dano moral decorrente de abandono afetivo - tcc camila jardi

43
Universidade Católica de Brasília PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM PSICOLOGIA JURÍDICA Especialização DANO MORAL DECORRENTE DE ABANDONO AFETIVO Autora: Camila Jaime de Moraes Jardim Orientadora: Maria Aparecida Penso BRASÍLIA 2010

Upload: fernandinhoo15

Post on 31-Jul-2015

193 views

Category:

Documents


7 download

TRANSCRIPT

Page 1: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

Universidade Católica de

Brasília

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM PSICOLOGIA JURÍDICA

Especialização

DANO MORAL DECORRENTE DE ABANDONO AFETIVO

Autora: Camila Jaime de Moraes Jardim

Orientadora: Maria Aparecida Penso

BRASÍLIA 2010

Page 2: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

CAMILA JAIME DE MORAES JARDIM

DANO MORAL DECORRENTE DE ABANDONO AFETIVO

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Piscologia Jurídica da Universidade Católica de Brasília, como requisito para a obtenção do Título de Especialista em Psicologia Jurídica. Orientadora: Dra. Maria Aparecida Penso

Brasília 2010

Page 3: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

Trabalho de autoria de Camila Jaime de Moraes Jardim, intitulado "Dano moral decorrente de abandono afetivo", requisito parcial para obtenção do grau de Especialista em Psicologia jurídica, defendida e aprovada, em 05 de agosto de 2010, pela banca examinadora constituída por:

____________________________________

Dra. Maria Aparecida Penso

_____________________________________

Dr. Luciano Espírito Santo

Brasília 2010

Page 4: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

RESUMO Objetiva-se, através do presente trabalho teórico, a discussão da possibilidade de condenação de indenização por danos morais decorrente de abandono afetivo nas relações paterno-filiais. A matéria ganhou notoriedade com a chegada, ao Superior Tribunal de Justiça, de um recurso especial interposto contra acórdão proferido pelo extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais, o qual havia reconhecido a responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo, condenando o pai a indenizar o filho por danos morais. No entanto, o Supremo Tribunal Federal silenciou a questão, entendendo pelo não-cabimento de indenização em casos de relações paterno-filiais. Neste estudo, analisa-se a importância da presença paterna para o desenvolvimento psíquico da criança e do adolescente, bem como as conseqüências de sua ausência. Aborda-se a repersonalização das relações familiares, voltando-as ao afeto. Discute-se, ainda, o melhor interesse da criança sob a ótica constitucional e infraconstitucional. E, por fim, examina-se o conflito ocasionado a partir da legislação vigente, dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, e do estudo das noções gerais da Responsabilidade Civil, embasando-se, sobretudo, na dignidade da pessoa humana. PALAVRAS-CHAVE: abandono afetivo; dignidade da pessoa humana; melhor

interesse da criança; despatrimonialização; repersonalização das relações familiares;

proteção integral da criança e do adolescente; danos morais; ausência paterna;

desenvolvimento da criança; novo poder familiar; afeto como valor jurídico;

responsabilidade civil nas relações paterno-filiais.

ABSTRACT The purpose of this theoretical work is to discuss the possibility of granting an award for moral damages due to parental neglect of childhood affection. The subject matter became notorious in Brazil when the Superior Court of Justice received a special appeal against a decision from the extinct Special Jurisdiction Appellate Court of Minas Gerais. The Court had recognized the tort of child abandonment and imposed the payment of moral damages by the father in favor of his child. However, the Federal Supreme Court has definitely decided the controversy, concluding that no award may be granted in cases of parental neglect of childhood affection. In this work, we examine the importance of the father presence in the psychical and mental development of a child and/or an adolescent, as well as the consequences of parental neglect. We investigate the repersonalization of family relations towards affection. We also discuss the child's best interest under a constitutional and legal perspective. Finally, we analyze, under current enacted legislation, the differences of outcomes reached by Courts decisions and doctrinal works on general tort principles, which are conceived to assure the protection of the human person dignity. KEYWORDS: child abandonment; parental neglect; tort; award for moral damages;

childhood affection; repersonalization of family relations; child's best interest.

!

Page 5: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

1

INTRODUÇÃO

Há duas décadas, era difícil imaginar que seria possível relacionar os termos “dano

moral” e “Direito de Família”. Ocorre que, após o advento da Constituição da República de

1988, que deu novo conceito à família e elevou a dignidade da pessoa humana ao ápice dos

direitos fundamentais, as relações familiares sofreram um fenômeno conhecido como

despatrimonialização, centrando-se principalmente na pessoa de seus membros e no afeto.

Conseqüentemente, surgiram demandas em relação a possíveis violações a essa tão protegida

dignidade humana, inclusive na esfera afetiva. No entanto, as ações ajuizadas a título de danos

morais nas relações afetivas permaneciam no âmbito conjugal. A idéia de que pudesse haver

uma lide entre pais e filhos era um tanto repulsiva.

O tema passou a ser publicamente debatido a partir de 2003, quando um magistrado da

Comarca de Capão da Canoa/RS proferiu uma sentença condenando1 um pai a indenizar a

própria filha na quantia de duzentos salários mínimos a título de danos morais, por de suposto

abandono afetivo. O caso mais comentado sobre a questão, contudo, tomou foco nacional em

2006, quando um pai recorreu ao E. Superior Tribunal de Justiça de acórdão2 proferido pelo

Tribunal de Alçada de Minas Gerais, que implicou o reconhecimento de responsabilização

civil decorrente do abandono afetivo de seu filho. A Corte, apesar da divergência entre os

Ministros da Quarta Turma, reformou3 o v. acórdão, entendendo pela impossibilidade da

referida indenização. A questão foi levada, então à apreciação do Supremo Tribunal Federal,

em sede de recurso extraordinário, o qual manteve o entendimento do STJ, sob o fundamento

de que a nossa legislação já prevê punição específica de perda do poder familiar aos pais que

abandonam os filhos.4

O objeto deste trabalho teórico é a discussão da possibilidade de responsabilização civil

por danos morais decorrente de abandono afetivo nas relações entre pais e filhos. Analisar-se-á

a controvérsia trazendo-a à esfera jurídica e psicológica, explicitando os obstáculos para uma

possível condenação de natureza indenizatória.

O interesse por este tema partiu do pressuposto da sua grande relevância social, visto 1 COMARCA DE CAPÃO DA CANOA, RS. 2ª Vara Cível. Juiz Mario Romano Maggioni. Processo nº

141/1.03.0012032-0. Ação de conhecimento. Sentença proferida em 16 set. 03. 2 TJMG. 7ª Câmara Cível. Apelação Cível nº. 2.0000.00.408550-5/000(1). Relator: Unias Silva. Belo Horizonte,

MG, 01 abr. 2004. DJ de 29.4.04. 3 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 4ª Turma. REsp 757.411/MG, Relator: Fernando Gonçalves. Brasília,

DF, 29 nov. 2005. DJ 27.3.06, p. 299. 4 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE/567164, Relator (a): Ellen Gracie.

Page 6: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

2

tratar-se de uma questão controvertida, qual seja, o debate acerca da reparação pecuniária

como forma de compensação de preenchimento do vazio causado pela ausência de afeto

parental, desafiando, principalmente, a extensão da dignidade da pessoa e o desenvolvimento

psicológico do ser humano, o qual influi diretamente no homem perante a sociedade e, por

conseguinte, na esfera jurídica.

Para tanto, a abordagem metodológica utilizada foi o método indutivo de pesquisa

bibliográfica, constituída principalmente de livros jurídicos, livros de Psicologia, artigos

científicos, precedentes jurisprudenciais, bem como confrontamento dos pontos de vista.

Quanto à estrutura, este artigo está organizado em quatro tópicos. No primeiro tópico

averigua-se a importância da convivência familiar para a criança e o adolescente, bem como as

conseqüências negativas de sua ausência, sobretudo a paterna.

No segundo tópico discute-se a evolução do Poder Familiar, a repersonalização da

família brasileira e o seu redirecionamento para o afeto. Aborda-se o princípio da afetividade

nas relações familiares e o afeto como novo valor jurídico.

O terceiro tópico é dedicado aos direitos fundamentais da criança e do adolescente,

previstos constitucionalmente. Introduz-se a discussão sobre o instituto da guarda

compartilhada e pondera-se sobre a intervenção do Estado nas relações familiares. Ademais,

analisa-se a prevalência e previsão legal do melhor interesse e proteção integral da criança.

Por fim, no último tópico, trata-se da possibilidade de ressarcimento pecuniário por

suposto abandono afetivo nas relações paterno-filiais, através do exame do julgado paradigma,

dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais divergentes e da legislação vigente, além do

estudo dos pressupostos da Responsabilidade Civil.

Page 7: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

3

AS CONSEQÜÊNCIAS DA AUSÊNCIA PATERNA PARA O DESENVOLVIMENTO

DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

A importância da família

Com as mudanças na realidade familiar desde o último século, o número de divórcios

aumentou consideravelmente, principalmente a partir da década de 60, com o surgimento da

pílula anticoncepcional, a inclusão da mulher no mercado de trabalho e a liberdade sexual.

Embora seja um fato extremamente comum, muitas vezes há negligência ao considerar-se a

perspectiva de uma terceira pessoa envolvida: a criança. Afinal, qual é a importância da

família para o desenvolvimento da criança? Acerca do tema, assim discorre Fraga: A família é a estrutura fundamental que molda o desenvolvimento psíquico da criança, uma vez que é, por excelência, o primeiro local de troca emocional e de elaboração dos complexos emocionais, que se refletem no desenvolvimento histórico das sociedades e nos fatores organizativos do desenvolvimento psicossocial (FRAGA, 2005).

A autora ainda afirma ser a família a “unidade responsável e catalisadora de todos os

processos mentais, que se dão na relação e na transmissão de afeto e emoções determinantes

para o desenvolvimento e crescimento do individuo.”

Ocorre que, devido a mudanças na estrutura da família moderna, é bastante comum se

deparar com famílias monoparentais, principalmente encabeçadas pela mãe, sem que haja uma

figura paterna presente. Por essa razão, tem-se discutido cada vez mais os efeitos da ausência

do pai. Eizirik e Bergmann, psiquiatras do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, opinam: Este tema desperta especial interesse nos dias de hoje, devido à modificação da estrutura familiar atual, em que se observa a crescente ausência do pai. As principais teorias do desenvolvimento se baseiam no modelo de família convencional, e, possivelmente, as novas configurações familiares repercutem nas relações interpessoais e intrapsíquicas (EIZIRIK e BERGMANN, 2004).

No que se refere à importância da presença dos dois genitores na criação dos filhos,

Eizirik e Bergmann (2004 apud FERRARI, 1999) afirmam que: "a presença de ambos os pais

é que permite à criança viver de forma mais natural os processos de identificação e

diferenciação.” E, nessa linha de raciocínio, complementam: “quando um falta, ocorre

sobrecarga no papel do outro, gerando um desequilíbrio que pode causar prejuízo na

personalidade do filho.”

Verifica-se sequer haver necessidade de adentrar-se no estudo aprofundado da

Psicanálise na presente questão para que se compreenda o porquê da necessidade da presença

de ambos os pais para a criação dos filhos. O senso comum do homem se manifesta

prontamente no sentido de que toda criança merece ter ambos os genitores para um

Page 8: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

4

desenvolvimento natural e completo. Aliás, ao contrário do que se manifesta cada vez mais

freqüentemente na sociedade atual, não é natural que apenas um dos pais tenha que arcar com

a árdua responsabilidade de cuidar sozinho de um filho.

As funções materna e paterna

Antes que se proceda à análise dos efeitos negativos que a ausência do pai causa à

criança, é forçoso considerar as funções paterna e materna e analisar como elas afetam a

criança. É cediço ser imprescindível, para um desenvolvimento psíquico e moral hígido, que a

criança cresça em um ambiente saudável. Com um vasto estudo baseado na psicanálise,

discorre Fraga sobre a função materna: Cabe à função materna assegurar os primeiros cuidados de sobrevivência física e estimulação psicológica necessária e indispensável à formação do ego. A função desta é instrumental, pois, através dela, poderão ser transmitidas competências de autonomia pessoal, sensibilidade às relações interpessoais, e ser adquiridas, pela relação que estimula na díade, aquisições como a linguagem e a comunicação (FRAGA, 2005).

A mãe é o primeiro contato que o bebê tem com outro ser humano. Este contato é

extremamente importante para ambos, pois será o meio de comunicação inicial na vida da

criança. Ressalte-se que não há que ser um especialista para se compreender que essa relação

mãe/filho, iniciada durante a gestação, é determinante para o desenvolvimento saudável do

neném. Basta se atentar ao comportamento dos animais para que se perceba que a presença

materna não é privilégio dos seres humanos. A cria depende inconsciente e naturalmente de

sua mãe.

Por outro lado, aduz a autora que o pai também exerce um papel de máxima importância

na estruturação da personalidade da criança: A função paterna, por sua vez, possibilita uma nova dimensão em termos de funcionamento psíquico e de inserção social, representando exigências de comunicação social – o pensamento lógico, a linguagem escrita – e veiculando as interdições morais, regras de vida em sociedade, aprendizagem de técnica e valores culturais (FRAGA, 2005).

Ou seja, o filho há que passar pelo processo de identificação com o pai, para que possa

inserir-se no meio social. Esse processo é indispensável e complexo é "fundamental para a

formação da identidade e da personalidade", e ainda que o pai seja ausente, como ocorre em

tantas famílias monoparentais, "o filho não está isento da identificação, mesmo que pelos

aspectos negativos, com o pai." (PENSO e SUDBRACK, 2004)

Os efeitos negativos do divórcio e da ausência paterna

Page 9: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

5

Os efeitos causados aos filhos do casal que se divorcia são diversos. As reações dos

filhos diferem consideravelmente de acordo com o sexo e a idade. Segundo Teyber, psicólogo

infantil, “o problema mais comum das crianças, causado pelo início da dissolução do

casamento, é a ansiedade em relação à separação e ao abandono por parte dos pais”

(TEYBER, 1995).

Sobre o tema, Eizirik e Bergmann citam trecho do trabalho Leonardo da Vinci e uma

lembrança da sua infância, de Freud: "na maioria dos seres humanos, tanto hoje como nos

tempos primitivos, a necessidade de se apoiar numa autoridade de qualquer espécie é tão

imperativa que seu mundo desmorona se essa autoridade é ameaçada" (EIZIRIK e

BERGMANN, 2004).

Essa constatação estimula a reflexão sobre essa necessidade e as conseqüências para o

ser humano quando são privados dela. Questiona-se: como pode uma pessoa crescer e

prosperar proveitosamente sem que se tenha um suporte de alguém mais velho, mais sábio e

mais maduro? Analisa-se, assim, a repercussão dessa falta de autoridade às crianças.

Teyber aprofunda esse entendimento em sua obra, explicando que as crianças, na

primeira infância, ou seja, em fase pré-escolar, tendem a sofrer muita ansiedade e insegurança.

Sentem muito medo de serem abandonadas pelo genitor remanescente, já que fantasiam terem

sido desprezadas por aquele que foi embora.

A característica mais notável em crianças na segunda infância, ou na idade escolar, mais

precisamente entre 6 e 8 anos, é a tristeza. Sentem uma rejeição pelo genitor que saiu de casa.

Já as crianças entre 9 e 12 anos, tendem a sentir muita raiva, inclusive do genitor

remanescente. Os meninos, ao contrário das meninas, tendem a sofrer consideravelmente mais

e a ser mais desobedientes. Completa o autor: Esta tendência de maior agressividade e falta de cooperação dos meninos, tanto em casa como na escola, parece ser devida ao fato de que 90% das crianças moram com as mães após o divórcio. Isto significa que as meninas conservam a figura de identificação do mesmo sexo, enquanto os meninos perdem a sua (TEYBER, 1995).

No que concerne essa identificação sexual, essencial para a formação da personalidade

do ser humano, Fraga explica que “a psicanálise pressupõe a internalização – através dos

mecanismos de incorporação e identificação – destas figuras centrais como organizadoras do

psiquismo, como base da identidade pessoal e sexual de todo ser humano” (FRAGA, 2005).

Page 10: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

6

Ademais, infere-se serem indispensáveis as figuras da mãe e pai para a criança, pois esta

“precisa é de quem a olhe e veja como alguém de importância emocional, para, nessa mirada,

poder reconhecer-se como alguém merecedor de amor” (FRAGA, 2005).

Eizirik e Bergmann (2004 apud MUZA, 1998) afirmam: “a criança necessita do pai para

desprender-se da mãe [...] o pai passa a representar um princípio de realidade e de ordem na

família.”

A situação de distúrbio e conflito se agrava mais devido ao fato de que a maior parte dos

pais costuma manter-se presentes na vida dos filhos apenas nos primeiros dois anos após o

divórcio, segundo a obra de Teyber (1995). Há, ainda, a possibilidade bastante comum de um

dos genitores se casar e ter filhos novamente, o que intensifica esse sentimento de perda,

resultando em uma possível depressão. A esse respeito, discorre Teyber: A depressão na criança mais nova se manifesta como perda do senso do próprio valor ou da capacidade de ser amada; a criança mais velha tende a sofrer mais pela avaliação crítica de suas próprias capacidades e pela perda de iniciativa.

Para as crianças, a separação conjugal põe em perigo o que o referido autor chama de

“vínculos”: Os vínculos que criamos com nossos pais, quando crianças, são a essência do que temos de mais humano. É desses primeiros vínculos que deriva nossa capacidade de sentir empatia, compaixão e amor pelos outros. Essas ligações também constituem os elementos básicos de formação da personalidade, pois nos conferem a sensação mais fundamental de sermos dignos de amor e considerarmos os outros dignos de confiança. Os vínculos seguros são a maior fonte de alegria e contentamento na infância, mas também podem ser a maior fonte de angústia e desespero quando os laços emocionais são rompidos e os guardiães não estão disponíveis (TEYBER, 1995).

Nesse sentido, completa Fraga (2005), afirmando ser “[...] fácil constatar-se que a

ruptura do vínculo socioafetivo, durante os anos do desenvolvimento do indivíduo, poderá

ocasionar, no mesmo, distúrbios emocionais.”

Quando há rompimento desses vínculos, como acima destacado, as conseqüências

podem ser extremamente desagradáveis para as crianças, afetando a sua auto-estima e a

maneira com que se relacionam com os outros. É necessário que os filhos sintam que são

amados e possuem o cuidado de seus pais, pois “quando as crianças não têm certeza de

conseguir despertar afeto e atenção, a insegurança básica resultante tende a manter-se como

traço de personalidade pela vida toda” (TEYBER, 1995).

Ademais, Silva conclui que a ausência paterna, através de estudos de caso elaborados

pela autora, pode ocasionar diversas consequências severas:

Page 11: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

7

Problemas como a drogadição na adolescência, comportamento delinqüente, dificuldades de identificação social, de reconhecimento de limites, de apreensão de regras sociais e de desempenho intelectual também têm sido destacados como fortemente influenciados pela ausência e inadequação da figura paterna (SILVA 2003).

O encargo do genitor remanescente

Uma situação bastante comum é quando os filhos culpam-se pelo divórcio dos genitores.

Sentem-se responsáveis e atribuem a alguma maldade sua a causa da separação dos pais. Além

do que “[...] sofrem uma acentuada perda de auto-estima e iniciativa, que se converte em

depressão, mau aproveitamento escolar, deficiência no relacionamento com os colegas e

promiscuidade sexual” (TEYBER, 1995).

Como muitos sentem que não há uma imposição suficiente de limites, acrescida ao

sentimento de inferioridade que sentem pelo abandono do genitor, acabam reagindo de

maneira inconseqüente e imatura, envolvendo-se em situações tais como as descritas acima.

Essas situações prejudiciais fazem com que escapem da realidade que os ronda, ainda que

temporariamente.

Segundo estudos expostos na obra de Teyber, em 90% dos casos os filhos acabam

ficando com as mães. A maior parte dos homens, com o divórcio, perde a relação com seus

filhos. Não se pode, no entanto, generalizar que todos os pais terminam por esquivar-se das

obrigações paternas após o divórcio, mesmo ainda que tal situação seja extremamente

corriqueira. Afirma o autor que: Na maioria dos casos, depois de três anos de divórcio há pouca ou nenhuma interação pai-filho. Essa constatação é inquietante, pois a extensão do envolvimento dos pais está estreitamente associada ao ajustamento dos filhos (TEYBER, 1995).

Esta situação ocorre muito devido à relutância da sociedade, machista, em aceitar que o

homem possui as mesmas qualidades e habilidades que as mulheres para com as crianças.

Tem-se a idéia de que a criação da criança cabe muito mais à mãe do que ao pai. Além disso,

muitos homens acabam deixando as coisas sob a responsabilidade das mulheres.

Ressalte-se quase não se observar a situação sob o ponto de vista da mãe, que fica

completamente sobrecarregada com o encargo de criar o filho, trabalhar e cuidar de

administração da casa, além de ter que se adaptar à vida pós-divórcio. Por essa razão muitas

vezes as próprias mães já não estão presentes na vida dos filhos com a mesma freqüência que

antes da separação, fazendo com que as crianças sintam que perderam ambos os pais. Segundo

Teyber (1995):

Page 12: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

8

Até as mães mais capazes e resistentes encontram dificuldade em atender às necessidades aumentadas dos filhos durante a fase transicional do divórcio. E esse ciclo negativo piora ainda mais porque os problemas que acompanham as crescentes exigências impostas à mãe são muito intensificados pela disponibilidade decrescente da maior parte dos pais após o divórcio.

Ocorre que o papel dessas mães é importantíssimo para determinar como se

desenvolverá o comportamento da criança, visto que esta se encontra em seu estado mais

vulnerável e necessita de apoio redobrado. Se a mãe for mais receptiva a distúrbios

psicológicos, a conflitos e até negligência para com a criança, esta será mais suscetível a

desenvolver uma personalidade desequilibrada decorrente da ausência paterna. Nesse mesmo

sentido mostra-se o entendimento de Eizirik e Bergmann (2004): Um fator essencial a ser levado em consideração nas situações de ausência do pai no desenvolvimento da criança é o papel materno [...] Devem ser considerados a presença de psicopatologia materna, os recursos emocionais desta e o tipo de relacionamento que existe entre a mãe e o filho. Desse relacionamento pode surgir uma maior ou menor predisposição para os conflitos associados à falta do pai.

Muitas vezes, os filhos de famílias monoparentais, encabeçadas pela mãe, sentem-se na

orbigação de se tornarem filhos parentais. Penso e Sudbrack (2004) discorrem sobre esse tipo

de adolescente, que alterna entre os papéis de provedor da família e educador dos irmãos mais

novos, dentre outros.

Sobre os conflitos que esse adolescente experimenta, as autoras afirmam que

"desempenhar todos esses papéis impede esse adolescente de individuar-se e caminhar rumo à

construção de uma identidade própria, já que enfrenta um terrível conflito entre seu status e

seu estatuto.” Acrescentam que "o status de filho parental dificulta a existência de

identificações estruturantes, já que, nesse papel, o adolescente encontra-se preso no vínculo

envolvente, que é a relação mãe-filho, sem a possibilidade de entrada de um terceiro que

garanta a separação da mãe e a identificação com o papel do pai (PENSO e SUDBRACK,

2004).

O conflito de lealdade e a constituição de nova família

Uma circunstância pertencente às crianças que experimentam relações conflituosas pós-

divórcio é o chamado conflito de lealdade, presente quando os filhos sentem a necessidade de

escolher entre os pais. Geralmente, a criança testemunha hostilidade constante na relação entre

os pais e se sente culpada durante a convivência com cada um. Nesses casos, os pais

expressam mágoa ou raiva através dos filhos, sem perceber que essa situação propicia angústia

à criança. Com efeito, Hironaka (2007 apud MADALENO, 2006) afirma:

Page 13: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

9

[...] justamente por conta das separações e dos ressentimentos que remanescem na ruptura da sociedade conjugal, não é nada incomum deparar com casais apartados, usando os filhos como moeda de troca, agindo na contramão de sua função parental e pouco se importando com os nefastos efeitos de suas ausências, suas omissões e propositadas inadimplências dos seus deveres. Terminam os filhos, experimentando vivências de abandono, mutilações psíquicas e emocionais, causadas pela rejeição de um dos pais e que só servem para magoar o genitor guardião. Como bombástico e suplementar efeito, baixa a níveis irrecuperáveis a auto-estima e o amor próprio do filho enjeitado pela incompreensão dos pais.

Os pais em situações como essa muitas vezes descuidam-se de compreender que os seus

filhos somente desejam o amparo de ambos e se vêem no meio de um verdadeiro cabo-de-

guerra. Teyber opina acerca dessa questão: É compreensível que os pais queiram ter a confirmação da lealdade dos filhos durante a crise da separação conjugal. Ter um vínculo duradouro de proximidade com os filhos é reconfortante quando os laços com o ex-parceiro são desfeitos. É perfeitamente natural os pais se sentirem magoados ou traídos diante do interesse igual do filho pelo outro genitor. No entanto, se os pais agirem com base nesses sentimentos, pressionando sutilmente seus filhos a escolhê-los em detrimento do outro, os filhos enfrentam um dilema insolúvel (TEYBER, 1995).

A constituição de uma nova família por parte do ex-cônjuge, realidade cada vez mais

habitual na sociedade contemporânea, contribui consideravelmente para que esse tipo de

conflito ocorra. Afinal, são comuns os pais não capazes de separar os sentimentos parentais

dos sentimentos conjugais e raramente há cooperação entre os pais biológicos. Portanto, as

crianças têm dificuldade em conceber a idéia de uma nova família e de aceitar a presença de

um novo cônjuge, que possivelmente substituirá a sua mãe ou o seu pai no convívio diário.

Sentimentos tais como ciúmes e raiva afetam a criança, seja proveniente do ex-cônjuge ou do

novo cônjuge.

Em artigo publicado na Revista Época, o psicanalista Contardo Calligaris afirma que “as

relações entre enteados, padrastos e madastras, entre meios-irmãos [sic] e entre os pais e seus

filhos de relacionamentos anteriores são inevitavelmente marcadas por conflitos e rivalidades

inconfessáveis.”5 No mesmo artigo, o autor ainda acrescenta: Relacionamentos ruins com o ex-marido ou a ex-mulher também podem contribuir para esse tipo de problema. Quando a mãe fala mal do ex-marido ou da madrasta, a criança vive o chamado “conflito de lealdade”. Nessa situação, ela pode rejeitar os novos relacionamentos, gerando graves conflitos de poder (AZEVEDO, 2008).

Para a psicóloga Eliana Riberti Nazareth, “é muito comum pais e mães incentivarem a

rivalidade dos filhos com os novos maridos e esposas de seus pais. É sutil, indireto. E os

resultados são terríveis.” O que a maioria desses pais não imagina é que essa imposição

5 Artigo da revista Época por S. Machado Azevedo, no qual se expõe entrevista do psicanalista. AZEVEDO, S; Machado, J. O quebra-cabeça se fecha. Revista Época, São Paulo: Globo, n. 517, 2008, p. 114.

Page 14: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

10

perspicaz de competitividade pode ser irreversível e destruir laços que poderiam contribuir

para uma infância mais calorosa e feliz. Ademais, o companheirismo dos “meio-irmãos” são

importantes para que a criança sinta protegida e compreendida (AZEVEDO, 2008).

Como acima exposto, o homem é um ser social, dependente de apoio e suporte de outro

ser, que passa segurança e receptividade para que se ame e seja amado. Se em idade de

desenvolvimento físico e psicológico, ele é privado da convivência e dos cuidados de uma

figura de autoridade, as conseqüências podem ser extremamente desagradáveis.

Não se pode generalizar que todos os filhos sem pai serão necessariamente

problemáticos ou que haja dolo em todos aqueles que de alguma forma abandonam os seus

filhos. Como acima alegado, o desenvolvimento da personalidade da criança dependerá

explicitamente do ambiente que a ronda. Portanto, ainda que algumas crianças careçam de um

genitor, têm a falta suprida por compensação daqueles que não a abandonaram.

Por outro lado, se o genitor remanescente não conseguir suprir o vazio causado por

aquela ausência, seja por manter-se também omisso física ou moralmente, a criança poderá vir

a apresentar alguns ou vários dos problemas acima expostos pelas pesquisas especializadas.

Há que se verificar ainda no caso concreto quais as circunstâncias que levaram o genitor

ausente a desistir, abandonar, largar, repudiar aquele papel imprescindível de pai. Se

efetivamente houve dolo ou descaso, os efeitos negativos sobre a criança serão

consideravelmente maiores. Se, no entanto, o genitor não teve escolha e o abandono fugiu à

sua vontade de alguma forma, seguramente a criança, ainda que sofra e apresente algumas das

características acima descritas, sentirá menos prejuízos do que aquelas que foram

negligenciadas.

Em qualquer desses casos, imperativa é a noção de que toda e qualquer criança carece,

naturalmente, de ambos os genitores, tanto por circunstâncias fisiológicas, quanto por

circunstâncias morais, que se originam ainda quando recém-nascida.

O AFETO COMO VALOR JURÍDICO

No Brasil, a idéia clássica de família consistia nas figuras do homem e da mulher, unidas

pelo casamento, com o devido consentimento da Igreja Católica. As relações familiares se

apoiavam no autoritarismo. A sociedade estava envolta pelo sistema patriarcal, onde o homem

era possuidor de todos os direitos e a única função da mulher, em situação inferior, era

obedecer ao marido, gerar filhos e criá-los. A esse respeito discorre Barros (2002):

Page 15: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

11

Nem sequer o individualismo, a ideologia do indivíduo, irrompendo radical nas revoluções liberais, na passagem da Idade Moderna para a Contemporânea, logrou suplantar a ideologia da família. Para esta, o elemento basilar da sociedade não é o indivíduo, mas sim a entidade familiar monogâmica, parental, patriarcal, patrimonial, isto é, a tradicional família romana, que veio a ser recepcionada pelo cristianismo medieval, que a reduziu à família nuclear, consagrando como família-modelo o pai, a mãe e o filho.

A propriedade era de máxima importância, refletindo a posição do patriarca no meio

social. O grande objetivo do patriarca era construir e preservar o seu patrimônio que,

posteriormente seria herdado pela prole. Portanto, patrimônio e laços biológicos caminhavam

lado a lado. Era quase que inconcebível a idéia de acolher uma criança que não fosse sua,

equiparando-a à prole biológica, já que a sociedade não aceitava “bastardos”. Somente a

chamada “família legítima” era respeitada e protegida pela legislação vigente à época. A

propósito, afirma Oliveira (2006): O Código Civil brasileiro de 1916 possuía características evidentemente patrimoniais nas relações familiares. A família, patriarcal e hierarquizada, exibia um homem como chefe da família e a mulher e filhos ocupando posições inferiores na comunidade familiar. Era matrimonializada, ou seja, a única forma de se constituir família era através do casamento e se os membros da desta família quisessem pôr fim ao vinculo matrimonial, só poderia ser feito por meio de desquite, que punha fim à comunhão de vida sem atingir o vinculo jurídico. Família era vista não como um núcleo de amor e sim, como um núcleo de produção econômica.

Com as alterações sociais constantes – principalmente no decorrer do século passado – a

família passou por transformações significantes, e “suas antigas funções econômica, política,

religiosa e procracional feneceram, desapareceram ou desempenham papel secundário”

(LÔBO, 2008), mas a legislação, ultrapassada, tardou a acompanhar as tendências.

A sociedade já não mais poderia aceitar o autoritarismo e o tratamento desigual nas

relações de família, tendo em mente que todos possuem necessidade de afeto e isonomia.

Salienta Rodrigo da Cunha Pereira (2005) que “era imperioso que a norma constitucional

entrasse em compasso com os fatos sociais e os sentidos axiológicos dados por seus

destinatários, sob pena de nascer velha e tornar-se ineficaz.”

A verdadeira revolução deu-se com o advento da Constituição de 1988, que consagrou a

dignidade da pessoa humana e a igualdade como princípios fundamentais, principalmente a

igualdade de gêneros. Passou-se a ver cada membro da família como um indivíduo possuidor

de necessidades e direitos individuais, dentro de uma coletividade. Aduzem Rodrigo da Cunha

Pereira e Cláudia Maria Silva (2006) que “conforme proposto pela Constituição Federal de

1988, a base da família deve centrar-se na dignidade da pessoa humana e na solidariedade

social.” Além disso, completa Lôbo (2008):

Page 16: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

12

A tendência contemporânea de ver a família na perspectiva das pessoas que a integram, e não de seus patrimônios, para regulação de seus direitos, constitui o fenômeno que apropriadamente se denomina repersonalização. É na pessoa, enquanto tal, que reside a dignidade humana.

Modificou-se também o conceito de família, estendendo-o a todos os tipos de entidades

familiares, mesmo aquelas não oriundas do casamento. A Constituição passou a reconhecer a

união estável, a isonomia entre os cônjuges, bem como a igualdade entre os filhos, sejam eles

biológicos ou não, com base em seu artigo 227, § 6º.6

Entende Lôbo (2008) que atualmente “as relações de consangüinidade, na prática social,

são menos importantes que as oriundas de laços de afetividade e da convivência familiar,

constituintes do estado de filiação.” A propósito, acrescenta o autor: A família, tendo desaparecido suas funções tradicionais, [...] reencontrou-se no fundamento da afetividade, na comunhão de afeto, pouco importando o modelo que adote, inclusive o que se constitui entre um pai ou mãe e seus filhos. A comunhão de afeto é incompatível com o modelo único, matrimonializado, que a experiência constitucional brasileira consagrou, de 1824 até 1988. A afetividade, cuidada inicialmente pelos cientistas sociais, pelos educadores, pelos psicólogos, como objeto de suas ciências, entrou nas cogitações dos juristas, que buscam explicar as relações familiares contemporâneas (LÔBO, 2008).

Portanto, o afeto unifica as pessoas, independente do modelo clássico de família e o

constituinte, reconhecendo essas transformações sociais, compreendeu que a legislação

vigente envolvia apenas uma parte da população, qual seja a família tradicional e

matrimonializada. Os autores Rodrigo da Cunha Pereira e Cláudia Maria Silva (2006) afirmam

que “sozinho, o elo biológico ou genético não sustenta a base familiar. O afeto, o respeito, a

vontade de seguir juntos e o tratamento igualitário vêm se tornando o elo entre seus

componentes.” Vê-se, portanto que se faz imprescindível o reconhecimento desse marco da

despatrimonialização das relações familiares.

Conseqüentemente, o Novo Código Civil também se preocupou em abranger em seu

texto fatos cotidianos que modificaram os paradigmas da realidade familiar, até então

ignorados. Cabe salientar, no entanto, que mesmo tendo entrado em vigor em 2003, muitos

dos seus dispositivos não condizem com a realidade das relações contemporâneas, estando

ultrapassados.

6 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Page 17: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

13

Afirma Lôbo (2008) que “o Código Civil de 2002, apesar da apregoada mudança de

paradigma, do individualismo para a solidariedade social, manteve forte presença dos

interesses patrimoniais sobre os pessoais.”

O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, adotou o afeto explicitamente no

parágrafo segundo do art. 28, o qual trata da colocação da criança e do adolescente em família

substituta. Preceitua o referido artigo que “na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau

de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as

conseqüências decorrentes da medida.” [grifamos]

Gradualmente, o Direito de Família abraçou o afeto como a base da entidade familiar

contemporânea, deixando de lado o patriarcalismo e colocando o patrimônio em segundo

plano. Nesse sentido, aduz Hironaka (2007): O Direito de Família tem se tornado, na contemporaneidade, um direito mais humanizado [...] sem se despreocupar completamente das questões patrimoniais decorrentes das relações familiares – e existentes justamente em função destas relações – o direito de família contemporâneo tem voltado a sua atenção aos aspectos pessoais deste ramo das relações humanas.

Completando esse entendimento, ensina o Desembargador Unias Silva, do Tribunal de

Justiça de Minas Gerais, em acórdão proferido pela 7ª Câmara Cível, na Apelação Cível n°

2.0000.00.408550-5/000(1): No seio da família da contemporaneidade desenvolveu-se uma relação que se encontra deslocada para a afetividade [...] Assim, a família não deve mais ser entendida como uma relação de poder, ou de dominação, mas como uma relação afetiva, o que significa dar a devida atenção às necessidades manifestas pelos filhos em termos, justamente, de afeto e proteção.[...] O princípio da efetividade [sic] especializa, no campo das relações familiares, o macro-princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal), que preside todas as relações jurídicas e submete o ordenamento jurídico nacional.7

Verifica-se, portanto, que o afeto sempre esteve presente nas relações familiares, ainda

que presumido. No entanto, somente veio a receber a devida relevância jurídica

posteriormente. A esse respeito, afirma Oliveira (2006): A relevância do afeto em relação ao seu valor jurídico variou no decorrer do tempo, havendo dois momentos básicos distintos, em um primeiro momento, quando a presença do afeto nas relações de família era considerada como inerente ao organismo familiar, isto é, presumida, e, em outro momento, a sua presença se tornou essencial para dar visibilidade jurídica às relações das famílias [...] A Constituição Federal de 1988 intensificou este entendimento na esfera jurídica. A importância dos interesses individuais e igualitários dos membros da família se sobrepõe aos aspectos de forma, viés e patrimonial.

7 TJMG, 7ª Câmara Cível. Apelação Cível nº. 2.0000.00.408550-5/000(1). Relator: Unias Silva. Belo Horizonte,

MG, 01 abr. 2004. DJ de 29.4.04.

Page 18: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

14

Com salientado, o legislador abraçou o afeto de tal forma que o patrimônio passou a ser

juridicamente tutelado de forma subsidiária, como havia de ser, pois “o afeto é a mola

propulsora da engrenagem familiar – e não o patrimônio ou os laços biologizados”

(HIRONAKA, 2007). A esse respeito, completa Angeluci (2007): Apesar da importância que o amor representa para a pessoa e para a sociedade, não se discutia, até pouco tempo atrás, sua relevância na seara jurídica. O fato é que de uma forma ou de outra, o patrimônio sempre ocupou lugar de destaque na legislação codificada [...]. A defesa da relevância do afeto, do valor do amor, torna-se muito importante não somente para a vida social. Mas a compreensão desse valor, nas relações do Direito de Família, leva à conclusão de que o envolvimento familiar, não pode ser pautado e observado apenas do ponto de vista patrimonial-individualista. Há necessidade da ruptura dos paradigmas até então existentes, para se poder proclamar, sob a égide jurídica, que o afeto representa elemento de relevo e deve ser considerado para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana.

Conclui-se que é imperativo, ao pensar-se na instituição da família moderna, o

embasamento no vértice de todos os princípios fundamentais abrangidos pela legislação

brasileira atual, qual seja a dignidade da pessoa humana. Perceber-se-á, por fim, que o

patrimônio, mesmo que seja o cerne da questão controversa entre as partes, deverá ser

deslocado para um segundo plano, sendo o afeto o elemento primordial das relações entre

parentes, de necessário amparo pelo ordenamento jurídico.

O MELHOR INTERESSE E A PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA

A criança como indivíduo em desenvolvimento possui direitos, tais como à proteção,

assistência e educação. O principal objetivo da lei e do Estado é resguardar o melhor interesse

da criança e do adolescente, englobando um conjunto de interesses materiais, morais,

emocionais, mentais e espirituais.

Segundo Silva Pereira (1999), as primeiras preocupações para com a proteção da criança

começam a aparecer a partir do século XVIII, na Inglaterra e Estados Unidos. Inicialmente, a

proteção integral à criança visava amparar os direitos dos ascendentes, tendo em vista que a

criança nada mais era do que uma “coisa pertencente ao seu pai.”

No entanto, essa mentalidade modificou-se consideravelmente nos últimos séculos,

voltando-se primordialmente ao bem-estar da criança e do adolescente. Inclusive, a

Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959 estabeleceu em seu Segundo Princípio

que: A criança gozará de proteção especial e disporá de oportunidade e serviços, a serem estabelecidos em lei por outros meios, de modo que posso desenvolver-se física, mental, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança.

Page 19: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

15

Já o Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, previu no art. 19 que “toda criança tem

direito às medidas de proteção que sua condição de menor requer, por parte da família, da

sociedade e do Estado.”

Os princípios da proteção integral e melhor interesse da criança, com fulcro no art. 227

da Constituição Federal, foram alçados à categoria de direitos fundamentais. Dispõe o referido

artigo: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Com efeito, o art. 229 do mesmo diploma legal trata do dever de amparo entre pais e

filhos. Estabelece o dispositivo que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos

menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou

enfermidade.”

Ademais, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança de 1989, ratificada

por meio do Decreto nº. 99.710 de 1990, auxilia na consolidação de tal entendimento.

Preceitua o art. 3.1 da Convenção que “todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito

por autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o

interesse maior da criança.” O seu artigo 9.3 estabelece que “os Estados Partes respeitarão o

direito da criança que esteja separada de um ou de ambos os pais de manter regularmente

relações pessoais e contato direto com ambos, a menos que isso seja contrário ao interesse

maior da criança.”

O menor passou, portanto, a ser titular de direitos fundamentais protegidos

juridicamente. Silva Pereira (2003), afirma que “ser ‘sujeito de direitos’ significa, para a

população infanto-juvenil, deixar de ser tratada como objeto passivo, passando a ser, como

adultos, titular de direitos juridicamente protegidos.”

Previsão legal da proteção à criança e ao adolescente

A proteção da criança e do adolescente, que antes da Constituição Federal se restringia

apenas a órfãos e menores “infratores”, passou a englobar todo e qualquer ser humano com

idade inferior a 18 anos, tornando-se integral. Ademais, deixa de ser um papel exercido e

exigido apenas de seus genitores e passa a ser uma obrigação também do Estado. A esse

respeito, vale ter em mente a lição de Silva Pereira (1999):

Page 20: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

16

A proteção, como ‘prioridade absoluta’, não é mais obrigação exclusiva da família e do Estado: ‘é um dever social’. As crianças e os adolescentes devem ser protegidos em razão de serem ‘pessoas em condição peculiar de desenvolvimento’. Os Direitos Fundamentais à infância estão consolidados no art. 227 CF, sendo dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, como prioridade absoluta, a educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-las a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O Estatuto da Criança e do Adolescente também prevê diversas situações em que o

interesse dos absoluta e relativamente incapazes é protegido. Ressalte-se, inicialmente, estar o

amparo integral à criança já contemplado no art. 1º do diploma. Esse amparo integral refere-se

à doutrina da proteção integral, que estabelece uma co-gestão entre família, Estado e

sociedade para com o desenvolvimento da criança e do adolescente.

Por meio do art. 3º assegura-se à criança e ao adolescente o resguardo a todos os direitos

fundamentais inerentes à pessoa humana. Nesse âmbito, estão garantidas todas as

oportunidades e facilidades, de forma a facultar, em condições de liberdade e dignidade, o

desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual, social. Estão presentes, no referido artigo, os

princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção integral e da condição

peculiar da criança e adolescente como pessoas em desenvolvimento.

Em seguida, no art. 4º, o estatuto aborda os deveres impostos não somente à família, mas

à comunidade, sociedade em geral e ao próprio Poder Público. Encontra-se disposto competir

a todos, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos da criança “referentes à vida, à

saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”

A vedação à qualquer forma de “negligência, discriminação, exploração, violência,

crueldade e opressão”, em relação aos direitos fundamentais da criança ou do adolescente

encontra-se prevista no artigo 5º do Estatuto. Segundo o dispositivo, aquele que incorrer

nessas condutas, seja por ação ou omissão, será punido na forma da lei. Ressalte-se que a

supra-referida negligência é caracterizada por uma omissão. Por sua vez, o art. 6º do ECA

determina: Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

No que tange os fins sociais e o bem comum acima citados, aduz Ishida (2008) que “o

fim social é o de proteção integral da criança e do adolescente e o bem comum é o que atende

aos interesses de toda a sociedade.” Acrescenta que “[...] ‘a condição peculiar da criança e do

Page 21: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

17

adolescente’ deve ser o principal parâmetro na aplicação das medidas na Vara de Infância e da

Juventude.”

O artigo 15 da mesma Lei dispõe sobre a condição peculiar da criança e o adolescente

como pessoa em desenvolvimento, in verbis: “a criança e o adolescente têm direito à

liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e

como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.”

Inclusive, o inciso V do artigo consecutivo prevê que “[...] participar da vida familiar e

comunitária, sem discriminação” é pressuposto da liberdade a que tem direito toda criança e

adolescente. Por fim, o artigo 22 designa aos genitores “[...] o dever de sustento, guarda e

educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir

e fazer cumprir as determinações judiciais.”

Logo, observa-se ser inquestionável a preponderância do interesse dos absoluta e

relativamente incapazes. Crianças e adolescentes são indivíduos possuidores de direitos

fundamentais e proteção integral no que tange ao seu desenvolvimento psíquico e físico e,

deverão ser tratados com primazia.

Lauria (2002) entende que “a infância e a adolescência merecem prioridade por seu

caráter único (situação especial como pessoa em desenvolvimento) e pela natureza transitória,

com possibilidade de seqüelas irreparáveis (o que é irreparável deve ser evitado).” Já restou,

portanto, estabelecida a importância da influência familiar e a assistência que esta provê às

crianças e adolescentes. A esse respeito, aduz Silva Pereira (2003): A identidade pessoal da criança e do adolescente tem vínculo direto com sua identidade no grupo familiar e social. Seu nome e apelidos os localizam em seu mundo. Sua expressão externa é a sua imagem, que irá compor a sua individualização como pessoa, fator primordial em seu desenvolvimento.

A autora, citando Gomes da Costa (2003), chega à seguinte conclusão, no que se refere

ao desenvolvimento da personalidade da criança: Cada fase do desenvolvimento deve ser reconhecida como revestida de singularidade e de completude relativa, ou seja, a criança e o adolescente não são seres inacabados, a caminho de uma plenitude a ser consumada na idade adulta, enquanto portadora de responsabilidades pessoais, cívicas e produtivas plenas. Cada etapa é, à sua maneira, um período de plenitude que deve ser compreendido e acatado pelo mundo adulto, ou seja, pela família, pela sociedade e pelo Estado.

Verifica-se, logo, que o Estatuto da Criança e do Adolescente deverá ser interpretado

sempre visando o princípio do melhor interesse da criança. É um princípio implícito, subjetivo

e de interpretação variada. Demais disso, possui natureza de Direito Fundamental, com base

constitucional e infraconstitucional, com uma aplicação extremamente abrangente, vez que há

Page 22: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

18

que se fazer uma profunda análise do caso concreto, visando sempre atender às necessidades

da criança. Conclui-se, deste modo, que o referido princípio deve ser premissa básica em

quaisquer situações que dizem respeito às crianças e adolescentes.

O poder familiar e a intervenção do Estado

É cediço que, após a instauração da Constituição Federal de 1988, firmou-se de vez a

proteção do Estado às relações familiares, o que não havia ocorrido até meados do século XX.

No entanto, com essa proteção veio também a imposição de limites por parte do Estado às

entidades familiares. Ou seja, apesar da vitória da família no que se refere à autonomia e

proteção, espera-se que dela sejam cumpridos deveres concernentes ao interesse público,

principalmente no que tange a proteção integral da criança e do adolescente, isso porque o

dever para com a criança é também do Estado e da sociedade.

Ressalte-se que, como anteriormente exposto, o legislador impôs, nos arts. 227, da Carta

Magna e 4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, a responsabilidade de proteger o

superior interesse da criança e do adolescente à comunidade, à sociedade em geral e ao Poder

Público, além da família. Essa partilha da obrigação na garantia dos direitos fundamentais

caracteriza o chamado princípio da co-responsabilidade. E, por essa razão, quando

descumpridos tais deveres por parte da família o Estado deverá intervir. Nesse sentido,

discorre Grisard Filho (2002): Todos os atributos do pátrio poder de ordem pessoal estão sujeitos, no seu exercício, ao controle do Estado, seja administrativo ou judicial, com o escopo de evitar o jugo paterno, limitando-o no tempo, restringindo-lhe o uso e dele suspendendo ou destituindo os pais negligentes, nas hipóteses previstas em lei (artigos 394 e 395 do CC). Isso porque hoje triunfa a idéia de que se fala mais em deveres do que em direitos e, sobretudo, importa a proteção integral dos menores.

Teoricamente, a partir dessa premissa, o Poder Público não poderia ingerir na instituição

da família, tendo em vista que esta interferência exporia detalhes íntimos da vida familiar.

Pondera-se, por outro lado, que a intervenção torna-se necessária, quando há violação dos

direitos fundamentais das crianças e adolescentes. Afirma Silva Pereira (2003): A interferência somente deve ocorrer quando existir violação dos Direitos Fundamentais de crianças e/ou adolescentes e conseqüentes danos sociais, morais e materiais. Esgotadas todas as possibilidades de entendimento e de apoio extrajudicial, o sistema de justiça deve atuar como árbitro desta disputa privada. Nesta hipótese, os questionamentos devem estar centrados na criança.

Demais disso, prevê o § 8º, do art. 226, da Constituição Federal que: “o Estado

assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando

mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”

Page 23: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

19

A ingerência estatal no que se refere à família encontra limitação quando se depara com

o poder familiar. Anteriormente denominado como pátrio poder, o poder familiar evoluiu

admiravelmente. O Código Civil de 1916 ainda adotava a idéia do pátrio poder, que nada mais

era do que o direito do pai sobre os filhos, como ensina Rodrigues (2004): No direito romano o pátrio poder é representado por um conjunto de prerrogativas conferidas ao pater, na qualidade de chefe da organização familial, e sobre a pessoa de seus filhos. Trata-se de um direito absoluto, praticamente ilimitado, cujo escopo é efetivamente reforçar a autoridade paterna, a fim de consolidar a família romana, célula-base da sociedade, que nela encontra o seu principal alicerce.

A partir dos anos, essa idéia de que a criança seria um bem pertencente aos pais foi

substituída pela concepção de que as crianças são sujeitos possuidores de direitos e

necessidades próprias. Grisard Filho (2002) conceitua o pátrio poder como “o conjunto de

faculdades encomendadas aos pais, como instituição protetora da menoridade, com o fim de

lograr o pleno desenvolvimento e a formação integral dos filhos, seja físico, mental, moral,

espiritual e social.”

A grande mudança nesse sentido ocorreu com o advento da Constituição da República

de 1988, que prevê expressamente a proteção integral à criança e ao adolescente, e a idéia do

pátrio poder foi substituída por uma idéia de poder-dever dos pais, ou um “binômio poder-

dever”, consistindo na noção de que os pais têm o dever de cuidar, prover e assistir aos

absoluta e relativamente incapazes.

Discorre Grisard Fiho (2002) que “o que existe é uma uniforme concepção

filhocentrista, que desloca o seu fulcro da pessoa dos pais para a pessoa dos filhos, não mais

como objeto de direito daqueles, mas ele próprio (o menor) é um sujeito de direitos.”

Inclusive, o art. 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que o poder familiar

(salienta-se que na referida lei ainda utilizava o termo “pátrio poder”) “será exercido, em

igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil,

assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade

judiciária competente para a solução da divergência.”

O termo poder familiar, ainda que modificado, continua a ser vastamente criticado pela

doutrina, já que a grande idéia em torno do poder familiar deveria ser a proteção e amparo à

criança e não a idéia dos pais como detentores de poder sobre a mesma. Grisard Filho (2002)

sustenta que “este poder tem de ser exercido única e exclusivamente, no superior interesse do

menor e, por isso deixa de ser um poder para constituir um dever, uma responsabilidade.”

Page 24: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

20

Acerca da visão do bem-estar da criança em detrimento do interesse dos pais, aduz Rodrigues

(2004): Diante do melhor interesse dos filhos menores, da extremada proteção da criança e do adolescente outorgada pela Constituição (art. 227, dentre outros), da igualdade entre os genitores no exercício do pátrio poder e da evolução natural dos valores sociais, chegou-se a questionar a vigência dos arts. 10 e 11 da Lei do Divórcio, nos quais se decide a guarda com base na responsabilidade pela separação. Em nossos tribunais, acertadamente, a questão da guarda passou a ser enfocada exclusivamente sob a ótica do bem-estar dos filhos.

A intervenção estatal entra em questão exatamente quando esses deveres dos pais não

são exercidos de acordo com o que prevê a legislação. De acordo com o ex-Ministro do

Superior Tribunal de Justiça Franciulli Neto, em voto vencido proferido no Mandado de

Segurança nº 7.407/DF, o qual discutiu a possibilidade de educação aos filhos em casa

ministrada pelos próprios pais, “no intuito de proteger a integridade psicológica, emocional e

até mesmo física das crianças, o Estado tem o dever de fiscalizar o pátrio poder para coibir

abusos, mas sempre tendo em vista a liberdade da família de traçar seus próprios caminhos.”8

Se os pais não cumprem com as suas responsabilidades para com os filhos, é dever do

Estado interferir, uma vez que é de interesse público que os cumpra (GRISARD FILHO,

2002). Com efeito, o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecem os

casos em que o poder familiar será suspenso ou destituído.

Ainda que não exista um único diploma contemplando a extensão dos direitos

fundamentais das crianças e dos adolescentes, já que a previsão legal não é taxativa, há que se

considerar o bem-estar e suas necessidades acima de tudo. O melhor interesse deve ser levado

em conta em quaisquer questões concernentes a eles. Reflete Silva Pereira (2003): Como novo paradigma, “o melhor interesse” se apresenta em nosso sistema jurídico com seus próprios indicadores. Ao aplicá-lo, há que se considerar sua base constitucional e legal. Questionamentos básicos permanecem sem uma efetiva resposta: quais são os direitos que as crianças realmente possuem? Como titulares de Direitos Fundamentais, elas devem ser tratadas como adultos? Elas devem se sujeitar aos desejos dos adultos? [...] Muitas vezes, há que se confrontar com situações fáticas que conduzirão os aplicadores do direito a optarem por soluções que representem o menos prejudicial para a criança e para o jovem.

A criança passou de propriedade do pai, chefe da família, à pessoa em desenvolvimento,

detentora de direitos fundamentais. A razoabilidade e a prevalência do superior interesse da

criança é a maneira mais viável para que se encontre soluções no que tange as obrigações para

com as crianças.

8 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1ª Seção. MS 7.407/DF, Relator: Francisco Peçanha Martins. Brasília,

DF, 24 abr. 2002. DJ de 21.3.05.

Page 25: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

21

RESPONSABILIDADE CIVIL EM HIPÓTESE DE ABANDONO AFETIVO

A partir do fenômeno da repersonalização das relações familiares, que elevou a pessoa

humana à máxima importância, o conceito de família tomou nova guinada e,

conseqüentemente, a dignidade humana passou a ser primordialmente reconhecida. Por essa

razão, o Poder Judiciário começou a deparar-se com a hipótese de reparação de danos

decorrentes da violação à dignidade da pessoa humana no âmbito familiar.

Desse modo, há pouco mais de quatro anos, os Tribunais passaram a admitir uma nova

realidade polêmica e controvertida de responsabilização civil: a condenação de indenização a

título de danos morais decorrentes de abandono familiar causado por um dos genitores, ainda

que haja total adimplência quanto às obrigações pecuniárias no âmbito alimentar. Trata-se da

hipótese em que genitores se esquivaram do dever de prover assistência moral a seus filhos,

considerada a sua ausência no cotidiano e, por conseguinte, não prestaram o devido amparo

afetivo durante o desenvolvimento e formação da personalidade da criança.

Por meio desses precedentes, os Tribunais inevitavelmente levantam uma série de

questões em relação à chamada “monetarização do afeto”, fenômeno que discute a

possibilidade de o afeto ser passível de indenização. Sob outro ângulo, haveria o risco de se

converter a relação familiar em mera relação pecuniária.

Demais disso, diante da possibilidade de reparação pecuniária na esfera paterno-filial

instiga-se a elaborar as seguintes perguntas: Há previsão legal para esse tipo de reparação?

Ainda que reprovável, a falta de assistência moral à criança é punível? Pode-se realmente

obrigar um ser humano a amar a outro? No caso de condenação, a indenização trará

necessariamente o amor que a criança busca ou agravará ainda mais a relação familiar? Seria

moralmente aceitável obrigar alguém a pagar-lhe por desamor?

Compreendendo o abandono afetivo: o julgado paradigma

O abandono afetivo ocorre quase que corriqueiramente no seio das famílias brasileiras,

fazendo com que milhares de crianças experimentem traumas de cunho psicológico, que

carregarão por toda a vida. A negligência deliberada por parte daquele genitor, independente

do motivo, pode levar a distúrbios de personalidade da criança. Alguns pais acreditam que o

sustento material seria o suficiente para o pleno desenvolvimento da criança, descuidando-se

das necessidades de aspecto moral e afetivo e esquivando-se do dever de convivência familiar.

Page 26: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

22

Para análise mais profunda da questão em tela, convém destacar o caso mais comentado

acerca do tema. Trata-se da ação ajuizada por Alexandre Batista Fortes, cujo pai o abandonou

aos seis anos de idade. O julgado rompeu paradigmas, ao concretizar a possibilidade de

reparação pecuniária em hipótese de abandono afetivo no âmbito da relação paterno-filial.

Ressalte-se que outros precedentes o antecederam, como um decidido em Capão da Canoa,

RS, no qual um pai foi condenado a indenizar à filha pelo abandono afetivo.9 Contudo,

convém destacar que o processo ajuizado por Alexandre foi o primeiro a chegar ao Superior

Tribunal de Justiça.

O acórdão, proferido pelo Tribunal de Alçada de Minas Gerais, em 1º de abril de 2004,

na Apelação Cível nº. 408.550-5, implicou a condenação do pai do autor ao pagamento de

indenização a título de danos morais, no montante de duzentos salários mínimos. Transcreve-

se trecho voto do Desembargador Relator Unias Silvas, pertencente à Sétima Câmara Cível: [...] encontra-se configurado nos autos o dano sofrido pelo autor, em relação à sua dignidade, a conduta ilícita praticada pelo réu, ao deixar de cumprir seu dever familiar de convívio e educação, a fim de, através da afetividade, formar laço paternal com seu filho, e o nexo causal entre ambos.10

Posteriormente, o pai do jovem interpôs recurso especial ao E. Superior Tribunal de

Justiça, o qual foi distribuído ao Ministro Fernando Gonçalves, da Quarta Turma. O acórdão

de origem foi inteiramente reformado, tendo a Corte concluído pela inaplicabilidade do artigo

concernente à reparação de danos prevista no Código Civil à hipótese dos autos: RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido. 11

A Turma decidiu, por maioria, não se enquadrar à prática do abandono afetivo o artigo

de reparação de danos, qual seja, art. 15912, do Código Civil de 1916, revogado pelo art. 18613,

9 COMARCA DE CAPÃO DA CANOA, RS. 2ª Vara Cível. Juiz Mario Romano Maggioni. Processo nº

141/1.03.0012032-0. Ação de conhecimento. Sentença proferida em 16.9.03. 10 TJMG. 7ª Câmara Cível. Apelação Cível nº. 2.0000.00.408550-5/000(1). Relator: Unias Silva. Belo Horizonte,

MG, 01 abr. 2004. DJ de 29.4.04. 11 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 4ª Turma. REsp 757.411/MG, Relator: Fernando Gonçalves. Brasília,

DF, 29 nov. 2005. DJ 27.3.06, p. 299. 12 Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. 13 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Page 27: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

23

do Novo Código Civil. Com efeito, o Ministro Relator Fernando Gonçalves consignou em seu

voto o seguinte: No caso de abandono ou do descumprimento injustificado do dever de sustento, guarda e educação dos filhos, porém, a legislação prevê como punição a perda do poder familiar, antigo pátrio-poder, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 24, quanto no Código Civil, art. 1638, inciso II. Assim, o ordenamento jurídico, com a determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e, principalmente, dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a sociedade não se compadecem com a conduta do abandono.14 [grifo original]

Segundo o magistrado, a perda do Poder Familiar como punição para o abandono do pai

seria punição suficiente, e a condenação pecuniária nada acrescentaria ao jovem lesado.

Pondera, ainda, se uma possível condenação impediria uma reconstrução no relacionamento

de ambos, afirmando que O pai, após condenado a indenizar o filho por não lhe ter atendido às necessidades de afeto, encontrará ambiente para reconstruir o relacionamento ou, ao contrário, se verá definitivamente afastado daquele pela barreira erguida durante o processo litigioso? Quem sabe admitindo a indenização por abandono moral não estaremos enterrando em definitivo a possibilidade de um pai, seja no presente, seja perto da velhice, buscar o amparo do amor dos filhos [...]15

Em entendimento similar, o Ministro Aldir Passarinho manifestou que a questão [...] resolve-se no campo do Direito de Família, exclusivamente. No caso, existe previsão no art. 384, inciso I, quanto à obrigação dos pais de dirigir a criação e a educação dos filhos e tê-los em sua guarda e companhia. Mas os arts. 394 e 395 prevêem exatamente a situação em que, não cumprindo os pais essa obrigação, poderá ocorrer a perda do pátrio poder a pedido do Ministério Público ou de algum parente.16

O Ministro César Asfor Rocha, integrando a corrente majoritária, afirmou que o litígio

relativo à relação parental deveria ater-se exclusivamente ao âmbito do Direito de Família. Eis

o que assentou: Esses princípios do Direito de Família não permitem que as relações familiares, sobretudo aquelas atinentes a pai e filho, mesmo aquelas referentes a patrimônio, a bens e responsabilidades materiais, a ressarcimento, a tudo quanto disser respeito a pecúnia, sejam disciplinadas pelos princípios próprios do Direito das Obrigações.17

Inclusive, acrescentou que se seguisse a corrente dos que defendem a possibilidade de

reparação pecuniária em casos como esse, estaria procedendo à quantificação do afeto.

Prosseguiu afirmando não ser possível atribuir preço ao amor, destacando repudiar qualquer

14 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 4ª Turma. REsp 757.411/MG, Relator: Fernando Gonçalves. Brasília,

DF, 29 nov. 2005. DJ 27.3.06, p. 299. 15 Ibidem. 16 Ibidem. 17 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 4ª Turma. REsp 757.411/MG, Relator: Fernando Gonçalves. Brasília,

DF, 29 nov. 2005. DJ 27.3.06, p. 299.

Page 28: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

24

tentativa nesse sentido, pois ter-se-ia o estabelecimento de “gradações para cada gesto que

pudesse importar em desamor.”18

No voto vencido, o Ministro Barros Monteiro concluiu pela aplicabilidade do art. 159 do

Código Civil de 1916 (atual art. 186 do Novo Código Civil) à controvérsia, declarando haver

nos autos uma situação de ilicitude por parte do genitor ausente. Vale conferir trecho do voto: Penso que daí decorre uma conduta ilícita da parte do genitor que, ao lado do dever de assistência material, tem o dever de dar assistência moral ao filho, de conviver com ele, de acompanhá-lo e de dar-lhe o necessário afeto. Como se sabe, na norma do art. 159 do Código Civil de 1916, está subentendido o prejuízo de cunho moral, que agora está explícito no Código novo [...] no caso, ocorreram a conduta ilícita, o dano e o nexo de causalidade. O dano resta evidenciado com o sofrimento, com a dor, com o abalo psíquico sofrido pelo autor durante todo esse tempo.19

Constata-se, portanto, que a Turma entendeu apenas que em casos como o presente, a

destituição do poder familiar (anteriormente conhecido com pátrio poder) seria forma de

sanção suficiente para dirimir a questão. A sanção encontra previsão legal nos artigos 24 e 155

a 163, do ECA e no inciso II do art. 1.638, do Novo Código Civil, em caso de abandono.

Indaga-se: essa “solução” traria alguma vantagem àquele filho que recorreu ao Judiciário

para buscar o amor perdido? Segundo Pereira e Silva, a perda do poder familiar apenas seria

um favor ao pai que nunca assistiu moralmente ao filho. O filho muito buscou, extrajudicialmente, a continuidade do amor e do acolhimento de seu pai. A hipótese de esse filho recorrer ao Judiciário para banir a figura paterna e suas prerrogativas é impensável. Além de que essa ‘solução’ significaria apenas premiar o pai “abandônico”, que, com a chancela judicial, se desincumbiria do dever de convivência, legalmente previsto e frontalmente violado (PEREIRA E SILVA, 2007).

Vale destacar que a decisão do Superior Tribunal de Justiça foi impugnada por recurso

extraordinário, ao qual foi negado seguimento. Aquela Corte entendeu que a matéria debatida

era de cunho infraconstitucional, portanto, obstando que se adentrasse no mérito. Apesar de

interposição mais um recurso por parte do jovem - improvido - a decisão transitou em julgado.

E, assim, mais uma vez, o Judiciário proferiu entendimento estritamente atrelado aos limites

da lei, sem considerar as peculiaridades que rodeiam o caso.

Pereira e Silva (2007) afirmam, em contraste com o que restou decidido pela Quarta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, não limitarem os deveres dos pais apenas ao suporte

material, abrangendo também o dever de educar os filhos de todas as maneiras possíveis. Os

18 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 4ª Turma. REsp 757.411/MG, Relator: Fernando Gonçalves. Brasília,

DF, 29 nov. 2005. DJ 27.3.06, p. 299. 19 Ibidem.

Page 29: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

25

autores asseveram ser ilícita a conduta dos pais que descumprirem quaisquer deveres previstos

no art. 1.63420, do Novo Código Civil: Nesse sentido, tem-se a previsão contida nos incisos I e II do Art. 1.634, acerca do dever dos pais com relação aos filhos menores, de ‘dirigir-lhes a criação e a educação’, bem como ‘tê-los em sua companhia e guarda’. Tais deveres paternos não guardam relação com o suprimento das necessidades materiais que se faz por meio do pagamento de pensão alimentícia. A lei é muito clara ao impor aos pais a companhia, a guarda, a direção de sua educação. E, se tais deveres são descumpridos em razão da ausência e/ou recusa paterna, estamos diante de nítidos atos ilícitos, gerando o dever de indenizar diante dos sérios danos que causam.

De acordo com a mentalidade do legislador, pertence aos pais a responsabilidade de,

além da criação e educação, que são direitos extremamente imperativos, a convivência

familiar. Pode-se inferir ter a redação do novo Código Civil se voltado para uma família mais

humanizada, que valoriza o lado afetivo tanto quanto as necessidades materiais básicas.

É de suma importância salientar que abandono afetivo não se confunde com abandono

moral, como se inferirá abaixo. O título VII do Código Penal, que aborda os crimes contra a

família, traz em seu capítulo III, intitulado “Dos crimes contra a assistência familiar”, os

crimes de abandono material, entrega de filho menor a pessoa inidônea, abandono intelectual,

e abandono moral, constantes nos artigos 244, 245, 246 e 247, respectivamente.

O art. 244 declara que incide em pena de detenção aquele que esquivar-se de prover

materialmente ao cônjuge e filho menor de 18 anos, bem como ao filho que não tem condições

de trabalhar e aos seus ascendentes que contem com mais de 60 anos ou sejam inválidos.

Dispõe, por fim, sobre quem evadir-se de pagar a pensão alimentícia previamente fixada em

juízo ou prestar socorros aos seus pais ou filhos que se encontrem doentes.

Já o artigo 245 do Código prevê pena de detenção, de um a dois anos àquele genitor que

“entregar filho menor de 18 (dezoito) anos a pessoa em cuja companhia saiba ou deva saber

que o menor fica moral ou materialmente em perigo.” Ademais, o artigo 246 da mesma lei

estabelece consistir em ilicitude aquele que “deixar, sem justa causa, de prover à instrução

primária de filho em idade escolar”, com pena de “detenção de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês,

ou multa.” Por fim, o art. 247 antecipa as hipóteses do crime de abandono moral, destinado “à

preservação moral do menor no respeito à sua formação de caráter, sentimentos, etc. Procura-

se impedir situações que possam levar à sua corrupção.”

20 Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda; [...]

Page 30: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

26

Vê-se, portanto, que em 1940 o legislador já se preocupava com o bem-estar moral e

intelectual da criança, reprovando o desamparo e a negligência e caracterizando-os como

crimes de abandono material, moral e intelectual.

Previsão legal

Como ainda não há previsão legal específica concernente à sanção imposta à conduta

omissiva dos pais quanto aos filhos, recorrer-se-á ao artigo 4º da Lei de Introdução ao Código

Civil, o qual estabelece que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a

analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” Da mesma forma, o artigo 5º da Lei,

prevê que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às

exigências do bem comum.”

A legislação vigente assegura à criança o direito de convivência e amparo, não somente

no âmbito físico, mas também no âmbito moral. Com efeito, o art. 9.3, da Convenção

Internacional sobre os Direitos da Criança de 1989, determina que “os Estados Partes

respeitarão o direito da criança que esteja separada de um ou de ambos os pais de manter

regularmente relações pessoais e contato direto com ambos, a menos que isso seja contrário ao

interesse maior da criança.”

A Constituição Federal, em seu art. 227, assegura a proteção e amparo integral a todas as

crianças, colocando-as a salvo de qualquer tipo de negligência, crueldade e outras ações que

lhes venham a causar danos. Com efeito, em seu art. 229, a Carta Magna impõe deveres aos

pais e filhos, reciprocamente, visando o melhor interesse de ambos, destacando-se a

assistência, educação e criação.

Os artigos 3º, 4º, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22 e 28, do Estatuto da Criança e do

Adolescente, estabelecem a importância da dignidade, convivência familiar e desenvolvimento

moral “em condições de liberdade e de dignidade.” Dispõe o artigo 17 sobre o respeito à

criança e ao adolescente, que se baseia “na inviolabilidade da integridade física, psíquica e

moral”, além de proteger a “[...] imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e

crenças, dos espaços e objetos pessoais.”

Determina o art. 18 que “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do

adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante,

vexatório ou constrangedor.” Já o art. 19 declara que “toda criança ou adolescente tem direito

a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta,

Page 31: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

27

assegurada a convivência familiar e comunitária [...].” O art. 20, por sua vez, prevê a

igualdade entre filhos, biológicos ou não, mesmo que tenham sido concebidos extra-

matrimonialmente.

O art. 129 da mesma Lei estabelece medidas atribuíveis aos pais ou o responsável legal,

incluindo a suspensão ou perda do pátrio poder, quando houver pertinência. O art. 249,

constante no Capítulo II, intitulado “Infrações Administrativas”, prevê uma sanção àqueles

pais que infrinjam quaisquer deveres para com seus filhos, proveniente do poder familiar,

como se infere abaixo: Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar: Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

Ora, se há a previsão de aplicação de multa em caso de conduta omissiva por parte de

um dos pais, vê-se que o legislador já reprovava a conduta daquele que abandona um filho,

razão pela qual não poderá manter-se impune. Refletem Pereira e Silva (2003) que “se a

convivência, o acompanhamento, enfim, o amor paterno fossem opcionais, a lei não

estabeleceria tais deveres, a serem cumpridos mesmo à margem do desejo do pai.” Quando se

depara com a vasta previsão legal sobre a obrigação de convivência familiar para o pleno

desenvolvimento psíquico e moral da criança e do adolescente, conclui-se que tal imposição

não é mero capricho, tampouco deve ser exercida de acordo com a conveniência dos genitores.

A reparação do dano moral

O dano moral é reparável? Caso se buscasse uma reparação justa e equitativa, poder-se-

ia afirmar que o dano moral é irreparável, visto que não há como fazer com que o indivíduo

retorne ileso ao estado em que se encontrava antes de sofrer o dano. No entanto, entendem

doutrina e jurisprudência que a compensação pecuniária poderia dar certa satisfação àquele

individuo lesado. Portanto, a verdadeira função dessa indenização pecuniária seria

compensatória: compensar com o dinheiro o dano causado à honra e à dignidade. Por essa

razão, “o ressarcimento do dano moral não tende à restitutio in integrum do dano causado,

tendo mais uma genérica função satisfatória, com a qual se procura um bem que recompense,

de certo modo, o sofrimento ou a humilhação sofrida” (PEREIRA e SILVA 2003).

Por outro lado, na hipótese de se utilizar o método do “olho por olho, dente por dente”,

esbarrar-se-ia em um conflito social. Todavia, entende a doutrina merecer, ainda assim, o

Page 32: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

28

causador do dano ser punido. Afirma Cavalieri (2008): [...] não se pode ignorar a necessidade de se impor uma pena ao causador do dano moral, para não passar impune a infração e, assim, estimular novas agressões. A indenização funcionará também como uma espécie de pena privada em beneficio da vítima.

O autor Pena Jr. (2008) assegura ser a indenização a título de danos morais “uma

obrigação imposta àquele que passa a ter uma dívida perante o indivíduo e a sociedade, pela

afronta causada a um direito personalíssimo. Não irá reparar o direito em questão em toda a

sua amplitude, mas compensará a perda que se verificou.”

A responsabilidade civil no caso Alexandre Batista Fortes, REsp nº 757.411/MG

Diante das considerações supra, indaga-se: os pressupostos da responsabilidade civil

estão presentes no caso apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça no âmbito do REsp nº

757.411? Aduz Hironaka (2007): O pressuposto desse dever de indenizar – além da presença insofismável do dano – é a existência efetiva de uma relação paterno-filial em que ocorreu, culposamente, o abandono afetivo, pouco importando as circunstâncias múltiplas que possam ter originado a relação paterno-filial ou materno-filial [...] Já o fundamento desse dever de indenizar, por certo, demanda uma reflexão lastreada na dignidade da pessoa humana e no correto desenvolvimento sociopsicocultural dos filhos. Em sede de responsabilidade civil, como em todo o ordenamento civil, os princípios constitucionais de solidariedade social e de dignidade humana encontram-se presentes como atributo valorativo que funda a pretensão reparatória. [...] O dever de indenizar decorrente do abandono afetivo encontra, por isso, os seus elementos constitutivos na funcionalização das entidades familiares, que devem tender à realização da personalidade de seus membros, com especial destaque para a pessoa do filho. Dessa forma, busca-se analisar os elementos clássicos da responsabilidade civil segundo tal paradigma.

O ponto mais importante em toda a polêmica da responsabilização civil em relações

familiares é o dano causado a uma terceira pessoa na relação familiar, frágil e exposta a todos

os conflitos: a criança. Como anteriormente ressaltado, o dano causado à prole será o ponto de

partida para averiguar se uma determinada situação poderia ser indenizável ou não.

Verifica-se que há uma efetiva existência de dano, qual seja, o dano decorrente do

abandono deliberado causado pelo genitor ausente, relatado incessantemente nos autos. De

acordo com trecho do relatório constante no aresto, em que apreciado o recurso de apelação

interposto pelo jovem, através de laudos psicológicos trazidos aos autos, o apelante sofreu

com a negligência de seu pai. Vale transcrever trecho do relatório: De acordo com o estudo psicológico realizado nos autos, constata-se que o afastamento entre pai e filho transformou-se em uma questão psíquica de difícil

Page 33: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

29

elaboração para A., interferindo nos fatores psicológicos que compõem sua própria identidade.21

A criança, indivíduo com personalidade a ser formada, presencia inúmeras situações que

serão determinantes ao seu comportamento futuro, situações estas que podem ser

extremamente nocivas, traumatizando-a para toda a vida. Inclusive, os artigos do Código Civil

e do ECA, supracitados, estabelecem condições para uma criação plena, pondo as crianças a

salvo de quaisquer situações que as prejudiquem, as constranjam, as humilhem (como por

exemplo, o artigo 18, do ECA). O abandono de um dos genitores se enquadra nessa situação.

Por isso, indaga-se: ser privado da convivência paterna, por negligência do ascendente,

considerada a situação de abandono, não é suficientemente constrangedor, humilhante e um

golpe na sua dignidade? Acredita-se que sim. Neste ponto, assevera Hironaka (2007): O dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo um dano à personalidade do individuo. Macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, sendo certo que esta personalidade existe e se manifesta por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir na criança o sentimento de responsabilidade social, por meio do cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa, no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e socialmente aprovada. A ausência injustificada do pai origina – em situações corriqueiras – evidente dor psíquica e conseqüente prejuízo à formação da criança, decorrente da falta não só do afeto, mas do cuidado e da proteção (função psicopedagógica) que a presença paterna representa na vida do filho, mormente quando entre eles já se estabeleceu um vínculo de afetividade.

No que se refere à conduta do agente, destaca Hironaka (2007) ser inevitável a

“comprovação da culpa do genitor não-guardião, que deve ter se ocultado à convivência com o

filho, e deliberadamente se negado a participar do desenvolvimento de sua personalidade, de

forma negligente ou imprudente.”

No caso em tela, restou claro que o pai do jovem sempre esteve ausente nos momentos

mais importantes da sua vida, bem como em situações corriqueiras no dia-a-dia. Para fim de

comprovação, cita-se trecho do relatório do Desembargador Unias Silva: Até os seis anos de idade, A. B. F., ora apelante, manteve contato com seu pai de maneira razoavelmente regular. Após o nascimento de sua irmã, a qual ainda não conhece, fruto de novo relacionamento conjugal de seu pai, este afastou-se definitivamente. Em torno de quinze anos de afastamento, todas as tentativas de aproximação efetivadas pelo apelante restaram-se infrutíferas, não podendo desfrutar da companhia e dedicação de seu pai, já que este não compareceu até mesmo em datas importantes, como aniversário e formatura.22

Contrário a essa posição, o MM. Juiz de Direito da 19ª Vara Cível da Comarca de Belo

21 TJMG. 7ª Câmara Cível. Apelação Cível nº. 2.0000.00.408550-5/000(1). Relator: Unias Silva. Belo Horizonte,

MG, 01 abr. 2004. DJ de 29.4.04. 22 TJMG. 7ª Câmara Cível. Apelação Cível nº. 2.0000.00.408550-5/000(1). Relator: Unias Silva. Belo Horizonte,

MG, 01 abr. 2004. DJ de 29.4.04.

Page 34: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

30

Horizonte, Minas Gerais, relata que, em realidade, não se identificou no laudo psicológico

trazido aos autos, “exata correlação entre o afastamento paterno e o desenvolvimento de

sintomas psicopatológicos pelo autor, não tendo detectado o expert sinais de

comprometimento psicológico ou qualquer sintomatologia associada a eventual malogro do

laço paterno filial.”23

No relatório do acórdão do Superior Tribunal de Justiça, o ministro Fernando Gonçalves

narra que o pai contestou essa ausência, justificando “[...] ter empreendido diversas viagens,

tanto pelo Brasil, quanto para o exterior, permanecendo atualmente na África do Sul,

comprometendo ainda mais a regularidade dos encontros.”24 No entanto, não se vislumbra

aqui que essa afirmativa justifique os vários anos de descomprometimento e negligência, ainda

mais na atualidade, considerando o acesso à internet e serviços de comunicação plenamente

acessíveis.

O nexo causal encontra-se verificado na hipótese, tendo em vista a conduta negligente

do pai quando o filho se encontrava em fase de desenvolvimento. A ausência por um longo

período de tempo, inclusive em momentos significantes da vida, causaram danos irreparáveis

ao rapaz, danos estes comprovados por meio de perícia. Disserta Hironaka (2007) sobre a

relação causa/efeito entre o abandono paterno voluntário e o dano irrecuperável à formação

psicológica do filho: A ausência injustificada do pai, como se observa, origina evidente dor psíquica e conseqüente prejuízo à formação da criança, decorrente da falta não só do afeto, mas do cuidado e da proteção – função psicopedagógica – que a presença paterna representa na vida do filho, mormente quando entre eles já se estabeleceu um vínculo de afetividade. Além da inquestionável concretização do dano, também se configura, na conduta omissiva do pai, a infração aos deveres jurídicos de assistência imaterial e proteção que lhe são impostos como decorrência do poder familiar.

Ressalte-se, que para a apuração do dano, faz-se necessária a valiosa participação da

equipe Psicossocial, pois somente através de apurados laudos psicológicos é possível provar

que os danos constantes na personalidade do filho decorrem diretamente do abandono paterno.

Completa a autora que: A responsabilidade civil decorrente de abandono afetivo é calcada na idéia de culpa, razão pela qual se torna mais difícil a sua configuração. Avulta, assim, a importância da perícia a fim de se estabelecer não só a existência do dano, como a sua causa. Necessário, portanto, a fixação, em caráter retrospectivo, da época em que os

23 TJMG. 19ª Vara Cível. Ação Ordinária nº. 002400062465-0. Juiz de Direito Matheus Chaves Jardim. Belo

Horizonte, MG, 26 jul. 2002. 24 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 4ª Turma. REsp 757.411/MG, Relator: Fernando Gonçalves. Brasília,

DF, 29 nov. 2005. DJ 27.3.06, p. 299.

Page 35: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

31

sintomas do dano sofrido pela criança começaram a se manifestar (HIRONAKA, 2007).

Entende-se não se verificar aqui quaisquer hipóteses de exclusão de responsabilidade,

pois o pai, pessoa capaz e sã, deliberadamente, mediante negligência – repita-se ser a

negligência a falta de cuidado quando a lei expressamente o impõe – ausentou-se da vida e da

convivência para com o seu filho. Não houve qualquer ocorrência que pudesse afastar o nexo

de causalidade.

Vale desde já ressaltar que, ainda que se pudesse cogitar a relação conflituosa entre os

genitores como justificativa plausível para a isenção da responsabilidade do pai, não se pode

deixar a rivalidade influir na vida do filho.

Essa rivalidade resulta em um fenômeno conhecido como a “síndrome da alienação

parental”, situação em que o genitor guardião inibe a convivência do filho com o genitor não-

guardião de tal forma que resulta em verdadeiro afastamento daquele pai. Segundo Dias

(2008), consiste essa circunstância em “programar uma criança para que odeie o genitor sem

qualquer justificativa. Trata-se de verdadeira campanha para desmoralizar o genitor. O filho é

utilizado como instrumento da agressividade direcionada ao parceiro.”

Relatou-se no acórdão proferido pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça,

relativamente ao breve convívio das partes a cada quinze dias, que “as atitudes de sua mãe,

com telefonemas insultuosos e instruções ao filho para agredir a meio-irmã, tornaram a

situação doméstica durante o convívio quinzenal insuportável.”25

Conclui-se que, mesmo que haja eventual mágoa ou rancor em relação à mãe, decorrente

da separação conjugal, circunstância que pode obstaculizar a presença paterna, o rapaz dela

não pode ser privado. Pensa-se não caber ao pai, ainda que o menino não estivesse adaptando-

se bem à nova situação familiar, desistir da convivência, pois é praxe que a criança, diante ao

divórcio, tenha uma reação diferente do que se está acostumado. Tampouco cabe ao pai

vislumbrar o filho como algo descartável quando a situação encontra-se difícil. As relações

familiares são complexas e é preciso que se batalhe por elas. Afinal, "quem quer fazer alguma

coisa, encontra um MEIO. Quem não quer fazer nada, encontra uma DESCULPA."

(SHINYASHIKI, 2008)

A problemática

25 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 4ª Turma. REsp 757.411/MG, Relator: Fernando Gonçalves. Brasília,

DF, 29 nov. 2005. DJ 27.3.06, p. 299.

Page 36: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

32

Situações de abandono afetivo são extremamente comuns, mas o Poder Judiciário

apenas recentemente se voltou para elas. Ainda que se tente mudar a cabeça dos operadores de

Direito mais tradicionais, muitos ainda vêem as relações de família somente na esfera do

Direito de Família, com a aplicação dos seus princípios próprios. Inclusive, certifica Pena Jr.

(2008) que: Nada existe em nosso Direito, no tocante à responsabilidade civil, a motivar indenização por danos morais nas relações afetivas, ao contrário do direito comparado [...] O princípio maior da dignidade da pessoa humana – fundamento de todos os valores éticos e morais dos homens – em perfeita harmonia com o princípio da afetividade, deve prevalecer sempre [...]

No âmbito familiar, a possibilidade de condenação de natureza indenizatória,

especialmente quando se trata de relação paterno-filial, é ainda muito controvertida, tendo em

vista que se analisa o dever de indenização em relações afetivas.

Debate-se, inicialmente, se o abandono afetivo caracteriza ato ilícito. Pereira e Silva

(2006) asseveram que tal conduta é ilícita e consiste em uma violação de direitos, sendo,

portanto, passível de ressarcimento. Aduzem: Abandonar e rejeitar um filho é violar direitos. A toda regra jurídica deve corresponder uma sanção, sob pena de se tornar somente regra moral. Uma das razões da existência da lei jurídica é obrigar e colocar limites. Admitindo-se não ser possível obrigar ninguém a dar afeto, a única sanção possível é a reparatória. Não estabelecer tal sanção aos pais significa premiar a irresponsabilidade e o abandono paterno.

Em concordância com a corrente dos favoráveis à responsabilização, Novaes (2007)

assinala: Não podemos deixar de entender que o abandono moral do genitor, o seu descaso com a saúde, educação e bem-estar do filho, não possam ser considerados como ofensas à sua integridade moral, ao seu direito de personalidade, pois aí sim estaríamos banalizando o dano moral. Se o pai não tem culpa por não amar o filho, a tem por negligenciá-lo. O pai deve arcar com a responsabilidade por tê-lo abandonado, por não ter cumprido com o seu dever de assistência moral, por não ter convivido com o filho, por não tê-lo educado, enfim, todos esses direitos impostos pela Lei. Portanto, violados esses direitos, hão de ser reparados pela via da indenização por dano moral.

Ocorre, no entanto, que muitos juristas ainda preocupam-se com a monetarização do

afeto, entendendo que não há valoração para o amor e que provável condenação de natureza

material apenas agravaria uma relação paterno/materno-filial já desgastada e negligenciada.

Acreditam que o pagamento de um valor determinado não faria com que pai e filho reatassem

e sim com que se afastassem mais, além do que poderia ensejar em uma “indústria do dano

moral.” Diante dessa mentalidade, discursam Pereira e Silva (2006): A resistência ao acolhimento das pretensões indenizatórias decorrentes da rejeição paterna e do descumprimento do dever de convivência explica-se, em parte, pelo

Page 37: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

33

temor em vir a se instituir uma ‘indústria do dano moral’ e uma monetarização do afeto. Não se trata, entretanto, de dar preço ao amor, mas de lembrar a esses pais responsabilidades na formação da personalidade e na garantia da dignidade dos filhos que geraram.

Completando essa idéia, disserta Angeluci (2007): Não se trata de atribuir, simplesmente, valor pecuniário para o desamor, nem mesmo responsabilizar a pessoa pela ausência deste sentimento nas relações de família. Se a discussão ficar restrita a este prisma não se atingirá o seu ponto fundamental, ou seja, a sua grande importância para a própria formação da pessoa.

Para os autores acima, portanto, o verdadeiro objetivo de julgados como o caso do

menino Alexandre é penitenciar e instruir os pais relapsos (função punitiva e pedagógica da

indenização por dano moral), para que nunca mais procedam a esse tipo de atitude censurável.

Segundo essa corrente, a responsabilização civil tem o condão de induzir e ensinar à sociedade

que os deveres dos pais para com seus filhos não são opcionais e, em caso de descumprimento,

resulta em ato ilícito, previsto em lei. Entendem que o valor pecuniário não tem o objetivo de

reparar o dano causado, tendo em vista que é irreparável, nem obrigar ao pai a amar ao filho,

mas de advertir que os deveres para com os filhos não se esgotam no sustento material, tendo

em vista que todas as crianças possuem necessidades que vão além da contribuição material.

O dano moral punitivo – punitive damages – utilizado vastamente em países adeptos do

direito consuetudinário, há pouco vem sendo adotado por magistrados e doutrinadores

brasileiros. Ensina Cavalieri Filho (2008) que uma grande parte ainda não aceita o dano moral

de natureza punitiva, pela razão de “não termos regra escrita que preveja expressamente essa

espécie de sanção.” Completa surgir “a indenização punitiva do dano moral como reflexo da

mudança de paradigma da responsabilidade civil e atende a dois objetivos bem definidos: a

prevenção (através da dissuação) [sic] e a punição (no sentido de redistribuição).”

Conclui-se que a condenação por parte dos magistrados, em julgados semelhantes, visa,

antes de tudo, a punir e educar os genitores ausentes, desaconselhando-os da prática de

condutas repugnantes como abandonar uma criança. De acordo com Cavalieri Filho (2008), “a

indenização punitiva do dano moral deve ser também adotada quando o comportamento do

ofensor se revelar particularmente reprovável [...].” A respeito das funções desse tipo de

condenação, afirma Santos (2004): [...] a indenização deferida nesse contexto não teve a finalidade de compelir o pai ao cumprimento de seus deveres, mas atendeu a duas relevantes funções, além da compensatória: a punitiva e a dissuasória [...] pela primeira [função da responsabilidade civil], busca-se punir alguém por alguma conduta praticada, que ofenda gravemente o sentimento ético-jurídico prevalente em determinada comunidade. Com a segunda [função da responsabilidade civil], procura-se sinalizar a todos os cidadãos sobre quais condutas a evitar, por serem reprováveis do ponto de

Page 38: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

34

vista ético-jurídico. Pereira e Silva (2006) consolidam tal embasamento, atestando não suprir a indenização

por danos morais a necessidade daquele filho, tampouco “monetarizar” o afeto, mas pune

aqueles pais e evitam que práticas como essa se tornem corriqueiras. Ou seja, o dever de

indenizar tem o condão de educar os pais relapsos. Completam: Se os pais que desrespeitarem direitos do filho devem responder por isso, a reparação monetarizaria o afeto? De maneira alguma. O valor da indenização é simbólico e tem apenas função punitiva e educativa. Afinal, não há dinheiro que pague o dano e a violação dos deveres morais à formação da personalidade de um filho abandonado ou rejeitado pelo pai.

Portanto, conclui-se a criança precisa de cuidados especiais, de cunho material e moral,

previstos no ordenamento. Se um pai simplesmente os nega, está definitivamente violando

direitos fundamentais, inerentes à pessoa humana. E é exatamente por essa atitude reprovável

que se tem a necessidade e o dever de recorrer ao Judiciário.

Os pais negligentes devem aprender que não basta colocar um ser no mundo e acreditar

que se tornarão pessoas dignas sem o menor auxílio. Portanto, entende-se que a

responsabilização civil em casos de abandono afetivo tem o condão de mostrar à sociedade,

principalmente aos pais, que todas as crianças precisam de sustento que ultrapassa a natureza

alimentar, para se tornarem pessoas completas, capazes de ingressar na vida autônoma.

Ante a previsão legal no sistema jurídico brasileiro, compreende-se ser possível a

responsabilização civil por danos morais decorrentes de dano causado à criança abandonada

afetivamente por seu genitor, tendo em vista que o pleno desenvolvimento em âmbito social,

afetivo, moral e psicológico é direito garantido por lei aos relativa e absolutamente incapazes.

Logicamente, faz-se imprescindível a análise do caso concreto, atentando-se para a existência

de uma efetiva relação paterno-filial, além de um nexo de causalidade entre o dano sofrido e o

ato ilícito.

Ninguém está obrigado a ter filhos, mas, a partir do momento em que isso acontece, os

pais devem arcar com todas as conseqüências dessa concepção e perceber que aquela vida

gerada dependerá deles em todos os aspectos para um desenvolvimento digno e saudável,

previsto em lei, alçado à direito fundamental. Repita-se: amor, carinho, atenção, assistência e

convivência não são meros caprichos; são pressupostos do exercício da dignidade da pessoa

humana, princípio constitucional matricial.

CONCLUSÃO

Page 39: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

35

Por meio deste trabalho, procurou-se proceder a uma análise crítica do tema abandono

afetivo parental, que apenas recentemente tomou dimensão pública, devido a polêmica de

alguns julgados envolvendo pais, filhos e a possibilidade de reparação civil por negligência do

afeto.

Almejou-se apontar as principais conseqüências da ausência paterna decorrente da

dissolução conjugal para os filhos do casal, sob o ângulo moral e social. Aprendeu-se que as

crianças com pais ausentes enfrentam mais dificuldades na vida escolar e deparam-se com

problemas relacionados à baixa auto-estima e falta de confiança. Por isso faz-se imperativa a

presença e convivência com ambos os genitores, para que a experiência do desenvolvimento

da identidade seja a menos traumática possível, o que muitas vezes se torna difícil. Mesmo se

de outro modo fosse, a criança necessita de ambos os pais para um crescimento sadio e

próspero.

Analisou-se o aspecto afetivo da nova família brasileira, que substituiu a organização

patriarcal para dar lugar a todos os tipos de organizações familiares, baseadas no afeto e na

dignidade da pessoa humana. O Judiciário, aos poucos, vem se desprendendo do formalismo

rígido, a fim de levar em conta as alterações sociais das últimas décadas em seus julgados e

assim, atender a um maior número de demandas envolvendo questões afetivas.

Averiguou-se que com a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do

Adolescente, os indivíduos menores de 18 anos tornaram-se sujeito de direitos, antes

privilégio dos adultos. Com essa revolução na legislação, os princípios do melhor interesse,

proteção integral da criança e condição peculiar de pessoa em desenvolvimento possibilitaram

que as decisões judiciais considerassem o que é melhor para a criança e não para seus pais ou

o Estado. Com isso, passou-se a evitar a negligência, os maus-tratos e o descaso, enfatizando a

liberdade e a dignidade da criança e do adolescente.

Por fim, adentrou-se na controvérsia acerca da possibilidade de reparação pecuniária

decorrente do abandono afetivo do pai, baseando-se no caso do jovem Alexandre Batista

Fortes, cuja questão restou decidida pelo Supremo Tribunal Federal. Interpreta-se, ao contrário

do que a jurisprudência, ser possível condenar a um pai ao pagamento de indenização ao filho

lesado, pois ele claramente descumpriu os deveres mais básicos previstos constitucional e

infraconstitucionalmente. Ademais a possibilidade de reparação por danos morais engloba

alguns pressupostos que se encontram presentes no caso em tela.

Page 40: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

36

Como exaustivamente argumentado, o pai que se esquiva dos seus deveres, sem que

tenha um motivo extraordinário que o impulsionou, viola direitos, causa danos ao filho e é

reprovado socialmente. Essa conduta repulsiva não pode ser ignorada e sim punida. A

reparação pecuniária não é exatamente a forma mais justa de se reaver o mal causado à

dignidade e à personalidade daquele abandonado, mas é maneira punitiva e pedagógica.

O Judiciário tem o dever de impor a pessoas com condutas semelhantes que se

abstenham de fazê-lo, a partir da análise do caso concreto. Afinal, abandonar uma criança não

é um fato da vida. Gerar um filho e não criá-lo, acompanhá-lo e guiá-lo não é uma atitude

correta e íntegra. Crianças e adolescentes possuem a necessidade de todos esses elementos,

para que alcancem o pleno desenvolvimento e a felicidade. E, os pais podem ter uma ampla

participação na vida dos seus filhos, não restringindo seu envolvimento ao sustento financeiro,

a passeios e a brincadeiras (SILVA, 2003).

Não é incomum que se encontre pessoas cujos pais leram a elas quando crianças “O

pequeno príncipe”, obra do autor francês Antoine de Saint-Exupéry, datado de 1943. Uma

passagem em particular sobressai-se como um aprendizado para os tempos adultos: “Tu te

tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.”26 A idéia, mundialmente conhecida e

repetida por décadas e décadas, deveria ser a fundação das relações humanas, sobretudo no

âmbito familiar. Somente assim, a relação paterno-filial ultrapassará o lado biológico,

chegando a satisfazer também o necessário vínculo sentimental.

26 Saint-Exupéry, Antoine. O pequeno príncipe. 48. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1974.

Page 41: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

37

REFERÊNCIAS

ANGELUCI, Cleber Affonso. Abandono afetivo: considerações para a constituição da dignidade da pessoa humana. Boletim Jurídico, Uberaba, MG, a. 4, nº 165. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1066>.

AZEVEDO, Solange; Machado, Juliano. O quebra-cabeça se fecha. Revista Época, São Paulo: Globo, n. 517, 2008.

BARROS, Sergio Resende de. A ideologia do afeto. Revista Brasileira de direito de família. Porto Alegre: Síntese, jul./ago./set., v. 14, n. 4, 2002.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

COMARCA DE CAPÃO DA CANOA, RS. 2ª Vara Cível. Juiz Mario Romano Maggioni. Processo nº 141/1.03.0012032-0. Ação de conhecimento. Sentença proferida em 16 set. 03.

CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS – Pacto de San José de Costa Rica. San José: 22 nov. 69. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>.

CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA. Nova York: 20 nov. 89. Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/doc_crianca.php>.

DIAS, Maria Berenice. Síndrome da alienação parental, o que é isso? . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1119, 25 jul. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8690>.

EIZIRIK, Mariana; BERGMANN, David Simon. Ausência paterna e sua repercussão no desenvolvimento da criança e do adolescente: um relato de caso. Revista de psiquiatria do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 26, n.3, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-81082004000300010>.

FRAGA, Thelma. A guarda e o direito à visitação sob o prisma do afeto. Niterói, RJ: Impetus, 2005.

GRISARD FILHO, W. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Pressuposto, elementos e limites do dever de indenizar por abandono afetivo: IBDFAM, São Paulo, 23 abr. 2007. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=288>.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos – além da obrigação legal de caráter material:

Page 42: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

38

IBDFAM, São Paulo, 23 abr. 2007. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=289 >.

LAURIA, Flávio Guimarães. A regulamentação de visitas e o princípio do melhor interesse da criança. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2002.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 307, 10 maio 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5201>.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=527>.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA - UNICEF. 20 nov. 1959. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/documentos_internacionais/id90.htm>.

MUSSEN, Paul Henry; CONGER, John Janeway; KAGAN, Jerome. Desenvolvimento e personalidade da criança. 4. ed. São Paulo: Harper & Row do Brasil, 1977.

NOVAES, Simone Ramalho. Abandono Moral. Revista da EMERJ. Rio de Janeiro: EMERJ, v. 10, n. 40, 2007.

OLIVEIRA, Caroline Ramos de. Afeto no âmbito jurídico. DireitoNet. Sorocaba, 18 jan. 2006. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/23/96/2396>.

PENA JR., Moacir César. Direito das pessoas e das famílias: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2008.

PENSO, Maria Aparecida; SUDBRACK, Maria Fátima. Envolvimento em atos infracionais e com drogas como possibilidades para lidar com o papel de filho parental. Psicol. USP, São Paulo, v. 15, n. 3, 2004 .

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha; SILVA, Cláudia Maria. Nem só de pão vive o homem. Sociedade e Estado, Brasília, v. 21, n. 3, 2006, p. 1. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/se/v21n3/a06v21n3.pdf>.

PEREIRA, Tânia da Silva. O “melhor interesse da criança”. In: PEREIRA, Tânia da Silva (Coord). O melhor interesse da criança: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

PEREIRA, Tânia da Silva. O princípio do “melhor interesse da criança” no âmbito das relações familiares. In: GROENINGA, Giselle Câmara; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord). Direito de família e psicanálise/ Rumo a uma nova epistemologia: Rio de Janeiro: Imago, 2003.

Page 43: Dano Moral Decorrente de Abandono Afetivo - TCC Camila Jardi

39

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. v. 6, 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

SAINT-EXUPÉRY, Antoine. O pequeno príncipe. 48. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1974.

SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Pais, filhos e danos. IBDFAM, São Paulo, 28 jun. 2004. Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=141 >.

SHINYASHIKI, Roberto. Um meio ou uma desculpa. Disponível em: <http://www.pensador.info/autor/Roberto_Shinyashiki/>.

SILVA, M. R. Sentimentos sobre a paternidade e envolvimento de pais que residem e pais que não residem com seus filhos. Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1ª Seção. MS 7.407/DF, Relator: Francisco Peçanha Martins. Brasília, DF, 24 abr. 2002. DJ 21.3.05.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 4ª Turma. REsp 757.411/MG, Relator: Fernando Gonçalves. Brasília, DF, 29 nov. 2005. DJ 27.03. 06, p. 299.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AI/670352, Relator: Gilmar Mendes. Brasília, DF, 21 ago. 07. DJ de 11.9.07.

TEYBER, Edward. Ajudando as crianças a conviver com o divórcio. Tradução de Carmem Youssef. São Paulo: Nobel, 1995.

TJMG. 7ª Câmara Cível. Apelação Cível nº. 2.0000.00.408550-5/000(1). Relator: Unias Silva. Belo Horizonte, MG, 01 abr. 2004. DJ de 29.4.04.

TJMG. 19ª Vara Cível. Ação Ordinária nº. 002400062465-0. Juiz de Direito Matheus Chaves Jardim. Belo Horizonte, MG, 26 jul. 2002.