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Joaquim Pinheiro Carmen Soares (coords.) Patrimónios Alimentares de Aquém e Além-Mar IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA COIMBRA UNIVERSITY PRESS ANNABLUME Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

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Joaquim Pinheiro Carmen Soares (coords.)

Patrimónios Alimentares de Aquém e Além-Mar

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITY PRESS

ANNABLUME

OBRA PUBLICADA COM A COORDENAÇÃO CIENTÍFICA

Série DiaitaScripta & RealiaISSN: 2183-6523

Destina-se esta coleção a publicar textos resultantes da investigação de membros do

projeto transnacional DIAITA: Património Alimentar da Lusofonia. As obras consistem

em estudos aprofundados e, na maioria das vezes, de carácter interdisciplinar sobre

uma temática fundamental para o desenhar de um património e identidade culturais

comuns à população falante da língua portuguesa: a história e as culturas da alimentação.

A pesquisa incide numa análise científica das fontes, sejam elas escritas, materiais ou

iconográficas. Daí denominar-se a série DIAITA de Scripta - numa alusão tanto à tradução,

ao estudo e à publicação de fontes (quer inéditas quer indisponíveis em português, caso

dos textos clássicos, gregos e latinos, matriciais para o conhecimento do padrão alimentar

mediterrânico), como a monografias. O subtítulo Realia, por seu lado, cobre publicações

elaboradas na sequência de estudos sobre as “materialidades” que permitem conhecer a

história e as culturas da alimentação no espaço lusófono.

Joaquim Pinheiro é professor auxiliar da Universidade da Madeira (Faculdade de

Artes e Humanidades) e investigador integrado do Centro de Estudos Clássicos e

Humanísticos (Universidade de Coimbra). Tem desenvolvido investigação sobre a

obra de Plutarco, a mitologia greco-latina, a retórica clássica e o pensamento político

na Antiguidade Clássica. É membro do Projeto DIAITA - Património Alimentar da

Lusofonia (apoiado pela FCT, Capes e Fundação Calouste Gulbenkian). Desde 2013, é

coordenador do Centro de Desenvolvimento Académico da Universidade da Madeira.

Carmen Soares é Professora Associada com agregação da Universidade de Coimbra

(Faculdade de Letras). Tem desenvolvido a sua investigação, ensino e publicações

nas áreas das Culturas, Literaturas e Línguas Clássicas, da História da Grécia Antiga

e da História da Alimentação. Na qualidade de tradutora do grego antigo para

português é coautora da tradução dos livros V e VIII de Heródoto e autora da

tradução do Ciclope de Eurípides, do Político de Platão e de Sobre o afecto aos

filhos de Plutarco. Tem ainda publicado fragmentos vários de textos gregos antigos

de temática gastronómica (em particular Arquéstrato). É coordenadora executiva

do curso de mestrado em “Alimentação – Fontes, Cultura e Sociedade” e diretora do

doutoramento em Patrimónios Alimentares: Culturas e Identidades. Investigadora

corresponsável do projeto DIAITA-Património Alimentar da Lusofonia (apoiado pela

FCT, Capes e Fundação Calouste Gulbenkian).

Os estudos reunidos neste volume refletem, de uma forma geral, sobre a alimentação

enquanto elemento de extraordinário valor cultural e identitário. Com abordagens

diversas ao património alimentar, seja numa perspetiva linguística, seja numa análise mais

literária ou cultural, com o devido enquadramento histórico, social e espacial, o conjunto

dos trabalhos realça a importância desta temática, desde a Antiguidade Clássica até aos

nossos dias. Na verdade, a alimentação e tudo o que com ela se relaciona conduzem-nos

por uma viagem reveladora da forma de vida do homem e do seu relacionamento com a

natureza e com outros seres vivos.

Os trinta e quatro contributos da obra estão reunidos nos seguintes capítulos: 1.

Alimentação: património imaterial; 2. Alimentação e património literário; 3. Alimentação

e património linguístico; 4. Alimentação: saúde e bem-estar; 5. Alimentação: sociedade

e cultura; 6. Alimentação e diálogo intercultural. Com este volume pretende-se também

abrir perspetivas sobre novos domínios de pesquisa do património alimentar como fonte

de saber essencial para a atualidade.

9789892

611907

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O vinho nas Descobertas: vinhos d’aquém e d’além-mar1

Wine in Portuguese Discoveries: wine from Continental Portugal and overseas.

Ana Maria Ramalho ProserpioSociedade Histórica da Independência de Portugal

[email protected]

Resumo: Contributo para um melhor conhecimento do papel do vinho português nos Descobrimentos e na Expansão Portuguesa, num tempo que foi de mudança, em que novos produtos e novas gentes entram em contacto, dando lugar a aculturações e a diferentes conhecimentos. Análise, na documentação da época, da presença do vinho português a bordo dos navios das Descobertas, tanto na ração diária dos viajantes (como mantimento), como na forma de produto de exportação, procurando apurar as quantidades, as qualidades e as condições em que os vinhos eram embarcados, quem os consumia, quando, e como eram consumidos, o seu uso (ou não) nas missas a bordo, e como mezinha na botica. Estudo de um caso específico de produção de vinho, no além-mar, no século XV: a recém-povoada Ilha da Madeira. Tratou-se da primeira tentativa, por parte dos portugueses, de plantar vinhas e produzir vinho fora do território continental, ini-ciativa esta que foi de tal forma bem sucedida que a Ilha da Madeira colhe, ainda hoje, os frutos desta prática, iniciada há quase 600 anos. Palavras-chave: História - Descobrimentos Portugueses - Viagens - Ilha da Madeira - Alimentação – Vinho.

Abstract: Contribution to a better understanding of the role of wine in the Portuguese discoveries and Portuguese expansion, at a time of change, in which new products and new people came together, giving place to acculturation and different knowledge.Analysis, in documentation from that time, of the presence of Portuguese wine on board of discovery ships, both in travellers’ daily diet (as food supply) and in the form of export product, aiming at accounting for quantities, qualities and the conditions in which wines were shipped, who consumed them, when, and how they were consumed, their use (or not) in religious and pharmaceutical purposes.Study of a specific case of wine production overseas in the XV century: the then newly populated Madeira Island. This was the first attempt by the Portuguese to plant vineyards and produce wine outside their continental territory. This initiative

1 Por opção da autora o seu texto não segue o acordo ortográfico de 1990

DOI: http://dx.doi.org/10.14195/978-989-26-1191-4_31

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Ana Maria Ramalho Proserpio

was so successful, that even today Madeira Island enjoys the benefits of this activity having started nearly 600 years ago.Keywords: History - Portuguese Discoveries – Journey – Madeira Island – Food - wine

Introdução

O tema do vinho e da sua história em Portugal tem cada vez mais des-pertado a atenção dos estudiosos, com particular destaque para os afamados vinhos da região do Douro2. Já o mesmo não se pode dizer sobre o estudo do papel do vinho nos Descobrimentos que é estudado parcelarmente em obras mais genéricas3. A razão deste facto prender-se-á, em parte, com a grande profusão de outros produtos que ocorreu na época e que tomaram a dianteira pela sua novidade, levando a que o vinho ficasse num segundo plano, no âmbito das investigações. E, na verdade, como concorrer com as riquezas dos novos mundos, como as especiarias, as sedas e as porcelanas da China, a prata do Japão, o ouro e os escravos do continente africano, os frutos, os animais e as plantas exóticas? Não podemos esquecer que foram precisamente muitos destes produtos a razão das viagens dos portugueses de há 600 anos.

Apesar disso, o vinho vai estar sempre presente nas viagens, seguindo a bordo das embarcações que partiam de Lisboa na ração diária (como mantimento) e, ainda, como produto de exportação, principalmente para as comunidades portuguesas que entretanto se tinham instalado nas novas terras. Os vinhos de Portugal (muitas vezes assim designados na documentação) produzidos, no aquém-mar, vão ser muito apreciados, no além-mar, atingindo preços muito acima dos praticados na Europa.

Também, no além-mar, nas terras que os portugueses foram descobrindo e ocupando, vão querer ter “novos vinhos”: vinhos que os próprios portu-gueses vão criar, escolhendo as melhores castas, passando a produzi-los e implementando o cultivo da vinha (é o caso dos arquipélagos da Madeira e

2 A partir da década de 70 do século XX, e num crescendo, têm-se realizado vários colóquios sobre a história do vinho em Portugal. Em 1979, a Academia Portuguesa de História promoveu um 1.º encontro, em 2001 foi a vez da Associação Internacional de História e Civilização da Vinha e do Vinho, na Galiza, a que se seguiu a sua congénere em Portugal, em 2006. O Centro de Estudos de História do Atlântico tem-se dedicado, também, ao assunto e publicou algumas actas dos encontros, bem como a revista Douro – Estudos & Documentos (Grupo de Estudos de História da Viticultura Duriense e do Vinho do Porto).

3 O vinho nos Descobrimentos é tratado em alguns capítulos das obras de referência na área dos descobrimentos, em particular na área da História Económica (exs: Mauro 1989: 79-94; Braudel 1992: 198-202); Godinho 1982: 234-44). E também em monografias regionais (Ex: Vieira 1990 e 2003, no caso da Madeira) ou, ainda, em pequenos artigos, como os publicados no Jornal Informação Vinícola (Cavalheiro 1943: 1-2 e 1944:1-4).

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