vasectomia pelo sus na década de 2000: crescimento no ... · laqueadura tubária, pílula e...

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1 Vasectomia pelo SUS na década de 2000: crescimento no Brasil, concentração em São Paulo e fluxos por regionais de saúde do estado RESUMO OBJETIVOS: Analisar a evolução da prática de vasectomia hospitalar e ambulatorial pelo SUS, bem como sua distribuição regional, no Brasil e em São Paulo entre 2000 e 2009 e os fluxos de procedimentos hospitalares por Departamento Regional de Saúde (DRS) de São Paulo em 2009. MÉTODOS: Estudo baseado nos registros de Autorização de Internação Hospitalar (AIH), do Sistema de Informação Hospitalar, e de procedimentos ambulatoriais, do Sistema de Informação Ambulatorial, e análise espacial de origem-destino por município de processamento da AIH e residência do paciente segundo os DRS. RESULTADOS: Identificou-se aumento substancial de vasectomias pelo SUS no período analisado, com concentração no estado de São Paulo e predomínio da Região Metropolitana de São Paulo. Os fluxos de procedimentos hospitalares não foram determinantes do padrão de concentração intraestadual. CONCLUSÕES: A prática de vasectomia pelo SUS no período 2000-2009 foi definida por São Paulo e, em menor escala, pela região Sul. Apesar de os fluxos de procedimentos não determinarem o padrão de concentração intraestadual, a análise espacial permitiu identificar especificidades municipais importantes.

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Vasectomia pelo SUS na década de 2000: crescimento no Brasil, concentração em São Paulo e fluxos por regionais de saúde do estado

RESUMO

OBJETIVOS: Analisar a evolução da prática de vasectomia hospitalar e ambulatorial pelo SUS, bem como sua distribuição regional, no Brasil e em São Paulo entre 2000 e 2009 e os fluxos de procedimentos hospitalares por Departamento Regional de Saúde (DRS) de São Paulo em 2009. MÉTODOS: Estudo baseado nos registros de Autorização de Internação Hospitalar (AIH), do Sistema de Informação Hospitalar, e de procedimentos ambulatoriais, do Sistema de Informação Ambulatorial, e análise espacial de origem-destino por município de processamento da AIH e residência do paciente segundo os DRS. RESULTADOS: Identificou-se aumento substancial de vasectomias pelo SUS no período analisado, com concentração no estado de São Paulo e predomínio da Região Metropolitana de São Paulo. Os fluxos de procedimentos hospitalares não foram determinantes do padrão de concentração intraestadual. CONCLUSÕES: A prática de vasectomia pelo SUS no período 2000-2009 foi definida por São Paulo e, em menor escala, pela região Sul. Apesar de os fluxos de procedimentos não determinarem o padrão de concentração intraestadual, a análise espacial permitiu identificar especificidades municipais importantes.

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INTRODUÇÃO

De acordo com a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) 1996, 2,6%

das mulheres brasileiras de 15 a 49 anos unidas tinham cônjuges vasectomizados. Em

2006 este percentual era 5,1%, representando um crescimento de 94%.3 Tanto em

1996 quanto em 2006, a vasectomia era o quarto método mais utilizado, depois da

laqueadura tubária, pílula e preservativo masculino. Dentre as mulheres de 15 a 49

anos unidas em 1996 que reportaram vasectomia como método contraceptivo utilizado,

51% residiam no estado de São Paulo (SP). A PNDS 2006 não permite a mesma

desagregação regional da PNDS 1996, mas 68,5% das mulheres unidas em idade

reprodutiva que reportaram a vasectomia residiam na região Sudeste. Dado o peso da

população paulista na amostra, é factível supor que a maior parte dessas mulheres

residia no estado de SP.

Além de o número de observações das PNDS ser pequeno, não permitindo a

expansão com precisão, não é possível quantificar o número de vasectomizados por

meio dessas pesquisas porque se referem a mulheres unidas entre 15 e 49 anos de

idade que reportaram o uso do método e não ao número de homens que realizaram o

procedimento. Este trabalho analisa os registros de procedimentos hospitalares e

ambulatoriais do SUS entre 2000 e 2009 a partir da hipótese de que o aumento de

vasectomias e a concentração desses procedimentos em SP observada indiretamente

nas PNDS 1996 e 2006 se aplicam às vasectomias realizadas no SUS. Pressupõe-se,

em segundo lugar, que, em SP, o fluxo intermunicipal de pacientes podem determinar a

concentração de vasectomias nos municípios mais populosos e com rede de atenção à

saúde de maior complexidade. Utiliza-se investigar esta hipótese são utilizadas as AIH

do estado referentes a 2009.

A análise limita-se ao período 2000-2009 dado que em 2009 o Ministério da

Saúde, além de aumentar, igualou os valores de vasectomia ambulatorial e hospitalar.

Neste sentido, a regulamentação da vasectomia, tratada na primeira parte da seção

seguinte, é importante para se compreender os incentivos e limitações à realização do

procedimento no SUS.

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VASECTOMIAS HOSPITALARES E AMBULATORIAIS – BRASIL

Métodos

Em 1996 o Congresso Nacional aprovou a Lei 9.263 que legislou o planejamento

familiar no âmbito do sistema público de saúde. A Portaria 144, do Ministério da Saúde,

de novembro de 1997, regulamentou a Lei 9.263.a Têm direito de requerer a

esterilização cirúrgica os indivíduos com capacidade civil plena e maiores de 25 anos

de idade ou com pelo menos dois filhos, observando-se um mínimo de sessenta dias

para aconselhamento até a realização do procedimento. Entretanto, a vasectomia já era

realizada como procedimento hospitalar no SUS antes da regulamentação da Lei 9.263,

com a denominação ‘Vasectomia Parcial ou Completa’. Em 1995 foram registrados 299

AIH de vasectomia no país. Em 1996 e 1997 foram, respectivamente, 380 e 516

procedimentos. Após a regulamentação o número de vasectomias hospitalares pelo

SUS passa a crescer. Em 2000 foram registrados 1.673 procedimentos; em 2009,

26.592. Ademais, a partir de outubro 1999 a vasectomia foi incluída no âmbito

ambulatorial, com a denominação ‘Vasectomia/Vasotomia Parcial ou Completa’.b

Para ampliar o acesso à vasectomia, em 2007 o Ministério da Saúde aumentou o

valor do procedimento hospitalar de R$28,42 para R$103,18, alterou sua denominação

para ‘Vasectomia’ e o incluiu no rol de Procedimentos Cirúrgicos Eletivos de Média

Complexidade.c Esta inclusão significou o fim do limite mensal de vasectomias nos

estados. Também em 2007 os códigos, denominações e especificações dos

procedimentos ambulatoriais e hospitalares foram unificados.d Em agosto de 2009 o

Ministério da Saúde igualou os valores ambulatorial e hospitalar do procedimento,

elevando-os para R$306,47.e

Os dados de procedimentos hospitalares de vasectomia utilizados originam-se

dos arquivos reduzidos de AIH do Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS). A

AIH é o registro básico do SIH que, habilita a internação do paciente e gera os valores

para pagamento. As informações de internação hospitalar são obtidas nos Formulários

de Autorização de Internação Hospitalar preenchidos pelos estabelecimentos

hospitalares credenciados e encaminhados mensalmente ao gestor municipal ou

estadual para consolidação em nível nacional pelo Departamento de Informática do

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SUS.f Os dados dos procedimentos ambulatoriais foram obtidos na página de

Informações de Saúde (TABNET) do Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA/SUS).

Os dados foram analisados por meio de tabulações e gráficos.

Resultados

A Figura 1 apresenta o número anual de procedimentos hospitalares e

ambulatoriais de vasectomia pelo SUS no período 2000-2009 no Brasil. Observa-se que

a quantidade de vasectomias hospitalares cresce no período enquanto o número de

vasectomias ambulatoriais estabiliza-se de 2004 até 2007 e decresce substancialmente

em 2008 e 2009. No total, foram realizados 6.217 vasectomias em 2000. O máximo,

37.869 procedimentos, ocorreu em 2007. Houve declínio nos dois anos seguintes –

35.015 e 34.288 cirurgias, respectivamente – devido à diminuição de vasectomias

ambulatoriais.

Figura 1: Número de procedimentos hospitalares e ambulatoriais de vasectomia pelo SUS - Brasil, 2000-2009 Fonte dos dados: SIH/SUS e SIA/SUS.

A variação percentual anual do número de vasectomias ambulatoriais indica que

houve aumentos significativos entre 2001 e 2002 (58%) e entre 2003 e 2004 (42,5%).

Entre 2004 e 2005 ocorreu decréscimo de 9%, mas a maior queda deu-se entre 2007 e

2008 (–38%). Desagregando-se esta queda por região verifica-se que 40% dela deveu-

se à diminuição de procedimentos na região Sudeste. A participação de SP foi de 73%.

Ressalta-se que a partir de 2010, provavelmente em consequência da equalização do

valor dos procedimentos ambulatorial e hospitalar, as vasectomias ambulatoriais

voltaram a subir, atingindo em 2013 o mesmo nível de 2007.

A variação percentual anual do número de vasectomias hospitalares foi positiva

até 2005, mas em ritmo decrescente. Em 2006 ocorre aumento substancial (53%) em

relação a 2005. Em 2007 e 2008 a variação relativa foi de 9% e 10%, respectivamente,

e em 2009 o aumento foi marginal. Desagregando-se o aumento entre 2005 e 2006 por

região observa-se que a região Sudeste foi responsável por 48% da variação nacional.

5

Como no caso das vasectomias ambulatoriais, SP foi o principal responsável pelo

aumento de 83% da variação regional. Isoladamente, SP respondeu por 40% do

aumento de vasectomias hospitalares no país entre 2005 e 2006.

Dado que SP definiu a tendência nacional, é necessário examinar a distribuição

proporcional de vasectomias pelo SUS por região desagregando-se a região Sudeste

em SP e, conjuntamente, MG, ES e RJ. Observa-se na Figura 2 que SP deteve mais de

40% das vasectomias em todos os anos da série. Em 2009, a participação do estado no

total do país foi de 44,8%, apenas 2,7 pontos percentuais a menos que a sua

participação média no período.

Figura 2: Distribuição percentual dos procedimentos hospitalares e ambulatoriais de vasectomia pelo SUS por região - Brasil, 2000-2009 Fonte dos dados: SIH/SUS e SIA/SUS.

Dados os critérios de alocação de recursos do SUS entre estados e municípios,2

a maior prevalência de vasectomias em SP se deve ao peso de sua população no total

país e ao maior grau de complexidade de seu sistema de saúde em comparação aos

demais estados.5 De fato, SP deteve, no período 2000-2009, cerca de 20% do total

nacional de AIH.

É necessário verificar, portanto, se houve aumento real na utilização de recursos

do SUS para vasectomia. Para isto, proporcionalizamos as AIH de vasectomia em

relação ao total de AIH do aparelho geniturinário masculino por região. Os dados

ambulatoriais não permitem desagregar os procedimentos por especialidade.

A Figura 3 apresenta o percentual anual de AIH de vasectomia em relação ao

total de AIH do aparelho geniturinário masculino por região. Em SP ocorreu aumento

desse percentual entre 2000 e 2004 e entre 2005 e 2006. Nos anos seguintes esta

relação permaneceu estável. Note-se que a região Sul apresentou crescimento desta

participação similar ao de SP. Também na região Sul a vasectomia representou, em

2009, 26% das AIH do aparelho geniturinário masculino. Em conjunto, as vasectomias

hospitalares realizadas em SP e na região Sul em 2009 constituíram 71,5% do total do

país.

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Figura 3: Percentual de vasectomias em relação ao total de AIH do aparelho geniturinário masculino por região - Brasil, 2000-2009 Fonte dos dados: SIH/SUS.

Em síntese, o número de vasectomias realizadas pelo SUS no país cresceu

substancialmente entre 2000 e 2009. Esse crescimento foi devido principalmente ao

aumento dos procedimentos hospitalares. SP concentrou a maior parte das

vasectomias pelo SUS no período, tendo havido crescimento real no número e

proporção de vasectomias até 2007, com estabilização em 2008 e 2009. A região Sul e,

em menor escala, a região Centro-Oeste, experimentaram tendência similar.

No estado de SP 60% das vasectomias no período 2000-2009 foram realizadas

na Região Metropolitana de SP (RMSP), 31% na capital e 29% no restante da RMSP.

(Tabela 1). Na capital, a distribuição ambulatorial-hospitalar das vasectomias dos

procedimentos foi meio a meio, ao passo que no restante da RMSP as vasectomias

hospitalares representaram 56,7% e no restante do estado, três quartos do total.

Ocorreu, portanto, concentração na RMSP no período, com participação similar da

capital e do restante da RMSP. A diferença entre a RMSP e o restante do estado deve-

se ao peso dos procedimentos hospitalares. Se na RMSP houve 1,1 vasectomias

hospitalares para cada procedimento ambulatorial, no restante do estado esta razão foi

de 3.

Tabela 1: Distribuição percentual das vasectomias hospitalares e ambulatoriais pelo SUS por área segundo o tipo – SP, 2000-2009 e 2009

Área 2000-2009 2009

Amb. Hosp. Total Amb. Hosp. Total

Capital 40,7 24,9 30,9 23,1 19,4 21,8

Restante da RMSP 33,1 26,6 29,1 31,7 38,0 35,1

Restante do estado 26,2 48,5 40,0 45,2 42,6 43,1

Total 100 100 100 100 100 100

n 44.002 71.837 115.839 2.973 12.383 15.356

Fonte dos dados: SIH/SUS e SIA/SUS.

O quadro em 2009, comparado ao período como um todo, também foi de

concentração na RMSP, porém, com menor participação da capital e dos

procedimentos ambulatoriais (Tabela 1). De fato, do total dos procedimentos realizados

em 2009, 80,6% foram hospitalares e a razão entre esses e os ambulatoriais foi de 4,4

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na RMSP e 3,9 no restante do estado. As vasectomias hospitalares de 2009 são objeto

da análise de fluxos, a seguir.

ANÁLISE DE FLUXOS – SP, 2009

Métodos

As diretrizes para a regionalização da atenção à saúde foram introduzidas pelas

Normas Operacionais de Assistência a Saúde de 2001, que propôs a criação de regiões

e macrorregiões estaduais. As macrorregiões agregam regiões de saúde e têm o

objetivo de “organizar, entre si, ações e serviços de média e alta complexidade [...]”.g

Para tanto, cada macrorregião deve possuir um município polo.1 Para analisar

espacialmente o fluxo de pacientes, definido como o número de residentes em

município distinto do município de processamento da AIH, considerou-se o território de

abrangência das macrorregiões de saúde e os respectivos municípios polos.

Em 2006 a Secretaria de Saúde de SP apresentou o Plano Diretor de

Regionalização. Foram criadas 64 Regionais de Saúde agregadas em dezessete

Departamentos Regionais de Saúde (DRS).4 Considerando os DRS, o fluxo é definido

como intra-DRS se o município de registro da AIH é distinto do município de residência

do paciente e o par de municípios pertence ao mesmo DRS. Se o municípios em

questão pertencerem a DRS distintas o fluxo é inter-DRS.

O mapeamento foi realizado a partir do número de AIH de vasectomia, pois os

dados ambulatoriais são agregados por município, não permitindo identificar

informações por procedimento. Os círculos representam as vasectomias de pacientes

com mesmo município de internação e residência e seu diâmetro é proporcional ao

número de procedimentos registrados. As setas possuem largura proporcional à

quantidade de deslocamentos. Este tipo de representação de fluxo é gerado a partir de

tabelas de origem e destino. Para o mapeamento foi utilizado o software ArcView.

Resultados

Com relação às 12.383 AIH de vasectomia processadas em SP em 2009, o fluxo

inter-DRS foi de 1,6%, ou seja, negligenciável, com exceção da relação entre o DRS

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Franca e o DRS Ribeirão Preto, como se verificará à frente. O fluxo intra-DRS, por sua

vez, englobou 15,2% das vasectomias hospitalares.

O padrão no DRS Grande SP (I) é de difícil visualização, pois neste

departamento foram processadas 57,4% das AIH de vasectomia do estado em 2009.

Dessas, 64,6% foram na capital (Figura 4). De fato, SP é o único município com círculo

de diâmetro de primeira ordem no estado. Das 4.704 AIH de vasectomia registradas no

município de SP, somente 2,3% referem-se a fluxo. Além disso, circunda SP a maior

parte dos municípios paulistas com círculos de segunda ordem. Destacam-se

Guarulhos, Santo André, Osasco e Diadema. No conjunto, esses quatro municípios

registraram 9,6% dos procedimentos.

Ferraz de Vasconcelos, também no DRS Grande SP, foi o segundo município

em número de procedimentos (6% do total estadual) em 2009. Ao contrário do

município de SP, em Ferraz de Vasconcelos 73,3% das 739 AIH foram de fluxo, com as

principais origens em Suzano (21%), Mogi das Cruzes (20%) e São Paulo (13%). Esses

fluxos, representados por setas de terceira ordem, podem ser observados a leste do

município de SP. Assim, o que se observa no DRS Grande SP, é, por um lado, a

concentração na capital e nos maiores municípios da RMSP, com baixos fluxos e, por

outro, um município de alta atração, Ferraz de Vasconcelos, com importantes fluxos de

curta distância.

Figura 4: Distribuição dos procedimentos de vasectomias hospitalares pelo SUS, segundo município de residência e de internação – SP, 2009

O DRS Campinas (VII) foi o segundo em número de AIH de vasectomia em

2009, com 14%. Desse total, 25% ocorreram no município de Campinas e 12% em

Indaiatuba, sem geração de fluxo. Se o município polo teve 433 procedimentos, em

Cosmópolis, a noroeste de Campinas, realizaram-se 434 (Figura 4). Das AIH

registradas em Cosmópolis 90,1% foram de fluxo intra-DRS oriundos majoritariamente

de Hortolândia, Americana e Sumaré. Como no caso do DRS Grande SP, no DRS

Campinas a maior parte das vasectomias foi registrada no município polo, sem fluxo.

De forma similar, identifica-se um município “satélite” de atração, com fluxos de curta

distância.

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No DRS Ribeirão Preto (XIII) foram realizadas 340 vasectomias hospitalares pelo

SUS em 2009, ou, 2,7% do total do estado. Dessas, 90% ocorreram no município polo.

O que diferencia este município é o fato de que 71,6% (219/306) das AIH foram de fluxo

e 73,1% (160/219) desse fluxo originou-se no município de Franca, no DRS Franca

(VIII), denotado pela seta de terceira ordem entre os dois municípios (Figura 4). Na

verdade, 55,8% dos procedimentos registrados em Ribeirão Preto originaram-se em

municípios do DRS Franca. Logo, como Ferraz de Vasconcelos e Cosmópolis, Ribeirão

Preto também se configurou como um município de atração. O que imprime caráter

distinto a este município é que a maior parte das vasectomias lá realizadas referem-se

a residentes do DRS Franca, fazendo deste o único caso relevante de fluxo inter-DRS.

Apesar de o DRS São João da Boa Vista (XIV) figurar em oitavo lugar no número

de vasectomias pelo SUS no estado em 2009, não foi realizado nenhum procedimento

no município polo (Figura 4). Todas as vasectomias deste departamento, 256, se deram

nos municípios de Itapira e Divinolândia. Ademais, dos 154 procedimentos registrados

em Divinolândia (1,2% do total do estado) nenhum foi de residente no município,

fazendo deste, na prática, o verdadeiro município polo do DRS no que concerne a

vasectomia.

O DRS São José do Rio Preto (XV), sexto do estado em número de

procedimentos (2,9%), interessa pelo papel do município polo. Todos os 362

procedimentos deste departamento ocorreram em São José do Rio Preto, sendo 118

deles de fluxo. Apesar de minoria, os procedimentos de fluxo originaram-se em 36 dos

101 municípios do DRS (Figura 4). Em comparação com os demais DRS, São José do

Rio Preto foi o município polo que mais atendeu os municípios do DRS, implicando em

fluxos de longa distância.

Por fim, mencionam-se os casos do DRS Taubaté (XVII) e Piracicaba (X) por

ocuparem, respectivamente, o terceiro e o quinto lugar no número de AIH de

vasectomia sem nenhum registro nos seus municípios polos. Dos 609 procedimentos

do DRS Taubaté, 59,4% ocorreram em Pindamonhangaba. No DRS Piracicaba, 42,7%

das 484 cirurgias foram realizadas em Limeira.

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CONCLUSÃO

Verificou-se neste trabalho que o número de vasectomias realizadas pelo SUS

no país durante o período 2000-2009 aumentou substancialmente, a despeito do

declínio de procedimentos ambulatoriais em 2008 e 2009. O estado de SP concentrou a

maior parte das vasectomias pelo SUS durante todo o período. Somente a região Sul

apresentou tendência similar.

Verificou-se também que o predomínio de SP em relação ao restante do país

não foi consequência exclusiva do tamanho de sua população e do grau de

complexidade de sua rede de atenção à saúde. Em SP, e também na região Sul, a

alocação de AIH para vasectomia não só foi proporcionalmente mais alta, comparada

às demais regiões, como também cresceu até 2005, estabilizando-se de 2006 em

diante. A partir de 2004, e com peso considerável, em 2008 e 2009, predominaram os

procedimentos hospitalares. Esses resultados mostram que, no período analisado, a

prática de vasectomia no sistema público de saúde foi específica por região, isto é,

paulista e, em menor medida, sulista.

Na análise do estado de SP no ano de 2009 verificou-se concentração no DRS

Grande SP. A forte concentração espacial pode ser justificada, dentre outros fatores,

pelo tamanho da população e pela existência de infraestrutura, profissionais e centros

de saúde especializados na capital e nos grandes municípios da RMSP. Isto também se

aplica a outros grandes municípios do estado como Campinas e São José dos Campos.

Portanto, além da prática de vasectomia ter sido predominante paulista, ela foi

dominada pelos municípios de maior população e com serviços de saúde mais

desenvolvidos e maior grau de complexidade. Ressalta-se que a concentração

observada não foi influenciada por fluxos intermunicipais.

Ainda que os fluxos intermunicipais não alterem o quadro de concentração no

estado, foram identificados municípios de atração com fluxos de curta distância,

especificamente Ferraz de Vasconcelos, no DRS Grande SP, Cosmópolis, no DRS

Campinas, e Divinolândia, no DRS São João da Boa Vista. Ribeirão Preto e São José

do Rio Preto, municípios polo de seus respectivos departamentos, também se

constituíram como municípios de atração. O município de Ribeirão Preto foi o único

gerador de fluxo inter-DRS relevante. Ressalte-se ainda a distinção entre o município

11

polo do DRS São José do Rio Preto e o município polo do DRS São João da Boa Vista,

o primeiro polarizando a totalidade das vasectomias realizadas naquele departamento e

o segundo não registrando nenhum procedimento em 2009.

Em relação a SP, ressalta-se a possibilidade de análises intra-DRS mais

detalhadas para se examinar especificidades demográficas, sociais e da organização

dos serviços de planejamento familiar nesses municípios. De forma geral, este trabalho

é indicativo do potencial do uso dos registros hospitalares e ambulatoriais do SUS para

estabelecer um quadro longitudinal fidedigno da distribuição espacial de procedimentos.

REFERÊNCIAS

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