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Revista eletrônica de Literatura

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Queremos cada vez mais. Mais amor, por favor? Talvez. Também. Mais poesia, prosa, mais verbo. Venham. #3 Capa linda feita por Susi Dohrn. [email protected] fb.com/Verborhagia

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Page 1: Verborhagia #3

Revista eletrônica de Literatura

Page 2: Verborhagia #3

Ano 1, n. 3, setembro de 2014

Lisiane Andriolli DanieliMarcelo Martins da Silva

Participe: www.facebook.com/[email protected]

Queremos cada vez mais. Mais amor, por favor? Talvez. Também. Mais poesia, prosa, mais verbo. Venham. #3Agradecemos as colaborações.

Capa linda feita por Susi Dohrn.

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ClariceLeonardo Barreiro é designer, risca alguns papéis e arrisca em ficção, músicas e aventuras cinematográficas.

Os muros de ouro do céu IIDaniel Rocha não consegue ser conciso, então é melhor parar por aqui. Se quiser mais, tem um conto ali ao lado.

Investigações poéticasMarcelo Martins encontrou um vendaval. Achou que sabia voar.

Hora finitaLisiane Andriolli Danieli não sabe escrever enquanto ama, mas tenta.

SolidãoFernanda Sarate é publicitária, blogueira, aquariana e mais um monte de outras coisas – não tantas quanto gostaria, mas está tentando. Acredita que a literatura é uma das maiores provedoras de verdades e de fantasias – sim, contraditório assim é que é bom!

tudo tantoFabíola Victória Weykamp nasceu em Brasília. Mudou-se criança para o RS, onde vive até hoje. É formada em em Letras pela UFPel.  Escritora, já teve um livro premiado. www.versodigital.blogspot.com.br

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fenixCauim Ferreira estuda Filosofia e “tinha por opinião política amar apaixonadamente as plantas, e mais ainda os livros”.

EscritosGabriel Sanna, vulgo Gabraz, nasceu no Rio de Janeiro e aos 5 anos mudou-se para Belo Horizonte, onde estudou Filosofia, Literatura e Cinema. Tem mais de 20 filmes, entre curtas e longas, nos mais diversos formatos, exibidos em mostras e festivais mundo afora.

MudezKaren Campos é uma buscadora.

EncantamentoMaria Elizabeth Knopf, profissão: Oficial de Justiça; leitora voraz, um pouco viciada em escrever. Aprendendo com o poeta Diego Petrarca.

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CLARICE

Vende o corpo por míseros pedaços de papel que permitem a manutenção de seus vícios, do pedaço de teto que a mantém longe da chuva em dias ensolarados, velhas roupas, em cada período de trabalho uma parte de sua vida é levada, sem retorno, a beleza perece com as lâmpadas que pouco iluminam as calçadas onde expõe a couraça captadora do próximo que desejará uma lasca de seu ser.Cada início de noite, esgotado, retorno ao exterior do mundo sem parte da vontade que tinha, sabendo que amanhã farei o mesmo percurso desgastando o restante da irrisória energia que se mantém estancada nas veias que secam, as parcelas, perdidas, jamais voltam à raiz de suas forças, a essência, se é que já existiu, cai pelas curvas como as linhas do corpo de Clarice que se contorcem sobre colchões desconhecidos.

Leonardo Barreiro

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Somos água do mesmo esgoto,

da mesma nuvem chuva ácida,

chamada tal coisa nenhuma,

ninguém da madrugada escura,

anseios morrendo de fome,caos da rua sem nome.

Leonardo Barreiro

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OS MUROS DE OURO DO CÉU

Parte II de III

Naquela segunda-feira, Lorenzo foi trabalhar e passou o dia inteiro pensando no ocorrido. Por vezes, sua atenção foi cobrada por seu supervisor. Os colegas perguntaram se ele estava se sentindo bem. E, estranhamente, estava. Tanto que nem pensou no fato de ter chegado em casa tarde da noite sem a margarina de Acácia, não ter sequer falado com ela, já que a porta de seu quarto estava fechada e provavelmente a esposa e a mãe estivessem dormindo lá, furiosas com ele. Saiu cedo, portanto, não tomou conhecimento da reação das duas ao fato de ele ter se demorado na padaria. Seu dia foi de trabalho intenso como todos os outros, mas não se sentiu cansado a ponto de não retornar ao bar Recanto, mais ou menos no mesmo horário da noite anterior. Tinha uma forte intuição de que deveria pedir a tal Paulita de novo. Avançou decidido até o balcão. Depois de um minuto, a mesma atendente da noite anterior apareceu. Cumprimentaram-se, secos. Lorenzo desta vez evitou a gafe e apenas agradeceu à mulher, virando-se para as mesas. Vazias. Só depois de uma hora, algumas mulheres adentraram o lugar e rumaram para as mesas. Uma ou outra vinha até o balcão esporadicamente fazer o pedido.

Lorenzo puxava assunto com ocultada descrição. Iniciou conversa com todas as que se aproximaram. Nenhuma delas durou mais do que quinze segundos. Lorenzo pagou sua intocada Paulita e foi embora para casa, desolado.

Ao fim do expediente da terça-feira, Lorenzo nem passou em casa. Foi a pé para o Recanto, tamanha a euforia. Se não encontrasse logo o que estava procurando enlouqueceria antes do fim-de-semana. Estava tão absorto que a caminhada pareceu rápida. Antes de entrar no bar, admirou a porta de troncos e inspirou o ar, que entrou mais solto. Foi logo pedindo sua Paulita e sentando no mesmo banco das noites anteriores. Estava convencido de que alguma daquelas mulheres naquele lugar talvez gostasse daquela bebida e sentaria ao seu lado, possivelmente bebessem juntos. As horas passaram e ninguém se aproximou dele. Pelo menos, não por mais de quinze segundos. Em diversos momentos, duas mulheres, cada qual única ocupante de suas mesas, lançaram olhares para Lorenzo. Vinham até o balcão, pediam alguma bebida, sorriam para ele. Insinuavam-se. Entretanto, jamais foram abordadas. Ele preferiu esperar que elas tomassem a iniciativa, o que também não ocorreu. Nas primeiras horas da madrugada, suas duas possíveis conquistas se esvaíram para fora do bar. Quando o lugar já estava quase

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encerrando suas atividades, Lorenzo começou a se questionar sobre até que ponto poderia intervir no destino. De fato, se acreditava no destino. “Livre arbítrio? O que ele quis dizer?”, torturava-se. Talvez devesse ter falado com aquelas mulheres. Ao se levantar, enxergou a atendente.

— Só por curiosidade – disse ele –, muitas pessoas tomam Paulita por aqui?

— Não – ela sorriu. — Na verdade, você foi a única pessoa que tomou isso em meses. Anos, talvez. E foi embora. Lorenzo pegou o copo de metal e despejou a Paulita no cesto de lixo, pagando a conta em seguida.

* * *

Lorenzo decidiu que se não descobrisse nada na quarta-feira, deixaria de ir lá, antes que a loucura se apoderasse de seu espírito. E por isso mesmo, naquele anoitecer de quarta-feira, foi para casa e tomou um banho que pareceu caminhar com a eternidade. Escolheu sua melhor roupa, seu melhor perfume, penteou-se cuidadosamente. Esfregou os cílios e as sobrancelhas para cima e saiu. Estava quase convencido de que aquele seria o último dia, que jamais pediria Paulita de novo em sua vida. E por isso mesmo, seguiu em direção ao balcão de madeira e pediu uma Paulita.

A exemplo das noites anteriores, nenhuma das mulheres conversou com ele, mas na quarta-feira ocorreu algo diferente: Lorenzo bebeu. Não a Paulita, mas algumas cervejas. Chegou a pensar em experimentar a misteriosa bebida. Que gosto teria? Pelo cheiro, deveria ser algo forte. Muito forte, aliás. Desfez tal ideia, retomando sua cerveja. Lorenzo estava mais solto, não só por estar convencido de que passava os últimos momentos dentro daquele bar maldito e as últimas noites seriam esquecidas ao retomar sua vida no dia posterior. Mas também porque o álcool havia soltado sua língua, seus sentimentos, sua alma. Tanto que começou a conversar com a atendente, numa das raras vezes em que ela passou pelo balcão. Dialogaram por horas. Tendo em vista a comunicação solta que fluía entre os dois, ela decidiu perguntar por que todas as noites ele pedia uma Paulita e nunca tomava. E ele, então, contou tudo. Ela riu, claro. Ele riu também, já tendo plena consciência da incrível insanidade que era tudo aquilo.

— E aí, você vai se apaixonar pela mulher e ela se apaixonar por você, mas para isso você tem que pedir a Paulita sempre? – ela perguntou, rindo. — Até que é uma bonita história. – pausou. — Bem, boa sorte. Lorenzo acenou em resposta com o copo de metal da Paulita, mas não a

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bebeu. A mulher voltou para sabe-se-lá-onde além do balcão, sumindo de vista. Lorenzo pagou a conta, mas não foi embora. Esperou, não sabia bem por quê, a atendente voltar. Esperou cerca de uma hora, o bar prestes a fechar novamente. Quando ela finalmente surgiu, ele a chamou.

— Você acha que eu vou encontrar o que eu quero? – perguntou Lorenzo, já em avançado estado etílico. A mulher sorriu.

— Acho que sim.Os dois foram embora, pontuando a conversa ali, cada qual para seu destino.

* * *

Lorenzo acordou de ressaca. Saiu apressado para o serviço, o corpo inteiro doía. Foi trabalhar, praguejando contra si por ter bebido tanto. Depois dos primeiros minutos de serviço, entretanto, o restante de sua manhã e tarde foi preenchido por uma presença feminina, em insistentes aparições em seu pensamento.

Seu nome era Ella.Decidiu então, retornar ao bar,

ignorando as promessas da noite anterior. Havia gostado do jeito da mulher de além do balcão, da conversa dela. Ella era simpática, inteligente. E ele estava convencido de que voltaria ao bar naquela noite só por isso, por sua conversa. Então, logo após o término da jornada de trabalho da quinta-feira, ele foi para

o Recanto. Lá chegando, instintivamente, pediu uma Paulita. Depois de alguns minutos, Ella apareceu. Cumprimentou Lorenzo e se pôs a preparar a bebida. Somente quando ela depositou o copo metálico sobre o balcão, Lorenzo teve sua epifania. Foi como se tivesse acordado de um transe. Olhou para Ella, paralisado. Ela olhou para ele, muda. Então, ele disse:

— Você é a mulher que eu estou procurando.

Ella ficou ruborizada. Começou a gaguejar, a tremer. Derrubou copos no chão. Abaixou-se, juntando os cacos, evitando o rosto de Lorenzo. Foi jogar fora os pedaços de vidro e sumiu. Depois de prolongados momentos, voltou. Estava mais calma. Ella havia aceitado.

Continuaram conversando, se descobrindo. Não havia mais bar ao redor deles, não havia pessoas, não havia barulho. Apenas uma fina linha de tempo prestes a ruir. O feitiço havia dominado os dois. Ella, quase debruçada sobre o balcão, perguntou baixinho, matreira:

— A profecia diz que você deve ir para minha casa hoje?

— Não – sorriu Lorenzo. — A profecia diz que nós vamos morar juntos, não sei o dia. Claro que – pausou rápido –, se você quiser, eu adoraria conhecer o seu aquário.

— Mas eu não tenho nenhum aquário.

— Então, eu adoraria conhecer o lugar onde você colocaria um aquário, se tivesse um.

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Ella deu uma risada tímida, constrangida. Mas não ofendida. E disse, depois de alguns segundos:

— Olhe, eu não vou levar você para minha casa. – O relógio na parede anunciava o fim de outra madrugada.— Mas nós podemos tomar um café, se você esperar eu trocar de roupa. Não levo nem dois minutos. – Ella deu dois passos para longe do balcão, quando Lorenzo a chamou:

— Por que Paulita?Ella pensou um pouco. Sorriu,

agora um sorriso assustado, confuso. Ella começou a acreditar, enfim.

— Só eu sei fazer a Paulita. Lorenzo aguardou, enquanto Ella mudava as vestes. Estava embasbacado, tamanha a euforia. Mirou o copo de metal com líquido transparente a sua frente, seu fiel companheiro de todas as noites. Ergueu a bebida, oferecendo ao ar e brindando a Ella. Na única noite em que ele provou a Paulita, entornou de um gole só. Sentiu uma espada em forma de líquido atravessando sua garganta. Depois disso, as luzes se apagaram e o assoalho ficou da altura de seus ombros.

* * *

Daniel Rocha

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O céu oculta o rosto e joga no mar suas redes de fisgar

gente

Nossas sombras jazem simétricas na areia

Cansados meditamos palavras arrendadas de tristes

sonhadores

Corro atrás da onda que rebenta na praia

Sou dúvida no eterno movimento dos barcos

Marcelo Martins

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A distância o alimentaremos,

Cheio de mimos, vendo-o envelhecer.

Entretanto, ele precisa morrer.

A distância, observamos.

Fiéis aos votos seculares,

sabemos o que virá a seguir.

Observamo-nos.

A morte vestida no armário

com joias nos dedos.

Resta-nos, por esses dias

indolentes, a companhia

amorfa dos lençóis.

Marcelo Martins

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HORA FINITA

Tempo vai em vãoA busca por resposta infinita

Lisiane Andriolli Danieli

Ruínas inexploradasCavernasimprevisíveisO peito pulsa:de onde vema dúvida?

Na noite chuvosa,a moça passa de guarda-chuva.Perseguida, olha para trás.Sua sombra.Corre.

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Fernanda Sarate

SOLIDÃO

Luz dormindo acesa de madrugada.

O QUE VOCÊ QUER SER QUANDO CRESCER?

Primeiro, astronauta, médico ou professor.Depois, cantor ou astro de TV.Hoje, o que muitos querem ser,é vencedor do BBB.

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Fernanda Sarate

DANÇA COMIGO

Esquece teu dia mal dormidoe tua noite mal acordadae dança comigo.

Esquece tua face pálidae tua melancolia cálidae dança comigo.

Esquece tuas vidas e dias malpassadose teus poucos momentos aladose dança comigo.

Esquece tua aflição,dor, agonia e solidão.Pega minha mão,e dança comigo.

Page 16: Verborhagia #3

tudo tanto

tão lírica a vidatão poético o viverme desatoem rimasque qualquer umme pode saber

Fabíola Victória Weykamp

paixões não tecem poemas

paixões são avassaladorasnão dão tempo de tecer poemasperde-se muito tempoentre suor e rimadesvencilhando-se das algemas

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te queria poema

queria poder me chegarsem o medo das horas apressar

queria poder ficarsem que a ansiedade por ir fosse maior

queria te ver rima toante               ao meu ladosem que a insegurança do amanhã nos impedisse o poema

queria que me quisessessem grafemas nem fonemas

apenas aliterando, de mãos dadas, o nosso acaso

Fabíola Victória Weykamp

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FENIX

Que solidão!

Apenas eu.

Mas eu irei me erguer novamente,

Para depois cair de novo.

Irei começar de novo,

Não sei ainda como.

Mas irei começar de novo,

mais uma vez.

Que solidão!

Mas eu tenho música,

E ela me abraça a alma inteira.

Cauim Ferreira

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minha casa é um monstro autófago, um chafariz se alimentando da água podre a seus pés para chover no meu cabelo em noites quentes. um clic e disparo a bomba, mais um, e sou deserto novamente. se rolar surto-circuito por favor me deposite em um cinzeiro de areia bem macia, se possível longe dos pombos. eu hoje vi zumbis do meio dia disputando um lugar à sombra da nuvem negra que emana o asfalto. eu vi um gato preto lambendo a lua numa poça de mijo, um roedor roendo a própria cova no concreto, a solidão compartilhada na webcam imaginária e a noite dói de tão igual. todo domingo findo o mundo é fantástico!

Gabriel Sanna

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trague 1 seringal na veia & pinga: fagulha à pele ou vela preta no mamilo enxama - texto na boca formiga. receita morfina - se grava um nó na costela ou se esculpe em cara erodida - nudez que se jaz mastigada.

complex ode vira-látex

. . .

Leve consigo:

1 trem desgovernado no umbigo o deserto em cada unha hecatombe na ponta da língua

Gabriel Sanna

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Karen Campos

cortina balança leve

translúcida por trás da janela

construção de imagens cacos

entre o olho ciclope

e o horizonte paisagem

olhar ardido

apimentado de receios mudos

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ENCANTAMENTO

A moçalva ruivarenta chegalegre quer quedar-se à lua que no céuseráquer venenorar sobrepensar sobrepesara vida da vi dada vidoída doidadiva doidivana vi vavi da.Andarilha na noitaltaesfarinha passoafundantessombraspalha nos comoraltosmontescorridos ventosjuntos voejantes minusgrãos.Mar esia envoluta terra: homens pescarejandosonhosos de redes fártuas fátuas fáguasrochas esbatidas pormarolas esponjandobrandasrendas brancasbolhasvagalampos e astrostrelas pisca- piscammostra-mostrando barcasvelas velasbran dasbelas.Tranbuscando luar e mulher farejento foi-se o cãofocinheirando pegaduras a seguiá-la protetivo.Mulher-cão assentados sobre rabo e chineledoespichespiam lonjuras esperançando.

E chegalua cruarenta chegacheia cheinunda infinitudocheichega, abislua luzinunda arandela celestela vermelhenta brilhardente.A lua enlua moçalva e lobiscão.Enfeitiçados alegritam uivululam lobusvulam uivugritam ovulantes,

Maria Elizabeth Knopf