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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Anderson Andrey da Silva A INCONSTITUCIONALIDADE DA IMPRONÚNCIA CURITIBA 2010

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Anderson Andrey da Silva

A INCONSTITUCIONALIDADE DA IMPRONÚNCIA

CURITIBA 2010

A INCONSTITUCIONALIDADE DA IMPRONÚNCIA

CURITIBA 2010

Anderson Andrey da Silva

A INCONSTITUCIONALIDADE DA IMPRONÚNCIA Trabalho de Conclusão de Curso apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Daniel Ribeiro Surdi de Avelar.

CURITIBA 2010

TERMO DE APROVAÇÃO

Anderson Andrey da Silva

A INCONSTITUCIONALIDADE DA IMPRONÚNCIA

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, _____ de _______________ de 2010.

_____________________________________ Professor Doutor Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Monografias da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: __________________________________ Professor Daniel Ribeiro Surdi de Avelar

Universidade Tuiuti do Paraná

___________________________________ Professor

Universidade Tuiuti do Paraná

__________________________________ Professor

Universidade Tuiuti do Paraná

DEDICATÓRIA

À minha amada e fiel esposa, Josi.

AGRADECIMENTOS À Deus, pela oportunidade de enfrentar mais um grande desafio em minha vida. Ao Professor Daniel Ribeiro Surdi de Avelar, pela confiança em aceitar nobre missão de orientar o presente trabalho de conclusão de curso. Doutor Daniel Avelar, meus sinceros agradecimentos.

EPÍGRAFE

Apenas o direito da força pode, portanto, dar autoridade a um juiz para infligir uma pena a um cidadão quando ainda se está em dúvida se ele é inocente ou culpado.

Cesare Beccaria

RESUMO

O objetivo deste trabalho é analisar a impronúncia e seus efeitos diante da Constituição Federal de 1988. Tal decisão ocorre ao término da primeira fase do procedimento escalonado ou bifásico do Tribunal do Júri, denominada formação da culpa, onde o magistrado, não convencido da materialidade do fato ou da existência de indício suficiente de autoria ou participação, opta por impronunciar o réu. No entanto, a impronúncia não analisa o mérito, sendo assim, o réu não está condenado e nem absolvido, ficando numa incerteza jurídica, pois poderá o Ministério Público oferecer nova denúncia em face do impronunciado, se nova prova advir, enquanto não ocorrer à preclusão punitiva em abstrato do Estado. Por conta disso, examina-se a impronúncia diante dos princípios constitucionais da presunção de inocência, do in dubio pro reo e da igualdade processual, bem como seus efeitos negativos. Enfim, busca-se concluir sobre a inconstitucionalidade da impronúncia perante o princípio fundamental da Constituição da República de 1988, ou seja, o Estado Democrático de Direito. Palavras-chaves: Tribunal do Júri, Impronúncia, Inconstitucionalidade, Princípios Constitucionais.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8 2 DO TRIBUNAL DO JÚRI ......................................................................................... 9 2.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO........................................................................................ 9 2.2 O JÚRI NO BRASIL ............................................................................................ 11 2.3 O JÚRI E O DIREITO COMPARADO.................................................................. 15 2.4 O JÚRI E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ............................................. 17 3 DO PROCEDIMENTO DO JÚRI ............................................................................ 21 3.1 PRONÚNCIA ....................................................................................................... 25 3.2 DESCLASSIFICAÇÃO ........................................................................................ 27 3.3 ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA .................................................................................... 29 3.4 IMPRONÚNCIA ................................................................................................... 30 4 A INCONSTITUCIONALIDADE DA IMPRONÚNCIA ............................................ 33 4.1 A IMPRONÚNCIA E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ....................... 34 4.1.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ..................................................... 36 4.2 A IMPRONÚNCIA E O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ............. 37 4.2.1 Princípio do In Dúbio Pro Reo .......................................................................... 41 4.3 A IMPRONÚNCIA E SEUS EFEITOS ................................................................. 43 4.4 A IMPRONÚNCIA E O PRINCÍPIO DA IGUALDADE PROCESSUAL ................ 46 4.5 A IMPRONÚNCIA NA JURISPRUDÊNCIA ......................................................... 51 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 55 REFERÊNCIAS......................................................................................................... 58

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho de conclusão de curso tem por finalidade analisar a

impronúncia e seus efeitos diante da Constituição da República de 1988.

A impronúncia ocorre ao final da primeira fase do procedimento bifásico ou

escalonado do Tribunal do Júri, denominada formação da culpa ou judicium

accusationis, onde o magistrado observando a carga probatória que se funda a ação

penal, em face do acusado, deverá optar por uma das opções apresentada pela

legislação processual penal, isto é, pronúncia, desclassificação, absolvição sumária

ou impronúncia.

Neste sentido, estando o magistrado convencido da não existência da

materialidade ou de indícios suficiente de autoria ou participação, decidirá por

impronunciar o acusado.

No entanto, tal decisão não julga o mérito, deixando o impronunciado numa

incerteza jurídica em relação a sua situação perante o Poder Judiciário e a

sociedade, pois não estará condenado e nem absolvido. Aliás, o Órgão Acusador,

responsável pela carga probatória da acusação, terá oportunidade de oferecer nova

denúncia do mesmo delito se, por ventura, nova prova advir, enquanto não

consumar a preclusão punitiva em abstrato do Estado.

É neste momento que o trabalho aprofunda sua pesquisa e reflexão sobre o

instituto da impronúncia, desde a sua natureza jurídica, passando pelos seus efeitos

jurídicos até sua lesão constitucional em face do princípio do Estado Democrático de

Direito, do princípio da Presunção da Inocência, do Princípio In Dubio Pro Reo e do

Princípio da Igualdade Processual.

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2 DO TRIBUNAL DO JÚRI

2.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO

Sobre a origem do Tribunal do Júri, segundo o doutrinador Rogério Lauria

Tucci, “há quem afirme, com respeitáveis argumentos, que os mais remotos

antecedentes do Tribunal do Júri se encontram a lei mosaica, nos dikastas, na

Heliéia (Tribunal dito popular) ou no Areópago gregos” (1999, p. 12).

No entanto, o processualista Guilherme de Sousa Nucci relata em sua obra

Tribunal do Júri que “na palestina, havia o Tribunal dos Vinte e Três nas vilas em

que a população fosse superior a 120 famílias [...] julgavam processos criminais [...]

puníveis com pena de morte”. (2008, p. 41).

Ainda na mesma lição do autor supracitado, “na Grécia, desde o Século IV

a.C., tinha-se conhecimento do Júri. O denominado Tribunal de Heliastas era a

jurisdição comum, [...] composto por cidadãos representantes do povo” (ibid., p. 41 -

42).

Em Roma, durante a República, “o Júri atuou, sob a forma de juizes em

comissão, conhecidos por quoestiones. Quando se tornaram definitivos, passaram a

chamar-se de quoestiones perpetuoe, por volta do ano de 155 a.C.” (NUCCI, op. cit,,

p. 42).

Tucci, mais uma vez, ensina em sua obra já mencionada que:

A corte judicante (quaestio), formada por um magistrado, que a presidia (quaesitor), incumbido de dirigir seus trabalhos e orientar a votação, mas despido da função de votar, e jurados (iudices iurati), aos quais se atribuía o poder de julgar, num processo de natureza pública, contraditório e oral. (op. cit., p. 23 - 24, sem grifo no original).

Entretanto, com o fim da República, o júri foi aos poucos desaparecendo em

Roma.

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No entanto, o júri ressurgiu na Inglaterra durante o governo do Rei Henrique

II (1154 – 1189) onde “encarregava-se o sheriff de reunir doze homens da

vizinhança para dizerem se o detentor de uma terra desapossou, efetivamente, o

queixoso, eliminando, assim, um possível duelo judiciário.” (RANGEL, 2010, p. 586,

grifo do autor).

Os jurados eram pessoas do povo da comunidade local e eram conhecidos

como Petty jury, ou seja, Pequeno Júri. Sua competência limitava em decidir se o

réu era culpado ou inocente das acusações.

Quando o julgamento versava sobre crimes graves, homicídio, por exemplo,

a acusação era conduzida pela comunidade local, composta por vinte três jurados,

conhecida como Grand Jury, ou melhor, Grande Júri. Antes o papel de acusador era

de responsabilidade de um funcionário público, que se assemelhava ao papel do

Ministério Público.

O Professor Paulo Rangel (ibid., p. 586) assevera em seu livro Direito

Processual Penal que “os jurados simbolizando a verdade emanada por Deus (por

isso doze homens em alusão aos doze Apóstolos que seguiram Cristo), decidiam,

independentemente de provas, com base no vere dictum”.

Entretanto, com a edição da Magna Carta do Rei João Sem Terra, no ano de

1215, “o Tribunal do Júri surge com a missão de retirar das mãos do déspota o

poder de decidir contrário aos interesses da sociedade da época, nascendo, [...],

princípio do devido processo legal (due processo f law)” (RANGEL, op. cit., p. 586).

Na França, o júri recebeu a influência dos pensadores iluministas, fruto da

Revolução Francesa de 1789. Assim, o júri foi consagrado como instituição

judiciária, adotando-se a publicidade dos debates orais ou escritos e notoriedade,

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bem como a competência exclusiva de julgar as causas criminais, admitindo o

resultado da condenação por maioria dos votos dos jurados (TUCCI, 1999).

A partir desse momento, o Tribunal do Júri “espalhou-se pelo resto da

Europa, com o ideal de liberdade e democracia a ser perseguido, como se

somente o povo soubesse preferir julgamento justo” (NUCCI, 2008, p. 42, grifo

nosso).

Neste sentido, ensina Paulo Rangel que:

O júri nasce e se desenvolve sempre como escopo de frear o impulso ditatorial do déspota, ou seja, retirar das mãos do juiz, que materializava a vontade do soberano, o poder de julgar, deixado que o ato de fazer justiça fosse feito pelo próprio povo. (op. cit., p. 587, sem grifo no original).

Por fim, ainda na lição do autor “o júri não nasceu na Inglaterra, mas o júri

que hoje conhecemos e temos, no Brasil, é de origem inglesa em decorrência da

própria aliança que Portugal sempre teve com a Inglaterra” (RANGEL, 2010 p. 585).

2.2 O JÚRI NO BRASIL

Com a vinda da corte Portuguesa para o Brasil, nos meados do século XIX,

por força da iminente invasão do Império Napoleônico à Península Ibérica, surge no

Brasil à instituição do júri com forte influência do direito europeu, por meio da estreita

relação econômica e cultural entre Portugal e Inglaterra (RANGEL, 2010).

Por conseqüência, o júri foi instituído1 no Brasil pela Lei de 18 de julho de

1822, com competência de julgar os crimes de imprensa. Era composto por vinte e

quatro cidadãos selecionados entre homens bons, honrados, inteligentes e patriotas,

1 O professor Paulo Rangel ensina em seu livro Direito Processual Penal (2010, p. 589) que o júri

nasceu no Brasil antes mesmo da independência (em 7 de setembro de 1822) e da primeira Constituição brasileira (em 25 de março de 1824), ainda sob domínio português, mas com forte influência inglesa.

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sendo que da sua decisão, ao acusado, cabia apenas o recurso de apelação ao

Príncipe. (TUCCI, 1999).

Na lição de Paulo Rangel (2009) com a promulgação da primeira

Constituição do Brasil, em 1824, os jurados foram considerados como integrantes do

Poder Judiciário, muito embora, receberam a competência de julgar tanto na área

cível, quanto na área criminal. Aliás, competia aos jurados decidirem sobre o fato,

enquanto ao juiz apenas realizar devida aplicabilidade da lei.

Porém, somente após a promulgação do Código de Processo Penal do

Império que o Tribunal do Júri foi disciplinado. Assim, sobre o tema assevera Álvaro

Antônio Sagulo Borges de Aquino, na obra A Função Garantidora da Pronúncia que:

O Código de Processo Criminal do Império, de 29⁄11⁄1832, disciplinou o Tribunal do Júri – atribuindo-lhe competência para o julgamento de quase todas as infrações penais –, normatizando a função dos jurados e o procedimento a ser adotado no júri (dividindo em 1° e 2° Conselho de Jurados) (2004, p. 4, sem grifo no original).

Nota-se que, segundo Paulo Rangel (2010), o júri existente no período do

Império era uma cópia aproximada do júri Inglês, pois havia a figura do grande júri,

isto é, o júri de acusação, que debatiam entre si no intuito de decidir se o acusado

iria ou não a plenário ser julgado pelo pequeno júri ou júri de sentença.

No entanto, com a proclamação da “República, em 15 de novembro de 1889,

o Brasil passa a se aproximar mais dos Estados Unidos e se afastar da Inglaterra,

que não via com bons olhos a República” (RANGEL, 2009, p. 79).

O professor Guilherme de Souza Nucci (2008) explica que com o advento da

Constituição da República, de 24 de fevereiro de 1891, sob forte influência da

Constituição norte-americana, o júri foi mantido no Brasil, sendo, aliás, transferido

para a seção dos direitos e garantias individuais. Rui Barbosa, admirador inconteste

do Tribunal Popular, contribuiu sensivelmente para tal feito.

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Para Rangel “o júri nesse período tinha a formação originária da Inglaterra e,

posteriormente, norte-americana, com doze jurados, com aquela alusão, pensamos,

aos Doze apóstolos de Cristo, e discutiam a causa entre si, a portas fechadas”

(2010, p. 598).

Na década de 30, o Brasil “caminhou para a ditadura depois de atravessar a

Primeira Guerra Mundial, o colapso da Bolsa de Valores de Nova Iorque dentre

outros episódios históricos que autorizaram a derrubada de Washington Luis”

(RANGEL, 2009, p. 82).

Nesse sentido, em 16 de julho de 1934, é outorgada a Carta Política de

1934, inspirada “no modelo alemão de Weimar (cidade onde a Constituição foi

elaborada), ou seja, na República que existiu na Alemanha entre o fim da Primeira

Guerra Mundial e a ascensão do nazismo” (RANGEL, 2010, p. 600). Aliás, a referida

Constituição “voltou a inserir o júri no capitulo referente ao Poder Judiciário” (NUCCI,

2008, p. 43).

Nesta época, instaurou-se no Brasil o Estado Novo, por conta da acessão ao

poder por Getúlio Vargas. Luís Roberto Barroso comenta sobre o Estado Novo:

Com apoio dos comandantes militares e sob influencia das forças ditatoriais que se alçavam ao poder no Velho Continente, Getúlio Vargas, em 10 de novembro de 1937, dissolve o Congresso com tropa de choque, faz uma

proclamação a Nação e outorga a Carta de 1937. Inicia-se o Estado Novo.

(2000, p. 22, sem grifo no original).

Por conta disso, a Constituição de 1937 não tratou sobre o Tribunal do Júri,

sendo, portanto, necessário disciplinar a matéria por meio do Decreto-lei n° 167, de

5 de janeiro de 1938, que segundo Aquino (2004, p. 7) “[...] disciplinou o respectivo

procedimento, dando-lhe sua organização atual, com um Juiz presidente e vinte três

jurados, sendo o Conselho de sentença formado por sete jurados”.

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Assim, sofrendo forte influência do regime ditatorial de Vargas é editado o

Código de Processo Penal de 1941, nosso Código atual. Houve, portanto, a

restauração da soberania dos veredictos, bem como a manutenção do procedimento

escalonado do Tribunal do Júri.

Com o fim dos regimes autoritaristas europeu, a democracia renasceu com

Constituição de 1946, assim, no capítulo dos direitos e garantias individuais o

Tribunal Popular retornou soberano. Entretanto, sob tal prisma Democrático, o

período iniciado em 1946 enfrentou diversas turbulências de cunho políticos,

financeiros e ideológicos.

Com efeito, em 31 de março de 1964, chega ao fim o período efêmero de

democracia, instalando-se o regime militar que perdurou no comando do País até

meados da década de 80.

Sem mencionar, expressamente, sobre a soberania dos veredictos, nem do

sigilo das votações, bem como da plenitude de defesa, foi outorgada a Constituição

de 1967 que, manteve em seu texto a instituição do júri no capítulo do direito e

garantias individuais (NUCCI, 2008).

Contudo, com a eminente redemocratização do Brasil prometida pelo então

Presidente General Baptista de Oliveira Figueiredo, após o “Movimento Diretas Já”,

passando pela eleição de Tancredo Neves a Presidente da República, foi então

promulgada através do Poder Constituinte a Constituição Federal de 1988.

Assim, na atual Carta Política de 1988, é reconhecida a instituição do júri

com competência de julgar os crimes dolosos contra a vida, disciplinado no artigo 5°,

inciso XXXVIII, inserido no Capítulo referente aos Direitos e Garantias Individuais,

sendo, “assegurados como princípios básicos: a plenitude do direito a defesa, o

15

sigilo nas votações, a soberania dos veredictos e a competência mínima para o

julgamento dos crimes dolosos contra a vida” (CAPEZ, 2006, p. 636).

2.3 O JÚRI E O DIREITO COMPARADO

Na Inglaterra o júri nasceu com sua característica moderna, “com a missão

de retirar das mãos do déspota o poder de decidir contrário aos interesses da

sociedade” (RANGEL, 2009, p. 45).

Sua competência limita-se aos delitos de homicídio, na sua forma dolosa ou

culposa, e o estupro. Cabendo ao juiz togado decidir sobre outros crimes que serão

ou não processados em plenário do júri.

As questões de fato são submetidas à apreciação dos jurados, não sendo

necessário para condenação do réu à unanimidade dos votos, e sim, a maioria

qualificada, isto é, dez versus dois, ou onze versus um.

Neste sentido bem assevera Paulo Rangel:

Os jurados, no júri Inglês, em número de 12 pessoas com idade entre 18 e 70 anos, decidem se o réu é culpado ou inocente com um vere dictum que deve expressar a vontade, se for condenatória, de, pelo menos, 10 votos contra 2, pois, do contrário, se não houver essa maioria que se será chamada de qualificada, o réu será submetido a novo júri, perante novos jurados. Se o novo júri não alcançar essa maioria, para condenar, o réu será considerado inocente e, consequentemente, absolvido. [itálicos originais] (op. cit., p. 46, sem grifo no original).

Na Inglaterra, portanto, tradicionalmente os direitos e as garantias individuais

do cidadão sempre foram protegidos pelo processo penal. Assim, “o júri ainda é a

figura central da justiça, porque sempre foi o sustentáculo da liberdade e dos direitos

individuais” (NUCCI, 1999, p. 64).

16

Nos Estados Unidos da América, outro berço de proteção dos direitos e

garantias individuais, o júri é uma garantia fundamental prevista na Constituição

Federal, sendo sua maior característica o processamento de causas cíveis e

criminais perante o Tribunal Popular.

No entanto, o júri norte-americano apresenta peculiaridades no que tange a

constituição dos jurados que, diferente do Brasil onde o Conselho de Sentença é

composto por sete jurados, nos Estados Unidos cada Estado Membro da Federação

possuem quantidade de jurados que varia de seis a doze.

Sobre o tema esclarece o Professor Paulo Rangel:

A dificuldade de estudar o júri americano é que cada Estado tem um sistema de jurado próprio, pois somente sete Estados exigem um júri de doze membros submetido ao critério de decisão por unanimidade, tanto em casos cíveis como criminais. O tamanho do corpo varia entre seis e doze membros, e quanto à decisão esta pode ser por unanimidade até a maioria de dois terços de votos, dependendo do Estado. (op. cit., p. 48, sem grifo no original).

Outro tema que difere no júri norte-americano diz respeito à

comunicabilidade dos jurados, que no Brasil não ocorre por conta do princípio da

incomunicabilidade entre os jurados. No entanto, o Conselho de Sentença norte-

americano se reúne numa sala reservada para discutirem entre seus integrantes

sobre a decisão de condenar ou absolver o acusado.

Segundo Rangel (op. cit., p. 49) a decisão no júri norte-americano, além de

ser unânime, em regra, “deve ser discutida2 entre os integrantes do corpo de

jurados, pois é fruto do exercício da cidadania que simboliza e encarna a

participação popular nas decisões judiciais”.

2 O PLS n°156⁄2009, anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal Brasileiro, prevê a

possibilidade dos jurados deliberarem sobre a votação. Dessa forma, o texto original, dispõe o Art. 387 do referido projeto que: “Não havendo dúvida a ser esclarecida, os jurados deverão se reunir em sala especial, por até uma hora, a fim de deliberarem sobre a votação”.

17

Tal posicionamento descreve o viés democrático e popular que o júri

representa no Estado Democrático de Direito. Sendo assim, o modelo norte-

americano encontra-se presente por meio de várias características existentes no

modelo brasileiro, como por exemplo, o nosso órgão acusador, representado pelo

Ministério Público.

De qualquer modo, revela-se de grande importância conhecer como se

apresentam, atualmente, os dois principais modelos do júri que influenciaram o

nosso Tribunal Popular. Não obstante, após um período de supressão da

democracia, por conta do regime militar, o Brasil assentou o instituto do júri no

capítulo de direito e garantias fundamentais do cidadão, tornando assim, o instituto

em comento, base na proteção do cidadão em face do Estado, fixado na Carta da

República de 1988.

Infelizmente, mesmo sendo o Júri um instrumento peculiar de proteção do

cidadão em face do Estado, vários países, principalmente da Europa, não mais

contemplam a instituição em seus ordenamentos judiciários, bem como há outros

com pretensões de abolir o júri por motivos diversos.

2.4 O JÚRI E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

As alíneas do inciso XXXVIII, do artigo 5°, da Carta da República de 1988,

trazem os princípios que regem a instituição do júri no Brasil, são eles: a plenitude

de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para

os julgamentos dos crimes dolosos contra a vida. Tais princípios estão inseridos no

capítulo dos Direitos e Garantias individuais.

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Portanto, reconhece a Constituição Federal que ao acusado submetido ao

julgamento do júri tenha a seu favor a garantia da Plenitude da Defesa, e não

somente o exercício da ampla defesa que, em regra, é reconhecida ao acusado em

geral.

Logo, a plenitude da defesa3 é a atuação do defensor por meio da forma

técnica, bem como a devida apresentação de suas teses perante os jurados com

fundamentos na esfera jurídica, psicológica, social, moral e religioso, com o intuito

de aumentar a eficácia da ampla defesa.

Sobre o tema bem discorre Fernando Capez:

Defesa plena, sem dúvida, é uma expressão mais intensa e mais abrangente do que defesa ampla. Compreende dois aspectos: primeiro, o pleno exercício da defesa técnica, por parte do profissional habilitado, o qual não precisará restringir-se a uma atuação exclusivamente técnica, podendo também servir-se a uma atuação extrajurídica, invocando razões de ordem social, emocional, de política criminal etc. Esta defesa deve ser fiscalizada pelo juiz-presidente, o qual poderá até dissolver o conselho de sentença e declarar o réu indefeso (art. 497, V) quando entender ineficiente a atuação do defensor. (2006, p. 637, sem grifo no original).

Busca assim, dar suporte aos juizes leigos que decidiram sobre o futuro do

acusado, absolvendo ou condenando, muito embora, sem a devida obrigação de

fundamentar suas decisões. Ao contrário, no processo penal comum, onde se

garante ao réu a ampla defesa, além do contraditório, o Magistrado ao condenar o

réu, por força de lei, deverá fundamentar sua decisão, que poderá ser alvo de

recurso específico.

Outro princípio Constitucional pertinente ao júri é o sigilo das votações.

Dispõe o Código de Processo Penal que após a leitura e explicação dos quesitos em

plenário pelo Juiz-Presidente, e, não havendo dúvida, os jurados serão conduzidos à

3 Há divergência quanto à possibilidade de inovação da tese defensiva durante a tréplica. Para Nucci,

é perfeitamente admissível a inovação da tese de defesa por ocasião da tréplica, respeitando assim, a plenitude da defesa (2008, p. 206). No entanto, entende Mirabete que na tréplica não pode ser apresentada tese defensiva nova, pois a tal inovação fere o princípio do contraditório (2008, p. 540).

19

sala especial, denominada sala secreta, a fim de procederem à votação dos

quesitos.

No que pese sobre o sigilo da votação, o Constitucionalista José Afonso da

Silva (2009, p. 137) explica que “a resposta se faz por cédulas „sim‟ ou „não‟, de

modo que nem os demais jurados, nem o juiz, nem os órgãos de acusação e defesa

ficam sabendo a resposta de cada jurado. É nisso que consiste a votação sigilosa”.

Embora seja exceção ao princípio da publicidade dos atos processuais, tal

procedimento previsto na Carta da República tem por objetivo preservar a liberdade

de convicção dos jurados no que tange a imparcialidade do voto.

Assim, as decisões tomadas pelos jurados dentro da sala secreta, referente

às questões de fato, resultam na condenação ou absolvição do réu. Tais decisões

são legitimadas, constitucionalmente, através do Princípio da Soberania dos

Veredictos. Logo, não poderão ser alvo de modificações pelos órgãos superiores,

pois são destinatárias de soberania perante o Poder Judiciário.

Se o objetivo inicial de submeter o réu ao julgamento popular por seus pares

era afastar a tirania do déspota e com isso revestir o julgamento de características

democráticas, por meio da decisão do povo, não faz sentindo se tal decisão fosse, a

critério subjetivo do juiz togado, reformulada.

No entanto, há previsão no Código de Processo Penal, artigo 593, inciso III,

alínea „d‟, a possibilidade do recurso de apelação ao Tribunal ad quem sobre a

decisão dos jurados manifestadamente contrária à prova dos autos, com o intuito de

submeter o réu a novo Conselho de Sentença, mantendo assim, a soberania do

veredicto.

20

Sobre o Princípio da Soberania dos Veredictos ensina Edilson Mougenot

Bonfim, em sua obra Curso de Processo Penal:

A soberania dos veredictos importa na manutenção da decisão dos jurados acerca dos elementos que integram o crime (materialidade, autoria, majorantes etc.), que, em princípio, não poderá ser substituída em grau de recurso. Não impede, porém, que o tribunal, julgando a decisão manifestamente contrária à prova dos autos, determine seja o réu submetido a novo Júri. Tampouco obsta a possibilidade de revisão criminal. (2009, p. 497, sem grifo no original).

Neste contexto, está à soberania dos veredictos garantida pela Constituição,

cabendo apenas recurso das decisões dos jurados que se apresentem contrárias às

provas dos autos que, sendo esse o entendimento do Tribunal ad quem, submeterá

o réu ao novo Conselho de Sentença, preservado, portanto, a decisão original.

Porém, cumpre destacar que, há possibilidade do pedido de revisão criminal

de sentença condenatória do Tribunal do Júri transitada em julgado, desse modo,

“existindo defeitos na prestação jurisdicional do tribunal popular, sobrepõe-se à

soberania dos veredictos as garantias constitucionais da liberdade e dignidade do

indivíduo, aliadas ao princípio da amplitude de defesa [...]” (id., ibid., p. 775), poderá

o acusado ser absolvido em prejuízo do veredicto dos jurados.

Por derradeiro, a Carta da República define a competência mínima do

Tribunal Popular ao julgamento dos crimes dolosos contra a vida4. Muito embora,

“não se trata de competência exclusiva, cabendo ao Tribunal do Júri julgar outros

crimes, desde que haja conexão5 ou continência6 com algum crime doloso contra

vida” (BONFIM, op. cit., p. 497).

4 Tanto os delitos consumados quanto os tentados, vide, art. 74, § 1°, CPP.

5 Na obra Tribunal do Júri, Guilherme de Souza Nucci (2008, p.72) ensina que a conexão é a ligação

existente entre infrações penais, cometidas em situações de tempo e lugar que as tornem indissociáveis, além de significar a união entre delitos, uns cometidos para que outros sejam viabilizados, ou então quando vários atos criminosos são acometidos por agentes em reciprocidade. 6 Ainda no raciocínio do autor, a continência significa a possibilidade de um fato criminoso abranger

outros, tornando-se uma unidade indivisível (2008, p.72).

21

São crimes dolosos contra a vida os delitos previstos no Capítulo I (dos

crimes contra a vida), do Título I (dos crimes contra a pessoa), da Parte Especial do

Código Penal, como o homicídio, o induzimento, a instigação e auxílio ao suicídio,

infanticídio, e o aborto.

Vale ressaltar que, o Texto Maior reservou, excepcionalmente, foro

privilegiado a determinadas autoridades, assim, Segundo Alexandre de Moraes

(2009, p. 91) “todas as autoridade com foro de processo e julgamento previsto

diretamente pela Constituição Federal, mesmo que cometam crimes dolosos contra

a vida [...]” estarão isentos de julgamento pelo Conselho de Sentença.

Nota-se que a competência do Júri não é absoluta, por exemplo, os delitos

conexos, resultantes da conexão e da continência, são responsáveis por

submeterem aos jurados crimes que, originalmente, não são de competência do júri,

mas, entretanto, ocorrem por força de lei.

3 DO PROCEDIMENTO DO JÚRI

Nucci (2008) relata que ao tomar ciência de uma infração penal, nos casos

de delitos dolosos contra a vida, a autoridade policial inicia uma investigação por

meio do inquérito policial. Tal procedimento, pré-processual, busca reunir provas

suficientes da materialidade e autoria do delito que, servirá de base ao oferecimento

da denúncia pelo Ministério Público.

Segundo a lição de Nilo Batista (2005, p. 24) “tratando-se de um crime

perseqüível por ação penal pública, o Promotor de Justiça oferecerá denúncia, e um

procedimento previsto no CPP se seguirá”. Assim, ao receber a denúncia o Juízo

competente citará o acusado para apresentar resposta à acusação no prazo de 10

22

(dez) dias, nos termos do Art. 406 do CPP. A referida conduta inaugura a primeira

fase do procedimento bifásico ou escalonado do Tribunal do Júri, a judicium

accusationis7.

Na resposta à acusação, poderá o acusado alegar tudo que seja pertinente a

sua defesa, como a argüição de preliminares, o oferecimento de documentos e

justificativas, especificação de provas e arrolar no máximo de 08 (oito) testemunhas,

sendo todas qualificadas e requeridas as suas devidas intimações, conforme dispõe

o Art. 406, § 3° do CPP.

Neste momento processual, vale ressaltar que, no procedimento comum,

(BONFIM, 2009, p. 484) “após o oferecimento da resposta escrita, duas são as

opções do magistrado: absolver sumariamente o réu, se presente algumas situações

do art. 397, ou designar dia e hora para audiência [...]”.

Nesse sentido, portanto, dispõe o art. 394, § 4°, CPP, que “as disposições

dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de

primeiro grau, ainda que não regulados neste Código”.

Assim sendo, se o magistrado entender que o art. 394, § 4°, do CPP, se

aplica a todos os procedimentos do Código de Processo Penal, inclusive no

procedimento bifásico do júri, deverá absolver sumariamente o acusado, logo que,

verificar alguma das hipóteses do art. 3978, CPP.

7 Judicium accusationis tem como marco inicial o recebimento da denúncia e termina com a decisão

de pronúncia. (BONFIM, 2009, p. 501). 8 Art. 397, CPP: Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz

deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I – a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II – a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III – que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV – extinta a punibilidade do agente.

23

Vencidas as primeiras etapas da fase de formação da culpa o Magistrado

designará audiência única de instrução e julgamento onde serão ouvidas, se

possível, à vítima, as testemunhas de acusação, as testemunhas de defesa, se for o

caso, peritos. Ainda, serão realizadas possíveis acareações e reconhecimento de

pessoas e coisas, o interrogatório do réu, e por fim, serão procedidos os debates.

A Lei 11.689 de 2008, responsável pela reforma de considerável parcela do

procedimento do Júri, criou a audiência única para serem ouvidas às testemunhas

de acusação e defesa, bem como o interrogatório do réu.

Comenta sobre a reforma do procedimento do júri Guilherme de Souza

Nucci:

Institui-se, com o advento da Lei 11.689⁄2008, a audiência única. Quer-se produzir toda a prova, ao menos a oral, em uma só data. Por isso, nessa audiência, serão ouvidos o ofendido, quando possível, as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nessa ordem, e os esclarecimentos eventualmente existentes dos peritos. Serão realizadas acareações e o reconhecimento de pessoas e coisas, bem como será interrogado o réu. Na seqüência, dar-se-ão os debates e o juiz pode proferir a sua decisão (art. 411). (2008, p. 738, sem grifo no original).

Dessa forma, encerrada a instrução probatória, nos termos do art. 384 do

CPP, poderá o Ministério Público, se for o caso, aditar a denúncia ou queixa no

prazo de 05 (cinco) dias. Não sendo o caso, ocorrerá às alegações finais, de forma

oral. Com isso, segundo o princípio da igualdade processual, “a acusação e a defesa

têm vinte minutos, cada uma, prorrogáveis por mais dez. Se houver mais de um réu,

cada um tem seu tempo individualmente considerado.” (NUCCI, op. cit., p. 51).

Findo os debates, o Juiz, decidirá na própria audiência ou no prazo de 10

(dez) dias, conforme a redação do art. 411, § 9° do CPP, se o réu será pronunciado,

desclassificado, absolvido sumariamente ou impronunciado.

24

Contudo, ao decidir o Magistrado por uma das possibilidades presentes no

Código de Processo Penal, estará dando por encerrada a primeira fase do rito

bifásico ou escalonado do Tribunal do Júri, e, por derradeiro, inaugurando a próxima

fase, denominada de Juízo da Causa ou judicium causae9.

Cumpre ressaltar, portanto, que o procedimento existente no Júri é bifásico

ou escalonado, conforme o entendimento da doutrina majoritária. No entanto, há

quem discorda de tal posicionamento. Neste caso, o doutrinador Guilherme de

Souza Nucci entende que “o procedimento do júri é trifásico e especial” (op. cit, p.

46). Dessa forma, argumenta Nucci em sua obra Tribunal do Júri a seguinte opinião:

Por outro lado, há quem denomine tal procedimento de bifásico, considerando apenas a parcela referente à formação da culpa (da denúncia à pronúncia) e, posteriormente, do recebimento de libelo à decisão em plenário do Júri. Parece-nos equivocado não considerar como autônoma a denominada fase de preparação do plenário, tão importante quanto visível. Após a edição da Lei 11.689⁄2008, destinou-se a Seção III, do Capítulo II (referente ao júri), como fase específica (Da Preparação do Processo para o Julgamento em Plenário), confirmando-se, pois, a existência de três estágios para atingir o julgamento do mérito. (op. cit., p. 46, sem grifo no original).

Assim, por considerar a fase de preparação do plenário como autônoma,

entende o doutrinador que o procedimento do júri é trifásico.

Por fim, analisaremos no próximo item cada opção que o magistrado poderá

optar ao término da fase de formação da culpa.

9 Judicium causae, ou Juízo da Causa, inicia-se com a preclusão da decisão da pronúncia e termina,

após as alegações orais, com a votação do questionário e a prolação da sentença. (BONFIM, 2009, p. 501).

25

3.1 PRONÚNCIA

Nos termos do Art. 413 do Diploma Processual Penal, o Juiz,

fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do

fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação do réu no

crime doloso contra a vida.

Logo, convencido o Magistrado da materialidade do fato, bem como da

existência indícios suficientes que o acusado é o autor ou partícipe do delito, através

do instituto da pronúncia, de forma fundamentada, declarará incompetente de julgar

o caso e submeterá o acusado ao julgamento do Conselho de Sentença, este

Constitucionalmente competente a julgar se o réu é culpado ou inocente da

acusação.

A pronúncia tem natureza jurídica de uma decisão interlocutória, pois não

põe fim ao processo, e sim, termina a fase de formação da culpa, dando início a fase

de julgamento do mérito em plenário do júri.

“Trata de uma decisão interlocutória mista não terminativa, que encerra a

primeira fase do procedimento escalonado. A decisão é meramente processual, e

não se admite que o juiz faça um exame aprofundado do mérito” (CAPEZ, 2006, p.

641).

Muito embora, o Código de Processo Penal utilize o termo sentença,

estamos diante de uma questão incidente dentro do processo, que, por sua vez, é

resolvida por meio de uma decisão interlocutória mista não terminativa, sem que,

portanto, seja extinto o processo com o julgamento do mérito, mas apenas ocorre a

declaração de procedência da acusação contra o réu.

26

Sobre a pronúncia e sua natureza jurídica ensina Paulo Rangel:

A pronúncia é prolatada no curso do processo, no final da primeira fase do rito que, como já vimos, é bifásico, obrigando o juiz a resolver uma questão incidente, qual seja: é admissível ou não a acusação? A decisão pela qual o magistrado resolve, no curso do processo, uma questão incidente é chamada de interlocutória. Esta é a natureza jurídica da decisão de pronúncia: decisão interlocutória mista não terminativa, pois o que se encerra não é o processo, mas sim uma fase do procedimento. Todas as vezes que uma questão judicial apreciar questão incidente, não julgar o meritum causae pondo fim a relação processual, chamaremos de interlocutória mista terminativa. No caso da pronúncia, como ela não encerra o processo, mas sim a primeira fase procedimental, trata-se de decisão interlocutória mista não terminativa. (2009, p. 166, grifo do autor).

Com isso, a pronúncia apenas julga a admissibilidade da acusação,

declarando apenas a procedência da persecução penal. Aliás, tal decisão deve ser

fundamentada, “contudo a fundamentação deverá ficar adstrita tão só aos seus

requisitos: indicar as provas que demonstram materialidade, eventual qualificadora e

os indícios capazes de convencer o Magistrado de ter sido o autor do crime”

(TOURINHO FILHO, 2010, p. 741).

Ainda, sobre o tema assevera Guilherme de Souza Nucci que:

[...] o jurado confia no juiz presidente, pois ele é, efetivamente, ao menos em tese, a parte imparcial; o jurado que ouve a leitura de uma decisão de pronúncia, excessivamente fundamentada, apontando o réu como culpado pelo delito tende a constituir, em sua convicção íntima, uma predisposição à condenação. Portanto, a pronúncia não pode conter termos exagerados, nem frases contundentes (ex.: “é obvio ser o réu o autor da morte da vítima”, quando aquela nega a autoria). (2008, p. 66, sem grifo no original).

Contudo, a pronúncia é o caminho que levará o acusado ao julgamento em

plenário do Júri, no entanto, para reverter tal decisão somente por meio de recurso

em sentido estrito (art. 581, IV, CPP) para o Tribunal de Justiça.

27

3.2 DESCLASSIFICAÇÃO

Cumpre ressaltar, no entanto, que o julgamento dos crimes dolosos contra a

vida é de competência do Tribunal do Júri (Art. 5°, inc. XXXVIII, alínea „d‟, CF). Aliás,

a legislação processual penal complementa tal dispositivo definindo que, tanto na

forma consumada, quanto na forma tentada, será competência do Júri a decisão de

absolver ou condenar o réu (Art. 74, § 1° CPP).

Desta forma, se convencido o magistrado ao término da judicium

accusationis da materialidade do fato e dos indícios suficientes de autoria ou

participação, e tendo o agente praticado o fato com vontade e consciência da

ilicitude, demonstrando assim, a presença do animus necandi, deverá o réu ser

pronunciado ao plenário do júri.

Neste sentido, durante o curso da instrução criminal, devidamente amparado

e passível de impugnação do Ministério Público e da Defesa, o magistrado

convencido da não existência do animus necandi por parte do acusado, porém

presente os indícios suficiente de autoria ou participação e da materialidade do fato,

deverá optar pela desclassificação do delito, por se tratar de crime culposo, assim

sendo, de competência do Juízo Singular e não, neste caso, do Tribunal do Júri.

A decisão desclassificatória tem natureza jurídica de interlocutória simples,

que modifica apenas a competência do juízo, não adentrando no mérito da causa e

nem encerrando o processo. Essa decisão ocorre quando se declara incompetente

para o julgamento do processo pelo Tribunal do Júri, por se tratar de crime culposo

que fora recebido, inicialmente, como crime doloso contra vida, mas durante o curso

da instrução criminal demonstrou-se ausente a intenção do agente.

28

Sobre a desclassificação protesta Guilherme de Souza Nucci:

O juiz somente desclassificará a infração penal, cuja denúncia ou queixa foi recebida como delito doloso contra vida, em caso de cristalina certeza quanto à ocorrência de crime diverso daqueles previstos no art. 74, § 1°, do Código de Processo Penal (homicídio doloso, simples ou qualificado; induzimento, instigação ou auxílio a suicídio; infanticídio ou aborto). Outra solução não pode haver, sob pena de se ferir dois princípios constitucionais: a soberania dos veredictos e a competência do júri para apreciar os delitos dolosos contra a vida. (2008, p. 88, sem grifo no original).

Assim, declarada a incompetência absoluta “os autos do processo deverão

ser encaminhados ao juízo monocrático tido como competente, perante o qual, se

for o caso, será complementada a instrução probatória” (TUCCI, 1999, p. 46).

Neste momento, se faz pertinente uma breve reflexão sobre a intenção do

agente em praticar o crime doloso contra vida, ademais, além do convencimento do

fato e indícios suficientes de autoria ou participação, deve conter na peça inaugural

do processo crime e, ainda, ser comprovada durante o curso da instrução criminal a

intenção de realizar o crime contra a vida, isto é, o dolo. Afinal, o que significa dolo?

Para respondermos a referida questão, buscamos na doutrina penal o

professor e advogado Juarez Cirino dos Santos:

Dolo, conforme um conceito generalizado, é a vontade consciente de realizar um crime, ou, mais tecnicamente, vontade consciente de realizar o tipo objetivo de um crime, também definível como saber e querer em relação às circunstâncias de fato do tipo legal. Assim, o dolo é composto de um elemento intelectual (consciência, no sentido de representação psíquica) e de um elemento volitivo (vontade, no sentido de decisão de agir), como fatores formadores da ação típica dolosa. (2007, p. 132, grifo do autor).

Diante do exposto, oferecida a denúncia de crime doloso contra vida pelo

Órgão Acusador, e, durante o desenrolar da instrução criminal, o magistrado

constatar que não há indício suficiente que o agente agiu com dolo, mas, estando o

Juízo convencido da existência do fato, bem como da autoria ou participação,

desclassificará a acusação para crime culposo.

29

Vale ressaltar que, a referida ausência do dolo dever estar presente nos

autos do processo de maneira satisfatória.

Por fim, contra a decisão desclassificatória caberá o recurso em sentido

estrito, conforme o art. 581, inciso II, do Código de Processo Penal.

3.3 ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA

Dispõe o art. 415 e seus incisos, da legislação processual penal, que o

magistrado ao término da fase de juízo da acusação, fundamentadamente,

“absolverá desde logo o réu quando: a) estiver provada a inexistência do fato; b)

demonstrado não ser o acusado autor ou partícipe do crime; c) não constituir o fato

infração penal; e d) provada causa de isenção de pena ou exclusão do crime”.

(BONFIM, 2009, p. 516).

Deste modo, a absolvição sumária, segundo Nucci (2008, p. 94) “é a decisão

de mérito, que coloca fim ao processo, julgando improcedente a pretensão punitiva

do Estado” Tal decisão, decretada pelo juiz singular, consiste numa sentença

definitiva que, se não for impugnada no prazo legal, produzirá coisa julgada material.

Da absolvição sumária cabe o recurso de apelação com fulcro no art. 416 do Código

de Processo Penal.

Assim sendo, durante o curso do processo criminal, havendo certeza da

inexistência do fato, deverá o juiz absolver o réu. Um bom exemplo explicativo de

absolvição sumária é quando “a vítima do aventado homicídio, que havia sido

empurrada pelo réu em caudaloso rio, surge, ao longo da instrução criminal,

demonstrando não ter ocorrido morte” (NUCCI, 2008, p. 94).

30

Ainda, durante o curso da instrução criminal, ocorrendo a comprovação que

o réu não é autor ou partícipe do crime, nada mais justo e correto que absolver o

acusado.

O terceiro inciso do artigo em comento traz a hipótese do fato não constituir

uma infração penal. Demonstrado a existência de qualquer excludente de tipicidade,

deve ser o acusado absolvido sumariamente, pois desse fato decorre a atipicidade,

isto é, não há crime.

Por derradeiro, poderá ser absolvido o réu que demonstrar causa de isenção

de pena ou de exclusão do crime. A primeira hipótese, sendo o réu autor da conduta

ilícita, porém não é punível por força de lei. “Os casos de isenção de pena estão

claros no CP: erro de proibição (art. 21); coação moral irresistível (art. 22);

obediência hierárquica (art. 22); embriaguez acidental (art. 28, § 1°).” (RANGEL,

2009, p. 191).

Contudo, com a absolvição sumária tem o magistrado à opção de não

remeter ao plenário do júri casos que não preenchem o requisito constitucional de

crime doloso contra a vida. Assim, comprovada durante a formação da culpa a não

existência do fato, ou o autor do crime ser diverso ao acusado, deverá o magistrado

absolver o réu. Ainda, o fato não constitui infração penal, ou, há clara e inegável

isenção da pena, bem como exclusão do crime, também deverá ser absolvido.

3.4 IMPRONÚNCIA

Neste momento, vale ressaltar que, estando o magistrado convencido da

materialidade do fato e dos indícios de autoria ou participação, deverá pronunciar o

réu a julgamento do Conselho de Sentença durante o plenário do júri, pois sendo

31

estes competentes a julgarem os acusados de praticarem crimes dolosos contra a

vida, conforme a Constituição Federal.

No entanto, ao invés de pronunciar o réu, poderá o magistrado decidir pela

impronúncia, “quando o juiz, após a instrução, não vê ali demonstrada sequer à

existência do fato alegado na denúncia, ou, ainda, não demonstrada à existência de

elementos indicativos da autoria do aludido fato.” (OLIVEIRA, 2009, p. 644).

Neste particular, o Órgão Acusador falhou na produção probatória, pois não

demonstrou o mínimo de indícios de autoria do delito e da materialidade do fato. Por

conseqüência, não tem o magistrado o convencimento necessário ou os indícios

suficientes para apresentar o réu ao julgamento em plenário.

Segundo o Art. 416, do CPP, da decisão de impronúncia, caberá o recurso

de apelação, tanto da parte do Ministério Público, quanto da Defesa.

O referido recurso será submetido à apreciação do Juízo ad quem, na qual

poderá, dentre outras opções, considerar o recurso procedente, reformando, assim,

a decisão do Juízo Singular.

A decisão que reforma a impronúncia pelo Tribunal é denominada pela

doutrina de despronúncia, muito embora, também ocorrerá quando, por meio de

recurso em sentido estrito, o Tribunal reformar a decisão que pronunciou o acusado

a julgamento pelo Conselho de Sentença.

Aliás, é pertinente observar que, aos moldes da pronúncia, “A

fundamentação da decisão de impronúncia também deve ser comedida, embora

clara e detalhada. Não deve o magistrado valer-se de termos contundentes”

(NUCCI, 2008, p. 86), sob pena de ser reformada pelo Juízo ad quem.

32

Resta reforçar, ainda, que a impronúncia “é a decisão interlocutória mista de

conteúdo terminativo, que encerra a primeira fase do processo (formação da culpa

ou judicium accusationis), sem haver juízo de mérito” (NUCCI, op. cit., p. 85).

Logo, sendo a impronúncia uma decisão interlocutória, não há de se falar em

coisa julgada material, pois sim, coisa julgada formal.

Desta maneira, o posicionamento do doutrinador Eugênio Pacelli de Oliveira,

sobre a via recursal pertinente em face da decisão de impronúncia, é que só ocorre

por meio da apelação decorrente da simples opção legislativa, senão vejamos:

A rigor, ao menos para a desclassificação de atos judiciais que adotamos não se pode incluir a decisão de impronúncia entre as sentenças propriamente ditas. Tratar-se-ia, ao contrário, de decisão interlocutória mista, porque encerra o processo, sem, porém, julgar a pretensão punitiva, ou seja, sem implicar a condenação ou a absolvição do acusado. No entanto, como nossa classificação dos atos processuais tem em mira a teoria dos recursos, isto é, da identificação dos recursos cabíveis, devemos incluir a decisão de impronúncia entre as sentenças, unicamente em atenção à opção legislativa (art. 416, CPP), cujos termos indicam que “contra a sentença de impronuncia e de absolvição sumária caberá apelação”. E, como se sabe, não há apelação contra decisões interlocutórias. [grifo no original]. (op. cit., p. 645, sem grifo no original).

Sendo assim, por força de lei, caberá da decisão interlocutória mista não

terminativa de impronúncia que, por sua vez, não faz coisa julgada material, apenas

põe termo a uma fase processual sem julgamento do mérito, o recurso de apelação.

Por fim, considerando que a impronúncia não faz coisa julgada material, não

julgando o mérito, ficará o impronunciado, enquanto durar a extinção da punibilidade

do fato a ele imputado, passível de novo processo criminal pelo mesmo delito,

bastando, apenas, ao Ministério Público apresentar nova prova contra o

impronunciado (art. 414, § único, do CPP).

Frisa-se que, o processo onde o réu foi impronunciado não será reaberto, e

sim, como dito, será oferecida nova denúncia-queixa, tendo como conseqüência a

abertura de novo processo crime, porém, sobre o mesmo delito.

33

4 A INCONSTITUCIONALIDADE DA IMPRONÚNCIA

A Constituição Federal “é o corpo de normas fundamentais, de eficácia

máxima dentro do ordenamento jurídico, que estabelece a estrutura do Estado, fixa

direitos e deveres e é constituído por um órgão com poderes especiais”. (NUCCI,

1999, p. 7). Assim sendo, qualquer ato normativo que esteja em desconformidade

com o Texto Maior poderá ser declarada sua inconstitucionalidade.

Inconstitucionalidade que segundo a professora Cibele Fernandes Dias

(2007, p. 63) “é uma situação ou um estado onde há uma desconformidade do ato

normativo (inconstitucionalidade material) ou do seu processo de elaboração

(inconstitucionalidade formal) com algum preceito (regra) ou princípio constitucional”.

A despeito da impronúncia, como já mencionada, sabe-se que é uma

decisão interlocutória não terminativa mista onde o juiz singular declara

improcedente a acusação penal oferecida pelo Órgão Acusador e não a pretensão

punitiva, sem o julgamento do mérito.

Para tanto, ocorre “se o magistrado não se convencer da existência do crime

ou de indício suficiente de que seja o réu o seu autor, julgará a peça acusatória

improcedente” (TOURINHO FILHO, 2010, p. 735).

Neste contexto, ao impronunciar o réu, ao final da primeira fase do

procedimento especial bifásico do júri, exclusivamente por falta de provas, tanto da

existência de materialidade quanto da autoria do crime, estará o magistrado,

declarando a insuficiência de prova durante a formação da culpa, além do mais,

concederá ao Ministério Público à oportunidade de oferecer nova denúncia do crime

se, por ventura, nova prova advir, enquanto não ocorrer à prescrição da pretensão

34

punibilidade10. No entanto, enquanto não ocorrer tal prescrição, ficará o

impronunciado destinatário exclusivo dos efeitos negativos da impronúncia, bem

como a incerteza jurídica criada por conta da impronúncia.

Contudo, estaria à decisão de impronúncia em desacordo com a

Constituição Federal de 1988? E, desse modo, poderia ser considerada uma

decisão inconstitucional?

Neste momento, o presente trabalho adentra na discussão acadêmica

pertinente da inconstitucionalidade da impronúncia, no que pese a sua

desconformidade constitucional, tendo em vista, nosso ordenamento jurídico ser

fundado no Estado Democrático de Direito e, ainda, considerando a não observância

do princípio da dignidade da pessoa humana, do princípio da presunção da

inocência e por fim, do princípio da igualdade processual ao término da fase de

formação da culpa no rito processual dos crimes dolosos contra a vida.

4.1 A IMPRONÚNCIA E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Para entendermos os efeitos negativos que emanam da decisão de

impronúncia, faz-se necessário compreendermos os fundamentos que se assenta a

nossa Constituição Federal. Assim, conforme o primeiro artigo11 da nossa Lei Maior,

a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e

Municípios e do Distrito Federal, constitui num Estado Democrático de Direito.

10

A chamada prescrição da pretensão punitiva verifica-se antes do trânsito em julgado da sentença

final condenatória e acarreta a perda, pelo Estado, da pretensão de obter uma decisão acerca do crime que imputa alguém. (PIERANGELI, ZAFFARONI, 2006, p. 646). 11

Art. 1°, da Constituição Federal de 1988 que diz: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I) a soberania; II) a cidadania; II) a dignidade da pessoa humana; IV) os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e o pluralismo político. (grifo nosso)

35

No ensinamento de José Afonso da Silva (2009, p. 23) “o Estado

Democrático de Direito destina-se a assegurar o exercício de determinados valores

supremos12”. Valores estes que representam a nossa República, bem com seus

cinco princípios fundamentais que são, portanto, mecanismo de garantias e direitos

do cidadão em face do Estado.

Ainda, na mesma lição de José Afonso da Silva sobre o valor supremo

protegido pela Constituição temos:

A Constituição, reconhecendo sua existência e sua eminência, transformou-a num valor supremo da ordem jurídica, quando declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito. Se é fundamento é porque se constitui num valor supremo, num valor fundante da República, da Federação, do País, da Democracia e do Direito. Portanto, não é também da ordem política, social, econômica e cultural. Daí sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida nacional. (2009, p. 38, sem grifo no original).

Desta forma, o Poder Constituinte criou na Constituição Federal, através do

Estado Democrático de Direito, mecanismos democráticos que conferem aos

cidadãos garantias em face do Estado, principalmente, no que tange ao respeito da

dignidade da pessoa humana que, se expressa na esfera da prestação jurisdicional

como valor supremo de um Estado Democrático de Direito.

Por isso, “no Estado Democrático de Direito, não se pode admitir que se

coloque o indivíduo no banco dos réus, não se encontre o menor indício de que ele

praticou o fato e mesmo assim fique sentado, agora, no banco de reserva”

(RANGEL, 2009, p. 183, grifo nosso). Aliás, o impronunciado ficará no aguardo de

novo processo ou da declaração da extinção da punibilidade.

12

Segundo José Afonso da Silva no seu livro Comentários Contextual à Constituição (2009, p.23) “os valores supremos, expressamente enunciados, são: os direitos sociais, os direitos individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça”.

36

Aury Lopes Jr. (2009, p. 267, 2 v.) afirma que a decisão de impronúncia “não

resolve nada”, pois o réu não está absolvido e nem plenamente livre da imputação

penal e, ainda, “gera um estado de incerteza” (op. cit., p. 267, 2 v.).

Sobre o tema bem argumenta Guilherme de Souza Nucci, no seu livro

Manual de Processo Penal e Execução Penal, sobre o instituto da impronúncia a luz

da Constituição da República:

No Estado Democrático de Direito, soa-nos contraditória essa posição na qual é inserido o acusado, após a impronúncia. Não tem direito de ir a Júri para ter o mérito da questão apreciado e conseguir, se for o caso, a absolvição definitiva, mas também não está absolvido desde logo. É lançado num limbo jurídico. (2008, p. 749, grifo nosso).

Contudo, sendo o Estado titular da persecução penal, deve o mesmo realizar

tal missão de forma a respeitar todas as garantias e direitos dos cidadãos previstos

na Constituição, pois, como já citado, vivemos num Estado Democrático de Direito,

portanto, não há de existir na legislação processual penal qualquer preceito que

venha causar grave dano ao acusado, principalmente, quando não há provas

suficientes da materialidade do crime ou indícios convincentes de que o réu é o

autor ou partícipe do crime.

4.1.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

O princípio da dignidade da pessoa humana decorre dos fundamentos da

República Federativa do Brasil, logo, respeitar o referido princípio, nada mais lógico,

que respeitar o Estado Democrático de Direito.

37

Neste sentido, ao impronunciar o réu, por não estar o juiz convencido da

materialidade do fato ou de indício de autoria ou participação, estará o Estado

falhando com a sua prestação jurisdicional, bem como submetendo o impronunciado

a um inconveniente jurídico, pois, “a impronúncia gera um estado de pendência, de

incerteza e insegurança processual” (LOPES JR, 2009, p. 267, 2 v., grifo nosso).

Sabe-se, portanto, o processo penal deve ser utilizado como instrumento de

garantia através do princípio da dignidade da pessoa humana que decorre do

Estado Democrático de Direito. No entanto, o instituto da impronúncia gera efeitos

que não coadunam com o princípio da dignidade da pessoa humana, pois mesmo

não havendo prova de que o réu seja responsável pelo delito a ele imputado, não

será absolvido e, ainda, ficará “à disposição do Estado, em uma situação de eterna

angústia e grave estigmatização social e jurídica” (id., ibid., p. 268, 2 v.).

Por certo, não é essa situação de grave angustia e incerteza jurídica que

busca preservar o nosso Estado Democrático de Direito, aliás, situação essa que

fere o princípio da dignidade da pessoa humana, pois “remonta a uma racionalidade

tipicamente inquisitória” (id., ibid., p. 267, 2 v.) onde na dúvida, seria o acusado

sempre considerado culpado de heresia a ele imputado pela Santa Inquisição.

4.2 A IMPRONÚNCIA E O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Gilson Bonato (2003, p. 122) relata que o princípio da presunção da

inocência, “esteve inserido entre os postulados fundamentais da revolução liberal do

século XVIII, não obstante já no direito romano pudesse ser vislumbrada a máxima

in dubio pro reo [...] conseqüência da reação que se produziu contra a inquisição”.

38

Assim, sobre o tema, Lopes Jr. ensina que o princípio foi alvo de inversão

por conta da inquisição ocorrida na idade média, senão vejamos:

A presunção de inocência remonta ao Direito Romano (escritos de Trajano), mas foi seriamente atacada e até invertida na inquisição da Idade Média. Basta recordar que na inquisição a dúvida gerada pela insuficiência de provas equivalia a uma semiprova, que comportava um juízo de semiculpabilidade e semicondenação a uma pena leve. Era na verdade uma presunção de culpabilidade. (2009, p. 190, 1 v., grifo nosso).

Dessa forma, a presunção de inocência foi consagrada na Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão, de 1978, sendo no Brasil, uma garantia

constitucional, bem como “o princípio reitor do processo penal” (id., ibid., 440, 1 v.).

Seu fortalecimento como instrumento essencial do Estado Democrático de Direito,

portanto, decorreu da sua positivação no art. 5°, inciso LVII da CF, que diz: “ninguém

será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal

condenatória”.

Comenta Alexandre de Moraes que a presunção de inocência é considerada

um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, como segue:

A Constituição Federal estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, consagrando a presunção de inocência, um dos princípios basilares do Estado de Direito como garantia processual penal, visando à tutela da liberdade pessoal. Dessa forma, há necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal. (2009, p. 118, sem grifo no original).

Neste sentido, o autor Aury Lopes Jr. (op. cit., p. 194, 1 v.) afirma que a

presunção de inocência “é um dever de tratamento imposto – primeiramente – ao

juiz, determinando que a carga da prova seja inteiramente do acusador [...] e que a

dúvida conduza inexoravelmente à absolvição”.

39

Na mesma linha de raciocínio Paulo Rangel analisando a presunção de

inocência quanto a sua origem e importância como garantia fundamental diz que:

O princípio da presunção de inocência tem seu marco inicial no final do século XVIII, em pleno Iluminismo, quando, na Europa Continental, surgiu a necessidade de se insurgir contra o sistema processual penal inquisitório, de base romano-canônica, que vigia desde o século XII. Nesse período e sistema o acusado era desprovido de toda e qualquer garantia. Surgiu a necessidade de se proteger o cidadão do arbítrio do Estado que, a qualquer preço, queria sua condenação, presumindo-o, como regra, culpado. Com a eclosão da Revolução Francesa, nasce o diploma marco dos direitos e garantias fundamentais do homem: a Declaração dos Direitos do homem e do Cidadão, de 1889. (2010, p. 25, grifo nosso).

Nota-se, que a simples semelhança não é mera coincidência com os

Estados Autoritários, pois o objetivo da decisão de impronúncia que, presume o

acusado culpado, é lograr sua condenação, mesmo não havendo indício suficiente

da materialidade ou da autoria, o magistrado não absolve, apenas declara a

acusação improcedente, porém deixa o acusado numa cruel e indigna insegurança

jurídica, por conta de, a qualquer momento se tornar réu de um novo processo

criminal, bastando, portanto, nova prova do fato advir enquanto não ocorrer à

extinção da punibilidade.

Sobre a impronúncia e o princípio da presunção da inocência protesta o

doutrinador Aury Lopes Jr. que:

Trata-se de uma decisão substancialmente inconstitucional e que viola, quando de sua aplicabilidade, a presunção de inocência. Se não há prova suficiente da existência do fato e⁄ou da autoria, para autorizar a pronúncia (e, recorde-se, nesse momento processual, vigora a presunção de inocência e o in dubio pro reo), a decisão deveria ser absolutória. (op. cit., p. 267, 2 v., grifo do autor).

Parece-nos que o legislador ao criar o instituto da impronúncia imaginou

uma forma jurídica de efetivar, de qualquer forma, a punição contra o acusado de

cometer um crime doloso contra vida, mesmo que presente nos autos uma carga

probatória insuficiente para pronunciar o réu ao julgamento popular.

40

Desse modo, relata Aury Lopes Jr (op. cit., p. 268, 2 v.) que ao impronunciar

o réu, “é como se o Estado dissesse: ainda não tenho provas suficientes, mas um

dia eu acho...(ou fabrico...); enquanto isso, fica esperando” até que seja encontrada

nova prova de sua culpabilidade ou seja decretada a extinção da punibilidade do

crime imputado.

Cumpre ressaltar que, a decisão de impronúncia ocorre ao final da fase de

formação da culpa, fase esta onde se analisa toda a carga probatória oferecida pela

Acusação, bem como o interrogatório do réu, respeitando as garantias e direitos

fundamentais, tais como, a ampla defesa e o contraditório e, ainda, havendo dúvida

sobre a materialidade ou a autoria, o Estado prefere não analisar o mérito, deixando

o acusado na situação de impronunciado, isto é, não pronúncia a júri para tentar ser

absolvido pelo Conselho de Sentença e não absolve sumariamente.

Desse modo, se todo cidadão presume inocente conforme a Carta da

República e, ainda, na lição de Lopes Junior (op. cit., p. 194, 1 v.) “a presunção de

inocência afeta, diretamente, a carga da prova (inteiramente do acusador, diante da

imposição do in dubio pro reo)”, por que, o magistrado mesmo não convencido da

existência da materialidade ou do indicio suficiente de autoria ou participação,

impronunciará o réu?

Ainda, o acusado não terá sua prestação jurisdicional completa, por conta

dessa insegurança jurídica que se instaura com a decisão de impronúncia, ficando

no aguardo do encerramento da pretensão punitiva do Estado, enquanto é

destinatário unilateral e exclusivo dos efeitos da impronúncia.

Por fim, nada mais justo, em se tratando de um Estado Democrático de

Direito, absolver o réu por falta de prova suficiente a sua condenação. Assim,

segundo Paulo Rangel (2010, p. 26) “o magistrado, ao condenar, presume a culpa;

41

ao absolver, presume a inocência, presunção esta juris tantum,” e ao impronunciar,

o que presume o magistrado?

4.2.1 Princípio do In Dúbio Pro Reo

O princípio in dubio pro reo garante ao acusado a possibilidade de

absolvição, quando há dúvida no processo criminal quanto à culpabilidade do delito

ou quanto à existência do fato-crime. Com isso, na vigência do Estado Democrático

de Direito “deve-se privilegiar a liberdade em detrimento da pretensão punitiva.

Somente a certeza da culpa surgida no espírito do juiz poderá fundamentar uma

acusação”. (BONFIM, 2009, p. 47).

Sendo assim, vale ressaltar que, o Estado é o titular da ação penal pública

incondicionada13 através do Ministério Público, que tem a nobre missão

constitucional de promover a ação penal dos crimes dolosos contra a vida. Muito

embora, seja o próprio Estado o destinatário da ação penal, através dos magistrados

que irão analisar a carga probatória da acusação, seguindo, principalmente, o

princípio da persuasão racional do juiz14, ou, livre convencimento do juiz, no que

tange a prova da materialidade e da autoria ou participação do crime.

Com isso, o Estado detém o ius puniendi, ou seja, o direito de punir com

base nas provas que lhe são apresentadas em juízo.

13

Ação penal pública incondicionada “é aquela promovida pelo Ministério Público sem que haja a necessidade de manifestação de vontade de terceira pessoa (representação do ofendido ou requisição do Ministro da Justiça) para sua propositura”. (BONFIM, 2009, p. 168). 14

O princípio da persuasão do juiz regula a apreciação e a avaliação das provas existentes nos autos, indicando que o juiz deve formar livremente sua convicção. Teoria Geral do Princípio – Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco.

42

Nesse contexto, após conclusão da formação da culpa, “se há dúvida, é

porque o Ministério Público não logrou êxito na acusação que formulou em sua

denúncia, sob o aspecto da autoria e materialidade” (RANGEL, 2010, p. 635), dessa

maneira, não é plausível ao Estado transferir ao acusado o ônus da falência

jurisdicional da acusação.

Mesmo assim, ao impronunciar o réu estará o Estado reconhecendo a

ineficiência probatória da acusação, pois não concedeu suporte suficiente para o

magistrado pronunciar o acusado a júri popular. No entanto, resolve declarar

improcedente a persecução penal, mas, de consolo, garante um lapso temporal ao

representante do Parquet, para oferecer nova denúncia do mesmo delito, porém

fundada em provas substancialmente novas15.

De qualquer sorte, havendo dúvida nos indícios de existência de

materialidade e autoria, deve o Ministério Público, como fiscalizador da lei e

defensor do Estado Democrático de Direito, isto é, custus legis16, requerer a

absolvição sumária do acusado por falta de provas, respeitando assim, o princípio in

dubio pro reo.

Aliás, o procedimento que decorre da impronúncia ocorre, tão somente, no

processo de competência do júri. No entanto, segundo Nucci, (2008, p. 749) “o

correto, em qualquer processo, seria a absolvição, ainda que por insuficiência de

provas”, utilizando-se do fundamento in dubio pro reo, sendo assim, neste caso,

“outra não poderia ser a solução adotada: se não há prova suficiente para a

15

No livro Tribunal do Júri (2008, p. 88), Nucci ensina que há duas espécies de provas, a) substancialmente novas, que são as inéditas, desconhecidas dos autos, porque foram ocultadas ou ainda inexistentes; e b) formalmente novas, que são as já conhecidas, mas que receberam nova interpretação. Ainda, segundo o autor, somente se admite a propositura de nova denúncia baseada em provas substancialmente novas. 16

A função do Ministério Público está prevista na Constituição Federal no art. 127, caput que dispõe: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

43

pronúncia (ou desclassificação), o réu deve(ria) ser absolvido com base no art. 386

(cujo inciso irá depender da situação concreta)” (LOPES JR, 2009, 268, 2 v.).

O doutrinador Vicente Greco Filho protesta sobre o procedimento peculiar da

impronúncia:

Por que nos crimes dolosos contra a vida alguém pode sofrer o constrangimento de um processo penal sem que isso extinga definitivamente a pretensão punitiva e nos demais crimes não? Qual a diferença do homicídio com relação do latrocínio, por exemplo? Neste, normalmente muito mais reprovável, considerado, alias crime hediondo, a absolvição por falta de provas impedirá qualquer nova ação penal sobre o mesmo fato. (2010, p. 394, sem grifo no original).

Neste sentido, questiona o doutrinador Paulo Rangel (op. cit., p. 644) sobre

a impronúncia no sentido de “como permitir que o Estado, declarando que falhou em

sua pretensão acusatória, profira uma decisão que não aprecie o mérito e deixe o

réu com uma espada da dúvida sobre sua cabeça?” Muito embora, objetivamente, o

mesmo autor responda que “no Estado Democrático de Direito é inadmissível!” (op.

cit, p. 644), porém, tal decisão continua sendo utilizada pelos Tribunais conforme

veremos no capítulo pertinente a jurisprudência.

4.3 A IMPRONÚNCIA E SEUS EFEITOS

O primeiro efeito da impronúncia é o encerramento da primeira fase do

procedimento do júri sem o julgamento do mérito, por se tratar de “uma decisão

interlocutória mista terminativa” (RANGEL, 2009, p. 187). Por conseqüência não se

pode falar em coisa julgada material, apenas formal.

No entanto, se não há resolução do mérito, não há decisão no sentido de

considerar o acusado culpado ou inocente, por conseguinte o impronunciado sofrerá

os efeitos oriundos da decisão.

44

Sobre o tema comenta o doutrinador Paulo Rangel:

A decisão de impronúncia não é nada. O indivíduo não está nem absolvido e nem condenado, e pior: nem vai a júri. Se solicitar sua folha de antecedentes, consta o processo que está “arquivado” pela decisão de impronúncia, mas sem julgamento do mérito. Se precisar de folha de antecedentes criminais sem anotações, não o terá; não obstante o Estado dizer que não há os menores indícios de que ele seja o autor do fato, mas não o absolveu. (2010, p. 644, grifo nosso).

Neste sentido, resta, portanto, ao impronunciado apenas esperar a extinção

da pretensão punitiva do Estado, muito embora, poderá o Ministério Público pedir

por sua absolvição por falta de prova ou oferecer nova denúncia se novas provas

advirem.

Outro efeito da impronúncia citado por Paulo Rangel diz respeito à existência

da decisão na folha de antecedentes criminas, gerando assim, graves transtornos na

vida civil do acusado.

Com isso, estes graves danos ocorrerão, pois “sua folha de antecedentes

registra a impronúncia, significando que o réu está com sua situação pendente,

bastando que o órgão acusatório encontre novas provas de sua pretensa culpa”.

(NUCCI, 2008, p. 749).

A despeito da extinção da punibilidade, o parágrafo único do art. 414 do

Código de Processo Penal traz o principal efeito negativo da impronúncia, ou seja,

enquanto não extinta a punibilidade do crime imputado ao acusado, poderá o

Ministério Público oferecer nova denúncia baseada em provas novas. Por exemplo,

Fulano de tal, acusado de cometer um crime doloso contra a vida por motivo torpe

(art. 121, § 2°, inc. I, do Código Penal), isto é, homicídio qualificado17, crime este

que, ao final da judicium accusationis não pode ser comprovado por falta de prova

17

Art. 121, § 2°, inc. I, do Código Penal. Caput: “Matar alguém” “I) mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe”. Pena: reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

45

da materialidade do fato ou por falta de indícios suficientes de autoria, sendo assim,

o Juiz decidiu impronunciar o réu conforme prevê o art. 414 do CPP.

No entanto, acontece que a extinção da punibilidade18 desse delito ocorrerá

após decorrência de 20 (vinte) anos segundo observa-se no art. 109, inc. I, do

Código Penal.

Logo, o impronunciado terá 20 (vinte) anos de incerteza jurídica sobre seu

futuro, pois além de sofrer um processo criminal, não terá paz enquanto não ver

declarada a extinção da punibilidade.

Assim, no que pese sobre o oferecimento de nova denúncia com o advento

de nova prova da imputabilidade do impronunciado, entende Vicente Greco Filho

(2010, p. 394) ser “inconstitucional, por violar o princípio de liberdade de que

ninguém pode ser processado duas vezes pelo mesmo fato”. Aliás, o mesmo autor

afirma que “não existe mais razão social ou jurídica para que a impronúncia admita

nova ação penal sobre o mesmo fato” (op. cit., p. 394).

Por fim, “a impronúncia, por ser uma decisão de natureza meramente

processual, não tem o condão de subtrair qualquer efeito de natureza patrimonial, ou

seja, não impede ela a responsabilidade civil do acusado que foi impronunciado”

(RANGEL, 2010, p. 650).

Dessa forma, poderá a vitima, sendo o caso, se valer de ação cível para

requerer ressarcimento do impronunciado pelos danos sofridos, como resultado do

crime, em tese, cometido. Muito embora, a decisão de impronúncia não analisa o

mérito, serão utilizadas as provas produzidas durante a fase de formação da culpa.

Aliás, mesmo que a impronúncia declare improcedente a ação penal por falta de

18

Art. 109, inciso I, do Código Penal: A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§ 1° e 2° do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: I) em 20 (vinte) anos, se o máximo da pena é superior a 12 (doze).

46

prova de materialidade e indícios suficiente de autoria, “[...] poderá a vítima provar

no cível a autoria, o fato e o prejuízo sofridos, em uma verdadeira relação de

causalidade entre eles, e obter o ressarcimento dos danos” (id. ibid., p. 650).

Por conta disso, nada mais democrático que o Órgão Acusador ofereça

denúncia de um crime doloso contra vida, mediante indícios concretos de

materialidade e autoria do fato, sob pena do Estado submeter um cidadão ao

julgamento fundado em indícios mínimos, desrespeitando assim, o princípio

fundamental da dignidade da pessoa humana, ou pior, favorecendo a decisão da

impronúncia do réu que causará forte gravame ao acusado.

4.4 A IMPRONÚNCIA E O PRINCÍPIO DA IGUALDADE PROCESSUAL

No que tange ao princípio da igualdade processual ou da paridade

processual, ensina Mougenot Bonfim que “no âmbito do processo penal, às partes

devem ser asseguradas as mesmas oportunidades de alegações e de prova,

cabendo-lhes iguais direitos, ônus, obrigações e faculdade.” (2009, p. 49).

O referido princípio tem por finalidade equilibrar as partes dentro do

processo, evitando assim, injustiças, por conta de benefícios a uma parte em

detrimento de outra. Assim, “igualdade perante a lei é a premissa para a afirmação

da igualdade perante o juiz: na norma inscrita no art. 5°, caput, da Constituição,

brota o princípio da igualdade processual” (CINTRA, DINAMARCO, GRINOVER,

2007, p. 59).

47

Neste sentido, considerando o Ministério Público parte no processo penal,

Gilson Bonato assevera sobre o tratamento paritário dos sujeitos processuais, no

que tange ao tratamento igualitário entre o Ministério Público e a defesa:

Com relação ao tratamento paritário dos sujeitos processuais, cumpre destacar que citado princípio somente poderá ter efetividade a partir do momento em que os operadores do direito passarem a interpretar o Código de Processo Penal em consonância com a Constituição de 1988. É de se destacar que, em se tratando de ação penal pública de caráter condenatório, sem dúvida alguma, é o Ministério Público parte processual, isto é, parte em sentido processual. Desta forma, o tratamento a ser dispensado a este órgão deve ser rigorosamente o mesmo a ser dispensado à defesa, em respeito ao princípio em apreço, como também ao princípio da isonomia. (2003, p. 152, grifo nosso).

A igualdade, com efeito, não ocorre quando o Juiz impronuncia o acusado,

pois neste momento, caberá apenas ao Órgão Acusador o próximo passo

processual, ou seja, oferecer nova denúncia do fato delituoso se, por ventura, nova

prova advir enquanto não for decretada a extinção da punibilidade (art. 414, § único,

do CPP). No entanto, o que fazer se o contrário ocorrer, isto é, advier nova prova

que o impronunciado é inocente?

Paulo Rangel (2010, p. 645) afirma que “o código não traz solução

expressa”, pois, ainda na opinião do doutrinador o código “não foi feito para

inocentes e sim para culpados” (id., ibid., p. 645).

Assim, neste caso, com a incidência de nova prova de que o impronunciado

é inocente, poderá, portanto, segundo a doutrina (op. cit., p. 645) utilizar-se por meio

de analogia19 dentro do processo penal o instituto da “revisão criminal20”, buscando

19

Art. 4, da Lei de Introdução do Código Civil: quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. 20

[...] Permite pela revisão criminal que o condenado possa pedir a qualquer tempo aos tribunais, nos casos expressos em lei, que reexamine o seu processo já findo, para que seja absolvido ou beneficiado de alguma outra forma. [...] o instituto da revisão é um remédio que alei confere apenas ao condenado, contra a coisa julgada, com o fim de reparar injustiças ou erros judiciários, livrando-o de decisão injusta. Permite-se apenas a revisão pro reo e não a revisão pro societate. (MIRABETE, 2008, p. 700, grifo no original)

48

assim, o devido reparo das injustiças sofridas por conta dos efeitos negativos da

impronúncia.

Sobre a revisão criminal na impronúncia assevera Paulo Rangel:

Se a ação revisional tem como escopo reparar um erro judiciário, reconstruindo e resgatando a dignidade da pessoa humana que foi vítima da instauração de um processo penal injusto, não há porque não permitir que se utilize dessa ação para desfazer a coisa julgada formal que informa a decisão de impronúncia, pois naquele processo o juiz nada pode fazer, tanto que, surgindo novas provas, deve ser reaberto novo processo contra o réu. Aquele processo inicial, primeiro, já foi extinto. Agora, com novas provas, deverá ser reaberto outro, portanto, com nova denúncia. (op. cit., p. 645, sem grifo no original).

Desse modo, poderá o impronunciado fazer uso da ação revisional pela

analogia no intuito de alcançar sua certeza jurídica, bem com eliminar sua angústia

decorrente da decisão de impronúncia, muito embora, seja o pressuposto da revisão

criminal o “trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (BONFIM, 2009, p.

776), deverá ser a ação revisional uma medida processual cabível.

Sobre o tema defende Paulo Rangel:

É bem verdade que a revisão criminal, segundo a lei, somente se admite de sentença condenatória (cf. art. 621 do CPP e título II, infra, desse livro), por isso aplicamos a analogia e entendemos sua eficácia e utilidade jurídica. Do contrário, iremos consagrar uma injustiça e só admitiremos novas provas de culpabilidade do réu, autorizando, assim, reabertura do processo de pretensão acusatória e não de pretensão liberatória. (op. cit., p. 645, sem grifo no original).

Nesse sentido, outra opção admissível por meio da analogia, “é a aplicação

da ação declaratória, prevista no art. 4°21 do CPC" (op. cit., 645). Assim, a ação

declaratória é “aquela que se destina apenas declarar a certeza da existência ou

inexistência de relação jurídica, ou de autenticidade ou falsidade de documentos”.

(HUMBERTO JÙNIOR, 2010, p. 76).

21

Art. 4. CPC: o interesse do autor pode limitar-se à declaração: I – da existência ou da inexistência de relação jurídica; e, II – da autenticidade ou falsidade de documento.

49

Portanto, buscará o impronuncia provar a inexistência da relação jurídica

contida na denúncia oferecida pelo Ministério Público, exigindo assim, sua

absolvição do crime imputado.

Por fim, diante de nova prova de sua inocência, poderá o impronunciado,

promover ação cautelar de justificação, nos termos do art. 861 do Código de

Processo Civil, tendo em vista, a norma processual penal ser omissa. Com isso,

buscará o impronunciado, por meio da analogia, justificar perante o juízo competente

documento para servir de prova em processo regular, com o intuito de garantir sua

absolvição.

Humberto Theodor Júnior ensina em seu Curso de Direito Processual Civil,

Volume II que, a ação de justificação tem por finalidade principal na documentação

de fatos, podendo, no entanto, “prestar-se a dois objetivos diferentes (art. 861): a)

servir meramente de documento para o promovente, sem caráter contencioso; b)

servir de prova em processo regular” (2008, p. 694).

Diante disso, tendo o impronunciado novo fato que comprova ser ele

inocente, poderá optar pela ação de justificação por meio da analogia do dispositivo

previsto no Código de Processo Civil, pois como já mencionado, o Código de

Processo Penal é omisso e não traz em seu texto solução expressa no objetivo de

cessar os efeitos negativos da impronúncia.

Aliás, cumpre ressaltar que, o nosso código de processo penal fora editado

em 1941 á época do Estado Novo onde Getúlio Vargas comandava o Brasil com

muita opressão e poucas garantias fundamentais ao cidadão, por isso que, o

“Código da ditadura prevê solução apenas para se processar não para inocentar

pessoas” (RANGEL, 2009, p. 186). Ora, não é de se estranhar, que o instrumento de

50

punição legal do Estado estava maquiado pelo processo penal, que tinha como

escopo a punição do réu a qualquer custo.

Dessa forma, ao analisarmos a nossa legislação processual penal, nota-se

“que inúmeros artigos trazem um tratamento desigual entre acusação e defesa,

casos estes que devem ser analisados a partir dos preceitos constitucionais”.

(BONATO, 2003, p. 155).

Assim, “tudo isto demonstra, de forma inequívoca, a necessidade de uma

reinterpretação do sistema processual penal à luz dos princípios esculpidos na

Constituição da República” (id. ibid., p. 156), inclusive, a decisão da impronúncia,

pois mesmo não logrando êxito na persecução penal, por meio da carga probatória,

será o Ministério Público agraciado com a oportunidade de oferecer nova denúncia,

como já foi dito, enquanto não ocorrer à prescrição da punibilidade, bastando assim,

nova prova do fato. Enquanto isso, o acusado não tem outra solução, senão esperar.

Dessa forma, teve o legislador à oportunidade durante as últimas reformas

do Código de Processo Penal de extrair, do nosso ordenamento jurídico, o instituto

da impronúncia. No entanto, na última reforma promovida pela Lei 11.689⁄08,

apenas concedeu nova redação ao antigo art. 409, além do mais, segundo a opinião

do doutrinado Paulo RANGEL a referida reforma “não inova em quase nada, muito

pelo contrário, continua velha com a famigerada decisão de impronúncia e, óbvio,

continua inconstitucional” (2009, p. 184).

Igualmente, vale ressaltar que, há no Senado Federal um projeto de lei em

trânsito com o intuito de reformar o atual Código de Processo Penal. Porém, o

referido Projeto de Lei do Senado (PLS)22 sob n° 156⁄2009, não vislumbra a extinção

da impronúncia, pelo contrário, mantém o instituto.

22

Integram a comissão de juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de reforma do CPP os seguintes juristas: Antonio Correa, Antonio Magalhães Gomes Filho, Eugênio Pacelli de Oliveira

51

4.5 A IMPRONÚNCIA NA JURISPRUDÊNCIA

Prevista na legislação processual penal, nos termos do art. 414, a

impronúncia está sendo utilizada normalmente pelos Tribunais de Justiça, bem como

as Cortes Superiores, bastando, portanto, o preenchimento dos requisitos exigidos

pela lei, isto é, o não convencimento do juiz da materialidade do fato ou da

existência de indícios suficiente de autoria ou de participação.

Assim, vejamos no caso concreto, como o Egrégio Tribunal de Justiça do

Estado do Paraná utiliza-se do instituto da impronúncia em suas decisões:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DECISÃO DE IMPRONÚNCIA HOMICÍDIO QUALIFICADO ART. 121. § 2º, INC. V, DO CP DISPAROS DE ARMA DE FOGO EFETUADOS CONTRA A VÍTIMA PROVA TESTEMUNHAL QUE NÃO CONFIRMA EM JUÍZO AS DECLARAÇÕES FEITAS NA FASE POLICIAL INDÍCIOS INSUFICIENTES DE AUTORIA PARA SUBMETER O ACUSADO A JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI - RECURSO DESPROVIDO. A primeira fase do processamento dos crimes dolosos contra a vida, o juízo de admissibilidade da acusação, resulta inviabilizada se não há indícios mínimos de autoria e materialidade. (TJPR - 1ª C. Criminal - RSE 0664402-0 - Guaíra - Rel.: Juíza Subst. 2º G. Denise Hammerschmidt - Unânime - J. 17.06.2010) [grifo nosso].

Neste particular, nota-se que, a fase de formação da culpa foi prejudicada

pela não confirmação em juízo das declarações feitas na fase policial, ou seja, não

ocorreu indício suficiente de autoria em face do acusado. Desse modo, o Juízo

Singular optou pela impronúncia do réu, sendo tal decisão alvo de recurso ao

Tribunal de Justiça, que conforme a ementa julgou-a improcedente.

(Relator), Fabiano Augusto Martins Silveira, Felix Valois Coelho Júnior, Hamilton Carvalhido (Coordenador), Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Sandro Torres Avelar e Tito Souza do Amaral.

52

Ainda, portanto, seguindo o mesmo raciocínio da Primeira Câmera Criminal

do TJ-PR, mais uma decisão ratificada de impronúncia do Juízo Singular:

DIREITO PROCESSUAL PENAL - IMPRONÚNCIA - RECURSO DE APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - HOMICÍDIO QUALIFICADO: MOTIVO TORPE E EMBOSCADA - INDÍCIOS DE AUTORIA FRÁGEIS PARA MOTIVAR A PRONÚNCIA DO ACUSADO - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (1) Nos termos do artigo 413, do Código de Processo Penal, provada a existência do crime e havendo indícios de que o acusado seja o autor, deverá o juiz, motivadamente, pronunciá-lo. (2) Inexistindo indícios concretos de autoria, uma vez que não se extrai da massa cognitiva dos autos indicação segura de participação do réu no fato descrito na denúncia, incabível determinar a remessa do feito a julgamento pelo Tribunal do Júri, sendo a impronúncia - decisão interlocutória mista terminativa - medida cabível e adequada à espécie. Recurso conhecido e desprovido. (TJPR - 1ª C. Criminal - AC 0581880-6 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. Oto Luiz Sponholz - Unânime - J. 30.07.2009) [grifo nosso].

Neste sentido, diante de uma acusação que se fundamenta em simples

probabilidade ou conjecturas, não há de ser dizer em pronúncia, por conta da

carência de indícios suficientes de autoria ou da existência da materialidade, e sim,

segundo a jurisprudência, a impronúncia do acusado.

Entende, portanto, o Superior Tribunal de Justiça que a impronúncia

prevalece quando resultante da falta de convencimento do magistrado, conforme

decisões dessa Corte Superior.

Tribunal do júri (competência). Qualificadora (motivo torpe). Manutenção (caso). Excesso de motivação (não ocorrência). 1. A pronúncia, conquanto consista em mero juízo de admissibilidade da acusação, depende de algum exame dos elementos de convicção, tanto que a impronúncia, a teor da anterior redação do art. 409 do Cód. de Pr. Penal, é resultante da falta de convencimento. 2. Na hipótese, não há falar em nulidade da pronúncia, pois o Tribunal não foi além da sua competência. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 828.470/MT, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 29/09/2009, DJe 18/12/2009) [grifo nosso].

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Ressalta-se, portanto, o mesmo raciocínio para configurar a impronúncia,

deve existir a resultante da falta de convencimento do magistrado.

Acórdão de recurso em sentido estrito (manutenção da pronúncia). Excesso de motivação (não-ocorrência). Deficiência de defesa (alegação). Prejuízo (não-comprovação). 1. A pronúncia, conquanto consista em mero juízo de admissibilidade da acusação, depende de algum exame dos elementos de convicção, tanto que a impronúncia, a teor do art. 409 do Cód. de Pr. Penal, é resultante da falta de convencimento. 2. O acórdão que manteve a pronúncia não foi além do que era lícito ir. O emprego da expressão "delitos como os praticados pelos réus atemorizam a sociedade e desacreditam as instituições" não dá a entender tenha havido influência sobre os jurados. 3. No caso, os impetrantes queixaram-se da deficiência de defesa – omissão do então defensor "por não ter arrolado a imprescindível testemunha". 4. A falta de defesa constitui nulidade absoluta; a deficiência, todavia, depende da prova de prejuízo. Caso em que não há prova desse prejuízo. 5. Ordem denegada. (HC 46.413/SP, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 15/02/2007, DJ 06/08/2007 p. 696) [grifo nosso].

No entanto, a inconstitucionalidade da impronúncia não foi ventilada nas

turmas e no plenário do Supremo Tribunal Federal, muito embora, seja uma

discussão recente dentro da doutrina processual penal, a nossa Corte Superior

responsável pelo controle constitucional do ordenamento jurídico, entende que a

impronúncia é cabível nos termos do art. 414, do CPP, conforme ementa do

julgamento do habeas corpus n° 94169, realizado em 07/10/2008, pelo Ministro

Relator, da Primeira Turma, Doutor Menezes DIREITO:

EMENTA Habeas corpus. Processual penal. Sentença de pronúncia. Não-ocorrência de excesso de linguagem. 1. A fase processual denominada sumário da culpa é reservada essencialmente à formação de um juízo positivo ou negativo sobre a existência de um crime da competência do Tribunal do Júri. Ela se desenvolve perante o juiz singular que examinará a existência provável ou possível de um crime doloso contra a vida e, ao final, decidirá (1) pela absolvição sumária, quando presente causa excludente de ilicitude ou de culpabilidade; (2) pela desclassificação do crime, quando se convencer de que o crime praticado não é doloso e contra a vida; (3) pela impronúncia, quando ausente a prova da materialidade ou de indícios de autoria; ou (4) pela pronúncia, se reputar presente a prova e os indícios referidos. 2. Deve-se reconhecer que essa fase requer o exame de provas, necessário, sem dúvida, para fornecer ao Juiz elementos de convicção sem os quais não estará habilitado a decidir e, sobretudo, a fundamentar a decisão que venha a proferir, sem que isso caracterize excesso de

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linguagem ou violação do princípio do juiz natural. 3. habeas corpus denegado. (HC 94169, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Primeira Turma, julgado em 07/10/2008, DJe-236 DIVULG 11-12-2008 PUBLIC 12-12-2008 EMENT VOL-02345-01 PP-00178) [grifo nosso].

No entanto, diante das recentes decisões dos Tribunais de Justiça, bem

como das Cortes Superiores, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal

Federal, a impronúncia não se configurou como letra morta, pelo contrário, está

sendo constantemente utilizada pelos magistrados que, julgam impronunciar, por

conta de acusações sem a devida carga probatória da imputação delitiva.

Com isso, não havendo o convencimento do magistrado sobre a

materialidade ou do indício suficiente de autoria ou participação, impronunciará o

acusado nos termos do art. 414 do CPP, declarando assim, a improcedência da

acusação por falta de prova suficiente do cometimento do crime.

Aliás, na contra mão da velha doutrina, bem como da jurisprudência, cresce

o entendimento doutrinário dos novos juristas a cerca da inconstitucionalidade da

impronúncia, neste caso, comungam o mesmo pensamento, a luz da Constituição

Federal de 1988 e seus princípios, jovens doutrinadores como Guilherme de Souza

Nucci, Paulo Rangel, Aury Lopes Jr e Vicente Greco Filho.

Nota-se que, os juristas mais antigos não consideram o instituto da

impronúncia inconstitucional, pelo contrário, acreditam ser um instrumento de

garantia processual do Estado na árdua missão de promover a persecução penal.

Contudo, nota-se que, com o advento da Constituição Federal de 1988 e

seus princípios fundamentais como o Estado Democrático de Direito, a Dignidade da

Pessoa Humana, a Presunção de Inocência e a Igualdade Processual, a decisão de

impronúncia é inconstitucional.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se, no presente trabalho, que a sociedade após a promulgação da

Carta Magna de 1215, buscou extrair das mãos do Estado à competência exclusiva

no julgamento de um cidadão pelo cometimento de um crime grave, por conta disso,

considerou-se que o julgamento pelos seus pares se revestia de uma decisão justa

e democrática, ideal este difundido por toda Europa após a Revolução Francesa.

Neste sentido, o júri se fez presente em terras brasileiras após a vinda da

Corte Portuguesa, muito embora, durante a sua história fosse alvo de diversas

modificações, por conta de governos autoritários. No entanto, com o advento da

promulgação da Constituição da República de 1988, a Carta Social, firmou-se o Júri

como garantia essencial do Estado Democrático de Direito.

Desse modo, a Constituição definiu a competência do Tribunal do Júri no

julgamento dos crimes dolosos contra a vida, por meio do Conselho de Sentença,

composto por integrantes da sociedade, isto é, pelo povo.

Examinou-se, o procedimento bifásico do Tribunal Popular, dividido em duas

fases bem definidas, isto é, a primeira denominada fase de formação da culpa e a

segunda, denominada fase de julgamento da culpa.

Quanto à primeira fase de formação da culpa, destacou-se a importância da

carga probatória que compete ao Órgão Acusatório, pois segundo as provas

contidas nos autos, o Juiz Togado decidirá ao término da primeira fase se, o

acusado será pronunciado ao plenário do júri, ou se a acusação será desclassificada

para crime culposo, ainda, se o réu será absolvido sumariamente nos termos da lei e

por fim, será o acusado impronunciado.

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Verificou-se que, nos termos do art. 414 e parágrafo do CPP, ao optar o

magistrado por impronunciar o réu, pelo não convencimento da existência de

materialidade do fato ou de indício suficiente de autoria ou participação, ficará o

acusado no banco de reserva (RANGEL, 2009, p. 183, grifo nosso) enquanto durar

a pretensão punitiva do Estado, pois, poderá o Ministério Público oferecer nova

denúncia do mesmo delito se nova prova advir, ou, portanto, esperar a decretação

da extinção da punibilidade.

Ainda, analisou-se a decisão de impronúncia sob o viés Constitucional, no

que pese o respeito aos princípios previstos na Constituição da República, pois

tendo o magistrado dúvida sobre a materialidade do fato ou da autoria do delito,

deveria optar pela absolvição do réu com base no in dúbio pro reo, ao invés de,

impronunciá-lo deixando-o, dessa forma, num limbo jurídico (NUCCI, 2008, p. 749,

grifo nosso), sofrendo os efeitos de tal decisão.

Discutiu-se, portanto, os efeitos negativos emanados da decisão de

impronúncia sob a luz do Estado Democrático de Direito, bem como em respeito à

dignidade da pessoa humana, por conta dos efeitos negativos da impronúncia que,

causa ao impronunciado, “um estado de pendência, de incerteza e insegurança

processual” (LOPES JR., 2009, p. 267, grifo nosso).

Desta forma, conforme dispõe o parágrafo único do art. 414 do CPP, poderá

o Órgão Ministerial oferecer nova denúncia em face do impronunciado se nova prova

advir, no entanto, tal possibilidade entra em conflito com o princípio da igualdade

processual, haja vista, beneficiar processualmente apenas o Ministério Público que,

neste caso, foi quem falhou durante a instrução criminal no que tange a carga

probatória da denúncia.

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Por conta disso, verificou-se que, o Código de Processo Penal não prevê

solução no caso de incidência de nova prova da inocência do impronunciado. Sendo

assim, por meio da analogia, examinou-se dentro do CPP e do CPC, três soluções

possíveis para o impronunciado buscar sua absolvição perante o Juízo, sendo elas,

a revisão criminal, a ação declaratória e por fim, a ação de justificação.

Assim, examinou-se, considerável parcela das jurisprudências do Tribunal

de Justiça do Paraná e das Cortes Superiores que, no entanto, não entendem ser a

impronuncia um dispositivo inconstitucional, pois considera a impronúncia apenas

uma decisão resultante da falta de convencimento do magistrado da

materialidade ou da autoria, conforme o preceito legal.

Verificou-se, ainda, que nossa sociedade está em constate evolução, por

isso, nada mais racional que o Direito Processual Penal, acompanhe tal escalada

rumo ao aperfeiçoamento conforme o PLS nº. 156/2009, na qual pretende alterar

substancialmente o CPP, muito embora, não há previsão de extinguir a impronuncia

da nossa legislação penal.

Por derradeiro, observou-se com base na presente pesquisa que, a decisão

de impronunciar o réu, por falta de prova da materialidade ou de ausência de

indícios suficientes de autoria, ao invés de absolvê-lo da imputação delitiva, trata-se

de decisão inconstitucional, pois tal decisão entra em conflito com os princípios

constitucionais que sustentam nosso Estado Democrático de Direito, bem como os

princípios da presunção de inocência, do in dubio pro reo e da igualdade processual.

Muito embora, não seja por hora o entendimento da jurisprudência pátria, há

crescente entendimento da doutrina processualista sobre a inconstitucionalidade

da impronúncia23.

23

A inconstitucionalidade da impronúncia é defendida pelos seguintes doutrinadores: Guilherme de Souza Nucci, Paulo Rangel, Aury Lopes Jr. e Vicente Greco Filho.

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REFERÊNCIAS

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