalistas desconfiavam e no estavam inteiramente errados do consenso geral como
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O prembulo j possui os elementos norteadores do que viriam a se traduzir em um
novo conceito de Direitos humanos ao justificar os anseios sociais das pessoas comuns.45
Jos Lindgren Alves j apontava as semelhanas:
Seus postulados fundamentais, que remontam Revoluo Francesa, so a
liberdade, a igualdade e a fraternidade, expressos na formulao do Artigo 1 de que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos, devendo agir reciprocamente com esprito de fraternidade. Desses postulados decorre o princpio da no discriminao por motivo de raa, cor sexo, lngua, religio, opinies, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento ou qualquer outra condio, inclusive a situao poltica,
jurdica ou nvel de autonomia do territrio a que pertenam s pessoas explicitado no Artigo 2. (Alves, 1997, p. 27.)
Com a Declarao Universal dos Direitos Humanos46
, de 1948, o homem, ou melhor,
a dignidade da pessoa humana passou a principal preocupao e o alvo mximo de proteo.
E, tambm, um novo marco histrico fundamental, pela primeira vez fora criado um
documento universalmente aceito pela maioria das pessoas, atravs da ratificao de seus
governos, um conjunto de regramentos e comportamentos sociais criados pelo prprio
homem, sem que houvesse algum tipo de envolvimento a Igreja e que abrangesse a todos e
no a determinados grupos, como no caso da religio e das Igrejas.47
fundamento do direito, j que esse consenso era difcil de comprovar. Seria necessrio buscar sua expresso
documental atravs da inquieta e obscura histria das naes, como tentaria faz-lo Giambattista Vico. Mas
agora esse documento existe: foi aprovado por 48 Estados, em 10 de dezembro de 1948, na Assemblia Geral
das Naes Unidas; e, a partir de ento, foi acolhido como inspirao e orientao no processo de crescimento
de toda a comunidade internacional no sentido de uma comunidade no s de Estados, mas de indivduos livres
e iguais. Bobbio, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 47. 45 Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da famlia humana e de seus direitos iguais e inalienveis o fundamento da liberdade, justia, e da paz no mundo, Considerando que o
desprezo a o desrespeito pelos direitos humanos resultou em atos brbaros que ultrajaram a conscincia da
Humanidade e que o advento de um mundo no qual os seres humanos gozem de liberdade de expresso e de
crena e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspirao
do homem comum. (Duas primeiras partes do prembulo). Alves, Jos Augusto Lindgren. A arquitetura
internacional dos direitos humanos. So Paulo: FTD, 1997, p. 49. 46 Norberto Bobbio tinha dvidas se a humanidade tinha conscincia da grandeza do que a Declarao Universal
dos Direitos do Homem representava para a prpria histria: No sei se tem conscincia de at que ponto a Declarao Universal representa um fato novo na histria, na medida em que, pela primeira vez, um sistema de
princpios fundamentais da conduta humana foi livre e expressamente aceito, atravs de seus respectivos
governos, pela maioria dos homens que vivem na Terra. Bobbio, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 47. 47 Norberto Bobbio: Com essa declarao, um sistema de valores pela primeira vez na histria universal, no em princpio, mas de fato, na medida em que o consenso sobre a validade e sua capacidade para reger os
destinos da comunidade futura de todos os homens foi explicitamente declarado. (Os valores de que foram
portadoras as religies e as Igrejas, at mesmo a mais universal das religies, a crist envolveu de fato, isto ,
historicamente, at hoje, apenas uma parte da humanidade.) Somente depois da Declarao Universal que
podemos ter a certeza histrica de que a humanidade toda a humanidade partilha alguns valores comuns; e podemos, finalmente, crer na universalidade dos valores, no nico sentido em que tal crena historicamente
legtima, ou seja, no sentido em que universal significa no algo dado objetivamente, mas algo subjetivamente
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Sempre a humanidade reagiu positivamente aps um grande mal causado pelo prprio
homem, foi assim com a Conveno de Viena, aps o final da I Guerra Mundial e, foi assim,
com a criao de um organismo transnacional, independente responsvel por regular as
relaes sociais e humanitrias entre os seus Estados-Membros, papel esse que passou a ser
desenvolvido pela ONU a partir de 1945.
Aps a Declarao Universal dos Direitos do Homem, de 1948, uma srie de atos,
resolues e medidas foram desenvolvidas para proteger o direito das minorias e, acima
disso, garantir a igualdade de direitos, independentemente da orientao poltica, sexual ou
religiosa.
Assim, com a busca por um sistema de Direitos Humanos calcado na liberdade
religiosa no mais fazia sentido o laicismo e, paulatinamente, este foi sendo transmutado pela
laicidade, ou seja, a no interferncia do Estado em questes religiosas e vice-versa.
Trata-se, portanto, de um novo cenrio para o Estado e para a Igreja: a segunda tem
total liberdade na sociedade, desde que no atue politicamente ou, tampouco, influa no poder
decisrio do Estado.
a acepo da tolerncia e da liberdade religiosa, a qual a prpria Igreja teve papel
fundamental com o Pacem in Terris, como demonstra Claude Geffr:
Tomemos o exemplo da Frana onde fizemos a aprendizagem, de parte a
parte, tanto da parte do Estado como da parte da Igreja, do que significa uma
verdadeira toler6ancia, aps a herana difcil da Revoluo vivida pelos catlicos. certo que o Vaticano II operou uma reviravolta notvel, ou seja,
pela primeira vez a Igreja j na pessoa de Joo XXIII no momento da Pacem in Terris em 1963, e depois no conclio do Vaticano II em sua Declarao sobre a liberdade religiosa aceitou o princpio de uma sociedade leiga, de uma sociedade pluralista, de uma sociedade que tem sua
legitimidade, mesmo se essa sociedade no possui um fundamento
imediatamente religioso (Geffre, 1993, p. 50).
J o Estado no minora ou interfere nas prticas religiosas da Igreja e professa, uma
liberdade de crena e culto, ou seja, o surgimento de um Estado tolerante, ou laico. Assim
sendo, o mote fundamental passou a ser a defesa de uma liberdade religiosa, da possibilidade
de se cultuar o seu Deus, de se fazer o proselitismo religioso, desde que nenhum destes atos
interfira negativamente na liberdade dos demais.
E a questo da tolerncia foi englobada como um dos principais meios de proteo da
Constituio dos Pases. E, na ausncia de um tipo normativo especifico os Estados tm
acolhido pelo universo dos homens. Bobbio, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 48.
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aderido a uma srie de instrumentos internacionais desenvolvidos para assegurar a tolerncia,
atravs de Tratados, Convenes, Pactos etc.48
6.3. A tolerncia religiosa
Jacques Le Goff (2000, p. 38) afirma que o conceito de tolerncia surgiu no sculo
XVI:
A noo de tolerncia (e, correlativamente, a de intolerncia) surge no sculo XVI. Uma de suas primeiras utilizaes pblicas encontrada no
Edito de Tolerncia (1562), que concede liberdade de culto aos protestantes.
A partir do final do sculo XVII, ela amplamente utilizada ( assim como a de intolerncia). A idia de que a tolerncia no natural, mas exige um
certo esforo para ser aceita, uma disciplina, perdura at nossos dias. A
tolerncia uma construo, uma conquista.
A Santa Inquisio ensinou o que deve ser tolerncia e como que a violncia e a
manipulao poltica podem ser usadas a fim de manter um ideal forosamente49
.
48 Declarao Francesa de Direitos do Homem, atravs do seu artigo 10; A Carta das Naes Unidas, de 26 de
junho de 1945; O prembulo da Declarao Universal dos Direitos do Homem, bem como o seu artigo 2; A
Conveno Europia dos Direitos do Homem, firmada em Roma, em 4 de novembro de 1950, atravs dos artigos 14, 18 e 26; Declarao sobre a Preveno e Punio do Crime de Genocdio; A Carta Encclica PACEM
IN TERRIS editada pelo Vaticano, em 11 de abril de 1963; Na seqncia, o Vaticano emitiu, em 1965, a
Declarao DIGNITATIS HUMANAE; O artigo 4 da Conveno Relativa ao Estatuto dos Refugiados; No
mesmo sentido, a proteo a pratica religiosa em relao aos aptridas, conforme os artigos 3 e 4 da
Conveno relativa aos Aptridas; Em 1965, um novo marco histrico com a criao da Conveno
Internacional sobre a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao Racial; Na mesma esteira temos o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Polticos, de 1966; Ainda em 1966 tivemos o Pacto Internacional Sobre
Direitos Econmicos, Sociais e Culturais e a questo da liberdade religiosa est presente no artigo 13; Em 1979,
a Conveno sobre a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao Contra as Mulheres; Em 1980, o ento
Papa Joo Paulo II emitiu uma mensagem aos pases signatrios do Ato final de Helsinque; E, em 1981, a ONU
emitiu a mais importante Declarao sobre o assunto religio: A Declarao sobre a Eliminao de Todas as
Formas de Intolerncia e Discriminao Baseadas em Religio ou Crena; Em 1 de janeiro de 1988, o Papa Joo Paulo II emite uma mensagem por ocasio da celebrao do XXI dia mundial da paz; Em 1989, a ONU
edita a Conven