valmir almeida passos educaÇÃo de jovens e adultos
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VALMIR ALMEIDA PASSOS
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: FATORES E ESTRATÉGIAS
DOS QUE PERMANECEM E CONSEGUEM SUCESSO ESCOLAR.
Mestrado em Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política, Sociedade
PUC-SP
SÃO PAULO
2011
VALMIR ALMEIDA PASSOS
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: FATORES E ESTRATÉGIAS
DOS QUE PERMANECEM E CONSEGUEM SUCESSO ESCOLAR.
Mestrado em Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política, Sociedade
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Educação: História, Política, Sociedade, sob a orientação da Professora Doutora Leda Maria Rodrigues.
SÃO PAULO
2011
Banca Examinadora
PASSOS, Valmir de Almeida. 2011. Educação de Jovens e Adultos: fatores e estratégias dos que permanecem e conseguem sucesso escolar. Dissertação (Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo / Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política, Sociedade.
RESUMO
A presente pesquisa consiste em descrever e analisar como foram construídos os processos
de permanência e de sucesso escolar, de um grupo de alunos da Educação de Jovens e
Adultos do município de Francisco Morato – uma cidade dormitório na região
metropolitana de São Paulo, que possui um dos mais baixos I.D.H. (Índice de
Desenvolvimento Humano) do Estado –, contrariando a perspectiva que relaciona a E.J.A.
à evasão e ao fracasso escolar, frequentes em tal modalidade de ensino. Os fundamentos
teóricos situam-se na área da Sociologia da Educação e, para tratar as questões referentes
ao sucesso e à longevidade escolar das classes populares, norteamo-nos pelas teorias de
Bourdieu (1998), Lahire (1997), Charlot (2000), entre outros. Conforme Thiollent (1982),
a pesquisa será quantitativa, no perfil dos sujeitos e qualitativa nas entrevistas.
Trabalhamos com as falas dos sujeitos, respeitando a singularidade de cada um. Utilizamos
questionários com perguntas fechadas e abertas e entrevista semi-estruturada. Os sujeitos
desta pesquisa desenvolveram estratégias intra e extra-escolares que favoreceram o
processo de permanência, tais como uma nova relação com a escola, a mobilização pessoal
e familiar e a possibilidade de adquirir um capital cultural que possibilitou ascensão social
e no mundo do trabalho.
Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos; fracasso escolar, capital cultural; família;
trabalho; sucesso escolar.
PASSOS, Valmir de Almeida. 2011. Education of Young and Adults: factors and strategies that can stay and school sucess. Dissertation (Degree in Education: History, Politics, Society). São Paulo: Pontifical Catholic University of São Paulo – PUCSP/ Program of Graduate Studies in Education: History, Politics, Society.
ABSTRACT
The present research consists of investigating, describing and to analyze as the
processes of permanence and pertaining to school success had been constructed, of a group
of pupils of the Education of Young and Adults of the city of Francisco Morato - a city
dormitory in the region metropolitan of São Paulo, that possesss one of the lowest I.D.H.
(Index of Human Development) of the State - opposing the perspective that relates the
E.J.A. to the evasion and the failure pertaining to school, that is frequent in such modality
of education. The theoretical beddings are placed in the area of the Sociology of the
Education and, to deal with the referring questions to the success and the pertaining to
school longevity the popular classrooms, we will be guided by the theoretical explanations
of Bourdieu (1998), Lahire (1997), Charlot (2000), among others. As Thiollent (1982), the
research will be quantitative, in the profile of the citizens and qualitative in the interviews.
We will work you say with them of the citizens respecting, therefore, the singularity of
each one. We look for to remove of the citizens to the answers and not presenting
immediately alternative of choice, for the collection of data, we will use questionnaires
with questions closed and opened and half-structuralized interview and that they will make
possible to better investigate the characteristics of these citizens: it’s social and economic
conditions and previous pertaining to school trajectory. The citizens of this research had
developed strategies intra and extra-pertaining to school that had favored the permanence
process, such as: a new relation with the school, the personal and familiar mobilization,
and the possibility to acquire a cultural capital that makes possible social ascension and in
the world of the work.
Keywords: Education of Young and Adults; school failure, strategies; remain; cultural
capital; family; work; school success;
A minha esposa Cristiane, pelo auxílio e
compreensão; a minha mãe Anita e meu irmão
Valdívio que são meus grandes exemplos; a todos os
meus familiares e aqueles que, ao longo da minha
vida, contribuíram para que me transformasse em
mais um caso de sucesso improvável.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço a Deus por completar esta jornada.
Agradeço a minha orientadora, professora Leda Maria Rodrigues, pela dedicação,
pelas broncas e por não desistir da minha pesquisa. Sinto-me orgulhoso por ter sido
orientado por alguém que é uma referencia na Educação brasileira;
aos professores José Geraldo, Kazumi Munakata, Mauro Castilho, Circe
Bittencourt, Carlos Giovinazzo, pelas aulas ministradas no curso de Educação, História,
Política, Sociedade que contribuíram para esta pesquisa;
a Betinha, secretária do programa, que sempre foi eficiente, atenciosa e que teve
muita importância em minha trajetória neste curso e na conclusão desta pesquisa;
a Christianne Gally, pela revisão do texto;
aos meus colegas Nelson e Tatiana, pelo companheirismo e, principalmente, pela
amizade que desenvolvemos durante esta jornada;
à direção, professores e funcionários do Centro de Educação de Jovens e Adultos
Professora Elimara dos Santos e da Escola Estadual Professora Lenita Camargo, que se
mostraram colaboradores em todas as etapas deste trabalho;
aos alunos e suas famílias que acolheram a mim e a pesquisa, permitindo que
conhecesse um pouco das suas vidas na instituição e fora dela;
a Aparecido Roberto Tonellotti (in memorian), meu professor, meu amigo e a quem
considero um pai;
a meu pai Isverdilino, minha mãe Anita e meus avós Antonio e Helenita, por serem
exemplos e referências para mim;
aos meus familiares e aos familiares da minha esposa, que também podemos
considerar como o sucesso dos improváveis;
a Alexandre, Adriana, Cleide, Wagner, Danilo, Edileuza, Elza, Danilo, Cilene e
todos os professores, alunos e funcionários da Escola Estadual Professor Rogério Levorin,
por me transformarem em um profissional da educação.
SUMÁRIO
Pg. Introdução.......................................................................................................... 11 Capítulo I- Referencial teórico......................................................................... 20
1.1. Abordagem Metodológica da Pesquisa .................................................. 27 1.1.1 Centro de Educação de Jovens e Adultos Professora Elimara Santos e Escola Estadual Lenita Camargo: um campo de pesquisa...........................
28
1.1.2. Os sujeitos da pesquisa...................................................................... 31 1.1.3. Instrumentos de Pesquisa .................................................................... 32
Capítulo II - Educação de jovens e adultos: contexto histórico ....................... 35
2.1. Trajetória da Educação de Jovens e Adultos do Período Colonial até 1930...............................................................................................................
35
2.2. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova........................................ 38 2.3. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos nas Décadas de 30 e 40.. 41 2.4. A Trajetória da Educação de Jovens e Adultos nas décadas de 50 e 60.. 45 2.5. Paulo Freire e a Educação Popular.......................................................... 47 2.6. O Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política – I.S.E.B........ 48 2.7. Os movimentos de Educação e Cultura Popular..................................... 50 2.8. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos durante a Ditadura Militar.. 52 2.9. A Fundação EDUCAR – 1985 até 1990..................................................... 54 2.10. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos no governo de Fernando Henrique Cardoso.........................................................................................
55
2.11. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos no primeiro mandato do Presidente Lula...............................................................................................
57
2.12. O importante papel da Educação de Jovens e Adultos.......................... 58 2.12.1. Os Sujeitos da E.J.A........................................................................ 63
2.13. Identidade da EJA e políticas públicas ................................................... 64 2.14. Constituição Federal de 1988, L.D.B. 9394/96 e outros marcos jurídicos da educação de jovens e adultos....................................................................
70
Capítulo III - Trajetórias escolares interrompidas ......................................... 74
3.1. Os fatores que os fizeram abandonar os estudos: análise do perfil escolar anterior..........................................................................................................
74
3.2. Os fatores que os fizeram abandonar os estudos: a relação com a escola. 75 3.3. Quais problemas os afastaram ou os fizeram desistir da escola: a família. 82 3.4. Quais problemas os afastaram ou os fizeram desistir da escola: o trabalho.........................................................................................................
87
Capítulo IV- Sucesso escolar ............................................................................... 90
4.1. O que os fez voltar, permanecer e obter sucesso escolar: a escola............ 90 4.2. O que os fez voltar, permanecer e obter sucesso escolar: a família.......... 101 4.3. O que os fez voltar, permanecer e obter sucesso escolar: o trabalho........ 110 4.4. O que os fez voltar, permanecer e obter sucesso escolar: o capital cultural............................................................................................................
118
4.5. Os jovens e a E.J.A..................................................................................... 123 4.6. O que fez estes jovens voltarem e permanecer ......................................... 129
Considerações finais ........................................................................................... 133 Referências bibliográficas .................................................................................... 137 Anexos ................................................................................................................... 145
LISTA DE QUADROS
Pág.
Quadro 01- A experiência escolar anterior dos sujeitos.................................... 75
11
INTRODUÇÃO
A Educação de Jovens e Adultos (E.J.A.) possui, como uma de suas características
mais marcantes e negativas, um elevado número de alunos que desistem do curso antes de
completarem a etapa da escolaridade em que estavam matriculados. As estatísticas sobre os
percentuais de evasão na E.J.A. comprovam, de forma incisiva e dramática, essa realidade1.
Esta pesquisa buscará analisar e interpretar as razões que explicam o sucesso escolar de
alunos dos meios populares, que estudaram na Educação de Jovens e Adultos, em duas escolas
do município de Francisco Morato, na grande São Paulo. Contrariando as estatísticas – no
Brasil, a evasão na E.J.A. é de 42,7% e no município é de Francisco Morato é de 28,9% –, os
alunos desses estabelecimentos voltaram aos estudos nas séries iniciais e, sem interrupções,
conseguiram terminar o ensino médio. Para isso, eles romperam com problemas de ordem
econômica, social e até cultural que também os impediam de voltar, permanecer e concluir
seus estudos.
Investigar os diferentes fatores que incidem sobre a decisão de alguns jovens e adultos
em permanecer na escola torna-se relevante, pois, apesar de vários problemas escolares,
sociais ou econômicos, eles não desistiram do processo de escolarização propiciado,
especificamente, por duas escolas de Educação de Jovens e Adultos, na cidade de Francisco
Morato. As escolas são o campo de pesquisa deste trabalho.
O Município de Francisco Morato, lugar onde também resido, é uma cidade
dormitório, com mais de 150 mil habitantes, que possui um dos mais baixos Índices de
Desenvolvimento Humano do Estado de São Paulo (I.D.H.2) de 0,738 – enquanto o Índice do
Estado é de 0,814. A maioria absoluta da população3 é constituída por migrantes das mais
diversas regiões do país, especialmente do nordeste brasileiro, em busca, principalmente, de
emprego.
1 Enquanto percentuais de evasão nas outras modalidades do Ensino Fundamental variaram entre 7,2% em 1984 e 6,9% em 2004, segundo dados do MEC reproduzidos por Garschgen (2007, p. 43), pesquisa do IBGE divulgada em 2009 indica evasão de 42,7% na E.J.A. 2 Perfil do município no portal S.E.A.D.E – 2010 (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados). 3 Idem
12
Ela está a 48 km do centro de São Paulo e possui linha férrea que liga a cidade ao
centro de São Paulo e linhas do Metrô-SP. Seus habitantes, na maioria, possuem casa própria,
pois os preços dos terrenos são bem mais baratos – os terrenos são vendidos apenas com água
e luz e, praticamente, toda cidade foi loteada desta maneira. A renda per capita é 1,17 salários
mínimos, enquanto que a renda do Estado é de 3,36 salários mínimos. Apenas 26,86% do
município possuem rede de esgoto sanitário, enquanto que no Estado esse número é de
82,77%. Segundo o perfil dos municípios paulistas da Fundação S.E.A.D.E. (2010), Francisco
Morato pertence ao grupo dos municípios mais desfavorecidos, tanto em riqueza quanto em
indicadores sociais, dos municípios que formam o Estado de São Paulo.
Os indicadores educacionais do município4 apontam que grande parte da população
acima dos quinze anos é formada por analfabetos – 10,80% enquanto que o Estado possui uma
média de 6,64%; a média de anos de estudos da população de quinze anos e mais é de 5,81%,
e a média estadual é de 7,96%; e a média da população com vinte e cinco anos a mais, com
menos de oito anos de estudo, gira em torno dos 76,60%, enquanto que no Estado essa media é
de 55,55%.
Os levantamentos da Fundação S.E.A.D.E. demonstram também que há um número
expressivo da população composto de analfabetos funcionais ou de pessoas que possuem
estudos incompletos.
Segundo critérios do I.B.G.E.5, uma pessoa alfabetizada é aquela que é
capaz de ler e escrever um bilhete simples no idioma que conhece. Aquela que aprendeu a ler e a escrever, mas que esqueceu e a que apenas assina o próprio nome é considerada analfabeta. E o analfabeto funcional é aquela pessoa que, mesmo com a capacidade de decodificar minimamente as letras, geralmente frases, sentenças, textos curtos e os números, não desenvolve a habilidade de interpretação de textos e de fazer operações matemáticas.
No Brasil, segundo os dados preliminares do censo demográfico de 20106, o número de
brasileiros analfabetos – ou seja, que não sabem ler nem escrever– é de 9,6 da população.
4 Perfil do município no portal S.E.A.D.E – 2010 (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados). 5 I.B.G.E. – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2000. Resultados da amostra. Notas metodológicas. 6 SALOMON, Marta. Reportagem: “Plano de Dilma para erradicar pobreza tem 16 milhões de brasileiros como alvo.” Postada em 04/05/2011 e disponível no site: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110504. Acessada em 04/04/2011.
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Entre os mais extremamente pobres, o índice chega a 22%, nas cidades, e a 30%, nas zonas
rurais. O analfabetismo atinge também os jovens entre 15 e 17 anos: dos que moram nas
cidades 5,2% são analfabetos e, na zonas rurais, 30,3%.
Esse grande contingente humano, portanto, precisa voltar aos bancos escolares. No
início do semestre letivo, a procura por vagas é muito grande, mas, apesar disso, muitos
desistem durante o percurso e não completam os estudos. Isso ocorre tanto nas séries iniciais
do ensino fundamental que está a cargo do município, quanto nas séries finais. Depois de
vários anos afastados dos bancos escolares, por inúmeros motivos, alguns indivíduos retornam
aos estudos e conseguem êxito.
Os indivíduos de classes populares buscam ampliar suas perspectivas – para obter
ascensão social e para conseguir um trabalho mais qualificado – por meio da educação. Nesse
processo, são adquiridos pelos sujeitos e enriquecidos, através da escolarização, não só o
capital econômico, social, cultural, como também o capital simbólico.
Dentre os dezesseis anos de magistério, um grupo de estudantes chamou minha
atenção, porque passou a ser um caso de sucesso. Apesar de situações adversas – falta de
recursos materiais necessários à atividade escolar, desconhecimento da "regra do jogo"
escolar, ausência de um capital cultural valorizado pela escola, reduzido domínio da
linguagem trabalhada e valorizada na e pela escola –, alguns alunos conseguiam tornar-se a
exceção de uma regra, ou seja, conseguiam atingir o sucesso escolar, alcançando, em alguns
casos, até a continuidade de estudos após o ensino médio.
Passei, então, a me questionar sobre o que tornava esses alunos uma exceção, quando
comparados aos demais alunos de outras escolas do município que também trabalhavam com
Educação de Jovens e Adultos e que apresentavam um alto número de evasão. O que ocorria
com alunos que, em "situação de fracasso", rompiam com todas as dificuldades, obtendo
sucesso ao longo do processo de escolarização? Quais seriam os fatores escolares e extra-
escolares que os levaram a desistir do processo de escolarização? E os fatores que os fizeram
voltar e permanecer e conseguir concluir o ensino médio?
Grande parte das pesquisas brasileiras em educação enfatiza, sobretudo, a questão do
fracasso, e não a do sucesso escolar dentro das classes populares, não permitindo conhecer os
casos marginais e os indivíduos de famílias "desfavorecidas", que desenvolvem estratégias de
permanência. Apesar de estarem em desvantagens socioeconômicas e culturais, esses
14
indivíduos conseguem obter sucesso na escola: "se, afinal, é fácil mostrar porque não é tão
surpreendente que as crianças de meios populares fracassem, ficamos sem explicação diante
daquelas que obtêm sucesso" (CHARLOT, 1996, p.48)
Segundo Charlot (2000), o fracasso não é algo em si, mas a história daquele que
fracassa. O que existe são alunos que não conseguem aprender, histórias escolares que
terminam mal, e são essas histórias que devem ser analisadas. Esse fracasso não é um fato que
a experiência permitiria constatar, é uma maneira de verbalizar a experiência, a vivência e a
pratica, e por essa razão, uma certa maneira de recortar, interpretar e categorizar o mundo
social.
Voltar aos bancos escolares, para algumas dessas pessoas, é também romper com certo
habitus, classificado por BOURDIEU (1998) como a incorporação de uma determinada
estrutura social pelos indivíduos, influindo em seu modo de sentir, pensar e agir, de tal forma
que se inclinam a confirmá-la e reproduzi-la, mesmo que nem sempre de modo consciente. O
diploma do ensino fundamental ou médio exerce papel fundamental tanto para seu
crescimento pessoal quanto para sua ascensão social.
Para conhecimento e aproximação da realidade que os sujeitos revelam, queremos
saber, dos que voltaram à escola e foram entrevistados, quais as razões para esse retorno. Será
que essas razões dizem respeito a uma inclusão social, de modo geral, ou apresentam aspectos
específicos no que diz respeito às relações sociais de família, trabalho, etc? Ou ainda, seria a
escola o único meio de conseguir superar fracassos escolares, pessoais e sociais (uma espécie
de escolarização à força), proporcionando a inclusão social desses sujeitos? Dentro do grupo
que permaneceu, será que a mobilização7 pessoal desses alunos encontra pesos e formas
diferenciadas, bem como as estratégias familiares utilizadas para viabilizar esse sucesso?
Segundo Lahire (1997), esses aspectos, no entanto, assumem diferentes pesos e
importância, diante da mobilização dos sujeitos face ao potencial maior, ou menor, da herança
cultural familiar que aproxima, ou distancia, a experiência familiar e pessoal da experiência
escolar. Voltamos, assim, nossa atenção para o envolvimento e relevância que o próprio
sujeito/aluno desenvolve em relação ao seu sucesso escolar e, para a família, como formadora
7 Segundo VIANA (2000), a noção de mobilização, recentemente introduzida nos estudos sociológicos da relação família e escola (LAURENS, 1992; LAHIRE, 1995; ZÉROULOU, 1988), foi importada das Ciências Políticas para explicar os casos estatisticamente improváveis de sucesso escolar em meios populares.
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de habitus e de atitudes que influenciam positivamente, ou negativamente, a trajetória escolar
dos alunos.
Pretendemos, portanto, analisar como foram desenvolvidas as estratégias de
permanência deste grupo de estudantes da E.J.A. e a importância das configurações familiares
que contribuíram para construir histórias de sucesso – término do ensino médio na E.J.A –, ou
de fracasso escolar.
Para atingir o objetivo, procuraremos conhecer a trajetória escolar anterior e apreender
o valor atribuído por eles à educação, como forma de ascensão social; analisaremos o valor da
"mobilização pessoal" e das estratégias de investimentos pessoais na construção do sucesso
escolar, bem como as inter-relações construídas dentro do espaço escolar; e, finalmente,
apreenderemos como as configurações familiares interferem na volta aos bancos escolares e
sua permanência.
A E.J.A. tem um papel de grande importância social para esses indivíduos, pois, com a
escolaridade, eles devem ser vistos, não mais como excluídos de uma sociedade letrada, e sim
como incluídos dentro de um novo mundo, da informação e da cultura, do desenvolvimento de
novas relações interpessoais, buscando superar uma longa história de fracassos escolares
anteriores. Em sua maioria, eles frequentaram a escola em outros momentos e, por diferentes
razões, tiveram que interromper seus estudos. “A Escola está no princípio do sofrimento das
pessoas interrogadas, decepcionadas com seu próprio projeto ou nos projetos que fizeram para
os seus descendentes ou então pelos desmentidos infligidos pelo mercado de trabalho às
promessas e às garantias da escola”.(BOURDIEU, 1997, p. 587)
No inicio do mês de agosto de 2004, um grupo de 40 alunos, divididos em duas classes
de 20, ficaram entregues a duas professoras: Maria e Aparecida8, que os acompanhou nos dois
anos de curso – os alunos deveriam ficar um ano para completar as séries iniciais do ensino
fundamental, mas por falta de vagas ficaram dois anos.
Segundo as professoras, três fatores foram pontos diferenciais desses sujeitos: o tempo
de estudo a mais que tiveram, as relações de amizade que desenvolveram e o “método
tradicional”9 de aprendizagem que utilizaram. Ainda, segundo as professoras, foi a
8 Os nomes das professoras e dos sujeitos citados nesta pesquisa são fictícios. 9 Em entrevista realizada com as professoras em 08/03/2011, a professora Aparecida afirmou: “É com certa mágoa e um sentimento de dever cumprido, porque estávamos prestes a conseguir nossas aposentadorias e nossos
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metodologia de ensino, chamada de altamente “tradicional”, que apresentou eficácia, pois, ao
final do período correspondente às séries iniciais do ensino fundamental, todos estavam
alfabetizados e com boa base para seguir os estudos.
Ao final de dois anos, 36 alunos concluíram as séries iniciais do ensino fundamental,
dentro do Centro de Educação de Jovens e Adultos Professora Elimara Santos. Os 36 alunos
foram encaminhados para a Escola Estadual Professora Lenita Camargo e, após três anos e
meio, 32 concluíram o ensino médio.
A pedido das professoras, que foram pessoalmente até a Escola Estadual Professora
Lenita Camargo e atendendo a um pedido de seus alunos, eles foram matriculados na mesma
sala de aula, pois elas também destacaram o fato de um ajudar sempre o outro nas atividades
escolares.
Em relação aos fatores que influenciam positivamente a permanência dos alunos dentro
da Educação de Jovens e Adultos, foi realizado um levantamento junto ao banco de
dissertações e teses da CAPES (DATACAPES) e verificou-se que havia um pequeno número
de pesquisas nessa linha. Das dissertações e teses presentes no sistema, foram selecionados,
pelo critério de data de publicação (a partir de 2004), sete trabalhos, dos quais quatro
apresentavam maior relevância, considerando-se o tema e o objeto de nossa pesquisa.
Garcia (2004) analisa e investiga os fatores que levaram dez jovens e adultos a
iniciarem seus estudos formalmente ou a reiniciarem esses estudos. Buscou-se compreender as
histórias de vida dos sujeitos pesquisados, falas e narrativas, a fim de obter indícios das
possíveis motivações que levaram esses alunos aos bancos escolares, ou seja, ouviu suas
vozes, para além de uma ótica imposta pelo discurso oficial – que considera o analfabetismo
como um mal a ser “cortado pela raiz” e que, a partir do momento em que esses sujeitos leem
e escrevem, eles passam a pertencer a uma nova concepção social, ou seja, passam a pertencer
a que a autora chama de “sociedade letrada”.
Assim como a pesquisa de Garcia (idem), nossa investigação busca os fatores que
influenciaram os sujeitos desta pesquisa a iniciar ou reiniciar os estudos nessa fase de suas
vidas e o papel fundamental de inserção social representada pela E.J.A., através do processo
métodos de ensino eram classificados por outras professoras mais jovens na carreira como tradicionais ou antigos, e os resultado estão ai, todos saíram lendo, escrevendo e principalmente entendendo o que eles liam e escreviam”.
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de escolarização e a relação família, escola e trabalho que, segundo Garcia, foram fatores
impeditivos para que os mesmos iniciassem ou continuassem suas trajetórias escolares.
Pereira (2005) analisa situações de sucesso escolar em meios populares e, para isso,
parte do pressuposto de que tanto o aluno quanto a sua família desempenham um importante
suporte, pois a mobilização pessoal e familiar tem um papel preponderante para que essa
situação se configure. Para a autora, o sucesso escolar deve ser entendido como aqueles casos
em que alunos, filhos de pais com baixo grau de escolaride – apesar de não terem um alto
capital escolar, participam e incentivam da vida escolar dos filhos – e pertencentes às frações
ou grupos das classes populares, com o investimento e a valorização da escola, aliada à
mobilização pessoal e familiar, conseguiram êxito e foram aprovados no vestibular do Colégio
Técnico da Universidade Federal de Minas Gerais – C.O.L.T.E.C. Apesar de esse estudo não
focalizar a E.J.A., ele tem importância para nossa pesquisa, pois analisa as mobilizações
pessoais e as estratégias familiares como aspectos importantes para o sucesso escolar. No caso
dos sujeitos da pesquisa, a mobilização pessoal encontra pesos e formas diferenciadas, bem
como as estratégias familiares utilizadas viabilizaram o sucesso escolar desses sujeitos.
Santos (2007), em “A produção do sucesso na educação de jovens e adultos: o caso de
uma escola pública em Brazilândia-D.F.”, investigou os fatores que facilitavam a permanência
de uma turma de educandos jovens e adultos em uma escola na periferia de Brasília-DF. O
resultado da pesquisa evidencia que a permanência dos alunos da E.J.A. acontece porque as
práticas pedagógicas da sala de aula, realizadas pelos professores, estiveram pautadas na
dialogia dialética10, na escuta sensível e no acompanhamento diferenciado.
Nossa pesquisa tem norteadores semelhantes aos de Santos (idem): investigaremos um
grupo de alunos que voltou aos bancos escolares, após muitos anos ou que já possuía histórias
de fracassos escolares anteriores. Preocupa-nos também, como foram desenvolvidas as
relações interpessoais dessa turma, nosso objeto de pesquisa, e o trabalho pedagógico
desenvolvido pelas duas escolas, onde eles estudaram.
Mileto (2009) tomou, como objeto de pesquisa, os processos de permanência e
conclusão no segundo segmento do Ensino Fundamental em uma escola do Programa de
Educação de Jovens e Adultos (PEJA) da Secretaria Municipal de Educação do Rio de
10 Segundo Santos(2007), o termo significa a arte de raciocinar, debater, examinar e questionar, entre os alunos e os professores, desenvolvendo entre todos uma relação pautada na dialogia dialética.
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Janeiro. A E.J.A. foi vista sob uma perspectiva inversa àquelas que naturalizam o fenômeno da
evasão nessa modalidade de educação, a fim de compreender como sujeitos da E.J.A.
construíram estratégias de permanência e estabeleceram relações entre as trajetórias escolares
(e de vida) com os processos de permanência ou de desistência/evasão na escola pesquisada.
Também como possibilidade de adoção de ponto de vista menos tradicional, foi usada a noção
de relações pedagógicas no sentido amplo como o conjunto de interações que se
desenvolveram nos espaços sociais, não se limitando às relações intencionalmente
empreendidas por educadores profissionais. Analisaremos, igualmente a MILETO (idem), um
grupo que possui um perfil social muito próximo ao observado em sua pesquisa. Será possível
também verificar se os processos de permanência mantêm uma relação diretamente ligada aos
processos de construção de redes de sociabilidade, fundamentadas em vínculos de cooperação
e solidariedade entre alunos e professores.
Uma das características, como vimos anteriormente, da Educação de Jovens e Adultos
relaciona-se quase sempre com as desistências dos alunos antes mesmo de completarem a
etapa da escolaridade em que estavam matriculados. Os alunos, porém, da Escola Estadual
Lenita Camargo, no município de Francisco Morato, permaneceram até a conclusão do ensino
médio, fato considerado como sucesso nesta pesquisa.
Diante dos altos índices de evasão e retenção na E.J.A. e da permanência vista em
alguns grupos de alunos, levantamos o seguinte problema: por que alguns sujeitos voltam ao
processo de escolarização, começando na alfabetização e permanecendo no curso até o ensino
médio? Para elucidá-lo, podemos ainda estabelecer outras questões: quais são os fatores
escolares e extra-escolares que interferem e garantem a alguns permanecerem, sem
interrupções, e obterem sucesso dentro de sua trajetória escolar? Que diferencial apresenta
esses sujeitos que romperam histórias de vida marcada pelo fracasso escolar e exclusão social?
Como foram construídas as trajetórias e estratégias de permanência desses sujeitos?
De posse de respostas a essas questões, pretende-se contribuir para apresentar um novo
ponto de vista sobre a E.J.A que, na maioria das pesquisas, apresenta explicações sobre os
motivos das desistências (ou evasão), ou seja, tem como objetivo responder à questão: por que
desistem? Em perspectiva diversa, ou como sugere BOURDIEU (2007), numa conversão do
olhar, pretendo privilegiar a construção de interpretações e a busca por possíveis respostas
para outra questão igualmente relevante: como e o que os fazem permanecer?
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Advém, dessa inversão, conhecer o diferencial desses sujeitos que concluíram o ensino
médio. Para isso, trabalharemos com os seguintes objetivos específicos:
• identificar a origem social e a trajetória escolar dos sujeitos de pesquisa;
• caracterizar os contextos familiares, econômicos e sociais a que pertencem;
• identificar as razões da procura e permanência desses sujeitos na E.J.A;
• caracterizar as escolas e a interferência do trabalho pedagógico realizado que
proporcionou tal êxito.
A hipótese é a de que o sucesso escolar dos alunos da E.J.A. está ligado à construção
de estratégias, à mobilização pessoal e familiar, à necessidade de inclusão social, às novas
demandas do mercado de trabalho e à construção e o domínio de um conjunto de valores que
serão proporcionados pelo capital escolar.
A pesquisa reúne informações obtidas por questionário e entrevista feita com os alunos
e com os professores das escolas citadas, que são o foco do nosso trabalho. Segundo Thiollent
(1982, p. 24), são instrumentos classificados como observação direta. Os fatos são conhecidos
pelos sujeitos da pesquisa, pessoas implicadas no problema investigado.
20
CAPÍTULO I
REFERENCIAL TEÓRICO
Os conceitos de capital econômico, social e cultural, presentes na obra de Pierre
Bourdieu, servirão de referencial teórico nesta pesquisa. A sociologia é vista como a
necessidade da construção do conhecimento sobre o mundo social, um instrumento para a sua
transformação. Levando-se em conta os objetivos desta investigação, essa ideia é bastante
pertinente.
Essa concepção do conhecimento como práxis proporciona outras possibilidades de
diálogo com uma obra que, dificilmente, pode deixar de estar presente quando se estuda a
educação de jovens e adultos. Bourdieu, ao criticar o objetivismo e o conhecimento
fenomenológico, formula outro modo de conhecimento, inicialmente denominado de
“praxiológico”, cujo objetivo é articular dialeticamente estrutura social e ator social. Para ele,
o conhecimento praxiológico tem como objetivo não somente o sistema de relações objetivas, mas também as relações dialéticas entre essas estruturas e as disposições duráveis dos agentes, nas quais elas se atualizam. Com isso busca ressaltar o duplo processo de interiorização da exterioridade e de exteriorização da interioridade. (apud MARTINS, 2002, p. 172).
Como possibilidade de uma mudança, que se distancia de algumas concepções
pedagógicas mais tradicionais, enfatizarei a percepção na qual os processos educativos
escolares não estão circunscritos às ações planejadas, promovidas pela iniciativa dos agentes
institucionais. Adoto a perspectiva que considera como relações pedagógicas o conjunto de
interações desenvolvidas nos espaços sociais e interessando-me, especificamente, mas não
exclusivamente, em função do necessário recorte metodológico, pelas inter-relações
estabelecidas no âmbito do espaço da unidade escolar tomada como campo de pesquisa.
A pesquisa utiliza a permanência como categoria11 central de análise, procurando
compreender como são construídas estratégias e quais trajetórias escolares favorecem a
11 “Uma categoria de análise é um conceito que nos permite dar uma ‘arrumação’, um ‘arranjo’ no campo que se prentende investigar.” (BUFFA, 2005, p.53).
21
permanência ou a constituição dos alunos permanentes. Para THOMPSON (1981), as
categorias analíticas possibilitam estabelecer as relações entre as condições de vida e a sua
produção, as práticas culturais e representações sobre o cotidiano, as práticas políticas e
relações de vizinhança ou comunitárias, etc., pois a experiência articula a tradição, as práticas
sociais e as representações.
A categoria ‘estratégia’ nesta pesquisa tem o sentido proposto por Bourdieu, ou seja,
“[...] os agentes sociais têm a capacidade de enfrentar situações imprevistas e constantemente
renovadas; além do mais, nos diversos campos sociais, sabem estabelecer relações entre os
meios e os fins para adquirir os bens raros”. (BONNEWITZ, 2003, p.14). Para Bourdieu
(2000), o termo estratégia não é como um produto inevitável de um cálculo custo-benefício
nem como mero resultado do acaso. “Se certas ações podem ser fruto de decisões explícitas e
racionais, outras decorrem do processo de interiorização das regras do jogo social e revelam a
intuição prática que marca um bom jogador, o estrategista” (NOGUEIRA, 2000, p. 128). No
caso dos alunos em estudo, não se trata de uma intervenção planificada, com objetivos
precisos. Trata-se de um retorno à escola com a ausência de regras conscientes,
desobedecendo a regularidades. Quais são elas?
Da mesma forma, seguindo a formulação do sociólogo francês, utilizo a categoria
‘trajetória’ como uma “... série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente
(ou um mesmo grupo) num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito a incessantes
transformações”. (BOURDIEU, 1996, p.189).
Assim, relacionando-se ao nosso objeto de estudo, coloca-se o êxito na trajetória
escolar destes sujeitos como uma importante forma de conseguirem inserção social.
Esta pesquisa trabalhará também com o conceito de experiência para E. P. Thompson,
historiador inglês, que se dedicou especialmente à educação de adultos, e como ele afirma, o
estudante adulto leva para a escola toda a sua experiência – o trabalho, sua trajetória de vida,
suas relações sociais, e esses processos rompem com a lógica vigente nos processos de
escolarização. Se, por um lado, a experiência pode ser pensada como um processo que
acontece no âmbito individual, por outro lado, assume-se que ela está vinculada às
determinações macrossociais sem serem definidas única e exclusivamente por estas.
Os indivíduos e os grupos sociais estabelecem dinâmicas sociais, definidoras de suas
experiências que contribuem para a definição das configurações sociais. Thompson (1981)
22
estabelece que a experiência é o elo entre a superestrutura econômica e a infra-estrutura
sociocultural. Ele reafirma a importância das condições materiais e sociais de existência como
constitutivas da experiência, o que equivale dizer que esta é social; ou segundo Lobo (1992), a
experiência será o “elo articulador” entre as esferas da estrutura social e aquelas nas quais o
ator social exerce sua função.
A diversidade de trajetórias e histórias de vida evidencia que uma pluralidade de
interferências pode ser observada nos processos que levam os sujeitos a decidirem entre
desistir ou permanecer na E.J.A. Para efeitos de análise, adotarei, em relação à instituição
escolar, a classificação de Melo (1979), que identifica fatores externos e fatores internos
vinculados à permanência ou à evasão. Os fatores externos estão vinculados, principalmente,
aos obstáculos interpostos pelas estruturas sócio-econômicas que se refletem no cotidiano e
nas histórias de vida dos alunos. Os fatores internos decorrem da configuração das relações
sociais instituídas no âmbito do espaço escolar, destacadamente nas interações estabelecidas
no interior da turma – ou classe, segundo a designação usada em alguns estados brasileiros
(MELO, 1979). As ações pedagógicas, no sentido amplo, que se processaram nesses grupos
sociais constituíram aspectos de fundamental relevância para a pesquisa.
A compreensão das diferentes estratégias construídas pelos sujeitos com o objetivo de
permanência e conclusão dos estudos na E.J.A. possibilita significativos avanços para o
campo. É imprescindível a superação tanto da perspectiva que responsabiliza o próprio aluno e
a família – privilegiando fatores extra-escolares – quanto da perspectiva que atribui à
instituição – os fatores intra-escolares – a responsabilidade pelos processos excludentes. Será
necessário efetuar, então, os recortes metodológicos necessários à construção do objeto e a
própria investigação social e estar atento aos dinamismos da realidade social.
Da obra de Bourdieu (1998), utilizaremos, ainda, o conceito de capital cultural. Esse
conceito impôs-se como uma forma de explicar as diferenças de rendimento escolar obtido por
crianças de classes sociais distintas; e, em consonância, opor-se às explicações provenientes da
teoria do capital humano e da crença na existência de "aptidões". Contrariamente às
afirmações de que as desigualdades no desempenho escolar seriam consequências dos fatores
econômicos ou do "dom", Bourdieu (idem, p. 74) afirmou que essas desigualdades são frutos
da distribuição, também desigual, do capital cultural entre as classes e as frações de classes:
"O rendimento escolar da ação escolar depende do capital cultural previamente investido pela
23
família". Esta pesquisa irá verificar se, no caso dos sujeitos investigados, é possível que esse
investimento não tenha ocorrido de forma essencial.
O capital cultural é constituído por um conjunto de estratégias, valores e disposições
proporcionados, sobretudo, pela família e pela escola, além de outros agentes socializadores,
que cria, no indivíduo, uma predisposição a uma atitude mais dócil e de reconhecimento frente
às práticas educativas (SETTON, 2002). Segundo Bourdieu, esse capital é herdado e possui a
capacidade de se transformar em outros capitais; por exemplo, em capital social, que consiste
no "... conjunto de relacionamentos sociais influentes..." (apud NOGUEIRA & NOGUEIRA,
2002, p. 21). Ademais, o capital cultural pode existir sob três estados: incorporado, isto é, sob
a forma de disposições duráveis do indivíduo; objetivado, que corresponde aos bens culturais;
e institucionalizado – outro tipo de objetivação do capital cultural, como os diplomas.
Bourdieu (1998, p. 75) afirma, ainda, que a maioria das propriedades do capital
cultural pressupõe sua incorporação, estando, portanto, ligada ao corpo e à subjetividade.
Assim, esse capital é algo que, apesar de herdado, torna-se parte inerente ao próprio indivíduo:
"O capital cultural é um ter que se tornou ser, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se
parte integrante da 'pessoa', um habitus". Os alunos da escola em questão buscam adquirir e
incorporar esse capital cultural, valorizado e adquirido através da escola.
Segundo Bourdieu (1975), o habitus consiste em um sistema de disposições
duradouras e transferíveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionarem como estruturas
estruturantes, ou seja, como princípio que gera e estrutura as práticas e as representações que
podem ser objetivamente regulamentadas e reguladas, geradores e organizadores de práticas e
de representações que podem estar objetivamente adaptadas a um fim. O habitus é um produto
da relação dos agentes sociais com diversas modalidades de estruturas sociais.
Para Nogueira, Romanelli & Zago (2000), o sucesso escolar, nas camadas populares, e
mais especialmente na E.J.A., está também na aposta da escolarização como forma de
ascensão social ou até mesmo da inserção social.
A escola é uma instituição social legitimada universalmente, porém cada classe social
se apropria da legitimidade de que goza a instituição escolar de formas distintas. Esse uso está
relacionado ao sentido de estratégia social, e os agentes sociais a utilizam para compor a forma
como desejam atingir certos interesses sociais. Dessa forma, as estratégias escolares
produzidas e aplicadas por esses agentes estão relacionadas à questão dos interesses sociais,
24
por serem estes que geram, nos indivíduos, a produção de estratégias para que tentem alcançar
o que almejam.
As estratégias desenvolvidas pelos alunos, objeto de estudo desta pesquisa, são
conjuntos de lances condutores de determinadas ações, que podem ser inconscientes e não-
racionais. A intenção inicial das estratégias é atingir o sucesso, porém deve-se levar em
consideração que o contexto de aplicação de uma estratégia pode fazer com que ela produza o
efeito inverso, ou seja, o fracasso. Além disso, o resultado desejado pode não ser imediato. As
aspirações subjetivas mais as chances objetivas facilitam chegar até as possibilidades
objetivas.
As aspirações subjetivas dizem respeito aos desejos e ambições do sujeito; as chances
objetivas estão relacionadas à oferta de materialidade necessária para a realização prática das
aspirações; e as possibilidades objetivas são o resultado dessa soma que determina os limites
materiais e simbólicos para a execução das aspirações do agente.
Em outros termos, a estrutura das oportunidades objetivas de ascensão social e, mais precisamente, das oportunidades de ascensão pela escola condiciona as atitudes frente à escola e à ascensão pela escola – atitudes que contribuem, por uma parte determinante, para definir as oportunidades de se chegar à escola, de aderir a seus valores ou a suas normas e de nela ter êxito; de realizar, portanto, uma ascensão social – e isso por intermédio de esperanças subjetivas (partilhadas por todos os indivíduos definidos pelo mesmo futuro objetivo e reforçadas pelos apelos à ordem do grupo), que não são senão as oportunidades objetivas intuitivamente apreendidas e progressivamente interiorizadas. (BOURDIEU, 1999, p. 49).
A permanência de alunos de classes populares na E.J.A., entretanto, ocorre de forma
mais árdua. Esses alunos fazem maiores investimentos em estratégias que podem trazer
retorno em curto prazo devido às urgências financeiras determinadas por sua posição no
universo social. Assim, as classes populares não fazem fortes investimentos na instituição
escolar por ela ter retornos materiais e simbólicos visíveis apenas em médio e longo prazo. No
entanto, como a homologia existente no espaço social torna próximas as classes populares e as
classes médias, algumas famílias dos meios populares acreditam no poder de elevação social,
e isto somente será possível por meio da escolarização.
A curta permanência na escola de um conjunto expressivo de alunos de origem popular é um dos principais problemas educacionais brasileiros. No tratamento da questão, entretanto, não se pode desconsiderar os que permanecem. Embora poucos proporcionalmente, eles
25
agregam um contingente expressivo em termos absolutos. No que diz respeito ao papel desempenhado na dinâmica social, sua expressividade cresce. (SOUZA & SILVA, 2003, p.159).
Segundo Bourdieu (1998), as atitudes com relação à escola e à cultura escolar e a
noção de o que os estudos podem oferecer no futuro, estão muito fortes nas classes médias e,
portanto, os pertencentes a essa classe recebem não só os encorajamentos e exortações ao
esforço escolar, “mas também um ethos12 de ascensão social e de aspiração ao êxito na escola
e pela escola” (BOURDIEU, 1998, p. 48). Os alunos do E.J.A. em questão buscam êxito na
escola e pela escola, para alcançar novos objetivos pessoais e profissionais, e suas famílias têm
um papel fundamental nesse contexto, pois encorajaram e exortaram esses sujeitos a obterem
sucesso escolar.
Na década de noventa, os pesquisadores voltaram sua atenção e interesse para as
trajetórias escolares atípicas, para os casos denominados de “improváveis” por Lahire (1995) e
que se referem ao fracasso escolar de jovens oriundos dos grupos de elite, bem como o
sucesso escolar de alunos dos meios populares. Nogueira (2004) apresenta uma das
observações feitas por Baudelot (1999), sobre essa questão, quando declara: “Doravante, o
insignificante estatístico vai tornar-se sociologicamente significativo”. Os alunos das classes
populares que obtêm sucesso escolar passam a ter importância e significado.
Pode-se afirmar que ganha corpo uma “sociologia das trajetórias”13 na qual se destaca a
importância que tem sido dada a atuação das famílias nos percursos escolares de seus
membros e a atuação do próprio sujeito nesse processo.
Para Lahire (1997), quando queremos compreender as “singularidades” das biografias
escolares, as especificidades de cada caso, parece que, fatalmente, somos obrigados abandonar
o plano da reflexão macrossociológica dos grandes estudos e estatísticas, para “navegar nas
águas da descrição...monográfica”.(LAHIRE, 1997, p.14). Devemos considerar que as
condições de existência de um individuo estão atreladas a um contexto social, escolar e
familiar no qual está inserido.
12 “Sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre outras coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar”. (BOURDIEU, 1998, p.48). 13 Segundo Nogueira (2004, p. 135), observa-se o desenvolvimento de pesquisas voltadas para análise de “trajetórias atípicas, excepcionais e inesperadas”, dando origem ao que a aurora chama de uma “sociologia das trajetórias escolares”.
26
Conforme nos alerta Zago (2000, p.20), ao estudarmos a realidade escolar nos meios
populares, é preciso que levemos em conta também outras dimensões da vida do aluno, além
da estritamente escolar, o trabalho e a rede de relações sociais da qual faz parte, ou seja, as
trajetórias sociais desses alunos também são fundamentais.
As pesquisas de Bourdieu (1998) e Lahire (1997) mostram que, na trama social e
escolar que permeia as histórias de sucesso ou fracasso escolar, diversos fatores têm sido
apontados como fundamentais. Dentre eles, pode-se destacar a mobilização pessoal, o valor
atribuído à educação pelas famílias, a ordem moral doméstica e a ascensão ou inclusão social.
As famílias dos meios populares, por não apresentarem uma familiaridade com a
linguagem e com a cultura escolar, mostram-se, muitas vezes, desprovidas de recursos capazes
de possibilitar aos filhos melhores resultados escolares (BOURDIEU, 1998; ZAGO, 2000).
Isso não significa que os alunos desses meios estão sempre em situação de fracasso escolar.
Segundo Lahire (1997), ao analisar uma dada configuração social, é válido lembrar que
se trata de uma rede de relações de interdependências específicas entre os seres sociais e que,
portanto, devem ser contextualizadas as suas singularidades e particularidades. Porém, apesar
disso, não podemos negar ser inquestionável a influência familiar e o peso das condições
sociais, econômicas e culturais, na definição de uma determinada situação escolar.
Lahire (1997), em seu estudo sobre sucesso escolar nos meios populares, também
afirma que, para compreendermos os resultados e os comportamentos escolares, é necessário
que a rede de interdependências familiares seja reconstruída, pois os casos de fracassos
escolares são de solidão dos alunos no universo escolar, pois aquilo que trazem da estrutura
familiar não lhes dá possibilidade de enfrentar as regras do jogo escolar – os tipos de
orientação cognitiva, os tipos de prática de linguagem, os tipos de comportamento (...)
próprios da escola. “Quando voltam para casa, trazem um problema (escolar) que as pessoas
que o cerca não pode ajudá-los a resolver: carregam, sozinhos, problemas insolúveis”.
(LAHIRE, 1997, p. 19)
Os sujeitos desta pesquisa desafiam-nos a pensar a E.J.A. (e a educação escolar) como
um espaço que transcende a mera reprodução de conhecimentos valorizados socialmente,
proporcionando não apenas a aquisição de capital cultural, mas materializando a construção de
novos saberes e experiências culturais. As possibilidades de conexão com os outros, a
constituição como sujeitos individuais e coletivos irão proporcionar a aquisição de
27
significativo capital social, fundamental para outras conquistas, inclusive do capital
econômico.
1.1. Abordagem Metodológica da Pesquisa
Para Bourdieu (apud THIOLLENT, 1982, p. 44), toda técnica de pesquisa é uma
“teoria em atos”, ou seja, a forma como os fatos são buscados, selecionados, correlacionados e
analisados, em cada técnica de pesquisa, é construída a partir dos pressupostos teóricos que
orientam, conscientemente, ou não, a investigação. No caso desta pesquisa, o conceito de
capital cultural orientou a busca dos dados e da construção dos instrumentos.
Thiollent (1982) afirma que método de investigação é parte do corpo teórico adotado.
É esse corpo teórico prévio que comanda o processo da pesquisa. A consciência desse fato
possibilita aos pesquisadores – que acreditam que o conhecimento está contido no próprio
fato, independentemente do modo de intervenção de quem o observa – uma vigilância sobre o
significado dos dados obtidos, evitando a ilusão da existência de uma objetividade científica
neutra, predominante nos estudos empíricos. Para marcar a diferença dessa posição empirista e
positivista, muitos autores, como Habermas, propõem substituir o termo observação pelo
termo questionamento para descrever o modo de obtenção dos dados durante o processo de
pesquisa (idem).
A pesquisa qualitativa supõe o contato direto e prolongado do pesquisador não só com
o ambiente, mas também com a situação que está sendo investigada, exigindo, dessa forma,
um trabalho intensivo de campo para presenciar as situações e os atores inseridos em seu
ambiente natural. (LUDKE & ANDRÉ, 1986)
A pesquisa qualitativa é, portanto, um processo de reflexão e análise da realidade,
através da utilização de métodos e técnicas para compreensão detalhada do objeto de estudo
em seu contexto histórico e/ou segundo sua estruturação. Ela gera informações ricas,
detalhadas e válidas – que contribuem para o aprofundamento da compreensão do contexto no
qual o fenômeno que está sendo estudado ocorre – e preocupa-se muito mais com o processo
social do que com as estruturas sociais, na tentativa de visualizar o contexto e, na medida do
possível, estabelecer integração empática com o objeto de estudo.
28
A escolha da abordagem qualitativa para nortear esta investigação justifica-se pelo fato
de ser uma abordagem utilizada pelos pesquisadores em educação por melhor contribuir para
desvelar os conteúdos no campo e por ter, como pressuposto, a compreensão dos fatos e
valores, sem separá-los. A partir dos questionamentos levantados e dos limites traçados no
desenho deste estudo, pode-se caracterizá-lo, em termos metodológicos, como uma pesquisa
qualitativa. Nesse sentido, esta pesquisa pretende dar voz aos atores sociais para analisar os
múltiplos aspectos e particularidades que envolvem a experiência escolar de alunos de
camadas populares. Buscamos considerar as falas dos sujeitos, respeitando seu conteúdo e seu
contexto, social e histórico.
Realizamos, assim, a investigação com um grupo de sujeitos que pertence às classes
populares que, voltaram a estudar em duas escolas públicas do município de Francisco
Morato, desde as séries iniciais do Ensino Fundamental – sem interrupções e com
pouquíssimas desistências – até concluírem o Ensino Médio.
1.1.1. Centro de Educação de Jovens e Adultos Professora Elimara Santos e Escola
Estadual Lenita Camargo: um campo de pesquisa.
Esta pesquisa tem o objetivo de analisar e interpretar as razões que explicam o sucesso
escolar de alunos de classes populares, que estudaram na Educação de Jovens e Adultos, em
duas escolas do município de Francisco Morato, região periférica da grande São Paulo. Esses
alunos voltaram aos estudos desde as séries iniciais e, sem interrupções, uma grande parcela
deles conseguiu terminar o seu processo de escolarização.
A pesquisa reunirá informações nos diálogos desencadeados durante a aplicação dos
questionários e entrevistas realizadas não só com alguns desses alunos que concluíram o
Ensino Fundamental e o Médio na E.J.A., como também com as duas professoras que
lecionaram para eles nas séries iniciais do Ensino Fundamental I14 no C.E.J.A. Professora
14 O Ensino Fundamental I corresponde à 1ª, 2ª, 3ª e 4ª séries.
29
Elimara e com o professores do Ensino Fundamental II15 e outro do Ensino Médio, na Escola
Lenita Camargo.
O Centro de Educação de Jovens e Adultos Professora Elimara Santos, localizado nas
proximidades do centro da cidade, é uma escola municipal inaugurada em 2002, com o
objetivo de atender, exclusivamente, a Educação de Jovens e Adultos. Possui 08 salas de aula
e funciona em dois períodos: vespertino (15h às 18h30) e noturno (19h às 22h30). Por estar
próximo ao centro e, principalmente, da estação ferroviária, o C.E.J.A. recebe, em sua maioria,
moratenses, que trabalham em São Paulo ou nas cidades próximas, como Jundiaí e Cajamar. A
merenda escolar é oferecida a esses alunos trabalhadores antes do horário das aulas.
Os sujeitos desta pesquisa deveriam ficar três semestres – que corresponderiam à
conclusão das séries iniciais do Ensino Fundamental I – no C.E.J.A., mas, por falta de vagas
devido a uma reforma na Escola estadual Lenita Camargo, os alunos tiveram que ficar mais
um semestre. Segundo suas professoras, Maria e Aparecida,
Este semestre a mais foi algo em comum acordo entre alunos, professores e
a direção do Centro, pois partiu dos alunos, em consenso, que ficariam mais
um semestre, desde que, ao final deste (sic), todos fossem colocados na
mesma escola [Lenita Camargo] e na mesma sala de aula. Eles tinham
vagas garantidas em outras escolas só que seriam espalhados em várias
escolas e estas não eram próximas do centro da cidade. E sentimos um
grande prazer em continuar com eles pelas relações de amizade
desenvolvidas entre eles e conosco e pelo grande interesse que tinham em
aprender cada vez mais. (Entrevista realizada em 08/03/2011).
No inicio do mês de agosto de 2004, um grupo de 40 alunos, divididos em duas classes
de 20, ficaram entregues a duas professoras, Maria e Aparecida, que os acompanhou por
quatro semestres do curso. As professoras desenvolveram um excelente trabalho pedagógico,
conforme o depoimento do aluno Ariovaldo:
15 O Ensino Fundamental II corresponde à 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries
30
Elas foram maravilhosas como pessoa e como professora, porque depois do
tempo que ficamos com elas todos nós estávamos lendo, escrevendo e como
elas falavam que era o mais importante, é uma palavra difícil,
interpretando. Eu sou mestre de obras, o mais importante em uma
construção é a fundação e o alicerce, então elas deram pra gente tudo que a
gente precisava para ir em frente com fé e segurança na gente.(Entrevista
realizada em 05/03/2011).
Ao final desses quatro semestres, dos 40 sujeitos que iniciaram, 36 alunos concluíram
as séries iniciais do ensino fundamental I, dentro do Centro de Educação de Jovens e Adultos
Professora Elimara Santos. Os 36 alunos foram encaminhados para a Escola Estadual
Professora Lenita Camargo e, após três anos e meio, 32 deles concluíram o ensino médio.
Em agosto de 2006, os trinta e seis sujeitos chegaram à Escola Estadual Professora
Lenita Camargo, localizada no centro da cidade e bem próximo também da estação
ferroviária. Essa escola possui 12 salas de aula, funciona em três períodos, e oferece,
especificamente, o Ensino Fundamental II e Ensino Médio, para a Educação de Jovens e
Adultos, nos períodos matutino, vespertino e noturno.
Os sujeitos da pesquisa foram colocados na mesma sala de aula, e essa turma formou
um grupo diferenciado dentro da escola, conforme afirmação do professor Marcelo16:
Eu tive a oportunidade de lecionar Matemática para este grupo desde a 5ª
série e os acompanhei até o 3º ano do Ensino Médio. Eles chegaram e foram
um diferencial, porque todos escreviam, liam, não tinham medo de
perguntar e se não entendiam a matéria, eles ajudavam muito uns aos
outros, e me chamava muito a atenção a forte relação de amizade entre eles.
Dar aula para eles foi um marco na minha carreira como professor, aprendi
muito. (Entrevista realizada em 08/03/2011).
16 Os nomes citados nesta pesquisa são fictícios.
31
Ao final do primeiro semestre de 2009, dos 36 alunos que chegaram à Escola Estadual
Professora Lenita Camargo, 32 concluíram o Ensino Médio.
1.1.2. Os sujeitos da pesquisa.
Meu primeiro contato com os sujeitos desta pesquisa ocorreu em agosto de 2006,
quando eles terminaram o ensino fundamental I, no Centro de Educação de Jovens e Adultos
Professora Elimara Santos. Lá fui alertado pela professora Maria que, no final de sua carreira
no magistério, tinha sido agraciada com uma turma de E.J.A. Para ela, essa turma foi um
presente, pois praticamente todos eram frequentes, escreviam, liam e interpretavam o que liam
em suas aulas. Três anos depois, em uma reunião, encontrei a mesma professora, que estava
alegre não só por ser homenageada na formatura desses mesmos alunos no Ensino Médio, mas
também porque o grupo era formado praticamente por seus alunos a quem ministrara aulas nas
séries iniciais do Ensino Fundamental.
Esses sujeitos faziam parte do outro lado do processo ensino-aprendizagem. Não só a
professora trazia seu contentamento; eles também traziam em sua bagagem, experiências,
vivências e possuíam as mais diferentes especificidades culturais, faixas etárias, profissões,
etc. Apesar das diferenças todas, havia algo em comum: eles eram oriundos das classes
populares, com uma curta passagem pela escola. Como afirma Haddad (1997, p. 156), ao
caracterizar os alunos da EJA, os alunos
[...] trazem no corpo e na fala as marcas de outras regiões, sinais identificadores de seu grupo social. A cor da pele, as marcas das dificuldades da vida, a maturidade de quem foi obrigado a precocemente entrar no mercado de trabalho caracterizam o grupo social do curso noturno de maneira diferenciada aos bem-nascidos dos cursos regulares diurnos.
Era preciso, portanto, conhecer os trinta e seis sujeitos que concluíram o Ensino Médio,
suas trajetórias, estratégias, e os fatores escolares e extra-escolares que os fizeram voltar,
permanecer e concluir, desde as séries iniciais do Ensino Fundamental até o Ensino Médio.
Consideramos também como sujeitos da pesquisa quatro professores: as professoras Maria e
Aparecida, que lecionaram o Ensino Fundamental I e os professores Marcelo e Regina, que
32
lecionaram para estes sujeitos no Ensino Fundamental II e Ensino Médio – que muito
contribuíram para que este sucesso fosse alcançado.
Como pesquisador, seguirei as orientações de Bakhtin (2006):
Para compreender a palavra, é necessário compreender a quem ela se dirige. Se, por um lado, o pesquisador, ao definir o perfil dos sujeitos, escolhe a quem sua palavra se dirigirá no decorrer do processo da pesquisa, por outro, os sujeitos, ao aderirem à pesquisa, também escolhem o pesquisador como um outro a quem dirigirão sua palavra.(BAKHTIN, 2006, p. 113).
Os atores da pesquisa foram amplamente receptivos e participantes: todos os trinta e
seis sujeitos responderam ao questionário aplicado e compareceram às entrevistas. Num
estudo no qual o objetivo é a imersão na experiência do outro, buscando captá-la nos termos
desse outro que se oferece como sujeito, mas também como objeto do olhar do pesquisador, a
adesão é fundamental. Apenas quando os sujeitos se sentem implicados com a pesquisa,
instigados pelas questões que movem a investigação, cúmplices do objeto de pesquisa
construído pelo pesquisador, é possível levar a termo as intenções iniciais. É essa
cumplicidade entre os sujeitos e o objeto de pesquisa que o pesquisador tenta estabelecer
quando entra no campo de investigação. O campo é o território do outro, do qual o
pesquisador tenta se apropriar. Entretanto, essa apropriação deve ser consentida, para que não
exproprie o outro de seu saber, de suas experiências, mas que busque a partilha.
1.1.3. Instrumentos de Pesquisa
Buscando identificar, descrever, caracterizar e compreender as trajetórias desses
sujeitos, a coleta dos dados desta pesquisa ocorreu por meio de questionário e entrevista. Esses
dois instrumentos têm, em comum, o fato de serem constituídos por uma lista de indagações
que, respondidas, dão ao pesquisador as informações que ele pretende atingir.
O questionário – aplicado para a caracterização dos trinta e seis sujeitos da pesquisa
que concluíram o Ensino Médio na Escola Estadual Lenita Camargo – e as entrevistas foram
feitas com oito alunos e quatro professores, escolhidos por critérios pré-definidos, tais como:
idade; maior tempo de interrupção nos estudos; sujeitos que voltaram a estudar devido à
33
influência da família; sujeitos que voltaram obrigados pelo mercado de trabalho e os sujeitos
menores de idade que estavam em liberdade assistida, e os professores indicados pelos
próprios alunos.
Questionário
A coleta de dados, por meio do questionário (ver anexo 1 ) com treze questões
estruturadas e semi-estruradas, foi realizada nos meses de setembro, outubro e novembro de
2010, nas dependências da Escola Estadual Professora Lenita Camargo, em três encontros: o
primeiro foi destinado à aplicação, o segundo e o terceiro, a pedido dos alunos para uma
análise e um pequeno debate sobre os dados obtidos através das respostas dadas ao
questionário.
Em relação à técnica do questionário, Thiollent (1982) afirma que, a partir da
observação direta, se estabelece um contato efetivo com as pessoas implicadas no problema
investigado. Os sujeitos puderam questionar (observação) e reagir ao questionário (direta), ou
nas palavras de THIOLLENT (1982, p. 32) “Questionários, formulários e entrevistas são
considerados como técnicas de observação direta pelo fato de estabelecerem um contato
efetivo com as pessoas implicadas no problema investigado...”.
As perguntas do questionário foram elaboradas, baseando-se nos objetivos da pesquisa,
com o intento de responder às seguintes indagações: quem são estes sujeitos? Quais são suas
origens? Quais foram suas trajetórias escolares anteriores? Por que voltaram e permaneceram?
Quais os fatores que interferiram nesta permanência? O que mudou na vida desses sujeitos
após a conclusão do Ensino Médio? Assim, esperou-se caracterizá-los, de forma geral, quanto
aos aspectos econômico, social e escolar.
As Entrevistas.
A entrevista, como técnica, remete-nos à compreensão da realidade e possibilita obter
meios de analisar nosso objeto de pesquisa. A coleta de dados, através da entrevista, é um
34
procedimento mediador que conduz a uma interação entre o pesquisador e o sujeito da
pesquisa, para melhor compreensão da realidade.
Para Ludke & André (1986, p. 34), a técnica de entrevista semi-estruturada é a que
mais se adapta aos estudos do ambiente educacional, porque apresenta um esquema mais livre,
já que esse instrumento permite mais flexibilidade no momento de entrevistar os sujeitos da
pesquisa. Essa técnica de coleta de dados é um dos principais instrumentos usados nas
pesquisas das ciências sociais, desempenhando papel importante nos estudos científicos. A
grande vantagem dessa técnica em relação às outras, segundo as autoras, “(...) é que ela
permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer
tipo de informante e sobre os mais variados tópicos”.
Para as autoras, a entrevista semi-estruturada dá uma maior possibilidade de
entendimento das questões estudadas nesse ambiente, uma vez que permite não somente a
realização de perguntas que são necessárias à pesquisa e não podem ser deixadas de lado, mas
também a relativização dessas perguntas, dando liberdade ao entrevistado e a possibilidade de
surgir novos questionamentos não previstos pelo pesquisador, o que poderá ocasionar uma
melhor compreensão do objeto em questão.
Nas entrevistas semi-estruturadas, há o momento das perguntas anteriormente
determinadas, podendo ser as respostas relativamente livres. Caso haja necessidade, o
pesquisador pode acrescentar uma questão não prevista, dependendo das respostas dos
respondentes.
Nesta pesquisa, os critérios de escolha para as entrevistas individuais foram eleitos a
partir de algumas variáveis, para que pudéssemos ter uma caracterização do grupo de trinta e
dois sujeitos. Assim, escolhemos dois sujeitos pelo critério da idade – o mais velho e o mais
novo do grupo; um sujeito com maior tempo de interrupção na trajetória escolar; um sujeito
que não tinha iniciado seu processo de escolarização; um sujeito que voltou por pressão do
mercado de trabalho; um sujeito que voltou influenciado pela família; dois sujeitos que
voltaram a estudar porque foram obrigados a isso – alguns deles estavam dentro do regime de
liberdade assistida.
35
CAPÍTULO II
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: CONTEXTO HISTÓRICO.
2.1. Trajetória da Educação de Jovens e Adultos do Período Colonial até 1930.
Toda a história das ideias em torno da Educação de Adultos no Brasil acompanha a
história da educação brasileira que, por sua vez, acompanha a história dos modelos
econômicos e políticos e, consequentemente, a história das relações de poder, dos grupos que
estão no exercício do poder. A mobilização brasileira em favor da educação do povo, ao longo
de nossa história, parece realmente ligar-se às tentativas de sedimentação ou de recomposição
do poder político e das estruturas socioeconômicas, fora e dentro da ordem vigente.
A ideia de adotar uma política colonizadora, através da conversão dos indígenas no
Brasil colonial, permitiu aos jesuítas17 (1549-1759) desempenharem o papel de principais
promotores e organizadores do sistema de educação. A sua autonomia, porém, e
consequentemente a influência na colônia, fez com que a coroa portuguesa não só combatesse
a ampliação desse controle, como também os expulsasse das terras brasileiras, provocando,
dessa forma, a regressão do sistema educativo implantado. Quem mais sofrera com sua
expulsão, na verdade, fora a elite, pois a educação popular era quase inexistente.
Paiva (1973, p.165) ressalta que a educação dos adultos indígenas tornou-se
irrelevante. O domínio das técnicas da leitura e escrita não era necessária para os membros da
sociedade colonial, já que se baseava, principalmente, na exportação da matéria-prima. Assim,
não havia preocupação em expandir a educação a todos os setores sociais. Com a vinda da
família Real Portuguesa para o Brasil (1808), modificou-se o panorama educacional brasileiro,
uma vez que se tornara necessária a organização de sistema de ensino para atender a demanda
17 Os jesuítas permaneceram como mentores da educação brasileira durante duzentos e dez anos, até 1759, quando foram expulsos de todas as colônias portuguesas por decisão de Sebastião José de Carvalho, o Marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal de 1750 a 1777. No momento da expulsão, os jesuítas tinham 25 residências, 36 missões e 17 colégios e seminários, além de seminários menores e escolas de primeiras letras instaladas em todas as cidades onde havia casas da Companhia de Jesus. A educação brasileira, com isso, vivenciou uma grande ruptura histórica num processo já implantado e consolidado como modelo educacional. A Companhia de Jesus estava presente como fator de empecilho às reformas econômicas e educacionais de Pombal, o que explica a sua expulsão e proscrição. (1982).
36
educacional da aristocracia portuguesa e preparar quadros para as novas ocupações técnico-
burocráticas.
Normalmente, entendia-se por educação de adultos apenas a transmissão de alguns
poucos conhecimentos da cultura letrada – leitura e escrita – para os analfabetos. Essa visão
estreita da educação estava ligada aos interesses políticos e econômicos das elites que
entendiam que bastava o domínio superficial da leitura e da escrita, pois assim seria possível
manter a “ordem social” instituída.
Politicamente, era conveniente às elites que a grande maioria da população não tivesse
acesso à educação e soubesse ler e escrever para poder votar, pois, com a reforma do sistema
eleitoral (Lei Saraiva de 188518), os analfabetos eram excluídos do contingente eleitoral. Além
disso, as elites entendiam que os votos do recém-alfabetizados seriam presas fáceis para
alimentar o curral eleitoral local. A reforma eleitoral acabou reforçando a “ideia de que a
educação concorria para o progresso. Além disso, a eleição direta com restrição ao voto do
analfabeto provocara a valorização daqueles que dominavam as técnicas da leitura e da
escrita” (PAIVA, 1987, p. 168).
Do ponto de vista econômico, era necessário alfabetizar os iletrados, pois o processo de
industrialização do país exigia mão-de-obra pré-qualificada. As elites não poderiam mais
contar com a mão-de-obra escrava – embora se falasse em fim da escravidão –, acostumada
com o trabalho agropecuário que não exigia esforços intelectuais. Era preciso suprir as
demandas do mercado industrial emergente que requeria dos trabalhadores o mínimo de
exercício intelectual, ou seja, o domínio, ainda que precariamente, da arte da leitura e da
escrita.
Com o desenvolvimento da sociedade – predominantemente rural e agrícola no início e
depois passou a ser industrial e urbana – e com o fortalecimento das cidades, surgiu a
18 A Lei nº 3.270, também conhecida como Lei dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotejipe, foi promulgada a 28 de Setembro de 1885 e garantia liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade. Mesmo tendo pouco efeito prático, pois libertava somente escravos que, por sua idade, eram menos valorizados, houve grande resistência por parte dos senhores de escravos e de seus representantes na Assembléia Nacional. A pressão sobre o Parlamento se intensificou a partir de sua proposta, em 1884. Ao projeto, vindo do liberal ministério Sousa Dantas, os escravocratas reagiram com tanto rigor, que a lei só foi aprovada em 1885, após aumentar o limite de idade do cativo de sessenta para sessenta e cinco anos. As maiorias dos sexagenários estavam nas províncias cafeeiras, o que explica a resistência na Câmara e no Senado. BRASIL. Departamento Nacional de Educação. Histórico da educação de adultos no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 13, n.37, p.140-158, set./dez. 1949.
37
necessidade de se ter certo domínio de conhecimento e a apresentação de algumas habilidades
de trabalho.
No ano de 1854, surgiu a primeira escola noturna e, em 1876, já existiam 117 escolas
por todo o país, como nas províncias do Pará e do Maranhão, que já estabeleciam fins
específicos para sua educação. Segundo Paiva (1973, p.167), no Pará, visava-se dar instrução
aos escravos como forma de contribuir para a sua educação; no Maranhão, a instrução serviria
para que os homens do povo pudessem ter compreensão dos seus direitos e deveres. Sobre a
experiência das escolas noturnas, Paiva afirma:
A crise do sistema escravocrata e a necessidade de uma nova forma de produção são alguns dos motivos para a difusão das escolas noturnas, entretanto, essas escolas tiveram um alto índice de evasão o que contribuiu consideravelmente para o seu fracasso. Ressurgindo novamente em 1880, com o estímulo dado pela reforma eleitoral – Lei Saraiva –, chegando-se a cogitar a extensão da obrigatoriedade escolar aos adolescentes e adultos nos lugares em que se comprovasse a inexistência de escolas noturnas (PAIVA, 1973, p. 168).
Os limites de idade nas escolas noturnas e dominicais eram de 16 e 40 anos. As escolas
eram destinadas ao sexo masculino e poderiam ser instaladas desde que pudessem contar com
a frequência mínima de 30 alunos. As lições eram dadas apenas em três horas, todas as noites,
com exceção dos domingos. As matérias ensinadas eram: língua pátria, aritmética, geometria e
desenho, e lições de coisas. Segundo MOURÃO (1962, p.211),
Destinadas a adolescentes, ou mesmo a adultos, as escolas noturnas apresentavam inestimáveis benefícios aos alunos que trabalhavam durante o dia, não podendo frequentar os grupos escolares ou as escolas isoladas que funcionavam de manhã ou à tarde. Os seus programas aprovados conjuntamente com os dos grupos escolares e das escolas singulares nada tinham, talvez, de específico para a finalidade. O regime desses cursos noturnos era o das escolas singulares com quatro classes, que estudavam ao mesmo tempo, cabendo ao professor, pela divisão de tarefas, mantê-las todas em atividades ao mesmo tempo.
Até a Primeira Guerra Mundial, mais particularmente na década de 1910, a maior parte
das discussões sobre o problema da educação popular foi travada no Parlamento, por meio do
debate dos projetos de reforma do Município Neutro19. A reforma do Distrito Federal, em
1928, merece destaque, pois reorganizou os cursos elementares noturnos e moralizou o seu
funcionamento. Sob a designação de Cursos Populares Noturnos, eles deveriam ministrar o
19 Município Neutro era a Capital Federal ou o Distrito Federal, a cidade do Rio de Janeiro.
38
ensino primário elementar em dois anos a adultos analfabetos, depois o ensino técnico
elementar, cultura geral, práticas de higiene, demonstrações práticas e palestras populares.
Esses cursos tiveram grande resposta junto à população e houve um grande aumento
das matrículas. Não teve continuidade após a Revolução de Trinta, mas deixou bases para a
renovação do ensino de adultos na segunda metade da década de 1930.
A mobilização iniciada com a Primeira Guerra, entretanto, ao trazer à tona a necessidade de expandir a rede de ensino elementar, levantou também o problema da educação dos adultos. A abordagem do problema, contudo, se faz em conjunto: o tema é a educação popular, ou seja, a difusão de ensino elementar. As reformas da década de 20 tratam da educação dos adultos ao mesmo tempo em que cuidam da renovação dos sistemas de um modo geral. Somente na reforma de 28 do Distrito Federal, ela recebe mais ênfase, renovando-se o ensino dos adultos na primeira metade dos anos 30. (PAIVA, 1973, p. 168).
Após a Primeira Guerra Mundial, com a industrialização e urbanização, formou-se a
nova burguesia urbana. Estratos emergentes de uma pequena burguesia exigiam o acesso à
educação – esses segmentos aspiraram a uma educação acadêmica, elitista ou tecnicista,
enquanto que o restante da população continuou analfabeta e inferiorizada. Nos anos 20 aparecem os primeiros profissionais da educação que tentaram sustentar a crença em seu descompromisso com idéias políticas defendendo o tecnicismo em educação e trazendo implícita a aceitação das idéias políticas dos que governam, a educação popular vinculada pelo entusiasmo na educação que nada mais foi do que uma expansão das bases eleitorais, pois a preocupação maior estava vinculada ao aumento do poder da classe burguesa (PAIVA, 1973, p.28).
Diferentes discussões e definições em torno da alfabetização e/ou escolarização de
adultos acompanham lutas ideológicas e políticas de cada período, trazendo consequências
pedagógicas sérias ao processo educativo de sujeitos que buscam tardiamente sua
escolarização.
2.2. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova refere-se a um documento escrito por 26
educadores, em 1932, com o título “A reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao
39
governo”. Circulou em âmbito nacional com a finalidade de oferecer diretrizes para uma
política de educação.
Em 1932, foi publicado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova: a reconstrução
educacional no Brasil, escrito por Fernando de Azevedo e assinado por vários intelectuais da
época, como Carneiro Leão, Hermes Lima, e pelo grande amigo de Azevedo, Anísio Teixeira.
Nesse documento, foram propostas e definidas várias soluções que, a partir de então, foram
aplicadas à educação brasileira (Cf. ROMANELLI, 1991). Aqui, alguns dos princípios
enunciados:
1 - A educação deve ser essencialmente pública, obrigatória, gratuita, leiga e sem
qualquer segregação de cor, sexo ou tipo de estudo, e desenvolver-se em estreita vinculação
com as comunidades;
2 - A educação deve ser uma só, com os vários graus articulados para atender às
diversas fases do crescimento humano. Mas, unidade não quer dizer uniformidade; antes,
pressupõe multiplicidade. Daí, embora única, sobre as bases e os princípios estabelecidos pelo
Governo Federal, a escola deve adaptar-se às características regionais;
3 - A educação deve ser funcional e ativa, e os currículos devem adaptar-se aos
interesses naturais dos alunos, que são o eixo da escola e o centro de gravidade da educação;
4 - Todos os professores, mesmo os de ensino primário, devem ter formação
universitária.
O texto do manifesto ainda dizia que:
... se depois de 43 anos de regime republicano, se der um balanço ao estado atual da educação pública, no Brasil, se verificará que, dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais, que era indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar, à altura das necessidades modernas e das necessidades do país. (LOURENÇO FILHO, M. B., 1978, p. 66).
A causa principal dos problemas na educação, então, estaria na "na falta, em quase
todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins de educação (aspecto filosófico e
social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação".
Para os 26 educadores, nós "nunca chegamos a possuir uma cultura própria, nem mesmo uma
40
cultura geral que nos convencesse da existência de um problema sobre objetivos e fins da
educação" (idem).
A educação nova, dessa forma, propunha "servir não aos interesses de classes, mas aos
interesses do indivíduo, e que se funda sobre o princípio da vinculação da escola com o meio
social". Ou seja, o objetivo era ter um "ideal condicionado pela vida social atual, mas
profundamente humano, de solidariedade, de serviço social e cooperação" (idem).
Os educadores de 1932 que assinaram o manifesto diziam que a escola tradicional
estava instalada para uma concepção burguesa, deixando o indivíduo numa autonomia isolada
e estéril. O documento defendia ainda a educação como uma função essencialmente pública. A
escola deveria ser única e comum, sem privilégios econômicos de uma minoria; todos os
professores deveriam ter formação superior e o ensino deveria ser laico, gratuito e obrigatório.
A democracia no Brasil era um dos pontos mais importantes no manifesto de 1932. A
educação era vista como instrumento de reconstrução da democracia, permitindo a integração
dos diversos grupos sociais. Nesse sentido, o governo federal deveria defender bases e
princípios únicos para a educação, mas sem ignorar as características regionais de cada
comunidade.
Além de povo e governo serem auditórios complexos e multifacetados, o Manifesto se
instituía como “peça de combate, toda ela envolta e atravessada pelo intento de produzir um
efeito de verdade” que, como afirma WARDE (2004 p. 229), “... consistia em dividir a
educação brasileira, de ponta a ponta, entre o novo e o velho, tendo por base o diagnóstico de
que o novo não emergia na sua plenitude no Brasil porque o velho resistia e se negava à
morte”.
O Manifesto (AZEVEDO, 1932, p. 59) defendia, então, “uma reforma integral da
organização e dos métodos de toda a educação nacional”, abrangendo desde os jardins de
infância até a Universidade, apelando a “um conceito dinâmico” que remete “não à
receptividade, mas à atividade criadora do aluno”, no intuito de levar “à formação da
personalidade integral” do estudante e “ao desenvolvimento de sua faculdade criadora e de seu
poder criador”. Para isso, a escola deveria adotar os “mesmos métodos (observação, pesquisa e
experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações científicas”.
No Manifesto, que representou “um divisor de águas entre educadores progressistas e
conservadores”, fizeram-se presentes as idéias de Anísio Teixeira, cujo nome foi sendo
41
vinculado ao campo da filosofia da educação. Embora tenha atuado, quase sempre, como
administrador público em vários setores da educação brasileira, de sua obra pode ser extraída
uma concepção de educação, de homem, de sociedade e de conhecimento que marcaram o
campo educacional nos anos 20 e 60.
No contacto com J. Dewey e as teses do pragmatismo norte-americano – o
pragmatismo recusa os sistemas fechados com pretensões ao absoluto, voltando-se para o
concreto, para os fatos, para a ação –, Teixeira foi absorvido pelas ideias de ciência e de
democracia, as quais apontavam a educação como o canal capaz de provocar as
transformações necessárias para o Brasil, país em busca de modernização.
2.3. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos nas Décadas de 30 e 40.
A partir da Revolução de 30, as mudanças políticas e econômicas permitiram
finalmente o início da consolidação de um sistema político de educação elementar no país,
ocorrendo, consequentemente, experiências significativas na área. A demanda provocada pelo
processo de urbanização e industrialização exigia a ampliação da escolarização para
adolescentes e adultos. Na afirmação de Piletti (1988), foi durante o período republicano,
principalmente de 1930 em diante, que se construiu o sistema educativo brasileiro, elaborado a
partir de alguns princípios básicos, discutidos no decorrer da Primeira República e inscritos
nas constituições, de modo especial a partir da constituição de 1934.
A gratuidade já figurou na Constituição de 1824. A Constituição de 1891 nada disse a respeito, deixando ao Estado a responsabilidade, como encarregado do ensino primário. Gratuidade e obrigatoriedade aprecem juntas pela primeira vez na Constituição de 1934, que em seu artigo 150 institui o “ensino primário integral gratuito e a freqüência obrigatória, extensiva aos adultos”. A partir daí o princípio da gratuidade e da obrigatoriedade jamais deixou de estar presente em nossa Constituição. (PILETTI, 1988, p. 190).
42
Em 1932, influenciada pelas ideias de Anísio Teixeira, do Manifesto dos pioneiros da
Educação brasileira e pelas ideias do experimentalismo americano20, a Secretaria da Educação
do Distrito Federal criou cursos de continuação e aperfeiçoamento a serem ministrados nos
estabelecimentos de ensino profissional. No mesmo ano, o decreto nº 4.299 reformava o
ensino elementar de adultos e organizava os cursos de continuação e aperfeiçoamento, cuja
organização e implementação foram entregues a Paschoal Leme.
Foram criados os chamados cursos de extensão, que deveriam ser práticos de artes e
ofícios, organizados de acordo com os interesses dos alunos e com oportunidades de emprego,
funcionando em horário noturno, sem limite de idade, sem formalidades na matrícula, sem
seriação especial de matérias e duração variável.
Houve grande procura por parte dos trabalhadores ligados ao comércio, e, somente
mais tarde, a classe operária teve acesso a esses cursos. Os alunos participavam de atividades
extraclasse com a realização de palestras, conferências e seções de cinema educativo. Essa
experiência de educação de adultos foi muito importante, não somente pelas características de
sua organização, configurando-se como o primeiro movimento de caráter extensivo fora dos
moldes tradicionais das escolas noturnas, mas principalmente pelo aspecto político.
Nos anos 1930, o país entrara na era das lutas ideológicas e, no clima de radicalização
que precedeu o Estado Novo, era necessário definir-se quanto às ideias e compromissos
políticos. Com a saída de Anísio Teixeira do ministério, a prisão e saída de Paschoal Leme e
com as novas demandas políticas do Estado Novo, essa experiência chegou ao fim.
20 Para NAGLE (1974, p. 46), “Anísio Teixeira, considerado um dos expoentes da educação brasileira, foi um importante seguidor das idéias de John Dewey, do qual foi aluno e influenciado pelo pragmatismo norte-americano de Dewey recusava os sistemas fechados, com pretensões ao absoluto, e se voltava para o concreto, para os fatos, para a ação. Tendo conhecido tais teses, Teixeira se deixou absorver especialmente pelas idéias de ciência e de democracia. Com estas idéias, ele, como Dewey, apontava a educação como o canal capaz de provocar as transformações necessárias à modernização do Brasil. Queria-se adotar o novo modelo de escola e de educação. Creu-se no ideário do movimento de Dewey, na sua proposta de uma escola centrada na atividade, na produtividade e na democracia, tudo associado, a seu jeito, com liberdade do indivíduo e direito de escolha que levariam a dar contribuições para a comunidade. Aportes pragmáticos que permitiriam instaurar a solidariedade social, a inteligente e perfeita comunicação entre os membros que ansiavam transformar a ‘Grande Sociedade’. Anísio Teixeira traduziu, com Godofredo Rangel, a obra maior de Dewey, Democracia e Educação (1959). À época da publicar a tradução, escreveu: “Reputo a versão em língua portuguesa deste grande livro de John Dewey – o seu melhor livro sobre educação, na opinião do próprio autor – como uma inestimável contribuição à cultura popular brasileira. (...) – (...) não sei de livro mais salutar e mais promissor. Com efeito, o leitor encontrará nas suas páginas a revelação – e nada menos é preciso para o Brasil, hoje – do que é a democracia e dos meios de realizá-la”
43
A partir do final da segunda Guerra Mundial, houve um maior interesse,
principalmente dos organismos internacionais, pela disseminação da educação de jovens e
adultos, que passou a ter uma dimensão planetária. Segundo Canário (1998, p. 5), a educação
deixou de estar reservada a um pequeno número e confinada a determinadas categorias sócio-
profissionais ou socioculturais para, nos termos de Avanzini (1996), ser proposta ou mesmo
imposta a todos.
Entre os organismos internacionais, a UNESCO teve um papel fundamental na difusão
das propostas de educação de jovens e adultos, uma vez que ela estimulou a criação de
programas nacionais de educação de adultos analfabetos e criou um conceito de educação
funcional, que propunha a necessidade de se desenvolver uma metodologia especial para
educação de adultos, entendida como:
“... um processo global e integrado, de formação técnica e profissional do adulto - em sua forma inicial - feito em função da vida e das necessidades do trabalho; um processo educativo diversificado, que tem por objetivo converter os alfabetizados em elementos conscientes e eficazes na produção e no desenvolvimento em geral. Do ponto de vista econômico, a alfabetização funcional tende a dar aos adultos iletrados os recursos pessoais apropriados para trabalhar, produzir e consumir mais e melhor. Do ponto de vista social, a facilitar-lhes sua passagem de uma cultura oral a uma cultura escrita, a contribuir para sua melhoria pessoal e do grupo”. (ADISESHIAH, M. 1985, p. 63)
As propostas de educação de adultos esboçadas pela UNESCO tiveram boa
receptividade no Brasil, porque vinham ao encontro dos interesses das elites. A partir de 1947,
houve inúmeras iniciativas governamentais para erradicação do analfabetismo, até então
entendida como educação de jovens e adultos. Neste ano, atendendo aos apelos da UNESCO,
o governo de Eurico Gaspar Dutra lançou a Campanha de Educação de Adolescentes e
Adultos – C.E.A.A. A respeito das intenções da C.E.A.A., Paiva (1987, p.179) fez a seguinte
observação:
... a educação dos adultos convertia-se num requisito indispensável para ‘uma melhor reorganização social com sentido democrático e num recurso social da maior importância’, para desenvolver entre as populações marginalizadas o sentido de ajustamento social. A campanha significava o combate ao marginalismo, conforme o pronunciamento de Lourenço Filho: devemos educar os adultos, antes de tudo, para que esse marginalismo desapareça, e o país possa ser mais coeso e mais solidário; devemos educá-los para que cada homem ou mulher melhor possa ajustar-se à vida social e às preocupações de bem-estar e progresso social. E devemos educá-los porque essa é a obra de defesa nacional, porque concorrerá para que todos melhor saibam defender a saúde, trabalhar mais eficientemente, viver melhor em seu próprio lar e na sociedade em geral.
44
A década de 40 – principalmente com o fim do Estado Novo e a redemocratização –
pode ser considerada como um período áureo para a educação de adultos, salienta Paiva
(1973). A abertura política propiciou o florescimento de movimentos isolados de educação de
adultos, surgindo Universidades Populares organizadas, segundo o modelo europeu e
vinculadas a instituições de ensino ou a bibliotecas. Buscou-se a difusão e a valorização da
arte e da cultura popular – que se mais visível; enfatizou-se a necessidade da educação das
massas.
Ainda nessa década, aconteceram inúmeras iniciativas políticas e pedagógicas
importantes, tais como a regulamentação do Fundo Nacional do Ensino Primário – F.N.E.P.21
(1942); a criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógico – I.N.E.P.22 (1938),
incentivando e realizando estudos na área; o surgimento das primeiras obras especificamente
dedicadas ao ensino supletivo; lançamento da C.E.A.A. – Campanha de Educação de
Adolescentes e Adultos, através da qual houve uma preocupação com a elaboração de material
de didático para adultos; e a realização de dois eventos fundamentais para a área: 1º Congresso
Nacional de Educação de Adultos, realizado em 1947, e o Seminário Interamericano de
Educação de Adultos de 1949.
No final da década de 40 e início dos anos 50, tornou-se necessário promover a
educação do povo para acompanhar a fase de desenvolvimento que se instalava nos países, ou
seja, era preciso formar os continentes de mão-de-obra para atender o crescimento das
indústrias. Essa necessidade de promover a educação e qualificação foi justificada por várias
teorias ligadas à política e à ampliação das bases eleitorais do país, com incentivo externo.
21 Regulamentação do Fundo Nacional do Ensino Primário que viabilizou recursos a intervenção do governo federal na implantação do ensino primário nos Estados, Distrito Federal, territórios e municípios, inclusive sob a forma de “ensino supletivo” para adolescentes e adultos (Cf. SPOSITO, 1994). 22 Criado em 1938, o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos tornou-se uma referência no país, sobretudo a partir de 1944, quando foi criada a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP), veículo por meio do qual as informações educacionais passaram a ser publicadas e conseqüentemente passaram a ser consultadas por pesquisadores, gestores e pessoas interessadas em questões educacionais. A Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos ainda é publicada pelo INEP. O reconhecimento do INEP tanto em nível nacional como internacional foi resultado do modelo adotado por Anísio Teixeira, diretor do Instituto a partir de 1952. O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) foi criado devido à ênfase que Anísio Teixeira deu à pesquisa. Em 1972, o INEP passou a ser um órgão autônomo, e passou a ser chamado de Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Em 1977, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) foi extinto.
45
2.4. A Trajetória da Educação de Jovens e Adultos nas décadas de 50 e 60.
O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) objetou-se às campanhas nacionais de
alfabetização e educação de adultos, pois elas não iam ao encontro das novas condições
criadas pela política “desenvolvimentista”. Elas tinham, na verdade, pouca eficiência na
formação de mão-de-obra educada para as indústriais. Mesmo avessos, em 1958, o governo
promoveu a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo.
Essas campanhas eram instrumentos da democracia liberal que deveriam combater as
ideologias estranhas – as grandes massas, relegadas a um plano secundário de ignorância e
estacionamento, eram presas fáceis de ideologias nocivas nas mãos dos demagogos
anarquistas ou comunistas–, principalmente nas cidades, ao mesmo tempo em que colocavam
em risco o equilíbrio eleitoral das oligarquias no interior, pois, formando novos eleitores,
poderia modificar o equilíbrio eleitoral dos municípios e enfraquecer os chefes políticos
locais.
Paiva (1973, p.250-3) ressalta que, desde o final da década de 50 até meados de 60,
viveu-se no país uma verdadeira efervescência no campo da educação de adultos e da
alfabetização. O II Congresso Nacional de Educação de Adultos (1958) constitui-se um marco
histórico para a área. Paulo Freire, mesmo não tendo ainda um envolvimento maior com o
analfabetismo entre adultos, apresentou e defendeu, liderando um grupo de educadores
pernambucanos, o relatório A Educação de Adultos e as populações Marginais: o problema
dos mocambos. Ele propunha uma educação de adultos que estimulasse a colaboração, a
decisão, à participação e a responsabilidade social e política.
Paiva (2003) indica que esse contexto começou a ser construído com o governo de
Juscelino Kubitschek, no qual o país vivia um período de relativa liberdade de ideias e
estímulo aos intelectuais na teorização do nacional-desenvolvimentismo.
Foi nesse período que se intensificou o problema do voto do analfabeto e da
representatividade das massas, já que o elevado número de analfabetos e a proibição do seu
direito de votar restringiam, significativamente, o número de eleitores. Nesse sentido, o
governo convocou o II Congresso Nacional de Educação de Adultos, com o intuito de rever os
objetivos e fixar as diretrizes postas à educação dos adultos, visando mudanças sociais,
46
econômicas e culturais e demonstrando que o problema assumia certa centralidade no
governo.
Com a eleição de Jânio Quadros, em 1960,
Mostrava-se a difusão do ensino como poderoso aliado contra a política dos currais eleitorais, ao menos em relação à escolha do governo da União. Jânio Quadros, eleito sem compromissos com as oligarquias tradicionais, percebeu a importância dessa difusão e favoreceu a criação de programas destinados à educação dos adultos capazes de multiplicar os contingentes eleitorais a curto prazo. Paralelamente, havia crescido o interesse da hierarquia católica pelo problema da educação das massas e, simultaneamente, começava a difundir-se a nova orientação do pensamento social cristão, com conseqüências importantes na formação dos grupos políticos católicos interessados no problema da educação popular. (PAIVA, 2003, p. 232).
Após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, e com a conturbada posse de João
Goulart, a educação das massas foi assumida com grande importância, surgindo os diversos
movimentos de alfabetização de adultos, que utilizavam a educação popular e a cultura
popular como instrumentos de formação política das camadas populares, ao mesmo tempo,
responsáveis pelo período de efervescência política e cultural que tomou o país na primeira
metade da década de 1960.
Influenciados pelas condições políticas e culturais pelas quais passou o país naquele
momento, os movimentos populares encabeçaram grandes campanhas de promoção de
educação e cultura popular, protagonizadas por intelectuais, políticos e estudantes
preocupados com a promoção política das massas, na perspectiva da tomada de consciência
sobre a problemática brasileira (PAIVA, 2003). Entre os organizadores e participantes desses
movimentos, encontravam-se liberais, marxistas e católicos. Enfocando cada um, a sua
maneira, o problema da educação das camadas populares, esses grupos apresentavam
objetivos políticos, muitas vezes, convergentes. Almejavam a transformação das estruturas
sociais, econômicas e políticas do país, construindo uma sociedade mais justa e mais humana.
Viam, na educação, um instrumento de fundamental importância para a preparação do povo,
para a participação política e a valorização da cultura nacional:
(...) eles buscam métodos pedagógicos adequados à preparação do povo para a participação política. Esses métodos combinam a alfabetização e educação de base com diversas formas de atuação sobre a comunidade em geral, considerando como fundamental a preservação e difusão da cultura popular e a conscientização da população em relação às condições sócio-econômicas e políticas do país. Nessa busca de métodos e em sua justificação, refletiam-se
47
as divergências políticas e ideológicas entre os grupos. Discutia-se o conceito de cultura popular, o papel da arte e da alfabetização, bem como a ênfase que cada uma delas deveria merecer e, finalmente, o problema da diretividade ou não-diretividade dos métodos, por trás do qual colocava-se a questão da manipulação das massas. (PAIVA, 2003, p. 259).
No entanto, com o Golpe Militar de 1964, os grandes debates foram cessados
violentamente. Os movimentos de educação e cultura popular foram extintos ou, no máximo,
reorganizados sob a defesa dos princípios conservadores de instrução do povo nos marcos do
tecnicismo, da exaltação da produtividade, segurança nacional e obediência, com o
nacionalismo convertido novamente em sinônimo de civismo e patriotismo.
Assim, as experiências dos movimentos de educação e cultura popular surgidas na
primeira metade da década de 1960 – que haviam deslocado o eixo do significado de educação
popular como mera instrução pública para o conceito de educação popular enquanto
“educação do povo, pelo povo e para o povo” (SAVIANI, 2007) – foram silenciadas. Somente
com o processo de “redemocratização” do país, na década de 1980, é que começam a surgir
novas iniciativas nesse âmbito educacional a partir da reorganização dos movimentos sociais
populares.
2.5. Paulo Freire e a Educação Popular.
O “método” Paulo Freire – que passou a ser sistematizado a partir de 1962 – conforme
Paiva (1973), não era uma simples técnica neutra, mas todo um sistema coerente no qual a
teoria informava a técnica pedagógica e seus meios. Derivava diretamente de ideias
pedagógicas e filosóficas mais amplas e representava, tecnicamente, uma combinação original
das conquistas da teoria da comunicação da didática moderna e contemporânea. Enfatiza-se
que Freire, ao partir de uma visão crítica do mundo, oferece, em termos teórico-
metodológicos, uma formulação original.
O pensamento pedagógico de Paulo Freire, assim como sua proposta para a
alfabetização de adultos, inspirou os principais projetos de alfabetização e educação popular –
empreendidos por intelectuais e estudantes católicos engajados numa ação política junto aos
grupos populares – que se realizaram no país no início dos anos 60.
48
Os trabalhos de educação popular, em particular da alfabetização, portanto, foram, em
sua grande maioria, inspirados nas ideias da Pedagogia da Libertação ou Pedagogia dos
Oprimidos. Segundo Paiva (1973, p. 252), Paulo Freire propôs uma mudança radical na
educação e objetivos de ensino, partindo da compreensão de que o aluno não apenas sabe da
realidade em que vive, mas também participa de sua transformação.
Esses diversos grupos de educadores articularam-se e passaram a pressionar o governo
federal para que os apoiassem e estabelecessem uma coordenação nacional de iniciativas. Em
janeiro de 1964, aprovou-se o Plano Nacional de Alfabetização que previa a disseminação por
todo o Brasil da proposta orientada por Paulo Freire. A preparação do plano contou com forte
engajamento de estudantes, sindicatos e diversos grupos estimulados pela efervescência
política da época.
O pensamento de Paulo Freire baseou-se num novo entendimento da relação entre a
problemática educacional e a problemática social: se, antes, o analfabetismo era visto como
uma causa da pobreza e da marginalização, agora passou a ser interpretado como um efeito da
situação de pobreza gerada por uma estrutura social não igualitária.
Era necessário, portanto, que o processo educativo interferisse na estrutura social que
produzia o analfabetismo. A alfabetização e a educação de base de adultos, assim, deveriam
partir sempre de um exame crítico da realidade existencial dos educandos, da identificação de
origens dos seus problemas e das possibilidades de superá-los.
Para Paulo Freire (apud PAIVA, 1973), a sociedade tradicional brasileira era fechada,
sempre foi fechada e formada por uma pequena parcela (elites). Chegara, pois, o momento de
sua passagem para uma sociedade aberta e democrática. O povo emergia nesse processo,
inserindo-se criticamente, querendo participar e decidir, abandonando sua condição de objeto
de história.
2.6. O Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política – I.S.E.B.
As marcas do momento histórico-político e teórico-filosófico dos primeiros anos da
década de 1960, no Brasil, podem ser identificadas no surgimento e nas transformações
ocorridas na ideologia do nacional-desenvolvimentismo. Segundo Saviani (2007), as primeiras
49
décadas do século XX assistiram à emergência da visão nacionalista de direita, marcada pela
exaltação do civismo e do patriotismo que, no plano educacional, visava expandir as escolas
primárias para extinguir o analfabetismo, considerado uma doença, uma vergonha nacional.
Com a industrialização do país e a crescente urbanização após a Revolução de 30, a
questão social transformou-se de “caso de polícia” (Estado Novo) em “caso de política”, pois
o país experimentava um período democrático, onde as questões sociais entravam em debate.
Sobre este período que culmina com a Criação do I.S.E.B., Saviani afirma:
O desenvolvimento nacional passou a ser a idéia-guia, dando vazão à manifestação da ideologia que veio ser identificada pelo nome de “nacional-desenvolvimentismo”. Tal ideologia contou, até mesmo, com um organismo específico que se atribuiu a tarefa de formulá-lo, desenvolvê-la, difundi-la e aplicá-la à análise da realidade brasileira e à sua transformação: o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (SAVIANI, 2007, p.308).
O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (I.S.E.B.) era um órgão vinculado ao
Ministério da Educação, criado em 1955, a partir do contato deste com o Instituto Brasileiro
de Economia, Sociologia e Política (I.B.E.S.P.)23 devido a um convênio com a C.A.P.E.S.
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) para a realização de
seminários sobre o tema: “Problemas de nossa época”. Apesar de ter abrigado, em seus
quadros, intelectuais de diferentes perfis ideológicos e políticos, como Roland Corbisier, Hélio
Jaguaribe, Anísio Teixeira, Nelson Werneck Sodré e Álvaro Vieira Pinto, entre outros, o ISEB
foi violentamente extinto em 1964.
O I.S.E.B. tinha por finalidade o estudo, o ensino e a divulgação dos saberes das
Ciências Sociais – notadamente, a História, a Sociologia, a Economia e a Política. Ao longo de
sua existência, o I.S.E.B. caracterizou-se por aplicar os conhecimentos gerados por essas
ciências à análise e à compreensão crítica da realidade brasileira, tendo em vista uma ação de
23 Segundo BRIQUET (1994, p.65), em agosto de 1952, um grupo de estudiosos começou a se reunir, periodicamente, para discutir os grandes problemas da época. Da agenda constava "o esclarecimento de problemas relacionados com a interpretação econômica, sociológica, política e cultural de nossa época, com a análise, em particular, das idéias e dos fenômenos políticos contemporâneos e com o estudo histórico e sistemático do Brasil, encarado, igualmente, do ponto de vista econômico, sociológico, político e cultural". Em 1953, foi criado o do instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política - IBESP, responsável, entre 1953 e 1956, pela edição de cinco volumes dos Cadernos de Nosso Tempo. A importância do IBESP e dos Cadernos é que eles contêm, no nascedouro, toda a ideologia do nacionalismo, que ganharia força cada vez maior no pais nos anos subseqüentes, e serviriam de ponto de partida para a constituição do Instituto Superior de Estudos Brasileiros”.
50
cunho político expresso na intervenção e no direcionamento de uma nova mentalidade da
sociedade voltada à superação do subdesenvolvimento do país.
Ao se colocar o compromisso de superação dos problemas e da crise vivenciada
naquele contexto dos anos 1950, o I.S.E.B. assumiu a concepção e condução (teórica e prática)
de uma ideologia que se configurou no Projeto Nacional-Desenvolvimentista. Dentre as
diferentes dimensões presentes nessa ideologia, destaca-se um pensamento de cunho educativo
e pedagógico que “discretamente” dava suporte e conjugava um conjunto de atividades
formativas – cursos, palestras e conferências.
Nesse sentido, Saviani (2007) distingue diferentes momentos na história do I.S.E.B.
que vão formando a ideologia do nacional-desenvolvimentismo sob a hegemonia do
pensamento de esquerda:
Diferentemente, portanto, do que ocorrera na década de 1920, o nacionalismo desenvolvimentista assumiu conotações de uma ideologia de esquerda. Até o breve governo de Jânio Quadros, portanto, até 1961, a visão ideológica caracterizava-se dominantemente como progressista, industrialista, modernizadora, correspondente, portanto, a uma burguesia que se queria esclarecida. A partir de 1962, a coloração de esquerda tendeu a radicalizar-se, acenando com a possibilidade de ruptura com a ordem burguesa (SAVIANI, 2007, p. 311).
Essa “possibilidade de ruptura com a ordem burguesa”, apoiada na ideia de
desenvolvimento nacional, na mobilização das massas e nos exemplos de lutas contra-
hegemônicas advindas do cenário internacional24, formam um contexto de efervescência
política e cultural sem precedentes na história do país, impulsionando a criação de diferentes
movimentos de educação e cultura popular – entre eles, os Centros Populares de Cultura
(C.P.C.) e o Movimento de Educação de Base (M.E.B.).
2.7. Os movimentos de Educação e Cultura Popular.
Temas, como educação popular, cultura popular, povo, alfabetização e arte assumem
os contornos da luta político-ideológica pela transformação da sociedade capitalista. É nesse
24 Ridenti (2000) indica alguns acontecimentos internacionais que refletiram nas organizações nacionais: as revoluções de libertação nacional, como em Cuba (1959) e Argélia (1962); a Guerra Civil no Vietnã; e as lutas anticolonialistas na África.
51
contexto que surgem os Centros Populares de Cultura e o Movimento de Educação de Base
como movimentos de ação junto às massas.
Os C.P.C. surgiram a partir do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos
Estudantes (UNE), criado em 1961, e se espalharam pelo Brasil entre os anos de 1962 e 1964.
Organizados a partir de sindicatos, associações de moradores e organizações estudantis,
apresentavam, como prática comum, o entendimento de que a arte é uma importante
ferramenta para o trabalho junto às camadas populares, no sentido de instrumentalizá-las para
a transformação da sociedade. “Aceitava-se que o plano cultural era um dos planos possíveis
de luta pela transformação social do país e a politização das massas através da arte adquiria
um caráter de luta antiimperialista, nacionalista e socialista” (PAIVA, 2003, p. 233). Desse
modo, orientavam-se a partir da tese de que “toda arte exprime uma ideologia”, e os artistas
deveriam posicionar-se ao lado das massas, trabalhando com a arte popular revolucionária,
aliada da cultura popular que se oporia à cultura alienada:
A cultura popular diria respeito à consciência que imediatamente deságua na ação política e cujo propósito último é a educação revolucionária das massas; seria uma forma de trabalho revolucionário que tem por objetivo acelerar a velocidade com que se transformam os suportes materiais da sociedade num processo que unifica cultura e revolução. (PAIVA, 2003, p. 262).
O posicionamento dos C.P.C. em relação ao trabalho com a cultura popular, junto às
massas num processo de “educação revolucionária”, sofreu críticas internas e externas,
principalmente dos movimentos ligados à Igreja Católica – MEB e Ação Popular (AP) – por
não aceitarem a luta de classes como o motor da história, o que revela uma oposição ao
marxismo que claramente influenciava as formulações dos C.P.C.
Ligado à CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) e financiado pela
União, o M.E.B. entrou em funcionamento a partir de 1961. Ele oferecia uma metodologia
própria que se propunha a alfabetizar através das escolas radiofônicas. Sua concepção de
cultura foi formulada em conjunto com os movimentos A.P. (Ação Popular) e J.U.C.
(Juventude Universitária Católica), ambos ligados à Igreja Católica, que “pela consciência
histórica o homem reconhece o mundo humano; pela cultura o constrói, afirmando-se nele
52
como homem. Do ponto de vista filosófico-antropológico, a natureza exprime o que é dado ao
homem; a cultura, o que é por ele feito” (FÁVERO, 2006, pp. 83-84).
As formulações do M.E.B., no embate com as dos C.P.C., parecem negar o caráter
eminentemente ideológico da cultura, afirmando que a cultura traz um valor humano que não
pode ser posto em questão.
Dessa forma, do ponto de vista cristão, não se pode dizer que a história passada é única e exclusivamente uma história da luta de classes. Há valores que valem por si mesmos; que, embora ideologizados (por exemplo, a noção de liberdade, no liberalismo), representam conquistas a serem mantidas e recuperadas em outro projeto histórico (FÁVERO, 2006, p. 86).
Desse modo, as formulações dos C.P.C. e do M.E.B. são conflitantes em relação ao
papel da cultura popular na educação das massas para a transformação da sociedade. As
formulações dos C.P.C. defendiam a ideia da educação e da cultura revolucionárias, criticada
como doutrinária pelo M.E.B., que entendia os processos de transformação a partir do diálogo
e conscientização das camadas populares de seus direitos e deveres.
Os C.P.C., influenciados principalmente pela concepção marxista-leninista sob a ótica
do Partido Comunista Brasileiro (P.C.B.), e o M.E.B., sob influência da Igreja Católica,
orientada pelo novo pensamento social cristão (PAIVA, 2003), apresentaram concepções
divergentes no tocante ao rompimento progressista da ordem.
Segundo Ianni (1987), há dois tipos de rupturas que propiciam o progresso: a
revolucionária e a reformista. A ruptura revolucionária altera os fundamentos estruturais da
sociedade e implica a ascensão de uma nova classe ao poder; a reformista altera somente
certos quadros institucionais e implica a ascensão de outras frações da classe dominante ao
poder. Desse modo, temos como hipótese que os debates entre as propostas dos C.P.C. e do
M.E.B. podem nos revelar que o papel da educação e da cultura popular para o primeiro seria
contribuir com um processo revolucionário de ruptura e, para o segundo, seria contribuir com
um processo de caráter reformista.
A relação entre educação popular/cultura popular e a transformação da sociedade era
proposta dos dois movimentos populares que se destacaram na primeira metade da década de
60 do século XX: os C.P.C. e o M.E.B., caracterizando-os como expressões de um período
53
histórico tomado por mobilizações políticas e culturais que acabaram sendo caladas pelo
Golpe Militar de 1964.
2.8. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos durante a Ditadura Militar.
Em oposição ao processo educativo e libertador de Paulo Freire e às iniciativas
democráticas de educação popular, foi imposto o método onde a leitura e a escrita tinha um
fim em si mesmas. De acordo com Paiva (1987), o novo período foi orientado pela ideologia
de segurança e do desenvolvimento elaborado pela Escola Superior de Guerra (E.S.G.).
Transposta para a área educacional, essa ideologia inspirou e fortaleceu os projetos que
enfatizavam a educação cívica e a propaganda do Brasil grande.
A Ditadura Militar criou, então, em 1967, o MOBRAL (Movimento Brasileiro de
Alfabetização). O objetivo do programa era fazer uma educação como adaptação aos padrões
de vida modernos; preparar mão-de-obra para o mercado de trabalho; e acabar com os focos
de conscientização política presente nos programas executados no período de 1960 a 1964.
Segundo Freitag (1986), não há referências quanto a melhorias salariais e melhores
condições de trabalho, mas refere-se a "formar hábitos e atitudes positivas, em relação ao
trabalho"; não há referências aos direitos e deveres do estado para com o cidadão, mas diz que
os alunos devem "conhecer seus direitos e deveres e as melhores formas de participação
comunitária"; não fala dos objetivos e das obrigações dos serviços públicos, mas fala da
"responsabilidade de cada um (...) na conservação das (...) instituições" e não faz a menor
referência quanto a responsabilidade do Estado no que diz respeito ao atendimento de saúde e
das condições de higiene básicas das comunidades, mas diz que o cidadão deve se "empenhar
na conservação da saúde e melhoria das condições de higiene pessoal, familiar e da
comunidade". A característica básica da educação oferecida era uma espécie de "culto de
obediência às leis". (FREITAG, 1986, p. 90).
A estrutura do MOBRAL era composta por uma central, coordenações regionais,
coordenações estaduais e comissões municipais. Seguiu um modelo de gerência – pedagógica,
mobilização comunitária, assuntos financeiros e atividades de apoio – e assessorias –
54
organização e métodos, supervisão e planejamento. Os programas eram realizados através de
convênios assinados entre o MOBRAL e entidades públicas e privadas.
O MOBRAL, refletindo a tendência predominante a partir de 1964, difundiu a
ideologia do desenvolvimento, objetivando fortalecer o modelo de dominação e modernização
vigentes. Para isso, incluía, em seu material didático, ideias relativas à comunidade, pátria, lar,
consolidação de hábitos e atitudes.
De acordo com Januzzi (1997), as orientações metodológicas e os materiais didáticos
do MOBRAL reproduziram muitos procedimentos consagrados nas experiências de inícios
dos anos 60, mas esvaziando-os de todo sentido crítico e problematizador. Propunha
alfabetizar a partir de palavras-chave, retiradas da vida simples do povo, mas as mensagens a
elas associadas apelavam sempre ao esforço individual dos adultos analfabetos para a sua
integração nos benefícios de uma sociedade moderna, conforme o pensamento político
daqueles que comandavam o Brasil neste período. Freitag (1980, p. 93) corrobora com
Januzzi, ao afirmar que “o MOBRAL não hesita em utilizar, extraindo-as do seu contexto
filosófico e político, as técnicas de alfabetização de Paulo Freire. Podemos dizer que o método
foi utilizado como prática, não de liberdade, mas de integração ao Modelo Brasileiro”.
Pelas considerações feitas, é possível inferir que a proposta de conscientização do
programa era fictícia, uma vez que sua orientação educacional visava à dominação e à
subordinação em contraposição à liberdade. Os resultados obtidos com o MOBRAL foram
escassos devido a vários fatores que vão desde o desperdício de recursos até o despreparo
docente. De acordo com Di Pierro (1991), porém, o programa teve em seu crédito a difusão
das iniciativas de alfabetização de adultos no país. Em 1985, o MOBRAL foi substituído pela
Fundação Educar.
2.9. A Fundação EDUCAR – 1985 até 1990.
Com a criação da Fundação EDUCAR, em 1985, o governo federal optou por
abandonar a execução direta dos serviços educacionais, passando a órgão de fomento e apoio
técnico mediante a assinatura de convênios com órgãos estaduais e municipais de ensino,
empresa e entidades comunitárias (DI PIERRO, 1991, p. 25).
55
De acordo com Furlanetti (2001), durante a sua curta vigência de quatro anos, a
Fundação EDUCAR teve o mérito de subsidiar experiências inovadoras de educação básica de
jovens e adultos, conduzidas por prefeituras municipais e instituições da sociedade civil que
tinham, como princípios filosóficos, os postulados freirianos.
A partir da extinção da Fundação Educar, em 1990, pode-se perceber, até 2002,
claramente a ausência efetiva de políticas públicas, com investimentos no campo educacional.
No âmbito organizativo e institucional, a educação básica, de direito social de todos, passa a
ser cada vez mais encarada como um serviço prestado e adquirido no mercado ou na
filantropia (FRIGOTTO, 2002, p. 59).
2.10. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos no governo de Fernando Henrique
Cardoso.
O governo brasileiro, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso (1995/1998 e
1999/2002), buscou adequar o sistema de ensino à reforma do Estado brasileiro, imposto pela
conjuntura econômica internacional. Nesse período, a política educacional brasileira esteve
subordinada à férrea doutrina dos organismos internacionais. Logo, as reformas
implementadas foram pautadas “pelo desmonte da esfera dos direitos, vale dizer, da esfera
pública e passam a produzir políticas de alívio à pobreza (FRIGOTTO, 2002, p. 57).
Segundo Peroni (2003), a partir da década de 1990, as políticas de educação estavam
inseridas no novo projeto de Estado (a reforma do Estado) apresentado ao país pelo governo
do sociólogo Fernando Henrique Cardoso. As idéias de Peroni concordam com HADDAD
(2003), a política do Ministério da Educação do governo Fernando Henrique caracterizou-se
por
“... reformar, com menos recursos, aumentando a sua produtividade e orientando a aplicação do seu orçamento dentro da lógica do custo-benefício; focalizar a sua ação, priorizando o ensino fundamental regular, apenas para as crianças e jovens dos 7 aos 14 anos; desregulamentar o sistema, regulamentando-o novamente de maneira a torná-lo mais flexível e menos afeito aos limites estabelecidos por legislações anteriores, muitas delas produtos de direitos sociais conquistados; descentralizar e municipalizar responsabilidades, com centralização de orientações curriculares e da avaliação; privatizar alguns setores do ensino, particularmente aqueles não priorizados pelas políticas gerais, menos por colocar nas mãos do setor privado bens públicos, mas principalmente por criar um mercado para a
56
iniciativa privada, tanto pela ausência da oferta, quanto pela baixa qualidade dos seus serviços; buscar parcerias junto a entidades da sociedade civil (O.N.G., fundações empresariais, movimentos sociais) para o exercício das ações de Estado, menos nas definições de políticas e no controle das ações, mais na assessoria técnica e no trabalho direto”. (HADDAD, 2003, p.7).
No plano legal, o MEC utilizou as seguintes ações:
Influenciou na aprovação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases para a Educação. Aprovou no Congresso Nacional, Emenda à Constituição de 1988, que implantou o Fundo de Manutenção Educação de jovens e adultos – E Desenvolvimento do Ensino e de Valorização do Magistério que altera a distribuição e os recursos para o ensino fundamental e retira alguns direitos; Elaborou legislações complementares para os diversos níveis de ensino, complementando as reformas gerais. (idem).
Na concepção de Di Pierro (2003), esse conjunto de medidas legislativas, normativas e
de controle adotadas pelo governo FHC pode ser caracterizado como uma reforma
educacional, devido à amplitude e impacto por ela alcançada. No bojo dessas ações
governamentais, a educação de jovens e adultos continuou marginalizada, relegada ao segundo
plano assumindo, como característica principal, o assistencialismo, visto que, nesse período, a
EJA saiu do Ministério da Educação e se transformou em ação social da então primeira dama
Ruth Cardoso.
A EJA passou a ser uma política marginal para o governo federal, que progressivamente definiu a sua concepção sobre o “regime de colaboração” entendido agora como ação centralizadora de definição e coordenação das políticas pelo governo federal e repasse de execução destas, em especial das destinadas à educação básica, para estados e municípios, com acentuada sobrecarga para esses últimos (ARELARO e KRUPPA, 2007, p. 90).
De modo geral, o governo federal transferiu a responsabilidade de promover a
universalização da educação de jovens e adultos aos estados e municípios, sem dar-lhes
condições objetivas para cumprir esse objetivo. Por estarem impedidos legalmente de usar
recursos do FUNDEF para essa finalidade, tanto os estados quanto os municípios acabaram
não priorizando a educação de jovens e adultos. Ao analisar a política adotada pelo MEC,
Fernandes comenta:
Trata-se, definitivamente, de uma política que decreta a continuidade do atraso, da violência do latifúndio e da péssima distribuição de renda, de um Brasil “gigante de pés de barro. Nação com história, mas determinada lá fora. Como os antigos escravos e seus
57
descendentes, prosseguiremos presos a uma liberdade ilusória que é, por si só, uma terrível escravidão” (FERNANDES, 1991 apud FRIGOTO, 200, p. 55).
Seguindo a mesma postura crítica adota por Fernandes, a professora Maria Lúcia
Neves faz as seguintes observações sobre as políticas educacionais adotadas pelo governo
F.H.C.:
À medida que as políticas educacionais vão sendo postas em prática, vai adquirindo maior nitidez a função social da escola, nessa conjuntura, em todos os níveis e modalidades de ensino. Evidencia-se, cada vez mais, que o papel da escola, nesta perspectiva, consiste na efetivação da submissão técnica e ético-política da classe trabalhadora aos objetivos da burguesia brasileira. (NEVES, 2002, p. 172).
Além dessa crítica, Neves aponta três objetivos básicos das políticas educacionais do
governo de Fernando Henrique, a saber:
a) difundir e sedimentar entre as atuais e futuras gerações a cultura empresarial. O que significa educar a classe trabalhadora para aceitar como natural a perda crescente da soberania nacional, a desindustrialização, o crescimento do desemprego, a flexibilização das relações de trabalho, a instabilidade social e profissional, o agravamento do processo de exclusão social, a privatização das políticas sociais, a perda de direitos historicamente conquistados, a recorrência à competição, ao individualismo e à passividade política, como estratégias de sobrevivência social; b) aumentar a produtividade dos setores mais produtivos da economia, em geral, do grande capital; c) preparar o trabalho simples para operar e o trabalho complexo para adaptar a ciência e a tecnologia trazidas de fora pelas grandes empresas multinacionais.
Baseando-se nos comentários de Fernandes e Neves, é possível dizer que o governo
FHC conduziu a educação do país sob a lógica perversa e nefasta dos organismos
internacionais que encaram a educação dos países periféricos e/ou emergentes a partir da
relação custo/beneficio. Nesse governo, foram alicerçadas as bases de uma política
educacional tecnocrática, cujo objetivo precípuo era manter o controle social do Estado e por
em curso um processo de privatização das políticas sociais, que teve como marco central o
Programa Alfabetização Solidária.
2.11. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos no primeiro mandato do Presidente
Lula.
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Nos quatro primeiros anos do governo Lula, a lógica da educação não modificou, uma
vez que a redução de recursos para as políticas sociais imposta pelo modelo neoliberal
continuou sendo visível, apesar de toda a propaganda oficial sugerir o contrário. No que se
refere especificamente à EJA, para não fugir à tradição brasileira de descontinuidade, o
governo Lula lançou o Programa Brasil Alfabetizado (2003), que priorizou financeiramente a
ação desenvolvida por entidades “filantrópicas”.
A partir do segundo ano, as secretarias estaduais e municipais passaram a receber um
percentual maior de recursos; porém, o trabalho desenvolvido continuou sendo uma ação
educativa pobre para os pobres. Há algumas iniciativas exitosas, mas são experiências isoladas
localizadas, principalmente, no eixo sul-sudeste.
Levando-se em consideração todas essas observações, é possível identificar, na história
da educação de jovens e adultos no Brasil, cinco momentos distintos. No primeiro momento, a
preocupação com a educação de adultos esteve intimamente relacionada com os interesses das
elites políticas preocupadas com os votos e com suas respectivas eleições; no segundo
momento, percebe-se a preocupação de educar para mudar as estruturas sociais, porém ainda
predominava a relação de educação para o voto; no terceiro, a preocupação da educação com
adultos passou a objetivar, predominantemente, as mudanças das estruturas sociais, a geração
de uma ideologia de libertação – inspirada pelo nacional-desenvolvimentismo; o quarto
momento, marcado pela ditadura militar, revela uma relação entre educação de adultos e a
geração de uma ideologia voltada para a segurança e para o desenvolvimento, com ênfase na
educação para a profissionalização, onde o mercado de trabalho é o objetivo último a ser
alcançado no processo educacional; o quinto e último momento, caracterizado pelo processo
de redemocratização do país, coloca no âmbito teórico a educação de jovens e adultos como
um direito à cidadania, porém, na prática, a idéia permanece a mesma: ensinar o básico,
gastando o mínimo, na perspectiva de atender as demandas do mercado globalizado. Nesse
período, é verificada uma forte influência dos organismos internacionais, em especial, do
Banco Mundial que, através de uma política neocolonialista, impõe um modelo de educação
voltado ao desenvolvimento da economia mundial.
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2.12. O importante papel da Educação de Jovens e Adultos.
Em 1990, a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada na cidade de
Jomtien, na Tailândia, em 1990, propunha assegurar que todas as crianças e adolescentes
tivessem acesso a um ensino de qualidade, com equidade de gênero. Para a Educação de
Jovens e Adultos, durante a chamada “Década da Educação”, colocava o seguinte objetivo:
“... oferecer também acesso ao ensino de qualidade, com equidade e também a reduzir pela
metade os índices de analfabetismo e proporcionar aos jovens e adultos as oportunidades para
satisfação de suas múltiplas necessidades de aprendizagem.” (GADOTTI, 2000. p. 27)
A V CONFITEA25 (Fifth International Conference on Adult Education) ou a (V
Conferência Internacional de Educação de Adultos), realizada em 1997, na cidade de
Hamburgo na Alemanha, apresentou o documento conhecido como a Declaração de
Hamburgo (1997, p.20) na qual prevê que
os objetivos da educação de jovens e adultos, vistos como um processo de longo prazo, [...] deverão desenvolver [...] a autonomia e o senso de responsabilidade das pessoas e das comunidades, fortalecendo a capacidade de lidar com as transformações que ocorrem na economia, na cultura e na sociedade como um todo; promovendo a coexistência, a tolerância e a participação criativa e crítica dos cidadãos em suas comunidades, permitindo assim que as pessoas controlem seus destinos e enfrentem os desafios que encontram à frente.
No relatório final da VI CONFINTEA, que foi realizada em 2009, em Belém do Pará,
estão apontadas outras questões e desafios atuais na educação brasileira. Necessidades como
tratar a EJA como um campo de direitos; enfrentar a desigualdade que marca a diversidade do
povo brasileiro; e instituir:
... tempos e espaços outros, de forma a atender a diversidade de modos pelos quais jovens e adultos podem estar na escola, sem acelerar/aligeirar processos de aprendizagem dos educandos, mas ampliando e socializando saberes. E também nesse os desafios de melhorar o fluxo escolar; repensar o currículo; investir em formação inicial e continuada de professores e gestores; e reconhecer a intersetorialidade da EJA potencializando-a em seus diversos campos como o do trabalho, saúde, cultura, meio ambiente, segurança pública e assistência social. (BRASIL, 2009a, p. 18).
25 A Declaração de Hamburgo foi o nome dado ao relatório da VI CONFITEA ( International Council For Adult Education ou Conferencia Internacional de Educação de Adultos), promovida pela UNESCO e UNICEF realizada em Hamburgo, na Alemanha em 1997; em Belém do Pará, em dezembro de 2009, primeira vez em um país latino-americano.
60
O Fórum Nacional de Educação de Jovens e Adultos que, através da divulgação do
relatório síntese do X Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos realizado em 2008,
em Rio das Ostras, Rio de Janeiro, reconhece os avanços das políticas públicas, considera que
ainda são longos e duros os caminhos a serem percorridos no sentido de um projeto histórico
orientado à emancipação das classes populares. O mesmo relatório destaca as necessidades de
avançar na efetivação de uma agenda política, de se “resgatar o sentido de trabalho na
dimensão ontológica, como processo de constituição dos seres humanos, de se garantir o
direito ao acesso e permanência à educação com qualidade e de levar ao processo de
constituição dos seres humanos” (RELATÓRIO FINAL..., 2008, p. 3).
Além do Fórum, realizou-se a Conferência Nacional de Educação, cujo tema foi
“Construindo um Sistema Nacional Articulado de Educação: Plano Nacional de Educação,
suas Diretrizes e Estratégias de Ação”. Em ambos, a expectativa gerada na comunidade
educacional é que se definissem políticas que contribuíssem para o avanço no sentido de uma
educação de qualidade que atendesse às necessidades de um país que, desde o seu início, foi
bastante injusto com os que, com seu trabalho, construíram as riquezas da nação e que não
viram distribuídas as suas riquezas acumuladas de modo a que todos pudessem ter acesso aos
bens sociais, necessários a uma participação política consciente. (CURY, 2002, p. 308).
A Lei n. 9.394 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (L.D.B.E.N.), de 1996,
reiterou os direitos educativos dos jovens e adultos ao ensino adequado às suas necessidades e
condições de aprendizagem e estabeleceu as responsabilidades dos poderes públicos na
identificação e mobilização da demanda e na provisão de ensino fundamental gratuito e
apropriado.
No âmbito da educação escolar, a E.J.A. apresenta-se como modalidade destinada
àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio,
conforme o Art. 37 da nova L.D.B. (Lei nº 9394/96), cabendo aos sistemas de ensino
assegurar aos jovens e aos adultos, gratuitamente, oportunidades apropriadas mediante cursos
e exames. Como tal, não se deve, entretanto, equiparar-se a uma educação compensatória ou
de segunda chance, que alia alfabetização às demais etapas de ensino.
A L.D.B.E.N. (Lei nº 9.394/96, Art. 37 e Art. 38) contempla a E.J.A., em dois artigos:
61
1º. Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames. 2º. O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si. Art. 38º. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular. 1º. Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão: I - no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos; II - no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos. 2º. Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais ou aferidos e reconhecidos mediante exames.
Os artigos tratam da E.J.A. como uma modalidade da educação básica e asseguram o
direito aos trabalhadores que não realizaram Alfabetização, Ensino Fundamental e Médio de
retornarem à escola. Em 1996, com a Emenda Constitucional 14, feita no Governo do
presidente Fernando Henrique Cardoso, passou a ser obrigatório ao Poder Público oferecer o
Ensino Fundamental aos Jovens e Adultos que não tiveram acesso à educação escolar.
O Parecer nº 11/2000 e a Resolução nº 11/2000, ambos da Câmara de Educação Básica
(C.E.B.) do Conselho Nacional de Educação (C.N.E.), regulamenta a E.J.A. entendendo que
o/a seu/sua aluno/a possui um perfil diferenciado dos alunos do ensino regular.
A E.J.A. passa a ser uma modalidade da rede pública de ensino do Brasil, com
objetivos diferentes do ensino regular, pois atende a um público específico, que não concluiu a
educação básica na infância e adolescência. Em virtude disso, a E.J.A. apresenta-se como uma
linha de política educacional.
O Parecer C.N.E./C.E.B. 11/2000, relatado por Carlos Roberto Jamil Cury, trata das
Diretrizes Nacionais Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos. O texto completo
consta de duas partes, na primeira das quais o relator estabelece as funções da EJA: a função
reparadora, a função equalizadora e a função qualificadora, esta última apontada como o
próprio sentido da E.J.A.
A função reparadora da EJA é justificada, no Parecer C.N.E./C.E.B. 11/2000, pelo alto
número de analfabetos existentes no Brasil e apresentada como propiciadora do ingresso no
mercado de trabalho. No referido Parecer, defende-se a tese de que a EJA constitui-se em uma
oportunidade de atender à atual exigência das competências requeridas pela vida cidadã e pelo
mercado de trabalho. Enfatiza-se que o desemprego, o subemprego, o desemprego estrutural e
62
o trabalho informal, decorrentes de mudanças nos atuais processos de produção, podem
produzir, nos indivíduos, a sensação de instabilidade, sendo muito mais atingidos aqueles que
são desprovidos da capacidade de ler e escrever (BRASIL, 2000, p. 36).
Ao elaborar o Parecer C.N.E./C.E.B. 11/2000, Cury (2000, p. 27) atenta para a
necessidade de
(...) se considerar que os alunos da EJA são diferentes dos alunos presentes nos anos adequados à faixa etária. São jovens e adultos, muitos deles trabalhadores, maduros, com larga experiência profissional ou com expectativa de (re)inserção no mercado de trabalho e com um olhar diferenciado sobre as coisas da existência, que não tiveram diante de si a exceção posta pelo art. 24,II,c. Para eles, foi a ausência de uma escola ou a evasão da mesma que os dirigiu para retorno nem sempre tardio à busca do direito ao saber. (...) Logo, aos limites já postos pela vida, não se pode acrescentar outros que signifiquem uma nova discriminação destes estudantes (...).
Deve-se pretender, dentre tantas habilidades, o desenvolvimento da participação
comunitária; a vivência cidadã; a inclusão cultural; a ação pró-ativa, atuante e participativa nos
processos do trabalho, e a adoção de uma postura de paz, tolerância e repúdio aos preconceitos
e discriminações.
Di Pierro & Haddad (2000, p. 127)) apontam necessidades prementes à Educação de
Jovens e Adultos: a universalização da alfabetização; a superação do “modelo dominante nas
campanhas emergenciais e iniciativas de curto prazo, que recorrem à mão-de-obra voluntária e
recursos humanos não especializados” (p.126); o aprender a lidar com a juvenilização da EJA
que transforma o ambiente anteriormente predominantemente adulto e de trabalhadores em um
espaço com “universos muito distintos nos planos etários, culturais e das expectativas em
relação à escola.”
No início de século XXI, o paradigma da educação continuada ao longo da vida, que
lentamente vai se tornando consenso, constitui-se também em um enorme desafio. As rápidas
mudanças nos modos de produção, o aumento da expectativa de vida, a constituição de novos
direitos para a condição humana são fatores que nos impelem a abandonar uma educação
voltada para as carências do passado e perguntar aos jovens e adultos “quais são suas
necessidades de aprendizagem no presente, para que possam transformá-lo no presente.” (DI
PIERRO, 2005, p. 1120).
63
Di Pierro, Jóia & Masagão (2001, p. 2), acentuando que o campo da E.J. A é terreno
fértil para a inovação prática e teórica, reiteram que essa modalidade transborda os limites da
escolarização no sentido estrito, contemplando iniciativas situadas em diferentes espaços e
voltadas à qualificação profissional, ao desenvolvimento comunitário e à formação política.
Assinalam, ainda, que “... mesmo quando se focalizam os processos de escolarização de
jovens e adultos, o cânone da escola regular, com seus tempos e espaços rigidamente
delimitados, imediatamente se apresenta como problemático”.
2.12.1. Os Sujeitos da E.J.A.
Conforme Oliveira (2009), a compreensão de quem é esse sujeito jovem e adulto
brasileiro mais especificamente daquele que frequenta a E.J.A. é importante. Geralmente, ele é
um sujeito que, em uma época biológica, foi criança e adolescente, cujas condições e situações
de vida, que acompanham historicamente as camadas populares, o fizeram se afastar dos
ambientes escolares.
O adulto, para a educação de jovens e adultos, não é o estudante universitário, o
profissional qualificado que frequenta cursos de formação continuada ou de especialização, ou
a pessoa adulta interessada em aperfeiçoar seus conhecimentos em áreas como artes, línguas
estrangeiras ou música, por exemplo. Ele é, geralmente, o migrante proveniente de áreas rurais
empobrecidas que chega às grandes metrópoles, filho de trabalhadores rurais não qualificados
e com baixo nível de instrução escolar (muito frequentemente analfabetos). Em seu histórico,
apresenta uma passagem curta e não sistemática pela escola e trabalha em ocupações urbanas
que exigem pouca qualificação, após experiência no trabalho rural na infância e na
adolescência. Esse quadro o leva a buscar a escola tardiamente para alfabetizar-se ou cursar
algumas séries do ensino supletivo.
O jovem, recentemente incorporado ao território da antiga educação de adultos, não é
aquele com uma história de escolaridade regular, o vestibulando ou o aluno de cursos extra-
curriculares em busca de enriquecimento pessoal. Como o adulto anteriormente descrito, ele é
também um excluído da escola, porém geralmente incorporado aos cursos supletivos em fases
mais adiantadas da escolaridade, com maiores chances, portanto, de concluir o ensino
64
fundamental, ou mesmo, o ensino médio. É bem mais ligado ao mundo urbano, envolvido em
atividades de trabalho e lazer mais relacionadas com a sociedade letrada, escolarizada e
urbana. Refletir sobre como esses jovens e adultos pensam e aprendem envolve, portanto,
transitar, pelo menos, por três campos que contribuem para a definição de seu lugar social: a
condição de "não-crianças", a condição de excluídos da escola e a condição de membros de
determinados grupos culturais.
Traz consigo uma história mais longa (e provavelmente mais complexa) de
experiências, conhecimentos acumulados e reflexões sobre o mundo externo, sobre si mesmo e
sobre as outras pessoas. Com relação à inserção em situações de aprendizagem, essas
peculiaridades da etapa de vida em que se encontra o adulto fazem com que ele traga consigo
diferentes habilidades e dificuldades (em comparação com a criança) e, provavelmente, maior
capacidade de reflexão sobre o conhecimento e sobre seus próprios processos de
aprendizagem.
Para além dessas características gerais, entretanto, tratar o adulto de forma abstrata,
universal, remete a certo estereótipo de adulto, muito provavelmente correspondente ao
homem ocidental, urbano, branco, pertencente a camadas médias da população, com um nível
instrucional relativamente elevado e com uma inserção no mundo do trabalho em uma
ocupação razoavelmente qualificada.
2.13. Identidade da EJA e políticas públicas
A EJA configura-se num âmbito ambíguo e, muitas vezes, contraditório, demonstrando
a necessidade de uma organização para que a população beneficiada com esse segmento
educacional realmente atinja seus objetivos em relação à cidadania e amplie as oportunidades
através da Educação.
Esse segmento de ensino confronta-se com a diminuição das elevadas taxas de
analfabetismo existentes no Brasil. Segundo o Índice Nacional de Analfabetismo Funcional
(I.N.A.F. - 2009), 28% da população, entre 15 e 64 anos, é considerado analfabeto funcional.
Apesar do decréscimo significativo nos últimos anos, principalmente da população jovem,
65
ainda está longe de se alcançar um índice aceitável de analfabetos, cumprindo assim, os
objetivos educacionais estabelecidos pela UNESCO para 2015.
Segundo o Censo Escolar 2009, havia, no Brasil, 4.638.171 alunos matriculados na
EJA, no Ensino Fundamental e Médio com avaliação no processo.
Apesar de os dados apresentados representarem um importante avanço quanto à
quantidade de alunos matriculados em cursos presenciais, a realidade vivenciada aponta que a
EJA ainda é considerada como uma proposta relegada a um segundo plano, por meio de um
caráter apenas qualitativo. Segundo afirma TEODORO (2003, p. 138), “o Brasil é mais do que
um país. É uma imensa região marcada por profundas assimetrias e desigualdades econômicas
e sociais, regionais e étnicas, com um considerável e histórico atraso na construção da escola
para todos”.
Nas sociedades capitalistas, a Educação tem estado a serviço da manutenção dos
privilégios de classe. A ideologia liberal, que dá sustentação ao sistema capitalista, coloca a
questão em termos de diferenças individuais, atribuindo ao próprio indivíduo o seu sucesso ou
fracasso social e escolar, omitindo os condicionantes de ordem social, histórica, política e
econômica que levam algumas pessoas ao sucesso e outras à marginalização, ou exclusão, do
sistema como um todo.
Os jovens e adultos trabalhadores lutam para superar suas condições precárias de vida
– moradia, saúde, alimentação, transporte, emprego, etc. – que estão na raiz do problema do
analfabetismo. O desemprego, os baixos salários e as péssimas condições de vida
comprometem o processo de alfabetização dos jovens e dos adultos. (GADOTTI & ROMÃO,
2001, p. 31).
Não se pode atribuir à escola a garantia de melhores condições gerais de qualidade de
vida ou ascensão social, porque a escola não distribui poder, mas constrói saber, que é poder.
Não se muda a história sem conhecimentos, mas tem-se que educar por meio do conhecimento
para que se possa interferir no mercado como sujeitos, não como objeto. O papel da escola
consiste em colocar o conhecimento nas mãos dos excluídos de forma crítica, porque a
pobreza política produz pobreza econômica. (GADOTTI, 1979).
A Educação desponta como um instrumento indispensável para a formação desse novo
homem e novo profissional, através do processo de socialização e integração, desmistificando,
em parte, os choques culturais e sociais presentes em nossa sociedade. Assim, a população
66
passa a exigir cada vez mais condições de acesso à escola e permanência nela, com uma
educação de qualidade, proporcionando uma formação que contemple as necessidades e as
aspirações.
A EJA, no transcorrer do seu processo histórico, apresenta-se como uma educação
compensatória (GADOTTI & ROMÃO, 2001), sendo vista como uma oportunidade para
superar uma falha no processo educacional dos alunos. Dessa maneira, os beneficiados dessa
modalidade de ensino buscam na educação as possibilidades de superar suas condições de
trabalho e sobrevivência.
Todavia, a EJA, no Brasil, configura-se cada vez mais como necessidade para a
população não escolarizada, que busca através da educação superar suas mazelas sociais,
sendo capaz de emergir no processo de qualificação profissional e pessoal. Dessa maneira, a
implementação de políticas públicas voltadas para essa população torna-se indispensável,
propiciando condições mínimas de sobrevivência, trabalho, além de estruturar uma Educação
de qualidade, que venha ao encontro dos objetivos desse segmento.
As Políticas Públicas para a EJA configuram-se num espaço diferenciado de
compensação, apesar de existirem muitas iniciativas em prol da disseminação da educação
para todas as pessoas, como é previsto na própria Constituição Federal, no Artigo 205, que
prescreve a educação como direito de todos e dever do Estado. Esse compromisso também foi
reforçado na Declaração de Jomtien da Educação para Todos – realizada na Tailândia, em
1990 – da qual o Brasil é signatário.
[...] a educação é um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro. Cada pessoa (criança, jovem ou adulto), deve estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem. (DECLARAÇÃO, 1990, p. 3-4).
No contexto da EJA, “as políticas representam o espaço onde se manifesta a
‘politicidade inerente à educação’, na medida em que traduzem expectativas de ruptura ou de
continuidade”. (VIEIRA, 2007, p. 56).
Outra legislação vigente é a Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/96) que apresenta a
modalidade da EJA dentro da Educação Básica. No artigo 37, destaca-se que: “a educação de
jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no
ensino fundamental e médio na idade própria”. Dessa maneira, o jovem, ou adulto, que não
67
teve condições de inserir-se ou permanecer na educação formal, tem direito a essa educação.
Essa mesma lei apresenta no inciso 1º do artigo 37,
§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.
Esses alunos têm direito a uma educação gratuita que lhes assegure condições
educacionais que sejam apropriadas às suas realidades, tanto nas condições pessoais, quanto
profissionais.
Há também referência à EJA, nas Diretrizes Curriculares Nacionais (Resolução
CNE/CEB Nº 1, de 5 de julho de 2000).
Parágrafo único. Como modalidade destas etapas da Educação Básica, a identidade
própria da Educação de Jovens e Adultos considerará as situações, os perfis dos estudantes, as
faixas etárias e se pautará pelos princípios de eqüidade, diferença e proporcionalidade na
apropriação e contextualização das diretrizes curriculares nacionais e na proposição de um
modelo pedagógico próprio, de modo a assegurar:
I - quanto à eqüidade, a distribuição específica dos componentes curriculares a fim de propiciar um patamar igualitário de formação e restabelecer a igualdade de direitos e de oportunidades face ao direito à educação; II- quanto à diferença, a identificação e o reconhecimento da alteridade própria e inseparável dos jovens e dos adultos em seu processo formativo, da valorização do mérito de cada qual e do desenvolvimento de seus conhecimentos e valores; III - quanto à proporcionalidade, a disposição e alocação adequadas dos componentes curriculares face às necessidades próprias da Educação de Jovens e Adultos com espaços e tempos nos quais as práticas pedagógicas assegurem aos seus estudantes identidade formativa comum aos demais participantes da escolarização básica.
Essas diretrizes salientam a importância da identidade da EJA, modalidade própria da
Educação Básica, considerando a realidade de seus alunos, apresentando uma formação que
contemple as necessidades de ensino e aprendizagem. Também, através dessas diretrizes, fica
assegurado o direito à igualdade e oportunidades de acesso à Educação e de permanência nela.
Para Arroyo (2006, p. 28), “a história mostra que o direito à educação somente é
reconhecido na medida em que vão acontecendo avanços sociais e políticos na legitimação da
68
totalidade dos direitos humanos”. Assim, “a reconfiguração da EJA estará atrelada a essa
legitimação”.
Esses sujeitos, por muitas vezes, encontram-se à margem do processo educacional,
pois, em sua realidade, ou foram submetidos ao mercado de trabalho ou não encontraram
condições de se manterem na escola. É necessário, “vê-los como alunos, tomarmos
consciência de que estão privados dos bens simbólicos que a escolarização deveria garantir”.
(ARROYO, 2006, p. 23). É preciso superar a ideia de que a EJA seja vista como política de
continuidade na escolarização, propiciando uma segunda oportunidade para os jovens e
adultos que não tiveram acesso à escola.
Por muitas vezes, a EJA é considerada como um segmento de segunda linha, ou seja,
supre as dificuldades de um contingente desfavorecido. Assim, ocorre, em muitos casos, um
choque cultural, pois o sujeito que constitui a EJA é visto como um individuo sem cultura ou,
por vezes, incapaz de atingir suas metas através da Educação.
O aluno da EJA possui especificidades, e a escola e os docentes dessa modalidade não
podem olvidar dessas condições especiais, ou seja, o aluno da EJA é, fundamentalmente, um
trabalhador que está, muitas vezes, submetido a circunstâncias distintas de mobilidade de
emprego (ou subemprego), alternância de turnos de atividades, cansaço, saúde e moradias
precárias, etc. Esses alunos chegam à escola com um saber construído a partir de suas
experiências, fruto das suas relações sociais e dos mecanismos adotados para a própria
sobrevivência.
Um regime político democrático exige que as pessoas tenham domínio de instrumentos
da cultura letrada, que assumam valores e atitudes democráticas: a consciência de direitos e
deveres, a disposição para a participação, para o debate de ideias e o reconhecimento de
posições diferentes das suas.
Assim, cabe à Educação estabelecer uma relação democrática entre a política e os
sujeitos do processo educacional, a fim de reordenar e reconstruir, gradativamente, um
processo ensino-aprendizagem pautado na construção e reconstrução crítica, reflexiva e
democrática dos conhecimentos, onde todos os indivíduos presentes nesse meio possam
desenvolver-se e constituírem-se como cidadãos atuantes e conscientes.
Segundo Gadotti & Romão (2001, p. 56), “a educação básica de jovens e adultos
trabalhadores, se coloca como uma das mais estratégicas formulações para a possível
69
transformação e, no limite, revolução da sociedade injusta, discriminatória, meritocrática e
elitista em que vivemos”. As políticas públicas têm sido insuficientes para atender o direito de
todos os brasileiros à Educação e, embora sejam ampliadas as ofertas, elas continuam
excluindo um elevado número de jovens e adultos de tais oportunidades, quer pelo não acesso,
quer pela não permanência. (PORTO, 2004).
A E.J.A. estabelece-se como uma modalidade de ensino que, apesar dos conflitos
referentes a sua organização, possui um caráter de educação permanente, pois a Educação é
um processo e tem como finalidade o desenvolvimento integral e ininterrupto do indivíduo.
Além disso, essa modalidade atinge um segmento diferenciado que possui suas especificidades
e precisa de uma percepção diferenciada acerca da educação formal. “Ao reconhecer que a
educação se faz ao longo da vida, torna-se indispensável intensificar o movimento
sóciopolítico de universalizá-la”.(idem, p. 33). Conforme afirmam Gadotti & Romão (2001,
p. 119),
a educação básica de jovens e adultos é aquela que possibilita ao educando ler, escrever e compreender a língua nacional. O domínio dos símbolos e operações matemáticas básicas, dos conhecimentos essenciais das ciências sociais e naturais, e o acesso aos meios de produção cultural, entre os quais o lazer, a arte, a comunicação e o esporte.
Entretanto, faz-se necessário pensar em um processo complexo, amplo, com
contradições e conflitos, com múltiplas dimensões, seja de trabalho, experiências sociais,
práticas escolares, mas todos os aspectos convergindo para a construção da cidadania.
O aluno adulto não pode ser tratado como uma criança cuja história de vida apenas
começa. Ele quer ver a aplicação imediata do que está aprendendo. Ao mesmo tempo,
apresenta-se temeroso, sente-se ameaçado, precisa ser estimulado, desenvolver a auto-estima,
pois a sua ignorância lhe traz tensão, angústia, complexo de inferioridade. Muitas vezes, tem
vergonha de falar de si, de sua moradia, de sua experiência frustrada da infância,
principalmente, em relação à escola. É preciso que tudo isso seja verbalizado e analisado. O
primeiro direito do alfabetizando é o direito de se expressar. (GADOTTI & ROMÃO, 2001, p.
39).
Apesar de todas as dificuldades enfrentadas para a docência, tanto em relação aos
preconceitos, dificuldades dos alunos, formação inicial insuficiente, quanto em relação à falta
70
de materiais adequados para um trabalho com o segmento atendido, a maioria dos professores
busca novas alternativas de ação, entendendo que a EJA é uma modalidade específica, não
uma adaptação do ensino formal aplicado às crianças. Essa modalidade necessita de uma
metodologia e de meios condizentes ao grupo que está sendo atendido.
Portanto, a EJA não pode ser apenas lembrada como uma proposta governamental ou
base de estatísticas sobre a situação do analfabetismo no Brasil. É necessário entender que
todos têm o direito assegurado a uma Educação de qualidade, seja no ensino regular ou na
EJA. Aqueles que buscam essa modalidade já têm um histórico de vida que comprometeu a
possibilidade de frequentar a escolarização quando crianças – o que não impede que os
mesmos busquem alternativas para concluírem sua formação. Assim, torna-se necessária a
formação de um profissional que consiga administrar tanto as questões relativas ao ensino
quanto as questões sociais em que os alunos foram, ou estão, submetidos.
2.14. Constituição Federal de 1988, L.D.B. 9394/96 e outros marcos jurídicos da
educação de jovens e adultos.
O Sistema Educacional Brasileiro está organizado em Educação Básica e Ensino
Superior. A Educação Básica é composta pela Educação Infantil, pelo Ensino Fundamental e
pelo Ensino Médio.
Os direitos educativos dos jovens e adultos estão assegurados no Capítulo III, Seção I –
Da Educação da Constituição Federal, Artigo 208, inciso I, que garante a provisão pública de
“ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta para todos os que
a ele não tiveram acesso na idade própria”.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (L.D.B. – 9394/96) reitera em seu
art. 4º os direitos constitucionais da população jovem e adulta à educação: O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: Oferta de educação regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola.
A educação de jovens e adultos, de acordo com a L.D.B., é uma modalidade da
Educação Básica, nos níveis fundamental e médio, sendo reconhecida como direito público
71
subjetivo nesses níveis. De acordo com Haddad (1999), embora a LDB tenha reiterado os
direitos constitucionais da população jovem e adulta ao ensino fundamental, a emenda 14/96
alterou a redação do art. 208 da Constituição, de modo a desobrigar jovens e adultos da
frequência à escola. (...) Tal mudança no texto constitucional deu margem a interpretações que
descaracterizam o direito público subjetivo, desobrigando os poderes públicos da oferta
universal de ensino fundamental gratuito para esse grupo etário. (HADDAD & DI PIERRO,
1999, p. 6).
A Emenda 14 alterou a redação do Art. 60 das Disposições Constitucionais
Transitórias, substituindo o compromisso decenal com a erradicação do analfabetismo e a
universalização do ensino fundamental por um mecanismo de operacionalização do regime de
cooperação entre as esferas de governo: os Fundos de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (F.U.N.D.E.F.). Esse processo de
desconstituição dos direitos educativos consolidou-se no veto presidencial ao inciso II do Art.
2, o da Lei 9424/96, que regulamentou a Emenda 14, excluindo as matrículas no ensino
fundamental de jovens e adultos dos cálculos para a redistribuição de recursos vinculados
entre esferas de governo através do F.U.N.D.E.F. Diante das limitações ao financiamento
decorrente dessa média, as instâncias subnacionais de governo às quais cabe a oferta de ensino
fundamental à população jovem e adulta, foram objetivamente desestimuladas a expandir esse
nível e modalidade educativos. (HADDAD & DI PIERRO, 1999, p. 6).
Não resta dúvida de que a emenda 14/96 foi um duro golpe contra o processo inclusivo
de jovens e adultos ao sistema educativo, uma vez que tirou o compromisso do Estado com
essa população. No entanto, Jamil Cury entende que “apesar do estreitamento da redação
trazida pela emenda 14/96, ela deixa ao livre arbítrio do indivíduo com mais de 15 anos
completos o exercício do seu direito público subjetivo”. Para Cury, isto fica explícito no artigo
5º da LDB, que universaliza a figura do cidadão e não faz e nem poderia fazer qualquer
discriminação de idade ou outra de qualquer natureza. (MEC/CNE. Parecer CEB nº 11/2000,
p. 20). Entretanto, num país onde a maioria da população não tem consciência dos seus
direitos de cidadão, por total desconhecimento das leis, o descompromisso do Estado não fica
tão aparente, porque ele lança mão de subterfúgios compensatórios, priorizando suas ações nas
regiões mais pobres do país, com a intenção de acalmar os ânimos daqueles que desconhecem
a gravidade da situação. Entre os subterfúgios utilizados pelo Estado, destacam-se: o Programa
72
Alfabetização Solidária; o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador – Planfor; o
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – Pronera. Para Haddad (1996), esses
programas podem ser caracterizados muito mais como marketing político do que uma ação
efetiva com vistas à universalização do direito à educação.
Além do descompromisso do Estado, outro fator que dificulta a efetivação do direito à
educação escolar de jovens e adultos é a interpretação da lei, pois, muitas vezes, ela é parcial.
Temos uma interpretação bastante restrita sobre o Direito ao Ensino Fundamental. A legislação diz claramente, tanto na Constituição, quanto na LDB, que o ensino fundamental é um direito de todos, independente da faixa etária. No entanto, os brasileiros foram bombardeados nos últimos anos com a idéia de que o ensino fundamental é um direito apenas das crianças e dos jovens dos 7 aos 14 anos... Basta ver a quantidade de pessoas com mais de 14 anos, que não têm acesso a este nível de ensino. É um conjunto significativo, chegando a quase 40% da população. (HADDAD, 2003, p. 4).
De acordo com Di Pierro (2003), o governo federal, por meio do Ministério da
Educação, também reteve, para si, funções de regulação e controle das ações descentralizadas
de educação de jovens e adultos, mediante a fixação de diretrizes e referenciais curriculares
nacionais, a instituição de exames nacionais para certificação, bem como pela criação de
programas de formação de educadores que, embora fossem apresentados, formalmente, como
livre opção dos estados e municípios, tornaram-se compulsórios na prática, à medida que a
adesão àqueles programas passou a condicionar as transferências voluntárias de recursos
federais para as instâncias subnacionais de governo. (DI PIERRO & GRACIANO, 2003, p.
17).
Para suprir a carência de políticas públicas de educação de jovens e adultos, o governo
federal buscou, nas parcerias entre universidades, municípios, organizações não-
governamentais e movimentos sociais, uma saída estratégica e paliativa para o problema. No
mundo da aparência, isso aparece como um movimento político e de fortalecimento da E.J.A.,
mas, na essência, não passa de uma forma barateada e descomprometida do governo de
promover falaciosamente uma educação de qualidade.
...as parcerias estabelecidas entre Estado e organizações da sociedade civil comportam uma ambigüidade: de um lado transferem a responsabilidade pela garantia de direitos universais para a sociedade civil que, obviamente, não possui condições estruturais para responder a esta demanda com a amplitude necessária; de outro lado, ampliam os canais de participação e controle social sobre as ações do Estado. (DI PIERRO & GRACIANO, 2003, p. 18).
73
Na discussão sobre E.J.A., não se pode perder de vista que a terminologia “parceria”
aparece ao lado da ideia de descentralização política e de envolvimento da comunidade na
gestão de políticas que a ela dizem respeito. É uma terminologia que faz parte do vocabulário
tanto dos movimentos sociais, quanto do governo. Não resta dúvida de que a constituição de
parcerias é importante, porém os objetivos dos agentes envolvidos devem ser os mesmos, e no
caso brasileiro, infelizmente não são. No Brasil, as parcerias são uma falácia, uma vez que
existem dois projetos em jogo: de um lado temos o projeto do governo que está ligado
diretamente aos interesses do capital, de outro, temos o projeto dos parceiros que vislumbram,
em tese, a construção de uma sociedade mais justa e a formação de cidadãos críticos.
Em dezembro de 2006, na tentativa de superar os impasses causados pelo
F.U.N.D.E.F., foi aprovada a Emenda Constitucional 53 que criou um novo fundo para o
financiamento da educação, o F.U.N.D.E.B. (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação). Partindo do princípio de que o
FUNDEB iria abranger todas as etapas e modalidades da educação básica, criou-se a
expectativa de que a EJA seria reconfigurada, e os investimentos a ela destinados obedeceriam
a critérios de equidade. No entanto, isso não aconteceu, pois a Lei Federal N° 11.494/2007,
que regulamentou o F.U.N.D.E.B., acabou oficializando a histórica discriminação sofrida pela
EJA. Isso se explica porque o valor aluno/ano destinado a E.J.A. em 2007 era de R$ 662,40,
inferior 42,86% em relação ao aluno de ensino fundamental e 71,43% em relação ao aluno de
ensino médio. Para sacramentar a injustiça oficial, a mesma lei estabeleceu ainda que a
apropriação dos recursos do FUNDEB, em cada estado para a E.J.A., seria de apenas 15% do
total de recursos, que são explicitamente insuficientes para garantir um ensino de qualidade.
74
CAPÍTULO III
TRAJETÓRIAS ESCOLARES INTERROMPIDAS
3.1. Os fatores que os fizeram abandonar os estudos: análise do perfil escolar anterior.
No Quadro 02 (anexo 2), a partir das respostas dadas ao questionário, apresentamos o
perfil escolar dos sujeitos da pesquisa, considerando os seguintes aspectos: as experiências
escolares anteriores, em qual série parou de estudar, quantos anos ficou longe da escola e,
principalmente, quais os problemas que os afastaram ou os fizeram desistir da escola.
O grupo pesquisado é formado por trinta e dois sujeitos – treze homens e dezenove
mulheres. Apesar da diversidade de sujeitos, únicos e diferentes, eles apresentam algo em
comum: eles trazem em suas histórias de vida, a marca da sociedade brasileira – exclusão
social e consequentemente da exclusão escolar. Eles são representantes de uma grande parcela
da população brasileira que, em algum momento, lhe foi negado ou retirado o direito ao
processo de escolarização. São brasileiros que, devido às grandes desigualdades sociais, não
tiveram escolha, ou este direito não foi lhe dado.
Embora tão diversos, os sujeitos pesquisados apresentam alguns pontos em comum:
são jovens e adultos que não tiveram acesso à escola em idade própria ou não tiveram a
oportunidade de continuar seus estudos devido a alguns fatores sociais e econômicos de cujos
eixos constituem a escola – a falta de adaptação às regras ou ao jogo escolar, histórias de
fracassos escolares que passam pela repetência e evasão, falta de vagas na escola – a família –
o fato de ter que deixar a escola para cuidar dos irmãos mais novos, a gravidez na
adolescência, a entrada ainda jovem no mercado de trabalho para ajudar no sustento da família
– e o trabalho – os sujeitos trabalhavam em ocupações que não exigiam uma escolaridade
maior, a incompatibilidade entre os horários do trabalho e o estudo.
75
3.2. Os fatores que os fizeram abandonar os estudos: a relação com a escola.
Conforme os dados obtidos, a maior parte dos sujeitos que compõem esta pesquisa, não
é de analfabetos, e sim de sujeitos que são alfabetizados, possuindo, em média, 3,8 anos de
estudo. Dos trinta e dois sujeitos pesquisados, 27 possuíam uma experiência escolar anterior e
apenas cinco não tinham iniciado seu processo de escolarização.
Quadro 01 : A experiência escolar anterior dos sujeitos
Série que parou de estudar. Nunca estudou
1ª série
2ª série
3ª série
4ª série
5ª série
6ª série
Quantidade de sujeitos por série. 05 0 01 04 08 08 06
Para Haddad & Di Pierro (2000), os sujeitos que formam o grupo da EJA não são
homogêneos em suas trajetórias escolares, pois são brasileiros das mais diversas regiões com
trajetórias e com interrupções escolares das mais diversas. Em sua maioria, eles já tiveram
algum tipo de contato com as instituições escolares, ou seja, em algum momento de sua vida,
iniciaram seu processo de escolarização. Dessa maneira, a EJA atende públicos diferenciados:
aqueles que são analfabetos e nunca tiveram contato com a escola e os que necessitam de
correção ou dar continuidade em seus estudos.
Ainda segundo os dois pesquisadores, essa parcela da população brasileira, que já teve,
pelo menos, dois ou três anos de escolarização, deveria ser resgatada para voltar aos bancos
escolares, porque o sujeito já tem algumas noções básicas de alfabetização e letramento. Vai
de enscontro com as afirmações de Haddad & Di Pierro (2000), a fala da Professora Maria.
Ela afirmou em entrevista:“Eu acredito que um dos pontos fortes destes alunos foi o fato de
que a maioria deles já tinha passado pela escola e tinham uma boa base de alfabetização,
para que eu não começasse do zero. O trabalho desde o começo avançou muito”.
Do grupo analisado, nove sujeitos iniciaram seu processo de escolarização na idade
adequada, ou seja, aos sete anos de idade. Depois tiveram a sua trajetória escolar interrompida
em diferentes momentos. Os demais entraram atrasados (vinte sujeitos), ou não possuíam
experiência escolar. O processo de escolarização, em nosso país, especialmente o voltado para
o período de escolarização obrigatória e da atual educação básica, é caracterizado, via de
76
regra, por seu caráter de seletividade que dificulta aos membros das camadas populares
atingirem níveis mais elevados de escolarização.
Para Oliveira (1999), a diferença educacional entre os Estados no Brasil é outro ponto
agravante que acentua um problema maior, ou seja, as grandes diferenças entre os Estados do
Sudeste e o Sul do Brasil quando comparados aos outros Estados. A concentração econômica
também se reflete no campo educacional ou ainda este é mais um fator que irá aumentar essas
diferenças. As diferenças regionais, no campo educacional, podem ser confirmadas nas
palavras de Érica e Maria:
“Parei de estudar porque repeti dois anos aqui em S. Paulo, o estudo em
Pernambuco era muito fraco”. (Érica)
“Eu estudei até a 6ª série na Bahia, em uma escola rural e era muito difícil
porque não tinha professor e agente entrava na escola muito atrasado”.
(Maria)
“No Maranhão, eu estudei até a 3ª série e quando mudamos para São
Paulo, tive muitas dificuldades porque o estudo lá era fraco”. (Gisele)
No trabalho de análise dos dados coletados durante a pesquisa, buscou-se também
analisar a vivência da exclusão precoce da escola e da experiência de escolarização tardia,
bem como os impactos advindos dessas experiências vivenciadas por adultos das camadas
populares, com base nas narrativas construídas pelos próprios sujeitos.
Os tempos e as razões que levaram cada um a abandonar os caminhos da escrita e da
leitura na escola são, ao mesmo tempo, singulares e comuns. Eles possuíram uma relação com
a escola, que deixaram marcas e conforme as falas destes sujeitos, analisamos os fatores
escolares que os fizeram abandonar ou desistir da escola.
O cansaço e a falta de vagas na suplência foram os motivos da minha
desistência. (Joselma)
Nunca gostei de estudar, ia para escola na marra e, com isso, desisti e repeti
algumas vezes. (Leandro)
Eu não gostava de estudar e desisti, repeti e voltei várias vezes.
77
Eu estudei até a 2ª série com muito custo, repeti muitas vezes, apanhava da
professora e do meu pai porque não sabia ler e escrever.
Entrei atrasada na escola porque não tinha uniforme para ir para a escola
que era muito longe. (Priscila)
Estudei até a 6ª série com idas e vindas, e com reprovação e desistência.
(Regina)
(...) eu repeti duas vezes a 1ª e a 2ª série e com 14 anos estava na 5ª série...
(Vanessa)
O cansaço e a falta de vagas na suplência foram os motivos da minha
desistência. (Joselma)
Em Fortaleza, com 11 anos mudamos para um bairro muito distante onde
não tinha escola e a mais próxima era muito longe. (Luzia)
Na Bahia eu não sabia nem onde era a escola e na roça comecei a trabalhar
a trabalhar muito cedo. (Roberval)
Estudei até a 6ª série com idas e vindas, e com reprovação e desistência.
(Regina)
Com 13 anos e na 5ª série eu fui estudar à noite, porque só tinha este
horário. (Regina Carla)
Eu repeti duas vezes a 1ª e a 2ª série e com 14 anos estava na 5ª série...
(Vanessa)
Em média, os sujeitos da pesquisa ficaram oito anos longe dos bancos escolares. O
primeiro traço cultural relevante para esses jovens e adultos, no contexto da escolarização, é
sua condição de excluídos da escola regular. O tema da exclusão escolar é bastante
proeminente na literatura sobre educação, especialmente no que diz respeito a aspectos
sociológicos – relações entre escola e sociedade, direito à educação, educação e cidadania,
escola e o trabalho e entre a escola e a família.
Com relação à exclusão precoce da escola, interessava compreender tanto a maneira
como ela ocorreu, quais seus motivadores, quanto suas implicações na vida dos sujeitos.
Assim, as narrativas não se detiveram na exclusão em si; elas se ampliaram, incorporando
78
outras esferas da vida dos egressos, evidenciando a forma como essa ocorrência específica
acabou impactando e determinando, de certa maneira, outros acontecimentos.
As causas que levaram à interrupção dos estudos, em sua maioria, estavam ligadas a
questões financeiras, à dificuldade de conciliar trabalho e estudo, ou, ainda, à própria
incapacidade de acompanhar os estudos e/ou ao desânimo que essa atividade provocava. Essas
causas, na verdade, apontavam para a existência de uma tendência à simplificação do processo
por parte dos que o vivenciaram, uma vez que fatores isolados foram tomados como
explicação da não-continuidade da formação escolar.
Entretanto, a percepção de que tanto o ingresso quanto a permanência na escola no
período da escolarização inicial se deram sob o signo da dificuldade constituiu um indicativo
irrefutável de que a exclusão da escola resultou do agravamento, bem como do somatório das
dificuldades identificadas nesses dois momentos que a antecederam. Isso significa que,
diferentemente de constituir-se em um fato isolado, provocado por uma razão específica, a
exclusão deve ser entendida como um processo complexo de exclusão na escola.
A categoria exclusão na escola, conforme Ferraro (1999), é expressa por alunos com
defasagem idade/série superior a dois anos, em contraposição à exclusão da escola, expressa
por aqueles que não tiveram acesso ou se evadiram da escola. No Brasil, os estudos de Ferraro
(idem), com base em dados estatísticos do I.B.G.E., mostram como a questão do fracasso
escolar não se resume à repetência e evasão pura e simples (fenômenos que o autor considera
de suma importância), mas a exclusão na escola tem grande efeito nas trajetórias de boa parte
do alunado da escola fundamental no Brasil. No depoimento de Aline Érica, podemos
observar como ela foi vítima do processo que Ferraro chama de exclusão na escola:
Reprovei dois anos porque morava em uma favela e sofria discriminação
das outras crianças que não eram da favela. Mudei para Francisco Morato
e não consegui vaga na escola.
Segundo Ferraro (1999), os índices de escolarização no Brasil – apesar de os
indicadores apontarem que, em 1996, mais de 90% da população em idade escolar tinha
acesso ao ensino obrigatório – eram ainda muito precários, especialmente no que se refere à
exclusão na escola, pois, se os índices de forte defasagem idade/série (acima de dois anos) já
79
era alto em relação aos alunos com nove anos de idade (30% da população escolar com essa
idade), tornava-se simplesmente assustador, no que se refere a jovens com 17 anos, em que
80% estavam em situação de forte defasagem.
Apesar desse imenso conjunto de iniciativas políticas, educacionais e pedagógicas,
abrangendo desde os órgãos centrais da união e das unidades federadas, bem como de muitos
dos municípios brasileiros até as unidades escolares, o traço marcante do fracasso escolar,
expresso pelos índices de não-acesso, reprovação, repetência e evasão escolares ou de
permanência desqualificada dos alunos na escola permanece até os dias de hoje.
Para Cunha (1975), imputar as causas desse fracasso exclusivamente às condições
sociais de origem, especialmente as econômicas, é reduzir fenômenos altamente complexos a
uma única causa, no caso da sociedade brasileira, que possui um dos piores indicadores de
distribuição de renda, as condições econômicas da população não podem ser ignoradas, sob o
risco de produzirmos investigações sobre processos e sujeitos abstratos.
Desta forma, sem desconsiderar que essas condições pesam sobre a trajetória de vida
de boa parte da população brasileira – entre elas de parcela significativa que não tem, sequer,
condições básicas de sobrevivência –, devemos considerar que o fenômeno do fracasso escolar
é resultado de múltiplas determinações sociais e políticas, quer seja do ponto de vista
macrossocial, quer do microssocial.
O interesse por esse campo de análise ocorreu por conta de se haver percebido, na
contramão dos discursos que atribuem uma suposta excepcionalidade aos perversos índices de
baixa escolarização observados historicamente no país – tais como indicadores de distorção
série/idade, idade/conclusão, analfabetismo absoluto, analfabetismo funcional, repetência,
abandono, desistência entre outros – que esses índices não configuram exceção para a
juventude oriunda das camadas populares.
Na verdade, tais indicativos de abandono social representam a regra, socialmente
imposta a milhões de indivíduos, uma vez que, ao contrário do que pretendem fazer acreditar
os discursos oficiais, antes de deformações, constituem partes inerentes de um sistema que
tem, como uma de suas bases principais, a exclusão. A reduzida parcela daqueles que
conseguem superar as estatísticas de baixa escolaridade impostas aos jovens das classes
populares devem o feito a um esforço individual sobre-humano, a um maciço e penoso
investimento familiar ou à ocorrência de “encontros”, em sua maior parte, ditados pelo acaso.
80
Zago (2000, p. 26) investigou o sucesso e fracasso escolar de crianças dos meios
populares, procurando integrar dados quantitativos e qualitativos como indicadores de
trajetórias acidentadas de alunos desses meios. Embora afirme reconhecer o “caráter não
determinista das relações entre as condições sociais das famílias e os resultados escolares dos
filhos", não encontra, em seu estudo longitudinal, nenhum jovem com mais de 14 anos, das 16
famílias que acompanhou durante quatorze anos, que tivesse concluído o ensino fundamental
sem alguma defasagem entre idade e séries cursadas, fato que se evidencia ainda mais nos
depoimentos colhidos com vários deles.
Para Bourdieu (1999, p.482), o processo dos “marginalizados por dentro” é
extremamente perverso, porque não bastou conquistar o acesso ao ensino para ser beneficiado
por ele: “o processo de eliminação foi adiado e diluído no tempo e isto faz com que a
instituição seja habitada a longo prazo por excluídos potenciais”. Ressalta, ainda, que, com a
“democratização escolar”, os alunos pobres são ainda mais estigmatizados, na medida em que
ao fracassarem são culpabilizados, já que tiveram, na aparência, “suas chances”. Dessa forma,
“a instituição escolar é uma fonte de decepção coletiva: uma espécie de terra prometida,
sempre igual no horizonte, que recua à medida que nos aproximamos dela” (idem, p.483).
Charlot (2000, p. 22), que procura demonstrar que a leitura dos escritos de Bourdieu
foi enviesada, na medida em que a relação entre origem social e fracasso escolar foi
interpretada de forma mecânica, afirma que, para Bourdieu, explicar a correlação estatística
entre a posição social dos pais e a posição dos filhos no espaço escolar é mostrar a homologia
de estrutura entre sistemas de diferenças e que esta é uma relação matemática e não um
princípio de efetivação. Em outras palavras, nada nos diz da maneira como se produz, no
tempo, a passagem das diferenças entre pais para as diferenças entre filhos.
Para Charlot (2000, p.23), a análise do fracasso escolar deve levar em conta:
a) o fato de que ele “tem alguma coisa a ver” com a posição social da família – sem por isso reduzir essa posição a um lugar em uma nomenclatura sócio-profissional, nem a família a uma posição; b) a singularidade e a história dos indivíduos; c) o significado que eles conferem à sua posição (bem como à sua história, às situações que vivem e à sua própria singularidade); d) sua atividade efetiva, suas práticas; e) a especificidade dessa atividade, que se desenha (ou não) no campo do saber.
81
Lahire (1997, p.12), com base na constatação empírica de que crianças oriundas das
camadas populares, de famílias que acumulam “deficiências”, conseguem, algumas vezes,
obter sucesso escolar, afirma que há relação ao que conhece sobre o funcionamento provável
do mundo social a partir dos dados estatísticos, como um mistério a ser elucidado. Dessa
constatação, elabora a questão básica que norteará suas pesquisas: semelhantes por suas
condições econômicas e culturais (...) como é possível que configurações familiares
engendrem, socialmente, crianças com níveis de adaptação tão diferentes?
Diante disso, outro destaque que chamou a atenção quanto à maneira como os sujeitos
vivenciaram a exclusão da escola foi o fato de as falas referentes à primeira interrupção dos
estudos apontarem, invariavelmente, para uma autoculpabilização, ou, quando muito, para a
culpabilização dos pais, mas nunca para a identificação das causas dessa interrupção no
interior da própria escola e/ou no sistema educacional e social.
À autoculpabilização e/ou culpabilização da família seguiu-se uma tendência à
naturalização da exclusão, por parte daqueles que a experienciaram: as narrativas acerca da
exclusão precoce da escola evidenciaram que, para os sujeitos da pesquisa, a interrupção dos
estudos constituiu, tal como o ingresso na escola, um caminho natural. Isso porque não se
percebeu, nos relatos, a existência de elementos que apontassem para algum tipo de
estranhamento em relação à situação. No geral, é como se eles estivessem percorrendo um
caminho já conhecido, fazendo exatamente aquilo que deles se esperava.
Essa aparente naturalização da interrupção dos estudos entre estudantes das camadas
populares é confirmada por Dayrrel (1989, p. 85), quando afirma que, com a exclusão da
escola, realiza-se “a determinação de um quantum educacional deste grupo social. Através de
mecanismos sutis, a ‘exclusão escolar’ aparece como um caminho natural e, para muitos,
desejado, liberando estes jovens para assumirem integralmente sua condição de
trabalhadores”.
Nota-se que a aceitação, por parte dos sujeitos entrevistados, da interrupção dos
estudos como algo natural, constitutivo mesmo de suas trajetórias, deva-se pelo fato de eles
não perceberem as possíveis consequências que esse acontecimento poderia vir a gerar em
suas vidas no futuro. A impossibilidade de visualizar, logo no início, as dificuldades que
seriam enfrentadas mais adiante, em decorrência do fato de serem pouco escolarizados,
82
destacam-se também como um dos fatores comuns aos sujeitos pesquisados, no que se refere à
maneira como vivenciaram a exclusão da escola.
Outro aspecto cuja compreensão tornou-se possível com base na análise da exclusão
precoce da escola foram as diferentes maneiras pelas quais se evidenciou a interiorização, pelo
sujeito, do fracasso escolar e os efeitos dessa interiorização em sua vida e na relação que ele
estabeleceria com a escola no futuro. Dessa maneira, as análises desenvolvidas acerca da
exclusão precoce da escola possibilitaram concluir que o impacto mais evidente de sua
vivência pelos sujeitos consistiu na construção de uma autopercepção negativa que, se por um
lado os colocava no lugar do não-saber, por outro lado, acabou servindo como um mecanismo
propulsor no sentido de mobilizá-los na busca da melhoria da formação escolar.
3.3. Quais problemas os afastaram ou os fizeram desistir da escola: a família.
Os estudos sobre o tema das relações que as famílias mantêm com a escolaridade dos
filhos ainda não são tradicionais no Brasil, como nos afirmam Romanelli, Nogueira & Zago
(2000). Apesar disso, consideramos importante uma abordagem sobre essas relações –
família/escola, pois os sujeitos da pesquisa afirmaram que um dos fatores que os fizeram
desistir ou afastar do processo de escolarização em seu processo inicial, ainda quando eram
crianças ou jovens, estão ligados a questões familiares, ou seja, à desestruturação familiar, à
entrada no mundo do trabalho para o seu próprio sustento ou auxílio no sustento da família, ao
abandono da escola para cuidar dos irmãos mais velhos e à gravidez e casamentos precoces.
Essas afirmações podem ser observadas através dos depoimentos abaixo:
(...) Como o mais velho da família, tive que abandonar os estudos e comecei
a trabalhar para sustentar a família. (Daniel)
(...) Entrei atrasada na escola porque era a mais velha e tinha que tomar
conta dos meus irmãos mais novos. (Aline)
(...) Morávamos em São Paulo em cortiços e mudávamos muitas vezes e
desisti de estudar algumas vezes.(Carla)
(...)Mas, com 15 anos vim para S. Paulo, para ajudar a família (Priscila)
83
(...) Graves e sérios problemas familiares. Fui morar com uma tia, que não
me matriculou na escola para eu tomar conta dos filhos dela.(Queli)
(...)Meus pais mudaram muito de cidade durante meus estudos e não me
colocaram para estudar e, aos 10 anos, eu já ajudava minha mãe a
trabalhar como doméstica.(Luciana)
Nas afirmações desses sujeitos, temos a confirmação de que a família foi um dos
fatores determinantes do fracasso escolar ou do afastamento do processo inicial de
escolarização, seja por suas precárias condições de vida, seja por não acompanhar a criança ou
adolescente em sua trajetória escolar. Para Arroyo (1991, p. 21), em relação à evasão escolar
dos alunos dos cursos supletivos noturnos, afirma que a evasão escolar desses alunos se dá em
virtude de eles serem “obrigados a trabalhar para sustento próprio e da família, exaustos da
maratona diária e desmotivados pela baixa qualidade do ensino, muitos adolescentes desistem
dos estudos sem completar o curso primário”. Segundo o autor, a realidade dos alunos das
camadas populares difere da realidade dos alunos da classe dominante porque, com base nas
pesquisas realizadas em escolas da França pelos críticos-reprodutivistas ESTABLET-
BAUDELOT, enquanto os filhos da classe dominante têm o tempo para estudar e dedicar-se a
outras atividades como dança, músicas, línguas estrangeiras, e outras, os filhos da classe
dominada mal têm acesso aos cursos noturnos.
As falas dos sujeitos desta pesquisa relacionadas à estrutura familiar, como um dos
fatores que levaram a evasão do processo inicial, vão ao encontro do estudo de Freitag (2003)
para quem, na percepção dos alunos, a evasão escolar precoce não está dissociada da vida
social. Situações vivenciadas na família podem influenciar, direta ou indiretamente, suas
atitudes e decisões em relação à continuidade, ou não, dos estudos. Dentre essas situações,
temos o desemprego dos pais e a consequente necessidade de trabalhar para ajudar a família;
os problemas familiares e a desestruturação da família que desmotivam os alunos a
continuarem frequentando as aulas. Para a pesquisadora, a família é uma instituição carregada
de problemas afetivos e financeiros, e se a mesma fosse mais presente, participativa e
demonstrasse interesse pelo saber do aluno seria possível minimizar a evasão escolar.
Para Nogueira, Romanelli & Zago (2008, p.26), apesar de reconhecermos o caráter
não-determinista das relações entre as condições socioeconômicas das famílias e os resultados
84
escolares dos filhos, não podemos ignorar que a situação escolar nas populações de mais baixa
renda está associada a um quadro social de natureza bastante complexa. Para as autoras,“há
variações no grupo estudado, mas as condições materiais das famílias são, no seu conjunto,
bastante modestas e em vários casos encontram-se em situação de grande vulnerabilidade
material e social”.
Outro ponto muito marcante nos depoimentos dos sujeitos é que eles são filhos de uma
grande desestruturação familiar. Muitos deles deixaram a família ainda muito jovem e foram
morar com parentes em outros Estados, devido à necessidade de auxiliar na própria
sobrevivência e na da família. Mello (1992), em uma pesquisa sobre formas de organização
familiar em um bairro popular da periferia de São Paulo, destaca a prevalência do que chamou
de “aglomerado familiar”. Esses aglomerados, resultantes de processos migratórios que
rompem com a organização familiar de origem, são parte do esquema de sobrevivência dessas
populações, mantendo-se pela dependência afetiva e estabelecendo um sistema de trocas de
serviços e de recursos financeiros alicerçados na consciência da pobreza e na prática da
solidariedade.
Do grupo de trinta e dois sujeitos pesquisados, temos a presença de dezenove
mulheres, com as seguintes características: estão na faixa etária entre 20 e 52 anos de idade, 09
casadas, 06 solteiras, 01 viúva, 01 desquitada e 02 separadas. Elas possuem histórias de vida
marcadas pela passagem para a fase adulta ainda muito jovem. Na fala de Rosi: “... e nesta
época nós começávamos tudo muito cedo, o trabalho, o casamento e os filhos. E assim parei
de estudar”. A palavra “cedo” repete-se muito nas falas das mulheres e realmente tudo para
elas começou muito cedo, inclusive a exclusão escolar. Agora buscam o caminho inverso do
passado ao resgatar o direito à escolarização.
Segundo Piletti (2002) para a mulher brasileira, o direito à educação é uma conquista
histórica alcançada em meados do século passado; no entanto, sua presença, no sistema
educacional, iniciou-se a partir de 1940. Num modelo machista e tradicional de família, a
educação formal era prioridade para homens públicos que necessitavam entender de leis e
política. As mulheres, que só conseguiram o direito ao voto em 1932, através de decreto
presidencial no governo Getúlio Vargas, não eram admitidas na política tida como “coisa para
homens”. Para elas, bastava obter preparo para cuidar dos afazeres domésticos e da família,
pois o casamento era a finalidade essencial de suas vidas.
85
Nas famílias das mulheres pesquisadas, o fator econômico foi fundamental, pois, para
os pais trabalharem, muito cedo as meninas passavam a assumir tarefas domésticas, como a
limpeza da casa, o cuidado com os irmãos menores ou colaborando com o orçamento ao
realizar trabalhos domésticos para outras famílias.
(...) Entrei atrasada na escola e parei de estudar porque meu pai achava que
mulher não precisava estudar. Tive que trabalhar muito jovem como
doméstica e com 15 anos fugi para São Paulo. (Aparecida)
(...) Em São Paulo, eu nunca estudei, já fui direto para o trabalho. (Maria
Eunice)
(...) com 15 anos vim para S. Paulo, para ajudar a família (Priscila)
(...) Com 13 anos e na 5ª série eu fui estudar a noite, porque só tinha este
horário e meu pai me colocou para ajudá-lo durante o dia na feira.(Regina)
(...) Eu fiz até 5ª série e estava com 13 anos e eu já trabalhava para ajudar
minha família no pequeno sítio que nós tínhamos... (Rosi)
No início da adolescência, elas tiveram filhos ainda muito cedo – 11 mulheres do
grupo foram mães ainda muito jovens. Além de gravidez precoce, outros fatores contribuíram
para a exclusão escolar, como um casamento devido a essa gravidez ou o casamento para fugir
das dificuldades econômicas da família, a proibição do marido, as múltiplas jornadas da
mulher que, além de atender aos filhos, dos afazeres domésticos, do trabalho e dos
compromissos sociais, tem pouco tempo e disposição para voltar aos estudos.
(...) Eu me casei muito cedo e estudei na Bahia até a 4ª série, eu tinha uns 15
anos e virei dona de casa. Quando viemos para São Paulo, era um filho
atrás do outro e eu não estudava. (Maria de Fátima)
(...) Com 13 anos vim para São Paulo morar com minha tia, aos 16 casei e
estudei mais. (Luzia)
(...) aos 10 anos, eu já ajudava minha mãe a trabalhar como doméstica. Tive
filho muito cedo para fugir desta situação. (Luciana)
86
(...) Aqui em São Paulo, fui até a 6ª série e fiquei grávida aos 16 anos, me
casei e desisti de estudar. (Gisele)
(...) Tive que trabalhar muito jovem como doméstica e com 15 anos fugi
para São Paulo. Entrei atrasada na escola e parei de estudar porque meu
pai achava que mulher não precisava estudar. Tive que trabalhar muito
jovem como doméstica e com 15 anos fugi para São Paulo. (Aparecida)
(...) Com 15 anos fiquei grávida e casei muito cedo. (Aline)
(...) Casei-me com 16 anos e não me lembro com quantos anos eu parei de
estudar. Virei dona de casa e não voltei mais a estudar.
(...) com 14 anos estava na 5ª série e fui trabalhar como doméstica e fiquei
grávida e fui morar com o pai do meu filho com 16 anos e não estudei mais.
(Simônica)
(...) Lembro-me que parei na 6ª série com 15 anos e com 16 anos eu já
estava casada. (Regina)
Segundo Jacques Delors (2001, p.197), em seu relatório enviado para a UNESCO, sobre a
educação para o século XXI, aponta aspectos relevantes sobre a situação da mulher: “a igualdade
de acesso das mulheres à educação, eliminar o analfabetismo feminino, melhorar o acesso às
mulheres à formação profissional, ao ensino científico e tecnológico e à educação
permanente”.
O perfil dessas mulheres e suas falas não são muito diferentes da história de vida da
maioria das mulheres da população brasileira, porque os fatores acima descritos que as fizeram
abandonar seus estudos são uma marca na trajetória escolar da maioria das mulheres
brasileiras. Para essas mulheres voltarem aos bancos escolares e resgatarem o significado da
escola em suas vidas é o que as fazem serem diferentes das outras mulheres, porque elas saem do
grupo daquelas que seguiram a trajetória da exclusão, romperam com o fracasso escolar e
buscaram ascensão pessoal e profissional.
87
3.4. Quais problemas os afastaram ou os fizeram desistir da escola: o trabalho.
Os dados apresentados no Quadro 02 (anexo 2) apontam, segundo os sujeitos da
pesquisa, um dos fatores que levaram ao afastamento e a desistência do processo inicial de
escolarização: a entrada precoce no mundo do trabalho. Esta afirmação pode ser confirmada
através das seguintes falas dos sujeitos:
(...) Comecei a trabalhar muito cedo. (Amarildo).
(...) Não consegui estudar mais porque sempre trabalhei na construção civil.
(Armando).
(...) Nunca tinha ido à escola, porque no sertão do Ceará primeiro a gente
precisa sobreviver e depois as outras coisas. Comecei a trabalhar ainda
menino. E Aqui em São Paulo, para trabalhar em construção não precisava
ter estudo. (Carlos)
(...) Nasci no vale do Jequitinhonha em Minas Gerais e nunca fui à escola
porque a vida lá é muito difícil e trabalhava somente para comer. Viemos
para São Paulo para fugir da miséria. Aqui os empregos que eu consegui
não exigiam estudo. (Geraldo).
(...) Em Alagoas, os empregos são para trabalho braçal e não precisava de
estudo. Aqui trabalhei sempre na construção e para este tipo de serviço não
precisava ter estudo. (Jandival)
(...) Meus pais mudaram muito de cidade durante meus estudos e não me
colocaram para estudar e, aos 10 anos, eu já ajudava minha mãe a
trabalhar como doméstica. (Luciana).
(...) Na Bahia, eu trabalhava desde menino na colheita do feijão, e quando
tinha plantio ou colheita nós não íamos para a escola. Aqui com a 4ª série,
mas com muita ajuda sempre trabalhei de porteiro, jardineiro ou ajudante.
(Luiz).
(...) Mas, com 15 anos vim para S. Paulo, para ajudar a família. E aqui
trabalhei muito e não tinha tempo para estudar. (Priscila)
88
(...) Na Bahia eu não sabia nem onde era a escola e na roça comecei a
trabalhar a trabalhar muito cedo. E trabalho em construção e nunca tinha
como começar a estudar. (Roberval).
(...) Precisei trabalhar muito cedo e tive que parar de estudar. E não tive
mais como voltar a estudar. (Sandro)
(...) com 14 anos estava na 5ª série e fui trabalhar como doméstica.
(Vanessa)
Como podemos verificar nessas falas, a experiência com o trabalho começou muito
precocemente em suas vidas, desempenhando várias funções e assumindo responsabilidades
ou assumindo funções, que configuram como trabalho infantil. Uma das características que
marcam essas falas está no fato de os pesquisados abandonarem a escola ou serem obrigados a
fazê-los para ajudar no sustento ou manutenção da família.
Segundo Nogueira, Romanelli & Zago (2008), quando nos reportamos ao trabalho
infantil, é preciso considerar que não se trata de uma situação generalizada, que atinge
indiscriminadamente as crianças das camadas sociais desfavorecidas. Há diferenças quanto à
delimitação da idade de ingresso no trabalho. Nas situações de maiores dificuldades
financeiras – tais como as associadas ao desemprego, miserabilidade de muitas famílias
brasileiras, morte ou separação dos pais, além de outros acontecimentos familiares que
fragilizam as condições socioeconômicas das famílias, a introdução no mundo do trabalho se
dá de maneira mais precoce.
O trabalho infantil é considerado uma situação indesejável porque se pressupõe que a
maneira mais adequada para se atingir o pleno desenvolvimento infantil é dividir o tempo da
criança entre escola e lazer. Segundo a O.I.T. (Organização Internacional do Trabalho), o
trabalho infantil é qualquer trabalho, mesmo sem pagamento, exercido por indivíduos com
idade igual, ou inferior, a 14 anos que ocupa, pelo menos, uma hora semanal. Na 138º
convenção da O.I.T. (1973), foi determinado que 15 anos seria a idade acima da qual, em
condições normais, uma pessoa poderia participar de atividades econômicas. Seguindo essa
ideia, o presente estudo considera pessoas abaixo de 15 anos como crianças.
Em 2008, uma pesquisa feita para a O.I.T. e para a UNESCO, pela Fundação Getúlio
Vargas, apontou que 20% dos alunos brasileiros em idade escolar tiveram que parar o seu
89
processo de escolarização, para exercer alguma atividade remunerada. Dados preliminares
divulgados pelo I.B.G.E. apontavam que, em 2009, dois milhões de crianças entre 05 e 15
anos trabalhavam no Brasil. Em 132 mil lares brasileiros, número maior do que o de
habitantes da maioria dos municípios brasileiros, os chefes de família são crianças de 10 a 14
anos. Outros 61 mil jovens, com idade entre 15 e 19 anos, aparecem nas estatísticas como
responsáveis pelos domicílios.
Do grupo pesquisado, doze sujeitos apontaram o trabalho como fator de desistência ou
abandono da escola, dos quais oito são oriundos da zona rural. Assim, eles não tiveram
escolha, e muito cedo tiveram que trabalhar ou ajudar no trabalho rural. Conforme já constatou
Cunha (1975), em seus trabalhos de 1960 – 1970, na zona rural, faltam escolas ou elas são
muito distantes, há incongruência entre o ano agrícola e o ano escolar e os custos escolares.
Ele complementa:
... A dificuldade de reduzir os custos da educação para o individuo talvez não tenha maior importância no caso das classes de renda superior no Brasil. Não obstante, grande parte da população aufere renda tão baixa que provavelmente não poderia enviar os filhos à escola mesmo que existissem estabelecimentos Gratuitos. E não porque residem longe das escolas, mas porque são de grande importância para suas famílias porque trabalham e isto impede a freqüência regular à escola. (CUNHA, 1975, p. 145).
Os outros quatro sujeitos que apontaram o trabalho como causa do afastamento da
escola moravam na zona urbana, mas como eram os mais velhos dos filhos, enquanto os pais
saíam para trabalhar, eles já eram responsáveis, ainda crianças, pelo cuidado da casa e dos
irmãos mais novos. Outras vezes, acompanhavam seus pais ao trabalho, realizando pequenas
tarefas para auxiliá-los.
90
CAPÍTULO IV
SUCESSO ESCOLAR
4.1. O que os fez voltar, permanecer e obter sucesso escolar: a escola.
A partir dos dados coletados por meio dos questionários e das entrevistas, que estão
expostos no Quadro 03 (anexo 3), podemos fazer uma análise de como foi a relação dos
sujeitos entrevistados com a escola durante o novo processo de escolarização. Esse processo
deixou marcas, significados, mudanças, transformando-os em novos sujeitos depois de
passarem por essa experiência que, segundo suas falas, mudou o rumo de suas vidas.
Passamos analisar a trajetória escolar desses alunos e o papel da escola como fator que os fez
voltar, permanecer e obter sucesso escolar.
Os sujeitos que voltaram aos bancos escolares não ficaram restritos apenas à
aprendizagem da leitura e da escrita para conseguirem um trabalho melhor ou para assinar o
nome em documentos; eles voltaram, como afirma a frase da aluna Regina, para
(...) “deixar de sentir-se um nada”. (Regina)
São pessoas que representam uma parcela significativa da população brasileira que, no
início do século XXI, não participam do “cinturão de poder”. (RAMA, 1985). Pessoas que,
guardadas as suas diferenças culturais, não se apropriaram de um bem cultural, a língua
escrita, e dos saberes escolares que, de muitas maneiras, organizam a sociedade. Dominar
esses saberes é ser incluído em uma nova sociedade ou classe. A realidade daqueles que não
participam do chamado “cinturão de poder”, ou estão à margem por não dominarem a língua
escrita e não terem participado, de forma integral ou adequada, dos processos de
escolarização, fica clara nas palavras da aluna Maria de Fátima:
91
(...) È duro você ter pouca leitura e não saber o que está escrito em um
documento, conversar com medo com outras pessoas e não entender o que
elas estão dizendo. (Maria de Fátima).
Segundo GARCIA (2004), se nós vivemos numa sociedade estratificada em classes, a
variedade linguística de prestígio, ou seja, a considerada legítima, é aquela determinada por
aqueles que detêm o poder social e econômico. Toda palavra é carregada de valores, ou seja,
se somos membros de um determinado grupo social, produzimos um discurso ideologizado
através do que falamos, assim como a ideologia nos produz enquanto membros dessa
comunidade.
Quando uma língua domina o mercado, é em relação a ela, tomada como norma, que se definem, ao mesmo tempo, os preços atribuídos às outras expressões e o valor das diferentes competências. A língua dos gramáticos é um artefato que, universalmente imposto pelas instâncias de coerção lingüísticas, tem eficácia social na medida em que funciona como norma, através da qual se exerce a dominação dos grupos. Detendo os meios para impô-la como legítima, os grupos detêm, ao mesmo tempo, o monopólio dos meios para dela se apropriarem. (BOURDIEU, 1974 apud SOARES, 2002a, p. 58).
Nos depoimentos, percebemos que o retorno à escola é colocado pelos sujeitos como
um ato de necessidade e de desejo de voltar para a escola, que se configuram como um ato de
vontade de permanecer e conseguir, através da escola, alcançar várias mudanças em suas
vidas. Esses sujeitos criaram uma nova relação com a escola, pois ela não é aquela que eles
abandonaram ou foram excluídos, dentro, ou na escola, quando crianças ou adolescentes. Essa
necessidade ou o fato de precisar voltar a estudar estava em muitas falas:
(...) Eu precisava voltar a estudar (Daniel)
(...) A necessidade de ter um emprego melhor e aprender mais. (Luiz)
(...) Sempre gostei de marcenaria e para trabalhar lá precisa ter
estudo.(Roberval)
(...) Eu preciso do estudo para ser mecânico profissional. (Leandro)
(...) A necessidade de aprender mais, ganhar mais, crescer e virar um mestre
de obras com estudo e não somente no papel. (Armando)
92
Na análise da nova trajetória escolar desses sujeitos, percebemos que a relação com a
escola foi além, pois eles agora conhecem seus rituais, sua dinâmica e, principalmente,
sentem-se inseridos, ou seja, fazem parte da escola e são jogadores dentro do jogo escolar.
Agora é nela que eles querem estar, crescer e vivenciar um direito que anteriormente lhes foi
negado, o direito à educação.
Eles percebem sua própria condição de pouca escolarização, que provoca diversos
constrangimentos sociais experimentados por eles. Esse motivo se revela como um dos mais
importantes para a tomada de decisão a favor do retorno aos bancos escolares. Assim, por
meio dos dados coletados, foi possível perceber que a percepção negativa que tinham de si em
relação aos estudos, somada aos constrangimentos sociais decorrentes da baixa escolaridade,
exerceu forte influência no processo de transformação da demanda potencial por escolarização
em demanda efetiva.
(...) Eu tinha que pedir para os outros lerem para mim e fui enganado várias vezes. (Jandival)
(...) É duro você ter pouca leitura e não saber o que está escrito em um
documento, conversar com medo com outras pessoas e não entender o que
elas estão dizendo. (Maria de Fátima)
(...) Sou doméstica e sempre tinha dificuldades para anotar um recado, ler
as receitas e resolver um problema da casa. E minha patroa me incentivou
muito. (Vanessa)
(...) Fui muitas vezes nas reuniões de meus filhos que são bons alunos na
escola e eu praticamente somente assinava o meu nome. (Carlos).
Os sujeitos também demonstram, em suas falas, as marcas do processo escolar anterior,
onde a exclusão na/da escola deixou neles uma percepção negativa que tinham de si em
relação aos estudos.
(...) “Eu fui obrigado a voltar a estudar...” (Aparecida)
(...) “Fui obrigada a estudar mais valeu a pena...” (Carla)
(...) “E eu não gostava de estudar e...” (Daniel)
93
(...) “Voltei com muito medo e pensei muitas vezes em desistir...” (Simônica)
Quando esses sujeitos decidem voltar ao processo de escolarização – devido a vários
fatores profissionais, pessoais e familiares, entre outros –,vários fatores impedem ou
dificultam a sua volta – a jornada de trabalho, não ter com quem deixar os filhos pequenos, a
falta de vagas, problemas familiares, etc – e principalmente a sua permanência, que se
transforma em um marco importante e que tem que ser valorizado.
A valorização desse retorno é fundamental para torná-lo um cidadão, já que representa
a chance que, mais uma vez, esse jovem ou adulto está dando ao sistema educacional de
considerar a sua existência social, sua condição de sujeito. Valorizar significa garantir que a
escola lhe proporcione condições de permanência e que viabilizem o aproveitamento de sua
experiência existencial no mundo escolar, através de práticas pedagógicas adequadas e
relevantes para sua realidade social. Com esse retorno, o sujeito recebe novamente um direito
que lhe foi retirado ou negado: o direito à educação e, com ele, outros direitos sociais,
conforme relata CURY (2000, p. 06): “(...)a entrada no circuito dos direitos civis pela
restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas também o
reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano(...)”.
Arroyo & Haddad (2007) reconhecem os sujeitos históricos da E.J.A. como
mandatários de direitos, sendo o direito da educação um deles, e como protagonistas na
sociedade brasileira. Para eles,
(...) “reconhecer essa característica ativa dos sujeitos é reconhecer que, para além da trajetória da carência, há um trabalho de conquista e luta que faz parte do cotidiano dos setores populares e que determinam as razões históricas da construção da sociedade em que vivem”.(HADDAD, 200, p. 15).
A necessidade objetivada de retornar à escola coloca o acesso à escola e a permanência
nela como direito para o sujeito jovem e adulto. Não como obrigação e necessidade deste ou
como favor de outrem, mas como uma afirmação do direito de ter uma escola que o acolha e
que se paute em suas necessidades e desejos.
Garantir a presença concreta de jovens e adultos na escola não significa simplesmente
oferecer uma estrutura igual à estrutura pensada para o ensino regular – salas de aula, grade
94
curricular, horários de aulas, professores, material didático. No Parecer C.N.E. /C.E.B.
11/2000, Cury (2000, p. 07) salienta que a E.J.A. deve ter uma função reparadora, que
oportunize concretamente “(...) a presença de jovens e adultos na escola e uma alternativa
viável em função das especificidades sócio-culturais destes segmentos para os quais se espera
uma efetiva atuação das políticas sociais”.
Os estudos de Fonseca & Dayrell (2000) apontam o espaço escolar como um espaço de
construção e reconstrução de sentidos, significados e oportunidades. É a partir desta
perspectiva que observamos que o espaço escolar apresenta um novo significado e um novo
sentido para os nossos sujeitos, que emergiram do processo de escolarização dentro da Escola
Estadual Lenita Camargo.
(...) O estudo mudou a minha vida, porque estou atrás de uma grande vitória
e somente através do estudo será possível mudar o rumo da minha vida.
(Aline Érica)
(...) Para quem saiu da miséria do Vale do Jequitinhonha praticamente sem
estudo e chegar onde estou chegando é muito importante. (Amarildo)
Por três vezes, acompanhei os sujeitos em suas atividades dentro da sala de aula. As
análises que emergem da observação dos comportamentos, das atitudes dos sujeitos e do
relacionamento entre os sujeitos em sala de aula, permitem afirmar que esse espaço é um
espaço de interação, trocas, relações. Um espaço de solidariedade. Os alunos, durante todo o
tempo, buscam ajudar-se mutuamente, mesmo que o professor centre a sua aula em atividades
individuais. Essas trocas acontecem antes das aulas enquanto esperam o professor, após e
durante as mesmas e são sempre pontuadas pelas tarefas escolares. A solução para os
problemas propostos nos conteúdos era sempre buscada pela interação entre os colegas que,
na maioria das vezes, eram também a fonte de aprendizagem.
Nas relações construídas pelos sujeitos no espaço escolar, emergem a interação, a
valorização desse espaço e as relações que ali se constroem aliadas a um ensino que,
respeitando as vivências dos sujeitos envolvidos, reconhece-os como sujeitos culturais,
participantes, agora marcados pela inclusão e cognitivamente capazes. Um espaço que é
caracterizado como diferenciado, marcado por outro tempo, pautado nas propostas que
95
contemplam as especificidades da EJA, indo contra as mazelas e vicissitudes da justaposição
da EJA ao ensino regular.
Para Santos (2007), o espaço escolar na EJA identificado pelos alunos pode não ser
consequência de um significado maior que atribuam ao conhecimento veiculado pela escola.
Segundo Santos, essa identificação pode advir do fato de a escola ser vista como um
instrumento central para o processo de ascensão social. E esta identificação com o espaço
escolar pode ser uma variável fundamental para a permanência do aluno na escola.
Dayrell (2001) apresenta o espaço escolar como o lugar onde se reconhece a
diversidade dos sujeitos, suas experiências e relações sociais, apreendendo os jovens e adultos
como sujeitos socioculturais. Assinala também a importância de se construir um sentido e um
objetivo, ao repensarmos o ato de ensinar e aprender, acreditando que o sentido do que se
ensina, se constrói à medida que a rede de significados ganha corpo, seja nos questionamentos
sobre as experiências e desejos ou nas necessidades, seja na funcionalidade e razão para se
aprender o conteúdo escolar, perspectivas em que também acreditamos. Os depoimentos
abaixo dos pesquisados confirmam esses vínculos de amizade e interação entre os alunos e
destes com os professores – eles agradecem aos colegas e aos professores, pois o apoio dos
mesmos são considerados pelos sujeitos como um dos fatores decisivos para a permanência e
conclusão dos estudos.
(...) A necessidade de estudar, os professores, as aulas, os colegas, as
amizades... (Daniel)
(...) Os colegas, os professores e a família, não me deixaram desistir.
(Joselma)
(...) Meus professores maravilhosos, as aulas, a classe e os amigos que fiz.
(Queli)
(...) Muitos conselhos dos colegas da sala e dos professores. Se eu soubesse,
tinha voltado antes. (Priscila)
(...) E eu não gostava de estudar e aqui fiz amigos e com ajuda deles e dos
professores consegui chegar até aqui.(Leandro)
96
(...)Voltei a estudar algumas vezes e desistia. Desta vez, fui até o fim e os
professores e os colegas foram muito importantes para minha
vitória.(Regina)
Compreender as relações que os nossos sujeitos estabeleceram com o conhecimento é
afirmar que eles se encontram imersos em um espaço propiciador de aprendizagens e que
essas relações definem e são definidoras de sua vida cotidiana: nas situações familiares,
sociais e de trabalho. O saber desses sujeitos encontra-se centrado não apenas em
conhecimentos ditos do senso-comum, mas em saberes adquiridos nos diversos espaços
vivenciados durante a sua trajetória escolar.
Os estudos de Santos (2007) salientam o fato de os sujeitos da EJA estarem imersos em
espaços sociais, portanto, em espaços propiciadores de aprendizagem. Esses espaços impõem
a estes sujeitos inúmeros desafios cotidianos que necessitam ser resolvidos sob uma base
cognitiva. O conhecimento através do processo de escolarização, adquirido pelos sujeitos,
ajudaram-nos também a resolver muitos desafios cotidianos:
Muda muita coisa, porque agora consigo ler e entender documentos, abrir
uma conta no banco, ajudar a minha família e até ganhar mais. (Maria de
Fátima)
Tinha medo de falar e falar errado. Agora leio o jornal, a revista e sei até
trabalhar com o computador. (Vanessa)
Outro fator para que a relação com a escola tivesse um novo significado é o
reconhecimento de que esse espaço é um espaço gerador de conhecimentos e aprendizagens,
aos quais não teriam acesso se não tivessem acesso ao processo de escolarização, passando a
pertencer a uma sociedade letrada. Desmistifica-se, assim, o caráter apenas utilitarista da
E.J.A., visão na qual só teriam valor, para o jovem e para o adulto, os conhecimentos úteis às
suas vivências diárias. Outra visão suplantada diz respeito ao espaço do conteúdo escolar na
Educação de Jovens e Adultos, posto que não ficou limitado a alguns poucos temas. Os
professores conseguiram avançar muito, omo confirma a professora Regina, que lecionou
97
Língua Portuguesa para os sujeitos da 5ª série do Ensino Fundamental até a conclusão do
ensino médio:
Eu também leciono para as séries do Ensino Fundamental e do Ensino
Médio, do ensino regular, e estes alunos buscavam conhecer mais e sempre
tinha um desfio novo, porque eles queriam e buscavam saber mais”. E
quando tinham dificuldade sempre ajudavam uns aos outros, ou chegavam
mais cedo para perguntar algo ou tirar alguma dúvida. (Professora Regina).
Ou nas palavras do aluno Leandro:
(...) Gostava de questionar os professores nas aulas, para que eles
explicassem vários assuntos que eu via na televisão ou lia nos jornais e nas
revistas. Quero conhecer o Brasil e o mundo. (Leandro)
O aluno adulto tem muito a contribuir para o processo de ensino-aprendizagem, não só
por ser um trabalhador, mas pelo conjunto de ações que exerce na família e na sociedade. De
sua parte, o educando, especialmente o adulto, ao perceber que está sendo tratado como um
agente ativo, participante do processo de aprendizagem, sente-se mais interessado e mais
responsável. A responsabilidade é tão superior nessa concepção que o aluno compreende que
está mudando sua sociedade, sua realidade e a essência de seu país pelo fato de estar mudando
a si mesmo e que a educação que recebe não é favor ou caridade, e sim um direito instituído
conforme parecer 11/2000 que trata das Diretrizes curriculares para Educação de Jovens e
Adultos. Os jovens e adultos que procuram a E.J.A., embora tenham uma bagagem de
conhecimentos adquiridos informalmente, fundados em suas crenças e valores já constituídos,
têm a necessidade de uma educação formal para satisfação de suas necessidades pessoais ou
profissionais.
Como afirma Thompson (2002), o estudante adulto leva para a escola toda a sua
experiência – o trabalho, suas trajetórias de vida, suas relações sociais, e esses aspectos
rompem com a lógica vigente nos processos de escolarização. Essa experiência deveria ser
98
fundamental para se pensar os tempos, os espaços, os métodos de ensino, a organização do
conhecimento, enfim, o currículo.
(...) a experiência modifica, às vezes de maneira sutil e às vezes radicalmente, todo o processo educacional, além de influenciar os processos de ensino, a seleção e o aperfeiçoamento dos mestres e dos currículos, podendo até mesmo revelar pontos fracos ou omissões nas disciplinas acadêmicas tradicionais e levar à elaboração de novas áreas de estudo. (THOMPSON, 2002, p.13).
Não pode ser desprezada a quantidade de saberes que cada um desses sujeitos possui
em função das suas atividades que realizam ou realizaram. Saberes, que podem não ser
escolares, mas são saberes. Saberes a partir dos quais novos conhecimentos poderão ser
construídos. Uma tarefa fundamental para os professores é conhecer e reconhecer que esses
saberes e habilidades que os alunos e alunas desenvolvem em função do seu trabalho e com a
escolarização ampliam as possibilidades de crescimento profissional.
(...) Vim para São Paulo, trabalhar na construção civil e pedreiro acha que
não precisa estudar. Sempre gostei de marcenaria e para trabalhar lá
precisa ter estudo. Com o meu estudo aprendi a fazer de tudo na marcenaria
e principalmente as medidas. Quero fazer um curso de marcenaria artística.
(Roberval)
Quando perguntamos aos sujeitos se, após o termino do Ensino Médio na E.J.A., eles
iriam continuar os estudos, através dos depoimentos, foi possível constatar os desejos
expressos por eles: conseguir melhores condições de trabalho, fazer cursos de redação ou
reforço para que pudessem ler e escrever melhor, fazer cursos técnicos e alguns pensavam em
fazer um curso superior e estudar para concursos públicos. O grande destaque é que não
pretendiam parar por ali, ou seja, continuariam com os estudos.
Os professores que participam desta pesquisa destacam a participação e atuação dos
sujeitos em sala de aula, que foi a marcante presença dos mesmos nas aulas, pois a turma
composta por trinta e dois sujeitos tinha um reduzido número de ausências. Segundo os
professores Maria, Aparecida, Regina e Marcelo, os alunos eram pontuais, participavam das
aulas, e cumpriam todas as atividades propostas.
99
Para Dayrell (2001), os alunos têm sempre, ou precisam ter sempre uma razão para
estar na escola, e elaboram projetos individuais, nos quais certamente a escola se inclui. Esses
projetos individuais necessitariam, portanto, serem conhecidos e considerados no espaço
escolar para que se construa uma outra rede de relações: onde não exista aquele que
supostamente sabe e, portanto ensina: o professor é aquele que detém conhecimentos de
mundo, mas não detém o saber escolar.
Segundo Fonseca (2000), esses sujeitos apostam na escolarização também como uma
ação de cuidado consigo mesmos, como um direito a um investimento pessoal adiado pelas
condições adversas em suas vidas (trabalho infantil, casamentos, não acesso à escola, cuidado
com os filhos, etc.) , como projeto de vida ou de valorização pessoal, buscando recuperar sua
auto-estima, podendo ser considerado um resgate pessoal.
(...) Meus filhos estão casados e tenho quatro netos. Fiquei viúva com muita
solidão e doente e uma médica me pediu para eu voltar a estudar e não
parei mais. As doenças sumiram e me sinto útil e importante. Foi
maravilhoso ver toda a minha família na minha formatura. (Rosi)
(...) Foi uma grande experiência voltar a estudar, e isto mudou minha vida,
porque saí do meu mundinho e agora eu quero saber mais, ter mais
informação e entender a história do mundo. (Daniel)
(...) A felicidade que eu tive quando comecei a ler e escrever, a resolver os
problemas pessoais e escrever uma carta e ler documentos e papéis. Agora
eu quero ler tudo: a Bíblia, o jornal, a revista, etc. (Joselma)
(...) Somente depois que me aposentei eu pude voltar a estudar. Sempre tive
vontade de voltar a estudar. (Ariovaldo)
(...) Sempre gostei de ler e escrever e percebi que somente com o estudo
poderia crescer na vida. Fiquei grávida aos quinze anos e estava na quinta
série, e meu marido, dez anos mais velho, me proibiu de estudar e só pude
voltar depois de quinze anos porque ele morreu. O meu esforço pessoal e o
apoio dos meus filhos. E quando decidi voltar eu sabia que iria até o final.
Como gosto de estudar e ler, ficou mais fácil. (Regina)
100
(...) Casei muito cedo, com quatorze anos de idade, e meus filhos estão
fazendo cursos técnicos e empregados. Meu marido é pastor e sabe ler e
escrever muito bem e está fazendo teologia. Faltava eu dar uma virada na
minha vida. A vontade de aprender e acompanhar meu marido. Ler e
escrever para mim era algo fundamental. Hoje viajo em trabalhos
missionários com meu marido ou sozinha, algo que não fazia antes. Faço
leitura de tudo. Saí daquele mundo limitado pela falta de leitura e pela
religião.(Regina)
Segundo Zago (2000, p. 35), “várias situações de apoio e incentivo podem tornar-se
fatores escolarmente rentáveis na definição de percursos singulares com características
distintas das de colegas da mesma idade e origem social”. Esses fatores podem ser de um
apoio sistemático de um professor, ou como no caso dos nossos sujeitos de vários professores,
pois eles creditam uma grande parcela desse êxito escolar aos professores ou o apoio de
empresas, chefes e patroas.
(...) Minha patroa me incentivou muito e, quando eu pensava em desistir, ela
me dava um prêmio a cada ano que eu terminava na escola. (Maria de
Fátima)
(...) Meu emprego dependia de eu voltar a estudar e a empresa sempre me
deu força para que eu não parasse de estudar. Minha família ajudou muito.
(Maria Eunice)
(...) Eu quero ser pastor da Igreja Presbiteriana e eu precisava do ensino
médio para fazer o curso de Teologia. O meu sonho de ser pastor e os
professores que me ajudaram muito. (Amarildo)
Após análise de como foi construída a nova trajetória escolar desses sujeitos,
verificamos que as palavras que a marcam são inclusão, participação, troca, respeito às
individualidades e a educação como o agente transformador. Temos que concordar com Freire
(1987), ao defender a ideia de que não existe transformação social sem a contribuição da
educação:
101
O importante do ponto de vista de uma educação libertadora, e não ‘bancária', é que, em qualquer dos casos, os homens se sintam sujeitos de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão do mundo, manifestada implícita ou explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros. (FREIRE, 1987, p. 120)
4.2. O que os fez voltar, permanecer e obter sucesso escolar: a família.
Ao lado da escola e do trabalho, a família, conforme os dados coletados, transformou-
se em um dos principais fatores que segundo os sujeitos da pesquisa, que os fizeram voltar,
permanecer e obter sucesso escolar. Dos trinta e dois sujeitos pesquisados, vinte e dois
apontam diretamente a família como incentivadora ou motivadora deste retorno e da conclusão
do Ensino Médio, que nesta pesquisa caracterizamos como sucesso escolar.
A família que anteriormente foi motivo de exclusão do processo inicial de
escolarização, pois, estes sujeitos, tiveram que desistir ou afastar-se do processo de
escolarização em seu processo inicial, ainda quando eram crianças ou jovens, devido a
desestruturação familiar, a entrada no mundo do trabalho para o seu próprio sustento ou
auxiliar no sustento da família, o abandono da escola para cuidar dos irmãos mais velhos e a
gravidez e casamentos precoces.
Os sujeitos da pesquisa apontam a nova família, a que ele constituiu, pois, dos trinta e
dois pesquisados, vinte e seis possuem filhos (dezesseis casados, seis solteiros, três separados
e uma viúva). Esta nova relação familiar e principalmente com os filhos, terão uma grande
importância, porque em suas falas eles afirmaram:
(...) Meus filhos não vão passar pelo que eu passei.(Geraldo).
(...) Ser um exemplo para meu filho. (Gisele)
(...) Um emprego melhor e assim oferecer um futuro melhor para meus
filhos.(Luciana)
Para Lahire (1997) em seu estudo sobre sucesso escolar nas camadas populares sobre
os pais que investem na educação dos filhos, mesmo tendo pouco capital cultural e escolar,
102
afirma que: “Quase todos os pais que investigamos, qualquer que seja a situação escolar da
criança, têm o sentimento de que a escola é algo importante e manifestam a esperança de ver
os filhos sair-se melhor do que eles”.(LAHIRE, 1997, p.3)
Fizemos um levantamento da escolaridade dos filhos dos sujeitos pesquisados uma vez
que esses, por diversas vezes, frisaram quanto valorizavam o estudo dos filhos. Pelos dados
apresentados, os filhos dos sujeitos da pesquisa trilharam, ou ainda estão trilhando, um
percurso escolar diferente de seus pais, pois os mais jovens que ainda estão no processo de
escolarização são considerados pelos professores, segundo a fala de seus pais, como bons ou
ótimos alunos e existem casos em que os filhos possuem formação superior.
(...) Meus dois filhos são bons alunos na escola e tiram boas notas. E eu os
ajudo muito para continuarem a estudar. E eles são meu incentivo e não vão
passar pelas dificuldades que eu passei. (Aline Maria)
(...) Somente depois que me aposentei eu pude voltar a estudar. Sempre tive
vontade de voltar a estudar. Meus filhos são enfermeiros, projetistas,
contador, técnico em comunicações. E os pais tinham somente a quarta
série. (Ariovaldo)
(...) Meus filhos também foram um grande motivo para que eu voltasse a
estudar porque eles são ótimos alunos na escola. E a mãe deles precisava
ter estudo também. (Vanessa)
Para Nogueira, Romanelli & Zago (2008), expressões como essas revelam a crença dos
benefícios que o estudo pode oferecer e são carregadas de um valor simbólico e revelador do
lugar ocupado pela escola, não apenas de um emprego de um tempo reconhecido como
necessário para a aquisição de um certificado e saberes fundamentais, mas também como um
lugar que inclui diferentes desejos e subjetividades.
Em relação à escolaridade dos pais dos trinta e dois sujeitos pesquisados, quinze
afirmaram que os pais eram analfabetos, dez disseram que os pais sabiam apenas escrever o
próprio nome, cinco que os pais estudaram e concluíram a primeira série do Ensino
Fundamental e dois concluíram a terceira série.
103
Esses sujeitos receberam de seus pais uma herança marcada pela exclusão escolar e
pela desigualdade social, econômica e problemas familiares, e mesmo não tendo um capital
escolar e um capital cultural dado e valorizado pela escola, eles investiram na escolarização
dos filhos e colocaram para eles projetos de vida que passavam obrigatoriamente pela
valorização da escola e da escolarização. (...) “Famílias fracamente dotadas de capital escolar,
apresentam uma escolaridade bem acima da de seus familiares (pais, avós e tios)”.(LAHIRE,
1997, p. 343).
Esses sujeitos e seus filhos vislumbraram, no processo de escolarização, a
possibilidade de uma mudança em seus destinos e de ascensão social, através da escola, ou nas
palavras de Bourdieu (1998, p. 46):
É a escolha do destino, pois, as atitudes dos membros das diferentes classes sociais, pais ou crianças e, muito, particularmente, as atitudes a respeito da escola, da cultura escolar e do futuro oferecido pelos estudos são, em grande parte, a expressão do sistema de valores implícitos ou explícitos que eles devem à sua posição social.
Segundo Bourdieu (1998), quanto maior for o êxito do filho em cumprir a vontade
paterna que deseja seu sucesso, maior será seu fracasso "mais contundente será o assassinato
do seu pai, maior será sua separação dele" (BOURDIEU, 1998, p. 234). No caso dos sujeitos
aqui analisados com esse retorno e conclusão do Ensino Médio, eles ultrapassaram a
escolaridade de seus pais. Assim, eles superaram ou “mataram os pais”, o que ocorrerá com
eles quando seus filhos os ultrapassarem em seus estudos.
Inversamente, muitos dos nossos sujeitos possuem irmãos que optaram, como os pais,
por não iniciar ou não dar sequência aos estudos. Esses indivíduos poderiam encaixar-se entre
aqueles que Bourdieu (1998, p. 234) declara que "quanto maior for seu fracasso, maior será
seu êxito”, como se a posição dos pais encarnasse um limite a não ultrapassar, realizando,
assim, a vontade inconsciente do pai, que, no sentido ativo, não pode desejar totalmente a
própria negação.
A recusa em ultrapassar o limite do pai pode ser vista na opção pela profissão, porque
muitos sujeitos afirmaram que não queria que seus filhos tivessem a mesma profissão que eles
exercem, ou seja, pedreiros, empregadas domésticas, porteiros, etc.
104
De acordo com Bourdieu (1998), a sucessão, ou seja, a superação da posição social
alcançada pela família envolve dois aspectos. Um deles diz respeito aos fatores psíquicos
relacionados à ultrapassagem do pai: ao mesmo tempo em que isso é desejado, por pai e filho,
fazê-lo significa "matar" o pai; ou seja, realizar o sonho familiar de ascender socialmente pode
ser vivido psicologicamente como uma negação dos valores, costumes familiares, enfim, como
uma ruptura com a própria família.
Para Zago (2000), a atitude desses sujeitos e seus filhos em relação à escola, é um tipo
de relação intergeracional, cuja lógica fundamental orientadora é a da emancipação da herança
familiar, não a de sua reprodução. O primeiro elemento desse fenômeno é o de que o filho se
autoriza a “deixar” a família, e a se distanciar cultural e socialmente dos pais. Em segundo
lugar, os pais autorizam os filhos a se emanciparem. Finalmente, um reconhecimento
recíproco, entre pais e filhos, de que “a história do outro é legítima, sem ser a sua”.
A ausência de uma capital escolar mais elevado por parte dos pais, nesse caso, é
compensada pela presença de um ethos familiar muito coerente, posto em prática com grande
regularidade, o que nos permite compreender e justificar a história de sucesso escolar desses
sujeitos.
Para Bourdieu (1998), a posse de certo capital cultural e de um ethos familiar
predisposto a valorizar e incentivar o conhecimento escolar seriam importantes elementos para
se alcançar um sucesso acadêmico. Ou seja, “na realidade, cada família transmite a seus filhos,
mais por vias indiretas que diretas, um certo capital cultural e um certo ethos, sistema de
valores implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre outras
coisas, as atitudes em face do capital cultural e da instituição escolar” (BOURDIEU, 1998, p.
42). Nesse sentido, crianças mais abastadas e com maior acesso aos bens culturais seriam
aquelas que teriam as maiores chances de obter um bom desempenho escolar.
As atitudes com relação à escola, com a cultura escolar e a noção de que os estudos
podem oferecer no futuro, estão muito fortes nas classes médias e, portanto, as crianças desses
meios recebem não só os encorajamentos e exortações ao esforço escolar, “mas também um
ethos de ascensão social e de aspiração ao êxito na escola e pela escola” (BOURDIEU, 1998
P. 48). Podemos afirmar, então, que, nessas famílias, a preocupação primária recai sobre o
projeto escolar dos filhos, projeto este voltado para a obtenção de um lugar privilegiado no
sistema escolar. Esse pensamento que, segundo Bourdieu, está mais ligado às classes médias,
105
também foi incorporado pelos sujeitos desta pesquisa e por seus filhos que pertencem às
classes populares. Pode-se observar essa atitude, através destes depoimentos colhidos em
entrevista com os dois alunos mais velhos do grupo o Senhor Ariovaldo e a Senhora Simônica:
Graças a Deus, eu posso sustentar minha família e meus filhos todos
primeiro estudaram, para depois eles começarem a trabalhar. Trabalhei
muito para não faltar nada para eles. Paguei cursos de computação e teve
outros que fez cursos de inglês e cursos técnicos. Foi um dinheiro muito bem
gasto. (Ariovaldo)
Dos meus quatro filhos, todos fizeram Ensino Médio. E eles têm boas
profissões, e o quanto eu pude ajudar eu ajudei. Sempre achei, mesmo sem
ter estudo que eles só teriam uma vida melhor se estudasse. E hoje eles têm
bons empregos.(Simônica).
Nesta pesquisa, em concordância com as afirmações de Nogueira, Romanelli & Zago
(2008), a trajetória escolar desses alunos da E.J.A. e a mobilização familiar26 que os envolveu
foram marcadas pela imprevisibilidade e pela autodeterminação. Podemos concluir, à primeira
vista, que essas trajetórias supõem um querer e uma autodeterminação imbatíveis, sobretudo
dos filhos, condição sine quanon de produção de sobrevida escolar em meios populares.
Definindo capital cultural como princípio socializador mais adequado ou próximo ao
mundo escolar, Lahire (1997) afirma que não é possível entender as posições escolares dos
alunos como reprodução necessária e direta das condições sociais, econômicas e culturais de
suas famílias, nem as situações estudadas encontram explicação via transmissão da herança
cultural familiar. A lógica reprodutivista e a noção de "transmissão" não refletem o trabalho
ativo e complexo de apropriação e construção, pelos indivíduos, de grande variedade de
fatores que redunda na diversidade dos perfis apresentados.
Assim, para Lahire, são as características da organização familiar que explicam
trajetórias escolares bem-sucedidas na inexistência – total ou parcial – de capital cultural.
26 Portadora do sentido de luta e engajamento direcionados para um determinado fim, essa noção, paulatinamente, foi estendida para identificar e descrever atitudes e intervenções práticas das famílias, voltadas sistemática e intencionalmente para o rendimento escolar – comportamentos e condutas familiares.
106
Mesmo quando esse capital existir, para sua apropriação, são necessárias interações efetivas e
afetivas, isto é, não basta a escolarização do pai ou da mãe, é preciso que o detentor desse
capital escolar esteja disponível, tanto objetiva quanto subjetivamente, de forma a possibilitar
as adequadas condições para que o capital possa ser herdado.
Lahire (idem) procura explorar com cuidado a complexa rede de determinação dos
fatores relativos ao sucesso escolar dos segmentos populares. Assumindo uma nova
perspectiva metodológica, o autor revela uma abordagem circunstanciada da interdependência
de elementos nas configurações familiares e escolares que explicariam, em tese, um sucesso
escolar improvável.
Oposto metodologicamente a Bourdieu, Lahire considera em sua pesquisa as práticas
culturais dos indivíduos dentro do grupo e individualmente. O caráter central de sua pesquisa
é: (...) trazer a luz o caráter central das margens e das exceções estatísticas, e mostra que as estruturas mais fundamentais do mundo social manifestam-se tanto nos indivíduos como nos grupos que eles compõem, tanto nas variações intra-individuais e interindividuais quanto nas variações intergrupos. (LAHIRE, p. 2006, p. 18).
As famílias dos sujeitos desta pesquisa manifestaram seu desejo de valorizar e investir
no processo de escolarização de seus filhos, e este desejo manifestou-se também nos
indivíduos que, influenciados, investiram e retomaram seu processo de escolarização.
Para Lahire (1997), os casos de sucesso escolar nos meios populares, como o grupo de
alunos da Escola Estadual Lenita Camargo, que nesta pesquisa são analisados, são casos
singulares, não com o sentido de casos excepcionais, mas de “combinações sempre específicas
de traços gerais pertinentes, sínteses inéditas, à imagem da linguagem musical, onde se assiste
a uma série de variações sobre temas mais ou menos comuns”. Isso implicaria na necessidade
de desconstruir as realidades que os indicadores objetivos nos propõem, a heterogeneizar o
que havia sido, forçosamente, homogeneizado em uma outra construção do objeto ou a
necessidade da construção de contextos mais precisos. (LAHIRE, 1997, p.33)
Conforme o conceito de configuração social desenvolvido por Norbert Elias e
retomado por Bernard Lahire (1997), as explicações para o sucesso e para o fracasso são
encontradas no modo como, em uma configuração familiar específica, os indivíduos se
apropriam dos saberes, práticas e disposições transmitidas pela família. Lahire (1997) define
107
configuração social como “o conjunto de elos que constituem uma ‘parte’ (maior ou menor) de
realidade social concebida como uma rede de relações de interdependência humana”.(Lahire,
1997, p. 39-40)
Assim, destacamos, por um lado, a pertinência da noção de configuração social para o
estudo de casos de longevidade escolar em meios populares. Entendemos que uma das maiores
vantagens desse modo de abordagem é a de dar visibilidade a dimensões significativas do
processo de construção das situações de longevidade escolar, tais como as relações finas que
se estabelecem entre os protagonistas das estórias, pouco visíveis em outras formas de
construção científica. Por outro lado, mostram-se também pertinentes os parâmetros ou traços
estruturantes da análise adotados, uma vez que eles possibilitam a identificação de
características centrais das escolaridades investigadas.
Lahire (idem) chama atenção ainda para as condições de estabilidade econômica como
um fator tranquilizador importante no universo das configurações familiares, ou seja, uma
certa tranquilidade, uma relativa distância das emergências da sobrevivência material. Todos
os sujeitos desta pesquisa estão empregados; alguns disseram que possuem uma pequena
reserva financeira sempre assegurada para a manutenção de uma organização doméstica. Os
sujeitos possuem casa própria ou moram com os pais, recebem salários pequenos, mas que não
diferem muito da realidade brasileira. Eles oferecem aos filhos algo que eles não tiveram
quando criança ou jovem, como podemos perceber no depoimento da Senhora Simônica:
(...) “Eu fico tranqüila e feliz, porque meus filhos têm hoje o que eu nem
sonhava em ter e que nunca tive, principalmente o estudo”. (Simônica)
Essa estrutura familiar material e temporariamente ordenada proporcionou aos sujeitos
desta pesquisa uma série de apoios e incentivos que os ajudaram a voltar permanecer e
concluir os estudos. Como podemos observar através dos seguintes depoimentos:
Tive um grande incentivo e auxílio dos meus filhos e dos meus netos que me
ajudavam nas lições. (Rosi)
108
O meu esforço pessoal e o apoio dos meus filhos. E quando decidi voltar eu
sabia que iria até o final. Como gosto de estudar e ler, ficou mais fácil.
(Regiana)
A força que minha filha e minha mãe que não sebe ler e escrever me deu
durante o curso. E a conclusão deste curso é uma das maiores vitórias da
minha vida. (Aline)
Minha família ajudou muito. (Maria Eunice)
O apoio da minha filha Larissa, que me ajudava a fazer as lições.
Para Dubet (1996), a linearidade dos procedimentos, a similaridade dos códigos de
convivência entre pais e filhos e entre autoridades escolares e alunos são condições que
possibilitam uma harmonia de propostas, ou seja, uma coerência de projetos pedagógicos que
podem ajudar em uma maior produtividade escolar. Para esta pesquisa, foi importante salientar
que a coincidência de projetos educativos entre os sujeitos e suas famílias, em conjunto com a
escola, foi um importante fator de socialização para o sucesso acadêmico dos sujeitos
pesquisados.
É preciso estar atento também para as formas familiares de investimento pedagógico.
Elas se referem ao empenho da família em um projeto de ascensão social via sistema de
ensino. Nas conversas com os sujeitos, eles destacaram o investimento feito no estudo dos
filhos e na continuação dos estudos deles próprios, através de cursos técnico-
profissionalizantes, de aperfeiçoamento profissional e de concorrência por uma vaga nas
Escolas Técnicas Estaduais da Região. É possível observá-las também na valorização do
trabalho da escola ou na participação familiar em reuniões de pais, etc.
Esse é outro fator que marca as relações familiares deste sujeitos, pois, com sua
participação na vida escolar dos filhos, eles eliminam o que Lahire (1997) denomina de “o
mito da omissão parental” produzido pelos professores – que responsabilizam, geralmente, os
pais pelo fracasso escolar das crianças, pois os consideram omissos e negligentes em relação à
sua vida escolar de seus filhos.
Setton (2005), trabalhando com as ideias de Lahire (idem), propõe um novo elemento
importante para a configuração de um eixo familiar estável, o que ela denomina de condições
e disposições dialógicas, que segundo a autora é:
109
(...) “uma estabilidade de natureza psicológica também fundamental para garantir uma estrutura familiar com relações predispostas ao diálogo, à conversa, a uma abertura para trocas de experiências. Uma configuração familiar em que se valoriza o conforto psicológico, a segurança afetiva, o reconhecimento de emoções e dificuldades ao longo da trajetória de crescimento dos filhos”. (SETTON, 2005, p. 84).
Conforme a autora, se nos juntarmos às condições e disposições de ordem material,
aliadas às disposições de ordem psicológica dos sujeitos desta pesquisa, teremos os fatores
relevantes para se pensar essas trajetórias estudantis de sucesso. O diálogo cotidiano, a
abertura para se ouvir e trocar informações sobre o futuro, a sensibilidade para escutar sobre
planos e investir em expectativas de carreira parecem ser comuns em alguns núcleos
familiares. Foi possível identificar que o incentivo, o empenho, o crédito dado aos filhos com
trajetória acadêmica valorizada, foram pontos de apoio relevantes para o desenvolvimento de
condições de confiança e de auto-estima por parte dos indivíduos que são o foco desta
pesquisa.
Agora eu converso com pessoas da minha família e amigos, que estão na
mesma idade que eu, sobre cursinho, Escola Técnica e outros assuntos, que
eu aprendi na escola.(Aline)
Tinha medo de falar e passar vergonha, mas agora eu tenho um futuro que o
estudo me deu, melhorou minha fala, minha escrita, minha leitura, eu tenho
um emprego legal, só não posso errar mais na minha vida. Chega!.(Queli)
Os sujeitos, após seu processo de escolarização, possuem condições que certamente
favoreceram e favorecem o contato, a troca de estímulos e, portanto, a transmissão mais
assegurada de valores culturais identitários. Nesse sentido, existem condições ideais para a
transmissão e/ou interiorização de uma herança, de um capital moral, ético e cultural,
valorizado socialmente.
110
4.3. O que os fez voltar, permanecer e obter sucesso escolar: o trabalho.
A Educação de Jovens e Adultos é um direito humano fundamental em um mundo em
constante transformação, conforme a Declaração de Hamburgo. O desafio que se apresenta aos
países é garantir esse direito àqueles que não tiveram a oportunidade de aprender ou não têm
acesso à escola. A Declaração de Hamburgo aponta que, em decorrência das transformações
ocorridas com a globalização da economia, das mudanças nos padrões de produção, do
desemprego crescente e da dificuldade em levar uma vida estável, são necessárias ações
políticas trabalhistas mais efetivas e também investimentos em educação (BRASIL, 1998, p.
95).
A intenção é permitir que “[...] homens e mulheres desenvolvam suas habilidades e
possam participar do mercado de trabalho e da geração de renda”. Nesse processo de
transformações, afirma-se que o desenvolvimento de novas tecnologias nas áreas de
informação e comunicação tem trazido a possibilidade de novos tipos de exclusão social para
aqueles (indivíduos ou empresas) que não conseguem a elas se adaptar. Assim, “uma das
funções da educação de adultos, no futuro, deve ser a de limitar esses riscos de exclusão, de
modo que a dimensão humana das sociedades da informação se torne preponderante”
(BRASIL, 1998, p. 95).
No relatório que Delors (1999) fez para a UNESCO, conhecido como Relatório
Delors27, quando trata da relação entre educação e o mundo do trabalho, ele afirma que a
educação
não serve, apenas, para fornecer pessoas qualificadas ao mundo da economia: não se destina ao ser humano enquanto agente econômico, mas enquanto fim último do desenvolvimento”. Fundamentando-se na concepção de educação permanente, idéia essencial de nossos dias, defende que “[...] deve ir além de uma simples adaptação ao emprego, na concepção, mais ampliada, de uma educação ao longo da vida (DELORS, 1999, p. 85).
27 Jacques Delors, economista e político francês e ex-presidente da Comissão Européia,coordenou o relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. Esse Relatório está publicado em forma de livro no Brasil, com o título Educação: Um Tesouro a Descobrir(UNESCO, MEC, Cortez Editora, São Paulo, 1999)
111
No Brasil, a Educação de Jovens e Adultos, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – L.D.B.E.N. 9394/96, nos artigos 37 e 38, apresenta-se como uma
modalidade de ensino a ser oferecida a todos os cidadãos, potencialmente trabalhadora,
constituída por jovens e adultos, que não tiveram acesso à educação em idade própria
(SAVIANI, 2003).
Tal acessibilidade teria que atender as etapas do ensino fundamental e médio,
assegurando metodologias, currículos e preparação de educadores adequados às múltiplas
necessidades dos alunos. A realidade dos alunos que frequentam a EJA é bastante complexa e,
ao mesmo tempo, diversa, apresentando características e especificidades que não podem ser
desprezadas no cenário educacional. O parecer do Conselho Nacional de Educação – C.N.E.
11/2000, das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação de Jovens e Adultos, define
esses alunos como:
(...) homens e mulheres, trabalhadores empregados e desempregados ou em busca do primeiro emprego; filhos, pais e mães; moradores urbanos de periferias, favelas e vilas. São sujeitos sociais e culturais marginalizados nas esferas socioeconômicas e educacionais, privados do acesso à cultura letrada e aos bens culturais e sociais, comprometendo uma participação mais ativa no mundo do trabalho, da política e da cultura. (...) Trazem a marca da exclusão social, mas são sujeitos do tempo presente e do tempo futuro, formados pelas memórias que os constituem enquanto seres temporais (...) Muitos nunca foram à escola ou dela tiveram que se afastar, quando crianças, em função da entrada precoce no mercado de trabalho, ou mesmo, por falta de escolas. Jovens e adultos que, quando retornam à escola, o fazem guiados pelo desejo de melhorar de vida ou por exigências ligadas ao mundo do trabalho. São sujeitos de direitos, trabalhadores que participam concretamente da garantia de sobrevivência do grupo familiar ao qual pertencem. (C.N.E., 2000, p.9).
A E.J.A. é uma educação da classe trabalhadora, sobretudo porque representa uma
expressiva parcela de indivíduos que, mesmo possuindo as mais diversas experiências e
histórias de vida (mulheres, homens, jovens, migrantes, etc.) têm a existência marcada por
situações adversas de produção da própria existência e pela entrada precoce no mundo do
trabalho e consequentemente o seu afastamento da escolarização.
Tomamos como especificidade a classe trabalhadora, aqui representada pelo grupo
alunos da EJA da Escola Estadual Professora Lenita Camargo, foco de nossa pesquisa e que
foram inseridos de forma precária no mundo do trabalho com pouca, ou nenhuma,
escolarização e, consequentemente, baixa qualificação, que os levaram a empregos precários
que não necessitavam de muita escolarização. Vale salientar e não desprezar a quantidade de
112
saberes que cada um desses alunos-trabalhadores possui em função das atividades que
realizam ou realizaram. Saberes, certamente, não-escolares, mas saberes que são muito
importantes dentro desse processo de volta aos bancos escolares. Como podemos perceber na
fala da professora Maria:
Cada um tinha uma profissão, e no começo tinham vergonha de falar o que
fazia. Mas eu e a Cida, sempre preparávamos atividades que falavam destas
profissões, pois, queríamos também um resgate e uma valorização desta
profissão, e que com o estudo ele poderia mudar de trabalho ou melhorar
dentro da sua profissão.
Para compreendermos melhor como o mundo do trabalho dentro de uma sociedade
capitalista recebe e define estes sujeitos, recorremos à afirmação de Saviani (apud
VENTURA, 2010, p. 08):
O mundo do trabalho constitui o trabalhador como uma marca da sociedade de classes e, em especial, da sociedade capitalista, na qual os possuidores dos meios de produção e seus representantes são considerados detentores do saber científico, enquanto aos vendedores de força de trabalho cabe o saber prático, adquirido na experiência do trabalho precarizado.
Quando criança, ou jovem, a escola não era sua ocupação principal, pois precisavam
trabalhar, para seu sustento ou o da família. Por que o mundo do trabalho os fez voltar à
escola? Através de alguns depoimentos dos pesquisados encontramos as respostas para esta
pergunta. Os sujeitos falam:
Comecei a perceber que boas oportunidades de trabalho eu teria somente
teria se voltasse a estudar.Mesmo me achando velha voltei. (Simônica)
Eu procurava emprego e não conseguia porque não tinha terminado nem o
ensino fundamental. (Carla)
Eu voltava a estudar ou perderia o emprego. (Aparecida)
A necessidade de aprender mais, ganhar mais, crescer e virar um mestre de
obras com estudo e não somente no papel. (Ariovaldo).
113
Sou cabeleireira e manicure e preciso do estudo para fazer o curso de
esteticista. (Aline)
Eu preciso do estudo para ser mecânico profissional. (Leandro)
Não quero ser doméstica minha vida inteira. (Queli)
Através dos depoimentos dos sujeitos analisados nesta pesquisa, percebemos que são
trabalhadores que retornaram à escola e acolheram esse desafio em busca de alcançar um novo
conhecimento com o intuito de vencer os obstáculos impostos pelas circunstâncias de suas
vidas, baseando-se na educação como um bem individual, pois cada um tem o seu
conhecimento e, por meio da educação escolar, poderá lapidá-lo e produzi-lo de forma
coletiva na sociedade. O maior desafio foi permanecer na escola sem interrupções e construir
o novo conhecimento.
A necessidade de aprender mais, ganhar mais, crescer e virar um mestre de
obras com estudo e não somente no papel. (Armando)
Minha vida mudou e muito mesmo, porque eu consegui terminar meus
estudos e quero aprender mais e tenho uma profissão. (Marcelo)
Com o meu estudo aprendi a fazer de tudo na marcenaria e principalmente
as medidas. Quero fazer um curso de marcenaria artística. (Roberval)
Mudou muito porque agora eu posso aliar o conhecimento técnico que tenho
com o estudo que alcancei. (Sandro)
Mudou porque hoje eu sei ler e escrever muito bem e fui considerada uma
das melhores alunas da classe. Criei meus filhos sozinha e agora posso até
deixar de ser doméstica e buscar outra profissão. (Sandro)
A empresa que trabalho se o funcionário termina a oitava série ele tem um
aumento, e isto ocorre também quando ele termina o ensino médio.
Aumentaram meu salário duas vezes. (Maria Eunice)
Eles pleiteiam, como se pode observar, um emprego digno não somente por questões
econômicas, mas também como direito de autonomia pessoal e dignidade. Para eles, o
emprego é lugar privilegiado para garantir a sobrevivência e um elemento essencial de sua
114
localização no espaço social. Eles expressam em suas falas o desejo de um emprego que lhes
assegure um ganho e, se possível, lhes permita executar um trabalho em que se reconheçam e
que sejam valorizados.
À luz dessas considerações, não podemos negar que a educação é fator estratégico na
inserção do mundo do trabalho, principalmente para os jovens e adultos habitantes da periferia,
pois eles dão um valor e um novo significado ao novo processo de escolarização e veem nele um
papel importante para reduzir as desigualdades sociais, na inserção social e de uma nova
reinserção no mundo do trabalho.
O fato de concluir seu processo básico de escolarização (Ensino Fundamental e Médio)
garante a esses sujeitos vários direitos, ou seja, a possibilidade de ter melhores ganhos salariais,
promoções, novas oportunidades de mudança para empregos mais qualificados, valorização
pessoal, etc. É pelo trabalho e por sua realização cotidiana que o trabalhador se reconhece na
sociedade, pois essa é uma ação fundante, que transforma as suas condições socioeconômicas.
Quando me separei comecei como lavadora de ônibus e, com a oitava série,
fui promovida para cobradora de ônibus. E com o ensino médio, posso
concorrer a uma vaga de fiscal. (Regina Mara)
A empresa que trabalho se o funcionário termina a oitava série ele tem um
aumento, e isto ocorre também quando ele termina o ensino médio.
Aumentaram meu salário duas vezes. (Maria Eunice)
Minha patroa me incentivou muito e, quando eu pensava em desistir, ela me
dava um prêmio a cada ano que eu terminava na escola. (Maria de Fátima)
Tenho mais confiança e estou tentado um emprego melhor. As
oportunidades estão aparecendo. (Luiz)
Estou desenvolvendo novas funções no meu trabalho, porque auxilio no
atendimento e na entrega de mercadorias. (Érica)
Aumentaram meus conhecimentos, fui promovido na construtora e melhorou
meu padrão de vida. (Armando)
Mudou muito, porque eu agora sei ler e escrever e consigo preparar alguns
pratos mais sofisticados no restaurante onde trabalho.
115
Conforme Paiva (2000), a educação tem que assegurar o desenvolvimento integral da
personalidade e suas potencialidades podendo ser reveladas e desenvolver-se. O ser humano é capaz de
transformar um produto em um sentido completo. Todo um universo de necessidade vem à tona nessas
condições, ativando o indivíduo em todas as esferas da vida social, inclusive consumo, prazer, criação
e cultura. A educação é a mais importante ferramenta para transformação da vida das pessoas,
porém não sozinha e nem do jeito ela que vem sendo constituída.
Toda ação educativa é ação humana e a educação não ocorre isolada de outros processos
sociais; por isso, a formação principalmente do aluno-trabalhador que pertence a E.J.A. deve ser
compreendida como a própria tentativa de mudança e posicionamento do ser social em relação ao
capital. E continua: “É preciso lembrar que nas sociedades capitalistas os trabalhadores são
historicamente destituídos de possibilidades de incorporar-se ao mundo da educação, ou de
manter simultaneamente as duas condições: de aluno e trabalhador. A E.J.A. se propõe
justamente, a mudar essa situação” (Paiva, 2000, p.150).
Não podemos esquecer que, para mudar o cenário da E.J.A., é importante não apenas
escolarizar mecanicamente os alunos-trabalhadores, mas cobrar do Estado que seja cumprida a
dívida social que existe para com esses sujeitos. Muitas ações da E.J.A. precisam ser repensadas,
principalmente como vêm sendo executadas na escola, pois esses sujeitos merecem e têm o direito
de receber uma educação de qualidade. Segundo Ferrari (2001, p. 07), a função da escola para a
E.J.A. é:
Cabe à escola conjugar, ao mesmo tempo, os conteúdos do ensino e as disciplinas
escolares com o gosto pela verdade, o espírito crítico, a consciência de suas responsabilidades sociais, objetivando a conquista da autonomia da pessoa do jovem e adulto, fortalecendo a postura de cada um e a consciência do grupo enquanto cidadãos e priorizando o respeito por si mesmo e pelos outros.
O retorno à escola é compreendido por vários alunos trabalhadores da E.J.A. como algo
importante, pois para eles está claro que a educação escolar é primordial, devido à grande
competitividade e à mecanização do mercado de trabalho. No relato de Geraldo, podemos verificar
a importância da E.J.A. para estes sujeitos:
Sou motorista de caminhão e precisava do estudo para acompanhar as
transformações do meu trabalho.A empresa que trabalho comprou
caminhões computadorizados que só faltavam falar e com o estudo estou
116
conseguindo acompanhar estas modificações e fazer os relatórios das
viagens. (Geraldo)
Para Ventura (2010), o mundo do trabalho segue as regras do sistema capitalista,
acarretando uma maior competitividade no acesso a um posto de trabalho, o que se torna mais
difícil para as pessoas com baixo grau de escolaridade, pois, na grande maioria dos casos, as
oportunidades de trabalho são destinadas para atender a funções específicas e que demandam
qualificações.
Mileto (2009) afirma que a educação é o instrumento que vai permitir às pessoas
buscarem uma melhoria de vida, capacitando-se para competir no mercado de trabalho bem
como reconhecer seus direitos.
Para que aumentem as possibilidades individuais de educação, e para que se tornem universais, é necessário que mude o ponto de vista dominante sobre o valor do homem na sociedade, o que só ocorrerá pela mudança de valoração atribuída ao trabalho. Quando o trabalho manual deixar de ser um estigma e se converter em simples diferenciação do trabalho social geral, a educação institucionalizada perderá o caráter de privilégio e será um direito concretamente igual para todos (MILETO, 2009, p.37).
Com o crescimento social, a mudança econômica e o avanço tecnológico, as pessoas se
sentem obrigadas a procurar a escola na tentativa de conseguir um emprego na cidade,
melhorar seu padrão de vida ou manter-se atualizado (GARCIA, 2004).
As mudanças ocorridas no mercado de trabalho, no entanto, vêm exigindo mais
conhecimentos e habilidades das pessoas, assim como atestados de maior escolarização,
obrigando-as a voltar à escola básica, como jovem, ou já depois de adultos, para aprender um
pouco mais ou para conseguir um diploma.
A demanda por mão de obra mais escolarizada e mais qualificada é uma das
exigências da economia mundial que, desde fins da década de 1980, é regida pelo neoliberalismo. Outros fatores considerados pelos estudiosos, como a redução do papel do Estado nas áreas sociais (a educação é um exemplo), a reestruturação do trabalho, o desemprego estrutural e o aumento do emprego informal vieram afetar dramaticamente os setores mais empobrecidos da sociedade. Certamente, os reflexos produzidos a partir da articulação desses fatores mostram-se mais perversos nos países de economia periférica, como é o caso do Brasil, obrigando uma parcela da população a buscar a escolarização como forma de reclassificação social e pessoal”. (LARANJEIRA, 2010, p.10).
117
Podemos confirmar as palavras de Mileto, Garcia, Laranjeira e Ventura, através das
seguintes falas:
Tudo, porque sou uma pessoa melhor e agora tenho oportunidades e portas
que se abriram para mim.( Gisele)
Para Santos (2007), um dos maiores desafios que os alunos-trabalhadores encontram é
o cansaço, tanto físico quanto mental. Apesar de eles terem dificuldades em conciliar a escola
e o trabalho, é possível que possam ver a escola como um espaço de compreensão de
conhecimento, e se posicionar frente à exploração do capital, se entendendo enquanto
trabalhador e sujeito de sua própria história. Santos (idem) menciona que os alunos da EJA
fazem um sacrifício obrigatório e necessário para frequentar a escola depois da jornada de
trabalho. No depoimento de Roberval, podemos ter uma noção deste sacrifício:
O esforço e a dedicação da minha esposa e dos meus filhos. Foi uma luta
vencer o sono e o cansaço. (Roberval)
O depoimento de Roberval retrata bem a afirmação de Zago (2000, p. 39): “... para
permanecer na escola são feitos grandes sacrifícios, pois ser estudante não é um ofício que
possa ser exercido sem ônus”. Para Nogueira, Romanelli & Zago (2008), o auxilio da família é
muito importante para que os sujeitos possam conciliar as atividades escolares e trabalho, como
podemos observar através do seguinte depoimento:
Mudou porque hoje eu sei ler e escrever muito bem e fui considerada uma
das melhores alunas da classe. Criei meus filhos sozinha e agora posso até
deixar de ser doméstica e buscar outra profissão.(Vanessa)
No relatório preliminar da VI CONFITEA foi definida a importância da Educação de
Jovens e Adultos especialmente para as mulheres:
118
as mulheres que estudam na educação de jovens e adultos trabalham em casa ou fora, trabalham na economia formal e requerem um trabalho decente, sustentável e oportunidades para continuar aprendendo, melhorar suas capacidades, bem como a possibilidade de melhorar suas qualificações para proteger ou promover as oportunidades de ganhar a vida e obter satisfação no trabalho. Elas constituem a maioria dos trabalhadores mal remunerados por seu trabalho. São ativas e em grande número na economia informal, e atualmente estão se transformando em chefes de família. As mulheres são a população prioritária para o desenvolvimento de políticas em torno ao trabalho decente, à previdência social, à educação e ao desenvolvimento. (CONFITEA, 2009, p. 07)
Observamos, nos relatos dos alunos trabalhadores da E.J.A. da Escola Estadual
Professora Lenita Camargo, a grande realização que o processo de escolarização fez e faz em
suas vidas e aqui, especialmente, no mundo trabalho.
4.4. O que os fez voltar, permanecer e obter sucesso escolar: o capital cultural.
Um conceito-chave na teoria de Pierre Bourdieu é o de capital cultural. Elaborado na
década de 1960, esse conceito impôs-se como uma forma de explicar as diferenças de
rendimento escolar obtido por crianças de classes sociais distintas; e, em consequência, opor-
se às explicações provenientes da teoria do capital humano e da crença na existência de
"aptidões" (BOURDIEU, 1998). Contrariamente às afirmações de que as desigualdades no
desempenho escolar seriam devidas a fatores econômicos ou a "dom", Bourdieu (idem, p. 74)
afirmou que essas desigualdades são frutos da distribuição, também desigual, do capital
cultural entre as classes e as frações de classes: "O rendimento escolar da ação escolar
depende do capital cultural previamente investido pela família".
Bourdieu (1998) afirma que a maioria das propriedades do capital cultural pressupõe
sua incorporação, estando, portanto, ligada ao corpo e à subjetividade. Assim, esse capital é
algo que, apesar de herdado, se torna parte inerente ao próprio indivíduo. O capital cultural é
um “ter” que se tornou “ser”, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante da
“pessoa”, um habitus. Aquele que o possui “pagou com sua própria pessoa” e com aquilo que
tem de mais pessoal, seu tempo. Esse capital “pessoal” não pode ser transmitido
instantaneamente; não pode ser acumulado para além das capacidades de apropriação de um
agente singular; depaupera e morre com seu portador. (NOGUEIRA, 1998, p.75).
119
É o capital cultural incorporado pelo conjunto da família que a levará à apropriação do
capital cultural objetivado, que só acontece sem atraso e sem perda de tempo em membros de
famílias dotados de forte capital cultural. As classes e/ou grupos sociais detentores de um
fraco capital cultural terão, assim, um distanciamento significativo do capital cultural
objetivado, exigindo a superação de um tempo perdido, uma vez que será necessário gastar
tempo para corrigir os efeitos desta carência, isto é, corrigir seus efeitos em relação às
exigências do mercado escolar. É o nível cultural global do grupo familiar que mantém a
relação mais estreita com o êxito escolar da criança (NOGUEIRA, 1998, p.42) .
O capital cultural objetivado, além de uma apropriação material, que pressupõe a posse
de capital econômico, visto que passa por suportes materiais como escritos, pinturas, acesso a
espaços culturais, traz uma apropriação simbólica que só existe e subsiste a partir do capital
incorporado dos agentes que, no campo das classes sociais, em lutas no campo cultural, obtêm
benefícios proporcionais à apropriação que possuem.
No caso dos sujeitos desta pesquisa, a noção de capital cultural vem dar conta da
desigualdade do desempenho escolar destes jovens e adultos que, em suas histórias de vida,
não tiveram essa possibilidade em sua família e na escola, um habitus próximo àquele das
classes dominantes. Esses jovens e adultos descobriram, em suas práticas sociais, o valor da
cultura como forma de ascensão profissional, social e de realização pessoal. Através deles,
inicia-se uma nova geração, pois, a sua volta aos bancos escolares já os fazem valorizar o
processo de escolarização de seus filhos. Esses sujeitos e seus filhos, certamente, tiveram que
empreender esforços redobrados em relação aos seus filhos e filhas, para superar a dominação
e exclusão a que a falta da cultura legitimamente reconhecida submete. O depoimento de
Daniel exemplifica como o capital cultural adquirido com a escolarização mudou a sua vida:
(...) “Foi uma grande experiência voltar a estudar, e isto mudou minha vida,
porque saí do meu mundinho e agora eu quero saber mais, ter mais
informação e entender a história do mundo”. (Daniel)
Mas, é na consecução de diplomas que o capital cultural assume sua institucionalização
através do certificado escolar, que confere ao seu portador um valor convencional, constante e
juridicamente garantido no que diz respeito à cultura. A alquimia social produz uma forma de
120
capital cultural que tem uma autonomia relativa em relação ao seu portador e, até mesmo, em
relação ao capital cultural que ele possui, efetivamente, em um dado momento histórico
(BOURDIEU, 2007, p.78).
A comparação entre os diferentes tipos de diplomas e de diplomados estabelece a
relação entre o capital cultural e o capital econômico e sua consequente valorização material e
simbólica, correlacionada às avaliações que lhe forem imputadas pelo meio social.
Os sujeitos aqui analisados conseguiram, através do certificado de conclusão do Ensino
Fundamental e do Ensino Médio, legitimar a posse de sua cidadania, sua capacidade de atuar
social e profissionalmente. É verdade também que, para muitos brasileiros pertencentes às
classes populares e com pouca escolaridade, ter esse certificado representa um avanço social
muito grande. Eles foram ainda mais longe, pois conseguiram também a conquista do
reconhecimento pessoal, social, familiar e no mercado de trabalho.
A conclusão desse processo de escolarização marca o início de uma nova história da
qual querem ser protagonistas. Eles investiram suas esperanças e esforços pessoais e
familiares e até mesmo físicos, para entrar no mundo dos letrados, no mundo culto, por
reconhecerem os benefícios culturais que obtiveram e que poderão obter. Aumentaram suas
expectativas, pois agora enxergam as possibilidades reais que têm em face do capital cultural
de que são dotados. E reconhecem que, para continuar com os estudos, terão um esforço
redobrado, porque eles querem fazer cursos técnico-profissionalizantes e alguns querem cursar
faculdades e,por isso, precisarão despender um maior tempo devido à competitividade que
aumenta com os outros estudantes para entrar nesses cursos.
Bourdieu (1998) alertou para as diferenças nas condições de acesso a uma cultura
geral e, como decorrência, apontou para as condições diferenciadas de aquisição de uma
cultura escolar. Em outras palavras, distinguiu dois tipos de aprendizado: de um lado, o
aprendizado precoce e insensível, efetuado desde a primeira infância, no ambiente familiar,
podendo, ou não, ser prolongado por um aprendizado escolar que o pressupõe e o
complementa; de outro lado, o aprendizado tardio, metódico, adquirido fora da família, nas
instituições de ensino ou em outras esferas informais da educação. A distinção entre esses dois
tipos de aprendizado refere-se, pois, a duas maneiras de adquirir a cultura e de ter acesso a ela,
e com ela se familiarizar.
121
Nesse sentido, para Bourdieu (idem), capital cultural é um conceito que explicita um
novo tipo de capital, um novo recurso social, fonte de distinção e poder em sociedades em que
a posse desse recurso é privilégio de poucos. Refere-se a um conjunto de estratégias, valores e
disposições promovidos, principalmente, pela família, pela escola e pelos demais agentes da
educação, que predispõem os indivíduos a uma atitude dócil e de reconhecimento ante as
práticas educativas.
O grupo analisado possui histórias similares de exclusão social e escolar. Eles são
trabalhadores que tiveram pouco acesso aos meios de comunicação e bens culturais, mas, com
o acesso à escola, tornaram-se capazes de produzir social e culturalmente. Alguns, em seus
relatos, esboçaram preocupações quanto à formação cultural da família, apontando para certo
grau de reconhecimento de que existe uma cultura universal, legítima e de que existe outra
cultura vista como ilegítima, que é a sua cultura de origem.
O grupo de sujeitos pesquisados teve a oportunidade de ampliar seu capital cultural na
escola e por meio dela, porque foi através da escolarização que eles tiveram acesso, pela
primeira vez, ao teatro, ao museu e a livros, revistas ou jornais.
As dificuldades econômicas presentes no meio familiar desses jovens dificultam essa
inserção cultural, pois o acesso às obras culturais permanece como privilégio das classes
cultivadas, uma vez que depende, quase estritamente, do nível de instrução das famílias, do
acesso a esses bens culturais. Por isso, caberia à escola, como instituição social, transmitir ao
maior número de pessoas, pelo aprendizado e pelo exercício, as atitudes e aptidões que fazem
o homem culto “compensar – pelo menos, parcialmente – as desvantagens daqueles que não
encontram em seu meio familiar a incitação à prática cultural” (BOURDIEU, 1998, p. 61).
Dessa forma, a escola deveria desempenhar o papel que lhe cabe, que é o "de desenvolver em
todos os membros da sociedade, sem distinção, a aptidão para as práticas culturais". (idem, p.
62).
No depoimento a seguir, podemos entender que, somente através da escola, esses
indivíduos poderiam ampliar seu capital cultural:
(...) “Aqui não aprendemos somente a ler e escrever. Fomos pela primeira
vez ao teatro, ao cinema, a Bienal, etc”. (Ariovaldo)
122
(...) “e agora eu quero saber mais, ter mais informação e entender a história
do mundo”. (Daniel)
(...) “Agora leio o jornal, a revista e sei até trabalhar com o computador”.
(Queli)
(...) “questionava os professores nas aulas, para que eles explicassem vários
assuntos que eu via na televisão ou lia nos jornais e nas revistas.
(Leandro)”.
Esses estudantes parecem ter sido despertados pela aspiração à cultura escolar, que
poderá, a partir de uma prática, transmitir pelo aprendizado e pelo exercício, as atitudes e as
aptidões que fazem o homem culto, compensando as desvantagens daqueles que não
encontram, em seu meio familiar, a incitação à prática cultural. (NOGUEIRA, 1998, p.61)
Os enriquecimentos culturais são obtidos através da experiência escolar, conceito
articulador entre as esferas da estrutura social e aquelas nas quais o ator social exerce sua
ação, ou seja, “(...) as relações entre os temas das condições e padrões de vida, das tradições
culturais e políticas, das representações simbólicas e praticas de resistência, com
possibilidades de transformações políticas”. (THOMPSOM, 1998, p. 13)
E, é por meio dos sujeitos e de suas experiências que a história se realiza:
“Exploramos, tanto na teoria como na prática, os conceitos de junção (como “necessidade”,
“classe” e “determinação”), pelos quais, através do termo ausente “experiência”, a estrutura é
transmutada em processo, e o sujeito é reinserido na história”. (idem)
É importante entender a visão espacial da sociedade. Para Bourdieu, “espaço social” é
hierarquizado pela desigual distribuição de diferentes capitais, e a descrição da sociedade em
termos de espaço social permite enfatizar a dimensão relacional das posições sociais. Desse
modo, as diferentes formas de capital que permitem estruturar o espaço social e que definem
as oportunidades na vida são o capital econômico, o capital cultural, o capital social e o capital
simbólico.
O conceito de capital social é definido como
o agregado dos recursos efetivos ou potenciais ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de conhecimento ou reconhecimento mútuo. O Volume do capital social que um agente individual possui depende da extensão da rede de
123
relações que pode ou consegue mobilizar e do volume do capital (econômico, cultural ou simbólico) que é posse exclusiva de cada um daqueles a quem está ligado. E a reprodução do capital social é tributária de instituições que visam favorecer as trocas legitimas e a excluir as trocas ilegítimas como a escola. (BOURDIEU, 2007, p. 10).
O espaço que cada indivíduo irá ocupar na sociedade pode ser analisado a partir de três
eixos: o volume de capital, a composição do capital e as conversões de capital. O volume de
capital (econômico e cultural) diferencia as localizações no sistema ocupacional de acordo
como o volume de total de capital econômico e cultural possuído pelos indivíduos. A
composição do capital diferencia posições no interior das situações de classes, enquanto que as
conversões de capital diferencia as posições de acordo com as trajetórias, ou seja, de acordo
com a mudança, ou estabilidade, que eles tenham experimentado ao longo do tempo no
volume e na composição do seu capital.
Em outras palavras, indivíduos com equivalentes capitais econômicos e culturais
obteriam resultados diferentes em função de diferenças potenciais de recursos mobilizados a
partir de relações pessoais realizadas direta, ou indiretamente. Agregam-se às explicações de
rendimento, portanto, não apenas aspectos culturais e econômicos, mas também aspectos
referentes à qualidade e quantidade de relações que se pode mobilizar e efetivamente fazer
influenciar no resultado.
4.5. Os jovens e a E.J.A.
A Educação de Jovens e Adultos no Brasil tem passado por profundas modificações ao
longo do tempo, dentre elas, a crescente juvenilização de seu alunado, sinalizando para a
necessidade de novas formas de atuação metodológica e de conteúdos com base em
necessidades formativas. A inserção do jovem nesta modalidade de ensino tem se configurado
como um fator desafiador para uma nova forma de fazer a EJA.
Um elemento que vem complicar a construção de uma identidade pedagógica do ensino e de sua adequação as característica específicas da população a que destina é o processo notado em todas as regiões do país, assim como em outros países da América Latina, de juvenilização da clientela (MASAGÃO, 2001, p.5).
124
Para Soares (2002), a Lei de Diretrizes e Bases, Lei nº 9394/96, no Art. 38, ao reduzir a
idade para a realização de exames de 18 anos para 15 anos, no Ensino Fundamental, e de 21
para 18, no Ensino Médio, contribuiu para o aumento significativo do número de jovens que
passou a incorporar o quadro de alunos da E.J.A.
A juvenilização, intensificada na contemporaneidade, decorre das deficiências do
sistema escolar, como a evasão e a repetência, que ocasionam a defasagem entre a idade e
série; da busca pela certificação escolar oriunda da necessidade de trabalhar; da dificuldade de
acesso aos bens culturais; da ausência de motivação para o retorno a escola, entre outras.
O ingresso cada vez mais antecipado dos jovens no mercado de trabalho,
principalmente, das camadas de baixa renda, tem provocado uma grande demanda nos
programas de educação, inicialmente, destinados a adultos. Para esse contingente de jovens, a
educação está articulada ao ingresso e a intenção de ingressar no mundo do trabalho, cujas
expectativas estão direcionadas às novas exigências do mundo moderno, à ascensão e à
mobilidade social.
O processo de juvenilização também foi considerado nesta pesquisa, porque dos trinta
e dois sujeitos que retomaram seus estudos no Centro de Educação de Jovens e Adultos
Professora Elimara Santos e depois concluíram o Ensino Médio na Escola Estadual Lenita
Camargo, oito deles (Aline, Carla, Carlos, Érica, Leandro, Maicon, Marcelo e Sandro) não
tinham completado a maioridade, e a idade dos mesmos variavam entre quinze e dezessete
anos de idade.
Para Paiva (2000), com a entrada desses jovens, temos um grupo diferenciado na EJA,
que não participa mais da conceituação atribuída a essa modalidade anos atrás, quando os
estudantes dessa modalidade eram vistos como os “[...] que não tiveram oportunidades
educacionais em idade própria ou que a tiveram de forma insuficiente, não logrando
alfabetizar-se e obter conhecimentos básicos correspondentes aos primeiros anos do curso
elementar” (PAIVA, 1972, p. 26). Essa explicação já tem se tornado insuficiente pelo
momento histórico, político, social e econômico que temos vivenciado nos últimos anos. Esse
grupo diferenciado na EJA, constituído por jovens, cada vez mais, cresce devido à exclusão da
escola e na escola, aos problemas familiares e à entrada precoce no mundo do trabalho.
125
Dos oito sujeitos analisados (três mulheres e cinco homens), cinco são oriundos da
zona urbana e três da zona rural, que antes de virem morar em São Paulo entre os doze e treze
anos para trabalhar, moravam em outros estados.
Concordando com Paiva (2000), Haddad e Di Pierro (2000), acrescenta que o perfil
dos estudantes da EJA assumiu uma nova identidade a partir do final século XX. Com isso,
emerge um novo desafio para a Educação de Jovens e Adultos, sobretudo com a entrada dos
jovens no seu programa, diferentemente das décadas anteriores, que atendiam adultos oriundos
de origem rural. Há mais de duas décadas, os jovens atendidos na escolarização da EJA são de
origem urbana cuja trajetória escolar anterior foi mal sucedida.
Conforme Sposito (1999), qualquer tentativa de caracterização da juventude brasileira
requer, preliminarmente, o reconhecimento da diversidade social e cultural que define esse
segmento. O conceito de juventude, entretanto, é impreciso, tanto teoricamente quanto sob o
ponto de vista dos dados estatísticos. Nessa direção, Dayrell (2005) acredita que, no interior da
sociedade brasileira, a análise dessa categoria se dá em torno do conceito de juventudes
demarcadas por especificidade socioeconômicas, culturais, étnico-raciais, históricas e de
gênero. Assim, Dayrell nos diz que:
(...) a juventude é, ao mesmo tempo, uma condição social e um tipo de representação. Se há um caráter universal dado pelas transformações do indivíduo numa determinada faixa etária, nas quais completa o seu desenvolvimento físico e enfrenta mudanças psicológicas, é muito variada a forma como cada sociedade, em um tempo histórico determinado e, no seu interior, cada grupo social vai lidar e representar esse momento. Essa diversidade se concretiza nas condições sociais (classes sociais), culturais (etnias, identidades, religiosas, valores), de gênero e também das regiões geográficas, dentre outros aspectos. (DAYRELL, 2005, p. 51)
Abramo (2005), em relação ao termo juventudes, afirma que é importante pensar que
essa construção não somente é diferente nos diversos contextos como também se realiza de
forma diferenciada. Diferentes identidades juvenis são possíveis, assim como formas diversas
da condição juvenil, ou seja :
Hoje o alerta inicial é o de que precisamos falar de juventudes, no plural, e não de juventude, no singular, para não esquecer as diferenças e desigualdades que atravessam esta condição. Esta mudança de alerta revela uma transformação importante na própria noção social: a juventude, mesmo que não explicitamente, é reconhecida como condição válida, que faz sentido, para todos os grupos sociais, embora apoiadas sobre situações e
126
significações diferentes. Agora a pergunta é menos sobre a possibilidade ou impossibilidade de viver a juventude, e mais sobre os diferentes modos como tal condição é ou pode ser vivida (ABRAMO, 2005, p.43-44).
Segundo Abramo (idem), os que retomaram seus estudos ainda muito jovens na E.J.A.,
e uma grande parcela dos jovens das classes populares, não passaram pela etapa por ele
denominada de “a juventude como período preparatório” – concepção aproximada do que se
conhece como a transição entre a infância e a idade adulta –, na qual seriam direcionadas as
políticas para prepararem o jovem para se inserir no mundo adulto. Tem como eixo norteador
o futuro, deixando de visualizar os jovens como sujeitos sociais do presente, e também como
etapa de vida heterogênea, tratando sua preparação como se todos ainda não tivessem
assumido papéis que correspondem à responsabilidade da vida adulta, como trabalhar e
constituir família. Podemos confirmar as afirmações de Abramo (2005), através dos
depoimentos a seguir:
(...) Nunca tinha ido à escola, porque no sertão do Ceará primeiro a gente
precisa sobreviver e depois as outras coisas. Comecei a trabalhar ainda
menino. E Aqui em São Paulo, para trabalhar em construção não precisava
ter estudo. (Carlos).
(...) Reprovei dois anos porque morava em uma favela e sofria
discriminação das outras crianças que não eram da favela. Mudei para
Francisco Morato e não consegui vaga na escola. (Aline).
(...) Precisei trabalhar muito cedo e tive que parar de estudar. E não tive
mais como voltar a estudar. (Sandro).
Segundo Andrade & Neto (2007), o processo de escolarização constitui hoje um
espaço importante de sentido que explicita, de forma incisiva, desigualdades e oportunidades
limitadas que marcam expressivos grupos de jovens brasileiros. Essas desigualdades podem se
expressar de várias formas e em vários momentos, principalmente quando os jovens percebem
estar perdendo esse ‘jogo escolar’. Nesse caso, ao perceberem que, efetivamente, não são
iguais, eles criam algumas estratégias – como a própria retirada do jogo, reconhecidas como
evasão, abandono e repetência. É o fracasso escolar que tem marcado o processo de
127
escolarização desses jovens, comprometendo a sua condição juvenil por uma situação social
de poucas oportunidades e que representa um problema muito maior, denominado exclusão
social.
Os processos vivenciados pela maioria dos jovens brasileiros e suas estratégias de escolarização ainda expressam as enormes desigualdades a que está submetida esta faixa da população. As trajetórias escolares irregulares, marcadas pelo abandono precoce, as idas e vindas, as saídas e os retornos, podem ser assumidas como importantes sinais de que diferentes grupos de jovens vivem e percorrem o sistema de ensino. Tal processo é o indicador mais visível da diversidade do acesso, da permanência e do arco de oportunidades. O que parece estar dado, como direito, instituído e instituinte – o direito a educação para todos -, não reflete, necessariamente, a realidade vivenciada por parcela significativa dos jovens brasileiros. (ANDRADE e NETO, 2007, p. 27)
O comportamento escolar inadequado, ou de indisciplina, apresentado por esses
jovens, é reconhecido como uma característica sempre presente no espaço escolar e
interpretado como reação contrária às atividades didático-pedagógicas que estão sendo
propostas. Esses sujeitos não estão adaptados às regras ou leis do jogo escolar. O
comportamento inadequado levou, por exemplo, Marcelo a abandonar os estudos:
(...) Na escola eu dei muito trabalho e eu acho que me passavam de
ano porque tinham medo de mim. Eu era terrível e quando mudamos de
Perus para Francisco Morato, eu não fui mais para a escola. Eu estava com
uns 14 anos. (Marcelo)
La Taille (2006) considera que essas experiências apresentadas pelos sujeitos os
levaram a situações de fracasso escolar, porque a indisciplina expressa no seu comportamento
está relacionada à transgressão às regras que não fazem sentido ao processo educativo. Sua
conduta indisciplinar precisa ser interpretada como uma reação a um tipo de estudo que não
tem significado para eles, porque são regras que foram estabelecidas sem nenhuma relação
com a sua realidade.
(...) “Disciplina remete a regras. Com efeito, a pessoa disciplinada segue determinadas regras de conduta. Logo, disciplina corresponde ao que chamamos de moral: o respeito por certas leis consideradas obrigatórias. Portanto, a pessoa indisciplinada transgride as leis que deveria seguir. [...] A indisciplina pode, às vezes, vir em decorrência de bons motivos éticos.
128
Se as regras não fazem sentido (e há muitas nas escolas) e se derivam de valores suspeitos (como a subserviência cega á autoridade), a indisciplina pode se justificar eticamente”. (LA TAILLE, 2006, p. 90-91).
Segundo Freire (1998, p. 12), a evasão escolar deve ser interpretada de duas maneiras:
como “expulsão das crianças das escolas” e como “proibição de que nelas entrem as crianças”,
pois, “[...] Na verdade, não há crianças se evadindo das escolas como não há crianças fora das
escolas como se não estivessem dentro só porque não quisessem, mas crianças ora proibidas
pelo sistema de entrar nas escolas, ora de nelas permanecer.” As palavras de Freire vão ao
encontro da fala de Maicon:
(...) muito nas escolas que eu estudei até ser expulso com 13 anos. (Maicon).
Os jovens, como Maicon e Marcelo, são vistos sob o estereótipo de aluno-problema
que, ao não se ajustar ao ensino regular, é, consequentemente, encaminhado ao EJA. Assim,
essa modalidade de ensino passou a receber todos aqueles que não conseguiram fazer seu
percurso na escola regular. Eles, na verdade, tornaram-se vítimas do caráter pouco público do
sistema escolar. Para Dayrrel (2005), muitos professores da EJA têm uma visão rotulada do
jovem aluno, ao observar que:
O que se constata é que boa parte dos professores de EJA tendem a ver o jovem aluno a partir de um conjunto de modelos e estereótipos socialmente construídos e, com esse olhar, correm o risco de analisá-los de forma negativa, o que os impede de conhecer o jovem real que ali frequenta (DAYRELL, 2005, p. 54).
Abramo (2005, p. 21) utiliza a abordagem, “a juventude como etapa problemática”,
para caracterizar os jovens “[...] a partir dos problemas que ameaçam a ordem social ou desde
o déficit nas manifestações de seu desenvolvimento”, o que conduz à geração de “[...] políticas
de caráter compensatório, com foco naqueles setores que apresentam as características de
vulnerabilidade, risco ou transgressão (normalmente os grupos visados se encontram na
juventude urbana popular).” Através dessa abordagem, caracterizamos os sujeitos Marcelo e
Maicon, que voltaram aos estudos obrigados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pois
estavam cumprindo o regime de Liberdade Assistida, devido a delitos que os mesmos haviam
praticado.
129
(...) Eu fui matriculado na marra porque fui preso por drogas na F.E.B.E.M.
e se não estudasse perderia minha liberdade provisória. Sempre estava
envolvido com brigas, confusões e não trabalhava. Nunca gostei de estudar
e da escola. (Maicon)
(...) Fui uma criança e um adolescente muito problemático e da escola
desisti várias vezes. Passei pela F.E.B.E.M., de onde eu fugi também. Só
voltei porque o juiz me obrigou. Eu estava com uns 14 anos. Fui para a
FEBEM e não estudei mais. (Marcelo)
4.6. O que fez estes jovens voltarem e permanecer
Segundo Arroyo (2005), podemos destacar, dentre outros, dois aspectos que tornam o
espaço da EJA como lugar de histórias de sucesso. O primeiro é o movimento intencional que
o próprio aluno faz ao buscar a escola. Mesmo entre os jovens, muito poucos são aqueles que
só estão ali porque os responsáveis os obrigaram. O segundo aspecto é o entendimento da
própria escola de que a escolarização mais tardia é uma oportunidade de se reparar um erro
social com aqueles que não conseguiram dar início ou prosseguimento aos estudos em etapas
anteriores da vida. Nesse segundo aspecto, a escola resgata para si a responsabilidade em fazer
da trajetória do aluno uma história de sucesso social. Isto também significa dizer que as
relações também são diferentes, muitas vezes, melhores. O movimento intencional do próprio
sujeito e a oportunidade de reparação da escolaridade interrompida fizeram com que os jovens
voltassem aos estudos.
(...) Eu preciso do estudo para ser mecânico profissional. (Leandro)
(...) Eu observei que com o estudo eu poderia ir mais longe. (Carlos)
Possibilitar uma nova oportunidade de escolarização, por meio da E.J.A., aos jovens
significa dar a esses jovens o direito que anteriormente lhe foi retirado: o direito à educação.
130
Um novo olhar deverá ser construído, que os reconheça como jovens e adultos em tempos e percursos de jovens e adultos. Percursos sociais onde se revelam os limites de ser reconhecidos como sujeitos dos direitos humanos. Vistos nessa pluralidade de direitos, se destacam ainda mais as possibilidades e limites da garantia de seu direito à educação (ARROYO, 2005, p. 23).
O ingresso cada vez mais antecipado dos jovens no mercado de trabalho e a esperança
de conseguir um emprego, principalmente nas camadas de baixa renda, provocam uma grande
demanda nos programas de EJA, inicialmente destinados a adultos, em virtude da minoria
jovem. Para esse contingente de jovens, a busca pela elevação da escolaridade está articulada
ao mercado de trabalho, cujas expectativas estão direcionadas às novas exigências do mundo
moderno, à ascensão e à mobilidade social. Os jovens pesquisados conseguiram, por meio da
EJA, a elevação da escolaridade, que assegurará novas oportunidades dentro do mercado de
trabalho:
(...) O estudo, trabalho, a escola, e os colegas me mostraram que eu tinha a
oportunidade de mudar. Estou aprendendo uma nova profissão de
eletricista. (Maicon)
(...) Minha vida mudou e muito mesmo, porque eu consegui terminar meus
estudos e quero aprender mais e tenho uma profissão. (Marcelo)
Esses jovens pesquisados têm em comum com os colegas adultos os motivos pelos
quais eses adultos também foram excluídos da escola. Assim, a crença de que a escola os
receberia sem rotulação, sem discriminação, sem julgamentos, como a qualquer outro aluno
que nela está, realmente efetivou-se e as relações de amizade foram muito importantes para
que dois sujeitos (Maicon e Marcelo) que estavam em Regime de Liberdade Assistida,
também recebessem uma nova oportunidade de estudar, sem pré-julgamentos:
(...) Fiz amizade com os colegas e principalmente que ninguém aqui me
julgou. (Marcelo)
(...) Fizemos amizade e parei com os “amigos” e com as drogas. (Maicon)
131
Os quatro sujeitos (Marcelo, Maicon, Aline e Queli) na entrevista destacaram que a
relação com os professores eram ótimas e, em comparação com outros momentos de suas
vivências escolares, foram muito melhores. O professor é um elemento que aparece muito nas
narrativas dos sujeitos. Muitas vezes, o docente é o habitante mais recorrente das lembranças
dos alunos. Este protagonismo pode trazer ao mestre a “responsabilidade” por manter, ou
afastar, educandos do espaço escolar. Mais uma vez, o bom relacionamento constitui-se em
um marco para a vida desses alunos.
(...) As mudanças que o estudo fez na minha foram muitas: no trabalho e na
minha vida pessoal. Os professores tiveram uma importância muito grande
nesta conquista.”(Aline)
(...) O diálogo, que a gente tinha com eles era muito grande, porque nós
ficamos dois anos com a Cida e com a Maria, e depois ficamos mais três
com quase todos os mesmos professores, criou um vínculo muito
forte.(Marcelo)
(...) Eles conversavam sobre tudo com a gente. Tinha um incentivo ao nosso
estudo. E fazia as lições junto com a gente. (Queli)
Para Mileto (2009), as tensões ocorrem a partir do confronto geracional, no interior da
sala de aula, entre os jovens e adultos, que, em muitos casos, marcam as salas de aula da
E.J.A., pois, muitas vezes, há um descontentamento dos jovens em conviver com os adultos
em um ambiente que ele acha que não é apropriado. Os adultos, por sua vez, têm o mesmo
pensamento em relação aos jovens.
Entretanto, esse confronto geracional não ocorreu no grupo pesquisado; ao contrário,
houve uma aproximação, porque as relações de amizade, entre os jovens e adultos, segundo os
seus relatos, transformou-se em um ponto fundamental para o sucesso escolar, desmistificando
a ideia amplamente difundida do adolescente como um indivíduo que não valoriza os
relacionamentos ou que só se une ao seu grupo. As relações entre jovens e adultos, também se
modificam, pois o próprio aluno admite que sua postura em relação aos mais velhos também
mudou.
132
(...) Quando eu entrei, achei que só tinha velho. Isso aqui parece um asilo.
Quero ir embora daqui. Depois virou uma espécie de família ou de casa,
porque os mais velhos tinham um espírito de jovem e meio que adotaram a
gente. (Aline)
(...) A possibilidade de ter uma confusão era maior entre os mais novos, mas
aí os mais velhos conversavam, brigavam com a gente e ficava tudo
resolvido. Teve muito pouca confusão entre a gente. (Queli)
(...) O Seu Geraldo e da Dona Simônica eram os mais velhos e eles sabiam
muito e todos tinham meio que medo e respeito pelos dois. Eu percebi que os
mais jovens, ou não tinham pais, ou eles moravam longe ou não tinham uma
boa relação com eles. Aí todos, meio que achavam eles um pouco pai um
pouco mãe. (Maicon)
Jovens e adultos passaram a trocar experiências, vivências e a formar elos, ou
conforme Mileto (2009, p. 01), “no mesmo barco, um ajuda o outro a permanecer e não
desistir”:
(...) Fiz amizade com os colegas e principalmente que ninguém aqui me
julgou ou me trataram com indiferença. Principalmente, com seu Geraldo
(aluno da mesma sala) que me deu uma chance de trabalhar com ele.
Frequento até hoje a casa dele. (Maicon)
(...) Não gostava de estudar, mas sempre gostei de matemática, que muitos
alunos têm dificuldade de aprender. E eu comecei a ensinar os outros
alunos, principalmente os mais velhos. Fizemos amizade e parei com os
“amigos” e com as drogas. Hoje eu dou valor a algumas coisas que eu não
tive, como a família que eu estou formando. (Marcelo)
133
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos perceber, nos últimos anos, que a universalização do acesso à educação não
foi acompanhada da melhoria efetiva nas condições de seu funcionamento, sobretudo na
escola pública. Dessa forma, o processo de expansão quantitativa não desencadeou um
fundamental processo de mudança na dimensão qualitativa da educação. Certamente, as
disputas no campo político para reduzir, ou aprofundar, a diferença existente entre os objetivos
declarados e os objetivos reais (SAVIANI, 2004) servem como referência para entendermos
suas causas.
Assim, a E.J.A., como parte da educação básica do sistema educacional brasileiro, não
se configura como uma modalidade compensatória e transitória de escolarização que se
tornaria menos necessária, na medida em que o direito à educação institucional ocorresse
dentro das faixas etárias socialmente previstas, embora possa perpetuar-se em paradigmas que
ultrapassem a escolarização institucional. A EJA tornou-se, diferentemente, uma realidade,
que, dentro das limitações socioeconômicas e educacionais do presente, continuará necessária,
enquanto prevalecer uma estrutura socioeconômica fundamentada na desigualdade e nos
processos de exclusão.
Essa modalidade de ensino tem como papel fundamental oferecer acesso a um ensino
de qualidade, com equidade a fim de reduzir os índices de analfabetismo e proporcionar aos
jovens e adultos oportunidades para satisfação de suas múltiplas necessidades de
aprendizagem.
Nesta pesquisa, os processos formativos dos jovens e adultos brasileiros podem
contribuir para o fortalecimento da organização popular e a efetivação de transformações
fundamentais na sociedade brasileira. Enseja-se, dessa forma, a ampliação da democracia
política, pela superação da sua forma atual, na qual prevalecem os aspectos formais
representativos, conquistando-se uma democracia, verdadeiramente, participativa, que
ultrapasse os limites impostos pela estrutura econômica e atinja também a democratização das
riquezas socialmente produzidas.
134
É imprescindível que seja reconhecida a especificidade da EJA como modalidade do
sistema educacional. Foi possível verificar, nas observações no campo, que, para a maioria dos
seus alunos trabalhadores, pioneiros na conquista de maior escolaridade em relação às suas
famílias de origem, a cultura escolar não é uma herança familiar, mas um difícil “[...]
aprendizado, ou melhor, uma ‘aculturação’[...]” (LOYOLA, 2002, p.76). Os recorrentes
depoimentos que, sob diferentes justificativas, explicitaram o “medo” de voltar a estudar,
exemplificam esse processo de inserção em um espaço social pouco familiar ou marcado por
memórias, geralmente, pouco prazerosas.
Foi possível estabelecer uma relação entre a trajetória escolar anterior – marcada pelo
fracasso escolar e pela exclusão da/na escola devido a alguns fatores, como a família, a escola
e trabalho – e a trajetória atual – marcada pela inclusão, permanência e sucesso escolar, a
construção de uma identidade coletiva vinculada à escola, um amplo apoio familiar, e
ascensão social e no mundo do trabalho.
Simultaneamente, eles reforçavam os processos de construção de estratégias de suporte
familiar, profissional e de vínculos entre alunos e professores, que favoreceram o sucesso
escolar dos alunos componentes dessas redes sociais caracterizadas pelas relações de amizade,
cooperação e solidariedade.
A construção de um sentido de pertencimento a um grupo social, identificado pela
existência de elementos comuns em relação a sua própria trajetória escolar (e de vida),
favoreceu, significativamente, a possibilidade da permanência e conclusão dos estudos na
escola pesquisada. Nesta nova trajetória, os sujeitos mais identificados com a escola
representaram um elemento facilitador para sua permanência. Nesse sentido, foi bastante
significativo o desenvolvimento de processos de integração geracional engendrados por jovens
e adultos que desenvolveram, durante o processo de escolarização, laços de amizade entre os
mais jovens e os adultos.
Nos depoimentos, os jovens e adultos pleiteiam um emprego digno, não somente por
questões econômicas, mas também como direito de autonomia pessoal e dignidade. Para os
sujeitos entrevistados, o emprego é lugar privilegiado para garantir a sobrevivência e um
elemento essencial de sua localização no espaço social. Eles expressam, em suas falas, o
desejo de um emprego melhor que lhes assegure um ganho e, se possível, lhes permita
executar um trabalho em que se reconheçam.
135
Outro fator que observamos, nos dados obtidos com o questionário, com as entrevistas
e com o acompanhamento do cotidiano destes personagens dentro da sala de aula, foi a
importância que o conhecimento escolar representa para esses sujeitos e suas famílias. Para
eles, a escolarização está intimamente relacionada à melhoria das condições de vida para seus
filhos. Para esses sujeitos, parece estar claro que, através dos estudos, e somente através deles,
poderão ascender-se socialmente, poderão ter garantia de bons empregos e boa condição na
vida; daí a justificativa para que tais famílias continuem, mesmo sob dificuldades financeiras,
a investir na escolaridade. E é exatamente por encontrar esse sentido nos estudos que os
sujeitos fazem de tudo para manter os filhos na escola, mantendo-os longe do trabalho,
possibilitando que eles consigam um futuro melhor.
Não se pode atribuir à escola a garantia de melhores condições gerais de qualidade de
vida ou ascensão social, porque a escola não distribui poder, mas constrói saber, que é poder.
Não se muda a história sem conhecimentos, mas tem-se que educar o conhecimento para que
se possa interferir no mercado como sujeitos, não como objeto. O papel da escola consiste em
colocar o conhecimento nas mãos dos excluídos de forma crítica, porque a pobreza política
produz pobreza econômica.
A Educação desponta como um instrumento indispensável para a formação desse novo
homem e novo profissional, através do processo de socialização e integração, sendo possível
desmistificar os choques culturais e sociais presentes em nossa sociedade. Assim, a população
passa a exigir cada vez mais condições de acesso e permanência na escola, com uma Educação
de qualidade, proporcionando uma formação que contemple as necessidades e as aspirações.
Na visão de Luiz Antonio Cunha, a educação tem que ser:
o principal ideal liberal de educação é o de que a escola não deve estar a serviço de nenhuma classe, de nenhum privilégio de herança ou dinheiro, de nenhum credo religioso ou político. A instrução não deve estar reservada às elites ou classes superiores, nem ser um instrumento aristocrático para servir a quem possui tempo e dinheiro. A educação deve estar a serviço do indivíduo, do “homem total”, liberado e pleno. (CUNHA, 1991, p. 34).
Ao discorrer a respeito do caráter conservador da escola, Bourdieu (2003) parece
apontar vias por meio das quais essa instituição poderia e deveria exercer outro papel. As
professoras Maria e Aparecida do Centro de Educação Professora Elimara Santos, os
professores da Escola Estadual Lenita Camargo e o grupo de trinta e dois sujeitos em cujas
136
escolas completaram seu processo de escolarização, atestam, por meio das transformações
pelas quais esses sujeitos passaram e como tiveram acesso aos bens culturais, que o espaço
escola de Educação de Jovens e Adultos assumiu outra função.
Ao se eximir de trabalhar de forma metódica e sistemática, através da mobilização de todos os meios disponíveis, desde os primeiros anos da escolaridade, em proporcionar a todos, na situação escolar, o contato direto com obras ou, pelo menos, um substituto aproximativo dessa experiência, a instituição escolar abdica do poder, que lhe incumbe diretamente, de exercer a ação continuada e prolongada, metódica e uniforme, em suma, universal ou tendendo à universalidade; ora, tal ação é a única capaz de produzir em série, provocando grande escândalo entre os detentores do monopólio da distinção culta, indivíduos competentes, providos dos esquemas de percepção, de pensamento e de expressão que são a condição da apropriação dos bens culturais, e dotados da disposição generalizada e permanente para se apropriar de tais bens. A Escola (...) poderia compensar (pelo menos, parcialmente) a desvantagem inicial daqueles que, em seu meio familiar, não encontram a incitação à prática cultural, nem a familiaridade com as obras, pressuposta por todo discurso pedagógico sobre as obras, com a condição somente de que ela utilize todos os meios disponíveis para quebrar o encantamento circular de processos cumulativos ao qual está condenada qualquer ação de educação cultural (BOURDIEU, 2003, p. 108).
É possível pensar outro papel social para a escola que não o de apenas reprodutora da
ordem social. Assim, para o autor, se a escola usasse de todos os seus recursos pedagógicos
com vistas a atender a todos os estudantes, ela poderia colocar em condições de igualdade, ou
menos desiguais, aqueles que chegam até ela desprovidos ou, talvez, menos providos de
capital cultural. Ao, por exemplo, oferecer aos alunos das camadas populares a capacidade de
desfrutar os bens da cultura erudita, o acesso a tais bens não mais seria um fator distintivo.
Esse parece ser o "grande escândalo" entre os monopolizadores da distinção culta, ao qual
Bourdieu (idem) alude, que a escola poderia provocar. A escola poderia "compensar" uma
desvantagem inicial, rompendo a circularidade da reprodução.
137
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145
Anexos
146
Anexo 01: 1º Questionário com alunos do 3º do ensino médio da E.J.A. da E.E. Professora Lenita Camargo – Francisco Morato – SP
Sujeito __________________________________________________.
Qual a cidade e o Estado onde você nasceu?
2- Qual a sua cor?
3- Você é casado ou solteiro?
4- Tem filhos? Quantos?
5- Quando veio para São Paulo? E para Francisco Morato?
6- O que fez vir para São Paulo? E o que fez vir para Francisco Morato?
7- Qual sua profissão?
8- Você tinha estudado anteriormente? O que fez parar de estudar?
9- Quantos anos ficou longe da escola?
10- O que fez voltar e permanecer?
11- Quais são os fatores que ajudam ou ajudaram a permanência no curso de E.J.A.?
13- Após uma longa ausência você está terminando o ensino médio. O que mudou em sua vida
durante esta trajetória escolar?
Roteiro de entrevista individual para alunos do 3º do Ensino Médio da E.J.A. da Escola Estadual Professora Lenita Camargo – Francisco Morato – SP.
Entrevistado(a) ________________________________________________________.
1- Na sua opinião, quais são os aspectos positivos e negativos de estudar na E.J.A.?
2- Qual o papel da família, nos seus estudos?
3- O que interfere dentro e fora da escola para que o aluno continue, ou desista, de estudar na
E.J.A.?
4- O fato de estudar na E.J.A. facilitou em quais aspectos no seu trabalho, nas suas relações
pessoais (marido, mulher, família e amigos) e nas atividades do seu cotidiano?
5- Qual a importância dos vínculos de amizade desenvolvidos entre os alunos e estes com os
professores?
Ane
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r e
perm
anec
er?
Qua
is o
s fat
ores
que
aj
udar
am o
u aj
udar
ão n
a pe
rman
ênci
a no
cur
so d
o E
.J.A
.?
O q
ue m
udou
em
sua
vida
du
rant
e es
ta tr
ajet
ória
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?
Apó
s ter
min
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Ens
ino
Méd
io n
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.J.A
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cê ir
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ntin
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tuda
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Gis
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Soar
es
Ser u
m e
xem
plo
para
meu
filh
o.
Mel
hora
r no
meu
em
preg
o.
Tudo
, po
rque
so
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a pe
ssoa
m
elho
r e
agor
a te
nho
opor
tuni
dade
s e
porta
s qu
e se
ab
riram
par
a m
im.
Vou
tent
ar u
ma
facu
ldad
e ap
ós
faze
r cur
sinh
o.
Jand
ival
Mam
ede
Eu t
inha
que
ped
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ra o
s ou
tros
lere
m
para
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.
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ever
, mas
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ntiv
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nseg
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term
inar
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nsin
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s pro
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mui
to.
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endi
a
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renç
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te
r co
nhec
imen
to e
os
que
não
têm
co
nhec
imen
to.
Não
sou
mai
s tã
o br
uto
e ig
nora
nte
com
o an
tes,
fique
i m
ais
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ado
e nã
o fa
lo
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erra
do.
Vou
faz
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m c
urso
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ico
de
serr
alhe
ria
e m
onta
gem
de
es
tand
es.
Jose
lma
Apa
reci
da
Men
ezes
Trab
alho
com
o m
eren
deira
há
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os,
e o
cans
aço,
o tr
abal
ho n
otur
no
e a
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de
vag
as n
unca
me
deix
avam
vol
tar
a es
tuda
r.
Os
cole
gas,
os p
rofe
ssor
es e
a
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ília,
nã
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e de
ixar
am
desi
stir.
A f
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idad
e qu
e eu
tiv
e qu
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, a
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ever
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cum
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s e
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is.
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ra e
u qu
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ler
tudo
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, o jo
rnal
, a
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sta,
etc
.
Vou
par
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cur
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forç
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crev
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mai
s e
mel
hor.
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dro
Moi
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unha
Eu
pre
ciso
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mec
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Que
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são.
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a de
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co
m
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les
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sore
s co
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qu
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nas
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s, pa
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licas
sem
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Que
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Con
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157
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hor
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sim
ofe
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r um
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ara
meu
s filh
os.
Meu
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preg
o,
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ha
mãe
, m
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filho
s e
min
ha f
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ade.
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eu
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um
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ieda
de,
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Que
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mel
hor
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rend
er m
ais.
Term
inar
mai
s ráp
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udar
co
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da
min
ha id
ade,
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mai
s co
nhec
imen
to e
com
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z a
prof
esso
ra:
apre
nder
a
ler o
mun
do.
O
apoi
o da
m
inha
fil
ha
Laris
sa,
que
me
ajud
ava
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zer a
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ões.
Tenh
o m
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conf
ianç
a e
esto
u te
ntad
o um
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preg
o m
elho
r. A
s op
ortu
nida
des e
stão
apa
rece
ndo.
Vou
faze
r ref
orço
de
portu
guês
e
mat
emát
ica.
Luzi
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dros
o
Meu
filh
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tá n
a 5ª
sér
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e eu
não
co
nseg
uia
ajud
á-lo
a f
azer
as
liçõe
s de
ca
sa e
os t
raba
lhos
. Sou
mãe
solte
ira e
não
tin
ha c
om q
uem
dei
xar m
eu fi
lho.
Meu
fil
ho
foi
meu
gr
ande
in
cent
ivo
e m
uita
s ve
zes
ele
veio
par
a as
aul
as c
omig
o.
Vol
tei a
est
udar
alg
umas
vez
es e
de
sist
ia. D
esta
vez
, fui
até
o fi
m e
os
pro
fess
ores
e o
s co
lega
s fo
ram
m
uito
im
porta
ntes
pa
ra
min
ha
vitó
ria.
Que
ro
estu
dar
mai
s e
vou
real
izar
meu
son
ho q
ue é
ser
pr
ofes
sora
.
Con
tinua
...
158
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Mai
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Hel
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Cos
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Eu f
ui m
atric
ulad
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mar
ra p
orqu
e fu
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eso
por
drog
as n
a F.
E.B
.E.M
. e s
e nã
o es
tuda
sse
perd
eria
m
inha
lib
erda
de
prov
isór
ia. S
empr
e es
tava
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olvi
do c
om
brig
as, c
onfu
sões
e n
ão tr
abal
hava
. Nun
ca
gost
ei d
e es
tuda
r e d
a es
cola
.
Fiz
amiz
ade
com
os
cole
gas
e pr
inci
palm
ente
que
nin
guém
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me
julg
ou.
Prin
cipa
lmen
te,
com
se
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eral
do
(alu
no
da
mes
ma
sala
) que
me
deu
uma
chan
ce
de
traba
lhar
co
m
ele.
O
s pr
ofes
sore
s ta
mbé
m
são
incr
ívei
s.
O e
stud
o,tra
balh
o, a
esc
ola,
e o
s co
lega
s m
e m
ostra
ram
qu
e eu
tin
ha a
opo
rtuni
dade
de
mud
ar.
Esto
u ap
rend
endo
um
a no
va
prof
issã
o de
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trici
sta.
Vou
faze
r cur
so té
cnic
o.
Mar
celo
Ala
n Sa
ntos
Fui
uma
cria
nça
e um
ado
lesc
ente
mui
to
prob
lem
átic
o e
da e
scol
a de
sist
i vá
rias
veze
s. Pa
ssei
pel
a F.
E.B
.E.M
., de
ond
e eu
fu
gi t
ambé
m. S
ó vo
ltei
porq
ue o
jui
z m
e ob
rigou
.
Não
gos
tava
de
estu
dar,
mas
se
mpr
e go
stei
de
mat
emát
ica,
qu
e m
uito
s al
unos
tê
m
dific
ulda
de d
e ap
rend
er. E
eu
com
ecei
a e
nsin
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s ou
tros
alun
os,
prin
cipa
lmen
te
os
mai
s ve
lhos
. Fi
zem
os
amiz
ade
e pa
rei
com
os
“a
mig
os”
e co
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s dro
gas.
Min
ha
vida
m
udou
e
mui
to
mes
mo,
po
rque
eu
co
nseg
ui
term
inar
meu
s es
tudo
s e
quer
o ap
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er
mai
s e
tenh
o um
a pr
ofis
são.
Vou
faze
r esc
ola
técn
ica.
Mar
ia d
e Fá
tima
Pena
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ro v
ocê
ter p
ouca
leitu
ra e
não
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que
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crito
em
um
do
cum
ento
, co
nver
sar s
em m
edo
com
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ras
pess
oas
e en
tend
er o
que
ela
s est
ão d
izen
do.
Min
ha p
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a m
e in
cent
ivou
m
uito
e,
quan
do e
u pe
nsav
a em
des
istir
, el
a m
e da
va u
m
prêm
io a
cad
a an
o qu
e eu
te
rmin
ava
na e
scol
a.
Mud
a m
uita
coi
sa,
porq
ue a
gora
co
nsig
o le
r e
ente
nder
do
cum
ento
s, ab
rir u
ma
cont
a no
ba
nco,
aju
dar
a m
inha
fam
ília
e at
é ga
nhar
mai
s.
Prec
iso
faze
r re
forç
o pa
ra
mel
hora
r a le
itura
e a
reda
ção.
Con
tinua
...
157
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vida
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rant
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Apó
s ter
min
ar o
Ens
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Méd
io n
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.J.A
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cê ir
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ntin
uar
a es
tuda
r?
Luci
ana
Roc
ha C
oelh
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m e
mpr
ego
mel
hor
e as
sim
ofe
rece
r um
fu
turo
mel
hor p
ara
meu
s filh
os.
Meu
em
preg
o,
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ha
mãe
, m
eus
filho
s e
min
ha f
orça
de
vont
ade.
Ago
ra
eu
esto
u em
um
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tro
luga
r na
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ieda
de,
perte
nço
ao
grup
o da
quel
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ue s
abem
ler
e
escr
ever
.
Que
ro c
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uar.
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Mor
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Jesu
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Term
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ade,
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mai
s co
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imen
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z a
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esso
ra:
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nder
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ler o
mun
do.
O
apoi
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m
inha
fil
ha
Laris
sa,
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me
ajud
ava
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zer a
s liç
ões.
Tenh
o m
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conf
ianç
a e
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ntad
o um
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preg
o m
elho
r. A
s op
ortu
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orço
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mat
emát
ica.
Luzi
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dros
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Meu
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sér
ie,
e eu
não
co
nseg
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sa e
os t
raba
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mãe
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eu fi
lho.
Meu
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ho
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e iri
a at
é o
final
. C
omo
gost
o de
est
udar
e le
r, fic
ou m
ais f
ácil.
Qua
ndo
me
sepa
rei
com
ecei
co
mo
lava
dora
de
ônib
us e
, com
a
oita
va s
érie
, fu
i pr
omov
ida
para
co
brad
ora
de ô
nibu
s. E
com
o
ensi
no m
édio
, po
sso
conc
orre
r a
uma
vaga
de
fisca
l.
Não
vo
u pa
rar
mai
s, e
vou
entra
r no
cu
rsin
ho
para
m
elho
rar
aind
a m
ais
e te
ntar
um
a fa
culd
ade.
Reg
ina
O. S
ilva
Cas
ei m
uito
ced
o, c
om q
uato
rze
anos
de
idad
e, e
meu
s fil
hos
estã
o fa
zend
o cu
rsos
té
cnic
os e
em
preg
ados
. M
eu m
arid
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past
or e
sab
e le
r e
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ever
mui
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em e
es
tá f
azen
do te
olog
ia. F
alta
va e
u da
r um
a vi
rada
na
min
ha v
ida.
A
vont
ade
de
apre
nder
e
acom
panh
ar m
eu m
arid
o. L
er
e es
crev
er p
ara
mim
era
alg
o fu
ndam
enta
l.
Hoj
e vi
ajo
em
traba
lhos
m
issi
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com
meu
mar
ido
ou
sozi
nha,
alg
o qu
e nã
o fa
zia
ante
s. Fa
ço le
itura
de
tudo
. Saí
daq
uele
m
undo
lim
itado
pe
la
falta
de
le
itura
e p
ela
relig
ião.
Que
ro
apre
nder
m
ais,
mui
to
mai
s.
Con
tinua
...
161
...co
ntin
uaçã
o
Nom
e
O q
ue o
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ez v
olta
r e
perm
anec
er?
Qua
is o
s fat
ores
que
aj
udar
am o
u aj
udar
ão n
a pe
rman
ênci
a no
cur
so d
o E
.J.A
.?
O q
ue m
udou
em
sua
vida
du
rant
e es
ta tr
ajet
ória
esc
olar
?
Apó
s ter
min
ar o
Ens
ino
Méd
io n
o E
.J.A
., vo
cê ir
á co
ntin
uar
a es
tuda
r?
Ros
i Soc
orro
San
tana
Meu
s fil
hos
estã
o ca
sado
s e
tenh
o qu
atro
ne
tos.
Fiqu
ei v
iúva
com
mui
ta s
olid
ão e
do
ente
e u
ma
méd
ica
me
pedi
u pa
ra e
u vo
ltar a
est
udar
e n
ão p
arei
mai
s.
Tive
um
gra
nde
ince
ntiv
o e
auxí
lio d
os m
eus
filho
s e
dos
meu
s ne
tos
que
me
ajud
avam
na
s liç
ões.
As
doen
ças
sum
iram
e m
e si
nto
útil
e im
porta
nte.
Foi
mar
avilh
oso
ver
toda
a
min
ha
fam
ília
na
min
ha fo
rmat
ura.
Vou
faze
r o c
urso
de
refo
rço
de
mat
emát
ica
e re
daçã
o.
Sand
ro C
ampo
s And
rade
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rça
de v
onta
de d
e m
elho
rar d
e vi
da e
a
pres
são
do t
raba
lho,
por
que
traba
lho
com
o m
ecân
ico
de a
utos
e p
erdi
boa
s of
erta
s de
tra
balh
o po
rque
nã
o tin
ha
com
plet
ado
os e
stud
os.
A n
eces
sida
de d
e te
rmin
ar o
s es
tudo
s e
busc
ar
novo
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rizon
tes.
Mud
ou m
uito
por
que
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a eu
po
sso
alia
r o
conh
ecim
ento
té
cnic
o qu
e te
nho
com
o e
stud
o qu
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canc
ei.
Vou
fa
zer
curs
o té
cnic
o e
depo
is
supe
rior
dent
ro
da
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ha á
rea
de tr
abal
ho.
Sim
ônic
a M
elo
Silv
a
Com
ecei
a
perc
eber
qu
e bo
as
opor
tuni
dade
s de
tra
balh
o eu
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ria
som
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teria
se
volta
sse
a es
tuda
r.Mes
mo
me
acha
ndo
velh
a vo
ltei.
Vol
tei
com
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uito
m
edo
e pe
nsei
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uita
s ve
zes
em
desi
stir,
mas
com
o
apoi
o do
s col
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e d
os p
rofe
ssor
es,
eu c
onse
gui t
erm
inar
.
Mui
tos
até
da
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ha
fam
ília
acha
vam
qu
e eu
nã
o iri
a co
nseg
uir c
hega
r até
aqu
i. Eu
che
quei
, m
udei
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ida
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u cr
esce
r ain
da m
ais.
Prec
iso
faze
r m
ais
aula
s de
po
rtugu
ês e
mat
emát
ica.
Van
essa
Cus
tódi
o
Sou
dom
éstic
a e
sem
pre
tinha
difi
culd
ades
pa
ra a
nota
r um
rec
ado,
ler
as
rece
itas
e re
solv
er u
m p
robl
ema
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asa.
E m
inha
pa
troa
me
ince
ntiv
ou m
uito
.
Meu
s fil
hos
tam
bém
for
am
um g
rand
e m
otiv
o pa
ra q
ue
eu v
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sse
a es
tuda
r po
rque
el
es
são
ótim
os
alun
os
na
esco
la.
E a
mãe
de
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bém
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je e
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elho
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se.
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i m
eus
filho
s so
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Vou
faz
er r
efor
ço e
ten
tar
um
curs
o té
cnic
o na
ár
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de
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rmag
em.
11