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Eu li na Revista Vivência Entrando em Ação Bill resolveu “Entrar em Ação” escrevendo um livro, para alcançar o objetivo a que se propunha O tema, além de sugestivo está identificado com o momento em que Bill, na ânsia de passar sua experiência para o papel, resolveu “Entrar em Ação” escrevendo um livro, como a forma mais eficaz, por ele encontrada, para alcançar o objetivo a que se propunha. Conta-nos Bill que, em 1938, após relatar sua própria história sentia necessidade de mostrar ao mundo, como funcionava o nosso Programa de Recuperação. Na sua pretensão estavam incluídos os Doze Passos como parte integrante do livro “Alcoólicos Anônimos” que, em abril de 1939, deu nome à Irmandade. Dessa maneira, Bill iniciou sua tarefa procurando lembrar-se de tudo o que lhe havia acontecido, desde a visita que Ebby lhe fizera em novembro de 1934, até fins de 1938, quando eram notáveis as recuperações por meio daqueles princípios. Ali, mesmo já dispondo das “Seis Etapas” dos Grupos de Oxford, Bill desejava algo mais para tornar os nossos princípios

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Eu li na Revista Vivência

Entrando em AçãoBill resolveu “Entrar em Ação” escrevendo um livro, para alcançar o objetivo a que se propunha

O tema, além de sugestivo está identificado com o momento em que Bill, na ânsia de passar sua experiência para o papel, resolveu “Entrar em Ação”

escrevendo um livro, como a forma mais eficaz, por ele encontrada, para alcançar o objetivo a que se propunha. Conta-nos Bill que, em 1938, após relatar sua própria história sentia necessidade de mostrar ao mundo, como funcionava o nosso Programa de Recuperação. Na sua pretensão estavam incluídos os Doze Passos como parte integrante do livro “Alcoólicos Anônimos” que, em abril de 1939, deu nome à Irmandade.

Dessa maneira, Bill iniciou sua tarefa procurando lembrar-se de tudo o que lhe havia acontecido, desde a visita que Ebby lhe fizera em novembro de 1934, até fins de 1938, quando eram notáveis as recuperações por meio daqueles princípios. Ali, mesmo já dispondo das “Seis Etapas” dos Grupos de Oxford, Bill desejava algo mais para tornar os nossos princípios fartamente conhecidos. Conta-nos a história que, nesse clima de graça e inspiração, Bill pegou lápis e papel, pediu a iluminação divina e passou a escrever aleatoriamente. Passados, aproximadamente, 30 minutos, fez uma pausa, contou os itens já rascunhados, que somaram doze; e deu-se por satisfeito. Aqueles Doze Princípios, que chamou de Passos, foram encaminhados aos Grupos para serem discutidos, votados e aprovados pela consciência coletiva da Irmandade, em sua forma final. As discussões para aprovação dos Passos foram acirradas, mas benéficas, dando

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origem às expressões: Poder Superior (Segundo Passo) e Deus na forma como O concebíamos (Terceiro e Décimo Primeiro Passos).  Isso permitiu que as portas de A.A. se abrissem e permanecessem abertas a qualquer um, de qualquer seita e/ou religião, ou mesmo sem nenhuma delas, ficando disponíveis, também, aos ateus, céticos e agnósticos que, a partir dali poderiam buscar sua tão desejada recuperação.

Nada era exigido; o que se requeria era apenas que todos tivessem a devida humildade para aceitar um Poder Superior, como cada um O concebesse. Aprovados os Doze Passos, estes foram colocados à disposição da humanidade inteira, para que todos os indivíduos pudessem deles fazer uso, contanto que não modificassem o seu conteúdo espiritual. Mesmo sem explicação para o fato, após a aprovação da consciência coletiva dos Grupos, da época, verificou-se que, os Doze Passos apresentavam particularidades dignas de registro: descobrimos que, somente o Primeiro Passo falava em álcool; e só o Décimo Segundo falava em alcoólico.

Fora disso, nada havia nos Passos que os identificassem com Alcoólicos Anônimos. Notamos também que, dos Doze Passos somente seis falavam em Deus (Segundo, Terceiro, Quinto, Sexto, Sétimo e Décimo Primeiro); e seis não falavam em Deus (Primeiro, Quarto, Oitavo, Nono, Décimo e Décimo Segundo). De outro lado, o modo como os Doze Passos haviam sido ordenados, os colocavam em uma posição tal, que não podiam ter sua sequência modificada. Assim, cada Passo, exceto o Primeiro e o Décimo Segundo, complementava o imediatamente anterior e era complementado pelo imediatamente posterior, numa sequência lógica entre eles. Em razão disso, só poderíamos praticar o Terceiro Passo, depois do Segundo e, este, somente após o Primeiro, ou seja, só depois de admitir a nossa impotência perante o álcool (Primeiro Passo), é que passávamos a acreditar que somente um Poder Superior, a nós mesmos, nos poderia devolver a Sanidade (Segundo Passo); só então, por meio do Terceiro Passo, decidíamos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados do Poder Superior, na forma como O concebíamos. Hoje sabemos que, jamais o Quinto Passo poderá ser praticado antes do Quarto; inicialmente, fazemos um minucioso e destemido inventário pessoal, honesto e consciente, por meio do Quarto Passo para, em seguida, por meio do Quinto “admitirmos perante Deus, perante a nós mesmos e perante aos outros seres humanos, a natureza exata de nossas falhas”.

O mesmo ocorre com relação ao Sétimo Passo, que só poderá ser praticado se, antes fizermos o Sexto; neste, prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus remova todos os nossos defeitos de caráter para, no Sétimo, rogarmos a Ele que nos livre das nossas imperfeições. Só cumprimos o Nono Passo, após o Oitavo; neste, relacionamos todas as pessoas a quem tenhamos ofendido para, no Nono, reparar os males e danos a elas causados. O Décimo Passo nos manda de volta ao Quarto, onde continuamos nosso inventário pessoal; e quando estamos errados, admitimos prontamente. Ao chegar ao Décimo Primeiro Passo, retornamos ao Terceiro, onde através da prece e da meditação, procuramos manter um contato mais consciente com Deus, na forma como O concebemos, pedindo a Ele apenas o conhecimento de Sua vontade com relação a nós, e forças para realizar essa vontade. Ao fim, agradecido ao Poder Superior pela experiência do despertar espiritual alcançado graças aos Onze Passos anteriores, passamos a praticar.                   

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                 É fácil observar que a Sobriedade depende da prática dos nossos princípios espirituais em todas as atividades, em todos os momentos da vida e não somente numa sala de A.A. Sintetizando os Doze Passos identificamos o serviço básico que a Irmandade oferece; é a nossa principal arma e a maior razão da existência de A.A. Isso nos leva a crer que Alcoólicos Anônimos é mais que um simples conjunto de princípios; é uma Irmandade de recuperação de alcoólicos em ação. Por isso, dizia Bill W.: “Devemos levar a Mensagem de A.A.; caso contrário, nós mesmos podemos cair; e aos que não foi dita a verdade, podem morrer”; e continuava: “Ação é a palavra mágica que encerra toda filosofia da nossa recuperação, sendo, também, o coração do Décimo Segundo Passo – Serviço – e Serviço em A.A. é tudo que possamos fazer para ajudar o alcoólico, os nossos companheiros e, concomitantemente, a nós mesmos”.

Isso significa dizer que se torna bastante difícil a recuperação do alcoólico, sem a Ação dos Doze Passos; por isso, os Passos devem ser objeto permanente das Reuniões Temáticas dos Grupos, Encontros e Seminários, para que possamos mostrar a essência de nossa Mensagem e a necessidade de sua prática dentro de A.A. Ademais, no Serviço, o prazer de viver é o tema; e ação é a sua palavra mágica. Aqui nos chega a oportunidade de ajudar os companheiros alcoólicos ainda aflitos. A essa altura, estamos experimentando “o dar pelo dar”, ou seja, dando, mas nada pedindo em troca.

Quando conseguimos analisar o Serviço, no conjunto de todas as suas implicações, estamos na verdade marchando em direção a um tipo de amor que não tem preço. O Serviço também nos diz que, como resultado da prática dos Passos, cada um de nós foi descobrindo algo que podemos chamar de “despertar espiritual”. Para os recém-chegados, isso pode parecer dúbio ou impossível, levando-os a perguntar: que é “despertar espiritual?” Acreditamos que há uma definição para cada um que o tenha experimentado.

Contudo, os casos autênticos, na verdade, têm uma coisa em comum e de fácil compreensão: alguém que o tenha alcançado passa a ter algo muito significativo em sua vida; uma nova capacidade para fazer e sentir coisas divinas, bem como nelas acreditar de uma forma antes não permitida dentro de si. A dádiva recebida é um novo estado de consciência e uma nova maneira de ser. Um novo caminho lhe foi indicado, conduzindo-o a um lugar determinado, onde a vida não é um beco sem saída, nem algo a ser suportado.João C. - Ceará

Uma reflexão sobre A.A. e os adolescentesPela nossa experiência, reconhecemos que, para caminharmos dentro da programação de A.A., que é uma programação de reformulação de vida, é necessário mais do que vontade.

Temos que participar, ter atitude, entrega e disposição para, diante de tantas possibilidades, escolher aquela que mais nos convém naquele momento e no

seu correspondente futuro. Conseguimos pensar nos adolescentes dispostos a isso?

Bem, não estamos aqui querendo dizer que seja impossível para qualquer

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adolescente pensar e agir dessa forma; apenas analisamos segundo a realidade que percebemos.

O fato é que A.A. não deve impor nenhum obstáculo à chegada e à possível permanência de qualquer pessoa. No caso dos adolescentes, em especial, a mensagem deve ser transmitida considerando não a nossa perspectiva, de pessoas mais vividas que, de certa forma, já experimentaram o que hoje eles experimentam e perceberam a necessidade de, diante de tantos transtornos, desconfortos e malefícios causados pelo consumo excessivo do álcool, mudar a direção de suas vidas, mas sim, segundo a perspectiva deles, pessoas que passam por um intenso momento de autoafirmação de suas personalidades e necessitam de experiências para os balizarem em suas escolhas e definições.

Para transmitirmos a proposta de A.A. aos adolescentes, em muitos casos, deveremos adequar nossa ideia e nossa fala ao universo vivido por eles, considerando que, para alguém dessa faixa etária, não é tão simples evitar os prazeres, as festas, as baladas, os rocks, mas que é possível, por mais que pareça impossível, viver tudo isto evitando o consumo de qualquer substância que altere seu comportamento. É importante alertá-los quanto à progressividade do alcoolismo e que, com consciência e bom senso, “pode-se evitar quinze a vinte anos de puro inferno em suas vidas”.

Reconhecemos não ser uma tarefa simples para nós, membros de Alcoólicos Anônimos, habituados a dialogar com pessoas mais vividas e de uma faixa etária maior, dentro de nossos grupos.

Para obtermos êxito na proposta de transmissão da mensagem de A.A. aos adolescentes, penso que teremos que sair de nossa zona de conforto, investir em nossa capacitação, reciclar nossas ideias e falas, adequando-as a essa nova realidade, reconhecendo que, se êxito obtivermos na transmissão da mensagem de A.A., estaremos contribuindo não somente para nossa melhoria de vida, que tem um de seus suportes no Décimo Segundo Passo, mas na melhoria de vida da comunidade da qual fazemos parte e que, de certa forma, tanto prejudicamos com nossa forma inconsequente de ingestão da bebida alcoólica.Luiz Carlos. Ouro Preto/MG

Juventude em A.A.Uma companheira compartilha sua trajetória em A.A., iniciada como jovem alcoólica que descobriu o nosso modo de vida e se tornou cada vez mais... jovem!

O grupo em que ingressei em Alcoólicos Anônimos, nos idos de 1993, contava   com a frequência, só nos finais de semana, de três senhoras alcoólicas – assim eu as via, com meus 32 anos de idade e recém casada. Durante a semana (tínhamos reuniões diárias, como até hoje), eu era a única presença feminina na sala. Podem adivinhar o que aconteceu? Não deu outra, fui logo apadrinhada para a secretaria do grupo, “vaga” e que assumi aos seis meses de

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sobriedade!Cheguei desempregada, fumando 50 cigarros por dia, afastada da família de origem, tentando começar um casamento para mudar de vida e deixar para trás as insanidades e angústias que me escravizaram desde a mais tenra idade, para as quais o único e falso alívio vinha sendo o álcool. Logo descobri que, no meu caso, para deixar de sofrer eu teria que deixar de beber.Isto não me foi difícil, pois graças ao apadrinhamento respeitoso e atraente dos velhos mentores do meu grupo base – e das queridas companheiras que me aca- rinhavam nos finais de semana, creio que tive o privilégio de “evitar quinze ou vinte anos de puro inferno”. Acredito que cheguei antes das piores complicações, quase não sofri sintomas de abstinência ou compulsão e abracei de corpo e alma a oportunidade de viver de verdade, por mais difícil que me tenha sido, no começo, simplesmente viver.Descobri que eu ainda era jovem, embora não tão jovem assim. Nada tinha construído além das ruínas de mim mesma e dos poucos vínculos que, como fiapos apodrecidos, pendiam de mim. Naqueles primeiros tempos de A.A., viver era olhar essas ruínas, ainda sem a menor noção do que fazer a partir dali. Mas A.A. logo nos ensina que a fraqueza é força. Que debaixo de toda ruína escondem-se seguramente alguns tesouros. Só o que precisamos fazer é acreditar que estão lá e trabalhar, hoje, para encontrá-los e desfrutar do que eles podem nos oferecer.

Assim, de hoje em hoje, o primeiro tesouro que encontrei foi meu próprio alcoolismo, diamante bruto que tem ser- vido para me revelar a mim mesma e, talvez, ajudar outros alcoólicos a perceberem sua doença e abraçarem o modo de vida que abracei (e que me permitiu também parar de fumar, um mês depois de ficar abstêmia do álcool).Este modo de vida foi o segundo tesouro que encontrei: os nossos legados de recuperação, unidade e serviço, princípios pelos quais, lenta e sutilmente, saí do meu isolamento físico, mental e espiritual, e desenvolvi novos hábitos físicos, mentais e espirituais: alimentares, higiênicos, sociais, familiares, profissionais, voluntários, livres, conscientes, responsáveis, solidários, incondicionais.De fato, os Passos, Tradições e Conceitos de A.A., as sugestões práticas para “Viver Sóbrio”, as Promessas, os Princípios de Ouro, as Reflexões Diárias, a história fascinante do surgimento e desenvolvimento de Alcoólicos Anônimos e tudo mais que está generosamente de- talhado e compartilhado na extensa literatura oficial da nossa Irmandade, é para mim o mais rico tesouro do universo. Se eu puder sugerir algo a um membro de A.A., sugiro que não deixe de apreciar as pedras preciosas que estão brilhando dentro de cada um dos nossos livros, livretes e folhetos.Através deles, das reuniões e demais atividades do grupo e da Irmandade, com muita ajuda dos companheiros e companheiras (hoje nosso grupo base tem dezenas de pessoas, de todas as idades, credos, classes, etnias e estilos),  feito um bebê que engatinha, tenta manter-se em pé sobre suas pernas, andar e depois correr para a vida, nestes anos de recuperação eu errei a mão, caí, me feri, feri a outros, chorei, senti medo, raiva e vergonha, recebi cuidados nos arranhões, cortes, hematomas e fraturas; aprendi a cultivar a aceitação, a honestidade, o autoconhecimento, a simplicidade, a obediência, o não julgamento, o perdão de mim e dos outros; descobri a obrigação de me tornar a melhor pessoa que pudesse ser e a obrigação de reparar, criar e cultivar as melhores relações que eu pudesse manter com quaisquer pessoas que tivessem

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cruzado ou viessem a cruzar meu caminho a cada dia. Aprendi a ter olhos para ver, ouvidos para ouvir e um coração cheio de sensibilidades e emoções para sentir, celebrar, meditar, orar e agradecer.Assim, o terceiro tesouro que encontrei foi a vida (em abundância), atravessada por um Poder Superior que está em tudo e em todos: no ar que entra pelos meus pulmões e em cada célula do meu corpo, nos elementos da natureza, nos fenômenos da sociedade e na passagem das gerações. Vida da qual sou um dos infinitos e temporários elos, e que me brinda com novas possibilidades de acertar a cada dia em que acordo – viva, sóbria e membro dessa fraternidade mundial de homens e mulheres.Isto é o que A.A. fez por mim: muito mais do que me resgatar da morte e da loucura, deu-me uma vida de gente, de criatura humana com uma centelha misteriosa e maravilhosamente divina, a fazer parte desse mundo, um dia de cada vez.E eu, o que fiz e faço por A.A.? Por mais que faça, apenas aumentarei minha dívida, pois cada palha que movo em A.A. traz  mais  uma  medida  de  felicidade.A.A.  é  uma  galinha  de  ovos  de  ouro:quanto mais trabalhamos para alcançar alcoólicos que ainda sofrem, mais a nos sa própria vida se enche de amor, senti- do e utilidade: no grupo, na estrutura de serviços de A.A., em casa, no trabalho, na rua, na vizinhança, na academia, na igreja, num curso – em todas as nossas atividades e relacionamentos.Por fim, A.A. é também, para mim, o elixir da eterna juventude! Hoje já tenho muitos cabelos brancos, um bocado de rugas, perdas de pessoas queridas e outros sinais da passagem do meu tempo. Mas estes sinais de maior proximidade da minha finitude pessoal não são mais barreiras entre eu mesma e quaisquer outras pessoas, e nem fontes de tristeza. Só por hoje, minha vida está povoada de crianças, jovens, adultos e anciãos, alcoólicos (as) e não alcoólicos(as), cada um dos quais com muitos outros sinais (sexuais,  econômicos,  culturais,  políticos e tantos outros) que só me enriquecem ainda mais, pois hoje me sinto capaz de tentar incorporar, ao meu modo de ser, o que de melhor encontro neles e nelas. Assim, cada dia “a mais” de vida me faz sentir sempre mais renovada. Em A.A. a juventude, além de uma faixa etária, é também uma qualidade espiritual. Uma ideia comum sobre ser jovem é acreditar que se tem muito tempo pela frente.A.A. nos brinda com a sabedoria de que, independentemente da idade, tudo o que temos e tudo quanto precisamos para vi- ver – e viver em abundância – é o dia de hoje. Carpe Diem (Aproveite o dia!).AnônimaSão Paulo/SP

Quando o exemplo vem dos mais jovensPara este membro, a memória de um jovem “extrovertido, feliz, respeitado, inteligente e amado de verdade” em A.A., e que o recebeu no Grupo, é o exemplo que o inspira até hoje, de alguém que “conseguiu entender o programa simples, mas de grande conteúdo”

No ano de 2003, quando cheguei ao Grupo Recanto de A.A., na cidade Recanto das Emas (DF), no mês de julho, quem me recebeu foi um

companheiro jovem, tanto na idade como porque era novato na programação.

Quando entrei, uma hora antes de começar a reunião, ele estava fazendo café. Estava alegre, assobiando e lavando louça. Entrei calado, olhando a sala e vendo se tinha mais alguém. Então, o jovem olhou para trás, me viu e disse “Seja bem

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vindo, meu jovem! Fique à vontade, por enquanto só estou eu aqui, mas os companheiros daqui a pouco estarão chegando!”

Nunca esqueci aquele dia. Foi esse jovem companheiro que me incentivou a prestar serviços na Irmandade, em favor da minha própria sobriedade. Vivi muitas experiências felizes junto com ele, que sempre serviu com responsabilidade e alegria.

Eu me identifiquei muito com aquele meu companheiro, que nos dias de reunião ia sempre onde eu morava e me chamava para ir com ele ao Grupo. Foi um membro ativo e com grande espírito de serviço. Através do seu exemplo, eu mesmo estou até hoje nos trabalhos da Irmandade.

Pena que foi pouco o tempo que vivenciamos juntos essa maravilhosa programação. Pois no dia do seu aniversário de 19 anos, sua vida foi ceifada. Ele me lembrou da importância do serviço de A.A. em seu último depoimento, sobre a Reflexão Diária do dia 8 de Dezembro.

Sou grato a ele por tudo. Hoje tenho minha dupla companheira: de A.A. e minha esposa, que me amadrinha nos trabalhos. Somos ambos servidores da Revista Vivência na Área 18, ela RV do Taguanorte, em Taguatinga, e eu RVD do 6° Distrito, no Recanto das Emas e Samambaia (DF), só por hoje.

Quanto aos nossos jovens recém chegados, sejam todos bem vindos! Precisamos de vocês, sintam-se em casa! Obrigado aos companheiros e companheiras, por emprestarem seu precioso tempo para trocarmos experiências. Rogo ao Poder Superior, como O entendo, por mais 24 horas de sobriedade a todos.J. Eduilson Taguatinga Norte/DF

O caminhão basculantePara este então jovem, uma ultrapassagem de risco levou a um despertar espiritual e à Irmandade de Alcoólicos Anônimos

Cheguei em Alcoólicos Anônimos aos 27 anos de idade, me sentindo totalmente falido em todas as áreas de minha vida. Aos 14 anos de idade me

foi estendido um “tapete vermelho”, ingressei em uma multinacional como mensageiro em uma indústria química em São Paulo. Logo quando recebi o meu primeiro salário, fui convidado pelos outros mensageiros a ir comemorar no bar do Sr. João. Que maravilha – cerveja, caipirinha, tira-gosto, tudo do bom e do melhor.

Com o passar de algum tempo (aos 15 anos) já comecei a ter contato com outras drogas. Passei a não fazer mais parte do time de futebol dos mensageiros e sim da torcida que não assistia aos jogos, pois na maioria das vezes eu estava no bar do campo, de costas para o jogo, ou nas redondezas, usando drogas. Comecei a ter problemas na escola, sempre buscava transferências para outras escolas, achando que fosse resolver o problema, só que a cada nova escola, encontrava novas amizades que gostavam de se reunir no bar para tomar cerveja antes da aula.

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Aos 20 anos pedi transferência para a filial da empresa no Rio de Janeiro (fuga geográfica) tentando melhorar minha situação, pois via que se continuasse em São Paulo, poderia acabar morrendo ou sendo preso. No meio em que eu vivia o final era esse: prisão, instituição e morte. Ao chegar ao Rio, fiquei de vara curta por algum tempo; mas logo estava enturmado com o pessoal da pesada e os problemas continuaram. Cheguei a ingressar numa faculdade, mas não consegui concluir, pois os bares e bocas eram tentadores e era muito difícil conseguir entrar na escola ou ir para o trabalho sem usar qualquer substância que alterasse meu ânimo ou minha mente. Cheguei ao ponto em que vivia para usar drogas e usava drogas para viver.

Em julho de 1989, quando completei 11 anos de empresa, fui demitido por participar de um movimento grevista. Não demorou muito para eu trancar a matrícula da faculdade e mandar ver a indenização, curtindo a vida adoidado. Infelizmente, o dinheiro acabou e me vi envolvido com pessoas que acabavam morrendo de forma trágica, pelo simples fato de usarem drogas e cometerem pequenos delitos. No final do ano de 1990 (novembro), meu pai mandou meu irmão mais velho ir ao Rio pedir para eu voltar para São Paulo, pois lá existia trabalho, casa, comida e roupa lavada; consegui quebrar a barreira do orgulho e retornei para a casa de meus pais. Eu me identifico com a passagem do filho pródigo, que tem uma família a recebê-lo com todo amor e carinho, sem julgá-lo. No início, ainda continuava me envolvendo com colegas da antiga que frequentavam os barzinhos e as biqueiras.

No dia 08 de julho de 1991, acredito que tive meu despertar espiritual, ao tentar ultrapassar um ônibus e me ver de frente a um caminhão basculante. Naquele momento voltei para traz do ônibus e comecei a refletir sobre o que estava havendo comigo. Ao chegar em casa, fiz uma reflexão sobre minha maneira de viver e confesso que resolvi tomar a decisão de procurar a Irmandade de Alcoólicos Anônimos.

Na segunda-feira pela manhã fui a uma instituição de recuperação me informar sobre grupos de Alcoólicos Anônimos na região de Santo Amaro e me foi fornecido o endereço do extinto Grupo Jardim das Imbuias, onde ingressei em 14 de Julho de 1991 e fui muito bem recebido pelos companheiros que lá se encontravam.

Após três meses em recuperação fui convidado para ser o RI (antigo Representante Intergrupal) do Grupo e aceitei de pronto, pois havia escutado umas frases que me acompanham até os dias de hoje: “ Quem não vive para servir, não serve para viver”; “Dificilmente vemos recair quem se envolve com o serviço da Irmandade”. Com a gratidão que tenho por Alcoólicos Anônimos, venho praticando o legado do serviço até os dias atuais. Hoje moro na cidade de Resende, no Rio de Janeiro e sirvo no Grupo Reviver como coordenador da reunião de sábado. Aqueles que quiserem tomar um cafezinho conosco serão bem vindos.Getúlio Resende/RJ

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“Gratidão é trazer mais um”Segue uma história de múltipla dependência, enfrentada com sucesso, um dia de cada vez, com os Doze Passos de A.A. e o serviço na Irmandade.

Sou um alcoólico e adicto em fase de recuperação. Meu início no mundo do alcoolismo foi aos 14 anos de idade, quando estava na 8ª série do Ensino

Fundamental. Depois que comecei a beber, fiquei de recuperação e quase fui reprovado nos três anos seguintes, já no Ensino Médio.

Para mim, o álcool foi porta de entrada para outras drogas, passei pela maioria dos entorpecentes então existentes na cidade de Olinda.

Provoquei muitas frustrações para minha mãe: fui preso em várias delegacias, ela assistiu a uma péssima cena, me viu algemado, e apanhei muito da polícia. Até tive a chance de arrumar meu primeiro emprego e consegui comprar uma moto, mas com as dependências químicas, posteriormente sofri vários acidentes automobilísticos.

Tive uma companheira, fomos morar juntos e construí uma casa, entretanto o alcoolismo fez com que minha companheira fosse embora. Fiquei sozinho naquela casa que fiz com tanto carinho para morar com minha família. Depois de alguns dias fui à sua procura para tentar reatar o relacionamento, entretanto tive de ir morar na casa de minha sogra — meu alcoolismo estava destruindo minha vida familiar.

Tive o oitavo acidente de moto por estar embriagado. Nesse momento, acredito que um Poder Superior, como O entendo, orientou a mente de minha esposa, que me sugeriu A.A.

Os grupos que possuem geralmente uma placa com seu nome, horários de reunião e o símbolo de Alcoólicos Anônimos. Graças a uma destas placas, cheguei. Fui até a escola onde tinha uma reunião. Fui sozinho e disseram que eu era a pessoa mais importante naquela sala. Escutei os companheiros falando do que o alcoolismo é capaz. Foram lidas as Doze Perguntas e então eu disse sim, para ser honesto comigo mesmo.

Aos dez meses de programação, fui servir como coordenador de reunião, para dar de graça o que recebi de graça. Isto fez aumentar meu entusiasmo pela Irmandade.

Entretanto, tive problemas com outras drogas, que continuava usando. Felizmente, no andamento do um dia de cada vez tive outro despertar espiritual. Como diziam os companheiros, o serviço não garante, mas ajuda bastante na recuperação.

Utilizei as literaturas de A.A., principalmente o Vivendo Sóbrio e, graças ao plano das 24hs e ao Poder Superior, deixei de fumar uma substância que me prendeu a uma escravidão de 20 anos de minha vida. Agora estou curtindo como é bom estar sóbrio, agora esta palavra faz parte do meu dicionário.

Sou abnegado em relação ao Grupo onde renasci, Grupo Alto do Maracanã, onde sirvo como suplente de RSG e continuo coordenando reuniões. A literatura é a

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mensagem escrita mais pura deixada pelos cofundadores, gosto muito de ler.

Quando compartilho sobre as situações que vivi no mundo do alcoolismo ativo, fico bastante emocionando, assim também com os depoimentos de companheiros nesta Revista, que às vezes são idênticos ao meu. Ser assinante da Vivência foi a melhor coisa que fiz para ajudar na minha recuperação e pretendo fazer a renovação todos os anos.

Vou às reuniões frequentemente e gosto de todas: temática, recuperação e festiva. Minha vida hoje é uma maravilha, estou bem com minha mãe, esposa e filho. Tento praticar os princípios de A.A. no meu lar, no trabalho e outros lugares.

Sou muito grato ao Poder Superior, aos companheiros que organizaram a casa para eu chegar e vêm me ajudando, e a esta belíssima revista que significa uma reunião em casa. Alcoólicos Anônimos é amor e serviço, preciso estar em serviço, pois me ajudou bastante no começo da minha caminhada. Tenho 35 anos de idade, vou fazer 36 em novembro de 2013 e tenho um ano e meio de A.A.

Sou entusiasmado com a Irmandade pelas dádivas que tenho recebido e os veteranos falam que gratidão é trazer mais um. Comecei a levar a mensagem a um amigo que viu minha transformação; ele continuava bebendo e se drogando. Certo dia ele estava chorando porque tinha vendido a bicicleta e o relógio para comprar drogas e bebidas, e veio me pedir ajuda. Foi a hora exata de falar que tem um lugar para quem parar de beber e usar drogas. Levei este amigo e ele quis ser membro. Fiquei bastante emocionado e ele também, nós nos abraçamos e fui escolhido para ser seu padrinho. Agora ele está caminhado comigo nos Grupos, compartilhando essas experiências em que o remédio entra pelo o ouvido e a doença sai pela boca. Agradeço ao poder superior e todos os companheiros que vem me ajudando, a minha família, sobriedade eterna à todos.Roseval Olinda/PE

O inferno era o quarto e o banheiroMulheres alcoólicas às vezes bebem em casa e longe do olhar dos familiares. Felizmente, um despertar espiritual pode ocorrer em qualquer lugar!

Sou Salete, uma alcoólica em recuperação, uma ex-bêbada e só por hoje não bebi. Faz 16 anos que estou sem beber! Quando pedi ajuda a A.A., tinha 42

anos de idade.Fui criada e educada para ser esposa e mãe, não para ser uma provedora do lar. Comecei a beber álcool no suco da dieta... era mais sutil!

Era muito respeitada pela família e amigos; Era um ícone familiar, por isso não podia chorar e ter sentimento de fraqueza. Tive que enfrentar preconceitos...

Na medida em que colocava a roupa do meu marido, também aumentava o teor alcoólico na minha vida! Primeiro botei a camisa, depois a gravata. As ceroulas, as calças, o cinto, as meias e, quando tive que, inevitavelmente, pôr os sapatos, eu já estava no auge alcoólico!

Bum! Virei uma provedora na marra: porque meu marido já era um alcoólico

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desde garoto! O alcoolismo do pai, meus filhos viram, mas o da mãe, não! Nessa época, meus filhos já tinham saído para a cidade a fim de estudar e trabalhar. Foi fácil eu esconder! O que me traía eram as minhas atitudes pós-porres.

Consegui beber no anonimato total. O álcool me manipulava e eu manipulava as pessoas. Trabalhava no verão e tirava férias no inverno! Fiz do meu quarto e do meu banheiro o meu verdadeiro inferno! Tomava bebida alcoólica com canudinho, não suportava o gosto... só o efeito!    

Meu quarto era um santuário cheio de rituais que só eu conhecia. Bebia, escutava música clássica e lia muitos livros de trás pra frente. Brigava muito com Deus! Tinha muitas latinhas e garrafas com canudinhos e muitos, muitos livros empilhados por cima de tudo, até no chão! Lia tudo ao contrário.

No banheiro fazia minhas refeições, pensava que cozinhava meus alimentos, mas eu os comia crus! Fazia minhas refeições sentada no vaso sanitário. No box do banheiro tinha latas e garrafas de bebida alcoólica, com canudinho. Eu bebia debaixo do chuveiro. O ato de usar canudinho era para neutralizar o gosto e acelerar, em pontos estratégicos do banheiro e do quarto.

Fiz do álcool a minha paixão, meu rei, meu deus, meu tudo! A sensação que o álcool me causava era de um êxtase pleno! Foram muitos anos caminhando para a insanidade. Quase sem volta. Bebia e vigiava para que ninguém desconfiasse.   Quando eu estava com a falada “ressaca“ ou abstinência era outra pessoa! Minhas atitudes comportamentais eram visíveis, como por exemplo: era extremamente fria; tolerância zero; soberba, orgulho, prepotência e arrogância, 100%; humildade nem pensar! Imagina, eu era uma profissional competente, respeitada por todos. Bebia com meu dinheiro, não pedia nada a ninguém e achava que podia parar quando quisesse.

Mas não foi assim que aconteceu. Estava perdendo totalmente o domínio da minha vida e das minhas atitudes! Tive um lapso de um despertar espiritual. Nesse dia acordei e ainda estava enrolada em toalhas de banho. Entrei no banheiro e vi claramente toda a situação real. Além da bagunça normal, pela primeira vez eu vi a louça na tampa do vaso sanitário com alimentos crus: carne, ovo cru com casca, arroz e outros. Para mim foi uma cena de horror. Me olhei no espelho, eu estava com o rosto inchado e manchado, fiquei em estado de choque e horrorizada. Nunca tinha notado que já estava neste nível!

Naquele momento, algo sobrenatural me deu esta clareza e me disse: — “Olha o que você está fazendo com a sua vida! É isso que você quer?”

Tive uma crise de choro por 3 horas seguidas, parecia que ia morrer, não conseguia parar. Quando consegui controlar o choro, quis ajuda. Lembrei que em alguma ocasião, ao ver TV, vi uma divulgação de A.A. e um número de telefone. Passei duas vezes na frente do Grupo próximo, na terceira vez entrei, dei uma olhada e saí para voltar pra casa. Quando estava na calçada, alguém saiu lá de dentro e disse: — “Volte, você é a pessoa mais importante para nós!”

Pensei ... eu, importante? Eu sou o lixo da sociedade e estão dizendo que sou importante? Duas coisas me atraíram até a sala: Alcoólicos Anônimos e “você é a

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pessoa mais importante para nós”.

A partir daí, ao me tornar membro da Irmandade de Alcoólicos Anônimos, onde o único requisito era querer parar de beber, passei a ter um espírito livre! Hoje, sem beber, tenho algum domínio da minha vida. Resgatei as rédeas das minhas atitudes e comportamentos.

Em A.A. e sem beber, posso até errar, mas com o direito de acertar sem ser julgada ou condenada. Tento trabalhar meus defeitos de caráter. O mais importante nestes resgates foi eu passar a acreditar em Deus, como O entendo. Hoje O trato com respeito e carinho, faço d’Ele meu melhor e único amigo.

Quando estou triste tenho os Doze Passos. Quando vejo a coisa feia, tenho as Doze Tradições. Quando tenho duvidas, tenho a literatura! Quando me sinto em perigo, tenho a Oração da Serenidade! Meu amor pelo Poder Superior, que para mim é Deus, se tornou incondicional!

Fiquei com algumas sequelas? Sim... fiquei: viver com uma agenda e ter um cronograma todos os dias para minhas atividades diárias! Mas, com a alegria da certeza de hoje ser uma pessoa bem melhor!Hoje sei que o alcoolismo é doença sem cura. Mas também sei que posso estacioná-la, e evitar o primeiro gole. Este é A.A.Salete São José/SC

As chaves da recuperaçãoBem apadrinhado, o autor sente-se preparado para apresentar o programa aos recém-chegados

Trago em meu bolso um molho de chaves: chaves grandes, pequenas. Chaves de meu quarto. De meu armário, de meu carro...  Muitas chaves.

Tanto para abrir como para fechar. Elas têm duas tarefas: abrem e fecham portas. E meu molho de chaves aumenta a cada dia: uma hoje, outra amanhã. E elas são insubstituíveis. Cada qual tem seu papel, sua porta, seu lugar. Fui bem apadrinhado em AA. Meu padrinho apresentou a literatura e eu fiquei fascinado com a riqueza do conteúdo dela. O Terceiro Passo fala de chaves, “a prática do Terceiro Passo é como abrir uma porta que até então parecia estar fechada à chave. Tudo de que precisamos é a chave e a decisão de abrir a porta. Existe apenas uma chave, e se chama boa vontade. Uma vez usada a chave da boa vontade, a porta se abre quase que sozinha.”  Meu padrinho disse mais: “Companheiro, você pode ser uma chave para o Terceiro Legado. Existe um A.A. riquíssimo fora dessas quatro paredes. O Grupo é onde tudo começa, mas é apenas a ponta do iceberg. Existem portas trancadas. E você pode ser uma das chaves de que a Irmandade de Alcoólicos Anônimos precisa.” Quando cheguei me disseram que eu era a pessoa mais importante, senti-me acolhido e entrei em recuperação dessa doença fatal. Agora me apadrinharam para o Serviço de forma  sutil e gratificante. Sugeriu ainda a mim que bastava um começo, mesmo que fosse tímido. Uma vez que introduzimos a chave da boa vontade na fechadura e entreabrimos a porta, maravilhas acontecem na nossa vida. 

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 Esse apadrinhamento foi de suma importância para minha programação.  Pude perceber, desde minha chegada em A.A., que existem companheiros que, por falta de apadrinhamento, são ainda portas fechadas pelas decepções e angústias do alcoolismo. Tento ser hoje aquela chave nas mãos do Poder Superior, pronta para abrir os portões de lares desfeitos pelo álcool. Desejo que muita gente encontre portões abertos para os abraços, para encontros de companheiros em Ciclos de Estudos, Debates, Reuniões de Distritos, Reuniões de Área, Grupos de Estudos e, por fim, na XIX Convenção Nacional em 2016 em Maceió (AL). O 12º Passo diz: “O prazer de viver é o tema deste Passo, e a ação sua palavra-chave”.  Foi como se eu recebesse um molho de chaves. Uma para abrir as portas da paz. Outra para abrir os portões da amizade sincera. Uma chave forte e resistente para fechar as portas do mal. Mais outra chave dourada para abrir as portas da confiança, da unidade.  Uma para trancar as portas da desconfiança e da incerteza. Quero compartilhar muitas chaves com os recém-chegados para que eles abram as portas da sua recuperação tal como venho abrindo as da minha própria. Trata-se do nosso Décimo Segundo Passo: “Livremente receberam e livremente dão”.  Arlindo M. Unaí/MG

Passagem LivreMesmo sem beber, percebeu que o seu passado cheio de medos, culpas, inveja, ressentimentos, ainda estava “dando as cartas”.

Sou membro de A.A. há muitos anos e até o dia de hoje não voltei a ingerir o primeiro gole de álcool. Tenho tratado de manter frequência assídua e

envolvimento permanente em meu Grupo base para não voltar a beber e assim permanecer aprendendo com meus companheiros e companheiras de vida nova, a prática dos nossos princípios espirituais de recuperação, unidade e serviço. Escrevo para compartilhar o que tenho aprendido sobre os meus ressentimentos. Durante meu alcoolismo ativo eu os carregava comigo para onde quer que fosse, ia dormir e acordava com eles (às vezes até sonhava com os ditos cujos), que sempre transbordavam de mim e respingavam em quem estivesse por perto, prolongando rusgas e provocando novos danos.  Sem me aperceber disso, eu dedicava todas as horas dos meus dias, ocupava todos os meus pensamentos e gastava todas as minhas energias para ressentir (e reagir a) o que eu acreditava que eram minhas razões, mágoas, ofensas e impressões de ser incompreendido, traído, usado ou injustiçado. Ou então, eu ressentia as minhas supostas alegrias até que estas se transformavam em euforias insanas e totalmente inadequadas. E é claro que eu sempre encharcava tudo isso com álcool, me anestesiando e me retirando da minha própria realidade, que ia ficando entupida de lixo emocional e espiritual “em todas as minhas atividades”.  Quando tudo isso ficou insuportável e inviável, ainda na condição de jovem adulto conheci A.A., identifiquei meu alcoolismo e comecei minha jornada de recuperação e mudança íntima, como uma tartaruga: lenta, mas

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persistentemente. No começo, vivi muitos meses de lua de mel no Grupo, desfrutando as maravilhas verdadeiras da simples abstinência diária de álcool: dormir, acordar, me alimentar, me cuidar, dar conta das tarefas do dia, partilhar o dia nas reuniões, saber como foi o dia dos meus companheiros e companheiras, lembrar claramente de tudo isso, sentir dignidade por ser mais um e felicidade por estar entre os meus iguais. Mas, de novo me vi às voltas com turbilhões emocionais secos, que me deixavam perplexo e imprestável, de tão exausto: medos irracionais, invejas dolorosas, irritabilidade descontrolada, ataques de auto piedade e culpa, sentimentos de total inadequação e descrença em mim, indecisões prolongadas, ansiedades e angústias profundas – e a lista vai longe. Assim, para não voltar a beber precisei praticar os Passos Um, Dois e Três muitas vezes ao dia, não mais apenas em relação à bebida, mas a tudo isso que podia me levar de volta a ela e que “aparecia” dentro de mim bem no meio das minhas relações familiares, dos assuntos profissionais, dos acontecimentos corriqueiros nos ônibus, comércios e ruas da vida, e também nos serviços e vínculos no Grupo base. Como eu podia estar passando por tudo isso “de novo” se estava sem beber? Lentamente comecei a perceber que meus sofrimentos atuais me eram “familiares” e estavam de volta porque tinham raízes na minha história de vida e não na bebida (que, porém, sempre os agravara). E compreendi então que eu não conseguiria me livrar deles apenas evitando o primeiro gole e tudo mais que pudesse me levar à recaída alcoólica. Foi por isso que me dispus a mergulhar nos Passos Quatro e Cinco, tive que despejar em cima da mesa da minha consciência aquele velho, cheio e pesado saco de ressentimentos que eu carregava desde a infância e a adolescência, estudá-los um por um, compartilhá-los e receber retornos preciosos sobre como o meu passado estava dando as cartas no meu presente e me impedindo de ser mais plenamente feliz, útil e livre. Por exemplo, tendo sofrido violência física e psicológica ao longo de toda a minha infância, e tendo atuado no papel de vítima passiva (mas muito manipuladora) desde então, entendi que eu não poderia ser verdadeiramente feliz no presente se não “fizesse as pazes” com essas circunstâncias passadas e se não executasse mudanças pessoais orientadas de forma minuciosa e corajosa. Acredito que só então pude me beneficiar do potencial dos Passos Seis, Sete, Oito e Nove em minha vida, pois pude me dispor a passar a agir com base nos novos conhecimentos sobre a minha pessoa e a minha história: perdoando a mim e àqueles que eu acreditava terem me prejudicado, tomando atitudes para consertar/melhorar o que era possível “do meu lado da rua” e passando a valorizar o que eu antes chamava de “resto”: as qualidades humanas presentes naquelas mesmas pessoas e em mim, os bons momentos que vivemos juntos, a saúde, as dádivas da vida e da sobriedade se renovando discreta e miraculosamente um dia de cada vez.  Passei a poder frear meus velhos impulsos, duvidar das minhas velhas razões, me abster de julgar, rir de mim sem ser sarcástico, mas com bondade e humor. Comecei a rogar ao Poder Superior do meu entendimento – e a encontrar em mim mesmo doses de tolerância, compaixão, ternura, admiração, gratidão, confiança e alegria que jamais encontrara antes. E nem preciso me preocupar se são doses grandes ou pequenas, pois quase sempre são suficientes para lidar com as

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circunstâncias da minha vida diária de maneiras novas e sempre melhores para mim e para os outros. Enquanto escrevo, me dou conta que já estou vivendo de um jeito onde não cabe mais, não tem mais lugar para a prática do ressentimento: toda vez que percebo qualquer emoção ou reação indesejável em mim, não importa mais o que ou quem possa ter desencadeado isso. Ao invés de ressentir, repisar, remoer e sofrer pelo já-acontecido, procuro o quanto antes me inventariar, meditar e rogar por ajuda aceitando-a.  Procuro ver se devo fazer alguma reparação e então simplesmente perdoar e entregar tudo mais – especialmente os meus desejos em relação ao caso – e me render aos seus desfechos e resultados, aceitando-os e me ajustando o melhor que puder, discretamente e levando adiante o que recebo, “em todas as minhas atividades”. Acredito que estes são os meus Passos Dez, Onze e Doze. Mas, não é só isso. Ocorre que a minha vida só funciona nesse modo se o meu cotidiano estiver atrelado ao do Grupo base. É assim que me mantenho treinando a criação e a manutenção de laços humanos baseados em unidade, espiritualidade, não julgamento, aceitação incondicional do outro, exercício de autonomia, mas com limites, propósito coletivo único, não afiliação a outros empreendimentos, autossuficiência financeira com planejamento, prudência e parcimônia, cuidadosa organização das atividades coletivas, retribuição graciosa de tudo quanto recebemos, anonimato, humildade e simplicidade. Desse modo, nessa semana pude aceitar bem, tanto uma profunda tristeza, com a notícia de que alguém muito querido está se despedindo da vida, quanto uma profunda alegria, com um reencontro depois de longos anos de separação. São dois exemplos singelos de situações diante das quais, anteriormente, eu me afogaria nos velhos turbilhões emocionais dos ressentimentos. Ou seja, em minha nova vida, as ferramentas espirituais de A.A. estão funcionando como uma vacina contra eles. Tomando as minhas doses dessa vacina, aplicadas diariamente na convivência fraterna e solidária do grupo base, obtenho livre passagem em minha própria vida, sob quaisquer circunstâncias. Posso fluir com o universo, a natureza e a comunidade humana, dar sentido e utilidade à minha própria vida, com felicidade e gratidão. G.A.

Devolvido à sanidadeUm membro associa o sentimento de ter sido “devolvido à sanidade”, previsto no Segundo Passo de A.A., à prática de muitas reparações, feitas cuidadosamente ao longo dos seus anos em recuperação.

Sendo filho, neto e pai de alcoólicos, não é de estranhar que também sou portador da doença. Descobri isso há doze anos. Sabia que eu bebia muito;

tive uma carreira etílica longa, começando com o primeiro porre aos treze anos de idade e cessando de beber em A.A. aos 57.  Entrei em A.A. por não ver alternativa, pois eu sabia que em A.A. as pessoas paravam de beber, e eu considerava parar de beber, para mim, humanamente impossível. Embora nunca tenha prometido a outra pessoa que eu ia parar, para mim mesmo devo ter jurado mil vezes que eu iria parar, principalmente nos

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últimos anos do meu alcoolismo ativo. Mas o meu fundo de poço finalmente chegou, e procurei ajuda. Na segunda noite em que me sentei numa reunião de grupo em A.A., decidi tornar-me um membro e não mais bebi álcool. Depois de menos de uma semana, não senti mais vontade. Logo nos primeiros tempos pude perceber que A.A. era a coisa mais séria que eu havia visto na vida, mas tinha minhas dúvidas a respeito do Segundo e Terceiro Passos, mencionando um Poder Superior e Deus. Eu não acreditava em nada disso; achava coisa de igreja. Eu não precisava de Deus na minha vida... “Coisa muito boa para aqueles crentes de mente fraca”, eu pensava, mas “Eu não precisava de nada disso”. Precisava, sim, beber todos os dias, afinal percebo que já tinha um deus na vida, chamado “deus álcool”. Hoje, felizmente a situação se inverteu, vivo bem sem o álcool, mas não sei viver sem Deus, como O concebo.  Como gosto de ler, li em rápida sucessão a nossa “Bíblia” – o Livro Azul – e os Doze Passos e Doze Tradições, sem entender muito, pois achava “muito exagerado”, que era “conversa para boi dormir” quando mencionava que o alcoolismo mata, até perceber quantas pessoas que eu conhecia haviam morrido por causa do alcoolismo (hoje em torno de 26). Bom, mergulhei nos Passos e tive as dificuldades de praxe, mas continuei insistindo. Logo no primeiro ano eu já tinha escrito o meu Oitavo Passo, e de lá para cá, tenho tentado colocar em prática, um pouco de cada vez, tomando muito cuidado para não magoar a pessoa com quem estou tentando fazer reparações, e começando com as reparações mais simples para poder ganhar prática, até chegar aos casos mais “cabeludos”. É claro, para ajudar eu já tinha em mãos uma relação das pessoas tirada dos meus Quarto e Quinto Passos, só faltava acrescentar mais nomes e até instituições, que apareceram acompanhando a minha sobriedade crescente.   Na primeira vez foi difícil evitar colocar na lista pessoas que eu inicialmente pensava que haviam me prejudicado. Logo fui incentivado a abandonar esta prática e concentrar-me naqueles a quem eu devia uma satisfação, mesmo se estes nem soubessem o que eu tinha feito, ao invés de focar nos meus ressentimentos. No início não foi fácil, mas com a prática e o tempo, se tornou menos oneroso para mim. Após estar no programa já há algum tempo, comecei a seguir um plano que eu havia traçado. Um episódio muito vergonhoso havia acontecido entre eu e um grande amigo, que eu não havia visto por anos. Criei coragem, localizei o endereço e escrevi para ele. Eu levava este episódio na minha consciência já há muito tempo, mesmo antes de conhecer os Doze Passos. Quando finalmente falei com ele a respeito, ele nem se lembrava! E eu me mantive preocupado com isso durante anos! Mas, ele aproveitou para me lembrar de outros dois episódios que eu não lembrava, de quando esse amigo estava me ensinando a dirigir. Somos bons amigos até hoje. Nada mal para quem se conheceu aos 13 anos de idade. Fui casado duas vezes, num total de 28 anos. Tempo bastante para eu ter criado muito tristeza nas vidas alheias envolvidas. Afinal, eu estava no alcoolismo ativo neste tempo todo. 

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Tentei por vários meios falar com a primeira esposa, mas ela se esquivava, desconfiada de mim, como era, e com toda razão. Partilhei esta dificuldade com meu padrinho, que sugeriu que eu escrevesse uma carta a ela. A resposta demorou umas semanas, e eu prendendo a respiração, até ela me mandar um recado através da nossa filha, de que ela havia já me perdoado alguns anos atrás. Achei muito generoso da sua parte. Hoje nos damos bem, sem problemas. Quando chegou o momento de fazer reparações com a minha segunda esposa, o que aconteceu já era previsto nos Doze Passos e no livro Alcoólicos Anônimos. Depois de relatar a minha história e ser ouvido atentamente, ela aproveitou a ocasião e descarregou muitas das suas mágoas e culpas, como se estivesse pedindo perdão. Fiz reparações também com todos os meus filhos, (duas mulheres e dois homens). Era muito necessário, pois durante o alcoolismo ativo eu os tratava com muita raiva e intolerância, e perdia a cabeça não somente quando estava bêbado. Lembro-me de um episódio com meu filho caçula. Eu havia conseguido para ele uma entrevista, uma boa oportunidade de trabalho, mas ele “estava enrolando” (não fazendo a minha vontade). Fiquei com raiva e descarreguei toda minha ira sobre ele. Ao falar com ele aos berros, pude perceber que ele estava chorando, e disse para mim: “Sou um perdedor nato”. Com isso estávamos nós dois chorando e eu percebi o quanto eu o tinha magoado ao longo dos anos, com minha agressividade desmedida. Conversamos longamente e cicatrizes profundas sararam. Felizmente, a reparação deste episódio nos aproximou muito e agora, após mais de dez anos, ele já fez faculdade, viveu no estrangeiro por oito anos e está se virando bem, hoje é um homem admirável.  Posso dizer que, ao trabalhar os Passos tenho uma vida boa, que acho impossível ter se não fosse por A.A., o que é comprovado pela realização das “promessas” descritas no Capítulo 6 do Livro Azul. Estou adquirindo, além alguma humildade, cada vez mais experiência também. E aí reside um dos motivos para que o Passo das reparações seja colocado em nono lugar, pois é muito útil recordar também que em nosso Alcoólicos Anônimos, no Capítulo 6, página 113, Bill transmite uma mensagem importante logo após as “promessas”, a saber: “E deixamos de lutar contra qualquer coisa ou qualquer pessoa – até mesmo contra o álcool. Pois, a esta altura, a sanidade terá voltado”. Lembro então que o Segundo Passo nos avisa que “Viemos a acreditar que um Poder superior a nós mesmos poderia devolver-nos à sanidade”; e, agora, sinto que cheguei a este momento.Michael São Paulo/SP

A Primeira Tradição em minha vidaO bem estar de um grupo de pessoas está acima do bem estar pessoal de cada um de seus membros. Maravilhosa lição da Primeira Tradição de A.A., vivenciada pelo autor em sua família, em seu ambiente de trabalho

Ainda hoje me lembro da minha chegada em A.A. Era um sábado de inverno, com céu cinzento e ruas molhadas. Cheguei à porta do prédio comercial

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onde ficava a sala de A.A. na minha cidade. O grupo era no segundo andar e havia uma longa escada onde eu subiria e desceria muitas e muitas vezes nos próximos anos. Encarei e enfrentei a escadaria enfim, como que saindo degrau a degrau do fundo da caverna escura a qual o alcoolismo lentamente me conduziu.Reunião de sábado era especial. Depois eu iria descobrir isso. Havia os chamados “sabadeiros”, a turma que por diversos motivos só aparecia uma vez por semana. Em geral alguém trazia um bolo para o café e a animação dos companheiros era maior que nos demais dias da semana.Logo na porta um companheiro me recebeu com as boas-vindas e todos os outros notaram rapidamente minha presença. De alguma forma e por algum motivo me senti próximo daquelas pessoas que eu jamais vira. Começando a reunião, já na leitura do preâmbulo eu me senti embarcando no mundo novo da recuperação pelos princípios de Alcoólicos Anônimos. Foi nessa reunião que descobri os três fatos que me facilitariam “colar” em A.A.: “alcoolismo é doença”; “evite só o primeiro gole” e “o programa das 24 horas” foram as frases que ouvi nos depoimentos daquela primeira reunião e que me deram a certeza de ter encontrado o lugar certo, depois de dez anos de sofrimentos contínuos, crescentes e degradantes no final. Tudo foi tão bom que acabei voltando nos dias seguintes.Acho que as descobertas sobre o modo de viver de A.A. são comuns a todos nós e vão desde o Primeiro Passo ao último dos Conceitos, passando pelas Tradições, ou seja, pelos Legados. A cada dúvida eu sempre recorria a um companheiro e a outro, e a outro, até que pudesse formar meu entendimento. Sou daqueles alcoólicos turrões, de tudo ou nada e que carecem de convencimento para aceitar como certa uma resposta.Eu chegava bem cedo às reuniões. Queria fazer alguma coisa. Precisava me sentir parte do Grupo, agarrar com firmeza aquela boia e salvar minha vida. Talvez foi na terceira ou na quarta reunião que, enquanto varria a sala, perguntei ao companheiro Benedito: “O que são estes três quadros na parede?” E ele pacientemente falou-me o que sabia sobre os Passos e sobre as Tradições de A. A. Fiquei perplexo ao saber que mesmo não havendo hierarquia, a Irmandade existia e progredia há tantos anos e o companheiro me disse que era isso que nos mantinha juntos, a Unidade expressa na Primeira Tradição e o propósito primordial e comum de evitar o primeiro gole, a partir do Primeiro Passo.Claro que questionei diversos outros companheiros sobre esses princípios, inclusive em reuniões de unidade e em temáticas. Mas foi com o tempo e com as experiências vividas no grupo e na Irmandade que consegui formar minha opinião sobre eles. Hoje, refletindo sobre minha trajetória, com muita facilidade consigo perceber que foram esses princípios que me mantiveram vivo e sóbrio desde aquela primeira reunião naquele inesquecível inverno.Com o tempo, o modo de vida de A.A. foi me contaminando de tal forma que eu tentava me lembrar dos Doze Passos o máximo que podia na minha rotina diária. Passei a me relacionar melhor comigo mesmo, cobrar menos de mim e entender as severas limitações e imperfeições que me mantiveram durante tanto tempo na ativa alcoólica. Também passei a estabelecer contato diário com Deus, como O entendo. A me comunicar com Ele diversas vezes no dia, a cada situação boa ou ruim que a vida me apresentava. E tudo isso só me fez bem.Então, percebi que o conhecimento e a prática dos princípios podiam tornar minha vida mais leve, mais amena, e proporcionalmente mais intensa espiritualmente. Com isso, passei a tentar encontrar situações onde os princípios podiam ser aplicados, inclusive a Tradição da Unidade.

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É claro que minha família estava desestruturada. Tal qual aquela família que olha para sua casa depois da passagem do furacão, como menciona a literatura de A.A. Eu morava com meus pais, minha irmã e duas sobrinhas adolescentes. Era quase cada um pro seu lado, com sua vida, com seus problemas e com seus objetivos. Muitos conflitos haviam. Pouca comunicação e muito desgaste nas relações entre todos nós e, como eu havia encontrado a “paz”, me impus o dever de semeá-la, começando pela minha família. Mas como faria isso?Bem, se a Irmandade funcionava há tantos anos, com tantas e tantas pessoas diferentes, alguma coisa poderia ser aprendida e praticada na minha família, na minha vida. Então me veio a ideia de fazer uma reunião com todos. Uma reunião de serviço com a família. Com pauta e tudo mais! Falei individualmente com todos e numa tarde de domingo fizemos a tal reunião. Cada um falou sobre seu sentimento em relação a todos e estabelecemos que nossa prosperidade enquanto família só seria possível se houvesse união, unidade no propósito de crescermos, enquanto indivíduos, coletivamente. Foi um grande passo, o primeiro, ou melhor, a primeira tradição.Mas o tempo passou e logo as diferenças e os atritos surgiram. O que fazer? Novamente busquei entre os princípios que mantinham a Irmandade de A.A. viva e percebi que para haver união, precisaríamos de unidade. Estabeleci então uma reunião semanal com todos. Mas não uma reunião de serviço com pauta e tempo para cada um falar: uma reunião motivada por um propósito único, um almoço em família.Durante a semana alguém sugeria um prato, um cardápio para o almoço do domingo. Alguém se encarregava de comprar os ingredientes na semana, eu cozinhava, o que minha mãe adorava, pois podia tirar um dia de folga e alguém preparava a sobremesa, ou parte do cardápio. No final, o almoço era um sucesso, tanto que ninguém deixava de participar. Com isso, podíamos ouvir as meninas e saber mais sobre suas vidas e podíamos reencontrar as qualidades que cada um de nós tinha. Crescemos muito naqueles domingos. Todos juntos e unidos. As constantes e pesadas brigas deram lugar a calmos diálogos. Foi isso: passamos a amar o melhor de cada um de nós, sem temer o que de pior tínhamos. E vieram tantas dores de crescimento, tantos infortúnios, tantos percalços. Mas suportamos tudo isso juntos, unidos e o melhor: não precisei beber em momento algum. Perdemos minha mãe há três anos e meio, o esteio da família, mas nos mantivemos juntos. Nos unimos para cuidar de meu pai, acamado há 18 anos, e o perdemos há três semanas. E estamos juntos.Hoje reconhecemos que cada um tem suas limitações, seus espinhos, seu ponto de vista, mas, não obstante, todos precisam de todos. Como naquela velha história que um companheiro uma vez me contou sobre a sobrevivência dos porcos espinhos na era glacial, quando precisavam do calor de todos, mesmo que para isso se ferissem mutuamente. A escolha era simples, entre a Unidade com o calor e os ferimentos, ou perecerem sozinhos no gelo.Creio que este é o espírito da Primeira Tradição e hoje procuro aplicá-la em diversas outras situações da minha vida, inclusive no meu trabalho, onde estou há vinte anos seguindo carreira. Agora estou responsável pelo departamento em que entrei na função mais simples, na época das reuniões no grupo com o saudoso companheiro Benedito. E todos os dias procuro me lembrar de que sou só mais um que precisa de todos para alcançar os objetivos. Certamente seria muito difícil coordenar uma equipe tão grande e com tanta gente de origem e de pensamentos diferentes se não tivesse sempre em mente o bem estar comum, princípio forjado

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na experiência e no perecimento de tantos e tantos companheiros e companheiras nos primeiros anos de Alcoólicos Anônimos.Vagner R. São Paulo/SP

Meu inventárioMuito aprendi e muito ainda tenho a aprender, mas tenho absoluta certeza que jamais posso e nem quero me afastar de A.A.

A minha primeira experiência com o álcool começou quando ainda era adolescente, morando na roça, no interior de Minas Gerais. Sem muitos

recursos e sentindo uma forte cólica, minha mãe me deu para beber um preparado que, segundo costumes dos antigos, ajudava no alívio das dores: “cachaça queimada na arruda”, (colocava-se a cachaça no prato com uns galhos de arruda e punha-se fogo). A dor não passou, mas gostei muito da sensação que o álcool me deu.

Daí por diante, passei grande parte da minha vida inventando diversos tipos de dores com o objetivo de beber a cachaça para me sentir “aliviada”.

Logo me casei e, com a cumplicidade do marido, tinha mais possibilidade de beber; sempre, é claro, ainda inventando dores, tudo com a mesma desculpa: “beber”. Com o passar dos anos, fui bebendo cada vez mais. Beber somente nos almoços especiais de domingo, já não era suficiente. Os parentes já não se sentiam à vontade com a minha presença nas festas familiares: era o vexame da família, falava e sorria alto; para mim era pura diversão, mas não tinha a noção que estava sendo inconveniente, envergonhando minha família e principalmente minha mãe. Ah! Como essa santa aguentou meus porres. Lembro-me de inúmeras vezes em que os meus conhecidos desviavam o caminho, para não cruzar comigo, pois estava sempre alcoolizada, e isso significava para eles constrangimento. Na verdade, não estavam errados; entretanto, com minha mãe, era diferente. Com mães sempre é, e esta nunca me ignorou; ao contrário, suplicava-me chorando que parasse de beber, que estava fazendo muito mal a mim mesma, que estava perdendo minha dignidade, fazendo todos sofrerem. Porém, a minha cegueira alcoólica não me permitia admitir que tivesse problemas com a bebida.

E, na medida em que os anos iam se passando, aumentavam mais e mais minhas bebedeiras.

Em uma tarde, meus padrinhos, que tinha um pequeno comércio local, chamaram meu marido para uma conversa em particular. Várias vezes, eu era chamada para fazer a limpeza na casa desses padrinhos e sempre que ia dava um jeito de pegar escondido uma garrafa de cachaça; achava que eles nunca iam desconfiar, afinal eram tantas as garrafas de bebidas.

Grande ilusão a minha. A conversa do meu padrinho e meu marido foi muito humilhante para mim: sem que eles percebessem pude ouvir grande parte dessa conversa. Meu padrinho aconselhava meu marido a se separar de mim, alegando que eu não valia nada, que eu só traria infelicidades e vergonha para a família. Disse coisas que me fizeram me sentir a última das criaturas; senti-me humilhada, rejeitada, ofendida; nunca imaginei que meu padrinho fosse capaz de falar tantas

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coisas ruins a meu respeito para meu marido.

Depois desse episódio, passaram-se alguns dias e eu e meu marido decidimos ir embora da cidade, tentar a vida em um lugar com mais recurso, e fomos para Brasília.

No início foi tudo muito difícil, passamos por várias dificuldades e privações até conseguirmos um emprego com que pudéssemos nos manter.

Através de uma conhecida, diretora de uma escola, consegui meu primeiro emprego com registro. Era a minha grande felicidade: ter meu salário, e o mais importante: poder comprar minhas bebidas à vontade. E foi o que aconteceu. Levava sempre na bolsa uma garrafa de cachaça, bebia na ida e na saída do trabalho. Logo passei a beber também no local de trabalho. Como trabalhava na área da limpeza, sempre achava um lugar escondido para beber, ou seja, fora do alcance dos olhos da maioria das pessoas, bem como da minha chefe – a diretora da escola. Como podemos pensar que estamos bebendo escondido de alguém? A verdade é que a situação foi se agravando cada vez mais, pois começaram as faltas e as justificativas para não ir trabalhar. Ou por estar completamente de ressaca, ou por estar totalmente bêbada. Inúmeras foram as desculpas que meu marido inventava para a chefe, no intuito de me ajudar a não perder o emprego.

A própria diretora – compadecida da minha situação, ou, talvez, para melhor me controlar – colocou-me para trabalhar em sua sala. Óbvio que não podia mais beber no local de trabalho, mas, como sempre, dava um jeitinho e lá estava eu novamente bebendo.

Uma noite, na saída do trabalho, decidi passar em um bar e comprar uma garrafa de cachaça. Pedi que a abrisse e fui andando a pé para casa, bebendo. Lembro-me que era época de chuva e a noite estava muito escura. As ruas estavam sendo pavimentadas e com grandes valas para colocação de manilhas. Completamente bêbada, acabei por cair em uma dessas valas.

Numa noite escura e com fortes chuvas a caminho, meu fim seria me afogar e só ser encontrada dias depois em estado de grande decomposição.

Diariamente, agradeço a Deus, por ter enviado dois anjos em um fusquinha. Não sei como conseguiram me ver dentro dessa vala, sei apenas que me resgataram e me salvaram a vida. Acharam em minha bolsa além da garrafa de cachaça uma anotação com meu endereço, pois meu marido sempre me recomendava para levá-lo na bolsa. Hoje sei que ele temia que algo assim pudesse acontecer.

Esse foi um grande impulso para buscar ajuda. Pedi a meu marido que me levasse para o AA. Ele de fato me levou, mas não entrou comigo. Sempre ficava do lado de fora me esperando, e eu nunca lhe dizia o que acontecia lá dentro. Esperava que a curiosidade dele e a própria necessidade de também ser ajudado fizessem com que ele entrasse comigo em uma sala de AA. Isso não aconteceu. Depois de três meses sóbria, afastei-me de AA e o óbvio aconteceu: voltei a beber e com muito mais intensidade.

Tinha consciência de que ia morrer se continuasse a beber e sabia que precisava parar, mas sozinha não encontrava forças. Todo o pesadelo havia voltado: as

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ressacas, as alucinações, as tremedeiras, apagamentos e total falta de controle de minha própria vida. Um imenso desequilíbrio instalou-se em mim; precisava de ajuda urgente. Resignada e totalmente derrotada pelo álcool, admiti minha impotência e, determinada a tomar o controle de minha vida, pedi novamente a meu marido que me levasse ao único lugar que poderia me ajudar: um Grupo de Alcoólicos Anônimos. Assim meu marido o fez, só que dessa vez de forma diferente: entrou comigo e, juntos, começamos do zero nossa programação.

Em nosso primeiro ano de sobriedade, meu marido e eu decidimos voltar à nossa cidade para partilharmos com nossos amigos e familiares nossa grande felicidade. Organizamos nossa reunião, convidamos companheiros, amigos e familiares. A reunião foi fabulosa e inesquecível, pude olhar nos olhos de meu padrinho e falar-lhe que eu não era aquela pessoa má que ele imaginava e sim portadora de uma doença que precisava ser tratada – o que, dia após dia, eu estava fazendo em Alcoólicos Anônimos. Sei que ele ficou bastante surpreso e envergonhado, juntamente com meu marido, pois ambos não sabiam que eu tinha conhecimento daquela conversa. Pude, na ocasião, fazer meu desabafo de forma totalmente errada, somente mais tarde tive essa consciência. Algum tempo depois, senti uma forte necessidade de fazer meu inventário e minhas reparações – desta vez da forma correta, sem prejudicar ou ofender ninguém.

Já se passaram trinta e dois anos, e continuo em Alcoólicos Anônimos. Muitas coisas aconteceram desde então: muito aprendi e muito ainda tenho a aprender, mas tenho absoluta certeza de que jamais posso e nem quero me afastar de AA, pois meu casamento – o que tenho, o que sou – enfim, minha vida devo a Alcoólicos Anônimos. Hoje, meu propósito primordial é minha programação em Alcoólicos Anônimos.Mariinha DF

Tributo a Lois B. WilsonNova York, Nova York, 04 de março de 1891 Mount Kisco, Nova York, 05 de outubro de 1988 Box 4-5-9, Natal / 1988 (pág. 1 a 4)

Lois Burnham Wilson – querida Lois W. para milhões de membros de A.A. e Al-Anon, e viúva do cofundador de A.A. Bill W., morreu tranquilamente no dia

cinco de outubro de 1988, com a idade de 97 anos.

Um mês antes, com aspecto um tanto delicado, mas com expressão muito viva, sentada numa cadeira no salão da casa que havia compartilhado com Bill, disse a uma visita, “Sabe, vou chegar aos 100”. Mas não conseguiu. Duas semanas depois de dizê-lo, ingressou no hospital de Northern Westchester. Padecendo de pneumonia nos últimos dias e não podendo falar, continuou se comunicando através de bilhetinhos escritos.

Cinco dias antes da sua morte, John B., diretor geral do Escritório de Serviços Gerais de A.A. – ESG, foi visita-la no hospital. Expressou-lhe sua gratidão pessoal e a da Irmandade inteira, porque, como disse John, “os AAs devem suas vidas a você”. Um ligeiro sorriso passou pelo rosto de Lois e num papel escreveu “Não a mim, mas a Deus”. John replicou “Mas foi sua servidora”. E Lois escreveu: “Você também é”.

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Ao receber a noticia da morte de Lois, John disse: “Ela foi a última dos quatro: o Dr. Bob e Anne, Bill e Lois. Sua morte marca o fim de uma era para Alcoólicos Anônimos”.

Michael Alexander, não alcoólico, presidente da Junta de Serviços Gerais de Alcoólicos Anônimos, manifestou-se de maneira parecida na carta em que informou à Irmandade a morte de Lois: “Nos primeiros dias, o futuro inteiro da nossa Irmandade e o de incontáveis alcoólicos pendiam do fio da resolução e capacidade de Bill W. e do Dr. Bob para perseverar nos seus esforços de fincar Alcoólicos Anônimos em terreno firme. Uma multidão de pessoas considera Lois Wilson como a pessoa sem cuja ajuda seu marido não teria podido persistir neste trabalho crucial. Bill costumava classifica-la como ‘uma sócia na participação plena’ nas penas e prazeres daqueles tempos. De fato, muitos AAs acreditam que devem suas vidas a Lois, a Bill, ao Dr. Bob e a Anne”.

A tarde do sábado seguinte ao falecimento de Lois, umas cinquenta pessoas, parentes e amigos, reuniram-se para um serviço informal, ao estilo Quaker (1), no salão de Stepping Stones na frente do fogo crepitante que brilhava na chaminé. Nessa ocasião, Michael Alexander, falou dos muitíssimos talentos e facetas de Lois: foi não apenas a líder e a organizadora de Al-Anon, mas também escritora, poetisa, artista, musicista e oradora muito solicitada e muito afetiva, amante da natureza, dona de casa, anfitriã incansável e esposa devotada de Bill. “Era uma grande e extraordinária dama e sentiremos muito sua falta”.

Nessa tarde, outras pessoas compartilharam as lembranças comovedoras, agridoces e divertidas que realçaram o indômito que era seu espirito até o fim da vida, sua mente aguçada, seu senso de humor, seu ímpeto exuberante. Ralph B., contratado pela antiga Fundação do Alcoólico (atual Junta de Serviços Gerais de A.A.) para escrever alguns dos primeiros folhetos de A.A. e visitante assíduo de Stepping Stones desde os primeiros tempos, disse quer ela era “a força que mantinha as coisas em marcha enquanto Bill ficava pensando, escrevendo ou visualizando. De vez em quando eu contestava Bill, mas nem sequer pensaria em discutir com Lois”.

Ron S. narrou a respeito de ter acompanhado Lois a um Rodeio de Motos na Califórnia, onde ela iria aparecer como oradora, havia apenas três anos. Enquanto empurrava a cadeira de rodas através do estacionamento do hotel, ela viu uma motocicleta grande e reluzente e lhe pediu para aproximá-la à moto para poder admirá-la. Então pediu que a fotografasse ao lado da moto. No dia seguinte, ao ser apresentada aos participantes do evento, foi nomeada membro honorária do Grupo de motociclistas em A.A., enquanto o auditório assobiava e aplaudia. “Encantou lhe”, disse Ron. Steve S., motorista de taxi em Bedford Hills, conseguiu que os presentes percebessem o essencial, contando em poucas palavras como Bill e Lois tocaram pela primeira vez sua vida quando ele era um bêbado, e como o ajudaram a transformar sua vida, oferecendo-lhe uma carinhosa amizade durante mais de 20 anos de sobriedade.

Lois nunca se deteve. Até as últimas semanas da sua vida, continuou aceitando convites para falar e planejando viagens. Participou dos jantares de abertura da Conferência de Serviços Gerais de A.A. e de Al-Anon, recebeu visitas e Stepping Stones e frequentemente ia almoçar com seus amigos. Fez um resumo da sua

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própria vida, naquilo que se relacionava com Bill e com A.A. nas seguintes palavras (extraídas do Prólogo de Lois Remembers – Lois se lembra):

“A recuperação de Bill foi conseguida apesar de mim. Embora tivesse trabalhado para ele alcança-la, durante toda nossa vida de casados não o tinha feito de forma apropriada. O amor que sentia, por muito verdadeiro que fosse, era também possesivo; e tão grande era meu ego que acreditava que o poderia transformar... Bill era minha vida... Durante os primeiros 17 anos da minha recuperação e da de Bill, não existia nenhuma irmandade para as famílias dos alcoólicos... Portanto, A.A. foi meu primeiro amor. Embora não seja alcoólica, ainda nestes dias sinto-me tão membro de A.A. como de Al-Anon, pelo menos em espirito”.

Lois Burnham nasceu no dia quatro de março de 1891, no Brooklin, Nova York a mais velha de seis irmãos. “Minha infância foi muito feliz”, escreveu.

Também tinha lembranças felizes dos verões que ia passar com seus avos na cabana de seus pais ao lado de um lago. Alegremente andava descalça, passeava na sua bicicleta, subia em arvores como um rapazinho mais. Com outras crianças nadava no lago, ou fazia passeios numa canoa, e mais tarde na medida em que ia crescendo, viajava a Manchester para jogar tênis, golfe ou dançar.

Ali conheceu Bill que era amigo do seu irmão Rogers. Bill e sua irmã moravam em Dorset com seus avos, porque seus pais estavam divorciados. No começo, Bill não lhe impressionou muito, já que era quatro anos mais novo que ela e nativo de Vermont, enquanto ela era uma veranista sofisticada. Entretanto, enquanto os dois passavam juntos muitas horas agradáveis, fazendo excursões, passeando de barco, fazendo piqueniques e acima de tudo, falando, seu interesse foi crescendo até que esqueceram as diferenças.

O casal mantinha seu amor através do correio – ela diariamente, ele mais esporadicamente. Bill foi entrando e saindo da Universidade de Norwich, e quando os EUA, declararam a guerra em 1917, sua classe alistou-se no Exercito Reserva e Bill foi enviado a escola de Treinamento para oficiais. Foi nomeado subtenente em agosto e estacionado em New Bedford, Massachussets. Durante esse período de dois anos e meio, visitavam-se com tanta frequência como lhes era possível no Brooklin e nos diversos postos onde Bill era destinado.

Pronto correu o boato de que o regimento de Bill iria embarcar para o estrangeiro, e o dia 24 de janeiro de 1918, Bill e Lois se casaram. Os recém casados foram morar em New Bedford, e quatro meses depois mudaram para Newport, Rode Island. Durante a maior parte do noivado, Bill não bebeu uma única gota de álcool, uma vez que a maneira de beber de seu pai tinha contribuído muito para o divórcio dos seus pais. Mas agora, ocasionalmente bebia nas festas, e quando o fazia, ficava bêbado. Isso não preocupava a Lois porque ela acreditava que podia “consertá-lo”.

Durante a guerra, Lois trabalhou no Hospital Walter Reed, de Washington, D.C. Quando Bill voltou depois do Armistício, foram morar no Brooklin. Não tendo nenhum preparo para trabalhar na vida civil, Bill teve dificuldades para se orientar. “Para poder refletir bem sobre a situação”, disse Lois, “fizemos uma longa

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excursão a pé através do Maine, New Hampshire e Vermont”, dando inicio, assim, ao que seria um costume em toda sua vida. Bill estudou na Faculdade de Leis do Brooklin durante quatro anos enquanto Lois trabalhava como terapeuta vocacional.

Durante este período e nos anos seguintes, a maneira de beber de Bill piorava. Embora sempre sonhassem com ter filhos, Lois experimentou três gravidezes ectópicas (N.T.: gestação que ocorre fora da cavidade uterina) seguidas de intervenções cirúrgicas. Durante a última Bill estava bêbado demais par visita-la no hospital. Ao saber que não poderiam ter filhos fizeram um pedido de adoção numa agencia oficial que não teve efeito porque, aparentemente, uma das referencias informava que Bill bebia excessivamente.

Em 1925 houve um intervalo feliz, quando os dois abandonaram seus empregos e compram uma motocicleta com sidecar e foram trotar-mundo durante um ano.

Em 1929, “angustiada pela maneira de beber sem trégua de Bill”, Lois desafogou seu coração num documento desgarrador, mas de uma perspicácia extraordinária. Dizia em parte:

“O que alguém deve pensar depois de tantos fracassos?... Se perdesse meu amor e minha fé, o que aconteceria então? Apenas enxergo o vazio, as rijas, o sarcasmo, o egoísmo... Amo meu marido mais do que possa expressar com palavras, e sei que ele também me ama. É um homem esplêndido, excelente... todos o amam... um líder nato... tão generoso que daria seu último centavo... tem um magnífico senso de humor e um vocabulário extraordinário... um orador convincente... uma memória fora do comum... Os detalhes o aborrecem, por ter uma mente clarividente, com perspectivas mais amplas. Está sempre pedindo a minha ajuda, e estivemos tratando de encontrar, sem parar durante cinco anos, uma solução para o seu problema com a bebida...”.

Ao longo dos cinco anos seguintes, Lois teria que recorrer à sua força de espirito, enquanto seu marido ia afundando no desespero do alcoolismo. Ele foi perdendo emprego após emprego até se converter num desempregado. Lois conseguiu um trabalho como atendente numa grande loja de departamentos para poder comprar comida. Bill “converteu-se num bêbado embrutecido pela bebida e não se atrevia a sair da casa”, diz Lois. Duas vezes ingressou no Hospital Towns para desintoxicação e duas vezes o levou para viajar pelo campo, em Vermont, para cuidá-lo e ajuda-lo a recuperar a saúde. Nada disso serviu. Finalmente ele quase deixou de comer e bebia as 24 horas do dia.

Num dia no final do outono de 1934, Bill voltou novamente ao Hospital Towns, e então teve a experiência espiritual que o transformou. Lois escreveu: “Tão logo o vi no hospital, soube havia acontecido alguma coisa esmagadora... Seu ser inteiro expressava a esperança e a alegria... Daquele momento em diante, nunca duvidei que era um homem livre”.

Depois de sair do hospital, Bill esforçou-se para tornar sóbrios todos os alcoólicos

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confinados no hospital, nas missões ou em qualquer lugar onde os encontra-se, sem obter sucesso algum. Lois e ele também começaram a assistir às reuniões do Grupo de Oxford.

Em maio de 1935, Bill levou a mensagem ao Dr. Bob em Akron. Ao voltar para Nova York começou a ter sucesso no seu trabalho com outros alcoólicos. E começou a leva-los à sua casa na Rua Clinton. “costumávamos ter até cinco em casa ao mesmo tempo”, escreveu ele, “e às vezes todos estavam bêbados ao mesmo tempo”. Houve brigas e um suicídio – depois que a vítima tinha vendido a roupa e a bagagem de Bill e Lois avaliados em algumas centenas de dólares. Lois voltava para a casa esgotada por causa do seu trabalho na loja e ainda tinha que preparar o jantar para aquele bando de bêbados que nem sequer pagavam a comida.

Naquele então, Bill e Lois ainda assistiam as reuniões do Grupo de Oxford. Um domingo ocorreu um incidente de pouca importância, mas que mais tarde Lois diria que foi a virada da sua vida. Quando Bill disse ao acaso “temos que nos apresar porque senão chegaremos atrasados à reunião do Grupo”, Lois pegou seu sapato e atirou-o com toda a força contra Bill gritando “ao diabo com suas malditas reuniões”.

Mais tarde, ao analisar sua conduta, percebeu que sempre havia tido muita confiança no sem próprio poder: acreditava que era “dona do seu destino”. Agora se sentia ressentida porque os recém-encontrados amigos de Bill no Grupo de Oxford conseguiram, num abrir e fechar dos olhos, o que ela não havia conseguido em 17 anos. Ademais se tinha acostumado a dirigir a casa, como enfermeira, provedora da família, a que tomava todas as decisões; agora, Bill estava levando sua própria vida, passando uma grande parte do tempo com os alcoólicos que começavam a formar o primeiro Grupo de Nova York. Ela escreveu: “Percebi que as obras boas e bem intencionadas frequentemente falham quando são feitas unicamente através do nosso poder; as únicas coisas verdadeiramente boas são alcançadas quando se descobre o plano de Deus e depois se põe em pratica”. Destas reflexões nasceu, finalmente, Al-Anon.

Enquanto Alcoólicos Anônimos começava a enraizar-se e se desenvolver – ao abrir um escritório, escrever e publicar o Livro Grande, ao tempo em que os Grupos iam brotando em outras cidades, tanto a vida de Lois quanto a de Bill estavam tomadas por uma atividade febril. “Foi uma época agitada e fecunda”, disse Lois. Foi também uma época em que não tinham dinheiro algum. Depois de perder sua casa no Brooklin, viviam literalmente da caridade de seus amigos. Nos anos 1939 e 1940, mudaram de casa 51 vezes! Em fevereiro de 1940, enquanto estavam passando pela Grand Central Station, Lois sentou-se repentinamente na escada e desfazendo-se em lágrimas disse soluçando, “Nunca iremos ter nosso próprio lar?” Acabaram morando num quarto pequeno no velho local do Clube da Rua 24ª, em Manhattan mobiliado com uma cama emprestada e duas caixas de laranja vazias.

Suas peregrinações terminaram em abril de 1941, quando lhes foi possível comprar a bela casa em Bedford Hills, Nova York, que mais tarde foi batizada de “Stepping Stones”. Com seu telhado de quatro aguas, de telhas marrons, está rodeada de árvores e situada numa colina\de onde se pode ver um vale. Não foi apenas um lar para o resto das suas vidas, mas também a Meca para inúmeros

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membros de A.A. e de Al-Anon em todos os anos vindouros.

Na década dos anos de 1940, Bill e Lois fizeram muitas viagens a todas as partes do país e na primavera de 1950, a oito países de Europa. Lois descobriu que em muitos lugares, as esposas e familiares dos AAs estavam-se reunindo nos seus próprios Grupos, e normalmente ela falava nestas reuniões. Em 1951, Bill recomendou-lhe que abrisse um escritório de serviços para os Grupos Familiares. No começo ela relutou em fazê-lo porque estava muito entusiasmada cuidando da casa e do jardim de Stepping Stones. Enquanto isso foi considerando essa necessidade e depois de se reunir com outras esposas para expor a ideia, Lois abriu um escritório de serviços com a ajuda de uma amiga, Anne B. Começando com uma lista facilitada pelo Escritório de Serviços Gerais – ESG, contendo os nomes de pessoas e Grupos que tinham se dirigido ao ESG pedindo ajuda, em pouco tempo tinham mais trabalho do que podiam fazer sozinhas. Mudaram seu centro de atividades de Stepping Stones para o Clube da Rua 24ª, onde recrutaram voluntarias para ajuda-las. E assim foi que se formou Al-Anon. Atualmente (1988), existem 30.000 Grupos, incluindo os de Alateen, em todas as partes do mundo.

Em 1955, na Convenção Internacional de St. Louis, Bill deixou suas responsabilidade como líder de A.A. e as entregou aos Grupos que trabalham através da Conferência de Serviços Gerais. Lois fez o primeiro discurso depois da cerimonia da “maioridade” de A.A. De fato, Lois assistiu e participou de todas as Convenções Internacionais desde 1950 até 1985.

No começo de 1970, Bill caiu ao chão quando estava consertando o telhado da sua casa. Isto marcou o começo da debilitação da sua saúde. Seu enfisema piorou notavelmente. Depois de sua breve apresentação na Convenção Internacional de Miami Beach, em julho daquele ano, passou a requerer cuidados constantes, primeiro de Lois e depois de enfermeiras durante as 24 horas do dia. Bill morreu no dia do 53º aniversário do seu casamento, o dia 24 de janeiro de 1971. Lois esteve ao seu lado até as últimas horas.

Sua presença na Convenção Internacional do 50ª aniversário de A.A. e na de Al-Anon que coincidiu com esta, em Montreal, Canadá, em julho de 1985, foi como o ápice simbólico da vida de Lois. Com a idade de 94 anos dirigiu suas palavras a um auditório de mais de 45.000 pessoas que a ouviram num respeitoso silencio. A mesma aparição da sua pequena figura no palco no centro do enorme Estádio Olímpico fez ficar em pé aquela imensa multidão com os rostos banhados pelas lágrimas, para lhe oferecer uma ovação clamorosa que parecia não ter fim.

Desde a morte de Bill, Lois se preocupava com que Stepping Stones continuasse aberta para os membros de A.A. e de Al-Anon depois da sua própria morte. Também desejava utilizar uma parte substancial do dinheiro proveniente do testamento de Bill (principalmente dos direitos autorais dos livros de A.A. que Bill escreveu) para patrocinar a educação a respeito do alcoolismo e a prevenção da doença. Com essa finalidade, criou em 1979 a Fundação Stepping Stones.

Até quase seus 90 anos, Lois insistiu em viver com independência, sem mais ninguém que uma empregada para ajuda-la. Mais tarde, depois de sofrer várias quedas e fraturas, rodeou-se de assistentes e ajudantes que, junto com seus dedicados amigos, lhe fizeram possível viver sus últimos anos com comodidade.

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A equipe foi encabeçada por Nell Wing, a assistente e secretária de Bill durante 27 anos e companheira de Lois por toda sua vida; também esteve Ann Burnham Smith, prima de Lois e outros íntimos carinhosos.

No dia 20 de outubro de 1988 aconteceu na histórica e bonita Marble College Church de Nova York, um serviço comemorativo para Lois Wilson. Esta grande Igreja estava lotada para o serviço. No seu discurso, o ministro, o Dr. Arthur Calliano, destacou o fato de que tantas pessoas se apresentassem para assistir as exéquias de uma pessoa de 97 anos de idade – destacou que os presentes simbolizavam a grande família de milhões de pessoas que estavam vivendo uma nova vida graças a Bill e Lois.Ethyl Dumas, dedicada enfermeira de Lois durante mais de quatro anos – e a quem Lois colocou o nome “Eterna Ethyl”, lembra: “Essa dama sempre sabia o que queria”. Ela conta que na tarde do dia 5 de outubro, Lois escreveu num bilhete: “... quero dormir”. “E foi isso precisamente o que ela fez” disse Ethyl. Importante: as citações de Lois foram extraídas de “Lois Remembers” © 1979, pela sede dos Grupos Familiares de Al-Anon, Inc., com permissão. http://www.aa.org/newsletters/es_ES/sp_box459_holiday88.pdf N.T. (1): O culto dos “Quakers não programados” consiste numa reunião silenciosa, de mais ou menos uma hora, durante a qual toda pessoa pode ser chamada a oferecer uma mensagem proveniente do Espirito. Entre os “Quakers programados”, também costuma haver adoração silenciosa, porem, durante menos tempo, e como parte de um serviço religioso mais ao estilo Protestante. http://es.wikipedia.org/wiki/Sociedad_Religiosa_de_los_Amigos N.T. (2): O livro ao lado é uma edição comemorativa para o lançamento pela rede CBS de televisão do filme "When Love Is Not Enough", ou, numa tradução livre, “Quando Amor Não é Suficiente”. Escrito, com autorização, por William G. Borchert, o mesmo autor de “Meu nome é Bill W.” de 1989. O filme, com 95 minutos de duração foi produzido por Terry Gould e dirigido por John Kent Harrison; o casal Lois Burnham e Bill W. é interpretado por Winona Ryder e Barry Pepper (na capa). O filme estreou na CBS no dia 25 de abril de 2010 e conta a história de Lois Wilson, a mulher do homem que cofundou Alcoólicos Anônimos, a quem ficou impotente por longos e atormentados 17 anos de uso abusivo de bebidas alcoólicas, acreditando que seu amor incondicional poderia levá-lo a alcançar a sobriedade. Mas não podia. Filha de uma família de classe média-alta, esta mulher amorosa e determinada viu seu marido, Bill Wilson, destruir sua carreira, seus relacionamentos e sua saúde, perambulando por dentro e por fora de sanatórios para alcoólicos enquanto se aproximava do ponto de insanidade e da morte. Escavando cada vez mais seu poço de angústia, em mais uma de tantas outras vezes, o viu chegar bêbado e desmaiar no corredor de sua casa, na Rua Clinton, no Brooklin; já não suportando mais, desta vez ela partiu para cima dele e histericamente gritou em desespero: “Você não tem sequer a decência de morrer”. A comovente história por trás dessa dolorosa cena, tantas vezes repetida, e depois de uma experiência espiritual acontecida a Bill W., levou a dois dos mais importantes movimentos do século XX: Alcoólicos Anônimos e os Grupos Familiares Al-Anon. O livro pode ser adquirido na hazelden.com e na amazon.com O filme pode ser baixado em:http://www.baixargratis.tv/filmes/when-love-is-not-enough-the-lois-wilson-story-2010-dvdrip-xvid-aaf.html

Como cada um O concebe

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O companheiro compartilha sua concepção atual de um Poder Superior.Considero-me incluído no texto acima, pois a lembrança de um Poder Superior só me acontecia quando a situação estava completamente

incontrolável.

Lembro-me quando – há algumas 24 horas, ao acordar ajoelhado na sala – errava e falava: “Meu Deus! Meu Deus, não deixe eu me embriagar hoje”.No meio do dia, já estava bêbado, urinado, vomitado, e ansiando para que o chão se abrisse quando perguntavam sobre as compras, o leite e se eu tinha pagado o aluguel.

Ao acordar, antes que as palavras do poeta “Fatalidade atroz que a mente esmaga” tomassem conta, engolia uns seis ovos quentes com sal, para não encher a barriga e ter lugar para o segundo tempo. Tomava um banho frio e estava pronto para outra.

A família, com a mãe e esposa à frente, conduzia-me a terreiros, cultos e igrejas.

Quando cheguei ao céu — para quem estava no inferno, a sala de A.A. é um verdadeiro paraíso —, comecei a entender o porquê de o Poder Superior não responder aos meus erros. Eu não tinha concepção de poder algum, não acreditava em nada e queria que tudo saísse do meu jeito. Com o passar das reuniões, fui percebendo que cada companheiro (a), para mim, é um poder superior.

Não houve sermão, nem interrogatório, apenas me disseram: — “Que bom que você veio; melhor se ficar. Aconteça o que acontecer, não beba; se, no dia, não tiver reunião, ligue, que vamos ajudá-lo. A.A. funciona. Evite o primeiro gole: um é pouco, mil não bastam”.

Nas comemorações dos 60 anos de A.A. na Bahia, em Salvador, um companheiro disse que ouviu de um enfermeiro do grupo de apoio: — “Vocês têm que continuar recebendo os novatos da melhor maneira possível, para que eles fiquem e isso não acabe”. Exulto em fazer parte.S.R.C. Raul Soares/MG

Anonimato em A.A.Proteção e sustentação

O tema dessa edição da RV levou-me a uma viagem de volta aos primeiros dias, semanas, meses e anos da minha lenta, mas firme, recuperação do

alcoolismo, que vem acontecendo em paralelo a um lento, mas firme, resgate da minha pessoa para uma vida útil e feliz em sociedade, mesmo nesse mundo talvez um pouco mais conturbado do que na época do surgimento e consolidação de Alcoólicos Anônimos.

Leio em nossa Décima Segunda Tradição que, hoje, em nossa Irmandade, uma vez superados os “nossos primeiros temores” relacionados ao estigma em torno do alcoolismo, “o anonimato é a verdadeira humildade em ação. Trata-se de uma qualidade espiritual na vida de A.A. envolvendo tudo, em todo lugar, hoje em dia. Movidos pelo espírito do anonimato, tentamos deixar de lado os nossos desejos

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naturais de ganhar distinções pessoais como membros de A.A., tanto entre os nossos companheiros como entre o público em geral” (pág. 170 do livro Os Doze Passos e as Doze Tradições).

Nos meus primeiros tempos em A.A., passei pelos mesmos temores: de que alguém “descobrisse” que eu era alcoólica e estava em A.A., e de que, “então”, eu fosse estigmatizada, discriminada, rejeitada ou prejudicada. E em algum momento posterior, cheguei aos questionamentos fundamentais da recuperação, que para mim relacionam-se mais diretamente aos três primeiros Passos. Esses questionamentos, que hoje me parecem óbvios, puderam, contudo, surgir em meu espírito no meu próprio tempo porque meu Grupo base foi respeitoso e terno para com o meu anonimato pessoal, permitindo que eu mesma chegasse às perguntas essenciais: quem, do meu círculo de relações, àquela altura da minha vida adulta, já não sabia que eu bebia demasiado, a ponto de me tornar multiplamente inadequada (para dizer o mínimo)? Que mal poderia decorrer de que meus familiares, amigos e demais conhecidos soubessem que eu estava frequentando uma Irmandade de mútua ajuda entre iguais, portadores da doença alcoolismo?

Assim, foi nesse estágio inicial da minha recuperação que o “manto protetor” do anonimato em A.A. deixou germinar, no calor de uma intimidade compartilhada sob respeitosa confidencialidade, o meu processo pessoal de rendição, fé e entrega, e depois autoconhecimento (inventariado e compartilhado), auto modificações, reparações, espiritualidade, retribuição e utilidade.

Tenho de mencionar também, que nada disso pôde acontecer para mim antes de eu poder olhar honestamente (e de algum modo enfrentar e modificar) o meu egocentrismo, a baixa autoestima camuflada com muita arrogância, a inveja ancorada em quilos de auto piedade, a luxúria e a gula cercadas de auto justificação, as sofridas consequências emocionais e práticas decorrentes desse colar de espinhos atravessando o meu caráter e o meu (mau) funcionamento diário. E todas essas indigestas condições pessoais também puderam ser vistas e trabalhadas sob o manto protetor, acolhedor e não julgador do anonimato em A.A..

Mas, à medida que fui progredindo no meu novo modo de vida necessariamente coletivo no Grupo-base, nas lides dificultosas e trabalhosas do serviço ativo, então o “espírito do anonimato” foi muito além da função de “manto protetor” e chegou a se tornar “alicerce espiritual”, de onde vou tirando a sustentação necessária para a manutenção diária desse modo de vida.

Desde então, pude expandir esse alicerce do anonimato – enquanto um espírito de discrição pessoal e de respeito à intimidade do outro – para todas as áreas da minha vida: enquanto continuo resgatando os laços com pais, cônjuge e demais familiares; enquanto vim e venho reinventando a minha vida profissional, cultural e social com estudos, com novas atividades e novos vínculos, mais e mais ricos, saudáveis, significativos e prazerosos.

Já faz bastante tempo, então, que minhas maiores preocupações relacionadas ao anonimato em A.A. não estão mais relacionadas à minha pessoa. Só por hoje, estou em paz profunda com minha condição de mulher alcoólica em recuperação e não temo que qualquer pessoa nesse mundo, minha conhecida ou não, venha a saber de qualquer aspecto da minha condição pessoal, passada ou presente,

Page 31:  · Web viewEu li na Revista Vivência Entrando em Ação Bill resolveu “Entrar em Ação” escrevendo um livro, para alcançar o objetivo a que se propunha O tema, além de sugestivo

relacionada ao meu alcoolismo ou ao meu pertencimento a Alcoólicos Anônimos.

Meus maiores cuidados, hoje, estão relacionados, em primeiro lugar, a respeitar o anonimato pessoal de meus companheiros e companheiras, com especial atenção aos recém-chegados, que, muitas vezes, estão passando pelos mesmos velhos temores que tantos de nós já passamos. Mas também busco cooperar ativamente para a manutenção dos 100% de anonimato pessoal da totalidade de nossos membros junto ao público em geral, tendo em vista um crescimento harmonioso de Alcoólicos Anônimos.

Entendo que a frase antes citada, quando afirma ser o anonimato “hoje em dia”, em A.A., uma qualidade espiritual “envolvendo tudo, em todo lugar”, pressupõe e pede que estejamos muito atentos às nossas relações com o público em geral. Atentos a como conduzimos as nossas atividades externas (no bairro, nas mídias, junto às instituições e autoridades com quem cooperamos, etc.), mas também a como conduzimos as atividades que deveriam ser apenas internas (reuniões de serviços em todos os níveis da estrutura de A.A., circulação de documentos, comunicações entre servidores, etc.).

Afinal, estamos hoje definitivamente cercados por redes sociais, aplicativos e por uma circulação estonteante de dados que, em segundos, mudam de formato: um texto se torna imagem, uma imagem se torna mensagem, uma mensagem se torna informação, uma informação circula sem qualquer possibilidade de controle sobre suas trajetórias posteriores em meios privados e públicos.

É por isso que gostaria de finalizar, compartilhando a última frase da “forma integral” da nossa Décima Segunda Tradição, ao comentar a necessidade de colocarmos “os princípios acima das personalidades” e de “conduzir-nos com genuína humildade”: “Isto para que as nossas grandes bênçãos jamais nos corrompam...”.G.J. São Paulo/ SP