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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ FÁTIMA MARIA MARCELINO DA SILVA DA EFICÁCIA DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA PREVISTAS NA LEI N.º 11.340/2006 – LEI MARIA DA PENHA CURITIBA 2013

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

FÁTIMA MARIA MARCELINO DA SILVA

DA EFICÁCIA DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

PREVISTAS NA LEI N.º 11.340/2006 – LEI MARIA DA PEN HA

CURITIBA

2013

FÁTIMA MARIA MARCELINO DA SILVA

DA EFICÁCIA DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

PREVISTAS NA LEI N.º 11.340/2006 – LEI MARIA DA PEN HA

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dálio Zippin Filho

CURITIBA

2013

TERMO DE APROVAÇÃO

FÁTIMA MARIA MARCELINO DA SILVA

DA EFICÁCIA DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

PREVISTAS NA LEI N.º 11.340/2006 – LEI MARIA DA PEN HA

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito na

Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ___ de _____________ de 2013.

_______________________________________________ Curso de Direito

Universidade Tuiuti do Paraná Orientador: _______________________________________________

Prof. Dálio Zippin Filho UTP – Universidade Tuiuti do Paraná

_______________________________________________ Prof. M. / Dr. UTP – Universidade Tuiuti do Paraná _______________________________________________ Prof. M. / Dr. UTP – Universidade Tuiuti do Paraná

Dedico esta obra ao meu amado sobrinho Augusto

Guilherme Setti, in memorian, pelo incentivo para

que eu prestasse vestibular para o Curso de

Direito, me dando coragem e determinação para

traçar um caminho em busca dos meus ideais e a

passar por todas as dificuldades as quais

enfrentei.

AGRADECIMENTOS

Por trás de um triunfo individual existe uma grande equipe. Nesta etapa

vitoriosa da minha vida fui abençoada com pessoas que acreditaram no meu

potencial e me fizeram ver que era possível chegar a qualquer lugar.

Primeiramente, agradeço à Deus, por iluminar os meus caminhos e por me

direcionar nos momentos difíceis de escolha.

Aos meus pais, in memorian, por terem me dado a vida e formado o meu

caráter, me guiando pelo caminho da dignidade e da perseverança.

Aos meus irmãos, por serem meus companheiros e estarem comigo nos

momentos tortuosos.

Aos meus amigos, em especial à Rita Veiga, que ao longo dos últimos 4

anos me acompanhou nesta jornada. Agradeço pelas longas horas de estudos,

cumplicidade, incentivo e pelo auxílio na superação das dificuldades ao longo do

caminho.

Ao meu querido orientador, Prof. Dálio Zippin Filho, pela dedicação, apreço e

também por toda a atenção, sempre se colocando à disposição para me auxiliar.

Ao Prof. Eduardo de Oliveira Leite, pelos brilhantes ensinamentos.

A todos os professores, em especial ao Prof. Murilo Henrique Pereira Jorge

e ao Prof. Claudio Henrique de Castro, por quem tenho muito carinho.

Por fim, agradeço a todos que contribuíram direta ou indiretamente no

desenvolvimento e conclusão deste trabalho.

“Tratar com desigualdade os iguais; ou desiguais

com igualdade, seria desigualdade fragrante, e

não igualdade real.”

“Oração dos Moços” – Rui Barbosa

RESUMO

A violência contra a mulher na atualidade representa um triste panorama que deve

ser combatido pelo Estado, através da garantia da efetividade e cumprimento das

normas dispostas na Constituição Federal e, em especial, na Lei Maria da Penha.

Nesse sentido, cumpre destacar que por muitos anos a mulher foi vítima de violência

doméstica e o agente agressor deixou de ser punido por ausência de previsão legal

ou até mesmo em razão da falta de comunicação da vítima às autoridades

competentes. Inobstante todas as Constituições brasileiras sufragarem o princípio da

igualdade em suas disposições normativas, os casos de denúncia eram pequenos e

por tal motivo, não se tinha um retorno satisfatório e repressivo desse tipo de

conduta por parte do Estado. Com o passar do tempo, entretanto, nosso País,

passou a aderir a normas de cunho internacional, como a Convenção de Belém do

Pará, que coíbe duramente os crimes de violência contra a mulher. Outrossim,

apenas com a edição da Lei n.º 11.340/2006 é que os delitos em que a mulher

representa sujeito passivo, no âmbito doméstico, foram duramente penalizados. Isso

decorreu da luta incessante de Maria da Penha Maia Fernandes, que após sofrer

duas tentativas de homicídio por parte de seu marido, decidiu dedicar sua vida ao

combate da violência doméstica e punição dos agentes. Neste contexto, no decorrer

da presente pesquisa, analisar-se-á a evolução legislativa brasileira no combate à

violência contra a mulher, em especial, a Lei Maria da Penha e as medias protetivas

por ela designadas.

Palavras-chave: Violência. Mulher. Constituição. Legislação. Lei Maria da Penha.

Medidas Protetivas. Constitucionalidade. Eficácia. Panorama.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................08

2 DO COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ....................................10

2.1 DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL NO DIREITO BRASILEIRO .................10

2.2 DA CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ .......................................................12

2.3 DA PROTEÇÃO DADA PELA LEI MARIA DA PENHA – Nº 11.340/2006........14

3 DA LEI MARIA DA PENHA – N.º 11.340/2006 ................................................16

3.1 CASO MARIA DA PENHA ...............................................................................16

3.2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR ..........................................................19

3.3 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA LEI .....................................................23

3.4 CONSTITUCIONALIDADE...............................................................................27

4 DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA .............................................32

4.1 DAS MEDIDAS PROTETIVAS QUE OBRIGAM O AGRESSOR ....................33

4.1.1 Determinação do Delegado .............................................................................33

4.1.2 Determinação do Juiz.......................................................................................35

4.2 DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA À OFENDIDA .......................38

4.2.1 Botão do Pânico ..............................................................................................39

4.2.2 Afastamento do lar x separação judicial ..........................................................40

4.3 DA EFICÁCIA E DA EFETIVIDADE DAS MEDIDAS PROTETIVAS ...............40

4.4 BALANÇO DA LEI MARIA DA PENHA – N.º 11.340/2006 NO BRASIL...........43

5 CONCLUSÃO ....................................................................... ............................47

REFERÊNCIAS .........................................................................................................49

8

1 INTRODUÇÃO

A violência contra a mulher, inobstante seu desenvolvimento no mercado de

trabalho e consequentemente sua independência financeira, ainda representa uma

das causas de maior necessidade de atuação repressiva por parte do Estado.

Isso porque, em muitos casos, a mulher não apresenta queixa contra o seu

marido ou companheiro, impossibilitando a aplicação das normas existentes para

coibir a violência no âmbito doméstico.

A subordinação feminina, aliada ao pátrio poder conferido tão somente ao

homem, tiveram como consequência o lento desenvolvimento de normas destinadas

a punir o culpado e até mesmo impedir seu contato com a mulher agredida.

Em nosso ordenamento jurídico, desde a primeira Constituição até a Carta

Magna de 1988, o Princípio da Igualdade foi previsto e destinava evitar condutas de

superioridade a serem praticadas em sociedade.

Entretanto, na prática, a violência doméstica contra a mulher aumentava

cada dia mais, numa espécie de conduta silenciosa e inexistente perante a

sociedade.

Foi somente em 1996 que nosso País começou a tomar as providências

necessárias e efetivas ao combate da violência doméstica, por meio da assinatura

da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a

Mulher, também denominada Convenção de Belém do Pará.

Por outro lado, pode-se dizer que somente com a edição da Lei n.º

11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, é que o direito passou a

regulamentar efetiva e claramente a penalização das condutas praticadas pelo

agressor contra a mulher, na seara doméstica.

A partir das considerações delineadas acima, o presente trabalho tem por

objetivo realizar uma análise acerca da violência doméstica no âmbito do direito

pátrio.

Sob esse prisma, inicialmente analisar-se-á a proteção constitucional e os

ditames expostos na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a

Violência contra a Mulher, a Convenção de Belém do Pará.

No capítulo seguinte, a Lei n.º 11.340/2006 será objeto de profundo estudo,

por meio da narrativa da heróica personalidade da mulher que deu título ao referido

9

conjunto de normas, bem como sua batalha própria e social para coibir a violência

doméstica em nosso País e penalizar os agentes praticantes desse tipo de delito.

O conceito de violência doméstica e familiar, aliado às principais

características da lei e os posicionamentos referentes à sua constitucionalidade,

também merece destaque no decorrer deste trabalho.

Por fim, a pesquisa se encerra com a análise das medidas protetivas que

podem ser deferidas com o objetivo de proteger a mulher, bem como sua eficácia e

o panorama atual da Lei Maria da Penha no Brasil.

10

2 DO COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

2.1 DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL NO DIREITO BRASILEIRO

A proteção legal da mulher no ordenamento jurídico pátrio remete ao Código

Civil Brasileiro de 1916. Inquestionável também o avanço proporcionado pela

Constituição Federal de 1988, eis que assegurou a igualdade entre homens e

mulheres e tipificou a violência no âmbito das relações familiares, como se verá

adiante.

O próprio Código Civil de 1916 continha normas de cunho autoritário que

somente foram alteradas com a edição da Lei n.º 4.121/1962, também conhecida

como Estatuto da Mulher Casada.

Cabe salientar que a Constituição, em seu art. 1º, incisos II e III dispõe que a

República Federativa do Brasil tem como fundamentos, dentre outros a cidadania e

a dignidade da pessoa humana.

De acordo com Ana Cecília Parodi e Ricardo Rodrigues Gama (2010, p. 97)

“o princípio da dignidade da pessoa humana é o elemento norteador de todo o

ordenamento jurídico brasileiro na atualidade”.

No mesmo sentido, o art. 3º e seus incisos estabelecem como seus

princípios a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I); com

redução das desigualdades sociais e regionais (inciso III) e promoção do bem de

todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas

de discriminação (inciso IV).

O art. 5º, por sua vez, estabelece em seu inciso I que “homens e mulheres

são iguais em direitos e obrigações nos termos desta Constituição”, traduzindo o

conceito de dignidade da pessoa humana.

Maria Berenice Dias (2010, p. 75) traz que “a Lei Maria da Penha não fere o

princípio da igualdade estampado no caput do art. 5º da Constituição Federal, pois

visa à proteção das mulheres que sofrem violência dentro de seus lares”.

A partir daí, tem-se que o conceito de liberdade se relaciona diretamente à

dignidade da pessoa humana, especialmente porque, como se verá adiante, os

valores relativos à liberdade, cidadania e dignidade estão dispostos na Lei n.º

11.340/2006, em seu art. 3º.

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A solidariedade, por sua vez, faz com que o indivíduo se sinta vinculado aos

grupos a que pertence e se relaciona diretamente ao conceito de fraternidade. Já a

promoção do bem comum é algo que pode ser comparado ao comportamento da

mulher como mãe, eis que não distingue a origem, raça, sexo, cor ou idade de seus

filhos.

Importante considerar que o art. 5º, caput e inciso I e o art. 226, § 5º da

Constituição Federal coíbem a diferença de salários, exercício de função e critérios

de contratação ao trabalho em razão do sexo (art. 7º, XXX), ao mesmo tempo em

que o art. 201, V confere ao cônjuge ou companheiro o direito à pensão

previdenciária.

Com o objetivo de garantir o cumprimento das determinações ali contidas, o

art. 5º, XLI da Carta Maior dispõe que a lei punirá qualquer discriminação atentatória

aos direitos e liberdades fundamentais.

Nesse aspecto, pode-se dizer que a proteção constitucional aos direitos

trabalhistas da mulher representam um avanço, pois conferem menor tempo de

contribuição para a aposentadoria (art. 201, § 7º, I e II); proteção à maternidade (art.

6º; art. 201, II; art. 203, I e art. 7º, XVII) e não obrigatoriedade do serviço militar (art.

143, § 2º).

Cumpre ressaltar que a proteção constitucional da família está disposta no

art. 226 da Constituição Federal. Esse dispositivo consagrou que a família

representa a base da sociedade e por tal motivo, possui especial proteção do

Estado.

O casamento foi previsto nos parágrafos primeiro e segundo, enquanto o

reconhecimento da união estável encontra fundamento no parágrafo seguinte. O

parágrafo quarto qualifica a entidade familiar e o parágrafo quinto estabelece que os

direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos de forma igualitária

pelo homem e pela mulher.

Nos demais parágrafos restaram consagradas as formas de dissolução do

casamento; o planejamento familiar e paternidade responsável e a determinação de

que cabe ao Estado assegurar assistência à família, por meio de mecanismos de

combate à violência no âmbito doméstico.

Desse modo, a norma superior representou um avanço legislativo pátrio,

pois garantiu à mulher igualdade de direitos e obrigações com os homens e

possibilitou sua efetiva participação na sociedade.

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2.2 DA CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência

contra a Mulher foi promulgada pelo Decreto n.º 1.973/1996 e se enquadra no

sistema regional especial de proteção aos Direitos Humanos. Essa legislação,

também denominada Convenção de Belém do Pará, visa tratar da situação

generalizada de violência em que vivem muitas mulheres.

A referida norma foi aprovada pela Assembléia Geral da Organização dos

Estados Americanos, em 09 de junho de 1994, e incorporada ao ordenamento

jurídico brasileiro em 01 de agosto de 1996.

Representa um Tratado Internacional que vincula o país perante os demais

Países signatários, possibilitando sua plena aplicação e execução junto ao Poder

Judiciário.

Segundo os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci (2010, p. 1.260)

esse conjunto normativo “busca instigar os Estados a editar normas de proteção

contra a violência generalizada contra a mulher, dentro e fora do lar. Não é

exclusivamente voltada à violência doméstica e familiar”.

O referido ditame, em seu preâmbulo dispõe que "a violência contra a

mulher constitui uma violência dos direitos humanos e das liberdades fundamentais

e limita total ou parcialmente à mulher o reconhecimento, o gozo e exercício de tais

direitos e liberdades".

Na sequência, estabelece que "a violência contra a mulher é uma ofensa à

dignidade humana e uma manifestação das relações de poder historicamente

desiguais entre mulheres e homens".

O artigo 1º da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a

Violência contra a mulher conceitua a violência contra a mulher como "qualquer ação

ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual

ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público, como no privado". Pela simples

análise do dispositivo retro, fica claro que a violência ali retratada pode se dar no

ambiente doméstico, nas relações sociais e profissionais.

O artigo 4º, por sua vez, expõe os direitos da mulher como direito à vida,

integridade física, mental e moral; liberdade e segurança pessoal; não ser submetida

à tortura; dignidade inerente à sua pessoa e proteção à sua família; igual proteção

perante a lei e da lei; livre associação; professar a própria religião e as próprias

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crenças, de acordo com a lei; igualdade de acesso às funções públicas de seu país

e a participar nos assuntos públicos, inclusive na tomada de decisões e direito a

recurso simples e rápido perante tribunal competente que a proteja contra atos que

violem os seus direitos.

A questão da proibição de qualquer forma de discriminação e violência

contra a mulher consta no art. 6º do referido diploma legal, ao passo que o art. 7º

estabelece os deveres dos Estados signatários da Convenção. Outras medidas

específicas e programas inerentes ao tema a serem adotadas progressivamente

pelos Estados membros constam no art. 8º.

Importante ressaltar que as obrigações descritas no art. 7º, em caso de

violência, podem ser exigidas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, nos

termos do art. 12º da Convenção.

As obrigações descritas no art. 7º da Convenção são:

a. abster-se de qualquer ato ou prática de violência contra a mulher e velar por que as autoridades, seus funcionários e pessoal, bem como agentes e instituições públicos ajam de conformidade com essa obrigação; b. agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher; c. incorporar na sua legislação interna normas penais, civis, administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como adotar as medidas administrativas adequadas que forem aplicáveis; d. adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de perseguir, intimidar e ameaçar a mulher ou de fazer uso de qualquer método que danifique ou ponha em perigo sua vida ou integridade ou danifique sua propriedade; e. tomar todas as medidas adequadas, inclusive legislativas, para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes ou modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência e a tolerância da violência contra a mulher; f estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada a violência, inclusive, entre outros, medidas de proteção, juízo oportuno e efetivo acesso a tais processos; g. estabelecer mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar que a mulher sujeitada a violência tenha efetivo acesso a restituição, reparação do dano e outros meios de compensação justos e eficazes; h. adotar as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias à vigência desta Convenção.

Cumpre salientar que qualquer mulher vítima de violência pode recorrer ao

Poder Judiciário para exigir a aplicação da norma - objeto do presente estudo - pelos

Estados signatários.

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Outra opção se resume à apresentação de denúncia ou queixa à Comissão

Interamericana de Direitos Humanos, consoante disposto no art. 12º da Convenção,

a saber:

Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização, pode apresentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições que contenham denúncias ou queixas de violação do art. 7º da presente Convenção pelo Estado-parte, e a Comissão considerá-las-á de acordo com as normas e os requisitos de procedimento para a apresentação e consideração de petições estipulados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Pela análise das normas expostas acima, fica claro que Convenção de

Belém do Pará representou um grande avanço na proteção internacional dos direitos

da mulher, especialmente por conta do recurso individual direcionado à Comissão

Interamericana, visto que independe de intervenção do Estado-Parte.

2.3 DA PROTEÇÃO DADA PELA LEI MARIA DA PENHA – LEI N.º 11.340/2006

O histórico legal pátrio de proteção aos direitos da mulher teve início em

1981, com a adoção, com reservas, da Convenção sobre a eliminação de todas as

formas de discriminação contra a mulher. A ratificação integral do referido tratado

pelo nosso País se deu somente três anos mais tarde.

Na sequência, como já mencionado anteriormente, a Constituição Federal

de 1988, sufragou o princípio da igualdade entre homens e mulheres.

Sete anos mais tarde, com a publicação da Lei n.º 9.099/1995 – Lei dos

Juizados Especiais – ficou estabelecida, timidamente, a possibilidade de resolução

de demandas decorrentes de violência doméstica de menor potencial ofensivo.

No mesmo ano, foi ratificada a Convenção de Belém do Pará, amplamente

exposta no presente estudo. Em 2002, o Brasil ratificou o “Protocolo facultativo à

convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a

mulher”, possibilitando que as denúncias fossem feitas diretamente ao Comitê da

OEA, com o objetivo de apurar os casos de agressão contra a mulher e tomar as

medidas pertinentes para a resolução do caso.

Ainda nesse ano, teve início o Projeto de Lei que viria a se tornar a Lei Maria

da Penha. Através da contribuição de cinco organizações não governamentais, um

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estudo referente à violência doméstica foi elaborado. No entanto, somente dois anos

mais tarde é que o Projeto de Lei n.º 4.559/2004 foi produzido e enviado ao

Congresso Nacional por um Grupo de Trabalho Interministerial coordenado pela

Secretaria Especial de Política para Mulheres.

De acordo com Paulo Marco Ferreira Lima:

[...] respaldado na Declaração dos Direitos Humanos (1946), na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher (1980 e 1984), na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1995), no Modelo de Leyes y Políticas sobre Violência Intra-familiar contra las Mujeres da OPS/OMS (2004) e no art. 226, § 8º, da Constituição Federal, o legislador instituiu a Lei n. 11.340, de 07 de agosto de 2006, visando combater a violência doméstica e familiar contra a mulher. (LIMA, 2009, p. 62).

Em seu preâmbulo, foram estabelecidos mecanismos para coibir a violência

doméstica e familiar contra a mulher, com fulcro no § 8º do artigo 226 da

Constituição Federal de 1988.

Ficou determinada a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar

contra a Mulher e a alteração do Código Penal, Código de Processo Penal e Lei de

Execução Penal. Por fim, ainda nessas disposições iniciais, estabeleceu-se que

caberia ao Poder Legislativo, a promoção na legislação, das alterações necessárias

para a garantia da efetividade das normas destinadas ao combate da violência

contra a mulher.

A seguir, analisar-se-á todos os aspectos da Lei Maria da Penha, desde a

história da mulher que deu nome ao conjunto de normas, passando pela

constitucionalidade da lei, até sua eficácia no Brasil.

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3 DA LEI MARIA DA PENHA - N.º 11.340/2006

3.1 CASO MARIA DA PENHA

O caso que deu origem à criação da Lei Maria da Penha diz respeito às

agressões domésticas sofridas pela biofarmacêutica, Maria da Penha Maia

Fernandes. Indignada com a ausência de normas brasileiras que previssem a

punição do agressor, no caso seu marido, Marco Antonio Herradia Viveros, Maria da

Penha denunciou a violência a que era submetida e uniu-se ao movimento de

mulheres com o objetivo de manifestar sua indignação.

Importante se destacar a triste história de Maria da Penha, resumida por

Fabrício da Mota Alves:

Em 29 de maio de 1983, a biofarmacêutica Maria da Penha foi vítima de violência praticada por seu ex-marido, que disparou contra ela durante o sono e encobriu a verdade afirmando que houve uma tentativa de roubo. A agressão – na verdade, uma tentativa de homicídio de seu ex-marido – deixou seqüelas permanentes: paraplegia nos membros inferiores. Duas semanas depois de regressar do hospital, ainda durante o período de recuperação, a Maria da Penha sofreu um segundo atentado contra sua vida: seu ex-marido, sabendo de sua condição, tentou eletrocutá-la enquanto se banhava. (2006).

As agressões sofridas por Maria da Penha tiveram como resultado além de

marcas físicas, a paraplegia irreversível. Consoante os ensinamentos de Parodi e

Gama:

Das inúmeras marcas permanentes causadas pela violência sofrida, Maria da Penha, em sua alma, guarda as máculas emocionais, e, em seu corpo, uma paraplegia dos membros inferiores, após ter sido submetida a várias intervenções cirúrgicas, restando, no período recuperatório, em grave estado de dependência, requerendo ajuda especializada de profissionais da enfermagem. Em nenhum momento o ex-marido prestou qualquer auxílio financeiro para suportar os altos custos médicos incorridos, ou sequer cumpriu com os alimentos convencionados pelo juízo. (PARODI; GAMA 2010, p. 72).

De acordo com Lima:

Após 15 anos sem uma decisão final em relação ao crime cometido por seu marido, Maria da Penha recorreu aos Tribunais Internacionais. Peticionou junto à Comissão Interamericana dos direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), utilizando-se da exceção do artigo 46, inciso II, c, da Convenção Americana, o qual reza que haverá admissibilidade da

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petição se a jurisdição interna apresentar atraso injustificado. (LIMA, 2009, p. 61).

E, continua o mesmo autor, “a comissão responsabilizou o Estado Brasileiro

por negligência, omissão e tolerância em relação à violência contra as mulheres. O

caso de Maria da Penha foi o primeiro a aplicar a Convenção de Belém do Pará”.

Cumpre ressaltar ainda que, na petição encaminhada por Maria da Penha,

segundo Parodi e Gama:

Estava denunciada a leniência e ineficácia do Estado-Juiz brasileiro, cujo comportamento – já se dizia – possui caráter reiterado diante das ocorrências denunciadas de Violência Doméstica e Familiar. E perante o caso concreto, expunha à periclitância ainda maior a vida da agredida e a própria justiça, vez que a prescrição vintenal estava às portas e a excessiva demora processual maculava aos direitos da personalidade da vítima, a despeito de toda a ideologia professada e garantida (?) pela Carta Magna. (PRODI; GAMA, 2010, p. 75).

Também restou recomendado ao País a redução do prazo processual para a

responsabilização do agressor.

A denúncia contra o marido de Maria da Penha foi oferecida em setembro de

1984, um ano e três meses após o início das investigações. A condenação do réu se

deu em 1991, pelo Tribunal do Júri, resultando em uma pena de oito anos de prisão.

Após a interposição de recurso em liberdade e conseguir a anulação do

julgamento, o requerido foi levado a novo julgamento em 1996, sendo condenado a

uma pena de 10 anos e seis meses.

Novamente recorrendo em liberdade, a prisão foi efetivada em 2002, ou

seja, 19 anos e seis meses após o crime. No entanto, após 2 anos de cumprimento

da pena em regime fechado – correspondente a 1/6 da medida, o ex-marido de

Maria da Penha foi libertado.

Cabe ressaltar que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da

Organização dos Estados Americanos (OEA) determinou que o Estado do Ceará

pagasse à biofarmacêutica a importância de vinte mil dólares pela ausência de

punição do agressor de Maria da Penha.

De acordo com Dias (2010, p. 16), “a indenização, no valor de 60 mil reais,

foi paga à Maria da Penha, em julho de 2008, pelo governo do Estado do Ceará, em

uma solenidade pública, com pedido de desculpas”.

18

Atualmente, Maria da Penha é coordenadora de Estudos, Pesquisas e

Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV)

do Ceará, cargo exercido desde 2001.

Cabe enfatizar a necessidade de mudanças em nossa legislação, como

consequência da luta travada por Maria da Penha. Para Parodi e Gama:

Era vital que se instaurasse um verdadeiro processo de mudança estrutural no Brasil, que abrangesse desde os procedimentos de atendimento policial até o próprio rito judicial, obrigando legalmente ao Estado-juiz a agir com celeridade e eficiência; além, por certo, de impender em uma necessária política social paralela, afim de prestar auxílio médico e mesmo de abrigo e reestruturação de vida para as mulheres afetadas por esta covarde abominação. (PARODI; GAMA, 2010, p. 77).

Importante considerar que, em 2004 ocorreram alterações importantes no

Código Penal: a inclusão de três parágrafos no art. 129, que trata da lesão corporal:

§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. § 10. Nos casos previstos nos §§ 1º a 3º deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço). § 11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.

No entanto, somente em 2006 é que a Lei n.º 11.340 foi publicada. Sobre o

tema, Maria da Penha expressa que:

Para mim, foi muitíssimo importante denunciar a agressão, porque ficou registrado internacionalmente, através do meu caso, que eram inúmeras as vítimas do machismo e da falta de compromisso do Estado para acabar com a impunidade: senti-me recompensada por todos os momentos nos quais, mesmo morrendo de vergonha, expunha minha indignação e pedia justiça para o meu caso não ser esquecido.

A farmacêutica ainda acrescenta: “Eu acho que a sociedade estava

aguardando essa lei. A mulher não tem mais vergonha (de denunciar). Ela não tinha

condição de denunciar e ser atendida na preservação da sua vida”.

Essas declarações proferidas por Maria da Penha mostram a grandiosidade

de sua alma, que foram traduzidas nas palavras do então Presidente Lula, quando

19

da assinatura da Lei que levou seu nome: “Esta mulher renasceu das cinzas para se

transformar em um símbolo da luta contra a violência doméstica no nosso País”.

3.2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Na Ementa da Lei Maria da Penha consta que o objetivo do referido conjunto

de normas é a criação de mecanismos de prevenção da violência doméstica e

familiar contra a mulher.

Sobre esse tema, Lima Filho entende que:

O mundo contemporâneo entendeu a desigualdade dos papéis de homens e de mulheres de forma muito clara a partir da segunda metade do Século XX e os movimentos feministas representam o despertar e o posicionamento de luta da mulher visando rumar ao Poder. (LIMA FILHO, 2007, p. 22-23).

Importante considerar que o art. 5º da Lei Maria da Penha definiu a violência

doméstica como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que acarrete à

mulher, morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou

patrimonial.

Por fim, o disposto no parágrafo único do art. 5º da Lei n.º 11.340/2006, tem

por objetivo deixar clara a ausência de qualquer discriminação entre as pessoas,

independentemente de sua orientação sexual.

Segundo Lima (2009, p. 54) “a violência é um fenômeno extremamente

complexo que afunda suas raízes na interação de muitos valores biológicos, sociais,

culturais, econômicos e políticos cuja definição não pode ter exatidão científica, que

é uma questão de apreciação”.

A ação pode se dar no âmbito da unidade doméstica, que representa o

espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive

as esporadicamente agregadas; no âmbito da família, sendo considerados

indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por

afinidade ou por vontade expressa ou qualquer relação íntima de afeto, na qual o

agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de

coabitação. Importante considerar que o parágrafo primeiro do referido artigo

estabelece que as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de

orientação sexual.

20

Segundo os ensinamentos de Dias (2010, p. 51) “a violência doméstica é

qualquer das ações elencadas no art. 7º (violência física, psicológica, sexual,

patrimonial ou moral) praticada contra a mulher em razão de vínculo de natureza

familiar ou afetiva”.

Nucci (2010, p. 1.263), por outro lado, doutrina que o conceito de violência

doméstica e familiar é lamentável, devendo ser interpretado restritivamente, sob

pena de estender a aplicação da norma para um alto número de infrações, tão

somente pelo fato de que foram praticadas contra a mulher.

Importante esclarecer que, doméstica, sob o entendimento da Lei Maria da

Penha, é a situação que ocorre dentro da intimidade do lar, onde se verifica um

convívio entre o agressor e a vítima; ao passo que familiar é a relação existente

entre parentes e não necessariamente ocorre dentro do mesmo ambiente, o lar.

Assim, diz-se que o agressor considerado praticante de violência doméstica

possui certa facilidade de acesso à vítima agredida, como por exemplo, o namorado,

o marido, o chefe, o vizinho, etc.

Cabe ressaltar o posicionamento de Dias, ao entender que:

É obrigatório que a ação ou omissão ocorra na unidade doméstica ou familiar ou em razão de qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Modo expresso, está ressalvado que não há necessidade de vítima e agressor viverem sob o mesmo teto para a configuração da violência como doméstica ou familiar. Basta que agressor e agredida mantenham, ou já tenham mantido, um vínculo de natureza familiar. (DIAS, 2010, p. 52)

Nesse sentido, segundo doutrina Nucci (2010, p. 1.263), a unidade

doméstica é entendida como “o local onde há o convívio permanente de pessoas,

em típico ambiente familiar, vale dizer, como se família fosse, embora não haja a

necessidade de existência de vínculo familiar, natural ou civil”.

Já a relação íntima de afeto é conceituada pelo referido autor (2010, p.

1.264) como “o relacionamento estreito entre duas pessoas, fundamentado em

amizade, amor, simpatia dentre outros sentimentos de aproximação”.

Para Pedro Rui da Fontoura Porto (2012, p. 25) “a adjetivação “’intima” já

pressupões que se trata de uma relação de caráter sensual, ao menos, inspirada em

interesses sexuais, e não simples amizade”.

21

Importante esclarecer que antes da edição da Lei n.º 11.340/2006, a

violência doméstica não era punida, exceto se resultasse em lesão corporal grave

decorrente de violência doméstica, com pena aplicada mais severa, nos termos do

art. 129, § 9º do Código Penal. Os outros casos de violência exercida no âmbito

familiar no máximo tinham como consequência um aumento da pena, nos termos do

art. 61, II, letra f do Código Penal.

De acordo com Porto (2012, p. 24) os artigo 5 º e 7 º da Lei 11.340/2006

“conceituando as diversas forma de violência doméstica familiar contra a mulher,

farão incidir seus efeitos sobre tipos penais genéricos do Código Penal”.

Os sujeitos ativo e passivo da violência doméstica são bem definidos e não

necessariamente representam marido e mulher, eis que também se aceita os casos

de pessoas vivendo sob união estável, nos termos do parágrafo único do art. 5º da

Lei n.º 11.340/2006. Importante considerar que existe um novo entendimento acerca

da possibilidade de aplicação da lei, para os casos de união homoafetiva.

Já quanto ao sujeito passivo, a única exigência é de que seja mulher. Aí se

enquadram esposas, amantes, companheiras ou qualquer outra pessoa com quem o

agressor tenha vínculo familiar, como filhas, netas, mãe, sogra, avó, etc.

No entanto, importante considerar que Dias (2010, p. 56-58) considera que

até mesmo transexuais, lésbicas, travestis e transgêneros estão abrigados pela Lei

Maria da Penha.

Seguindo este entendimento, a autora (2010, p. 55) deixa claro que a

empregada doméstica, que trabalha para uma família, “também está sujeita à

violência doméstica, tanto o patrão como a patroa podem ser os agentes ativos da

infração”.

Quanto aos tipos de violência, importa considerar que, o art. 7º dispõe

acerca da violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. A violência física

é a lesão sofrida pela mulher no âmbito doméstico ou familiar e está descrita

também no art. 129, § 9º e 10º do Código Penal. Em caso de morte, as agravantes

estão previstas no art. 61, II, “e” do Código Penal.

Cabe ressaltar que, ainda que, agressão não deixe marcas físicas

aparentes, qualquer tipo de força física que agrida o corpo ou comprometa a saúde

da mulher pode ser considerado violência física. O mesmo se diz do estresse

crônico decorrente da agressão, que pode ter como consequência fadiga crônica,

dores nas costas e na cabeça e alterações do sono. (ROVINSKI, 2004, p. 77).

22

A violência psicológica, por sua vez, diz respeito ao dano suportado pela

vítima, seja ele psicológico ou emocional, como a ridicularização ou humilhação.

Outrossim, cabe expor o entendimento de Nucci (2010, p. 1.267), ao entender que a

agravante descrita nesse tipo de violência é excessivamente aberta. O doutrinador

pondera que “todo e qualquer crime é capaz de gerar dano emocional à vítima, seja

ela mulher, seja homem”.

Dias, por sua vez, salienta que:

a proteção é da autoestima e da saúde psicológica. Trata-se de previsão que não estava contida na legislação pátria, mas a violência psicológica foi incorporada ao conceito de violência contra a mulher na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência doméstica, conhecida como Convenção do Pará. (DIAS, 2010, p. 66).

Na sequência, a violência sexual é conceituada como qualquer conduta que

a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada,

mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a

comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de

usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao

aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou

que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.

A violência patrimonial é a conduta que representa retenção, subtração,

destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos

pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a

satisfazer suas necessidades.

A violência moral pode ser entendida como qualquer conduta que configure

calúnia, difamação ou injúria e absorve o conceito dos crimes contra a honra,

dispostos no diploma penal brasileiro. Segundo Dias:

Com relação à violência doméstica patrimonial e moral, não há necessidade de haver relação direta dessas violências com os crimes contra o patrimônio e contra a honra. Embora fique caracterizada a violência doméstica quando da prática de um crime, a recíproca não é verdadeira, uma vez que a tipificação penal é bastante restrita e requer inúmeros outros requisitos além da simples violência que, sem dúvida, já enseja a aplicação da Lei Maria da Penha. Não se justifica restringir o reconhecimento da violência moral e patrimonial no âmbito das relações domésticas à configuração do tipo penal correspondente. (DIAS, 2010, p. 73).

23

Desse modo, pela simples análise das descrições acima dispostas, tem-se

que os casos de violência descritos na Lei n.º 11.340/2006 encontram semelhança

nas disposições constantes no Código Penal pátrio, exceto por dizerem respeito à

situações específicas envolvendo exclusivamente a mulher como sujeito passivo do

delito.

3.3 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA LEI

Conforme verificado nos tópicos acima, inconteste que a Lei n.º 11.340/2006

representa um grande avanço no Direito Penal brasileiro, eis que reconheceu a

fragilidade da mulher perante seu agressor e o puniu com medidas mais severas,

com a finalidade de coibir este tipo de agressão no âmbito doméstico e familiar.

Segundo Parodi e Gama:

Trata-se de um verdadeiro estatuto no combate à violência doméstica e familiar, formado por dispositivos de dupla natureza – protetivos e punitivos - cuja abrangência ultrapassa os mecanismos estritamente administrativos e judiciais, para visar ao bem-estar pleno da vítima – inclusive com medidas para o asseguramento da saúde física e emocional. (PARODI; GAMA, 2010, p. 79).

De acordo com Porto:

[...] a Lei n.º 11.340/06 não é exclusivamente uma lei penal; em seu bojo também se contemplam disposições administrativas, processuais, princípios gerais. [...] Sua legitimidade social advém, contudo, de uma realidade cruel de violência preconceituosa e histórica do homem contra a mulher. (PORTO, 2012, p. 23)

No mesmo sentido o entendimento de Claudia Regina Macegosso:

Observe-se que, ainda que a implementação deste novo instrumento jurídico-penal não signifique propriamente a criação de uma novel figura criminal, não se pode olvidar que trouxe consideráveis mudanças na legislação penal e processual penal vigentes, dando um tratamento diferenciado às infrações criminais já previamente descritas quando a questão envolve violência doméstica e familiar contra a mulher (2009, p. 35).

O artigo 4º da Lei n.º 11.340/2006 dispõe que “na interpretação desta Lei,

serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as

condições peculiares das mulheres em situações de violência doméstica e familiar”.

24

Neste ínterim, importante destacar que, o Capítulo III do Título III da Lei n.º

11.340/2006, trata do atendimento conferido pela autoridade policial. Esse

dispositivo determina que no atendimento da mulher vítima de violência doméstica,

cabe à autoridade policial garantir a proteção policial, quando necessário,

comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; encaminhar a

ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; fornecer

transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando

houver risco de vida; se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a

retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar e informar

à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.

Na sequência, após o recebimento da queixa, o art. 12 dispõe sobre os

procedimentos a serem tomados pelo órgão estatal. Fazem parte desse

procedimento: ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a

representação a termo, se apresentada; a colheita das provas necessárias para a

elucidação dos fatos; a remessa, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, de

expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de

medidas protetivas de urgência; a realização do exame de corpo de delito da

ofendida e a requisição de outros exames periciais necessários; a oitiva do agressor

e as testemunhas; a identificação do agressor e a juntada aos autos de sua folha de

antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de

outras ocorrências policiais contra ele e a remessa dos autos do inquérito policial ao

juiz e ao Ministério Público.

Cumpre ressaltar que, a Lei n.º 11.340/2006 excluiu a possibilidade de

aplicação dos Juizados Especiais Criminais, sendo incabível, portanto, a

possibilidade de transação penal. Sobre esse tema, os artigos 13 a 17 estabelecem

as regras, sendo destaque a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar

contra a Mulher, com a competência de julgar e executar as causas decorrentes da

prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Outro ponto essencial da referida lei encontra fundamento no art. 17, que

deixou clara a vedação da aplicabilidade, nos casos de violência doméstica e

familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação

pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de

multa.

25

Na sequência, no Capítulo II do Título IV estão dispostas as medidas

protetivas de urgência, que serão objeto de estudo específico no capítulo a seguir.

No Capítulo seguinte, em seus artigos 25 e 26, estão dispostas as

orientações acerca da atuação do Ministério Público nos casos de violência contra a

mulher.

Segundo Sérgio Ricardo de Souza (2008, p. 155), “o Ministério Público agirá

na sua principal função, que é a de proteção da ordem jurídica quando afetada na

esfera criminal, agindo como parte, ao passo que, em relação aos demais atos que

reclamam a sua intervenção, estará agindo no resguardo dos interesses sociais e

individuais indisponíveis, principalmente da dignidade da vítima de violência, na

maioria das vezes como fiscal da lei (custus legis)”.

A assistência judiciária encontra respaldo nos artigos 27 e 28, estabelecendo

que em todos os atos processuais cíveis e criminais, a mulher necessariamente

estará acompanhada de advogado, exceto com relação ao disposto no art. 19, que

trata da solicitação de medidas protetivas.

O Título V determina sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e

Familiar, como parte integrante da equipe de atendimento multidisciplinar.

Por fim, importante expor o quadro sinóptico descrito no site Observatório

Lei Maria da Penha, que resume todas as alterações processuais decorrentes da

publicação da Lei Maria da Penha:

ANTES DA LEI MARIA DA PENHA

DEPOIS DA LEI MARIA DA PENHA

Não existia lei específica sobre a violência doméstica

Tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher e estabelece as suas formas: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

Não tratava das relações entre pessoas do mesmo sexo.

Determina que a violência doméstica contra a mulher independe de orientação sexual.

Nos casos de violência, aplica-se a lei 9.099/95, que criou os Juizados Especiais Criminais, onde só se julgam crimes de "menor potencial ofensivo" (pena máxima de 2 anos).

Retira desses Juizados a competência para julgar os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher.

26

Esses juizados só tratavam do crime. Para a mulher resolver o resto do caso, as questões cíveis (separação, pensão, guarda de filhos) tinha que abrir outro processo na vara de família.

Serão criados Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal, abrangendo todas as questões.

Permite a aplicação de penas pecuniárias, como cestas básicas e multas.

Proíbe a aplicação dessas penas.

A autoridade policial fazia um resumo dos fatos e registrava num termo padrão (igual para todos os casos de atendidos).

Tem um capítulo específico prevendo procedimentos da autoridade policial, no que se refere às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

A mulher podia desistir da denúncia na delegacia.

A mulher não pode mais renunciar à ação.

Era a mulher quem, muitas vezes, entregava a intimação para o agressor comparecer às audiências.

Proíbe que a mulher entregue a intimação ao agressor.

Não era prevista decretação, pelo Juiz, de prisão preventiva, nem flagrante, do agressor (Legislação Penal).

Possibilita a prisão em flagrante e a prisão preventiva do agressor, a depender dos riscos que a mulher corre.

A mulher vítima de violência doméstica e familiar nem sempre era informada quanto ao andamento do seu processo e, muitas vezes, ia às audiências sem advogado ou defensor público.

A mulher será notificada dos atos processuais, especialmente quanto ao ingresso e saída da prisão do agressor, e terá que ser acompanhada por advogado, ou defensor, em todos os atos processuais.

A violência doméstica e familiar contra a mulher não era considerada agravante de pena. (art. 61 do Código Penal).

Esse tipo de violência passa a ser prevista, no Código Penal, como agravante de pena.

A pena para esse tipo de violência doméstica e familiar era de 6 meses a 1 ano.

A pena mínima é reduzida para 3 meses e a máxima aumentada para 3 anos, acrescentando-se mais 1/3 no caso de portadoras de deficiência.

Não era previsto o comparecimento do

Permite ao Juiz determinar o comparecimento obrigatório do agressor a

27

agressor a programas de recuperação e reeducação (Lei de Execuções Penais).

programas de recuperação e reeducação.

O agressor podia continuar frequentando os mesmos lugares que a vítima frequentava. Tampouco era proibido de manter qualquer forma de contato com a agredida.

O Juiz pode fixar o limite mínimo de distância entre o agressor e a vítima, seus familiares e testemunhas. Pode também proibir qualquer tipo de contato com a agredida, seus familiares e testemunhas.

Assim, ante as razões supra expostas, inconteste que não foram poucas as

alterações proporcionadas pela Lei n.º 11.340/2006, que tiveram o condão de tutelar

legalmente a proteção da mulher no âmbito do direito familiar e doméstico.

3.4 CONSTITUCIONALIDADE

A constitucionalidade da Lei n.º 11.340/2006 foi questionada em razão da

suposta ofensa ao princípio da igualdade. Segundo Cunha e Pinto:

São inúmeras as dúvidas suscitadas pelo novo estatuto. Por vezes se identifica no texto um quê de panfletário, mais parecendo um discurso feminista típico dos anos 60 e 70. A preocupação excessiva em tutelar a mulher, resultou, vez ou outra, em disposições de difícil aplicação, quando não taxadas de inconstitucionais, por seus críticos mais ferrenhos. Foi acusada, mesmo, de promover eloqüente exemplo de discriminatória super-proteção à mulher. Não se ignora, ainda, a falta de maior rigor técnico na redação da lei. Essa crítica reproduz, exatamente, o debate que se instalou durante o trâmite da lei no Congresso, que colocou, de um lado, aqueles que defendiam uma simples adaptação à Lei 9.099/95 e, de outro, os que propunham uma legislação específica, muito mais rigorosa. Prevaleceu esta última posição. (CUNHA; PINTO, 2011, p. 11).

Dias (2010, p. 74) pondera que “o fato da Lei direcionar-se exclusivamente à

proteção da mulher – uma vez que o homem não pode figurar como sujeito passivo

e nem ser beneficiário de suas benesses – é que serve de fundamento para alegar

afronta ao princípio da igualdade”.

Para Valter Foleto Santin (2006) “a pretexto de proteger a mulher, numa

postura “politicamente correta” a nova legislação é visivelmente discriminatória no

tratamento do homem e da mulher”.

28

No entanto, cumpre salientar que a suposta ofensa ao princípio da igualdade

não pode deixar de lado a questão da pacificação social, que configura o maior

objetivo da Lei Maria da Penha, eis que representa a possibilidade de reestruturação

da vida familiar da mulher agredida.

No mesmo sentido, consoante os ensinamentos de Parodi e Gama:

Longe de contrariar o princípio da isonomia, a novel Lei institui meios de proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar, encontrando outras formas de proteção na esfera do direito, como a persistência do crime de estupro para proteger a integridade sexual somente da mulher, a licença maternidade com prazo generoso para o enfrentamento dos desafios com a criança, etc. Além disso, a própria Constituição Federal reconhece a necessidade de tratamento especial para a mulher, como bem reza o §8º do art. 226, dispondo que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Em 1988, a Constituição anuncia a necessidade de tratamento especial para os casos de violência no âmbito das relações domésticas e familiares, emergindo a Lei n.º 11.340/2006 para complementar em forma de regulamento o tema acusado pela Constituição. (PARODI; GAMA, 2010, p. 103-104).

Corrobora do mesmo entendimento Renata Martins Ferreira da Cunha ao

dispor que:

O princípio da isonomia constitui verdadeira limitação à política legislativa, de forma que a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, deve, no entanto, buscar um tratamento equitativo a todos os cidadãos. Ocorre que as diferenças entre as pessoas são gritantes, de forma que, no ordenamento jurídico brasileiro, há várias normas editadas com desequiparação, seja por motivo de raça, sexo, trabalho, entre outros, e isto sem ferir tal princípio. (CUNHA, 2009, p. 129).

Por outro lado, cabe mencionar que ainda existem discussões acerca da

aplicação da Lei Maria da Penha, não apenas para mulheres, consoante os

ensinamentos de Cunha e Pinto:

Para tornar a questão ainda mais clara, citam-se exemplos de absurda injustiça (para com o homem), a saber: numa agressão mútua, o que justifica a mulher ficar amparada pelo presente diploma e o homem não? Sabendo que a violência doméstica não se resume na agressão do marido contra a mulher, qual o motivo para se proteger a filha agredida pelo pai e o filho agredido não? Para uma agressão do filho contra a mãe há lei específica protegendo a vítima, porém para sua agressão contra o pai não? (CUNHA; PINTO, 2011, p. 32)

Ocorre que, como bem salienta Dias (2010, p. 74), nenhum tipo de

questionamento como exposto acima foi realizado quando a edição do Estatuto da

29

Infância e Juventude e do Estatuto do Idoso. Esses diplomas legais, assim como a

Lei Maria da Penha, têm como objetivo amparar determinados segmentos sociais,

visando proteger àqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade.

Isso porque, a violência contra a mulher decorre de razões de ordem social e

cultural, eis que a proteção das mulheres agredidas dentro de seus lares não era

objeto de normativo e, consequentemente, esse tipo de crime caía na impunidade.

A doutrinadora Dias ainda pondera que:

Leis voltadas a parcelas da população, merecedoras de especial proteção, procuram igualar quem é desigual, o que nem de longe infringe o princípio isonômico. A Lei Maria da Penha criou um microssistema que se identifica pelo gênero da vítima. (DIAS, 2010, p. 74-75).

Outra crítica realizada à Lei Maria da Penha diz respeito a inaplicabilidade

dos Juizados Especiais. Esse entendimento decorre da suposta violação ao art. 227

§ 6º da Constituição Federal, visto que, em caso de agressão à mulher, o marido

não é sujeito às normas dispostas pela Lei n.º 9.099/1995, ao passo que, quando da

agressão ao filho, o procedimento é regido pela Lei dos Juizados Especiais.

Cumpre destacar que as alterações no ordenamento jurídico pátrio são

progressivas e espelham as alterações sociais, com o objetivo de restaurar certas

situações de desrespeito aos direitos fundamentais do cidadão.

Desse modo, verifica-se que são infundadas as alegações de

inconstitucionalidade da Lei n.º 11.340/2006, eis que o alto índice de violência contra

a mulher deixa claro que o modelo conservador, adotado em nossa sociedade,

considera como inferior e submissa a figura feminina, cabendo ao Estado promover

as medidas legais para a repressão desse tipo de desigualdade.

Esse entendimento foi inclusive reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal,

ao julgar a Ação Declaratória de Constitucionalidade n.º 19, em 09 de fevereiro de

2012, declarando válidos e legítimos os artigos 1º, 33 e 41 da Lei n.º 11.340/2006.

Mister salientar que essa ação foi ajuizada pela Presidência da República,

com o objetivo de uniformizar a interpretação judicial contida nestes dispositivos,

haja vista os pronunciamentos judiciais declarando a constitucionalidade e a

inconstitucionalidade das referidas normas.

No voto proferido pelo Colegiado, a Ministra Rosa Weber entendeu que a Lei

Maria da Penha “inaugurou uma nova fase de ações afirmativas em favor da mulher

30

na sociedade brasileira”. Acrescentou ainda que esse conjunto de normas “tem

feição simbólica, que não admite amesquinhamento”.

No mesmo sentido, o Ministro Luiz Fux entendeu que a Lei n.º 11.340/2006

está em consonância com a responsabilidade do Estado em proteger cada membro

da família, nos termos do parágrafo 8º do art. 226 da Constituição Federal.

Já a Ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha deixou claro que o julgamento

da Ação Direta de Constitucionalidade das normas da Lei Maria da Penha

representa para a “mulher que a luta pela igualação e dignificação está longe de

acabar”.

A referida Ministra ainda citou exemplos de discriminação contra a mulher,

inclusive situações pessoais que passou no início de sua carreira. E encerrou sua

posição ao entender que “enquanto houver uma mulher sofrendo violência neste

planeta, eu me sentirei violentada”.

O Ministro Ricardo Lewandowski, por sua vez, salientou que, ao se retirar os

crimes decorrentes de violência doméstica do rol dos crimes menos ofensivos e,

consequentemente, da égide dos Juizados Especiais, foi colocada em prática uma

política mais severa, de acordo com a gravidade dos delitos praticados pelo

agressor.

Já o Ministro Ayres Brito entendeu que a Lei Maria da Penha representa o

constitucionalismo fraterno, em razão da especial proteção conferida à mulher e

“deve ser interpretada generosamente para robustecer os comandos

constitucionais”.

O Ministro Gilmar Mendes, por sua vez, observou que o próprio princípio da

igualdade determina a proteção da pessoa mais frágil no quadro social. Segundo ele

“não há inconstitucionalidade em legislação que dá proteção ao menor, ao

adolescente, ao idoso e à mulher. Há comandos claros nesse sentido”.

No mesmo sentido dos demais Ministros citados, o Ministro Celso de Mello,

mencionou que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos teve participação

salutar no surgimento da Lei Maria da Penha, ao mencionar que o crime sofrido por

Maria da Penha deveria ser visto sob a ótica de crime de gênero por parte do Estado

brasileiro.

Isso porque, à época, a comissão entendeu que a ofensa aos direitos de

Maria da Penha refletiam a ineficácia do Judiciário brasileiro, como já mencionado

no decorrer do presente estudo.

31

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a natureza incondicionada da ação

penal pública da lei Maria da Penha, através da ADI n.º 4.424. Veja-se o decisório,

na parte que interessa:

O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação direta para, dando interpretação conforme aos artigos 12, inciso I, e 16, ambos da Lei nº 11.340/2006, assentar a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão, pouco importando a extensão desta, praticado contra a mulher no ambiente doméstico, contra o voto do Senhor Ministro Cezar Peluso (Presidente). Falaram, pelo Ministério Público Federal (ADI 4424), o Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, Procurador-Geral da República; pela Advocacia-Geral da União, a Dra. Grace Maria Fernandes Mendonça, Secretária-Geral de Contencioso; pelo interessado (ADC 19), Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Dr. Ophir Cavalcante Júnior e, pelo interessado (ADI 4424), Congresso Nacional, o Dr. Alberto Cascais, Advogado-Geral do Senado. Plenário, 09.02.2012. (STF. ADI n.º 4.424, Rel. Min. Marco Aurélio. Julgado em 09.02.2012).

Diante disso, com o advento da Lei n.º 11.340/2006, mesmo nos casos de

lesões corporais leves, a ação penal a ser proposta é a incondicionada, desde que

os atos de violência tenham sido praticados contra mulher no âmbito doméstico.

Assim, sendo a ação penal incondicionada há uma efetiva proteção

constitucional assegurada as mulheres, eis que muitas vezes uma lesão corporal de

natureza leve faz com que a mulher não represente, ou acabe afastando a

representação anteriormente formalizada.

Desse modo, entende-se que se encontra superada a questão da

Constitucionalidade de todos os artigos integrantes da Lei n.º 11.340/2006, deixando

claro que todas as disposições ali constantes são legítimas e devem ser aplicadas

nos casos de violência contra a mulher.

32

4 DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

A Lei Maria da Penha enumera um rol de medidas protetivas de urgência

destinadas a garantir a integridade física da mulher. Os artigos 22 a 24, do referido

diploma legal, estabelecem quais são e quando podem ser aplicadas as medidas de

urgência, que podem ser impostas ao agressor ou conferidas à ofendida, conforme

se verá a seguir.

No entanto, cumpre observar o entendimento de Dias:

Deter o agressor e garantir a segurança pessoal e patrimonial da vítima e sua prole está a cargo tanto da polícia como do juiz e do próprio Ministério Público. Todos precisam agir de modo imediato e eficiente. A Lei traz providências que não se limitam às medidas protetivas de urgência previstas nos arts. 22 a 24. Encontram-se espraiadas em toda a Lei diversas medidas outras voltadas à proteção da vítima que também cabem ser chamadas de protetivas. (DIAS, 2010, p. 106).

A partir daí, entende-se que o rol elencado nos artigos 22 a 24 é

exemplificativo e não taxativo, vez que outras providências podem ser deferidas com

o objetivo de garantir a segurança da mulher agredida.

Ademais, o parágrafo 3º do art. 19 da Lei n.º 11.340/2006 determina que o

juiz poderá conceder novas medidas protetivas ou substituí-las por outras, caso as

anteriormente deferidas não surtam o efeito esperado.

Cumpre ressaltar que as medidas protetivas, dispostas na Lei Maria da

Penha, não possuem caráter temporário e independem do ajuizamento de demanda

principal no prazo de 30 dias, tal qual previsto no Código de Processo Civil e

inerentes aos procedimentos cautelares. No entanto, o juiz pode definir um prazo de

duração da medida protetiva, caso entenda necessário.

Os pedidos de medidas protetivas pleiteados pela mulher são encaminhados

aos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e esta pode fazer

uma opção quanto à competência do foro onde quer que tramitem os autos, seja em

seu domicílio, no domicílio do agressor ou, até mesmo, no lugar aonde ocorreu a

violência, consoante disposto no art. 15 da Lei Maria da Penha. Em casos de

ausência de Juizados específicos de repressão à violência contra a mulher, os autos

serão encaminhados ao Juízo Criminal.

Importante considerar também o caráter protetivo estabelecido por meio do

art. 21 da Lei Maria da Penha, ao estabelecer que a vítima será intimada

33

pessoalmente os atos processuais relativos ao sujeito ativo, em especial seu

ingresso ou saída de estabelecimento prisional.

Para Wilson Lavorenti:

As medidas adotadas correspondem aos deveres do Estado, previstos na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, de contemplar medidas jurídicas que afastem o agressor da possibilidade de perseguir, fustigar, intimidar, ameaçar ou expor a perigo, de qualquer sorte, a incolumidade da mulher ou de seu patrimônio, bem como o estabelecimento de regras jurídicas que incluam, entre outras medidas de proteção, um julgamento oportuno e o acesso efetivo a tais procedimentos e à satisfação de danos. (LAVORENTI, 2009, p. 261).

Nucci (2010, p. 1.278), por sua vez, entende que as medidas protetivas “são

positivas e mereceriam, inclusive, extensão ao processo penal comum, cuja vítima

não fosse somente à mulher”.

4.1 DAS MEDIDAS PROTETIVAS QUE OBRIGAM O AGRESSOR

4.1.1 Determinação do Delegado

O Capítulo III da Lei Maria da Penha é dedicado ao atendimento dos casos

de violência doméstica pela Autoridade Policial. Nesse sentido, o art. 10 determina

que a autoridade policial que tomar conhecimento da prática ou iminência de

violência doméstica e familiar praticada contra a mulher, deve adotar as providências

legais cabíveis.

Importante considerar que, o parágrafo primeiro do referido artigo determina

a aplicação do caput também nos casos de descumprimento da medida protetiva de

urgência.

Segundo Nucci, ao tecer considerações sobre o art. 10 da Lei Maria da

Penha:

Não há necessidade de constar em lei que a autoridade policial, tomando conhecimento de um caso de violência doméstica e familiar contra a mulher, deve agir conforme determinação legal. Tal situação é obvia. Cada operador do Direito cumpre a sua função, tal como previsto em inúmeras leis, inclusive as que regem cada carreira. Basta enumerar o que compete à autoridade policial fazer e não criar uma norma para dizer que o delegado deve cumprir a lei. (NUCCI, 2010, p. 1.269).

34

O artigo 11, por sua vez, estabelece que, no atendimento à mulher vítima de

violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá: garantir proteção policial,

quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder

Judiciário; encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto

Médico Legal; fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo

ou local seguro, quando houver risco de vida; se necessário, acompanhar a ofendida

para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio

familiar e informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços

disponíveis.

Segundo Nucci (2010, p. 1.270), as disposições constantes no dispositivo

legal transcrito acima são de grande valia teórica, vez que na prática, a realidade

remete à falta de estrutura do Estado em garantir os direitos ali expostos.

Já o artigo 12 dispõe que, em todos os casos de violência doméstica e

familiar contra a mulher, após o registro da ocorrência, a autoridade policial deverá

adotar os procedimentos dispostos nos incisos I a VII, com destaque para a

remessa, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o

pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência, previsto

no inciso III; determinação para se realizar exame de corpo de delito da ofendida e

requisitar outros exames periciais necessários, previsto no inciso IV e remessa dos

autos do inquérito policial ao magistrado e Ministério Público, estabelecido no inciso

VII.

Consoante os ensinamentos de Dias (2010, p. 108), uma das grandes

novidades ocorridas com a publicação da Lei Maria da Penha foi a possibilidade de

requerimento de medida protetiva de urgência à autoridade policial, consoante

disposto no inciso III do art. 12 da Lei n.º 11.340/2006.

Neste contexto, resta claro que a solicitação pleiteada pela vítima,

independe de requerimento protocolado por advogado ou defensor público, eis que a

autoridade policial encaminhará o pedido diretamente ao magistrado.

Cumpre ressaltar que, nos casos de indeferimento da medida protetiva

solicitada à autoridade policial e remetida ao magistrado, Dias entende que:

Indeferida a medida protetiva pleiteada no procedimento enviado a juízo pela autoridade policial, tal não obsta a que a vítima promova ação no âmbito da jurisdição civil com o mesmo propósito. Não há como falar em coisa julgada. Deste modo, rejeitado o pedido de separação de corpos ou a fixação de alimentos, pode a mulher propor cautelar de separação de

35

corpos ou ação de alimentos perante a Vara de Família (DIAS, 2010, p. 110).

Pela simples análise dos artigos acima transcritos, fica claro que a Lei Maria

da Penha promoveu um avanço no ordenamento jurídico pátrio, vez que conferiu à

mulher vítima de violência doméstica, a possibilidade de requerer diretamente à

autoridade policial, as medidas necessárias para a garantia de sua integridade física

e psicológica.

4.1.2 Determinação do Juiz

No caso de constatação da prática de violência doméstica ou familiar contra

a mulher, é possível ao magistrado, aplicar ao sujeito ativo, separadamente ou em

conjunto, medidas protetivas de urgência que tem por objetivo proteger a mulher

agredida.

A primeira medida protetiva, disposta no inciso I do art. 22 da Lei Maria da

Penha, corresponde à suspensão da posse ou restrição do porte de armas pelo

agressor, por meio da comunicação aos órgãos competentes.

Importante considerar que se o agressor possui posse regular e legítima de

arma de fogo, a restrição ou suspensão de seu uso deve ser comunicada ao

Sistema Nacional de Armas (SINARM) e à Polícia Federal.

Por outro lado, se o uso ou o porte de arma é ilegal, cabe à autoridade

policial tomar as providências devidas para a apreensão da arma e tipificação do

delito praticado pelo agressor.

Na sequência, o inciso II prevê a medida protetiva de afastamento do lar,

domicílio, ou local de convivência entre o agressor e a mulher agredida.

De acordo com Dias (2010, p. 107) o afastamento do lar “somente será

deferido ante a notícia da prática ou do risco concreto de algum crime que o

justifique, e não como mero capricho da ofendida”.

Este é o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, como se

pode ver no julgado abaixo:

MANDADO DE SEGURANÇA. LEI MARIA DA PENHA. MEDIDA PROTETIVA DE AFASTAMENTO DO CÔNJUGE VARÃO DO LAR PARA QUE A EX-ESPOSA E A FILHA MENOR RETORNEM A CASA. Marido e mulher autores e vítimas recíprocas de lesões corporais oriundas das

36

relações domésticas e familiares. Necessidade de ser dado amparo à filha menor do casal, uma vez que, juntamente com a mãe, foi constrangida a se afastar do lar, não recebendo qualquer auxílio por parte do pai e sendo a mãe hipossuficiente e se vendo obrigada a custear aluguel de uma moradia para abrigá-las.Decisão amparada no artigo 23, inciso II, da Lei nº 11.340/06, que não consistiu em qualquer ilegalidade, eis que atendeu ao objetivo protetivo do instituto legal, considerando a hipossuficiência da parte ofendida em sozinha sustentar a filha menor oriunda da união e a impossibilidade de permanecer o casal sob o mesmo teto sem agressões mútuas.DENEGAÇÃO DA ORDEM. (TJ/RJ. 4.ª Câmara Criminal. Mandado de Segurança n.º 2008.078.0042, Relatora: Leila Albuquerque. Julgado em 14.07.2008).

A proibição de determinadas condutas está disposta no inciso III e dispõe

acerca da impossibilidade de aproximação da agredida, seus familiares e

testemunhas, fixando, se necessário um limite de distância entre essas pessoas e o

sujeito ativo do crime de violência doméstica.

Cumpre ressaltar que, essa medida não implica na infração do direito

constitucional de ir e vir da parte, disposto no art. 5º, XV da Carta Magna, eis que a

liberdade de locomoção do agressor é limitada em razão da preservação da vida e

integridade física da mulher agredida (DIAS, 2010, p. 114).

Outra medida protetiva da mesma espécie corresponde à proibição de

contato com a ofendida, seus familiares e as testemunhas da agressão, por meio de

qualquer tipo de comunicação.

Também restou prevista a proibição do agressor frequentar determinados

lugares, afim de que seja resguardada a integridade física e psicológica da ofendida.

O inciso IV, por sua vez, estabelece a possibilidade de restrição ou

cancelamento das visitas aos dependentes menores, após a orientação da equipe

de atendimento multidisciplinar ou serviço similar.

Sobre esse inciso, são essenciais os ensinamentos de Dias:

A recomendação para que seja ouvida equipe de atendimento multidisciplinar bem revela a preocupação em preservar o vínculo de convivência entre pais e filhos. No entanto, já que se está em sede de violência doméstica, havendo risco à integridade quer da ofendida, quer dos filhos, é impositivo que a suspensão das visitas seja deferida em sede liminar. Não é necessário que o parecer técnico anteceda a decisão judicial. Vem sendo admitido o estabelecimento de um local para as visitas acontecerem de forma supervisionada, sem que haja contato do ofensor com a vítima. Tal possibilidade preserva a integridade física da mulher e não impede a convivência do ofensor com os filhos. Inclusive, a tendência é determinar que as visitas se realizem em ambiente terapêutico, para que o juiz possa contar com a colaboração do técnico que as acompanha para subsidiá-lo na hora de decidir o regime das visitações. (DIAS, 2010, p. 114).

37

Por fim, o inciso V possibilita que o agressor seja compelido ao pagamento

de alimentos provisionais ou provisórios à ofendida. Essa possibilidade se justifica

nos casos em que o agressor é arrimo de família e a agredida e seus filhos,

dependem financeiramente dele.

Assim como em outros casos previstos, excepcionalmente nos casos de

violência doméstica, esse pedido pode ser realizado diretamente pela parte à

autoridade policial, sem a necessidade de constituição de um procurador.

Importante considerar que o parágrafo primeiro do art. 22 estabelece que as

medidas descritas pelo referido artigo não são únicas, podendo ser aplicadas outras

medidas previstas no ordenamento jurídico brasileiro, se disso depender a

segurança da ofendida ou existirem circunstâncias especiais, desde que

comunicado o Ministério Público.

O parágrafo segundo dispõe normas inerentes à aplicação da medida

protetiva disposta no inciso I, quais sejam, suspensão ou restrição a posse de

armas.

Já o parágrafo terceiro garante ao magistrado a possibilidade de solicitar

auxílio de força policial para garantia da efetividade das medidas protetivas de

urgência dispostas no art. 22 da Lei Maria da Penha.

Cumpre ressaltar, acerca da possibilidade de deferimento das medidas

protetivas de urgência, as considerações de Dias:

Para agir o juiz necessita ser provocado. A adoção de providência de natureza cautelar ou satisfativa está condicionada à vontade da vítima. Ainda que a mulher proceda ao registro da ocorrência, é dela a iniciativa de pedir proteção em sede de tutela de urgência. Só assim será formado expediente para deflagrar a concessão de medida protetiva de urgência. Exclusivamente na hipótese de a vítima requerer medidas protetivas é que cabe ao juiz agir de ofício, adotando, contudo, medidas outras que entender necessárias, para tornar efetiva a proteção que a Lei promete à mulher. Tal possibilidade está prevista na própria lei processual que admite a imposição de multa diária, independentemente de pedido do autor, bem como a determinação de busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial. (CPC 461, §§ 5º e 6º) (DIAS, 2010, p. 107).

A análise das medidas protetivas que obrigam o agressor nos remete à

constatação de que as normas ali expostas representam um grande avanço na

tentativa de reduzir os casos de violência doméstica em nosso País, por meio da

severa punição do agressor e até mesmo a restrição de seus direitos.

38

4.2 DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA À OFENDIDA

Os artigos 23 e 24 da Lei Maria da Penha estabelecem normas destinadas à

proteção da ofendida, por meio do deferimento de medidas protetivas de urgência.

O inciso I do art. 23 estabelece a possibilidade de encaminhamento da

agredida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de

atendimento.

Segundo Parodi e Gama (2010, p. 192) “a avaliação judicial da situação

deve elevar os valores de segurança e de amparo à mulher, afastando a

possibilidade de ela ser agredida ou oferecendo toda a assistência necessária para

o afastamento das lesões decorrentes da agressão”.

O inciso II regulamenta a recondução da agredida e seus dependentes ao

lar, após o afastamento do sujeito agressor.

Já o inciso III do referido artigo prevê a possibilidade de afastamento da

ofendida do lar, sem que com isso, sejam comprometidos seus direitos referentes

aos bens do casal, guarda dos filhos e alimentos. Por fim, o inciso IV estabelece

acerca da separação de corpos.

Dias (2010, p. 111) traz que “quando o histórico de violência for apenas

contra a mãe, em princípio, inexistem razões para privar o agressor do contato com

seus filhos, mas é possível estabelecer restrições quanto a local e horário de

visitas”.

O artigo subsequente tem o condão de garantir a proteção patrimonial dos

bens do casal ou até mesmo os bens particulares da mulher. Para tanto, o inciso I

prevê a possibilidade de restituição de bens da ofendida, indevidamente subtraídos

pelo agressor.

O inciso II, por sua vez, estabelece a proibição temporária para a assinatura

de contratos de compra, venda e locação de bens em comum das partes, exceto nos

casos de autorização judicial.

De acordo com Parodi e Gama:

A dissipação do patrimônio do casal apresenta-se como ocorrência comum nos casos de separação de casais, partindo do homem tal prática odiosa e desonesta. No caso de violência doméstica e familiar, a intensidade dos acontecimentos pode levar o agressor a partir para a disposição dos bens, visando sempre prejudicar a mulher humilhada e agora desfalcada. (PARODI; GAMA, 2010, p. 194).

39

A suspensão das procurações e documentos outorgados pela agredida ou

agressor consta no inciso III, enquanto que o inciso IV se destina à possibilidade de

prestação de caução provisória, por meio de depósito judicial, por perdas e danos

materiais oriundos da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

O parágrafo único do referido artigo estabelece que, nos casos de incidência

das disposições constantes nos incisos II e III do art. 24, cumpre ao juiz comunicar o

cartório competente.

4.2.1 Botão do Pânico

Em data de 04 de março de 2013, foi assinado o protocolo para instalação

de um dispositivo, chamado Botão do Pânico, no Estado do Espírito Santo, tratando-

se de uma inovação para proteger a mulher, vítima de violência doméstica, 24 horas

por dia.

O dispositivo é fornecido às mulheres que já possuem medidas protetivas de

urgência contra os seus agressores, para ser acionado quando se encontrarem sob

risco, armazenando em banco de dados às informações geradas a partir do

momento em que foi acionado o dispositivo.

Foi criado através da iniciativa do presidente do tribunal, desembargador

Pedro Valls Feu Rosa, juntamente com a juíza Hermínia Maria Silveira Azoury, chefe

da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e

Familiar.

A juíza Hermínia Maria Silveira Azoury esclarece que no momento em que a

vítima receber o Botão do Pânico, a mesma será orientada sob a forma de

utilização, bem como será conscientizada sobre todos os atos decorrentes do

acionamento do dispositivo de segurança.

Segundo Marcelo Nolasco, Secretário de Cidadania e Direitos Humanos de

Vitória, “a princípio serão beneficiados 100 mulheres. A Prefeitura de Vitória

participará do programa, oferecendo espaço físico e estrutura humana, por meio da

Patrulha Maria da Penha. A Guarda Municipal fará parte da Patrulha, a quem caberá

ser acionada sempre que o Botão do Pânico for acionado”.

Com a aplicação deste dispositivo, nota-se um grande avanço ao combate à

violência doméstica e familiar, possibilitando que as medidas de urgência serão

efetivamente cumpridas.

40

4.2.2 Afastamento do lar x separação judicial

O afastamento do lar está disposto no art. 22, II da Lei Maria da Penha. O

objetivo dessa medida é possibilitar o afastamento do agressor com a agredida, eis

que a violência doméstica e familiar ocorre no ambiente do lar.

Por outro lado, cumpre ressaltar que o afastamento do lar por parte do

agressor não representa a separação judicial entre as partes, mas tão somente uma

medida protetiva conferida à mulher, que em nada se relaciona às disposições

inerentes à matéria no âmbito do direito familiar.

Para garantir a integridade do cônjuge afetado, o ordenamento jurídico

dispõe de diversos instrumentos, entre eles a Lei do Divórcio, o Código Civil, o

Código de Processo Civil e a Lei Maria da Penha.

Em detrimento a isso, mostra-se possível a separação de corpos, em sede

de medida cautelar, para tutelar o bem jurídico do cônjuge sujeito a determinada

violência.

4.3 DA EFICÁCIA E DA EFETIVIDADE DAS MEDIDAS PROTETIVAS

Sabe-se que as medidas protetivas dispostas na Lei Maria da Penha

promoveram um avanço em nosso ordenamento jurídico com relação à prevenção

da violência contra a mulher.

As disposições constantes nos artigos 22 a 24 da Lei n.º 11.340/2006 visam

resguardar a integridade física e psicológica da ofendida em razão da reiteração da

conduta violenta praticada pelo agressor.

Entretanto, se por um lado, a alteração legislativa é louvável, de outro, a

efetividade e garantia de cumprimento das medidas protetivas ainda prescinde de

estrutura por parte do Estado.

Para uma efetividade concreta, as medidas preventivas de urgência poderão

ser concedidas pelo juiz de imediato, independentemente de audiência das partes

(inaudita altera pars), desde que o pedido tenha sido formulado pela ofendida ou

Ministério Público.

Nesta toada, oportuno trazer o entendimento de Dias:

41

[...] Encaminhado pela autoridade policial pedido de concessão de medida protetiva de urgência – quer de natureza criminal, quer de caráter cível ou familiar – o expediente é autuado como medida protetiva de urgência, ou expressão similar que permita identificar a sua origem. (...) Não se está diante de processo crime e o Código de Processo Civil tem aplicação subsidiária (art. 13). Ainda que o pedido tenha sido formulado perante a autoridade policial, devem ser minimamente atendidos os pressupostos das medidas cautelares do processo civil, ou seja, podem ser deferidas ‘inaudita altera pars’ ou após audiência de justificação e não prescindem da prova do ‘fumus boni juris’ e ‘periculum in mora". (DIAS, 2012, p.180-181).

Ainda, sempre que os direitos da vítima forem ameaçados ou violados, a

medida protetiva poderá ser substituída por outra de maior eficácia e, inclusive,

serem aplicadas isolada ou cumulativamente.

O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul assim

decidiu:

APELAÇÃO CRIME. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DESOBEDIÊNCIA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO. Não caracteriza o crime de desobediência, previsto no artigo 330 do Código Penal, o descumprimento de medida protetiva deferida com base na Lei Maria da Penha. As medidas protetivas previstas na Lei 11.340/06 são medidas cautelares, que visam proteger as vítimas de abuso por parte de seus agressores. Tais medidas são progressivas, podendo evoluir até a prisão preventiva do agente, caso as medidas mais brandas se mostrem insuficientes para proteger a vítima (Apelação Crime nº 70044572469, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, Julgado em 14/09/2011).

Ademais, para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, o

juiz poderá requisitar auxílio de força policial.

Há de se ressaltar que, o artigo 20 da Lei n.º 11.340/2006 estabelece que

em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão

preventiva do agressor. Veja-se que o artigo mencionado acrescentou o inciso III, no

artigo 313 do Código de Processo Penal:

Art. 313 – Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: [...] III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

42

Diante disso, nota-se que a função da Lei Maria da Penha é fazer com que

as medidas protetivas sejam cumpridas, tornando-se um instrumento de coação aos

agressores.

Entretanto, em alguns casos, as medidas protetivas de urgência previstas na

Lei n.º 11.340/2006 acabam não surtindo os efeitos desejáveis no tocante a coibição

da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Um dos maiores entraves da Lei Maria da Penha é o silêncio e a omissão

das mulheres, seja por medo, falta de cultura, acesso à justiça e, ainda, pela

vergonha de se expor perante a sociedade.

Ainda, há de se ressaltar a precariedade das Delegacias e Defensorias

Públicas Especializadas, Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a

Mulher, Centros de Atendimento e Multidisciplinar para Mulheres, os abrigos, bem

como os Centros de Educação e Reabilitação para os agressores, que muitas vezes

sequer existem.

Sendo assim, na ausência de abrigos para acolher as vítimas, aliado ao fato

de não existir local apropriado para encaminhar os agressores, uma vez que não

foram criados centros onde os mesmos possam se reabilitar, o judiciário passou a

limitar a forma de aplicação da Lei Maria da Penha, como se pode ver:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEI MARIA DA PENHA. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE MEDIDAS PROTETIVAS. VIA RECURSAL ELEITA QUE SE MOSTRA INADEQUADA. PRECEDENTE DA COLENDA 5ª CÃMARA CRIMINAL DESTA CORTE. AGRAVO NÃO CONHECIDO. (TJ/RS. 2.ª Câmara Criminal. Agravo de Instrumento n.º 70033434663, Rel. Marco Aurélio de Oliveira Canosa. Julgado em 25.03.2010).

Segundo Eleonora Menicucci, Ministra da Secretaria Especial de Políticas

para as Mulheres, o atual governo espera implantar com sucesso a Lei Maria da

Penha em todo o país. Isso porque, o governo tem consciência de que a efetividade

desse conjunto de normas depende da existência rede de atendimento destinado a

garantir a segurança da ofendida.

Em um evento realizado no dia 14.01.2013, a Ministra Eleonora mencionou

que: “a implantação da Lei Maria da Penha implica na criação de uma rede forte de

atendimento às mulheres. Hoje são apenas cinco casas-abrigo para mulheres na

cidade de São Paulo. No mínimo deveria ter uma para cada subdistrito de

prefeitura”.

43

Ademais, a Ministra Eleonora mencionou ainda acerca da capacitação dos

profissionais que atendem as ocorrências de violência contra a mulher:

Precisamos, no enfrentamento à violência, do treinamento de todos os profissionais da área de saúde e da segurança pública para atender às mulheres. Hoje não acho que se fale que a mulher provoque a violência. Houve uma mudança de mentalidade, tanto é que quando propusemos uma punição maior para agressores e estupradores, a sociedade aceitou.

A partir daí, tem-se que a norma é válida e eficaz e sua efetividade depende

da estruturação governamental em garantir na prática a proteção à mulher tal qual

concebida na Lei Maria da Penha.

4.4 BALANÇO DA LEI MARIA DA PENHA - N.º 11.340/2006 NO BRASIL

A violência contra a mulher configura uma triste realidade em nosso País.

Consoante os ensinamentos de Dias:

Segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS, 30% das mulheres foram forçadas nas primeiras experiências sexuais; 52% são alvo de assédio sexual; e 69% já foram agredidas ou violadas. Conforme relatório da Anistia Internacional, mais de um bilhão de mulheres no mundo (uma em cada três), foram espancadas, forçadas a manterem relações sexuais ou sofreram outro tipo de abuso, quase sempre cometido por amigo ou parente. Isso tudo, sem contar o número de homicídios praticados pelo marido ou companheiro sob alegação de legítima defesa da honra. E mais, segundo a Sociedade Mundial de Vitimologia (IVW) ligada ao governo da Holanda e à ONU, o Brasil é o país que mais sofre com a violência doméstica: 23% das mulheres brasileiras estão sujeitas a este tipo de violência. (DIAS, 2010, p. 20).

Para Parodi e Gama:

Os índices apresentados pela Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar – PNDA do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, no final da década de 1980, constatou que 63% das agressões físicas contra as mulheres acontecem em ambientes domésticos e são praticadas por pessoas com relações pessoais e afetivas com as vítimas. Depois da virada do milênio, a Fundação Perseu Abramo realizou outra pesquisa em 2001, por meio do Núcleo de Opinião Pública, questionando as mulheres sobre temas variados envolvendo a condição feminina, chegando às seguintes conclusões: a) a taxa de espancamento alcançou 11% para o universo de 61,5 milhões

de mulheres, indicando que pelo menos 6,8 milhões de brasileiras vivas já sofreram agressões físicas pelo menos uma vez;

b) entre as mulheres que admitiram terem sido espancadas, 31% declararam que a última vez em que isso ocorreu foi no período dos 12

44

meses anteriores, projeta-se cerca de, no mínimo, 2,1 milhões de mulheres espancadas por ano no território nacional.

Nesta triste conclusão, em 2011, as mulheres foram espancadas na ordem de 175.000 por cada mês do ano. De maneira ainda mais específica, os espancamentos poder ser calculados em 5.800 por dia, ou seja, 243 mulheres agredidas por hora ou 4 mulheres sofrendo agressões a cada minuto, uma mulher a cada 15 segundos sofreu espancamento. (PARODI; GAMA, 2010, p. 14-15).

Importante considerar que, inobstante sejam assustadores os dados

expostos acima, na realidade o índice de violência praticado contra a mulher é muito

maior, ante o grande número de casos em que a ofendida não denuncia o agressor.

Estima-se que somente 10% das mulheres agredidas informam a violência

sofrida às autoridades policiais. Isto porque, muitas vezes existe a crença de que o

agressor vai mudar seu comportamento; a dependência financeira da mulher

perante o agressor e até mesmo a dificuldade em denunciar decorrente do vínculo

afetivo e familiar existente entre as partes. (DIAS, 2010, p. 20).

Cumpre ressaltar que, em sua maioria, os agressores são homens, eis que

representam 67,4% dos casos considerados como sujeitos ativos do delito de

violência contra a mulher. (DIAS, 2010, p. 20).

Atualmente, transcorridos quase sete anos da edição da Lei Maria da Penha,

pode-se dizer que aumentou significativamente o número de mulheres que

denunciam os casos de agressão doméstica.

Neste ínterim, importante mencionar os ensinamentos de Cunha:

Salienta-se ainda, que a Lei Maria da Penha trouxe em seu bojo uma forte tendência da criminologia moderna, que procura dar resposta à vítima efetivamente compondo a lide, haja vista que apenas a penalização do agente criminoso não tem o condão de responder os anseios da vítima; assim, o amparo que a lei previu à vítima de violência familiar demonstra que esta tendência que caminha a passos lentos no Processo Penal brasileiro (CUNHA, 2009, p. 139).

Segundo a delegada baiana Heleneci de Jesus, após a promulgação da Lei

Maria da Penha, o número de denúncias aumentou em mais de 60%. A delegada

conclui que: "hoje, uma mulher procura uma unidade porque foi ameaçada, pode se

impor logo prisão em flagrante desse indivíduo, ou quando não, é instaurado

inquérito policial”.

Outrossim, consoante estudo divulgado em 19.de março de 2013 pelo

Conselho Nacional de Justiça, as Varas e os Juizados de Violência Doméstica e

45

Familiar Contra a Mulher atenderam 677.087 (seiscentos e setenta e sete mil,

oitenta e sete) procedimentos até dezembro de 2011.

A pesquisa revelou a necessidade da criação de 54 novos juízos específicos

para o atendimento de combate à violência contra a mulher em municípios

considerados chave em virtude de sua concentração demográfica.

Para o Conselheiro Ney Freitas, presidente da Comissão Permanente de

Acesso à Justiça e Cidadania, do Conselho Nacional de Justiça e responsável pela

articulação das ações de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher:

“é um trabalho extremamente simples, mas que permite uma visão sobre a atuação

do Poder Judiciário no combate à violência doméstica contra a mulher. Os números

da pesquisa revelam que a violência acontece, sobretudo, no lar, onde deveria haver

harmonia".

De acordo com o Mapa da Violência descrito na referida pesquisa, o

Sudeste possui a maior quantidade de unidades judiciais com competência exclusiva

para atendimento no combate à violência contra a mulher, sendo 20 unidades.

Por outro lado, o Nordeste, que representa a segunda região mais populosa

do Brasil, possui apenas 15 Varas ou Juizados da Violência Doméstica e Familiar

nos seus nove estados.

O Sul, tal qual o Nordeste, possui apenas três Varas exclusivas destinadas

ao combate da violência doméstica e familiar para atender, respectivamente, a uma

média de 5,48 milhões no Rio Grande do Sul; 5,3 milhões em Santa Catarina e 3,1

milhões de mulheres no Paraná. Cumpre salientar que cada um dos referidos

Estados possui apenas uma Vara específica e dedicada à prevenção da violência

doméstica e familiar.

O mesmo se diz da Região Norte, vez que Roraima, Rondônia, Amazonas,

Acre e Amapá contam com apenas uma unidade judiciária cada um, destinada

exclusivamente ao julgamento dos casos relacionados à Lei Maria da Penha.

Por outro lado, Tocantins e Pará são os que registram o maior número de

varas ou juizados – três e quatro juízos, respectivamente. No mesmo sentido,

apurou-se que, inobstante ser composta por uma população de 2,7 milhões de

habitantes, o Distrito Federal possui dez unidades judiciárias específicas.

Já Mato Grosso conta com apenas quatro, enquanto Mato Grosso do Sul e

Goiás têm somente uma unidade judiciária exclusiva.

46

Segundo a pesquisadora do Departamento de Pesquisas Judiciárias, Ana

Paula Antunes Martins, o referido estudo será essencial para o desenvolvimento e

ampliação da rede de atendimento à mulher:

Não tínhamos um mapa completo de onde estava essa estrutura judicial de processamento exclusivo de ações referentes à Lei Maria da Penha. A partir desse estudo, poderemos verificar o cumprimento ou a observância de onde estão essas unidades. Podemos também, com o relatório, contribuir para a formulação de políticas judiciárias de expansão da rede de atendimento à mulher, o que inclui os juizados. É importante que as mulheres de diferentes localidades possam ter acesso adequado à prestação jurisdicional.

Como conclusão e alternativas para o desenvolvimento da estrutura

brasileira e, consequentemente, a busca pela eficácia das disposições constantes na

Lei Maria da Penha, o estudo propõe a instalação de 54 Varas ou Juizados da

Violência contra a Mulher.

Segundo critérios de divisão por regiões do país, sugeriu-se a criação de

duas novas unidades no Espírito Santo, três no Rio de Janeiro, quatro em Minas

Gerais e cinco em São Paulo.

Para o Nordeste, o ideal seria a criação de 18 novas varas ou juizados –

sendo uma unidade judiciária em Alagoas, quatro na Bahia, duas no Ceará, duas no

Maranhão, três em Pernambuco, uma na Paraíba, duas no Piauí, duas em Sergipe e

uma no Rio Grande do Norte.

A região Sul, por sua vez, prescinde da criação de nove juízos, distribuídos

entre seus três Estados integrantes. Um número um pouco menor, consistente na

criação de seis unidades judiciárias, seria necessário para os estados de Goiás,

Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Já para a Região Norte, cinco novas varas ou juizados especiais,

distribuídos entre Acre, Amapá, Rondônia, Roraima e Amazonas seriam suficientes.

Cumpre ressaltar que, de acordo com a proposta realizada por meio do

estudo em voga, o número de varas ou juizados exclusivos da violência doméstica e

familiar contra a mulher no Brasil alcançará o numero de 120 unidades judiciárias

especializadas nesse tipo de atendimento, praticamente o dobro dos juizados

existentes em todo país.

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5 CONCLUSÃO

O presente trabalho teve por objetivo realizar a análise pormenorizada da

eficácia das Medidas Protetivas de Urgência previstas na Lei Maria da Penha. Com

objetivo de introduzir o tema proposto, no primeiro capítulo, discorreu-se sobre a

proteção constitucional no direito brasileiro do combate à violência contra a mulher.

Cumpre salientar que, inobstante todas as Constituições brasileiras

sufragarem o princípio da igualdade, por razões de ordem cultural, a mulher sempre

foi reconhecida como inferior ao homem.

Por tal motivo, estritamente relacionada a essa desigualdade entre os sexos,

a violência contra a mulher não representava uma necessidade de intervenção por

parte do Estado, ante a ausência de denúncia dos casos de agressão.

Outrossim, quando o Brasil se tornou signatário da Convenção de Belém do

Pará, os casos de denúncia aumentaram, justificando a necessidade de uma maior

intervenção estatal ao combate à violência doméstica.

Por outro lado, conforme restou claro no transcorrer do presente estudo, a

edição da Lei n.º 11.340/2006 representou um divisor de águas em nosso

ordenamento jurídico, no que diz respeito à busca pela integridade física e

psicológica da mulher agredida, aliado à severa punição de seu agressor.

Sabe-se que a motivação para a elaboração desse conjunto de normas

decorreu do triste episódio vivenciado por Maria da Penha Maia Fernandes, que em

razão de duas tentativas de homicídio praticadas por seu então marido, ficou com

sequelas irreversíveis, como a paralisia.

A luta de Maria da Penha para promover a condenação de seu ex-marido,

bem como evitar que outras mulheres passassem por igual situação, acabou por

promover a condenação internacional do Brasil, ante a ausência de medidas

destinadas à punibilidade dos sujeitos ativos da violência doméstica e familiar, como

verificado detalhadamente no segundo capítulo.

Através da Lei n.º 11.340/2006 assegurou-se mecanismos de proteção à

vítima agredida, bem como severa punição ao agressor, sendo destaque a

inovadora possibilidade do deferimento de Medidas Protetivas de Urgência que tem

o condão de resguardar e garantir a proteção da vítima em desfavor do agente

agressor.

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Cumpre observar que muitas críticas foram feitas à Lei Maria da Penha,

inclusive com relação à sua constitucionalidade. No entanto, após o julgamento de

uma demanda destinada a resolver a mencionada controvérsia, o STF declarou a

integral constitucionalidade desse conjunto de normas, que representa um avanço

em nosso ordenamento jurídico.

A partir daí, no terceiro e ultimo capítulo, as medidas protetivas que obrigam

o agressor e a ofendida, bem como sua eficácia e o balanço da Lei Maria da Penha

em nosso país, foram objeto de estudo.

Restou claro que são de grande valia as medidas protetivas de urgência

previstas na Lei n.º 11.340/2006, eis que possibilitam que a mulher agredida esteja

protegida e separada de seu agressor.

Neste ínterim, de grande destaque a possibilidade de a mulher pleitear pela

aplicação das medidas de urgência diretamente à autoridade policial, sem a

necessidade de constituição de um procurador, vez que cabe ao delegado enviar

diretamente ao magistrado esse pedido.

No entanto, se por um lado, na teoria a lei se mostra brilhante, na prática a

efetividade das Medidas Protetivas de Urgência e das disposições constantes na Lei

Maria da Penha não é plena. Isso porque nosso País ainda não possui estrutura

adequada para atender com qualidade e tal qual prevista no referido conjunto de

normas, os casos de violência doméstica e familiar.

O recente estudo promovido pelo Conselho Nacional de Justiça somente

corroborou essa constatação, eis que concluiu pela necessidade de quase dobrar o

número de varas específicas de combate à violência contra a mulher em todas as

regiões do Brasil.

Sabe-se que o caminho é longo, no entanto, o que se espera é a efetividade

e garantia das normas dispostas na Lei Maria da Penha, bem como a estruturação

do nosso País, necessária para promover o tão almejado combate à violência

doméstica e familiar contra a mulher.

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REFERÊNCIAS

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