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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Renato Guimarães Frota Cordeiro ADEQUAÇÃO DO DISCURSO DO GESTOR E DO PRODUTOR CULTURAL Curitiba 2011

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Renato Guimarães Frota Cordeiro

ADEQUAÇÃO DO DISCURSO DO GESTOR E DO PRODUTOR

CULTURAL

Curitiba

2011

Renato Guimarães Frota Cordeiro

ADEQUAÇÃO DO DISCURSO DO GESTOR E DO PRODUTOR

CULTURAL

Monografia apresentada ao Curso de Pós Graduação Lato Sensu, Especialização em Gestão e Produção Cultural, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Especialista em Gestão e Produção Cultural da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) Orientador: Prof. Dr. Rafael Tassi Teixeira

CURITIBA

2011

TERMO DE APROVAÇÃO

Renato Guimarães Frota Cordeiro

ADEQUAÇÃO DO DISCURSO DO GESTOR E DO PRODUTOR

CULTURAL

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção de título de especialista em Gestão e Produção Cultural da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, 15 de dezembro de 2011.

___________________________________

Curso de Pós Graduação em Gestão e Produção Cultural da Universidade Tuiuti do Paraná

----------------------------------------------------------- Orientador. Prof. Dr. Rafael Tassi Teixeira

Universidade Tuiuti do Paraná

----------------------------------------------------------------------- Prof. Convidado Prof. Dr. Pedro Leão da Costa Neto

Universidade Tuiuti do Paraná

---------------------------------------------------------------- Coorientador. Msc.Clóvis Severo Budzinski Júnior

Aos meus mestres, amigos e colegas de turma.

“Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa”.

FOUCAULT

RESUMO Em toda sociedade existe uma ordem hierárquica, que se organiza a partir de classes ou castas, sendo comum em ambas a presença de grupos de trabalhadores, comerciantes, políticos ou militares, intelectuais e religiosos. Esse modelo organizacional acompanha o discurso humano desde os tempos mais remotos, e qualquer indivíduo que investigue a essência desse sistema, passa invariavelmente a compreender as bases fundamentais de sua cultura, religião, política e economia. Pensando nisso, esta obra apresenta a intrínseca ligação existente entre o Sistema de Castas ainda vigente na longínqua Índia, e uma análise crítica dos quatro discursos preconizados por pelo filósofo grego Aristóteles na visão de diversos autores que discorrem sobre a obra, oferecendo a possibilidade da identificação do indivíduo e seu papel no interior do grupo social em que está inserido, bem como, diante do discurso proferido, se adequado, poder vir a ser uma poderosa ferramenta de comunicação interpessoal. Essa obra é enriquecida com os fundamentos históricos que permeiam a origem do sistema de castas e suas implicações, apresentando-as a partir da relação do puro e do impuro e avançando pelo contexto dos motivos higiênicos, religiosos e ideológicos. Além disso, por meio das pesquisas de filósofos que estudaram exaustivamente sobre a Poética, a Retórica, os Tópicos e o Organon legados por Aristóteles há mais de dois mil anos, e as descrições do sistema de castas da Índia, feitas por antropólogos e sociólogos renomados que compreendem as castas como compostas pelos Sudras, trabalhadores comuns que nutrem desejos pelas coisas corpóreas, pelos Vaixás; comerciantes sempre sequiosos por dinheiro, pelos Xátrias, militares eternamente ansiosos por poder, e pelos Brâmanes, sacerdotes guardiões das escrituras sagradas em sua eterna busca por conhecimento. Diante da construção do paralelo a ser apresentado, verificar-se-á que na sociedade ocidental em que vivemos também podemos nos identificar como Sudras por termos um discurso poético marcado pelo mundo das sensações e pela linguagem simbólica e metafórica; como Vaixás, pelo discurso retórico, pois é necessária a persuasão como ferramenta de negociação. Os Xátrias, por sua vez, pelo uso do discurso dialético que é a unidade e luta entre os contrários, dos opostos, pois, avaliam os prós e os contras, sempre protelando suas decisões, sempre pensando em quem ganha e quem perde; e por fim, o Brâmane, que domina o discurso lógico, que por meio das provas admitidas, dá a palavra final, apodítica, indiscutível. Com isso, ficará evidenciado que o modelo proposto por essa obra poderá ser aplicado a qualquer agrupamento de indivíduos, servindo tanto como instrumento de identificação daqueles que compõe um grupo familiar, corporativo ou social, quanto uma ferramenta de adequação do discurso e da linguagem nas comunicações relacionais. O que esse estudo seminal tentará demonstrar é que, invariavelmente, seja no oriente, ou no interior da nossa sociedade ocidental individualista e libertária, que se imagina se apropriar do oposto do sistema hierárquico, por se tornar igualitária, também existe um sistema de castas no qual estamos todos fadados a permanecer eternamente vinculados.

Palavras Chave: Sistema de Castas, Discurso, Aristóteles, Produtor Cultural, Gestor Cultural.

ABSTRACT In every society there is a hierarchical order, organized from classes or castes, is common in both the presence of groups of workers, merchants, military or political, intellectual and religious. This organizational model accompanies human speech since the earliest times, and every individual to investigate the essence of this system is invariably to understand the foundations of their culture, religion, politics, and economics. Thinking about it, this work presents the intrinsic link between the caste system still in force in distant India, and major works of Greek philosopher Aristotle, offering the possibility of identifying the individual and their role within the social group to which he belongs, and, before the speech, where appropriate, able to be a powerful tool for interpersonal communication. This work is enriched by the historical foundations that underlie the origin of the caste system and its implications, presenting them from the relation of pure and impure, and the context of advancing reasons of hygiene, religious and ideological. In addition, through the research of philosophers who have studied extensively on the Poetics, the Rhetoric, the Topics and the legacies Organon by Aristotle more than two thousand years, and descriptions of the caste system of India, made by renowned anthropologists and sociologists who understand castes as composed by the Sudras, ordinary working people who cherish desires for corporeal things, the Vaisya, traders always eager for money, the Kshatriya, ever eager to military power, and the Brahmins, priests, guardians of the sacred scriptures in their eternal quest for knowledge . Before the construction of the parallel to be presented, will be found that in Western society we live in we can also identify as Sudras to have a poetic speech, marked by the world of sensations and the metaphorical and symbolic language, as Vaisya; the rant, because persuasion is needed as a negotiating tool. The Kshatriya, in turn, by the use of dialectical discourse which is the unity and struggle between opposites, opposites, therefore, evaluate the pros and cons, always delaying their decisions, always thinking about who wins and who loses, and by Finally, the Brahmin, which dominates the logical discourse, that by means of evidence admitted, has the final say, apodictic, indisputable. With this, you will be shown that the model proposed by this work can be applied to any grouping of individuals, serving both as a means of identifying those who make up a family group, corporate or social appropriateness as a tool of speech and language communications relational. The seminal study that will attempt to demonstrate is that, invariably, either the East or within our Western individualistic and libertarian society, we imagine appropriating the opposite of the hierarchical system, to become equal, there is also a caste system in we're all doomed to remain forever linked. Keywords: Caste System, Speech, Aristotle, Cultural Production, Cultural Manager.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................9

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA............................ .................................................11

2.1 GESTÃO E PRODUÇÃO CULTURAL ................................................................11

2.2 O SISTEMA DE CLASSES .................................................................................20

2.3 O INDIVIDUALISMO ...........................................................................................26

2.4 ORIGEM DO SISTEMA DE CASTAS..................................................................29

2.5 O SISTEMA DE CASTAS NA SOCIEDADE INDIANA ........................................30

2.5.1 Relação Puro e Impuro.....................................................................................34

2.5.2 Divisão do Trabalho..........................................................................................41

2.5.3 Regulamentação do casamento.......................................................................43

2.6 AS QUATRO CASTAS DA ÍNDIA .......................................................................44

2.6.1 Os Brâmanes ...................................................................................................45

2.6.2 Os Xátrias.........................................................................................................47

2.6.3 Os Vaixás .........................................................................................................48

2.6.4 Os Sudras ........................................................................................................48

2.6.5 Os Dalits...........................................................................................................49

2.7 ARISTÓTELES E OS QUATRO DISCURSOS....................................................50

2.7.1 A Poética ..........................................................................................................52

2.7.2 A Retórica.........................................................................................................55

2.7.3 A Dialética ........................................................................................................56

2.7.4 A Lógica ...........................................................................................................57

2.7.5 Tipologia Universal dos Discursos ...................................................................58

3 DISCUSSÃO ..........................................................................................................64

4 CONCLUSÃO ........................................ ................................................................69

REFERÊNCIAS.........................................................................................................73

9

1 INTRODUÇÃO

O cenário da cultura tem passado por grandes transformações, colocando o

produtor cultural em um dilema entre preservar e aprimorar sua sensibilidade

artística e ao mesmo tempo dominar técnicas gerenciais e organizacionais

específicas da área administrativa e comercial. Nesse contexto, percebe-se uma

necessidade de maior qualificação quanto ao posicionamento desse profissional nos

mais diversos ambientes de atuação, bem como preparação para lidar com

ferramentas e instrumentos de gestão.

Entre as habilidades requeridas pelo Produtor Cultural, a comunicação se

destaca como um elemento fundamental, sobretudo se levados em consideração os

diferentes discursos necessários para que a comunicação alcance todos os níveis

sociais no processo de produção cultural.

Pensando nisso, e buscando munir o profissional com uma ferramenta de

comunicação e gestão de pessoas, que esta monografia se ocupa, apresentando,

para tanto, um estudo do sistema de castas da Índia com base em diversos autores

que discorrem sobre os aspectos religiosos e ideológicos da cultura Indiana.

Para que fosse possível sistematizar o conteúdo estudado de forma prática e

objetiva, foi realizado um estudo crítico de autores que versam as obras de

Aristóteles e, a partir disso, foi realizada uma correlação entre os Discursos e as

Castas da Índia, de forma a universalizar uma metodologia de identificação do

discurso como expressão do pensamento e comportamento humano.

A estrutura desse estudo está dividida em 4 capítulos. No primeiro são

apresentados os objetivos e a justificativa da monografia. O segundo capítulo é

também o mais extenso, onde são apresentados os levantamentos bibliográficos

10

que fundamentam o estudo, enfatizando a gestão e produção cultural, suas

concepções, características e perspectivas. Nesse capítulo são apresentados, os

elementos essenciais para que o leitor possa compreender a ligação entre o sistema

de castas da Índia e as obras de Aristóteles, e como essa possibilidade abre uma

perspectiva para novas concepções a aplicabilidades do “discurso” de forma

universal. Para tanto, são elucidados temas como o Individualismo preconizado na

sociedade ocidental, a origem do sistema de Castas da Índia, os quatro discursos

identificados por Aristóteles, levando o leitor a perceber, como a compreensão dessa

obra pode auxiliar o produtor cultural na adequação do discurso por meio de uma

tipologia universal.

No terceiro capítulo é apresentada uma discussão dos estudos, para então

finalizar com a conclusão.

11

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Objetivando uma maior compreensão quanto à temática proposta, este

capítulo contempla um conjunto de conceitos e ideias oriundas de diferentes fontes

que juntas proporcionam uma atualização quanto às questões essenciais para a

adequação do discurso do gestor e do produtor cultural, com vistas à análise e

discussão dos resultados.

2.1 GESTÃO E PRODUÇÃO CULTURAL

Segundo Cunha (2011), delinear o perfil do gestor cultural é uma tarefa

complexa, uma vez que sua profissão se divide entre preservar e aprimorar sua

sensibilidade artística, e ao mesmo tempo dominar técnicas gerenciais e

organizacionais específicas da área cultural. Nesse contexto, a escritora abre uma

discussão quanto à necessidade do gestor em manter o diálogo entre o universo

artístico-cultural, poder público, meio empresarial e sociedade civil como um todo.

Para que seja possível estudar a Produção Cultural, faz-se necessário

primeiramente compreender a tríade fundamental que compõe a organização

Cultural brasileira. RUBIM et al. (2005), de forma dinâmica, a classifica da seguinte

forma:

a) Criação: Artistas, coreógrafos, cientistas, escritores, escultores e outros;

b) Difusão: Profissionais de Comunicação, educadores e outros;

c) Organização: Gestores ou Produtores Culturais, ou seja, aqueles que se

dedicam a viabilizar a produção cultural.

De modo geral, os criadores são aqueles que precisam de recursos para que

seja possível produzir sua obra, e esta é a questão essencial que impulsiona todo o

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mercado cultural. Vale salientar que estudar o sistema cultural compreende uma

atividade rica de conteúdos, e uma análise aprofundada contribuiria para um

documento amplo e repleto de historicidade, no entanto, para esta monografia o

estudo será delimitado para o tema “gestão do produtor cultural”.

As inúmeras denominações para a profissão de “produtor cultural” devem-se

ao fato que somente a partir de novembro de 2009, através da resolução normativa

CFA n°. 374, a profissão passou a ser regulamentada pelo Conselho Federal de

Administração, oficializando o reconhecimento do curso superior de produção

cultural pelo Ministério da Educação. Esta conquista abre espaço para que

universidades passem a desenvolver cursos para a formação desses profissionais

de forma mais organizada e sob a perspectiva de gestão administrativa (CFA, 2011).

Limeira (2008) explica que no Reino Unido, os programas voltados para

formação de empreendedores culturais, foram desenvolvidos a partir de pesquisas

com empresários e com base na dinâmica econômica e organizacional do setor, e

podem servir de referência para o Brasil no desenvolvimento de programas mais

adequados. A autora ainda conclui que:

Atualmente, muitos dos programas que são oferecidos pelas instituições de ensino brasileiras dão excessiva ênfase na capacitação para desenvolvimento de projetos voltados para obtenção de recursos públicos ou patrocínios incentivados. Diante de orçamentos públicos limitados e falta de capacitação em empreendedorismo, grande parte da produção cultural nacional fica sem possibilidade de realização, reduzindo assim o acesso do público à riqueza cultural do país.

Esta realidade apontada pela autora abre a discussão para as dificuldades

que o produtor cultural tem e teve de enfrentar ao longo da história da cultura

nacional, e uma análise mais acurada quanto ao perfil deste profissional conceitua

seu trabalho a partir de 10 perspectivas:

a) Produtor de Recursos x Produtor de Talentos;

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b) Produtor Gestor;

c) Produtor Aprendiz;

d) Produtor Executivo;

e) Produtor Agitador;

f) Produtor Meio;

g) Produtor Social;

h) Produtor Autodidata;

i) Produtor Empresário:

j) Produtor por acaso:

Midani (2011) é um dos principais executivos da história da indústria

fonográfica brasileira e, entre seus trabalhos, destacam-se Elis Regina e, Gilberto

Gil, entre outros. O empresário conceitua o produtor cultural, a partir da concepção

“Produtor de Recursos x Produtor de Talento”, e considera esta atuação como “a

pessoa que se encarrega de ser o companheiro do artista e o ajuda a conceituar sua

música. Esse não vai atrás do dinheiro, vai atrás do talento”. Além disto, Midani

(2011) explica que:

Tem vários tipos de produtores culturais. O produtor cultural que é a pessoa que vai buscar fundos para investir em um determinado artista ou num grupo de artistas, haja vista a Lei Rouanet, por exemplo. E tem outro tipo de produtor cultural. Da música é a pessoa que se encarrega de ser o companheiro do artista e que ajuda o artista a conceituar sua música. Este é um produtor cultural também. Este não vai atrás do dinheiro, este vai atrás do talento.”

Outra referência na produção cultural é Sarcovas (2011), o presidente da

empresa Articultura, que faz o seguinte depoimento quanto à concepção de

“Produtor gestor”:

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O que eu pude depreender desta minha passagem pela produção cultural do país, essa área que eu chamo de área cultural não industrial (as companhias de teatro, de dança, mesmo os museus) é que essas são áreas em que há muita competência artística e baixa competência de gestão, de gestão, de administração [...]. Hoje, você tem um processo de profissionalização não artística ocorrendo na área cultural brasileira. Isto é importantíssimo porque o gestor cultural tem uma capacidade, um bom gestor cultural tem uma capacidade de ampliar a efetividade da ação cultural.

A concepção de “Produtor Aprendiz” é defendida por Cezar (2011), e

descrita como um processo de troca de aprendizagem. Com isso, vale apresentar

suas considerações:

Todo o trabalho é feito com a grande parcela, com grupos de jovens administrando, gerindo, assumindo contatos e a recepção das pessoas que chegam, facilitação entre as pessoas, o trabalho técnico nos palcos. Então os jovens estão juntos como os profissionais o tempo todo e em posições-chave [...]. Olha, eles não sabiam como resolver, mas eram vários tentando ajudar. De qualquer forma, eu me senti tão cuidado que eu nem me importava mais se o problema ia ser resolvido.

Mendes (2011) considera produtor cultural a partir da concepção “produtor

executivo” e de forma direta explica:

Olha, o produtor cultural, por exemplo, pode ser uma moça que foi muito bem criada pela Família Klabin, que vai para a Europa, assiste peça de teatro, assiste um monte de coisas, vem para cá, é uma pessoa que não tem grandes ocupações. Ela pega um algum amigo que também não tem ocupação. Eles conseguem uma lei de incentivo que o pai do amigo dela dá porque a empresa é outra. E ela faz produção cultural, entendeu?

A concepção “produtor agitador” é definida por Freire (2011), como o

indivíduo “teimoso”, e pode ser mais bem compreendido a partir de suas palavras:

Ás vezes falam O Marcelino é um agitador cultural. Eu sou um agitador cultural, não me contenho. Eu faço as coisas porque eu quero interferir, como diz o Glauco Mattoso, eu quero interferir na geografia das coisas. A vida, já dizia o poeta Chacal, a vida é muito curta para ser pequena, então vá, se entregue às coisas. Nesse sentido, eu sou um teimoso, eu faço porque eu sou muito teimoso, eu faço porque me dá uma agonia, porque eu

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quero tirar a literatura deste casulo, tornar a literatura mais viva, mais pulsante, estar participando mais da vida das pessoas, é isso.

Knopfholz (2011) observa o produtor cultural como um “agente” ou “eixo”,

numa relação “Produtor Meio” e conceitua:

Eu vejo que eu faço parte de uma cadeia, que é uma cadeia da economia criativa, da indústria criativa. Do que depende esta cadeia? Da criatividade. Normalmente o criativo é o cara mais emocional, então faz parte do trabalho do produtor cultural reconhecer essa criatividade, trabalhar a criatividade, embalar a criatividade e apresentar essa criatividade para o público. Quem é esse público? E o patrocinador, é o agente público, é o público em geral, é a imprensa, é todo mundo. Então eu acho que o produtor cultural, a profissão produtor cultural, é essa profissão que fica no meio, entre a criatividade e o consumo, e trabalha a cadeia.

A concepção de produtor social é caracterizada por Ofuji (2011) como sendo

um conjunto interrelacionado entre questões sociais e econômicas, explicando que o

artista “não pode ser só um operário, não pode ser só um cara que está ali pela arte,

porque no fim das contas não é só arte”.

O “produtor autodidata” como o próprio nome explicita, é defendido por

Pedrosa (2011) como “uma pessoa que é dedicada e que já nasceu com isto”.

Com uma relação fortemente empreendedora, o “Produtor Empresário” é

visualizado como um visionário, compreendido por Chacal (2011) como alguém que

“sabe otimizar o que ele quer fazer, que ele acredita que é algo poderoso para o

desenvolvimento da humanidade, seja do ponto de vista estritamente de linguagem

artística, seja do ponto de vista da educação artística”.

Para finalizar, é importante também reconhecer a concepção do “Produtor

por acaso”, caracterizado por Carmo (2011) como “aquele que acredita no artista,

faz a produção cultural e vive dessa produção”.

O Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia, produzido pelo

Ministério da Educação e Cultura tem como propósito aprimorar e fortalecer os

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cursos superiores de tecnologia como guia para referenciar estudantes, educadores,

instituições ofertantes, sistemas e rede de ensino, entidades representativas de

classes, empregadores e o público em geral. Para isso, o ministério especifica

quanto ao curso superior de tecnologia em produção cultural atribuindo as seguintes

funções:

O tecnólogo em produção cultural atua na produção, organização e promoção de eventos, projetos e produtos artísticos e culturais, esportivos e de divulgação científica, desenvolvendo ações que perpassam todas as etapas deste processo: pesquisa, planejamento, marketing, captação de recursos, execução, controle, avaliação e promoção de qualquer evento ou produtos de interesse da área, tais como: shows, espetáculos de teatro, de música, de dança, artes visuais, produções cinematográficas, televisivas e de rádio, festivais, mostras, eventos e exposições, entre outros, tanto em instituições públicas como privadas. Este profissional deverá exercitar em seu cotidiano a reflexão crítica acerca da produção artística e cultural no país e no exterior, estimulando e contribuindo para a promoção de novos mercados e potencialidades criativas e expressivas no cenário da cultura, da arte, da divulgação científica e do esporte. 1

Hoje, o produtor cultural, pode contar com uma gama de cursos que são

ofertados pelas diversas universidades e faculdades do país, e além da formação

técnica, também é possível contar com cursos de pós-graduação e MBAs – Master

Business Administration.

Com a maior oferta de qualificação para os gestores culturais, um novo

cenário se configura, classificado por Cunha e Bertelli (2008) como “vasto universo

das profissões contemporâneas”. Ou seja, neste contexto, o gestor da cultura passa

a conviver com temáticas e situações mais complexas como desenvolvimento das

tecnologias digitais voltadas para a produção e comercialização de produtos e

serviços, diferentes linguagens artísticas, recursos humanos, políticas específicas,

aspectos da economia, do direito e da comunicação.

1BRASIL. Ministério da Educação e Cultura (MEC). Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia.2010. Disponível em: http://www.unorp.br/eventos/catalogo.PDF. Acesso em: 15 ago. 2011.

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Diante desta nova realidade, uma nova discussão se inicia a cerca de um

campo profissional novo. Neste sentido, Cunha (2007, p. 10) questiona: “Como

estabelecer um perfil profissional?”, “Onde se encontram os estudos específicos

sobre um conteúdo programático básico?” e respondendo a esta questão, o autor

conclui:

Entende-se que a gestão cultural deverá estabelecer uma relação entre as questões artísticas e culturais associadas aos conhecimentos sociológicos, antropológicos e políticos, bem como aos conhecimentos mais técnicos da comunicação, economia, administração e direitos aplicados à esfera cultural.

Além disso, quanto às habilidades técnicas o autor, pondera que:

Esse profissional deverá ser capaz de materializar e dinamizar no âmbito local, regional e nacional as práticas que configuram a cultura de uma comunidade. O próprio nome já define, em parte, o seu perfil profissional, ou seja, como gestor no campo da cultura, tende a desenvolver sua sensibilidade artística, articulando-a a um caráter mais prático, voltada para ações objetivas e estratégicas de atuação, tanto no setor público quanto na iniciativa privada e no terceiro setor, o que lhe exige uma formação multidisciplinar e generalista” (Cunha, 2007, p. 11).

Nesse contexto, compreende-se que o administrador, base fundamental de

todas as gestões empresariais, possui instrumentos para a efetivação de sua prática

como, por exemplo, na gestão de recursos humanos, testes de avaliação de

desempenho, de seleção e outros; na gestão de contabilidade, metodologias de

análises técnicas, e na gestão financeira, recursos para organização do trabalho. No

entanto, fruto de uma formação técnica profissional latente, o produtor cultural

depende da interdisciplinaridade focada em diversos conceitos subjetivos que foram

se aprimorando ao longo dos tempos. Em outras palavras, salientam-se os preceitos

de Bourdieu (1989, apud BRASIL JUNIOR, 2003):

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É preciso aplicar o modo de pensar relacional ao espaço social dos produtores: o “microcosmo” social onde as obras culturais são produzidas – o campo literário, jornalístico, etc. – é um espaço de relações entre posições diferenciadas, não sendo possível compreender o que ocorre a não ser que cada agente seja situado em suas posições relativas com todos os outros.

Essa capacidade multidisciplinar, característica fundamental para o trabalho

do produtor cultural, também está interligada com as diferentes camadas sociais ou

classes que hierarquizam a estrutura cultural, seja por meio do fator econômico,

social ou político. A esse respeito, novamente evoca-se o característico discurso de

Bourdieu (1989, apud BRASIL JUNIOR, 2003) que pensa:

Estes campos de produção cultural como campos de força, onde há lutas específicas que têm por objetivo a conservação ou a transformação da estrutura do campo, engendrando, assim, as estratégias dos produtores, a forma de arte que defendem, as alianças que estabelecem, as escolas que fundam etc.

Outro fator a ser assinalado é que “os campos” ressaltados por Bourdieu

(apud BRASIL JUNIOR, 2003) podem ser traduzidos como “classes sociais”,

sobretudo pela polaridade que existe entre arte “pura”, “simbolicamente dominante,

mas economicamente dominada – como a poesia”, e a “arte comercial,

simbolicamente dominada, mas economicamente dominante – como o romance

popular, o jornalismo, etc.”. Nesse contexto, a televisão atua como um instrumento

que impõe a lógica do comercial às obras culturais, afetando, assim, a autonomia

dos produtores e suas esferas próprias de reconhecimento e de consagração. Trata-

se, então, de uma imposição “mascarada” do discurso sobre o indivíduo de “senso

comum”.

Com isso, na teoria de Bourdieu (1989, p. 12) a luta de classes consiste na

luta pelo domínio do “poder simbólico”, que é travada nos conflitos simbólicos

cotidianos e entre especialistas da produção simbólica. Trata-se da produção do

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próprio grupo (ou classe) tidos como especialistas, conduzindo à retirada dos

instrumentos de produção simbólica dos membros do grupo, a exemplo da

transformação do mito em religião.

Na Índia é possível contemplar essa condição, em que a ideologia é mais

forte que a própria condição cultural e religiosa do país. Fruto de uma construção

história o “poder simbólico” é percebido nos conflitos simbólicos da vida cotidiana

dos indianos. Nesse contexto, é a partir da ideologia cultural em que se dá o sistema

de Castas, e a partir dessa produção simbólica se desenvolvem todos os elementos

culturais daquele país. Mais adiante, será detalhado o sistema de castas da Índia.

As ideologias, segundo Bourdieu (1989, p. 14), são determinadas pelos

interesses de classe e pelos interesses específicos daqueles que a produzem, e,

pela lógica específica do campo de produção, aparecendo como “taxionomias

políticas, filosóficas, religiosas, jurídicas etc.”. Ou seja:

A função propriamente ideológica do campo de produção ideológica realiza-se de uma maneira quase automática, na base da homologia de estrutura entre o campo de produção ideológica e o campo de luta de classes. A homologia entre os dois campos faz com que as lutas por aquilo que está especificamente em jogo no campo autônomo produzam automaticamente formas eufemizadas das lutas econômicas e políticas entre as classes.

Essa relação de formação histórica da “classe”, e esta, como uma referência

da produção cultural, é abordada por Nasser (2003) quando discorre sobre o

sistema de castas no empreendedorismo ocidental. No entanto, diferentemente do

conceito de classe, que é unidimencionalmente econômico, abrange um conjunto de

dimensões que, juntas, influenciam a ação humana.

Como o conceito de casta é amplo e complexo, pode, por conseguinte,

aplicar-se a qualquer agrupamento humano, até mesmo às próprias classes

econômicas, e cada “casta” reflete uma visão de mundo, uma determinada escala de

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valores que distingue os homens, a despeito da sua raça, sexo, posição social ou

econômica. Há, então, “quatro esferas” de ação humana, logo apenas quatro castas,

nesse contexto, a primeira casta lida com a esfera da inteligência (símbolos, ideias e

crenças) e é habitada por todos aqueles incumbidos do guiamento espiritual, moral e

intelectual; a segunda casta lida com a esfera de vontade (mando e obediência) é

habitada por todos os que possuem poder político ou militar; a terceira casta lida

com a esfera do desejo e de necessidade e é habitada por todos aqueles ligados à

organização da produção; a quarta casta lida com a esfera do hábito (ou da ação

sobre a matéria) e é habitada por todos os ligados a trabalhos auxiliares e braçais

(NASSER, 2003). Essa condição sugerida por Nasser (2003) nos remete a uma

verossimilhança com nosso sistema de classes e, tanto no oriente com no ocidente,

este sistema se repete.

É importante salientar o exposto para Bourdieu (1996, p. 26-27) sobre

classes. Para o autor, as classes sociais não existem, ou seja, o que existe é um

espaço social de diferenças em uma concepção “virtual” de posições definidas,

conforme a distribuição de um tipo específico de capital. Dessa forma, compreender

sua estrutura, seu mover, sua cultura e, sobretudo, seu discurso torna-se o fator

essencial para a dominação dessa classe.

2.2 O SISTEMA DE CLASSES

A classe social2 é definida como o conjunto dos agentes sociais colocados

nas mesmas condições no processo de produção e que têm afinidades ideológicas e

políticas. A divisão da sociedade em classes é consequência dos diferentes papéis

2ESAS. Classe Social. Disponível em: http://www.esas.pt/dfa/sociologia/classesocial.htm. Acesso em: 11 out. 2011.

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que os grupos sociais têm no processo de produção. É do papel ocupado por cada

classe que depende o nível de fortuna e rendimento, o gênero de vida e numerosas

características culturais das diferentes classes. As classes caracterizam-se pela

ideologia de classe – conjunto de traços culturais, englobando doutrinas, crenças,

princípios morais, ideais, etc.

Alguns sociólogos aceitam que uma classe social só existe plenamente

quando toma consciência da sua existência através da luta, nuns casos para manter

os privilégios, noutros para destruir a dominação que sobre ela se exerce. A luta de

classe é, assim, um elemento essencial da sua afirmação e tomada de consciência.

A classe social3 representa uma divisão efetiva da sociedade, e não meramente

metodológica, que implica lutar contra a classe antagônica.

O conceito de classe4 que mais frequentemente aparece nas discussões é o

conceito marxista, baseado em duas classes sociais em permanente conflito: a

classe proprietária e a classe operária. Essa definição de classe social se baseia

num grupo na sociedade que é dono da maior parte do capital (ou meios de

produção) e a classe operária que apenas é dona da sua mão de obra. Os dois

grupos vivem em conflito contínuo porque a classe proprietária quer lucrar o máximo

possível em cima da classe operária. Essa concepção, parte da premissa de que “a

história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das

lutas de classes” (MARX,1848).

A percepção de Marx (1848, p. 7) quanto às lutas nas relações de trabalho,

não considerava o discurso impresso em cada classe, conforme propõe essa

monografia, no entanto ao observar a desigualdade entre os diversos níveis de

produção ou distribuição de renda, a inquietação natural desse filósofo se 3Ibid. 4METODER. O conceito de Classe Social. Disponível em: http://metoder.nu/cgi-bin/met.cgi?d=s&w=2009&l=pt&s=mt. Acesso em 12 out. 2011.

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materializava em opiniões que mudaram a forma de pensar da burguesia e do

proletariado, no entanto não teve força suficiente para mudar o cenário social. Nas

palavras de Marx (1848, p. 7):

Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária, da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta.

Nesse contexto, existe a burguesia de um lado e o proletariado de outro. A

burguesia é definida por Marx (1848, p. 10) como algo que vai além do poder

econômico, embora em alguns momentos pode-se defini-la como tal, em seus

esforços o filósofo explica que:

Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia calcou aos pés as relações feudais, patriarcais e idílicas. Todos os complexos e variados laços que prendiam o homem feudal a seus superiores naturais ela os despedaçou sem piedade, para só deixar subsistir, de homem para homem, o laço do frio interesse, as duras exigências do pagamento à vista. Afogou os fervores sagrados do êxtase religioso, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo pequeno-burguês nas águas geladas do cálculo egoísta.

Com essa sensibilidade de perceber as divisões e as relações sociais de

conflito existentes entre as classes, Marx (1848, p. 11) discursa que “em lugar da

exploração velada por ilusões religiosas e políticas, a burguesia colocou uma

exploração aberta, cínica, direta e brutal”. Em outras palavras, a religião e a política

são instrumentos do poder da burguesia.

A intuição de Marx (1848) sempre esteve voltada para a luta desigual entre a

burguesia e o proletariado, e seus estudos estão sempre voltados para esse fim, no

entanto em seus escritos também é possível perceber sua percepção quanto a

formação do “discurso”, ainda que primária e entrelinhas, Para o filósofo: “Que

23

demonstra a história das ideias senão que a produção intelectual se transforma com

a produção material? As ideias dominantes de uma época sempre foram as ideias

da classe dominante” (MARX, 1848, p. 40).

Ainda considerando a percepção de Marx quanto ao discurso, no sentido de

formação da personalidade (intelectual), Marx, (1848, p. 40) considerava que as

ideias religiosas, morais, filosóficas, políticas, jurídicas, etc, modificaram-se no curso

do desenvolvimento histórico, mas a religião, a moral, a filosofia, a política, o direito

mantiveram-se sempre através dessas transformações, além disso, existem

verdades eternas, como a liberdade, a justiça, etc, que são comuns a todos os

regimes sociais. Para Marx (p. 41) a exploração de um parte da sociedade por outra

é um fato comum a todos os séculos anteriores e a consciência social de todos os

séculos, apesar de toda sua variedade de diversidade, se tenha movido sempre sob

certas formas comuns, formas de consciência que só se dissolverão completamente

com o desaparecimento total dos antagonismos de classe.

O problema dessa definição do conceito de classe5 é que é difícil aplicá-la

na sociedade de hoje. Enfoca principalmente os fatores econômicos da sociedade e

perde assim outras dimensões que também existem na sociedade de classe. Além

disso, há grupos profissionais na sociedade atual que não se encaixam em nenhuma

dessas categorias.

Outro filósofo que teve suas ideias mantidas e estudadas até os dias atuais

é Max Weber, que embora não negava as lutas de classes e sua fundamental

parcela na história, não considerava essa a dinâmica central.

Para Weber (1982, p. 212) “classes” não são comunidades, mas sim “bases

possíveis, e frequentes de ação comunial, caracterizada quando certo número de

5METODER. O conceito de Classe Social. Disponível em: http://metoder.nu/cgi-bin/met.cgi?d=s&w=2009&l=pt&s=mt. Acesso em: 12 out. 2011.

24

pessoas tem em comum um componente causal específico em suas oportunidades

de vida”. Dessa forma, institui-se, no conceito de Weber (1982, p. 212) que classe,

como a oportunidade típica de uma oferta de bens, de condições de vida exteriores

e experiências pessoais de vida, e na medida em que essa oportunidade é

determinada pelo volume e tipo de poder, ou falta dele, de dispor de bens ou

habilidades em benefício de renda de uma determinada ordem econômica. Em

suma, a palavra “classe” refere-se a qualquer grupo de pessoas que se encontrem

na mesma situação de classe.

Ao explicar as lutas de classes, Weber (1982, p. 214) explica que “situação

de classe” é determinada pela “situação de mercado”, ou seja, os que não têm

propriedade, por exemplo, mas oferecem serviços são distinguidos tanto pelo tipo de

serviços que prestam como pela forma pela qual fazem uso desses serviços, numa

relação contínua ou descontínua.

Além disso, a situação de classe pode ser limitada nas ações em massas,

sendo registradas, na concepção de Weber (1982, p. 216) em “ação comunitária”.

Para Weber (1982, p. 216):

O grau no qual a “ação comunitária” e possivelmente a “ação societária” surgem das “ações de massa” dos membros de uma classe depende de condições culturais gerais, especialmente as do tipo intelectual. Também depende das proporções das proporções os contrastes que já tenham surgido, estando especialmente ligada à transparência das ligações entre as causas e as consequências da situação de classe.

Weber (1999, p. 79), ainda descreve a situação de status, que significa a

posição que determinado grupo adquire de honra social positiva ou negativa. Essa

posição é determinada pelo estilo de vida, e pela educação ou trabalho,

exemplificando para isso a religião, como uma forma de estratificação por status.

25

Segundo Weber (1999, p. 50) a religiosidade “heroica” ou “virtuosa” se opõe

a toda religiosidade de massa, fazendo alusão às Ligas dos feiticeiros e dançarinos

sagrados, os grupos de brâmanes da Índia entre outros.

Diferentemente de Marx, Weber (1999, p. 81) estratifica a sociedade em

categorias associadas diretamente a condição social do indivíduo. Além disso,

Weber (1999, p. 10) explica que a religião também determina uma situação de

classe, no que ele determina como “teoría del resentimiento". Essa teoria explica

que a qualidade da fraternidade é a expressão de uma rebelião moral escravista,

realizada por aqueles que estão em uma situação de desvantagem social, seja em

razão de sua condição material, seja em virtude de suas oportunidades fixadas pelo

destino.

A sociedade de classe6 se reproduz e passa de geração a geração e toda a

sociedade participa deste processo. O sistema favorece os grupos fortes enquanto

os fracos têm que lutar e, isso contribui na reprodução da sociedade de classes.

Vendo o conceito de classe como mais amplo que a propriedade de capital7

torna-se importante visualizar os símbolos que representam o poder e criar

consciência sobre o fato de que os símbolos mantêm as estruturas de poder. Se

quiser combater os problemas relacionados à classe social, é preciso tomar em

conta os aspectos culturais na estratégia. Uma distribuição de recursos não é a

única solução desses problemas.

Outro ponto central é o trabalho do próprio movimento de solidariedade e o

cuidado necessário para não contribuir com a reprodução das estruturas de classe,

o que nem sempre é tão fácil. Por isto é importante conhecer a sociedade de classe

no contexto no qual se trabalha, e aprender os símbolos das classes neste sentido. 6METODER. O conceito de Classe Social. Disponível em: http://metoder.nu/cgi-bin/met.cgi?d=s&w=2009&l=pt&s=mt. Acesso em: 12 out. 2011. 7 Ibid.

26

Também é importante entender que uma pessoa pode pertencer a diferentes

classes dependendo da situação. Isto se torna especialmente óbvio quando um

trabalhador de solidariedade da Europa trabalha num país onde sua cor da pele,

história e tradições sinalizam outra classe, diferente da classe à qual ela pertence no

seu próprio país. É sedutor ser reconhecido como uma pessoa com posição social, e

é preciso consciência sobre as estruturas de classe para lidar com isso8.

Os atores sociais estão inseridos espacialmente em determinados campos

sociais, a posse de grandezas de certos capitais (cultural, social, econômico,

político, artístico, esportivo etc.) e o habitus de cada ator social condiciona seu

posicionamento espacial e, na luta social, identifica-se com sua classe social. Para

esse ator tentar ocupar um espaço, é necessário que ele conheça as regras do jogo

dentro do campo social e que esteja disposto a lutar (jogar) (BOUDIER, 1985).

2.3 O INDIVIDUALISMO

Dumont (1985) explica que para compreender o termo “individualismo”

primeiramente é essencial compreender o “indivíduo”, e compreendê-lo como um

sujeito empírico e com valor moral.

O antropólogo relaciona o individualismo como “o valor” da sociedade

moderna e, em contrapartida, o “holismo” nas sociedades tradicionais. Para Dumont

(1985), a igreja sempre esteve ligada ao Estado, estabelecendo uma relação

ideológica holísta. Com isso, o indivíduo que buscava autonomia passou a ser

considerado “indivíduo-fora-do-mundo” ou “renunciante”, criando o dualismo holismo

x individualismo.

8METODER. O conceito de Classe Social. Disponível em: http://metoder.nu/cgi-bin/met.cgi?d=s&w=2009&l=pt&s=mt. Acesso em: 12 out. 2011.

27

Troeltsch disse que o homem é um indivíduo em relação com Deus que o

caracteriza essencialmente como indivíduo-fora-do-mundo.

Dumont (1985, p. 39) também sustenta que o mundo helenístico, no que

tange às pessoas instruídas, estava tão impregnado da mesma concepção que o

cristianismo não teria podido oferecer um indivíduo de tipo diferente. Assevera

também que se admite comumente que a transição do pensamento filosófico de

Platão e Aristóteles mostra o surgimento do individualismo. Enquanto que a polis era

considerada autossuficiente em Platão e Aristóteles, presume-se agora ser o

indivíduo quem se basta a si mesmo.

Ainda para Dumont, (1985, p. 40), assim como na Índia a verdade só pode

ser atingida pelo renunciante.

Para Dumont (1997, p. 57), dentro da concepção moderna, o indivíduo é o

homem “elementar”, indivisível, sob sua forma de ser biológico e ao mesmo tempo

de sujeito pensante. Dessa forma, “cada homem particular encarna, num certo

sentido, a humanidade inteira”. Já na concepção sociológica tradicional, observa-se

a hierarquia, cada homem particular deve contribuir em seu lugar para a ordem

global, e a justiça consiste em proporcionar as funções sociais em relação ao

conjunto. Nesse contexto, quando o indivíduo constitui o valor supremo,

compreende-se individualismo; no caso oposto, quando o valor se encontra na

sociedade como um todo, compreende-se holismo. Essa ideologia é exemplificada

por Dumont (1985, p. 37) por meio de seus estudos da cultura Indiana. O

antropólogo observa que:

Há mais de dois mil anos, a sociedade indiana caracteriza-se por dois traços complementares: a sociedade impõe a cada um uma interdependência estreita, a qual substitui as relações constrangedoras para o indivíduo, tal como o conhecemos; mas, por outro lado, a instituição da renuncia ao mundo permite a plena independência de quem quer que escolha esse caminho.

28

Para Dumont (1985, p. 38), na figura do renunciante indiano, é possível

presumir a origem do individualismo, pois são atribuídas ao renunciante as

inovações religiosas e sua plena independência.

Nas palavras de Dumont (1985, p. 38):

O renunciante basta-se a si mesmo, só se preocupa consigo mesmo. O pensamento dele é semelhante ao do indivíduo moderno, mas com uma diferença essencial: nós vivemos em um mundo social, ele vive fora dele. Foi por isso que chamei o renunciante indiano um indivíduo-fora-do-mundo. Comparativamente, somos “indivíduos-no-mundo”, indivíduos mundanos; ele é um indivíduo extramundano.

Vale salientar que o mesmo tipo sociológico que encontramos na Índia –

indivíduo-fora-do-mundo – está presente no cristianismo e em torno dele no começo

da nossa era. Dumont (1985, p. 80) explica essa afirmação da seguinte forma:

Se tentarmos ver em paralelo a situação cristã medieval e a situação hindu tradicional, a primeira dificuldade está em que, ao passo que na Índia os brâmanes contentavam-se com sua supremacia espiritual, a Igreja no ocidente exercia também um poder temporal, sobretudo na pessoa de seu chefe, o Papa.

É com base nessa linha de pensamento que Dumont (1985, p. 67) considera

que o individualismo faz parte da realidade moderna das sociedades tradicionais

(holista) e salienta que:

Se a extramundanidade está agora concentrada na vontade do indivíduo, pode-se pensar que o artificialismo moderno, enquanto fenômeno excepcional na história da humanidade, só pode ser compreendido como uma consequência histórica longínqua do individualismo-fora-do-mundo dos cristãos, e que aquilo a que chamamos o moderno “indivíduo-no-mundo” possui em si mesmo, escondido sob a sua constituição interior, um elemento não percebido, mas essencial de extramundanidade (DUMONT, p.67).

29

Dumont (1997) dedicou-se ao estudo das sociedades indianas e conclui que

nosso sistema social e o de castas são opostos em ideologia central. Para o autor o

sistema de castas nos ensina um princípio social fundamental, “a hierarquia, cujo

oposto foi apropriado por nós, mas que é interessante para se compreender a

natureza, os limites e as condições de realização do igualitarismo moral e político ao

qual estamos vinculados”.

2.4 ORIGEM DO SISTEMA DE CASTAS

Segundo Dumont (1997, p. 69), a palavra “casta” é de origem espanhola e

portuguesa e designa qualquer coisa que “não mistura”, do latim castus, ou casto.

Esta palavra, inicialmente foi utilizada no sentido de “raça” pelos espanhóis, e em

meados do século XV aplicada pelos portugueses. No inglês encontramos esta

palavra no sentido de “caste” “raça de homens” e tanto no inglês quanto no francês,

a falta de diferenciação entre casta e tribo causou durante muito tempo uma

confusão entre a divisão indiana das quatro categorias (DUMONT, 1997). O sistema

de castas divide o conjunto da sociedade num grande número de grupos

hereditários distintos e ligados por três caracteres:

1) Separação: Casamento e contrato direto ou indireto (alimento);

2) Divisão do Trabalho: Cada um desses grupos tem uma profissão

tradicional ou teórica, não podendo seus membros se afastar dentro de

certos limites;

3) Hierarquia: Ordena os grupos em posições relativamente superiores e

inferiores umas às outras.

Dumont (1997, p.84) explica que o sistema de castas está ligado à área

geográfica e que para denominar as castas, é preciso vê-las de fora. Em uma

30

determinada área linguística há um número elevado, mas não indefinido, de nomes

de castas. Além disso, mais que um “grupo” no sentido comum, a casta é um estado

de espírito que se traduz pela emergência, em diversas situações, de grupos de

diversas ordens a que se dá geralmente o nome de “castas”.

Consiste em um sistema de ideias e valores, um sistema formal,

compreensível, racional, um sistema no sentido intelectual do termo (DUMONT,

1997, p. 84).

2.5 O SISTEMA DE CASTAS NA SOCIEDADE INDIANA

A sociedade indiana possui como base estrutural a espiritualidade

desenvolvida a partir do imaginário coletivo. Sabe-se que a identificação e o sentido

dado à “espiritualidade” é a força que dirige cada sociedade. Dessa forma, o

pensamento indiano se distancia do pensamento ocidental, pois a intensidade como

reconhecem o espírito se distingue das demais culturas.

Louzada e Laborde (2009) explicam que a religiosidade indiana, voltada para

os totens animais, se choca com outras culturas. Que a diferença que existe entre o

pensamento ocidental e oriental repousa no reconhecimento do espírito, onde na

verdade vai estar localizada uma de suas profundas distinções. Assim, para se obter

a compreensão do pensamento oriental, é necessário se despir de toda e qualquer

ligação que amarre a visualização de mundo segundo o prisma ocidental, e este

entendimento só será possível a partir de uma visão compartilhada Animu-Anima9.

De uma forma geral, a história da Índia tem como marco inicial a invasão

Ária por volta de 1300 a.C. Os Árias ou Arianos são os nomes atribuídos aos nobres

9 Arquétipos da Alteridade: A contraparte feminina no masculino, Animus e a contraparte feminina no masculino Anima. JUNG, Carl Gustav. Psicologia e religião Oriental. Sã0 Paulo: Vozes, 1991.

31

sânscritos, que viviam onde atualmente é a Rússia. Esses povos rumaram para o Irã

e planície Indo-Gangética, e dominaram toda a região, e embora esta população

fosse superior, não conseguiram sobreviver diante da organização política e militar

ariana (LOUZADA; LABORDE, 2009).

O Hinduísmo é resultado da mistura da religião dos Árias com os povos que

viviam na religião do vale do Indo, e constitui uma das religiões mais antigas do

mundo carregada de rituais e deuses, e permite que as pessoas façam cultos

conforme a sua necessidade (LOUZADA; LABORDE, 1998).

A partir da invasão Ariana, ficou estabelecida a divisão da sociedade hindu

em castas ou varnas10: Brâmanes (sacerdotes), Xátrias (guerreiros), Vaixás

(comerciantes), Sudras (camponeses e trabalhadores) e os Párias ou Dalits

(Intocáveis).

Ligado à história da divisão do trabalho, e passagem da vida agrícola para a

vida pastoral, esse sistema de castas tem sua base espiritual no conceito de

Brahma, “a divindade criadora do universo”. Esse conceito, firmado na concepção de

reencarnação, determina toda a vida de uma pessoa, desde o momento do seu

nascimento até a morte, ou seja, o local de moradia, a profissão, o casamento entre

outros aspectos da vida (DUMONT, 1997).

Em regra geral, a mudança de casta só ocorre durante a reencarnação e de

acordo com a evolução espiritual, que segundo a crença Hindu, é determinada pelos

deuses. Além disso, o sistema é endógamo, pois, não permite que pessoas de

castas diferentes se casem ou mantenham relacionamentos.

Louzada e Laborde (2009) explicam que “na ótica hinduísta a ordem do

cosmos se percebe na ordem social, ou seja, na vida do indivíduo, refletidos os

10 Expressão em sânscrito para “cor”.

32

preceitos dos vedas11 uma vez que regulam a vida e auxiliam a manutenção da

relação Dharma/Karma12.

De uma forma geral, o sistema de castas é determinado a partir da

concepção do “corpo de Brahma”, e pode ser visualizado conforme a figura 1 a

seguir:

11 Vedas pode ser considerado a primeira “bíblia Hindu” ou escrituras originais. 12 Dharma é considerado como o transcendental, a verdade vivida pela sociedade e Karma lei da reencarnação.

33

FIGURA 1 - ESTRUTURA DAS CASTAS DA ÍNDIA

Fonte: Bessel, 2011

Na concepção figurada Hinduísta, os Brâmanes representam a Cabeça de

Deus, os Xátrias os braços, os Vaixás as pernas, os Sudras os pés e os Párias ou

Dalits o pó debaixo dos pés de Brahma.

Dentro da divisão védica, os Brâmanes orientavam os Xátrias para que estes

direcionassem a sociedade humana para a autorrealização espiritual, fazendo com

que a sociedade se envolvesse em práticas como ioga, meditação, canto de mantras

e a leitura dos textos sagrados, sempre sob instrução de aulas ministradas por eles.

Dumont (1997) também explica o sistema de castas a partir do conceito de

“puro e impuro”, hierarquia e a teoria das “varnas”, divisão do trabalho e

regulamentação do casamento que serão apresentados a seguir.

34

2.5.1 Relação Puro e Impuro

Douglas (1991) sugere que a sujeira é simplesmente matéria que se

encontra no lugar errado. Assim, a terra é limpa quando está no jardim, mas vira

sujeira quando passa para a cozinha. A comida é limpa na cozinha, mas se torna

sujeira no quarto. De modo mais geral, Douglas (1991) argumenta que qualquer

coisa que não se encaixa nas categorias convencionais ou que ultrapasse as

fronteiras invisíveis da comunidade é vista como contaminadora ou poluente. Alega

que, em suma, todos nós nos preocupamos com a pureza, quer tenhamos

consciência disso ou não.

Em muitas culturas, alguns indivíduos ou grupos se mostram mais

preocupados, para não dizer obcecados, com a pureza do que outros. Não há

dúvida de que a pureza é uma metáfora presente por toda a parte, quer se trate da

pureza de alma, da pureza do sangue (tão importante na Espanha do século 16 ou

na Alemanha de Hitler) ou da pureza (castidade) das mulheres (DOUGLAS, 1991).

A doutrina da Imaculada Concepção se fundamenta nessa metáfora, e a

mesma coisa se dá com a ideia do Purgatório. Alguns dos hereges que rejeitaram

essas doutrinas afirmavam ser mais puros do que a Igreja Católica: os "puritanos"

ingleses, por exemplo, ou os cátaros, na Languedoc do século 13, cujo nome é

derivado da palavra "puro" em grego (DOUGLAS, 1991)

Douglas (1991) explica que os católicos, por sua vez, falavam da "poluição"

ou "contaminação" da Igreja pela heresia e que a cultura secular também é

permeada pela metáfora da pureza sendo que os nobres europeus acreditavam que

seu sangue era mais puro do que o dos burgueses, e os comerciantes e artesãos

consideravam seu sangue mais puro do que o dos judeus, os “intocáveis” da

Europa.

35

Para Dumont (1997), a sociedade das castas representa uma hierarquia

pura, que os ocidentais, não percebem porque vivem numa sociedade igualitária.

Deste modo, entender o presente da hierarquia das castas é, de certo modo,

entender o passado da sociedade ocidental, antes de ela ter se tornado igualitária.

Discorrendo a relação puro e impuro dentro do sistema de castas da

sociedade Indiana, Dumont (1997, p. 97) explica que o contraste se dá basicamente

entre a relação Brâmanes (sacerdotes em princípio que ocupam a posição suprema

em relação ao conjunto de castas) e os Intocáveis (servidores muito impuros

confinados fora das aldeias propriamente ditas, em casebres distintos).

O termo “intocável” serve para designar a categoria introduzida por Gandhi

como “Harijan”, “filho de Hari”, isso é “criaturas de Deus”. Dumont (1997, p.98)

explica que com frequência se procuram justificativas higiênicas para as ideias sobre

a impureza e complementa:

Por que, alguém poderia perguntar essa segregação dos intocáveis? Poder-se-ia supor, por exemplo, que ela se deve ao odor nauseabundo das peles com que eles às vezes trabalham? Com frequência se procuram justificativas higiênicas para as ideias sobre a impureza. Na verdade, mesmo se algo de higiene estiver contido na noção, ela não pode definir a questão, que é uma noção religiosa.

Para Dumont (1997), as noções de hierarquia são de ordem gradativa entre

dois extremos, Brâmanes e Intocáveis, e estabelece em sua essência a “separação”:

É preciso manter separados o puro e o impuro; ela subentende a divisão do trabalho, porque as ocupações puras e impuras devem do mesmo modo ser mantidas separadas. O conjunto está fundado na coexistência necessária e hierarquizada de dois opostos (DUMONT, 1997, p. 94).

A ideia de impureza no sistema de castas da Índia é uma relação orgânica,

pois o fundamento universal da impureza está nos aspectos orgânicos da vida

humana, e é nessa impureza que se identificam certos profissionais ou

36

“especialistas” (DUMONT, 1997, p. 106). Ou seja, conforme Dumont (1997, p.98) “a

fonte imediata desta noção se encontra na impureza temporária que o Hindu de boa

casta contrai em relação com a vida orgânica”, é a “especialização nas tarefas

impuras, de fato e de direito, que leva a determinadas categorias de pessoas uma

impureza rígida e permanente”.

2.5.1.1 Motivos Higiênicos

As ocupações profissionais na índia são marcadas por fortes traços religiosos,

caracterizado por Dumont (1997, p. 98) pelo contraste entre duas categorias: os

Brâmanes, sacerdotes que ocupam a posição suprema com relação ao conjunto das

castas e a dos intocáveis, servidores muito impuros confinados fora do sistema de

castas.

Essa polaridade é marcada por um estatuto de pureza que está atrelada à

profissão. Boulet (1992, p. 6) relata que as castas “mais inferiores” a dos intocáveis,

são abjetas em virtude da crença de que “não foram geradas pelo Criador”. Na

crença Hindu, os intocáveis são os descendentes dos bastardos míticos gerados na

união sexual de um Sudra com uma Brâmane. O pior dos híbridos.

Nesse contexto, os garis, as lavadeiras, os que transportam mortos até a

sepultura, os sapateiros, os que extraem sumo das palmeiras são tidos como

intocáveis. Boulet (1992, p.7) explica ainda que, o sapateiro por esfolar os animais

mortos a lavadeira por lavar a roupa suja, o transportador de defuntos por mexer

com cadáveres exercem atividades que deixam nódoas impuras permanentes, que

sujam aquele que os toca.

Na relação puro e impuro, para o hindu, a higiene se dá em primeiro lugar

por meio do banho cotidiano. Conforme Dumont (1997, p. 99), na medida em que a

37

noção de impureza esteja presente, o banho é a cura mais difundida. “Além disso, o

excremento, a saliva e a sorte inferior reservada à mão esquerda incidem

diretamente sobre a pureza do corpo” (Dumont, 1997, p.100). Por esse motivo, os

indianos comem apenas com a mão direita, a esquerda (mão das imundícies) é

reservada para a higiene íntima. Nenhum alimento deve ser tocado com a mão

esquerda, pois esse passará a ser contaminado. A pureza externa é observada

pelos indianos a partir de três tipos: Família (kula), objetos de uso (artha) e corpo

(çarira). Nesse contexto, a impureza familiar é a mais importante.

A impureza, na cultura indiana pode ser temporária ou permanente, no

entanto, Dumont (1997, p. 98) explica que ambas são de natureza idêntica, não

devendo perder de vista a complementaridade entre puro e impuro, e entre suas

expressões nos grupos sociais. Outra questão é que a impureza por motivos

higiênicos é confiada a especialistas. Por exemplo, o barbeiro e o sacerdote

funerário, que é então acusado de impureza; “quando do nascimento e da

menstruação, o lavadeiro, em toda Índia, com exceção do Maharashtra, se

encarrega de lavar a roupa suja”. Embora o lavadeiro e o barbeiro sejam

especialistas da impureza, não são propriamente uns intocáveis, que têm um cunho

mais religioso (DUMONT, 1997, p. 99).

Os objetos são distinguidos pela facilidade maior ou menor de sua

purificação. Por exemplo, um pote de bronze é simplesmente limpo, já o pote de

terra é trocado. Da mesma forma, a seda é mais pura que o algodão, o ouro que a

prata, que o bronze e o cobre. Outra relação de contaminação pelos objetos é que

eles não poluem pelo contato, mas sim pelo uso que dele se faz, ou seja, uma roupa

ou um pote novo pode ser recebido de qualquer pessoa. Na Índia, o leito, a roupa, a

38

mulher, o filho, o pote de água de alguém são puros para a própria pessoa, mas

impuros para outras (DUMONT, 1997, p.100).

Para os Brâmanes, os Xátrias, os Vaixás e os Sudras, quando há contato

com algo impuro, apenas um banho ou um ritual já é o suficiente para que eles

sejam purificados; já no caso dos Dalits, sua impureza é permanente, as tarefas que

realizam apenas eles sabem e têm a capacidade de fazer, tarefas no caso como

lavar, barbear, limpar, funções que tenham contato diretamente com o impuro, e que

são destinadas aos Dalits.

Lavadeiro e barbeiro são especialistas da impureza que, em vista de suas funções, costumam viver de maneira permanente num estado vizinho daquele que atravessam provisoriamente as pessoas que eles servem, e do qual saem elas, graças, entre outras providências, a um banho terminal. Vê-se, então, que a divisão do trabalho religioso e a atribuição permanente a certas profissões de certo nível de impureza caminham paralelamente no quadro da oposição puro/impuro. (DUMONT, 1997, p.99-100).

A impureza atribuída aos Dalits é uma impureza religiosa congênita, ou seja,

o indivíduo já nasce com ela, por isso são chamados de “intocáveis”, são excluídos

de qualquer bem-estar e são desprezados. Segundo Dumont (1997, p.110):

A preocupação de pureza leva a pessoa a se desembaraçar das impurezas pessoais recorrentes da vida orgânica, a organizar o contato com agentes purificadores e a suprimi-lo com os agentes externos de impureza, sociais e outros. A interdição de alguns contatos corresponde à ideia de intocabilidade, e todas as espécies de regras presidem o alimento e o casamento.

Na Índia, a intocabilidade é atribuída aos Dalits, eles são tão intocáveis que

até mesmo quando sua sombra “toca” os membros das castas superiores, os tornam

impuros.

39

2.5.1.2 Motivos Religiosos

Na Índia, algumas questões religiosas, são tratadas em especial como é o

caso do “nascimento” e da “morte”. No caso do nascimento, somente a mãe e o

recém-nascido são afetados, no entanto a morte afeta coletivamente os parentes.

Trata-se de uma questão social e não material, pois a impureza não afeta

essencialmente as pessoas entre as quais alguém morreu, mas os parentes do

morto onde quer que eles estejam (DUMONT, 1997, p.101).

A religiosidade é uma marca muito forte no traço de personalidade do

indiano. Entre os muitos deuses, a vaca é, em especial, adorada em virtude de seus

cinco produtos: urina, estrume, leite, queijo e manteiga, que são utilizados pelos

homens. Entre os Hindus, a matança mesmo involuntária de uma vaca é um crime

muito grave, a morte de uma vaca é assemelhada à morte de um Brâmane

(DUMONT, 1997, p. 101).

Para se ter ideia da importância religiosa de um Brâmane, de acordo com

Vishnu Miriti13: “Um Brâmane ensina os Vedas. Um Brâmane se sacrifica por outros

e recebe deveres da alma. Comuns a todas as castas são a reverência para com os

deuses e os Brâmanes”.

Na consciência religiosa coletiva, os Brâmanes surgiram da boca de

Purusha - o homem cósmico transcendental -, o que lhes confere o titulo de

sacerdotes, uma vez que cabe a eles estudar e ensinar as escrituras sagradas. Por

outro lado, os intocáveis são abomináveis, pois segundo a ideologia hindu, não

foram geradas pelo Criador, e não fazem parte do sistema de castas.

13 Um dos livros que descende dos quatro Veda. Smirits significa “livros que nos dão leis para viver bem nessa terra”. O Código de Manu Smriti é aceito até hoje (VEDANTADHARMA, 2011)

40

Boulet (1992) explica que os Dalits são descendentes dos bastardos míticos

gerados na união sexual de um Sudra com uma Brâmane e é considerados o pior

dos híbridos e comparados com a de animais como o cachorro e o porco.

Os Brâmanes, historicamente, gozam de posição social privilegiada,

independente de sua riqueza e conforme Dumont (1997, p.104) “a impureza do

Intocável é conceitualmente inseparável da pureza do Brâmane”.

Dumont (1997, p. 105) conjectura que “a intocabilidade só desaparecerá

verdadeiramente no dia em que a pureza dos Brâmanes for radicalmente

desvalorizada”.

2.5.1.3 Motivos Ideológicos

O pensamento dos indianos de que as castas são hereditárias, ou seja, se

um indivíduo nascer num determinado meio, sempre fará parte dele, assim como,

seus filhos e netos consecutivamente, determina o que cada um vai fazer em toda

sua vida. Por exemplo, se o indivíduo é um brâmane, vai executar tarefas de um até

o final dela, considerando a organização e as tarefas puras. Assim também, se o

indivíduo é um Dalit, vai realizar tarefas de um a vida toda, que seriam as tarefas

impuras.

Prasad (2007, p. 123) explica que no sistema Védico antigo, as atividades

humanas eram divididas a partir de quatro categorias sociais (Brâmanes, Xátrias,

Vaixás, e Sudras) e baseadas nos três modos da natureza material (bondade,

paixão e ignorância). As quatro categorias (varnas) são confundidas com as castas

na Índia, que é baseada somente no nascimento e hereditariedade.

O Bhagavad Gita (apud PRASAD, 2007) não hierarquiza o indivíduo em

função de sua atividade profissional, mas sim, conforme suas aptidões. Considera

41

que o homem precisa estar em constante evolução espiritual, e caracteriza o

indivíduo evoluído como uma pessoa “iluminada14”. Essa hierarquia é natural,

podendo em qualquer família nascer um Brâmane ou um Sudra, pois não está presa

a um sistema de encarnação ou estrutura social.

O Bhagavad Gita preconiza que todo indivíduo, independente da casta, é

parte de Deus. Essa afirmativa descaracteriza e torna ideológicas as questões de

intocabilidade dos Dalit, e hierarquização das castas atrelada à profissão. Com isso,

salientam-se as palavras de Dumont (1997, p. 127) que considera a hierarquia

estabelecida pelo sistema de castas Hindu - diferentemente da estabelecida nos

vedas, como exterior “estratificação social” e “deixa um resíduo irredutível às noções

consideradas fundamentais e claras de poder e riqueza”.

2.5.2 Divisão do Trabalho

"Mas como a necessidade de que cada um reconheça o seu lugar na

sociedade segundo a natureza das coisas e não tente ocupar o espaço que pertence

a outrem” (PLATÃO).

Quanto à divisão do trabalho, os Vedas comparam a divisão da sociedade

com os quatro membros do corpo humano, que representam os quatro trabalhos e

trabalhadores que formam todas as sociedades (PRASAD, 2007), e quanto a

“castas” consideram apenas dois tipos: os decentes e os indecentes.

Boulet (1992, p. 6) explica que o Hinduísmo praticado por oitenta e três por

cento dos indianos, divide a sociedade em duas a três mil subcastas, grupos

14 Prasad (2007, p. 43) que explica que “uma pessoa iluminada – por observar Deus em tudo – vê um sábio, um sem casta, mesmo uma vaca, um elefante, ou um cão com uma visão igual”.

42

hereditários, segregativos e endógamos, muitas vezes ligados a uma profissão e

hierarquizados segundo o grau de pureza higiênica e religiosa.

Dumont (1997, p. 145) explica que a literatura anterior à década de 50

abordava a divisão do trabalho apenas sob o aspecto industrial, porém a partir de

então, atribui-se ao sistema de castas a relação puro e impuro.

Na Índia prevalece o sistema Jasmani, um sistema de divisão social, que

corresponde à economia natural em oposição à economia monetária. Dumont (1997,

p. 160) explica que a divisão do trabalho na Índia tradicional, por meio do sistema

Jasmani, divide a sociedade em duas espécies de castas: aquelas que possuem o

solo e as outras, ou seja, nesse sentido, em uma aldeia, uma casta (ou muitas

castas) que possuem o solo, com isso, detêm domínio sobre as demais. Nesta

relação de poder, segundo Dumont (1997, p. 161) os valores religiosos estão em

“recuo”, já que um grupo qualquer se torna a casta dominante, no entanto “o

fenômeno econômico supõe um sujeito individual e aqui, ao contrário, é o todo – se

quiser a “comunidade aldeia” enquanto inserida numa ordem necessária – que está

sendo visada”. Dumont (1997, p.161) explica que “é no interior dessa visão global

que se situam as diversas funções e especialidades que nos parecem ser

inegavelmente religiosas em si mesmas”. Em outros termos, o autor pondera que “o

religioso é aqui o modo de expressão universal, e isso é perfeitamente coerente, se

se sabe que a orientação global é religiosa, que a linguagem religiosa é a da

hierarquia, e a hierarquia – necessariamente, como foi visto, é a do puro e do

impuro”.

43

2.5.3 Regulamentação do casamento

Considerando que o sistema de castas consiste em uma ideologia da cultura

indiana e, de certa forma, uma estratificação social, o casamento consiste em uma

forma de assegurar a reprodução desse sistema.

Dumont (1997, p. 164) explica que o casamento hindu é a cerimônia familiar

de maior prestígio, trata-se de uma reunião de castas onde são solicitados os

serviços do Brâmane, o sacerdote responsável por realizar a cerimônia.

A forma mais radical de assegurar a hegemonia das castas foram os

casamentos de crianças, mais comum entre os Brâmanes. Dumont (1997, p. 164)

explica que este costume era antigo, e na sociedade indiana moderna não é mais

praticado, em virtude da existência de jovens viúvas sem nunca terem vivido com

marido.

Outra questão é a monogamia e indissolubilidade do casamento entre os

Brâmanes. Dumont (1997, p. 165) explica que a esterilidade do casal Brâmane

legitima a exceção de o homem tomar uma segunda esposa. Além disso, a

indissolubilidade se caracteriza pela inexistência do divórcio (pode haver,

separação) e pelo recasamento da mulher após a viuvez. De uma forma geral,

Dumont (1997, p. 166) explica que:

Para o senso comum ocidental, a “casta” é antes de tudo um grupo ‘fechado’: permanente, exclusivo, autossuficiente. Um homem de casta X se casa com uma mulher de casta X, e os filhos que tiverem pertencem à casta X. Isso pode ser expresso de diversas maneiras, dizendo-se que o grupo se reproduz por si mesmo de geração em geração, se ‘endo-reúne’ etc. Analiticamente, existe aí a combinação de dois traços distintos: o casamento é feito no interior do grupo (endogamia) – ou, antes, é proibido se casar fora do grupo – e a filiação – transmissão da qualidade de membro do grupo – depende dos dois pais.

44

Outra questão a ser considerada é que a regulamentação do casamento

hindu está condicionada a dois princípios (DUMONT, 1997, p. 168):

a) A endogamia é mais uma consequência natural da hierarquia;

b) É preciso distinguir o casamento primeiro e os casamentos

subsequentes (uniões não legítimas).

Também existe uma diferença entre o casamento de um homem e o da

mulher. Para a mulher, o primeiro casamento é indissolúvel, sendo possível um

casamento secundário, somente após a morte do marido ou divórcio, e essa união

será considerada legítima, no entanto, menos prestigiosa. No caso masculino, o

casamento principal só será considerado se nascerem filhos (de preferência

homens) ou em caso de esterilidade – o homem pode tomar outras esposas com

rituais plenos, necessário se a noiva não tiver casado antes, ou sem rito secundário,

se a esposa já tiver sido casada (DUMONT, 1997, p. 168).

No sistema de castas, é concedido ao homem casamentos suplementares ou

subsidiários, com uma hierarquia correspondente das esposas.

2.6 AS QUATRO CASTAS DA ÍNDIA

Os textos do Bhagavad Gita apresenta a divisão da sociedade em quatro

categorias que são determinadas conforme a natureza ou cognições do indivíduo.

Nesta consideração, Prasad (2007, p123) traduz da seguinte forma:

Aqueles que estão dominados pelo modo da bondade e são pacíficos, e autocontrolados, são chamados de Brahmans. Aqueles que são controlados pela paixão e preferem engajar-se na administração e serviços de proteção são classificados como Kshatriyas. Aqueles sobre os modos mistos de paixão e de ignorância engajam-se na agricultura e no comércio, sendo chamados de Vaishyas. Aquela maioria no modo inferior da ignorância são chamadas de Shudras, e suas naturezas são de servir as outras três ordens sociais.

45

De uma forma geral, o Bhagavad Gita tem como base fundamental os três

modos prepostos pelos Vedas: o modo da bondade, paixão e ignorância da natureza

material. Essa ideologia pressupõe que ao elevar-se acima destes três modos, o

indivíduo será autoconsciente e livre da tirania do par de opostos (PRASAD, 2007, p.

16). Com base nesses três modos, é estabelecida a hierarquia das castas ou

varnas, que na sequência serão descritos em separado.

2.6.1 Os Brâmanes

Os Brâmanes (�������� na escrita devanāgarī do hindi, brāhmana do

sânscrito) são membros da casta sacerdotal, a primeira do Varnaśrama Dharma ou

Varna vyavastha15, a tradicional divisão em quatro castas (varna) da sociedade

hinduísta.

O Bhagavad Gita descreve os Brâmanes como os “instruídos”, ou seja, são

os intelectuais que possuem características particulares como serenidade, auto-

controle, austeridade, pureza, paciência, honestidade, conhecimento transcendental,

experiência transcendental, e crença em Deus (PRASAD, 2007, p. 123).

Aos Brâmanes é atribuída a função do sacerdócio, e esta atividade é

desenvolvida a partir dos rituais religiosos e cerimônia de casamento (DUMONT,

1997, p. 164). Além disso, o cuidado com a pureza também marca a vida de um

Brâmane, que come sozinho ou num pequeno grupo num “canto” puro (caukã) da

cozinha ou num local vizinho da casa cuidadosamente preservado. Todo contato

imprevisto não só de homem de baixa casta (às vezes até mesmo da sua sombra)

ou de um animal, até mesmo de qualquer pessoa da família (mulher, criança,

15 Pode ser compreendido como as regras políticas do sistema de castas da Índia.

46

homem que não fosse purificado para a refeição), tornaria o alimento inconsumível

(DUMONT, 1997, p. 194). Outra situação que acentua a pureza de um Brâmane em

relação às demais castas é que em uma duração de impureza, em caso de morte,

os parentes próximos são impuros durante dez dias para os Brâmanes, doze para os

Xátrias, quinze para os Vaixás e 30 para os Sudras (DUMONT, 1997, p. 123).

Outra característica dos Brâmanes, é que assim como os Xátrias e os

Vaixás, eles são considerados os “nascidos-duas-vezes”, pois participam da

iniciação de segundo nascimento na vida religiosa. Trata-se de um ritual que os

indianos pertencentes às três primeiras castas realizam quando fazem sete anos de

idade, tomando para si um cordão sagrado que irá acompanhá-los por toda a vida.

Dumont (1997, p. 120) análogo à tripartição indo-europeia das funções sociais

considera: O Brâmane é o sacerdote; o Xátria, o membro da classe dos reis; o

Vaixá, o criador de gado e agricultor, e o Sudra; o servidor não livre. O autor

considera ainda que “essa classificação permanecerá idêntica em sua forma até

nossos dias, naturalmente com deslizamentos e modificações nos conteúdos das

categorias” (DUMONT, 1997, p. 120).

Os Vedas caracterizam os Brâmanes por meio de seis ações, das quais

apenas três são comuns entre ele e os outros duas-vezes-nascidos (Xátrias,

Vaixás): fazer estudar e estudar, fazer sacrifício e sacrificar, dar e receber. Dumont

(1997, p. 121) explica que a concepção antiga foi conservada no essencial: a ordem

dos estatutos crescentes compreende o serviço, a atividade econômica, o domínio

político e o sacerdócio.

Dumont (1997, p. 124) explica a relação conceitual entre Brâmane e Xátria,

fixada em épocas antigas, mas que estão em vigor até os dias atuais. Existe uma

distinção absoluta entre sacerdócio e realeza, e comparando com a sociedade como

47

um todo, “o rei perdeu suas prerrogativas religiosas: não sacrifica mais, ele faz

sacrificar. O poder está, no absoluto, subordinado ao sacerdócio, ao passo, que de

fato o sacerdócio está submetido ao poder”.

A partir da década de 1950, liderado por Thanthi Peiyar, iniciou-se na índia

um movimento popular antibramanista, em virtude da supressão da então chamada

baixa casta (Dalits) pelos Brâmanes, levando a uma revolução social, que

pressionava por “autorrespeito”, “dignidade” e “rituais sem sentido” pela hierarquia

de castas. O sucesso do movimento levou a condições mais equânimes entre várias

castas da sociedade, pelo menos nos estados do sul. Os estados do norte,

entretanto estão profundamente divididos entre estas linhas, com muitas

organizações chamando por afirmar a superioridade da casta Bramanista e o seu

direito de acesso exclusivo aos escalões mais altos da hierarquia social (BOULET,

1992).

2.6.2 Os Xátrias

Os Xátrias, chátrias ou chatrias (����a do híndi, do sânscrito Kshatriyas),

segundo o Bhagavad Gita, são aqueles que possuem as qualidades de heroísmo,

vigor, firmeza, habilidade, estabilidade na batalha, caridade, e dons administrativos.

Possuem também senso de liderança e proteção (PRASAD, 2007, p. 123).

Dumont (1997, p. 126) explica que do ponto de vista das varnas, qualquer

um que reine de maneira estável e se submeta ao Brâmane é um Xátria. Outra

consideração oportuna é que a condição de “poder consignado” teve resultados

notáveis e duráveis:

Em primeiro lugar, uma fácies de poliginia e de regime de cor de pele que não corresponde ao ideal bramânico se conservou tranquilamente nesse nível e em níveis inferiores até uma época bastante recente; em segundo

48

lugar, estando a função em relação com a força, era mais fácil se tornar rei do que Brâmane: o nível Xátria e o nível intocável são aqueles onde é fácil entrar, vindo de fora, na sociedade de castas (DUMONT, 1997, p. 126).

Na hierarquia tradicional das quatro varnas “cores” ou estados, o Xátria é

considerado o guerreiro, pois a ele é dado o privilégio de proteger todas as criaturas

(DUMONT, 1997, p. 121).

2.6.3 Os Vaixás

Os Vaixás (����a do híndi, do sânscrito vaiçya) são, segundo Dumont

(1997, p. 119) os comerciantes.

Os Vaixás assim como os Brâmanes e Xátrias são considerados os

“nascidos-duas-vezes” que significa que tomam parte da iniciação, segundo

nascimento e na vida religiosa em geral. Dumont (1997, p. 120) explica que os

Vaixás são os criadores de gado, e agricultores. De uma forma geral, os Vaixás são

os administradores, aqueles que são responsáveis por gerir os bens materiais e

corresponde à burguesia indiana, só cabendo a eles a usura, ou seja, emprestar

dinheiro a taxas que variam conforme a hierarquia das castas.

A descrição dos Vaixás no Bhagavad Gita, são aqueles que são bons no

cultivo, no cuidado com o gado, negócios, comércio, finanças, e indústria. Os Vaixás

são conhecidos como homens de negócios (PRASAD, 2007, p. 124).

2.6.4 Os Sudras

49

Os Sudras ou Shudras (����� em híndi, do sânscrito śūdra) representam

a quarta casta e constituem o grupo dos trabalhadores.

Prasad, (2007, p. 124) explica que os Sudras são pessoas ignorantes no

conhecimento espiritual, identificando-se fortemente com o corpo material. Prasad

(2007, p. 124) explica que uma pessoa tipo Shudra pode nascer em qualquer

família, no entanto a ideologia indiana coloca o Sudra como a casta mais impura.

Por essa razão, é vedada à esposa Sudra o casamento com um Brâmane ou um

Xátria, pois, essa união conduziria à degradação da descendência ao posto de

Sudra (DUMONT, 1997, p. 181).

2.6.5 Os Dalits

Os Dalit, (���� do híndi, do sânscrito Dal) são os representantes dos sem

castas, párias, "intocáveis" ou impuros. Dentro da cultura hindu, são definidos como

a poeira aos pés do deus Brahma. Na divisão do trabalho, os Dalits são aqueles que

trabalham com couro (os Chamar), com carcaças de animais (os Mahar), os

fazendeiros pobres, trabalhadores sem terra, escavadores de fossas (os Bhangi),

artesãos de rua, artistas folclóricos, varredores (Chura) e lavadores de rua (Dhobi).

Boulet (1992, p. 7) alega que as atividades dos Dalits deixam nódoas

impuras permanentes, que sujam aquele que os toca, e na ideologia hindu, até

mesmo a sombra de um Dalit pode poluir. Boulet (1992, p. 7) menciona que

antigamente era proibido um Dalit entrar em certas cidades antes das nove da

manhã e depois das três horas da tarde, pois as sombras de seus corpos, muito

longas sob o sol rasante, poderia cair sobre um membro de uma casta superior e

sujá-la.

50

Os movimentos em prol dos Dalit tem sua base fundamental apoiada na

disciplina de Gandhi, que atribuiu aos Dalit o título de “Harijan” que significa “Povo

de Deus”, nas palavras de Gandhi:

O varredor faz pela sociedade o que uma mãe faz por seu bebê. A mãe lava a sujeira do filho e garante a sua saúde. Do mesmo modo, o varredor protege a saúde de toda a comunidade conservando a higiene pública. O dever do brâmane (o sacerdote) consiste em cuidar da higiene da alma, o varredor, da higiene do corpo social (BOULET 1992, p. 53).

Entre os Dalit também existe um sistema ideológico de puro e impuro. Boulet

(1992, p. 67) relata que os comerciantes nas vendas, não recebem o dinheiro

diretamente da mão de um intocável e sim somente quando o dinheiro é deixado em

cima do balcão e o mesmo ocorre por parte do vendedor quando lhes entregam os

produtos comprados. Além disso, alguns comerciantes, da cidade de Ravindrapuri,

por serem sapateiros, são intocáveis, jogam a compra no balcão sem tocar o cliente

que sendo um varredor, por sua vez, também é intocável. Menciona que a

intocabilidade entre os intocáveis existe como se as impurezas de origens diferentes

fossem distintas. Como se o sapateiro, que tradicionalmente esfola cadáveres de

vacas sagradas, pudesse ser poluído pelo limpador de lama.

2.7 ARISTÓTELES E OS QUATRO DISCURSOS

Aristóteles nasceu em 384 a.C na cidade grega de Estagira (hoje Starvos),

na costa noroeste da península da Calcídia. Filho de médico, Aristóteles herdou do

pai o interesse pelas coisas da natureza, pela biologia, pelo estudo das plantas, dos

animais dos astros e da alma (CHAUI, 2002, p. 334).

Aos 18 anos, Aristóteles passou a frequentar a academia de Platão em

Atenas, de quem “recebeu a marca indelével do platonismo” (CHAUI, 2002, p. 334).

51

Com a morte de Platão, e insatisfeito com a filosofia materialista com que a

academia seguia, transfere-se para a Eólida, para as cidades de Assos e Arteneu e

se casa com Pítia, filha adotiva de Hérmias (governador). Mais tarde, transfere-se

para Mitilene onde produz suas primeiras obras no campo da biologia, havendo

nelas muitas referências a observações sobre plantas e animais. Em 342 a.C passa

a educar Alexandre, o Grande, que então tinha 14 anos, e exerceu essa função até

336 a.C, quando Alexandre subiu ao trono e empenhou-se na campanha contra a

Pérsia, o que o levaria numa viagem de conquista até os confins da Índia.

Boutrox (2002, p. 39-40) explica que embora a história de conservação dos

escritos de Aristóteles seja pouco conhecida, sua obra pode ser classificada da

seguinte forma:

1) Escritos Lógicos – reunidos somente na época bizantina, sob o nome de

Organon: Categorias, em parte alteradas e aumentadas; do discurso, ou

das proposições: parece obra de um peripatético do século III a.C;

primeiras analíticas, que tratam do silogismo; últimas analíticas que

tratam da demonstração; Tópicos, que tratam da dialética, ou do

raciocínio em matéria verossímil. O IV livro dessa obra é geralmente

dado como obra específica, sob o título: dos argumentos sofísticos;

2) Escritos de filosofia natural: Física, em oito livros os quais o VII, embora

dirigido segundo notas aristotélicas, não parece ser de Aristóteles; Da

geração e da destruição; Do Céu; Meteorologia; Da Alma, e diversos

opúsculos ligados a esses, chamados parva naturalia; História dos

animais, em dez livros, obra muito alterada, cujo livro X é inautêntico;

Das partes dos animais, obra gravemente alterada;

52

3) Escritos ditos metafísicos, que tratam daquilo que Aristóteles denomina

filosofia primeira: a obra chama Metafísica, em catorze livros, é uma

coleção feita aparentemente pouco tempo após a morte de Aristóteles, e

que abrange tudo o que se encontrava em seus papéis de concernente à

filosofia primeira. Estes escritos devem o seu nome atual à sua posição

após a física, na edição de Andrônico. O que constitui o seu fundo são os

livros, I, III, IV, VI, a IX, X;

4) Escritos relativos às ciências práticas: Moral endereçada a Nicômaco; Os

livros VII e VIII da Política devem verossimilmente ser intercalados entre

os livros III e IV; Retórica; Poética.

Para esse estudo serão abordadas as principais obras de Aristóteles, ou

seja; a Poética, a Retórica, a Dialética e a Lógica.

2.7.1 A Poética

Boutrox (2002, p. 135) explica que Aristóteles era considerado na

Antiguidade o fundador da gramática e da crítica. Aristóteles admite três partes do

discurso: o nome, o verbo e a conjunção. Nesse contexto, “as palavras fundam-se

antes num acordo dos homens entre si e a natureza”.

Bywater, Hamilton e Hardi (1952, 1953, 1960 apud BITTAR, 2003) explicam

que a arte que se utiliza apenas de palavras, sem ritmo ou metrificadas, essas seja

com variedade de metros combinados, seja usando uma só espécie de metro, até

hoje não recebeu um nome. Nesse contexto, a poesia é abordada como a arte da

mimética ou a imitação da realidade.

Como aqueles que imitam, imitam pessoas em ação, estas são

necessariamente ou boas ou más, isto é, ou melhores do que somos, ou piores.

53

Essa diversidade pode ocorrer na arte da dança, na música e na poesia não

musicada, existindo três fatores que diferenciam uma poesia da outra: o meio, o

objeto e o modo (BYWATER; HAMILTON; HARDI, 1953, 1960, 1952 apud BITTAR,

2003).

O discurso poético ocorre através do ritmo, do canto e dos versos, sendo

que o objeto se divide em tragédia e comédia. Na tragédia as ações dos homens

são de grande caráter e valor, já na comédia o caráter do homem é caracterizado

por seu nível social. Quanto à poética de Aristóteles, Bittar (2003, p. 1437) explica

que:

A atividade mimética em Aristóteles não é, necessariamente, uma reprodução da natureza tal que é; e, pelo contrário, uma experiência sobre a natureza, que, no caso da tragédia, conduz à informação do caráter superior do homem, e, no caso da comédia, à do caráter vulgar do homem. A mímesis aqui não cuida de uma simples transposição, mas de uma elaboração do que é dado a respeito do homem, ressaltado com os demais recursos cênicos e criacionais que emanam do universo estético humano. A mímesis e, pois muito menos arte humana de decodificação da linguagem natural e muito mais reconstrução criativa, manipulação artística da Physis. Profundamente intrincado ao conceito de techné, o termo mímesis não pode ser compreendido sem que se tenham presentes as distâncias que separam techné de physis.

Baccarin (2008, p. 14) explica que a linguagem poética é a forma mais plena

para se abordarem os temas míticos e metafísicos. Trata-se do discurso metafórico,

pois dentro do mundo da linguagem usual e cotidiana, preserva-se um código

próprio. Para a autora, “a poesia se preserva principal e essencialmente no modo de

dizer” (p. 33).

Outra questão que precisa ser observada é que a poesia é um processo que

ocorre, antes de tudo, na palavra, instaurando um discurso particular. Sendo a

palavra constituída de significante e significado, ou seja, forma e conteúdo ou

símbolo e ideia, o discurso poético funciona como uma peneira seletiva, permitindo

passar os excessos, os termos gastos, os pesos linguísticos, as figuras, mantendo a

54

preciosidade, a limpidez e, preservando somente o que é essencial (BACCARIN,

2008, p. 38).

É através da metáfora que ocorre a ligação entre linguagem, sentimento e a

materialidade da palavra. A metáfora no discurso poético consiste na “analogia dos

sentidos, é a concretização do sensível através de imagens e símbolos”, unindo

pontos e expressando a plenitude da interioridade. Além disso, a metáfora também

consiste no discurso cotidiano, que com o uso excessivo, torna-se clichê, perdendo

o brilho poético inicial. Nas palavras de Baccarin (2008, p. 86) “a linguagem íntegra é

metafórica, referendando a tendência humana para a concepção analógica do

mundo e o ingresso (poético ou não) das analogias nas formas da linguagem”.

Carvalho, (1996, p.46) explica que o discurso poético não dá ao ouvinte

nenhuma ordem determinada, essa condição é realizada numa linguagem simbólica

(metafórica), dando margem a toda uma variedade de interpretações posteriores, e é

só através destas que os mandamentos, se convertem em normas determinadas.

Carvalho (1996) compreende que o discurso poético versa sobre o possível

(dínatos), dirigindo-se, sobretudo à imaginação, que capta aquilo que ela mesma

presume (eikástikos, “presumível”; eikasia, “imagem”, “representação”). Nas palavras

do autor, esse discurso:

Tem credibilidade pela sua magia: faz o ouvinte ‘participar’ de um mundo de percepções, evocações, sentimentos, de modo que, não existindo hiato entre o poeta e o seu público, a comunhão — espiritual e contemplativa — de vivências “é como se a própria vida falasse” (expressão que alguém usou a respeito de Tolstói, mas que, idealmente, se aplica ao poeta em geral).

Carvalho (1996) explica ainda que o ouvinte ou leitor da obra poética coloca

provisoriamente “entre parênteses” o juízo crítico, de modo a poder participar mais

diretamente da vivência contemplativa que lhe é proposta. A analogia entre a

55

contemplação da arte e a (epokhé) fenomenológica é patente: em ambos os casos,

suspendemos o juízo de “existência” para mais livremente apreender as “essências”.

2.7.2 A Retórica

De uma forma geral, a Retórica é a teoria da argumentação, está ligada aos

meios de persuasão dos diversos argumentos.

Bittar (2003, p. 1297) explica que a retórica de Aristóteles está fundada no

conhecimento dos meios para a definição do que seja o persuasivo. Segundo o

autor, trata-se de uma teoria que aborda a arte do convencimento.

Carvalho (1996, p. 43) vai além e considera que “a retórica visa,

essencialmente, a persuadir alguém a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa:

aprovar ou rejeitar uma lei, mover a guerra ou estabelecer a paz, eleger ou derrubar

um governante, absolver ou condenar um réu”.

No discurso retórico, sempre é emitido um pedido ou ordem que, mesmo

implícito, será sempre concreto e determinado. Nas palavras de Bittar (2003, p.

1299) a persuasão opera de forma inversa ao discurso poético, pois não está

avaliando a pessoa falante, muito menos seus atributos morais-intelectuais, mas

sim, a paixão que move o espectador do discurso.

Bittar (2003, p. 1307) esclarece que possuindo a retórica, como técnica de

argumentação, há três espécies bem delimitadas de discursos (o deliberativo, o

judicial, epidítico), esta arte também deverá possuir enunciados específicos para a

realização desses fins discursivos.

Para Carvalho (1996, p. 47) o discurso retórico apela, no fundo, ao

sentimento de liberdade do ouvinte, ao seu impulso de decidir, de agir por si mesmo,

de afirmar sua vontade. Todo discurso retórico contém, assim, de maneira mais ou

56

menos explícita, um comando ou um apelo. Ele tenciona que esse apelo seja

atendido, esse comando obedecido.

2.7.3 A Dialética

A Dialética, segundo Bittar (2003, p. 292) é de grande utilidade para as

principais classes de intelectuais (políticos e cientistas), pois está fundamentada na

arte de dizer e de desdizer, de perguntar e de responder, de refutar e de contra-

argumentar. Em outras palavras, trata da confrontação de dois ou mais discursos

simultâneos, servindo para três fins: investigações científicas, treinamento da mente

pelo confrontamento das diversas possibilidades e discussão de assuntos e

princípios desconhecidos.

Carvalho (1996, p. 48) afirma que o discurso dialético dirige-se a um ouvinte

racional e razoável, que pretende conduzir-se de maneira racional e razoável, que

aceite submeter sua vontade à razão, e que possua alguns conhecimentos em

comum com o orador. Seu sucesso depende de que encontre um ouvinte nessas

condições. Dessa forma, o discurso dialético já não se limita a sugerir ou impor uma

crença, mas submete as crenças à prova, mediante ensaios e tentativas de

traspassá-las por objeções. É o pensamento que vai e vem, por vias transversas,

buscando a verdade entre os erros e o erro entre as verdades. ’

Carvalho (1996) explica que o discurso dialético mede por ensaios e erros, a

probabilidade maior ou menor de uma crença ou tese, não segundo sua mera

concordância com as crenças comuns, mas segundo as exigências superiores da

racionalidade e da informação acurada. Ou seja, pretende convencer por meios

racionais, independentemente da vontade do ouvinte e ou mesmo contra ela. Para

que isto se torne possível, não é necessária outra condição preliminar senão que o

57

ouvinte admita a arbitragem da razão e aceite algumas premissas em comum com o

orador, geralmente tiradas das crenças correntes do seu meio social ou cultural, do

senso comum ou do consenso científico.

2.7.4 A Lógica

A exposição da temática lógica, conforme foi citado anteriormente, não foi

sistematizada (Organon) conforme Aristóteles e está disposta da seguinte forma: no

centro, estão os Analíticos (que Aristóteles talvez considerasse uma única obra), que

foram divididos em Primeiros Analíticos e Segundos Analíticos. Os primeiros tratam

da estrutura do silogismo em geral, das suas diferentes figuras e dos seus diferentes

modos, considerando-o de maneira formal, isto é, estudando só a coerência formal

do raciocínio. Nos Segundos Analíticos, Aristóteles ocupa-se do silogismo, além de

formalmente correto, também verdadeiro, ou seja, do silogismo científico, no qual

consiste a verdadeira demonstração (REALE, 1994, p. 451).

De uma forma geral, a lógica postulada por Aristóteles considera a forma

que deve ter qualquer tipo de discurso que queira ser probatório. A lógica mostra

como procede o pensamento quando pensa, qual é a estrutura do raciocínio, quais

os seus elementos, como é possível fornecer demonstrações, que tipos e modos de

demonstração existem, como e quando são possíveis (REALE, 1994, p. 450).

Para Bittar (2003, p. 174), a lógica é o instrumento de que se deve servir o

homem para o conhecimento da verdade, colocando-se a serviço do saber. Dessa

forma a argumentação e a estrutura do pensamento devem conduzir à verdade, e

em outras palavras, “reitera-se a verdade e nega-se a falsidade; prescreve-se o

verdadeiro e proscreve-se o falso”.

Na concepção de Carvalho (1996, p. 37), o discurso lógico ou analítico,

58

finalmente, partindo sempre de premissas admitidas como indiscutivelmente

certas, chega, pelo encadeamento silogístico, à demonstração certa (apodêixis,

“prova indestrutível”) da veracidade das conclusões.

Nas palavras de Reale (1994, p. 453), a lógica aristotélica tem uma gênese

tipicamente filosófica:

Ela assinala o momento no qual o logos filosófico, depois de ter amadurecido completamente através da estruturação de todos os problemas, como vimos, torna-se capaz de pôr-se a si mesmo e ao próprio modo de proceder como problema e assim, depois de ter aprendido a raciocinar, chega a estabelecer o que é a própria razão, ou seja, como se raciocina, quando e sobre o que é possível raciocinar.

Carvalho (1996, p. 27) conjectura que “a conquista suprema do pensamento

lógico é o conceito”, uma vez que o conceito abarca numa só operação mental não

somente espécies de entes, mas espécies de relações entre entes, “e espécies de

espécies, isto é gêneros”, subindo, para “abarcar as relações mais gerais e

universais até conceber as relações meramente possíveis, e as gradações de

possibilidades que hierarquizam e relacionam as possibilidades entre si”.

O discurso lógico ou analítico, finalmente, partindo sempre de premissas admitidas como indiscutivelmente certas, chega, pelo encadeamento silogístico, à demonstração certa (apodêixis, “prova indestrutível”) da veracidade das conclusões. Partindo de premissas que são tomadas como evidentes e inquestionáveis, e pretendendo chegar a resultados que, nos limites dessas premissas, deverão ser aceitos como absolutamente certos, sua credibilidade depende de duas coisas: que o ouvinte seja capaz de acompanhar passo a passo um raciocínio lógico cerrado, sem perder o fio, e que ele esteja ciente da veracidade absoluta das premissas.

2.7.5 Tipologia Universal dos Discursos

Discorrendo quanto à possibilidade de uma tipologia universal dos discursos

Carvalho (1996, p. 37) explica que o conceito de discurso – trânsito do acreditado ao

59

acreditável - inclui uma ideia de máximo e de mínimo: porque o acreditado é, por si

mesmo, o maximamente acreditável, e o acreditável, ao fim do discurso, é o que

deverá vir a ser acreditado.

Ricoeur (2005, p.37) esclarece que esta possibilidade de tipologia universal

pode ocorrer através da análise da metáfora. Para o autor, a ideia aristotélica de

metáfora, tende a aproximar três ideias distintas: a ideia de desvio em relação ao

uso ordinário, a ideia de empréstimo a um domínio de origem, e a de substituição

em relação a uma palavra comum ausente, mas disponível.

Outra questão é que ao mesmo tempo que a ideia de epífora preserva a

unidade de sentido da metáfora, ao contrário do traço de classificação que

prevalecerá nas taxionomias posteriores, uma tipologia da metáfora é esboçada na

continuidade da definição: a transferência, diz ele, vai do gênero à espécie, da

espécie ao gênero, da espécie à espécie, ou se faz segundo a analogia (ou

proporção). Nesse contexto, indaga-se: se a metáfora deriva de uma heurística do

pensamento, não se pode supor que o precedimento que desordena e desloca certa

ordem lógica, certa hierarquia conceitual, certa classificação é o mesmo do qual

procede toda classificação? Não conhecemos outro funcionamento da linguagem

senão aquele no qual uma ordem já está consituída; a metáfora gera apenas uma

nova ordem produzindo desvios em uma ordem anterior; não poderíamos, contudo,

imaginar que a própria ordem nasce da mesma maneira que muda? (RICOEUR,

2005, p. 40). Acrescenta-se aqui o exposto por Carvalho: “o que determina o

começo e o fim de todo discurso não é, portanto, o conceito de discurso enquanto

tal, mas um fator real empíriro: a vontade, ou a conveniência humana contingente

que move a produção deste ou daquele discurso em particular”.

60

Carvalho (1996, p. 38) diz ainda que, como a conclusão de um discurso

pode ser premissa de um outro discurso tão logo seja acreditada, segue-se que há

uma escala de premissas, e dos graus desta escala surgirão os graus da escala ou

tipologia teórica dos discursos, e propõe a essa escala das premissas a seguinte

configuração:

FIGURA 2 - TIPOLOGIA TEÓRICA DOS DISCURSOS

Fonte: Carvalho, 1996, p. 38

Com base no conceito de que todo discurso é movimento, partindo de algo

para chegar a algo, surgem nessa polaridade dois pontos ou tipos intermediários: o

discurso que tende a uma certeza máxima, mas não pode obtê-la, e o discurso que,

sem necessitar de uma certeza máxima, nem tender a ela, pode obter algo mais do

que uma certeza mínima, caracterizado por Carvalho (1996, p. 41) da seguinte

forma:

MÁXIMO

(Certo, verdadeiro)

MÍNIMO (possível)

MÁXIMO

(Certo, verdadeiro)

61

FIGURA 3 - POLARIDADE DO DISCURSO

Fonte: Carvalho, 1996, p. 41

Conforme pode ser observado, Carvalho (1996, p. 41) propõe que o primeiro

discurso é o que parte de uma credibilidade suficiente, ou seja, o que parte do

possível para o verossímil, então para o provável e então para o certo.

Para Ricoeur (2005, p. 51) a ideia de que há uma técnica da produção de

discurso pode conduzir a um projeto taxionômico. O autor explica que existe um

atrelamento que é assegurado pela conexão entre retórica e dialética, citando as

palavras de Aristóteles: “a retórica é a réplica da dialética” e conclui que a retórica

designa a teoria geral da argumentação na ordem do verossímil.

Essa condição de movimento do discurso é representada por Carvalho

(1996, p. 42) da seguinte forma:

Analítico

(Verdadeiro)

62

FIGURA 4 - A LÓGICA DO DISCURSO

Fonte: Carvalho, 1996, p. 42

Com base no conceito de Carvalho (1996), os discursos se qualificam da

seguinte forma:

a) Analítico: Parte das premissas tidas como absolutamente certas;

b) Dialético: parte de premissas que podem ser incertas, mas que são

aceitas sob determinadas circunstâncias e por um público mais ou menos

homogêneo e conhecedor do assunto, ou seja, parte das premissas

prováveis;

c) Retórico: parte das convicções atuais do público sejam elas verdadeiras

ou falsas, e procura levar a plateia a uma conclusão verossímil;

d) Poético: parte do gosto ou dos hábitos mentais e imaginativos do público

jogando com a possibilidade.

Já o filósofo francês Foucault (2010) diz existir em nossa sociedade um

principio de exclusão, sendo este uma separação e uma rejeição. Pensa sobre a

oposição razão e loucura. O filósofo explica que desde a alta Idade Média, o louco é

Poético

(Possível)

Retórico

(Verossímil)

Dialético

(Provável)

63

aquele cujo discurso não pode circular como o dos outros: pode ocorrer que sua

palavra seja considerada nula e não seja acolhida, não tendo verdade nem

importância, não podendo testemunhar na justiça, não podendo autenticar um ato ou

um contrato, não podendo nem mesmo, no sacrifício da missa, permitir a

transubstanciação e fazer do pão um corpo; pode ocorrer também, em contrapartida,

que se lhe atribuam, por oposição a todas as outras, estranhos poderes, o de dizer

uma verdade escondida, o de prenunciar o futuro, o de enxergar com toda

ingenuidade aquilo que a sabedoria dos outros não pode perceber.

64

3 DISCUSSÃO

De uma forma geral o conjunto das obras de Aristóteles compreende um

conjunto de concepções que descrevem o discurso humano como uma potência

única, que se atualiza de quatro maneiras diversas: a poética, a retórica, a dialética

e a lógica. Com base neste conceito, e levando-se em conta que o discurso está em

constante movimento, partindo de “algo para chegar a algo”, considera-se a

possibilidade de criar uma tipologia universal dos discursos, com base em uma

escala de credibilidade que parte do possível (poético) ao verossímil (retórico), para

o provável (dialético) e finalmente encontrando o certo ou verdadeiro (lógico-

analítico) (CARVALHO, 1996).

Neste contexto, pode-se sistematizar o “movimento” dos discursos da

seguinte forma:

FIGURA 5 - SISTEMATIZAÇÃO DOS DISCURSOS

Fonte: Carvalho, 2011

65

Outro ponto que norteia esse estudo, é que as palavras possuem

significados onde o significante funciona como uma peneira seletiva, que é

verbalizada pelo discurso, respeitando o significado essencial percebido pelo orador

(BACCARIN, 2008, p. 38). Esse embasamento remete ao pensamento de

competências e habilidades humanas, ou seja, o indivíduo pode ser percebido a

partir de seu discurso.

Com base no estudo das quatro castas da Índia, é possível perceber que

cada casta compreende uma determinada “personalidade” (individualizada) com

características próprias e discursos próprios. Vale salientar que esses “discursos”

estão impregnados de cultura, religiosidade e política, comuns às sociedades

antigas (holístas) e modernas (individualistas). Com isso, considera-se que a mesma

escala de credibilidade com que os discursos de Aristóteles são sistematizados, as

castas da Índia podem ser, analogamente associada, sobretudo, levando-se em

conta os discursos de Bittar (2003), Baccarin (2008), Carvalho (1996) e outros que

associam o discurso a um determinado grupo social, ou indivíduo. Por exemplo, a

retórica associada ao discurso persuasivo, ligado à arte de fazer com que o ouvinte

queria alguma coisa e a poética associada à linguagem metafórica (discurso

cotidiano).

Embora se possa comparar o discurso do Dalit com o discurso do louco

relatado por Foucault (2010), nessa discussão, os Dalit por exercerem tarefas

reconhecidas nas sociedades ocidentais como dignas porque trabalham com couro,

com carcaças de animais, por serem fazendeiros pobres, trabalhadores sem terra,

escavadores de fossas, artesãos de rua, artistas folclóricos, varredores e lavadores

de rua, receberão o mesmo tratamento que os Sudras, já que, este estudo respeita a

forma do discurso que é proferido e não a hierarquia adotada no sistema de castas

66

relacionadas ao trabalho, conforme o disposto na sociedade indiana. Essa condição

é necessária, pois pretende-se identificar o discurso não associado ao trabalho ou à

hereditariedade, mas a percepção e externalização do pensamento humano. Dessa

forma, foi identificado que a hierarquia das castas indianas é estabelecida da

seguinte forma:

• Brâmanes: Os sacerdotes, os “instruídos”, ou seja, são os sacerdotes

que possuem características particulares como serenidade, autocontrole,

austeridade, pureza, paciência, honestidade, conhecimento

transcendental, experiência transcendental, e acreditam em Deus;

• Xátrias: Os guerreiros que possuem as qualidades de heroísmo, vigor,

firmeza, habilidade, estabilidade na batalha, caridade, e dons

administrativos, senso de liderança e proteção;

• Vaixás: Os comerciantes, aqueles que são responsáveis por gerir os

bens materiais, banqueiros (prática de usura);

• Sudras: Camponeses e trabalhadores

Com a mesma lógica sistemática, também se obtém a seguinte estrutura

para os quatro discursos de Aristóteles:

• Lógico: Verdade (Como procede o pensamento quando se pensa, e

como é a estrutura do raciocínio);

• Dialético: Probabilidade (Confronto entre duas verdades, investigação

científica, treinamento da mente, confrontamento das diversas

possibilidades);

• Retórico: Verossimilhança (Teoria da argumentação conhece os meios

para a definição do que seja o persuasivo, o discurso é emitida uma

ordem ou pedido – pode ser deliberativo, judicial ou epidíctico);

67

• Poético: Possibilidade (arte da mimética, discurso metafórico, linguagem

usual cotidiana);

Por meio dos estudos levantados, foi possível criar uma relação lógica entre

o Sistema de Castas da índia e os Discursos de Aristóteles, cujo resultado, pode ser

sistematizado da seguinte forma como demonstrado no quadro a seguir:

Castas Brâmanes Xátrias Vaixás Sudras/Dalitz

Profissão

Religiosos; Intelectuais; Professores; Jornalistas.

Militares; Políticos; Líderes

Banqueiros; Comerciantes; Vendedores; Empresários

Todos aquele que vendem sua força de trabalho em troca de segurança alimentar ou física.

Características Particulares

Serenidade, autocontrole, austeridade, pureza, paciência, honestidade, conhecimento e experiência transcendental.

Heroísmo, vigor, firmeza, habilidade, estabilidade na batalha, caridade e dons administrativos, senso de liderança e proteção.

Bons no cultivo, no cuidado com o gado, negócios, comércio, finanças, e indústria.

Pessoas ignorantes no conhecimento espiritual, identificando-se fortemente com o corpo material.

Habilidade Conceitos Lidar com os contrários, Liderança

Persuasão Imitação metafórica linguagem cotidiana

Anseio Conhecimento Poder Dinheiro Corpo Discurso Lógico Dialético Retórico Poético

Formas de Discurso

Versa sobre a verdade

Versa sobre o provável

Versa sobre o verossímil

Versa sobre o possível.

QUADRO 1 - CASTAS X DISCURSO Fonte: Desenvolvido pelo autor

Ou no quadro simplificado adiante:

Brâmanes Xátrias Vaixás Sudras/Dalitz

Religiosos; Intelectuais; Professores; Jornalistas.

Militares; Políticos; Líderes

Banqueiros; Comerciantes; Vendedores; Empresários

Todos aqueles que vendem sua força de trabalho em troca de segurança alimentar ou física.

Discurso Lógico Dialético Retórico Poético Anseio Conhecimento Poder Dinheiro Corpo Formas de Discurso

Versa sobre a verdade

Versa sobre o provável

Versa sobre o verossímil

Versa sobre o possível.

QUADRO 2 - RESUMO SIMPLIFICADO CASTAS X DISCURSO Fonte: Desenvolvido pelo autor

68

Conforme pode ser observado nos quadros, existe a possibilidade de

associar as quatro castas da Índia com os quatro discursos de Aristóteles, e que

esta aproximação pode ser uma referência a ser aplicada em outras sociedades,

bem como, empregada na identificação do indivíduo por meio de seu discurso.

Credita-se a este estudo, a possibilidade dessa sistematização ser

empregada como uma ferramenta de comunicação e de identificação de habilidades

e competências auxiliares no trabalho, dentre outros, do Gestor e do Produtor

Cultural que deverá aceitar naturalmente sua posição de quarta casta, ou seja, de

Brâmane, e que, para maximizar os resultados da gestão e da produção cultural,

deverá adequar o seu discurso conforme o seguinte esquema[R1]:

Falar analiticamente com os Brâmanes.

Falar dialeticamente com os Xátrias

Falar retoricamente com os Vaixás

Falar poeticamente com os Sudras

QUADRO 3 - ESQUEMA DE ADEQUAÇÃO DE DISCURSO Fonte: Desenvolvido pelo autor

Uma vez que, aceitando esse modelo como uma base conceitual para a

tipologia universal do discurso, amplia-se o horizonte para uma nova perspectiva do

trabalho de Aristóteles, bem como para um novo ordenamento do complexo e

universal sistema de castas.

De forma a complementar este estudo, para que se efetive ainda mais o

reconhecimento das castas, faz-se necessária uma pesquisa para a identificação

das narrativas que ocorrem no interior dos discursos, visto que, cada vez, mais se

reconhece que os discursos, em suas possíveis vinculações, se caracterizam como

narrativas que constroem, apresentam, representam, legitimam, fundam e refundam

realidades.

69

4 CONCLUSÃO

O produtor cultural precisa constantemente aprimorar sua sensibilidade, pois

ela é a ferramenta fundamental de seu trabalho. É na sensibilidade artística em

perceber a cultura como algo único, como uma experiência singular e um momento

a ser celebrado que se concebe a produção cultural. Também não se deve deixar de

lado a responsabilidade desse profissional com o novo, o cuidado com que o

produtor cultural deve ter com o dinâmico e o mutável. É nessa polaridade entre

sensibilidade artística e domínio de novas técnicas de produção cultural que o

produtor precisa estabelecer métodos de modo a reduzir a lacuna entre esses dois

espaços. Pode-se dizer que a fórmula ideal é uma amálgama entre os dois

elementos.

Pensando nisso, esse trabalho buscou uma melhor compreensão sobre o

Sistema de Castas da Índia e o individualismo apresentados nas contribuições, que

dentre tantas, figuram as de Dumont, nas teorias estabelecidas por tantos outros

notáveis como também as de Olavo de Carvalho ao preconizar o pensamento como

potência única, como uma unidade que se atualiza através dos quatro discursos,

desfazendo assim, a esquizofrenia social decorrente do histórico distanciamento que

se criou entre a lógica e a poética e que acarretaram nas distorções a que estamos

submetidos.

Ao se aprofundar nos estudos das castas, foi possível adentrar na ideologia

do caráter simbólico levando em consideração o pensamento materializado no

discurso como expressão do comportamento humano e, ao observar as obras de

Aristóteles, foi possível traçar um paralelo com o sistema de castas e então com o

sistema de classes, estabelecendo um novo conceito de que esse modelo pode, por

70

conseguinte, aplicar-se às sociedades antigas como a da Índia e modernas

ocidentais.

Dessa forma, quanto aos objetivos propostos por esse trabalho ficou

evidenciado, com o estudo do sistema de castas, quais são os papéis dos indivíduos

na sociedade, e por meio da identificação do discurso, surge a adequação e ajuste

desse indivíduo em seu meio social. Nesse sentido, as quatro castas fornecem um

mecanismo de identificação do indivíduo através do discurso proferido, deslocando,

assim, a noção de casta em relação ao trabalho ou à hereditariedade, restando aos

discursos serem um instrumento de adequação desse indivíduo em seu meio.

Para o produtor cultural, ter o discurso adequado compreende dominar uma

ferramenta essencial para a produção, seja a título de gestão administrativa,

comercial, política ou intelectual. Dessa forma, o resultado desse estudo coloca o

produtor e o gestor cultural em contato com conhecimentos que possibilitarão

maximizar seus resultados, pois, além de fornecer subsídios para uma maior

percepção das habilidades e competências individuais, incentiva o aperfeiçoamento

do trabalho em um grupo de iguais que observa a igualdade e seu oposto, que não

vem a ser a desigualdade, e sim a hierarquia, mas não a do mais criativo, abastado,

poderoso ou intelectualizado, e sim a da união de competências diferentes, porém

igualmente importantes.

Com o domínio dos quatro discursos, o Produtor poupa de certos

inconvenientes o artista, esse Sudra construtor de ilusões, que navega em mares

onde transbordam emoções, que cotidianamente sofre a mágoa do discurso do

mercado, das matemáticas de ser, dos fatores não estéticos que restringem a

autonomia de suas criações, assim como clama o gênio do poeta Fernando Pessoa

neste fragmento de sua obra “Meu Mestre Querido”

71

Mestre, meu mestre! ... Na angústia sensacionalista de todos os dias sentidos. Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser, Eu, escravo de tudo como um pó de todos os ventos, Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim!...

Também o produtor, ao dialogar com o mercado, com o investidor financeiro,

esse sagaz aventureiro, pode discursar nos termos deste trecho da poesia “Tenho

tanto sentimento”, do mesmo poeta que, mesmo em sua essência, proferindo o

discurso poético, também discorre em seu bojo a retórica, prezando aqui por uma

auto-persuasão, onde:

Tenho tanto sentimento Que é frequente persuadir-me De que sou sentimental, Mas reconheço, ao medir-me, Que tudo isso é pensamento, Que não senti afinal.

Ou o discurso dialético na estrofe seguinte que diz que:

Temos, todos que vivemos, Uma vida que é vivida E outra vida que é pensada, E a única vida que temos É essa que é dividida Entre a verdadeira e a errada.

Ou o lógico onde finaliza afirmando categoricamente assim:

Qual, porém é a verdadeira. E qual errada, ninguém Nos saberá explicar; E vivemos de maneira Que a vida que a gente tem É a que tem que pensar.

72

Por derradeiro, destaca-se a satisfação pessoal na realização desta

monografia, deste estudo seminal e do valor ontológico presente em seus

resultados, salientando a necessidade de uma continuidade nas pesquisas a fim de

ampliar ainda mais este imenso campo de discussão.

73

5 REFERÊNCIAS

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