varau #4 junho de 2016

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Revista do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Brasília - CAU UCB

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Nº4-2016

Brasília | junho | 2016 | ISSN 2359-0084

EDITOR CHEFE

CONSELHO EDITORIAL

PROJETO GRÁFICO

COLABORADORES

Marcio Oliveira

Aline Zim | Carolina da R. L. Borges

Daniel C. Brito | Thiago P. Turchi

Foto capa: Alexandre Riulena

Fotos: Thiago Abreu | Editoração Eletrônica:

André Gruhn Melo | Perfil: Camila Gomes

Sant’anna | Carolina da R. L. Borges | Luiza

Dias Coelho | Yara Regina Oliveira | Bárbara

Tavares Artigos: José Marcelo Martins

Medeiros | Mariana de Melo Siqueira | Yara

Regina Oliveira | Acontece no CAU: Flávia

Moreira | Bárbara Tavares | Patrícia dos

Santos Mendes | Lucas Fialho Caramés

Arqcartoon: Daniel C. Brito | Thiago P. Turchi

Revista CAU/UCB | 2016 | Editorial

ISSN

Brasília | junho | 2016 | ISSN 2359-0084

*Errata VARAU 3: na edição anterior da revista, o artigo da Taciane Campelo traz o nome de “Ronaldo Rosseti” no texto e na bibliografia, onde o correto é “Eduardo Rosseti”.

PERFIL ROSA KLIASS | ARQUITETA-PAISAGISTA FORMADA PELA FAU-USP

ARTIGOS 1- UM PARQUE LINEAR PARA O LAGO PARANOÁ: REALIDADE OU UTOPIA? 2- JARDINS DE CERRADO: POTENCIAL PAISAGÍSTICO DA SAVANA BRASILEI-RA 3- CARIMBO VERDE, UM OLHAR SOBRE O SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES DO PLANO PILOTO - BRASÍLIA

EXPLICANDO A BIÔNICA COMO FERRAMENTA PROJETUAL

ACONTECE NO CAU 1- ENTRE 2- METAMORFOSE 3- HABITAÇÃO PARA ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS 4- PARQUE AUDIOVISUAL - COMPLEXO BRASÍLIA CINEMATOGRÁFICA

ARQ CARTOON VIDA DE ARQUITETO

Revista CAU/UCB | 2016 | Sumário

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PROF. CAROLINA BORGES (CAU/UCB):

Dona Rosa, em primeiro lugar, quero agradecer pela disponibilidade e boa vontade em estar aqui conosco fazen-do essa entrevista, que será mais uma conversa do que uma entrevista. A primeira pergunta diz respeito à for-mação dos arquitetos paisagistas nas escolas de Arquitetura. Como a senho-ra vê essa formação e como a senhora acha que poderia melhorar?

ROSA KLIASS:

No mundo todo existem escolas de ar-quitetura paisagística, que em inglês é landscape architecture, em alemão é Landschaftsarchitektur, em francês é ar-chitecture de paysage. Então é Arquitetu-ra Paisagística que é realmente o nome da área e isso não quer dizer que é feito por arquitetos. Existem três categorias profis-sionais ligadas à questão da paisagem: do território, que é o planejamento Urbano; Arquitetura; e Arquitetura Paisagística. São três atividades e três áreas diferentes, e que claro, tem certos transpasses mas são específicas. Então deveria haver real-mente escolas de Arquitetura Paisagística.

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PROF. CAROLINA BORGES:

Dona Rosa, qual é o primeiro passo da senhora para a definição do partido de um projeto de arquitetura pais-agística e como se dá esse processo de criação?

ROSA KLIASS:

A primeira aproximação que a gente tem com o projeto é realmente um reconheci-mento da situação. Então nós temos que saber onde vamos fazer aquele projeto. Quais são as condições do Entorno. Se é por exemplo, um jardim de um edifício de apartamento, então você tem a área do térreo onde será feito o seu projeto. Mas esse projeto está ligado ao vizinho que também tem um jardim, enfim, criar uma situação real, espacial, daquela área onde você vai trabalhar. E os entraves, quais são os problemas, quais são os po-tenciais, se tem “uma vista muito bonita pra lá”, então eu tenho que enfatizar isto, mas eu tenho um muro muito feio aqui, então vou ter que resolver esse proble-ma. É um levantamento das condições, é o primeiro aproach, primeira coisa. De-pois então a gente faz o que chamamos de um estudo preliminar, então fazemos umas primeiras decisões. E desse estudo preliminar que, se existe um cliente, ele já entra neste momento principalmente. Não quando é cliente particular, aí gente entrega em uma outra fase que seria o anteprojeto. Mas este estudo preliminar, quando você tem projetos ligados à em-presas que te contratam, pra você ter um processo, é bom ter um estudo preliminar

e já discuti-lo, ver a reação e a aprovação ou não daquilo, é o começo. Do estudo preliminar você vai para o anteprojeto que não vai pra obra, mas ali já está tudo, já está toda a concepção, isso também vai para aprovação. Uma vez aprovado você vai para o projeto executivo e depois no fim tem um projeto de apresentação para a complicação.

LUIZA DIAS COELHO (ALUNA FAU-UNB):

Neste processo, quais são as inspirações da senhora para construir este espaço, esta paisagem? Ou depende muito do contexto do lugar?

ROSA KLIASS:

Claro que depende muito do contexto do lugar. E eu não sei se acredito muito nes-ta coisa de inspiração. Havia um arquite-to que dizia “é mais transpiração que in-spiração”. Tem que trabalhar muito.

PROF. CAROLINA BORGES:

E como a senhora apresenta esse par-tido para o cliente, que normalmente é leigo e já vem com uma ideia na ca-beça, sabendo o que quer? Nesse pro-cesso, às vezes tem que ter um certo convencimento, porque é comum o cliente querer algo que não daria cer-to em um determinado espaço.

ROSA KLIASS:

Primeiro que quando o cliente me cha-ma, ele está sabendo quem ele está cha-

mando. E nesse sentido, ele já tem cer-ta disposição em aceitar as ideias. Mas realmente, aí a gente tem que apresentar e defender, não tem jeito. Eu contei na palestra a história da paisagista Rebelde, é isso, você tem que realmente defender o que você propõe até o ponto de que, de repente, não há possibilidade de fazer projeto.

PROF. CAROLINA BORGES:

O Parque da Juventude em São Pau-lo foi uma intervenção que mudou a paisagem local e melhorou a quali-dade de vida das pessoas que moram naquela região. Dona Rosa, a senhora acredita que espaços urbanos como o Parque da Juventude podem ser agentes de transformação de uma so-ciedade e de que modo essa transfor-mação acontece?

ROSA KLIASS:

Veja, o Parque da Juventude é realmente um grande exemplo de como um espaço urbano pode realmente influir para quali-dade de vida dos moradores. Eu tenho um caso, que quando eu vou ao Parque da Juventude, eu fiquei observando, vendo o que estava acontecendo. E eu estava lá em uma ocasião, sentada num banco, e no banco da frente tinha um casal que em certa hora se levantaram para sair e eu cheguei perto deles e disse: “Descul-pa, vocês estão saindo? Vocês moram aqui por perto?” E ele virou pra mim e disse assim: “Eu moro naquele Singapu-ra”. Você sabe o que é o Singapura? São

os edifícios que foram construídos para abrigar favelados. O governo fez prédios para abrigar os favelados. E eu disse: “En-tão vocês estão contentes com o parque do lado né?” Ele disse: “Dona, isso tinha que ter sido construído há 10 anos atrás”. E eu disse: “Mas agora está aí, vocês es-tão gozando né?” E ele: “Não, a senhora não entendeu o que eu quis dizer. Se isso tivesse sido construído há 10 anos atrás, muitos dos meus companheiros não teri-am ido para o mal caminho”. Isso aí foi tudo.

Depois tinha uma outra historinha que quando eu fiz o projeto do Parque da Ju-ventude, eu não coloquei brinquedos de playground, desses comprados, porque a minha teoria era que o próprio par-que deveria ser o lugar dos brinquedos, o próprio parque deveria propiciar todas aquelas coisas que um parque com aque-les brinquedos pré-fabricados propõem. Então o movimento de terra iria realmente propiciar que as crianças subissem, de-scessem, pulassem. Os bancos também, e realmente, não coloquei nenhum brin-quedo. Depois eles colocaram, agora já está cheio de brinquedos pré-fabricados, mas naquela época não. E aí eu estava passeando no parque com um arquiteto paisagista americano que era especialista em desenho com a comunidade (os Esta-dos Unidos tem muito isto, eles projetam os espaços em contato com a população), nós passamos por um certo lugar onde haviam uns meninos onde eu tinha feito uns “morrotes”, uma “colininha”. Tinha uma turminha que estava brincando com

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um tamborzinho e o primeiro ia com o tamborzinho e os outros iam atrás, eles subiam e desciam do outro lado. Depois ele viu também um outro que estava trepando em um banco, pulando de um lado para o outro, e foi aí que ele disse: “Mas você não colocou nenhum brinque-do de playground né?” Eu falei que não, e ele disse: “E nós que colocamos aque-las idiotices de brinquedos pré-fabricados, mas não precisa, olha aí!”. Quando nós fomos passando pelo parque esportivo, onde tem 12 quadras esportivas, ele olhou a quadra e falou: “Mas você não colocou alambrado?” e eu falei que não, e ele dis-se: “mas você consultou as pessoas pra saber se eles queriam alambrado?” E eu falei: “Não. Se não desse certo, nós colo-caríamos um alambrado muito simples.” Nessa hora, estava passando um guarda e eu o chamei e perguntei: “Escuta, o pessoal reclama que não tem alambra-do?” Ele olhou, era a primeira vez que ele percebeu que não havia alambrado. E as-sim é uma postura, vamos dizer, que não é “pré-fabricada”. Eu me lembro que, quando eu fui fazer o projeto, alguém da equipe disse: “Mas você não vai colocar alambrado?” Eu disse: “Vocês já foram ao campo de Várzea? Tem alambrado? E eles jogam futebol do mesmo jeito, então nós não vamos pôr.”

PROF. CAMILA GOMES SANT’ANNA (FAU-UNB):

E essa relação de quando se está preparando um projeto com serviços públicos da cidade, como que se dá? É um trabalho também de convenci-

mento ou eles aceitam?

ROSA KLIASS:

Bom, há de tudo né. Depende da cidade, depende da Administração Regional onde você entra, ou seja, depende muito. Mas é uma coisa que deve ser feita, e é uma etapa. Por exemplo, tem muitos projetos em São Paulo que tem que ir para o órgão ambiental, e aí, às vezes, você tem até que fazer os estudos de impacto.

LUIZA DIAS COELHO:

Nós estudamos muito na faculdade, a arquitetura, os prédios e o desenho das cidades, mas ainda há o problema de incorporar estes dois com o tercei-ro elemento, que seria a arquitetura da paisagem. Como a senhora vê a arquitetura da paisagem influencian-do na cidade e interferindo em uma melhor relação entre as pessoas e o espaço?

ROSA KLIASS:

Bom, isso é uma coisa muito abrangente. A cidade é um resultado de todas essas coi-sas, tem a implantação das construções, tem os espaços entre as construções e tem os espaços urbanos que não se ref-erem às contrações, mas tem, digamos uma vida própria, e nesses existem as duas escalas principalmente, que é escala da praça e a escala do parque. O que é uma praça? Como é a cidade? A cidade é feita de um sistema viário que atende aos usos lindeiros, as ruas, de repente, tem um alargamento, isso é, uma praça.

Mas praticamente, nós temos as funções das ruas, elas dão acesso as construções lindeiras e enfim, esses espaços urbanos, ruas e praças congênitas são alargamen-tos das Ruas. Existe um outro espaço que é o parque, essa é uma outra coisa. A rua e a praça se referem aos usos lindeiros, quando você está andando nas ruas, você está vendo as construções, elas podem ser de comércio, residenciais, mas estão se referindo às edificações ao longo. As praças também, a praça do mercado, a praça da igreja, sempre tem uma referên-cia de uso. o parque é um espaço que é intrínseco, ele não tem a referência da cidade, é um espaço autônomo. A ideia é a seguinte: quando você está dentro do parque, você pode até não ver nada da ci-dade, pode às vezes se o parque estiver lá em cima, mas você vê a cidade na distân-cia. O espaço do parque é absolutamente interno, ele tem uma paisagem interna, ele não se refere a coisas externas.

PROF. CAROLINA BORGES:

No Brasil, nós temos uma tradição da arquitetura moderna em fazer uma integração entre a arquitetura, as ar-tes visuais e o paisagismo. São vários os exemplos, como o MEC, que faz essa integração da arquitetura com o paisagismo do Burle Marx e com as esculturas de Ceschiatti. A Pampulha é outro exemplo. Eu gostaria que a senhora falasse um pouco sobre essa integração entre paisagismo e as artes visuais, como acontece com o Parque das Esculturas, que a senhora fez em Salvador. Como se dá esse diálogo

entre as artes visuais e a arquitetura paisagística?

ROSA KLIASS:

Bom, as artes visuais – esculturas e pin-turas – são complementos, mas que obviamente você deve fazer com que se concatene com os espaços, nós temos exemplos lindos de painéis do Burle Marx e painéis de Portinari. Mas quando você coloca uma obra de arte em um espaço urbano, seja paisagístico, obviamente essa obra de arte vai estar à serviço desse espaço. Ou você pode realmente ter o es-paço visando a valorização de uma obra de arte, são dois aspectos diferentes. Por exemplo, o Monumento das Bandeiras em São Paulo, que tem aquela praça em volta, a praça está servindo para valorizar o Monumento.

PROF. CAROLINA BORGES:

Podemos colocar a arquitetura pais-agística dentro do campo das artes vis-uais?

ROSA KLIASS:

E a arquitetura, está dentro das artes vis-uais?

PROF. CAROLINA BORGES:

A arquitetura é diferente. Porque ela tem como motivação primeira, a própria função, que é a construção de um abrigo. O aspecto plástico vem de-pois, não é uma motivação imediata para a criação de uma arquitetura.

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ROSA KLIASS:

Bom, ao meu ver, de uma forma resumi-da, a conceituação de artes visuais é bem complexa. O que são artes visuais? São objetos que são visíveis, a literatura por exemplo, não é uma arte visual. O cine-ma, é uma arte visual? Mas a Arquitetu-ra tem também uma primeira função, de abrigo, daí vem toda a história da ar-quitetura com a arte desde a idade média. E o Paisagismo também. Tem praças me-dievais que são obras de arte. A obra de arte é utilitária enquanto está criando a condição de vista. Isso é uma utilidade, não é prática, eu não a uso, mas eu gozo.

PROF. CAROLINA BORGES:

Aqui em Brasília está acontecendo um processo de desocupação da orla do lago do Paranoá, que é uma área pública, mas que foi apropriada pelos moradores das proximidades do lago desde o início de Brasília. O proble-ma, que é não só ambiental, mas que se tornou político, se dá pelo choque de interesses entre a população que mora nesses locais, e que acredita ter o direito de privatizá-la, e o restante da população de Brasília. Qual é a importância da manutenção das áre-as livres nas proximidades de cursos d`água para a cidade e como seria um modo de tratar esses espaços paisagis-ticamente?

ROSA KLIASS:

Isto está dentro de uma ideia de plane-

jamento Urbano. Nesse planejamento urbano, você vai definir as áreas que são passíveis de serem construídas e as áre-as que devem ser preservadas. Beira de Lago é algo conceitualmente já definido, onde os espaços devem ser preservados por várias razões, mas a primeira delas, é que geralmente os lagos, dependem da área de infiltração que ela tem no entor-no. O quanto que essa área se estende, isso é uma questão de se fazer estudos hidrológicos, além de um levantamento planialtimétrico cadastral. Existem vários tipos de levantamentos que você precisa fazer para poder definir quais são os usos de beira de água, tanto rios quanto lagos.

PROF. YARA REGINA OLIVEIRA (CAU/UCB):

Uma coisa que a senhora colocou muito interessante na palestra, foi a questão do plano paisagem. A sen-hora acha que seria pertinente em um caso desse?

ROSA KLIASS:

O planejamento paisagístico tem várias escalas. Você pode ter um planejamento paisagístico regional, que pega várias ci-dades, e eu tenho casos que eu estudei e fiz. As várias cidades do Vale do Paraí-ba, que nós fizemos um estudo conjun-to, onde entrou geógrafo, climatólogo, botânicos, urbanistas, até profissionais da administração, política, etc. E a outra já é da cidade mesmo, como os planos da paisagem que eu fiz em São Luís e Salva-dor. Então você define também o que são

os espaços abertos, que tipo de espaço aberto, inclusive não só de aspectos físi-cos como tamanho, mas de qualidade. Por exemplo, se vou colocar uma área verde ali porque já tem uma vegetação, eu quero mantê-la. Ou então, se não tem vegetação, mas aqui é um bairro que não tem espaço verde, então eu vou fazer, mas não tem vegetação, o que vou fazer com isso? Eu posso fazer uma área de recreação. Dependendo do tamanho, vou fazer de recreação infantil, ou maior, de bairro. Enfim, esse nível de planejamento.

PROF. CAMILA GOMES SANT’ANNA:

Qual é o grande desafio para senhora criar, um dos meus grandes sonhos, uma escola de paisagismo no Brasil, uma formação de arquiteto paisagista no Brasil?

ROSA KLIASS:

Eu acho que é realmente a reação dos Ar-quitetos.

LUIZA DIAS COELHO:

Como foi o processo de criação da Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas? Como foi desvincular a profissão do arquiteto paisagista?

ROSA KLIASS:

Essa é uma historinha. Eu estava em um encontro da IRLA (Institute of Registered Landscape Architects) nos Estados Uni-dos, e nessa reunião, que era uma re-união técnica, que tinha o pessoal da

IFLA, (International Federation of Land-scape Architects), da Europa, que naque-la ocasião estava sediada em Portugal, e o presidente da IFLA era um alemão. O secretário era o Edgar Fontes, que era o diretor de parques e jardins de Lisboa. Então eles foram para lá, e o fato de eu falar português, era uma coisa incrível, pois na IFLA era assim: o alemão cheg-ava e falava alemão comigo, o francês chegava e falava francês, o italiano falava italiano, espanhol falava espanhol, ... E quando chegava uma certa hora, eu não sabia nem mais falar português. Daí eles vieram conversar comigo, o Edgar Fontes conversou muito, e uma hora ele disse pra mim: “Como pode acontecer, que no Brasil, não existe uma associação de ar-quitetos paisagistas?” Porque não tinha, eu era membro individual, e eu disse pra ele: “Não tem arquiteto paisagista, como vai ter uma associação? E o Burle Marx?”, eu disse: “O Burle marx , é o Burle Marx, ele não faz uma associação, mas eu pro-meto uma coisa pra você, chegando lá eu vou ver qual é a possibilidade de se criar uma associação.” Daí, eu cheguei em São Paulo e fui catar um professor de urbanismo em Porto Alegre, que tinha escrito um opúsculo sobre o paisagismo. Daí, uma moça lá em Belém do Pará, que eu sabia que tinha feito alguma coisa. E, de São Paulo, eu conheço as pessoas que trabalhavam na área. Chamamos todo mundo. Em 1976 foi criada a ABAP (As-sociação Brasileira de Arquitetos Paisagis-tas), e esse foi realmente um ato, não de bravura, pior que isso, de irresponsa-bilidade quase. Mas pegou bem, e em

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1978 eu tive a petulância de fazer um congresso da IFLA em Salvador na Ba-hia, porque eu estava fazendo alguns tra-balhos em Salvador, e a minha pretensão era a seguinte: tinha muita gente lá e eu já tinha até almoçado na casa do Gov-ernador, imaginei: “Vai ser fácil né?” E nós estávamos em plena ditadura naque-la época. Daí começamos a organização do congresso. Com Marilda, que é uma grande amiga minha de lá, profissional da arquitetura também, eu falei: “Marilda, a gente faz isso brincando”. No meio do caminho, era ditadura, caiu o governa-dor e entrou outro que ninguém sabia quem era. E aí? Olha, eu não sei como, mas nós conseguimos fazer o congres-so internacional. Veio gente do mundo todo, equipes japonesas, da Finlândia, Nova Zelândia, ... Foi uma coisa fantásti-ca, e o Burle Marx presidiu. E o momento foi curioso porque, quando eu criei a As-sociação Brasileira de Arquitetos Paisagis-tas, foi junto com Fernando Chacel, que também naquela época queria muito. Eu falei: “Chacel, nós temos que ir lá ao IAB apresentar a ABAP.” Nós chegamos lá e falamos: “Nós criamos a Associação Bra-sileira de Arquitetos Paisagistas”. E o pres-idente da IAB falou, “Mas como vocês ousaram? Sem consultar o IAB!” Aí eu contei uma historinha pra ele, eu adoro contar historinhas, eu disse: “Quando eu estava namorando o Edimir, meu marido, cheguei pro meu pai e falei, ‘olha pai, eu estou namorando’, e ele disse, ‘mas como? Sem me consultar?’, eu disse, ‘pai, você acha que se o senhor dissesse não, eu iria terminar? Não! Eu só estou te

avisando.” Aí eu disse pro presidente da IAB: “Pois é. É a mesma situação”.

PROF. CAROLINA BORGES:

Sobre a arquitetura paisagística de Brasília, que é muito marcada pelo tra-balho de Burle Marx, qual é a opinião da senhora?

ROSA KLIASS:

As áreas que realmente foram desenha-das pelo Burle Marx são maravilhosas, mas eu acho que Brasília sofre de um mal “antiburlemarxiano”. Existe uma reação muito grande. As superquadras não tem nenhuma concepção paisagística.

PROF. CAMILA GOMES SANT’ANNA:

Como fazer para que os arquitetos da paisagem façam sugestões sobre a oferta do que será produzido nas três escalas – ambiente, cidade e ar-quitetura –, e não ficarem tão presos à demanda do que nós é oferecido. Porque a todo momento dos trabalhos da senhora, vemos o quanto a senhora muda a demanda e a torna uma ofer-ta, por exemplo, quando alguém fala “Vamos fazer isso”, e a senhora diz, “Não. Nós vamos fazer isso”. O quan-to isso é importante para a profissão?

ROSA KLIASS:

Isso eu acho que é importante para qualquer profissão. Você acha que em medicina, alguém pode dizer: “olha, você vai ter que fazer isso”? Não, o medico vai

verificar realmente o seu diagnóstico e vai dar seu remédio. Assim é a mesma coisa com a arquitetura e a arquitetura pais-agística. Você tem que, realmente, diag-nosticar a situação e propor o que fazer.

PROF. CAROLINA BORGES:

Dona Rosa, muito obrigada pela sua atenção.

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(...) eu não sei se acredito muito nesse negócio de in-

spiração. Havia um arquiteto que dizia “é mais transpiração que inspiração”. Tem que tra-

balhar muito. Rosa Kliass

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RESUMO

A pesquisa teve como foco um tipo es-pecial de espaço livre público conhecido como “parque linear”. Os parques lin-eares são equipamentos que abrigam a biodiversidade local, buscando conciliar a problemática ambiental aos usos antrópi-cos, utilizando-se de um paisagismo ba-seado em preceitos ecológicos. A orla do Lago Paranoá apresenta divergências de expectativas de uso, entre a popu-lação que habita as margens do lago e que acredita ter o direito de privatizá-la versus o restante da população brasil-iense, que deseja utilizar o local com uma grande área de lazer. O objetivo geral foi a investigação dos conflitos que im-pedem a liberação das margens do Lago Paranoá, propondo alternativas capazes de diminuir a situação de degradação na orla. Esses conflitos se refletem na legis-lação ambiental, que prediz uma faixa de preservação permanente ao longo da orla (as APPs), e na legislação urbanística, que reconhece a área como terra pública e de uso comum a todos.

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O processo de desocupação das mar-gens do Lago Paranoá, portanto, envolve questões ambientais, sociais, assim como de respeito à concepção de Brasília como cidade projetada.

Palavras-chave

Sistema de Espaços Livres, Parques Line-ares, Orla do Lago Paranoá.

INTRODUÇÃO

Atualmente as “urbes” brasileiras precis-am como nunca de novas intervenções paisagísticas, dado o aumento da popu-lação, a falta de espaços de lazer, o au-mento das taxas de consumo do solo, as constantes crises no abastecimento hídrico e a degradação de rios urbanos. E é na inovação que se destacam as novas ações, com a consolidação da recuper-ação das margens de rios, da utilização de novas tecnologias “verdes”, da pre-ocupação ambiental e a requalificação de partes significativas das áreas centrais. Conforme Macedo (2012):

A escassez de espaços alter-nativos para lazer nas cida-des brasileiras se torna uma realidade, na medida em que são ocupados os fundos de vale por vias, os campos de várzeas por loteamentos, os riachos e rios se tornam po-luídos por esgoto e lixo, e as

lagoas urbanas correm risco de desaparecer (MACEDO,

2012, p.145).

Brasília, uma cidade projetada, não foge dos problemas descritos anteriormente, à medida que nos deparamos recentemente com registros de inundações em vários pontos da cidade e com a constatação de assoreamento do Lago, que a cada ano vem perdendo parte de seu espelho d’água. Além disso, novas formas de uso vêm sendo propostas para as águas do lago, como a captação para o consumo humano, o que aumentaria o quadro de conflitos.

Através de um estudo de campo ao lon-go das margens do Lago Paranoá, esta pesquisa, fruto de uma tese de doutorado defendida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília em 2016, procurou diagnosticar a degradação da paisagem nas Áreas de Preservação Permanente deste lago, podendo servir de auxílio para a implantação de novos cenários paisagísticos.

Como forma de mitigar muitos proble-mas, na última década, um grande núme-ro de pesquisas científicas relacionadas ao tema específico dos parques lineares começaram a ser desenvolvidas, acred-itando-se que eles possam servir como um novo mecanismo de união entre a conservação de elementos naturais e as expectativas humanas de entretenimento. Nesse caso, parte-se da hipótese de que esses espaços livres poderiam servir como

um instrumento criativo e viável para uma possível melhoria de conflitos entre o uso humano e o meio ambiente no contexto urbano.

OS PARQUES LINEARES NA ATUALI-DADE

Os parques lineares estão se tornando fer-ramentas importantes para o planejamen-to de espaços livres urbanos e criação de políticas públicas voltadas à busca de uma melhor qualidade de vida para a popu-lação. Eles podem estar conectados a cór-regos, rios e lagos, podendo providenciar a restauração de terrenos alagados, a pre-venção de enchentes em áreas densam-ente construídas, condução e condiciona-mento das águas pluviais e também como uma rede de caminhos vegetados para as pessoas e para a fauna nativa.

Em termos teóricos, há uma clara tendên-cia à utilização da Ecologia da Paisagem em projetos de parques lineares. Do pon-to de vista histórico, há clara proximidade de criação de caminhos ao longo de rios, propostas já utilizadas empiricamente por Frederick Law Olmsted. Como referencial para se entender as principais diretrizes para o planejamento de parques lineares, tomaremos como referência os estudos da Ecologia da Paisagem, dentre os quais, principalmente conceitos o conceito de “corredor” (Forman e Godron,1986; For-man, 1995) e dos “corredores verdes” (Smith e Hellmund,1993; Ahern,1995; Tan, 2006).

Várias metodologias têm sido desenvolvi-das para conceber corredores verdes efi-cazes. Sensoriamento remoto, Sistema de Informação Geográfica (SIG) e quan-tificação da fauna, flora, ambiente físico e perturbação antrópica são amplamente utilizados em análises baseadas em real-izações de mapas temáticos. As pesquisas envolvendo a análise ambiental de uma área de estudo, em que são identificados vários condicionantes e realizados uma sobreposição de informações, ficaram conhecidos como “Abordagem da Ade-quação da Paisagem” (Landscape Suita-bility Approach) e têm forte tradição com planejamento ambiental.

Os avanços nos estudos da ecologia da paisagem aprofundaram o conhecimen-to a respeito das relações de equilíbrio dinâmico em ecossistemas fluviais. For-man e Godron (1986) criaram um princí-pio baseado em conceitos espaciais para a criação de paisagens sustentáveis, em que diferentes usos do solo podem ser criados, porém devem-se manter corre-dores e pequenas manchas de natureza por meio das áreas a serem desenvolvidas. Entre esses padrões indispensáveis estão:

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1) Manutenção de grandes manchas de vegetação original;

2) Corredores suficientemente largos de vegetação ao longo dos principais cursos d’água;

3) Manutenção do contato entre as grandes manchas para o fluxo de es-pécies-chave;

4) Manutenção de fragmentos naturais heterogêneos no meio das áreas construí-das. A manutenção de corredores ao lon-go dos principais cursos d’água constitui rotas de dispersão de espécies e protege o solo dos processos erosivos (FORMAN e GODRON, 1986 apud NDUBISI, 2002 p. 184).

Um dos primeiros estudiosos a conceituar os corredores verdes foi Ahern (1995), na metade da década de 1990. Ele faz uma contribuição importante, na medida em que suas definições se adequam ao plane-jamento de parques lineares urbanos. A característica principal desses espaços, se-gundo Ahern, é a sua linearidade e que a rede formada pelos seus caminhos deve criar vínculos e conexões espaciais em várias escalas. Também são espaços pre-dominantemente multifuncionais e que os objetivos devem levar em conta as questões ambientais e econômicas.

Morfologicamente, portanto, os parques lineares caracterizam-se pela pequena di-mensão no sentido da largura em relação ao seu comprimento. Segundo Macedo (2012), a finalidade de um parque linear

está sempre centrada no aproveitamento formal e conservação de um corpo d’água ou de remanescentes de matas nativas, sendo que esses elementos sempre bal-izam morfologicamente o logradouro. Sua configuração espacial estende-se pelo equivalente a muitas quadras e corta áreas significativas do tecido urbano. Ain-da segundo esse autor, eles tornaram-se comuns recentemente no Brasil, levando ao surgimento de inúmeros espaços livres públicos, ou ao menos à criação de es-toques de terras para a criação de futuros parques. Conforme Macedo (2012):

Os parques lineares, típicos dos anos 2000, caracteri-

zam-se pelo apelo conserva-cionista dos seus princípios geradores, que condicionam a sua existência, a princípio, à proteção de corpos d’água, em especial pequenos rios e riachos (MACEDO, 2012,

164).

Analisando parques lineares recente-mente projetados ao redor do mundo, Tan (2006) relata que em muitas cidades esses espaços incialmente planejados para recreação, interação social, preservação cultural e histórica têm se adaptado para acomodar usos adicionais como proteção dos habitats, proteção a inundações e regulação do clima, figuras 4 e 5.

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Portanto, o parque linear vem obtendo visibilidade recentemente, porém não ex-iste ainda uma classificação exclusiva que abarque todas as suas complexidades fun-cionais. No intuito de classificar este tipo de espaço livre, foi realizado uma classifi-cação mais abrangente, intitulada “Nova proposta para a Classificação de Parques Lineares”, como pode ser visto no Quadro 1.

01) Renaturalização de cursos d’água canalizados ou enterrados por infraestruturas urbanas (ruas, autoestradas, viadutos);

02) Recuperação da vegetação nativa degradada ao longo de corpos d’água degrada-dos;

03) Recuperação do solo das margens ao longo de corpos d’água degradados;

04) Recuperação de zonas portuárias;

05) Renovação urbana de áreas centrais;

06) Conexão de biomas ou manchas de vegetação fragmentados;

07) Evitar enchentes, facilitar o escoamento das águas pluviais;

08) Criação de Trilhas recreativas;

09) Criação de Rotas cênicas;

10) Criação de Rotas históricas;

11) Criação de uma rede de parques lineares de abrangência regional;

12) Promoção do Lazer em orlas Marítimas;

13) Promoção do Lazer em orlas Fluviais;

14) Promoção do Lazer em orlas lacustres (reservatórios naturais);

15) Promoção do Lazer em orlas lacustres (reservatórios artificiais);

16) Requalificação de antigas linhas de trens;

17) Requalificação do entorno ao longo de estradas e autoestradas;

18) Multifuncionais (englobam várias das funções mencionadas).

A investigação realizada sobre as diferen-tes categorias de sistema de espaços livres ajuda a compreender o estado da arte atual, na medida em que existe uma gran-de complexidade de projetos de parques lineares sendo atualmente realizados em diversos países do mundo.

O LAGO PARANOÁ E SUA PAISAGEM BU-CÓLICA

Fonseca (2001) relata que como um dos condicionantes do projeto urbanístico, o Lago Paranoá passou a ser considerado como o maior patrimônio ambiental da escala bucólica da cidade. Entre as capitais nacionais com represas urbanas e grande quantidade de espaços abertos equipa-dos, destaca-se Brasília, que tem em seu lago uma referência muito marcante na paisagem. No entanto, conforme Cidade (2010), a organização espacial das gran-des cidades brasileiras tende a refletir-se em segregação e em uma distribuição desigual de equipamentos urbanos e de acesso a amenidades.

As importantes funções ambientais de-sempenhadas pelas margens dos cursos d’água justificam o seu enquadramento em uma categoria que precisa ser preser-vada, conhecida como “Área de Preser-vação Permanente” pelo Código Flores-tal Brasileiro (Lei 12.651/2012). Segundo Mello (2008), o conceito de APP carregava inicialmente o princípio da intangibilida-de, ou seja, a proibição de uso e ocupação humana. Esse princípio, segundo a auto-ra, chocava-se com usos urbanos tradicio-nais, inclusive com a “atração” que as or-las aquáticas sempre exerceram sobre as pessoas. Dessa forma, a desconsideração das especificidades do meio urbano seria uma das razões para os conflitos das APPs nas cidades, o que gerava, segundo Mello (2008), um paradoxo:

[...] de um lado, as múltiplas funções urbanísticas e o efei-to de atração que os corpos

d’água exercem sobre as pes-soas; de outro, o dispositivo

legal que impede a ocupação formal das margens dos cor-pos d’água no Brasil, visando à preservação das suas fun-ções ambientais (MELLO,

2008, p.26).

O Lago Paranoá, criado à época da cons-trução de Brasília por meio do represa-mento do Rio Paranoá, conta com uma extensão de 37,5km² e profundidade má-xima de até 45m, próximo de sua barra-gem. O Lago foi pensado para cumprir múltiplas funções, dentre as quais: embe-lezamento da nova capital, amenização do clima, navegação e lazer à população. Porém como equilibrar tantas funções com a manutenção dos ecossistemas do Distrito Federal? As APPs surgiram com uma proteção jurídica, de forma a asse-gurar a relação sustentável entre o bem--estar da população e a manutenção de uma paisagem natural sadia.

Vários autores, como Fonseca (2001), Mello (2008), Cidade (2010), Menezes (2010), CLDF (2014), identificaram posi-cionamentos sobre o uso e ocupação ir-regular das margens do Lago Paranoá. Os estudos apontam a existência de leis e po-líticas públicas responsáveis pela preser-

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QUADRO 1 – NOVA PROPOSTA PARA A CLASSIFICAÇÃO DE PARQUES LINEA-RES (MEDEIROS, 2016, P.101)

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vação e monitoramento da orla do Lago, mas ficam evidentes as suas ineficiências.

O Lago Paranoá vem sofrendo os impac-tos das atividades urbanas. Entre os prin-cipais problemas ambientais está o asso-reamento, com a consequente redução do volume d’água armazenada, perda de qualidade da água, diminuição da capa-cidade de geração de energia além de di-ficuldades à prática de esportes náuticos, como verificado nos estudos de Menezes (2010), figuras 6, 7.

O INÍCIO DA DESOCUPAÇÃO DAS MARGENS DO LAGO PARANOÁ – UMA NOVA ERA PARA A ORLA?

O fácil acesso à cidade deveria ser privi-légio de todos, e a ocupação consciente de mais espaços nas proximidades do Pla-no Piloto, em Brasília, com a proposição de projetos urbanos que não agridam o meio ambiente, deve ser discutida como uma evolução urbana sadia para a cida-de. As margens do Lago Paranoá deve-riam permanecer intocadas para manter o desenho urbano de Brasília. Lucio Costa confirma esses preceitos, quando fala da importância da arborização, da manuten-ção da vegetação nativa e das extensas áreas livres que devem ser mantidas contí-guas às áreas edificadas:

E a intervenção da escala bu-cólica no ritmo e na harmo-nia dos espaços urbanos se faz sentir na passagem, sem transição, do ocupado para o não ocupado – em lugar de

muralhas, a cidade se propôs delimitada por áreas livres arborizadas (COSTA, 1987,

p.03).

A escala bucólica, portanto, tem o sentido de valorização paisagística tanto do con-junto urbano quanto das áreas de lazer no campo ou no Lago. No documento Brasí-lia Revisitada, Lucio Costa aponta as ca-racterísticas buscadas para a Orla do Lago Paranoá:

O plano piloto refuga a ima-gem tradicional no Brasil da barreira edificada ao longo da água; a orla do lago se pretendeu de livre acesso a todos, apenas privatizada no caso dos clubes. É onde prevalece a escala bucólica.

(COSTA, 1987, p.04).

Ao longo das décadas, os moradores das margens do Lago Paranoá invadiram e pri-vatizaram área pública, aumentando seus lotes e impedindo o livre acesso à orla do Lago. No ano de 2005, a Ação Civil Públi-ca MPDFT n.º 2005.01.1.090580-7/2005 condenou o Governo do Distrito Federal a elaborar um Plano de Fiscalização e Re-moção de construções na APP, um Plano de Recuperação das Áreas Degradadas na APP, um Projeto de Zoneamento e um Pla-no de Manejo da APA do Lago, além de um Plano Diretor Local para os Lagos Sul e Norte. Em 25 de agosto de 2011, a Ação transitou em julgado.

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Fig 6 e Fig 7: mapas da variação da borda limite do espelho d’água do Lago Paranoá no Braço do Riacho Fundo e no Braço do Ribeirão Bananal, no ano de 2009. Fonte: adaptado de Menezes (2010, p.110).

Do ano de 2005 até 2015 ocorreram vá-rias medidas liminares favoráveis à Asso-ciação de Moradores do Lago Paranoá, entidade que representa os interesses dos moradores do Lago Sul e Norte (Alapa), que alegava que a população local não estava sendo ouvida, sendo contrária à desocupação da orla. Essas medidas limi-nares atrasavam invariavelmente qualquer tentativa de se organizar um cronograma de desocupação, frustrando a iniciativa do MPDFT. Um acordo só foi fechado entre o MPDFT e a Procuradoria-Geral do Distrito Federal em 2015, prevendo inicialmente a remoção de cercas, muros, grades e ou-tras instalações que estivessem a menos de 30m do lago.

No dia 24 de agosto de 2015, com intensa cobertura midiática, os agentes de fiscali-zação começaram a desocupação da orla. Nesse dia inicial, as ações concentraram--se em quatro lotes da Península dos Mi-nistros, na SHIS QL 12, Conjunto 8. Além da retirada de cercas e muretas, também foram aterradas piscinas e qualquer irre-gularidade encontradas na faixa de 30m das Áreas de Preservação Permanente, fi-guras 8 e 9.

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Em janeiro de 2016, uma parceria entre a Novacap, o Jardim Botânico de Brasília e o Instituto Chico Mendes de Conserva-ção da Biodiversidade (ICMBio) apresen-tou uma proposta de zoneamento para a Península dos Ministros, com a divisão do espaço em quatro zonas, figura 10. O projeto não foi detalhado, também res-saltamos que este não foi fruto de um concurso público, revelando uma pressa no governo em entregar e implantar os equipamentos de maneira mais rápida possível.

A ideia é conciliar o uso das APPs do Lago Paranoá com a população, de uma ma-neira em que haja um equilíbrio da ve-getação, da qualidade da água e do livre acesso da fauna, de forma similar a que se encontra, por exemplo, nos parques li-neares. Percebe-se, no entanto, que não se sabe ainda de maneira concreta como se dará essa intervenção, quais parâme-tros serão usados e se haverá um concur-so público para um projeto de interven-ção paisagística. A população de Brasília mostrou-se animada com as novas pos-sibilidades, o início da desocupação da orla foi festejado com um evento popular chamado “Isoporzinho na orla do Povo”, uma espécie de piquenique comunitário realizado no Parque Vivencial do Anfitea-tro Natural do Lago Sul, na Península dos Ministros, figura 11.

Em março de 2016, houve uma nova revi-ravolta. O desembargador Souza Pruden-te, da 1ª Região do Tribunal Regional Fe-deral, suspendeu a desocupação na Orla do Lago Paranoá sob argumentação de que falta um plano prévio de prevenção de dano ambiental. O desembargador atendeu ao requerimento de moradores que alegam que o governo não tem um planejamento adequado para a área, ori-ginando depósitos de lixo que propiciam a proliferação de mosquitos. Está claro, no entanto, que as obras estão em fase de andamento e que demandarão tempo para serem concluídas. Essas tentativas de desclassificar a ação do governo revelam nada mais que o interesse dos moradores locais em voltar à situação em que tinham o privilégio de privatizar a orla para seu próprio usufruto.28 29

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Fig 10: Proposta de zoneamento realizado por técnicos do Governo de Brasília para a Península dos Ministros. Fonte: <www.correiobraziliense.com.br>, acesso em janeiro de 2016. Fig 11: Comemoração do início das ações de desocupação da orla, slogan do evento Isoporzinho: “A festa

será de muitos! A orla será de todos”. Fonte: foto do autor, 2015.

UM PARQUE LINEAR AO LONGO DA ORLA DO PARANOÁ COMO SOLUÇÃO DE CONFLITOS

O processo de desocupação da Orla é uma oportunidade única para se pensar em novos cenários paisagísticos para a cidade. Acredita-se que a criação de um grande espaço livre público que poderia interligar toda a orla, fazendo a conexão de vários parques ecológicos, tratado da maneira de um grande parque linear, ten-do como condição básica o livre acesso, a recuperação do solo e da vegetação nativa nas APPs. As batalhas judiciais, no entanto, ainda não acabaram: o governo encontrou dificuldades no processo de derrubada dos muros e cercas, além de muitas críticas por parte dos moradores locais, que insistem em protocolar ações judiciais a todo momento contra as deso-cupações.

Ter Brasília como uma cidade verdadei-ramente debruçada sobre seu lago é um sonho que nunca esteve tão perto de ser alcançado. A capacidade de continuação de programas públicos será fundamen-tal para o sucesso das ações de desocu-pação da orla e o apoio da sociedade é fundamental nesse processo. O tratamen-to dado às margens do Lago Paranoá, portanto, poderia ser pensado como um grande parque linear multifuncional, con-ciliando a acomodação das águas em dias de chuvas, biodiversidade e diversos usos de lazer.

Poder-se-ia, por exemplo, percorrer a ba-cia do Lago Paranoá de Norte a Sul, pela beira d’água, a pé ou de bicicleta, através de longas pistas de cooper e ciclovias.

Para futuras atuações na orla do Lago Pa-ranoá, seria necessária a revisão das con-dições atuais das margens, baseada em conceitos ecológicos que respeitassem as Áreas de Preservação Permanente e as sensibilidades ambientais do lago. Tam-bém seria importante a apresentação, por parte do governo, de projetos urbano--paisagísticos para as áreas de intervenção de maneira formal, com o devido detalha-mento, para acabar com as alegações da Justiça Federal de que falta um planeja-mento adequado.

Por fim, podemos perceber que um se-tor privilegiado da sociedade se utiliza de todos os artifícios para desclassificar as ações governamentais, escondendo o verdadeiro motivo para tal, que é a manu-tenção da privatização da orla, e assim a valorização de seus lotes. A partir de ago-ra, deve haver uma maior dedicação para que esses espaços livres sejam finalmen-te entregues para a população, tanto por parte do governo, quanto por parte dos cidadãos, pressionando a opinião pública em favor do retorno das obras.

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RESUMO

Dado que o Cerrado é uma savana, uma expressão paisagística do bioma não pode se furtar à manifestação de sua flora ras-teira, composta por plantas herbáceas (sobretudo gramíneas), arbustivas e sub-arbustivas. No entanto, tal flora é amp-lamente negligenciada em projetos de arquitetura da paisagem e inexiste em viveiros convencionais.

O Cerrado sofre uma excepcional perda de habitat. Como a arquitetura paisagísti-ca pode contribuir para mitigar tamanha destruição? Para Burle Marx, o jardim, o espaço coletivo, induz os indivíduos a quererem preservar o que é de todos. Além disso, aposta-se cada vez mais na importância dos espaços urbanos na con-servação da biodiversidade, a partir da compreensão de que reservas naturais, apenas, não são suficientes para garantir sua perpetuação.

Nos países de clima temperado, os jar-dins naturalistas contemporâneos apos-tam na utilização de plantas herbáceas perenes, sobretudo gramíneas, para a criação de comunidades vegetais com alta

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biodiversidade, que requerem baixa ma-nutenção. Esses jardins podem fornecer um repertório formal, uma linguagem, que nos ajudem a identificar potenciali-dades paisagísticas de plantas nativas do Brasil Central? Podem, ainda, ajudar na formatação de um arcabouço conceitual e metodológico para a criação de uma ex-pressão paisagística da savana brasileira?

Palavras-chave

Arquitetura paisagística, Cerrado, savana, biodiversidade urbana, naturalismo

CERRADO: SAVANA BRASILEIRA

O Cerrado é o segundo maior bioma da América do Sul. Com mais de 2 milhões de km², ocupa cerca de 22% do território nacional, incide sobre 15 estados brasilei-ros e funciona como elo entre quatro dos cinco demais biomas (Floresta Amazônica, Pantanal, Caatinga e Mata Atlântica).

O Cerrado é uma savana – termo aplicado em todos os continentes e em diferentes latitudes do globo terrestre, que designa, como senso comum, “paisagem com um estrato graminoso contínuo ou descontín-uo, contendo árvores ou arbustos espalha-dos” (SANO, ALMEIDA & RIBEIRO, 2008). Entre todas as savanas do mundo, o Cer-rado é aquela onde ocorre maior biodiver-sidade. Sua flora conta com mais de 11 mil espécies, sendo 40% delas endêmicas (que não ocorrem em outro lugar).

Assim, a camada rasteira é um compo-nente importante em todas as formas de vegetação do Cerrado – desde o campo

limpo, onde as árvores cobrem menos de 10% do terreno, até o cerradão, com 70% de cobertura de copas (RIBEIRO & WALTER, 1998). Na Chapada Pratinha, por exemplo, onde se encontra o Distrito Federal, a proporção entre espécies arbus-tivo-herbáceas em relação às arbóreas é de 4,5:1 (MENDONÇA et al., 1998, apud MUNHOZ, 2003).

Dado que o Cerrado é uma savana, uma expressão paisagística do bioma não pode se furtar à manifestação de sua flora ras-teira, composta por plantas herbáceas (sobretudo gramíneas), arbustivas e sub-arbustivas. No entanto, tal flora é amp-lamente negligenciada em projetos de arquitetura da paisagem e inexiste em viveiros convencionais.

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INTRODUÇÃO DE ESPÉCIES NATIVAS AO PAISAGISMO

Roberto Burle Marx dedicou sua extraor-dinária carreira à incorporação de plantas da flora nativa brasileira e tropical a seus projetos de parques e jardins, ao recon-hecer, não apenas seu potencial orna-mental, mas de conservação ecológica e fortalecimento da identidade local. Em diversas ocasiões, urgiu que seus colegas paisagistas fizessem o mesmo:

O objetivo deve ser sempre o de refletir a paisagem cir-cundante, plantar no jardim as espécies que crescem na região, já adequadas ao solo e ao clima. Um jardim deve pertencer, em espírito, ao

lugar onde está situado, pois, por mais cuidadoso que te-nha sido seu planejamento, nunca se apresentará perfei-tamente bem se as plantas

que o constituem não forem ecologicamente compatíveis. E consegui-lo deve ser um dos objetivos do paisagista.

(MARX, 2004, pg. 62).

Neste século 21, reacende-se, em diversas partes do mundo, o interesse na utilização de espécies nativas em paisagens con-struídas. Plantas “selvagens” com notável potencial paisagístico são buscadas na na-tureza (o chamado plant hunting) e têm sua reprodução testada para que possam ser incorporadas ao sistema comercial.

The garden, landscape and nursery professions are now increasingly turning to their own floras rather than this

global lowest common deno-minator mix. The reasons are many: a desire to celebrate

regional diversity, patriotism, a wish to support biodiver-sity, and a need for species

which are guaranteed to sur-vive the onslaught of difficult local climates. (OUDOLF & KINGSBURY, 2013, pg. 18).

Jardins com plantas nativas tendem a ter menor pegada ecológica e a contribuir para a sustentabilidade dos ambientes onde se inserem. Em seu livro Planting: a new perspective, Oudolf e Kingsbury afirmam que “the further away from a natural situation a planting is, the more work is required to maintain it” (pg. 35). Amalia Robredo, paisagista argentina que tem desenvolvido notável trabalho com a domesticação de herbáceas e gramíneas

nativas – muitas delas, ameaçadas de ex-tinção – na costa do Uruguai, afirma, a re-speito das vantagens de se utilizar plantas nativas no paisagismo:

Para começar, não é neces-sário melhorar o solo – a

menos que haja havido uma perturbação importante,

é claro. Por outra parte, as plantas nativas, por seleção natural, são espécies que

já resistiram, que são mais fortes; em geral, são plantas resistentes a doenças, que não demandam pulveriza-ções, que não são atacadas

por pragas massivas da mes-ma forma que as plantas exó-ticas. Têm suas ferramentas

para se defender. Além disso, são adaptadas às variações

do clima existente. Não quer dizer que, por serem nativas, não vão precisar de cuidados,

mas realmente demandam menos esforços de manuten-

ção. (ROBREDO, 2016)

Em Brasília-DF, o projeto Jardins de Cer-rado visa a lançar um novo olhar sobre a flora rasteira do bioma e a ressaltar a importância ecológica e o potencial pais-agístico dessas formações florísticas, su-perando a exclusividade normalmente conferida às árvores em iniciativas de pais-agismo e restauração do bioma. O projeto é uma parceria entre a arquiteta paisagista Mariana Siqueira (autora deste artigo) e o Restaura Cerrado, um coletivo composto pelo Centro Nacional de Pesquisa e Con-servação da Biodiversidade do Cerrado e da Caatinga, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (CE-CAT – ICMBio), pelo Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB) e pelas Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e Embrapa Cerrados. A ini-ciativa conta, ainda, com o inestimável apoio da paisagista Amalia Robredo, que em paralelo ao seu intenso e pioneiro pro-cesso de introdução de plantas nativas ao paisagismo na costa Uruguai, generosa-mente somou-se à equipe dos Jardins de Cerrado.

Nesse contexto interdisciplinar, paisag-ismo e restauração pretendem interagir e informar-se mutuamente: enquanto o Restaura Cerrado transfere conhecimento e experiência para a introdução de novas espécies ao paisagismo, a busca por plan-tas com potencial ornamental, feita na natureza por paisagistas (o chamado plant hunting), pode levar a um incremento da paleta vegetal utilizada na restauração.

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A primeira das iniciativas do projeto Jar-dins de Cerrado foi a montagem de um experimento no Jardim Botânico de Brasília – com apoio de sua equipe – para a avaliação da germinação e do desen-volvimento de plantas com potencial or-namental já utilizadas nos projetos de restauração. Paralelamente, são feitas ex-pedições de plant hunting para busca de novas espécies, além de palestras e ativ-idades correlatas que visam a despertar um novo olhar sobre a flora rasteira da savana brasileira.

ARQUITETURA PAISAGÍSTICA E CON-SERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Apesar de apresentar extrema abundân-cia de espécies endêmicas e de abrigar as nascentes das três maiores bacias hi-drográficas da América do Sul (Amazôni-ca/Tocantins, São Francisco e Prata), o Cerrado sofre uma excepcional perda de habitat devido, principalmente, à ex-pansão da fronteira agrícola brasileira, feita com vistas à produção de carnes e grãos para exportação, e à exploração predatória de seu material lenhoso para produção de carvão. Inúmeras espécies de plantas e animais correm risco de extinção: estima-se que 20% das espécies nativas e endêmicas já não ocorram em áreas pro-tegidas e que pelo menos 137 espécies de animais que ocorrem no Cerrado estejam ameaçadas de extinção (Fonte: MMA).

Assim, o Cerrado é considerado um hot-spot mundial (região biogeográfica com uma significativa reserva de biodiversi-dade ameaçada pela ação humana) e, de todos eles, é o que possui menor porcent-agem de áreas sobre proteção integral (apenas 2,85%).

O Cerrado está em perigo. Como a ar-quitetura paisagística pode contribuir para mitigar tamanha destruição?

A missão social do paisagista tem esse lado pedagógico de fazer comunicar às multidões

o sentimento de apreço e compreensão dos valores da natureza pelo contato com o jardim e o parque. [...] Tam-bém a nossa atitude tem um sentido projetivo, em relação ao futuro, para mostrar que houve alguém preocupado

em deixar um legado valioso em estética e utilidade para

os pósteros. (MARX, 2004, pg. 94).

Para Burle Marx, o jardim, o espaço co-letivo, induz os indivíduos a quererem preservar o que é de todos. No contexto do Cerrado, cuja vegetação ainda parece ser percebida por muitos como mato, ou algo sem valor intrínseco, a introdução de espécies nativas em jardins pode ter uma importância crucial. Mais que sim-plesmente utilizar plantas da região, seria desejável traduzir, ao menos em parte, o espírito do bioma, e enfatizar o estrato ar-bustivo e herbáceo tão marcante nas pais-agens da savana brasileira.

Mas ajudar a estabelecer relações cul-turais e afetivas com o território é apenas uma das missões da arquitetura da pais-agem. Em um mundo cada vez mais com-plexo, a disciplina deve responder, de uma

só vez, a muitos desafios. Além de criar cidades mais humanas e acolhedoras, é crescente a consciência de que a profissão deve servir, também, para recriar habitat para a vida selvagem e, com isso, ajudar a conservar a biodiversidade; proporcionar a retenção e a absorção de águas pluviais; criar microclimas mais amenos e combat-er os efeitos das ilhas de calor urbanas, entre outros (THOREN, 2014).

A biodiversidade urbana é um tema ainda pouco explorado, mas em plena ascensão em institutos de pesquisa e universidades em todo o mundo (CONNIFF, 2014). Apos-ta-se cada vez mais na importância dos espaços urbanos na conservação da bio-diversidade da fauna e da flora, a partir da compreensão de que reservas naturais, apenas, não são suficientes para garantir sua perpetuação (CHUA,2015).

The trees, shrubs, and flowers in that ostensibly gre-en infrastructure also need to benefit birds, butterflies, and other animals. They need to provide habitat for breeding, shelter, and food. Where pos-sible, the habitat needs to be arranged in corridors whe-re wildlife can safely travel.

(CONNIFF, 2014).

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Fig 14 – Experimento do projeto Jardins de Cerrado no Jardim Botânico de Brasília. O objetivo é avaliar a germinação e o desenvolvimento de plantas com potencial ornamental. (Foto: Mariana Siqueira)

A criação de corredores bióticos de enver-gadura metropolitana é, de fato, uma das grandes agendas urbanas neste começo de século, como demonstram Madrid Río, parque linear de 6km na capital es-panhola (SIQUEIRA, 2011), Parque del Río Medellín, na Colômbia, a Orla do Rio Pi-racicaba, no estado de São Paulo, e o Par-que Linear Macambira Anicuns, em fase de implantação em Goiânia (SIQUEIRA, 2015).

A preocupação com a criação de habitat para a fauna em contextos urbanos, es-pecialmente para os insetos polinizadores, também está expressa em iniciativas como a criação de 60 campos de flores silvestres em cidades britânicas, modelados a partir dos prados plantados no Parque Olímpi-co de Londres (CONNIFF, 2014). Na escala regional – ou quase continental –, o High-way BEE Act, estadunidense, pretende transformar 17 milhões de acres ao lon-go de rodovias interestaduais em habitat para polinizadores ao longo de suas rotas migratórias (GREEN, 2015). Na Toscana, Itália, Francesca Bretzel e equipe estudar-am a reprodução de 26 plantas herbáceas nativas do mediterrâneo e as estão utili-zando em paisagismo e na recuperação de grandes áreas junto às cidades.

Projetos de pequena escala também têm importância na conservação da biodiversi-dade. A paisagista Amalia Robredo afirma, no vídeo Paisajismo com Hierbas Nativas, que a utilização de espécies nativas em seus jardins “es una manera de preservar nuestro património, de enriquecer los ecosistemas, porque se empieza a formar una riqueza enorme en cada uno destos pequeños jardines que van sumando al ecosistema general.” (PAISAJISMO com hierbas nativas, 2013).

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JARDINS NATURALISTAS CONTEM-PORÂNEOS E A FLORA RASTEIRA DO CERRADO

As plantas são componentes fundamen-tais em projetos de áreas livres públicas e privadas, e, no entanto, tendem a ser neg-ligenciadas nas discussões e na educação sobre a arquitetura. Em projetos de edifi-cações, é comum buscar técnicas, materi-ais e partidos arquitetônicos que melhor se adaptem ao clima e às condições do entorno. Mas o que dizer da materiali-dade de jardins, praças e parques, onde a vegetação é um componente fundamen-tal?

While the role of plants – and therefore planting de-sign – is well stablished in the domestic garden, and is absolutely crucial to its aesthetic and functional

success, it has not been so well stablished in landsca-

pe design. Or perhaps more accurately, plants have often played a minor role in urban landscape design. (…) Now, however, the use of plants is increasing, particularly that

of perennial and ornamental grasses, requiring greater ac-cess to technical information

about plant establishment and management, and to ide-as about the visual aspects of their use. (OUDOLF & KIN-

GSBURY, 2013, pg. 10).

Nos países de clima temperado, ganham destaque jardins feitos com plantas herbá-ceas perenes (gramíneas incluídas), onde são criadas comunidades vegetais com alta biodiversidade que requerem baixa manutenção: são os jardins naturalistas contemporâneos. Fala-se, até mesmo, em um movimento emergente, o chamado New Perennial Gardens. Seu expoente

máximo é o plant designer holandês Piet Oudolf, responsável por jardins surpreen-dentes como os do High Line Park, em Nova Iorque, e os do Lurie Garden, no Millennium Park, em Chicago, ambos nos Estados Unidos.

O movimento aposta no uso de plantas herbáceas e arbustivas perenes, de ciclo longo, organizadas em comunidades com grande biodiversidade, em oposição a jar-dins estruturados por blocos com mono-culturas. Estes novos jardins têm caráter naturalista e evocam ambientes quase sel-vagens; têm abertura para mudanças que acontecem ao longo do tempo, a auto-se-meadura, o envelhecimento e a morte das plantas, ou o surgimento espontâneo de novas espécies; são feitos para serem apreciados em toda a potência de sua sazonalidade; e exigem menos irrigação e manutenção que jardins convencionais (OUDOLF & KINGSBURY, 2013).

A partir da ideia de que “sob vários aspec-tos, as savanas tropicais são muito mais similares a muitos ecossistemas da zona temperada do que à floresta tropical com a qual faz contato” (BOURLIÈRE & HAD-LEY, 1983, apud SANO, ALMEIDA & RIBEI-RO, 2008), deu-se início a investigação sobre potenciais pontos de contato entre os jardins naturalistas contemporâneos e a flora rasteira da savana brasileira.

O Cerrado é caracterizado por forte sa-zonalidade, com um período de seca e outro de chuvas abundantes. Cerca de 90% da precipitação anual no bioma incidem durante os meses de outubro a

maio. Durante a seca, as plantas sofrem déficit hídrico e as nativas estão adapta-das para sobreviver nessas condições, mesmo sem irrigação. Além disso, elas têm capacidade de rápida produção de novas folhas, flores e frutos após o início das chuvas. Outro diferencial é que algu-mas plantas florescem durante a seca, por serem capazes de acessar água em cama-das profundas do solo (OLIVEIRA & GIBBS, 2000). Assim, com o estudo adequado do comportamento das plantas ao longo das estações, é possível imaginar jardins que mantenham uma cambiante beleza du-rante todo o ano.

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Considerando a suma importância das gramíneas e outras herbáceas nas com-posições florísticas do bioma Cerrado e dos New Perennial Gardens, - e a forte sa-zonalidade climática que os marca, ainda que de formas diferentes -, será possível traçar paralelos entre um e outro? Esses jardins contemporâneos podem fornecer um repertório formal, uma linguagem, que nos ajudem a identificar potenciali-dades paisagísticas de plantas nativas do Brasil Central? Podem, ainda, ajudar na formatação de um arcabouço conceitual e metodológico para a criação de uma ex-pressão paisagística da savana brasileira?

De qualquer maneira, o atual florescer da arquitetura paisagística em tantas partes do mundo pode propiciar um olhar mais atento a este importante componente das paisagens construídas, urbanas ou rurais: as plantas. Especialmente em um momen-to onde sustentabilidade e conservação da biodiversidade tornam-se pautas cen-trais na sociedade. Cabe buscar formas de praticar a arquitetura paisagística cada vez mais em sintonia com os biomas lo-cais; essa é uma forma de garantir que os projetos tenham menor gasto energético, causem menores impactos ambientais e possam contribuir para o fortalecimento de ecossistemas e identidades locais.

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RESUMO

Este artigo tem como proposta apresentar um método exploratório de análise sensív-el da paisagem a partir da escala humana. Além dos fundamentos teóricos desen-volvidos sobre a paisagem, estão inclusos fundamentos sobre a escala/sensação hu-mana – carimbo verde. Ao sistematizar o território por unidades da paisagem, tem-se por objetivo isolar aqueles elementos que fundamentam a paisagem como suporte de atividade humana, bem como objeto cultural e unidade geofísica, o que resulta como testemunho de sua história e do processo dinâmico que permite sua evolução dia após dia.

O Plano Piloto de Brasília é utilizado como laboratório para a analise do Carimbo Verde abordando o sistema de espaços livres em dois níveis: A escalas urbanas, fundamentos do principio urbanístico – residencial, monumental, gregária e bucólica – e em seguida os sistema de espaços livres da escala residencial como suporte de novas urbanidades.

Palavras chave: arquitetura da pais-agem, urbanismo, plano paisagem

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REFERÊNCIAS TEÓRICAS PARA A CON-STRUÇÃO DO MÉTODO

Carimbo Verde, mais um termo de moda? De maneira alguma. O termo foi escolhi-do por se tratar de um denominador mín-imo comum na apreciação e captura de um tempo sincrônico1 do espaço urbano sobre uma paisagem diacrônica. Para-fraseando o caminho do meio descrito por Sachs em 2009, corresponde a uma abordagem do paisagismo que pretende integrar as diferentes perspectivas e sen-sações ao longo do percurso, dentro do contexto da cidade. Entre outros textos de referência, tem-se a “Imagem da Ci-dade”, de Kevin Lynch (pág. 57), em que o autor enuncia que cada indivíduo tem uma imagem própria e única que, de cer-ta forma, raramente ou mesmo nunca, é divulgada, mas que, contudo, se aproxi-ma da imagem pública e que em meios ambientes diferentes se tornam mais ou menos determinantes, mais ou menos aceitos. O livro “A condição urbana”, de Olivier Mongin, aborda a cidade como ex-periência urbana e polifônica2:

1 A partir de Saussure, linguista genebriano, muito se falou em sincronia e diacronia. Sincrônico significa ao mesmo tempo. Diacrônico são ocorrências que aconte-cem através do tempo2 http://desafios.ipea.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1340:entrevistas-materias&I-temid=41 acessado em 02/04/2014.

Ela é primeiramente uma ex-periência física, a marcha do corpo dentro de um espaço onde prevalece a relação cir-cular entre um centro e uma periferia. A experiência urba-na e, depois, um espaço pú-

blico onde corpos se expõem e onde se pode inventar uma vida política pelo viés da de-liberação, das liberdades e da reivindicação igualitária. Mas a cidade é também um obje-to que se observa, a maquete que o arquiteto, o engenheiro e o urbanista têm diante dos olhos, uma construção, até

mesmo um maquinário, sub-metida de imediato aos flux-os da técnica e ao desejo de controle do Estado. (Mongin,

2009, p. 29-30).

Assim, a ideia do Carimbo Verde nasceu da vontade de acrescentar três fenôme-nos ao diagnóstico da paisagem:

• Levar em conta várias percepções do sujeito protagonista que, como tal, ao percorrer a paisagem, relaciona-se com tais espaços, e de como o entor-no se comunica com esses elementos, a paisagem em movimento.

• Acrescentar na analise da paisagem do sistema de espaços livres, questões sobre a gestão/uso dos espaço, públi-co, privado, semi público.

• Sedimentar os parâmetros de analise da paisagem, já desenvolvidos de for-ma teórica por profissionais arquite-tos, urbanistas, geógrafos, sociólogos, ecólogos...

Sem a pretensão de ser exaustiva, os prin-cipais elementos de observação adotados foram sistematizados em uma legenda com múltiplas entradas:

- A relação dos sistemas de espaços livres: cheios e vazios;

- Os elementos da paisagem de domínio do público, de domínio privado e dos es-paços mistos;

- No espaço não construído – espaços li-vres de construção – declina-se em espa-ço vegetal e/ou espaço mineral. Para em seguida definir categorias de unidades da paisagem em cada uma das categorias mineral ou vegetal.

- A paisagem em movimento engloba:

• o suporte do movimento, no caso uma atenção para o deslocamentos não motorizados, espaço do pedestre materializado e caminhos de desejo dos fluxos que imprimem no solo as suas marcas;

• Os marcos visuais, as panorâmicas, os feixes visuais;

• Os cenários da paisagem; franjas ur-banas, sequências urbanas, espaço peri-urbano

• Os obstáculos visuais ou físicos, trans-parências e opacidade, permeabilida-des.

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O esquema adotado para a análise da pai-sagem estrutura o conceito de paisagem ao se recorrer a três aspectos. O primeiro é o da ótica, que é a visão serial propria-mente dita, e é formada por percepções sequenciais do espaço urbano – primeiro, avista-se uma rua, em seguida, entra-se em um pátio, que sugere um novo ponto de vista de um monumento, e assim por diante. O segundo fator é o local que diz respeito às reações do sujeito com relação à sua posição no espaço, vulgarmente de-nominadas sentido de localização, “estou aqui fora”; esse aspecto refere-se às sen-sações provocadas pelos espaços – aber-

tos, fechados, altos, baixos etc. O terceiro aspecto é o conteúdo, que se relaciona com a construção da cidade – cores, tex-turas, escalas, estilos que caracterizam os edifícios e setores da malha urbana.

Enquanto Mongin lamenta a perda do sentido da polis grega e da república cívi-ca do Renascimento italiano, ou até mes-mo das cidades recriadas pelos escritores – a Paris do surrealista Raymond Quene-au, por exemplo – que não se resumem a construções e monumentos, mas sugerem cheiros, barulhos, vida pulsante, olhares sedutores, corpos que se cruzam. Mon-

gin tem, enfim, nostalgia da experiência urbana multidimensional das cidades em que engenheiros-urbanistas dialogavam com artistas.

Cita, ainda, Louis Aragon, Julien Graça e Michel Buttor sempre que fala nos víncu-los que os habitantes da urbe guardam com o corpo unificado da cidade. Para ele, vivemos hoje tempos difíceis, em que é quase impossível captar a essência da cidade como antigamente, porque a glo-balização nos obriga a pensar em termos

de território, e não na cidade do flâneur de Baudelaire, aquele que podia se con-fundir com a multidão e mudar o espaço público.

Este método tem o seu início durante os trabalhos preliminares de análise da pai-sagem para a elaboração do Plano Dire-tor de Valorização urbano-paisagística do beira-rio Essonne – França, em 2005.

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Figura 18: Esquema para construção de uma legenda para análise da paisagem, 2012. Fonte: Yara Regina Oliveira

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ESPECÍFICA AO TECIDO URBANO MO-DERNO: PLANO PILOTO - BRASÍLIA

O fato de se criar uma legenda com múl-tiplas entradas gera possibilidades para se transcrever em desenhos a percepção do lugar. A metodologia foi, em princípio, sis-tematizada sobre uma morfologia urbana clássica, como a das cidades banhadas pelo rio Essonnes na França. Em seguida, experimentou-se em uma estrutura urba-na “moderna” – Brasília – onde a rua é abolida em prol dos espaços vazios.

Assim, passa-se à fase de classificação dos tipos de espaços ‘vazios’, nos apoiando aos princípios enunciados por Silvio Mace-do (op.cit 2009) e Tânguari3, sobre o siste-ma de espaços livres. Entretanto o sistema de espaços livre existentes no Plano Piloto de Brasília se adequam aos princípios das quatro escalas urbanas constituídas: resi-dencial, gregária, monumental e bucólica, nas quais são percebidos os espaços cons-truídos e vividos.

Recapitulando os princípios teóricos, as relações de Le Corbusier com os espaços livres são ambíguas e contraditórias. Se sua arquitetura deriva de complexos con-ceitos a priori estabelecidos, sua atitude com relação ao tratamento dos espaços livres é na maioria das vezes esquemática. Entende-se assim o porquê de suas con-cepções urbanas tenderem a reduzir os espaços livres a um plano neutro despido de características fisiográficas.

3 TANGARI, V. e vários. Sistema de espaços livres na cidades brasileira – um debate conceitual. Revista Paisagem e ambiente – USP. São Paulo, 2009 pgs 225-249

Em grande parte, pode-se considerar que a concepção de cidade-parque engen-drada por Lúcio Costa no Plano Piloto de Brasília seja uma síntese das concepções urbanas de Le Corbusier, expressas nos manifestos do CIAM e nas ideias de cida-de-jardim.

Entretanto, outro tópico importante na concepção de Brasília é o conceito de unidade de vizinhança que, em muitos aspectos, aproxima-se das concepções de cidade-jardim de Howard, como no que se refere à preocupação em relação aos aspectos sociais e à visão de uma cidade organizada hierarquicamente em partes.

No Relatório do Plano-Piloto de Brasí-lia, que Lúcio Costa apresenta à banca do concurso para a escolha do projeto da nova capital, ele recorre à expressão cidade-parque para definir sua concep-ção urbana, sintetizando os trabalhos de construção da cidade em termos de “uma parte técnica rodoviária” e de uma “técni-ca paisagística de parques e jardins”.

Os setores de horticultura e floricultura, prosaica referência à cidade-jardim de Howard, são redefinidos como setores habitacionais (SHIG - Setor de Habitações Geminadas Norte e Sul) para abrigar os primeiros funcionários públicos (profes-sores, médicos etc.), que começaram a chegar para dar suporte aos trabalhos de construção e para atender a população deslocada para a execução das obras. Es-tas alterações iniciais iriam abrir caminho para inúmeras outras que iriam acontecer após Lúcio Costa deixar de assessorar a

implantação do seu plano urbanístico. Do mesmo modo, Brasília iria sofrer adapta-ções ditadas pelo próprio uso que a po-pulação dela faria. Ainda assim, pode-se considerar que esses acréscimos e modifi-cações não chegaram a contrariar o pro-jeto inicial de Lúcio Costa.

É na superquadra que o ideal de cida-de-parque parece encontrar sua melhor expressão. Os espaços livres sugerem um bosque urbano pontuado por edifí-cios e que só é interrompido pelas ruas comerciais, que se intercalam entre as superquadras. A essa grande quantida-de de espaços livres arborizados se con-juga uma relativamente baixa densidade construída e demográfica. Em algumas superquadras, o percentual de espaços livres chega a atingir entre 70% a 80%, incluindo-se aí as áreas ajardinadas e as superfícies ocupadas pelas vias e estacio-namentos; cada superquadra mede 240 x 240 metros (57.000m2) e tem uma média de 2.500 habitantes distribuídos por 11 blocos residenciais de seis andares.

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Figura 20: Croquis em planta baixa e perspectiva da superquadra de Lúcio Costa. Fonte: Relatório de Plano Piloto.

Outro aspecto que chama a atenção nas superquadras é o fato de todo o seu solo ser considerado público, solução conse-guida mediante a criação da figura jurídi-ca da projeção, que substitui o lote como forma de parcelamento e estabelece como norma o uso do sistema de pilotis para os edifícios, o que, pelo menos em tese, permite um acesso irrestrito a todas as partes da superquadra. Os espaços li-vres internos são chamados de ‘pátio ur-bano’ por Lúcio Costa.

O tratamento dado aos espaços livres da superquadra é simplificado. A cortina de árvores, periférica às superquadras, e que, segundo Lúcio Costa, deveria ser constituída de árvores de diferentes espé-cies (como meio de diferenciar cada uma das superquadras), não ocorre conforme o previsto. Esse cordão de árvores, hoje, mistura diferentes espécies. Do mesmo modo, as árvores no interior destes lo-cais sugerem a ausência de um projeto de plantio. A ausência de uma ordem que seja visualmente identificável dá às super-quadras uma feição de cunho naturalista, que só não é mais forte em virtude da au-sência de variações e detalhes de relevo, que foram eliminados pela terraplanagem e pelo tratamento dado às superfícies, quase exclusivamente limitadas a um gra-mado.

Ainda assim, poder-se-ia considerar que o ambiente resultante é satisfatório do ponto de vista dos moradores, condição para a qual colabora o sistema viário que desestimula a circulação de automóveis no interior das superquadras e desvia o

trânsito de passagem. Entretanto, o di-mensionamento dos espaços livres e a re-lativa ausência de barreiras físicas acabam produzindo para os pedestres muitas pos-sibilidades de percurso, já que todos são considerados espaços públicos, solução conseguida mediante a criação da figura jurídica da projeção, conforme descrita em parágrafo anterior.

Assim, o exercício de análise da paisagem baseou-se, a partir das quatro escalas ur-banas, na verificação das subunidades pai-sagísticas presentes em cada uma delas, considerando-se a paisagem que se vê de fora e a que é vista a partir do interior das edificações, como, por exemplo, a vista ar-borizada característica dos moradores dos blocos das superquadras ou, ainda, a dos jardins dos edifícios públicos, tais como o Itamaraty, Correios, Teatro Nacional etc. A alusão é feita a quase tudo o que se mani-festa como componente paisagístico que oferece o prazer aos olhos, do estar ou do se deslocar. Nas palavras de Romero:

A recente perda e decadência dos espaços públicos aber-tos, em que se fecha, literal-mente, o espaço público e,

portanto, elimina-se o clima de convivência cidadã, é um fator que compromete a sus-tentabilidade do espaço, es-pecialmente de espaços pro-jetados, como Brasília, que são exemplo de patrimônio

da humanidade. A contrapo-sição de medidas sustentá-

veis a esse fechamento exige uma abordagem global do espaço urbano e suas com-

plexas relações, no qual uma visão sistêmica, integrada e

inter-relacional deve apoiar a investigação e seus desdobra-mentos” Romero, M. 2009 (p.

153).Desta maneira, portanto, realiza-se um inventário do sistema de espaços livre do Plano Piloto, de maneira a se obter uma imagem dos usos a partir de variáveis que estão ao alcance da escala de percepção humana dos espaços livres de construção.

Os princípios metodológicos são tratados a partir das quatro escalas urbanas defini-das por Lúcio Costa.

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CARACTERÍSTICA DA PAISAGEM IN-TERNA A CADA ESCALA URBANA DO PLANO PILOTO

Categorias da escala monumental

- Existe a relação direta com o skyline do relevo composto pela linha do horizon-te delineada pela bacia do Paranoá, que constitui vistas panorâmicas de relevância na composição da paisagem da Praça dos Três Poderes.

- A unidade composta pelos gramados, que assegura, como um tapete, a simbio-se entre o vazio e o espaço construído, dimensão fundamentalmente importan-te para assegurar a monumentalidade do conjunto entre a plataforma da Rodoviá-ria e a Praça dos Três Poderes.

- As unidades paisagísticas, que assegu-ram uma relação harmônica entre o cons-truído interno e o construído externo, bem como entre os espaços vazios externos e os vazios internos; os jardins – a relação de complementaridade entre o Palácio do Itamaraty e o Ministério da Justiça são um exemplos desta composição.

- Os massivos arbóreos existentes próxi-mos aos ministérios frente à Catedral, e que às vezes passam despercebidos para os olhos pouco atentos, mas garantem um conforto de sombra para o pedestre, sem interferir na silhueta monumental do lugar construído.

- Os espaços livres de construção da pla-taforma da Rodoviária, lugares de encon-tro com característica mineral e de grande

importância no cotidiano da vida urbana. A praça mineral do museu da República representa um dos lugares mais democrá-ticos de todo o quadrilátero de Brasília.

- Os espaços entre a plataforma da rodo-viária e a Torre de Televisão, cujo espaço central é composto pela praça das fontes e o futuro parque-bosque em construção pelo escritório de Burle Marx.

- E, por fim, entre a Torre de TV até a Ro-doferroviária, o inventário traria à luz do dia uma visão dos atuais usos e conexões entre o espaço construído e o espaço pú-blico. Além do conjunto administrativo lo-cal, composto em torno da Praça do Buriti (onde vegetal mauritia flexuosa é a marca urbana na esplanada) existem as grandes áreas destinadas: à feira artesanal, aos edifícios de artes, músicas e convenções; e, na sua lateral, o Parque da Cidade faz o contraponto da área de grandes eventos esportivos.

Categorias da escala gregária.

A escala gregária é caracterizada pelos se-guintes espaços:

- Jardins de plataformas – vegetação de acompanhamento tipo floreiras – o que assegura a presença vegetal.

- A vegetação dos espaços minerais, as-segurada por “floreiras” de cimento, nas plataformas próximas ao edifício Central Brasília e nos edifícios do BRB, BB, CEF, BC etc.

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Figura 21: Unidades da paisagem do Plano Piloto, 2014. Fonte: Yara Regina Oliveira

- As praças existentes no interior do Setor de Autarquias (pátio urbano).

- Jardins internos associados aos edifícios – prédio dos Correios, Conjunto Nacional e outros a serem investigados.

- Os jardins que asseguram a ligação in-terna–externa do edifício, tal como a que ocorre no Teatro Nacional com seu entor-no.

- Os espaços “ajardinados” que assegu-ram a ligação entre os edifícios do Con-junto Nacional e do Teatro Nacional, bem como, no lado sul, entre o Conic e o edifí-cio do antigo Touring Club.

Categorias da escala bucólica.

Inicialmente, caracterizou-se pelo espa-ço que corresponde à passagem entre o limiar leste do Plano Piloto e as bordas do Lago Paranoá. Em seguida, estendeu--se como intervenção da escala bucólica nos espaços urbanos e que se faz sentir na passagem das outras escalas urbanas, sem transição, do ocupado para o não-o-cupado - delimitada por áreas livres arbo-rizadas e o cinturão verde, presentes na quadras, e que lhes conferem a caracte-rística de pátio urbano.

O vegetal, que em princípio fora princi-palmente acordado com relação a uma escala urbana onde se confinam os es-paços verdes, mescla-se ao espaço vazio de construções, assumindo função e usos variados sobre as outras escalas urbanas, criando, assim, uma estrutura urbana ve-getal que passa da hortaliça para as gra-

míneas, para alamedas arbóreas, para praças e bosques como cenário urbano, ora se retraindo e deixando lugar para o espaço mineral vazio de construção, tão necessário para a composição harmônica da morfologia urbana – os cenários.

Este exercício permite perceber que os es-paços vazios urbanos são tudo, menos um vazio, eles possuem uma alma própria, bem como significados e usos urbanos di-ferenciados, e onde os protagonistas são múltiplos.

A escala residencial.

Na escala residencial, os espaços verdes são organizados conforme as seguintes categorias:

- O cinturão verde de 20 metros no en-torno das superquadras, mais visíveis nas superquadras da asa sul.

- Os pátios urbanos internos as superqua-dras com configurações espaciais múlti-plas de uma para outra.

- As entre quadras, ligações entre as quadras, superquadras, comércios locais, equipamentos públicos.

- Nas quadras 700 da Asa Sul, a carac-terística de fita arborizada está presente conferindo um espaço linear da sequência das quadras. Nos jardins, inicialmente pre-vistos contíguos às residências, cuja cons-trução é implantada nos limites do lote, a apropriação e gestão do espaço contíguo assumem características com geometria variável. Ora os proprietários incorporam

parte das áreas verdes no domínio priva-do, ora as fitas vegetais são uma extensão harmônica da vegetação dos espaços pú-blicos. Os casos em que a gestão se faz ao nível da prefeitura de quadra, são criados jardins, parques, entradas de veículos, es-tacionamentos, hortas, compondo desta forma um mosaico de particularidades.

CONCLUSÕES

Em guisa de conclusão, o método de aná-lise da paisagem “carimbo verde” para Brasília, comporta os seguintes passos:

Quatro fases de analise: a) os espaços cheios e vazios nos permitem proceder a avaliação dos sistema de espaços livres; b) as árvores e os caminho de pedestres nos permitem avaliar o quanto a estrutu-ra arbórea está em consonância ou não, e atende ao conforto do usuário, assim como também nos permite avaliar o grau da espessura urbana4 do sítio; c) as vias e estacionamento nos permite avaliar as condições da rede viárias locais. d) o mapa sínteses – construído, não construído mi-neral e vegetal e a paisagem em movi-mento (fig.06). A sua analise nos permite estabelecer as fragilidades e potencialida-des para o projeto da arquitetura da pai-sagem.

4 Entendemos como espessura urbana, locais que são cenas de vida urbana, estas sendo ordenadas por um desenho urbano estabelecido, a cidade do plano, ou não a cidade vivida.

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Finalizamos o artigo procedendo ao diag-nostico da paisagem das superquadras com relação aos seus espaços livres: os espaços potencialmente suportes de pro-jeto, os caminhos materializados ou não, os salões urbanos e os pátios urbanos.

Os caminhos materializados ou não.

Na cidade parque o caminho dos desejos impressos no solo revelam espessura ur-bana, pois são testemunhas de uma pas-sagem humana, não materializada mine-ralmente, cruzando o sistema de espaços livres de Brasília. Apreendê-lo através de um diagnóstico da paisagem é um instru-mento valioso de projeto. O leque abre--se para um escolha de deixar o espaço como está, criar pontos de permanência ou ainda interromper aquele fluxo.

Os caminhos, materializados ou não, tam-bém são suportes projetuais da paisagem em movimento. Pois servem de palco para a construção do cenários urbanos, sejam eles mineral ou vegetal, das sequencias urbanas, dos pontos de suspensão ou de conectividades. O processo de captu-ra das sensações possíveis do usuário na escala humana é valioso, tanto para um planejamento da paisagem quanto para o processo de projeto.

Salões urbanos e os pátios urbanos.

Para estes dois elementos novos que aparecem na configuração dos espaços criados pelo movimento moderno, Brasí-lia serve como um grande laboratório de analise. Nos tecidos urbanos tradicionais,

a rua é o suporte das trocas humanas. No contexto da cidade como desenho moder-no, onde libera-se o solo para o pedestre, a configuração da rua se expande e desa-parece do desenho urbano a via e a em-pena do edifício. Eles vão se transformar nos salões urbanos ou pátios urbanos.

Os salões urbanos são constituídos pelos espaços existentes entre o “embaixo do bloco”5 e o espaço imediatamente con-tiguo à edificação. Este espaço ao longo das superquadras se apresentam com uma geometria variável e um mosaico de configurações.

Estes espaços vão desde os “puxadinhos” presentes nos espaços entre o comércio local e o cinturão verde das superquadras, aos espaços intimistas constituídos por exemplo pelos taxistas na 309 sul.

5 Glossário Sirchal/Olhares sobre Brasília http://www.cau.arq.br/olhares/

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Figura 22: Esquema legenda para análise da paisagem de Brasília, 2014. Fonte: Yara Regina Oliveira

Os pátios urbanos são figuras urbanas já constituídas por Lucio Costa e cuja apro-priação vai tomar cursos também muito diferenciados. São espaços internos ou entre as superquadras, que se aproximam das praça e jardins clássicos. São geral-mente constituídos por parques infantis, praças-jardins, terrenos poliesportivos e mais atualmente por hortas urbanas.

Finalizando, gostaria de deixar registrado que o tema sobre as conectividades ecoló-gicas existentes nos sistema de espaços li-vres de Brasília é um universo ainda pouco explorado e cuja função social e ambien-tal é fundamental para o debate, pois se trata de um trabalho onde é necessária a contribuição de especialistas de diferentes áreas.

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SACHS, Ignacy : Estratégias de transição para o século XXI. Desenvolvimento e Meio Ambiente, São Paulo Studio Nobel/Fundap, 1993

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Figura 23: jardins espontâneos 309 Sul e 412 Sul. Fonte: autor 2016

SOBRE O TEMA

A biônica [...] estuda os sis-temas vivos [...] para desco-brir processos, técnicas e

novos princípios aplicáveis à tecnologia. Examina os

princípios, as características e os sistemas com transposição de matéria, com extensão de comandos, com transferência de energia e de informação (MUNARI, 1998, pag. 330).

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Ao iniciar um projeto arquitetônico, é comum aquela situação em que existem tantas possibilidades de criação e cons-trução da forma que, principalmente o aluno menos experiente, não sabe por onde começar, tamanha é a diversida-de de possibilidades. Faltam ferramentas para desenvolver e direcionar suas ideias e eliminar aquelas menos coerentes. Cabe ao professor indicar algumas alternativas metodológicas com qualidades libertado-ras da criatividade capazes de inspirar o aluno e dar-lhe encorajamento, fazendo com que se sinta capaz de encontrar boas soluções.

Dentro dessa metodologia de projeto, o desenho se torna uma ferramenta proje-tual indispensável para o ato da criação. Entendemos aqui o desenho como um método de se chegar a uma ideia, e não somente o produto final em si. Tendo o aluno esta consciência, o desenho se tor-na mais livre e desprovido de um compro-misso de se fazer um “desenho perfeito”. O croqui ganha um sentido experimental e um caráter de expressão, e é nesse mo-mento que o desenho se reveste em um estudo com a possibilidade de manifesta-ção de uma personalidade e, por fim, se torna um “desígnio”.

A metodologia proposta aqui faz uma crí-tica às novas ferramentas projetuais com-putacionais que, ao pular a etapa do de-senho a mão livre, muitas vezes massifica e reduz o processo de criação por elimi-nar algumas possibilidades de desenvolvi-mento de um pensamento. Sabemos que o movimento do lápis tem um “tempo”

diferente do “tempo” do pensamento, sendo que o ultimo acaba sendo coman-dado pelo primeiro no ato de criação. O mesmo processo acontece com ferramen-tas computacionais, a diferença é que o movimento do teclado muitas vezes não é tão ágil quanto o do desenho livre, e esse restrito movimento do teclado deixa de enviar algumas mensagens ao cérebro, dificultado a conexão entre ação e pensa-mento.

Tanto Bruno Munari (1998) quanto o pro-fessor da PUC- GO, Tai Hsuan-An (1997, 2002), propõem metodologias de proje-to baseadas na biônica e no desenho en-quanto ferramenta de projeto. Tais pro-cessos são inspirados em metodologias da Bauhaus e nos estudos feitos por Kan-dinsky, denominados “Método Ternário”.

Sabemos que a criação de formas arqui-tetônicas e até de mobiliário a partir de estudos da natureza já existiam em civili-zações anteriores, como no Egito antigo e na antiguidade clássica, por exemplo. A própria proporção áurea e a sequencia de Fibonacci, tão aplicadas à arquitetura e ao design, possuem uma relação intrínseca com a natureza. Vitrúvio descrevia a ar-quitetura como um reflexo do belo natu-ral, fazendo associações de templos com o corpo humano, onde as colunas nos templos, assim como as pernas do corpo humano, deveriam ter números pares. O capitel jônico possui uma relação com o cabelo das mulheres, ou com o chifre dos carneiros, como sugerem alguns críticos. Seu fuste é mais elegante e esbelto do que o da coluna dórica, que possui um

caráter masculino.

Assim como as colunas egíp-cias e gregas, a coluna gótica se inspira no perfil da árvore

e a ornamentação usa te-mas florais que se agregam à harmonia estática. (...) Além de dar maior resistência e

crescimento harmonioso, as linhas de flores ou frutos são símbolos de germinação, flo-rescência e fecundidade que sugerem também a ideia de

oferenda. (Santos, 1959)

Não há dúvida de que formas belas da natureza não são gratuitas: a beleza ge-rada por diferentes cores e texturas tem uma função, inclusive os cheiros (de plan-tas e animais) e alguns sons emitidos por animais/ insetos podem ser considerados “ornamentos” da natureza que têm a função de atrair o sexto oposto (no caso dos animais) para reprodução, e no caso das plantas, os insetos são atraídos para polinização. Na arquitetura, formas extra-ídas da natureza, seja na estruturação ou mesmo com relação aos elementos biocli-maticos, quando respondem à necessida-des reais e concretas, se tornam não só justificados, mas também legitimados.

“O design de produto, prin-cipalmente, deve envolver

a biomimética, tirando pro-veito não só das ‘dicas’ e

‘segredos’ revelados pelos elementos da natureza, como também do próprio processo criativo da biomimética para descobrir novas ideias e pro-duzir obras inovadoras, este-ticamente atraentes, funcio-nalmente justificáveis”. (Tai

Hsuan-an)

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Para concluir o tema, segue um fragmen-to do texto de Fábio Lima:

A natureza pode simultane-amente apresentar, por meio

da sua aparência simples, uma alta complexidade na sua gênese, por uma con-sonância de características

como ordem, harmonia, pro-porção, etc. (...) Agregando os fatores climáticos e as carac-terísticas do solo, enquan-to fatores exógenos, há um acúmulo de interferências que resultam nas melhores possibilidades com que a

natureza pôde se desenvolver. Em resumo, o princípio ele-mentar é que as formas exis-tentes não são assim gratui-tamente, mas empreendem

uma resposta mais adequada às interveniências – internas e externas – pelas quais se

justificam em função de sua resistência ao meio ou sobre-

vivência. (LIMA, 2011).

METODOLOGIA

A metodologia aqui proposta se baseia em experimentos do professor Tai Hsuan--an na PUC-GO que são expostos no livro “Desenho e Organização Bi e Tridimensi-nal da Forma”, no texto de Bruno Munari, “Das Coisas Nascem Coisas”, no artigo de Fábio F. Lima, “Processos Criativos e Metodologias de Projetos para Design e Arquitetura”, e em demais observações e experiências nossas adquiridas em sala de aula. Para a elaboração do estudo, a divi-são em etapas, sempre tendo o desenho a mão livre como ferramenta, tem tido bons resultados.

Etapa 1) Escolha de um modelo bioló-gico: este deve conter aspectos e elemen-tos que mereçam ser explorados e des-construídos enquanto forma e também enquanto função. Tais aspectos podem ser condicionados ao grau de experiência do aluno, pois determinadas qualidades podem ser pouco evidentes.

A análise de um fruto, de um inseto, de uma semente, de

uma flor, de uma ramificação, do movimento de um animal, da flexibilidade de uma cana de bambu, da resistência da casca de um ovo... são cer-tamente úteis ao conheci-

mento e podem estimular a criatividade. (MUNARI, 1998,

pag.330)

Etapa 2) Desenhos de observação: Re-alização de registros gráficos detalhados sob a forma de croquis, com o objetivo de desenvolver a percepção das relações das partes e das formas do objeto entre si e com o conjunto, além da captação de outras sensações como cheiros e texturas. Os desenhos devem ser acompanhados de anotações ou pequenos textos expli-cativos quando estes se mostrarem insufi-cientes no entendimento.

[...] Observação de tais carac-terísticas com muita atenção e registro gráfico em diversos ângulos e de diversas manei-ras; análise em maior profun-deza dos fenômenos observa-dos (detalhes interessantes e importantes) e tentativas de traduzi-los em desenhos es-

quemáticos ou croquis (HSU-AN- AN, 2002, pag.184).

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Figura 25 - Trabalho da aluna Daniela Rodrigues - PA3 2015

Etapa 3) Análise da Estrutura e Sín-tese da Forma: Interpretação subjetiva e expressiva das estruturas apresentadas nas etapas anteriores. Transposição das formas para esquemas mais simples (ins-crição em formas geométricas) capazes de resguardar particularidades do mode-lo. Definição da estruturação da forma, de eixos e traçados reguladores. Em ou-tras palavras:

Constrói-se assim um mo-delo geométrico [...] como

se o órgão natural fosse um modelo reconhecível na sua forma e estrutura. A investi-gação prossegue geometri-zando as várias peças, mas

conservando suas exatas pro-porções e funções, continua-mente controladas pelo mo-delo natural (MUNARI, 1998,

pag.336).

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Figura 26 - Trabalho da aluna Bárbara Tavares - PA3 2016

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Etapa 4) Abstração do objeto: Reorga-nização e composição com as partes e os elementos formais da etapa anterior por meio de separação das partes, espaços negativos, rotação, espelhamento, repe-tição, duplicação, sobreposição, redução, ampliação, associação de ideias, etc. Tais desenhos, muitas vezes tendem a expres-sar um ritmo e uma musicalidade.

Etapa 5) Interpretação Tridimensional: Conversão para uma possibilidade utilitá-ria – croquis de estudo de possibilidades arquitetônicas.

Etapa 6) Modelos Experimentais de Estudo (maquetes físicas): os modelos tridimensionais são pensados aqui como croquis e como produtos da análise e da síntese da forma, onde ver e expressar são influencias recíprocas.

Durante todo o processo de estudo, tudo que inspira ou sugira algo novo, merece ser explorado. O aluno deve registrar as linhas estruturais, tensões e movimentos onde, muitas vezes, os desenhos da etapa final tem pouca similaridade com o objeto inicial de inspiração, tamanha foi a abstra-ção da forma. Isso não invalida o processo de criação, pois o direcionamento acon-teceu e o objeto inicial serviu para o de-senvolvimento de uma ideia. Assim como, por ser de inspiração na natureza, o pro-duto final não tem que necessariamente ser composto por curvas. Ângulos retos e formas ortogonais são comuns nesses processos, pois a etapa de geometrização acaba por sintetizar as formas por esse ca-minho.

Por fim, o desenho e a maquete de estu-do como ferramentas de projetação e de-senvolvimento da forma têm tido bons re-sultados. A maquete é fundamental para o raciocínio espacial, fazendo com que o aluno trabalhe a partir das relações de proporção e da geometria, usando formas e volumes separados para montar várias possibilidades volumétricas. Já o desenho tem um papel de libertar a imaginação e a criatividade, estabelecendo uma relação de diálogo e promovendo a autonomia e a auto confiança no aluno.

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Figura 29 - Trabalho da aluna Bárbara Tavares - PA3 2016

BIBLIOGRAFIA

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A análise de um fruto, de um inseto, de uma semen-te, de uma flor, de uma ra-

mificação, do movimento de um animal, da flexibilidade de uma cana de bambu, da resistência da casca de um ovo... são certamente úteis ao conhecimento e podem

estimular a criatividade. Munari

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A idealização de uma empresa júnior den-tro do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica surgiu no ano de 2013 por iniciativa dos próprios alunos que, dentre os objetivos, pretendia-se que sua criação antecipasse a prática profissio-nal e despertasse o espírito empreendedor nos futuros profissionais, ou seja, a em-presa pretende preparar estudantes para o exercício da profissão, aproximando-os de forma direta do mercado de trabalho.

A realização desta importante conquista aconteceu em 28 de agosto de 2015 com a fundação da ENTRE. O nome ENTRE (conjugação do verbo entrar) possui como definições, “passar para dentro”, “chegar dentro de”, e a preposição “entre”, por sua vez, traz como significado “colocar no meio de”. Desta forma, o nome expri-me o sentimento de trazer à comunidade as suas demandas arquitetônicas, fazen-do com que a empresa exerça uma forma de ligação entre o processo de aprendi-zado, a formação profissional e o resul-tado consolidado de tal demanda. Além disso, “Entre” é um verbo imperativo, que aguça a curiosidade de quem é convidado pela palavra, de modo que o nome atrai e instiga a conhecer o que há por trás da

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porta. Neste contexto, é possível perceber que na arquitetura, a fronteira entre a or-ganização espacial concebida e sua rela-ção com o exterior é definida exatamente pela entrada; pelo ato de entrar.

A ENTRE é gerida pelos próprios estudan-tes matriculados no curso de Arquitetura e Urbanismo, e suas atividades desenvol-vidas são orientadas e supervisionadas por professores do curso e de profissionais es-pecializados, que garantem a correspon-dente responsabilidade técnica sobre os trabalhos apresentados. São realizados projetos, consultorias, atividades relacio-nadas aos conteúdos programáticos do curso e também algumas outras ações que constituem atribuição da categoria profissional correspondente. Sua adesão é voluntária e a remuneração acontece de forma indireta. As atividades não têm fins lucrativos e seu faturamento é revertido à sua manutenção e custeio.

A empresa já realizou dois processos se-letivos, tendo atualmente uma diretoria formada por nove membros com cargos distintos que apresentam seus depoimen-tos a seguir:

“A Empresa Jr. me ajudou na percepção e entendimento de como se estrutura uma empresa e estágios de processos jurídicos, organizacionais e de relacionamento que envolvem um escritório. Hoje consigo en-contrar os nichos de gestão os quais mais me identifico.”

Flávia Moreira, Presidente Institucio-nal

“Estou há quase um ano na empresa e aprendi, principalmente, a dividir tarefas, a confiar e depender dos colegas para terminar os trabalhos, a seguir ordens e a solucionar problemas.“

Douglas Souza, Recursos Humanos

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”A empresa júnior é uma ótima oportuni-dade para vivenciar a realidade, e temos a vantagem de ter uma orientadora que nos guia nessa jornada.“

Daniela Caparelli, Marketing

“Mesmo tendo entrado na ENTRE neste semestre já encarei algumas experiências de como é estar em um escritório de ar-quitetura e de atividades técnicas que, como não são muito exploradas no meio acadêmico, vieram a melhorar meu ofício acerca da construção.”

Pedro Sukiyama, Diretor de Projetos

“A ENTRE tem me ajudado a desenvolver meu espírito empreendedor e me propor-ciona contato direto com o mercado da construção civil, que é muito abstrato du-rante a formação acadêmica.”

Victor Lima, Diretor de Marketing

“Estar na ENTRE me proporciona a vivên-cia de um escritório de arquitetura, pos-sibilitando o aprendizado voltado para a prática da profissão”.

Kamille Pinto, Administrativo-finan-ceiro

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“A ENTRE me fez amadurecer profissio-nalmente devido a possibilidade de lidar com a realidade. É uma experiência que traz desafios diversos e é interessante como esses problemas vão se resolvendo de forma dinâmica dentro do escritório.”

Lorena Sarnaglia, Diretora de Recur-sos Humanos

“A ENTRE me proporcionou uma rede de contatos com empresas de fornecimento de materiais como também contatos com clientes. Me influenciou para estar sempre em busca de algo novo.”

Weverton Jander, Marketing

“A ENTRE é uma empresa que nos propor-ciona um ambiente seguro para o apren-dizado e crescimento, tanto como profis-sionais como estudantes. É com imensa satisfação que faço parte dessa empresa.”

Victor Lemos, Projetos.

EQUIPE ENTRE:

• Flávia Regina Moreira Silva, Sétimo semestre, Presidente Institucional• Kamille Lima Pinto, Sexto semestre, Administrativo Financeiro• Douglas Sousa, Sétimo semestre, Recursos Humanos• Lorena Sarnaglia, Sétimo semestre, Diretora de Recursos Humanos• Victor Lima de Oliveira, Sétimo semestre, Diretor de Marketing• Weverton Jander Batista, Sétimo semestre, Marketing• Daniela Barbosa Caparelli, Quinto semestre, Marketing• Pedro Henrique França Sukiyama, Sexto semestre, Diretor de Projetos• Victor Lemos, Sétimo semestre, Projetos

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Habitação para estudantes universitáriosDiplomação I

Orientador:Milena Canabrava

Aluna:Patrícia dos Santos Mendes

Parque Audiovisual - Complexo Brasília Cinematográfica Diplomação II

Orientadora:Milena Canabrava

Aluno:Lucas Fialho Caramés

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