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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES BRANCA DIAS: A FÉ DA INTOLERÂNCIA E A INTOLERÂNCIA DA FÉ MIRELLA DE ALMEIDA F. GUERRA JOÃO PESSOA-PB 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES

BRANCA DIAS: A FÉ DA INTOLERÂNCIA E A INTOLERÂNCIA DA FÉ

MIRELLA DE ALMEIDA F. GUERRA

JOÃO PESSOA-PB

2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES

BRANCA DIAS: A FÉ DA INTOLERÂNCIA E A INTOLERÂNCIA DA FÉ

MIRELLA DE ALMEIDA F. GUERRA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Ciências das Religiões da

Universidade Federal da Paraíba, como requisito à

obtenção do titulo de Mestre em Ciências das

Religiões, na linha de pesquisa Religião, Cultura e

Produções Simbólicas, sob a orientação do

professor Doutor João Azevedo Fernandes.

JOÃO PESSOA-PB

2009

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AGRADECIMENTOS

Término de um ciclo. Finalmente chegou o tão esperado momento dos

agradecimentos.

Nesta longa jornada acadêmica e existencial, necessária para a realização do

mestrado, me deparei com pessoas que de uma forma ou de outra, foram responsáveis por eu ter

chegado ao fim. O resultado adquirido nesta dissertação divido com todos vocês. Quanto ao

resto, a responsabilidade é exclusivamente minha.

Em primeiro lugar e antes de tudo, gostaria de agradecer ao professor João Azevedo

Fernandes. Sem esse suporte, gestos e palavras, nada teria sido possível, e isto, por diversos

motivos. A começar do fato elementar de que foi ele que segurou as “pontas” da minha

dissertação, de ter sido elemento essencial para o continuísmo do meu trabalho, com seus

inúmeros gestos de “você precisa ser melhor”, motivadores e necessários para a redação final do

texto.

Ao João Azevedo, gostaria de agradecer pela convivência pontuada, por meu

crescimento intelectual e humano, desde a época inicial do mestrado, com suas aulas

surpreendentes e seu saber aguçado. Esses dois anos foram infinitamente maravilhosos e até os

dias que correm tem permanecido assim. Um mestre completo, dos poucos que verdadeiramente

encontrei.

Durante o período em que estive mergulhada em meus livros, debruçada sobre

arquivos, imagens e encantada com o saber antropológico afastei-me dos meus amigos, silenciei-

me, ausentei-me das viagens, das festinhas e até mesmo dos jogos do Sport Clube do Recife, time

que tanto amo! Estas escolhas formaram o que hoje chamo de “minha dissertação”.

Gostaria de citar nominalmente cada pessoa que contribuiu para a conclusão deste

meu projeto. Ao professor Carlos André Cavalcanti, torcedor apaixonado do Santa Cruz - PE,

“cobra coral”, por ter sido meu interlocutor de toda hora, obrigada pela sugestão da pesquisa,

pelo apoio na época da graduação que me fez apaixonar pela arte de educar quando fui monitora

de suas disciplinas, seu apoio foi o grande transformador de minha vida profissional.

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Um outro amigo é o professor Edson Hely Silva, da UFPE, um dos sujeitos mais

espirituosos que conheci em toda a minha vida. Além das muitas conversas e dos momentos de

descontração em pleno evento de História ocorrido no ano de 2008, na cidade de Campina

Grande - PB, você foi um dos que mais me incentivou a ser persistente e não desistir nunca.

Lembro-me de suas palavras: “trabalhar o período colonial é um achado na História, aprenda

holandês minha cara e estarás feita”. Edson saiba você que é, foi e será essencial em minha vida.

Obrigada!

A Ana Coutinho, exemplo de professora e pesquisadora deixo um grande abraço. Em

momentos bastante críticos que enfrentei durante a jornada, lá estava você com sua calma e

solidariedade, foi entre suas aulas que aparei algumas lágrimas.

Com Fabrício Posseibon aprendi muito, sua disciplina “Mitos e abordagens

históricas”, rica em diversos detalhes acabou por gerar um livro, em que eu fui uma das pessoas

co - autoras da obra, emocionante!

Outro sujeito que se revelou um grande amigo foi Edson Peixoto, o homem da “voz

suave”. Seus “puxões de orelhas” em pleno “MSN” terminaram por surtir algum efeito para que

eu retomasse o trabalho, e finalmente conseguisse concluí-lo.

A professora Ariane Norma devo muito. Se tivesse que nomear mais diretamente um

responsável por ter readquirido o ânimo para terminar o trabalho, seria a ela. A começar pela sua

presença em minha qualificação, com suas sugestões e seus elogios ao tema. Você me inspirou de

muitas maneiras naquele dia 09 de dezembro de 2008. Além do que, a sua ajuda na parte da

estrutura de minha dissertação foi absolutamente imprescindível para que viesse a se materializar

de forma definitiva, tenha certeza que minha admiração só fez aumentar.

Não poderia esquecer da professora Marilia De Franceschi Neto Domingos, da

PPGCR, pessoa muito prestativa e finalizadora de minhas normas da ABNT, benditas normas e

“santa” Marilia. Agradeço sua paciência e sua presteza na leitura de minha dissertação, sem você

as benditas “norminhas” estariam exaustivamente erradas. Obrigada!

Para realizar o mestrado fui obrigada a fazer muitas viagens, algumas reais e outras

tantas imaginárias. Como sempre acontece nesse tipo de situação, houveram perdas e ganhos.

Em primeiro lugar tive que inúmeras vezes parecer “chata”, mais do que comumente

sou, ao pedir material tão essencial sobre a Denunciação Pernambucana, perambulei corredores e

interrompi quase todo o corpo docente do DH tanto da Paraíba quanto o de Pernambuco.

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Consegui o acesso as Denunciações, e assim fiz minhas leituras e desfrutei-me da História de

uma forma tão “nativa”.

Devo muito ao ambiente acadêmico da UFPB, instituição em que tive o privilégio de

estudar e iniciar minha trajetória acadêmica. Aqui mencionaria em especial, o professor Lúcio

Flávio Vasconcelos, meu orientador da época de graduação, o nobre amigo Laércio Theodoro,

que me deu a oportunidade de ministrar o meu primeiro mini curso, fui “gente grande”, a amiga

Luana, “minha lua” e seus enormes conselhos. Guardo muitas lembranças do nosso convívio.

Continuando na seara acadêmica, faço questão de mencionar também a UFPE,

instituição que tive a oportunidade de apresentar muitos de meus trabalhos “inquisitoriais”, e

local onde fui sempre bem recepcionada.

Tive a sorte num desses encontros da vida de conhecer o professor Gian Carlo, figura

maravilhosa, gente muito boa, com quem dividi interessantes momentos de discussões cruciais

para manter o saber num nível elevado e o astral infinitamente suportável.

Agradeço imensamente a todos os professores. Que seja nas disciplinas ou na linha de

pesquisa do imaginário, podem ter certeza que aprendi muito com todos vocês.

Tive o redobrado privilégio de fazer parte do grupo de estudo VIDELICET, que tem

como idealizador o professor Carlos André Cavalcanti, devo aqui confessar minha admiração

pela sua aula de saber, fonte de minha inspiração a toda referência do imaginário em meu texto,

claramente perceptível nas páginas que seguem. Por isso mesmo Carlos, não há palavra que possa

expressar a profunda gratidão que acumulei com você. A essa altura dos acontecimentos, o que

menos importa é o destino institucional desse texto. De todo modo, o fato de ter escrito já foi

absolutamente vital e parte maior do mérito credito a você.

Para que a dissertação fosse possível, tive que adquirir inúmeras obras, mas de uma,

jamais esquecerei; “Gente da Nação”, mente brilhante a do José Antonio Gonçalves de Mello,

quem dera pudéssemos ter a oportunidade de uma conversa, simplesmente “meu gênio”, valiosa é

a sua contribuição para um bom entendimento do Nordeste colonial e de minha personagem

Branca Dias.

Fora esta obra do José Antonio Gonsalves de Mello, tem uma outra essencial ao meu

trabalho, e que ganhei de presente do meu noivo, Pedro Paulo, em uma viagem que fizemos ao

Rio de Janeiro em novembro de 2008, Gilbert Durand veio dormir todos os dias em minha

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cabeceira com o gostinho de novo a partir de então, “As estruturas antropológicas do

imaginário”, uma perfeita obra, obrigada amor!

À digitação deste trabalho clamava pela ajuda “24 horas” do meu amor, Pedro Paulo,

sem você na minha vida, o que seria de mim? Pobre mulher. És o meu salvador em todas as

situações pelas quais me deparo, tu, amado meu, tentas evitar toda maneira meu sofrimento e a

minha catástrofe intelectual. Dezenas de vezes mesmo com a “cara de prantos” suportasse meus

ataques de fúria, te amo eternamente!

A idéia de família que sustento é a representação de suporte emocional e afetivo

fundamental para a sobrevivência de qualquer individuo. Por isto, gostaria de agradecer a minha

irmã de sangue Roberta, pela força. E a irmã que a vida me deu em 1999, Janaina Meneses, eu te

amo de todo coração!

A minha avó Diva de Almeida, devo quase tudo que sou. Lembre-se vózinha, que a

senhora será sempre um exemplo de reserva moral. Ainda no âmbito familiar não posso jamais

esquecer de citar minha mãe amada, Nair Guerra, que a cada gesto, pensava em construir uma

fortaleza. Amo a senhora de todo coração.

E como se não me bastasse tanta felicidade, chega à pequenina Maria Eduarda, minha

sobrinha, que quebrava o meu silêncio e me ajudava a sorrir. Nas muitas vezes que tive que

atravessar dias adentro para concluir o trabalho a tempo, ela chegava de mansinho com aquele

sorriso no rosto e sua voz fininha a chamar por “titia”. Só eu sei o quanto isso foi importante para

não desanimar e seguir em frente.

No mais, ao signo mais representativo de perseverança, dedico este trabalho a Branca

Dias, exemplo de força e meu principal objeto de estudo.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a memória de

Branca Dias, a Paraíba e ao Estado de Pernambuco.

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Fui sempre o que nunca serei.

(Frase gravada a ponta de punhal em pau de imo de jacarandá, embrulhado em estamenha e

enrolado em folha de couro velho, encontrado, no século XIX, sob a pedra-mor do engenho de

Camaragibe, esta frase é atribuída a Branca Dias).

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SUMÁRIO

RESUMO

ABSTRACT

Introdução.......................................................................................................................................12

Primeiro Capítulo: Primeiras Palavras: O Individual dentro do Coletivo....................................17

1.1 Origens da Inquisição....................................................................................................17

1.2 Os Cristãos - novos no Brasil........................................................................................22

1.3 Branca Dias....................................................................................................................36

1.3.1 Branca Dias histórica ................................................................................... 36

1.3.2 Branca Dias – o mito ................................................................................... 49

1.4 Aplicação de Gilbert Durand na personagem................................................................55

Segundo Capítulo: Terra de Estrelas e o Repertório Simbólico................................................... 61

2.1 Branca Dias em Pernambuco.........................................................................................61

2.2 Branca Dias na Paraíba..................................................................................................91

2.3 Imagens que se repetem em Branca Dias....................................................................99

Conclusão.....................................................................................................................................111

Bibliografia...................................................................................................................................116

Anexos 1.......................................................................................................................................120

Anexos 2.......................................................................................................................................121

Anexos 3.......................................................................................................................................122

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RESUMO

O objetivo desta dissertação é entender como foi disseminado o mito de Branca Dias

no imaginário popular dos paraibanos e pernambucanos ao longo dos séculos. Trata-se das

motivações da História com a construção imaginária do mito de Branca Dias, e por que os

mitemas tanto utilizados na teoria duraniana formaram a imagem da grande heroína do judaísmo,

Branca Dias. Partimos do pressuposto de que, ao se aproveitarem da conjuntura que então se

vivia, os cristãos–novos e velhos do Nordeste colonial imprimiram significados próprios à

aceitação ou não de “diferentes” no território brasileiro. Para que esses acontecimentos adquiram

inteligibilidade histórica plena é preciso recuar no tempo, pois essas ações estiveram fortemente

ligadas com a expulsão dos judeus da Península Ibérica ao longo dos séculos XV e XVI. Além de

que, o estudo irá caracterizar o real e o mito que envolveu a trajetória da Branca Dias, tanto na

Paraíba como em Pernambuco. A personagem enfim é vista como símbolo, por se tratar de uma

espécie de heroína combatente mediante o Tribunal da Inquisição, passando a ser vista pela

eufemização, pois de perseguida torna-se heroína, a “grande mulher judia”, sendo acrescida de

valores, razão e simbologia, envolta no imaginário da queda pela sua condição feminina e da

desobediência em relação à Igreja, estes símbolos duranianos. Para atingir o objetivo traçado

acima, partimos das diversas evidências diretas e indiretas, resultantes da pesquisa feita na

documentação, como também de um dialogo travado com a bibliografia que tratou do tema,

interrogando inclusive os seus silêncios.

Palavras – chave: Branca Dias, cristãos – novos, mito.

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ABSTRACT

The main objective of this thesis is to understand how was presented the myth of

Branca Dias into Paraiba´s and pernabucanos´ popular imaginary over the century. This is about a

history motivation with a imaginary construction of Branca Dias myth, and wherefore mitemas

used in duraniana theory make up a image of that great heroin of Judaism, Branca Dias. On the

assumption that, taking advantage of the lived situation, both new and old Christians of colonial

Northeast transmitted own significations to the acceptance or not of “different” in Brazilian

territory. For these events acquire full historical intelligibility, we need back in time, because this

activities were strongly bonded with the deportation of Jews from Iberian Peninsula over the XV

and XVI centuries. Moreover, this study will compose the real and the myth around Branca Dias

trajectory, both in Paraíba and Pernambuco. This character is finally seen as a symbol, because

she is like a combatant heroine by the Court of Inquisition, beginning to be seen by the

euphemism, because once pursued, she becomes the heroine, the “Great Jew Woman”, being

added to her values, reason and symbolism, surrounded by the fictional idea of the fall by her

female condition and disobedience on the Church, these are duranian symbols.To achieve the

objective above, we start using various evidences; both direct an indirect, resulting from the

research done in documentats, and also a dialogue with the literature that addressed the theme,

including asking their silences.

Keywords: Branca Dias, new Christians, myth.

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GUERRA, M.A.F. UFPB-PPGCR 2009

INTRODUÇÃO

Com o presente trabalho, propomo-nos a realizar um estudo da presença de mitemas

heróicos em Branca Dias com a aproximação e uso da antropologia do Imaginário. Não sendo por

acaso a construção das idéias, responsáveis por nos conduzir rumo aos maravilhosos

empreendimentos que assumimos, torna-se necessário explicar as razões pelas quais fomos

motivados. A elas, pois.

Estar envolvido em pesquisa é para nós, mais do que um projeto acadêmico, é um

projeto de vida, uma vez que à vontade de aprofundar-nos no conhecimento da área em que os

estudos estão inseridos, mescla-se o tempo todo com propósitos pessoais. Este trabalho foi

concebido e escrito, em grande parte, sob a presença do mito da heroína no Nordeste colonial e é

uma espécie de acerto de contas com o passado e o presente que envolve Branca Dias, conhecida

como grande símbolo judaico.

Existe um grande interesse em explicar o momento do aparecimento da simbólica

Branca Dias. Levada a paixão em explicar o mito construtor da Branca Dias, não havia outro

caminho a seguir, senão o que nos conduziria à obtenção de maiores informações sobre sua

origem, sua vida, suas características. Em razão disso, voltamo-nos a leituras sucessivas, tanto no

que se refere à construção histórica como na construção mítica da personagem Branca Dias.

O interesse pelos postulados da antropologia do imaginário teve início no grupo de

estudo VIDELICET1– UFPB, do qual fazemos parte, quando procurávamos uma teoria auxiliar

1 O Grupo Videlicet Religiões - Estudos e Pesquisas foi fundado no dia 8 de dezembro de 2006. Atuando

principalmente com a Teoria das Estruturas Antropológicas do Imaginário, de Gilbert Durand. O Grupo tem

atividades no apoio à formação dos estudantes, pesquisadores e professores do Estudo das Religiões ("Ensino

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GUERRA, M.A.F. UFPB-PPGCR 2009

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que contribuísse para interpretar o surgimento do mito no meio popular e que ao mesmo tempo

contemplasse o significado deste mito para o coletivo.

Por sua vez, temos na antropologia do imaginário, através do estudo produzido pelo

antropólogo francês Gilbert Durand, em sua obra “As Estruturas Antropológicas do Imaginário”

(2002) a narrativa de meios que devem ser utilizados para desvendar uma nova forma de pensar a

realidade, a diversidade, o homem, estabelecendo assim, através do imaginário, a relação

natureza/cultura.

Gilbert Durand e seu mundo simbólico de compreensão, o uso constante da

apropriação e reconfiguração do conceito de arquétipo da psicologia de Carl Gustav Jung, são

pilares de concentração da dita teoria do imaginário. A partir do simbolismo encontrado na

construção teórica, voltaremos sistematicamente a memória histórica que envolve a personagem

Branca Dias. A preocupação básica do sistema duraniano é verificar em que medida as imagens

manifestadas nas obras contribuem para esquematizar o imaginário popular dos mitos e suas

representações.

Pela concepção de Gilbert Durand, torna-se indiferente se o trajeto antropológico seja

feito a partir da cultura ou da natureza psicológica, pois aquilo que seria essencial à representação

e ao símbolo encontra-se contemplado entre esses dois marcos. Conforme o pensamento da

autora Danielle Pitta (2005, p. 12),

O raciocínio – a razão, outra função da mente – permite sem dúvida analisar os fatos,

compreender a relação existente entre eles, mas não cria significado. Para que a criação

ocorra, é necessário imaginar. É o que fazem, na sociedade ocidental, os filósofos, os

cientistas sociais, os estudiosos das religiões, os políticos, os arquitetos, os artistas, os

matemáticos... Criam filosofias, teorias, religiões, obras... Criam, a cada instante, o

universo.

Religioso") em temas do Imaginário, da Religiosidade, do Sagrado - enquanto "objeto" de estudo - e da Intolerância

Religiosa.

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Com a idéia de que tudo tem seu real significado ao ser humano pela maneira como

colocamos o símbolo na sociedade e o papel desempenhado por este ao mesmo tempo, a história

de Branca Dias gera uma porta de intimações históricas a serem narradas. Colocar significado

implica caracterizar o mundo simbólico, e a teoria do imaginário, sendo ela a porta do estudo

ofertado pelo antropólogo Gilbert Durand, baseado fundamentalmente, “o imaginário – isto é, o

conjunto de imagens e de relações de imagens que constitui o capital pensado do “Homo

Sapiens” – nos parece como o grande denominador fundamental, onde vêm se arrumar “ranger”

todos os procedimentos do espírito humano”.

Dessa forma ao estudar Branca Dias, além da imagem de grande heroína em torno da

personagem, estará também sendo utilizado o estudo dos diversos elementos simbólicos, aqueles

que desempenham uma reviravolta nas motivações mais imperativas, ofertando uma estrutura à

personagem. Os símbolos presentes nos regimes diurno e noturno, ascensão e queda, e a

construção da imagem de “grande mulher” em torno da Branca Dias, são elementos que

manifestam as representações simbólicas voltadas ao Nordeste Colonial. São elementos

constantes que ao serem apresentados ao longo da vida de Branca Dias caracterizam toda uma

trajetória heróica. A água, simbolizando o mar que Branca Dias atravessou, as lavagens rituais e

em casa, o rebentar das águas nos partos, a água que lava e refresca aliviando calor intenso; e o

elemento fogo, presente na cadeia ritual, nos tormentos da Inquisição, nas fornalhas das caldeiras

do engenho de açúcar, no incêndio dos engenhos lançado pela revolta dos índios, na lareira onde

se cozinham os alimentos e se prenunciam sinais da presença da avó.

O objetivo deste trabalho é entender como foi dada a apresentação do mito de Branca

Dias dentro do imaginário popular dos paraibanos e pernambucanos. Quais as motivações da

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História com a construção imaginária do mito de Branca Dias? E por que os mitemas formaram a

grande heroína do judaísmo, Branca Dias.

Além desta introdução, que desenvolve as motivações gerais da pesquisa, suas

características principais e os objetivos que deseja alcançar, a composição da dissertação

compreende dois Capítulos, os quais são seguidos pelas Considerações Finais e a Bibliografia.

No Capitulo I, que recebe o título de “Primeiras palavras: o individual dentro do

coletivo” é apresentado um breve histórico da origem e evolução da instituição da Santa

Inquisição, e a sua ação dentro do Brasil colônia. Ainda neste capitulo primeiro, apresentamos a

construção da personagem Branca Dias, conceituando – a de forma real, histórica, representada

em documentos, através do uso de narrativas dispostas em leituras do Ronaldo Vainfas, José

Gonsalves de Mello, Evaldo Cabral de Mello, Arnaldo Niskier, dentre outros, e em sua forma

imaginária, dando aspecto evidente ao símbolo através das narrativas de Zilma Ferreira Pinto,

Arnaldo Niskier, Dias Gomes, e outros estudiosos. Os símbolos duranianos que estudaremos na

composição do objeto dando ênfase aos elementos que mais possam interessar à pesquisa serão

colocados no tocante as relações que ligam as transformações históricas e sociais.

No Capítulo II, “Terra de Estrelas e o Repertório Simbólico”, são descritas a

Branca Dias em sua forma histórica (PE) e em forma de mito (PB). Caracterizamos a construção

popular produzida em torno desta personagem no tocante a essa faixa de terra, Pernambuco e a

Paraíba. Neste referido capítulo estará sendo descrita a memória histórica de Branca Dias (como

foi a difusão da lei hebraica, a construção e a quebra da rede de sociabilidade, a presença da

Santa Inquisição em PE entre os anos de 1563-1565), contemplando a contribuição da mesma,

para formação étnico-cultural do povo brasileiro, e a sua apresentação como mito em solo

paraibano. Além de apresentar o estudo feito perante a imagem literária construída da Branca

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Dias e o modo como a mesma foi difundida. Em seguida iremos contemplar a construção do mito

de Branca Dias, analisando-o dentro da obra “O Santo Inquérito”, de Dias Gomes e nas demais

construções míticas. Compreendemos que todo mito pessoal é um mito coletivo, assim foi Branca

Dias.

Ao longo deste capítulo também serão apresentados os símbolos presentes na

constituição da Branca Dias, através dos regimes diurno e noturno que estão estruturados na obra

do antropólogo francês Gilbert Durand. Ao longo da análise da personagem em questão, iremos

observar como foi construída a sua ascensão e a sua queda, como também nos foi elaborada a

imagem da heroína, além do uso dos elementos sempre presentes ao longo de sua vida, sejam

eles, o fogo e água. Neste capítulo ainda faremos a apresentação do método da mitocrítica2 de

Gilbert Durand.

As Considerações Finais trazem a síntese dos resultados alcançados, de modo a situar

o leitor em relação ao conjunto teórico que escolhemos abordar em nossa dissertação, e a

Bibliografia contém a indicação dos autores que trouxeram, de alguma forma subsídios à

pesquisa, representando traços que reforçam a imagem da personagem Branca Dias, ora como

histórica ora como mítica.

Acreditamos que a realização deste trabalho possa contribuir para o desenvolvimento

da aplicação dos mitemas duranianos em relação a outros mitos popularmente conhecidos de

nossa História, já em patamar avançado, e assim ofereçam condições ainda maiores para servir

aos estudiosos da área.

2 é um método de crítica de texto literário, de estilo de um conjunto textual de uma época ou de um determinado

autor que põe a descoberto um núcleo mítico, uma narrativa fundamentadora e o(s) mito(s) que atua por detrás dela.

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CAPÍTULO I

PRIMEIRAS PALAVRAS: O INDIVIDUAL DENTRO DO COLETIVO

1.1 ORIGENS DA INQUISIÇÃO

Durante o século XIII, com o objetivo de erradicar a heresia crescente na Europa, o

Papa Gregório IX decide anunciar o estabelecimento de um tribunal permanente, assim a

Inquisição foi oficialmente inaugurada como instituição. O centro da difusão de bases teóricas

que explicassem a heresia como fenômeno patológico estava por ser iniciado. A partir deste

momento o corpo, a alma, os sentimentos e a sensibilidade seriam a essência do espírito, e

definiria assim a constituição dos hereges e os não hereges.

JOFFILY (1993, p. 19) nos diz que “[...] para compreender o processo histórico da

Inquisição é preciso situá-lo na certeza de que o ser humano vivia polarizado entre anjos e

capetas, entre a virtude e o pecado, e que sua alma alcançaria o céu ou seria lançada ao inferno

passando (ou não) pelo purgatório”.

A evolução de seitas contrárias à religião católica é crescente e plural, os heréticos

passam a ser perseguidos como inimigos do Estado. A Inquisição estava disposta a colocar fim a

nova crise na cristandade, “os pecados mortais” e suas remissões eram discutidos pela Igreja e

pelo Tribunal da Santa Inquisição, a fim de arrolar princípios para compor os julgamentos dos

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considerados hereges, de maneira que as penas fossem graduadas de acordo com o crime

cometido.

Segundo BAIGENT e LEIGH (2001, p. 39):

[...] em virtude do édito do Papa, Inquisidores dominicanos receberam

autoridade papal para prender suspeitos de heresia sem qualquer

possibilidade de apelação – e assim, com efeito, pronunciar sumárias

sentenças de morte. A queima de hereges não era, claro, novidade [...] com

a benção do Papa, estabelecia-se a maquinaria de extermínio em massa

numa base legal, oficial, com uma sanção e mandado formais derivados

diretamente da mais alta cristandade.

Com toda esta autoridade devida ao Papa, o aparato administrativo que estabelecia o

Tribunal Inquisitorial, estava diretamente ligado a ala nobre da cristandade. Com isso, não

surpreende, que ocorresse uma confusão de autoridade entre os bispos e os nomeados

Inquisidores, pois estes estavam investidos de autoridade papal, retirando dessa maneira parte da

jurisdição eclesiástica oferecida aos bispos. Por sua vez, os bispos agiam impondo uma versão

implacável de comandantes militares legalmente constituídos e derivados da mais alta autoridade

da cristandade.

O antagonismo ideológico existente entre bispos e Inquisidores acompanhado de

estreitos pontos de vista, percorreu o século XIII, assim o poder episcopal estava sendo absorvido

pelas idéias inquisitoriais que tinham respaldo legal, para por regras ao duelo ideológico

existente. Foi criada no ano de 1273 a distribuição dos poderes entre os bispos e os Inquisidores,

as técnicas da Inquisição pareciam destinadas e acordadas entre Igreja e Inquisidores, o poder

estava dividido segundo a maquinaria formal, o processo de investigação, o julgamento, a tortura

e a execução.

Conforme BAIGENT e LEIGH (2001, p. 40)

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Em 1273, o Papa Gregório X pôde ordenar que os Inquisidores atuassem

em conjunto com os bispos locais, dividindo autoridade e jurisdição; e

essa iria aos poucos tornar – se a norma daí por diante. Para a primeira

geração dos Inquisidores, a vida nem sempre foi fácil. Ás vezes oferecia

ampla oportunidade de exaltar – se num senso de tribulação, e de

glorificar-se de acordo.

Seguindo o pensamento proposto pelos estudiosos da Santa Inquisição, trabalhando

em conjunto, Inquisidores e bispos, dividiam o mesmo raciocínio quanto aos hereges, embora a

intenção de ambos fosse evitar ao máximo o derramamento de sangue, o que simbolizava a

organização de imagens positivas a estrutura contraposta ao movimento daqueles que eram

contrários aos dogmas católicos. Condenar sem efusão de sangue seria a prática desenvolvida

pelo Tribunal do Santo Oficio como a mais comum, já que ser queimado na fogueira (Auto-de-fé)

era simbolicamente considerado como “relaxamento em carne”.

ANDRADE (2006, p. 11), analisando este período histórico diz que,

[...] a inexistência de um regramento único e uniforme que disciplinasse

essa perseguição religiosa permitiu a prática de desvios e abusos por parte

dos Inquisidores, atuando como um importante fator que só fez aumentar a

proliferação de seitas religiosas diversas do cristianismo. Foi em razão

deste fenômeno que começaram a surgir instrumentos que se destinavam a

auxiliar os inquisidores não só a identificar os hereges e suas práticas, mas

também a orienta-los na formação e trâmite de seus processos criminais.

A maioria das formas de tortura utilizada pela Inquisição evitou o derramamento de

sangue. As formas utilizadas pelos Inquisidores para conter o sangue foram basicamente: as

torturas na água, saca-unhas, e o ecúleo, idealizados para causar dor, evitando assim o “correr

sangue” e minimizando a quantidade de sujeira. Contudo, o “símbolo” da Inquisição foi o

elemento fogo, acreditava-se que ao queimar um herege algo supremo aconteceria.

Segundo BAIGENT e LEIGH (2001, p. 47) “a queima de um herege tornou-se

ocasião de comemoração, um acontecimento alegre.”. De acordo com o pensamento dos autores,

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o homem teria a verdadeira importância como animal simbólico, pois a partir da representação

humana no mundo estariam envolvidas, entrelaçadas diversas emoções, sentimentos e maneiras

de encontrar-se e compreender-se. Assim, o sacrifício humano como ritual foi sendo remodelado

através da piedade cristã.

BAIGENT e LEIGH (2001, p. 54) narraram como ocorriam os rituais do auto-de-fé:

Para assegurar o número máximo de espectadores, as execuções, sempre

que possível, realizavam-se em feriados públicos. O acusado era amarrado

a um poste acima de uma pira de lenha seca, alto o bastante para ser visto

pela multidão reunida. Mais tarde, na Espanha, as vitimas eram às vezes

estranguladas antes de acenderem a pira, sendo assim misericordiosamente

poupadas da agonia das chamas.

Nos autos-de-fé da Santa Inquisição a presença do elemento fogo seria o agente

purificador, elemento que provocaria o máximo de dor e o mínimo de sujeira, por isso, adotado

de forma implacável pela Santa Inquisição. O motivo da queda do ser humano e de sua salvação

seria particularmente nítido para a sociedade.

Na Península Ibérica, a Inquisição se instalou primeiro no ano de 1238, apenas em

Aragão. Em outros domínios espanhóis, como foi o caso de Castela, até o ano de 1376, a

Inquisição foi inoperante. No século XV, com a intenção de unificar o reino espanhol (Castela e

Aragão) não apenas territorialmente, Fernando e Isabel, representantes do reino, decidiram que

também deveria ocorrer a unificação de todos os assuntos religiosos, e assim foi colocada em

solo espanhol a expulsão de todos aqueles considerados “impuros”, islâmicos, judeus, hereges.

Com esta proposta em mente, foi estabelecida em novembro de 1478, através da bula pala de

Sisto IV a criação da Inquisição em solo espanhol.

Segundo BAIGENT e LEIGH (2001, p. 81):

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A Inquisição espanhola emulou as de outras partes. Ao contrário destas,

porém, a espanhola não era instrumento do papado. Prestava contas a

Fernando e Isabel. Como os domínios dos monarcas espanhóis

compreendiam uma espécie de teocracia, com a Igreja e o Estado atuando

conjugados, a Inquisição espanhola era tanto um adjunto da Coroa quanto

da Igreja.

Inquisição no reino espanhol assim se fez travestida de instrumento de política real. O

objetivo principal desenvolvido na criação da Santa Inquisição e sua forma conjunta com a

política desenvolvida pelos reis espanhóis como afirma os autores na passagem acima citada,

estava concentrado em promover a retirada dos judeus e de todos aqueles não convertidos ao

catolicismo de seu território. A ideia desenvolvida entre os reis católicos em conjunto com a

Igreja, foi aceita pela Bula Papal de 1483, e assim, encontramos a perfeita demonstração da

interferência religiosa nas questões estatais, a ideia de pecado e descumprimento das leis do

soberano, estavam lado a lado. E dessa forma ocorreu a dispersão dos judeus da Espanha para

Portugal ao longo do século XV, mais precisamente no ano de 1492. Em solo português, a

Inquisição também era comandada por um rei que centralizava, fortificava e solidificava seu

poder, o alvo em Portugal assim como na Espanha, foram os cristãos-novos, recém convertidos à

fé cristã, que os inquisidores julgavam manter seus ritos judaicos secretamente, as tensões

cotidianas começaram a surgir.

A Inquisição espanhola e seu caráter anti-semita contribuíram por formar em terras

portuguesas o caráter do sentimento popular para o movimento inquisitorial, perseguir, expulsar,

exterminar o diferente, o herege. Ocorria desta forma a formação de estabelecer o diferente como

inimigo, deter seu crescimento seria então a melhor forma. Assim, a expulsão ou extermínio de

judeus no território da Península Ibérica foi algo constante, seja na Espanha ou em Portugal, o

que reforçou novos fluxos migratórios, inclusive para o “Novo Mundo”.

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1.2 OS CRISTÃOS – NOVOS NO BRASIL

A Inquisição da Península Ibérica foi estabelecida pioneiramente na Espanha em

novembro de 1478, através da Bula do Papa Sisto IV, colocada em prática no ano de 1483, com

um acordo firmado entre os reis espanhóis e a Igreja, primeiramente convidando todas as pessoas

que quisessem confessar-se culpadas de heresias a apresentar-se. Essas diferentes manifestações

inquisitoriais criaram uma metodologia de intimação e controle da sociedade. Em Portugal, não

diferente da Espanha, foi estabelecida a Santa Inquisição, em maio de 1536, pelo monarca D.

João III que instituiu o símbolo que dominou durante séculos a vida daqueles considerados pela

Igreja católica como “hereges”.

O Tribunal da Santa Inquisição foi então utilizado na Península e em suas áreas de

influência, para dominar os antigos e novos medos, como antigo medo o surgimento de outras

crenças, do curandeirismo e de práticas consideradas heréticas pela Igreja Católica, no tocante ao

“novo medo”, a figura do judeu era o criminoso em potencial. Foi neste aspecto criada a

Inquisição, para homogeneizar a sociedade, eliminando o "diferente" ou forçando-o a

transformar-se, e assim, a formação da unidade social seria fortalecida.

No ano de 1492 os reis Católicos de Espanha, Isabel e Fernando de Aragão,

expulsaram os judeus do seu território, dessa forma grande parte das famílias judaicas transferiu-

se para Portugal. Mas a paz durou pouco, pois já em 1497, D. Manuel, Rei de Portugal, obrigou o

batismo cristão de todos os judeus, criando assim a figura do cristão-novo, determinando a

expulsão daqueles que não viessem a adotar a religião católica romana.

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No final do século XV (1497) foi oficializado na Península Ibérica, o regime da

conversão forçada ao catolicismo. Após a conversão, os cristãos-novos (judeus recém batizados)

poderiam permanecer em terras portuguesas, de fato já não eram mais judeus, eram agora

católicos. A conversão forçada de 1497 rompeu dramaticamente laços entre os cristãos e os

judeus. Havia nesta época diversas comunas judaicas espalhadas pelo mundo, chegando a compor

um numerário de cerca de uns 30 mil judeus. Dispunham de toda uma estrutura para expor sua

religiosidade, tinham sinagogas, bibliotecas, cemitério, e com o regime de conversão do governo

português no final do século XV, alguns conseguiram adaptar-se as práticas cristãs e acabaram

por se perder entre os cristãos-velhos. Aqueles que não consideraram o catolicismo como sua

religião foram considerados hereges. O autor Arnaldo NISKIER (2006, p. 39), refere-se a este

episódio “Na verdade – e há uma farta documentação a provar isto -, a grande maioria dos

degredados foi expulsa de Portugal por praticar o judaísmo. Nada menos do que 25% da

população lusa tinha fortes razões e ansiava por emigrar do reino para outras terras mais

amenas.”.

Conforme PINTO (2006, p. 57), “houve judeus sinceramente convertidos ao

cristianismo. Mas, em geral, falharam todas as tentativas para convertê-los. As do batismo à

força, e as de métodos mais suaves, mediante persuasão da palavra.”. Com a fala produzida pela

autora percebemos que, os símbolos da fé hebraica reagrupavam aqueles que pertenciam, mesmo

que de forma sigilosa, aos núcleos organizadores, difusores, do judaísmo como crença original.

No clima de desconfiança estavam reunidos num mesmo solo, os cristãos e os judeus.

A principal diferença cultural existente entre o povo judeu e o cristão estava essencialmente presa

à questão religiosa, assim, estava lançado o ponto inconciliável, à fé e a convivência era

ameaçada a cada momento até o processo de conversão forçada ao catolicismo, posteriormente

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provocando em solo português a instalação definitiva do Tribunal do Santo Oficio, em uma

tentativa do monarca português de extirpar do país os “impuros de sangue”.

Segundo PINTO (2006, p. 57),

Foi dito que, aparentemente, não se notava diferença entre o português

cristão – velho e o judeu cristão – novo, tão adaptado achava-se ao mundo

lusitano. Fazendo-se distinguir, somente, quanto aos estranhos costumes

que praticava. O que vale dizer que, por trás daquela aparente semelhança

entre eles, havia diferenças culturais preservadas, essencialmente no que

se prendia à religião, ponto fulcral de todas as divergências e

incompreensões entre o judeu e os outros povos, e mais acirradamente

com os povos cristãos.

O conflito entre os cristãos-novos e velhos no solo português ocorreu de forma

subterrânea o que corroeria a sociedade portuguesa até o último quartel do século XVIII. Dessa

forma, os judeus foram obrigados a abraçar o catolicismo para permanecerem e continuarem

sendo aceitos na sociedade que renegava sua crença e tradição. Assim, segregados em

determinadas áreas urbanas e obrigados a adotar uma nova religião, os judeus permaneceram em

terras do Portugal continental e em terras de além-mar, alguns praticando às escondidas rituais da

Lei Mosaica, até 1536, quando da implantação do Tribunal da Santa Inquisição.

A Inquisição Ibérica foi criada especialmente direcionada aos judaizantes, e dentro

dos diversos grupos de judaizantes o alvo principal eram os comerciantes e demais pessoas de

grandes posses - as figuras da burguesia em ascensão que ameaçavam os poderes da nobreza e

clero. Os judeus eram tidos como inimigos pelos cristãos pelo fácil acesso que eles tinham à

prosperidade comercial e em conseqüência dessas trocas comerciais favoráveis e lucrativas, pelo

desenvolvimento de um lucro imenso no mundo cristão, assim dia após dia os pertencentes à fé

católica direcionavam seu alvo de perseguição e extermínio, aos judeus, não apenas pelo fato

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religioso, mas também, pelas diversas práticas econômicas do lucro excedente, das trocas

comerciais e dos investimentos.

No regime português, o lugar que cada indivíduo ocupava na sociedade se baseava na

linhagem; assim as mazelas e as honras derivadas do nascimento eram transmitidas de geração

para geração. Ser judeu no mundo português era o mesmo que perpetuar uma mazela sem fim,

um terrível obstáculo para sociedade portuguesa, eram considerados ilegítimos, contrários ao

regime religioso vigente em solo português, assim montado a estrutura do Tribunal do Santo

Oficio, não mais era permitido o convívio com aquelas pessoas vindas do mundo hebreu. A

ordem real era reforçada, ou convertia-se cristão, diminuindo o efeito negativo originário de seu

nascimento, ou era expulso do reino português.

Os cristãos-novos, pessoas recém convertidas ou neoconversas, insatisfeitas com as

limitações impostas tentavam de toda forma continuar, mesmo sigilosamente, seguindo suas

tradições. Daí a ser percebida a existência dos Criptojudeus, fruto do sincretismo entre tradições

judaicas e cristãs, entre o viver em um mundo católico e a manutenção de uma memória judaica.

A maioria praticava exteriormente ritos e levava consigo no coração o segredo e a manutenção

das velhas crenças.

D. João III, em 1536, ordenou a instalação em terras lusas do Tribunal da Santa

Inquisição, e é certo que, muitos judeus portugueses mesmo antes da instalação oficial do

Tribunal luso, já tinham sido executados e queimados por visitadores, desde o século XII em toda

a península ibérica. O monarca decidiu enviar ao Brasil, Martim Afonso de Souza, com as

incumbências de distribuir lotes de terras (sesmarias) aos que queriam aqui ficar e expulsar

estrangeiros da colônia. D. João III admitiu no Brasil, um regime inquisitorial que continha o

sigilo absoluto no processo e que os inquisidores fossem nomeados pelo rei. Desde que Dom

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João III havia se convencido de que as novas terras seriam mais lucrativas para o seu Reino que

as Índias, o incremento se dá a olhos vistos, e os cristãos – novos são os grandes responsáveis

pala montagem do sistema açucareiro no Brasil.

Segundo PINTO (2006, p. 31-2),

Quanto à concessão de sesmarias, embora as Ordenações e o Foral a

restringisse somente a cristãos, o próprio texto da lei possibilitou aos

convertidos, ou seja, aos cristãos – novos; pois apenas dizia que o

beneficiado devia ser cristão. E desse modo ao judeu cristão-novo no

Brasil foi possível conseguir terras, e estabelecer senhorio. O batismo,

mesmo que forçado, trouxera-lhe esse privilégio, alargando legalmente o

seu campo de atividades dentro da economia.

No Brasil a presença de cristãos-novos pode ser documentada ainda na primeira

metade do Século XVI. “Não nos referimos à presença acidental ou a atividades ocasionais de

comércio de cristãos – novos de Portugal para o Brasil, mas aos que aqui se estabeleceram com

ânimo de permanência” (MELLO, 1996, p. 7). No Brasil foi durante a época colonial o grande

centro para os portugueses e não menos para os judeus residentes em Portugal, os degredados,

sem pátria, encontrando na colônia um vasto território, as sesmarias necessitavam de pessoas que

fossem dedicadas para o levantamento dos primeiros engenhos. Os cristãos – novos eram homens

que contribuíram reconhecidamente para o desenvolvimento econômico da colônia, mas ao

mesmo tempo, podiam, a qualquer momento, ser denunciados como suspeitos na fé, razão esta

para serem perseguidos pela Santa Inquisição.

Ocupar o Brasil passou a ser uma necessidade além das dimensões meramente

econômicas, ocorria ligado a isso o desenvolvimento de uma atividade lucrativa, uma

oportunidade de enriquecimento rápido, pois a cana-de-açúcar despontava como o grande

produto da mesa européia. A ferocidade do crescimento da produção açucareira em Pernambuco

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fez do Brasil o maior exportador de açúcar durante todo o século XVI. O açúcar era o grande

centro econômico de Pernambuco e conseqüentemente do Brasil. Segundo MELLO (1996, p.9)

“a participação dos cristãos - novos teria sido predominantemente a de detentores de capitais:

mercadores que se fazem senhores - de - engenho, e vários deles conservando-se

simultaneamente nas duas atividades”.

Muitos cristãos-novos vieram ao Brasil em busca de oportunidades de negócio e de

lucro, confirmando a significativa atuação israelita durante o ciclo do descobrimento brasileiro,

mas é inegável também que muitos destes neoconversos acabaram encontrando na colônia um

lugar para desenvolver suas práticas religiosas, mesmo que de forma sigilosa. O batismo para os

ditos neoconversos, mesmo que forçado, trouxera-lhe o privilégio de estabelecer senhorio em

terras brasílicas. Mas o batismo católico poderia até afastá-lo da comunidade judaica dentro do

Brasil colonial, mas nunca, porém, significaria a ruptura com os vínculos efetivos de sua

nacionalidade, o que ocorrera com o casal e cristão – novo, Branca Dias e Diogo Fernandes no

século XVI em terras pernambucanas.

Conforme PINTO (2006, p. 24),

No que tange ao cristão-novo degredado, afortunadamente me chegou às

mãos a recente publicação do professor Geraldo Pieroni. Neste seu mais

recente trabalho, afirma o abalizado historiador que mais da metade dos

degredados chegados ao Brasil até o século XVIII era de cristãos – novos

acusados de judaísmo, as mulheres constituíam maioria equivalente a

65%. A explicação para o numero inferior do contingente masculino é a de

que muitos homens seriam condenados ao cumprimento de trabalhos

forçados nas galés, pena esta em que não se enquadravam as mulheres.

No Brasil colonial o “neoconverso” que desejasse escapar das perseguições

inquisitoriais, estava amparado legalmente para obter posse das sesmarias. As Ordenações reais

prescreviam que apenas cristãos poderiam receber tais lotes de terras. Mas tendo em vista que os

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“conversos” eram novos, porém cristãos, porque foram batizados, poderiam também fazer parte

deste divisor de terras. Conforme JOFFILY (1993, p. 25), “a influência terrorista do Santo

Oficio no Brasil não se limitava a incursões temporárias”. Nas palavras do referido autor temos

que, todas incursões dos visitadores do Santo Oficio no Brasil colonial, ocorreram em curto

espaço de tempo, e os mesmos buscavam as mais diversas manifestações demoníacas, sabiam

eles que existiam ao longo do litoral brasileiro (a sodomia, a pederastia, o lesbianismo e o grande

alvo, o judaísmo), além de que eles assim representavam a manutenção da religiosidade cristã no

local. O poder eclesial necessitava conservar um inimigo interno e mais ainda um território de

caça que, dessa vez estavam expostos na figura dos cristãos – novos no Brasil.

Segundo MELLO (1996, p. 5), “quando no ano de 1591 veio ao Brasil o primeiro

Visitador do Santo Oficio encarregado de recolher evidências de práticas religiosas não -

católicas, há cerca de cinqüenta anos cristãos – novos residiam no país.”. Como o autor narrou ao

longo da sua obra “Gente da Nação”, os Visitadores – Inquisidores encontraram dificuldade de

estabelecer determinados tipos de punição, primeiramente porque aqui estando encontraram uma

imensa quantidade de cristãos – novos no Brasil e conseqüentemente, inúmeras formas de

propagar a fé hebraica, o que tornou difícil aos olhos dos visitadores – inquisidores a

classificação das punições destes hereges no Brasil.

O papel desempenhado pelo Visitador do Santo Oficio, abrangeu os anos de 1591-93

quando firmou presença em solo baiano e entre os anos de 1593-95 em Pernambuco. Quando se

iniciou a Visitação do Santo Oficio em solo pernambucano no ano de 1593, havia uma grande

porcentagem de cristãos – novos, cerca de 14% da população, a busca pela liberdade religiosa na

região pernambucana era um motivo forte para a presença marcante dos cristãos-novos no

Nordeste brasileiro.

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A preocupação com a disseminação de práticas judaicas e com o estado espiritual dos

habitantes da Colônia, fez com que o Santo Ofício enviasse ao Brasil visitadores, oficiais

responsáveis por recolher indícios, depoimentos e acusações contra os cristãos – novos. Além dos

oficiais da Santa Inquisição, estes enviados por Portugal ao Brasil, que tinham como missão

proteger a colônia do crescimento de uma possível instabilidade religiosa, eles também recebiam

ordens para tolher qualquer tentativa de descrença na figura divina, sendo necessário entretanto o

auxílio de comissários, Ouvidores na colônia. Segundo MELLO (1996, p. 25), “os Ouvidores da

Vara Eclesiástica também serviam ao Santo Oficio no atendimento de precatórias dele recebidas

de Lisboa para audiência aqui de testemunhas apontadas pelos presos nos Estaus”.

MELLO (1996, p. 23) narra o início das visitações oficiais a Pernambuco, “[...] antes

da Visitação de Heitor Furtado de Mendonça a Pernambuco como representante do Santo Oficio

em 1593 1595, outras visitações houve, realizadas em Olinda e no Recife, por iniciativa da Vara

Eclesiástica da Capitania.”

Os interesses da Santa Inquisição no Brasil, em razão das diversas comunidades

judaico-portuguesa foram além do século XVI, com as visitações concedidas pelo Heitor Furtado

de Mendonça, após os inquisidores oficiais como o Heitor promover as visitações, a Vara

Eclesiástica da Capitania era quem através do seu ouvidor, averiguava os fatos e assim, colhia os

testemunhos da população, o Ouvidor da Vara eclesiástica era pertencente ao Santo Oficio. A

Inquisição utilizava-se de práticas de eficiência incontestável, como a chegada proclamada a

sociedade dos inquisidores, por meio de ofícios, o anúncio ocorria através de avisos públicos

afixados nas portas das igrejas, os que sabiam ler informavam aos que não sabiam, e assim,

quando o inquisidor chegava acompanhado de sua equipe inquisitorial eram recebidos em ritmo

de procissão solene.

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O convívio entre os cristãos – velhos e os novos com a chegada dos visitadores –

inquisidores ficava cada dia mais frágil. O que era estabelecido pelo Santo Oficio em meio às

visitações dos inquisidores na colônia era o chamado “tempo de graça”, cerca de quinze a trinta

dias ofertados a sociedade para denunciar-se. O espaço comercial que havia sido conquistado

através da atividade açucareira pelos cristãos – novos estava ameaçado com as ditas visitações

oficiais no Brasil. MELLO (1996, p. 26) narra em “Gente da Nação” o entusiasmo dos cristãos-

novos com o comércio do açúcar no Brasil, caracterizando desta forma o uso da mercancia e trato

de compra e venda de produtos, típicos do povo judeu”.

O Brasil mostrava ser um espaço privilegiado para o crescimento dos “criptojudeus”,

já que em nossas terras havia uma harmonia relativa no convívio entre os cristãos separados pelo

sangue, prova disso é a presença neoconversa em espaços da economia: ouvidores da Vara

Eclesiástica, senhores de engenho, religiosos, médicos, juízes, escrivães e almoxarifes. A simples

presença de judeus era suficiente para incomodar os apreciadores da fé católica e a estabilidade

do Estado português. ”Muito superior era o número dos que participavam de atividades

comerciais ligadas quase que exclusivamente ao açúcar. A negociação fazia-se às vezes nos

próprios engenhos. [...] era um flagrante curioso [...]”. (MELLO, 1996, p. 9).

Os judeus, perseguidos na Europa, e com grandes possibilidades de ascensão

financeira nas novas terras, corriam o risco de tornar o Brasil uma terra de não-cristãos. E, sendo

assim, a união da Igreja com o Estado estaria em desvantagem, afetando a ordem político-social

que se almejava. Entretanto, não havia como afastar todos os cristãos-novos, já que eram os

responsáveis pelos negócios do comércio que tanto lucro dava à Coroa Portuguesa. Tirá-los da

cena do processo de colonização, seria correr o risco de um fracasso econômico que não se

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pretendia ver. E assim para evitar declínio econômico, a Igreja permitia com mínima tolerância, a

presença de impuros de sangue no seio da sociedade colonial.

Segundo Pinto (2006, p. 28),

De modo que, na composição étnica do povo brasileiro, o componente

branco, representado pelo colonizador português, já era um produto de

mistura de raças. E a ele se acoplava, com o mesmo se confundindo, o

judeu, ou sefardita, o qual igualmente não podia se jactar de “pureza de

sangue”. O resultado é este que aqui ocorreu: uma supermestiçagem... Dos

arrazoados sobre a questão ressalta-se a da falta de mulher branca na fase

incipiente do povoamento.

As boas relações existentes entre os colonos judeus, cristãos – novos, e os cristãos-

velhos que viviam no Brasil colonial deve-se à necessidade de sustento econômico (investimento

no comércio açucareiro e mão-de-obra) que os descendentes dos hebreus forneciam para a

crescente sociedade, e através desta necessidade “branca” havia a introdução dos “bons

casamentos” entre os mesmos e os neoconversos, em decorrência atrativa do “bom dote”, assim a

construção da “vida civil local” é percebida com as boas relações entre o colono judeu e os

cristãos – velhos. O casamento servia para diminuir os atritos de convívio entre os grupos e dessa

forma estabelecer a estabilidade social na colônia.

Segundo PINTO (1996, p. 70),

[...] a filiação da Igreja com o judaísmo e a familiaridade com os costumes

portugueses facilitavam ao cristão – novo judaizante vivenciar a

duplicidade religiosa que, se não resultou em outro sincretismo, resultaria

por certo em práticas peculiares da religiosidade brasileira.O calendário

litúrgico católico derivado do congênere hebraico, e as similitudes

existentes entre as duas religiões, coincidindo datas, festas, e cerimoniais

que permitiam ao falso convertido a prática da lei de Moisés. Exceção

seria o “Sabá”. Mesmo assim se arranjou um jeito de camufla-lo sob a

devoção do Sábado a Nossa Senhora do Carmo.

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Os cristãos-novos aparecem freqüentemente filiados a confrarias e nelas ocupam

posições de destaque. Isso deve – se, talvez, à necessidade de melhor simular sua condição de

cristão-novo através de atos públicos de devoção. Segundo LIPINER (1977, p. 147), “algumas

Irmandades e Confrarias eram as preferidas por cristãos-novos: Irmandade do Santíssimo da

freguesia de São Nicolau; Confraria de Nossa Senhora da Ajuda; Confraria da Alâmpada dos

Judeus.”.

PINTO (2006, p. 70), afirma que, “muitos outros artifícios foram usados pelo cristão

– novo a fim de disfarçar a piedade mosaica. Fundavam e mantinham irmandades e confrarias.”.

Segundo a visão desenvolvida pela referida autora, os cristãos procuravam ter uma vida religiosa

bastante ativa, forma encontrada por muitos para salvar não só a própria pele, em relação à Santa

Inquisição, mas também torná-la extensiva aos seus familiares.

Através dos manuscritos dos arquivos do extinto Tribunal da Santa Inquisição em

Portugal, revela uma presença considerável de colonos de origem judaica, percebemos que há

pessoas condenadas por práticas religiosas ou por suas idéias, o que conceitua por si só a

legislação discriminatória e o preconceito contra os descendentes de judeus chegando a atingir os

portugueses e brasileiros até a 5ª e 6ª geração. Aqueles hereges declaradamente confessos podiam

ser obrigados a usar, pelo resto da vida, uma grande cruz açafrão costurada no peito e nas costas

de seus trajes, dessa forma o penitente era exposto ao escárnio social e marcado ao resto da vida

pela pertença a fé hebraica.

Conforme FILGUEIRA (1991, p. 7),

Cristão-novo era o judeu convertido, normalmente a força. Batizado de é

“anussim”, tornadiços marranos... De princípio referia-se apenas ao que

fora batizado, depois valeu também para os seus descendentes: cristão –

novo inteiro, meio cristão – novo, um quarto, um oitavo, etc... Para os

Inquisidores valia até décimo grau de parentesco. No caso de se querer

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seguir carreira eclesiástica, a pesquisa genealógica prosseguia

indefinidamente, até onde se pudesse ir. “Puritatis sanguinis”.

Mesmo quando sabemos que no Brasil, a luta pela sobrevivência foi responsável por

ter abrandado as barreiras que separavam cristãos-velhos dos cristãos-novos, estes, devido às suas

críticas às imposições econômicas e ideológicas da metrópole eram vistos com desconfiança pelo

governo português. Mas havia um fator decisivo que facilitava o ingresso dos cristãos-novos nas

elites locais: o volume de seus bens, de terras adquiridas pelo regime de doação, e a manutenção

da circulação monetária da sociedade colonial brasileira, os judeus ficaram conhecidos como

aqueles que, no Brasil podia através da riqueza, "branquear a pele" e "apagar a mancha" do

sangue judeu. Conforme NISKIER (2006, p. 25), “surgiram assim os cristãos-novos, que

geralmente mudavam o sobrenome e adotavam, pelo menos na aparência, a religião católica.”.

O estreito convívio através dos diversos matrimônios ocorridos entre os grupos de

neoconversos e cristãos – velhos, traria não apenas a miscigenação sanguínea, como também, o

entrelaçar dos costumes.

Conforme MELLO (2008, p. 135),

Na açurocracia ante bellum, um segundo estrato, também de origem

urbana, compreendia os mercadores cristãos-novos, constituindo seu setor

mais dinâmico, uma cunha do grande comercio colonial açucareiro.

Graças às suas vinculações com a economia européia, eles dispunham de

posição financeira mais sólida que a dos seus pares cristãos – velhos.

Vários abandonaram as atividades mercantis para dedicarem –se

inteiramente à gestão dos engenhos, complementando seu enraizamento

mediante alianças com famílias cristãs – velhas, ou dando-lhes seus filhos.

No Nordeste brasileiro, precisamente em Pernambuco, os primeiros cristãos-novos

que podem ser citados com permanente residência no território brasílico quando ocorreu a doação

de terras no ano de 1542, foram, o Diogo Fernandes e o Pedro Álvares Madeira, que ao

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receberem as terras do donatário da Capitania de Pernambuco, D. Duarte Coelho, construíram um

engenho nesses lotes doados, que por ventura seria denominado Engenho Camaragibe, depois

chamado de Santiago.

M ELLO (1996, p. 127), afirma que,

O Engenho Camaragibe era mencionado ao tempo da vida de Diogo

Fernandes. Em contrário conheço apenas a menção de certo documento de

1549 em que aparece Engenho Santiago. Essa denominação deve provir

do padroeiro do engenho, não havendo a princípio referência à existência

nele de capela ou ermida; pelo contrário: a referência à missa rezada na

propriedade diz que foi “dentro da casa de Diogo Fernandes.”.

Em destaque a ação econômica favorável que ambos desenvolveram (Pedro Álvares e

Diogo Fernandes) em solo brasileiro, “a ação de ambos começou com a fundação de canaviais e

com alguma agricultura de subsistência, o que os documentos confirmam”, conforme MELLO

(1996, p. 123). Seguindo o fato comentado pelo autor, temos que o nome de Diogo Fernandes

esteve sempre presente nos documentos históricos, sendo identificado todavia com a propriedade

do Engenho Camaragibe. Dessa forma acrescentamos que a sesmaria doada por Duarte Coelho

no ano de 1542 esteve tão - somente aproveitada para plantação de canaviais e mantimentos da

família do Diogo. A produção açucareira era próspera nas terras do Nordeste colonial, sendo

Diogo Fernandes encarado historicamente como técnico nessa atividade, assim como o seu sócio,

Pedro Álvares. A historiografia os lança como “homens da nação”, ou “os refugiados do reino”.

Conforme os negócios progrediam, mas ocorria à vinda e instalação de parentes dos

cristãos-novos para o Brasil, permitindo assim a perpetuação dos laços de sangue e amizade,

estabelecidos na esfera privada de relações, reproduzidos na esfera mercantil. O Brasil era

considerado uma terra de oportunidades, bom para os atravessadores de escravos e para os

comerciantes do açúcar.

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De certo não há certeza quanto aos motivos que levaram Diogo Fernandes a migrar

para o Brasil, ainda antes da mulher e filhos. O autor Elias Lipiner levanta a possibilidade que o

mercador talvez viera na mesma frota que trouxe D. Duarte Coelho, primeiro donatário de

Pernambuco, em 1535, dedução fundamentada na amizade que ligava Fernandes a Jerônimo de

Albuquerque, cunhado do donatário. A dedução do Elias Lipiner demonstra um clima de

permanente preocupação para com a ocupação das sesmarias no período colonial. O regime de

doação de terras, concessão, foi aparentemente facilitada ao Diogo e ao Pedro Álvares.

Diogo Fernandes, o então cristão – novo, comerciante do açúcar, e marido de Branca

Dias, cristã - nova, que respondera a um processo em Portugal sendo então acusada de práticas

judaizantes por sua mãe e irmã, a mesma foi condenada pela Santa Inquisição após confessar as

práticas judaizantes. Chegou ao Brasil no ano de 1551, após “perdão” português sobre o restante

de pena a cumprir. Branca Dias instalou – se no Brasil colonial nas terras que o marido, Diogo

Fernandes, ganhara por doação da época Duartina. Além da doação de terras feita por Duarte

Coelho ao cristão – novo, Diogo Fernandes, o seu amigo Pedro Álvares Madeira também

recebera parte da terra dada em doação. Assim, começara a surgir uma rede de sociabilidade

criada no Brasil colonial, formadores da grande humanidade que gesta Pernambuco, destacando-

se as terras em volta do Engenho Camaragibe.

Pedro Álvares era vindo da região da Ilha da Madeira, era especialista na fabricação

do açúcar. Segundo REAL (2004, p. 147-8),

Camaragibe estava em escombros depois da razia dos tupinambás, foi o

Pedro Álvares que pôs tudo de novo a andar, mas as dívidas da moenda

nova é que não agüentava, era trabalhar para o preto, e ainda por cima ter

de pagar a sesmaria ao Duarte Coelho. Pediu uma nova, mais pequena, só

para ele, em Apipucos, e o Governador concedeu – lha, ali houve mão de

D. Brites, que simpatizava com o Pedro Álvares, fora ele o primeiro reinol

a plantar mandioca amarga... O Pedro Álvares desmatou aquele matão

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todo, esteve aí uns três meses a fazer queimadas e a deitar árvores abaixo,

aproveitava os toros que eram de pau-brasil.

No estágio atual dos conhecimentos históricos, Diogo Fernandes e Pedro Álvares

Madeira são os dois cristãos-novos (ambos acusados de judaizantes) que pioneiramente estão

ligados à agroindústria açucareira em Pernambuco através de doações de terras feitas por Duarte

Coelho para compor a extensão açucareira no Brasil, de acordo com REAL (2004).

Conforme MELLO (1996, p. 123),

Da documentação respeitando a esse engenho, denominado Camaragibe,

consta que Duarte Coelho fez- lhe doação em 1542 – é esta a mais antiga

referência a sua presença em Pernambuco – e certo a certo Pedro Álvares

Madeira de meia légua de terra ao longo do Camaragibe, da banda do sul,

e duas léguas “para o Sertão”, com obrigação de aí fazerem um engenho

de açúcar permitindo-se-lhes o uso das águas da dita ribeira.

Além do Diogo e do Pedro Álvares, outros cristãos - novos chegaram a ser grandes

senhores de engenho no Brasil colonial. Muitos destes permaneciam também como mercadores, e

outros, ficaram conhecidos por práticas de empréstimos e pelas cobranças de dízimos, meios de

sobrevivência que também eram incorporados à sociedade construída pelos neoconversos ao

longo da faixa litorânea do Nordeste colonial. Com um vasto patrimônio seria possível oferecer

credibilidade aos credores, e foi assim que muitos cristãos-novos se estabeleceram no Brasil

colonial, estavam sempre envolvidos em grandes negociações e emprestavam montantes com a

intenção de solucionar os problemas financeiros dos endividados cristãos-velhos da colônia,

gerando desta maneira uma ligação social aceitável entre os mesmos.

1.3. BRANCA DIAS

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1.3.1 Branca Dias histórica

Branca Dias, devido à fragilidade ligada ao nome, pode ser considerada como um dos

personagens que recebera variadas metamorfoses, são consideradas três Brancas, sendo elas: a

Branca Dias que viveu em Pernambuco, acusada de difundir práticas judaicas ao longo do século

XVI em terras de Camaragibe, Pernambuco, esta com existência histórica comprovada. Há uma

outra que teria vivido em Apipucos (hoje bairro do Recife), mas sem documentação

comprobatória de sua existência, no entanto citada pela literatura como a grande imagem da

duplicação, teria está sido transportada ao longo dos séculos como recriação da Branca histórica

do século XVI. E ainda, uma Branca Dias que teria vivido em terras localizadas em Gramame,

Paraíba, no século XVIII, filha do cristãos – novo Simão Dias, acusada de propagar o judaísmo

em terras paraibanas. As vidas dessas mulheres em suas semelhanças e naquilo que era particular

a cada uma delas nos permitem compreender melhor o universo judaico – cristão em que cada

uma estava mergulhada como forma de ser igualmente geradas por outra sociedade.

A importância da construção do mito, símbolo de Branca Dias, é um levantamento

dos "elementos" que se repetem de forma obsessiva e significativa na narrativa e que são as

sincronias míticas da obra. O mesmo nada mais será que a maneira pela qual o imaginário de toda

uma sociedade se expressaria, corresponderia à crença na transcendência de uma essência,

Branca é símbolo polarizador, o valor inconsciente atribuído a um ser que por sua história pode

ser caracterizada como força irradiante ao longo dos séculos.

Segundo REAL (2004, p. 9),

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Branca Dias de Camaragibe, Branca Dias de Apipucos e Branca Dias da

Paraíba, reflectindo as três a eterna imagem feminina perseguida e

castigada que, como modo de sobrevivência, enquanto mulher e crente se

obriga a esconder as suas convicções, mas nunca a negá-las ou esquecê-

las.

A necessidade de construção de uma imagem de caridade cristã, sempre necessária à

elevação da alma ao paraíso faz com que as “Brancas” vivessem em um mundo de simulacro,

aonde a liberdade da verdadeira crença só existisse após sua morte. O símbolo, segundo PITTA

(2005, p. 23), “se caracteriza pela ambigüidade e pelo fim de seus significados.”.

A idéia da construção de uma heroína que combate o cristianismo e vive de memórias

religiosas e secretas de sua fé (judaica) é uma caracterização da personagem Branca Dias que

consegue compor um dos mitologemas1 mais interessantes quando estudamos os casos

inquisitoriais que envolvem a presença feminina nos quadros do Santo Oficio. A feminilidade é

um símbolo marcante ao se tratar de grandes dramas na História, a imaginação humana é diante

da temporalidade uma construção de imagens dinâmicas, ou seja, as mudanças rápidas e

desniveladas que ocorreram na personagem Branca Dias são fruto da moralização religiosa que a

mesma coloca em questão na sociedade.

REAL (2004, p. 10) continua em sua descrição dizendo ser, “a Branca Dias de

Camaragibe, a única das três que, segundo documentos inquisitoriais dos séculos XVI e XVII e

referências feitas aos seus descendentes na <<Nobiliarquia Pernambucana>>, possui fundamento

histórico”. A partir das citações comumente narradas pelo autor, surge Branca Dias moradora de

Pernambuco, judia perseguida pelo Santo Oficio, marcada como símbolo do mundo judaico, e

através dela todos os outros personagens, seja o literário e o lendário, irão surgir.

1 É um elemento ou tema isolado, em qualquer mito, segundo James Hollis (2005. p. 28)

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Segundo VAINFAS e SOUZA (2000, p. 27),

[...] a Branca Dias real era mãe de várias filhas, viveu no século XVI, mas

já era falecida assim como o marido, quando chegou o Visitador do Santo

Oficio. Isto não impediu que fosse fartamente denunciada por guardar

sábados e seguir quase todos os ritos judaicos que o visitador esperava ver

denunciados na mesa inquisitorial. Na Branca Dias real repousa talvez a

origem da lenda, o emblema da intolerância inquisitorial e a possibilidade

concreta de que os cristãos-novos “judaizavam” de fato, agindo como

criptojudeus.

A trajetória histórica da Branca Dias, moradora de Pernambuco e alvo do Tribunal da

Santa Inquisição permite que enumeremos as particularidades e similaridades vivenciadas pelos

seguidores da Fé hebraica no Brasil colonial. Podemos através dos documentos históricos que

comprovam a sua passagem em Camaragibe e Olinda, inserir a mesma na sociedade hierárquica

do século XVI, valorizando os laços construídos por ela e sua descendência na sociedade branca

e composta de cristãos-novos e velhos por intermédio de casamentos. Podemos citar a mesma

como a resistência feminina, personagem que tornou o judaísmo possível no Nordeste colonial,

através de suas ações. As relações de gênero e raça estiveram fortemente interligadas em

Pernambuco ao longo do século XVI.

Segundo MELLO (1996, p. 118):

O nome Branca Dias era comum ao longo do século XVI: no índice dos

processos da Inquisição de Lisboa, no Arquivo Nacional da Torre do

Tombo, anotei 15 processos relativos a pessoas de tal nome em Portugal

nos anos de 1542 a 1593. Quando consegui verificar que o marido de

Branca Dias, que vivera em Olinda, obtivera a sesmaria de Camaragibe

em 1542, o número de homônimas que passaram pela Inquisição em torno

desse ano ficou reduzido a cinco e pude consultar os respectivos processos

e o terceiro dizia-lhe respeito.

As informações descritas no processo inquisitorial analisado diziam respeito à Branca

Dias de Olinda, casada com Diogo Fernandes, senhor de engenho nas terras de Camaragibe –

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Pernambuco. O índice dos processos da Inquisição lisboeta, nos assegura a representatividade do

tempo, o símbolo judaico estar freqüentemente ligado à permanência do movimento, o

aparecimento de homônimas de Branca Dias não retiraram dela o significado ímpar que a mesma

detém como símbolo judaico do Nordeste colonial brasileiro, a mulher que fez do judaísmo uma

crença possível ao longo do século XVI no Brasil.

Conforme MELLO (1996, p. 119),

O libelo do promotor do Santo Oficio resumia essas acusações e dizia que,

sendo ela cristã batizada, veio a judaizar e apostatar da fé católica,

honrando sábados e obedecendo a ritos e cerimônias judaicas oito anos a

esta parte (portanto desde 1535); que as sextas-feiras punha mais uma

matula (isto é, mecha, torcida) no candeeiro por honra do sábado e vestia

camisa limpa e punha lençóis lavados na cama, tudo por honra do dito dia

e que jejuava o jejum de Quipur, que os judeus chamavam de Dias das

Perdoanças (ou dos perdões).

Branca Dias, acusada de práticas judaicas por sua mãe e sua irmã, Violante Dias,

percebera que o promotor do Santo Oficio, na figura do senhor José de Melo, não recebera

nenhuma de suas defesas, assim não encontrando outra saída para livrar-se da prisão decide,

confirmar suas práticas judaicas, como exemplo da confissão de Branca Dias a Santa Inquisição

como ré confessa estava a de que aos sábados metia camisa e beatilha lavadas, na tentativa de

inserir-se no mundo livre Branca Dias confirma a denúncia da mãe e da irmã. É condenada ao

cárcere.

Segundo MELLO (1996, p. 120),

[...] os Inquisidores, os quais por acórdão sem data, receberam-na à

reconciliação da Santa Madre Igreja e a condenaram a dois anos de cárcere

e a crenças e práticas; (...) um ano depois, estando então no Colégio da

Doutrina da Fé, ainda em Lisboa, recorreu aos Inquisidores, alegando estar

muito doente, que não tinha marido em Portugal e tinha filhos e filhas,

sendo um dos filhos aleijado, pelo que se pedia que lhe fosse permitido

tirar o sambenito para ir ganhar a sua vida e governar seus filhos.

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Branca Dias, após o pedido de perdão formulado ao Santo Oficio, fora dispensada do

restante da pena, cumprindo assim dos dois anos de cárcere ao qual foi sentenciada, apenas um

ano e três meses. Conforme MELLO (1996, p. 121), “a abjuração está datada de abril de 1544,

sendo que, pouco depois, em 27 de junho de 1544, vista a reconciliação e fossem as informações

sobre sua vida e costumes, mandou o tribunal fosse suspensa a então penitência.”.

Num movimento contrário, Branca Dias consegue a esperada liberdade, juntamente

com sua filharada decidiu ir ao encontro do esposo Diogo Fernandes em terras brasílicas de

Pernambuco. REAL (2004, p. 21) afirma em sua obra o fato da chegada da judia ao Brasil, “O

Diogo combinara tudo com o mestre- negreiro, dera-lhe uma pepita de ouro, a única que possuía,

toda a sua fortuna, escreveu-me, não suportava o Brasil sem mim.”. Da narrativa do autor,

encontramos a trajetória inicial da vinda de Branca Dias para Pernambuco, terra que mesmo aos

indivíduos de condição modesta ou subalterna, existiam oportunidades de acesso à açucarocracia,

fato este ocorrido com o casal de cristão – novo, Branca Dias e Diogo Fernandes em pleno século

XVI.

Segundo PINTO (2006, p. 33), “a mulher judia chegada à colônia, mesmo por conta

de seus deveres doméstico - religioso, e pela própria origem, possuía uma certa instrução e era,

reconhecidamente, uma ótima artesã.”. Além da condição de artesã, narrada pela referida autora ,

algumas mulheres através da herança por morte do marido adquiriram o título de senhora de

engenho, fato este que ocorreu com Branca Dias após a morte do esposo Diogo Fernandes, assim

ela ficou durante anos administrando com integridade as terras do Engenho Camaragibe,

tornando-o um grande patrimônio.

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Branca Dias foi o símbolo do judaísmo e pode ser considerado em sua forma mais

completa: desordenado e doméstico. A mesma demonstrava através de suas ações o zelo que as

mulheres judias tinham ao cumprimento de manter a família e ao transmitir mesmo que de forma

sigilosa, ao seu povo a tradição religiosa da qual fazia parte. O judaísmo era transformado em

“religião domiciliar”, e Branca Dias é serva fiel desta tradição religiosa, repousa serena no meio

do “fogo religioso” existente no Nordeste colonial.

A personagem real, que a História nos permitiu conhecer, nasceu em Viana da Foz do

Lima, em Portugal, no século XVI, data imprecisa. Em Viana da Foz do Lima, Branca Dias era

cristã, cristã-nova, obrigada a ir à missa ao domingo, comungar três vezes ao ano e confessar nas

datas do natal e da páscoa, era forçada a participar dos rituais católicos para assim permanecer no

convívio social português. Veio para o Brasil junto com seus filhos ao encontro do então esposo

Diogo, e morreu provavelmente entre os anos de 1588 ou 1589 de morte natural, na capitania de

Pernambuco, nas proximidades do Engenho Camaragibe, para onde migraram muitos cristãos-

novos.

Segundo MELLO, (2000, p. 91-2):

[...] Branca Dias fora natural de Viana da foz do Lima (Minho). Ali, pelos

derradeiros anos da década de 1520, casara com Diogo, também cristão-

novo, comerciante grossista de tecidos. Por volta de 1540, não se sabe por

quê, Diogo se estabeleceu em Pernambuco, talvez fugindo a algum

problema com o recém- criado tribunal da Inquisição. Dez anos depois,

obteve do [capitão] donatário Duarte Coelho uma data de terra na várzea

do Capibaribe para erguer um engenho de açúcar. Branca Dias, que ficara

no Reino cuidando dos filhos, foi denunciada como judaizante pela

própria mãe e irmã, ambas já às voltas com o Santo Oficio. Presa, ela

terminou por confessar que seguia fiel às práticas judaicas, mas, tendo

abjurado, foi solta em 1545, sob condição de permanecer em Portugal, o

que na cumpriu, escapando com a filharada ao encontro do marido, a

menos que tenha sido degredada para o Brasil, versão a cujo respeito não

há prova documental, mas que corria no século XVI. Diogo achava-se

entregue às suas lides de proprietário rural quando um levante de índios

veio destruir-lhe o engenho, se é que chegou realmente a montá-lo.

Estabelecia em Olinda na rua dos Palhais, por trás da matriz do Salvador,

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Branca Dias abriu em casa um pensionato destinado às filhas dos colonos,

onde lhes ensinava o que hoje se chamariam <<prendas domésticas>>.

Várias de suas alunas é que, já adultas e mães de família, viriam denunciar

ao visitador Heitor Furtado de Mendonça os ritos judaicos que tinham

visto praticar há vinte ou trinta anos antes. Falecido o marido, que se

associara ao rico cristão-novo Bento Dias de Santiago, Branca Dias passou

a administrar os partidos de cana que Diogo fundara. De 1588 ou 1589,

data se falecimento.

No ano de 1551, já livre da sentença, Branca Dias veio para o Brasil, precisamente

para Pernambuco aonde fixa residência no Engenho Camaragibe, de propriedade de seu esposo, o

mercador Diogo Fernandes. Mas fica por esclarecer se a viagem feita por Branca Dias e seus

filhos para o Brasil, “Nova Lusitânia”, foi autorizada pelo Santo Oficio, já que ao ser abjurada, o

tribunal determinou-lhe: “não saia fora do Reino”. Branca Dias já não mais poderia deixar de

vivenciar o momento de usufruir a condição de “mulher livre”, uma condição digna, mas

constantemente ameaçada por sua condição natural de “mulher - judia”. O dia da chegada de

Branca Dias é marcado como o dia da alegria, tinha valido a pena correr o risco de ser fugitiva da

Inquisição.

REAL (2004, p. 21) narra a vinda da Branca Dias ao Brasil,

O Diogo combinara tudo com o mestre- negreiro, dera-lhe uma pepita de

ouro, era o dinheiro do nosso futuro que ele jogava para me ter consigo,

foi isso que fez que eu lhe perdoasse a Briolanja.2 Eu entrei de noite, num

batel mal calafetado, com água até os calcanhares, e Beatriz aos gritos,

apavorada, os outros seis agarrados a mim, a Guiomar fincou as unhas nas

minhas coxas que arranhou toda, o Jorge apertou-me os joelhos, ia-me

fazendo tombar, tive de lhe dar um chapadão, e como dei a um dei a todos,

para não gritarem nem chorarem, tinham medo do mar, também eu, mas

uma mulher tem de se agüentar.

Diogo Fernandes não vivia em Olinda, residia ele num engenho de açúcar em terras

pernambucanas, Camaragibe. E foi para terras do engenho de seu esposo que Branca Dias fixou

2 Briolanja é a filha bastarda de Diogo Fernandes com a criada Madalena Gonçalves, nascida em terras

brasílicas.

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moradia juntamente com seus filhos, aos poucos foi ela modificando o ritmo de vida nas terras

coloniais, visando a garantir a sobrevivência da religião mosaica, a figura da mulher no judaísmo

fora deveras importante, ao mesmo tempo Branca Dias procurava passar pelas desconfianças da

sociedade, então a mesma ia com os filhos às missas aos domingos, rezava coletivamente com os

demais, fazendo com estas ações perante os cristãos – velhos parte daquele ambiente cristão.

Branca Dias formou a primeira “esnoga” (sinagoga) que temos conhecimento na

época do Brasil colonial, mantendo os rituais judaicos por toda a sua permanência em solo

brasileiro. Para promover os rituais da lei de Moisés, Branca Dias encontrava dificuldade. As

reuniões que ocorriam dentro do Engenho Camaragibe e as vigílias noturnas faziam parte do

mundo intermediário do cristão-novo, já que eram impedidos diretamente de exercerem rituais

diferentes dos cristãos - católicos. O lar colonial, a casa, era um fator vital para sobrevivência do

Judaísmo e para a preservação de uma maneira “judaica de viver”.

Para ser um homem judeu existiam, pois, dois fatores básicos, a sinagoga e a casa.

Era necessário que o homem conhecesse as escrituras sagradas e cumprisse as ordens

determinadas pela Lei. O núcleo familiar em seu ambiente doméstico fora no Brasil colonial o

local propício para irradiação da lei mosaica. Os cristãos – novos promoviam as reuniões e

apresentavam os poucos textos judaicos preservados secretamente, a que somavam - se a

adaptação do Evangelho católico e a memória dos que a conheceram em outra época ou local.

Como havia a impossibilidade do continuísmo dos ideais hebraicos em solo brasileiro, as

sinagogas não puderam exercer o papel de difusora, ficando o núcleo das residências

responsáveis através da figura feminina – mãe - pela transmissão das heranças hebraicas, Branca

Dias divulgava em suas constantes reuniões a fé mosaica, sendo assim encarada como a “grande

mãe judia” por seus seguidores.

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A divulgação das idéias de cunho sócio - cultural e religiosa eram preenchidas pelo

lar, verdadeiro espaço de celebração judaica e, mais especificamente, pelo papel desempenhado

pela mulher cristã-nova judaizante, era comum na época colonial encontrar mulheres dispostas a

viverem na dubiedade religiosa, Branca Dias é um símbolo inquestionável, alçada à condição de

líder religiosa para a sobrevivência da antiga fé.

Mesmo com a inserção de muitos cristãos-novos na sociedade colonial brasileira, os

judeus eram obrigados a recorrer a uma série de dissimulações. Uma das principais foi a de abolir

o ritual da circuncisão, já que o circuncidado oferecia uma marca física visível e facilmente

identificada pela Santa Inquisição. Através da circuncisão ocorre a purificação dos elementos

suspeitos do sexo oposto.

Segundo DURAND (2002, p. 172),

[...] a circuncisão, como prova o estudo antropológico, é já uma filosofia

ritual da purificação pela distinção dos contrários sexualmente

semelhantes: tem por missão separar o masculino d feminino, corta

literalmente os sexos como corta a pureza masculina do wanzo feminóide

e corrompido. A circuncisão é, portanto, um batismo por arrancamento

violento do mau sangue, dos elementos de corrupção e confusão.

Não apenas o ritual da circuncisão fora alterado pelos cristãos - novos, também

foram obrigados a mascararem diversos outros rituais pertencentes à fé hebraica, como as formas

de benzer, os cultos funerários, hábitos alimentares, dentre outros. O judaísmo era especialmente

uma condição da esfera privada. No Brasil colonial percebemos que a fé hebraica fora difundida

secretamente com ajuda das mulheres, ser judeu era ser representante do sangue herético mais

temível pelos cristãos.

Além do desaparecimento dos rituais judaicos, os objetos, símbolos, relacionados ao

culto mosaico, como os candelabros, mezuzás, quipá e os mantos que cobriam a Torá, também

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foram alvo de sigilo, sem contar com os textos em hebraico. Toda forma de colocar em sigilo a

Lei de Moisés dentro do Brasil colonial era válida, a clandestinidade que envolvia os atos da

prática judaica era a demonstração de uma linguagem cifrada existente em larga escala em terras

coloniais.

Segundo NISKIER (2006, p. 30),

O culto passava a ser realizado dentro de casa sob as condições de um

rigoroso sigilo: com portas e janelas bem cerradas e as candeias de sábado

ardendo dentro de recipientes de argila opacos para que a luz não fosse

avistada nas ruas. Foram abandonados também rituais ostensivos como a

degola do cordeiro pascal e o abate de cabeças de gado; [...].

Na camuflagem da fé os cristãos- novos encontravam a permissão para viver em

sociedade com os cristãos – velhos, muitos até chegavam a casar, como forma de purificar o

sangue, porém nem todos aceitavam o silenciar definitivo de suas práticas hebraicas. Eram então,

perseguidos pela Santa Inquisição, como foi o caso da Branca Dias acusada de práticas

judaizantes e de transmitir por toda colônia a fé hebraica através dos relatos feitos por ex - alunas

ao Visitador Heitor Furtado enviado do Santo Oficio. Apesar dos esforços, aos olhos populares

sua residência era transformada em verdadeiro templo judaico, e por isso foi denunciada diversas

vezes, a rejeição social pela cristã-nova e sua família crescera assustadoramente com a chegada

do visitador às terras pernambucanas.

O permanente clima de crescente vigilância inquisitorial acabaria por gerar

transformações profundas nas relações sociais, caracterizadas, entre outros aspectos, pela

separação de sangue, o que intensificava as hostilidades entre os grupos de cristãos-velhos,

indivíduos considerados de 'sangue puro', e os neoconversos, vistos como de sangue e origem

'maculados'.

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Muitos cristãos-novos, alguns até favorecidos com título de senhores – de – engenho,

ofereciam as filhas para compor laços matrimoniais com cristãos – velhos respeitados da colônia,

a maioria dos matrimônios eram formados para diminuição das pressões públicas sobre o sangue

herético, amenizando o clima entre cristãos-velhos e novos, assim a fusão completa dos laços

entre os núcleos era estabelecida discretamente através do matrimônio e a rede de sociabilidade

era então formada.

O amor não era condição vital ao casamento, estava até dele dissociado, além da não

existência do amor, a inserção dos cristãos-novos na sociedade colonial brasileira estava

caracterizada pela segregação sanguínea, e é a partir deste conjunto de dificuldades imposto no

ambiente colonial, que Branca Dias decide investir na carreira de “mestra de prendas

domésticas”, formando diversos casamentos entre cristãos – velhos, pessoas influentes e de

situação econômica favorável, e os cristãos-novos, a mestra contribuiu para construção de um

convívio harmônico entre os grupos. O que estava constatado com a grande rede de sociabilidade

no Brasil colonial. Os Inquisidores sabendo da difusão da fé hebraica através da figura feminina,

apresentam em suas ações maneiras de repressão e prevenção à religiosidade judaica, abalando as

relações dois grupos no Nordeste colonial, assim o fizeram os visitadores do Santo Oficio em sua

primeira Visitação ao Nordeste brasileiro no ano de 1591.

Conforme MELLO (1996, p. 167),

Da Visitação resultaram vários processos, movidos contra suspeitos de

crenças e de práticas judaicas e de outros tipos de heresia. Esses processos

originaram-se das denúncias e confissões aludidas, apresentadas perante o

Visitador, Heitor Furtado de Mendonça: reunidas e considerados o bem

fundado das suspeitas e a gravidade da acusação, determinava ele a prisão

do indiciado, que era em seguida embarcado para o Reino, juntamente

com o processo, onde dava entrada nos cárceres da Inquisição em Lisboa.

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Branca Dias, mesmo após sua morte fora acusada de várias práticas judaicas e teve

alguns de seus descendentes processados, trinta anos depois de sua morte, na provável data do

ano de 1553, várias de suas ex - alunas a denunciaram por práticas judaizantes perante o visitador

do Tribunal do Santo Oficio. Como as denúncias não foram consideradas suficientes pelos

inquisidores, seus ossos não precisaram ser desenterrados nem de seu esposo, Diogo Fernandes,

desenterrar os ossos era uma prática comum nas acusações póstumas. Pois era do cotidiano que,

aqueles considerados heréticos, depois da denunciação, mesmo que estivessem sepultados, os

ossos eram comumente desenterrados e reduzidos a cinzas.

Segundo MELLO (1996, p. 135),

Provavelmente Branca Dias escapou de ter sido declarada herege e

apóstata post mortem, com as conseqüências referidas, pelo fato do Santo

Oficio não ter oferecido na época aos Inquisidores as provas reunidas

contra ela nos anos de 1543-44, constantes do processo n° 5.736, hoje

guardado na Torre do Tombo.

Os inquisidores não encontraram nenhum vestígio que comprovassem as práticas

judaizantes de Branca Dias, mas alguns de seus descendentes foram processados, como foi o caso

da sua filha Brites Fernandes, a única a confessar ter praticado ritos judaicos, após ser torturada

pela Santa Inquisição, com a pressão que sofrera pelos inquisidores, Brites Fernandes denunciou

formalmente os pais pelas práticas judaizantes. A todo tempo eram apresentados pelos

inquisidores propósitos anti – semitas, o espírito da Contra – Reforma foi algo consolidado no

Brasil colonial para com os criptojudeus, os descendentes de Branca Dias e Diogo Fernandes

enfrentaram conseqüências profundas pela origem ligada à religião mosaica.

Conforme MELLO (1996, p. 139),

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Brites confessou que sua mãe, Branca Dias, mandou lavar a casa em uma

sexta – feira a tarde e que não trabalhasse aos sábados. O que ela fez,

ainda incipiente do que isso representava. Confessou ainda que sua mãe

ensinara a discípula Ana Lins a guardar o sábado. Acrescentou ainda que

se apartou da fé cristã há 40 anos e que a deixou há 14 anos, por conselho

de algumas pessoas a quem confessara “que era judia”.

Para os Inquisidores não restavam dúvidas do judaísmo exposto pela filha de Branca

Dias e a mesma após tantas denúncias foi no ano de 1599 atada à polé e deixada cair da altura da

roldana, o tormento de Brites foi levado ao cárcere a cidade de Lisboa aonde a mesma fora

impedida de sair do Reino. Os demais parentes de Branca Dias foram condenados a penas leves.

Dessa forma, temos que os descendentes mesmo aqueles que se uniram pelo casamento a famílias

que eram ou viriam a ser "da governança da terra", como Barbalho e os Holanda - perpetuariam a

memória de uma Branca Dias judaizante.

1.3.2 Branca Dias – o mito

No tocante ao mito, sabemos que ele não tardou a se formar. Já na virada do século

XVII para o XVIII, dizia-se em Recife que os ossos de Branca Dias haviam sido levados de

Pernambuco e queimados "por ordem do Santo Ofício". Embora não fosse verdade, esses boatos

revelam que a Branca Dias judaizante e cristã-nova, símbolo do judaísmo no Nordeste colonial,

continuava viva na memória da população, autores trabalham com a versão mítica, “sua lenda foi

sendo construída paralelamente à existência histórica de outros personagens locais perseguidos na

época, como a judia Guiomar Nunes, moradora do Engenho Santo André, na capital paraibana.”

(JOFFILY, 1993, p. 49). Assim, a memória que temos comprovação pela historiografia é a da

matriarca de Camaragibe, século XVI. O imaginário estaria marcado com veemência pela

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repetição de fatos colocados na constituição da cultura de uma sociedade e explorado por

publicações ora históricas ora literárias.

A crença na Branca Dias paraibana é mais do que tudo uma transformação de

expectativas que a sociedade tinha sobre o Tribunal do Santo Oficio. Toda carga emocional e

simbólica que envolvia a instituição do Santo Oficio, foi exteriorizada na composição do mito,

ordenando as imagens em torno do objeto privilegiado, Branca Dias. Na Paraíba contudo, ocorre

na tradição oral paraibana, e esta referida Branca Dias é sobretudo um objeto da memória.

Conforme PINTO (2006, p. 97),

A saga dos cristãos-novos na Paraíba começa nos tempos da conquista e

continua presente na lenda de Branca Dias é como se a imagem da famosa

judia projetasse a memória popular os nomes esquecidos dos avós

anatematizados pelas marcas indeléveis da Santa Inquisição. Como se na

evocação do martírio de Branca se pudesse resgatar o passado familiar um

dia relegado ao esquecimento. Um memorial de lembranças apenas

adormecidas na alma paraibana.

Ter sido apontada como símbolo religioso e vitima de uma sociedade intolerante que

não compreendia e não aceitava o judaísmo nem suas especificidades, foram características que

marcaram a vida da cristã-nova, Branca Dias. Ter entrado para a História como grande heroína

em busca da defesa de seus ideais e direito de escolha de seu povo e seus familiares é algo que foi

estendido à composição do mito popularizado dentro do imaginário da sociedade paraibana.

PITTA (2005, p. 18), nos relata a importância da criação de um mito,

O mito é um relato fundante da cultura: ele vai estabelecer as relações

entre as diversas partes do universo, entre os homens e o universo, entre os

homens entre si... é ainda a função do mito fornecer modelos de

comportamento, ou seja, permitir a construção individual e coletiva da

identidade.

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Assim, o trajeto antropológico criado pelo mito vai transformar o modo das relações

sociais e servirá como modelo para compor o dia – a – dia dos indivíduos pertencentes ao

referido grupo social. A forma de representação simbólica que Branca Dias exerce no imaginário

popular dos paraibanos, é devida por ter sido ela símbolo do judaísmo colonial, assim sua

dimensão simbólica ao longo dos séculos representa parte das tradições populares, estaria

complementando, representando imagens relativas ao tempo.

Além dos enredos sobre a continuação na memória pernambucana da Branca Dias,

outros registros contam a trajetória da personagem, são do século XIX (1879), quando da

publicação da obra “Branca Dias de Apipucos”, a primeira de uma série de reinterpretações

ficcionais da sua história, situando a personagem na época da Guerra dos Mascates - célebre

conflito entre os comerciantes de Recife e os proprietários de terra de Olinda ocorrido de 1710 a

1715 - e conta à história de uma judia rica que, temendo a Santa Inquisição, jogou toda a sua

fortuna em prata num afluente do Camaragibe, que ficou então conhecido como o Lago Prata.

Podemos encontrar na ação desempenhada pela “Branca Dias de Apipucos” o surgimento de um

personagem reproduzido pela literatura como forma de elucidar o mito, ou seja, nas

circunstâncias da mesma ter jogado sua fortuna nas águas de um rio, direcionou o comportamento

de uma cultura, fez a construção do real e do imaginário na mente da coletividade e na

individualidade humana, sendo repetido ao longo dos séculos que, uma judia jogara sua fortuna

no rio e a partir deste dado momento o mesmo surgira com águas límpidas e banhadas em prata,

surgindo assim diversas fantasias da modernidade quanto ao mito narrado.

Logo em seguida Branca Dias se deslocaria no espaço, na Capitania da Paraíba,

século XVIII, onde diversos autores irão trabalhar com sua existência em solo paraibano, caso do

José Joffily na obra “Nos Tempos de Branca Dias”, Zilma Ferreira Pinto, com a obra “A Saga

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dos cristãos-novos na Paraíba”, e na do Ademar Vital, com “Lendas e Supertições”, dentre

outros autores. Mais uma vez estaria segmentado o papel da Branca Dias como a de uma

representante máxima do criptojudaísmo brasílico.

Alguns perguntam se não houve, de fato, duas Brancas diferentes, uma no século

XVI, em Pernambuco, outra no século XVIII, na Paraíba. Apesar de existirem outras mulheres

com este mesmo nome processadas pela Inquisição, nenhuma delas o foi na Paraíba em meados

do século XVIII, onde o mito é situado. O desconhecido fato da existência de Branca Dias em

território paraibano é narrado por Joffily como uma penumbra histórica deixada pela ausência de

documentos. A valorização da judia como mito é percebida pela historiografia como motivação e

inspiração para idolatria que envolve a personagem Branca Dias.

Segundo JOFFILY (1993, p. 27), “o Tribunal do Santo Oficio em suas maquinações

diabólicas manteve – a cercada de absoluto sigilo, para garantir o indispensável sigilo nas

delações. Nada restou do segredo em Alhandra, nem mesmo vestígios da memória popular.”. O

autor acima citado trabalha com a ausência de notificações o que nos faz entender a construção

simbólica envolvendo Branca Dias, a criação da figura feminina da grande heroína através do uso

da imaginação popular.

Na Paraíba ao longo do século XVIII algumas mulheres foram condenadas pela

Santa Inquisição, a maioria acusada por práticas judaicas, mas o nome de Branca Dias não

aparece em nenhum documento histórico que confere estas condenações. Alguns autores que

alegam a existência de Branca Dias, caso do José Joffily, dizem que entre os anos de 1755 a

1783, desapareceram os livros do Mosteiro de S. Bento o que deixa fragilizada a prova de sua

existência como proprietária do Engenho Velho, às margens do rio Gramame, entre os anos de

1734 a 1761.

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A localização de Branca Dias na capitania da Paraíba, ao longo do século XVIII,

pode ser um resquício da história trágica de um importante grupo de cristãos-novos locais presos

e processados pela Inquisição. Uma destas paraibanas, chamada Guiomar Nunes, cristã – nova,

seguidora da fé mosaica em sua amplitude, foi queimada em um Auto - de - Fé, em Lisboa no

ano de 1731, comprovadamente citada em documentos históricos referentes ao século XVIII.

Embora cristã-nova, ela não descendia de Branca Dias nem tinha a mesma condição social dada à

mestra de Olinda. Como explicar o mito de Branca Dias?

Talvez isto se deva ao fato da Branca Dias ter sido uma personagem dos tempos

iniciais da colonização e ter, devido a laços familiares deixados por sua descendência e sua

memória na elite local marcado uma época. Outra razão seria a construção da população em torno

de um objeto básico de memória e como uma exposição essencial daquilo que a sociedade local

imaginava sobre a Santa Inquisição.

Há uma outra razão para explicar a localização do mito de Branca Dias na Paraíba,

construída pela perpetuação da personagem através da Maçonaria, devido ao fato dos maçons, ter

nomeado à loja maçônica paraibana, fundada em 1918 de Branca Dias. A incorporação pelos

maçons da figura de Branca Dias não ocorreu pelo fato de ter sido ela uma cristã-nova ou

judaizante, mas por ter sido perseguida pela Inquisição, símbolo maior do obscurantismo, da

repressão e da censura. Podemos citar também que o martírio de Branca Dias, serviu não apenas

para a imaginação popular, mas como um conjunto de inspiração para a arte e para a literatura.

Branca Dias é espelho de duas faces, entre o real e o mítico.

O texto de Carlos Dias Fernandes é o que influência Dias Gomes em sua obra “O

Santo Inquérito”, quando percebemos a composição do personagem mítico, Branca Dias, dentro

da Capitania paraibana. Não temos sobre a Branca Dias paraibana nenhum tipo de documento

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histórico que comprove com veemência a sua passagem pela Capitania da Paraíba, compreende –

se dessa maneira o porque de tantos vultos da história da paraibana existirem até os dias atuais de

maneira que, nada sabemos sobre sua data de nascimento ou morte, sabe – se unicamente que ela

fora o símbolo judaico paraibano e uma heroína religiosa dentro do ambiente colonial.

Temos que citar quando o assunto envolve a imaginação popular sobre a figura

feminina de Branca Dias, a trama do “Santo Inquérito” que foi passada na Paraíba do século

XVIII, ano de 1750. A obra escrita por Dias Gomes em 1966 expõe a trajetória da judia Branca

Dias que fora nascida na Capitania da Paraíba e acusada de inúmeras práticas judaicas, sendo

então perseguida pelo Tribunal do Santo Oficio, presa e posta em auto – de – fé. Através da obra,

Dias Gomes desperta o surgimento de diversos sentimentos aguerridos de emoção e devoção que

muito contribuíram para a construção do mito heróico, polarizado e dominante de Branca Dias.

Além da obra do Dias Gomes, apresentamos como mais uma fonte de construção mítica de

Branca Dias, a “novella”, “O Algoz de Branca Dias”, do Carlos Dias Fernandes, nesta obra o

autor refere-se a Branca Dias, filha de Simão Dias, emigrado do Reino para o Brasil, no segundo

quartel do século XVIII, morador das terras do Engenho Velho, Parahyba.

Dias Gomes utiliza “O Santo Inquérito” como forma de apontar os abusos que a

Ditadura Militar provocara ao povo brasileiro, queria ele formalizar através do “Santo Inquérito”

um choque – sugestão para toda a sociedade. Estando sob forte pressão do regime militar o

teatrólogo utilizou o símbolo da cristã-nova Branca Dias para narrar um texto fantasioso e de

pura ficção, a personagem carregada de todo o poder simbólico e dominante de sentimentos

nacionalistas, estes dos mais variados estavam envolvidos a paixão, o amor à pátria e acima de

tudo a coragem. A referida obra do Dias Gomes foi baseada no livro “Lendas e superstições”

publicado em 1950, de Ademar Vidal. Este mesmo autor estabeleceu, ninguém opina sobre as

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fontes, estas nunca reveladas, os dados referentes à Branca Dias paraibana, dizendo ele que

nascera na capital da Paraíba em 15 de julho de 1734, filha de Simão Dias e D. Maria Alves Dias,

e que a mesma teria sido vitima da Santa Inquisição no dia 20 de março de 1761, sendo

queimada em um auto – de - fé, em Lisboa. Segundo JOFFILY (1993, p. 52),

Quando Branca Dias contava 26 anos, viviam na capital 10.050

moradores, com 9 igrejas, 33 capelas, 5 conventos e 17 engenhos. Quanto

à aldeia natal de Branca Dias, Arataguy, nota-se alguma confusão

facilmente explicável: o topônimo só passaria a Alhandra, em 8 de maio

de 1756.

1.4 APLICAÇÃO DE GILBERT DURAND NA PERSONAGEM

Ao longo da análise antropológica da personagem Branca Dias ocorre a formação da

imagem referente à queda suscitando o tempo, a morte e a angústia geral. O símbolo que

podemos identificar como o apego ao trabalho, a perseverança e inteligência da mestra, estar

relacionado com a espada segundo o imaginário duraniano. O refúgio (encontrado dentro do

Engenho Camaragibe) pela cristã – nova relaciona-se com a perseguição que a mesma sofria por

ser pertencente a uma fé não católica. E temos enfim na construção da rede social, a eternidade

cíclica. As três grandes estruturas arquetípicas citadas na personagem, Branca Dias estariam

demonstradas ao longo de sua construção. Ela cumpre a função de atriz central, a heroína, em

torno do qual será articulado o mito e com o qual normalmente o sujeito se identifica.

A Branca Dias paraibana deve ser comparada ao “símbolo da saudade”, a um objeto

da memória popular. A Branca Dias, idealizada pela literatura sobrepõe a validade do

conhecimento histórico que temos da personagem, através da literatura, principalmente na obra

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“O Santo Inquérito”, assim foram construídas diversos raciocínios que levam em conta os afetos

e as emoções da mesma ao longo da sua trajetória de vida, expondo então, a relação existente

entre a personagem e o psiquismo humano e assim, tornando o símbolo, Branca Dias, dinâmico

ao longo do tempo. Seguindo o pensamento de que Branca Dias paraibana jamais existiu temos

na passagem da obra do JOFFILY (1993, p. 60-1), é feita a seguinte narrativa:

Em favor do pressuposto de que Branca Dias “jamais existiu”, menciona-

se unicamente a hipótese segundo a qual, um ¨brasileiro anônimo” teria

sido (3 anos antes da morte de Branca Dias), a “ última vitima” do Santo

Oficio. Ocorre que, por coincidência, o Frei Gregório Malagrida, - já

enlouquecido - foi queimado no Auto – de – Fé de 20 de setembro de

1761.Condenado por ter escrito A vida Gloriosa de Sant`Anna, acusado de

“convicto, falso, confitente, revogante, impenitente, pertinaz e profitente.

Independentemente das diferenças psico – sociais das sociedades, todas elas possuem

um mito fundador e este é instaurador de características comuns que motiva o perfil do mito de

cada uma delas, resistindo até a mudança social - cultural nela operada, é o caso da heroína do

judaísmo, Branca Dias, presente além do século XVI.

Segundo PITTA (2005, p. 19), “A sensibilidade própria de uma cultura em interação

com um meio e circunstâncias determinadas valoriza mais ou menos [...] assim é que a cultura

pode perceber o universo como cheio de divisões e oposições [...] a divisão dos opostos – alto/

baixo, bem/mal etc.”.

Os elementos da água e do fogo constituem um reforço semântico, complementando

o universo mítico ao qual estar inserida Branca Dias. Segundo DURAND (2002, p. 234), “a

imaginação aquática consegue sempre exorcizar os seus terrores e transformar toda a amargura

heraclitiana em embaladora e em repouso.”. Após a análise duraniana podemos observar que, a

água e o seu símbolo são utilizados para compor um ambiente de purificação. O agrupamento

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simbólico que envolve a estrutura heróica da cristã-nova, dispõe-se em torno de três elementos

essenciais: a personagem, a espada e o monstro, a construção do arquétipo de heroína é uma

valorização da figura feminina da mesma, o que Gilbert Durand chamará de “eufemização”. O

monstro, normalmente deverá ser combatido pela personagem, que se valerá da espada e mostrará

com atitudes inteligentes que contém equilíbrio para permanecer no costume ao qual faz parte. Os

outros elementos integram-se a este cenário, reforçando a atitude heróica, o mito dominante.

Segundo REAL (2004, p. 99), Branca Dias diz:

Quando vim para o Pernambuco deixei de ver ciganos, só a velha cigana

que me queria comprar os embigos dos meninos, acho que são degredados

para a Bahia, não vêm cá para cima. Aqui, no Brasil, do que tive medo não

foi de ciganos, não, mas de animais, de monstros, de avantesmas, do

feitiço dos pajés e das macumbas das mães – negras.

Os elementos (o monstro, a espada, etc) que agrupam a imagem simbólica que

caracterizam a heroína, Branca Dias, é uma constante narrativa ao relacionar o estudo de Gilbert

Durand com a trama da rede social de Branca Dias, analisando ponto a ponto de seus objetivos e

suas vivências sociais, caracterizando os regimes diurno e noturno. Ademais, é possível verificar

as polaridades que surgem no intimo e no coletivo da personagem. Branca Dias é a forma mais

autêntica de caracterização da identidade judaica, a que foi posta ao martírio inquisitorial, o

símbolo de luta pela permanência da lei e costumes hebraicos. Vale salientar que a proposta é a

de inserir a sociedade na dinâmica envolvente do mito.

Nesse sentido, nas profundezas das doutrinas religiosas, dos sistemas filosóficos, das

narrativas históricas e, porque não, dos paradigmas científicos, encontraremos mitos que os

promovem e os acomodam nas três estruturas do imaginário (a estrutura heróica, a estrutura

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mística e a estrutura dramática que os reúne no tempo) e nos dois regimes de imagens (o diurno e

o noturno).

Para nos aproximar mais desse raciocínio, podemos dizer que a estrutura heróica

encontrada no regime diurno apresenta os chamados schèmes da ascensão e da separação,

instituindo, entre outras, a lógica da exclusão, da contradição e da identidade. Esta estrutura e

seus mitos estão na “base” da ciência clássica – cartesiana - positivista - e das abordagens

multidisciplinares. Segundo PITTA (2005, p. 18), “o Schème é anterior a imagem, corresponde a

uma tentativa geral dos gestos, leva em conta as emoções e as afeições. Ele faz a junção dos

gestos inconscientes e as representações”

Por sua vez, ao fazer uma análise da estrutura mística relacionada ao regime noturno

percebemos que a mesma está relacionada aos schèmes da descida e da intimidade, induzindo

nossa imaginação para o paradigma holístico e para as abordagens interdisciplinares. E, por fim,

no tocante à estrutura dramática, observamos na obra do Dias Gomes, “O Santo Inquérito”,

presença de características relacionadas ao regime noturno, capaz de “re-ligar” de forma cíclica

as duas estruturas anteriores, promovendo o princípio da similitude e da analogia, tornando - se a

força-motriz das abordagens transdisciplinares. De mais a mais, a constituição de particularidades

para identificar uma pessoa é algo imprescindível, Branca Dias não ficaria sem as ter. Conforme

JOFFILY (1993, p. 53), “Identidade, é portanto, um conjunto de caracteres de alguém, tais como:

nome, sexo, filiação e data de nascimento ou morte” . Assim, observamos que a Branca Dias

surge dentro da Paraíba invocando divergências intermináveis, nenhuma fonte documental a

comprova, a historiografia não a insere dentro da Capitania paraibana, faltam resultados para tal.

A construção da fábula em torno dela, não invalida nem deturpa, por longo tempo, a realidade do

fato histórico, Branca Dias existiu, em Pernambuco do século XVI. As interpretações dadas a

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Branca Dias paraibana tentam aproxima-la e inseri-la a realidade da mulher cristã-nova que

viveu em Camaragibe durante a fase colonial brasileira.

Ainda no tocante referente às estruturas antropológicas que envolvem o mito da

Branca Dias, percebemos que no regime noturno, a descida representa a inversão dos valores

diurnos (ostentação, separação, desmembramento analítico) para valorizar as imagens da

segurança fechada e da intimidade, características estas que envolvem a personagem que ficara

em meio à “fogueira purificadora”. Segundo DURAND (2002, p. 279) quando observamos a

estrutura da imaginação noturna, temos que, “A imaginação noturna é, assim, naturalmente

levada da quietude da descida e da intimidade, que a taça simbolizava, à dramatização cíclica na

qual se organiza um mito do retorno, mito sempre ameaçado pelas tentações de um pensamento

diurno do retorno triunfal e definitivo.”

Toda a orientação desenvolvida pelo regime diurno é contra o semantismo da

animalidade, das trevas e da queda, porque eles se relacionam ao tempo mortal. Enfrentando tais

obstáculos antes caracterizados, a imaginação diurna se reveste de uma postura heróica,

reforçando cada vez mais a antítese simbólica, através da figura luminosa da heroína, no caso em

questão Branca Dias. Verificamos ao longo da análise da personagem atitudes de conflito com o

mundo, o que enfatiza a problemática do confronto, Branca Dias documental e Branca Dias mito,

sendo o papel do mito alimentado pelo temor da morte e pela adjetivação que adultera a realidade

histórica.

Podemos dizer que ao caracterizar Branca Dias, observamos “os fenômenos de

compensação”, que como disse o próprio Durand em sua obra “Antropologia do Imaginário”, a

imagem representada tem por missão suprir, contrabalançar ou substituir uma atitude pragmática.

O intervalo do tempo valoriza o espelho de duas faces que fora construído no caso de Branca

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Dias: história e mito. E este mito conserva a imagem da deusa terrível, da feminilidade temível,

um “gigantizar” das heroínas, transposta na figura de Branca Dias. No livro “Imagens e

Símbolos”, ELIADE (1991, p. 21) cita, “Os símbolos e os mitos vêm de longe: eles fazem parte

do ser humano, e é impossível não os reencontrar em qualquer situação existencial do homem no

Cosmos.”.

Porém, a função da imaginação não necessariamente é a de compensar, ser uma

“posição de virada” para o interior em caso de impossibilidade física ou de “interdição moral”. A

imaginação também pode ter como função a eufemização3, o que é demonstrado ao longo de

nossa análise no objeto em estudo, Branca Dias. O simbolismo em Branca Dias estar concentrado

na idéia de grande mulher, heroína, construindo de forma audaciosa um simbolismo mágico –

religioso em torno da personagem e apresentado-a como estrutura marcante do simbolismo

religioso judaico.

O imaginário, segundo PITTA (2005, p. 15)

[...] pode ser considerado como essência do espírito, à medida que o ato de

criação (tanto artístico, como o de tornar algo significativo), é o impulso

oriundo do ser (individual ou coletivo) completo (corpo, alma,

sentimentos, sensibilidade, emoções...), é a raiz de tudo aquilo que, para o

homem, existe.

Branca Dias, paraibana, narrada no Santo Inquérito de Dias Gomes, alimentou a

grande tragédia ocorrida no Nordeste colonial para com os cristãos-novos, fortaleceu a

construção do mito, sendo a personagem Branca Dias perseguida pelo Santo Oficio de maneira

dominante, carregando o berço da heroína, presa, torturada, queimada em auto – de – fé público.

3 Durand (2002) fala de uma eufemização constitutiva da imaginação, citando, por exemplo, que a eufemização da

prostituta em alemão e em Francês, é “rapariga”.

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CAPÍTULO II

TERRA DE ESTRELAS E O REPERTÓRIO SIMBÓLICO

2.1 BRANCA DIAS EM PERNAMBUCO

Na tradição cultural portuguesa, uma das minorias fortemente perseguida (entre os

séculos XVI e XVIII) foi a dos judeus, propagadores dos ideais da Lei de Moisés, sendo então o

principal alvo de uma instituição oficial, a Santa Inquisição. A estrutura psicológica envolvente

no estudo do Santo Oficio através dos inquisidores convida-nos a aprofundar um estudo do

modelo inquisitorial e assim, compor o questionamento sobre qual a importância do Tribunal da

Santa Inquisição no estudo do personagem Branca Dias?

O estudo sobre o Tribunal é o símbolo do resgate do martírio vivido por Branca Dias.

Essencialmente o tribunal era uma instituição adotada pela monarquia absoluta. A mentalidade de

um inquisidor estava envolvida entre a soma e a hierarquização da fé, sendo esta utilização

hierárquica da fé, ou seja, o seu prestígio enquanto inquisidor, a política que rodeava esse jogo de

prestígio e a efetivação dos mitos de pureza presentes no imaginário da cristandade muito antes

da formação do próprio Tribunal.

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Passado algum tempo de uma pacifica “harmonia” vivida entre os cristãos–novos e os

cristãos-velhos, ocorreu à decretação da conversão forçada ao catolicismo na Península Ibérica.

Era chegada a hora da perseguição, que dentre outras opções, trouxe-os ao solo brasileiro como

sendo uma forma de colonização. Lançaram - se ao desconhecido com o ânimo de desbravadores

e logo ocorreu o surgimento de possibilidades do fácil enriquecimento que o seu crisotropismo

antevia. Trouxeram a técnica da indústria do açúcar e pouco depois estavam dominando o

mercado da Bahia e de Pernambuco. Fato este que provocou o surgimento das primeiras disputas

sociais vividas entre os grupos de cristãos-novos e velhos no Brasil colonial.

Segundo MELLO (2008, p. 127-8),

No último quartel decênio de Quinhentos, o historiador entrevê pela

primeira vez a estrutura social das áreas de produção açucareira da

América portuguesa, o Recôncavo baiano e a mata pernambucana e, em

particular, o estrato social que há pouco se instalara no primeiro plano da

cena nas nossas regiões canavieiras. Se em 1549 o donatário de

Pernambuco enumerava entre as categorias de povoadores da sua Nova

Lusitânia os que construíram engenho de açúcar ou granjeavam partido de

cana, a realidade era que uns se contavam nos dedos da mão e os outros

seriam apenas mais numerosos [...] a formação da açucarocracia só se

tenha verificado a partir dos finais do primeiro século.

No entanto, os conversos possuíam, de certa forma, os atributos necessários à

construção e detalhamento da emergente sociedade açucareira: alguns indivíduos com posses,

aliando certamente a função mercantil à de lavradores; todos, cristãos batizados. A oportunidade

de prosperar no Brasil criada pelo açúcar era o que motivava a saída de Portugal e a construção

da sociedade açucareira dentro dos núcleos coloniais. Além de toda filiação com a atividade

açucareira, o cristão – novo recém chegado ao Brasil mantinha a familiaridade dos costumes

judaicos com os portugueses, o que facilitou em muito a duplicidade religiosa que, se não

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resultou em outro sincretismo, resultaria em práticas distintas da religiosidade brasileira. Sobre a

atividade produtiva destes piedosos mosaicos, MELLO (2008, p. 128-9) nos diz que,

Na sua quase totalidade, a açucarocracia ante bellum compôs – se, na

Bahia como em Pernambuco, de reinóis; os proprietários já nascidos no

Brasil não chegavam a representar um décimo do grupo, o que não é de

surpreender. O povoamento era recente; o boom açucareiro, recentíssimo;

e a herança ainda não se tornara uma forma estatisticamente expressiva de

transmissão da propriedade. O engenho de açúcar era levantado com

recursos próprios ou, mais freqüentemente, emprestados, e transmitido por

compra e venda, de modo que, via de regra, só os filhos do Reino,

demográfica (68% da população dos núcleos coloniais nas duas principais

áreas açucareiras) e economicamente dominantes, dispunham do cabedal

necessário... foi o que ocorreu ao grupo duartino; eles não lograram ficar

com parte do leão, a despeito de contarem nas suas fileiras com alguns dos

proprietários mais ricos da terra.

A composição mercantil do Nordeste do século XVI estava envolta as inúmeras

extensões canavieiras, a cana – de – açúcar era um elemento alusivo aos privilégios dos senhores

de engenho sejam eles cristãos – velhos ou novos, e muitos cristãos-novos adotaram a

preponderância açucareira como tendência para estarem inseridos na sociedade brasílica e assim,

serem aceitos dentro da materialidade colonial. MELLO (1996, p, 122), observa que, “consta em

um documento contemporâneo que Duarte Coelho doara em 1542 uma sesmaria a Diogo

Fernandes para nela construir um engenho.”. Dessa forma, o Diogo Fernandes estaria enquadrado

no estrato que compôs a açucarocracia, expressão utilizada pelo Evaldo Cabral de Mello, como

de origem urbana, vindo da camada pertencente aos mercadores cristãos-novos.

O fato de Diogo Fernandes ter vindo para o Brasil no ano de 1542 chama atenção

para o início da atividade açucareira, o mesmo veio a ser agricultor de cana - de- açúcar em

Pernambuco juntamente com seu sócio, Pedro Álvares Madeira. Construindo a partir da chegada

motivada dos cristãos-novos, muitos fugidos das perseguições do Santo Oficio português, o

grande comércio colonial bastante dinâmico dentro do sistema açucareiro.

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Com o enraizamento dos cristãos-novos dentro da sociedade colonial mediante as

alianças pactuadas através dos casamentos ou dos acordos comerciais com as famílias dos

cristãos-velhos, a rede de sociabilidade na colônia fora constituída. Assim, Branca Dias e Diogo

Fernandes podem ser destacados, pois os mesmos deram como aberta à rede social existente no

Brasil colonial entre os dois núcleos e adquiriram status dentro da “açucarocracia” existente. O

Engenho Camaragibe, herança da época Duartina, pode ser considerado um elemento instável por

excelência, pois o mesmo foi alvo de permanência e perpetuação das leis hebraicas dentro da

colônia e comumente citado nas virulentas visitações inquisitoriais ocorridas no final do século

XVI em terras de Pernambuco.

A formação dos engenhos, incentivada pelo sistema colonial e servindo como

instrumento na política de povoamento colonial, proporcionava a convivência ou até laços de

amizade entre os que participavam do processo emergencial da economia açucareira, a qual, neste

aspecto da colonização, punha cristãos-velhos e novos lado a lado. MELLO (2008, p, 156)

menciona o convívio harmonioso entre os dois núcleos do Brasil colônia, no que se refere:

Não devem inibir a investigação de ser encetada ali onde pode produzir

resultados, em primeiro lugar, no plano de luta pelo poder local e pela

conquista e preservação de posições; e, em segundo, no tocante ao que se

costuma designar por “atitudes mentais”, “representações coletivas” e

“imaginário social”.

Neste momento da História colonial brasileira [século XVI] estava ocorrendo a

emergência da açurocracia pernambucana. Diogo Fernandes participava do auge do açúcar nas

terras coloniais, hoje denominada Camaragibe. Conforme MELLO (1996, p. 15), “é merecedor

de atenção o estudo das famílias cristãs–novas, cujos membros localizavam-se estrategicamente

em pontos importantes do comércio açucareiro.”. Esta situação financeira, da qual o autor cita, é

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favorável entre os cristãos–novos e se vinculava com a economia européia. Eles, neoconversos,

dispunham de posição financeira mais sólida, devido aos altos empréstimos que cediam dentro do

mundo europeu, acumulando lucro em potencial, e administrando, de uma forma mais integrada

(produção e comércio do açúcar) do que os cristãos–velhos, os investimentos dos emigrados no

processo açucareiro, os quais constituíam de toda forma a estabilidade econômica colonial.

Os judeus, aqui então chamados de cristãos-novos, adaptam-se às novas condições de

vida, incorporando, além da fé cristã herdada na colônia para sua aceitação, o modo de viver em

sociedade aqui desenvolvido. Estavam no Brasil tanto em procura de novas riquezas, como para

encontrar melhor refúgio para professarem sua religião, e queriam escapar das perseguições

inquisitoriais.

O permanente clima de vigilância inquisitorial acabaria por gerar transformações

profundas nas relações sociais, caracterizadas, entre outros aspectos, pela separação do sangue

entre os grupos de cristãos-velhos, indivíduos considerados de 'sangue puro', e os neoconversos,

vistos como de sangue e origem 'maculados'. Coagidos, muitos cristãos-novos optariam pela

saída do reino à procura de regiões de menor exclusão social e retaliação religiosa. Não é,

portanto, de se estranhar o aumento do número de cristãos-novos para a colônia luso-americana

em pleno século XVI, principalmente nas regiões açucareiras, como é o caso de Pernambuco.

Com o judaísmo não configurando mais um sistema auto-suficiente, as crenças

criptojudaícas estavam em contraste notório com as crenças cristãs, como exemplo a crença no

Deus único, em contrapartida a Santíssima Trindade cristã.

Conforme PINTO (2006, p. 65), “era um povo sem pátria, solitário entre as nações.

Um povo fugitivo: o lar provisório, sempre deixado para trás, na ilusória Sefarad.”. É de fácil

percepção através da narração produzida pela autora que a grande maioria dos “neoconversos”

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“aceitavam” ou ao menos fingiam aceitar o conceito cristão de salvação individual da alma

através da crença em Jesus, alterando somente a crença em Jesus pela de Moisés, ou da Lei de

Moisés.

Os conceitos cristãos impostos pelos portugueses foram pouco a pouco sendo

modificados pelos “neoconversos”, já que eles tentaram conservar os traços, a mentalidade, os

hábitos milenares de seus antepassados. Ao passar do tempo foram em seu conjunto sofrendo

com as constantes mudanças de domicílio e pátrias através das perseguições que sempre o

acompanharam. O povo judeu era um povo forte, até mesmo na perpetuação de suas tradições

hebraicas. Segundo PINTO (2006, p. 67), “o batismo católico poderia afastá-lo da comunidade

judaica. Nunca, porém, significaria a ruptura com os vínculos efetivos de sua nacionalidade”.

Conforme a passagem narrada pela autora, encaramos que os atos de recolhimento, de devoção a

Deus e ao ambiente, formando almas cristãs caridosas e puras exigindo estrita obediência às

normas e valores cristãos, foram pouco a pouco sendo combatidos pelos neoconversos na colônia

lusitana.

Sabendo da possibilidade de ato de desregramento às práticas cristãs e o continuísmo

das práticas e tradições judaicas dos neoconversos, e para obtenção de um maior controle para o

processo de retidão católica, ocorreu à instalação (oficial) do Tribunal do Santo Ofício da

Inquisição em território português, no ano de 1536, durante o reinado de D. João III, que

obsessivamente através da bula papal de Paulo III conseguiu trazer esta instituição flageladora

para o seu reino.

Odiados em todos os lugares onde percorriam, sejam por espanhóis ou por

portugueses, expulsos incessantemente de qualquer pouso onde provisoriamente se

estabelecessem para uma passageira moradia, é de grande admiração o continuísmo e a

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perseverança com que sempre os “conversos” resistiram aos mais indizíveis sofrimentos.

Mantiveram o mesmo espírito de constância, de persistência na crença ancestral, no espírito das

gerações nunca esquecidas de seus profetas, guardando suas tradições, seus hábitos inveterados,

seu folclore, a sua imutabilidade antropológica, num conservantismo raro em qualquer outro

povo ou raça.

Os cristãos-novos iniciam no Brasil o desbravamento das terras ainda durante o

século XVI, formam engenhos de cana-de-açúcar ao longo da faixa litorânea de Pernambuco e

conseguem impor uma situação econômica elevada naquela região. Aos poucos são aceitos pelos

cristãos-velhos como aliados e se adaptam às novas condições de vida. Estão tanto em procura de

novas riquezas como para encontrar melhor refúgio para professarem sua religião.

A recém descoberta terra era favorecida por um solo próprio ao cultivo da cana - de-

açúcar, dando, assim, uma oportunidade ímpar de enriquecimento rápido no Brasil colonial, já

que o açúcar era um produto muito valorizado nas terras européias, chegando a ser constatado até

mesmo nos enxovais das rainhas como dote altamente prezado. Segundo NISKIER (2006, p. 33),

Tudo induz os judeus perseguidos a buscarem novas vidas em novas terras

– e o Brasil aparece no horizonte como uma Terra Prometida, um Paraíso

atingível para todos aqueles que ousarem se aventurar em mais uma longa

travessia, desta vez no grande deserto aquático do Oceano Atlântico.

O trópico em formação convertia-se em oportunidade de enriquecimento rápido, visto

que a cana-de-açúcar, sustentáculo de nossa colonização, já adoçava a culinária européia,

moldando os sonhos de cobiça de seus produtores e temperando os rumos da economia. O

processo de notabilização e ascensão social era estabelecido pelos senhores de engenho conforme

a concentração canavieira, ou sobretudo pelos matrimônios estabelecidos entre as famílias de

cristãos-novos e velhos.

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Muitos cristãos-novos foram transformados em respeitáveis senhores-de-engenho.

Com o fortalecimento do prestígio dos cristãos-novos, ao passar do tempo os senhores–de-

engenho, os cristãos–velhos, estavam sentindo-se ameaçados em seu poder, tanto na produção do

açúcar como no comércio do produto. É por este fator desenvolvimentista que Portugal decide

enviar ao Brasil representantes do Santo Oficio, em uma tentativa de controle religioso e social

nas terras brasílicas. A rede social estava construída em meio ao crescente comércio açucareiro.

A tentativa de tirar das mãos judias o controle dos principais negócios da colônia, concentrado

nas atividades açucareira, cobrança de impostos, venda de negros, dentre outras atividades, estava

possivelmente no desejo na coroa portuguesa que, assim, envia ao Brasil os inquisidores, a fim de

instituírem a figura do judeu como herege, fato este que ocorreu ao longo do Brasil colonial.

A ação inquisitorial era quase exclusivamente associada à perseguição dos cristãos-

novos, e não por acaso: foi a "questão judaica" que levou Dom João III a instalar o Santo Ofício

em Portugal e, com efeito, cerca de 90% dos processos de Lisboa, Êvora e Coimbra foram

movidos contra acusados de judaísmo, desde 1540 até 1760, aproximadamente. O judeu era a

gigantização do inimigo temível.

Da mesma forma que o Santo Oficio agia com os cristãos-novos em Portugal,

debelava aqui no Brasil, através de seus representantes, os movimentos judaicos, fazendo

inúmeras vítimas através da punição máxima, Auto-de-Fé, constituído do elemento purificador, o

fogo. Estas cerimônias que envolviam o uso do fogo na época colonial não ocorreram no Brasil.

Os hereges eram levados ao Auto-de-Fé em terras portuguesas. Segundo DURAND (2002, p.

173), “a queimadura do fogo também é purificadora, pois o que se exige da purificação é que,

pelos seus excessos, rompa com a tepidez carnal do mesmo modo que com a penumbra da

confusão mental.”.

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Com o poder estabelecido pela Inquisição portuguesa nas terras coloniais, o Brasil era

levado à administração portuguesa, que estava voltada aos costumes cristãos católicos. O sucesso

dos empreendimentos açucareiros e o bom relacionamento existente ente os grupos de cristãos-

novos e velhos estava ameaçado, até mesmo as relações de família estavam ameaçadas pela

simples ordem do Reino em perseguir todas aqueles contrários à fé católica. Mesmo vivendo em

um ambiente de harmonia com os cristãos-velhos, os cristãos-novos viviam em clima de

permanente prontidão, temiam a fúria das autoridades religiosas e dos visitadores, dos

empregados e de seus desafetos de uma maneira geral. Assim, dentro do Nordeste colonial todos

viviam sob suspeita dos cristãos-novos.

Segundo MELLO (1996, p. 24), “[...] além das visitações feitas entre os anos de

1593-95, outras, também de iniciativa local, foram realizadas, nas quais entretanto nada há em

relação com cristãos-novos, limitando-se a recolher informações de fatos e ditos em ofensa da

ortodoxia cristã.”

O Brasil ficou sob o cuidado do distrito de Lisboa e, pelo regimento instalado pelo

Tribunal do Santo Oficio, deveria ter um visitador com um escrivão e um intérprete, e, em cada

Vila, ou povoação notável, um comissário com o seu escrivão. O bom contato entre cristãos-

velhos e novos em solo brasileiro, todavia, ganharia contornos mais dramáticos com as visitações

do Santo Ofício às capitanias açucareiras do Nordeste colonial, o que vale ressaltar que em

Pernambuco existiam judeus em grande quantidade, rompendo com o quadro de relativa

harmonia no convívio entre os grupos.

As visitações inquisitoriais encontram aqui no Brasil, com estas perseguições às

práticas contrárias à fé católica lusa, uma forma de aplicar o expansionismo dos órgãos de

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controle do estado português, além de fazer o controle da população, grande por sinal, de

cristãos–novos saídos do reino português. Segundo MELLO (1996, p. 5),

As denunciações e confissões da Visitação que chegaram até nós – faltam,

infelizmente, o 2º livro das denunciações da Bahia e o 2º das confissões

relativo parte à Bahia e em parte a Pernambuco – foram feitas por 625

pessoas de origem portuguesa ou não – excluídas as de declarantes que

retornaram à presença do Visitador. Na Bahia foram 285, em Pernambuco

271, as demais nas Capitanias menores.

Na narrativa do autor percebemos que as Visitações tinham o caráter de

empreendimento português para varrer do solo colonial brasileiro todo aquele que fosse

considerado não seguidor da fé católica. No entanto, as Visitações feitas pelos Inquisidores no

Nordeste colonial ao longo do século XVI demonstravam a mentalidade exposta pelos mesmos

no tocante ao exercício do poder. O prestígio e o poder dos inquisidores era naturalmente uma

presença incômoda à clientela de cristãos-novos que no Brasil colonial residiam.

A Inquisição era o temor das labaredas da fogueira e, ao chegar ao Nordeste colonial

os Visitadores do Santo Oficio, quebram a rede de sociabilidade existente entre cristãos - novos e

cristãos - velhos, instalando, assim, um clima inquisitorial ao longo da faixa litorânea do

Nordeste do século XVI, aflorando gradativamente a idéia de que os cristão-novos eram

“criminosos morais”.

Uma questão a todo tempo atrai minha atenção ao longo deste trabalho dissertativo: os

delitos considerados pela Coroa portuguesa como tão graves que levavam os cristãos - novos a

sacrificarem suas vidas, tendo, assim, uma morte infame, a qual era considerada a grande heresia,

condenada ao fogo, através do auto-de-fé. Os que por ventura não eram queimados, deveriam

suportar pelo resto da existência as masmorras infectas, os trabalhos forçados, uma verdadeira

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humilhação de atos públicos como o uso do sambenito, dentro outras vestimentas ou símbolos

que foram utilizados como forma de punição para aqueles das terras inóspitas.

Não era apenas o fato de judaizarem, isto é, que no recôndito de seus lares fosse local

propício à difusão doméstica e feminina dos rituais hebraicos, que fosse o ambiente doméstico

local onde os “neoconversos” praticassem as cerimônias rituais milenares, jejuando nos grandes

dias, deixando de trabalhar aos sábados, ou, algumas vezes, por um descuido, fazendo

transparecer opiniões pessoais a respeito do conceito em que tinham os sacramentos ou atos da

Religião oficial.

Percebemos que no judaísmo português desenvolveu-se uma tradição secreta. Neste

tipo de tradição religiosa as mulheres são as pessoas responsáveis pela tradição oral desenvolvida

entre as gerações (avó, mãe, filha), transmitindo as suas preces secretas numa linguagem que, ao

longo dos tempos, foi misturando palavras e elementos judaicos e cristãos, como evidenciam as

orações que eram difundidas nas noites coloniais. Este fato ligado à figura da mulher, em

especial da Branca Dias, disposto na proibição da prática de rituais da lei hebraica em locais

públicos, foi transformando o judaísmo numa religião domiciliar.

O sentimento de aceitação dos cristãos-novos perante a fé difundida pelos portugueses

não era de um todo comum. Branca Dias foi um exemplo do criptojudaísmo comum no Brasil, a

tão conhecida “terra sem mal”. Ela desenvolveu inúmeros rituais hebraicos de forma sigilosa em

seu ambiente doméstico, sendo assim considerada figura feminina símbolo do judaísmo no

mundo colonial, a portadora da fé hebraica ao longo do Nordeste colonial.

Conforme REAL (2004, p. 30), “[...] nunca fui cristã, fui quase cristã; nunca fui judia,

fui quase judia; nunca fui portuguesa, fui quase portuguesa, nunca fui brasílica, fui quase

brasílica, quase professora de meninas, quase senhora de engenho de açúcar, quase mãe feliz.”

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A religião era então cada vez mais praticada dentro de casa, e as mulheres, como

Branca Dias, assumiam um papel preponderante na difusão da lei de Moisés. Sendo desenvolvida

(as práticas hebraicas em geral) dentro de um ambiente doméstico, ficava para a Santa Inquisição

difícil o acesso a todas estas famílias pertencentes ao judaísmo. A grande pesquisadora da

Inquisição no Brasil, Anita Novinsky, definiu o novo panorama de resistência judaica, conforme

cita NISKIER (2006, p. 100):

Proibida a sinagoga, a escola, o estudo, sem autoridades religiosas, sem

mestres, sem livros, o peso da casa foi grande. A casa foi o lugar do culto,

a casa tornou-se templo. No Brasil colonial, como em Portugal, somente

em casa os homens podiam ser judeus. Eram cristãos para o mundo e

judeus em casa. Isso teria sido impossível sem a participação da mulher.

As mulheres cristãs-novas apresentaram no Brasil uma resistência passiva

e transmitiam as mensagens orais e influenciava as gerações mais novas.

No tocante à possível religiosidade dissidente, na sessão denominada “confissão”, o

réu declarava suas crenças, em geral de conteúdo bastante simples. Dizia-se crente e observante

da Lei de Moisés, para salvação de sua alma; poucos revelavam cerimônias da religiosidade e,

quando o faziam, enunciavam práticas bastante conhecidas no mundo ibérico, difundidas pelo

próprio aparato inquisitorial, através dos chamados éditos de fé, ou mesmo das penitências

públicas, quando, então, os Inquisidores liam e propagavam certas cerimônias do que

consideravam ser o “judaísmo” dos cristãos-novos, caráter este que vai diferenciar a aplicação de

cada sentença dada pelo Tribunal do Santo Oficio dentro do território brasileiro.

A justificativa utilizada pela Coroa Portuguesa e por seus representantes para

formar a composição do ambiente das atuações do Tribunal explica-se na forma reducionista.

Seja movido pelo viés político-religioso, nos moldes contra-reformistas de centralização política

(tendo com base a união do Trono e do Altar), seja movido por interesses econômicos (estaria

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interessado no confisco dos bens dos cristãos-novos), já que os mesmos eram considerados os

poderosos financistas, ou até mesmo pela extrema necessidade de engrossar as fileiras de seus

autos-de-fé e de se legitimar no tempo enquanto aparato representativo da manutenção da pureza

da fé. Ora, as penas espirituais nem sempre bastam. Alguns as desprezam. É por isso que a Igreja

deve possuir e possui o direito de infligir também penas temporais.

Embora o braço eclesiástico não decretasse diretamente as penas de morte, na

verdade as endossava ao relaxar a vítima ao braço secular, para que este as aplicasse. "É,

portanto, justíssimo que a pena de morte seja aplicada aos que, propagando a heresia com

obstinação, perdem o bem mais precioso do povo cristão, que é a fé, e, por divisões profundas,

semeiam nele graves desordens.”

O casal cristão – novo, Branca Dias e Diogo Fernandes, junto a sua descendência

firmaram as práticas judaizantes no solo brasileiro. Tanto Branca como Diogo foram acusados de

possuírem uma Torá (um pergaminho enrolado dos livros do Pentateuco) e de promoverem o

crescimento da fé hebraica dentro da colônia. Eles mantiveram a “esnoga (corruptela de

sinagoga) do Camaragibe”, onde promoveram as cerimônias e, nas luas novas do mês de agosto,

celebravam o jejum do Yom Kippur, o dia mais sagrado no calendário dos judeus. A difusão da

fé hebraica era na verdade ensinamentos mantidos pelo casal cristão-novo no ambiente

doméstico, como forma de burlar a sociedade colonial, constituída em sua maioria de católicos e,

assim, permanecer em solo brasileiro. Eram sigilosamente judeus.

Viveram em Camaragibe dissimulando a real fé que possuíam e, dessa forma,

alcançaram o bom convívio com os cristãos-velhos. A vida na colônia era próspera, marcada pela

ascensão social através do açúcar e pela boa imagem comercial do Engenho Camaragibe. Eram

diversas encomendas ao longo do ano. A atividade açucareira ofertava ao casal uma vida

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simbolizada pela germinação de aceitação social, mesmo que muitos desconhecessem a

verdadeira fé da qual faziam parte. Segundo REAL (2004, p. 46-7) diz que:

Se o senhor levou o teu Diogo primeiro por alguma razão foi, que filhos

sem pai criam – se, mas filhos sem mãe não se educam, vamos à vida,

Branca, que a alma do mundo guarde e proteja o Diogo [...] Só pediria ao

senhor que pudesse deixar os meus filhos já crescidos e a sesmaria de

Camaragibe paga ao governador Duarte Coelho, que eu sei, pelo que

conheço Diogo, que ele não estaria descansado ao túmulo enquanto a

sesmaria não fosse paga, vintém por vintém... Penei as penas dez anos

depois de o Diogo morrer, mas paguei tudo, tudinho, e nesse dia preparei –

me para sair do Sertão, aguardando mais um ano enquanto a casa de

Olinda era construída. Foi em Olinda, nesta terra tão bela que não podia

ter outro nome, que acabei de criar os mais pequenos.

Após a morte do marido, Branca Dias torna-se a primeira mulher do Brasil a ser

senhora de engenho. A feminilidade em nada atrapalhara. Os filhos e os negros ajudaram a

mestra a fazer com que a prosperidade do Engenho Camaragibe continuasse lhe rendendo

encomendas aos trapiches do Recife. Segundo MELLO (1996, p. 131),

Branca Dias, após a morte do seu marido, que ocorreu nos anos de 1563 e

1567, dedicou-se, ao que parece, ao cultivo das terras que a ele foram

concedidas pela sesmaria de 1563, pois no documento de demarcação de

terras de Camaragibe (1567) há referência à casa de Branca Dias, que

ficava situada à margem do Rio Capibaribe.

Branca passou a cuidar das terras do Engenho Camaragibe, dando continuidade à

atividade açucareira desenvolvida pelo marido em terras de Camaragibe. Tempos depois, cerca

de dez anos depois da morte de Diogo, Branca Dias, cansada de viver em meio às matas, decide

morar em Olinda, onde cria a primeira escola de cozinha e costura para meninas do Pernambuco,

em sua casa, na Rua dos Palhais. Para sustentar a família, Branca começou a dar aulas em sua

casa, atividade que já exercera em Portugal. Ensinava meninas a fazer rendas, costurar, fiar,

bordar e limpar a casa. Assim, sustentava a numerosa família. É nesta escola de prendas

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domésticas que várias artes foram utilizadas em prol da construção de um bom casamento. É

neste ambiente escolar/doméstico que as alunas da cristã-nova Branca Dias tornar-se-iam

denunciantes das práticas judaicas desenvolvidas pela então mestra. Embora perseguida pela

Inquisição, Branca Dias e outros "cristãos- novos", seus contemporâneos, resistiram à destruição

de sua identidade judaica.

O curso de aprendizagem para um bom matrimônio desenvolvido em ambiente

doméstico por Branca Dias se estendia por um ano, embora em alguns casos o tempo do curso

fosse estendido para dois ou três anos. Branca Dias desenvolvia no contato direto que mantinha

com suas alunas a espiritualidade judaica, através de hábitos desenvolvidos dentro do seu lar e

fora dele, como exemplo nas missas, onde ela, nas orações, fazia gestos de desagrado aos fieis

católicos. Era desta forma que desenvolvia e exteriorizava seus costumes hebraicos no Nordeste

Colonial, marcando a rede social existente no século XVI, ou seja, convívio entre criptojudeus e

cristãos-velhos. O historiador José Antônio Gonsalves de Mello identificou uma Branca Dias

“real”, detalhando uma mulher que viveu no Brasil colonial entre os anos de 1551 e 1589, longe

das garras do Santo Oficio. Branca morreu antes da chegada dos Visitadores do Santo Oficio em

Pernambuco no ano de 1593, morreu na cama, com idade avançada, cerca de oitenta anos, nos

arredores de Olinda, não fora ela em vida colonial perseguida pela Santa Inquisição.

Conforme MELLO (1996, p. 129), sobre a figura de Branca Dias, “Era natural de

Viana, sua terra era um dos mais reconhecidos centros de fabricação de rendas de bilros em

Portugal até o início do século e também um dos mais importantes núcleos de pesca do país,

confirmando-se ali o aforismo: onde há redes há rendas. “.

No Brasil, Branca Dias trouxera seus dotes lusitanos e aplicava-os na escola de

prendas domésticas da qual era dona. Suas alunas eram ensinadas a fazer trancinhas e bicos para

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almofadas, além de coser e lavar. Sua escola referencialmente funcionou entre as décadas de

1550 a 1560 como ponto referencial na colônia para a “contratação” de bons casamentos.

Segundo MELLO (1996, p. 117), “[...] algumas dessas alunas não esqueceram certos

costumes estranhos que haviam observado na casa de sua mestra e das suas recordações, que

remontavam em geral há trinta anos atrás, fizeram sabedor o Visitador do Santo Oficio.”

Na passagem narrada pelo José Gonsalves de Mello percebemos a quebra da

sociabilidade que existia entre os cristãos-novos e os cristãos-velhos. Na verdade, as inúmeras

denúncias produzidas por ex-alunas de Branca Dias levam a perceber que no Brasil colonial

existira apenas uma aceitação momentânea da fé, para a sobrevivência harmoniosa do comércio

açucareiro.

A matriarca judia, moradora do Engenho Camaragibe, apesar das evidências esforçar-

se-ia na construção da imagem de boa cristã, casando as filhas com cristãos-velhos de grande

prestigio político-econômico da região. Almeja ela a melhoria social e a diminuição das pressões

públicas sobre o sangue herético, embora não dispensasse a presença destas nas celebrações da fé

hebraica, que a mesma fazia dentro do ambiente doméstico.

Branca Dias foi o verdadeiro símbolo do criptojudaísmo brasílico. A senhora de

engenho de terras do Camaragibe teria sua vida vasculhada e detalhes de seus comportamentos

revelados com insistência ao visitador. Nas sextas-feiras à tarde dava ordens para as discípulas e

as negras da casa lavarem a louça, espanarem a parede e esfregarem o sobrado, deixando a casa

limpa e arrumada para o Shabat, e, nos sábados, não mandava os filhos à escola, e realizavam

todos a refeição “mais cedo que nos outros dias, e [...] chamava acima do sobrado as ditas suas

filhas [...] e todos iam então acima jantar com ela”, quando “jantavam sempre uma iguaria que

nunca comiam”, amarela, preparada com grãos pisados e carne picada acrescidos de tempero, que

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ficava no fogo desde o entardecer de sexta-feira até o dia seguinte, para que servisse de prato

quente para o almoço do sábado.” (REVISTA BRASILEIRA DE HISTÒRIA, 2002, v. 22. n. 43).

As denunciações e as confissões da Visitação do Tribunal do Santo Oficio em

Pernambuco entre os anos de 1593 –1595 contam da presença do casal de cristão-novo, Diogo

Fernandes e Branca Dias. Ela, por ser bem mais exposta do que ele à observação de estranhos,

dada a sua condição de mestra de uma escola de prendas domésticas para moças, ficou conhecida

como propagadora de rituais diferenciados dos cristãos, sendo enquadrada na difusão das práticas

hebraicas. Estas denunciantes eram sempre ex-alunas da mesma, que narrava ao visitador do

Santo Oficio Heitor Furtado de Mendonça que, juntamente com as filhas maiores, Branca Dias

cumpria a prática judaica da guarda dos sábados, desde a sexta-feira à noite, quando mandava

varrer e lavar toda a casa e, sendo assim, todo o sábado não haveria mais trabalho, colocavam o

melhor vestido que tinham e comiam certas iguarias que não eram costumeiramente servidas.

Conforme MELLO (1996, p. 118), “outras acusações faziam-se-lhe também: de ter uma “toura”

em casa, que expunha aos sábados sobre a cama; de nunca mencionar o nome de Jesus; de manter

atitude desrespeitosa durante a missa, etc.”.

Além dessa descrição do comportamento social da cristã-nova e da sua descendência,

temos outras narrativas que falam por si só destas práticas hebraicas ao longo do período colonial

no Engenho Camaragibe, como as de que Branca Dias estivera no Brasil fugida da Santa

Inquisição, e a descrença em Jesus Cristo, manifestada sempre ao proferir o olhar para o

crucifixo, etc, fora narrada por sua ex-aluna Ana Lins4, que por três anos fora "doutrinada e

ensinada a cozer e a lavrar" afirmava que, aos domingos, estando nas missas, "quando

levantavam ao senhor na hóstia consagrada, olhando a dita Branca Dias para a hóstia, dizia estas

4 Cristã-velha, mameluca, filha de um alemão com uma índia, natural de Olinda.

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palavras: ah, cães encadeados!” (REVISTA BRASILEIRA DE HISTÒRIA, 2002, v. 22. n. 43),

enquanto apontava para o altar. Foram acusações das mais variadas possíveis, e todas remeteram

a mestra à difusão do ritual hebraico. Algumas de suas ex-alunas mencionavam nas denúncias

que a mestra jamais dissera o nome de Jesus e que ostentava comportamento desrespeitoso

durante a missa, além de diversas outras práticas judaizantes.

Branca Dias utilizou, ao longo do Brasil colonial, o ambiente doméstico de sua

propriedade na Rua dos Palhais, em Olinda, para difundir idéias judaicas segundo a Lei de

Moisés. Muito de seus seguidores se reuniam para estas celebrações e valorizavam a dimensão

pedagógica adotada pela “mestra” Branca. Segundo NISKIER (2006, p. 37), “o culto passava a

ser realizado dentro da casa sob as condições de um rigoroso sigilo: com portas e janelas bem

cerradas”. O sigilo do ritual que envolveu a Lei mosaica no Brasil colonial foi repetido ao longo

da Sinagoga construída no Engenho de propriedade de Branca Dias. As construções de

comportamentos dos criptojudeus ao longo da colônia foram práticas comuns desenvolvidas por

Branca Dias e sua política de assimilação da fé judaica, encontrando em terras brasílicas muitos

seguidores. Estas práticas fizeram da mesma o símbolo maior do judaísmo no Nordeste Colonial.

O sinal convocando os membros para as reuniões na comunidade secreta (Sinagoga

do Engenho Camaragibe) era produzido por uma pessoa que passava pela vila com um pé

descalço e um pano amarrado ao dedão do pé. Este elemento simbolizava o ajuntamento de

indivíduos para as reuniões de difusão da lei hebraica dentro da propriedade de Branca Dias. Esta

pessoa responsável pelo recolhimento das demais nas reuniões era chamada de “o campainha”,

devido ao sinal exposto ao chamar a sociedade colonial para compor o ambiente sigiloso da fé

hebraica. Foram denunciados como campainhas Tomás Lopes, alfaiate; João Nunes, famoso

mercador cristão-novo; e Jorge Dias Caia, o calceteiro. Este último foi identificado pelos

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denunciantes como sendo o sacerdote dos judeus. Diziam eles (os cristãos - novos) que estavam

ali reunidos nas sextas-feiras à noite teoricamente para jogos de cartas, mas de fato era para

apresentação da lei hebraica e difusão de rezas. A necessidade de manter segredo sobre as

práticas e origens judaicas da família evitaria que a família fosse descoberta e levada a

julgamento. Este tipo de prática, o criptojudaísmo, foi desenvolvido por Branca Dias que

perpetuaria os costumes judaicos na rede social que a envolvia em Pernambuco.

Quando da visitação do Santo Oficio ao Brasil, no ano de 1593 em Pernambuco,

Branca Dias já era falecida, mas fora de velhice e não por fogo causado através de Auto-de-Fé e,

mesmo depois de morta, ela e o marido foram acusados pelo visitador Heitor Furtado de

Mendonça de permanecerem ao redor de práticas judaizantes.

Conforme MELLO (1996, p. 130):

Na altura que chegou a Olinda o Visitador do Santo Oficio (1593) já era

falecida a maior parte da descendência do casal. Existiam vivos apenas

Brites, Andresa, Jorge e Filipa Paz, esta falecida em 1595. Além da

Briolanja, filha bastarda do Diogo Fernandes, a quem chamava Branca

Dias de madrasta.

A visitação do Santo Ofício provocou no Nordeste colonial a ebulição de vários

mecanismos de policiamento cotidiano, ou melhor, foi o momento culminante deste policiamento

quando os observantes da vida alheia puderam finalmente ter alento eclesiástico para fatos tão

incômodos. Ocorreram inúmeras denúncias, muitas delas como forma de vingança, inveja ou

qualquer outro tipo de sentimento retido de um cristão-velho para com um cristão-novo, já que o

núcleo dos cristãos-velhos se sentia ameaçado com a prosperidade trazida pelos cristãos-novos ao

Brasil.

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Hereges cristãos-novos e cristãos-velhos, tanto em nível erudito como popular,

antepuseram aos padrões oficiais uma resposta dissidente, pela qual pagaram um preço muito

alto. Muitos foram condenados aos Autos-de-Fé. Os documentos históricos comprovaram que

foram os filhos e netos de Branca Dias e Diogo Fernandes perseguidos por práticas ligadas ao

judaísmo. A mácula deixada pelo sangue considerado herético era estendida ao longo das

gerações.

Os inquisidores utilizavam um discurso moralizante, no qual, de forma objetiva,

ficava claro que os considerados heréticos pela Coroa Portuguesa (maioria cristãos –novos) eram

pertencentes ao “corpo social marginal” e mereciam, a partir desta visão a pena máxima, a morte

no Auto-de-Fé em praça pública, sendo o elemento “fogo” essencial à purificação da alma. Matar

os judeus significava limpar o território, guardar apenas o sangue puro do cristão-velho, sangue

puríssimo. Ser judeu é ser carregado da maior heresia para a Santa Inquisição.

O que também podemos observar, segundo a presença da ação inquisitorial em terras

brasílicas, é a idéia voltada para focalizar sistematicamente o modo pelo qual a Inquisição

decifrava a religiosidade popular vivenciada pelos cristãos dentro desta nação, traduzindo-a

conforme a luz dos saberes demonológicos, transformando crenças populares (o candomblé era

prática comum) e transes coletivos em pactos e possessões diabólicas, assim, arrancando, muitas

vezes sob tortura, "autênticas" confissões de feitiçarias, o que costumava ser prática comum

perante os parentes daqueles considerados cristãos-novos no Brasil colonial, caso aplicado à filha

da cristã-nova Branca Dias, Beatriz Fernandes (Brites).

Salienta-se que este conflito gerado no Brasil colonial entre os níveis culturais,

popular e erudito, inaugurado na Renascença e recrudescido pelas reformas protestante e católica

enquadra-se nas práticas comuns ao longo do século XVI no sertão Pernambucano, terra de

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Camaragibe. Quando a visitação aqui estivera entre os anos de 1591-1595, Branca Dias fora

denunciada por muitas de suas ex-alunas que, ao prestarem depoimentos ao visitador, relatavam

que ela fazia da cruz um símbolo ofertado ao demônio, ofertava os sábados, lavava e esfregava a

casa toda ao saber de morte de alguém, dizendo a mesma que estava a fazer a “limpeza do

ambiente”, além da adoração à Torá. Apesar do esforço, aos olhos populares sua residência era

transformada em verdadeiro templo judaico, onde ensinava as tradições da antiga lei aos filhos e

aos que tinham na fé hebraica sua verdadeira fé.

Não foram poucas as denúncias a retratar minuciosamente os costumes da matriarca e

de sua família, como as práticas e interdições alimentares, as bênçãos e o luto ao modo judaico,

as orações com guaias, o respeito aos jejuns e aos dias santos, segundo o mundo hebraico, além

de em certos dias de morte aos conhecidos ocorrer a lavagem total da casa. Branca Dias não se

acolhera à fé cristã.

Estas denunciações feitas após a publicação do édito e o prazo de trinta dias “da

graça” em qualquer um dos habitantes da Nova Lusitânia poderiam, sem maiores riscos acusar,

delatar, denegrir a honra e a consideração alheia. Muitos apareceram no momento da visitação

para contar ao Visitador os fatos por eles testemunhados ou conhecidos, o que ocorreu com

Branca Dias, que mesmo falecida teve um processo devido à imensa lista de denunciantes

narrando suas práticas judaicas.

Joana Fernandes5 revelou que, com outras meninas, naqueles tempos distantes

freqüentava a casa da judia, uma espécie de escola de artesanato, de prendas domésticas, onde

aprendiam a “coser e lavrar”. Ela e as pequenas companheiras observavam as atividades da casa

por trás das cortinas, por certo, em suas famílias suspeitada da prática da religião mosaica. Nesta

5 Cristã - velha nascida na África cerca de 1543, filha de dois africanos.

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ação tinham reparado que “guardavam o sábado” e que nestes dias vestiam roupas limpas, o que

durante a semana não era percebido. Nas sextas-feiras havia um afã incomum das negras escravas

limpando candeias, lavando louça e o jantar saia mais cedo. Descobriram até a existência de uma

“toura”, prova cabal da prática do judaísmo. Este objeto tão revelador, em forma de rolo, era a

leitura obrigatória dos seguidores daquela lei. Pertencer ao grupo social dos cristãos-novos era

constituir um ambiente social relativamente fechado, privado. Tudo era particularizado aos

judeus: suas crenças, suas tradições, seu modo de permanecer em silêncio e, ao mesmo tempo, a

praticar suas ações religiosas. Tudo levou a incompreensão dos católicos portugueses a formarem

a política de discriminação religiosa e racial.

O ponto máximo da narrativa denunciadora envolvendo Branca Dias foi quando sua

ex-aluna Joana falou ao Visitador sobre os hábitos alimentares da família, tocando no ponto

básico das suspeitas em torno de Branca Dias e sua descendência. Na narrativa construída pelas

ex-alunas da mestra Branca estavam descritos sintomas de dificuldades de sua inserção social no

mundo cristão, monopolizado pelos brancos cristãos.

Os inquisidores nada mais necessitavam para a confirmação do prejulgamento. Eram

judeus, continuavam assim, apesar de batizados, aparentemente contritos, externamente católicos

romanos, mas que agora abjuravam também a nova e considerada verdadeira Fé, observando, às

escondidas, os ritos desterrados. Mereciam o castigo mais violento, como era de praxe a

Inquisição proceder na correção destes hereges. Mas, quanto à Branca Dias, tornava-se difícil a

refrega, porquanto ela e o marido já eram defuntos há muitos anos.

Conforme NISKIER (2006, p. 9), “Esta Branca Dias morreu entre 1579 e 1589,

alguns anos antes da Visitação do Santo Oficio ao Brasil.Isto não impediu que, mesmo depois de

mortos, ela e o marido fossem acusados ao Visitador do Santo Oficio português no Brasil.”.

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Diogo Fernandes, mesmo após mais ou menos trinta anos de sua morte, não foi

poupado de acusações por populares. Uma das pessoas a denunciar o mesmo fora a devota

militante Brites de Albuquerque, que disse ao visitador que o mesmo virava sempre a face e

nunca pronunciava o nome de Jesus, mesmo estando ele nas missas aos domingos. As denúncias

não procederam como prova concreta do judaísmo do casal.

O Santo Ofício tinha uma fórmula para estes casos, já que eles não poderiam ser

queimados em vida, o seriam em efígie. Uma escultura de madeira representando a figura do

transgressor era preparada, e, com toda solenidade, queimada em ato público como tal fora à

própria vítima. E não faltava povo suficiente para encher a praça onde este espetáculo fosse

apresentado.

Afora este movimento, o Tribunal do Santo Oficio, com a intenção de proteger e

valorizar a fé católica, alegrava-se em permanecer praticando. Temos também que, pelas

monitorias da Santa Inquisição, nos casos de pertinácia e de resistência por parte dos cristãos-

novos de praticarem a fé católica, como foi o caso de Branca Dias e Diogo Fernandes, os

descendentes destes casais, até a décima geração, eram execrados, vilipendiados e sujeitos a

outros vexames.

Afirma MELLO (1996, p. 135), “com relação aos filhos vivos do casal, Brites

Fernandes, Filipa da Paz, Andresa Jorge e Jorge Dias de Paz. Os inquisidores consideraram,

porém, que os três últimos eram de pouca idade no tempo das culpas de que estão indiciados.”.

Na passagem citada pelo autor os indícios não foram considerados suficientes para comprovarem

a heresia e os testemunhos não eram de todo suficientes para as perseguições serem formalizadas.

Não era este o caso de Brites Fernandes, pois fora ela considerada mantedora da prática judaica

no Brasil colonial, ré confessa. Foi sentenciada ao cárcere em Portugal.

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O Tribunal do Santo Oficio ou Santa Inquisição foi um jogo de trocas, favores, entre

os membros pertencentes à Santa Inquisição e aqueles inquiridos por tais. Esta foi prática

constante ao longo do Brasil colonial. Logo, a substituição da pena se tornou uma prática

constante e muito rentável para todos que tinham o poder da substituição. O mesmo não ocorreu

com Branca Dias e seus descendentes. Por culpa, favorável ao judaísmo, dentre outras descrenças

na Igreja Católica, Brites Fernandes fora perseguida e, em agosto de 1595, o Visitador mandou

prendê-la. Conforme MELLO (1996, p. 137), “Brites foi entregue nos cárceres da Inquisição, nos

Estaus, em Lisboa, em 19 de janeiro de 1596”.

Nos núcleos coloniais era fundamental a prática da religião católica para a

organização social e identificação dos homens pertencentes à extensão da fé cristã lusitana. Ao

longo das terras do Engenho Camaragibe, de propriedade de Diogo Fernandes e de sua senhora

Branca Dias, era quase impossível o não reflexo de locais de cultos estranhos aos desenvolvidos

pela Igreja Católica. Era comum na propriedade o exercício de ritos judaicos, a construção da

sinagoga na extensão de terra ao longo do Engenho Camaragibe, a celebração de reuniões

noturnas oferecidas pelo casal e outras atitudes ligadas à difusão da fé hebraica formavam

símbolos essenciais na invocação do judaísmo como crença principal, no contexto vivido pelo

casal cristão-novo. Conforme REAL (2004. P. 118-9), havia uma tentativa dos cristãos-novos em

disfarçar o ritual ao qual pertenciam. Segundo a narrativa do referido autor aponta que,

Nós tentávamos disfarçar, tudo era feito em segredo e em silêncio, mas os

nazarenos bem percebiam, principalmente na Lua Nova de Agosto, nas

festas do Kipur e da Sacot, a festa das cabanas; as carroças saíam de

Olinda ornamentadas de ramos e espadanas, os arcos das mulas todos

floridos, as famílias empoleiradas abrindo a picada para Camaragibe, era

impossível não dar nas vistas, ia-se ao campo comer, o Aboab da Fonseca

fazia anos, dizíamos nós, vamos ao campo bailar e comer, mas eram só

cristãos-novos que iam, eles bem percebiam, lá vão eles judaizar, diziam

eles, vão para Camaragibe judaizar, diziam eles.

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A esnoga presente em Camaragibe era o local mais denunciado pela sociedade

brasílica aos inquisidores quando da sua presença no final do século XVI no Brasil. O Engenho

Camaragibe, de propriedade de Branca Dias e Diogo Fernandes, fora o local utilizado para

práticas da Lei Hebraica e difusão de símbolos como a cabeça da toura, rezas em conjunto e as

vigílias noturnas, estes rituais eram reconhecidamente endemoninhados pelos cristãos – velhos, a

quem de justiça segundo os católicos devia dar a boa doutrina, buscando-lhe o rigor da justiça

pelo comportamento herético dos judeus.

Vivendo em terras de Pernambuco de forma a não revelar sua real crença, temos os

relatos históricos sobre a descendência e a seqüência de idade dos filhos do casal de cristão-novo,

Diogo Fernandes e Branca Dias. A perseguição do Tribunal do Santo Oficio deixou documentos

que permitiram a MELLO (1996, p. 129-130) recompor a trajetória dos filhos e filhas de Branca

Dias e Diogo Fernandes, em particular os casamentos, visando verificar a permanência do

judaísmo entre os descendentes dos cristãos novos. Os dados podem ser assim obtidos segundo a

construção em grau de complexidade e seqüência, e alguns destes herdeiros, mesmo após a morte

dos pais, foram sentenciados pelo grave castigo de ser judeu. A descendência parece ser a

seguinte:

1) Brites ou Beatriz Fernandes: nascida por volta de 1540 em Lisboa. Não casou.

Era considerada mentecapta e, por certo defeito físico, era conhecida como

alcorcovada. Foi presa pela Inquisição e confessou as práticas judaizantes dos

pais.

2) Inês Fernandes: casou com um cristão-velho de nome Baltasar Leitão, já era

falecida em 1593.

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3) Violante: casada duas vezes, primeiramente com João Pereira e, depois, com

Antonio Barbalho, cristão- velho. Já era falecida em 1594.

4) Guiomar: casou com Fernando Frasão, cristão-velho, falecida em 1593.

5) Baltasar Dias: fora capitão de cavalos em Flandres, não tendo dele a data de

morte.

6) Manuel Afonso: era deficiente, não possuía braços, escrevia com o pé, não

temos a data de sua morte.

7) Ana: casada com Digo Fernandes Camaragibe, cristão-novo, já era falecida no

ano de 1593.

8) Jorge Dias de Paz: casou com Maria de Góis, Cristã-nova. Vivia na Paraíba e já

era falecido em 1601.

9) Andresa Jorge: nascida em Pernambuco por cerca de 1557. Casou com Fernão

de Sousa, cristão – novo, foi presa pela Inquisição de 1599- 1603.

10) Isabel: casada com Sebastião Coelho, cristão-velho, já era falecida em 1593.

11) Filipa da Paz: casada duas vezes, a primeira com Cristóvão Sarradas e, depois

com Pero da Costa, cristão-velho. Falecida em 1595.

Conforme MELLO (1996, p. 130),

Além dos filhos legítimos, morava com o casal uma filha natural havida

por Diogo Fernandes e uma criada de nome Madalena Gonçalves, vinda

de Portugal, o nome da referida filha, Briolanja Fernandes, que viveu na

casa do pai e de Branca Dias, a quem ela atribuía a denominação de

madrasta. Briolanja casou com André Pinto com quem teve uma filha, de

nome Brásia Pinta.

Briolanja, filha bastarda do Diogo Fernandes, viveu em terras do Engenho

Camaragibe, assim como as outras filhas de Branca Dias, a quem chamava de “madrasta”, mas o

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sangue impuro de bastarda não a deixava a vontade dentro das terras pertencentes ao pai.

Briolanja cresceu sem a presença da mãe, Madalena, o que a fez abreviar a sua partida de

Camaragibe. Segundo REAL (2004, p. 127),

Num dos anos em que celebrávamos o Kipur, a Briolanja conheceu o

André Gonçalves Pinto, cristão – novo recém – chegado de Lisboa, foi ele

quem nos avisou de que corria o rumor, na corte, de que a Inquisição ia

mandar um Visitador a Cabo Verde, a Luanda e ao Brasil, mas não sabia

se viria a Olinda, à Bahia vai de certeza, disse ele, é a capital, andam a

escolher um padre de puro sangue. O André enamorou – se dela, pediu-a

em casamento e o Diogo ainda teve de dar dois bois como dote.

As referências historiográficas, no tocante à construção dos matrimônios formados

entre os filhos do casal Diogo e Branca e os cristãos-velhos moradores da colônia, provam a

existência de um bom convívio entre os cristãos-velhos e os neoconversos na colônia. O exemplo

de boa convivência era os costumeiros matrimônios entre os dois grupos. Muitas cristãs-novas

formavam casamentos com “gente da governança da terra” e com os cristãos-velhos para, dessa

forma, não ocorrer suspeitas de práticas judaicas na “Nova Lusitânia”.

O grande número de casamentos entre cristãos-velhos e novos, embora em parte

possa ser explicado pela escassez de mulheres brancas no ultramar disponíveis para o

matrimônio, tornando disputadíssimas as moçoilas de família neoconversa, mostravam-se

bastante justos para ambas as partes: se aos homens de 'sangue puro' interessava mulheres

brancas, mesmo que à custa de um matrimônio com donzelas cristãs-novas, para a família

neoconversa a filha servia de negociata na busca da diminuição da porção de mácula hebraica e

das pressões sociais dela oriundas, conseguindo-se casamentos com pessoas influentes e de boa

situação econômica, o que não deixa de ratificar a maior aceitação social destes enlaces e a

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diluição dos atritos no convívio entre os grupos, fato este que foi bastante comum nos

matrimônios que envolveram os filhos e filhas de Branca Dias e Diogo Fernandes.

A história revela a real construção de Branca Dias como personagem verdadeira que

viveu no Engenho colonial brasileiro, localizado nas terras de Camaragibe (PE). E que após a

morte de seu marido dedica-se ao cultivo das terras então por Duarte Coelho concedida no ano de

1542, que ficava à margem do Rio Capibaribe. Branca Dias é considerada o símbolo da fé

hebraica pelo fato de a ela não ter aberto mão das práticas da fé, embora isso viesse a acarretar a

Branca e seus descendentes as perseguições póstumas do Santo Oficio.

A revelação dos documentos da atuação do Santo Ofício no Brasil foi feita graças ao

grande empenho de Capistrano de Abreu, que com sua extraordinária eficácia conseguiu mandar

copiar e divulgar grande parte dos códices pertinentes guardados na Torre do Tombo, em terras

portuguesas. Percebemos a simbologia do Santo Oficio entre os cristãos-novos e velhos no Brasil

colonial e a atuação de Branca Dias e de outras mulheres de origem judaica no Nordeste colonial.

Branca Dias existiu de fato. Morou no Engenho Camaragibe até algum tempo após

morte de seu marido Diogo Fernandes, permanecendo fiel ao culto e às diversas práticas da Lei

de Moisés. Atuou na difusão do judaísmo na colônia e permaneceu, e talvez permaneça, como

símbolo de uma luta contra o governo português e de uma sociedade baseada em destruir a crença

considerada “inimiga capital” do catolicismo português em si. Foi o grande símbolo feminino da

luta judaica e de sua resistência no Brasil, uma devota militante da fé hebraica. Branca Dias, um

ser marginalizado, alguém que a Inquisição usou de sua força inibidora da liberdade e mesmo

assim não conseguiu conter o desenvolvimento de seus discursos judaicos.

Branca Dias foi a representante máxima do criptojudaísmo brasílico no século XVI.

A partir dela outras mulheres viveriam ambiguamente, divididas entre o catolicismo que

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repudiavam e o hebraísmo que lhes era vedado, praticando ora um, ora outro, acordado sempre

com o local e as conveniências, desconhecendo ambos; eram “judias não judias”. Mártires da

religião proibida, sofreram pressões, ofensas, calúnias e discriminações por lutarem pelo resgate e

continuidade da identidade de seu povo. Não seriam vencidas nem pelo Tribunal do Santo Ofício

nem pela segregação social que as perseguia, contribuindo para manter vivos os ideais da religião

que abraçavam.

Diogo Fernandes e Branca Dias foram indivíduos situados numa sociedade

fortemente hierarquizada, firme em propósitos ligados aos foros e privilégios como o de sangue,

que afetava diretamente as nossas personagens, a qual, contudo, não exclui operações de

circulação e negociação que submetem alguns de seus princípios a lógicas particulares. Branca

Dias alegava o tempo inteiro à sociedade colonial que era uma boa cristã, vivia professando aos

cultos católicos e no meio social que vivia empregava cristãs em sua residência, construía

matrimônios com os pares de cristãos-velhos. Branca e Diogo Fernandes eram sigilosamente

seguidores da Lei mosaica.

A figura do Diogo Fernandes estava caracterizada em meio a uma simbologia de

valores abstratos. O fato de ser ele um mercador converso, com fama de penitenciado do Tribunal

do Santo Ofício, chegando ao Brasil recebeu a sesmaria do donatário da capitania de

Pernambuco, o Duarte Coelho – honra concedida diretamente pelo rei. Ser seu amigo fazia do

mesmo um senhor de engenho com direitos à ascensão social dentro da terra do açúcar. A figura

de Branca Dias estava composta como a grande mestra das meninas. Suas alunas eram filhas de

homens dos mais importantes da capitania. A cristã-nova compõe um ambiente voltado para o

sigilo de sua verdadeira fé, mascarando-a a todo custo. Estudar o casal Diogo Fernandes e Branca

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Dias perante o século XVI é mostrar a plausibilidade da proposta de apreender alguns contornos

do conjunto social a partir de casos particulares.

A visão dada pela historiografia em torno de Branca Dias a envolve num manto de

sensualidade, onde a mesma está ao longo dos séculos. O interessante é entender os benefícios

desta visão que descobre a personagem histórica por trás do mito. Mas este fato não significa que

os elementos da cultura estiveram encontrados na sensibilidade da Branca Dias e na percepção

positiva que a mesma deixou em terras do Nordeste Colonial.

Estudar o caso particular de Branca Dias é sem dúvidas traduzir a história, ou grande

parte dela, dos cristãos-novos que viveram ao longo do século XVI em terras do Pernambuco

colonial. Percebemos ao longo do nosso estudo que foi devido à perseguição sofrida pelo Santo

Oficio que os descendentes de Branca Dias e Diogo Fernandes no Brasil colonial foram

colocados na história dos cristãos-novos como símbolos de luta e resistência, mártires da lei

Hebraica em solo brasileiro, transformar-se-iam em herdeiros diretos dos preconceitos e

perseguições outrora destinados aos livres seguidores da fé de Israel

2.2 BRANCA DIAS NA PARAÍBA

A Branca Dias, judia, paraibana, localizada no século XVIII, sem comprovação

histórica, é aquela mesma que arrebatou a imaginação popular e se eternizou como um dos

maiores mitos femininos dentro do imaginário brasileiro, será ao longo de nossa discussão

debatida e analisada. Iremos neste espaço preencher alguns questionamentos em torno desta

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personagem e caracterizar o mito comumente utilizado nas artes e na literatura ao falar de

mulher, especialmente a religiosa cristã – nova.

Segundo NISKIER (2006, p. 3),

Soavam as seis da tarde do dia 20 de março de 1761, em Lisboa. O sol já

se pusera, mas a noite era feericamente iluminada pelos clarões de uma

imensa fogueira. No meio das labaredas, com braços e pernas atados a um

grosso tronco fincado na vertical, ardia Branca Dias, acusada de heresia e

condenada a perecer pelo fogo. Sua beleza pálida era realçada pelo

sambenito em forma de saco enfiado na cabeça dos condenados do

Tribunal do Santo Oficio.O cheiro de carne humana queimada enchia o ar

e excitava, com seu aroma sinistro, as narinas de uma pequena multidão,

reunida na praça pública, para assistir a mais um auto – de – fé encenado

pela toda poderosa Inquisição portuguesa. Terminava aí, em tragédia, o

drama iniciado mais de dez anos, na Paraíba, quando Branca Dias

começou a ser perseguida pelo Santo Oficio.

O mito começa a ganhar proporções no século XVIII, quando no Recife ocorreram

rumores de que os ossos de Branca Dias tinham sido extraviados de Pernambuco, por ordem do

Santo Ofício, e queimados. Neste tempo são intensos os processos envolvendo a figura feminina.

Mulheres eram consideradas as grandes difusoras da fé hebraica no Brasil, algumas destas

mulheres foram comprovadamente levadas a Lisboa para serem mortas em praça pública nos

autos-de-fé promovidos na capital portuguesa.

Para tanto o Mito, conforme AMARO (1995, p. 31), é uma tentativa existente em

diversas sociedades desde o tempo primevos e cuja conceituação é muito difícil. A literatura

brasileira também se apropriou do personagem de Branca Dias. Algumas narrativas colocadas em

questão datam do século XIX, a exemplo do ano de 1879 com a publicação da obra “Branca Dias

de Apipucos”, drama histórico perdido em seu tempo, escrito por Joana Maria de Freitas

Gamboa, o qual narra a Guerra dos Mascates, em que a autora faz comentários manifestos sobre a

religiosidade e a insaciável cobiça aos metais preciosos, elementos alvo de disputa ao longo do

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século XVIII. Em “Céu dos trópicos”, Olavo Dantas conta outra versão da desdita da marrana

rica e possuidora de tal quantidade de jóias e pratarias que, ao ser perseguida, jogou toda a

imensa fortuna em um açude das cercanias do Recife, depois conhecido como o Lago Prata.

Acrescentou depois Flávio Guerra a esta história que as “águas do rio ficaram tão claras e

límpidas como o metal que tragara”. Transformou-se em riacho da Prata, o “Lago Dois irmãos”.

No início do século XX, 1905, entra em cena uma obra espírita de autoria do José

Joaquim de Abreu, em que o mesmo vai retratar a judia nascida na Paraíba, perseguida pelo

Santo Oficio e morta em um auto-de-fé em Lisboa. Relatando uma história similar, em 1922 é

lançado o romance “O Algoz de Branca Dias”, de Carlos Dias Fernandes, no qual existiam até

mesmo, segundo o autor, atribuições dadas aos familiares e ao local de nascimento de Branca

Dias, nada historicamente comprovado. O autor constata uma Branca Dias como algo de

excepcional beleza, judia delatada ao Santo Ofício pelo despeito de um franciscano repudiado

pela sua crença hebraica e seu desejo de espalhar os ensinamentos da Lei de Moisés. O

imaginário popular estava realmente em atividade plena.

Ainda no tocante à composição literária de auxilio na composição do mito na figura

feminina de Branca Dias, temos, conforme NISKIER (2006), um poema do Carlos Drummond de

Andrade, incluso em sua obra “Discurso de Primavera & algumas sombras”, de 1977. Este

poema:

Capítulos de História Colonial

Branca Dias

Branca Dias

Paixão de frade

Em seu engenho

Da Paraíba

Repele o amor

Pecaminoso.

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O amor se vinga:

É acusada

De judaísmo.

Já vão prende-la.

Atira as jóias

E prataria

Na correnteza.

A água vira

Riacho da Prata.

Morre queimada

No santo lume

Da Inquisição

Em Portugal.

Reaparece

Na Paraíba

Em Pernambuco

Sob o luar

Toda de branco

Sandálias brancas

Cinto azul-ouro.

Branca Dias

- garantem os livros -

nunca existiu,

é lenda pura

de lua cheia.

E a Inquisição

Provavelmente outra ilusão.

O poeta Carlos Drummond preconiza a feitura do mito em torno da jovem senhora

Branca Dias. A penetração do nome de Branca Dias na cultura brasileira é impressionante,

contagiante, e revela-se em detalhes presentes nos poemas, nas peças teatrais, nas músicas e até

mesmo em produções cinematográficas, como é o caso do filme “O rochedo e a estrela”, de

Kátia Meisel, mostrando um amplo painel do Brasil colonial num período histórico de 1584 a

1654, quando os holandeses dominaram grande parte do Nordeste do Brasil, retratando entre os

personagens o Bento Teixeira e Branca Dias.

A Branca Dias historicamente conhecida e comprovada contemporânea ao século

XVI estava tão presente e enraizada dos símbolos da fé hebraica que se eternizou como um dos

maiores mitos femininos do imaginário brasileiro. Ademar Vital foi quem estabeleceu, não se

sabe a partir de que fontes, e por isso a imprecisão ao se tratar da Branca Dias paraibana, os

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dados vitais referentes à Branca Dias. Ele diz que a Branca Dias fora residente no Gramame,

Paraíba, e que não havia completado 27 anos quando foi submetida ao suplício da fogueira santa

em terras portuguesas. Este mesmo autor constrói a figura de Branca Dias como algo de beleza

feminina extrema e detalha a figura da mesma presente em um auto de fé na cidade de Lisboa,

Portugal., não existe relato documental sobre o fato ficando o mesmo no imaginário da sociedade.

Segundo NISKIER (2006, p. 15-6):

Ele sensualiza a figura da heroína na sua descrição em tintas vivas: “O

fogo iria queimar aquele seu corpo de cernes rígidas. Corpo harmonioso

nas curvas, duma beleza extasiante. Porque, de fato, todos os historiadores

saio unânimes em proclamar a formosura de Branca Dias, cuja

simplicidade se mostrava emoldurada pelos ímpetos físicos da carne que a

perdeu.

Não menos instigante que a peça do teatrólogo Dias Gomes, esta é a peça chave para

a mitificação da personagem Branca Dias. Vale ressaltar que a peça fora produzida em época de

ditadura militar no Brasil, em que Dias Gomes, em sua excelência, utilizou um texto fantasioso

de Ademar Vidal, publicado em 1950 no livro, “Lendas e superstições”. As narrativas foram

estabelecidas de forma fictícia.

A criação do mito em torno de Branca Dias foi tão forte que permanece até os dias

atuais como a grande personagem conhecida do público, o símbolo da resistência judaico-

feminina. Não é difícil entender o fascínio que exerceu a lenda de Branca Dias sobre Dias

Gomes, pois o mesmo era um defensor irrestrito dos direitos humanos e da liberdade, e estava ele

a denunciar as torturas que a ditadura militar colocava a sociedade brasileira quando assim surgiu

a idéia de narrar a estória da Branca Dias paraibana, perseguida pela Santa Inquisição e levada a

um ato-de-fé público por ser considerada herege, praticante do judaísmo em terras brasílicas. As

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pressões religiosas existentes dentro do contexto em que a personagem Branca Dias estava

inserida criaram um imaginário simbólico em torno da atuação do Santo Oficio na Paraíba.

Na construção da personagem Branca, cujo nome histórico preenche o mítico, o

teatrólogo Dias Gomes, sem preocupações para compor a história real da personagem, entrevê a

possibilidade de adequar seus propósitos artísticos - ideológicos neste arquétipo natural, puro,

sem mácula, sem conceito prévio do certo e do errado imposto pela sociedade. Um ser que reúne

em si condições de existência; que tem coerência, lógica interna e veracidade. Alguém que

caminhe do real para o mítico, toque e convença o público das idéias desenvolvidas num mundo

circundante, e que, sobretudo, permaneça no imaginário brasileiro.

A construção mítica da Branca Dias paraibana pode ser um resquício da história

trágica de um importante grupo de cristãos-novos locais presos e processados pela Inquisição.

Observamos na história uma paraibana chamada Guiomar Nunes, cristã – nova, que fora

queimada em Lisboa, em 1731. Embora cristã-nova, ela não descendia de Branca Dias nem tinha

a mesma condição social da mestra cristã-nova de Olinda. Guiomar Nunes morava na Capitania

da Paraíba em pleno século XVIII e pôde ter sua tragédia recontada e codificada na estória da

Branca Dias paraibana, morta em auto-de-fé público em terras de Portugal. Como foi dado então

no imaginário popular o processo de esquecimento da sentença referente à Guiomar Nunes e a

permanência de Branca Dias como a cristã-nova colocada em fogo inquisitorial em praça pública

no ano de 1731?

JOFFILY (1993, p. 62) narra em sua obra a passagem que o historiador Irineu

Ferreira Pinto realizou as pesquisas referentes aos processos inquisitoriais na Torre de Tombo,

em Portugal, e lá encontrara apenas um nome de mulher em registro ao auto-de-fé: “Guiomar

Nunes – Cristã - nova, de 37 anos, casada com Francisco Pereira, filha de Pernambuco e

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moradora do Engenho Santo André, desta capitania, por “convicta negativa e pertinaz”. Foi

queimada em Lisboa (outubro de 1731) pelo Tribunal do Santo Oficio.

Segundo PINTO (2006, p. 183),

O material até agora conhecido e publicado da Visita do Santo Oficio à

Paraíba, em 1595, resume-se numa relação de 16 denúncias e nove

confissões. O que resulta num total de apenas (e aproximadamente) 60

pessoas nominadas, incluindo-se denunciantes e denunciados, confitentes

e testemunhas apontadas. O que também, significa um comparecimento

mínimo de pessoas, mesmo tendo em vista a reduzida população da

Capitania, na incipiente de seus dez anos de fundação.

Não existem registros oficiais que comprovem a permanência de Branca Dias perante

o século XVIII, muito menos que a mesma tivesse sido queimada em algum auto-de-fé. Não há

documento algum. O que percebemos são transferências de personagens – Guiomar Nunes

reconstrói o mito, para alguns historiadores, da judia Branca Dias. Talvez esta reconstrução tenha

sido obtida a partir do momento que em face de longas e prolongadas crises decidiu o Santo

Conselho Ultramarino anexar a Paraíba a Pernambuco, no ano de 1755. O visitador recebera

ordens terminantes para coibir qualquer forma de desregramento e indisciplina que se alastravam

ao longo das duas capitanias. Era necessário sufocar idéias que formulassem a emancipação.

Neste espaço de intolerância observamos que ocorreram inúmeras representações

para que a fábula de Branca Dias invocasse o imaginário popular e se estendesse ao longo da

capitania paraibana como fonte real, monumental de uma fantasia reinante. Sendo assim, os

episódios recriados do auto-de-fé revelariam o momento de intolerância que a sociedade

atravessava e firmaria no imaginário popular todas as acusações e penas sofridas pelos cristãos-

novos ao longo de sua permanência no Brasil.

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O mito de Branca Dias “paraibana” está ligado não apenas nas artes como também no

imaginário popular, a exemplo da figura da tal ser comparada com a mesma lenda que propõe o

surgimento das “bruxas”, algo ligado ao contorno de mito popular proposto em solo paraibano. A

idéia de memória, seu saudosismo e o aspecto exercido no símbolo histórico que a mesma

representa permitem, assim, conservar Branca Dias e sua religiosidade como símbolos de

construção no Brasil colonial.

O texto lírico de FERNANDES (1992, p. 85) comprova esta referência a Branca

Dias: “Sopre o vento suavemente as árvores do quintal, é o bastante para que as crianças da rua

Direita vejam, se faz noite clara de plenilúnio, o convencional sinal de que a heroína vai passando

– corpo imaculado – com os nobres ares de soberana bondosa, honesta e eternamente fiel ao seu

amor”. Seguindo o contexto mítico temos a obra “O Algoz de Branca Dias”, do Carlos D.

Fernandes. No texto o autor revela a chegada do pai de Branca Dias, o senhor Simão Dias, judeu

português, emigrado do reino para o Brasil, que se instala em terras da capitania da Paraíba, no

segundo quartel do século XVIII no vale do Gramame, constituindo o Engenho velho. Estes

domínios serão ao longo da criação do mito de Branca Dias constantemente citados.

O autor em sua obra mostrará a rede social que envolveu Branca Dias na Capitania

paraibana, seu pai, sua mãe, o frei Agostinho (e todo o seu amor por Branca Dias), o seu noivo

Augusto Coutinho, além das figuras dos visitadores do Santo Oficio. Mister se faz salientar que

estes personagens foram recriados por Dias Gomes em sua obra “O Santo Inquérito”. Segundo

Gilbert Durand, uma das funções da imaginação simbólica é a de exercer uma constante

“reequilibração social”, ou seja, quando o mito de Branca Dias é recriado por Dias Gomes, é

estabelecido um equilíbrio da imagem que constitui a personagem, com técnicas de

espiritualização e desenvolvimento de possibilidades que valorizam o mito dentro da sociedade,

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indo, assim, além do mundo objetivo-histórico e reorganizando um símbolo situado no particular

para o coletivo.

A existência de Branca Dias na Paraíba é contestada por muitos historiadores. Estes

afirmam que o preenchimento da história de Branca Dias está concentrado através da fusão de

fato e ficção que permanece no imaginário popular da sociedade. Nada mais é do que um diálogo

interminável entre as fronteiras históricas e a invenção de um mito que empreende uma viagem

no sentido de uma aventura de caráter físico, psicológico ou ambos, no cumprimento da sua

missão.

2.3 OS SIMBOLOS QUE SE REPETEM EM BRANCA DIAS

As diversas faces de Branca Dias fizeram dela um símbolo religioso do Brasil

colonial. Foi a heroína, com vestes, idéias e ações dignas de representação histórica. Branca, três

em uma. Ou seria uma em três? O simbolismo que não é independente, mas que decorre da

cultura de uma sociedade, a organização de imagens universais, o fogo, a água, elementos

presentes nas três visões que compõem a personagem, seja em sua composição literária, real ou

mítica, “a visão imaginária e específica”, como diria Gilbert Durand.

Ao estudar a teoria do imaginário de Gilbert Durand, Danielle Pitta percebeu a

composição no aspecto da construção da figura do herói, a presença constante de elementos

ligados à idéia de força, combate, separação, luta, características estas contempladas dentro do

regime diurno da imagem que apresentam a heroína judaica, Branca Dias. Ao entender o

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processo de montagem da estrutura heróica do imaginário, percebemos a presença do que Durand

chamará de “símbolos da divisão”, os que tratam da separação entre o bem e o mal, e esta

separação exigirá do guerreiro-herói uma idéia de combate. Conforme PITTA (2005, p. 28-9), “as

armas do herói: são símbolos de poder e pureza, pois todo o combate é espiritualizado (existência

de sociedades guerreiras)”. E os judeus, cristãos-novos, são bons exemplos de construção de

sociedade guerreira, aquela que precisou eliminar as diferenças, empenhou-se em fundir e

harmonizar dentro do Nordeste colonial brasileiro na tentativa de mostrar um convívio entre os

cristãos-velhos. Branca Dias pode ser encarada como a grande detentora da distinção entre

pertencer a uma comunidade (judaica) e do não pertencer (cristã), utilizando ela do que o Gilbert

Durand vai chamar de “armas espirituais”, elementos simbólicos que têm como intenção separar,

cortar, “distinguir as trevas do luminoso valor”. As antíteses são criadas ao longo da personagem

Branca Dias como métodos de atingir uma dimensão da psiquê que a sustenta como grande

símbolo judaico no inconsciente coletivo ao longo dos séculos. Vemos então a figura da mulher –

Branca Dias – assumindo uma posição preponderante, marcando uma época e todo um

inconsciente coletivo.

Gilbert Durand estabeleceu no imaginário do homem dois regimes: o diurno e o

noturno. E foi concebendo ao estudo do imaginário as características que diferenciavam tais

regimes, propôs, então, que os regimes diurno e noturno fossem utilizados para classificar as

dominantes simbólicas.

No regime diurno seria estruturado pela dominante postural, explicitada pela

tecnologia das armas, mago e guerreiro, rituais de elevação e purificação. No tocante ao regime

noturno, seria este então utilizado para compor símbolos referentes: ao retorno, as técnicas

cíclicas, os mitos de uma maneira geral.

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O mito criado em torno de Branca Dias percorre todo o século XVIII na Capitania da

Paraíba, e tem seu auge evocado por Dias Gomes na célebre obra “O Santo Inquérito”, quando o

mesmo se propõe a analisar o aparecimento do simbolismo dentro da personagem e a recria como

símbolo identificador da cristã-nova, proporcionando dentro da figura simbólica da personagem

um conjunto de propriedades libertadoras e criadoras, o que demonstra para sociedade o quanto

Branca Dias fora importante no Brasil colônia, e é a partir deste ponto teórico que, ao longo dos

séculos, veio surgindo uma construção da personagem folclórica nordestina. Assim, retomamos a

organização adquirida e validada de acordo com as relações que ela construíra na sociedade

brasileira.

GOMES (1989, p. 18) faz referência sobre Branca Dias:

A mim, como dramaturgo, o que interessa é que Branca existiu, foi

perseguida e virou lenda. A verdade histórica, em si, no caso, é

secundária; o que me importa é a verdade humana e as lições que dela

possamos tirar. Se isto não aconteceu exatamente como aqui vai contado,

podia ter acontecido, pois sucedeu com outras pessoas, nas mesmas

circunstâncias, na mesma época e em outras épocas.

O teatrólogo vai narrar ao longo da obra o contexto que inspirou o surgimento do

mito, retomando a trajetória exercida pelo Santo Oficio, de modo que Branca Dias fora utilizada

para evocar os heróis nacionais. Dias Gomes denunciava através do contexto mítico de Branca

Dias as torturas da Ditadura Militar brasileira. Dias Gomes vai utilizar a linguagem literária para

expressar a oposição aos preceitos religiosos tradicionais. O autor fará isto através da figura

feminina da judia, Branca Dias, e revelará o exercício de dominação utilizado pelos detentores do

poder e Branca será o símbolo eternizado do judaísmo colonial. Ao longo da construção literária

do autor, Dias Gomes colocará as figuras dos opressores e dos oprimidos, como o fez em “O

Santo Inquérito”. As personagens estão todas em cena: Branca Dias, a oprimida, o Padre

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Bernardo, o grande opressor, Augusto Coutinho, noivo oprimido de Branca Dias, Simão Dias, o

pai da judia, o Visitador, o Notário e os guardas, representantes da grande categoria de

opressores. Estes personagens citados ao longo da obra do Dias Gomes são a recriação dos que

compõem a obra “O Algoz de Branca Dias”, do Carlos D. Fernandes. E a partir destas

orientações poderemos perceber o símbolo como maneira de expressar o imaginário. Dias

Gomes, em seu texto do Santo Inquérito, compõe uma revelação da realidade humana,

contextualiza os símbolos que envolvem os opressores e os oprimidos.

FERNANDES (1992, p. 7) ao longo da sua obra caracteriza a judia Branca Dias. A

institui como moradora do Engenho Velho e vai aos poucos contando a trajetória de vida dela e

seu envolvimento social com o então frade Agostinho. Branca Dias revela-se sobre sua crença,

em uma passagem da obra “O Algoz de Branca Dias”: “não, eu não rezo o Padre – nosso, recito,

à manhã e à noite, os salmos de David.”. Neste momento de confissão da jovem o frade constata

estar à mesma “embrenhada” no judaísmo, começando a partir deste momento a perseguição à

personagem, em contrapartida do amor que sentia por ela. O frade tentará diversas vezes salvar

Branca Dias do fogo inquisitorial, tentativa esta invalida.

A Inquisição, na figura do Tribunal do Santo Oficio, apropriou-se de símbolos

bíblicos de maneira singular, o que de certa forma representava uma maneira de a Igreja possuir

armas contra os heterodoxos. A Inquisição marcava o imaginário humano. GOMES (1989, p.

37), em sua obra “O Santo Inquérito”, narra de uma maneira precisa o uso de maneiras

coercitivas empregadas pela Igreja católica e seus seguidores para impor a ”fé verdadeira”,

Branca: Não tenho confessor. Vivo aqui, no Engenho Velho, que é do meu

pai, Simão Dias, que o senhor deve conhecer de nome. Custo ir à cidade.

Padre: Não vai à missa, aos domingos, ao menos?

Branca: Nem todos os domingos. Mas não pense que porque não vou

diariamente à igreja não estou com Deus todos os dias. Faço sozinha as

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minhas orações, rezo todas as noites antes de dormir e nunca me esqueço

de agradecer a Deus tudo o que recebo Dele.

Padre: Gostaria de discutir com você esses assuntos. Não hoje, porque

estamos ambos molhados, precisamos trocar de roupa.

Branca: Vamos lê em casa, o senhor tira a batina e eu ponho a secar.

Posso lhe arranjar uma roupa de meu pai, enquanto o senhor espera.

Padre: Não... isso não é direito.

Na passagem da obra do Dias Gomes podemos perceber a forma coercitiva de poder

que o personagem do Padre Bernardo utiliza em relação à Branca Dias, a mensagem reveladora

que o mesmo dispõe à jovem, colocando-a em meio às reguladoras formas de conduta

tradicionais da Santa Igreja, e implantando a forma salvacionista da “fé verdadeira” no

imaginário do individuo. Ao longo da obra o autor demonstra os símbolos duranianos do “temor

noturno”, das trevas, usando mais uma vez o Padre Bernardo em um diálogo com a cristã-nova

Branca Dias, o que formalizava a idéia de denúncia, intolerância e injustiças que a Igreja Católica

comandava em relação aos não-católicos. GOMES (1989, p. 47) em uma passagem do Santo

Inquérito diz,

Padre: se aceitarmos a sua existência como coisa natural, acabamos por

admiti-lo como parceiro. Porque, não tenho duvidas, o Diabo está todo o

momento a nos rondar os a se insinuar e a se infiltrar. E é principalmente

os ingênuos, os sem - maldade, como você, que ele escolhe para seus

agentes. É um erro imaginar que Satanás prefere os maus, os corruptos, os

ateus. Engano. Satanás escolhe os bons, os inocentes, os puros, porque são

eles muito úteis e insuspeitos na propagação de suas idéias. Repare que as

grandes heresias surgem sempre de pessoas que pretendem salvar a

humanidade. Por isso, quando encontro alguém que se julga tão próximo

de Deus que pode até senti-lo em sua própria carne, no ar que respira, ou

na água que bebe, temo por essa criatura. Porque ela deve estar na mira do

Diabo. Branca: Se for o meu caso, o Diabo vai perder tempo e munição. E

vai acabar cansando.Garanto.

No dialogo colocado pelo autor percebemos que o mesmo Padre tenta de toda forma

implantar a idéia “salvacionista” na mente de Branca Dias, é o que a coloca nas labaredas da

Santa Inquisição. Dias Gomes mais uma vez utiliza elementos duranianos para compor a

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passagem que demonstra a derrocada da personagem principal e o “monstro” vencendo-a,

caracterização da simbologia denotada pelo uso dos regimes diurno e noturno.

A Branca Dias narrada tanto na obra do Carlos Fernandes como na obra do Dias

Gomes foi constituída com simbolismo de ter sido mulher de excepcional beleza e hábitos não

convencionais, acusada de judaísmo e de práticas imorais, acabando por ser condenada à fogueira

da Inquisição. O fogo, então, significava a salvação, único que combatia as trevas da noite. Ao

longo da narrativa dos referidos autores Branca Dias adquire imagens controversas, verdadeiras

antíteses, focalizadas entre os regimes diurno e noturno, simbolizados pelo antropólogo Gilbert

Durand. Para GOMES (1989, p. 21), “Branca nada tem de comum com Joana d `Arc, a não ser o

fim trágico... é mulher. E para a mulher o amor é a verdadeira religião, o casamento a sua liturgia

e o homem a humanização de Deus”.

Na passagem citada na obra “O Santo Inquérito”, encontramos a presença do símbolo

catamórfico definido por Durand, símbolo este relativo a uma experiência dolorida, à queda, e

esta estabelecida na queda moral da personagem, ou seja, o medo, a dor, o castigo, que venceriam

a estrutura humana de luta, de vitória sobre o destino criada em torno de Branca Dias.

Relacionados à queda surgem imagens do amor, do casamento, da religiosidade, características

estas presentes na vida da personagem, o que torna o campo simbólico representado por Branca

Dias através do amor pelo noivo Augusto Coutinho a constituição de uma tragédia que levou à

submissão da judia às labaredas da fogueira inquisitorial. E o fogo, segundo DURAND (2002, p.

174), “[...] marca, com efeito, a etapa mais importante da intelectualização do cosmos e afasta

cada vez mais o homem da condição de animal”. É por esta representação dada ao elemento

fogo, agente purificador, salvador das impurezas da carne, que as ações inquisitoriais se

reforçava. O universo trágico é concebido na tensão gerada entre o mundo mítico e o real, que se

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vale da palavra poética como elo capaz de unir tempos e espaços diferentes no qual Branca Dias

estar inserida.

Conforme GOMES (1989, p. 20-1):

Branca é realmente culpada de heresia. De acordo com a monitória do

inquisidor – geral, instruções para a configuração de heresias, ela está

“enquadrada” em vários artigos, sendo, além disso, acusada de atos contra

a moralidade e da posse de livros proibidos [...] se ela traz Deus em si

mesma, e se Deus é amor, isso não a redime inteiramente?

A defesa da dignidade de Branca Dias era colocada em prova através do uso da

religiosidade e do comportamento social da mesma, seria ela cristã, consciente de seus

sentimentos amorosos para com o noivo Augusto? Os inquisidores a testavam. Padre Bernardo é

utilizado por Dias Gomes para compor este ambiente de questionamentos de fé, mas Branca Dias

escolhe enfrentar o martírio receptado pela Santa Inquisição. Era convicta, herege irredutível,

assim considerada pela Santa Inquisição. Branca demonstra a grandeza que atinge seu espírito

através do sacrifício que oferta (é queimada em Auto-de-Fé); troca à própria vida pela liberdade

religiosa, travando uma luta aberta contra os dogmas difundidos pela Igreja Católica dentro do

Brasil colonial. Os símbolos eifados de caráter sobrenatural circundam a obra de Dias Gomes

como a figura do Demônio, que é utilizado para pincelar o ambiente sombrio de acusações que

envolvem a cristã-nova Branca Dias.

GOMES (1989, p. 32-3) tenta inserir o homem num ambiente e reconstituir um tecido

social mais vasto acompanhando o pensamento feminino heróico de Branca Dias ao longo da

obra, enriquecendo a análise social por meio da multiplicidade de imagens da cristã-nova, o

elemento duraniano simbolizado pela água – representando a purificação, separação das

impurezas, é demonstrado na seguinte passagem:

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O mais importante é que eu sinto a presença de Deus em todas as coisas

que me dão prazer. No vento que fustiga os cabelos, quando ando a

cavalo. Na água do rio, que me acaricia o corpo, quando vou me banhar...

Deus deve estar onde há mais claridade, penso eu. E deve gostar de ver as

criaturas livres como ele as fez, usando e gozando essa liberdade, porque

foi assim que nasceram e assim devem viver.

O elemento água significa o dever de iluminar um tempo presente, de “lavar” as

impurezas encontradas na carne, costume produzido pelos cristãos-novos ao longo dos séculos,

que representava, além da subjetividade trazida pelas águas límpidas dos rios, na estória contada

por Dias Gomes, a cristã-nova Branca Dias vai aparecer em meio ao elo formado entre as águas

do rio e do mar, constituindo uma maneira de simbolizar o elemento água como algo purificador,

que, para Gilbert Durand, a água é um símbolo diairético, ou seja, constitui a arma espiritual de

um herói, no nosso caso em estudo, de uma heroína, que tem como função cortar, purificar,

limpar, separar, fazendo parte do que Durand denomina de campo da imagem simbólica do

regime diurno.

O elemento purificador – água – acompanha a trajetória da personagem Branca Dias,

não mais apenas o mito, mas também a Branca real, histórica, em diversas outras situações, como

o parto de uma de suas filhas, como regra potencial de elemento de “luz”, “puro”, classificado

segundo Durand como “elemento de verticalidade”. Assim narra REAL (2006, p. 49),

O meu corpo rompia-se, dei um urro, mordi os dedos da Madalena, e

pronto, a Beatriz começou a chorar ... a Isabel foi buscar água quente e

lavou-me com sabão de gordura de borrego, despregou-me as postas de

sangue das coxas, já me odiava, e a minha mãe também,mas eram

mulheres, sabiam o que era ser mulher, tinham dito à Madalena que as

chamasse mal se me rompessem as águas; [...].

O exemplo nítido e eloqüente da água como elemento purificador na vida da heroína,

dando ênfase ao parto de uma de suas filhas, tem como ponto principal o elemento simbólico –

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água – componente do mundo de Branca Dias em diversas situações, demonstrando, desta forma,

a estrutura de um ser que reúne em si condições de existência; que tem coerência, lógica interna e

veracidade, que acima de tudo consegue vencer com armas de pureza. A água tinge um sentido

de limpeza espiritual e de sublimação encontrados ao longo da trajetória da personagem, seja o

mito ou a histórica.

Ainda sobre o elemento água, dentro do mundo que compõe Branca Dias, temos a

representação da travessia que a mesma fez de Portugal ao Brasil, um vasto Oceano simbolizando

a despedida da cristã-nova – do local que a acorrentava (Portugal e a perseguição do Santo

Oficio), e sua vinda a “terra sem mal” – Brasil. Nesta perspectiva mencionada podemos tratar do

regime diurno por Gilbert Durand. Assim, temos a relação dos atributos do desprender.

Branca Dias vem ao Brasil para buscar um novo tempo, uma nova vida, e na

passagem para a nova morada é transferida a ela a carga de heroína. Ela difundiu a Lei Mosaica

veemente proibida em solo português e esteve sempre em busca das astúcias que o tempo pôde

fazer, apagar, diluir. Sobre as considerações antropológicas, temos que os símbolos que a cria e a

recria são carregados de representações que exprimem gestos e esquemas, estando estes

mentalmente apregoados no imaginário. Branca Dias é alguém que “caminha” do mundo real

para o mítico, e consegue, mesmo ao passar dos séculos, com sua trajetória, tocar e convencer ao

público, fazendo com que o mesmo reflita sobre as “verdades” de outrora - agora do mundo

circundante.

O modo de ação quando transpomos o mundo do mito e mundo real é algo que

devemos distinguir com o modo de ação da incontestável guerreira. A condição, mulher, judia e

perseguida pelo Tribunal do Santo Oficio, não foi uma escolha ofertada a Branca Dias real, mas

foi uma arma levantada para a transcendência e a virilidade que compõe a Branca Dias paraibana,

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imaginária. Seguindo este raciocínio, temos que a rede social que as relacionam estava voltada a

atender o imaginário popular. A recriação do mito ofertado a sociedade ao longo dos tempos e a

intenção da separação do histórico ao mítico está condensada no simbolismo provocado pela

sexualidade, pela idéia da culpa, do pecado, transposta ao longo dos séculos quando tratamos da

organização dinâmica que envolve a constelação de imagens em torno de Branca Dias.

No tocante à análise do símbolo - elemento fogo, percebemos que, é através da

passagem da obra “O Algoz de Branca Dias”, dentro do contexto mítico analisado, a narrativa do

frade Agostinho com Branca Dias em relação ao elemento purificador – fogo – , “pois, minha

filha, por muito menos que isso, vae - se aos tratos corridos, e ao suplicio da corda, e ao fogo

purificador da Inquisição”. Na citada narrativa6 extraída da obra do Carlos Dias Fernandes, o

elemento fogo é contextualizado como um símbolo polivalente. Usando a linguagem duraniana,

seria ele o elemento utilizado pela Santa Inquisição para provocar a idéia do “deus vivo e

pensante”, do fogo purificador, provoca ele – fogo – além da purificação da carne humana, uma

limpidez, uma chama luminosa, o sentido de pureza celeste.

Analisando o fogo sobre a pele de Branca Dias no contexto literário de NISKIER

(2006, p. 3), temos que “o cheiro da carne humana queimada enchia o ar e excitava, com seu

aroma sinistro, as narinas de uma pequena multidão, reunida em praça pública, para assistir mais

um auto-de-fé encenado pela Inquisição portuguesa.”. Fala o autor em sua obra sobre a jovem

Branca Dias paraibana, que desafiou a intolerância religiosa da Coroa portuguesa e revelou,

assim, com sua morte nas labaredas inquisitoriais uma integridade. O Tribunal do Santo Oficio

encravava mais uma vitima da fogueira purificadora. O elemento fogo teria neste momento a

simbologia de “cortar todo o mal” causado à Santa Inquisição, quando expõe a figura da judia às

6 Carlos D. Fernandes na obra “O Algoz de Branca Dias”, apresenta – a como uma paraibana de peregrina beleza,

filha de Simão Dias e Maria Alves Dias, os opulentos judeus donos do Engenho Velho, em Gramame.

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labaredas inquisitoriais. As práticas heréticas desenvolvidas pela personagem Branca Dias

derrubavam a estrutura heróica. Teria sido ela vencida pelas armas da Inquisição.

Dias Gomes, em sua obra, narra a derrocada final da personagem Branca e a

utilização do elemento fogo como algo purificador dos pecados existentes e comumente

praticados pelos hereges. No seguinte diálogo entre o Padre Bernardo e a judia Branca Dias,

GOMES (1989, p. 138) expõe as labaredas avermelhadas que tomaram conta do corpo da jovem

judia: “Branca: Os senhores foram derrotados... e eu? Padre: Você, Branca, vai amargar a sua

vitória. Branca: Eu sei. E sei também que não sou a primeira. E nem serei a última”.

Branca Dias, histórica, reconhecidamente comprovada, utiliza o elemento simbólico –

fogo –, segundo NISKIER (2006, p. 30), “na intenção de propor a difusão do ritual hebraico, o

culto passava a ser realizado dentro de casa sob as condições de um rigoroso sigilo: com portas e

janelas encerradas e as candeias de sábado ardendo dentro de recipientes de argila opacas para

que a luz não fosse avistada da rua”.

O elemento - fogo – surge nas vigílias noturnas promovidas ao longo do século XVI

em Pernambuco, precisamente dentro do Engenho Camaragibe, propriedade da cristã – nova,

Branca Dias. Ela, fundadora de atividades escusas e dúbias no Nordeste Colonial, compondo

assim uma humanidade em tudo e por tudo diferente da que o mundo português (católico) havia

conhecido até então. Assim, a liberdade religiosa era secretamente difundida em meio aos

inúmeros seguidores da mestra por sua atitude heróica em difundir em solo brasileiro a lei

mosaica. Ela ganha a proporção do mito da grande heroína do Nordeste Colonial. O fogo e a água

são formadores do que Gilbert Durand denomina de “símbolos diairéticos”, de divisão, que

compõem o regime diurno da imaginação simbólica.

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Na estrutura referente ao regime noturno, temos que Branca Dias, em todas as suas

versões, é constituída sob a linguagem do eufemismo, que leva, segundo Gilbert Durand, para a

profundeza aquática, para o plural, a riqueza, a fecundidade. Estes elementos elevam a figura

feminina de Branca Dias e a mantém com a espiritualidade clara. A arma que a heroína Branca

encontra-se munida é ao mesmo tempo símbolo de pureza e potência. Segundo DURAND (2002,

p. 279), “a imaginação noturna é, assim, naturalmente levada da quietude da descida e da

intimidade, que a taça simbolizava, à dramatização cíclica na qual se organiza um mito do

retorno”. A eufemização encontrada no estudo de Branca Dias a valoriza como mulher, além de

definir a natureza que a envolve. É então considerada ao longo dos séculos como a “grande mãe”

do judaísmo. E o fenômeno da morte, segundo a capacidade de eufemização simbólica, para a

personagem Branca Dias, vai provocar seu retorno da fase histórica vivida em Pernambuco no

século XVI ao século XVIII, em terras da Capitania paraibana. O seu destino não é mais uma

fatalidade, mas conseqüência de seus atos.

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CONCLUSÃO

É chegada a hora de reatar os fios desta trama. Ao debruçar o nosso olhar sobre

Branca Dias, judia, moradora do Engenho Camaragibe em Pernambuco do século XVI, vimos

passar à nossa vista muitas experiências sociais e religiosas, sendo que no curso dos

acontecimentos algumas se cruzaram, outras se excluíram, outras caminharam de forma paralela.

No contexto maior, buscamos dar prioridade à participação da Santa Inquisição e da construção

da rede de sociabilidade criada na composição da vida da personagem Branca Dias. Neste

sentido, todo o esforço argumentativo do trabalho foi no sentido de, ao fazer uma leitura,

recuperar fragmentos dessa história, que nos permite estabelecer novos parâmetros interpretativos

para o tema em foco. Branca Dias se caracterizou como símbolo heróico do judaísmo no

Nordeste colonial brasileiro ao longo da faixa litorânea de Pernambuco, e a imaginação popular a

recria dentro da Capitania paraibana durante o século XVIII, o que nos leva a crer, obviamente,

na complexa e contraditória conjuntura da personagem.

Em grande medida, a Santa Inquisição esteve ligada às contradições internas

religiosas que explodiam de forma violenta na Península Ibérica no século XV e ademais no

Brasil, em relação aos cristãos-novos. Eram eles de fato o grande temor dos católicos ibéricos, e

dos cristãos-velhos moradores das terras brasílicas coloniais. As guerras de religião e a imposição

de uma religião obrigatória desenvolviam a sabedoria de ocultação envolvendo o mundo judaico-

cristão. O processo de conversão forçada ao catolicismo em 1497 espalhou as comunidades

judaicas por todo o território.

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No Brasil, embora os cristãos-novos e velhos estabelecessem formas de solidariedade

no cotidiano e partilhassem muitos aspectos no dia-a-dia, particularmente no modo econômico de

viver, isso por si só não foi motivo suficiente para que os cristãos-novos não fossem encarados

como inimigos comuns, qual seja: os hereges, que desapontavam a manutenção da ordem

colonial imposta pela coroa portuguesa, a religiosidade sigilosa vivenciada pelos judeus estava

ameaçada com as Visitações do Santo Oficio.

Uma possível razão – além, obviamente, da complexa conjuntura que informou a

instalação em terras brasílicas do Santo Oficio através das inúmeras denunciações ocorridas na

colônia – talvez esteja centrada no fato de que os interesses financeiros dos cristãos-velhos

estivessem ameaçados pela fartura açucareira demonstrada pela mercancia dos neoconversos. É

possível pensar que, juntamente com o potentado tradicional português e suas autoridades, alguns

sediciosos que inicialmente aderiram ao movimento judaico tenham visto com um certo ar de

preocupação a entrada em cena dos inquisidores no Brasil entre os anos de 1591 a 1595. O

instinto de sobrevivência da fé hebraica no Brasil colonial estava ameaçado. Os portugueses

católicos lutavam contra um inimigo maior difundido pelas figuras femininas ao longo da faixa

litorânea do Nordeste colonial. Branca Dias é uma destas mulheres bravamente desejosa da

liberdade religiosa e da difusão de idéias da Lei mosaica alimentadas no Nordeste colonial

brasileiro.

E mais, Branca Dias, ao agir como difusora das idéias judaicas no Nordeste

brasileiro, demonstra através de evidências diretas e indiretas, no contexto de um movimento de

cristãos-novos, uma perseguição desenfreada. Seriam eles os alvos dos católicos portugueses,

que utilizavam a instituição legalmente reconhecida do Santo Oficio para espetacular a forma de

resistência da religiosidade de um povo. As práticas judaicas foram ao longo do tempo difundidas

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pela colônia. Os testemunhos escritos ao Santo Oficio recolheram dentro do Brasil inúmeras

denúncias que apontavam práticas religiosas judaicas. Estes testemunhos eram colocados em

relação ao casal de cristão-novo, Branca Dias e Diogo Fernandes, como nos ensina o estudioso

brasileiro dos judeus no Nordeste colonial José Antonio Gonsalves de Mello. Só que, vista em

perspectiva histórica, uma perseguição aos cristãos-novos poderia adquirir diferentes significados

e ser movida por objetivos dos mais diversos, a exemplo de destruir o sistema açucareiro como

um todo, corrigir excessos e manter a opressão religiosa. Conseguir conter a formação de uma

religiosidade não católica era missão desempenhada pelo Santo Oficio na figura de seus

inquisidores dentro do Brasil do século XVI.

Assim, ao cativarem seus sonhos de permanência em uma terra “sem mal”, os

neoconversos formam em torno deles pontos de construção de uma rede social que os torna

construtores da sociedade, adaptam-se às exigências dos católicos portugueses e praticam – em

segredo – a fé hebraica. Branca Dias e seus descendentes eram seguidores do judaísmo secreto,

mas reconhecidamente e socialmente cristãos, sendo seguidores do catolicismo, embora Branca

Dias deixasse claro em seu ambiente doméstico suas crenças, chegando a confessar para suas

alunas “que era judia”. Ela, o esposo Diogo Fernandes e toda a descendência foram afirmados

dentro das crenças judaicas e, mesmo após as mortes, foram perseguidos pelas chamas da Santa

Inquisição portuguesa.

Branca Dias, histórica, cristã-nova moradora de Camaragibe, é o grande símbolo

judaico do Nordeste Colonial. Tem sua história recriada, seja em forma literária, seja na forma

mítica, demonstrando que o seu poder simbólico, dentro da imaginação popular, não foi de todo

dissipado, restando ainda pontos opacos que carecem de respostas e que estão a nos desafiar.

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Uma das questões mais intrigantes é saber o que motivou exatamente a construção da Branca

Dias mítica dentro do imaginário popular paraibano. Podemos aventar algumas possibilidades.

A construção do mito mantém viva a memória histórica da personagem Branca Dias,

colocando-a como símbolo estável e heróico do judaísmo brasileiro do período colonial. Um dos

fatores mais importantes para a sua continuidade no tempo é a relação mantida com a memória

coletiva do grupo, compartilhada com os estudiosos das novas gerações. Trata-se também, dos

significados duranianos ao longo da vida da personagem, o que marca a força dos elementos

naturais na composição de sua trajetória heróica. A água, o fogo e outros símbolos dispostos na

narrativa dissertativa montam a estrutura de ligação entre o mito e o mundo real. A busca da

heroína reúne dois mitologemas: a heroína e a busca, e cada um possui seu significado. Para

concluir de uma vez por todas esta dissertação, gostaríamos de resgatar mais uma de tantas

histórias de que é feita a história humana. Porquanto o nosso interesse em esclarecer a construção

do mito de Branca Dias e, conseqüentemente, o retorno da heroína dentro do imaginário

paraibano, destacando, contudo, os símbolos que compõem as estruturas do imaginário pensado

por Gilbert Durand, e é justamente sobre este aspecto que queríamos chamar a atenção do leitor.

A trajetória do individuo afetou toda uma coletividade. Nesta tentativa de restabelecer

os tênues nexos que ligam o ontem e o hoje somos levados a crer que existe um encontro

marcado entre a geração que nos constituiu e as que nos precederam. De forma a levar o

historiador, principalmente nós, estudiosos das religiões, a estarmos atentos aos sinais que o

passado emite ao presente, sinais que em diversas situações são enviados de forma alegórica,

vemos que por trás dos despojos se escondem trajetórias humanas de sofrimento, mas também de

heroísmo. Ao recontar a história de Branca Dias histórica a partir da ótica construtiva do mito e

de suas representações dentro da sociedade, usando a visão duraniana do imaginário, esperamos

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ter aberto uma porta estreita pela qual possam penetrar as novas realizações cientificas que

desenvolvam a aplicação dos mitemas duranianos em relação a outros mitos popularmente

conhecidos de nossa História, já em patamar avançado e, assim, ofereçam condições ainda

maiores para servir aos estudiosos da área.

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ANEXO 1

Fonte: JOFFILY, José. Nos tempos de Branca Dias. Londrina: Pé Vermelho,1993. Iconografia da Loja

Maçônica fundada em 1918, homenagem feita a Branca Dias.

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ANEXO 2

Branca Dias – imaginada pelo autor Miguel Real

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ANEXO 3

As Gerações de Branca – Fonte: MELLO, José Antonio Gonsalves. Gente da Nação, 1996.

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