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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ RICCIERI FERRARI LANDUCHE PUNITIVE DAMAGES NO BRASIL, LIMITES E PERSPECTIVAS CURITIBA 2014

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

RICCIERI FERRARI LANDUCHE

PUNITIVE DAMAGES NO BRASIL, LIMITES E PERSPECTIVAS

CURITIBA

2014

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RICCIERI FERRARI LANDUCHE

PUNITIVE DAMAGES NO BRASIL, LIMITES E PERSPECTIVAS

Monografia apresentada como trabalho de conclusão ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Profª.Drª.Thais G. Pascoaloto Venturi

CURITIBA

2014

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TERMO DE APROVAÇÃO

RICCIERI FERRARI LANDUCHE

PUNITIVE DAMAGES NO BRASIL, LIMITES E PERSPECTIVAS

Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do título de Bacharel no curso de Bacharelado em Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, 09 de Dezembro de 2014.

_____________________________________________

Bacharelado em Direito Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador(a): Professora Doutora Thaís Goveia Pascoaloto Venturi Direito das Relações Sociais – UFPR Professor Especialista Jefferson Grey Sant’anna Master Of Business Administration MBA – FGV Professor Especialista Marcos Aurélio de Lima Júnior Especialização em Direito Civil – UTP _______________________________________________

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RESUMO

O presente estudo de conclusão de curso tem por escopo investigar o instituto do punitive damages, de origem dos sistemas common law e como é aplicado no ordenamento jurídico brasileiro, de orientação civil law. A pesquisa fundamentalmente bibliográfica se explica pela necessidade de se ponderar sobre o papel jurídico que o instituto vem cumprindo no Brasil. Alguns aspectos positivos e negativos são elencados na aplicação em solo pátrio. Ademais, o trabalho mostra a dificuldade do cálculo do dano moral, e a importância do magistrado na averiguação e aplicação do valor indenizatório a vitima. Ao investigar se o instituto dos punitive damages atende as necessidades de responsabilização civil dos agentes causadores de danos concluiu-se que o instituto precisa ser legislado a fim de estabelecer critérios, hipóteses, condições e limites de atuação de sua função. Apesar da verificada resistência de boa parte da doutrina e da jurisprudência contra o caráter punitivo da responsabilidade civil, não se pode desconsiderar o potencial dos punitive damages. Palavras Chaves: Punitive Damages. Commow Law. Dano Moral. Juiz.

Responsabilidade civil. Indenização.

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SUMÁRIO

1INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 05 2 NOÇÕES ESSENCIAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL...................................07 2.1 OBRIGAÇÃO E RESPONSABILIDADE ..................................................................... 07 2.2 APONTAMENTOS HISTÓRICOS ............................................................................... 09 2.3 PRESSUPOSTOS ......................................................................................................... 12 2.3.1 Conduta ........................................................................................................................ 13 2.3.2 Dano .............................................................................................................................. 14 2.3.3 Nexo de Causalidade ................................................................................................ 14 3 O DANO: APONTAMENTOS ESSENCIAIS ................................................................ 18 3.1 CONCEITUAÇÃO .......................................................................................................... 18 3.2 DANO PATRIMONIAL E EXTRAPATRIMONIAL ..................................................... 20 3.3 DANO À PESSOA E AS COISAS ............................................................................... 23 4 OS PROBLEMAS NA FIXAÇÃO DO DANO MORAL ................................................ 27 5 A DOUTRINA DO PUNITIVE DAMAGES..................................................................... 35 5.1 APONTAMENTOS HISTÓRICOS ............................................................................... 35 5.2 ASPECTOS ESSENCIAIS ACERCA DO PUNITIVE DAMAGES .......................... 38 5.3 A APLICAÇÃO DA FUNÇÃO PUNITIVO-PEDAGÓGICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ..................................................................................................... 40 5.4 PUNITIVE DAMAGES, LIMITES E PERSPECTIVAS EM SOLO PÁTRIO. ......... 47 6CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 55 REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 58

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1 INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil é um tema por demais relevante do Direito Civil, uma

vez que dispõe sobre a reparação e compensação de danos patrimoniais e

extrapatrimoniais, na constante busca pela harmonização da sociedade.

Os comportamentos em sociedade podem ofender direitos alheios e gerar

danos, dos quais surgem a responsabilidade e o dever de indenizar.

A função da responsabilidade civil é pensada à luz da reparação do dano.

Contudo, muitas vezes, não é possível reparar e restabelecer ao status quo

ante.Busca-se então, ressarcir o prejuízo compensando a lesão sofrida por meio de

um valor pecuniário equivalente1.

A vítima, portanto, é colocada como o centro do sistema da responsabilidade

civil brasileira e ainda, nos últimos tempos surgiu a necessidade de se pensar a

responsabilidade civil não só num viés reparatório, passando a ser imprescindível

que se pense num enfoque voltado para a prevenção do dano2.

Essa idéia preventiva vem representada pela figura dos punitive damages,

instituto proveniente do sistema common law, que é aplicado de forma tímida pelos

tribunais brasileiros e ademais, não se encontra legislado na doutrina pátria.

De acordo com a autora Paula Meira Lourenço, ao se falar nesse instituto no

ordenamento brasileiro, que é de orientação civil law, surge o receio de que, por

exceder o valor do dano, ocorra o enriquecimento indevido do ofendido, uma vez

que o montante pecuniário das indenizações decorrentes deste instituto no common

law é mais elevado que nos de orientação civil law3.

O presente estudo se propõe abordar esses e outros aspectos que envolvem

a problemática desse tema, qual seja, a implementação e perspectivas do instituto

no ordenamento jurídico brasileiro.

O estudo em questão se inicia através de uma análise da responsabilidade

civil no contexto atual da sociedade brasileira, passando pelas dimensões que os

danos assumem no Brasil. Também, um exame mais detido quanto aos danos

morais e os problemas que envolvem sua fixação. Afinal, para surgir a

responsabilidade civil é necessário a priori, um dano e uma pessoa para responder

1 ANDRADE, André Gustavo. Indenização Punitiva, 2014. p.06.

2 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, 2010. p.02.

3LOURENÇO, Paula Meira. A indenização punitiva e os critérios para sua determinação. Disponível

em: <http://www.stj.pt/ficheiros/coloquios/responsabilidadecivil_paulameiralourenco.pdf>. Acesso em 28 OUT. 2014.

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por ele.

Na sequência, o estudo lança um olhar sobre os pressupostos da

responsabilidade civil, culpa, dano e nexo causal entre a conduta do agente e o

dano. Culminando com o entendimento que não há um desestímulo a prática

delituosa e ao comportamento antissocial que deu ensejo ao dano. Isso porque as

reparações aplicadas não restabelecem o reequilíbrio jurídico almejado.

Em seguida, o trabalho passa a analisar a origem e as características das

indenizações punitivas, contextualizando seu aparecimento nos países de Common

law, com seu surgimento na Inglaterra e posteriormente sua adoção nos Estados

Unidos.

Realiza-se uma análise dos dois principais sistemas jurídicos em que o

mundo ocidental está dividido, common law e civil law, apontando em que medida

convergem e divergem. O intuito é perceber até que ponto o instituto dos punitive

damages, instituto alienígena, se adequam num ambiente jurídico de predominância

do civil law.

Em seguida, estende-se o exame para a implementação do instituto, à

realidade brasileira, desenvolvendo as problemáticas levantadas por sua adequação

ao sistema romano-germânico, culminando na análise punitiva dos danos morais

abrangendo a problemática das indenizações perante o enriquecimento do ofendido

e ausência de previsão legal.

Por meio de um breve exame jurisprudencial verificar-se-á casos em que

houve a aplicação dos danos punitivos no Brasil, percebendo o entendimento do

Superior Tribunal de Justiça. Ademais, avaliando-se prós e contras de sua utilização

no ordenamento jurídico brasileiro.

Nas considerações finais, pondera-se a respeito da necessidade de um

redimensionamento da responsabilidade civil. Retomando a importância de uma

possível ampliação de sua função reparadora em virtude de uma nova realidade

enfrentada nas casuísticas sociais bem como o papel do instituto dos punitive

damages nessa conformação social e jurídica que hoje se coloca.

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2 NOÇÕES ESSENCIAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1 OBRIGAÇÃO E RESPONSABILIDADE

A idéia de responsabilidade civil se relaciona com a noção de não se

prejudicar outrem. Define-se como a aplicação de medidas que obrigam a reparação

do dano causado, em razão de sua ação ou omissão4.

Na lição de Cavalieri Filho (2010), etimologicamente e no sentido jurídico, a

responsabilidade civil tem como escopo, a idéia de contraprestação, encargo e

obrigação. Contudo, ressalta o autor a importância de não confundir obrigação e

responsabilidade. A obrigação é sempre um dever jurídico originário, enquanto que

responsabilidade é um dever jurídico sucessivo consequente à violação do primeiro5.

Em Carlos Roberto Gonçalves (2011), obrigação é o vínculo jurídico que

confere ao credor o direito de exigir do devedor o cumprimento de determinada

prestação. Obrigação nasce de diversas fontes e deve ser cumprida livre e

espontaneamente6.

O mesmo autor nos ensina que a palavra responsabilidade tem sua origem na

raiz latina spondeo.7 Toda atividade que acarreta prejuízo traz consigo, como fato da

sociedade o problema da responsabilidade. Por meio dela, busca-se uma

4 Segundo o autor Rui Stoco: “A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da

palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana” (STOCO, 2007, p.114). No entendimento de Silvio Rodrigues: “A responsabilidade civil é a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam” (RODRIGUES, 2003, p. 6). O termo responsabilidade Civil, conforme a definição de De Plácido e Silva é: “Dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão, que lhe seja imputado, para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais, que lhe são impostas. Onde quer, portanto, que haja obrigação de fazer, dar ou não fazer alguma coisa, de ressarcir danos, de suportar sanções legais ou penalidades, há a responsabilidade, em virtude da qual se exige a satisfação ou o cumprimento da obrigação ou da sanção” (SILVA, 2010, p. 642). 5 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. rev. e ampliada. São Paulo:

Atlas, 2010, p.03. 6 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 4: responsabilidade civil – 6ª edição.

São Paulo: Saraiva, 2011, p.20. 7 “Pelaspondeo se vinculava o devedor, solenemente, nos contratos verbais do direito romano. Dentre

as várias acepções existentes, algumas fundadas na doutrina do livre-arbítrio, outras em motivações psicológicas, destaca-se a noção de responsabilidade como aspecto da realidade social” (GONÇALVES, 2011, P.19).

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restauração do equilíbrio tanto moral quanto patrimonial provocado pelo autor da

atividade danosa.

A fonte geradora da responsabilidade civil, conforme Carlos Roberto

Gonçalves é justamente o interesse em restabelecer a harmonia e o equilíbrio

violados8.

O autor Fernando Noronha (2013) explica que toda norma jurídica tem por

finalidade prevenir e resolver situações conflituosas entre os homens, com o intuito

de resguardar a sociedade das tensões que possam ameaçá-la.

Completa o mesmo autor, que a obrigação como dever jurídico comporta

duas acepções, uma ampla e outra restrita, ou técnica. Na concepção mais ampla, o

termo obrigação é colocado como sinônimo de dever jurídico, ou seja, imposição

cuja violação implica sanções organizadas pelo poder estatal. Contudo, se limita a

excluir do seu âmbito os deveres extrajurídicos, como religiosos, morais e sociais9.

O Direito das Obrigações disciplina essencialmente três coisas: as relações

de intercâmbio de bens entre as pessoas e de prestação de serviços (obrigações

negociais); a reparação de danos causados (responsabilidade civil geral) e nos

benefícios indevidamente auferidos com o aproveitamento de bens ou direitos de

outras pessoas, a sua devolução ao respectivo titular (enriquecimento sem causa)10.

Nesse sentido técnico, Carlos Roberto Gonçalves ensina que a obrigação

pode ser caracterizada fazendo referência à noção de relação jurídica, ou à de

situação jurídica, e à de vínculo jurídico. A mais simples, segundo ele, é a que parte

da noção de relação jurídica, que é um vínculo que, em circunstâncias que envolvem

duas ou mais pessoas, conferem as partes, poderes e deveres juridicamente

exigíveis11.

Com relação à noção de situação jurídica, substitui-se o termo relação pelo

termo situação. Mas, atenta o autor, haverá interesse em caracterizar a obrigação

em sentido técnico a partir da noção de situação jurídica? Existem situações

jurídicas e não jurídicas lembra Gonçalves (2011), sendo preferível, em sua ótica,

caracterizar a obrigação com referência à relação jurídica, porque esta é a noção

mais restrita e melhor delimitadora12.

8 GONÇALVES, 2011, p.20.

9 NORONHA, 2013, p.28.

10 _____, p.29.

11 GONÇALVES, 2011, p.23.

12Ibdem.

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As situações jurídicas podem ser unissubjetivas ou plurissubjetivas e somente

as segundas interessam, pois elas se designam de relações jurídicas,

caracterizando vínculos entre duas ou mais pessoas13.

O mesmo autor, pela via do vínculo jurídico define obrigação como vínculo

constituído entre duas ou mais pessoas, pelo qual uma (ou mais) deve realizar, em

benefício da outra (ou mais) uma prestação que é do interesse desta (ou destas).

2.2 APONTAMENTOS HISTÓRICOS

O anseio de que se obrigue o causador de um dano a repará-lo, inspira-se no

que há de mais elementar no sentido e sentimento de justiça. O dano causado

desequilibra a relação que existia entre o agente e a vítima. Nasce a necessidade

fundamental de se restabelecer esse equilíbrio, o que se busca fazer recolocando o

prejudicado no statu quo ante, como expõe o autor Sérgio Cavalieri Filho (2010).

Nos primórdios da civilização o homem se defendia das agressões sofridas

com suas próprias forças, com as quais reprimia as ameaças, em muitos casos era

auxiliado pelo grupo ao qual pertencia. A cada agressão movia-se o sentimento de

vingança pessoal. Prevalecia o sistema da pena privada, aplicada ao agressor pelo

próprio ofendido.A reparação do mal pelo mal14.

Quando esta fase é superada, o autor Alvino Lima (1999) explica que há uma

sucessão imposta pela Lei das XII Tábuas. Fixava-se em casos concretos, o valor

da pena a ser paga pelo ofensor. Substitui-se então, o período da composição

tarifada pela composição obrigatória15.

Nesse sentido, o autor Carlos Roberto Gonçalves (2011) afirma que é com a

Lei Aquília que se esboça o princípio geral e regulador de reparação do dano. Na

Idade antiga, embora não se reconhecesse uma regra de conjunto, segundo se

compreende do direito moderno, estava posto o germe da jurisprudência clássica, no

que tange à injúria e à fonte imediata do moderno entendimento de culpa aquiliana16.

13

NORONHA, 2013, p. 29 14

MELO, 2005. p. 03. 15

É a reação contra a vingança privada, que é assim abolida e substituída pela composição obrigatória. Embora subsista o sistema do delito privado, nota-se, entretanto, a influência da inteligência social, compreendendo-se que a regulamentação dos conflitos não é somente uma questão entre particulares (LIMA, 1999, p.21). 16

GONÇALVES, 2011 p.04.

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10

O autor Nehemias Domingos de Melo (2005) comenta que na Idade Média,

com a estruturação da ideia de dolo e culpa stricto sensu, seguida de uma

elaboração da dogmática da culpa, distinguiu-se a responsabilidade civil da pena.

Acrescenta o mesmo autor, que a partir desta evolução que influenciou nas

legislações de vários povos, o Código Francês de 1804, seguindo a tradição do

Direito Romano, adotou a teoria da culpa, nos moldes dos artigos 1.382 e 1.383 e

com fundamento no direito de indenizar17.

Carlos Roberto Gonçalves (2006) menciona que o direito francês, aperfeiçoou

as ideias românicas e estabeleceu nitidamente um princípio geral da

responsabilidade civil, abandonando o critério de enumerar os casos de composição

obrigatória18.

O autor observa que devemos atentar para a inserção da culpa como

elemento básico da responsabilidade civil aquiliana, contra o objetivismo excessivo

do direito primitivo, abstraindo a concepção de pena que, fora substituída pela ideia

de reparação do dano sofrido. Foi incorporada no Código Civil de Napoleão que

influenciou o Código Civil brasileiro de 1916.

No que tange o Direito brasileiro,Gonçalves (2006) ensina que o Código

criminal de 1830, atendendo às determinações da Constituição do Império,

transformara-se em um código civil e criminal19.

No Código Civil de 1916 imperava a teoria subjetiva, exigindo portanto, prova

de culpa ou dolo do agente que causou para que seja obrigado a reparar. Contudo,

tendo em vista o progresso industrial e concomitante a isso, o surgimento de novas

teorias que buscavam garantir uma maior proteção dos vitimados por danos20.

Na ótica do mesmo autor, foi nesse movimento que ganhou espaço a

denominada teoria do risco, que, sem substituir a teoria da culpa, abarcou muitas

das hipóteses em que “o apelo às concepções tradicionais se revela insuficiente

para a proteção da vítima”.

Nota-se que a responsabilidade é encarada sob o aspecto objetivo, ou seja, a

título de exemplo, um trabalhador vítima de acidente de trabalho terá sempre, salvo

17

MELO, 2005 p.05. 18

GONÇALVES, 2006 p.05. 19

“...fundado nas sólidas bases da justiça e da equidade, prevendo a reparação natural, quando possível, ou a indenização; a integridade da reparação, até onde possível; a previsão dos juros reparatórios; a solidariedade, a transmissibilidade do dever de reparar e do rédito de indenização aos herdeiros, etc.” (GONÇALVES, 2011, p.27). 20

GONÇALVES, 2011, p.27.

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11

circunstâncias específicas, direito a indenização, com ou sem culpa do patrão ou do

trabalhador.

A teoria do risco se subsume a idéia do exercício de atividade perigosa como

fundamento da responsabilidade civil. O simples exercício da atividade que possa

oferecer perigo subentende que o agente assume a responsabilidade de eventual

ressarcimento em caso de acidente.

A responsabilidade objetiva esta fundada no princípio de equidade, segundo

Gonçalves, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação

deve responder pelo risco ou desvantagens dela resultantes.

De acordo com Monteiro Barros (2011), no direito moderno, a teoria da

responsabilidade objetiva se apresenta em teoria do risco e a do dano objetivo.

Desta, uma vez que exista um dano, deve ser ressarcido, independente de culpa.

Ambas consagram a responsabilidade sem culpa qual seja a responsabilidade

objetiva.

A tendência no direito atual vem no sentido de substituir a idéia da

responsabilidade pela idéia de reparação, a idéia da culpa pela idéia do risco, a

responsabilidade subjetiva pela responsabilidade objetiva21.

Contudo, Gonçalves (2011) nos expõe que a realidade demonstra que se tem

procurado fundamentar a responsabilidade na idéia de culpa, mas sendo insuficiente

para atender às imposições do progresso, senão vejamos:

A realidade, entretanto, é que se tem procurado fundamentar a responsabilidade na idéia de culpa, mas, sendo esta insuficiente para atender às imposições do progresso, tem o legislador fixado os casos especiais em que deve ocorrer a obrigação de reparar, independentemente daquela noção. É o que acontece no direito brasileiro, que se manteve fiel à teoria subjetiva nos artigos 186 e 927 do Código Civil. Para que haja responsabilidade, é preciso que haja culpa. A reparação do dano tem como pressuposto a prática de um ato ilícito. Sem prova de culpa, inexiste a obrigação de reparar o dano (GONÇALVES, 2011, p.29).

Assegura o mesmo autor, que em outros dispositivos e até em leis esparsas,

adotaram-se os princípios da responsabilidade objetiva, da culpa presumida, como

nos exemplos dos artigos 936 e 937, que tratam da responsabilidade presumida e

da responsabilidade independentemente de culpa, como nos casos dos artigos 927

§ único, 938 e 129922.

21

BARROS, 2011, p.416. 22

GONÇALVES, 2011, p.29.

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12

Acrescenta Gonçalves (2011), que a par disso, estão o Código Brasileiro de

Aeronáutica, a Lei de Acidentes do trabalho e outros diplomas, em que mostra a

nítida adoção, pelo legislador, da responsabilidade objetiva.

Em 2002, com o advento do Código Civil, se mantém o princípio da

responsabilidade com base na culpa (art.927), definindo, no artigo 186 o que se

constitui ato ilícito. Portanto, no art. 927, após estabelecer, no seu caput a ilicitude,

dispõe, refletindo a moderna tendência em seu parágrafo único23.

2.3 PRESSUPOSTOS

Admitindo os preceitos de Fernando Noronha (2013), pode-se dizer que, para

emergir a responsabilidade civil é necessário que haja o dano e obviamente, que

uma pessoa exista para responder por ele. Todavia, para determinar quando e em

que medida uma pessoa pode ser responsabilizada por um dano, se faz necessário

apurar os elementos que envolvem o acontecimento, importa dissertarmos sobre

eles.

Diante da existência de um dano, seja ele a pessoas ou coisas, patrimonial ou

extrapatrimonial, individual ou coletivo, resta apurar se o eventual dano corresponde

à violação de um bem juridicamente tutelado. Se existir proteção de uma norma ao

bem violado, buscar-se-á qual a causa do dano.

Estabelecido que o dano foi causado por um determinado fato, procurar-se-á

a quem pode ser imputado, seja a título de culpa ou por eventual risco criado e

desse modo, surgirá a obrigação de indenizar 24.

Nesse breve apanhado referido por Fernando Noronha (2013) nos

dimensiona os pressupostos da responsabilidade civil, os requisitos necessários

para configurar a obrigação de indenizar.

Conforme Monteiro a responsabilidade civil no Código Civil brasileiro é

fundamentalmente firmada na teoria clássica da culpa ou teoria subjetiva. Nela são

necessários três elementos para estabelecer a responsabilidade civil de um

determinado agente. São eles a culpa, o dano e o nexo causal entre a conduta do

agente e o dano.

23

_____, 2011. 24

NORONHA, 2013, p.491.

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13

Como exceção nesse ordenamento seria a teoria objetiva já que a obrigação

de reparar se daria quando evidente a culpa do causador e somente se aplicaria nos

casos normatizados em lei. Um exemplo é o caso do artigo 927 parágrafo único que

preceitua a responsabilidade objetiva nos casos onde a atividade do causador

implicar risco para o direito de outrem25.

Contudo, o autor ressalta que apesar dessa dicotomia didática entre teoria

subjetiva e objetiva, existe uma coexistência das duas teorias, como nos casos em

que o questionamento no âmbito subjetivo do ofensor é afastado devido à

desigualdade econômica ou social entre o causador e o ofendido.

2.3.1. Conduta

O elemento primário de todo ato ilícito e da responsabilidade civil, é a conduta

humana. Conduta é o comportamento humano voluntário, que se exterioriza por

meio de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas26.

No entendimento de Rui Stoco a conduta é:

“(...) uma ação, elemento constitutivo da responsabilidade, ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou licito, voluntario e objetivamente imputável do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado”. (STOCO, 2007)

Enquanto a responsabilidade sem culpa se baseia no risco, a

responsabilidade resultado do ato ilícito baseia-se na idéia de culpa. O ato comissivo

é aquele que não deveria, enquanto a omissão é a não observância de um dever27.

Segundo o mesmo autor, a voluntariedade é qualidade essencial da conduta

humana. Sem este elemento não haveria de se falar em ação humana ou

responsabilidade civil, pois, representa a liberdade de escolha da pessoa.

Conclui-se que o ato de vontade, em sede de responsabilidade civil, deve ser

contrário ao ordenamento jurídico. É importante ressaltar que voluntariedade

significa pura e simplesmente o discernimento, a consciência da ação, e não a

consciência de causar um resultado danoso. Se deste modo fosse, estaríamos

falando de dolo. Destaca-se ainda, que a voluntariedade deve estar presente tanto

na responsabilidade civil subjetiva quanto na responsabilidade objetiva28.

25

MONTEIRO, 2007 p.517 26

SANTOS, 2014. 27

Idem. 28

Idem.

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2.3.2. Dano

Segundo Maria Helena Diniz (2002) “o dano pode ser definido como a lesão

(diminuição ou destruição) que, devido aum certo evento, sofre uma pessoa, contra

a sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral”29

Para Rui Stoco:

“O dano é, pois, elemento essencial e indispensável à responsabilização do agente, seja essa obrigação originada de ato ilícito ou de inadimplemento contratual, independente, ainda, de se tratar de responsabilidade objetiva ou subjetiva” (STOCO, 2007, p. 128).

Para que seja indenizável, é necessária à existência de alguns requisitos.

Primeiro é preciso que exista uma violação a interesse jurídico patrimonial ou

extrapatrimonial de uma pessoa física ou jurídica. O dano está subdividido em

patrimonial e extrapatrimonial, aspectos que serão melhor abordados no capítulo 2.

Ainda, o dano patrimonial subdivide-se em danos emergentes e lucros

cessantes, também melhor explorados adiante.

2.3.3. Nexo de Causalidade

É requisito essencial para qualquer espécie de responsabilidade. Em síntese,

pode-se dizer que o nexo de causalidade consiste na relação de causa e efeito entre

a conduta praticada pelo ofensor e o resultado.

Importante ressaltar que para caracterizar a responsabilidade civil, ter

praticado uma conduta ilícita e que a vítima tenha sofrido o dano, não é suficiente

para caracterizar a responsabilidade civil do ofensor. É necessário que o dano tenha

sido causado pela conduta ilícita do agente e que exista entre ambos uma relação

de causa e efeito30.

Santos (2014) comenta que algumas teorias surgiram para explicar o nexo de

causalidade, e dentre elas é importante enumerar três principais delas: da

causalidade adequada; teoria dos danos diretos e imediatos e a teoria da

equivalência dos antecedentes.

A teoria da equivalência dos antecedentes, também chamada de teoria da

equivalência das condições, considera que toda e qualquer circunstância que tenha

29

DINIZ, 2002. 30

SANTOS, 2014.

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concorrido para a produção do dano é considerada como causa. Segundo a maioria

da doutrina, é a teoria adotada pelo código penal brasileiro. Considera-se causa a

ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido31.

A igual relevância entre todas as condições justifica-se por um simples

exercício de exclusão: sem cada uma delas o resultado não teria ocorrido. Esta

teoria é alvo de inúmeras críticas32.

Conforme Santos (2014), na teoria da causalidade direta ou imediata, que

também pode ser chamada de teoria da interrupção do nexo causal, a causa pode

ser classificada como apenas o antecedente fático que, ligado por um vínculo de

necessariedade ao resultado danoso, determinasse esse último como uma

consequência sua, direta e imediata.

A teoria da causalidade adequada pode ser tida como a menos extremada,

por exprimir a lógica do razoável, como assegura o autor Pablo de Paula Santos

(2014). Essa teoria leciona que haverá nexo causal quando, pela ordem natural das

coisas, a conduta do agente poderia adequadamente produzir o nexo causal. Em

outros termos, quando várias condições concorrerem para a ocorrência de um

mesmo resultado, a causa será a condição mais determinante para a produção do

efeito danoso, e as demais causas são desconsideradas.

Assevera o autor, que ocorrem divergências doutrinárias acerca da teoria

adotada pelo Código Civil de 2002. Parte da doutrina defende que a teoria adotada é

a da causalidade direta ou imediata33.

Para o autor Carlos Roberto Gonçalves (2011) é indiscutível que o Código

adotou a teoria do dano direto e imediato, como está expresso no artigo 403; e das

várias escolas que explicam o dano direto e imediato, a mais autorizada é a que se

reporta à consequência necessária34.

Outra parcela da doutrina considera a teoria da causalidade como a que

prevalece no Direito Civil. Ensina Cavalieri Filho (2010) que, embora a literalidade do

31

Idem. 32

Recebe críticas, pois pode levar a uma regressão infinita. Caso essa teoria fosse adotada na órbita civil, conforme ensina Sergio Cavalieri, teria que se indenizar a vitima de atropelamento não só quem dirigia o veiculo com imprudência, mas também quem lhe vendeu o automóvel, que o fabricou, que forneceu a matéria-prima, etc. (CAVALIEIRI FILHO, 2010). 33

Os defensores dessa teoria se amparam no artigo 403 do Código Civil, que estabelece: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo no disposto na lei processual (SANTOS, 2014). 34

GONÇALVES, 2011.

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artigo leve a inteligência de que a teoria admitida é a do dano direto e imediato,

segundo ele, a prática revela que a teoria da causalidade adequada prevalece, pois,

no ordenamento jurídico brasileiro é possível a responsabilização por danos

indiretos35.

O autor Pablo de Paula Santos (2014) alinhava essa discussão com algumas

considerações do autor Rui Stoco sobre o embate.Ele assegura que independente

da teoria que se adote, fato é que a questão só se apresenta ao juiz e caberá

somente a ele o exame do caso concreto e a determinação se houve violação de

direito alheio e se existe nexo de causalidade36.

A partir do exame desses pressupostos da responsabilidade civil, demonstra-

se que o ordenamento jurídico pátrio possui dois aspectos que caracterizam a

responsabilidade civil. São eles o ressarcimento do dano causado pelo ofensor e a

compensação37.

Conforme Monteiro (2007), o ressarcimento se configura através da

indenização e vincula-se aos danos materiais. Por este motivo não há muita

dificuldade de ser quantificado uma vez que o que se perdeu pode ser auferido

assim como o que se deixou de ganhar. São os denominados danos emergentes e

lucros cessantes.

No caso da compensação, conformada com a satisfação do lesado, por sua

vez, esta conectada ao dano moral. Isso porque se buscao restabelecimento da

condição psicológica e social que a pessoa se encontrava antes de sua dignidade

ser atingida.

Ela caracteriza a principal função da responsabilidade civil.Esta dividida de

duas formas: em danos particularmente patrimoniais, a indenização equivalerá ao

valor dos danos. Entretanto, em casos de danos extrapatrimoniais, percebe-se que o

adimplemento da obrigação gera o enriquecimento da vítima, uma vez que não há

essa equivalência38.

35

CAVALIERI FILHO, 2010. 36

“Enfim, independente da teoria que se adote, como a questão só se apresenta ao juiz, caberá a este, na análise do caso concreto, sopesar as provas, interpretá-las como conjunto e estabelecer se houve violação do direito alheio, cujo resultado seja danoso, e se existe um nexo causal entre esse comportamento do agente e o dano verificado” (STOCO, 2007, p. 152). 37

MONTEIRO, 2007. 38

COELHO, 2010, p.284.

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Cabe aqui uma breve diferenciação entre responsabilidade civil objetiva e

responsabilidade civil subjetiva. Esta é destinada a sancionar atos ilícitos enquanto

que à responsabilidade civil objetiva, cabe viabilizar a socialização dos custos39.

Essa diferenciação é importante no sentido de entendermos que no

ordenamento jurídico pátrio, no que se refere ao sistema de responsabilidade civil,

se busca primeiramente a reparação do dano, com o objetivo de proteger a vítima.

Ainda, não leva em consideração, eventualmente a possibilidade de salvaguardar

outras possíveis lesões provocadas pelo lesante. Somente deve-se devolver à

vítima, o que já era seu por direito.

Isso porque é levado em consideração o que se normatizou em lei, onde se

determina o valor da indenização de acordo com a extensão do dano sofrido. Desse

modo, a sanção a ilícito civil esta destituído de um caráter de prevenção quanto

ações ofensoras, possui apenas caráter sucessivo, tratando-se de um remédio para

depois de um dano sofrido, com o intuito de reestabelecer o status quo ante40.

O fato de desconsiderar a análise da conduta do lesante, preocupando-se

apenas com a figura da vítima, revela uma questão que merece atenção. De certo

modo, é uma problemática que o sistema de responsabilidade civil vem enfrentando

que é a falta de efetividade no que tange ao combate à atuação delituosa e possível

reiteração do comportamento antijurídico.

Nesse sentido, observa-se que não há um desestímulo a prática delituosa e

ao comportamento antissocial que lhe deu ensejo. E há autores, como Maria Celina

Bodin (2003) e Thaís P. Venturi (2006) , que defendem a tese de que as reparações

aplicadas atualmente não restabelecem o equilíbrio econômico e jurídico como se

almeja.

Verifica-se a importância de se retomar o fim primordial da responsabilidade

civil, onde que além do caráter reparatório no sentido compensatório, relacionados à

vítima, possuísse quanto à conduta do agente causador do dano, uma função

preventiva, punitiva e pedagógica. Assim, acredita-se que inibiria atos lesivos

semelhantes, penalizando o lesante que de forma temerária causa danos e lesa

direitos de outrem41.

39

_____, 2010. 40

COELHO, p.285. 41

MORAES, 2004, p. 47.

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3 O DANO: APONTAMENTOS ESSENCIAIS

3.1 CONCEITUAÇÃO

Nas palavras do autor Sérgio Cavalieri Filho (2010), o dano é o grande vilão

da Responsabilidade Civil. Nem haveria que se falar em indenização se ele não

existisse. Para o autor, “pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode

haver responsabilidade sem dano42”.

Segundo ele, tanto na responsabilidade objetiva quanto na subjetiva, qualquer

que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento, o dano constitui o seu

elemento preponderante. Vale lembrar que sem o dano não há o que reparar,

mesmo no caso de conduta dolosa.

Já outro autor, Fernando Noronha (2013), define o dano como um prejuízo de

natureza individual ou coletiva, podendo ser econômico ou não, resultante de ato ou

fato antijurídico que viole qualquer valor inerente à pessoa humana, ou atinja coisa

do mundo juridicamente tutelada43.

Dano, portanto, não é o resultado necessário de violação de uma norma

jurídica, pois, uma violação dessa natureza pode ou não ocasionar dano. Nesse

sentido, Noronha utiliza-se de um exemplo de um condutor de veículo imprimindo

velocidade superior à permitida. No caso, há ofensa ao direito, entretanto, não

significa que causará algum dano necessariamente.

Afinal, conforme o autor: “só teremos responsabilidade civil quando existir um

dano resultante de uma lesão antijurídica e só teremos esta quando existir um ato ou

fato antijurídico (...)44”.

Ensina o autor Pessoa Jorge (1999), que a primeira exigência que se faz é

que os prejuízos tenham sido suportados por outra pessoa que não o agente.

Completa dizendo que somente há antijuridicidade na lesão a patrimônio alheio, não

havendo que se falar em dever de reparar dano infligido a si próprio ou ao seu

próprio patrimônio.

Acrescenta que o dano deve ser certo uma vez que não se indeniza o

prejuízo hipotético ou eventual, de verificação duvidosa. Quanto aos lucros

42

CAVALIERI FILHO, 2010, p.73. 43

NORONHA, 2013, p.497. 44

_____, 2013, p.498.

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cessantes e aos prejuízos futuros, baseia-se "na evolução normal (e, portanto,

provável) dos acontecimentos45”.

O mesmo autor conclui que ainda é preciso que o dano sofrido apresente um

mínimo de gravidade, pois de outro modo, um prejuízo insignificante não pode

caracterizar o descumprimento de dever por parte do lesante.

A lesão pode afetar valores ligados à própria pessoa, em sua integridade

física, moral ou psíquica. É possível que a lesão atinja objetos do mundo externo,

isto é, objetos materiais ou mesmo coisas incorpóreas. Os danos à pessoa podem

consistir na ofensa a vida ou a integridade física de outrem ou ainda, lesão a

sentimentos, valores espirituais ou afetivos46.

Portanto, temos lesões que consistem em prejuízo patrimonial enquanto

outras se relacionam com valores insuscetíveis de se avaliar pecuniariamente. Esta

se referindo a duas classificações fundamentais: a primeira se trata de danos

patrimoniais e a segunda, danos extrapatrimoniais, aos quais chamamos também de

danos morais em sentido amplo47.

Fernando Noronha (2013) acrescenta que, quando tratar-se de prejuízo

econômico, traduz-se em efetiva diminuição do valor do patrimônio (dano

emergente), ou na frustração de um acréscimo patrimonial esperado (lucro

cessante) e ainda dano por perda de uma chance.

O Dano extrapatrimonial é conhecido como dano moral e não há subdivisões.

Nele se envolve violações aos direitos fundamentais como a liberdade e igualdade;

direitos de personalidade como imagem, a honra, nome e violações a integridade

física ou psicológica, como dor e humilhação48.

Há ainda outras classificações importantes como a lesão que atinge pessoas

certas e determinadas ou interesses coletivos, ou transindividuais.

No campo dos danos, conclui-se que é possível distinguir a categoria dos

patrimoniais (materiais) e extrapatrimoniais. Assevera Carlos Roberto Gonçalves

(2011) que a expressão dano moral deve ser reservada exclusivamente para

designar a lesão que não produz qualquer efeito patrimonial. Defende o autor a

45

A atualidade, isto é, a contemporaneidade do dano com a responsabilização, apesar de freqüentemente ser listada como requisito da reparabilidade do dano, não se faz essencial. Não é correto, assim, excluir definitivamente o dano futuro, uma vez que também ele será indenizável "desde que, ao tempo da responsabilização, já se possam verificar os fatos que, com certeza ou com razoável probabilidade darão ensejo a prejuízos projetados no tempo" (Pessoa Jorge, 1999, p. 387). 46

NORONHA, 2013, p.498. 47

GONÇALVES, 2011. 48

_____, 2011.

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20

posição de que se há consequências de ordem patrimonial, ainda que mediante

repercussão, o dano deixa de ser extrapatrimonial49.

3.2 DANO PATRIMONIAL E EXTRAPATRIMONIAL

Conforme o autor Sérgio Cavalieri Filho (2010), o dano patrimonial ou material

atinge os bens integrantes do patrimônio da vítima. Refere-se ao conjunto de

relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis economicamente. Embora tal

definição possa não ecoar para todos os autores da mesma forma, abrange todos os

bens e direitos na expressão conjunto das relações jurídicas. A idéia de prejuízo

resultante de uma lesão a um direito caracteriza bem o dano material50.

Quanto a esse aspecto, Fernando Noronha (2013) entende ser um equívoco o

uso da expressão dano material. Segundo ele,a expressão dano material é

frequentemente usada como sinônima de dano patrimonial, que sugere uma

situação diversa, já que existem danos patrimoniais ligados a ofensas à pessoa e

existem os extrapatrimoniais que são frutos de lesões a coisas51.

Conforme o mesmo autor, a distinção entre danos patrimoniais e

extrapatrimoniais parte da noção de patrimônio. É o complexo de direitos e

obrigações que se possa valorar em termos pecuniários. Assim, será patrimonial o

dano que consiste na violação de interesses diretamente suscetíveis de uma

avaliação em dinheiro. Quanto ao extrapatrimonial, é aquele que se traduz na

violação de qualquer interesse não suscetível da avaliação pecuniária. No Brasil,

adota-se a denominação danos morais para os danos extrapatrimoniais52.

O dano material envolve a efetiva diminuição do patrimônio quer trate de um

bem corpóreo como um automóvel ou incorpóreo, como direitos de crédito, por

exemplo. Os direitos autorais ou de crédito quando não respeitados causam

prejuízo. Convém ressaltar ainda, que não apenas o patrimônio presente da vítima

pode ser atingido, mas também o futuro. Desse modo vemos o dano material

subdividido em dano emergente e lucro cessante53.

49

GONÇALVES, 2011, p.358. 50

CAVALIERI FILHO, 2010, p.74. 51

NORONHA, 2013, p.581. 52

_____, 2013. 53

CAVALIERI FILHO, 2010 p.74.

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No caso do dano emergente, Cavalieri (2010) entende ser aquele que

efetivamente e de imediato, diminui o patrimônio da vítima. Possuem o mesmo

entendimento os autores Carlos Roberto Gonçalves e Fernando Noronha.

O Código Civil disciplina a matéria no seu artigo 402, caracterizando o dano

emergente como sendo aquilo que a vítima efetivamente perdeu54.

Lucro cessante é caracterizado como mediato ou futuro, uma vez que reduz

ganhos e impede lucros. É resultado futuro de um fato já ocorrido. Vale ressaltar que

no mesmo artigo já mencionado 402, consagra-se o princípio da razoabilidade,

dizendo ser aquilo que razoavelmente se deixou de lucrar.

Em tema de dano moral, Sérgio Cavalieri Filho (2010) nos coloca que

atualmente, de modo geral, nem se discute se ele é ou não indenizável, se pode ou

não ser cumulado com o dano patrimonial. A questão é determinar o que vem a ser

o próprio dano moral e depois, quanto a sua valoração.

O autor diz que nesse particular surgem posicionamentos diferentes quanto

ao fato de conceituar dano moral. Para alguns, definir dano moral parte-se de um

conceito negativo, por exclusão. Seria aquele que não tem caráter patrimonial, todo

dano não material. Outros preferem um conceito positivo, onde dano moral é dor,

vexame, sofrimento, desconforto, enfim dores da alma.

Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves (2011), dano moral é o que atinge

o ofendido como pessoa, mas que não lesa seu patrimônio. Segundo ele, constitui

lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a imagem, a honra, a

dignidade, etc., conforme preceitua a CF/88 em seus artigos 1º, III, e 5º, incisos V e

X55.

Na ótica de Cavalieri Filho (2010), todos os conceitos tradicionais de dano

moral precisam ser revistos a partir do que preceitua a Constituição de 1988. Isso

porque o ser humano foi colocado no vértice do ordenamento jurídico da Nação,

pondo seus direitos como fio condutor de todos os ramos jurídicos.

Em que pese os direitos patrimoniais se apresentarem em uma expressão

econômica, o homem é ainda titular de relações jurídicas que, embora,

aparentemente não apresentem um valor pecuniário num primeiro momento,

representam ao titular um valor bem maior, uma vez que são atinentes à própria

54

CAVALIERI FILHO, 2010. 55

GONÇALVES, 2011.

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natureza humana. São os direitos da personalidade, inatos e que ocupam posição

supraestatal (arts. 1º e 2º do Código Civil)56.

Já no seu artigo 1º, inciso III da CF/88, consagrou-se a dignidade humana,

como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito no Brasil. Cavalieri

Filho (2010) afirma em relação a isso, que hoje temos o direito subjetivo

constitucional à dignidade. Entende o mesmo autor, que ao fazer assim, nossa

CF/88 deu ao dano moral uma maior dimensão, porque a dignidade humana é base

de todos os valores morais, a essência de todos os direitos personalíssimos.

Por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da

imagem, que a CF/88 inseriu no art.5º, V e X, a plena reparação do dano moral.

Assim, temos a dignidade como fundamento central dos direitos humanos, devendo

ser protegida e, se violada, sujeita à devida reparação.

Cavalieri Filho (2010) recorre ao filósofo Kant para retirar a lição de que a

dignidade é o valor de que se reveste tudo aquilo que não tem preço, ou seja, que

não é passível de ser substituído por um equivalente. Assim, o dano moral não esta

vinculado necessariamente a alguma reação psíquica da vítima. Pode ocorrer uma

ofensa à dignidade da pessoa sem que haja dor, sofrimento ou vexame, pois podem

ser consequências e não causas.

Por esse prisma de análise, nas palavras de Cavalieri Filho, abre-se espaço

para o reconhecimento do dano moral em relação a situações em que a vítima não é

passível de detrimento anímico, como se dá com doentes mentais, ou em que se

encontre em estado vegetativo, crianças em tenra idade ou em qualquer outra

situação tormentosa. Pondera o autor que,mesmo completamente destituída de

formação cultural e bens materiais ou estado biopsicológico precário, ainda que

destituída de consciência, enquanto ser humano será detentora de um conjunto de

bens integrantes de sua personalidade, mais precioso que o patrimônio.

Os bens que integram a personalidade são constituídos de valores distintos

dos bens patrimoniais, cuja agressão convencionou-se chamar de dano moral. Tem

existência própria e autônoma, de modo que exige tutela jurídica independente,

completa o autor.

Assevera Sérgio Cavalieri Filho (2010), que os direitos da personalidade

englobam outros aspectos da pessoa humana que não apenas os vinculados

56

CAVALIERI FILHO, 2010, p.82.

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diretamente com sua dignidade. Incluem-se também os chamados novos direitos da

personalidade como a imagem, o bom nome, a reputação, sentimentos, relações

afetivas, aspirações, hábitos, gostos, convicções políticas, religiosas, filosóficas, e

direitos autorais. Conclui que os direitos da personalidade são realizados em

diferentes dimensões e podem ser violados em diferentes níveis. Daí resulta que o

dano moral, em sentido amplo, envolve esses diversos graus de violação dos

direitos da personalidade, ou seja, contempla todas as ofensas a pessoa humana.

Conclui que o dano moral, portanto, não se restringe à dor, sofrimento ou

tristeza. Estende sua tutela a todos os bens personalíssimos. Acrescenta o autor,

que é mais apropriado chamá-lo de dano imaterial ou não patrimonial em razão

dessa natureza imaterial.

Gonçalves (2011) preleciona que o direito não repara a dor ou a aflição do

ofendido, apenas àqueles que forem decorrentes da privação de um bem jurídico.

Ainda, o ofendido necessita ter o interesse reconhecido juridicamente. Para

exemplificar, o autor se utiliza do exemplo de um atropelamento que presenciamos.

Não estaremos legitimados a pedir reparação, a menos que estivermos numa

relação de parentesco próximo. Portanto, fora dessa condição, mesmo que nos

provoque grande dor, não teremos legitimidade alguma para pleitear reparação.

Somente a vítima e os lesados indiretos poderão o fazê-lo57.

3.3 DANO À PESSOA E AS COISAS

Quando são afetados valores ligados à própria pessoa do lesado, física,

psíquica ou moralmente, fala-se em danos pessoais ou à pessoa. Danos à coisas ou

danos materiais, refere-se às circunstâncias onde são atingidos objetos do mundo

externo (materiais ou coisas incorpóreas).

Segundo o autor Fernando Noronha (2013) a distinção entre eles deve ser

considerada a mais importante classificação dos danos porque, em sua ótica,

demonstra todos os prejuízos que são suscetíveis de gerar a responsabilidade civil.

Conforme o autor, essa distinção que separa danos a coisas e à pessoa não

era feita em análises tradicionais da responsabilidade civil na vigência do Código

Civil de 1916. Até recentemente, a preocupação fundamental do ordenamento

57

GONÇALVES, 2011.

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jurídico era com a atividade econômica, tínhamos o patrimônio como o núcleo

central de todo o sistema. Deste modo, os danos à pessoa humana, considerada em

si mesma, passavam despercebidos58.

Contudo, com o advento da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil

de 2002, em que se reconhece ao ser humano uma iminente dignidade, assume

especial relevo a tutela da integridade física, psíquica e moral da pessoa, com

consequente reconhecimento do direito à reparação por todos os danos resultantes

de atos ou fatos que atentem contra ela59.

Altera-se, portanto, o centro do sistema do nosso ordenamento. Se

anteriormente esteve fundamentado por um caráter patrimonial, hoje, encontra-se

fundamentado na pessoa humana. Se esta, é um dos valores fundamentais para

que o ordenamento jurídico tutele, é plenamente justificável que se dê especial

relevância aos danos pessoais60.

Nas palavras de Cavalieri Filho (2010), na distinção entre danos à pessoa e a

coisas, considera-se, não o ato ou fato lesivo registrado, mas a esfera jurídica em

que a lesão se reflete. Em outras palavras, de um mesmo fato, como um acidente de

trânsito, por exemplo, podem resultar danos materiais e pessoais, danos ao veículo

automotor e ferimentos nas pessoas transportadas.

Normalmente o dano à pessoa se traduz na ofensa aos direitos da

personalidade, contudo, segundo Cavalieri Filho (2010), podem ter outras origens,

como ofensas a situações jurídicas familiares, o sofrimento resultante da morte de

familiar.

O autor Fernando Noronha (2013) nos coloca que existe uma classificação

tripartite dos direitos da personalidade e que é adotado por alguns autores. São eles

os direitos às integridades física, intelectual e moral. Segundo ele, na própria lei

existem algumas referências a essa tripartição como por exemplo, no art. 17 da Lei

8069/9061.

58

“Muitos juristas chegavam assimilar danos a coisas e danos patrimoniais por um lado, e danos pessoais e extrapatrimoniais, por outro”(NORONHA, 2013, p.582). 59

“Hoje, porém, em que se reconhece ao ser humano uma impendente dignidade, no desenvolvimento da ética sistematizada por Kant no final do século XVIII e conhecida como personalismo ético, e em que as próprias constituições destacam a importância da tutela da pessoa (assim, entre nós é princípio fundamental do estado democrático de direito a proteção da dignidade da pessoa humana, como está expresso logo no art. 1º, III da CF/88)” (NORONHA, 2013, p.582). 60

NORONHA, 2013. 61

_____, 2013.

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25

Se seguíssemos tal modelo, teríamos os danos à pessoa subdivididos em

psíquicos, àqueles danos que ofendem a integridade psíquica, elementos intrínsecos

da personalidade; os corporais, como no caso de incapacidade total ou parcial,

doença resultante de acidente e o caso de morte; e os morais, àquele que viola

elementos valorativos da pessoa como ser social, como a honra por exemplo.

Contudo, assevera Noronha (2013), do ponto de vista da responsabilidade

civil, essa distinção não tem interesse maior, pois não implica a diferenças de

tratamento jurídico. No entanto, sobrevive uma distinção entre os físicos e os morais.

Uma melhor classificação será aquela que considerar os pontos que existem

diferenças de tratamento jurídico dentro dos danos à pessoa.

Ensina Cavalieri Filho (2010), que é conveniente repartir esses danos em

duas categorias: danos corporais à saúde e os danos anímicos, que são os morais

em sentido estrito. Em outras palavras, pode-se dizer que os primeiros se

relacionam ao corpo humano e o segundo os danos relativos à alma62.

Conforme Fernando Noronha (2013), com relação a distinção entre danos a

coisas e à pessoa, o que interessa é sempre a esfera jurídica em que a lesão se

reflete, e não a violação do bem. Desse modo, podemos ter um fato que causa ao

mesmo tempo, danos materiais e pessoais, como também podemos ter um fato que

cause danos biológicos e anímicos63.

Seguindo o raciocínio acima, quando for afetado objeto ou animal de

interesse afetivo para seu titular, temos danos à pessoa e as coisas. O outro caso,

temos ao mesmo tempo dano biológico e moral numa lesão em que a vítima fica

tetraplégica.

Importante ressaltar que tanto os danos à pessoa como os danos a coisas

podem ou não refletir-se em perdas patrimoniais. À luz do que já exposto sobre a

diferença entre danos patrimoniais e extrapatrimoniais, os danos à pessoa são a

principal fonte de danos extrapatrimoniais, porém, não se confundem com eles.

Os danos a coisas são classificação diferente da relativa aos danos

patrimoniais, ainda que apareçam normalmente ligados e mesmo que seja difícil

conceber casos em que tenhamos danos a coisas com reflexos extrapatrimoniais.

62

CAVALIERI FILHO, 2010. 63

NORONHA, 2013.

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26

Pondera o autor Fernando Noronha (2013) que, as duas classificações, danos

patrimoniais e extrapatrimoniais, e danos a coisas e à pessoa são independentes e

“intercruzáveis64”.

Nesse sentido temos que os danos à pessoa que não se reflitam em perdas

patrimoniais podem ser chamados danos pessoais puros e estes, serão divisíveis

nas categorias danos corporais (ou biológicos) puros e danos anímicos (ou morais)

puros; os danos à pessoa que se reflita em perdas patrimoniais serão os danos

pessoais impuros, também subdivisíveis em corporais impuros e anímicos impuros65.

O autor Sérgio Cavalieri Filho (2010) ensina que nem todo dano resulta da

lesão a interesses ou bens materiais. Para ele o dano material não pode ser

presumido, mas tem de ser comprovado para que haja sua reparação66.

A idéia de interesse incute o patrimônio de caráter valorativo quanto a sua

indenização, o dano sendo resultado do confronto entre o patrimônio que havia

antes do dano e o que existiria possivelmente se não houvesse ocorrido67.

Nesse sentido, pode-se imaginar que os danos morais geram divergências e

discussões, tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Observando os incisos V e X

do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, temos uma idéia a esse respeito68.

Conforme preceitua o artigo constitucional mencionado, são indenizáveis e

podem ser cumulados aos danos patrimoniais, sendo configuradas por subjetivismos

interiorizados da vítima, a sua percepção moral e digna de como se enxerga perante

a sociedade.

Desse modo, conclui a autora Costa Gonçalves (2013), percebe-se que esses

danos vão além de meros aborrecimentos cotidianos. Em síntese, os danos

extrapatrimoniais não se limitam à análise de sentimentos como dor, sofrimento,

tristeza, mas sim cuida da afronta aos direitos personalíssimos.

Posto isso, surge uma questão muito discutida e controversa que atormenta o

universo jurídico brasileiro, qual seja os problemas envolvidos na fixação do dano

moral. A ausência de parâmetros, que possibilitem um arbitramento seguro dos

danos, contribui para proliferar casos com decisões diversas em casos semelhantes.

64

_____, 2013. 65

NORONHA, 2013, p. 586. 66

CAVALIERI FILHO, 2010. 67

DIAS, 1973. 68

COSTA GONÇALVES, 2013.

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27

4 OS PROBLEMAS NA FIXAÇÃO DO DANO MORAL

Quantificar o dano moral, nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves (2011),

é um problema que tem preocupado o mundo jurídico, principalmente devido às

demandas que se proliferam, sem que existam parâmetros seguros para a sua

estimação. Segundo ele, enquanto o ressarcimento do dano material procura colocar

o ofendido no estado anterior, recompondo seu patrimônio afetado, a reparação do

dano moral tem como escopo apenas uma compensação, um consolo, sem

mensurar a dor69.

A partir disso se evidencia que há no Brasil, um problema em demandas que

envolvem danos morais e essa dificuldade se configura na inexistência de critérios

uniformes e definidos para arbitrar um valor adequado.

A esse respeito, segundo Cavalieri Filho (2010), numa primeira fase negava-

se a ressarcibilidade ao dano moral sob o argumento de ser ele inestimável.

Chegava-se ao extremo, segundo o autor, de considerar imoral estabelecer um

preço para a dor.

Aos poucos se evidenciou a insustentabilidade desses argumentos e que não

se tratava de preço da dor e sim, de simples compensação, ainda que ínfima

mediante a tristeza injustamente infringida ao ofendido70.

Desse modo, na ótica do autor, substitui-se o conceito de equivalência,

característica do dano material, pelo de compensação, que se obtém atenuando, de

maneira indireta, as consequências do sofrimento.

Segundo ele, a composição do dano moral realiza-se por meio do conceito de

compensação, que é diverso do de ressarcimento. Por outro lado, assevera o autor

da necessidade de se impor uma pena ao causador do dano moral, para não passar

impune a infração. A indenização funcionará também como uma pena privada em

benefício da vítima71.

Percebe-se que é um ponto tormentoso em toda a doutrina da

responsabilidade civil a fixação do quantum da indenização, compensação, pelo

dano extrapatrimonial sofrido pela vítima.

69

GONÇALVES, 2011. 70

“O ressarcimento do dano moral não tende à restitutio in integrum do dano causado, tendo mais uma genérica função satisfatória, com a qual se procura um bem que recompense, de certo modo, o sofrimento ou a humilhação sofrida” (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 85). 71

CAVALIERI FILHO, 2010.

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28

Conforme explica o autor Sandro José O. Costa (2014), não existe critério

legal específico para arbitramento do valor dos danos morais. Em atenção ao art.

944 do Código Civil, bem como seu parágrafo único, a reparação deve ser adequada

à extensão do dano, salvo na hipótese de “excessiva desproporção entre a

gravidade da culpa e o dano72”.

Completa o autor que evidentemente, não há critério prático para aplicação de

tal regra aos danos imateriais, uma vez que há dificuldade de encontrar o valor

capaz de restituir a vítima ao status quo ante. Além disso, existe entendimento no

sentido de que os danos morais pertencem à espécie de danos in reipsa(decorre do

próprio fato ofensivo),o que se reforça diante da redação da nova Súmula 388 do

STJ: “A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral.” Rel. Min.

Fernando Gonçalves, em 26/8/2009.

Conclui que essas dificuldades criam um problema prático que é a

disparidade no montante das indenizações. Dependendo tão somente da

distribuição dos autos, podem ocorrer indenizações diferentes para danos

equivalentes e até mesmo em alguns casos, valores iguais para situações

totalmente desiguais, como a morte de um familiar e a inclusão do nome nos

cadastros de consumidores inadimplentes73.

A doutrina e a jurisprudência mostram grande preocupação em traçar limites

para o valor da reparação, evitando que a compensação se torne na verdade em

fonte de lucro. Cavalieri Filho (2010) afirma que o valor "deve ser suficiente para

reparar o dano, o mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a

mais, importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano74".

Conforme preceitua o artigo 944 do Código Civil "A indenização mede-se pela

extensão do dano". Pressupõe ser a recomposição do dano sofrido pelo ofendido a

razão de ser da indenização. Portanto, buscar recolocar a vítima na situação que

ocupava antes de sofrer a injusta lesão.

Nesse diapasão, a indenização será determinada pelo prejuízo sofrido. Em

nosso ordenamento, indenizar por valor superior ao dano implica em enriquecimento

sem causa para quem sofreu o dano. Não indenizar todo o dano, seria fazer aquele

72

COSTA, 2014. 73

_____, 2014. 74

CAVALIERI FILHO, 2010, p. 96.

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que sofreu o dano injusto arcar com esse ônus, sem falar que implica em

enriquecimento sem causa,agora ao causador da lesão injusta 75.

Contudo, em que pese não existir dúvidas acerca da prova do dano moral, em

virtude da in re ipsa (decorre do próprio fato ofensivo),não existe um consenso na

doutrina em relação à natureza jurídica da reparação do dano moral. Dividem-se os

entendimentos entre um caráter meramente punitivo da reparação; e um caráter

dúplice que é compensatório para a vítima e punitivo para o ofensor76.

Para Gundim (2014), os defensores de um caráter meramente punitivo, a

reparação por danos morais serviria tão somente como uma sanção a ser imposta

ao causador do ato ilícito, visando de forma direta e imediata a diminuição do seu

patrimônio em detrimento do ofendido em razão do dever de indenizar.

Por outro lado, os defensores de um caráter dúplice da reparação por danos

morais, entendem que ao mesmo tempo em que a reparação busca atenuar o

sofrimento da vítima, atua simultaneamente como sanção ao ofensor, servindo como

fator de desestímulo, para que não venha a praticar condutas lesivas a direitos

personalíssimos de outrem77.

O autor destaca que a discussão acerca dessas duas teorias da natureza

jurídica da reparação por danos morais, é importante para a compreensão do

instituto do dano moral uma vez que a adoção de uma ou outra influenciará

diretamente quando do arbitramento do quantum indenizatório.

Uma vez adotada a teoria do caráter meramente punitivo da reparação, o

julgador preocupar-se-á tão somente com a conduta lesiva do ofensor, com o

desiderato exclusivamente retributivo ao ato ilícito praticado, sem se atentar para a

repercussão gerada na esfera íntima do lesado.

No entanto, ao observar a sistemática que envolve o ordenamento civil

brasileiro, percebemos que o foco da responsabilidade civil no atual código civil esta

centrado nos direitos daquele que sofreu o dano e não mais, como outrora, na

conduta do ofensor.Isso não quer dizer que a conduta do ofensor seja

desconsiderada, mas deixou de ser o ponto fulcral, passando para a condição da

vítima após o ato lesivo.

75

_____, 2010. 76

GUNDIM, 2014, p.04. 77

_____, 2014.

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Nesse diapasão, a teoria do caráter dúplice da reparação parece ser de fato a

mais acertada e compatível com o espírito normativo insculpido na CF/88 e

legislação infraconstitucional para fixação do quantum indenizatório. Isso porque, ao

mesmo passo que visa precipuamente compensar a vítima do dano extrapatrimonial

sofrido, prevê e constitui uma natureza sancionatória indireta78.

Desse modo, em nosso ordenamento jurídico, ainda que exista uma punição

intimamente ligada à idéia de reparação por danos morais, na qual o autor do dano

possa sofrer um desfalque patrimonial em desfavor do lesado, como sanção ao ato

ilícito praticado, esta se da de forma indireta. A finalidade essencial e primordial do

ressarcimento é compensar o lesado79.

Portanto, o que no ordenamento jurídico norte americano denomina-se

punitive damages e que é determinado à parte dos danos morais, aqui no Brasil

vemos esse caráter, de modo singelo e inexpressivo, se confundindo no montante

determinado para a reparação, se limitando a compensar a vítima.

Da obra de Carlos Roberto Gonçalves (2011), extrai-se que no Brasil não

temos aplicação do critério da tarifação, pelo qual se definiria o valor das

indenizações antecipadamente. Isso porque, acredita-se que faria com que pessoas,

cientes de tais valores prefixados, poderiam avaliar as consequências da prática de

ilícitos e confrontá-las com as vantagens que poderiam obter 80.

Segundo o mesmo autor, entre nós prevalece o critério do arbitramento pelo

juiz, conforme disposição do artigo 1533 do CCB de 1916. A lógica continua regrada

da mesma forma, segundo o autor, ao observar a disposição do art. 946 onde, prevê

que se apurem as perdas e danos na forma que a lei processual determinar. A

liquidação deve ser feita por artigos e por arbitramento, sendo esta última a mais

adequada.

Assevera Gonçalves (2011), que a adoção desse sistema suscita críticas,

uma vez que não existe defesa adequada contra uma estimativa que a lei submeta

apenas ao critério livremente escolhido pelo juiz, porque em valor superestimado ou

ínfimo, estará sempre em consonância com a lei, não ensejando a criação de

padrões que possibilitem o efetivo controle de sua justiça ou injustiça.

78

_____, 2014, p.05. 79

_____, 2014. 80

GONÇALVES, 2011.

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31

Espera-se, no entanto, que o magistrado pondere responsavelmente essa

questão do quantum indenizatório, como podemos perceber numa decisão do

Tribunal de Justiça de Minas Gerais, senão vejamos:

“Deve o juiz, ao fixar o valor e a falta de critérios objetivos, agir com prudência, atendendo em cada caso, às suas peculiaridades e a repercussão econômica da indenização, de modo que o valor da mesma não deve ser nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequeno que se torne inexpressivo” (TJMG, 3ª Câmara, Ap.87.244, j. 9-4-1992, Rep. IOB Jurisp., 3/7.679 in. GONÇALVES, 2011, p.398).

A esse respeito, Cavalieri Filho (2010) ressalta que não há outro meio mais

eficiente para se fixar o dano moral a não ser pelo arbitramento judicial. Cabe ao

juiz, conforme seu prudente arbítrio, atentando para a repercussão do dano e a

possibilidade econômica do ofensor, estimar uma quantia a título de reparação pelo

dano moral.

Relembra o autor, que antes da CF/88 vários dispositivos legais estabeleciam

critérios para quantificar o dano moral. Os Tribunais adotavam, reiteradamente, o

previsto no §1º do artigo 84 do Código brasileiro de Telecomunicações, que indica a

fixação da indenização entre 5 e 100 salários mínimos em hipótese de calúnia,

difamação ou injúria81

Ainda, acrescenta que a Lei de Imprensa, lei 5.250/67, em seus artigos 51 e

52, limitava a determinados números de salários a responsabilidade civil do

jornalista profissional e da empresa que explora o meio de informação ou

divulgação.

Com o advento da CF/88, não prevalece limite legal algum prefixado,

nenhuma tabela ou tarifa a ser observada pelo magistrado. Nesse sentido, a ementa

de um Acórdão do Tribunal do Rio de Janeiro parece ser elucidativo:

“A indenização por dano moral, com a Constituição de 1988, é igual para todos, inaplicável o privilégio de limitar o valor da indenização para a empresa que explora o meio de informação e divulgação, mesmo porque a natureza da regra constitucional é mais ampla, indo além das estipulações da Lei da Imprensa. (...) A Nova Constituição de 1988 cuidou dos direitos da personalidade, direitos subjetivos privados, ou, ainda, direitos relativos à integridade moral, nos incisos V e X do art.5º, assegurando o direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral, ou a imagem (inciso V), e declarando invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (inciso X)” (TJRJ 1ª Câmara Julgamento da Ap. cível 5260/41 in. CAVALIERI FILHO, 2010, p.96).

81

CAVALIERI FILHO, 2010.

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Dessa maneira, Cavalieri Filho (2010) pondera que a Constituição de 1988

criou um sistema geral de indenização por dano moral decorrente de ofensas a

direitos subjetivos privados. Submeteu a indenização dessa natureza ao Direito Civil

Comum e, portanto, não a leis especiais.

A matéria hoje, esta sumulada no Superior Tribunal de Justiça no verbete

número 281: “A indenização por dano moral não esta sujeita à tarifação prevista na

Lei de Imprensa82”.

No Código Civil de 2002, se incluiu no conceito de ato ilícito o dano "ainda

que exclusivamente moral" (art. 186), para que não sobrassem dúvidas com relação

a sua reparabilidade, não cogita sua limitação nem recomenda que o ressarcimento

seja moderado (art. 927)83.

Em geral, conforme o autor Carlos Roberto Gonçalves (2011), a indenização

é mensurada pela extensão do dano e não pelo grau de culpa. Contudo, no caso do

dano moral, o grau de culpa é relevante e levado em consideração, juntamente com

a gravidade, extensão e repercussão da ofensa. Também, a intensidade do

sofrimento acarretado à vítima é importante fator na conjunção dos elementos.

Considera-se ainda, a situação patrimonial das partes e o proveito obtido pelo

lesante com a prática do dano como agravantes. Entretanto, a eventual ausência de

vantagem, não isenta a obrigação de reparar o dano. A culpa concorrente do

ofendido constitui um fator atenuante 84.

Resumidamente, as circunstâncias do caso são levadas em consideração,

também, a gravidade do dano, a situação do ofensor, e a condição do lesado,

preponderando a idéia de sancionamento ao lesado (punitive damages).

A doutrina enumera, portanto, algumas regras a serem observadas pelo

magistrado na aplicação da lei ao caso concreto, visando estabelecer critérios para a

quantificação do dano extrapatrimonial. Desse modo, procura manter uma margem

de discricionariedade para a atuação do juiz, eliminando a arbitrariedade que muitas

vezes, na opinião do autor, desprestigia o poder judiciário85.

82

Idem. 83

"se a indenização, em termos gerais, não pode ter o objetivo de provocar o enriquecimento ou proporcionar ao ofendido um avantajamento, por mais forte razão deve ser eqüitativa a reparação do dano moral para que se não converta o sofrimento em móvel de captação de lucro (de lucro capiendo)" (Caio Mário, 1999, p. 318 in. Jus Navigandi por Marcelo A. Chamone http://jus.com.br/artigos/11365/o-dano-na-responsabilidade civil/2#ixzz3G2yJXnth). 84

GONÇALVES, 2011. 85

CHAMONE, 2008.

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33

Maria Celina Bodin de Moraes (2003), brilhantemente enumerou como

“aceites os seguintes dados para a avaliação do dano moral”: o grau de culpa do

lesante e a intensidade do dolo (grau de culpa); a situação econômica do lesante; a

natureza a gravidade e a repercussão do dano causado (a amplitude do dano); as

condições pessoais da vítima lesada (posição social, política, econômica); e

também, a intensidade do seu sofrimento86.

Assim, segundo a mesma autora, as principais circunstâncias a serem

consideradas como elementos objetivos e subjetivos são: a dimensão do dano que

corresponde a gravidade do fato em si e suas consequências para a vítima; a

culpabilidade do ofensor, que corresponde a intensidade do dolo ou o grau de culpa

do agente; a eventual culpa concorrente do ofendido; a condição econômica do

causador do dano; e as condições pessoais da vítima, referente a sua posição

política, social e econômica87.

Na análise da gravidade do fato e o alcance na vida da vítima, o magistrado

avalia a maior ou menor gravidade e intensidade do sofrimento em decorrência do

dano causado. Quanto à análise da intensidade do dolo ou grau de culpa, projeta-se

a função punitiva da indenização, pois a situação é examinada na perspectiva do

ofensor, ponderando-se o elemento subjetivo que norteou a conduta,determinando

elevado ou atenuado valor, demonstrando sua natureza penal, em face de seu grau

de reprovação social88.

Segundo a autora, com relação à situação econômica do ofensor,

manifestam-se as funções preventiva e punitiva da indenização por dano moral,

pois, ao mesmo tempo em que se busca desestimular o ofensor para a prática de

novos fatos semelhantes, pune-se o responsável com maior ou menor rigor,

conforme sua condição financeira.

Nesse diapasão, pondera a autora que se o ofensor é uma grande empresa

que pratica reiteradamente o mesmo tipo de evento danoso, eleva-se o valor da

indenização para que sejam tomadas medidas para se evitar a reiteração de

situações semelhantes. Caso o ofensor seja uma empresa de pequeno porte, é

prudente que a indenização seja reduzida, adequando um valor para evitar quebra

financeira.

86

MORAES, 2003, p. 29. 87

_____, 2003, p.30. 88

_____, 2003.

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34

Como já comentado, a valoração da situação econômica do ofendido é algo

controverso. Parte da doutrina e da jurisprudência entende que se deve evitar que

uma indenização elevada conduza a um enriquecimento injustificado.

Baseado no exposto, conclui-se que embora não haja previsão normativa

acerca do quantum indenizatório nas ações de reparação, a doutrina e a

jurisprudência estabelecem alguns critérios objetivos com vistas a conciliar às

discussões acerca dos danos de ordem extrapatrimonial. Lembrando que os critérios

são norteados pelos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Como já mencionado anteriormente, a Constituição Federal de 1988

resguarda expressamente no seu artigo 5º, inciso X, o direito à inviolabilidade da

intimidade, da vida privada, da honra e a imagem das pessoas, assegurando para

tanto o direito a indenização pelo dano material ou moral, decorrentes de sua

violação.

Esse espírito constitucional e em todas as normas que regem o sistema

jurídico pátrio, estabelece mas razões de proporcionalidade e razoabilidade a que se

devem ater as decisões judiciais quando do sopesamento dos litígios jurisdicionais.

Representam um conjunto de garantias constitucionais que asseguram às

partes, o exercício de proteção aos seus direitos personalíssimos e ainda, que a

prestação jurisdicional seja entregue de forma proporcional e razoável89.

89

GUNDIM, 2014.

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35

5 A DOUTRINA DO PUNITIVE DAMAGES

5.1 APONTAMENTOS HISTÓRICOS

Para falar sobre os punitive damages, comenta o autor Daniel de Andrade

Levy (2011), é interessante, primeiramente, abordar o aspecto da origem de sua

motivação, qual seja o desejo de vingança inerente a cada ser humano no seu

âmago animalesco e primitivo,que se encontra calcada em dois aspectos

fundamentalmente: em seu embate constante pela sobrevivência, e na desvaloração

do seu semelhante90.

Complementa dizendo que a idéia punitiva se relaciona com os conceitos

jurídico-sociológicos de desvio social e de sanção moral, os quais podem ser

respectivamente explicitados, de uma forma mais simplista, como aquela conduta

que saiu da expectativa do homem médio de determinada sociedade e uma punição

pela conduta ser “desviante” do padrão em que moralmente ela esta fundada.

Segundo a autora Mariana Pargendler (2005), os punitive damages, também

chamados, exemplary damages, ou danos punitivos,baseiam-se num valor em

dinheiro destinado à vítima em uma ação indenizatória em valor superior ao

necessário à compensação do dano, tendo por escopo a dupla finalidade de

prevenção e punição91.

Salienta a autora, que os punitive damages opõem-se aos ditos compensatory

damages, que consistem no montante da indenização equivalente ao dano causado,

atribuído com o objetivo de ressarcir o prejuízo.

90

LEVY, 2011. 91

A prática de condenar o causador de um dano a indenizar múltiplos do dano, típica do Direito Romano, ingressou na tradição anglo-saxônica já nos tempos de Eduardo I, quando se passou a atribuir parte prejudicada o direito a perceber o dobro ou o triplo dos danos por ela sofridos. Por isso, de modo muito característico no Direito inglês, o castigo era infligido mediante o exercício de ações civis, na forma de uma reparação equivalente a um múltiplo do valor do dano sofrido. Estes princípios são perfeitamente aplicáveis ao Direito Romano do fim da República. No direito moderno romano, as ações penais evoluíram gradualmente até adquirir o caráter de ações cuja finalidade era conseguir uma compensação. Na Inglaterra, serviram de modelo aos legisladores da época de Eduardo I (SCHULTZ, Fritz. Derecho romano clásico. Trad. José Santa Cruz Teigeiro. Barcelona: Bosch, 1960, p.548-549 in. In. PARGENDLER, p.10).

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A origem dessa doutrina remonta a história das cortes inglesas do século

XVIII, sendo utilizada como um meio para justificar a atribuição de indenização

quando não havia prejuízo tangível, ou seja, no caso de danos extrapatrimoniais92.

O Foi durante o século XIX que o instituto mais se desenvolveu nos Estados

Unidos, e que tanto as suas cortes quanto as inglesas, começaram a fazer

distinções reais sobre as funções compensatória e punitiva inerentes da

indenização93.

Na ótica da autora, esse movimento faz com que o conceito de

punitivedamages, hoje se encontre desvinculado de sua ligação originária com a

indenização dos danos extrapatrimoniais. Porque, na ótica da autora, suas

finalidades precípuas passaram a ser a punição e a prevenção, uma vez que o foco

incide sobre a conduta do ofensor e não mais sobre a espécie do dano.

Sobre o instituto, algumas considerações gerais, quanto as suas

características gerais e requisitos, são necessárias.Note-se que se referem à

doutrina tal como é aceita nos Estados Unidos, pois na Inglaterra, por exemplo,

desde 1964, com o caso Rookes v.Barnard, as hipóteses em que podem ser

concedidos os punitive damages ficaram mais restritas. Entretanto, esses limites

impostos na Inglaterra, não foram seguidos por outros países da common law, como

Austrália, Canadá e Nova Zelândia94.

Quanto a tais requisitos, o autor André G. Andrade (2009) ensina que em

geral, receber punitive damages não constitui direito subjetivo e depende sempre da

discricionariedade do júri. Também não é possível a condenação em punitive

92

Em 1760, algumas cortes começaram a explicar grandes somas concedidas pelos júris em casos graves como compensação ao autor por mental suffering, woundeddignity e injured feelings. Essa indenização adicional por dano à pessoa eram referidos como exemplarydamages pelas cortes que justificavam a condenação afirmando que as indenizações elevadas tinham por objetivo não só compensar o lesado pelo prejuízo intangível sofrido, mas também punir o ofensor pela conduta ilícita. Na verdade, tais objetivos foram confundidos pelas Cortes inglesas e norte-americanas até meados do século XIX. (Exemplary damages in the Law of Torts. Harvard Law Review, n. 70, 1957, p.517 ss. In. PARGENDLER, p.11). 93

Porém, no decorrer do século XIX, tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra, o conceito de actualdamages (categoria que representa os danos efetivos, na qual se incluem as perdas e danos compensatórias) foi ampliado para abarcar também o prejuízo intangível. Como conseqüência, a função originalmente compensatória dos exemplardamages foi transferida aos actualdamages, e as cortes foram levadas a falar dos exemplarydamages exclusivamente em termos de punishment e deterrence. (PARGENDLER, 2004, p.12). 94

Em 1964, com o caso Rookes v. Barnard, deu-se um redimensionamento ao possível campo de atuação dos punitivedamages. Nessa decisão, LordDevlin entendeu conveniente limitar a condenação em empunitivedamages a três hipóteses bem definidas: (1) diante de uma violação de direitos fundamentais dos cidadãos pela Administração Pública; (2) quando há uma clara intenção do causador do dano de obter um lucro injustificado que não encontraria outras sanções; (3) se existir previsão expressa em lei especial (PARGENDLER, 2004, p.14).

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damages por violação de um contrato, independentemente dos motivos que levaram

o réu a fazê-lo95.

Pondera o mesmo autor que, os punitive damages só podem ser concedidos

em caso de circunstâncias subjetivas que se assemelham à categoria continental do

dolo, quais sejam malícia, devassidão, a obstinação, a opressão, a fraude entre

outras e a mera negligência, na ausência das circunstâncias agravantes, não é

razão suficiente para uma condenação de punitive damages.

Segundo o autor Said Cahali (1980), a noção de pena privada foi aos poucos

saindo de cena do direito continental a partir do período justinianeu96. Os fatores que

conduziram ao aprofundamento da nítida cisão dos planos ressarcitório e punitivo já

iniciada ao final do período romano são múltiplos. Tome-se, por exemplo, a

influência dos ideais de justiça comutativa propugnados por São Tomás de Aquino;

nessa perspectiva, deveria ser banida qualquer transferência injustificada de riqueza

de um sujeito a outro97.

Segundo a autora Maria Celina Bodin de Moraes (2003), existe a

contraposição: público-privado, fruto do ideário liberal. E com o Código Civil dos

franceses, se produziu uma separação entre a matéria civil e os tipos penais,

distinção que começou pela opção de criar diferentes documentos legislativos para

cada uma dessas disciplinas98.

95

ANDRADE, André Gustavo de. Dano moral e indenização punitiva. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. 96

Atribui-se à jurisprudência romana o mérito de haver iniciado validamente o movimento de “despenalização” total do direito privado, tendente a eliminar dele todo elemento penalístico, com a construção de um ilícito aquiliano apenas e tão somente de caráter reipersecutório (CAHALI, Yussef Said. Dano e indenização. São Paulo: RT, 1980, p.20) 97

Segundo São Tomás, diferentemente da lei positiva aplicada ao seu tempo, quem fosse culpado por um furto poderia liberar-se simplesmente restituindo aquilo que havia subtraído. Tais idéias sugeriam a limitação da obrigação de indenizar ao mero ressarcimento do dano efetivamente infligido. O processo de despenalização da responsabilidade civil surgiu não somente no sentido de limitar cada vez mais a obrigação ressarcitória somente aos danos efetivamente sofridos, mas também no sentido de tornar cada vez mais uniforme as regras desse instituto. As várias ações penais romanas comportavam a aplicação de regras diferentes segundo o tipo de ação não somente sob o ponto de vista dos pressupostos da ação, mas também sob o ponto de vista do quantum ressarcitório que variava segundo a gravidade da lesão; por exemplo, o roubo, enquanto crime mais grave, comportava uma obrigação ressarcitóriamaior que a do simples furto e assim por diante. (CAHALI, Yussef Said. Dano e indenização. São Paulo: RT, 1980, p.21). 98

Como observa Hans Hattenhauer, a separação não emergia de qualquer esforço de cientificidade ou sistematização, mas, sim, da rígida divisão entre o Direito Público e o Direito Privado, entre a liberdade do cidadão quanto à circulação dos bens e sua posição frente ao poder estatal – separação esta de fundamental importância para assegurar a plena autonomia na sociedade burguesa” (MORAES, Maria Celina Bodinde. Danos à pessoa Humana: uma leitura civil-constitucional. Rio de Janeiro,Renovar, 2003, p.201-202).

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Essa separação entre pena e indenização foi uma das consequências dessa

mentalidade, tendo em vista os objetivos a serem alcançados, era, então,

imprescindível retirar da indenização qualquer conotação punitiva; apena dirá

respeito ao Estado e a reparação, mediante indenização, exclusivamente ao

cidadão99.

5.2 ASPECTOS ESSENCIAIS ACERCA DOPUNITIVE DAMAGES

A investigação da problemática que envolve os punitive damages se

enriquece ao examinarmos suas origens e o seu desenvolvimento na common law,

principalmente quando se identifica os principais impasses que o instituto tem

suscitado na experiência norte-americana100.

Basicamente dois são os principais grupos que sistematizam o Direito

Ocidental. São eles o common law e o civil law. Este tem sua origem na Europa

Continental, ligada ao antigo Direito romano, enquanto o primeiro, a chamada família

do commow law,integra-se ao Direito inglês, com algumas exceções, pelos Direitos

dos demais países de língua inglesa101.

O termo commow law expressa um sistema jurídico em que uma das fontes

primárias do Direito é a decisão ou precedente judicial. O conjunto dessas decisões,

vinculadoras do julgamento de casos futuros constitui o “Direito Comum”, aplicável

preferencialmente em relação às normas estabelecidas abstratamente em leis ou

outros diplomas emanados de órgãos com competência legislativa102.

Andrade (2009) pondera que a principal característica desse sistema é a

criação do Direito pelo juiz, em contraposição ao Direito estabelecido por órgão não

integrante do Poder Judiciário. O direito do commow law, analisa em cada caso

concreto uma solução baseada na razão, resultando disso uma coesão das decisões

de justiça. Essa ausência de um conjunto pormenorizado de regras escritas

impulsiona o julgador, no sistema de commow law, a buscar soluções fundadas na

razão e na argumentação103.

99

MORAES, 2003. 100

MORAES, 2000. 101

ANDRADE, 2009, p. 169. 102

_____, 2009, p.170. 103

O commowlaw está fundado na doctrineofstaredecisis também denominada doutrina de precedentes, regra jurídica segundo a qual uma decisão são tomada por uma corte de justiça mais elevada deve se seguida pelas cortes inferiores da mesma jurisdição quando as circunstâncias de

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Salienta o autor André Gustavo de Andrade (2009) que o precedente, por não

constituir uma regra abstrata, mas “uma regra intimamente ligada aos fatos que lhe

deram origem104”, não engessa o Direito, como imaginam muitos juristas dos países

da tradição romano-germânica. Ao contrário, acredita que a falta de um conjunto

sistematizado de regras escritas deixa o sistema maleável e torna mais comum o

emprego de argumentos de princípio.

Refletindo sobre os dois sistemas, o autor acentua que, em países que

seguem a tradição romano-germânica, e consequentemente no Brasil,em nome da

segurança e da previsibilidade, se regula os aspectos da vida social por meio de

regras gerais e abstratas elaboradas previamente pelo legislativo.

O autor conclui que nesse sistema, a jurisprudência possui força num sentido

de persuasão e é comum enfatizar a parte da ementa e a parte dispositiva,

atribuindo pouca ou nenhuma atenção à fundamentação e circunstâncias de fato

subjacentes.

Por esse exame, num primeiro momento, verifica-se que a aplicação pura e

simples do instituto dos punitive damages no sistema civil law fica comprometido

uma vez que precisam ser analisadas peculiaridades que constituem sistemáticas

diversas, pois o sistema civil law se caracteriza a partir de uma realidade

sociopolítica diferente em evolução e desenvolvimento105.

No sistema common law, a idéia central das verbas punitivas se constitui de

maneira diferente do conceito reparador em que o ordenamento jurídico brasileiro

busca suas bases. Enquanto no civil law a responsabilidade pelo dano se dá com

objetivo da reparação do dano causado,no sistema common law ocorre um aumento

dessa possibilidade de reparação, indo além da cessação do dano ou da restituição

do status quo de quem sofreu a lesão, mas possui um caráter punitivo e

preventivo106.

fato no caso subseqüente sob análise forem as mesmas do caso precedente, que atua como paradigma. A ideia predominante á a de que a regra do precedente traz maior segurança para as relações jurídicas, á medida que permite antecipar o entendimento judicial a der dado a um determinado conjunto de fatos, quando fatos idênticos ou análogos foram submetidos à decisão anterior. Acredita-se que um conjunto de precedentes obrigatórios confere consistência ao sistema jurídico e alimenta o sentimento de justiça, porque faz com dois casos idênticos ou similares em seus aspectos fáticos sejam tratados da mesma maneira (ANDRADE, 2009, p.171). 104

ANDRADE, 2009, p.171. 105

_____, 2009, p.172. 106

Em um viés econômico, entende-se que há uma diferenciação entre danos passíveis de indenização e outros não indenizáveis. Enquanto os primeiros, também denominados

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Universalização e casuística; ciência e experiência; regra de lei e

precedentes; deste modo, segundo Maria Celina Bodin de Moraes (2003), podemos

resumir os contrapostos sistemas jurídicos da common law e da civil law. Em sua

opinião, em que pese às diferenças estruturais, é inegável a aproximação que ocorre

entre essas duas famílias jurídicas107.

Um exemplo da aproximação mencionada é a ampla repercussão no Brasil,

da atribuição de um caráter punitivo à reparação do dano extrapatrimonial. Salienta

a autora, que já se encontra, de certo modo, assimilada pela jurisprudência e pela

doutrina brasileira, querendo ganhar consistência legislativa108.

Delimitar um possível conceito para os punitive damages, contribui para o

entendimento de quais aspectos são afetados quanto à responsabilidade civil

brasileira.Nesse âmbito, temos no autor Sérgio Cavalieri Filho (2010), “que a

indenização punitiva do dano moral surge como reflexo de mudança de paradigma

da responsabilidade e atende dois objetivos bem definidos: a prevenção por meio da

dissuasão; e punição por meio da retribuição109”.

Na ótica do autor André Gustavo de Andrade (2009), os punitive damages

constituem uma indenização outorgada em adição à indenização compensatória

quando o ofensor agiu como negligência, malícia ou dolo110.

5.3 A APLICAÇÃO DA FUNÇÃO PUNITIVO-PEDAGÓGICA NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

A autora Mariana Pargendler (2005) se alinha com o ponto de vista de Maria

Celina Bodin de Moraes (2003) e nos coloca que, apesar do descrédito geral a que

deactualdamages, fazem alusão ao prejuízo sofrido, liquido e certo de ser determinado (caráter reparador), os danos não indenizáveis seriam, nesse sentido, os quais serviriam para castigar o ofensor (caráter sancionatório) ANDRADE, 2009, p.172. 107

Na ótica da autora, a transposição de institutos e procedimentos típicos do direito americano é vivamente sentida, não mais somente no âmbito do direito constitucional, mas também no que se designa tradicionalmente por direito privado. MORAES, Maria Celina Bodin de. PunitiveDamages em sistemas civilistas: problemas e perspectivas. Revista trimestral de Direito civil – v.18 junho 2004, p.46. 108

A tese da função punitiva da reparação do dano extrapatrimonial conta atualmente no Brasil com ilustres e ardorosos defensores, tanto na doutrina, como Sílvio Rodrigues, Maria Helena Diniz, Caio Mário da Silva, Sérgio Cavalieri, Clayton Reis, dentre outros, quanto na jurisprudência. (MORAES, Maria Celina Bodin de. 2004, p.47). 109

CAVALIERI FILHO, 2010. 110

ANDRADE, 2009.

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foi submetida durante largo período de tempo, a discussão sobre o caráter exemplar

da responsabilidade civil vem ganhando força nos países de civil law111.

O retorno do caráter exemplar da responsabilidade civil se daria, na ótica da

autora,na maior parte dos casos, pela insuficiência das respostas oferecidas pela

responsabilidade civil quando exerce função meramente compensatória, com o

montante da indenização limitado ao dano efetivamente sofrido.

Somado a isso, a tendência de retração do Direito Penal, que vem se

limitando às ofensas mais graves à ordem social, evitando a banalização do direito

penal, abrindo, então, espaço para a retomada do caráter sancionador da

responsabilidade civil112.

Assevera Moraes (2003), entretanto, que apesar do posicionamento

doutrinário e jurisprudencial nesta matéria, não há na legislação brasileira, nada que

autorize a aplicação dos punitive damages ao lado da função compensatória, à

indenização de danos extrapatrimoniais. Muito pelo contrário, assegura a autora, por

diversas vezes o instituto foi rejeitado pelos legisladores113.

Esta solução, na ótica da maioria dos legisladores, configura uma genérica

autorização ao juiz para acréscimo de parcela punitiva, e não é razoável nem

suficiente, pois, seria um cheque em branco para o magistrado agir como quisesse.

Estaria liberado para punir e o lesante continuaria passível de sofrer penalidades

exemplares, podendo ser usado como bode expiatório114.

Aos que defendem, restam argumentos como o de que a reparação do dano

extrapatrimonial cumpre uma função de justiça corretiva, pois conjuga a natureza

satisfatória e a natureza penal da indenização.

Nesse sentido, surgiu a tese do desestímulo, segundo a qual no âmbito da

indenização deve vir inserida quantia suficiente para conscientizar o ofensor de não

persistir no comportamento lesivo115.

A autora elenca que existe a necessidade de impor ao lesante uma pena para

que a infração não passe impune e assim, estimule novas agressões. A indenização

funcionaria também, como uma espécie de pena privada em benefício da vítima116.

111

PARGENDLER, 2005, p.19. 112

_____, p.20. 113

MORAES. 2004, p.48. 114

_____, p.49. 115

_____, 2004, p.51.

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Outro elemento que talvez possa conjeturar esse quadro, é que anos atrás, o

pagamento pela dor sofrida era considerado imoral, quando as indenizações

possuíam apenas caráter simbólico. Realidade atualmente bem diversa, e muitos

consideram que a estrutura de pena privada é fundamento bastante aceitável diante

de certas categorias de danos extrapatrimoniais117.

Diante da afirmação de alguns doutrinadores de que seria imoral e impossível

pagar a dor com dinheiro, emergiram construções doutrinárias com o intuito de

legitimara concessão de uma soma em dinheiro à pessoa que teve sua esfera

extrapatrimonial atingida118.

Passou-se a defender que a indenização do dano moral era legítima e

também necessária, para evitar que o lesante ficasse impune. Assim, afastando as

questões de cunho moral, justificou-se a indenização do dano moral com

fundamento na noção de pena privada.

Nesse aspecto observa-se uma aproximação com o surgimento do instituto no

sistema common law. Frente a necessidade de ressarcir, porém, mediante a

impossibilidade originária de assim o fazer, surgia a doutrina dos punitive damages

para não deixar o ofendido sem amparo por parte do ordenamento jurídico119.

No ordenamento jurídico brasileiro, a discussão pautada sobre o caráter

exemplar da responsabilidade civil se restringe à emblemática questão da reparação

do dano moral. O caráter punitivo e preventivo da responsabilidade civil é visto como

característica inerente e exclusiva da indenização dos danos morais120.

Na história do direito brasileiro, não passamos pelo mesmo modelo de

evolução sofrido pelo direito norte-americano121,e por isso, ainda se reputam os

116

Ao lado da aplicação dos punitivedamages, encontra-se a teoria do valor do desestímulo, originária do ordenamento norte-americano, tem como fundamento a punição com caráter exemplar ao causador do dano, inibindo e desestimulando a repetição da conduta danosa. Vale pensar que a indenização pode ter basicamente duas naturezas: uma compensatória (compensatorydamages) e outra punitiva/exemplar (punitivedamages também podem ser chamados de exemplarydamages ou vindictivedamages). Enquanto a primeira categoria baseia-se na compensação em razão das perdas e danos sofridos, a segunda é não se atrela especificamente a um dano, mas tem um viés claramente punitivo, inibitório e preventivo da reiteração de comportamentos danosos abusivos. (ANDRADE, 2014). 117

MORAES, 2004, p.52. 118

PARGENDLER, 2005, p.26. 119

Aliás, nesse aspecto, verifica-se um inegável paralelo com o surgimento da doutrina dos punitivedamagesna tradição anglo-saxônica. Diante da impossibilidade originária em ressarcir o dano que não deixasse lastros patrimoniais, lançou-se mão da teoria punitiva a fim de não deixar o lesado, nesses casos, sem qualquer amparo por parte do ordenamento jurídico (PARGENDLER, 2005, p.26). 120

PARGENDLER, 2005, p. 27. 121

A colonização britânica dos Estados Unidos implicou em diversas influências no ordenamento jurídico dos colonizados, inclusive, na importação da figura dos punitivedamages.Os primeiros casos

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aspectos punitivos como imanentes aos danos morais. Em nosso ordenamento

jurídico, embora desde a CF/88 tenha se tornada pacífica a admissibilidade da

indenização dos danos morais, por expressa disposição constitucional, como já

mencionado, ainda hoje não se atingiu um consenso sobre a sua função122.

O Brasil sofreu fortes influências do sistema civil francês e do ordenamento

italiano, seguindo um rumo diferente dos países de predomínio common law.Deste

modo, como já mencionado, não reconhece formalmente a função punitiva da

responsabilidade civil123.

de punitivedamages nos EUA resultam de insultos e humilhações sofridos pela vítima no caso Genay v. Norris em 1784.

Com a revolução industrial, os acidentes nas fábricas americanas tornaram-se grandes fontes de indenizações punitivas até meados do séc. XX. A partir de meados do séc. XIX, os tribunais passaram a enunciar expressamente que os punitivedamages eram atribuídos como forma de punir o agente e prevenir que outros membros da sociedade praticassem o mesmo comportamento lesivo.

Nos Estados Unidos, o dano moral passou a ser concedido sob uma rubrica em separado (painandsuffering), no âmbito da indenização exclusivamente compensatória. Nas palavras de Vitor Fernandes Gonçalves, “essa rubrica é entendida como um elemento das perdas e danos destinado à reparação de todas as formas de sofrimento consciente, mental e/ou físico”.

A partir da década de 70, especialmente no que tange aos danos decorrentes de acidentes de consumo (productsliability), é que o instituto dos punitivedamages passa a ser consideravelmente utilizado pelos juízes, gerando indenizações não raro milionárias.

No ordenamento estadunidense, observa-se uma preocupação marcante com o caráter preventivo das indenizações a título de punitivedamages. Vislumbra-se uma função social no litígio, a qual transcende a própria indenização do sofredor do dano, e situa a indenização punitiva como forma de prevenir novas condutas lesivas à sociedade.

Essa preocupação com a função preventiva da indenização levou o ordenamento jurídico norte-americanoa estipular indenizações completamente desproporcionais à dimensão individual dos danos causados. Por isso, a principal crítica que se faz aos punitivedamages nos EUA é a imprevisibilidade, a incongruência entre as situações levadas a juízo e as altas indenizações recebidas pelos autores das ações.

No Direito norte-americano, dois célebres casos tornaram-se marcos tanto da exacerbação da função punitivo-preventiva das verbas punitivas, como da desproporção dos valores das indenizações determinadas pelo Judiciário.

Uma senhora de 79 anos, Stella Liebeck, derramou um café comprado no drive-through de uma lanchonete do McDonald’s, e como indenização punitiva pelas queimaduras, o júri determinou o pagamento da quantia de R$2.7 milhões de dólares.

O júri, considerando a existência de mais de 700 reclamações acerca da temperatura elevada do café nas redes McDonald’s, justificou o montante elevado dos punitivedamages como forma de prevenir que a rede de sanduíches continuasse a causar os mesmos danos em casos semelhantes. (...)

A corte maior sedimentou que a DueProcessClause deveria efetivamente respeitar certos parâmetros quando da definição das verbas punitivas: i) o grau da responsabilidade da conduta; ii) a relação entre os danos compensatórios e os danos punitivos; e iii) a diferença entre o valor dos danos punitivos e as penalidades civis ou criminais autorizadas ou impostas em casos semelhantes.

Dentro da lógica de privilégio da função preventiva dos punitivedamages nos EUA, fica claro que um dos objetivos do sistema jurídico daquele país é impedir que as condutas danosas de empresas possam ser absorvidas por uma ótica econômica do dano. Ou seja, busca-se evitar que, em prevalecer indenizações punitivas modestas, as companhias passem a considerar as indenizações como custo efetivo de produção. É a lógica econômica do dano, em que em um contexto jurídico de indenizações módicas, vale a pena praticar atos lesivos. (SAN´T ANNA, 2012) 122

PARGENDLER, 2005, p. 28. 123

SAN´T ANNA, 2012.

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Observa-se que a categoria do dano moral passou a ser interpretada de

forma a justificar não apenas a compensação em razão da violação dos direitos da

personalidade, mas também, como forma de punir o ofensor, desestimulando novas

condutas semelhantes. Assim, as funções indenizatória, compensatória e punitiva

constituem uma coisa só, modalidade diversa da norte-americana124.

Interessante discernir os termos reparação, indenização e compensação, que

são normalmente confundidos em nosso ordenamento pátrio. Com efeito, segundo a

autora Thaís G. Pascoaloto Venturi (2012), no âmbito das funções da

responsabilidade civil, a reparação seria o gênero e a indenização e a compensação

seriam suas espécies125.

Segundo a autora, indenização conduz à idéia de restauração, de

ressarcimento de algo que sofreu alguma mutação e que deve ser recomposto ao

seu estado originário. O termo indenizar é proveniente do latim “in dene” significando

reconstituição do patrimônio ao seu estado anterior126.

Completa ela, que essa reconstituição esta ligada a idéia de restabelecimento

do equilíbrio por meio da função indenizatória que possui um caráter nitidamente

patrimonial, pois apenas os bens materiais são suscetíveis de serem recompostos

ao seu estado anterior ao dano.

Venturi (2012) conclui a explicação anotando que a concepção da

indenização está pautada no princípio da restitutio in integrum, ou da reparação

completa. Deste modo, no caso de danos patrimoniais, não resta dúvida em se fixar

o quantum indenizatório que deve ser precisamente equivalente ao dano caso não

seja possível a reparação in natura127.

No caso da compensação, busca-se o reequilíbrio social não pela reposição

do bem violado ao seu estado anterior, mas por alguma satisfação que possa

contrabalançar o mal causado, apesar de que ele não pode ser apagado. O termo

compensar é proveniente do latim, “compensare” significando contrabalançar,

equilibrar, ou reparar o dano, o incômodo, etc., resultante de um dano128.

124

VENTURI, Thaís Goveia Pascoaloto. Dado extraído de aula dia 04/11/2014 nas dependências da Universidade Tuiuti do Paraná. 125

VENTURI, 2012, p.38. 126

VENTURI, Thaís Goveia Pascoaloto. Dado extraído de aula dia 04/11/2014 nas dependências da Universidade Tuiuti do Paraná. 127

VENTURI, 2012, p.39. 128

_____, 2012, p.39.

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Assevera a autora que em se tratando de prejuízos provocados a bens

extrapatrimonais, o modo de restabelecimento para a situação anterior ao dano é

matéria muito complexa, podendo-se dizer que é praticamente impossível referir-se

a uma forma precisa de reposição do equivalente absoluto.

Portanto, ao se falar em compensação, não se trata de efeito ressarcitório,

pois, não há como recompor ao estado anterior ao dano, mas, trata-se de

proporcionar à vítima uma forma de satisfação que amenize as perdas sofridas.

Anota Venturi (2012) que por isso a compensação esta vinculada aos danos

de caráter não patrimonial que, por sua abstração e subjetividade, não permitem

uma reparação no sentido de recomposição ao status quo ante129.

Ela defende que existe uma insuficiência da função reparatória da

responsabilidade civil na realidade jurídica brasileira, sobretudo no que diz respeito à

fixação de um montante indenizatório na hipótese de danos extrapatrimoniais. Nesse

diapasão, isso tem levado ao desenvolvimento de um caráter punitivo-pedagógico

no âmbito de suas funções e que a cada dia vem ganhando mais adeptos, tanto em

sede doutrinária como jurisprudencial130.

Em que pese a função punitiva das indenizações não ser reconhecida

formalmente no ordenamento jurídico brasileiro, a concepção jurisprudencial do

dano moral implica, mediante critérios de estipulação, em um inegável caráter

sancionatório em diversos julgamentos cíveis131.

Diante do consenso sobre a falta de previsão legal da função punitiva da

responsabilidade civil como categoria autônoma, a jurisprudência nacional passou a

ampliar a interpretação da categoria do dano moral, comportando uma função

punitivo-preventiva da indenização. Temos então a compensação do ofendido

129

Sob esse aspecto, a função compensatória busca “satisfazer” de algumaforma aqueles sujeitos que tiveram atingido o seu núcleo do “ser como pessoa”, isto é, ofensa à sua esfera extrapatrimonial. Assim, a responsabilidade civil, por meio de sua função compensatória, busca viabilizar à vítima que sofreu um dano em sua subjetividade alguma forma de satisfação idônea a compensar o mal sofrido (VENTURI, 2012, p. 40). 130

_____, 2012. 131

O art. 944 afirma que “A indenização mede-se pela extensão do dano.” Não faz menção, pois, a nenhum aspecto subjetivo da conduta do ofensor como critério de estipulação da compensação pecuniária. Ressalta-se, entretanto, que parágrafo único do mencionado artigo estipula que “Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.” Há uma preocupação legislativa com o aspecto subjetivo da conduta ilícita apenas no que se refere à estipulação de indenizações desproporcionais, ou seja, com uma possível incongruência entre a gravidade da conduta e a extensão do dano (SAN´T ANNA, 2012).

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quanto aos danos extrapatrimoniais causados de um lado e a punição do agente e a

prevenção de novas condutas abusivas de outro132.

O autor Danilo Barbosa de Sant' Anna (2012), em seu artigo, constata que o

Superior Tribunal de Justiça, apesar da oscilação jurisprudencial sobre o tema,

considera como critérios para fixar o quantum indenizatório, a reprovação da

conduta, a repercussão social do dano e as condições socioeconômicas da vítima e

do ofensor.

Extrai tal constatação através de entendimentos do Tribunal133que

reconheceu tanto a necessidade de seguimento de certos critérios subjetivos na

132

SAN’T ANNA, 2012. 133

DANO MORAL. REPARAÇÃO. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DO VALOR. CONDENAÇÃO ANTERIOR, EM QUANTIA MENOR. Na fixação do valor da condenação por dano moral, deve o julgador atender a certos critérios, tais como nível cultural do causador do dano; condição sócio-econômica do ofensor e do ofendido; intensidade do dolo ou grau da culpa (se for o caso) do autor da ofensa; efeitos do dano no psiquismo do ofendido e as repercussões do fato na comunidade em que vive a vítima. Ademais, a reparação deve ter fim também pedagógico, de modo a desestimular a prática de outros ilícitos similares, sem que sirva, entretanto, a condenação de contributo a enriquecimentos injustificáveis. Verificada condenação anterior, de outro órgão de imprensa, em quantia bem inferior, por fatos análogos, é lícito ao STJ conhecer do recurso pela alínea c do permissivo constitucional e reduzir o valor arbitrado a título de reparação. Recurso conhecido e, por maioria, provido. O STJ, em alguns casos, vai além e relaciona diretamente a função punitiva do dano moral com o instituto dos punitivedamages. Eis notícia sobre julgamento recente sobre o tema: DANO MORAL. PUBLICAÇÃO. REVISTA. Trata-se, na origem, de ação indenizatória ajuizada por ex-presidente da República, recorrente, contra grupo editorial, recorrido, em razão de matéria publicada em revista de propriedade da última. Segundo o recorrente, a reportagem agrediu-o com uma série de calúnias, injúrias e difamações. O juízo a quo julgou improcedente o pedido. O tribunal de origem reformou a sentença, fixando a indenização em R$ 60 mil. O recorrente interpôs recurso especial alegando, em síntese, que o valor da indenização foi arbitrado com excessiva parcimônia, violando o art. 944 do CC, não tendo sido levada em consideração a qualificação das partes envolvidas, a repercussão do dano causado e o lucro auferido pela recorrida com a publicação da reportagem injuriosa. A Turma, por maioria, deu provimento ao recurso por entender que a lei não fixa valores ou critérios para a quantificação do valor do dano moral. Ademais, essa Corte tem-se pronunciado no sentido de que o valor de reparação do dano deve ser fixado em montante que desestimule o ofensor a repetir a falta, sem constituir, de outro lado, enriquecimento indevido. No caso, o desestímulo ao tipo de ofensa, juridicamente catalogada como injúria, deve ser enfatizado. Não importa quem seja o ofendido, o sistema jurídico reprova sejam-lhe dirigidos qualificativos pessoais ofensivos à honra e à dignidade. A linguagem oferece larga margem de variantes para externar a crítica sem o uso de palavras e expressões ofensivas. O desestímulo ao escrito injurioso em grande e respeitado veículo de comunicação autoriza a fixação da indenização mais elevada, à moda do punitivedammage do direito anglo-americano, revivendo lembranças de suas consequências para a generalidade da comunicação de que o respeito à dignidade pessoal se impõe a todos. Por outro lado, não se pode deixar de atentar aos fundamentos da qualidade da ofensa pessoal considerados pela douta maioria no julgamento, salientando que o recorrente, absolvido, mesmo que por motivos formais, da acusação da prática do crime de corrupção e ainda que sancionado com o julgamento político do impeachment, veio a cumprir o período legal de exclusão da atividade política e, posteriormente, eleito senador da República, chancelado pelo respeitável fato da vontade popular. Diante dessa e de outras considerações, definiu-se o valor de R$ 500 mil, fixado à dosagem equitativa em consideração às circunstâncias objetivas e subjetivas da ofensa, ligadas ao fato e suas consequências, bem como à capacidade econômica dos ofensores e à pessoa do ofendido. Vencidos

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estipulação do dano moral, como a natureza pedagógica da indenização a esse

título e destaca dois enunciados aprovados na Jornada de Direito Civil que

expressamente aceitam a investigação da culpa do ofensor na definição do dano

moral e a função punitiva da responsabilidade civil134.

Segundo o autor, essa lacuna legislativa acerca das hipóteses e contornos da

função punitiva das indenizações gera uma insegurança jurídica. Por parte do

lesante já que não sabe se efetivamente vai arcar com uma indenização a título de

punição. E por outro lado, para a vítima que não sabe em qual medida será

compensado pelos danos sofridos ou indenizado em razão da punição do ofensor.

Conclui ele que a extensão da função dos danos morais à categoria punitiva,

desfoca a real necessidade de reconhecimento da função punitiva da

responsabilidade civil. Defende a adoção de uma categoria autônoma referente a

uma indenização punitiva como forma de otimizar e deixar claras as regras que

devem ser seguidas no caso da punição de conduta ilícita.

5.4 PUNITIVE DAMAGES, LIMITES E PERSPECTIVAS EM SOLO PÁTRIO

Vimos até aqui que o emprego dos punitive damages se justificaria por

desempenharem a função de punir o ofensor e desestimular comportamentos

antissociais semelhantes. Desse modo, servindo como uma espécie de exemplo, e

possivelmente prevenindo novas lesões.

Conforme afirma a autora Mariana Pargendler (2005), a aplicação do instituto

se justificaria devido a atual inefetividade da função ressarcitória aplicada no

ordenamento jurídico civil brasileiro. Segundo ela, há uma insuficiência das

respostas oferecidas pela responsabilidade civil por ser meramente ressarcitório,

com o montante da indenização limitado ao quantum efetivamente sofrido135.

Assegura a autora que a fórmula de cálculo realizada para determinar o

quantum indenizatório, condicionante do conceito jurídico de dano, apesar de se

adequar a maioria dos casos dos danos patrimoniais, não serve para auferir o dano

em parte o Min. Relator e o Min. Paulo de Tarso Sanseverino, que proviam em menor extensão ao fixar a indenização em R$ 150 mil. REsp 1.120.971-RJ. Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 28/2/2012.(SAN´T ANNA, 2012). 134

“Art. 944. O grau de culpa do ofensor, ou a sua eventual conduta intencional, deve ser levado em conta pelo juiz para a quantificação do dano moral;”; “379) O art. 944, caput, do Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil.” (SAN´T ANNA, 2012). 135

PARGENDLER, 2005. p.16.

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extrapatrimonial, pois para ela, parece impossível determinar o encontro de critérios

unitários, gerais e abstratos, aplicáveis a generalidade das situações.

Por fim, chama atenção aos casos em que os lesantes, muitas vezes de

modo doloso se utilizam da lógica do custo benefício onde, ao avaliar um benefício

econômico posterior maior que o custo pelo dano, opta-se por este. Nesse sentido, a

autora defende a adoção dos punitive damages como forma de incutir uma punição

necessária e desestimular futuro comportamento semelhante, fortalecendo a

reparação dos danos136.

Contudo, a autora Thaís Venturi (2012) comenta que, apesar de necessária

para a refundamentação preventiva da responsabilidade civil, a punição pedagógica

parece insuficiente. Segundo ela, os punitive damages não podem ser considerados

a única,ou melhor forma de prevenção contra a ocorrência de danos.Outros

mecanismos inibitórios lhe podem ser agregados para tal finalidade137.

Salienta, que hoje esta superada no Brasil a discussão sobre a viabilidade da

plena reparabilidade dos chamados danos extrapatrimonais. Contudo, a pauta é

outra, agora a controvérsia é quanto à possível inserção de um caráter punitivo-

pedagógico nas indenizações por danos extrapatrimoniais ou até mesmo

patrimoniais.

Como já aludido nesse presente estudo, o caráter punitivo, apesar de não

possuir previsão legislativa expressa no Brasil, a aplicação de uma sanção de cunho

civil ao ofensor já vem sendo praticada, fruto de uma construção jurisprudencial dos

tribunais que, ao que parece têm assumido tal opção138.

Ausentes os critérios para uma adequada aplicação do instituto, a

jurisprudência passou a integrar os punitive damages na valoração das chamadas

perdas e danos aludindo-se, então, à gravidade do dano, ao grau de culpa do

136

_____, 2005, p.17. 137

Ademais, a função punitivo-pedagógica merece ser instrumentalizada por via de multas civis, mediante regulação própria a respeito dos pressupostos de incidência e destinação apropriada, e não pelo simples agravamento da indenização que, para além de aleatório (sendo, portanto, possivelmente incongruente com a garantia do devido processo legal), ainda pode representar enriquecimento ilícito para as vítimas demandantes, o que igualmente não deixaria de ser contrário ao sistemas constitucional e infraconstitucional (VENTURI, 2012). 138

Prova disso pode ser extraída do Enunciado nº 379, editado pelo Centro de EstudosJudiciários – CEJ – do Conselho da Justiça Federal – CJF, no ano de 2006, por ocasião da IV Jornada de Direito Civil: “Art. 944: O art. 944, caput, do Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil.” (apud VENTURI, 2012, p.282).

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ofensor, à capacidade econômica da vítima e à capacidade econômica do

ofensor139.

Nesse diapasão, passou-se a disseminar a aplicação do instituto nos

tribunais, de modo disfarçado ou subliminarmente. Conforme Venturi (2012) ocorre

que, além da valoração das chamadas perdas e danos, passou-se utilizar-se da

desvaloração da conduta do causador, levando em conta sua culpa, capacidade

econômica e a intensidade da lesão. Desse modo, temos confundidos a reparação e

a punição fazendo com que a função punitiva constitua um “mero núcleo de

fortalecimento para a efetividade da função de reparação dos danos”, nas palavras

da autora140.

Nesse aspecto, outro autor, Carlos Alberto Bittar (1993), anota que a função

punitiva da responsabilidade civil não serve exatamente para fortalecer a idéia de

reparação, mas especialmente, para tornar mais eficiente a função desestimulante,

dissuasória, implementando a prevenção. Assim, o instituto serve antes como

mecanismo de repressão e não reparação fundamentalmente141.

Na atual realidade brasileira, Venturi (2012) comenta que sejam quais forem

os critérios e os instrumentos acolhidos para o estabelecimento das hipóteses de

incidência e dos limites de atuação da função punitiva, não há mais razão lógica

(muito menos ambiente social) para que se continue a negá-la, prendendo-se o

sistema jurídico civil às amarras de um pensamento político-ideológico já

superado142.

No entanto, salienta a autora, é preciso uma atuação do legislador para que

se possa definir critérios objetivos, condições, hipóteses e limites de atuação dessa

função punitivo-pedagógica da responsabilidade civil, a fim de se evitar que a já

atualmente verificada aplicação jurisdicional, não represente afronta à garantia do

devido processo legal.

Nesse sentido, entendemos que apesar da importância do instituto para a

refundamentação preventiva da responsabilidade civil, como já mencionado pela

autora, a função punitivo-pedagógica não pode constituir mera liberalidade, muito

menos abstração por parte dos tribunais.

139

VENTURI, 2012. 140

_____, 2012. 141

BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 2ª ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 1993, p. 112. 142

VENTURI, 2012.

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Defende que o mais sensato a fazer em relação a função punitivo-

pedagógica,é atrelar à imposição de multas civis143, podendo efetivar sua função

dissuasória geral e segurança jurídica relativamente aos fundamentos e os limites de

imposição.

Por meio de uma breve análise da jurisprudência nacional já é possível

afirmar que os tribunais nacionais, vêm incorporando a aplicação da doutrina dos

punitive damages144. E também, o Superior Tribunal de Justiça, ao rever

condenações por indenizações de danos morais, tem considerado o grau de culpa

do ofensor145.

143

Como verificado, seja no âmbito da responsabilidade extracontratual, seja no campo da responsabilidade negocial, o emprego do mecanismo das multas civis pode representar poderoso instrumento dissuasório, capaz de, quando menos, impactar a tomada de decisões por parte dos possíveis agressores, seja no âmbito das relações privadas, seja, sobretudo, no que diz respeito à prevenção contra riscos concretos de danos e cautela contra riscos que, apesar de abstratos ou incertos, podem acarretar danos gravíssimos e irreversíveis à sociedade. Por isso mesmo, preconiza-se, de lege ferenda, a previsão da incidência demultas civis, aplicáveis por via das ações de responsabilidade civil, individual ou coletivamente ajuizadas, pelas quais se passaria a autorizar expressamente o PoderJudiciário a, em aferindo motivo razoável para repreender graves e injustificáveis violações de direitos essenciais, inerentes à personalidade e aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, punir os infratores com pena pecuniária, independente da reparação de eventuais danos constatados, suficiente para punir a conduta e ao mesmo tempo para imprimir prevenção contra a continuação ou a reiteração da infração (VENTURI, 2012. p.286-287). 144

Veja-se, nesse sentido, a expressa referência à importação da doutrina daspunitivedamagesfeita em julgamento de ação indenizatória julgada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo/SP, referendado pelo STJ na análise do REsp 1127484/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe23/03/2011: “O dano moral, além disso, não se presta só à recomposição (possível) do impacto psicológico, mas funciona como fator de desestímulo a conduta assemelhada por parte de prepostos da Apelante no futuro. Esse o propósito do instituto dos "punitivedamages" do direito anglo saxônico, que tem plena aplicabilidade ao caso destes autos”(VENTURI, 2012. P.291). 145

“RECURSO DE REVISTA. 1. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PARÂMETROS RELEVANTES PARA AFERIÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. SISTEMA ABERTO. DOSIMETRIA DO -QUANTUM- INDENIZATÓRIO. 1.1. Dano moral consiste em lesão a atributos íntimos da pessoa, de modo a atingir valores juridicamente tutelados, cuja mensuração econômica envolve critérios objetivos e subjetivos. 1.2. A indenização por dano moral revela conteúdo de interesse público, na medida em que encontra ressonância no princípio da dignidade da pessoa humana, sob a perspectiva de uma sociedade que se pretende livre, justa e solidária (CF, art. 1º, III, e 3º, I). 1.3. A dosimetria do -quantum- indenizatório guarda relação direta com a existência e a extensão do dano sofrido, o grau de culpa e a perspectiva econômica do autor e da vítima, razão pela qual a atuação dolosa do agente reclama reparação econômica mais severa, ao passo que a imprudência ou negligência clamam por reprimenda mais branda. 1.4. Assim, à luz do sistema aberto, cabe ao julgador, atento aos parâmetros relevantes para aferição do valor da indenização por dano moral, fixar o -quantum- indenizatório com prudência, bom senso e razoabilidade, sob pena de afronta ao princípio da restauração justa e proporcional. Recurso de revista não conhecido. 2. DANO MATERIAL. DEPRECIAÇÃO DA CAPACIDADE DE TRABALHO. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. O recurso de revista se concentra na avaliação do direito posto em discussão. Assim, em tal via, já não são revolvidos fatos e provas, campo em que remanesce soberana a instância regional. Diante de tal peculiaridade, o deslinde do apelo considerará, apenas, a realidade que o acórdão atacado revelar. Esta é a inteligência da Súmula 126 do TST. Recurso de revista não conhecido.” (Processo: RR - 230-49.2011.5.09.0594 Data de Julgamento: 05/09/2012,

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Relevante mencionar, que a respeito da aplicação de indenizações punitivas

nos casos concretos, ocorre uma divisão de opiniões nos Tribunais pátrios. A

Terceira Turma Recursal do Juizado Especial Cível do Rio Grande do Sul, em sede

de Recurso Inominado, majorou indenização por danos morais numa relação de

consumo, com base no seu aspecto punitivo. (Processo: 71003680584 RS Relator

(a): Carlos Eduardo Richinitti Julgamento: 12/04/2012 Órgão Julgador: Terceira

Turma Recursal Cível Publicação: Diário da Justiça do dia 18/04/2012)146.

Em sentido contrário, o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região tem

proferido decisões afirmando que as indenizações por danos morais tem caráter

meramente compensatório147.

Segundo a autora Mayana Barros Jorge João (2014),essas divergências

sobre os valores ou aspectos da indenização por danos morais nos Tribunais

encerram-se no Superior Tribunal de Justiça, que atua de modo a reformar, em sede

recursal, os valores atribuídos a título de indenização por danos morais, quando

ínfimos ou exagerados, com base na proporcionalidade e razoabilidade148.

Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/09/2012.) (JOÃO, 2014). 146

Trata-se de ação de indenização por danos materiais e morais, onde a parte autora foi surpreendida pela cobrança de serviços não contratados, e a despeito de suas diversas reclamações, a empresa de telefonia continuou as cobranças. A autora postulou o cancelamento do serviço, a repetição do indébito em dobro e ainda a condenação em danos morais. O juízo de primeiro grau condenou a ré em indenização por danos morais no valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Inconformada, a parte autora interpôs Recurso Inominado, sendo a sentença reformada para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais em R$ 2.000,00 (dois mil reais). O relator majorou o valor da indenização sob a alegação de que “é dada preponderância ao caráter punitivo e pedagógico da medida como forma de coagir a ré à revisão de seus procedimentos e adoção de novas práticas pautadas pela boa-fé e respeito aos milhões de usuários que dependem de seus serviços”. Muito embora a Turma seja adepta da “Teoria do Desestímulo”, é de se notar que a majoração da indenização foi bastante tímida (JOÃO, 2014). 147

“RECURSO ORDINÁRIO - DANOS MORAIS - INOCORRÊNCIA - INDENIZAÇÃO INDEVIDA 1. À indenização por danos morais deve dar-se caráter exclusivamente compensatório. Para haver essa compensação, porém, tem que se ter sobejamente comprovada a repercussão danosa da alegada atitude do empregador na vida profissional e social do empregado, bem como o intuito de macular ou denegrir a imagem do obreiro, o que não ficou demonstrado na hipótese dos autos, de forma que incabível afigura-se o deferimento dessa indenização. 2. Recurso ordinário provido parcialmente.” (TRT - RO - 01274-2007-021-06-00-9, Relator: Pedro Paulo Pereira Nóbrega) (JOÃO, 2014). 148

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. DANO MORAL. MAJORAÇÃO. VALOR IRRISÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O entendimento consolidado nesta Corte é no sentido de que o valor estabelecido pelas instâncias ordinárias, a título de indenização por danos morais, pode ser revisto nas hipóteses em que a condenação revelar-se irrisória ou exorbitante. 2. Na espécie, a quantia fixada pelo Tribunal estadual se revelou irrisória, considerando-se os parâmetros adotados por este Tribunal Superior na indenização decorrente de inscrição indevida em órgãos de proteção ao crédito, razão pela qual foi dado provimento ao recurso da parte ora agravada. Precedentes.3. Agravo regimental não provido, com aplicação de multa.”

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Acrescenta a autora que embora as indenizações punitivas não sejam

pacíficas também nos Tribunais, as decisões estarão sujeitas a reforma, caso o STJ

entenda que são irrisórias ou exacerbadas, bastando para tanto que a parte

inconformada utilize-se de Recurso Especial.

Assevera que o STJ adota a tese da função punitiva da indenização por dano

extrapatrimonial, considerando que a mesma deve acarretar em desestímulo ao

ofensor, porém sempre ressaltando que não deve haver uma aplicação irrestrita dos

punitive damages, de modo a se evitar o enriquecimento ilícito da vítima149.

Salienta-se que o STJ se declara adepto da teoria do valor do desestímulo,

muito embora ainda o utilize de modo bastante tímido nos casos concretos, sempre

argumentando que as indenizações por danos morais não podem constituir um

enriquecimento ilícito para as vítimas. O Supremo Tribunal Federal não tem

posicionamento a respeito150.

(Processo AgRg no AREsp 154984/ RJ AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL2012/0048018-1, Relator (a) Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140), Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA, Data do Julgamento 21/08/2012, Data da Publicação/Fonte DJe 28/08/2012). (JOÃO, 2014). 149

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. ACIDENTE DE TRÂNSITO COM VÍTIMA FATAL. ESPOSO E PAI DAS AUTORAS. IRRELEVÂNCIA DA IDADE OU ESTADO CIVIL DAS FILHAS DA VÍTIMA PARA FINS INDENIZATÓRIOS. LEGITIMIDADE ATIVA. QUANTUM DA INDENIZAÇÃO. VALOR IRRISÓRIO. MAJORAÇÃO. POSSIBILIDADE. DESPESAS DE FUNERAL. FATO CERTO. MODICIDADE DA VERBA. PROTEÇÃO À DIGNIDADE HUMANA. DESNECESSIDADE DE PROVA DA SUA REALIZAÇÃO.1. É presumível a ocorrência de dano moral aos filhos pelo falecimento de seus pais, sendo irrelevante, para fins de reparação pelo referido dano, a idade ou estado civil dos primeiros no momento em que ocorrido o evento danoso (Precedente: REsp n.º 330.288/SP,Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJU de 26/08/2002)2. Há, como bastante sabido, na ressarcibilidade do dano moral, de um lado, uma expiação do culpado e, de outro, uma satisfação à vítima.3. O critério que vem sendo utilizado por essa Corte Superior na fixação do valor da indenização por danos morais, considera as condições pessoais e econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido, bem como que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito.4. Ressalte-se que a aplicação irrestrita das "punitivedamages" encontra óbice regulador no ordenamento jurídico pátrio que, anteriormente à entrada do Código Civil de 2002, vedava o enriquecimento sem causa como princípio informador do direito e após a novel codificação civilista, passou a prescrevê-la expressamente, mais especificamente, no art. 884 do Código Civil de 2002.5. Assim, cabe a alteração do quantum indenizatório quando este se revelar como valor exorbitante ou ínfimo, consoante iterativa jurisprudência desta Corte Superior de Justiça.7. Dessa forma, considerando-se as peculiaridades do caso, bem como os padrões adotados por esta Corte na fixação do quantum indenizatório a título de danos morais, impõe-se a majoração da indenização total para o valor de R$100.000,00 (cem mil reais), o que corresponde a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) por autora.” (Processo REsp 210101 / PR/RECURSO ESPECIAL 1999/0031519-7, Relator: Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (8135), Órgão Julgador: T4 - QUARTA TURMA, Data do Julgamento: 20/11/2008, Data de Publicação e Fonte: DJe 09/12/2008). (JOÃO, 2014). 150

JOÃO, 2014, p.14.

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Apesar de controversa a questão que envolve os punitive damages, as

virtudes e dificuldades do instituto merecem ser elencadas, discutidas e enfrentadas,

no intuito de legitimar ou não o instituto no âmbito legislativo.

Tal como está, parece não ser nem satisfatória, nem adequada ao sistema

brasileiro de justiça, na medida em que, como mera “prática”, não consegue suscitar

a desejável dissuasão de forma sistemática aliás, gerando, ainda, possíveis

controvérsias quanto à violação das garantias constitucionais da legalidade, da

tipicidade e do devido processo legal151.

No sistema da responsabilidade civil brasileira, a reparação dos danos

encontra dificuldades em cumprir o seu papel de proporcionar a efetiva restituição à

vítima, ao estado anterior ao da violação do direito. Parece razoável inferir que

também encontra mais dificuldades ainda, em se apresentar como sanção capaz de

infligir coerção a quem quer que seja, no sentido de se comportar responsavelmente

no presente e no futuro152.

O autor Antonio Pinto Monteiro (1990) afirma que o simples temor quanto a

uma futura incidência da sanção reparatória, não representa adequada dissuasão

para instrumentalizar a responsabilidade civil preventiva. O que a questão da pena

privada implica, no mínimo, é o reacender o debate sobre o sentido e as tarefas que

competem à responsabilidade civil e a respeito das vias ao seu alcance153.

Complementa o autor dizendo que não será decerto estranho um excesso de

inputs, solicitando que dê resposta a múltiplos fins, por vezes contraditórios:

realmente, reparar o lesado, repartir perdas, distribuir riscos, punir o lesante,

prevenir comportamentos ilícitos, controlar a atividade de produção, assegurar o

respeito da pessoa humana, etc., são tarefas por demais numerosas e difíceis de

harmonizar-se, e segundo o autor, a realização ameaça o sentido e a unidade do

instituto154.

Entretanto, nas palavras de Venturi (2012), importa discutir sobre os

caminhos que o direito de responsabilidade civil no Brasil deseja trilhar. Tudo leva a

crer, segundo ela, que pretende “funcionalizar-se com o objetivo de prestar a mais

adequada e eficaz proteção dos direitos, necessariamente não pode prescindir da

151

VENTURI, 2012. 152

_____, 2012. 153

PINTO MONTEIRO, Antonio. Cláusula penal e indemnização. Coimbra: Almedina, 1990, p. 659-663. 154

_____, 1990.

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função punitivo-pedagógica, que pode ser implementada pela punição civil

desatrelada da sanção indenizatória155”.

155

VENTURI, 2012, p.295.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo teve por escopo analisar, ainda que de forma singela, por meio de

pesquisa bibliográfica, a problemática da quantificação e arbitramento do dano moral

nas ações de reparação por danos de natureza extrapatrimonial, especificamente as

questões que envolvem a implementação dos punitive damages em solo pátrio.

Para melhor compreensão acerca da temática, abordou-se no estudo o

conceito de dano moral, a natureza jurídica, os pressupostos da responsabilidade

civil e o histórico do referido instituto bem como sua finalidade precípua.

Investigou-se os critérios adotados na aplicação dos punitive damages nos

casos de reparação dos danos morais no Brasil e a necessidade de critérios

objetivos para fixação do quantum indenizatório por parte do poder jurisdicional.

Percebeu-se, com a leitura de doutrina, que nos países em que prevalece o

sistema do common law, como é o caso dos EUA e Inglaterra, o instituto evoluiu e

foi reconhecido naturalmente, e que o mesmo não ocorre no Brasil, cujo sistema

corresponde ao civil law.

A revelia de legislação própria, os punitive damages são aplicados no Brasil,

contudo, de maneira confusa e desvirtuada. Na medida em que são aplicados em

conjunto, na aplicação da reparação e punição, concluímos que esta última não

resta aplicada como aos moldes do sistema americano, onde o instituto é entendido

como uma indenização outorgada em adição à indenização compensatória.

A função punitiva da responsabilidade civil, em princípio não serve

exatamente para fortalecer a idéia de reparação, mas especialmente, para tornar

mais eficiente a função desestimulante, dissuasória, implementando a prevenção.

No sistema common law, essa separação entre pena e indenização foi uma

das consequências dessa mentalidade, e é imprescindível retirar da indenização

qualquer conotação punitiva. A pena diz respeito ao Estado e a reparação, mediante

indenização, exclusivamente ao cidadão.

Nesse sentido, como nosso ordenamento não segue a mesma lógica, não

raro, são geradas distorções entre o excesso e a ausência de punição nos casos

concretos de danos extrapatrimoniais, bem como a necessidade de se prevenir

novas condutas semelhantes.

Outro aspecto interessante é que embora, no Brasil, expressamente não se

preveja a função punitiva, a jurisprudência por meio da ampliação da concepção dos

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danos morais, em inúmeros julgados vêm determinando o pagamento a título de

punitive damages e reconhecendo, portanto, a necessidade de punição do causador

do dano.

Essa ausência de legislação própria, sobre o instituto, gera insegurança

jurídica na determinação de indenizações quanto a danos morais, prejudicando

profundamente o desenvolvimento de um sistema coerente e previsível de sanções

cíveis.

Desse modo, nem o ofensor nem o ofendido conseguem saber o que o

magistrado irá determinar como indenização e punição, uma vez que a decisão é

muito subjetiva ficando sujeita ao seu prudente arbítrio.

Embora prevaleça no Brasil o critério do arbitramento, no qual se confere ao

magistrado a prerrogativa de fixação segundo seu livre critério, e em que pese o juiz

ater-se aos princípios da equidade, proporcionalidade e razoabilidade quando do

momento do arbitramento do quantum indenizatório, entendemos como grande parte

da doutrina, que defende o estabelecimento de legislação disciplinadora específica

fixando patamares mínimos e máximos razoáveis e elementos objetivos para a

aferição e dosagem do valor do dano moral.

Naturalmente que não se defende uma previsão legal de uma reparação

tarifária que seja obtida de forma mecânica e automática. A doutrina apenas aponta

para a necessidade da adoção de critérios capazes de objetivamente estabelecer

padrões de aferição do dano moral, impedindo o arbitramento de qualquer extremo,

que se converta em enriquecimento ilícito ou se torne valor inexpressivo.

A respeito da precípua finalidade da reparação por danos morais, julgamos

mais acertada a corrente que defende o caráter dúplice, o compensatório para a

vítima e punitivo para o ofensor. Desse modo, estaria mais adequado ao atual

fundamento da responsabilidade civil, que se alterou da conduta do ofensor para a

preservação dos direitos do ofendido.

Entendemos que a extensão da função dos danos morais à categoria punitiva,

como vem sendo aplicada pelos magistrados no Brasil, desfoca a real necessidade

de reconhecimento da função punitiva da responsabilidade civil.

Opta-se pela adoção de uma categoria autônoma referente a uma

indenização punitiva como forma de otimizar e esclarecer quais as regras que

devem ser seguidas no caso de eventual punição.

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Afirma a autora Thaís G. Pascoaloto Venturi (2012), que apesar de

necessária para a refundamentação preventiva da responsabilidade civil, a punição

pedagógica parece insuficiente. Em que pese a grande contribuição que o instituto

dos punitive damages pode representar em nosso ordenamento, não podem ser

considerados a única, ou melhor forma de prevenção contra a ocorrência de danos.

Como exemplo do que defende a autora, outros mecanismos inibitórios lhe

podem ser agregados para tal finalidade. E sejam quais forem os critérios e os

instrumentos acolhidos para o estabelecimento das hipóteses de incidência e dos

limites de atuação da função punitiva, não há mais razão lógica (muito menos

ambiente social) para que se continue a negá-la, prendendo-se o sistema jurídico

civil às amarras de um pensamento político-ideológico já superado 156.

Percebemos que o instituto precisa ser legislado a fim de estabelecer

critérios, hipóteses, condições e limites de atuação da função punitivo-pedagógica

da responsabilidade civil, pois somente assim, não represente afronta à garantia do

devido processo legal.

Apesar da verificada resistência de boa parte da doutrina e da jurisprudência

contra o caráter punitivo da responsabilidade civil, não se pode desconsiderar o

potencial dos punitive damages. É inegável a possibilidade de se revitalizar

funcionalmente o instituto da responsabilidade civil, revitalizando funcionalmente o

instituto e acrescentando-lhe um viés preventivo.

156

VENTURI, 2012.

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