a (in)justiça de transição para os povos indígenas no brasil · valeu a pena? valeu a pena...

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Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro, Vol. 10, N. 1, 2019, p. 129-169. André Demerio Alexandre e Katya Kozicki DOI: 10.1590/2179-8966/2017/28186| ISSN: 2179-8966 129 A (In)Justiça de Transição para os Povos Indígenas no Brasil Transitional Injustice for Indigenous Peoples from Brazil André Demetrio 1 1 Universidade Carlos III de Madri, Madri, Espanha. E-mail: [email protected]. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0082-5147. Katya Kozicki 2 2 Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: [email protected]. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2388-0499. Artigo recebido em 3/04/2017 e aceito em 25/07/2017. This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License

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Rev.DireitoPráx.,RiodeJaneiro,Vol.10,N.1,2019,p.129-169.

AndréDemerioAlexandreeKatyaKozickiDOI:10.1590/2179-8966/2017/28186|ISSN:2179-8966

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A(In)JustiçadeTransiçãoparaosPovosIndígenasnoBrasilTransitionalInjusticeforIndigenousPeoplesfromBrazil

AndréDemetrio11Universidade Carlos III de Madri, Madri, Espanha. E-mail: [email protected]:https://orcid.org/0000-0002-0082-5147.

KatyaKozicki22Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail:[email protected]:https://orcid.org/0000-0002-2388-0499.Artigorecebidoem3/04/2017eaceitoem25/07/2017.

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Resumo

Oartigotematizareparaçõesàsviolaçõesdedireitoshumanosdospovos indígenasna

ditadurabrasileira,noperíodode1946a1988,lapsotemporaldaLeidaAnistia(Leinº

6.683, de 28 de agosto de 1979) e utilizada pela Comissão Nacional da Verdade.

Pretende-seresponderàseguintepergunta:nocontextodaJustiçadeTransição,quais

mecanismosde reparaçãoexistemparaospovos indígenasnoBrasil?Nesteparadoxo

de(in)justiçadetransiçãoemedidasdereparaçãoparaestaminoriasurgemquestões

relativas a quais medidas devem ser promovidas pelo Estado brasileiro, empresas

privadas e/ou agentes militares. O objetivo desta pesquisa é traçar parâmetros

adequadosdereparaçãoaospovosindígenasnoBrasil,pormeiododireitoàverdade,à

memória,àjustiçaeaoterritório.Osresultadosalcançadosindicamqueosmecanismos

reparatóriosparaospovosindígenassãofrágeis,já́quemuitaslimitaçõesjurídicastêm

sidocriadaspara impossibilitarapromoçãodeumajustiçadetransição indígenaeem

buscadodireitoàmemória,àjustiça,àverdade,àreparaçãoeaoterritório.

Palavras-chave:Justiçadetransição;Povosindígenas;Ditadura.

Abstract

Thestudythematizesreparationstohumanrightsviolationsoftheindigenouspeoples

that occurred during the Brazilian dictatorship, from 1946 to 1988, a period of time

covered by the Amnesty Law (Law number 6.683). It was intended to answer the

followingquestion:beforethetransitionaljustice,whatreparationmechanismsexistfor

theindigenouspeoplesinBrazil?Inthiscontextoftransitional(in)justiceandreparation

forthisminority,questionsariseastowhatmeasuresshouldbetakenbytheBrazilian

State, private companies and / ormilitary agents. The objective of this research is to

draw adequate parameters of reparation to the indigenous peoples in Brazil, through

the right to truth, to memory, to justice and to territory. The results indicate that

reparatorymechanismsfor indigenouspeoplesarefragile,sincemany legal limitations

havebeencreatedtomake it impossibletopromotean indigenoustransitional justice

systemandseektherighttomemory,justice,truth,reparationandtoterritory.

Keywords:Transitionaljustice;Indigenouspeoples;Dictatorship.

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Introdução

Valeu a pena? Valeu a pena gritar em várias línguas e conferências eentrevistasepaíse3,5squea civilizaçãoàs vezeséassassina? [...]Homensesquecidosdoarco-e-flechadeixam-seconsumiremnomedaintegraçãoquedesintegraaraizdoseredoviver.[...]Noel,tuodisseste:Acivilizaçãoquesacrifica povos e culturas antiquíssimas é uma farsa amoral. (ANDRADE,CarlosDrummondde.,EntreNoeleosÍndios,p.94)

Duranteséculos,ospovosindígenasforamaniquiladoseforçadosase integrarcomas

sociedades latino-americanas. No Brasil, com a colonização dos portugueses, estes

povosseviramobrigadosamodificarsuastradiçõeseculturasemnomedocatolicismo

impostoporPortugal.

Dessemodo,comoaparecimentodosEstados-nacionaiseaindependênciados

países latino-americanos, surgem novas legislações que tratam dos povos indígenas,

mas que reiteram a necessidade de integração e do fim das práticas e das tradições

socioculturais(MARÉS,2001).

Com a ditadura brasileira iniciada em 1964, o período temporal é apenas um

detalheparaessespovos.ComoditoporDouglas,daetniaKrenak,aditadura,paraos

índiosfoiacontinuidadedealgoquejáexistia(BRASIL-2,2014)e,assim,nãodeveser

entendidacomoummarcoparaoiníciodasviolaçõesdedireitoshumanos.

Ofatoéqueaditadurabrasileirasignificouamortedeaomenos8milindígenas

(BRASIL-1,2014)eoiníciodaconstruçãodeempreendimentosquemodificaramavida

desses povos, como a construção da Rodovia Transamazônica, a idealização da

Hidrelétrica Belo Monte, a construção da Hidrelétrica Itaipu, da rodovia Perimetral

Norte, o encarceramento e a utilização de mão-de-obra indígena e a venda de bens

indígenas,comoseráobservadonopresentetrabalho.

Nesseínterim,surgeaJustiçadeTransição,teoriaresponsávelpeloestudodas

violações de direitos humanos ocorridas em períodos de conflitos armados e/ ou em

ditaduras.AJustiçadeTransiçãopretendearticularosmecanismosquereparemtodas

asvítimasdesseperíodopormeiodequatroseixosfundamentais:odireitoàmemória,

àverdade,àjustiçaeanãorepetiçãodosfatosocorridosdopassado(SOARES,2017).

Oobjetivodesteartigoétraçarparâmetrosadequadosdereparaçãoaospovos

indígenasnoBrasilpormeiodequatroeixos,odireitoàmemória,àverdade,àjustiçae

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ao território. Com o esboço de cumprir com o objetivo proposto, esta pesquisa se

dividiuemtrêsetapas,nasquaisserãobrevementedescritos.Naprimeiraparte,ameta

foideanalisarbrevementedocumentoshistóricosquerelatemasviolaçõesdedireitos

humanosaospovosindígenasnaditaduramilitarbrasileira,de1946a1988,períododa

LeidaAnistia(Leinº6.683,de28deagostode1979)eutilizadapelaComissãoNacional

daVerdade.

Na segunda etapa, estudou-se a inserção dos povos indígenas na justiça de

transição,bemcomoosmecanismosdereparação.Comopontodepartida,examinou-

se os critérios da justiça de transição aplicada aos indígenas, ou seja, uma justiça de

transição embasada emumadeterminada e casual justiça histórica, já que a ditadura

brasileiranãosignificouoinicioemuitomenosofimdasviolaçõesdedireitoshumanos

impostas a esses povos. Feito este introito, aduziu-se a análise dos direitos

fundamentais dos povos indígenas no âmbito internacional e nacional, como a

Convenção169daOrganizaçãoInternacionaldoTrabalhoeoartigo231daConstituição

Federalde1988.Emseguida,demonstrou-seaindissociabilidadedacondiçãoétnicados

povos indígenas nos crimes da ditadura por meio dos conceitos de genocídio e de

etnocídio.Nopontoseguinte,elucidou-sea importânciadoterritório,quedáorigema

todososdireitosdetradiçõesculturaiseidentidadedospovosindígenas.Aúltimaetapa

consistiunabuscadeprocessosjudiciaisquetratemdoinstitutodomarcotemporalde

ocupação.

O método científico utilizado foi predominantemente dedutivo. O método

procedimental foimonográfico, com a análise teórica da justiça de transição para os

povos indígenas no Brasil, vítimas da ditadura militar. Como técnicas de pesquisa,

utilizou-seabibliográfica,jurisprudencialelegislativa.

I.Povosindígenaseaditadurabrasileira

Soboápicedapolíticadesenvolvimentista,punitivaedasegurançanacional1,aditadura

1 O artigo 3o da Lei de Segurança Nacional (Decreto-Lei nº 314, de 13 de março de 1967)estabelece que “a segurança nacional compreende, essencialmente, medidas destinadas à

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brasileira ensejoua prática de repressão, tortura, cassação de direitos políticos,

restrição de direitos fundamentaise,assim, criou um estado de exceção que resultou

em inúmeras violações de direitos humanos.Hoje se descobre, de forma inequívoca,

que os povosindígenasforam uma das maiores vítimas2deste período,tendo

sidotorturados, encarcerados em presídios(ou campos de concentração),eutilizados

comomão-de-obraescrava3(BRASIL-1,2014).

Diversos empreendimentos realizados pela ditadura brasileira no período de

1964a1988(taiscomoaRodoviaTransamazônica,HidrelétricaItaipueetc.),têmseus

efeitos sobre os povos indígenas percebidos até hoje. Neste sentido, a Rodovia

Transamazônica (BR-230) significou a remoção forçada dos povos Jurunas de seus

territórios, que ficavam àsmargens da estrada. A construção desta obra passaria por

territórios indígenas, obrigandomuitas etnias a se retiraremde seuhabitat de forma

coercitiva.Osestudostopográficosdaépocademonstraramquehaviaváriasaldeiasàs

margens da rodovia, mas, conforme depoimento do sertanista Afonso Alves da Cruz,

preservação da segurança externa e interna, inclusive a prevenção e repressão da guerrapsicológica adversa e da guerra revolucionária ou subversiva”. Dando ensejo a este artigo, adoutrinadesegurançanacionalpossibilitoualegitimaçãodaviolênciaaospovosindígenas.Destaforma,osíndioseramvistoscomoinimigosinternosdadefesanacionalporsereminfluenciadospororganizaçõescomunistaseinteressesinternacionais.CARTACAPITAL.ViolaçõesAosDireitosDos Povos Indígenas. Disponível em:<http://www.cartacapital.com.br/sociedade/redemocratizacao-incompleta-perpetua-desigualdades-no-brasil-diz-relatorio-573.html/violacoes-aos-povos-indigenas.pdf-7733.html>.Acessoem:1abr.2017.2Nestesentido,cabedestacarqueautilizaçãodotermo“umadasmaioresvítimasdaditadura”sejustificapelonúmerodeíndiosmortosnesteperíodo,conformedadosdoRelatórioFigueiredoe da Comissão Nacional da Verdade. Assim, constata-se que no mínimo, 8 milíndiosforammortosnaditadurabrasileira,significandoqueforamospovosquemaistiveramvidas ceifadas,cifra que pode significar um genocídio. (BRASIL-1. Violação de Direitos Humanos dos PovosIndígenas. Disponível em: < http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/Volume%202%20-%20Texto%205.pdf>Acessoem:1abr.2017.3 Teólogo e filósofo EgydioSchwade, coordenador doComitê Estadual deDireito àVerdade, àMemóriaeàJustiçadoAmazonasafirma:“Nãosederamcontadosofrimentodosindígenas,dizativista sobre relatório da CNV. Ativista dos direitos indígenas e das populações emvulnerabilidade, fundador doConselho IndigenistaMissionário (CIMI), Egydio, 79, considera osíndios, os quilombolas e agricultores que resistiram e resistem aos projetos implantados navigência do regimemilitar e mantidos até hoje como “perseguidos políticos” e pede vontadepolítica para ouvi-los e desenvolver ações capazes de promover mudançasque cessem osmalescausados.” Instituto Humanas Unisinos. “Não se deram conta do sofrimento dosindígenas” diz ativista sobre relatório da CNV. Disponível em:http://www.ihu.unisinos.br/noticias/540422-nao-se-deram-conta-do-sofrimento-dos-indigenas-diz-ativista-sobre-relatorio-da-cnv.Acessoem:1abr.2017.

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isso não foi motivo para o declínio do empreendimento (BRASIL-1, 2014). Assim, a

Transamazônicaexpulsaria29etnias, incluindoonzecomunidadesisoladasenovecom

“contatointermitente”(BRASIL-1,p.209).Pararealizartalprocedimento,aFunaifirmou

acordo com a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) para

promoverapacificaçãode30etnias indígenas.Dessaforma,ospovosindígenasforam

removidosdesuasterras4(BRASIL-1,2014).

Aconstruçãodepresídiosindígenastambémseverificapormeiodosrelatosdo

povo Krenak, no estado de Minas Gerais. Muitos povos indígenas dessa etnia eram

encarcerados em um reformatório, localizado na cidade de Resplendor (MG). Ainda

haviaopresídio,queficavanoestadodoRiodeJaneiro,naIlhadasCobras.Emambos

oslocais,ospovosindígenaseramtorturadoseobrigadosatrabalharcomoescravos.No

presídiocabiam200pessoas(BRASIL-2,2014)5.

Assim, se observa a especificidade da perseguição, tortura emorte dos povos

indígenas na ditadura brasileira. Cumpre dizer que principalmente por interesses

econômicoseagrários,estespovosseviramameaçadoseexpulsosdesuasterras.Prova

disso sãoos relatos encontradosnoRelatório Final daCNVedoRelatório Figueiredo,

que demonstram o interesse do Estado na utilização destes territórios para o

agronegócio(BRASIL-1,2014).

Cabedestacarqueospovosindígenasnãoforampassivosaoscrimessofridosna

ditaduramilitarbrasileira.A ideiadequeestespovosvivenciaramumvácuopolíticoe

que foram comunidades passivas “são alguns dos equívocos que ainda persistem na

memóriadaditadura,osquaiséprecisoenfrentar”(LIMA,PACHECO,p.222).

AtéaConstituiçãoFederalde1988,oBrasiladotouoregimeintegracionistados

povosindígenas,impossibilitandoenegandoodireitodeexistiremeviveremdeforma

4CumpredestacarafaladeAntonioCotrimemrelaçãoaesseassunto:“VinojornalqueestavamabrindoaTransamazônica.Percebiqueninguémtinhafaladodapresençadeíndiosnocaminho.UmdeputadodaParaíbaperguntouparaoMinistroCostaCavalcantieelenãosabiadenada.Mepediramumtrabalhoparainformarqueíndioshaviaporlá.Quandoentregamosotrabalhocominformaçõessobreos índios, sóentãoderamrecursosparaaFUNAI.OorçamentodestinadoàOperaçãoTransamazônicaeramaiordoqueodaprópriaFUNAIinteira”(BRASIL-2,p.5).5 Neste sentindo, o índio Bonifácio Krenak diz à CNV: “Amarravam a gente no tronco, muitoapertado.Quandoeucaianosorteioprá irapanhar,passavaumaervanocorpo,práagüentarmais.Tinhaoutrosqueelesamarravamcomcordadecabeçaprábaixo.Agenteacordavaeviaaquela pessoa morta que não agüentava ficar amarrada daquele jeito. (Prá não receber ocastigo...)agentetinhaquefazeroserviçobemrápido”(BRASIL-2,p.75).

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coletiva. O ser indígena era visto como algo transitório, que seria superado e

transformadopeloEstado(LIMA,PACHECO,2017).

Os povos indígenas eram considerados integrados quando experimentassem

todasascompulsões,conseguindosobreviverechegar“aoséculoXXilhadosemmeioà

população nacional, à cuja vida econômica se haviam incorporado como reserva de

mão-de-obra ou como produtores especializados de certos artigos para o comércio”

(RIBEIRO–B,p.235).

A necessidade de o Estado “integrar” estes povos se verifica na legislação da

época,comooEstatutodoÍndio,quetinha

como eixo uma subcategorização dos “silvícolas” em “isolados”, em“contato intermitente”, “contato permanente” e “integrados”. Ela deixavaem branco seu último e verdadeiro desiderato, a subcategoria final— oíndio“assimilado”,oíndioextintocomoíndioevirado“brasileiro”:caboclo,ribeirinho,seringueiro,camponês.Emsuma,oíndioviradopobre(CASTRO,2017).

Dessemodo, era necessário a integração dos povos indígenas para que este

venhaasetornarumcidadãobrasileiro(CLASTRES,2017).Nessesentido,

Oprimeiroproclamaahierarquiadasculturas:háasquesãoinferioreseasquesãosuperiores.Quantoaosegundo,eleafirmaasuperioridadeabsolutada cultura ocidental. Portanto, esta só podemanter com as outras, e emparticularcomasculturasprimitivas,umarelaçãodenegação.Mastrata-sede uma negação positiva, no sentido de que ela quer suprimir o inferiorenquantoinferiorparaiçá-loaoníveldosuperior.Suprime-seaindianidadedoíndioparafazerdeleumcidadãobrasileiro(CLASTRES,p.57).

Ainda que na ditaduramilitar brasileira os povos indígenas não pudessem ser

enquadrados como “comunistas”, “subversivos”ou “inimigosdapátria”, a CNVatesta

que em determinadas situações estes povos eram considerados “rebeldes’,

“empecilhos” e obstáculos” por se opuserem a política desenvolvimentista do Estado

(LIMA,PACHECO,2017).

Desse modo, os crimes vistos de forma rápida neste tópico possibilitaram a

elucidação e ilustração do que aconteceu na ditaduramilitar brasileira com os povos

indígenas.Assim,opróximotópicotemcomoobjetivoaanálisedoconceitode justiça

detransiçãoesuaconcretizaçãoparaareparaçãoaospovosindígenas.

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II.Ainserçãodospovosindígenasnajustiçadetransição

Os povos indígenas não sofreram somente a marginalização, conforme estudado no

tópico anterior, eles foram sistematicamente silenciados e excluídos da história dos

países. Por isso, a maioria dos cidadãos não indígenas age com indiferença e

incredulidadepornãosaberdahistóriadeexploraçãoedeviolaçõessofridasporesses

povos(ICTJ,2017).

OpresenteartigonãopretendedesconstruirtodoorespaldoteóricodeJustiça

deTransição, jáqueodireitoàmemória,àverdadeeà justiçasãofundamentaispara

que a sociedade brasileira consiga reparar e superar todo o legado de violência de

direitoshumanosedeautoritarismo.Mas,comoseverá,énecessárioincluirnoseixos

fundamentais da justiça de transição o direito ao território e a necessidade da

indissociabilidadedacondiçãoétnicadospovosindígenasnoscrimesdaditadura,para

não persistir a negligência que sempre ocorreu no campo teórico em relação a esses

estudos.

Desse modo, pode-se definir justiça de transição “como o conjunto de

abordagens,mecanismos(judiciaisenãojudiciais)eestratégiasparaenfrentarolegado

deviolênciaemmassadopassado”(SOARES,2017).Comefeito,aJustiçadeTransição

só tem latênciaquandoagregaoseixos fundamentaisque sãoodireito àmemória, à

verdadeeà justiça, contribuindoparaumanovaexperiênciapolítica, jurídicaeparao

EstadodemocráticodeDireito.Essasdimensõesfazempartedainternacionalizaçãodos

direitos humanos, modificando os papéis do Estado e dos atores nacionais (SOARES,

2017).

Com efeito, a justiça de transição possui quatro parâmetros que agregam o

direito à memória, à verdade, à justiça e à reparação. Dessa maneira, pretende-se

estudar a inserção da justiça de transição indígena com os parâmetros reparatórios

baseadoemcincoeixosfundamentaisparaospovos indígenas:odireitoàmemória,à

verdade,àjustiça,àreparaçãoeaoterritório.

Pode-sedizertambémquesuadefiniçãoestárelacionadaaviolaçõesdedireitos

humanos, pois investiga os abusos de direitos humanos cometidos no passado, as

atrocidadesemmassa,ououtrasformasdetraumassociaisgraves,comoogenocídioou

guerra civil, coma finalidade de construir uma sociedademais democrática, justa, ou

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com paz no futuro (BICKFORD, 2017). Observa-se que essas violências de direitos

humanos incluemgenocídios,atrocidadescontraqualquerpopulação,grupoétnicoou

minoria. Aliadas a essas ponderações, verifica-se que a justiça de transição pode ser

realizadapeloâmbitojudiciale/ouadministrativo(BICKFORD,2015).

Entreasmedidasde reparaçãopossíveisaospovos indígenas,cita-seopedido

dedesculpaspeloEstado(comoocorridorecentementenoCanadá6),acriaçãodeuma

comissãodaverdadeespecíficaparaasquestõesindígenas,umadataquerelembreos

fatosocorridos,a criaçãodemuseus7,produçãodemateriaisdidáticoseaudiovisuais8

paracompartilhamentonasescolas,televisãoeinternet,implementaçãodeaçõespara

preservaçãodaculturadospovosindígenas,entregadetodostiposdedocumentosda

ditaduraaestepovoseadevoluçãodeterritóriosretirados.

Dissosurgem outras reflexõessobrearealização destaforma específica

dejustiçadetransiçãoque,pormuitasvezes,podesignificarumcontextodeinjustiçase

paradoxos.Deste modo, algumas destas medidas muitas vezes não levam em

consideraçãoaopiniãoeodireitoàautodeterminaçãodestes,resultadodasupremacia

jurídicaepolíticadoEstadosobreestesgruposminoritários9(JUNG,2017).

OGovernobrasileirocriouaComissãoNacionaldaVerdadeem2011aqual,por

meio do seu relatório, publicado em 10 de dezembro de 2014,

trouxeinúmerasrecomendaçõesasvítimasdaditadura.Especificamenteemrelaçãoaos

6 Neste caso, cita-se o Canadá, que por meio do Primeiro Ministro, Justin Trudeau, pedereconciliação e perdão aos abusos cometidos contra os indígenas. THE GUARDIAN. JustinTrudeau Pledges Reconciliation in Canada after Aboriginal Abuse. Disponível emLhttp://www.theguardian.com/world/2015/dec/15/justin-trudeau-pledges-reconciliation-canada-aboriginal-abuse.Acessoem:1abr.20177Comoexemplo,destaca-seacriaçãodomuseuvirtual“ArmazémdaMemória”,idealizadoporMarceloZelic.OArmazémdaMemóriapublicainúmerosdocumentossobreospovosindígenasnaditadura.Disponívelem:http://armazemmemoria.com.br.8Aproduçãododocumentário“Guerrasemfim:resistênciae lutadopovoKrenak”,produzidopeloMPF,AssociaçãoNacionaldosProcuradoresdaRepública (ANPR)eaprodutoradevídeosUnnovaexpõeahistóriadelutaeresistênciadaetniaKrenaknaditadurabrasileira.9 Cabe destacar que a escolha pela palavra minoria neste trabalho não está relacionada adefinições estatísticas. “Neste sentido conceitual, cuja complexidade não temos espaço paradesenvolver aqui, as minorias étnicas indígenas não são simplesmente subconjuntos ousubsistemassocioculturais“incluídos”naMaioria,cujafigurapolíticaporexcelênciaéoEstado-naçãosoberano,mascoletividadesemprocessoincessantedeminoração,devariaçãocontínua,processo propriamente intolerável pela máquina administrativa da Maioria (“quem é índio,afinal?”;“masessescarasnãosãoíndios”;“agoratodomundoquerseríndionaAmazônia”etc.).(CASTRO,2017).

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povos indígenas,hátreze sugestões, comoumpedidode desculpas do Estado ea

criaçãodeumacomissãonacionalespecífica(BRASIL-1,2014).

Outraformadereparaçãoéaanistia,emboraestanãodevasercompreendida

comosinônimodeesquecimento.Aanistiasignificaapagarpenalmenteascondenações

impostas anteriormente ao atoocorrido, e desta forma, pode-se dizer que a anistia

significa esquecimento jurídico (BASTOS, 2009). No Brasil,o artigo 8odo Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias10tratada concessão de anistia aos que foram

atingidos por motivações políticaspor meio de atos do Estado.Regulamentando este

artigo, amedida provisória no65 de 28 de agosto de 2002 diz quesão considerados

anistiadospolíticososqueforampormotivoexclusivamentepolítico,noperíodode18

desetembrode1946até5deoutubrode1988,punidosportransferênciaderesidência

diversadaquelaqueexerciamsuasatividadesprofissionais.

Destamaneira,épossívelestenderaosindígenasopedidodeanistia,tendoem

vistaquemuitosforamremovidosdesuasterras(aexemplodopovoKrenak,noestado

deMinas Gerais). Entretanto, observa-se que embora estes possam ser incluídos por

meio da legislação como anistiados,a Portaria n° 2.523/2008doMinistérioda Justiça

impõequeopedidodevaserfeitodeformaindividual.Assim,demonstra-sedificuldade

em reparar estes povos por meio desta Portaria, tendo em vista que as sociedades

indígenasvalorizameseorganizamdeformacoletiva.

Com a posse dessas informações, pode-se afirmar que a justiça de transição

indígena deve ser o centro das reivindicações de direitos fundamentais para esses

povos,pois,semlevaremconsideraçãoodireitoaoterritório,nãohápossibilidadede

umajustiçahistórica,reparadoraedetransição.

10 Art. 8º doAtodasDisposiçõesConstitucionais Transitórias: É concedida anistia aos que, noperíodode18desetembrode1946atéadatadapromulgaçãodaConstituição,foramatingidos,em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais oucomplementares,aosqueforamabrangidospeloDecretoLegislativonº18,de15dedezembrode1961, e aos atingidospeloDecreto-Lei nº 864, de12de setembrode1969, asseguradas aspromoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito seestivessememserviçoativo,obedecidososprazosdepermanênciaematividadeprevistosnasleis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dosservidorespúblicoscivisemilitareseobservadososrespectivosregimesjurídicos.

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III.Direitosindígenasnoâmbitointernacionalenacional

Comoexplicadoanteriormente,ajustiçadetransiçãoindígenadevefincarsuasbasesno

reconhecimentododireitoàterraenacaracterizaçãodoscrimesocorridosnaditadura

deforma indissociáveldesuacategoriaétnica.Contudo,cabedestacarqueosdireitos

fundamentaisprevistosemdocumentosinternacionaisenacionaistambémfazemparte

dobojodeumajustiçadetransiçãoindígena.

Como é logicamente perceptível, todos esses direitos abrem um leque de

possibilidades para interpretações e inovações na defesa dos direitos indígenas (ICJT,

2017). Denota-se que as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos

corroboramaindamaisparaumaaplicabilidadedessesdireitospelosEstadosnacionais.

Essabase, imprescindívelparaforneceroapoioajustiçadetransiçãoindígena,

seráaabordagemdestetópico.Nessesentido,pretende-seexaminarocampoteórico

dosdireitosindígenas,comoodireitoàautodeterminação,ademarcaçãodeterritórios,

orespeitoàspráticasculturaiseainterpretaçãoexpedidapelostribunaisinternacionais

emrelaçãoaessesdireitos.

Neste aspecto, o extermínio de etnias, culturas, conhecimentos e valores no

século XX remeteu ànecessidade da proteção dos direitos das minorias e dos povos

indígenas pormeio de convenções no direito internacional.Assim, surge aConvenção

para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio,a Convenção sobre a

Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade e em

específico aos povosindígenas,a Declaração dasNaçõesUnidas sobre os Direitos dos

PovosIndígenas.

Como tutelaaos indígenas, o documento mais importante e atualizado com

caráter vinculante para os povos indígenas é a Convenção 169 da Organização

Internacional do Trabalho (OIT)(ISA, 2016). As primeiras garantias previstas nesse

documentoéodireitoàterra,previstonoartigo13,oqualestabelecequeoterritório

serelacionacomaidentidadedoíndio:

Artigo 13: Ao aplicarem as disposições desta parte da Convenção, osgovernos deverão respeitar a importância especial que para as culturas evaloresespirituaisdospovosinteressadospossuiasuarelaçãocomasterrasou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ouutilizamdealgumamaneirae,particularmente,osaspectoscoletivosdessa

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relação.2.Autilizaçãodotermo"terras"nosArtigos15e16deveráincluiroconceito de territórios, o que abrange a totalidade do habitat das regiõesqueospovosinteressadosocupamouutilizamdealgumaoutraforma(OIT,1989).

Comefeito,aDeclaraçãodaONUsobreosDireitosdosPovosIndígenasvemao

encontro da Convenção 169, garantindo ainda mais direitos a esses povos, como a

preservação daspráticas socioculturais, religiosas e territoriais, direitos também

encontrados na Constituição Federal. Além disso, os Estados devem

promovermedidasde reparação,incluindoa restituição, o respeito aos bens culturais,

intelectuaisereligiososquetenhamsidovioladossemconsentimento.Nestesentido,

Artigo 11: (...) Os Estados proporcionarão reparação por meio demecanismos eficazes, que poderão incluir a restituição, estabelecidosconjuntamente com os povos indígenas, em relação aos bens culturais,intelectuais,religiososeespirituaisdequetenhamsidoprivadossemoseuconsentimento livre, prévio e informado, ou em violação às suas leis,tradiçõesecostumes(ONU,2007)[grifonosso].

Reitera-se que a Declaração dos Povos Indígenas é um documento grande e

complexo,comumpreâmbuloe46artigos.ADeclaraçãoreconheceumaamplagama

dedireitoshumanosbásicose liberdades fundamentaisdospovos indígenaseaborda

temas tão diversos como o direito coletivo inalienável dos povos indígenas à

propriedade,usoecontroledesuasterras,territórioserecursosnaturais;seudireitode

manter e desenvolver práticas culturais e religiosas; seu direito de estabelecer e

controlar suas práticas educacionais; seus direitos à medicina tradicional e aos

conhecimentosculturaisetradicionais64(PULITANO,2012).

Porsuavez,noâmbitonacional,aConstituiçãoFederalde1988traz inúmeras

garantiasaospovosindígenas.Pormeiodelutasdemovimentosindígenas,aCFtrouxe

direitos antes inexistentes no contexto de direitos culturais materiais e imateriais

(COLAÇO, 2003). Entretanto tem-se verificado que o Poder Judiciário, o Executivo e o

Legislativo coagem para limitar esses direitos, contribuindo para uma injustiça de

transição.

NopreâmbulodaCF,verifica-sequeumdospilaresdaRepúblicaFederativado

Brasil é o direito à diferença, e principalmente, ao pluralismo. Desse modo, a

ConstituiçãoFederalbrasileira,aoreconhecerodireitoàstradiçõesculturais,religiosas,

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cosmológicas e a ocupação tradicional de suas terras, quebrou um paradigma e

influenciououtrasconstituiçõeslatino-americanas(MARÉS,2001).

Do mesmo modo, todos os direitos relacionados aos povos indígenas na

Constituição permeiam o multiculturalismo, a plurietnicidade, o olhar humanista, a

valoraçãodebensmateriais e imateriais e a preservaçãodabiodiversidade (SANTILLI,

2005).

Tanto é assim que ElaWiecko Volkmer de Castilho (1993, p. 98) destaca que

“meioambientee cultura têmuma interface jurídicamuitomais amplae rica,que se

inserenatemáticadosdireitoshumanos”.Aospovosindígenas,aConstituiçãogarante

um capítulo específico que reconhece sua organização social, costumes, crenças,

religião, tradições e direitos originários das terras que tradicionalmente habitam

(SANTILLI,2005).

O artigo 232 da Constituição Federal reconhece “aos índios sua organização

social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras

que tradicionalmente ocupam” (BRASIL, 1988). Esse trecho tambémexpressa que “os

índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo

emdefesadeseusdireitoseinteresses,intervindooMinistérioPúblicoemtodososatos

doprocesso”.Pode-sedizerqueospovosindígenaspodemingressarcomaçõessema

necessidade de serem representados por organizações indígenas, como a Funai

(SANTILLI,2005).

Assim, pode-se dizer que a justiça de transição indigenista considera todos os

direitosaquicitadoscomofundamentaisparaareparaçãodospovosindígenasetodas

asviolaçõesdedireitoshumanoscitadasnocapítuloanteriorseenvolvemnosdireitos

fundamentaishumanosnoâmbitodasConvençõesedaConstituiçãoFederal.

IV.Genocídioeetnocídio

Indiscutivelmente,ofimdaditaduranãosignificouotérminodassistemáticasviolências

contra os povos indígenas, considerando que a democracia não resultou em rupturas

dasaçõesestataisaessespovos.Outrofatorquemerecedestaque,éanãocondenação

pelos crimes praticados na ditadura, já que “a Justiça brasileira não tocou na

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impunidade dos crimes contra a humanidade praticados contra os índios brasileiros”

(FERNANDES,2017).

Nesse sentido, cabe destacar a indissociabilidade da condição étnica desses

povos nos crimes da ditadura para tipificá-los como genocídio e a necessidade de se

garantir o direito à terra. Por isso a importância de se analisar criticamente os

documentoshistóricos,comonoprimeirocapítulo,paraqueagorasepossa,pormeio

da teoria, instrumentalizar juridicamenteaspossibilidades cabíveisparaa condenação

doEstadobrasileiroeagentesprivados,promovendodessemodo,oeixododireitoà

justiça.

Dequalquermodo,cabeaquipontuarqueospovosindígenasnãoforamvítimas

decrimessomentenoBrasil,mastambémemoutroscontextoshistóricosepolíticosna

Guatemala,noPeruenoCanadá(ICTJ,2017).NoBrasil,comosedestacounaprimeira

etapadestapesquisa,aomenosoitomil indígenasforammortosnaditadurabrasileira

(BRASIL-1,2014).

E assim, historicamente, sabe-se que esses povos foram massacrados por

motivosmesquinhoseinteressespuramenteeconômicos(CARNEIRODACUNHA,1998).

Nocontextolatino-americano,éimportantedizerqueocontinentenãofoidescoberto,

masinvadido.Devidoaisso,pode-seafirmarque“aignorânciaeodesprezopelacultura

indígena” (RIBEIRO, p. 48) tornaram os europeus incapazes de compreender a

importânciaculturalefuncionaldessespovos(RIBEIRO,1996).Apolíticadeextermínio

dospovosindígenas“oscilavaentresegregacionista,integracionistaepreservacionista”

(NEUENSCHWANDERMAGALHÃES,2017).Tantoquepormuitotemposequestionavase

osíndiostinhamalma.Issoporque:

Dopontodevistajurídico,essaeraumaoperaçãoque,nocontextodeumaordem politico-jurídica moldada por postulados de Direito Natural, exigiauma outra operação, de natureza filosófica: a legitimidade da conquistaexigia o reconhecimento de que os índios também fossem portadores deumanaturezahumana(NEUENSCHWANDERMAGALHÃES,2017).

Edessemodo,osindígenasforamconsideradosincivilizadosenecessitavamde

ser catequizados para serem humanos (CARNEIRO DA CUNHA, 2012). Todo esse

históricodemonstraqueajustiçadetransiçãoparaospovosindígenasnecessitadeuma

justiçahistórica,tendoemvistaosséculosdegenocídiocontraessespovos.

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Ocrimedegenocídiosetornaoatorprincipalnocontextodeditaduraslatino-

americanas,dadaaquantidadedeindígenasmortos.Comisso,surgeapossibilidadede

se criarem iniciativas para identificar violações de direitos e discutir o porquê de os

povosindígenascontinuaremasofrernosdiasatuais(ICTJ,2017).

Nesse sentido, no âmbito do continente latino-americano, as principais

situaçõesemblemáticasenvolvendoessespovossãoosconflitosarmados,queresultam

em sofrimento e mortes em massa. Na Guatemala, o general Efraín Ríos Montt é

acusadodegenocídiocontraospovosindígenasem1982(ICTJ,2017).Apesardeainda

continuar impune,nasdecisõesmais recentes,a justiçaguatemaltecadeterminouque

Efraínvenhaaserprocessadopelocrimedegenocídio.

Em relaçãoaoBrasil, apesardeo crimedegenocídio ter sidopromulgadoem

1956, pela Lei no 2889 de 1ode outubro, já houve uma condenação pelo Tribunal

BertrandRussell11,em1980,emboraoEstadoseesquivedadecisãoparanãoacumprir

(FERNANDES,2017).

Observa-se que o conceito e a caracterização no âmbito penal do crime de

genocídio,pode,pormuitasvezes,remeteracontextoseurocêntricosenasistemática

negação (FLAUZINA, 2014) da possibilidade de existirem vítimas não europeias.

Entretanto,comodestacadonostópicosanteriores,caberessaltaraimportânciadeque

a justiça de transição seja histórica para os indígenas, já que até hoje não houve

reconhecimentodegenocídiopelasbrutalidadesocorridascontraeles.

Em termos teóricos, a palavra genocídio foi criada pelo advogado e judeu

polonêsRaphaelLemkin,parainvocaramemóriaeoscrimesdoHolocaustonaSegunda

Guerra Mundial (FEIERSTEIN, 2017). Em seu livro, “Axis Rule in Occupied Europe”,

Lemkin analisou o sistema nazista na Europa e seus crimes contra o povo judeu. Nas

palavrasdoautor:

Novasconcepçõesexigemnovostermos.Por"genocídio"queremosdizeradestruição de uma nação ou de um grupo étnico. Esta nova palavra,inventada pelo autor para denotar uma prática antiga em seu

11TribunalRusselIIfoicriadopeloBertrandRusseleJean-PaulSartre.Tinhacomoobjetivojulgaroscrimesdegenocídionomundo.OBrasil,foiapresentadoemRomaem1974pelasviolaçõesdedireitos humanos ocorridas na ditadura brasileira. (BRASIL. Violação dos direitos humanos -TribunalRussellII.JoãoPessoa:EditoradaUFPB,2014).

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desenvolvimentomoderno, é feita a partir da antiga palavra grega genos(raça, tribo) e cide latino (matança), correspondendo assim em suaformaçãoapalavrascomotiranicida,homicida,infanticídio,etc12.

(LEMKIN,

p.79).

Nota-sequeautilizaçãodotermo“genocídio”,porLemkin,eraparareferir-seà

matançadeumacoletividadedepessoaspertencentesaumamesmaetniae,nocasoda

Segunda Guerra Mundial, os judeus. Sua fundamentação levava em consideração o

contextohistóricoepolíticovividonaEuropa,Lemkinconsideraque:

Ogenocídiotemduas fases:uma,destruiçãodopadrãonacionaldogrupooprimido; A outra, a imposição do padrão nacional do opressor. Estaimposição, por sua vez, pode ser feita sobre a população oprimida que épermitida permanecer ou somente no território, após a remoção dapopulaçãoeacolonizaçãopelospróprioscidadãosdoopressor

(LEMKIN,p.

79).

Dentrodessas limitaçõesparaadefiniçãode“genocídio”,somam-seinteresses

políticos e econômicos, como os do Estados Unidos e os da União Soviética, que

queriam garantir que suas condutas não fossem tipificadas como crime de genocídio.

Tambémestavaemdiscussãoainclusãodo“genocídiocultural.E,emcomparaçãocom

odocumentofinaldaconvenção,foiexcluídatambémaproteçãodegrupospolíticose

sociais(FLAUZINA,2014).

Nesse sentido, a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de

Genocídio,em1952,definequegenocídioé“crimedodireitodospovos”,“cometidos

coma intençãodedestruir,notodoouemparte,umgruponacional,étnico,racialou

religioso”(ONU,1951).NoBrasil,aconvençãofoiratificadapormeiodaLeino2.889,de

01deoutubrode1956,definindogenocídiocomo:

a)Assassinatodemembrosdogrupo;b)Atentadograveàintegridadefísicae mental de membros do grupo; c) Submissão deliberada do grupo acondições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ouparcial;d)Medidasdestinadasa impedirosnascimentosnoseiodogrupo;

12Nooriginal:Nooriginal: “Newconceptions requirenew terms.By "genocide"wemean thedestructionofanationorofanethnicgroup.Thisnewword,coinedbytheauthortodenoteanoldpracticeinitsmoderndevelopment,ismadefromtheancientGreekwordgenos(race,tribe)and the Latin cide (killing), thus corresponding in its formation to such words as tyrannicide,homicide,infanticideetc.(LEMKIN,p.79)

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e) Transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo (BRASIL,1956).

Dessemodo, surgemalgunsquestionamentos relativosao crimedegenocídio.

Por que os povos indígenas foram e continuam a ser silenciados nesse processo de

seremsujeitosdedireitos?PorqueaJustiçadeTransiçãodemoroutantoparaexporas

massivasviolênciascontraessespovos?

Nota-sequeesse conjunto teóricoe jurídicoa respeitodo crimedegenocídio

contraospovosindígenasforamsilenciadosporséculos.Nessaperspectiva,pormeioda

açãoedaomissãodoEstadobrasileiro,inúmerosdocumentosinternacionaiseaprópria

ConstituiçãoFederal(inclusivedaépocadostaisacontecimentos)foramviolados.Aliás,

aosetratardeindígenashoje,noBrasil,oúnicodocumentojurídicodetutelaespecífico

queseteméoEstatutodoÍndio,criadoem1973,épocadaditadura,oqueporsisójá

representaoquãodesamparadoestão.

Nos documentos da CNV, observa-se a instrumentalização da política de

extermíniodessespovosnaditaduramilitar.Comoexemplo,aetniaCintas-largas,que

foi morta com pistolas, granadas, e a etnia Canela, morta por fazendeiros (BRASIL-1,

2014).

Constata-se em todos esses crimes a indissociabilidade da condição étnica

dessespovoseaincitaçãodiretaporpartedoEstadoparaaretiradadeíndiosdeseus

territórios,oqueresultounadestruiçãofísicatotalouparcialdessasetnias(CALHEIROS,

2015).

Oefeitomaiorquesepodeconcluiréquetodososcrimescitadosnoprimeiro

tópicosãopuníveis, jáquetantopessoasfísicasoujurídicaspodemserautoresdesses

delitos,conformeoartigo4odaLeino2.889

(MPF,2017).

Comefeito,aConvençãosobreaImprescritibilidadedosCrimesdeGuerraedos

Crimes Contra a Humanidade, adotada pela resolução 2391 da Assembleia Geral das

NaçõesUnidas,em26denovembrode1968,tratacomo imprescritível, independente

da data que tenham sido cometidos, os crimes contra a humanidade, ocorridos em

temposdeguerraoudepaz13(ONU,1968).

13 O Brasil não é signatário dessa convenção, entretanto ratificou o Estatuto da CorteInternacionaldaJustiçadaCartadasNaçõesUnidasqueestabeleceocostumeinternacionaleos

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Outra legislação que merece ser novamente destacada é a Declaração das

Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, trazendo no artigo 7oque “os

povos indígenas têm o direito coletivo de viver em liberdade, paz e segurança, como

povosdistintos,enãoserãosubmetidosaqualqueratodegenocídio”(ONU,2008).Jáo

artigo80,dizqueosíndiostêmodireitodenãosofrerassimilaçãoforçadaoudestruição

deseuscostumesecultura(ONU,2008).

Vale também evidenciar a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos

Indígenas,aprovadanoperíodode13a15dejunhode2016,quegarantenoartigoXI

aosíndiosodireitodenãoserobjetodequalquerformadegenocídiooudeextermínio

(OEA, 2016). Oportuno também mencionar as decisões da Corte Interamericana de

DireitosHumanosque,comodiscutidonoatualcapítulo, têmtratadodosmassacrese

crimesdegenocídiocontraospovos indígenas.Emespecial,ocasoPlánSanchéz,que

constataacriaçãodeumapolíticadegenocídiopelaGuatemala.AocogitarqueaCorte

não teria jurisdição para julgar casos envolvendo uma legislação de 1948 (Convenção

para a Prevenção e Sanção do Crime de Genocídio), a colenda câmara decidiu que o

Estado é responsável pelas violações de direitos protegidas em documentos

internacionaisnaqualaGuatemalafaçaparte(CORTEIDH,2017).

NoBrasil,comojáafirmado,oEstadobrasileiro,pormeiodeaçãoedeomissão,

provocou o esbulho territorial, a aniquilação por meio de epidemias, a utilização de

trabalho escravo e tantos outros crimes já citados. Por isso, “é fundamental que se

ressaltequeoEstadopodeserresponsabilizadomesmopeloscasosemqueoatonão

foi perpetrado pela ação direta de seus agentes. E para tanto sequer precisaríamos

recorreraoentendimentododireitointernacional[...]”(CALHEIROS,2015).

Noâmbitointernacional,oBrasilfoicondenadoumaúnicavezpeloscrimesde

genocídio contra os povos indígenas durante o RegimeMilitar, em 1980, no Tribunal

BertrandRussell14 (hoje chamadode Tribunal dos Povos) (FERNANDES, 2015),masno

princípios gerais comodireitos reconhecidos e fontes do direito pelas nações civilizadas (MPF,2017). Assim, “a observância dos princípios humanitários do direito internacional é obrigaçãoergaomnes”.(MPF,2017).14 Neste sentido, o “Tribunal Bertrand Russell (hoje, Tribunal dos Povos) era uma corteinternacional, de caráter não governamental, criada, a partir do propósito do filósofo que lheemprestou o nome, para julgar crimes dos Estados contra os direitos humanos. Ele não tinha

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aspectonacionalnãohásequerumadecisãoquetratedogenocídio.

Avançandonesseaspectodocrimedegenocídio,énecessáriodiscorrersobreo

etnocídio. E, embora sejamparecidos, seus significados sãodiferentes.Adefiniçãode

etnocídiosurgiunaobradoantropólogofrancêsRobertJaulin,

ondeoautorofereceumtestemunhoetnográficodetalhadodoprocessodedestruiçãodaculturaedasociedadedosBari,umpovoameríndiohabitantedafronteiravenezuelano-colombiana,levadoacabopelaaçãoconvergentede missões religiosas, órgãos estatais (Forças Armadas), corporaçõespetroleiras,epelas invasõesdeseuterritóriopormembrosdassociedadesenvolventes(CASTRO,2017).

Dessemodo,Jaulincompreendiaqueoetnocídioeracaracterizadopelosfins15,

ou seja, pelamorte do estilo de vida, seja ele as técnicas de subsistência, a língua, a

vivência em comunidade, as tradições e outros congêneres mais de povos distintos

(CASTRO,2017).

O etnocídio trata-se de uma “política de assimilação forçada” (CALHEIROS,

2015).Detodomodo,pode-seafirmarqueoconceitodeetnocídioseaproximadode

genocídiocultural,defendidoporLemkin,jáestudadonoatualtópico.Avançandonesse

aspecto,

pode-se considerar como “ação etnocida”, no que concerne às minorias

poderes oficiais sobre os Estados,mas era dono de legitimidade política e ética. Sua primeiraedição,em1967,julgouoscrimesdosEUAnaguerradoVietnã”(SÃOPAULO,2017).15 Nesse aspecto, Eduardo Viveiro de Castro faz uma crítica a esse conceito: “Entendo,entretanto, que a distinção de Jaulin entre “meios” e “fins” é especiosa, pois deixa aberta apossibilidade de algo como um “etnocídio culposo” antes que “doloso”; em outras palavras,sugerequeaçõesetnocidaspossamser cometidas como“resultadonão intencional”ou“danocolateral”dedecisões,projetoseiniciativasdegovernocujoobjetivoprecípuonãoéaextinçãosocioculturaledesfiguraçãoétnicadeumacoletividade,masantesarealizaçãode“projetosdedesenvolvimento” (grandes obras de infraestrutura como barragens, estradas, plantasindustriais, extraçãominerária e petroleira) que visariam ostensivamente beneficiar toda umapopulaçãonacional.Visto,porém,queasinstânciasdeplanejamentoedecisãodosEstadosquesancionam e implementam tais projetos têm o dever incontornável de estarem amplamenteinformadas sobre os impactos locais de suas intervenções sobre o ambiente emque vivemaspopulações atingidas, o etnocídio é frequentemente uma consequência concreta e efetiva, adespeito das intenções proclamadas do agente etnocida, e torna-se assim algo tacitamenteadmitido,quandonãoestimuladoindiretaemaliciosamente(oqueconfiguradolo)porsupostasaçõesde“mitigação”e“compensação”que,viaderegra,tornam-semaisuminstrumentoeficazdentrodoprocessodedestruiçãocultural,emtotalcontradiçãocomseupropósitodeclaradodeproteçãodosmodosdevida“impactados”(CASTRO,2017).

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étnicas indígenas situadas em território nacional, toda decisão políticatomada à revelia das instâncias de formação de consenso próprias dascoletividades afetadas por tal decisão, a qual acarrete mediata ouimediatamente a destruição do modo de vida das coletividades, ouconstituagraveameaça(açãocompotencialetnocida)àcontinuidadedessemododevida(CASTRO,2017).

Ao contrário do crime de genocídio, que é previsto no ordenamento jurídico

nacionalenointernacional,oetnocídiosópossuitipificaçãoantropológica,istoé,“todo

projeto,programaçãoeaçãodogovernooudeorganizaçãocivil”queviolemosdireitos

positivadosnaConstituiçãoFederal,emespecialosdocapítuloVIIIedocaputdoartigo

231(CASTRO,2017).

Sobessaperspectiva,numsentidomaisamplo,pode-seconfigurarcomocrime

nosentidomoraltodaaçãoqueresultenaviolaçãodealgumdireitodaDeclaraçãoda

ONU sobreoDireitodosPovos Indígenase emespecial os artigos8oe10o. E aindaa

Convenção169,daOIT,ratificadatambémpeloBrasil(CASTRO,2017).

Nessa linha,adificuldadeparaatuteladocrimedeetnocídioocorrepelafalta

deconsensoemrelaçãoàpalavraethnos,quepodesignificar“grupoétnico”ou“etnia”.

Em relação ao Brasil, é indissociável que aminoria ética sejam os indígenas. De todo

modo,énecessáriaadistinçãoentreminoriaétnica,grupoétnicoe indígena(CASTRO,

2017).

Grupoétnicoouetniaéumconjuntodepessoasquecompartilhamasmesmas

histórias, memórias, valores, tradições culturais, território e um sentimento de

solidariedadeperanteosoutros(CASTRO,2017).

A situaçãodospovos indígenasnoBrasil é enquadrada comominoria, sejano

aspectocultural,nosocialenopolítico.Nessecaso,ofatodeseremcategorizadoscomo

minorias não afeta dados estatísticos ou numéricos, emque pese sua população seja

pequena no Brasil. Há outras populações que sãominorias,mas com alta população,

comoosnegroseasmulheres(CASTRO,2017).

Assim, pode-se dizer que “minoria e maioria não se opõem de umamaneira

apenasquantitativa.Maioria implicaumaconstante,algocomoummetro-padrãoque

lhe serve de instrumento avaliador” (CASTRO, 2017). No Brasil, esse padrão seria o

homembranco,católico,machoeheterossexual(CASTRO,2017).

Desse modo, observa-se que tanto o genocídio como o etnocídio foram

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promovidos pelo Estado brasileiro, seja por meio de ação ou de omissão, por isso o

Estado brasileiro deve ser responsabilizado, ainda que seja somente pelo crime de

genocídio,jáquenãoháprevisãolegalparaocrimedeetnocídio.

Porfim,comosabido,aomenos8milindígenasmorreramnaditadurabrasileira

eassimmaisdoqueurgeotempoparaquesejamcriadosmecanismosreparatóriosem

benefício dos índios pelo Estado brasileiro, seja pelo Poder Executivo, Legislativo ou

Judiciário. E ainda, “é fundamental que se ressalte que o Estado pode ser

responsabilizadomesmopeloscasosondeoatonãofoiperpetradopelaaçãodiretade

seusagentes”(CALHEIROS,2017).

V.Territórioemarcotemporal

Somadas àsformas de reparaçãojácitadas neste artigo, surge a necessidade de se

analisara importânciadoterritórioparaospovos indígenas.Nesteaspecto,quandose

discute territóriohá uma aproximação com a antropologia jurídica e a utilização de

instrumentos reparatórios coletivos.Isso porqueexisteuma estreita relação do

territórioeos índios,asquaispassamporvalorescosmológicos,espirituaisereligiosos

(GAVILAN,2016).Dessemodo,

[...] Deve-se buscar na cosmologia indígena e nos princípios coletivos dacomunidade, na lei comum e a oralidade dos povos indígenas. O direitoindígenaderivadacrençadequeasnormasjurídicasnãosãoapenasparteda razão humana, mas também por razões cosmológicas. O homem nãoestá sozinho na Natureza, por isso não pode ser o legislador onipotente,enquantoháoutrasenergias,forçasemotivosdanatureza,comoaterra,osrios,asmontanhas,asárvores,aspedras,a lua,omar,osoleoutrosquetambémexpressamasregrasdaconvivênciahumana(GAVILAN,2016).

Assim,observa-sequeospovosindígenaseanaturezafazempartedeumtodo,

em que o território é o próprio ser indígena. Compreender o sentido cultural e

antropológicodovalordoterritórioparaospovosindígenassignificadizerqueajustiça

de transição pode desconstruir toda a sua visão individual, eurocêntrica, base dos

direitos humanos ocidentais. Pode-se afirmar que há inúmeras perspectivas de

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mecanismos reparatóriospara os povos indígenas e a demarcaçãode terras pode ser

umadelas.

Nessa dimensão, o Relatório Anual, de 2014, daONU, a respeito Direitos dos

PovosIndígenasespecifica:

Talvezamanifestaçãomaisclaradequeaindaénecessárioreparaçãoparaos povos indígenas é a falta de acesso a suas terras tradicionais e depermanêncianelas.Emrespeitoaoartigo28daDeclaraçãoqueestabelecequeospovosindígenastêmdireitoareparação,pelosmeiosquegarantama restituição, e quando não possível, uma indenização justa e equitativapelas terras e territórios. Os recursos que tradicionalmente foramconfiscados, tomados, ocupados dos índios, foram utilizados sem seuconsentimento livre, prévio e violado o direito a informação "e que estacompensação" consistam em terras, territórios e recursos de igualqualidade, extensão e uma condição jurídica para uma indenização justa.Apesar de ter havido avanços nos últimos anos na restituição de terras afavor dos povos indígenas e da proteção de suas bases territoriais, existeaindamuitos índiosquenãotiveramseusterritóriosrestituídos.Poróbvio,queexistemvárias formasnaqual as restituiçõesde terraquepodemserrealizadas,comoporexemplo,osdecretosexecutivos,decisõesjudiciaisouacordosextrajudiciais16(ONU,2014).

A tutela ao território indígena é antiga e existe desde o período colonial.

Inúmerosalvarás,cartasrégiaseoutrasautorizaçõesdoregimemonárquicoportuguês

previamaposseindígena.Comoexemplo,pode-secitaraCartaRégia,de30/07/161117,

16 Original: 31. Tal vez lamanifestaciónmás clara de que aún se necesita reparación para lospueblosindígenasdetodoelmundoessupersistentefaltadeaccesoasustierrastradicionalesydeseguridadensutenencia.Alrespecto,enelartículo28delaDeclaraciónseestableceque"lospueblosindígenastienenderechoalareparación,pormediosquepuedenincluirlarestitucióno,cuandoellonoseaposible,unaindemnizaciónjustayequitativaporlastierras, losterritoriosylos recursos que tradicionalmente hayan poseído u ocupado o utilizado y que hayan sidoconfiscados, tomados, ocupados, utilizados o dañados sin su consentimiento libre, previo einformado"yqueestacompensación"consistiráentierras,territoriosyrecursosdeigualcalidad,extensiónycondición jurídicaoenuna indemnizaciónmonetariauotra reparaciónadecuada".Aunque sin duda ha habido avances en los últimos decenios en la restitución de tierras a lospueblosindígenasyenlaproteccióndesusbasesterritorialesexistentes,aúnquedamuchoporhacerencasitodaspartes.Porsupuesto,hayvariasmanerasenquelasrestitucionesdetierraspuedenefectuarseysehanefectuado,comolosdecretosejecutivos, lasdecisiones judicialesolos acuerdos negociados, aunque pueden surgir complicaciones, sobre todo cuando compiteninteresesprivadosopuestosdetercerosinvolucrados(ONU,2014).17“EosditosGentios[indígenas]serãosenhoresdesuasfazendasnaspovoações,assimcomoosãonaSerra,semlhespoderemsertomadas,nemsobreellasselhesfazermolestia,ouinjustiçaalguma; nem poderão ser mudados contra suas vontades das Capitanias e logares, que lhesforemordenados,salvoquandoelleslivrementeoquiseremfazer”(BRASIL,1611).

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o Alvará de 1o de abril de 168018 e a Lei de 06/06/177519. Esta última reconhecia o

direitodosíndios,comoprimáriosenaturais,àsterrasporelesocupadas(SILVAetal.,

2016).

A primeira proteção constitucional do indígena foi a Constituição Federal de

1934,sobRegimedeGetúlioVargas(SILVA,2016).Oartigo129expressavaquedeveser

respeitada “a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente

localizados,sendo-lhes,noentanto,vedadoaliená-las”.

ComoGolpeMilitarde1964,aConstituiçãode1967adicionounovosdireitos

aos povos indígenas, como o usufruto de recursos naturais (SILVA, 2016). Entretanto,

comoPlanoNacionaldeIntegração,nadécadade70,oqueseobservounapráticafoia

invasãodosterritórioseaexpulsãodosíndios.

Comefeito,aConstituiçãoFederalde1988tentamodificartodoessehistórico

dematança indígena, trazendonovosdireitos comoaproteçãode seus territórios,de

suas culturas e de seus costumes, expressos em inúmeros artigos e, em especial, o

artigo 231. O parágrafo segundo especifica que “as terras tradicionalmente ocupadas

pelosíndiossedestinamasuapossepermanente,cabendo-lhesousufrutoexclusivodas

riquezasdosolo,dos riosedos lagosnelasexistentes” (BRASIL,1988).Oartigo21diz

que os territórios indígenas são patrimônio da União e, dessa forma, inalienáveis e

indisponíveis(BRASIL,1988).

Entretantonas recentesdecisões judiciais tem-seobservadoa inépciada falta

derespeitoparacomdocumentosnacionaiseinternacionaisquetratemdaproteçãode

territórios desses povos (SILVA, 2016). E em especial com o caso da Terra Indígena

RaposaSerradoSoldosMacuxi,Wapixana,Ingariko,PatamonaeTaurepangdeRoraima

(2009); o STF colocou empecilhos para a demarcação do território, como o marco

temporaleasdezenovecondicionantes(SILVA,2016).18“EuoPrincipe,comoregenteegovernadordosReinosdePortugaleAlgarves.FaçosaberaosqueestemeuAlvaráviremquepellomuitoqueconvemaoserviçodeDeosemeuaplicartodososmeiosmaisefficasesparaconversãodogentiodoMaranhão,eporjustosrespeitosqueaissome movem e que moverão aos Senhores Reis meus predecessores a empregarem nestaocupaçãoaosreligiososdaCompanhia”(BRASIL,1680).19 “Nopreâmbuloda Leide6de Junhode1755, El-ReiD. José I, ouvidovotounanimede seuConselhoeoutrosministros,affirmaqueacausadadispersãodosíndios<<constituiueconsisteaindaemsenãohaveremsustentadoefficazmenteosditosíndiosnaliberdade,queaseufavorfoi‘declaradapelosSummosPontificeseSenhoresReismeusPredecessores”(MENDES,p.33)Aleitambémtraziaanexodeoutraslegislaçõesquegarantiamaliberdadeparausodoterritório.

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No caso citado, o Ministro Carlos Britto trouxe quatro fundamentos para a

caracterização de um território indígena, sendo: a) o marco da tradicionalidade da

ocupação; b) o marco temporal da ocupação; c) o marco da concreta abrangência

fundiáriaeda finalidadepráticadaocupaçãotradicional;eod)marcodoprincípioda

proporcionalidade(PEGORARI,2017).

Aprimeirateseestabeleceque“ascomunidadesindígenasdevemdemonstraro

caráterdeperdurabilidadedesuarelaçãocomaterra,emsentidoanímicoepsíquicode

continuidadeetnográfica,comousodaterraparaoexercíciodastradições,costumese

subsistência(PEGORARI,p.248).Ocritérioestabelecidonestatesevaiemconsonância

aoartigo231,parágrafo1odaConstituiçãoFederal,queestabelececomorequisitopara

oreconhecimentodeterrastradicionalmenteocupadasporindígenas

[...] as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suasatividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursosambientaisnecessáriosaseubem-estareasnecessáriasa sua reproduçãofísicaecultural,segundoseususos,costumesetradições(BRASIL,1988).

Asegundatese,queéadomarcotemporaldaocupação,tratadanecessidade

de que as comunidades indígenas deveriam estar nesses territórios no dia da

promulgaçãodaConstituiçãoFederal(5outde1988),conformedecisão,

Omarçotemporaldeocupação.AConstituiçãoFederaltrabalhoucomdatacerta--adatadapromulgaçãodelaprópria(5deoutubrode1988)--comoinsubstituível referencial para o dado da ocupação de um determinadoespaço geográfico por essa ou aquela etnia aborígene; ou seja, para oreconhecimento, aos índios, dos direitos originários sobre as terras quetradicionalmente ocupam. [grifo nosso] 11.2. Omarço da tradicionalidadeda ocupação. É preciso que esse estar coletivamente situado em certoespaçofundiáriotambémostenteocaráterdaperdurabilidade,nosentidoanímicoepsíquicodecontinuidadeetnográfica.Atradicionalidadedapossenativa, no entanto, não se perde onde, ao tempo da promulgação da LeiMaior de 1988, a reocupação apenas não ocorreu por efeito de renitenteesbulho por parte de não-índios (Petição no 3388 de Roraima– SupremoTribunalFederal).

Emrelaçãoaomarcodaconcretaabrangênciafundiáriaedafinalidadeprática

da ocupação tradicional, há uma valorização do parâmetro da ancestralidade e da

“utilidade prática a que deve servir a terra tradicionalmente ocupada (PEGORARI, p.

248). Por fim, no que se refere aomarco do princípio da proporcionalidade, deve-se

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atentar a este princípio no âmbito dos direitos indígenas, garantindo um caráter

extensivo(PEGORARI,2017).

Neste sentido, observa-se que o STF adotou a tese do marco temporal da

ocupação, já que determinou que para critérios de demarcação de terras indígenas,

estespovosdeveriamestarocupando-asnodiadapromulgaçãodaConstituição(SILVA,

2017).

Ou seja, o STF cria limitadores à justiçade transição indígena, aopassoquea

maioriadasetniastevequesairdeseusterritóriosdeformacoercitiva.Emvirtudedisso,

épossívelafirmarque:

Ignora-sequedesdeaConstituiçãode1934eemtodasasqueseguiram,osdireitosdosíndiosàpossepermanentedesuasterrasestavaassegurada.Eignora-se uma história de violência e de esbulho. A Constituição de 1988inaugurouentreos índiosguaraniespoliadosaesperançadequeagora seencontravamemum“tempododireito(CARNEIRODACUNHA,2017).

Levandoemconsideração todasas investigações realizadaspelaCNV,omarco

temporal e o instituto do esbulho renitente colocam como inatingíveis todas as treze

recomendaçõesdaComissão.Dentreessasrecomendações,háadademarcaçãoeada

reparaçãodessesterritórios,tendoemvistaquemuitasetniasseviramobrigadasase

retiraremdecorrênciadegrandesempreendimentos(SILVAetal.,2016).

É importante reiterar queospovos indígenasocupavam tradicionalmente20 os

territórios antes da existência do reconhecimento constitucional, isto porque, nessa

época, nãohavia tutela. E,dessa forma,pode-seafirmarquedevemser considerados

direitosnaturais,jáquesomenteapartirdaConstituiçãoFederalde1934équehouvea

tuteladeseusterritórios(SILVAetal.,2016).

Nessadimensão,éimportantediscutiraposseindígena,quediferedadodireito

civil.Paraisso,JoãoMendesJúnior,docentedaUniversidadedeSãoPaulo(USP),foio

“primeirojuristabrasileiroaestudarumajustificaçãodosdireitosterritoriaisdosíndios,

20Nessa perspectiva, “no cernedessa discussão, importante frisar queo sentidoda expressão“tradicionalmenteocupam”(Art.231)e“terrastradicionalmenteocupadaspelosíndios”(Art.20,XI) dá conteúdoà existênciado grupoétnico.O legislador constituinte aodisporos verbosnopresente não se referiu à data da promulgação da Constituição, mas sim à existênciacontemporâneadospovosindígenas(SILVA,p.18–19).

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procurando localizá-losdentrodaordem jurídicaquevigianoBrasil” (LIMA;RESENDE,

2016),chamadodeteoriadoindigenato(LIMA;RESENDE,2016).

Ateoriaconsistenaideiadequeoíndiopossuiasedumpositivo,consistindoem

fundamentoparase teraposse, teoriaclássicadodireitoromano.Entretantoo índio,

alémdessaposse(juspossessionis),tambémpossuiojuspossidendi,tendoemvistaque

éreconhecidapreliminarmentealegitimaçãodessapossedesdeoAlvaráde1odeAbril

de1680,considerando-acomodireitocongênito(MENDES,1912).E,aoindígena,“éque

melhor se aplica o texto do jurisconsulto Paulo: - quia naturaliter tenetur abe o qui

insistit”(MENDES,p.59).

Dessaforma,

Aoccupação,comotítulodeacquisição,sópodeterporobjectoascousasquenuncativeramdono,ouqueforamabandonadasporseuantigodono.Aocupaçãoéumaapprehensioreinullisoureiderelictae.[...]Ora,asterrasdeíndios, congenitamente apropriadas, não podem ser consideradas nemcomoresnullius,nemcomoresderelictae;poroutra,nãoseconecebequeos índios tivessem adquirido por simples ocupação, aquillo que lhes écongenitoeprimário,desorteque,relativamenteaosíndiosestabelecidos,não há uma simples posse, ha um título imediato de domínio, não háportantopossealegitimar,haodomínioareconheceredireitooriginárioepreliminarmentereservado[grifonosso](MENDES,p.59)

Ouseja, énecessário traçarumadiferenciaçãoparaa caracterizaçãodeposse

de terras entre indígenas eodireito civil clássico, issoporque, comodito, a possedo

índioéumdireitocongênito78.Pode-sedizerqueodireitodos índiosqueocupamas

terras é um direito natural, e que não é necessário que uma legislação legitime essa

posse. Este direito foi incorporado nos primeiros Alvarás e é previsto na atual

Constituição(LIMA,RESENDE,2016).

Nessadimensão,pode-sedizerqueapossedoterritórioindígenanãoéigualà

reguladapelodireitocivileinclusiveareguladapelodireitoagrário.Issoporquenãohá

necessariamente uma relação de posse commorada habitual, trabalho e produção, e

porissosediz“posseindígena”parasereferiraessespovos(LIMA,RESENDE,2016).

Todaessamudançatrouxelimitaçãoaosdireitosindígenase,porconsequência,

ao direito de reparação, dememória, de verdade e de justiça. E, por consequente, o

marcotemporalrefletiuemoutrasdecisõesnoSTF,comonaTerraIndígenaGuyraroká,

noEstadodoMatoGrossodoSul.

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Assim,semodireitoaoterritório,nãohádoquesefalarnumaperspectivade

agentedodireitoàmemória,àverdadeeàjustiçanoBrasil.Alémdisso,háumimenso

riscodeetniasdesaparecerem, jáqueovalordoterritórioparao índioédiferentedo

queexisteparaassociedadesnãoindígenas,comoestudadonessetópico.

Destemodo,opróximotópicopretendeanalisarajurisprudênciadoSTFnoque

se refere ao institutomarco temporal,mecanismo que limita o acesso aos territórios

indígenasinvadidospeloregimemilitar.Semodireitoaoterritório,nãohápossibilidade

darealizaçãodeumajustiçadetransiçãoindígena.

VI.OSupremoTribunalFederaleomarcotemporal

Inicia-se aqui a última etapa desta pesquisa, que tem por finalidade a busca

jurisprudencialnoSupremoTribunalFederalquetratedoinstitutodomarcotemporal.

O âmbito de aplicabilidade desse tema é bastante extenso, por isso optou-se pelo

estudodasdemandasjudiciaisepedidosdeanistiaconduzidospeloMPF,pormeiodo

GrupodeTrabalho“ViolaçõesdosDireitosdosPovosIndígenaseRegimeMilitar”.

Deste modo, examinado as decisões do STF em relação a interpretação do

marco temporal, se observa dois momentos distintos. O primeiro ciclo constituiu na

garantia dedireitos indigenistas e principalmentedodireito ao território, para depois

em um segundo momento (pós década de 90), a criação de limites jurídicos para

configurarapossedessesterritórios.

Assim, “era de se esperar que o Poder Judiciário fizesse alguma forma de

mediação entre “lei” e a “realidade normativa” (NEUENSCHWANDER MAGALHÃES,

2017)considerandoàssistemáticasviolaçõesdedireitoshumanospormeiodeaçãoe

de omissão do Estado brasileiro (NEUENSCHWANDERMAGALHÃES, 2017) na ditadura

brasileira. Entretanto, o que a jurisprudência tem demonstrado é o contrário,

concedendoanistiaatorturadoresealegitimaçãodoscrimesocorridosnessaépoca.

Nesse sentido em1969, o Superior Tribunal de Justiça julgou a favor da etnia

Kadiweus, garantindo-os o direito ao território. Embora, a decisão judicial não tenha

acabado com o conflito socioambiental, visto que fazendeiros continuaram a invadir

estesterritórios,destaca-sequefoiumaimportantedecisãosobredireitosindigenistas

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(NEUENSCHWANDERMAGALHÃES,2017).

Dessemodo,essasdecisõesquepossibilitaramagarantiadodireitoaoterritório

“semantêmnosanos80,nos90, já́sobaégidedaConstituição”(MAGALHÃES,2017).

Nesse sentido, o voto doMinistro Franciso Rezek em 1993, sobre os povos Krenak e

Pojixámerecedestaque,

Asprovasfalamdopungentedramaporquepassarameestãopassandoosíndios KRENAK e POJIXÁ, em razão da desenfreada ambição de homens“civilizados” que, protegidos e com a participação do Governo de MinasGerais,teimamemtomar-lheasterrase,consequentemente,aesperança,asaúde,oalimento,aágua,avida.(BRASIL–D,1993).

Portanto, a arguição defendida pelo Estado de Minas Gerais de que o povo

Krenaktinhaabandonadoseuterritóriofoirefutadapelorelatoreosdemaisministros

do STF, posto que essas etnias foram brutalmente transferidas no período de 1950 a

1970. Convém destacar que o STF considerou nulo todos “os títulos de propriedade

conferidos aos réus pelo Estado deMinas Gerais” (NEUENSCHWANDERMAGALHÃES,

2017). Ainda, “o caso dos Krenak, aos quais se fez justiça na referida decisão, foi

lembrado no Relatório da CNV” (NEUENSCHWANDER MAGALHÃES, 2017), como

estudadonoprimeirocapítuloequeserádiscutidonotópicoaseguir.

Em especial esse julgamento se sobressai por ser uma decisão histórica

relacionadaadireitosindigenistas,umavezqueoSTFacolheuatesedoprocuradorda

República sobre a constitucionalidade da posse de terras indígenas, dado que esses

povos foram expulsos de seus territórios de forma arbitrária (NEUENSCHWANDER

MAGALHÃES,2017).

Entretanto anos depois, coma decisãodo “Recurso Extraordinário no219983-

3/98, o STF decidiu questão semelhante de forma completamente diversa”

(NEUENSCHWANDER MAGALHÃES, 2017). Nesse momento, observa-se o início do

segundociclodeinterpretaçãonoSTF,criandolimitaçõesjurídicasparaacaracterização

da posse indígena. Assim, pela primeira vez, o STF institui o marco temporal como

requisito básico de reconhecimento do direto ao território para os povos indígenas

(NEUENSCHWANDERMAGALHÃES,2017).Convémdestacarovotodo relatorMinistro

MarcoAurélio:

Conclui-se,assim,quearegradefinidoradodomíniodosincisosIeXidoartigo

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20daConstituiçãode1988,consideradaaregênciasequencialdamatériasoboprisma

constitucional, não alberga situações como a dos autos, em que, em tempos

memoráveis,asterrasforamocupadasporindígenas.Conclusãodiversaimplicaria,por

exemplo,asseverarqueatotalidadedoRiodeJaneiroconsubstanciaterrasdaUnião,o

queseriaumverdadeirodespropósito(BRASIL–E,1998).

Com isso, o STF rompeu comosdireitos originários dessa etnia e de todosos

povos indígenasnoBrasil,comotambémconcedeuanistiaatodososcrimesocorridos

noperíododaditaduramilitarbrasileira..Nessesentido,

Oaberranteetnocentrismodessatese,queviolaosdireitosoriginárioseosdireitos culturais internacionalmente reconhecidos, pressupõe que osíndios:a) tinhamamploacessoà Justiça,oque,emtermossociológicos,éabsurdo: continua havendo profunda disparidade entre os conflitos nasflorestaseosconflitosnascidades;b)poderiamlivrementeproporaçõesnopróprio nome, o que supõe um profundo desconhecimento do direitopositivodaépoca,tendoemvistaatutelaprevistapeloEstatutodoÍndio;c)preferiamusar osmecanismos oficiais do Estado brasileiro para resoluçãode conflitos, quando, em razãode suaprópria identidade cultural, tinhammecanismosprópriose,peloseusaberhistórico,tinhamtodaarazãoparanão confiarnosmecanismosoficiais, inclusiveno Judiciáriobrasileiro, cujajurisprudência é historicamente etnocêntrica; d) a exigência de que aindaestivessemresistindofisicamenteem1988ignoracompletamentearelaçãode forçasnocampobrasileiroedosmassacres cometidoscontraospovosindígenas(FERNANDES,2017).

Assim é possível observar que a partir do marco temporal da Constituição

Federalde1988(NEUENSCHWANDERMAGALHÃES,2017),oSTFrompeucomtodosos

direitoseparâmetrosdajustiçadetransiçãoindígena.Dessamaneira,pode-sedizerque

o STF rompeu tanto com sua própria tradição como com aquela doconstitucionalismobrasileiro, respeitada a série das constituições brasileirasde1934aténossosdias, incluindoaquelasautoritárias,que reconheciamosdireitos dos índios às terras em que habitavam (NEUENSCHWANDERMAGALHÃES,2017).

Denaturezaigual,oSTFem2010emitiuaSúmula650/2010considerandoque

“osincisosIeXIdoart.20daConstituiçãoFederalnãoalcançamterrasdealdeamentos

extintos,aindaqueocupadasporindígenasempassadoremoto”.Dessemodo,

Exclui-se a possibilidade de que os povos exterminados ou

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expropriados durante a ditadura militar possam recuperar seu direitooriginário às terras emque viviam até seremexpulsos e perseguidos peloregime [...]. Esse impedimento vai, portanto, de encontro aos direitosinerentes de uma Justiça de Transição, como o direito à memória e averdade, mas também o de reparação e responsabilização(NEUENSCHWANDERMAGALHÃES,2017).

Do exposto, observa-se que o STF está legitimando os crimes da ditadura e

consequentemente,impossibilitandoapromoçãodeumajustiçadetransiçãoindígena.

Outradificuldadeexistentenapromoçãodereparaçãoaessespovoséaconstataçãode

quenuncaumindígenaestevenacomposiçãodoSupremoTribunal(FERNANDES,2017).

Noqueconcerneadecisãoem1998,surgeumlimitadordodireitoàterra,jáquenãose

leva em consideração razões históricas, tal como a retirada forçada desses povos de

seusterritórios.Dessemodo,

Seo Judiciáriobrasileiro,emplenoséculoXXI, realizaessaradicalnegaçãodedireitoshumanosdospovosindígenas,tantonoplanododireitomaterialquanto no do processual, retirando-lhe direitos sem mesmo ouvi-losjudicialmente, o que deve pensar da esdrúxula exigência, não prevista naConstituição, de que os povos indígenas estivessem discutindojudicialmente seus direitos em outubro de 1988 para que possam ter ademarcação das terras que foram expulsos, seja por ação ou omissão doEstadobrasileiro?(FERNANDES,2017).

Verifica-sequeascondicionantesdocaso“TerraIndígenaRaposadoSol”,como

estudado no segundo capítulo, têm sido utilizadas em outras decisões envolvendo a

possedeterritóriosindígenas,talcomonaTerraIndígenaGuyraroká(RMS29087DF)e

na Terra Indígena Limão Verde (ARE 803.462-AgR/MS), ambas no Estado do Mato

Grosso do Sul (FERNANDES, 2017). Tratando-se dessa percepção jurisprudencial, “o

aberranteetnocentrismodessatese”(FERNANDES,2017)elucidaqueoPoderJudiciário

vaideencontroaosdireitoshumanoseindigenistas.

Convém destacar que não há ações judiciais tipificando a conduta do Estado

brasileiro comocrimedegenocídio,excetoaproferidapeloTribunalBertrandRussell,

em1980 (FERNANDES, 2017), discutida no tópico anterior. Ainda, o Relatório da CNV

não citaesse crimena “seção conceitual sobregraves violaçõesdedireitoshumanos”

(FERNANDES,p.01).

De todo modo, a tabela a seguir saliente os principais processos judiciais e

pedidosdeanistiapolíticaenvolvendopovosindígenaseprincipalmenteosquetratem

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doinstitutodomarcotemporal:

Tabela 1 – Principais processos judiciais envolvendo povos indígenas e parâmetros

reparatóriosdajustiçadetransição(1979a2015)21

Ação: MinistroRelatoroujuiz:

Data: Observação:

ACO323-7MG(STF)

FranciscoRezek

08/09/1994

Decisão histórica queconcede o direito aoterritório a etniaKrenak.

RE219.983-3SP(STF)

MarcoAurélio

09/12/1998

Institui o marcotemporal para a possedas terras indígenas,refutando a teoria doindigenato, propostaporJoãoMendes.

Petição Inicial 3.388- 4 -Roraima(STF)

CarlosBritto

01/07/2010

Caso da Terra IndígenaRaposa do Sol.Estabeleceu comomarco temporal dosindígenas apromulgação da CF de1988,ou seja,os índiosdeveriam estar noterritório no dia 5 deoutubrode1988.

ACP – Processo no

0000243-

88.2014.4.01.3200(1a

Vara Federal do TRF da

1aRegião(AM)

Juíza MariaPintoFraxe

15/01/2014(emandamento)

Caso sobre os povosTenharim e Jihaui,vítimas da RodoviaTransamazônica.Liminar deferida empartes. A juíza acolheuo pedido de medidaspara proteger os locaissagrados e médicos nopostodesaúde.

RMS29087DF(STF)

RicardoLewandowski

16/09/2014

Recurso parademarcaçãodeterradaetnia Guarani Kaiowá,

21 Tabelada adaptada do site do MPF. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/documentos-e-publicacoes/biblioteca/docs/docs_memoria/pesquisa_feitos.pdf>Acessoem:2fev.2017.

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no estado do MS.Decisão invocaomarcotemporal de ocupação,queéapromulgaçãodaCFde1988.

Pedidodeanistiapolítica

Ministério daJustiça/Comissão daAnistia

19/09/2014

Caso que consideroucomo anistiado políticoos indígenas Aikewara,moradores da AldeiaSororró, na TerraIndígenaAikewara.

ARE803.462-AgR/MS

TeoriZavascki

12/02/2015

Decisão sobre oTerritório Indígena“LimãoVerde”.Comojánasdecisõesanteriores,“estabeleceu comomarco temporal deocupaçãodaterrapelosíndios, para efeito dereconhecimento comoterra indígena, a datada promulgação daConstituição, em 5 deoutubro de 1988” (STF,2015).

Pedidodeanistiapolítica

24/03/2015(emandamento)

Pedido de anistiapolítica aopovoKrenakpelas violações dedireitos humanos naditaduramilitar.

ACP - Processo no

644839520154013800(JFMG)

Juíza AnnaCristina RochaGonçalves

14/12/2015(emandamento)

Caso envolvendo opovo Krenak e asviolações de direitoshumanos na ditaduramilitar. Primeira açãoenvolvendo indígenas eJ.T. que tem como réuuma pessoa física, omilitar Manoel dosSantos Pinheiro [grifonosso].Liminardeferidaparcialmente emdezembro de 2016: -promoverconsulta livrea etnia Krenak; a)traduzir a CF na línguanativa desse povo;b)entregar a esse povo

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todos os documentosgovernamentais que ostratem; c)publicaçãoNacionalsobreviolações dedireitos humanos dospovos indígenas naditadura militar, e emespecial, relacionadasao ReformatórioKrenak.

Dessemodo, observa-se que o Supremo Tribunal Federal optou pela tese do

marcotemporaldaocupação,restringindoospovosindígenasdoacessoàssuasterras.

Comovistonestetrabalho,muitasetniasforambrutalmenteassassinadaseexpulsasde

seusterritórios,oqueimpossibilitouqueestespovosestivessememseusterritóriosno

diadapromulgaçãodaConstituiçãoFederal.Ademais,paraospovos indígenas,pouco

importa a data da promulgação de um documento jurídico, o que estes buscam é a

possibilidade de que o Estado reconheça de que estes territórios são seus, para que

assim,possamcontinuarsobrevivendo,sejanoaspectobiológico,culturalousocial.

Consideraçõesfinais

Constata-se que os povos indígenas no Brasil desde épocas coloniais a democráticas

vivem subalternos, às margens de políticas públicas e sociais. Prova disso era o

desrespeitoea intolerânciaemrelaçãoàcultura indígenaporpartedoscolonizadores

que,noséculoXVI,levantaramàdúvidaarespeitodeosindígenasteremalmaounão.

Nessesentido,atesedefendidaporJohnMajor,consideravaospovos indígenascomo

escravospornatureza.OproblemasófoisolucionadocomabuladoPapaPauloIII,ao

afirmarqueosíndiospossuíamalmas.Nodecorrerdesseprocessodesilenciamentoque

seinicioucomainvasãodocontinenteamericano,àsviolaçõesdedireitoshumanosnão

foramrestritosporperíodoshistóricosoucontextospolíticos,dadoporexemplo,quea

ditadura militar para os povos indígenas foi a continuidade de algo que já existia

(BRASIL-2, 2014) e, assim, não deve ser entendida como ummarco para o início das

violaçõesdedireitoshumanos.

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Com efeito, a ditadura militar brasileira significou o início da construção de

empreendimentosquemodificaramavidadessespovos,comoaconstruçãodaRodovia

Transamazônica que violou direitos das etnias Tenharim, Jiahui, Arara e Prakanã, da

Rodovia Perimetral Norte, trazendo consequências socioculturais na vida da

comunidadedosYanomami;oencarceramentoeautilizaçãodemão-de-obra indígena

do povo Krenak; omassacre dos Cintas-Larga desencadeado por conflitos territoriais,

inclusiveutilizando-sedearmamentopesadocomopistolascalibre45,metralhadorase

granadas demão; a expulsão da etnia Kadiueus de seu território e a coerção para a

práticadeprostituição;oextermíniode36%dapopulaçãodasetniasquevivemnoRio

Xingu,aproliferaçãodeepidemias(influenza,maláriaepneumonia)naetniaCarajás;a

desnutriçãodecriançasefaltadeassistênciasocialaopovoKanayurá;aconstruçãode

presídios sem as devidas instalações sanitárias e humanitárias para torturar a

comunidade Kaingang e muitos outros casos de violações de direitos humanos não

citadas na dissertação por limitaçõesmetodológicas. Todos esses exemplos tentaram

ilustrarqueaditaduramilitarbrasileirasignificouamortedeaomenos8milindígenas

(BRASIL-1,2014).

Nesse ínterim, surge a justiça de transição, estudo que tem por finalidade a

promoção de mecanismos judiciais e não judiciais que reparem vítimas de períodos

ditatoriais e/ ou de conflitos armados. Sua latência ocorre por meio de três eixos: o

direitoàmemória;àverdadeeàjustiça,possibilitandoquenãohajamaisrepetiçãodos

fatos passados. Como visto, a aplicabilidade desse tipo de justiça provocou a

modificaçãodarelaçãoentreEstadoseatoresnacionais.Oprodutodessa teoriapode

ser percebido pormeio da criação da Comissão Nacional da Verdade; a fundação de

museus virtuais (como o Armazém da Memória); a produção de documentários (tal

como o “Povo Krenak: guerra sem fim) e a divulgação de documentos secretos da

ditaduramilitar(comooRelatórioFigueiredo).

Quando a justiça de transição é levada para o campo dos povos indígenas,

observa-se dificuldades para responder às violações de direitos humanos, dado que

essas vítimasnãoencontrampousonas agendasdedireito àmemória, à verdadee à

justiça.Frenteaestaprovocação,apesquisanãotencionoudescontruirtodoorespaldo

teórico existente, considerando que os eixos aqui citados são fundamentais para a

reparaçãodetodasàsvítimasdaditaduramilitar, inclusiveospovos indígenas.Como

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fito de estruturar a possibilidade de inserção desses povos na justiça de transição,

optou-se por incluir a necessidade de reconhecimento do direito ao território e a

indissociabilidadedacondiçãoétnicadessespovosnoscrimesocorridosnaditadura.

Assim, estudou-se que o reconhecimento do direito ao território é parâmetro

fundamentalparaajustiçadetransiçãoindígena,dadoqueaterracarregasignificados

cosmológicos e hereditários a esses povos. Reitera-se que não se vale da teoria da

substituição da terra por outra similar, já que esses povos se entreveem como

integrantes desse território, juntamente com a Natureza. Ora, nesse sentido, cabe a

provocação no aspecto da diferenciação entre reparação e recomposição, que na

perspectiva de justiça de transição não devem ser entendidas como iguais. Enquanto

aquela significa reconstruir, voltaraoestadoanterior,esta significa substituirporalgo

similar. Neste sentido, considerando a importância do território ao indígena, não se

deveutilizararecomposiçãodoterritório,masareparação,quepossibilitaarestituição

daterraemqueessespovosviveramantesdaretiradaforçada.

Enfatiza-seanecessidadeparaqueajustiçadetransiçãoindígenaconsidereque

todas as violações de direitos humanos expostas no primeiro capítulo, sejam

indissociáveis da conjuntura étnica desses povos, tipificando tais condutadas como

crimedegenocídio,previstonaleino2.889de1956.Estaperspectivapossibilitaqueo

Estado brasileiro e agentes militares possam ser condenados pelo: assassinato de

membros de determinados grupo; atentado grave à integridade física e mental de

membros do grupo; submissão deliberada do grupo a condições de existência que

acarretarão a sua destruição física, total ou parcial;medidas destinadas a impedir os

nascimentosnoseiodogrupo;transferência forçadadascriançasdogrupoparaoutro

grupo (BRASIL, 1956). Comando que, antropologicamente, pode-se caracterizar estes

crimescomoetnocídio,porsetratardeaçãoqueacarretoumediataouimediatamente

adestruiçãodomododevidadascoletividades,ouconstituagraveameaça(açãocom

potencialetnocida)àcontinuidadedessemododevida(CASTRO,2017).

Detendo-se a estes aspectos pontuais para a realização de uma justiça de

transição indígena, percebe-se também impedimentos para a anistia política a esses

povos, dado que a Portaria n° 2.523/2008 doMinistério da Justiça estabelece que o

pedido de anistia deve ser realizado de forma individual, contrariando a forma de

organizaçãodassociedadesindígenas,queseestruturamdeformacoletiva.Damesma

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forma,merecedestaqueasdificuldadespara reparaçãoaospovos indígenaspormeio

dodireitoaoconsentimentoprévio,conformeprevistonaConvenção169daOIT,visto

muitas etnias não querem ser reparadas pelas violações de direitos ocorridas na

ditadura.

Diante do exposto, destaca-se que sem o cumprimento de ordenamentos

jurídicos nacionais e internacionais, criam-se circunstâncias de injustiça de transição.

Ainda,percebe-sequeosmecanismosreparatóriosexistentesnoordenamentojurídico

brasileiro para os povos indígenas são frágeis, já que muitas limitações jurídicas e

políticas têm sido criadas para impossibilitar a promoção de uma justiça de transição

indígena e em busca do direito à memória, à justiça, à verdade, à reparação e ao

território.

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SobreosautoresAndréDemetrioDoutorando em Direito pela Universidade Carlos III de Madri, Espanha. Mestre emDireito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). E-mail:[email protected]ícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e Universidade Federal do Paraná(UFPR).Éprofessora titulardaPontifíciaUniversidadeCatólicadoParanáeprofessoraassociadadaUniversidadeFederaldoParaná,programasdegraduaçãoepós-graduaçãoemDireito. É pesquisadora (bolsista de produtividade empesquisa) do CNPq, nível 2.Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná. E-mail:[email protected]íramigualmenteparaaredaçãodoartigo.