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FATEBRA FACULDADE TEOLÓGICA DO BRASIL “Entidade Educacional Com Jurisdição Nacional” APOSTILA - 03 ESTUDOS SOBRE – O VELHO TESTAMENTO TOTAL 187 – PAGINA 34 ASSUNTOS! 01 - A Arca da Aliança: História e Significado 02 - A corrida da Fé: Por que e como devemos corrê-la? 03 - A vida nas mãos de Deus 04 - Abraão & a aliança 05 - Abraão, o amigo de Deus 06 - As conseqüências do Pecado 07 - Aspectos Messiânicos de José 08 - Creio no amor 09 - Creio no Dia do Senhor 10 - Creio nos mandamentos 11 - Creio no Reino de Deus 12 - Da rua da amargura para a galeria da fé 13 - Diário de Isaque 14 - Jerusalém nos Salmos 15 - Jonas: O profeta fujão 16 - José, "o Fiel" 17 - Manuscritos do Mar Morto 18 - Na presença de Deus 19 - o ano aceitável do Senhor" 20 - O Deus não desiste de amar 21 - O Espírito Santo e a salvação no Antigo Testamento 1

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FATEBRAFACULDADE TEOLÓGICA DO

BRASIL“Entidade Educacional Com Jurisdição

Nacional”APOSTILA - 03

ESTUDOS SOBRE – O VELHO TESTAMENTOTOTAL 187 – PAGINA

34 ASSUNTOS!

01 - A Arca da Aliança: História e Significado02 - A corrida da Fé: Por que e como devemos corrê-la?03 - A vida nas mãos de Deus04 - Abraão & a aliança05 - Abraão, o amigo de Deus06 - As conseqüências do Pecado07 - Aspectos Messiânicos de José08 - Creio no amor09 - Creio no Dia do Senhor10 - Creio nos mandamentos11 - Creio no Reino de Deus12 - Da rua da amargura para a galeria da fé13 - Diário de Isaque14 - Jerusalém nos Salmos15 - Jonas: O profeta fujão16 - José, "o Fiel"17 - Manuscritos do Mar Morto18 - Na presença de Deus19 - o ano aceitável do Senhor"20 - O Deus não desiste de amar21 - O Espírito Santo e a salvação no Antigo Testamento22 - O Método Segundo Kaiser23 - O Segundo Mandamento24 - O triunfo da fé em tempos de crise25 - O Vale das Sombras26 - Os Levitas27 - "...pouco menor do que Deus"28 - Projeto de Vida

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· Rahab e Leviatan· Reflexões sobre a imortalidade da alma· Resposta aos Judeus não convertidos· Salmo 133: Interpretando o Texto Numa Perspectiva Bíblico-Teológica· Tipologia: Considerações Gerais· Tolerância Zero

A ARCA DA ALIANÇA:HISTÓRIA E SIGNIFICADOReverendo Professor Antony Steff Gilson de Oliveira

I. História:A arca da aliança (também chamada "arca do Senhor", "arca de Deus", "arca da aliança do Senhor", "arca do testemunho" e "arca sagrada") era uma caixa retangular de madeira de acácia, medindo cerca de 1,20m de comprimento e 0,75m de largura x 0,75m de altura (Ex 25.10). Seu revestimento interno e sua cobertura externa eram de ouro puro batido. Na parte superior, ao redor, havia uma bordadura de ouro (Ex 25.11). Contudo, a tampa que cobria a arca, denominada de propiciatório (em hebraico kappõret, "cobertura"), era de ouro maciço (Ex 25.17). Sobre o propiciatório, também de ouro maciço, haviam dois querubins, um em cada extremidade da arca com as asas estendidas à frente um do outro, cobrindo o propiciatório (Ex 25.18-20). Do meio deles Deus se comunicava com o Seu povo (Ex 25.22). A arca era a única peça de mobília no Santo dos Santos do tabernáculo (e, posteriormente, do templo) e abrigava cópias das tábuas da lei (Ex 25.16; 2 Rs 11.12), um vaso com maná (Ex 16.33,34) e a vara de Arão (Nm 17.10). Mas quando, numa época posterior, foi colocada no lugar santíssimo do templo de Salomão, "Nada havia na arca senão só as duas tábuas de pedra, que Moisés ali pusera junto a Horebe, quando o Senhor fez aliança com os filhos de Israel, ao saírem da terra do Egito" (I Rs 8.9).

Antes da construção do templo, a arca da aliança era carregada por sacerdotes levitas (cf. 2 Cr 35.3) que usavam duas varas de acácia revestidas de ouro, fixas em argolas que ficavam na parte inferior da arca (Ex 25.12-15). Quem tocasse na arca da aliança era passível de morte (cf. 2 Sm 6.6,7).

Segundo o historiador Josefo, a arca da aliança provavelmente se perdeu durante a destruição de Jerusalém pelos caldeus, em 587 a. C., pois na construção pós-exílica do segundo templo (c. de 537 a. C.) a arca já não fazia parte dos utensílios do santuário, o que deveras surpreendeu Pompeu quando em 63 a. C. insistiu, pela força, entrar no lugar santíssimo. F. F. Bruce lembra: "No lugar santíssimo pós-exílico a posição da arca estava marcada por uma plataforma chamada 'a pedra de fundação' (heb. 'eben shattiyyãh)".

Jeremias profetizou o fim da arca da aliança (como objeto e símbolo) assim: "Sucederá que, quando vos multiplicardes e vos tornardes fecundos na terra, então, diz o Senhor, nunca mais se exclamará: A arca da aliança do Senhor! ela não lhes virá à mente, não se lembrarão dela nem dela sentirão falta; e não se fará outra" (Jr 3.16). Comentando esta passagem de Jeremias, R. K.

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Harrison diz: "A presença de Deus em Sião fará desnecessária a arca e outros objetos de culto com sua majestade, porque estes são somente símbolos da realidade de Deus. Na Jerusalém celestial de Ap 22.5 o sol também estará fora de moda. Até esta época ainda precisamos de alguns lembretes materiais da atuação de Deus, para auxiliar a fé".

II. Significado:A arca da aliança possuía dos significados distintos. O primeiro era simbolizar a presença protetora e orientadora de Deus no meio do Seu povo. No recôndito do santuário o Senhor revelava Sua vontade aos Seus servos (Moisés: Ex 25.22; 30.36; Arão: Lv 16.2; Josué: Js 7.6, etc.). Justamente por ser símbolo de Deus com Seu povo, a arca da aliança desempenhou um papel importantíssimo, como por exemplo, na travessia do rio Jordão (Js 3.4), na queda de Jericó (Js 6) e na cerimônia da memorização do pacto, no monte Ebal (Js 8.30-35).

O segundo significado, que na verdade é a expressão maior do primeiro, tem a ver com Jesus Cristo. O Dr. D. D. Turner observa: "A arca tipificava o Senhor Jesus Cristo que intercede por nós detrás do véu". E ainda: "Verifica-se melhor a tipologia da arca em Números 10.33: 'A arca da aliança do Senhor ia adiante deles caminho de três dias, para lhes deparar lugar de descanso'. Jesus Cristo, o antitipo da arca, vai adiante dos Seus remidos explorando o caminho através do deserto deste mundo pecaminoso, e levando o Seu povo até à Canaã celestial". E conclui: "Assim como a arca ficou nas mãos dos filisteus durante certo tempo (cf. I Sm 5 e 6), o Messias foi cativo no sepulcro, mas depois ressuscitou com triunfo".

Esperamos que estas rápidas considerações sobre a arca da aliança tenham sido de alguma forma esclarecedoras para você. Que Deus o (a) abençoe.

Reverendo Professor Antony Steff Gilson de Oliveira

A CORRIDA DA FÉ: POR QUE E COMO DEVEMOS CORRÊ-LA?

Estudo bíblico de Hebreus 12.1-3

As competições olímpicas eram práticas apreciadas e admiradas no mundo antigo. Ainda hoje, eventos olímpicos como o de Atlanta, nos Estados Unidos, em 1996 e o de Sydney que ocorrerá na Austrália em 2000, respectivamente, mexeram e mexerão com a emoção de muita gente.

Escritores bíblicos como Paulo e o autor da carta aos Hebreus fizeram constante menção das atividades esportivas em seus escritos. Eles eram apreciadores do esporte e dele sabiam tirar lições preciosas para a vida cristã. Um exemplo clássico disso é a passagem bíblica de Hebreus 12.1-3. O autor aos Hebreus extrai da figura de um estádio lotado, do espírito da dinâmica de uma competição olímpica, uma ilustração para a vida cristã.

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Após relatar a luta e a vitória dos heróis e heroínas da fé do Antigo Testamento, o autor de Hebreus direciona o olhar de seus leitores para o Campeão dos campeões, Jesus. Ele os mostra como aqueles campeões, e principalmente Jesus Cristo, venceram e porque eles (seus leitores) deveriam correr a corrida cristã e como esta corrida deveria ser feita.

Mas deixemos por enquanto os leitores imediatos do autor aos Hebreus. Vamos entrar na corrida também! porque ela é de todo aquele que verdadeiramente corre a corrida da fé.

I. Por que devemos participar da corrida cristã?

Devemos participar da corrida cristã por três motivos básicos:

1) Em primeiro lugar, porque ela é determinada por Deus.O texto bíblico diz: "Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso, e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos com perseverança a carreira que nos está proposta" (Hb 12.1). Note que a passagem bíblica diz justamente: "corramos ...a carreira que nos está proposta". Não há necessidade de se especular sobre quem estaria propondo esta corrida para os filhos de Deus. Está claro que é o próprio Deus quem a propõe. Em última análise pode-se dizer, por isso mesmo, que esta corrida cristã e de fé é também a corrida da graça. O próprio Deus é quem a estabelece para nós e é quem nos capacita a corrê-la com triunfo (cf. I Co 15.10; 2 Co 3.5).

A corrida cristã é a corrida de Deus para nós. Nela não estaremos sós e nunca seremos deixados à própria sorte, pois , de outro modo, estaríamos todos condenados à destruição. Quem está apto para correr por suas próprias forças a corrida da fé? Ninguém! A corrida que Deus nos propõe é a corrida da graça que nos capacita para a vitória.

Além disso, estando determinada por Deus, ninguém, sendo cristão autêntico, ficará fora dessa corrida. Deus a determinou para todos nós. Semelhantemente, uma vez que corremos a corrida da graça de Deus, nada é tão forte que possa nos desviar do objetivo de completá-la.

Uma obra clássica que nos ajuda a entender o triunfo de todo aquele que corre a corrida da fé é o Peregrino de João Bunyan (1628-1688). O Cristão, personagem principal da alegoria, alcançou, após lutar muito e passar por obstáculos sofríveis, seu objetivo maior que era chegar na Cidade Eterna. Assim será para todos nós, pois o nosso Deus não nos deixará correr sozinhos, mas nos incentivará sempre e nos capacitará para uma chegada triunfal.

2) A segunda razão porque devemos correr a corrida cristã, é porque ela é incentivada pelos heróis da fé.O autor aos Hebreus nos relata que "temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas".

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Além do próprio Deus como maior interessado em que sejamos vencedores nesta corrida (porque nós seremos salvos e Deus glorificado), temos a rodear-nos "tão grande nuvem de testemunhas". Esta grande nuvem de testemunhas significa aqueles grandes exemplos de fé que o escritor sagrado acabara de citar no capítulo 11. Pensemos, então, num herói como Abel que pela fé "ofereceu a Deus mais excelente sacrifício do que Caim; pelo qual obteve testemunho de ser justo, tendo a aprovação de Deus quanto às suas ofertas. Por meio dela (da fé), também mesmo depois de morto, ainda fala" (Hb 11.4). E por aí segue exemplos como os de Noé, Abraão, Raabe, etc. Entretanto, em que sentido os homens e mulheres de Deus do Antigo Testamento são testemunhas para nós que corremos hoje? F. F. Bruce responde: "Provavelmente não no sentido de espectadores, observando seus sucessores enquanto correm a corrida na qual entraram; mas no sentido que por sua lealdade e perseverança deram testemunho das possibilidades da vida da fé" (Bruce, La epístola a los hebreus, Nueva Creación, Buenos Aires, 1987, p. 349).

Convém ressaltar que o escritor sagrado não está dizendo que os espíritos dos heróis da fé estariam conosco para nos ajudar na corrida cristã. Hebreus 9.27 dá a entender que este não era o ponto. A verdade é que os heróis da fé estão na presença de Deus torcendo, por assim dizer, por todos nós.

3) O terceiro motivo porque devemos correr a corrida que nos está proposta é porque é ela uma corrida inspirada na vitória de Cristo.

"Considerai, pois, atentamente, aquele que suportou tamanha oposição dos pecadores contra si mesmo, para que não fatigueis, desmaiando em vossas almas" (Hb 12.3). Pouco antes o autor de Hebreus diz que Cristo "suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia" (Hb 12.2).

Quantas e quantas vezes não somos tentados a desistir dessa corrida? Às vezes parece que a nossa linha de chegada nunca será alcançada. Se olhamos para trás corremos o risco de tropeçar e cair, se corremos de cabeça baixa arriscamos não ver quão perto possa estar a nossa chegada. A corrida cristã é dura, mas a chegada é certa! Portanto, ergamos os nossos olhos para o horizonte e contemplemos Jesus Cristo. Quanta dor, quantas aflições Ele passou , porém, que vitória espetacular! Pois Ele suportou tudo sem nunca deixar de correr. É isso que o autor aos Hebreus pede que façamos: "Não desanimem, olhem para Jesus".

É difícil viver nesse mundo de pecado, sendo constantemente cirandado pelo diabo, pelo mundo e pela nossa própria carne. Contudo, Cristo venceu para nos ajudar a vencer. Ele é nosso maior exemplo e incentivador. Então, minha amiga e meu amigo, levante a cabeça porque você é de Deus e vai vencer, por maiores que sejam os obstáculos desta sua corrida. Não desanime, o Senhor está com você e o (a) sustentará.

II. Como devemos correr a corrida cristã?

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Esta pergunta pode ser respondida de duas maneiras, a saber, negativa e positivamente falando.

1. Negativamente falando:

a. Desembaraçando-nos de todo pesoÉ importante não perdermos de vista a figura dos atletas dos jogos olímpicos. Para nosso objetivo, trata-se daqueles atletas que praticam uma das modalidades mais antigas das olimpíadas, a prova de velocidade. Portanto, são velocistas correndo a prova dos 100 ou 200 metros, com barreira.

Segundo os estudiosos dos tempos bíblicos, quando os atletas estavam treinando para as olimpíadas, eles costumavam vestir roupas pesadas e amarrar pequenos pesos nos tornozelos. Porém, no dia da corrida propriamente dita, as roupas pesadas e as tornozeleiras eram tiradas. Isto dava a sensação de leveza que, dentre outras coisas, garantia a vitória.

O autor aos Hebreus também fala de peso. "Desembaraçando-nos de todo peso", diz ele. Que peso é esse que o escritor nos pede para desembaraçar? Quais as implicações do mesmo para a corrida cristã? Antes de tudo, notemos que peso aqui não é o pecado, pois sobre ele (o pecado) o escritor sagrado fala depois. Portanto, peso significa aqui tudo aquilo que na vida cristã impede o nosso bom relacionamento com Deus e, conseqüentemente, com o próximo. Não é o pecado propriamente dito, mas pode facilmente levar a ele se não vigiarmos e orarmos. Por exemplo, namorar não é pecado, mas um namoro pode servir de peso na vida do casal que se descuida do compromisso com Deus e de Sua Palavra. Assistir TV em si não é pecado, porém, a televisão pode tomar (e como toma!) o tempo precioso de dedicação a Deus. E por aí vai...

Há na sua vida alguma coisa que está roubando o tempo de Deus, a comunhão e vida de santificação com o Senhor? Não prossiga a leitura dessa mensagem sem antes refletir seriamente sobre isto e confessar seus pecados a Deus. O Senhor Deus o abençoará.

b. E do pecado que tenazmente nos assediaAlém do peso que devemos nos desfazer, ainda é necessário, para que corramos bem, nos desembaraçar do "pecado que tenazmente nos assedia".

O pecado sempre está às portas. Não foi isso que Deus disse a Caim? (Gn 4.7). E do mesmo modo que a ele foi ordenado, também cumpre a nós dominá-lo. Tem que ser assim porque o pecado faz separação entre nós e Deus (cf. Is 59.2). Por isso devemos orar para que Deus não nos deixe cair em tentação. A queda rompe o bom relacionamento com o Espírito Santo que em nós habita.

Na corrida olímpica quem não pula os obstáculos será desclassificado, mesmo se chegar em primeiro lugar. Na corrida cristã nunca correremos bem se tivermos o pecado como nosso treinador.

2. Positivamente falando:

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a. Devemos correr com perseverançaAlguém disse com acerto que "a persistência é a alma da conquista". Nada que seja verdadeiramente útil nesta vida é adquirido sem perseverança. Se queremos fazer bem feito e atingir os nossos objetivos na vida, então temos que trabalhar ao ponto de exaustão. Esta idéia de trabalho ao ponto de exaustão é muito comum em Paulo, veja por exemplo, I Co 9.24-27.

Quando o atleta olímpico estava disputando a corrida com seu adversário, ele colocava toda força no enrijecimento de seus músculos. As dores também eram terríveis, superadas somente pelo ideal de vencer. Na corrida cristã, meu amigo, o lema é vencer ou vencer. Não há lugar para perdedores no reino dos céus. Garanta o seu lugar porque Deus não correrá por você. É verdade que Ele nos capacita, nos incentiva, etc., mas a corrida é nossa. Deus não correrá por mim e nem por você. O escritor sagrado é claro nisso quando diz com o imperativo verbal, "corramos"! Corramos com perseverança a carreira que nos está proposta.

b. Olhando firmemente para JesusO modo correto para se correr bem é exatamente este: "Olhando firmemente para Jesus". Eu diria que aqui está a parte mais importante da corrida. E por que? Porque quando nós corremos olhando firmemente para Jesus não há tempo para ocupações triviais da vida e muito menos tempo para pecar. Corremos com confiança. Além disso, voltamos o nosso olhar para Aquele que é o maior vencedor e maior incentivador da corrida cristã. Jesus é, por assim dizer, o torcedor principal no estádio, pois somente Ele é o nosso Autor e Consumador da nossa fé. E o que isso quer dizer? Quer dizer que como Autor Jesus "preparou o caminho da fé com triunfo diante de nós, abrindo assim um caminho para os que O seguem". Como Consumador da fé Ele é "o completador e aperfeiçoador; no sentido de levar uma obra até o fim, não por decurso de prazo".

Enquanto estivermos correndo olhando para Jesus estaremos garantindo nossa vitória nas olimpíadas da fé.

Que Deus faça de você um grande campeão e vencedor em Cristo Jesus. Amém!

A VIDA NAS MÃOS DE DEUSA mensagem do Salmo 31.15www.cgadob.com.br

Durante anos e anos o livro dos Salmos tem enriquecido a vida espiritual do povo de Deus. A razão disso está no fato de nos identificarmos com as lutas e as vitórias dos salmistas. Muitas das experiências dos salmistas são, de certa forma, as nossas experiências também. Porém, o que mais tem fascinado os crentes através dos tempos é a vida espiritual de comunhão com Deus que os salmistas levavam. Um bom exemplo dessa espiritualidade é a oração de Davi no Salmo 31, em especial a primeira parte do verso 15 que diz: "Nas tuas mãos estão os meus dias". Permita-me compartilhar com você esta preciosidade dos Salmos.

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Num mundo em que as pessoas estão cada vez mais interessadas em si mesmas, auto-confiantes, porém (paradoxalmente) confusas e inseguras acerca do dia de amanhã, em que circunstância poderíamos nos aproximar de Deus e dizer-Lhe com a mesma convicção de Davi, "Nas tuas mãos estão os meus dias"? Consideremos três aspectos.

1) Em primeiro lugar, podemos dizer "nas tuas mãos estão os meus dias" quando dependemos inteiramente de Deus.

Somente alguém que se entrega totalmente aos cuidados de Deus é capaz de declarar ao Senhor: "Nas tuas mãos estão os meus dias". Somente quem vive em função do próprio Deus pode dizer e cantar:

De ti, Senhor, careço!Do teu amparo, sempre!Oh, dá-me tua bênção!Aspiro a ti.(Dependência - NC 120)

Uma das maiores expressões de dependência de Deus é a oração. Ao orarmos reconhecemos diante de Deus que somos fracos, pequenos e necessitados de Sua graça e compaixão imensuráveis. O Salmo 31 é uma oração de Davi do começo ao fim, onde o versículo 15 é ponto alto de sua súplica. É como se Davi dissesse a Deus: "Nas tuas mãos estão os meus dias porque sem a tua ajuda, sem a tua proteção e sem a tua providência constante em minha vida eu não tenho condições de dar um passo sequer". Este anseio de Davi em estar ligado a Deus também é marcante nos Salmos 42 e 63. Contudo, uma das melhores ilustrações da oração de Davi no Salmo 31.15 está no pedido de Pedro em João 6. Depois que o Senhor Jesus acabou de proferir o sermão do pão da vida, muitos que O seguiam se escandalizaram e O abandonaram. Em seguida Jesus se voltou para os doze e lhes perguntou se também queriam deixá-lO. "Respondeu-lhe Simão Pedro: Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras de vida eterna; e nós temos crido e conhecido que tu és o Santo de Deus" (Jo 6.68). Observe a expressão: "Senhor, para quem iremos?". O que Pedro quis dizer foi exatamente isto: "Não há outra pessoa a quem podemos ir; não há outra pessoa que satisfaça o anelo do coração" (G. Hendriksen).

Assim oraram Davi e Pedro; assim deve orar todo aquele que crê que "a nossa suficiência vem de Deus" (2 Co 3.5).

2) Em segundo lugar, podemos dizer como o salmista "nas tuas mãos estão os meus dias" quando confiamos verdadeiramente em Deus.

Quem depende inteiramente de Deus com certeza confia nEle. Davi confiava no Senhor de maneira absoluta e incondicional. Observe que o versículo 15 do Salmo 31 é o reflexo da confiança impressa no versículo 14. Enquanto os inimigos de Davi confiavam nos ídolos e a eles dedicavam suas vidas, o salmista buscava ao Senhor dizendo: "Quanto a mim, confio em ti, Senhor. Eu disse: Tu és o meu Deus. Nas tuas mãos estão os meus dias...". Havia, ainda, um problema específico mas o salmista o entregou a Deus: "... livra-me das

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mãos dos meus inimigos e dos meus perseguidores" (v15b). Davi faz um jogo de palavras com o termo "mãos" do verso 15, como se quisesse dizer: "Livra a minha vida das mãos dos meus inimigos porque a minha vida está nas tuas mãos". Todavia, fosse qual fosse o problema, era costume de Davi confiar totalmente em Deus para solucioná-lo.

Será que temos confiado em Deus com a mesma intensidade do salmista? Temos confiado em Deus a ponto de O deixarmos resolver os nossos problemas? Muitas vezes permitimos que os nossos problemas pareçam maiores que o nosso Deus. Não acreditamos que Ele possa resolvê-los de fato, ou então esperamos que Ele os resolva ao nosso modo. Não ousamos dizer-Lhe que faça a nossa vontade, mas Deus, que é poderoso e tremendo, sonda o nosso coração e se entristece ao ver que não confiamos nEle de verdade.

"Ajuda-me, Senhor, a confiar em ti de tal maneira que eu não carregue comigo aqueles problemas que já entreguei ao teu cuidado" (W. Kaschel).

3) Finalmente, mas não menos importante, podemos fazer das palavras de Davi, "nas tuas mãos estão os meus dias", nossas palavras, quando reconhecemos a direção de Deus em nossa vida.

É interessante notar que Davi faz mais do que crer na existência de Deus. Ele nem ao menos pede a Deus: "Daqui pra frente dirige a minha vida". Ao contrário, o que ele faz no verso 15 é "relembrar" ao Senhor que a sua vida está nas mãos de Deus porque o Senhor já é o seu Deus! (cf. v14). Por isso Davi não precisaria temer os seus inimigos e perseguidores ou qualquer outra situação de perigo (veja Salmos 27.3; 46.1-3). A direção de Deus na vida de Davi fazia diferença.

Semelhantemente, quando Deus dirige nosso destino não somos sufocados pelo desespero e ansiedade (cf. Mt 6.25-34; Fp 4.6; Hb 13.5,6; I Pe 5.7). Quando Deus dirige a nossa vida somos profundamente gratos a Ele por tudo (I Ts 5.18) e nos comportamos com maturidade em relação ao próximo. Alguns exemplos desse último: Por estar ciente da direção de Deus em sua vida foi que Davi poupou a vida de Saul (I Sm 24). E José do Egito? Sabendo que Deus dirigia o rumo de sua existência, José deixou para Deus as ofensas de seus irmãos ao invés de fazer justiça com as próprias mãos. José perdoou seus irmãos porque viu o propósito de Deus em meio à maldade deles. Davi fez o mesmo com Saul. Nós também podemos fazer o mesmo com o nosso semelhante se de fato reconhecemos a direção de Deus em nossa vida.

Um dos piores males existentes no meio do povo de Deus hoje em dia é a falta do perdão. Esta falta de perdão, por sua vez, é motivada pela falta de compreensão da direção de Deus. Quando entendermos que é Deus quem dirige as grandes e as pequenas coisas do nosso viver e não o acaso, a fatalidade, a sorte ou o azar, e que "todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito" (Rm 8.28), então nunca mais teremos problemas em nosso relacionamento interpessoal porque não teremos mais dificuldade em perdoar

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quem quer que seja. As pessoas com maior dificuldade em perdoar são aquelas que não conseguem ver Deus na direção de suas vidas.

Depender de Deus em tudo, confiar totalmente nEle e ser dirigidos pelas Suas mãos deveriam ser os nossos maiores ideais todos os dias da nossa vida. Porque na vida o que realmente deve importar ao servo e à serva de Deus não é se os sonhos serão ou não realizados, se haverá ou não muito dinheiro no bolso e saúde para dar e vender durante o ano, mas sim, poder entrar, passar e sair de mais um ano com a mesma certeza de Davi: "Nas tuas mãos, Senhor, estão os meus dias"! Que Deus o (a) abençoe.

ABRAÃO & A ALIANÇAProfessor Antony Steff Gilson de Oliveira

A tradição bíblica apresenta os pais da humanidade e os patriarcas como monoteístas. Adão, Sete, Noé, Abraão e seus descendentes conheciam o Deus Eterno e guardavam seus preceitos. O politeísmo surge como degeneração e distanciamento desse Deus criador do universo.

Qualquer análise do surgimento da religião de Israel deve partir do homem Abraão e de seu contexto histórico e social. Podemos localizar as origens do surgimento de Israel na primeira metade do segundo milênio a.C. (2.000-1550). Foi nesse período que Abraão migrou de Ur com destino à Palestina. O mundo de Abraão é um mundo objetivo, não mitológico, e a aliança com o Deus Eterno, conforme se encontra em Gênesis 15, é a chave para entendermos todo o Pentateuco, os cinco livros da Lei.

A consolidação dessa aliança acontecerá com Moisés, descrita em Êxodo 24 e reiterada em Deuteronômio 5, numa das montanhas do deserto do istmo, entre o Egito e Madiã-Seir. Essa é a idéia-força de toda a religião de Israel: um acordo que implica em salvação.

UM ACORDO SOLENEBerit, aliança, tem o sentido de obrigação, mas também de segurança. É um acordo entre duas pessoas, celebrado solenemente, com o derramamento de sangue. A parte mais forte fornece a segurança, ou a salvação, e a mais fraca se obrigava a determinados compromissos. Dessa maneira, a aliança impôs um relacionamento especial entre o Deus Eterno e o povo. E os mandamentos e leis, dados mais tarde, no deserto a Moisés, transportam de uma conotação legal e externa para uma perspectiva de acordo maior, de adoração e obediência. O centro da aliança está no primeiro mandamento do decálogo (as dez palavras, em hebraico) que proíbe a adoração de outros deuses, da milícia do céu e dos ídolos.

UMA ALIANÇA ÉTICAMas a aliança é também um pacto moral. Só que o fundamental desse pacto, que perpassa toda a Torah ou Pentateuco não é sua mera formalização, já que outros povos também possuíam noções desenvolvidas de lei e moralidade. O assassinato, o roubo, o adultério e o falso testemunho eram condenados não apenas pela lei moral universal, mas também duramente punidos pelos códigos

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de Ur-Nammu, de Lipit-Ishtar e de Hamurabi [León Epsztein, A Justiça Social no Antigo Oriente Médio e o Povo da Bíblia, SP, Paulinas, 1990, "As Leis Mesopotâmicas", pp. 11 a 26], para citar os mais representativos.

Agora, no entanto, pela primeira vez a moralidade é apresentada pelo próprio Deus Eterno como fruto de um relacionamento entre Ele e o povo, com normas para o estabelecimento de um reino de novo tipo. É uma aliança com toda a nação. A consolidação que acontece centenas de anos mais tarde, no monte Sinai é fruto da aliança abraâmica e vai além das sabedorias babilônica e egípcia.

A moralidade apresentada no Gênesis, por exemplo, que é individual, ganha aqui uma roupagem nova, passa a ser coletiva e nacional. "Yahweh não elegeu Israel para fundar um novo culto mágico em benefício dele; elegeu-o para ser seu povo, para realizar nele o seu arbítrio. Portanto, por sua natureza, também a aliança religiosa foi uma aliança moral/legal, envolvendo não apenas o culto, mas também a estrutura e os regulamentos da sociedade. Assim, colocou-se o alicerce da religião da tora, incluindo tanto o culto como a moralidade e concebendo a ambos como expressões da vontade divina". [Yehezkel Kaufmann, A Religião de Israel, SP, Perspectiva, 1989, p.232]. Na verdade, a aliança que o Deus Eterno faz com Abraão em Gênesis 15, historicamente, tem seu cumprimento em outras condições e em outra época, no Sinai.

Dessa maneira, a aliança feita com Abraão não somente prepara o roteiro do Pentateuco, mas faz parte intrínseca dele. É bereshit, não somente como saga da origem, mas como alicerce de todos os cinco livros da Lei. Bereshit é uma expressão hebraica que normalmente traduzimos por "no princípio". É formada pela preposição B mais var, que significa cabeça, início, principal, o mais elevado. Na Bíblia hebraica o nome do livro de Gênesis é Bereshit, porque o primeiro versículo das Escrituras começa assim: "No princípio ..."

UM CONCEITO UNIFICADORA teologia de Gênesis tem por base o conceito da aliança, como descrição de um processo vivo, que tem origem em determinado momento histórico, numa relação entre o Deus Eterno e um homem historicamente definido. "A centralidade da aliança para a religião do AT já possuía defensores muito antes de Eichrodt [August Kayser, Die Theologie des AT in ihrer Geschichtlichen Entwicklung Dargestellt (Strassburg, 1886), p. 74]: "a concepção dominante dos profetas, a âncora e o alicerce da religião do AT em geral, é a noção de teocracia ou, utilizando a expressão do próprio AT, a noção de aliança" [G. F. Oehler, Theologie des AT (Tubingen, 1873), i, p. 69]: "O fundamento da religião do AT é a aliança por meio da qual Deus recebeu a tribo escolhida, a fim de realizar seu plano de salvação" [Gerhard Hasel, op. cit., p. 57].

Ao entendermos o conceito de aliança como centro unificador do livro de Gênesis e, por extensão, do Pentateuco, a leitura do texto bíblico passa a ter uma dinâmica real, que cresce conforme a aliança se transforma em osso e carne, primeiramente na vida dos patriarcas e, posteriormente, na formação da própria nação de Israel.O livro de Gênesis apresenta a humanidade recém formada como monoteísta

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[Kaufmann, op. cit., p.220]. Até o capítulo 11 não vemos nenhum traço de idolatria. Só após Babel surge a idolatria, que seria contemporânea ao aparecimento das nações da antigüidade.

A partir de Gênesis 12 temos nações idólatras e politeístas e pessoas que adoravam ao Deus Eterno. Entre estes estão Abraão e Melquisedeque. A compreensão desse fato é importante para tirarmos das costas de Abraão a responsabilidade de ter criado a primeira religião monoteísta. Ele não criou a religião do único e verdadeiro Deus, mas viveu uma tradição, no sentido de transmissão de conhecimento e cultura, que vinha em parte de seus antepassados.

UMA REGIÃO PRÓSPERAVejamos um pouco mais sobre a vida desse homem, conforme descrita em Gênesis 12:1 a 25:18. Ele vivia na terra formada entre os rios Tigre e Eufrates, às margens de um afluente do Eufrates, chamado Balique.

A cidade de Ur, onde vivera antes de ir para Harã, é situada pelos arqueólogos na região da moderna Tell el-Muqayyar, a catorze quilômetros de Nasiryeh, no sul do Iraque. Segundo estudos de Sir Leonard Woolley, do Museu Britânico, que reconstruiu a história de Ur desde o quarto milênio até o ano 300 a.C., o deus-lua Nanar, que era adorado em Ur, também era a principal divindade em Harã.

Décadas antes de Abraão, Ur era a mais importante cidade do mundo. Centro de produção manufatureira, agropastoril e exportador, estava situada numa região de enorme fertilidade. Daí partiam caravanas e navios em direção ao golfo Pérsico. Já na época de Abraão a cidade foi eclipsada pelo crescimento de Babilônia, mas manteve sua importância durante décadas.. A Babilônia destaca-se no cenário mundial a partir do governo de Hamurabi (1728-1686 a.C.). Ele venceu militarmente a Assíria, subjugou antigos aliados e também o reino de Mari, importante centro comercial da época. Durante seu governo, a Babilônia teve um impressionante florescimento cultural.

Anos mais tarde, as águas do golfo Pérsico recuaram e o rio Eufrates mudou seu curso, correndo 16 quilômetros para leste. Ur então foi abandonada, sendo sepultada pelas tempestades de areia do deserto.

As pesquisas arqueológicas desenvolvidas pela Universidade da Pensilvânia e o Museu Britânico, numa expedição dirigida por Sir Woolley, entre 1922-1934, descobriram o Zigurate ou torre-templo, cujo modelo fora a torre de Babel. Era o edifício mais importante da época de Abraão. A torre era quadrangular, construída com sólidos tijolos, possuía terraços arborizados e no topo ficava um santuário ao deus Lua.

A cidade tinha ainda dois templos. Um ao deus Lua, Nanar, e outro à deusa Lua, Ningal. Esses dois templos eram um complexo de santuários, com pequenas salas, alojamentos de sacerdotes, sacerdotisas e atendentes. Eram essas divindades que o pai de Abraão cultuava.

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Num bairro residencial de Ur foram descobertas casas, lojas, escolas e capelas, com milhares de placas, documentos de negócios, contratos, recibos, hinos, liturgias, etc. As casas eram de alvenaria, com dois pavimentos, no alinhamento das ruas, e com pátio interno.

UMA ÉPOCA CONTURBADADepois de sair de Ur, Abraão viveu com sua família em Harã, uma cidade também muito desenvolvida. Seus parentes, Terá, Naor, Pelegue e Serugue, tiveram seus nomes registrados nos documentos diplomáticos de Mari, na região e também em documentação dos assírios, como nomes de cidades naquelas regiões [Samuel Schultz, A História de Israel no Antigo Testamento, SP, EVN, 1992, p. 31].

QUADRO CRONOLÓGICO (2050-1500 a.C.)

EGITO PALESTINA MESOPOTÂMIA

2050 Império médio Época do bronze (M)

Renascimento sumério, dinastia de Ur. Amorreus

2000 Egito reunificado Amorreus

1950 XII dinastia Egito controla a costa

1900 Sírio-palestina Assíria Mari Isin Larsa 1850 Abraão 1800 Babilônia 1750 Invasão dos hicsos Hamurabi 1700 Hebreus Hititas 1650 XV dinastia 1600 1550 Novo Império

1500 XVIII dinastia e Época do bronze (R) Expulsão dos hicsos

PEQUENA CRONOLOGIA DE ABRAÃO (Gn 11:26-32; 12:4; At 7:2-4)

Nascimento Quando seu pai tinha 130 anos. Canaã Entrou na Palestina aos 75 anos. Ló Libertou seu sobrinho quando tinha 80 anos. Ismael Tinha 86 anos quando seu primeiro filho nasceu. Sodoma e Gomorra As cidades foram destruídas quando tinha 99 anos. Isaque Nasceu quando tinha 100 anos. Sara Tinha 137 anos quando sua mulher morreu. Esaú e Jacó Quando seus netos nasceram tinha 160 anos. Morte Aos 175 anos de idade.

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ROTEIRO DE ESTUDOVISÃO PANORÂMICA

1o bloco

1. Introdução Geral: a herança de Abraão para os cristãos de hoje.2. Chamado: Gn 12.1-9; At 7.2-4; Hb 11.8. No Egito: Gn 12.10-20; Rt 1.1; Mt 12.14,15.3. A separação de Ló: Gn 13.1-18; Ef 3.18 e 4:1.

2o bloco

1. A derrota de Sodoma e a captura de Ló: Gn 14.1-12.2. Abraão resgata Ló: Gn 14.13-16.3. Abraão, Melquisedeque e o rei de Sodoma: Gn 14.17-24; Hb 7.2; Sl 110.4.

3o bloco

1. Fé e aliança: Gn15.1-21; Rm 4; Gl 3.a. A fé que movia Abraão.b. A promessa vira aliança.

4o bloco

1. Hagar e Ismael: Gn 16.1-16; Gl 4.22 e 29; Pv 24.3; Ex 3.2, 4; Jz 6.12-14.2. Sara, um novo nome: Gn 17.15-22; Rm 9.24.3. Abraão intercede por Sodoma: Gn 18.16-33; Is 41.8; 1Tm 3.4-5; Ex 32.32; Is 53.12.Conclusão: A herança de Abraão para os cristãos de hoje.

ABRAÃO, O "AMIGO DE DEUS"Professor Antony Steff Gilson de Oliveira

"Ora, o Senhor a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. Eu farei de ti uma grande nação; abençoar-te-ei, e engrandecerei o teu nome; e tu, se uma bênção. Abençoarei aos que te abençoarem, e amaldiçoarei aquele que te amaldiçoar; e em ti serão benditas todas as famílias da terra. Partiu, pois, Abrão, como o Senhor lhe ordenara, e Ló foi com ele. Tinha Abrão Setenta e cinco anos quando sai de Harã. Mas tu, o Israel, servo meu, tu Jacó, a quem escolhi, descendência de Abraão, meu amigo"(Gn 12,1-4; Is 41,8)

Com a entrada de Abraão no cenário bíblico, inicia-se a história de dois mil anos do pacto de Deus com ele, e através dele, com toda a humanidade. Na pessoa de Abraão, Deus começa a obra de redenção daquele que crê (Rm 4.11). Tem início com Abraão, vai a Isaque, seu filho, a Jacó, seu neto, a Judá, seu bisneto, e segue até Jesus Cristo (cf. Mt 1.17; Rm 3.21,22). É ele o perfeito

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exemplo do que significa viver pela fé, ou, como designou o Dr. Page Kelley, querido ex-professor, o "projeto-piloto" de Deus na redenção de todos os povos.

A vida de Abraão gira em torno de duas ordens de partida:

1. " Sai-te da tua terra..." (Gn 12.1) e 2. "Toma agora teu filho..." (Gn 22.2).

Vamos a elas.

"SAI-TE DA TUA TERRA..." (Gn 12.1-4)

O fato é que Deus requer de Abraão que deixe sua terra e seus parentes idólatras. Isso acontece por volta de 1976 a.C. Vai com Sara (a esposa), com Ló (o sobrinho), servos e gado.

Josué 24.2,3 diz que Abraão deixou a sua terra e seu clã para se afastar da idolatria que ali reinava (cf. Gn 31.19). Deus tinha uma mensagem que desejava passar a toda a humanidade. Alguém disse que "o melhor meio de enviar uma mensagem e amarrá-la no mensageiro" (como um pombo correio). Foi o que Deus fez com Abraão, e a tarefa, ele a cumpriu com fé e obediência. A ordem para deixar sua terra, familiares e pais foi algo muito mais sério para ele do que teria sido para nós. Na época de Abraão, a paz e segurança que se conhecia era a de estar com sua família. Quando alguém deixava essa segurança ficava exposto a todos os perigos.

Abraão não conhecia a Deus. Para ele, falar de religião com seus pais, irmãos, familiares e contemporâneos de Ur era falar do deus-lua chamado Sin, principal divindade de sua terra. Ele conhecia também o deus-sol, Nana, e sabia de Anu, o deus do céu dos sumerianos.

Tudo isso significa que para Abraão sair da sua terra, da sua parentela e da casa dos seus pais era um apelo espiritual que lhe chegava na revelação do Deus único, verdadeiro. Apelo a uma integridade que ele não poderia encontrar no panteão de deuses mitológicos. E assim ele parte. Vai para Canaã. O escritor de Hebreus rende uma homenagem a Abraão quando diz que, " Pela fé Abraão, sendo chamado, obedeceu saindo para um lugar que havia de receber por herança; e saiu, sem saber para onde ia" (Hb 11.8).

É preciso uma "saída", uma separação radical para ser orientado pela pedagogia divina. Afinal, não vivemos no meio de tantos deuses da época atual? O dinheiro não é um poderoso deus? O poder não é um deus que apela? O prazer? A posição social?

É preciso sair. Sair da idolatria, dos deuses falsos , de tudo o que prejudica a comunhão com o Eterno. Fé não é simplesmente crer num conjunto de parágrafos sobre a pessoa de Deus, mas comprometimento com Ele, porque fé é, primariamente, palavra de relacionamento pessoal com o Criador.

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A chamada de Abrão envolve uma dupla promessa: a de terra (Gn 12.7) e a de descendência (Gn 15.5) . E foi uma chamada grande de sacrifício, para compromisso total, e para um novo sentido, caminho, curso na vida. Essa a razão porque Abraão recebe duas ordens: a de andar diante de Deus, e a de ser perfeito (Gn 17,1). A vida , na Bíblia, é descrita como um caminho por onde se anda; é uma peregrinação. Ser perfeito, por sua vez, é ser integro, inteiro, completo. É, portanto , vida de rendição total e incondicional a Deus. E Abraão o aceita (cf. Gn 17.3a). Aí, começam suas provas, seus testes de fé.

AS PROVAS

São, pelo menos, sete as promessas de Deus a Abraão:

1. seria pai de uma grande nação (e nem herdeiro tinha!); 2. Deus o abençoaria durante a vida; 3. seria ria uma figura mundial (talvez nem precisasse citar que três

grandes grupos religiosos derivam da fé de Abraão. E a ele rendem suas homenagens: os judeus, os cristãos e os muçulmanos);

4. seria uma bênção para outras pessoas (Não é só destaque e fama: é serviço; o crente há de ser uma bênção sempre: seja porteiro de um edifício, industriário, bancário, pequeno comerciante, profissional liberal, executivo de empresa ou autoridade civil);

5. suas bênçãos serão compartilhadas com os que o recebessem (o que significaria abertura para a proximidade de Deus);

6. os que degradassem e amaldiçoassem Abraão, os insensíveis para com Deus e Suas promessas, trariam sobre eles a própria ira de Deus;

7. influência universal.

Mas as provas são pesadíssimas. Foi-lhe prometida numerosa descendência, mas não tinha filhos. Ele e Sara já são de idades avançadas, e ela, ainda mais, estéril. Abraão toma a providência de adotar um servo: Eliezer (Gn 15.3) Não era a solução de Deus (cf. Gn 15.4), e, mais ainda, Deus não permite que tracemos Seu programa! Sara toma a sua providência: entrega ao marido uma serva egípcia (Agar). Isso aconteceu onze anos depois do "projeto Eliezer", e o objetivo é que a criança nascida da união fosse sua. Nasceu Ismael desse "arranjo" de Sara ("projeto Agar"). Não era, porém, repetimos, a solução de Deus (Gn 18.10), porque, mais uma vez afirmamos, Ele não permite que tracemos Seu programa! Passam-se vinte anos antes que Isaque, o filho da promessa, nasça.

A segunda prova foi a da fome em Canaã. Fome na terra prometida Sera que Deus havia se enganado Afinal, Abraão estava em paz com os seus, materialmente bem, mas a fome foi um teste de fé que lhe veio após um tempo de comunhão.

Outra prova ocorreu no Egito. Foi uma questão de fraqueza moral. Abraão e culpado de egoísmo, engano e mentira; colocou a esposa em situação difícil. Sua proposta, aliás, foi:

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"Quando ele estava prestes a entrar no Egito, disse a Sara, sua mulher: Ora, bem sei que es mulher formosa a vista; e acontecera que,quando os egípcios te virem, dirão Esta é mulher dele. E me matarão a mim, mas a ti te guardarão em vida. Dize, peço-te, que és minha irmã, para que me va bem por tua causa, e que viva a minha alma em atenção a ti."(Gn 12.11-13).

Usou de meia verdade (v. 13; cf. 20.12). verbalmente verdadeiro, mas falso na realidade. Abraão não teve consideração por Sara. Alguém poderia perguntar porque a Bíblia registrou essa história tão triste e escabrosa. Lembramos que a Bíblia não esconde os erros dos seus heróis porque chama o pecado de pecado, o mal de mal, a virtude de virtude, e a bênção de bênção. Daí um Noé e um Loó bêbados , um Jacó enganador, um Moisés medroso, um Davi adúltero e um Pedro mentiroso.

E, finalmente, a grande prova: Moriá.

MORIÁ (Gn 22)

Depois dessa longuíssima espera, nasce Isaque, o filho da promessa. Está agora rapazinho com cerca de doze ou treze anos. E quando Abraão recebe a segunda ordem: a primeira foi a de deixar Ur dos Caldeus, Ur dos seus parentes, para o passado. A segunda é a de se desfazer de seu futuro: "Prosseguiu Deus: Toma agora teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas; vai a terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre um dos montes que hei de mostrar" (Gn 22.2).

Abraão está fadado a ser o homem do presente. Só do presente, sem passado e sem futuro. Seu futuro tão aguardado vai ser sacrificado.

Dá para imaginar o sentimento de alegria que sentiu o garoto quando o pai o chamou para a viagem de três dias à terra de Moriá: a animação do preparo das bagagens, a partida, a chegada ao pé da montanha no terceiro dia. Isaque vê que tudo de que se necessita está pronto: a madeira, as correias de couro para amarrar a vítima, a faca, o fogo, o incenso. Mas falta o cordeiro: "Pai, não esqueceu de alguma coisa?"

E o sentimento de Abraão, a sua introspecção enquanto caminhavam aqueles 120 km. Três dias de marcha sem uma palavra. Era tempo bastante para voltar para casa se Abraão quisesse mudar de idéia. Três longos dias e três frias noites!

Finalmente, aí está Moriá, o monte da suprema provação, da prova que a linguagem humana é quase incapaz de analisar. Os servos e o animal ficam no sopé do monte. Abraão e Isaque o sobem. Como em Ur não discutira o Patriarca a ordem de sair, também aqui não o faz. Cabe nesse ponto lembrar que ainda existia entre os pagãos o costume de imolar os primogênitos quando se construía uma casa. Era o chamado "sacrifício do alicerce". No alto de Gezer, centro do paganismo foram descobertas urnas com esqueletos de

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criancinhas, de bebês. Em Megido, encontrou-se o esqueleto de uma mocinha de cerca de quinze anos.

Abraão não entendera a ordem divina, mas obedeceu. É o que se requer: obediência Diz a Escritura que "As coisas encobertas pertencem ao Senhor nosso Deus, mas as reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos para sempre, apra que observemos todas as palavras desta lei" (Dt 29.29). E, ainda: "Eis que o obedecer e melhor do que o sacrificar, e o tender, do que a gordura de carneiros"(1 Sm 15.22b; cf. Jr 42.5,6; Os 6.6).

O altar vai sendo construído. Abraão olha o altar, olha o filho, olha a distância. Isaque pergunta, " Meu pai, e o cordeiro?" Abraão se lembra da ordem que veio num crescendo para não deixar duvidas: "Toma teu filho" > "(toma) o teu único filho" >toma o teu filho ( a quem amas) > "toma Isaque" . E devagar o altar vai sendo levantado. Pedra sobre pedra, lenha, sobre lenha. "E o cordeiro, meu pai" "Isaque, meu filho a quem amo, o cordeiro é... você... Mas o Senhor vai providenciar as coisas, Ele proverá. Ele dirá (o que fazer). Pois tanto confiava Abraão que disse aos servos, "depois de adorarmos, voltaremos a vos" (Gn 22.5b). E até, a certeza, a confiança, a segurança a esperança (Hb 11.19).

E o Senhor o fez. No momento em que a faca ia imolar a vitima, o garoto Isaque, o Senhor o fez porque Ele é Javé-jire , o "Senhor que providencia". E o cordeiro foi colocado ao dispor de Abraão, razão porque o monte se chama Moriá: lugar da providência, de visão, da provisão. Daí porque cantamos,

"Sei que Deus o meu futuroTem na sua mão;Seus desvelos compassivosIncessantes são.

Inda que eu mais tarde encontreProvações e dorPor detrás das negras nuvensBrilha o seu amor".(Hino n 332 CC)

Sim. Moriá é o monte da (nova) visão de Deus, o monte da revelação. Abraão precisava aprender ou refinar algo: sua fé. Existe entre os teólogos judeus a idéia que no Monte Moriá, Caim e Abel ofereceram os primeiros sacrifícios, e que Noé ofereceu a Deus um sacrifício de gratidão. Os crentes da Igreja do Novo Testamento comparavam o Moriá ao Calvário: dois montes, em ambos um sacrifício. Como Isaque carregou a lenha, Jesus levou a cruz. Nenhum dos dois reclamou, e nisto está a diferença: em Moriá, o cordeiro estava providenciado; no Calvário, Jesus foi " o cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo" (Jo 1.29). No terceiro dia, no entanto, ambos foram recobrados: Isaque foi solto no altar, Jesus ressuscitou dentre os mortos.

O Pr. David Gomes relata que num dos retiros de senhoras onde falava, uma disse: "Pastor, sou crente há muitos anos, mas somente agora tive uma

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verdadeira visão de Deus". Não; não, chame isso de "Segunda Bênção" ou batismo no Espírito Santo "posterior" à sua conversão. Por outro lado, não faça de coisas pretensamente assombrosas meio de revelação de Deus. "Outro" deve estar querendo se revelar!

Há lições preciosas a extrair da história de Abraão, "o amigo de Deus". A primeira é que temos de corrigir a teologia popular do que significa ser eleito de Deus. Não é viver do que significa ser eleito de Deus. Não é viver numa redoma de cristal; não é não ser atingido pela dureza e reveses da vida. Senão como explicaríamos Jeremias 1.5 e 20.2:

"Antes que eu te formasse no ventre te conheci, e antes que saísses da madre te santifiquei; às nações te dei por profeta",

e

"Então feriu Pasur ao profeta Jeremias, e o meteu no cepo que está na porta superior de Benjamin, na casa do Senhor".

Gálatas 1.15 e 2 Co 11.23-27, acrescentam,

"Mas, quando aprouve a Deus, que desde o ventre de minha mãe me separou e me chamou pela sua graça";

"São ministros de Cristo? (falo como fora de mim) eu ainda mais; em trabalhos, muito mais; em prisões, muito mais; em açoites, sem medida; em perigo de morte, muitas vezes; dos judeus, cinco vezes recebi quarenta açoites menos um. Três vezes fui açoitado com varas, uma vez fui apedrejado, três vezes sofri naufrágio, uma noite e um dia passei no abismo; em viagens muitas vezes; em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos dos da minha raça, em perigos dos gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre os falsos irmãos; em trabalhos e fadiga, em vigílias muitas vezes, em fome e sede, em jejuns muitas vezes, em frio e nudez".

Na verdade, ser chamado por Deus não coloca o crente em Jesus Cristo em posição privilegiada. Pelo contrário, expõe o cristão a grandes provações, dificuldades e sacrifícios (como Estevão, ou Pedro, ou Paulo).

Outra lição da vida de Abraão é que os bens mais queridos da vida podem, algumas vezes, se constituir em tentações sutis de falta de fé. Abraão amava Isaque, mas amava a Deus. O seu conflito é o de escolher entre um e outro. Isso nos lembra Jesus e Sua Palavra: " Quem ama o pai ou a mãe do que a mim, não e digno de mim. E quem ama o filho ou a

filha mais do que a mim não e digno de mim" (Mt 10.37).

A terceira das lições é que as mais ricas bênçãos são reservadas aos que estão totalmente e ser reservas à disposição do Senhor. Ele não prova os maus, prova os justos porque os quer "justos e perfeitos" (Gn 18,23; 17,1; 6,9).

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Essa é a explicação porque em virtude de sua fé) Abraão foi chamado "o amigo de Deus" (2 Cr 20.7; Is 41.8; Tg 2.23).

Mais uma lição: Abraão foi um grande construtor de altares. Há pessoas que são reconhecidas pelas maldades e impiedades que praticaram; há quem seja conhecido pelos bens. Abraão o foi pelos altares. É o que na linguagem religiosa se chama "o temor do Senhor", devoção suprema, dedicação exclusiva a Deus. Era homem de piedade. Construiu um altar em Siquém (Gn 22.9). Numa terra pagã há quem invoque o Nome do Senhor, um altar foi construído.

A propósito, o altar está armado em sua casa? Diz a Escritura em Gênesis 12.8 que "...armou a sua tenda... (e) edificou um altar ao Senhor". Como vai a vida religiosa de sua casa? O evangelho no lar? O exemplo é o de Abraão: trabalhador, obediente, piedoso, homem de fé. Por causa dessa fé, Abraão e chamado "pai dos crentes" (cf. Rm 4.8), num exemplo correto de fé que justifica (Gn 12.2; Hb 11.11,12). É viver, então, por essa obediência que nasce da segurança, confiança e esperança!

AS CONSEQÜÊNCIAS DO PECADOProfessor Antony Steff Gilson de Oliveira

A Queda dos nossos primeiros pais

Introdução: A queda de nossos primeiros pais, trouxe conseqüências desastrosas não apenas para eles, mas também para toda a humanidade. Entender o que aconteceu com Adão e Eva após o primeiro pecado é chave para compreendermos a situação em que o homem se encontra hoje. Isto porque, Adão não agiu como uma pessoa particular, mas como representante de toda a humanidade.

I - CONSEQÜÊNCIAS PARA ADÃO E EVA:

Veja o que nos diz a Confissão de Fé de Westminster :

"Por este pecado eles decaíram da sua retidão original e da comunhão com Deus, e assim se tornaram mortos em pecado e inteiramente corrompidos em todas as suas faculdades e partes do corpo e da alma" Capítulo VI, seção 2

"Por este pecado", diz a Confissão de Fé de Westminster:

1) Decaíram da sua retidão original e da comunhão com Deus (imagem desfigurada)

2) Tornaram-se mortos em pecado (escravos do pecado)

3) Inteiramente corrompidos em todas as suas faculdades e partes do corpo e da alma (depravação total)

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Ao estudar o texto de Gênesis 3:7-24, vemos as seguintes conseqüências para nossos primeiros pais:

GÊNESIS 3:7-24

1-) Após o pecado foram dominados por um sentimento de vergonha. V.7

Antes tinham consciência da nudez, mas não tinham vergonha. (Gn 2:25)

"Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais". (Gn 3:7)

Antes tinham consciência da nudez, mas não tinham vergonha. Veja o texto abaixo:

"Ora um e outro, o homem e sua mulher, estavam nus e não se envergonharam".

(Gn 2:25)

O resultado de terem comido o fruto proibido, não foi a aquisição da sabedoria sobrenatural, como satanás havia dito (v. 5), ao contrário, agora eles descobriram que foram reduzidos a um estado de miséria.

2-) Após o pecado sentiram o peso de uma consciência culpada (Gn 3:7)

Agora eles reconheciam que haviam pecado contra Deus, e resolveram fazer vestes de folha de figueira para se cobrirem.

É interessante observar que em Gn 3:7 afirma que os "olhos de ambos foram abertos". Obviamente que não se trata de olhos físicos porque estes já estavam bem abertos antes, mas trata-se de olhos espirituais, os olhos do entendimento, os olhos da consciência, que agora passam a ver e se acusarem.

Eles agora "percebem" que estão nús. Perderam o estado da inocência. Percebem não apenas a nudez física, mas a nudez da alma que é muito pior, pois esta impede o homem de perceber Deus.

A nudez de Adão e Eva é a perda da justiça original da imagem de Deus. Todos os seres humanos nascem agora ( após a Queda ) nesta condição e as Escrituras dizem que é necessário que recebamos as "vestes brancas" - Ap 3:18; "vestes de salvação" - Is 61:10, que é a justiça original que Cristo nos traz de volta.

Eles agora estavam percebendo que a sua condição física espelhava a sua condição espiritual.

3-) Após o pecado, tiveram medo e fugiram - v.8

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"E ouviram a voz do Senhor Deus que passeava no jardim pela viração do dia; e esconderam-se Adão e sua mulher da prsença do Senhor Deus, entre as árvores do jardim. E chamou o Senhor Deus a Adão e disse-lhe: Onde estás? E ele disse: Ouvi a Tua voz soar no jardim, e temi, porque estava nu, e escondi-me" Gn 3: 8-10

Adão e Eva se escondem ao chamado de Deus. Consciência culpada sempre produz medo e fuga. Mas que tolice! Pensaram eles que poderiam se esconder de Deus?

Pecaram e agora têm medo da sentença condenatória que Deus pode proferir contra eles. O pecado os separou de Deus, rompeu a comunhão com Deus.

E é sempre assim. A menos que a obra de Cristo seja realizada em nosso favor, estaremos frente a frente com o juízo de Deus - Hb 2:3.

4-) Após o pecado procuraram uma solução inútil para seu pecado. Gn 3:7.

Eles tentam salvar as aparências, ao invés de procurar o perdão de Deus.

Fabricando aquelas cintas de folha de figueira, eles estavam tão somente fazendo uma tentativa de acalmar a própria consciência.

Hoje em dia também é assim. Os descendentes de Adão têm medo de serem descobertos em suas transgressões. Mas seu objetivo principal não é buscar o perdão, mas sim, aquietar a consciência e fazem isto assumindo o papel de religiosos, parecendo aos outros que estão bem vestidos.

Mas não obstante nossas roupas religiosas, o Espírito Santo nos faz ver a nossa nudez espiritual. Não adianta dar desculpas esfarrapadas. Precisamos nos humilhar diante daquele que tudo vê.

5-) Após o pecado, há uma fuga da responsabilidade - Gn 3:10

"E ele disse: Ouvi a Tua voz soar no jardim, e temi, porque estava nu, e escondi-me"

Gn 3:10

Adão tenta encobrir sua culpa, colocando a culpa em Eva (v 12), que por sua vez, culpou a serpente (v 13).

Eles não aceitaram a responsabilidade pelo erro. Ao contrário transferiram a responsabilidade para o outro. Não é assim também em nossos dias?

6 -) Após o pecado eles tentaram arranjar uma justificativa - Gn 3:12

"... a mulher que me deste"

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Adão chega a ser insolente. Ele não disse: "A mulher me deu do fruto e eu comi ...", mas disse: "A mulher que Tu me deste ...". Em outras palavras, Adão disse: "Se tu não me tivesses dado essa mulher, eu não teria caído".

Hoje em dia, nós podemos estar fazendo o mesmo. Em nossos esforços de se justificar, acabamos por culpar a Deus dos pecados que cometemos - Pv 19:3.

Exemplos:

A razão tentou eximir-se de culpa, culpando o povo Ex 32:22-24. Saul fez o mesmo - I Sam 15:17-21. Pilatos deu ordem para crucificar Jesus e depois atribuiu o crime aos

judeus - Mt 27:24.

7-) Após o pecado, a mulher daria a luz em meio a dores ( Gn 3:16-19)

Nesta sentença que Deus profere contra a mulher, vemos que a maldição foi mitigada. Isto porque, a gravidez era uma bênção visto que a mulher daria à luz e se multiplicaria sobre a terra e o descendente nasceria para pisar a cabeça da serpente. Mas a dor e o desconforto do parto são conseqüências da queda.

8-) Após o pecado, a Terra foi amaldiçoada. (Gn 3:17)

A natureza sofre junto com a humanidade, compartilhando assim as conseqüências da queda.

As Escrituras descrevem esta maldição em três maneiras:

a) O sustento será obtido com fadiga v 17.

Assim como a mulher terá seus filhos com dor, o homem haverá de comer o fruto da Terra por meio de trabalho penoso. Antes da queda, o trabalho de Adão no jardim era prazeroso e agradável, mas de agora em diante, seu trabalho, bem como o dos seus descendentes será seguido de cansaço e tribulação.

b) A Terra produzirá cardos e abrolhos v 18.

O cultivo da terra seria mais difícil do que antes. Cardos e abrolhos aqui significam: plantas indesejáveis, desastres naturais, enchentes, insetos, secas e doenças. A natureza foi subvertida com o pecado do homem. (Rm 8:20-21).

c) No suor do rosto comerás v 19.

O trabalho árduo se tornaria a porção do homem. A vida não seria fácil.

9-) Após o pecado, a morte alcança o homem - v 19:

A palavra "morte" ocorre na Bíblia, com 3 sentidos diferentes, embora o conceito de separação seja comum aos três:

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a) Morte Física: Ecl 12:7

b) Morte Espiritual: Rm 6:23; 5:12

c) Morte Eterna: Mt 25:46

10-) Após o pecado, foram expulsos da presença de Deus - Gn 3:22-24.

Estar fora do jardim era equivalente a estar fora da presença de Deus. Era a ira de Deus se revelando aos nossos primeiros pais pela desobediência deles. (Judas 6)

II - AS CONSEQÜÊNCIAS PARA A RAÇA HUMANA:

No tópico anterior vimos que a queda trouxe conseqüências desastrosas para os nossos primeiros pais. Mas estas conseqüências não ficaram restritas apenas ao Édem. Toda a raça humana sofre as conseqüências do pecado dos nossos primeiros pais.

Assim se expressa a nossa Confissão de Fé:

"Sendo eles ( Adão e Eva ) o tronco de toda a humanidade, o delito dos seus pecados foi imputado a seus filhos; e a mesma morte em pecado, bem como a sua natureza corrompida, foram transmitidas a toda a sua posteridade, que deles procede por geração ordinária" Capítulo VI, 3 (Sl 51:5; 58:3-5; Rm 5:12, 15:19)

Em vista da queda, o pecado tornou-se universal; com excessão do Senhor Jesus, nenhuma pessoa que tenha vivido sobre a terra esteve isenta de pecado.

Esta mancha que atinge a todos os homens recebe o nome na Teologia de PECADO ORIGINAL. Vamos estudá-lo agora.

O PECADO ORIGINAL

O que é o pecado original? Usamos esta expressão por três razões:

1ª) Porque o pecado tem sua origem na época da origem da raça humana. Em outras palavras, é pecado original porque ele, se deriva do tronco original da raça.

2ª) Porque é a fonte de todos os pecados atuais que mancham a vida do homem.

3ª) Porque está presente na vida de cada indivíduo desde o momento do seu nascimento.

O pecado original pode ser dividido em dois elementos: Culpa original e Corrupção original.

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1-) Culpa original: Culpa real e pena real.

A culpa é o estado no qual se merece a condenação ou de ser passível de punição pela violação de uma lei ou de uma exigência moral.

Podemos falar de culpa em dois sentidos:

Culpa Potencial ou Culpa de Réu ( Inerente ao ser humano )

Esta culpa é inseparável do pecado, jamais se encontra em quem não é pecador e é permanente, de modo que, que uma vez estabelecida não é removida nem mesmo com o perdão. Ela faz parte da essência do pecado.

Os méritos de Jesus Cristo não tiram esta culpa do pecador porque esta lhe é inerente. O fato de Cristo Ter morrido pelo pecador não o torna inocente, mas apenas livre da condenação, livre da penalidade da lei, justificado portanto.

Culpa (de fato) Real ou Pena do Réu:

Esta culpa não é inerente ao homem, mas é o estatuto penal do legislador, que fixa a penalidade da culpa. Pode ser removida pela satisfação pessoal ou vicária das justas exigências da lei.

É neste sentido que Jesus levou nossa culpa, isto é, pagando a penalidade da lei. Jesus não levou nossa culpa potencial, mas sim nossa culpa real. Em outras palavras, Jesus não levou nossa culpa, pagou nossa pena.

2-) Corrupção original: O pecado inclui corrupção.

Por corrupção entende-se a poluição ou contaminação inerente à qual todo pecador está sujeito. É uma realidade na vida de todos os homens. É o estado pecaminoso, do qual surgem atos pecaminosos.

Enquanto a culpa tem a ver com a nossa posição perante a lei, a corrupção tem a ver com a nossa condição perante a lei.

Como uma implicação necessária de nosso comprometimento com a culpa de Adão, todos os seres humanos nascem em um estado de corrupção.

Esta corrupção que se propaga e afeta todas as partes da natureza humana recebe o nome de Depravação Total e que resulta numa incapacidade total.

Vejamos agora em nosso próximo estudo, os dois aspectos da Corrupção original: Depravação Total ou Generalizada e a Incapacidade Espiritual.

ASPECTOS MESSIÂNICOS DE JOSÉProfessor Antony Steff Gilson de Oliveira

Comentário bíblico de Gênesis 50.18-21

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I. TEMPO HISTÓRICO DO PERSONAGEMO período mais provável para José é o tempo da dinastia dos faraós hicsos, cerca da 1720-1570 a.C.Estes "soberanos de terras estrangeiras" (é o que significa em egípcio o nome hicsos), eram de origem semita. Obtiveram proeminência no Baixo Egito e depois, talvez por um repentino golpe de estado, conquistaram o trono egípcio, formando as dinastias XV e XVI dos hicsos que durou mais ou menos 150 anos, quando foram expulsos pelos reis tebanos. Esta é a razão porque nos tempos de Moisés "se levantou novo rei sobre o Egito, que não conhecera a José" (Ex 1.8). Os faraós de origem semita assumiram a posição completa e o estilo da realeza tradicional egípcia.A princípio os hicsos empregaram na administração do governo oficiais egípcios do regime antigo. Porém, conforme o tempo foi passando, oficiais semitas naturalizados egípcios foram nomeados para altos postos administrativos. É neste contexto que José se encaixa perfeitamente. Tal como tantos outros, José foi um escravo semita a serviço de uma família egípcia importante: a família de Potifar, comandante da guarda. A corte real mostrava-se minuciosamente egípcia em questões de etiqueta (cf Gn 41.14; 43.32) e, no entanto, o semita José foi imediatamente nomeado para um alto ofício. A mistura peculiar e imediata de elementos egípcios e semitas, espalhadas na narrativa de José, adaptam-se perfeitamente ao período dos hicsos. Além do mais, somente entre os conquistadores hicsos um asiático teria possibilidade de se elevar ao mais alto posto do Estado (cf Gn 46.34).

II. ESTRUTURA DA PASSAGEM

José Irmãos Escravos Filhos Não Temais DeusV18a

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V18c

V18d

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V19a

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V21b

V21c

V21d

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V21f

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III. ESTRUTURA DO CONTEXTO1. Contexto Remoto: A Infância de José

O que está acontecendo em Gênesis 50.18-21? Por que os irmãos de José se aproximaram dele com tanto medo, implorando por suas vidas e suplicando que fossem seus escravos?A chave para uma compreensão adequada do ocorrido em Gênesis 50.18-21 está, a priori, no relato da infância de José em Gênesis 37.O amor de Jacó pelo filho de sua velhice despertou inveja e aborrecimento nos demais, ao ponto de não poderem mais "falar com ele (José) pacificamente" (v4). O relacionamento entre os irmãos ficou mais complicado ainda quando Jacó resolveu demonstrar sua predileção por José ao fazer-lhe "uma túnica talar de mangas compridas".1 A túnica do caçula de Jacó era ostentosa2 ("de várias cores", cf VRC) e provocante.Os sonhos reais de José estavam associados à roupa que ganhara (Gn 37.3,7,9); portanto, a destruição da túnica pelos seus irmãos representava o fim do sonhador e de sua realeza (Gn 37.31-33).O que Jacó pretendia exatamente com este tipo de presente é difícil saber. Não podia dar os plenos direitos de primogenitura a José, pois esses Jacó concederia a Judá (cf Gn 49.8-12). É possível que alguma explicação possa ser encontrada no fato de que José era o primeiro filho de sua esposa favorita, Raquel. No desfecho final da história de José sabemos que, pela vontade divina, Jacó antecipara, embora inconscientemente, a posição elevada que seu filho teria futuramente no Egito. Mais tarde, agora conscientemente, reconhecendo a realeza de José o proclamaria "príncipe" entre seus irmãos (Gn 49.26).A ordem no acontecimento dos fatos é progressiva. Jacó amava mais a José. Jacó demonstrou seu amor pelo filho predileto dando-lhe uma túnica real (Gn 37.3). Em seguida José tem dois sonhos reais (vv5-9). Parece que tudo, naquela ocasião, contribuía para o aumento da inveja de seus irmãos (v11a), fato ignorado por José. Jacó desconfiou que sonhos daquela natureza, que engrandeciam sobremaneira o sonhador, não eram comuns. "Guardava este negócio no seu coração" (v11b). É possível que a questão da eleição divina, tão marcante na vida de Jacó (Gn 25.23,30-33;27), passasse naquele instante por sua mente. Diferente de seus filhos, Jacó aprendera a admitir a mão de Deus nos fatos e em Seu direito de escolha entre os seres humanos.É impressionante como os sonhos passam a ter importância essencial na vida de José. Por causa de um sonho José foi lançado em uma cova (V24) e vendido (v28). Por causa de um sonho foi libertado do cárcere (Gn 41.14) e exaltado (Gn 41.42,43).

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No acontecimento de Gênesis 50.18-21, os irmãos de José sentem o temor conseqüente do crime que cometeram, vendendo José por vinte siclos de prata aos ismaelitas (Gn 37.28), isto é, pelo preço de um escravo no período patriarcal. E o que passava pela cabeça de seus irmãos era: o único meio de consertarem o mal praticado seria fazer o que fizeram com ele, a saber, tornarem-se escravos. E escravos de José!

2. Contexto Próximo: A Morte de Jacó

Se por um lado os irmãos de José já estavam amedrontados pelo mal que haviam feito a ele, de outro lado tiveram a situação piorada (no pensamento deles) com a morte do patriarca Jacó. Foi sem dúvida um fator preocupante. Ao verem Jacó expirar (Gn 49.33) e José se atirar ao pescoço dele, chorando e o beijando (Gn 50.1), puderam ver que o amor do irmão pelo pai era tão forte quanto antes e que a separação provocada entre os dois por meio de traição e mentira resultaria numa vingança sem precedentes. Com a morte de Jacó os irmãos de José se sentiram desamparados, pois agora estavam sem aquele que poderia livrá-los de qualquer mal intento de José. "Vendo então os irmãos de José que seu pai já estava morto, disseram: Porventura nos aborrecerá José, e nos pagará certamente todo o mal que lhe fizemos" (Gn 50.15). Podemos imaginar que o retorno de Canaã para o Egito não deve ter sido nada fácil. Com exceção de Benjamim, acredito que o choro dos irmãos de José não era mais por Jacó (Gn 50.10), mas por eles mesmos. E agora, com o pai enterrado num lugar distante, parecia ser mais fácil resolver uma questão que seus irmãos achavam que ainda estava pendente. Por isso enviaram um representante a fim de amenizar a situação (v16)."Teu pai mandou, antes de sua morte" (v16). Por que não disseram "nosso pai"? É porque a esta altura não se achavam dignos de serem chamados filhos de Jacó e muito menos irmãos de José. Por outro lado, acreditamos que a ordem de perdão dada por Jacó não foi autêntica. Como o engano era uma agravante na família de Jacó, é provável que aqui (v16) não tenha sido diferente. O medo os levou a mentir. Mas não podemos negar a autenticidade do sentimento deles quando o mensageiro diz: "agora pois rogamos-te que perdoes a transgressão dos servos do Deus de teu pai" (v17, VRC). A ocasião era oportuna para apelarem à memória de Jacó. Contudo, a partícula hebraica NA' expressa ênfase no apelo para perdão do pecado, isto é, "rogamos-te do mais profundo coração". E isto é ainda comprovado pela unânime deliberação de se tornarem escravos de José (v18). Eles estavam verdadeiramente arrependidos, embora não houvessem compreendido ainda a dimensão do perdão de José.Não dá para saber com precisão o porque do choro de José, após ouvir o pedido de seus irmãos (v17). Seria por que a narração comovida sobre o medo e a desconfiança de seus irmãos o emocionara? Poderia ser. Seria a menção do nome de Jacó, trazendo à sua mente a lembrança do pai? Pode ser também. Porém, a resposta mais provável, na minha opinião, é que José não chorou porque seus irmãos estavam arrependidos do que fizeram com ele, mas apesar de não se lembrarem de sua prova de amor em outra ocasião (Gn 45.5,8,9), ainda assim eram objetos de sua compaixão e perdão.

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IV. TEOLOGIAASPECTOS MESSIÂNICOS DE JOSÉ

Nas igrejas evangélicas prevalece o consenso geral de que José foi um tipo de Cristo. É na pessoa de José, no Egito, que nós encontramos o cumprimento da promessa de Deus a Abraão que, por sua vez, alcançaria seu clímax em Cristo: "Em ti serão benditas todas as famílias da terra" (Gn 12.3). Acreditamos que pelo menos dois aspectos messiânicos estão claros em Gênesis 50.18-21: 1) O aspecto real e 2) O aspecto redentivo. Encontramos estes dois aspectos (ora mais, ora menos enfatizados) em Gênesis 37, 39-50. Mas por questão de propósito e objetividade limitaremos o assunto a Gênesis 50.18-21.1. O aspecto real da pessoa de José (vv18,19)No versículo 18 temos o reconhecimento da realeza de José por parte de seus irmãos. Como tipo de Cristo, José agora prefigurava não mais o estado de humilhação, mas de exaltação do Messias.Sem dúvida alguma, aqui em Gn 50.18 os súditos (os irmãos de José) tiveram uma compreensão mais elevada de "servidão" do que a de Gênesis 44.9,33. Isto ficou claro pela prontidão imediata: "Eis-nos aqui por teus escravos" (v18). A maioria das versões em português traduzem o substantivo abadim por "servos". Contudo, não é a melhor tradução. A idéia de escravidão do verso 18 tem a mesma força de Gn 44.9: "Aquele dos teus servos, com quem for achado (um copo de prata), morra; e nós ainda seremos escravos do meu senhor" (itálico meu). A única diferença nesses dois textos (Gn 44.9 e 50.18) é que no primeiro trata-se de uma hipótese. Os irmãos de José estavam certos que não furtaram nada dele (Gn 44.8). No segundo texto (Gn 50.18) trata-se de uma realidade. Eles se ofereceram como escravos do rei José e não se acharam dignos de serem comprados (ou vendidos) nem mesmo por vinte siclos de prata.Agora seus irmãos reconheciam a verdadeira realeza de José. Outrora, antes que José se desse a conhecer a eles, não o reverenciaram dentro de uma perspectiva teológica (Gn 42.6) como José via os acontecimentos (Gn 42.9). Mas agora lembravam-se dos sonhos de José (Gn 37.7,9) e que a resposta à pergunta: "Reinarás, com efeito, sobre nós?" (Gn 37.8) era afirmativa. Lembraram-se também da túnica real e principalmente do mal que lhe fizeram quando procuraram tirar-lhe a realeza com a destruição da túnica (Gn 37.31)3 e vendendo-o como escravo (Gn 37.28).Apesar de sua realeza, José reconhece que é um mortal e os adverte: "Não temais (a mim) porque porventura estou eu em lugar de Deus?" (v19). Quer dizer, "porventura eu tenho direito de julgá-los?"4. Lembremos que esta é uma característica tipicamente messiânica (Jo 8.50; Fp 2.6,7; I Pe 2.23). José deixa com Deus todo acerto do erro dos irmãos, antecipando, desse modo, o ensino do Novo Testamento (Rm 12.19; I Ts 5.15; I Pe 4.19). Da mesma maneira que Jesus Cristo, José estava plenamente ciente que era submisso. Não a Faraó, mas a Deus.2. O aspecto redentivo da pessoa de José (vv20,21)Este segundo aspecto está subordinado ao primeiro. Nos versículos 20 e 21 de Gênesis 50 encontramos a mais bela declaração do entendimento que José tinha da posição em que Deus o colocara. José via além do alcance.

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E porque José via o propósito divino em meio à ruindade de seus irmãos, ele os perdoou. Não os isentou da culpa ("Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim..." - VRA), porém, vê o bem de Deus mais digno de crédito do que a maldade deles. No verso 20 José reafirma o que já havia prometido a eles (Gn 45.5,7,8).O aspecto redentivo de José tipificou a missão de Jesus no mundo. Conservar "muita gente em vida" (v20) também foi o objetivo da obra redentora de Cristo (cf Mt 1.21; 26.28).Não sabemos exatamente quando José tomou ciência do propósito divino em usá-lo como redentor. É possível que a ascensão como primeiro ministro ou grão-vizir de Faraó fosse o ponto de partida, pois o nome egípcio Zafnate-Panéa significa "o salvador do mundo" (cf Jo 4.42). "E todas as terras vinham ao Egito, para comprar de José; porquanto a fome prevaleceu em todas as terras" (Gn 41.57 - VRC). Em certo sentido José foi "o pão da vida" do mundo de então.No verso 21 temos o que podemos chamar de "uma atitude verdadeiramente cristã". José não somente paga o mal com o perdão, mas com uma demonstração prática de afeto. Se por um lado seus irmãos não deveriam temê-lo porque todos, inclusive José, estavam sob o senhorio de Deus (v19), por outro lado não deveriam temer porque todo mundo estava sob a verdadeira proteção e cuidado de Zafnate-Panéa, o salvador do mundo. E José promete: "Eu mesmo vos sustentarei de verdade a vós e a vossos filhos", enfatiza o texto hebraico.5 José repete e confirma a eles neste versículo (21) a promessa que fez originalmente quando os convidou a virem ao Egito (Gn 45.11,18,19).A palavra "sustentarei" (v21) não significa que a fome ainda prevalecia. Quando Jacó chegou no Egito faltavam cinco anos de fome (Gn 45.11). O patriarca estava com 130 anos de idade (Gn 47.9) e morreu com 147 anos (Gn 47.28); portanto, a fome não mais existia há 12 anos. E aqui (v21) temos um detalhe importante do aspecto redentivo da pessoa de José que aponta diretamente para Jesus: Cristo não só nos salvou, mas nos mantém e nos sustenta dia após dia com a Sua providência. Ele está conosco sempre (Mt 28.2) e intercede por nós (Hb 7.25).

A expressão: "Eu mesmo vos sustentarei de verdade a vós e a vossos filhos", sugere que como estrangeiros no Egito, os filhos de Israel poderiam dispor de uma pessoa influente como José para guardar seus interesses e representá-los diante de Faraó. Jesus Cristo, sendo um dos nossos, por assim dizer, também é o nosso excelentíssimo representante diante de Deus (I Tm 2.5; I Jo 2.1).As palavras "não temais" é a expressão do refrigério que acalma os corações atribulados. Jesus a usou várias vezes para tranqüilizar seus discípulos e outras pessoas (Veja, por exemplo, Mt 10.28; 14.27; Mc 5.36; Lc 12.32)."Assim os consolou, e falou segundo o coração deles" (v21).O Dr. Gerard Van Groningen, em seu livro Messianic Revelation in the Old Testament pp. 166,7, resumiu muito bem os dois aspectos messiânicos da pessoa de José (realeza e redenção). Diz ele:José foi um verdadeiro tipo messiânico. Ele foi considerado real, recebeu uma posição real e cumpriu uma tarefa real. Como uma pessoa régia, ele livrou, protegeu e enriqueceu a semente de Abraão e Isaque. Ele funcionou, portanto, como um redentor e provedor físico, social, moral e espiritual. (...). Deus preparou José, e por meio de José o soberano Senhor realizou atos salvíficos

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dentro do contexto da história do mundo. E ao preparar José e realizar atos de salvação por meio de José, o Senhor falou profeticamente enquanto preparava a cena para a salvação mais plena, mais completa que Jesus Cristo traria. Essa salvação trazida pelo Cristo real foi também o que em última instância validou a obra redentiva de José, cumprida por uma pessoa real, tomada de entre a semente para funcionar em favor da semente.

CONCLUSÃOChegamos ao término desse estudo e esperamos ter alcançado o objetivo de mostrar que a passagem bíblica de Gênesis 50.18-21 encerra uma das mais profundas lições tipicamente messiânicas do Antigo Testamento. Os aspectos messiânicos de realeza e redenção de José prefiguram Jesus Cristo que, como Rei dos reis e Senhor dos senhores (I Tm 6.15) é o Salvador do mundo (Jo 4.42). A realeza é a base da redenção de povos e reinos. E José, como pessoa real, salvou a povos e reinos inteiros do colapso da fome e da miséria. José foi o "pão da vida" do mundo antigo; Jesus Cristo é o nosso "pão da vida" (Jo 6.48) e de todo aquele que nEle crê. José os alimentou materialmente; Jesus nos alimenta espiritualmente e também nos sustenta com o pão nosso de cada dia. José, cujo nome significa aquele que faz aumentar foi, na verdade, o instrumento de Deus para preservar e aumentar o Seu povo. Jesus, cujo nome significa Salvador, "salvará o seu povo dos pecados deles" (Mt 1.21).De tudo que podemos aprender de José o que fica são suas lições práticas para a vida cristã. Considerando que José viveu cerca de 1600 anos antes de Cristo, ele antecipou para nós o verdadeiro sentido do adjetivo que qualifica alguém como cristão ou semelhante a Cristo. José, em uma atitude verdadeiramente cristã, soube deixar com Deus a ofensa de seus irmãos (v19) porque aprendeu a ver o propósito divino na maldade dos mesmos (v20); e além de tudo isto, perdoou não apenas com palavras, mas em demonstração prática de perdão (v21). Em outras palavras, José praticara o que Cristo ensinaria futuramente (Mt 18.35): perdoou "do coração (VRC) ou "do íntimo" (VRA) a seus irmãos.Eis aí um típico cristão no Antigo Testamento, com o qual o cristão do novo milênio deveria aprender e a ele imitar.

NOTAS1. As túnicas comuns, nos tempos bíblicos, eram sem mangas e desciam até os joelhos. A de José descia até o calcanhar e cobria as mãos.

2. Um traje semelhante ao que José ganhou de seu pai é denominado vestimenta real em 2 Sm 13.18.

3. Certamente a túnica foi despedaçada (cf Gn 37.33).

4. Para outras possíveis interpretações, veja J.F. Exell, The Pulpit Commentary, (Grand Rapids, Michigan, Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1980, Vol. I), p. 539.

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5. Derek Kidner observa corretamente que "José promete algo mais pessoal do que filantropia" (Gênesis: Introdução e Comentário, São Paulo, Vida Nova/Mundo Cristão, 1988, p. 207).

CREIO NO AMORProfessor Antony Steff Gilson de Oliveira

"Amados, amemo-nos uns aos outros, porque o amor é de Deus; e todo o que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Nisto está o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou a nós, e enviou seu Filho como propiciação pelos nossos pecados. Amados, se Deus assim nos amou, nós também devemos amar-nos uns aos outros.Ninguém jamais viu a Deus; se nos amamos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor é em nós aperfeiçoado. E dele temos este mandamento, que quem ama a Deus ame também a seu irmão." (1Jo 4.7,10-12,21)

Aconteceu no tempo da Segunda Guerra Mundial quando, em um dos hospitais de guerra, uma missionária-enfermeira estava cuidando de um soldado ferido, e realizava um curativo numa ferida muito feia. Começou a assepsia, quando alguém que estava no leito ao lado disse: "Eu não faria isso nem por um milhão de dólares!" Respondeu a jovem: "Nem eu!..." Nessa simples expressão está toda a grandeza desses profissionais de saúde.

Somente o amor motiva essa atividade. E, a respeito do amor, filósofos, pensadores, poetas, teólogos, muita gente tem se pronunciado. Alguém dizia, fazendo uma pergunta: "Que é o amor?" E a resposta por ele mesmo dada foi:

"É silêncio - quando suas palavras podem ferir.É paciência - quando o outro é irritante.É ficar surdo - quando surge um escândalo.É sensibilidade - quando os outros estão sofrendo.É prontidão - quando o dever chama.É coragem - quando sobrevem a desventura."

Outra pessoa sobre esse mesmo tema disse: "É natural amar aqueles que nos amam, mas é sobrenatural amar aqueles que nos odeiam". Por isso eu creio no amor!

É, realmente, agir em nome do amor estender a todas as pessoas o que achamos ser natural com algumas.

DIMENSÕES DO AMOR

Amor, não é simplesmente essa palavra romântica que encontramos pichada nos muros da vida: FULANO AMA FULANA. O evangelho de Jesus Cristo apresenta, aliás, uma tríplice exigência do amor que o cristão precisa exercitar. Diz o evangelho que existe o amor ao irmão de fé: "Nisto são manifestos os filhos de Deus, e os filhos do Diabo: quem não pratica a justiça não é de Deus, nem o que não ama a seu irmão" (1Jo 3.10). Existe o amor do próximo, e sobre isso temos uma palavra expressa de Jesus Cristo: "Amarás, pois, ao Senhor

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teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de todas as tuas forças. E o segundo é este: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que esses" (Mc 12.30,31). Diria ainda, que há outra dimensão também mencionada por Jesus Cristo, e que vai muito além do que pede o nosso coração, e encontra-se nesta Palavra do Mestre: "Eu , porém, vos digo: Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem." (Mt 5.44). Então, agir dentro dessa perspectiva é fazê-lo motivado pelo Espírito Santo de Deus, é agir motivado pelo fruto do Espírito, e reconhecê-lo basicamente como sendo o amor (Gl 5.22,23). Outra contribuição anônima diz que:

"O fruto do Espírito é amor.Alegria é amor em regozijo.Paz é amor em repouso.Paciência é amor em provação.Benignidade é amor em sociedade.Bondade é amor em ação.Fé é amor em perseverança.Mansidão é amor na escola.Domínio-próprio é amor em disciplina"

Quando Jesus desejou ilustrar esse assunto, contou uma história.

AMOR AO PRÓXIMO

Está em Lucas 10.3-35 e é a história de um homem a quem se costuma chamar "Bom Samaritano", embora a Bíblia o chame apenas de "Samaritano". O fato é que nossa sociedade está tão acostumada com a injustiça, que, quando alguém faz o que todos deveriam fazer, é chamado de "bom".

A primeira personagem da história é uma viajante (v.30). Esse viajante tinha um problema. Vamos pensar no seguinte: aqui está uma estrada, na qual ninguém andava sozinho; quando as pessoas caminhavam por estradas como essa da antiga Palestina, faziam-no em caravanas, pois era uma imprudência aventurar-se a andar sozinho. Jesus colocou na história um homem descuidado, que resolvera ir de um lugar para outro sozinho.

Ele foi atacado por salteadores: são as próximas personagens (v.30). Estes malfeitores o deixaram muito machucado e meio morto.

Passa depois outra personagem: um sacerdote (v.31), que colocara os valores rituais e cerimoniais acima do amor. O viajante descuidado tinha sido atacado, mas o problema do sacerdote foi ver o homem ferido na estrada, e não ter se importado com ele, porque não cuidava de outros valores a não ser os cerimoniais. Não quis tocar no homem caído, e, aliás, nem se aproximou. Passou de longe porque havia uma norma no sacerdócio que declarava impuro o sacerdote que tocasse um morto, de modo que, durante uma semana, não podia render o turno. Ele ficou temeroso de perder a oportunidade de rodízio no templo (cf. Nm 19.11).

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Diz a parábola que havia outra personagem: um levita que até chegou perto do homem (v.32), mas tinha um lema: "Primeiro a minha segurança. Esse homem pode ser um malfeitor, e talvez esteja se fazendo de morto, e me atacar". E fora embora.

E agora a outra personagem que se aproximou do ferido: o samaritano (v.33).

Mas Jesus fez uma pergunta porque já sabia que todos esperavam que o samaritano fosse o vilão da história. Samaritanos não se davam bem com os judeus, e Jesus contou a história de um homem que era judeu, como também o sacerdote e o levita. O samaritano não era judeu, e havia essa inimizade entre as duas raças-irmãs. O que aconteceu é que, quando todos esperavam que o samaritano fosse o bandido da história, Jesus disse que pelo contrário era o homem que tinha boas coisas a serem ditas a seu respeito.

O samaritano viu o problema do homem, passou azeite nas feridas e machucões do homem, colocou-o na sua montaria e seguiu com ele. Adiante, encontrou uma pousada, tendo dito ao estalajadeiro que tomasse conta dele, pois pagaria a despesa no retorno (v.35).

Primeira coisa boa: era homem de bom coração; segunda, era homem de crédito. Outra coisa admirável: tinha uma notável capacidade de ajudar. Grande disposição em ser útil.

QUEM É O NOSSO PRÓXIMO?

Essa história nos fala a respeito de amor. E Jesus nos dá um ensino a esse respeito porque para o judeu, o próximo era o judeu. Aliás, no ensino de alguns rabinos era até proibido ajudar a uma gentia que estivesse dando à luz, porque isso significa ajudar a colocar no mundo mais um gentio! É triste, mas era a verdade, e, no entanto, Jesus Cristo mostrou que para nós o nosso próximo é o necessitado.

Quem é o nosso próximo? Não é o que está junto de nós, nem, exatamente, o vizinho. É o necessitado, é aquele a quem você foi com tanto carinho e passou a mão pela cabeça, pois talvez aquela pessoa só precisasse do seu sorriso. Esse é o seu próximo! Então, Jesus fez isso mesmo.

Aqui está outra situação em que a doença está implícita: Jesus chegou num lugar chamado tanque de Betesda (Jo 5.1-9). Ali, encontrou um homem necessitado. Havia uma tradição que dizia que em certos momentos um anjo vinha e mexia nas águas do tanque. Quem conseguisse entrar naquele instante saía curado. Estudiosos disseram que seriam águas vulcânicas, e em determinados momento, dava-se um movimento das águas, e gases e minerais eram agitados, favorecendo o processo de tratamento. Jesus chegou e encontrou um homem que ali estava há trinta e oito anos querendo entrar. Ele era coxo, e todas as vezes quando queria se aproximar, outro pulava dentro do tanque. Jesus teve compaixão, e viu a esperança no coração daquele homem. Perguntou-lhe queria ser curado. Era só o que o homem queria, mas Jesus queria ouvir dos seus lábios. E o Mestre disse: "Pode ir embora, você ficou

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bom" (v.8). Quando o homem olhou, estava bom, perfeitamente curado. Aí se aplicam muito bem as palavras de 1 João 3.18: "Filhinhos, não amemos de Palavra, nem de língua, mas por obras e em verdade". Para Jesus o próximo é aquele que sofre, o que tem necessidade.

Outro ensino desta história é que para amar é preciso ser sensível! Sensibilidade para dar ajudas práticas, e não somente sentir pena; sensibilidade para ajudar os outros mesmos que a culpa seja deles. Portanto, não podemos confundir o próximo com o nosso amigo. Meu amigo é quem eu escolhi para dar a minha simpatia e amizade, meu próximo é aquele a quem não escolhi, mas foi a pessoa que Deus me deu para ser objeto do meu amor, é o necessitado! Por isso eu creio no amor!

Em Marcos 12.29-31, Jesus combina a exigência do amor de Deus (Dt 6.4,5) com a exigência do amor ao próximo (Lv 19.18), esse ser que eu não escolhi mas o Criador colocou na vida vida. O crente em Jesus Cristo deve amar a Deus com a totalidade do seu ser (v. 30). Jesus disse isso mesmo: "Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento" (Mt 22.37).

Quanto ao amor ao próximo, depende da atitude que a pessoa tem para consigo mesma. Se você não tiver um conceito correto de valor de alguém como ser humano, é impossível ter uma atitude correta em relação ao seu semelhante. Isso quer dizer que não há lugar para a arrogância, para o desprezo aos outros; não há lugar para preconceito, se você trabalha na área de saúde, por exemplo, não pode escolher o paciente que deseja atender. Não; não há lugar para preconceito porque são todas essas coisas basicamente expressões de insegurança e de auto-estima muito baixa.E o teste de que amamos a Deus é: "Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, não pode amar a Deus, a quem não viu" (1Jo 4.20).

CREIO NO DIA DO SENHORProfessor Antony Steff Gilson de Oliveira

"Lembra-te do dia do descanso, para o santificar. Seis dias trabalharás, e farás todo o teu trabalho; mas o sétimo dia é o repouso do Senhor teu Deus. Nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o estrangeiro que está dentro Das tuas portas. Por que em seis dias fez o Senhor o Céu e a terra, o mar e tudo o que neles há, e ao sétimo dia descansou; Por isso o Senhor abençoou o dia do repouso e o santificou" (Ex 20.8-11)

Creio no Dia do Senhor; creio no Dia do Descanso por duas razões, pelo menos: por Quem foi instituído, e para que o foi. Creio no Dia do Senhor porque a Escritura Sagrada apresenta o cuidado e carinho do Criador pela sua criatura, criada à Sua imagem e semelhança; creio porque o próprio Deus descansou; creio pelo aspecto humanitário, e pela sua dimensão altamente espiritual. Creio no Dia do Senhor porque todo o esquema da criação e da nova criação se explica no dia do repouso semanal. E, naturalmente, há um princípio

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que, embasando o Dia do Descanso, o torna sagrado, separado, santificado: é o princípio de que "a parte significa o todo" (quem se aventurou pelos estudos da estilística reconhece que essa é uma figura de linguagem que toma o nome de sinédoque). É altamente significativo esse princípio para várias práticas do Antigo Testamento, práticas e usos que encontram respaldo na Nova Aliança: no Pentateuco, encontramos o conceito de que se traziam as primícias da colheita para que toda a colheita fosse santificada (Ex. 19.6; Lv 20.26; 1 Pe 2.5,9; Ap 1.6); uma família, a de Abraão, que foi escolhida por Deus para que todas as famílias fossem abençoadas (Gn 12. 1-3; 18.1,18; 27.29); um homem no meio dos outros homens para que todos fossem abençoados (Ex. 28.1; Mt 10.1 ss); o primeiro filho separado e escolhido dos outros filhos para que toda a família fosse abençoada (Ex 22.19b; Jo 3.16; Rm 8.29); 10% da renda para que abençoada seja toda a renda (Lv. 27.30; M1 3.10; Mt 23.23; Lc 11.42); o conceito de um alguém que padece intensos sofrimentos, o "Servo Sofredor", para que todos possam ser resgatados da maldição e da dor (Is 53.1-12; Hb 9.28; 1Pe 2.21-24).

O mesmo acontece quanto ao Dia do Descanso, quando se reconhece que o tempo pertence a Deus, bem como o todo da criação (Ex 20.8-11; Dt 5.12-15; Lc 13.10-17; Hb 4.9-11)!

O SÉTIMO DIA

Vamos partir de um consenso: é preciso traduzir o nome do sétimo dia para tornar o conceito e seu ensino claro, de modo que ninguém confunda o abençoado conceito com o dia da semana em português que tem o mesmo nome.

A palavra sábado não pertence à nossa língua, é uma transliteração, um aportuguesamento de uma palavra hebraica (Shabbath) que significa "cessação". Alguém está trabalhando e faz uma pausa no que está fazendo, em hebraico dirá, "vou fazer um shabbath agora"). Significa "interrupção"; é o caso de você estar escrevendo uma carta, o telefone toca e você interrompe o que estava fazendo. Em hebraico, dir-se-ia "preciso fazer um shabbat para atender o telefone". Outras traduções possíveis são "repouso, abstenção, desistência," e, por incrível que pareça, a palavra "greve" do hebraico contemporâneo se traduz por shabbath, por ser uma "cessação de trabalho". Por essas razões, no possível, usaremos a expressão "Dia de Descanso" que é precisamente o que significa o hebraico Yom haShabbath, dia de "sábado", dia de repouso. Esclareçamos que os hebreus dividiam o tempo desta maneira: primeiro dia, segundo dia, terceiro dia, quarto dia, quinto dia, sexto dia e Dia do Descanso.

PARA ENTENDER...

É necessário que se traduza para que compreendamos a revelação divina, e não nos apeguemos à guarda de um dia do calendário considerado imutável, além de atribuir conotações cerimoniais a uma lei apodítica, moral. Aliás, o dia semanal chamado sábado encontra barreiras no fuso horário. São 11h10, o que significa que começamos o "sábado" do calendário antes de os habitantes

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dos Estados Unidos (eles mesmos separados no tempo por vários fusos horários) terem começado o "sábado" deles. Se o sábado é imutável, criou-se um problema! E os crentes japoneses já terminaram o culto desta noite e voltaram para casa porque no Japão são 23h10, e já estão dormindo ou se preparando para isso. O fuso horário se tornou herege: no horário de verão, adianta-se uma hora; no horário de inverno, nos Estados Unidos, atrasam uma hora.

E nós aprendemos com a Palavra de Deus que a observância do Dia de Descanso é anterior à entrega da Lei no Sinai. Se alguém pensa que este significativo e abençoador dia foi estabelecido na entrega da Lei no Sinai, deve tomar conhecimento de que já era observado. Na realidade, quando da concessão do alimento chamado maná (Ex 16), o relato o menciona:

"E ele lhes disse: Isto é o que o Senhor tem dito: Amanhã é repouso, sábado santo ao Senhor; o que quiserdes assar ao forno, assai-o, e o que quiserdes cozer em água; e tudo o que sobejar, ponde-o de lado para vós, guardando-o para amanhã. Guardaram-no, pois, até o dia seguinte, como Moisés tinha ordenado; e não cheirou mal, nem houve nele bicho algum. Então disse Moisés: Comei-o hoje, porquanto hoje é o sábado do Senhor; hoje não o achareis do campo. Seis dias o colhereis, mas o sétimo dia é o sábado; nele não haverá" (Ex 16.23-26).

Já existia, portanto, o Dia de Descanso, que vinha sendo observado pelo povo de Deus. E porque o costume do descanso já existia, foi incorporado à Lei com essa recomendação no quarto mandamento: "Lembra-te do dia do descanso para o santificar". Isso nos ensina que a guarda do repouso semanal é marca e evidência da liberdade do ser humano, da sua liberdade individual. Essa é a dimensão humanitária desse dia da qual todos (escravos, estrangeiros, e, mesmo, os animais) deviam se beneficiar de acordo com Êxodo 20.10: "Nesse dia nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o estrangeiro que está dentro das tuas portas". E isso nos ensina que temos a tarefa não só de guardar, mas de "santificar" esse dia; não apenas descanso físico, mas de sustento para o espírito. Nosso ritmo humano de trabalho e descanso, trabalho por seis dias, e descanso em um dia, é reflexo da imagem de Deus porque a Bíblia diz em Gênesis 2.2: "Ora, havendo Deus completado no dia sétimo a obra que tinha feito, descansou nesse dia de toda a obra que fizera".

O PRIMEIRO DIA

Há um aspecto sagrado no descanso, não no dia da semana (Ex 20.8ss). Esse é o problema de certos grupos religiosos que enfatizam o dia da semana. O que é sagrado não é o dia da semana, mas o descanso, quem é sagrado é o ser humano, porque o próprio Senhor Jesus ensinou que o Dia do Descanso foi feito para o ser humano, não a pessoa para a instituição. Se assim acontecesse, seria um tremendo revés para o plano divino. Quem é imagem e semelhança de Deus é o irmão/a irmã, não o dia. Não é nosso objetivo colocar oposição entre dia e dia, entre o sábado e o domingo, até para não incorremos

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na condenação paulina que diz "...como tornais outra vez a esses rudimentos fracos e pobres, aos quais de novo quereis servir? Guardais dias..." (Gl 4.10) e "um faz diferença entre dia e dia" (Rm 14.5), como também, "ninguém vos julgue... por causa de sábados" (Cl 2.16b), mas apresentar o aspecto sagrado do repouso da máquina humana.

É preciso encarar esse assunto em termos de tempo e de eternidade. Estamos falando, ao discutir o descanso, de algo mais que contagem de tempo. Estamos falando de muito além que contar minutos para fechar a loja. Fixar-se num dia da semana é perder o senso da eternidade, mesmo porque nós não podemos doutrinar em cima de sombras do calendário (cf. Hb 10.1), o sábado temporal, e fazê-lo é perder a noção de que Jesus Cristo, Ele, sim, é o nosso Shabbath, o nosso descanso, como mencionado em Hebreus 4.3: "Porque nós, os que temos crido, é que entramos no descanso, tal como disse: Assim jurei na minha ira: Não entrarão no meu descanso; embora as suas obras estivessem acabadas desde a fundação do mundo".

O QUE É ETERNO

O acima mencionado é o outro aspecto que deve ser enaltecido: o eterno. Nos dias do ministério terreno de Jesus Cristo, criou-se um extremado fanatismo quanto à questão do descanso semanal, pois, além de não se preparar alimento nesse dia para não acender o fogo, os utensílios usados nem eram removidos e lavados. Há uma explicação mais demorada, detalhada e lúcida sobre este assunto no livro A Guarda do Sábado, de autoria do Pr. Aníbal Pereira Reis. Os essênios nem iam ao sanitário?! Era proibido, entre outras coisas, acender e apagar candeeiro, cozinhar ovo, atar e desatar nó numa corda, dar pontos com uma agulha, escrever duas letras, esfregar as mãos, andar mais que um certo número de passos (cf. At 1.12), e até prestar socorro a alguém que tivesse membros do corpo quebrados, curar, portanto.

Contra esse tipo de mentalidade, Jesus Cristo reagiu por ter observado que haviam perdido a dimensão eterna pelas mesquinharias que foram chamadas de religião! E, por essa razão, curou doentes no dia de descanso:

· curou um paralítico no poço de Betesda (Jo 5.1-18; cf. v. 9), razão porque foi duplamente chamado de herege (cf. v. 18); · curou uma cego de nascença (Jo 9.1-7, 13,14,16); · curou um homem de mão atrofiada (Mc 3.1-6; Lc 6.6-11); · curou uma mulher com terrível problema na coluna (Lc 13.10-17), · e permitiu, no dia do Shabbath, atividades que eram proibidas pela Lei porque Ele é superior à Lei e Senhor da mesma. Era proibido colher trigo para a alimentação, no entanto, permitiu que as espigas fossem colhidas (Mc 2.23-28).

Sentiram que importante e digno é o ser humano, imagem do nosso Deus, semelhança do Criador? Sentiram que a Lei e as suas instituições devem ser vistas à luz da eternidade?

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Realmente, a carta aos Hebreus diz que a Lei é a sombra dos bens futuros, razão porque afirmamos que não se pode doutrinar em cima de sombras (cf. Hb 10.1). Portanto, com a Nova Aliança, as figuras e sombras da Antiga Aliança caducaram, e com elas os dias solenes dos judeus.

· É o caso de Levítico 23.48 que registra a instituição, e regulação da Páscoa (23.4.8); encontramos, pelo contrário, na Nova Aliança, o apóstolo Paulo dizendo que Jesus Cristo é a nossa páscoa (1Co 5.7). · O Antigo Testamento faz referência às primícias (Lv 23.9-25), e quando Paulo escreve 1Coríntios 15.20, diz que Jesus Cristo é "as primícias dos que dormem". · Levítico 23.33-44, ainda, menciona a Festa dos Tabernáculos ou Festa das Tendas Sukkoth), mas o Evangelho de João registra que o próprio Deus tabernaculou, "armou Sua tenda", habitou no nosso meio (cf 1.4). · E sobre o Dia da Expiação, o Yom Kippur (Lv 23.26-32), verifica-se que esse Dia do Perdão encontra o seu lado concreto no Calvário (Hb 2.17) porque esta solene festa judaica, um dos chamados pelos judeus de "dias terríveis" é só uma sombra do Calvário que está projetada. · Assim é que também encontramos o Dia de Descanso, o Yom Shabbath (Lv 23.3), porque Jesus Cristo, Ele, sim, é o nosso shabbath, o nosso repouso (Hb 4.1ss).

Oséias, o profeta, vai predizer no capítulo 2.11, que todas essa solenidades serão abolidas. "Também farei cessar todo o seu gozo, as suas festas, as suas luas novas, e os seus sábados, e todas as suas assembléias solenes". Com a Nova Aliança, não estamos mais presos ao tempo, mas, sim, abençoadamente ligados à eternidade pelo sangue de nosso Senhor Jesus Cristo. E o apóstolo Paulo o afirma: "Ninguém, pois, vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa de dias de festa, ou de lua nova, ou de sábados, que são sombras das coisas vindouras; mas o corpo é de Cristo" (Cl 2.16,17).

CREIO NO DIA DO DESCANSO

Creio no Dia do Senhor porque creio na Nova Aliança de Deus com a humanidade, e nas realidades que ela ampliou do Antigo Pacto do Sinai!

Creio no Dia do Senhor porque creio no sangue derramado de Jesus Cristo!

Creio que o sacerdócio da Antiga Aliança foi conservado, mas foi ampliado, e o foi com um novo Sumo Sacerdote que é Jesus Cristo, (Hb 2.9-17; 4.14,15; 7.1-28; 9.11ss), e o acesso a esse sacerdócio por todos os crentes (Hb 10.19-23; 1Pe 2.5,9; Ap 1.6; 5.10; 20.6; 1Tm 2.1; Ef 6.18).

Creio que o crente em Jesus Cristo, o salvo pelo Seu sangue é um sacerdote no reino de Deus!

Creio no sacrifício único e eterno de Jesus Cristo (Hb 7.26,27; 9.24-28; 10.11-14)! Creio nas leis morais, até mesmo naquelas mais estritas, porque Jesus Cristo

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vê a intenção, e não apenas o ato! Creio, portanto, na conservação do descanso!

Creio no Dia do Senhor porque aprendo com meu Mestre que a ênfase deve ser dada ao conceito, e não ao dia em si!

Creio no Dia do Descanso porque Jesus Cristo é o Senhor desse dia, e o ser humano é superior à instituição temporal: "E prosseguiu [Jesus]: O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado" (Mc 2.27).

MAS, POR QUE O PRIMEIRO DIA DA SEMANA?

Quando o cristão guarda o primeiro dia da semana, ele o faz no espírito de um novo mandamento, baseado em uma Nova Aliança, e ambos como cumprimento do antigo mandamento e da Antiga Aliança cumpridos na fé cristã.

Por que o primeiro dia da semana? Porque a ressurreição de Jesus Cristo é o acontecimento fundamental do evangelho, e realmente tudo no evangelho olha para a ressurreição (cf. 1 Co 15.14,17,19). Que maravilha termos como referencial o túmulo vazio! O dia da semana, em si, nada significa, mas, o que nele ocorreu, sim! Vejam só: o dia 2 de Julho nada significa no Ceará, ou no Mato Grosso, ou em Santa Catarina! Mas é significativo na Bahia porque é o Dia da Independência deste estado ocorrida em 1823. Fora da Bahia não tem sentido! 17 de Abril nada significa para outras igrejas na cidade do Salvador, mas tem mérito na Igreja Batista Sião, que foi organizada nesta data em 1936.

O primeiro dia da semana tem significado para o cristão porque em um primeiro dia da semana Jesus Cristo ressuscitou (Mt 28.1; Mc 16.1,2; Lc 24.1; Jo 20.1), e desde os tempos apostólicos, esse dia vem sendo reservado (At 20.7; 1Co 16.2; Ap 1.10, e escritos antigos), e Jesus ressuscitado Se encontrou com os discípulos no primeiro dia da semana (Mc 16.9; Mt 28.9; Lc 24.13,15,36ss; Jo 20.19,26).

Por que o primeiro dia da semana? Porque depois de estar debaixo de extrema humilhação num fim de semana, Jesus Cristo, no primeiro dia da semana, gloriosamente ressuscitou. De modo que olhamos o dia do descanso, seja ele o primeiro dia da semana (o descanso temporal), seja o descanso eterno, à luz da ressurreição!

E é por essa razão que na Nova Aliança o dia de descanso se chama "Dia do Senhor", significado exato da palavra domingo. Quando se fala "domingo" está sendo usada uma expressão da língua latina, dies dominica, ou seja, "dia que pertence ao Senhor", porque nesse dia, o primeiro da semana (a prima feria), nossos irmãos da Igreja Apostólica descansavam. Reuniam-se para a Ceia do Senhor: "No primeiro dia da semana, tendo-nos reunido a fim de partir o pão, Paulo, que havia de sair no dia seguinte, falava com eles, e prolongou o seu discurso até a meia-noite" (At 20.7); e preparavam ofertas de amor: "No primeiro dia da semana cada um de vós ponha de parte o que puder, conforme

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tiver prosperado, guardando-o, para que se não faça coletas quando eu chegar" (1 Co 16.2).

Eles o faziam no dia da ressurreição de Jesus Cristo! E é isso exatamente o que fazemos, porque compreendemos que o dia do descanso é vital, não é formal, e encontra expressão numa experiência de crescimento, e celebra um acontecimento, e expressa e promove uma experiência transcendental no significado para o crente em Jesus Cristo!

Também porque compreendemos que é um memorial de experiência, um monumento à verdade (os antigos hebreus comemoravam o que devia ser lembrado levantando colunas. Colocavam uma pedra, e outra pedra, e uma pedra mais, e assim por diante de modo que levantavam um pilar, uma coluna, um altar (Gn 28.18; Js 22.10) para indicar que alguma coisa importante havia sucedido).

Compreendemos que, sendo um memorial de uma eterna experiência, no Dia do Senhor , homens e mulheres confessam, individual e coletivamente, sua fé na obra divina da criação de uma nova raça humana, obra divina que se fez em nós. Dizemos "eu compreendo a imortalidade desta pessoa por causa da ressurreição de Cristo" , e tudo isso lembramos neste primeiro dia da semana (cf. 1Co 15.22).

Compreendemos que o Dia do Descanso enfatiza a espiritualidade da vida humana, e lembramos Lucas 12.15: "E disse ao povo: Acautelai-vos e guardai-vos de toda espécie de cobiça; porque a vida do homem não consiste na abundância das coisas que possui". Não é o material, mas o espiritual que vale, e nós somos desafiados a considerar essas interpretações da vida, decidindo por uma posição materialista, aceitando essa abundância de coisas, ou uma posição espiritual, recebendo de mente e coração abertos essa bênção que desejamos e continuamos a desejar e praticar.

Creio no Dia do Senhor porque eu me rejubilo nele! Ah, como me alegro, e posso exclamar como o fez o poeta de Israel: "Este é o dia que o Senhor fez; regozigemo-nos, e alegremo-nos nele" (Sl 118.24). Alegro-me por sua mensagem de ressurreição, e o próprio Senhor Jesus Cristo diz: "Não temas; eu sou o primeiro e o último, e o que vivo; fui morto, mas eis aqui estou vivo pelos séculos dos séculos; e tenho as chaves da morte e do hades" (Ap 1.17b,18). Creio no Dia do Senhor porque é um dia de culto, de descanso, de renovação da vida; é um dia de reconhecimento de Deus, de comunhão com Deus, de dedicação do eu em tempo e vida a Deus.

O Dia de Descanso é um tipo dos céus. Já pensaram que toda a boa música que praticada nas igrejas é apenas uma sombra do que vem, quando mudaremos toda nossa atividade para o louvor? A pregação vai acabar, a Bíblia diz que "as profecias serão aniquiladas" (1Co 13.8) e restará o eterno louvor do coro dos anjos e salvos! No entanto, lembremos que aos olhos cristãos nenhum dia é mais santo que o outro. Vamos rever os conceitos: não existe dia mais santo que outro porque neles devemos trabalhar, e o trabalho sempre foi considerado uma santa missão. (cf. Ex 20.9).

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É assim que o Dia do Senhor dá profundidade, dimensão, altura e significado aos demais dias! Que o Senhor nos ajude a compreender essa tão grande realidade, e a compreender que Jesus Cristo, Ele sim, é o nosso eterno descanso!

CREIO NOS MANDAMENTOSProfessor Antony Steff Gilson de Oliveira

Texto Básico: Êxodo 20.1-17

Creio nos mandamentos da Lei de Deus porque o moral e o espiritual têm sua fonte e valor eterno no Criador. Creio porque desconhecê-los significa uma perda na compreensão do que é a liberdade humana, do que significa a liberdade do espírito, e como essa liberdade deve ser mantida. Por esse motivo, os Dez Mandamentos (ou Decálogo) devem ser seriamente levados em consideração. Estudá-los sob o prisma do Novo Testamento e dos questionamentos de nossa época, poderá servir-nos de diretriz na vida pessoal e na da sociedade em que estamos inseridos. Vive-los significa firmeza de posição e de ética num mundo atacado pela descrença, desonestidade, imoralidade e irresponsabilidade.

UM PROGRAMA DE VIDA

Vejo nos Dez Mandamentos um programa de vida. A propósito, há outros códigos legais no Antigo Testamento: o Código da Aliança em Êxodo 20.22-23.33; o Pacto de Êxodo 34.10-28; o Código de Santidade (Lv 17-26) com o conceito de "Sede-santos-porque-Eu-sou-santo" permeando cada proibição e recomendação, e pontuando o senso de separação, exclusividade, reserva especial que deve marcar o povo de Deus; o Código Sacerdotal (Lv 1-16) regulando sacrifícios, o sacerdócio, a pureza e a beleza ritual e litúrgica; o Dodecálogo de Siquém em Deuteronômio 27.15-26).

Na verdade, as leis do Antigo Testamento estão agrupadas em três blocos: leis casuísticas, apodíticas e cerimoniais. O primeiro tipo lida com casos: "faça", "não faça"; se cometer um erro, há uma penalidade fixada. É a lei civil. Um tremendo exemplo está em Levítico 20.9: "Qualquer que amaldiçoar a seu pai ou a sua mãe, certamente será morto" numa preservação do mandamento que diz "Honra a teu pai e a tua mãe..."

A lei apodítica lida com as relações espirituais. É lei sem exceções da qual um claro exemplo são os Dez Mandamentos como um corpo.

A lei ritual normatiza os sacrifícios e o culto, seus aspectos e implicações.

O Decálogo (Ex 20.1-17; Dt 5.6-21), entanto, é a fonte autêntica da Lei, e fonte de inspiração dos profetas, por isso que são preceitos e ordens em tom pessoal, muito individual, mesmo, dos quais quatro regulam as relações com Deus, e seis, as relações com o próximo.

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Os mandamentos têm o propósito de alertar as pessoas de que precisam de Deus, bem como guia-las para uma vida responsável na sociedade. Existem para evidenciar o que há de errado nas relações sociais e espirituais, não porque sejamos em essência patológicas, mas porque um estado moral e espiritual patológico se instalou em nós, e se chama Pecado. Por essa razão, em nossa época, responsabilidade se tem confundido com o ser bitolado; liberdade é confundida com libertinagem; disciplina, com freios à natureza; e autoridade é repressão.

Os mandamentos falam do Criador, do repouso merecido pelo ser humano, que é um maquinismo psicossomático-espiritual. Falam de respeito aos pais, aos mais velhos, e às tradições e ensinos passados de geração a geração; falam da vida humana, da propriedade, da instituição do matrimônio, da verdade, e da personalidade humana e do respeito devido a cada faceta da existência.

Há quem não goste do tom negativo da maioria dos mandamentos. Essa ênfase, porém, não significa uma atitude negativa quanto à vida. Quem advoga uma sociedade sem proibições precisa se recordar que em moral, como na matemática, há operações exatas: há menos e há mais; há adições e subtrações! Por isso, eu creio nos mandamentos!

AS IMPORTANTES VERDADES

Os estatutos na vida de hoje têm sido flagrantemente desobedecidos. O Decálogo, porém, é um padrão de referência moral, e dele ressalta um profundo senso ético: a ética divina para o ser humano. Importantes verdades são declaradas:

A verdade de Deus: Deus é. Assim, os mandamentos são abertos com a declaração "Eu Sou" (Ex 20.2a), e o hebreu confessará, como o faz com santa propriedade, "Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor", ou, O Senhor é nosso Deus , o Senhor é um" (Dt 6.4). Deus Se comunica com a pessoa humana; dá diretrizes para o viver com aplicações no templo, no lar, na loja, no tribunal, na vizinhança. Por essa razão, os mandamentos dizem não, para que eu possa dizer sim à vontade de Deus. Isso quer dizer que para o israelita, Deus tanto era o Senhor da História ("Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão" Ex 20.2), quanto o Senhor do quotidiano ("Não matarás"; "Não adulterarás", etc.). Não é o Deus das especulações; mas o Deus Vivo (cf. Sl 14.1). Por isso, creio nos mandamentos!

O Decálogo fala sobre o culto, pois que a dignidade do culto, a glória, a manifestação e a presença são a dimensão vertical de Deus. Porque Deus é Único, surge o culto, e deve Ele ser cultuado do modo digno e correto.

Os mandamentos falam em exclusividade. Na Idade Antiga, quando alguém se mudava para outra região ou país, adotava o deus daquele país ou região. Se Filístia, Dagon; entre os cananeus, Baal; Marduque na Babilônia; Kemosh entre os moabitas. Assim se explica Rute dizendo a Noeme, sua sogra: "o teu Deus será o meu Deus" (Rt 1.16b); Rute era moabita.

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O que o Decálogo ensina é que quando alguém tem o Eterno como Deus, há exclusividade, quebrantamento e entrega; numa palavra: Consagração. É nesse quadro que se aplica a palavra de Jesus: "Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar a um e amar o outro, ou há de dedicar-se a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas" (Mt 6.24), que é a versão do primeiro mandamento no evangelho, ou, como Jesus, ainda, enfatiza, repetindo Deuteronômio 6.5, "Amarás ao senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento" (Mt 22.37, 38).

A ética anda meio trôpega. Tem desaparecido do coração de muita gente o sentido do que é correto (cf. Is 59.14, 15). É o desejo de enriquecer rapidamente; são as aplicações fraudulentas à custa da ingenuidade ou ignorância do povo; a remessa de lucros ou de ganhos escusos para contas anônimas no estrangeiro. É a falta de ética, de moral, de honestidade, bastando para resolver a fórmula preconizada pelo jurista Capistrano de Abreu no início do século: "deveriam ser abolidas todas as leis no nosso país, e ser decretada uma só: que todo brasileiro tivesse vergonha!"(negrito nosso).

É o ídolo do sucesso; o ídolo da raça. São vítimas dessa idolatria os indianos na Inglaterra, os turcos na Alemanha, os judeus que sofrem dos palestinos, os palestinos que sofrem dos judeus, brasileiros "da gema" em outras regiões do próprio país, índios em vários países (inclusive no nosso). É o ídolo da nação; o ídolo do partido.

É o uso e abuso do próximo: o seu direito de descanso não respeitado, nem por ele mesmo; é o desrespeito e abuso de confiança do adultério; e a vida humana tratada com desprezo nos crimes mais hediondos, mesquinhos, infames e impunes.

LIÇÕES ETERNAS

Temos muito o que aprender com os Dez Mandamentos. Sobre a vontade de Deus: a eleição de um povo, e padrões mais elevados para esse povo escolhido, e que isso se aplica à Igreja de Jesus Cristo, expressão concreta da vontade salvadora de Deus, e sem cor sectária na afirmação de Pedro:

"Vós sois a geração eleita, o sacerdócio real; a nação santa, o povo adquirido,

para que anuncieis as grandezas daquele vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós que outrora nem éreis povo, e agora sois povo de Deus; vós que não tínheis alcançado misericórdia, e agora a tendes alcançado" (1Pe 2.9,10).

Temos que aprender sobre o vigor, a grandeza e o exclusivismo do culto ao Deus Vivo e Verdadeiro, pois "Não terás outros deuses diante de mim" (Ex 20.3; cf. Mt 6.24). Não se pode dividir o culto com outros deuses nem os atributos divinos com "deuses" menores.

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Aprendemos que o culto ao Deus Vivo é sem imagens, anicônico, portanto (Ex 20.4; cf. Jo 4.24). Aprendemos, outrossim, que o Eterno não pode ser manipulado através de uma imagem Sua (Ex 20.5), como o faziam os vizinhos de Israel com seus deuses pátrios, e há quem queira favorecer santos ou ameaçá-los como o fazem com a imagem de Santo Antônio de cabeça para baixo numa "simpatia" para atrair casamento.

Aprendemos que o encontro com Deus é sempre decisivo, e uma decisão de vida ou de morte (Ex 20.5, 6). O mesmo se dá no evangelho: o encontro com Cristo é decisão de vida ou morte conforme João 3.36.

Aprendemos que o Nome (haShem), o Ser de Deus, é santo e não pode ser usado e citado, levianamente. "Não tomarás o nome do Senhor teu deus em vão" (Ex 20.7; Mt 5.33-36).

Aprendemos que um dia da semana é, em termos, consagrado a Deus, e isento de atividades comuns: "lembra-te do dia do repouso para o santificar" (Ex 20.8-11; Mc 2.27, 28; Mt 12.1-8) Na Aliança do Sinai, era o sétimo dia do calendário judaico apar lembrar o arremate da obra criadora; na Aliança do Calvário é o primeiro dia da semana para lembrar a ressurreição de Jesus Cristo, arremate da nova criação.

Aprendemos sobre a coerência da união Deus+ser humano, ser humano+Deus, e dos direitos divinos sobre a Sua criatura (Ex 20.1-17).

Aprendemos sobre o respeito aos pais, às antigas gerações, à vida conjugal e à verdade (Ex 20.12, 14-16; cf. Mt 15.4; Ef 6.1-3; Mt 5.27, 28; Ef 5.3, 5; 4.28; Mt 5.37; Tg 5.12).

Aprendemos a rejeitar a hostilidade e a violência, e a respeitar a propriedade alheia: "Não matarás" (Ex 20.13; cf. Mt 5.21, 22); "Não furtarás" (Ex 20.15; Ef 4.28).

Aprendemos com os profetas que a religião não se prende apenas a atos de culto, mas ao serviço, e o Decálogo visa a regular e orientar ao respeito à vida, à reverência ao Eterno, à ordem na sociedade, à justiça à pessoa humana. É possível, aliás, observar que o evangelho de Jesus Cristo reafirma tudo isso em Mateus 25.40, "sempre que o fizestes [destes de comer, de beber, acolhestes, vestistes, visitastes] a um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos a mim o fizestes".

Aprendemos, sobretudo, que a vida é um encontro com Deus. Deus marca os lugares de encontro. Com Abraão, numa cidade pagã; com Jacó, num ribeiro; com Moisés, num arbusto no sopé de uma montanha; com o povo de Israel, no caminho do deserto, no tabernáculo, nos santuários, no Templo. E hoje, esse encontro acontece na alma do fiel, verdadeiro, penitente e devoto cristão, pois que seu corpo é o Seu santuário. Por isso, creio nos mandamentos!

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CREIO NO REINO DE DEUS Professor Antony Steff Gilson de Oliveira

"Quando iam pelo caminho, disse-lhe um homem: Seguir-te-ei para onde quer que fores. Respondeu-lhe Jesus: As raposas têm covis, e as aves do céu têm ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça. E a outro disse: Segue-me. Ao que este respondeu: Permite-me ir primeiro sepultar meu pai. Replicou-lhe Jesus: Deixa os mortos sepultar os seus próprios mortos; tu, porém, vai e anuncia o reino de Deus. Disse ainda outro: Senhor, eu te seguirei; mas deixa-me primeiro despedir-me dos que estão em minha casa. Jesus, porém, lhe respondeu: Ninguém que lança mão do arado e olha para trás é apto para o reino de Deus" (Lc 9.57-62).

Qual a principal afirmação de Jesus? "O Sermão do Monte" em Mateus 5 a7? Realmente, sermões, palestras, excelentes livros têm enfocado o Sermão do Monte, destacando aspectos diversos dessa extraordinária pregação de Jesus Cristo.

Seriam textos como, "Assim como quereis que os homens vos façam, do mesmo modo lhes fazei vós também" (Lc 6.31)? Ou quem sabe aquele texto que é uma impossibilidade em termos humanos, "Amai a vossos inimigos"?

Todas essas expressões estão no Sermão do Monte, no entanto, nenhuma delas resume a mensagem como Mateus 4.17 o faz, porque foi o primeiro sermão que Jesus pregou. E foi um sermão resumidíssimo: "Arrependei-vos porque é chegado o reino dos céus". Durou apenas, 7 segundos! Sou capaz de dizer que os irmãos que se incomodam quando o culto passa um pouco de 11h40, ficariam também extremamente incomodados com um sermão que só dissesse isso: "Arrependei-vos porque é chegado o reino dos céus".

Na verdade, o que encontramos em Mateus 5-7 são ensinos de Jesus que nos esclarecem o que Ele queria dizer em Mateus 4.17.

Estamos familiarizados com certos ensinos de Jesus, com expressões que Ele utilizou como com as parábolas, tão lindas e que têm atravessado os séculos, com os relatos dos milagres que nos deixam abismados diante da sobrenatureza; com as narrativas da Paixão de Cristo, como Jesus Cristo sofreu Getsêmani, como suou sangue num fenômeno chamado hematidrose, como Jesus foi preso depois de receber um beijo de traição, e como vieram prendê-Lo com varas, com pedaços de pau nas suas mãos como se fosse um malfeitor a ponto de ser linchado, e como foi julgado, condenado, e, depois de uma noite de tortura, levado para o Calvário!

Isso nos emociona, mas a idéia central que unifica tudo isso, parábolas, milagres, paixão, bem-aventuranças e sermões, o tema dominante, a característica do ensino de Jesus Cristo se sobressai numa expressão: reino de Deus. Parece até que não quer dizer muita coisa, mas há uma imensa riqueza nessa expressão que se tornou tão corriqueira. Reino de Deus!

PRIMEIRAS IDÉIAS SOBRE O REINO DE DEUS

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O pensamento antigo de Israel era que o reino de Deus se manifestaria no senhorio do rei de Israel. Esta é a primeira idéia acerca desse tema (cf. 2Sm 7.12-16; Sl 89.36, 37). Enquanto Israel fosse soberano e tivesse um rei no trono, Deus também seria Senhor e Soberano. Esse foi um conceito primário e bem primitivo acerca do reino de Deus. Por isso, eles entendiam que o soberano faria justiça ao pobre, restituiria os direitos da viúva, e defenderia o órfão, libertando com esses atos o mundo da iniqüidade em que estava. Naturalmente que os aproveitadores (e os há em todo lugar...) do tempo de Davi até perguntaram "Que parte temos nós em Davi" (1Rs 12.16). Alguns não queriam ter parte num reino que faria a defesa da viúva, e daria direitos ao necessitado.

Vamos andar no tempo, e com a sua passagem, a idéia que passou a dominar em Israel era que o culto no templo, com os seus sacerdotes e levitas, com os sacrifícios, normas e prescrições a respeito da santidade (kashrut), resolveria o assunto, porque o reino de Deus estaria no templo, e nos ofícios. Uma pessoa que queria ver e sentir o reino de Deus ia ao templo, e ali sacrificava, razão porque, na teologia antiga de Israel, passou o reino de Deus a ser sediado no templo e no culto realizado naquele local.

No entanto, os profetas falaram contra isso, e denunciaram o culto sem conversão. E isso era muito fácil: alguém teria uma vida ímpia, vil e de corrupção, e viria ao culto onde sacrificaria um animal, e, assim, entendia ter resolvido o seu problema. Culto sem conversão! Sem solidariedade, e de egoísmo em lugar da misericórdia, motivo que leva o profeta Amós a dizer,

"Aborreço, desprezo as vossas festas, e não me deleito nas vossas assembléias solenes. Ainda que me ofereçais holocaustos, juntamente com as vossas ofertas de cereais, não me agradarei deles; nem atentarei para as ofertas pacíficas de vossos animais cevados. Afasta de mim o estrepito dos teus cânticos, porque não ouvirei as melodias das tuas liras. Corra, porém, a justiça como as águas, e a retidão como o ribeiro perene" (Am 5.21-24; cf. Is 1.17; Os 6.6).

Em lugar da misericórdia, persistia o egoísmo, e isso Deus não podia tolerar! Mas os israelitas antigos não entenderam que Deus reinaria no templo, sim, mas o templo de Deus é o ser humano restaurado, transformado, lavado pelo sangue de Jesus!

Uma visão da era messiânica vai ser dada mais adiante pelos profetas como Isaías (o profeta messiânico por excelência, onde se respira a vinda do Messias do primeiro ao último capítulo), Ezequiel, Malaquias. Isaías fala de um novo tempo a ser governado por Aquele que é chamado

"Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz" (9.6); profetiza também acerca do Espírito do Senhor sobre o soberano do reino de Deus, e diz, "E repousará sobre ele o Espírito do Senhor, o espírito de sabedoria e de entendimento, o espírito de conselho e de fortaleza, o espírito de conhecimento e de temor do Senhor" (Is 11.2);

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é quem fala sobre bênçãos do reino de Deus na expressão de 11.6-11, da qual destacamos:

"Morará o lobo com o cordeiro, e o leopardo com o cabrito se deitará; e o bezerro, e o leão novo e o animal cevado viverão juntos; e um menino pequeno os conduzirá... Naquele dia a raiz de Jessé será posta por estandarte dos povos, à qual recorrerão as nações; gloriosas lhe serão as suas moradas. Naquele dia o Senhor tornará a estender a sua mão para adquirir outra vez o resto do seu povo, que for deixado, da Assíria, do Egito, de Patros, da Etiópia, de Elão, de Sinar, de Hamate, e das ilhas do mar".

Mas que linda reunião de todos os povos e daqueles que são salvos pelo Cordeiro de Deus! É também Isaías quem fala dos acontecimentos maravilhosos e extraordinários que terão lugar no reino de Deus! "Naquele dia os surdos ouvirão as palavras do livro, e dentre a escuridão e dentre as trevas os olhos dos cegos as verão" (Is 29.18)!

No chamado "Primeiro Poema do Servo Sofredor" (Is 42.1-9), é também mencionado o tema central do reino de Deus: "Eis que as primeiras coisas já se realizaram, e novas coisas eu vos anuncio; antes que venham à luz, vo-las faço ouvir" (42.9)! Tudo o que é novidade do reino de Deus nós teremos compreensão da parte do próprio Espírito de Deus! É disso que fala, e dos capítulos 40-55 Isaías vai falar de uma nova criação, produto do reino e da soberania de Deus.

Ezequiel também, e ele estava na Babilônia, o povo estava no exílio, e esse profeta cantou sobre o Messias a quem Deus chama "meu servo Davi", e Ezequiel no capítulo 37 o expressa deste modo:

"e Davi, meu servo, será seu príncipe eternamente. Farei com eles um pacto de paz, que será um pacto perpétuo. E os estabelecerei, e os multiplicarei, e porei o meu santuário no meio deles para sempre. Meu tabernáculo permanecerá com eles; e eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. E as nações saberão que eu sou o Senhor que santifico a Israel, quando estiver o meu santuário no meio deles para sempre. Meu tabernáculo permanecerá com eles; e eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. E as nações saberão que eu sou o Senhor que santifico a Israel, quando estiver o meu santuário no meio deles para sempre" (Ez 37.25b-28).

João 1.24 fala que o Senhor veio e armou o seu santuário, Sua tenda e "habitou entre nós". Davi já havia morrido há 400 anos, mas o Senhor chama a Davi "meu servo" porque Ele fez referência àquele que é a descendência de Davi (cf. Sl 96.10-13).

Pois bem, a oração de todo judeu piedoso era pela vinda do reino de Deus, por causa desse alimento espiritual que recebia todo judeu, dos profetas que falaram da vinda desse reino. Foi nesse ponto que Jesus Cristo entrou no cenário da história humana. Pois eu creio no reino de Deus por causa de manchetes como estas extraídas do jornal de nossa cidade:

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"QUATRO ASSALTANTES TOMBAM EM TIROTEIO""MATOU O CUNHADO COM FACADA NO CORAÇÃO""LEVADO COMO REFÉM""CHINA TEM 300 MIL VICIADOS EM HEROÍNA"

Manchetes que chocam, machucam, escandalizam e fazem lamentar! Sim; creio no governo de Deus sobre indivíduos que se rendem, que se entregam, que se quebrantam: creio na honestidade, no amor, na solidariedade, no calor humano, mas sobretudo no calor do Espírito na consciência, na alma, no espírito do crente!

O QUE O REINO DE DEUS NÃO É

Ora-se muito sem discernimento "Venha o Teu reino". Mas o que não é o reino de Deus? Diria, em primeiro lugar, que não é um domínio geográfico, um país terreno com uma capital terrena como um certo segmento teológico que anuncia, na sua posição mais extremada, que o reino de Deus vai ser estabelecido num determinado lugar (Israel) tendo como capital Jerusalém, e ali Jesus Cristo vai reinar. Essa é uma posição extrema que a Escritura Sagrada não apoia.

Não é, também, a Igreja. Agostinho e os teólogos da Outra Igreja ensinaram e ensinam que o reino de Deus é a Igreja.

Também não é uma utopia, uma sociedade ideal a ser construída pelos homens, como certos reformadores sociais cristãos também pregam, de modo que com a pregação do evangelho se espalhando cada vez mais, por fim começa o reino de Deus sem ninguém perceber. Não é isso o que os noticiários trazem.

Aliás, há uma longa história de equívocos sobre o reino de Deus. Já houve, até, quem quisesse antecipá-lo pela violência: os zelotes, mencionados no Novo Testamento (cf. Lc 6.15b; At 1.13b), que eram fanáticos políticos de Israel e representavam a extrema esquerda. Isso na época em que Roma estava dominando aquela terra, os zelotes levavam um punhal (sicar) escondido no manto, e, quando encontravam um romano num lugar mais discreto, apunhalavam-no. Daí vem a palavra sicário (= malfeitor, facínora). Queriam trazer o reino de Deus, que, entendiam, se estabeleceria no momento em que os romanos saíssem de Israel. No meio dos apóstolos havia ex-zelotes (Simão, Lc 6.15b; e, talvez, Judas Iscariotes). Um dos discípulos tomado desse espírito político até perguntou a Jesus: "Senhor, é neste tempo que restauras o reino a Israel?" (Atos 1.6). Esperavam que Jesus viesse como um zelote, um grande zelote de extrema-esquerda.

Os fariseus queriam implantar o reino de Deus não com a violência, mas com a observância da Lei. Se todos observassem a Lei de Moisés o reino de Deus se implantaria, diziam. E os profetas continuaram proclamando, apesar de toda a pregação dos fariseus: "o reino há de vir!" (cf. Mq 5.2,4, 5a; Ml 3.1; Sf 3.13-15; Am 5.18; Jl 2.12, 13, 28-32).

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E o reino veio! Veio no Senhor Jesus Cristo! (cf. Mc 1.14, 15). Por isso eu creio no reino de Deus!

O QUE O REINO DE DEUS

Para Jesus, o reino de Deus era e é uma experiência que não se baseia na força das armas, e não tem dimensões de espaço nem de tempo, mas é, na verdade, um novo relacionamento entre Deus e a pessoa humana, entre o ser humano e o Ser Divino. Então, como já vimos, o anúncio do reino de Deus feito por Jesus foi o que o povo hebreu tinha ansiado por centenas de anos! Era o que João Batista anunciara que estava chegando (Mt 3.2,4; Mc 1.2, 3, 7, 8); foi o que Jesus havia anunciado quando disse: "É chegado o reino de Deus!" (Mc 1.15). E é por essa razão que o reino de Deus é chamado "as boas notícias"! É o significado da palavra evangelho (gr. evaggelion).

Mas quando Cristo revelou que Seu reino era interior, espiritual, poucos O aceitaram (Jo 1.11, 12). O povo esperava, como os zelotes, alguém que trouxesse muitas bênçãos materiais, um grande chefe político. Porém Jesus exigia uma mudança interior aos que pertencessem ao Seu reino. E no "Pai Nosso" encontramos uma excelente explicação (Mt 6.10), porque temos o paralelismo típico do pensamento hebreu quando Jesus diz: "Venha o teu reino", e a expressão igual (com outras palavras) é: "Seja feita a tua vontade".

Daí temos que o reino de Deus é uma sociedade no espaço-tempo, onde a vontade do Pai faz de modo tão perfeito como no infinito-eterno. O reino de Deus é a vida eterna que pela fé se recebe aqui e agora tendo efeitos imediatos enquanto eternos e permanentes. O reino de Deus é vida, é o reino dos céus (expressão, aliás, usada por Mateus que, sendo judeu, não queria usar o nome de Deus).

O reino de Deus é definido por Paulo do seguinte modo: "porque o reino de Deus não consiste no comer e no beber, mas na justiça, na paz, e na alegria no Espírito Santo." (Rm 1 4.17). O reino de Deus é Seu domínio sobre nós, e nossa submissão a Ele; quando nEle cremos, e fazemos a Sua vontade, pertencemos a esse reino. O reino de Deus é a Sua presença nos guiando, Sua graça/presença em nós, como a nuvem durante o dia e o fogo durante a noite guiavam o povo de Israel no deserto.

ASPECTOS DO REINO

O reino de Deus é presente ou futuro? Já está aqui ou ainda vem? Já se manifestou ou ainda há de vir? Há quem pregue que o reino de Deus não tem expressão hoje, e ainda há de se manifestar. Prega por conta própria porque Jesus ensinou "É chegado o reino de Deus" (Mc 1.15a; Mt 4.17; 1 0.7; Lc 9.2; 10.9).

Podemos compreender o reino de Deus olhando três etapas distintas descritas na Bíblia. A primeira é que ele é tão antigo quanto o próprio universo, por uma razão básica: Deus é o soberano de toda a criação. É um fato eterno: "O teu

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reino é um reino eterno; o teu domínio dura por todas as gerações" (Sl 145.13), e também em Mateus 6.13: "E não nos deixes entrar em tentação; mas livra-nos do mal. Porque teu é o reino e o poder, e a glória, para sempre. Amém" (cf. Mt 8.11): "Teu é o reino (para sempre); Teu é o poder (para sempre); Teu é a glória (para sempre)", conforme Jesus ensinou.

Em segundo lugar, é uma realidade presente, uma realidade agora, já. Lucas 17.20, 21 diz: "Sendo Jesus interrogado pelos fariseus sobre quando viria o reino de Deus, respondeu-lhes: O reino de Deus não vem com aparência exterior; nem dirão: Ei-lo aqui! ou: Ei-lo ali! Pois o reino de Deus está dentro de vós". (Outra tradução diz: "no meio de vós").

Jesus veio: é Deus invadindo a história humana para derrotar o mal. Quem tivesse os olhos espirituais abertos poderia sentir os sinais dos tempos, e veria o reino de Deus vindo através da cruz (aparente derrota, é verdade, mas, como resultado, uma vitória incrível contra a malignidade deste mundo)! O reino de Deus veio através da ressurreição, e nesse glorioso acontecimento a morte foi morta!

Um dos meus professores, Dr. Merval Rosa, usou certa vez uma expressão muito interessante: ele disse que o cristão já morreu, e agora aguarda apenas a ressurreição. É isso mesmo! Já abandonamos o mundo, já o deixamos para trás, os seus apelos já não nos interessam, temos agora outra visão, outra dimensão diante de nós. Se os nossos olhos estavam somente voltados para o aqui e agora, para o imediatismo, estamos agora olhando para o futuro, para o que virá, para as realidades espirituais que já se encontram ao nosso dispor!

O reino de Deus já veio através do dom do Espírito Santo!

Quando a Igreja de Jesus Cristo no dia de Pentecostes experimentou o derramamento do Espírito (At 2.1-13) como fato único na sua história, como o grito de "Independência ou morte!" foi dado só uma vez no Brasil, e não precisa cada brasileirinho que nasce ter o presidente da República tirando o chapéu e dizendo essas palavras para ele, e para estoutro e aqueloutro. É um fato histórico, aconteceu. Quando o irmão se converteu ao Senhor Jesus, recebeu o dom do Espírito Santo, que não deve ser confundido com "os dons", os carismas. Por isso, fazemos os crentes em Jesus Cristo, parte do reino de Deus, e a cruz (que foi um escândalo para os judeus, e loucura para os gentios, (cf. 1 Co 1.23) tem sentido para nós, e a ressurreição nos garante a salvação, e os dons do Espírito Santo são evidência do senhorio de Deus em nossas vidas! Por isso eu creio no reino de Deus! Mas há uma terceira etapa: o reino de Deus também pertence ao futuro porque ali teremos a sua consumação, e a fé cristã é também a esperança cristã. Cremos com a Escritura que Deus há de completar a Sua obra: no fim triunfará sobre o pecado, sobre o desespero e a morte (que já morreu na ressurreição de Cristo!) Além deste tempo, e desta era, a vida eterna na qual conheceremos o governo de Deus mais perfeitamente! Essa é a dimensão futura do reino de Deus. É assim que o reino pode ser uma realidade passada, presente e futura ao mesmo tempo porque é eterna. E, assim, o reino está perto, mas também está longe; está no nosso meio, mas oramos que venha; e o mistério já foi

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confiado a alguns, e, no entanto, ninguém sabe o dia nem a hora da sua vinda (cf. Lc 8.10; At 1.7).

O CIDADÃO DO REINO

A quem pertence o reino? Quem tem o direito ao reino dos céus? Vamos fazer a pergunta ao revés: quem não entra no reino de Deus? Quem não tem lugar no reino do Pai? E a Bíblia responde:

os que vivem na carne e na corrupção não tem lugar no reino de Deus (1Co 15.59); os que fazem tropeçar um inocente não encontram espaço no reino de Deus (Mc 9.42, 47): os que se apegam aos bens materiais não têm vez no reino de Deus (Mt 19. 24); os que são convidados e não se determinam a seguir ( Lc 9.62); os não-convertidos (Jo 3.3,5); os injustos, os devassos, os idólatras, os adúlteros, os homossexuais em todas as suas nuances (pederastas, lésbicas, bissexuais não têm lugar no reino de Deus; os ladrões; os avarentos, os bêbados; os maldizentes; os que se prostituem; os feiticeiros (pais-de-santo, mães-de-santo, babalorixás, ialorixás, cartomantes, lançadores de búzios); os invejosos, os assassinos; os medrosos, os incrédulos, os que se recusam a graça e a bênção como Judas Iscariotes (cf. 1Co 6.9, 10; Gl 5.19-21; Ef 5.5; Ap 21.8; 22.15; Jo 17.12; 6.70).

Então, a quem pertence o reino dos céus? E, também a Bíblia responde:

no reino de Deus têm lugar os que nascem de novo, da água e do Espírito (Jo 3.3,5); aos inscritos no livro da vida (Ap 21. 27); aos que perseveram na fé e, por isso, passam por tribulações, e são perseguidos por causa da justiça (At 14.22; 2Ts 1.4,5; Mt 5.10); às crianças (Mc 10.14); aos que recebem o reino no espírito de uma criança (Mc 10.15); aos que guardam os mandamentos de Cristo (Mt 19.17); aos humildes de espírito (Mt 5.3); aos que vivem na justiça, na paz e na alegria no Espírito Santo (Rm 14.17); aos que tendo praticado todas as abominações que impedem a entrada no reino foram purificados pelo sangue de Jesus, e se tornaram limpos, lavados de suas iniqüidade, santificados, justificados em nome de Jesus e no Espírito de Cristo (1Co 6.11); aos que fazem a vontade: quem obedece está no reino, quem não obedece não está no reino (Mt 7.21).

Assim, o reino de Deus não tem a ver com nações, reinos e países. É um reino pessoal, é questão de obediência. Nasci debaixo do governo do Brasil sem

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querer (sou brasileiro com muito orgulho, e cidadão desta terra extraordinária; e o Brasil se agiganta quando estamos fora do país; é aí que vemos o gigante que é esta nação, mas eu não pedi para nascer no Brasil), mas no reino de Deus, só nasço se o desejar. Os crentes chineses oravam, "Senhor, aviva a Tua Igreja, mas começando em mim!" E nós podemos dizer: "Senhor, traze o Teu reino, faze a Tua vontade, mas começando em mim!"

Jesus Cristo revelou os princípios espirituais que governam esse reino no "Sermão do Monte" dando aplicação presente destes princípios a situações particulares. O Sermão da Montanha é descrição da cidadania do reino, e alguém o chamou de "a constituição do reino de Deus", o qual (não esqueçamos!) é o poder soberano e misericordioso de Deus. Deus o fez em Cristo, Deus o faz hoje, e Deus o fará ainda mais.

Já imaginaram a política deste país submissa ao Senhor Jesus Cristo? Uma pessoa disse com um toque de tristeza, com nostalgia: "Já não se fazem homens como antigamente..." Esses homens podem ser feitos como no passado, mas através do milagre que se chama nova criação em Cristo (2Co 5.17). Por isso, o reino de Deus, o governo de Deus, Sua vontade soberana vai influenciar a esfera moral, porque a lei de Deus é o padrão da moralidade, e vai influenciar a esfera espiritual, o plano mais alto e mais nobre da nossa vida! E isso há de acontecer, pois a Escritura assegura a vitória final antecipada em I Coríntios 15.24-28:

"Então virá o fim quando ele entregar o reino a Deus o Pai, quando houver destruído todo domínio, e toda autoridade e todo poder. Pois é necessário que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo de seus pés. Ora, o último inimigo a ser destruído é a morte. Pois se lê: Todas as coisas sujeitou debaixo de seus pés. Mas, quando diz: Todas as coisas lhe estão sujeitas, claro está que se excetua aquele que lhe sujeitou todas as coisas. E, quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então também o próprio Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos".

Por isso eu creio no reino de Deus!

DA RUA DA AMARGURA PARA A GALERIA DA FÉ Professor Antony Steff Gilson de Oliveira

Josúe 2:8-13

- de prostituta para tataravó do maior rei de Israel

A transformação radical é conseguida através da plena confiança em Deus

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Raabe ao aceitar e esconder os espias abriu espaço para Deus promover a maior transformação que um ser humano pode receber.Raabe aceitou...

I. V.8-9 O PLANO DE DEUSO Retorno ao passado é impossível

8 Antes que os espias se deitassem, foi ela ter com eles ao eirado9 e lhes disse: Bem sei que o SENHOR vos deu esta terra, e que o pavor que infundis caiu sobre nós, e que todos os moradores da terra estão desmaiados.– ouviu e creu (o passado contribuiu com o presente)– Mar Vermelho = 40 anos antes

II. V.10 O PODER DE DEUSAs Obras provam a nossa convicçãoa respeito de Deus.

10 Porque temos ouvido que o SENHOR secou as águas do mar Vermelho diante de vós, quando saíeis do Egito; e também o que fizestes aos dois reis dos amorreus, Seom e Ogue, que estavam além do Jordão, os quais destruístes.– escondeu porque era a melhor coisa a fazer por causa do temor

III. V. 11 A PESSOA DE DEUSNossa vida tem influência sobre a vidados que nos cercam.

11 Ouvindo isto, desmaiou-nos o coração, e em ninguém mais há ânimo algum, por causa da vossa presença; porque o SENHOR, vosso Deus, é Deus em cima nos céus e embaixo na terra.– Deus é pessoal e se relaciona. Transcendente e Imanente

IV. V.12-13 A PROVIDÊNCIA DE DEUSDeus concede privilégios espirituais

12 Agora, pois, jurai-me, vos peço, pelo SENHOR que, assim como usei de misericórdia para convosco, também dela usareis para com a asa de meu pai; e que me dareis um sinal certo13 de que conservareis a vida a meu pai e a minha mãe, como também a meus irmãos e a minhas irmãs, com tudo o que têm, e de que livrareis a nossa vida da morte.– fio de escarlate = providência de Deus.– Mt 1:5 - tataravó de Davi Hb 11:31 - Galeria da fé– Arrebatamento = Livra da ira vindoura.

DIÁRIO DE ISAQUEProfessor Antony Steff Gilson de Oliveira

"Depois [Isaque] subiu dali a Berseba. Apareceu-lhe o Senhor naquela mesma noite, e disse: Eu sou o Deus de Abraão, teu pai. Não temas, pois eu sou

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contigo; abençoar-te-ei e multiplicarei a tua descendência por amor de Abraão, meu servo. Então edificou ali um altar, e invocou o nome do Senhor. Armou ali a sua tenda, e os seus servos cavaram um poço" (Gn 26.23-25).

Este é o diário de Isaque. Registra o que ele fez num único dia., pois, após ter acampado no vale de Gerar, abriu os poços cavados por Abraão, seu pai, e que haviam sido entulhados pelos filisteus (vv. 15, 18). Tiveram seus pastores uma altercação com os colegas da região por causa de um desses poços de água nascente (vv. 19, 20). Outro poço foi cavado, e nova contenda (v. 21), e mais outro, desta vez em paz (v. 22).

Nesse ponto, vai a Berseba, onde recebe a bênção de Deus, e, ao surgir do novo dia, erige um altar, arma uma tenda e abre um poço, tão indispensável à vida. Nestas três palavras, há implicações profundas para a vida de qualquer família.

Invertendo a ordem, extraiamos as lições:

"... seus servos cavaram um poço" (O POÇO)

O poço é a representação do trabalho. Na cultura pastoril de Israel, o poço era essencialíssimo à existência. Aliás, não é preciso ir longe: onde não há água encanada, nas áreas rurais, poços, cacimbas são imprescindíveis. Do poço viria a água para dessedentar homens e gado: sem água, a vida fenece.

Em toda a Bíblia, a água é símbolo de satisfação de sede profunda: "Tu visitas a terra, e a refrescas; tua enriqueces grandemente. O rio de Deus está cheio de água, para dar cereal ao povo, pois assim a tens preparado" (Sl 65.9). E, ainda, "O Senhor é o meu pastor; nada me faltará. Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranqüilas" (Sl 23.1,2; cf. Is 44.3,4; 55.1a; 58.11; Jo 4.10, 14; Ap 7.17). E como Deus dá os poços para as necessidades físicas, biológicas, também dá água viva para satisfazer as demandas espirituais (Is 55.1a; Jo 4.10,14).

O poço representa uma circunstância em nossa vida: o trabalho, que na Escritura Sagrada significa a rotina pela qual nós ganhamos o pão nosso de cada dia. Aliás, o ser humano nasce destinado, e não, condenado ao trabalho (Gn 2.15). Sua tarefa é gerenciar o mundo, administrá-lo, melhorá-lo pelo labor até a plenitude prevista por Deus (Rm 8.19).

A Bíblia não autoriza a pensar no trabalho como maldição. Gênesis 3.17-19 nos leva a ver que as más conseqüências, aparentemente do trabalho, o são, sim, do pecado dos primeiros pais: a dor, o cansaço, o sofrimento, as condições injustas e abaixo de humanas, a discriminação, os salários de sobrevivência. Não; a maldição foi sobre a terra. E esse pecado, e essa terra, agora maldita, trouxe descompasso na família entre o homem e a mulher (Gn 3.12), e entre o ser humano e outro pessoal (Gn 4.8).

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O trabalho, porém, é moral e espiritual. Como tudo se encaixa tão bem no plano cósmico de Deus (cf. Sl 104. 24, 19-23. E como valor moral e espiritual, deve ser repassado à família, e estar a serviço, e para a perfeição da família. Se assim é, necessário se torna pensar em compatibilizá-lo com o tempo dedicado aos filhos. Um jornal de nossa cidade estampou a manchete que dizia "Pais ingleses dedicam 40 segundos por dia aos filhos".

Há filhos que têm verdadeiramente "fome de pai", carência da figura paterna. O ator Tony Leblanc ponderou: "Sinceramente, penso que muitos males de que padece a sociedade, e o casal em particular, são conseqüência do pouco tempo que os pais dedicam aos filhos". E porque o trabalho se inspira nos mais profundos e expressivos valores espirituais, é convertê-lo em amor. Afinal, 1Coríntios 16.14 o ensina muito bem: "Fazei todas as vossas obras com amor".

É passar aos filhos a suprema lição de santificar o trabalho, santificar com o trabalho, e mais ainda, santificar-se no trabalho!

"Armou ali a sua tenda" (A TENDA)

É a vida familiar, a vida comum, as relações domésticas. A tenda representa deveres, lealdades, afeições, e está sob a proteção da comunhão com Deus.

Mas, que contraste: a casa de Isaque não tinha a solidez e o nível de conforto que hoje conhecemos. Pelo contrário, era frágil, muito frágil.

Pois é; nossa civilização é complexa, tecnicista e, até, desumana. Há sempre o perigo de ficarmos tão satisfeitos com o que possuímos, que não alcançamos a comunhão espiritual que deve caracterizar a vida do cristão. Com a pressa a que nos habituamos, com a correria a que nos acostumamos, há o perigo de se perder as pequenas e as grandes descobertas no lar:· A alegria das pequenas vitórias diárias;· O agradecer voltar para casa ao fim do dia;· O crescimento dos filhos;· O desenvolvimento deles na escola, na vida. De repente são adolescentes, jovens, e não vimos isso acontecer...

É; a tenda é a vida da família.

Como é o lar ideal pela Bíblia Sagrada? Qual a receita?· É o que tem harmonia, e, conseqüentemente, paz (Mt 12.25);· Nele, a vida de piedade é uma constante (1Tm 5.4);· Provérbios 15.17 ("Melhor é um prato de hortaliças onde há amor, do que o boi gordo, e com ele o ódio") diz com clareza absoluta que o amor é mais do que necessário;· No lar ideal, há diligência: a preguiça não tem vez (Pv 31.27);· E a hospitalidade? (Hb 13.2);· Percebe-se claramente a presença do Espírito de Jesus Cristo, marcada pelo fruto do Espírito (Gl 5.22,23).

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Além dessa receita, há qualidades que precisam ser repassadas às gerações mais jovens:· A honrar aos pais, o que leva com naturalidade à obediência (Ef 6.2,3);· Obediência aos pais (Cl 3.20). Quem aprende a se submeter à autoridade dos pais, aprende a se submeter a qualquer autoridade. O melhor modo, porém, de ensinar a honra aos pais é viver de modo a merecê-la.· A tomar decisões inteligentes, sábias, ou ter responsabilidade, a cumprir deveres, a ser pontual.· O valor da fé em Deus, que na Bíblia é sempre obediência. Os exemplos clássicos estão em Hebreus 11.8, 18, 19, 24-27.

"... edificou ali um altar" (O ALTAR)

Com o altar, Isaque expressava o impulso que dera a Abraão a sua grandeza. Mas vejam bem: julgadas pelos padrões do mundo, as vidas de muitas personagens do passado, e mesmo do presente, podem parecer imensamente mais importantes, mais impressionantes que as de Abraão e de Isaque. Neste quadro do Antigo Testamento, porém, encontramos homens que fizeram da devoção, do culto, da adoração o interesse primário, basilar de suas vidas. Essa a razão de o altar ter sido levantado em primeiro lugar. Antes, mesmo, da tenda e do poço.

Como está o altar de sua casa? E sua aliança com o Deus das alianças? É o caso de restaurar o altar doméstico (1Rs 18.30; 2Cr 15.8; 33.16). E diante desse altar você se entrega como Samuel, "Fala, (Senhor) porque o teu servo ouve"" (1Sm 3.10); ou como Paulo, "Senhor, que queres que eu faça?" (At 22.10), e apresenta seu corpo como sacrifício de justiça, de louvor, de ação de graças; sacrifício suave, contínuo, espiritual; sacrifício vivo, santo e agradável a Deus (cf. Sl 14.5; 107.22; 116; 17; Jr 6.20; Dn 8.11; 1Pe 2.5; Rm 12.1).

No altar, você ora pelo filho que está sendo gerado, para que Deus faça nele o que fez por Jeremias (Jr 1.5). Ore pelo recém-nascido; ore pelo seu filho ou filha na infância; pelo pré-adolescente; pelo seu adolescente e pelo jovem. Ore pelo seu filho ou filha casada, por sua vida profissional, conjugal, emocional e espiritual. Ore pelo filho do seu filho ou de sua filha em cada etapa da vida. E abra os olhos do seu próprio espírito para ver como o Espírito Santo tocou nas suas vidas.

Ore ao Deus que ama as famílias, porque Ele é o mesmo que salva as famílias. E há base bíblica para afirmá-lo: leia Gênesis 7.1; Atos 16.15, 31; 18.8. Mesmo uma criancinha pode crer, e tão pequena que Jesus pode levar no colo (Mc 10.14,16).

Pense na sua função como profeta e como sacerdote, como profetisa e sacerdotisa. Vamos explicar: como profeta/profetisa, você apresenta o Deus Vivo a seus filhos; você lhes fala de Deus. Mas é preciso que seu próprio relacionamento seja pessoal, íntimo e constante com Ele. Como sacerdote/sacerdotisa, você apresenta seus filhos ao Deus Eterno. É a oração de intercessão já mencionada; é a bênção diária, a bênção nas enfermidades.

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É o desejo que Jesus expressou em João 17.3, "A vida eterna é esta: que conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste".

O altar é uma expressão da bênção de Deus sobre o poço e a tenda, o trabalho e a vida familiar, e essa bênção se expressa em comunhão, conforto espiritual, salvação e crescimento na graça.

Nossa atividade de ganha-pão, a vida doméstica e a intimidade com Deus necessitam estar bem próximas, unidas, coesas. É o destaque dos valores do trabalho; o exercício da pedagogia de Deus, ou seja, o amor (cf. 1Jo 4.8): a criança obedece porque ama. Enquanto a pedagogia do Inimigo-de-nossas-almas é a do medo, ou seja, a criança obedece porque se sente ameaçada e está amedrontada (1Jo 4.18).

É a aliança com Deus, pois Ele faz aliança com o pai (Gn 17.1ss; Ml 4.6), com a mãe (Gn 16.10ss), com os filhos (Ex 20.12; Ml 4.6), mas lembremos que a Nova Aliança é feita de forma sempre individual, pessoal e única (Jr 31.33,34; Jo 3.16).

JERUSÁLEM NOS SALMOSProfessor Antony Steff Gilson de Oliveira

Para as três maiores religiões monoteistas do mundo, Jerusalém é a Cidade Santa. Para o Judaísmo, o que leva à reverência é a presença das ruínas dos muros da Beth Hamikdash, o Templo, aliada ao fato de ter sido o local onde reinaram Davi e seus descendentes. Para o Cristianismo, ao lado da emoção e sentimento dos eventos da Antiga Aliança, estão os acontecimentos da paixão de Cristo com o julgamento, crucificação, e a vitória sobre a morte no domingo da ressurreição. Além disso, a Jerusalém terrena é uma sombra e tipo da Jerusalém celeste com suas bênçãos e glória (cf. Ap 21.1-4). Para o Islamismo, é El-quds, "A santa" (cf. Is 52.1), porque, segundo sua tradição, Maomé subiu aos céus no seu garboso corcel Baraq.

O fato é que Jerusalém, ou Sião (possivelmente da raiz syn, "proteger", de onde "fortaleza"), nunca foi compreendida como uma simples e secular cidade. Profetas e salmistas sempre olharam a Cidade Santa em termos teológicos, o que é claríssimo no Livro dos Salmos.

Dois grupos de salmos estão especialmente ligados à "Teologia de Sião": os "Cânticos de Sião" e os "Cânticos Graduais" ("de degraus" ou "de romagem"). A Lei prescrevia (Ex 23.27) que todo homem deveria ir em peregrinação (aliyah) a Jerusalém três vezes no ano: na Páscoa (Pessach), no Pentecoste (Shavuot) e na Festa dos Tabernáculos (Sukkot). Nessas ocasiões, o tom festivo, alegre era bastante exaltado, visto que grupos se reuniam nas vilas e rumavam à Santa Cidade. Isso é refletido no Salmo 84.1-4:

"Quão amáveis são os teus tabernáculos, ó Senhor dos exércitos! A minha alma suspira, sim, desfalece pelos átrios do Senhor; o meu coração e a minha carne clamam pelo Deus vivo. Até o pardal encontrou casa, e a andorinha ninho para si, onde crie os seus filhotes, junto aos

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teus altares, ó Senhor dos exércitos, Rei meu e Deus meu. Bem-aventurados os que habitam em tua casa; louvar-te-ão continuamente".

Outros na mesma linha: o 46, o 68 (cf. vv. 28ss), o 76 (cf. vv. 1, 2) e o 79. O Salmo 48 tipifica todo o grupo dos "cânticos de Sião", e mostra no verso 1 que só o Senhor é digno de louvor, as glórias de Jerusalém (vv. 2 a 11), e, do verso 12 ao fim, a exortação a rodear a cidade como oportunidade de meditar no seu significado e na Pessoa do Deus Eterno.

Muitos conceitos teológicos se salientam nesses cânticos: a cidade messiânica, o sinal da presença de Deus no meio do Seu povo na centralização do Templo. Não podemos deixar de observar que a teologia de Sião ressalta que Deus a escolheu para nela habitar o Seu Nome (haShem), razão porque tanto o Templo quanto a cidade gozam da proteção divina (Sl 78.68, 69; cf. Ex 15.17, 18).

Destacado tema nos salmos é a liturgia do culto do Templo, a abodah, literalmente "o trabalho, o serviço" porque é um 'ebed (servo) o verdadeiro cultuante. A própria peregrinação era considerada parte da atividade sagrada. O Salmo 122 espelha a suprema felicidade dessa ocasião.

Os "Cânticos Graduais", então, retratam a entrada no santuário. Os salmos 15 e 24 provavelmente aludem a esse fato. Recebiam esse nome porque eram entoados na subida (mealah) por ocasião das mencionadas três peregrinações, ou, em outra hipótese, porque os levitas os cantavam nos quinze degraus pelos quais se subia do Átrio das Mulheres para o dos Homens.

O Culto em Jerusalém era vivo, ruidoso, dinâmico, com seus muitos cânticos e processionais. As exclamações de alegria e adoração pela glória, majestade e soberania de Deus eram constantes ("Hallelu-yah!", "Louvado seja o Eterno!", cf. os Salmos 111, 18, 135, 136, 146-150). O Salmo 42.4 traz à memória do poeta a sua liderança à frente dos cultuantes "com brados de louvor e júbilo". E o 47 acrescenta outras manifestações de ritmo e harmonia (cf. Sl 95.1ss; 150).

A descrição da bem-aventurança suprema de se temer a Deus é a espinha dorsal do Salmo 128, o qual acrescenta aos bens dos versos 1 a 4, duas outras graças das mãos divinas:

uma vida tranqüila e longa numa cidade tranqüila e próspera.

Um dos "cânticos de degraus", o Salmo 122, nos instrui a interceder pela shalom de Jerusalém, ou seja, sua integridade, saúde, sucesso, plenitude, salvação e progresso.

A sempre amada e poderosa figura de Jerusalém cantada no Salmo 46 inspirou Martinho Lutero a escrever "A Marselhesa da Reforma", o hino Ein' Fest Burg ("Castelo Forte é Nosso Deus"), por isso que é salmo que proclama a estabilidade e a segurança da cidade no meio do caos cósmico (vv. 1-3), e

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dos distúrbios internacionais (vv. 8, 9). Observe-se que este salmo começa com uma confissão de total confiança em Deus (v. 1).

Por fim, o Salmo 87 ressalta o ser cidadão da Santa Cidade, pois nascer em Jerusalém concede uma cidadania toda especial (vv. 5, 6).

Que a proteção divina sobre Jerusalém seja usada como padrão de fé em relação ao cuidado do Senhor por aqueles que nEle põem a confiança: nós somos cidadãos da Jerusalém Eterna. (cf. Sl 125.2; Ap 21.3, 4, 7).

JONAS: O PROFETA FUJÃOProfessor Antony Steff Gilson de Oliveira

O período histórico do ministério de Jonas é narrado com detalhes em II Reis 14 e 15. Ele viveu durante o reinado de Jeroboão II e, nesses tempos, a Assíria exercia seu poderio no Oriente Médio. Era uma nação cruel e era detestada por suas práticas desumanas.

Jonas era o típico judeu que nunca entenderia como seria possível que Deus viesse a amar os assírios. Ao contrário, ele esperava que o Deus Javé se voltasse contra eles e os destruísse.

A cidade de Nínive era a capital da Assíria, e quando Deus mandou Jonas pregar àquela cidade, ele recusou-se a ir, por causa do ódio que sentia pelos assírios. Jonas é um indivíduo preconceituoso e seu livro mostra a resistência desse profeta ao propósito divino de evangelizar a raça mais cruel do mundo. E o que vamos verificar é que o inexplicável amor de Deus para com Nínive não encontra eco no coração de Jonas.

Foram os preconceitos de Jonas que o levaram a fugir da Missão que Deus lhe havia ordenado. Preconceitos políticos: pois os ninivitas eram velhos inimigos de seu povo. Preconceitos raciais: os ninivitas eram gentios e não pertenciam ao povo escolhido. Preconceitos religiosos: um povo tão perverso, tão mau, tão grosseiro, não podia nem devia ser perdoado.

Quantos hoje não são como Jonas. Quantas vezes os nossos preconceitos nos impedem de sermos úteis a Deus. Quantas vezes os nossos preconceitos sufocam o amor às pessoas; aniquila nossa compaixão; obscurece nossa visão; seca as fontes da nossa espiritualidade e empobrece nossa mensagem.Nós nos parecemos muito com Jonas. Podemos ver nele nossos preconceitos contra aqueles que não confessam a mesma doutrina, ou que pensam diferente de nós. Jonas é uma figura intrigante. Ele assiste a uma cidade inteira se converter e ao invés de se alegrar, ele se irrita. E mais do que irritado, ficou deprimido a ponto de desejar morrer. Jonas é uma figura desconcertante, mas veremos que muitos de nós agimos exatamente como ele.

CAPÍTULO PRIMEIRO:FUGA INÚTIL

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"... veio a palavra do Senhor a Jonas." É assim que tudo começou: um dia estava Jonas em sua casa, lá peno ano 750 AC, quando Deus lhe disse: "Levanta-te, vai à grande cidade de Nínive e clama contra ela ... ". E aqui as coisas começam a se complicar, pois Jonas não tem a mínima vontade de ir àquela cidade.

Por quê? Porque Jonas conhecia muito bem Nínive e a odiava, e também conhecia muito bem a Deus, e sabia que Ele é misericordioso e grande em benignidade (4:2) e com certeza iria dar uma oportunidade a Nínive de se converter. E como nosso profeta não quer a conversão desta cidade, e para evitar que tal acontecesse, "Levantou-se, mas para fugir da presença do Senhor, para Társis." (v. 3).

Se corremos os olhos pelo Mapa Bíblico, vamos observar que Nínive ficava diametralmente oposta a Társis, Nínive está no leste, Társis no oeste. Társis era o lugar mais longínquo de todo o planeta naqueles dias. A viagem para lá durava, pelo menos, um ano.Lá se vai Jonas para a sua viagem rumo a Társis. Seus planos foram bem arquitetados, no entanto, vai se meter em uma tremenda enrascada. Aquela enrascada em que se envolve todos os desobedientes."Mas o Senhor lançou sobre o mar um forte vento, e fez no mar uma grande tempestade" (v.4). Deus, valendo-se da natureza, levanta uma tempestade para corrigir o profeta fujão.

"Então os marinheiros cheios de medo clamavam cada um ao seu deus..." (v.5).Os marinheiros conhecedores e experimentados no mar, sabem que a situação é perigosa. A sensação de medo os domina. A morte está às portas e por isso eles "clamavam cada um ao seu deus". Estes homens são pagãos e apegados a várias divindades. Contudo, enquanto eles dirigem suas preces aos seus deuses, Jonas dormia profundamente.

Aqui temos uma lição: no processo de fuga de Deus, corremos o risco de nos tornarmos menos cristãos do que os pagãos. Que ironia! O único homem no navio que podia fazer uma oração de verdade ao Deus verdadeiro, não quer orar." Ao mesmo tempo que é triste, é deveras impressionante notar que não poucas as vezes, os incrédulos que não conhecem a Deus, manifestam mais respeito e fé em Deus do que os próprios cristãos.

Nos versos 6 a 10 percebemos que os marinheiros pagãos têm noção da gravidade dos atos de Jonas. "Que fizeste? Pois sabiam os homens que Jonas estava fugindo da presença do Senhor, porque lhe havia declarado". (v.10).Os marinheiros sabiam que havia algo naquela tempestade, além de um fenômeno natural. Havia algo maior ali e por isso eles resolveram "Lançar sortes, para saberem por causa de que lhes sobreveio aquele mal" (v.7).A sorte é lançada, "e a sorte caiu sobre Jonas" (v.7). Descobriram que o homem de Deus era a causa da desgraça. A desobediência de Jonas estava atraindo maldição sobre todo o grupo.Precisamos aprender esta lição: As pessoas que desobedecem a Deus, não criam problemas apenas para si. Infelizmente acabam colocando os outros em

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suas enrascadas também. Homem de Deus em fuga leva problemas onde quer que vai.Agora algo precisa ser feito, e daí a pergunta: "Que te faremos, Jonas, para que o mar se acalme? (v.11). E a resposta foi: "Tomai-me e lançai-me ao mar e o mar se aquietará..." (v.12). Assim, Jonas assume o fato de que ele era o causa da tragédia.

Antes de jogar Jonas no mar, os marinheiros pagãos se entregaram novamente à oração. Agora, oram não às divindades pagãs, mas ao Deus de Israel. Enquanto eles oram, os lábios de Jonas ainda permaneciam fechados (v.14).

"E levantam a Jonas, e o lançaram ao mar, e cessou o mar da fúria" (v.15).Jonas é lançado ao mar, mas Deus não desiste do profeta fujão e ordenou que "um grande peixe engolisse a Jonas" (v.17).

Poucas situações devem ter sido tão angustiosas quanto esta. Jonas está consciente. Sua esperança de continuar vivendo eram mínimas. Que lugar para encerrar a vida, logo na barriga de um peixe, lugar escuro, mal cheiroso e onde provavelmente nunca encontrariam seu corpo. Mas, embora confuso e teimoso, Jonas é um homem que conhece a Deus. E Jonas faz a única coisa que se pode fazer em um momento de angústia. Ele se entregou à oração.

CAPÍTULO SEGUNDO:A ORAÇÃO NO VENTRE DO PEIXE

"Então Jonas no ventre do peixe orou ao seu Deus" (v.1).É no ventre do grande peixe que Jonas começa a recuperar a saúde espiritual. "Na minha angústia clamei ao Senhor." (v.2).

Jonas começa a entender que a angústia pode ser uma expressão do amor de Deus. A própria tragédia de ter sido "Lançado no coração dos mares" (v.3) e ter sido engolido pelo peixe, não era obra dos marinheiros, mas de Deus. Por trás de tudo aquilo estava a mão divina. "Quando dentro em mim desfalecia a minha alma, eu me lembrei do Senhor ..." (v.7).

Quando estava para morrer, Jonas voltava seus olhos para o Senhor. Que coisa tremenda! A oração ainda é a única e suficiente resposta de que a espiritualidade continua viva. E nesse aspecto nós nos parecemos muito com Jonas. Pois quase sempre deixamos para orar em momentos de extrema dificuldades (Conferir: 1:3, 4,5,10,11,13,14).

A oração de Jonas foi ouvida. Ele podia ser um crente fraco e remitente, mas sua confiança está em Javé e não em ídolos (v.8). É bom saber que Deus nos ouve, apesar de nossas fraquezas.

"Falou, pois, o Senhor ao peixe, e este vomitou Jonas na terra." (v.10).O capítulo dois termina com mais uma ação soberana de Deus. Ele ordena e o grande peixe, obediente, joga Jonas na praia.

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CAPÍTULO TERCEIRO:PREGAÇÃO SEM COMPAIXÃO

"Veio a palavra do Senhor segunda vez a Jonas... " (v.1).Pela segunda vez, Deus comissionou o profeta à sua missão de pregar aos ninivitas. Uma nova oportunidade é dada a Jonas.

"Dispõe-te e vai à grande cidade de Nínive ..." (v.2) A ordem é a mesma da primeira vez. E nisso aprendemos que Deus não muda sua vontade só pelo fato de não gostarmos dela.

Temos a impressão de que Jonas só pregou aos ninivitas, quando enviado pela segunda vez, porque não teve outra opção. Isso porque o v.3 diz que Nínive levava "três dias para percorrê-la". E no v.4 somos informados que Jonas a percorrer só "caminho de um dia". Isto significa que o nosso profeta não completou a caminhada da cidade, demonstrando assim má vontade em sua proclamação. Tipo coisa: "Já falei o suficiente, chega".

"Ainda quarenta dias e Nínive será subvertida." (v.4).

"Quarenta dias" é uma expressão que nos lembra o dilúvio (Gn 7:17). É uma expressão muitas vezes usada nas Escrituras para falar de juízo divino.

Jonas com seus preconceitos, odiava os ninivitas. Portanto sua mensagem não é para salvar, mas para condenar. Estava obedecendo uma ordem divina, mas sem a mínima paixão. Pregava o juízo mas sem lágrimas nos olhos.

Que mensagem precária a de Jonas: "Ainda quarenta dias e Nínive será subvertida". Não havia unção. Não havia vibração. Não havia o óleo da graça que cura e liberta. Havia apenas o tom de condenação, e era o que ele queria.Mas algo extraordinário acontece. Mesmo sendo uma pregação sem unção e sem poder, causou um impacto tremendo naquela cidade. E assim, surpreendentemente, Nínive "cidade mui importante para Deus" (v.3) é convertida. Deus é inquestionavelmente soberano. Mesmo que os nossos planos e projetos limitadíssimos falhem, os Dele são infalíveis. O que Deus quer fazer, Ele faz e "ninguém pode lhe deter a mão".

CAPÍTULO QUATRO:AMANDO OS SECUNDÁRIOS DA VIDA

"Com isso desgostou-se Jonas extremamente, e ficou irado" (v.1).

Jonas, ao invés de se alegrar, teve um extremo desgosto, por ver a cidade se converter e saber que a sentença da condenação por ele pronunciada, não seria mais aplicada a Nínive. Sua pregação foi um sucesso, mas ele não queria a graça de Deus para aquele povo. Que mentalidade exclusivista!

Os preconceitos de Jonas estavam tão impregnados em seu coração, que a alegria deu lugar a ira, a ponto de entrar num processo depressivo: "Melhor me é morrer do que viver" (v.3).

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Jonas fez uma barraca e ali ficou para "ver o que iria acontecer àquela cidade" (v.5).

Tão duro era o coração de Jonas, que ele ainda esperava que Deus mudasse de pensamento e destruísse Nínive.Para dar uma lição no profeta, Deus fez nascer uma aboboreira para fazer sombra para ele. E esta planta se torna de um momento para outro o tesouro do coração de Jonas. No dia seguinte, Deus manda um verme para ferir e matar a planta (v.7). E aquela planta que dava conforto a Jonas murchou deixando-o exposto ao sol. O que o deixou irado novamente (v.9).

"Tens compaixão da planta ..." (v.10).

Que insensatez! Jonas amava mais as coisas do que as pessoas. Conseguia chorar e se sensibilizar por causa de uma planta, por outro lado, nutria ódio pelas pessoas.Jonas é um retrato de muitos hoje em dia. Hoje nossa aboboreira pode ser um carro, a casa, móveis, nosso conforto, etc.

Devemos nos lembrar que se pusermos o coração nas coisas secundárias da vida, não devemos esperar que a nossa alegria seja mais duradoura do que a de Jonas.

"Melhor me é morrer do que viver". Nisso devemos concordar com o profeta. Para quem coloca a vida num nível tão mesquinho, é melhor morrer do que viver.

Jesus disse: "Ajuntai tesouros nos céus, onde a traça e a ferrugem não consomem".

Se o nosso coração estiver nas coisas secundárias da vida, as angústias se sucederão uma após outra, pois estes tesouros são falíveis e efêmeros. Ponhamos o nosso coração nas coisas imperecíveis e eternas.

"... Não hei de eu ter compaixão da grande cidade de Nínive?" (v.11).

Finalmente Jonas aprendeu. Deus tem compaixão de pecadores. Por isso, foi que o comissionou para pregar em Nínive. O recado final é no sentido de que ele volte a amar as pessoas. Não coloque os preconceitos acima da salvação. Volte a amar, mesmo aquelas pessoas estranhas a sua volta.

EM JONAS APRENDEMOS

1 - Deus é soberano e sempre realiza sua vontade2 - É impossível qualquer tentativa para fugir de Deus3 - Os preconceitos nos tornam sem amor pelos incrédulos4 - Quando estamos em desobediência nos tornamos maldição onde quer que vamos5 - Quando amamos os secundários, nossa vida se torna mesquinha e sem alegria

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6 - O caminho da desobediência sempre nos coloca em enrascadas7 - Quão apaixonadamente Deus ama os pecadores

JOSÉ, "O FIEL"Professor Antony Steff Gilson de Oliveira

Bisneto de Abraão, "o amigo de Deus"; neto de Isaque, "o filho da promessa"; filho de Jacó, "o príncipe de Deus, eis José, o "fiel".

Tinha cerca de seis anos na ocasião de sua família sair de Padã-Harã para Siquém onde morou perto de oito anos. Estava aproximadamente com dezesseis anos quando Raquel, sua mãe, faleceu ao dar à luz seu irmão, Benjamim. Sua história é a da evolução de uma família, havendo nesse relato um variado tempero onde ressaltam a ambição, a juventude, a beleza, a tentação, a mentira, o sofrimento, a tristeza, o ciúme, o ódio, o perdão. Todos os elementos de um grande romance.

É deste modo que José passou à história dos judeus como figura ideal representando a fidelidade, a obediência e o amor que perdoa. Caráter de muitas virtudes, portanto, e exemplo recomendável, "uma carreira recomendável" disse H. I. Hester. Era generoso, tinha ideais elevados, vida limpa, altruismo e espírito de perdão.

POÇO (Gn 37.12-28)Dos doze filhos de José, era o favorito,1 e esta é, ao lado de todas as já mencionadas qualidades naturais e por adquirir, a aventura de um adolescente mimado, filho de fazendeiro, rico, vendido como escravo pela inveja dos irmãos, e que, por fim, se sai muito bem como administrador público. Tinha seus dezessete anos2 não era perfeito, pelo contrário, apresentava um toque de ingenuidade e outro de orgulho (talvez por ser dos filhos de Jacó, o único que não era das escravas, ou de Léia, a esposa em segundo plano). O fato é que, predileto do pai, ficava muitas vezes em casa enquanto os outros irmãos se esgotavam de trabalho no campo.

Algumas situações minaram a amizade e boa vontade entre os filhos de Jacó. Uma foi o péssimo hábito de José de ser o "leva-e-traz"da família.3 A túnica de várias cores, de mangas longas e que ia até os calcanhares dada por Jacó a José4 é roupa de nobre, de chefe tribal, e dá-la ao filho de Raquel foi evidente sinal de parcialidade.5 Jacó, aliás, era mestre na parcialidade: "amou a Raquel muito mais do que a Léia",6 assim, amava o filho mais velho de Raquel mais que os outros. Na casa de seu pai, o favoritismo causara problemas: Esaú era favorito de Isaque; Jacó o era de Rebeca. Por outro lado, essa roupa não era adequada para trabalhar no campo mas nas lides de casa. A terceira situação foram os sonhos que José tivera, e contara aos irmãos e ao pai.7 É; José não sabia mentir, e por essa razão, por sua ingenuidade e imprudência, perdera a amizade dos irmãos.8

Contar um sonho não era só um passatempo entre os antigos orientais. A realidade é que quem o fazia era apresentado como privilegiado, conhecedor do futuro, um mestre autorizado. A reação dos irmãos, portanto, foi

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pertinentíssima para o povo que naquele tempo era tão afetado pelos sonhos. Hoje, o psicanalista lê o passado nos sonhos; na época dos patriarcas, lia-se o futuro. José foi até apelidado de "o Sonhador"(em hebraico se diz "o Mestre dos Sonhos", "o Senhor dos Sonhos").

Indo procurar os irmãos no campo (estavam em Dotã, 140 km de Hebron), repetem-se as linhas da história de Caim e Abel. Por intervenção de Rúben, a vida de Jacó foi poupada, mas, colocado num poço, terminou por ser vendido a uma caravana de ismaelitas (ou midianitas) que se dirigia ao Egito. Jacó foi vendido por 20 siclos de prata, o preço normal de venda de um escravo.9

POTIFAR (Gn 39.1-19)Comprado por um militar, comandante do destacamento da guarda real chamado Potifar [em egípcio Pet-Pa-Ra = "dedicado a Ra (o deus Sol)]", vai para sua casa. Rica mansão, muitos criados, e por conta de seu trabalho, chega à função de mordomo. É homem de confiança: a casa do capitão Potifar está em excelente mãos! José não precisava de mais nada. É observador, meticuloso, cuidadoso; aprende a língua e os costumes do Egito. Onde punha a mão, crescia.10

No entanto, como "não há paraíso sem serpente", com a entrada da mulher de seu senhor em cena, a atmosfera muda. É uma mulher sedutora, insinuante, cheia de paixão. Mas não deixou nome na história; é conhecida apenas como "a mulher de Potifar". Não sabemos seu nome, aparência ou idade: surge anonimamente, e some anonimamente; não sabemos se tinha filhos, mas tenta seduzir o jovem José. Falha porque José a enfrenta com a mente, consciência e vontade. Vinga-se. Desaparece. Bem que Provérbios fala disso em 5.3-6, 8.20. Sem culpa, José é levado outra vez ao pó.

PRISÃO (Gn 39.20 - 41.36)Não parece ser uma historia de muito futuro. Afinal, fora vendido, caluniado e, agora, encarcerado.

As prisões no Egito tinham três funções: eram cárceres (como hoje), reservas de trabalhos forçados (fornecendo mão-de-obra gratuita para as construções) e casa de detenção onde aqueles em prisão preventiva esperavam o julgamento, que era o caso de José. Pois, se Abraão teve Moriá como ponto marcante de crescimento e amadurecimento, se Jacó teve Peniel, José tem a prisão do Egito. Ali passou três longos anos, pois precisava amadurecer para funções mais elevadas. Estudou o caráter dos criminosos, dos prisioneiros de guerra de diferentes partes do mundo; conheceu funções da corte. Que extraordinária escola de administração!

Deus continua a abençoá-lo:

"O Senhor, porém, era com José, estendendo sobre ele a sua benignidade e dando-lhe graça aos olhos do carcereiro,"11

e ele recomeça sua lenta ascenção. Tornou-se imediato do comandante da prisão. É posição de liderança e responsabilidade:

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"E o carcereiro não tinha cuidado de coisa alguma que estava na mão de José, porquanto o Senhor era com ele, fazendo prosperar tudo quanto ele empreendia".12

Nesse tempo, o copeiro-mor e o padeiro-mor do palácio são enviados para a prisão. Têm cargo de importância na corte, mas corrupção no governo já existia, e os dois são confiados a José. Sonham... O sonho do copeiro-mor está registrado em Gênesis 40.9-11, o do padeiro-mor em 40.16,17. José os interpreta (tudo creditando a Deus13), e os sonhos efetivamente se cumprem.

PODER (Gn 41.37 - 50.26)Dois anos se passam, e agora o próprio rei tem um sonho.14 Mas os adivinhadores, os sábios, os mestres não sabem interpretá-lo (serão sacerdotes do deus Ra?15). O copeiro-mor lembra-se de José, que foi mandado buscar. O moço é preparado para ser apresentado ao Faraó: traja-se à moda egípcia, tira a barba (judeus a usavam), veste roupa limpa, e vai ao palácio.

Interpreta o sonho,16 e recomenda ao rei que indique alguém para gerenciar a armazenagem de comida para os sete anos de fracas colheitas, fomes e recessão. O governante fica tão impressionado que o próprio José é nomeado para a função.

MANUSCRITOS DO MAR MORTO UMA GRANDE FONTE DE AJUDA NA COMPREENSÃO DA BÍBLIA Professor Antony Steff Gilson de Oliveira

Intrigantes, inquietantes, polêmicos e esclarecedores. Apenas um misto de palavras pode definir o que são os Manuscritos do Mar Morto e sua importância para os estudiosos da religião.

Descobertos em 1947 por um garoto beduíno que pastoreava cabras ao largo das cavernas de Qumrã, nos arredores do Mar Morto, e vendidos pelo amigo desse pastorzinho a um estudioso judeu e um padre, esses rolos de pergaminho, pele e bronze achados em jarros de barro, que já viajaram o mundo, passando pelas mãos de estudiosos e catedráticos, têm feito uma verdadeira revolução no estudo do judaísmo e do cristianismo do século I.

Apresentados ao mundo, os Manuscritos do Mar Morto tem influênciado e esclarecido, desmistificado e reafirmado vários pontos do panorama bíblico.

Mas, apesar disso tudo, perguntas ficam no ar sempre que esses manuscritos são citados, pois, constantemente, ouve-se muita polêmica ao seu redor. A primeira pergunta que logo se faz é qual o importante legado que esses pergaminhos deixaram para a estudo bíblico? Como e porque esses antigos escritos podem ajudar na compreensão do século I, do judaísmo e do cristianismo primitivo?

Essa intrigantes perguntas vão aos poucos sendo respondidas quando se começa a descobrir o dia-a-dia da comunidade de Qumrã, seus hábitos, leis e

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crenças. Quando se começa a tomar conhecimento do que realmente se passava no panorama político, econômico e social da época dos qumramitas. Miraculosamente, uma novo modo de pensar é revelado quando se toma contato com esse admirável novo mundo bíblico.

E mais, passa-se a ver que os Manuscritos do Mar Morto foram um descoberta de valor inestimável, pois tanto confirmam a integridade e validade do texto bíblico (vide o rolo do livro de Isaías, onde, em todo texto, achou-se apenas sete variantes, sendo seis palavras diferentes, porém sinônimas, e uma que, apesar de não ser sinômina, em nada alterava a integridade do livro) como também esclarecem o texto, pois tiram o véu do mistério que encobria o real modo de pensar, viver e acreditar das pessoas mais próximas a época do início do cristianismo.

A Comunidade de QumrãComumente incluída na seita dos essênios, a comunidade inicial era formada de doze leigos e três sacerdotes, que simbolicamente representavam as doze tribos de Israel e os três clãs levíticos (cf.Gn 46:11). Provavelmente, eles acreditavam ser um novo povo de Deus e, no seio do seu país, da terra de Israel, o restante fiel que obedeceria perfeitamente a lei de Moisés e a todas as revelações particulares dadas a Levi e seus descendentes.

E mais, criam constituir um verdadeiro templo onde poderá se desenvolver uma liturgia segundo a vontade de Deus. Inspirados em Isaías 28:16, acreditavam que quem quisesse viver nessa comunidade deveria comportar-se sempre em perfeito estado de pureza como no templo ou como no santo dos santos.

Para atingir esses alvos, tinham três objetivos: estabelecer a aliança segundo os decretos eternos, expiar em favor do país e dar aos maus sua retribuição.

Baseados em Isaías 40:3, uma nova comunidade partiu para o deserto, a fim de preparar o caminho para a vinda escatológica de Deus. Ainda almejando ser uma assembléia santa, povo consagrado a Deus, eles dedicavam-se ao estudo aprofundado das Lei e as suas práticas. Já no deserto de Qumrã, a comunidade passou a receber novos membros e, com isso, a estabelecer um código penal, no qual encontravam-se leis como tempo de aprovação para integrar a comunidade, excomunhão ou exclusão e procedimentos gerais.

Único lugar de salvação, a comunidade de Qumrã, agora distancida do templo de Jerusalém, lugar de culto do jadaísmo, apegou-se a profecia de Ezequiel 44:15 e passou a considerar-se independente de Jerusalém. E mais, cria que o verdadeiro templo era a própria comunidade e que os sacrifícios agradáveis a Deus eram os espirituais.

Nessas comunidades-templo, tornava-se necessário, tanto para os sacerdotes como para os leigos, viver em perfeito e constante estado de pureza ritual, por isso valorizavam os rituais purificatórios. Por isso, a água, desempenhava um papel importante na vida dos qumramitas, como testemunha a existência de cisternas e piscinas no recinto das construções comunitárias.

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Se por um lado a comunidade é adepta do batismo, chegando inclusive a crer que o batismo, por si só é incapaz de proporcionar uma verdadeira purificação, pois este depende essencialmente do Espírito de santidade, que Deus, por ocasião de sua visita, difundirá como aspersão, por outro lado obrigava seus membros a absterem-se de participar do culto sacrílego exercido pelo clero no templo de Jerusalém e, consequentemente, dos sacrifícios. Para os qumramitas, bastava a lei de Levítico 19:2: “Sede santos, porque eu, Javé vosso Deus, ou santo”. Além disso, eles consideravam o sacrifício de “louvor dos lábios”, unido a uma conduta irrepreensível, superior aos sacrifícios sangrentos.

Com pontos teológicos comuns ao do judaísmo do Antigo Testamento, a comunidade Qumrã era adeptos da prática da oração, da observância do sábado, o qual era destinado para o louvor e das festas solenes como a de Pentecostes.

A importância dos manuscritos do mar mortoDiferentemente da opinião do crítico literário Robert Alter, que diz que “os rolos do Mar Morto são escritos de valor literário e espiritual menor, pois não oferecem qualquer conexão siginificativa entre o pensamento bíblico e o pensamento rabínico primitivo, e que os seus autores - os qumramitas - estavam fisicamente isolados do corpo político dos judeus” (“How The important are the Dead Sea Scrolls?”, pp. 34-41), é indiscutível o valor, a importância e a significação básica que os rolos têm para a real compreensão do desenvolvimento do judaísmo e do cristianismo. Como é sabido, os rolos “representam aspectos diversos da real condição do judaísmo durante três séculos do período intertestamentário - com todas as suas complexidades sectárias e heterodoxas”.

E mais, boa parte dos manuscritos datam claramente do período asmoneu, um período que, nas palavras de Menachem Stern, “(...)levou a independência espiritual e material da nação judaica tanto na Judéia quanto fora. (...) No século II a.C. um estado judaico expandiu-se sobre toda a Palestina, (...) que tornou-se religiosa e nacionalmente, a Grande Judéia, e esse fato imprimiu sua marca no caráter religioso, cultural e étnico na nação por um longo período. (...)houve um vigosoro desenvolvimento religioso e um fortalecimento do judaísmo nas nações da Diáspora”. Importantísmos, vários do rolos de Qumrã refletem claramente este desenvolvimento.

Por outro lado, outros rolos datam do início da dominação romana (63.a.C.), a destruição da segunda comunidade judaica, quando outros acontecimento e mudanças abalaram a nação judaica. Nesse caso, os manuscritos do Mar Morto são uma rica e inesperada fonte de novos conhecimentos sobre esses dois períodos, onde encontra-se acontecimentos e personalidades do judaísmo palestino que até então desconhecidos.

Extremamente relevantes para a história do pensamento e da espiritualidade judaica, os manuscritos do Mar Morto oferecem ao estudioso tanto leituras de excepcional interesse para a reconstrução do texto original da Bíblia como também a história da religião bíblica será grandemente afetada e

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desmistificada. Afinal, os manuscritos colocam os estudiosos em melhor posição para, por exemplo, comparar os salmos do Saltério canônico com o conjunto de hinos helenísticos posteriores encontrados em Qumrã ou ainda poder melhor estudar das leis da escravatura na Paletina sob o domínio Persa, com base nos papiros de Samaria.

Além de importantes, os manuscritos do Mar Morto causaram grande impacto. Um impacto que tanto se estendeu para uma forçosa mudança de mentalidade com relação as seitas judaicas do período intertestamentário. Ou seja, a partir dos rolos de Qumrã passou-se a entender mais e melhor sobre, por exemplo, os essênios, fariseus e saduceus. Por outro lado, o impacto dos rolos também foi sentido no que se refere a visão do movimento apocalíptco e o seu lugar na história dos últimos tempos da religião bíblica, pois até então considerado um fenômeno tardio e de vida curta no judaísmo (entre o séc II e I), o apocalipcismo passou a ser aceito como surgido a partir do século IV a.C.

Como se terá a oportunidade de ler mais adiante, os rolos do Mar Morto também foram, e ainda são, também muito importantes para uma melhor compreensão do Novo Testamento. Nunca deixando de lado a prudência nas comparações, pode-se dizer que muitas são as semelhanças nas crenças, instituições comunitárias, vocabulário e formas literárias dos qumramitas e dos cristãos primitivos.

Se pegarmos, por exemplo, os apóstolos João e Paulo, encontrar-se-á muitas semelhanças entre seus escritos e os rolos. Em João encontramos, entre outros pontos, o dualismo-luz-trevas que também aparece frequentemente nos textos de Qumrã. Enquanto em João 12:35-36 lemos “Jesus lhes disse: Por pouco tempo a luz está entre vós. Caminhai enquanto tendes luz, para que as trevas não vos apreendam: quem caminha nas trevas não sabe para onde vai. Enquanto tendes luz, crede na luz, para vos tornardes filhos da luz”, no rolo de “Regras da Comunidade” na coluna 3 linha 19 a 25, lê-se que “Na morada da Luz... Nas mãos do Príncipe das Luzes está a dominação de todos os Filhos da Justiça — eles caminham nas vias da Luz - e nas mãos do Anjo das Trevas está a dominação dos Filhos da Perversidade - e eles caminham nas vias das Trevas. E é por causa do Anjo das Trevas que se dividem os Filhos da Justiça... e todos os espíritos de sua parcela tentam fazer cambalar os Filhos da Luz, mas o Deus de Israel e o Seu Anjo de verdade ajudam todos os Filhos da Luz”.

Quanto a Paulo, vemos várias semelhanças entre o livro de Efésios e os rolos “Regra dos Filhos da Luz” e “Regras da Comunidade”. Por exemplo, em Efésios 5:5 lemos “é bom que saibais que nenhum fornicário ou impuro ou avarento... tem herança no reino de Cristo e de Deus”, no rolo “Regra dos Filhos da Luz”, coluna 3, linhas 21-22, lemos “tu purificaste o espírito perverso de grande pecado, para que se mantenha em vigilância com o exército dos Santos e entre em comunhão com a Assembléia dos Filhos do Céu”.

Em Efésios 5:12 temos outro paralelo. Enquanto na carta de Paulo lemos “Vede, pois, cuidadosamente como andais: não como tolos, mas como sábios”, no rolo “Regras da Comunidade”, coluna 4, linhas 23-24, lemos “até o presente,

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os Espíritos da verdade e de perversidade lutam no coração do homem: eles caminham na sabedoria e na loucura”.

Nesse sentido, pode-se dizer que os manuscritos nos alargam, e mais um vez, clareiam nosso visão ainda um pouco embaçada do início do cristianismo e sua teologia. Apresentados como um dado novo e original, os manuscritos do Mar Morto, estão avalizando ou sugerindo um cristianização das idéias qumramitas, sem, todavia, sugerir que este tenha derivado da seita de Qumrã.

Importante em todas as área do estudo bíblico, os manuscritos do Mar Morto tem feito uma verdadeira revolução nos conceitos e idéias pré-estabelecidas sobre um período de cerca de 2.000 atrás, onde emergiram o cristianismo e o judaísmo rabino, como poderemos ver a seguir.

Ajuda na Compreensão do Panoramado Judaíco do Séc. IEntre outras coisas foi partir deles que se passou a ter uma nova concepção da mentalidade intertestamental, bem como do seu modo de viver e fé. Por outro lado, se teve de rever conceitos, como por exemplo o que se apregoava a respeito da língua falada nesse período. Segundo foi apurado nos manuscritos, três quartos dos textos, foram compostos em hebraico, desmentindo a idéia de que o aramaico tivesse superado o hebraico e ocupado o lugar de língua principal dos judeus da Palestina no século I a. D.

Outra coisa relevante dos manuscritos para o judaísmo é através do rolo de Levítico e de outros fragmentos bíblicos e parabíblicos foi constatado que, sendo eles redigidos em escrita paleo-hebraica, no século II a.C., havia judeus palestinos que continuavam a usar a escrita hebraica original em textos do Pentateuco. E mais, esses rolos e outros fragmentos bíblicos encontrados nas cavernas, mostram que, na época em que os manuscritos foram escondidos, ainda não existia uma versão única e canonizada das escrituras, mas sim versões diferentes dos mesmos textos que circulavam entre os palestinos.

Ajuda na Compreensão do Panoramado Novo TestamentoApesar de todas essas revelações do manuscritos do Mar Morto a cerca do judaísmo serem surpreendentes, é a relação dos documentos com o Cristianismo e o Novo Testamento que mais se ocupam a atenção do estudiosos. Afinal, várias idéias e práticas descritas nos rolos encontram eco nas idéias e práticas atribuídas aos primeiros cristãos.

Uma das mais importantes dessas semelhanças diz respeito à refeição sagrada. Refeições comunais são descritas em detalhes em passagens de dois rolos, o “Manual da Disciplina” e a “Regra Messiânica”, onde, antes de comer, um sacerdote oficiante deveria das graças pelo pão e pelo vinho. No Novo Testamento uma cena semelhante a essa é narrada pelos primeiros cristãos: antes da sua crucificação, Jesus tomou o pão e o vinho da ceia pascal, os abençoa e distribui aos seus discípulos para que o comam (II Co 11:23-26).

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Outra afinidade entre os manuscritos e o cristianismo é o batismo. Para os cristãos primitivos, o batismo é um sinal de entrada na fé, talvez até um pré-requisito, aparecendo no Novo Testamento como algo quase imprescindível para a salvação (“Quem crêr e for batizado será salvo”). Em alguns rolos, principalmente no “Manual de Disciplina” existe menção do batismo, no qual é dito que penitentes teriam se negado a entrar nas águas. Somando-se a isso tem-se as cisternas de água achadas em Khirbet Qumrã.

Somando-se ao batismo, tem-se a passagem do livro de Atos 2:44-45, que diz que os primeiros cristãos viviam juntos “(...) e tinham tudo em comum. Vendiam suas propriedades e bens, e dividiam-nos entre todos, segundo as necessidades de cada um”. Da mesmo forma, o “Manual de Disciplina” prescreve que aqueles que entrassem na comunidade deveriam ter suas riquezas colocadas num fundo comum para uso de todos os membros.

Tendendo a compartilhar do mesmo cenário cultural e histórico, os manuscritos do Mar Morto e o Novo Testamento, demonstram preocupações idênticas, terminologias e idéias teológicas correlatas. Um exemplo clássico é a expressão “Filhos da Luz”, utilizada para designar o virtuoso povo de Deus, que é encontrada tanto em alguns dos rolos quanto em um dos evangelhos (Lc 16:8). Além do título específico “Filhos da Luz”, o dualismo luz/trevas aparece tanto em alguns dos rolos quanto em alguns dos livros do Novo Testamento, principalmente no evangelho e nas epístolas de João. Outro exemplo é o modo como tanto os textos do Novo Testamento e os rolos utilizam as escrituras judaicas para justificar suas crenças.

Outro dado a se considerar é que tanto na maior parte dos rolos como no Novo Testamento, encontra-se uma crença num Deus intimamente envolvido com os assuntos humanos. Um Deus que pune e recompensa seu povo como Ele acha que deve. Entre Deus e a humanidade, entretanto uma miríades de anjos agiam como intermediários. Anjos aparecem em vários rolos; auxiliam os humanos na batalha, guiam suas ações e cultuam a Deus. Já no Novo Testamento, da mesma forma, os anjos aparecem. Em Lucas 1 e 2 os anjos tanto anunciam a vinda de Jesus como também dizem a Maria e José o que fazerem. Já em Apocalipse, os anjos tanto cultuam a Deus como executam as punições de Deus contra os ímpios.

Outra semelhança a se considerar é a existente entre a doutrina dos “Dois Espíritos” encontrada tanto no Manual de Disciplina como em algumas passagens do Novo Testamento. De acordo com o “Manual de Disciplina”, as almas humanas são guiadas por dois seres espirituais ou anjos: o espírito da luz tenta guiar a humanidade pelos caminhos da equidade e é quem governa sobre todos os indivíduos justos; já os Espírito das Trevas, tenta as pessoas a agirem iniquamente e tem total domínios sobre os iníquos. No Novo Testamento, Satã aparece diversas vezes como um espírito que tenta as pessoas a praticar o mal, chegando a tentar inclusive a Jesus (Mt. 4:1-11). Também 1 Jo. 4:16, fala do espírito do anticristo que, sendo oposto ao espírito da verdade, opõe-se ao povo de Deus e tenta desviá-lo do bom caminho.

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Interessante também é o fato de que tanto os cristãos primitivos como os autores de alguns dos rolos buscarem alternativa ou substituição para o sacrifícios de sangue. Para os primeiros cristãos a alternativa foi o vicário sacrifício e morte de Jesus, que, diz Hebreus, foi um sacrifício por excelência que tornou obsoleto todos os demais. Nos rolos, essa mesma idéia aparece quando le-se no “Manual de Disciplina” que um indivíduo virtuoso poderia redimir os pecados do outro através do seu próprio sofrimento. Percebe-se que tanto o “Manual de Disciplina” como o “Novo Testamento” beberam da imagem do “servo sofredor” de Isaías 52 e 53.

Encerrando, podemos citar o rolo encontrado na Caverna 4 e batizado de “O Messias Perfurado”, onde uma figura misseânica, geralmente identificada como o “Príncipe da Congregação”, aparece agindo como salvador. Seu papel era liderar as tropas de Israel na batalha contra as nações e recuperar a glória nacional de Israel. Um papel mais ou menos semelhante é atribuído a Jesus no Novo Testamento - em sua segunda vinda ele viria com os exércitos do céu para executar a vingança contra os inimigos do povo de Deus (Mateus 24, Apoc. 9).

Todos esses paralelos existentes entre os manuscritos do Mar Morto e o Novo Testamento servem, entretanto, para demonstrar um ponto importante: eles atestam inequivocamente que diversas tradições cristãs registradas no Novo Testamento estavam “em casa” no universo do judaísmo antigo. E mais, mostram-se impregnados pelo rico legado literário de uma era de crise do povo judaico. Uma era que ocasionou e marcou os estágios iniciais do cristianismo.

NA PRESENÇA DE DEUSProfessor Antony Steff Gilson de Oliveira

Uma das passagens bíblicas do Antigo Testamento que sempre me fascinou está registrada em 1 Crônicas 17*. Um dos motivos dessa minha fascinação, que não deixa de vir acompanhada de um profundo sentido de reverência, será apresentado no decurso deste artigo.

O texto de Crônicas trata da aliança do Senhor com Davi e da oração de ações de graça que este fez. Você poderá lê-lo na íntegra agora mesmo, para uma melhor compreensão daquilo que pretendemos abordar logo em seguida.

Sucedeu que, habitando Davi em sua própria casa, disse ao profeta Natã: Eis que moro em casa de cedros, mas a arca da aliança do Senhor se acha numa tenda. Então Natã disse a Davi: Faze tudo quanto está no teu coração; porque Deus é contigo. Porém naquela mesma noite, veio a palavra do Senhor a Natã, dizendo: Vai, e dize a meu servo Davi: Assim diz o Senhor: Tu não edificarás casa para a minha habitação; porque em casa alguma habitei, desde o dia que fiz subir a Israel até ao dia de hoje; mas tenho andado de tenda em tenda, de tabernáculo em tabernáculo. Em todo lugar em que andei com todo o Israel, falei acaso alguma palavra com algum dos seus juízes, a quem mandei apascentar o meu povo, dizendo: Por que não me edificais uma casa de cedro? Agora, pois, assim dirás ao meu servo Davi: Assim diz o Senhor dos Exércitos: Tomei-te da malhada, e detrás das ovelhas, para que fosses príncipe sobre o

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meu povo Israel. Eu fui contigo, por onde quer que andaste, eliminei os teus inimigos de diante de ti, e fiz grande o teu nome, como só os grandes têm na terra. Preparei lugar para o meu povo Israel, e o plantarei, para que habite no seu lugar, e não mais seja perturbado, e jamais os filhos da perversidade o oprimam, como dantes; desde o dia em que mandei houvesse juízes sobre o meu povo Israel; porém abati a todos os teu inimigos; também te fiz saber que o Senhor te edificaria uma casa. Há de ser que, quando teus dias se cumprirem, e tiveres de ir para junto de teus pais, então farei levantar depois de ti o teu descendente, que será dos teus filhos, e estabelecerei o seu reino. Esse me edificará casa; e eu estabelecerei o seu trono para sempre. Eu lhe serei por pai, e ele me será por filho; a minha misericórdia não apartarei dele, como a retirei daquele, que foi antes de ti. Mas o confirmarei na minha casa e no meu reino para sempre, e o seu trono será estabelecido para sempre. Segundo todas estas palavras, e conforme a toda esta visão, assim falou Natã a Davi.

Então entrou o rei Davi na casa do Senhor, ficou perante ele, e disse: Quem sou eu, Senhor Deus, e qual é a minha casa, para que me tenhas trazido até aqui? Foi isso ainda pouco aos teus olhos, ó Deus, de maneira que também falaste a respeito da casa de teu servo para tempos distantes; e me trataste como se eu fosse homem ilustre, ó Senhor Deus. Que mais ainda te poderá dizer Davi, acerca das honras feitas a teu servo? pois tu conheces bem a teu servo. Ó Senhor, por amor de teu servo, e segundo o teu coração, fizeste toda esta grandeza, para tornar notórias todas estas grandes cousas! Senhor, ninguém a semelhante a ti, e não há outro Deus além de ti, segundo tudo o que nós mesmos temos ouvido. Quem há como o teu povo Israel, gente única na terra, a quem tu, ó Deus, foste resgatar para ser teu povo, e fazer a ti mesmo um nome, com estas grandes e tremendas cousas, desterrando as nações de diante do teu povo, que remiste do Egito? Estabeleceste a teu povo Israel por teu povo para sempre, e tu, ó Senhor, te fizeste o seu Deus. Agora, pois, ó Senhor, a palavra que disseste acerca de teu servo e acerca da sua casa, seja estabelecida para sempre; e faze como falaste. Estabeleça-se, e seja para sempre engrandecido o teu nome, e diga-se: O Senhor dos Exércitos é o Deus de Israel; e a casa de Davi teu servo será estabelecida diante de ti. Pois tu, Deus meu, fizeste ao teu servo a revelação de que lhe edificarias casa. Por isso o teu servo se animou para fazer-te esta oração. Agora, pois, ó Senhor, tu mesmo és Deus, e prometeste a teu servo este bem. Sê, pois, agora servido de abençoar a casa de teu servo, a fim de permanecer para sempre diante de ti, pois tu, ó Senhor, a abençoaste, e abençoada será para sempre.

Depois de receber um balde de água fria em suas boas e louváveis intenções, Davi é alentado novamente com a excelente notícia de que o seu reino seria estabelecido para sempre. Imediatamente ele esquece a tristeza e começa a louvar a Deus numa oração de ações de graça. Desta belíssima oração queremos destacar um dos pontos cruciais da mesma, que é a primeira parte do versículo que diz: "Então entrou o rei Davi na casa do Senhor, ficou perante ele, e disse..." (1º Cr 17.16).

Observe a expressão: "ficou perante ele". Ela é tão fundamental e imprescindível no relato bíblico que eu me atrevo a dizer que a oração, a

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adoração, o louvor, ou qualquer atitude cristã que possa ser definida como digna do agrado de Deus não subsiste quando não se compreende o que realmente significa estar na presença de Deus. Antes de começar a abrir a boca para falar, Davi se colocou na presença do Senhor.

Defendo a tese de que estar na presença de Deus, com toda a implicação que ela significa, é tão importante quanto a oração em si ou qualquer ato cúltico propriamente dito.

A expressão hebraica hfwoh:y y^en:pIl (perante o Senhor) que aparece apenas uma única vez na oração de Davi, ocorre muitas vezes no Antigo Testamento. Somente no livro de Levítico a expressão, com seus sinônimos correlatos, aparece cerca de sessenta vezes. Sua única ocorrência na oração de Davi é suficiente para determinar todo o conteúdo da oração do salmista.

Antes de tratarmos acerca do que significa estar diante do Senhor, é importante tentarmos compreender primeiramente em que consiste a presença de Deus.

A PRESENÇA DE DEUSTanto no Antigo quanto no Novo Testamento há pelo menos três sentidos básicos e essenciais onde os substantivos hebraico {yinfP e grego pro/swpon (rosto, face, semblante) e as preposições y^en:pIl e e)nw/pion (perante, diante de, em face de) são, respectivamente, utilizados para indicar a presença de Deus na Bíblia. Em primeiro lugar, temos a presença geral e inescapável de Deus, como aquela que é descrita no Salmo 139.7-12: Para onde me ausentarei do teu Espírito? para onde fugirei da tua face? Se subo aos céus lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares: ainda lá me haverá de guiar a tua mão e a tua destra me susterá. Se eu digo: As trevas, com efeito, me encobrirão, e a luz ao redor de mim se fará noite, até as próprias trevas não te serão escuras: as trevas e a luz são a mesma cousa.

Um segundo sentido é o que podemos chamar de presença celestial de Deus. Em Eclesiastes 5.2 lemos: Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus; porque Deus está nos céus, e tu, na terra; portanto, sejam poucas as tuas palavras. "Céus" aqui é o lugar da habitação de Deus, às vezes denominado "alturas", "alturas dos céus" ou "céus dos céus" (Sl 113.5; Jó 22.12; 1 Rs 8.27). É, de certa forma, o lugar onde habita a glória de Deus. Digo "de certa forma" porque o termo "alturas", por exemplo, não é designativo de lugar, pois Deus habita a eternidade, mas é significativo daquilo que está além do que está criado, pois Deus já estava lá antes que houvesse céus e terra. Os anjos de Deus estão diante de sua presença celestial (Mt 18.10; Lc 1.19). Os ímpios, por sua vez, serão banidos por toda a eternidade da presença abençoadora de Deus (2 Ts 1.9), visto que diante do Senhor não pode haver nenhuma jactância de justiça própria (1 Co 1.29). Mas os crentes serão apresentados imaculados perante o Senhor pela obra que Cristo realizou em favor deles (Jd 24), para desfrutarem, como queria o salmista, da plenitude de alegria na presença de Deus (Sl 16.11).

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O terceiro sentido da presença de Deus refere-se àquela presença especial do Senhor com o seu povo para abençoá-lo. A expressão maior dessa presença foi revelada no Emanuel, o Deus conosco, Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador.

Acerca deste sentido específico da presença de Deus, Geoffrey W. Bromiley faz uma observação interessante. Diz ele: "Pode-se notar que a ênfase da Bíblia não recai na presença divina como uma imanência geral, daí a naturalidade com que se pode dizer que Jonas procurou fugir da presença de Deus (Jn 1.3), ou que os adoradores comparecem diante da presença de Deus (Sl 95.2)" (EHTIC, Vol. III, p. 179). E ainda: "Somos recebidos na presença eterna de Deus somente se tivermos recebido primeiramente a presença de Deus conosco na Pessoa de Jesus Cristo (Jo 1.12)".

É a este terceiro sentido da presença de Deus (presença especial com o seu povo) que vamos nos referir daqui por diante.

O CRISTÃO NA PRESENÇA DE DEUSExiste uma diferença marcante entre a presença de Deus propriamente dita e o estar na presença de Deus. Que Deus está no meio do seu povo para abençoá-lo é indiscutível. Vimos algumas passagens bíblicas que comprovam esta verdade. Temos hinos bíblicos, teológicos e doutrinários que dizem acertadamente que Deus está aqui. Isso é verdade. A presença de Deus é uma realidade que devemos cantar e crer de todo o nosso coração. A presença de Deus é essencial em nossa vida. Recomendo, para uma maior compreensão da presença especial de Deus, a leitura do excelente artigo de David Wilkerson The Power of the Lord’s Presence !.

Entretanto, estar na presença de Deus é outra coisa. Eu posso afirmar com sinceridade e inteireza de coração que "Deus está aqui", mas isso não significa que necessariamente eu esteja na presença de Deus. Como pode ser isso? Talvez você esteja pensando: "Ora, se Deus está aqui, é evidente que estamos na presença dele". Repito: Que Deus está aqui é fato, porém, isto não significa que necessariamente estamos na presença dele. Imagine uma igreja congregada para orar, louvar e adorar a Deus. Deus está no meio dela (cf. Hb 2.12). Não temos dúvida alguma em relação a isto. Contudo, será que podemos afirmar do mesmo modo que a igreja também "está na presença dele"? Infelizmente não.

Estar na presença de Deus significa se aproximar com a fé e a segurança de que verdadeiramente estamos perante o Senhor. Permita-me esclarecer este ponto com um comentário de R. A. Torrey sobre a oração. Torrey fez a seguinte colocação a respeito da expressão "a Deus" de Atos 12.5:

A primeira coisa a ser notada neste versículo é a breve expressão "a Deus". A oração que tem poder é aquela oferecida a Deus.

Alguns dirão porém, "Mas toda oração não é feita a Deus?"

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Não. Grande parte da chamada oração, tanto pública quanto particular, não é feita a Deus. Para que a oração possa ser realmente dirigida a Deus, é preciso primeiro uma aproximação definida e consciente de Deus quando oramos; devemos ter uma compreensão definida e nítida de que Deus está se inclinando e ouvindo quando oramos. Nossa mente está ocupada com a idéia daquilo que precisamos e não com o Pai poderoso e cheio de amor a quem pedimos. Freqüentemente não estamos ocupados nem com a necessidade nem com Aquele a quem estamos orando, mas nossos pensamentos estão vagando aqui e ali, pelo mundo afora. (Como Orar, pp. 20,21).

Quem de nós nunca cometeu os pecados descritos por Torrey, da desconcentração e do esquecimento de Deus na oração? E por que vez ou outra acontece assim conosco? Exatamente porque freqüentemente perdemos a perspectiva da presença de Deus antes de orarmos.

Antes de orar é preciso fazer como o salmista, se colocar diante do Senhor. Antes de orar é preciso estar no espírito dessa presença, e se aproximar de Deus com fé e convicção. Quando nos colocamos na presença de Deus, e nos encontramos face a face com Ele no lugar em que oramos, nossa oração não se perde no ar e nem falamos coisa com coisa. Se queremos orar corretamente, precisamos, antes de tudo, conseguir uma audiência com Deus. É preciso entrar em Sua presença.

Agora, o mesmo princípio da oração deve ser aplicável ao louvor e adoração do crente e em sua vida diária com Deus. Lembremos que Jesus ensinou que os verdadeiros adoradores são aqueles que o Pai procura para adorá-lo em espírito e em verdade (Jo 4.23). Isto significa que Deus deseja que os seus adoradores estejam verdadeiramente em sua presença. E o autor aos Hebreus descreve nossa responsabilidade neste particular do seguinte modo: Tendo,pois irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo grande sacerdote sobre a casa de Deus, aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura. Guardemos firme a confissão da esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel. Consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras. Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima (Hb 10.19-25). A Bíblia Almeida Revista e Atualizada dá a esta passagem o sugestivo título: O privilégio de acesso dos crentes à presença de Deus.

Dentre tantas coisas boas que o autor aos Hebreus nos fala, fica evidente que para uma aproximação correta de Deus é preciso a sinceridade de um coração humilde e agradecido diante do Senhor, além da pureza de espírito e fé. "De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam" (Hb 11.6).

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Viver na presença de Deus dia-a-dia deve ser o ideal cristão. O próprio Deus havia ordenado a Abraão: "Anda na minha presença e sê perfeito". E acerca de Enoque é dito: "Andou Enoque com Deus e já não era, porque Deus o tomou para si" (Gn 5.24).

Meu irmão, minha irmã, prepare-se para estar diante de Deus. Certifique-se, antes de sua oração ou de qualquer ato de adoração a Deus, se você realmente está na presença do Senhor . Não ouse orar ou cantar louvares a Deus se ainda não estiver certo de estar na presença desse Deus que está sempre com você.

Estar na presença do Senhor é muito mais que uma convicção gerada por nossos falíveis sentimentos. É a certeza da fé que toca o coração de Deus.

(*)O mesmo relato também aparece,com pouquíssimas variações, em 2Samuel 7.

"... O ANO ACEITÁVEL DO SENHOR"Professor Antony Steff Gilson de Oliveira

Então, pelo poder do Espirito, voltou Jesus para a Galiléia, e sua fama correu por todas as regiões circunvizinhas. Ele ensinava nas suas sinagogas, e por todos era louvado. Chegando a Nazaré, onde fora criado, entrou, num dia de sábado, na sinagoga, segundo os eu costume, e levantou-se para ler. Foi-lhe dado o livro do profeta Isaías. Ao abrir o livro, achou o lugar onde estava escrito: O Espirito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar aos pobres. Enviou-me para apregoar liberdade aos cativos, dar vistas aos cegos, por em liberdade os oprimidos, e anunciar o ano aceitável do Senhor. Fechando o livro, devolveu-o ao assistente, e assentou-se. Os olhos de todos na sinagoga estavam fitos nele. Então começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos."(Lc 4.14-21).

Começa no versículo quatorze uma das extraordinárias narrativas de todo o evangelho. Jesus está no culto da sinagoga, onde lê Isaías 61.1,2 (acrescido de 58.6). Com essa narrativa, única nos Evangelhos, enquanto Mateus e Marcos dizem que Jesus anuncia o reino, Lucas mostra que o reino é a Sua realidade, é o Messias, o Cristo, o Ungido de Deus.

UMA ANÁLISE BREVE

Diferentes critérios podem ser utilizados passar estudar este trecho. Pode acontecer que alguém tenha uma veia literária, e através dela veja apenas o aspecto poético de Isaías 61. Observe-se o paralelismo entre os termos apresentados, entre os versos, por exemplo:

"Porquanto me ungiu para anunciar boas novas aos pobres", e "Restauração de vista aos cegos".

Porque, praticamente, é a mesma coisa que está sendo dita. Quando diz:

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"enviou-me para proclamar libertação aos cativos", isso é paralelo a "para por em liberdade os oprimidos".

É a mesma idéia, portanto. E todo esse paralelismo, encontra o seu ponto culminante na expressão final: "para proclamar o ano aceitável do Senhor", que é o objeto da nossa reflexão.

Pode ser que alguém deixe de lado o aspecto literário, mas queira destacar o apelo político do que Jesus afirmou, o que, aliás, tem sido bastante explorado. Busca-se ver o lado político de expressões tão fortes como, "anunciar boas novas aos pobres", "libertação aos cativos", "restauração de vista aos cegos", "por em liberdade os oprimidos". O apelo político é muito do agrado dos radicais de plantão.

Desejamos, porém, ver a extraordinária lição de apostolado que se encontra no que Jesus Cristo disse, aplicando a Si mesmo. Enfocamos o embasamento de um ministério que é repassado à Igreja de Jesus Cristo. Queremos analisar a missão quer nos foi entregue pelo Senhor, porque vejo que tudo começa com a unção, visto que nenhum empreendimento em nome de Jesus Cristo subsiste sem a unção do Espírito Santo; nenhuma empresa em nome do evangelho, nenhuma campanha, nada, movimento algum pode subsistir em nome de Jesus Cristo se não tiver a unção do Espirito Santo sobre si. Por essa razão, Jesus leu: "O Espirito do Senhor está sobre mim", e daí em diante Ele explica para quê.

Pedro num culto de proclamação do evangelho, na casa de um militar, um oficial do exército romano, refere-se ao ministério de Jesus Cristo, e afirma: "Como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual andou fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele." (At 10:38), o que vai nos conduzir às expressões que definem a plataforma que vai ser seguida por Jesus Cristo, o Seu programa.

"O Espirito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar aos pobres. Enviou-me para apregoar liberdade aos cativos, dar vista aos cegos, por em liberdade os oprimidos." (Lc 4.18).

PROFUNDA CARGA EMOCIONAL

"Pobres". falar de pobreza é uma carga emocional fortíssima. O jornal A Tarde (de Salvador) vem falando sobre a fome e a desnutrição no estado da Bahia. Falar de pobreza traz para nós sentimentos tremendamente emocionais;

"Cativos". Falar de prisão é a mesma coisa. É pesado, é triste, traz mágoa.

"Opressão". Há opressão demoníaca neste mundo. O crente é oprimido, mas não possuído.

Jesus fala de cegueira, e lê essas palavras em Isaías 61, capítulo considerado como o cerne da mensagem desse profeta. Jesus se identifica com o fato profético descrito, e demonstra ser Ele mesmo as boas novas; o profeta

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escatológico, o proclamador do evangelho; demonstra ser Aquele que traz libertação para os oprimidos, função eminentemente messiânica.

Para os pobres, para os cativos, para os cegos, e para os oprimidos que são, não apenas os desafortunados deste mundo, mas todos os que têm necessidade especial de dependência de Deus (Lc 1.53; 6.20). Ou na expressão do comentarista de Lucas da Bíblia do Intérprete,

"o cativeiro a que Jesus se refere (Lc 4.18, 19) é evidentemente moral e espiritual. O pensamento não se move no plano de abrir portas físicas, para que os presos saiam], mas livrar os homens da invisível, porém terrivelmente real prisão de suas almas".

Na verdade essas palavras de tão forte carga emocional descrevem a falência espiritual à qual Jesus dá especial atenção.

E no verso 19: "e para proclamar o ano aceitável do Senhor". Esse ano a ser proclamado é a era messiânica iniciada nele mesmo, na pessoa e na obra de Cristo.

No verso 21, verificamos: "Então começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos". Os contemporâneos de Jesus não duvidavam que o reino de Deus viria algum dia. Todos criam no reino de Deus. Mas Jesus está ensinando que Deus está agindo agora, naquele mesmo momento, no presente, na obra dEle mesmo. E, assim, Ele se torna o centro da História, e até a História, porque a partir dEle ela passou a ser antes de Cristo (a. C.) e depois de Cristo (d. C.). O propósito de Deus é tudo colocar sob a autoridade de Jesus Cristo.

E aqui O temos Senhor da História, agora com a vinda do reino, exaltado, glorificado nos termos de Mateus 28, final do verso 18 que diz: "foi-me dado todo o poder no céu e na terra". E porque recebemos a graça da libertação, podemos encontrar esta expressão do apóstolo Paulo: "Seja Paulo, seja Apolo, seja Cefas, seja o mundo, seja a vida, seja a morte, seja o presente, seja o futuro, tudo é vosso" (1 Co 3.22), autoridade que nos é passada por Jesus Cristo.

AS LIÇÕES

O ser humano vive preocupado com o seu salário, com a inflação que parece querer voltar; com os aumentos das passagens dos ônibus (verdade que agora mais espacejados), o avanço e engodo das seitas, com o desenvolvimento do país, com a paz mundial. Pois Jesus traz uma nova compreensão da vida humana, por isso que, plenamente de acordo com sua plataforma de ação, é o portador da obra redentora de Deus, e oferece Sua palavra e Suas ações como desafio à nossa própria fé.

Muitos contemporâneos de Jesus criam que o reino de Deus era só comida e bebida (Rm 14.12), ou libertação política (Mt 27.39-44; Jo 6.14ss; At 1.6); ou, ainda, poder temporal (Lc 22.24-30; Mt 20.20). Até os discípulos caíram nesse

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erro?! Mas Jesus diz que o reino de Deus já veio em Sua pessoa e dá prova disso (Mt 4.17; 11.1-6; 12.28; Lc 17.20ss). Pois a fraqueza de algumas pregações está na idéia de que o reino de Cristo ainda virá (pregação do premilenismo e dos posmilenismo ). Não é isso o que Jesus Cristo nos ensina, e permitam-me voltar a Lucas 17.20,21 : "Interrogado pelos fariseus sobre quando havia de vir o reino de Deus, respondeu-lhes: O reino de Deus não vem com aparência visível. Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Ei-lo ali! Porque o reino de Deus está dentro de vós." (Mt 12.28; 3.2). É o reino inaugurado, apesar de que será plenamente cumprido na Parousia, na Segunda Vinda (Lc 22.18). É aquilo que C. H. Dodd chamou de "escatologia realizada", as coisas dos últimos dias já estão acontecendo e aconteceram na Pessoa de Jesus Cristo.

Quais são as lições que tiramos desses fatos? A primeira é que Jesus Cristo é o cumprimento das antigas profecias. Apesar de Suas palavras fazerem nascer opiniões diferentes ou de admiração (Lc 4.22), ou de repulsa (v. 28), Jesus cumpre as profecias! Apesar se quererem os Seus contemporâneos os sinais do shalom que Ele traz (v. 23), Jesus Cristo traz a salvação integral, o verdadeiro shalom, a paz. O apóstolo Paulo diz que "Ele é a nossa paz" (Ef 2.14).

A segunda lição é que o reino de Deus é Jesus Cristo entre nós, é o Emanuel. Emanuel é toda uma expressão hebraica, que significa "Deus entre nós", "Deus no nosso meio", "Deus habitando no nosso meio", "Deus conosco". Não é libertação para o futuro, para os últimos dias, mas Jesus é hoje a boa notícia, a graça , a redenção dos homens. Jesus glorificado, Jesus Salvador, Jesus senhor, Jesus, o Cristo, é poder renovador sobre a terra, é salvação para a pessoa humana individual, razão porque o livro dos Atos dos Apóstolos repete até o fim que a verdade está em Cristo Jesus, e mostra o modelo da "Plataforma de Nazaré" na defesa/sermão de Paulo quando fala ao rei Agripa em Atos 26.17,18 :

"Eu te livrarei deste povo, e dos gentios, a quem agora te envio, para lhes abrir os olhos, e das trevas os converter à luz, e do poder de Satanás a Deus, a fim de que recebam remissão dos pecados e herança entre aqueles que são santificados pela fé em mim". Tocado por isso, Agripa diz a Paulo, "Ora, Paulo quase que eu viro cristão" (v. 28 BLH),

e esse foi o seu grande erro, perto do reino, mas sem salvação: "Quase aceito o evangelho". O erro de muita gente é um "quase".

A terceira lição a destacar é que a missão da Igreja é dada por Deus. "A missão de Cristo [é] padrão e modelo para missão de sua igreja", diz Grellert em Os Compromissos da Missão.

"Disse-lhes Jesus de novo: Paz seja convosco! Assim como o pai me enviou, eu vos envio." (Jo 20.21). Isso quer dizer que para igrejas que têm como modelo a missão de Jesus, há necessidade de vidas modeladas pelo mesmo Jesus. E assim disse João em sua Primeira Carta: "aquele que diz que está nele, também deve andar como ele andou" (1 Jo 2.6).

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"Pois quem conheceu a mente do Senhor, para que o possa instruir? Mas nós temos a mente de Cristo" (1 Co 2.16);

"De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas a si mesmo se esvaziou, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens. E, achando na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz." (Fp 2.5-8);

"Pois os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conforme a imagem de seu filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos" (Rm 8.29).

Assim, temos que moldar a nossa vida pela de Jesus Cristo. Então, se como nós afirmamos, Missões é o nosso braço para alcançar este mundo para o Senhor. Temos o fato de que o Deus vivo é um Deus que envia. Os povos pagãos, vizinhos de Israel, não tinham deuses que enviavam a qualquer lugar pessoas com uma mensagem. Mas o nosso Deus é um Deus que envia: Ele enviou Seu Filho ao mundo, diz a Bíblia; enviou os apóstolos; Jesus Cristo enviou os setenta; e envia a Igreja; ele mesmo manda o Espírito Santo à Igreja para a unção, e a nossos corações, por isso Ele nos envia, também ao mundo perdido. "Disse-lhes Jesus de novo: Paz seja convosco! Assim como o pai me enviou, eu vos envio." (Jo 20.21) , "Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu vos enviei ao mundo." (Jo 17.18).

E aí vem, a quarta lição: é preciso redescobrir a importância da escatologia, que é o ponto de contato entre a teologia (aquilo que nós cremos), e a missão (aquilo que nós fazemos). É preciso centralizar tudo na escatologia, porque do ponto de vista da teologia, se não tivermos uma dimensão de futuro, o evangelho deixa de ser evangelho e se torna ética: um clube ético, e só. Se não olharmos para a Segunda Vinda de Cristo, teremos um grupo de idealistas que toda manhã de domingo vem para cantar, orar, e pronto, idealismo apenas e nada mais.

Agora do ponto de vista de Missões, a escatologia é a sua razão. O Povo de Deus não pode ter crise de identidade, pois sabe quem Deus é, e sabe que é o povo desse Deus maravilhoso, Vivo e Verdadeiro! É povo que sabe o que faz! E sabe para que vive, porque a identidade da igreja como povo de Deus é uma identidade missionária!

Além disso, o povo de Deus não pode perder a memória. Quanta gente desmemoriada lá fora! De vez em quando é dito que "O Brasil está perdendo a memória, destruindo os seus monumentos, e seu passado". A nossa memória é o Novo Testamento, é a Escritura Sagrada! A nossa memória são as ações apostólicas, o que eles fizeram no passado! A nossa memória são os atos da Igreja Primitiva; como agia, assim queremos agora! O Povo de Deus há de estar padrões acima do mundo. Que história é essa de querermos nos igualar ao mundo?! E damos um exemplo: se o mundo vem à Igreja e ouve sua própria música aqui sendo tocada, onde está o fermento levedando a massa? Se nos

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colocamos no mesmo pé de igualdade, ou até abaixo, como vamos elevar os padrões do mundo? Mas Jesus, o Cristo de Deus, é decisivo e normativo para os assuntos de fé e prática.

Afunilando o assunto um pouco mais, isso vai trazer mais uma lição: é a de que ninguém pode obedecer às ordens de "ir" ou de "servir" se não tiver amor. Porque a obra de expansão do reino de Deus não pode ser realizada com carência de amor. Aí Jesus perguntou a Pedro: "Simão, filho de João, [verdadeiramente] tu me amas?" (Jo 21.16). E Jesus perguntou tantas vezes porque Pedro nunca respondia "[verdadeiramente] eu te amo", mas tão somente "eu te amo, eu tenho significativa amizade por ti". Que significa isso hoje? Sem dúvida, temos três passos no compromisso nosso com Cristo. Quando Jesus nos pergunta, "Fulano, você verdadeiramente me ama?", temos um convite à autoconsciência. Você tem que tomar consciência de quem é diante de Deus, e deste mundo também. Você representa as mãos de Deus, os pés de Deus e os olhos de Deus; você é um instrumento de Deus, um agente do reino de Deus. A segunda coisa é que você tem um convite à consciência da Pessoa de Jesus Cristo que é o Senhor do nosso futuro, é o Messias de Deus, é o ungido do Pai, é o Filho de Deus, é o Senhor de nossas almas, é o Salvador de nossas vidas. Você tem, igualmente, um compromisso. Há um hino que diz,

"Eis-me submisso pra teu serviço".

Bonito, não é? Porém, há crentes que parecem que cantam assim:

"Eis-me sumiço...",

quer dizer, "caio fora, desapareço, não quero compromisso com a Igreja de Cristo". Mas temos um convite ao compromisso com a Igreja de Cristo. Um convite ao compromisso é o que precisa acontecer conosco, nos termos de Romanos 5.8: "Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu pôr nós, sendo nós ainda pecadores". Que o Senhor nos ajude nesses compromissos!

O DEUS NÃO DESISTE DE AMAR Professor Antony Steff Gilson de Oliveira

(Exposição em Oséias)

Oséias (seu nome significa "salvação"), profeta de Deus que viveu entre 741 e 701 AC.( datação fácil de ser verificada pela lista de reis do v.1) Oséias em seu livro denuncia claramente a corrupção, o orgulho e a idolatria do povo de Israel; a certeza do julgamento de Deus e finalmente a misericórdia dEle diante de um povo arrependido.Os primeiros 3 capítulos fornecem a chave para a compreensão do livro todo, nos quais se vê a infidelidade de Israel para com Jeová durante o período de sua história. Nos caps. 1 a 3, a infidelidade de Israel e a paciência e longanimidade de Jeová são representadas pela analogia do casamento do profeta com uma prostituta. Gômer.

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UM CASAMENTO PERTURBADO Deus diz a Oséias "Vai, toma uma mulher de prostituições...."(1.2). Ao ler esta estranha ordem de Deus a um profeta, o leitor pode pensar que Oséias ao recebê-la saiu e foi a um lugar de prostituição daquela cidade, à procura de uma mulher de vida fácil para casar-se com ela. Mas não é bem assim. É mais natural aceitar que Deus tenha ordenado a seu profeta que se casasse uma jovem pura, linda, mas que, em seu pre-conhecimento sabia que posteriormente haveria ela de cair em imoralidade. O que seria um quadro nítido do atual relacionamento de Israel com Deus, pois o povo também traia Deus, como uma mulher trai o marido. Esta interpretação está igualmente de conformidade com a prática profética, pois os profetas se referem a Israel como nação pura no tempo de sua união com Jeová.

Deus ama seu povo, e por isso permitiu uma tragédia na vida de Oséias para que compreendesse o profundo amor que existe no coração Divino. Como afirmou alguém; "DEUS ESCONDEU UM EVANGELHO NO CORAÇÀO DOS SOFRIMENTOS DE OSÉIAS".

A história do casamento deste profeta com uma prostituta, é também a história sobre o amor de Deus pelo seu povo. Deus disse a Oséias que fizesse a última coisa que um profeta responsável poderia esperar. " Vai, toma uma prostituta por esposa". Mas esta é também a história de Deus com seu povo. Foi exatamente isso que Deus fez quando se associou a nós.

Portanto, conhecer a história do amor de Oséias por Gômer, é conhecer o amor de Deus para com sua igreja, seu povo escolhido. Palavras não seriam suficientes para explicar a realidade do amor Divino pela sua igreja, e por isso Deus usa o casamento de Oséias, sua tragédia, seus sofrimentos, para transmitir o fato de Ele tem um profundo interesse por nós. Foi preciso uma representação da vida real, para Deus dizer o quanto nos ama.

TRÊS FILHOS COM NOMES SINISTROSDesse casamento com Gômer, nasceram-lhe três filhos:

1) JEZREEL - v.4- Era o nome de uma cidade famosa por sua atrocidades. Era como colocar hoje o nome de seu filho de "Vigário Real", ou " Aparecida do Norte " ou "Morro do Alemão". O julgamento de Deus estava chegando(v.5)2) LO-RUAMAH- V.6- Que significa "NÀO FAVORECIDA', Ou seja aquela que não recebe favor ou graça. O nome dessa criança é um quadro do divino desprazer com a apostasia de Israel. Deus diz "Porque eu não tornarei a favorecer a casa de Israel"(l-6).3) LO-AMMI v.9- Que significa. 'NÀO MEU-POVO'. Gômer engravida pela terceira vez e Oséias fica profundamente a balado. Sabia ele, que este filho não era fruto do seu casamento. Ele não era o pai daquela criança, mas sim fruto da deslealdade de sua mulher.

Deus instruiu Oséias a dar-lhe o nome de "Não Meu- povo". A separação completa de Deus do seu povo; um Deus ,santo não poderia concordar com o "adultério"do seu povo. Ele diz "Porque vós não sois meu povo, nem eu serei vosso Deus"(v1.9)

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Depois do nascimento do terceiro filho, Gômer se afastou mais longe ainda de Oséias o profeta e seus filhos eram literalmente a mensagem de Deus àquele povo de espiritualidade superficial e que tratava a palavra de Deus levianamente.

Em face de toda esta tragédia que acontece no lar de Oséias, existe ai, uma lição maravilhosa aplicada ao povo de Israel, e que pode ser aplicada ao povo de Deus em todos os tempos. A igreja é a noiva de Cristo, e assim deve proceder pura, em santificação, desviando-se da corrupção de qualquer espécie, preparando-se para o dia glorioso quando irão se encontrar para uma união perpétua. O amor de Deus para com sua igreja é triplicado aqui no amor de Oséias por Gômer.

O CONTEXTO RELIGIOSO DE ISRAELOséias conhece bem a que nível se encontrava a espiritualidade daquele povo.

1) Atribuía a Baal as dádivas que Jeová lhes dava(2.8)2) Havia muita religiosidade, mas pouco cristianismo(4: 15,6:6)

Israel tinha uma religião, mas não tinha um amor leal. Oferecia abundantes sacrifícios mas não tinha conhecimento de Deus(4:6)

Deus não se agrada da proclamação da salvação pela fé, se não há correspondente transparência de vida moral e social. O povo estava enganando a si mesmo. "As cãs se espalham sobre ele, e ele não o sabe"(7:9). Todo mundo percebe sua incoerência, menos ele.

Foi a religião divorciada da prática que levou Oséias bradar o recado divino "Misericórdia quero, e não sacrifícios! O conhecimento de Deus, mais do que holocaustos"(6:6)

3) Crentes apenas de fim-de-semana(8:1-3)

Como Israel, a nossa sociedade quer uma religião acomodatícia , que não exija, nem imponha restrições à vida social , econômica ou sexual. Os Israelitas eram "crentes" fervorosos no sábado e domingo, mas nos outros dias da semana eram enganadores em seus desejos sexuais. Eram adoradores no domingo, mas durante a semana "salve-se quem puder". Quando se separava de Deus, o que só prevalecia era perjurar, matar, roubar, mentir e adulterar"(4:1-2)

4) Vida cristã vazia de conteúdo (6:1-4)

Havia confissões vazias e conversões ineficazes. O arrependimento de Israel era tão passageiro como a nuvem da manhã e como o orvalho da madrugada.

Esta era a situação degradante em que se encontrava o povo do Senhor. Tinha se desviado de Deus, abandonou a Javé para ir atrás de outros deuses, de outros amantes(2:5).

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O GRANDE AMOR DE DEUS (a analogia aplicada)O povo havia se prostituído espiritualmente, e como não poderia deixar de ser tornou-se escravo.

Voltamos a Gômer. Naquele tempo, a prostituta corria o risco de se transformar em escrava, e foi exatamente o que aconteceu a Gômer. Sua situação se tornou tão aviltante que acabou sendo vendida em praça pública como escrava(3:1-2)

Gômer se corrompera, se desviara se vendera e caíra num estado deplorável de humilhação. Repetidas vezes tinha ela traído os votos matrimoniais. Mas vemos na ordem de Deus a Oséias em 3:1, quando diz "vai outra vez, ama uma mulher, amada de seu amigo e adúltera" o persistente amor do Senhor pelo seu povo eleito.

Amados, é por demais impressionante que Oséias tendo passado por esse trágico e humilhante episódio familiar, descobre que ainda ama sua esposa infiel e percebeu com isso que o amor de Deus era assim também. DEUS AMA TAMBÉM AS PIORES PESSOAS.

Como nenhum outro escritor, Oséias consegue captar a força extraordinária do amor de Deus pela sua igreja. Deus não desiste de amar . Ele ama tais pessoas apesar de sua infidelidade, embora olhem eles para outros deuses.

Oséias , que tanto sofreu no lar com a infidelidade de sua esposa, entendeu o coração de Deus quando descreveu o amor divino nestes termos "MEU CORAÇÀO ESTÁ COMOVIDO DENTRO DE MIM, AS MINHAS COMPAIXÒES A UMA SE ACENDEM"(11:8).

O profeta conseguiu reconstruir seu lar com Gômer, quando a comprou no leilão de escravos por "15 moedas de prata e um ômer e meio de cevada"(3:2). Que linda figura Oséias trás diante de nós. Seu nome que significa " salvação ", nos faz pensar na pessoa de Jesus, o nosso Salvador, que em demonstração de seu grande amor por nós, pagou o preço do nosso resgate da escravidão do pecado.O apóstolo Paulo escreve sobre isso quando diz em II Co 6:20 "Porque fostes comprados por preço", e Pedro diz o preço que foi pago "Sabendo que não foi mediante cousas corruptíveis, como prata ou outro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que legaram vossos país, mas pelo precioso sangue de Cristo..."(1 Pe 1:18,19).

Nós também estávamos escravizados pois João diz...'Todo aquele comete pecado, é escravo do pecado"(João 8:34). Semelhante a Gômer, nós também precisava- mos ser resgatados, o preço precisava ser pago.

Em 'Oséias, o amor triunfou. O amor em Cristo ,triunfou também. Agora aonde se dizia de Israel "Vocês não são favorecidos"" passa-se a dizer "Vocês são amados, favorecidos". E onde se dizia de Israel que era chamado de "não -meu

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-povo ", passa a ser chamado de "Vocês são meu povo" porque eu vou perdoá-los e restaurá-los( 1:10,21).

Deus tinha dado vitória ao lar de Oséias, em nome do amor inabalável. Gômer, teve o significado de seu nome de volta (perfeição) .

Gômer estava de volta ao lar, e os filhos não levavam mais aqueles nomes feios. A família estava unida novamente, e tudo por causa do amor.

O profeta do coração quebrantado chegou a aprender que o coração de Deus é também assim. Quão desesperadamente Deus ama os pecadores! Quão deliberadamente ele busca os pecadores! E quão devotadamente Ele os atrai a Si mesmo!

DEUS NUNCA DESISTE DE AMAR,POIS ELE É AMOR.

O ESPÍRITO SANTO E A SALVAÇÃO NO ANTIGO TESTAMENTO

Professor Antony Steff Gilson de Oliveira

O Antigo Testamento é o berço de toda doutrina bíblica. E não existe nada revelado a respeito do Espírito Santo no Novo testamento que não tenha sido sugerido antes no Velho.

Com toda a evidência se depreende do Antigo Testamento que a origem da vida depende da ação soberana do Espírito Santo. Retirar o Espírito significa morte!

Como realidade presenteO Espírito Santo atuava como vivificador no Antigo Testamento. Mas de que maneira o Espírito regenerava os crentes no Antigo Testamento? Como ele aplicaria a obra redentora de Cristo se o próprio Cristo não tinha vindo? Será que os crentes do Antigo Testamento foram igualmente regenerados e salvos como os crentes do Novo Testamento?

Um dos motivos que nos levaria a fazer tais perguntas seria, a priori, o fato de que o Antigo Testamento não apresenta o Espírito Santo atuando de maneira tão proeminente na salvação de indivíduos como o Novo Testamento.

A palavra "regeneração" que aparece no Novo Testamento não é encontrada em nenhum livro do Velho Testamento. O termo grego que designa a regeneração pelo Espírito não tem nenhum equivalente no hebraico. Nem mesmo na Septuaginta, a versão grega pré-cristã do Antigo Testamento, aparece as palavras palingenesi/a ou genna/w que traduzem a idéia bíblica de regeneração e novo nascimento, respectivamente. O que mais se aproxima é a forma verbal e(/wj pa/lin ge/nwmai, que é uma tradução livre de Jó 14.4: "Morrendo o homem, porventura tornará a viver?". No entanto, aqui não existe nenhum pensamento do renascimento espiritual do indivíduo como há no Novo

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Testamento. O que temos no Velho Testamento são promessas claras de uma renovação futura (cf. Jr 31.31-33; Ez 11.29; 36.26,27).

Mas apesar da obra regeneradora do indivíduo não ser enfatizada no AT, não significa que o Espírito Santo não tenha atuado salvificamente. Mesmo assim, a possibilidade de alguém ser regenerado no Antigo Testamento foi totalmente descartada pelo teólogo alemão Friedrich Daniel Ernest Schleiermacher (1768-1834). Para ele era impossível que alguém tivesse sido regenerado na antiga dispensação, uma vez que Cristo não se fez Verbo encarnado e Sua obra, portanto, não podia ser aplicada àqueles crentes.

Evidenciada pela fé no MessiasNão há dúvida que os crentes do Velho Testamento foram regenerados. Seria contradição de termos falar de "crentes não regenerados". Eles eram crentes de fato e o autor da carta aos Hebreus no capítulo 11 de sua epístola atesta esta veracidade. Ele não os nomearia como heróis da fé se não fossem regenerados e salvos. E como o Espírito Santo os regenerava e os salvava em Cristo Jesus? Simplesmente aplicando a obra redentora do Messias no qual eles criam (cf. Jó 19.25). A explicação desta aplicação no Antigo Testamento é entendida quando vamos ao Novo e lemos sobre o "Cordeiro que foi morto, desde a fundação do mundo" (Ap 13.8).

Desta maravilhosa declaração aprendemos que:

1. A expiação de Cristo é referida como algo determinado por Deus; 2. O princípio de sacrifício e redenção por parte de Cristo é mais antigo

que o mundo; 3. Os decretos e propósitos de Deus são tão concretos e reais como o

próprio acontecimento.

Quando a Trindade vivia na solidão da eternidade, a morte de Cristo já estava declarada como ocorrida antes que tudo existisse.

Simbolizado no sistema sacrificialA ausência do fato histórico da expiação de Cristo no Antigo Testamento não anula, de forma alguma, o seu valor para os crentes daquela época; e muito menos a aplicação da mesma pelo Espírito Santo. Isto é fácil de ser percebido quando vemos os santos do Antigo Testamento oferecendo sacrifícios de animais a Deus e sendo perdoados e salvos. Não por causa dos sacrifícios em si, "porque é impossível que sangue de touros e bodes remova pecado" (Hb 10.4), mas eram perdoados e salvos porque criam na promessa simbolizada no sistema sacrificial.

O Novo Testamento nos dá claras indicações, e declarações explícitas, que os sacrifícios de animais no Velho Testamento foram símbolos do mais excelente sacrifício de Cristo (Cl 2.17; Hb 9.23,24; 10.1; 13.11,12).

Donald Guthrie é verdadeiro quando diz que o "sistema sacrificial do Antigo Testamento tinha validez somente porque prenunciava o sacrifício supremo e definitivo de Cristo" (D. Guthrie, Hebreus: Introdução e Comentário, p. 191).

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David Martin Lloyd-Jones é ainda mais preciso quando declara que eles "faziam essas ofertas pela fé. Criam na palavra de Deus, que Ele um dia no porvir proveria um sacrifício, e pela fé se mantiveram firmes nisso. Foi a fé em Cristo que os salvou..." (D. M. Lloyd-Jones, A Cruz: A Justificação de Deus, p. 10).

E era somente por causa da obra regeneradora do Espírito Santo que eles podiam "olhar" para Cristo e exercer fé nEle, pois, no conceito bíblico, onde há fé salvadora, houve regeneração pelo Espírito.

O MÉTODO SEGUNDO KAISERTeologia do Antigo TestamentoProfessor Antony Steff Gilson de Oliveira

Uma das primeiras preocupações de Walter Kaiser é discutir se de fato existe a possibilidade de uma teologia do Antigo Testamento. Para analisar esta questão, o autor faz uma apresentação das posições adotadas por grandes teólogos do AT neste século, como Walter Eichrodt, Theology of the Old Testament (Londres: SCM, 1961) e Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento, 2 vols. (SP: ASTE, 1986).

Eichrodt fez um ataque violento contra o historicismo. Alegava que a coerência interior do AT e do NT tinha sido reduzida a um tênue fio de conexão histórica e seqüencial, causal, entre os dois testamentos, que resultava de uma causalidade externa.

Já von Rad não somente negava qualquer fundamento histórico genuíno para a confissão de fé de Israel, como também tinha mudado o objeto do estudo teológico de uma focalização sobre a palavra de Deus e sua obra para os conceitos religiosos do povo de Deus. O objeto e enfoque da teologia do Antigo Testamento tinham sido mudados da história como evento e da palavra como revelação para uma abordagem tipo história da religião.

Assim, Kaiser vai mostrar que a natureza da teologia do AT não é somente uma teologia que está em conformidade com a Bíblia inteira, mas é aquela que se descreve e se contém na Bíblia. Essa teologia expressa uma vinculação real com os períodos históricos que compreendem a história de Israel, onde cada contexto antecedente e mais antigo se torna a base para a teologia que vem a seguir. Dessa maneira, para Kaiser, na teologia do Antigo Testamento a estrutura está colocada historicamente e seu conteúdo se encontra exegeticamente controlado. Como conseqüência, a teologia do AT em Kaiser tem um centro e conceitualização unificadas e traduzidas nas descrições, explanações e conexões do texto sagrado.

Ao procurar identificar as teologias do AT, Kaiser vai trabalhar com quatro variáveis:

1. A teologia estrutural, que descreve o esboço básico do pensamento e da crença do AT em unidades tiradas por empréstimo da teologia sistemática, da sociologia, ou de princípios selecionados, e depois arma seus relacionamentos

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com conceitos secundários. Eichrodt e Th. C. Vriezen, An Outline of Old Testament Theology (Newton, Mass.: Charles T. Branford Co. 1970) pode sem enquadrados na teologia estrutural. Para Kaiser, essa teologia não tem autonomia, existindo apenas como função heurística da teologia sistemática.

2. A teologia diacrônica que expõe a crença dos sucessivos períodos e das estratificações da história de Israel, colocando a ênfase sobre as tradições sucessivas da fé e da experiência da comunidade religiosa. Von Rad é seu grande expoente. Para Kaiser, não estamos diante de uma teologia do AT, mas diante de uma história da religião de Israel.

3. A teologia lexicográfica, que limita sua investigação a um grupo ou a grupos de personalidades bíblicas, analisando seu vocabulário teológico especial, como por exemplo, os sábios, o eloísta, o vocabulário sacerdotal, etc. Gerhard Kittel, editor, G. W. Bromiley, trad., Theological Dictionary of the New Testament, 10 vols. (Grand Rapids: Eerdmans, 1964-74); Peter F. Ellis, The Yahwist: the Bible's First Theologian (Notre Dame: Fides Publishers, 1968).

4. E por fim a teologia de temas bíblicos, que leva sua busca além do vocabulário de personagens, para abranger uma constelação de palavras que gira ao redor de um tema chave. Aqui se coloca o próprio Kaiser.

O enquadramento da teologia do AT

Outra questão colocada por Kaiser é a que se refere ao enquadramento da teologia do AT. Deve-se incluir material alheio ao cânone, como apócrifos, textos da biblioteca de Qunram ou comentários do Talmude? Para Kaiser a utilização de material alheio ao texto debilitariam o propósito de discutir a feição integral da teologia dentro de uma corrente da revelação. Toma como exemplo a pregação de Jesus que, considera Kaiser, trabalhou apenas com os textos enquadrados no cânone judaico.

Assim, para Kaiser, a teologia deve ser bíblica e não precisa repetir cada detalhe do cânone para ser autêntica e exata. O método deve sintetizar os detalhes que parecem discrepantes, a fim de termos, então, uma única teologia bíblica embalada sob a etiqueta de dois testamentos.

O que move a teologia do AT?

O texto pede para ser entendido e colocado num contexto de eventos e significados. Os estudos históricos colocam o exegeta em contato com os fluxo de eventos no tempo e no espaço. As análises gramaticais e sintáticas identificam a coleção de idéias no período histórico sob investigação. Assim, as raízes históricas da mensagem em seu desenvolvimento e o julgamento das avaliações normativas do texto traduzem o propósito e o papel da teologia bíblica.

A motivação maior é entender o texto enquanto texto colocado num contexto de significados. É assim, considera Kaiser, que a teologia bíblica sua grande contribuição, especial e peculiar.

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E o centro canônico, existe ou não?

Kaiser levanta algumas perguntas: existe uma chave para uma organização metódica e progressiva de assuntos, temas e ensinos do Antigo Testamento? Os escritores do AT tinham consciência dessa organização quando acrescentavam algo a essa corrente histórica da revelação?

E conclui que as respostas a seus questionamentos definirão o destino e a direção da teologia do AT. Caso seja impossível responder positivamente as duas perguntas, então, somos obrigados a falar de diferentes teologias do AT, no sentido de variedade ou de linhas de continuidade que acontecem dentro de tendências de diversidade. Mas para Kaiser isso não acontece: os escritores bíblicos reivindicam a posse da intencionalidade divina na sua seletividade e interpretação daquilo que foi registrado e nós não podemos negar essa realidade.

Por isso Kaiser defende a realidade do centro canônico. Considera, porém, que a maioria dos teólogos erra ao definir um centro apriorístico, externo, e tentar enquadrar o conteúdo do AT nele. A metodologia deve partir de uma exegese cuidadosa, evitando todo e qualquer encaixe precipitado.

Até a década de 70, a maioria dos teólogos considerava que a história era o veículo da revelação divina no AT. Aquilo que se conhecia de Deus era conhecido através da história. Outros, no entanto, argumentavam que a revelação verbal tinha tanto direito quanto a história de ocupar o centro do palco teológico. A fé de Israel, assim como a teologia bíblica, tinha de Ter como seu objeto não os atos de Deus na história, mas aquilo que o povo confessava, não importa a veracidade primeira dos acontecimentos. A essa afirmação, um teólogo católico, Roland de Vaux, Historia antigua de Israel, 2 vols. (Madri, Cristiandad, 1975) - id., Instituciones del Antiguo Testamento (Barcelona, Herder, 1976) argumenta: "A interpretação da história dada é verdadeira e tem origem em Deus ou não é digna da fé de Israel e da nossa".

O mais importante, para Kaiser, é a conexão entre a reivindicação divina - o ter anunciado muito antes de ter acontecido o curso dos eventos - e o fato de que isso estava de acordo com seu plano e propósito. E os escritores bíblicos tinham a palavra divina e o juramento divino de promessa.

Esse é o centro canônico que Kaiser vai devolver em sua obra, depois de uma ampla e bem defendida exposição metodológica. Trabalhando a partir dessa metodologia, Kaiser constrói sua teologia bíblica, organizando o cânone a partir das promessas de Deus ou daquelas passagens onde considera que Deus acrescentou seu compromisso ou juramento.

O SEGUNDO MANDAMENTOProfessor Antony Steff Gilson de Oliveira

Há um certo descompasso entre os Dez Mandamentos transcritos na Bíblia Sagrada e os relacionados no Catecismo da Igreja Católica (C.I.C.), 9a edição, Editora Vozes, 1998. Tal desencontro poderá gerar dúvidas e estranheza não

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só entre os católicos, mas também entre os novos evangélicos provindos daquela denominação. Para que a verdade prevaleça, elaborei o presente trabalho que poderá ser enriquecido com as observações dos leitores. O Decálogo no C.I.C. está assim redigido (páginas 548-650, itens 2083-2550):

Primeiro Mandamento - “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão. Não terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti imagem esculpida de nada que se assemelhe ao que existe lá em cima, nos céus, ou embaixo, na terra, ou nas águas que estão debaixo da terra. Não te prostrarás diante desses deuses e não os servirás (Ex 20.2-5)” (o grifo é meu). Segundo Mandamento - “Não pronunciarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão (Ex 20.7)”. Terceiro Mandamento - “Lembra-te do dia do sábado para santificá-lo. trabalharás durante seis dias e farás todas as tuas obras. O sétimo dia, porém, é o sábado do Senhor, teu Deus. Não farás nenhum trabalho (Ex 20.8-10)”. Quarto Mandamento - “Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor, teu Deus, te dá (Ex 20.12)”. Quinto Mandamento - “Não matarás (Ex 20.13)”. Sexto Mandamento - “Não cometerás adultério” (Êx 20.14)”. Sétimo Mandamento - “Não roubarás (Êx 20.15)”. Oitavo Mandamento - “Não apresentarás falso testemunho contra o teu próximo (Êx 20.15)”. Nono Mandamento - “Não cobiçarás a casa de teu próximo, não desejarás sua mulher, nem seu servo, nem sua serva, nem seu boi, nem seu jumento, nem coisa alguma que pertença a teu próximo (Êx 20.17)”. Décimo Mandamento - “Não cobiçarás... coisa alguma que pertença a teu próximo (Êx 20.17)”.

Observem que o primeiro e o segundo mandamentos foram arrolados num só, e o décimo foi dividido em dois. Vejamos como estão na Bíblia de Estudo Pentecostal, Almeida Revista e Corrigida, edição de 1995, o primeiro, o segundo e o décimo mandamentos:

Primeiro Mandamento - “Não terás outros deuses diante de mim” (Êxodo 20.3; Deuteronômio 5.7). Segundo Mandamento - “Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás A ELAS nem AS servirás”. (as maiúsculas são nossas). (Êxodo 20.4-5; Deuteronômio 5.8-9). Décimo Mandamento - “Não cobiçarás a casa do teu próximo; não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo”(Êxodo 20.17; Deuteronômio 5.21).

Não há razão para dividirmos em dois o mandamento de Êxodo 20.17. Trata-se de um só enunciado, uma proibição específica de não cobiçar pessoas, animais e objetos, e está expresso num único e reduzido versículo. O nono e o décimo mandamentos são iguais no Catecismo por uma razão simples: como o

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primeiro e o segundo foram unificados, ficou faltando um, o décimo. A solução foi criar dois mandamentos iguais. O Vaticano assim explica:

“A divisão e a numeração dos mandamentos têm variado no decorrer da história. O presente catecismo segue a divisão dos mandamentos estabelecida por Sto. Agostinho e que se tornou tradicional na Igreja Católica. É também a das confissões luteranas. Os padres gregos fizeram uma divisão um tanto diferente, que se encontra nas igrejas ortodoxas e nas comunidades reformadas” (C.I.C. pg. 545, item 2066).

Para que não haja suspeição, vejamos os mandamentos numa Bíblia “católica”, Edição Ecumênica, tradução do padre Antônio Pereira de Figueiredo, com notas do Mons. José Alberto L. de Castro Pinto:

Primeiro Mandamento - “Não terás deuses estrangeiros diante de mim” (Êxodo 20.3). Segundo Mandamento – “Não farás para ti imagem de escultura, nem figura alguma de tudo o que há em cima no céu, e do que há em baixo na terra, nem de coisa, que haja nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto” (O grifo é nosso). (Êxodo 20.4-5). Décimo Mandamento – “Não cobiçarás a casa de teu próximo: não desejarás a sua mulher, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma que lhe pertencer”(Êxodo 20.17). A Palavra de Deus não se altera ao longo da história, e não podemos modificá-la por nenhuma razão. Convém esclarecer que nas Bíblias os mandamentos não estão numerados, mas pelo enunciado é possível sabermos qual é o primeiro, qual o segundo, e assim por diante. Mas isto é um detalhe. O cerne da questão está no segundo mandamento. Incorporado o segundo mandamento ao primeiro, fortalece-se a idéia de que as imagens proibidas estariam se referindo, somente, aos deuses antigos. Daí porque o verso 5, no C.I.C., reforça essa idéia: “Não te prostrarás diante desses deuses e não os servirás”. É preciso notar que o versículo 4 refere-se especificamente a IMAGENS, e não a deuses. O versículo 5 (“não te encurvarás/inclinarás a elas nem as servirás”) encontra-se afastado do versículo 3 (“não terás outros deuses diante de mim”). Os “deuses”, portanto, não são a essência da proibição do verso 4 e começo do verso 5. Por isso, entendo que as versões que se reportam às imagens, e não aos deuses, (“não as adorarás, não as servirás, não lhes darás culto”) são as mais aceitas. São exemplos: Las Sagradas Escrituras-1569 (“No te inclinarás a ellas, ni las honrarás”); Almeida Revista e Corrigida, 1995 (“Não te encurvarás a elas nem as servirás”); Bíblia Linguagem de Hoje (“Não se ajoelhe diante de ídolos, nem os adore”). A bem da verdade, convém registrar que diversas versões, quanto ao versículo 5, fazem referência aos deuses, e não às imagens. Deuses e imagens estão tão associados que a proibição de não prestar culto a um alcança naturalmente o outro. Imagens e deuses são ídolos. Aprouve a Deus destinar um mandamento só para referir-se às imagens, ídolos ou estátuas, objeto de adoração, veneração, culto, honra, homenagens. Assim, Deus descreveu quais as imagens que não deveriam ser objeto de culto. Deus

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exemplificou para não haver dúvida. As imagens dos santos católicos estariam incluídas nessa proibição?

ANÁLISE DE ÊXODO 20.4“Não farás para ti” – Entende-se a posse do objeto quando destinado ao culto, à homenagem, à prece, à veneração. Deus não condena as obras de arte, escultura ou pintura de valor histórico e cultural.

“Nem alguma semelhança do que há em cima nos céus” – Não encontramos diferenças relevantes de tradução nas versões consultadas. A proibição não alcança apenas as imagens dos deuses, mas diz respeito, também, ao que existe nos céus: A Trindade (Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo), os anjos e os salvos em Cristo. Logo, estátuas de Jesus, dos santos apóstolos, de Maria, e de quantos, pelo nosso julgamento, estejam no céu, não devem ser objeto de culto.

“Não te encurvarás a elas” - Deus proíbe qualquer atitude de reverência ou respeito, tais como inclinar respeitosamente o corpo ou ajoelhar-se diante das imagens; prostrar-se com o rosto no chão; tocá-las; beijá-las; levantar os braços em atitude de adoração; tirar o chapéu; ficar em pé diante delas em estado contemplativo. Enfim, Deus proíbe fazer qualquer gesto com o corpo que expresse admiração, contemplação, fé, devoção, homenagem, reverência.

“Não as servirás” - Não servi-las com flores, velas, cânticos, coroas, festas, procissões, lágrimas, alegria, rezas, vigílias, doações, homenagens, devoção, sacrifícios, incenso. Não lhes devotar fé, confiança, zelo, amor, cuidados. Não alimentar expectativas de receber delas amparo, curas e proteção. Não colocá-las em lugar de destaque, em redoma ou em lugares altos.

A Igreja de Roma reconhece a proibição, mas decide por não acatá-la:

“O mandamento divino incluía a proibição de toda representação de Deus por mão do homem. O Deuteronômio explica: “Uma vez que nenhuma forma vistes no dia em que o Senhor vos falou no Horebe, do meio do fogo, não vos pervertais, fazendo para vós uma imagem esculpida em forma de ídolo...”(Dt 4.15-16)... No entanto, desde o Antigo Testamento, Deus ordenou ou permitiu a instituição de imagens que conduziriam simbolicamente à salvação por meio do Verbo encarnado, como são a serpente de bronze, a Arca da Aliança e os querubins. Foi fundamentando-se no mistério do Verbo encarnado que o sétimo Concílio ecumênico, em Nicéia (em 787), justificou, contra os iconoclastas, o culto dos ícones : os de Cristo, mas também os da Mãe de Deus, dos anjos e de todos os santos. Ao se encarnar, o Filho de Deus inaugurou uma nova “economia ”das imagens. O culto cristão das imagens não é contrário ao primeiro mandamento, que proíbe os ídolos. De fato, “a honra prestada a uma imagem se dirige ao modelo original, e quem venera uma imagem venera a pessoa que nela está pintada. A honra prestada às santas imagens é uma “ veneração respeitosa”, e não uma adoração, que só compete a Deus. O culto às imagens sagradas está fundamentado no mistério da encarnação do Verbo de Deus. Não contraria o primeiro mandamento” (C.I.C. pg. 560-562, itens 2129-2132, 2141).

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ANALISANDO AS EXPLICAÇÕES “O mandamento divino INCLUÍA a representação de toda representação de Deus por mãos do homem”.

O mandamento divino incluía? Não, mandamento inclui, está vigente. A cruz não aboliu as Dez Palavras. As leis cerimoniais sim, foram abolidas. O Decálogo é, no varejo, o que Jesus disse no atacado: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento”, e “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mateus 22.35-40; Deuteronômio 6.5; 10.12; 30.6; Levítico 19.18). Num coração cheio do amor de Deus e do amor a Deus não há espaço para a adoração de pessoas ou de coisas. Em Mateus 5.17, Jesus afirma: “Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim ab-rogar, mas cumprir” (ARC) ou: “Não pensem que eu vim acabar com a Lei de Moisés e os ensinamentos dos profetas. Não vim acabar com eles, mas para dar o seu sentido completo.” (BLH). A seguir Jesus exemplifica o novo sentido à lei: se pensar em matar, já pecou e descumpriu a lei; se pensar em adulterar, já pecou.

“No entanto, Deus ordenou... a serpente de bronze, a Arca da Aliança, os querubins”...

A Arca da Aliança e os querubins passaram. Faziam parte de cerimônias e símbolos instituídos por Deus, de acordo com sua infinita sabedoria e soberana vontade, para melhor conduzir o povo em sua fé. Agora, vindo Cristo, temos “um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação, nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue...” (Hebreus 9.11). A serpente de bronze - símbolo tão zelosamente defendido pela Igreja de Roma – foi um remédio específico para um mal específico numa situação especial (Números 21.7-9). Agora, já não precisamos de figuras para nossos males físicos e espirituais. Como disse João Ferreira de Almeida, “o poder vivificante da serpente de metal prefigura a morte sacrificial de Jesus Cristo, levantado que foi na cruz para dar vida a todos que para Ele olharem com fé”. O próprio Jesus assim se manifestou: “E, como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.14-15). Deus não recomendou o culto, a homenagem ou a veneração à serpente. Por isso, o rei Ezequias, temente e reto aos olhos do Senhor, destruiu-a ao perceber que o povo lhe prestava culto (2 Reis 18.4). Ademais, não se vê em Atos dos Apóstolos qualquer indício de uso de figuras, ícones ou imagens destinados a facilitar a compreensão e conduzir os fiéis à salvação.

“... o sétimo Concílio ecumênico, em Nicéia (em 787), justificou... o culto dos ícones : os de Cristo, mas também os da Mãe de Deus, dos anjos e de todos os santos. O culto cristão das imagens não é contrário ao primeiro mandamento, que proíbe os ídolos. De fato, “a honra prestada a uma imagem se dirige ao modelo original, e quem venera uma imagem venera a pessoa que nela está pintada. A honra prestada às santas imagens é uma “ veneração respeitosa”, e não uma adoração, que só Não contraria o primeiro mandamento”.

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Ora, se o mandamento proíbe o culto aos ídolos, então o culto aos ídolos é proibido. Desculpem-me os leitores pelo óbvio. Portanto, o culto às imagens contraria o mandamento. Se contraria, é pecado cultuá-las. O Concílio de Nicéia justificou, mas são justificativas de homens. A Palavra é o padrão. A tradição deverá ajustar-se à Palavra. A honra ao modelo original via imagem parte de uma premissa falsa, porque as imagens não são em sua grande maioria cópias fiéis dos originais, exemplos de Jesus, Maria, José e dos santos apóstolos. Seus traços físicos não foram revelados nem por fotografias nem por pinturas. Jeremias foi direto: “Suas imagens são mentira” (Jr 10.14).

“A honra prestada às santas imagens é uma “ veneração respeitosa”, e não uma adoração, que só compete a Deus”.

Venerar: “Tributar grande respeito a; render culto a, reverenciar”; Culto: “Adoração ou homenagem à divindade em qualquer de suas formas, e em qualquer religião”. Adorar: “Render culto a (divindade); reverenciar, venerar, idolatrar” (Dicionário Aurélio). Como se vê, é muito tênue a linha entre honrar, venerar, adorar e prestar culto. Diria que não existe essa linha. Vejamos o que Deus afirma: “Eu sou o Senhor. Este é o meu nome. A minha glória a outrem não a darei, nem a minha honra às imagens de escultura” (Isaías 42.8). Na Bíblia Linguagem de Hoje: Eu sou o Deus Eterno: este é o meu nome, e não permito que as imagens recebam o louvor que somente eu mereço.” Na Bíblia ecumênica, católica: “Eu sou o Senhor, este é o meu nome: eu não darei a outrem a minha glória, nem consentirei que se tribute aos ídolos o louvor que só a mim pertence”.

OUTRAS REFERÊNCIAS “Não fareis para vós ídolos, nem para vós levantareis imagem de escultura nem estátua, nem poreis figura de pedra na vossa terra para inclinar-vos diante dela. Eu sou o Senhor vosso Deus” (Levítico 26.1).

“No dia em que o Senhor vosso Deus falou convosco em Horebe, do meio do fogo, não vistes figura nenhuma. Portanto, guardai com diligência as vossas almas, para que não vos corrompais, fazendo um ídolo, UMA IMAGEM DE QUALQUER TIPO, FIGURA DE HOMEM OU DE MULHER...” (Deuteronômio 4.15-16). O destaque é meu.

“As imagens de escultura de seus deuses queimarás no fogo. Não cobiçarás a prata nem o ouro que haja nelas, nem os tomarás para ti, para que não sejas iludido, pois É ABOMINAÇÃO AO SENHOR, TEU DEUS” (Deuteronômio 7.25). O destaque é meu.

“As suas imagens de fundição são vento e nada” (Isaías 41.29b)

“Eu sou o SENHOR; este é o meu nome! A minha glória a outrem não a darei, nem o meu louvor às imagens de escultura” (Isaías 42.8)

“Todo homem se embruteceu e não tem ciência; envergonha-se todo fundidor da sua imagem de escultura, porque sua imagem fundida é mentira, e não há espírito nela” (Jeremias 10.14).

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“Arrancarei do meio de ti as tuas imagens de escultura e as tuas estátuas; e tu não te inclinarás mais diante da OBRA DAS TUAS MÃOS” (Miquéias 5.13). O destaque é meu.

“Também está cheia de ídolos a sua terra; inclinaram-se perante a OBRA DAS SUAS MÃOS, diante daquilo que fabricaram os seus dedos” (Isaías 2.8). O destaque é meu.

“Nada sabem os que conduzem em procissão as suas imagens de escultura, feitas de madeira, e rogam a um deus que não pode salvar” (Isaías 45.20).

“Mas o nosso Deus está nos céus e faz tudo o que lhe apraz. Os ídolos deles são prata e ouro, OBRA DAS MÃOS DOS HOMENS. Têm boca, mas não falam; têm olhos, mas não vêem; têm ouvidos, mas não ouvem; nariz têm, mas não cheiram. Têm mãos, mas não apalpam; têm pés, mas não andam; nem som algum sai da sua garganta. Tornem-se semelhantes a eles os que os fazem e todos os que neles confiam” (Salmos 115.3-8). O destaque é meu.

“Eles trocam a verdade de Deus pela mentira e ADORAM E SERVEM O QUE DEUS CRIOU, em vez de adorarem e servirem o próprio Criador, que deve ser louvado para sempre. Amém” (Romanos 1.25). O destaque é meu. Anjos e espíritos humanos são criaturas de Deus.

CONCLUSÃOA proibição divina abrange:

1. Qualquer coisa (estátua, imagem, ídolo, presépio) produzida por mãos humanas.

2. Toda a criação de Deus (anjos, pessoas, espíritos humanos, corpos celestes, animais).

3. Imagens de qualquer uma das três Pessoas da Trindade.

Está, portanto, contrário ao Segundo Mandamento qualquer culto de louvor, adoração, homenagem ou veneração prestado às imagens representativas de pessoas falecidas, qualquer que tenha sido o grau de santidade por elas alcançado na vida terrena.

O TRIUNFO DA FÉ EM TEMPOS DE CRISE Professor Antony Steff Gilson de Oliveira

Na época de Habacuque, reinava Jeoaquim. Seu reinado teve a marca da violência e da ausência de uma justiça verdadeira. Habacuque vê a maldade social crescendo e a justiça manipulada por parte dos poderosos.

No início do seu livro ele se mostra perplexo, pois a violência se alastra e Deus parece não tomar nenhuma providência. O justo está sendo explorado e massacrado pelo corrupto e parece que Deus se mostra completamente apático, indiferente a tudo. Não é de admirar que o profeta clamasse em profunda angústia: "Até quando Senhor ..." (1:2).

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O profeta viu Israel cair numa condição de apostasia. A nação estava se afastando de Deus. Entregara-se à idolatria e outras buscas destituídas de qualquer valor.

Que quadro triste! Pecado, imoralidade e vício dominavam o povo de Israel. A lei não era aplicada com equidade e honestidade. A justiça era frouxa e indolente. A ilegalidade campeava solta (1:3,4). A nação de Israel estava em grave decadência espiritual, moral e social.

Realmente, era um problema e não é para estranhar que Habacuque viesse a entrar em crise. Ele não conseguia entender porque Deus permitia tudo aquilo. Orou a Deus a esse respeito, mas Deus parecia não responder. Daí a sua perplexidade: "Até quando Senhor, clamarei eu, e tu não me escutarás?" (1:2)

A questão que Habacuque levanta e que a maioria dos cristãos enfrenta é: Onde está Deus que vê tudo isso e não faz nada para sanar o problema? Será que Deus não vê? Não vê toda esta brincadeira humilhante com a vida humana, como o direito está sendo pervertido, como o justo está sendo massacrado?

Vale a pena ter fé num Deus como este? Esta é a resposta que Habacuque nos dará em seu pequeno livro. A Fé que triunfa.

O SILÊNCIO DE DEUS EM MOMENTOS DE CRISEA primeira coisa que descobrimos quando estudamos as ações de Deus em Habacuque, é que pode parecer que Ele esteja estranhamente silencioso e inativo em momentos de crise.

"Até quando Senhor". É uma tremenda ousadia fazer uma indagação desta a Deus. O profeta vê a violência em seus dias crescer, a justiça sendo torcida, a desonestidade ganhando espaço ... e onde está Deus que não intervém e nada faz para cassar todo este mal?

Não é esta a questão que muitos levantam hoje também? Por que Deus permite que certas coisas aconteçam? Por que Deus permite que a enfermidade entre no lar e comece a dizimar famílias cristãs e fiéis a Deus? Por que Ele permite que a idolatria e o espiritismo cresçam espantosamente? Por que Ele não intervém e fira de morte todos aqueles que proferem mentiras e negam a fé?

Sempre foi difícil entender o silêncio de Deus nos assuntos humanos. Porém, não presumamos que esse silêncio seja indicativo de sua apatia. Longe está Deus de ser um mero espectador desinteressado nos assuntos dos homens. Tudo está sob o seu olhar e todas as coisas estão debaixo de suas poderosas mãos. Ele não se apavora nem se precipita.

Deus não está com os olhos fechados, os ouvidos tapados, as mãos encolhidas, a mente alienada, e com os pensamentos longe dos dramas que enfrentamos na vida. A Palavra nos orienta dizendo que "Deus fará justiça aos

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seus escolhidos, embora pareça demorado em defendê-los" (Lc 18:7). E ainda mais, nenhum fio de cabelo cairá de nossa cabeça alheio a sua vontade.

O cristão vive pela fé, mesmo quando não está vendo suas orações sendo respondidas.

RESPOSTAS INESPERADAS ÀS NOSSAS ORAÇÕESA segunda coisa que descobrimos é que Deus, às vezes, dá respostas inesperadas às nossas orações (1:5-11). Isto, mais do que qualquer outra coisa, foi o que deixou Habacuque perplexo. Por um longo tempo Deus parecia não responder. Então, quando responde, o que diz é mais misterioso até do que sua aparente falha em ouvir as orações.

Na mente de Habacuque estava claro que Deus tinha que castigar a nação e depois enviar um grande avivamento. Mas quando Deus disse: "Estou respondendo a sua oração suscitando o exército Caldeu para marchar contra suas cidades e destruí-las", o profeta não consegue acreditar no que ouviu. Mas foi o que Deus lhe disse, e que realmente aconteceu.

Deus responde a oração do profeta, mas de uma forma inesperada. Habacuque levou um susto, pois Deus iria suscitar os caldeus (Babilônicos) uma nação pagã para julgar o seu próprio povo. Habacuque queria que Deus respondesse a sua oração e Deus respondeu, mas não do jeito que ele queria.

Todos temos a tendência de prescrever as respostas às nossas orações. Freqüentemente, oramos dizendo a Deus exatamente como Ele tem de fazer, como se Ele fosse um Deus que não soubesse como agir. Tem gente que chega quase ao absurdo de ensinar a Deus como ser Deus.

Precisamos entender que Deus é livre. Ele faz o que quer, como e quando quiser. A Fé que triunfa é aquela que descansa na liberdade divina. Pela fé e pelo estudo das Escrituras, o cristão sabe que Deus nunca erra. Suas respostas podem parecer estranhas, podem parecer sem sentido, mas é assim que Ele age às vezes.

Um exemplo clássico. Os irmãos de José o venderam como escravo (Gên. 37) e assim foi ele parar no Egito. Muito mais tarde, porém José e seus irmãos se encontraram e ele declara que não foram eles, mas Deus que o enviara para lá (Gên. 45:7). Nossa Fé não é um sentimento positivo, nem um amontoado de conceitos moralistas e piegas. É a firme crença num Deus que tudo encaminha para o ponto que Ele deseja.

Pensamos que Deus pode se manifestar somente de uma forma. Mas a Bíblia ensina que Deus, às vezes, responde as nossas orações permitindo que as coisas piorem muito antes que possam melhorar. Ele pode, às vezes, fazer o contrário do que prescrevemos. Ele pode sim, às vezes, nos colocar à frente de um exército caldeu. Mas é um princípio fundamental na vida e caminhar da fé que, quando tratamos com Deus, devemos estar sempre preparados para o inesperado.

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Certa vez li o seguinte caso em um livro:

Havia um membro de uma determinada Igreja que era a "pedra no sapato" de toda a comunidade. Era criador de casos, sempre mal-humorado, era altamente personalista e sua palavra devia ser sempre a última em todos os assuntos. Numa noite de vigília, não se sabe se querendo isentar-se de culpa ou transferi-la para outros, orou dizendo: "Deus, remove desta Igreja aquele que a atrapalha". No dia seguinte, menos de 24 horas depois, seu corpo estava sendo velado no templo daquela Igreja.

Orar pode ser perigoso. Queremos que Deus, realmente, responda às nossas orações ou apenas que Ele nos beneficie?

DEUS USA OS ÍMPIOS COMO INSTRUMENTOEis agora um terceiro aspecto surpreendente dos caminhos de Deus. Ele usa, às vezes, instrumentos estranhos para corrigir sua Igreja.

Os caldeus, dentre todos os povos, são os que Deus levanta para disciplinar o seu povo. Habacuque não podia imaginar tal coisa. Mas aqui também está um fato evidente em toda a Bíblia: Deus usa o instrumento que quiser.

No curso da história, Ele tem usado toda sorte de instrumentos estranhos e inesperados, para a realização de seus propósitos. Usou Pilatos, usou Herodes, usou Saul, usou uma mula. O mal não é de sua autoria, mas Ele, às vezes, o usa para educar e corrigir os da sua Igreja.

Quantas vezes somos acometidos por uma enfermidade, desemprego, crise conjugal, injustiças ou outras tragédias da vida?

Deus é livre para usar qualquer instrumento para disciplinar o seu povo. "O Senhor corrige o que ama" e "Foi-me bom ter sido afligido, para que aprendesse os teus estatutos" (Sl 119:71).

O TRIUNFO DA FÉ"Mas o justo viverá pela sua Fé" (2:4)

Sim, o justo, o crente em Jesus, viverá pela sua fé. E esta fé no Senhor triunfante, ressuscitado e glorioso, transmite à vida diária uma vitalidade vibrante.

O cristão não se abate com o presente, embora o veja muitas vezes como sendo sombrio.

"Ainda que a figueira não floresça, nem há fruto na vide; o produto da oliveira mente e os campos não produzam mantimentos; as ovelhas foram arrebatadas do aprisco e nos currais não há gado, todavia, eu me alegro no Senhor, exulto no Deus da minha salvação. (Hab. 3:17, 18).

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Este texto é uma declaração de fé em um momento de crise inigualável. Faltariam figos, uvas, azeitonas, os campos não produziriam os alimentos. O Rebanho seria exterminado. Os currais sem gado. E qual é a atitude do profeta? Desespero? Inconformismo? Não. Fé!.

Habacuque nos ensina que a resposta à crise é a fé. Sua segurança não brota de emoções, mas de uma fé viva. E quem crê, não se abala. "Aqueles que confiam no Senhor são como o monte de Sião, que não se abala, estão firmes sempre" (Sl 125:1).

"Ainda que a figueira não floresça... e nos currais não há gado, todavia, eu me alegro no Senhor". (Hab. 3:17 ).

Que fé! No meio da crise, alegria. Que lição para todos os cristãos aborrecidos, murmuradores, emburrados com Deus e com o mundo.

Façamos como Habacuque, manter a fé em Deus mesmo que Ele se mostre indiferente às nossas orações; manter a fé mesmo que suas respostas sejam inesperadas; manter a fé mesmo que Ele esteja usando instrumentos dolorosos para nos disciplinar e educar e ainda que venhamos a perder tudo, todavia, devemos nos alegrar no Senhor, pois Ele é a única riqueza que vai perdurar sempre.

Que o Senhor da Fé nos abençoe!

O VALE DAS SOMBRASProfessor Antony Steff Gilson de OliveiraSalmo 23

Uma história diz que o Culto se desenvolvia, e dois homens recitaram o Salmo 23. Um deles era um grande e aplaudido ator, dono de um jogo de cena fora do comum, magnífica oratória, dramaticidade nos gestos, leu o Salmo 23. Quando terminou de fazê-lo, o auditório, nesse culto mais informal, quase veio abaixo de tantos aplausos. Depois, um senhor idoso, encurvado, trêmulo, frágil, apoiado na sua bengala foi à frente e recitou de memória o Salmo 23. Quando terminou, não houve qualquer aplauso. Pelo contrário, houve um profundo silêncio no santuário; e lágrimas. Nisso, o ator, foi à frente e, com a voz embargada, disse: "Meus amigos, há uma enorme diferença entre nós dois, declamadores. Eu conheço o "Salmo do Pastor", mas, este piedoso homem, conhece o Pastor do salmo".

O Salmo 23 foi chamado de uma das criações mais sublimes de todo os tempo, como também "a pérola do livro dos Salmos". Houve, igualmente, quem dissesse que é um hino de louvor à providência divina. Não é um Salmo longo, são apenas seis versículos, e no entanto, é, sem dúvida, o capítulo mais amado do Antigo Testamento, senão de toda a Bíblia. É conhecido pelas crianças. Dos cento e cinqüenta salmos, é aquele que 90% dos leitores sabem de cor. Qualquer criança que vai à Escola Bíblica o conhece. E tem sido a última leitura solicitada por muitos cristãos neste mundo quando em seu leito de dor já encarando a morte.

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O tema do Salmo 23 é "a segurança daquele que crê em Deus", e em cada versículo, exceto o primeiro, que é uma introdução, apresenta duas necessidades básicas de toda pessoa, vitais, sentidas, porém, de um modo mais profundo, mais reflexivo, mais intimista pelo crente em Jesus Cristo. São necessidades com promessas de absoluta satisfação, visto que "o Senhor é o meu pastor", razão porque nada me faltará. É um cântico de confiança apresentado em linguagem simples, de beleza literária, e rica dos conceitos e das lições espirituais implícitos em suas expressões. Paulo, apóstolo, escreveu na Carta aos Filipenses uma expressão bem dentro do mesmo conceito, quando exprimiu: "Meu Deus, suprirá todas as vossas necessitadas segundo as suas riquezas na glória e em Cristo Jesus". É então, esse Salmo, um cântico de confiança numa linguagem simples, é verdade, ímpar na beleza literária, e rico nos seus conceitos e nas lições espirituais.

O PASTOR

Quem é o Pastor? Façamos uma exposição versículo por versículo. O primeiro versículo diz, "O Senhor é o meu pastor; nada me faltará". A imagem do pastor é muito encontrada na Escritura Sagrada, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. Largamente utilizada foi essa palavra nos livros proféticos.. Os Salmos, também, têm uso abundante da imagem do pastor, e o próprio Jesus Cristo disse sobre si próprio, "Eu sou o bom pastor". O pastor do Salmo 23 é Jesus Cristo, sem dúvida alguma, e disse que daria Sua vida pelas Suas ovelhas.

O texto diz, "nada me faltará". A verdade é que ninguém precisa estar perdido no meio da multidão quando o Senhor é o nosso pastor. Nós temos a segurança da Sua palavra; nós temos a segurança da Sua presença e do Seu poder, seja na vida secular ou na espiritual, se é que alguém pode separar do cristão a vida secular da espiritual. E Davi mostra que esse pastor resolve, completa e definitivamente, o problema do enfado, do cansaço; dando novas provisões de força, bem como dá solução às necessidades físicas de abrigo e de alimentação. Diz o Salmo 37, "Eu fui moço, e agora sou velho; mas nunca vi desamparado o justo, nem a sua descendência a mendigar o pão". E melhor do que qualquer psicoterapeuta, psicólogo ou psicanalista; ele elimina o temor, a falta de significado na vida. E sabem o que mais? "Nada me faltará", diz o texto. Porque nós temos dois excelentes guarda-costas, especialíssimos guarda-costas nominados no final do Salmo; a Bondade e a Misericórdia que nos perseguirão todos os dias da nossa vida. E temos também um destino santo que é, habitar na Sua casa por toda a eternidade.

O SEGREDO DA VIDA

"Nada me faltará", porque o segredo da vida espiritual, o segredo da vida cristã é o que Ele, Cristo, faz em nós; o que Ele faz através de nós; e o que Ele faz e fez para nós. Então, se "nada me faltará", por que a ansiedade? Por que a preocupação? As palavras de Jesus Cristo nos dão tanta serenidade, porque Ele diz:

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"Não estejais ansiosos quanto à vossa vida pelo que haveis de comer; ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que o vestuário? Olhai para as aves dos céus que não semeiam, nem ceifam, nem ajuntam em celeiros e vosso Pai Celestial as alimenta. Não valeis vós muito mais do que elas? Portanto, não vos inquieteis dizendo: O que havemos de comer; ou o que havemos de beber; ou com o que nos havemos de vestir. Mas buscai primeiro Seu Reino e a Sua Justiça e todas essas coisas vos serão acrescentadas".

Então, por que se afastar do Pastor de nossas vidas e buscar outros pastos que julgamos até mais verdejantes? Chegamos, assim, ao verso dois "Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranqüilas". Temos aqui duas novas promessas: a de descanso e a de paz. E Ele vos conduz dia a dia às fontes daquilo que nós necessitamos. Mas, vamos lembrar algo. Vamos lembrar que até chegar a esses verdes pastos, a ovelha precisa caminhar muito; não é sair de casa e logo se chega ao pasto, não. Há que andar dias e dias, quilômetros e quilômetros buscando água, sombra, pasto e proteção. Indefesa diante das feras e dos ladrões, a ovelha, no entanto, não está só, porque a Bíblia declara: "Guia-me mansamente". Há um detalhe também aqui. Estamos lendo a respeito de uma paisagem bucólica e romântica. Mas, a vida das ovelhas não é assim. Talvez em uma situação destas, muita gente quisesse ser leão, ou tigre, ou um cavalo selvagem, fogoso, ou, mesmo, um pássaro livre para voar. Mas, ser ovelha?! Parece que são todas iguais?! Esse Salmo nada tem de romântico. Ele fala de perigos, de dificuldades, de penhascos, há pesares, mas, também do Senhor que guia mansamente, e Ele não leva a águas paradas, estagnadas, infectadas, não! Ele leva a águas serenas, calmas, a águas de repouso, de descanso, de satisfação.

E caímos na segunda promessa, no verso três, "Refrigera a minha alma; guia-me nas veredas da justiça, por amor do seu nome". Mais duas promessas: saúde e orientação. Quem escreveu este Salmo foi Davi, o Rei de Israel, que fora um tremendo pecador. Todos conhecem a sua história com Batseba (Betsabá). Diz a Bíblia que ele, cobiçara a esposa de um dos seus oficiais superiores. Urias era o seu nome. Com ela, adulterou, e por ela, tornou-se mandante de um assassinato. Davi viveu uma horrorosa miséria moral, e uma ainda mais tremenda miséria espiritual. Aliás, não podemos separar uma da outra, não. Mas ele se arrependeu. E quando isso aconteceu, ele expressou o seu arrependimento e o seu pedido de perdão no Salmo 51, dizendo:

"Compadece-te de mim, ó Deus, segundo a tua benignidade; apaga as minhas transgressões, segundo a multidão das tuas misericórdias. Lava-me completamente da minha iniquidade, e purifica-me do meu pecado. Pois eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim".

E foi perdoado por Deus; e foi purificado; e foi resgatado, e, agora, escreve o Salmo 23. Ao escrevê-lo, declara que o Senhor restaura, renova e dá refrigério. E realmente, "refrigera a minha alma" é o mesmo que dizer: restaura minha

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vida; refaz o meu ser.. Quem sabe você necessita ser curado, igualmente, de problemas íntimos tão sérios, de pecados desconhecidos dos outros mas muito diante dos seus olhos, como Davi também tinha o seu pecado diante dos olhos e confessou o seu próprio pecado.

Então observe esse outro, "guia-me nas veredas da justiça". Sabe qual é a nossa maior necessidade? É conhecer a vontade de Deus. E esse "guia-me nas veredas", é completamente diferente do verso 2 que diz "guia-me mansamente". Porque se nos desviarmos da Sua vontade, Ele nos traz de volta. Essa é a razão porque os pastores usavam, como ainda hoje os pastores bascos, um cajado que tem uma ponta curva como um cabo de guarda-chuva. Na outra ponta há um aguilhão de metal. Esse bastão funciona como três coisas: com a ponta curva, se a ovelha cair num buraco, ele a puxa para cima; mas se começar a se desviar do grupo (não é uma vereda? se cair para o lado vai para o despenhadeiro), ele toca de leve e ela volta para o lugar; com a ponta de ferro, ele espanta o lobo. Aí temos a restauração por amor do Seu Nome. Apesar de em português ser o mesmo verbo, o primeiro é uma direção devagarinho, é uma direção calma, é uma direção mansa, mas, o segundo é um pouquinho diferente. O verbo no original da língua hebraica significa um pouco mais, significa até colocar um pouquinho mais de pressão para que volte a ovelha para o caminho da justiça. Não é aquele toquezinho de leve com o bastão, não, talvez seja colocar o bastão do lado e empurrar para refazer o caminho da justiça, porque, se nos desviarmos da sua vontade ele nos traz de volta. E chegamos à Palavra Santa. E a palavra diz assim: "Confirmados pelo Senhor são os passos do homem em cujo caminho ele se deleita, ainda que caia não ficará prostrado; pois o Senhor lhe segura a mão." É a restauração por amor do seu nome.

O VALE SOMBRIO

Vamos ao verso 4,

"Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam".

Aqui nós temos coragem e conforto; coragem e consolação. Essa expressão: "vale da sombra da morte", era uma expressão coloquial para os hebreus antigos e para nós. Nos Estados Unidos há um deserto chamado Vale da Sombra da Morte. Quase não tem vida. Com respeito aos hebreus, todos tinham conhecimento de um trecho da estrada entre Jerusalém e o Mar Morto, no sul da Palestina. Estamos falando de três mil anos atrás, quando esse Salmo foi escrito. Era um trecho tremendamente perigoso, por isso, era chamado de vale da sombra, como apelido. Era o vale da sombra da morte, era o vale da profunda escuridão, significado também, da expressão sombra da morte, proximidade da morte.

Amados, há quem não goste, não tolere. Há quem não suporte falar em morte. Talvez alguém esteja agora, começando a se inquietar com esse assunto. Há quem fale com muita naturalidade sobre a morte. E não são os donos ou gerentes das casas funerárias, não. E nem são os coveiros lá do Jardim da

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Saudade ou do Campo Santo, não. Tomas Mann, ele disse: "Sem a morte haveria muito poucos poetas na terra". Pois é, filósofos, cantores, musicistas se expressaram sobre esse evento, sobre esse fato na natureza humana e ninguém ignora ou contesta que morrer faz parte do processo da vida.

O cristão tem tudo para ser natural diante da morte. Até comemoramos, ao lado do nascimento de Jesus, o Natal, a Sua morte na Ceia Memorial. Mas, a morte nos incomoda, não é? Por quê? Um irmão de nossa igreja passou por experiência desse tipo; quase nos disse adeus. Ninguém desconhece isso, nem ele que é médico, ele sabe da depressão pela qual passou, e um médico nos informou isso mesmo: cirurgia de ponte de safena traz um processo de depressão logo em seguida. Por que razão não gostamos de falar nesse assunto?

Há muitas opiniões sobre a vida após a morte. Aliás, será conveniente trocar a expressão para "vida após a vida". Os arqueólogos têm encontrado túmulos com dois mil; dois mil e quinhentos; três mil; quatro mil anos. Túmulos onde havia restos de comida, bebida, armas, roupas, carruagens e até escravos, que foram ali colocados vivos para servir aquele nobre, aquele faraó, aquele rei no outro mundo. Até os primitivos falam sobre a vida após a vida. E há um resquício dessa idéia primitivíssima em certas correntes ditas até como ciência que acreditam que os espíritos dos falecidos vagueiam pelo ambiente dos vivos, interferindo até nas suas vidas.

O fato é que há em nós, em todos nós, um tremendo instinto de sobrevivência pessoal, por uma básica razão: é que nós não fomos criados para a morte; e sim para viver! A morte então, é um acidente num tremendo incidente que se chama "a Queda". É uma expressão da teologia para mostrar como toda a humanidade está ligada de um modo único ao representante federal nosso que é o primeiro pai, Adão. E a Bíblia não esconde, e chega a dizer com muita clareza: "O salário do pecado é a morte", mas, completa pela misericórdia de Deus, "que o dom gratuito de Deus é a vida; a vida eterna em Cristo Jesus nosso Senhor". Sim, nós amamos a vida! Todos nós amamos e prezamos e valorizamos tremendamente a vida! Nosso Deus é o Deus da vida. Ele é chamado na Escritura de o Deus Vivo. É o Deus que ama a vida e por isso, ele nos sustenta nesta vida e dá-nos a eternidade para a vindoura.

INFORMAÇÕES SOBRE A VIDA APÓS A VIDA

São difíceis as informações sobre a vida após está vida, porque quem conhece bem o assunto não voltou para contar. No entanto, temos no maior best seller do mundo, a Bíblia Sagrada, promessas gloriosíssimas sobre a vida após esta vida. Aqui estão para o nosso conforto. Por exemplo, em Mateus há uma palavra de Jesus que diz:

"Dirá o rei no juízo aos que estiverem a sua direita: Vinde benditos do meu pai; possui por herança o reino que vos está preparado desta fundação do mundo".

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Que promessa extraordinária! Ou, ainda, esta outra que também vem dos lábios do Senhor,

"Quem crê no filho tem a vida eterna; o que porém desobedece ao filho", [você está levando Jesus a sério?] "O que desobedece ao filho não verá a vida; mas, sobre ele permanece a ira de Deus".

Você está levando Jesus Cristo a sério? Querem ver outra? "Eu vivo; e vós vivereis". E poderíamos continuar pelo resto da manhã mostrando textos e textos, promessas e promessas, profecias e mais profecias sobre a vida depois desta vida.

Jesus Cristo nos trouxe uma palavra tão clara, e essa palavra tão clara diz que

"As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu as conheço; e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna, e jamais perecerão e ninguém as arrebatará da minha mão".

E ele também, ainda disse essa outra, "Que todo aquele que vê o Filho e crê nele tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia". Pois é, Jesus , o doador da vida eterna; Jesus, a fonte da vida; o pão da vida; a água da vida.

Mas, há que não tema a morte? Creio que sim. A Segunda Guerra Mundial trouxe ao cenário bélico uns idealistas com um misto de fanatismo, e eles não temem a morte.

Aqueles que amarram bombas no corpo e entrando numa loja ou num mercado público de modo que muita gente morre com aquela pessoa, que morreu por esse ideal, eles não tinham medo de morrer, não.

Eram os pilotos kamicaze, eles eram jovens oficiais, pilotos japoneses que tendo transformado o avião transformado em uma bomba, e iam pilotando diretamente para o alvo, um porta-aviões, por exemplo; para que não se perdesse nenhuma dessas bombas.

E aqueles homens que dirigem carros bomba, são islamitas, são muçulmanos da linha xiita. Que também, eles não temem a morte.

Há aqueles que são plenamente realizados e justificados por Deus. Um excelente exemplo é o do patriarca Abraão. Diz a Escritura Sagrada a respeito de Abraão o seguinte, "Abraão expirou, morrendo em boa velhice; velho e cheio de dias e foi congregado ao seu povo". Foi o caso também de Simeão. Quando viu Jesus nenenzinho no templo pata sua apresentação, Simeão agradecido orou dizendo que agora o Senhor já podia levá-lo com as seguintes palavras, "despedes em paz o teu servo, pois os meus olhos já viram a tua salvação".

Há os que foram e voltaram. A revista Vinde trouxe há algum tempo uma reportagem sobre o tema da ressuscitação, tendo dado à matéria o título seguinte: Quando o céu pode esperar. Foi quase o título de um filme a respeito da reencarnação, doutrina intranqüila, e que não se encontra na Bíblia Sagrada. O jornalista falou do Pastor João de Oliveira, que em 1966, em Pindamonhangaba, São Paulo, foi declarado morto e voltou; Dona Luzanira Barbosa, em Maceió, em 1974; um médico, ou seja, um homem de ciência, o Dr. Joannis Garakis, em

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Brasília, em 1986; Dona Hortência Conceição dos Santos, em São Gonçalo, em 1990; o administrador de empresas Renato Liro, no Rio; e também um outro, filho da nossa igreja, a Igreja Batista Sião, o Dr. Samuel Figueira, por duas vezes em 1949 e em 1964. Hoje, aprouve a Deus levá-lo de vez depois de ele ter percebido que acontecia do outro lado.

Todos acharam e acham dificuldade em exprimir o inexprimível. Exatamente como o apóstolo Paulo quando 1Coríntios 2.9 disse "As coisas que olhos não viram, nem ouvidos ouviram, nem penetraram o coração do homem; são as que Deus preparou para os que os amam". Nesse mesmo sentido, o apóstolo Paulo declarou em seguida que fora arrebatado ao Paraíso, tendo ouvido palavras inefáveis, as quais não é lícito ao homem referir (cf. 2Co 12.4). Mas todos têm a santa capacidade de exclamar com o apóstolo Paulo dizendo o seguinte, "Onde está ó morte a tua vitória, onde está ó morte o teu aguilhão; mas, graças a Deus que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo". E mesmo Jó, no Antigo Testamento, também disse: "Eu sei que o meu Redentor vive e que por fim se levantará sobre a terra e depois de consumida esta minha pele, então, fora da minha carme eu verei a Deus".

Como temos passado pelo vale sombrio e frio do desânimo, da tristeza, da dor, da necessidade, da doença incurável, do paciente terminal da sombra da morte! No entanto, pela presença do Bom Pastor esse vale se torna esplendidamente iluminado e o senso de absoluta e perfeita segurança, bem como o senso de objetivo, de propósito, de finalidade, de destino, se apresenta com tanta definição!

No verso 5, mais duas promessas: de proteção e de provisão. E o verso cinco diz: "Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos; ungis com óleo a minha cabeça, o meu cálice trasborda".

A primeira figura, foi a de um pastor que protege, guia, cuida e orienta a ovelha. Agora, eu temos uma outra imagem, a de um acampamento de beduínos, de pastores, naquelas planícies do Oriente Médio, armaram suas tendas, e já caindo a noite, ou mesmo no sol inclemente do meio dia, um viajante aparece naquele acampamento. E então, um dos beduínos, recebe o viajante, e o coloca casa, e não permite que um fio de cabelo de seu hóspede seja tocado. Até hoje, ainda é assim. Se alguém vai ao Oriente próximo, descobre que a hospitalidade é uma verdade ali entre eles. A escassa água é tornada disponível para a ablução, para que ele lave o rosto, para que lave as mãos, para que os pés sejam também lavados. O perfume vem em forma de um óleo, que aliás, é símbolo de alegria festiva na Bíblia, de cura. E a proteção, a imunidade contra os inimigos é garantida. Se o caso for, o hospedeiro chega a ponto de perder a vida para resguardar a do seu hóspede na tenda. Ele é muito bem recebido e é isso que diz a expressão, "Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos; unge com óleo a minha cabeça e meu cálice trasborda".

Mas, quem são esses inimigos? O primeiro grande inimigo é Satanás, o inimigo das nossas almas, atazanando a vida do crente por todos os lados com

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enfermidades, impiedade alheia e com perturbação. São pessoas que oprimem, são os que se levantam contra Deus, é a família iníqua, são os injustos.

Outro inimigo é a ansiedade, é o medo da morte, é o medo do futuro.

Mas, sabem quem é o último inimigo nosso? É a morte. Está em 1Coríntios 15.26: "O último inimigo a ser destruído é a morte". Mas nós temos proteção e provisão bem definidas da parte do Senhor.

E no verso 6, "Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do Senhor por longos dias". Que coisa maravilhosa, porque temos tudo o que foi dito acima e o céu também! Temos amor e vida! Foi dito no começo que temos dois guarda-costas especiais, a bondade e a misericórdia. O texto sagrado diz, "me seguirão", no original, porém, a palavra é "perseguir". Os inimigos perseguem, mas, a bondade e a misericórdia nos seguem bem de perto, isto é, somos perseguidos. É exatamente o que o autor quis colocar, nós temos bondade, tov, e temos a misericórdia, hesed. Que lindas palavras na língua hebraica. Tov, é de onde vem o nome próprio Tobias, que quer dizer, "Deus é bom". E, na verdade, Davi quer falar de algo que sobrepuja toda a nossa compreensão. Ele quer falar da paz de Deus que excede todo o entendimento. E como não encontra palavras para falar da eternidade, ele declara: "Habitarei na casa do Senhor por longos dias".

Se Enoque e Elias foram arrebatados pelo Senhor, porque não seremos levados com alegria no rosto e serenidade no coração à presença do Pai quando chegar a hora da nossa morte? E Jesus não falou sobre isso? E não contou Ele a história do rico e do Lázaro em Lucas 16.22?

"Aconteceu morrer o mendigo e ser levado pelos anjos para o seio de Abraão; morreu também o rico, e foi sepultado".

"Levado pelos anjos", que outra promessa extraordinária na palavra de Deus... Jesus não disse nessa história que o mendigo foi levado pelos anjos, arrebatado pelos anjos para o seio de Abraão? Paulo não menciona isso, o arrebatamento, em 1Tessalonicenses 4.17? Pois é, bondade e misericórdia, tov e hesed. Aliás, essa palavrinha é, até, mais que só misericórdia, porque ela é lealdade, a lealdade de Deus, é bondade, é salvação, é a fidelidade do Pai, é a justiça, é a verdade. E a fidelidade de Deus está aí, até cantamos, "Tu es fiel Senhor, meu Pai celeste". Por isso que emoções e sentimentos perturbados serão acalmados pelo Senhor, temor, pavor, espanto, medo, serão tranqüilizados por Deus e perdão sempre "e habitarei na casa do Senhor".

Estamos falando de segurança, de segurança para a vida eterna. E Jesus disse, "Na casa de meu pai há muitas moradas; senão fosse assim eu vo-lo teria tido". E agora, ele assegura, "Vou prepara-vos lugar". Nós estamos falando de segurança eterna, de segurança verdadeira, porque nada nos arrebatará da mão de Jesus, porque nós somos parte da casa do Senhor, da família de Deus.

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Vou lhe dizer o que fazer, e vou fazê-lo com a palavra de Deus. Nós vamos encerrar, mas, o amigo já observou que houve um uso constante da primeira pessoa do singular? Porque esse é um Salmo pessoal, esse é um Salmo para você recitar: "O Senhor é o meu pastor". O Senhor é o seu pastor? Você tem certeza de que nada vai lhe faltar?

Que é que você pode fazer para ter este Bom Pastor na sua vida? A primeira coisa é ter fé. Creia que só Jesus Cristo pode lhe dar soluções. Confesse a Jesus como seu Salvador. E a ênfase é no Deus que conhece a cada um de nós, é no Deus que conhece a você, porque você não é um anônimo diante de Deus. É o Deus que cuida de você, é o Deus que busca ajudá-lo e você acabou de conhecer o Salmo do Pastor comentado por este pastor. Mas, conhece o Pastor deste Salmo e de todo o rebanho de Deus? Que pode você fazer para ter este bom Pastor na sua vida? E eu vejo que Jesus coloca tudo na base da fé, da confiança, na fé-adesão, na fé-compromisso com ele. Você precisa, então, crer. Essa é a primeira coisa, fé.

Você precisa confessar, confessar a Jesus Cristo, o passado, o seu pecado, deixá-lo para trás e obedecer-Lhe e andar com Ele. E este pastor extraordinário lhe oferece provisões abundantíssimas porque Ele faz a vida transbordar. Nós temos o Seu óleo, nós temos a Sua unção, nós temos a Sua bênção, a Sua revelação, as Suas visões, a visão do céu, a visão de Deus, a visão da eternidade, a visão do mais além, a visão da vida após esta vida. Portanto, creia, confesse, e obedeça. E eu gostaria de ler este poema que está na capa do boletim porque ele diz o seguinte:

O Senhor mostrou-me a vida verdadeira,mudou meu modo de ser, minha maneira de vivere fez-me enxergar bem clara a vidae na fonte do amor sua jazida fez-me encontrar o tesouro imperecível que as traças não destroem o combustível para a minha viagem rumo ao céu.

Hoje, louvo ao Senhor, meu Pai, meu Deus que me disse que eu era um ramo de Sua vinha.Nesta hora a minha alma se aninha nos braços do Senhor, sou filha sua; e vivo em torno dele como a lua que vira sempre em redor do sol. Jesus é o meu guia, o meu farol, com a Sua luz ilumino, me projeto sem direção, eu alcanço rumo certo, pois, sigo o meu Jesus que é meu caminho.

Na Sua paz, busco fazer o meu ninho, um dia assumirei o viver sã,um dia cantarei também um canto feito de paz, de amor, e de alegria. Eu quero agora, ser oferta,

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colocar-me no altar do Senhor, falar-me do meu imenso amor e abandonar-me humildemente em Suas mãos.

Acolhei e ajudai os meus irmãos a seguir os passos Santos de Jesus, a assumir com muito amor a minha cruz até chegar ao alto do Calvário. Até que ao pé do santuário eu deposite a minha vida, o meu ser,e diga ao Pai: Valeu a pena o meu viver. Amém.

OS LEVITASProfessor Antony Steff Gilson de Oliveira

"Nesse tempo o Senhor separou a tribo de Levi para levar a arca da aliança do Senhor, para o servir, e para abençoar em seu nome..." (Dt 10.8)

Levitas eram os membros da tribo de Levi, terceiro filho do patriarca Jacó. Formavam uma tribo separada, sem território, sem herança terrena porque gozavam do alto privilégio de ter o Senhor como seu quinhão, sua posse (Dt 10.9). Era a tribo dos sacerdotes (cohanim), descendentes de Arão, por sua vez descendente de Levi (Ex 29.44; Nm 3.10). Isso quer dizer que todo sacerdote (cohen) era levita levi), mas nem todo levita era sacerdote (Nm 3.6s).

Os levitas (leviim) tinham, entre outros privilégios: · servir no santuário (Nm 3.6; 1Cr 15.2) ajudando nos sacrifícios (Jr 33.18,22), na recepção de oráculos (Nm 3.38; 2Rs 12.9ss;· transportar a arca da aliança (aron haberith);· a responsabilidade do ensino da lei (Dt 31.9; 22.10);· autoridade para abençoar. Grande privilégio pela associação como o Nome de Deus (Nm 6.27).

Gozavam os levitas de alto prestígio, de elevada estima aos olhos do Senhor a ponto de lhes ser dito pelo Senhor, "... os levitas serão meus" (Nm 8.14b). Por esse motivo, no deserto, quando da apostasia do povo de Deus, os levitas puniram os apóstatas (Ex 32.25-29).

Deuteronômio 10.8 resume o ministério levítico, e nos aponta de modo sugestivo um plano de trabalho para nós mesmos, levitas da Nova Aliança: levar a arca da aliança, estar diante do Senhor e abençoar em Seu Nome.

LEVAR A ARCA DA ALIANÇA

O relato do Antigo Testamento dá uma descrição da arca (Ex 25.10ss). Era uma caixa de madeira de acácia medindo 1,40m x 0,84 cm x 0,84 cm, coberta

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de ouro e com uma tampa de ouro e com um tampo de ouro chamado de "propiciatório", em hebraico kapporeth (Ex 25.17, 21; 26.34).

Na arca, três objetos que eram testemunhos da relação de Deus com Seu povo:· As duas tábuas de pedra onde se achava "escrita a aliança de Deus com o povo" (Ex 24.12; 25.16, 21; 40.20; Dt 10.1-5). Era lembrança do pacto de Deus com os filhos de Jacó, símbolo de direção permanente da parte divina;· O pote de maná que recordava ao povo o cuidado e o sustento que vinham da parte de Deus no deserto (Ex 16.14ss; Hb 9.4, 5). Era uma metáfora concreta do alimento permanente vindo de Deus;· O bastão (vara) de Arão (Nm 17.10) que floresceu como prova da sua divina indicação para ser Sumo-sacerdote (cf. v.8). É sinal de apoio permanente pelo Senhor.

A arca era um ponto catalizador dos doze tribos de Israel; o lugar de encontro no Santo dos Santos, onde o Senhor revelava Sua vontade aos Seus servos. Sinal visível e símbolo da presença de Deus entre o povo (1Sm 4-6; 2Sm 6; 1Rs 8; cf. 1Sm 4.7,22; Nm 10 35; 1Rs 8.11). Era o próprio trono de Deus.

Reputada como a "glória de Israel" (1Sm 4.21,22), santificava o lugar onde repousava (2Cr 8.11). Por esse motivo, quando a notícia de que havia sido tomada pelos filisteus chegou ao povo de Deus, a nora de Eli, o sacerdote, exclamou: "De Israel se foi a glória!" (1Sm 4.21).Pois uma das funções levíticas era transportar a arca, o que foi desempenhado até Ter sido levada definitivamente para Jerusalém (1Cr 16.1), ocasião quando dita função foi transformada em ministério de serviço e de louvor (1Cr 23.25-32).

Que lição tiramos para nós, os levitas de hoje? A de que para levar a arca é preciso ser escolhido. Outra importante lição é que se temos de levar a arca, temos que desempenhar esta obrigação de modo incansável, sacrificial, corajoso até. Afinal, a arca da aliança é um tipo de Jesus Cristo, segundo Apocalipse 11.19.

ESTAR DIANTE DO SENHOR

Uma explicação mais detalhada está em Números 3.6-8, onde se percebe que "estar diante de..." é o mesmo que "dar assistência, servir".

"Estar diante do Senhor" tem a ver com consagração. O Novo Testamento ensina que os filhos de Deus somos constrangidos pelo amor a viver para o Senhor que morreu e ressuscitou por nós (2Co 5.14). A base dessa consagração é o amor, e não pode haver consagração se não se sentir o amor do Senhor, e se não se amor o Senhor.

O povo de Israel fora escolhido, mas só a tribo de Levi foi separada para ser a tribo de sacerdotes. Consagração na Antiga Aliança era algo exclusivo. Hoje, na dispensação da raça, todos somos sacerdotes, levitas, portanto (Ap 1.5, 6). Watchman Nee escreveu como oração:

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Ó Senhor, Sendo amado, que mais posso eu fazerAlém de me separar de todas as coisasPara poder servir-Te?

Daqui em diante,Ninguém poderá usar minhas mãos, ou pés,Ou boca, ou ouvidos;Pois estas minhas mãosSão para fazer as Tuas obras,Meus dois pés para andar em Teu Caminho,Minha boca para cantar os Teus louvores,E meus ouvidos para ouvir a Tua voz".

A consagração visa a servir a Deus, como o faziam os levitas que tinham a função de "estar diante do Senhor". Quando nos tornamos crentes em Cristo, assumimos o compromisso o compromisso de servir a Deus por toda a vida. Um médico que é salvo pelo sangue de Jesus coloca a medicina em segundo lugar, pois para o primeiro lugar vai Jesus, seu Salvador. O mesmo com o comerciante, o soldado ou o bancário. Assim aconteceu com os primeiros discípulos: Mateus era fiscal de rendas; Pedro, André, Tiago e João eram pescadores que para "estar diante do Senhor" deixaram suas vocações para segundo plano.

Para 'estar diante do Senhor" é preciso ser (2Cr 29.11). "Não sejais negligentes" diz este texto. Isso faz lembrar Samuel Brengle: "A santidade não tem pernas e não pode andar de um lado para outro visitante os preguiçosos". E continua lembrando que há dois empecilhos práticos à santidade: consagração imperfeita e fé imperfeita.

Realmente a nada leva a consagração pela metade, a consagração parcial, a consagração às vezes, talvez, pode-ser, domingo-sim-domingo-não, semana-sim-semana-não. A nada leva a fé mais-ou-menos, a fé desde-que, até-certo-ponto, limitada, nem-sempre, com ressalvas.

PARA ABENÇOAR EM SEU NOME

A história da bênção é antiga. Já a encontramos nos primeiros momentos da Criação (Gn 1.27, 28; 2.3). Abraão foi abençoado por Deus para ser uma bênção para o mundo (Gn 12.1-3).

O texto de Deuteronômio fala da função levítica de abençoar em nome de Deus. Ora, aprendemos com a Escritura que abençoar em nome de alguém é falar em seu nome. Por essa razão há de haver cuidado com a bênção dada levianamente e sem discernimento (cf. Ex 20.7). Excelente exemplo de abençoar em Nome do Senhor está em 2Samuel 6.18, quando a arca da aliança foi trazida da casa de Abinadabe (em Quiriate-Jearim) e a levaram para Jerusalém conquistada por Davi.

Há bênçãos belíssimas:DE PARA REFERÊNCIA

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De Isaque Para Jacó - Referência Gn 27.27-29De Jacó Para filhos - Referência Gn 49.1-28De Moisés Para povo de Israel - Referência Dt 33De Sacerdotes Para Povo de Israel - Referência Nm 6.24-27De Jacó Para José (em seus filhos) - Referência Gn 48.`15,16O Salmo 128

De Jesus Para crianças - Referência Mc 10.14, 16

Na imensa maioria, destaca-se a marca do Nome do Senhor, ou seja, Seu caráter, Sua personalidade e Seu poder. A vontade de Deus é colocada sobre aquele por quem se orar, pois que o Nome do Senhor protege e abençoa (Nm 6.27). Não é uma simples palavra, pois "Eu-Sou-O-Que-Sou", ou seja, "Eu-Não-Mudo" (cf. Pv 18.10).

Há que tomar em consideração um importante fato: para abençoar é preciso ser uma bênção.

Em Números 16.9, a grande pergunta do Senhor é : "Acaso é pouco vós que o Deus de Israel vos tenha separado... para vos fazer chegar a si...?" Os levitas da Nova Aliança vivemos na disposição de continuar levando a arca, pois para tanto formos escolhidos; de lembrar ao povo a direção permanente de Deus; de recordar ao povo o pão dos céus, Jesus Cristo, o maná vivo; de ressaltar o apoio permanente no cajado de Arão agora brotando em Cristo Jesus. Vivemos, os levitas, na santa disposição de estar diante do Senhor, ou seja, de consagração contínua, efetiva, real, verdadeira baseada no amor, na disposição de ser. Vivemos na sagrada determinação de abençoar em Seu Nome, e para isso temos que ser uma bênção.

"... POUCO MENOR DO QUE DEUS"Refletindo Sobre O Salmo 8 Professor Antony Steff Gilson de Oliveira

Um dos mais conhecidos e apreciados hinos da palavra de Deus. Marcante nas suas expressões, responde a duas perguntas: "Quem é Deus?" e "que é o ser humano.

Começa e termina com a mesma expressão: "Ó Senhor, Senhor nosso, quão admirável é o teu nome em toda a terra", que está no começo do primeiro versículo e em todo o verso final.

É significativo que assim aconteça para que não esqueçamos que este hino não está exaltando o ser humano, apesar de perguntar: "Que é o homem mortal para que te lembres dele?" Exalta, sim, o nosso Deus.

Como referido, o Salmo responde a duas perguntas: Quem é Deus e quem é o ser humano. Vejamos inicialmente a resposta a esta última pergunta.

"POUCO MENOR DO QUE DEUS"

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Examinemos o verso 4:

"Que é o homem mortal para que te lembres dele; o filho do homem para que o visites?

É uma pergunta cheia de assombro, até porque os versos anteriores falaram das maravilhas do universo, do céus, do espaço, das estrelas, dos planetas, da obra criadora de Deus.

Depois de olhar para o céu estrelado e se maravilhar com sua beleza, pergunta o salmista, "à luz de tudo o que foi dito acima, coitado do ser humano, quem é ele? Que é o ser humano?"

A verdade é que somos apenas uma poeira, menos que um grãozinho de poeira. No espaço todo, o planeta Terra é um grãozinho ao redor de uma estrela de quinta grandeza, e nós, seres humanos, apenas uma minúscula partícula de um grão de poeira. É de admirar, portanto, que apesar de tudo isso, Deus concedeu a cada um capacidades maravilhosas.

A pergunta como foi traduzida pode dar idéia "Que é o homem?" (mas a mulher, não). E não é essa a pergunta. O original em hebraico pergunta "Que é o ser humano? A propósito, tanto faz dizer "o homem" quanto "o filho do homem", expressões que querem significar a mesma realidade. Mas não fala do homem masculino. As palavras que aqui estão são 'enosh e 'adam (ben 'adam), de onde veio o nome Adão. Ambas querem dizer "ser humano" ou "humanidade". A palavra em hebraico é 'enosh, pessoa humana, ser humano. Assim, "Que é a pessoa humana para que Deus olhe para ela com tanto carinho?" Que é a pessoa humana para que Deus olhe com tanta atenção, dela se lembre e a visite?" A resposta é dada no próprio Salmo. Está no verso 5, onde é dito que o ser humano foi criado "pouco menor do que Deus". Essa última expressão significa que nossa criação trouxe-nos uma condição muito especial.

Algumas Bíblias trazem a tradução, "Pouco menor que os anjos o criaste". Afinal, o ser humano foi criado "pouco menor que os anjos" ou "pouco menor do que Deus"? A Bíblia hebraica menciona a palavra "Deus". Ali está 'Elohim, plural de majestade para Deus. Para se traduzir "anjos", deveria ser malachim, palavra parecida, mas não igual. 'Elohim é o plural de 'Eloah, idêntica a 'El, significando ambas "Deus"; malachim é a forma plural de malach, que significa "mensageiro, portador" e que se traduz como "anjo", transliterado do grego aggelos e quer dizer o mesmo: "mensageiro, estafeta", ou "portador".

Traduções que falam em "pouco menor que os anjos" refletem a primeira tradução da Bíblia hebraica para outra língua, neste caso, a grega. Isso ocorreu para que os judeus que habitavam no norte da África, e já não mais falavam hebraico e aramaico, pudessem ler o Tanach (o Antigo Testamento). Os tradutores acharam que era uma irreverência usar a expressão "pouco menor do que Deus", e utilizaram essa alternativa não encontrada no original.

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Interessante que no Novo Testamento está dito que os anjos são servidores da pessoa humana, colocados à disposição dos salvos por Deus para que ministrassem. Está em 1.13, 14: "A qual dos anjos disse jamais: Assenta-te à minha destra até que ponha os teus inimigos por estrado dos teus pés? Não são todos eles espíritos ministradores, enviados para servir a favor dos que hão de herdar a salvação?"

Há, mesmo, uma ordem: Deus ('Elohim), em seguida, O Ser Humano ('enosh e ben 'adam), e abaixo de nós, para servir a Deus e para nos servir Os Anjos, os malachim.

DEUS > O SER HUMANO > OS ANJOS

A pergunta fica então "Que é a pessoa humana para que lembres dela?" Nada é. Inspirado pelo Espírito, o salmista coloca algumas qualidades concedidas por Deus:

A pessoa humana foi criada um pouco abaixo dEle (v. 5a). Que extraordinária grandeza nesse grão de poeira que somos nós! Dizem os biólogos que somos formados de 70% de água. O restante é pele, fibras musculares, ossos, cabelos unhas. Se pudéssemos pegar alguém e colocar numa centrífuga, encheríamos um balde com a água extraída. Só água. Por isso, não podemos entender como pode haver tanta água orgulhosa, vaidosa, ciumenta, cheia de jactância.

Mas diz a Escritura que fomos criados um "pouco menor do que Deus" (v. 5). Se assim é, alguma coisa aconteceu que nos fez perder essa qualidade. Esse fato é denominado a Queda, e está relatado em Gênesis, capítulo 3.

É muita dignidade, mas há quem não pense nisso. Como há quem se degrade a ponto de não ter qualquer sentido na vida, ela perde o significado? Como alguém não pode se compreender imagem e semelhança de Deus e não se ver criada com amor e carinho, e como uma obra especial de Deus porque imagem e semelhança de Deus?O Salmo 8 responde quem é o ser humano: aquele que foi criado imagem e semelhança de Deus.

Nossos primeiros pais foram criados com dignidade e receberam a incumbência de serem gerentes da Terra, pois Adão fora colocado para lavrar e guardar o jardim (Gn 2.15). Deveriam os pais primevos desenvolver a Terra, mas se rebelaram e perderam esse status. Com isso, fomos arrastados pela Queda. Aliás, o próprio texto do Salmo 8 diz: "Fazes com que ele tenha domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo dos seus pés" (v. 6).

Deus colocou em nossas mãos a administração dos recursos do planeta. Significa que os rios, os lagos, os mares, as dunas, as florestas, tudo deve ser preservado para o benefício do ser humano. Estão prevendo que dentro de mais alguns anos não haverá alimentação para todos. Nossos trinetos e seus filhos vão ter dificuldades. O resto de Mata Atlântica no sul da Bahia está sendo

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devastado de modo terrível. Não estamos gerenciando bem, pois 32 hectares são diariamente derrubados na Floresta Amazônica!

O ser humano é o gerente de Deus na Terra. Cada um de nós é chamado a ser supervisor das coisas que Deus criou. O que se chama de ecologia é o equilíbrio das coisas. A palavra, que vem do grego, é sugestiva. A raiz é oikos, "casa", e de onde procede "economia". Ecologia é o estudo para a preservação da nossa casa, que não outra coisa senão o mundo onde vivemos. Quando não cuidamos da higiene, rebaixa-se a qualidade de vida pela perda da saúde. Recordemos, portanto, que esse "tomar conta" da casa, o gerenciamento dos interesses do planeta nos foi dado pelas mãos de Deus como dizem o Gênesis e o Salmo 8.

Tem mais: "de glória e de honra o coroaste". Na língua de Davi, "glória" é kavod. Na riquíssima língua hebraica, uma palavra significa um universo de coisas. Kavod significa também "peso". O apóstolo Paulo usa a expressão redundante "peso de glória" (2Co 4.17). Ele fez um jogo de palavras com o hebraico falou de "kavod de kavod" ("glória extraordinária"). E esse "peso de glória" foi colocado em nós.

Uma compreensão da sinonímia de "glória" e "peso" nos pode ser dada por uma fotografia que saiu na antiga revista O Cruzeiro. Nela era apresentada uma cena ocorrida no aniversário do rei Aga Khan, da Arábia Saudita. Era um homem enorme. Uma balança fora colocada num tablado. O rei sentou-se num dos pratos e no outro prato, seus súditos colocavam jóias, ouro, pedras, moedas até equivaler o seu peso. O peso do rei era traduzido em jóias e metais preciosos. Uma verdadeira glória essa fabulosa riqueza! Então o rei ordenava que o recolhido fosse destinado às obras sociais. Cada ano isso acontecia. Fica evidente o significado do hebraico.

A Glória de Deus é o peso que Ele tem na nossa vida. Como se perdeu o senso da majestade divina. Deus tem sido minimizado! Perdeu-se o senso de quem Deus é.

"Que é o ser humano?" É criado em glória e honra (v. 5b). Vezes inúmeras essa glória e honra têm sido jogadas no lixo. Não entendemos como uma pessoa pode se degradar a ponto de perder a identidade, quem ele é, e se drogar, beber, e se prejudicar.

E DEUS, QUEM É?

A outra pergunta é "Quem é Deus?" O salmista começa seu hino de louvor com uma expressão, e a repete no final:

"Ó Senhor, Senhor nosso,quão admirável é o teu nome em toda a terra" (vv. 1a, 9)

Que sugestivo! Começou com Deus e terminou com Deus! E ele responde à pergunta sobre A Pessoa divina: Deus é Aquele que tem um Nome admirável. Os deuses do passado tinham nomes estranhos com significados

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mais estranhos, até. Um deus na Babilônia era Shamash, o Sol. Adoravam-no e diziam que era um deus. Uma deusa era Sin, a Lua. Ensinam, mesmo, que o monte Sinai tem este nome porque teria existido ali um antigo santuário a essa deusa. Os filisteus adoravam Dagon, o peixe.

Não sabemos pronunciar o Nome de Deus. Quando Moisés teve uma visão da kavod divina, a Glória de Deus no arbusto que pegava fogo e não se queimava, a "sarça ardente", o brilho de Deus, recebeu a missão de voltar ao Egito, e perguntou, "Quem está me mandando ao Egito?" O Senhor lhe disse: "Eu Sou".

Como é o Nome de Deus que é tão admirável? Diz a Escritura Sagrada que Ele Se apresentou a Moisés e disse que Seu Nome era Eu-Sou-O-Que-Sou. Parece um enigma, uma enorme interrogação: "Eu Sou O Que Sou".

Essa tradução aqui colocada, tem outras possibilidades. No original, aparece o verbo hayah na forma do incompleto. O passado é completo: "Ontem fui à feira" É um ato que já terminou, motivo porque está no completo. "Estou agora no santuário da igreja". Já chegou ao seu fim esse ato? Ainda não; é incompleto. "Amanhã será feriado". É tempo futuro; já chegou? Não; então é incompleto. "Saia daqui!" É uma ordem. Já aconteceu? Não; é incompleto. Isso quer dizer que podemos traduzir o Eu Sou o Que Sou de outras maneiras: "Eu Serei o Que Sou", "Eu Sou o Que Tenho Sido", "Eu Continuo a Ser o Que Sempre Fui". O Nome de Deus tem muitas possibilidades de tradução. Versões mais contemporâneas da Bíblia colocam apenas "Eu Sou o Eterno", que diz tudo.

Podemos chamar a Deus por diversos outros Nomes. Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento utilizam várias designações para falar de Deus. Quando se diz El Elyon, estamos falando do Deus Altíssimo.

Ele é chamado na Bíblia de El Shadday, o Deus Todo-poderoso, também de Javé-jirê, o que Deus que provê as coisas, o Deus que providenciará as coisas, o Deus que tudo vê, El Roeh, Aquele que tudo prevê. Pode ser chamado o Deus da paz, Adonai Shalom.

Poderíamos seguir com outras designações do nosso Deus. Mas uma coisas sabemos: Ele é o que tem o Nome Admirável em toda a terra! Primeira grande lição acerca de Deus é que Ele é o que tem o Nome admirável.

Segunda lição: Ele é o que tem glória, pois ""Puseste a tua glória sobre os céus" (v. 1b). Percebam: Deus é superior ao espaço criado, pois não Se identifica com ele. Há quem pregue que Deus é a substância de todas as coisas. Isso se chama panteísmo. Vê uma linda flor, e diz "A substância dessa flor é Deus"; "a substância do mar é Deus", a substância da nuvem é Deus". Os hindus batem numa árvore e perguntam, "Deus, estás aí?" A Bíblia diz que Deus é superior a tudo o que Ele criou, não é a substância das coisas. Mas tudo é Sua obra:

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"Quando vejo os teus céus, obra dos teus dedos,A lua e as estrelas que preparaste..."

O Sol, a Lua, os planetas, estrelas, cometas, o que eram os deuses dos outros. O nome da deusa-estrela era Ishtar, de onde vem o nome Ester, e da mesma raiz o latim stella e daí "estrela".

Enquanto os povos pensavam que as obras criadas eram deuses, o hebreu declarava a sua fé, esperança e completa dedicação e piedade ao Deus Criador. "Ó Senhor, Senhor nosso, quão admirável é o teu nome em toda a terra..." Só temos que render graças, glória, nossa admiração, reverência e louvor ao Deus que nos criou e sustenta.

Deus é Aquele que é sempre vencedor. Como bem expressa o verso 2:

"Da boca das crianças e dos que mamam tu suscitaste força, por causa dos teus adversários, para fazeres calar o inimigo e vingativo".

Deus é o que sempre vence. Ele é o Deus do paradoxo! Vence com crianças que ainda estão sendo amamentadas! Venceu os egípcios, não porque arregimentou um tremendo exército: apenas o mar se abriu, os hebreus passaram, os egípcios entraram no mar, e o mar se fechou. Nosso Deus é o Deus dos paradoxos.

Quem é Deus? Deus é o Criador, Aquele de Cujas mãos tudo saiu.

"Quando vejo os teus céus, obra dos teus dedos,a lua e as estrelas que preparaste,"

Gênesis 1 é de uma incrível felicidade. Temos uma descrição da obra criadora. A luz, separação entre luz e trevas, o Sol, os mares, a terra, os peixes, os grandes répteis, as aves, mamíferos, animais selvagens e animais do campo, o ser humano. Porém, enquanto alguns olham apenas a obra criadora, que é em si maravilhosa, outros a olham e fazem uma leitura um pouquinho diferente: vêem uma verdadeira batalha dos deuses.

E esta batalha significa que os povos no entorno de Israel (os arameus no Norte, os fenícios no noroeste, os filisteus no sudoeste, os edomitas, os babilônios) tinham os seus deuses e todos estão representados em Gênesis 1, mas apenas como produtos e subprodutos das mãos do Deus Que Tudo Cria. Era o caso dos babilônios e dos egípcios que adoravam o Sol. Na Babilônia era chamavam-no Shamash; no Egito, Rá. Era Sin, a Lua, entre os babilônios, os assírios.

Animais também eram cultuados. No Egito, praticamente o panteão, o elenco dos deuses, era formado por animais: entre outros, o crocodilo, o touro, o gato, o íbis, o chacal, o falcão. Alguns deuses deuses eram representados como tendo o corpo de homem e a cabeça de animal. O deus da morte era Anúbis, o chacal com corpo de homem. No Museu Nacional do Rio de Janeiro, há

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múmias de filhotes de crocodilo; no Museu do Cairo, vimos múmias de gatos, também considerados sagrados.

O Mar Mediterrâneo, chamado de Grande Mar (Yam haGadol) era cultuado; os peixes eram cultuados, como no caso dos já mencionados filisteus.

As florestas eram deuses para os cananeus. Essa religião da natureza está representada entre nós pelo candomblé. É o culto de Baal no nosso meio. Salvador tem um grande e lindo parque público (o de São Bartolomeu) dedicado aos orixás.

Mas nosso Deus é o Criador. Não faz por menos: enquanto adoravam a obra criada ("Ó, Sol! Ó, Sol! Recebe meus louvores!), o hebreu dizia "Você está adorando a criatura do meu Deus El Shaddai, o Criador dos céus e da terra (Baruch Atah Adonai Melech haOlam...")". Por isso o Salmo começa dizendo, "Ó Senhor, Senhor nosso, quão admirável é o teu nome em toda a terra...", e termina do mesmo modo. É um salmo de louvor. A piedade deve estar sempre presente na expressão de louvor.

PROJETO DE VIDAEclesiastes 1.1; 2.1,11Professor Antony Steff Gilson de Oliveira

O livro de Eclesiastes tem se constituído num verdadeiro enigma para muito. Há quem não o leia porque não entende; e há quem o leia sem tirar muito proveito, a não ser de um outro versículo escolhido.Na realidade, este livro se apresenta como um enigma. Enigma como o da esfinge à espera de ser decifrado: cabeça de ser humano, corpo de leão, asas de águia e patas de touro. Mas não é touro, nem águia, nem leão, nem gente. É nesse enigma que o autor vai desenvolvendo o seu raciocínio, mostrando que, no fundamento das coisas temporais, tudo é futilidade, tremenda e imensa futilidade...

"VAIDADE DE VAIDADES" (1.2)

Talvez a mais conhecida expressão do livro seja mesmo "vaidade de vaidades" "Hevel hahavelim" é um superlativo da língua hebraica que coloca a palavra hevel na sua forma mais elevada. Hevel significa muita coisa (como é típico da língua hebraica): "vapor, sopro", e por causa da fugacidade do vapor que logo desaparece, também tem a acepção de "futilidade, ineficácia, inutilidade, inconstância, ilusão, vacuidade, e vaidade", ou seja, "coisa vã, vazia".É precisamente isso o que o autor de Eclesiastes enfatiza: a futilidade, a ilusão e ineficácia dos projetos humanos. Usa, até, expressões como "trabalhar para o vento"1, "aflição de espírito"2; "enfadonha ocupação".3 O livro, escrito na primeira pessoa, é um testemunho da experiência pessoal da vida do autor (chamado o Pregador, o Eclesiaste, e Koheleth, palavra que significa "aquele-que-fala-na assembléia").É possível, então, fazer uma releitura do texto. 1.2 diz:

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"Futilidade das maiores, diz o Pregador,inutilidade das coisas vazias,tudo é ilusão!Tudo é transitório!"

E não é mesmo? Heráclito, filósofo grego do século 50 a. C. explicou que ""Ninguém toma banho duas vezes no mesmo rio", por causa do constante fluxo das águas, e Isaías 40.6,7 também o clara com toda clareza:

"Diz uma voz: Clama.E eu disse: Que hei de clamar?Todos os homens são como a erva,E toda a sua beleza como as flores do campo.Seca-se a erva, e caem as flores,Soprando nelas o hálito do Senhor.Na verdade o povo é erva".

A época em que este livro foi escrito não era problemática em termos políticos e econômicos. No entanto, o Eclesiaste (ou Pregador) sendo homem de reflexão, de profundidade, percebeu a tremenda dificuldade em termos espirituais e emocionais. A religião era só ritual, prazer da hora, êxito comercial. E ele o diz:

"Guarda o teu pé, quando entrares na casa de Deus. Inclina-te mais a ouvir do que a oferecer sacrifícios de tolos, pois não sabem que procedem mal. Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus. Deus está nos céus, e tu estás na terra, pelo que sejam poucas as tuas palavras. Porque da muita ocupação vêm os sonhos, e a voz do tolo da multidão das palavras. Quando a Deus fizeres algum voto, não tardes em cumpri-lo. Ele não se agrada de tolos; o que votares, paga-o.Melhor é que não votes do que votes e não pagues. Não consintas que a tua boca faça pecas a tua carne, nem digas diante do anjo que foi erro Por que razão se iraria Deus contra a tua voz e destruiria a obra das tuas mãos? Na multidão dos sonhos há vaidade, assim também nas muitas palavras. Portanto, tu teme a Deus".

E deste modo ele desafia a corrupção, a leviandade, o mundanismo e os valores apodrecidos do seu tempo. Uma leitura dos capítulos 4, 9 e 10 ajudará a entender esse fato. Só como exemplo:

" "O que ama o dinheiro nunca se fartará dele; quem ama a abaundância nunca se farta da renda. Isto também é vaidade",4

e,"Tudo isto vi nos dias da minha vaidade: há justo que perece na sua justiça, e há ímpio que prolonga os seus dias na sua maldade",5

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Bem como,

"Ai de ti, ó terra, cujo rei é criança, e cujos príncipes banqueteiam de manhã".6

E qual a nossa situação como indivíduos? Como famílias? Como igreja? Há quem passe o dia, a semana, o tempo numa tremenda futilidade; sem projeto de vida, de modo vazio, oco, medíocre. Projeto de crescimento, nem pensar...

"TODAS AS COISAS SÃO CANSEIRAS" (1.8)

Esta expressão do verso 8 é digna de reflexão mais detida. O fato é que temos um vocábulo no hebraico que é davar. Ele pode ser traduzido indiferentemente por "coisa, palavra, fato, evento, acontecimento. E isso oferece outras possibilidades de tradução:

* "Todas as coisas estão cheias de cansaço, ninguém o pode exprimir,"7 * "Toda palavra é enfadonha, e ninguém é capaz de explicá-la"8* "Todas as coisas nos cansam tanto, que não há palavras que cheguem para explicar"9* "Todas as palavras estão gastas, não se consegue mais dizê-las"10* "Todas as coisas são canseiras, mais do que ninguém o pode declarar"11

É a mais pura das verdades! Estamos cansados dos acontecimentos que nos chegam de outros países; fatigados das coisas que nos ocorrem na ruas da cidade, no comércio, no banco, na escola. Estamos enfadados das palavras mentirosas, dos discursos demagógicos, dos sermões sem unção, vazios; estamos cansados das promessas de lealdade, das tapinhas nos ombros, das juras de fidelidade e amor que recendem a engano. É verdade..., "todas as coisas (ou "todos os acontecimentos, todas as palavras, todos os discursos, todos os fatos") nos cansam tanto, que não encontramos maneira de explicá-los".O autor passa a enumerar seus projetos em busca de sentido para a vida. Começa pela formação acadêmica:

"Apliquei o meu coração a esquadrinha, e a informar-me com sabedoria de tudo o que acontece debaixo do céu. Que enfadonha ocupação deu Deus aos filhos dos homens, para nela os afligir!" (1.13)

Diz ele que depois de muito se aplicar à filosofia, à aventura do saber, descobriu sua futilidade,12pois, por mais que se dedicasse à aquisição de conhecimentos (científicos, literários, filosóficos), isso nada lhe adiantou na busca de satisfação espiritual ou moral. Com toda certeza,, um anel de universidade não satisfaz essa busca.Fala, em seguida, da "boa vida" ( prazer, hedonismo). Vivemos numa sociedade tremendamente erotizada. Pobres criancinhas nossas orientadas, educadas que são pelas novelas das 6, 7, e das 8, e pelas "Angélicas" e outras animadoras da TV... Infelizmente, em algumas igrejas ditas evangélicas, Jesus Cristo saiu e Eros13 entrou, visto que o espírito erotizante está em tudo. Perdeu-se o senso da Grandeza, da Majestade, da Justiça de Deus e do

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Senhorio de Jesus Cristo, e tem-se dado lugar às águas impuras, e os pastores deixam de ser profetas para serem animadores de auditório, porque o que importa é encher os bancos, mesmo que custe a decadência da qualidade de doutrina, de ordem no culto e de respeito ao "em espírito e em verdade" que deve qualificar as reuniões cristãs evangélicas.A verdade é que a qualidade do cristianismo evangélico vem piorando, decaindo dia a dia, mês a mês, ano após ano. Que projeto de vida você quer para a sua igreja?O Pregador disse que o Prazer, a "boa vida" é fútil.14 Por quê? A razão é simples: é propaganda enganosa. O prazer promete mais do que realmente dá; porque a sua busca, a sua aventura termina em desengano e frustração.O Eclesiaste fala de trabalho, de realizações. De fato, o trabalho esteve a serviço do prazer.15 Observe-se que ele procurou seu Jardim do Éden particular.16 Faz mal ter uma casa de campo? Uma casa de praia? Um sítio? Sem dúvida, é algo desejável. Mas não a ponto de tirar o irmão e seus filhos do convívio da igreja. Projete seu filho, sua filha daqui a dez anos. Qual a possibilidade de seu filho (que você não tem trazido à Casa do Senhor hoje), estar daqui a dez ou doze anos nos arraiais do Senhor?

UM PROJETO DE VIDA

O livro de Eclesiastes é progressivo no seu curso, no seu projeto de vida. A verdade é que todos os projetos humanos são futilidade, menos o projeto de Deus para você. Responda com sinceridade: * Que projeto de vida tem você?* Que projeto de vida tem você para você e sua esposa como casal cristão?* Que projeto de vida têm vocês para a família como um todo?* E no trabalho?* E na igreja?* E para a eternidade?

Afinal, a sabedoria é fútil! O prazer não tem sentido! O esforço é igualmente vazio! "Lembra-te do Criador enquanto és jovem..."17 Isso vale para todos. Já imaginou viver sem Deus? Isso tem nome. Chama-se secularismo. Mas, sem Deus o que é que resta? * Resta a Morte (2.16)* Resta o Mal em todas as suas formas: injustiça, opressão do menos valido, inveja, avidez de lucro, exploração do outro, pecado, sede pelo mal.18* Restam os limites tanto do tempo quanto da oportunidade (9.11,12) porque não somos donos do nosso destino.

Qual o seu projeto de vida? A geração evangélica de vinte anos para cá tem sido vitimada por baixos padrões morais e espirituais, por doutrinas antibíblicas, por práticas anti-evangélicas, por ensino fraco. Como resultado, temos crentes sem convicção doutrinária correndo de igreja em igreja num turismo eclesiástico desenfreado, indo a grupos que não são outra coisa senão sincretismo entre evangelho e rock pesado ou pior: práticas mistas do evangelho e do candomblé.

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PARA CONCLUIR

"Lembra-te do teu Criador..." é um grande, excelente, nobre, salvador projeto de vida. Na realidade, você pode mudar a orientação de sua história pessoal, porque a sabedoria reside em levar em conta o que está em 12.13: temer a Deus e guardar os seus mandamentos. O criminoso na cruz mudou toda a sua história pessoal, e nos últimos momentos seu projeto de vida: "Senhor, lembra-te de mim quando estiveres no teu reino". A sabedoria você a encontrará em Jesus Cristo, pois 1Coríntios 1.30 ensina que "vós sois dele, em Jesus Cristo, o qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção..." Isso é felicidade; não as honrarias, a riqueza, a vida longa, e a aparente paz. Na verdade, a felicidade real e possível está em nos unirmos na comunhão de Jesus Cristo e em serví-Lo. "Temer a Deus" (que não é medo, terror, pavor). "Temer a Deus", que é respeito, reverência, adoração, comprometimento, nos coloca no Seu plano..

1 Cf. 5.16.2 Cf. 2.11.3 Cf. 1.13.4 Ec 5.10.5 Ec 7.15.6 Ec 10.16.7 VersãoRevisada da IBB. 8 Bíblia de Jerusalém.9 Bíblia Sagrada: Tradução Interconfessional.10 Bíblia Tradução Ecumênica.11 Almeida Edição Contemporânea.12 Cf. vv. 17,18.13 Esta referência não diz respeito a um conceito psicanalítico ou freudiano do Eros, mas ao senso comum.14 Cf. 2.1b,2. 15 Cf. 2.10.16 Cf. vv. 4-8.17 Cf. 11.7-12.8.18 Cf. 3.16; 4.1; 4.4; 4.8; 5.8; 7.20; 9.3.

Rahab e LeviatanProfessor Antony Steff Gilson de Oliveira

Encontramos várias vezes no texto do Antigo Testamento a menção de seres dos quais não temos certeza quanto à sua origem e espécie. Dois deles são Rahab e Leviatan. Muitas vezes Rahab e Leviatan aparecem no texto lutando contra Yahweh. Geralmente esta luta de Yahweh contra Rahab e Leviatan se dá em contextos poéticos que tratam da origem do cosmos (cosmogonia). Como exemplo temos

Jó 26.10- 13 Traçou um círculo à superfície das águas, até aos confins da luz e das trevas. 11 As colunas do céu tremem e se espantam da sua ameaça. 12

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Com a sua força fende o mar e com o seu entendimento abate o adversário. 13 Pelo seu sopro aclara os céus, a sua mão fere o dragão veloz (serpente veloz/fugitiva)

Salmo 74.13-17 Tu, com o teu poder, dividiste o mar; esmagaste sobre as águas a cabeça dos monstros marinhos. 14 Tu espedaçaste as cabeças do crocodilo e o deste por alimento às alimárias do deserto. 15 Tu abriste fontes e ribeiros; secaste rios caudalosos. 16 Teu é o dia; tua, também, a noite; a luz e o sol, tu os formaste. 17 Fixaste os confins da terra; verão e inverno, tu os fizeste.

O que são o Rahab e o Leviatan, citados juntamente com os monstros marinhos nessas passagens? Como interpretar textos que citam esses elementos e fazem referências à criação?

Mary K. Wakeman, estudando a literatura do antigo Oriente Próximo, concluiu que a mitologia de diversas fontes antigas (Suméria, Índia, Mesopotâmia, Anatólia, Grécia e Canaã) traz traços comuns: (1) um monstro repressivo impedindo a criação; (2) a derrota do monstro por um deus heróico que então libera as forças essenciais para a vida e (3) o domínio final do herói sobre estas forças. Nesses mitos do antigo Oriente Próximo Rahab e Leviatan são sempre identificados como estes monstros anti-criacionais.

Estariam os textos acima mencionados fazendo referência a estes elementos mitológicos comuns às culturas do antigo Oriente Próximo? A referência feita em Jó e Salmos teria características comuns com a mitologia? Entender estas referências a aspectos da mitologia do antigo Oriente Próximo nos escritos canônicos prejudica de alguma forma a nossa compreensão de inspiração, inerrância e historicidade das Escrituras? Vejamos algumas respostas a estas perguntas.

O simples fato de Rahab e Leviatan serem citados em literatura mítica e na literatura bíblica não implica necessariamente que estejam falando da mesma coisa. Porém, o contexto e o fato de não sabermos a que o texto bíblico se refere exatamente nos leva a crer que estes elementos são os mesmos citados na literatura mítica. Nossas traduções são a prova de que nossa lexicografia é incerta quanto a estes vocábulos. Rahab aparece traduzido em português como ‘adversário’ (RA), ‘soberba’ (RC), ‘monstro Raabe’ (BLH). O léxico hebraico (BDB) traz como possibilidades para a tradução ‘soberbo’, ‘arrogância’ (como nomes), ‘nome emblemático para o Egito’, ‘monstro mítico’ (seguindo a Septuaginta) entre outros. Leviatan aparece traduzido como ‘crocodilo’ (RA), e ‘Leviatan’ (RC e BLH). O mesmo BDB traz como possibilidades de tradução ‘leviatan’, ‘monstro marinho’, ‘dragão’ , grande animal aquático’, ‘talvez um dinossauro extinto’, ‘significado exato desconhecido’. Em Jó 41 encontra-se uma descrição do Leviatan que certamente não se encaixa com qualquer animal conhecido, ou mesmo a possibilidade de algum animal extinto, mas sim com a figura mitológica comum do dragão que lança fogo pela boca (Jó 41.19-21). No contexto dos textos acima (Jó 26.12 e Sl 74.14) tanto Rahab quanto Leviatan aparecem acompanhados de outros seres que lembram também

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elementos mitológicos, ainda que sua presença não indique necessariamente uma fonte mitológica para os textos (e.g. a serpente em Gênesis 3).

Em geral, este monstro está associado ao mar e o Senhor domina e derrota o monstro, como o Salmo 89.9-10

9 Dominas a fúria do mar; quando as suas ondas se levantam, tu as amainas. 10 Calcaste a Raabe, como um ferido de morte; com o teu poderoso braço dispersaste os teus inimigos.

Salmo 104:26

25 Eis o mar vasto, imenso, no qual se movem seres sem conta, animais pequenos e grandes. 26 Por ele transitam os navios e o monstro marinho que formaste para nele folgar.

Isaías 27.1

1 Naquele dia, o SENHOR castigará com a sua dura espada, grande e forte, o dragão, serpente veloz, e o dragão, serpente sinuosa, e matará o monstro que está no mar.

Associar as menções de Rahab e Leviatan na Bíblia aos mitos pagãos do antigo Oriente Próximo implica em que os autores bíblicos criam nestes mitos? Não. O fato dos mitos serem citados implica, em primeiro lugar, que eles eram conhecidos dos autores bíblicos e, certamente, da audiência deles. Segundo, que usando de uma lógica clara, eles citam estes mitos dentro de literatura reconhecidamente poética, para demonstrar que Yahweh é superior a todos estes elementos míticos. A Escritura é muito clara em demonstrar que o politeísmo pagão é condenável e os autores bíblicos bem sabiam disto. Afirmar que, porque citaram a mitologia, criam nela, é ir além do que o contexto nos permite.

Waltke demonstra, convincentemente, que pelo menos três aspectos podem ser estabelecidos a partir destas citações na literatura bíblica. Primeiro, que os autores bíblicos estavam declarando a superioridade de Yahweh sobre os deuses pagãos na criação, e, assim, descartando sua religião mitológica. Segundo, que ao identificar Rahab com inimigos históricos do povo de Deus como o Egito (Is 30.7; Is 51:9-10 Rahab=Egito), sustentam a vitória de Yahweh no presente, auxiliando o seu povo. Terceiro, ao identificar estes elementos mitológicos na literatura apocalíptica, apresentam a vitória futura e final de Yahweh sobre todos os seus inimigos (Is 27.1; Ap 12.7-9).

No contexto da criação os textos de Jó e Salmos nos ajudam a entender alguns fatos importantes. Primeiro, que o Senhor é o grande criador, e não os deuses destes relatos mitológicos (Baal, Faraó, Marduque, etc.). Segundo, que o Deus criador do cosmos foi vitorioso no passado e será no futuro.

Segundo Waltke,

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É inconcebível pensar que estes monoteistas estritos [os escritores bíblicos] intencionaram dar suporte à sua visão a partir da mitologia pagã, que eles indubitavelmente detestavam e abominavam, a não ser que tivessem absoluta certeza de que seus ouvintes iriam entender que suas alusões eram usadas num sentido puramente figurativo.

REFLEXÕES SOBRE A IMORTALIDADE DA ALMA Professor Antony Steff Gilson de Oliveira

A doutrina aniquilacionista defende cessação total da vida no ato da morte. A alma, princípio vital, sucumbe com o corpo na sepultura. Ao descer ao pó, o homem, desaparece por completo. Todavia, segundo essa teoria, os justos ressuscitarão no tempo oportuno e voltarão à condição original de alma vivente.

O castigo dos ímpios seria o de não viver para sempre com Jesus. A morte para estes seria realmente a separação eterna de Deus. Neste caso, não haveria os diferentes graus de castigo, segundo as obras de cada um.

"O aniquilacionismo defende que, após a morte, a alma do ímpio não será punida eternamente num inferno literal, mas, ao invés disso, simplesmente deixará de existir. O aniquilacionismo constitui um meio termo entre o universalismo indiscriminado e a doutrina cristã tradicional da condenação eterna. É defendido pelas testemunhas de Jeová, pelos adventistas do sétimo dia, pela Igreja Mundial de Deus, e muitos outros grupos religiosos em atividade atualmente" (Dicionário de Religiões, Crenças e Ocultismo, George A. Mather).

O Antigo Testamento é pouco elucidativo quanto à vida após a morte. É no Novo Testamento que vamos encontrar indicações mais claras a respeito do assunto. Comecemos pela formação do homem no Éden, onde pela primeira vez, a palavra alma é registrada:

"Formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida, e o homem tornou-se alma vivente. Então da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou a mulher, e a trouxe ao homem" (Gn 2.7,22).

Deus criou os animais sem soprar em suas narinas e os chamou de "répteis de alma vivente [criaturas que vivem e se movem]" (Gn 1.20,21), diferentes do homem que recebeu o fôlego diretamente de Deus. Os seres humanos possuem portanto algo que veio diretamente da substância de Deus. A esse fôlego damos o nome de alma. Vejamos agora o significado das palavras "alma" e "espírito" no hebraico e no grego, línguas originais do Antigo e do Novo Testamento, respectivamente.

Alma, hebraico "nephesh". Significados principais: alma, ego, vida, pessoa, coração; refere-se à essência da vida, ao ato de respirar, tomar fôlego.

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Alma, grego psyche. Significados principais: a vida natural do corpo; vida; a parte imaterial, invisível do homem, o homem interior (Mt 10.28; At 2.27; 1 Rs 17.21). Espírito, hebraico "ruah". Significados principais: respiração, ar, força, vento, brisa, ânimo, humor, Espírito. Vejamos alguns exemplos: respiração que, quando volta, a pessoa é reavivada: "E [Sansão] bebeu [água]; e o seu espírito [literalmente, respiração] tornou, e reviveu" (Jz 15.19); elemento de vida no homem, o seu "espírito" natural: "E expirou toda carne que se movia sobre a terra [...] Tudo o que tinha fôlego de espírito de vida em seus narizes" (Gn 7.21.22). Estes versículos dizem que os animais também possuem "espírito", porém o homem recebeu o "fôlego" de forma diferente.

Espírito, grego pneuma. Significados principais: vento, respiração; parte imaterial, invisível do homem (Lc 8.55; At 7.59; 1 Co 5.5; Tg 2.26); o Espírito Santo; o homem interior, com relação aos crentes; os espíritos imundos, demônios; o corpo da ressurreição (1 Co 15.45; 1 Tm 3.16. 1 Pe 3.18). (Fonte: Dicionário VINE, W.E.Vine, Merril F. Unger, William White Jr., CPAD, 2002, 1a. Edição).

Em Isaías 26.9 o profeta apresenta nephesh e ruah como sinônimos: "Com minha alma te desejei de noite e, com o meu espírito, que está dentro de mim, madrugarei a buscar-te". Parece indicar que a alma está ligada aos sentimentos ("te desejei"), sendo o espírito o elemento vital de comunicação com Deus.

A Bíblia não faz uma nítida distinção entre alma e espírito. Maria, mãe de Jesus, orou assim: "A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador" (Lc 1.46-47). Jesus, no Getsêmani: "A minha alma está profundamente triste, numa tristeza mortal" (Mt 26.38). Na cruz, Ele bradou: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito" (Lc 23.46). Por isso, para efeito deste trabalho, chamaremos de alma ou espírito a parte imaterial que se separa do corpo na hora da morte.

A alma foi doada ao homem no momento de sua formação, conforme Gênesis 2.7, onde se lê que o homem tornou-se "alma vivente". A condição expressa no verso 17 - "certamente morrerás" - sugere uma imortalidade humana. Subtende-se que se o primeiro casal não comesse do fruto proibido, não passaria pela morte física nem perderia a comunhão com o Criador.

O primeiro casal não morreu logo após desobedecer, ou seja, não desceu ao pó, mas ficou potencialmente sujeito à morte física. Contudo, a sua morte espiritual foi imediata (Gn 3.7-13). Depois que o pecado afetou de forma negativa a raça humana, passou a haver separação da pessoa, na morte, em corpo, que volta à terra, e em espírito que volta a Deus (Ec 12.7).

Analisemos Eclesiastes 12.7-NVI: "O pó volte à terra, de onde veio, e o espírito volte a Deus, que o deu". Aqui temos um pouco mais de luz. O pneuma-espírito não desce à sepultura. Ele é parte inerente ao homem, mas não o é do corpo sem vida. Na morte há uma separação. Os contradizentes argumentam que se todos os espíritos voltam a Deus, então, como defende o universalismo, todos

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se salvam. Tal argumento não deve prevalecer. Basta ler o verso anterior: "Lembra-te dele [do Criador] antes que se rompa a cadeia de prata [antes que a morte chegue]" (v.6). É nessa condição de homem arrependido e voltado para Deus, que a alma imortal, separada do corpo na hora da morte, "volta para Deus, que a deu".

O contexto ressalta a fragilidade da vida do homem que vive sua vida sem temer a Deus, sem sequer se lembrar do seu Criador, sem nenhuma preocupação com a vida espiritual futura. A imagem de um corpo que se transforma em pó contrasta com a situação de vaidade e orgulho dos que não se submetem à vontade do Criador. Eclesiastes 12.7 mostra que a alma é imortal, e não morre com o corpo, nem com o corpo dorme na sepultura, mas segue imediatamente para Deus.

Dando mais luz ao contido em Gn 3.19 e Ec 12.7, Jesus disse que quando descemos ao pó a nossa parte imaterial e invisível sobrevive, não morre:

"E não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo" (Mt 10.28 - Trinitariana).

Seus discípulos aprenderam a lição. Sabiam que a morte não era o fim de tudo. Herodes poderia degolar João Batista, mas jamais poderia extinguir a sua alma. Pedro poderia ser crucificado de cabeça para baixo; outros poderiam ser brutalmente assassinados, mas suas almas permaneceriam intocáveis. Jesus não deixa dúvida quanto à imortalidade e sobrevivência da alma. Por isso, na parábola, disse que "Lázaro morreu e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão". O rico, que vivia na opulência, poderia até ter tirado a vida do mendigo, mas a alma deste não seria atingida.

Conhecedor desta verdade, o apóstolo Paulo afirma que "para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho...mas de ambos os lados estou em aperto, tendo desejo de partir e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor" (Fp 1.21-23). Estava Paulo realmente consciente de que iria apodrecer no sepulcro e nada dele sobraria até a ressurreição? Neste caso não haveria qualquer lucro imediato. Melhor seria continuar vivo e pregando o Evangelho. Mas ele tinha a promessa do Autor da Vida: a sua alma não morrerá. "Partir e estar com Cristo" transmite uma idéia de trânsito sem interrupção. Esta interpretação se torna mais consistente quando consideramos Lucas 23.43, 46, e Atos 7.59.

O EXTERMÍNIO DOS ÍMPIOS

Os mortalistas alegam que se os que morrem em Cristo seguem diretamente para o céu, por que motivo Deus os tiraria de lá para se unirem a seus corpos? Considerando que defendem a total extinção dos ímpios, respondemos com outra pergunta: "Por que Deus tiraria os ímpios de suas sepulturas (Ap 20.5) para em seguida aniquilá-los? Eles já não estão mortos? Ora, na ressurreição do corpo - uns para a vida de eterna comunhão com Deus, outros para a eterna separação de Deus - ocorre uma recomposição alma-corpo, e o homem retorna à condição original de alma vivente (Gn 2.7), porém agora, quanto aos salvos,

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num estado de glorificação.

Li em determinado endereço na internet que o objetivo da segunda ressurreição, a dos ímpios (Ap 20.5) é "simples regresso à vida, à vida física, prelúdio de destruição total e definitiva (Dn 12.2 - 2a parte)". Vejamos o que diz o texto:

"E muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e desprezo eterno" (Dn 12.2-Trinitariana). Os contradizentes desejam aniquilar a alma do homem, na morte, e também aniquilar os ímpios após a ressurreição destes. Mas o texto apresentado não aprova tal raciocínio. Os ímpios ressuscitarão "para vergonha e desprezo eterno", ou seja, estarão eternamente envergonhados e desprezados, afastados de Deus. Jesus fala que os maus sofrerão a ressurreição "da condenação" (Jo 5.28,29). O inferno é lugar de "tribulação e angústia" (Rm 2.9) e de "pranto e ranger de dentes" (Mt 22.13; 25.30). Tais castigos só podem ocorrer em corpos vivos. A ressurreição dos ímpios dar-se-á para serem julgados e castigados segundo as más obras de cada um. É um exagero afirmar que a ressurreição dos ímpios é um "prelúdio" do extermínio.

GRAUS DE CASTIGO

A doutrina da pena de morte para os ímpios não consegue responder satisfatoriamente como serão aplicados os diferentes graus de castigo. Ora, se os ímpios sofrerem a pena capital, não haverá diferentes graus de punição.

"Assim como haverá diferentes graus de glória no novo céu e na nova terra, também haverá diferentes graus de sofrimento no inferno. Aqueles que estão eternamente perdidos sofrerão diferentes graus de castigo, conforme os privilégios e responsabilidades que aqui tiveram" (Notas Bíblia de Estudo Pentecostal). Vejam os textos pertinentes:

"Virá o Senhor daquele servo no dia em que o não espera e numa hora que ele não sabe, e separá-lo-á, e lhe dará a sua parte com os infiéis". E o servo que soube da vontade do seu senhor e não se aprontou, nem fez conforme a sua vontade, será castigado com MUITOS AÇOITES. Mas o que a não soube e fez coisas dignas de açoites com POUCOS AÇOITES será castigado..." (Lc 12.46-48).

"Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que devorais as casas das viúvas, sob pretexto de prolongadas orações. Por isso, SOFREREIS MAIS RIGOROSO JUÍZO" (Mt 23.14-Trinitariana). (Mc 12.40 diz:"...Estes receberão juízo muito mais severo"; Lucas 20.47 diz"... Estes receberão maior condenação").

"De quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por profano o sangue da aliança com o qual foi santificado, e ultrajar o Espírito da graça?" (Hb 10.29).

"Uma é a glória do sol, e outra, a glória da lua; e outra, a glória das estrelas;

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porque uma estrela difere em glória de outra estrela. Assim também a ressurreição dos mortos. Semeia-se o corpo em corrupção; ressuscitará em incorrupção. " (1 Co 15.41,42).

Os crentes fiéis receberão galardões: Mt 5.11,12; 25.14-23; Lc 19.12-19; 22.28-30; 1 Co 3.12-14; 9.25-27;2 Co 5.10; Ef 6.8; Hb 6.10; Ap 2.7,11,17,26-28; 3.4,5;12,21. Os crentes menos fiéis receberão poucos galardões, ou nenhum (Ec 12.14; Mt 5.19; 2 Co 5.10).

Ainda sobre o "extermínio dos ímpios, convém esclarecer que o verbo "perecer" em Mateus 10.28 não significa exterminar. Vejamos seu real significado no grego, língua original do Novo Testamento, tudo conforme o conceituado Dicionário VINE, de W.E. Vine, Merril F. Unger, William White Jr., CPAD, edição 2002, Rio.

"Perecer"

1 - apollumi, "destruir", significa, na voz média, "perecer", e é usado acerca de: (a) coisas (por exemplo, Mt 5.29.30; Lc 5.37; At 27.34 [em alguns textos piptõ, "cair"]; Hb 1.11; 2 Pe 3.6; Ap 18.14-segunda parte...(b) pessoas (por exemplo, Mt 8.25; Jo 3.15, 16; 10.28; 17.12, "se perdeu"; Rm 2.12; 1 Co 8.11; 15.18; 2 Pe 3.9; Jd 11). Em 1 Co 1.18 ["Porque a mensagem da cruz é loucura para os que estão perecendo..."], literalmente, "perecendo", onde a força perfectiva do verbo implica a conclusão do processo. Quanto ao significado da palavra, veja DESTRUIR"."Destruir"1 - apollumi, forma fortalecida de ollumi, significa "destruir totalmente"; na voz média, "perecer". A idéia não é de extinção, mas de ruína, perda, não de ser, mas de bem-estar. Isto é claro pelo uso do verbo, como, por exemplo, o estrago dos odres de vinho (Lc 5.37); a ovelha perdida, ou seja, perdida do pastor, estado metafórico de destituição espiritual (Lc 15.4,6, etc.); o filho perdido (Lc 15.24); o perecimento da comida (Jo 6.27), do ouro (1 Pe 1.7). O mesmo com relação às pessoas (Mt 2.13; 8.25; 22.7; 27.20); à perda da felicidade no caso dos não-salvos (Mt 10.28; Lc 13.3,5; Jo 3.15, em alguns manuscritos; Jo 3.16; 10.28; 17.12; Rm 2.12; 1 Co 15.18; 2 Co 2.15; 4.3; 2 Ts 2.10; Tg 4.12; 2 Pe 3.9).

2 - kataluõ, formado de kata, para baixo, elemento intensivo, e o n. 4, "destruir totalmente", "subverter completamente", é verbo que ocorre em Mt 5,17 duas vezes acerca da lei); Mt 24.2; 26.61; 27.40; Mc 13.2; 14.58; 15.29; Lc 21.6 (acerca do templo); em At 6.14, diz respeito a Jerusalém; em Gl 2.18, fala acerca da lei como meio de justificação; em Rm 14.20, da ruína do bem-estar espiritual de uma pessoa (em Rm 14.15, o verbo appolumi, n. 1, é usado no mesmo sentido). Em At 5.38,39, acerca do fracasso dos propósitos; em 2 Co 5.1, da morte do corpo". Portanto, nem sempre a expressão PERECER significa destruição, extermínio, eliminação do ser. Vejamos o que diz o evangelho sinótico de Lucas:

"Temam aquele que, depois de matar o corpo, tem poder para lançar no inferno" (Lc 12.5b-NVI-Almeida RC-Bíblia de Jerusalém-Trinitariana).

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"Tenham medo de Deus, que, depois de matar o corpo, tem poder para jogar a pessoa no inferno" (Lc 12.5b-BLH).

Eis a Bíblia se explicando a si mesma. O sinótico de Lucas, para não pairar dúvidas, não usa o verbo apollumi-perecer, mas emballõ-lançar (separar, lançar, arremessar, atirar, jogar, lançar em). Ballõ-lançar é um sinônimo traduzido como lançar, arremessar, jogar (Mt 5.29; 18.8; Ap 2.10.24; 20.3,10,14,15). Então Mateus 10.28b deve ser lido assim: "...tem o poder para lançar no inferno alma e corpo". Logo, lançar ou perecer no inferno não significa aniquilamento.

Os mortalistas apresentam também o seguinte texto como prova do extermínio dos maus: "Os quais, por castigo, padecerão eterna perdição, ante a face do Senhor e a glória do seu poder" (2 Ts 1.9-Trinitariana). "Eles vão sofrer o castigo da destruição eterna e serão separados da presença do Senhor e do seu glorioso poder" (BLH). "Os quais padecerão, como castigo, a perdição eterna, expulsos da face do Senhor e da glória do seu poder" (Alfalit).

Contestação - O versículo diz exatamente o contrário do que desejam os defensores da pena de morte. Os ímpios serão banidos da face do Senhor, para serem castigados (cf.Ap 20.10)."Destruição/perdição/banimento" (elethros) nesse caso, como já vimos, significa perda de bem-estar, ruína, separação eterna da comunhão de Deus, tal como já explicado a análise de Mateus 10.28b ("perecer no inferno"). Neste sentido é usado em Mt 7.13, Jo 17.12, 2 Ts 2.3. Adão foi expulso do Éden, banido da face do Senhor, e experimentou imediata perdição/morte espiritual. "Pois assim como em Adão todos morrem, também da mesma forma em Cristo serão vivificados" (1 Co 15.22). Ademais, o próprio texto diz: "separados/banidos" da presença do Senhor". A advertência do Senhor continua válida nos dias de hoje. Se formos desobedientes, certamente morreremos (Gn 2.17).

Mais um: "Porque eis que aquele dia vem ardendo como fornalha; todos os soberbos, e todos os que cometem impiedade, serão como a palha; e pisareis os ímpios, porque se farão cinza debaixo das plantas de vossos pés, naquele dia que estou preparando, diz o Senhor dos Exércitos" (Ml 4.1,3). "Todos os que praticaram a iniqüidade serão queimados" (Bíblia Alfalit).

Contestação - Realmente, os ímpios serão destruídos. O texto fala de pessoas vivas que serão exterminadas no Dia do Senhor ("aquele dia"). Esses ímpios a serem aniquilados ressuscitarão no tempo devido (Jo 5.29; Ap 20.5). Depois, corpo e alma serão lançados no inferno (Mt 10.28; Lc 12.5), onde "serão atormentados dia e noite, pelos séculos dos séculos" (Ap 20.10,14,15). Malaquias 4.1,3 se coaduna com outras passagens que falam das últimas coisas. Vejamos:

"Porque como um fogo purificador ele é..." (Ml 3.2-a); "Colocarei sinais nos céus e sobre a terra, sangue e fogo e colunas de fumaça" (Jl 2.30); "Os céus e a terra que agora existem, estão reservados para o fogo, guardados para o dia do juízo e da destruição dos ímpios (2 Pe 3.7). Um terça parte dos homens

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serão mortos ao soar da sexta trombeta, por fogo, fumaça e enxofre (Ap 9.15,17). No Dia do Senhor, no tempo em que Deus derramará seus juízos sobre a terra, os ímpios que existirem na terra experimentarão a primeira morte, a morte física. Depois da ressurreição, virá a morte eterna, a eterna separação de Deus (Ap 20.14,15;21.8; 22.15).

Portanto, o texto sob análise não reforça a tese do aniquilamento. Dentro do mesmo contexto e interpretação estão os demais textos que falam em extermínio e perdição dos ímpios (Sl 34.16;37.9.10,38; 145.20. Fp 3.19). Em tais casos, "perecer", "destruir", "perdição" falam da destituição e alienação espirituais provenientes de Deus. São exemplos João 3.16 ("não pereça, mas tenha a vida eterna") e Mateus 10.6 ("ovelhas perdidas da casa de Israel").

A tese do extermínio dos ímpios enfrenta outra dificuldade. Jesus revelou que os justos ressuscitarão "para a vida", e os ímpios, "para serem condenados" (Jo 5.29); na carta aos romanos Paulo indica que "haverá tribulação e angústia para todo ser humano que pratica o mal" (Rm 2.9); em Daniel 12.2 lê-se que os ímpios ressuscitarão "para a vergonha e desprezo eterno"; Apocalipse 14.11 diz que não haverá descanso "nem de dia nem de noite" para os adoradores da besta; Apocalipse 20.10 anuncia que os que forem lançados no lago de fogo "serão atormentados dia e noite, para todo o sempre"; Jesus declara que os insensatos e hipócritas serão punidos severamente num lugar "onde haverá choro e ranger de dentes" (Mt 8.12; 24.51; 25.30), e onde estarão amarrados, em trevas, para todo o sempre (Mt 22.13).

Convenhamos, defunto não chora, não se angustia, não range dentes, não passa por tribulação, não se atormenta, não sente vergonha ou desprezo. Logo, não deve prevalecer a idéia de que os ímpios serão exterminados. Deus não ressuscitará os ímpios para exterminá-los em seguida (Ap 20.5). Agiria assim para que morram "conscientes" da punição? De maneira alguma. É uma impropriedade alegar que a ressurreição é um prelúdio da morte. Reviver para morrer, sair da sepultura para, em seguida, retornar à sepultura - sinceramente, se trata de um pensamento que colide frontalmente com a Palavra. A ressurreição do corpo é para que viva; não para que morra. Não fosse assim, não haveria razão para ressuscitar os que já se acham mortos.

Em resumo, a tese do extermínio dos ímpios é incompatível com a doutrina dos diferentes graus de castigo e contrária ao ensino da Bíblia. O assunto voltará a ser tratado m ais adiante.

DUALIDADE E SOBREVIVÊNCIA DA ALMA

A separação alma-corpo por ocasião da morte está expressa, por exemplo, nas palavras de Jesus: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E, havendo dito isto, expirou". Havendo morrido como homem, e não como Deus, a alma de Jesus também separou-se do seu corpo na morte. O primeiro mártir cristão, Estevão, também entregou seu espírito: "Senhor Jesus, recebe o meu espírito" (At 7.59). Salomão tinha razão quando disse que o corpo desce ao pó, mas o espírito segue seu destino (Ec 12.7), confirmando haver uma separação na hora da morte.

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"E disse [o ladrão] a Jesus: Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino. E disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso" (Lc 23.42,43).

A declaração de Jesus ao ladrão arrependido é a mais clara aplicação da salvação pela graça, mediante a fé, conforme Efésios 2.8-9. Além disso, o texto revela a dualidade do homem, a separação e sobrevivência da alma por ocasião da morte. Tão grande pedra no caminho dos mortalistas não poderia deixar de ser rejeitada com muito alarido e pouca consistência. Apresentam as seguintes objeções, cabalmente refutáveis.

Primeiro - Dizem que em algumas versões está escrito "quando vieres no teu reino" , e não "quando entrares no teu reino". Assim, desejam convencer que a alma do ladrão não iria imediatamente para o céu, mas esperaria a volta de Jesus para ressuscitar.

Contestação - (a) A segunda parte do texto dirime qualquer dúvida que possa existir com relação à primeira. Jesus declara que o ladrão arrependido subiria para o céu naquele mesmo dia. Em nenhuma hipótese devemos duvidar das palavras de Jesus, a menos que renunciemos à nossa condição de cristãos. (b) O ladrão arrependido passou a fazer parte do reino de Deus no momento em que aceitou o senhorio de Jesus. Sabendo que o ladrão morreria naquele mesmo dia, e que, na qualidade de salvo, sua parte imaterial iria para o céu, Jesus declarou sem rodeios: "Hoje estarás comigo no paraíso". É muito provável que o ladrão não conhecesse o ensino da volta de Jesus. A interpretação mais provável, portanto, é "quando entrares no seu reino". (c) De qualquer modo, Jesus nos ensinou que as almas dos crentes seguem direto para o céu. Com isto, o ladrão morreu com a certeza de se encontrar com Ele no paraíso. (d) A palavra grega erchomai é traduzida também como "vir" (Mt 2.2; 24.46), "ir" (Jo 20.1; 1 Co 4.19), chegar (Mt 8.14; 13.54), partir (Mc 8.10; 9.33). Em razão disso, algumas versões registram, "quando vieres no seu reino", e outras, "quando entrares no seu reino". (e) O ladrão leu a placa com a declaração em grego, romano e hebraico: "Este é o Rei dos judeus" (Lc 23.38) que fora colocada na cruz, teve certeza de que Jesus reinaria em algum lugar e manifestou o desejo de participar desse reino. Na verdade Jesus começou a reinar ali mesmo no coração do arrependido malfeitor. Então, quando estiveres, chegares, entrares no seu reinado, lembra-te de mim. Qualquer dúvida que possa subsistir desvanece diante da declaração de Jesus: "Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso".

Segundo - Os contradizentes alegam que na Tradução Trinitariana, em português, editada em 1883, pela "Trinitarian Bible Society" de Londres, Diz: "Na verdade te digo hoje, que serás comigo no Paraíso".

Contestação - A versão apresentada atende aos interesses dos contradizentes. É importante registrar que em edições mais recentes, em português, da SBTB - Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil, o versículo está redigido assim: "Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso". Então, se torna inconsistente o argumento que defende a transcrição correta somente na

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edição de 1883, sem esclarecer o porquê de tal discriminação. Eleger uma versão em detrimento de outras, somente porque determinado registro atende a determinada crença, não me parece um sólido argumento.

Terceiro - Alegam também, em defesa da inexistência da alma imortal, que "a expressão "hoje" ligada ao verbo não é redundante, mas enfática, tal como encontrada em Zacarias 9:12 e Atos 20:26. Justificam assim a versão "digo-te hoje: estarás comigo no paraíso". Contestação - Devemos buscar a ênfase no contexto. Logo após garantir que o malfeitor estaria com Ele no paraíso, Jesus, para confirmar tal assertiva, entregou ao Pai seu próprio espírito. Os textos apresentados (Zc 9.12 e At 20.26) não servem para elucidar a questão. Vários exemplos podem ser citados em que inexiste a expressão "digo hoje": "Em verdade vos digo que eles já receberam..." (Mt 6.2); "Em verdade vos digo que, entre os que de mulher têm nascido..." (Mt 11.11).

Quarto - Para contornar o problema, alegam que o ladrão não morreu naquele mesmo dia. Dizem que os crucificados passavam até sete dias sofrendo. Afirmam que "Cristo foi caso excepcional e que sabemos que não morreu dos ferimentos ou da hemorragia, mas do quebrantamento do coração. Morreu de dor moral por causa dos pecados do mundo. Mas os outros, não, e as crônicas descrevem o condenado esvaindo-se lentamente durante dias". Alegam mais que "de acordo com o costume, quebravam as pernas dos criminosos depois de os haverem removido da cruz, deixando-os estendidos no chão, até que o sábado passasse. Depois do sábado haver passado, sem dúvida esses dois corpos foram outra vez amarrados na cruz, e lá ficaram diversos dias até morrerem..."Contestação - Como não podem negar a morte de Jesus na sexta-feira, apelam por alongar a agonia dos malfeitores crucificados. Ao dizer que Jesus morreu de "dor moral", negam a existência de hemorragia no Seu corpo, a asfixia, o enfraquecimento físico. Tal afirmação colide com diagnósticos de profissionais. O Dr. Barbet, médico francês, professor e cirurgião, que por treze anos viveu na companhia de cadáveres, após dissertar sobre o sofrimento de Jesus, dá o seu diagnóstico:

"Todas as suas dores, a sede, as cãibras, a asfixia, o latejar dos nervos medianos, lhe arrancaram um lamento: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?". Jesus grita: "Tudo está consumado!". Em seguida num grande brado disse: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito". E morre".

O Professor Pierluigi Baima Bollone diretor do Instituto de Medicina Legal da Universidade de Torino - Itália, relata em seu último livro, "Os últimos dias de Cristo". que a causa final da morte de Jesus foi "asfixia, complicada por ataque cardíaco terminal, e trombose coronária, ocorridas depois de poucas horas sobre a cruz, pois Jesus se encontrava fraco, devido as torturas recebidas. Todos estes dados são perfeitamente compatíveis com o que se lê nos evangelhos".

Vejamos o relato bíblico a respeito da morte dos ladrões:

"Os judeus, pois, para que no sábado não ficassem os corpos na cruz, visto

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como era a preparação (pois era grande o dia de sábado) rogaram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas, e fossem tirados. Foram, pois, os soldados e, na verdade, quebraram as pernas ao primeiro e ao outro que com ele fora crucificado. Mas, vindo a Jesus e vendo-o já morto, não lhe quebraram as pernas" (Jo 19.31-33).

Quebrar as pernas dos crucificados tinha o objetivo de apressar a morte. Sem o apoio dos pés, o corpo ficava seguro apenas pelos pulsos, o que causava forte pressão sobre o tórax. A morte viria rapidamente.

Quinto - Alegam que Jesus não foi para o Pai logo após a morte. Apresentam como justificativa o que Jesus disse a Maria Madalena: "Não me detenhas, porque ainda não subi para meu Pai" (Jo 20.17 a). Sob a ótica da não sobrevivência da alma, dizem que Jesus devolveu ao Pai o sopro, a vida dele recebida. Assim explicam: "Era este fôlego que Cristo e Estevão não podendo reter, quando estavam prestes a expirar (e expirar significa soltar o fôlego, exalá-lo definitivamente), pediram ao Pai que o recebesse de volta. (Atos 7:59 e Lucas 23:46). Mas não era parte consciente, pois Cristo, dias depois, ressurreto, dissera: "Ainda não subi para Meu Pai."Contestação - Creio que todas as afirmações de Jesus são verdadeiras. Os mortalistas se agarram na frágil argumentação segundo a qual o espírito de Jesus não subiu ao Pai porque Ele mesmo o revelou a Madalena (Jo 20.17). Somente em duas hipóteses Jesus não entregou seu espírito ao Pai. Primeira, Ele não falou isso, e os evangelhos mentem; segunda, de fato Ele entregou seu espírito, mas o Pai não o recebeu. Nenhuma dessas hipóteses é viável. "Não me detenhas, porque ainda não subi para meu Pai" diz respeito à subida de seu corpo ressurreto. Passados quarenta dias é que se deu sua ascensão corporal.

Na ótica dos mortalistas não existe separação entre corpo e espírito por ocasião do falecimento. Admitem que o retorno à vida, como no caso de Lázaro (Jo 11.43) e da ressurreição coletiva (1 Ts 4.16-17), é resultado de novo sopro de Deus.

Jesus e Estevão não entregaram um simples sopro, nem Jesus disse ao ladrão que o seu "sopro" estaria subindo para o céu juntamente com o seu próprio "sopro". Nem sempre se pode traduzir psyche como "sopro". Vejamos se seria possível tal construção:

"Não temais os que matam o corpo, e não podem matar o "sopro"; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno tanto o "sopro" como o corpo" (Mt 10.28).

Após a morte a alma continua existindo. Na sua visão apocalíptica, o apóstolo João validou essa realidade: "E, havendo aberto o quinto selo, vi debaixo do altar as almas dos que foram mortos por amor da palavra de Deus...e clamavam com grande voz..." (Ap 6.9-10). De nenhum modo se pode deduzir que os "sopros" dos mortos estavam vivos e conscientes. As "almas dos que foram mortos" estavam no céu, e oravam para que os ímpios que rejeitaram a Deus e mataram os seus seguidores recebessem a justiça divina.

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Para Apocalipse 6.9-10 os mortalistas afirmam que é tudo simbólico, mas depois apresentam uma bizarra interpretação: "Estas "almas" eram as pessoas vítimas da matança do cavaleiro chamado Morte, descrito no quarto selo. Queremos dizer que as "almas" que aparecem sob o quinto selo foram mortas sob o selo precedente, dezenas ou mesmo centenas de anos antes, portanto os perseguidores já estavam mortos, e ainda de conformidade com a teologia popular deveriam já estar no inferno, portanto já sofrendo a punição, sendo inócuo, pois, o clamor por vingança" ( http://www.jupiter.com.br/iasd/pmc2/outras2.htm)

Contestação - O que dizer de: "E vi almas daqueles que foram degolados pelo testemunho de Jesus..." (Ap 20.4)? Se são "almas das pessoas", confirma-se a sobrevivência das almas, pois não há registro de que essas pessoas haviam ressuscitado. Se a Bíblia diz que eram almas dos mortos, então realmente o eram. Seriam elas o "sopro" dos que foram degolados?. Claro que não.A mensagem nos diz que as almas se separam dos corpos, e sobrevivem, conforme referendado em outros textos. Não procede o argumento de que as almas referidas são de pessoas que morreram centenas de anos antes. Esses eventos ocorrerão num período de sete anos, tempo de duração da grande tribulação, a "septuagésima semana de Daniel" (Dn 9.27;Ap 11.2; 13.5).

Em Lucas 16.22 está escrito, conforme palavras de Jesus, que o mendigo Lázaro morreu e "foi levado pelos anjos para o seio de Abraão". A alma do injusto rico seguiu para um lugar de tormentos. O apóstolo Paulo desejou "partir e estar com Cristo, o que é muito melhor" (Fp 1.23). Esta afirmação denota mudança imediata, sem interrupção, sem intervalo. Demonstra que Paulo sabia que a sua alma entraria imediatamente na presença de Deus.

A imortalidade da alma não é doutrina estranha às sagradas Escrituras. Creio na verdade dita por Jesus: podem matar o corpo, mas a alma não morrerá. Vejamos mais uma vez: "E não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo" (Mt 10.28-Trinitariana).

"Não temais os que matam o corpo e, depois, não têm mais que fazer. Mas eu vos mostrarei a quem deveis temer; temei aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no inferno; sim, vos digo, a esse temei". (Lc 12.4-5-Trinitariana,NVI,Bíblia de Jerusalém,BLH ("jogar").

O texto acima contradiz duas teses dos aniquilistas: (a) A da morre da alma com o corpo; (b) A do extermínio dos ímpios. Alegam que "matar o corpo e não podem matar a alma" significa não poder matar o transcendente, a mente ou ego. Alegam também que se Jesus declara que Deus pode fazer perecer no inferno alma e corpo, é porque a alma é mortal.

Contestação - Os contradizentes afirmam que quando o homem morre, tudo se acaba. Somente na ressurreição é que ressurgem corpo, consciência e todo o complexo ser humano. O texto, por sua clareza, dispensaria comentários. "Matar o corpo, mas não podem matar a alma", dar autenticidade a Lucas

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16.22 (Lázaro levado pelos anjos), Atos 7.59 (Estevão entregando seu espírito), Filipenses 1.23 (Paulo desejando morrer para estar com Cristo), Lucas 23.43 (o malfeitor arrependido sendo levado para o céu), Lucas 23.46 (o próprio Jesus entregando o seu espírito), Eclesiastes 12.7 (a alma se desliga e volta a Deus), Apocalipse 6.9 (almas dos mortos), Tiago 2.6 (corpo sem o espírito), Mateus 17.3 (Moisés na transfiguração), 2 Coríntios 5.8 (deixar o corpo e habitar com o Senhor), Mateus 22.32 (Deus não é Deus dos mortos, mas de vivos).

A MORTE DA ALMA

Examinemos algumas das provas apresentadas pelos mortalistas.

"Certamente morrerás", castigo prometido ao homem, em caso de desobediência (Gn 2.17), versículo muito usado na defesa do dogma da pena de morte para a alma. Alegam que como o homem foi feito "alma vivente" (Gn 2.7), ao morrer, morre a alma vivente e tudo se extingue. Alguns alegam que o homem, por não haver comido da árvore da vida (Gn 4.22-24), não se tornou imortal.

Contestação - Os contradizentes se apegam ao termo "alma vivente" na tentativa de demonstrar que o homem sendo uma alma que vive, morrendo o homem, morre a alma. Ocorre que o hebraico nephes, mencionado mais de 780 vezes no AT, é traduzido por alma, ego, vida, pessoa, coração. A mesma palavra nephes é usada para descrever animais da terra, em distinção aos pássaros e peixes. Nesta concepção, são seres ou criaturas viventes (Gn 1.24,28,30). Quanto ao homem, a palavra passa a significar pessoa que vive. Uma importante diferença existe na criação de homens e animais. O homem foi criado de um modo todo especial. Além de haver sido feito à imagem e semelhança do Criador, Deus soprou em suas narinas. Não houve sopro nas narinas dos animais. Temos, portanto, em nosso ser uma substância divina que veio diretamente do Ser Divino. A isso chamamos alma, que, segundo as palavras do próprio Criador, Jesus, é imortal e transcendente (Mt 10.28).

É possível que a árvore da vida seja símbolo das bênçãos espirituais a serem desfrutadas pelos que são lavados e remidos no sangue do Cordeiro. Após a queda, Adão foi lançado "fora do jardim do Éden" para que não tome da árvore da vida, e "viva eternamente" (Gn 3.22-23). O ressurgimento simbólico da árvore no tempo futuro (Ap 2.7;22.2,14), para desfrute dos santos imortais, desencoraja a tese de que ela seja símbolo de imortalidade. O Novo Comentário da Bíblia, assim interpreta: "Qualquer que seja a verdadeira explicação sobre a árvore, não há dúvida sobre a significação da ação de Deus ao remover o homem do jardim. O homem estava agora cortado de Deus e, portanto, no sentido mais real estava cortado da "vida": isso foi simbolizado mediante a separação entre ele e a árvore da vida". Somente quando a redenção aparece consumada é que a árvore da vida reaparece dentro do alcance do homem. Note-se que a `árvore da vida´ era símbolo do estado abençoado do homem; enquanto que a árvore da ciência do bem e do mal simbolizada o teste a que foi sujeitado o homem".

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Gênesis 2.17 não fala em mortalidade da alma. Somente a partir de Eclesiastes 12.7 o assunto começa a ser revelado, até chegar na palavra de Jesus, conforme Mateus 10.28, onde diz que a alma não pode morrer.

Adão passou por duas qualidades de morte, após sua queda: em primeiro lugar e imediatamente, adveio a morte espiritual, ou seja, a eterna separação de Deus (Gn 3.6-12). Em segundo lugar, a morte física, isto é, Adão ficou sujeito a morrer fisicamente. Daí a sentença em Gênesis 3.19: "Pois és pó, e ao pó tornarás". Por isso, "certamente morrerás" (Gn 2.17) contempla a morte física e a morte espiritual. Esses dois tipos de morte passaram a todos os homens (Rm 5.12, cf. Mt 13.49; 25.41). A alma imortal de Adão não ficou sujeita à morte.

Os mortalistas dizem que na morte o fôlego se evapora, perde-se no ar. Eclesiastes 12.7 chama "espírito" a parte invisível que sai do corpo sem vida, e que volta para Deus. Salomão não se estendeu muito no assunto, mas nota-se que ele estava falando dos justos, cujas almas vão diretamente para Deus. Portanto, não vale dizer que Salomão ensinou a salvação universal, salvação para todos. Para colocar as coisas nos devidos lugares, Jesus explica que os justos são levados para o céu, e os desobedientes para um lugar de tormentos (Lc 16.19-31).

Continuemos na análise de alguns versículos apresentados pelos mortalistas em defesa do dogma da mortalidade da alma.

"A alma que pecar, essa morrerá" (Ez 18.4,20).

Contestação - A Bíblia está falando de pessoas, de filhos com relação aos pais. Na Bíblia Linguagem de Hoje registra "a pessoa que pecar é que morrerá". Citar esse versículo como prova da mortalidade da alma é um lamentável equívoco. "Morte" nesse caso tem o mesmo significado que teve com relação a Adão, o de morte espiritual, compreendendo a separação de Deus. Os que estão mortos em seus pecados, afastados de Deus, porém vivos, têm ainda oportunidade de se arrependerem e aceitarem os termos da Nova Aliança em Cristo Jesus (Ez 18.21). Se, porém, não se arrependerem experimentarão a morte eterna, ou seja, a eterna separação de Deus. Estes sofrerão o eterno castigo (Ap 20.10; 14,15; 21.8).

"O salário do pecado é a morte" (Rm 6.23).

Contestação - Cabe a mesma refutação do tópico anterior. Vejamos o que diz o conceituado Dicionário VINE, sobre thanatos-morte: "É usado nas Escrituras para descrever: (a) a separação da alma (a parte espiritual do homem) do corpo (a parte material), o último cessar de funções e a volta para o pó (Jo 11.13; Hb 2.15; 5.7; 7.23). (b) separação do homem de Deus; Adão morreu no dia em que desobedeceu a Deus (Gn 2.17), e, por conseguinte, todo o gênero humano nasce na mesma condição espiritual (Rm 5.12.14,17,21) da qual, porém, aqueles que crêem em Cristo são livres (Jo 5.24; 1 Jo 3.14). A morte é o oposto da vida; nunca denota não-existência. Assim como a vida espiritual é "a existência consciente em comunhão com Deus", assim, a morte espiritual é "a existência consciente na separação de Deus".

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A IMORTALIDADE DE DEUS

"O único que possui a imortalidade que habita em luz inacessível..." (1 Tm 6.16). Este versículo é muito usado na defesa da mortalidade da alma. Dizem que o homem somente adquire imortalidade na ressurreição para a vida eterna com Cristo. Argumentam que na ressurreição o que é mortal se reveste de imortalidade (1 Co 15.54). Os outros, os que morreram sem salvação não terão tal privilégio.

Contestação - Na ressurreição dar-se-á uma recomposição do homem; o corpo volta à vida, reunindo-se à alma, e o homem retorna à condição original de ser vivente. Os crentes terão um corpo semelhante ao de Cristo (Rm 6.5; Fp 3.21). É preciso lembrar que os ímpios também ressuscitarão, e se tornarão imortais, porém terão vida de má qualidade.

"O termo athanasia expressa mais que imortalidade, sugere a qualidade da vida desfrutada, como está claro em 2 Co 5.4: ...não queremos ser despidos, mas vestidos de novo, para que o mortal seja recolhido pela vida. O estado do crente de ser despido não se refere ao corpo no sepulcro, mas ao espírito que aguarda o "corpo da glória" na ressurreição" (Dicionário VINE, pg 703). O apóstolo Paulo faz talvez a mais importante revelação sobre a imortalidade da alma e futura união desta com o corpo. Ele fala da sua esperança não apenas de "partir e estar com Cristo" (Fp 1.23), mas de poder ser "vestido de novo", quando será consumada a redenção completa, "a redenção do nosso corpo" (Rm 8.23).

A imortalidade de que trata 1 Timóteo 6.16, refere-se a um atributo intrínseco da Divindade; uma imortalidade que pode ser traduzida por eternidade, isto é, Deus não teve começo nem terá fim. Por outro lado, Paulo assevera que os cristãos ressuscitarão em corpos físicos "imortais" (1 Co 15.53). Logo, o homem possui em potencial essa imortalidade não inerente ao seu ser, mas derivada, adquirida, doada. A imortalidade humana difere da de Deus porque não é eterna: a nossa não terá fim, mas teve um princípio.

Mortalistas há que usam o argumento do silêncio, afirmando que em lugar nenhum da Bíblia diz que as almas que estão no céu ou no inferno sairão de seus lugares para um encontro com seus corpos. Como vimos em 2 Coríntios 5.1,8, e em outras passagens, esse silêncio não é total. Se a alma não morre com o corpo (Ec 12.7; Mt 10.28; Lc 23.43,46; At 7.59; Fp 1.23), sem dúvida ela se unirá ao corpo e formará na ressurreição um corpo espiritual e imortal.

ACERCA DOS QUE DORMEM

Não sejais ignorantes acerca dos que já dormem... (1 Ts 4.13,14; cf. Dn 12.2; Mt 27.52; Mc 5.39; Lc 8.52; 1 Co 11.30; 15.6,18). A expressão "os que dormem", referindo-se aos mortos em Cristo, tem sido usada para justificar a inconsciência após a morte e a inexistência de uma alma sobrevivente e imortal. Dizem que a situação dos mortos até a ressurreição é de completa inexistência. Citam como prova irrecusável a resposta de Jesus aos discípulos:

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"Nosso amigo Lázaro dorme, mas vou despertá-lo" (Jo 11.11). Alegam também que Jesus nada disse sobre a situação do espírito do falecido. Para Marta e Maria seria um consolo saber que seu irmão morreu e foi para o céu.

Contestação - Primeiro, é impróprio o argumento com base no silêncio de Jesus. Não se pode firmar doutrina sobre o que não foi dito. A Bíblia aponta na direção de que somente os salvos tiveram o privilégio de voltar a viver. Estamos falando em ressuscitar, ter uma vida normal, porém mortal. São exemplos: "os santos que dormiam" (Mt 27.52-53); o filho da viúva de Serepta, (1 Rs 17.19-22); o filho da sunamita, (2 Rs 4.32-35); o defunto na cova de Eliseu (2 Rs 13.21); a filha de Jairo (Mc 5.21-23, 35-41); o filho da viúva de Naim (Lc 7.11-17); a discípula chamada Tabita, ressuscitada por Pedro (At 9.36-43); a ressurreição do jovem Êutico (At 20.9). Temos aí cinco ressuscitações provavelmente de crianças ("delas pertence o reino de Deus" - Lc 18.16).

Lázaro não estava num lugar de tormentos, condenado (Lc 16.22.23). Não podemos imaginar um ímpio, condenado, vivendo já em tormentos, retornar à vida por um milagre de Deus. Entendemos que Lázaro, ao morrer, fora levado pelos anjos para o céu, tal como aconteceu com o outro Lázaro, o mendigo (Lc 16.22).

Segundo, sempre que a Bíblia fala em dormir está se referindo, metaforicamente, ao corpo, porquanto a parte imaterial do homem não morre, nem dorme. O corpo do malfeitor arrependido ficou "dormindo", mas seu espírito foi para o céu (Lc 23.43).

O conceituado Dicionário VINE nos oferece uma clara definição do termo grego koimaomai-dormir: "É usado acerca do "sono" natural (Mt 28.13); da morte do corpo, mas só daqueles que são de Cristo...; dos santos que partiram antes da vinda de Cristo (Mt 27.52; At 13.36); de Lázaro, enquanto Jesus ainda estava na terra (Jo 11.11). Este uso metafórico da palavra sono é apropriado por causa da semelhança na aparência entre um corpo dormente e um corpo morto; tranqüilidade e paz normalmente caracterizam ambos. O objetivo da metáfora é sugerir que assim como aquele que dorme não deixa de existir enquanto o corpo dorme, assim a pessoa morta continua a existir, apesar de sua ausência da região na qual aqueles que ficaram podem ter acesso ao corpo morto, e que, assim como sabemos que o sono é temporário, assim será a morte do corpo. É evidente que só o corpo está sob consideração nesta metáfora: (a) por causa da derivação da palavra koimaomai, de keimai, `deitar-se´; (b) pelo fato de que no Novo Testamento a palavra ressurreição é usada somente em alusão ao corpo; (c) porque em Dn 12.2, onde os fisicamente mortos são descritos como `os que dormem no pó da terra', a linguagem é inaplicável à parte espiritual do homem; além disso, quando o corpo volta de onde veio (Gn 3.19), o espírito retorna a Deus que o deu (Ec 12.7). É evidente que a palavra `dormir´, onde é aplicada aos cristãos que partiram, não tem a intenção de transmitir a idéia de que o espírito está inconsciente".

Portanto, o argumento do "sono da alma", como é conhecido, para justificar a visão holística do adventismo, é um dos mais insustentáveis. Somente o corpo

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fica inconsciente.

O ESTADO DOS MORTOS

Para atestar que os mortos estão inconscientes, os defensores da alma mortal apresentam os seguintes razões: Salmos 94.17, 115.17 e Isaías 38.18, que falam em "silêncio"; Salmos 6.5, fala em "esquecimento"; Eclesiastes 9.5, 6 e 10, de "inconsciência"; Daniel 12.2; Jó 14.12; Salmos 13.3, João 11.11 a 14; 1 Ts 4.13-15, falam de "sono"; Dn 12.13; Ap 6.11; 14.13, falam de "repouso".

Contestação - A Bíblia ensina que ao separar-se do corpo a alma sobrevive e permanece num estado consciente de conhecimento. Portanto, quando a Bíblia fala em silêncio, esquecimento, descanso está se referindo à situação do corpo na sepultura, uma vez que a Palavra não pode contradizer-se. Já examinamos a questão do "sono da alma", em tópico anterior. Os textos citados podem ser esclarecidos unicamente através do exame de Eclesiastes 9.5: "Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem coisa nenhuma...a sua memória ficou entregue ao esquecimento".

O próprio Salomão explica onde se dá essa falta de memória dos mortos. Vejam: "Tudo o que te vier à mão fazer, faze-o conforme as tuas forças, pois na sepultura, para onde vás, não há obra, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria alguma" (v.10). Então, a palavra se refere ao corpo morto, inconsciente, que não mais terá qualquer atividade "debaixo do sol" (Ec 9.6), na terra, mas com certeza saberá o que estiver ocorrendo no céu (cf Lc 16.19-31; 2 Co 5.8; Fp 1.13; Ap 6.9).

Por outro lado, de nada adiantaria subir para Deus uma alma inconsciente, morta, sem memória. Mas vejam que Jesus e Estevão entregaram o seu espírito. Não entregaram a sua respiração, o sopro de seus pulmões. Também de nada adiantaria ao ladrão subir para o céu, e lá não gozar conscientemente das bem-aventuranças. Os argumentos da extinção total do ser humano na hora da morte não devem prosperar por falta de embasamento bíblico.

Dito isto, analisemos algumas questões levantadas pelo adventista Dr. Samuele Bacchiocchi, um dos expoentes da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD), no artigo intitulado "Dualismo e Holismo no Exame da Consciência após a Morte". Suas considerações são um retrato ampliado do pensamento da senhora Ellen Gould White (1827-1915), co-fundadora e profetiza da IASD. Os argumentos e textos bíblicos do Dr. Bacchiochi são, regra geral, os mesmos da referida profetiza, que assegurou o seguinte: "Depois da queda, Satanás ordenou a seus anjos que inculcassem a crença da imortalidade natural do homem" (Ellen, "O Grande Conflito", Edição Condensada, Casa Publicadora Brasileira, S. Paulo, p. 317).

Não se sabe como a profetiza soube o que se passava no reino das trevas. Ora, todos sabemos que os homens morrem, mas sabemos também que todos ressuscitarão, uns para a ressurreição da vida, outros para a ressurreição da condenação" (Jo 5.29). O problema reside em refletirmos a respeito dessa condenação. Os ímpios ressuscitarão para a ressurreição da morte? Ou para

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receberem a devida punição, "e de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre" (Ap 20.10)? A imortalidade que defendemos não é a do homem, mas a da alma do homem. Jesus soube muito bem definir o que significa corpo mortal e alma imortal (Mt 10.28).

Mas adiante, Ellen White declara: "Se fosse verdade que a alma passa diretamente para o Céu na hora do falecimento, bem poderíamos anelar mais a morte que a vida" (p. 319). Argumento exatamente igual vem sendo usado pelos admiradores da profetiza.

O apóstolo Paulo sabia que não existe, para os salvos, nenhum espaço de tempo indefinido entre a morte e a vida futura. Vejam: ..."enquanto estamos no corpo, vivemos ausentes do Senhor; mas temos confiança e desejamos, antes, deixar este corpo, para habitar com o Senhor" (2 Co 5.6,8); "Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho; mas de ambos os lados estou em aperto, tendo desejo de partir e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor" (Fp 1.21,23).

Vejamos os argumentos do Dr. Bacchiocchi:

"Não existe na Bíblia qualquer dicotomia entre um corpo mortal e uma alma imortal que "se separa" quando da morte. Tanto o corpo quanto a alma são unidades indivisíveis que deixam de existir ao tempo da morte, até a ressurreição".

Não procede tal tese. Ocorre exatamente o contrário. Na morte, há uma separação. Corpo e alma são unidades divisíveis. Conquanto o corpo se corrompa no pó, a alma, dada por Deus, sobrevive. A questão é que na visão holística o que se separa do corpo é o sopro; na visão dualista, o que se separa é a parte imaterial do homem.

"Abandonar o dualismo também provoca o abandono de todo um conjunto de doutrinas que resultam disso, especialmente a acariciada crença na consciência da vida após a morte. Isso pode se chamar "efeito dominó". Se uma doutrina cai, várias cairão junto".

Não há como os aniquilistas abandonarem a crença da pena de morte para a alma sem que sofram o "efeito dominó". Abandonariam também a crença da inconsciência da alma, do extermínio dos ímpios, do sono da alma. Todavia, considero ser possível - em prol da liberdade de pensamento -, que um adventista se convença do ensino bíblico da imortalidade da alma, e continue adventista.

"O evangelho não nos dá base para uma doutrina de redenção que salva a alma à parte do corpo ao qual pertence. A comissão evangélica não é salvar almas, mas pessoas inteiras".

Os evangélicos não ensinam o contrário. A redenção contempla o homem, corpo e alma. Para isso ocorre a ressurreição do corpo. É o corpo físico que ressurge. O mortal se revestirá de imortalidade (1 Co15.53-54). "...gememos,

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aguardando a redenção do nosso corpo" (Rm 8.23). As almas imortais não precisam ser revestidas de imortalidade. Elas estão num lugar de descanso, ou num lugar de tormento (Lc 16.19-31). Na ressurreição a alma volta a unir-se ao corpo e o homem retorna à situação original de ser vivente (cf Rm 8.11).

"Essas crenças têm enfraquecido e obscurecido a expectativa da segunda vinda de Cristo".

Não procede o argumento de que a "crença popular" dualista não valoriza a vinda de Cristo, uma vez que as almas dos crentes já estão no céu. A redenção só se completa com a ressurreição do corpo, que está garantida pela ressurreição de Cristo (Mt 28.6; At 17.31; 1 Co 15.12,20-23). A ressurreição do corpo é necessária: (a) porque o corpo é parte essencial e total da personalidade do homem (Rm 8.18-25); (b) na ressurreição o corpo voltará a ser templo do

Espírito (1 Co 6.19); (c) para vencer a morte, o último inimigo do homem (1 Co 15.26). "O homem não recebeu uma alma de Deus; ele foi feito uma alma vivente. Os animais também foram feitos "almas viventes" (Gn 1:20, 21, 24, 30; 2:19), contudo, não foram criados à imagem de Deus".

Entenda-se "almas viventes" como criaturas viventes ou seres viventes que têm vida, que respiram vivem e se movem. Há, sim, uma grande diferença na forma como Deus criou homens e animais. Somente o homem recebeu o sopro de Deus em suas narinas (Gn 2.7). Isto é muito significativo. Para que os animais respirassem e vivessem não foi necessário o sopro de Deus. O respirar faz parte da mecânica do ser vivente. Os homens possuem algo provindo do seu eterno e imortal Criador. Esse algo se chama alma. Homens e animais se assemelham na morte porque os corpos de um e de outro descem ao pó e são consumidos. Mas com relação aos animais não se diz que o "espírito volta a Deus, que o deu" (Ec 12.7).

"O que retorna para Deus não é a alma imortal humana, mas o Espírito divino que transmite vida e que nas Escrituras são igualadas ao fôlego de Deus: "Se Deus. . . recolhesse o seu espírito [ruach] e o seu sopro [neshamah], toda carne pereceria juntamente, e o homem retornaria ao pó" (Jó 34:14-15). O paralelismo indica que o fôlego de Deus é o Seu Espírito transmissor de vida".

Vejamos a versão Trinitariana: "Se ele pusesse o seu coração contra o homem, e recolhesse para si o seu espírito e o seu fôlego, toda a carne juntamente expiraria, e o homem voltaria para o pó" (Jó 34.14-15). A Bíblia Linguagem de Hoje registra: "Se Deus quisesse, poderia fazer voltar para si o fôlego, a respiração da gente; então todas as pessoas morreriam juntas, no mesmo instante, e voltariam de novo para o pó".

O Espírito de Deus é Deus. O Espírito Santo é Deus. Não faz sentido dizer que o Espírito divino retorna para Deus. Na verdade, o texto nos diz que se Deus não amasse a humanidade ["pusesse seu coração contra o homem"], e tirasse o fôlego de todos e o espírito que nos foi doado, todos pereceriam. A passagem não serve como argumento para defender a mortalidade da alma.

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A afirmação de que quem "retorna para Deus não é a alma imortal humana, mas o Espírito divino que transmite vida e que nas Escrituras são igualadas ao fôlego de Deus", é uma velada negação do Espírito Santo como terceira pessoa da Trindade. As testemunhas de Jeová dizem que o Espírito é uma força, uma energia.

"Quando, porém, o sopro se vai, tornam-se almas mortas. Isso explica porque a Bíblia freqüentemente se refere à morte humana como a morte da alma (Lv. 19:28; 21:1, 11; 22:4; Nm. 5:2; 6:6,11; 9:6, 7, 10; 19:11, 13; Ag 2:13)".

A exemplo de Lv 19.28: "Pelos mortos não dareis golpes na vossa carne; nem fareis marca alguma sobre vós", e Ageu 2.13: "Se alguém vier a tornar-se impuro, por haver tocado um corpo morto...", nenhum dos textos citados diz que a alma morre junto com o corpo. Nada que possa robustecer a tese mortalista está nesses versículos, que apontam para o "corpo" sem vida, morto. No voto de nazireu havia a restrição de não tocar num corpo morto, que transmitia impureza (Nm 6.6). A mesma restrição é admitida pelo profeta Ageu, ao falar aos sacerdotes, porque fazia parte da lei (cf Nm 19.11-14).

"O que distingue os seres humanos dos animais não é a alma, mas o fato de que os seres humanos foram criados à imagem de Deus, isto é, com possibilidades semelhantes às de Deus, não disponíveis aos animais".

Uma característica importante, a mais importante, distingue os homens dos animais: somente a respeito dos homens Eclesiastes diz que quando o corpo desce ao pó, o espírito volta a Deus (Ec 12.7). Somente com relação ao homem, Jesus revelou que a sua alma é imortal: "Não tenham medo daqueles que podem matar o corpo e não podem matar a alma" (Mt 10.28a). Portanto, não somos semelhantes aos animais nem na criação, nem na vida, nem na morte.

"Para impedir à humanidade pecadora a possibilidade de "viver para sempre" (Gn 3:22), após a Queda Deus barrou o acesso à árvore da vida (Gn 3:22, 23)". "Após a Queda, Adão e Eva não mais tiveram acesso à árvore da vida (Gn. 3:22-23) e, conseqüentemente, começaram a experimentar a realidade do processo da morte".

A alta simbologia da "árvore da vida" não ficará restrita ao conceito da imortalidade. O assunto foi desenvolvido em tópico anterior, onde lembrei que a mesma árvore surge na nova morada dos justos: "Ao que vencer, dar-lhe-ei a comer da árvore da vida, que está no paraíso de Deus (Ap 2.7). A árvore da vida representa a plenitude da vida eterna. A desobediência do homem resultou não na perda da imortalidade de seu espírito, mas em sua morte física e espiritual, como já explicado. A árvore da vida manifesta-se nos dias de hoje para o homem redimido, e estará na Jerusalém celestial, indicando o pleno retorno às condições no Éden.

"A advertência divina (G. 2:17) estabelece uma clara ligação ética entre a vida e a obediência versus morte e desobediência. A natureza humana não foi

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criada com uma alma imortal, mas com a possibilidade de tornar-se imortal. A desobediência resultou em morte, não apenas para o corpo, mas para a pessoa inteira. Deus não disse: "no dia em que comerdes dela, vossos corpos morrerão enquanto vossa alma sobreviverá num estado desincorporado". Antes, declarou: "Vós", ou seja, a pessoa inteira, "morrereis".

A declaração "certamente morrereis" não revela tudo a respeito do complexo ser humano. Aprendemos que na Bíblia, a exemplo do Messias que começou a ser revelado em Gênesis 3.15, as revelações são progressivas, como foi progressiva a revelação a respeito da imortalidade e sobrevivência da alma. Após a queda, Adão experimentou a morte espiritual ao ver-se afastado de Deus, e ficou potencialmente sujeito à morte física.

"Sumariando, a expressão "o homem se tornou uma alma vivente-nephesh hayyah" apenas significa que em resultado do sopro divino, o corpo inanimado fez-se um ser vivente, que respirava--nada menos do que isso. O coração começou a bater, o sangue a circular, o cérebro a pensar, sendo todos os sinais vitais ativados. Declarado em termos simples, "uma alma vivente" significa "um ser vivo", e não "uma alma imortal". O que distingue os seres humanos dos animais não é a alma, mas o fato de que os seres humanos foram criados à imagem de Deus, isto é, com possibilidades semelhantes às de Deus, não disponíveis aos animais.

"Possibilidades semelhantes às de Deus" é uma afirmação dúbia. Quais possibilidades? Poderíamos dizer que uma dessas possibilidades seria a imortalidade. O próprio Deus destacou a alma como o elemento que distingue os homens dos animais. O animal morre, e nada sobrevive; morre o homem, o espírito imortal sobrevive (Ec 12.7; Mt 10.28). Portanto, é exatamente o contrário do que foi dito.

"A Bíblia traz um relatório de sete pessoas que foram levantadas dentre os mortos (1 Reis 17:17-24; 2 Reis 4:25-37; Lucas 7:11-15; 8:41-56; Atos 9:36-41; 20:9-11), mas nenhuma delas teve uma experiência de pós-morte para compartilhar.

"Não existe forma de vida consciente entre a morte e a ressurreição. Os mortos repousam inconscientemente em suas sepulturas até que Cristo os chame no glorioso dia de Sua vinda".

Mais uma vez tenta-se firmar tese com base no silêncio das Escrituras. Não é boa essa hermenêutica. As doutrinas devem ser apresentadas com base no que a Bíblia diz, e não no que ela não diz. Porque a Bíblia não relata experiências pós-morte, então não existe vida espiritual logo após a morte? Poderíamos dizer que os animais também ressuscitam, pois a Bíblia nada diz a respeito.

O argumento acima desconsidera o fato de que Moisés, apesar de haver morrido há mais de mil anos, apareceu em sã consciência e conversou com Jesus na transfiguração, estando presentes Pedro, Tiago e João (Mt 17.1-9). O profeta Elias, que subiu ao céu num redemoinho, também ali estava. O registro

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da presença de Moisés no monte da transfiguração é bastante para demolir o dogma da inconsciência dos mortos. Na tentativa de contornar mais esse obstáculo, alegam que é possível que Moisés haja ressuscitado, considerando-se que "o arcanjo Miguel, quando contendia com o diabo, e disputava a respeito do corpo de Moisés, não ousou pronunciar juízo de maldição contra ele..." (Jd 9). Mas onde está escrito que Moisés ressuscitou? O que está escrito na Bíblia é que ele morreu e foi sepultado.

Todos os justos que já morreram estão na presença do Senhor, porque "Deus não é Deus de mortos, mas de vivos" (Mt 22.32). Esta é uma declaração da sobrevivência da personalidade após a morte. Entre a morte e a ressurreição os justos continuam como que vivos para Deus, e aguardam o momento glorioso da redenção do corpo, quando enfim a morte será vencida. Leiam: "Ora, Deus não é Deus de mortos, mas de vivos, porque para ele vivem todos" (Lc 20.38). A passagem explica que depois que os patriarcas morreram em seu estado corpóreo continuaram vivendo em outro estado.

"Nenhum texto bíblico autoriza a declaração de que a 'alma' é separada do corpo no momento da morte. O ruach, 'espírito', que faz do homem um ser vivente (cf. Gn 2:7), e que ele perde por ocasião da morte, não é, falando-se apropriadamente, uma realidade antropológica, mas um dom de Deus que retorna a Ele ao tempo da morte. (Ec 12:7)".

Nesse caso o argumento do silêncio das Escrituras erra o alvo. A visão adventista da inconsciência após a morte assenta-se sobre dois pilares: Gênesis 2.7, "o homem se tornou alma vivente", e Gênesis 2.17, "certamente morrerás". Os dois textos são citados à saciedade no decorrer do artigo sob análise. Em tópico anterior dissertamos sobre essa questão. A expressão "alma vivente" significa um ser que vive, que se move, que respira. O homem é uma alma no sentido em que ele é um ser vivente, uma pessoa, uma personalidade. O próprio Deus, na Pessoa do Filho, que criou o homem e disse "certamente morrerás", e que veio trazer Boas Novas, nos ensinou que o homem possui uma parte imaterial, o espírito, que se separa do corpo na hora da morte (Mt 10.28). Com isso, Jesus deu mais luz ao contido em Eclesiastes 12.7. Ao dizer ao ladrão arrependido: Hoje estarás comigo no paraíso", Jesus não se referia ao "dom de Deus", à vida do malfeitor. Referia-se à sua personalidade, ao seu espírito, parte invisível e imaterial do seu ser. Ele foi recebido no céu pelo Deus dos vivos, e não dos mortos.

"Primeiramente, não há lembrança do Senhor na morte: "Pois na morte [maveth] não há recordação de Ti; no sepulcro quem te dará louvor?" (Sal. 6:5)".

Já comentamos e refutamos diversos textos apresentados como prova de que não há memória na morte. A contestação e explicação está no próprio versículo. É "no sepulcro", onde jaz o corpo, que ocorre a falta de memória.

"Alguns argumentam que a intenção das passagens que acabamos de citar e que descrevem a morte como um estado de inconsciência "não é ensinar que a alma do homem é inconsciente quando ele morre", e sim de que "no estado de

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morte o homem não mais pode participar nas atividades do mundo presente". Em outras palavras, uma pessoa morta é inconsciente no que concerne a este mundo, mas sua alma é consciente no que concerne ao mundo dos espíritos. O problema com essa interpretação é que tem por base o pressuposto gratuito de que a alma sobrevive à morte do corpo, um pressuposto que é claramente negado no Velho Testamento. Descobrimos que no Velho Testamento a morte do corpo é a morte da alma porque o corpo é a forma exterior da alma".

Em vários lugares, maveth [morte] é usada em referência à segunda morte. "Dize-lhes: Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho, e viva. Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois, por que haveis de morrer, ó casa de Israel" (Ez 33:11; cf. 18:23, 32). Aqui a "morte do ímpio" obviamente não se refere à morte natural que toda pessoa experimenta, mas aquela infligida por Deus no Fim aos pecadores impenitentes. Nenhuma das descrições literais ou referências figuradas da morte no Velho Testamento sugere a sobrevivência consciente da alma ou espírito à parte do corpo. A morte é a cessação da vida para a pessoa integral.

Houve um lamentável equívoco na exposição da idéia. Em primeiro lugar, por que buscar apoio somente no Velho Testamento? A Palavra de Deus não se estende ao Novo Testamento? Segundo, o texto citado como exemplo não dá suporte à eliminação do corpo e alma juntos. As lentes dos aniquilacionistas enxergam extermínio em qualquer tipo de morte. Mas não é bem assim. Adão morreu, mas não foi exterminado. Nós morremos em Adão, por causa de sua desobediência (1 Co 15.22); os crentes morrem para o pecado, isto é, afasta-se de toda associação espiritual com o sistema pecaminoso do mundo (Rm 6.2; 1 Pe 2;24); morremos de morte natural (Mt 9.24); os ímpios morrem em seus pecados (Jo 8.24).

Vejamos o que diz o verso apresentado como prova: "Dize-lhes: Vivo eu, diz o Senhor Jeová, que não tenho prazer na morte do ímpio, mas em que o ímpio se converta do seu caminho e viva; convertei-vos, convertei-vos dos maus caminhos; pois por que razão morrereis, ó casa de Israel" (Ez 33.11). Em outras palavras, o texto repete Ez 18.20: "A alma que pecar, essa morrerá". Agora, vejamos o que o articulista disse acima:

"Descobrimos que no Velho Testamento a morte do corpo é a morte da alma porque o corpo é a forma exterior da alma".

Se a descoberta foi em decorrência dos versículos acima, vê-se claramente que nada foi descoberto. Ezequiel 18.20 e 33.11 falam em morte dos ímpios, isto é, morrem em suas iniqüidades (vv.10,13,18). Não diz que a morte do corpo é a morte da alma, nem diz que se trata de um extermínio nos tempos do fim. A "morte do ímpio" se caracteriza em dois planos: (a) aqui na terra, pela quebra da comunhão com Deus (Tg 1.15), significando morte espiritual, tal como aconteceu com Adão logo após desobedecer (Gn 3.7-10); (b) a morte eterna, caracterizada pela separação definitiva e irremediável entre o pecador e Deus, após a ressurreição de que trata Jo 5.29 e Apocalipse 20.5. A morte eterna é entendida como a segunda morte, o lago de fogo - mais adiante

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explicado -, onde serão atormentados para todo o sempre (Ap 20.10).

"Não há qualquer indicação de que a alma de Lázaro, ou das demais seis pessoas levantadas da morte, tenha ido para o céu. Nenhuma delas teve uma "experiência celestial" para narrar. A razão disso é que nenhuma ascendeu ao céu. Isso é se confirma na referência de Pedro a Davi em seu discurso no dia de Pentecoste: "Irmãos, seja-me permitido dizer-vos claramente, a respeito do patriarca Davi, que ele morreu e foi sepultado e o seu túmulo permanece entre nós até hoje" (Atos 2:29). Alguns poderiam argumentar que o que estava na sepultura era o corpo de Davi, não sua alma que havia ido para o céu. Essa interpretação, porém, é negada pelas explícitas palavras de Pedro: "Porque Davi não subiu aos céus" (Atos 2:34). A tradução de Knox assim reza: "Davi nunca subiu para o céu". A Bíblia de Cambridge traz a seguinte nota: "Pois Davi não ascendeu. . . Ele desceu à sepultura e 'dormiu com os seus pais'". O que dorme na sepultura, segundo a Bíblia, não é meramente o corpo, mas a pessoa integral que aguarda o despertar da ressurreição".

O simples fato de não haver relato das "experiências celestiais" não prova nada. Não é boa a hermenêutica que busca apoio no silêncio da Bíblia. Vejamos o contexto em que se insere "Porque Davi não subiu aos céus": "A respeito dele [de Cristo] disse Davi: Porque tu não me abandonaste no sepulcro, nem permitirás que o teu Santo sofra decomposição... Posso dizer que o patriarca Davi morreu e foi sepultado, e o seu túmulo está entre nós até o dia de hoje... Prevendo isso, ele falou da ressurreição do Cristo, que não foi abandonado no sepulcro e cujo corpo não sofreu decomposição. Pois Davi não subiu aos céus..." (At 2.25-34).

Pedro explicou que a afirmação de Davi (Sl 16.10) não se referia ao próprio Davi, e sim a Jesus, que realmente ressurgiu dos mortos. Conclui dizendo que não foi o corpo de Davi que ressuscitou, pois o patriarca morreu e foi sepultado, e o seu túmulo está entre nós até o dia de hoje" (v.29). A Bíblia Linhagem de Hoje melhor esclarece: "Porque não foi Davi quem subiu para o céu" (anabainõ-subir, ascender, levantar-se). Que o espírito de Davi foi imediatamente para o céu não há dúvida, à vista das diversas passagens bíblicas aqui citadas, e também porque ele era "homem segundo o coração de Deus" (At 13.22). É da vontade de Deus que os seus, a exemplo de Moisés, Elias, Enoque e o ladrão arrependido subam logo para o céu.

"Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o Seu Filho unigênito, para que todo o que Nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (João 3:16). O destino dos que recusam crer é a destruição ("perecer"), e não a salvação universal".

No tópico sob o título "extermínio dos ímpios" o assunto foi amplamente analisado e refutados os argumentos contrários. Faz parte da visão dos mortalistas ver extermínio em tudo. O mesmo verbo apollumi-perecer, de João 3.16, é usado, por exemplo, em Romanos 14.15: "Não destruas [ou faças perecer] por causa da tua comida aquele por quem Cristo morreu"; e em 1 Co 8.11: "E, pela tua ciência, perecerá o irmão fraco, pelo qual Cristo morreu". Não se há de admitir que o irmão seja exterminado nesta vida terrena ou depois de

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ressuscitado. Então, entenda-se "perecer", em João 3.16, como arruinar-se, afastar-se de Deus, perder a fé, perder-se, desviar-se do caminho.

"A solução sensata aos problemas do ponto de vista tradicionalista deve ser encontrada, não por rebaixar ou eliminar o quociente de dor de um inferno literal, mas aceitando-se o Inferno por aquilo que realmente é - a punição final e permanente aniquilamento dos ímpios. Como declara a Bíblia, "Mais um pouco de tempo e já não existirá o ímpio; procurarás o seu lugar, e não o acharás", porque "o destino deles é a perdição" (Fil. 3:19).

A tese sobre o aniquilamento está mal formulada ou mal explicada. A morte natural é considerada como aniquilamento? Considerando que os ímpios ressuscitarão (Ap 20.5), a pena capital ocorrerá logo após ressuscitarem? Neste caso, qual seria a finalidade da ressurreição deles? Ressuscitariam, seriam castigados por um tempo de acordo com suas obras, e depois seriam exterminados? Neste caso, não seria melhor não revivê-los? 3

Referindo-se a Ezequiel 33.11, o articulista afirma que a "morte" ali referida "obviamente não se refere à morte natural que toda pessoa experimenta, mas aquela infligida por Deus no Fim aos pecadores impenitentes".

Depreende-se que ao afirmar que "o destino deles é a perdição" o adventismo admite que o extermínio será o do corpo ressurreto, uma vez que não admite a existência de uma alma em sofrimento consciente. Retornamos ao seguinte questionamento: os ímpios reviverão para morrer? Sairão da sepultura para morrerem em seguida? Qual seria a finalidade da ressurreição dos ímpios (Ap 20.5)?

O inferno/lago de fogo e enxofre é lugar de prisão, desprezo, vergonha. Os anjos que pecaram foram lançados no inferno, presos em "abismos tenebrosos" (2 Pe 2.4; cf. Jd 6;cf Ap 20.7). O tormento é eterno, "para todo o sempre" (Ap 20.10).

"Mas não há ressurreição da segunda morte, pois os que a experimentam são consumidos no que a Bíblia chama "o lago de fogo" (Ap. 20:14). Esse será o aniquilamento final".

A refutação está no próprio capítulo, verso 10: "E o diabo, que os enganava, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde estão a besta e o falso profeta [e para onde irão os ímpios, cf. verso 15]. De dia e de noite serão atormentados, para todo o sempre". Todas as versões consultadas falam num tormento sem fim. O comentário da Bible Online (GILL), assim traduz: "E serão atormentados dia e noite para sempre; quer dizer, não só o diabo, mas a besta e falso profeta, porque a palavra está no plural: e este será o caso de todos os homens maus, de todos os inimigos de Deus e Cristo; é uma prova da eternidade de tormentos do inferno".

"Não há existência independente do espírito ou alma à parte do corpo. A morte é a perda do ser total, e não meramente a perda do bem-estar. A pessoa inteira repousa na sepultura num estado de inconsciência caracterizado na Bíblia

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como "sono". O "despertar" desse sono terá lugar quando Cristo vier e chamar de volta à vida os santos adormecidos".

Então, anulemos tudo aquilo o que na Bíblia define como visão dualista, sobrevivência e consciência da alma após separar-se do corpo. Desprezemos, por exemplo, o relato dos evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas que falam da Transfiguração de Jesus, onde apareceu Moisés, que havia morrido há mais de mil anos (Mt 17.1-8; Mc 9.1-8; Lc 9.28-36). Quem estava ali? Uma saída honrosa seria dizer que era o "sopro" personificado de Moisés ou um fantasma. Nada disso. Era Moisés mesmo, confirmando que na morte a parte imaterial chamada espírito se separa e segue o seu destino: os de Cristo seguem diretamente para o céu. Sobre Moisés, escrevi numa determinada lista de discussão, onde o assunto entrou em debate:

Pensei pudesse receber melhor contribuição dos adventistas, ainda que contrária à minha crença, com relação ao aparecimento do falecido Moisés no monte da Transfiguração. O argumento contrário é bem vindo para que possa refutar com responsabilidade.

O que vi, todavia, foi a alegação de que Jesus não iria participar de uma sessão espírita, haja vista a proibição para tal prática (Is 8.19). Ora, o que está em pauta não é isso. Essa argumentação seria mais válida para ser apresentada por um espírita, em defesa da comunicação com os mortos.

O que sobressai é que a Palavra diz que Moisés, falecido, apareceu no monte da Transfiguração e falou com Jesus. Dizer que isso equivale a uma sessão espírita e que por isso mesmo não pode ser levado em conta, é não encarar de frente a questão.

Mas vamos lá. Na Transfiguração não se caracterizou uma sessão espírita como a conhecemos. Não houve intermediário, um médium entre o morto Moisés e Jesus. Não ocorreram manifestações mediúnicas. Moisés conversou com o Senhor Jesus como se estivesse no céu. Os apóstolos que presenciaram o fato não conversaram com o morto Moisés nem com Elias. Estes e Jesus conversaram entre si.

A Transfiguração (metamorphoõ) de Jesus se caracterizou por uma mudança radical do seu corpo; o termo denota alteração substancial, mudança completa. Então, o Filho de Deus se apresentou ali com a Sua natureza divina plena, da mesma forma como os apóstolos O viram na ascensão. Somente nessa condição falou com o morto Moisés. Não cito Elias porque este não passou pela morte; foi trasladado. Vejam que o rosto de Jesus "resplandeceu como o sol, e as suas vestes se tornaram brancas como a luz" (Mt 17.2).

Menos desastroso argumento, embora natimorto, seria dizer que ali estava o "sopro personificado de Moisés", ou que tudo isso é um simbolismo, que na verdade Moisés quer dizer Lei, e Elias quer dizer profetas. Seriam argumentos completamente refutáveis, mas muito mais dignos do que dizer que não podia ser Moisés porque Jesus não iria participar de uma sessão espírita.

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"Como no serviço típico do Dia da Expiação, os pecadores impenitentes eram "eliminados" e "destruídos", assim no cumprimento antitípico do juízo final, os pecadores "sofrerão penalidade de eterna destruição banidos da face do Senhor" (2 Ts 1:9).

A palavra "destruição" e as equivalentes perecer, eliminar e aniquilar ocorrem 66 vezes no artigo sob exame. Portanto, estamos realmente diante da doutrina do aniquilacionismo.

Vejam o texto na versão NVI: "Eles sofrerão a pena de destruição eterna, a separação da presença do Senhor e da majestade do seu poder". Apõleia-destruição/perdição tem o significado de separação, "perda de felicidade, de bem-estar, não de ser". Poderíamos traduzir assim: "Sofrerão a pena da eterna separação de Deus". A versão Alfalit registra: "Os quais padecerão, como castigo, a perdição eterna, expulsos da face do Senhor e da glória do seu poder". São expulsos, perdem o privilégio de viverem para sempre com o Senhor. A versão BLH: "Eles vão sofrer o castigo da destruição eterna e serão separados da presença do Senhor e do seu glorioso poder". Deus elimina e separa? Ora, se vão ser exterminados não há porque separá-los. Os ímpios ficarão eternamente separados.

Em nenhum momento o autor do artigo sobre a visão holística faz qualquer comentário sobre os castigos diferenciados. Como conciliar a doutrina da punição proporcional às faltas cometidas com o conceito holístico o extermínio puro e simples? Ora, a punição diferenciada como resultado do julgamento segundo as obras espelha a reta justiça de Deus. A pena capital nivelaria todas as faltas cometidas. Todos pagariam igualmente com a morte, qualquer que fosse o nível de suas culpas.

Sobre a ressurreição dos ímpios, revela o artigo:

"Mas não há ressurreição da segunda morte, pois os que a experimentam são consumidos no que a Bíblia chama "o lago de fogo" (Ap 20:14). Esse será o aniquilamento final". A Bíblia, contudo, faz uma distinção entre a primeira morte, que todo ser humano experimenta em resultado do pecado de Adão (Rm 5:12; 1 Co 15:21), e a segunda morte experimentada após a ressurreição (Ap 20.5) como salário pelos pecados pessoalmente cometidos (Rm 6.23).

Admitem os mortalistas que os ímpios, após ressuscitarem (Jo 5.29; Ap 20.5), serão eliminados. Determinado adventista disse que "a ressurreição do ímpio é o prelúdio de sua destruição". Deus agiria assim para que os ímpios morram "conscientes" de sua punição? Ora, na morte não há consciência. Apesar de já estarem mortos, Deus faria ressurgir bilhões de corpos para em seguida queimá-los no lago de fogo e enxofre. Para quê, se eles já estavam mortos?

O lago de fogo não é uma espécie de matadouro, um lugar de extermínio. É um lugar de vergonha, desprezo, angústia, tristeza por que passarão os que lá estiverem, pelos séculos dos séculos. A mesma expressão grega usada em Apocalipse 20.10, "serão atormentados para eis tous aiõnas ton aiõnõn-todo o sempre", é usada em Hebreus 1.8, referindo-se à duração do trono de Deus,

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eterno no sentido de interminável; em 1 Pedro 4.11, concercente à Sua glória e domínio para sempre; em Apocalipse 1.8, sobre a eternidade do Cordeiro.

Acompanhem a seguinte seqüência de eventos e comprovem que a "segunda morte" não é uma aniquilação, mas um estado eterno de separação de Deus:Apocalipse 19.20 - A besta e o falso profeta são lançados vivos no lago de fogo.Apocalipse 20.2 - Satanás é amarrado por mil anos.Apocalipse 20.5 - Os outros mortos reviveram após os mil anos.Apocalipse 20.7 - Satanás será solto da sua prisão.Apocalipse 20.10 - O diabo foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde estão a besta e o falso profeta. De dia e de noite serão atormentados para todo o sempre.Apocalipse 20.15 - Serão lançados no lago de fogo todos os não inscritos no livro da vida.Observem que passados mil anos (Ap 19.20) a besta e o falso profeta ainda se encontravam vivos no lago de fogo (Ap 20.10) e continuarão no mesmo eterno estado de ruína, sendo atormentados dia e noite. Diante das evidências, falece, porque não bíblica, a tese da aniquilação dos ímpios.

"Descobrimos que tanto o Velho quanto o Novo Testamento claramente ensinam que a morte é a extinção da vida para a pessoa integral. Não há lembrança nem consciência na morte (Sl 9:5; 146:4; 30:9; 115:17; Ec 9:5). Não há existência independente do espírito ou alma à parte do corpo. A morte é a perda do ser total, e não meramente a perda do bem-estar. A pessoa inteira repousa na sepultura num estado de inconsciência caracterizado na Bíblia como "sono". O "despertar" desse sono terá lugar quando Cristo vier e chamar de volta à vida os santos adormecido".

Sobre o "sono da alma" já discorremos em análise anterior, neste estudo. O simples fato de a Bíblia usar a expressão "dormir" para os crentes mortos não pode ser traduzido como uma declaração de não sobrevivência da alma. Eclesiastes 9.5 deve ser entendido com os versos 6 e 10 seguintes: não há entendimento "debaixo do sol" nem na "sepultura". Nesta, morrem os projetos humanos. Há, sim, vida após a morte, em razão da imortalidade da alma. A vontade dos adventistas e demais contradizentes é que os homens, na morte, sejam iguais aos animais. Todavia, somente no caso dos homens se diz que o corpo desce à sepultura, mas o espírito volta a Deus. Ora, os animais também receberam o fôlego de vida diretamente do Criador. Por que razão ao morrerem seus "espíritos" não se separam?

Salmos 9.5 fala da vitória de Davi sobre os inimigos do Deus de Israel, que pode ser uma alusão aos Amalequitas, quase totalmente aniquilados no reinado de Saul (1 Sm 15.1-9). Os sobreviventes dessa nação inimiga foram exterminados pelo salmista Davi (1 Sm 30). O exemplo não pode servir para estabelecer doutrina sobre o aniquilamento dos ímpios. Nem todos os ímpios são exterminados da mesma forma. A maioria morre de morte natural, como morrem também os justos. O salmista diz que seus nomes estão apagados para sempre. Sim, seus nomes, aqui na terra estão apagados. Serão lembrados na ressurreição (Ap 20.5) para receberem o castigo eterno.

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Portanto, o exemplo do Salmo 9.5 é inadequado como apoio ao ensino do aniquilamento, quer da alma, quer dos ímpios.

Salmos 146.4, citado pelo adventista, diz que na morte perecem os pensamentos dos homens. A mensagem fala da fragilidade dos propósitos humanos, que em decorrência da morte não conseguem dar-lhe curso. Por isso, o salmista diz para não confiarmos em homens (v. 3), mas depositarmos a nossa esperança no Senhor (v.5). "Naquele dia perecem os seus pensamentos" nada diz sobre a inconsciência do espírito que na morte se separa do corpo.

Salmos 30.9 ressalta uma realidade: "Porventura te louvará o pó?". Trata-se de um "cântico para a dedicação do templo". A palavra hebraica yãdãh-louvar é usada como expressão de adoração, agradecimento ou louvor público-congregacional. Na morte, o salmista estaria impedido de dar testemunho público no meio da congregação (cf. Sl 22.12,22; 35.18). Nesta concepção, somente os vivos louvam (Is 38.18-19). O salmista conclui afirmando: "Senhor, Deus meu, eu te louvarei para sempre" (Sl 30.12). Todavia, "as almas dos mortos", cuja redenção ainda não se completou pela ressurreição do corpo, estão no céu louvando a Deus continuamente (Ap 6.9,10; cf Ap 19.4-7).

Quando a Bíblia diz que os mortos não louvam ao Senhor (Sl 115.17) e sua memória jaz no esquecimento (Ec 9.5), está falando de não haver memória neste mundo, mas certamente há memória deste mundo. Salomão esclarece ao dizer que "na sepultura, para onde vais, não há obra, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria alguma" (Ec 9.10). Na morte, os projetos humanos são findos. A Bíblia ensina que a alma sobrevive à morte num estado consciente de conhecimento.

"Outro bom exemplo se acha em 2 Ts 1:9 onde Paulo, falando a respeito dos que rejeitam o evangelho, declara objetivamente: "Estes sofrerão penalidade de eterna destruição, banidos da face do Senhor e da glória do Seu poder".

Evidentemente a destruição dos ímpios não pode ser eterna em duração porque é difícil imaginar um processo eterno, inconclusivo de destruição. A destruição pressupõe aniquilamento. A destruição dos ímpios é eterna, não porque o processo de destruição continue para sempre, mas porque os resultados são permanentes. Do mesmo modo, os resultados da "punição eterna" de Mat. 25:46 são permanentes. É uma punição que resulta em sua eterna destruição ou aniquilamento".

Entenda-se "destruição eterna" como eternamente arruinados, perdidos, abandonados, banidos da face do Senhor. Estarão destruídos porque separados para sempre do Senhor: "Eles sofrerão a pena de destruição eterna, a separação da presença do Senhor e da majestade do seu poder" (2 Ts 1.9-NVI). A Bíblia de Jerusalém fala em ruína: "O castigo deles será a ruína eterna, longe da face do Senhor...". A versão Alfalit registra: "Os quais padecerão, como castigo, a perdição eterna, expulsos da face do Senhor..."

O termo olethros-perdição, ruína, destruição é usado no Novo Testamento em

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quatro casos, e em nenhum deles significa extermínio (1 Co 5.5; 1 Ts 5.3; 2 Ts 1.9; 1 Tm 6.9). Exemplo: "Os que querem ficar ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína" (1 Tm 6.9). Na Bíblia, nem sempre a palavra original traduzida como destruir/destruição significa literalmente exterminar ou aniquilar: "O meu povo foi destruído porque lhe faltou o conhecimento...também eu te rejeitarei..." (Os 4.6). Vejam o termo hebraico shahat-destruir com o significado de ser vencido, rejeitado, derrotado, arruinado espiritualmente. Os israelitas eram "destruídos" porque rejeitavam deliberadamente a verdade que Deus lhes revelara através dos profetas e de sua Palavra escrita. Outro exemplo: "Porque no Filho do Homem não veio para destruir [apollumi] as almas dos homens, mas para salvá-las" (Lc 9.56).

Então, banidos da presença de Deus, de sua majestade e glória, estarão em ruína, destruídos, desprezados, envergonhados, punidos com eterno castigo (2 Ts 1.9; Dn 12.2; Mt 25.46; 2 Pe 2.9; Ap 20.10).

"Antes de analisarmos a parábola, precisamos nos lembrar que contrariamente a uma alegoria como O Peregrino, onde cada detalhe conta, os detalhes de uma parábola não têm necessariamente algum significado em si mesmos, exceto como "pontos de apoio" para o relato. A parábola tem o propósito de ensinar uma verdade fundamental, e os detalhes não têm um significado literal, a menos que o contexto indique doutra forma. A partir deste princípio outro se desenvolve, ou seja, somente o ensino fundamental de uma parábola, confirmado pelo teor geral das Escrituras, pode ser legitimamente usado para definir doutrina.

A tentativa de Peterson de extrair três lições da parábola ignora o fato de que a sua principal lição é dada na linha conclusiva: "ainda que ressuscite alguém dentre os mortos" (Luc. 16:31). Esta é a principal lição da parábola, ou seja, nada ou ninguém pode superar o poder convincente da revelação que Deus nos concedeu em Sua Palavra. Interpretar Lázaro e o homem rico como representantes do que ocorrerá aos salvos e perdidos imediatamente após a morte significa querer captar da parábola lições estranhas a sua intenção original.

O articulista fez uma ampla exposição da parábola do rico e Lázaro (Lc 16.19-31), do que extraímos algumas referências, como acima. Em suma, diz que não devemos levar em conta tudo o que foi dito por Jesus. Estabelece como principal lição da parábola "o poder convincente" da Palavra de Deus.

Todos esses argumentos objetivam contornar uma preocupante e incômoda afirmação: "Morreu o mendigo [Lázaro] e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão" (Lc 16.22). Simples e bela como uma flor, a afirmação de Jesus atinge em cheio a tese dos mortalistas de completa inconsciência depois da morte e de não sobrevivência da personalidade do homem.

Jesus teria cometido o deslize de causar tremenda confusão entre as gerações futuras ao dizer que três almas - Abraão, Lázaro e o rico - haviam se apartado do corpo, na morte, e estavam, conscientes, em seus devidos lugares, mesmo

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sabendo que a alma morre com o corpo? Improvável.

Na parábola do rico e Lázaro não há apenas uma verdade. Há várias lições que dela podemos extrair. A primeira, é que na morte o espírito se separa do corpo, e os salvos irão imediatamente para a presença do Senhor (Cf. Ec 12.7; Mt 10.28; Lc 8.55; 23.43,46; At 7.59; Fp 1.21,23; 2 Co 5.1,8; Ap 6.9; 20.14). A segunda, é que o estado de tormento ou de bem-aventurança após a morte é um estado consciente e irreversível. A terceira, é que os espíritos dos mortos não podem sair de onde estão para auxiliar os vivos. A quarta, é que o meio eficaz de salvação é crer em Jesus e na sua Palavra. (22.04.2003)

RESPOSTA AOS JUDEUS NÃO CONVERTIDOSProfessor Antony Steff Gilson de Oliveira

"Santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós" (1 Pe 3.15-16).

Desconheço o autor das questões abaixo, que me foram remetidas recentemente. Pelo visto, deve ser um judaizante, ou seja, seguidor do Judaísmo, talvez um judeu não convertido, que não reconhece em Jesus o verdadeiro Messias. Em defesa de minha fé, elaborei a devida refutação, como a seguir:

O Judaísmo afirma que Jesus não foi o Messias, pois não realizou as esperanças messiânicas. Ele não estabeleceu a paz universal e justiça social para toda a humanidade, nem redimiu o povo de Israel, e nem tampouco elevou as montanhas do Senhor acima do topo das alturas. No tocante aos judeus, seu próprio exílio e falta de um lar, e a continuação da guerra, pobreza e injustiça são provas conclusivas de que o Messias ainda não chegou, pois sua vinda, de acordo com promessas proféticas, apressará a redenção do povo de Israel do exílio e a redenção de todo o mundo dos males da guerra, pobreza e injustiça.

Resposta - Todas as profecias messiânicas se cumpriram em Jesus Cristo. O Messias prometido, Jesus, o Ungido de Deus, veio para destruir as obras do diabo, dar liberdade aos cativos, quebrar as algemas invisíveis, trazer Boas Novas e preparar um povo para morar no céu (Is 61-2; Lc 4.18; Jo 3.16). Veio para todas as nações, "para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo 3.16). Ele [O Cristo do Senhor] "é luz para iluminar os gentios, e para glória do teu povo Israel" (Lc 2.32). "É Deus somente dos judeus? Não o é também dos gentios? Também dos gentios, certamente" (Rm 3.29). O povo de Deus não é exclusivamente a nação de Israel, mas os que estão lavados e remidos no sangue do Cordeiro. A REDENÇÃO em Jesus é espiritual. Todos os que O recebem são espiritualmente renovados. Jó disse: "Eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra. E depois de consumada a minha pele, ainda em minha carne verei a Deus" (Jó 19.25-26). A esperança no Redentor é que Ele viria salvar seu povo do pecado e da condenação (Rm 3.24; Gl 3.13; 4.5; Ef 1.7; Tt 2.14), livrá-lo do medo da morte (Hb 2.14,15; Rm 8.2) e da ira vindoura (1 Ts 1.10); e dar-lhe vida eterna

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(Rm 6.23). Tudo isso encontramos na pessoa do Senhor Jesus.

O reinado de Jesus será estabelecido num tempo vindouro, quando haverá plena paz no mundo. Vejam: "Em verdade vos digo que vós os que me seguistes, quando, na regeneração, o Filho do homem se assentar no trono de sua glória, também vos assentareis em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel" (Mt 19.28); "Quando vier o Filho do homem na sua majestade e todos os anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória; e todas as nações serão reunidas em sua presença, e ele separará uns dos outros, como o pastor separa dos cabritos as ovelhas" (Mt 25.31-32). Os judeus "pensavam que o reino de Deus havia de manifestar-se imediatamente" (Lc 19.11). Supunham que Jesus iria comandar um exército para libertar os judeus do jugo romano. Ficaram decepcionados quando viram o Rei humilhado diante de Pilatos; conduzido para o Calvário; castigado, vencido, fraco e morto. Nesse sentido, realmente Ele não realizou "as esperanças messiânicas". Mas trouxe vida abundante para todos os que O recebem como o verdadeiro Messias, o Filho do Deus vivo.

A ênfase de Jesus em seus próprios ensinamentos, a maioria dos quais contrários ao verdadeiro espírito da profecia hebraica, culminou em sua reivindicação de possuir proximidade especial com Deus, proximidade não compartilhada e nem mesmo semelhante à de qualquer outro ser humano. Assim ele declarou: "Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho se não o Pai, e ninguém conhece o pai, se não o filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar". Deus, do modo como o judeu o conhece, está igualmente próximo de todos os homens, e sua proximidade depende de quão próximo eles querem que ele esteja e quão próximo eles desejam chegar dele. Nenhum profeta judeu nem mesmo Moisés, o mestre dos profetas, alguma vez afirmou estar mais próximo de Deus do que qualquer outro homem.

Resposta - Jesus continua junto à sua Igreja, aos seus, ao seu povo, a todos os que O aceitam como Senhor. Ele mesmo disse que estaria conosco todos os dias (Mt 28.20). Ele foi chamado de Emanuel, que significa "Deus conosco" (Is 7.14). Jesus estabeleceu a diferença. Realmente, nenhum outro teve a ousadia de dizer que era "o Cristo, o Filho do Deus Vivo" (Mt 16.16-17); nenhum profeta, em qualquer época, ouviu "uma voz dos céus, dizendo: "Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo" (Mt 3.17; 17.5); ninguém jamais disse de si mesmo: "Eu sou o Senhor do sábado" (Mt 12.8); nenhum profeta foi chamado de "Filho do Altíssimo" (Lc 1.32); a respeito de nenhum outro profeta se lê na Bíblia: "E estamos naquele que é verdadeiro, isto é, em seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus, e a vida eterna" (1 Jo 5.20); ninguém, antes de Jesus, teve a autoridade para declarar: "Eu sou o caminho, a verdade, e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por mim" (Jo 14.6). Realmente, Jesus fez a diferença. Antes dele, ninguém pôde dizer com tanta certeza: "Eu e o Pai somos um" (Jo 10.30). E ninguém deu tantas evidências de Sua própria divindade quanto Ele, pois curou milhares de doentes, expulsou demônios, ressuscitou mortos, acalmou tempestades, andou sobre as águas. Em toda a história da humanidade, jamais um homem predisse a sua própria ressurreição: "Depois de eu ressurgir, irei adiante de vós para a Galiléia" (Mt 26.32); "E o

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entregarão aos gentios para ser escarnecido, açoitado e crucificado. No terceiro dia ele ressurgirá" (Mt 20.19). As Escrituras hebraicas, a exemplo do Salmo 22 e Isaías 53, falam do sacrifício de Jesus na cruz, exceto para quem ainda espera, em vão, o Messias prometido.

O Messias que os judaizantes ainda aguardam terá que cumprir totalmente as profecias messiânicas das Escrituras hebraicas, o que é plenamente impossível. Assim, deverá ser descendente da tribo de Judá (Gn 49.10; Lc 3.33;Mt 1.2-3); nascer em Belém Efrata (Mq 5.2; Mt 2.1; Lc 2.4-7); nascer de uma virgem (Is 7.14; Mt 1.18); ser o principal motivo da matança dos meninos (Jr 312.15; Mt 2.16-18); ser a Galiléia o principal cenário do seu ministério (Is 9.1-2; Mt 4.12-16); ser profeta (Dt 18.15; Jo 6.14) e sacerdote (Sl 110.4; Hb 6.20); deverá ser recebido com alegria quando entrar em Jerusalém, montado num jumentinho (Zc 9.9; Jo 12.13-14); ser traído por um dos apóstolos (Sl 41.9; Mc 14.10; Mt 26.14-16; Mc 14.43-45) e vendido por trinta moedas de prata (Zc 11.12; Mt 26.15;Mt 27.3-10); que essas moedas sirvam para comprar um sítio (Zc 11.13; Mt 27.3-5; 8-10; 27.6-7); ser acusado por falsas testemunhas (Sl 27.12; 35.11; Mt 26.60-61).

O Messias dos judaizantes, para que as Escrituras hebraicas se cumpram, deverá permanecer em silêncio quando for acusado (Is 53.7; Mt 26.62-63); ao ser preso, deve ser esbofeteado e cuspido (Sl 69.4;Mc 14.65; 15.17; Jo 19.1-3; 18.22); deve ser odiado sem justa causa (Sl 69.4; Jo 15.23-25); sofrerá em nosso lugar (Is 53.4-5; Mt 8.16-17; Rm 4.25; 1Co 15.3); deve ser crucificado com pecadores (Is 53.12; Mt 27.38; Mc 15.27-28; Lc 23.33); na sua crucificação, suas mãos e pés devem ser trespassados (Sl 22.16; Jo 19.37; 20.25-27); para saciar sua sede, receberá na cruz fel e vinagre (Sl 69.21; Jo 19.29; Mt 27.34,48); será alvo de zombaria (Sl 22.8; Mt 27.43). O Messias aguardado deve ter seu lado trespassado (Zc 12.10; Jo 19.34), seus ossos não serão quebrados (Sl 34.20; Jo 19.33), lançarão sortes sobre suas vestes (Sl22.18; Mc 15.24;Jo 19.24); deverá ser sepultado com os ricos (Is 53.9; Mt 27.57-60); em cumprimento à sua própria profecia e às profecias das Escrituras hebraicas, o Messias que os judaizantes aguardam deverá ressuscitar ao terceiro dia, apesar de seu sepulcro receber o selo imperial e ser guardado dia e noite por uma guarda romana fortemente armada (Sl 16.10; Mt 20.19; 26.32; 27.40; Mt 28.9; Lc 24.36-48) e sua ascensão deve ser vista pelos discípulos (Sl 68.18; Lc 24.50-51; At 1.9).

O Messias esperado pelos judaizantes enfrentará outro obstáculo insuperável. É que o seu nascimento deverá ocorrer há dois mil anos (?!), exatamente na mesma época em que nasceu Jesus, para que se cumpra a profecia de Daniel 9.24-26a. Outra condição incômoda para o Messias dos judaizantes diz respeito à prova de sua linhagem, pois ele deverá ser da tribo de Judá e da família de Davi, da "raiz de Jessé" (Gn 49.10; Is 11.1,10; 2 Sm 7.12-16; Mt 1.1; 9.27; Lc 1.32; Hb 7.14; Rm 15.12; Ap 5.5). Impossível conseguir a prova dessa filiação porque os registros genealógicos foram extintos com a destruição do templo de Jerusalém pelos exércitos romanos, sob o comando do general Tito, em 70 d.C.

Para Jesus, a pobreza não era uma condição deplorável, necessitando de

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erradicação; mas pelo contrário, a considerava como um passaporte para o reino dos céus. E então aconselhava aos discípulos: Se desejas a perfeição, vá! venda sua propriedade e doe o dinheiro aos pobres e gozarás de riqueza nos céus. Depois, volte e seja meu seguidor" (Mt 19:21).

Resposta - Não se pode generalizar o que está escrito em Mt 19.21. O coração daquele jovem estava em suas riquezas. Conhecendo sua fraqueza, Jesus aconselhou-o a vender seus bens. E disse ser difícil um rico entrar no reino de Deus. Jesus aproveitou a ocasião para ensinar que quem ama a Deus acima de tudo não deve ser escravo da idolatria e avareza. Todavia, a salvação está em nEle crê, seja rico ou pobre (Jo 3.18; Ef 2.8). Não se pode criar uma doutrina com base nesse versículo, mas se deve examinar o conjunto dos ensinos de Jesus. Pobreza ou riqueza, tudo deve ser para a glória de Deus. Quando Jesus se encontrou com Zaqueu não condenou a sua riqueza; mas aquele homem, tendo ouvido a Jesus, resolveu devolveu o que havia ganho por meio ilícito (Lc 19.8).

Para poder ser um seguidor de Jesus, entretanto, seria preciso romper todos os vínculos com a vida social normal, pois ele exigia: "Nem um de vocês que não se despedir de tudo o que possui não poderá ser um dos meus discípulos" (Lucas 14:33). Essa renúncia não se estendia somente às posses materiais mas também à eliminação das afeições mais naturais pelos membros da família.

Resposta - Em Lucas 14.26-35 Jesus estabelece as condições para quem deseja ser Seu discípulo: renunciar a tudo quanto tem por amor a Cristo; levar após Ele a sua cruz (v.27), avaliar o preço de segui-Lo até o fim (vv.28-32). Em outras palavras, Jesus fez uma declaração de sua divindade, pois devemos amar a Deus sobre todas as coisas. Jesus ensina que o preço do discipulado verdadeiro é abrir mão de todos os relacionamentos e posses, isto é, de bens materiais, família, nossa própria vida com suas ambições, planos e interesses. Isto não significa que devemos abandonar tudo quanto temos, mas que tudo quanto temos deve ser colocado a serviço de Cristo e sob sua direção, "pois para isto Cristo morreu e tornou a viver, para ser Senhor tantos dos mortos como dos vivos" (Rm 14.9).

Contrariamente a atitude judaica positiva em relação ao matrimonio e família, Jesus se opunha quase que hostilmente a essas instituições. Não era casado e dirigia palavras extremamente contundentes contra lealdade a pais, irmãos e irmãs, considerando esses vínculos como afastadores do amor de Deus. Jesus desmerecia e envergonhava sua mãe e irmãos em público. Assim está registrado que quando Jesus se dirigia a uma multidão, "sua mãe e seus irmãos e permaneciam fora dela, desejando falar com ele. Mas, dizia a quem o avisava, 'quem é a minha mãe e quem são meus irmãos?' Apontava aos discípulos e dizia 'aqui estão minha mãe e meus irmãos! Todo aquele que realiza a vontade de meu Pai do céu é meu irmão e minha irmã e mãe'' (Mt 12:46-50). Em outra ocasião, quando um dos ouvintes exclamou, '' abençoada seja a mãe que o gerou e nutriu!'' Jesus respondeu: 'Você poderia se expressar-se melhor,

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abençoados sejam aqueles que ouvem a mensagem de Deus e as observa! '' (Lucas 11:27). E ele também ensinava: Não deves chamar qualquer um na terra de seu Pai, pois tens somente um, o Pai dos céus (Mt 23:9).

Resposta - Em Mateus 12.46-50 vemos Jesus aproveitando a ocasião para, mais uma vez, dizer que em primeiro lugar está a obediência a Deus, e que sua mãe e seus irmãos não deveriam ser idolatrados. Jesus colocou um ponto final em qualquer tentativa de endeusar sua mãe (Lc 11.27-28). Nivelou sua família, principalmente sua mãe, a todos os tementes a Deus. Com coerência, Ele deu o exemplo de que devemos amar menos as coisas terrenas e MAIS a Deus. A divina missão de Jesus, definida desde a eternidade (Jo 1.1,2,14; 3.16), não incluía o vínculo matrimonial. É uma inverdade dizer que Jesus, de forma hostil, se opunha ao casamento, pois Ele confirmou o mandamento de "honrar pai e mãe" (Mt 15.4), manifestou-se a favor da pureza do matrimônio, condenando o adultério (Mt 5.27-28); e, na cruz, já perto da morte, demonstrou seu grande amor filial ao entregar Maria aos cuidados do apóstolo João.

A maneira pela qual Jesus aplicava esses princípios a situações da vida real pode ser vista por seus rompantes de ira para com os discípulos que desejavam se desvincular de certas obrigações familiares antes de segui-lo. Quando um futuro discípulo dizia a Jesus: Mestre, vou segui-lo, mas deixe-me primeiramente dizer adeus aos que estão em minha casa'', ele o reprovava: Quem coloca sua mão no arado e olha para trás, é inadequado para o reino de Deus (Lucas 9:61).

Resposta - Nessa passagem, Jesus disse que devemos deixar os espiritualmente mortos, cujos interesses estão somente nesta vida. Veja: "Disse também outro: Senhor, eu te seguirei, mas deixa-me despedir primeiro dos que estão em minha casa. Disse Jesus: Ninguém que lança mão do arado e olha para trás é ato para o Reino de Deus" (Lc 9.61-62). Jesus aproveitou a oportunidade para dizer que segui-Lo é tarefa para quem deseja amá-Lo sobre todas as coisas, capaz de deixar família, nação e bens por Sua causa. Espiritualmente falando, vale dizer que todos nós devemos amar MENOS as coisas deste mundo. Os não crentes estão mortos em seus delitos e pecados (Ef 2.1,5). Jesus considerou que a família daquele homem estava espiritualmente morta; então usou essa expressão: deixe que os [espiritualmente] mortos sepultem seus mortos. As palavras para aquele seguidor naquele momento foram amargas, mas serviram como lição para o resto de sua vida. Esta verdade serve para os dias de hoje. Muitos missionários, colocando em risco a própria vida, largam família e bens e vão habitar em lugares hostis, por amor a Cristo. Em nada Jesus pode ser julgado por isso. Ele continuou sendo coerente em suas sábias palavras.

Jesus exigiu de seus seguidores que odiassem seu semelhante para serem melhores discípulos. Portanto ensinava: ''Aquele que se aproxima de mim sem odiar seu próprio pai e mãe, esposa e filhos, irmãos e irmãs e também a sua vida não pode ser dos meus discípulos'' (Lucas 14:26).

Resposta - Quem nos ensinou a amar nossos inimigos e orar por eles, e a

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honrar pai e mãe, não nos ensinaria a odiar nossos familiares. Portanto, a passagem sob análise deve ser interpretada no seu contexto. Leia-se: "Se alguém vier a mim e não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e ainda também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo" (Lc 14.26-ARC). Mais uma vez, guardando coerência com as palavras já expostas, devemos entender "aborrecer" ou "odiar", neste versículo, como "amar menos". Ou seja, nossa lealdade e amor a Ele devem ficar acima de todos e de tudo. Todavia, a explicação bastante clara de Lucas 14.26 está em Mateus 10.37-38: "Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim, não é digno de mim; quem ama o filho ou a filha mais do que a mim, não é digno de mim; e quem não toma a sua cruz, e não vem após mim, não é digno de mim".

O quanto Jesus estava longe de ser piedoso e isento de desejo de vingança pode ser avaliado pelo fato de que ele amaldiçoou até mesmo uma árvore que não produziu os frutos que ele esperava!

Resposta - Jesus transmitiu suas verdades em diversas situações e de diversos modos. O contexto de Mateus 21.18-22 revela que a intenção de Jesus não era apenas de amaldiçoar uma árvore, mas o de ensinar que "se tiverdes fé e não duvidardes, não só fareis o que foi feito à figueira...". Afirmar que Jesus era vingativo e falto de piedade é desconhecer por completo o texto dos quatro evangelhos.

Existe também uma contradição sem solução entre a beatitude de Jesus: "Bem- aventurado os que promovem a paz por que serão chamados filhos de Deus''' (Mt 5:9) e sua declaração: "Não penseis que vim trazer paz a terra. Não vim trazer paz, mas espada. Com efeito vim contrapor o homem ao seu pai, a filha a sua mãe e a nora a sua sogra. Em suma, os inimigos do homem serão os seus próprios familiares" (Mt 10:34-37).

Resposta - "Contradição sem solução" há para quem não sabe ou não quer aprender a interpretar corretamente as palavras de Jesus. O que Jesus disse é uma verdade. Vemos todos os dias cumprir-se essa palavra. Um jovem se converte e de imediato seus pais e seus irmãos ficam contra ele. Jesus promove a divisão entre as trevas e a luz porque: (a) o crente está separado do mundo e morto para o pecado (Lc 12.51-53; Rm 12.2); (b) A pregação da verdade enseja perseguição, divisão, zombaria e desprezo (Mt 5.10,11; 12.24; 14.4-12; 27.1; At 5.17; 7; 54-60; 14.22). É dessa forma que se deve entender a aparente contradição em Jesus ser o "Príncipe da Paz" (Is 9.6) e declarar que veio trazer divisão.

A Bíblia hebraica considera todos os homens como irmãos por parte do Pai do céu. Portanto os profetas eram mensageiros de Deus para toda a humanidade e não somente para seu próprio povo. Jesus por outro lado apresentou uma atitude definitivamente exclusivista ao enfatizar que fora enviado somente para "as ovelhas desgarradas do povo de Israel. Esse aspecto ainda é mais enfatizado na recusa de Jesus em curar a filha de uma cananita. A Bíblia hebraica é repleta de exemplos de gestos de bondade dirigidos a não judeus, para citar um exemplo: Naamã. A dura resposta de Jesus à cananita não foi menos contrária à tradição judaica

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do que aos padrões éticos aceitos. Pois quando a mulher implorou: tenha piedade de mim, Senhor! Minha filha está terrivelmente possuída pelo demônio!' Jesus não reconfortou e também instruiu seus discípulos: mande-a embora pois fica implorando', acrescentando: "Fui enviado somente para as ovelhas desgarradas da casa de Israel. Quando a mãe alterada continuou implorando, ele exclamou as cruéis palavras: ''Não é certo tirar o pão das crianças e jogar aos cães! Querendo dizer com isso que os não judeus são cães e conseqüentemente sem direito a misericórdia divina. Somente quando a pobre mulher se humilhou, a ponto de aceitar o papel de uma cadela, dizendo: até os cães comem as migalhas que caem da mesa de seu dono, é que Jesus considerou e prometeu ajudá-la porque você possui grande fé (Mt 15:22-28). Mas mesmo ao ajudá-la, ele o fez sem humanidade ou piedade mas como retribuição à grande fé da mulher em sua pessoa.

Respostas - Exemplos maiores de "crueldade" e "desprezo" pela vida humana vemos nas Escrituras hebraicas, dadas por Deus Pai. (1) Para provar a fé de Abraão, ordenou que este sacrificasse seu único filho Isaque, fazendo-o percorrer um longo caminho; somente no último momento, suspendeu sua ordem (Gn 22.1-12); (2) Após ter demonstrado grande zelo pelo seu povo, que tirou da escravidão do Egito, desejou matar todos eles em pleno deserto, por causa da idolatria do bezerro de ouro.Tal intento não se consumou por causa da intercessão de Moisés (Êx 3.7-9; 32.4,6,10). Por causa desse incidente, Moisés, num ato de "crueldade" passou a fio de espada cerca de três mil homens (Êx 32.28); (3) Por ordem de Deus, a cidade de Jericó foi totalmente destruída pelo fogo, sob o comando do servo Josué: as casas, os animais, homens, mulheres e crianças foram consumidos (Js 6.2; 7.17, 24); (4) Ao tomarem a cidade de Ai, por ordem do Senhor, mataram doze mil entre homens e mulheres (Js 8.1,2,25,26,28,29); (5) Jó era homem "íntegro e reto, temia a Deus e se desviava do mal", mas isso não evitou que perdesse todos os seus filhos e bens, e ainda ficasse coberto de chagas, tudo por permissão do Altíssimo, e tudo conforme as Escrituras hebraicas. São muitos os casos em que Deus Pai, como Senhor dos vivos e dos mortos, usou de Sua soberana e infinita vontade para pôr em prática seu plano de redenção. Podemos censurar Deus? Como admitir, portanto, que o Cristo, "Senhor dos vivos e dos mortos", "Pai da Eternidade", "Deus Forte" (Is 9.6; Rm 14.9) não agiu corretamente ao provar a fé da referida mulher? O texto não fala que Jesus ordenou aos discípulos que expulsassem a mulher. Os discípulos é que pediram a Jesus que assim procedesse, mas não foram atendidos (Mt 15.23-24). Com isso, Jesus ensinou que devemos ser perseverantes na fé. Ao atender ao clamor da Cananéia, libertando sua filha dos demônios, Jesus mais uma vez afirmou que veio libertar os cativos.

Apesar de Jesus ter apregoado que nenhum pingo no i ou traço no t deveriam ser retirados da lei, ele próprio desconsiderou e violou várias leis importantes. A autorização a seus discípulos de apanharem as espigas de milho no sábado, pois estar faminto não se trata de emergência que justifique transgressão do sábado. Em várias ocasiões ele curou pessoas no sábado, que não estavam em situação emergencial, alegando que poderia fazê-lo, em oposição aos rabinos que sustentavam

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que o sábado pode e deve na verdade ser transgredido somente com vistas a salvar e preservar uma vida, mas não para tratar de pessoas com enfermidades crônicas cujo estado se prolonga por anos e que sem qualquer perigo de vida e saúde podem aguardar algumas horas até o término do sábado.

Resposta - Ninguém melhor do que Jesus para dar a correta interpretação à lei que Ele mesmo formulou, na qualidade de Pessoa da Trindade. João Batista deu testemunho da divindade de Jesus, dizendo: "Aquele que vem do céu é sobre todos. Aquele que Deus enviou fala as palavras de Deus..." (Jo 3.31,34). Jesus confirmou as palavras do seu precursor, afirmando que Seu ensino vinha daquele que O enviou, ou seja, de Deus (Jo 7.16,17). Nós, cristãos, cumprimos os princípios éticos e morais do Antigo Testamento (Mt 7.12; 22.36-40) e os ensinamentos de Cristo e dos apóstolos. Ouçam as palavras do nosso Salvador: "Ide e fazei discípulos de todos os povos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas QUE EU VOS TENHO MANDADO" (Mt 28.19-20). Do contrário, ainda estaríamos cumprindo o ritual da circuncisão (1 Co 7.19). Para nós, a fé em Cristo é o ponto de partida para o cumprimento da lei, pelo que nos tornamos filhos de Deus (Jo 1.12). Segue-se que não somos salvos pelo mérito de cumprirmos a lei, mas "pela graça mediante a fé" (Ef 2.8). Libertos do poder do pecado e selados com o Espírito Santo, estamos debaixo da "lei de Cristo" (Gl 6.2;1 Co 9.21). O apóstolo Paulo declarou de forma clara que não estamos debaixo da lei, mas debaixo da graça (Rm 6.14). Jesus colocou o sábado no seu devido lugar, ensinando que esse dia foi instituído para benefício do homem, a seu favor, e não contra o homem (Mc 2.27). Jesus não censurou os discípulos acusados de não cumprirem a lei do sábado, por haverem apanhado espigas para comer (Mt 12.1-7), e afirmou que é lícito fazer o bem nesse dia (Lc 6.9). Por último, Ele declarou que "o Filho do homem é Senhor do sábado" (Mt 12.8).

A lei judaica aprova e recomenda o divórcio como meio de findar um matrimônio infeliz e insustentável. De fato a lei é notavelmente liberal pois aceita como justificativa para o divorcio a incompatibilidade, o que não é admitido por várias religiões progressistas. Jesus em clara oposição às leis talmúdicas e bíblicas proibiu o divórcio, exceto em caso de adultério por sua própria conta.

Resposta - São válidos para este caso os mesmos argumentos apresentados na questão anterior. É bom entendermos que estamos sob a égide de uma nova aliança. Ao instituir a ceia do Senhor, Jesus disse que o Seu sacrifício na cruz representava o novo concerto, a Nova Aliança (Mt 26.28)."Dizendo nova aliança, Ele tornou antiquada a primeira. Ora, aquilo que se torna antiquada e envelhecida, perto está de desaparecer" (Hb 8.13). Jesus Cristo é o Mediador desse novo concerto ou novo testamento. "Se a aspersão do sangue de bodes e de touros, e das cinzas de uma novilha santifica os contaminados, quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificará a nossa consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo?" (Hb 9.13-14). Com esta compreensão e certeza, podemos entender melhor a explicação dada por Jesus, quanto ao divórcio:

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"Também foi dito: Aquele que deixar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio. Eu, porém, vos digo que qualquer que e repudiar sua mulher, a não ser por causa de infidelidade conjugal, faz que ela cometa adultério, e aquele que casar com a repudiada, comete adultério" (Mt 5.31-32). O que vale para nós, hoje, nós que estamos debaixo da lei de Cristo, é essa palavra. Na questão formulada, está o reconhecimento de que a lei do divórcio era "notavelmente liberal". Por isso, a lei é aperfeiçoada na Nova Aliança.

Ainda mais grave foi a atitude negativa de Jesus quanto às leis dietéticas expressas em seus ensinamentos: "Ouvi e entendei! Não é o que entra pela boca que torna o homem impuro!" (Mt 15:11). Isto era uma clara e inequívoca desaprovação da importância das leis dietéticas. Os discípulos de Jesus, indignados com esse ataque a uma das mais importantes observâncias judaicas, perguntaram a seu Mestre: "Você sabia que os fariseus se escandalizaram ao ouvir o que disseste?" Ao que ele respondeu: 'Qualquer planta que meu pai celeste não plantou será arrancada. Deixai-os. São cegos conduzindo cegos! Ora, se um ofuscado conduz outro, ambos acabarão caindo num buraco'. A pedido dos discípulos para explicar a parábola Jesus disse: "Não entendeis que tudo o que entra pela boca vai para o ventre e daí para a fossa? Mas o que sai da boca procede do coração e é isto que torna o homem impuro" (Mt 15:12-18). De maneira bastante natural Jesus declarou que "todos os alimentos são puros" (Mc 7.19). Claro que esse ataque frontal à totalidade das leis dietéticas constitui-se em estranho contraste à colocação de Jesus de que ele não havia vindo para abolir nada da lei ou dos profetas.

Resposta - Os argumentos apresentados na questão anterior, quanto à autoridade de Jesus para alterar ou explicar a lei, são válidos para este caso. Continuam em vigor as palavras de Jesus, pois ainda temos cegos guiados por outros cegos. Os fariseus observavam com rigor os mínimos detalhes de sua tradição, até o "lavar as mãos quando comem pão" (Mt 15.2). Estavam convictos - e muitos ainda estão - de que a salvação deles dependia do cumprimento dessas obrigações. Jesus dá exemplo de que eles transgrediam os mandamentos, e revela: "E assim invalidastes, pela vossa tradição, o mandamento de Deus... ensinando doutrinas que são preceitos dos homens" (Mt 15.6,9). Jesus aproveitou o momento para declarar que os propósitos do coração são mais importantes para Deus, do que o lavar as mãos antes das refeições ou praticar outros rudimentos, porque do coração procedem os maus pensamentos..." (Mt 15.19,20). Em outra oportunidade Jesus criticou duramente os fariseus:

"Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Limpais o exterior do copo e do prato, mas o interior está cheio de rapina e de intemperança. Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos, e de toda imundícia. Exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e iniqüidades. Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno?" (Mt 23.25-28).

Para finalizar, ouçamos o apóstolo Paulo: "Portanto, ninguém vos julgue pelo

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comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados, que são sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo. Se estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: não toques, não proves, não manuseies? {Estas coisas] não são de valor algum, senão para a satisfação da carne" (Cl 2.16,17,20,21,23).

O Messias será Rei sobre toda a terra

Todas as profecias messiânicas tiveram cabal cumprimento na Pessoa de Jesus de Nazaré. As expectativas dos judeus apontavam para o surgimento de um rei político/militar, capaz de livrá-los do jugo romano. Jamais admitiam a hipótese de um rei sofredor, humilde, sem armas. Por certo não atentaram bem para o texto do "servo sofredor", conforme Isaías 53, Aquele que seria "traspassado por nossas transgressões e moído por nossas iniqüidades". Por isso, não sem razão Paulo afirmou que a cruz de Cristo era "escândalo para os judeus" (1 Co 1.23).

Todas as profecias da Bíblia foram, serão ou estão sendo cumpridas. O exemplo mais recente é a reconstituição do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948, por resolução da Organização das Nações Unidas (ONU), após quase dois mil anos de dispersão por todo o mundo. Esse retorno à Terra Prometida foi predito há cerca de 2.500 anos. Vejam:

"Eis que os trarei da terra do Norte e os congregarei das extremidades da terra; e, entre eles, também os cegos e aleijados, as mulheres grávidas e as de parto; em grande congregação, voltarão para aqui" (Jr 31.8). O profeta Ezequiel foi ainda mais preciso: "Tornar-vos-ei de entre as nações, e vos congregarei de todos os países, e vos trarei para a vossa terra" (Ez 36.24). Outra profecia cumprida é a de que o deserto de Israel seria lavrado, agricultável, e que todos, surpresos, iriam dizer que "esta terra desolada ficou como o jardim do Éden" (Ez 36.33-36). Sabe-se que Israel tem superado a grande escassez de água na agricultura, utilizando sistema de irrigação de alta tecnologia.

Israel deve atentar muito bem para a seguinte profecia, a ser cumprida:

"E sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém derramarei o Espírito de graça e de súplicas; olharão para mim, a quem traspassaram; pranteá-lo-ão como quem pranteia por um unigênito, e chorarão por ele, como se chora amargamente pelo primogênito" (Zc 12.10). Não é preciso muito esforço para concluir que esta profecia está falando de Jesus, o unigênito de Deus (Jo 1.14; 3.16; 1 Jo 4.9), o primogênito de Maria (Lc 2.7a), o traspassado na cruz (Jo 19.34,37).O povo que rejeitou o enviado de Deus chorará amargamente, e "o SENHOR será Rei sobre toda a terra" (Zc 14.9).

SALMO 133: INTERPRETANDO O TEXTO NUMA PERSPECTIVA BÍBLICO-TEOLÓGICAProfessor Antony Steff Gilson de Oliveira

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No primeiro número de Fides Reformata apresentei um artigo sobre a necessidade da pregação do Antigo Testamento.1 Essa apresentação se deu como fruto da constatação de que se prega muito pouco o Antigo Testamento em nossas igrejas, e que, quando se prega, com raras exceções, usa-se o texto como um pretexto. No artigo defendi a necessidade de uma abordagem mais eficiente da teologia bíblica do Antigo e Novo Testamentos como uma só disciplina que não deve ser quebrada em diversas subdisciplinas autônomas. Esta teologia deve refletir o caráter da unidade bíblica.

No presente artigo gostaria de expor de forma técnica, porém acessível, o texto do Salmo 133, bastante conhecido pelo povo evangélico na sua forma, porém, com um significado um pouco obscurecido por duas razões: a distância sócio-cultural que nos separa do Antigo Testamento e o desconhecimento do próprio Antigo Testamento com relação à teologia bíblica. Este artigo, portanto, se propõe a ser uma aplicação prática do primeiro artigo, um exercício hermenêutico em um texto que, numa primeira leitura, superficial, parece ser de simples interpretação, mas que, no entanto, trouxe dificuldades a intérpretes do passado.

Ainda mais, este texto traz uma mensagem muito relevante para o povo de Deus no momento atual, quando interpretado dentro do contexto bíblico-teológico adequado. É parte da pressuposição deste autor que o texto do Salmo 133 (assim como toda a Escritura) faz parte da revelação progressiva de Deus na história. A interpretação e suas implicações contribuem com a teologia bíblica, e esta, por sua vez, é refletida no texto. Portanto, perguntamos ao interpretar o texto em que ele contribui para a teologia bíblica como um todo, e como ele reflete esta teologia. Ainda mais, é parte de nossa pressuposição que estas relações do texto com a teologia podem ser percebidas através da interpretação e aplicação do texto sem forçar ou distorcer o seu significado original.

I. Erros Comuns na Interpretação do Salmo 133Antes de expor o texto propriamente dito, exemplificaremos rapidamente alguns erros de interpretação do mesmo. Dois destes erros são os mais comuns: a pressa em aplicar o texto ao Novo Testamento, sem antes entende-lo à luz do seu próprio contexto e o medo de aplicar o texto temendo cometer um "abuso hermenêutico" como foi feito em abundância no passado. Seguem-se alguns exemplos destes erros e alguns outros.

Agostinho, por exemplo, nas suas exposições do livro de Salmos, aplica o texto "quão bom e agradável é viverem unidos os irmãos" a certas circunstâncias neotestamentárias, como a união entre judeus e gentios e a união entre os apóstolos e a comunidade cristã descrita em Atos 2. No entanto, seu principal ponto na exposição do salmo é a defesa da vida monástica. Agostinho também interpreta detalhes do texto como "a barba" como sendo um sinal de maturidade e coragem. Quando muito, devemos considerar a interpretação de Agostinho uma aplicação alegórica.2

Jerônimo segue uma linha semelhante à de Agostinho, defendendo a vida monástica. Ele diz que a unidade proposta pelo salmo só pode ser alcançada

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na vida monástica, e que é impossível em qualquer outra circunstância. Comentando o verso 2 ele afirma:

Habilmente dito: "sobre a cabeça". E "o qual desce para a barba." A barba é o sinal de hombridade porque por este sinal a natureza distingue o homem da mulher. A cabeça simboliza a divindade, ou seja, Deus Pai; a barba designa o homem. "Até" dizem as Escrituras "que cheguemos … à perfeita varonilidade," isto é, Cristo. Agora vejam o que o profeta quer dizer com: "É como o óleo precioso." Assim como as bênçãos do precioso óleo da cabeça – ou seja, do Hermon da divindade – desce sobre a barba, desce sobre o homem perfeito que é Cristo, daquela mesma barba o mesmo precioso bálsamo desce para a gola de suas vestes … Qual é o benefício para nós desta barba que foi ungida e deste perfeito homem? … Se nós somos a veste de Cristo, nós vestimos a sua nudez com nossa fé …3

Entre os intérpretes reformados nós encontramos Lutero, que embora não comente o Salmo 133, refere-se ao mesmo na sua interpretação do Salmo 42 verso 6. Dando uma explicação etimológica para o nome Jordão, Lutero afirma que "misticamente este denota o batismo na igreja e nas Santas Escrituras, no qual todos os cristãos são banhados." Mais impressionante é sua interpretação de Hermon:

O Hermon denota anátema, excomunhão, e a Cristo é dado este nome no Salmo 133.3: "como o orvalho do Hermon," porque Cristo foi feito pecado, maldição, excomunhão e anátema por nós. Logo, todos os cristãos são Hermonin, que é o plural de Hermon, porque eles também são o refugo, obscuridade e anátema do mundo (1 Co 4.13), como diz o apóstolo (Gl 6.14).4

Calvino, muito mais centrado no método histórico-gramatical de interpretação, não está livre de alegorizações na sua interpretação. Ele diz: "Pela barba e gola das vestes nós somos levados a entender que a paz que vem de Cristo, como o cabeça, se espalha através de todo o comprimento e largura da Igreja."5

Alguns estudiosos, utilizando-se do método crítico-histórico, têm grandes dificuldades em entender o texto e propõem emendas ao mesmo, no sentido de "melhorá-lo" dentro da sua própria perspectiva. Como exemplo, Kraus no seu comentário de Salmos sugere a seguinte tradução: "o orvalho de Hermon que desce aos campos secos." Sua justificativa para tal emenda é que a tradução "sobre os montes de Sião" é topograficamente impossível e também absurda, "num fantasioso estilo poético."6

Vemos, portanto, que existem muitas interpretações diferentes do texto. Sem sombra de dúvidas, muitos intérpretes trouxeram grande luz sobre o texto no passado e, ao interpretarmos o salmo, faremos recurso a estas interpretações.

II. Contexto HistóricoO título, usualmente traduzido como "Cântico das Subidas," é relacionado a um grupo de cânticos usado por peregrinos nas procissões festivais.7 É nele que encontramos a indicação mais lógica do provável contexto histórico do nosso

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texto — dÛiwñfd:l twèolA(aM×ah ryÛi$ (Cânticos das Subidas – de Davi). O Texto Massorético traz este título para o grupo de Salmos 120 a 134. Alguns acreditam que o título pertencia primeiramente ao grupo como um todo e depois foi aplicado aos textos individuais. Interessantemente, os Salmos 122, 124, 131 e 133 são associados ao nome de Davi, enquanto que o 127 é associado ao nome de Salomão.

É bom lembrar que a maioria dos comentaristas bíblicos (inclusive um grande número de intérpretes conservadores) põe em dúvida a autenticidade dos títulos no Texto Massorético. No entanto, para este texto específico existe bastante evidência de que ele vem de tradições muito antigas. Comentaristas usam dois argumentos principais contra a autoria davídica do texto.

Primeiro, eles alegam que a LXX e o Codex Vaticanus omitem o título e isto é considerado evidência suficiente para negar a historicidade do mesmo. No entanto, existem outras fontes de evidência contra este ponto de vista. O título aparece no Codex Alexandrinus e em textos de Qumran. O texto 11QPs13 preserva o grupo twèolA(aM×ah ryÛi$, colocando os Salmos 133 e 134 em outra posição. Ainda assim, mesmo isolados do grupo, os dois textos trazem o título completo.8

Outro argumento contra a autoria davídica segundo Delitzsch, é de natureza filológica. Delitzsch afirma que o pronome relativo $ com o particípio (d"rïYe$) não era usado na era davídica, e passou a ser usado somente mais tarde.9 Na verdade, a construção pronome relativo + particípio aparece somente 7 vezes em todo o Antigo Testamento, sendo duas no Salmo 133, uma no Salmo 135, uma em Cantares e três em Eclesiastes. Ainda que estes outros escritos sejam evidentemente posteriores ao período davídico, a ausência da construção em outros escritos anteriores não é evidência suficiente para se desacreditar da autoria davídica.10

Temos, portanto, mais evidência textual para crer na autoria davídica do que para desacreditar dela. Ainda mais, existem possíveis Sitze im Leben que se encaixam perfeitamente na teologia do salmo. Algumas sugestões interessantes são apresentadas por estudiosos. Kirkpatrick faz a conexão do salmo com a tentativa de Neemias de repovoar Jerusalém após o exílio babilônio.11 Tal possibilidade é válida, ainda que não seja esta a origem do salmo. Delitzsch afirma que o salmo é atribuído a Davi porque "este exala inteiramente o espírito de Davi, e se pensa que este [o salmo] nasceu do amor de Davi por Jônatas".12 Como o título afirma, o salmo também era usado nas romarias do israelitas (Cântico das Subidas), provavelmente na festa dos tabernáculos (Lv 23.33-43), quando todo o povo deveria viver em tendas.

O contexto mais provável, no entanto, é o da unificação das doze tribos de Israel debaixo do reinado de Davi em Jerusalém. As figuras no texto do salmo confirmam ascendentemente esta situação. Considerando pois este contexto, é que vamos interpretar o texto.

III. Estrutura TextualO texto, ainda que seja uma pequena unidade literária, possui uma clara

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estrutura que precisa ser considerada na sua interpretação. Adele Berlin usa a expressão "corrente de palavras", que na minha opinião melhor caracteriza a unidade do texto.13 Ela descreve a corrente no Salmo 133 da seguinte forma:

v. 1 bO+ bom

v. 2 bO+ah precioso

v. 2 la( d"roy descendo sobre

la( d"roYe$ que desce

v. 3 la( d"roYe$ que desce

O adjetivo bO+ (bom) no verso 1 é ligado à expressão bwío=ah }emÜe<aK (como o óleo precioso) no verso 2 que por sua vez funciona como sujeito da sentença la( d"roy (descendo sobre) no verso 2. A última expressão se repete nos versos 2 e 3. Veremos mais adiante como esta estrutura simples, porém significativa, nos dará orientações para interpretar o texto.

IV. InterpretaçãoÉ importante nesta seção separar de forma consciente a interpretação do texto no seu contexto original, da aplicação do mesmo no contexto da teologia bíblica. Estes são dois passos distintos, porém, inter-relacionados. A intenção de mantê-los distintos é com vistas a manter a integridade hermenêutica, sem nos apressarmos a conclusões que não estão claramente expressas no salmo. Uma vez entendido o texto dentro de seu contexto, podemos passar a aplicá-lo.

O verso 1 declara o propósito temático do salmo. Sendo um hino de uso no culto público, este exalta o valor da unidade do povo de Deus no contexto do reinado teocrático de Davi. Alguns comentaristas entendem a expressão "viverem unidos os irmãos" como uma manifestação da cultura antiga onde várias famílias viviam debaixo do mesmo teto. Porém, tal idéia não se pode aplicar ao texto, principalmente considerando que este vem de Davi. Sabemos pela narrativa bíblica que a unidade familiar não foi o forte na vida deste rei. Portanto o termo "irmãos" ({yØixa)) do verso 1 só pode se referir ao povo de Israel como um todo, ou mais provavelmente, como veremos nas figuras de linguagem dos versos 2 e 3, à unidade das doze tribos de Israel. Confirmando este argumento aparece a expressão dax×fy tebÙe$ (viverem juntos) que, nas três outras instâncias em que aparece no Antigo Testamento, claramente refere-se à possessão de terras. Uma rápida referência aos textos de Gênesis 13.6; 36.7 e Deuteronômio 25.5 nos mostra isto.

Os dois primeiros textos (Gn 13.6; 36.7) relatam as separações de Abraão e Ló e Jacó e Esaú, causadas pela impossibilidade de viverem numa única região. A terra não poderia sustentá-los juntamente. O texto em Deuteronômio 25.5 não menciona a "terra" de forma clara. No entanto, esta passagem sobre as obrigações maritais para com a viúva de um irmão, não se refere somente a irmãos que vivem debaixo de um mesmo teto, mas certamente a irmãos que vivem debaixo de uma mesma autoridade. Os versos seguintes deixam esta

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idéia clara quando mencionam "Israel", "anciãos", "suscitar a seu irmão nome em Israel", "cidade", etc. Todas estas expressões são evidência de que o texto se refere a irmãos que vivem debaixo de uma unidade nacional ou tribal.

Por estas razões, a expressão dax×fy-{aG {yØixa) tebÙe$ (habitarem unidos os irmãos) nos dá uma direção natural para interpretar o texto: o verso se refere à unidade do território de Israel. O salmo é uma expressão da bênção da unidade no reino davídico, prefigurando a bênção do reinado de Cristo. A bênção da unidade é relatada na expressão "bom e agradável". 14

Portanto, o verso 1 é uma expressão da bênção alcançada na união das doze tribos sob o reinado de Davi, após o problemático reinado de Saul. As figuras nos versos 2 e 3 são as aplicações diretas desta expressão de louvor.

A figura no verso 2 expressa a unidade das doze tribos debaixo do serviço sacerdotal providenciado por Deus para o povo de Israel. Freqüentemente encontra-se em comentários uma ênfase na interpretação dos elementos individuais do texto como o óleo, a barba e o adjetivo "bom", esquecendo-se da figura completa que o verso apresenta e que deveria ser algo imediatamente absorvido e entendido pelo auditório original do texto, o povo israelita: a bênção do sacerdócio para o povo.

A expressão }eme<aK (como o óleo) logo no início do verso levou muitos intérpretes a crerem que a comparação introduzida pela preposição k (como) compara a unidade com o "óleo" ou a preciosidade do óleo. Porém, como vimos anteriormente, a estrutura do texto nos leva a verificar que a comparação vai além desse ponto. A comparação introduzida por k é uma comparação de toda a figura do verso: a unção do sumo sacerdote Aarão (Ex 30.22-33; Lv 8.12) sobre toda a casa de Israel e os resultados dessa unção. A associação direta da unidade, no verso 1, com o óleo, no verso 2, de certa forma até mesmo interfere na interpretação correta do texto no seu contexto original.15

Lendo a respeito da instituição do sacerdócio em Israel vemos que esta é a forma que Deus escolheu para abençoar o seu povo, para redimi-lo do seu pecado, para aceitá-lo na sua presença. Dentre as doze tribos Deus escolheu uma para exercer este ministério. Uma tribo abençoaria a si mesma e a todas as demais. Porém, o sacerdócio era prejudicado quando havia divisões entre as tribos, e efetivado na sua unidade. Sob o reinado de Davi o sacerdócio cumpria a plenitude de suas funções sobre o povo de Israel. Jerusalém foi estabelecida como capital política, e mais tarde, espiritual de toda a nação (2 Samuel 6). Esta situação singular estava certamente nos planos de Deus para abençoar seu povo. A descendência de Aarão foi usada por Deus naquela época típica do reinado do Messias para abençoar a Israel.

Interessantemente, como sugere Kirkpatrick,16 o colar da veste do sumo sacerdote carregava duas pedras de ônix onde estavam inscritos os nomes das doze tribos (Ex 28.9-10). Na unção, não só o sacerdote era ungido, mas também aqueles que ele representava. O óleo descia da cabeça sobre a barba e sobre o colar das vestes, onde estavam representadas as doze tribos de Israel. Somente na unidade é que todo o Israel poderia receber o exercício do

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sacerdócio. A contínua expiação pelo pecado dependia da unidade do povo de Deus.

O verso 3 traz uma nova e interessante figura. Como no verso 2, uma comparação é introduzida pela preposição k: "Como o orvalho do Hermon, que desce sobre os montes de Sião." A comparação não se concentra no "orvalho do Hermon," mas nos resultados do "orvalho do Hermon que desce sobre os montes de Sião". Assim como foi necessário conhecer um pouco do contexto sacerdotal para se entender a figura de linguagem no verso 2, é necessário um pouco de conhecimento de geografia para se entender a figura do verso 3. O monte Hermon ficava no extremo norte de Israel e era bem conhecido pelos efeitos que seu orvalho produzia (e produz até hoje). Porque o monte Hermon é muito alto e seu cume coberto de neve, o seu pesado orvalho "rega" toda a região em volta fazendo da mesma uma área muito fértil e produtiva. O contraste entre Hermon e Sião é extremo: enquanto o primeiro representa vida por sua situação geográfica, Sião é a fronteira do deserto, que é símbolo de morte, de sequidão. A partir de Sião na direção sul só se encontra terra seca, sem vida. Enquanto a região do Hermon é rica em águas, a região do Negueve (ao sul de Sião) depende de cursos temporários de água que vêm das montanhas após as chuvas mais ao norte. No mais, encontra-se o Mar Morto, que, por seu alto grau de salinidade, não suporta nenhum tipo de vida.

Toda sorte de interpretação já foi dada a esta figura. Comparam-se, por exemplo, as figuras geográficas do verso 3 com o corpo humano no verso 2 (cabeça/barba/colar com Hermon/Sião, o óleo com o orvalho, etc.).17

Creio, porém, que Davi se utiliza do recurso poético que analisamos anteriormente para demonstrar o significado pleno de ambas as figuras de linguagem. O verbo dry (descer) parte da corrente de palavras na estrutura do texto, é fundamental para as figuras. Primeiro, o verbo, que aparece três vezes no texto, está no particípio, expressando uma idéia de continuidade, a continuidade da bênção no sacerdócio sobre Israel. Segundo, o verbo dry (descer) é que faz a ligação das figuras entre os versos 2 e 3.

Como já vimos, Hermon e Sião são dois extremos, dois polos geográficos que representam a unidade norte/sul de Israel. Porém existe ainda uma figura mais marcante por traz do verbo dry. Hermon e Sião, sendo tão distantes fisicamente (nas proporções da geografia do antigo Oriente Próximo), possuem um elo comum, o rio Jordão. Este corre desde o norte até o sul de Israel morrendo no Mar Morto. O nome Jordão (}¢D:ráy) provavelmente deriva-se do verbo dry sendo então "o que desce".18 Uma das fontes do rio Jordão é exatamente um ribeiro chamado Banias, que nasce na base do monte Hermon. De certa forma, a riqueza de vida do Hermon se faz presente em toda a extensão de Israel até as proximidades de Sião. Aquele "que desce" (como o óleo descendo … que desce … que desce) traz bênção sobre todo Israel.

A segunda parte do verso 3 é introduzida pela partícula yiK (porque), seguida de um advérbio de lugar referindo-se a Sião ("porque lá Iahweh ordena a bênção"). Ainda que o norte abençoe todo o Israel, é no sul que Iahweh ordena a bênção. Em Sião é que estão as bênçãos espirituais para todo Israel. Em

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Sião Iahweh estabeleceu o seu rei e o seu sacerdote, dois ofícios de bênção para todo o povo, na unidade. Ambos servem como verdadeiros mediadores, escolhidos de Iahweh. Qual é a bênção prometida? "Vida para sempre."

Berlin conclui sua interpretação da seguinte forma:

O país inteiro é retratado com um rosto sacerdotal: do Hermon a Sião, da cabeça ao corpo. E para voltar à equação dos versos 2 e 3, a terra é ungida com o orvalho assim como Aarão é ungido com o óleo da consagração. O país não é somente unido, é também abençoado. O ponto focal da santidade e bênção é Sião, porque lá o Senhor ordenou a sua bênção para sempre.19

V. AplicaçãoCom raros pontos de exceção, até agora nos concentramos em interpretar o texto no contexto original. Depois de feita esta interpretação cabe-nos perguntar quais são as implicações teológicas do Salmo 133 no contexto da revelação bíblica.

Primeiramente, o texto se relaciona com o contexto do reinado davídico e dentro deste contexto manifesta aspectos das bênçãos redentivas que Deus ordena para seu povo. Davi tinha consciência da importância da unidade nacional das tribos de Israel. O povo não poderia ser abençoado na divisão por dois motivos simples: sem um rei não haveria vitória e paz, e sem um sacerdote que ministrasse a todo o povo eles não teriam condições de se aproximar de Deus. O papel do reino é de fundamental importância: "O reino davídico serve dentro da esfera do próprio reinado de Deus."20 Tanto o rei quanto o reino e o sacerdócio são tipos de um reinado futuro. O texto manifesta o reconhecimento da necessidade de um reino e sacerdócio mediatorial. Sem estes não há bênção.

Este conceito estende-se para o povo de Deus na era do Novo Testamento: "Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus…" (1 Pe 2.9). Vimos no texto que a bênção era condicionada à unidade, e prejudicada sem ela. A mesma relação permanece para o povo de Deus hoje? Creio que sim, guardadas as devidas proporções. O povo de Deus é uma nação santa e exerce um sacerdócio que é abençoado na unidade. Esta unidade se expressa à medida que o povo de Deus, sua Igreja, como agente do seu reino, se submete à autoridade do Rei, sua lei e seu ensino, sem se desviar, sem comprometer sua verdade. Nesta unidade, Iahweh ordena a sua bênção. Creio que esta é a aplicação fundamental do texto para nossos dias.

A pergunta que permanece é se ainda outros elementos do texto podem ou devem ser aplicados no contexto neotestamentário, como por exemplo, o óleo ser comparado com o Espírito Santo. Seria legítima esta aplicação do Salmo 133? Ainda que este seja o primeiro impulso do intérprete com um conhecimento geral das Escrituras, tal aplicação sem uma formulação adequada pode levar a erros de interpretação tais quais os mencionados no início deste artigo.

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Sabemos que a unidade do povo de Deus se dá debaixo da obra e poder do Espírito Santo, e da mesma forma como o povo de Israel era abençoado na unidade nacional, o povo de Deus é abençoado na unidade espiritual, quando com unanimidade, em um só Espírito, uma só fé, nos aproximamos do único Senhor.

Fala-se muito na igreja contemporânea a respeito de unidade, e não há como negar diante da interpretação deste salmo que a bênção de Deus vem sobre seu povo unido. Entretanto, é importante reconhecermos que, assim como a unidade de Israel se dava, em vários níveis (social, cultural e espiritual) debaixo de princípios claros da Escritura, a igreja do Senhor deve buscar esta unidade sob princípios semelhantes, que reflitam a verdade da Escritura e seus princípios básicos de autoridade.

Notas1 Mauro Meister, "Pregação no Antigo Testamento: É Mesmo Necessária?", em Fides Reformata 1/1(1996) 1-5.

2 Agostinho, Expositions on the Book of Psalms, em Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church, volume VII (Grand Rapids: Eerdmans, 1983) 622-624.

3 The Homilies of Saint Jerome, em The Fathers of the Church, A New Translation by Sister Marie Ewald (Washington, D.C.:The Catholic University of America Press, 1963) 334-336.

4 Martin Luther, First Psalm Lectures, em Luther’s Works, ed por Hilton C. Oswald (Saint Louis: Concordia, 1986) 195.

5 John Calvin, Commentary in the Book of Psalms, trad. por James Anderson (Grand Rapids: Baker, 1981) 165.

6 Hans-Joachim Kraus, Psalms 60-150, A Commentary, trad. por Hilton C. Oswald (Minneapolis: Ausburg/Fortress, 1989) 484.

7 Esta posição é comum e defendida por Calvino, Leupold, Delitzsch, Allen e Kirkpatrick.

8 Gerald Henry Wilson, The Editing of the Hebrew Psalter, SBL Dissertation Series 76 (Chico, CA: Scholars Press, 1985) 130.

9 Franz Delitzsch, Biblical Commentary on the Psalms, trad. por Francis Bolton (Edinburgh: T. & T. Clark, 1871).

10 E. Y. Kutscher, em A History of the Hebrew Language (Jerusalem: Magnes Press, 1982) afirma que o uso da partícula é encontrado primeiramente no hebraico israelita do norte, depois no hebraico bíblico mais tardio, substituindo r#), e finalmente no hebraico da Mishnah. No entanto não podemos tirar uma conclusão desta afirmativa, porque os pressupostos de Kutscher são opostos aos nossos.

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11 A. F. Kirkpatrick, The Book of Psalms (Cambridge: University Press, 1903) 770.

12 Delitzsch, Biblical Commentary on the Psalms, 317.

13 Adele Berlin, "On the Interpretation of Psalm 133", em Directions in Biblical Hebrew Poetry, ed. por E. Follis, JSOT, 40 (Sheffield Academic Press, 1987) 141-147. Berlin reconhece que o "fenômeno de repetição de um item léxico é um conhecido artifício de coesão," (p. 146).

14 Berlin em "On the Interpretation of Psalm 133," considera este Salmo uma expresão escatológica. Ela diz: "O Salmo expressa a esperança da unificação do norte e do sul, com Jerusalém sendo a capital de um reino unido" (p. 145). Dois fatores levam Berlin a esta conclusão: seus pressupostos judaicos e a data avançada que ela crê que o Salmo foi composto.

15 Na aplicação veremos que a figura do óleo é importantíssima, principalmente à luz do Novo Testamento. No entanto, para exercitarmos uma hermenêutica sadia, precisamos primeiro entender o texto no seu próprio contexto.

16 Kirkpatrick, The Book of Psalms, 771.

17 Ver as conclusões de Berlin em "On the Interpretation of Psalm 133," 145.

18 Ver Laird Harris, Gleason Archer e Bruce Waltke: }dry em Theological WordBook of the Old Testament (Chicago: Moody Press, 1980) 401-402.

19 Berlin, "On the Interpretation of Psalm 133," 145.

20 John H. Eaton, Kingship and the Psalms (London: SCM Press, 1976) 135.

TIPOLOGIA: CONSIDERAÇÕES GERAIS Professor Antony Steff Gilson de Oliveira

A palavra "tipologia" é de origem grega. Deriva-se do substantivo typos, termo usado no mundo antigo para indicar a) a marca de um golpe; b) uma impressão, a marca feita por um cunho - daí o sentido de figura, imagem e c) modelo ou padrão, que é o sentido mais comum na Bíblia.

Na Bíblia o modelo é usado em dois sentidos distintos: (1) a correspondência entre duas situações históricas, tais como Adão e Cristo (cf. Rm 5.12-21); (2) a correspondência entre o padrão celestial e seu equivalente terrestre. Exemplo: o original divino por trás do tabernáculo terrestre (At 7.44; Hb 8.5; 9.24). Há várias categorias - pessoas (Adão, Melquisedeque), eventos (o dilúvio, a serpente de bronze), instituições (festas), lugares (Jerusalém, Sião), objetos (altar de holocaustos, incenso), ofícios (profeta, sacerdote, rei). "A tipologia bíblica, portanto, envolve uma correspondência análoga em que eventos, pessoas e lugares anteriores na história da salvação tornam-se padrões por meio dos quais eventos posteriores, pessoas, etc. são interpretados" (G. R.

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Osborne).

Além dos conceitos mencionados acima, também existe o uso paralelo de figuras de linguagem, juntamente com os tipos, para indicar um exemplo moral a ser seguido. Todos os crentes, como tais, devem considerar-se modelos ou padrões da vida que se assemelha à de Cristo.É relevante fazer uma distinção entre tipo e símbolo. Embora ambos indiquem alguma coisa, diferem em pontos importantes.

Símbolo é um sinal. Tipo é um modelo ou imagem de alguma coisa. O símbolo refere-se a alguma coisa do passado, presente ou futuro.

O tipo sempre prefigura uma realidade futura.Podemos resumir esses quatro pontos dizendo que "O símbolo é um fato que ensina uma verdade moral. O tipo é um fato que ensina uma verdade moral e prediz a realidade daquela verdade" (Davidson).

É preciso dizer ainda que os tipos do Antigo Testamento eram ao mesmo tempo símbolos (no sentido que comunicavam verdades espirituais aos seus contemporâneos), pois sua significação simbólica podia ser entendida antes de sua significação tipológica ser determinada.

TOLERÂNCIA ZERO Professor Antony Steff Gilson de Oliveira

Há uma linha divisória entre a longanimidade de Deus e a sua justiça; entre a sua paciência e a sua ação ajuizadora; entre o seu esperar e o seu agir. Pelos exemplos da Bíblia sabemos que a tolerância de Deus é igual a zero para quem ultrapassa a linha vermelha. Vemos isso no anúncio do dilúvio a Noé: "O fim de toda carne é vindo perante a minha face, porque a terra está cheia de violência. E eis que os desfarei com a terra" (Gn 6.13). Quando a balança de Deus indicou um peso intolerável e irreversível de iniqüidades, entrou em ação a justiça divina. "Pesado foste na balança e foste achado em falta". Com estas palavras Deus selou o destino de Belsazar, o rei que profanou os utensílios da Casa de Deus (Dn 5.1-4, 27). Registramos também os pecados do rei Azarias, também chamado Uzias, que, como castigo, ficou leproso até a morte (2 Cr 26.16-21; cf; 2 Rs 15.1).

A primeira reação de Deus, na Terra, ante a desobediência, ocorreu no jardim do Éden. O castigo imposto ao primeiro casal afetou toda a raça humana e teve efeito sobre a natureza. A morte fez parte desse pacote de medidas com vistas a nos fazer lembrar sempre das terríveis conseqüências do pecado: "Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram" (Rm 5.12; cf. Gn 3.16-19). No céu, o castigo não foi menos severo, pois "Deus não poupou os anjos que pecaram, havendo-os lançado no inferno, entregues às cadeias de escuridão, e reservados para o Juízo" (2 Pe 2.4).

A intolerância de Deus se manifestou outra vez ao decidir pela destruição de

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Sodoma e Gomorra: "Porquanto o clamor de Sodoma e Gomorra se tem multiplicado, e porquanto o seu pecado se tem agravado muito..." (Gn 18.20).

A intolerância divina diante da desobediência se revelou também no deserto, em Cades, quando seu povo desconfiou do poder de Deus e julgou impossível vencer os "gigantes" que habitavam na terra prometida. A sentença veio sem meias palavras: "Até quando sofrerei esta má congregação, que murmura contra mim? Neste deserto cairão vossos cadáveres, como também todos os que de vós foram contados no recenseamento, de vinte e oito anos para cima, e que murmuravam contra mim... salvo Calebe, filho de Jefoné, e Josué, filho de Num" (Nm 14.29-30). A Palavra foi fielmente cumprida.

"Seus filhos e suas filhas serão dados a outro povo... o Senhor te levará a ti e a teu rei a uma gente que não conheceste...(Dt 28.32,36; v. Isaías 6.11,12). "Eis que virão dias em que tudo quanto houver em tua casa...será levado para a Babilônia; não ficará coisa alguma, disse o Senhor" (Is 39.6). "E toda esta terra virá a ser um deserto e um espanto, e estas nações servirão ao rei da Babilônia setenta anos" (Jr 25.11). Essas profecias foram cabalmente cumpridas. Por sua idolatria e corrupção moral, o povo de Deus foi levado cativo pelos assírios (722 a.C., 2 Rs 17.6); pelos babilônios (586 a.C., 2 Rs 25.21), pelos gregos, para Alexandria, no Egito, séc. III a.C., pelos romanos (70 d.C., Lucas 21.20-24). O exílio na Babilônia está bem expresso no livro de Daniel: "No ano terceiro do reinado de Jeoaquim, rei de Judá, veio Nabucodonosor, rei da Babilônia, a Jerusalém e a sitiou" (Dn 1.1). A ruína moral da nação de Judá chegou no ponto em que não havia mais possibilidade de recuperação. A nação ultrapassou a linha vermelha a partir da qual ficou sujeita ao julgamento divino.

O cativeiro dos judeus é um exemplo de que Deus não tolera por tempo indefinido o estado pecaminoso do seu povo. Séculos antes, pela boca dos profetas, Deus os advertiu para a catástrofe iminente. Na descrição das dores por que passaria Jerusalém, Jeremias diz o seguinte: "Fá-los-ei comer as carnes de seus filhos e as carnes de suas filhas, e cada um comerá a carne do seu próximo, no cerco e na angústia em que os apertarão os inimigos e os que buscam tirar-lhes a vida" (Jr 19.9). Também Ezequiel: "Esta é Jerusalém... [que] se rebelou contra meus juízos...e não andou nos meus preceitos...executarei juízos no meio de ti...os pais comerão a seus filhos, os filhos comerão a seus pais, e espalharei todo o remanescente a todos os ventos" (Ez 5.5-10).

As profecias davam conta de que haveria atos de canibalismo em Jerusalém, tamanha seria a falta de alimentos. A fome seria de tal ordem que o povo comeria a sola dos sapatos, e as mulheres devorariam seus próprios filhos. Naquele tempo, ninguém deu muito crédito a essas advertências. O povo continuou deitando e rolando em seus "carnavais", orgias e idolatrias. Deus cumpre a sua palavra.

O profeta Jeremias foi o único escritor conhecido do Antigo Testamento que testemunho em primeira mão a tragédia que se abateu sobre Jerusalém, 586 a.C. Ele escreveu: "Mais felizes foram as vítimas da espada do que as vítimas

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da fome; porque estas se definham atingidas mortalmente pela falta do produto dos campos. As mãos das mulheres outrora compassivas cozeram seus próprios filhos; estes lhes serviram de alimento na destruição da filha do meu povo. Deu o Senhor cumprimento à sua indignação, derramou o ardor da sua ira. Não creram os reis da terra, nem todos os moradores do mundo, que entrasse o adversário e o inimigo pelas portas de Jerusalém" (Lm 4.9-12).

Passados cerca de 500 anos das lágrimas de Jeremias sobre Jerusalém, e do cativeiro babilônico, Jesus também chorou sobre a cidade. Um choro que foi mais lamento, pranto, soluço e clamor de quem soube com bastante antecedência o que iria acontecer. Jesus profetizou: "Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Porque dias virão sobre ti, em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, e te sitiarão, e te estreitarão de todas as bandas, e te derribarão, a ti e a teus filhos que dentro de ti estiverem, e não deixarão em ti pedra sobre pedra..." (Lc 13.34; 19.41-44). Esta predição foi cumprida quarenta anos mais tarde, quando Jerusalém foi destruída pelo exército romano e centenas de milhares de judeus foram mortos. Flávio Josefo (Josef ben Mattatias), escritor e historiador judeu, que viveu entre 37-100 d.C., contou com riqueza de detalhes o que presenciou. Como prova da predição de Jesus, de não ficar pedra sobre pedra, vejam o que ele escreveu:

"Depois que o exército romano, que jamais se cansaria de matar e de saquear, nada mais achou em que saciar o seu furor, Tito ordenou que a destruíssem, até os alicerces, com exceção de um pedaço do muro, que está do lado do Ocidente... Esta ordem foi tão exatamente cumprida que não ficou sinal algum, que mostrasse haver ali existido um centro tão populoso" (História dos Hebreus, obra completa, Flávio Josefo, LIvro Sétimo, CPAD - 5a. Edição/2001, pg 688).

Quanto à extrema falta de alimentos na Jerusalém, sitiada por 134 dias, Flávio relata:

"Enquanto tudo isso se passava, em redor do templo, a fome e a carestia faziam tal devastação na cidade que o número dos que ela destruía era impossível de se conhecer... Comiam até mesmo a sola dos sapatos, o couro dos escudos".

Josefo conta também uma história espantosa, terrível e repugnante, que diz respeito ao cumprimento de Jeremias 19.9 e Ezequiel 5.10:

"Uma mulher chamada Maria, filha de Eleazar, muito rica, tinha vindo com algumas outras, à aldeia de Batechor, isto é, casa de hissope, refugiar-se em Jerusalém, e lá se viu cercada. Aqueles tiranos, cuja crueldade martirizava os habitantes, não se contentaram em lhe arrebatar tudo o que ela tinha levado de mais precioso, tomaram-lhe ainda por diversas vezes o que ela havia escondido para seu alimento. A dor de se ver tratada daquela maneira lançou-a em tal desespero, que, depois de ter feito mil imprecações contra eles, usou de palavras ofensivas, procurando irritá-los, a fim de que a matassem; mas nem um só daqueles tigres, por vingança de tantas injúrias ou por compaixão, lhe

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quis usar dessa graça... A fome que a devorava, e ainda mais, o fogo que a cólera tinha acendido no seu coração, inspiraram-lhe uma resolução que causa horror à mesma natureza. Ela arrancou o filho do próprio seio e disse-lhe: ´Criança infeliz, da qual nunca se poderá chorar assaz a desgraça de ter nascido durante esta guerra... Para que te haveria de conservar a vida? Para ser talvez escrava dos romanos? Depois de ter assim falado ela matou o filho, cozeu-o, comeu uma parte e escondeu a outra. Aqueles ímpios, que só viviam de rapina, entraram em seguida naquela casa; tendo sentido o cheiro daquela iguaria inominável, ameaçaram matá-la, se ela não lhes mostrasse o que tinha preparado para comer. Ela respondeu que ainda restava um pedaço da iguaria e mostrou-lhes restos do corpo do próprio filho. Ainda que tivessem um coração de bronze, tal espetáculo causou-lhes tanto horror, que eles pareciam fora de si. Ela, porém, na exaltação que lhe causava furor, disse-lhes com rosto convulsionado: ´Sim, é meu próprio filho, que vedes e fui eu mesma que o matei. Podeis comê-lo, também, pois eu já comi. Sois talvez menos corajosos que uma mulher e tendes mais compaixão do que uma mãe? Se vossa piedade não vos permite aceitar essa vítima, que eu vos ofereço, eu mesma acabarei de comê-lo. Aqueles homens que até, então, não haviam sabido o que era compaixão, retiraram-se trêmulos..." (Ibidem pg 675/6).

Em determinado momento da caminhada pelo deserto, o povo sentiu falta dos deuses do Egito e construiu um bezerro de ouro. Então, Deus falou a Moisés: "Tenho visto a este povo, e eis que é povo obstinado. Agora, pois, deixa-me, que o meu furor se acenda contra eles, e os consuma" (Êx 32.1-10). Embora Deus, em razão da intercessão de Moisés, tenha sustado a execução deste juízo, ficou patente a sua intolerância diante da desobediência.

Vimos exemplos de castigos coletivos, alcançando populações inteiras. Mas são conhecidos os casos individuais em que homens e mulheres de corações endurecidos e desobedientes receberam a justa reprovação divina. Eles ultrapassaram a linha vermelha da tolerância zero de Deus. O rei Nabucodonosor, exaltando a si mesmo, disse: "Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei para a casa real, com a força do meu poder, e para glória da minha majestade? Ainda estava a palavra na boca do rei, quando desceu uma voz do céu: A ti se diz, ó rei Nabucodonosor, passou de ti o reino. Serás tirado dentre os homens, e a tua morada será com os animais do campo; far-te-ão comer erva como os bois, e passar-se-ão sete tempos sobre ti, até que conheças que o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens, e o dá a quem quer. Na mesma hora se cumpriu a palavra sobre Nabucodonosor", e ele passou a viver como os animais. Passado o tempo de castigo, ele, finalmente, resolveu louvar, exaltar e glorificar "o Rei do céu, porque todas as suas obras são verdade, e os seus caminhos justos, e pode humilhar aos que andam na soberba" (Dn 4.30-37).

Em nossos dias, muitas pessoas só glorificam a Deus depois de uma tormenta. Às vezes precisam comer o pão que o diabo amassou, sentir o peso do castigo divino, descer à olaria de Deus para aprenderem a se humilhar diante do Criador. A história do rei Davi, o ungido de Deus, registra um pecado terrível: cometeu adultério com uma mulher casada e depois armou uma cilada para tirar a vida do marido traído. Embora Davi tenha posteriormente demonstrado

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sincero arrependimento (v. Salmo 51), Deus não deixou por menos: "Por que desprezaste a palavra do Senhor, fazendo o mal diante de seus olhos? A Urias, o heteu, mataste à espada, e a sua mulher tomaste por sua mulher. Agora, portanto, a espada jamais se apartará da tua casa..." (2 Sm 11 - 12). A "espada" de Deus veio em forma de violência, conflito e homicídio. Morreu a criança nascida desse ato ilícito (12.14), houve homicídio entre seus filhos (13.28-29), Absalão rebelou-se contra o pai e foi executado (18.9-17), e outro filho, Adonias, foi também assassinado por ordem de Salomão (1 Rs 2.24-25).

O pecado de Davi nos leva a refletir sobre a promiscuidade sexual dos dias atuais. Quantos adultérios são praticados por dia só no Brasil? Quantas famílias vivem em intermináveis angústias, traumas, ódio, desespero, demandas judiciais só porque os cônjuges não souberam manter o leito conjugal sem mácula? Quantos filhos sofrendo por não mais receberem o carinho e a proteção de seus pais, porque o marido traidor partiu para mais uma aventura?

O ciumento, invejoso e rebelde rei Saul pagou um preço alto por sua desobediência. "Rebelião é como pecado de feitiçaria, e o porfiar é como iniqüidade e idolatria. Porquanto tu rejeitaste a palavra do Senhor, ele também te rejeitou a ti, para que não sejas rei". O Espírito de Deus se retirou de Saul, "e o assombrava um espírito mau, da parte do Senhor" (1 Sm 15.23; 16.14). A Bíblia registra o arrependimento de Saul (15.24,31). Todavia, num gesto de desespero, porque Deus não falava mais com ele, consultou uma feiticeira. A sua situação piorou. "Assim, morreu Saul por causa da sua transgressão com que transgrediu contra o Senhor, por causa da palavra do Senhor, a qual não havia guardado; e também porque buscou a adivinhadora para a consultar, e não buscou o Senhor, pelo que o matou e transferiu o reino a Davi, filho de Jessé" (1 Cr 10.13-14).

Mais reflexão se faz necessária. Um número muito grande de pessoas, dentre as quais muitas que se dizem cristãs, consulta os adivinhadores, sejam cartomantes, manipuladores de búzios ou canalizadores. Vimos que tal prática é considerada por Deus como rebeldia. Vejam:

"Não haja no teu meio quem faça passar pelo fogo o filho ou a filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro, nem encantador, nem necromante, nem mágico, nem quem consulte os mortos. O Senhor abomina todo aquele que faz essas coisas" (Dt 18.10-12).

"Fez seus filhos passarem pelo fogo no vale do filho de Hinon, praticou feitiçaria, adivinhações e bruxaria, e consultou médiuns e adivinhos, fez muito mal aos olhos do Senhor, provocando-o à ira" (2 Cr 33.6-7; v. 2 Rs 21.1-18).

O último versículo, acima, se refere a Manassés, décimo - quinto rei de Judá, onde reinou por cinqüenta e cinco anos. Por estes pecados, e por haver colocado "uma imagem escultura, o ídolo que tinha feito, na Casa de Deus" e "levantou altares a todo o exército dos céus" foi levado cativo para Babilônia. Manassés faz parte do rol dos que precisam primeiro passar pelo vale da tormenta para aprenderem a humilhar-se e a glorificar a Deus. A Bíblia diz em

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Gálatas 5.20-22 que não herdarão o Reino de Deus quem pratica a prostituição, a idolatria e a feitiçaria (v. Ap 21.8; 22.15).

"Quando vos disserem: consultai os que têm espíritos familiares e os adivinhos, que chilreiam e murmuram entre dentes, não recorrerá um povo a seu Deus? A favor dos vivos interrogar-se-ão os mortos?" (Is 8.19; v. 1 Sm 28.8 cf. 1 Cr 10.13).

"Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o Reino de Deus" (1 Co 6.10; v. Ef 5.5; 1 Tm 1.9-10).

Está bem clara a advertência e será fielmente cumprida como cumpridas foram as anteriores, porque sem santificação ninguém verá o Senhor. Não podemos viver segundo a nossa vontade.

Precisamos saber qual a vontade de Deus para nosso viver. Será terrível o fim para os que desejam que a Palavra de Deus se ajuste à sua situação pecaminosa. Nós é que devemos nos ajustar ao padrão da Palavra. Sei que tais advertências estão ficando cada vez mais raras em nossos púlpitos. Parece haver um conformismo diante da situação degradante do mundo, com o aumento do ocultismo, da feitiçaria, do culto a Satanás. O tempo reservado à Palavra tende a diminuir. Vale lembrar as palavras do apóstolo Paulo: "Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus" (Rm 12.2).

A verdade é que o mau não ficará sem castigo (Pv 11.21). "Eu repreendo e castigo a todos quanto amo" (Ap 3.19). Um dos ladrões crucificados no Gólgota, ao lado de Jesus, reconheceu a dura realidade da justiça divina: "Com justiça - disse ele - recebemos o castigo por nossa rebeldia" (Lc 23.41). Consideremos, pois, "a bondade e a severidade de Deus: para com os que caíram, severidade; mas, para contigo, a benignidade de Deus, se permaneceres na sua benignidade; de outra maneira, também tu serás cortado" (Rm 11.22). Por último, fiquemos com a advertência abaixo: "A carne deseja o que é contrário ao Espírito, e o Espírito o que é contrário à carne... As obras da carne são conhecidas: prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, pelejas, dissensões, facções, invejas, bebedices, orgias e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos preveni, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus" (Gl 5.17-21). "Lembra-te de onde caíste. Arrepende-te, e pratica as primeiras obras. Se não te arrependeres, brevemente virei a ti, e removerei do seu lugar o teu candeeiro, se não te arrependeres" (Ap 2.5). (18.08.2003)

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