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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
THALIS DE SOUZA MACHADO
RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DO ABANDONO
AFETIVO DOS FILHOS
CURITIBA 2013
THALIS DE SOUZA MACHADO
RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DO ABANDONO AFETIVO DOS FILHOS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Marcelo Nogueira Artigas
CURITIBA 2013
TERMO DE APROVAÇÃO THALIS DE SOUZA MACHADO
RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DO ABANDONO
AFETIVO DOS FILHOS
Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do título de Bacharel em Direito no Curso de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, de de 2013.
__________________________________ Professor Dr. Eduardo de Oliveira Leite
Universidade Tuiuti do Paraná Coordenador do Núcleo de Monografias
Orientador: Professor Marcelo Nogueira Artigas Universidade Tuiuti do Paraná – Faculdade de Ciências Jurídicas
Professor: Universidade Tuiuti do Paraná – Faculdade de Ciências Jurídicas Professor: Universidade Tuiuti do Paraná – Faculdade de Ciências Jurídicas
Dedicatória
Dedico este trabalho à minha filha Laura
que, com seus poucos meses de idade, me
proporcionou cultivar consigo laço perene
de afeto em seu mais amplo sentido.
Resumo
Versa a presente pesquisa a respeito do tema da responsabilização civil dos pais em razão do abandono afetivo dos filhos. A abordagem deste assunto, tão em voga em nossa jurisprudência, coincide com as transformações sociais e legislativas que refletem sobre o instituto da família, sobretudo, aquelas ocorridas nas últimas décadas; o que acaba por repercutir na formação da personalidade dos filhos. Este TCC tem a pretensão de apurar os danos decorrentes da ausência de afetividade e a subsunção desta conduta de abandono na órbita do dano moral com a consequente reparação. Para tanto, buscou-se análise da doutrina especializada, bem como pesquisa na jurisprudência pátria a fim de constatar sob quais fundamentos tem se decidido pela ocorrência ou não do dano moral. Através de toda a pesquisa, concluiu-se que o abandono moral e a falta de afetividade nas relações entre pais e filhos gera, invariavelmente, uma série de transtornos que maculam o crescimento da criança; tal abandono viola seus direitos, mormente o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo esta conduta passível de reparação. Palavras-chave: direito de família. responsabilidade civil. dano moral. abandono afetivo.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 06
CAPÍTULO I – A FAMÍLIA........................................................................................ 08
1.1. Evolução histórica e legislativa......................................................................... 08
1.2. Filiação............................................................................................................. 12
1.3. Família monoparental....................................................................................... 16
1.4. União estável.....................................................................................................18
CAPITULO II – RESPONSABILIDADE CIVIL........................................................... 23
2.1. Lineamentos históricos..................................................................................... 23
2.2. Pressupostos formais da responsabilidade civil................................................. 26
2.2.1. Culpa............................................................................................................... 26
2.2.2. Dano................................................................................................................ 29
2.2.3. Nexo de causalidade........................................................................................ 31
CAPÍTULO III – OS DANOS DECORRENTES DO ABANDO AFETIVO.................. 33
3.1. Dano moral........................................................................................................ 33
3.2. O Princípio da Afetividade................................................................................. 35
3.3. O Princípio da Paternidade Responsável..........................................................36
3.4. Estatuto da Criança e do Adolescente................................................................37
3.5. Dano moral decorrente da vulneração do princípio da afetividade.....................39
CAPÍTULO IV – INDENIZAÇÕES NOS CASOS FÁTICOS.......................................41
4.1 O posicionamento dos Tribunais........................................................................41
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 45
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 48
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INTRODUÇÃO
Esta monografia tem o escopo de apurar a responsabilidade civil dos pais em
função do abando afetivo, fundamentando a ocorrência do dano moral no princípio
maior da dignidade da pessoal humana.
Inicia-se a pesquisa à respeito do instituto da família, contemplando uma
breve evolução histórica, onde constata-se as mudanças incidentes sobre a célula
base da sociedade desde Roma, onde a família era representada pela suprema figura
do pater.
Posteriormente, este chefe que mantinha poder absoluto em sua casa,
inclusive sobre a vida e morte dos filhos, mulher e escravos, sofreu uma mitigação de
seu poder, mormente no período do feudalismo. Igualmente no Brasil, a família seguia
os moldes patriarcais, mantido pelo Código Civil de 1916. Passou o direito de família
por grandes transformações quando da promulgação da Constituição de 1934 e com
o advento da Declaração Universal dos Direitos do Homem, diploma este que igualou
os direitos entre o homem e a mulher.
Grande evolução notou-se com a edição das leis que deram à mulher o direito
pleno de exercer os atos da vida civil e a que permitiu o divórcio, possibilitando que
um novo casamento fosse realizado.
Dado este passo, o presente trabalho traz uma breve explanação concernente
à filiação, salientando que, em virtude da evolução do ordenamento jurídico, não há
mais que se falar em filhos legítimos ou ilegítimo, aliás, a norma atual veda a
discriminação dos filhos em virtude da origem do liame de parentesco entre pais e
filhos. Ainda, tratou à respeito do planejamento familiar.
Além disso, contempla dois modelos de família tutelados pela Lei Maior, quais
sejam: família monoparental, formada por um dos progenitores e sua prole; e a união
estável, que é a relação duradoura entre homem e a mulher desimpedidos,
notoriamente pública, contínua e com a intuito de constituição familiar.
Tratativa pormenorizada recebeu o tema da responsabilidade civil, abarcando
um breve histórico deste tão importante instituto do Direito Civil, bem como seus
pressupostos formais: culpa, dano e nexo causal.
Em capítulo à parte, situa-se uma explanação pertinente ao dano
extrapatrimonial, concluindo pela constatação do dano moral em casos que a vítima
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suporta a dor, o vexame e a humilhação que ultrapassa a normalidade e atinge
diretamente o comportamento psicológico, causando-lhe angústia, aflição e
desiquilíbrios no seu bem-estar.
Demonstrado as hipóteses de verificação do dano moral, a presente pesquisa
versa, na sequência, à respeito do princípio da afetividade, que é um subprincípio da
dignidade da pessoa humana, previsto na Norma Ápice; e da proteção integral dos
filhos, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Mais adiante, tratou do
princípio constitucional da paternidade responsável, que ostenta notória importância
por ser o norteador do planejamento familiar.
Recebeu destaque o Estatuto que regulamenta os direitos da criança e do
adolescente e os deveres dos pais em relação à estes. Diploma este que tutela o
direito à vida, liberdade, dignidade, à saúde, à educação e à convivência familiar e
comunitária, sempre com vistas a garantir às pessoas em formação de sua
personalidade todas as condições necessárias para um sadio e pleno
desenvolvimento mental, moral e social, afastando-as de quaisquer condições que
influam negativamente em sua constituição como cidadã.
Com o objetivo de demonstrar a ocorrência do abandono afetivo em virtude
do abado dos filhos, esta pesquisa contém doutrina especializada que milita no
sentido de que é indispensável à pessoa em desenvolvimento a atenção, carinho, e
todo o amparo necessário para conduzir a criança ao seu desenvolvimento sadio e
pleno.
Insta salientar que a inobservância do direito à convivência com seus
progenitores, causará diversos transtornos à prole, abalando sua integridade psíquica
e moral, danos que repercutiram por toda sua vida. Assim sendo, busca-se apurar a
caracterização do dano moral, já que o conceito de afeto é um tanto quanto subjetivo,
cabendo ao magistrado analisar de acordo com o caso concreto.
Por fim, com toda a discussão atual que circunda a temática deste trabalho,
analisamos algumas decisões prolatadas pelos tribunais pátrios, buscando
posicionamentos pela caracterização do dano moral em razão da inexistência de
afetividade para com os filhos e salientando os fundamentos das decisões.
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CAPÍTULO I – A FAMÍLIA
1.1. – Evolução histórica e legislativa
Para o direito contemporâneo, importa a evolução da família à partir de Roma,
donde adveio inconfundível estrutura e tornou-se unidade jurídica, econômica e
religiosa, respaldada na autoridade soberana de um chefe, o pater familias.
A instituição fundava-se no poder marital. É que os membros da família eram
unidos por um liame mais forte que o nascimento: a religião doméstica e o culto,
dirigido pelo pater, aos antepassados. Tão poderoso era este vínculo, que a filha,
quando do abandono do lar em virtude de seu casamento, passava a cultuar os
antepassados do marido.
No concernente ao parentesco, na família romana admitia-se duas
modalidades de parentesco: os agnados, onde os descendentes masculinos do pater,
os filhos, os adotados e a esposa submetiam-se ao poder do chefe, caracterizando o
parentesco civil; e os cognados, parentesco natural caracterizados pela
consanguinidade, formado pelos descendentes e ascendentes em linha reta. O direito
de família romano admite o parentesco por afinidade, mas este laço restringia-se ao
segundo grau.
O pater familias, chefe absoluto em sua casa, exercia poder de vida e morte
sobre seus filhos, mulher e escravos, sendo-lhe assegurado a faculdade de dispor das
pessoas e bens, tanto que os demais integrantes do grupo estavam fadados a serem
inteiramente absorvidos pela figura incontrastável do senhor vitalício do lar, como bem
explica Orlando Gomes
A esposa está in manu, perdurando o vínculo conjugal enquanto existisse a affectio maritalis. Os filhos são incapazes. Bens que adquirissem, pertenciam-lhe, salvo os que podiam constituir determinados pecúlios, ampliados no direito pós-clássico. Sobre os escravos exercia a domenica potestas. Monogâmica e exogâmica, a família romana traduz o patriarcado na sua expressão mais alta [grifo do autor] (GOMES, 2002, p. 39).
Na instituição romana o affectio era presumido, simplesmente pelo fato de
haver a submissão ao poder do pater. Com relação ao matrimônio a presunção não
se fazia diferente, pois se mantinha a submissão a um poder, bem como se
demonstrava a intenção de viver uma vida em comum. Neste modelo de família
patriarcal a ausência do affectio não era motivo para dissolução do vínculo
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matrimonial, tendo em vista que enxergava-se a família como um conjunto de pessoas
e bens que estavam subordinados a um chefe.
No direito romano, os filhos não se emancipavam ao atingir certa idade como
hoje ocorre, nem era dado à mulher a possibilidade de ser elevada à posição de chefe
da família, pois vivia totalmente submissa ao marido, desempenhando apenas o papel
de mãe e esposa.
Comprovando o enraizamento do direto moderno na elaboração normativa
romana, à exemplo do Código Civil brasileiro de 1916, na família romana a filiação era
dividida em legítima ou ilegítima, conforme procedesse ou não de justas núpcias,
revelando o repúdio às relações extramatrimoniais.
A igreja sempre se preocupou com a organização da família, disciplinando-a por sucessivas regras no curso dos dois mil anos de sua existência, que por largo período histórico vigoraram, entre os povos cristãos, como seu exclusivo estatuto matrimonial. Considerável, em consequência, é a influência do direito canônico na estruturação jurídica do grupo familiar [grifo do autor] (GOMES, 2002, p. 40).
Tanto é que a doutrina dos impedimentos matrimoniais e as noções relativas
à nulidade do matrimônio originam-se do direto canônico, presentes no atual
ordenamento jurídico dos povos ocidentais. Assim como a exacerbada solenidade e
o princípio do imprescindível consensualismo, aplicado aos nubentes, deriva das
práticas da Igreja.
Ainda na esteira do estado de filiação e a influência da Igreja, assevera o autor
A proibição do reconhecimento dos filhos adulterinos e incestuosos mantida na maioria dos Códigos modernos, provém da condenação da Igreja às uniões sexuais de que provêm esses filhos. Por sua influição, abrandou-se, porém, a condição dos bastardos, admitida sua legitimação por subsequente matrimônio, se ao tempo da concepção não houvesse impedimento matrimonial entre os pais (GOMES, 2002, p. 41).
Nos tempos modernos, com o sistema feudal, a família perdeu essa
significação rígida típica do direito romano, mas conservou seu caráter religioso,
econômico e político.
O que se destaca, nesta fase, é o seu elemento político, figurando a família
como organismo compacto com interesses e despesas comuns, sob a dependência
de uma vontade soberana, qual seja, satisfazer as necessidades de seus membros.
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A autoridade do chefe da família ainda subsiste, mas de maneira mais branda, pois
não havia mais aquele exercício absoluto de poder.
Tais mudanças se deram por força da importância atribuída ao casamento,
notadamente pelo cristianismo, e através da limitação aos laços de sangue.
Sofreu o modelo tradicional familiar profundas alterações influenciadas pela
Escola de Direito Natural, privando-a de qualquer função política, pugnando pelo
enfraquecimento da autoridade do pater e negando o viés religioso do matrimônio, no
entanto,
Os princípios dessa doutrina forma [sic], em grande parte, acolhidos no Código de Napoleão. Mas o direito de família, sistematizado nesse monumento legislativo, funda-se ainda na autoridade paterna e no poder marital, na incapacidade e submissão da mulher, na igualdade dos filhos legítimos e na inferioridade da condição dos ilegítimos. O casamento foi secularizado, tornando-se contrato civil, e o divórcio permitido. Perdeu a família sua importância, quer do ponto de vista econômico, quer do ponto de vista político, passando a primar, na sua organização jurídica, sob forma inorgânica, as relações pessoais e patrimoniais entre seus membros, reduzidos, praticamente, aos cônjuges e à prole [grifo do autor] (GOMES, 2002, p. 41).
Em sua evolução pós-romana, reduz-se o grupo familiar a pais e filhos,
perdendo seu viés autoritário para uma visão de compreensão e amor, baseando as
relações de parentesco na consanguinidade.
Também no Brasil, a família era submissa ao pater, não conferindo à mulher
o direito de exercer atos da vida civil. Tratava-se de um modelo patriarcal. Somente
reconhecia-se os filhos frutos de justas núpcias ou que fossem legitimados. Com o
advento do Código Civil de 1916, perdurou o modelo familiar patriarcal, no entanto, a
mulher já não era mais tão subordinada, ou seja, teve seu papel de submissão
relativizado.
Com a Constituição de 1934, a família passa a ser considerada um organismo
social e jurídico e com a Lei 883 de 21 de outubro de 1949, possibilitou-se a
investigação de paternidade de filho não proveniente de justas núpcias.
Muito embora não contou com o reconhecimento pelo ordenamento jurídico
brasileiro, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) representou grande
evolução para o direito de família ao proclamar a igualdade absoluta de direitos entre
o homem e a mulher, conforme seu preâmbulo: “Considerando que os povos das
Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na
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dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das
mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida
em uma liberdade mais ampla”, bem como o art. XVI: 1. Os homens e mulheres de
maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito
de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao
casamento, sua duração e sua dissolução. 2. O casamento não será válido senão com
o livre e pleno consentimento dos nubentes”. Ainda, a mesma carta proclamada pela
ONU, vedou a distinção entre filhos havidos ou não do casamento.
Inobstante, em 1962 foi promulgado o Estatuto da Mulher Casada (Lei 4121
de 1962), momento em que a mulher torna-se plenamente capaz para exercer todos
os atos da vida civil.
Outra importante evolução legislativa na família brasileira deu-se em 1977
com a edição da Lei 6515. Desta maneira, permitiu-se o divórcio em substituição ao
antigo desquite, possibilitando a celebração de um novo matrimônio.
A família moderna sucumbiu às transformações sociais. A mulher deixa de ser
uma mera colaboradora no lar e conquista seu espaço no mercado de trabalho. Há
quem sustente que a igualdade plena de sexos existe de fato, pautado na
emancipação feminina.
Fato é que a mulher não exerce mais o papel de procriadora na família,
podendo decidir, inclusive, por não ser mãe. Portanto, a família moderna tende a
contar com uma prole reduzida, como esclarece José Sebastião de Oliveira:
A família atual não é composta mais de grandes grupos. Já foi o tempo em que, além do marido, da esposa e de vários filhos, a família ainda era composta de genitores dos cônjuges e descendentes daqueles. O estágio sócio-cultural-econômico não mais permite esta estrutura que é impossível de ser atualmente, sustentada. [...] Vários foram os fatores que contribuíram para que a família fosse concebida como unidade formada por pais e filhos. O aspecto econômico, nesse contexto, teve fundamental importância. Não é preciso muito esforço para se ter uma razoável noção do custo que é ter um filho na atualidade. Não se pode olvidar que dar condições dignas de vida para que um ser humano alcance o seu estágio de amadurecimento social e intelectual custa muito caro: são no mínimo duas décadas de incessantes investimentos (OLIVEIRA, 2002 p. 231).
Neste modelo nuclear de família, o vínculo biológico não é mais seu
fundamento, mas sim o vínculo afetivo. Assim sendo, caminha a família na busca da
realização pessoal, da felicidade de seus membros. Tanto que, inexistindo o vínculo
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afetivo, dissolve-se a família para que outra se constitua e busque a felicidade,
excetuando desse rompimento afetivo os filhos, os quais dependerão perpetuamente
da terna relação com seus pais.
Tanto é verdade que a própria Constituição Federal, em seu art. 226, guindou
a família monoparental e a união estável à categoria de entidade familiar, merecedora
da proteção do Estado.
Isto posto, a tutela legislativa concernente à proteção dos os filhos viu-se na
obrigação de igualmente evoluir. E assim o fez, dedicando especial atenção ao pátrio
poder em relação ao desenvolvimento da criança no seio familiar, conforme
trataremos adiante.
1.2. – Filiação
Filiação é a relação entre duas pessoas estabelecida pelo fator biológico ou
afetivo. Considerada em face do pai, denomina-se paternidade, em face da mãe,
maternidade. É a mais importante, a mais próxima relação de parentesco.
Com o advento da Constituição Cidadã, que nos trouxe uma nova base
jurídica da estruturação familiar e social, o legislador lançou uma nova visão de
respeito aos princípios constitucionais da igualdade, liberdade e, sobremaneira,
respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, decorrendo daí a proteção
isonômica dos filhos.
Hodiernamente, o ordenamento jurídico brasileiro veda terminantemente a
discriminação da prole em virtude da forma como se originou o laço de parentesco
entre pais e filhos, conforme bem pontua Paulo Lôbo:
No Brasil, a filiação é de conceito único, não se admitindo adjetivações ou discriminações. Desde a Constituição de 1988 não há mais filiação legítima, filiação ilegítima, filiação natural, filiação adotiva ou filiação adulterina (LÔBO, 2009, p. 195).
Ilustrando a irrelevância da forma como se originou o liame de parentesco
entre pais e filhos, dentro ou fora do casamento, naturais ou adotivos, encontramos a
seguinte jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, decidindo, dentre outras
controvérsias, sobre direito sucessório de herdeiro necessário adotivo:
PROCESSUAL CIVIL. INCLUSÃO. PÓLO PASSIVO. POSTERIOR. CITAÇÃO. POSSIBILIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7-STJ. CIVIL. PARTILHA. NULIDADE.
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HERDEIRO PRETERIDO. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. ADOÇÃO. CÓDIGO CIVIL. ÉPOCA ANTERIOR. ATUAL CONSTITUIÇÃO. MORTE. DE CUJUS. SUCESSÃO. ABERTURA. ÉPOCA POSTERIOR (1989). ADOTADO. FILHOS DO CASAMENTO. DISCRIMINAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1 - Não viola os arts. 264 e 294, ambos do CPC a inclusão no polo passivo da demanda de maridos e esposas dos primitivos réus, posteriormente à citação destes, porquanto não efetivada nenhuma alteração na causa de pedir ou no pedido, restando incólume a estabilidade da causa. 2 - Segundo iterativos precedentes das Turmas especializadas em direito privado desta Corte a prescrição para anular partilha, onde preterido herdeiro necessário, é a vintenária. 3 - Aferir se há ilegitimidade passiva ad causam demanda revolvimento de aspectos fático-probatórios, vedados pela súmula 7-STJ. Precedentes do STJ. 4 - Ocorrida a morte da autora da herança em 1989, quando já em vigor o art. 227, § 6º, da Constituição Federal, vedando qualquer tipo de discriminação entre os filhos havidos ou não do casamento, ou os adotivos, a recorrida, ainda que adotada em 1980, tem direito de concorrer aos bens deixados pela falecida, em igualdade de condições com os outros filhos, prevalecendo, nesse caso, os arts. 1572 e 1577, ambos do Código Civil de 1916. 5 - Recurso especial não conhecido. [sem grifo no original] (REsp 260.079/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 17/05/2005, DJ 20/06/2005, p. 288).
Ainda nesta esteira, consagrando o princípio constitucional da igualdade dos
filhos, temos a norma trazida pelo Código Civil/2002:
Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Inobstante a inequívoca vedação legal de designações discriminatórias e
diferenciadas repercussões por conta da origem da filiação, a norma traz em seu bojo,
para os filhos advindos do matrimônio, a presunção de paternidade e a forma de sua
impugnação; para os havidos fora do casamento, critérios para o reconhecimento,
seja judicial ou voluntário; e, aos adotados, outros requisitos para sua efetivação
(GONÇALVES, 2010, p. 305).
Superada a fase de desigualdade no tratamento aos filhos que outrora
permeava a legislação pátria, a norma vigente não deixa dúvidas no tocante à
isonomia da prole, independentemente de sua origem, obstando efeitos jurídicos
diferenciados nas relações afetivas e patrimoniais.
A Carta magna, frente ao momento social calamitoso vivido à época de sua
promulgação, pelo qual ainda passamos de marginalização da criança no processo
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de integração social, destinou um longo capítulo concedendo proteção integral à
família e à criança.
Especialmente, a Constituição Federal de 1988 revelou grande preocupação
com a situação dentro da família, donde se verifica, muitas vezes, o surgimento da
degradação da criança, seja por violência física, sexual ou moral.
Desta maneira, as instituições sociais devem agir implacavelmente, com o fito
de coibir a prática de tais violências que influenciaram no desenvolvimento psicológico
e social da criança, em cumprimento ao mandamento constitucional contido no § 4º
do art. 227, preconizando que “a lei punirá severamente o abuso, a violência e a
exploração sexual da criança e do adolescente”.
Representando um grande avanço na proteção de seus direitos, foi editada a
Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente,
consagrando o princípio da proteção integral dos menores em seu art. 4º, que merece
transcrição:
Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Portanto, evidenciada está a imprescindibilidade dos esforços da família, do
poder público e da sociedade, com o objetivo comum de efetivar os direitos garantidos
legalmente, visando atender ao melhor interesse do menor.
No que tange ao planejamento da filiação, é de livre opção dos pais,
inexistindo a possibilidade de intervenção estatal ou social com a finalidade de limitar
ou condicionar o desenvolvimento de sua prole, conforme bem ensina Lôbo:
A Constituição Federal (art. 226, § 7º) estabelece que, fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, “o planejamento familiar é de livre decisão do casal”, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. Não apenas do casal, mas de qualquer dos pais, uma vez que a entidade monoparental é constituída por apenas um dos pais e seus filhos (LÔBO, 2009, p. 197).
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Limita-se o Estado a orientar, por meio de ações preventivas e educativas, um
planejamento familiar responsável, garantindo a todos o acesso a informações, meios,
métodos e técnicas que visem a regulação da fecundidade, sem ter, contudo, tais
ações, natureza coercitiva.
O planejamento familiar possui liame direto com o princípio da paternidade
responsável, explicitado no disposto constitucional retro mencionado pelo doutrinador
e também no art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que reza: “o
reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e
imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer
restrição, observado o segredo de justiça”
Trata este princípio da responsabilidade do pai, desde a concepção do filho,
pelos direitos e deveres advindos, priorizando assegurar a convivência familiar e
amparando-o ante os percalços da vida, até o momento que dele depender.
Tradicionalmente, destaca-se a espécie de presunção de concepção pater is
est, ou seja, supõe-se que a maternidade é sempre certa e o marido da mãe é,
normalmente, o pai dos filhos concebidos da coabitação. Esta regra já encontrava-se
no direito romano com os ditames: pater is este quem iustae niptiae demonstrant.
Tal presunção, estabelecida no art. 337 do Código Civil de 1916, serviu para
os povos do sistema jurídico romano-germânico, durante séculos e até milênios, para
acabar com a incerteza da paternidade. Regulada no Novo Código Civil, afirma o art.
1.597 que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
Como bem assevera Inácio de Carvalho Neto:
Essa presunção, naturalmente, é relativa, admitindo, portanto, prova em contrário. Mas os casos em que se admitia a impugnação da paternidade, no código de 1916 (art. 340), eram tão restritos que, na prática, tinha-se uma presunção quase absoluta. (NETO, 2007, p. 454)
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De relevante importância é o tema identidade parental biológica para algumas
crianças e adultos que carregam a dúvida sobre seu parentesco biológico.
Dependem dessa informação para a construção de sua identidade pessoal e
social, sobretudo no tocante a quem cabe o dever jurídico e social de sustento, guarda
e educação dos filhos, que refletirão diretamente na modelação da estabilidade
psicológica em suas vidas.
Destarte, não ocorrendo a livre perfilhação, assiste ao filho o direito de
reconhecimento via decisão judicial, através da denominada ação de investigação de
paternidade ou, raramente, maternidade.
Compete ao filho demandar o estado de filiação sendo, no caso de menor
absolutamente incapaz, representado pelo genitor que promoveu assento do seu
nascimento. Portanto, apenas àqueles que não tiveram sua filiação voluntariamente
reconhecida concerne a possibilidade de intentar tal demanda como esclarece, em
sua valiosa obra, Paulo Lôbo:
A investigação do estado de filiação tem por fito seu reconhecimento forçado, por decisão judicial, porque não houve reconhecimento voluntário. Assim, não é o meio adequado para impugnar paternidade registrada, com intuito de atribuir outra em seu lugar. Para essa finalidade, cabe ao interessado vindicar a invalidação do registro civil, porque não pode haver duplicidade de paternidade, uma registrada e outra reconhecida judicialmente (LÔBO, 2009, p. 243).
Havendo a procedência da ação, a própria sentença judicial suprirá o
reconhecimento voluntário quando de sua averbação no registro de nascimento do
filho, garantindo-lhe toda a gama de direitos e deveres típicos da relação entre pais e
filhos.
1.3. – Família monoparental
Esta outra forma de família era considerada como mera situação fática,
restrita ao concubinato, às margens da lei, tida como ilegítima até a Constituição de
1988. No entanto, sempre conservou seu poder de criar laços entre seus membros.
O Códex napoleônico manteve-se silente a respeito do assunto, condenando
esta união fática, sem levar em conta prováveis ou possíveis repercussões, conforme
explica Eduardo Leite em sua obra:
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O movimento legislativo, ao contrário do que se poderia imaginar – já que em Roma o concubinato foi mesmo objeto de disposição legislativa – se direcionou no sentido de minorar, ou mesmo, aniquilar os acontecimentos do mundo fático, ao arrepio do legislador, e que explica, de certa forma, a célebre frase do imperador francês a respeito do concubinato: Les concubins se passent de la loi,; la loi se desinteresse d´eux. [grifo do autor] (LEITE, 2003, p. 15).
O casamento civil, tido na sociedade tradicional como a maneira encontrada
para enfrentar uma economia rudimentar, era meio para se garantir a prosperidade do
grupo familiar e formar aliança entre duas famílias. A união legítima do casal, elevada
à categoria de casamento civil pelo Código napoleônico, era a chave para a vida
adulta, acarretando todos os direitos e obrigações civis dela decorrentes.
Aqueles grupos que não atendiam ao tradicional formato de família estavam
à mercê da repudia social e, em consequência, publicamente marginalizados (LEITE,
2003, p. 16).
No amago desta clássica concepção de família, a criança era tida como um
objeto que, integrando o grupo de filhos, ocupava seu lugar específico e
desempenhava um determinado papel, garantindo assim os valores familiares.
Com o alvorecer da família moderna, momento em que o casamento torna-se
a união de dois indivíduos e não mais duas famílias, vê-se a família voltada para ela
própria e para a criança, como bem nos ensina Leite:
O seu objetivo deixa de ser o interesse predominante das famílias de origem, ou dos pais de cada nubente, mas passa a ser a vida a dois, onde privilegiam o crescimento pessoal, a realização individual (dentro e fora do grupo familiar) e uma certa noção de felicidade. A família numerosa é substituída por uma célula mais restrita, preocupada em manter uma vida privada e íntima. O nascimento de uma criança não é mais encarado como uma fatalidade, mas como uma escolha deliberada dos esposos (LEITE, 2003, p. 16).
Em virtude do surgimento da família moderna que, segundo o entendimento
do mencionado doutrinador, ocorre a partir da década de 60, constatou-se a existência
de outros modelos de família que destoam daqueles originados no casamento e em
conformidade com a lei.
O fenômeno da monoparentalidade, reconhecido pela Lei Maior no art. 226, §
4º, ampliou o conceito de família, representando uma evolução legislativa ao incluir no
ordenamento jurídico este novo esquema familiar, composto por um dos genitores e
18
sua prole, fato bastante presente em nossa realidade. Assim sendo, tal
reconhecimento representou notável transformação na célula base da sociedade.
O abandono afetivo dos filhos, dentre vários fatores que geram esta entidade
familiar, nota-se constantemente na família monoparental originada da união livre, da
ruptura da vida conjugal e das mães solteiras.
Em ambos os casos, seus membros amargam todo tipo de preconceito, pois
este modelo é constantemente associado ao fracasso pessoal e total leviandade para
com a constituição da família “clássica”, desaguando na consequente marginalização
do grupo familiar monoparental.
A prole que encontra-se sob a responsabilidade de um dos genitores está à
mercê, além da discriminação social em todos os ambientes da vida cotidiana, de uma
situação de quase abandono. Por vezes, depara-se com as dificuldades econômicas,
visto que, na maioria dos casos, conta com o apoio apenas daquele genitor com quem
convive.
Ante tais dificuldades, o adulto responsável obriga-se a trabalhar além do
normal para que consiga prover o sustento, o que acaba gerando problemas de
diversas ordens, em razão da presença exígua perante seus filhos, isso tudo
considerando que o outro já não cumpre suas obrigações para com o desenvolvimento
dos infantes.
A privação do filho da convivência de um dos genitores suscita uma série de
sentimentos nocivos que interferirão diretamente em seu desenvolvimento pessoal,
principalmente complexo de inferioridade em relação às demais crianças. Na maioria
dos casos, nota-se efeitos de ordem psicológica, tais como depressão e medo
exacerbado. Ora, se a ausência de um dos genitores, em virtude de sua morte, é
passível de indenização por dano moral, não seria diferente no caso de privação da
convivência com o pai ou a mãe. Esta sensação de ausência com suas decorrências
macula todos os princípios ligados à humanidade (RIZZARDO, 2011, p. 688).
1.4. – União estável
Anteriormente denominada concubinato, essa convivência duradoura entre
homem e mulher sem impedimentos, aparentando um casamento e com o intuito de
constituir família teve seu reconhecimento na Constituição Federal de 1988, no art.
19
226, § 3º: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento”.
Também encontra essa relação familiar respaldo no art. 1723 do Código Civil
de 2002: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a
mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com
o objetivo de constituição de família”.
No concernente à importância de uma regulamentação legal das uniões de
fato, Venosa pontifica que:
[...] durante muito tempo, nosso legislador viu no casamento a única forma de constituição da família, negando efeitos jurídicos à união livre, mais ou menos estável, traduzindo essa posição no Código Civil do século passado. Essa oposição dogmática, em um país no qual largo percentual da população é historicamente formado de uniões sem casamento, persistiu por tantas décadas em razão de inescondível posição e influência da igreja católica. Coube por isso à doutrina, a partir da metade do século XX, tecer posições em favor dos direitos dos concubinos, preparando terreno para a jurisprudência e para a alteração legislativa (VENOSA, 2008, p. 36).
Hodiernamente, a concepção de união estável desvencilhou-se da noção de
concubinato, consistente no relacionamento amoroso entre pessoas casadas,
violadores do dever de fidelidade ou, comumente chamados, adulterinos.
Vale ressaltar que, a união duradoura de pessoas, embora casadas, mas
separadas de fato, não configura concubinato, conforme a boa letra do art. 1723, § 1º
do Código Civil Brasileiro/2002.
Mesmo antes do nosso códex atual, adveio a regulamentação do dispositivo
constitucional retro citado através da Lei nº 8971, de 29 de dezembro de 1994,
definindo como companheiros o casal comprovadamente unidos, solteiros, separados
judicialmente, divorciados ou viúvos, por mais de cinco anos, ou com filhos comuns.
Posteriormente, os requisitos de natureza pessoal, tempo estipulado de
convivência e existência da prole conjunta foram desassociados do conceito de união
estável através da Lei 9278, de 10 de maio de 1996, preceituando em seu art. 1º que
“é reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua,
de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”.
Ainda, substituiu o vocábulo companheiros por conviventes.
20
À exemplo do § 3º do art. 226 da Magna Carta, o dispositivo da Lei em
comento não faz expressa referência à união estável pura, ou seja, aquela que difere
do concubinato por inexistir impedimentos matrimoniais. Inobstante, aplica-se a esta
forma de família sua locução, eis que ambos os dispositivos legais abarcam o objetivo
norteador da união de fato, qual seja, a constituição familiar.
Com o advento do atual Código Civil brasileiro, que dedicou, no Livro de
Família, um título exclusivo a união estável, foram revogadas as mencionadas Leis
(8971/94 e 9278/96), visto que englobou os princípios basilares das referidas normas,
além de introduzir novas disposições atinentes ao tema, como na conjuntura da
competência para o exercício do Poder Familiar, em seu art. 1631.
O Diploma Civil vigente continuou a não estipular um tempo mínimo de
convivência, relacionando como elementos caracterizadores da união estável a
convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida como o objetivo de
constituição de família.
Admitiu-se expressamente o reconhecimento de união estável entre pessoas
que ostentam o estado civil de casadas e, no entanto, encontram-se factualmente
separadas. Bem como, reiterou os deveres dos conviventes, idênticos aos do
casamento, não fosse pela exceção da coabitação.
Em seu art. 1.726, o Código Civil prevê a possibilidade de converter a união
estável em casamento, “mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no
registro civil”. Sobre este dispositivo, merece destaque o comento do doutrinador
Carlos Roberto Gonçalves:
Exige-se, pois, pedido ao juiz, ao contrário da Lei n. 9278, de 10 de maio de 1996, que se contentava com o requerimento de conversão formulado diretamente ao oficial do Registro Civil. A exigência no novel legislador desatende ao comando do art. 226, § 3º, da Constituição Federal de que deve a lei facilitar a conversão da união estável em casamento, isto é, estabelecer modos mais ágeis de se alcançar semelhante propósito. (GONÇALVES, 2010, p. 616).
E segue criticando mordazmente o aludido artigo:
O supracitado art. 1.726 do Código Civil destina-se a operacionar o mandamento constitucional sobre a facilitação da conversão da união estável em casamento, facultando aos companheiros formular requerimento nesse sentido ao juiz e providenciar o assento no Registro Civil. No entanto, por não esclarecer o procedimento a ser adotado, mostra-se inócuo (GONÇALVES, 2010, p. 616).
21
Nesse contexto, segue a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do
Paraná, reformando, em sede de apelação cível, o entendimento do juízo a quo de
que faz-se necessário dirigir o pedido de convolação da união estável em casamento
ao oficial do Registro Civil:
AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL COM PEDIDO DE CONVERSÃO EM CASAMENTO - EXTINÇÃO DO FEITO, SEM JULGAMENTO DE MÉRITO, E ARQUIVAMENTO - FUNDAMENTO DE QUE O PEDIDO DEVE SER DIRIGIDO AO OFICIAL DO REGISTRO CIVIL, EM ATENDIMENTO AOS ARTIGOS 1525 E SS. DO CÓDIGO CIVIL, 8º, DA LEI Nº 9278/96 E ITENS 15.7.1 E SS. DO CÓDIGO DE NORMAS DA CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA - NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 226, § 3º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 1726 DO CÓDIGO CIVIL - NECESSIDADE DE PROCEDIMENTO JUDICIAL PARA RECONHECIMENTO DA CONVIVÊNCIA MORE UXÓRIA E POSTERIOR CONVERSÃO EM CASAMENTO, COM ASSENTAMENTO NO CARTÓRIO DE REGISTRO CIVIL - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - NULIDADE DA SENTENÇA - APELAÇÃO PROVIDA. [...]Portanto, se a própria Carta Magna e a lei substantiva civil assim determinam, não se pode pretender obstar a pretensão dos apelantes, sob o entendimento que o Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça, em seu item 15.7.1, estabelece que: "A conversão da união estável em casamento deverá ser requerida pelos conviventes ao oficial do registro civil das pessoas naturais de seu domicílio". Ora, o Código de Normas assim dispõe em aplicação ao estabelecido na Lei nº 9278/96, portanto, quando ainda não estava em vigência o Código Civil atual. Ademais, não há como se pretender que regra procedimental trazida pelo Código de Normas prevaleça em face de normas constitucional e material, sem dúvida, superiores hierarquicamente. Dessa forma, não há qualquer impedimento à apreciação judicial do pedido dos apelantes, não havendo que se falar em impossibilidade jurídica do pedido (fl. 33) ou ausência de qualquer condição da ação. [grifo nosso] (TJPR - 12ª C.Cível - AC - 623022-6 - Ponta Grossa - Rel.: José Cichocki Neto - Unânime - - J. 03.11.2010)
Dentre os deveres dos companheiros estão os de guarda, sustento e
educação dos filhos, semelhantes àqueles atribuídos aos cônjuges no matrimônio.
Trata-se a guarda de um direito-dever dos pais, decorrente do poder familiar,
associado ao poder conferido a ambos os genitores de fixar o domicílio da prole.
No momento da extinção da união estável os companheiros não encontram
maior dificuldade, eis que prescinde de qualquer formalidade para sua ruptura. Em
não havendo consensualismo quanto à prestação de alimentos, partilha dos bens e
guarda dos filhos, é facultado a qualquer um dos parceiros demandar judicialmente
pleiteando o reconhecimento e sua dissolução, bem como uma decisão acerca das
questões ora mencionadas.
22
No tocante aos direitos sucessórios dos companheiros, a obtenção do
reconhecimento ocorrerá através da habilitação no processo de inventário, estando a
união estável comprovada documentalmente ou mediante prévia declaração judicial
de sua existência.
Finalmente, a união estável é a relação duradoura entre homem e a mulher
desimpedidos, notoriamente pública, contínua e com a intuito de constituição familiar.
Muito embora, a jurisprudência atual tem decidido pela dispensabilidade da
diversidade de sexos. Este arranjo familiar surge e amolda-se à realidade brasileira,
seja em razão da vontade das pessoas, do custo ou qualquer outro fator advindo das
transformações sociais, como uma alternativa à união civil tradicional, mas que
observa os mesmos princípios do casamento.
23
CAPÍTULO II – RESPONSABILIDADE CIVIL
2.1. – Lineamentos históricos
Nos tempos primitivos, vigorava a justiça privada, onde a reação às práticas
danosas eram imprevisíveis e costumeiras, variando de acordo com a ira e a força
física da vítima. Era a justiça com as próprias mãos, livre da intervenção do Estado.
A primeira constatação de progresso jurídico no sentido de balizar essa
reação vingativa deu-se com a Lei de Talião, como bem pontifica Paulo Nader:
Foi com a Lei de Talião que surgiu, historicamente, o primeiro critério de ressarcimento de danos, que não se apoiava na Moral Natural. Pelo princípio estabelecido, haveria igualmente entre o mal infligindo e a consequência a ser aplicada ao agente. Os hebreus praticaram a Lei, embora sem lhe atribuir a denominação com a qual ficou conhecida, que é de origem latina – talis (igual, semelhante, tal); daí as palavras talio, talionis, cujo significado é: pena igual à ofensa. Na bíblia, consta a passagem ‘Mas, se se seguia a morte dela, dará vida por vida, mão por mão, pé por pé...’ [grifo no original] (NADER, 2009, p. 44).
A pena de talião foi adotada pela Lei das XII Tábuas e, de forma simétrica,
pelo Código de Hamurabi, que dispõe “Se alguém arranca o olho a um outro, se lhe
deverá arrancar o olho” (197ª disposição). Assim sendo, através da Lei de Talião,
estabeleceu-se uma pena igual à ofensa, mas ainda no âmbito da justiça privada.
Posteriormente, surgiu a composição voluntária, onde as partes ajustavam um
pagamento in natura ou quantia em dinheiro, encerrando a controvérsia e pondo fim
a inimizade. Desta fórmula, seguiu-se para a composição tarifada, que não permitia à
vítima definir qual seria a penalização do ofensor, visto que a tarifa já estava prefixada
em lei, ou seja, o interesse social sobrepunha-se ao interesse do indivíduo que sofreu
o dano. Esta é a fase embrionária da responsabilidade civil.
No concernente à origem da responsabilidade extracontratual, encontra-se
sua gênese na Lex Aquilia, que contém os princípios norteadores da responsabilidade
extranegocial.
No terceiro capítulo da Lex, dedicado ao dano causado ilicitamente,
contemplava a lesão em escravos, animais e bens materiais, cabendo a ação aos
“cidadãos romanos”. Em decorrência da sua ampla interpretação, passou a tutelar
também os peregrinos. Posteriormente, a proteção estendeu-se aos danos praticados
sem contato direto com as coisas materiais e, ainda, a todo dano ao direito. De acordo
24
com a Lex Aquilia, para a constatação do damnum injuria datum imprescinde três
requisitos: injúria, culpa e o dano. (NADER, 2009, p. 45).
Quanto à apuração da reparação, dependia o quantum do comportamento do
lesante. Se admitisse a culpa, era condenado no valor apurado, no entanto, se a
negasse e, em seguida, restasse comprovada a culpa, seria condenado ao
pagamento do dobro do valor constatado. Em Roma, a indenização era adstrita ao
dano materializado, não levava-se em conta os lucros cessantes para efeitos de
reparação.
O ordenamento romano não tinha a culpa como requisito para a reparação,
bastando apenas a consequência nociva da conduta. Somente à partir do Século V
surgiu a teoria da culpa em Roma, conforme verificado em Ulpiano (Digesto, livro IX,
título II, frag. 5, § 1): “Assim, pois, entenderemos aqui por injúria o dano causado com
culpa, ainda por aquele que não quis causa-lo”.
Relativamente ao dano moral, explica, citando festejados doutrinadores,
Nader:
Autores há que sustentam a sua reparabilidade em todos os tempos, como Henri Lalou: ‘Le droit à réparation du préjudice moral ou extrapatrimonial a été reconnu de tous temps. Le sujet est classique.’ Para os irmãos Mazeaud e Tunc, os romanos também o reconheceram ‘dans um três grand nombre de domains’. Igualmente, Cunha Gonçalves, para quem havia a reparação para os principais tipos de ofensas morais, como os ataques à honra [grifo do autor] (NADER, 2009, p. 46).
Hodiernamente, a responsabilidade civil aquiliana fundamenta-se nas teorias
de culpa e risco, cabendo apenas, a priori, nas hipóteses de culpa lato sensu, ou seja,
até as últimas décadas do Século XIX, era imprescindível que a conduta do agente
lesante fosse dolosa ou praticada com negligência, imperícia ou imprudência.
Já nos Séculos XVII e XVIII, a Escola de Direito Natural propiciou à ação de
ressarcimento uma evolução que a distanciou da tradição romana. Utilizando-se da
razão, criou-se os estatutos da conduta social, ao contrário do direito romano, que
tinham forte vínculo com o empirismo em seus métodos. No entendimento dos
seguidores desta Escola, o legislador não detinha liberdade plena, visto que a
elaboração das leis estava condicionada à dignidade humana.
O Códex napoleônico, considerado o marco inicial na era das codificações,
conferiu um sentido mais amplo à responsabilidade civil, abandonando a casuística e
25
acolhendo um critério abstrato e genérico, conforme seu art. 1382: Todo ato, qualquer
que seja, de homem que causar dano a outrem obriga aquele por culpa do qual ele
veio a acontecer a repará-lo”.
Este Diploma também distinguiu as figuras do delito, onde a conduta é dolosa;
e quase-delito, onde o ato ilícito é praticado mediante culpa stricto sensu, ou seja,
decorre de negligência ou imprudência. Ainda, em Roma, existia um rol taxativo dos
delitos, enquanto no Código Napoleão eram ilimitados, vez em que existia uma
fórmula abstrata e abrangente em conjunto com a previsão de algumas hipóteses.
A legislação francesa representou importante evolução no tema da
responsabilidade civil, sobremaneira no que tange à responsabilidade objetiva. A
jurisprudência, calcada no fato de que a teoria subjetiva de responsabilização já não
era condizente com o dinamismo e complexidade de uma sociedade industrializada,
iniciou a construção da teoria da presunção iure et de iure absoluta de culpa, restando
ao ofensor o ônus probandi da ocorrência de caso fortuito ou de outra causa que fosse
estranha à sua conduta para, somente assim, eximir-se da responsabilidade.
No Brasil, antes do Código Civil de 1916, vigoravam as Ordenações Filipinas,
insuficientes na abrangência dos fatos, reportando o intérprete ao Direito Romano e
ao Canônico, além dos costumes como fontes subsidiárias. Quanto à
responsabilidade extracontratual, somente previa-se na espécie subjetiva.
Preconizava que a reparação deveria ser a mais completa possível e a extensão dos
danos seria apurada por árbitros. Priorizava-se a reparação natural e, quando não
fosse possível o retorno dos fatos ao statu quo ante, apurava-se o quantum
indenizatório acrescido do valor de estima, que não poderia ultrapassar o dobro do
preço da coisa.
O Esboço de Teixeira de Freitas, a ilicitude do ato restou condicionada à sua
previa vedação legal. Se o ilícito civil também fosse penal, receberia denominação de
crime ou delito; se puramente civil, ofensa. No entanto, previu-se um terceiro gênero,
nomeado como faltas, que eram caracterizadas com a prática de atos proibidos pela
lei Civil, delitos ou não, mas sempre com uma obrigação preexistente. Continuava a
imprescindir a culpa, compreendida como o dolo, para a ocorrência de um dano, seja
enquadrado como delito, ofensa ou falta. Insta salientar a amplitude que deu à noção
de dano, abarcando, além daquilo que se perdeu, o lucro que se deixou de obter. Por
26
fim, também previu hipóteses de exoneração da culpa, tais como culpa exclusiva da
vítima e caso fortuito ou força maior.
Em 1916, o Código Beviláqua, que teve como fonte o Código napoleônico,
dispôs sobre a responsabilidade aquiliana na definição de ato ilícito, que era
caracterizado pela conduta por ação ou omissão; prejuízo a outrem ou violação de
direito; e dolo imprudência ou negligência do ofensor. Entretanto, obscuro ficou o tema
do dano extrapatrimonial, desafiando a doutrina e a jurisprudência quanto à
cumulatividade dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais. Bem como, tal codificação
exigiu o elemento volitivo na conduta ou culpa stricto sensu.
Existiu um projeto de Código das Obrigações, proposto pelo eminente jurista
Caio Mário da Silva Pereira em 1965, valendo-se da experiência de vigência do Códex
de 1916. Objetivava aperfeiçoa-lo, tanto que admitiu a responsabilidade objetiva nos
casos taxados em lei e, máxime, reconheceu que “O dano ainda que simplesmente
moral será também ressarcido”. Além disso, tal Projeto dispôs sobre as excludentes
da obrigação de reparar; sobre a responsabilidade do credor que demanda dívida já
paga ou não vencida; e a responsabilidade por fato de outrem.
O Código Civil vigente define a responsabilidade aquiliana pelo ato ilícito no
art. 186 e a reparação dos danos no art. 927. O aludido Diploma consagrou a
responsabilidade subjetiva na reparação de danos morais. Em relação à lei anterior,
inovou ao prever a responsabilidade objetiva, afora os casos estipulados em lei,
daquele que desenvolve atividade de risco, liberando a vítima da prova de culpa do
agente ofensor. Inobstante tais inovações, o instituto da responsabilidade civil
manteve-se silente no tocante aos danos ocorridos no âmbito familiar, cabendo a
doutrina especializada e ao labor dos tribunais regular a palpitante matéria, valendo-
se dos dispositivos gerais.
Isto posto, conclui-se que, a ideia de que os danos merecem reparação,
constitui um princípio existente desde a aurora da vida em sociedade, sofrendo
alterações somente os critérios de avaliação e ressarcimento dos danos, restando
inalterado o espírito da responsabilidade civil: alterum non laedere.
2.2. – Pressupostos formais da responsabilidade civil
2.2.1. – Culpa
27
A responsabilidade civil encontra sua base fundamental no art. 186 do atual
Código Civil, que consagra: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência
ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito”.
Difere o mencionado dispositivo de seu corresponde no Diploma Civil de 1916
(art. 159), o qual não mencionava, de maneira expressa, o dano extrapatrimonial.
Extrai-se do mesmo os elementos gerais da responsabilidade civil: conduta humana,
dano e nexo causal.
A culpa, propriamente dita, é formada, na previsão do mencionado dispositivo,
por dois elementos: negligência e imprudência. A negligência constitui-se na omissão
do sujeito em relação às precauções necessárias para que sua conduta não macule
o dever ao qual está obrigado, é a ausência de diligência e prevenção. Já imprudência
denota-se na leviandade com que o agente conduz determinada atitude, ocasionando
um ato que traz consequências ilícitas previsíveis, ainda que não pretendidas.
Vale aqui transcrever as ponderações de Rui Stoco pertinentes aos elementos
formadores da culpa:
A culpa pode empenhar ação ou omissão e revela-se através: da imprudência (comportamento açodado, precipitado, apressado, exagerado ou excessivo); da negligência (quando o agente se omite deixa de agir quando deveria fazê-lo e deixa de observar regras subministradas pelo bom senso, que recomendam cuidado, atenção e zelo); e da imperícia (a atuação profissional sem o necessário conhecimento técnico ou científico que desqualifica o resultado e conduz ao dano) [grifo do autor] (STOCO, 2007, p. 130).
Entretanto, não se trata a culpa de pressuposto fundamental da
responsabilidade civil, eis que devemos ter em mente a existência de outra espécie
de responsabilidade que abre mão deste elemento para sua caracterização, qual seja,
a objetiva.
O elemento culpa advém da conduta humana, de fundamental análise para a
responsabilidade civil. Portanto, apenas o homem, por si ou representando as
pessoas jurídicas que forma, poderá ser civilmente responsabilizado.
Trata-se a culpa da conduta humana positiva ou negativa (omissiva), que
contém a vontade do agente e acaba por causar prejuízo ou dano. É importante frisar
que imprescinde esta conduta, para efeitos de responsabilização, do elemento volitivo,
consistente na livre escolha do agente, como bem leciona Maria Helena Diniz:
28
A imputabilidade, elemento constitutivo de culpa, é atinente às condições pessoais (consciência e vontade) daquele que praticou o ato lesivo, de modo que consiste na possibilidade de se fazer referir um ato a alguém, por proceder de uma vontade livre. Assim, são imputáveis a uma pessoa todos os atos por ela praticados, livre e conscientemente. Portanto, ter-se-á imputabilidade, quando o ato advier de uma vontade livre e capaz. Para que haja imputabilidade é essencial a capacidade de entendimento (ou discernimento) e de autodeterminação do agente [grifo nosso] (DINIZ, 2008, p. 45).
Destarte, na ausência da voluntariedade, que pode ser entendida como a
consciência daquilo que se está fazendo, não há ação humana e, consequentemente,
sem existir o elemento culpa não há que se falar em responsabilização civil.
Ainda no viés do livre arbítrio na conduta, leciona Silvio Rodrigues:
Se o dano foi causado voluntariamente, há dolo. Este se caracteriza pela ação ou omissão do agente, que, antevendo o dano que sua atitude vai causar, deliberadamente prossegue, com o propósito mesmo de alcançar o resultado danoso (RODRIGUES, 2008, P. 147).
Pode a conduta humana ser classificada em positiva ou negativa. A primeira,
consiste numa atuação positiva, onde o comportamento ativo do agente causa um
dano a outrem. Já na segunda forma, certa abstenção do sujeito, ou seja, uma atuação
negativa, gera um dano atribuível a este, que será responsabilizado. É a inteligência
do art. 186 do Código Civil, que apregoa a responsabilidade daquele que “por ação
ou omissão voluntária” causar evento danoso.
Via de regra, a conduta humana deve vir arraigada na ilicitude para que seja
imputado o dever de indenizar ao causador do ato lesivo, ou seja, deve ocorrer uma
atuação contrária ao direto.
Entretanto, o doutrinador Gagliano pontifica que:
Sem ignorarmos que a antijuridicidade, como regra geral, acompanha a ação humana desencadeadora da responsabilidade, entendemos que a imposição do dever de indenizar poderá existir mesmo quando o sujeito atua licitamente. Em outras palavras: poderá haver responsabilidade civil sem necessariamente haver antijuridicidade, ainda que excepcionalmente, por força de norma legal [grifo do autor] (GAGLIANO, 2009, p. 31).
Tomando por base a valiosa lição, temos que a ilicitude nem sempre
acompanhará a conduta humana causadora do evento lesivo que culminará na
responsabilização do agente. Para exemplificar esta ideia, nos valeremos do
paradigma contido na obra do mesmo autor:
29
[...] no caso da passagem forçada, o dono do prédio encravado sem acesso À via pública, nascente ou porto, tem o direito de constranger o vizinhos a lhe dar passagem, mediante pagamento de indenização cabal (art. 1.258, CC-02; art. 559, CC-16). Nesse caso, verifica-se que o vizinho constrangido poderá responsabilizar civilmente o beneficiário do caminho, exigindo a indenização cabível, mediante o ajuizamento de ação ordinária, se não houver solução amigável [grifo do autor] (GAGLIANO, 2009, p. 32).
Logo, cabe-nos dizer que nem sempre o agir humano estará eivado de
antijuridicidade para que seja passível de atribuição da responsabilidade ao causador
do evento danoso. De outra banda, em que pese a facilidade de encontrar no
ordenamento jurídico exemplos de responsabilização decorrente de ato lícito, ou seja,
comportamento amparado pela lei, a regra geral funda-se na conduta humana
associada a ilicitude.
2.2.2. – Dano
Este outro elemento mostra-se imprescindível para que se configure a
responsabilidade civil do agente ante o ato danoso por ele praticado. Porquanto, sem
ocorrer o prejuízo, material ou extrapatrimonial, não há que se falar em
responsabilização.
O dano donde decorre o dever de indenizar ou ressarcir pode derivar tanto da
responsabilidade contratual quanto da aquiliana, da espécie objetiva ou subjetiva. É
possível existir responsabilidade sem culpa, mas se não prepondera o dano,
considerado sua pedra de toque, afastada estará a responsabilização.
É oportuno notar que o interesse jurídico tutelado nem sempre será
patrimonial, porque a lesão pode ocorrer face a um direito ou interesse
personalíssimo, tocando a dimensão coexistencial do homem, ou seja, interesses
inatos à sua condição humana. Sobre a tutela dos direitos da personalidade, pontifica
Pablo Stolze Gagliano:
É muito importante, pois, que nós tenhamos o cuidado de nos despir de determinados conceitos egoisticamente ensinados pela teoria clássica do Direito Civil, e fixemos a premissa de que o prejuízo indenizável poderá decorrer – não somente da violação do patrimônio economicamente aferível – mas também da vulneração de direitos inatos à condição de homem, sem expressão pecuniária essencial (GAGLIANO, 2009, p. 37).
Na reparação do dano extrapatrimonial, a pecúnia a ser paga não tem o condão de valorar economicamente a dor, mas sim de atenuar as consequências do
30
evento danoso, além de penalizar o causador da sensação dolorosa experimentada pela vítima deste evento.
Após esta abreviada glosa acerca do dano moral, pormenor que será tratado
neste trabalho em tópico adiante, voltamos a nos ater ao assunto do dano como um
dos pressupostos da responsabilidade civil que é.
Alguns doutrinadores, à exemplo de AGUIAR DIAS (1994, p. 07-08),
defendem a ideia de que o dano, no prisma da Lei Civil, macula não apenas interesses
individuais, sob o forte argumento de que o equilíbrio é o interesse primordial da
sociedade, uma constante busca da lei que deve ser igualitária a todos. Aduz que não
somente a vulneração de uma norma penal pode atingir a sociedade como um todo,
pois o indivíduo é integrante da sociedade e, tendo seu patrimônio abalado, tal
prejuízo igualmente repercutirá no equilíbrio social.
Em sua obra, Maria Helena Diniz (2008) enumera os requisitos mínimos para
que determinado dano seja passível de reparação. São eles: A diminuição ou
destruição de um bem jurídico, patrimonial ou moral, pertencente a uma pessoa;
efetividade ou certeza do dano; causalidade; subsistência do dano; legitimidade e
ausência de causas excludentes de responsabilidade.
Em apertada síntese, não haveria dano sem existir alguém lesado em seus
interesses materiais ou extra materiais; também o dano deve ser consequência
necessária, certa, inevitável e previsível do evento danoso, não cabendo lesão
hipotética; prescinde de um liame causal entre a falta cometida e a lesão, podendo
ser, em relação ao fato danoso, direto ou indireto (dano por ricochete); perdura o dano
até o momento em que ocorrer sua reparação, que poderá ser pelo responsável, pela
vítima – subsistindo a lesão pelo quantum da reparação – ou por terceiro, competindo-
lhe a sub-rogação no direito do lesado; por fim, decorrendo o dano de caso fortuito ou
força maior, culpa exclusiva da vítima, culpa concorrente, culpa comum, culpa de
terceiro ou existindo convenção sobre a não indenização, não há que se falar em
dever indenizatório, ao menos em caráter integral, imputado ao lesante.
Destarte, sem a ocorrência de um dano – conditio sine qua non para a
responsabilidade civil – patrimonial ou moral, a um bem jurídico tutelado, não pode
haver responsabilização, devendo restar comprovada a lesão de maneira inequívoca
para que seja possível pleitear o pagamento de indenização frente ao prejuízo
causado pelo agente lesante.
31
2.2.3. – Nexo de causalidade
A relação de causa e efeito entre a conduta do agente contrária ao seu dever
jurídico e o dano sofrido por alguém forma o elemento nexo de causalidade, pois se a
conduta imputada a alguém não foi a determinante da lesão, não há que se falar em
ato ilícito e, consequentemente, responsabilização do agente.
Constitui um fato sem o qual o dano não teria ocorrido, é um vínculo entre a
ação e o prejuízo. O dano pode decorrer diretamente ou como sua consequência
previsível, ou seja, verificando-se que a lesão não adviria se não tivesse se dado o
fato, estaremos diante de uma hipótese de efeito necessário da ação do lesante.
Não se pode confundir causalidade com imputabilidade, pois esta última se
define considerando-se elemento subjetivo da conduta, e a causalidade é o atestado
de que a conduta imputada foi, efetivamente, a causadora do dano. Pode ocorrer
imputabilidade sem o correspondente nexo causal, como exemplo: alguém coloca
veneno na bebida a ser tomada por uma pessoa, mas esta, antes da ingestão causar
efeito, vem a falecer em razão de um ataque cardíaco (NADER, 2009, p. 106).
Postula Paulo Nader (2009) que existem três teorias relativas ao nexo causal:
da equivalência das condições ou conditio sine qua non; da causalidade adequada e
a do dano direito e imediato.
A teoria da equivalência das condições, projetada pela concepção filosófica
do inglês John Stuart Mill e, posteriormente, reformulada por Von Liszt, prega a
impossibilidade de atribuir, exclusivamente, diante de um complexo de condições, a
um determinado antecedente uma importância que o eleve ao conceito de causa. De
sorte que o nexo causal é o conjunto de todas as condições necessárias e suficientes
para o desencadeamento do evento danoso. Inobstante, a causa também pode ser
considerada qualquer condição singular nas hipóteses em que mostra-se como
condição indispensável para a ocorrência do evento. Esta teoria não contempla a
responsabilidade objetiva, que prescinde o elemento culpa.
De acordo com a teoria da causalidade adequada, tendo como seu expositor
Von Kriès, o resultado danoso será sempre decorrência natural da conduta originária,
independente de outras circunstâncias. Isto posto, em sede de responsabilidade civil
e diante de uma pluralidade de circunstâncias que concorreram para a ocorrência do
32
resultado, considera-se causa adequada aquela que interferiu de maneira decisiva na
produção do dano.
Por derradeiro, a teoria do dano direto e imediato indica como responsável
pelo dano o último agente da cadeia causal, ou seja, o prejuízo realiza-se em virtude
da última contribuição para sua ocorrência. A relação da causa e efeito é direta e
imediata.
Esta última, também denominada teoria da causa próxima, é apontada por
muitos doutrinadores como a aplicável em nosso ordenamento jurídico, à exemplo de
Carlos Roberto Gonçalves, que leciona “o nosso Código adotou, indiscutivelmente, a
do dano direito e imediato, como está expresso no art. 403; e das várias escolas que
explicam o dano direto e imediato a mais autorizadora é a que se reporta à
consequência necessária (NADER, 2009, p. 112)
O ônus probandi deste pressuposto da responsabilidade civil cabe àquele que
intentar demanda reparatória, com bem assevera Paulo Nader:
Independente do tipo de responsabilidade – subjetiva ou objetiva –, fundamental no curso da ação é a prova da causalidade, ônus da vítima ou seus dependentes. Não bastam as definições da autoria de uma conduta comissiva ou omissiva e da culpa do agenda ou hipótese de risco. Essencial é a comprovação judicial do nexo de causa e efeito entre a conduta e o dano. Tal prova há de ser produzida pela parte interessada na reparação do prejuízo [grifo do autor] (NADER, 2009, p. 113).
Trata-se o nexo causal de fundamento indissociável para a responsabilização
civil de alguém em face do dano ocasionado por sua conduta. Todavia, existem
motivos excludentes do nexo causal que, por romper o liame, afastam a
responsabilidade. Na ótica de Maria Helena Diniz, são eles: culpa exclusiva da vítima;
culpa concorrente; culpa comum; culpa de terceiro; força maior ou caso fortuito;
cláusula de não indenizar, que exclui a responsabilidade civil, não por desaparecer a
relação de causalidade, mas por conta da convergência de vontades.
33
CAPÍTULO III – OS DANOS DECORRENTES DO ABANDONO AFETIVO
3.1. – Dano moral
Com o intuito de apurar a violação do Princípio da Afetividade na relação entre
pais e filhos, cumpre-nos tecer algumas considerações pertinentes ao dano
extrapatrimonial.
Pode-se definir o dano moral como a lesão de interesses extrapatrimoniais,
tais como personalidade, honra, integridade psíquica e bem estar, de pessoa física ou
jurídica (conforme art. 52 do Código Civil e súmula 227 do STJ) ocasionada por
conduta prejudicial. Ou, como bem pontifica Clayton Reis,
Todos os autores consagram um perfil a respeito do dano moral, como sendo aquele que atinge o patrimônio ideal das pessoas, ou seja, capaz de ensejar um sentimento negativo no espírito da vítima, causando-lhe sensações desagradáveis decorrentes das perturbações psíquicas causadas pela agressão (REIS, 2010, p. 8).
É contemplado na Norma Fundamental, no título dos direitos e garantias
fundamentais, em seu art. 5º, inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material
ou moral decorrente de sua violação”. Toda conduta que atinja a integridade
psicofísica da pessoa, vulnera o princípio constitucional da Dignidade, previsto no art.
1º, inciso III da Constituição Federal/88, conforme afirma com acerto Clayton Reis
A partir do momento em que a Constituição brasileira de 1988 elegeu como direito fundamental do Estado Democrático a dignidade da pessoa, que representa um acervo de valores ideais que qualificam o ser humano, passou-se a considerar o dano moral como ofensa ao princípio da dignidade da pessoa (REIS, 2010, p. 8).
De igual modo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948
proclama, em seu art. 12, que “Ninguém será sujeito a interferências na sua vida
privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua
honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências
ou ataques”.
Antes da promulgação da Carta Política vigente, havia posicionamentos
contrários à indenização por danos morais, tanto em sede jurisprudencial quando
doutrinária. Atribui-se tal divergência à falta de clareza do Código Bevilaqua à respeito
do tema. Assim sendo, duas correntes coexistiam, aquela que admitia indenização
34
sempre que houvesse o dano moral e outra que restringia as hipóteses de cabimento,
tornando-as numerus clausus (NADER, 2009, p. 84).
Entretanto, a Constituição Cidadã trouxe à luz o reconhecimento do direito à
indenização por danos morais e, consequentemente, a Lei Civil/2002 consagrou o
direito à compensação em todos os casos que houver dano, “ainda que
exclusivamente moral” (art. 186), deixando para a doutrina especializada as dúvidas
acerca de sua verificação no caso concreto e a definição do quantum.
O patrimônio individual também é formado por bens imateriais, de valores
inapreciáveis economicamente. A condenação à indenização por danos morais não
visa a reparação, visto a impossibilidade do retorno ao status quo ante da vítima, mas
sim, tem duplo objetivo de compensa-la e desestimular a reiteração de condutas que
violem a intimidade e gerem reações perturbadoras na psique.
Como bem pondera Paulo Nader:
Destarte, nem todos os prejuízos causados as vítimas são de natureza material. Há valores humanos que, uma vez atingidos, provocam sofrimento, angústia, desespero e impõem reparação. Quando o ato ilícito atenta contra os direitos da personalidade, como o nome, a honra, a liberdade, a integridade física, a imagem, a intimidade, tem-se danos morais, suscetíveis de indenização [...]. O dano é moral quando alguém atenta contra a constituição física da pessoal natural ou a atinge em sua composição incorpórea, como o nome, a honra, a liberdade em diversas manifestações, a psique [grifo do autor] (NADER, 2009, p. 82).
Já em Roma houve a constatação da possibilidade de ocorrência do dano
não-patrimonial, mormente em relação a ofensa à honra. Segundo Ihering, a vítima
poderia sofrer lesão em sua pessoa ou em seu patrimônio. No caso de dano
extrapatrimonial, caberia a ação de injúria abstrata e, recaindo sobre bem material,
competia-lhe a ação de injúria concreta (NADER, 2009, p. 82).
Classifica-se em dano moral direto e indireto. No primeiro caso, a lesão ocorre
em face de um bem imaterial, ofendendo diretamente os direitos da personalidade ou
atributos da pessoa; por seu turno, o dano indireto é aquele que, verificado em face
de um bem de natureza material muito estimado por seu titular, gera prejuízo a
interesse extrapatrimonial da vítima.
Apenas exige-se a prova da conduta, do resultado danoso e, via de regra, o
liame causal. Porquanto, dispensa-se a exigência de se provar a dor, presumindo esta
ante a ocorrência de certos fatos, como exemplo, a perda de um ente querido, lesão
35
impossível de verificação para fins compensatórios, visto que ocorre no psiquismo da
pessoa.
Outra hipótese de dispensa probatória é o corriqueiro caso de inserção
indevida de nome no cadastro de dívidas não pagas Acerca deste exemplo, o Superior
Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que “a própria inclusão ou
manutenção equivocada configura o dano moral in re ipsa, ou seja, dano vinculado à
própria existência do fato ilícito, cujos resultados são presumidos” (Ag 1.379.761).
Interessante questão é a do dano reflexo (ou por ricochete) concernente à
esfera moral. Possibilita-se a uma pessoa pleitear indenização por danos morais
sofridos em decorrência de ato ilícito que vitimou outrem com o qual possuía ligação.
Exemplifica-se tal hipótese com o caso do filho que, alvejado por bala perdida, acha-
se em estado permanente de tetraplegia. Compete aos pais pleitear, além do custeio
das despesas medicas e hospitalares, bem como danos estéticos, indenização por
danos morais em consequência da incapacidade e da gravidade dos danos causados
a descendente.
Por derradeiro, considera-se dano moral a dor, o vexame, a humilhação que
ultrapassa a normalidade e atinge diretamente o comportamento psicológico,
causando ao indivíduo angústia, aflição e desiquilíbrios no seu bem-estar. Todavia,
em se tratando de meros dissabores, aborrecimentos, mágoas ou sensibilidade
demasiada, não há que se falar em reparação por dano moral, visto que fazem parte
do cotidiano moderno, além de não romperem o equilíbrio psicológico da pessoa.
3.2. – O princípio da afetividade
A família é o núcleo natural responsável pela formação da personalidade do
indivíduo. As relações familiares estão diretamente ligadas ao afeto, que é a base de
sua constituição. Assim sendo, inexistindo o vínculo afetivo, não há mais razão de
existir a família, em virtude de estar fundada no consenso de permanecerem juntos.
No entanto, havendo filhos, os efeitos do rompimento do vínculo conjugal não devem
atingi-los, ou estaria caracterizado o abandono afetivo.
Arnaldo Rizzardo salienta que: Desde o nascimento, o carinho, a atenção, a envolvente presença física são indispensáveis para o crescimento e o desenvolvimento sadio e normal do ser humano. A ausência de tratamento afetivo e carinhoso pode acarretar
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insegurança, rebeldia e revoltas na criança, que evoluem para os desajustes sociais e os mais variados traumas na medida em que se dá o crescimento e se alcança a idade adulta. O tratamento afetivo, carinhoso, amoroso, atencioso, cuidadoso, de constante presença e acompanhamento, é indispensável para a personalidade normal e ajustada, para a adaptação ao meio social, e para a integração no campo das afetividades (RIZZARDO, 2011, p. 681).
No entanto, é costumeiro, após a dissolução do vínculo conjugal, o
distanciamento entre pais e filhos. É mais comum ainda que o progenitor, via de regra,
paterno, constitua nova família, afastando o filho de sua convivência. Assim sendo,
constata-se filhos desamparados afetivamente. Muito embora cumpra-se o dever
alimentar em relação à prole, este progenitor deixa de dar amor, deveras
imprescindível à formação do ser humano, causando transtornos psíquicos que
prejudicará todo o desenvolvimento da criança.
Muito embora não exista previsão expressa de tal princípio em nosso
ordenamento jurídico, esta dedicação que se deve dispensar aos filhos encontra
respaldo nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção
integral dos filhos, previstos no art. 1º, III da Carta Magna, considerados fundamentos
da República Federativa do Brasil, assim como, encontra amparo no Estatuto da
Criança e do Adolescente, Lei 8069 de 1990.
Assim sendo, de acordo com a dogmática jurídica moderna, estes princípios
ostentam força normativa. Transgredir um princípio é muito mais grave do que violar
uma norma, pois estaria afrontando todo um sistema. Assim sendo, a violação do
princípio da afetividade, que encontra fundamento no princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana e da proteção integral dos filhos, caracteriza ato ilícito
que gera o dano moral.
3.3. – O princípio da paternidade responsável
Está previsto no art. 226, § 7º da Constituição da República, dispondo que o
planejamento familiar é de livre decisão do casal, fundado nos princípios da dignidade
da pessoa humana e da paternidade responsável. Bem como, o Diploma Civil vigente
aventou em seu art. 1.565 que “o planejamento familiar é de livre decisão do casal” e
que é “vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições públicas e privadas”.
Planejamento familiar compreende ato de escolha consciente, a partir de um
processo educativo e de esclarecimento quanto à decisão do número de filhos que a
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pessoa deseja ter, respeitando assim o direito fundamental à dignidade humana. Está
relacionado com a garantia que todo cidadão tem de definir e decidir, a partir de
condições dignas de vida, para poder receber e entender uma informação e educação,
promovidas pelo Estado, sobre constituir família, ter um ou mais filhos ou não ter filhos.
Insta salientar que o princípio da paternidade responsável está diretamente
relacionado ao princípio da dignidade humana. Portanto, existindo a prole, é dever
dos pais dedicar-lhes uma criação digna, propiciando-lhes apoio material e imaterial
visando garantir todos os direitos que lhes cabem.
Assim sendo, o princípio sob comento tem como escopo orientar a entidade
familiar sobre a formação da prole, que será de livre escolha do casal, no entanto,
uma escolha consciente; pois se o desejo for ter filhos, terá para com cada um deles
a responsabilidade de propiciar o pleno desenvolvimento pessoal pelo tempo que
bastar para tanto.
3.4. – Estatuto da criança e do adolescente
Com a entrada em vigor da Lei 8069 de 1990, a legislação entrou em
consonância com os ditames constitucionais, consagrando os direitos fundamentais
da criança e do adolescente previstos na Lei Maior. O Estatuto da Criança e do
Adolescentetutela o direito à vida, à saúde, a igualdade entre os filhos, resguardando-
a de qualquer violência física ou psicológica.
Da mesma forma, garante aos tutelados pela lei o direito à liberdade e à
dignidade, pois “acrescentando-se à liberdade, o respeito e a dignidade aos demais
direitos, ter-se-á, sem dúvida, uma vereda que conduza o menos a um
desenvolvimento adequado, condizente com a finalidade da lei” (ELIAS, 2010, p. 27).
O direito à liberdade mostra-se de conceito amplo, trata da faculdade de agir
como melhor lhe aprouver, mas sempre observando o regramento jurídico. No caso
dos menores, há restrições, tais como em casos de viagem – disciplinados nos arts.
83 e 85 da Lei em comento – bem como, existem lugares onde estão impedidos de
frequentar, tais como danceterias e casas de espetáculos, sempre visando a
preservação da criança e do adolescente.
Notadamente, o Diploma rege o direito à convivência familiar e comunitária,
garantindo à criança e ao adolescente o direito de crescer e ser educada no seio
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familiar. Assim sendo, caso não seja possível o desenvolvimento sadio da criança na
família natural, será colocada em uma família adotiva ou substituta, de forma a lhe
garantir um ambiente adequado para seu saudável desenvolvimento.
No tocante ao dever de guarda, sustento e educação dos filhos, o Estatuto
enfatiza os mesmos mandamentos da Constituição da República, presentes no atual
Código Civil, e acrescenta a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações
judiciais.
Em virtude do poder familiar, outrora denominado pátrio poder, a Lei 8069
atribuiu aos pais o dever de guarda e companhia, ou seja, o dever de assisti-lo, estar
presente e acompanha-lo no desenvolvimento de sua vida, estabelecendo laço perene
entre pais e filhos, com o objetivo de garantir um pleno desenvolvimento psíquico,
através da troca de experiências e um relacionamento afetuoso.
No esteio da afetividade, as normas protetivas da criança e do adolescente,
em vários momentos, tomam por base o afeto entre pais e filhos, formidável exemplo
é o instituto da adoção. Tamanha importância se dá à sadia convivência familiar da
pessoa em desenvolvimento, que o Estatuto disciplina a possibilidade de adoção, ou
seja, o acolhimento da criança, por ato de amor e vontade, no seio de família diversa
daquela biológica, com o intuito de dar todo o amparo necessário à criança que sofre
o abandono e decorrentes privações.
Atendendo ao ditame constitucional, o Estatuto em tela disciplina o direto à
educação, com vistas a propiciar à criança e ao adolescente pleno desenvolvimento
de sua personalidade. Atribuiu este dever ao Estado e à família. Portanto, se os pais
ou responsáveis não o encaminharem à educação escolar, estarão sujeitos às
sanções de ordem civil e criminal. Por sua vez, se houver negligência do Estado em
oportunizar a educação, responderá nos termos do art. 208, I, da Lei em comento.
As disposições aqui comentadas e as demais previstas na Lei 8069 de 1990,
aplicam-se à todas as criança e adolescentes, com o objetivo comum de assegurar-
lhes todas as condições necessárias para um sadio e pleno desenvolvimento mental,
moral e social, afastando-as de quaisquer condições que influam negativamente em
sua constituição. Afinal, o Estado tem sob sua tutela aqueles que definirão o futuro de
nossa sociedade.
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3.5. – Dano moral decorrente da vulneração do princípio da afetividade
A afetividade dos pais é indispensável ao desenvolvimento pleno da criança.
Para tanto, depende ela da presença e efetiva participação dos progenitores em sua
caminhada, lhe dando atenção, carinho, aconchego e todo o amparo necessário para
enfrentar os percalços da vida a fim de tornar-se um ser humano sem traumas e
inseguranças.
Entretanto, Arnaldo Rizzardo pontifica que:
A realidade que vai se ampliando revela a existência cada vez maior de famílias compostas de um dos pais com os filhos, realçando a predominância da mãe e dos filhos; evidencia o fenômeno da ausência dos pais no dia a dia dos filhos, em face da necessidade de desenvolver funções remuneradas; e ostenta não raramente um amadurecimento e uma liberação precoce da criança e do adolescente, o que é favorecido pela intensa difusão dos meios de comunicação e pelo prematuro regimento de semi-internato em creches e casas de acolhimento de crianças (RIZZARDO, 2011, p. 688).
Mediante este retrato, evidenciam-se os prejuízos decorrentes da privação do
filho da convivência dos pais. A violação deste direito, assegurado no art. 19 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, gera, em maior ou menor grau, frustrações e
carências, que impactarão negativamente na formação do ser humano.
A convivência com seus progenitores é um direito da criança. Muito embora
estes possam estar separados, subsiste a obrigação em manter a convivência, ainda
que em datas combinadas, com o fito de acompanhar o desenvolvimento da prole,
dispensando-lhes afetividade, carinho, atenção, enfim, participando na vida da criança
para que lhe assegure integridade física, psicológica e moral.
Congênere ao que neste trabalho já foi tratado, considera-se dano moral a
dor, o vexame, a humilhação que ultrapassa a normalidade e atinge diretamente o
comportamento psicológico, causando ao indivíduo angústia, aflição e desiquilíbrios
no seu bem-estar. Destarte, o dano moral é aquele que não macula bens materiais do
indivíduo, mas sim lesiona seu caráter subjetivo, acarretando prejuízos em seu bem
estar.
Vale salientar, as relações e vínculos afetivos familiares são essenciais para
o pleno desenvolvimento do indivíduo, pois é na família que baseará seu modelo de
personalidade. Assim sendo, é dever dos pais, além de todo o sustento material, dar
apoio moral e psíquico à prole, visando, através da vivência afetiva, gerar na criança
valores que orientarão o desenvolvimento de sua personalidade.
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Isto posto, conclui-se pela magnitude da manutenção do vínculo afetivo entre
pais e filhos, sem o qual a criança estará fadada a um crescimento repleto de
inseguranças, angústias, aflições e vários outros transtornos de ordem psicológica,
atingindo fatalmente seu desenvolvimento pessoal.
Ora, sendo a convivência com seus progenitores um direito da criança e
estando a afetividade em fina sintonia com os princípios da dignidade da pessoa
humana e da proteção integral dos filhos, não resta dúvida que é possível a
responsabilização daquele que abandona afetivamente sua prole.
Conforme outrora exposto, atualmente vige o entendimento de que a violação
do princípio da afetividade, calcado na dignidade da pessoa humana, é passível de
gerar dano moral, ato contínuo, este merece ser reparado.
Sendo a ternura o laço que envolve o grupo familiar e esta a célula base da
sociedade, merecedora da proteção do Estado, fica claro que o desamor para com
seus membros, mormente em relação à prole, ocasiona prejuízos diversos à formação
do indivíduo.
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CAPÍTULO IV – DECISÕES EM CASOS FÁTICOS
4.1. – O posicionamento dos tribunais
Iniciando este capítulo, analisaremos a decisão do TJPR assim ementada:
I - APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTE DE ABANDONO AFETIVO. SENTENÇA QUE JULGA IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL SOB O FUNDAMENTO DE AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. II - CERTIDÃO NO DISTRIBUIDOR ONDE CONSTA DIVERSAS AÇÕES DE ALIMENTOS AJUIZADAS PELA AUTORA. III - ATO ILÍCITO CARACTERIZADO. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE À CONVIVÊNCIA FAMILIAR. ART. 227 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. IV - DANO MORAL. DEVER DE INDENIZAR. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. V - VALOR DA INDENIZAÇÃO FIXADO EM R$5.000,00. VI - RECURSO PROVIDO. (TJPR - 8ª C.Cível - AC - 768524-9 - Foz do Iguaçu - Rel.: Jorge de Oliveira Vargas - Unânime - - J. 26.01.2012)
Neste caso, a autora ajuizou, representada por sua genitora, demanda de
indenização por danos morais, alegando que o abandono por parte de seu pai lhe
gerou dor, angústia, aflição e humilhação.
O juiz de primeiro grau entendeu pela improcedência do pedido, sob o
fundamento de inexistir ato ilícito, vez em que não cabe ao Estado obrigar que uma
pessoa tenha laços afetivos com outra e, tão pouco, caberia suprir a falta deste
sentimento com uma reparação pecuniária.
A autora recorreu à segunda instância, sustentando que, em virtude da
distanciamento proposital do pai para com sua filha, ocorreu o ato ilícito, pois restam
violados o direito ao estado de filiação e os princípios da paternidade responsável e
da afetividade.
Assim sendo, o Tribunal deu provimento à apelação cível, sob o fundamento
de que o próprio pai reconheceu o distanciamento de sua filha e do direto à
convivência familiar previsto no art. 227 da Carta Magna, pois cabe aos pais o dever
de assistir, alimentar, educar e amparar seus filhos. Fundamenta, também,
acertadamente, que o desprezo do pai pela filha fere o princípio fundamental da
dignidade da pessoa humana.
Em outro caso peculiar, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais também
entendeu pela existência do dano moral em razão do abandono afetivo:
EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PATERNIDADE RECONHECIDA - OMITIDA PERANTE A SOCIEDADE EM
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INFORMATIVO LOCAL - CIDADE DE PEQUENO PORTE - REPERCUSSÃO GERAL - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - SENTENÇA MANTIDA. - A falta da relação paterno-filial, acarreta a violação de direitos próprios da personalidade humana, maculando o princípio da dignidade da pessoa humana. - Conforme entendimento jurisprudencial consolidado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, possível a indenização por danos morais decorrentes da violação dos direitos da criança - Inteligência do art. 227 da Constituição Federal. (Apelação Cível 1.0144.11.001951-6/001, Relator(a): Des.(a) Wanderley Paiva , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/02/2013, publicação da súmula em 01/03/2013)
A autora ajuizou ação indenizatória em razão de sua irresignação ao notar
que o pai, em uma espécie de “biografia” publicada em veículo local, não a reconheceu
como filha. Eis que é fruto de uma relação extraconjugal, e o demandado já constituíra
família, com base nisso, decidiu por não publicar o fato que considera vexaminoso,
visando, em sua ótica, preservar sua família e a filha inconformada, pois entendeu que
esta sofreria uma discriminação ainda mais grave se viesse à público a notícia de que
é fruto de um relacionamento extraconjugal.
Assim sendo, o juiz a quo julgou procedente o pedido e condenou o réu ao
pagamento de indenização por danos morais. Este apelou da decisão, alegando que
reconheceu a apelada como sua filha, tanto que a registrou e cumpre com o
pagamento de pensão alimentícia, além de a visitar sempre que possível, pois residem
em cidades distintas.
Inobstante, não obteve êxito. O juízo ad quem entendeu que, muito embora
tenha registrado sua filha, a negou perante à sociedade, violando seus direitos da
personalidade e maculando o princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana, bem como o art. 227 da Constituição Federal, que estabelece os direitos da
criança e os deveres da família quanto a estas.
Em outro caso concreto, encontramos o Recurso Especial julgado pelo
Superior Tribunal de Justiça, onde decidiu-se pela improcedência da ação que
pleiteava a compensação de danos morais decorrentes do abando afetivo:
RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido.
43
(REsp 757.411/MG, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 29/11/2005, DJ 27/03/2006, p. 299)
O filho intentou demanda contra seu pai a fim de obter condenação por danos
morais. Sustentou que, embora cumpridas as obrigações alimentares, negligenciou
seu dever de assistência psíquica e moral, visto que evitava o contato e obstou a
convivência deste filho com sua meio irmã. Assim sendo, alega o demandante que
toda a situação lhe causou dor e sofrimento, ensejadores de reparação civil.
Por seu turno, o genitor alegou que manteve convivência com seu filho nos
primeiros oito anos de vida, presença esta somente interrompida pela conduta da mãe
que esforçava-se em obstar a convivência. No entanto, mesmo via telefone, o pai
sempre buscou dar seu apoio ao autor.
Isto posto, o juiz singular decidiu pela inocorrência do dano moral, visto que,
de acordo com o laudo pericial, era impossível ligar os sintomas psicopatológicos à
ausência paterna; além disso, fundamenta o magistrado que a demanda interposta é
motivada pela indignação advinda da revisão de pensão alimentícia intentada pelo
genitor. Ademais, não poderia ser atribuído somente ao pai o embate emocional
sofrido pelo filho em virtude do processo litigioso de separação pelo qual passaram
seus progenitores.
Em sede de Apelação, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu pela
ocorrência do dano sofrido pelo autor em sua dignidade por conta da conduta ilícita
daquele que deixou de cultivar o laço paterno-filial. Com base no princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana, reconheceu o dano moral e condenou
o apelado ao pagamento de indenização.
Irresignado, o apelado interpôs Recurso Especial. Argumentou a ausência dos
elementos constitutivos do ato ilícito, motivo pelo qual não caberia a condenação.
Neste particular, o STJ pronuncia-se acatando ser impossível compelir alguém à amar
e que, para estes casos de abandono afetivo, a perda do poder familiar já cumpriria
as funções punitiva e dissuasória, pleiteadas pelo autor ao tentar enquadrar a conduta
do pai como ato ilícito passível de reparação por danos morais. Ainda, traz à baila a
celeuma que geraria uma disputa judicial que viesse a condenar o pai ao pagamento
de uma indenização ante sua ausência para com seus filhos, ou seja, o litígio
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certamente edificaria uma barreira impeditiva para o estreitamento da relação terna
entre pai e filho.
O Recurso contou com um voto à favor do recorrido, sustentando que existe
o dano em virtude da conduta de abandono adotada pelo pai e o nexo casual entre
esta e o abalo psíquico experimentado pelo autor da demanda ordinária. Ainda,
argumentou o Ministro que a destituição do Poder Familiar, sanção própria do direito
de família, não obsta a indenização por dano moral. Inobstante, o Recurso logrou
êxito, afastando a condenação imposta pelo Tribunal estadual.
Ante tais posições jurisprudenciais, vislumbra-se que a questão do abandono
afetivo, novidade em nosso ordenamento jurídico, vem sendo enfrentada com
posicionamentos antagônicos. No entanto, a maioria dos julgados entendem que a
privação do filho da convivência com o pai gera dor, angústia, e sofrimentos
psicológicos diversos, capazes de interferir diretamente na formação do indivíduo.
Assim sendo, estará violado o princípio da dignidade da pessoa humana e todos os
demais a este ligado, surgindo o dever de indenizar em virtude do ato ilícito de
abandono da prole.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por todo o exposto na presente pesquisa, nota-se que a entidade familiar
passou por diversas transformações, mormente em relação à seu alicerce, que
passou do culto aos antepassados à relação de mútuo afeto. Verificou-se também
que, nos tempos primórdios desta entidade, o pater mantinha poder absoluto, inclusive
de morte e vida sobre seus filhos, mulher e escravos. Ademais, a mulher vivia
totalmente submissa ao poder do marido, não lhe facultando o exercício de quaisquer
direitos.
No tocante à filiação, ficou evidente a divisão em legítima e ilegítima, conforme
procedesse ou não de justas núpcias o filho, distinção esta adotada pelo Código Civil
de 1916. Tudo isso influenciado pela Igreja, a qual repudiava as relações
extraconjugais. Somente com a Escola de Direito Natural o pater teve seu poder
relativizado, assim como o viés religioso do matrimônio.
Igualmente, em que pese adotar o modelo familiar patriarcal, o Código
Beviláqua previa à mulher certos direitos, não a deixando completamente subordinada
à vontade marital. Posteriormente, viu-se notórias evoluções legislativas pertinentes à
família, tais como a lei que possibilitou a investigação de paternidade e a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, de 1948, que proclamou a igualdade de direitos
entre homem e mulher, bem como vedou expressamente a distinção entre filhos.
Para a mulher, importante evolução nota-se com a edição do Estatuto da
mulher casada e com o advento da lei que possibilitou o divórcio. Hodiernamente, a
mulher deixa de ser mera colaboradora e busca, cada dia mais, sua independência.
Assim sendo, conquista, muito merecidamente, seu lugar no mercado de trabalho,
caminhando a família para um número reduzido de filhos, visto que a mulher opta ou
não por tornar-se mãe.
A família é, indubitavelmente, a união através do vínculo afetivo, com o intuito
de buscar a realização pessoal e a felicidade de seus integrantes. Seja o modelo
familiar tradicional, monoparental, formada pela união estável – conforme
reconhecidos de forma inovadora na Constituição Federal de 1988 – ou outro que
componha célula formadora da sociedade, todas são merecedoras da tutela estatal.
Ainda a respeito da filiação, este trabalho constatou que, atualmente, o
ordenamento jurídico veda de maneira inequívoca a discriminação entre os filhos,
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garantindo-lhes tratamento igualitário nas relações afetivas e patrimoniais. Mormente,
a preocupação do Estado em resguardar a criança de qualquer ameaça que possa
impactar negativamente em seu desenvolvimento, como por exemplo, a edição do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Mais adiante, o trabalho apresenta ponderações pontuais acerca dos modelos
familiar monoparental e união estável, concluindo pela presença cada vez maior na
sociedade destas novas células, que também são merecedoras da tutela estatal e
voltadas para o bem estar da criança.
Com a análise do instituto da responsabilidade civil, percebeu-se que sua
evolução partiu da justiça privada, passando pelo balizamento da pena na exata
extensão do dano, composição voluntária, até chegar à responsabilidade aquiliana e
a objetiva, atualmente contempladas em nosso ordenamento jurídico e de notória
aplicação prática.
Concernente aos fundamentos da responsabilidade civil, vimos que, para que
exista a obrigação de reparar, faz necessário a presença da conduta, acompanhada
do elemento volitivo; do dano, que é a diminuição ou destruição de um bem jurídico;
do nexo causal, fundamento indissociável para a responsabilização civil do agente
causador do evento danoso.
Todavia, pode ocorrer a responsabilização independente da culpa, nos casos
de responsabilidade civil objetiva; se a conduta não implicar a diminuição ou redução
de um bem jurídico, se não houver efetividade e certeza, causalidade, subsistência,
legitimidade para reclamar a reparação e houver causas excludentes de
responsabilidade, não existe o dano, obstando a obrigação de reparar; ainda, havendo
o rompimento do liame causal, afastada estará a responsabilidade, de acordo a teoria
da causa próxima, adotada por nosso ordenamento jurídico.
Acerca do dano moral, a pesquisa conclui que é a dor, o vexame, a
humilhação que ultrapassa a normalidade e atinge o comportamento psicológico,
causando no indivíduo angústia, aflição e desiquilíbrios no seu bem estar. Assim
sendo, por tratar-se de ato ilícito esta violação nos direitos da personalidade, cabe ao
agente que adotou a conduta ensejadora dos danos repara-los.
O princípio da afetividade, muito embora não esteja expressamente positivado
em nosso ordenamento jurídico, decorre dos princípios da dignidade da pessoa
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humana e da proteção integral dos filhos. Assim sendo, a violação deste princípio
causará dor e sofrimento à vítima, passíveis de responsabilização civil daquele que
praticou a conduta de abandono, deixando a prole à mercê de um desenvolvimento
pessoal prejudicado.
Tanto é imprescindível ao desenvolvimento da criança a presença e
participação dos pais, que o Estatuto da Criança e do Adolescente assegura-lhes
todas as condições necessárias para um pleno e sadio desenvolvimento mental, moral
e social, pondo-os à salvo de quaisquer condições que influam negativamente em sua
constituição como cidadão.
Sendo o laço de afetividade entre pais e filhos o grande condutor do
desenvolvimento pessoal dos infantes e a violação dos seus direitos uma direta
vulneração do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, nota-se a
possibilidade de responsabilizar civilmente o progenitor desidioso no
acompanhamento de sua prole. Ademais, a família constitui a célula base da
sociedade, merecedora de proteção especial do Estado.
Muito embora seja um tema contemporâneo no labor jurisprudencial pátrio,
encontra-se julgados acatando a ocorrência de dano moral em virtude do desamor
para com os filhos, eis que o abandono afetivo gera dor, angústia e diversos
sofrimentos psicológicos, típicos do dano extrapatrimonial. Assim sendo, em virtude
desta interferência negativa no desenvolvimento do ser humano, violando o princípio
da dignidade da pessoal humana e da proteção integral dos filhos, cabe àquele que
os abandonar, mesmo que cumpra com as obrigações alimentares, arcar com as
consequências do ato ilícito praticado e reparar o dano dele decorrente.
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