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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ MARIANA FERREIRA MARTINS ABANDONO AFETIVO E O DEVER DE CUIDADO: REPERCUSSÕES NA RESPONSABILIDADE CIVIL À LUZ DO DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL CURITIBA 2012

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

MARIANA FERREIRA MARTINS

ABANDONO AFETIVO E O DEVER DE CUIDADO: REPERCUSSÕES

NA RESPONSABILIDADE CIVIL À LUZ DO DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL

CURITIBA

2012

ABANDONO AFETIVO E O DEVER DE CUIDADO: REPERCUSSÕES

NA RESPONSABILIDADE CIVIL À LUZ DO DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL

CURITIBA

2012

MARIANA FERREIRA MARTINS

ABANDONO AFETIVO E O DEVER DE CUIDADO: REPERCUSSÕES NA RESPONSABILIDADE CIVIL À LUZ DO DIREITO CIVIL

CONSTITUCIONAL

Trabalho de Conclusão de curso, apresentado ao

curso de Direito, da Faculdade de Ciências

Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como

requisito parcial para obtenção do grau de

bacharel em direito.

Orientadora: Professora Dra. Thaís Goveia

Pascoaloto Venturi.

CURITIBA

2012

TERMO DE APROVAÇÃO Mariana Ferreira Martins

ABANDONO AFETIVO E O DEVER DE CUIDADO: REPERCUSSÕES NA RESPONSABILIDADE CIVIL À LUZ DO DIREITO CIVIL

CONSTITUCIONAL

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Bacharelado de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, _____, _________________ de 2012.

___________________________________________________ Curso de Direito

Universidade Tuiuti do Paraná

Orientadora: Professora Dra. Thaís Goveia Pascoaloto Venturi.

Professor (a)

Universidade Tuiuti do Paraná

Professor (a)

Universidade Tuiuti do Paraná

À razão do meu existir, Cristo Jesus, o meu amor maior. Sentir sua companhia me faz feliz. Obrigada por me amar além das nuvens, por me amar primeiro, por escutar os meus choros, por se alegrar comigo, pelo auxílio. A ti dedico este sonho realizado.

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu ilustre e todo onipotente Deus, que me permitiu compreender pela fé o seu cuidado por mim, cuidado que merece uma filha. A Ele toda glória que posso oferecer. Ao longo de minha tão sonhada universidade me permitiu ser livre, a fim de entender que tudo passará, mas permanece o amor, a fé e a esperança, porém o maior desses sempre é o amor, e que chance maior de engrandecê-lo se não traçar o cuidado? Apesar da análise jurídica dada ao presente trabalho, sinto-me honrada pelo próprio Deus, por poder observar um dever inerente ao múnus de ser pai, de ser mãe, ser zeloso.

A minha querida orientadora Thaís Goveia Pascoaloto Venturi, que prontamente aceitou caminhar comigo nesta pesquisa, e além de ter o dom divino de ser mestre, compartilhou seus conhecimentos durante sua árdua jornada ao doutorado, não tenho palavras para estimar sua paciência e carinho.

Aos mestres que me levaram a amar o direito durante o curso, e aos que elucidaram ser a função precípua do direito fazer do outro feliz. Aos meus colegas de sala, foi maravilhoso completar este sonho com vocês.

Aos doutores Bonfim, Gisele, Vanusa, Lediane, Patrícia Jorge, Marcos Aurélio, Luir Ceschin, Marcel, Murilo, Antonio Moura, Araken, obrigada por compartilharem seus conhecimentos comigo.

A minha amada família, Mami, Paizinho, Aninha, Juninho, que mesmo não vendo condições, acreditaram na oportunidade da “ageminina do coração” crescer. Meus eternos agradecimentos, não somente pelo cuidado dispensado, mas pelo amor doado.

Aos meus primos, Nani, Cá, Tetê e Valei, aos quais adotei e amo sobremaneira, obrigada por me proporcionarem um lar durante meu curso, pelo aconchego; que o Soberano lhes retribua cem por um. Tia Môa, Tio Dió, Tio Inho, Tia ‘Marilena’ obrigada pela semente, eu os amo demais!

Ao meu amado noivo Antonio, amo-te. Obrigada pelo apoio, pelo carinho. Você fez meu sonho se tornar real, obrigada por participar dos choros e alegrias durante esses anos. É um prazer tê-lo comigo.

Aos meus queridos sogros, Antonio e Rosane, vocês acrescentaram muito em minha vida, obrigada pelo apoio doado e por terem vivido comigo momentos tão importantes.

Aos meus avós, Vó Irma e Vô Mário (in memoriam), à Vó Cida e ao Vô Zé, os senhores sempre disseram que eu iria longe, apesar de ver uma longa caminhada, creio que cheguei até aqui por ouvir o incentivo de meus amados ancestrais, os amo.

A minha amada Comunidade da Graça eu agradeço pela grande ternura e incessantes orações.

Aos meus amigos, tesouros nobres que Deus me proporcionou. Obrigado por darem cor a minha vida.

O papel infelizmente não pode torna translúcido o que sinto, e vejo-me presa às palavras, portanto, só me resta agradecer.

A criança é o amor feito visível. Friedrich Novalis

RESUMO

Através do presente trabalho visa-se a análise do Direito Civil Constitucional, mais especificamente a inserção do instituto da Responsabilidade Civil no âmbito do Direito de Família. Estreita-se a pesquisa na possibilidade ou não da compensação do dano decorrente do abandono afetivo de crianças e adolescentes pelos pais. Pretende-se perquirir jurisprudências e doutrinas que demonstrem as posições acerca desta nova leitura do direito de filiação. Caminha-se através da superação da perspectiva patrimonialista, voltando-se para valores constitucionais, especialmente no que concerne à dignidade da pessoa humana. Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Direito de Família. Abandono afetivo.

ABSTRACT

The purpose of the present study is to analyze the Constitutional Law, more specifically the inclusion of the Institute of Civil Liability under the Family Law. The research approaches the possibility or impossibility of receiving compensation for damage resulting from parental emotional neglect. This paper intends to search jurisprudence and doctrines that demonstrate the new understanding of the filiation law. It is an attempt to overcome the patrimonialistic view, turning to constitutional values, especially those concerning the human dignity Key words: Civil Liability. Family Law. Emotional neglect.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................11

2 APONTAMENTOS HISTÓRICOS DAS RELAÇÕES FAMILIARES......................13

2.1 A FAMÍLIA NA ERA PRIMITIVA ..........................................................................14

2.2 A FAMÍLIA ROMANA ..........................................................................................16

2.3 FAMÍLIA GERMÂNICA ........................................................................................18

2.4 A FAMÍLIA NA IDADE MÉDIA .............................................................................19

2.5 A FAMÍLIA E O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO......................................20

2.6 A CONCEPÇÃO DE FAMÍLIA NO BRASIL..........................................................21

2.7 A DEMOCRATIZAÇÃO DA FAMÍLIA...................................................................22

2.8 A FAMÍLIA E O DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO.........................................25

2.8.1 O Direito Civil Contemporâneo e o cuidado .....................................................27 3 AUTORIDADE PARENTAL....................................................................................30

3.1 CONCEITO DE AUTORIDADE PARENTAL........................................................33

3.1.1 Autoridade parental e o Estado.........................................................................36

3.2 TERMINOLOGIA: PÁTRIO PODER, PODER FAMILIAR, AUTORIDADE

PARENTAL, EM BUSCA DA DENOMINAÇÃO APROPRIADA.................................37

3.3 O FILHO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.............................................39

3.4 TITULARIDADE DA AUTORIDADE PARENTAL.................................................44

3.4.1 Exercício dos poderes e deveres parentais......................................................45

3.5 EXTINÇÃO, PERDA E SUSPENSÃO DA AUTORIDADE PARENTAL

....................................................................................................................................50

3.6 O DEVER DE CUIDADO E O PODER FAMILIAR...............................................52

4 APONTAMENTOS ESSENCIAIS DE RESPONSABILIDADE CIVIL

....................................................................................................................................54 4.1 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA.....................................................................55

4.2 RESPONSABILIDADE OBJETIVA.......................................................................58

4.3 PRESSUPOSTOS TRADICIONAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL................60

4.3.1 Ato ou fato voluntário.........................................................................................60

4.3.2 Conduta culposa do agente...............................................................................61

4.3.3 Ilicitude..............................................................................................................62

4.3.4 Dano..................................................................................................................62

4.3.4.1 Dano material.................................................................................................64

4.3.4.2 Dano moral.....................................................................................................65

4.3.6 Nexo de Causalidade........................................................................................67

5 RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDO AFETIVO.......................................69

5.1 AFETIVIDADE JURÍDICA ...................................................................................72

5.1.1 Abandono afetivo e a ausência da convivência familiar....................................75

5.2 REPARAÇÃO DO DANO POR ABANDONO AFETIVO......................................76

6 CONCLUSÃO.........................................................................................................84

REFERÊNCIAS..........................................................................................................86

ANEXO A – TEXTOS LEGISLATIVOS.....................................................................97

ANEXO B – PROJETO DE LEI...............................................................................113

ANEXO C – CÓDIGO CIVIL DE 1916 – CAPÍTULO VI – SEÇÃO I; II E III

..................................................................................................................................119

11

1 INTRODUÇÃO

Os filhos não precisam de pais gigantes, mas de seres humanos

que falem a sua linguagem e sejam capazes de penetrar-lhes o coração. Augusto Cury

A presente pesquisa tem como característica sua relevância social, pois

esquadrinha os direitos do filho, e após uma singela análise das transformações

sociais vividas pela família no decorrer da história, percebe-se sob a luz do direito

civil contemporâneo que a figura do filho é exaltada através da dignidade da pessoa

humana, disciplinada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Todavia, há um percurso histórico da família a ser delineado para que

finalmente possamos visualizar a figura da criança e do adolescente enquanto filhos

e sujeitos de direito. O citado trajeto implica a observação dos grandes grupos

familiares que visavam em síntese à reprodução, passa-se pela rígida e

hierarquizada família romana, pela influência da família germânica que dá o encargo

ao genitor de manter os filhos, mas sem ter o direito de tirar-lhe a vida.

O medievo também é explanado, posto que, neste período houve fortes

influências da igreja católica no âmbito familiar, nesta linha segue para o processo

de industrialização, em que ocorre uma reorganização do núcleo. Fazem-se

apontamentos sobre a família no Brasil e finalmente tratar-se da democratização da

família.

Observa-se, então, após árduas mudanças históricas, que deixa o

responsável pelo filho de exercer poder despótico e passa a ter o dever de dar

eficácia ao primordial interesse da criança e do adolescente, concedendo proteção

integral e demais múnus especificados no artigo 227 da CRFB/88.

Com a democratização no contexto da família há a efetivação dos direitos da

dignidade da pessoa humana. Portanto, é destinado à criança e ao adolescente,

especial proteção. Discute-se se a ausência do cuidado, do afeto dos pais,

insuficiente convivência familiar, viabiliza indenização.

Percorre-se, então por apontamentos da responsabilidade civil, e a partir

disto verificam-se os aspectos positivos e negativos da probabilidade do pai ou da

mãe vir a reparar o infante por não ter exercido sua autoridade parental de maneira

adequada.

12

Busca-se a resposta para a inquietante questão: se o sujeito responsável

pela criança deve ser obrigado a dispensar amor, ou possui simplesmente o dever

de cuidado. E no caso de abandono pelos pais aos filhos, a pesquisa se reportará à

doutrina e jurisprudência que prediz se há incidência da responsabilidade civil, no

âmbito do Direito de Família, em decorrência do abando afetivo.

13

2 APONTAMENTOS HISTÓRICOS DAS RELAÇÕES FAMILIARES

O estudo em geral, a busca da verdade e da beleza são domínios em que

nos é consentido ficar crianças toda a vida. Albert Einstein

É preciso delinear sucintamente o histórico das relações familiares ao longo

dos séculos, a fim de chegar ao paradigma 1 do cuidado. Um estudo sistematizado

das bases da família é fundamental para compreender a origem do dever de

cuidado, do afeto e das consequências jurídicas da falta deste. Sílvio de Salvo

Venosa, disserta que “entre os vários organismos sociais e jurídicos, o conceito, a

compreensão e a extensão de família são os que mais se alteram no curso dos

tempos” 2.

Não resta dúvida quanto à mutabilidade das relações familiares, e da

necessidade do Direito progredir paralelamente a essas mudanças a fim de

estabelecer um parâmetro para a paz social.

Clayton Reis afirma:

É no curso da história que o ser humano modela o seu caráter. E, através do perpassar de séculos e milênios, a sociedade consolida sua vocação de emancipação do espírito humano – uma longa trajetória de suor, sangue e lágrimas. O grande drama da pessoa se desenrola nos bastidores do teatro da vida – o que somos, de onde viemos e para onde vamos? Os primeiros passos iniciados no ambiente familiar serão determinantes na construção da personalidade do ser humano 3.

Carlos Alberto Bittar 4 ao dissertar sobre os novos rumos da família observa

que os conclames da sociedade têm origem na comunidade denominada família,

pois é de maneira simultânea que o sujeito se desenvolve na família e é inserido na

1 No presente trabalho de conclusão de curso ao tratar do termo paradigma, entenda-se a definição ministrada por Thomas Kuhn, a qual parte da busca científica por um modelo, pois é através do conhecimento de um padrão que existe a possibilidade de escolha, “[...] uma comunidade científica, ao adquirir um paradigma, adquire igualmente um critério para a escolha de problemas que, enquanto o paradigma for aceito, poderemos considerar como dotados de uma solução possível”. Um cientista pode repudiar determinado paradigma. Embora seja geralmente de maneira paulatina, a renúncia, quando ocorrer tal mudança, simultaneamente toda a doutrina, livro, artigo que corporificavam o antigo modelo não são mais imprescindíveis, ou mesmo adequados (KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 9. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005. p. 60). 2 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 17. 3 REIS, Clayton. Dano Moral. 5ª ed. atual. ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 275. 4 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993, p. 10.

14

sociedade. Como aduz o jurista português, Diogo Leite de Campos 5, o estudo da

família permite a percepção da estrutura política e social de uma nação, havendo

interação entre o desenvolvimento pessoal no núcleo familiar e as mudanças

sociais.

Na sociedade brasileira a família é a base, conforme se denota no caput do

artigo 226 da Constituição da República Federativa do Brasil de 19886, e possui o

núcleo familiar uma especial proteção do Estado. Gustavo Tepedino destaca que a

Constituição de 1988, “positivou conquistas sociais e existenciais” que refletiu na

dignidade da pessoa humana como valor essencial do ordenamento7.

2.1 A FAMÍLIA NA ERA PRIMITIVA

Ao analisar o estado primitivo, há diversas teorias acerca da formação dos

grupos familiares. Pontes de Miranda ao citar o alemão, Bachofen, em meados de

1861, menciona que eram grandes os grupos e havia promiscuidade, o homem

primitivo não possuía sensibilidade para estabelecer um padrão equânime 8, e citado

também por Friedrich Engels, conclui-se:

[...] o estudo da história da família começa, de fato, em 1861, com o Direito Materno de Bachofen. Nesse livro o autor formula as seguintes teses: 1 – primitivamente, os seres humanos viveram em promiscuidade sexual (impropriamente chamada de heterismo de Bachogen); 2 – estas relações excluíam roda possibilidade de estabelecer, com certeza, a paternidade, pelo que a filiação apenas podia ser contada por linha feminina, segundo o direito materno, e isso se deu em todos os povos antigos; 3 – em conseqüência desse fato, as mulheres, como mães, como únicos progenitores conhecidos da jovem geração, gozavam de grande apreço e respeito, chegando, de acordo com Bachofen, ao domínio feminino absoluto (ginecocracia); 4 – a passagem para a monogamia, e, que a mulher pertence a um só homem, incidia na transgressão de uma lei religiosa muito antiga (isto é, do direito imemorial que os outros homens tinham sobre aquela mulher), transgressão que devia ser castigada, ou cuja tolerância se compensava com a posse da mulher por outros, durante determinado período9.

5 ‘CAMPOS, Diogo Leite de. Direito de Família e das Sucessões. Coimbra, Portugal: Livraria Almedina, 1998. p.51. 6 Vide, anexo – A. 7 TEPEDINO, Gustavo. A Tutela Constitucional da Criança e do Adolescente: projeções civis e estatutárias. In: Temas de direito civil. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008 p. 205. 8 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito de família. atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Campinas - SP: Brookseller, 2001. p.33. 9 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Tradução de Leandro Konder. 15ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p. 7.

15

Os grupos endógamos, ou seja, grupo10 cujos atos sexuais eram praticados

entre todos os integrantes, somente a mãe era identificada, e essas ganharam

posição de destaque socialmente. Mas desta linha divergiu o etnólogo H. E. Ziegler,

o qual afirmou que o amor mútuo era regido pelo instinto humano, havendo desvelo

entre os integrantes de um clã 11.

Friederich Engels cita que na visão de Mac Lennan, em 1865, todas as

mulheres, pertenciam a todos os homens. Lembra ainda que Morgan reconhece

também que o parentesco era contado pela linha materna12.

[...] a família, diz Morgan, é o elemento ativo; nunca permanece estacionária, mas passa de uma forma inferior a uma forma superior, a medida que a sociedade evolui de um grau mais baixo para outro mais elevado. Os sistemas de parentesco, pelo contrário, são passivos, só depois de longos intervalos, registram os progressos feitos pela família, e ao sofrem uma modificação radical senão quando a família já se modificou radicalmente [...] Reconstituindo retrospectivamente a historia da família, Morgan chega, de acordo com a maioria de seus colegas, à conclusão de que existiu uma época primitiva em que imperava, no seio da tribo, o comércio sexual promiscuo, de modo que cada mulher pertencia igualmente a todos os homens e cada homem a todas as mulheres13.

Mac Lennan aduz que a exogamia não derivava das idéias de incesto e

consangüinidade, mas pelo fato do costume entre os povos primitivos de matar as

crianças do sexo feminino imediatamente após o nascimento. Portanto havia um

número excedente de homens na tribo, havendo a posse de uma mesma mulher

para vários homens, fala-se da poliandria. “Daí decorria, por sua vez, que a mãe de

uma criança era conhecida, e não o pai; por isso, a ascendência era contada pela

linha materna, e não paterna (direito materno)” 14.

Entretanto, disserta Caio Mário da Silva Pereira, que a ideia de

promiscuidade, é incompatível com o histórico do desenvolvimento da espécie

humana, dentre as divergências postas pelos estudiosos15.

Pontes de Miranda assevera que “nem esses dados bastam para se provar o

império da forma familial monogâmica, nem aquela promiscuidade primitiva” 16, entre

10 Seja este definido com base em parentesco, território, classe, etnia, língua, ou outro critério qualquer. 11 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito de família. atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Campinas - SP: Brookseller, 2001. p. 34. 12 ENGELS, Friederich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado...Op. cit., p. 70. 13 Ibid. p.30 - 31. 14 Ibid. p. 11.b 15 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p.25.

16

as discussões sobre as relações familiares, o doutrinador sopesa que no âmbito

científico são diversos os fatores que influenciam a alteração das linhas gerais da

instituição da família, como o elemento religioso, econômico e correntes morais.

Deste possível sistema de origem matriarcal, no estado selvagem do

homem, a busca era pela sobrevivência, não havia solidariedade ou mesmo

empatia. Entretanto, os registros orientam, de maneira inequívoca, para uma família

ocidental patriarcal. Com o surgimento da propriedade, e, a valorização da força do

homem, a mulher passa a ter valor de troca e a ideia de filiação e herança, tornam-

se mais nítidas, há preocupação com a continuidade da linhagem da figura

masculina, do filho primogênito.

2.2 A FAMÍLIA ROMANA

Em Roma, no núcleo familiar, encontra-se o exemplo mais vigoroso de

organização patriarcal 17 reproduzido em um modelo de absoluta submissão,

constituída unicamente com o casamento legítimo.

A família era organizada sobre o princípio da autoridade, sendo esta uma

unidade, simultaneamente: econômica, jurídica, religiosa e jurisdicional 18. Quem

exercia tal autoridade era o pater familias, titular do poder. José Virgílio Castelo

Branco Rocha lembra que o chefe de família detinha abissais poderes, como o de

sacerdote, oficiava todos os atos do culto doméstico; como juiz, resolvia todas as

questões atinentes ao grupo familiar, não permitia intromissão da justiça da cidade,

além de ser o administrador de toda casa 19.

Todos eram subordinados a esta figura, que detinha o domínio – domus, no

período em questão, era constituída a família por vários componentes, inclusive os

escravos. Famulus, era o termo utilizado para se referir ao escravo, e deu origem ao

vocábulo “família”. Era exatamente divida as funções dos membros, e tudo era

gerido pelo pater familias, Sílvio de Salvo Venosa, explana:

16 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito de família ...Op. cit., p. 63. 17 Por patriarcal, como leciona Eduardo de Oliveira Leite, tenha-se a união entre marido e mulher fundada na comodidade e na necessidade (LEITE, Eduardo de Oliveira. Tratado de Direito de Família: Origem e Evolução do Casamento. Volume I. Curitiba: Juruá, 1991, p. 57). 18 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro: direito de família, 6 ed. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 15. 19 ROCHA, José Virgílio Castelo Branco. O Pátrio poder. Rio de Janeiro: Tupa, 1960. pp. 19 – 20.

17

Somente o pater adquiria bens, exercendo a domenica potestas (poder sobre o patrimônio familiar) ao lado e como consequência da patria potestas (poder sobre a pessoa dos filhos) a da manus (poder sobre a mulher).

A família romana, em vista desta concepção patriarcal, segundo Ana

Carolina Brochado Teixeira, mostrava a necessidade de uma conduta monogâmica,

principalmente da mulher, pois a família se baseava nas condições econômicas, em

que o patrimônio privado era posto “em escala valorativa à própria vida humana” 20.

Assim, a aludida autora menciona que os objetivos da família estavam em

torno da noção de propriedade, os homens deviam procriar para que seus filhos

pudessem herdar o patrimônio, e por esta razão é que a monogamia passa a ter um

valor especial. Pode-se afirmar, então, que “eram os interesses econômicos que

determinavam as uniões matrimoniais” 21. O pátria potestas detinha a autoridade

sobre os filhos juridicamente como direito de propriedade, podendo renunciar esse

direito dando os filhos, in mancipio, ou enjeitando-os 22.

A união entre os cônjuges era solene, através desse transmitia-se o seu

culto, embora imperfeito na sua forma jurídica, e influenciou por séculos as relações

familiais. Era o pater que determinava o funcionamento do grupo, era uma figura sui

generis, detinha todo o patrimônio, as pessoas sob sua autoridade, sub aliena

potestate sunt, diz-se alieni juris. Os filhos, homens, tão somente ganhavam a

posição de sui juris com o falecimento de seu pater familias, antes disso não detinha

plena capacidade, não havendo sequer possibilidade de contrair obrigações por não

ter o seu próprio patrimônio 23.

A instituição do pater familias tem origem no Direito Romano, “deu-se por

meio do Código Digesto, do período Justiniano, que teve o mérito de colecionar

todas as leis em vigor em Roma (2 mil livros, 3 milhões de linhas)” 24. Possuía esta

figura, ilimitado poder sobre os filhos, inclusive sobre a vida ou morte desses.

20 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 13. 21 Ibid. p. 14. 22 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. São Paulo; Rio de Janeiro: Editora Revista dos Tribunais Ltda: Borsoi, 1954-1984. 60v. 23 DANTAS, San Tiago. Direito de família e das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 19. 24 BARROS, Fernanda Otoni de. Do direito ao pai. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 52.

18

Para Paulo Lôbo, o poder exercido era extenso, abrangendo a possibilidade

de manter ou tirar a vida dos integrantes da família, entretanto esse poder se

restringe de maneira gradativa 25.

Segundo Pontes de Miranda, apenas no século II, os poderes do chefe de

família começam a se limitar a simples direito de correção, até a conclusão do

exercício do pátrio poder, segundo a máxima da filosofia estóica de Marciano nam

pátria potestas in pietate debet, non atrocitate consistere, ser o pátrio poder por

afeição e não com atrocidade 26.

É a partir do século IV, através do Imperador Constantino, que o Direito

Romano ganha um caráter cristão, e, nas palavras de Caio Mario Pereira da Silva,

predominava o direito de um todo coletivo, de uma ordem moral, fase em que parte

do poder do pater familias, foi mitigado, mas permaneceram o dever de

subordinação ao pai e o culto, agora Católico, o assistencialismo passa a ser quase

que plenamente função da família 27.

2.3 FAMÍLIA GERMÂNICA

A organização familiar germânica também estava centrada no

patriarcalismo, apresentando, contudo, aspectos que diferem da severidade do

despotismo romano.

As diferenças entre a pátria potestas dos romanos e a munt dos germânicos,

conforme José Virgílio, está no abrandamento da severidade encontrada naquela.

Pode-se notar na função do pátrio poder germânico que o pai não tinha mais o

direito de tirar a vida do filho, mas o seu poder era exercido em função da

conveniência dos filhos que lhe estão subordinados 28.

Observa-se, nas lições do autor, que tal “suavização” dos costumes refletiu

diretamente no papel da mulher na família, a qual passa a participar da direção e

educação dos filhos, bem como da administração dos bens que lhe pertencem, não

importando um eventual rompimento dos laços de parentesco de uma mulher que

era casada, permanecendo ela ligada a sua família de origem.

25 LÔBO, Paulo. Direito Civil, Famíllias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 270. 26 PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de Direito Privado... Op. cit., p. 105. 27 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil... Op. cit. p.27. 28 ROCHA, José Virgílio Castelo Branco. O Pátrio poder... Op. cit., p. 30.

19

2.4 A FAMÍLIA NA IDADE MÉDIA

Nas antigas civilizações medievais, as relações de família eram fortemente

influenciadas pelo direito canônico, e, por diversas regras de raiz germânicas, muito

embora ainda sobreviessem normas romanas, sobretudo no tocante ao pátrio poder 29. Nessa perspectiva, San Tiago Dantas é extremamente preciso ao referir-se, que

durante a Idade Média, a organização da família passou por três influências

intensas, a saber:

A do Direito Romano, que continuava a reger os povos dominados, a do Direito Canônico, que alargava dia a dia, com prestígio da Igreja, e do Direito Bárbaro, que os povos conquistadores traziam nas suas invasões e que continuava a lhes reger a vida depois de haverem submetido os romanos 30.

O direito costumeiro da Idade Média contrapõe-se radicalmente às idéias

adotadas pela tradição romana, e nesse sentido, José Virgílo sintetiza algumas

mudanças: “a) o exercício do pátrio poder é temporário, por isso que condiciona ao

interesse do filho; b) a função do pátrio poder é também atribuição da mãe, na falta

do pai; c) o pátrio poder não obsta a que o filho tenha bens próprios” 31.

Marcos Alves da Silva ainda salienta que da confluência do sistema romano,

do germânico, e da influência eclesiástica, o pai já não mais detinha poder sobre

vida e morte do filho, mas poderia puni-lo fisicamente, desde que o castigo não o

levasse a morte 32.

É, ainda, na Idade Média, sob a influência dos canonistas, que o pátrio poder

passa a ser verdadeiramente conceituado como um múnus. Ou seja, há uma

transformação que se traduz até as atuais entidades familiares, em que o filho tem o

seus interesses confiados aos seus pais.

Não havia nas relações familiares um sentido de hierarquia natural, mas, nas

palavras de Paulo Lôbo, uma estrutura hierárquica rígida 33, além de ser um amplo

núcleo familiar. Era certa a supremacia da vontade paterna 34.

29 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro: direito de família ... Op. cit., p. 16. 30 DANTAS, San Tiago, Direitos de família e das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 54. 31 ROCHA, José Virgílio Castelo Branco. O Pátrio poder... Op. cit.,p. 33. 32 ALVES DA SILVA, Marcos. Do pátrio poder à autoridade parental. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 32. 33 LÔBO, Paulo. Direito Civil, Famíllias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 28.

20

2.5 A FAMÍLIA E O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO

Insta destacar que a família no decorrer de séculos teve o seu núcleo

restringido, pois o trabalho doméstico torna-se menos intenso, disserta Diogo Leite

Campos, que no período da industrialização, há uma reorganização social, e aos

passar do tempo diminui-se as condições demográficas, sendo rara a coexistência

de três gerações na mesma família. Nos séculos XVII e XVIII, aumenta-se a

expectativa de vida, através da industrialização e evolução do comércio considere o

que o jurista explana:

A transição, no decurso da industrialização, da família alargada para a família nuclear pode ser refutada com base nos dados estatísticos disponíveis. Na Inglaterra, nos sécs. XVII, XVIII e XIX, cada fogo era cerca de 4,75 pessoas; hoje, este número é de 3,04 pessoas. Em Viena, a dimensão média da família era de 4,68 pessoas em 1890, de 4,11 em 1910 e de 2,32 em 1961. Numerosos estudos referentes aos Estados Unidos, à Alemanha e à zona sul da Itália e da Ibéria dão resultados semelhantes. Não se pode falar em uma família grande no período pré-industrial e, muito menos, estabelecer um interessado contraste entre a composição da família pré-industrial e a composição da família industrial. Aliás, não foi a industrialização que determinou a reduzida percentagem de contracção da família. Esta foi devido à diminuição da natalidade e ao decréscimo dos empregados domésticos35.

Com o renascimento, através dos ideais de liberdade e igualdade, o poder

paterno passa a ter sentido de proteção, e não de dominação. Muito embora

permaneça o poder da figura do homem dentro dos lares, o Código Civil Francês

aponta para uma nova realidade, em que o pátrio poder nada mais era do que uma

instituição em benefício dos filhos. José Virgílio ressalta:

[...] o objetivo do pátrio poder é a assistência e proteção aos filhos menores, não se justificando, assim, um poder demasiado forte, nem de maior duração do que realmente exigem os interesses e as conveniências dos filhos. Ao lado dos direitos do pai estão os direitos dos filhos, e aqueles não existem senão para que estes últimos possam encontrar oportunidade de realizar-se 36.

34 Embora as relações familiares atuais tendam para um tratamento isonômico dos seus membros, há nas atuais civilizações, sob o prisma de Sílvio de Salvo Venosa, a supremacia do chefe, sofrendo ainda, determinadas mulheres e crianças, árduas restrições de direito e de fato. (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002). 35 CAMPOS, Diogo Leite de. Direito de Família e das Sucessões. Coimbra, Portugal: Livraria Almedina, 1998, p. 49. 36 ROCHA, José Virgílio Castelo Branco. O Pátrio poder... Op. cit.,p. 36.

21

Assim, o Código de Napoleão abre brechas para futuras e profundas

transformações no contexto da família, inclusive influenciou sobre a família

brasileira.

2.6 A CONCEPÇÃO DE FAMÍLIA NO BRASIL

No Brasil, em meados do século XIX, o modelo de relação familiar muito se

assemelhava ao romano, o individualismo era exacerbado, nas palavras de Adriana

Antunes Maciel Aranha Hapner, “o indivíduo proprietário, contratante, chefe de

família, no exercício de sua livre vontade, insere-se na sociedade sob a égide da

competição e eficiência” 37. O mundo estava submerso em um novo paradigma,

havia um patrimonialismo excessivo, surgia o período da codificação. Carlos Alberto

Bittar aduz que:

A estruturação dos Códigos, a sociedade era eminentemente patriarcal e rural, com a mulher afeita a atividades de ordem doméstica, submetida, com filhos, à direção do marido que, como chefe de família, era administrador e representante legal do núcleo. O estágio social e econômico de então, caracterizado pela concentração da família em atividades basicamente artesanais e pela plena divisão de funções de seus membros, refletiu-se, pois, nas codificações, ditadas ademais pelas idéias do liberalismo. Nesse contexto,as pessoas foram tratadas, no grupo familiar, dentro das respectivas posições: o marido, como chefe da família, seu administrador e representante legal; a mulher, como responsável pelas tarefas do lar e pelos cuidados com os filhos; os filhos, submetidos à autoridade paterna, como futuros continuadores da família [...] Os filhos foram considerados em função da divisão em categorias, em legítimos e ilegítimos e, os últimos, subdivididos em tantas outras tantas, consoante houvesse, ou não, casamento anterior dos pais, ou vínculo de parentesco próximo, cada qual com estatuto jurídico próprio, a saber, os naturais, os adulterinos e os incestuosos [sic] 38.

Através da colonização de Portugal, com as ordenações filipinas, teve o

Brasil, grande influência romana, sendo latente o ‘patriarcalismo’. Exercia o pater

familias seu poder apenas sobre os filhos legítimos ou legitimados. Neste lapso da

história brasileira, o pátrio poder era exercido unicamente pela figura paterna, à mãe

era destinada tão somente a obediência e respeito do filho, ainda, ao pai cabia a

37 HAPNER, Adriana Antunes Maciel Aranha. et al. O princípio da prevalência da família: a permanência do cuidar. In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de (Coord.). O cuidado como valor jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 125. 38 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Família...Op. cit., p.21.

22

correção dos filhos, se insubmissos poderia entregá-los a polícia e a suas custas

encarcerá-los.

Neste ínterim, o sujeito possuía titularidades, não há conceituação do

indivíduo como pessoa real que é com necessidades concretas; há, neste momento,

uma desumanização. Tratava o direito privado das relações entre os donos dos

meios de produção e contratantes.

Entretanto, é no citado século XIX que se inicia o progresso da indústria,

portanto a família começa a ganhar novos moldes, perdendo a figura paterna seu

autoritarismo. Insta destacar a incidência da Constituição de 1891 que resulta da

proclamação da República e prevê o casamento civil, distanciando-se da igreja.

Eduardo de Oliveira Leite, ao citar Jean Carbonnier, demonstra, em suma,

os rumos do Direito de Família ao longo da história, considere:

O constante dever que caracteriza a organização familiar é responsável pelas incessantes transformações que, na ótica de Jean Carbonnier se resumem em seis nítidos rumos: 1. A estatização: se manifesta na crescente ingerência do Estado nas relações familiares, isto é, a tendência de publicidade em disciplina sempre pautada pelo mais intenso privativismo; 2. A retratação: é nítida na redução do grupo familiar aos pais e filhos, ou, a substituição da família patriarcal pela família nuclear; 3. A proletarização: o grupo doméstico perde sua característica plutocrática (dominado pelo dinheiro) fixando-se em relações do tipo alimentar, traduzível em direitos e obrigações incidentes em salários; 4. A desencarnação: ou seja, a substituição do elemento carnal ou biológico, pelo elemento psicológico ou afetivo; 5. A dessacralização: o desaparecimento do elemento sagrado e a valorização do público com larga margem à vontade individual; 6. A democratização: a sociedade familiar transforma-se numa sociedade igualitária; substituição da hierarquia pelo companheirismo 39.

Afastando a família da rígida hierarquia patriarcal e influencia religiosa,

pelas fontes portuguesas aproxima-se a um novo horizonte que se apresenta: a

democratização da entidade familiar.

2.7 A DEMOCRATIZAÇÃO DA FAMÍLIA

O Liberalismo, firmado sobre os postulados da liberdade, igualdade e

fraternidade, no contexto do pós Revolução Francesa, pregou o ideal de Estado

mínimo, ou mínima intervenção estatal, em que não caberia intervenção na vida

39 LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.33.

23

econômica da classe burguesa, mas tão somente o dever de garantir a ordem, paz e

a segurança.

Nesta perspectiva, José Afonso da Silva aduz que o Estado de Direito,

estava fundada em três premissas, quais sejam: submissão do império da lei;

divisão de poderes e enunciado, e garantias dos direitos individuais, tenha-se a

Declaração do Homem e do Cidadão de 1789 40.

Ocorre que, a não intervenção estatal e consequente caracterização de uma

igualdade meramente formal, decorrente apenas da lei, não se mostrou capaz para

atender todos os reclames da sociedade, sendo cometidas imensas injustiças, o que

permitiu a consciência da necessidade da justiça social 41.

Defendia-se um conceito de igualdade material, que se preocupa com a

realidade de fato, e não a mera formalização da lei. Consagram-se no início do

século XX, os direitos sociais tais como educação, saúde, trabalho, entre outros, de

cunho assistencial.

Vale lembrar, que as primeiras constituições a consagrarem tais direitos

sociais foram: do México (1917), da Alemanha (ou de Weimar, em 1919), sendo

trazido ao Brasil por Getúlio Vargas, na Constituição de 1934.

Todavia, nem o Estado Liberal, nem o Estado Social conseguiram garantir a

efetividade da justiça social e a participação democrática na sua plenitude,

sobretudo como se mostrou evidente com a Alemanha nazista e a Itália fascista.

Nesse sentido deve-se suscitar o Estado Democrático de Direito, Gilmar

Ferreira Mendes afirma que tal “é aquele que se pretende, aprimorado, na exata

medida em que não renega, antes incorpora e supera, dialeticamente, os modelos

liberal e social, que o antecederam” 42.

A luz do dito Estado Democrático de Direito, há aplicação de diversos

princípios, como do pluralismo político, isonomia, e, sobretudo, da dignidade da

pessoa humana, que fundamentará sobremaneira essa nova visão social.

No século XX, com o início do constitucionalismo social, as cartas

constitucionais passam a olhar para a família como um alvo de tutela do Estado. Da

ideia patrimonialista e tipicamente rural, passa-se para uma nova perspectiva social,

40 SILVA, José Afonso da. Curso de direito Constitucional positivo. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2000 pp. 112 – 113. 41 Ibid. p. 115. 42 MENDES, Gilmar Ferreira, et.al.. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p 149.

24

afastada do abstracionismo, como explana Maria Claudia Crespo Brauner e

Anderson Orestes Cavalcante Lobato:

A redemocratização do Brasil anunciava a chegada de novos ventos nas relações privadas. O Direito de família de uma sociedade essencialmente rural, fortemente patrimonialista e conservadora, não poderia persistir diante de uma nova sociedade, doravante, urbana, industrializada e que reclama por liberdade e igualdade, inclusive, nas relações privadas. Essa nova concepção de família se restringe a oferecer um espaço de existência social dos indivíduos, para afirmar a instituição familiar enquanto espaço de realização das individualidades 43.

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, e, o direito de família inserido em um código com fortes influências

napoleônicas 44, que era o Código Civil de 1916, surge a necessidade de ser o

citado código, reinterpretado sob a luz da nova Carta Política, destaca-se neste

ínterim a definição do poder familiar dado ao genitor que precisava de

transformação.

São elencados novos princípios constitucionais que proporcionaram a

democratização da entidade familiar. Vê-se a família além do matrimônio, e o núcleo

antes alternativo é integrado novo e amplo conceito de entidade familiar (fala-se na

união estável, monoparental, homoafetiva, dentre outras). Paulo Lôbo ensina:

Com a implosão, social e jurídica, da família patriarcal, cujos últimos estertores se deram antes do advento da Constituição de 1988, não faz sentido que seja reconstruído o poder do pai (pátrio) para o poder dos pais (familiar). A mudança foi muito mais intensa, na medida em que o interesse dos pais está condicionado ao interesse do filho, ou melhor, ao interesse de sua realização como pessoa em desenvolvimento 45.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no artigo 226, §

5°, destaca que a criança e o adolescente são tidos como sujeitos de direito, e

ganham prioridade absoluta, nos termos do artigo 227 da CRFB/88, confirmado pelo

43 BRAUNER, Maria Claudia Crespo; LOBATO, Anderson Orestes Cavalcante. O novo Código Civil brasileiro frente à constitucionalização do Direito. Revista Trimestral de Direito Civil. V. 27, 2006, p. 83. 44 Neste sentido observa Marcos Alves da Silva que o Código de Napoleão previa no seu artigo 233: “Le maridoit à femme, lefemmedoitobeisance à sonmari”, ou seja, o marido deve proteção a sua mulher, a mulher deve obediência a seu marido, no mesmo sentido o Código de 1916 disciplina no seu artigo 233: “O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos.” E desta condição da mulher na família, que afirma o referido autor, que provocam mudanças no exercício do pátrio poder. (SILVA, Marcos Alves da. Do pátrio Poder à Autoridade Parental. Repensando Fundamentos Jurídicos da Relação entre Pais e Filhos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.50). 45 LÔBO, Paulo. Direito Civil, Famíllias...Op. cit., p. 268.

25

artigo 15 e 16 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069 de 1990, a qual

demonstra a proximidade do ordenamento jurídico com os anseios da realidade

social.

2.8 A FAMÍLIA E O DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO

Com o advento da Lei 10406 de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o

Código Civil, há a confirmação do que fora constitucionalmente previsto, vê-se uma

base jurídica diversa criada para a família, em que a mulher e o homem são tidos

como iguais, não mais há um chefe de família a quem todos devem submissão e

determina o planejamento do núcleo. Carlos Roberto Gonçalves corrobora:

Todas as mudanças sociais havidas na segunda metade do século passado e o advento da Constituição Federal de 1988, com as inovações mencionadas, levaram à aprovação do Código Civil de 2002, com a convocação dos pais a uma “paternidade responsável” e a assunção de uma realidade familiar concreta [...], prioriza-se a família socioafetiva, a não-discriminação de filhos, a co-responsabilidade dos pais quanto ao exercício do poder familiar, e se reconhece o núcleo monoparental como entidade familiar 46 .

A perspectiva contemporânea do Direito Civil no prisma constitucional

abrange o paradigma do cuidado, todavia técnicas jurídicas, ainda estão em

aperfeiçoamento e serão sopesadas no decorrer do trabalho. Embora o cuidado não

tenha previsão legal, através da interpretação sistemática da Constituição da

República Federativa do Brasil é possível sua imediata aplicação, principalmente em

favor daqueles que possuem prioridade de tratamento, quais sejam a criança e o

adolescente.

O cuidado trata-se de uma mudança paradigmática, passa-se, segundo

Leonardo Boff, do “modo-de-ser-trabalho-dominação” (conceito esse em pleno

esgotamento) para o “modo-de-ser-cuidado”, do patrimonialismo, individualista para

a humanização da pessoa 47.

A transformação da família está intrinsecamente conectada ao citado

paradigma do cuidado, conforme declina Adriana Antunes Maciel Aranha Hapner e

outros:

46 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro: direito de família ... Op. cit., pp. 17 – 18. 47 BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano - compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 40.

26

O câmbio paradigmático se dá pela superação da prevalência da “razão calculatória, analítica e objetivista”, porque o que constitui o efetivamente humano não é o logos, cartesiano cogito ergo sum, mas sim, o pathos, vale dizer, a capacidade de empatia, de comunhão, de cuidado com o outro, com o diferente. Se a categoria do cuidado é tomada, assim, como chave hermenêutica da essência humana, em termos jurídicos, o princípio da solidariedade ganha prevalência como diretriz para uma releitura do Direito Civil e especialmente do Direito de Família, nesta passagem do paradigma do “modo-de-ser-trabalho-dominação” ao “modo-de-ser-cuidado” 48 .

José Sebastião de Oliveira ressalta que as novas espécies de famílias

acolhidas pela Constituição vigente, são fruto de um progresso, aduzindo ainda, que

a afetividade que se desenvolveu na família ao longo do tempo, e as características

que se tornaram comuns entre os homens, mulheres e filhos, “não suportavam mais

a estrutura patriarcal enraizada nos setores conservadores de nossa sociedade” 49.

Leciona o doutrinador ainda, que valores como o afeto, considerados pela

Constituição de 1988, servem para disciplinar não apenas o presente, mas são

diretrizes inafastáveis das gerações vindouras. A família, agora nuclear, proporciona

maior zelo entre seus componentes, e nas palavras do aludido autor, “fica

hermeticamente protegida contra toda sorte de ingerências externas” 50.

Eduardo de Oliveira Leite esclarece que as famílias que convivem no afeto,

liberdade e responsabilidade mútua, possibilitam que se abram os olhos para a

coletividade, “numa relação centrada no amor, e não na hierarquia; no afeto, e não

na dominação prepotente; na verdade das intenções, e não na permissividade

irresponsável, o que predomina é a igualdade. É o paralelismo de posições e

situações” 51.

E apesar do exposto, sendo sempre presente os problemas sociais na

família hodierna, em razão da ausência do cuidado, do afeto, faz-se necessário

recorrer aos princípios constitucionais, pois, “em situações que escapam à

regulamentação da lei, ou seja, na ausência de regras que cuidem de uma situação

48 HAPNER, Adriana Antunes Maciel Aranha. et al. O princípio da prevalência da família: a permanência do cuidar. In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de (Coord.). O cuidado como valor jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 124. 49 OLIVEIRA, José Sebastião. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. São Paulo: RT, 2002, p. 229. 50 Ibid., p. 232. 51 LEITE, Eduardo de Oliveira. Tratado de Direito de Família: Origem e Evolução do Casamento. Volume I. Curitiba: Juruá, 1991, p. 368.

27

em específico, os princípios assumem função regulativa” 52, os quais,

indubitavelmente precisam ser mencionados neste interim. Ressalta Carlos Alberto

Bittar:

Inspira-se o Direito de Família em princípios próprios, que informam a respectiva textura, imprimindo-lhe as feições de ramificação especial do Direito Civil, e sob tutela mais intensa do Estado [...]. Esses princípios são consubstanciados em disposições de cunho ético, pessoais, algumas solenes, extrapatrimoniais e insuscetíveis de derrogação pela vontade das pessoas, que ao revés, devem curvar-se aos seus ditames. Desse modo, impõem-se em concreto e sob parâmetros que, não raro, escapam às diretrizes definidas para as relações jurídicas em geral tanto pessoais, como patrimoniais [sic] 53.

A Constituição de 1988 e o Direito Civil Contemporâneo, posto isso,

proporcionaram importantes mudanças no âmbito do Direito de Família, ao abordar

o princípio da dignidade da pessoa humana, colocar filhos e pais em igualdade. Em

virtude dos princípios terem característica abstrata, eles possibilitam que os novos

valores postos pela sociedade, famílias monoparentais, recompostas, homo

parentais, dentre tantas outras, sejam amparados.

2.8.1 O Direito Civil Contemporâneo e o cuidado

O cuidado é tratado por alguns doutrinadores como substrato material

da dignidade humana. Ora, não há de se olvidar que com as novas relações

familiares, o afeto vem sendo construído pela doutrina e jurisprudência como valor

jurídico, entretanto há juristas que afirmam ser este um subprincípio, conforme

Roberta Tupinambá, o cuidado é uma das dimensões do princípio da dignidade da

pessoa humana.

[...] o cuidado recria o conceito de dignidade da pessoa humana, uma vez que o direito é sempre obrigado a virar-se para todos os lados para preencher seu papel regulador no conflito dos mais diversos discursos existentes em uma sociedade globalizada, fazendo-se necessária, muitas vezes, a consideração de valores maiores, que são utilizados não só para fazer valer o bom e o justo, sobretudo, para fazer valer o próprio intuito de um ordenamento jurídico. Esse sentido e a dimensão da abordagem do cuidado como valor e princípio jurídico, sendo a essência do cuidado a

52 TUPINAMBÁ, Roberta. O Cuidado como Princípio Jurídico nas Relações Familiares. In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de (Coord.). O cuidado como valor jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 125. 53 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Família...Op. cit., p. 14.

28

preocupação voltada à efetivação do instituto jurídico denominado princípio da dignidade da pessoa humana, sobretudo porque em todos os casos concretos de dissídios as partes adversas perseguem a meta de pôr à prova a integridade da própria pessoa 54.

Como muito bem leciona Adriana Antunes Maciel Aranha Hapner:

O campo do cuidado é terra de permanente semeadura. Fértil é solo que fomenta o cuidar do outro como cuidar de si. Sujeitos se constroem nessa permanência dos atos que expressam solidariedade no abrigo da família, fazendo emergir, na diversidade e no respeito, uma ética de força jurídica e de base doutrinária, legislativa e jurisprudencial. [...] apreende o cuidar com diversidade, pluralidade e ambiência comunitária, sem exclusões, encimando na prevalência da família o sentido inclusivo do ser e do estar 55.

Tenha-se que, embora, parte da doutrina discipline que o cuidado é fruto de

uma evolução histórica, há quem mencione tal, como componente inerente à

natureza humana. Há ainda, quem dispõe do cuidado como princípio jurídico, e,

quem afirme que este apenas foi observado e valorado no campo jurídico, após a

promulgação da Constituição de 1988.

Na ótica de Leonardo Boff, o afeto é o “órgão” do cuidado, o essencial. Ao

tratar da ética do cuidado, preleciona:

Não é, pois, aduzindo mais e mais argumentos que convencemos alguém a agir em conformidade com a ética, mas desenvolvendo nele as habilidades, atitudes e o desejo de cuidar dos outros e das relações e de ser cuidado, Esta disposição de manter relações de cuidado não constituem o termo de um argumento racional, mas revelam a existência de um sentimento e afeição. Uma mãe não raciocina para cuidar de seu bebê, o faz afetivamente sem raciocinar. Ela simplesmente cuida. Isso não significa que a razão seja dispensada do cuidado. Para que o cuidado seja afetivo, ele precisa vir acompanhado de racionalidade. Mas seu nascedouro não reside na razão, mas no afeto. A primeira determinação do ser humano não é, pois, o cartesiano penso logo existo mas o sinto, logo existo da visão originária 56.

Observa ainda, que o cuidado possui duas dimensões, “a ontológica e a

afetiva-antropológica” 57. A primeira dimensão tem o cuidado, como norte de toda

54 TUPINAMBÁ, Roberta. O Cuidado como Princípio Jurídico nas Relações Familiares. In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de (Coord.). O cuidado como valor jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 364. 55 HAPNER, Adriana Antunes Maciel Aranha. et al. O princípio da prevalência da família: a permanência do cuidar. In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de (Coord.). O cuidado como valor jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.123. 56 BOFF, Leonardo. Saber cuidar: etica do humano - compaixão pela terra. Petropolis: Vozes, 1999, p. 9. 57 Ibid. p. 6.

29

prática humana, sem o cuidado, o humano não existe. Já na segunda dimensão, o

cuidado é observado pelo autor como preocupação pelo outro, pois o ser humano

tende a cuidar do outro, por querer ser cuidado, constituindo-se uma mútua relação.

Independente do embate entre velhas e novas concepções, assim caminha a família. Em outras palavras, a afetividade ascendeu a um novo patamar no Direito de Família, de valor e princípio. Isso porque a família atual só faz sentido se for alicerçada no afeto, razão pela qual perdeu suas antigas características: matrimonializada, hierarquizada, que valorizava a linhagem masculina 58.

Embora, após séculos de modificações no núcleo familiar, não se afasta do

humano a falha e os problemas gerados pela sociedade. Como ressalta Orlando

Gomes, há uma crise que envolve a família contemporânea, pois há um espanto

com a fôrma na qual se instalou a família, contudo deve-se observar que além das

“aberrantes dissonâncias” 59, não há mais a predominante cultura de transmitir

valores, patrimônio aos filhos, mas de vivenciar a solidariedade familiar, em que

todos estão no mesmo patamar, como sujeitos de direito, todos merecedores de ser

feliz, sendo o patrimônio um outro cenário, “as relações familiares estão

repersonalizadas” 60 Sendo o sucesso da entidade familiar a permanência do cuidar.

58 CUNHA PEREIRA, Rodrigo da. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 190 59 GOMES, Orlando. O novo direito de família Porto Alegre: S. A. Fabris, 1984. p. 28. 60 OLIVEIRA, José Sebastião. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família...Op. cit p. 251.

30

3 AUTORIDADE PARENTAL

A criança é pai do homem.

William Wordsworth

Para observar a figura do filho e o avanço de seus direitos é preciso analisar

brevemente a segunda metade do século XX, no qual a família apoiou-se nos

números de seus componentes até o advento do direito contemporâneo.

A família era numerosa com a finalidade de manter-se, isto é, os filhos

implicavam ‘pura e simplesmente’ na expectativa de presente e futuro amparo 61.

Marcos Alves da Silva lembra que a família experimentou mudanças drásticas no

último quarto do século XX, assentando-se sobre as bases do afeto e da

solidariedade, e é sob essa premissa que a autoridade parental deixa de ser tutelada

em razão de um interesse supra individual, para ser dirigido à realização e

desenvolvimento dos membros da família 62.

A Resolução de 31 de outubro de 1828 trouxe progresso na relação paterno-

materno-filial, pois as Ordenações já não alcançavam as relações familiais como

deveria, e novos costumes necessitavam de regulação. Neste ínterim (em meados

de 1831), embora os tribunais e doutrinadores relutassem, foi fixada a maioridade

em 21 anos de idade.

O Decreto 181 de 24 de janeiro de 1890 possibilitou à viúva o exercício do

poder familiar desde que não contraísse novas núpcias.

Na vigência da Constituição de 1891 à instituição do Código Civil de 1916, o

fundamento estava no princípio da unidade de direção, o homem estava acima, pois,

“havia quem entendesse que a escolha do homem para essa função dava-se

pela superioridade natural, pois ele seria mais forte, mais inteligente, enfim, mais

capaz de dirigir os interesses da família, quase um canto triunfal a masculinidade” 63.

Enquanto vigente o códex anterior, o pai detinha pleno e arbitrário poder

sobre a família, sendo que a mãe excepcionalmente iria exercer o poder familiar,

quando enviuvasse, na ausência ou impedimento do marido, ou seja, à mãe era

61 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família: Lei n° 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 604. 62 ALVES DA SILVA, Marcos. Do pátrio poder à autoridade parental...Op. cit. p. 56. 63 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2003. p.27.

31

destinada tão somente a obediência e respeito dos filhos. A correção dos filhos

sempre cabia ao pai, e, se persistissem estes insubmissos, poderia o genitor

entregá-los a polícia e sob suas custas encarcerá-los 64.

O poder familiar exercido pelo pai, neste interregno, apenas era extinto

através de sua morte ou de seu filho, ou no caso de expulsão, quando banido da

família, pela emancipação, colação de grau superior, perda do poder quando o

genitor induzisse o filho a maus costumes ou mesmo por sentença judicial 65.

Insta destacar que embora houvesse a previsão legal explicitada, havia

inquietações da sociedade acerca da concepção de família, além da influência da

doutrina cristã, que determina o respeito à mulher e dever do marido de amá-la ao

ponto de entregar-lhe a vida. Clóvis Beviláqua disciplinava que não deveria haver

distinção entre o pai e a mãe quanto aos filhos, sopese:

[...] apesar da preeminência concedida ao marido, os dois cônjuges se acham no mesmo plano jurídico, e não exerce o homem autoridade sobre a mulher [...] se há sociedade, em que deva predominar o espírito da igualdade, é, certamente, a que estabelecem, entre si, o homem e a mulher, que se unem para completar a própria existência, gozando em comum os bens que a vida oferece, e, em comum suportando as dificuldades e as agruras mais abundantes ainda que as alegrias 66.

Os filhos espúrios, concebidos fora do ‘sagrado’ casamento, apenas eram

reconhecidos caso sofresse o casamento do genitor dissolução, conforme

disciplinava da Lei n°. 4.737/ 1942, seguida pela Lei 4.883/1949.

Porém, a Lei 4.121/1962 - Estatuto da Mulher Casada trouxe para a

realidade jurídica da época, a possibilidade da mulher auxiliar o marido no exercício

da paternidade.

Quando vigente a Constituição de 1969, a Emenda Constitucional n°. 9 de

1977, pela Lei 6.515/1977, que trouxe o instituto jurídico do divórcio, além de retirar

do casamento a indissolubilidade e desmitificá-lo, os filhos passam a serem

observados de maneira diferente, pois, é a porta para a equiparação dos filhos

ilegítimos aos legítimos.

Entretanto, ainda existia a discriminação dos filhos havidos fora do

casamento, os ilegítimos, adulterinos e incestuosos tinham seus direitos suprimidos;

64 Vide, anexo – C 65 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. Op. cit. p.25. 66 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. 12. ed. atual. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1960, pp. 99 – 100.

32

apesar da criança havida fora do ‘sagrado matrimônio’, nunca optar pela sua

concepção, não era titular de inúmeros direitos.

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, efetua-se a igualdade de direitos e deveres na família. Concede-se igualdade

entre o homem e a mulher, ou seja, há distribuição do poder familiar para a mãe e o

pai, o que muda substancialmente o núcleo familiar, verifica-se uma revolução no

Direito de Família 67:

Com efeito, a Constituição de 1988 representou a positivação de novas conquistas sociais e existenciais, que refletem a idéia de respeito aos direitos fundamentais nas relações interpessoais. Bataria registrar, ao propósito, o impacto na ordem jurídica representado pela introdução dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade substancial e da solidariedade social (art.1º, I e III, art.3º, III CF) 68.

Isto posto, vigorando a igualdade entre sujeitos, finalmente a figura do filho

ganha notoriedade no ordenamento constitucional e os pais exercem o poder

familiar em função do interesse da criança para a qual sempre deverá ser dirigido o

cuidado, pois é um ser em desenvolvimento. Como ensina Paulo Lôbo, o instituto

não mudaria caso simples e tão somente o poder do pai fosse transmitido aos pais

ou responsáveis, mas caso transmitisse um encargo, ressalta-se os deveres e

prioriza-se o interesse da criança 69.

A Constituição da República, no § 6°, do artigo 227 70, tornou párea a

situação de todos os filhos, não há mais discriminação. Os filhos havidos ou não do

casamento, ou por adoção têm os mesmos direitos e são simplesmente filhos. Como

salienta José Sebastião Oliveira, essa renovação no campo positivo, traz para o

genitor maior responsabilidade:

A igualização da filiação trará mais responsabilidade social. Cônjuges que eram acostumados a ter aventuras extraconjuguais e se utilizavam das disposições normativas discriminatórias do Código Civil e legislações esparsas para relegar ao abandono seus filhos (numa amostra de irresponsabilidade sem limites) refletirão melhor antes de tomarem qualquer atitude nesse sentido, porque a Constituição Federal repugna esta espécie de procedimento ao reputar de igual natureza os filhos havidos ou não nas relações matrimoniais. A presunção pater is est, desenhada pelo Código Civil para impor compulsoriamente, através de uma ficção, a atribuição da

67 Vide, anexo – A. 68 TEPEDINO, Gustavo. A Tutela Constitucional da Criança e do Adolescente: projeções civis e estatutárias...Op. cit. p. 205. 69 LÔBO, Paulo. Direito Civil, Famíllias…Op. cit. p. 268. 70 Vide, anexo – A.

33

paternidade ao marido, com estabelecimento de regras que desprezavam a verdade biológica 71.

Com a ratificação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança,

através do Decreto n°. 99.710 de 1990, no seu artigo 3°.72 o interesse maior da

criança é elevado. Ainda, o Direito Civil no âmbito da Família, com o advento do

Código Civil de 2002, preocupou-se com as dimensões do exercício do poder

familiar, sendo o norte o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

Não há mais a diminuição da figura do filho, mas sim do poder discricionário

do pai. Os responsáveis pelos filhos devem encarar a relação de forma democrática,

pois a criança e o adolescente do grupo merecem atenção primordial, são seres que

emanam vontades, pois é pessoa com especial dignidade, não há mais o mero

dever no campo moral, mas imposição legal.

3.1 CONCEITO DE AUTORIDADE PARENTAL

A Constituição da República Federativa do Brasil inclui como os principais

responsáveis e mantenedores dos direitos das crianças e adolescentes: os seus

pais, cujos devem garantir de forma prioritária a vida, saúde, alimentação, educação,

lazer, profissionalização, cultura, dignidade, colocá-los a salvo, dentre outros direitos

previstos no caput do artigo 227 da CRFB/88 73. Resta evidenciado que a função dos

pais, envolve muito mais encargo do que direitos. Orlando Gomes informa:

Do ponto de vista técnico, o conjunto dos direitos e deveres compreendidos no instituto qualifica-se como situação jurídica peculiar que se caracteriza por ser, ao mesmo tempo, uma faculdade e uma necessidade. O exercício desse poder é vinculado à tutela dos interesses para os quais é atribuído. Constitui um munus, uma espécie de função corresponde a um cargo privado. O pátrio-poder é um direito-função, um poder-dever, que estaria numa posição intermediária entre o poder propriamente dito e o direito subjetivo. Não consiste numa simples faculdade com direção genérica, mas não se desenvolve numa relação jurídica com direitos e obrigações correlatas. [...] O instituto do pátrio-poder resulta de uma necessidade natural. Precisa o ente humano, durante sua infância, de quem o crie e eduque, ampare e defenda, guarde e cuide dos seus interesses, em suma, tenha a regência de sua pessoa e bens. As pessoas naturalmente indicadas

71 OLIVEIRA, José Sebastião. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. Op. cit. 2002, p. 254. 72 Vide – anexo, A. 73 Vide, anexo – A.

34

para o exercício dessa missão são os pais. A eles confere a lei, em princípio, esse ministério, organizando-o no instituto do pátrio-poder 74.

A autoridade parental significa atributo dado aos genitores, é indelegável e

irrenunciável 75, sendo dever destes, a manifestação de vontade em favor do filho,

expressa em igualdade de condições pelo pai e pela mãe, observando os interesses

da criança.

O exercício da autoridade parental é temporário, pois perdura até a

maioridade ou emancipação dos filhos, e, enquanto revestido os pais desta, deverá

defender e administrar os direitos e bens da prole. Para Luís da Cunha Gonçalves,

trata-se de um ministério escolhidos aos pais por fator natural, cuja função é ‘semi-

pública’, envolve uma série de direitos-deveres legais e morais 76.

A garantia do melhor interesse da criança e do adolescente, com previsão

na Carta Maior, conforme Carlos Roberto Gonçalves 77 é de caráter eminentemente

protetivo, portanto, é de interesse do Estado.

Com as alterações do instituto do ‘poder familiar’ sai da natureza patrimonial

para a preocupação de um para com o outro na relação entre pais e filhos. Sob o

prisma de Ana Carolina Brochado Teixeira 78 a autoridade parental na ordem civil-

constitucional deve implicar na concretização da personalidade dos filhos. Destaque-

se que a autoridade parental pressupõe mutualidade e transcende o desejo, implica

na construção da dignidade.

Arnaldo Rizzardo afirma que, em primeiro lugar, a missão concedida aos

pais de salvaguardar os direitos de seus filhos cuida-se de múnus público 79, pois o

Estado deve garantir que os direitos da criança e do adolescente estejam no campo

da realidade fática. Acerca da efetiva proteção e intervenção do Estado na família,

especificamente quanto à figura do filho, tratar-se-á adiante.

À autoridade parental também é dado pela doutrina um prisma de múnus

privado, como situação jurídica de um direito-dever. Denise Damo Comel apregoa

que trata o poder familiar de conteúdo pessoal, cujo substrato legal encontra-se no

artigo 229 da CRFB/88, no artigo 1.634 do Código Civil, e, no artigo 22 do Estatuto

74 GOMES, Orlando. Direito de família. Rio de Janeiro, Forense: 2002, p. 390-391. 75 Vide, anexo – A (artigo 227, § 7º, CRFB/88). 76 CUNHA GONÇALVES, Luís da. Direitos de família e direitos das sucessões. Lisboa: Edições Ática, 1955. p. 307. 77 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: … Op. cit.. p. 373. 78 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental...Op. cit. p.96. 79 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família… Op. cit. p. 606.

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da Criança e do Adolescente 80, sendo: dever de criar, educar, ter em companhia e

guarda (reclamar detenção ilegal), de exigir obediência, representar ou assistir,

cumprir e fazer cumprir determinação judicial e a faculdade de nomear tutor.

Luiz Edson Fachin afirma que a autoridade parental é direito subjetivo, pois

há uma dupla realização de interesse dos filhos e dos pais 81.

Para Ana Carolina Brochado Teixeira, os filhos não são devedores, para

esta, a amplitude que tem alcançado a autoridade parental não é mais aquela de

cunho subjetivo, no qual o filho é visto como objeto de direito e realização do pai. Os

poderes e os deveres são sempre voltados ao benefício da criança e do

adolescente:

Se se entender que a natureza do poder paternal seria de direito subjetivo, os interesses dos pais merecem proteção direta e não reflexa; já se entender que seria um instrumento voltado para interesses estranhos aos genitores, mas pertencentes aos filhos. [...] Como os filhos se tornaram o foco da família, por serem pessoas em desenvolvimento, mudou-se o modo de analisar a questão: são eles protagonistas do próprio processo educacional, deste participando juntamente com os pais. Exercem, também, papel ativo na própria vida, além de contribuírem para a construção da dignidade dos pais, pois a preservação dos interesses dos filhos constitui fator de desenvolvimento da personalidade dos pais. Portanto, não se pode falar que os pais sejam titulares de um poder e, em contrapartida, os filhos lhes devam uma prestação 82.

Para Waldyr Grisard Filho, “o pátrio poder constitui um dever subjetivo dos

pais nas relações externas, direto à função própria, para possam levar a cabo ofício

que lhes é encomendado” 83.

É evidente que com as mudanças históricas que suportou a família,

finalmente o instituto passa a elevar a dignidade do filho e a mutualidade sobrevém

a todos os membros, sendo que mesmo extinta a autoridade parental, permanece a

solidariedade, a qual é nutrida pelo afeto e pelo cuidado.

80 Vide, anexo – A. 81 FACHIN, Edson Luiz. Elementos críticos do direito de família. Rio de Janeiro: Renovar 2009, p.52. 82 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda…Op. cit. p.98. 83 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo responsabilidade parental. 2ª ed. rev. atual, ampl., São Paulo: Revistas do Tribunais, 2002, p. 36.

36

3.1.1 Autoridade Parental e o Estado

É importante observar o interesse do Estado na proteção da família e quais

limites deve haver de sua intervenção. Para tanto considere que há discussão

doutrinária sobre qual ramo o Direito Família pertence, público ou privado. Para

Pontes de Miranda incorre em ambos, no direito público e privado, sendo

preponderante a esfera civil, ramo privado 84. Entretanto, Orlando Gomes leciona ser

o ramo do Direito de Família, parte integrante do direito privado, considerando os

sujeitos das relações familiares, seus interesses, e o conteúdo da relação 85.

Ao falar acerca da mínima intervenção estatal no seio familiar, Rodrigo da

Cunha Pereira 86 diz que o núcleo pelas constantes transformações que sofre “dá

vazão à presença do Estado na disciplina de suas relações jurídicas”. 87

Paulo Löbo ao informar acerca da aplicação dos princípios da liberdade às

relações de família, afirma que ao núcleo é concedida a liberdade, além de sua

forma de manutenção ou extinção, devendo o Estado se manter distante da

regulação de interesses, quando não afetem o geral, que restrinjam a intimidade e

vida privada das pessoas 88.

Independente da intervenção, ao Estado sempre caberá o dever de

conceder recursos às crianças e adolescentes. Nos moldes do § 8º do artigo 226 da

CRFB/88 89 o Estado deve garantir assistência para cada membro da família. Para

Roberta Tupinambá, apesar das diversas formas de núcleos familiares, esses

merecem toda proteção, e a preocupação do Estado com a família é fundamental,

“de modo a fornecer os suportes materiais necessários e assegurar o bem-estar

imprescindível ao desenvolvimento, sobrevivência e auto-suficiência de seus

componentes” 90.

Conforme Gustavo Tepedino, a Constituição da República de 1988,

consagra a dignidade da pessoa humana como valor central no ordenamento

84 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. p. 187. 85 GOMES, Orlando. Direito de Família. Op. cit. p. 6. 86 PEREIRA, Rodrigo da. Princípios fundamentais norteadores ... Op. cit., p.152. 87 Leciona o autor que a tutela do Estado se difere do poder de fiscalização e controle do mesmo, não se deve admitir a restrição da autonomia privada e que a citada tutela/proteção alcance para o Direito de Família a categoria de Direito Público. (PEREIRA, Rodrigo da. Princípios fundamentais norteadores ... Op. cit., p.152). 88 LÔBO, Paulo. Famílias… Op. cit. p. 47. 89 Vide, anexo – A. 90 TUPINAMBÁ, Roberta. O cuidado como princípio jurídico nas relações familiares. Op. cit. p. 374.

37

jurídico 91, e como já citado há uma despatrimonialização, portanto, o Estado protege

e proporciona o livre planejamento familiar, o exercício da paternidade responsável.

A intervenção do Estado deve apenas e tão somente ter o condão de tutelar a família e dar-lhes garantias, inclusive de ampla manifestação de vontade e de que seus membros vivam em condições propícias à manutenção do núcleo afetivo. [...] Ficou muito claro que a Constituição Federal procurou unir a liberdade do indivíduo à importância que a família representa para a sociedade e para o Estado. Ao garantir ao indivíduo a liberdade através do rol de direitos e garantias contidos no art. 5º, bem como de outros princípios, conferiu-lhe autonomia e o respeito dentro da família e, por conseguinte, assegurou a sua existência como célula mantenedora de uma sociedade democrática. Isto, sim, é que deve interessar ao Estado 92.

O Estado possui interesse da relação familiar, pois é função do mesmo

garantir uma sociedade livre, solidária, justa e promover o bem de todos, artigo 3º,

da CRFB/88 93, todavia será em último caso sua interferência 94. E através de um

exercício idôneo da autoridade concedida aos pais para conduzir os filhos, vê-se

sujeitos de direitos plenos.

3.2 TERMINOLOGIA: PÁTRIO PODER, PODER FAMILIAR, AUTORIDADE

PARENTAL, EM BUSCA DA DENOMINAÇÃO APROPRIADA.

O termo ‘pátrio poder’ com a mudança paradigmática que sofreu passou a

ser alvo de críticas. Determinados doutrinadores afirmam que esta terminologia não

corresponde com seu real conceito, o de direito-dever dos pais frente a relação com

os filhos, ou melhor, “o exercício da autoridade dos pais sobre os filhos” 95.

91 TEPEDINO, Gustavo. A Tutela Constitucional da Criança e do Adolescente: projeções civis e estatutárias In: Temas de Direito Civil...Op. cit. p. 202. 92 CUNHA PEREIRA, Rodrigo da. Princípios fundamentais norteadores...Op. cit., p.158. 93 Vide, anexo – A. 94 ECA. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. MÃE BIOLÓGICA SEM CONDIÇÕES DE PROVER AS NECESSIDADES AFETIVA, ECONÔMICA E FAMILIAR DA FILHA. DESCUMPRIMENTO REITERADO DO DEVER DE GUARDA E EDUCAÇÃO INERENTES AO PODER FAMILIAR TENTATIVAS DE REINTEGRAÇÃO FAMILIAR INEXITOSAS. DEVER DO ESTADO INTERVIR ANTE A FLAGRANTE SITUAÇÃO DE RISCO EM QUE SE ENCONTRA A INFANTE SENTENÇA CONFIRMADA. Apelação desprovida. Verificando-se que os pais não demonstram condições de proteger os seus filhos, exercendo a maternidade e a paternidade de forma responsável, de maneira a garantir aos mesmos um desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência, a destituição do poder familiar é medida que se impõe. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível. 0637373-7 12ª Câmara Cível. Relator: Des. Rafael Augusto Cassetari. Coronel Vivida, TJPR. Disponível em: <http://www.tjpr.jus.br/jurispudencia> Acesso em: 20 ago. 2012). 95 LÔBO, Paulo. Direito Civil, Famíllias…Op. cit. p. 268.

38

Pontes de Miranda define: “Pátrio poder é o conjunto de direitos que a lei

concede ao pai, ou à mãe, sobre a pessoa e bens do filho, até a maioridade, ou

emancipação desse, e de deveres em relação ao filho” 96.

A denominação ‘pátrio poder’ remete à desigualdade, mantendo a ideia de

hierarquia de um sujeito arbitrário e opressor. José Antonio de Paula Santos Neto,

afirma que a expressão, pátrio poder, é tradicional e aceita de forma universal, e

carrega subliminarmente uma evolução conceitual, aduz que “a própria palavra

poder não padece da impropriedade que se lhe atribui, porque serve para exprimir a

subordinação dos filhos em relação aos pais” 97. Complementa que a argumentação

é considerada substancial, porém, é assentado no meio jurídico que os pais no

interesse dos filhos, exercem mais obrigação do que poder 98.

O termo autoridade parental, é bem quisto, pois carrega uma concepção

além do poder, envolve a possibilidade de exercer influência, remete ao prestígio. A

terminologia do latim, auctoritate, possui duplo sentido: a exauctoritate legis,

autoridade concedida pela lei, e a ex autoritate propria, que implica na autoridade

natural, sem delegação.

A terminologia ‘autoridade parental’, traduz a função delegada aos pais,

“fundada no interesse de outro indivíduo, e não em coação física ou psíquica

inerente ao poder” 99. Paulo Lôbo adota esta terminologia e informa:

[...] o conceito de autoridade, nas relações privadas, traduz melhor o exercício de função ou de múnus, em espaço delimitado, fundado na legitimidade e no interesse do outro, além de expressar uma simples superioridade hierárquica, análoga à que se exerce em toda organização,

96 MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado ... Op. cit. p. 110. 97 SANTOS NETO, José Antonio de Paula. Do pátrio poder. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. Apud: COMEL, Denise Damo. Do poder familiar…Op. cit. p.57. 98 APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. GENITORA QUE NÃO APRESENTA CONDIÇÕES PSICOLÓGICAS DE ASSUMIR OS CUIDADOS INERENTES AO PÁTRIO PODER. NEGLIGÊNCIA E ABANDONO CONFIGURADOS. PROTEÇÃO À CRIANÇA. INTERESSE PRIMORDIAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.O poder familiar é um encargo ou múnus conferido pelo Estado aos genitores, tendo por escopo a proteção dos filhos e a preparação destes para a vida. Destina-se a proporcionar educação, alimentação, saúde, segurança, lazer, carinho e amor, inserindo-os na sociedade de forma a torná-los responsáveis e aptos ao trabalho, do qual possam prover o próprio sustento. Esse poder, traduz-se na constituição de direitos e deveres dos pais para com os filhos e é indisponível, irrenunciável e intransferível. Quando desatendidas as obrigações inerentes à paternidade e maternidade, os pais poderão perder, por ato judicial, o poder familiar, com respaldo no art. 1.638 do Código Civil.constituição1.638Código Civil (BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação. 397292 SC 2009.039729-2 1ª Câmara de Direito Civil. Relator: Edson Ubaldo. Blumenau. TJSC. Disponível em: <http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/>. Acesso em 16 ago. 2012.) 99 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família. 6a ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 373.

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pública ou privada. “Parental” destaca melhor a relação de parentesco por excelência que há entre pais e filhos, o grupo familiar, de onde deve ser haurida a legitimidade que fundamenta a autoridade, além de fazer justiça à mãe100.

A expressão adotada pelo Código Civil Brasileiro é ‘poder familiar’, e deve

ser compreendida neste sentido, em que o poder/autoridade remete a um múnus.

Apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8069/1990 - fazer perdurar a

terminologia ‘pátrio poder’, foi inovador ao reconhecer vulnerabilidade do menor e o

dever de protegê-los.

Menciona Giselle Groeninga 101, que o Estatuto da Criança e do

Adolescente, deu prioridade às novas concepções de família, lembre-se que o

Código Civil não trouxe divergência quanto à matéria, portanto não se fala em

revogação da lei primeira, posto que não haja antinomia.

O instituto denominado como ‘poder familiar’, para Arnaldo Rizzardo, remete

à qualidade de quem é superior no conjunto familiar, argumenta que apesar da

formação de novas gerações e recente reestruturação da família, “não se desvincula

o poder, ínsito à natureza humana na condução dos filhos” 102.

José Virgílio salienta que o poder familiar é um encargo, um múnus

supervisionado pelo Estado, a fim de evitar abusos, para o mesmo há interesse

social, que reclama supervisão do Estado no que se refere à assistência da família.

A interferência do Estado se legitima por este poder ter características de

ordem social, sendo um instituto de proteção. O referido autor ressalta que: “[...] o

Estado não pode ser indiferente a sorte daqueles que ainda não atingiram o

desenvolvimento e a maturidade de espírito, que lhes permitam cuidar, por si

mesmos, de suas pessoas e bens” 103.

3.3 O FILHO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

No atual Estado Democrático de Direito, em que uma ordem suprema forma

o quadro de atividades da República, e determinados limites e a liberdade do

100 LÔBO, Paulo. Direito Civil, Famíllias…Op. cit. p. 269. 101 GROENINGA, Giselle Câmara. Poder Familiar. In: Direito de Família. HIRONAKA, Giselda M. F. Novaes, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 220. 102 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família… Op. cit. p. 604. 103 ROCHA, José Virgílio Castelo Branco. O Pátrio poder... Op. cit. p. 48.

40

cidadão prevê-se a dignidade da pessoa humana, artigo 1°, inciso III da CRFB/88 104 105. José Afonso da Silva leciona:

[...] a dignidade da pessoa humana constitui um valor que atrai a realização dos direitos fundamentais do Homem, em todas as suas dimensões e, como a democracia é o único regime político capaz de propiciar a efetividade desses direitos, o que significa dignificar o Homem, é ela que se revela como o seu valor supremo, o valor que o dimensiona e humaniza 106.

Conforme menciona Rodrigo da Cunha Pereira, “Essas inscrições

constitucionais são resultado e consequência de lutas e conquistas políticas

associadas à evolução do pensamento, desenvolvimento das ciências e das novas

tecnologias.” 107.

Para Maria Celina Bodin de Moraes 108 e Rodrigo da Cunha Pereira 109, trata-

se de macro princípio, do qual advém uma série de valores e princípios essenciais,

como liberdade, igualdade, solidariedade, afeto, dentre outros. Trata-se a dignidade

da pessoa humana de princípio constitucional que proporciona o fundamento da

República.

Convém lembrar o conceito de dignidade de Immannuel Kant 110, o mesmo

define que o homem possui valor interno, ligado à moral, não é simples objeto com

um preço de símbolo externo para o mercado, mas o homem determinado como

pessoa é sujeito que possui dignidade ontológica, ou seja, a dignidade é comum,

inerente à pessoa. O homem é fim em si mesmo e não meio para outrem ou para

todas as coisas. A pessoa não tem preço, seu valor é a dignidade, e a mesma o

distingui das coisas naturais.

104 Vide – anexo, A. 105 A autora Ana Carolina Bochado Teixeira ao citar Ingo Wolfgang Sarlet, esclarece que o mesmo compreende que os direitos fundamentais vão além da limitação do poder do Estado, trata-se do fundamento material do ordenamento jurídico. Se não houver dignidade e consequente eficácia dos direitos fundamentais, não há legítimo poder estatal, pois afinal este faz-se pela realização dos direitos do homem SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 66. In: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.79. 106 SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular: estudos sobre a constituição. 1 ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 149. 107 CUNHA PEREIRA, Rodrigo da. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Op. cit. p.94. 108 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana – uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 83 – 84. 109 CUNHA PEREIRA, Rodrigo da. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família.Op. cit. p. 154. 110 KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Tradução Edson Bini. Bauru – SP: Edipro, 2 ed. rev. 2008.

41

Luis Roberto Barroso narra que a dignidade da pessoa humana refinou as

ideias acima explicitadas:

[...] a conduta ética consiste em agir inspirado por uma máxima que possa ser convertida em lei universal; todo homem é um fim em si mesmo, não devendo ser funcionalizado a projetos alheios; as pessoas humanas não têm preço nem podem ser substituídas, possuindo um valor absoluto, ao qual se dá o nome de dignidade. São conteúdos mínimos da dignidade o valor intrínseco da pessoa humana, a autonomia da vontade e o valor comunitário. O valor intrínseco é o elemento ontológico da dignidade, traço distintivo da condição humana, do qual decorre que todas as pessoas são um fim em si mesmas, e não meios para a realização de metas coletivas ou propósitos de terceiros. A inteligência, a sensibilidade e a capacidade de comunicação são atributos únicos que servem de justificação para essa condição singular. Do valor intrínseco decorrem direitos fundamentais como o direito à vida, à igualdade e à integridade física e psíquica 111.

A dignidade da pessoa humana, apesar de ter sua nomenclatura um tanto

quanto vulgarizada, trata-se de valor que todo ser humano tem por ser racional,

incluindo as crianças e os adolescentes, tanto que a Constituição da República

Federativa do Brasil destinou aos tais, especial proteção prevista no caput do artigo

227, CRFB/88 112 113.

Para Luiz Edson Fachin, a pessoa humana deve ser apreciada a partir de

sua inserção no meio social e não de maneira autônoma. Partindo deste

pressuposto é lúcido que a criança e o adolescente antes de serem inseridos no

meio social, eles estão na família, e, para constituir-se e serem vistos como pessoa

humana urge pelos cuidados dos seus pais 114.

O princípio da dignidade da pessoa humana de ordem moral foi assimilado

pela ordem jurídica, conforme disciplina Ana Carolina Brochado 115. E de fato passou

a ser intrínseca à Constituição da República, e por óbvio compreende o Direito de

Família, que por sua vez tem hodiernamente a figura do filho como o principal sujeito

das relações familiares.

111 BARROSO, Luis Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Disponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/>. Acesso em 27 de ago. de 2012. p. 1 - 39. 112 Vide, anexo – A. 113 CUNHA PEREIRA, Rodrigo da. Princípios fundamentais norteadores ... cit., p.97. 114 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 86. 115 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.68.

42

Sendo o filho sujeito de direito digno, como ser racional que o é, tem seu

valor mantido com a eficácia de direitos como vida, saúde, convivência familiar,

educação, dentre tantos outros, através da ação responsável de seus pais 116.

A criança e o adolescente são indivíduos em pleno desenvolvimento, e a

oportunidade de constituir-se de forma saudável, pressupõe o afeto do seu grupo

familiar. A aludida autora leciona:

Diante disso, conclui-se que a dignidade tem um aspecto dialógico, que se constrói a partir da reciprocidade. É sob este prisma que se considera a dignidade dos co-partícipes da relação parental: como uma construção dual, perpassada pelo respeito mútuo. Isso porque, mesmo que os pais tenham muito a ensinar os filhos, a contribuir para a construção de sua dignidade e personalidade, esses – mesmo sem saber ou sem querer – também ensinam muito aos pais. Essa relação se constitui uma construção em conjunto. Pode-se dizer, uma edificação familiar e afetiva, formada mediante o diálogo com o próximo [...] a dignidade da pessoa humana foi sedimentada em novos pilares, os quais se acredita serem mais próprios ao novo papel da criança e do adolescente. Para melhor embasar a interpretação crítica e construtiva do poder parental, é necessário encontrar o novo “lugar” ocupado pela criança e adolescente na ordem civil-constitucional, bem como analisar como a dignidade foi para eles vertida [...] uma das maiores demonstrações do fenômeno da personalização foi o tratamento prioritário dado à criança e ao adolescente, como pessoas em desenvolvimento, e alvo da proteção integral da família, da sociedade e do Estado, cujo melhor interesse deve ser preservado a qualquer custo. Este também constitui uma verdadeira mudança epistemológica no Direito de Família [...]. Os menores além de serem dotados de dignidade, como qualquer pessoa, são também sujeitos de Direito 117.

Os direitos-deveres concedidos para o exercício da autoridade parental pelo

Estado por tratarem de direitos individuais garantidos aos menores, jamais podem

ser suprimidos, posto que previstos na Constituição da República como cláusula

pétrea em seu artigo 60, inciso IV, CRFB/88 118.

Destaca-se que o princípio da dignidade da pessoa humana, segundo

Gustavo Tepedino, deve ser associado ao § 2°. do artigo 5° da CRFB/88 119, que

116 Guilherme Calmon Nogueira da Gama define que o princípio do pluralismo democrático possibilita, no âmbito dos ‘organismos familiares’, modelo então plural, igualitário e humanista “respeito e consideração a todos os seus integrantes, sejam crianças, adolescentes, adultos (ou idosos), homens ou mulheres, havidos no casamento ou fora do casamento, etc”. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios Constitucionais de direito de família: guarda compartilhada à luz da lei n°11.698/08: família, criança, adolescente e idoso. São Paulo: Atlas, 2008, p. 72. 117 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.74 - 75. 118 Vide, anexo – A. 119 Vide, anexo – A.

43

trata da tutela e promoção da pessoa humana 120, ao amparar demais princípios que

decorrem dos direitos e garantias fundamentais.

A garantia constitucional de direito individual ganha noção de direito público

subjetivo – onde o Estado garante e acata aquilo que lhe é conferido.

A participação dos pais na vida dos filhos deve proporcionar o

aperfeiçoamento e estabilidade de sua personalidade, e isso é possível quando a

autoridade parental está aliada ao devido cuidado. Tornam-se competentes os pais

através da Constituição para promover a dignidade da criança e do adolescente, e

ao passar pela experiência da afetividade, tornam-se esses, guardiões dos direitos

fundamentais de seus descendentes.

Para Marta de Toledo Machado 121, os direitos fundamentais possuem

constitucionalmente conceito aberto, mas acerca da criança e adolescente, há uma

pormenorização, pois esses sujeitos de direito possuem atributos diversos dos

adultos, porquanto os seus direitos fundamentais demandam uma estrutura distinta.

As crianças no olhar da autora são vulneráveis, e devem os valores atinentes à

personalidade infanto-juvenil ser preservados, a fim de tornarem-se instrumentos

para o ápice da personalidade adulta.

Deve-se destacar ainda que um dos fundamentos da dignidade trata-se da

igualdade substancial 122, em que confere tratamento desigual na medida da

desigualdade do sujeito, e, se tratando de criança e adolescente deve-se reconhecê-

los como igual na medida de suas desigualdades. A Constituição da República

Federativa do Brasil, através de seus princípios reverteu a discriminação 123. A

prática de tratamento discriminatório enseja danos morais devido à violação ao

princípio da igualdade 124.

Guilherme Calmon Nogueira da Gama adverte que a família, como formação

social deve ser garantida constitucionalmente, fala-se do princípio da solidariedade,

“não em razão de titularizar um interesse superior ou superindividual, mas em

120 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil...Op. cit. p. 205. 121 MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos. Barueri: Manoel, 2003.p. 56. 122 Segundo Maria Celina Bodin de Moraes, deve o princípio da igualdade abranger o princípio da diversidade, posto que deve haver respeito à identidade e particularidades de cada sujeito. (MORAES, Maria Celina Bodin de. Na medida da pessoa humana: estudos de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p.93). 123 TEPEDINO, Gustavo. A Tutela Constitucional da Criança e do Adolescente: projeções civis e estatutárias. In: Temas de Direito Civil, p.205. 124 MORAES, Maria Celina Bodin de. Na medida da pessoa humana: estudos de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p.90.

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função da realização das exigências das pessoas humanas, como lugar onde

desenvolvem as pessoas” 125.

A família, portanto, é o lugar que deve propiciar a realização da pessoa

humana e a dignidade dos integrantes que a compõem, em detrimento dos

interesses patrimoniais dantes predominantes 126.

3.4 TITULARIDADE DA AUTORIDADE PARENTAL

A titularidade da autoridade parental se resume na atribuição concedida a

priori aos pais sobre os filhos, a qual se concretiza através do exercício dos poderes

e deveres inerentes à paternidade e maternidade.

A Constituição da República em seu artigo 226, § 5º 127, prevê o exercício da

autoridade parental entre o homem e a mulher. O Estatuto da Criança e do

Adolescente em seu artigo 21128 também dispõe que cabe em igualdade de

condições o exercício da autoridade pelo pai e pela mãe, o Código Civil na mesma

esteira declara em seu artigo 1.631 129.

Todavia a titularidade definida no Código Civil é criticada por Carlos Roberto

Gonçalves, que afirma não estar necessariamente vinculado o poder familiar ao

casamento 130. O autor afirma que o Código silencia-se quanto às entidades

familiares diversas, como é o caso da família monoparental. Segundo o mesmo, o

poder familiar compete àquele que se identifique como pai ou mãe da criança 131.

A titularidade segundo San Tiago Dantas está intimamente ligada à ideia da

necessidade da criança e do adolescente, serem assistidos e representados,

respectivamente. Fala-se na incapacidade, plena ou relativa para exercerem os atos

da vida civil 132.

125 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios Constitucionais de direito de família: guarda compartilhada à luz da lei n°11.698/08: família, criança, adolescente e idoso. São Paulo: Atlas, 2008, p. 125. 126 A esse respeito, Guilherme Calmon Nogueira da Gama é enfático ao dizer que “a dignidade da pessoa humana, colocada no ápice do ordenamento jurídico, encontra na família o solo apropriado para o seu enraizamento e desenvolvimento, daí a ordem constitucional dirigida ao Estado no sentido de dar especial e efetiva proteção à família, independente de sua espécie” (GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Família não fundada no casamento. Revista dos Tribunais, v.771. 2000. p.60) 127 Vide, anexo – A. 128 Vide, anexo – A. 129 Vide, anexo – A. 130 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro... Op. cit. p.375. 131 Ibid. p. 376. 132 DANTAS, San Tiago. Direitos de Famílias e das Sucessões... p.611.

45

Não se extingue o poder familiar como se dissolve a sociedade conjugal,

pelo contrário, deverão os pais, perpetuar os direitos dos filhos, inclusive de

desfrutar da convivência familiar. Como ensina Arnaldo Rizzardo, no momento em

que se rompe o vínculo entre os pais, mesmo que apenas de fato, não é abolido os

deveres e direitos, mas são esses distribuídos à paternidade e maternidade 133.

A titularidade independerá do vínculo entre os pais, entretanto está

intrinsicamente ligada ao reconhecimento pelos pais, além de não haver qualquer

diferença dos filhos naturais e civis.

3.4.1 Exercício Dos Poderes e Deveres Parentais

A autoridade parental, como alhures elucidado, é a efetivação dos direitos e

deveres de um terceiro dotado de vulnerabilidade: a criança e o adolescente, por um

período determinado134, tratam-se da realização da titularidade concedida. Será até

que tenha esse sujeito de direito, formada sua personalidade, desenvolvimento

completo e a capacidade de escolha, a qual para o vigente código será relativa até

os dezesseis anos de idade e plena ao completar dezoito anos. Após o exercício

deste direito-dever, vigora a solidariedade.

O Código Civil Brasileiro, não conceituou o exercício da autoridade parental,

mas a delimitação da competência dada aos pais diante dos filhos é delimitada pelo

legislador somam-se no previsto artigo 227 e artigo 229 da CRFB/88, artigo 1634 do

Código Civil e o artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente135.

Embora não tenha a lei o poder de fazer o responsável pela criança amá-la,

há o dever de exercer aquilo que a ele próprio prescreveu: a

paternidade/maternidade, independente se essa se originou de vínculo natural ou

não, deverá dispensar cuidado.

O artigo 226 da CRFB/88 136 prevê que a família é a base da sociedade, e

no seio desta faz-se real os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes,

portanto a preservação da convivência familiar é essencial para a formação desses

sujeitos de direito, os quais merecem especial proteção. Com a previsão do direito à

133 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família …Op. cit. p. 609. 134 Pode ser este período não determinado, como o caso da curatela, em que há limitada capacidade, mesmo que avançada idade, preza-se pelo princípio da solidariedade familiar. 135 Vide, anexo – A. 136 Vide, anexo – A.

46

convivência familiar como direito fundamental deve-se considerar a suspensão e

destituição exceção. Entretanto não havendo o exercício responsável da

paternidade, ao Estado cabe o dever de assegurar este direito, entretanto a

providência de intervenção deve ser a última alternativa137.

O exercício dos poderes e deveres parentais vão além de cumprir

necessidades materiais da criança. O idôneo exercício envolve a convivência

familiar e a dignidade, esses valores de conteúdo subjetivo se fazem presentes, no

ordenamento maior, justamente para que se dê fundamental importância também às

necessidades emocionais da criança, e não apenas materiais, garantindo assim a

inserção de indivíduos plenos e saudáveis no âmbito social.

É mister dar vulto ao princípio da paternidade responsável, prevista no artigo

226, § 7°, da CRFB/88 138, porquanto, a eficácia desde está condicionada à

efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da

criança. O princípio em comento é de tamanha relevância que remete ao artigo 27

do Estatuto da Criança e do Adolescente 139, o qual assevera que o estado de

filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível.

Ser mãe e ser pai, no critério biológico, não envolve a escolha ou a

imprevisão do estado de serem pais, mas o direito da criança, que urge por afeto,

pois, são sujeitos em potencial desenvolvimento que precisam de um modelo para

seu crescimento. A sociedade é o reflexo da família, e a inserção da criança e do

adolescente neste meio depende do molde/papel que lhes é dado pelos pais, tanto

que previstos no caput, do artigo 227 da CRFB/1988 140.

137 APELAÇÃO CÍVEL. DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR DECRETADA A PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. MENOR EM ESTADO DE ABANDONO. SENTENÇA QUE NÃO MERECE REPAROS PRESENÇA DOS REQUISITOS ENSEJADORES DA PROVIDÊNCIA EXTREMA. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE RESPALDA PLENAMENTE ESSA DECISÃO RECURSO CONHECIDO E NEGADO PROVIMENTO. Restando demonstrado o abandono do menor por parte dos genitores, que negligenciaram os necessários cuidados, carinho e atenção indispensáveis ao seu desenvolvimento saudável, em total descumprimento das obrigações inerentes à maternidade e tribunal de justiça paternidade responsável, a perda do poder familiar é medida que se impõe. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível 0842760-7 12ª Câmara Cível. Relator: Des. Antônio Loyola Vieira. Curitiba, TJPR. Disponível em: <http://www.tjpr.jus.br/jurispudencia> Acesso em: 20 ago. 2012). APELAÇÃO CÍVEL. Ação de destituição do poder familiar decretada a pedido do ministério público. Menores em estado de abandono e prática de atos contrários a moral e bons costumes. Presença dos requisitos ensejadores da providência extrema. Conjunto probatório que respalda plenamente essa decisão. Decisão mantida. Recurso desprovido. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação Cível 0778511-5 11ª Câmara Cível. Relator: Des. Augusto Lopes Cortes. Disponível em: <http://www.tjpr.jus.br/jurispudencia> Acesso em: 20 ago. 2012). 138 Vide, anexo – A. 139 Vide, anexo – A. 140 Vide, anexo – A.

47

Paulo Lôbo, ao citar Ana Carolina Brocardo Teixeira, destaca uma lição

importante inerente ao múnus do poder familiar: “Afinal, se uma criança veio ao

mundo – desejada ou não, planejada ou não – os pais devem arcar com a

responsabilidade que esta escolha (consciente ou não) lhes demanda” 141.

É tamanha a importância do cuidado que deve ser dispensada à criança,

que a jurisprudência tem dado extrema relevância à responsabilidade afetiva dos

pais perante os filhos, e, sem sombra de dúvidas, as decisões do Poder Judiciário

devem considerar o princípio da afetividade, da paternidade responsável, igualdade,

solidariedade dentre outros princípios fundamentais, sem os quais, é impossível

concretizar a dignidade de um filho. Os magistrados precisam observar o abandono

afetivo e passar a responsabilizar os pais ausentes de forma equânime 142.

No caso de abandono material dos pais, sendo tais omissos é cabível

tipificação legal, ou seja, o delito previsto no artigo 244 do Código Penal 143. Os pais

são também responsáveis civilmente pelos filhos.

Para Denise Damo Comel 144 o exercício do poder familiar dá-se: em

conjunto, de maneira compartida e solidária.

O exercício dos direitos e deveres parentais pode se dar em conjunto, fala-

se na participação materna e paterna de maneira igualitária, em que ambos

mutuamente dividem os fardos, e auxiliam sobremaneira no

crescimento/desenvolvimento do filho, sem hesitação é a mais perfeita maneira de

garantir os direitos da criança e do adolescente.

Porém os pais não estão constantemente páreos em seus ideais, acerca da

criação e educação dos filhos, quanto mais nos moldes da família atual, mesmo em

uma relação consolidada, é impossível convergir sempre sobre o destino da criança.

O exercício conjunto nas palavras de Denise Damo Comel, “poderá até

remeter ao embotamento das relações de poder familiar, tendo em vista a real

dificuldade de intervenção dos dois pais em todos os atos de exercício” 145. É certo

que no plano real é comum observar a atuação de apenas um dos genitores,

141 LOBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 285, apud TEIXEIRA, Ana Carolina Brochardo. Responsabilidade Civil e ofensa à dignidade humana. Porto Alegre: Revista Brasileira de Direito de Família, n. 32, p. 156, out./nov. 2005. 142 Sobre esse aspecto observe estudo aprofundado no capítulo seguinte. 143 Vide, anexo – A. 144 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar… Op. cit. p.175 – 212. 145 Ibid. p.176.

48

entretanto a lei determina a presença de ambos, mas não prediz se deve ser

concomitante.

Desta feita a doutrinadora acima explicitada, disciplina que o exercício pode

ser de forma compartida, isto é, embora permaneça a previsão constitucional de

igualdade entre os pais há a possibilidade de exercerem esse poder-dever sobre os

filhos havendo atuação de um, com o consentimento do outro, “permite a

flexibilidade e maleabilidade necessárias para que os dois atuem, favorecendo, a

toda evidência, que o exercício se dê efetivamente pelos dois, em igualdade de

condições” 146. Não há exclusão, mas coesão e equilíbrio na participação do outro147.

Há um contraponto, pois poderia um dos pais, deixar de influir e agir em prol

dos interesses do filho, apenas consentindo com o atuar do outro se abstendo da

sua função precípua como pai ou mãe, deixando um elevado fardo para o outro

genitor. Todavia o genitor juridicamente de qualquer forma é responsável pelas

decisões sobre os interesses do filho.

A doutrinadora em comento destaca ainda o exercício como solidário, em

que o responsável pela criança responde na totalidade pelo encargo, existe

autonomia no agir, mas o outro responde solidariamente pelas ações do parceiro,

sendo válidos os atos. Entretanto pressupõe este conceito de exercício, a plena

harmonia entre os pais, visto que o fundamental neste caso seria a mutualidade 148.

Na concepção da autora em comento, é quase impossível o efetivo exercício

solidário, pois não existe individualidade nos assuntos que envolvem os interesses

da criança e do adolescente, mas sim igualdade de condições entre o homem e a

146 Ibid. p. 175 - 179. 147 Um exemplo que confirma o exercício é dado pela doutrinadora em comento, sopese: “[...] o parágrafo único do art. 1.690 do CC estabelece que os pais devem “decidir em comum” as questões relativas aos filhos bem assim aos seus bens. Veja-se que essa norma exige decisão em comum, e não o exercício, materialmente falando. Sendo esta a exigência da lei, que os pais decidam em comum, permite-se concluir que não se exige a atuação comum, senão que apenas o ato de tomada de decisão seja praticado por ambos. O que, de resto, vem confirmar a compatibilidade do modelo em exame (exercício compartido) com a disciplina legal.” COMEL, Denise Damo. Do poder familiar...Op. cit. p. 179 148 O direito espanhol prevê este exercício solidário da pátria potestade, todavia não é a regra, sendo possível exercer apenas em situações específicas (artigo 156 – 1, parte final, do CCE), a atuação será em três hipóteses: a) uso social; b) conforme circunstâncias; c) situação de urgente necessidade. ALVAREZ CAPEROCHIPI, José Antonio. Curso de derecho de família, p. 46. In: COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2003. O direito italiano também prevê esse exercício, entretanto, apenas havendo iminente perigo ao filho, poderá um dos responsáveis tomar atitude urgente. CARRARO, Luigi; OPPO, Giorgio; TRABUCCHI, Alberto. Commentario ala reforma deldiritto di famiglia. Padova: Cedam, 1977, p. 760. In:COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2003.

49

mulher na autoridade parental sob os filhos visando equilíbrio nas decisões e

sempre o melhor interesse da criança.

Será exclusivo o exercício da autoridade parental quando um dos

responsáveis não puder exercer por real impossibilidade – falta, ou mesmo

impedimento, nos moldes do artigo 1.631 do Código Civil. Na falta de um dos pais o

outro exercerá, fala-se no evento morte ou ausência declarada judicialmente, no

impedimento - interdição judicial, suspensão ou perda do poder familiar, artigo 1.637

e 1.638 do CC e artigo 24 do ECA e o filho não reconhecido, conforme artigo 1633

do Código Civil 149.

Destaque-se que o exercício dos poderes e deveres dos pais em comento

ao confrontar-se com o fim da sociedade conjugal devem ser vistos com maior

amplitude pelos pais, mais ainda que a própria guarda. O primordial é a figura do

filho, o qual não deve sofrer pelas agruras que sofrem os genitores, mas ao máximo

deve lhe ser poupada a dor. Portanto é necessário um acordo, ou imposição judicial 150 a fim de estabelecer as funções a serem exercidas pelos pais, exaltando o

149 Vide – anexo, A. 150 Direito da criança e do adolescente. Recurso especial. Ação de guarda de menores ajuizada pelo pai em face da mãe. Prevalência do melhor interesse da criança. Melhores condições. - Ao exercício da guarda sobrepõe-se o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, que não se pode delir, em momento algum, porquanto o instituto da guarda foi concebido, de rigor, para proteger o menor, para colocá-lo a salvo de situação de perigo, tornando perene sua ascensão à vida adulta. Não há, portanto, tutela de interesses de uma ou de outra parte em processos deste jaez; há, tão-somente, a salvaguarda do direito da criança e do adolescente, de ter, para si prestada, assistência material, moral e educacional, nos termos do art. 33 do ECA. - Devem as partes pensar, de forma comum, no bem-estar dos menores, sem intenções egoísticas, caprichosas, ou ainda, de vindita entre si, tudo isso para que possam - os filhos - usufruir harmonicamente da família que possuem, tanto a materna, quanto a paterna, porque toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família, conforme dispõe o art. 19 do ECA. - A guarda deverá ser atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, maior aptidão para propiciar ao filho afeto - não só no universo genitor-filho como também no do grupo familiar e social em que está a criança ou o adolescente inserido -, saúde, segurança e educação. - Melhores condições, para o exercício da guarda de menor, evidencia, acima de tudo, o atendimento ao melhor interesse da criança, no sentido mais completo alcançável, sendo que o aparelhamento econômico daquele que se pretende guardião do menor deve estar perfeitamente equilibrado com todos os demais fatores sujeitos à prudente ponderação exercida pelo Juiz que analisa o processo. - Aquele que apenas apresenta melhores condições econômicas, sem contudo, ostentar equilíbrio emocional tampouco capacidade afetiva para oferecer à criança e ao adolescente toda a bagagem necessária para o seu desenvolvimento completo, como amor, carinho, educação, comportamento moral e ético adequado, urbanidade e civilidade, não deve, em absoluto, subsistir à testa da criação de seus filhos, sob pena de causar-lhes irrecuperáveis prejuízos, com sequelas que certamente serão carregadas para toda a vida adulta. - Se o conjunto probatório apresentado no processo atesta que a mãe oferece melhores condições de exercer a guarda, revelando, em sua conduta, plenas condições de promover a educação dos menores, bem assim, de assegurar a efetivação de seus direitos e facultar o desenvolvimento físico, mental, emocional, moral, espiritual e social dos filhos, em condições de liberdade e de dignidade,

50

interesse da criança e do adolescente 151. No caso de um pacto consensual deverá

tal respeitar as normas gerais de direito civil (artigo 104 e 107 do CC) 152, serem

submetidos à sentença homologatória para que surta seus legais e jurídicos efeitos.

3.5 EXTINÇÃO, PERDA E SUSPENSÃO DA AUTORIDADE PARENTAL

Nos moldes do artigo 1.635 do Código Civil, será extinto o poder familiar

pela morte dos pais ou do filho, pela emancipação, pela maioridade, pela adoção ou

por decisão judicial (artigo 1.638 do CC) 153.

A suspensão do poder familiar, para Carlos Roberto Gonçalves, trata-se de

sanção a ser aplicada aos pais por infração no exercício do poder familiar 154, para

Silvio Rodrigues, a suspensão tem um mínimo de punição e maior relevância do

interesse dos filhos, “Tanto assim o é que, cessadas as causas que conduziram à

suspensão [...] do poder familiar e transcorrido um período mais ou menos longo de

consolidação, pode o poder paternal ser devolvido aos antigos titulares” 155.

A suspensão dá-se por abuso de autoridade, pelo não cumprimento dos

deveres, por levar à ruína os bens dos filhos, quando um dos genitores for

condenado por pena privativa de liberdade, com pena base acima de dois anos.

Estará, a suspensão, sempre sujeita a revisão, “o exercício do pátrio poder somente

deve a relação materno-filial ser assegurada, sem prejuízo da relação paterno-filial, preservada por meio do direito de visitas. - O pai, por conseguinte, deverá ser chamado para complementar monetariamente em caráter de alimentos, no tocante ao sustento dos filhos, dada sua condição financeira relativamente superior à da mãe, o que não lhe confere, em momento algum, preponderância quanto à guarda dos filhos, somente porque favorecido neste aspecto, peculiaridade comum à grande parte dos ex-cônjuges ou ex-companheiros. - Considerado o atendimento ao melhor interesse dos menores, bem assim, manifestada em Juízo a vontade destes, de serem conduzidos e permanecerem na companhia da mãe, deve ser atribuída a guarda dos filhos à genitora, invertendo-se o direito de visitas. - Os laços afetivos, em se tratando de guarda disputada entre pais, em que ambos seguem exercendo o poder familiar, devem ser amplamente assegurados, com tolerância, ponderação e harmonia, de forma a conquistar, sem rupturas, o coração dos filhos gerados, e, com isso, ampliar ainda mais os vínculos existentes no seio da família, esteio da sociedade. Recurso especial julgado, todavia, prejudicado, ante o julgamento do mérito do processo. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 964836/BA, 3ª Turma. Relatora Ministra Nancy Andrighi Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 20 ago. 2012) 151 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito de Família. São Paulo: Atlas, 2004, p.372 152 Vide, anexo – A. 153 Vide, anexo – A. 154 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 386. 155 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 28 ed. Atualização de Francisco José Cahali. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 368 – 369.

51

pode ser suspenso por tempo determinado, restaurando-se com a expiração do

prazo” 156.

A destituição do poder familiar é imperativa e ocorre segundo Sílvio de Salvo

Venosa 157, por iniciativa do Ministério Público ou através de sujeito com interesse

legítimo. Essa perda pressupõe graves motivos, para Sílvio Rodrigues, significa

sanção de mais largo alcance e infringência de grande vulto 158 159.

A perda é de cunho personalíssimo, não atinge o outro genitor e deve

sempre ser observada para sua decretação os direitos do filho à convivência e seus

interesses fundamentais constitucionalmente previstos.

Enfatiza Marcos Alves da Silva:

[...] a destituição da autoridade parental não se dá pela simples subsunção dos fatos ao preceito legal, o critério último para sua decretação, mormente, sob o influxo da Constituição Federal e do ECA, será sempre o atendimento ao melhor interesse da criança 160.

Segundo Giselle Câmara Groeninga, a suspensão e destituição do poder

familiar têm como parâmetro a preservação do interesse da criança e do

adolescente, jamais será de caráter punitivo, mas de correção, dando-se novo rumo

para a relação entres os pais e o filho 161.

156 GOMES, Orlando. Direito de Família…Op. cit., p. 398. 157 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito de Família...Op. cit., p. 383. 158 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil...Op. cit. p. 351. 159 CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PÁTRIO PODER. MAUS TRATOS, ABANDONO DE MENOR E INJUSTIFICADO DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES DE GUARDA E EDUCAÇÃO. INTERESSE PREVALENTE DA CRIANÇA. FUNDAMENTAÇÃO. SUFICIÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. PROVA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. ECA, ARTS. 19, 23 E 100. I. Inobstante os princípios inscritos na Lei n. 8.069/90, que buscam resguardar, na medida do possível, a manutenção do pátrio poder e a convivência do menor no seio de sua família natural, procede o pedido de destituição formulado pelo Ministério Público estadual quando revelados, nos autos, a ocorrência de maus tratos, o abandono e o injustificado descumprimento dos mais elementares deveres de sustento, guarda e educação da criança por seus pais. II. `A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial' - Súmula n. 7-STJ. III. Recurso especial não conhecido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 245.657-00/PR 4ª Turma. Relatora Ministro Aldir Passarinho Junior. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 20 ago. 2012) 160 SILVA, Marcos Alves da. Do pátrio poder à Autoridade… Op. cit. p.171 161 GROENINGA, Giselle Câmara. Poder Familiar. In: Direito de Família. HIRONAKA, Giselda M. F. Novaes,... Op. cit. p. 223

52

3.6 O DEVER DE CUIDADO E O PODER FAMILIAR

O cuidado jurídico quando eficaz protege valores fundamentais e deve ser

um componente certo no exercício da autoridade parental. O verdadeiro pai, a

verdadeira mãe, não se resume ao biologicamente definido, mas no sujeito que com

a chegada do filho o aceita e transfere a esse o afeto, o carinho. Como salienta

Rodrigo da Cunha Pereira, “A verdadeira família só se justifica na liberdade e na

experiência da afetividade” 162.

O Código Civil vigente estipulou quanto aos filhos uma nova concepção da

autoridade parental/pátrio poder, passa-se os pais a exercerem uma função, não

mais exercer tão somente o poder. Conforme aduz Eduardo de Oliveira Leite:

Talvez, de todas as mudanças sentidas, a que provoca impacto maior na questão da responsabilidade parental, a redescoberta do “amor paterno” seja a mais importante. Os “novos pais”, porque envolvidos numa paternidade mais próxima a seus filhos (e não após uma certa idade, como ocorria até recentemente), reclamam cada vez mais seu papel nas famílias desunidas, e não se contentam com as “migalhas” que lhe são atribuídas por uma titularidade de autoridade que encontra óbice no exercício cotidiano da paternidade 163.

Após as transformações que sofreu a família, hoje os núcleos formam-se

pela inclinação, pela afeição, vai além do fator econômico, e não se refere apenas

ao afeto nutrido entre um casal, mas na filiação. Evidente que o afeto nutrido não

implica no único fator que fundamenta a família, mas esse permite uma estabilidade,

nutre a vida do núcleo, afinal, “no âmbito da família eudemonista, que visa a

liberdade plena do sujeito em busca da felicidade, o núcleo familiar não se justifica

sem o afeto” 164.

A criança e o adolescente por estarem em fase de desenvolvimento e ter

como característica a vulnerabilidade, têm direito à proteção integral, e tal garantia

constitucional parte do devido exercício da autoridade parental. Protege-se

162 CUNHA PEREIRA, Rodrigo da. Princípios fundamentais norteadores ... Op. cit., p.97. 163 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação judicial de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura a vida conjugal. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2003, p.254. 164 CUNHA PEREIRA, Rodrigo da. Princípios fundamentais norteadores... Op. cit.., p.188 – 189.

53

exercendo cuidado, e este valor jurídico 165 abrange o princípio da afetividade e

dignifica o sujeito.

165 TUMPINANBÁ, Roberta. O Cuidado como Princípio Jurídico nas Relações Familiares. In: O cuidado como valor jurídico.coordenadores Tânia da Silva Pereira, Guilherme de Oliveira. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.359.

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4 APONTAMENTOS ESSENCIAIS DE RESPONSABILIDADE CIVIL

O amor é como a criança: deseja tudo o que vê.

William Shakespeare

Embora não seja o foco central da presente pesquisa, faz-se valia observar

de maneira singela algumas noções do instituto da responsabilidade civil que orienta

a uma melhor elucidação da responsabilidade civil no âmbito do Direito de Família, e

acerca da compensação por dano decorrente do abandono afetivo.

A responsabilidade civil é um dever sucessivo, consecutivo, fala-se em uma

contraprestação que tem origem na violação de um dever originário, que provocou

prejuízo. Sérgio Cavalieri Filho diz que a ordem jurídica define diversos deveres, os

quais serão, conforme sua natureza, positivos ou negativos. Discorre, inclusive, que

há um dever geral, qual seja a máxima romana neminem laedere, que implica em

não prejudicar ninguém, nas palavras do referido autor, a responsabilidade

pressupõe uma obrigação descumprida 166.

Ao mencionar responsabilidade, tenha-se o dever de recompor a situação

anterior ao dano, seja este de ordem material ou moral. A denominação

responsabilidade tem origem no latim spondeo, que significa garantir, prometer,

obrigar-se a pagar pelo que perpetrou 167.

Responsabilidade Civil, portanto, designa a obrigação de reparar ou

ressarcir um dano injustamente provocado a outrem. Advém de ofensa ou violação à

direito que pode ter causa tanto o ato ilícito do agente causador, quanto o ilícito

causado por terceiro indivíduo que por lei, se é responsável 168.

José de Aguiar Dias leciona que o campo da responsabilidade civil possui

diversos aspectos, o que dificulta a definição de um conceito, aduz que a

responsabilidade “não é fenômeno exclusivo da vida jurídica, antes se liga a todos

166 Para Sergio Cavalieri Filho, entende por dever jurídico como “conduta externa de uma pessoa imposta pelo Direito Positivo por exigência da convivência social. Não se trata de simples conselho, advertência ou recomendação, mas de uma ordem ou comando dirigido à inteligência e à vontade dos indivíduos, de sorte que impor deveres jurídicos importa criar obrigações.”CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 2. 167 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil...Op cit. p.4. 168 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 27ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007.p 1222.

55

os domínios da vida social” 169. Inácio de Carvalho Neto, por sua vez, registra que a

noção abrangente da responsabilidade civil não deve ser restringida, assim como

Caio Mário da Silva Pereira, afirma que não deve haver compromisso com correntes

que disputem preferências 170.

Conforme afirma Carlos Roberto Gonçalves, a responsabilidade irá se

destacar como “aspecto da realidade social”. Alude o autor que a fonte geradora da

responsabilidade civil será o dever de restaurar a harmonia violada pelo dano. Para

o mesmo, a responsabilidade resulta de violação de normas jurídicas e normas

morais. Diz, ainda, ser tema relevante, pois a questão da responsabilidade é a

questão do direito propriamente dito, que se espera sempre uma ação e reação em

harmonia. A responsabilidade civil observa se deve o prejuízo da vítima ser ou não

reparado por quem o causou, e em quais condições será reparado este o dano 171.

Para Sérgio Cavalieri Filho o desejo de ver o prejudicado no status quo ante

surge do sentimento de justiça, fala-se da sede do equilíbrio jurídico-econômico de

ver reestabelecida a relação anterior do agente com a vítima do dano 172.

Em síntese, pode-se chegar a conclusão que a noção jurídica de

responsabilidade civil “pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a

priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual),

subordinando-se, dessa forma, à conseqüência de seu ato (obrigação de reparar)” 173.

Analisar-se-á tão somente determinados apontamentos da responsabilidade

sob o prisma civil, apesar de a matéria ser flexível e suscetível de problematização.

4.1 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA

A responsabilidade subjetiva está intrinsecamente ligada à culpa lato sensu,

isto é, envolvendo a culpa em sentido estrito e o dolo. Com a promulgação do

Código Civil de 1916, a responsabilidade subjetiva foi estabelecida como regra, “não

169 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11ª ed. revisada e atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 4. 170 CARVALHO NETO, Inacio de. Responsabilidade civil no direito de família. 3 ed. Curitiba: Juruá, 2007. 171 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume IV: responsabilidade civil. 4 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. 172 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil...Op. cit., p. 13. 173 GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 9.

56

se admitia o dever de indenizar sem um ato de vontade livre do sujeito, contrário aos

deveres gerais de cautela e que violasse o direito de outrem” 174 175.

Reprimia-se a prática de ato ilícito que resultasse em prejuízo, era

necessário uma conduta dolosa ou culposa, isto é, uma expressão anímica, a

vontade de realizar o ato, mesmo quando na culpa estrita, em que há ato voluntário,

mas resultado involuntário.

Roberto Altheim denomina como a era da segurança, em que a

responsabilidade civil decorria estritamente “de elementos jurídicos construídos de

forma abstrata, sem atenção às vicissitudes de todas as inúmeras situações

danosas” 176, segundo o autor estes pressupostos não se adequam a diversos danos

dignos de reparação, além de dar uma prévia solução à circunstâncias

extremamente complexas 177.

O artigo 186 do vigente Código Civil Brasileiro de 2002, e o artigo 927

também do Código Civil 178, tratam da cláusula geral de responsabilidade subjetiva,

sendo regra necessária, substancial, admitindo nos casos previstos em lei ou em

atividades perigosas, a aplicação da teoria objetiva.

Na teoria subjetiva, a responsabilidade somente se configura se houver

culpa, ou seja:

Pela teoria da responsabilidade subjetiva, só é imputável, a titulo de culpa, aquele que praticou o fato culposo possível de ser evitado. Não há responsabilidade quando o agente não pretendeu e nem podia prever, tendo agido com a necessária cautela. Não se pode, de maneira alguma, ir além do ato ilícito para firmar a responsabilidade subjetiva 179.

Neste mesmo sentido explica Giselda Hironaka:

[...] a responsabilidade subjetiva fundamenta-se na existência de culpa do agente. Não havendo culpa, não há responsabilidade, ainda que presente o dano, pois a imputação da responsabilidade derivada de sua causação depende da conduta culposa do agente. A culpabilidade, também

174 ALTHEIM, Roberto. Direito de danos: Pressupostos contemporâneos do dever de indenizar. Curitiba: Juruá, 2008. p.25. 175 Segundo, Roberto Altheim, “Esta forma de regulamentar a responsabilidade civil estava em plena correspondência com os pilares da modernidade, pois, em função do racionalismo, não se admitia o surgimento do dever de indenizar sem que houvesse um ato racional/volitivo contrário ao direito.” (ALTHEIM, Roberto. Direito de danos: Pressupostos contemporâneos do dever de indenizar. Curitiba: Juruá, 2008. p.45). 176 Ibid. p. 45. 177 Ibid. p. 45. 178 Vide, anexo – A. 179 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 29.

57

denominada culpa em sentido amplo, poder-se-ia definir uma conduta do agente desaprovada da lei, ou seja, uma conduta caracterizada pela reprovabilidade ou censurabilidade legal 180.

Tal modelo de responsabilidade, pautado sobre o elemento culpa, é

“fundada sobre uma visão milenária, na qual cada agente, animado pela razão, goza

de seu livre arbítrio (de sua consciência) e é senhor de seu destino” 181.

A culpa lato sensu, abrange o dolo e a culpa em sentido estrito. Para o autor,

na responsabilidade subjetiva, a culpa em sentido amplo, é um dos elementos para

a formação do ato ilícito. Não sendo, todavia, imprescindível, haja vista que a Lei

Civil admite a responsabilidade em decorrência de atividades perigosas, na

responsabilidade objetiva 182.

Em sentido amplo, conforme aduz Paulo Nader, “a culpa é o elemento

subjetivo da conduta, compreensivo tanto da culpa strictu sensu, quanto da ação ou

omissão dolosa- lato sensu” 183.

Por sua vez, Carlos Roberto Gonçalves, descreve que a culpa demanda

atuação do agente, e esta é merecedora de censura ou reprovação, ou seja, o

agente poderia ter agido de forma a não provocar o dano, mas o fez, violando um

dever de diligência 184.

Em outra vertente, a culpa no seu sentido estrito, alude em síntese a uma

conduta contrária aos deveres jurídicos postos, entretanto de maneira não-

voluntária, conforme Caio Mário da Silva Pereira 185, o agente é inadimplente, mas

não tem consciência da violação cometida. Inácio de Carvalho Neto diz que no ato

culposo “o agente não visou ao resultado alcançado, mas este resultou de atitude de

negligência, imprudência ou imperícia” 186.

180 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta: evolução de fundamentos e de paradigmas da responsabilidade civil na contemporaneidade. In O Direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas - estudos em homenagem ao professor Ricardo Pereira Lira. Coordenadores Gustavo Tepedino, Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 810. 181 GOMES, Luis Roldão de Freitas. Elementos de Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro – São Paulo: Renovar, 2000.p.37. 182 Ibid. p.91. 183 NADER, Paulo. Curso de direito civil: responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.91 184 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2003. p.474. 185 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009. 186 CARVALHO NETO, Inacio de. Responsabilidade civil no direito de família...Opus cit., p. 50.

58

E, no dolo, a conduta é desde logo ilícita, pois o agente que provocará o

dano maquina a conduta antes do efetuar, tendo ciência da violação. Para Sérgio

Cavalieri Filho, o dolo é a representação do resultado e a consciência da ilicitude187.

Para que surja o dever de indenizar, portanto, no modelo tradicional de

responsabilidade deve-se comprovar os seguintes pressupostos: “violação de um

dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o

dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-material, que é o dano e a respectiva

relação de causalidade” 188.

Neste diapasão a liberdade está intrinsecamente interligada com a

responsabilidade, uma vez que o sujeito que age por sua consciência, deve

responder pelas consequências de seus atos.

4.2 RESPONSABILIDADE OBJETIVA

Nas lições de Carlos Roberto Gonçalves, o surto do progresso, o

desenvolvimento industrial e a multiplicação dos danos, na ótica da Revolução

Industrial, ocasionaram o surgimento de novas teorias, tendentes a proporcionar

uma maior proteção às vítimas, diante da complexidade dos danos, e

consequentemente de sua comprovação.

A realidade, entretanto, é que se tem procurado fundamentar a responsabilidade na idéia de culpa mas, sendo esta insuficiente para atender às imposições do progresso, tem o legislador fixado os casos especiais em que deve ocorrer a obrigação de reparar, independente de culpa189.

Alvino Lima lembra que há uma tendência a objetivar a noção de culpa, haja

vista a impossibilidade de se resolver com justiça e equidade inúmeros casos que

surgem devido inovações tecnológicas. Segundo o autor:

As necessidades sociais arrastaram os doutrinadores e a jurisprudência dos tribunais a uma concepção mais ampla da culpa, dentro da qual se enfeixassem todos os fatos da vida real, causadores de danos, cuja

187 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil...Op. cit., p.31. 188 Ibid. p. 17. 189 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8ª ed. rev. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. p. 6 - 8.

59

reparação se impunha com justiça e que escaparam a noção restrita e acanhada da culpa como imissão de diligência imputável normalmente 190.

Caio Mário da Silva Pereira, menciona que houve a insurgência contra a

culpa. Mas, sob o prisma da filosofia, a abolição da culpa resulta em conduta amoral,

portanto deve à responsabilidade civil subjetiva ser ex lege, isto é “não será sempre

que a reparação do dano se abstrairá do conceito de culpa, porém quando autorizar

a ordem jurídica positiva” 191.

Esta nova concepção de responsabilidade, que começa a ganhar espaço no

ordenamento brasileiro em leis esparsas no início do século XX, é desvinculada da

culpa satisfazendo-se tão somente com a causalidade entre o dano e a ação. Não

há, neste ínterim, a necessidade de provar a culpa.

Esta teoria tem sua base legal no parágrafo único do artigo 927, artigo 928,

artigo 931, artigo 932 cumulado com o artigo 933, artigos 936, 937 e 939 todos do

Código Civil Brasileiro 192, e está ligada a ideia de risco, pois parte do pressuposto

de que a culpa é insuficiente para abranger todas as reparações do dano na

realidade fática 193.

Defende-se, deste modo, que o dano e a reparação não devem ser aferidos

pela medida da culpabilidade, se o agente agiu bem ou mal, com ou sem intenção,

mas devem decorrer de um fato causador da lesão de um bem jurídico tutelado, e

“acima dos interesses de ordem individual devem ser colocados os sociais, e se

consultando esses interesses, e neles se baseando, é que se determinará ou não a

necessidade de reparação” 194.

Salienta Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka 195, que a

responsabilidade objetiva, embasada na ideia de risco, defende que todo dano deve

ser reparado por quem a ele se liga através do nexo de causalidade, sem a

necessidade da comprovação da culpa.

190 LIMA, Alvino. Culpa e Risco. 2ِª ed. ver. e atual. pelo Prof. Ovídio Rocha Barros Sandoval. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. p.108. 191 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009, pp.490 – 491. 192 Foi na França que a responsabilidade civil objetiva se expandiu, e conforme menciona Carlos Roberto Gonçalves as contribuições são de Salilles, Ripert, Demogue, Mazeaud, Savatier, dentre outros. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro... Op. cit.p. 32. 193 Idem. 194 LIMA, Alvino. Culpa e Risco... Op. cit. p.116 – 117. 195 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta: evolução de fundamentos e de paradigmas da responsabilidade civil na contemporaneidade. Op. cit. p. 811.

60

Acerca desta ideia de risco, Rui Stoco afirma:

No plano prático, e tendo em consideração a pessoa do lesado, a teoria do risco é defendida com o argumento de que permite sempre reparar o dano sofrido, mesmo naqueles casos em que, por um motivo qualquer, o lesado não logra estabelecer a relação causal entre o seu prejuízo e a culpa do causador deste 196.

Segundo o autor, o fundamento nuclear da teoria do risco está propriamente

no dever de diligência, imposto àquele que exerce uma atividade de risco, colocando

em perigo a segurança e a incolumidade de outrem 197.

Assim, a teoria do risco não eliminou a teoria da culpa, mas convivem juntas,

de modo que a primeira veio para atender aquelas circunstâncias geradas pelas

atividades normalmente desenvolvidas pelo autor, que representa risco a terceiros.

4.3 PRESSUPOSTOS TRADICIONAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

4.3.1 Ato ou fato voluntário

A conduta humana culposa, a ação ou omissão, é considerada como um dos

pressupostos da responsabilidade subjetiva quando resulta em prejuízo, até porque

somente o homem, por si ou por meio das pessoas jurídicas que forma, pode ser

civilmente responsabilizado, em detrimento dos fatos naturais, como tempestades,

naufrágios, terremotos, entre outros.

Luis Roldão de Freitas Gomes 198 ressalta que o agente é controlável por

sua vontade, podendo praticar uma ação, um fato positivo, ou uma omissão -

negativo, que é o dever de praticar um determinado fato e não o faz, causando

prejuízo.

A voluntariedade, é a “pedra de toque da noção de conduta humana ou ação

voluntária, primeiro elemento da responsabilidade civil” 199, o qual não traduz

necessariamente a intenção de praticar uma conduta danosa, mas apenas a

196 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2004, p. 151. 197 Ibid. p. 167. 198 GOMES, Luis Roldão de Freitas. Elementos de Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro, São Paulo: Renovar, 2000. 199 GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil...Op.cit.p.2

61

consciência daquilo que foi praticado, o que não pode ser visto na ação de um

menor.

4.3.2 Conduta culposa do agente

Para José de Aguiar Dias, “a culpa é a falta de diligência na observância da

norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário

para observá-la, com resultado, não objetivado, mas previsível” 200.

Na concepção clássica de Alvino Lima, culpa é um “erro de conduta,

moralmente imputável ao agente e que não seria cometido por uma pessoa avisada,

em iguais circunstâncias de fato” 201.

Importante considerar que, segundo lições de Sérgio Cavalieri Filho, não se

pode falar apenas no elemento anímico culpa, mas sim em conduta culposa, haja

vista que a culpa isolada e abstratamente considerada apenas possui relevância

conceitual 202.

Posto isso, segundo o mesmo autor, a culpa possui importância na ordem

jurídica quando integra a conduta humana voluntária, por ação ou omissão, que

causa dano a outrem e enseja o dever de reparar 203.

Arnaldo Rizzardo salienta que a conduta culposa do agente é uma reunião

de dois elementos: um objetivo, que é a lesão, atentado ilegal ao direito de outrem e

o subjetivo, que é o elemento psicológico, o fato de prever o dano causado 204.

Portanto, agente para conceber um ato como ilícito é necessário a presença da

culpa materializada 205, isto é, um comportamento do agente ofensor.

200 DIAS, Jose Aguiar. Da responsabilidade civil. 11ª ed. ver. atual. e ampl. de acordo com o Código Civil de 2002 por Rui Belford Dias. Rio de Janeiro, São Paulo e Recife: Renovar, 2006. p.149. 201 LIMA, Alvino. Culpa e Risco...op.cit.p.69 202 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil ...Op. cit., p.23 203 Ibid. p.23-24 204 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. op.cit. p.52 205 Segundo Arnaldo Rizzardo, o ato ilícito não se constitui prescindido de culpa, que é apenas um de seus elementos, mas sim quando a culpa traz seu efeito material, ou mesmo quando passa do plano puramente moral para a execução material, ou seja, quando há repercussão no patrimônio de outrem, desencadeando a obrigação de indenizar. Portanto, não se pode falar em ato ilícito sem culpa. (RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil: Lei n°. 10.406, de 10.01.2002. 2 ed.Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.29. p. 4-5).

62

4.3.3 Ilicitude

Ato ilícito é a prática de uma conduta que viola um direito ou um bem jurídico

protegido pela lei, ou melhor, o “descumprimento ao dever geral de cuidado ou a

outra obrigação específica estabelecida pela lei ou em negócio jurídico” 206.

Insta destacar o duplo aspecto e duplo sentido dado para a ilicitude por

Sérgio Cavalieri Filho, o qual argumenta que terá aspecto objetivo quando existe

uma conduta, independente de vontade livre e consciente, e será subjetivo quando

verificado ato voluntário, existe um juízo de valor. Para o citado autor a ilicitude

possui um sentido amplo, que abrange todos os pressupostos da responsabilidade,

e o sentido estrito, no qual um ato ilícito trata-se de determinada conduta humana

contrária ao dever posto 207.

O ato ilícito decorre da conduta anti-social do indivíduo, manifestada intencionalmente ou não, bem como por comissão ou omissão, ou apenas por descuido ou imprudência. Vale afirmar que o ato ilícito nasce da culpa, no sentido amplo, abrangendo o dolo e a culpa propriamente dita, distinção não importante para a reparação do dano. Por isso, a indenização é imposta a todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo. A conduta antijurídica se realiza com o comportamento contrário ao direito, provocando o dano208.

Em síntese, o ilícito civil apresenta-se como “toda ação ou omissão, de

que resulte ou se gere prejuízo a direitos alheios ou ofensa a legítimos interesses de

outrem, a qual se pratique em contravenção ao que se preceitua a lei” 209, o qual, via

de consequência, dá azo para a reparação.

4.3.4 Dano

Sem dano, não há reparação. Por mais óbvia e singela que pareça a

afirmativa é real, pois, o dano é o fato jurídico gerador da responsabilidade civil,

conforme já mencionado.

206 ALTHEIM, Roberto. Direito de danos: Pressupostos contemporâneos do dever de indenizar... Op. cit. p.89 207 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil ...Op. cit., p.10. 208 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil: Lei n°. 10.406, de 10.01.2002. 2ed.Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.29. 209 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 27ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007.p 698

63

O dano prevê uma conduta, que sob o prisma de Sérgio Cavalieri Filho 210,

trata-se de comportamento humano: que se resume a uma ação ou omissão.

Embora o dano preveja a conduta, nem sempre esta última será com intenção de

causar prejuízo. Para tanto a indenização hodiernamente é proporcional, equitativa,

considerando todos os pressupostos da obrigação de indenizar.

O dano é facilmente evidenciado quando há uma abrupta redução na esfera

patrimonial, ou moral. Para Arnaldo Rizzardo:

O dano pode atingir a universalidade de bens existentes, como o patrimônio material ou econômico da pessoal física ou jurídica, os seus valores espirituais e interiores, o nome, a boa fama, o conceito social, a paz, a liberdade, a honra, a intimidade, a normalidade corporal, a apresentação ou integridade física, as relações sociais, a amizade, a tranquilidade pessoal, e assim outros bens de ordem espiritual e mesmo físicos que entram na esfera de direitos e são importantes, senão necessários, para a normalidade da vida, a possibilidade da coexistência e a realização do ser humano nas mais diversas esferas da existência humana 211.

Tal pressuposto, portanto, é a lesão a qualquer bem jurídico, tanto de

ordem moral, quanto no aspecto material, que implicam não somente a deterioração

ou a perda de coisas, mas ainda os prejuízos decorrentes de lucros cessantes.

Ressalva-se que nem todo prejuízo é capaz de gerar uma obrigação de

indenizar, devendo ele ser certo - não baseado em mera hipótese, atual, que viole a

um interesse juridicamente relevante, tutelado pelo ordenamento jurídico brasileiro 212.

Uma vez comprovados todos os pressupostos, em regra, haverá o

dever de ressarcir. Paulo Nader indica que a principal finalidade da responsabilidade

é o ressarcimento da vítima pela lesão sofrida, visando, se possível, o retorno ao

status quo ante, fala-se no princípio da restituição integral. Nesse aspecto ainda

ressalta:

A indenização pecuniária se justifica quando o tipo de dano causado não comporta com aquela reparação, como se verifica nos danos de natureza moral ou quando a coisa é destruída. O valor a ser estipulado deve ser o suficiente para compensar a lesão; o dever de reparar independe do nível maior ou menor de culpa, pois, tratando-se de responsabilidade subjetiva,

210 Ibid. p. 29. 211 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil: Lei n°. 10.406, de 10.01.2002. 2ed.Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.71. 212 ALTHEIM, Roberto. Direito de danos: Pressupostos contemporâneos do dever de indenizar... Op. cit. p. 87-88

64

basta que seja leve, entretanto, o grau de culpa pode influenciar o quantum da indenização ou compensação 213.

Ainda nos ensinamentos do autor, é certo que a reparação deve abranger

todos os danos provocados pelo agente à vítima, não importando se de ordem

material ou moral, sendo possível a cumulação das modalidades 214, de tal forma

que a conceção apenas reparação parcial “teria o sentido igualmente de justiça

parcial e esta, quando aplicada, corresponde à injustiça parcial” 215.

E, em sendo o dano elemento necessário para que se configure um dever de

reparar, até porque não haveria a obrigação se não existisse o que ressarcir, se faz

necessário se atentar para as espécies de danos, que conforme dito podem ser de

ordem material (patrimonial) ou moral (extrapatrimonial).

4.3.4.1 Dano material

Também chamado de dano patrimonial, corresponde a qualquer lesão que

provoque a diminuição do acervo de bens materiais da vítima, ou até mesmo impeça

o seu aumento, ou seja, quando a vítima se vê impedida de exercer alguma

atividade que lhe traga algum proveito econômico 216, os quais se denominam danos

emergentes e lucros cessantes, respectivamente.

Sérgio Cavalieri Filho lembra que o dano material não faz menção tão

somente ao conjunto de relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis em dinheiro,

mas também a “violação de bens personalíssimos, como o bom nome, a reputação,

a saúde, a imagem e a própria honra, pode refletir no patrimônio, gerando perda de

receitas ou realização de despesas” 217, como por exemplo, o profissional que perde

clientela, o que é chamado pelo autor de dano patrimonial indireto 218.

Há, porquanto, um interesse econômico relacionado, que se consome,

quando verificado uma interferência no patrimônio da vítima, seja ele direto, lesão a

interesse exclusivamente material, ou indireto, envolvendo direitos personalíssimos,

que reflexamente atingem o patrimônio da pessoa.

213 NADER, Paulo. Curso de direito civil...Op.cit.p.13-14 214 Vide, anexo - B 215 Ibid.p.14 216 Ibid. p. 79. 217 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 71. 218 Ibid. p.71.

65

Diante do explanado, tenha-se que não se aterá o presente trabalho em

aprofundar tal espécie de dano, todavia como passa a expor, no dano de ordem

moral que adiante será integrado ao Direito de Família.

4.3.4.2 Dano moral

O dano não material, ou extrapatrimonial, suscita uma grande divergência

doutrinária, haja vista que não há um conceito unânime perante doutrina e

jurisprudência, mas sim “há conceitos para todos os gostos” 219.

A maior dificuldade de conceituar dano moral, conforme José de Aguiar Dias

surge por este não encontrar correspondência no critério valorativo patrimonial:

O dano material nunca é irreparável: dada a sua ocorrência, ou se restaura a situação anterior ou se integra o patrimônio mediante o equivalente pecuniário do desfalque, intervindo, ademais, os juros de mora, para ajustar a compensação à maior ou menor duração do dano, Com os danos não patrimoniais, todas as dificuldades se acumulam, dada a diversidade dos prejuízos que envolvem e que de comum sói têm a característica negativa de não serem patrimoniais. Essa diversidade, pois, assinala um dos pontos de distinção entre esses danos e os danos patrimoniais, que tem caráter homogêneo, impõem a maior variedade nos meios de reparação, acontecendo, mesmo, que as vezes que, nem se apresente modo de fazê-lo220.

Wilson Melo da Silva inaugura sua obra apresentando exatamente esta

distinção entre o dano material, conceituando que:

Danos morais são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoal natural do direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico 221.

Evidente que a doutrina tradicional traz o dano moral como lesões a

interesses juridicamente relevantes, protegidos pelo direito, que atingem a esfera

psíquica do sujeito. Trataria do dano moral, quando o resultado lesivo repercute na

esfera íntima da vítima, que resulta em angústia, constrangimento, sentimento de

humilhação, a autoestima, que fazem referência a elementos subjetivos, como

219 Ibid. p 77. 220 DIAS, Jose Aguiar. Da responsabilidade civil. 11ª ed. ver. atual. e ampl. de acordo com o Código Civil de 2002 por Rui Belford Dias. Rio de Janeiro, São Paulo e Recife: Renovar, 2006.p.993. 221 SILVA, Wilson Melo da. Dano moral e sua reparação. 3 ed. ver.ampl. Rio de Janeiro: Forense,1999. p.1.

66

também às projeções exteriores negativas acerca da imagem da pessoa, e de seu

prestígio no âmbito social e familiar 222.

Contudo, Sérgio Cavalieri Filho faz uma ressalva, no sentido de que a

doutrina evoluiu para considerar o dano moral não apenas ligado à esfera psíquica:

[...] o dano moral não está necessariamente vinculado a alguma reação psíquica da vítima. Pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame, sofrimento, assim como pode haver dor, vexame e sofrimento sem violação da dignidade. Dor, vexame, sofrimento e humilhação são conseqüências, e não causas. Assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, a reação psíquica da vítima só pode ser considerada dano moral quando tiver por causa uma agressão à sua dignidade.223.

A Constituição de 1988, segundo o mesmo autor, colocou a pessoa humana

no vértice do ordenamento, transformando os seus direitos no fio condutor de todos

os ramos jurídicos, fazendo com que os conceitos tradicionais de dano moral se

sujeitassem a uma revisão 224.

Assim, tendo em vista que as normas constitucionais devem servir de baliza

para a interpretação e aplicação de toda norma infraconstitucional, o conceito de

dano moral deve seguir a mesma ótica do constituinte, que optou consagrar a

dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado

Democrático de Direito, art.1º, III CRFB/88 225.

Nesta perspectiva, a Constituição da República de 1988 recepcionou

expressamente a ideia da responsabilidade civil por danos morais, art. 5º, V e X da

CRFB/88 226 227, levando em consideração os princípios da solidariedade e justiça

distributiva, art.3º, I e III CRFB/88 228.

E, ao recepcionar, “a Constituição deu ao dano moral uma nova feição e

maior dimensão, porque a dignidade da pessoa humana nada mais é do que a base

de todos os valores morais, a essência todos os direitos personalíssimos” 229, deste

222 MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Dano moral, dano material e reparação. 6.ed.rev.atual. Porto Alegre: Dora Luzzatto,2006.p.42 223 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.77 224 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil...Op.cit. p.76 225 Vide, anexo A. 226 Vide, anexo A. 227 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil...Op.cit. p.76 228 Vide, anexo A. 229 Cavalieri Filho sintetiza que “os direitos à honra, ao nome, à intimidade, à privacidade estão englobados no direito à dignidade, verdadeiro fundamento e essência de cada preceito constitucional relativo aos direitos da pessoa humana” (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil...Op.cit.p.76)

67

modo dá-se grande abrangência ao instituto da responsabilidade civil, e a

possibilidade de sua aplicação, nas mais diversas relações jurídicas, dentre elas a

família.

E quando se fala em tutela de todos os bens personalíssimos da pessoa

humana, Sérgio Cavalieri Filho destaca que à luz da Constituição vigente, que o

dano moral pode ser conceituado sob dois aspectos distintos, quais sejam: em

sentido estrito, em que há violação à dignidade, e em sentido amplo, que engloba

outros aspectos da pessoa, como a imagem, o bom nome, as relações afetivas, as

convicções políticas, religiosas, os direitos autorais, ou seja, abrange a todas as

ofensas ligadas a personalidade da pessoa, em sua dimensão individual ou social,

não se restringindo apenas a dor, tristeza ou sofrimento conforme a doutrina clássica

induzia 230.

4.3.6 Nexo de Causalidade

O nexo causal é elemento indispensável para reaver o equilíbrio jurídico -

social, de modo que não haverá reparação sem o dano e a contravenção do agente 231. O liame de causalidade nada mais é do que uma relação de causa e efeito que

liga o ato ilícito ou a conduta tipificada em lei, e o dano experimentado pela vítima.

Lembrando que tal fato não necessariamente necessita opor-se à ordem

jurídica, mas também diante de uma atividade arriscada, no qual o agente responde

pelas conseqüências advindas que é o caso da responsabilidade objetiva.

Acerca da definição do nexo de causalidade, Luis Roldão de Freitas Gomes 232, conceitua:

[...] não basta que haja um dano coincidindo com a existência da culpa, é indispensável que haja uma interligação entre a ofensa da norma e o prejuízo sofrido, de modo que sem esse fato, o dano não teria ocorrido.

Arnaldo Rizzardo aduz, na mesma toada que:

230 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.76-77 231 Rui Stoco acerca do nexo causal – STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 232 GOMES, Luis Roldão de Freitas. Elementos de Responsabilidade Civil, p. 67

68

Não é suficiente a prática de um fato contra legem ou contra jus, ou que contraria o padrão jurídico das condutas. Muitos erros de conduta, ou violações de lei, se não trazem conseqüências negativas, ou se não ofendem os direitos, são irrelevantes à responsabilidade, como aquele que transgride às leis de trânsito ou que ingressem em imóvel alheio, sem que importe em prejuízo para terceiros. Muito menos interessa a verificação de danos a bens ou pessoas, se não fica apurada a individualidade de seu autor. De sorte que, para a responsabilidade surgir, dá-se a ligação entre o fato a lesão e o causador ou autor. Daí surge a relação de causalidade, ou o vínculo causal 233.

Todavia a depender do episódio real será complexo delimitar o nexo entre o

dano e o ato ilícito, porquanto pode o prejuízo advir de diversos fatores. Roberto

Altheim quanto ao afirmado cita que a teoria tradicional com a finalidade de resolver

esse tipo de impasse, desenvolveu a teoria da equivalência das condições, teoria da

causa próxima, teoria da causa eficiente e teoria da causalidade adequada234.

A teoria da causalidade sustenta que todos os elementos que de alguma

maneira ajudaram para o resultado danoso são considerados, isto é, “todas as

condições são equivalentes [...]. Não é necessário perquirir qual das circunstâncias

está imediatamente ligada ao prejuízo” 235.

A teoria da causa próxima se resume à circunstância última que auxiliou

para o dano. Já quanto à causa eficiente, fala-se do fator que de forma

preponderante auxiliou na produção do dano.

A causalidade adequada apregoa que através do conhecimento comum

sabe-se que era presumível a ocorrência do dano. Apenas o fator que rompeu com o

equilíbrio é considerado e demais fatos não são considerados.

Carlos Roberto Gonçalves sintetiza como uma relação necessária entre

o fato incriminado e o prejuízo causado, tornando certo que, sem esse fato, o

prejuízo não teria ocorrido. Assim, segundo o autor, o dano somente pode gerar a

responsabilidade quando for possível estabelecer um nexo causal entre ele e quem

provocou tal consequência danosa 236.

233 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil, p. 72. 234 ALTHEIM, Roberto. Direito de danos: Pressupostos contemporâneos do dever de indenizar...Op. cit. pp. 98 – 101. 235 Ibid. p. 99. 236 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8ª edição revista. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.520 - 521

69

5 RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDO AFETIVO

Só é possível ensinar uma criança a amar, amando-a.

Johann Goethe

Hodiernamente deixa-se paulatinamente a análise do dano tradicional, pois

em uma sociedade complexa há a necessidade de tutelar a vítima sem que a

interpretação dos pressupostos da responsabilidade civil explicitados sejam

exatamente subsumidos ao caso concreto. Isto porque, há o imperativo de tutelar os

interesses constitucionalmente postos, dentre eles a dignidade da pessoa humana,

que pela Constituição da República, como alhures explanado é tido como valor

central no ordenamento 237.

Portanto, como explana Schreiber, passa o direito civil pelo fenômeno da

constitucionalização e alcança a responsabilidade civil 238, devendo então ir além da

precisão normativa:

De fato, o reconhecimento da necessidade de tutela dos interesses existenciais atinentes à pessoa humana, e, de outro lado, a verificação de danos demasiado abrangentes, identificados com interesses transindividuais ou supra individuais, que passam a ser considerados dignos de proteção, vieram exigir o repensar da estrutura individualista e eminentemente patrimonial das ações de reparação 239.

A Constituição de 1988 ao elevar a dignidade, sendo tal como aduz o citado

autor, “espécie de superioridade material ou axiológica”, coloca-se a vida, além de

qualquer outro valor jurídico ou bem; afirma o citado autor, que de maneira

globalizada busca-se a proteção dos interesses de cunho existencial, visando

proteger à dignidade 240.

No Direito de Família o instituto da responsabilidade civil tem dado soluções

a problemas que antes não eram amparados por mecanismos codificados:

Na esteira do alargamento daquilo que se compreende juridicamente como dano, a responsabilidade civil passou a ser empregada, pouco a pouco, para solucionar questões que, antes, eram mantidas à longa distância dos seus domínios [...]. Exemplo emblemático é o direito de família, onde

237 TEPEDINO, Gustavo. A Tutela Constitucional da Criança e do Adolescente. Op. cit., p. 202. 238 SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da responsabilidade civil: erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 2 ed.. São Paulo: Atlas, 2009, p. 88. 239 Ibid p. 83. 240 Ibid. p. 83.

70

conflitos de natureza existencial, como a indiferença afetiva de um pai para com um filho, nunca foram raros. Antes, porém, tais situações se prolongavam por anos a fio, às vezes por toda uma vida, terminando por serem remediadas com mecanismos típicos da convivência familiar (por exemplo, a compensação de afeto por outros parentes, a expiação de culpas e remorsos, o arrependimento tardio, ou, nos casos mais extremos, a simples ruptura do convívio familiar) ou por não serem remediadas de todo. Hoje, ao contrário, pensa-se, com frequência cada vez maior, na responsabilidade civil como resposta para tais conflitos 241.

O cuidado também deve ser sopesado para análise da possibilidade de

aplicação da responsabilidade civil no âmbito da família, segundo Roberta

Tupinambá, este possui aplicação como princípio que recria o conceito da dignidade

da pessoa humana, e deve ser garantido conforme parágrafo 2º do artigo 5º da

CFRB/88242. Em decisão do Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.159.242; Proc.

2009/0193701-9; SP; 2012 a Ministra Nancy Andrigh salienta:

O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da Lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social 243.

Seja de ordem material ou moral, deve sempre o autor do dano ressarcir a

vítima, e ser punido pelo prejuízo produzido 244. Como no caso do abandono afetivo,

no qual o ato da negligência dos pais em não conceder aos filhos, cuidado,

educação, sustento, guarda, resulta em um sujeito frustrado. Através da ponderação

de princípios e com a atual amplitude da responsabilidade civil, tem os tribunais

241 SCHREIBER, Anderson. O futuro da responsabilidade civil: um ensaio sobre as tendências da Responsabilidade Civil Contemporânea. In: RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz; MAMEDE Gladston; e ROCHA, Maria Vital (Coord.). Reponsabilidade Civil Contemporânea: em homenagem a Sílvio de Salvo Venosa. São Paulo: Atlas, 2010, p. 721. 242 Vide, anexo – A. 243 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.159.242; 3ª Turma; Relatora Ministra Nancy Andrighi. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 22 ago. 2012. 244 BRANCO, Bernardo Castelo. Dano Moral no Direito de Família. Ed. Método. São Paulo, 2006, p. 206.

71

tutelado esses danos 245. Entretanto questiona-se como deve incidir a compensação

do prejuízo, analise adiante elucidada.

A responsabilização dos pais pelo abandono afetivo significa que o sujeito

que teoricamente é obrigado a indenizar o filho, se pôs nesta nova obrigação por

incorrer na inexecução de ser pai, de ser mãe, fala-se do não cumprimento e

exercício da autoridade parental nos moldes previstos, e da não observação dos

interesses da criança e do adolescente, havendo prejuízo de ordem moral.

A função/ encargo dado aos pais de zelarem pelos filhos, não está paralela à

responsabilidade civil, todavia, devem os pais que abandonam os filhos, reparar o

dano sofrido, sob o prisma da nova concepção de responsabilidade civil. Pois o

causador do dano não deve ficar imune às circunstâncias nas quais se produz

prejuízos incalculáveis à criança no núcleo familiar, “havendo violação dos direitos

da personalidade, mesmo no âmbito da família, não se pode negar ao ofendido a

possibilidade de reparação do dano moral” 246.

Deve-se aceitar a reparação na família. Não cabe razão deixar que os

integrantes de um lar decidam como amparar um sujeito, pois, no modelo atual de

família os integrantes da relação não são subordinados aos interesses da instituição

familiar. Ora, a Constituição da República enaltece o sujeito em particular, isto é, dá-

se vazão para a pessoa humana que participa do núcleo, no entendimento de Ruy

245 CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da Lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de matéria fática - não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do Recurso Especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em Recurso Especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso Especial parcialmente provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.159.242; 3ª Turma; Relatora Ministra Nancy Andrighi. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 15 jul. 2012) 246 BRANCO, Bernardo Castelo. Dano Moral no Direito de Família. Op. cit. , p.115.

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Rosado de Aguiar Junior, preserva-se a pessoa humana mesmo que seja afrouxado

o laço familiar 247.

5.1 AFETIVIDADE JURÍDICA

Ao analisar o afeto é importante precipuamente destacar que existe

essencial distinção deste entre o princípio jurídico da afetividade e do cuidado como

valor jurídico, o primeiro está na ordem psíquica, fala-se no elemento anímico citado

por Paulo Lôbo 248. O afeto em si se define pelo dom da atração ao outro, ou seja,

inclinação afeição por alguém.

No presente tópico a análise é evidentemente no âmbito jurídico, portanto

fala-se em imposição, além do querer, fala-se no dever de dispor afeto à criança e

ao adolescente.

O princípio analisado ganhou evidência com a análise jurisprudencial e

doutrinária da Constituição de 1988. Conforme Guilherme Calmon Nogueira da

Gama, este princípio está implícito na Carta Política, partindo de interpretação

sistemática e teleológica de âmbito constitucional 249, e aduz ainda que:

A consideração da tutela da pessoa humana no Direito de Família – com o reconhecimento da maior hierarquia da dimensão existencial – se relaciona à busca da realização e da concretização da afetividade, hipótese em que o Direito se aproxima bastante da realidade da vida. Cuida-se de reconhecer a concretude do êxito do projeto de comunhão de vida que se iniciou do estabelecimento do vínculo familiar 250.

Apesar da demonstração do amor ser elemento essencial para a formação

do filho, ninguém é obrigado a amar outrem, segundo as palavras da Ministra Nancy

Andrigh:

Vê-se hoje nas normas constitucionais a máxima amplitude possível e, em paralelo, a cristalização do entendimento, no âmbito científico, do que já era empiricamente percebido: o cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente; ganha o debate contornos mais técnicos, pois não se discute mais a mensuração do intangível – o amor – mas, sim, a verificação do cumprimento, descumprimento, ou parcial cumprimento, de

247 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Direitos fundamentais do direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 362. 248 LÔBO, Paulo. Famílias…Op. cit. p. 48. 249 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios Constitucionais de direito de família...Op. cit. p. 83. 250 Ibid., p. 129 – 130.

73

uma obrigação legal: cuidar. Negar ao cuidado o status de obrigação legal importa na vulneração da membrana constitucional de proteção ao menor e adolescente, cristalizada, na parte final do dispositivo [...]: “além de colocá-los a salvo de toda a forma negligência”. Alcançando-se, no entanto, o cuidado à categoria de obrigação legal supera-se o grande empeço sempre declinado quando se discute o abandono afetivo – a impossibilidade de se obrigar a amar. Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos. O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião. O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem -, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes. Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever.

O princípio jurídico da afetividade é de imediata aplicação, e embora não

tenha previsão legal 251, é para Tânia da Silva Pereira 252 decorrente do princípio da

dignidade da pessoa humana, porquanto é de natureza constitucional.

Este princípio jurídico trata de imposição jurídica dirigida aos responsáveis

pela criança e pelo adolescente, fala-se no dever de cuidar, ainda que não haja a

obrigação de amar. A Constituição determina tratamento especial a estes seres em

desenvolvimento.

A ausência do afeto trata-se do não cumprimento do dever inerente à

autoridade parental, e não se confunde com o abandono material, já trabalhado pelo

Direito Penal 253. Portanto, a violação dos direitos da filiação, implica na

transgressão de ordem constitucional, pois é maculada a dignidade da pessoa

humana, atinge, portanto, a esfera moral.

A reparação por abandono afetivo pode decorrer de diversos fatores como

em decorrência do divórcio e separação de fato, do não reconhecimento da

paternidade, esta indicada pela mãe, dos relacionamentos esporádicos, ou até

mesmo o abandono com a presença física dos pais no núcleo familiar, ou quando o

251 Vide, anexo – B – Projeto de Lei 700/2007. 252 PEREIRA, Tânia da Silva. Dano moral à criança e ao adolescente; responsabilidade dos pais ou responsável nas relações familiares. In: O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas – estudos em homenagem ao professor Ricardo Pereira Lira. TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 989. 253 Vide, anexo – A (artigo 244 Código Penal)

74

pai ou a mãe, ou mesmo ambos não concedem devido cuidado à criança, além de

privá-lo da convivência familiar 254.

A atual família democrática não tem mais fundamento econômico, mas

afetivo. Conforme disciplina Paulo Lôbo, além do afeto, a família é entidade estável,

em que há comunhão de vida ostentável e estável 255, cita o autor em obra diversa 256, que o princípio da afetividade é o que fundamenta “o direito de família na

estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre

as considerações de caráter patrimonial ou biológico”.

Rodrigo da Cunha Pereira, também trata o afeto como primordial para a

entidade familiar, prediz ser o vínculo formador da família que coexiste com outros

elementos a fim conceder permanência do núcleo familiar, quais sejam a

publicidade, estabilidade e a estrutura psíquica.

Roberta Tupinambá confirma que o princípio da afetividade é o fundamento

entidade familiar, mas para a mesma o cuidado perpassa tal, porquanto eleva a

dignidade da pessoa humana. Além disso, cita que o cuidado com o outro “faz valer

o bom e o justo [...], valer o próprio intuito do ordenamento jurídico” 257. Todavia, é

certo que independente da classificação concedida a estes valores jurídicos, sempre

o interesse da criança e do adolescente prevalecerá, e não restam dúvidas de que

há inúmeras necessidades dentre elas as elencadas na Constituição da

República258, que devem ser atendidas por seus responsáveis de forma prioritária.

Neste interim rememore–se o princípio da solidariedade, o qual se interliga

com o dever de conceder afeto, pois o mesmo compele o sujeito a prestar ajuda ao

membro do seu núcleo familiar. Para Paulo Lôbo, o cuidado recebe força subjacente

no princípio em comento 259.

254 Gustavo Tepedino faz ressalva no sentido de que o princípio da convivência familiar não se esgota na relação entre pais e filhos, mas estende-se a outros parentes, em virtude do princípio da solidariedade, considerando o melhor interesse da criança e o desenvolvimento desta e sua inserção social. TEPEDINO, Gustavo. A tutela constitucional da criança. Op. cit. p. 224. 255 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. In: CUNHA PEREIRA, Rodrigo da (Coord.). Anais do III Congresso Brasileiro do Direito de Família – Família e Cidadania – O novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 91. 256 LÔBO, Paulo. Famílias…Op. cit. p. 47 – 48. 257 TUPINAMBÁ, p. 364 258 Vide, anexo – A. ARTIGO 227. 259 LÔBO, Paulo. Famílias... Op. cit. p. 42

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Leonardo Boff afirma que “[...] é no reino do afeto que emerge o mundo das

excelências. É em seu interior que nascem os valores, aquilo que nos agrada e

desagrada, que é bom para nós e para os outros e que nos move para a ação” 260.

A filiação está além dos vínculos biológicos, a paternidade e a maternidade é

plena quando ao nascer a criança é adotada pelos pais, o princípio da afetividade é

o veículo propulsor do reconhecimento jurídico da paternidade 261.

Ao trabalhar o afeto, Arnaldo Rizzardo expõe:

Em todas as fases da vida se faz importante a afetividade, a qual facilita a convivência, desarma os espíritos, torna agradável a companhia, elimina a agressividade e cria um constante ambiente de amizade. Na infância, torna a criança dócil, lhe dá segurança, facilita a aprendizagem e imprime ao caráter sentimentos saudáveis. Na adolescência e juventude, fortalece o espírito, afasta os atritos, e cria ambiente para despertar aos sentimentos do amor sadio, desprendido, compreensivo e respeitoso262.

Partindo do explanado por Rizzardo é evidente que a falta do afeto traz

prejuízo, o qual é incomensurável. Manifesto que apenas há transmissão de afeto

quando também é garantida a convivência familiar pelos pais, analisada no próximo

tópico.

5.1.1 Abandono afetivo e a ausência da convivência familiar

É no seio familiar pelo exercício da autoridade parental e através do direito,

personalíssimo, indisponível e imprescritível de ser filho 263, que é transmitido afeto,

concedendo para a sociedade um sujeito saudável. E será possível o afirmado

através da convivência familiar.

A criança possui o direito de conviver com ambos os pais ainda que

separados, salvo se for contrário ao interesse do infante. A dissolução da sociedade

conjugal não deve ser para a criança e para o adolescente o fim da família. Para

Paulo Lôbo a convivência está além do exercício do poder familiar, não podendo o

guardião impedir o acesso do outro ao filho 264.

260 BOFF, Leonardo. Justiça e cuidado: Opostos ou Complementares? In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de (Coord.). O cuidado como valor jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 8. 261 CUNHA PEREIRA, Rodrigo da. Princípios fundamentais norteadores ... Op. cit., pp.184 - 185 262 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. Op. cit. p. 685. 263 Vide, anexo – A. (artigo 27 ECA). 264 LÔBO, Paulo. Famílias…Op. cit. p. 53.

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Inclusive a psicologia se encarrega de estudar a extrema importância dos

pais na fase infanto-juvenil, entretanto este não é o objetivo presente 265.

Paulo Lôbo exprime:

A convivência familiar é a relação afetiva diuturna e duradoura entretecida pelas pessoas que compõem o grupo familiar, em virtude de laços de parentesco ou não, no ambiente comum. Supõe o espaço físico, a casa o lar, a moradia, mas não necessariamente, pois as atuais condições de vida e o mundo do trabalho provocam separações dos membros da família no espaço físico, mas sem perda da referência ao ambiente comum, tido como pertença de todos. É o ninho no qual as pessoas se sentem recíproca e solidariamente acolhidas e protegidas, especialmente as crianças.

O princípio da convivência familiar, segundo Gustavo Tepedino é um

importante instrumento no âmbito da responsabilidade civil, que deve ser visto como

um direito fundamental dos filhos e não prerrogativa dos pais 266.

O afeto é componente do princípio da afetividade e está interligado à

convivência familiar e à igualdade dos membros do núcleo. Ressalte-se que a

família se consolida na convivência, a qual é evento constante, que não está

atrelada ao espaço físico, mas no trato diário com outrem, na preocupação, no

tempo de qualidade. Caso haja a ausência da convivência da criança com os pais é

certo o dano à sua esfera íntima, psicológica.

5.2 REPARAÇÃO DO DANO POR ABANDONO AFETIVO

A criança e o adolescente através do princípio da igualdade gozam dos

direitos fundamentais. Com a dignidade da pessoa humana como valor central da

Constituição de 1988, os direitos da personalidade (integridade física, emocional e

moral) na fase infanto-juvenil são notadamente protegidos.

265 Maria Celina Bodin de Moraes afirma: “É evidente o contrassenso a Constituição e a lei obrigam os genitores a cuidarem dos filhos menores, em ausência deste cuidado, ou de cuidado equiparado, com prejuízos óbvios à integridade de pessoas a quem o legislador atribuiu prioridade absoluta, há dano moral a ser reparado. De fato, a importância da figura paterna, especialmente depois das conclusões da psicologia moderna, não precisa de maiores comprovações. É notória sua imprescindibilidade – assim como é a da figura materna – para a adequada estruturação da personalidade da criança” (MORAES, Maria Celina Bodin. Perspectivas a partir do Direito Civil-Constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Direito Civil-Contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional: anais do congresso internacional de Direito Civil – Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. São Paulo: Atlas, 2008, p. 37. 266 TEPEDINO, Gustavo. A tutela constitucional da criança... Op. cit. p. 223.

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O abandono dos pais implica dano moral à criança, pois, pode simbolizar um

desenvolvimento contraproducente, desde uma discriminação frente aos colegas de

escola pela ausência de uma das figuras essenciais, pai ou a mãe, a entrada

precoce na puberdade, constante sentimento de rejeição, extrema dificuldade de

estabelecer novos vínculos, problemas quanto à socialização, até uma trajetória

adulta frustrante. Há manifesta violação à dignidade do filho a ausência do pai ou da

mãe, quanto mais à pormenorizada e já anteriormente observada dignidade da

criança e do adolescente, prevista no artigo 227 CRFB/88 267.

Ensina Maria Celina Bodin de Moraes que “a lesão causadora do dano

injusto refere-se, diretamente, ao bem jurídico tutelado, ao interesse ou direito da

pessoa humana, merecedor de tutela jurídica” 268. Então o dano advindo do

abandono afetivo é sempre indenizável se o considerá-lo como injusto. Pode-se

concluir tal injustiça, posto que a criança e o adolescente são protegidos de forma

peculiar pela Constituição da República Federativa do Brasil, como pessoa humana

que merece proteção integral, por estar em pleno desenvolvimento.

Neste diapasão leciona Tânia da Silva Pereira:

A liberdade, dignidade e respeito são direitos básicos reconhecidos à população infanto-juvenil. Bens jurídicos merecedores de proteção, estes valores inerentes ao ser humano compõem “Proteção Integral”, doutrina jurídica que orienta as modernas legislações e a proteção da infanto-adolescência no Brasil. Não se pode afastar a responsabilidade dos pais no que concerne à educação e à formação dos filhos. Além de prestar alimentos, as responsabilidades paternas envolvem o dever de possibilitar o desenvolvimento dos filhos, baseado no princípio da dignidade humana.

Fica ainda mais claro através da definição de Yussef Said Cahali a

caracterização do dano moral e o dever de compensação deste advindo do

abandono afetivo 269:

267 Vide, anexo – A. 268 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 181. 269 Maria Celina Bodin de Moraes disciplina: “Aquele que sofreu um dano moral deve ter direito a uma satisfação de cunho compensatório. Diz-se compensação, pois o dano moral não é propriamente indenizável; “indenizar” é palavra que provém do latim, “in dene”, que significa devolver (o patrimônio) ao estado anterior, ou seja, eliminar o prejuízo e suas consequências – o que, evidentemente, não é possível no caso de uma lesão de ordem extrapatrimonial. Prefere-se, assim, dizer que o dano moral é compensável, embora o próprio texto constitucional, em seu artigo 5°, X, se refira à indenização do dano moral.” (MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p.145)

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Parece mais razoável, assim, caracterizar o dano moral pelos seus próprios elementos; portanto, como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos; Classificando-se, desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc); dano moral que provoca direita ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante e etc) e dano moral puro (dor, tristeza, etc) 270.

Tido o abandono afetivo pelos pais como dano de ordem moral, fica

evidentemente abstrusa a forma de sua compensação. A falta da convivência e afeto

dos pais inevitavelmente ocasiona traumas, insegurança, muitas vezes desvio de

personalidade, em fim um sujeito doente mentalmente, no entanto a valoração deste

dano é extremamente complexa.

Rolf Madaleno afirma:

Desta forma, o dano à dignidade humana do filho em estágio de formação dever ser passível de reparação material, não apenas para que os deveres parentais deliberadamente omitidos não fiquem impunes, mas, principalmente, para que no futuro, quaisquer inclinações ao irresponsável abandono possam ser dissuadidas pela firme posição do judiciário a mostrar que o afeto tem um preço muito caro na configuração familiar 271.

Já para o desembargador Moreira Chagas, não é passível de valoração o

afeto, nem mesmo existe a obrigação dos pais dispenderem forçosamente amor

para o filho, mas é certo o dever de salvaguardar os direitos e garantias do

vulnerável, como sujeito de direito tutelado pela Magna Carta de forma especial. A

responsabilização pode não restabelecer o vínculo familiar, todavia não deixa sem

resposta a pessoa humana ferida 272.

270 CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 3 ed. ver. ampl. atual., conforme o Código Civil de 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 22. 271 MADALENO, Rolf. O Preço do Afeto. In: PEREIRA, Tânia da Silva e PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Org.). A ética da convivência familiar e sua efetividade no cotidiano nos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 168. 272 APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. ABANDO AFETIVO. REQUISITOS PARA RESPONSABILIDADE CIVIL. INEXISTÊNCIA. A responsabilidade civil assenta-se em três indissociáveis elementos, quais sejam: Ato ilícito, dano e nexo causal, de modo que, não demonstrado algum deles, inviável se torna acolher qualquer pretensão ressarcitória. O abandono paterno atem-se à esfera da moral, pois não se pode obrigar em última análise o pai a amar o filho. O laço sentimental é algo profundo e não será uma decisão judicial que irá mudar uma situação ou sanar eventuais deficiências. O dano moral decorre de situações especiais, que causam imensa dor, angústia ou vexame, não de aborrecimentos do cotidiano, que acontecem quando vemos frustradas as expectativas que temos em relação às pessoas que nos cercam. (BRASIL. Tribunal de Justiça de Rondônia. Apelação Cível 0043165-72.2009.8.22.0009. Relator: Des. Moreira Chagas. Disponível em: http://www.tjro.jus.br/cj/faces/jsp/consulta.jsp>. Acesso em: 25 ago. 2012.

79

Neste sentido, Wesley Louzada Bernardo afirma que, muito embora seja

intuitivo que uma criança ou adolescente que tenha sua criação e educação

negligenciada por um, ou ambos os pais, seja vítima de um dano, não significa que

haja automaticamente o dever de indenizar. Conquanto para o mesmo, paira

dúvidas no que tange a presença dos elementos constitutivos da responsabilidade

civil: culpa, dano e nexo causal 273. Conclui o autor que dano moral por abandono

afetivo não constitui uma nova categoria de dano indenizável:

A responsabilidade civil há que limitar seu raio de ação sob pena de, ao desejar espraiar-se por terrenos que não lhe pertencem, perder totalmente o prestígio que vem desfrutando no cenário jurídico nos tempos recentes. A responsabilidade civil – e notadamente o dano moral – não pode ser encarada como panacéia, remédio para todos os males.

Aduz ainda que a criança ao sofrer o abandono, não são esses danos

compensados por reparação pecuniária, mas através da possibilidade de conviver

com os pais. Afirma que havendo uma indenização de cunho pecuniário, além de

servir como uma espécie de vingança, também “sepultará definitivamente qualquer

possibilidade de retomada ou do estabelecimento da convivência familiar” 274.

Conforme o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a responsabilidade civil

por dano moral no direito de família deve ser aplicada apenas em situação

excepcionalíssima, ou seja, quando o responsável descumprir totalmente seu dever

RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SUSCITADO CERCEAMENTO DE DEFESA ANTE O JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. PRETENDIDA PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL. DESNECESSIDADE. EXISTÊNCIA NOS AUTOS DE ELEMENTOS DE PROVA, ESPECIALMENTE DOCUMENTAL, SUFICIENTES À PLENA CONVICÇÃO DO JULGADOR. PRELIMINAR AFASTADA. ALEGADO ABANDONO MATERIAL E AFETIVO DO GENITOR. RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE REALIZADO APENAS MEDIANTE AÇÃO JUDICIAL. REQUISITOS DO ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL NÃO CONFIGURADOS. DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. É curial que a produção de provas (pericial e testemunhal) é dirigida ao juiz da causa e portanto, para a formação de seu convencimento. Logo, se este se sentir habilitado para julgar o processo, calcado nos elementos probantes já existente nos autos, pode, sintonizado com os princípios da persuasão racional e celeridade processual, desconsiderar o pleito de produção de tais provas, sem cometer qualquer ilegalidade ou cerceamento de defesa. 2. Os sentimentos compreendem a esfera mais íntima do ser humano e, para existirem, dependem de uma série de circunstâncias subjetivas. Portanto, o filho não pode obrigar o pai a nutrir amor e carinho por ele, e por este mesmo motivo, não há fundamento para reparação pecuniária por abandono afetivo. (BRASIL. Tribunal de Justiça Santa de Catarina. Apelação Cível 2010.029238-1. Relator: Marcus Tulio Sartorato. Blumenau. TJSC. Disponível em: <http://www.tjsc.jus/jurisprudencia> . Acesso em 25 ago. 2012) 273 BERNARDO, Wesley Louzada. Dano Moral por abandono afetivo: uma nova espécie de dano indenizável? In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson. Diálogos sobre direito civil. Vol I. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 487 274 Ibid. p. 497.

80

de cuidado evitando desse modo eventual abuso por parte de filhos que insatisfeitos

com episódios determinados poderão pleitear reparação pelo abando afetivo, o que

conduziria a uma indesejável patrimonialização das relações pessoais 275.

Embora transmitido que a responsabilidade civil atualmente ganhou

determinada flexibilização, alguns tribunais tendem de maneira rígida exigir os

pressupostos para a indenização tradicionais, afirmando parte da jurisprudência que

o abandono afetivo não configura uma conduta apta a ensejar o dever de indenizar,

pois ausente ato ilícito 276.

Schreiber expõe que a sociedade atual industrializou o dano moral. Sendo o

crescimento das ações de indenizações vertiginoso, isto provocou uma vitimização

generalizada:

Com efeito, é o direito que reserva como resposta exclusiva às ações de indenização uma quantia em dinheiro. Se há quem persiga o enriquecimento monetário por meio da responsabilidade civil, isto ocorre porque se prevê como resultado das ações de reparação um ressarcimento pecuniário. Outras possibilidades, todavia existem. Por toda parte, vêm surgindo, ainda que de forma tímida, propostas de despatrimonialização, não já o dano, mas as sua reparação277.

275 STJ, REsp 1.159.242; Proc. 2009/0193701-9; SP; 2012 276 APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABANDONO MORAL OU AFETIVO. RECONHECIMENTO JUDICIAL DA PATERNIDADE APÓS MAIS DE 40 ANOS DO NASCIMENTO DA AUTORA. INEXISTÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA. DESCONHECIMENTO DO FATO PELO PAI. AUSÊNCIA DE PROVAS EM SENTIDO CONTRÁRIO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. Inexistindo conduta ilícita apta a ensejar o dever de indenizar, deve ser mantida a sentença de improcedência de demanda na qual se reclama reparação de danos provenientes de abandono moral ou afetivo de filho tardiamente reconhecido, mormente quando a existência da prole nem sequer era de conhecimento do pai. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. Apelação Cível 2011.028301-7/0000-00 1ª Turma Cível. Relator: Des. Joenildo de Sousa Chaves. Dourados. Disponível em: <http://www.tjms.jus.br/cjosg/>.Acesso em: 25 ago. 2012). APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL AOS FILHOS. ABANDONO AFETIVO. No direito de família, o dano moral é, em tese, cabível. No entanto, imprescindível que haja a configuração do ato ilícito. O distanciamento do varão em relação aos filhos não constitui motivo para fundamentar a indenização por dano moral, sendo tal fato um acontecimento bastante recorrente, um fato da vida, apesar de lamentável. Embora seja plausível que os apelantes tenham sofrido pela ausência do pai, essa situação não pode ser atribuída ao genitor somente, a ponto de levar à obrigação de indenizar. Ademais, em que pese reprovável, a conduta do demandado não se enquadra no conceito jurídico de ato ilícito, que gera o dever de indenizar. Negaram provimento. Unânime. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 350034-13.2011.8.21.7000 8ª Câmara Cível. Relator: Des. Luiz Felipe Brasil Santos. Torres. Disponível em: <http:/www.tjrs.jus;BR/jurisprudência>. Acesso em: 25 ago. 2012). APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PAI. ABANDONO AFETIVO. ATO ILÍCITO. DANO INJUSTO. INEXISTENTE. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. MEDIDA QUE SE IMPÕE. O afeto não se trata de um dever do pai, mas decorre de uma opção inconsciente de verdadeira adoção, de modo que o abandono afetivo deste para com o filho não implica ato ilícito nem dano injusto, e, assim o sendo, não há falar em dever de indenizar, por ausência desses requisitos da responsabilidade civil. (BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível 1.0499.07.006379-1/0021 10ª Sétima Câmara Cível. Relator: Des. Luciano Pinto. Torres. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/jurisprudencia/>. Acesso em: 25 ago. 2012). 277 SCHREIBER, Anderson. O Futuro da Responsabilidade Civil...Op. cit. p. 727.

81

Esclarece Maria Celina Bodin de Moraes que caso todo dissabor seja tido

como dano, então não há dano:

[...] a questão a ser respondida parece simples: como manter a proteção sem cair no exagero O maior problema da responsabilidade civil hoje não é a escassez, mas de excesso, como já alertou a melhor doutrina. Se tudo é dano moral, se todo sofrimento humano deve ser indenizada, a tendência é que os danos venham a custar cada vez menos. Se todos são vítimas, ninguém é vítima; se todos são responsáveis, então ninguém é responsável; a ausência de limites, dogmaticamente estabelecidos, provavelmente acarretará, a médio prazo, a desresponsabilização, e , portanto, a desproteção e o desamparo da dignidade humana 278.

A moral não possui valor traduzido em dinheiro, tanto que há mera

compensação quando deferido judicialmente a ‘indenização’ por dano moral, não há

como recompor a situação primeira da vítima. Conforme leciona Clayton Reis, o

patrimônio que reveste o homem trata-se do corpo espiritual e da personalidade,

portanto para o autor é impossível sua recomposição na sua integralidade, como no

patrimônio material 279.

Segundo Schreiber, todo valor monetário será insuficiente para pacificar os

conflitos advindos de lesões de cunho extrapatrimonial 280.

Diante do explanado, resta a incógnita: como compensar o dano moral em

decorrência do abandono afetivo?

A despatrimonialização é um dos instrumentos, considerado valiosa para

conceder à vítima compensação diversa ao caráter mercenário que tem se

destinado as ações de indenização. Poderia suprir à ausência do pai, ou da mãe a

determinação de visitas aos ‘netos’, ou de encontros periódicos de pais e filho,

efetivando finalmente a convivência, dependerá do fato analisado.

Ressalte-se, entretanto, que a vítima que foi lesada na sua personalidade, e

teve sua dignidade prejudicada pela negligência do titular da autoridade parental não

busca dinheiro, procura suprir a falta, porquanto a compensação poderá ser diversa

à pecuniária: A despatrimonialização da reparação afigura-se, assim, importantíssima como remédio inovador a evitar o mal mais evidente da expansão da responsabilidade civil. Sua utilização se concerta, ademais, com as

278 MORAES, Maria Celina Bodin. Na medida da pessoa humana – estudo de direito civil constitucional. 1ª ed. Rio de Janeiro. Renovar, 2010.p. 35 279 REIS, Clayton. Dano Moral... Op. cit. p. 9. 280 SCHREIBER, Anderson. O Futuro da Responsabilidade Civil...Op. cit. p.727.

82

reformas mais recentes do direito processual civil, que vieram declara o fim da taxatividade dos remédios, assegurando ampla discricionariedade ao juiz na eleição do melhor meio de tutela às situações jurídicas submetidas à sua apreciação 281.

Há quem afirme como o Ministro Fernando Gonçalves, ser a perda do poder

familiar motivo suficiente para impor sanção ao genitor ausente 282. Contudo com a

perda do poder familiar não há mais a imposição do princípio jurídico da afetividade,

portanto não seria punição ao pai, mas ao filho a concepção de que a declaração da

perda resolveria o abandono. Como cita Paulo Lôbo, “o princípio da afetividade entre

pais e filhos apenas deixa de incidir com o falecimento de um dos sujeitos ou se

houver perda do poder familiar” 283. Bem como alega Cavalieri:

A invocação da Responsabilidade Civil em hipótese como a do abandono afetivo está intimamente ligada, não apenas ao evidente apelo financeiro da sua reposta, mas ao reduzido benefício que a sanção jurídica primária (perda do poder familiar) traz concretamente para a vítima conduta reprovável284.

Maria Celina Bodin de Moraes ao analisar decisão 285 do Superior Tribunal

de Justiça afirma que:

O Tribunal, por maioria, entendeu que o ordenamento jurídico já prevê uma sanção para o caso de abandono moral, e que, portanto, não poderia admitir outra, qual seja, a da reparação do dano moral. Mas a assim chamada “sanção” é, pasmem, a perda, pelo pai, do poder familiar sobre o filho. Que sanção da perda do poder familiar representa para o pai que abandonou moralmente seu filho? A consequência prevista na lei na verdade o premia, indo ao encontro do seu desejo de se livrar, agora legalmente, do filho indesejado 286.

Perante todo o explanado, evidente que na família transmite-se o valor, e

esta é em esfera extremamente íntima, e, na ocorrência de dano moral, “resultado

consequente de uma gama de situações lamentáveis” 287, em razão do abandono

281 Ibid. p. 728. 282 Recurso Especial nº 757.411 – MG (2005/0085464-3). Recorrente: V de P F de O F. Recorrido: A B F. Relator: Ministro Fernando Gonçalves. Brasília, 20 de novembro de 2005. 283 LÔBO, Paulo. Famílias... Op. cit. p. 48 284 SCHREIBER, Anderson. O futuro da responsabilidade civil. Op. cit., p. 722. 285 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. 757.411 4ª Turma. Relator: Ministro Fernando Gonçalves. Disponível em: <http://stj.jus.br> . Acesso 12 set. 2012. 286 MORAES, Maria Celina Bodin. Perspectivas a partir do Direito Civil-Constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Direito Civil-Contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional: anais do congresso internacional de Direito Civil – Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. São Paulo: Atlas, 2008, p. 37 287 REIS, Clayton. Dano Moral…Op. cit. p. 282.

83

dos pais aos filhos, é inquestionável o dever de reparar este prejuízo, quanto mais

em se tratando de ofensa à dignidade da criança e do adolescente.

Esta tarefa árdua de conceder resposta para um ato de um pai ou de uma

mãe que abandona o filho, que seguramente traz consequências para a vida deste

então vulnerável, que deveria ter sido integralmente protegido por seus titulares,

pertence àquele que cabe dizer o direito, os magistrados e a quem pertence uma

das fontes do direito, a doutrina.

84

6 CONCLUSÃO

A função da responsabilidade é colocar a vítima e o agente novamente em

situação de equilíbrio. Como afirmar, então, que a reparação por abandono afetivo

possibilitará essa recomposição entre pais e filhos? Vai além de uma análise singela

de sentimento de fazer justiça, pois o equilíbrio resta prejudicado, ora, como

recompor um trauma de âmbito psicológico que a ausência de um pai ou uma mãe

causa, através de uma demanda indenizatória?

A ausência do dever de cuidado e da afetividade que deveriam ser

concedidas ao infante, e a negligência do dever de exercer a paternidade e

maternidade responsável, certamente resultam em perda para o vulnerável, a

criança e o adolescente.

O estado de filiação constitui o homem e é sempre certa. Um filho não

escolhe sê-lo, já o pai ou a mãe, independente de um planejamento o concebe e,

portanto, se revestem da titularidade de autoridade parental, devendo, conforme

previsão constitucional, cuidar deste ser em potencial desenvolvimento.

O infante tem a sua dignidade especialmente tutelada pela Constituição da

República. Evidente que o dano advindo da transgressão desta dignidade, quanto

mais precedido da ausência do afeto por quem a princípio deveria zelar, o titular da

autoridade parental, pela tal, constitui dano injusto, devendo tal ser reparado.

Não restam dúvidas de que a criança e o adolescente que cresce sem a

presença dos pais ou responsável, têm uma lacuna constante, posto que não haja

sequer a ideia do que é a convivência familiar, a preparação para os desafios da

vida, a educação, o cuidado, ou mesmo os mais singelos dos gestos como o colo,

um cinema, uma tarde no parque, a entrega de presentes das datas comemorativas

que representam os seus titulares.

Fala-se então de uma última hipótese, não havendo mais alternativa e após

diversas tentativas de encontros e reconciliação, resta despertar o judiciário como o

último a dirimir um conflito de anos.

Poderá ser a responsabilização por abandono afetivo o único episódio que

sobeja, contudo, vê-se através da presente pesquisa, que apesar de ser

extremamente complexo conjeturar um preço para o dano moral por abandono

afetivo, deverá compensar-se o prejuízo. E, perante um novo olhar sobre o instituto

da responsabilidade civil, em que a mesma se desvincula da pecúnia, encontra a

85

possibilidade de suprir o abandono por medidas diversas, pois o dinheiro não

recolhe lágrimas ou estanca a dor.

A ação em comento visa na sua essência reabastecer a esperança de um

provável vínculo, em reencontros, ou mesmo encontros, na visitação dos netos, em

fim, na participação dos genitores com o objetivo preencher a ausência.

Em que pese, no campo da realidade fática muitas vezes existam abismos

tão grandes entre pais e filhos, que precisaria de uma nova jornada da vida para

recompor a relação familiar, de uma nova existência para criar um acesso entre pais

e filhos.

86

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97

ANEXO A – TEXTOS LEGISLATIVOS

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de

Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

[...]

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e

regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,

idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da

indenização por dano material, moral ou à imagem;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,

assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua

violação, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros

decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

98

CAPÍTULO VII

Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o

homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em

casamento.

§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por

qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos

igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.

§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade

responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado

propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada

qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos

que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas

relações.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao

adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a

salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade

e opressão.

§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança,

do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não

governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes

preceitos:

I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na

assistência materno-infantil;

99

II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as

pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de

integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o

treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e

serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as

formas de discriminação.

§ 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios

de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir

acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o

disposto no art. 7º, XXXIII;

II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;

III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola

IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional,

igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado,

segundo dispuser a legislação tutelar específica;

V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à

condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer

medida privativa da liberdade;

VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais

e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou

adolescente órfão ou abandonado;

VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao

adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins.

§ 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da

criança e do adolescente.

§ 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que

estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão

os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações

discriminatórias relativas à filiação.

§ 7º - No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em

consideração o disposto no art. 204.

100

§ 8º A lei estabelecerá:

I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens;

II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das

várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas.

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às

normas da legislação especial.

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os

filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou

enfermidade.

Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas

idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e

bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

[...]

101

LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002- CÓDIGO CIVIL

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou

imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,

comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica

obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de

culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente

desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de

outrem.

Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele

responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios

suficientes.

Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa,

não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.

Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art.

188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo

que sofreram.

Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de

terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância

que tiver ressarcido ao lesado.

Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se

causou o dano (art. 188, inciso I).

Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários

individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos

causados pelos produtos postos em circulação.

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua

companhia;

II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas

mesmas condições;

102

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos,

no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se

albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes,

moradores e educandos;

V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a

concorrente quantia.

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda

que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros

ali referidos.

Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que

houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente

seu, absoluta ou relativamente incapaz.

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo

questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando

estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se

não provar culpa da vítima ou força maior.

Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que

resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse

manifesta.

Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano

proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.

Art. 939. O credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos

casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o

vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar

as custas em dobro.

CAPÍTULO V Do Poder FAMILIAR

Seção I Disposições Gerais

Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.

103

Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos

pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.

Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é

assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.

Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não

alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros

cabe, de terem em sua companhia os segundos.

Art. 1.633. O filho, não reconhecido pelo pai, fica sob poder familiar exclusivo da

mãe; se a mãe não for conhecida ou capaz de exercê-lo, dar-se-á tutor ao menor.

Seção II Do Exercício do Poder Familiar

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I - dirigir-lhes a criação e educação;

II - tê-los em sua companhia e guarda;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos

pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los,

após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua

idade e condição.

Seção III Da Suspensão e Extinção do Poder Familiar

Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar:

I - pela morte dos pais ou do filho;

II - pela emancipação, nos termos do art. 5o, parágrafo único;

III - pela maioridade;

IV - pela adoção;

V - por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.

Art 1.636. O pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união

estável, não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao

poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou

companheiro.

104

Parágrafo único. Igual preceito ao estabelecido neste artigo aplica-se ao pai ou

à mãe solteiros que casarem ou estabelecerem união estável.

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres

a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum

parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela

segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando

convenha.

Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai

ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena

exceda a dois anos de prisão.

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I - castigar imoderadamente o filho;

II - deixar o filho em abandono;

III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

105

LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. – ESTATUTO DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE

Título I

Das Disposições Preliminares

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos

de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este

Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais

inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei,

assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e

facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e

social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder

público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à

vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização,

à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e

comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a

proteção à infância e à juventude.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de

negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na

forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos

fundamentais.

Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela

se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos,

e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em

desenvolvimento.

106

Título II

Dos Direitos Fundamentais

Capítulo I

Do Direito à Vida e à Saúde

Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde,

mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o

desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

Art. 8º É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o

atendimento pré e perinatal.

§ 1º A gestante será encaminhada aos diferentes níveis de atendimento,

segundo critérios médicos específicos, obedecendo-se aos princípios de

regionalização e hierarquização do Sistema.

§ 2º A parturiente será atendida preferencialmente pelo mesmo médico que a

acompanhou na fase pré-natal.

§ 3º Incumbe ao poder público propiciar apoio alimentar à gestante e à nutriz

que dele necessitem.

§ 4o Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante

e à mãe, no período pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as

consequências do estado puerperal. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

§ 5o A assistência referida no § 4o deste artigo deverá ser também prestada a

gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção.

(Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

Art. 9º O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão

condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães

submetidas a medida privativa de liberdade.

Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de

gestantes, públicos e particulares, são obrigados a:

I - manter registro das atividades desenvolvidas, através de prontuários

individuais, pelo prazo de dezoito anos;

II - identificar o recém-nascido mediante o registro de sua impressão plantar e

digital e da impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas

pela autoridade administrativa competente;

III - proceder a exames visando ao diagnóstico e terapêutica de anormalidades

no metabolismo do recém-nascido, bem como prestar orientação aos pais;

107

IV - fornecer declaração de nascimento onde constem necessariamente as

intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato;

V - manter alojamento conjunto, possibilitando ao neonato a permanência junto

à mãe.

Art. 11. É assegurado atendimento médico à criança e ao adolescente, através

do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e

serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.

Art. 11. É assegurado atendimento integral à saúde da criança e do

adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso

universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação

da saúde. (Redação dada pela Lei nº 11.185, de 2005)

§ 1º A criança e o adolescente portadores de deficiência receberão atendimento

especializado.

§ 2º Incumbe ao poder público fornecer gratuitamente àqueles que

necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento,

habilitação ou reabilitação.

Art. 12. Os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar

condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável,

nos casos de internação de criança ou adolescente.

Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou

adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva

localidade, sem prejuízo de outras providências legais.

Parágrafo único. As gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar

seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas à Justiça da Infância

e da Juventude. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência

médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente

afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais,

educadores e alunos.

Parágrafo único. É obrigatória a vacinação das crianças nos casos

recomendados pelas autoridades sanitárias.

108

Capítulo II

Do Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade

Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à

dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como

sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:

I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas

as restrições legais;

II - opinião e expressão;

III - crença e culto religioso;

IV - brincar, praticar esportes e divertir-se;

V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;

VI - participar da vida política, na forma da lei;

VII - buscar refúgio, auxílio e orientação.

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física,

psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da

imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e

objetos pessoais.

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente,

pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante,

vexatório ou constrangedor.

Capítulo III

Do Direito à Convivência Familiar e Comunitária Seção I

Disposições Gerais

Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio

da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência

familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de

substâncias entorpecentes.

§ 1o Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento

familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 6 (seis)

meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório

elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma

fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família

109

substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei. (Incluído

pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

§ 2o A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento

institucional não se prolongará por mais de 2 (dois) anos, salvo comprovada

necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela

autoridade judiciária. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

§ 3o A manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família terá

preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será esta incluída

em programas de orientação e auxílio, nos termos do parágrafo único do art. 23, dos

incisos I e IV do caput do art. 101 e dos incisos I a IV do caput do art. 129 desta Lei.

(Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

Art. 20. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção,

terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações

discriminatórias relativas à filiação.

Art. 21. O pátrio poder poder familiar será exercido, em igualdade de condições,

pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a

qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária

competente para a solução da divergência. (Expressão substituída pela Lei nº

12.010, de 2009) Vigência

Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos

menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer

cumprir as determinações judiciais.

Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo

suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder poder familiar. (Expressão

substituída pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

Parágrafo único. Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação

da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a

qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio.

Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder poder familiar serão decretadas

judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil,

bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a

que alude o art. 22. (Expressão substituída pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

110

Seção II

Da Família Natural

Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou

qualquer deles e seus descendentes.

Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se

estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por

parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém

vínculos de afinidade e afetividade. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

Art. 26. Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos

pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento,

mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da

filiação.

Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou

suceder-lhe ao falecimento, se deixar descendentes.

Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo,

indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus

herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.

111

DECRETO No 99.710, DE 21 DE NOVEMBRO DE 1990. - CONVENÇÃO SOBRE

OS DIREITOS DA CRIANÇA

Artigo 3

1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições

públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou

órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da

criança.

2. Os Estados Partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e o

cuidado que sejam necessários para seu bem-estar, levando em consideração os

direitos e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas responsáveis por ela

perante a lei e, com essa finalidade, tomarão todas as medidas legislativas e

administrativas adequadas.

3. Os Estados Partes se certificarão de que as instituições, os serviços e os

estabelecimentos encarregados do cuidado ou da proteção das crianças cumpram

com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, especialmente no

que diz respeito à segurança e à saúde das crianças, ao número e à competência de

seu pessoal e à existência de supervisão adequada.

112

DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. - CÓDIGO PENAL

CAPÍTULO III

DOS CRIMES CONTRA A ASSISTÊNCIA FAMILIAR

Abandono material

Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de

filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente

inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos

necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente

acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou

ascendente, gravemente enfermo: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o

maior salário mínimo vigente no País. (Redação dada pela Lei nº 5.478, de 1968)

Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou

ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função,

o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.

(Incluído pela Lei nº 5.478, de 1968)

113

ANEXO B – PROJETO DE LEI

O Projeto de Lei n. 700/2007, do Senador do estado do Rio de Janeiro, Marcelo

Crivella, já aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, em

trâmite na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa para decisão

terminativa.

O núcleo do projeto busca caracterizar o abandono afetivo como ilícito civil e penal,

alterando a Lei nº. 8.069, de 13 de julho de1990 - Estatuto da Criança e do

Adolescente, conforme segue:

PROJETO DE LEI DO SENADO nº. , de 2007

Modifica a Lei nº. 8.069, de 13 de julho de1990 (“Estatuto da Criança e do

Adolescente”) para caracterizar o abandono moral como ilícito civil e penal, e dá outras providências.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º O art. 4º da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a

vigorar acrescido dos seguintes §§ 2º e 3º, renumerado o atual parágrafo único

como § 1º:

“Art. 4º .....................................................................

§ 1º. ..........................................................................

§ 2º. Compete aos pais, além de zelar pelos direitos de que trata o art. 3º desta Lei,

prestar aos filhos assistência moral, seja por convívio, seja por visitação periódica,

que permitam o acompanhamento da formação psicológica, moral e social da

pessoa em desenvolvimento.

§ 3º. Para efeitos desta Lei, compreende-se por assistência moral devida aos filhos

menores de dezoito anos:

I – a orientação quanto às principais escolhas e oportunidades profissionais,

educacionais e culturais;

II – a solidariedade e apoio nos momentos de intenso sofrimento ou dificuldade;

III – a presença física espontaneamente solicitada pela criança ou adolescente e

possível de ser atendida. (NR)”

Art. 2º Os arts. 5º, 22, 24, 56, 58, 129 e 130 da Lei nº. 8.069, de

114

13 de julho de 1990, passam a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 5º. ....................................................................

Parágrafo único. Considera-se conduta ilícita, sujeita a reparação de danos, sem

prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou a omissão que ofenda direito

fundamental de criança ou adolescente previsto nesta Lei, incluindo os casos de

abandono moral. (NR)”

“Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda, convivência, assistência

material e moral e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse

destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais (NR).”

“Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente, em

procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na

hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que

aludem o art. 22. (NR)”

“Art. 56. ...................................................................

..................................................................................IV – negligência, abuso ou

abandono na forma prevista nos arts. 4º e

5º desta Lei. (NR)”

2

“Art. 58. No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, morais,

éticos, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente,

garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura. (NR)”

“Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:

..................................................................................

Parágrafo único. Na aplicação das medidas previstas nos incisos

IX e X deste artigo, observar-se-á o disposto nos arts. 22, 23 e 24. (NR)”

“Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, negligência, opressão ou abuso

sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá

determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor ou responsável da

moradia comum.

(NR)”

Art. 3º A Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescida do seguinte

art. 232-A:

115

“Art. 232-A. Deixar, sem justa causa, de prestar assistência moral ao filho menor de

dezoito anos, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 4º desta Lei, prejudicando-lhe o

desenvolvimento psicológico e social. Pena – detenção, de um a seis meses.”

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

3

J U S T I F I C A Ç Ã O

A Lei não tem o poder de alterar a consciência dos pais, mas pode prevenir e

solucionar os casos intoleráveis de negligência para com os filhos. Eis a finalidade

desta proposta, e fundamenta-se na Constituição Federal, que, no seu art. 227,

estabelece, entre os deveres e objetivos do Estado, juntamente com a sociedade e a

família, o de assegurar a crianças e adolescentes – além do direito à vida, à saúde,

à alimentação, à educação, ao lazer – o direito à dignidade e ao respeito.

Mas como conferir dignidade e respeito às crianças e adolescentes, se estes não

receberem a presença acolhedora dos genitores? Se os pais não lhes transmitem

segurança, senão silêncio e desdém? Podem a indiferença e a distância suprir as

necessidades da pessoa em desenvolvimento? Pode o pai ausente - ou a mãe

omissa - atender aos desejos de proximidade, de segurança e de agregação familiar

reclamados pelos jovens no momento mais delicado de sua formação? São óbvias

as respostas a tais questionamentos.

Ninguém está em condições de duvidar que o abandono moral

por parte dos pais produz sérias e indeléveis conseqüências sobre a formação

psicológica e social dos filhos.

Amor e afeto não se impõem por lei! Nossa iniciativa não tem essa pretensão.

Queremos, tão-somente, esclarecer, de uma vez por todas, que os pais têm o

DEVER de acompanhar a formação dos filhos, orientá-los nos momentos mais

importantes, prestar-lhes solidariedade e apoio nas situações de sofrimento e, na

medida do possível, fazerem-se presentes quando o menor reclama

espontaneamente a sua companhia.

Algumas decisões judiciais começam a perceber que a negligência ou sumiço dos

pais são condutas inaceitáveis à luz do

4 ordenamento jurídico brasileiro. Por exemplo, o caso julgado pela juíza Simone

Ramalho Novaes, da 1ª Vara Cível de São Gonçalo, região metropolitana do Rio de

Janeiro, que condenou um pai a indenizar seu filho, um adolescente de treze anos,

por abandono afetivo. Nas palavras da ilustre magistrada, “se o pai não tem culpa

116

por não amar o filho, a tem por negligenciá-lo. O pai deve arcar com a

responsabilidade de tê-lo abandonado, por não ter cumprido com o seu dever de

assistência moral, por não ter convivido com o filho, por não tê-lo educado, enfim,

todos esses direitos impostos pela Lei”. E mais: “O poder familiar foi instituído

visando à proteção dos filhos menores, por seus pais, na salvaguarda de seus

direito e deveres. Sendo assim, chega-se à conclusão de ser perfeitamente possível

condenação por abandono moral de filho com amparo em nossa legislação.”

Por outro lado, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça não demonstrou a

mesma sensibilidade, como deixa ver a ementa da seguinte decisão:

“Responsabilidade civil. Abandono moral. Reparação. Danos morais.

Impossibilidade. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito,

não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916

o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária.” (Recurso Especial nº.

757.411/MG, Relator Ministro Fernando Gonçalves, julgamento em 29/11/2005).

Entretanto, com o devido respeito à cultura jurídica dos eminentes magistrados que

proferiram tal decisão, como conjugá-la com o comando do predito art. 227 da

Constituição? “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à

criança e ao adolescente, COM ABSOLUTA PRIORIDADE, o direito à vida, à saúde,

à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, 5

ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a

salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade

e opressão.” Ou, ainda, com o que determina o Código Civil: Lei nº. 10.406, de 10 de

janeiro de 2002 Institui o Código Civil

“Art. 1.579. O divórcio não modificará os direitos dos pais em relação aos filhos.

Parágrafo único. Novo casamento de qualquer dos pais, ou de

ambos, não poderá importar em restrição aos direitos e deveres

previstos neste artigo.

.......................................................................................

Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da

união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão

quando ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua

companhia os segundos.

.......................................................................................

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos

117

menores:

.......................................................................................

II - tê-los em sua companhia e guarda;”

Portanto, embora consideremos que a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da

Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Civil contemplem a assistência moral,

entendemos por bem estabelecer uma regra inequívoca que caracterize o abandono

moral como conduta ilícita passível de reparação civil, além de repercussão penal.

6 Fique claro que a pensão alimentícia não esgota os deveres dos pais em relação a

seus filhos. Seria uma leitura muito pobre da Constituição e do ECA. A relação entre

pais e filhos não pode ser reduzida a uma dimensão monetária, de cifras. Os

cuidados devidos às crianças e adolescentes compreendem atenção, presença e

orientação.

É verdade que a lei assegura o poder familiar aos pais que não tenham condições

materiais ideais. Mas a mesma lei não absolve a negligência e o abandono de

menores, pessoas em formação de caráter, desprovidas, ainda, de completo

discernimento e que não podem enfrentar, como adultos, as dificuldades da vida.

Portanto, aceitam-se as limitações materiais, mas não a omissão na formação da

personalidade.

Diante dessas considerações, propusemos modificações em diversos dispositivos do

ECA, no sentido de aperfeiçoá-lo em suas diretrizes originais. Ao formular o tipo

penal do art. 232-A, tivemos a preocupação de dar contornos objetivos ao problema,

exigindo o efetivo prejuízo de ordem psicológica e social para efeito de consumação.

Lembramos que compromissos firmados por consenso internacional, e ratificados

pelo Brasil, também apontam para a necessidade de aprimoramento das normas

legais assecuratórias dos direitos das nossas criança e adolescentes, vejamos:

Declaração dos Direitos da Criança

Adotada pela Assembléia das Nações Unidas de 20 de novembro de 1959 e

ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº. 99.710/1990

PRINCÍPIO 2º

A criança gozará proteção social e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidade e

facilidades, por lei e por outros meios, a fim de 7 lhe facultar o desenvolvimento

físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de

118

liberdade e dignidade. Na instituição das leis visando este objetivo levar-seão em

conta sobretudo, os melhores interesses da criança.

........................................................................................

PRINCÍPIO 6º

Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança

precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e

sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afeto e

de segurança moral e material, salvo circunstâncias excepcionais, a criança da tenra

idade não será apartada da mãe. (...)

PRINCÍPIO 7º

(...)

Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e

capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões,

sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a

tornar-se um membro útil da sociedade.

Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela

sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais.

CONVENÇÃO DA ONU SOBRE OS DIREITOS DA

CRIANÇA

Adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de 8 novembro de 1989 e

ratificada pelo Brasil em 1990

........................................................................................

ARTIGO 9

3. Os Estados Partes respeitarão o direito da criança que esteja separada de um ou

de ambos os pais de manter regularmente relações pessoais e contato direto com

ambos, a menos que isso seja contrário ao interesse maior da criança.

Assim, crendo que a presente proposição, além de estabelecer uma regra

inequívoca que permita a caracterização do abandono moral como conduta ilícita,

também irá orientar as decisões judiciais sobre o tema, superando o atual estágio de

insegurança jurídica criado por divergências em= várias dessas decisões, é que

confiamos em seu acolhimento pelos nobresCongressistas, de sorte a permitir a sua

rápida aprovação. Sala das Sessões, Senador MARCELO CRIVELLA

119

ANEXO C – CÓDIGO CIVIL DE 1916

CAPÍTULO VI

DO PATRIO PODER SEÇÃO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 379. Os filhos legítimos, os legitimados, os legalmente reconhecidos e os

adotivos estão sujeitos ao pátrio poder, enquanto menores.

Art. 380. Durante o casamento, exerce o pátrio poder o marido, como chefe da

família (art. 233), e, na falta ou impedimento seu, a mulher.

Art. 380. Durante o casamento compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o

marido com a colaboração da mulher. Na falta ou impedimento de um dos

progenitores, passará o outro a exercê-lo com exclusividade. (Redação dada pela

Lei nº 4.121, de 1962).

Parágrafo único. Divergindo os progenitores quanto ao exercício do pátrio

poder, prevalecerá a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz,

para solução da divergência. (Incluído pela Lei nº 4.121, de 1962).

Art. 381. O desquite não altera as relações entre pais e filhos senão quanto ao

direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos (arts. 326

e 327).

Art. 382. Dissolvido o casamento pela morte de um dos cônjuges, o pátrio poder

compete ao cônjuge sobrevivente.

Art. 383. O filho ilegítimo não reconhecido pelo pai fica sob o poder materno.

Se, porém, a mãe não for conhecida, ou capaz de exercer o pátrio poder, dar-se-á

tutor ao menor.

SEÇÃO II

DO PATRIO PODER QUANTO À PESSOA DOS FILHOS

Art. 384. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I. Dirigir-lhes a criação e educação.

II. Tê-los em sua companhia e guarda.

III. Conceder-lhes, ou negar-lhes consentimento, para casarem.

IV. Nomear-lhes tutor, por testamento ou documento autentico, se o outro dos

pais lhe não sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercitar o pátrio poder.

V. Representa-los nos atos da vida civil.

120

V. Represental-os, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los,

após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento.

(Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 1919).

VI. Reclama-los de quem ilegalmente os detenha.

VII. Exigir que lhes prestassem obediência, respeito e os serviços próprios de

sua idade e condição.

SEÇÃO III

DO PATRIO PODER QUANTO AOS BENS DOS FILHOS

Art. 385. O pai e, na sua falta, a mãe são os administradores legais dos bens

dos filhos que se achem sob o seu poder, salvo o disposto no art. 225.

Art. 386. Não podem, porém, alienar, hipotecar, ou gravar de ônus reais, os

imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os

limites da simples administração, exceto por necessidade, ou evidente utilidade da

prole, mediante previa autorização do juiz (art. 178, § 6º, n. III).

Art. 387. Sempre que no exercício do pátrio poder colidirem os interesses dos

pais com os do filho, a requerimento deste ou do Ministério Publico, o juiz lhe dará

curador especial.

Art. 388. Só têm o direito de opor a nulidade aos atos praticados com infração

dos artigos antecedentes:

I. O filho (art. 178, § 6º, n. III).

II. Os herdeiros (art. 178, § 6º, n. IV).

III. O representante legal do filho, se durante a menoridade cessar o pátrio

poder (arts. 178, § 6º, n. IV, e 392).

Art. 389. O usufruto dos bens dos filhos é inerente ao exercício do pátrio poder,

salvo a disposição do art. 225.

Art. 390. Excetuam-se:

I. Os bens deixados ou doados ao filho com a exclusão do usufruto paterno.

II. Os bens deixados ao filho, para fim certo e determinado.

Art. 391. Excluem-se assim do usufruto como da administração dos pais:

I. Os bens adquiridos pelo filho ilegítimo, antes do reconhecimento.

II. Os adquiridos pelo filho em serviço militar, de magistério, ou em qualquer

outra função pública.

III. Os deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem administrados

pelos pais.

121

IV. Os bens que ao filho couberem na herança (art. 1.599) quando os pais

forem excluídos da sucessão (art. 1.602). (Incluído pelo Decreto do Poder

Legislativo nº 3.725, de 1919).