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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADM. E ECONOMICAS – FADE CURSO DIREITO. Wilgor da Silva Costa O SERVIDOR PÚBLICO E O DIREITO DE GREVE. Governador Valadares Fevereiro, 2009

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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE

FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADM. E ECONOMICAS – FADE

CURSO DIREITO.

Wilgor da Silva Costa

O SERVIDOR PÚBLICO E O DIREITO DE GREVE.

Governador Valadares

Fevereiro, 2009

Wilgor da Silva Costa

O SERVIDOR PÚBLICO E O DIREITO DE GREVE.

Monografia apresentada à UNIVALE (Universidade Vale do Rio Doce) como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação do professor Hélcio Armond Junior.

Governador Valadares

Fevereiro, 2009

UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE

FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADM. E ECONOMICAS – FADE

Wilgor da Silva Costa

.

O SERVIDOR PÚBLICO E O DIREITO DE GREVE.

Monografia apresentada à UNIVALE (Universidade Vale do Rio Doce) como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Aprovado ( )

Aprovado com louvor ( )

Aprovado com restrições ( )

Reprovado ( )

Professor (a): __________________________________________ Hélcio Armond Junior – Orientador.

Professor (a): __________________________________________

Professor (a): __________________________________________

Governador Valadares

Fevereiro, 2009

AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente a Deus, minha fonte de

sabedoria e força, aos meus pais, pelos ensinamentos do que

é certo ou errado, me fazendo o homem que sou hoje, à minha

querida esposa Michelle, mulher de fibra, guerreira, ajudadora,

companheira, com quem tenho aprendido muito no dia a dia e

com quem quero compartilhar meu último suspiro, ao meu filho

Cauã, que se tornou a razão da minha existência, fonte de

força para continuar lutando, aos professores, pelos

ensinamentos e dedicação, em especial à Rose Pereira,

Rogério Miranda, Fabiano Batista, Ianacã Índio Brasil e ao meu

orientador Hélcio Armond Junior, por serem, exemplos a serem

seguidos, aos meus amigos e companheiros de faculdade, pelo

convívio e experiências trocadas, à todos meus familiares, que

sempre acreditaram em minha vitória, em especial ao meu avô

Duquinha, e finalmente, à Carlos Henrique Portes da Silva,

companheiro do cotidiano, com quem venho aprendendo dia

após dia como ser um bom profissional.

RESUMO

A presente monografia permite chegar-se a uma idéia clara quanto à

possibilidade dos servidores públicos civis promoverem movimentos grevistas,

considerando-se que o art. 37, VII, da CRFB/88 exige regulamentação da matéria

através de lei específica. Já que desde a Constituição de 1967 (§ 7º do artigo 157)

proibia o direito de greve aos servidores públicos, O direito de greve representa uma

das maiores conquistas do indivíduo no Direito trabalhista. Todavia, no que concerne

ao servidor público, tal direito não demonstra-se plenamente admissível, em razão

da lacuna legislativa nos dias de hoje, desde a promulgação da Carta Magna de

1988. O estudo busca levantar os aspectos controvertidos na doutrina e na

jurisprudência, a fim de identificar a tendência que hoje prevalece. Desta forma,

apesar da divergência de opiniões, firmou-se posicionamento no sentido de que o

art. 37, VII, da Lei Maior é de eficácia contida, necessitando de regulamentação para

o seu exercício. Relativamente à jurisprudência, em especial, observa-se que, há

bem pouco tempo, os tribunais vinham decidindo pela ilegalidade do exercício

daquele direito pelos servidores, não se podendo fazer uso analógico da lei de greve

adotada para os trabalhadores em geral, enquanto não editada a norma específica

de que cogita a Constituição. Atualmente, esse entendimento vem-se modificando,

em julgados do Excelso Pretório, mais inclinado a aceitar a adoção da teoria

concretista quanto aos efeitos do mandado de injunção.

Palavras-chave: Direito do Trabalho. Servidor Público. Direito Administrativo. Greve.

Legislação.

RESUMEN

La actual monografía permite para llegar él una idea clara cuánto en la

posibilidad de los servidores públicos civiles para promover huelguistas de los

movimientos, considerándose ese arte. 37, VII, de la regulación de la demanda

CRFB/88 de la sustancia con ley específica. Desde entonces desde la Constitución

de 1967 que (§ 7º del artículo 157) prohibió la derecha a la huelga a los servidores

públicos, la derecha a la huelga representa una de las conquistas más grandes del

individuo en la ley de trabajo. Sin embargo, con respecto al servidor público, la tal

derecha no es completamente permitida demostrado, en la razón del boquete

legislativo hoy en día, desde la promulgación de la gran letra de 1988. El estudio los

searchs para levantar los aspectos controverted en la doctrina y la jurisprudencia,

para identificar la tendencia que prevalece hoy. De tal manera, aunque la

divergencia de opiniones, colocación puesta firme en la dirección de ese arte. 37,

VII, de la ley más grande están de eficacia contenida, necesitando la regulación para

su ejercicio. Relativamente a la jurisprudencia, en especial, se observa que, tiene

bien poca hora, las cortes vino decidiendo para la ilegalidad del ejercicio de eso a la

derecha para los servidores, si no pudiendo en general hacer el uso analógico de la

ley de las acciones industriales adoptada para los trabajadores, mientras que no

está corregido la norma específica de eso él los cogitates la constitución.

Actualmente, este acuerdo es cerca modificación venida, adentro considerada de la

corte de Excelso de la ley, más inclinada aceptar la adopción de la teoría del

concretista cuánto al efecto de la diligencia de la prescripción.

Palabra-llave: Derecho del Trabajo. Servidor Público. Derecho Administrativo.

Huelga. Legislación.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 8

CAPITULO I – DIREITO DO TRABALHO ............................................................... 10

1. CONCEITO .......................................................................................................... 10

2. EVOLUÇÃO HISTORICA ..................................................................................... 11

2.1 Revolução Francesa e Revolução Industrial .................................................. 12

2.2 Evolução no Brasil ............................................................................................ 13

CAPITULO II – A GREVE : NOÇÕES GERAIS ........................................................ 15

1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA ................................................................... 15

2 ESBOÇO HISTÓRICO ........................................................................................... 17

3 POSIÇÃO DA OIT E DIREITO COMPARADO ....................................................... 18

4 POSIÇÃO DA ONU E SUAS TEORIAS ........................................................... .... 19

5 A GREVE E OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO DO TRABALHO ................. 21

CAPÍTULO III - DIREITO DE GREVE NO BRASIL .................................................. 26

1 ANÁLISE EVOLUTIVA ........................................................................................... 26

3 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 .................................................................................. 27

CAPÍTULO IV - O SERVIDOR PÚBLICO ................................................................. 32

1 CONCEITO ............................................................................................................ 32

2 CLASSIFICAÇÃO ................................................................................................... 33

3 SERVIDORES CELETISTAS E ESTATUTÁRIOS ................................................. 34

CAPÍTULO V – DIREITO DE GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO .............................. 37

1 EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR ................................................................ 37

2 A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº. 19/1998 ........................................................ 38

3 A GREVE NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA ................................................... 39

4 SITUAÇÃO ATUAL ................................................................................................ 41

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 50

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 53

INTRODUÇÃO

A greve dos servidores públicos foi objeto de varias discussões, ante os

termos do art. 37, VII, da Constituição em vigor, que subordina o exercício daquele

direito à edição de lei específica sobre o assunto, providência esta que até hoje não

foi implementada pelo legislativo.

Desde logo, cabe registrar que o direito de greve representa uma das

mais relevantes conquistas dos trabalhadores no mundo contemporâneo. Tal

afirmativa decorre do fato de que é por meio do exercício desse direito que os

membros de determinada categoria ou parte deles lutam pela preservação de seus

direitos, quando violados ou ameaçados de violação.

Justifica-se, portanto, o desenvolvimento do presente estudo pela

necessidade de se esclarecer a existência da lacuna legislativa concernente à greve

dos servidores públicos civis, sobre a qual diverge a doutrina constitucionalista e

administrativista.

Contudo, foi possível visualizar que tal direito vinha, como ainda vem,

efetivamente, sendo exercido pelos servidores públicos civis, quando estes se vêem

diante da necessidade de reivindicar melhores condições de trabalho e não são

atendidos pela Administração Pública.

Daí se verifica a importância do presente trabalho monográfico nos

campos do Direito Constitucional, do Direito Administrativo e do Direito Coletivo do

Trabalho, posto que visa esclarecer as variadas circunstâncias e imprecisos limites

do exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis.

Ademais, o estudo ora empreendido revela extraordinário alcance, do

ponto de vista sociológico, eis que, por tratar-se de um direito fundamental da

pessoa humana, possibilitando o pleito de condições de trabalho mais dignas e

adequadas, seu exercício faz-se imperioso para o aprimoramento do ser humano,

contribuindo, igualmente, para o desenvolvimento da coletividade de modo geral.

Além disso, o presente trabalho de pesquisa envolve uma contribuição

para que se definam certos conceitos jurídicos que pouco foram trabalhados pela

doutrina, gerando diversos questionamentos por parte dos estudiosos da Ciência do

Direito.

O tipo de pesquisa predominantemente adotado na elaboração deste

trabalho é a pesquisa bibliografica, dedicando-se, também, especial atenção à

análise de documentos legislativos, doutrinários e jurisprudenciais anteriores e

posteriores à edição da Emenda Constitucional nº. 19, de 04.06.1998.

A pesquisa se realizará através da leitura e interpretação do material

coletado, traçando-se um paralelo entre as normas jurídicas que regem a matéria, a

opinião dos juristas mais conceituados e a manifestação dos tribunais.

Não teria condições de falar em greve sem fazermos um breve

comentário de Direito do Trabalho, então no primeiro capítulo apresentamos o

conceito, a natureza jurídica e um resumo histórico sobre o direito do trabalho de

modo geral, desde a idade antiga, Revolução Francesa até chegar a sua evolução

no Brasil, e sua atual situação no país hoje.

No segundo capítulo, será apresentado a greve e seu conceito bem como

os fundamentos jurídicos, evolução histórica, aplicabilidade das OIT no setor público

e posicionamento da ONU e suas teorias.

No terceiro capítulo demonstraremos o Direito de greve no Brasil, sua

evolução no direito brasileiro, as transformações introduzidas pela Constituição da

Republica Federativa do Brasil.

Em seguida, no quarto capítulo, serão abordados, à luz da doutrina, o

conceito e a classificação de servidor público, assim como os princípios especiais do

Direito Coletivo do Trabalho, tendo em vista a pertinência e a relevância desses

aspectos para a proposta contida neste estudo.

No quinto capítulo, que pode ser considerado como o núcleo do trabalho,

será enunciado, em síntese, as principais posições doutrinárias sobre a matéria,

destacando-se as controvérsias porventura existentes entre elas, e, de resto, far-se-

á uma análise evolutiva do instituto na jurisprudência brasileira, a fim de se verificar

como o direito vem sendo aplicado no âmbito das relações trabalhistas, desde a

promulgação da Constituição da República, em 1988, até a presente data.

Ao término do estudo, serão apresentadas as conclusões decorrentes da

análise da doutrina e da aplicação da jurisprudência aos casos concretos.

CAPITÚLO I – DIREITO DO TRABALHO.

1. CONCEITO.

Ao abordamos o tema proposto deste trabalho, há que se falar um pouco

de Direito do trabalho ressaltando seu desenvolvimento e instituições que foram

surgindo de acordo com a necessidade de serem regulamentadas de alguma forma

e também seu conceito.

A expressão Direito do Trabalho surgiu na Alemanha por volta de 1912, o

principio era regulamentar todas as relações de trabalho de modo geral, onde

podemos dizer que direito do trabalho é o conjunto de normas regras é princípios

visando assegurar melhores condições de trabalho e sociais ao trabalhador.

A Constituição da Republica Federativa do Brasil, valoriza o direito do

trabalho enquadrando-o no ramo dos direitos e garantias sociais (artigo 6º), e fixa

normas básicas de proteção ao trabalhador, (artigo 7º) visando a melhor condição

social, e de ordem econômica e financeira, em seu artigo 170.

Como todos os ramos da Ciência de Direito, o Direito do Trabalho se

relacionam com os outros ramos do direito, como vimos acima uma relação com

Direito Constitucional, e temos muitos outros exemplos, no direito civil o contrato de

trabalho é uma espécie de gênero do contrato de locação de serviço, e também o

direito do trabalho utiliza-se subsidiariamente do direito civil principalmente da parte

de obrigações, prevendo o artigo 8º parágrafo único da CLT que o Direito comum

será fonte subsidiaria do direito do trabalho, sendo fonte de preenchimento das suas

lacunas.

Também a relação com o Direito Empresarial onde este direito regula as

varia formas de sociedades mercantis, sendo as mesmas empresas do contrato de

vendas é também uma das partes do contrato de trabalho.

O Direito Internacional tem uma relação direta pois o Direito Internacional

do Trabalho ditam norma de ordem pública no âmbito internacional as OIT, a que

falar também como fonte internacionais de direito do trabalho a Declaração

Universal dos Direitos do Homem (1948) e a Convenção Européia de Direitos

Humanos (1950).

Há também relação com Direito Penal, Direito de Seguridade Social,

Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Econômico, e as relações com outras

áreas de outras ciências como a Sociologia, Economia, Administração de empresas,

Contabilidade, Estatística, Medicina, Psicologia. Sendo cada ciência especificando e

contribuindo para uma melhor execução do trabalho, relação de trabalhador e

empregador, onde a aplicabilidade dessas ciências estuda os fenômenos sociais, a

distribuição de riquezas, a organização e manutenção das empresas para dar

continuidade aos seus trabalhos, a medicina prevendo e reparando e mantendo a

saúde do trabalhador e limitando sua jornada de trabalho, pois cada ramo dando sua

contribuição para um melhor desempenho e rendimento do trabalhador.

2. EVOLUÇÃO HITORICA.

Na idade antiga, inicialmente o trabalho era considerado um castigo, e as

primeiras formas de trabalho era a escravidão, pois os escravos eram considerados

propriedades, e não sujeitos de direitos.

Já na idade média encontramos os servos, era época do Feudalismo, em

que os senhores feudais donos das terras davam proteção militar e política aos

servos, e em troca eles produziam nas terras dos senhores feudais, a entregavam

parte dessa produção aos donos dos feudos, mas ainda era uma forma de castigo,

os nobres não trabalhavam.

Um pouco mais atual encontramos as corporações de ofício, compostas

pelos mestres, pelos operários e pelos aprendizes, os mestres eram os donos das

corporações e passavam de pai para filho a posse das corporações, operários

executavam o trabalho e os aprendizes iniciavam aos 12 e 14 anos de idade para

aprender a profissão, onde já surgem alguns direitos, que as corporações tinha a

característica de estabelecer uma estrutura hierárquica, regular a capacidade

produtiva e padronizar as técnicas de produção, tendo fim as corporações de ofício

com a Revolução Francesa no século XVIII, eram consideradas incompatíveis com o

ideal de liberdade do homem, e também a liberdade que o comercio atingiu, pois os

produtos das corporações teve uma grande alta, diminuindo assim a procura por

estes e liberdade do trabalho.

2.1 Revolução Francesa e Revolução Industrial.

Com a Revolução Francesa (1789), surge um novo ideal de liberdade do

homem, iniciando em 1791 uma liberdade contratual, em termos já que o decreto

d’Allarde suprimiu de vez as corporações de oficio, proibindo o agrupamento de

profissionais para a realização de qualquer atividade trabalhista. A Revolução

Francesa de 1848 reconheceu o primeiro direito econômico e social em sua

constituição: o direito do trabalho, impondo ao Estado a obrigação de dar meios aos

desempregados de garantirem sua subsistência.

Com a revolução industrial os trabalhadores passaram a trabalhar em

troca de salários, transformado o trabalho em emprego, pois a revolução vem a

alterar as formas de produção, a quantidade que passou a ser bem maior,

aumentando assim a oferta no mercado causando o baixo custo dos produtos, e

automaticamente a desvalorização da mão de obra. Surgindo também com a

revolução industrial o contrato de trabalho. Então aparece a necessidade da

intervenção do Estado nas relações de trabalho devido os grandes abusos

cometidos pelo empregador, a ponto de exigirem altas jornadas de trabalho das

mulheres e de crianças, intervenção que visava o bem estar social e condições de

trabalho, o trabalhador passa a ser protegido juridicamente e economicamente.

Neste período o trabalho passa a ter uma doutrina humanista, tratando

com trabalho dignifica o homem, resultando na legislação do trabalho que é a reação

contra os abusos e explorações aos trabalhadores cometidas pelos empregadores.

A intervenção da igreja o Papa Leão XIII redige a Encíclica Rerum

Novarum, ditando normas para a intervenção do Estado nas relações de

empregado e patrão, transição esta para a justiça social. A igreja adotava a

propriedade particular por seu principio do Direito Natural, quem não tinha uma

propriedade era do trabalho que provinha seu sustento. A igreja elaborou muitas

outras encíclicas, que muitas vezes serviam de fundamentos para a reforma da

legislação dos paises.

Ao término de Primeira Guerra Mundial surge o que é chamado de

constitucionalismo das normas trabalhista, ou seja, a inclusão do direito do trabalho

nas constituições de vários paises, a primeira constituição a tratar do assunto foi a

do México, em 1917, artigo 123 estabelecia jornada de trabalho de oito horas por

dia, proibição de trabalho de menores de 12 anos, jornada máxima noturna de sete

horas, limitação a jornada de trabalho de menor de 16 ano a apenas seis horas por

dia, descanso semanal, proteção a maternidade, salário mínimo, direito de

sindicalização e de greve e proteção contra acidente de trabalho.

Daí em diante todos os países passaram a versar sobre o direito do

trabalho, contribuindo assim para a constitucionalizar o direito do trabalho.

2.2 Evolução no Brasil.

Inicialmente as constituições brasileiras versavam apenas sobre a forma

de estado e sistema de governo. Posteriormente passou a tratar de todos os ramos

de Direito e também de direito do trabalho, como podemos ver na constituição de

hoje.

Havia muitas normas sobre direito do trabalho como a lei do ventre livre

que dava liberdade a todos os filhos dos escravos apartir da promulgação da lei. A

primeira constituição brasileira a tratar especificamente de direito do trabalho foi em

1934, onde garantia a liberdade sindical, isonomia salarial, salário mínimo, jornada

de trabalho de oito horas diárias, proteção ao trabalho da mulher e do menor,

repouso semanal, férias anuais remuneradas. (artigo 120 e 121, § 1º da CF de

1934).

A Carta Constitucional decorrente do golpe de Getulio Vargas,

considerava que a economia era organizada em corporações diretamente

dependentes do Estado, exercendo uma função delegada pelo poder público,

instituiu um sindicato único, diretamente relacionado com o Estado podendo haver

intervenções estatais. Foi criado o imposto sindical como uma forma de submissão

da empresa ao estado, acreditando que o liberalismo econômico era incapaz de

manter a ordem social.

Em 1º de maio de 1943 foi aprovado o Decreto-Lei nº. 5.452, onde não se

tratava de um código, mas sim de uma compilação das normas já existentes que

regulamentavam o Direito do Trabalho, reuniu a legislação existente e foi

denominada de CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), desde então o Direito do

Trabalho vem evoluindo e sofrendo alterações para acompanhar o desenvolvimento

social e econômico do ser humano, surgindo a Constituição de 1946, considerada

democrática, veio romper todos corporativismo da Constituição anterior, direito de

greve, repouso semanal remunerado, participação nos lucros e outros direitos que

previam a constituição anterior.

No dia 5 de outubro de 1988 foi aprovada a atual constituição, que trata

de direitos trabalhistas nos dispositivos 7º ao 11, incluídos nos Direitos Sociais,

como Direitos e Garantias Fundamentais, sendo que nas constituições anteriores os

direitos trabalhistas eram inseridos no âmbito da ordem econômica e social,

mantendo as normas contidas na CLT, até reforçando os direitos já conquistados na

CLT.

Trata o artigo 7º da Constituição de direitos individuais e tutelares do direito do trabalho. O artigo 8º versa sobre o sindicato e suas relações. O artigo 9º especifica regras sobre greve. O artigo 10 determina disposição sobre a participação dos trabalhadores em colegiados. Menciona o artigo 11 que nas empresas com mais de 200 empregados é assegurado a eleição de um representante dos trabalhadores para entendimentos com o empregador.1

1 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24ª ed. São Paulo, Atlas. 2008. p. 11.

CAPÍTULO II – A GREVE: NOÇÕES GERAIS

1. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

A greve representa uma ação de confronto e de risco, que mobiliza os

empregados, na defesa obstinada de seus interesses. Entretanto, a caracterização

jurídica dessa prática depende do sentido que lhe atribui a legislação, podendo ser

entendida como direito ou delito, conforme seja permita ou proibida.

Para alguns doutrinadores, greve é toda interrupção de trabalho, de

caráter temporário, motivada por reivindicações suscetíveis de beneficiar todos ou

parte do pessoal e apoiada por parcela significativa da opinião obreira.2

Outros já a conceituam como recusa coletiva e combinada de trabalho.

Seria o instrumento pelo qual determinada classe coloca-se, temporariamente, fora

do contrato de trabalho com o objetivo de lograr êxito em suas reivindicações.3

À luz da legislação brasileira, a greve é considerada uma suspensão

coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação de serviços ao tomador.

Paulo Garcia conceitua:

“A greve é o abandono temporário e concentrado do trabalho, numa ou mais empresas, estabelecimentos ou serviços de qualquer natureza ou finalidade, para a defesa de interesses profissionais, econômicos e sociais, comuns aos trabalhadores.”4

Levando-se em conta a natureza jurídica de que se reveste, esse instituto

constituiria a própria essência ou substância do Direito Coletivo do Trabalho, pelo

que ele representa, objetivamente, para o deslinde dos conflitos entre patrões e

empregados.

No entender de Amauri Mascaro do Nascimento:

“A natureza jurídica da greve é apreciada sob dois ângulos, de acordo com a posição do direito de cada país. A greve é um direito ou uma liberdade nos países em que a lei autoriza, caso em que se manifesta como uma forma de autodefesa dos trabalhadores, na solução dos seus conflitos coletivos; nos países que a proíbem, a greve é tida como delito, uma infração penal, um crime contra a

2 DURAND, Paul, apud MARTINS, Sergio Pinto. Greve do serviço público. São Paulo: Atlas, 2001, p. 28.

3 SINAY, Hélène apud MARTINS, op. cit., p. 28.

4 GARCIA, Paulo, Direito de Greve. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas S.A., 961. p.09.

economia.”5

Assim, a greve pode ser compreendida como um fato social, posto que se

enquadraria no orbe da sociologia e não da Ciência Jurídica.6

Do ponto de vista social, sob o aspecto da coletividade, seria uma

prerrogativa, ao passo que, para o indivíduo, teria o caráter de liberdade pública,

visto que o Poder Público deve garantir seu livre exercício.

Aliás, a idéia da liberdade está intrinsecamente ligada ao fenômeno da

greve, como bem acentuam Hélène Sinay e Jean-Claude Javillier:

É extremamente importante conceber assim a greve como um espaço de liberdade, porque todo método de interpretação que a ela se reporte será induzido por esse postulado. A liberdade é o princípio. Os limites são necessários, pois nenhuma liberdade é por si só absoluta; ela deve considerar o exercício paralelo de outras liberdades. 7

Demais disso, a greve pode, ainda, ser encarada como uma forma de

autodefesa, haja vista que uma parte impõe a solução do conflito à outra. Para

Sergio Pinto Martins, o instituto deve ser analisado conforme os efeitos que provoca

no contrato de trabalho: suspensão ou interrupção.8

De tal modo que, se não ocorre pagamento de salário e não há contagem

do tempo de serviço, opera-se a suspensão. Noutro sentido, uma vez computado o

tempo de serviço e havendo pagamento de salário, resta configurada a interrupção.

Em qualquer das hipóteses aventadas, trata-se de um direito de coerção

visando a solucionar o conflito coletivo; ou, na visão de Birk, um direito que se

concretiza mediante “a paralisação organizada ou coordenada, total ou parcial, do

serviço por um grupo de trabalhadores no intuito de exercer pressão sobre o

empregador para atendimento de certas demandas”.9

Aí estão os lineamentos básicos do direito de greve, que cumpre a função

de dar ao trabalhador o poder de que necessita para proteger os seus interesses

5 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 498.

6 CARVALHO, Ricardo Motta Vaz de. A greve no serviço público. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005. p. 31.

7 . SINAY, Hélène; JAVILLIER, Jean-Claude. La grève. Paris: Dalloz, 1984, p. 3 (Texto original: Il est extrêmement important de

concevoir ainsi la grève comme um espace de liberté. Car tout la méthode d’interprétation qui s’y repporte sera induite de ce

postulat. La liberté est le principe. Les limites sont nécessaires, car aucune liberté n’est à soi seule souveraine; elle doit

compter avec l’exercice parallèle d’autres libertés).

8 MARTINS, Sergio Pinto. Greve do serviço público. São Paulo: Atlas, 2001, p. 28-31.

9 BIRK, R. Industrial conflict: the law of strikes and lock-outs. In: BLANPAIN, R. Comparative labour law and industrial

relations. USA: Kluwer Law and Taxation Publishers, 1987, p. 402 (Texto original: the organised or co-ordinated full or partial

stoppage of work by a group of workers in order to exert pressure on the employer for fulfilment of certain demands).

diante do empregador, nivelando, assim, os sujeitos da controvérsia coletiva –

soggetti della controversia collettiva – como dizem os doutrinadores italianos.

2. ESBOÇO HISTÓRICO

Quanto à etimologia, a palavra greve é apontada por vários autores como

sendo o nome de uma praça em Paris, chamada place de grève. Reza a história que

naquele local acumulavam-se os gravetos trazidos pelas enchentes do Rio Sena,

dando origem ao termo greve, originário da palavra graveto.10

À época da Revolução Industrial, os trabalhadores reuniam-se na referida

praça quando desempregados ou insatisfeitos com o trabalho. Nestas situações,

paralisavam os serviços como protesto por melhores condições laborais.

Noutra perspectiva, observa-se que, ao longo dos anos, a greve amoldou-

se a vários conceitos jurídicos e sociais, sendo inicialmente considerada um delito;

numa outra fase, uma liberdade; e, posteriormente, um direito. 11

No Direito Romano, a greve era vislumbrada como um delito em relação

aos trabalhadores livres. Também o Código Napoleônico punia com prisão e multa a

greve dos trabalhadores.

Em 1825, na Inglaterra, e em 1864, na França, a legislação

descriminalizou a simples coalização. Na Itália, em 1947, passa-se a reconhecer a

greve como um direito.

No Brasil, durante longas décadas, ela foi considerada como delito por

algumas Cartas Políticas, e, em outras, não houve sequer previsão a respeito. O

direito de greve só foi reconhecido e consequentemente assegurado de forma ampla

com o advento da Constituição Cidadã de 1988, onde se garantiu ao trabalhador a

prerrogativa de livre associação, bem como a greve.

10 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. A greve do servidor público após a emenda constitucional N. 19/1998. In: SANTOS, José

Ronald Cavalcante (coord.). O servidor público e a justiça do trabalho (estudos em homenagem ao Ministro Ronaldo José

Lopes Leal). São Paulo: LTR, 2005, p. 41.

11 MARTINS, Sergio Pinto. Greve do Serviço Público. São Paulo: Atlas, 2001, p. 24.

Todavia, no que tange ao estudo aqui proposto, ou seja, relativo à

regulamentação do direito de greve para o funcionalismo público, observa-se que

não foi assegurado de forma ampla, vez que condicionado à edição de lei ulterior

regulamentando-o.

A afirmativa acima exarada decorre do disposto no art. 37, VII, da

Constituição da República, de 1988, que limitou o exercício daquele direito.

3. POSIÇÃO DA OIT

Na ordem jurídica internacional, o direito de greve não é protegido de

modo incisivo. O art. XX, nº. 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos

contempla de forma implícita o direito de greve, assim dispondo: “toda pessoa tem

direito à liberdade de reunião e associação pacífica”; e, no art. XXIII, nº. 4, garante

que “toda pessoa tem o direito de organizar sindicatos e neles ingressar para

proteção de seus interesses”.

O que se depreende dos dispositivos supracitados é que, ao prever o

direito de associação e reunião, assim como de organizar-se e associar-se a

sindicatos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos acaba por reconhecer o

direito de greve, eis que se trata de uma forma de proteger um direito fundamental

do trabalhador.12

Nesse azimute, cumpre salientar que a Resolução n° 2.200 (A), de

16.12.1996, adotada na XXI Assembléia Geral da ONU, que instituiu o Pacto

Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em seu artigo 8º,

assegura o direito de greve exercido em conformidade com as leis de cada país

signatário.

A OIT – Organização Internacional do Trabalho é órgão internacional de

defesa dos direitos sociais e trabalhistas, surgido com o Tratado de Versailles. Após

a Reunião de Paris, em 1945, e da Declaração da Filadélfia, em 1944, foram

firmadas as considerações que instituíram os preceitos basilares da constituição

jurídica da OIT. Trata-se de uma pessoa jurídica de direito internacional, vinculada à

12 CARVALHO, Ricardo Motta Vaz de. A greve no serviço público. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005. p. 55.

ONU como organismo especializado para promover, no campo social, as ações que

considera válidas na defesa dos direitos humanos e trabalhistas.13

Sob esse prisma, verifica-se que a OIT não possui convenção específica

a respeito do tema, mas a doutrina vem firmando posicionamento de que o direito de

greve é contemplado implicitamente por força das Convenções sob os números. 87

e 98 que dispõem sobre liberdade sindical e negociação coletiva, restando

demonstrado que a posição deste órgão é no sentido de permitir amplamente a

greve do servidor público civil, vedando-a somente no que tange àqueles que atuam

como órgãos do Poder Público.14

Importa trazer à colação o Verbete nº. 394 do Comitê de Liberdade

Sindical:

O direito de greve só deve ser objeto de restrições, inclusive proibição, na função pública, sendo funcionários públicos aqueles que atuam como órgãos do poder público, ou nos serviços essenciais no sentido estrito do termo, isto é, aqueles serviços cuja interrupção poderá por em perigo a vida, a segurança ou a saúde da pessoa, em toda ou parte da população. (Ibid., p. 54)

Desta feita, só há restrição do direito para aqueles que atuam exercendo

parcela da soberania do Estado, como, por exemplo, os juízes, membros do

Ministério Público, diplomatas, ministros, etc.

O que se verifica, enfim, é que o Direito Internacional, bem como a

Comunidade Européia e demais organizações especializadas, como, em particular,

a OIT, não vêm dando à greve a devida importância.

4. POSIÇÃO DA ONU E SUAS TEORIAS

A Declaração Universal dos Direitos Humanos - DUDH contempla de forma

implícita o direito de greve, ao estabelecer, no seu art. XX, n. 1, que "Toda pessoa tem

direito à liberdade de reunião e associação pacífica, e no art. XXIII, n. 4, ao garantir que

toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de

seus interesses.

13 BRANDÃO, Alexandre Alencar. O direito de greve e o lock-out. Disponível em:

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2599. Acesso em: 10 jan. 2009.

14 RAPASSI, Rinaldo Guedes. Direito de greve de servidores públicos. São Paulo: LTR, 2005, p. 49-50.

Já foi dito em linhas pretéritas que, ao proclamar o direito de reunião e

associação, bem como o direito de organizar e associar-se a sindicatos, a DUDH acaba

por reconhecer o direito de greve que, a rigor, constitui uma forma proteção dos

interesses da pessoa que trabalha.

Embora a DUDH não contenha referência expressa ao direito de greve,

cumpre sublinhar que a Resolução n. 2.200 (A), de 16.12.1966, adotada na XXI

Assembléia Geral da ONU, que instituiu o PIDESC - Pacto Internacional dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais, enaltece, no art. 8, n. 1, d, in verbis: "Art. 8. 1. Os

Estados Partes do presente Pacto se comprometem a garantir: [ ... ] d) o direito de greve

exercido em conformidade com as leis de cada país".

É possível afirmar que a greve, a partir do momento em que passa a ter sede

nas Constituições dos países ocidentais, tal como ocorre nos ordenamentos brasileiro,

espanhol e português, passa a ser considerada um direito fundamental dos trabalhadores.

Trata-se, pois, de um direito fundamental da pessoa humana que se insere na moldura das chamadas dimensões dos direitos humanos.

Nesse sentido é o magistério de Julio César do Prado Leite, para quem:

A greve é um direito fundamental que se arrima na Declaração dos Direitos do Homem ( ... ) Com efeito, o ato internacional em causa, de modo explícito, cuida de assegurar condições justas e favoráveis de trabalho. Para obtê-Ias ou confirmá-Ias todo trabalhador tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para a proteção de seus interesses. Não há greve sem sindicato. O sindicato tomar-se-ia uma mera associação corporativa assistencial se não dispuser do direito de fazer greve?15

Ora, se a greve tem por escopo básico a melhoria das condições sociais do

homem trabalhador, implica a inferência de que ela constitui um direito fundamental do

trabalhador enquanto pessoa humana.

Nesse sentido, parece-nos adequado afirmar que a greve constitui um

instrumento democrático a serviço da cidadania, na medida em que seu objetivo

maior consiste na reação pacífica e ordenada dos trabalhadores contra os atos que

impliquem direta ou indiretamente desrespeito à dignidade da pessoa humana.

E como se trata de direito humano fundamental, não pode haver distinção

entre o trabalhador do setor privado e o do setor público, salvo quando o próprio

ordenamento jurídico dispuser em contrário, tal como ocorre, no nosso sistema, com

o servidor público militar (CF, art. 142, § 3°, IV).

15 A Greve no Contesto Democrático, In Revista Síntese Trabalhista, n. 82, abril/96, Porto Alegre, p. 12.

5. A GREVE E OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO DO TRABALHO

A palavra princípios traduz, na linguagem corrente, a idéia de início. Seria

o primeiro momento da existência de algo, uma ação ou processo.16 É o

nascedouro, de onde o direito se origina.

É importante considerar que o Direito é o conjunto de princípios, regras e

institutos voltados para disciplinar situações ou relações, e criar vantagens,

obrigações e deveres no contexto social.17

Assim se manifesta sobre o tema Celso Antonio Bandeira de Mello:

“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É do conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.”18

O Direito do Trabalho – como ramo autônomo do Direito, composto por

um complexo de diretrizes gerais e normas específicas que regulam as relações de

trabalho, desde meados do século XIX – desprendeu-se da matriz civilista,

originando todo o conjunto jurídico que lhe assegura autonomia no mundo do Direito.

Ao buscar a conceituação autônoma de determinado ramo do Direito,

tem-se como ponto de partida a análise em relação aos princípios que norteiam o

ramo focalizado.

Em conclusão, para a Ciência do Direito os princípios conceituam-se

como proposições gerais que induzem à compreensão e assimilação do fenômeno

jurídico, e que, depois de enunciados, a ele se reportam, informando-o

convenientemente.19

Pois bem: a greve, como figura jurídica inerente ao Direito do Trabalho,

subordina-se aos princípios deste, sendo certo que tais princípios englobam os que

se classificam como gerais.

Analisado-os, aqui e agora, aplicam-se ao direito de greve os princípios:

16 HOUAISS, Antonio apud DELGADO, Maurício Goudinho. Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTR, p.184.

17 DELGADO, Mauricio Godinho. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. São Paulo: LTR, 2001, p. 15.

18 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 747-748.

19 DELGADO, op. cit., p. 32.

protecionista, in dubio pro operario, o da condição mais benéfica ao trabalhador, da

irrenunciabilidade, da continuidade, da primazia da realidade, da razoabilidade, da

boa-fé, entre outros.

Destarte, como forma enriquecedora, vale uma sucinta referência a cada

um deles.

a) Princípio protecionista – As relações jurídicas envolvendo o trabalho,

ou seja, a forma como se estabelecem os liames entre empregado e empregador,

possuem base eminentemente contratual.

Daí – tendo em vista a relação desequilibrada entre o empregador, sujeito

que produz critérios para o contrato de trabalho, e o empregado, que fica

condicionado a aceitar o modelo contratual que lhe é imposto – emerge o conceito

do princípio protetivo do Direito do Trabalho, a fim de contrabalançar esta relação.

No Direito do Trabalho, a preocupação primordial é a de proteger uma

das partes com o objetivo de alcançar uma igualdade substancial, verdadeira, entre

as mesmas. O princípio protetor não questiona a capacidade de decisão que o

empregado possui, nem a livre iniciativa; é inegável que o poder de direção está na

mão do empregador, até porque o Direito do Trabalho se aplica ao subordinado,

trabalhador, que reconhece a supremacia do empregador.

Nessa conjuntura, pode-se definir o mencionado princípio como aquele

em virtude do qual o Direito do Trabalho, reconhecendo a desigualdade de fato entre

os sujeitos da relação jurídica, promove a atenuação da inferioridade econômica,

hierárquica e intelectual dos trabalhadores.20

b) In dubio pro operario – O princípio da aplicação da norma mais

favorável ao trabalhador, in dubio pro operario, tem validade quando há dúvida sobre

a norma legal pertinente ao caso concreto. Diante da incerteza, aplica-se este

princípio, a fim de resguardar o direito da parte mais frágil da relação jurídica.

O critério in dubio pro operario não serve para retificar a norma ou integrá-la no

contexto das outras disposições legais, mas, isto sim, para determinar seu

verdadeiro sentido dentro dos vários entendimentos possíveis.

Assim, manifesta-se o eminente doutrinador Mario De La Cueva, na

seguinte passagem:

Fala-se que o princípio em caso de dúvida deve resolver-se a controvérsia em favor do trabalhador, posto que o Direito do Trabalho

20 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1990, p. 26.

é eminentemente protecionista; o princípio é exato, e deve ser utilizado sempre que exista verdadeira dúvida acerca do valor de uma cláusula de contrato individual ou coletivo ou da lei , mas não deve ser aplicado pelas autoridades judiciais para criar novas instituições.21

Amauri Mascaro Nascimento considera o princípio da norma mais

favorável como o mais expressivo do Direito do Trabalho. Sustenta que ele possui

tríplice função: a primeira refere-se à elaboração de preceitos jurídicos mais

favoráveis ao trabalhador; a segunda consiste em estabelecer uma hierarquia das

normas jurídicas, já que, havendo diversos tipos de disposições, prevalecerá a mais

conveniente para o trabalhador; e a terceira função é a de interpretação das regras

jurídicas, de modo que, havendo duas ou mais formas de interpretação, será

escolhida a que conduzir ao melhor resultado para o trabalhador.22

No entanto, é preciso salientar que nem todos os juristas reconhecem a

tripla função descrita por Amauri Mascaro Nascimento. Trata-se, porém, de regra

aceita, de forma quase unânime, como orientadora da seleção dos preceitos que

mais favorecem o trabalhador.

Segundo Mauricio Godinho Delgado, o princípio em foco exerce clara

influência política na definição do alcance das normas legais; e, pari passu, atua

como instrumento eficaz de interpretação e hierarquização das leis.23

O fundamento jurídico para a aplicação da norma que melhor atende aos

interesses do trabalhador encontra-se insculpido no caput do art. 7º da Constituição

da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, sendo que a Consolidação

das Leis do Trabalho rege a matéria através dos seus artigos 444 e 620.

Nestes termos, observa-se que o Direito do Trabalho brasileiro consagrou

o princípio in dubio pro operário, permitindo que o contrato individual de trabalho

possa estipular normas que se ajustem às características da relação capital-

trabalho, e que as convenções coletivas prevaleçam sobre os acordos, quando mais

favoráveis ao trabalhador.

c) Princípio da condição mais benéfica – Este princípio guarda as

mesmas propriedades contidas no princípio da norma mais favorável, residindo a

distinção no fato de que este princípio é aplicável no tocante às cláusulas do

21 LA CUEVA apud RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2000, p.112.

22 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1990, p. 31 .

23 DELGADO, op. cit, p. 44.

contrato, não englobando as disposições normativas que regulam determinada

situação atinente ao contrato de trabalho.

d) Princípio da irrenunciabilidade – O princípio da irrenunciabilidade é

configurado pela impossibilidade jurídica de o empregado privar-se voluntariamente

de uma ou mais vantagens concedidas pelo Direito do Trabalho em seu benefício.

Tem fundamento na indisponibilidade de certos bens e direitos como forma de

restabelecer a igualdade das partes no contrato de trabalho.

e) Princípio da continuidade – Este princípio não diverge dos demais. É

claramente favorável ao trabalhador, na medida em que, com o passar do tempo,

incorporam-se ao seu patrimônio jurídico vantagens alcançadas pelas negociações

coletivas e pelas inovações legislativas, e, principalmente, aquelas de caráter

pessoal, como, por exemplo, promoções e adicionais remuneratórios que, por sua

habitualidade, passam a integrar o contrato de trabalho.

Além de vantagens diretas, que revestem natureza eminentemente

econômica como as supracitadas, não resta dúvida de que um vínculo de trabalho

duradouro gera progressos pessoais e familiares para o trabalhador, já que a

segurança no emprego oferece uma base mais sólida, inclusive e principalmente no

aspecto social, permitindo que o trabalhador desfrute de bem-estar físico, mental e

social.

f) Princípio da primazia da realidade – Estabelece tal preceito que, na

análise das questões relativas às relações de trabalho, deve-se observar a realidade

dos fatos em detrimento dos aspectos formais que eventualmente os caracterizem.

Destacam-se alguns elementos que legitimam a imperatividade de tal

princípio:

– Durante a relação de trabalho, dada a sua condição de subordinação ou

dependência, o trabalhador não pode opor-se à formalização de alterações

contratuais e práticas que, não raro, lhe são lesivas. Exemplo é a proibição de

registro em cartão de ponto do horário efetivamente trabalhado.

– É bastante comum que se verifiquem, ao longo do tempo, alterações

nas condições de trabalho pactuadas através de contrato escrito, alterações estas

que, salvo raras exceções, não são incorporadas formalmente ao contrato de

trabalho.

– Como cediço, os contratos de trabalho podem ser escritos ou verbais.

Evidente que nos verbais as cláusulas só assumem condição de efetiva existência

com o decorrer do tempo, pelas práticas estabelecidas entre os sujeitos da relação

de trabalho.

g) Princípio da razoabilidade – O princípio da razoabilidade corresponde à

idéia de que o ser humano, em suas relações trabalhistas, procede – e deve mesmo

proceder – conforme a sua razão. É certo não se tratar de princípio exclusivo do

Direito do Trabalho, eis que constitui, antes de mais nada, um princípio geral de

Direito, id est, princípio inerente à ordem jurídica. Nos lindes do Direito do Trabalho,

presta-se à medição da verossimilhança de determinada afirmativa do empregado

ou do empregador. Corresponde a uma diretriz que não encerra qualquer

originalidade em matéria trabalhista.

h) Princípio da boa-fé – Diversos juristas entendem que o princípio da

boa-fé é informador específico do Direito do Trabalho. Acreditam eles que, se há

obrigação de o empregado apresentar efetivo rendimento no trabalho, é porque

vigora a suposição de que o mesmo deve cumprir seu contrato de boa-fé. Quer

dizer, entre as exigências da relação de emprego, encontra-se a de empenhar-se no

cumprimento de suas tarefas.24

24 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Dos princípios do Direito do Trabalho no mundo contemporâneo. Disponível em:

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7795. Acesso em: 12 jan. 2009.

CAPÍTULO III – DIREITO DE GREVE NO BRASIL

1. ANÁLISE EVOLUTIVA DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DE GREVE

No que toca ao direito de greve no Brasil, as Constituições de 1824 e

1891 foram omissas, em razão do pensamento econômico liberal predominante à

época.

Do ponto de vista legal, o Código Penal de 1890 proibia expressamente o

seu exercício, orientação que foi mantida mesmo com o advento do Decreto n°

1.162, de 12.12.1890.

A Constituição de 1934 também foi omissa no que diz respeito ao direito

de greve, sendo esta caracterizada como um fato social tolerado pelo Estado.

Já a Carta Política de 1937, em seu art. 139, 2ª parte, proibia a greve e o

lockout, considerando-os recursos anti-sociais e crime, eis que tais movimentos

eram nocivos ao trabalho e ao capital, e incompatíveis com os superiores

interesses da produção nacional.

Nesta época, qualquer tipo de greve era proibida e considerada como

delito, sendo inconstitucional qualquer legislação que dispusesse em contrário.

O Decreto-lei n° 431, de 18.05.1938, que versava so bre segurança

nacional, tipificou a greve como crime, no que diz respeito ao incitamento de

funcionários à paralisação dos serviços.

O Decreto-lei n° 1.237, de 02.05.1939, que institui u a Justiça do Trabalho,

previa punições em caso de greve, desde a suspensão disciplinar e a despedida por

justa causa, até a pena de detenção.

O Código Penal de 1940, em seus artigos. 200 e 201, considerava crime

a paralisação do trabalho, em casos de perturbação da ordem pública ou se o

movimento fosse contrário aos interesses públicos.

Com a promulgação da CLT, em 1943, estabeleceu-se pena de

suspensão ou dispensa do emprego, perda do cargo de representante profissional

que tivesse em gozo de mandado sindical, suspensão pelo prazo de dois a cinco

anos do direito de ser eleito como representante sindical, nos casos de suspensão

coletiva do trabalho, sem prévia autorização do Tribunal Trabalhista (art. 723).

Havia, ainda, dispositivo prevendo multa ao sindicato que ordenasse a suspensão

do trabalho, bem como cancelamento do registro da associação ou perda do cargo

em caso de ato exclusivo dos administradores da entidade classista.

Não obstante a proibição prevista na Constituição de 1937, o Decreto-lei

n° 9.070, de 15.03.1946, passou a tolerar a greve n as atividades acessórias,

mantendo a vedação somente no que concerne a atividades fundamentais.

O art. 158 da Carta Política de 1946 reconheceu a greve como direito dos

trabalhadores. Todavia seu exercício foi condicionado à edição de lei posterior.

O Supremo Tribunal Federal entendeu que não havia sido revogado o

Decreto-lei n° 9.070/46, pois não era incompatível com a Lei Fundamental de 1946,

a qual dispunha que a greve deveria ser regulamentada por lei ordinária, inclusive

quanto às suas restrições.

Somente em 01.06.1964 entrou em vigor a Lei n° 4.33 0, que

regulamentou o exercício do direito de greve. O art. 20, parágrafo único, da

mencionada lei dispunha que a greve, mesmo quando lícita, suspendia o contrato de

trabalho, ficando o pagamento dos dias parados a cargo do empregador, se as

reivindicações feitas pela categoria profissional fossem total ou parcialmente

deferidas.

A Constituição de 1967 assegurou o direto de greve, restringindo-o,

todavia, em relação aos serviços públicos e atividades essenciais (art. 158, XXI c/c

157, § 7º). A Emenda Constitucional nº. 01, de 17.10.1969, manteve a mesma

orientação (art. 165, XX, e 162).

Em 1988, com a promulgação da Constituição da República Federativa do

Brasil, aquele direito passou a ser protegido, de forma mais abrangente, tendo em

vista que foi inaugurada uma nova etapa de garantia de direitos, após um longo

período de ditadura.

2. A CONSTITUIÇÃO DE 1988

A promulgação da Constituição de 1988 representou um grande avanço

para a nação brasileira, pois deu início a um ciclo histórico alvissareiro no tocante

aos direitos e garantias individuais, desencadeando um processo democrático há

muito tempo idealizado mas não concretizado.

Foi neste contexto que o legislador constituinte originário consagrou

amplamente o direito de greve para os trabalhadores em geral, consoante o que

dispunha o art. 9º da Carta Magna, in verbis:

É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. § 1° - A lei definirá os serviços e atividades esse nciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. § 2° - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

Nessa perspectiva, é possível afirmar que a greve, a partir de sua

previsão nas Constituições dos países ocidentais, bem como no ordenamento

brasileiro, passa a ser considerada um direito fundamental dos trabalhadores.

Sobre o assunto, irretocáveis se afiguram as palavras de Julio Cesar do

Prado Leite:

A greve é um direito fundamental que se arrima na Declaração dos Direitos do Homem (...) Com efeito, o ato internacional em causa, de modo explícito, cuida de assegurar condições justas e favoráveis de trabalho. Para obtê-las ou confirmá-las todo trabalhador tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para a proteção de seus interesses. Não há greve sem sindicato. O sindicato tornar-se-ia uma mera associação corporativa assistencial se não dispuser do direito de fazer greve.25

Trata-se, pois, de um direito fundamental do cidadão, que se insere na

moldura do que a doutrina classificou como gerações, ou dimensões, dos direitos

humanos, que se caracterizam em primeira, segunda e terceira geração, na forma a

seguir.

Constituem direitos humanos de primeira geração os direitos civis e

políticos, que compreendem as liberdades clássicas. Realçam o princípio da

liberdade.

Já os direitos humanos de segunda geração são os direitos econômicos,

sociais e culturais.Identificam-se com as liberdades positivas, reais ou concretas, e

acentuam o princípio da igualdade.

Por fim, os direitos humanos de terceira geração são os de titularidade

25 PRADO LEITE, Julio César do. A greve no contexto democrático. In: Revista Síntese Trabalhista. Porto Alegre, RS, n. 82,

abr. 1996.

coletiva. Consagram o princípio da fraternidade. Englobam o direito ao meio

ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, progresso, paz,

autodeterminação dos povos e outros direitos difusos.26

Desta feita, em face dos conceitos apresentados alhures, pode-se

concluir que a greve constitui, a um só tempo, direito de primeira, segunda e terceira

geração, ou dimensão, na medida em que se enquadra simultaneamente nas três

categorias:

– Direito de liberdade ou de primeira geração, haja vista que implica em

um não fazer por parte do Estado, ou seja, um status negativus estatal que

reconhece as liberdades públicas e o direito subjetivo de reunião entre pessoas para

fins pacíficos.

– Direito de igualdade, ou de segunda geração, porque é pelo exercício

do direito de greve que os trabalhadores pressionam os tomadores de seus serviços,

visando à melhoria de suas condições sociais e corrigindo, dessa forma, a

desigualdade econômica produzida pela concentração de riquezas inerente ao

regime capitalista, mormente numa economia globalizada. Tanto é assim que a

Constituição brasileira de 1988, em seu art. 9º, considera a greve um direito social

fundamental dos trabalhadores.

– Direito de fraternidade ou de terceira geração, na medida em que a

greve representa inequivocamente uma manifestação de solidariedade entre

pessoas, o que reflete, em última análise, a ideologia da paz, do progresso, do

desenvolvimento sustentado, da comunicação e da própria preservação da família.

Além disso, por ser um direito coletivo social dos trabalhadores, a greve pode ser

tipificada como uma espécie de direito ou interesse metaindividual, ou, na linguagem

do Código de Defesa do Consumidor (art. 81, inciso II, parágrafo único), um direito

ou interesse coletivo.

Ora, se a greve tem por escopo básico a melhoria das condições sociais

do homem trabalhador, implica a dedução de que ela constitui um direito

fundamental do trabalhador enquanto ser humano.

Então, parece adequado afirmar que a greve constitui um instrumento

democrático a serviço da cidadania, na medida em que seu objetivo maior consiste

na reação pacífica e ordenada dos trabalhadores contra os atos que impliquem 26 PINHEIRO, Tertuliano C. Os Direitos Humanos na Idade Moderna e Contemporânea. Disponível em:

http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/tertuliano/dhnaidademoderna.html. Acesso em: 12 jan. 2009.

direta ou indiretamente desrespeito à dignidade do homem.

Isto posto, constatado que se trata de direito humano fundamental, não

pode haver distinção entre o trabalhador do setor privado e o do setor público, salvo

quando o próprio ordenamento jurídico dispuser em contrário, tal como ocorre com o

servidor público militar, no art. 142, § 3º, IV, da Constituição Federal.27

Superado o aspecto da dimensão dos direitos fundamentais, avulta

salientar que o direito de greve, consoante os termos do art. 37, VII, da Carta

Política de 1988, estendeu-se aos servidores públicos civis, porém, condicionando o

seu exercício, primeiramente, à edição de lei complementar, e, alterado à edição de

lei especial, pela Emenda Constitucional n° 19/1998 .

Frise-se, por oportuno, que, embora o exercício desse direito esteja

condicionado à edição de lei regulamentadora, esta jamais foi editada.

Nesse ponto, surgem acirradas discussões na doutrina e na

jurisprudência quanto à eficácia da referida norma constitucional, ou seja, quanto a

sua vigência plena.

Observe-se que a polêmica travada é pertinente e plausível, pois,

fazendo-se necessária a regulamentação por lei específica, esta ainda não se

incorporou ao ordenamento jurídico pátrio, o que torna duvidosa a legitimidade do

exercício do direito em questão.

Desse modo, surgem na doutrina duas correntes de vulto, que dividem as

opiniões dos juristas, conforme se aduzirá a seguir.

A primeira corrente sustenta que o preceito estatuído no art. 37, VII, da

CRFB/88 seria de eficácia contida ou restringível, e, assim, poderia o direito de

greve ser exercido antes mesmo da edição de lei complementar, atualmente lei

específica. Neste contexto, poder-se-ia, por analogia, aplicar a Lei nº. 7.783/89 (Lei

de Greve) aos servidores públicos civis.28

De tal sorte que, enquanto não sobrevier lei complementar restringindo

aquele direto, o seu exercício, mesmo assim, não deixará de ser efetivo ou pleno.

A segunda corrente sustenta que o servidor somente poderia exercer o

direito de greve depois de editada norma infraconstitucional disciplinando a matéria, 27 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. A greve do servidor público civil e os direitos humanos. Disponível em:

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2612. Acesso em: 15 jan. 2009.

28 SANTOS, Enoque Ribeiro dos; SILVA, Juliana Araújo Lemos da. Direito de greve do servidor público como norma de

eficácia contida. Revista LTR - Legislação do Trabalho, São Paulo: LTr, v. 69, n. 5, maio/2005.

sendo, portanto, o mencionado preceito de eficácia limitada ou reduzida,

salientando-se que para essa corrente seria inaplicável analogicamente a Lei n°

7.783/89 aos servidores públicos civis.

CAPÍTULO IV – O SERVIDOR PÚBLICO

1. CONCEITO

Servidor público é a pessoa legalmente investida em cargo público,29 que

corresponde a um conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura

organizacional, as quais devem ser cometidas a um servidor, de acordo com os arts.

1º e 2º da Lei 8.112/90.

Para melhor entender-se o conceito de servidor público, cumpre pontuar a

definição de servidores estatais e servidores públicos. Quanto aos primeiros,

esclarece Rinaldo Guedes Rapassi:

Servidores estatais são aqueles titulares de cargo ou ocupantes de empregos públicos, que entretêm com o Estado e suas entidades da Administração indireta (independentemente de sua natureza, se pública ou privada) relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual, sob vínculo de dependência.30

Por outro lado, na visão de Celso Antônio Bandeira de Mello, servidor

público é uma subespécie de servidor estatal. Expõe aquele jurista, in verbis:

Servidores públicos são os servidores estatais, exceto os empregados das entidades da Administração indireta de Direito Privado. A designação abrange todos aqueles que mantêm vínculo de trabalho de natureza profissional, caráter não eventual, sob vínculo de dependência, com as entidades governamentais, integrados em cargos ou empregos da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, além das respectivas autarquias e fundações – pessoas jurídicas de Direito Público da Administração indireta.31

Para Hely Lopes Meirelles, servidor público é gênero que compreende os

servidores públicos e empregados públicos. Seriam uma subespécie de agentes

públicos administrativos, que abarcariam aqueles que prestam serviços à

Administração, estando ligados a esta por relações profissionais, eis que investidos

em cargos e funções a título de emprego com contraprestação pecuniária.32

Preleciona, ainda, Maria Sylvia Zanella Di Pietro que são servidores

29 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.756

30 RAPASSI, Rinaldo Guedes. Direito de greve de servidores públicos. São Paulo: LTR, 2005, p.71

31 MELLO apud RAPASSI, op.cit, p. 71.

32 MEIRELLES apud RAPASSI, op. cit, p. 73.

públicos, em sentido amplo, as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às

entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante

remuneração paga pelos cofres públicos.33

José dos Santos Carvalho Filho, corroborando o entendimento de Hely

Lopes Meirelles, critica o posicionamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, haja

vista que esta considera servidores públicos os empregados das entidades privadas

da Administração Indireta, ou seja, as empresas públicas, sociedades de economia

mista e fundações públicas de direito privado. O aludido autor, sustenta ainda que os

empregados destas entidades são sempre regidos pelo regime celetista ou

trabalhista, integrando a categoria que estiver vinculada à entidade.34

2. CLASSIFICAÇÃO

Segundo José Maria Pinheiro Madeira, os servidores públicos, conforme

conceituado acima, compreendem dois tipos de classificação.35

A primeira classificação divide os servidores públicos em civis e militares.

De acordo com entendimento daquele doutrinador – não obstante a CRFB/88 ter,

com a alteração introduzida pela Emenda Constitucional n° 18 de 1998, substituído a

expressão “servidores públicos civis” por “servidores públicos”, e “servidores

públicos militares” por “Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”,

incluindo os servidores Federais no capítulo das Forças Armadas – todos são

servidores públicos em sentido lato, haja vista que estão vinculados mediante

relação de trabalho às entidades federativas.

Nesse diapasão, são servidores públicos civis aqueles que têm suas

normas traçadas pela Constituição Federal em seus artigos 39 a 41.

São servidores públicos militares aqueles de que trata o art. 42 da CF, ou

seja, os membros da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros dos Estados, do Distrito

Federal e dos Territórios, bem como os descritos no art. 142 da CF, os militares das

Forças Armadas, assim compreendidos os integrantes da Marinha, do Exército e da

33 DI PIETRO apud MADEIRA, José Maria Pinheiro. Servidor público na atualidade. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2006, p.

34 CARVALHO FILHO apud MADEIRA, op. cit, p. 20.

35 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Servidor público na atualidade. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2006, p. 21.

Aeronáutica.

A segunda classificação adotada pelo ilustre doutrinador é quanto à

espécie do vínculo jurídico que une o servidor ao Poder Público, e à natureza

dessas funções. Destarte, dividem-se os servidores públicos em: servidores sujeitos

ao regime estatutário, que são aqueles titulares de cargos públicos; servidores

regidos pelo regime trabalhista, contratados pelas pessoas jurídicas de direito

público (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, Autarquias e Fundações), que

são os empregados públicos; e os servidores temporários, amparados pelo art. 37,

IX, da Carta Política.

No mesmo sentido, manifesta-se Rinaldo Guedes Rapassi, citando Celso

Antonio Bandeira de Mello, para o qual os servidores se dividem em: servidores

titulares de cargos públicos da Administração Direta (autarquias fundações de direito

público da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios), assim como do

Poder Judiciário, e, na esfera administrativa, do Poder Legislativo; servidores

empregados das pessoas jurídicas de direito público, que se encontrem em situação

de vínculo empregatício ou porque admitidos para funções subalternas, modalidade

possível após a Emenda Constitucional 19/98; servidores contratados sob vínculo

trabalhista, a fim de atender a necessidades de interesse público, em caráter

excepcional, conforme o art. 37, IX, da CRFB/88; servidores remanescentes do

regime anterior à Constituição da República de 1988, em que se admitia

amplamente o regime de emprego; e servidores das pessoas jurídicas de direito

privado, tais como: empresas públicas, sociedade de economia mista e fundações

de direito privado, instituídas pelo Poder Público.36

3. SERVIDORES CELETISTAS E ESTATUTÁRIOS

No que tange ao regime jurídico que rege as relações trabalhistas dos

servidores públicos, é sabido que – após a Emenda Constitucional 19/98, que

modificou a redação do art. 37, caput, e alterou o conteúdo do art. 206, V, da

CRFB/88 – foi suprimida a obrigatoriedade de regime jurídico único para todos os

36 MELLO apud RAPASSI, op. cit, p. 71.

servidores públicos.

Destarte, o regime jurídico pode ser estatutário, celetista (regido pelas

normas da CLT) ou administrativo especial (temporário), contemplados no art. 37, IX,

da CRFB/88. Neste aspecto, cabe focalizar a diferenciação entre os regimes

celetista e estatutário, que se mostram relevantes para o estudo proposto.

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem adotar o

regime jurídico estatutário, sempre através de lei geral ou especifica para os titulares

de cargo público ou determinadas categorias profissionais. Podem, ainda, adotar o

regime celetista, sem, contudo, alterar a legislação do trabalho, pois tal competência

é da União, nos termos do art. 22, I, da CRFB/88.

Nesse contexto, estarão sujeitos, obrigatoriamente, ao regime jurídico

estatutário, os servidores que exercem atribuições exclusivas do Estado.37

Ao ver de Hely Lopes Meirelles – como já se mencionou – a categoria dos

servidores públicos envolve os servidores públicos e os empregados públicos. Os

servidores públicos estariam enquadrados no regime legal estatutário, ao passo que

empregados públicos seriam regidos pela CLT, submetidos a um regime contratual e

não legal estatutário, sendo certo que ambos devem prestar concurso público.38

Para José Maria Pinheiro Madeira, servidores públicos estatutários são

aqueles que se vinculam à Administração Pública direta, autárquica e fundacional

pública, sujeitos ao regime estatutário e ocupantes de cargo público.39

Esses servidores desempenham funções que exigem titularidade e

prerrogativas de autoridade própria do Estado, independência e segurança ínsita a

quem goza de estabilidade funcional e remuneração adequada.

Regime estatutário é o conjunto de normas regentes da relação jurídica

entre os servidores públicos estatutários e o Estado. Os servidores públicos

estatutários estão ligados à Administração Pública por um vínculo legal.

Já os servidores públicos celetistas ou trabalhistas, como prefere

denominar o renomado jurista, são aqueles ocupantes de emprego público e que

estão vinculados à Administração Pública por liame contratual e regidos pela

Consolidação das Leis do Trabalho. O regime trabalhista caracteriza-se pela

unicidade normativa, haja vista que as normas que regem o contrato de trabalho

37 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 393

38 MEIRELLES, apud MARTINS, op. cit, p. 20.

39 MADEIRA, op. cit, p. 22.

encontram-se num único diploma legal, a CLT.

A última espécie é a dos servidores públicos temporários que se ligam ao

Poder Público por tempo determinado, para o atendimento de necessidades de

excepcional interesse público, definidas em lei. Exercem função sem estarem

atrelados a cargos ou empregos públicos.

A Constituição Federal impôs três pressupostos para a admissão de

servidores temporários, quais sejam: a provisoriedade da contratação, a

necessidade temporária e a excepcionalidade do interesse público.

CAPÍTULO V – DIREITO DE GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO

1. EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR

O direito de greve dos trabalhadores privados é assegurado de maneira

ampla pela Carta Política de 1988, consoante os termos do seu art. 9º e parágrafos.

Porém, a aludida regra não se aplica aos servidores públicos, eis que, para estes, há

exigência de norma especifica, de acordo com o art. 37, VII, da CRFB/88.

Nesse ponto, vale observar que, na redação anterior à EC 19/1998, havia

exigência de lei complementar para o exercício regular do direito disciplinado pela

norma constitucional.

Todavia, a referida lei jamais foi editada, ensejando inúmeras demandas

judiciais, a fim de compelir o legislador a disciplinar o exercício daquela prerrogativa,

prevalecendo o entendimento majoritário no sentido de que o preceito incluso no art.

37, VII, da CRFB/88 é de eficácia limitada, e, diante da lacuna legislativa, o exercício

do direito é ilegal, tendo em vista que ainda não editada a lei regulamentadora a que

alude a Constituição da República.

Cabe registrar ainda, no foco dessa idéia, que manifestando-se a respeito

do assunto, quando do julgamento do Mandado de Injunção n° 20/DF, o Supremo

Tribunal Federal, tentando forçar o legislativo a editar a lei regulamentadora da

greve, limitou-se a comunicar a decisão ao Congresso Nacional, para que este

tomasse a iniciativa de legislar sobre o exercício do direito de greve pelos servidores

públicos civis.40, permanecendo contudo, a problemática em torno da questão.

Nessa conjuntura, em 04.06.1998, o Congresso Nacional editou a

Emenda Constitucional nº. 19, limitando-se a substituir a expressão lei

complementar por lei específica, permanecendo as discussões sobre a legalidade ou

ilegalidade do exercício do direito de greve dos servidores públicos civis.

Assim, enquanto o direito de greve pode ser exercido efetivamente pelos

trabalhadores da rede privada, porquanto a norma do art. 9º da CRFB/88 é de

40 VELLOSO, Carlos Mario da Silva. A greve no serviço público. In: FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa Franco Filho

(coord.). Curso de direito coletivo do trabalho (estudos em homenagem ao Ministro Orlando Teixeira da Costa). São Paulo:

LTR, 1998, p. 564.

eficácia plena, de aplicabilidade imediata, mesmo sem norma ulterior que

regulamente seu exercício, os servidores públicos civis não gozam daquele direito,

visto que estão sujeitos à regra do art. 37, VII, da Constituição da República, que, no

tocante a sua eficácia, suscita divergências doutrinárias e jurisprudenciais.41

2. A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº. 19/1998

A Emenda Constitucional nº. 19/1998, introduziu nova redação no art. 37,

VII, da CRFB/88, que não mais condiciona o exercício do direito de greve à edição

de lei complementar, mas, de lei específica. Nesse viés, conclui-se que, enquanto

não for editada a referida lei, o exercício de tal direito se afigura ilegal, eis que não

regulamentado.

Faz-se imperioso observar, porém, que alguns autores, como, por

exemplo, Carlos Henrique Bezerra Leite, sustentam a aplicação analógica da Lei de

Greve (Lei n° 7.783/1989) a fim de reger o exercíci o do direito em foco pelos

servidores públicos civis, enquanto não se aprova uma lei específica sobre a

matéria, o que vem causando conflitos tanto na doutrina como na jurisprudência.42

A polêmica travada, a respeito da possibilidade ou não dessa aplicação

analógica extensiva da Lei de Greve, gravita em torno do requisito incluso em seu

art. 16, que exige lei complementar – e não apenas lei específica – para o exercício

pleno do direito pelos mencionados servidores.

Na atual conjuntura, consoante a redação do art. 37, VII, da CRFB/88,

atribuída pela EC 19/1998, parte dos juristas entende que a referida disposição (art.

16 da Lei 7.783/1989) está revogada, porque incompatível com a ordem

constitucional vigente, que passou a exigir tão só lei especifica.

Outro segmento da doutrina, contrariamente, sustenta que aquela norma

de lei ordinária foi recepcionada pela CRFB/88, sendo, formal e materialmente,

41 VELLOSO, Carlos Mario da Silva. A greve no serviço público. In: FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa Franco Filho

(coord.). Curso de direito coletivo do trabalho (estudos em homenagem ao Ministro Orlando Teixeira da Costa). São Paulo:

LTR, 1998, p. 562.

42 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. A greve do servidor público após a emenda constitucional N. 19/1998. In: SANTOS, José

Ronald Cavalcante (coord.). O servidor público e a justiça do trabalho (estudos em homenagem ao Ministro Ronaldo José

Lopes Leal). São Paulo: LTR, 2005, p. 47.

compatível com o texto constitucional.43

Assim, para aqueles que defendem esta última tese, seria incabível a

discussão que se trava a respeito do assunto, haja vista que a Lei 7.783/89 pode,

perfeitamente, ser aplicada aos servidores públicos civis. Neste contexto, seria

dispensável futura interferência do legislador no que pertine à regulamentação da

matéria.

Na jurisprudência, em especial, registram-se decisões em ambos os

sentidos, sendo que, até bem pouco tempo, a maioria dos acórdãos proferidas pela

Suprema Corte (STF) se inclinavam no sentido de não permitir a aplicação da Lei de

Greve aos servidores públicos civis, principalmente nos chamados serviços

essenciais. Não obstante, decisões recentes apontam para um novo entendimento.

3. A GREVE NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

Como já dito anteriormente, a jurisprudência do STF acenava na direção

de que o direito de greve do servidor público estava ainda a depender de lei, antes

complementar, agora específica, nos termos do art. 37, VII, da Constituição da

República.

O Excelso Pretório, quando vigorava a redação original do inciso VII do

art. 37 da Carta Magna, adotou o seguinte entendimento:

Insuficiência de relevo de fundamentação jurídica em exame cautelar, da argüição de inconstitucionalidade de decreto estadual que não está a regular como propõem os requerentes o exercício do direito de greve pelos servidores públicos; mas a disciplinar uma conduta julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal, até que venha a ser editada a lei complementar prevista no art. 37, VII, da Carta de 1988 – M.I. n. 20, sessão de 19.05.1994. (STF-TP, ADIN n. 1306-BA, Rel. Min. Octavio Galloti, Requerentes: Partido dos Trabalhadores – PT e outros; Requerido: Governador do Estado da Bahia, julg. 30.06.1995, DJU 27.10.1995, p. 01806).

É bem de ver que o STF, já na vigência da EC 19/98, decidiu que o direito

de greve do servidor público civil ainda continuaria a depender de regulamentação,

conforme se depreende da seguinte ementa de acórdão:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.

43 BRAMANTE apud. LEITE, op. cit, p.48.

PORTARIA Nº. 1.788, DE 25.08.98, DA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. Texto destinado à regulamentação do estágio probatório, que se acha disciplinado pelo art. 20 da Lei nº. 8.112/90, com a alteração do art. 6º da EC nº. 19/98 e, por isso, insuscetível de ser impugnado pela via eleita. Inviabilidade, declarada pelo STF ( MI nº.20, Min. Celso de Mello), do exercício do direito de greve, por parte dos funcionários públicos, enquanto não regulamentada, por lei, a norma do inc. VII do art. 37 da Constituição. Não-conhecimento da ação (STF-TP, ADI-1880-DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, julg. 09.09.1998, DJ 27.11.1998, p. 7).

Importa salientar que em momento nenhum a Suprema Corte fez

distinção entre servidor público estatutário e servidor público celetista.

Nesse aspecto, é mister trazer à colação a disparidade de entendimentos

adotados pelo TST e pelo STJ.

No âmbito do TST, a jurisprudência da Seção de Dissídios Coletivos –

SDC, mesmo na vigência da EC 19/98, continuou apregoando que o direito de greve

para o servidor público sob o regime celetista estaria ainda a depender de lei

específica e, enquanto esta não fosse editada, o movimento grevista seria ilegal. É o

que deflui do seguinte julgado:

SERVIDOR PÚBLICO REGIDO PELA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. GREVE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA APRECIAR A LEGALIDADE DA GREVE. É a Justiça do Trabalho competente para decidir quanto à legalidade de greve de servidor público regido pela legislação trabalhista. O servidor público, mesmo regido pela legislação trabalhista, não pode exercitar o direito de greve, pois ainda não existe a lei específica prevista no art. 37, VII, da Constituição Federal (TST RODC 614621/1999, Ac. SDC, Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula, Recorrente: Ministério Público do Trabalho da 2ª Região; Recorridos: Sindicato dos Médicos de São Paulo e do Município de Carapicuíba, DJ 24.05.2001, p. 81).

Já no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, o entendimento majoritário,

mesmo antes da Emenda Constitucional n° 19/98, cons agrava que o direito de greve

do servidor público estatutário poderia ser exercitado amplamente enquanto não

fosse regulamentado o inciso VII do art. 37 da Constituição.

A única restrição apontada pelo STJ dizia respeito ao pagamento dos dias

de paralisação, como se infere dos seguintes arestos:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROFESSORES ESTADUAIS. GREVE. PARALISAÇÃO. DESCONTO DE VENCIMENTOS. O direito de greve assegurado na Carta Magna aos servidores públicos, embora pendente de regulamentação (art. 37, VII), pode ser exercido, o que não importa na paralisação dos serviços sem o conseqüente desconto da remuneração relativa aos

dias de falta ao trabalho, à mingua de norma infraconstitucional definidora do assunto. Recurso desprovido (STJ ROMS 2873/SC, Ac. 6ª T. 1993/0009945-0, Relator Min. Vicente Leal, julg. 24.06.1996, DJ 19.08.1996, 28499).

DIREITO DE GREVE. SERVIDOR PÚBLICO. POSSIBILIDADE DO EXERCICIO, INDEPENDENTEMENTE DA REGULAMENTAÇÃO PREVISTA NO ART. 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. No caso dos autos, não se pode discutir a questão do desconto nos vencimentos, porque não há certeza de que as faltas procedam tão-somente da greve. Fatos complexos que escapam ao exercício do ‘mandamus’. Embargos declaratórios com finalidade de prequestionamento. Descabida a multa. Recurso parcialmente provido (STJ ROMS 2673/SC, Ac. 6ª T. 1993/0007484-9, Rel. Min. José Cândido de Carvalho Filho, julg. 19.10.1993, DJ 22.11.1993).

A discrepância de concepções entre os Tribunais Superiores está a

revelar que os servidores públicos estatutários encontram-se em posição de

vantagem em relação aos servidores públicos celetista. Isso porque o STJ admite,

para os primeiros – estatutários – o livre exercício do direito de greve, enquanto o

TST, para os outros – celetista – considera tal direito ilegítimo, por falta de lei

específica que o regulamente.

É de se destacar que esta disparidade não deixa de ser um paradoxo,

porque o regime celetista, disciplinado pela Consolidação das Leis do Trabalho,

mostra-se mais propício a admitir a aplicação analógica da atual Lei de Greve do

que o regime estatutário, desprovido de caráter contratual e instituído

unilateralmente pelo Estado para reger as relações com seus servidores.

4. SITUAÇÃO ATUAL

Atualmente, o exercício do direito de greve dos servidores públicos

continua sem regulamentação, pois o legislador permanece inerte no sentido de

editar a lei específica a que alude o art. 37, VII, da CRFB/88.

Cite-se, neste passo, o entendimento exarado, quando o STF conheceu

do pedido de Mandado de Injunção n° 20/DF, em 01.05 .1994, pelo Ministro Celso de

Mello, que declarou ilegal o exercício do direito, em razão da exigência

constitucional, que à época ainda era de lei complementar.44

Posteriormente, também se conheceu do pedido de Mandado de Injunção

n° 485-4/MT, no qual o Ministro Mauricio Correa se pronunciou no sentido da

ilegalidade da greve dos servidores públicos, salientando a impossibilidade da

aplicação analógica da Lei 7.783/89 (Lei de Greve), como forma de suprir a lacuna

deixada pelo legislador.45

Cumpre registrar que já houve várias tentativas, mediante projetos de lei,

no sentido de regulamentar o direito de greve dos servidores públicos, eis que a

matéria é ensejadora de intensa controvérsia. Todavia, até a presente data, nenhum

deles foi levada a cabo.

Resta, porém, salientar, que recentemente o STF apreciou os Mandados

de Injunção n°. 712/PA e 670/ES, nos quais demonstr ou a tendência de modificar

seu entendimento, reconhecendo a possibilidade de aplicação analógica da Lei de

Greve (7.783/89) aos servidores públicos civis, enquanto não editada a norma

especifica a que se refere à Constituição Federal.

Desta forma, após longo tempo de discussão a respeito da possibilidade

ou não do exercício do direito de greve do servidor público, o Supremo Tribunal

Federal, no dia 25 de outubro de 2007, reconheceu, por unanimidade, a omissão

legislativa quanto ao dever constitucional em editar lei que regulamente o direito de

greve dos servidores públicos.

Ficando ainda decidido, por maioria, que seja aplicada por analogia, no

que couber, a Lei n. 7.783 de 28 de junho de 1.989, para nortear o exercício do

direito de greve previsto no art. 37 inciso VII da Constituição Federal de 1988, há

tanto tempo reclamado pelas organizações sindicais de diversos setores da

administração pública.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu hoje (25), por unanimidade, declarar a omissão legislativa quanto ao dever constitucional em editar lei que regulamente o exercício do direito de greve no setor público e, por maioria, aplicar ao setor, no que couber, a lei de greve vigente no setor privado (Lei n. 7.783/89). Da decisão divergiram parcialmente os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que estabeleciam condições para a utilização da lei de greve, considerando a especificidade do setor público, já que a norma foi feita visando o setor privado, e limitavam a decisão às categorias representadas pelos sindicatos requerentes. A decisão foi tomada no julgamento dos Mandados de Injunção

44 VELLOSO, op. cit, p. 563-564.

45 RAPASSI, Rinaldo Guedes. Direito de greve de servidores públicos. São Paulo: LTR, 2005, p.99

(Mls) 670, 708 e 712, ajuizados, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindpol), pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa (Sintem) e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará (Sinjep). Os sindicatos buscavam assegurar o direito de greve para seus filiados e reclamavam da omissão legislativa do Congresso Nacional em regulamentar a matéria, conforme determina o artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal. No julgamento do MI 712, proposto pelo Sinjep, votaram com o relator, ministro Eros Grau, - que conheceu do mandado e propõs a aplicação da Lei 7.783 para solucionar, temporariamente, a omissão legislativa -, os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence (aposentado), Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Cezar Peluso e Ellen Gracie. Ficaram parcialmente vencidos os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que fizeram as mesmas ressalvas no julgamento dos três mandados de injunção. Na votação do Ml 670, de autoria do Sindpol, o relator originário, Maurício Corrêa (aposentado), foi vencido, porque conheceu do mandado apenas para cientificar a ausência da lei regulamentadora. Prevaleceu o voto-vista do ministro Gilmar Mendes, que foi acompanhado pelos ministros Celso de Mello, Sepúlveda Pertence (aposentado), Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia, Cezar Peluso e Ellen Gracie. Novamente, os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio ficaram parcialmente vencidos. Na votação do Mandado 708, do Sintem, o relator, ministro Gilmar Mendes, determinou também declarar a omissão do Legislativa e aplicar a Lei 7.783, no que couber, sendo acompanhado pelos ministros Cezar Peluso, Cármen Lúcia, Celso de Mello, Carlos Britto, Carlos Alberto Menezes Direito, Eros Grau e Ellen Gracie, vencidos os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio. Ao resumir o tema, o ministro Celso de Mello salientou que "não mais se pode tolerar, sob pena de fraudar-se a vontade da Constituição, esse estado de continuada, inaceitável, irrazoável e abusiva inércia do Congresso Nacional, cuja omissão, além de lesiva ao direito dos servidores públicos civis - a quem se vem negando, arbitrariamente, o exercício do direito de greve, já assegurado pelo texto constitucional -, traduz um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República". Celso de Mello também destacou a importância da solução proposta pelos ministros Eros Grau e Gilmar Mendes. Segundo ele, a forma como esses ministros abordaram o tema "não só restitui ao mandado de injunção a sua real destinação constitucional, mas, em posição absolutamente coerente com essa visão, dá eficácia concretizadora ao direito de greve em favor dos servidores públicos civls?"46.

Em síntese, o Ministro Celso de Mello, salientou que:

“não mais se pode tolerar, sob pena de fraudar-se a vontade da Constituição, esse estado de continuada, inaceitável, irrazoável e

46 http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=75355. <acesso em 15/01/2009>.

abusiva inércia do Congresso Nacional, cuja omissão, além de lesiva ao direito dos servidores públicos civis - a quem se vem negando, arbitrariamente, o exercício do direito de greve, já assegurado pelo texto constitucional -, traduz um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República.”

Percebe-se, então, que o STF, no decorrer dos anos, flexibilizou o seu

entendimento no sentido de dar ao Mandado de Injunção a eficácia vislumbrada pelo

legislador constituinte originário, tendendo à aplicação da tese concretista, como se

depreende da análise dos documentos acima transcritos.

Nesse passo, importa tecer algumas considerações a respeito do

mandado de injunção, visto que necessário para melhor elucidação do tema.

O art. 5º, LXXI, da CF dispõe: “conceder-se-á mandado de injunção

sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos

e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à

soberania e à cidadania”.

O mandado de injunção, de que trata o artigo supramencionado, é uma

ação constitucional que visa à regulamentação de determinada norma da

Constituição Federal quando os poderes competentes para tal quedam-se inertes.

A idéia do legislador originário, no que tange à eficácia do mandado de

injunção, foi no sentido de prever um instrumento capaz de oferecer solução

concreta para a lide em discussão, quando se tratasse de ausência de norma

regulamentadora.

Desta forma, cumpre, ainda, trazer à baila as correntes concretista e não

concretista do mandado de injunção, a seguir explicitadas.

A corrente concretista, por sua vez, divide-se em geral e individual, sendo

que a concretista individual se divide em direta e intermediária.

Anote-se que pela posição concretista, presentes os requisitos

constitucionais para o mandado de injunção, o Poder Judiciário, por meio de uma

decisão constitutiva, declara a existência da omissão administrativa ou legislativa e

implementa o exercício do direito, constitucionalmente assegurado, até que

sobrevenha norma regulamentadora através do Poder competente. Esta posição

divide-se em geral e individual.47

Pela corrente concretista geral, a decisão proferida pelo Judiciário tem

47 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2001, p. 185.

efeitos erga omnes, e o direito será implementado, através de normatividade geral,

até que a omissão seja suprida pelo Poder competente.

Porém, este posicionamento é pouco aceito pela doutrina, eis que, ao se

atribuir efeitos erga omnes a esta decisão injuntiva, o juiz ou tribunal estaria

usurpando a competência do Poder Legislativo, o que se revela incompatível com o

princípio da separação dos Poderes.

Já para a corrente concretista individual, a decisão proferida pelo juiz ou

tribunal somente surtirá efeitos para a parte litigante, que poderá, assim, exercer

livremente o direito, liberdade ou prerrogativa prevista na norma constitucional.

Assim, salienta o professor J.J. Canotilho:

O mandado de injunção não tem por objeto uma pretensão a uma emanação, a cargo do juiz, de uma regulação legal complementadora com eficácia erga omnes. O mandado de injunção apenas viabiliza, num caso concreto, o exercício de um direito ou liberdade constitucional perturbado pela falta parcial de lei regulamentadora. Se a sentença judicial pretendesse ser uma normação com valor de lei, ela seria nula (inexistente) por usurpação de poderes.48

No Supremo Tribunal Federal, essa corrente se divide em individual direta

e individual intermediária.49

Para os defensores da primeira, ao julgar o mandado da injunção, o

Poder Judiciário atribui eficácia imediata à norma constitucional.

Para a segunda, após o julgamento do mandado de injunção, fixa-se o

prazo de 120 dias para o Congresso Nacional elaborar a norma regulamentadora do

direito, e, se, findo o prazo, este permanece inerte, o Poder Judiciário deve

estabelecer condições para o exercício do direito por parte do autor.

Resta, por fim, salientar o posicionamento dos adeptos da corrente não

concretista, adotada pelo Supremo Tribunal Federal, que se inclina no sentido de

atribuir ao mandado de injunção a finalidade específica de reconhecer formalmente

a inércia do Poder Público em editar a norma regulamentadora do direito

constitucional.

Assim, não há falar-se em decisão que efetive de imediato o direito

pleiteado, mas somente deverá ser dada ciência ao Poder competente para editar a

norma faltante.

48 CANOTILHO apud MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2001, p. 186.

49 MORAES, op. cit., p. 187.

Verifica-se, in tempo, que o entendimento firmado pela Suprema Corte é

no sentido de que não pode o mandado de injunção suprir a falta da norma, pois,

caso isto ocorra, o juiz estaria legislando, ferindo sobremaneira o pacto federativo da

separação dos Poderes, insculpido no art. 2º da CRFB/88.

Todavia, a premissa utilizada pelo STF revela-se discutível, eis que a

decisão do juiz na via difusa não é genérica, abstrata, erga omnes. É interpartes,

específica e concreta. Neste sentido, resta induvidoso que o magistrado não estaria

legislando.

Permitir tal interpretação seria o mesmo que afirmar que, quando existe

lacuna na lei e o juiz decide de acordo com a analogia, os costumes ou os princípios

gerais do direito, com a finalidade de resolver o caso concreto, ele estaria legislando.

E é evidente que isso não ocorre.

Por tais razões, chega-se à conclusão de que o posicionamento do

Supremo é, no mínimo, questionável; tem um viés político, a fundamentação é

política e juridicamente parece não ter respaldo.

Então, com o entendimento firmado pela Corte Suprema, verifica-se que

os efeitos do mandado de injunção são idênticos aos efeitos da ação de

inconstitucionalidade por omissão, ou seja, nele a única coisa que o juiz pode fazer é

dar ciência ao Poder competente quanto à falta da norma, vale dizer, nenhum dos

dois resolve o problema, pois o STF reduziu substancialmente o alcance do

mandado de injunção.

Por todo o exposto, infere-se que a inexistência de uma norma

regulamentadora vai tornar inviável o exercício de certo direito quando se estiver

diante de uma norma constitucional de eficácia limitada.

Observa-se, ainda, que há semelhança entre o mandado de injunção e a

ação de inconstitucionalidade por omissão, pois, tanto em um quanto na outra o que

se quer é viabilizar o exercício de um direito, mas, este se revela inócuo, porque

falta uma lei regulamentadora que o legitime.

Porém, conforme já explicitado, o mandado de injunção é um remédio

legal que se destina a garantir o exercício dos direitos e liberdades constitucionais:

cidadania, nacionalidade, soberania. Cogitasse, portanto, de uma via difusa.

Trata-se de um incidente processual, ou seja, o pedido é o direito

concreto que se quer atingir. A inconstitucionalidade na via difusa não é o objeto da

ação, é um incidente processual, só faz parte da causa de pedir.

No mandado de injunção, a inconstitucionalidade se dá pela via incidental

e a decisão é interpartes, específica e concreta. Donde se depreende que o juiz,

nessa hipótese, não estaria legislando, mas proferindo uma decisão restrita a

determinada lide. Os efeitos antes aduzidos são distintos dos atinentes à lei, cujas

características são: generalidade, abstração e efeitos contra todos, razão pela qual,

na ação de inconstitucionalidade por omissão, o Judiciário não poderia suprir a falta

da norma.

Desta forma, do exame dessas últimas manifestações do Excelso

Pretório, o que se verifica é que o sustentáculo para aplicação da tese concretista

encontra, outrossim, respaldo no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, bem

como no art. 126 do Código de Processo Civil.

Na prática, o que se pode notar é que, para resolver os casos que lhe são

apresentados, o magistrado procura dentro do ordenamento jurídico, dentro da

sistemática do direito, a lei que deve ser aplicada à hipótese sub judice. Segundo

Silvio Rodrigues, esta é a premissa maior, e, partindo dela, o juiz aplicará a lei ao

caso concreto.50

Todavia, muitas vezes, o juiz não encontra na legislação positiva a norma

a ser aplicada ao caso concreto, porque o legislador, por mais astuto que seja, não é

capaz prever todos os casos que podem surgir nas relações entre os indivíduos.

Contudo, o juiz está obrigado a decidir a lide, tendo em vista a

possibilidade de, não o fazendo, causar dano à ordem social.

Desse modo, resta evidenciado que cabe ao Estado, através do Poder

Judiciário, solucionar os litígios que porventura venham a ocorrer, não podendo

eximir-se de tal dever, consoante o disposto no art. 4º da LICC.

Decidir por analogia significa afirmar que serão adotadas, para as

hipóteses imprevistas, as mesmas soluções oferecidas pelo legislador para os casos

semelhantes. A analogia traz em si a idéia de que, onde há a mesma razão de fato,

aplica-se a mesma regra de direito.

Caso não seja encontrada a solução para a lide através da analogia, deve

o magistrado recorrer aos costumes, vale dizer, aos usos consagrados numa

coletividade e considerados por ela como obrigatórios. São práticas reiteradas e

uniformes, as quais irão gerar, naquela coletividade, o sentimento de

50 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 20.

obrigatoriedade.

Se, ainda assim, o juiz não solucionar a lide, deve, então, recorrer aos

princípios gerais do direito, que são aquelas normas orientadoras da vida do homem

em sociedade, baseadas na observação sociológica.

Ora, se, diante da inexistência de uma lei aplicável à espécie, o

magistrado deve decidir de acordo com a analogia, os costumes e os princípios

gerais do direito – não podendo deixar de sentenciar ou despachar alegando lacuna

ou obscuridade – o mesmo raciocínio há de ser aplicado ao servidor público civil, no

que tange ao direito de greve, sem que isso signifique violação do pacto federativo,

insculpido na Carta vigente, conforme insistem em defender alguns doutrinadores.

A imperfeição do direito legislado impõe que o juiz decida sobre o caso

não previsto, servindo-se do método de auto-integração do ordenamento jurídico. Na

hipótese em questão, é perfeitamente aceitável que se estenda, aos servidores

públicos civis, o tratamento legal dispensado aos trabalhadores do setor privado.

Tal procedimento deve-se entender como utilização correta da analogia

legis, que – diferentemente da analogia juris – pressupõe a existência de uma norma

aplicável ao caso não previsto pelo legislador, levando sempre em consideração a

realidade social e o equilíbrio dos interesses em conflito.

Insta frisar, do exame de todas as legislações ora referidas, o que

sobressai é a tendência inarredável de se conferir ao servidor público civil o direito

de greve, porque a sua negação denotaria uma postura discriminatória, um

preconceito odioso. Deve-se cuidar tão-somente de ajustar as normas vigentes para

o setor privado às especificidades do setor público.

Nesse processo de ajustamento, há de se levar em conta, precipuamente,

o legítimo interesses da população afetada pela greve, sobretudo no caso de

comprometer a execução de serviço essencial. “Quando o serviço é essencial – diz

José dos Santos Carvalho Filho – deve o Estado prestá-lo na maior dimensão

possível, porque estará atendendo diretamente as demandas da coletividade”.51

O colapso na prestação de serviço essencial, decorrente de greve

empreendida por agentes do Estado, constitui um fato desastroso e, em

conseqüência, intolerável, razão pela qual deverá ser obstaculizado em qualquer

sistema legal que venha a assegurar o direito de paralisação coletiva do trabalho 51 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005, p. 234.

àqueles agentes.

A aplicação dos dispositivos da Lei 7.783/1989 à greve dos servidores

estatais é um caminho lógico a ser cogitado, a exemplo da solução que se adotou na

França, em situação idêntica. Mas não se pode prescindir da formulação de normas

específicas sobre esse tipo de greve, que, invariavelmente, prejudica a rotina de vida

das pessoas em geral.

CONCLUSÃO.

Por todo o exposto, resulta clara a idéia de que o direito de greve do

servidor público civil, a que se refere o art. 37, VII, da Constituição da República,

constitui uma garantia fundamental do cidadão, inclusa no rol dos direitos sociais.

Trata-se, conseqüentemente, de prerrogativa inata, absoluta, inviolável e

imprescritível.

Verifica-se, ainda, que o instituto jurídico da greve corresponde a um

direito de primeira, segunda e terceira geração, eis que compreende, a um só

tempo, os ideais da liberdade clássica, da igualdade, em seus aspectos econômicos,

sociais e culturais, e da fraternidade, tendo em vista os interesses coletivos.

Ocorre que a previsão constitucional do aludido direito, em relação aos

servidores públicos civis, revela-se inconsistente, pouco incisiva, tornando discutível

o seu exercício, ante a necessidade de regulamentação por lei específica e da

inércia do Poder Legislativo no sentido de atender ao que dispõe o art. 37, VII, da

CRFB/88.

Em razão disso, tem sido comum a deflagração de greves de servidores

públicos por todo o país, mesmo diante da constatação de que seu exercício afronta

o disposto na Lex Legum, vez que não há qualquer instrumento normativo a

estabelecer parâmetros seguros acerca das condições mediante as quais os

movimentos grevistas podem ser levados a efeito.

Por outro lado, até bem pouco tempo, o Supremo Tribunal Federal vinha

decidindo no sentido de que o Judiciário não poderia legitimar o exercício daquele

direito, sob pena de lesionar o princípio da separação dos Poderes, inscrito no art. 2º

da Constituição, e transgredir o pacto federativo, a que alude o art. 60, § 4º, III, do

mesmo diploma legal.

Todavia, esse entendimento se modificou de acordo com o que se

depreende do julgamento, dos Mandados de Injunção n°s 670/ES, 708/PB e 712/PA,

onde, no dia 25 de outubro de 2007, o Supremo Tribunal Federal, reconheceu, por

unanimidade, a omissão legislativa quanto ao dever constitucional em editar lei que

regulamente o direito de greve dos servidores públicos.

Ficando ainda decidido, por maioria, que seja aplicada por analogia, no

que couber, a Lei n. 7.783 de 28 de junho de 1.989, para nortear o exercício do

direito de greve previsto no art. 37 inciso VII da Constituição Federal de 1988, há

tanto tempo reclamado pelas organizações sindicais de diversos setores da

administração pública.

O suporte para tais decisões encontra-se nos arts. 4º da Lei de Introdução

ao Código Civil e 126 do Código de Processo Civil, que dispõem sobre a

impossibilidade de o magistrado alegar lacuna ou obscuridade na lei, como

justificativa para não decidir questão sub judice, devendo, sempre que necessário,

recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito para a solução

dos litígios.

Aliás, não seria justo, na atual conjuntura, penalizar os servidores

públicos, impedindo os de exercitar um de seus direitos fundamentais, por ausência

de regras que disciplinem o seu exercício, vale dizer, por circunstância que

independe de sua vontade. Ainda mais que o direito de greve, no caso, envolve a

limitação do arbítrio do Poder estatal.

A ilegalidade não é de quem exercita o direito em face da lacuna do

sistema legal, mas do Poder Legislativo, vale dizer, do Congresso Nacional, que,

passados 21 anos incompletos promulgação do Texto Constitucional, até hoje não

cumpriu o dever, que lhe é inerente, de produzir um documento que atenda à

exigência do art. 37, VII, da Constituição.

Embora louvável o entendimento da Suprema Corte nos três Mandados

de Injunção supracitados – tendendo a suprir a falta de norma regulamentadora do

direito em comento – não deixa de ser imperiosa a edição da lei especifica a que se

refere o texto constitucional

Isso porque há peculiaridades inerentes ao serviço público que não se

coadunam com as regras estabelecidas, ex vi da Lei 7.783/89, para o exercício do

direito de greve no setor privado, sobretudo no que diz respeito à continuidade dos

serviços públicos essenciais.

O Estado presta serviços basicamente voltados para a coletividade. E

uma das características mais relevantes desses serviços é, justamente, a sua

regularidade, que não admite quaisquer interrupções. Nesse sentido, os artigos 10

ao 13 da precitada Lei 7.783/89 se mostram insuficientes, ou mesmo inadequados,

para disciplinar eventuais paralisações na prestação de serviços públicos essenciais

por motivo de greve.

Daí a necessidade de se legislar a respeito do assunto, apesar da

tendência manifestada pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de considerar

legítimo o direito de greve dos servidores públicos civis, submetendo-o à regência da

Lei de Greve atualmente em vigor, originariamente editada para disciplinar, apenas,

o exercício daquele direito no setor privado.

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