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PRETORIUS - VIDEIRAS E LEVEDURAS ENOLÓGICAS CRIADAS PARA A PRODUÇÃO DE VINHOS DE QUALIDADE CENTRADOS NO MERCADO, PAG. 1 VINIDEA.NET REVISTA INTERNET TÉCNICA DO VINHO, 2003, N.4 VIDEIRAS E LEVEDURAS ENOLÓGICAS CRIADAS PARA A PRODUÇÃO DE VINHOS DE QUALIDADE CENTRADOS NO MERCADO PARTE 1: A VIDEIRA I.S. Pretorius The Australian Wine Research Institute, Waite Road, Urrbrae, Adelaide, SA 5064, Australia Tel: +61 8 8303 6600; Fax: +61 8 8303 6601; E-mail: [email protected] 1. O metamorfismo da indústria vitivinícola numa economia globalizada Foi um facto sem precedentes quando economistas, sociólogos e outros intelectuais, no início do terceiro milénio, coincidiram na análise de que o Mundo está no auge de uma gigantesca transformação, uma transformação sem precedentes, de tal modo evolutiva e de tal envergadura que modificará todas as facetas da sociedade, ao ponto de se tornarem irreconhecíveis durante os próximos 20 a 30 anos. Mesmo as indústrias mais tradicionais como a do vinho não serão capazes de evitar esta metamorfose inevitável. Numa tentativa de se estabelecer um compasso de modo a que a industria do vinho se possa preparar para as enormes mudanças do século XXI, um número de países e regiões produtoras dos melhores vinhos analisaram em profundidade as tendências globais do ambiente e do mercado do vinho e começaram a planear programas de acordo com os cenários mais prováveis. Tendo como base estes futuros cenários, delinearam-se estratégias a longo termo e vários pontos de vista foram formulados para se dirigir a indústria do vinho, destas regiões e países, através do nevoeiro confuso das modificações nas preferências do consumidor e das inovações tecnológicas. Se estas indústrias mundiais vitivinícolas maiores não se souberem adaptar e se deixarem levar nas correntes das imensas vagas de mudança, a economia destas regiões vinícolas e países pode ser inesperadamente arrastada contra os icebergs da nova ordem mundial. Para numerosas regiões vinícolas e países pode ser fatal não ajustar a rota, para que se evitem as tempestades que se anunciam no horizonte deste novo milénio. A mudança que se opera na indústria vitivinícola não é nova, porque, apesar dos princípios fundamentais do cultivo da vinha e vinificação permanecerem maioritariamente inalterados durante os 7 000 anos passados, a imagem do vinho foi sendo profundamente alterada. No início do século XVII, o vinho era considerado como a única bebida saudável e perdurável, enquanto que hoje esta é apresentada aos consumidores como um bebida universal que reflecte um estilo de vida próprio e para ser consumida com moderação. Mas a essência da mudança desconcertante actual reside nesta imagem moderna do vinho. Isto colocou o vinho no centro do campo de alta tensão entre as forças do mercado e da tecnologia, em que a tradição e a inovação necessitam de descobrir um ponto de encontro de modo que seja possível continuar a responder ás exigências dos produtores de vinho e às preferências dos consumidores. Por um lado, a continua existência e o bem-estar do produtor são directamente dependentes do lucro sustentável da indústria vitivinícola; por outro lado, cada vez mais a preocupação com a saúde e a consciência ambiental do consumidor do vinho conduz à procura de produtos talhados à medida e com uma boa relação qualidade / preço. O equilíbrio entre estes dois pólos desloca-se cada vez mais para o lado das preferências do consumidor, e isto coloca o produtor sob uma pressão crescente. O fosso crescente entre a produção e o consumo do vinho num sistema económico global, "sem fronteiras" e a forte concorrência foram as principais razões que forçaram as indústrias vitivinícolas tradicionais, centradas sobre a produção, a transformarem-se em empresas apoiadas sobre as exigências do mercado. Este desencontro universal entre a oferta e a procura é estimulado, por um lado, pela tendência internacional para progressivamente diminuir o consumo de bebidas alcoólicas e, por outro lado, pelo ritmo rápido da expansão da produção

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VINIDEA.NET – REVISTA INTERNET TÉCNICA DO VINHO, 2003, N.4

VIDEIRAS E LEVEDURAS ENOLÓGICAS CRIADAS PARA A PRODUÇÃO DE VINHOS DEQUALIDADE CENTRADOS NO MERCADOPARTE 1: A VIDEIRA

I.S. PretoriusThe Australian Wine Research Institute, Waite Road, Urrbrae, Adelaide, SA 5064, AustraliaTel: +61 8 8303 6600; Fax: +61 8 8303 6601; E-mail: [email protected]

1. O metamorfismo da indústria vitivinícola numa economia globalizada

Foi um facto sem precedentes quando economistas, sociólogos e outros intelectuais, no iníciodo terceiro milénio, coincidiram na análise de que o Mundo está no auge de uma gigantescatransformação, uma transformação sem precedentes, de tal modo evolutiva e de talenvergadura que modificará todas as facetas da sociedade, ao ponto de se tornaremirreconhecíveis durante os próximos 20 a 30 anos. Mesmo as indústrias mais tradicionais comoa do vinho não serão capazes de evitar esta metamorfose inevitável. Numa tentativa de seestabelecer um compasso de modo a que a industria do vinho se possa preparar para asenormes mudanças do século XXI, um número de países e regiões produtoras dos melhoresvinhos analisaram em profundidade as tendências globais do ambiente e do mercado do vinhoe começaram a planear programas de acordo com os cenários mais prováveis. Tendo comobase estes futuros cenários, delinearam-se estratégias a longo termo e vários pontos de vistaforam formulados para se dirigir a indústria do vinho, destas regiões e países, através donevoeiro confuso das modificações nas preferências do consumidor e das inovaçõestecnológicas. Se estas indústrias mundiais vitivinícolas maiores não se souberem adaptar e sedeixarem levar nas correntes das imensas vagas de mudança, a economia destas regiõesvinícolas e países pode ser inesperadamente arrastada contra os icebergs da nova ordemmundial. Para numerosas regiões vinícolas e países pode ser fatal não ajustar a rota, para quese evitem as tempestades que se anunciam no horizonte deste novo milénio.

A mudança que se opera na indústria vitivinícola não é nova, porque, apesar dos princípiosfundamentais do cultivo da vinha e vinificação permanecerem maioritariamente inalteradosdurante os 7 000 anos passados, a imagem do vinho foi sendo profundamente alterada.No início do século XVII, o vinho era considerado como a única bebida saudável e perdurável,enquanto que hoje esta é apresentada aos consumidores como um bebida universal quereflecte um estilo de vida próprio e para ser consumida com moderação. Mas a essência damudança desconcertante actual reside nesta imagem moderna do vinho. Isto colocou o vinhono centro do campo de alta tensão entre as forças do mercado e da tecnologia, em que atradição e a inovação necessitam de descobrir um ponto de encontro de modo que sejapossível continuar a responder ás exigências dos produtores de vinho e às preferências dosconsumidores. Por um lado, a continua existência e o bem-estar do produtor são directamentedependentes do lucro sustentável da indústria vitivinícola; por outro lado, cada vez mais apreocupação com a saúde e a consciência ambiental do consumidor do vinho conduz à procurade produtos talhados à medida e com uma boa relação qualidade / preço. O equilíbrio entreestes dois pólos desloca-se cada vez mais para o lado das preferências do consumidor, e istocoloca o produtor sob uma pressão crescente.

O fosso crescente entre a produção e o consumo do vinho num sistema económico global,"sem fronteiras" e a forte concorrência foram as principais razões que forçaram as indústriasvitivinícolas tradicionais, centradas sobre a produção, a transformarem-se em empresasapoiadas sobre as exigências do mercado. Este desencontro universal entre a oferta e aprocura é estimulado, por um lado, pela tendência internacional para progressivamente diminuiro consumo de bebidas alcoólicas e, por outro lado, pelo ritmo rápido da expansão da produção

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de vinho, particularmente nos países do novo mundo (Argentina, Austrália, Chile, Califórnia,Canadá, Nova Zelândia e África do Sul). Estes últimos países que hoje produzemaproximadamente 20% do vinho de todo o mundo, foram rápidos a responder à oferta e àprocura do mercado e na percepção do vinho de qualidade, e consequentemente, ganharamnas últimas décadas uma parte de mercado, crescendo de 2 para 15% no mercado mundial deexportação. Durante o mesmo período, o consumo per-capita nos países produtores do VelhoMundo (França, Itália, Espanha, Portugal e Alemanha), que agora produzem pouco mais demetade da produção total mundial de vinho, caiu de 40%-50%. Dos aproximadamente 27biliões de litros de vinho que são produzidos anualmente, provenientes de cerca dos 8 milhõesde hectares de vinha de todo o mundo, são mais ou menos 5 000 milhões de litros, aquelesque o mercado não pode absorver. Este excesso de vinho, que flutua anualmente entre 15 e20% da produção total, conduziu a uma maior competição para o ganho de cotas de mercado.Este excesso é limitado, na sua maioria, particularmente à categoria do vinho de baixa gama(vinho a granel), o que indica que, ao mesmo tempo, houve um deslocamento significativo naspreferências do consumidor dos vinhos de gama baixa ou "económica" para os vinhos dequalidade, ou de grande a muito grande qualidade, e mesmo para os grandes vinhos. Devido àglobalização e ao acesso à informação rápido e mundial que a acompanha, os consumidoresde hoje têm uma compreensão mais sofisticada do valor do produto e uma exigênciadiscriminada para a qualidade. Consequentemente, os consumidores têm expectativaselevadas para a qualidade de produto em todas as categorias do preço. Tornou-se tambémevidente que a procura de vinhos artesanais (de preços elevados e que representam somente2-3% do mercado actual) está em crescendo. Isto significa que os excessos em vinho nãopodem meramente, por muito mais tempo, ser considerados como um problema de produção,mas também como um problema da gestão dos produtores que não têm consciência domercado e que ainda não se consciencializaram que a escolha é somente docliente/consumidor, que através das suas escolhas determinam quais são os produtos dequalidade e a bom preço.

As regras do jogo nas quais a indústria do vinho deve competir no presente, mudaram de talforma que, no difícil mercado do vinho, consciente da importância da imagem e sensível àvariação de preço, a qualidade é definida tendo em conta a satisfação sustentada do cliente edo consumidor. Consequentemente, as indústrias de vinho bem sucedidas e empreendedorasrespondem cada vez mais às exigências do consumidor e do cliente, de modo que vinhos dequalidade excepcional possam ser oferecidos dentro de cada gama. Assim, se uma indústria devinho luta por ser altamente competitiva ao nível mundial e lucrativa, deve necessariamente sercapaz de tomar iniciativas e de assim se posicionar na dianteira do mercado mundial que exigeprodutos com marcas fortes e de uma renovação contínua no que diz respeito ao estilo, àqualidade, à pureza, à exclusividade e à diversidade do vinho. Com o objectivo de assegurar aliderança do produto nos termos da intensidade, da complexidade e da diversidade em todasas gamas de preços, a inovação em todos os níveis da cadeia já não é uma opção para aindústria de vinho, mas uma necessidade. A interiorização de uma cultura de inovação queimpregne a indústria do vinho no seu todo é o único caminho que permite chegar aosconsumidores, que implacavelmente escolhem com as suas compras gamas específicas devinho. Isto exige consequentemente que toda a indústria ou empresas vitivinícolas lucrativas esocialmente responsáveis assumam um compromisso com a qualidade, estilo e inovação, dovinhedo ao palato do consumidor.

É evidente que a inovação tecnológica é um dos pilares em que as indústrias de vinho bemsucedidas do século XXI devem assentar ganhando vantagens no que diz respeito à influênciamundial e ao lucro sustentável. Isto inclui, entre outras coisas, a inovação centrada no mercadoe a inovação biotecnológica que visam a superação de problemas da indústria do vinho ou criare aproveitar novas oportunidades importantes ao nível da estratégia. Com uma aproximaçãocorrecta, os resultados das inovações biotecnológicas podem-se harmonizar significativamentecom um mercado complexo, factores culturais, sociais, ambientais e técnicos, sem que se retireà arte antiga da vinificação o seu misticismo encantador e o seu romantismo.

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Apesar do cepticismo actual e de alguns grupos de consumidores erroneamente informadossobre os organismos e os produtos geneticamente modificados (os OGM e os produtos GM),não há qualquer dúvida que a aplicação da tecnologia de ponta da genética na indústriavitivinícola tem um potencial enorme. Para podermos responder, ao nível tecnológico, aosdesafios enormes dos consumidores, as indústrias mundiais, percursoras no sector do vinho,estão cada vez mais focalizadas na programação e no melhoramento genético dos doisorganismos principais envolvidos na produção do vinho, nomeadamente a videira e asleveduras enológicas.

2. O potencial de variedades de videira geneticamente melhoradas

2.1 Espécies da videira e variedadesEconomicamente falando, a videira constitui a espécie de fruta mais importante ao nívelmundial e esteve sempre ligada às actividades agrícolas ou religiosas como está descrito nasprimeiras escrituras e crónicas. Esta espécie antiga evoluiu ao longo do tempo, passando doestado arbustivo para uma planta trepadora. A videira foi domesticada com facilidade, dandoorigem aos 8 milhões de hectares de vinha podados e orientados em sistemas de conduçãoque são típicos dos vinhedos encontrados em todo o mundo.

As videiras são classificadas no género Vitis, consistindo em dois sub-géneros, Euvitis eMuscadinia. O primeiro destes sub-géneros abarca a maior parte das espécies Vitis. Uma únicaespécie de Vitis, Vitis vinifera, é originária da Europa, visto que mais de 30 espécies sãonativas da China e, aproximadamente 34 espécies foram caracterizadas no norte e na AméricaCentral. Os registos científicos da origem das videiras cultivadas está fragmentado por todo omundo, mas aceita-se geralmente que a V. vinifera (a espécie mais cultivada de Vitis)compreende aproximadamente 5 000 variedades usadas na produção de vinho, uva de mesa euva passa. O melhoramento destas castas dependeu inicialmente, na sua maioria, deselecções arbitrárias, das mutações naturais que intensificaram a cultura, ou de algum aspectoda qualidade da fruta e/ou do vinho. Estes foram seguidos mais tarde pelos esquemas deselecção clonal mais dirigidos. O melhoramento da videira foi curiosamente "intocado", pelosprogramas clássicos de cruzamento, no sentido de que relativamente poucas castas novas setransformaram em sucessos comerciais, especialmente na indústria do vinho, onde confiamosem relativamente poucas castas seleccionadas e antigas para a produção comercial. Noentanto, programas de cruzamento tiveram um impacto significativo no desenvolvimento dasvariedades de porta-enxertos resistentes a insectos e a agentes patogénicos, assim como áscondições abióticas nefastas.

As indústrias do vinho, da uva de mesa e da uva seca têm objectivos diferentes ao nível domelhoramento das castas. As indústrias da uva de mesa e das uvas passas introduzem osseus produtos no mercado directamente e devem fornecer ao consumidor produtos dequalidade novos, emocionantes e excelentes, enquanto que a indústria do vinho assentatipicamente no reconhecimento dos nomes das castas varietais e em estilos de vinho definidos,para vender os seus produtos. A tecnologia de transformação genética tem um potencialelevado para os programas de melhoramento da vinha nestas três indústrias. Algumas dasvantagens ligadas a esta tecnologia e a sua aplicação na produção da videira serão discutidasnas secções seguintes.

2.2 Características genéticas e técnicas para a análise e desenvolvimento da videiraO facto de diversos genomas da planta terem sido totalmente sequenciados e de que asanálises proteómicas e metabólicas serem mais acessíveis confirmam que está a começar umafase mais avançada do melhoramento das plantas usando a biologia molecular e a modificaçãogenética. A acessibilidade do genoma da videira nos termos das aplicações da biologia

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molecular é actualmente muito mais limitada do que o acesso ao genoma das levedurasenológicas devido ao tamanho do genoma (aprox.470-483 mb dividido em 38-40cromossomas) e à sua complexidade (somente 4% do genoma é transcrito). O genoma davideira, no entanto, é actualmente objecto de um grande número de estudos, com empresasmultinacionais que colaboram em diversos projectos, tais como o desenvolvimento demarcadores moleculares, assim como a sequênciação completa do genoma da videira.A tecnologia que consiste em adicionar genes de interesse sob o controlo de elementosreguladores escolhidos entre os genomas da planta abriu várias possibilidades para omelhoramento da planta e um elevado número de espécies economicamente importantes têmsido objecto destas investigações. Não obstante, é um facto que a transformação genética davideira não tem sido fácil devido a várias dificuldades, por exemplo, entre outras, em obtertecidos de cultura regeneráveis que possam suportar as estratégias de transformação e ossubsequentes procedimentos da selecção.

O primeiro progresso significativo foi feito quando linhas de células embrionárias foram usadascomo tecido escolhido para as modificações genéticas da videira, tendo conduzido diversoslaboratórios, privados e públicos, a produzirem rotineiramente videiras trangénicas. Nestaconsideração, o termo "rotineiramente" inclui somente alguns garfos de videira e porta enxertosde variedades economicamente importantes. Desde 1989, quando se realizaram as primeirastransformações bem sucedidas da videira, a atenção deslocou-se gradualmente dodesenvolvimento da tecnologia de modificação da videira para a implementação destatecnologia no desenvolvimento de linhas de planta de interesse prático.

2.3 Objectivos para o melhoramento genético da videiraA utilização da biologia molecular para estudar processos fundamentais que desenvolvam avideira geneticamente modificada está integralmente ligada à perspectiva do melhoramentogenético da videira. Inicialmente, enquanto os recursos disponíveis da genética estavamlimitados, genes com funções conhecidas eram introduzidos nas espécies de plantas, naesperança de desenvolver fenótipos “melhorados”. Esta tentativa ensinou-nos lições valiosas,em especial sobre as complicações ligadas à não – expressão dos genes transferidos, masdemonstrou também que o progresso verdadeiro e sustentável pode ser realizado quando oconhecimento do processo é combinado com a aplicação.

As ciências dedicadas ás plantas, estão a entrar numa era emocionante, devido à listacrescente de genes e seus reguladores sequenciais que estão a ficar disponíveis para atransformação de espécies vegetais de interesse económico importante, incluindo a videira.

Melhoramento da sanidade da videira: Aceita-se geralmente que a doença das plantas émais uma excepção que a regra, devido aos mecanismos muito eficientes de defesa dasplantas face às pestes e aos patogénicos. A agricultura de monocultura, no entanto, está sobuma ameaça constante por vários patogénicos e pestes e os mecanismos que restringem ospatogénicos fúngicos, bacterianos, virais e insectos permanecem como o centro de atenção daengenharia genética das plantas de cultivo. A introdução de genes no genoma da planta étalvez a melhor forma de aumentar a tolerância à doença, desde que os genes individuaispossam conferir resistência às doenças das plantas.

Diversos procedimentos diferentes foram usados para reforçar a tolerância das plantas àsdoenças, mas quase todos utilizam em parte a interacção natural que existe entre o hospedeiroe o agente patogénico. Esta interacção é complexa devido ao facto do hospedeiro e opatogénico travarem a mesma batalha para a sobrevivência. A maioria das estratégias demodificação envolve um produto genético com actividade anti-patogénica conhecida, o qual éintroduzido com muitas cópias ou de uma maneira indutiva no hospedeiro na tentativa de se

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optimizar certos reflexos de defesa inata da planta. Exemplos deste tipo de procedimento sãomostrados na tabela 1.

Um outro procedimento importante sobre a tolerância à doença conferida à videira (e a outrasplantas) por manipulação genética assenta na resistência derivada dos patogénicos (RDP) edas suas diversas aplicações. Neste procedimento, um gene derivado do patogénico e o seuproduto codificado são expressos num momento inoportuno ou sob uma forma ou numaquantidade inapropriada durante o ciclo da infecção, impedindo assim o patogénico de mantera infecção. A maioria das estratégias antivirais assenta sobre um dos aspectos de RDP econstituem uma parcela principal das actividades científicas de modificação genética dasvariedades da videira. (tabela 1).

Uma gama de espécies de plantas trangénicas foi desenvolvida por este procedimento, comsucessos variáveis. As videiras trangénicas que expressam genes heterólogos antifúngicos eantivirais estão actualmente em estudo. Estes primeiros "protótipos" de tolerância da videira (ede outras espécies) à doença adquirida por manipulação, marcam o início de uma nova era nacultura de plantas, porque velhas problemáticas estão a ser resolvidas com novosprocedimentos. A tecnologia melhorará indubitavelmente com a possibilidade de transferênciasmúltiplas de genes, com o uso de sequências reguladoras inductiveis altamente específicas,assim como a possibilidade de assegurar a expressão estável a longo prazo dos genestransferidos.

Um grande conhecimento foi adquirido sobre a natureza das interacções plantas-patogénicos esobre os tipos de resistência à doença que operam nas plantas, criando e analisando plantastrangénicas. As plantas modelo modificadas com os vários genes definidos transformam-se emrecursos importantes se a natureza das manipulações e seu efeito na planta forem analisadoscom maior profundidade, com tecnologias de ponta, que por exemplo permitem seguir aexpressão dos genes). Uma gama de mutuantes de Arabidopsis bloqueados em determinadosmodos de defesa do patogénico, fornece também informação extremamente valiosa a respeitodas funções dos genes. A investigação desenvolveu-se ao ponto dos tipos da doença seremrazoavelmente bem caracterizados e uma maior atenção é dada actualmente aos fenómenosque disparam os sistemas de defesa e os procedimentos subsequentes de transdução dossinais que conduzem às várias formas de defesa.

Melhoramento da cultura da videira: A tecnologia que envolve modificação genética tem umgrande número de aplicações no melhoramento das variedades das plantas, desde queapresente a perspectiva de desenvolver linhas de plantas que se adaptem às condiçõesclimáticas adversas. Os progressos realizados na compreensão da tolerância das plantas aostress, combinada com o conhecimento básico nos aspectos chaves do crescimento e dodesenvolvimento da planta, aceleraram a praticabilidade dos procedimentos transgénicos pararegrar estes problemas complexos. Uma compreensão básica dos princípios fundamentais, taiscomo, a repartição dos elementos de carbono, modalidades do transporte dos açúcares,transporte da água e o papel dos estomas, assim como a regulação destes processos, sãoalgumas das áreas estudadas activamente para dirigir esforços sobre o desenvolvimento devideiras transgénicas com perspectivas de melhoramento da cultura. As importantes limitaçõesà cultura estudadas neste procedimento são o stress devido à secura e ao sal, os danoscausados pela luz (exposição UV) e tolerância ao congelamento (ver a tabela 1 paraexemplos). As reacções ao stress mencionadas na planta são todas formas complexas deinteracção de proteínas induzidas por uma palete de sinais que são atenuados ou amplificadospor processos igualmente complexos. Este tríptico típico de interacções biológicas é mais difícilde manipular com adição de genes individuais ou mesmo com as adições múltiplas, econsequentemente, o conhecimento dos mecanismos do controlo e das alterações é aindamuito pertinente.

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Melhoramento da qualidade da videira: A descrição da qualidade dos produtos da vinhadifere nas três indústrias ligadas à vinha. A indústria de vinho considera como desejável a frutapequena, com muita cor e que responde aos indicadores óptimos de maturação(açucares/ácidos/fenólicos), enquanto que a aparência e o tamanho óptimo das uvas de mesasão da maior importância. Os factores básicos da qualidade, tais como uma bela cor e um bomdesenvolvimento do açúcar, são de uma importância genérica e são actualmente os objectivosna biologia molecular no que concerne à vinha. Os processos básicos de maturação da uva e,mais importante, os sinais alusivos à maturação estão a ser investigados. Os sinais hormonais,ambientais e bioquímicos que têm um impacto nos processos chave da maturação, como aprodução de pigmentos, acumulação e transporte dos açúcares, assim como a formação doscompostos aromáticos, são estudados na vinha como um exemplo de uma fruta não-climatérica(tabela 1). O objectivo final deste tipo de procedimento é mudar o fluxo metabólico através devias bio-sintéticas importantes que estão activas durante a maturação da uva, com o objectivode aumentar a formação de produtos desejáveis ou novos, ligados aos parâmetros dequalidade das uvas. A biotecnologia da videira está ainda na sua infância, (como para a maioriadas outras culturas) e terá que promover o esclarecimento dos princípios fundamentais, assimcomo o melhoramento das tecnologias de modificação genética para alcançar os objectivos aque se propõe. As tecnologias da inserção e supressão dos genes alvo são algumas dasferramentas que tornariam mais praticáveis estes e outros projectos inovadores, tais como amanipulação das vias bioquímicas para produzir novos produtos e metabolitos.

Nova edição de TRENDS IN BIOTECHNOLOGY, Vol 20, 2002, pp426-432, Pretorius et al, "Meetingthe Customer..." and Vol 20, 2002, pp472-478, Vivier et al, "Genetically Tailored Grapevines..."Copyright (2002), com a permissão de Elsevier

Continua …

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Tabela 1. Objectivos do melhoramento genético em variedades de videira e porta enxertosPropriedades desejadas Área de interesse Exemplos de genes alvo actuais e

potenciais

Resistência melhorada àsdoençasTolerância aos fungos Defesa da videira e transmissão

de sinais de defesa em respostaa patogénicos fúngicos;resistência inata (basemolecular) de várias espécies

Genes codificadores de glucanase- ecitoquinase de fungos, leveduras e vegetais;“inactivação ribossómica” proteínas (RIPs);proteínas similares à taumatina(Vvtll), genes deplantas e insectos codificadores de péptidosantifúngicos; PGIP (poli-galacturunase-proteínainibidora); genes de espécies vegetaiscodificadoras, fitoalexinas estilbeno (estilbenosintetase:stsy,vst1,vst2);fenilalanina amónialiase:pal)CuZnSOD(superpéroxidodismutase;genes produtores de enzimas dedetoxificação(aldeído redtase dependente deNADPH, enzima redutora Vigna radiata-Eutipine)

Tolerância às bactérias Defesa da videira e transmissãode sinais de defesa em respostaa patogénicos bacterianos;patologia de vários patogénicosbacterianos;Resistência inata (basemolecular) de várias espécies

Péptidos anti microbianos (péptido lítico, Shiva-I, defensinas;gene de agrobacterium codificadorde proteínas de importação e de integraçãodisfuncionais (virE2delB)

Tolerância aos vírus Epidemiologia de infecçõesvíricas e vectores; biologiamolecular de vírus infecciosos;estratégias de resistênciaderivada do patogénico (co-proteínas e proteínas domovimento)

“coat proteins” de virus; proteínas viricas domovimento (sem-sentido); replicase (RNA-dependente RNA polimerase), proteinases; 2,5oligoadenilate sintetase.

Melhoramento da tolerânciaao stressResistência ao stress hídrico Estomas; isolamento de

promotores específicos da raizTIPs (proteínas integrais tonoplasticas); PIPs(proteinas integrais da membrana plasmática)

Danos devido a oxidação Controlo e biosíntese doscarotenoides (diversos genesputativos e promotores foramclonados); anaerobiose

Genes de biosíntese de carotenoides; Adh(álcool desidrogenase) genes; SODs(cistosólico CuZnSOD, cloroplasto-residenteCuZnSOD, mitocôndria residente MnSOD)

Stress osmótico e outros tiposde stress abióticos

Acumulação de Prolina;poliaminas e o seu papel nostress

Vvp5cs (∆1-pyrroline-5-carboxylate); Vvoat (δ-ornitina aminotransferase); FeSOD,glicina/beteína, antifreeze genes de peixesantárcticos antifreeze (tolerância aocongelamento)

Melhoramento dos factores dequalidadeDesenvolvimento da cor Processos e sinais relacionados

com a maturação, controlo ebiosíntese de antocianas(diversos genes e algunspromotores foram clonados);isolamento de promotoresespecíficos da uva

ufgt (UDP-glucose:flavanoide 3-O-glucosiltransferase) e/ou sequênciasreguladoras de ufgt; produção de antocianas àbase de pelargonidina para novas cores deuvas; antociana metil-tranferases

Acumulação e transporte dosaçucares

Carga e descarga do floema;invertases; transportadores deaçúcar; isolamento depromotores específicos da uva

Invertases de plantas e leveduras para estudara carga e decarga do floema; transporte deaçucares (Vvsuc11, Vvsuc12, Vvsuc27);transporte de hexose (Vvht1, Vvht2)

Redução do acastanhamento(uva de mesa e uva passa)

Reacções de oxidação “Silencing” da polifenol oxidase

Ausência de grainhas (uva demesa)

Formação de semente;isolamento de promotoresespecíficos de sementes

Gene baranase