valeu a pena o investimento? - diagnosticoweb.com.br · valeu a pena o investimento? mais de r$ 11...

90
A REVISTA DOS LÍDERES DA SAÚDE DO BRASIL Impresso Especial 9912247598/2009-DR/BA CRIARMED VALEU A PENA O INVESTIMENTO? MAIS DE R$ 11 MILHõES FORAM INVESTIDOS PELAS OPERADORAS DE SAúDE NAS úLTIMAS ELEIçõES A pouco mais de um ano das próximas eleições, levantamento inédito da revista Diagnóstico revela o desempenho de congressistas que receberam financiamento da saúde suplementar para se elegerem ASSINATURA EXEMPLAR DE VENDA PROIBIDA ANO IV | Nº 22 | JUL/AGO 2013 | R$ 50,00

Upload: others

Post on 28-Jul-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

a Revista dos LídeRes da saúde do bRasiL

Impresso Especial9912247598/2009-DR/BA

CRIARMED

VALEU A PENA O INVESTIMENTO?

mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições

a pouco mais de um ano das próximas eleições, levantamento inédito da revista diagnóstico revela o desempenho de congressistas que receberam financiamento da saúde suplementar para se elegerem

AS

SIN

AT

UR

AE

XE

MP

LA

R

DE

VE

ND

A

PR

OI

BI

DA

aN

O iv

| N

º 22

| j

UL

/aG

O 2

013

| r

$ 5

0,0

0

Page 2: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201304

Page 3: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 05

Page 4: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201306

Page 5: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

SUMÁRIO

08 ENTREVISTAFlorentino CardosoO presidente da Associação Médica Brasileira (AMB) fala sobre o Programa Mais Médicos e o desempenho do governo

22 ENSAIOE. Mesquita e D. SchoutAssessores médicos da Anahp escrevem sobre governança clínica e a jornada contínua em busca da excelência

40 ESPECIALVisões da AméricaVictor Raúl Castillo Mantilla, da Fundación Cardiovascular de Colombia, defende investimentos em pesquisa

48 ENSAIORobert PearlO atual modelo de ensino da medicina, que inibe a criatividade, deveria buscar inspiração nos homens de negócios

25 ARTIGOEduardo NajjarA emoção pode atrapalhar as decisões tomadas em empresas com capital controlado por familiares

16 ENSAIOMcKinseyEspecialistas em gestão hospitalar apontam o comportamento dos pacientes como um eixo na redução de custos do sistema

30 ENTREVISTATracey CooperPresidente da ISQua – a acreditadora das acreditadoras – diz que os hospitais precisam reconhecer os próprios erros

39 ARTIGOPaulo LopesHeadhunter escreve sobre o desafio de capacitar os líderes para assumirem o papel de gestores da empresa

58 ARTIGOMaisa DomenechTodos os anos, milhares de pacientes sofrem danos irreversíveis por falta de segurança nos procedimentos

57 DIRETO AO PONTOSusana FalchiCom alto índice de corrupção, o setor médico-hospitalar precisa mapear o perfil dos executivos que entram para o ramo

50 CARO GESTOROsvino SouzaEspecialista fala sobre como lidar com a inquieta e hedonista Geração Y, que começa a ocupar cargos de gestão

70 DESIGNSalas de cirurgiaEspaços híbridos que mesclam instalações tradicionais com diagnóstico por imagem e cateterismo estão em alta nos EUA

60 BOAS PRÁTICASFidelizaçãoDesafio de cativar clientes exige dos hospitais agilidade, personalização e qualidade no atendimento

46 EMPREENDEDORISMOMVPaulo Magnus, um ex-engraxate do interior gaúcho, deixou a terra natal para ganhar o Brasil

84 RESENHASaúde públicaMédicos Revolucionários revela as proezas do modelo de saúde comunitária da Venezuela de Hugo Chávez

76 ÁFRICAAjuda humanitáriaBicicletas e motos driblam a falta de transporte e conduzem pacientes e remédios

54 CUSTEIOFolha de pagamentoProjeto que reduz a carga horária dos enfermeiros deve criar um déficit de R$ 7 bilhões nas contas dos hospitais

Divulgação

08 floRentino CaRdoso, pResidente da amb: críticas ao governo

64 ConGResso naCional: doações fazem parte do “custo da democracia”

Valter Campanato/ABr

52 ARTIGOFernando M. MachadoMercado de diagnóstico remoto gira em torno de US$ 200 bilhões

26 ENTREVISTAEna de AraújoPedagoga da Etesb defende uma gestão menos verticalizada e com decisões colegiadas

Page 6: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

O jovem chinês Fu Xuepeng tinha 25 anos quando ficou paraplé-gico ao colidir sua moto com um carro, enquanto ia a um su-permercado. Incapaz de respirar sem a ajuda de um aparelho, passou a ser cuidado em casa pelos seus pais. Apesar de viver em um dos países que mais geram riqueza no mundo, a família de Fu não pôde ter acesso a um serviço público de home care para cuidar do seu ente querido. Em vez disso, ele teve que de-

pender de um ventilador manual com um tubo de respiração em sua via aérea. Seus pais e duas irmãs passaram a se revezar para espremer um saco ressuscitador 18 vezes por minuto. A única pausa era à noite, quando um ventilador mecânico improvisado – criado artesanalmente pelo irmão mais novo de Fu – era ligado. O alto custo da eletricidade na China, contudo, restringia o uso do equipamento ao período da noite. A história de Fu foi partilhada nos quatro cantos do mundo, há cerca de quatro meses. O caso sensibilizou uma fabricante chinesa de respiradores artificiais, que doou um equipamento à família.

No último mês de julho, um outro caso – com menos repercussão – voltou a ser um exemplo de saúde medieval, em pleno século XXI. O garoto ugandense Moses Drileyo brincava com seus amigos em uma área rural, no norte do país, quando caiu de uma árvore. Com o choque do seu peito contra o solo, o menino ficou com difi-culdades para respirar. A família entrou em pânico porque não havia como levar o jovem ao hospital mais próximo, que ficava a 40 quilômetros de distância do local do acidente. Com uma população superior a 193 mil pessoas, o distrito de Maracha (Uganda) – leste da África –, onde aconteceu a queda de Moses, é servido por apenas uma ambulância, que não estava nas proximidades de sua casa. E mesmo se o veículo fosse utilizado, a família do garoto teria que arcar com as despesas do combustível – uma tarifa de US$ 32 –, equivalente ao salário por duas semanas de trabalho de um morador da região. Moses acabou sendo salvo também pela solidariedade. O socorro foi feito por uma zambulância – como ficou conhecido o projeto de uma ONG ameri-cana que tem usado a bicicleta para salvar a vida de milhares de africanos. O assunto, aliás, é tema de reportagem especial da edição que chega às mãos do leitor.

No Brasil, as zambulâncias são Fiat Uno, que acabam sendo usados como ambu-lância no Nordeste brasileiro para transporte de pacientes, em muitos casos com qua-dros graves de saúde. A jornada, quase sempre, é rumo a hospitais em capitais como Salvador, Fortaleza e até Brasília. Trata-se de brasileiros reais, que quase sempre são obrigados a agir por conta própria diante de um veredito rotineiro nos rincões do país: ou o paciente é transferido para um hospital com melhor estrutura, ou vai morrer. E, claro, como bom nordestino, é melhor morrer na estrada em busca de ajuda do que inerte.

Três histórias de uma saúde desigual, com nuances que, de tão espetaculares, che-gam a induzir à ficção. Mas elas podem servir de inspiração – como as zambulâncias – para os que ainda acreditam em uma saúde universal e de qualidade. E que dependa menos da solidariedade. E mais da razão.

Fu Xuepeng, Moses Drileyo e o acesso à saúde

A Revista Diagnóstico não se responsabiliza pelo conteúdo editorial do espaço Prestador Referência, cujo texto é de responsabilidade de seus autores. Artigos assinados não

refletem necessariamente a opinião do veículo.

EDITORIAL

Reinaldo BragaCEO/Publisher

Diretor ExecutivoPublisher

Reinaldo Braga [email protected]

RepórteresBrasil

Eduardo César – [email protected] Jorge – [email protected]

Regiane Oliveira – [email protected] dos Anjos - [email protected]

Estados UnidosRodrigo Sombra

InglaterraMara Rocha

Diretora ComercialVerônica Diniz – [email protected]

Financeiro Ana Cristina Sobral – [email protected]

FotógrafosRicardo BenichioRoberto AbreuIvan Baldivieso

Diagramação e ArteCacá Ponte

IlustraçõesTúlio Carapiá

Revisão Calixto Sabatini

Tratamento de Imagens Roberto Abreu

Ilustração capaEditoria de Arte/Diagnóstico

Atendimento ao leitor [email protected]

(71) 3183-0360

Para Anunciar (71) 3183-0357

Comercial Partner

Impressão Gráfica Santa Bárbara

Distribuição DirigidaCorreios

Redação BrasilAv. Centenário, 2411,

Ed. Empresarial Centenário, 2º andarCEP: 40155-150 | Salvador-BA

Tel: 71 3183-0360

Realização

Rob

erto

Abr

eu

Page 7: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 09

[email protected]

As dificuldades da saúde inglesa, que sempre foi uma referência de serviço público de qualidade, mostram o tamanho do desafio que as nações do mundo inteiro têm pela frente para equacionar uma conta que insiste em não fecharMatias Morelli, São Paulo-SP

CapasaúDe inglesaA opinião pública da Inglater-ra tem tido papel decisivo na manutenção do NHS, mesmo com as reformas propostas pelo atual governo. Trata-se de um patrimônio britâni-co, e como tal, precisa ser preservado. Nós, brasileiros, deveríamos defender o nosso SUS com o mesmo empenho. Teríamos, certamente, uma saúde pública imensamente melhor.Alexandre Macedo, São

Paulo-SP

A Diagnóstico surpreendeu mais uma vez os seus leitores com uma capa de extrema beleza e que traduzia, apenas com a imagem, o desafio de financiar a saúde de um mundo cada vez mais repleto de idosos.Augusto Caminha, Rio de

Janeiro-RJ

O “Dilema Inglês”, que foi o título de capa da última edição da Diagnóstico, mostra bem como o Brasil precisa fazer a lição de casa, diante de desafios semelhan-tes enfrentados por outras nações. Reportagens como essa precisam servir de alerta para nossos dirigentes, seja

da saúde suplementar ou pública. É algo como “efeito Orloff”: eles são a nossa realidade amanhã.Clécio Montalvão,

Porto Alegre-RS

Parabéns à equipe de arte da Diagnóstico pela plástica e beleza da capa da edição 21. Não precisava dizer mais nada.Arlindo Crespo, Brasília-DF

EntrevistaTHOMas DOlanNão conhecia a Ache e fiqueiimpressionado pela enverga-dura de uma instituição com mais de 40 mil membros, executivos e dirigentes da saúde dos Estado Unidos. Dá bem a dimensão da importân-cia que a gestão tem na maior economia do planeta.Adalberto Alcântara, Rio de

Janeiro-RJ

Concordo plenamente com o senhor Thomas Dolan, ao defender a inclusão de mais mulheres na carreira de gesto-ras do mercado de saúde. O ambiente marcadamente mas-culinizado já se provou pouco eficiente para lidar com temas tão sensíveis. Tenho certeza de que as mulheres podem contribuir mais com atributos

que são bem característicos da essência feminina, como honestidade e transparência.Helena Sanches,

Curitiba-PR

GestãopráTica MéDicaMuito educativo o artigo “O que a Toyota pode ensinar à sua equipe”. Nós, que atuamos no setor de saúde, estamos quase focados nas especificidades do mercado de saúde e não nos damos conta de como podemos evo-luir pensando fora da caixa. Está aí a Toyota para nos ensinar que muitas soluções para os nossos problemas já foram resolvidas por empre-sas de outros segmentos.José R. Fernandes, Recife-PE

ArtigoanaHpLouvável a iniciativa da Anahp em dialogar com os demais atores do mercado de saúde em prol de uma lógica de remuneração justa para ambas as partes. Em um mercado quase sempre marcado pelo recrudescimento das relações, nada mais esperançoso do que ver o diálogo prevalecendo.Everton Soares, São Paulo-SP

EntrevistarOberTO D’ávilaFoi com admiração que li a entrevista desse prestigioso veículo com o presidente do CFM, Roberto D’Ávila. É realmente importante que dirigentes de classe comecem a incluir em suas pautas as discussões relacionadas a des-vio de conduta de seus pares. Trata-se de um assunto com imensa gravidade e que atinge toda cadeia produtiva do setor com resultados maléficos para todos.A. S., Brasília-DF

ResenhabiOgraFiaComprei o livro Sonho Grande após ler a resenha publicada na Diagnóstico. De fato, valeu cada centavo do investimento. Empresários, de verdade, sempre serão fonte de inspiração para novos e velhos empreendedores. O que Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira construíram pode ser descrito como um “império heroico”, em um país onde ser em-presário é quase um pecado, punido com os maiores im-postos do mundo e legislação jurássica.Pepe González,

São Paulo-SP

Page 8: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

ENTREVISTAFLORENTINO CARDOSO

pResidente da amb, floRentino CaRdoso: a face mais conhecida da oposição ao programa mais médicos, do governo federal

Div

ulga

ção/

AM

B

Page 9: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 11

“Não sou caNdidato a Nada”

Quando tomou posse, em outubro de 2011, no Theatro Muni-cipal de São Paulo lotado, o cearense Florentino Cardoso – atual presidente da

Associação Médica Brasileira (AMB) – certamente não previa que sua gestão se-ria protagonista de um dos capítulos mais importantes da militância médica brasi-leira. Cirurgião geral de formação e eleito para um mandato de quatro anos, Cardoso se tornou a face mais conhecida da oposi-ção ao Programa Mais Médicos, ao lado do presidente do CFM, Roberto d’Ávila. Sem meias palavras e com críticas quase sempre ácidas ao ministro da Saúde, Ale-xandre Padilha – a quem ele atribui nota 2, em uma escala de 0 a 10 –, o dirigente vem ocupando boa parte de sua agenda no últimos meses com a participação em um sem-fim de programas de TV, entre-vistas e debates sobre o futuro da saúde no país – além, é claro, da presença em protestos Brasil afora. “Não gosto de po-lítica partidária. E não tenho pretensão de me candidatar a nenhum cargo público”, faz questão de avisar o dirigente, para quem acha que seu desempenho é típico de político em campanha. Interlocutores próximos ao dirigente admitem, contudo, que a gestão de Cardoso alçou a AMB a um status político sem precedente na his-tória da entidade. Desde que a AMB foi criada, em 1951, pelo então presidente da Academia Paulista de Medicina, Jairo de

Almeida Ramos, os pilares da associação sempre foram o apoio ao desenvolvimen-to científico e, de forma moderada, à luta pela dignidade no exercício profissional. “Os médicos estão mais politizados e muito mais unidos neste momento”, jus-tifica Cardoso, que admite não ter votado no PT nas últimas eleições presidenciais. “Nunca votei em partido. Voto em pesso-as”, resume ele, que nasceu na cidade de Crateús – sertão cearense –, onde também a população sofre por falta de médicos. De Brasília, Cardoso concedeu a seguinte entrevista à Diagnóstico.

Revista Diagnóstico – Historicamente, os médicos sempre se julgaram pouco unidos na defesa de interesses ligados à categoria. O que mudou?Florentino Cardoso – Acho que os mé-dicos estão muito mais unidos, sim. E as recentes medidas propostas pelo gover-no, como obrigar a residência médica no sistema público de saúde, extensão por decreto da graduação médica de seis para oito anos, além da importação de médicos formados fora do Brasil – sem a devida revalidação do diploma –, motivaram a reação da categoria. Afinal, trata-se de graves ameaças não somente aos médi-cos, mas especialmente à saúde da popu-lação brasileira.

Diagnóstico – A AMB está mais politi-zada?Cardoso – Acredito que os médicos es-tão mais politizados e a população se in-

teirando da realidade social brasileira de forma mais intensa. Há algum tempo a AMB tem alertado as autoridades sobre a deterioração da saúde pública brasilei-ra. Apresentamos várias sugestões, mas o governo ignorou todas. Entre as mo-tivações do caos instalado na saúde bra-sileira, a AMB apontou três principais causas: o subfinanciamento, má gestão e a corrupção. Em nenhum momento o governo lançou mão de uma medida pro-visória para atacar esses problemas.

Diagnóstico – Os entraves na saúde brasileira eram menores nos governos que antecederam o PT?Cardoso – O que podemos dizer com toda certeza é que nos últimos dois ou três mandatos de governos petistas o fi-nanciamento da saúde publica, no que se refere ao percentual investido pelo go-verno federal, vem gradativamente dimi-nuindo. Há 12 anos, a União contribuía com pouco mais de 60% do montante. O restante correspondia aos estados e municípios. Atualmente, o governo fe-deral investe 44% (estados e municípios, 56%). Sabemos que o Brasil tem uma elevada carga tributária e quem mais arrecada recursos é o governo federal. Mesmo assim, o poder central vem pau-latinamente se desonerando em relação aos recursos em saúde e sacrificando es-tados e municípios.

Diagnóstico – A CPMF poderia ter mu-dado o setor de saúde?

Presidente da Associação Médica Brasileira, o cearense Florentino Cardoso admite que não votou no PT nas últimas eleições presidenciais, garante não ter pretensões políticas fora da AMB e avalia a gestão de Padilha como ruim: “De 0 a 10, dou nota 2”

Reinaldo BRaga

Page 10: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201312

Cardoso – Sim, mas não foi o que ocor-reu. Afinal, quando foi criada, a CPMF tinha como único propósito aumentar os investimentos públicos em saúde. Algo que, todos sabem, não foi feito. O gover-no, aliás, passou a utilizar esses recursos para outros fins. A cada R$ 10 milhões que entravam no orçamento da saúde arrecadados com o imposto do cheque, outros R$ 10 milhões deixavam de ser repassados pelo governo. A CPMF se transformou em um grande engodo, por parte do governo, junto à população.

Diagnóstico – Alguns analistas acham que o tom das críticas de lado a lado – governo e entidades representativas dos médicos – pode tornar o debate sobre o financiamento da saúde, que é legítimo, em algo irracional. O senhor concorda?Cardoso – Não, porque a decisão sobre a questão está agora nas mãos do Con-gresso Nacional. Há dois anos, o gover-no teve a chance de mudar a história da saúde desse país, com a regulamentação da Emenda 29. Mas preferiu vetar a pro-posta que previa o repasse para a saúde de 10% da receita corrente bruta da ar-recadação federal. Diante disso, a AMB decidiu insistir na proposta via projeto de lei de iniciativa popular, lançado em fevereiro de 2012, e encampado por ou-tras entidades – mais de dois milhões de assinaturas foram coletadas. O objetivo agora é fazer o Congresso Nacional se sensibilizar com o clamor das ruas.

Diagnóstico – O senhor acredita que fal-ta representatividade dos médicos no Congresso Nacional?Cardoso – Não diria que há carência de representantes da categoria. Temos vários médicos no Congresso Nacional. Mas as duas casas (Câmara e Senado) deveriam olhar mais para o povo. O que a socie-dade está querendo? Melhorias na saúde pública. Isso passa por investimento, in-fraestrutura, condições adequadas de tra-balho e remuneração digna. Uma atenção legítima não somente para que os médi-cos, mas todos os profissionais de saúde, possam se deslocar dos grandes centros para as periferias e pequenas cidades. O que não podemos admitir é o governo dizer, por exemplo, que não há médicos em 700 cidades no Brasil. A AMB pediu reiteradas vezes que o Ministério da Saú-de coloque em seu site quais são as 700

cidades brasileiras que não têm médicos. Trata-se de uma informação que preci-sa ser esclarecida, já que o governo diz muitas coisas que não são verdadeiras. É preciso haver mais transparência sobre a questão.

Diagnóstico – A tese de sabotagem do Mais Médicos, defendida pelo governo, procede?Cardoso – O governo precisa provar o que diz. Esse é um fato. O Ministério da Saúde precisa provar quem sabotou. E, se houve delito, que se utilize a legisla-ção brasileira, faça-se a devida apuração, e os culpados sejam punidos. Defende-mos a legalidade e a cortesia. E o gover-

ENTREVISTAFLORENTINO CARDOSO

ministRo da saúde, aleXandRe padilha: tom crescente de críticas de lado a lado (governo e entidades de classe) não prejudica o debate, garante o presidente da amb, florentino Cardoso

Page 11: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 13

no, na contramão, tem dito coisas que não são verdadeiras. Queremos saber como o governo chegou a este número (municípios brasileiros sem médicos). Recebemos várias denúncias de prefei-turas que demitiram e estão demitindo esses profissionais para criar déficit de médicos. É um artifício usado pelos mu-nicípios para desonerar seu custeio com a saúde, já que os gastos com os profis-sionais do Programa Mais Médicos são integralmente assumidos pelo governo federal. O fato, aliás, foi amplamente di-vulgado nas redes sociais (posteriormen-te, na grande imprensa).

Diagnóstico – O senhor fez uma denún-

cia grave contra a Escola Latino-Ameri-cana de Medicina (ELAM), sediada em Cuba, e que estaria a serviço do PT, for-mando médicos militantes do partido, com dinheiro brasileiro. O senhor che-gou a dizer que a entrada desses profis-sionais atenderia a interesses políticos do governo. Não teme, com isso, ser visto como um dirigente pró-oposição?Cardoso – Não, porque somos partidá-rios da verdade.

Diagnóstico – O senhor tem como pro-var?Cardoso – Qualquer cidadão que colo-car no Youtube a expressão “estudantes brasileiros na ELAM em Cuba” vai se

Elza Fiuza/ABr

deparar com vários depoimentos dos próprios estudantes dizendo como foram selecionados.

Diagnóstico – O senhor votou em Dilma nas últimas eleições?Cardoso – Não votei em Dilma, mas isso não tem nenhuma relevância. Ali-ás, nunca votei em partido. Voto em pessoas. O que significa dizer que voto em candidatos não necessariamente da mesma legenda. Não tenho ideologia de nenhum partido A, B, C ou D. Nunca tive. Já votei, inclusive, em prefeito e deputados do PT.

Diagnóstico – Que nota o senhor daria ao ministro da Saúde, Alexandre Padi-lha, em uma escala de 0 a 10? Há acer-tos?Cardoso – Dois. Pela educação dele.

Diagnóstico – O senhor não vê nenhum acerto em sua gestão?Cardoso – [Pausa] Acerto... ele é uma pes-soa muito bem educada e gentil, mas não vejo acertos. Dos programas que o mi-

não votei em Dilma, mas isso não tem nenhuma

relevância. Aliás, nunca

votei em partido. O

que significa dizer que

voto em candidatos

não necessariamente

da mesma legenda.

Não tenho ideologia

de nenhum partido A,

B, C ou D. Nunca tive.

Já votei, inclusive, em

prefeito e deputados

do PT

Page 12: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201314

ENTREVISTAFLORENTINO CARDOSO

nistério lançou na atual gestão, nenhum foi adiante. Todos foram um fracasso. No projeto Mais Médicos, a impressão que temos é que a ideia surgiu e não foi desenvolvida. Só há início, fumaça e fo-gos. E, em contraste a tudo isso, somos cada vez mais um país atrasado do ponto de vista da saúde pública. A hanseníase, por exemplo, é uma doença citada na Bí-blia. Mesmo assim, o Brasil é campeão em hanseníase – uma doença curável. A mortalidade materna e a incidência do câncer no colo produzem escores de ine-ficiência cada vez mais crescente. Sem-pre torci muito que o país crescesse. E, claro, como brasileiro, quero que o país tenha sucesso. Mas efetivamente não é o que vem acontecendo. Mas há esperan-ça. E a reação da sociedade, indo às ruas para exigir saúde, educação, segurança e mobilidade, é um alento. Somos um país que engatinha.

Diagnóstico – O senhor acredita que Adib Jatene se desgastou perante os seus pares ao defender a extensão do ensino médico proposto pelo governo?Cardoso – Não avaliamos dessa manei-ra. Defendemos que todos têm o direito de opinar e dar sugestões, especialmente uma pessoa que tem a idoneidade e a in-tegridade que o ex-ministro possui. Ape-nas pensamos um pouquinho diferente sobre questões defendidas por ele. Em outras, há similaridade.

Diagnóstico – Qual o ponto de conver-gência?Cardoso – Quando o ministro Janete diz que não se pode abruptamente estabele-cer que um curso de medicina passe de seis para oito anos, há uma concordân-cia. Aliás, não existe país no mundo com essa equivalência. Temos também a im-pressão de que algumas frases proferidas

Valter Campanato/ABr

pRotesto ContRa o pRoGRama mais mÉdiCos em bRasÍlia: número de municípios brasileiros desassistidos estaria sendo inflacionado para justificar a vinda de profissionais do exterior

Page 13: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 15

por Jatene vêm sendo usadas pelo gover-no de maneira inadequada.

Diagnóstico – Na Inglaterra e Suécia, os recém-formados trabalham dois anos no sistema público de saúde.Cardoso - É verdade. Mas eles traba-lham em que posição? Com que remu-neração? Exercem a profissão como médicos formados? Presumo que em condições de infraestrutura completa-mente diferentes das nossas. O que nos induz a situações distintas. Do contrá-rio, teríamos que usar o percentual do PIB que a Suécia ou o Reino Unido in-veste na saúde e que parcela desse mon-tante os seus governos centrais contri-buem com financiamento do sistema. Não por acaso, vários médicos brasilei-ros deixam o Brasil para trabalhar em outros países que oferecem melhores condições de trabalho.

Diagnóstico – O senhor acha que os médicos têm alguma parcela de culpa pelo estado em que se encontra a saú-de brasileira?Cardoso – Não nos eximimos de res-ponsabilidades. Sou um médico que nasci numa cidade pequena do interior do Ceará, chamada Crateús. Saí de lá com 11, 12 anos, para estudar na capi-tal, Fortaleza. Fiz residência em cirur-gia oncológica, e o meu pensamento era me formar em medicina e voltar à mi-nha cidade, que atualmente possui mais de 70 mil habitantes. Infelizmente, não consegui voltar.

Diagnóstico – Por quê?Cardoso – Me fixei na capital, Fortale-za, porque é essa a escolha que os mé-dicos acabam sendo obrigados a fazer. É nas grandes cidades que se dispõe das melhores condições de trabalho. Indí-cios fortes mostram que, para o médico se fixar no lugar, são necessários pré--requisitos básicos. E o mais importan-te, dentre todos, é a possibilidade desse profissional se reciclar. O segundo pon-to mais importante é condição adequada de trabalho. A Universidade Federal do Ceará, por exemplo, possui médicos em seus quadros que recebem salário muito abaixo do mercado. Mas a recompensa por se atualizar e se reciclar é maior. O terceiro ponto é a satisfação. O que mais impacta para o médico não é quanto ele está ganhando e sim se ele pode se de-

senvolver profissionalmente. Afinal, os médicos se formam com o compromis-so de sempre oferecer o melhor aos seus pacientes. Cinco anos sem se atualizar já é suficiente para um médico reduzir à metade o seu conhecimento científi-co. Por isso tudo, insistimos na tese de que o Brasil precisa verdadeiramente melhorar a sua estrutura de saúde e ofe-recer condições favoráveis para o exer-cício da medicina.

Diagnóstico – O município gaúcho de Carlos Barbosa, na Serra Gaúcha, fica em uma das regiões mais ricas do país, tem uma infraestrutura boa e ainda assim a prefeitura não consegue atrair médicos. A que o senhor credita essa dificuldade?Cardoso – Não posso avaliar com pre-cisão, pois não conheço a realidade da cidade, que, por sinal, não é muito dis-tante da capital, Porto Alegre. Por meio de fotos, vi que a estrutura existe e pa-rece ser conveniente. A foto, de fato, é bonita. E, imagino, por dentro deve haver ótimas condições de trabalho. É possível ainda que o médico tenha boa remuneração. Mas, como explanei, isso não é tudo. Aliás, é preciso também di-zer que nem sempre o que se diz sobre os valores pagos aos médicos é verdade.

Pode explicar?Cardoso – Vou dar um exemplo. Há nos jornais anúncios de salários oferecidos a médicos de até R$ 20 mil. Só que a oferta não é verdadeira. Em geral, esses valores, com um tempo, acabam sendo reduzidos – quase sempre depois que o médico já está instalado na cidade, com a sua família. Outra questão, grave, é o atraso recorrente no pagamento dos sa-lários e os conhecidos calotes aplicados nos médicos por muitas prefeituras do interior do país.

Diagnóstico – O senhor será candida-to a algum cargo público nas próximas eleições? Cardoso – Não. Não gosto de política partidária. Não tenho pretensão de me candidatar a nenhum cargo público.

Diagnóstico – Por que quis dirigir a AMB? Cardoso – Não foi algo estratégico. Era membro da AMB, participei de sua di-retoria e acabei presidente da associa-

ção. Fui atraído pelo aspecto científico e de respeito à dignidade da profissão – questões que sempre me atraíram a fa-zer parte da associação.

Diagnóstico – O mandato do senhor termina ano que vem. Pretende ser candidato à reeleição?Cardoso – Eu não sei ainda. Assim como não estava no meu projeto de vida ser presidente da AMB e acabei sendo. Tenho um pouco mais de um ano de mandato. É bastante precoce. Na políti-ca partidária, é comum a antecipação de cenários. Se for [candidato à reeleição], é preciso que seja algo natural e no mo-mento certo, que não é agora.

Diagnóstico – Que conselho daria a um colega que se inscreveu no Mais Mé-dicos?Cardoso – Que eles façam o melhor que puderem pelos doentes. Nada é mais importante na vida de um médico que cuidar bem dos seus enfermos. Vive-mos em função dos nossos pacientes. É o nosso dever fazer o melhor por eles.

sou um médico que nasci numa

cidade pequena do

interior do Ceará,

chamada Crateús.

Saí de lá com 11, 12

anos, para estudar na

capital, Fortaleza. Fiz

residência em cirurgia

oncológica, e o meu

pensamento era me

formar em medicina e

voltar à minha cidade.

Infelizmente, não

consegui voltar

Page 14: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201316

Page 15: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 17

Page 16: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201318

CONTROLE DE CUSTOSOPERADORAS

Mudar o comportamento individual é cada vez mais a questão central da as-sistência médica. O modelo antigo de atenção à saúde – um sistema reativo que trata doença aguda após o fato – está evoluindo para ser mais centrado no paciente, na prevenção e no geren-

ciamento contínuo das condições crônicas.Esta evolução é essencial. Em todo o mundo, uma mudança

fundamental quanto aos riscos à saúde está ocorrendo, impul-sionada pelo envelhecimento da população e o aumento da in-cidência de doenças crônicas induzidas pelo comportamento. Os sistemas de saúde estão inovando no lado da prestação do serviço para enfrentar este desafio, através de uma crescente ênfase na atenção primária, modelos de cuidados integrados e reembolso pay-for-value (pagamento por valor).

No entanto, é preciso fazer mais para reorientar os sistemas de saúde para a prevenção e gestão, a longo prazo, das condições crônicas. Em uma análise que realizamos dos custos de saúde dos Estados Unidos (que estão agora se aproximando de US$ 3 trilhões por ano), 31% desses custos poderiam ser diretamente atribuídos às condições crônicas influenciadas pelo comporta-mento. E 69% dos custos totais foram fortemente influenciados pelo comportamento dos consumidores. Somente a baixa adesão à medicação custa aos Estados Unidos mais de US$ 100 bilhões por ano em gastos evitáveis de saúde. A carga que as escolhas dos consumidores representa em países de média e baixa renda é igualmente impressionante: a Harvard e o Fórum Econômico Mundial estimam que as doenças não transmissíveis resultam

em perdas econômicas para as economias em desenvolvimento equivalentes a 4% ou 5% do seu PIB anual. A menos que os sis-temas de saúde encontrem formas de levar as pessoas a mudar seu comportamento (tanto em termos de fazer escolhas de estilo de vida mais saudáveis, como de buscar e receber os cuidados preventivos e primários adequados para gerir as suas condições de saúde), eles vão falhar em sua missão de domar os custos de saúde sem prejudicar o atendimento de qualidade ou o acesso.

A concepção e a implementação de programas que permitam às pessoas alcançar a mudança de comportamento sustentável são difíceis. Poucos programas tentados no passado alcançaram um impacto sustentado. No entanto, muitas destas intervenções esta-vam enraizadas no velho modelo de cuidados de saúde, com foco no tratamento de problemas clínicos após um evento agudo. Mui-tas vezes, as intervenções tiveram má concepção do programa, avaliação de rigor insuficiente e problemas de implementação. As falhas levaram muitos líderes do sistema de saúde a serem céticos sobre se algum programa de mudança de comportamento pode alcançar um impacto a longo prazo.

Acreditamos que os programas de mudança de comporta-mento podem ter sucesso, mas somente se o seu paradigma de projeto for repensado. Este artigo descreve uma abordagem emergente – um paradigma centrado na pessoa, que utiliza uma base comportamental em vez de orientação baseada na doença para promover a mudança de comportamento sustentável. Em vez de assumir que os indivíduos são totalmente racionais, ele reconhece que a tomada de decisão humana é afetada por sis-temáticos desvios cognitivos, hábitos e normas sociais. Em vez de focar exclusivamente na relação médico-paciente, procura-se

o coMPoRtaMENto do PaciENtE No cENtRo

dos custosPara enfrentar o aumento do custo de doenças crônicas, os sistemas de saúde devem encontrar formas eficazes para levar as pessoas a adotar

comportamentos mais saudáveis. Entender como funciona a mente delas é o primeiro grande passo

Sundiatu dixon-Fyle, Shonu gandhi, thomaS Pellathy e angela SPathaRou

Page 17: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 19

criar um ecossistema de apoio que envolve as pessoas e as pes-soas mais próximas a elas. Nossas perspectivas desenham uma análise das tendências globais, aliada à nossa vasta experiência de trabalho com clientes em todo o setor de saúde sobre o tema e a entrevistas com especialistas de renome. Elas se baseiam em visões emergentes das ciências comportamentais que lançam luz sobre como as pessoas realmente tomam decisões, bem como os novos avanços tecnológicos.

Aproveitando essas ideias, desenvolvemos um quadro inte-grado para ajudar as organizações de saúde, em toda a cadeia de valor, a entender o novo paradigma e como elas podem projetar e implementar intervenções de alto impacto, com foco no paciente.

ElEmEntos do PARAdiGmAO novo paradigma da pessoa focada para a mudança de com-

portamento possui cinco componentes principais:– envolvimento das pessoas de forma mais eficaz, aprovei-

tando novas perspectivas da psicologia comportamental e econo-mia comportamental;

– integração da mudança de comportamento como um com-ponente central de novos modelos de prestação de cuidados;

– uso do poder de influenciadores e rede para apoiar as mu-dança de comportamento;

– utilização de tecnologias remotas e autocuidado orientado para apoiar e capacitar os indivíduos, além de conectá-los aos médicos e outros influenciadores;

– adoção de uma abordagem multistakeholder, que inclui parcerias público-privadas, para apoiar intervenções de alto im-pacto na sociedade e de prevenção primordial

1. Envolver os indivíduosInsights de ciências comportamentais estão sendo ampla-

mente utilizados em serviços financeiros, varejo e outros setores para influenciar o que comprar, como economizamos e outros aspectos de nosso comportamento. No entanto, a concepção da maioria dos produtos relacionados com a saúde, serviços e in-tervenções permanece notavelmente não afetada sobre a forma como os seres humanos tomam decisões.

Por exemplo, as intervenções clínicas tradicionalmente orientadas supõem que os indivíduos compreendem seus pró-prios problemas de saúde e, geralmente, agem racionalmente para resolvê-los. No entanto, muitas vezes está longe de ser o caso. Em uma pesquisa que realizamos recentemente, 76% dos participantes com condições clínicas de alto risco se descreve-ram como sendo “de excelente, de muito boa ou de boa saúde”. Programas que não conseguem explicar essa diferença entre o estado de saúde real dos indivíduos e como eles compreendem e experimentam a sua saúde no dia-a-dia (e, portanto, como eles estão dispostos a mudar seu comportamento) perdem o trem em termos de projeto. Muitas vezes, esses programas simplesmente atraem indivíduos que já estão “motivados” para alterar o seu comportamento, em vez de alcançar aqueles que precisam de ajuda antes que eles possam tomar medidas proativas para me-lhorar a sua saúde.

Como reconhecer um bom projeto? No que diz respeito a intervenções de mudança de comportamento, três inovações pa-recem ser mais importantes.

O maiOr desafiO para a implementaçãO desse nOvO paradigma é a mentalidade dOs líderes da saúde e médicOs. muitOs sãO altamente céticOs em relaçãO a prOgramas de mudança de cOmpOrtamentO, e alguns ainda nãO cOnsideram a alternativa cOmO parte das atribuições de um sistema de saúde

Page 18: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201320

a ter uma entrada de emergência de alto custo ou evento de inter-nação – no caso específico de grupos com equivalentes riscos de condições crônicas.

Descobrimos, por exemplo, que os custos hospitalares foram 24% maiores para os indivíduos socialmente isolados do que para os indivíduos socialmente conectados com um nível equi-valente de risco clínico. Mais ainda: que indivíduos socialmente isolados também tinham uma menor utilização de medicamentos prescritos.

Tais ideias podem ajudar a identificar os principais subgrupos de pacientes antes que episódios de alto custo ocorram ao digitar os nomes dos membros em sistemas de previsão definidos. Seria possível também praticar intervenções direcionadas para estes subgrupos, com o foco correto (por exemplo, serviços extensores baseados em campo e intervenções para a adesão à medicação voltadas a indivíduos socialmente isolados).

Caminhos focados na pessoa devem ser usados à medida que ela tenta alterar o seu comportamento

A maioria dos programas de gestão da doença permane-ce enraizada em uma visão de mundo baseada na clínica. Por exemplo, eles podem identificar corretamente um paciente com diabetes ou outra condição crônica, mas não podem resolver completamente o fato de que o mesmo paciente também pode estar acima do peso, sofrer de doenças do coração, ter depres-são leve ou moderada, desconfiar do seu médico e ser social-

CONTROLE DE CUSTOSOPERADORAS

Segmentação comportamental deve ser usada para aprofundar conhecimentos em grupos específicos

As abordagens atuais para segmentação do paciente e mode-lagem preditiva tendem a centrar-se em condições clínicas. No entanto, as intervenções de mudança são mais propensas ao su-cesso se levarem em conta fatores adicionais, tais como perfil do comportamento de uma pessoa ou motivação para a mudança de comportamento. Esses insights possibilitam um direcionamento mais focado nos grupos de pessoas para as quais é mais provável que o impacto seja alcançado. Eles também tornam possível pro-jetar programas que eliminem mais eficazmente os obstáculos práticos para a mudança.

Por exemplo, a maioria dos programas voltados para usuá-rios frequentes dos “Serviços de Urgência” ou pessoas com al-tas taxas de admissão hospitalar foca nos pacientes pelo risco da doença ou baseado em análises retrospectivas de episódios de alto custo. Incorporar conhecimentos comportamentais adicio-nais permite uma abordagem mais sutil. Em um projeto recente para uma grande fonte pagadora dos EUA, usamos demografia, estrutura familiar e dados de compras dos consumidores (por exemplo, a natureza das compras, posse de carro etc.) para a construção de um índice de isolamento social (a variável des-tinada a medir cada grau de conexão social do indivíduo ) para a população-alvo. Quando combinado com os dados de recla-mações, este índice nos permite fazer previsões de forma mais eficaz sobre o universo de pessoas que estariam mais propensas

Page 19: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 21

mente isolado. Conhecimentos clínicos são fundamentais, mas a nossa experiência mostra que esses programas são mais efi-cazes quando abordam diretamente as causas e as barreiras à mudança de comportamento e proporcionam interações com o timing e frequência certos para garantir um impacto. Em essên-cia, estes projetos traduzem ideias clínicas em caminhos que apoiam os indivíduos a partir do ponto em que eles decidem fazer mudanças até o ponto em que os novos comportamentos são sustentados.

Um exemplo simples demonstra o impacto de orientar os pacientes para as intervenções de mudança de comportamento que são mais adequadas para eles, com base em suas necessi-dades. Na Inglaterra, trabalhamos com um plano de saúde re-gional com o objetivo de melhorar o atendimento ao diabetes através da definição de segmentos de comportamento entre os pacientes afetados. Em seguida, combinamos o portfólio ade-quado dos programas de apoio para cada segmento. Os clínicos gerais foram treinados para identificar quais pacientes perten-ciam ao segmento, fazendo algumas perguntas simples e, em seguida, encaminhando-os para a intervenção de mudança de comportamento que melhor atendia às suas necessidades. Esta simples discriminação levou a um aumento de nove vezes na inscrição no programa (de 7% para 63 %) no prazo de seis me-ses, e, mais importante, a um aumento da taxa de conclusão do programa.

Se ater à importância da comunicação ativa ao longo do caminho também é um aspecto relevante, já que o feedback frequente incentiva a mudança de comportamento. Um estudo sobre a perda de peso que realizamos em parceria com econo-mistas especializados em comportamento sugeriu que dar às pessoas frequente feedback, automatizado ou não, ajuda a me-lhorar seu desempenho. Mensagens de texto estão sendo cada vez mais utilizadas para apoiar pacientes com diabetes ou ou-tras condições crônicas, seja pelo envio de materiais educativos, lembretes de medicação, seja por dicas sobre o manejo da doen-ça. Os resultados preliminares foram animadores.

Incentivos comportamentais deveriam ser usados para encorajar a mudança

Os incentivos são uma parte crescente da caixa de ferramen-

tas para abordar a mudança de comportamento. Dois terços das empresas americanas, por exemplo, oferecem agora incentivos financeiros aos empregados para encorajar comportamentos saudáveis.

O programa Discovery’s Vitality, por exemplo, informa aos seus membros sobre o seu status de saúde, os encoraja a estabe-lecer objetivos de saúde que dependam de seu comportamento e então os recompensa por atingir esses objetivos. Os membros ganham pontos por comportamentos que vão de se submeter a um exame de taxa de filtração glomerular (TFG) a compras de produtos saudáveis nos supermercados. Em troca, recebem um mix de recompensas de curto e longo prazo, incluindo ingressos para o cinema e descontos em passagens aéreas. A Discovery estima que o programa tenha reduzido em 15% os custos gerais dos participantes com assistência médica. Programas inovado-res de bem-estar corporativo, como os oferecidos pela Limeade, também estão ganhando tração.

A estrutura das recompensas importa. Incentivos que levam em conta os aspectos cognitivos das pessoas (por exemplo, aversão a perdas, aversão a arrependimentos, otimismo e pre-ferências atuais) são mais efetivos do que prêmios em espécie. Recentemente, testamos incentivos baseados no comportamen-to através da “loteria do pesar”. O objetivo era fazer com que os funcionários de uma empresa realizassem uma avaliação de risco à saúde. Metade dos funcionários recebeu incentivos em dinheiro diretamente, e os outros foram divididos em pequenas equipes, e, então, inscritos no jogo.

A cada semana, uma equipe ganharia a loteria, mas as re-compensas foram distribuídas apenas para os membros da equi-pe que completaram a avaliação. As equipes vencedoras foram amplamente divulgadas para influenciar o pesar antecipado (a aversão das pessoas a perder a sua chance de ganhar o grande prêmio na semana se sua equipe não fosse selecionada). O re-sultado: 69 % dos empregados inscritos na loteria terminaram as suas avaliações, em comparação aos 43% daqueles que recebe-ram incentivos diretos.

2. integrando a mudança de comportamento em no-vos modelos de prestação de cuidados

Muitos sistemas de saúde estão colocando maior ênfase na atenção primária, especialmente através do uso de modelos de prestação de cuidados integrados projetados para melhorar a saúde da população. Para ter sucesso, estes novos modelos devem estender seu alcance fora das quatro paredes de um consultório médico para que eles possam apoiar a mudança de comportamento do paciente, além de interações tradicionais médico-paciente. Isso exige novas capacidades, incluindo ferra-mentas de fluxo de trabalho clínico para apoiar segmentação do paciente, alertas de cuidados enviados para os clínicos e pacien-tes, comunicação avançada e suporte de gestão de cuidados para os pacientes, além de monitoramento remoto. Mais fundamen-talmente, os médicos devem adotar uma abordagem centrada no paciente, concentrando-se em entender a pessoa como um todo e suas barreiras à mudança.

Um bom exemplo deste tipo de modelo é CareMore, forne-cedora da Califórnia, que se concentra em idosos. Um de seus principais objetivos é incentivar mudanças de comportamento importantes para a gestão efetiva das condições crônicas. Ca-reMore combina inovações tecnológicas, incluindo prontuários

um estudO sObre a perda de pesO que realizamOs sugeriu que dar às pessOas frequente feedback ajuda a melhOrar seu desempenhO. mensagens de textO estãO sendO cada vez mais utilizadas para apOiar pacientes cOm diabetes Ou Outras cOndições crônicas, seja pelO enviO de materiais educativOs, seja pOr lembretes

Page 20: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201322

afro-americanos (um grupo com predominância de diabetes mais alta do que a média e um risco significativamente aumentado de complicações). O programa identificou primeiro os “mentores” – outros pacientes diabéticos que já mantinham seus níveis de glicose sob controle – e lhes deu formação. Aos participantes do programa foram atribuídos mentores com o mesmo background demográfico (sexo, idade etc.).

Os participantes e mentores interagiram numa base semanal, principalmente, por telefone. Após seis meses, os participantes tinham alcançado uma queda de 11% nos seus níveis médios de glicose (de 9,8% a 8,7%) – uma alteração suficiente para dimi-nuir o risco de complicações relacionadas à doença. Por outro lado, um grupo de pacientes sem mentores não experimentou nenhuma melhora em seus níveis de glicose durante o estudo. Quase dois terços dos participantes do programa de parceria dis-seram que ter um mentor que também tinha diabetes foi impor-tante para ajudá-los a controlar seus próprios níveis de glicose.

Como o programa do VA demonstrou, as redes à base de par-ceiros podem ser relativamente fáceis de implementar. Enquan-to o encontro de pares é feito de uma forma que ressoa com os participantes, essas redes podem oferecer um sistema de suporte adicional para ajudar a sustentar a mudança de comportamento.

eletrônicos dos pacientes (PEPs) e monitoramento remoto, com uma ampla gama de serviços não tradicionais (por exemplo, apoio do cuidador, podologia preventiva, transporte grátis para os seus escritórios, suporte para ligações telefônicas na casa de médicos e enfermeiras, centros de exercícios físicos adaptados e uma equipe de intervenção que vai para as casas dos pacientes para investigar problemas não clínicos).

A CareMore reporta que seus custos ajustados ao risco são 15% menores do que a média regional para os seus pacientes, e seus resultados clínicos são acima da média. Por exemplo, a taxa de amputação entre os pacientes diabéticos com feridas é 78% abaixo da média nacional. Na mesma medida, sua taxa de hospitalização por doença renal em estágio final é 42%.

3. Usando o poder de influenciadores e redesEscolhas de saúde não são feitas em um vácuo. Nossa pes-

quisa mostra que, quando confrontadas com um evento de saú-de, as pessoas seguem o conselho para tratamento de amigos e familiares em 86% dos casos. Alguns esforços de promoção da saúde já reconheceram a importância desses influenciadores. Por exemplo, os programas de cessação do tabagismo adulto no Reino Unido e em outros lugares estão cada vez mais colocan-do as crianças como alvo, porque os pais que fumam são mais propensos a responder às preocupações de seus filhos do que à perspectiva de sua própria saúde. Fontes pagadores e fornece-dores também passaram a apreciar o poder de influenciadores para apoiar a mudança de comportamento usando ações especí-ficas com considerável sucesso. Na Filadélfia, por exemplo, o Veterans Affairs (VA), centro médico, criou um programa de par-ceiros para incentivar uma melhor autogestão do diabetes entre

paCientes À espeRa de atendimento em ConsUltÓRio: serviços financeiros e o setor de varejo já usam o estudo do comportamento para influenciar o que comprar. na saúde, essa tendência pode reduzir custos

CONTROLE DE CUSTOSOPERADORAS

Shutterstock

Page 21: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 23

Sundiatu Dixon-Fyle (PHD) e Angela Spatharou (PHD) são executivos da McKinsey em Londres, especializados em estratégia de custo centrada no paciente. Shonu Gandhi é consultor, atua no escritório da McKinsey em Washington, e Thomas Pellathy, em Pittsburg. Ambos são especialistas em economia da saúde. Todos os direitos reservados. Tradução: Gilson Jorge

4. Utilizando tecnologias remotas e autocuidado orientado

Frequentemente, comunicação em tempo real e feedback são importantes no apoio aos esforços de mudança. Os mode-los tradicionais de prestação de cuidados têm, em seu núcleo, as interações face a face entre médicos e pacientes. Novas tec-nologias, no entanto, estão aumentando este modelo de intera-ção e transformando radicalmente a forma com que os médicos oferecem, e os indivíduos e seus amigos e família consomem assistência médica. Aplicativos móveis, por exemplo, podem facilitar o rastreamento e monitoramento. Os dispositivos sem fios podem transmitir informações de adesão diretamente de caixas de comprimidos, balanças, ou até mesmo “pílulas in-teligentes” ingeridas. Webcams permitem consultas remotas. Em última análise, estas tecnologias remotas e o autocuidado orientado podem ajudar a criar um ecossistema de saúde verda-deiramente interativo para os pacientes.

Muitas dessas novas tecnologias estão ganhando força, principalmente nos países em desenvolvimento, onde o acesso continua a ser um problema. No entanto, elas também estão sendo cada vez mais utilizadas nos países mais desenvolvidos. No Reino Unido, por exemplo, um grande ensaio de dispositi-vos de telemedicina para pacientes com necessidades de cuida-dos sociais e de condições crônicas tem produzido resultados positivos. Os participantes receberam ou equipamentos de mo-nitoramento doméstico ou um conversor set-top box (STB) que pode ser conectado a suas TVs. Os dispositivos habilitam os pacientes a fazer perguntas sobre seus sintomas, emitem lem-bretes visuais ou de áudio sobre a hora das medições, mostram vídeos educativos e traçam um gráfico com histórico de leituras clínicas recentes.

Em um experimento, o uso de dispositivos de telemedicina diminuiu a utilização de visitas à sala de emergência e as ad-missões nos hospitais. Nestes estudos, a utilização dos disposi-tivos produziu uma economia de até 13%.

5. Adotando uma abordagem multistakeholderHá um reconhecimento crescente de que, se os sistemas de

saúde estão abordando toda a gama de problemas que afetam negativamente a saúde dos pacientes, os líderes de saúde terão que fazer uma parceria com um conjunto mais amplo de par-tes interessadas para criar um ambiente propício à condução de comportamentos mais saudáveis e alcançar impacto. Temos tra-balhado em estreita colaboração com os clientes tentando criar tais coalizões amplas, o que acreditamos ser fundamental para alcançar mudanças de comportamento sustentadas e fortes. Por exemplo, trabalhamos com grandes varejistas e fabricantes de alimentos em um país para enfrentar o desafio da obesidade através da criação de um “movimento” para sensibilizar e esti-mular os consumidores, empresários, crianças, comunidades e organizações para a ação. Com o apoio de uma coalizão multis-takeholder, foi desenvolvido um plano em que os CEOs de va-rejistas participantes e fabricantes de alimentos comprometiam suas organizações com determinadas metas e ações. As inicia-tivas incluíam programas de parceria com escolas saudáveis, adequação nutricional nos ambiente de trabalho e mobilização conjunta entre fabricantes e varejistas para reduzir a ingestão calórica e aumentar a transparência nas informações contidas nos rótulos. Embora o impacto econômico e as consequências para a saúde destes tipos de esforços sejam difíceis de quantifi-

car, eles são fundamentais na criação de um ambiente que apoia intervenções mais diretas. O impacto mais direto, contudo, pode ser alcançado através de intervenções governamentais de-vidamente focadas e parcerias público-privadas. Um exemplo clássico é o aumento nas tributações sobre os cigarros, porém intervenções mais criativas também são possíveis.

Na Argentina, por exemplo, um programa de transferência condicional patrocinado pelo governo tem como objetivo re-duzir o consumo médio de sódio. Padeiros foram instados a diminuir a quantidade de sal em seu pão, mas são diretamente compensados pela perda de receitas de vendas mais baixas.

o imPACto E A ExECUçãoAcreditamos que o novo paradigma focado na pessoa aqui

descrito é susceptível de produzir resultados mais fortes do que os programas tradicionais de mudança de comportamento têm produzido. Programas de gerenciamento de doenças enraizadas no antigo modelo de saúde normalmente obtêm economias na faixa de 2% a 5 % dos custos médicos. Com base em nossa ex-periência e os estudos publicados até o momento, estima-se que programas concebidos sob o novo paradigma poderiam atingir de 10% a 15 % de redução nos custos de populações-alvo, além de ganhos de produtividade e melhor qualidade de vida.

A implementação do novo paradigma é um desafio, no entanto. Uma questão importante é a escalabilidade: enquan-to muitos dos elementos necessários existem e os pilotos não faltam, há poucos casos de qualquer aplicação de todos os elementos de desenho em escala. O custo de construção da infraestrutura subjacente (por exemplo, plataformas para ad-ministrar incentivos e sistemas PEP provedores para habilitar ideias eficazes dos pacientes) também é um problema, embora, na maioria dos casos, as abordagens de baixa tecnologia e de baixo custo existam e a inovação em curso esteja simplificando e baixando o preço de muitas tecnologias. O maior obstáculo, no entanto, é a mentalidade dos líderes da saúde e médicos. A maioria permanece enraizada no antigo modelo de saúde. Mui-tos são altamente céticos em relação a programas de mudança de comportamento, e alguns ainda não consideram a alternativa como parte das atribuições de um sistema de saúde. Justamente por isso, reorientar os sistemas de saúde em torno de um mo-delo focado na prevenção, gestão a longo prazo e cuidado cen-trado no paciente exigirá liderança de cima para baixo e apoio declarado. Tal liderança é necessária para que os sistemas de saúde possam atender à próxima onda de desafios do setor.

Se os sistemas de healthcare devem abordar as mudanças nos riscos de saúde que estão acontecendo agora, especialmen-te as que decorrem de condições crônicas, eles devem encontrar formas de levar as pessoas a adotar comportamentos mais sau-dáveis. Novos programas de mudança de comportamento com base no foco na pessoa e não na doença estão provando que é possível alcançar resultados sustentáveis e fortes. Contudo, uma mudança de mentalidade é necessária se estes programas forem ganhar uma utilização mais generalizada.

Page 22: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201324

A medicina praticada nos hospitais brasi-leiros e no mundo é considerada frag-mentada, com elevado risco de erros as-sistenciais, problemas de comunicação entre o corpo assistencial, administrati-vo e o paciente/família, além de possuir custo elevado. A solução para essa rea-

lidade é repensarmos o modelo de gestão médico–assistencial, que possa oferecer cuidados de elevada qualidade percebidos como excepcionais pelo paciente (experiência do paciente) e com menor custo para o sistema.

Esse novo modelo de “engenharia assistencial” é denomina-do governança clínica e teve seu início de forma sistematizada no Reino Unido. Hoje a prática vem sendo progressivamente incorporada nas instituições de saúde em todo o mundo com diferentes designações e adaptações para contribuir com a ex-celência do cuidado.

No Brasil, a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) é pioneira na discussão do tema e no desenvolvimento de ferramentas para implementação da governança clínica nos hospitais privados. O primeiro material publicado pela entida-de – o Manual Organização do Corpo Clínico – apresenta de forma objetiva as diretrizes para a construção de uma relação saudável entre médicos e hospitais, reforçando a importância das lideranças dos diretores técnico e médico para as equipes as-sistenciais e também junto aos superintendentes e diretores ad-ministrativos. Alinhado a iniciativas da entidade, não podemos deixar de mencionar o Observatório Anahp, que representa uma quebra de paradigma na saúde, com a publicação dos resultados econômico-financeiros, operacionais e assistenciais dos hospi-tais membros da associação.

A consolidação da governança clínica em um ambiente com-plexo como o hospital é uma longa jornada, que deve priorizar um conjunto de elementos, como auditoria clínica, capacitação em gestão da qualidade, gerenciamento de risco, avaliação de desempenho das equipes assistenciais, RH estratégico, desen-volvimento de lideranças e trabalho em times multidisciplina-res, promovendo a comunicação efetiva entre todos que cuidam do paciente. A centralidade do cuidado nas necessidades do pa-

ciente, garantindo informações que possam tornar as escolhas do paciente e de seus familiares melhores e livres de conflitos de interesse, é um item de grande relevância nos projetos de go-vernança clínica, rompendo a lógica de que o paciente é apenas um ser biológico e assumindo a complexidade da pessoa doente (bio – psico – sócio – espiritual).

A governança clínica precisa de um corpo assistencial bem estruturado e alinhado. Com a disseminação dos programas de acreditação hospitalar nos hospitais brasileiros, a sua imple-mentação tem sido acelerada. A liderança médica representa o principal condutor no processo de gerenciamento e operaciona-lização da governança clínica, pois são os grandes responsáveis pela mudança de cultura, por meio do exemplo e da supervisão.

Nos últimos três anos, a Agência Nacional da Saúde Suple-mentar (ANS) tem trabalhado no desenvolvimento do Programa de Qualificação dos Prestadores de Serviço de Saúde, baseado em indicadores assistenciais. A iniciativa certamente tornará o sistema mais transparente e deve contribuir para a escolha dos usuários de planos de saúde. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também tem contribuído com elaboração de diretrizes para orientar o funcionamento das instituições hospi-talares, de forma a construir uma assistência mais segura. Essas iniciativas contribuem significativamente para a implantação da governança clínica nas instituições hospitalares.

A formação de profissionais de saúde capacitados para a gestão da assistência em conformidade com o modelo hospita-lista contemporâneo é uma peça-chave para o desenvolvimento de um processo pleno de governança clínica. Por essa razão, programas de educação permanente e contínuo desenvolvimen-to de lideranças são fundamentais. A fuga de talentos, algo bas-tante comum nos hospitais, tem proporcionado elevado turnover dos profissionais de saúde, o que representa um desafio para a consolidação de um modelo de governança clínica maduro nas instituições e deve ser vista como questão prioritária nos hos-pitais, especialmente entre os gestores e diretores. A governan-ça clínica busca envolver toda a instituição, atuando de forma conjunta e organizada, na busca da excelência operacional por meio de processos de melhoria contínua da qualidade dos cui-dados, alcançando padrões de excelência em todas as dimensões

A formação de profissionais de saúde capacitados para a gestão da assistência em conformidade com o modelo hospitalista contemporâneo é uma peça-chave para o desenvolvimento de um processo pleno de

governança clínica

Evandro Tinoco MEsquiTa E dEnisE schouT

GoVERnAnçA ClÍniCA – UmA JoRnAdA ContÍnUA Em BUsCA dA ExCElÊnCiA

ensaios

Page 23: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 25

do cuidado do paciente – resultados assistenciais, eficiência e satisfação dos pacientes.

mÉdiCo Como PilAR – O processo de auditoria clínica, de-senvolvido a partir da revisão sistematizada dos registros assis-tenciais, avalia a qualidade das informações, a conformidade dos protocolos clínicos, a identificação de erros assistenciais e a qualidade da prescrição eletrônica. Trata-se de um dos prin-cipais recursos para alcançar a excelência assistencial, além de ser uma ferramenta de educação das equipes multidisciplina-res para melhoria contínua da qualidade do cuidado e um dos pilares desse novo modelo de gestão médico-assistencial. Por isso, deve ser realizado em todas as unidades assistenciais. O médico é o principal pilar de um projeto de governança clínica. Dessa forma, o treinamento, capacitação, retenção, avaliação de desempenho, critérios explícitos de concessão de privilégios e regulação profissional (regulamento do corpo clínico) e pleno funcionamento das comissões (ética, bioética, pesquisa clínica, prontuário e revisão dos óbitos) são importantes ferramentas para gerenciar a prática médica. Os profissionais devem apre-sentar seus indicadores assistenciais e não assistenciais para o corpo diretivo das instituições e elaborar planos para melhoria do desempenho de suas unidades e também promover dissemi-nação das políticas institucionais e dos resultados para as equi-pes (comunicação efetiva).

Os erros assistenciais podem ser reduzidos de forma signifi-cativa por meio da construção de sistemas seguros conduzidos por lideranças que dominem os conceitos de gestão de risco e com o auxílio de tecnologias que minimizem falhas decorren-tes ao fator humano. Nas organizações comprometidas com a excelência em governança clínica, todos trabalham juntos em prol da segurança assistencial, frequentemente liderados pela

Evandro Tinoco Mesquita é médico, diretor clínico do Hospital Pró-Cardí-aco e coordenador do Grupo de Trabalho Melhores Práticas Assistenciais da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp).Denise Schout é médica e assessora técnica da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp).

alta gestão, que prioriza no seu dia-a-dia atitudes e escolhas que remetam ao compromisso com as boas práticas para prevenção dos erros assistenciais e reforçam de forma positiva a cultura da segurança.

A construção de um modelo de governança clínica de exce-lência nos hospitais em todo o mundo é frequentemente dificul-tada por um conjunto de fatores que podem ser eliminados para fluir de forma orgânica nas instituições, como, por exemplo, cultura institucional focada no médico, liderança corporativa, falta de investimentos em educação continuada e treinamento, incentivos desalinhados para as equipes, times multidiscipli-nares fragmentados, falta de um sistema de informação assis-tencial e ausência de uma estrutura assistencial com médicos hospitalistas.

A Anahp tem proporcionado o ambiente ideal para o for-talecimento da governança clínica em seus hospitais ao com-partilhar boas práticas nacionais e internacionais, promovendo fóruns e congressos, além de reforçar que o modelo adequado deve ser apoiado pela alta gestão administrativa como a única forma de gerar valor para o paciente e sustentabilidade para a saúde privada em nosso país.

A sustentabilidade das organizações hospitalares do século XXI envolve a capacidade de equilibrar os conflitos presentes no dinâmico ambiente da saúde privada, a partir da excelência da governança clínica associada às boas práticas da governança corporativa em prol dos interesses do paciente.

Page 24: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco
Page 25: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 27

Eduardo Najjar é expert brasileiro em family business, consultor e palestrante associado da Empreenda, coordenador do GrandTour Family Business Inter-national, professor na ESPM e, além da Diagnóstico, é colunista do Blog do Management (Exame.com).

empreendimento. Essa forma de envolvimento da nova geração familiar/do cônjuge no negócio pode causar choques de opinião. Quando isso acontece, a empresa deixa de ser o negócio de um empreendedor para converter-se na empresa em que a família está envolvida. Neste caso, o diagnóstico é a falta da comunica-ção do sonho empresarial do fundador à nova geração e o não planejamento empresarial familiar, que inclui o envolvimento da família. Voltando ao início deste artigo, não importando em que fase se encontram os negócios familiares e em que fase de desen-volvimento está sua família, será importante iniciar um processo de reflexão sobre os caminhos até agora trilhados e sobre o fu-turo dos negócios. Importante que exista abertura e bom senso

por parte de todos ou da maioria dos mem-bros da família para abordar aspectos nem sempre confortáveis e simples. Um ponto de partida que pode apoiar a criação desse ambiente de confian-ça e disponibilidade

de condução do processo é o desejo do encaminhamento do pa-trimônio familiar face ao futuro das novas gerações.

Outra ação que pode propiciar a união das expectativas da família nesse caminho é a leitura de materiais – artigos, livros, publicações – a respeito do tema “negócios familiares”, a partici-pação em eventos e cursos dedicados a famílias empresárias e a busca de aconselhamento com especialistas.

Os diferentes pontos de vista devem ser entendidos por todos os membros das famílias empresárias. O fundador é, quase sem-pre, uma pessoa muito solitária em suas tomadas de decisões a respeito do negócio. A maior parte dos familiares, quase sempre, não está suficientemente esclarecida a respeito do projeto dos negócio familiares. A comunicação dentro das famílias em geral e especialmente nas famílias empresárias não pode ser conside-rada um ponto alto.

A consideração do quadro traçado e o futuro da empresa da família podem se iniciar hoje mesmo. Cabe a decisão a você, a partir de uma reflexão confortável e bem sustentada, do ponto de vista técnico.

Para entender se a empresa de sua família tem chances de continuar sendo bem sucedida nas próximas décadas, é necessária uma análise mais profunda do que simplesmente levantamentos relacionados ao EBTDA, condições atuais e fu-turas do mercado em que atua e força da marca, o branding.

É necessário saber se a empresa é um projeto de negócios para a maior parte dos membros de sua família.

Senão vejamos: analisar uma empresa familiar significa dizer que há, em seu DNA, uma família empresária. O fundador, ou dono de uma empresa, é, com grandes chances de acerto, um

empreendedor e um empresário.Isso não significa que passará o comando para a próxima ge-

ração de sua família em condições razoáveis para que continue no mercado. Além dos indicadores econômico-financeiros, fo-ram criadas novas lideranças entre os familiares e existe vontade da família na continuidade da operação. Cada geração de uma família empresária deve ter o interesse pelos seus negócios, a vocação de manter a sua continuidade e transmiti-la à geração seguinte.

O ciclo de vida da primeira geração de criadores de uma em-presa diz muito a respeito de suas condições de vir a se tornar uma empresa familiar.

Caso o fundador (fundadores) decida que seu sonho, seu em-preendimento, será compartilhado com sua família, e esta aceitar, a decisão de vir a se tornar um negócio familiar recairá sobre as próximas gerações. Cada geração deverá referendar este compro-misso. Terão êxito aquelas famílias que souberem se comunicar internamente e analisar as expectativas de seus membros, dese-nhando a forma de ligar as expectativas às metas empresariais, manutenção da empresa ao longo do tempo e outros indicadores empresariais. Na prática, na maior parte dos casos, em alguma fase da vida do negócio, o empreendedor visualiza o envolvi-mento de sua família, seja por uma reflexão sobre o futuro do negócio e da família, ou por necessidade de mão de obra para o

O futuro da empresa de sua família

Terão êxito aquelas famílias que souberem se comunicar internamente e analisar as expectativas

de seus membros, as metas empresariais e outros

indicadores

ARTIGOEduardo Najjar

Divulgação

Page 26: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201328

ENTREVISTAENA DE ARAÚJO

Ala

n S

ampa

io

a pedaGoGa ena de aRaúJo: no ambiente da saúde, há os que pensam e os que executam

Page 27: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 29

gilSon JoRge

Como a invisibilidade dos profissionais técnicos de saúde pode ser percebida?Ena de Araújo – Ela existe, é real e per-cebida de forma mais contundente na di-visão e fragmentação das ações por eles exercidas, além dos salários – de forma mais evidente. No ambiente da saúde, há os que pensam e os que executam.

Há situações em que essa realidade se transforma em assédio moral?Ena – Isso é uma coisa muito delicada de se falar, mas as evidências existem – inclusive com uso de expressões do tipo “faça o que eu mando, mas não faça o que faço”. Só que as pessoas têm medo de fa-lar para não perder o emprego, a gratifica-ção. Elas falam aquilo que os gestores, os seus superiores gostam de ouvir. É uma coisa muito velada, como não é claro o assédio moral em lugar nenhum.

Na Europa, enfermeiros e técnicos exer-cem atividades que no Brasil são prerro-gativas exclusivas dos médicos. A Lei do Ato Médico é atrasada sob esse aspecto?Ena – A Lei do Ato Médico foi alvo de críticas por diversas categorias, e muitas ponderações, que acabavam restringindo a atuação dos médicos, acabaram sendo vetadas pelo Executivo. Lembro de um caso em que uma enfermeira docente foi levada à justiça porque estava ensinando consulta de enfermagem – uma prerroga-tiva prevista na Lei 7.498/86, que regula-menta o exercício da profissão. É como se o termo consulta, em toda a sua acepção, fosse de propriedade exclusiva dos mé-dicos. A gente consulta a cartomante, o dicionário, a bula do remédio. Não é pos-sível haver um dono para o termo.

Há muito corporativismo e classismo en-tre os médicos?Ena – Há uma divisão de classes clara. E um histórico das profissões que justifica

esse status. Afinal, os alunos de medicina saem, com raras exceções, de uma clas-se social mais alta, de famílias que têm poderes de vocalização e aquisitivo muito evidente. Assim, o processo de trabalho em saúde é deflagrado por essa hierar-quia. É o médico que prescreve a alimen-tação do paciente e o nutricionista cum-pre. A enfermagem aplica a medicação. A farmácia fornece o remédio. De certa forma há uma “predominância” do mé-dico sobre as demais categorias. Tanto é assim que quando há uma “insurgência” para se democratizar essas ações, como a participação colegiada, discussão do pro-cesso de trabalho e gestão compartilhada, o movimento é visto como uma ameaça.

É possível medir o impacto dessa invisi-bilidade no desempenho desses profis-sionais?Ena – Não há dados estatísticos sobre a questão. Há, por outro lado, uma especi-ficidade, que é a divisão técnica do traba-lho. Há um superior, que supervisiona, e o técnico, que executa. Trata-se de um mo-delo usado em linha de montagem de uma fábrica, que é trazido para a área social. O setor, aliás, tem uma forte regulamenta-ção. A Lei do Exercício da Enfermagem, por exemplo, define todas as nuances da prática da enfermagem – inclusive as ações de supervisão e ensino. Cabe ao au-xiliar, contudo, as ações repetitivas, como se eles não pensassem. Sempre lutei con-tra esse status, porque se trata de traba-lhadores que cuidam da vida de pessoas. Desde a época do DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público, cria-do em 1938), porém, esses profissionais são definidos como auxiliares de serviços diversos. Algo que perdura até hoje. Essas pessoas não têm identidade profissional e não são sindicalizadas. Compõem uma massa de manobra para executar tarefas que não exijam grandes preparos. Mas na

“A invisibilidade dos profissionais técnicos de saúde existe. e é real”Diretora da Escola Técnica de Saúde de Brasília (Etesb), a pedagoga Ena de Araújo critica o excesso de poder dos médicos na rotina dos hospitais e defende uma gestão de saúde menos verticalizada e com decisões colegiadas

área da saúde até a limpeza requer conhe-cimento científico, já que uma ação mal executada pode disseminar uma infecção hospitalar em toda a unidade.

Como essa invisibilidade se manifesta no SUS?Ena – O que eu vejo no SUS de forma mais clara é que, primeiro, o sistema de saúde ainda hoje é centrado na doença, no hospital e no lugar individual. Nesse ambiente, são requeridos, predominante-mente, profissionais de nível superior – por disporem de um melhor aparato para resolver os problemas. Eles assumem o comando e gerem os processos de traba-lho dos profissionais técnicos. Para o nível médio, é muito recorrente o trabalho em procedimentos do tipo “faça isso, arruma assim”. Eles vão repetindo o trabalho de forma acrítica, sem autonomia. Há pouco tempo, em um hospital público de Brasí-lia, ocorreu um episódio evitável de falha na assistência, devidamente alertado por um auxiliar, à médica responsável. Ela o interpelou e fez questão de “restabelecer a hierarquia”. O desdém diante da “intro-missão”, contudo, fez com que o paciente – uma criança – viesse a óbito. Um exem-plo desastroso da organização do trabalho no ambiente médico hospitalar brasileiro, fortemente marcada pelo verticalismo.

Como superar essa barreira?Ena – Implementando políticas que levem a decisões colegiadas, trabalho em equi-pe e valorização do profissional – tanto no que se refere aos salários, quanto aos processos de educação permanente, au-tonomia e avaliação constante de desem-penho. Ações que devem redundar em motivação financeira e meritocracia. Vale lembrar que estamos falando de enfermei-ros, técnicos e auxiliares, que correspon-dem a quase 60% da força de trabalho da saúde no nosso país.

Page 28: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201330

Expertise e investimentos em tecnologia no setor de diagnóstico por imagem serão aplicados em novos serviços de tratamento do câncer na

Bahia e em outros estados do Nordeste

Com tecnologia de ponta e a experiência de mais de 35 anos na realização de exames de diagnósti-co por imagem, o Grupo

Delfin, maior empresa do setor no Nordeste e quarta do país, passa a oferecer o serviço na área de terapia oncológica. A rede adquiriu seis equi-pamentos de radioterapia de última geração da empresa sueca Elekta. Dois deles já atendem ao público no complexo médico-hospitalar da Delfin em Lauro de Freitas (CMD), Região Metropolitana de Salvador.

Outros quatro estão no Hospital Por-tuguês e Hospital da Bahia, ambos na capital baiana, com expectativa para go-live (primeiro tratamento) até dezembro.

O novo serviço tem um vas-to campo pela frente na opinião do presidente do Grupo, Delfin Gonza-lez Miranda. Ele ressalta dados que lhe chamaram a atenção durante um evento da Elekta em que participou. “Segundo a apresentação deles, hoje existe um acelerador linear para cada 80 mil americanos, um para cada 400 mil europeus e um para

cada 2,6 milhões de latino-america-nos. É muita demanda e poucos apa-relhos”, explicou.

Com sete unidades de medicina diagnóstica na Bahia, duas em Natal (RN) e mais três clínicas para serem inauguradas na Região Nordeste, o Grupo Delfin segue para se manter como referência também nos servi-ços de terapia oncológica. De acordo com o presidente do grupo, a institui-ção mantém parcerias importantes, além de fomentar a área de educa-ção e pesquisa para discutir condu-tas e novidades do setor.

informe publicitário

GRUpo delfin CResCe e avança paRa teRapia

onColÓGiCa

DElfIn gonzalEz mIranDa E arthur rosa: seis novos equipamentos de ponta para o tratamento oncológico na Bahia

Page 29: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 31

tECnoloGiA ARRoJAdA – Os equipamentos adquiridos para o novo serviço são os mais modernos do país. “Eles permitem a realização de tratamentos extremamente perso-nalizados. Usando a modulação do feixe de radiação (IMRT), é possível esculpir a dose nos volumes que inte-gram o tratamento, seja o tumor, seja as estruturas sadias adjacentes, apli-cando somente onde é necessário. A radioterapia de arco volumétrico é outra tecnologia que permite uma en-trega de dose mais rápida, reduzindo o risco de perda com a mobilização involuntária do paciente”, explicou o coordenador médico da radioterapia do Grupo Delfin, Arthur Rosa.

Os aceleradores lineares estão capacitados para realização de tra-tamentos avançados, como a radio-cirurgia com lâminas de proteção de 0,25 cm, as menores do mercado, além da radioterapia estereotáxica fracionada craniana e a extracrania-na. Todas as tecnologias podem ser verificadas com o IGRT no momento do tratamento, através de um equi-pamento de tomografia computadori-zada integrado ao acelerador.

Outro grande diferencial dos apa-relhos é a mesa HexaPod. Os seis graus de liberdade fazem ela se mo-vimentar nos três eixos cartesianos

(x, y e z) e angular em três direções, dando mais precisão ao tratamen-to. Ele também ressaltou a estru-tura montada para a instalação das máquinas. “Construímos um bunker (ambiente blindado no qual o equi-pamento é operado), único no Brasil hoje, e, devido a alguns aspectos es-truturais do hospital, fizemos sem um vão de labirinto e com uma porta que pesa dez toneladas e é movimenta-da por um motor. Foi uma tecnologia feita para nós a partir de uma inspi-ração que tivemos com uma experi-ência na Alemanha”, revelou o físico médico Edmario Costa.

FUtURo – A segurança no vo-lumoso fluxo de informações, que a partir de 2014 será integrado por meio de conexão remota é garantida por conta da digitalização e contro-le de todos os procedimentos. “Não usamos papel, nem filmes. Fizemos também um investimento alto em dosimetria e controle de qualidade. Medimos a dose nos phantoms (sis-temas físicos que simulam os tecidos humanos) para avaliar se a dose en-tregue naquele volume é real. Tudo é feito de forma digital”, destacou Rosa.

O coordenador ainda elenca mais vantagens do serviço de terapia on-

cológica no Grupo Delfin. “Antes, as medições levavam dias. Agora, faze-mos em algumas horas e de forma mais segura. Nosso planejamento é de que, até o final do primeiro se-mestre de 2014, vamos integrar os três serviços, acelerar esse controle de informações e melhorar a segu-rança dos pacientes”, adiantou Rosa.

EqUiPE qUAliFiCAdA – Mé-dicos, físicos e tecnólogos com for-mações acadêmicas e clínicas re-alizadas em diferentes instituições nacionais e internacionais e experi-ência completa na atenção oncológi-ca fazem parte da equipe do serviço de terapia oncológica. “A educação continuada dos colaboradores que realizam o serviço no complexo mé-dico-hospitalar da Delfin envolveu alguns treinamentos na Alemanha e em São Paulo. Seguindo o plano de parceria com a Elekta, de nos tor-narmos um centro de referência em treinamento, vamos usar a expertise que adquirimos em Lauro de Freitas para treinar nestes novos equipa-mentos os profissionais que atuarão no Hospital Português e no Hospital da Bahia”, projetou Costa. A equipe da unidade em funcionamento conta com dois tecnólogos, dois físicos e dois radio-oncologistas, que podem atender até 60 pacientes por dia.

nEGóCios – Para o presidente do grupo, o novo serviço significa o fechamento do ciclo dos negócios em radiação ionizante. “Há uma relação intrínseca entre imagem e oncologia. As duas atividades se complemen-tam. Temos um histórico com o diag-nóstico por imagem e estamos em processo de expansão”, garantiu.

O pioneirismo em disponibilizar exames de ressonância magnética fora do ambiente hospitalar, se repe-tiu quando o Grupo Delfin tornou-se a primeira empresa privada no Norte e Nordeste a instalar uma indústria para desenvolver e fabricar marcadores biomoleculares (radiofármacos), utili-zados para diagnósticos em oncolo-gia (por exemplo, FDG), cardiologia e neurologia. O espaço no complexo médico também deu origem ao pri-meiro centro de pesquisa e desenvol-vimento das substâncias na região.

ElEKta aXEssE: aparelhos suecos dão mais precisão durante a terapia oncológica

Page 30: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201332

ENTREVISTAtracey cooper

“os hosPitais PREcisaM adMitiR quaNdo ERRaM”Presidente da ISQua – conhecida como a acreditadora das acreditadoras –, a irlandesa Tracey Cooper defende a “divulgação aberta” de eventos adversos aos pacientes. Uma iniciativa que já se tornou lei em muitos países

a iRlandesa tRaCeY CoopeR, pResidente do isQua: pacientes devem se “sentir ouvidos” em casos de erro médico

André Telles

Page 31: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 33

De seu escritório em Dublin, na Ir-landa, a Interna-tional Society for Quality in Health Care (ISQua), co-nhecida como “a

acreditadora das acreditadoras”, tem o papel único de fornecer reconheci-mento global para as organizações que se dedicam a estabelecer os mais altos padrões de segurança ao paciente, atra-vés do Programa de Acreditação Inter-nacional (IAP, na sigla em inglês). Até outubro deste ano, essa missão está no-minalmente a cargo da irlandesa Tracey Cooper, uma cirurgiã por formação que depois de atuar como médica em diver-sas cidades do Reino Unido retornou ao seu país natal, onde curiosamente nun-ca exerceu a medicina. “Somos pesso-as que simplesmente querem aprender umas com as outras e partilhar os seus conhecimentos”, define Tracey, cujo cargo de presidente da ISQua ela diz exercer de forma colegiada. Em conver-sa com a Diagnóstico, Tracey falou so-bre um tema que continua sendo tabu no segmento de saúde: admitir que o médi-co e o seu hospital cometeram um erro médico. “Cada vez mais, os países estão tentando melhorar a cultura que existe entre os profissionais de saúde e gesto-res para promover a ‘divulgação aber-ta’ de eventos adversos aos pacientes”, defende ela. “O hospital precisa admitir quando erra”. A convite do Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA), Tra-cey esteve no Brasil para participar do II Congresso Internacional de Acredi-tação, realizado no Rio de Janeiro, em agosto passado. Entre um compromisso e outro, a executiva deu a seguinte en-trevista à Diagnóstico.

Diagnóstico – A segurança do paciente é o lema da 30ª Conferência Interna-cional da ISQua, em Edimburgo. Qual é atualmente a maior preocupação com o bem-estar de quem está internado em um hospital?Tracey Cooper – Há um certo número de riscos para a segurança do paciente em todo o mundo, embora existam ob-viamente desafios adicionais, em regi-ões específicas, que lutam para prover os recursos básicos para os pacientes. De forma recorrente, entretanto, as in-fecções de saúde associadas, erros de

medicação, ambiente errado para cirur-gias e falhas no fornecimento das no-ções básicas de cuidados e de avaliação continuam sendo os maiores desafios para a segurança do paciente. Para as pessoas mais velhas e mais vulneráveis, proporcionar nutrição e hidratação ade-quada também são fatores-chave que precisam ser geridos de forma a reduzir o risco de danos às pessoas que estão internadas em um hospital.

Diagnóstico – Em todo o mundo, os pa-cientes têm dificuldade em provar em tribunal que foram vítimas de negli-gência médica. Nesses casos, é comum hospitais e médicos sendo acusados de não querer colaborar com as in-vestigações. Admitir erros ainda é um tabu na relação entre prestadores de serviços de saúde e consumidores?Tracey – Este é definitivamente um de-safio em muitas nações. Cada vez mais, os países estão tentando melhorar a cul-tura que existe entre os profissionais de saúde e gestores para promover a “di-vulgação aberta” de eventos adversos aos pacientes. O hospital precisa ad-mitir quando erra. Em algumas nações, isso é exigido por lei. A forma como os profissionais de saúde respondem aos pacientes e seus familiares quan-do as coisas vão mal faz uma diferen-ça significativa na maneira como esses pacientes se sentem envolvidos com a instituição. Assim, é preciso fazer com que os pacientes se sintam ouvidos e tenham confiança de que o profissional de saúde, a equipe clínica, o gerente e o hospital tenham aprendido com o inci-dente, a fim de reduzir a chance de que isso aconteça novamente.

Diagnóstico – Em sua atuação como cirurgiã, a senhora presenciou muitos erros médicos? Tracey – Testemunhei um procedimento cirúrgico incorreto, realizado na sala ao lado de onde eu e minha equipe está-vamos operando. O episódio envolveu um paciente idoso durante uma cirurgia para o que se pensava fosse uma massa em seu ceco (parte do intestino). Mas, na verdade, tratava-se de anomalia no rim direito do paciente, que estava sig-nificativamente distendido. Isso ocor-reu devido à documentação incorreta no prontuário do paciente. A equipe médi-ca não repassou as informações ou re-

alizou uma avaliação incompleta antes da cirurgia.

Diagnóstico – Como tirar proveito de casos como esse?Tracey – Quando se está ciente de in-cidentes dessa natureza, a consciência deve ficar em alerta sobre as falhas que ocorreram relacionadas aos procedi-mentos. Se espera que a falha sensibili-ze as equipe a tal ponto que novos erros não se repitam.

Diagnóstico – Há uma abundância de casos de negligência que estavam li-gados a padrões inadequados de com-portamento por parte de médicos e enfermeiros, como a falta de humil-dade, a dificuldade em trabalhar em equipe e vaidade. Estes são atributos que podem efetivamente interferir na segurança do paciente?Tracey – Isto é bastante verdadeiro. Os “fatores humanos” dos elementos de uma assistência médica segura são fundamentais. E para se evitar entra-ves decorrentes desse desvio de com-portamento, é preciso que haja uma comunicação eficaz entre as pessoas (pacientes e funcionários do hospital e entre os próprios profissionais de saú-de); relações eficazes entre profissionais de saúde e as equipes, com a vigência de equipe de trabalho (estudos têm de-monstrado que onde as equipes clínicas não funcionam eficazmente, em segui-da, os serviços são mais propensos a ser inseguros); e, por fim, o comportamento eficaz entre os profissionais de saúde e entre os profissionais de saúde e pa-cientes. No coração desses fatores está a necessidade de uma liderança forte, eficaz e uma positiva e aberta cultura de aprendizagem.

Diagnóstico – Que desafios devem ser superados pelos hospitais para aten-der com mais segurança o aumento da participação dos idosos no sistema de saúde?Tracey – Há uma série de demandas a serem supridas, que incluem a com-preensão das alterações fisiológicas e físicas das pessoas à medida que enve-lhecem e a necessidade de nutrição e hidratação adequadas. O entendimento de que as pessoas mais velhas podem ter problemas com a viabilidade de sua pele e podem ser menos móveis e, por-

Page 32: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201334

ENTREVISTAtracey cooper

tanto, ter maior risco de desenvolver úlceras de pressão é um ponto pacífico a ser perseguido pelas equipes médicas. Há outros pontos relevantes, como a ne-cessidade de que as pessoas sejam man-tidas tão móveis quanto possível, bem como garantir que os pacientes idosos não estejam usando mais medicação do que necessitariam. Esses também são fatores importantes que devem ser leva-dos em conta.

Diagnóstico – A senhora veio ao Brasil a convite do CBA. O que sabe sobre o sistema de saúde nacional?Tracey – Estou familiarizada apenas com as informações que tenho colhido de colegas no Brasil e da minha com-preensão sobre os desafios que o país enfrenta, que são semelhantes aos de muitas outras nações

Diagnóstico – O ex-secretário do Te-souro dos EUA, Paul O’Neill, defendeu em um artigo publicado no Journal of JCI, que hospitais apliquem métodos de organização da indústria, como a resolução de problemas na hora em que eles ocorrem. O que mais o setor hospitalar pode aprender de outros ramos da economia?Tracey – Acho que o segmento de saú-de, de forma geral, pode aprender, de fato, como outros setores industriais ge-renciam os seus negócios. E isso já vem ocorrendo. Por exemplo, usando prin-cípios de gestão da qualidade, controle estatístico de processo e redesign. Esse legado se estende também às indústrias de alta confiabilidade, que são especia-listas em reduzir a variações e eliminar o risco de erros repetidos. Outra referên-cia importante vem da gestão dos recur-sos humanos do setor aéreo, que resulta em menos acidentes e um desempenho focado no trabalho de equipe e baseado em uma cultura de comunicação aberta.

Diagnóstico – A senhora esteve em Gana neste ano, verificando o uso das tecnologias de baixo custo na área da saúde, tais como o uso de aplicações móveis que orientam grávidas em áre-as remotas sobre o nascimento e os primeiros meses de vida da criança. Fale sobre a importância dessas tecno-logias em comunidades pobres.Tracey – Sim, estivemos em Gana, em fevereiro, com colegas de 17 países em

toda a África e da OMS e Usaid. Ouvi-mos excelentes exemplos de progressos significativos que estavam sendo feitos em alguns países para reduzir a morta-lidade materna, as mortes de crianças menores de 5 anos de idade e a ocorrên-cia de HIV/Aids, tuberculose e malária. Uma série de excelentes exemplos en-volveu o uso de tecnologia de telefonia móvel para lembrar as mulheres sobre a importância de se manter fiéis às con-sultas clínicas de pré-natal e pós-natal, além do uso de aplicativos para fornecer acesso a aconselhamento clínico e orien-tações dos profissionais de saúde nos lu-gares mais remotos.

Diagnóstico – A senhora declarou re-centemente ter ficado constrangida pelo fato de que os países ricos “não fa-zem o melhor uso da tecnologia de que dispõem”, em comparação, por exem-plo, a países africanos com poucos re-cursos, onde há experiências simples, mas entusiasmadas de medicina. São diferentes lógicas de atenção médica? Tracey – Em Gana, ouvimos exemplos surpreendentes e bastante impressionan-tes de melhorias tangíveis em qualida-de e segurança, com o uso de recursos limitados. Ao retornar da África, um

relatório sobre as mortes evitáveis de pacientes em um hospital na Inglaterra foi publicado – o inquérito sobre o Mid Staffordshire Hospital Foundation Trust. Era um contraste sobre algo que ocor-reu em um país rico e desenvolvido, em comparação com o que havia testemu-nhado na África em termos de paixão, comprometimento e melhorias mensurá-veis na qualidade e segurança do pacien-te. Minha conclusão foi a de que muito mais poderia ser alcançado, na África, com os recursos disponíveis em países desenvolvidos.

Diagnóstico – O relatório citado pela senhora, divulgado em fevereiro deste ano, mostrou que mais de 1.200 pa-cientes morreram no Mid Staffordshire Hospital entre 2005 e 2008, por causas relacionadas à negligência. Que tipo de impacto uma experiência traumática como essa causou nos padrões de se-gurança hospitalar do Reino Unido?Tracey – Repercutiu enormemente nas discussões sobre a questão, não apenas no Reino Unido, mas em diversas outras nações. Principalmente no que se referiu à essência mais fundamental dos cuida-dos e da liderança nas organizações de saúde, além das organizações nacionais que supervisionam, gerem o desempe-nho e regulamentam os profissionais de saúde. Isso resultou em uma revisão dos tipos de informações coletadas como indicadores de qualidade, segurança e um compromisso de alinhar as priori-dades para se concentrar nos elementos importantes do cuidado, bem-estar, res-peito e deveres básicos dos profissionais de saúde. Além disso, foram reforçados os fundamentos de uma liderança forte, com coragem necessária para garantir que as instalações de saúde tenham uma cultura justa e aberta, que sejam total-mente dedicadas ao fornecimento de um atendimento seguro e de alta qualidade para os pacientes e não se distraiam deste objetivo.

Diagnóstico – No próximo ano, a Confe-rência Internacional da ISQua acontece no Rio de Janeiro. Como está o processo de organização?Tracey – Progredindo excelentemente. Será uma excelente oportunidade para mostrar o trabalho emocionante que está acontecendo na área de qualidade e segu-rança no Brasil e na América do Sul.

O segmento de saúde pode aprender como

outros setores

industriais gerenciam

seus negócios. Uma

referência importante

vem da gestão dos

recursos humanos do

setor aéreo, que resulta

em menos acidentes

e foco no trabalho de

equipe

Page 33: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 35

Page 34: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201336

Page 35: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 37

Page 36: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201338

Page 37: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 39

Quem lê decide.Quem decide lê.

CaRlos edUaRdo GoUvêa, pResidente da aliança bRasileiRa da indústRia inovadoRa em saúde (abiis)

Ricardo Benichio

a Revista dos LídeRes da saúde do bRasiL

Page 38: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco
Page 39: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 41

Paulo Lopes é CEO do Grupo Organiza, headhunter, coach, palestrante e autor do livro Segredos de um Headhunter.

sos humanos. Hoje, o gerente contemporâneo deve assumir a responsabilidade direta pela gestão de pessoas da sua equipe em organizações cada vez mais horizontais. Neste contexto, o grande desafio do gestor está em exercer o papel de coach do seu time para a obtenção de altos índices de performance.

Contudo, é oportuno lembrar que, para cada gestor atuar como coach, é necessário que esta cultura parta do executivo principal, pois este, como maestro, é que ditará o ritmo da música.

Diante deste cenário, destaco que há necessidade de que os profissionais da área de recursos humanos desenvolvam muitas competências, tais como:

a) Conhecimento do negócio, pois essa compreensão lhes permite atrelar a área de recursos humanos com a estratégia e resultados da organização.

b) Fornecimento de práticas de RH para todos os líderes da organização – essa é a condição sine qua non para cultivar a “marca” profissional de RH.

c) Gestão da mudança – o profissional de RH deve ser ca-paz de diagnosticar problemas, cultivar relacionamentos com os clientes, articular a visão da empresa, definir a agenda de

liderança, resolver problemas e implantar metas.

d) Gestão de cultura – os profissionais de RH precisam compreender que eles são os “guardiões da cultura” e que seu impacto vai além das fronteiras funcionais.

e) Credibilidade pessoal – se os quatro pilares citados anteriormente podem ser con-siderados os pilares da com-

petência do RH, a credibilidade pessoal seria descrita como o alicerce em que se apoiam esses pilares. Acreditamos que esse atributo envolva três dimensões:

1. Os profissionais devem viver os valores da empresa.2. Seu relacionamento com os colegas deve ser baseado

na confiança recíproca.3. Devem agir com “firmeza”, ou seja, sustentar ideias

e estimular o debate sobre temas cruciais.Logo, o grande desafio das organizações é o investimento

na área de recursos humanos e na capacitação dos líderes para atuarem como verdadeiros gestores de pessoas e proporcio-narem às organizações um clima organizacional que permita o crescimento e o desenvolvimento organizacional de forma sustentável e produtiva.

ARTIGOPaulo Lopes

Ao longo de minha carreira profissional, tan-to como executivo, consultor empresarial e headhunter, tenho observado que há uma área crítica nas organizações que diz respei-to à liderança de pessoas.

Não importa como as organizações de-nominam seus ativos humanos – empregados, colaboradores, associados, pessoas, talentos –, o que verifico é que não é dada prioridade ao grande ativo que são as pessoas.

Nos nossos trabalhos de consultoria de gestão e desenvol-vimento de executivos, observo que é muito falada e pouco praticada a liderança de pessoas. Verifica-se que existem mui-tos motivos, mas destacaria:

• A pouca capacitação dos executivos na liderança de pes-soas.

• A função do RH não é estratégica e sim operacional.• Inexistência de políticas e cultura organizacional com

ênfase na atração, desenvolvimento e manutenção de pessoas.• Formação técnica dos executivos preponderante em rela-

ção aos aspectos comportamentais.Acredito que esses motivos têm muito a ver com a forma-

ção e desenvolvimento pessoal dos executivos. Na maioria dos treinamentos, tenho observado uma ênfase muito grande nos aspectos técnicos e pouco investimento no desenvolvi-mento de habilidades tais como comunicação, relacionamento interpessoal, inteligência emocional, liderança, criatividade, negociação e administração de conflitos.

Outro ponto altamente crítico é a falta de sistemas de ava-liação de potencial, o que pode, na prática, dificultar a pro-moção de profissionais para posições executivas quando suas maiores competências são técnicas.

Tudo isto repercute na cultura vigente das organizações brasileiras, nas quais hoje o que se fala é que há falta de talen-tos no mercado de trabalho. Até posso concordar, pois sinto na pele no nosso trabalho de headhunter. Contudo, observo que faltam competências dentro das organizações para a sele-ção, treinamento, avaliação e remuneração de pessoas.

É importante recordar que, no passado, a administração da força de trabalho era uma atividade própria da área de recur-

gesTÃO De pessOas – O DesaFiO Das OrganiZaÇÕes

O gerente contemporâneo deve assumir a responsabilidade direta pela gestão de

pessoas da sua equipe em organizações cada vez

mais horizontais

Roberto Abreu

Page 40: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201342

Um dos desafios mais importantes para os que têm responsabilidade pelo destino de nossos países é alcançar a meta de per-mitir, a todos os cidadãos, acesso a ser-viços de saúde de qualidade, de forma oportuna. Adicionalmente, conseguir a equidade e a eficiência na utilização dos

recursos destinados para tal fim. Este preceito se converte em uma exigência iminente dada a crescente fragmentação dos serviços de saúde, o envelhecimento da população, o aumento das enfermidades crônicas, a comorbidade mais complexa em

muitos casos, o aumento das expectativas e o acesso à informa-ção de parte da população.

Sob estas circunstâncias, são múltiplas as barreiras de acesso aos serviços. A sua prestação é feita em condições de-ficientes de qualidade, com altos custos e um uso irracional e ineficiente dos recursos disponíveis. O que resulta, quase sempre, em indicadores de gestão clínica deficientes e, prin-cipalmente, uma baixa satisfação dos usuários quanto aos ser-viços recebidos.

Pelo exposto, urge em muitos países da América Latina, como a Colômbia, a necessidade de mudar o enfoque tradicio-

o fUtURo dos sistemas de saúde da amÉRiCa latina:

investimento em pesQUisa

No quarto artigo da série Os Ideais da América Latina, o CEO da Fundación Cardiovascular de Colombia, Victor Raúl Castillo Mantilla,

defende investimentos do setor público de toda a região em pesquisa na área de saúde e mais recursos para a formação de

mão de obra qualificada

VISÕES DA AMÉRICAFuNDACIóN CARDIOvASCuLAR DE COLOMBIA

vicTor raúl casTillo ManTillaceO da fundación cardiovascular de colombia. formou-se em medicina na universidad juan m. corpas, de bogotá, e fez pós-graduação em cirurgia geral na universidad del valle e em cirurgia cardiovascular na universidad pontificia bolivariana de medellin

Fotos: Divulgação

Page 41: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 43

nal e atual para passar de um sistema assistencialista – centra-do na enfermidade – a um no qual se prime pela promoção da saúde e a salvaguarda de suas determinantes, tendo como eixo central a saúde pública.

Em 1978, mediante a Declaração de Alma-Ata, a atenção primária de saúde (APS) foi promulgada como estratégia para se alcançar a saúde para todos, em cumprimento do princípio de universalidade. Sob esse aspecto, se firmou como diretriz a operação de serviços integrais e centrados na pessoa – seu núcleo primário, que é a família – e em maior proporção a comunidade, com sua ativa participação. Além, é claro, do devido apoio de políticas públicas que permitem atender às ne-cessidades das populações de maneira integral e com um alto nível de serviços de saúde prestrados.

Portanto, falar do presente e do futuro da saúde implica ter claro um enfoque muito mais amplo, que transcenda as esferas biológica, psicológica, social, emocional e do indivíduo, para abarcar também seu entorno. A isso, entenda-se as condições ambientais e nível de cobertura das necessidades básicas, com um apropriado conhecimento de seus direitos que fornece ao cidadão critérios de decisão e de juízo na hora de requerer e utilizar os serviços de saúde.

Atualmente na América Latina é comum que se apresen-tem brechas claramente demarcadas em aspectos assistenciais, sociais e tecnológicos entre os serviços básicos de saúde e os de alta complexidade. Estas fissuras, na maioria dos casos, co-existem e tendem a se potencializar umas com as outras, na medida em que todos os fatores mencionados anteriormente se fazem cotidianos – tanto para o pessoal da saúde como para

os que utilizam os serviços ambulatoriais e/ou hospitalares de qualquer nível de complexidade.

Apesar do panorama exposto, há mostras claras em distin-tos países da América Latina que nos permitem ter a certeza de que, sim, pode-se conseguir o nível de saúde mais alto possível em cada indivíduo. Para isso, é necessário que os governos foquem seus esforços em garantir de maneira certa e real o di-reito à saúde mediante a definição de políticas claras, eficazes e de longo prazo. Compromisso que deve ter como garantia a qualidade da atenção, a avaliação e apropriação de novas tec-nologias, além da equidade e o acesso aos serviços de saúde por meio de ferramentas de APS e de redes integradas de ser-viços de saúde (RISS) – ações cujos frutos já foram comprova-dos em distintas partes do planeta.

Requer-se ainda como fator fundamental para a melhoria dos serviços de saúde um compromisso profundo das autori-dades na definição e implementação de políticas de qualidade na prestação dos serviços, em todos os níveis de complexidade e em instituições públicas e privadas. Estas definições deverão incorporar incentivos para que os atores do sistema se moti-vem a investir na consolidação da qualidade de suas institui-ções, gerando um círculo virtuoso de eficiência e excelência na prestação de serviços de saúde. Algo que, adicionalmente, representará uma otimização de custos para o sistema.

fUndaCiÓn CaRdiovasCUlaR de Colombia, na Cidade de bUCaRamanGa: a nona melhor instituição hospitalar da américa latina em 2012, segundo o ranking da revista américa economía

Page 42: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201344

inCidÊnCiA dos mEdiCAmEntos no CUsto dE AtEnção

O setor farmacêutico é um dos mais ativos do mercado de saúde, com vendas estimadas em nível mundial de US$ 1 tri-lhão para 2014. Para o ano quem vem, as projeções apontam para um crescimento de 5% – número que, ao menos, deve se manter nos anos subsequentes. Uma indústria que, por razões óbvias, tem relevância diferenciada em mercados de economias emergentes, como os países integrantes da América Latina.

O perfil demográfico e o comportamento das enfermidades nas populações vêm mudando, em especial no último século. Atualmente, à medida em que as populações ampliam sua ex-pectativa de vida e se tornam mais longevas, o impacto de en-fermidades crônicas e complexas é maior, requerendo atenção à saúde de maior complexidade – o que, na mesma medida, se faz acompanhar do desenvolvimento de novos medicamentos. De maneira sustentável, vem aumentando também o inves-timento em saúde no mundo. A complexidade e o custo dos medicamentos também cresceram, o que representa um dos desafios mais relevantes impostos a estados e a sociedade para garantir o acesso oportuno e equitativo aos medicamentos pela população.

Uma alternativa que se vislumbra para diminuir o custo dos medicamentos é o estabelecimento de políticas que favoreçam o desenvolvimento da indústria dos medicamentos genéricos, cuja participação no mercado aumentou – não obstante as dú-vidas e a má percepção sobre a qualidade de alguns deles. Para gerar confiança em relação a seu uso, faz-se necessário que se fortaleça o papel e a gestão das entidades reguladoras e se defina um estrito marco regulatório a respeito.

Enquanto o preço dos medicamentos depende de muitos fa-tores e tende a diminuir com o passar do tempo e a entrada de competidores, tende a ser mais alto em países com mercados precariamente regulados.

Uma estratégia válida na otimização do custo dos medi-camentos é a implementação de um sistema de regulação de preços ou do mercado, ou inclusive um mecanismo de compras centralizadas. Também se coloca a necessidade de estabelecer um controle aos monopólios sobre medicamentos específicos, através de um monitoramento dos preços e do consumo. Outra alternativa corresponde a diminuir a carga tributária sobre os medicamentos, especialmente os catalogados como essenciais.

Estima-se que na Colômbia, de acordo com dados do Mi-nistério da Saúde, o gasto com medicamentos corresponde a 30% de todo o custeio com a saúde. Este custo está espe-cialmente influenciado por aquelas substâncias de recente de-senvolvimento e introdução no mercado. Em especial, para enfermidades complexas como o câncer e em casos que cor-respondem a alternativas únicas de tratamento. Uma realidade que impõe sérios questionamentos à oportunidade e ao acesso aos medicamentos.

Estima-se que cerca de 30% das pessoas que têm prescrição médica não recebem o medicamento. É necessário e imperioso para os estados garantir o acesso oportuno, assim como repen-sar o paradigma de que um medicamento, por ser novo, deve ser custoso. Há um claro interesse e necessidade das socieda-des e dos estados de prover e dispor de medicamentos a baixo custo, que permitam dar viabilidade aos sistemas de saúde e

representem para a população a possibilidade de acessar e dis-por de tratamentos adequados.

tECnoloGiA inFoRmátiCA E intEGRAção PARA FEChAR BREChAs

A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), no docu-mento número 4 da série A Renovação da Atenção Primária de Saúde nas Américas, publicado em 28 de maio de 2010, assina-lou que os sistemas de saúde das Américas se caracterizam por altos níveis de fragmentação de seus serviços. Uma anomalia que se manifesta com a falta de coordenação entre os níveis e locais de atenção, duplicidade nos serviços e infraestrutura, capacidade instalada ociosa e serviços de saúde prestados no local menos apropriado. Na experiência dos pacientes, esta fragmentação se expressa como inacessibilidade aos serviços, perda de oportunidade e falta de congruência ajustada a suas necessidades.

Para dar resposta a estas necessidades, deve-se materializar a implementação de modelos de atenção em saúde baseados em Redes Integradas de Serviços de Saúde (RISS), as quais, atra-vés de serviços de telemedicina e mediante ferramentas infor-máticas, gerenciam os diferentes níveis de complexidade dos serviços de saúde para unificar e melhorar a disponibilidade e usabilidade da informação de saúde de cada um dos cidadãos. De tal maneira que se consiga , dessa forma, a integração das RISS com a história clínica e o familiograma de cada paciente, rompendo, assim, com a fragmentação e segmentação da aten-ção e melhorando a equidade, a eficiência e a racionalidade.

PEsqUisA Em sAúdE nA AmÉRiCA lAtinAA pesquisa em saúde na América Latina enfrenta um desa-

fio comum, que foi discutido na Primeira Conferência Latino--Americana sobre Pesquisa e Inovação para a Saúde: Como fazer com que a investigação atenda às prioridades de saúde

VISÕES DA AMÉRICAFuNDACIóN CARDIOvASCuLAR DE COLOMBIA

a pesquisa em saúde na américa latina enfrenta um desafiO cOmum, que fOi discutidO na primeira cOnferência latinO-americana sObre pesquisa e inOvaçãO para a saúde: cOmO fazer cOm que a investigaçãO atenda às priOridades de saúde dOs países e cOntribua para O desenvOlvimentO equitativO na américa latina?

Page 43: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 45

Page 44: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201346

dos países e contribua para o desenvolvimento equitativo na América Latina?

Para assumir este desafio, requer-se a responsabilidade in-delegável dos estados para fortalecer os sistemas nacionais de ciência e tecnologia. A partir dos quais, de forma consensuada com os atores requeridos, devem se construir políticas efetivas que articulem a pesquisa e a inovação com as prioridades do desenvolvimento social e de saúde pública. Políticas que de-vem ser mantidas dentro de um prazo, com metas claras e com indicadores que sejam avaliados de forma contínua.

De maneira simultânea, requer-se que a América Latina (AL) incremente o investimento em pesquisa e desenvolvi-mento (P&D). Segundo o informe InnovaLatino: Impulsionan-do a inovação na América Latina, atualmente, o investimento público e privado em P&D da AL se encontra atrasado se o compararmos com o dos países da Organização para a Coope-ração e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o dos po-deres econômicos emergentes da Ásia. Entretanto, existe uma grande heterogeneidade no investimento. Na média, a América Latina investe 0,3% de seu PIB em P&D – dois pontos per-centuais abaixo da média sugerida pela OCDE (2,3%) e mui-to abaixo de países como EUA ou Japão, que investem 3% e 3,5%, respectivamente. Entre os países latino-americanos que mais destinam recursos em P&D se encontram Brasil (1,02 %) e Chile (0,67%), e entre os que menos investem, Honduras (0,04%) e Nicarágua (0,05%). A Colômbia investe 0,17% do PIB em P&D.

Por outro lado, faz-se necessário seguir trabalhando na for-mação de talento humano altamente qualificado e na criação de espaços oportunos para que estes investigadores se integrem aos setores acadêmicos e produtivos, a partir dos quais se im-pulsione a pesquisa em saúde. Sob esse aspecto, faz-se neces-sário trabalhar e persuadir os que tomam decisões de Estado em saúde sobre as vantagens estratégicas e o valor agregado da pesquisa como insumo fundamental para a tomada de decisões.

Por último, deve-se seguir insistindo na cooperação regio-nal e internacional em P&D como fator-chave para permitir a redução das desigualdades em matéria de conhecimento, tecnologia e financiamento. Para isso, se requer a geração de estratégias e projetos de cooperação baseados em interes-ses comuns e complementares, conciliando, por sua vez, in-teresses da propriedade intelectual com os da saúde pública. A EdUCAção Em sAúdE E tAlEnto hUmAno nA AmÉRiCA lAtinA

Em relação à educação em saúde e diante da imperiosa ne-cessidade de contar com profissionais em número suficiente, competentes e de qualidade, a América Latina deve se preparar para iniciar uma transformação nos processos educativos em saúde. É imperioso, contudo, que tal objetivo se dê situando as necessidades em saúde da população com o objetivo principal da formação do profissional, cuja avaliação de desempenho e processo formativo devem estar em sintonia com os impactos na saúde da população.

As instituições educativas deverão melhorar os métodos educativos, fazendo-os menos estáticos e fragmentados, forta-lecendo os programas de pós-graduação, os planos de estudo e a sua avaliação. Os programas de formação deverão se integrar, revisando e reorientando os processos de formação para uma

melhor qualidade e responsabilidade social dos graduados. Medidas que levariam as instituições universitárias a revisar seus programas de formação e a reincorporar a seus currícu-los as competências que permitam aos profissionais de saúde desempenhar um papel protagonista nos programas de atenção primária em saúde da região.

Como resposta a estes desafios, os programas de formação em saúde deverão se orientar pelo uso das tecnologias de infor-mação, comunicação e pela gestão da inovação, além da inves-tigação, da ética, da segurança do paciente e da humanização dos serviços de saúde. Tudo isto em consonância com os avan-ços no conhecimento científico, a incorporação de novas tec-nologias e a globalização. O profissional da saúde deverá ainda ser tecnicamente competente e ter a capacidade de desenvolver trabalho colaborativo, de se comunicar em diferentes idiomas e com diferentes culturas. Some-se a isso, a capacidade para o gerenciamento e administração dos recursos da saúde e para se adaptar a um entorno em mutação.

Para isto, mais uma vez, as universidades e centros de for-mação da América Latina deverão estar capacitados para res-ponder às necessidades mutantes de uma região mais interco-nectada e intercultural, oferecendo as respostas e as soluções que a comunidade e o avanço da ciência e do conhecimento requerem. Isso vai desde os serviços de atenção primária em saúde até a prestação de serviços em instituições de alto nível de complexidade, que dispõem em suas rotinas do uso cons-tante de telemedicina, biotecnologia, bioinformática, entre outros aribultos de vanguarda. A inclusão da investigação dos programas acadêmicos fortalecerá os profissionais da saúde ao provê-los com conhecimentos e ferramentas para a resolução de problemas da região e do mundo, de maneira mais ampla.

Nos próximos anos, a América Latina deverá enfrentar grandes desafios regionais e globais, dados por um rápido crescimento da economia, mudanças sociais, políticas e das populações, que vão requerer talento humano suficiente para responder às necessidades em saúde da população. Assim, a oferta educativa estará orientada a formar profissionais e tra-balhadores da saúde competentes e capazes de responder aos desafios da região. Os países promoverão, desta forma, o de-senvolvimento de estratégias que incentivem o talento humano em saúde para trabalhar nas diferentes zonas da geografia, de maneira tal que os serviços de saúde possam ter um caráter mais equitativo e universal para toda a população da AL.

Dessa forma, poderão ser estabelecidos programas de edu-cação continuada, estímulos para a formação e a criação de redes colaborativas, entre outras, para apoiar o talento humano em saúde. Nisso, o componente das tecnologias da comuni-cação e informação se constituem e fatores-chave do êxito ao facilitar a acessibilidade à formação e educação continuada do talento humano.

O Estado, por outro lado, deverá ser capaz de responder às necessidades e expectativas do talento humano em saúde, para harmonizá-las com as necessidades da região e para criar e adaptar postos de trabalho atraentes e de acordo com as trans-formações sociais da América Latina.

O sistema educativo, na mesma medida, deverá se compro-meter firmemente com os programas de qualidade que promo-vam a transversalidade dos conhecimentos e a educação mais generalista.

VISÕES DA AMÉRICAFuNDACIóN CARDIOvASCuLAR DE COLOMBIA

Page 45: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 47

Page 46: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

o doNo do jogo

Caçula de uma família de descendentes de alemães, Paulo Magnus, dono da MV, não gosta de perder. Um dia decidiu que sairia do campo, no interior do Rio Grande do

Sul, para nunca mais voltar. Ganhou o Brasil

paUlo maGnUs, da mv: operações no méxico e no Chile e market share de 50% no mercado de hospitais do brasil, acima de 50 leitos

EMPREENDEDORISMOMv

Ivan Baldivieso

Page 47: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 49

Imagine uma final de campeonato de vôlei de praia. Uma dupla ven-ce por 10 a 2, no calor escaldante do litoral do Recife. A essa altura, virar o jogo parece algo impos-sível, certo? Depende de quem está jogando. “Essa partida foi

histórica, já que recuperamos e ganhamos o jogo”, recorda Eduardo Queiroz, supe-rintendente da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, que faz questão de dar o crédito da vitória ao companheiro na empreitada. “Paulo Magnus sempre foi perseverante. Ele não vê problema em nada. Quanto mais difícil, melhor”. Queiroz trabalhou por quatro anos no Hospital Memorial Guararapes, na cidade Jaboatão (PE), cujo mantenedor é Paulo Magnus – fundador da MV – e com quem o parceiro diz ter aprendido muito vendo o estilo Magnus de gerir os negócios. Jogador nato e muito competitivo, o empresário não sabe o sig-nificado das palavras mau humor e timi-dez. Esse dinamismo não agrada a todos, é fato. Mesmo assim, ele conseguiu criar uma sólida rede de relacionamento para dar suporte ao que muitos chamam de “ideias malucas”, mas que, via de regra, dão certo. Está aí a MV para provar que audácia não faz mal a ninguém.

“Fui engraxate, jornaleiro, leiteiro, maleiro. Meu pai dizia que a única forma de sair da vida humilde é estudando. E foi o que eu fiz. Abracei toda oportunidade que tive para continuar estudando”, conta Paulo Magnus. O caçula de uma família de descendentes alemães perdeu o pai aos 12 anos na Colônia de São Pedro, no Rio Grande do Sul. Sua adolescência foi mar-cada por buscar formas de não ter de voltar ao campo. Foi para Torres fazer o segundo grau, onde trabalhou em uma imobiliária, até conseguir um trabalho como faturista no Hospital Nossa Senhora dos Navegan-tes. A primeira experiência empresarial de Magnus nasceu de um movimento novo no setor de saúde: a terceirização do fatu-ramento das contas hospitalares, no início dos anos 1980. A RM Processamentos de Dados foi aberta em parceria com colegas do trabalho. Mas o empresário, que tinha se formado em engenharia eletrônica, so-nhava mais alto.“Queria produzir sistemas que melhorassem a vida dos hospitais. Na-quele ponto, eu entendia de faturamento, mas só isso não resolvia a questão”, conta Magnus. A cisão da empresa aconteceu em 1987. Os sócios queria continuar apos-tando na terceirização; Magnus acreditava

que o futuro estava na tecnologia. Nascia assim a MV Informática. O empreendedor diz que, a partir daí, o desenvolvimento do negócio foi um misto de sorte e trabalho. “Se hoje a gestão na saúde ainda é con-siderada frágil, imagine lá atrás, quando começamos, em que não havia sequer computadores nos hospitais”, lembra. A terceirização de faturamento continuou sendo um dos serviços-chave da empresa por muitos anos. A abertura de uma filial do negócio em Recife foi rápida, em 1988. Um ano depois, a MV estabeleceu contra-to com a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco para realizar o faturamento das contas hospitalares e apontar soluções para a melhoria da receita de 200 hospi-tais. O universo das filantrópicas também estava na mira da companhia. Com bons relacionamentos na Confederação das Mi-sericórdias do Brasil, a MV começou pres-tando serviços para o Hospital Tricentená-rio de Olinda. Essas empresas chegaram a representar mais da metade da carteira de clientes da MV.

Só na década de 1990, a MV começou a atuar com sistemas integrados para fatu-ramento e atendimento. O Sistema de Ges-tão Hospitalar Integrado (SGHI) foi um dos primeiros do país a atender à maioria das funções de um hospital. Foram tempos difíceis para o setor, com o empobreci-mento dos hospitais que trabalhavam com o Sistema Único de Saúde. “Muitos hos-pitais privados filantrópicos, com bastante serviço e pouca qualidade, passaram a ter maior exigência do governo”. O resul-tado? A oferta de leitos foi reduzida para atender às demandas de qualidade, mas a remuneração não aumentou para compen-sar as perdas. O setor precisou reorganizar os negócio e diminuir a dependência do SUS, e a MV também teve de se reorga-nizar. “Crescemos muito de 1987 a 1994. Depois desse ano, até 2000, passamos por um período de dificuldade e tivemos que migrar nossa carteira de clientes”, expli-ca. A MV passou a buscar espaço entre as empresas particulares para diminuir a dependência dos hospitais do SUS e filan-trópicas. A maior diferença foi no tamanho dos projetos. Se antes a MV podia fazer projetos “em casa”, passou a ter de im-plantar sistemas de ponta diretamente nos clientes. “Custo maior, maior obrigação”, lembra Magnus.

Era preciso atestar a qualidade dos pro-dutos da MV. A companhia firmou uma parceria com a Oracle Corporation, pas-

Regiane de oliveiRa

sando a integrar o Oracle Partner Program (OPP) – programa mundial de parcerias que a Oracle possui para atestar e desen-volver tecnicamente os produtos baseados em sua tecnologia. O lançamento do Siste-ma MV 2000, em 1998, foi uma consequ-ência. O produto reunia tecnologia Oracle em desenvolvimento de sistemas e moder-nos conceitos de administração hospitalar. “Conseguimos construir uma plataforma muito aderente à realidade do Brasil, em uma época em que muitas empresas de fora até tentaram entrar no mercado, mas não conseguiram se manter”, conta o em-presário, que garante ter hoje duas concor-rentes: a Agfa HealthCare e a Philips.

AqUisiçõEs – Para se manter forte, a MV foi às compras. Adquiriu, dentre ou-tras, a primeira empresa a fornecer siste-mas de tecnologia para a saúde, a Hopida-ta, em 2012. Para sanar a deficiência em software de imagem, a MV também com-prou o Grupo Microdata no ano passado, fechando assim 100% de atendimento da cadeia de saúde. Com as aquisições, a MV chegou a cerca de mil unidades de saúde em sua carteira de clientes. Sobre a parti-cipação da MV no mercado, Magnus afir-ma que há várias formas de analisar esse desempenho no Brasil. Se considerado o universo de 5 a 7 mil hospitais, a MV tem cerca de 20% de participação. Por outro lado, se forem tomados apenas os gran-des hospitais – com mais de 50 leitos –, a empresa chega a um market share de 50%. “Ainda temos uma lista para novas aqui-sições”, adianta Magnus. Mas também há oportunidades no mercado externo. Com operação em Angola, desde 2003, a MV começou recentemente a atuar no Méxi-co e Chile. O acirramento da velocidade de compras está em linha com a entrada de um novo parceiro, o fundo americano Insight Venture Partner, que adquiriu uma participação minoritária de 20% na em-presa no final de 2012. Magnus garante que a Insight tem pouca interferência nas ações da empresa. Porém, as coisas estão diferentes. A MV não divulga mais seu faturamento, por exemplo. Expectativa de crescimento? “Deixa prá lá”, diz Magnus. Uma novidade para quem, até há pouco, gostava de contar que a MV teve uma receita de R$ 154 milhões no ano passa-do, com crescimento de 54% em relação a 2011. Será uma mudança nas regras do jogo? Seja o que for, Paulo Magnus não entra em quadra para perder.

Page 48: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201350

ENSAIOENSINO MéDICO

os líderes empresariais podem ensinar os médicos a serem mais criativos

RoBeRt PeaRl

paRa o CiRURGião plástiCo e pRofessoR de neGÓCios de Yale, RobeRt peaRl, o atUal modelo de ensino mÉdiCo inibe o pensamento alteRnativo

Page 49: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 51

O sistema hierárquicO da educaçãO médica garante que as verdades de Ontem permaneçam as respOstas de amanhã [...]. Os médicOs dO futurO precisarãO de muitO mais criatividade

A primeira vez que pus os pés no campus da minha faculdade de medicina percebi que te-ria que deixar a minha criatividade na porta. Para a maioria dos estudantes de medicina e residentes em treinamento hoje, essa experi-ência permanece inalterada.

O objetivo da educação médica é ensinar aos médicos aspirantes “o caminho certo” para prestar cuidados médicos. Para a maioria dos pacientes – e para muitos médicos – há conforto nas respostas definitivas que os médicos são ensi-nados a oferecer. Mas o mundo está mudando.

A criação do conhecimento está se acelerando, e os proble-mas de saúde estão se tornando mais complexos. Os médicos do futuro precisarão de um conjunto de habilidades diferentes e de muito mais criatividade. Para entender melhor essas necessida-des, vamos comparar a educação médica com a abordagem da escola de negócios.

Eu tenho o privilégio de ensinar tanto na Faculdade de Me-dicina quanto na graduação da Escola de Negócios de Stanford. Estas duas academias são muito próximas geograficamente, mas suas culturas são mundos separados. Os estudantes de medicina aprendem por repetição – memorização baseada na repetição. Mas, para os estudantes de negócios, a educação acontece através de estudo de caso, análise e discussão.

Na escola de negócios, histórias sobre uma determinada em-presa ou líder forçam os estudantes a analisarem um dilema e oferecerem suas próprias soluções. A diversidade de pensamen-to é valorizada, e as retomadas de discussões são comuns. Os alunos apontam para suas próprias experiências prévias e o seu conhecimento como base para as suas reivindicações. Eles são desafiados por colegas a defender suas soluções – e raramente há apenas uma solução certa.

A disciplina que eu ensino na escola de negócios, Liderando a Mudança Estratégica no Setor de Saúde, incentiva os alunos a pensar grande e sem limites. Gasto o mínimo de tempo apresen-tando aos alunos “os fatos” – eles podem ler sobre isso em seu próprio ritmo. Assim, mutualmente meus alunos incentivam uns aos outros a desenvolver novas ideias que poderiam transformar o setor de saúde.

Estudantes de negócios entendem que o caminho empresarial é inteiramente baseado no mérito. Só o conhecimento, trabalho e criatividade importam. O fracasso é aceito e até acolhido. As his-tórias heroicas são muitas vezes sobre as pessoas que fundaram várias startups que faliram antes de criar um sucesso. É assim que empresas que mudaram a indústria, como a Nike, a Sun Mi-crosystems e a StubHubwere se formaram. A escola de medicina não poderia ser mais diferente. O processo de aprendizagem du-rante os primeiros dois anos envolve predominantemente memo-rização. Um dia, os estudantes memorizam os ossos do pulso. No dia seguinte, eles memorizam as etapas do ciclo de Krebs – série de reações químicas que ocorrem na vida da célula e seu metabo-lismo. Há uma razão sólida para isto. Os estudantes de medicina precisam desta informação para oferecer o melhor atendimento aos pacientes. Ninguém se sentiria confortável com um cirurgião iniciante que decidisse empregar uma nova, “criativa” aborda-gem cirúrgica que não tinha sido testada. Mas o foco singular deste modelo de instrução inibe o pensamento alternativo. E o sistema hierárquico da educação médica garante que as verdades de ontem permaneçam as respostas de amanhã. O fracasso não é

tolerado, a criatividade é desencorajada, e os médicos aspirantes são ensinados a se proteger aceitando a sabedoria transmitida pe-los seus professores. Os estudantes de medicina sabem que não podem dar errado se aderirem a “padrões da comunidade”.

“PEnsAR FoRA dA CAixA” – O processo pelo qual os professores ensinam a medicina sufoca a criatividade. Mesmo décadas depois de sua graduação, os médicos continuam influen-ciados tanto pela sua instituição como pelos avanços na sua espe-cialidade. Pior ainda, este processo sufoca o espírito inovador ne-cessário para transformar a saúde. Não é de admirar que poucos médicos estejam confortáveis em “pensar fora da caixa”.

Ainda que os médicos sejam as melhores pessoas para liderar mudanças na área da saúde, poucos estão na vanguarda das trans-formações mais influentes na prestação de assistência médica. Até agora, essas mudanças foram impulsionadas pela tecnologia moderna e lideradas por contribuintes do lado de fora olhando para dentro da medicina.

Empresas de prontuários eletrônicos dos pacientes (PEP) como a Epic e Athenahealth têm transformado a maneira como as instalações médicas operam. A Vocera, fornecedora de um sis-tema de comunicação mãos-livres, redefiniu a forma como mi-lhares de enfermeiros trabalham. A HealthTap está virtualizando cuidados com uma plataforma online que permite que os pacien-tes façam perguntas aos médicos licenciados.

Essas empresas foram fundadas por pessoas com formação em ciência da computação, matemática aplicada e negócios. A importância destas inovações não pode ser minimizada. Mas se o processo de inovação médica é estruturado e liderado principal-mente por quem nunca praticou a medicina clínica, suas soluções não vão resolver completamente as necessidades de pacientes e médicos. E, por isso mesmo, essas respostas nunca serão eficien-temente adotadas. Os médicos são uma parte crítica da equação. Se os médicos simplesmente servem como consultores ou reato-res para inovações propostas, o processo de mudança irá falhar.

Precisamos repensar a educação médica e se queremos médi-cos que descubram e criem a próxima geração de soluções. E não vai ser uma escolha “ou/ou”. Ambos, médicos e líderes empresa-riais, devem trabalhar juntos. Educadores médicos precisam re-ter o que é necessário no currículo de hoje, enquanto promovem abordagens criativas e incentivam os alunos a desafiarem o status quo. Até que isso aconteça, as melhores soluções permanecerão ocultas e a saúde de diversas nações irá sofrer.

Robert Pearl é médico formado pela Escola de Medicina da Universidade de Yale, com residência em cirurgia plástica e reconstrutiva na Universidade de Stanford, onde ensina estratégia, liderança e tecnologia. É colunista da revista Forbes.

Page 50: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013

carogestor

a chamada Geração Y (seres inquietos e bastan-te competitivos) já começa a assumir cargos de comando em grandes corporações – eles sur-giram na década de 80, segundo especialistas. trata-se de uma comunidade pouco habituada a lidar com o “não” e bastante hedonista (buscam o prazer do dinheiro a qualquer custo). Como es-sas prerrogativas vão impactar o futuro da ges-tão?

Carlos sampaio – maringá/pRPrimeiramente, considero importante reduzir o peso do

rótulo que estamos colocando sobre estes jovens. Nem todos têm essas características e com tal intensidade. Convivo com muitos deles em vários programas realizados pela Fundação Dom Cabral, de trainees a especialização, e vejo comporta-mentos variados, sendo que muitos não se encaixam no pa-drão que lhes está sendo imposto. Sou da chamada Geração Baby Boomer e não reconheço entre meus contemporâneos comportamentos tão semelhantes, bem como nas gerações se-guintes, que correspondam tão exatamente às características apontadas. Aliás, os especialistas recomendam estes cuidados.

O fato é que um novo mundo do trabalho está nascendo de-baixo de nosso nariz, por diversas razões, não apenas devido à Geração Y, que é de certa forma causa e consequência delas. A evolução tecnológica cada vez mais veloz e impactante e as profundas transformações sociais têm obrigado as organiza-ções a adotarem novas configurações e modelos de negócios e de gestão. Teorias da administração que vigoraram até 20 ou dez anos atrás começam a ser questionadas e substituídas gradualmente por novas ainda não suficientemente validadas, particularmente no campo do comportamento e do desenvolvi-mento organizacional. Apenas tomando como um exemplo, só muito recentemente a gestão das emoções, uma característica inerente ao ser humano, começou a ser estudada como um fator importante a ser considerado no ambiente de trabalho, no qual a gestão pela razão sempre predominou. O que quero dizer é que não é para gerir a Geração Y que devemos nos preparar, mas para um novo mundo do trabalho, no qual o ser humano será visto como tal e não mais como uma mera engrenagem da empresa-máquina em que só podia dizer “sim”, atendendo a regras ainda vigentes na maioria das organizações, como, por exemplo, a do “manda quem pode e obedece quem tem juízo”.

osvino souZa

52 Diagnóstico | jul/ago 2013

Page 51: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Osvino Souza é professor da Fundação Dom Cabral nas áreas de Comportamento e Desenvolvimento Organizacional.

53 Diagnóstico | jul/ago 2013

a meritocracia ainda é a melhor fórmula de se fa-zer um time vencedor? por que muitas empresas ainda falham ao implantar esse tipo de estratégia?

alessandro ferreira, são paulo/spNa seção Caro Gestor da edição nº 21 desta revista, respondi

a uma pergunta sobre meritocracia. Sugiro que você a leia, pois nosso espaço aqui é muito pequeno. Vou tentar ampliar a respos-ta. Todo ser humano normal gosta de ter seus feitos, suas realiza-ções reconhecidas. Todo ser humano gosta de ser distinguido dos outros pela diferença que faz em qualquer campo de sua vida. No campo do trabalho isto não é diferente. Gostamos e queremos ser reconhecidos pelos nossos feitos e pelas nossas diferenças, desde que seja em nosso favor. Não é fácil implantar um sistema de meritocracia por várias razões. A primeira delas é a justiça do sistema. Ele precisa tratar todos de forma justa, e aí começam as dificuldades (e que dificuldades!), uma vez que entramos no campo da subjetividade. Como definir um tratamento justo para todos se cada um tem sua percepção do que é justo? Se cada um percebe suas realizações como as melhores e se sente diferente e melhor dos que os outros? Por mais que a organização se em-penhe para criar um sistema justo do seu ponto de vista, será do seu (organização) ponto de vista. Haverá sempre alguém que não concorda com este olhar. Mesmo quando o sistema é construído de forma participativa, não há como chegar a um consenso que agrade a todos. Além disso, um sistema construído hoje, para uma determinada situação, pode não valer para amanhã, dada a velocidade e intensidade com que as mudanças ambientais, inter-nas e externas, ocorrem. O sistema tem que ser ágil e adaptável a estas mudanças. Ele tem de se ajustar rapidamente à estratégia da organização, suportando-a a todo o momento, e pode diferir no tratamento entre áreas dentro de uma mesma organização. Se esta diferença de tratamento não for muito bem comunicada e compreendida pelas áreas, isso pode ser percebido como injusti-ça e repercutir sobre o desempenho geral da organização.

na mineradora vale, quem é demitido não pode mais trabalhar na empresa. na odebrecht, o fun-cionário é aposentado após 30 anos de serviço, mesmo que ainda esteja no auge da carreira. no hospital no qual trabalho, os filhos dos fundadores e as futuras gerações são proibidos de atuar no ne-

gócio. há como mensurar os resultados desse tipo de cultura organizacional? o que é certo e que é errado?

anÔnimoOs tópicos que você cita são políticas ou práticas que com-

põem o modelo de gestão de determinadas organizações. Estou no mundo do trabalho há mais de 40 anos. Conheço vários mo-delos de gestão que adotam políticas e práticas semelhantes. Eu mesmo já fui submetido a algumas delas e hoje oriento orga-nizações a identificarem aquelas que melhor se adaptam a sua cultura e estratégia. Eu diria que não há certo ou errado. Há o que é melhor para cada organização e o que é melhor é o que dá resultados. O problema está em testar políticas e práticas diferentes, quebrando paradigmas, para se certificar de que as que estão em uso hoje são as que dão melhores resultados no momento atual do negócio. Frequentemente, quando investiga-mos a origem destas políticas e práticas, verificamos que tiveram motivos aparentemente justificáveis para serem adotadas. Com o passar do tempo, foram incorporadas à cultura da organização, deixando de ser questionadas para se certificar se as justificativas iniciais ainda continuam válidas. Se isto não é mais verdade, a organização deve estar perdendo oportunidades e energia. Em empresas familiares, a questão é ainda mais complexa, pois é ne-cessário considerar as perspectivas da família, dos proprietários e do negócio em si. Alinhar os interesses dessas três perspectivas é sempre um grande desafio. Qualquer problema que ocorra numa dessas perspectivas pode gerar como reação a criação de uma política ou prática que emperre o bom desempenho do negócio. Mas o inverso também pode acontecer, ou seja, a reação pode ser para a proteção do negócio, mesmo que pareça descabida sob algum olhar. A meu ver, as medidas radicais, proibitivas, como as que você cita, deveriam ser revisitadas de tempos em tempos para verificar se as condições que as estabeleceram ainda per-manecem. Se não, deveriam ser revistas. Perpetuar um negócio familiar é sempre um grande desafio, mas ao mesmo tempo pode ser uma grande realização, motivo de grande satisfação para o fundador e para seus sucessores.

Page 52: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013

Fernando M. Machado é mestre em Administração pela Univesidade de Aston (Inglaterra) e presidente da Focototal Ltda. Foi diretor de Tecnologia das Nações Unidas entre os anos de 1981 e 2006.

reconstrutivas cerebrais da Materialise, na Bélgica, que converte IRMs e TCs, via impressoras de 3D, em modelos anatômicos es-pecíficos em três dimensões, as impressões em 3D nas recons-truções de prótese de face e cavidade oral da University College, em Londres, as curas em três dias de queimaduras de segundo grau da Universidade Wake Forest e do McDowan Institute for Regenerative Medicine, com aplicação de células epiteliais culti-vadas de amostras do próprio paciente. Da mesma forma, novos sensores em qualquer corpo, vestuário ou equipamento, poderão dialogar e interagir com instruções recebidas via internet. O nú-mero atual de aparelhos conectados à internet já é de 12 bilhões

A empresa Proteus Digital Health já aprovou, na FDA dos EUA, uma pílula-sensor ingerível cuja fonte de energia se ativa com o suco gástrico e que monitora a ação de fármacos no cor-

po humano, além de enviar os dados correspondentes a um aplicativo de celular. Espera--se que os eletrocardiogramas já poderão ser feitos também através de aplicativo para o celular, no próximo ano. Por sua vez, a medicina transfor-mativa representa inovações baseadas em rupturas tecno-

lógicas ainda mais pronunciadas. A fusão entre a medicina e as engenharias, patente na constante evolução dos equipamentos, instrumentos e procedimentos de diagnóstico médico e cirurgias, adquire agora um impulso exponencial na criação de uma nova fase evolutiva do ser humano. Na atualidade, depois de mais de 150 anos da contribuição de Darwin, a adaptabilidade natural ao meio ambiente como a força motora da evolução humana requer ser reconsiderada. O homem do futuro não será, por exemplo, aquele capaz de respirar mais CO2, sobreviver em altas tempe-raturas ou se adaptar a outras mudanças de um meio ambiente de aquecimento global. O direcionamento de sua evolução está mais plasmado pelas suas necessidades de sobrevivência como espé-cie, incluindo a longevidade com crescente qualidade de vida, o desenvolvimento genético de capacidades super-humanas, a imortalidade, a juventude eterna e a adaptabilidade às viagens espaciais.

Face ao exposto, que relação guardam os atuais serviços ofe-recidos pelos hospitais, clínicas, casas de saúde e outros presta-dores de serviços privados do sistema de saúde com as inovações radicais descritas acima?

Um recente estudo da Abimed revelou que as empresas brasileiras do setor saúde têm perdido competitividade nos mercados in-ternacionais. Além da precária participação de 0,19% no mercado externo, suas expor-tações cresceram somente metade da taxa média anual de crescimento global registra-

da no período 2007-2011. Além disso, a atual revolução tecnoló-gica e suas respectivas inovações estão colocando de ponta cabe-ça a competitividade e sobrevivência das organizações privadas que se dedicam aos serviços de saúde no país.

A avalanche de novos competidores, principalmente do ex-terior, municiados com uma ampla diferenciação por serviços de alta tecnologia, afetará o setor de maneira mais marcante que a

registrada, por exemplo, na educação superior, nos últimos anos.A medicina preventiva, curativa e, crescentemente, a transfor-

mativa – que inclui a regenerativa – sofrem atualmente mudanças de tipo radical, cujo ritmo de aceleração nos próximos 50 anos deverá ser 32 vezes maior do que as últimas cinco décadas. E se baseia na utilização da biotecnologia, tecnologias de informação e comunicação (TICs), nanotecnologias, novos materiais e outras tecnologias de impacto transetorial.

A medicina preventiva já vem sendo revolucionada, entre ou-tros, pelos diagnósticos remotos via aplicativos de celular e via internet, por algoritmos específicos aplicados a grandes volumes de dados e informações médicas, como o Watson, e pelos diag-nósticos a partir do genoma humano, o que já representa um mer-cado global superior a US$ 200 bilhões.

O atual programa-software Watson, da IBM, foi treinado em oncologia através da rápida leitura de mais de 600 mil relatórios de evidências médicas, 1,5 milhão de registros de pacientes e mais de 2 milhões de páginas de relatórios de provas clínicas e de artigos de publicações médicas na área de oncologia.

Hoje o Watson é o principal apoio aos diagnósticos e decisões dos médicos oncologistas do Memorial Sloan Kettering Cancer Research de Nova Iorque. Muitas aplicações das novas TICs têm igual incidência na medicina curativa, como demonstram os brô-nquios artificiais da Universidade de Michigan, EUA, as cirurgias

a medicina preventiva já vem sendo revolucionada pelos diagnósticos remotos, que

representam um mercado de US$ 200 bilhões

ARTIGOFernando M. Machado

Divulgação

a competitividade dos serviços privados de saúde no brasil - ameaças e oportunidades na porta da frente (parte i)

54

Page 53: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco
Page 54: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201356

vai sER difícil fEchaR a coNta

SAÚDECuSTEIO

Há 13 anos em tra-mitação no Con-gresso Nacional, o projeto de lei (PL) 2295/2000, que re-duz a carga horária de enfermeiros – de

44 horas para 30 horas semanais –, entra na fase decisiva de negociações. Passa-do o conflito em torno dos vetos presi-denciais do Ato Médico – que acabaram sendo mantidos pelo Parlamento, no mês passado –, o governo promete às organi-zações de trabalhadores que irá retomar as conversas sobre a jornada dos enfermei-ros, técnicos, auxiliares de enfermagem e parteiros. A expectativa é abrir nova mesa de negociações, ainda em setembro, para responder à última e mais difícil das

questões que impedem o avanço da pro-posta: de onde sairá o dinheiro para pagar a conta pela redução da jornada? A conta é salgada: gira em torno de R$ 7 bilhões por ano, de acordo com relatório produzi-do por um grupo de trabalho formado por representantes do Ministério da Saúde, de hospitais filantrópicos e privados, dos tra-balhadores e dos conselhos de secretários estaduais e municipais de saúde. As partes têm que discutir os mecanismos de finan-ciamento necessários para cobrir a despe-sa sem que isso comprometa o equilíbrio financeiro das instituições de saúde e nem o orçamento público nas esferas federal, estadual e municipal.

O presidente da Federação Nacional dos Estabelecimentos de Serviços de Saú-de (Fenaess), Humberto Gomes, diz que,

Em fase decisiva de negociações, projeto de lei que reduz a carga horária de enfermeiros deverá impactar os hospitais em aproximadamente R$ 7 bilhões. Ainda não se sabe de onde virão os recursos

Ricardo Benichio

pResidente da abRamGe, aRlindo de almeida: operadoras vão ser obrigadas a repassar os custos para os usuários

Ruy BaRata neto, de Brasília

Page 55: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 57

colhimento de 1% a 2% do imposto sobre o faturamento da empresa. A demanda dos hospitais privados já foi, contudo, ve-tada pela presidente Dilma Rousseff exa-tamente por falta de recursos necessários para garantir a desoneração.

REPAssE PARA o UsUáRio – Se-gundo Francisco Roberto Balestrin An-drade, presidente da Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anaph), os hos-pitais filiados à entidade teriam que au-mentar em pelo menos 30% o número de funcionários para responder aos impactos da diminuição da jornada de trabalho dos enfermeiros, mas essa não seria a úni-ca providência. “As repercussões dessas medidas serão inúmeras porque não bas-ta apenas contratar novos profissionais. É preciso organização das instituições, treinamento dos novos profissionais, ou seja, uma série de providências”, afirma Balestrin. “Não há esse planejamento para absorver tal impacto”, diz ele. De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abra-mge), Arlindo de Almeida, a PL 2295, se aprovada, trará impacto direto no cus-teio da saúde suplementar. “Sessenta por cento dos nossos custos são com folha de pagamento. Seremos obrigados a repassar a oneração dos gastos com pessoal para o usuário”, avisa ele, que representa 240 operadoras de todo o país com rede pró-pria de atendimento.

O projeto está pronto para ser votado pelo plenário da Câmara dos Deputados,

por enquanto, não há recursos suficientes nem na área pública e nem no setor pri-vado para bancar a redução de jornada. “Não há problema nenhum em reduzir a carga de trabalho, seja qual for a categoria profissional, mas desde que se deixe claro quem irá pagar a conta”, afirma Gomes.

Segundo estudos desenvolvidos pelo GT da jornada dos enfermeiros, o princi-pal impacto da redução da jornada se dará sobre programas de saúde públicos que são pautados no trabalho de enfermeiros e técnicos. A obrigatoriedade de contratar mais profissionais para compensar o ex-pediente menor da categoria pode colocar em risco travas da lei de responsabilidade fiscal (LRF) nos estados e municípios.

Para amenizar o impacto da redução da jornada, entidades representativas dos enfermeiros já fecharam compromisso com o governo de aceitar uma redução es-calonada da jornada de trabalho dentro de um período de cinco anos e, por enquanto, excluir da nova legislação os profissionais que atuam no Programa Estratégia Saúde da Família. Segundo a presidente da Fe-deração Nacional dos Enfermeiros (FNE), Solange Caetano, os compromissos fir-mados viabilizam o avanço do projeto de lei. Fica faltando apenas resposta para a questão do financiamento para a contrata-ção de mais profissionais de enfermagem. “Entendemos que é preciso haver uma alternativa para os estados, municípios e hospitais filantrópicos. E é justamente o que esperamos que o Planalto ofereça”, afirma Solange, que já articula mobiliza-ções das entidades de enfermagem para pressionar o governo a apoiar a redução da jornada. As manifestações estão mar-cadas para ter início em setembro.

Mesmo assim, há discussões avan-çadas para que haja medidas compensa-tórias, caso o projeto vire lei. Uma das formas de cobrir o buraco poderia se dar por meio do aumento de repasses do SUS para os procedimentos executados pelos hospitais filantrópicos. Mas essa alterna-tiva também depende de espaço fiscal su-ficiente em âmbito federal, que a União parece não dispor.

Outro caminho de negociação que po-deria resolver parte do problema, segundo a FNE, seria retomar a inclusão dos hos-pitais privados entre os setores contem-plados pela desoneração da folha de pa-gamento de funcionários – que substitui os 20% de contribuição patronal do INSS sobre os salários dos funcionários pelo re-

mas não deve ser colocado em pauta sem acordo entre as partes envolvidas pelo menos dentro de um horizonte de dois meses. Além da prerrogativa do presi-dente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), decidir o momento em que o projeto será colocado em pauta, há três PLs com regime de urgência consti-tucional que, apesar de poder ser retira-do a qualquer momento pelo Palácio do Planalto, por enquanto, ainda impedem o pleito dos enfermeiros de ir a votação – o novo Código de Mineração, a anistia de débitos com o INSS para as santas casas de misericórdia e a criação da Agência Nacional de Assistência Técnica e Ex-tensão Rural (Anater). Em comparação a outras nações, o Brasil tem jornada de trabalho superior à dos países desenvol-vidos. A redução da carga horária apro-ximaria a realidade brasileira de nações que já trabalham com jornada inferior a 40 horas semanais, a exemplo do Canadá. Segundo a OMS, o Brasil se encontra no subgrupo de países com número insufi-ciente de enfermeiros necessários para o atendimento da população. A agência da ONU sugere serem necessários quatro profissionais de enfermagem para cada mil habitantes – no Brasil, a proporção é de apenas 0,99 para cada grupo de mil. “A defasagem de enfermeiros no Brasil é muito grande”, afirma Solange. Um pleito para lá de justo, mas cujo ônus deve cair no colo do contribuinte, com a devida so-lidariedade do usuário do sistema de saú-de suplementar.

Tatiana Viana

solanGe Caetano, da fedeRação naCional dos enfeRmeiRos (fne): mobilização para pressionar Governo e Congresso a aprovarem o projeto

Page 56: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201358

Page 57: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 59

recomendável a realização de uma audi-toria nesses ambientes.

Que segmentos econômicos estão mais propensos a des-vios de conduta dos execu-tivos?Todas essas empresas que atuam muito com o governo acabam incorrendo mais nesse tipo de comportamento. A pesqui-sa não indica isso, mas a gente observa que essas empresas tendem a buscar mais profissionais que sejam flexíveis em relação à conduta ética.

como os gestores de hos-pitais podem se precaver de maus executivos?As fraudes no setor de saúde, que tem um índice de corrupção acentuado, são muito complexas e não se limitam à ges-tão. Conheço o setor e, como qualquer outro, há pessoas muito sérias e outras nem tanto. O comissionamento de médi-cos para usar determinados equipamen-tos e o duplo faturamento de produtos são exemplos sabidos de má conduta no setor. Não sei o quanto os órgãos fisca-lizadores estão preparados para fazer o controle. No que tange aos executivos, é mais do que importante mapear o perfil de quem se candidata a uma vaga no se-tor médico-hospitalar.

“O setor médico-hospitalartem um acentuado índicede corrupção”

Flavio Guarnieri/Divulgação

sUsana falChi, da hsd ConsUltoRia: pesquisa com 5.000 executivos de 135 empresas das américas, da europa e da ásia

susana FalchiDiretoaoponto

Integrante do Comitê de Recursos Humanos do Instituto Brasileiro de Gestão Corporativa, a consultora Susana Falchi coordenou recentemente uma pesquisa com 5.000 administradores de empresas, de 135 corporações, na Ásia, Europa e Américas. E o resultado foi inquietante. Cerca de 20% dos executivos entrevistados cometem desvios de conduta. Uma definição ampla, que inclui desde assédio moral ao pagamento de propinas a funcionários públicos para conseguir contratos. Prática comum, segundo a pesquisa, e que está presente em setores-chave da sociedade, a exemplo do mercado de saúde. Curiosamente, Susana afirma que em muitos casos as empresas contratam pessoas com esse perfil especificamente para fazer o trabalho sujo junto a governos, sem manchar o nome da organização interessada. E duvida que casos como o escândalo do metrô de São Paulo, envolvendo a Siemens e a Alstom, ocorram sem a anuência das matrizes das empresas. “São ações que precisam ter a aprovação externa, especialmente quando envolvem bilhões de reais”, disse à Diagnóstico a executiva, que é CEO da HSD Consultoria.

Os executivOs sul-AmericAnOs são mais corruptos Quando comparados a americanos e europeus?Os dados da pesquisa não permitem essa comparação, mas o cenário brasileiro é altamente permissivo em razão da impu-nidade. Justamente por isso é importante que no ambiente empresarial exista um controle, um código de conduta dizendo o que acontece quando um executivo age de modo não ético.

É possível acreditar Que, num caso como o da siemens e da alstom, a alta direção da empresa não saiba sobre as ações pouco Éticas da matriz no brasil?Está comprovado que em uma série de resultados (de licitações) há relações, es-tratégias envolvidas. Episódios que acon-tecem no Brasil e que, quase sempre, não aconteceriam em nações onde as leis são mais severas. Justamente pela complexi-dade, episódios como esse precisam ter aprovação externa, especialmente quando envolvem bilhões de reais. Há corpora-ções, inclusive, que fazem isso de forma contumaz – em alguns casos, chegam a contratar executivos para executar o tra-balho sujo, como pagar propina em nome da empresa para que ela não apareça.

É comum premiar executivos Que descumprem as leis em be-nefício da organização?É difícil afirmar, porque não é algo feito às claras. O que observamos, e a pesquisa mostra isso, é que da totalidade das pessoas que atingiram o topo da carreira, 20% apre-sentavam desvio de caráter. Em algum mo-mento, se presume, elas foram valorizadas por isso. Eu já ouvi do presidente de uma companhia a seguinte declaração: ele nos rouba, mas traz resultados.

isso explica por Que É tão difí-cil para uma corporação ad-mitir publicamente Que um exe-cutivo foi demitido por desvio de conduta?Em uma empresa de capital aberto, por exemplo, isso pode inclusive comprometer a credibilidade de mercado dessa empresa para investidores externos. Então, esses as-suntos são tratados de forma absolutamente sigilosa.

há formas de minorar os ris-cos de uma gestão fraudulen-ta?Uma sugestão é mapear o perfil comporta-mental das pessoas que estão dentro dessa gestão. É possível conseguir, através de uma metodologia específica, identificar pessoas com desvio de caráter. É sempre

Page 58: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201360

Maisa Domenech é engenheira civil, pós-graduada em Administração Hospita-lar, consultora da ADM Consultoria em Saúde e representante técnica da Febase no Departamento de Saúde Suplementar da CNS.

esta tão verbalizada, porém pouco aplicada nos nossos dias. Na publicação em 1961, o Prof. Dr. Remilson Tourinho Domenech descreve que “indicar certo, no particular, é procurar restituir ao paciente a morfologia e a função, integralmente, com o mínimo de sacrifício de sua parte. É atender ao problema médico, não desprezando o aspecto econômico-social. É considerar, acima de tudo, o paciente em si, seguindo o que tão sabiamente já foi dito: ‘tratar o paciente e não a radiografia’. É procurar tratar mais o fraturado e menos a fratura. É tratar visando à reintegração fun-cional futura do fraturado, antes que a exclusiva restituição mor-fológica imediata. Indicar certo é procurar fazer com o paciente o mesmo que gostaríamos que fosse feito conosco”. Mais adiante, sugere o Dr. Domenech que a leitura do referido trabalho sirva para contribuir para que o tratamento, invariavelmente invasivo no tipo de fratura ali estudado, possa ser resolvido perfeitamente por meio de método mais inócuo, mais econômico e eficaz.

Embora os holofotes sobre a não conformidade na saúde bra-sileira sejam recentes, e nos EUA a discussão iniciada nos anos 80 (vide revista Diagnóstico ano IV Nº 20/ mar/abr 2013), vi re-tratada na tese aqui mencionada, escrita há mais de 50 anos, prin-cipalmente, a segurança desejada por um paciente quando em busca de uma aconselhamento médico, em busca de apoio, em busca dos devidos esclarecimentos sobre os riscos impostos pelo procedimento cirúrgico e eventuais alternativas não cirúrgicas. Vi, também, o tão procurado equilíbrio necessário para a perpe-tuação de um sistema de saúde, seja ele público ou suplementar.

Extrapolando tais escritos e consolidan-do os conceitos aludidos, por diversas ve-zes pude presenciar muitos pacientes com indicação de cirurgia consultarem para uma segunda opinião aquele que era chama-do durante toda a sua vida profissional de “papa da ortopedia”. A contraindicação do procedimento invasivo, quando não neces-sário, em prol de um tratamento conserva-dor, ainda que indicado na sua unidade de saúde, é uma marca na sua vida profissional.

Dr. Domenech diversas vezes repetiu que “algumas fraturas são operadas por falta de personalidade médica capaz de enfrentar com superioridade críticas maléficas e destrutivas oriundas de espíritos incapazes, que, deixando de lado os princípios básicos da deontologia médica e mesmo o sentido humanitário, visam, por meio de radiografias feitas antes e após o ato operatório exi-bidas aos pacientes, se projetar como verdadeiros solucionadores de tais casos. Pobres pacientes! Operados desnecessariamente; satisfeitos, entretanto, pelo fato de presenciarem radiologica-mente o seu osso ‘encanado’. Pobres pacientes enganados”.

Não tenho qualquer dúvida de que Hipócrates, diante deste exemplo, assim como de outros, que buscam através da práti-ca médica cuidar do outro com o mesmo cuidado e afinco que gostariam de receber, jamais estaria com o semblante de horror tal como na capa da revista Diagnóstico acima citada, mas dor-mindo em berço esplêndido, muito tranquilo e sereno em ter a medicina em mãos de profissionais tais como o meu pai.

ARTIGOMaisa Domenech

Há muito tinha o desejo de dedicar um des-ses artigos que escrevo a meu pai, Prof. Dr. Remilson Tourinho Domenech. Médico ortopedista e cirurgião, hoje aposentado, professor catedrático da Escola de Medi-cina da UFBA e sócio de hospital de re-ferência em ortopedia e traumatologia na

Bahia, no qual o seu nome, formação e credibilidade no mercado de saúde foram decisivos na construção de uma marca poderosa, cuja instituição e a especialidade ortopedia passaram a ser sinô-nimos, durante os muitos anos de sua atuação no negócio.

Para ele, ser professor, transmitir e multiplicar seu aprendi-zado, suas crenças e a larga experiência obtida através da função

de cuidar do outro, mais do que ser médico, trazia muito prazer. Ficava eu buscando entender o porquê de tanto prazer em lecio-nar, o que não foi difícil, pois desde a minha infância, e ainda até hoje, posso presenciar com frequência o orgulho demonstrado por muitos dos seus alunos – hoje profissionais de destaque na área médica – em tê-lo tido como professor.

O meu desejo em lhe fazer esta referência, muito mais do que o enorme carinho e orgulho de filha, veio da reflexão sobre a expressão escandalizada de Hipócrates na capa da revista Diag-nóstico de mar/abr de 2013 e da releitura recente das suas teses: Contribuição ao Tratamento das Fraturas Diafisárias do Úmero, em 1961, e Contribuição ao Tratamento das Fraturas Supracon-dilianas do Úmero na Criança, em 1973, ambas apresentadas à Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Atra-vés da primeira e concurso em agosto de 1961, obteve o título de livre docente da cadeira de Clínica Cirúrgica Infantil e Ortopé-dica e o título de doutor em Ciências Médico-Cirúrgicas. Com a segunda, o título de professor titular em Ortopedia e Traumatolo-gia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia.

No primeiro trabalho, aparece retratado o conceito sobre o que é ser verdadeiramente médico, verdadeiramente cidadão e, sobretudo, a efetiva aplicação dos conceitos de ética, palavra

Hipócrates, nem tudo está perdido

indicar certo [...] é procurar tratar mais o fraturado e menos a fratura. É procurar fazer com o paciente o mesmo que gostaríamos que fosse feito conosco

Roberto Abreu

Page 59: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 61

Page 60: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201362

e para os sentimentos. Se não, seria outro tipo de atendimen-to, não personalizado”. Os novos colaboradores do setor de atendimento da Golden Cross passam por três meses de treina-mentos antes de assumirem suas funções. Primeiramente, eles recebem informações gerais da empresa, dos produtos e servi-ços oferecidos, além de terem contato com a missão, a visão e os valores. Após esta etapa, os novatos são direcionados para uma preparação mais específica para o setor em que vão atuar – Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC), Central Técnica, Fale Conosco, Central de Serviços, Atendimento ao Corretor e serviços oferecidos pela web. “Oitenta por cento dos nosso atendimentos se dá via call center. Por isso, 60% dos nossos esforços são em pessoas”, afirma Anita. E, mesmo assim, nem sempre a demanda do cliente é atendida. Casos, por exemplo, em que uma solicitação de procedimento, não coberta pelo pla-no, é preciso ser informada ao cliente. A tarefa deve caber, por razões óbvias, a um profissional habilitado. “Nosso mercado é muito sensível, por isso a importância da capacitação para que o colaborador esclareça de forma adequada os motivos de uma negativa”, avalia executiva.

Para o presidente do IBRC, Alexandre Diogo, a preparação dos colaboradores é um grande passo na conquista da credibili-dade dos clientes pelo serviço. “É preciso treinar toda a equipe. Parece óbvio, mas não é”, defende defende Diogo. “É preciso sair do amadorismo”. Outro ponto relevante é a escolha, por ca-ráter técnico, dos cargos de comando dos setores responsáveis pelo atendimento ao cliente. Uma situação comum, nesses ca-sos, é a indicação de um médico, enfermeiro ou secretário que se destacou na empresa. Um erro, segundo Diogo. “As pessoas têm que ser contratadas pela avaliação de competência, experi-ência no cargo e conhecimento técnico-científico”.

PRoCEssos

Outra etapa importante do processo de configuração da filo-sofia de atendimento da Golden Cross está relacionada ao fluxo de informações e ao processamento dos dados para a melhoria dos métodos de atendimento. Nestes casos, é preciso revisitar e fazer pequenas modificações dos processos de forma con-tinuada. Ouvir o cliente também é uma estratégia usada pela operadora de saúde para obter informações para o desenvolvi-mento de novos processos que promovam o atendimento mais personalizado. Para isso, no caso específico da Golden Cross, uma ouvidoria foi montada, seguindo todas as regras da Reso-lução Normativa 323/13 da ANS, que regulamenta a atividade “O objetivo da Ouvidoria Golden Cross é atender às manifes-tações dos beneficiários, como elogios, sugestões, consultas e reclamações, para tentar resolver conflitos no atendimento ao público e subsidiar o aperfeiçoamento dos processos de traba-lho da operadora”, salienta Anita. Para isso, esta ferramenta de comunicação deve estar ligada ao executivo principal da em-presa. “A mensuração da satisfação dos clientes é uma impor-tante fonte de dados para os ajustes nos processos”, sentencia Diogo. “Exatamente por isso, a pesquisa é fundamental para reverter qualquer problema que tenha acontecido e para revisi-

Ao se relacionarem com clientes cada vez mais exigentes e habituados a fazer pes-quisas e comparações sobre os produtos e serviços que irão consumir, as empresas estão cada vez mais atentas à qualidade da experiência com suas marcas. No caso de instituições do setor de saúde, os gestores

acreditam que o desafio é maior, já que o mercado é bastante sensível e exige agilidade, personalização e qualidade. Os in-vestimentos em relacionamento têm retorno garantido, segundo pesquisa do Instituto Ibero-Brasileiro de Relacionamento com o Cliente (IBRC). O levantamento, feito este ano, revela, por exemplo, que em um hospital de grande porte o impacto deste setor no faturamento pode chegar a 20%.

Uma das cinco maiores operadoras de plano de saúde no país, com uma carteira de mais de 1 milhão de associados e faturamento de R$ 1,9 bilhão, a Golden Cross entendeu as ne-cessidades deste novo consumidor e desenvolveu uma filosofia de atendimento que foi reconhecida na 11ª edição do Fórum Brasileiro de Relacionamento com o Cliente 2013, promovido pelo IBRC. A companhia conquistou ainda o primeiro lugar en-tre as instituições do setor de saúde no ranking Exame/IBRC de Atendimento ao Cliente. “O consumidor deve ser o objetivo de toda organização, mesmo nas áreas em que as empresas não se relacionam diretamente com ele”, defende a superintendente de serviços ao cliente da Golden Cross, Anita Assis. “Justamente por ser o elo mais importante da cadeia, todos os investimen-tos em integração de informações, capacitação de pessoas e em tecnologia são de suma importância”. Ela pontua que o segredo do sucesso do case da operadora no setor de atendimento ao cliente está fundamentado no investimento em três pilares, nes-ta ordem: pessoas, processos e tecnologia.

PEssoAs

O principal desafio enfrentado pela Golden Cross para se tornar um benchmarking para o setor foi a capacitação dos mais de 1.500 funcionários – 400 apenas no setor de atendimento – espalhados na sede, no Rio de Janeiro, e em filiais localizadas em São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Porto Alegre, Belém, Recife e Vitória. “O atendente bem informado é o ponto de partida para qualquer relacionamento. É necessário ir além dos investimentos em tecnologia e mudanças de processos, já que lidamos com seres humanos”, pontua a executiva. “Não por acaso, nosso perfil de atuação é voltado para o comportamento

BoasPRÁticas caMinhos para a FidEliZaÇÃo dE cliEnTEs no sETor dE saúdE3

1

2

adalton doS anJoS

Page 61: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 63

3

saúde. No entanto, muitas empresas, inclusive de grande porte, ainda desconhecem a ferramenta, de acordo com o presidente do IBRC. Na área de relacionamento com o cliente, a solução mais avançada atualmente e pouco usada no segmento de saúde no Brasil é o business intelligence (BI), conjunto de teorias, metodologias, processos e tecnologias que fornecem informa-ções precisas da gestão da empresa. “O BI é a grande menina dos olhos do mercado. A customização é fundamental, e os re-cursos são muito mais modernos. Eles também estão atentos ao relacionamento via mídias sociais”, ressalta Diogo.

No total, a Golden Cross investiu R$ 2,9 milhões somente na parte de tecnologia para a implantação de uma central te-lefônica, realizada em 2011, que promove mais agilidade no atendimento. Em cumprimento à regra que regulamenta os ser-viços de atendimento ao consumidor, as ligações têm que ser atendidas em 60 segundos – 60% delas são atendidas em até 20 segundos. Além disso, as chamadas são gravadas e disponibi-lizadas aos clientes, – caso seja necessário – e as informações obtidas através desse material são usadas para retroalimentar os processos.

tar processos em todos os níveis”. Segundo ele, um dos maiores problemas da relação médico-paciente no setor privado – e que impacta diretamente a sinistralidade dos planos de saúde – é a insegurança dos pacientes. O que os leva, quase sempre, a procurar a famosa “segunda opinião”.

tECnoloGiA

Para conseguir realizar os 3,7 milhões de contatos por ano, a Golden Cross também investe em infra-estrutura. “Precisa-mos de uma tecnologia que facilite o acesso, promova agilidade e confiabilidade às informações que obtemos e que damos tam-bém”, observa Anita. “Usamos uma arquitetura de informação apoiada por ferramenta de customer relationship management (CRM), plataforma robusta tanto na área de telecomunicações como de sistemas”. De acordo com a executiva, até o final des-te ano, a companhia implantará uma atualização da ferramenta de relacionamento que dará uma visão de forma holística do cliente e facilitará o contato entre a empresa e o consumidor. O CRM não é uma novidade no setor de atendimento no setor de

Page 62: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201364

Page 63: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

65

Page 64: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201366

uMa aPosta Na PolíticaOperadoras de saúde multiplicaram por sete o investimento em campanhas políticas nas últimas eleições, da presidente Dilma ao senador cassado Demóstenes Torres. Um custo/benefício, por razões óbvias, ainda difícil de mensurar

O mercado de saúde suplementar vem aumentando expo-nencialmente suas apostas no financia-mento de campanhas políticas nas eleições

brasileiras. Desde 2002, o avanço no vo-lume de recursos aportados legalmente para candidatos a deputados federais, es-taduais, senadores e presidente da Repú-blica – eleitos ou não – saltou de R$ 1.398 milhões para R$ 11.834 milhões nas últi-mas eleições, em 2010. Um acréscimo de mais de 746%. Com base no levantamen-

to Representação Política e Interesses Particulares na Saúde: o caso do finan-ciamento de campanhas eleitorais pelas empresas de planos de saúde no Brasil, os escores mostram ainda que, apesar do número de empresas doadoras do setor ter caído de 62, em 2006, para 48, em 2010, houve um acréscimo de mais de R$ 3,2 milhões nos valores doados, entre as duas últimas campanhas. Somente as Unimed’s – todas as doações vieram de operadoras – arcaram com cerca de 66% dessas doações, seguidas pelas adminis-tradoras e corretoras (17%), medicina de grupo (10,15%) e seguradoras (5,9%). As

legendas que mais receberam recursos foram o PMDB (R$ 3,4 milhões), PSDB (R$ 2,1 milhões) e PT (R$ 1,6 milhão). Em valores, as maiores doadoras foram a Unimed do Estado de São Paulo, com R$ 3,5 milhões, e a Qualicorp, R$ 1,9 milhão. O dado mais relevante, contu-do, é o total de recursos simplesmente jogado fora com candidatos que sequer foram eleitos. Somente para a Câmara Federal, o valor desperdiçado chegou a R$ 4,4 milhões. Desse total, R$ 2,3 mi-lhões foram investidos pelas Unimed’s – regional sul – na candidatura fracassada do médico Dalmo Oliveira (PMDB-SC)

POLÍTICASAÚDE SuPLEMENTAR

Ruy BaRata neto, de Brasília |colaborou gilSon JoRge

Page 65: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 67

uMa aPosta Na Política

plenáRio vazio do ConGResso naCional: do total de deputados eleitos com recursos da saúde suplementar, menos de um terço apresentou projetos em prol da saúde

esse investimento valeu a pena? A Re-vista Diagnóstico foi conferir se, passa-dos dois anos e meio dos atuais manda-tos parlamentares – e praticamente a um ano das próximas eleições –, os recursos aplicados por empresas do setor de saú-de nas campanhas de deputados federais e senadores, eleitos em 2010, de fato se traduziram em conquistas positivas para os interesses da saúde no Congresso Na-cional. A resposta, à primeira vista, não é nada animadora, se construída a partir de pelo menos três critérios: o número de projetos de lei de interesse para a saúde suplementar apresentados pelos eleitos desde 2011; a participação deles em co-missões permanentes que concentram os debates em torno das propostas legislati-vas de interesse do setor; e, finalmente, o nível de influência destes parlamentares sobre os seus pares.

O acompanhamento foi feito tendo como ponto de partida uma lista de 38 deputados eleitos com a ajuda de doa-ções legais de campanha, registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Deste universo observado, a impressão que fica é a de que o montante de R$ 2,7 milhões – total aplicado pelas empresas nas cam-panhas dos parlamentares efetivamente eleitos – praticamente não trouxe o re-torno esperado. Destes 38 parlamentares, apenas dez – menos de 1/3 – apresentaram projetos de lei relacionados com a saúde desde 2011, quando iniciaram o mandato. A maioria dos beneficiados sequer apre-sentou um único projeto relacionado a políticas de saúde. Mais: apenas dois de-putados da lista lançaram propostas que impactam diretamente o setor de saúde suplementar, embora nenhuma delas tra-ga medidas que possam ser consideradas positivas para a atividade dos planos de saúde.

BAixA inFlUÊnCiA – A apresenta-ção de projetos de lei é um dos indicado-res que podem ser usados na avaliação dos resultados esperados pelos agentes financeiros quando decidem investir na eleição de candidatos ao Legislativo, mas não é o único mecanismo. Além da fal-ta de projetos de lei de interesse para o setor, a presença dos deputados nas co-missões permanentes pelas quais passam propostas que impactam a atividade das empresas também é aquém do potencial. Na Comissão de Seguridade Social e Fa-mília (CSSF), os deputados que contaram

a uma vaga na Câmara Federal. Outros R$ 1,4 milhão foram gastos com parla-mentares estaduais que igualmente não obtiveram êxito nas urnas. Somados, os valores representam quase 50% do inves-timento total do setor – uma margem de acerto, no mínimo, questionável. O estu-do, elaborado pelos pesquisadores Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), e Lígia Bahia, do Laboratório de Economia Po-lítica da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tem como base informações do Tribunal Superior Eleito-ral (TSE). Legítimo, o financiamento de campanhas eleitorais no Brasil é regula-mentado pela Lei 9.504, de 1997.

Levando-se em conta a atuação dos parlamentares que contaram com o apoio do setor nesses últimos anos, será que

com o apoio do setor de saúde suplemen-tar ocupam apenas oito vagas entre o total dos 75 membros da comissão. Em outra comissão importante, a de Finanças e Tributação (CFT), há nove parlamentares beneficiados pelas empresas do setor em um total dos 66 membros. A proporção de participação é ainda menor na comissão que mais traz ameaças para o interesse das empresas: a Comissão de Defesa do Con-sumidor (CDC), na qual, entre 45 mem-bros, apenas três deputados presentes estão na lista dos que foram beneficiados pelos planos de saúde. O número mostra o baixo poder dos deputados apoiados pelos planos de construírem maioria para barrar ou aprovar projetos que tramitam nestas comissões.

Esta constatação fica ainda mais evi-dente se analisado o poder de influência conquistado pelo grupo de parlamentares na Câmara dos Deputados. Com base na edição de 2013, publicada em agosto, do levantamento do ranking Cabeças do Congresso Nacional, elaborada pelo Departamento Intersindical de Assesso-ria Parlamentar (DIAP), apenas oito dos 38 eleitos em 2011 estão classificados entre os 61 deputados considerados de mais forte capacidade de influência no Congresso. Outros seis dos deputados apoiados pela saúde suplementar são considerados como “parlamentares em ascensão”. O conceito é aplicado pelo DIAP para definir o parlamentar que vem recebendo missões partidárias, políticas ou institucionais e se desincumbindo bem delas. Estão também nessa categoria os parlamentares que têm buscado abrir ca-nais de interlocução, criando seus pró-prios espaços e se credenciando para o exercício de lideranças formais ou infor-mais no âmbito do Parlamento.

No senado, a participação dos senado-res é mais ativa. As duas senadoras elei-tas com o apoio da Unimed Rio Grande do Sul e Central Nacional Unimed, Ana Amélia (PP-RS) e Lúcia Vânia (PSDB--GO), estão entre os parlamentares com maior poder de influência entre os colegas (segundo a classificação do Cabeças do Congresso). A nota destoante fica com o senador Demóstenes Torres (sem partido), que teve mandato cassado após denúncias que identificaram seu envolvimento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Ele rece-beu R$ 30 mil da Central Nacional Uni-med. Claramente, um investimento que se mostrou ruim para o país.

Valter Campanato/ABr

Page 66: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201368

Alegando um “natural desconforto” para falar sobre o tema, a maioria dos deputados procurados pela Diagnóstico demonstrou receio em falar sobre o finan-ciamento de campanha, ou não atendeu à reportagem. O tema é espinhoso porque resvala em discussões sobre as nuances da legitimidade do próprio financiamento privado de campanha, uma questão que é discutida como parte da reforma política proposta pela presidente Dilma Rousseff e hoje alvo de debates acalorados no Con-gresso Nacional. A mesma reação se deu com os financiadores, que não responde-ram aos pedidos de entrevista via e-mail. Para o presidente da Frente Parlamentar de Saúde, Darcísio Perondi (PMDB-RS), o tema é delicado, uma vez que há sinais negativos resultantes da relação entre par-lamentares e membros do Executivo com os financiadores do segmento da saúde suplementar. Para Perondi, que curiosa-mente não integra a lista dos beneficiados com doações, o lobby mais forte do setor ocorre sobre o Executivo e sobre legendas partidárias pela distribuição dos cargos da administração federal.

“O governo tem optado pelo lotea-mento político das agências regulado-ras, esvaziando o modelo de regulação do país”, denuncia Perondi, ao referir-se aos conflitos de interesses identificados na ANS. Ele avalia que, apesar da ajuda do financiamento privado dos planos de saúde para a eleição de parlamentares, a maior preocupação dos congressistas da bancada da saúde tem sido a de aumen-

tar o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e melhorar a organização deste sistema. “A lei permite o financia-mento privado de campanha, mas há uma ótica negativa de se trabalhar com isso. E uma outra positiva”, afirma. “A ótica equivocada ocorre quando se observa um comprometimento do candidato apenas com os interesses de um dos segmentos que o financiou”. O lado positivo, em sua opinião, é a oportunidade do parlamentar discutir a saúde de um ponto de vista mais amplo, com enfoque no interesse público. Assim também pensa o deputado Eleu-ses Paiva (PSD-SP), que recebeu R$ 100 mil para a sua campanha da Unimed do Estado de São Paulo. Apesar de ter sido eleito com a ajuda da saúde suplementar, o deputado diz concentrar seu mandato na defesa do SUS e é autor de projeto que vincula 10% da receita corrente bruta da União para a saúde, proposta similar a ou-tra apresentada por Perondi.

CooPERAtiVismo – “Entrei no par-lamento para discutir saúde”, justifica Paiva, ao ressaltar que tem projetos apre-sentados que vão de encontro a interesses de grandes grupos privados da saúde su-plementar. Ele cita como exemplo uma proposta apresentada no ano passado (Projeto de Lei 4542/12) que proíbe es-trangeiros de serem sócios majoritários em operadoras de planos de saúde na-cionais. A decisão veio a reboque da re-percussão da compra, pela americana UnitedHealth Group (UHG), do controle

acionário da JPL, empresa controladora da Amil Participações (Amilpar). A pre-ocupação, segundo o parlamentar, é a de que o negócio abra caminho para novas aquisições do tipo no Brasil. Fora da lista de doações a parlamentares, a Amil finan-ciou a candidatura do atual governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB/RJ), que recebeu R$ 100 mil, e do candi-dato a senador derrotado nas últimas elei-ções Cesar Maia (DEM-RJ) – R$ 300 mil.

O deputado eleito que mais recebeu recursos de financiamento privado do setor de saúde suplementar nas últimas eleições, Marco Aurélio Ubiali (PSB-SP) – R$ 285 mil doados também pela Uni-med do Estado de São Paulo – , não se furtou a falar sobre o tema. Segundo ele, não há conflitos de interesses quando há uma convergência ideológica do parla-mentar com o setor que o apoia. “A ex-pectativa do meu financiador, como a de todos os setores econômicos que apostam em campanhas eleitorais, é a busca de re-presentatividade no Parlamento. E o que eles (os financiadores) me cobram? Que eu faça exatamente aquilo que eu acredi-to: a defesa do cooperativismo”, afirma Ubiali, que é titular da Comissão de Fi-nanças e Tributações (CFT) e participa da comissão especial montada na Câmara para discutir o financiamento para a saúde pública.

Apesar dessa aparente fraqueza de representação no Parlamento, cientistas políticos rejeitam a tese de que o finan-ciamento privado às campanhas políticas não tem valido a pena para as empresas. O que de fato ocorre é que esta relação não é clara e nem é fácil de ser comprova-da. Os agentes econômicos que buscam ganhar influência política têm interesses diversos e nem sempre procuram obter vitórias do processo legislativo. Os ga-nhos pretendidos passam por outros ca-minhos relacionados aos bastidores da política. O cientista político Manoel Le-onardo Santos, coordenador do Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), expli-ca que não há uma relação direta entre

pResidente da fRente paRlamentaR da saúde, daRCÍsio peRondi (pmdb-Rs): é equívoco do parlamentar se comprometer apenas com os interesses de quem o financiou

POLÍTICASAÚDE SuPLEMENTAR

Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Page 67: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 69

as contribuições para financiamento de campanha e a expectativa de respostas positivas para os interesses das empresas investidoras nas votações do Congresso. Responsável por elaborar um estudo que tenta avaliar com mais clareza os efeitos do lobby no Congresso, Santos admite que a própria literatura acadêmica sobre o assunto é dúbia ao responder questões acerca de sua efetividade. Há autores que dizem que financiamento de campanha não tem nenhum efeito prático na tentati-va das empresas de influenciar o processo legislativo. Outros dizem que os efeitos são condicionais e dependem do momen-to político e da inexistência de conflitos que podem ocorrer em função da defesa de determinadas posições pelo parlamen-tar. “São necessários estudos com lupa para identificar esses efeitos”, reconhece Santos.

Uma resposta mais ampla à questão também passa pelos interesses específi-cos que os agentes econômicos buscam no mundo político. O que se procura, muitas vezes, não passa pela aprovação de projetos de lei ou mesmo pelos deba-tes para mudanças nas regras de regula-ção do setor. “Para muitos financiadores de campanha, o objetivo deste investi-mento é o acesso à política, à informação privilegiada”, afirma o cientista. “O que significa conquistar alguém que seja in-termediador dos interesses deles com o Executivo”. Avaliação similar é compar-tilhada por Mario Scheffer, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP e um dos autores do estudo que deu origem a essa reportagem.

Para ele, há uma série de benefícios obtidos pelas empresas que vão além do processo legislativo, que é por si só muito limitado por conta das naturais dificulda-des exigidas para aprovação de projetos de lei. “O lobby da saúde é tradicional e bastante difuso”, define Scheffer, que já atuou como assessor da CPI dos Planos de Saúde, em 2003. Ele explica que o fi-nanciamento funciona mais para criar um ambiente favorável à aprovação de cer-tas medidas, mas isso não significa exa-tamente uma moeda de troca que pode ser claramente visualizada. Em sua ava-liação, não faltam sinais de que o lobby do setor de saúde suplementar funciona e obtém retornos positivos às empresas por negociações à margem do processo político. “A porta giratória da ANS pas-

sa por indicações de políticos que con-taram com apoio das empresas de plano de saúde”, sugere Scheffer. Há outras formas de atuação em que parlamentares mais próximos das operadoras, por vezes, atuam como verdadeiros “anteparos” a propostas que podem ameaçar a ativi-dade das empresas. É o exemplo que se observa nas tentativas para a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) voltada para investigar denúncias de irregularidades praticadas por planos de saúde. A iniciativa tem sido impedida de ir adiante, segundo o líder do PSOL na Câmara, Ivan Valente (SP). O parlamen-tar, membro da Comissão de Defesa do Consumidor na Câmara, protocolou pedi-do de abertura da CPI em junho. Valente afirmou à Diagnóstico que teve dificulda-des em conseguir recolher as 171 assina-turas necessárias para viabilizar a aber-tura da CPI. “Havia apoio na Comissão de Defesa do Consumidor, mas quando a questão ia ao plenário, muitos se absti-nham de defender o tema”, afirma.

diVERGÊnCiA – O pedido da CPI já foi homologado na Secretaria-Geral da Câmara e agora depende de decisão do presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) para efetivá-la. Há, contudo, uma fila de 16 pedidos de aber-tura de CPI na Câmara. Como o regula-mento da Casa não permite que mais de cinco comissões funcionem simultane-amente, a perspectiva de que as investi-gações ocorrem com brevidade é remota.

A expectativa de compromisso em

votações no Congresso de deputados ou senadores que foram eleitos com a ajuda do setor de saúde suplementar também não é uma equação fácil de ser costurada. Os recursos doados a campanhas de for-ma legal no TSE representam uma peque-na parcela do universo de vínculos entre empresas e políticos que, em geral, não servem ao lobby. Há parlamentares que, embora constem da lista de beneficiados pelo setor de planos de saúde, têm feito propostas contrárias aos interesses co-muns do mercado.

Apesar de ter sido financiado pela Unimed, em 2010, isso não impediu o deputado Eleuses Paiva (PSD-SP) de apresentar projetos de lei que ampliam a cobertura dos planos para atender de-mandas como as de reprodução assistida. Experiência similar ocorre no caso do deputado Antônio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP), que propõe projeto, apresen-tado este ano, alterando a lei dos planos de saúde (9656/1998) com o objetivo de garantir tratamento equivalente nas car-teiras de pessoas físicas e jurídicas. Na justificativa, a proposta visa acabar com a política de desestimulo, por parte das operadoras, à manutenção dos planos individuais. O deputado Mendes Thame

depUtado maRCo aURÉlio Ubiali (psb-sp) ReCebeU a maioR doação de Um paRlamentaR eleito – R$ 285 mil, da Unimed de são paUlo: defesa do cooperativismo na Câmara federal

Gustavo Lima/Câmara dos Deputados

Page 68: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201370

recebeu R$ 50 mil de doação de campa-nha feita pela Unimed do Estado de São Paulo.

Variáveis como essa – comuns ao jogo democrático – ajudam a colocar mais sombra sobre a complexa equação entre financiamento de campanha e seus resultados práticos. Mesmo assim, apesar das incertezas que envolvem a escolha do parlamentar a ser financiado durante as campanhas eleitorais, os grupos eco-nômicos não têm a opção de abrir mão destes investimentos, mesmo contando com possíveis derrotas no Parlamento ou enfrentando posições contrárias de seus políticos ao longo dos anos de mandato. Em suma, o investimento, mesmo de alto risco, não pode deixar de ser feito. “Se

minha atividade depende da regulação do Estado, eu não posso escolher por não fazer política, porque se eu não defender os meus interesses, outros grupos concor-rentes na minha atividade com certeza o farão”, afirma o cientista político Manoel Santos. Para ele, sempre será uma tarefa difícil prever se o investimento nos po-líticos terá ou não bons resultados para os interesses das empresas, mas qualquer segmento estará pior se não construir uma interlocução. Isso explicaria por que as doações só fazem aumentar de valor.

Apostas que, quase sempre, guardam expectativas tão subjetivas quanto o re-sultado nas urnas. Nas eleições presiden-ciais, por exemplo, tanto o candidato do PSDB, José Serra, quanto a do PT, Dilma

Rousseff, receberam doações – respec-tivamente R$ 500 mil e R$ 1 milhão, vindas da Qualicorp. Outros R$ 400 mil foram investidos pela seguradora na cam-panha de eleição do atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Ofuscado pelos fracassos das últimas eleições, Ser-ra, que foi ministro da Saúde, dificilmen-te será uma boa aposta em 2014. Já a pre-sidente Dilma e o governador Alckmin viveram nos últimos meses um dos maio-res reveses em seus mandatos, desde que assumiram o poder em janeiro de 2011, com manifestações que assolaram o país.

Se a resposta sobre se valeu ou não a pena o investimento em suas campanhas viesse das ruas, no auge da crise, certa-mente a resposta seria um sonoro não.

No ano passado, pela primeira vez desde a década de 70, as empresas americanas pude-

ram comprar espaço publicitário na TV, no rádio, internet e impressos para as campanhas dos políticos de sua preferência que concorreram a cargos federais, como presidente, senador e deputado federal. Embora a doação direta aos comitês eleitorais continue proibida, a decisão da Suprema Corte reacendeu o debate sobre as doações de empresas e até que ponto vale a pena, para o setor privado, contribuir para as campanhas.

Em uma matéria publicada recen-temente sob o título Dissecando as doações de empresas às campanhas, o jornal The New York Times mostra que desde 2002 mudanças na lei ame-ricana já vinham facilitando as coisas para empresários dispostos a investir seu próprio dinheiro para manifestar, através dos meios de comunicação, o seu apoio ou a rejeição a um determi-nado candidato – medida que sempre foi vista com cautela por parte do em-presariado simplesmente pelo medo de que a sua marca sofresse arranhões junto à opinião pública.

Mas essa disposição em inter-vir mais ativamente na vida política aflorou mais intensamente no empre-sariado americano em 2010, quando

a Suprema Corte decidiu expressamente eliminar as barreiras para a compra de ho-rário político por parte de empresas (Nos Estados Unidos, a veiculação de propa-ganda política no rádio e na TV é paga.)

Uma das fontes ouvidas pelo The New York Times foi o cientista políti-co Stephen Ansolabehere, professor de Harvard e coautor do livro Why is there so little money in US politics (Por que há tão pouco dinheiro na política americana, em tradução livre). O livro afirma que a discrepância entre o valor da política e os valores contribuídos deforma as noções básicas de economia. Na entrevista, An-solabehere complementou: “Dado o valor do que está em jogo, as empresas e os ou-tros grupos de interesse devem dar mais”, seguindo a lógica dos “custos da demo-cracia” – definição consagrada nos anos 70 pelo também cientista político Alexan-der Heard. Para dar força a seu argumen-to, Ansolabehere ressaltou que o valor das doações de campanha nos Estados Unidos, em 2010 – cerca de US$ 4 bi-lhões –, ficou muito abaixo das despesas de custeio do governo, de US$ 1 trilhão.

Defensores da maior participação do capital na vida pública afirmam, por exemplo, que nenhum político americano vai optar por comprometer o seu manda-to com um determinado setor financiador em detrimento da opinião pública. Um nível de percepção típico de nações nas

quais o exercício democrático e aces-so à informação já estão consolidados.

Um estudo publicado pela Uni-versidade de Harvard, aliás, mostrou que as mudanças na legislação eleito-ral desde 1971 até 2002 não tiveram impacto sobre os preços das ações das empresas financiadoras de polí-ticos. Entretanto, algumas empresas sofrem diretamente com boicotes ao apoiarem candidatos com bandeiras políticas polêmicas, como os que são abertamente a favor ou contra o abor-to e casamento entre homossexuais, por exemplo.

Mesmo com poucos riscos, o fi-nanciamento de campanhas é visto como pouco eficaz por parte dos ana-listas políticos. Um estudo comparati-vo feito pela Universidade de Chicago mostra que, entre 1972 e 1990, o di-nheiro teve pouco efeito no resultado das eleições proporcionais em uma sociedade com maior acesso à infor-mação, como os Estados Unidos. Pe-los cálculos do professor Steven Le-vitt – autor do estudo –, cada US$ 175 mil investidos “comprariam”, no máximo, 0,33% dos votos. Ansola-behere, por sua vez, estima que no sis-tema político americano um candidato a deputado nos Estados Unidos teria que gastar US$ 1,5 milhão a mais do que os seus oponentes.

Nos Estados unidos, financiamento é “custo da democracia”

POLÍTICASAÚDE SuPLEMENTAR

Page 69: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

A REVISTA DOS LÍDERES DA SAÚDE DO BRASIL

O MELHOR CONTEÚDO DO BRASIL, EM SUA CASA

A Revista Diagnóstico oferece ao seu leitor o melhor conteúdo do país voltado para a alta governança do setor médico hospitalar brasileiro. Com mais de cinco anos de mercado, é a primeira e única publicação do segmento a manter correspondentes internacionais – EUA (Califórnia), Inglaterra (Oxford) e China (Xangai). A Diagnóstico possui também parceria exclusiva de conteúdo no Brasil dos artigos da Mckinsey (New Jersey) e Healthcare Design (Cleveland). Aliado a tudo isso, uma linha editorial independente, respeito ao leitor e abordagens que realmente interessam ao trade de saúde brasileiro. Leve a Diagnóstico para sua casa. Quem é líder, assina!

2x DER$150,00

= 6 EdiçõesASSINE JÁ (71) 3183-0360Ou pelo site www.diagnosticoweb.com.br/assine

Page 70: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201372

Hospitais em todos os Estados Unidos estão criando uma nova geração de espaços de cirurgia chamados salas ci-rúrgicas híbridas.

Elas combinam a capacidade cirúrgica de salas de operações tradicionais com os recursos de imagem de um laborató-rio de cateterismo – dois espaços que têm sido tradicionalmente distintos. Colocar

Salas de cirurgias híbridas, que combinam a capacidade dos ambientes tradicionais com o recurso de imagem e de cateterismo, são uma tendência nos hospitais americanos

REdEfiNiNdo a sala dE ciRuRgia

CatheRine gow e BRenda ByRd

equipamentos de imagem e de raios-x de última geração em uma sala de operação permite procedimentos menos invasivos, mais seguros e com tempos de recupe-ração mais rápidos para os pacientes. O equipamento de imagem ajuda os cirur-giões a identificarem a área da incisão e fornece feedback instantâneo durante os procedimentos. Por exemplo, os casos de neurocirurgia endovascular, como opera-ções de aneurisma, agora podem ser rea-lizados de forma mais segura e eficiente

em uma sala de cirurgia híbrida. À medida que os cirurgiões conduzem estes casos complexos – e de alto risco –, o diagnósti-co por imagem de alta tecnologia aumenta os resultados positivos, permitindo que os neurocirurgiões transitem sem problemas de um procedimento fechado para um pú-blico, sem perder tempo crítico para trans-portar um paciente a outro local para fazer imagens.

Se projetada com fluxo clínico em mente, a sala cirúrgica híbrida pode ser

DESIGNPRÁTICA MéDICA

Shutterstock

Page 71: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 73

uma força para o futuro das plataformas de intervenção. Através da combinação de imagem e capacidades cirúrgicas, os hos-pitais estão redefinindo a suíte interven-cionista, com grandes vantagens na assis-tência ao paciente e eficiência de custos.

PlAnEJAmEnto E PRoJEto – Com o surgimento de salas cirúrgicas hí-bridas aparecem implicações culturais e de design que vão muito além da sala de cirurgia propriamente dita e se estendem por todo o centro cirúrgico e pelo hospital como um todo.

O primeiro passo no planejamento de uma sala híbrida é buscar a absorção de cada um dos especialistas cirúrgicos que irão utilizar a sala. As equipes de projeto devem incluir representantes de departa-mentos cirúrgico e perioperatório, admi-nistração, instalações e TI. A equipe tam-bém deve visitar salas cirúrgicas híbridas em outros hospitais e experimentar estes novos tipos de espaços.

Durante a fase de projeto, é funda-mental usar as mais recentes ferramentas de desenho 3-D para criar uma visão clara dos elementos da sala híbrida. Uma vez que o projeto seja aprovado, uma maque-te em tamanho natural deve ser constru-ída. Isto dará à equipe a oportunidade de identificar e resolver todos os desafios de design na sala antes de ela ser construída.

A seleção primária e a coordenação dos fornecedores também são passos im-portantes, especialmente se a adição de equipamentos de imagem acrescente com-plicações espaciais para a sala de cirurgia. Em particular, os tetos requerem uma con-sideração cuidadosa e um planejamento antecipado, pois ambos os equipamentos, cirúrgico e de imagem, tendem a ser mon-tados no teto. Com planejamento anteci-pado, os designers têm a oportunidade de incentivar os fornecedores a trabalhar juntos para ajustar parâmetros específicos do projeto. Cada vez mais, os fabricantes têm se unido para oferecer soluções mais sinérgicas.

Por exemplo, na sala cirúrgica híbrida

do Centro Médico Geisinger Wyoming Valley, na Pensilvânia, dois fornecedores se uniram para integrar seus sistemas em uma solução. O braço do aparelho de um fabricante foi adicionado aos monitores de outros fornecedores necessários ao sistema de hemodinâmica, reduzindo a quantidade de equipamentos no teto. Os fornecedores também estão trabalhando para oferecer sistemas que integram a TI com o equipamento. Por exemplo, agora é possível para a equipe médica navegar em uma variedade de diferentes sistemas de equipamentos, inclusive cirúrgico, vídeo e monitoramento de pacientes, a partir de um painel de controle centralizado.

lAyoUt E EqUiPAmEntos – As salas híbridas podem ter uma variedade de equipamentos de imagem, incluindo simples ou biplanos, e cada vez mais to-mógrafos e ressonância magnética (RM). As RMs podem variar em tamanho de 111 metros quadrados a 241 metros qua-drados, enquanto os tomógrafos executa-dos a partir de 74 metros quadrados e até 102 metros quadrados. Ambos os quartos devem ter espaço para a sala de controle, espaço de provisão, área de purificação, uma sequência de armários e a plataforma cremalheira do gerador, que administra o equipamento. As diretrizes para projeto e construção de estabelecimentos de saúde, versão 2014, do Instituto de Diretrizes Ar-quitetônicas dos EUA (Facility Guidelines

Institute) vão incluir uma nova seção so-bre salas cirúrgicas híbridas que requerem armários embutidos de armazenamento de aço inoxidável em vez dos racks de rola-mento para armazenamento de cateteres – típicos das salas de cirurgia tradicionais. Por esta razão, os suprimentos devem ser cuidadosamente considerados.

Todas as ressonâncias magnéticas hí-bridas exigem equipamentos não ferrosos, assim como as quatro zonas de segurança, que vão desde o acesso público gratui-to (Zona I), a rigorosamente controladas zonas de acesso restrito (zonas III e IV) – identificados pelo Colégio Americano de Radiologia (American College of Ra-diology). Se uma sala híbrida vai ser um espaço flexível usado por várias especia-lidades que utilizam as salas de maneiras diferentes e exigem diferentes configura-ções de sala, dimensionar a sala híbrida para acomodar cada um é fundamental durante o processo de planejamento. Hos-pitais podem atingir dimensionamento ideal, certificando-se de consultar repre-sentantes de cada especialidade que irá utilizar a sala.

loCAlizAção – Idealmente, salas ci-rúrgicas híbridas devem ser integradas em uma suíte de intervenção – isto mantém a logística simples. No entanto, se as salas de cirurgia existentes de um hospital são separadas de sua sala de raio-x, então é importante localizar salas cirúrgicas híbri-

a inteGRação no ambiente hÍbRido (foto ao lado) vai alÉm do aspeCto aRQUitetÔniCo: equipe médica (esq.) pode navegar em uma variedade de diferentes sistemas de equipamentos a partir de um painel de controle centralizado

Fotos:Divulgação

Page 72: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201374

das com outras salas de cirurgia. Colocar o quarto híbrido dentro de um centro ci-rúrgico evita a duplicação de espaços de apoio, incluindo material cirúrgico, ins-trumentação e equipamentos. Isso leva o hospital a economizar custos adicionais para a duplicação de equipamento e evi-ta ineficiências no movimento dos mate-riais limpos e sujos. A colocação da sala cirúrgica híbrida também reduz as preo-cupações dos funcionários, pois o pessoal de apoio cirúrgico, como as equipes de enfermagem perioperatória, perfusionis-tas, anestesistas e cirurgiões, não terá que trabalhar em mais de uma área do campus.

FlUxo dE tRABAlho – A fim de al-cançar um fluxo de trabalho eficiente na nova sala cirúrgica, a equipe de design também deve levar em conta o fluxo de pacientes e o fornecimento de material, além da proximidade da equipe. Salas ci-rúrgicas híbridas reúnem um novo espec-tro de usuários no mesmo departamento, misturando diferentes disciplinas de cirur-giões com intervencionistas, anestesistas, cardiologistas, eletrofisiologistas, patolo-gistas, enfermeiros, técnicos e muito mais. Em uma sala de cirurgia tradicional, as posições de trabalho, aplicações clínicas e os requisitos de equipamentos, logísti-ca paciente/materiais e agendamento para cada um dos itens acima seriam preocu-pações mutuamente exclusivas. As salas cirúrgicas híbridas borram essas linhas. Elas também aumentam a quantidade de espaço necessário ao pessoal de apoio. O

design destes espaços deve facilitar a inte-ração interdisciplinar entre as equipes de atendimento. Materiais adequados para todas as disciplinas também precisam estar à mão na suíte cirúrgica. Assim, a equipe de planejamento deve considerar o armazenamento para o inventário exigido. Será que é necessário haver uma mudança no manuseio de materiais em termos de cases de fornecimento?

Os novos tipos de procedimentos que ocorrem em uma sala cirúrgica híbrida exigem novos tipos de carrinhos para medicamentos, que carregam os pacotes de materiais e instrumentos necessários para cada caso. Suprimentos para procedi-mentos de neurocirurgias endovasculares, cardiologia e eletrofisiologia devem estar todos disponíveis.

Salas cirúrgicas híbridas nem sempre têm que ser utilizadas para procedimentos híbridos. Elas podem ser projetadas para permitir procedimentos operacionais nor-mais quando o equipamento de imagem é girado para fora do caminho, ou para uso de imagem intervencionista. Os pacientes geralmente se deslocam da preparação para um longo procedimento na sala hí-brida, e, em seguida, para uma unidade de cuidados intensivos especiais. No en-tanto, quando o espaço é utilizado como uma sala tradicional ou para geração de imagens, haverá uma rápida virada e um aumento da taxa de utilização do espaço e dos seus recursos. Isto irá aumentar o nú-mero de espaços de preparação e de recu-peração necessários e demandar pessoal e

recursos de armazenamento de suprimen-tos adicionais.

EsFoRço qUE VAlE A PEnA –Embora haja um número relativamente pequeno de salas cirúrgicas híbridas nos Estados Unidos hoje, este número deve crescer significativamente no futuro pró-ximo. A pesquisa de 2011 pelo Millenium Research Group prevê uma taxa de cresci-mento anual de 15% para as salas híbridas ao longo de um período de cinco anos. As vantagens dessas salas incluem melho-rar a experiência do paciente, permitindo procedimentos minimamente invasivos que aumentam a segurança do paciente e diminuem o tempo de recuperação, re-duzindo a inconveniência de os doentes serem transferidos de uma ala do hospi-tal para outra. Para os hospitais, a era das salas cirúrgicas híbridas abre a porta para a eficiência na redução de custos em re-cursos humanos, equipamentos, materiais e procedimentos. Tal como acontece com todas as novas tecnologias, integrar uma sala híbrida perfeitamente em um hospital existente requer premeditação e planeja-mento significativo, mas as recompensas para os pacientes e hospitais fazem o pro-cesso valer a pena.

Catherine Gow e Brenda Byrd são arquitetas e tra-balham na área de planejamento de construções do escritório de arquitetura Francis Cauffman, respec-tivamente, nas filiais da Filadélfia e de Nova Iorque. Publicado originalmente na revista Healthcare De-sign. Todos os direiros reservados.

CentRo mÉdiCo GeisinGeR WYominG valleY, na pensilvânia, eUa: a era das salas cirúrgicas híbridas abre portas para a eficiência na redução de custos em recursos humanos, equipamentos, materiais e procedimentos

DESIGNPRÁTICA MéDICA

Page 73: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 75

Page 74: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201376

As televisões e painéis digitais em salas de espera de clínicas, laboratórios, consultórios e hospitais podem ser muito mais do que simples ferramentas para entreter e organizar o atendimento dos clien-tes. Um novo produto lançado pela Blue Mídia

oferece uma solução que otimiza e, ao mesmo tempo, fornece in-formações preciosas para os gestores sobre o tempo de espera dos pacientes e a produtividade dos colaboradores de modo informa-tizado. O sistema de gestão de atendimento também moderniza as recepções, já que em uma mesma tela é possível visualizar a programação da TV aberta ou TV corporativa e as informações que eram emitidas nos painéis digitais, como a senha e o guichê.“É preciso substituir aqueles modelos antigos de atendimento por um produto mais moderno, simples e integrado. Nossa solução promove ganhos em comunicação, produtividade e em gestão”, explicou o diretor executivo da empresa, Nilvânio Gonçalves. Segundo ele, todo o sistema funciona de modo bastante simples, já que somente um equipamento, uma espécie de servidor, é ins-talado junto às televisões na sala de espera, e o software é aces-sado pela rede interna da instituição, pelos médicos, atendentes e gestores, através dos seus computadores. As notícias que cir-culam na tela são atualizadas diariamente, e é possível veicular conteúdo institucional, como unidades de atendimento, especia-lidades, horários de funcionamento, dicas de saúde, diretamente aos pacientes em espera.Para os executivos, a solução da Blue Mídia moderniza a comu-nicação e facilita a obtenção de informações sobre o ritmo do atendimento, que demandaria tempo de pesquisa. “Todo o moni-toramento acontece online e em tempo real. A ferramenta dá uma visão para o gestor da produtividade de funcionários, do tempo de espera dos clientes, do tamanho da fila, dos horários e espe-cialidades com maiores demandas, ou seja, uma infinidade de

informações”, detalhou o diretor executivo. Villy Almeida, dire-tor de marketing, defende que o novo produto é completo. “Não entregamos um software, entregamos um serviço que é todo feito pela Blue Mídia. Fazemos desde a instalação e manutenção, que pode ser realizada até por acesso remoto, até o treinamento dos usuários e criação de conteúdo e visual para a TV corporativa. A ferramenta de gestão é customizada de acordo com os serviços e especialidades do cliente, visando dinamizar e aprimorar o aten-dimento. Ela tem a possibilidade de emitir mais de 20 tipos de relatórios com gráficos e informações estatísticas por unidade, usuário, horário etc., de maneira muito simples”, garantiu.O diretor de marketing também ressaltou os ganhos em produ-tividade dos funcionários que alguns dos clientes da Blue Mídia têm observado a partir da utilização do sistema. “Facilitamos o trabalho de toda a equipe. O paciente é chamado de modo in-formatizado, sendo possível até mesmo ao médico chamá-lo de dentro do seu consultório, com apenas um clique”, observou. Al-meida também citou o caso das empresas que mantêm um tele-visor para entretenimento, banners e cartazes com informativos institucionais, e outro aparelho para ajudar no painel de chamada. “Conseguimos agregar tudo em uma ferramenta só”, declarou.Depois de cerca de um ano personalizando e otimizando o siste-ma na área de saúde, os diretores acreditam que chegaram a um formato capaz de corresponder às demandas do segmento e já fa-zem planos para o futuro. “Queremos anteder o mercado baiano e expandir nosso produto para outros estados do Nordeste, com o intuito de inovar a gestão da saúde”, pontuou Gonçalves.

Blue Mídia apresenta sisteMa inovador de gestão de atendiMento e coMunicação

INFORME PuBLICITÁRIO

Empresa: Blue Mídia | Telefone: 71.3489-5013 | Endereço: Ed. Tancredo Neves Trade Center, sala 118, Caminho das Árvores, Salvador – BA | Site: tvsaude.bluemd.com.br E-mail: [email protected]

Produto promove ganhos em comunicação, produtividade de funcionários e gestão nas unidades de saúde

Page 75: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco
Page 76: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201378

uma carona para a vida

Durante uma viagem à África, em 1988, para verificar os re-sultados do trabalho da ONG Save The Children, que com-bate a mortalidade

infantil, o então astro do motociclismo, o americano Randy Mamola, sua relações públicas, Andrea Coleman, e o marido dela, o jornalista esportivo Barry Cole-man, se deram conta de que o atendimen-to médico a milhões de africanos estava sendo prejudicado pela falta de transpor-te. E que os poucos carros e motos dis-poníveis no sistema de saúde passavam boa parte do tempo parados por falta de manutenção.

Com uma longa trajetória em corri-das de motocicleta, os três decidiram usar seus conhecimentos técnicos e a sua rede de relacionamentos para montar uma as-sociação sem fins lucrativos que, 25 anos depois, ajuda os governos de sete países da África subsaariana a levar pacientes para os hospitais e medicamentos para os vila-rejos mais remotos, com uma economia de até 62% nos gastos oficiais com trans-porte. A Riders for Health (Carona para a Saúde, em tradução livre) é um dos mais bem sucedidos exemplos de iniciativas da sociedade civil para levar o tratamento a quem não tem como ir, por contra própria, a um hospital. “Para mim, era inaceitável que, no final do século XX, pessoas esti-vessem morrendo de doenças facilmente

Dois projetos de ajuda humanitária, com base no uso de motos e bicicletas, estão levando esperança a comunidades isoladas da África. Exemplos reais de como ações simples e uma dose de boa vontade podem salvar a vida de milhares de pessoas

ÁFRICAAJuDA HuMANITÁRIA

Fotos: Divulgação

o ameRiCano dUstin mCbRide, fUndadoR da zambikes, ao lado de lÍdeR ComUnitáRio afRiCano: bicicleta foi transformada em ambulância

gilSon JoRge

Page 77: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 79

curáveis apenas porque elas não podiam ser alcançadas”, afirmou à Diagnóstico a CEO da Riders for Health, Andrea Cole-man, que é ex-motovelocista. “Ao mesmo tempo, os veículos que deveriam levar as-sistência médica estavam parados e sem uso porque ninguém sabia como cuidar deles”.

Apesar de ter passado por uma tragé-dia pessoal – perdeu o seu primeiro ma-rido, Tom Herron, em 1979, em um aci-dente durante uma competição no Reino Unido –, o motociclismo se tornou símbo-lo de vida para esta inglesa que desenhou o modelo de operação da entidade. A ONG, que atualmente ajuda a levar aten-ção médica a aproximadamente 14 mi-lhões de pessoas em sete países, funciona como uma espécie de locadora de veícu-los sem fins lucrativos. A Riders for He-alth coloca à disposição dos governos as-sociados cerca de mil motocicletas e 400 ambulâncias convencionais para trans-portar, respectivamente, medicamentos e pacientes. O valor da tarifa é calculado de forma a garantir o pagamento dos 400 funcionários da ONG, da manutenção dos veículos, do combustível e das despesas com logística. Outra forma de garantir a redução de custos foi a implantação do programa Gerenciamento das Fontes de Transporte (TRM, na sigla em inglês), que, com o treinamento dos funcionários da manutenção, permite uma economia extra. Se os técnicos são treinados para garantir que os veículos tenham manu-tenção adequada, os motoristas recebem treinamento de direção segura, o que evita que os automóveis sofram danos maiores ao circularem pelas péssimas estradas dos países atendidos, aumentando a vida útil de motos e ambulâncias.

“Além disso, os nossos modelos fi-nanceiros para a gestão dos veículos im-plicam que, pela primeira vez, os minis-térios da saúde podem ter um orçamento preciso para a assistência médica”, disse à Diagnóstico o diretor executivo da ONG, Barry Coleman. “E eles sabem que o ser-viço será confiável porque os veículos não vão quebrar”.

ComBAtE À Aids – Segundo ele, um trabalhador de saúde motorizado pode chegar a até cinco vezes mais pessoas, e gastar o dobro do tempo em atenção a uma comunidade. “O resultado é que es-tamos transformando a assistência médica para 14 milhões de pessoas”, contabiliza

Barry, referindo-se ao total de atendimen-tos no Quênia, Lesoto, Malavi, Zâmbia, Zimbábue, Gâmbia e Nigéria.

O trabalho da Riders for Health nos sete países em que atua é dividido em seis tarefas, muitas das quais a ONG acaba assumindo papéis que tradicionalmente são função do Estado. Entre as suas atri-buições estão o gerenciamento das frotas de veículos, treinamento dos motoristas e motociclistas, além do controle da cadeia de suprimentos médicos e transporte de amostras laboratoriais (que visa sobretu-do garantir rapidez na análise de exames de tuberculose e HIV/Aids, doenças en-dêmicas na África). A entidade, aliás, se orgulha do seu papel no combate a HIV/Aids. Segundo dados da própria ONG, 94% dos seus funcionários desempenham rotineiramente tarefas que ajudam na pre-venção da doença, como programas edu-cacionais, distribuição de camisinhas e de remédios para o tratamento de pacientes infectados pelo vírus. Uma doença que já matou 17 milhões de pessoas em todo o continente e que, em alguns casos, afeta até um terço da população de determina-dos países. Em Botsuana, por exemplo, 36% dos habitantes possuem o vírus da Aids. Em Lesoto e no Zimbábue, que são atendidos pela Riders for Health, o índice de contaminação fica em 24% e 25%, res-

pectivamente. Nações cujo PIB fica em torno de US$ 9 bilhões – do Zimbábue (o equivalente ao PIB de Londrina, no PR) – e US$ 2 bilhões, no caso do desconhecido Lesoto, que fica na África austral e cuja riqueza gerada anualmente é equivalen-te à do município de Bragança Paulista, interior de São Paulo. Em nações tão po-bres, qualquer programa que alie eficiên-cia e redução de custos tem um impacto positivo. No Zimbábue, por exemplo, a economia do Ministério da Saúde com transporte chega a 62%.

Para mover toda essa engrenagem, a ONG trabalha com um orçamento anual de pouco mais de US$ 8 milhões, dos quais 41,3% vêm de recursos gerados pela sua atividade. A maior parte da ver-ba necessária para manter a estrutura em financiamento vem de doações feitas por instituições como a Skoll Foundation e o Department for International Develop-ment (DFID), órgão do governo britânico que ajuda a promover o desenvolvimento

na áfRiCa sUbsaaRiana, veÍCUlos de dUas Rodas são os pRinCipais meios de tRanspoRte: bicicleta chega a custar o equivalente a dois anos de salários de um trabalhador africano

Page 78: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201380

de países pobres. Além de doadores indi-viduais. O programa, que tem como pa-trona a princesa real britânica Ana, filha da rainha Elizabeth, conta com uma boa popularidade no Reino Unido e, por duas vezes, foi alvo da campanha beneficente que o jornal The Times realiza todos os anos no Natal. Somente no último ano, a administração do circuito de Silverstone doou 70 mil libras esterlinas, o equivalen-te a cerca de R$ 250 mil. Muitas dessas doações vêm de pessoas envolvidas em corridas de motociclismo. “Riders for He-alth cresceu no final da década de 1980, a partir deste esporte, que ainda fornece uma parte importante do nosso apoio”, assinalou Hann. “Recentemente, reali-zamos o nosso evento de angariação de fundos, o Dia dos Campeões, no MotoGP da Inglaterra, em Silverstone”, assinalou Hann.

O terceiro fundador da ONG, Randy Mamola, trabalha como uma espécie de embaixador da causa, usando o seu pres-tígio pessoal em viagens pelo mundo para angariar fundos para a promoção da saúde na África. Mamola, que na década de 80 chegou ao vice-campeonato das 500 ci-lindradas – considerada a Fórmula 1 do motovelocidade –, agora representa uma ideia mais do que vencedora e que ainda tem muita estrada pela frente.“Queremos um mundo em que a assistência médica atinja todas as pessoas, em todos os luga-res. Obviamente, há um longo caminho a seguir, mas nosso objetivo é que em 2017 estejamos atendendo a 25 milhões de pes-soas”, declarou Andrea Coleman.

BiCiClEtAs-AmBUlânCiAs – Ou-tra experiência bem sucedida são as zam-bulâncias – bicicletas acopladas a charre-tes (o nome é uma mistura do nome do equipamento com Zâmbia, país onde o conceito começou a ser usado com am-bulâncias). E sua importância pode ser mensurada com uma pequena história. No último mês de julho, um garoto ugan-dense brincava com seus amigos em uma área rural, no norte do país, quando caiu de uma árvore. Com o choque do seu pei-to contra o solo, o menino ficou com difi-culdades para respirar, e a família entrou em pânico porque não havia como levar o jovem ao hospital mais próximo, que ficava a 40 quilômetros de distância do local do acidente. Com 193 mil pessoas, o distrito de Maracha – onde aconteceu a queda do jovem Moses Drileyo – é ser-

vido por apenas uma ambulância, que não estava nas proximidades de sua casa. E mesmo se o veículo fosse utilizado, a família teria que arcar com as despesas do combustível, uma tarifa de US$ 32, o equivalente ao salário por duas semanas de trabalho de um morador da região. É justamente em locais assim do continente africano que uma invenção simples tem feito a diferença entre viver e morrer. Para a sorte do garoto acidentado, alguém se lembrou que, na semana anterior à queda de Moses, o povoado onde ele mora havia sido contemplado com uma zambulância (zambulance). Simples, o veiculo dispõe de uma maca, envolta em uma cobertu-ra, que leva e traz pacientes aos hospitais com o pagamento de uma taxa de US$ 4.

O objetivo da Zambikes, ONG ameri-cana responsável pelo projeto, é que nos próximos anos sejam distribuídas 20 mil unidades entre países do sul da África, o que, segundo seus cálculos, poderia aju-dar a salvar até 520 mil vidas por ano, apenas permitindo que pessoas enfermas cheguem ao hospital a tempo de receber atendimento. “É maravilhoso estar envol-vido em um projeto que impacta positiva-mente a vida de pessoas que necessitam de ajuda”, declarou à Diagnóstico, da Ca-lifórnia, o diretor executivo da Zambikes, Tom Larson, ao explicar por que um cida-

dão como ele, que tem acesso ao melhor do que o capitalismo pode oferecer, se empolga com a possibilidade de melho-rar a vida de pobres desconhecidos de um país estranho.

A primeira experiência de trabalho voluntário de Larson aconteceu em 1997, quando deixou o emprego de redator pu-blicitário e se mudou, junto com a mu-lher, para a República Dominicana, onde desenvolveu atividades filantrópicas pro-movidas pela igreja que o casal frequenta. Após essa experiência, Larson fundou a ONG Healing Waters (em tradução li-vre, Águas que Curam), responsável pelo fornecimento de água de boa qualidade para cerca de 100 mil pessoas no Méxi-co, Guatemala e Quênia, além da própria República Dominicana. Há seis anos, Larson acompanha de perto a inspiradora história dos jovens que decidiram fazer algo em prol da saúde na África.

Um mÉdiCo PARA 23 mil – A zambulância começou a ser projetada em 2007, quando os jovens americanos Dustin McBride e Vaughn Spethmann fi-zeram uma viagem missionária à Zâmbia, promovida pela Azusa Pacific University, onde eles estudavam. Em meio às parti-das de futebol com os moradores locais – a principal forma de socialização para

ÁFRICAAJuDA HuMANITÁRIA

o Casal andRea e baRRY Coleman, da RideRs foR health: locadora de veículos sem fins lucrativos é financiada por doações, como a da família real britânica

Page 79: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 81

Page 80: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201382

os americanos –, eles se deram conta de que a falta de meios de transportes no país era, ao mesmo tempo, um transtorno para os cidadãos e uma oportunidade de negó-cio para alguns zambianos. “As bicicletas ajudam a criar empregos e salvar vidas na Zâmbia”, costuma definir McBride. “Nós, americanos, as enxergamos apenas para a prática de esportes, mas para os africanos elas representam, em muitos casos, a con-dição de permanecerem vivos”.

Com cerca de 11 milhões de habitantes espalhados por uma área de 752.618 qui-lômetros quadrados (cerca de três vezes o território do estado de São Paulo), apenas 20 mil quilômetros de rodovias pavimen-tadas – de um total de 91 mil – e 64% da população vivendo abaixo da linha da pobreza, a Zâmbia oferece um desafio co-tidiano a milhões de cidadãos que preci-sam ir de um lado a outro. Para comprar uma bicicleta tradicional, por exemplo, um zambiano tem que pagar o equivalente

ao que recebe de salário por dois anos de trabalho. O que dá uma dimensão do de-sespero que as famílias enfrentam quando precisam levar um enfermo ao hospital.

De volta aos Estados Unidos, ainda em 2007, McBride e Spethmann pensa-ram em como aplicar no país africano as noções de negócios sociais aprendidas na faculdade. Assim surgiu a Zambikes, uma organização não governamental com sede na Califórnia que se dedica a financiar, através de doações, fabricantes artesanais zambianos de bicicletas, charretes e dos conjuntos de bicicletas acopladas a char-retes, logo batizados de zambulâncias. Um detalhe interessante é que o quadro da bicicleta é feito de bambu. Estima-se que desde o início do trabalho, há seis anos, a ONG tenha distribuído cerca de 1.000 zambulâncias somente na Zâmbia. Uma inestimável ajuda para uma nação que tem a modestíssima taxa de um médico por 23 mil habitantes, quando, para os padrões da África, a Organização Mundial de Saúde recomenda um médico para cada 7 mil habitantes.

Os dados estatísticos de toda a Áfri-ca subsaariana na área de saúde, aliás, são devastadores. Em 2011, aproximadamen-te 1,1 milhão de crianças morreram antes de completar um mês de nascimento. No

ano anterior, cerca de 162 mil mulheres morreram durante o parto ou logo depois de dar à luz seus bebês nessa região do mundo que tem um índice de mortalidade materna 100 vezes maior do que a média dos países desenvolvidos.

Argumentos que têm sido largamente explorados pela Zambikes em sua cam-panha para conseguir doações. “Uma zambulância, que custa em torno de US$ 1.000, pode salvar uma vida a cada duas semanas. Em um ano, são 26 pessoas salvas por cada equipamento”, argumen-ta Larson. Com o sucesso da experiência na Zâmbia, o modelo tem sido exportado para países vizinhos. A República Demo-crática do Congo recebeu 125 unidades, Uganda ganhou 50, e o Malawi, outras 25. A Zambikes agora mira Ruanda, Burundi, Moçambique, Tanzânia e o Sudão. E para isso conta com a ajuda de doadores.

Assim como a contratação de médicos para as cidades do interior do Brasil não resolve, por si, todos os problemas de saú-de do país, a existência das zambulâncias não vai elevar isoladamente o IDH dos países subsaarianos. Mas a iniciativa dos jovens americanos mostra que é possível fazer algo relevante pela saúde de pessoas carentes, mesmo quando falta quase tudo ao redor.

zambUlânCia – Como o pRoJeto fiCoU ConheCido na zâmbia – em ação na áfRiCa: equipamento modesto, de pouco mais de Us$ 1 mil, ajuda a salvar uma vida a cada duas semanas

ÁFRICAAJuDA HuMANITÁRIA

Page 81: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 83

Page 82: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201384

Page 83: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 85

Page 84: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201386

RESENHASAÚDE PÚBLICA

Médicos revolucionáriosAtivista político americano Steve Brouwer defende o modelo de assistência médica popular criado na Venezuela e mostra como a aposta na formação de médicos dentro das comunidades pode ser uma solução para o Brasil

gilSon JoRge

Há exatamente 13 anos, em outubro de 2000, o então presidente da Ve-nezuela, Hugo Chávez, morto em março deste ano,

dava início ao seu ambicioso projeto chamado Missão Bairro Adentro, pelo qual se comprometia a levar assistência médica aos locais mais isolados da capi-tal, Caracas, com o suporte fundamental de uma equipe de médicos enviados por Cuba. Alguns anos depois, entraria em cena o programa Medicina Integral Co-munitária, destinado a formar médicos oriundos das zonas pobres do país, que substituiriam os cubanos quando eles voltassem ao seu país. Estava em marcha o plano chavista de atender ao povo e, ao mesmo tempo, espezinhar o modelo norte-americano.

E foi um norte-americano que se encarregou de fazer a propaganda de Chávez em seu próprio país. O ativista político Steve Brouwer, que morou na Venezuela entre 2007 e 2008, acompa-nhou de perto a colaboração entre os dois países na área médica, assim como a tentativa de exportar o modelo de assis-tência para os outros países da Alternati-va Bolivariana para as Américas (Alba), composta por Bolívia, Equador e Nicará-gua. As observações de Brouwer resul-taram no livro Revolutionary Doctors: How Venezuela and Cuba are Changing the World’s Conception of Health Care (Médicos Revolucionários: como Vene-zuela e Cuba estão mudando o conceito mundial de assistência médica).

A obra, ainda sem tradução para o português, começa invocando o médi-co e revolucionário argentino Ernesto “Che” Guevara, que antes de se engajar na Revolução Cubana, se ofereceu para

trabalhar como voluntário em projetos sociais na Guatemala. Ninguém vai ima-ginar que em todo o mundo os médicos vão empenhar os seus longos anos de estudo em trabalhos mal remunerados em prol do bem coletivo. Então, a que mudança conceitual da medicina exata-mente Brouwer se refere?

O ponto central da defesa que o ati-vista faz do programa de Chávez é a for-mação de médicos dentro das próprias comunidades, com um objetivo nobre: estimular estudantes de medicina pobres a não se afastarem nem por um dia dos problemas que afligem os seus familiares enquanto recebem a sua formação acadê-mica. Um total de 30 mil jovens cursou o programa nos seus seis primeiros anos de existência. Isso representa quase a totalidade dos médicos que existiam na Venezuela, somando-se todas as especia-lidades, quando Hugo Chávez chegou ao poder, em 1998.

Para Brouwer, a aposta do coman-dante Chávez na formação de médicos comunitários – todos de origem humilde – só foi possível graças à determinação de levar o atendimento médico aos bair-ros mais carentes. Justamente aonde os médicos já estabelecidos não queriam ir. Uma medida que teve como efeito cola-teral a ascensão social de uma juventude que talvez nunca pudesse sonhar em usar um jaleco branco. Milhares deles.

REAção dos mÉdiCos – Os nú-meros grandiosos do programa, aliás, são defendidos em tom abertamente mi-litante por Brouwer, para quem essa ex-periência de treinar doutores em medici-na comunitária já mereceria a atenção do mundo inteiro – ainda que se limitasse, em sua fase embrionária, a uns poucos jovens de uma vila rural venezuelana. Assim como acontece atualmente no

Brasil, em razão da vinda de médicos estrangeiros, a atenção médica proposta pelo governo enfrentou forte oposição dos profissionais estabelecidos no mer-cado, que colocaram em dúvida a quali-dade da formação dos novos colegas de trabalho.

“Este não é um curso de curta dura-ção para auxiliares de saúde ou ‘médicos descalços’, mas um rigoroso programa projetado para produzir um novo tipo de médico”, assevera o autor do livro. Um novo tipo de médico que, para Brouwer, está muito ligado à perspectiva revolu-cionária de Che Guevara, de quem o autor toma emprestado a frase “os cam-poneses teriam corrido imediatamente e com entusiasmo ilimitado para ajudar os seus irmãos”, ao justificar a presença de médicos cubanos nas áreas desassistidas da Venezuela.

Não é fácil calcular o grau de entu-siasmo com que um médico que é em-pregado de um regime comunista larga família e amigos para atender pacientes ao redor do mundo. Aliás, em seu livro, o ativista americano também aborda o episódio em que cerca de 500 médicos cubanos lotados na Venezuela deserta-ram rumo aos Estados Unidos, em 2010. Na época, os jornais relataram denúncias feitas pelos profissionais de que pagaram suborno a servidores públicos dos dois países latino-americanos para poderem fugir rumo ao norte.

A fuga em massa, segundo o autor, foi encorajada por um programa lança-do pelo governo americano para atrair os médicos com o objetivo de desestabili-zar uma das principais bandeiras sociais do governo de Hugo Chávez. Os médi-cos que fugiram, por sua vez, acusaram Cuba e Venezuela de promover a escra-vidão moderna através do trabalho for-çado dos cubanos como pagamento pelo

Page 85: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 87

“Este não é um curso de curta duração para auxiliares de saúde ou ‘médicos descalços’, mas um rigoroso programa projetado para produzir um novo tipo de médico”

steve brOuwer

REVOLUTIONARY DOCTORS | Steve Brou-wer | Editora Monthly, Review Press 240 páginas, 2011, (uS$13,86)

fornecimento de petróleo à ilha de Fidel. Mas a recente polêmica envolvendo

o Programa Mais Médicos levou o go-verno brasileiro a informar que a Vene-zuela paga bem menos aos profissionais cubanos do que os R$ 4 mil que os com-patriotas de Fidel Castro devem receber

pelo seu trabalho no Brasil. Levando em conta a nossa realidade, um grande mérito do livro é contar a experiência de formação de médicos dentro das próprias comunidades carentes. Uma alternativa que talvez possa ser usada pelo Brasil, quando não for mais possível (ou desejá-

o então pResidente da venezUela, hUGo Chávez, Já faleCido, dURante o lançamento do eQUivalente ao mais mÉdiCos em seU paÍs: ideais revolucionários

vel) manter os médicos estrangeiros nos rincões do país.

Divulgação

Reprodução

Page 86: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201388

Page 87: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 89

Page 88: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201390

Um novo conceito criado pelo pro-fessor e consultor Pedro Mandelli vai ajudá-lo a assumir o perfil de um gestor que valoriza as pessoas e os processos de desenvolvimento próprio e de seus subordinados, para que todos cresçam profissionalmente e entreguem os re-sultados.

Bill George traça o argumento persuasivo de que a jornada até a li-derança autêntica e sustentável, que passa pela descoberta do seu próprio norte, é a chave para a liderança em todos os campos, seja ele negócios, governo ou iniciativa privada.

O vencedor do Nobel de Econo-mia Daniel Kahneman mostra as for-mas que controlam a nossa mente em Rápido e Devagar – Duas Formas de Pensar: o pensamento rápido, intuiti-vo e emocional e o devagar, lógico e ponderado.

estante&resenhas

“O líder autêntico”Autores: Bill George e Peter SimsEditora: CampusNúmero de Páginas: 224Preço sugerido: R$ 76,00

“Muito além da hierarquia”Autor: Pedro MandelliEditora: GenteNúmero de páginas: 216Preço sugerido: R$ 42,90

“Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar”Autor: Daniel KahnemanEditora: ObjetivaNúmero de Páginas: 624Preço sugerido: R$ 54,90

Leia também

Trata-se da busca do sonho de um executivo, da realização de um ser hu-mano por meio do autoconhecimento. Este livro reforça a ideia de que todos os executivos deveriam possuir a seguinte essência: a economia baseada no ser e não no ter, bem como a de realizar um trabalho íntegro. Ele mostra que um exe-cutivo só é verdadeiramente bem suce-dido quando ele o é como ser humano e não apenas em sua carreira. Leitura recomendada para líderes de uma nova realidade.

O livro aborda temas importantes como empreendedorismo, marke-ting, vendas, negociações, operações e design de sistemas, além de outros exemplos. Após a leitura, é possível praticar alguns desses conceitos e exercitar habilidades empreendedoras que são essenciais a todos os gestores. O livro de Josh Kaufman está muito bem organizado e é ótimo para quem precisa fazer consultas periódicas, pois serve de referência para o cotidia-no de um CEO.

estante&resenhas

É uma leitura recomendada para os líderes de uma nova realidade

O livro permite exercitar habilidades empreendedoras essenciais ao gestor

“A Escola dos Deuses - Formação dos Líderes da Nova Economia”Autor: Elio D’annaEditora: Novo SéculoNúmero de Páginas: 408Preço sugerido: R$ 58,00

“Manual do CEO - Um Verdadeiro MBA Para o Gestor do Século XXI”Autor: Josh KaufmanEditora: SaraivaNúmero de Páginas: 400Preço sugerido: 37,00

Marcelo Santana

João fhilype andrade souto maior, membro health 2.0 no brasil

Renata spallicci, diretora de assuntos corporativos da apsen farmacêutica (sp)

Divulgação

Page 89: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 2013 91

Page 90: VALEU A PENA O INVESTIMENTO? - diagnosticoweb.com.br · VALEU A PENA O INVESTIMENTO? mais de R$ 11 milhões foRam investidos pelas opeRadoRas de saúde nas últimas eleições a pouco

Diagnóstico | jul/ago 201392