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V Simpósio de Pós Graduandos em Ciência Política da Universidade de São Paulo – USP Paper: Estratégias para o aumento da influência das Potências Médias na OMC: uma análise da atuação do Brasil e da Índia 1 . Haroldo Ramanzini Júnior – Mestrando do Departamento de Ciência Política da USP. Resumo O objetivo deste trabalho consiste em analisar as estratégias utilizadas pelo Brasil e pela Índia, para aumentarem a participação nas negociações da OMC, principalmente, no âmbito da Rodada Doha. Os principais aspectos que acreditamos ter um papel importante nesse processo são: a atuação e o papel de empreendedores políticos em coalizões internacionais, estatais e transnacionais; a intensa utilização de mecanismos institucionais que buscam fortalecer suas posições, sobretudo, do Órgão de Solução de Controvérsias; a maior integração da posição dos países nas negociações, com as preferências domésticas. Pretendemos dimensionar as possibilidades e os limites da atuação das potências médias, Brasil e Índia, na OMC. Palavras-Chave: Coalizões Internacionais, Países em Desenvolvimento, Política Externa, OMC, Potências Médias. 1 Versão preliminar de trabalho em andamento. Comentários e críticas: [email protected]

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V Simpósio de Pós Graduandos em Ciência Política da Universidade de São Paulo –

USP

Paper: Estratégias para o aumento da influência das Potências Médias na OMC:

uma análise da atuação do Brasil e da Índia1.

Haroldo Ramanzini Júnior – Mestrando do Departamento de Ciência Política da USP.

Resumo

O objetivo deste trabalho consiste em analisar as estratégias utilizadas pelo Brasil e pela

Índia, para aumentarem a participação nas negociações da OMC, principalmente, no

âmbito da Rodada Doha. Os principais aspectos que acreditamos ter um papel importante

nesse processo são: a atuação e o papel de empreendedores políticos em coalizões

internacionais, estatais e transnacionais; a intensa utilização de mecanismos institucionais

que buscam fortalecer suas posições, sobretudo, do Órgão de Solução de Controvérsias; a

maior integração da posição dos países nas negociações, com as preferências domésticas.

Pretendemos dimensionar as possibilidades e os limites da atuação das potências médias,

Brasil e Índia, na OMC.

Palavras-Chave: Coalizões Internacionais, Países em Desenvolvimento, Política Externa,

OMC, Potências Médias.

1 Versão preliminar de trabalho em andamento. Comentários e críticas: [email protected]

1 Introdução

O objetivo deste texto consiste em analisar as estratégias utilizadas pelo Brasil e

pela Índia, para ampliar a participação nas negociações da OMC. Acreditamos que os

principais aspectos que contribuíram para esse processo são: a atuação e o papel de

empreendedores políticos em coalizões internacionais, estatais e transnacionais; a intensa

utilização de mecanismos institucionais que buscam fortalecer suas posições, sobretudo,

do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) e a maior integração da posição dos países

nas negociações, com as preferências domésticas. Na Rodada Doha, a posição do Brasil e

da Índia, na OMC, parece não se operacionalizar mediante oposição frontal aos países

desenvolvidos, pelo menos como ocorria, num passado recente. A busca do interesse dos

países parece ser perseguida, a partir da negociação e da legitimidade, mediante a

utilização, de forma favorável, do nicho institucional da organização, talvez

considerando, inclusive, aspectos relativos às possibilidades e limitações da própria

OMC.

Argumentaremos que, apesar da “nova” estratégia, ou, do novo status, alcançado

pelo Brasil e pela Índia, nas negociações da Rodada Doha, até o momento, não

observamos ganhos efetivos no sentido de esses países projetarem, de forma mais efetiva,

as suas preferências no direcionamento dos acordos. Ainda que com resultados

relativamente escassos na reorganização das relações existentes, o ativismo interno dos

dois países, na organização, contribuiu, ao menos, para reduzir a debilidade em relação

aos países desenvolvidos nas negociações. Parte das posições de Brasil e Índia parecem

ter um caráter preventivo. Embora isso possa ser inerente às relações externas dos

Estados, a questão ganha relevância objetiva nas negociações, pois incide na postura dos

países, no sentido de buscar colocar freios aos riscos derivados do nível assimétrico de

poder. O retardamento das negociações resulta do objetivo de postergar resultados que se

prevêem desfavoráveis. Diante da dificuldade de projetar as suas preferências, busca-se

remeter as decisões, para um momento onde, possivelmente, possa haver uma relação

mais favorável. A partir de certo momento, Brasil e Índia, parecem buscar utilizar, a seu

favor, o que talvez possamos chamar de dificuldades estruturais das negociações na

OMC.

O poder de barganha limitado dos países em desenvolvimento faz com que as

coalizões se tornem um instrumento importante, para a eficácia de algumas de suas

estratégias nas negociações internacionais. Neste texto, analisaremos as posições do

Brasil e da Índia, na coalizão G-20, que surge oficialmente na Reunião Ministerial da

OMC, de Cancún, em 2003. Para os países em desenvolvimento, a organização conjunta

de propostas e demandas, além de agregar recursos e diminuir custos, possibilita maior

credibilidade de suas ameaças e lhes aumenta também o poder de barganha. Isso não

indica, necessariamente, uma redução da capacidade de atuação das grandes potências.

Acreditamos que a intensa participação do Brasil e da Índia, no Órgão de Solução

de Controvérsias (OSC), da OMC, relaciona-se, tanto com o aperfeiçoamento dos canais

domésticos de aglutinação das preferências internas, nas posições dos países na OMC,

quanto com a busca dos países em legitimar suas posições, principalmente as defensivas,

a partir de elementos da própria organização. No primeiro caso, por conta do aumento do

impacto distributivo das questões externas, os atores domésticos, cada vez mais, buscam

se organizar e projetar suas preferências, nas propostas dos negociadores em Genebra. Ou

seja, o estreitamento das posições dos países, com as preferências e mobilização dos

atores domésticos, tende a fortalecer as posturas nas negociações, pois, a recusa a um

determinado acordo baseia-se no argumento que o mesmo não será ratificado

internamente. Para usar o conceito de Putnam (1988), o negociador acaba sendo o link

entre os “two-level games”, ainda que tenhamos que levar em consideração que, no

Brasil e na Índia, seja incipiente, ou não totalmente institucionalizada, a participação dos

diversos atores domésticos, no processo de formulação das propostas dos países,

ocupando, respectivamente, o Ministério das Relações Exteriores, e o Ministério do

Comércio e Industria, papel fundamental na definição da implementação das posições de

Brasil e Índia nas negociações. De certa forma, um exemplo disso pode ser o próprio

fortalecimento da articulação bilateral Brasil – Índia, em certos campos da arena política

internacional. Mesmo diante da baixa interdependência comercial e de certa ausência de

pressões internas, no sentido de fortalecer a relação entre os dois países (as exportações

brasileiras para a Índia representavam, em 2007, 0,60%, do total das exportações

brasileiras), isso não tem inviabilizado a atuação conjunta em foros internacionais. Como

demonstraram Oliveira, Onuki e Oliveira (2007) o vetor principal da parceria Brasil -

Índia é essencialmente intergovernamental.

No segundo caso, da busca de legitimar as posições, a partir de atributos da

própria organização, como demonstra o resultado dos contenciosos do algodão com os

EUA, bem como do açúcar contra a UE, entre outros, a capacidade de litígios

internacionais modificarem políticas domésticas, ou regionais, dos países desenvolvidos,

é relativa; mas, na nossa visão, não é insignificante. Acreditamos que a não adequação,

ou a adequação parcial dos países desenvolvidos aos pareceres do Órgão de Solução de

Controvérsias (OSC), legitima e fortalece posturas mais assertivas do Brasil, no conjunto

das negociações. Posturas de veto-player, no âmbito internacional, principalmente numa

organização baseada no consenso, tendem a ser altamente custosas, sobretudo, para

países em desenvolvimento. Entretanto, quando a postura de veto a um acordo é

amparada por uma coalizão internacional, ou por uma demanda que se estrutura, a partir

de uma resolução de um Órgão, no caso do OSC, que emerge, desenvolve e é

considerado legitimo pelos países desenvolvidos, o custo de barrar um acordo tende a

diminuir sensivelmente.

Embora tenham força crescente, nos dois países, grupos e atores políticos que

argumentam rejeitar condicionamentos externos, ao mesmo tempo, a política externa

brasileira e, ainda que com diferenças, também a política externa indiana, parecem não

rejeitar a globalização, da qual a OMC pode ser considerada um paradigma. Parece haver

a compreensão de que um desafio central destes primeiros anos do século XXI consiste

em compatibilizar, ou tentar compatibilizar, políticas de Estado que busquem resgatar a

dignidade da maior parte da população, com as responsabilidades e os limites

determinados pela mundialização e seus órgãos representativos. Esta noção, de alguma

forma, sempre esteve presente na Índia, onde a configuração institucional da economia

assegura o processamento relativamente suave dos desequilíbrios que surgem do processo

de globalização (CRUZ, 2007). No Brasil, no governo Lula da Silva, o país parece

também demonstrar posição mais crítica em relação aos efeitos da globalização e do

neoliberalismo. Resiste a negociar ou a assumir compromissos internacionais que

cerceiem a capacidade do Estado de estabelecer políticas públicas nacionais em setores

considerados importantes. O governo busca fortalecer o debate internacional, inclusive,

na OMC, a respeito dos temas do desenvolvimento, do combate à pobreza e da

desigualdade entre os países. Esses temas são tradicionais, históricos da diplomacia

brasileira, mas, o caráter do governo Lula da Silva, por sua base social original, dão-lhe

particular significado. Ainda que com resultados relativamente escassos, na

reorganização das relações existentes, há, no governo de Lula da Silva, uma visão

reticente e crítica, frente aos constrangimentos da ordem internacional, mas que não se

operacionaliza mediante uma lógica de confrontação direta com o mainstream

internacional.

Quanto à estrutura deste texto; em primeiro lugar, discutiremos a importância das

coalizões, para os países em desenvolvimento, na OMC; ao mesmo tempo em que

buscaremos apresentar, utilizando a contribuição de Olson (1999), determinados desafios

que se apresentam para a ação coletiva. Em seguida, analisaremos a participação do

Brasil e da Índia em coalizões internacionais, particularmente, na coalizão G-20, bem

como a atuação dos dois países, no OSC. Na seqüência, discutiremos as dificuldades das

negociações, na OMC, e as posturas do Brasil e da Índia. Nas considerações finais

faremos uma síntese dos argumentos apresentados.

2 O Papel das Coalizões para os Países em Desenvolvimento e as Dificuldades da

Ação Coletiva

A literatura sobre coalizões na OMC (WHALLEY, 1988, HIGGOT, COOPER &

NASSAL, 1994, NARLIKAR, 2003; NARLIKAR e TUSSIE, 2004; ODELL, 2003;

ONUKI e PAULO, 2007) é praticamente consensual no sentido de considerar que os

países em desenvolvimento, para conseguirem fazer valer alguns dos seus interesses, no

resultado das negociações, devem agir/formar coalizões. Mas, é importante considerar

também, que, muitas vezes, esse aumento no poder de barganha é acompanhado de

alguns custos, já que as posições da coalizão devem, ao menos em princípio, incorporar

em alguma medida, as preferências da maioria dos seus membros. Estes custos serão

tanto maiores, quanto forem as diferenças de preferências entre os principais membros da

coalizão (CONSTANTINI e CRESCENZI 2007).

Assim, quando se trata de uma coalizão, como o G-20, onde os principais

membros têm interesses não totalmente coincidentes, e, em alguns momentos

divergentes, é preciso entender a razão de sua manutenção e relativo êxito. Já que, como

indica Odell (2003), a questão da manutenção de coalizões de países em

desenvolvimento, que não têm interesses totalmente em comum, é extremamente

complexa, entre outros motivos, por conta da atuação dos países desenvolvidos, no

sentido de desmembrá-las. Inicialmente, a Colômbia, o Peru e outros países da América

Central também faziam parte do G-20, contudo, esses países se retiraram da coalizão

devido a pressões norte-americanas2. Este episódio, entre outros, sugere, que os países

menos desenvolvidos, entre aqueles considerados em desenvolvimento, estão suscetíveis

e esse tipo de pressão e também, por não terem preocupações sistêmicas, podem ceder à

estratégia das potências. Alguns países tendem a se preocupar e direcionar suas ações de

política externa a temas que afetam a sua existência imediata, tendo assim, uma posição

ambígua, quando adentram uma coalizão, como o G-20. O ingresso na coalizão

possibilita maior participação nas decisões, mas, ao mesmo tempo, motiva o

oferecimento de maiores benefícios, por parte dos atores mais fortes do sistema, visando

desmembrar a coalizão.

Na ótica de Whalley (1988: 8), observa-se a existência de uma coalizão, quando

“um conjunto de países, que participa de um processo de negociação, concorda em agir

em concerto para se atingir um determinado fim comum”. Narlikar (2003) incorpora a

definição de coalizão de Whalley (1988), acrescentando que essa definição inclui

qualquer tipo de atividade de coordenação explícita que envolva cooperação entre os

Estados e que busque atingir um objetivo claro. Por sua vez, Kahler e Odell (1989: 85)

observam a existência de uma coalizão quando: “dois ou mais atores, com interesses

comuns, coordenam o seu comportamento em relação a outros atores. Essa definição

“frouxa” de coalizão reconhece que em comércio e em outras negociações econômicas

internacionais, as coalizões são freqüentemente transitórias e não exclusivas. Um sócio

de coalizão num tema pode não remanescer como sócio em outro tema”. Ou seja, para

esses autores, embora a cooperação, entre os membros de uma coalizão, seja fundamental

2 O objetivo dos EUA era causar o efeito dominó no G-20. Uma vez que, quando um país sai de uma coalizão, aumenta o medo dos outros de ficarem isolados na etapa final.

à coesão e credibilidade do grupo; por outro lado, trata-se de uma forma rasa do conceito

de cooperação internacional. Nessa perspectiva, a cooperação dos países no âmbito de

uma coalizão não necessariamente geraria efeitos de radiação para outras arenas

internacionais.

Narlikar (2003) argumenta que, para as coalizões envolvendo países em

desenvolvimento funcionarem de alguma forma, dois pré-requisitos fazem-se necessários.

Em primeiro lugar, que haja coerência interna, em outros termos, interesses substantivos

em comum. Coalizões formadas por países que tenham interesses divergentes e que

dificilmente possam ser acomodados têm pouca possibilidade sucesso. Em segundo lugar,

é necessário que a coalizão tenha determinado peso externo. No caso de coalizões,

envolvendo países em desenvolvimento, é preciso que haja um certo número de países

que, juntos, imprimam densidade de vários níveis ao grupo. Ademais, a questão do peso

externo, juntamente com as estratégias de negociação são atributos importantes, para que

a coalizão adquira certa respeitabilidade diante das outras coalizões e membros da OMC.

Hurrel e Narlikar (2006) afirmam que a postura de liderança em coalizões, do Brasil e da

Índia, tem um importante papel para que outros países em desenvolvimento possam

aproveitar a plataforma institucional, bem como os nichos normativos das negociações da

Rodada Doha.

Na esfera dos países emergentes, levando em conta principalmente os menos

desenvolvidos, a organização conjunta de propostas agregaria recursos de poder e

diminuiria os custos de pesquisa que esses países necessitam para acompanhar as

negociações. Além disso, aumentaria a credibilidade de suas ameaças e o seu poder de

barganha. Contribuiria também, para diminuir os problemas referentes à sua sub-

representação3. Para os países intermediários, ou potências médias4, as coalizões são um

instrumento importante, para que esses países possam exercer alguma influência na

política internacional (KEOHANE, 1969). Ou seja, as potências médias tendem a buscar

3 Narlikar (2003) indica que a média das delegações dos países desenvolvidos era de 7,38 pessoas, enquanto a média das delegações dos países em desenvolvimento era de 3,51 pessoas. 4 Potência média é aquela que, de modo geral, está situada abaixo das grandes potências e acima dos países pouco expressivos. Uma característica é a participação intensa nos sistemas regionais onde se situam. Nessa faixa intermediária, o principal parâmetro é o grau de influência na elaboração das agendas internacionais. Para uma revisão da literatura sobre o conceito e contextualização no estudo da política externa brasileira ver: LIMA, Maria Regina Soares de. “A Economia Política da Política Externa Brasileira: Uma Proposta de Análise”. Contexto Internacional, nº12, 1990, pp.7-28.

alianças e ações coletivas, para viabilizar o acúmulo de poder necessário para se fazerem

presentes no sistema internacional. Na maioria das vezes, esses países não são

suficientemente fortes, para fazer prevalecer o seu ponto de vista no resultado das

negociações, e o fato de ter o respaldo de uma coalizão aumenta, consideravelmente, o

poder de barganha.

Analisando a atuação das coalizões na OMC, observa-se que os países em

desenvolvimento precisam superar claros problemas de ação coletiva ao decidirem atuar

em conjunto. Uma contribuição pioneira nos estudos sobre ação coletiva foi o trabalho de

Olson (1999)5. A sua teoria da ação coletiva parte da seguinte idéia: muitas vezes a

interação de agentes com interesses comuns não gera resultados coletivos eficientes6. O

autor argumenta que não se pode pressupor que todos os indivíduos de um determinado

grupo ganhariam por igual se atingissem seu objetivo grupal. Na verdade, a menos que o

grupo seja pequeno, ou que haja coerção, ou ainda algum outro dispositivo especial de

incentivo que faça os indivíduos agirem em interesse próprio, “os indivíduos racionais e

centrados nos próprios interesses não agirão para promover seus interesses comuns”

(OLSON, 1999, p.14).

Em função principalmente do problema do carona, o autor aponta que, na

ausência de coerção ou de incentivos seletivos que estimulem contribuições, a ação

coletiva não ocorrerá. Nessa percepção, os indivíduos racionais não participariam de

ações coletivas, por meio de grupos grandes, a menos que haja coerção ou estímulo

privado. As dificuldades para a ação coletiva poderiam ser relativizadas, no caso de um

“grupo privilegiado”, no qual, pelo menos um dos membros obtém uma fração tão

significativa do benefício total, que acaba arcando unilateralmente com o custo da

provisão do bem, ou também no caso da existência de incentivos seletivos que motivem a

cooperação. Ou seja, não basta a existência de interesses em comum para surgir a

cooperação entre os países, é necessário considerar também, as interações estratégicas

que motivam os Estados a adotá-la como a melhor opção. Hardin (1982) sinaliza a

5 Nesta obra de Olson (1999), como comentam, Oliveira, Onuki e Pereira Neto (2007, p. 4), “não há uma preocupação de compreender o fenômeno da ação coletiva num campo específico, seja ele doméstico ou internacional, mas sim o de aportar para uma teoria geral sobre a formação de grupos políticos e ação coletiva”. 6 Ou seja, o fato de os benefícios conjuntos de uma ação superarem os custos para um grupo, não implica necessariamente sua efetivação.

importância de existir um empreendedor político, disposto a arcar de forma

desproporcional com os custos da ação coletiva, como um elemento importante para a

concretização de uma coalizão. Da mesma forma, relativizando a idéia de Olson (1999),

quanto à relação tamanho do grupo/possibilidade de sucesso, argumenta que a ação

coletiva pode ocorrer independente do tamanho do grupo, na medida que exista um

subgrupo, cuja fração do benefício exceda o ônus da provisão do bem coletivo.

Há um relativo consenso ente os autores que trabalham com a noção de ação

coletiva, em considerar que os líderes de coalizões tendem a gastar mais que os demais

para a manutenção do arranjo coletivo (RIKER 1967), ainda que apontem de forma

diversa as conseqüências desse fato. Entendemos que um aspecto importante na

superação das dificuldades para a ação coletiva na OMC, principalmente para as

coalizões de países em desenvolvimento, é a existência de uma potência média disposta

a exercer o papel de empreendedor político (HARDIN, 1982; OLIVEIRA, ONUKI,

OLIVEIRA, 2007), bem como a existência de incentivos seletivos (positivos ou

negativos) que possam ser apropriados individualmente pelos membros.

No caso da coalizão G-20, como argumentaremos adiante, o papel de “garante de

última instância” (KINDLEBERGER, 1989) da coalizão tem sido desempenhado,

sobretudo, pelo Brasil, pois, as propostas de negociação da coalizão parecem aproximar-

se mais das preferências dos parceiros, sobretudo dos que têm interesses defensivos,

principalmente os indianos, do que totalmente com as preferências do Brasil, nas

negociações agrícolas. Vários elementos parecem ter um papel, para que o país assuma

essa postura de paymaster da coalizão: a valorização de preços das commodities, que

relativiza a demanda doméstica dos setores do agronegócio por abertura de novos

mercados, o valor simbólico que uma coalizão Sul-Sul tem para parte dos grupos que

apóiam o atual governo brasileiro, bem como a própria dinâmica das negociações, que

acaba por limitar a possibilidade de determinadas escolhas são fatores certamente

importantes. Em pesquisa em desenvolvimento, onde analisamos a atuação do Brasil e da

Índia, no G-20; além de sublinhar esses elementos, pretendemos demonstrar que essa

estratégia sustenta-se, em boa parte, graças ao papel singular que o Itamaraty detém no

processo de formulação, e, principalmente de implementação, da posição brasileira nas

negociações internacionais7. No caso indiano, há certa controversa na literatura que

analisa o processo decisório de formulação e implementação das posições do país nas

negociações da OMC, a respeito do grau de insularidade desse processo. Autores como

Hurrel e Narlikar (2006) e Sem (2003) indicam haver considerável grau de liberdade do

Ministry of Commerce and Industry e da delegação indiana em Genebra; ao passo que

autores como Jenkins (2003), Sinha (2007) e Gupta (2007) destacam o peso e a

participação de outros ministérios, da estrutura federativa e dos grupos de interesse no

processo decisório. A princípio, por conta da relativa inflexibilidade indiana em

relativizar parte de suas preferências nas negociações agrícolas, provavelmente, neste

caso, a perspectiva dos autores que tendem a enfatizar a influência dos fatores

domésticos parece-nos mais interessante para ajudar a entender o comportamento do país.

Particularidades do processo indiano como, por exemplo, o impacto da estrutura

federativa (OLIVEIRA, 2007) e do sistema parlamentarista de governo, são aspectos que

devem ser levados em consideração para um maior entendimento das posições do país na

OMC.

3 Brasil e Índia no G-20 e no OSC

A Reunião de Cancún da OMC, de 2003, que possibilitou o surgimento oficial do

G-20, foi inviabilizada, entre outros fatores, mas, principalmente, em virtude de os países

em desenvolvimento manterem uma posição unificada face à pressão dos países ricos,

mesmo que entre aqueles houvesse diferenças quanto a determinados temas da agenda

agrícola. A diferença fundamental era evidente nas propostas demandantes brasileiras,

relacionadas com os três pilares das negociações agrícolas e as posições defensivas

indianas. A Índia, como se sabe, não está disposta a abrir o seu mercado agrícola. Pede

uma liberalização unilateral por parte dos países desenvolvidos8. Os representantes

7 Isso não quer dizer que o Itamaraty seja o único responsável pela formulação da posição brasileira nas negociações internacionais. Apesar de essa premissa estar presente numa série de trabalhos, ao menos por enquanto, não concordamos integralmente com esse ponto de vista, principalmente nas negociações comerciais, pois concebemos o papel do Itamaraty como “singular” e não único ou exclusivo na formulação da posição brasileira nas negociações agrícolas internacionais. 8 Essa percepção indiana está parcialmente incorporada no Comunicado do G-20: “Com relação a acesso a mercados, o G-20 propõe melhoras substanciais por meio de cortes tarifários mais profundos e da eliminação de salvaguarda especial para países desenvolvidos”.

indianos argumentam que a proteção do seu mercado agrícola justifica-se, no papel

fundamental que este desempenha no equilíbrio e no desenvolvimento da sociedade

indiana9. Por isso, os indianos vêem uma razão de ser do apoio interno. Portanto, o

consenso Brasil-Índia estrutura-se em torno da questão de acesso aos mercados e

diminuição dos subsídios agrícolas por parte dos países desenvolvidos, sendo essa,

inclusive, a principal bandeira do G-20. Na visão de Narlikar e Tussie (2004), a coerência

do G-20 está associada com o comportamento do seu núcleo, especialmente Brasil e

Índia.

Após a Reunião Ministerial de Cancun, o G-20 foi gradualmente recebendo

reconhecimento internacional. Grande parte desse reconhecimento se deve à capacidade

que o grupo demonstrou de apresentar uma postura coesa em relação às negociações

agrícolas (ainda que persistam diferenças em relação a outros temas). Outro elemento

importante foi o esforço do grupo, notadamente do Brasil e da Índia, em apresentar

propostas técnicas nas diversas reuniões dos grupos de trabalho em Genebra. Além disso,

essa condição pode ser explicada pelos seguintes dados: a) a importância dos seus

membros na produção e no conjunto do comércio agrícola, representando quase 60% da

população mundial, 70% da população rural do mundo e 26% das exportações agrícolas

internacionais; b) capacidade de traduzir os interesses dos países em desenvolvimento em

propostas concretas e consistentes; c) habilidade em coordenar seus membros e interagir

com outros grupos e coalizões presentes na OMC10. Além disso, cabe destacar que a sua

participação na produção mundial das dez principais commodities agrícolas é maior que a

da UE e dos EUA juntos. Em arroz, o G-20 responde por 72% da produção mundial; em

tabaco, representa 70%; em soja, 62%; em açúcar, detém uma participação de 61%. O G-

20 produz 56% da carne suína no mundo, e em algodão, a participação é de 54%. E ainda

é responsável por 47% do café produzido no planeta e pela produção de 43% da carne de

9 É interessante observar a declaração do Ministro Celso Amorim, exposta no web site oficial do G-20: “Em particular, o Grupo busca combater as distorções e restrições que afetam o comércio agrícola, no que concerne aos subsídios à exportação, e outras medidas de promoções de exportações, apoio interno que distorce o comércio e empecilhos ao acesso dos produtos originários de países em desenvolvimento. Além disso, tal como contido no mandato negociador, o Grupo busca desenvolver mecanismos de tratamento especial e diferenciado que promovam a segurança alimentar e atendam as preocupações dos países em desenvolvimento com suas populações rurais”. Cabe notar, pois, que esse discurso parece refletir, parte da preocupação indiana nas negociações agrícolas da OMC. 10 http://www.g-20.mre.gov.br acesso em 22/08/07.

frango e 40% da carne bovina11. Segundo Constantini e Crescenzi (2007), o G-20 não

deve ser considerado uma coalizão passageira, mas, sim, uma força política efetiva, no

palco das negociações da Rodada Doha.

Analisando as propostas de negociação do G-20, nota-se que a coalizão busca a

liberalização dos mercados agrícolas dos países desenvolvidos. Diferentemente das

coalizões anteriores, que contavam com a participação dos países em desenvolvimento, o

G-20 não apresentava uma agenda pura e simples de veto e, sim, uma agenda pró-ativa,

que ficou caracterizada nas suas propostas tecnicamente substantivas (NARLIKAR e

TUSSIE 2003). Os documentos do grupo sugerem a criação de mecanismos de

salvaguardas especiais e de uma categoria de produtos sensíveis, que poderiam ser

utilizados pelos países em desenvolvimento, em caso de surto de importações. O grupo

defende o argumento que os países em desenvolvimento não deveriam assumir

compromissos maiores que os atuais, no que tange a acesso a mercados, pois, em

diversos países, predominam formas de agricultura não-comerciais.

Apesar de o mandato de Doha afirmar o compromisso dos países membros da

OMC com negociações abrangentes em acesso a mercados, redução buscando a

eliminação de todas as formas de subsídios às exportações agrícolas e diminuição

substancial das medidas de apoio interno que distorcem o comércio

(WT/MIN(01)/DEC/112) esse cenário, entretanto, parece se distanciar da realidade

objetiva das negociações. O G-20 busca, em última instância, fazer valer o cumprimento

integral do Mandato de Doha. Poderíamos dizer que o grupo, ainda que numa proporção

não totalmente conhecida, alterou a forma como as decisões eram tomadas e, sob certos

aspectos, tem conseguido, ao menos, barrar determinadas propostas dos países

desenvolvidos que sejam contrárias aos interesses dos membros da coalizão.

Segundo Hurrel e Narlikar (2006) o fato da atual rodada de negociações se

chamar “Rodada Doha de Desenvolvimento” já seria um indicativo da influência de

Brasil e Índia nas negociações. Entretanto, na linha de Steinberg (2002), acreditamos que

a maneira mais fácil de lançar uma Rodada, tendo como base o processo de tomada de

decisões baseado na igualdade soberana, reside no estabelecimento do consenso em torno

11 Dados retirados do Instituto de Comércio e Negociações Internacionais, ICONE site: www.iconebrasil.org.br, consultado em 05/09/06. 12 http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min01_e/mindecl_e.htm, acesso em 12/08/07.

de um mandato negociador bastante vago, que inclua as iniciativas e interesses de todos

os membros. Steinberg (2002) argumenta que os documentos de lançamento de uma

Rodada ou os documentos precedentes, que preparam o caminho para o lançamento, são

escritos em uma linguagem suficientemente ambígua o suficiente para que nenhum país

possa bloquear as negociações. Mas, de qualquer forma, a coalizão de TRIPS e Saúde

Pública, no sentido de relativizar o acordo de TRIPS, bem como o papel do Like Minded

Group, liderado pela Índia, buscando externalizar os desequilíbrios da Rodada Uruguai

(HURREL e NARLIKAR, 2006), foram também elementos importantes para que os

países em desenvolvimento tivessem parte de suas demandas incorporadas no documento

de lançamento da Rodada Doha.

Impulsionados pela atuação do G-20, os países em desenvolvimento alcançaram

maior participação no processo negociador da OMC. O Brasil, junto com a Índia, passou

a integrar grupo de cinco atores – ao lado dos Estados Unidos, União Européia e

Austrália – que desempenharam um papel preponderante, no estabelecimento das bases

sobre as quais se assentou a decisão final do Pacote de Julho de 2004, e ainda hoje são

atores importante no palco das negociações. Parece claro que, para formar o G-20 e

compatibilizar os diferentes interesses, países exportadores, como o Brasil e a Argentina,

reduziram seus graus de ambição em relação ao acesso a mercados de bens agrícolas nos

países em desenvolvimento. O grupo concentrou seus esforços na eliminação de práticas

que distorcem o comércio agrícola, como, por exemplo, na redução substancial das

medidas de apoio interno dos países desenvolvidos. Podemos considerar, que esse

consenso intra-coalizão é um dos fatores que explicam, até o momento, o relativo sucesso

do grupo. Quando o Brasil13 afirma que os países em desenvolvimento deveriam ser

poupados de demandas em acesso a mercados, fica claro que incorpora as demandas de

seus principais aliados na coalizão, mesmo que, para isso, parte de suas demandas tenham

que ser acomodadas. O país reconhece que depende do apoio de outros países em

13 O Brasil a princípio é um país pró-livre comércio em matéria agrícola, mas, esta posição não é consensual no seio do G-20. O país é demandante nos três pilares da negociação agrícola: acesso a mercados, subsídios às exportações e medidas de apoio interno. Ao país, a priori, não interessam medidas de tratamento especial e diferenciado, para produtos agrícolas, nem tampouco, a possibilidade de os países em desenvolvimento, para onde se destinam mais da metade das exportações do agronegócio brasileiro, imporem salvaguardas às importações agrícolas (JALES, 2007).

desenvolvimento, para obter um acordo que seja mais equilibrado, mesmo que talvez não

seja o ideal.

Acreditamos que o entendimento em torno do G-20, na perspectiva da política

exterior do Brasil, em parte, relaciona-se com a cooperação Sul-Sul, assim como com as

conotações geo-estratégicas que poderiam estar subjacentes ao esforço do país, na

coordenação da coalizão, mas, também, devemos levar em consideração, que o status de

líder da coalizão corresponde à expectativa de uma parte das elites e da diplomacia

brasileira de tornar o país um ator protagônico no cenário político internacional. Isso

corroboraria a argumentação de Pinheiro (2000) que, embutido no discurso de

cooperação pela justiça, o conceito de autonomia, presente na política exterior do Brasil,

utiliza-se desta concepção para a satisfação da sua busca por poder. A posição do país no

G-20 seria relacional, ou seja, a liderança do grupo garantiria maior participação no

processo decisório da OMC, e, simultaneamente, contribuiria para uma maior projeção

externa do país. Nessa perspectiva, a ação coletiva poderia ser interpretada como um

subproduto da expectativa do Brasil de conseguir benefícios privados. Lima e Hirst

(2006) argumentam que para o Brasil, a criação do G-20 seria uma oportunidade de mais

uma vez desempenhar o papel de “intermediário indispensável” entre os “fracos” e os

“fortes”. O país assumiria posição na defesa dos direitos das potências menores, ao

mesmo tempo em que aspiraria ao status equivalente ao das grandes potências (GARCIA,

2005).

Já a Índia, em vários momentos buscou ter uma posição de veto-player em relação

a determinados temas da agenda da OMC, tendo, em alguns casos, posturas mais

assertivas que as brasileiras, como, entre outras, em 2001, quando liderou e ao final ficou

praticamente isolada na coalizão dos “Like Minded Group (LMG)” que tinha uma

estratégia essencialmente distributiva e era contrária ao lançamento de uma nova rodada

de negociações, enquanto não houvesse compensações aos países em desenvolvimento,

por conta dos resultados assimétricos da Rodada Uruguai (NARLIKAR e ODELL, 2003).

Contudo, com o lançamento da nova Rodada, com o apoio de inúmeros países, entre eles

do Brasil, a Índia muda sua posição e passa então a buscar introjar suas preferências nas

discussões sobre o formato dos futuros acordos.

Gupta (2007) argumenta que foram os fatores institucionais domésticos os

principais responsáveis pela determinação da mudança na estratégia indiana. Ainda

segundo esta autora, no período pós- Doha, a posição de negociação da Índia mudou para

refletir os interesses domésticos de forma mais precisa do que no período anterior.

Mesmo assim, continua muito forte, na Índia, a percepção que o sistema multilateral de

comércio apresenta desequilíbrios que prejudicam os países em desenvolvimento.

Contudo, de forma similar ao que parece acontecer no caso brasileiro, a política indiana

em relação à OMC, não é de hostilidade ao regime, mas, a de buscar tornar a instituição

mais permeável às suas preferências, ou, no mínimo, não contrária aos seus interesses.

No âmbito do G-20 e das negociações agrícolas a principal demanda indiana refere-se à

diminuição dos subsídios agrícolas aos países desenvolvidos. Além disso, acreditamos

que a participação da Índia, no G-20, tem um forte viés político, no sentido de atribuir à

coalizão uma dimensão contra-hegemônica.

O fato das posições de Brasil e Índia, na OMC, cada vez mais operarem em

sintonia com as instituições domésticas é um fator que tende a fortalecer a posição dos

países nas negociações. A recorrência ao OSC, além da dimensão política, relaciona-se

com as demandas de modificação de políticas de terceiros países por parte de grupos

domésticos. Da mesma forma, quando há uma abertura do processo decisório, como

parece ser o caso indiano, principalmente, a partir de 2001, na área de política comercial,

há certa tendência ao favorecimento de grupos mais protecionistas (grupos menores com

ganhos concentrados) em detrimento de uma maioria que seria favorável por tarifas mais

baixa (grupo maior e com ganhos difusos). O desenho institucional passa a ter papel

central no processo de canalização das demandas do processo decisório. No caso da

atuação da Índia, no G-20, nas negociações agrícolas, suas posições, em boa medida,

relacionam-se com o papel do Ministério da Agricultura na definição da posição do país.

Já, no caso brasileiro, as posições parecem relacionar-se com o peso do Ministério das

Relações Exteriores.

Brasil e Índia são os países em desenvolvimento que mais utilizam o OSC da

OMC. Na classificação geral o Brasil14 é o quarto país que mais utiliza o OSC e a Índia o

14 Seria interessante comparar o intenso uso que o Brasil faz do Órgão de Solução de Controvérsias no sistema multilateral da OMC, com a pouca utilização e o posicionamento no sentido de resolver os

quinto. Em primeiro lugar está os EUA, em seguida, a CE, depois o Canadá. Observa-se

que o Brasil tem obtido certo sucesso nas oportunidades em que utilizou o OSC. No caso

indiano o balanço geral também parece ser positivo. Muitos desses contenciosos, como se

pode observar na tabela abaixo, são resolvidos já no período de consultas, principalmente

quando os países são demandados. O fato dos países participarem ativamente do OSC

contribui para um maior entendimento das regras da OMC e para a disseminação de

conhecimento específico da normativa multilateral, que pode ser um fator relevante para

o avanço na ampliação da participação do Brasil e da Índia no comércio internacional.

Tabela 1: Participação de Brasil e Índia no Órgão de Solução de Controvérsias15

BRASIL ÍNDIA

NÚMERO TOTAL DE PEDIDOS DE

ABERTURA/ DEMANDANTE

21 16

ABERTURA CONTRA PAÍSES

DESENVOLVIDOS

16 11

ABERTURA CONTRA PAÍSES EM

DESENVOLVIMENTO

5 5

NÚMERO TOTAL DE VEZES

DEMANDADO

12 16

DEMANDADO POR PAÍSES

DESENVOLVIDOS

7 15

DEMANDADO POR PAÍSES EM

DESENVOLVIMENTO

5 1

conflitos comerciais do Mercosul de forma bilateral, “interpresidencial”, e, não mediante mecanismos institucionais. 15 Dados até 2006.

NÚMERO DE VITÓRIAS16 2717 14

NÚMERO DE DERROTAS 1

6

CONTENCIOSOS SUSPENSOS 518 1219

Fonte: WTO.

Destacamos um aspecto interessante das oportunidades em que o Brasil foi

demandante dos painéis: em todas as oportunidades o país teve ganho integral ou parcial

de causa. Uma possível explicação para essa performance estaria na noção que o país só

registra um contencioso na OMC, quando está ciente das possibilidades de sucesso. Isso

explicaria o fato de ainda não ter protocolado oficialmente um contencioso contra os

subsídios americanos oferecidos aos produtores de soja, apesar das pressões de parte dos

produtores nacionais. Nas oportunidades que o Brasil foi demandado, na maioria das

vezes, o contencioso foi suspenso (sete vezes); em outras, o contencioso foi resolvido de

modo satisfatório para o Brasil, sem necessidade de estabelecimento de um painel (três

vezes); em poucos casos (duas vezes), o contencioso seguiu até o final (caso da Embraer,

em que foi demandado pelo Canadá, e das Medidas Referentes a Coco Ralado,

requisitado pelas Filipinas). Nota-se, pois, uma certa tendência do Brasil, na condição de

demandado, tentar resolver o contencioso “out of court”. Provavelmente isso aconteça

devido ao alto custo econômico de manutenção de um painel.

No caso indiano, boa parte das vezes que o país foi demandado, no OSC, o pedido

veio também de países desenvolvidos, EUA, UE, Suíça, Canadá, Austrália e Nova

Zelândia, que foram os principais países que demandaram a Índia em contenciosos.

Questões referentes às políticas indianas ao setor automotivo e agrícola foram objetos de

contenciosos. Contudo, a maior parte das demandas direcionadas à Índia refere-se a

questões relacionadas a restrições quantitativas. O processo indiano de abertura

16 Acordo mútuo que os países em questão consideram como satisfatórios são aqui considerados como vitória. 17 Dessas 26 vitórias há 8 contenciosos que foram resolvidos sem o estabelecimento do painel e como os resultados das consultas foram satisfatórios para o país, esses contenciosos são também considerados como vitórias (esse mesmo critério será utilizado no caso Índia). Em 1 contencioso o país teve ganho parcial de causa, consideramos tal resultado como uma vitória. 18 Desses 5 contencioso suspensos o Brasil foi demandado em 4 vezes e demandante em 1. 19 Dos 12 contenciosos suspensos a Índia foi demandada em 7 e demandante em 5.

econômica foi altamente controlado (CRUZ, 2007), sendo as restrições quantitativas à

importação um elemento importante desta estratégia de controlar a abertura econômica.

Mas, algumas dessas restrições foram temas de questionamento, no OSC, fato que

contribuiu para certo aceleramento no processo de reformas indiano. Num dos

contenciosos, no OSC, os EUA argumentaram que a Índia não mais sofria com

problemas em seu balanço de pagamentos e por isso deveria converter sua política

comercial para que se baseasse, sobretudo, em tarifas. Segundo Gupta (2007) a pressão

dos EUA, via OSC, para que se acelerasse a remoção das restrições quantitativas

contribuiu, para que ganhasse força a idéia geral de que os países desenvolvidos estavam

forçando uma mudança da política interna indiana e, ao mesmo tempo, mantendo intactas

suas políticas protecionistas.

O contencioso em que os Estados Unidos demandaram o Brasil a respeito da

proteção patentária, merece atenção e é objeto de uma série de estudos. Os americanos

consideravam que o artigo 68 da Lei 9279/96 do Código de Propriedade Industrial

Brasileiro infringia as regras do Acordo de TRIPS. Na interpretação dos representantes

norte-americanos, o artigo 68 estipulava a utilização local da patente, na medida em que

estabelecia a necessidade de fornecimento de licença compulsória20, para produto que não

fosse fabricado em território nacional ou para processo de patente que não estivesse em

desenvolvimento no Brasil. Afirmavam, assim, que a medida brasileira (artigo 68)

discriminava os proprietários de patentes de produtos que não fossem manufaturados no

Brasil. O Brasil, por sua vez, com a desvalorização do Real em 1999, precisava reduzir

os custos do programa brasileiro de combate à AIDS, criado em 1997. Porém, em junho

de 2001, após negociações bilaterais entre as partes, nas quais o Brasil, em parceria com

Índia, e África do Sul, apresentou argumentos jurídicos e humanitários, fundamentando

suas medidas, os Estados Unidos retiraram a queixa que haviam protocolado no OSC21.

20 Licença compulsória é um procedimento que possibilita o governo nacional explorar as invenções patenteadas, na sua jurisdição territorial, mesmo sem autorização do proprietário da patente. Para viabilizar essa exploração, é necessário, contudo, que o requerente da licença tenha tentado, sem sucesso, obter uma licença voluntária, sob termos comerciais razoáveis. Ver: VEIGA, João P. C. e RANZANI, Caroline. Propriedade Intelectual – Patentes Farmacêuticas. Mimeo 2005. 21 Um exemplo significativo do sucesso brasileiro nesse contencioso ficou demonstrado na consolidação da posição brasileira, que viabilizou a continuidade da produção de medicamentos genéricos, para o tratamento do HIV/AIDS. Para o estudo da questão, bem como o de outros fatores que podem ter ajudado o Brasil a manter certa capacidade de defesa de seus interesses, ver: Cepaluni (2004), Pereira Neto (2007), Oliveira (2006).

Esse contencioso, o papel da coalizão internacional que envolvia Brasil, Índia e África do

Sul, bem como o apoio de grupos transnacionais tiveram importante papel para a

configuração da Declaração de Doha sobre Patentes e Saúde Pública, que permitia o

acesso a medicamentos a preços compatíveis com o nível de renda per capita dos países e

com as possibilidades de políticas públicas estatais, sem infringir o acordo TRIPS

(PEREIRA NETO, 2007; OLIVEIRA, 2006). Em determinadas situações, países em

desenvolvimento podem ter maior possibilidade de ganhos, no quadro de um painel no

âmbito do OSC da OMC, do que num processo de negociação bilateral com uma grande

potência. Nesse caso, seria efetiva a possibilidade do Brasil poder manter um Código de

Propriedade Industrial, que permite o licenciamento compulsório, apesar das pressões

norte-americanas em sentido contrário (CEPALUNI, 2004).

A criação do OSC22 contribuiu para a redução dos custos impostos pela diferença

de poder entre os países, no caso de resolução de conflitos comerciais. No âmbito da

resolução de contenciosos comerciais mediante a utilização do OSC, os países em

desenvolvimento procuram concentrar seus esforços numa determinada questão, e, por

meio de um argumento jurídico, procuram demonstrar que as medidas, objeto de

questionamento, infringem regras por todos aceitas23. O resultado dos contenciosos

parece ser dependente da consistência do “case” apresentado. A diferença de poder

político entre os países se expressa, principalmente, nas condições de formular um “case”

sólido, já que muitos não têm o “know how” necessário, para isso que é uma questão

fundamental do processo: demonstrar a inconsistência entre as regras do sistema

multilateral de comércio e a política doméstica do país alvo. Ainda que, em alguns casos,

como no contencioso das patentes farmacêuticas, entre Brasil e EUA, argumentos

humanitários tenham tido um papel importante, não parecem ser decisivos para o

resultado de um painel.

Um ponto crítico do sistema refere-se à sua capacidade de enforcement. Existe a

possibilidade de retaliação, mas não é totalmente comum que países em desenvolvimento 22 Segundo Thorstensen (2003, p.373): “O sistema de solução de controvérsias da OMC é um elemento central para promover a segurança e a previsibilidade do sistema de comércio multilateral. Os membros reconhecem que ele serve para preservar os direitos e as obrigações dentro dos acordos, e esclarecer seus dispositivos, dentro das regras de interpretação do direito internacional público”. 23 O sistema de solução de controvérsias da OMC baseia-se no direito de um membro reclamar da violação de regras específicas de outro membro. As regras violadas devem ser identificadas especificamente pela parte reclamante.

retaliem países desenvolvidos, a partir de recomendações do OSC, ainda que o contrário

seja verdadeiro. As resoluções do OSC relacionam-se com as regras do sistema

multilateral de comércio. Uma questão complexa, principalmente se pensarmos em

termos de legitimidade, é que o arcabouço jurídico da OMC, pelo menos a sua parte

principal, foi estruturada, quando os países em desenvolvimento estavam à margem do

sistema. Apenas recentemente, na Rodada Doha, os países em desenvolvimento,

principalmente as potências médias, parecem participar de forma mais razoável no

direcionamento dos acordos. Assim, se o que determina o resultado de um painel é a

consistência com as regras, o OSC não coloca em discussão o quanto as regras são

condizentes ou não com as necessidades de desenvolvimento e superação da pobreza dos

países pobres. Entretanto, acreditamos que OSC pode ser importante para fortalecer as

posições desses países na busca desse objetivo, como ocorreu no contencioso das

patentes farmacêuticas, ou mesmo para fortalecer posturas em determinados temas das

negociações; pois, uma postura ativa que tenha como lastro uma determinação de um

órgão da instituição, tende a fortalecer-se dentro desta instituição. O total desrespeito às

resoluções do OSC pode colocar em risco a credibilidade da OMC. Assim, mesmo

considerando os limites do OSC, acreditamos que este pode ter um papel importante para

os países em desenvolvimento, como o tem para os países desenvolvidos. Brasil e Índia

parecem utilizar o Órgão a partir da mesma lógica que o fazem os EUA e a UE. Uma

questão sem resposta refere-se à capacidade do sistema em reagir a estímulos que têm

métodos similares, mas lógicas diferentes.

4. As dificuldades de negociação na OMC e a estratégia do Brasil (e talvez da Índia)

Algumas evidências indicam que a política comercial externa brasileira, na esfera

da OMC, tanto no governo Cardoso, quanto, principalmente, no governo Lula da Silva,

tem sido focada principalmente nas discussões do tema agrícola. Tema este que, por uma

série de razões, tem enorme importância para o país, e é fato conhecido que determinadas

políticas dos países desenvolvidos prejudicam sobremaneira as exportações brasileiras,

no mercado internacional de commodities. Mas, sabe-se também, que a agricultura não

representa o fator dinâmico do comércio internacional. Como afirmam Vigevani e

Cepaluni (2007: 30), “colocar todas as fichas na capacidade brasileira de competir

efetivamente na produção e na extração de produtos primários pode levar à reprodução de

formas assimétricas de poder internacional”.

Rouquié (2006) tem uma interpretação interessante para lançar luz nessa

discussão. O autor considera que a insistência brasileira por uma grande abertura dos

mercados agrícolas e diminuição dos subsídios à exportação dos países desenvolvidos,

dificilmente alcançável no curto prazo, nos termos reivindicados, explicaria a capacidade

de amálgama dos maiores países do Sul. Da mesma forma, essa postura altamente

demandante nas negociações agrícolas seria um meio de esses países conseguirem

proteger-se de negociar os outros temas da agenda da OMC, nos moldes propostos pelos

países desenvolvidos. Segundo Rouquié (2006, p.374), o Brasil “atribui-se, através de

formulas diferentes, a mesma missão: preservar sua autonomia de decisão e pôr as regras

do jogo multilateral a serviço do desenvolvimento nacional”.

Podemos pensar dessa forma para entendermos o fato de o Brasil incorporar

algumas das demandas agrícolas dos parceiros protecionistas, no âmbito do G-20, e focar

as demandas de acesso a mercados e fim dos subsídios às exportações, nos países

desenvolvidos. Assim, a atuação, por meio dessa coalizão, seria uma plataforma, para se

negociar (ou não negociar) outros temas da agenda da OMC, que eventualmente

restringissem a capacidade do Estado implementar políticas públicas em setores

estratégicos. Poderíamos extrapolar essa linha de raciocínio, também para a arena

hemisférica. Um dos motivos que contribuíram para a paralisação das negociações da

ALCA foi justamente o fato de os EUA se mostrarem pouco dispostos a discutir, no

âmbito hemisférico, a demanda brasileira de diminuição dos subsídios agrícolas e maior

acesso aos produtos do agronegócio brasileiro àquele mercado. Ainda que o Brasil não

tivesse total interesse nas discussões em torno da ALCA, principalmente a partir de 2003,

e conhecesse os riscos de uma possível especialização produtiva, era necessário, ao

menos no plano discursivo, uma estratégia de negociação pró-ativa, que legitimasse, de

forma mais explicita, a posição de relutância de negociar temas sensíveis para o país, da

forma como propunham os norte-americanos. A estratégia parece ser a mesma, ainda que

o sentido seja diferente, na OMC.

A postura de demandante, em relação aos países desenvolvidos nas negociações

agrícolas da OMC, acaba por proteger o país de uma maior abertura em outros setores.

Pois, o não avanço, ou um acordo agrícola pouco ambicioso, acaba legitimando uma

posição mais defensiva em relação a novos compromissos, mais restritivos, em outras

áreas. Assim sendo, a relativa prioridade conferida às negociações agrícolas, estaria

ligada à busca de melhores acordos nos outros temas da agenda, principalmente naqueles

em que o Brasil teria uma postura mais defensiva, como o setor industrial e,

principalmente, o de serviços e propriedade intelectual, na medida em que pode vetar a

concessão de maior abertura, ou compromissos mais restritivos nesses temas, com o

argumento de que os países desenvolvidos não fazem isso em agricultura. Esse conjunto

de idéias corroboraria a idéia que a motivação principal da atuação do Brasil, no G-20,

fundamentaria-se em perspectivas extra-coalizicionais, mas que não se desvinculariam da

participação do país na coalizão. Nesse sentido, para usar um conceito de Olson (1999), o

Brasil teria “incentivos seletivos” para arcar com os custos da ação coletiva.

É interessante, para entendermos melhor as dificuldades das negociações, no

âmbito da OMC, contextualizarmos a rationale do argumento de Putnam (1988) e

Moravskic (1997). Se considerarmos que o posicionamento dos atores respeita uma

margem de ação pré-determinada, como argumentam esses autores, e que, determinadas

políticas domésticas e/ou comunitárias dos países desenvolvidos, refletem de forma a

constranger as negociações multilaterais, podemos pensar que as negociações

internacionais, na esfera da OMC, podem ter uma espécie de limite. No caso dos países

desenvolvidos, observa-se que parte das concessões feitas no âmbito do processo

negociador, na OMC, muitas vezes estão mais diretamente relacionadas com medidas

unilaterais ligadas com questões internas e/ou regionais, do que propriamente com

concessões necessárias para se atingir o consenso multilateral. Alguns estudos

(STEINBERG, 2002, NARLIKAR, 2003) indicam que os membros mais influentes,

principalmente os EUA e a UE, têm a capacidade de direcionar, de alguma forma, o

destino das negociações. Da mesma maneira, o resultado dos acordos, até ao menos a

Rodada Uruguai, relacionam-se, ainda que não de forma integral, com as preferências

desses países. Mediante uma série de mecanismos, esses atores podem alterar as

expectativas e o posicionamento de alguns dos membros da organização. Assim sendo,

podemos supor que o limite das negociações, no âmbito da OMC, tem grande

probabilidade de ser causado pelas disposições destes principais protagonistas.

No caso da União Européia, não podemos afirmar que a flexibilização da sua

postura nas negociações agrícolas dependa exclusivamente da disposição dos

negociadores europeus representados pela Comissão Européia em proceder dessa

maneira. Os negociadores respeitam um mandato negociador que necessita estar em

consonância com a Política Agrícola Comum (PAC)24, que é uma das políticas

comunitárias mais antigas e institucionalizadas do processo de integração europeu. Por

conta dos constrangimentos colocados pelas regras comunitárias, segundo Carvalho

(2006), o poder de barganha da UE nas negociações multilaterais é aumentado,

restringindo a margem de manobra de seus opositores e dificultando as ações desses

atores para avançar seus interesses. Para haver uma modificação substancial nessa

política, é necessária a concordância de todos os membros da União Européia. Assim

sendo, uma modificação do jogo multilateral depende de uma mudança prévia em um dos

elementos constituintes do ambiente de integração europeu (MARIANO, 2005). Contudo,

como indica o estudo de Canesin (2007), o que se observará num futuro próximo é um

virtual engessamento da Política Agrícola Comum nos próximos anos, levando

indiretamente a uma rigidez talvez sem precedentes na posição da União Européia nos

foros multilaterais de temática agrícola.

Da mesma forma, a possibilidade das discussões, na OMC, gerarem uma mudança

na Farm Bill, sendo esta um instrumento tradicional de política pública nos Estados

Unidos, e também um instrumento legislativo que aglutina a maior parte da política

agrícola norte-americana, até o momento vem se mostrando débil. Como demonstra o

resultado dos contenciosos, do algodão, que o Brasil ganhou na OMC contra os EUA,

bem como do açúcar contra a UE, a capacidade de litígios internacionais modificarem

políticas domésticas, ou regionais, dos países desenvolvidos, é relativa, mas não

24 Para uma análise que trata das dificuldades da UE em reformar a sua Política Agrícola, consultar o trabalho de ABRAMOVAY, Ricardo. Dilemas da União Européia na Reforma da PAC – Tese de Livre-Docência. São Paulo, FEA/USP, 1999. Já para uma análise crítica em relação aos regimes internacionais que destaca a relativa incapacidade dos regimes, no sentido de estimular reformas internas nos atores mais poderosos, usando como estudo de caso a PAC, ver o trabalho de PAALBERG, Robert. Agricultural Policy reform and the Uruguay Round: Synergistic linkage in a two-level game. In: International Organization, vol.51, no. 3, 1997.

insignificante. Pois, acreditamos, que a não adequação, ou a adequação parcial dos países

desenvolvidos aos pareceres do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), legitima e

fortalece posturas mais assertivas do Brasil no conjunto das negociações. Aspectos desta

noção, ou sinais dessa estratégia, já estavam presentes no governo Cardoso; mas, em

função da mudança do estágio e andamento das negociações, a partir de 2003, é possível,

igualmente, identificar mudanças nas posições brasileiras.

Portanto, nessa perspectiva, a estratégia brasileira, no G-20 e no OSC, parece

tencionar, ao mesmo tempo em que se apóia, no que talvez possamos chamar de limite,

ou dificuldades estruturais das negociações na OMC. Os negociadores ou formuladores

da estratégia brasileira não necessariamente pensam em termos de limite das

negociações; mas, analiticamente, acreditamos que essa noção pode ser interessante. A

ação do Brasil, na OMC, procura estabelecer alternativas estratégicas, a partir de posições

políticas consistentes com suas limitações e potencialidades, utilizando as regras,

limitações e dispositivos da própria estrutura da OMC para fortalecer suas posições.

5 Considerações Finais

Brasil e Índia parecem buscar, na OMC, com as dificuldades inerentes ao

objetivo, preservar a autonomia nacional de decisão em setores considerados importantes,

e, ao mesmo tempo, evitar, ou amenizar, constrangimentos que condicionem

possibilidades de desenvolvimento. Até o momento os países têm conseguido barrar

certos encaminhamentos contrários às suas preferências, mas, isso não quer dizer que

estejam conseguindo projetar a dinâmica das negociações de forma favorável aos seus

interesses. A atuação de forma conjunta, apesar das dificuldades da ação coletiva, parece

ser o único meio de os países em desenvolvimento aumentarem a sua participação nas

negociações no âmbito da OMC. Por outro lado, essas oportunidades parecem ser

altamente dependentes do tema em questão. Quando há certo consenso entre as potências

em torno de determinado tema, ou, quando a temática relaciona-se com conotações

estruturais de poder, a margem de atuação dos países pobres, mesmo das potências

médias, parece continuar limitada.

A partir do reconhecimento que determinadas políticas, de difícil modificação,

domésticas e/ou regionais dos países desenvolvidos, constrangem as negociações

multilaterais, podemos pensar que a estratégia brasileira e indiana busca tencionar as

dificuldades das negociações. A postura de demandante, focada nos países

desenvolvidos, nas negociações agrícolas, legitimaria posições defensivas, ou a

efetivação de acordos modestos, nos temas da agenda considerados sensíveis para os

países. Da mesma forma, o intenso uso, e a forma como, particularmente o Brasil, tem

lidado com as vitórias conseguidas no OSC, acaba legitimando posturas assertivas, no

limite, de veto-player, no conjunto das negociações, mesmo sendo incerto, até o

momento, o resultado final da Rodada. Uma postura ativa que tenha como lastro uma

determinação de um órgão da instituição, tende a fortalecer-se dentro desta instituição. O

total desrespeito às resoluções do OSC pode colocar em risco a credibilidade da OMC.

Brasil e Índia parecem utilizar o Órgão a partir da mesma lógica que o fazem os EUA e a

UE. Como argumentamos, uma questão sem resposta refere-se à capacidade do sistema

em reagir a estímulos que têm métodos similares, mas lógicas diferentes.

Ainda não temos condições de fundamentar teses fortes, vários parecem ser os

elementos que têm um papel importante na definição da estratégia de negociações

internacionais do Brasil e da Índia. Pretendemos entender melhor essa dinâmica nos dois

países, particularmente, para a definição da posição dos países no G-20. Neste texto

buscamos discutir alguns dos elementos e estratégias que parecem ter contribuído para

Brasil e Índia aumentarem sua influência nas negociações da OMC. A utilização do OSC,

a participação em coalizões e a postura pró-ativa, no conjunto das negociações, são

fatores relevantes que contribuíram para essa dinâmica. Acreditamos que, analiticamente,

a noção de limite estrutural das negociações talvez possa ser uma forma interessante de

entendermos as dificuldades das negociações, no âmbito da Rodada Doha, ainda que as

conseqüências desse entendimento para o sistema multilateral de comércio não sejam

totalmente claras.

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