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Coleção PASSO-A-PASSO

CIÊNCIAS SOCIAIS PASSO-A-PASSODireção: Celso Castro

FILOSOFIA PASSO-A-PASSODireção: Denis L. Rosenfield

PSICANÁLISE PASSO-A-PASSODireção: Marco Antonio Coutinho Jorge

Ver lista de títulos no final do volume

Luciano Elia

O conceito de sujeito3ª edição

Sumário

Nota introdutóriaO sujeito e o conceitoO sujeito na experiência psicanalíticaComo se constitui o sujeito?O sujeito, o desejo e o faloReferências e fontesLeituras recomendadasSobre o autor

Nota introdutória, ou O Sujeito passo apasso

O saber em psicanálise é atravessado, de ponta a ponta, peloinconsciente, o que traz muitas conseqüências, entre as quaisdestacamos aquela que concerne exatamente ao campo do saber ede sua transmissão, no qual se situa, imediatamente, a escrita de umlivro científico. Este deve, assim, portar as marcas do campoespecífico de saber que se situa e por cujas características éatravessado — no caso, o campo do inconsciente.

O saber do inconsciente não é erudito. Nem por isso ele seconfunde com o chamado senso comum, caso em que deixaria deser inconsciente, já que estaria disponível, sem nenhum esforço, aqualquer um. Aderir a um campo regido pelas leis do inconscienteexige, portanto, a adesão a duas proposições de sentidosaparentemente opostos: “o saber marcado pelo inconsciente não éerudito, não é de especialista, não é sequer culto: é um saberleigo”; e: “o saber marcado pelo inconsciente não é imediatamenteacessível ao leigo, e, pelo fato de não ser erudito, não se confundecom o senso comum”.

Não é por acaso que Freud escreveu a psicanálise inteira semrecorrer a uma língua erudita, de especialista, que só poderia serouvida, lida e compreendida por iniciados, “alfabetizados” nessa

língua. O que Freud produziu, o discurso psicanalítico, traz umsenso (bastante) incomum — não é, definitivamente, o sensocomum —, mas é escrito com o verbo comum. Os “conceitos” deFreud são forjados com a língua corrente, em seu caso, o alemão.Isto não é apenas uma questão de estilo. Que Freud tinha umbelíssimo estilo, não resta a menor dúvida, e por isso ganhou em1930 um prêmio concedido a autores de obras científicas, o prêmioGoethe, por seu livro Mal-estar na civilização. E sua escrita não écomo é apenas por questões de estilo, mas por imposições que sãofeitas pelo inconsciente, ou seja, por sua relação com oinconsciente: a estrutura de linguagem do inconsciente impõe a todoaquele que se engaja em suas vias uma exigência, que decorre dofato de que o saber do inconsciente não se escreve com linguagemdouta, mas corrente.

O que seria um saber que recusa as atribuições antinômicas deerudito e de senso comum ao mesmo tempo, recusando, nomesmo golpe, também uma mescla proporcional das duas? Comose vê, o inconsciente introduz no campo do saber novidadesirredutíveis, que nos arrastam para longe das dualidades habituaiscom que estamos acostumados a pensar, e às quais podemos dar onome de subversões, acompanhando o gesto de Lacan. Entre elaspodemos destacar aquela que se formula assim: o acesso a essesaber exige um trabalho (o trabalho analítico), que se realizaatravés de um determinado método (o método da psicanálise),que estabelece um dispositivo (o analítico) e requer uma funçãooperante (o psicanalista). Isto basta para afastar qualquerpossibilidade de que esse saber seja elaborável por uma viaintelectualista.

Com a exclusão da experiência psicanalítica, não há qualquer

Com a exclusão da experiência psicanalítica, não há qualquerpossibilidade de que se saiba o que quer que seja a respeito doinconsciente. Livros introdutórios, que se propõem a simplesmentefacilitar as coisas para os interessados, banalizando, simplificandoou amenizando conceitos, fazendo curtos circuitos que só podemser longos, propondo atalhos, economia de trajeto ou esforço, são,em minha opinião, nefastos, e, além de outros problemas, acabampor se inserir na mesma lógica que rege a concepção intelectualistaou erudicista do inconsciente, pois apenas a invertem, situando-seno pólo oposto do mesmo gradiente, que vai do banal ao erudito,do fácil ao difícil, mas sobre o eixo de uma racionalidade daconsciência, elidindo assim a verdadeira dificuldade.

Portanto, podemos supor que, em contrapartida, livrosextremamente eruditos, avançados, complexos, mas desabitadosdas incidências do inconsciente (que, como propus antes, não sãoacessíveis senão através do método psicanalítico) nada podemdizer de eficaz ou verdadeiro sobre o saber do inconsciente.

I r passo a passo é algo, portanto, que convém ao nossocampo, ao nosso sujeito, ao nosso tema. Não há como ir correndo,por uma via simplificadora, nem supor que a longa via que nosespera só exigirá de nós o esforço intelectivo de entendimento, queprogride por incontáveis passos e/ou saltos da razão reflexiva denossa inteligência. A via exige mais de nós, a começar por umaperda, que ocasiona um a menos: a perda da dupla ilusão de que,por qualquer uma dessas duas vias, que na verdade são duasfacetas da mesma, poderemos avançar a respeito do inconsciente,do saber em psicanálise, e do sujeito. Este livro não se inscreve,portanto, sob a rubrica de um “o sujeito ao alcance de todos”, ou“tudo o que você sempre quis saber sobre o sujeito…”. O saber

sobre o sujeito não está ao alcance de todos, e não estará aoalcance de ninguém que não queira se dar ao trabalho psicanalítico.Tentemos dizer por quê.

O sujeito e o conceito

Será que podemos dizer que o sujeito em psicanálise é umconceito, no sentido científico ou filosófico do termo? Comocategoria nocional elaborada teoricamente, designada por umapalavra que lhe dá sua unicidade, precisão e rigor, é claro quesujeito é um conceito: é isso que faz com que essa categoria integreo corpus teórico da psicanálise, constituindo-se, aliás, como umadas categorias teóricas mais essenciais deste corpus. Podemostambém acrescentar que é um conceito lacaniano, pois foi Lacanquem o introduziu na psicanálise, já que essa categoria não é dotexto de Freud e tampouco foi utilizada pelos pós-freudianos.

Entretanto, se examinarmos mais de perto a questão colocada,a de saber se sujeito é um conceito, começaremos a verificar quenão é tão simples de se responder. O que é um conceito, no campoda filosofia e da ciência? Como é suficientemente evidente, umprofundo e complexo exame dessa categoria em tais campos seriainteiramente impraticável — e digo ainda, indesejável — nocontexto deste livro. Assim, tentemos tomar apenas o necessário,dos campos científico e filosófico, para poder responder à nossaquestão, colocada pela e para a psicanálise.

A ciência é um advento moderno, que data do século XVII.Assim, a expressão “ciência moderna” contém um certo pleonasmo:a ciência surge como moderna. Isto quer dizer que ela é o resultado

de um corte discursivo que rompe com o que se chama epistemeantiga (para opor justamente ao moderno). Através deste corte,passamos do mundo fechado ao universo infinito.

Podemos acompanhar uma idéia de Lacan e dizer que sujeito éuma categoria igualmente moderna, e seu surgimento écontemporâneo ao da ciência. Vamos observar essa proposta deLacan para saber como o sujeito — nosso tema central — veio aomundo, e verificar se ele aqui veio como um conceito.

O corte da ciência moderna se evidencia quando tomamos oexemplo da mudança radical de nível que se produziu em relaçãoao problema da queda dos corpos. É muito diferente pensar que oscorpos caem porque o lugar natural daquilo que é pesado, grave, é“o mais baixo” (formulação apreensível ao sentido dacompreensão humana, fundada em significados e valoresestabelecidos e compartilhados), e afirmar que os mesmos corposque parecem cair estão, na verdade, sendo atraídos pela Terraporque estão próximos a ela e têm menos massa do que ela. Aliás,eu é que estou procurando escrever de um modo compreensível alei que então se enuncia, na verdade, de modo bem menoscompreensível porém bem mais preciso no sentido do rigor de suauniversalidade: “matéria atrai matéria na razão direta das massas einversa das distâncias”.

A partir desse abalo, de que se pode estar seguro, afinal? É noponto de angústia, por assim dizer, desse momento, que Descartes,fazendo da dúvida seu método, responde algo que pode serenunciado assim: “não posso não estar certo de que, ao duvidar detudo, inclusive do fato de que estou duvidando, continuareiduvidando, e assim a única certeza que posso ter é a de que

duvido”.Descartes inaugura assim o Cogito pela proposição que se

tornou famosa: Cogito, ergo sum, a ser traduzida em portuguêscomo Penso, logo sou, e não como se traduz costumeiramente:Penso, logo existo. Em primeiro lugar há uma razão de exatidãode língua e de tradução, dado que a forma latina é sum — o verboé ser — e a forma em francês, língua de Descartes, é “Je pensedonc je suis”, e não “Je pense donc j’existe”. E também pelaboa razão filosófica de que a questão da existência, do ser quecontinuaria sendo em exterioridade ao pensamento que opensa, do ex-sistir (subsistir fora — ex — como uma entidade),não era garantida pelo Cogito. Este só garantia o ser do pensar,uma res cogitans (substância pensante) distinta da res extensa(substância material), que se estende em corpos no espaço. Paragarantir a existência das coisas, e também de um sujeito pensanteque pudesse seguir existindo para além de seu próprio pensamento,Descartes veio a recorrer a Deus, sua terceira res, a res infinita.

Pela primeira vez na filosofia, o discurso do saber se volta parao agente do saber, permitindo tomá-lo, ele próprio, como questãode saber. Pela primeira vez não se tratava apenas de situar osseres, de pensá-los através de uma ontologia, de uma metafísica,mas de colocar em questão o próprio pensar sobre o ser, que setorna, assim, também pensável. O sujeito se desdobra, movimentopelo qual se coloca no ato de conhecer, é suposto a este ato, masnão mais como mero correlato do objeto conhecido.

Não é anódino que o sujeito apareça em um momento quepoderíamos qualificar de momento de angústia na história dopensamento. A aparição do sujeito no cenário do pensamento se

fez através da angústia e da incerteza em relação ao que se dera atéentão como um mundo mais ou menos compreensível para oentendimento do homem. Não se trata de dizer que não tenhahavido crises no pensamento até esse momento, mas de saberdiscernir a magnitude dessa crise em particular — o advento daciência moderna e sua separação da filosofia — e fazer averificação precisa de seu valor de corte maior. A humanidadeprecisaria esperar mais três séculos por Freud e pela psicanálisepara dispor de elementos que lhe permitissem entender a relaçãoentre essas duas formas de emergência, a do sujeito e a daangústia, a ponto de poder enunciar que essa relação é deequivalência: a emergência da angústia é a emergência do sujeito.

Descartes responde, no campo filosófico em que o sujeitoencontra sua primeira formulação, ao gesto de Galileu, no campocientífico em que ele encontra as condições reais de sua aparição.Homologamente, um século depois, novo diálogo se estabeleceentre ciência e filosofia, no que concerne ao sujeito: Kantresponderá, filosoficamente, ao gesto de Newton, fundador dafísica moderna. Como se vê, já separadas pelo corte do advento daciência moderna como ciência e como moderna, ciência e filosofiaestabelecem correspondências discursivas e temporais. Em Kant osujeito não aparecerá mais como uma res, substância consistentecomo em Descartes, mas como Vazio que, no campo doEntendimento, introduz a Razão, momento em que o sujeito é umsujeito transcendental, não-individual nem psicológico, sem quepara isso seja necessário recorrer à res divina. O sujeitotranscendental de Kant se aproxima mais do inconsciente freudianodo que qualquer noção psicológica de indivíduo psicofísico, razãopela qual sua consideração interessa — mais do que a

consideração de qualquer escola da psicologia — aos psicanalistase estudiosos da psicanálise.

Mas a ciência moderna, se ela estabelece as condições deaparição real do sujeito, como dito acima, não o toma emconsideração, não opera com ele nem sobre ele. Pelo contrário, oexclui de seu campo operatório no momento mesmo em que, aoconstituir este campo, supõe o sujeito. O sujeito é suposto pelaciência para, no mesmo ato, ser dela excluído, ou, mais exatamente,ser excluído do campo de operação da ciência.

Lacan afirma que “o sujeito sobre o qual operamos empsicanálise não pode ser outro que não o sujeito da ciência”.Afirmação sempre espantosa à primeira vista, porque nos fazperguntar: Como assim? Como é possível que o sujeito dapsicanálise, do inconsciente, seja o mesmo da ciência, sepsicanálise e ciência são tão diferentes precisamente quanto aosujeito? Como é possível que o sujeito do inconsciente já estivessecolocado pela ciência, se psicanálise e ciência são modos tãodiversos do conhecer e do fazer? Retomarei esta frase de Lacan,mas quero dela extrair, nesse ponto, alguns elementos. A frase dizque, em psicanálise, operamos sobre um sujeito. Diz também queeste sujeito é o mesmo da ciência, dizendo, portanto, que há umsujeito da ciência e que este sujeito é o mesmo sobre o qualoperamos em psicanálise. O que a frase diz sonora mas nãoexplicitamente é que a ciência justamente não opera sobre o sujeito“que é o seu”. Nós, em psicanálise, operamos sobre um sujeito (enão sobre uma pessoa humana, ou um indivíduo, por exemplo), queé o mesmo da ciência, que justamente não opera sobre ele —fragmento que é preciso acrescentar à frase. A subversão própria à

psicanálise, em relação ao sujeito que já estava colocado pelaciência desde o seu advento como ciência moderna, é ter criado ascondições de operar com este sujeito.

Retomando a pergunta que fizemos no início desta seção “é osujeito um conceito? nos sentidos filosófico e científico do termoconceito, podemos agora respondê-la. Não, o sujeito não é umconceito nessas acepções clássicas de conceito. A categoria desujeito não foi construída por Lacan para conferir inteligibilidade aum recorte da realidade empírica ao qual a psicanálise se refere: osujeito não é um construto — palavra muitas vezes empregadapara substituir a de conceito no campo da ciência, indicando osentido de construção presente na operação, sentido que tambémse encontra na palavra conceito — algo que é concebido, quedecorre de uma determinada concepção.

A categoria de sujeito é, antes, do tipo que mais se impõe aotrabalho teórico do psicanalista do que dele decorre comoconstrução. Lacan intitulou um dos seus seminários de Os quatroconceitos fundamentais da psicanálise, que são inconsciente,repetição, pulsão e transferência. Observamos que a palavraconceito, no contexto desse seminário e em seu título, só ganhasentido se associada ao atributo fundamental. O que é umconceito fundamental, senão justamente o tipo de conceito que,diferentemente dos construtos habituais da ciência, tem apeculiaridade de se impor à experiência? Freud referiu-se a isto aoutilizar a palavra Grundbegriff, que em sua língua significa conceitofundamental, conceito de base, conceito-pilar, e disse que oUnbewusste (o inconsciente) era um conceito deste tipo.Podemos aproximar esse sentido dado por Freud daquele dadopor Lacan aos “conceitos fundamentais”. Se o sujeito não é nenhum

por Lacan aos “conceitos fundamentais”. Se o sujeito não é nenhumdos quatro relacionados por Lacan, está implicado, no mais altograu, em cada um deles, e sobretudo em sua articulação.

A experiência psicanalítica, uma vez colocada em operaçãoatravés da instalação do dispositivo freudiano da associação livre,produz as condições de emergência do sujeito do inconsciente,justamente através da repetição e da transferência, e cria ascondições de produção das chamadas formações do inconsciente— atos falhos, lapsos, sonhos, sintomas e chistes —, outramodalidade de emergência do sujeito, esta de caráter metafórico epontual. O sujeito, assim, é uma categoria que se impõe àexperiência, na exigência de elaboração teórica que esta faz aopsicanalista. Se a instalação de um determinado dispositivoacarreta, como conseqüência das condições que assim seestabelecem, a emergência de determinada produção doinconsciente, impõe-se supor que algo como um sujeito encontre-seem operação no inconsciente. Por isso passaremos agora a outraseção, na qual examinaremos as condições de emergência dosujeito do inconsciente na experiência psicanalítica.

O sujeito na experiência psicanalítica

Procedendo rigorosamente de modo científico, ou seja, à maneirada ciência, Freud estabelece as condições em que a experiênciapsicanalítica pode ocorrer. Ele o faz a partir de algumas tentativaspreliminares — como a hipnose, entre outras — que ele abandonouporque fracassaram quanto aos seus propósitos, que aliás só foiconhecendo pouco a pouco, passo a passo. Seria ingenuidade denossa parte, além de desconhecimento das condições nas quais o

saber se produz, acreditarmos que seu agente, o homem concretoque se encontra em vias de agenciar a produção do saber nocampo da ciência, já saiba a priori o que vai encontrar. Isto seradicaliza e acentua se o campo em questão é o do inconsciente— que pode ser considerado o da ciência mas já subvertido pelaoperação freudiana, e portanto já não mais o campo da ciência arigor, embora dele derivado, como campo no qual o sujeito,suposto no campo da ciência em sua constituição mas dele expelidoem suas operações, poderá emergir.

Após algumas tentativas preliminares, portanto, como o uso dahipnose e da sugestão pós-hipnótica, da pressão da mão na testado paciente, entre outras, Freud chega à associação livre, que elechama de regra fundamental (Grundregel). E de novo estamosdiante da dimensão do fundamental, do Grund-, tal comoestivemos quanto à questão do conceito de sujeito: conceitofundamental, Grundbegriff, regra fundamental, Grundregel.

O que é a regra da associação livre, como aquela queestabelece as condições da experiência psicanalítica? Penso quenós, os psicanalistas que praticam, estudam, pesquisam, transmiteme escrevem sobre tudo isso, ainda não esgotamos todas asconseqüências desse ato de Freud de estabelecer a regrafundamental da psicanálise. Novas interpretações revelandoaspectos ainda não formulados dessa regra podem, assim, serfeitas.

Uma delas consistirá em dizer que a regra desqualifica osujeito do inconsciente ao propor ao analisante que se entregue àexperiência da fala de um determinado modo, muito peculiar, queconsiste precisamente em não qualificar, de modo algum que esteja

a seu alcance, a sua fala. Em outras palavras, que o analisante falesem emprestar qualidades (valores, significações compartilhadas,conhecidas) ao que vier a ir dizendo (os tempos verbais são estesmesmos: o analisante virá — futuro — a ir dizendo: quando falar,já estará dizendo algo que não sabe o que é, irá falando sem sabero que, ao fazê-lo, estará dizendo). Grifamos a expressão a seualcance, acima, porquanto o sujeito não possa evitarcompletamente a qualificação de sua fala, é só na medida do quelhe é possível que ele poderá cumprir a regra de Freud, que lhepede, na verdade, que faça o impossível.

Desqualificar a fala do sujeito equivale, portanto, a criar ascondições de desqualificação, de ausência de qualidades, quepavimentam as vias de acesso do inconsciente à fala, ao discursoconcreto do sujeito. Desqualificar a fala do sujeito é o equivalente a“qualificar” o sujeito do inconsciente como “um sujeito semqualidades” e é a única forma de criar um acesso precisamente pelavia da fala assim proposta a que o sujeito do inconsciente possaemergir nessa fala.

Cabe aqui uma vez mais recorrermos à ciência. O ato inauguralda ciência moderna consistiu justamente no despojamento doobjeto de suas qualidades empíricas, sensoriais, perceptivas etc. Ogesto da ciência em relação ao objeto é retomado por Freud emrelação ao sujeito, e esse gesto se evidencia particularmente bem naenunciação da regra fundamental, na qual Freud diz a um sujeitohipotético — com o qual estaria dialogando, o que significa que diza todo sujeito — que lhe diga tudo o que lhe vier à cabeça.

Freud propõe assim a alguém (uma pessoa, portadora de umafala concreta, regida pelas qualidades pré-conscientes de toda fala)

que use a palavra de modo a que esta se torne a via de acesso auma outra cena, a cena do inconsciente, na qual o sujeito “semqualidades” poderá emergir. Quanto às qualidades, Freud nãocessou de dizer que elas são substitutivas, vicárias, efeito deidentificações profusas, múltiplas, montagens encobridoras doseixos elementares em que se estrutura a posição do sujeito,redutível à sua posição na fantasia inconsciente, matriz geradora deseus ideais, crenças, valores, e, mais precisamente, de seussintomas. Para chegar a esses eixos elementares, só um longo,árduo e penoso trabalho de desmontagem, o trabalho da análise.

A regra quer dizer também que Freud não coloca o crédito deseu dispositivo na pessoa do analisante, mas na sua palavra, desdeque esta seja dita segundo o modo ditado pela regra. É nisto quereside o rigor de seu método.

Poder-se-ia perguntar: por que a fala? Por que a regrafundamental de Freud se formula em termos de um certo modo deusar a palavra, e não outro modo qualquer de expressão dosujeito? Que relação o inconsciente e o sujeito têm com a palavrafalada? Estas perguntas são efetivamente feitas, sobretudo poraqueles que começam a estudar a psicanálise e se encontram noprivilegiado momento de entrar em contato com esse saber e essapráxis. Eu poderia responder a essas perguntas dizendo: Ora, oinconsciente é estruturado como uma linguagem e que, sendoassim, é a palavra a via de acesso a ele. Estaria partindo dosaber pronto, adquirido e acumulado (a proposição lacaniana, queé de primeira hora em seu ensino, de que o inconsciente éestruturado como uma linguagem) para, comodamente, furtar-meao trabalho que a pergunta efetivamente exige. Estaria tambémenfiando a rolha do saber constituído no movimento constituinte do

enfiando a rolha do saber constituído no movimento constituinte dosaber que toda boca que se abre para perguntar produz,amordaçando esse movimento, calando a pergunta, silenciando osujeito que a faz. Ao proferir enunciados psicanalíticos, estariaagindo no sentido contrário de toda enunciação verdadeiramentepsicanalítica, e, enfim, resistindo à psicanálise. Lacan não partiu desua frase, mas chegou a ela, e cada um de nós precisa, de certomodo, refazer esses caminhos.

Toda produção do campo do sentido é da ordem simbólica,seja ela falada ou não. Um gesto, uma expressão do rosto, docorpo, uma dança, um desenho, tanto quanto uma narrativa oral,serão produções simbólicas, regidas pelo significante, e assim, ditasverbais, por estarem na dependência do verbo significante, e nãopor serem expressas por via oral. Não existirá, portanto, o “não-verbal” no campo simbólico, e menos ainda o “pré-verbal”. Odomínio do verbal não é uma conquista do desenvolvimentocognitivo ou simbólico, mas uma condição inerente ao falante comotal. Como ser de linguagem, o sujeito humano se constitui nodomínio do verbal. Trata-se de um domínio no sentido de umcampo, um território, um universo, que contém e subsume osujeito, mais do que um domínio de uma função, isto é, de algo queo sujeito pode dominar ou não. Assim, mesmo que alguém não façauso da função da fala — como os autistas ou alguns psicóticosesquizofrênicos em condições subjetivas cuja gravidade faça comque sua relação com a linguagem se caracterize pela mais completafragmentação e desconcatenação de sua fala — ainda assim estaráno campo da linguagem, na medida em que é ser falante, que seconstituiu em um mundo de linguagem, o humano: não relincha, nãolate, e sua fala, quando há, não estaria de modo algum mais

próxima das produções sonoras dos animais do que a nossa. Sempromessas e sem fundamento é a tentativa, sempre reiterada, deusar as famosas formas “pré-verbais” ou “não-verbais” decomunicação com esses pacientes.

Pois bem, se todas as produções simbólicas (orais ou não) sãoverbais, por que, enfim, privilegiar a fala? Podemos responder que,de todas as formas pelas quais a estrutura simbólica, significante, dalinguagem pode se atualizar em um ser falante, a fala é a única quepermite, por seu modo encadeado, diacrônico, como discursodesdobrado no tempo em uma seqüência de palavras, que o planodo significante seja destacável da significação. A fala, por ser umacadeia de palavras, permite que se opere o divórcio entresignificante e significado, necessário para evidenciar a primaziamaterial do esqueleto significante sobre o revestimento muscularque são as significações produzidas pelo primeiro.

Esse divórcio evidencia que significante e significado não vieramao mundo casados, e que sequer se casaram, mas que é nointerjogo de significantes, nas relações que as materialidadessimbólicas em que eles consistem estabelecem entre si, que ossignificados se produzem. O significado é secundário em relação aosignificante, que portanto lhe é primário, e é esse o sentido daexpressão “primazia do significante”.

Quando alguém dança em nossa frente, ou se exprimecorporalmente, sem falar, tendemos a atribuir um sentido a cadapasso, a cada movimento do corpo, justamente em função de quese trata, tanto quanto uma fala, de produções simbólicas. Mascomo saberemos, nos ditos movimentos, localizar o sujeito? Comoele se faria presente, como faria sua emergência, se admitimos que

ele não é o equivalente do sentido que tais gestos ou expressõespodem assumir para nós, nem mesmo para o dançarino ou aqueleque se exprime pelo corpo? Nas produções simbólicas, que fazemparte do campo verbal, mas que não se fazem através da fala, osentido tende a se fundir com o plano que o engendra (osmovimentos, no caso). Só a fala permite que o sujeito, queemergirá nos tropeços das intenções conscientes daquele que fala,possa, além de emergir nesses tropeços, ser reconhecido como talpelo falante, que, a partir desse reconhecimento, não será mais omesmo porquanto terá sido levado a admitir como sua umaprodução que desconhecia, mas que, ainda assim, faz parte dele.

A experiência psicanalítica tem, assim, boas razões paraestruturar seu dispositivo em uma certa modalidade da fala,metodologicamente sustentado para que essa fala se constituacomo acesso ao inconsciente. Este é, assim, estruturado (e nãocaótico ou biológico) como uma linguagem, ou seja, porelementos materiais simbólicos, os significantes engendradores dosentido, que não portam em si o sentido constituído, mas que sedefinem como constituintes do sentido (daí o seu nomesignificantes: aqueles que fazem significar).

Mas, o que se passa, então? Colocando-se a falar segundo aregra de Freud, o sujeito do inconsciente aparece? Basta que sefale desse modo e tudo correrá bem, em trilhos azeitados, emesteira rolante, até a inexorável aparição do sujeito? Será que osujeito é o simples efeito de uma fala proferida de determinadomodo, o da associação livre? É o sujeito um elemento, ele próprio,meramente simbólico? É ele um dos significantes das cadeiasinconscientes?

Não, e é aqui que surgem vários pontos de dificuldade, que seapresentam tanto na experiência psicanalítica quanto no ato, aquipraticado, da tentativa de sua transmissão pela escrita. A regra daassociação livre foi, na verdade, a abertura feita por Freud a essespontos de dificuldade, e não a sua solução. Ao abandonar ahipnose, Freud decidiu tomar para si a complexa problemática dosujeito. Podemos dizer que na hipnose, tanto quanto na ciência ouna medicina, não há sujeito. O saber sobre o sintoma e suas causas,tal como é comunicado sob hipnose, não será apropriado pelosujeito mas pelo hipnotizador, que o manterá sob sua guarda, tantoquanto deterá o poder da sugestão sobre o hipnotizado. Aoabandonar a hipnose e instituir a associação livre, portanto, Freudse dirige ao sujeito, supondo que há algum saber do lado dosujeito, e que os elementos inconscientes (os significantesrecalcados nas cadeias do inconsciente) que constituem este saber,ao emergirem na e pelas falhas da fala desse sujeito, estarão, nomesmo ato, supondo o sujeito por eles representado.

Além do fator, já apontado, de que o saber sobre o sintoma,ainda que atribuído ao sujeito — o que já era um passo contrário àlógica médica em que o saber está sempre do lado do médico —,acabava por não ser assumido pelo sujeito, mas esquecido etransmitido ao hipnotizador, há outro problema na hipnose, bemmais importante, que concerne ao próprio estatuto desse saberproduzido sob hipnose. Que saber é esse? Será que podemosafirmar que, na hipnose, o saber é do inconsciente, e que o únicoproblema é que o sujeito não é instado a dele se apropriar ou a elese assujeitar? Ou será que, à luz do que pudemos vir a saber graçasà sensibilidade de Freud em reconhecer o fracasso de seu métodoinicial e prosseguir, passo a passo, as etapas subseqüentes,

podemos afirmar que o saber produzido sob hipnose nem chegaperto de “arranhar” o recalque, mantendo intacto o recalcado?

Claro que a resposta só é afirmativa quanto à segundapergunta: na hipnose não há nenhuma produção de saber quanto aoque efetivamente caiu sob o golpe do recalque, e que, portanto,constitui o saber inconsciente.

Como Freud sempre teorizou acompanhando, ponto porponto, o que a sua experiência clínica lhe trazia, a teoria etiológicadas neuroses, nesse momento, correspondia ao método clínicoutilizado. Assim, Freud concebia um segundo grupo psíquico deidéias, que ele chamava, seguindo Charcot, de condition seconde,condição segunda. Mas tratava-se de uma segunda condição dequê, senão própria da consciência? Vemos claramente que essegrupo de idéias, que supostamente mantinha as lembrançastraumáticas dissociadas da consciência e assim causando ossintomas, se é o “avô” do inconsciente, tem muito pouco a ver comeste último.

Em resumo, ainda que orientada pelo eixo de uma certadelegação do saber ao sujeito, a hipnose teve de ser rejeitada paraque o passo inaugural da psicanálise — a associação livre — fossedado. Pois, na hipnose, o saber, ainda que esteja do lado dosujeito, permanece, no máximo, pré-consciente, não chegandosequer a se aproximar daquilo que será, posteriormente, concebidocomo saber do inconsciente. Essas duas condições são articuladas,uma implicando a outra.

A segunda condição da consciência de que falei acima só podiaser concebida por Freud no eixo de uma certa verticalidade daprópria consciência, constituindo o que seria mais apropriadamente

denominado subconsciência do que inconsciente. Ora, o passoseguinte de Freud, e que o leva a romper definitivamente com ahipnose, é nomear e conceber como defesa (Abwehr) o modopelo qual o sujeito deixa de saber de seu trauma: o não-saberconsciente do trauma é o resultado de um nada querer sabersobre isso. Como sustentar teoricamente que um ato de defesapoderia ser atribuído a uma redução do nível de consciência (osubconsciente) acompanhado de um afrouxamento dos nexosassociativos que explicava a segunda condição da consciência?Como um ato tão forte poderia ser atribuído a uma redução denível e de intensidade associativa? A clínica se fazia traduzir naprópria teoria em termos de contradição.

O ato de defesa, ato por excelência de um sujeito, destroçava aconcepção teórica da etiologia hipnóide da neurose e fazia ainclusão do sujeito no campo da experiência, que, só através dessepasso, passava a ser uma experiência psicanalítica. Por isso disseque a hipnose, como a ciência, recusava o sujeito. A rejeição dahipnose marcou o fim da rejeição do sujeito e a sua inclusão,através da noção de defesa como ato do sujeito de nada querersaber sobre o trauma, o que será formulado em termos de nadaquerer saber sobre seu desejo, implicado no trauma.

Poderíamos dizer, utilizando uma formulação da lógicaproposicional, que o sujeito cessou de não se escrever naexperiência freudiana. Escreveu-se o sujeito, em uma contingênciapela qual ele foi finalmente incluído no campo dos saberes epráticas humanos. Conceito ou contingência que se impõe? Osujeito, na história que finalmente o escreve, é antes umacontingência que se impôs a Freud do que um conceito que estedecidiu, por sua livre deliberação, conceber, construir, a fim de

decidiu, por sua livre deliberação, conceber, construir, a fim deaplicar à sua experiência, como se um conceito assim concebido(redundância proposital) pudesse sê-lo antes e fora da própriaexperiência que, contingentemente, faz com que ele se escreva, queele cesse de não se escrever, como até então fizeram a ciência — eas ciências, inclusive ditas humanas, e a filosofia.

Retomemos o fio de nossa meada: tendo introduzido a noçãode defesa, e com isso a de sujeito, na sua experiência, Freudintroduz, concomitante e necessariamente, e como umaconseqüência lógica, à noção clínica de resistência. A experiênciaclínica da psicanálise assim inaugurada traz consigo umaconsideração da resistência do sujeito: se na origem do sintomaestá o ato de defesa, no início do trabalho está a tomada daresistência em consideração. Não se tratará, para o psicanalista, derejeitar a resistência do sujeito, de contrapor-se a ela em umaatitude, digamos, hostil, crítica ou adversa, mas de acolhê-la comoocasião de trabalho. Podemos dizer que onde há resistência hásujeito.

Mas, imediatamente, com que se depara Freud? Com duascoisas absolutamente essenciais à experiência psicanalítica: aresistência e a transferência. Freud contava com a primeira, epodemos inclusive dizer que, ao instituir a associação livre comoregra fundamental, ele o fez na direção de trabalhar com aresistência, na medida em que percebera que de nada adiantavacolocá-la fora de combate pelo nocaute da hipnose: ao deixar delado a resistência, rechaçava também a única possibilidade dosujeito apropriar-se do saber do inconsciente, pois essaapropriação só podia se fazer passo a passo, com a superação decada um dos pontos de resistência.

Com a transferência, contudo, podemos dizer que Freud nãocontava. Sua primeira reação a ela foi de oposição, e sua primeiraforma de assimilá-la a seu entendimento, de tentar inscrevê-la emum quadro de inteligibilidade, foi reduzi-la a uma forma particularde resistência. Podemos imaginar Freud se perguntando, entreintrigado e irritado: “… por que, se eu solicito a uma pessoa quediga tudo que lhe vem à cabeça, se me comprometo, tanto quantopeço que ela o faça, a não emitir juízos críticos ou morais ao quequer que me venha a dizer, por mais obsceno, absurdo ouinaceitável que pareça, por que diabos ela ainda assim insiste emme incluir no que me diz, e valorar essa inclusão, supondo que meama, que a amo ou que a desprezo, enfim, que minha pessoa estejaenvolvida nisso?”

Passado o instante primeiro do espanto, em que ele teve deolhar para a transferência, que dá bem a prova de que atransferência é um fenômeno que presentifica o real na experiênciaanalítica e, por esse motivo, se impõe ao analista mais do que é porele construída (como um conceito), Freud respondeu que atransferência, a associação advinda logo depois de umainterrupção, de um “branco”, um vazio ou um silêncio no curso dasassociações, e que se liga à pessoa do analista, surgia porque elaservia à resistência. Se isto não é falso, é contudo muito insuficientepara explicar a transferência.

Freud levou mais um tempo para compreender que atransferência não é simplesmente uma modalidade de associaçãoque surge após uma falha associativa e se liga à pessoa do analista.A transferência não é um tipo de associação, e tampouco é umadas formações do inconsciente, ao lado dos atos falhos, sintomasou sonhos. Ela não tem a estrutura, a montagem linguageira das

ou sonhos. Ela não tem a estrutura, a montagem linguageira dasformações do inconsciente, que são efeito quer da substituiçãodireta de significantes (como no ato falho), quer dessa mesmasubstituição acompanhada de uma cifra de gozo, que produz umasatisfação substitutiva para o desejo (sintoma), quer de umasubstituição significante produzida durante o sono com elementosda memória pré-consciente a fim de veicular, disfarçado, o desejoinconsciente (sonho).

Vemos que em todas essas situações, chamadas de formaçõesdo inconsciente, a estrutura que, seguindo um emprego feito porLacan, chamamos de linguageira, está presente sob a forma de umaprodução metafórica, ou seja, aquela que consiste na substituiçãode um significante da cadeia por um outro, produzindo um sentidonovo, inexistente até então, inédito. Essa estrutura metafórica dá atoda formação do inconsciente a dimensão interpretativa. Por issoas formações do inconsciente são interpretáveis, ou, antes, são emsi mesmas uma forma de interpretação do inconsciente, o queincidentalmente revela que o inconsciente, além de estruturadocomo uma linguagem — e por isso mesmo —, é também umainstância interpretante. Isso também torna vãs todas as pretensasinterpretações do mau analista que se enunciam por um pernóstico“O que você está dizendo é que…”, proferindo então o que aformação do inconsciente já havia dito, e de modo metafórico, ouseja, bem mais elaborado do que essa falsa “interpretação”.

Para que o analista faça uma verdadeira interpretação analíticade uma formação do inconsciente, que, como disse, já é em simesma uma interpretação do inconsciente, ele terá que, utilizando opróprio “barro” significante das palavras do analisante, dizer algoque tenha a chance de situar o sujeito em sua própria interpretação,

aquela que sua formação do inconsciente já constitui.Mas voltemos à transferência. Ela não tem essa estrutura, a das

formações do inconsciente, não é uma forma de interpretação doinconsciente. Ela é, antes, a própria presentificação do inconscientesob a forma de uma relação de objeto, ou seja, o modo pelo qual oinconsciente se “atualiza”, no dizer de Freud (a transferência é aatualização do inconsciente), no sentido de se fazer presente notempo atual; porém mais ainda no sentido que o termo actual temem inglês, que é o de real, realizado. E o inconsciente se atualiza, sepresentifica, no plano da relação com o “ser real” do analista, a“pessoa” do analista como dizia Freud, ou a “pessoa atual”, comose exprime Lacan. Entretanto, isso nada tem a ver com ascaracterísticas pessoais do analista tais como elas se mostram naintimidade de sua vida privada ou pública, social, mas com o que oanalisante, causado pela realidade da presença do analista, colocade seu na situação analítica, a partir de seus modos inconscientesde estabelecer relações com os outros, modos que encontram suagramática e sua lógica na estrutura da fantasia inconsciente. Atransferência é, assim, um campo (e não uma produção pontual,como cada formação do inconsciente) propriamente constituídopela experiência psicanalítica, no qual são as configuraçõesproduzidas pela fantasia (e não pelas vias significantes do sintoma)que vêm à cena.

O que a transferência — que Freud não esperava mas que suagenialidade fez com que, no instante subseqüente à surpresa inicial,situasse como único modo pelo qual o inconsciente poderia se fazerpresente (não apenas representado) na cena psicanalítica — tem aver com a regra fundamental, com a associação livre? Se ela não élinguageira, como dissemos, se não vem como uma das produções

linguageira, como dissemos, se não vem como uma das produçõesda fala, entre outras, qual sua relação com a regra fundamental?

Essa é a chave da regra fundamental, que abre a porta daexperiência psicanalítica do inconsciente. Talvez por isso Lacantenha dito, certa vez, que o inconsciente não é um conceito,referência que serve de lastro ao que dissemos anteriormente aodiscutirmos a relação do sujeito com o conceito. Diz ele: “Oinconsciente não é um conceito, mas uma noção, uma noção-chave.” Aqui, a chave é a seguinte: convocar o sujeito a falar,segundo o método introduzido pela regra da associação livre, leva aque algo se produza, para além da palavra, mas nela inteiramenteancorado, e esse algo é a transferência.

A psicanálise estabelece que o modo pelo qual a transferênciase formula deve, a justo título, título aliás que lhe dá toda a suanobreza, ser chamado de amor. Não se trata aqui de entender oamor em sua configuração restrita de amor voltado para asatisfação sexual entre parceiros, que é apenas uma de suas formas,mas como o conjunto de todas as manifestações do afeto, comodimensão da experiência humana que, ancorada na palavra, nacondição de falante do sujeito, ultrapassa contudo o plano do que érepresentável pelas palavras. O termo afeto deve aqui serdiferenciado do termo “sentimento”, que já inclui as significaçõesque o sujeito constrói daquilo que o afeta, e que portanto omascaram e o encobrem. Afeto é portanto o que afeta o sujeito poruma via significante, é claro (como ocorre aliás com tudo que oafeta), mas sem a mediação das significações, e nesse aspecto seaproxima mais do sentido que “afeto” tem em Spinoza (as paixõese afecções) do que em uma psicologia dos afetos.

A transferência concerne, assim, ao plano do afeto, e por isso

Freud a liga ao campo do amor, o amor de transferência(Übertragungsliebe), que ele compara aos “demônios do fundodo inferno” ao indicar como o analista deve lidar com o amor detransferência, ou seja, de modo algum simplesmente rechaçando-o:“É como se, após invocar, mediante astutos encantamentos, osdemônios do fundo do inferno, os mandássemos de volta sem lhesfazer sequer uma pergunta.”

Lacan, inspirado nessa referência freudiana ao demônio, efazendo uma ponte entre ela e outra referência, esta literária, queliga o demônio ao amor, nos diz que essa demoníaca pergunta é amesma que o personagem literário em questão faz ao demônio,dentro de uma caverna próxima de Nápoles: “Che vuoi?” [Quequeres?] O que, como Outro (lugar) no sujeito, o desejo quer?Pergunta que só pode formular-se na transferência, sob seusefeitos.

Perguntar ao demônio o que ele quer: eis a posição do analista,a qual se distingue a um só tempo de mandá-lo embora, exorcizá-lo, e de fazer amor com ele, atendendo-o nos favores que ele pede.Se o analista pergunta “Che vuoi?” ao demônio, é porque ele sabeque está situando o sujeito no nível da demanda (só demandaspodem ser formuladas em perguntas e respostas), mas não ademanda primária, enganosa, falsamente voltada para objetos, esim a demanda situada no plano do amor.

O sujeito só pode, assim, atravessar a experiência de suaanálise ao atravessar, no mesmo trajeto, o campo do amor; e apsicanálise é a única forma de experiência que inclui o amor em suadimensão real, e não como “exercícios terapêuticos de mobilizaçãode emoções amorosas” que se observam em alguns modelos de

psicoterapia, cuja artificialidade “técnica” atesta suficientemente oquanto estas práticas distanciam-se das formas verdadeiras pelasquais, em sua vida, o sujeito ama, a despeito do grau de efetivasatisfação e gozo que se obtenha por elas. Na experiênciapsicanalítica, ao contrário, comparecem as maneiras como o sujeitoama em sua vida, à condição de que sujeito e analista se abstenhamde levá-las à satisfação, digamos, concreta.

Como se constitui o sujeito?

Tratar da questão do que é o sujeito implica abordar o modocomo esse sujeito se constitui, capítulo da psicanálise quenormalmente é chamado de processo de constituição do sujeito.

Uma primeira observação já concerne ao próprio termoconstituição, que, não sem razão, é empregado, sobretudo a partirdos efeitos do ensino de Jacques Lacan, no lugar de outrosanteriormente utilizados ou ainda em setores da psicanáliserefratários ao ensino lacaniano, tais como nascimento,desenvolvimento etc.

No campo que podemos denominar de psicologia, e que éplural, o que poderia nos autorizar a intitulá-lo de campo daspsicologias, o que se chama de personalidade é sempre oresultado interativo de fatores genéticos e constitucionais comfatores aprendidos ou ambientais. O espectro das muitaspsicologias e teorias da personalidade vai das mais humanistas eracionalistas, fundamentadas em uma concepção da personalidadecomo autóctone, autogerada, produzida por fatores intra-individuais, até as mais comportamentais e ambientalistas, em que o

próprio termo de personalidade é rejeitado em razão de serinapropriado para descrever o que se “observa”, ou seja, umrepertório de comportamentos do indivíduo. Em algumasformulações que evidenciam de modo mais radical essa interaçãoda carga genética com o conjunto de fatores ambientais que agemsobre o indivíduo e sua constituição chega-se a ponto de reduzir opsíquico a um lugar de interseção, de entrecruzamento, semnenhuma positividade, de duas ordens primárias, a biológica e asociológica, estas sim positivas. Ora, a psicanálise apresenta ummodo de conceber o sujeito e sua constituição que se opõe, domodo mais radical, a essas concepções. Para a psicanálise, ocampo do psíquico o concebe como uma positividade, e não comoum efeito interativo e secundário de ordens positivas porémestranhas ao psíquico e primárias em relação a este. A noçãocentral do campo do psíquico é justamente a de sujeito. Para evitarconfusões entre o que a psicanálise concebe como “psíquico” apartir de sua categoria operatória de sujeito, considerando que ascategorias de psíquico e de psiquismo são demasiadocomprometidas com o campo da psicologia, e se inserem em umconjunto confuso de referências individuais, psicofísicas epsicossociais, preferimos, a partir deste momento, referir-nos aesse campo positivo do psíquico que a psicanálise criou comocampo do sujeito.

O sujeito, portanto, se constitui, não “nasce” e não se“desenvolve”. Ele é a prova positiva e concreta de que é nãoapenas possível como absolutamente exigível e necessário que seconceba o vetor em torno do qual se organiza o campo de atuaçãoda psicanálise como tendo um modo de produção que não é neminato nem aprendido. Assim, recusam-se, em um só golpe, as duas

tendências que, insistente e sistematicamente, compõem o campoda psicologia em suas diversas formas de conceber a chamadapersonalidade como híbrido produto, em proporções variáveisdelas.

Para explicar o modo pelo qual o sujeito se constitui, énecessário considerar o campo do qual ele é o efeito, a saber, ocampo da linguagem.

O sujeito e o campo da linguagem. Para a psicanálise, sobretudo apartir da reelaboração que Lacan empreendeu dos textosfreudianos, o sujeito só pode ser concebido a partir do campo dalinguagem. Embora Freud não se refira explicitamente a isso, todasas suas elaborações teóricas sobre o inconsciente, nome quedelimita o campo primordial da experiência psicanalítica do sujeito,o estruturam como sistema quer de representações(Vorstellungen), de traços de memória (Erinnerzeichen), designos de percepção (Wahrnehmungszeichen), que se organizamem condensação e deslocamento. Ora, uma teoria como essaexige, metodologicamente, a referência a uma ordem simbólica, aum sistema de articulação de elementos materiais simbólicos, ouseja, à linguagem. Não seria possível sustentar o funcionamento dosistema inconsciente, tal como Freud o propõe, com referenciaisnão-simbólicos de estatuto biológico — neurológicos, por exemplo— e tampouco com referenciais não-materiais de estatuto“psicológico”, que, quando tomados em sua suposta autonomia,acabam por reduzir-se a seu suporte metafísico: “o pensamento”, “aalma”, “a razão”, entre outros. O inconsciente freudiano exige,portanto, um suporte metodológico que o situe, no planoconceitual, em relação a dois estatutos: ele deve ser material (a

psicanálise é um saber materialista) e, ao mesmo tempo, simbólico(a psicanálise não é uma biopsicologia).

Ora, o campo de referência que oferece a um só tempo essasduas condições metodológicas é o da linguagem, sobretudo a partirde sua tomada como recorte de uma ciência moderna, a lingüística— por Ferdinand de Saussure. Por isso Lacan recorre à categoriade significante — imagem material acústica, para Saussure, à qualse associa um conceito (idéia), como significado, na constituiçãodo signo lingüístico. Mas Lacan subverte essa associaçãosignificante/significado, conferindo primazia ao primeiro (osignificante) na produção do segundo: o significante prevalece sobreo significado, que lhe é secundário, e se produz somente a partir daarticulação entre os significantes. Fazendo isto com o signo deSaussure, Lacan encontra o suporte metodológico necessário parauma teoria do inconsciente: dos dois elementos constitutivos dosigno de Saussure, só o significante é material (imagem sonora,unidade material da fala humana) e simbólico (sua articulação emcadeia produz uma ordem capaz de engendrar o significado, quenão se encontra constituído desde o começo, antes da articulaçãosignificante). E o que é o inconsciente freudiano senão um sistemade elementos materiais articulados como cadeias (Freud chega afalar de feixes) desprovidos, em si mesmos, de significação, estaspassíveis de serem produzidas pelo sujeito uma vez constituído?

Apliquemos agora essas condições estruturais ao processo deconstituição do sujeito, para o que temos de recorrer à situaçãoconcreta através da qual o ser humano chega ao mundo e se inserena ordem humana que o espera, que não apenas precede suachegada como também terá criado as condições de possibilidadede sua inserção nesta ordem. É por esse viés que a teoria

de sua inserção nesta ordem. É por esse viés que a teoriapsicanalítica do sujeito e de sua constituição se articula interna enecessariamente com as categorias — estas sociológicas — desociedade e de família: o ser humano entra em uma ordem que ésocial, e cuja unidade celular e básica, que se organiza como aporta de entrada nesta ordem, se chama família, pelo menos nassociedades modernas.

A psicanálise pensa o sujeito, portanto, em sua raiz mesma,como social, como tendo sua constituição articulada ao planosocial. Resta saber como ela o faz, e ela o faz de modo positivo, ouseja, de modo a manter a positividade de sua concepção de sujeitodo inconsciente, sem o quê deixaria de ser psicanálise e se diluiriaem meio à polifonia da orquestra das concepções culturalistas deuma construção social do sujeito, que o destitui precisamente desua positividade como sujeito do inconsciente. Dizer, portanto,como é preciso, que a psicanálise não apenas considera a dimensãosocial da constituição do sujeito — como muitas vezes é acusadade fazer (e não sem que os próprios psicanalistas, que em largamedida desconhecem muitas das dimensões essenciais de seucampo, mereçam tal acusação) — mas também, pelo contrário,afirma a dimensão social como essencial à constituição do sujeitodo inconsciente, não equivale a reduzi-la a uma sociologiaculturalista do sujeito.

Para a psicanálise, portanto, o sujeito só pode se constituir emum ser que, pertencente à espécie humana, tem a vicissitudeobrigatória e não eventual de entrar em uma ordem social a partirda família ou de seus substitutos sociais e jurídicos (instituiçõessociais destinadas ao acolhimento de crianças sem família, orfanatosetc.). Sem isso ele não só não se tornará humano (a espécie

humana, em termos filogenéticos, não basta para fazer de um sernela produzido um ser humano, argumento que dá sentido à palavrahumanização) como tampouco se manterá vivo: sem a ordemfamiliar e social, o ser da espécie humana morrerá.

A essa condição Freud deu o nome de desamparo fundamental(Hilflosigkeit) do ser humano, que exige a intervenção de umadulto próximo (Nebenmensch) que perpetre a ação específicanecessária à sobrevivência do ser humano desamparado. Lacanpropõe a categoria de Outro (com “o” maiúsculo) para designarnão apenas o adulto próximo de que fala Freud mas também aordem que este adulto encarna para o ser recém-aparecido na cenade um mundo já humano, social e cultural, que, para simplificarnossa exposição, acompanharemos a sociedade e chamaremos debebê, como fazem as teorias que tratam desse assunto. O Outronão é apenas, portanto, uma pessoa física, um adulto, por exemplo,que, pelas mesmas razões mencionadas antes em relação ànomeação do bebê, chamaremos de mãe, porquanto em nossassociedades seja esta a categoria que designa a função de cuidardos bebês e também toda uma ordem simbólica que a mãe introduzno seu ato de cuidar do bebê.

Cabe aqui uma diferenciação entre a categoria de Outro e aordem social e cultural. Essa ordem é eivada de valores, ideologias,princípios, significações, enfim, elementos que a constituem comotal, no plano antropológico. O Outro é o esqueleto material esimbólico dessa ordem, sua estrutura significante, como jácaracterizamos anteriormente, o que nos permite portanto dizer quea ordem do Outro, que a mãe encarna para o bebê, é uma ordemsignificante e não significativa. O que a mãe transmite é,primordialmente, uma estrutura significante e inconsciente para ela

primordialmente, uma estrutura significante e inconsciente para elaprópria (ela não sabe o que transmite, para além do quê elapretende deliberadamente transmitir), e não poderia sersimplesmente o conjunto de valores culturais (entendendo-se sobeste termo toda a complexidade de elementos significativosordenados na família e na sociedade à qual pertencem mãe e bebê).

Esta diferença entre uma ordem social significativa e valorativae uma ordem significante implica também, como conseqüência, queesta segunda ordem seja furada, subtraída da dimensão que lhedaria consistência e completude. Por essa importantíssima razão, oque chega ao bebê através do Outro materno não é um conjunto designificados a serem por ele meramente incorporados comoestímulos ou fatores sociais de determinação do sujeito com osquais interagiria, a partir de sua carga genética, na “aprendizagemsocial” de sua subjetividade. O que chega a ele é um conjunto demarcas materiais e simbólicas — significantes — introduzidas peloOutro materno, que suscitarão, no corpo do bebê, um ato deresposta que se chama de sujeito.

O sujeito é, portanto, um ato de resposta, uma resposta dadaem ato. Voltaremos a este ponto, mas antes precisamos seguir ocaminho da constituição do sujeito a partir de seu encontro com oOutro.

Para compreender a psicanálise, sobretudo em sua vertente deuma concepção da constituição do sujeito, é preciso admitir emnosso espírito uma série de afecções, operar em nossoentendimento uma série de efeitos que o tornem disposto a assimilara lógica deste campo de saber, votado, como sempre foi, a fazercom que a experiência humana, em sua concretude, em seus modoscorriqueiros e triviais, seja revisitada de um modo radicalmente

novo, nada trivial. Uma dessas afecções do entendimento concerneà noção de temporalidade.

O tempo próprio ao inconsciente é o a posteriori(Nachträglich, no dizer de Freud). Em sua experiência, o sujeitotem um encontro — o encontro com o Outro materno, de que oratratamos — que se dá em determinado ponto da estruturatemporal, ou seja, em determinado momento. Só depois, em umsegundo momento, é que esse encontro poderá ganhar, para osujeito, alguma significação que permita que ele faça oreconhecimento de algum nível de sua constituição. Incidentalmente,essa estrutura temporal a posteriori expressa, à maneira dadiacronia, a prevalência lógica e sincrônica do significante sobre osignificado no inconsciente: em dado momento o sujeito encontra-se com o significante — ou é por este encontrado, já que nessemomento o sujeito ainda é inconstituído, é um sujeito constituinteou a devir. O significado dado ao encontro com o Outro depende,portanto, do significante, é dele subsidiário, mas não é por eletotalmente determinado, exigindo o trabalho de significação que éfeito pelo sujeito. Nesse sentido, o significante pode ser entendidocomo aquilo que convoca o sujeito, exige o trabalho do sujeito emsua constituição.

A partir dessas considerações, podemos afirmar que oencontro do sujeito, ainda inconstituído, com o Outro, a partir doqual o sujeito será chamado a se constituir, não deve ser entendidocomo um encontro entre duas “entidades” que preexistiriam a esseencontro. É só no encontro mesmo que sujeito e Outro passam aexistir como tais. Mas, nesse caso, como se faria que o sujeitopudesse se constituir a partir do campo do Outro se este camponão lhe fosse prévio?

não lhe fosse prévio?Embora haja nessa questão algum paradoxo, ela não é

incompreensível: é preciso supor um Outro prévio ao sujeito, e istoefetivamente corresponde à nossa experiência. Muito antes dobebê nascer, ou seja, de um ser humano surgir na cena do mundocom a possibilidade de se tornar um sujeito, o campo em que eleaparecerá já se encontra estruturado, constituído, ordenado. Nãoapenas a cultura, a sociedade e a família, com todos os elementosque as fazem tão complexas, já o esperam, como também alinguagem, como campo de constituição do sujeito (lembremo-nosde que o sujeito é sujeito da linguagem), já se encontraplenamente constituída à espera do sujeito. Há um conjunto dedemandas, desejos e desígnios que é dirigido àquele que vai nascermuito antes do nascimento, e que inclusive determina o fato donascimento. Tais elementos se encontram em ação desde muitotempo antes do nascimento de um bebê, e nada têm a ver com operíodo de gestação, que já esta é um fragmento temporaldelimitável da vida do bebê, já concebido ainda que não nascido. Apré-história de um bebê no campo do Outro remonta a ummomento que não é delimitável na história do Outro, e seu estatutoé simbólico, não se confundindo nem como constituição genéticanem como experiências factuais na gravidez. O nome próprio quese dará à criança, que é o nome de um ancestral, e que por sua vezcorresponde a um sonho de infância da mãe, por exemplo, é umdos elementos da pré-história no Outro que estarão relacionadosàquele que vai nascer.

No entanto, todos esses elementos, que são inequivocamenteprévios ao encontro de um bebê já nascido com o Outro que os“contém”, a rigor não existem senão a partir do momento em que o

bebê concreto, por assim dizer, se encontra com eles. O encontrocria o “passado”, que não existia antes dele, mas que, uma vezcriado, passa a existir e a operar inexoravelmente como passado,como anterioridade determinante do encontro que no entanto acriou. Trata-se de uma anterioridade anteriormente inexistente,porém que passa a existir como anterioridade no momento em queé criada (o encontro do sujeito com o Outro). Esta lógica, que nadatem de simples e que de modo algum é fácil de entender, exigindoque cada um de nós faça o esforço suplementar de nos deixarafetar por ela, mais do que exercer a inteligência conceitual paraapreendê-la, exprime-se na língua com o tempo verbal futuroanterior: digo hoje que, em um tempo futuro em relação aomomento presente em que o digo, algo será passado. Crio, assim,um passado para o futuro, mas que só será passado quando omomento futuro chegar. Assim, é só a partir do encontromomentoso do bebê com o Outro materno que a incidência dosdesígnios com que este Outro marcará o bebê projetar-se-á nopassado como pré-história do bebê. Tais desígnios terão sidoprévios ao bebê.

Após este breve comentário sobre o tempo do inconsciente edo sujeito, voltemos ao encontro do sujeito com o Outro. E vamosfinalmente tratar desse assunto recorrendo aos elementos daexperiência humana.

Necessidade, demanda e desejo na experiência do sujeito. Quandoum bebê aparece na cena do mundo, a primeira coisa a considerarcomo ponto prévio de seu percurso na direção de se tornar umsujeito é que ele é o locus de uma imperiosa necessidade desobrevivência. Trata-se de um ser vivo, mamífero superior, que é,

como tal, portador de necessidades vitais. Se estamos tratando dopercurso de constituição desse ser vivo como sujeito, cabe aquiuma primeira questão, que aliás é fundamental: se o sujeito éconstituído, é porque, para a psicanálise, ele não é inato, não é ummembro nato de seu corpo. Mas será que podemos supor queesse primeiro momento, em que o bebê é um ser de necessidade, jáseria o primeiro momento do sujeito a se constituir? O primeiromodo do sujeito é o modo da necessidade vital? Isto nãoequivaleria a refazer a conexão do sujeito com uma condição inata,já que a necessidade é inata e própria à espécie humana no planobiológico? Ou será que devemos manter a descontinuidade entresujeito e indivíduo da espécie para admitir que, se o primeiropoderá habitar o segundo, nem por isso a condição inata doindivíduo deve ser incluída como momento inicial do trajeto dosujeito? Ora, incluir o tempo da necessidade na história deconstituição do sujeito, ainda que como tempo primeiro, é fazerentrar pela porta dos fundos o que acabamos de expulsar pela dafrente, reconduzindo o sujeito ao plano do inatismo, pelo viés desuas necessidades vitais.

Nesse ponto, só o rigor de Lacan nos salva do risco da maisperfeita confusão e da queda em contradições insolúveis. Omomento da necessidade não faz parte da história do sujeito, e, doponto de vista desta história, esse momento só pode ser mítico. Senascemos com necessidades, nunca a experimentamos pura oudiretamente, ou seja, sem a mediação da linguagem. A vidabiológica é, como tal, excluída da experiência do sujeito, que só serelacionará com ela por intermédio da linguagem, o queevidentemente a modifica, a pulveriza, a fragmenta.

Muitos cometem aqui o mal-entendido de dizer que a

Muitos cometem aqui o mal-entendido de dizer que apsicanálise desconsidera a vida biológica, que negligencia nossacondição animal, por exemplo. Deixemos, portanto, bem claro doque se trata: a psicanálise não desconsidera que tenhamos umorganismo e que este é regido por leis naturais e biológicas (o queseria louco), nem afirma que as vicissitudes deste organismo nãoafetam o sujeito (o que seria impróprio). Ela evidencia e formaliza,como aliás é de sua vocação fazer, o que todo mundo sabe pelaexperiência, mas disso não tira, em geral, nenhuma conseqüência:que a experiência que temos de nosso organismo, de suasexigências, proezas, debilidades ou doenças, nós só a temosatravés do campo da significação, do sentido, ou seja, pelo fato deque, por sermos falantes, somos marcados pela linguagem, pelosignificante, mesmo no mais extremo nível de intimidade quepossamos estabelecer com nossos órgãos e com nosso corpo.Incidentalmente, a mediação do significante faz com queexperimentemos nossa condição orgânica não como um todo, nãono peso de uma unidade vital, em bloco, mas por fragmentos,pedaços, com os quais sonhamos, imaginamos, fantasiamos, enfim,representamos para nós próprios.

Podemos dizer que é por esse motivo que Lacan, que sempredefendeu o uso da palavra pulsão para traduzir o Trieb de Freud,que jamais significou instinto, não se preocupa tanto em dar àpulsão uma excessiva dignidade conceitual (como faz um JeanLaplanche, por exemplo), pois vê nisso o risco de que se tome apulsão como um tipo de correlato, na espécie humana, do que é oinstinto para os animais, de animus insondável que nos moveria. Apulsão é o nome do conjunto de efeitos que a linguagem perpetrano instinto (estrago ou montagem, pouco importa). Não há, assim,

experiência instintiva no ser humano, no sujeito, mas experiência doinstinto fragmentado e remodelado pelo significante, que é a pulsão.

O bebê-mamífero, portanto, não é o primeiro momento dosujeito, mas condição do pré-sujeito, prévia ao sujeito, que terásido mítica quando o sujeito estiver constituído. Poderíamosperguntar por que então temos que considerar esta condição, se elaé excluída para o sujeito, ao estudarmos o processo de suaconstituição? Porque, mesmo excluída, ela deixará marcas nosujeito, não diretamente, como dissemos, mas como uma herança aser retomada e ressignificada pelo sujeito fazendo uso dosignificante para isso.

Nem naturalista nem culturalista, Freud é antes de tudo umpensador que teve a coragem de ir aos confins da relação danatureza com a cultura, para ali encontrar não o ponto de junçãomas sim o de disjunção, interseção vazia que nodula, semcontinuidade, essas duas dimensões da experiência.

Para isso foi levado a criar um mito, o único presente nosdiscursos científicos modernos: o do Assassinato do Pai da HordaPrimitiva. Esse mito diz que, como sujeitos, procedemos de um ato,um assassinato, que nos arranca da natureza, que nos faz culpados,sem que tenhamos matado Pai algum que fosse encontrável:matamos o Pai-natureza (não a mãe-natureza, porquanto nestainsistamos), e por esse ato ingressamos na cultura carregando umaespécie de “buraco em nossa alma”. O que significa este buraco?Significa que é só por uma falta no nível do ser, do ser vivo, natural,que o sujeito tem a condição de emergir como tal. Significa tambémque esta falta fundadora do sujeito não se produz por si mesma, oupor algum processo natural, e tampouco cultural — já que a cultura

carece, tanto quanto o sujeito, de uma teoria que possa explicar, noplano estrutural, sua constituição e seus processos —, mas requer oato constituinte do sujeito para se fazer como falta. Trata-se de umacondição que comporta algo de paradoxal: a falta é fundante dosujeito, mas, em contrapartida, requer o ato do sujeito para sefundar como falta.

Podemos formular esse aparente paradoxo de forma maisinteligível dizendo que só há falta no nível do ser se houver sujeito, eque o sujeito é o correlato ativo da falta. Não faz sentido, assim,utilizar indiscriminada e generalizadamente, sem rigor, a categoriapsicanalítica de falta, pois, ali onde não se trata de um campo dosaber e da prática que tenha no sujeito sua referência axial, não épreciso nem faz sentido introduzir a noção de falta. Por outro lado,assistimos hoje em dia a uma proliferação do uso da categoria desujeito; falar em sujeito passou a ser “bem pensante”, mesmo emcampos de saber e da prática em que não há nenhuma condiçãoreal de se tratar do sujeito da psicanálise, do sujeito doinconsciente. Aqui temos o caso inverso da mesma impropriedade:fala-se de sujeito sem nenhuma consideração à sua faltafundacional. Para a psicanálise, portanto, a falta é o que nos fazsujeitos na cultura, não da cultura, pois não somos meros efeitos dacultura, já que esta carece, tanto quanto o sujeito, de sercompreendida a partir dos fatos de estrutura que lhes confereminteligibilidade.

É por carregarmos o fardo do vazio da natureza assassinadaque não somos meros anjos culturais, pacíficos seres civilizados,simbólicos, vivendo eternamente perplexos com a barbárie dos queainda não se teriam civilizado como nós. É por trazer a marca deter ido a esses confins da natureza com a cultura que Freud não é

ter ido a esses confins da natureza com a cultura que Freud não éum culturalista, tampouco um naturalista, mas um psicanalista. E épor isso também que nós, psicanalistas que seguimos o trilho porele aberto, não podemos ceder às tão freqüentes tentações, quevão tanto na direção de biologizar quanto na de sociologizar nossaprática e nossa teoria, embora hoje, com a ascensão das chamadasneurociências, assistamos ao risco maior de um nefasto retrocessoàs tendências organicistas do que o risco do culturalismo. Mas, emqualquer um dos casos, estaremos abolindo o lugar do sujeito nacultura.

Retomemos, então, o que vimos tendo que fazer a cada passo,porque cada um deles nos leva a considerar algum aspecto que,como o leitor pode verificar, não é dispensável para quecaminhemos passo a passo.

O nosso adorável bebê ainda não é um sujeito, e supomos queele é um ser de necessidade. Quem atende a esta necessidade?Outro ser de necessidade, tão imerso quanto ele na natureza? Não.Quem o atende, e que já propusemos chamar de mãe, mesmo se oser em questão não for a genitora (como muitas vezes não é), é umser de linguagem, alguém que já está do lado “de lá” do muro dalinguagem, de onde só pode atender à necessidade do bebê com alinguagem. Primeira definição psicanalítica de mãe: genitora ou não,é o ser de linguagem que atende à necessidade de um filho dehumanos através da linguagem. É o nome do adulto próximo(Nebenmensch) de que Freud nos fala, exatamente para — aomodo da ciência, que não particulariza os conceitos no ato deformulá-los — não aprisionar essa função à pessoa da mãe. Sem oatendimento às suas necessidades o bebê morre, pois ele não écapaz de executar o que Freud chama de ação específica para se

manter na existência. A mãe, assim, é quem executa essamomentosa ação específica. E em que ela consiste, senão ematender, pela introdução da palavra, à criança?

O que se evidencia na introdução desta palavra que atende àsexigências da criança é que, por ser atendido através da palavra, oser de necessidade que teria sido até então o bebê humano se vêconvocado a cindir seus interesses demasiado mamíferos em pelomenos dois planos fundamentais. Como poderia ele continuarsendo um simples mamífero se quem atende ao seu apelo traz oleite (nos casos bons), mas traz também o significante (em todos oscasos, ainda que os mais mortíferos)? Não se vê claramente queesta vicissitude inexorável faz com que o bebê se veja diante dedois planos, um que traz um objeto necessário, outro que faz comque alguém traga o objeto necessário? O fato de que alguém otraga não é idêntico ao objeto trazido. É um desdobramento quenão apenas é permitido como também, e principalmente, é exigidopelo fato da linguagem.

Freud precisou claramente a passagem do objeto danecessidade (leite, para simplificar com um exemplo princeps querespeita nossa condição na espécie) para o objeto do desejo, o quejá se faz apreender na experiência psíquica que registra aexperiência de satisfação da necessidade, como ele se exprimiu.Dizer que o sujeito registra, representa esta experiência, é dizer queele a perde como natural, e Freud é claríssimo ao afirmar que opsiquismo procurará reencontrar o objeto segundo as linhas em queele foi registrado psiquicamente. Ele denomina essa busca comodesejo.

Mas Freud, que foi portanto quem introduziu este

desdobramento, não deu suficiente atenção às suas conseqüências,talvez porque não tenha dado, como Lacan, maior destaque aocampo da linguagem que se interpõe na experiência. Foi Lacanquem introduziu, na passagem do plano da pura necessidade aoplano do desejo (esses dois pólos claramente estabelecidos porFreud como distintos), um terceiro nível, de algum modointermediário, que se chama demanda.

A demanda é um plano da maior importância porque situa odesdobramento de que falamos no campo da alteridade, o Outrodiante do qual a criança se situa. Se ela visa o leite, como animalmamífero, ela o recebe de alguém que a introduz no campo dalinguagem (porquanto esse alguém já está irreversivelmente nestecampo e é só de seu interior que pode atender à criança). Isso fazcom que a criança passe a não mais poder visar exclusivamente oleite — o objeto da necessidade, mesmo que seja para perdê-locomo natural ao registrá-lo psiquicamente, como quis Freud, eassim transmutá-lo em objeto do desejo — mas ela é instada aquerer a presença daquele que, como tal, lhe trouxe o objeto. Acriança passa a querer a coisa trazida e aquele que a trouxe. Sãocoisas muito diferentes, e por isso Lacan divide o campo do Outroem dois: o outro como objeto, que escreve com inicial minúscula,que, em francês, é a letra a (já que a palavra “outro” em francêscomeça por “a”: “autre”), e o Outro como campo, lugar a partir doqual alguém traz o objeto. Visar a presença do Outro como tal,como capaz de atender à necessidade, é esta a essência dademanda.

E o desejo? De que modo ele é introduzido por Lacan nadialética da demanda, ou seja, no campo das relações do sujeitocom o Outro?

com o Outro?Se a necessidade é, experiencialmente, mítica, uma vez que

nenhum ser humano tem a possibilidade de experimentá-la como tal— ou seja, como ser da natureza, uma vez que não é possível aoser falante experimentar a realidade, mesmo a mais primitiva, forado campo da linguagem —, a demanda, por outro lado, não tem amenor chance de exprimir, em termos de linguagem, o que anecessidade, caso fosse diretamente experienciável, exprimiria.Não se trata, na entrada primordial da linguagem na experiência dosujeito, de uma espécie de “tradução”, para a linguagem, do queseria a experiência (mítica) da necessidade. Tradução é passagemde uma língua a outra. Aqui trata-se da entrada da língua como tal,onde nenhuma língua existia antes. O que quer que seja anecessidade, ela só pode ser experimentada pelo sujeito sob aforma fragmentada, parcializada, mastigada, “moída” pelosignificante. Da necessidade só resta o caráter imperativo,incoercível, necessário, por assim dizer, e sobretudo o fato de queesse movimento assim tão impelente se dirige a um objetodelimitado, numa palavra, um corpo, “porção delimitada de Outro”(assim como, na física, um corpo é definido como “porçãodelimitada de matéria”).

A demanda introduziu o Outro como tal, como pura presençacapaz de atender à necessidade da criança, conforme dissemosantes, ao abordar a duplicação do Outro produzida pela introduçãoda demanda na experiência. No nível da demanda, o sujeito não semove na direção do objeto, mas do Outro capaz de trazê-lo.Paralelamente, em outro nível, o sujeito se move na direção doobjeto, de modo incoercível e impelente. No entanto, por força doefeito que a linguagem operou no que seria o plano natural e

biológico da pura necessidade, e que podemos qualificar dedevastador o objeto é aniquilado, tornado mítico. Assim, o objetoque teria sido natural, objeto da necessidade (o puro leite, porexemplo), perde sua cara, sua identidade, características que só anatureza poderia lhe conferir (instinto de fome, para os mamíferos,que já traz consigo, em sua programação biológica, o objeto quedeve satisfazê-lo). Um dos efeitos que a passagem à demandaproduz no plano da necessidade é apagar os traços, o “rosto” doobjeto que atenderia ao instinto, caso ele não tivesse sidofragmentado pelo significante — o que o transformou em pulsão(Trieb).

Assim, no plano da demanda o sujeito se dirige ao Outro,demanda sua presença, seu amor (nome aqui que designa omovimento do Outro em atender, por presença, ato e linguagem, aobebê humano), e ao mesmo tempo, é movido por uma forçaimpelente e incoercível em direção a um objeto que, no entanto, ésem-rosto, é perdido como tal, é faltoso, e já se apresenta, desaída, como tal, ou seja, jamais foi conhecido pelo sujeito. Não épossível entender a demanda, que é sempre de amor, sem articulara esse entendimento o objeto faltoso que habita a demanda e oamor, ou seja, o objeto descaracterizado pela passagem dosignificante. Este objeto foi nomeado e criado por Lacan, e é muitoconhecido no meio psicanalítico de orientação lacaniana: trata-sedo famoso objeto a. Lacan o designa por esta letra porque é aprimeira do alfabeto, a mais simples, e ao mesmo tempo porque ofaz intervir na dialética das relações do sujeito com o Outro, e como semelhante (o outro com minúscula, isto é, a, como explicadoanteriormente). O objeto a sempre habita o objeto em geral,qualquer que seja, como o que faz dele um objeto faltoso, a

começar pela imagem do corpo próprio, que é a imagem especulardo bebê, seu primeiro objeto.

Pois bem, o objeto a é o objeto causa do desejo, aquele que,por incidir como faltoso na experiência, causa o desejo do sujeito.Veremos posteriormente que isto não significa a mesma coisa queobjeto do desejo, pela razão de que, quando o desejo se voltapara objetos — única coisa, aliás, que ele faz, incessantemente —,ele o faz revestindo o objeto faltoso que o causa com algumamarca, algum atributo de significação que faz do objeto o alvo dodesejo. Causa e alvo, no caso do desejo, portanto, jamaiscoincidem.

Se a demanda elevou, por assim dizer, o objeto à categoria deOutro, e lhe deu todas as prerrogativas de presença e de amor, odesejo faz o movimento contrário, reconduz o movimento dademanda ao plano do objeto, rebaixa o Outro a esse plano, destituio Outro das prerrogativas que a demanda lhe conferiu e dánovamente os títulos de honra ao objeto. O desejo degrada oOutro em objeto, ou seja, reduz seu grau, promovendo uma quedado Outro e sua virada no objeto que, dele caindo, o descompleta,o fura, o barra.

Vemos, pelos passos dados até agora, que a demanda não éconcebível sem a intervenção do desejo, que a move no nível dacausa, e sem o qual a demanda seria passível de satisfação, atravésdo que, nesse caso, seria uma resposta adequada e perfeita doOutro ao apelo do sujeito. Há algo na demanda que poderíamos, ajusto título, denominar de sua mentira estrutural, e que tornaimpossível essa situação de satisfação plena da demanda, que opoeta Caetano Veloso soube tão bem exprimir na letra da música

“O quereres”, que traduz magnificamente a concepção psicanalíticado desejo, que impede “a mais justa adequação, tudo métrica erima, e nunca a dor”.

A mentira estrutural da demanda consiste em fazer crer que elaé formulada para ser satisfeita. Na medida em que a demandaarticula pela linguagem as necessidades do sujeito, ela promove odesprendimento dos objetos que, só suposta e aparentemente,seriam por ela demandados. Em sua verdadeira estrutura, ademanda já é, de saída, habitada pelo desejo, que a atinge com amarca da impossibilidade de satisfação. A prova disso é que,quando se demanda algo, um objeto, a alguém, jamais se ficasatisfeito, e se demanda imediatamente outra coisa, outro objeto.Se houvesse um nível da demanda que visasse verdadeiramente osobjetos demandados, a satisfação, neste nível, seria possível, eseríamos levados ao equívoco de exigir que só em um segundonível da demanda a incidência da insatisfação — e portanto dodesejo — se daria.

A experiência humana contraria, contudo, ponto por ponto,essa expectativa. Como a psicanálise tem a curiosa peculiaridadede tratar daquilo que, de certo modo, todo mundo sabe, masninguém quer saber, podemos aqui evocar a sabedoria do homemcomum para dar plena razão à idéia de que o que se pede (aalguém, aos parceiros amorosos, aos pais e filhos, aos amigos, aospatrões e empregados, a Deus, enfim, ao Outro) não coincide como que verdadeiramente se quer. Além disso, não se pode jamaissaber exatamente o que se quer, revelando-se que não se trata,aqui, de uma estratégia de esconder o jogo ou de uma estranha epatológica preferência pela frustração, mas de uma condiçãoestrutural do desejo, que faz com que ele não possa ser formulado

estrutural do desejo, que faz com que ele não possa ser formuladoem palavras, ou, nos termos de Lacan, que ele não sejaarticulável. O desejo, diz Lacan, é articulado no inconsciente,mas não é articulável.

Na tradição do pensamento filosófico e científico, ao que não éarticulável só resta ou permanecer no plano do inefável, que tomamuito freqüentemente as formas do misticismo ou do intuitivismo,ou permanecer em “espera” até que o saber venha articulá-lo(esperança e fé no progresso da ciência, por exemplo), conclui-se,rapidamente demais, sem a psicanálise, que o desejo édesarticulado, caótico ou simplesmente não-articulado. No entanto,o que a psicanálise introduz, com sua concepção de inconsciente, éque o que não é articulável pode, no entanto, já ser articulado.

Expliquemos melhor: aquilo que é impossível a um sujeitoarticular com palavras, nem por isso deixa de ser estruturado, ouarticulado, ao nível do inconsciente. Aliás, inconscienteestruturado quer dizer exatamente isso: algo que é articulado nologos da linguagem mas que nem por isso é articulável empalavras na fala do sujeito. Assim, é justamente por já serarticulado no nível da estrutura inconsciente que o desejo não éarticulável pelo sujeito. A verdadeira dimensão trágica daexperiência do sujeito está nessa impossibilidade, e na correlatainexorabilidade da sujeição do sujeito ao que se articula sem o seuarbítrio, decisão ou vontade, sem a sua consciência, mascertamente com sua escolha ativa, no ato mesmo em que se fazsujeito do inconsciente.

Isto é o seu desejo, e é neste nível, em que o desejo éarticulado, que podemos formular sua dimensão simbólica. Odesejo, assim como o sujeito, é RSI: real no plano de sua causa,

simbólico em sua articulação e imaginário em suas vias derealização, na medida em que ele se realiza sempre na direção dosobjetos delimitados que constituem a realidade do sujeito, e quesão regidos pela trama de sua fantasia, e jamais se dirige, como ademanda e o amor, ao Outro como tal, Outro que o desejo visa,justamente, reduzir em objeto. Dado que é sobretudo quanto a esteaspecto que o desejo se diferencia da demanda, é na relação como imaginário que sua notação literal se faz: D para Demanda, d paradesejo.

Vemos, assim, que o primeiro circuito de satisfação da primeiranecessidade do sujeito já é marcado pelo significante, e portanto noprimeiro circuito da demanda, o desejo já incide, já impossibilita acolagem da demanda com a mensagem que responde a estademanda.

A experiência da análise revela isso de forma clara e bela, eudiria. O analista, desde o início, dá uma resposta à demanda (sim,porque o analista nunca deve deixar de responder, ainda que suaresposta tome a forma do silêncio, pois toda palavra é apelo, etodo apelo visa uma resposta). Sua resposta à demanda doanalisante consiste em não satisfazê-la, em não atender ao pedido,atendimento que consiste em provê-lo do objeto demandado —palavras, informações, opiniões, avaliações, conselhos, barganha depreço sem nenhum trabalho de escuta e problematização domotivo, entre mil outras modalidades de satisfação. Por que ele fazisso? Será que é para frustrar o analisante, acreditando, comoacreditaram e formularam muitos psicanalistas depois de Freud, quea frustração das demandas produziria a regressão que conviria àanálise, fazendo com que o analisante assim revisitasse seus pontosde fixação infantil na transferência e os expusesse ao trabalho

de fixação infantil na transferência e os expusesse ao trabalhoanalítico? Não, não é para produzir a frustração, mas paraevidenciar o que ele sabe, ou deveria saber, ou seja, que ademanda não é formulada para ser satisfeita (esta é a sua mentiraestrutural, como dissemos anteriormente) e que a sua satisfaçãoaparente é uma tentativa de enganar o sujeito e a ele mesmo(analista). Em geral, o desconhecimento disso pelo analista leva aorompimento da análise, na medida em que o sujeito acaba por nãose deixar enganar, mesmo sem saber exatamente dizer claramentequal é o engano.

O analista, ao recusar, por sua resposta, o atendimento dademanda, sustenta a verdade desta em vez de engodar-se em suamentira, reforçando-a. Podemos dizer que, assim, o analista é aúnica função existente no conjunto dos laços sociais queverdadeiramente sustenta a demanda, não no sentido de alimentá-la, mas no de não pretender eliminá-la prontamente, seja pelorechaço, seja pela ajuda presta e solícita, samaritana. Sustentandoque o sujeito continue demandando, de objeto em objeto aparente,o analista permite que o próprio sujeito trace o mapa de suasfrustrações e fixações através de suas cadeias de palavrasassociativas e de sua transferência — o que é diferente de frustrá-lopor sua intenção. Permite também que o sujeito se depare com ofato estrutural de que o que ele demanda está sempre para alémdos objetos demandados, e que, fundamentalmente, o que eledemanda é o ser do Outro como tal. Permite, assim, que o sujeitoformule para si mesmo que a sua demanda é, fundamentalmente,demanda de amor, o que não significa demanda de ser amado, masdemanda que se situa no plano do amor. Permite, enfim, que osujeito aceda ao amor por seu ato, como dom ativo, mais do que

como anseio de ser amado, ou, em outras palavras, que o sujeito serealize no plano da ordem simbólica, fazendo entrar o simbólico noreal, o que quer dizer a mesma coisa.

A distinção entre os dois níveis da demanda torna possívelestabelecer um diferencial teórico claro e preciso entre dois modosde conduzir uma terapêutica — sendo um deles, e apenas um,aquele que especifica a direção psicanalítica da experiência clínica,diferenciando-a das psicoterapias. Trata-se da distinção entresugestão e transferência. Freud parte da sugestão (a pós-hipnótica) para chegar à transferência, e só então funda aexperiência psicanalítica como tal. Ele não desconhece que asugestão faz suas incidências na experiência psicanalítica, e por issoadverte que ela deve ser analisada, a fim de que a transferência seestabeleça. A transferência é, portanto, a sugestão, desde queanalisada. Direi também que as psicoterapias se baseiam nasugestão, sabendo-o ou não, porquanto se empenham em darrespostas — precisamente as respostas terapêuticas — àsdemandas do sujeito. Acreditam, assim, que aquilo que o sujeitodemanda é o que deseja, ou simplesmente não fazem nenhumadistinção entre esses dois níveis. Hoje, em um mundo coalhado deigrejas universais demasiado particulares, inundado pelo oceano domisticismo e da mistificação, a sugestão é praticamente a regrageral, bem além do limite em que se mantêm as psicoterapiastradicionais.

A respeito da diferença entre sugestão e transferência, Freudutiliza uma bela imagem metafórica que ele toma de Leonardo daVinci, que distingue dois tipos de arte: as artes do pôr (artes diporre), como a pintura, que coloca tintas sobre uma tela, correlatoda sugestão e das psicoterapias, e as artes do tirar (artes di

da sugestão e das psicoterapias, e as artes do tirar (artes dilevare), como a escultura, que revela as formas já virtualmentecontidas na matéria bruta através da retirada de material com o usodo cinzel, correlato da transferência e da psicanálise. Já Lacan, namesma direção, afirma que o poder com que o analisante investe oanalista, em um movimento que é, inicialmente, de sugestão, só tema chance de se desenvolver como transferência à condição de queo analista abstenha-se, justamente, de fazer uso desse poder.

O que se situa entre esses dois níveis, o da sugestão e o datransferência, e que podemos formular em termos de dois níveis dademanda, mantendo-as distintas e separadas, inconfundíveis, éprecisamente o desejo. O fator que faz com que o sujeito resista àsugestão é o desejo. (“Quem resiste?”, pergunta Lacan, eresponde, prontamente: “É o desejo”). Assim, podemos fazer umanova leitura da resistência, não como fator negativo para a análise,mas como prova de existência do desejo, indício de sua incidência.A resistência foi exatamente aquilo que Freud aceitou enfrentarquando abandonou a hipnose, a sugestão, portanto, e fundou apsicanálise. É portanto curioso e significativo que a hipnose esteja,hoje, mais de cem anos depois, de volta à moda.

O desejo, diferentemente das demandas, não pode ser dito,nem formulado, mas apenas visado pela pergunta — “Che vuoi?”— feita à demanda. Como disse antes, é porque o desejo jáhabitava, de saída, as primeiras demandas de satisfação do sujeito,é por isso que a demanda não pode ser satisfeita. Para que osujeito aborde seu desejo, situe-se em relação a ele, o signifiquepara si, e finalmente o realize, o torne real em sua existência, em suaexperiência, é preciso que ele adentre o plano do amor.

O sujeito, o desejo e o falo

O que é o falo? Por que a psicanálise insiste em utilizar estacategoria, que, afinal, é o nome cult do órgão genital masculino, seuapelido grego? Que relação tem o falo com o pênis, já que,quando se trata do falo, a primeira coisa que soa no ambiente é aadvertência, proferida pelos menos ingênuos, de que o falo não é opênis, ao mesmo tempo que se está no direito de pensar: “mas,bolas, afinal de contas, alguma relação há de haver entre os dois!”

E certamente há, sem o quê a referência conceitual que tem onome de falo seria vã. Temos que partir, como sempre, de Freud.Foi ele que, em 1923, em um texto chamado “A organizaçãogenital infantil — uma interpolação à teoria da sexualidade”,introduziu o que ficou conhecido como primado do falo.

Como também sempre ocorre, os títulos dos escritos de Freudsão, além de belos, como é sua escrita, extremamente eloqüentes:quase se pode saber a direção do texto por uma cuidadosa leiturado seu título. Vejamos esse exemplo: “organização genital infantil”.A parte principal do título já indica que o texto introduz umanovidade, uma organização infantil da sexualidade que merece oatributo de genital, quando, até então, a teoria freudiana dasexualidade — que teve sua primeira sistematização em 1905, nosfamosos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade — destinavaa genitalidade para depois da infância, como uma posição dosujeito na sexualidade que só poderia ser atingida na puberdade. Asexualidade infantil permanecia, até 1923, pré-genital em todas assuas organizações e manifestações. O subtítulo confirma o que já seindica no título: introduzir uma organização genital infantil

constitui, assim, uma interpolação à teoria da sexualidade.Como podemos ler esse deslocamento? Muitas leituras tendem

a verificar, nele, a confirmação de uma tendênciadesenvolvimentista, que, a rigor, não existe em Freud, traduzindoseu argumento mais ou menos da seguinte forma: Freud, já em1905, trouxe a sexualidade para a infância, descobrindo que osfenômenos sexuais, que a ciência até então só admitia existir após apuberdade, já existiam desde a tenra infância, mas deixou de forado escopo da sexualidade infantil, nesse primeiro momento, aorganização genital, que só seria atingida na puberdade. Agora, em1923, ele fez uma nova descoberta, na mesma direção, que corrigeo erro decorrente de sua restrição inicial, trazendo também o genitalpara o período infantil.

Discordo dessa leitura, que reforça um suposto caráterdesenvolvimentista de uma teoria que o contraria ponto por ponto,e que, em minha concepção, já não existia em 1905. A teoriafreudiana da sexualidade não é desenvolvimentista, e a própriaintrodução da noção de uma sexualidade infantil só foi possível aFreud porque ele rompeu com essa perspectiva dodesenvolvimento, na medida em que situou a sua noção desexualidade — aquela que se articula no inconsciente, que está nabase da neurose, que é própria ao ser falante — precisamente nainfância, ou seja, ali onde a sexualidade genética, a concepçãovigente até Freud aparecer, é impossível. Não cabe aqui ademonstração desse argumento, que seria longa, mas em meumodo de ler esse momentoso passo de Freud, direi que, naorganização genital infantil, trata-se de submeter a própriagenitalidade à lógica, já estabelecida anteriormente para asorganizações ditas pré-genitais, da sexualidade infantil, ou seja, no

organizações ditas pré-genitais, da sexualidade infantil, ou seja, noregistro em que já era impossível uma sexualidade psicobiológica.A sexualidade freudiana é regida por outra lógica: articula-se noinconsciente, não se fundamenta em processos bioquímicos visandoa reprodução da espécie, não é baseada no instinto, tendo exigidoa criação de outra categoria — a de pulsão — para articulá-la. É,enfim, a sexualidade do falante, que se estrutura através dosignificante. Ora, no primeiro momento da teorização freudiana, ogenital ficara de fora, ainda submetido a uma lógica psicobiológica,por assim dizer, e vinculado à maturação, efeito dastransformações da puberdade. Este é o título do terceiro dosTrês ensaios de Freud, que, ao contrário do segundo (orevolucionário ensaio intitulado “A sexualidade infantil”), é eivadode referências biológicas e maturacionais. Em 1923, o genital éfinalmente submetido, por Freud, à lógica de sua sexualidadeinfantil: passa por assim dizer do terceiro para o segundo dos trêsensaios sobre a teoria de sexualidade.

É nesse contexto que a primazia do falo pode finalmente serintroduzida no pensamento freudiano. Não é anódino o fato de queessa primazia só surge quando não se trata mais do genital comoponto de chegada do desenvolvimento psicossexual de umindivíduo, mas de uma lógica que, não mais admitindo exceçõesmaturacionais, faz tudo o que é da sexualidade humana passar pelodesfiladeiro do significante, pela fragmentação, pela moenda dosimbólico: é só aí que o genital, como questão central do desejosexual do ser falante, poderá encontrar seu lugar na doutrinapsicanalítica.

Até esse momento, era como se a sexualidade infantil sópudesse se organizar em torno da sua disposição perversa

polimorfa, que a dispunha entre os pólos oral e anal, e suassubdivisões e arranjos, segundo as diferentes zonas erógenas epulsões parciais em jogo. A tendência de muitos autores pós-freudianos, a partir do que fez Karl Abraham em 1924, foi a deinserir uma fase intermediária entre as ditas fases oral e anal e a“fase genital”, que seria a fase fálica. Teríamos, assim, um perfeitoquadro do desenvolvimento psicossexual do indivíduo, desde suainfância (entendida como mero período vital e não como lógica), edisposto em fases sucessivas: oral, anal, fálica e (finalmente) genital.

Ora, é justamente esse quadro que Lacan virá interrogar, edemonstrar sua impropriedade, em termos do próprio pensamentofreudiano: o falo não designa uma das “fases”, mas o ponto dearticulação das organizações pré-genitais (oral e anal) ao nível deum significante ordenador — que é precisamente o significante falo,ou o falo como significante — que permite ao sujeito o acesso a umponto para o qual não há significante algum, o ponto em que osexual como tal não se faz representar no inconsciente, o ponto quea doutrina freudiana situa no cerne daquilo que, não por acaso,Freud chamou de castração, o ponto no qual o próprio falo, comosignificante, incide como faltoso.

A grande virtude da leitura lacaniana é justamente, aqui, a desituar o falo não como um órgão do corpo (o pênis como órgãomaterial), não como um mero objeto imaginário (condição que ofalo pode assumir, mas que não é sua condição primordial), nemmesmo como uma fantasia, mas como significante, como operadorsimbólico que permite ao sujeito situar-se quanto ao seu desejo,porque permite ao sujeito se fazer representar em face daquilo que,enquanto tal, não tem representação no inconsciente: a diferençasexual, o sexo.

sexual, o sexo.Vale lembrar aqui que a descoberta freudiana, feita em sua

clínica, é a de que os dois sexos (homem e mulher) não se fazemrepresentar no inconsciente, cada um com seu “símbolo”respectivo: para os homens, o falo — que, caso assim fosse, seriamesmo a representação icônica do pênis — e para as mulheres, osímbolo x que representasse seu órgão (qual? o clitóris, a vagina, oútero?). Freud dizia que a vagina permanecia unterdrüken (não-representada), e que a diferença sexual só se fazia inscrever noinconsciente por suas conseqüências (parte do título, igualmenteeloqüente, de outro escrito de Freud, da mesma época do quevimos tratando).

Não há, assim, relação biunívoca entre cada um dos dois sexose sua representação inconsciente. Não há inscrição dos dois sexosno inconsciente. Não há relação sexual inscrita no campo dosimbólico, que é coextensivo ao que, de inscrito ou inscritível, há noinconsciente. O sexual, como tal, fica fora do simbólico, e o quedele se inscreve é o significante falo, precisamente porque fazobjeção a que cada um dos sexos se relacione, no sentido de fazercorrespondência com o outro. É essa âncora real, por assim dizer,que o sexo tem na psicanálise que faz com que, em nosso campo,prefiramos evitar a categoria de “gênero”, cujo matiz sociológicotende a dissipar a impossibilidade da escrita da relação sexual noinconsciente. Para a psicanálise, há sexos, sexuação, e não gêneros,sendo a sexuação justamente o nome do conjunto de passos,operações, impasses e atos que o sujeito dá, faz, sofre e atravessapara se situar como homem ou como mulher, dada aimpossibilidade de que ele ocupe qualquer um desses lugares “desaída”, de nascença, como dádiva natural ou divina: ele terá que

atravessar a castração, ou seja, a inexistência do significante quepudesse definir a posição de cada sexo no campo do Outro, noinconsciente.

Por força desse ponto de inexistência de um significante nocampo simbólico a que se chama de castração, todas as noçõesfundamentais da psicanálise são redefinidas, realinhadas,reordenadas, na medida em que são atingidas pela marca dacastração, que as atravessa. O que é, a partir dessa observação, ogenital para a psicanálise? O que significa dizer que o desejo dosujeito se estrutura no plano genital? Será que isso quer dizer que osujeito amadureceu, no plano de seu desenvolvimento libidinal, defase em fase, ao longo da etapas ditas pré-genitais deste supostodesenvolvimento, até chegar à genitalidade? Mas como sustentarisso se a castração traz justamente a impossibilidade de que oinconsciente represente um par genital? Como conceber a posiçãogenital em termos de amadurecimento ou desenvolvimento?

Por outro lado, não se trata de, jogando fora criança e água dabanheira, descartar a problemática da genitalidade e do desejo,afirmando, por exemplo, que, em decorrência da castração, osujeito não atinge a genitalidade, permanecendo sempre em algummodo de organização pré-genital. Essa idéia se harmoniza comoutra, segundo a qual a genitalidade seria um ponto ideal, a serdissolvido pela análise, como deve ocorrer com todos os ideais.

Não: o genital, como ponto e incidência do furo da castraçãona experiência subjetiva do desejo, não se erige como idealprecisamente porque afeta o sujeito ao modo do furo, doesvaziamento de todo sentido possível, ponto de nonsense ao qualsó o desejo como tal pode responder. E é por isso que Lacan

relaciona o genital com o desejo e as posições pré-genitais com ademanda: quando se trata dos planos oral e do anal, pode-sepermanecer na confusão entre demanda e desejo, na medida emque os objetos orais e anais podem ser demandados, recusados,intercambiados, além de permitirem que o sujeito formule, ou seja,articule pela palavra, suas demandas.

Ora, como já dissemos anteriormente, a diferença entredemanda e desejo está justamente nesse ponto: o desejo, que porum lado é articulado no inconsciente (não é inefável, nem caótico,nem místico), não pode, no entanto, ser articulado pelo sujeito,formulado em palavras, reduzido ao plano dos significantes. Odesejo habita o coração da(s) demanda(s), mas como pontoinarticulável, indizível, e que só pode ser significado, interpretado,localizado por meio do significante, certamente, mas não como umsignificante que pudesse dizer o que ele é, e sim como umsignificado que fará com que ele seja sua própria interpretação.

Do mesmo modo, o sujeito, como categoria axial que atravessatodo o campo da experiência psicanalítica e portanto todo o campodo saber que responde pelo nome de psicanálise, sofre o efeito dacastração, não apenas como o sujeito concreto com quem lidamos,que analisamos, mas como categoria conceitual: o sujeito é o nomed e algo cujo modo de existir é a elisão, a barra, a abolição,operações pelas quais o sujeito se constitui e se realiza naexperiência.

Não concluiremos este breve livro sem mais este passo, quenos confronta com algo absolutamente enigmático: o tal sujeito doqual falamos ao longo de todas essas páginas é uma coisa muitoestranha, que tanto mais existe e se realiza quanto mais ele é

abolido, elidido, barrado. Esse é seu modo próprio de existir, comoo modo do fogo é quente. O que o abole, elide e barra éprecisamente o significante, que o funda e constitui.

A condição de abolido que é a condição mesma do sujeito,seu modo de ser, evoca o início de nossa caminhada, qual seja, aquestão de saber se sujeito é ou não um conceito. Naquelemomento inicial, respondemos a isso explorando,panoramicamente, o campo da ciência e da filosofia, nele inserindoo surgimento histórico do sujeito. Aqui, retomamos a pergunta poroutro viés: que tipo de existente o termo sujeito designa? O que éisto que se chama sujeito? O sujeito é algo que existe por aí, é eleencontrável na realidade empírica? É uma positividade, umreferente factual do conceito que leva seu nome?

Depois dos passos que demos, creio que estamos emcondições de responder negativamente a essas perguntas. Não, osujeito não é o nome de um referente empírico que existe por aí,que se encontra na realidade. O sujeito é um operador que seimpõe a nós, desde que nos coloquemos em determinadaperspectiva, em determinado lugar a partir do qual interrogamos aexperiência humana, seguindo os passos de Freud, que foi oprimeiro a fazer isso.

O sujeito é, portanto, sempre suposto. Não o encontramos narealidade, mas o supomos. Ou melhor, somos forçados a supô-lo apartir do momento em que reconhecemos a incidência dosignificante na experiência humana, esse átomo de simbólico que,por não ter em si mesmo significação alguma, convoca, no ser vivo,quando ele é falante (ou seja, quando é habitado pelo simbólico), aresposta que se chama de sujeito. Somos forçados a supor o

sujeito quando reconhecemos o significante porque na verdade é osignificante (e não nós) quem supõe o sujeito. O sujeito é, pois,uma suposição do significante, que se impõe a nós.

Impõe-se a nós, o que significa que não podemos não admiti-lo. Toda vez que somos levados a adotar essa fórmula “nãopodemos não…” é sinal de que estamos diante de efeitos deestrutura, de imposições do real. Não podemos não admitir osujeito. Freud encontrou os primeiros efeitos dessa estrutura quelhe impôs admitir o sujeito (embora ele não o tenha nomeadoassim) nos sintomas, sonhos, atos falhos, chistes, nas chamadasformações do inconsciente. Desde então, ele não cessou de terencontro marcado, diariamente, com o sujeito: com os neuróticos,os criminosos, os perversos, os homens comuns, os artistas, ospsicóticos, os psicanalistas…

Em todas as situações que exigem dos cientistas sociais, dospensadores e pesquisadores do campo das ciências humanas esociais a elaboração de teorias que sejam capazes de responderaos “fatos”, o sujeito será um ponto paradoxal, que interrogaráessas respostas e teorias. Exemplo: se a criminologia quiser explicaro ato criminoso com as teorias psicológicas ou sociológicas queexaurem fatores biológicos, biográficos, ambientais e sociais, emproporções variáveis e com toda a imensa gama de possibilidades econfrontos, mas que excluem o lugar do sujeito, ela só encontrarásua própria insuficiência — o crime, como ato de um sujeito, queintroduz um ponto real sobre o qual nenhum saber existente foradeste ato será capaz de explicá-lo.

A psicanálise é o único campo do saber e da experiênciahumana que toma em conta esse ponto real e o faz operar. Não

porque ela produza um saber superior ao de outros camposconexos ou próximos, mas precisamente porque ela subverte olugar e o modo como qualquer saber pode ser produzido,estabelecendo, a partir da suposição de um sujeito do inconsciente,que qualquer saber verdadeiro sobre o sujeito só pode serproduzido nas condições do dispositivo psicanalítico, ou seja, apartir da relação do sujeito com o ato da fala.

Por isso Freud, para indicar o lugar do sujeito, precisou, comojá dito antes, recorrer ao mito, o mito do Pai primordial, pelo qualFreud cria um vão, um ponto de interseção vazio, um confim entrenatureza e cultura, e nele situa impavidamente o Pai primitivo,mítico, que jamais existiu em sociedade ou família alguma. E essepai é assassinado, ato pelo qual se funda a sociedade civilizada, aLei, o Desejo, enfim, o campo da experiência a que se chama deSujeito. Se o Pai da horda nunca existiu e portanto nunca pôde serassassinado no plano da realidade, o Assassinato do Pai écondição essencial da estrutura do sujeito, sem a qual nenhumarealidade poderá existir como realidade de e para um sujeito.

O mito, portanto, que se apresenta como mito de origem dacivilização, é o modo de Freud introduzir o sujeito no campo deexperiência social, cultural, mas também, na experiência psicológicaque, como tal, não comporta o sujeito. Fiel à direção de Freud,mas por caminhos muito próprios, Lacan deu às formulaçõesmíticas de Freud um desenho lógico. Para isso, a elaboração deuma teoria do sujeito foi peça chave, fundamental, não como partedo desenho, mas como instrumento mesmo do ato de desenhar.Assim, do desenho lacaniano, a categoria de sujeito não é a forma,mas o compasso.

Referências e fontes

• A expressão do mundo fechado ao universo infinito, em [1], éexatamente o título de uma das obras mais importantes deAlexandre Koyré, grande pensador e filósofo da ciência, em quemLacan se inspirou para situar o “corte maior” que resulta dosurgimento da ciência como um evento essencialmente “Doutrinalde Ciência” de Lacan, como o denominou Jean Claude-Milner emsua Obra clara (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1996), fundamenta-se nas idéias de Koyré.

• O escrito mais proeminente desse Doutrinal de Ciência de Lacanintitula-se A ciência e a verdade (Escritos, Rio de Janeiro, JorgeZahar Editor, 1998), e é nele que encontramos a tese da relação dederivação da psicanálise para com a ciência moderna, incluindo achamada “equação dos sujeitos” — o da psicanálise e o da ciência— referida em [2].

• Em [3], introduzimos a Regra Fundamental de Freud, por eleanunciada no artigo dito “técnico”: Sobre o início do tratamento(1912), no volume XII das Obras completas de Freud (Rio deJaneiro, Imago, 1976).

• Em [4] as expressões função da fala e campo da linguagemcompõem o título de um importantíssimo escrito de Lacan, que,

compõem o título de um importantíssimo escrito de Lacan, que,além de seu valor textual, é também uma espécie de texto inauguralde seu ensino, datado de 1953, ano em que ocorre a primeira cisãoinstitucional e em que seu seminário regular começa a sersustentado, ininterruptamente, por 27 anos, até 1980. A expressãode Lacan é de uma precisão e de uma contundênciaimpressionantes, ao reorientar, já no título de seu escrito, o próprioeixo de abordagem da questão da linguagem para o sujeito falante.

• As formulações de Lacan às quais fazemos alusão em [5], a partirda lógica que rege as proposições estruturadas por “…cessa de seescrever” e as variações resultantes da negação incidente em doispontos diferentes — antes dos dois verbos, respectivamente,“cessa” e “escrever”— fundamentam-se em Claude Sanders Peirce(lógico e filósofo americano) e Gottlob Frege e estabelecem umarelação proposicional com os três registros lacanianos: o Simbólico,o Imaginário e o Real.

• Considero interessante a expressão “pessoa atual” que Lacanutiliza no escrito “Variantes do tratamento padrão” (1955) paradesignar exatamente a função que o analista não deve assumir natransferência, como assinalado em [6]: primeiro, porque aexpressão utiliza a palavra “pessoa”, que não é um conceitopsicanalítico e que concerne justamente a um dos modos depagamento do analista na empreitada analítica. Como dirá Lacanem outro escrito, “A direção da cura e os princípios de seu poder”(1957), o analista paga com sua pessoa, a qual ele empresta àtransferência no plano da estratégia que, ao lado da tática(interpretação) e da política (falta-de-ser), compõem o trípliceartefato do agenciamento de uma análise.

• Em [7], referimo-nos à escrita de Lacan: “o sentido mente”, lesenti ment, que, em francês, permite uma homofonia perfeita com apalavra sentimento — sentiment, para demonstrar, na literalidadeinterpretante, o caráter falacioso do sentimento em relação àverdade do desejo do sujeito. Em português, poderíamos propor otermo sentimente, que não é homófono perfeito de sentimento,mas expressa o mesmo equívoco.

• No seu romance O diabo enamorado, o escritor italiano JacquesCazotte descreve um diálogo entre seu personagem e o diabo emuma gruta em Nápoles, no qual o diabo lhe pergunta “Che vuoi?”(Que queres?). Esta expressão ganhou estatuto nocional,designando a pergunta analítica ao desejo inconsciente, além decondensar a alusão freudiana aos “demônios do fundo do inferno”que fariam sua aparição no amor transferência (o diabo éenamorado), como se vê em [8].

• O Mito do Assassinato do Pai da Horda Primitiva, ao qual merefiro em [9], é desenvolvido por Freud no texto Totem e tabu(1913), volume XIII das Obras completas de Freud (Rio deJaneiro, Imago, 1976).

• Freud usa em alemão, a respeito da relação da pulsão com seuobjeto, o verbo mitzubringen, que tem exatamente o mesmosignificado da expressão trazer consigo em português. Ele diz quea pulsão justamente não traz consigo o objeto. Isso se refere aotexto de [10].

• Em [11], a referência à belíssima metáfora de Leonardo da Vinci

é retomada por Freud em seu texto Sobre a psicoterapia, ao opora psicanálise (escultura) às técnicas de sugestão (pintura).

• O texto de Freud A organização genital infantil — umainterpolação à teoria da sexualidade mencionado em [12] fazparte do volume XIX das Obras completas de Freud (Rio deJaneiro, Imago, 1976).

• A discussão da questão introduzida em [13] foi amplamentedesenvolvida por mim em outro livro: Corpo e sexualidade emFreud e Lacan (Rio de Janeiro, Uapê, 1995).

• Karl Abraham, em 1924, escreve A teoria psicanalítica dalibido (Rio de Janeiro, Imago, 1970), em que ordena, de mododeformador, a meu ver, as idéias de Freud sobre a libido e asexualidade infantil, fazendo crer que Freud teria elaborado umateoria psicológica do desenvolvimento psicossexual em fasesgeneticamente seqüenciadas, o que violenta a complexidade dométodo freudiano, o qual está longe de ser redutível a isso. Estamosem [14].

• O texto de Lacan em que ele situa claramente o estatutoconceitual do falo é “A significação do falo”, em Escritos (Rio deJaneiro, Jorge Zahar, 1998), ao qual aludimos em [15].

Leituras recomendadas

Não é uma tarefa fácil a indicação de livros sobre o “sujeito”, talcomo é concebido na psicanálise, sobretudo para aquele quecomeça a dar seus primeiros passos no assunto, ou que desejacaminhar passo a passo. Esta categoria, a de sujeito, procede docampo filosófico, e foi efetivamente com Lacan que fez sua entradaem um campo francamente não-filosófico — o psicanalítico —derivado da Ciência e por esta eminentemente marcado. Osprincipais livros sobre o assunto são, assim, escritos do próprioLacan ou de seus seguidores.

Em Freud, sugerimos a leitura dos principais textos ditos“tópicos”: A interpretação de sonhos (1900), Formulações sobreos dois princípios do funcionamento psíquico (1911), Paraintroduzir o narcisismo (1914), O inconsciente, pulsões e seusdestinos, Recalque (1915), O Eu e o Isso (1923), Além doprincípio de prazer (1920), Inibição, sintoma e angústia (1926),Esboço de psicanálise e divisão do eu no processo de defesa(1938), apenas para citar alguns, já que há muitos outros de grandeinteresse sobre o tema, nos quais o leitor, se não encontrar a noçãode sujeito assim nomeada, certamente aprenderá o essencial sobreo que é um sujeito em sua relação com o inconsciente. Todosfazem parte das Obras completas (Rio de Janeiro, Imago, 1976).

No ensino de Lacan, que se divide em duas grandes

modalidades — Os Escritos e O Seminário, sustentado por 27anos, de 1953 a 1980, tendo um tema em cada ano —,encontramos uma curiosa particularidade: nos dez primeiros anosdo Seminário (1953-1962), que foram dedicados à leitura críticade textos freudianos, até o corte do Livro 11 (1963/64) em queLacan passa a dar outra direção a seus seminários, observa-se umacuriosa alternância: os seminários de números ímpares (1, 3, 5, 7 e9) têm sua ênfase na Ordem Simbólica, no Significante, enquantoos seminários de números pares (2, 4, 6, 8 e 10) enfatizamjustamente o sujeito. É claro que, sendo o sujeito o efeito dosignificante, em todos eles trata-se também do sujeito. Indico estaparticularidade apenas como uma maneira de informar a leitura dosdez primeiros seminários, caso o leitor os procure como referência.

No campo dos seguidores de Lacan, sugerimos a leitura deBruce Fink, O sujeito lacaniano (Rio de Janeiro, Jorge Zahar,1998) e de Bertrand Ogilvie, A construção do conceito de sujeito(Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998).

Entre os escritos de Lacan, temos as seguintes referênciasprincipais: “Subversão do sujeito e dialética do desejo”, de 1960,que se encontra na coletânea intitulada Escritos, publicada porJorge Zahar em 1998. No mesmo volume, encontramos algunsoutros textos: Do sujeito enfim em questão (1966) e “Metáforado sujeito” (1961). São textos difíceis, sobretudo os dois últimoscitados, já que o primeiro, que impõe ao leitor atento um enormetrabalho em sua leitura, é contudo um texto muito mais longo eelaborado, o que traz, por outro lado, maiores recursos decompreensão.

Sobre o autor

Concluí o curso de psicologia na Pontifícia Universidade Católica(PUC-Rio) em 1978, e lá também desenvolvi minha formaçãoacadêmica de pós-graduação, no mestrado (1984), doutorado(1992) e pós-doutorado (1995). Sempre interessado nas situaçõesclínicas não-triviais ou em que o dispositivo clínico clássico dapsicanálise encontra dificuldades em ser aplicado (clínicainstitucional de pacientes psicóticos, crianças autistas, deficientes edelinqüentes), fundei, com outros colegas, uma ONG de pesquisa eintervenção clínico-institucional da área de saúde mental (APPEC— Assistência e Pesquisa em Psicologia, Educação e Cultura), daqual sou diretor geral, e supervisor clínico de dois CAPSIs(Centros de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil) da redemunicipal de saúde mental infanto-juvenil do Rio de Janeiro. Nomesmo campo de atividades, sou membro do FórumInterinstitucional da Saúde Mental da Criança e do Adolescente daSecretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro e consultor doMinistério da Saúde para a área de Saúde Mental de Crianças eAdolescentes.

Ingressei na carreira acadêmica no Instituto de Psicologia daUniversidade do Estado do Rio de Janeiro (IP/Uerj) em março de1993, como professor-adjunto. Em 2000 tornei-me o primeiroprofessor titular da área de psicanálise deste mesmo instituto.

No plano de formação psicanalítica, sou membro fundador eanalista membro do Laço Analítico Escola de Psicanálise, queexiste desde 1998 em três cidades brasileiras (Rio de Janeiro,Varginha e Cuiabá), nas quais também exerço a prática clínicacomo psicanalista.

Sou autor de Corpo e sexualidade em Freud e Lacan (Rio deJaneiro, Uapê, 1995) e co-organizador do livro Psicanálise,clínica e pesquisa, do Programa de Pós-Graduação emPsicanálise do IP/Uerj, além de autor de inúmeros artigos na áreade psicanálise.

Coleção PASSO-A-PASSO

Volumes recentes:

CIÊNCIAS SOCIAIS PASSO-A-PASSO

Sociologia do trabalho [39], José Ricardo Ramalho e MarcoAurélio Santana

Origens da linguagem [41], Bruna Franchetto e Yonne Leite

Antropologia da criança [57], Clarice Cohn

Patrimônio histórico e cultural [66], Pedro Paulo Funari eSandra de Cássia Araújo Pelegrini

Antropologia e imagem [68], Andréa Barbosa e Edgar T. daCunha

Antropologia da política [79], Karina Kuschnir

Sociabilidade urbana [80], Heitor Frúgoli Jr.

Pesquisando em arquivos [82], Celso Castro

Cinema, televisão e história [86], Mônica Almeida Kornis

FILOSOFIA PASSO-A-PASSO

Estética [63], Kathrin Rosenfield

Filosofia da natureza [67], Márcia Gonçalves

Hume [69], Leonardo S. Porto

Maimônides [70], Rubén Luis Najmanovich

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Schelling [74], Leonardo Alves Vieira

Niilismo [77], Rossano Pecoraro

Kierkegaard [78], Jorge Miranda de Almeida e Alvaro L.M.Valls

Filosofia da biologia [81], Karla Chediak

Ontologia [83], Susana de Castro

John Stuart Mill & a Liberdade [84], Mauro Cardoso Simões

Filosofia da história [88], Rossano Pecoraro

PSICANÁLISE PASSO-A-PASSO

A sublimação [51], Orlando Cruxên

Lacan, o grande freudiano [56], Marco Antonio Coutinho Jorgee Nadiá P. Ferreira

Linguagem e psicanálise [64], Leila Longo

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Política e psicanálise [71], Ricardo Goldenberg

A transferência [72], Denise Maurano

Psicanálise com crianças [75], Teresinha Costa

Feminino/masculino [76], Maria Cristina Poli

Cinema, imagem e psicanálise [85], Tania Rivera

Trauma [87], Ana Maria Rudge

Édipo [89], Teresinha Costa

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