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Universidade São Judas Tadeu Curso de Pós-Graduação stricto-sensu
Arquitetura e Urbanismo
Maria Adelaide Pires de Almeida Sasaqui
A representação da arquitetura clássica na produção pictórica como referencial do poder das
classes dominantes
São Paulo
2015
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Universidade São Judas Tadeu Curso de Pós-Graduação stricto-sensu
Arquitetura e Urbanismo
Maria Adelaide Pires de Almeida Sasaqui
A representação da arquitetura clássica na produção pictórica como referencial do poder das
classes dominantes
Dissertação apresentada ao curso de Pós Graduação Stricto Sensu da Universidade
São Judas Tadeu para conclusão do curso de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo.
Orientadora: Profª. Dra. Paula De Vincenzo Fidelis Belfort Mattos
São Paulo 2015
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Universidade São Judas Tadeu Curso de Pós-Graduação stricto-sensu
Arquitetura e Urbanismo
Maria Adelaide Pires de Almeida Sasaqui
A representação da arquitetura clássica na produção pictórica como referencial do poder das
classes dominantes
Dissertação apresentada ao curso de Pós Graduação Stricto Sensu da Universidade
São Judas Tadeu para conclusão do curso de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo.
Aprovada em____________________de 2015
__________________________________________________________________
Orientadora: Profª. Drª. Paula De Vincenzo Fidelis Belfort Mattos
_____________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Lóris Graldi Rampazzo
_____________________________________________________________________
Prof. Dr. Fernando Guilhermo Vázquez Ramos
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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da Universidade São Judas Tadeu
Bibliotecária: Daiane Silva de Oliveira - CRB 8/8702
Sasaqui, Maria Adelaide Pires de Almeida
S252r A representação da arquitetura clássica na produção pictórica como
referencial do poder das classes dominantes - São Paulo, 2015.
143 f. : il. ; 30 cm.
Orientadora: Paula De Vincenzo Fidelis Belfort Mattos.
Dissertação (mestrado) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo,
2015.
1. Arte clássica. 2. Representação arquitetônica. I. Mattos, Paula de
Vincenzo Fidelis Belfort. II. Universidade São Judas Tadeu, Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo. III. Título
CDD 22 – 709.0403
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AGRADECIMENTOS
À Prof ª. Dra. Paula De Vincenzo Fidelis Belfort Mattos, pela dedicada orientação e por compartilhar comigo seus conhecimentos
e pela colaboração na execução deste trabalho.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, pela concessão da bolsa de estudo.
Aos professores que colaboraram com o avanço do curso.
À minha família, pelo apoio e compreensão.
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Resumo
Sasaqui, Maria Adelaide Pires de Almeida. A representação da arquitetura clássica na produção pictórica como referencial do poder das classes dominantes. Dissertação, Curso de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo do Programa de Pós-Graduação – PGAUR da Universidade São Judas Tadeu. São Paulo, 2015. A pesquisa trata da representação da arquitetura clássica na pintura como instrumento ideológico de poder estabelecido adotado por uma classe social dominante sobre as demais classes em diferentes períodos da história da civilização humana. O universo de imagens materiais da Arte Clássica greco-romana criada na Antiguidade é foco da releitura humanista no Renascimento italiano ressaltando os valores da nascente burguesia. Na segunda metade do século XVIII e início do XIX, novamente acorre a releitura da arte clássica, efetuada pelo neoclassicismo para enfatizar as mudanças preconizadas pela Revolução Francesa que evidenciam os valores burgueses: conquista glória, moral e bem comum, marcando um momento de renovação e modificação no comportamento da sociedade europeia. Napoleão, durante seu governo, determina o neoclassicismo como estilo Império, representando glória, conquista e poder estabelecido. No início do século XIX, o neoclassicismo chega ao Brasil em 1816, trazido pela Missão Francesa, para simbolizar o Primeiro e Segundo Reinado e destacar o jovem Império. Em todas as épocas é possível identificar a representação da arquitetura clássica na estrutura pictórica. Em todas as épocas mencionadas é possível identificar a representação da arquitetura clássica como elemento inspirador na estrutura pictórica. Palavras-chave: arte clássica; representação da arquitetura na pintura; instrumento ideológico; poder estabelecido.
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Abstract
Sasaqui, Maria Adelaide Pires de Almeida. The representation of classical architecture as an instrument of power in the pictorial production. Dissertação, Curso de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo do Programa de Pós-Graduação – PGAUR da Universidade São Judas Tadeu. São Paulo, 2015.
The research deals with the representation of classical architecture in painting as an ideological instrument of power established adopted by a dominant social class over the other classes in different periods of the history of human civilization. The material universe images of Greco-Roman Classical art created in antiquity is the focus of humanistic rereading the Italian Renaissance emphasizing the values of the nascent bourgeoisie. In the second half of the eighteenth and early nineteenth centuries, again rushes rereading of classical art, made by neoclassicism to emphasize the changes advocated by the French Revolution that show the bourgeois values: conquest, glory, moral and common good, marking a moment of renewal and change in the behavior of European society. Napoleon, during his rule, determines neoclassicism as Empire style, representing glory, conquest and established power. In the early nineteenth century, neoclassicism arrived in Brazil in 1816, brought by the French Mission to symbolize the First and Second Empire and highlight the young Empire. At all times you can identify the representation of classical architecture in pictorial structure. At all times mentioned it is possible to identify the representation of classical architecture as inspiring element in the pictorial structure. Keywords: classical art; architectural representation in painting; ideological instrument; established power.
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Índice de Imagens
Imagem 01 – Elementos da Coluna da Ordem Dórica 23
Imagem 02 – Elementos da Coluna da Ordem Jônica 24
Imagem 03 – Elementos da Coluna da Ordem Coríntia 25
Imagem 04 - Vista aérea da Acrópole e do Parthenon em Atenas 29
Imagem 05 – Templo Partenon em Atenas 29
Imagem 06 – Vila dos Mistérios 43
Imagem 07 - Vila dos Mistérios: Porta dourada 44
Imagem 08 - Vila dos Mistérios: afresco com colunas, arcos e sobreposição de planos. 45
Imagem 09 - Vila dos Mistérios: Detalhe do afresco 46
Imagem 10 - Casa dos Vettii 47
Imagem 11 - Casa dos Vettii – detalhe do afresco 48
Imagem 12 - Cúpula da Catedral - Santa Maria del Fiore 68
Imagem 13 - Santíssima Trindade com a Virgem e São João sob a Cruz 74
Imagem 14 - A Aparição da Virgem a São Bernardo 76
Imagem 15 - A Escola de Atenas 81
Imagem 16 - O Juramento dos Horácios 104
Imagem 17 - A Consagração do Imperador Napoleão e a Coroação da Imperatriz Josephine em 02 de dezembro de 1804. 107
Imagem 18 - Coroação de Dom Pedro II - M. de Araújo Porto Alegre 121
Imagem 19 - Coroação de Dom Pedro II - Rene Moreau 123
Imagem 20 - Paz e Concórdia – Pedro Américo 133
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Sumário
Introdução 11
Capítulo I
Grécia e Roma - Antiguidade Clássica 20
A construção da arte clássica protagonizada por Grécia e Roma, na
Antiguidade, período em que é criada e amplamente usada. A Acrópole e o
Partenon - A Civilização Romana - A Helenização de Roma - A Pintura
Romana de Pompéia - Vila dos Mistérios - Casa dos Vettii.
Capítulo II
Renascimento Italiano 51
O desdobramento e aplicação da Arte Clássica motivada pela disseminação do
pensamento humanista nas cidades italianas como a próspera Florença.
Transformações Culturais: Humanismo – A Evolução da Pintura Renascentista
– Fillippo Bruneleschi – Leon Batista Alberti – Masaccio – Pietro Perugino -
Rafael Sanzio, o maior pintor do Cinquecento - “Escola de Atenas” na Stanza
dela Segnatura.
Capítulo III
Neoclassicismo Francês 84
Retomada e sistematização da Arte Clássica com a criação da Academia de
Belas Artes de Paris. Aspectos históricos - As Escavações de Herculano e
Pompéia - J.J. Winckelmann – O Neoclassicismo e a Arquitetura – A Pintura
Neoclássica - A Academia - Jacques Louis David - “O Juramento dos Horácios”
e “Consagração de Napolão I e Coroação da Imperatriz Josefina na Catedral
de Notre-Dame em Paris”.
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Capítulo IV
Neoclassicismo no Brasil 109
O estilo Neoclássico é trazido pela Missão Francesa, em 1816, por solicitação
de D. João VI para atender ao reaparelhamento da nova sede metropolitana do
governo, no Rio de Janeiro, das condições indispensáveis à vida cultural.
Contexto histórico – Contexto Histórico – A vinda da Missão Francesa – O
Neoclassicismo Francês no Brasil - A condição social do artista brasileiro –
Manuel de Araújo Porto Alegre - “A Coroação de Dom Pedro II” - AIBA -
Academia Imperial de Belas Artes - A Reforma Pedreira na Academia, ou a
"Reforma Porto Alegre” - Pedro Américo - “Paz e Concórdia”.
Considerações Finais 136
Referências Bibliográficas 140
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Introdução
O objeto de estudo desse trabalho é a análise da retratação da
arquitetura clássica na pintura em períodos da história da civilização ocidental,
na releitura realizada no Renascimento Italiano, nos séculos XV e XVI, no
Neoclassicismo francês, final do século XVIII e início do XIX e no
Neoclassicismo no Brasil, no início do século XIX, com a vinda da Missão
Francesa.
A arte clássica, criada na Antiguidade, é norteada por cânones
como harmonia, equilíbrio e proporção presentes na arquitetura de templos
gregos e na arquitetura religiosa, militar e civil dos romanos, essas construções
possuem modulações e receitas idealizadas compostas por uma “ordem
arquitetônica”, este termo está no Tratado de Arquitetura escrito pelo arquiteto
romano Vitrúvio que vive no século I a. C.
Segundo Summerson (2009, p.6) a “Ordem Arquitetônica” consiste
em uma coluna sobre pedestal, cujo uso é opcional, que carrega, em seu topo,
o capitel, a arquitrave, o friso e a cornija, formando o entablamento.
Essa integração “coluna-superestrutura” que caracteriza a
arquitetura clássica é transformada em modelo a ser conservado e reproduzido
pela civilização ocidental e identificado na pintura ao longo dos períodos
artísticos e históricos.
Na reconstrução da Acrópole e do Partenon, comandada por
Péricles, estão presentes a utilização da ordem arquitetônica, a magnitude e
perfeição da arquitetura dessas construções transformam Atenas em centro
cultural e a mais poderosa cidade-estado.
A Grécia, ao se tornar posse do Império romano, deixa como parte
de seu legado: a aplicação da arte como exemplo da perfeição artística e
referência de poder.
A mais antiga retratação dos elementos da arquitetura clássica,
eternizados pela pintura, que chega até a atualidade, está nos afrescos
representantes da Pintura Romana, encontrados no sítio arqueológico de
Pompéia, cidade pertencente ao império romano, situada próxima ao vulcão
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Vesúvio que é soterrada em 79 d. C. por gigantesca erupção vulcânica e
redescoberta por escavações no século XVIII.
Na história da humanidade, a representação da arquitetura clássica
na pintura exerce o papel de instrumento ideológico que simboliza riqueza,
glória e poder perenes, no Renascimento Italiano, nos séculos XV e XVI,
momento em que os pintores empregam a perspectiva para destacar os
espaços arquiteturais com características da arquitetura clássica para
consagrar o humanismo; no século XIX, o Neoclassicismo francês, época em
que os princípios clássicos transformados em cânones, norteiam a produção
pictórica da arte acadêmica e, por fim, concluindo, na análise de obras de
pintores brasileiros, formados a partir da Missão Francesa que divulga o
neoclassicismo no Brasil, semeia o ensino da arte acadêmica e contribui para a
formação concisa de ordem intelectual e prática dos artistas brasileiros que
aplicam os aspectos da arquitetura clássica como cenário para enobrecer o
governo monárquico e a nova terra independente como exemplo de nação
desenvolvida.
Ao estudar a arte criada pelos povos do continente europeu, que
influencia o desenvolvimento e produção artística da Arte brasileira, é possível
evidenciar a forma como inicia, se estabelece e se aprofunda em nossa cultura
por meio de estudo de caso.
Tal fato é verificado na produção pictórica de Manuel de Araújo
Porto Alegre, um personagem bastante ativo no período Imperial brasileiro, tem
por objetivo a exaltação do Império que almeja o país como nação brasileira
civilizada, a vida política e a religiosidade entre as nações civilizadas do globo,
quer formar uma cultura brasileira diferenciada e que permite definir o Brasil
como nação independente, comprometida em construir a nacionalidade.
Porto Alegre, para este intento, projeta nas artes a capacidade para
transformar a sociedade imperial brasileira em uma nação culta e peculiar,
principalmente na pintura e arquitetura, pontos centrais de realização.
O método a ser aplicado a essa pesquisa está embasado na análise
formal de imagens de obras da produção pictórica que retratam e destacam os
componentes da arquitetura clássica confirmando seu papel de instrumento
ideológico que simboliza riqueza e poder estabelecido.
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O estudo de caso consiste na observação, comparação e análise
das obras pictóricas realizadas nos períodos citados acima que vem alicerçar a
influência da arte europeia na formação da arte acadêmica brasileira,
enfatizando na representação pictórica aplicada como instrumento de poder
pela classe governante no período monárquico e início do republicano e que,
ao mesmo tempo, a produção pictórica é um veículo que contribui para a
eternização da própria arquitetura clássica.
A presente pesquisa divide-se em quatro capítulos, que descreve as
etapas da difusão da arquitetura clássica representada na pintura em diferentes
épocas da história.
O primeiro capítulo se refere à construção do conhecimento, mais
exatamente, a criação da arte clássica protagonizada por Grécia e Roma, na
Antiguidade, como cita Janson (1996, p.50), período em que a arquitetura
clássica é criada e amplamente usada pela civilização greco-romana com o
objetivo de se destacarem como civilizações poderosas e que pretendem ser
conquistadoras de novas terras.
Na pintura, a Arte Clássica greco-romana é encontrada nos afrescos
pintados nas paredes das mansões da cidade antiga de Pompéia, pertencente
ao império romano, retratando a arquitetura clássica por meio das ordens
arquitetônicas, que consistem em colunas com capitéis dóricos, jônicos e
coríntios, acompanham estruturas como frontões, arquitraves, arcos e
entablamentos.
O segundo capítulo corresponde ao desdobramento e aplicação da
releitura da Arte Clássica efetuada por artistas no Renascimento italiano que
determina a disseminação do pensamento humanista nas cidades italianas,
como a próspera Florença.
Entre os séculos XIV e XV, o humanismo, cujos valores, segundo
Sevcenko (1994,p.14) estão fundamentados no programa chamado “studia
humanitats” que engloba poesia, filosofia, história, matemática e eloquência
ligadas ao domínio das línguas clássicas, latim e grego, focados sobre os
textos dos autores da Antiguidade clássica.
Tais valores da Antiguidade clássica exaltam o indivíduo, as
realizações históricas, a aspiração e disposição de ação do homem com sua
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liberdade de atuação e de participação na construção da vida social nas
cidades.
A convicção de que o homem é dono de energias criativas ilimitadas,
possuindo uma aptidão inata para a ação, virtude e a glória se conjugam
perfeitamente com as intenções da classe burguesa das ricas cidades italianas.
São várias obras que tem a referência clássica e, ao serem
analisadas, há destaque nos seus personagens, porém, nesse trabalho, o foco
está na arquitetura retratada na pintura, como acontece na obra intitulada
“Escola de Atenas”, pintada por Rafael Sanzio, entre 1509 e 1510, obra feita
para decorar o salão chamado "Stanza della Segnatura", sob encomenda do
Vaticano.
Janson (1996,p.219) esclarece que Rafael é convocado por Júlio II
para decorar uma série de aposentos do Palácio Vaticano, no primeiro, a
Stanza dela Segnatura, os afrescos referem-se a quatro domínios do
aprendizado: Teologia, Filosofia, Jurisprudência e Artes. Entre os trabalhos, o
afresco “A Escola de Atenas” é considerado como a mais perfeita
corporificação do espírito clássico do Alto Renascimento. O autor esclarece
que o tema é “a escola ateniense do pensamento” que encena a reunião de um
grupo de famosos filósofos gregos ao redor de Platão e Aristóteles, cada um
em uma pose ou atividade característica.
“Escola de Atenas” consiste no afresco que representa a Academia
de Platão, centro de estudos de matemática, filosofia, artes e ciências que
durou nove séculos e é destruída pela intolerância cristã. O pensamento
renascentista está baseado nos estudos e ensinamentos dos filósofos gregos,
reuni-los em uma mesma pintura é construir o retrato do espírito da
Renascença, ou seja, essa obra pode ser considerada a encarnação dos ideais
da época.
O terceiro capítulo relata a retomada e sistematização da Arte
Clássica com a criação da Academia de Belas Artes de Paris, no período
Neoclássico.
Vários fatos históricos motivaram a retomada da arte clássica, entre
eles, o testemunho de diversos viajantes que tiveram contato direto com as
ruínas da civilização greco-romana, a publicação de obras que versavam sobre
essas culturas antigas e a arte produzida por elas; as escavações de
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Herculano e Pompéia deixam os europeus impressionados com a arquitetura
da antiguidade; a publicação de obras por arquitetos que tiveram em Roma e
suas edificações que exibem elementos da arquitetura clássica e a publicação
das pesquisas de Johann Winckelmann, pai da arqueologia, que estuda as
ruínas de Pompéia, sua arquitetura e os afrescos antigos.
Também na França a vitória desse estilo foi assegurada depois da Revolução Francesa. A antiga e despreocupada tradição dos construtores e decoradores barrocos e rococós foi identificada com o passado que acabara de ser varrido; fora o estilo dos palácios da realeza e da aristocracia, ao passo que os homens da Revolução gostavam de se considerar cidadãos livres de uma Atenas ressurgida. (GOMBRICH,1979,p.378).
A arte neoclássica se destaca no cenário histórico francês na época
da Revolução Francesa em que esta sociedade exerce um questionamento
sobre o comportamento da aristocracia, seus exageros e riqueza. Esta
sociedade está enfastiada do rebuscamento sofisticado exibidos na arte
barroca e no rococó. A arte clássica greco-romana atrai a atenção dos
franceses por sua simplicidade e grandeza e vem representar um caminho de
transformação.
Os filósofos, moralistas, pensadores e artistas do Iluminismo coincidiam na necessidade de alicerçar seu pensamento na razão, numa fé ilimitada na experiência e num ódio, de princípio, ao absolutismo monárquico. (MIRABENT, 1991,p.7)
O Neoclassicismo coaduna com as ideias da Revolução Francesa
que corresponde ao período de busca por inovação cultural, social, política e
econômica iniciada pelos pensadores iluministas no continente europeu que se
estabelece, após o esfacelamento do absolutismo na França.
No Renascimento Italiano, a arte clássica recomendada pelo
pensamento humanista, atende aos interesses da burguesia italiana e no
século XVIII, as mudanças preconizadas pela Revolução Francesa evidenciam
os valores burgueses: conquista glória, moral e bem comum, laureando um
momento de renovação e modificação no comportamento da sociedade
europeia.
Como fazem os governantes do passado, Péricles na antiga Grécia
e Augusto, imperador da Roma antiga, a arte clássica é usada como canal de
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propaganda para promover seus interesses políticos, representando poder e
conquista. Também no século XIX, no período de governo de Napoleão
Bonaparte, a Arte Clássica é reverenciada e assume particularidades que a
distingue como estilo império.
O neoclassicismo se transforma numa arte engajada politicamente
que objetiva divulgar o bem comum e a moral, Schama (2010,p.192) afirma que
o pintor Jacques Louis David, discípulo fiel dos ideais da Revolução Francesa e
admirador de Napoleão, defende que a Arte tem o poder de chocar, fascinar,
incitar, e às vezes, aterrorizar; expressa mais que um veículo de prazer, tem a
capacidade de mudar vidas e com elas, a própria história. Acredita no poder
conversivo da Arte, na capacidade de transformar um punhado de
espectadores em uma comunidade moral, suas obras são transformadas em
propaganda para divulgar o bem comum e a moral, torna-se o maior
representante do neoclassicismo francês e inventa a moderna propaganda
visual.
Neste trabalho, são comentadas duas obras de tema histórico: “O
Juramento dos Horácios”, concluída em 1784, e, “Consagração do Imperador
Napoleão I e Coroação da Imperatriz Josefina na Catedral de Notre-Dame em
Paris”, feita entre 1806 e 1807, encomendada por Napoleão. Este último
enfatiza a era napoleônica, o novo poder estabelecido, aplicado na
representação do cenário arquitetônico que retrata a coroação de Napoleão no
interior da catedral de ‘Notre-Dame’. Na realidade, a igreja pertence ao estilo
gótico, contudo, a pintura não corresponde à realidade, pois ela é representada
dentro das características neoclássicas, o que reforça a ideia de que este
estilo, derivado da arte greco-romana, é considerado de maior importância que
os demais.
Como partidário da Revolução Francesa, David transforma suas
obras em propaganda para divulgar o bem comum e a moral, inventa a
moderna propaganda visual, torna-se o maior representante do neoclassicismo
francês.
O quarto capítulo descreve o Neoclassicismo no Brasil, trazido pela
Missão Francesa, em 1816, por solicitação de D. João VI, elevado a príncipe
regente do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, para atender ao
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reaparelhamento da nova sede metropolitana do governo, no Rio de Janeiro,
das condições indispensáveis à vida cultural.
Como afirma Campofiorito (1983,p. 23), a Missão Francesa de 1816
tem como objetivo colocar o país em contato direto com a arte europeia em
evidência na época para atender ao gosto da corte portuguesa, acostumada
aos requintes artísticos europeus, refugiada aqui, devido á invasão de Portugal
por tropas francesas.
Os cânones clássicos, aplicados pelos pintores franceses
neoclassicistas em terras brasileiras, foram sedimentados na arte brasileira no
período do Império por meio da criação da Academia Imperial de Belas Artes,
recebe este nome por decreto de 23 de novembro de 1820.
Antes da vinda da Missão Francesa, os artistas que trabalhavam
para a construção e decoração das igrejas em estilo barroco desenhavam e
pintavam modelos de obras estrangeiras que apareciam nas ilustrações de
missais e bíblias ou mesmo em gravuras que reproduziam com fidelidade o
desenho de temas religiosos, portanto, não existia no Brasil um ensino formal e
aprofundado de arte que preparasse o artista, como profissional aparelhado
para receber encomendas de uma clientela requintada e exigente.
Os artistas da Missão são notáveis e categorizados no ambiente
artístico europeu o que representa uma credencial de caráter internacional. A
Academia de Belas Artes teve a proteção de D. Pedro II, no Segundo Reinado
o que contribui para sua perpetuação.
O trabalho da Missão Francesa, em apregoar o estilo neoclássico no
Brasil, influenciou a formação artística de várias gerações de pintores e
arquitetos, trouxe para o país, o ensino formal de arte, praticado nas escolas
especializadas do continente europeu.
Na produção pictórica do Segundo Império encontram-se detalhes
da arquitetura clássica nos trabalhos de pintores importantes do período da
nossa história como o Estudo para “Sagração de D. Pedro II”, de 1842, obra
inacabada de Manuel de Araújo Porto Alegre e “Paz e Concórdia”, de 1895, de
Pedro Américo.
Cabe acrescentar que nesse período, a influência acadêmica
corresponde ao momento de consolidação do Brasil como país soberano e
independente de Portugal e que a arte neoclássica não é trazida apenas para o
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Brasil, mas também para outras localidades da América Latina e faz parte do
processo de colonização do Novo Mundo pelos europeus.
Campofiorito argumenta que Pedro Américo pertence ao contexto
histórico marcado pelo governo de D. Pedro II, no Segundo Reinado, o
monarca exerce uma proteção sobre os artistas, exige de seus protegidos uma
conduta estética comum centrada nas influências neoclássicas, na segunda
metade do século XIX, período que a evolução das artes plásticas no Brasil
caracteriza-se pelo aparecimento de artistas nacionais definitivamente
formados pelo ensino acadêmico instaurado em 1816. Nessa fase, acontecem
as Exposições Gerais e a sequência de Prêmios de Viagem à Europa,
conferidos aos estudantes de arte que mais se destacavam. Pedro Américo foi
desenhista correto, retratista objetivo e intérprete de temas clássicos e
históricos.
Squeff (2004, p.172) explica que os pintores do Império cultuam o
trono e a Pátria de acordo com os cânones do Academismo, ou seja, são fiéis
ao sistema monárquico vigente no Brasil e concordam com o sistema de ensino
e seu conteúdo dispensado pela Academia de Belas Artes.
A Arte clássica, modelo de arte que aparece na Antiguidade, veio
nortear a arte acadêmica brasileira em seus primórdios. Institui-se como Arte
oficial no período do Império e desenvolve-se principalmente na cidade sede do
governo, na capital, no Rio de Janeiro, contribui para moldar as diretrizes da
produção artística nacional na arquitetura e na pintura nos séculos XIX e início
do XX.
As obras acima citadas são analisadas nos respectivos capítulos,
porém, todas possuem uma característica em comum: evidenciam a arquitetura
clássica como símbolo de um momento solene de reverência, de uma
sofisticação moderada, sem exageros de ostentação, de lealdade, glória, poder
e conquista.
Como afirma Baudrillard (1995, p.11) no seu livro intitulado “Para
uma crítica da economia política do signo” sobre consumo ostentatório, a arte
clássica avança os séculos significando poder, prestígio e garantindo alto
status social ao possuidor dessa arte, seja na arquitetura ou na pintura.
Nas obras mencionadas nessa pesquisa, a arquitetura clássica
assume o papel de um personagem que interage com os seres humanos. No
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Império Romano, marca o poder da civilização romana; nos séculos XV e XVI,
no Renascimento Italiano, expressa o humanismo e o poder da burguesia
italiana, e no século XIX, no Neoclassicismo, exprime idolatria, conquista,
patriotismo e poder estabelecido.
A produção pictórica efetuada nos períodos citados neste trabalho
possibilita a divulgação, expansão, popularização da arquitetura clássica que
se transforma em símbolo de poder e riqueza, e ainda, de unidade, harmonia,
proporção, racionalidade e equilíbrio e, portanto, eterniza um modelo de
beleza. Esta promoção da pintura auxilia na construção do imaginário das
pessoas como algo a ser perpetuado, seguido e reproduzido.
Como modelo a ser mantido, o que provavelmente justifique o gosto
pelo clássico que pode ser visto, na arquitetura contemporânea não autoral.
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CAPÍTULO I
GRÉCIA E ROMA – A ARTE CLÁSSICA
A obra de arte, que possui a um só tempo uma significação ideológica e que se adapta a necessidades práticas possui um valor de informação notável. Ela é por definição sincrética, mais que pluralista; pois sua riqueza não resulta de uma acumulação de intenções ou de qualidades. É uma coisa feita, uma coisa viva, realmente participante das leis de criação. Como o ato, ela engendra cadeias de consequências que escapam à vontade refletidas e à ação do criador. (FRANCASTEL, 1973, p. 40).
Francastel (1973, p.40) afirma que o homem, como ser
essencialmente criativo e comunicativo e, desde seu aparecimento no planeta,
tem criado instrumentos para se adaptar ao meio ambiente. A Arte, como um
dos instrumentos, além de ser atividade fundamentalmente humana, possibilita
ao homem transformar o mundo natural em mundo humano, é a atividade que
permite o homem aplicar suas fantasias, crenças, concepções, aspirações e
sonhos.
É na obra de arte, essencialmente produto da imaginação e
habilidade do artista, o lugar em que o homem comunica seu pensamento para
a sociedade, que dá forma aos objetos e as ideias, ou seja, o artista dá
configuração aos mitos encontrados nas diversas civilizações.
A obra de arte, seja pictórica, escultórica ou arquitetônica, é
revestida pelo caráter simbólico e representativo, essa significação intelectual
transcende fronteiras geográficas e o tempo, é transmitida às futuras gerações
e a outras sociedades diversas.
O artista elabora os objetos artísticos que são utilizados na vida
habitual dos homens, podendo significar um empréstimo da sua ação àqueles
que querem influenciar o espírito de seus semelhantes, objetivando edificá-los,
doutriná-los ou comandá-los.
O homem como ser comunicativo, tem usado a Arte e sua produção
artística como canal de comunicação para divulgar e transmitir suas convicções
políticas, religiosas e culturais, transformando-a num instrumento modelador do
comportamento e atitudes do ser humano em sociedade. A obra de arte se
constitui num universo de imagens materiais no âmbito da pintura, escultura ou
arquitetura.
21
A história da arte consiste na leitura e interpretação de obras em
suas diversas manifestações realizadas por várias civilizações retratando seu
pensamento filosófico, político e social usando diversos materiais disponíveis,
submetido a um apuramento técnico e estético.
A influência da antiguidade clássica avulta, imensa, na tradição ocidental. Pelo menos até a época romântica, a arte europeia seguiu o seu caminho tortuoso com olho enviesado para trás, para o passado clássico da Grécia e de Roma. Novos movimentos de gosto e de estilo encontraram o seu ímpeto num entusiasmo novo pelos antigos. Mas se bem a admiração pela arte da antiguidade clássica permanecesse uma característica recorrente dos períodos mais vigorosos e originais da arte europeia, o clássico significou coisas muito diferentes em diferentes ocasiões, de acordo com os acidentes do conhecimento e da descoberta, a consciente ou inconsciente seletividade dos artistas e, principalmente, através das diferentes interpretações dadas a ele, dos olhos diferentes com que era visto. (OSBORNE, 1978, pg. 15).
A inspiração pela Antiguidade Clássica adquire significados
diferentes conforme o contexto histórico e filosófico. Tal fato é exemplificado
pelo Renascimento italiano, séculos XV e XVI, período em que a Antiguidade
Clássica serve como recurso intelectual para retirar o continente europeu da
Idade Média e inseri-lo na Idade Moderna, possibilita retratar a realidade de
maneira objetiva e concreta e, no Neoclassicismo, início do XIX, destaca as
glórias do governo de Napoleão.
A civilização grega atribui uma significação intelectual a um universo
de imagens materiais com características próprias presentes na escultura,
pintura e arquitetura, a sua produção artística reflete seus valores culturais e
religiosos.
O período entre os séculos IV e VI A.C., corresponde à fase áurea
da arte grega que objetiva ressaltar a supremacia cultural definitiva da cidade-
estado Atenas no mundo grego, mais precisamente, entre os anos 450-400 a.
C., na segunda metade do século V a. C., onde as expressões artísticas
regionais se integraram na procura teórica e formal de arquitetos, escultores,
pintores e ceramistas áticos, chegando à plena adaptação artística das visões
universais dos gregos.
Summerson (2009, p.3) explica que a arquitetura clássica, nascida
na Antiguidade, pode ser encontrada, na Grécia, na construção de templos, e
22
em Roma, na arquitetura religiosa, militar e civil. Os elementos decorativos que
identificam um edifício da arquitetura clássica, encontrados nas construções
citadas anteriormente, consistem nas formas padronizadas de colunas,
aplicadas de maneira uniformizada, que constituem aberturas e frontões
triangulares seguidos de adornos padronizados para edifícios clássicos.
O autor completa que o elemento essencial que caracteriza a
arquitetura clássica é a presença da ordem arquitetônica, unidade formada pela
‘coluna-superestrutura’ composta por coluna que suporta uma superestrutura.
Na composição da colunata de um templo, a coluna, possui ou não um
pedestal, na parte superior, possui um elemento denominado de capitel que
apoia a estrutura do entablamento e a cornija que representa os beirais do
telhado. O formato e detalhes desse capitel distingue uma ordem arquitetônica
da outra.
O universo de imagens materiais que compõe a arte produzida pela
Grécia e aperfeiçoada pelos romanos, designada como Clássica, compreende
o estilo artístico e cultural na arquitetura de templos gregos construídos com as
ordens arquitetônicas dórica, jônica e coríntia que são descritas pelo arquiteto
romano Vitrúvio em seu livro denominado “Tratado de Arquitetura”, dedicado ao
imperador Augusto, no século I a.C.
Esse manual, escrito em 27 a.C., é um documento importante
porque é o único documento deste tipo que chega até a contemporaneidade e
relata de forma ordenada os avanços e conquistas da arquitetura greco-romana
e destaca as características próprias de cada ordem arquitetônica, sua origem
e aplicação no mundo antigo.
As imagens seguintes ilustram as três principais ordens
arquitetônicas (dórica, jônica e coríntia) e seus componentes.
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Imagem 01 – Elementos da Coluna da Ordem Dórica
(http://historiadaarte2009.blogspot.com.br/2009/08/arte-grega- arquitetura.html). Acesso em 27/10/2015. 9h35min
24
Imagem 02 – Elementos da Coluna da Ordem Jônica
(http://historiadaarte2009.blogspot.com.br/2009/08/arte-grega- arquitetura.html). Acesso em 27/10/2015. 9h35min
25
Imagem 03 – Elementos da Coluna da Ordem Coríntia
(http://historiadaarte2009.blogspot.com.br/2009/08/arte-grega- arquitetura.html). Acesso em 27/10/2015. 9h35min
26
Summerson (2009, p.4) argumenta que a arquitetura clássica tem
como objetivo primordial alcançar a harmonia inteligível entre as partes, esta
harmonia é parte integrante dos edifícios da Antiguidade, mais precisamente,
inseparável das cinco ordens arquitetônicas, descritas por Vitrúvio. É um
cânone obtido por meio da proporção, ou seja, ao se fazer com que as
proporções de todas as partes de um edifício sejam calculadas por funções
aritméticas e estejam relacionadas entre si.
O templo clássico, como um todo, da base à sua cobertura, da
fachada, composto por colunata, ornamentada com uma das ordens
arquitetônicas, o frontão, o entablamento, a cornija e o fundo, é norteado pelo
cânone da harmonia.
Guinsburg (1999, p.294) reforça esta ideia quando explana que o
ponto essencial da estética clássica é a convicção em princípios absolutos de
beleza subordinados a leis proporcionais. Esta afirmação da doutrina clássica
resulta na aplicação de cânones absolutos do belo e concebe que este é
inerente à natureza e resulta da vontade divina que cria uma grande harmonia
no macrocosmo e microcosmo. A arquitetura clássica, considerada a única
arquitetura verdadeira, não porque se ajusta à razão, mas porque se orienta no
valor incondicional das proporções que regem a harmonia do cosmos e por
meio delas se atinge a perfeição na obra arquitetônica.
Nos anos sucessivos às decisivas vitórias dos gregos sobre os exércitos persas (Salamina, 480 A.C., e Platéia, 479 a. C.), criam-se em Atenas condições para o amadurecimento de conquistas em âmbito literário, artístico e político que marcam profundamente o ordenamento do mundo grego e, em sentido mais amplo, do mundo ocidental. Sobretudo a fase inicial desse período, e em particular os trinta anos em que Péricles governa Atenas, deve ter-se afigurado aos contemporâneos como período caracterizado não apenas pela estabilidade econômica e política, mas também por realizações artísticas e arquitetônicas de esplendor inigualável. (MARQUES, 2008, p.27).
Primeiramente, o estadista e general ateniense Cimon, contribui
definitivamente para firmar o domínio de Atenas sobre os Estados marítimos
gregos e tornou-se o principal dirigente da Liga de Delos, que veio a reunir 150
cidades, cuja meta é dar prosseguimento à libertação das cidades gregas que
ainda estão sob domínio persa e enfrentar qualquer agressão.
27
O plano de reformas principiou em 449 A.C., ano da paz definitiva
com os persas que desencadeou numa série de realizações encabeçadas por
Címon que inicia a sistematização da ágora e outras realizações nos bairros
residenciais. Mais tarde, projeta a construção de um grande templo dedicado a
Atena Párteno (virgem) na acrópole para substituir o arcaico, restaurado da
melhor maneira possível após as Guerras Persas, porém, uma reconstrução
efetiva só foi possível na administração de Péricles.
Péricles, homem de visão política e cultural ampla, durante o período
de seu governo, torna-se o articulador do primeiro programa de reordenação
urbanística funcional da história ocidental e tem como objeto a cidade de
Atenas, a acrópole e o Partenon.
O primeiro passo é a reconstrução de vários templos, anteriormente,
feitos de madeira, são saqueados e incendiados pelos persas, posteriormente,
são reconstruídos em mármore.
Com esta reorganização urbanística, Péricles pretende traduzir
globalmente, através de uma linguagem arquitetônica e artística apropriada e
única, a identidade, os valores políticos, éticos, religiosos e culturais do livre
povo ateniense, destacando Atenas como centro cultural e artístico e potência
bélica e econômica perante o mundo de maneira sem precedentes.
Os ateliês artísticos de Atenas e os que para lá acorriam de outros centros da Grécia, convocados a colaborar no gigantesco projeto promovido por Péricles de reconstrução da cidade e de celebração de seu papel político e cultural, foram submetidos a um esforço criativo sem paralelo. Os edifícios públicos, civis e religiosos, de Atenas e da Ática foram reconstruídos e embelezados com complexos ciclos figurativos esculpidos, as imagens de culto, renovadas, assim como as bases e os altares; erigiram-se monumentos comemorativos e donários. O aspecto global da cidade foi renovado e, com ele, o repertório tradicional das imagens. (MARQUES, 2008, p.27).
Essa determinação parece ter se originado de uma consciência
comum por parte dos atenienses sobre a ideia de sociedade como equilíbrio
harmônico entre individualidade e coletividade e entre público e privado.
Essa época de grande felicidade criativa ultrapassará o espaço e os limites cronológicos da Atenas de Péricles, nutrindo-se das energias criativas de grandes mestres como Miron, Policleto, além de Fídias e de sua escola, e em seguida, no século seguinte,
28
Praxíteles, Escopas e Lisipo. A cultura moderna definirá aquela época e suas criações com o termo “clássico”, recuperando uma expressão que designa, no sistema fiscal romano, os níveis mais elevados de contribuintes. ....É necessário manter em mente esse caráter por assim dizer ‘validante’ da experiência clássica para compreender plenamente as motivações de suas recorrências, de sua reevocação e reprodução em sucessivos e diferentes momentos históricos. (MARQUES, 2008, p.28)
Péricles inicia uma era de desenvolvimento das artes, e em
particular, da pintura e arquitetura, representa o avanço dos gregos no campo
da construção em conexão com a pintura e arquitetura, preocupada com a
beleza abalizada na aplicação dos cânones gregos considerados fundamentais
em sua produção, como a proporção, simetria, equilíbrio e harmonia levando a
uma produção de alta qualidade.
A ideia de que o templo deve ser uma construção sólida e quase que
eterna é confirmada pelo historiador Janson (1996,p.56), que explica que os
templos gregos são regidos por uma lógica estrutural que os faz parecer
estáveis devido à organização harmoniosa de suas partes regidas pela própria
harmonia da natureza, edificando-os segundo unidades calculadas, tão
proporcionais que estariam todas em perfeita concordância.
O artista arquiteto trabalha sob as diretrizes do governante que
determina as obras arquitetônicas a serem construídas visando destacar o
poder e sua política ao povo, usando as imagens religiosas de maior valor
cultural para conduzir o povo aos seus objetivos políticos.
Sob as ordens de Péricles, o grande arquiteto-urbanista-artista,
Fídias, consegue realizar em Atenas o que é acertadamente determinado por
alguns historiadores da arte como “a experiência da perfeição”, iniciando o
momento da arte formalmente denominado “Clássico”, esse termo, segue na
história da civilização humana ligado à ideia de apogeu da perfeição artística
com o sentimento de vitória, glória, o auge da riqueza, conquista e poder quase
que eternos.
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Imagem 04
Vista aérea da Acrópole e do Partenon-Atenas (http://employees.oneonta.edu/farberas/arth/arth209/parthenon_gallery.html)
Acesso em 18/01/15 – 15h41min.
Imagem 05
Templo Partenon (https://www.linkedin.com/pulse/20140815180740-73035540-partenon-acr%C3%B3pole-de-
atenas-gr%C3%A9cia-antiga). Acesso em 06/05/15 – 22h09min.
30
O templo grego origina-se da vontade humana de dedicar um
terreno à propriedade de um deus, construindo um lugar de culto privado no
interior de um recinto sagrado “destacado” da propriedade circundante.
A Acrópole corresponde a um componente da cidade localizado nas
partes mais altas, sua posição tem importância simbólica como elevar e
enobrecer os valores humanos e também possui valor como ponto estratégico,
pois dali a cidade pode ser eficientemente defendida. Na acrópole grega está a
construção mais nobre, a construção do templo denominado Partenon que é
ricamente construído em mármore e ornado com esculturas de Fídias por
ordem de Péricles.
O Partenon é projetado e os trabalhos estão parcialmente em
andamento em 460 A.C. sob a direção de Calícrates, porém, é permanecido
inconcluso por uma longa interrupção causada pela conturbada instabilidade
política, então, Péricles, quando ascende ao poder, exige um novo projeto que
resulta no que conhecemos hoje, fruto da preciosa colaboração entre os
arquitetos Ictino e Calícrates sob a coordenação do grande gênio de todas as
intervenções na Acrópole de Atenas, Fídias.
Como realização mais perfeita do Período Clássico da arquitetura grega, o Partenon dá um passo além em direção á integridade harmoniosa. Embora sejam poucos anos mais novo que o Templo de Poseidon, o fato de ter sido construído em Atenas, então no apogeu de sua glória e poder, proporcionou-lhe o melhor em termos de projeto, material e mão-de-obra. Apesar de seu tamanho maior, parece menos compacto do que o templo mais antigo; pelo contrário, a impressão dominante é de um equilíbrio gracioso e aprazível. (JANSON, 1996, p.53).
Os construtores e arquitetos tem papel fundamental para atingir o
objetivo de engrandecer a cidade de Atenas como cidade militar e
economicamente poderosa. O templo Partenon constitui na maior realização da
arquitetura grega do período Clássico e simboliza um modelo de integridade
harmoniosa, para alcançar essa finalidade é criado um plano audacioso, em
termos de projeto, material e mão-de-obra.
Gombrich (1979, p.66) destaca que o Partenon, maior templo
construído no estilo dórico, dedicado a Atena, deusa da Sabedoria e protetora
de Atenas, erigido no decênio 448-438 a. C., possui seus edifícios secundários
em formas do estilo jônico. É o primeiro exemplar da audaciosa associação da
31
ordem dórica com a jônica num único edifício que dali em diante é pouco
frequente.
Na sua construção, os arquitetos Calícrates e Ictino aplicam
refinados cálculos matemáticos em cada um de seus componentes estruturais
e decorativos buscando evidenciar no conjunto a harmonia proporcional.
Símbolo da arquitetura grega, a estrutura e decoração do templo
expressam o espírito da civilização helênica e ultrapassa todos os outros
edifícios da Acrópole, é maior que o templo mais antigo, o templo de Poseidon,
transmite uma impressão dominante de unidade e equilíbrio.
O Partenon, projetado em escala maior para representar a orgulhosa
exibição da potência ateniense, é um templo construído como um clássico
períptero octástilo (perístase de oito por dezessete colunas) se desenvolve
sobre uma estilóbata de cerca de setenta por trinta e um metros. Possui
requintes moderados de linha e proporção, reais, mas não imediatamente
aparentes, somam-se à impressão geral de uma flexível vitalidade: os
elementos horizontais, como os degraus, não são retos e fazem uma ligeira
curva ascendente em direção à seção central; as colunas inclinam-se para
dentro, e o intervalo entre cada coluna de canto e a que vem a seguir é menor
que o intervalo padrão usado no restante da colunata.
Esses desvios intencionais da estrita regularidade geométrica não
são feitos por necessidade; dão-nos a certeza visual de que os pontos de maior
pressão estão firmemente apoiados e também proporcionam um contra-
reforço.
A monumentalização da acrópole foi rápida, porém, não o bastante
para que Péricles pudesse vê-la concluída, pois quando ele morre, só o
Partenon e os Propileus tinham sido terminados.
Com a aplicação de refinados projetos coordenados pelo gênio de
Fídias e supervisionados por Péricles e tendo a contribuição de um grupo de
notáveis personalidades artísticas, nasce a grande arte ática “clássica”, nela se
concretizou a tentativa de experimentar a perfeita unidade e a suprema beleza
do visível e do invisível: de apreender o equilíbrio constantemente dinâmico e
variável da realidade e apreciável através dos sentidos.
A síntese de genialidade projetiva e lúcida racionalidade ordenadora
e executiva obtém no Partenon seu momento mais alto, mas é o conjunto de
32
todas as relações espaciais e visuais entre os grandes templos e os demais
edifícios o que resulta a sensação de uma harmonia estudada ainda que
natural.
Como consequência histórica, o resultado artístico alcançado na
Acrópole e no Partenon, aclamado como síntese de genialidade projetiva e
racionalidade ordenadora, é transmitido nas atividades monumentais que se
multiplicam em Atenas e no restante da Ática como demonstram o templo de
Hefesto na ágora, o de Posídon no cabo Súnio, o de Nêmesis em Ramnunte e
as intervenções no santuário de Artemisa Braurônia, o sucesso dos artistas da
acrópole logo transpôs os limites regionais.
O universo de imagens materiais pertencentes à arte clássica grega
(arquitetura, pintura e escultura), que convém como modelo, atua como mídia
(canais, meios) por onde comunica os ideais de beleza, harmonia e proporção
expressando as tradições religiosas, os valores culturais e o poder político da
civilização grega em expansão, conforme diferentes olhares e aspectos para a
arte produzida no continente europeu.
O ‘clássico’ ou a arte do mundo antigo greco-romano se apresenta em diferentes momentos da história, como ponto de referência para a elaboração arquitetônica. Os diferentes momentos de retomada da Antiguidade clássica como fonte de inspiração e questionamento são usualmente considerados períodos classistas. Esse constante diálogo com a antiguidade indica também o sentido de busca de uma origem onde a autoridade dos antigos funciona como pedra fundamental para a constituição do próprio percurso trilhado pela cultura ocidental. (GUINSBURG, 1999, p.293).
Na formação da Arte ocidental, mais exatamente na Arte europeia,
a representação das ordens arquitetônicas é encontrada na arte pictórica,
como nos afrescos das mansões da cidade romana de Pompéia, Itália, ainda
na Antiguidade.
Mais tarde, nos séculos XV e XVI, na produção pictórica, em
afrescos e pinturas a têmpera e a óleo do Renascimento Italiano, nesse
período, a inspiração pela arte greco-romana da Antiguidade Clássica expressa
o humanismo e no início do século XIX, no Neoclassicismo francês, para
expressar idolatria, conquista e patriotismo.
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Civilização Romana - A Helenização de Roma
A fundação de um império por Alexandre foi um evento sumamente importante para a arte grega, que de ser a preocupação de um punhado de pequenas cidades se converteu desse modo na linguagem pictórica de quase metade do mundo. Referimo-nos, sobretudo, a essa arte do período subsequente não como arte grega, mas como arte helenística, por ser esse o nome usualmente dado aos impérios fundados pelos sucessores de Alexandre em solo oriental. As opulentas capitais desses impérios, Alexandria no Egito, Antioquia na Síria e Pérgamo na Ásia Menor, fizeram aos artistas exigências diferentes daquelas que estavam acostumados na Grécia. (GOMBRICH, 1979, p.72)
O período helenístico começa em 323 A.C. com a morte de
Alexandre, o Grande, que chega a unificar a Grécia, derrota o tradicional
inimigo, a Pérsia, apodera-se de seu império e estende o seu próprio à Índia e
Egito. O objetivo de Alexandre de construir um império universal é
comprometido por sua morte.
No período helenístico, a civilização grega desenvolve-se em escala
diferente. Quando o Império é dividido, dando origem a diversas monarquias
asiáticas, e fazendo com que o mundo grego se voltasse para o lado do
Oriente. A fundação de cidades como Pérgamo na Anatólia, Alexandria no
Egito e Antioquia na Síria, realiza a união entre helenismo e orientalismo,
caráter que marca a civilização helenística.
O período helenístico termina em 146 a.C., ano da conquista da
Grécia pelos romanos. Roma, cidade capital do império romano, é a primeira
civilização a absorver os conceitos gregos, construindo um imenso patrimônio
artístico que simboliza o poder desta civilização conquistadora apresenta uma
arquitetura de caráter político, civil e religioso que serve para expressar o poder
da civilização romana.
O gênio romano, tão facilmente identificável em qualquer outra esfera de atividade humana, torna-se estranhamente enganoso quando perguntamos se existiu um estilo romano nas artes. Por que isso acontece? A razão mais óbvia é a grande admiração que os romanos tinham pela arte grega de todos os tipos e períodos. Não só importavam milhares de originais de épocas anteriores e deles faziam um número ainda maior de cópias, como também as suas próprias criações eram claramente baseadas em fontes gregas, sendo que muito de seus artistas eram de origem grega. Mas além da temática diferente, o fato é que, como um todo, a arte criada sob o patrocínio romano parece nitidamente diferente
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da arte grega e apresenta qualidades positivas não gregas que expressam diferentes intenções. (JANSON, 1996, p. 70).
Dessa forma, as imagens materiais construídas de acordo com os
cânones clássicos usados na Grécia, principalmente na produção arquitetônica,
com a presença das ordens arquitetônicas, incorporadas pelos romanos que as
adaptam às suas convenções artísticas, sociais, religiosas e políticas,
objetivam o mesmo que os gregos: engrandecer a metrópole, destacar a vitória
contra as ameaças de povos invasores, mas também, exaltar a força e a
supremacia dessas duas sociedades, cada uma em sua época.
É interessante destacar que tanto o apogeu da Grécia quanto de
Roma resulta da vitória contra a ameaça de povos inimigos; os gregos, a vitória
sobre os persas, e os romanos, na luta pelo poder, Otávio derrota Marco
Antonio e Cleópatra, no ano 31 a. C., episódio que permite a ele dar
continuidade à tradição política do desenvolvimento arquitetônico de Roma.
Desses fatos conclui-se que a produção arquitetônica grega e romana procede
com mesmo objetivo, demonstrar o triunfo contra essas ameaças, a força e a
supremacia dessas duas sociedades cada uma em seu tempo.
A arquitetura reflete uma forma especificamente romana de vida
pública e privada que será confirmada no período augustano. Engrandecer
Roma por meio da arquitetura para mantê-la como o centro administrativo do
vasto império romano, com o intuito de aumentar o poder político já era uma
manobra praticada por governantes anteriores a Otávio.
Em 27 a. C. Otávio recebe o título de Augusto depois de entregar a
“Res Publica” para o arbítrio do senado e do povo romano. No poder, Augusto
tinha o objetivo de relacionar seu nome aos tempos de glória dos deuses e
heróis, divulgando a ideia de sua descendência ligada a Marte e Vênus e ás
origens de Roma. Com esta intenção, Augusto restaura e constrói várias obras
públicas destacando a construção de templos.
Diante do cenário político da “Pax Romana”, que pode ser chamada
de “Augustana”, período de grande desenvolvimento construtivo a que Roma e
as províncias assistem, aparece Vitrúvio, arquiteto e engenheiro militar romano
que vive no século I a. C., participa das campanhas de Júlio César e que,
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quando reformado, presenteia o imperador Otávio Augusto com uma obra
sobre arquitetura, contendo dez volumes intitulados “De Arquitetura”.
Por outro lado, essas coisas deverão ser realizadas de modo que tenham presentes os princípios da solidez, da funcionalidade e da beleza. O princípio da solidez estará presente quando for feita a escavação dos fundamentos até o chão firme e se escolherem diligentemente e sem avareza as necessárias quantidades de materiais. O da funcionalidade, por sua vez, será conseguido se for bem realizada e sem qualquer impedimento a adequação do uso dos solos, assim como uma repartição apropriada e adaptada ao tipo de exposição solar de cada um dos gêneros. Finalmente, o princípio da beleza será atingido quando o aspecto da obra for agradável e elegante e as medidas das partes corresponderem a uma equilibrada lógica de comensurabilidade. (VITRÚVIO, 2007, p.82)
O texto é descritivo e histórico, expõe princípios das técnicas
clássicas dos romanos e, por conseguinte, dos gregos, institui conexões entre
o fazer e seus preceitos morais, conforme com a cultura dominante do período
augustano.
Este texto é o único tratado europeu do período greco-romano que
chegou até nossos dias e se tornou um texto norteador para outros escritos
sobre construções de ordem hidráulica, hidrológica e arquitetônica desde a
época do Renascimento.
Para a história das Artes e das culturas ocidentais, o texto vitruviano
transformou-se em canal direto com o mundo antigo, um elo com a antiguidade
clássica, um referencial absoluto para o trabalho de arquitetos e pintores.
Summerson (2009, p.6) conclui que a descrição mais completa e
antiga das ordens arquitetônicas é feita por Vitrúvio em seu tratado, detalhando
as ordens arquitetônicas: dórica, jônica, coríntia e toscana.
Vitrúvio quando escreve seu livro de Arquitetura sobre a produção
artística encontrada na arquitetura, pintura e escultura greco-romana, acaba
por colaborar na formação das diretrizes, ou melhor, dos cânones da Arte
Clássica que seriam quase imortais para a cultura ocidental.
Os cânones da Arte Clássica envolvem a proporção, modulação,
simetria, equilíbrio e harmonia, critérios que constituem as três qualidades
essenciais de uma construção arquitetônica definida por Vitrúvio como solidez,
utilidade e beleza.
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O texto de Vitrúvio inspira o pensamento renascentista italiano nos
séculos XV e XVI e mais tarde, os preceitos da Academia de Paris no
Neoclassicismo francês nos séculos XVIII e XIX.
A Pintura Romana de Pompéia
Muito pouco foi preservado, seja da pintura grega ou romana, e esse pouco se deve, em grande parte, à erupção do monte Vesúvio em 79 D.C., que soterrou edifícios construídos num espaço de tempo relativamente pequeno, deixando à nossa imaginação especular sobre o tipo de pintura que existia antes e depois da catástrofe. O que resta é capaz de surpreender o observador como sendo o aspecto mais excitante, bem como desconcertante, da arte do domínio romano. Não há dúvida que famosos projetos gregos foram copiados, e até mesmo pintores foram trazidos da Grécia, mas o número de casos em que pode seguramente estabelecer uma relação direta com a velha arte é bastante reduzido. As pinturas em telas transportáveis, como as que imaginamos atualmente ao referirmo-nos à pintura, não eram frequentes nos tempos romanos, e se por acaso eram, desapareceram todas, a exemplo das imagens em cera dos ancestrais. Pelo contrário, as pinturas faziam parte das decorações em afresco (sobre superfícies mais permanentes de gesso endurecido) dos interiores, como da Casa dos Vetti. Os painéis são dispostos num conjunto elaborado de pinturas imitando painéis de mármore e fantásticas cenas arquitetônicas, vistas através de janelas aparentes. A ilusão criada pelas texturas da superfície e cenas distantes têm um grau extraordinário de realidade tridimensional, mas tão logo tentamos analisar a relação das várias partes entre si, ficamos confusos e rapidamente percebemos que os pintores romanos não tinham uma compreensão sistemática da profundidade espacial. (JANSON, 1996, p.77)
Os romanos são conhecidos na história como conquistadores,
organizadores, administradores, empreendedores e construtores e criam um
vasto império que recebe várias influências culturais dos povos conquistados.
O resultado do sincretismo artístico obtido pelos romanos está na
influência dos etruscos e gregos na elaboração da arte romana caracterizada
pela harmonia, equilíbrio, unidade e solidez presentes na arquitetura e na
produção pictórica que expressam elegância e imponência.
A arte clássica greco-romana, descoberta no sítio arqueológico de
Pompéia, Itália, corresponde como único testemunho da pintura mural da
Antiguidade que chega até a época atual.
Quando os primeiros habitantes de Pompéia decidiram construir seu povoado na foz do rio Sarno durante a Era do Bronze, não lhes passou
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pela cabeça que a escarpa onde estavam havia sido criada, muito tempo antes, por um intenso derramamento de lava da montanha aparentemente inofensiva que assomava diante deles. O Vesúvio e as terras a seu redor foram uma das regiões agricultáveis mais importantes da península italiana durante séculos antes de 54 d.C.: extremamente fértil e verdejante, a própria encosta da montanha era cultivada com videiras e oliveiras. (LAURENCE, BUTTERWORTH, 2007, p.29)
Na Antiguidade, localizada sobre uma colina de frente para o mar e
vizinha do vulcão Vesúvio, Pompéia torna-se uma próspera e luxuosa cidade
portuária, um nobre refúgio de verão às margens do Golfo de Nápoles. É
considerada uma cidade de repouso para os ricos romanos, os quais buscam
na região de Campânia, a desejada tranquilidade não encontrada em Roma.
Na era de Augusto, sob a influência grega, então dominante, a escultura foi a principal arte; daí em diante, porém, a pintura passa a ocupar cada vez mais o primeiro plano, acabando por suplantar quase que completamente a escultura. No século III, a cópia de obras de arte gregas tinha cessado, e nos dois séculos seguintes é a pintura que domina o campo da decoração de interiores. A pintura é a arte tardia romana, tomando o lugar que pertencia à escultura na idade clássica; é a arte popular dos romanos, falando a todos na linguagem de todos. Até então, nunca houvera tamanha produção em massa de pintura, nunca a pintura tinha sido empregada com objetivos tão triviais e tão efêmeros como agora em Roma. (HAUSER, 2003, p. 109).
Ao afirmar que a pintura suplanta a escultura, Hauser elucida a
importância desta representação artística que esta técnica assume, tornando-
se elemento de destaque na decoração de interiores para expressar as
inspirações artísticas da civilização romana em grande escala.
Em Roma, a pintura exercia as funções de: noticiário, editorial, anúncio, cartaz, crônica, caricatura política, documentário e teatro filmado. A estima dos romanos pela pintura desvenda, além do prazer pelo anedótico e do interesse na documentação e nos testemunhos oculares, um certo desejo insaciável, primitivo e ingênuo por vistas e ilustrações. A demanda que essas pinturas pretendiam satisfazer era primária, rudimentar e essencialmente não-artística. O gosto por querer experimentar tudo pessoalmente, ver tudo com os próprios olhos, como se fosse possível assistir a tudo, é um tanto ingênuo; é uma percepção primitiva que rejeita como de "segunda mão" tudo o que seja descrito na forma transposta, a qual, para uma época mais requintada, constitui, na própria essência da arte. (HAUSER, 2003, p. 110).
A pintura passa então a ser importante elemento de comunicação
independente da realidade da informação que transmite. Na capital do Império,
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além de servir de canal de comunicação, a pintura funciona como arquivo de
documentação e, também, uma forma de registrar em ilustrações variados
acontecimentos da sociedade romana.
C.W. Ceram (1960, p.20) afirma que a descoberta do sítio
arqueológico de Pompéia acontece no século XVIII, em 1748, sob a
responsabilidade do espanhol militar Cavaliere Rocco Giocchino de Alcubierre,
comandante supremo, oficial dos Engenheiros Militares do Reino de Nápoles,
nação que, no referido século, se encontrava em domínio espanhol. No dia
primeiro de abril de 1748 começa as escavações, em seis de abril é achada a
primeira pintura mural. No dia dezenove é encontrado o primeiro cadáver.
Contudo, uma escavação séria só será feita a partir de 1754, quando é
descoberto do lado sul de Pompéia, os restos de túmulos e de muros antigos.
A partir desta data até a atualidade, com poucas interrupções prosseguem as
escavações.
Alcubierre realiza longas pesquisas arqueológicas na região e, com
as escavações que abrangem o período de 1738 a 1780, revela a civilização da
cidade romana destruída pela erupção do vulcão Vesúvio no ano de 79 d.C. na
Antiguidade.
Sobre a história da cidade, Luca e Magagnini relatam que Pompéia
se converte em colônia no século I a.C., época em que a classe dirigente em
ascensão, decora suas residências seguindo como modelo as domus dos
aristocratas romanos, incluindo pinturas murais com a imitação de elementos
arquitetônicos dominantes como as colunatas, pódios e telhados.
Toynbee (1972, p.109) completa que a fama de Pompéia resulta dos
imóveis particulares, desde as estruturas, decoração e aos móveis. As pinturas
murais, realizadas na técnica do afresco, se encontram nas paredes internas
das propriedades pompeanas, mansões, edifícios públicos e palácios dos
imperadores.
A técnica do afresco equivale à técnica de pintura mural realizada
sobre reboco úmido colocando as tintas diluídas em água que, ao secar, ficam
fortemente aderidas à superfície tratada. O suporte, que pode ser parede, muro
ou teto, é revestido em três camadas sucessivas de cal e tijolo triturado, de cal
e areia e de cal e pó de mármore, entre as quais é esboçado o desenho
preparatório, em seguida é feita a aplicação das tintas sobre a superfície
39
preparada ainda úmida. Esta técnica difere de todas as outras formas de arte
pictórica por estar profundamente vinculada à arquitetura podendo explorar o
caráter plano de uma parede ou criar o efeito de uma nova área de espaço,
esta técnica chamada trompe l’oeil, o nome foi dado séculos depois, mas já
conhecida na Antiguidade, é uma prática artística que retrata a imagem com
intencional grau de detalhes realísticos alcançados com o uso da perspectiva e
do claro-escuro objetivando criar uma ilusão óptica que mostra objetos ou
formas em três dimensões, altera a percepção de quem as vê quanto ao
verdadeiro tamanho do espaço físico, é usada principalmente em trabalhos de
pintura ou arquitetura de grandes dimensões, explica Marcondes (1998, p.282)
em Dicionário de Termos Artísticos.
Os afrescos pompeanos, executados por mestres gregos imigrados
ou por romanos, refletem a alma da civilização romana em seu apogeu. Muitos
destes afrescos retratam a arquitetura greco-romana caracterizando um estilo
de construção com a presença de colunas, frontões, capitéis e arcos, definindo
um modelo de unidade, harmonia, proporção e equilíbrio e procuram no típico
mural “trompe-l'oeil”, mostrar como uma janela, porta ou corredor, com a
finalidade de visualmente aumentar o aposento.
Toynbee (1972, p.8) esclarece que é possível discernir Quatro
Estilos Pompeanos de pinturas murais, desde o século II a.C. até o último
quartel do século I d.C. Em comum, aplicam a representação de elementos
característicos da arquitetura greco-romana.
O Primeiro estilo, o mais simples e antigo é conhecido como Estilo
da Incrustação ou Estilo de Alvenaria. Imita, com a utilização da pintura,
revestimentos de mármores coloridos, passa a impressão que toda a parede
parecesse revestida de mármores estrangeiros, material utilizado na decoração
dos palácios. A parede, dividida horizontalmente em três partes: com alto
rodapé, na parte imediata ao solo; na região média, que corresponde ao campo
da pintura; e, uma terceira de acabamento, ao modo dos entablamentos.
O Segundo Estilo, denominado de arquitetônico, procura exprimir
expressão tridimensional, ou seja, expressa profundidade por meio da pintura
para dar a ilusão de blocos salientes, de janelas abertas com paisagens,
pessoas, animais, aves e jardins ao longe. As paredes são pintadas para
ampliar os limites do ambiente. Distinguem-se pela compartimentação do
40
campo a ser decorado com aplicação das ordens arquitetônicas como moldura,
a arquitetura colunaria que enquadra a parede, tem os espaços vazios
preenchidos com pinturas de cenas que, são cópias de obras dos habilidosos
pintores gregos, ou cenas teatrais gregas.
Terceiro Estilo, também conhecido como Estilo Ornamental, domina
todos os recursos de profundidade nas paredes que expressam sua solidez. As
colunas, as arquitraves e outros elementos arquitetônicos são reduzidos a
simples elementos decorativos.
O Quarto Estilo, denominado de cenográfico, resulta da junção dos
dois estilos anteriores e exalta o caráter teatral na decoração, a mitologia é
usada como tema para compor cenas figurativas organizadas segundo as
estruturas arquitetônicas em perspectiva. Na decoração aparecem espirais,
rosáceas e ornamentos metálicos e também cores vivas e contrastantes.
A seguir, exemplos de afrescos pompeanos com aplicação da
arquitetura greco-romana.
Vila dos Mistérios – Pompéia
Luca e Magagnini (2010, p.18) assinalam que a Vila dos Mistérios
corresponde ao Segundo Estilo pompeano e que os textos de Vitruvio são a
melhor fonte para compreender a origem e significado dos desenhos
decorativos.
Na sua obra sobre arquitetura, no quinto livro, capítulo seis, relata
que o teatro, nos três gêneros de cenas, trágico, cômico e satírico, as
decorações são diferentes. As cenas trágicas são decoradas com colunas,
frontões estátuas. As cômicas representam edifícios privados e balcões e as
satíricas são decoradas com árvores e outros elementos campestres seguindo
estilo paisagístico.
Tendo como base a obra de Vitrúvio, as investigações realizadas
para entender a origem das perspectivas arquitetônicas murais aplicadas nas
pinturas de cenários provêm das decorações ambientais usadas nas
representações teatrais que, por sua vez, imitam a arquitetura dos grandes
edifícios helenísticos que revelam o luxo e riqueza almejados pelos clientes
41
pompeanos que querem imitar as preferências dos lugares aristocráticos
romanos.
As representações de elementos arquitetônicos nas paredes
objetivam criar perspectivas cujos detalhes possibilitem evocar luxuosos
edifícios localizados em áreas amplas. Para expandir mais estes espaços
reduzidos, o decorador aplica fortes contrastes de cores, como o azul celeste
para abrir a parte superior da parede.
Nos outros compartimentos, sejam eles de primavera, de outono ou de verão, e também nos átrios e nos peristilos, foram constituídas pelos antigos normas concretas de pintura a partir de determinadas realidades. Com efeito, a pintura apresenta-nos a imagem daquilo que é ou pode ser, tais como homens, edifícios, naves, bem como todas as coisas restantes de cujos corpos harmoniosos e distintos se retiram exemplos de figurada semelhança. Por isso, os antigos que instituíram os princípios de acabamentos imitaram primeiro as variedades e as aplicações das placas de mármore e, depois, das várias possibilidades de distribuição dos cornijas, molduras e bandas reparadoras. Posteriormente, dedicaram-se a imitar também as figuras dos edifícios, as saliências proeminentes das colunas e dos frontões; em lugares ao ar livre, como êxedras, devido ao tamanho das paredes, desenharam frontes de cenas segundo os gêneros trágico, cômico ou satírico. Nos passeios portificados, por causa dos espaços em profundidade, representaram variedades de paisagens, mostrando figurões com características de determinados locais: deste modo se pintam portos, litorais, rios, fontes, canais, templos, bosques, montes, rebanhos, pastores, assim como, em alguns lugares, grandes quadros. (VITRÚVIO, 2007,p.358)
No sétimo livro, explica que no século I a.C., começam a reproduzir
edifícios com colunas e frontões em perspectiva para emoldurar as pinturas
murais que representam cenas de inspiração trágica, satírica e cômica.
A Vila dos Mistérios, primeiramente, uma construção modesta
erguida no século II a.C., é transformada em uma vila luxuosa no século I a.C.
Moradia rural com edificações que formam o centro de uma
propriedade agrícola situa-se a pequena distância da área urbana de Pompéia,
além da porta de Herculano.
O Salão dos Mistérios está localizado no grande ambiente de planta
retangular, com suas paredes decoradas por afrescos, tendo como função
original receber visitas, mais tarde, é transformado em espaço destinado a
usos particulares e domésticos dos proprietários da vila.
42
A Vila dos Mistérios deve seu nome ao afresco em que são
representados os principais momentos de um rito de iniciação nos mistérios
dionisíacos.
Para Janson (1996, p.79), os Mistérios Dionisíacos, fazem parte de
um culto semi-secreto de origem muito antiga que foi trazido da Grécia para a
Itália e muitas das poses e gestos são extraídos do repertório da arte grega
clássica.
O autor acrescenta ainda que a Vila dos Mistérios possui uma
grandiosidade de projeto e coerência de estilo que são únicos na pintura
romana. O artista representa as passagens do ritual dando vida às formas,
demonstrando ser, o artista, herdeiro dos mestres da pintura grega.
O conjunto pictórico é composto por 29 figuras em tamanho natural,
com desenho pormenorizado e a modelação de frisos estatuários de
personagens humanas, divinas e mitológicas, demonstram o trabalho de um
pintor altamente especializado.
O artista que cria o friso da Vila dos Mistérios coloca suas figuras
numa estreita faixa verde contrastando com uma disposição regular de painéis
vermelhos, separados por listras negras como se fosse um palco com figuras
em série, que representam seu estranho e faustoso ritual.
As imagens subsequentes ilustram a retratação de elementos da
arquitetura clássica como expressão de suntuosidade e luxo, delineiam colunas
com fustes de caneluras, capitéis dóricos, jônicos e coríntios, arquitrave e
entablamentos. Todas evidenciam a habilidade dos artistas para representar a
construção do espaço e planos sobrepostos.
Nas imagens que seguem é possível evidenciar os elementos
arquitetônicos da cultura greco-romana.
43
Imagem 06 Vila dos Mistérios
(Fonte: “El Arte de Pompeya” – Blume, 2010)
Este afresco do início do século 1 a.C., representa em primeiro plano
quatro colunas que apresentam fustes com caneluras verticais e capitel
coríntio, com suas folhagens, detalhe marcante desta ordem arquitetônica
sobre estes, estão a cornija e arquitrave pintadas em amarelo, alternadas por
um friso estreito em vermelho, formando o entablamento, sobre elas foram
representados três arcos plenos apoiados nestas quatro colunas.
Estes arcos possuem a mesma distância entre si, dividindo o espaço
de maneira proporcional e simétrica, estabelecendo harmonia no conjunto. Este
estilo de Pompéia possui a característica de “abrir” a parede devido à ilusão
das alas arquitetônicas.
44
Imagem 07 Vila dos Mistérios - Porta dourada
(Fonte: “El Arte de Pompeya” – Blume, 2010).
Esta imagem apresenta porta decorada com ornamentos gregos e
está emoldurada por colunas e pilastras. O vermelho identifica o estilo
pompeano.
45
Imagem 08 Vila dos Mistérios: afresco com colunas, arcos e sobreposição de
planos. (Fonte: “Itália Antiga” – Edições Folio, 2006).
46
Imagem 09 Vila dos Mistérios. Detalhe do afresco.
(Fonte: “El Arte de Pompeya” – Blume, 2010).
Colunas com capitéis coríntios e arquitraves são evidenciadas. No
fundo, colunas coríntias sustentam teto circular.
Casa dos Vettii - Pompéia
Luca e Magagnini (2010, p.18) afirmam que a Casa dos Vetti
corresponde a uma “domus”, propriedade urbana ampla e luxuosa, com
afrescos pertencentes ao quarto estilo pompeano, compostos por
representações que imitam os elementos arquitetônicos combinados com
grande variedade de figuras.
Toynbee (1972, p.109) acrescenta que a pintura mural do quarto
estilo é a mais frequente encontrada em Pompéia porque, após o terremoto de
62 d.C., muitas casas danificadas são redecoradas neste estilo. Os afrescos da
Casa dos Vettii são da segunda metade do século 1.
47
Imagem 10 Casa dos Vettii
(Fonte: “El Arte de Pompeya”, Blume, 2010. Casa dos Vetti).
48
Imagem 11 Detalhe de afresco da Casa dos Vettii.
(Fonte: “El Arte de Pompeya” – Blume, 2010).
Construída em torno de duas áreas centrais a céu aberto, é uma das
casas mais famosas de Pompéia, representa um documento essencial para o
estudo da pintura clássica romana e é considerada uma das mais importantes
construções da cidade, recebe este nome em tributo a seus proprietários, dois
libertos bem-sucedidos.
A escavação cuidadosa da casa preserva quase todos os afrescos
de suas paredes que são terminados depois do terremoto de 62 d.C., assim,
como está em bom estado de conservação, serve de exemplo para estudar
uma habitação da classe alta e observar como as pessoas afirmam o seu
prestígio através da construção de edifícios luxuosos, é possível observar que
a riqueza da decoração era diretamente proporcional à capacidade econômica
dos proprietários.
49
As pinturas murais representam o IV Estilo, para criar jogos de
perspectiva foram feitos com um cromatismo muito variado, além disso, os
temas arquitetônicos são alternados com cenas mitológicas.
Observando o afresco da Casa dos Vettii, o primeiro plano é
composto por uma parede externa que forma uma janela, pintada em amarelo,
em posição frontal, na sua parte inferior estão pintadas faixas gregas em linhas
esbranquiçadas. Do lado direito da janela há um módulo retangular pintado em
amarelo. A janela centralizada expressa a sensação de profundidade como se
“abrisse” para um espaço (segundo plano).
O segundo plano apresenta características de uma construção
arquitetônica clássica greco-romana contendo colunas jônicas sustentando um
friso trabalhado.
Esta construção arquitetônica sugere um terceiro plano em
profundidade que é formado por uma construção arquitetônica sugerindo um
cômodo aberto. Este cômodo é formado por duas paredes perpendiculares
entre si, na parede na lateral direita, pintada em rosa, que é possível visualizar,
possui uma janela formada por uma coluna com fuste contendo caneluras em
tom esbranquiçado e capitel jônico, ao fundo, a outra parede perpendicular,
pintada em verde, há uma porta aberta que sugere outro plano; na lateral
esquerda aberta deste cômodo é formada por duas colunas de capitel jônico
contendo fuste com caneluras verticais em tom esbranquiçado. A parte superior
deste cômodo, do lado interno apresenta um forro trabalhado. Do lado externo
exibe um entablamento com arquitrave, friso e cornija trabalhados e pintados
em tonalidade rosa.
A pintura romana, feita com a técnica do afresco, encontrada no sítio
arqueológico da cidade de Pompéia, na Itália, serve como modelo para os
artistas do estilo neoclássico no século XIX. Estas casas de Pompéia que eram
pertencentes as famílias de maior poder aquisitivo do período utilizam nas suas
representações pictóricas elementos da arquitetura clássica, o que enfatiza a
ideia de que esta arquitetura é referencial para situações de poder
estabelecido.
Terminada a Antiguidade, o universo de imagens materiais da Arte
Clássica no âmbito da arquitetura, pintura e escultura, criada e disseminada por
gregos e romanos, articulada sob os cânones da harmonia, proporção,
50
modulação, equilíbrio e unidade para expressar a beleza perfeita, transforma-
se para outras civilizações subsequentes da história humana em símbolo de
requinte, glória e poder que consagra uma sociedade dominante que sobrepuja
outros povos menos desenvolvidos.
51
CAPÍTULO II O RENASCIMENTO ITALIANO
Criada pelos humanistas italianos e retomada por Vasari, a noção de uma ressurreição das letras e das artes graças ao reencontro com a Antiguidade foi, seguramente, fecunda como fecundos são todos os manifestos lançados em todos os séculos por novas gerações conquistadoras. Essa noção significa juventude, dinamismo, vontade de renovação. O termo ‘Renascimento’, mesmo na acepção estrita dos humanistas, que o aplicavam, essencialmente, à literatura e às artes plásticas, parece-nos atualmente insuficiente. Com que haveríamos de substituir a palavra ‘Renascimento’? Com que outro vocábulo designaríamos essa grande evolução que levou nossos antepassados a mais ciência, mais conhecimentos, maior domínio do mundo natural, maior amor pela beleza? Na falta de melhor, conservei, portanto, ao longo de todo este trabalho, a palavra consagrada pelo uso. No âmbito de uma História total, significa (e não pode significar outra coisa) a promoção do Ocidente numa época em que a civilização da Europa ultrapassou, de modo decisivo, as civilizações que lhe eram paralelas. (DELUMEAU, 1994 p.19)
A história da civilização humana em geral é assinalada por
modificações ideológicas que alteram a direção de sua evolução. O
Renascimento é um desses momentos que induzem o homem a refletir sobre
sua maneira de viver, delineando um novo rumo e adquirindo novas posturas.
O homem europeu do Renascimento, em especial os florentinos, ao
efetuar o regresso à Antiguidade para rever as fontes da beleza e do saber
mobilizam esses conhecimentos como meio de progredir e desvinculá-lo da
Idade Média e constroem obras que representam um marco como
desenvolvimento da civilização humana, lançando o Ocidente europeu para a
Idade Moderna.
O termo Renascimento se refere ao retorno ideal às formas da Antiguidade clássica enquanto verdadeira fonte da beleza e do saber. O período histórico que se acreditou merecedor de tal nome cultivava a leitura dos clássicos gregos e latinos em busca de uma linguagem que fosse universal, recuperando os modelos e as regras da arte antiga. (BIYNGTON, 2009, p.7)
O Renascimento Italiano corresponde ao período da história da
civilização europeia que resulta de condições históricas que envolvem
mudanças sociais, culturais, políticas e econômicas, consiste no movimento
artístico e intelectual que nasce do humanismo, ressuscitando uma cultura e
valores que têm estado sepultados por séculos, corresponde ao período da
52
história europeia que abrange os séculos XV a XVI onde ocorrem profundas
modificações na religião, nas ideias e no comportamento que refletem na
produção artística de grandes mestres da pintura, escultura e arquitetura
renascentista por meio de uma releitura da arte clássica greco-romana.
Lucien Febvre, no livro Michelet e a Renascença (1994, p.46)
reivindica para Michelet a paternidade da noção de Renascença para definir
um período da história humana ocidental. Este autor não cria a palavra, mas a
noção histórica, o conhecimento de uma fase, a compreender e a definir, da
história humana do Ocidente. Como precursor, ele cria a noção antes mesmo
que seus contemporâneos estejam prontos para compreender o sentido
profundo deste período histórico. Defende estes conceitos no livro
Renascença, publicado em 1855, cinco anos antes de Jacob Burckhardt
escrever A Cultura do Renascimento na Itália.
No começo do século XV, a Itália não era uma unidade social, nem cultural, embora o conceito de Itália existisse, e alguns homens educados de outras regiões entendessem a língua toscana. Era simplesmente uma expressão geográfica. Mas a geografia influencia a sociedade e a cultura. Sua geografia encorajava os italianos a dedicar ao comércio e à indústria mais atenção que seus vizinhos. Localização central da Itália na Europa e o fácil acesso ao mar permitiram que seus comerciantes se transformassem em intermediários entre Oriente e Ocidente, uma vez que seu terreno, um quinto montanhoso e três quintos acidentado, desestimulava a agricultura. Não é de surpreender, portanto, que cidades italianas – Gênova, Veneza e Florença – tenham desempenhado papel de liderança na revolução comercial do século XIII, ou que em 1300 cerca de 23 cidades do norte e centro da Itália tivessem populações de 20 mil ou mais habitantes cada. As cidades-repúblicas eram a forma dominante de organização política no século XII e começo do século XIII. Uma população urbana relativamente numerosa e um alto grau de autonomia urbana permitiam que o homem leigo educado assumisse uma excepcional importância. (BURKE, 2010, p.9)
Durante os séculos XV e XVI, o Renascimento Italiano se manifesta
no período que corresponde à transição do Feudalismo para o Mercantilismo,
possui caráter eminentemente urbano e desenvolve-se nas cidades italianas,
situadas geograficamente de forma favorável ao comércio de especiarias com
as rotas comerciais do Oriente, organizadas em cidades-estados ou repúblicas
independentes, se estabelecem como prósperos centros urbanos mercantis.
Essas cidades, para obterem valor comercial e prestígio social, recorrem à
produção artística de caráter individual protagonizada por artistas talentosos
53
que criam obras de arte de grande valor no âmbito da arquitetura, pintura e
escultura.
O Renascimento não se teria configurado na elevada e universal necessidade histórica que foi se se pudesse abstrair tão facilmente dessa Antiguidade. Nesse ponto temos de insistir, como proposição central deste livro: não foi a Antiguidade sozinha, mas sua estreita ligação com o espírito italiano, presente a seu lado, que sujeitou o mundo ocidental. Nas artes plásticas, no entanto, e em várias outras esferas, sua dimensão é notável, fazendo com que a aliança entre duas longínquas épocas culturais de um mesmo povo se revele una, porque autônoma em suas partes, e, por isso, legítima e fecunda. (BURCKHARDT, 2009, p.177)
O Renascimento surge não de um polo, mas da combinação de
sociedades e culturas que se disseminam sobre a abundante geografia física e
humana que compõe o Mediterrâneo, região responsável pelo florescimento de
civilizações da história ocidental, sendo que as artes plásticas refletem o modo
claro a correspondência de ideais estéticos dos dois momentos.
As mudanças de ordem econômica, social e cultural permitem a
formação do Estado moderno, que, por sua vez, com suas características,
beneficia os objetivos comerciais da burguesia, essa classe social promove o
mecenato para conceber e criar uma arte que representa as ideias inspiradas
nos valores humanistas que coadunam com os interesses comerciais e
empreendedores dos ricos comerciantes e são registradas na produção
pictórica e arquitetônica de artistas dos séculos XV e XVI.
Nunca uma civilização dera tão grande lugar à pintura e à música, nem erguera ao céu, tão altas cúpulas, nem elevara ao nível da alta literatura tantas línguas nacionais encerradas em tão exíguo espaço. Nunca no passado da humanidade tinham surgido tantas invenções em tão pouco tempo. Pois o Renascimento foi, especialmente, progresso técnico; deu ao homem do ocidente maior domínio sobre um mundo mais bem conhecido. Ensinou-lhe a atravessar oceanos, fabricar ferro fundido, a servir-se das armas de fogo, a contar as horas com um motor, a imprimir, a utilizar dia a dia a letra de câmbio e o seguro marítimo. (DELUMEAU, p. 23, 1994)
O homem renascentista se desvincula do sistema feudal e da igreja
medieval que passa a ser concebida como retrógrada e ultrapassada para
construir uma concepção mais dinâmica de si e da sociedade e compõe uma
54
visão mais ampla e realista do mundo ao seu redor por meio do pensamento
humanista e concebe uma consciência global de si mesmo, no espaço, no
tempo e no universo, conquista o mundo visível fundamentado na razão, na
matemática e no conhecimento científico, essas noções constituem os pilares
da produção artística do Renascimento Italiano. Chamado também de
Renascimento Cultural, revela transformações no pensamento do homem
europeu nas concepções filosóficas, na arte, na religião e na ciência e permite
reavaliar sua atitude de viver em sociedade, o conjunto dessas modificações
leva a estabelecer um novo paradigma que altera a evolução da civilização
europeia.
No âmbito das invenções técnicas, o período renascentista produz
uma grande variedade que desencadeia o progresso material na sociedade
ocidental que amplia o conhecimento sobre a geografia do globo terrestre e o
torna bem mais conhecido.
A civilização mediterrânea, que, desde a queda do Império Romano, era a civilização ocidental, havia muito que aperfeiçoava as suas capacidades manuais. Uma história da técnica, por breve que seja, trará uma prova suplementar, mas decisiva, da poderosa vitalidade da Europa na ocasião em que começou a distanciar-se dos outros continentes. O século XV foi mais inventivo que o século XVI, época particularmente perturbada. O avanço decisivo situa-se, em especial, entre o meio do século XV, assinalado pelo aparecimento da imprensa, e 1530, data em que Cellini criou o primeiro balance para cunhar moeda, mais ou menos copiado das prensas de impressão. O momento culminante do progresso parece situar-se entre 1450 e 1470, pois é nestes vinte anos que podemos assistir ao aparecimento não só da imprensa como ainda da mola espiral, da primeira fortificação moderna e do rodete de alhetas. Deste modo, a partir do Renascimento a técnica não só atraiu as atenções dos poderes públicos como passou a fazer parte integrante da cultura. (DELUMEAU, 1994, p.151)
As inovações tecnológicas resultam de uma nova postura diante da
natureza por parte de alguns europeus que constitui a prática da observação
meticulosa e ordenada da mesma, essa acuidade, exercida pelo observador
por meio de pesquisas e estudos, compõe uma postura chamada de científica.
Mas o grande feito da Renascença não foi a imitação estrita dos edifícios romanos (isso coube aos arquitetos dos séculos XVIII e XIX), e sim o restabelecimento da gramática da Antiguidade como disciplina universal, a disciplina herdada do passado remoto da humanidade e aplicável a todos os empreendimentos dignos de nota. (SUMMERSON, 2009, p.23)
55
O universo de imagens materiais da arte do Renascimento italiano
compreende a aplicação e o desdobramento da Arte Clássica greco-romana na
arquitetura, escultura e pintura. O retorno ao passado resulta do contato do
meio artístico italiano com a produção artística dos povos antigos pagãos,
possibilita a reflexão em viver num mundo concebido por outras ideias e
filosofias e proporcionam uma visão mais dinâmica do ser humano em
sociedade e no mundo.
A cidade de Roma, repleta de ruínas das construções arquitetônicas
no estilo clássico greco-romano, feitas na época do Império Romano, norteiam
o trabalho e criação de arquitetos e pintores renascentistas.
A produção artística do Renascimento italiano é financiada pela por
ricos comerciantes italianos, que estabelece uma reorganização urbanística
nas cidades-estados.
Transformações Culturais - Humanismo
Janson (1996, p.168) observa que o início da visão renovadora da
história começa no século XIV, por volta dos anos de 1330, e que, o
Renascimento resulta do pensamento de um homem, o poeta italiano Petrarca
que sintetiza dois elementos relevantes do Renascimento: o individualismo e o
humanismo.
O historiador ressalta que Petrarca e seus sucessores humanistas,
não são neopagãos, sabem que o mundo greco-romano está decididamente
acabado e que só é possível reviver no nível intelectual as conquistas e a glória
das realizações antigas na arte e nas ideias. Os homens do Renascimento
italiano não querem reproduzir com exatidão as obras da Antiguidade, mas
objetivam igualar-se a elas e, se puder superá-las.
Os pensadores humanistas buscam harmonizar a filosofia clássica
com o cristianismo, na pintura e na arquitetura de construção de igrejas, que
são concebidas como templos pagãos. Os arquitetos aplicam o repertório de
conhecimentos técnicos baseados no estudo das estruturas clássicas.
Letts (1982, p.7) reitera as ideias de Janson e afirma que, de forma
processual, ocorre a descoberta dos manuscritos antigos por todo continente
56
europeu feita por literatos do fim do século XIII e do XIV, período que
corresponde ao final da Idade Média. Quando descobertos, os manuscritos de
textos antigos são armazenados nas bibliotecas dos mosteiros, os religiosos
copiam e guardam livros de Cícero, Virgílio e Aristóteles. Estes revelam uma
valorização da natureza, do corpo humano e do merecimento pessoal
induzindo a um novo respeito pelo homem e pela natureza, que compreendem
como criação de Deus.
O autor ressalta que o poeta Petrarca, ao rever os conhecimentos
antigos, redescobre a importância dos estudos liberais, ou como Cícero
denomina, studia humanitatis que consiste nos estudos essenciais a um
homem livre nas épocas grega e romana, como a gramática, a retórica (arte de
fazer discursos), a história, a poesia e a filosofia moral que possibilitam a uma
pessoa falar, ler e escrever como indivíduo culto.
Sevcenko (1994, p.15) acrescenta que os humanistas, como
cristãos, admiram a perfeição e expressão da cultura desenvolvida dentro do
paganismo e almejam redefinir a palavra do Evangelho dentro dos moldes da
experiência e dos valores da Antiguidade Clássica. A inspiração na Antiguidade
clássica leva os pensadores e artistas a estudar e crer na estética dos antigos
gregos e romanos como modelo ideal. O Humanismo, ao valorizar o estudo da
cultura da Antiguidade Clássica, promove o desenvolvimento do conhecimento
científico e enfatiza o racionalismo, a crença na razão humana como alicerce
desse conhecimento, obtido através da observação e experimentação, na
busca do entendimento das leis que regem o mundo. A invenção da imprensa
propicia o acesso dos leitores às concepções dos autores humanistas. Assinala
que o Renascimento altera a vida do homem europeu para se adaptar às
mudanças econômicas, políticas e sociais causadas pelo mercantilismo. A
classe emergente da burguesia transforma as relações comerciais para
aumentar o lucro e expandir seus negócios.
O autor afirma que o movimento humanista busca abolir a tradição
intelectual medieval e procura construir novas raízes para compor uma nova
cultura efetuando uma reforma educacional por meio da atualização,
dinamização e revitalização dos estudos tradicionais a partir da exclusão
completa dos manuais de textos medievais e aplicação do programa dos studia
humanitatis (estudos humanos) que compreendem poesia, filosofia, história,
57
matemática e a eloquência. Os estudos humanísticos possibilitam a
aprendizagem e domínio das línguas clássicas, o latim e o grego. Conclui,
dizendo que o Renascimento não divide o passado de acordo com o plano
divino da salvação, mas privilegia as ações humanas. É o primeiro período da
história a ser consciente de sua própria existência e denomina um termo para
se designar.
A evolução da Pintura Renascentista
Na Itália, os séculos XV e XVI foram, certamente, um período de inovação nas artes, uma época de novos gêneros, novos estilos, novas técnicas. O período é cheio de “primeiros”. Foi a época da primeira pintura em óleo, da primeira gravura em madeira, da primeira gravura em metal e do primeiro livro impresso (embora essas inovações cheguem à Itália vindas da Alemanha e dos Países Baixos). As regras da perspectiva linear são descobertas e postas em uso por artistas[...] Na pintura também, o retrato emerge como gênero independente, seguido, um tanto mais lentamente, pela paisagem e pela natureza-morta. Na arquitetura, o desenvolvimento, ou mesmo, talvez, a intenção do planejamento urbano consciente ocorreu no século XV. (BURKE, 2010,p.9 e 25)
A conquista da representação da realidade e da arquitetura clássica
greco-romana resulta do processo criativo que principia no Trecento, século
XIV, reflete a transposição da arte medieval para a renascentista; continua no
Quattrocento, corresponde à fase áurea do período; e termina no Cinquecento,
denominado de Alto Renascimento.
Segundo o comentário do pintor Albrech Dürer, a expressão perspectiva significa “ver através”. Essa impressão inédita de olhar-se para uma parede pintada e parecer que se vê para além dela, como se ali tivesse sido aberta uma janela para outro espaço, o espaço pictórico, era o principal efeito buscado pelos novos artistas. A pintura tradicional, gótica ou bizantina, praticamente se restringia ao plano bidimensional das paredes, produzindo no máximo um efeito decorativo. O novo estilo artístico multiplicava o espaço dos interiores e, com a preocupação de dar às pessoas, aos objetos e paisagens retratados a aparência mais natural possível, parecia multiplicar a própria vida. Uma arte desse tipo impressionava muito mais os sentidos que a imaginação, convidava muito mais ao desfrute visual do que à meditação interior. Era uma arte que remetia o homem ao próprio homem e o induzia a uma identificação maior com seu meio urbano e natural, ao contrário dos estilos medievais que predispunham as pessoas a penetrarem nos universos imateriais das hostes celestiais. A arte renascentista, portanto, mantinha uma consonância muito maior
58
com o modo de vida implantado no Ocidente europeu como incremento das relações mercantis e o desenvolvimento das cidades. (SEVCENKO, 1994, p.32)
Enquanto, na Idade Média, a pintura no plano bidimensional é
confeccionada para favorecer a revelação e aceitação, sem questionamento do
humilde povo cristão, do dogma da fé católica de que tudo no universo nasce
da vontade de Deus e prepara as pessoas para idealizar e adentrar nos
conceitos imateriais e celestiais. No Renascimento, acontece o contrário, a
pintura renascentista aplica a perspectiva como recurso que possibilita trazer o
homem para o meio humano real e concreto que vive em determinado tempo,
em determinada sociedade, esta, inserida no espaço urbano, regida por
normas, e estes fatores fazem parte de um contexto maior, um mundo natural,
representando a dinâmica racional do mundo mercantilista articulado pela
burguesia.
A percepção da tela pintada, através dos sentidos, com aplicação da
perspectiva linear, que amplia o espaço pictórico, sugere diversos espaços
interiores com a retratação de pessoas, objetos e paisagens, permite ao
observador “integrar-se” e “incluir-se” neste espaço, porque o ponto de fuga
desta perspectiva está na altura dos olhos deste observador, levando a
centralizá-lo no mundo natural e real, possibilitando sentir-se vivo e participador
do mundo real e material.
Os artistas do Renascimento projetam na arte renascentista as duas
características fundamentais, razão e realidade, buscando construir uma arte,
como a pintura, que retrate o mundo e o espaço circundante o mais próximo do
real e natural, para atingir essa meta, o artista do Renascimento aprofunda seu
conhecimento técnico na representação da realidade com a técnica da
perspectiva. Os artistas buscam a representação do espaço natural
acrescentando, a paisagem. A introdução da paisagem na pintura é
incorporada tanto na produção pictórica renascentista como em toda pintura
europeia até o princípio do século XX. A Arte Renascentista é um instrumento
de comunicação importante retratando histórias que valorizam a sociedade
para a qual é produzida.
Gombrich (1979, p.167) afirma que os habitantes da península itálica
conheciam o fato de que, muitos séculos atrás, Roma era a sede da capital de
59
um poderoso império, centro do mundo antigo, desmantelado por tribos
germânicas, godos e vândalos. Acreditar na concepção de um renascimento
associa-se na mente dos romanos com a convicção de uma ressurreição da
grandeza de Roma coincide com o período de realizações lideradas pelas
aspirações humanistas no século XV. É o momento dos grandes feitos do
Renascimento Italiano.
Delumeau (1994, p.219) relata que o cenário histórico que envolve a
cidade de Florença e que domina a vida econômica do Ocidente nos séculos
XIV e XV, com suas três gerações de grandes companhias mercantis,
testemunha a prosperidade da cidade. Depois de passar por retrocessos
políticos, readquire a posição hegemônica na política, economia e na cultura
europeia. Entre os anos de 1434 a 1492 é dominada pelos homens da família
Médici, como Cosme, Pedro e Lourenço, o Magnífico, ambos protetores de
artistas.
Florença monopoliza a região da Toscana, as cidades de Pisa e
Livorno, sendo essas duas cidades usadas para o comércio marítimo. A rica
burguesia florentina usufrui dos grandes lucros no comércio com Veneza para
garantir sua hegemonia na região e ostenta um luxo para as demais cidades
construindo obras como a catedral de Santa Maria del Fiori, produto do
arquiteto Filippo Brunelleschi. A maestria dos artistas florentinos é conhecida e
admirada por outras cidades, esse fato permite a Florença exportar artistas e
criadores talentosos como Leonardo da Vinci.
A alta qualidade artística e o excelente nível de profissionalismo dos
artistas renascentistas estão registrados no extenso conjunto de obras que
chegam até nossos dias.
Janson (1996, p.164) relata dois eventos históricos que afastam os
papas de Roma: o exílio papal, em Avignon, França, que acontece entre 1309
a 1376, e, o Grande Cisma Papal, entre 1378 e 1417, quando o Papa regressa
a Roma. Diante deste panorama histórico, ressurge Roma, esquecida por tanto
tempo, agora, como nova sede do papado, com as ações deflagradas pelos
papas empreendedores, restituituem a Roma o posto de cidade de destaque no
plano político e cultural, tornando-se no final do século XV, um importante
centro protetor das artes.
60
No Quattrocento e no Cinquecento, ocorre uma releitura da Arte
Clássica e seu universo de imagens materiais, arte produzida na arquitetura e
pintura pela civilização greco-romana, com ênfase no modelo do edifício
clássico, o arquétipo da unidade-coluna-viga.
Os pintores renascentistas desenvolvem uma extensa e perfeita
habilidade para retratar os componentes da arquitetura clássica, aplicando
como recurso o desenho em perspectiva linear, essa solução permite o registro
correto da realidade objetiva e detalha os componentes arquitetônicos.
Sevcenko completa que a criação da perspectiva matemática,
também chamada de perspectiva exata, em que todos os pontos do espaço
retratado correspondem a uma norma única de projeção.
Para a história das Artes e das culturas ocidentais, o texto vitruviano
constitui em canal direto com o mundo antigo, um elo com a antiguidade
clássica, um referencial absoluto para o trabalho de arquitetos e pintores.
Vitrúvio, ao escrever seu Tratado de Arquitetura, sobre a produção
artística trabalhada na arquitetura, pintura e escultura greco-romana, acaba por
determinar as diretrizes, ou melhor, os cânones da Arte Clássica que seriam
imortais para a cultura ocidental.
A Arquitetura que, pela pena dos humanistas, nasce naquele período apresenta-se como um retour à l’odre que invoca a retomada formal da “verdadeira arquitetura”, aquela que se encontrava ainda presente nas ruínas romanas, esparramadas pelas cidades da península itálica. Mas, as ruínas da Roma imperial só serviam, pelo menos até o século XV, como simples jazidas de onde extrais pedras para as novas construções. O que mudou foi uma forma de pensar e de ver essa realidade. Parte desta mudança de perspectiva se deveu a um ato fortuito: a descoberta, em 1416, no mosteiro de Sankt Gallen, de uma cópia do De Architectura libri decem (27 a.C), um tratado romano sobre arquitetura escrito pelo arquiteto Marcus Vitruvius Pollio. Aquelas ruínas passaram a ter uma significação enorme, estudadas sob a ótica deste tratado. Não só quando coincidiram com as descrições do romano, mas também quando não. (VÁZQUEZ RAMOS, 2011, p.535)
O tratado se revela como único documento europeu do período
greco-romano que chega até nossos dias e passa a ser um texto norteador
para outros escritos sobre construções de ordem hidráulica, hidrológica e
arquitetônica desde a época do Renascimento, como afirma Summerson
(2009, p. 9).
61
O texto vitruviano inspira o pensamento renascentista italiano no
século XVI e mais tarde, os preceitos da Academia de Paris no Neoclassicismo
francês nos séculos XVIII e XIX.
Giorgio Vasari (2011, p.11), que vive entre 1511 e 1574, pintor,
arquiteto e teórico, escreve uma obra sobre os artistas renascentistas,
resultando na principal fonte de informação acerca da arte renascentista
italiana. A obra intitulada “Vidas dos Artistas” comenta sobre pintores,
escultores e arquitetos, surge em 1550 e tem uma 2ª edição, em 1568, explica
a renúncia ao antinaturalismo pelos artistas renascentistas, preconizado pela
tradição bizantina. Na percepção de Vasari, a história da arte italiana obtém
progresso, sendo seu auge no século XV e serve como base para pesquisas
posteriores.
O uso da perspectiva como meio para obter a realidade
A aplicação da técnica da perspectiva na produção pictórica permite
ao pintor renascentista retratar o espaço pictórico com profundidade, pessoas,
objetos, natureza, a arquitetura clássica, inclusive as ordens arquitetônicas e
seus componentes, com mais realidade e riqueza de detalhes, que veremos
nas obras a seguir: “Santíssima Trindade com a Virgem e S. João sob a Cruz”,
de Masaccio; A Aparição da Virgem a S. Bernardo, de Perugino e “Escola de
Atenas” de Rafael.
Sevcenko (1994, p. 32) relata que o pintor Albrech Dürer define
perspectiva como “ver através” e que consiste na impressão de olhar para uma
parede pintada e perceber que se vê para além dela, como se abrisse uma
janela para outro espaço. O espaço pictórico constitui o mais importante
resultado a ser obtido pelos artistas renascentistas. Contudo, falta à técnica da
perspectiva intuitiva introduzida por Duccio, Giotto e por mestres franco-
flamengos, um acabamento rigoroso, pois nem todas as dimensões do espaço
retratado são tratadas pela mesma orientação de profundidade.
A nova concepção diverge da pintura do estilo gótico ou bizantina
que privilegia o uso do plano bidimensional das paredes resultando apenas em
efeito decorativo que predispõe as pessoas a se verem no universo imaterial.
62
Graças ao empenho de outros pesquisadores renascentistas no
estudo da perspectiva como Brunelleschi e Alberti, este novo recurso técnico
permite a capacidade de impressionar mais os sentidos do que a imaginação,
privilegia o exercício da percepção visual, multiplica o espaço dos interiores e,
com a preocupação de pintar pessoas, objetos e paisagens, consente a
retratação com a aparência mais natural possível, como se possibilitasse
multiplicar a própria vida, leva o homem a observar e identificar o próprio
homem no seu meio urbano e natural, o mundo terreno e concreto, dessa
forma, a arte renascentista obtém uma concordância maior com o modo de
vida implantado no Ocidente europeu, com o incremento das relações
mercantis e o desenvolvimento das cidades.
O mérito da criação da perspectiva matemática, ou perspectiva
exata, em que todos os pontos do espaço retratado obedecem a uma norma
única de projeção é em grande parte de Filippo Brunelleschi, arquiteto
florentino, por volta de 1420.
Sevcenko (1994, p.33) descreve que Brunelleschi, fundamentado no
teorema de Euclides, estabelece uma relação matemática proporcional entre o
objeto e sua representação pictórica, institui a técnica do “olho fixo”, que
observa o espaço como que através de um instrumento óptico e define as
proporções dos objetos e do espaço entre eles em relação a esse único foco
visual. Assim o plano do quadro é interpretado como sendo uma ‘intersecção
da pirâmide visual’ cujo vértice consiste no olho do pintor e a base na cena
retratada, estabelecendo-se desse modo uma construção geométrica rigorosa,
cujos, elementos e relações são matematicamente determinados. Esse método
tem imediata aceitação dos pintores por sua qualidade de lhes proporcionar
total controle do espaço representado, que foi denominado ‘construção
legítima’.
A técnica da perspectiva é aperfeiçoada pelo arquiteto Leon Batista
Alberti quando publica seu Tratado da Pintura em 1443 que consiste na
simplificação do trabalho do pintor propondo a elaboração da perspectiva de
acordo com dois esquemas básicos: planta e elevação, que são combinados
para produzir o efeito de profundidade pretendido. O método se difunde
rapidamente e se torna em uma das propriedades fundamentais da arte
renascentista e de todo Ocidente europeu até o início do nosso século.
63
O resultado pictórico da utilização da perspectiva central, ou
perspectiva linear, é que todo espaço pictórico fica subordinado a uma única
diretriz visual, representada pelo ponto de fuga, ou melhor, quanto maior a
distância com que os objetos e elementos são percebidos pelo olhar do pintor,
tanto menores eles parecem no quadro, de maneira que todas as linhas
paralelas da composição tendem a convergir para o único ponto no fundo do
quadro, que representa o próprio infinito visual, alcançando a completa
racionalização do espaço e das figuras pintadas permitindo um resultado
pictórico uniforme e homogêneo onde nada escapa ao controle geométrico
matemático do artista.
A imagem pictórica é definida em razão dos dois referenciais
principais: o olhar fixo do pintor fora do quadro e o ponto de fuga no seu fundo.
Filippo Brunelleschi
A importância de Brunelleschi para a história da arte e de Florença
fica evidente quando conhecemos o ambiente histórico em que o arquiteto está
inserido no século XV. Esta conjuntura é composta por uma sucessão de
transformações urbanas e econômicas que envolve a cidade, Ross King (2013,
p. 14) descreve que no início daquele século, Florença mantém uma aparência
rural, por trás dos muros possui trigais, pomares, vinhedos e rebanhos de
carneiros que são levados pelas ruas até o mercado, próximo ao Batistério de
San Giovanni. A maior parte da riqueza é formada pela produção e
comercialização de lã, iniciada pelos monges Umiliati, logo que chegam à
cidade, em 1239. Fardos de lã inglesa, de qualidade superior, são levados dos
mosteiros de Cotswolds para serem lavados no rio Arno, penteados, cardados,
tecidos em teares de madeira e depois, tingidos, resultando nos tecidos mais
caros e procurados da Europa.
No decorrer do século XIV, com a riqueza econômica, Florença
vivencia uma escalada de construções inéditas, dentro dos muros citadinos
explora-se pedreiras de arenito de coloração marrom-dourada; a areia do rio
Arno, após a enchente, é dragada e filtrada para ser aplicada na produção de
argamassa para a edificação de diversos prédios como igrejas, mosteiros e
palácios particulares construídos por toda parte, e também, na instalação de
64
novo anel de muralhas defensivas, com oito quilômetros de circunferência e
seis metros de altura, para proteger a cidade de invasores, que só são
concluídas em 1340. Além dessas edificações, também é construído um novo
palácio do governo, Palazzo Vecchio, composto por torre sineira de mais de
cem metros.
A catedral Santa Maria del Fiore, localizada na parte central da
cidade, está em construção desde 1296, tendo como responsável por sua
construção a Ópera del Duomo, fato que atrai para Florença muitos
trabalhadores e artesãos, como carroceiros, pedreiros, metalúrgicos,
cozinheiros, e até, vendedores de vinhos, para servirem os trabalhadores na
hora do almoço.
A praça que circunda a catedral, durante o dia, fica tomada pela
massa trabalhadora que inclui ainda, carregadores levando sacos de areia e
cal até os andaimes de madeira ou nas plataformas de vime edificadas acima
dos telhados dos prédios vizinhos.
King (2013, p.16) revela que, desde o início, a edificação da catedral
está conectada com o orgulho cívico quanto à fé religiosa; o governo florentino
pretende que a igreja tenha a maior grandeza, pronta a obra, deve ser
considerada o templo mais importante de toda Toscana.
Nos derradeiros cinquenta anos, a ala sul da catedral, que
permanece incompleta, contém uma maquete em escala da estrutura, medindo
15 metros de comprimento, compondo uma visão artística da catedral quando
pronta. No entanto, na maquete está o maior enigma a ser solucionado: a
construção da grande cúpula, sua edificação representa o maior impasse da
arquitetura da época, tanto para os próprios florentinos como para toda a Itália,
é neste episódio que aparece o arquiteto Brunelleschi na história da cidade.
Vasari (2011, p.225) cita que Filippo Brunelleschi, escultor e
arquiteto, nasce em Florença em 1377, filho de Brunellesco di Lippi, notário, e
Giuliana di Giovanni degli Spini, mas não segue a profissão paterna, já na
infância, seu pai ensina-lhe os princípios das letras, mas observa que o filho
procura coisas que exigem engenho e arte manuais, passa a ensinar o manejo
do ábaco e, mais tarde, manda-o aprender a arte da ourivesaria e o desenho
com um amigo seu, Benincasa Lotti. Em 1398 inscreve-se na Corporação da
Seda e na dos Ourives em 2 de julho de 1404. Sua genialidade é reconhecida
65
mais tarde, representada por imensa clareza racional que causa perplexidade
em seus contemporâneos de mentalidade medieval.
Em 1401, descreve Vasari (2011, p. 230), é aberto o concurso para
refazer as duas portas de bronze da igreja e do batistério de San Giovanni, tal
intento é comunicado a todos os escultores que vivem na região da Toscana
que são convidados e recebem, cada concorrente, recursos e um ano de prazo
para a composição de uma cena, uma para cada escultor participante, entre
eles estão Lorenzo Ghiberti e Filippo Brunelleschi. As cenas são concluídas no
mesmo ano, todas belíssimas e diferentes entre si, contudo, algumas
apresentam bom desenho e são mal trabalhadas, outras, de excelente desenho
e diligente trabalho, mas sem boa distribuição da história e perspectiva das
figuras. Ghiberti tem sua cena julgada melhor por apresentar bom desenho,
diligência, invenção, arte e figuras muito bem elaboradas.
Após o resultado do concurso, por volta de 1402, Brunelleschi e
Donato partem para Roma e ficam alguns anos, segundo o autor, a viagem ou
viagens, são situáveis entre 1402 a 1406, onde Donato estuda escultura e
Brunelleschi, arquitetura.
Em Roma, Brunelleschi observa a grandeza dos edifícios e a
perfeição arquitetônica dos templos, tanto na cidade e no campo, mede tudo
que considera bom, como as cornijas e traça as plantas dos edifícios, sem
economia de tempo e dinheiro. Concentrado no estudo das ordens antigas da
arquitetura extinta e possui dois objetivos: trazer de volta a boa arquitetura e
encontrar a maneira para abobadar a cúpula de Santa Maria del Fiore de
Florença, para tanto, estuda todas as dificuldades existentes no Panteão
romano, para descobrir como construir de maneira perfeita uma abóboda.
Como autodidata realiza estudo contínuo, anota e desenha todas as
abóbodas antigas. Quando, por ventura, encontra pedaços enterrados de
capitéis, colunas, cornijas e alicerces, providencia para que sejam feitas
escavações até tocar o fundo. Sem dinheiro, arranja trabalho como engastador
de joias para ourives conhecidos, fica sozinho em Roma, pois Donato regressa
a Florença.
Brunelleschi observa e desenha todas as ruínas de todos os tipos de
construções romanas, templos redondos e quadrados, de oito faces, basílicas,
aquedutos, termas, arcos, coliseus, anfiteatros e todos os templos de tijolos,
66
dos quais extrai os métodos de assentamento e amarração, bem como o modo
de girá-los criando abóbodas, a forma de interligar pedras, sua fixação com
pinos e dentilhões; e, descobre um buraco no meio de todas as pedras grandes
esquadriadas, chega ao ferro denominado de ulivella (instrumento de ferro
constituído por três cunhas inseridas numa campânula, usado para erguer
grandes pedras sem cordas), técnica que ele renova e coloca em prática
depois. Separa todas as ordens: dórica, jônica e coríntia, seu estudo
aprofundado permite que ele consiga imaginar Roma como era antes de
arruinar-se.
Ross King (2013, p. 35) afirma que após o resultado do concurso
das portas Brunelleschi renuncia à escultura e nunca mais trabalha com
bronze, sai de Florença para viver em Roma, onde passa a morar de forma
intermitente pelos 15 anos seguintes. Neste período se dedica completamente
ao estudo das ruínas romanas com régua e compasso procura tirar as medidas
exatas das estruturas para conhecer as relações de proporção que norteiam a
arquitetura antiga, ao analisar as proporções das colunas e frontões, descobre
as medidas específicas das três ordens arquitetônicas criadas pelos gregos e
depois imitadas e refinadas pelos romanos. As ordens arquitetônicas são
regidas por razões matemáticas exatas, uma série de regras de proporção que
regulam o resultado estético, como por exemplo, a altura de um entablamento
coríntio é igual a um quarto da altura das colunas que o sustentam, enquanto a
altura das colunas é dez vezes seu diâmetro.
Constata que o Coliseu usa as três ordens: dóricas no nível inferior,
jônicas no segundo e coríntias no alto e que, durante o governo de Nero,
depois do incêndio em 64 d.C., os romanos passam a empregar em suas
construções um novo invento, o concreto, o qual tem como segredo sua
robusteza presente na composição da argamassa que contém cinza vulcânica
espalhada pelos vulcões ativos, como o Vesúvio.
Denominado de concreto pozzolana, consiste na mistura da cinza
vulcânica com a argamassa de cal, obtendo um cimento robusto e de cura
rápida, ao qual é adicionado pedras esmigalhadas. O concreto pozzolana se
combina quimicamente com a água solidificando rapidamente, mesmo debaixo
de água. Brunelleschi descobre que este concreto é empregado na construção
da Casa Dourada de Nero e que possui como característica arquitetônica mais
67
interessante a construção de um salão octogonal na ala leste, encimado por
uma cúpula de diâmetro medindo 10,67 metros. Esta forma octogonal chama a
atenção de Brunelleschi por saber que a cúpula projetada para Santa Maria del
Fiore, embora maior, também é composta de oito lados.
O desenho em perspectiva é semelhante à mensuração de objetos
porque determinam as posições relativas de objetos tridimensionais a fim de
representa-los em papel ou tela. A prática da mensuração e levantamento
topográfico já é desenvolvida e aplicada na época de Brunelleschi, sua
contribuição maior é o aproveitamento de seus princípios e técnicas na arte
pictórica.
A teoria das proporções norteia a racionalização do desenho
arquitetônico, para alcançar essa meta, Brunelleschi adota o vocabulário
padronizado e regular dos antigos, apoiado no círculo e no quadrado. Como
resultado da pesquisa por um método acurado para registrar um projeto
arquitetônico no papel descobre a perspectiva científica, que pode ser
visualizada nas obras a seguir apresentadas.
Conforme afirma Janson (1996, p.196), Brunelleschi abandona o
estilo gótico que envolve arcos quebrados, colunas em vez de pilastras e
abóbodas de berço e cúpulas de preferência às abóbodas de arestas. Devido à
desvantagem da arquitetura medieval ser inflexível, o arquiteto prefere o
retorno consciente ao vocabulário arquitetônico dos gregos e romanos, elege
os elementos da arquitetura greco-romana e aplica-os nas construções à
decoração antiga, a coluna clássica apresenta-se rigorosamente definida, sua
forma varia dentro de restritos limites de proporção, pois os antigos
comparavam a coluna ao corpo humano.
Escolhe o arco plena volta, que só tem uma forma possível, a do
semicírculo; a arquitrave e seus componentes, como o frontão e a cornija,
seguem rigorosamente as regras exatas das ordens da arquitetura antiga
composta por colunas dóricas, jônicas ou coríntias.
Para o arquiteto, é primordial construir uma obra de grande
consagração de sua autoria que fique registrado na história da cidade.
De acordo com Ross King (2013, p.52), assim que chega a Florença,
Bruneleschi se envolve no projeto da cúpula. Os dirigentes procuram suas
68
opiniões desde seu retorno de Roma. Em maio de 1417 a Opera del Duomo
paga-lhe 10 florins por desenhos das plantas da cúpula, feitos em pergaminho.
Em 1418, em Florença, no dia 19 de agosto, é divulgado o concurso
para a construção da cúpula principal da catedral que já vinha sendo
construída durante mais de um século.
Imagem 12 Cúpula da Catedral Santa Maria del Fiore, Florença, Itália (Fonte:https://socialsciencesalpajes.wordpress.com/2014/04/27/images-about-architecture-of-
the-renaissance/) Acesso em: 27/10/2015. 11h15min
Vasari foi o primeiro a observar que a cúpula de ‘Santa Maria del Fiore’ não deve ser relacionada apenas ao espaço da catedral e aos volumes relacionados, mas ao espaço da cidade inteira e, portanto, a um horizonte circular, precisamente, ao perfil dos morros ao redor de Florença: ‘Vendo-a se elevar a tal altura, que as montanhas de Florença parecem seus semelhantes’. ....Em De re aedificatoria, Alberti dirá que os edifícios são objetos que estão num espaço cheio de outros objetos e que, como tais, não são muito diferentes das estátuas, tanto assim que a palavra “monumento” vale tanto para certas arquiteturas como para certas estátuas, ou esculturas em relevo pleno, contanto que tenham certo conteúdo histórico-ideológico. Como objeto arquitetônico, a cúpula não tem um interesse particular, segundo Alberti, que sequer diz que se trata da catedral florentina e de seu acabamento, e que, para dizer ‘cúpula’, diz, ao contrário, estrutura.
69
Em suma, a extraordinária invenção de Bruneleschi, não é, no modo de ver de Alberti, um objeto arquitetônico, mas um imenso objeto espacial, vale dizer, um espaço objetivado, isto é, representado, pois cada representação é uma objetivação e cada objetivação é perspéctica porque dá uma imagem unitária e não fragmentária, o que implica uma distância ou uma distinção, bem como uma simetria, entre objeto e sujeito, de forma que a representação não é a cópia do objeto, mas a configuração da coisa real enquanto pensada por um sujeito. (ARGAN, 1993, p.95)
A grandeza da catedral e de sua cúpula rivaliza com as colinas de
Florença. É a comprovação da capacidade dos construtores florentinos, ou
seja, que possuem talento, criatividade e conhecimento técnico suficiente para
construir obras que se equivalem em tamanho e poder como a natureza.
Para este autor, a cúpula de Santa Maria del Fiore é concebida
atualmente como símbolo universal do espírito renascentista. De acordo com
os preceitos humanistas, a cúpula de Bruneleschi representa a capacidade
técnica e criativa do homem renascentista para transformar em realidade com
estrutura física e trazer a Florença a harmonia do universo celestial, antes
somente domínio de Deus.
Florença é capaz de atingir a perfeição divina e demonstra isso por
meio do trabalho do homem, que tem a capacidade criativa e técnica para
atingir e dominar o céu além da terra e trazer para a cidade a harmonia do
universo celestial.
A burguesia renascentista se representa, realiza a releitura, nomeia,
produz, sustenta e divulga a Arte Clássica, nos moldes do humanismo, como
seu símbolo de identificação. A arte produzida na Renascença Italiana, assim
como as descobertas e realizações de Bruneleschi, tornam-se a marca
registrada do poder e expansão da burguesia renascentista, tendo Bruneleschi
como criador não apenas de estruturas arquitetônicas, mas também produtor
dessa Arte. Arte concebida como ornamento ao poder e às realizações do
período renascentista concebida pelos burgueses.
Com as colaborações de Bruneleschi é possível concretizar Florença
como a cidade, ornamentada para expressar como a mais desenvolvida e
dinâmica do Quatrocento e em todo mundo.
70
Leon Battista Alberti
Blunt (2001, p.13) explica que Alberti é um homem do período
Quatrocento, sua visão de vida corresponde à dos humanistas da primeira
metade do século XV.
Nasce em 1404 em Gênova. É educado no norte da Itália, onde
estuda direito em Bolonha. Em 1428 vai para Florença, onde passa o restante
de sua vida e segue a corte papal na qual ocupa um posto de secretário de
1432 a 1464.
O autor afirma que as novas ideias renascentistas estão
contempladas nos trabalhos escritos de Alberti que apresenta formação
intelectual com predomínio de caráter enciclopédico em todas as formas de
conhecimento, concebe uma teoria que abrange todos os campos da atividade
humana, aplica-se nos estudos na política, filosofia, ciência, do saber clássico e
das artes.
Especificamente no campo das artes escreve sobre pintura,
escultura e arquitetura. Suas ideias sobre artes estão em três obras: a primeira,
tratado sobre pintura, Della pintura di Leon Battista Alberti libri tre, escrito em
1436; o segundo, o mais importante desses tratados, consiste em dez livros
sobre arquitetura, De re aedificatoria, iniciado em 1450 e que continuou
fazendo acréscimos e alterações até a sua morte, em 1472. Ressalta que a
arquitetura é a arte que mantém um elo com as necessidades práticas do
homem, esta afirmação está exemplificada na teoria arquitetônica de ordem
social que concebe toda arquitetura como uma atividade cívica. A terceira obra,
De statua, escrito pouco antes de 1464, trata-se de um manual sobre escultura.
A teoria arquitetônica é descrita no prefácio de seu tratado de
arquitetura em que faz uma exaltação da mesma, estabelece os princípios da
arquitetura civil, destaca a glória que ela é capaz de trazer para a cidade em
termos de utilidade e ornamento. No quesito utilidade, Alberti ressalta que a
arquitetura, além de convir ao comércio, provê a cidade de defesa contra seus
inimigos, constrói máquinas bélicas e permite estender os seus domínios. No
âmbito do ornamento, por meio da arquitetura é possível adornar a cidade com
suntuosos edifícios públicos, com casas particulares e monumentos históricos.
71
Alberti preconiza a definição mais completa de artista como homem
concentrado em uma ocupação científica, tal concepção norteia todo conjunto
de suas anotações; o pintor deve possuir todos os canais de conhecimentos
importantes para a prática de sua arte como história, a poesia e a matemática.
No tratado sobre pintura, o primeiro livro trata da matemática e à aplicação da
geometria à pintura na forma da perspectiva.
Alberti aplica as concepções humanistas na arte, a qual seria uma
atividade humana que expressa sua capacidade pela razão, assim como na
arquitetura, em que os edifícios são construídos para atender as necessidades
da vida como para a conveniência das ocupações dos homens, apresenta o
mesmo pensamento para com a atividade pictórica, destaca a pintura histórica,
ou seja, quaisquer pinturas de temas, mais importante em relação à pintura de
figuras individuais.
A pintura histórica é a mais nobre, por ser o gênero mais difícil e
complexo por demandar competência em todos os outros, mas também porque
permite uma visão das atividades do homem como uma história ilustrada.
Alberti acredita que ao observar uma pintura é como ler uma boa história,
porque os dois são pintores, um pintando com palavras e o outro com o pincel.
Uma pintura histórica afeta o espectador profundamente porque as emoções que ele aí vê representadas serão nele despertadas; ele ri, chora ou se arrepia na medida em que os que estiverem representados na pintura demonstrem alegria, tristeza ou pavor. Por essa razão, Alberti atribui grande importância à habilidade do pintor para explicar uma ação e para mostrar as emoções por meio de um gesto ou pela expressão do rosto. (BLUNT, 2001, p.24)
A pintura histórica tem o poder de sensibilizar emocionalmente o
espectador quando o pintor tem completo domínio sobre suas habilidades
desde manuais como a prática do uso dos pincéis para obter a pincelada exata
que pode estimular uma emoção; na elaboração da composição da pintura e
aplicação do recurso da perspectiva para obter a ilusão do espaço pictórico e
determinar a localização de cada personagem; na escolha das cores, suas
tonalidades e seus matizes adequados, segundo a visão e sensibilidade do
artista, para aplicação de acordo com o tema; na posição e no movimento das
72
figuras retratadas para descrever com detalhe uma ação e, o próprio pintor, ter
um bom traço e ser bom retratista para expressar as emoções, como rir, chorar
ou odiar, nos rostos dos personagens retratados. É o conjunto harmônico de
todos esses elementos trabalhados na obra que tem a capacidade de
sensibilizar o espectador para a alegria, tristeza ou pavor.
A representação da realidade constitui uma façanha que é
conquistada por pintores renascentistas, um caminho lento e cheio de
obstáculos técnicos que aos poucos foram resolvidos pela habilidade dos
artistas renascentistas, ao longo do Quatrocento.
O recurso da perspectiva que dá profundidade ao espaço pictórico e
que valoriza e amplia ambientes internos das edificações pode ser visualizado
na representação pictórica de dois artistas: Masaccio, no afresco “Santíssima
Trindade com a Virgem e S. João sob a Cruz” e Pietro Perugino, com o
retábulo “A Aparição da Virgem a S. Bernardo”, que serão comentadas a
seguir.
Masaccio
Vasari (2011, p.218) cita que Tommaso di Ser Giovanni conhecido
como Masaccio é considerado o grande inovador da pintura italiana do século
XV, filho de Giovanni di Mone, notário, e de Monna Jacopa di Martinozzo,
nasce em San Giovanni Valdarmo, por volta dos 24 anos, inscreve-se na
Companhia de São Lucas. A solução científica da perspectiva e o racionalismo
de Brunelleschi são recursos que fundamentam a formação de Masaccio, mais
do que os exemplos pictóricos de seus contemporâneos, em sua breve vida,
falece aos 26 anos em 1428, constrói uma visão pictórica que transforma a
história da pintura dando nova dimensão e permite perceber o mundo com
estruturas reais, os céus têm nuvens, as figuras têm corpo, os seus pés estão
apoiados no chão e caminham num espaço firme, projetando sombra; o claro-
escuro é capaz de reconstruir plasticamente todas as formas que expressam a
verdade terrena e individual.
Como amigo do jovem pintor, Brunelleschi, relata Vasari (2011,
p.229), ensina-o a técnica da perspectiva linear, desenvolvida pelo arquiteto,
que é aplicada no afresco “A Santíssima Trindade, a Virgem, S. João sob a
73
Cruz e os doadores”, um mercador e sua esposa, considerado o primeiro
trabalho pictórico a usar as novas regras da perspectiva linear.
Gombrich (1979, p.172) explica que o jovem gênio Masaccio, aos 27
anos, inova a pintura renascentista com a aplicação da perspectiva que amplia
o espaço pictórico onde estão as figuras retratadas, tal proeza resulta na
revolução da pintura do Quatrocencento. O mural quando exposto pela primeira
vez causa perplexidade nos florentinos ao observar uma fenda na parede em
que é possível ver uma nova capela.
A perspectiva possibilita retratar as figuras bem próximas do real,
conforme esclarece Gombrich (1979, p.173), são figuras maciças, com sólidas
formas angulares, contudo, elas se revestem de sinceridade, simplicidade,
grandiosidade e são comoventes, integradas na perspectiva e enquadradas na
arquitetura renascentista.
74
Imagem 13
Santíssima Trindade com a Virgem e S. João sob a Cruz (http://noticias.universia.com.br/tempolivre/noticia/2012/10/08/973156/conheca-trindade-masaccio.html) Acesso em: 15/07/2014 – 00h10min.
Janson (1996, p.196) completa que se trata do mais antigo exemplo
de representação de um espaço pictórico racional. O cenário revela o domínio
total da perspectiva científica e da retratação da nova arquitetura de
Brunelleschi, ou seja, o emprego dos elementos da arquitetura clássica greco-
romana, como pilastras sustentando capitéis coríntios e o arco meia volta
apoiado em duas colunas com capitéis jônicos. A câmara com abóbodas de
75
berço não é um simples nicho, mas representa um espaço profundo onde as
figuras podem mover-se livremente, caso desejem.
Este afresco resulta da capacidade racional do artista, consente,
pela primeira vez na história, deixar acessível a todos, os dados necessários
para avaliar a profundidade desse interior pintado, desenhar sua planta e
reproduzir a estrutura em três dimensões. O espaço pictórico racional é
independente das figuras, elas o habitam, mas não o criam; caso eliminemos a
arquitetura e estaremos eliminando o espaço das figuras. O autor conclui que a
perspectiva científica, ou linear está vinculada á arquitetura renascentista, tão
diferente da anterior, a gótica.
Pietro Perugino
Mas, para que seja mais bem conhecida a evolução desse artista, começarei do princípio, dizendo que, segundo é público e notório, na cidade de Perúgia, nasceu de gente pobre um filho que foi batizado com o nome de Pietro. Criado na miséria e na carência, foi dado pelo pai a um pintor de Perugia para trabalhar como contínuo; esse pintor não era muito talentoso, mas sentia grande veneração pela arte e pelos homens que nela primavam, dizendo sempre a Pietro que quem sobressai na pintura sempre recebe bons ganhos e muitas honrarias. (VASARI, 2011, p. 430)
Conforme afirma Vasari (2011, p.430), Pietro Cristoforo Vannucci,
nome de batismo, Perugino, nasce em 1452 em Città della Pieve, perto de
Perugia, na Úmbria, região localizada a sudeste da Toscana, na Itália, filho de
Cristoforo di Pietro di Giovanni e Lucia Berti. Morre em Fontignano, Itália, em
1523. É aprendiz de Benedetto Bonfigli, Fiorenzo di Lorenzo e de Niccolò da
Foligno. Também é orientado por Bernardino di Betto, pintor da cidade de
Perugia (1454-1513), estuda pintura, aprende a perspectiva ao analisar de
perto as obras de Piero della Francesca, e chega a se formar como artista por
meio do conhecimento das mais importantes obras do pintor, espalhadas pela
Úmbria, Marche e Toscana. Em Florença, por volta de 1471, é aluno de Andrea
Verrochio, sendo um dos primeiros artistas a trabalhar com a técnica a óleo.
76
Imagem 14 A Aparição da Virgem a S. Bernardo
(https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/4a/Perugino,_apparizione_della_vergine_a_san_bernardo,_monaco.jpg) Acesso em: 30/10/2015. 23h31min.
Gombrich (1979, p.238) revela que este trabalho corresponde a um
retábulo que retrata a cena em que a Virgem aparece para São Bernardo, o
santo ergue os olhos de seu livro para ver a Santa Virgem em pé diante dele,
no momento, quatro anjos estão também presentes. Todos os componentes
estão em concordância obedecendo aos cânones da pintura renascentista da
época. Nenhum elemento é rígido ou forçado na disposição quase simétrica,
formando uma composição harmoniosa. Cada uma das figuras movimenta-se
com serenidade e fluência.
77
O autor diz que é nessa atmosfera que cresce o jovem Rafael, que
não demora em absorver e dominar a técnica de seu professor, Perugino,
como veremos a seguir.
Rafael Sanzio, pintor do Alto Renascimento
O Cinquecento corresponde à última etapa do Renascimento
italiano. Neste momento, ocorre um retrocesso político e econômico que afeta
diretamente a próspera Florença. Os ricos burgueses italianos perdem espaço
com as navegações portuguesa e espanhola que atingem o oriente e o novo
mundo enfraquecendo e desmantelando o monopólio turco-italiano no comércio
de especiarias que eram os pilares de sua riqueza e poderio.
Sevcenko (1994,p. 64) comenta que a arte italiana chega ao auge,
na produção pictórica destacam as obras de Leonardo da Vinci, Michelangelo e
Rafael, as quais servem de referencial para identificar o estilo renascentista e
os artistas anteriores passam a ser denominados de primitivos ou pré-
renascentistas. O conjunto da obra desses três pintores influencia os rumos da
arte ocidental até o século XX.
Eles assimilam as inovações técnicas e as descobertas formais
ocorridas desde Giotto e levam a elaborar um acabamento mais cristalino
configurado num estilo homogêneo, límpido, com densidade e repleto de
significações que transcendem os próprios limites temáticos das suas obras.
Gombrich (1979, p.238) relata que Rafael Sanzio, natural de Urbino,
província de Úmbria, é aprendiz na oficina do chefe da “escola úmbria”, Pietro
Perugino, artista habilitado para conseguir a sensação de profundidade sem
interferir no equilíbrio do desenho e tem a mestria para trabalhar a técnica do
sfumato de Leonardo da Vinci, técnica que permite evitar a aparência dura e
rígida em suas figuras. Perugino, professor de Rafael, é mestre pertencente a
uma geração de artistas bem sucedidos que necessitam de uma equipe
composta por diversos e competentes aprendizes para auxiliá-lo na execução
de várias encomendas que recebem. Rafael é considerado o artista que realiza
o que muitos artistas do Quattrocento tentaram: a obtenção da perfeita
harmonia na composição com figuras se movimentando livremente.
78
É nesse contexto que o pintor se desenvolve, em 1504 vai para
Florença, período em que Leonardo e Michelangelo também competem e criam
novos padrões artísticos.
Janson (1996, p.219) ressalta que Rafael Santi ou Sanzio é
considerado o maior pintor do Alto Renascimento, visto como artista, gênio e
dono de temperamento flexível, é declarado como homem do mundo, sempre
recomendado aos mecenas influentes, vive entre 1483 e 1520.
Em 1508, Rafael vai para Roma trabalhar para o papa Júlio II, o qual
pede que decore as paredes de várias salas do Vaticano denominadas de
Stanze. Nas paredes e tetos dessas salas mostra sua habilidade no domínio do
desenho perfeito e da composição equilibrada.
Alguns anos depois, quando morre Júlio II, seu sucessor é o Papa
Leão X, membro da família Medici, esse encarrega Rafael de ser o arquiteto
responsável para concluir o empreendimento da edificação da nova Igreja de S.
Pedro, depois do falecimento de Bramante.
O afresco “Escola de Atenas”, de Rafael, localizado na Stanza della
Segnatura, no Vaticano, será analisado por apresentar a arquitetura clássica
retratada na pintura como elemento que evidencia o requinte e o poder perene
estabelecido pela Igreja Católica perante seus súditos e inimigos.
Escola de Atenas na Stanza della Segnatura
Desde que o papado faz seu retorno a Roma, tem como objetivo
maior se estabelecer e prosperar politicamente nesta cidade, para tanto,
recorre a diversos meios, lícitos e ilícitos de toda sorte.
A Igreja no século XVI, voltada para atingir sua meta, articula ações
que acontecem no contexto histórico, político e religioso, como também, na
arte, mais exatamente, na arquitetura e na pintura renascentista, como
estratégia para enfatizar e disseminar seu poder, riqueza e conquistas.
Burkhardt (2009, p214) assegura que, pela ação determinada de
Júlio II em estabelecer o papado em Roma sob quaisquer circunstâncias que
sejam necessárias, denomina-o como salvador do papado. Conhecedor das
ações políticas de seu tio Sisto para mantê-lo, consegue criar uma visão vasta
79
e articulada das circunstâncias, fundamentos e condições da autoridade papal
que norteiam seu próprio pontificado.
Para deixar a marca de sua forte personalidade e determinação
política em construir um espaço perene para a Igreja na história, planeja a
reconstrução da Catedral de São Pedro.
É lícito pensar que o empreendimento do novo São Pedro é parte de uma ‘ideia’, ou seja, de uma concepção global entusiasticamente aceita, mas cuja articulação concreta e ajuste dos projetos revelaram-se laboriosos. Essa ‘ideia’ era o valor do plano central absoluto; ela concluía as especulações de toda uma geração sobre propriedades artísticas e o valor simbólico do ‘Templo ideal’, ela impunha-se para Roma. (CHASTEL, 2012, p.581)
Reconstruir São Pedro para o papado significa concebê-lo como o
Templo máximo da cristandade e estabelecer raízes profundas para a fé
católica na cidade que já foi sede e símbolo de poder e conquista no passado.
Roma, no momento encontra-se desgastada, contudo, agora como sede da
Igreja Católica, passa por uma longa reformulação urbana recobrando sua
posição de metrópole importante no contexto histórico. A arte, mais
precisamente, a arquitetura, escultura e a pintura dos grandes mestres definem
este panorama.
Janson (1996, p. 219) esclarece que, a conselho de Bramante, na
ocasião em que Michelangelo começa a pintar o teto da Capela Sistina, Júlio II
convoca Rafael, em 1509, que vem de Florença para decorar uma série de
aposentos do Palácio Vaticano, a sequencia das Stanze, assumindo a direção
da decoração da Stanza della Segnatura.
O talento e maestria de Rafael são colocados á prova na decoração
da Stanza della Segnatura, onde todo o conhecimento e rigor técnico
renascentista são empregados para decorar com o universo de imagens
materiais da arte clássica greco-romana com a finalidade de dar vida ao
‘espelho doutrinal’ da cristandade, sob o comando da política pontifical de Júlio
II.
Neste local, os afrescos de Rafael referrem-se aos quatro domínios
do aprendizado: Teologia, Filosofia, Justiça e Poesia. Desses afrescos, “Escola
de Atenas” é reconhecido como a mais perfeita glorificação do espírito clássico
do Alto Renascimento.
80
A marca de sua genialidade deve ser buscada na maneira como meditou esse projeto de cultura e desenvolveu suas conquistas artísticas. A sequencia dos esboços revela aperfeiçoamentos laboriosos: apreende-se ali tanto a espantosa capacidade de assimilação de Rafael como seu talento para tornar sensíveis as noções intelectuais por meio de procedimentos poéticos. Em seus desenhos, ele busca o aperfeiçoamento das particularidades fisionômicas e das atitudes, atentando para a relação entre elas e a sua continuidade expressiva: ‘O valor desses afrescos não reside na criação do detalhe, e sim na organização dos grupos. Tal como na Sistina, é a exigência clássica de subordinar integralmente o detalhe ao conjunto, mas de modo quase oposto. O essencial aqui está no jogo das relações: não há elemento perdido, inativo ou isolado, ‘o que se vê é uma quantidade de belos motivos harmônicos ligados entre si, por uma simetria evidente ou velada, ou por contraposto’. O espaço é o símbolo direto do universo espiritual e a perspectiva, um princípio de hierarquia inteligível. As figuras se distribuem como sem esforço dentro de uma construção cujo ponto de fuga coincide com o dado fundamental a ser ilustrado: a Eucaristia no Triunfo do Santíssimo Sacramento, o par Platão-Aristóteles na Escola de Atenas, a figura de Apolo no Parnaso. A partir desse topo ideal, dessa ‘ponta fina’ da visão, cada composição se deduz sem confusão. (CHASTEL, 2012, p.596)
Os afrescos criados para a Stanza obedecem aos cânones da arte
clássica, como a proporção, unidade, equilíbrio e harmonia que, por sua vez,
estão integrados pela perspectiva científica, organizam todas as figuras e
elementos, retratados com suas peculiaridades, sem estarem isoladas, mas
interligadas entre si, criando uma composição coesa, sólida e única.
Muitas obras realizadas dentro da inspiração da arte clássica greco-
romana, ao serem analisadas, há enfoque nos seus personagens. Contudo, o
afresco “Escola de Atenas”, que representa a Academia de Platão, centro de
estudos de matemática, filosofia, artes e ciências que durou nove séculos,
desde a Grécia antiga, destruída pela intolerância cristã, possui foco na
arquitetura retratada na pintura, que ocupa praticamente todo espaço pictórico,
como se fosse um personagem também, constitui componente importante da
visão humanista.
Congregar todos dos filósofos gregos representantes do
pensamento renascentista, fundamentado nos seus estudos e ensinamentos,
na mesma pintura, significa elaborar o retrato perfeito do espírito da
Renascença.
81
As figuras e elementos retratados no afresco “Escola de Atenas”
constituem um todo envolvido num trabalho comum, a criação do conhecimento
científico pelo raciocínio humano, está distribuído harmonicamente dentro da
edificação clássica, que também se constitui símbolo da realização da
inteligência humana, celebra o pensamento humanista e transmite solenidade,
requinte, conquista e consagra o poder estabelecido pela política pontifical.
Imagem 15 A Escola de Atenas
(http://revistavilanova.com/etica-e-felicidade). Acesso em: 31/10/2015. 00h47min.
Chastel (2012, p.600) acrescenta, quanto à perspectiva, o centro da
composição é um ponto ideal centrado entre as cabeças dos dois personagens
centrais: a silhueta delas se acomoda precisamente na arcatura do fundo
destacada sobre o céu, e essa arcatura é reproduzida pela extensão do pórtico
central. Explica que as arcadas fechadas de abóbodas de arco pleno lembram
a basílica de Constantino. Este templo é adornado com nichos, baixos-relevos
e estátuas que o transformam numa arquitetura expressiva que evidencia a
morada do saber. O cenário arquitetônico reflete a escala, esplendor e
82
harmonia dos ideais da Alta Renascença, que busca expressar sempre valores
sobre-humanos. Rafael aplica no desenho elementos da sóbria ordem dórica.
Quatro arcos plenos evidenciam aspectos da arquitetura da antiguidade.
A presença das estátuas de Apolo e Minerva está relacionada com o
conjunto de pensadores retratados na obra “Escola de Atenas”. Apolo, na sua
origem, o culto do deus, não é grego, mas indo-europeu, contudo, representa a
luz e o triunfo da inteligência sobre as trevas da barbárie: personifica as
conquistas da civilização na existência prática e nas artes. Os gregos atribuem
diversas funções como conduzir pastores, multiplicar colheitas, encaminhar os
navegantes, iluminar os artistas e as artes, proteger os médicos, zelar pela
saúde, desvendar o futuro, afirma CHASTEL (2012, p.601)
Quanto a Minerva, deusa da sabedoria, padroeira das artes úteis e
ornamentais, tanto dos homens, como a agricultura e a navegação, quanto as
das mulheres, como fiação, tecelagem e os trabalhos de agulha; também é
divindade guerreira que só protege a guerra defensiva e não se simpatiza com
violência e derramamento de sangue.
Os dois deuses mitológicos dispostos simetricamente, de acordo
com suas atribuições, sacramentam e acompanham as realizações do intelecto
humano nas ações dos pensadores retratados.
O autor observa que o gesto horizontal de Aristóteles representa a
organização do mundo pela Ética e o gesto vertical de Platão, o movimento do
pensamento cosmológico que se ergue do mundo sensível para seu princípio
ideal. A posição das mãos de ambos significa o idealismo e o realismo,
doutrinas filosóficas da Grécia antiga. Diz que os filósofos da antiguidade estão
representados de modo a mostrar o antagonismo das suas ideias, esta
representação reafirma o conceito do humanismo renascentista.
A pintura representa o conjunto dos pensadores gregos cada um em
seu campo de atividade e sua contribuição para a formação do conhecimento
humano. A perspectiva, situada na altura dos olhos do observador, permitindo
a este, ter a sensação de realidade e que está integrado à cena, projeta um
espaço com profundidade e amplitude para acomodar todos os personagens
ilustres.
A obra “Escola de Atenas” é o testemunho da consagração do
raciocínio humano, a concretização das concepções renascentistas, mais
83
precisamente, registra o resultado do desenvolvimento do percurso do
pensamento renascentista na ciência, na filosofia humanista e nas técnicas
artísticas descobertas para representar a realidade, a perspectiva científica que
é capaz de dar vida própria à arquitetura clássica retratada.
A releitura da arte clássica greco-romana realizada pelos homens do
renascimento italiano ressalta o pensamento humanista e evidencia a política
da igreja católica de disseminar a ideia de poder estabelecido, que é
completamente sustentada pela burguesia que dominava o comércio da região.
84
CAPÍTULO III
O NEOCLASSICISMO FRANCÊS
Contexto histórico
Se a era moderna nasceu durante a Revolução Americana de 1776 e a Revolução Francesa de 1789, esses eventos cataclísmicos foram precedidos por uma revolução do pensamento que tinha começado meio século antes. Seus porta-bandeiras foram os pensadores do Iluminismo na Inglaterra e na França – Hume, Voltaire, Rousseau, e outros que proclamavam que todas as atividades humanas deveriam ser dirigidas pela razão e pelo bem comum, mais que pela tradição e pela autoridade estabelecida. Nas artes, assim como na economia, na política e na religião, esse movimento racionalista voltou-se contra a prática dominante: o Barroco-Rococó, enfeitado e aristocrático. Na metade do século XVIII, o apelo a uma volta à razão, natureza e moralidade na arte significou um retorno aos antigos, afinal de contas, não tinham sido os filósofos clássicos os primeiros apóstolos da razão? (JANSON, 1996, p.303)
É possível constatar a articulação de fatores de ordem filosófica,
política, econômica e cultural que contribuem para a formação do estilo
neoclássico na segunda metade do século XVIII.
Os pensadores iluministas, protagonistas dessas mudanças,
consideram primordial que as atividades exercidas pela sociedade humana
devem visar o bem coletivo, norteadas pela razão. Como consequência, essas
ideias influenciam o mundo político, econômico, religioso, a ciência histórica,
como a arqueologia e as críticas contra o absolutismo levam a nascer uma
ideologia burguesa que contesta o poder reinante.
Na Arte, os preceitos iluministas propiciam questionamentos, não
escapando de debates que repercutem nas suas teorias estéticas contra os
princípios da arte dominante na época, a Arte Barroca e o Rococó, concebida
como estilo exagerado que representa a elite, disseminados pela Igreja católica
como divulgadores da fé.
Na segunda metade do século XVIII, as ideias do pensamento
iluminista convergem para uma concepção moral da arte e relembra que os
filósofos antigos são os primeiros defensores da razão.
Guinsburg (1999, p.27) completa que no pensamento filosófico, as
ideias de Descartes (séculos XVI-XVII), símbolo do racionalismo do período do
85
classicismo, na sua obra “Discurso do Método” salienta a era da Razão,
fundamentada no modelo da geometria dos antigos, que considera instrumento
de todo conhecimento demonstrativo, ou seja, racional, seguro e legítimo.
Simultaneamente à retomada da Razão dos antigos, Descartes
concebe a Razão como característica do classicismo e ressalta que o método
orienta-nos a pensar, a dirigir o pensamento com a finalidade de obtermos
verdades ignoradas. Raciocinar é raciocinar pela ordem das razões que
possibilita a aquisição do mundo, sua maior meta é ver o homem como mestre
e dominador da Natureza e isso só pode se concretizar por meio da Razão
imperante.
A França deu o primeiro grande exemplo, o conceito e o vocabulário do nacionalismo. A França forneceu os códigos legais, o modelo de organização técnica e científica e o sistema métrico de medidas para a maior parte dos países. O final do século XVIII foi uma época de crise para os velhos regimes da Europa e seus sistemas econômicos, e suas últimas décadas foram cheias de agitações políticas, às vezes chegando a ponto da revolta, e de movimentos coloniais em busca de autonomia. Em primeiro lugar, ela se deu no país mais populoso e poderoso Estado da Europa. Em 1789, cerca de um em cada cinco europeus era francês. Em segundo lugar, ela foi diferentemente de todas as revoluções que a precederam e a seguiram, uma revolução social de massa, e incomensuravelmente mais radical do que qualquer levante comparável. Em terceiro lugar, entre todas as revoluções contemporâneas, a Revolução Francesa foi a única ecumênica. Seus exércitos partiram para revolucionar o mundo; suas ideias de fato o revolucionaram. E suas origens devem, portanto, ser procuradas não meramente em condições gerais da Europa, mas sim na situação específica da França. (HOBSBAWM, 1998, p.71)
No âmbito político e econômico, as consequências da Revolução
privilegiam a classe social da burguesia que inspira uma nova era norteada nos
valores burgueses: a conquista, glória, moral e o bem comum, favorecendo
suas ambições comerciais e estimulando a renovação e modificação no
comportamento da sociedade europeia.
A releitura da Arte Clássica realizada pelo estilo Neoclássico, entre a
segunda metade do século XVIII e início do XIX, ressalta o requinte e a glória
do poder estabelecido pela burguesia.
Gombrich (1979, p.378) afirma que com a vitória do estilo
neoclássico, assegurada após a Revolução Francesa e oponente ao estilo
barroco e rococó, este concebido como estilo dos palácios e da aristocracia,
86
torna-se arte do passado que acaba de ser deixado para trás. Os homens
ligados à Revolução se consideram cidadãos livres de uma Atenas revivida.
Tema comum a toda arte neoclássica é a crítica, que logo se torna condenação, da arte imediatamente anterior, o Barroco e o Rococó. Adotando a arte greco-romana como modelo de equilíbrio, proporção, clareza, condenam-se os excessos de uma arte que tinha sua sede na imaginação e aspirava despertá-la nos outros. (ARGAN, 1992, p. 21)
Argan concorda com as concepções de Gombrich e acrescenta que,
com a cultura francesa da época da revolução, o modelo clássico assume um
sentido ético-ideológico e serve como resposta ideal ao conflito entre liberdade
e dever; e, atinge o valor absoluto e universal, sobrepondo-se e extinguindo as
tradições e as “escolas” nacionais. O universalismo supra-histórico é divulgado
em todo continente europeu e maximiza-se com o império napoleônico.
A partir da metade do século XVIII, os períodos históricos são
teorizados, a ordem dos fatos é sistematizada para ordem das ideias ou
modelos, os tratados renascentistas e barrocos são abandonados e trocados
por uma reflexão intelectual séria e profunda com nível teórico superior, pela
filosofia da arte.
O conceito de arte absoluta é articulado como modo de ser do
espírito humano, um ideal almejado a ser sempre alcançado, mas não será
possível, pois quando atingido acaba o conflito, a tensão, e, portanto, a própria
arte.
Argan (1992, p.11) explica que o clássico desenvolve-se no mundo
mediterrâneo no qual a relação dos homens com a natureza é clara e positiva e
se constitui um referencial na concepção de mundo e da vida, no pensamento
clássico da arte como mimese corresponde os dois planos do modelo e da
imitação. Com a articulação da estética ou filosofia da arte, a atividade do
artista deixa de ser concebida como recurso do conhecimento do real, de
transcendência religiosa ou exortação moral e leva à crise da percepção da
arte como dualismo da teoria e da práxis; o intelectualismo e tecnicismo; a
atividade artística torna-se uma experiência primária e não mais derivada, sem
outros fins além do próprio fazer-se. O autor ainda afirma que no momento em
que acontece a autonomia da Arte, questiona-se sua posição perante as outras
atividades, como seu lugar e sua função no panorama cultural e social da
87
época e o artista assume essa autonomia e completa responsabilidade do seu
agir e sua realidade histórica, quer ser do seu tempo, optando em abordar nos
trabalhos as temáticas e problemas atuais, ou seja, adota postura racional em
relação à história e à realidade natural e social. O artista deixa de devanear e
vai passar a retratar fatos históricos e contemporâneos.
Argan (1992, p.12) Para o pensamento Iluminista, o homem, dono
da razão, do conhecimento cognitivo e da ideologia, que vive na natureza,
local da existência humana, antes considerada como forma ou figura criada de
modo definitivo e sempre igual a si mesma, que pode ser somente
representada ou imitada, agora, se conscientiza da capacidade que tem para
mudar a realidade objetiva por meio de atividades concretas da tecnologia
moderna, como arquitetura e da decoração, que não obedece à natureza, mas
a transforma e é percebida pelos homens por meio dos sentidos, apreendida
pelo intelecto como imagem concebida na mente, como gostaria que fosse tal
realidade e modificada com o agir.
Entre os séculos XVII e XVIII ocorrem diversos fatos históricos de
ordem cultural que incentivam o aparecimento do neoclassicismo, citam-se,
como exemplo, os depoimentos de viajantes, que vão até as ruínas greco-
romanas, as escavações de Herculano e Pompéia, a influência do pensamento
filosófico dos iluministas e publicações de estudiosos e pesquisadores sobre a
Antiguidade Clássica.
A releitura da cultura clássica greco-romana realizada no período do
Renascimento Italiano termina no século XVI, contudo, no século XVII, o
interesse pela civilização grega continua com os testemunhos dos diversos
viajantes que vão até os territórios em que se encontram as ruinas.
Mirabent (1991, p.10) explica que são vários os motivos dos
viajantes, existem aqueles que viajam por amadorismo e alguns, por interesse
arqueológico os quais mediam e desenhavam os monumentos. Essas
numerosas viagens resultam na publicação de livros e artigos sobre a arte
antiga e aumentam o interesse e admiração pela cultura clássica grega, o que
contribui para sua revalorização. Os viajantes acreditam que o contato direto
com a Grécia e suas ruinas permite um aprofundamento no cerne da cultura
grega.
88
Viajantes como, por exemplo, Stuart e Revett, com apoio da Society
of Dilettanti, divulgam quatro livros sobre monumentos clássicos. Em 1674, J.
P. Babin publica um trabalho pioneiro, um livro sobre Atenas, apresentando
referências aos monumentos da capital grega.
Ainda sobre o século XVII, Guinsburg (1999, p.304) afirma que na
França, em 1671, é criada a Academia de Arquitetura, responsável por
organizar um “corpus teórico”, um código de preceitos para a arquitetura.
Entretanto, os participantes da Academia ficam excluídos da função de
construção, compete a eles a incumbência de organizar uma teoria que guie a
elaboração arquitetônica. No final do século XVII, a Antiguidade motiva um
método orientado pela aplicação das ordens arquitetônicas como a forma mais
segura para obter a harmonia. Esse cânone é concebido como atemporal e
legitimado pelo conhecimento dos antigos.
No século XVIII, Mirabent (1991, p.9 e 10) relata que o interesse
desenvolvido pelo mundo clássico, desde o final do século XVII, tem sua
continuidade quando Shaftesbury (1671-1713), defende uma reavaliação do
mundo grego devido à sua convicção que nele encontram-se as respostas
necessárias para os problemas estéticos de sua época.
O mundo greco-romano chega aos homens do século XVIII por meio
das obras de Vitrúvio, Serlio, Scamozzi e Palladio, contudo, à proporção que o
século avança, a informação sobre a Antiguidade vai sendo enriquecida e as
concepções desses arquitetos, antes concebidas como paradigmas do
classicismo romano desde o Renascimento são relegados a segundo plano.
Mirabent (1991, p.15) explica que a Itália, no princípio do século
XVIII, é incluída no itinerário dos viajantes, Roma é classificada como cidade
importante por possuir obras helenísticas. Os viajantes, além do interesse pela
Antiguidade greco-romana, colocam sua atenção nas valiosas coleções
europeias como forma de obter conhecimento, entre as coleções de destaque,
está a coleção Medici. Como exemplo, lorde Tommeley inicia sua coleção de
esculturas da arte clássica.
O viajante Julien David Leroy publica em 1758 o livro “As ruinas dos
melhores monumentos da Grécia” que possibilita conhecer uma sinopse de
obras clássicas que propiciam a concretização de uma série de projetos
arquitetônicos.
89
Outro importante dado explicado por Mirabent (1991, p.11) sobre as
interpretações do mundo da antiguidade é que Giambattista Piranesi (1720-
1778), arquiteto e gravador veneziano, destaca o mundo romano em seus
trabalhos. Este estabelece-se em Roma em 1744, quando as ruínas romanas
tornam-se fonte de inspiração possibilitando realizar um estudo detalhado e
exercitar efeitos de luz e sombra em seus desenhos. Piranesi confecciona uma
série de águas-fortes em que apresenta as ruínas romanas com aspectos que
lembra a antiga grandeza de Roma e lança três obras que expressam sua
posição pessoal em que considera o legado romano superior ao legado grego.
A primeira em 1756, “Antichità Romana”, e a segunda, em 1761 com o título
“Della Magnificenza ed Architettura dei Romani” e a terceira, pelo trabalho
“Parere sul’ Architettura”, em que apresenta a concepção de um novo estilo
orientado pela arquitetura romana.
A divulgação de seu trabalho torna-se eixo norteador para
arquitetos, entre eles, Soufflot, autor do Panteão de Paris, considerado o
primeiro edifício verdadeiramente neoclássico.
As escavações de Herculano e Pompéia
Argan (1992, p.22) esclarece que com a descoberta das ruínas das
construções das prósperas cidades romanas de Herculano e Pompéia,
soterradas pelas cinzas da erupção do Vesúvio em 79 d.C., evidenciam sua
ornamentação, os hábitos e costumes da vida cotidiana que permitem precisar
e aprofundar a ideia de clássico.
As pinturas na técnica do afresco, encontradas nas residências de
Pompeia e Herculano possibilitam o estudo mais conciso da pintura antiga.
Mirabent (1991, p.11) completa que a arqueologia colabora para a
recuperação da arte clássica, as escavações das cidades antigas de Herculano
(1738) e Pompéia (1748) foram realizadas sob as ordens do rei, Carlos de
Bourbon, ou seja, Carlos VII, rei das Duas Sicílias, a pedido de seu ministro
Bernardo Tanucci. A autora esclarece que o empenho pela Antiguidade
Clássica baseia-se em objetos e pinturas, a arquitetura é tema de pesquisas
posteriores. Os achados arqueológicos são relatados numa obra chamada
“Antiguidade de Herculano”, esta publicação permite uma transformação no
90
campo da ornamentação, pois os objetos encontrados contribuem como base
para o desenho decorativo.
J. J. Winckelmann
C.W. Ceram (1960, p.24) descreve Johann Winckelmann (1717-
1768) como homem erudito do século XVIII, com sensibilidade, pensamento
acessível e olhar atento para aplicar-se com acuidade aos fatos, detentor de
sabedoria para unir o alto apreço à beleza da arte antiga com os métodos da
pesquisa científica, dedica os últimos vinte anos de sua vida à pesquisa da
cultura da antiguidade, mais precisamente, sobre a arte clássica.
Publica em 1755 “Reflexões sobre a imitação das obras gregas” que
preconiza a divulgação da “nobre simplicidade” e da “serena grandeza” do
mundo antigo. Seus textos, qualificados com valor historiográfico e pela
relevância das convicções artísticas são vistos como padrões em direção à
Antiguidade Clássica. Em 1759, é nomeado inspetor das coleções do cardeal
Albani. Em 1762, publica a primeira Circular em que relata as descobertas de
Herculano, em 1763, torna-se inspetor-geral de todas as antiguidades de Roma
e arredores, conhece e estuda Pompeia e Herculano e, em 1764, publica a
segunda circular e sua obra intitulada “História da Arte da Antiguidade”,
trabalho que expõe, por meio de uma perspectiva ordenadora, a grande
quantidade de monumentos antigos e explana sobre o trabalho do historiador
dedicado à análise dos movimentos culturais, também, possibilita ao mundo
letrado europeu o acesso a uma série de informações sobre os ideais antigos.
Esse trabalho primoroso define o século XVIII como o século do “classicismo”.
Nas concepções de Guinsburg (1999, p.308), Winckelmann é o
primeiro pesquisador a aplicar o método histórico ao estudo das obras de arte
em que interpreta a história como uma série de períodos de desenvolvimento e
decadência, não é apenas um teórico, mas o fundador da arqueologia, como
arqueólogo, consolida o retorno ao antigo, é considerado poeta do movimento
neoclássico e concebe a Grécia como referência cultural.
91
O Neoclássico e a arquitetura
Argan (1992, p.25) esclarece que o essencial na Arte Neoclássica,
seja na arquitetura, nas artes figurativas ou aplicadas é a idealização ou projeto
da obra, ou seja, o traço, existe na folha onde o artista o faz, é o desenho que
transforma o dado empírico em fato intelectual. Pela visão neoclássica, a
formação cultural e habilidade do artista são concebidas com relevância e que
devem ser desenvolvidas nas escolas públicas especiais, as academias.
Dentro das academias, o aspirante a artista neoclássico inicia seu aprendizado
com atividades práticas como desenhar cópias de obras antigas, o aluno deve
acatar o modelo sem emoções pessoais e ser preparado para expressar a
resposta emotiva obedecendo termos conceituais.
Mirabent (1991, p.3) ressalta que a imitação de modelos da Grécia e
de Roma atua como meio para obter uma arte asséptica e impessoal, dentro
deste contexto, as cidades de Roma e Paris tornam-se dois núcleos
fundamentais para o regresso à arte clássica. Contudo, o estilo neoclássico vai
além da ingênua reprodução da arte clássica, porque no âmbito da arquitetura,
procura encontrar e aplicar novas alternativas de soluções por intermédio das
propostas das obras construídas.
Essa concepção da arquitetura como uma ampliação de regras simples e rigorosas estava fadada a atrair os luminares da Era da Razão, cujo poder e influência continuavam a crescer em todo o mundo. Também na França a vitória do estilo neoclássico foi assegurada depois da Revolução Francesa. Quando Napoleão, posando como o paladino das ideias da Revolução, subiu ao poder na Europa, o estilo neoclássico de arquitetura tornou-se o estilo Império. (GOMBRICH, 1979, p.378)
O autor elucida que o estilo neoclássico corporifica o período de
mudanças e renovações resultantes da Revolução Francesa, concebido pelo
pensamento racionalista, tais ideias se refletem na arquitetura. No período de
Napoleão a arte clássica é vista como símbolo do poder oficial.
Segundo Mirabent (1991, p.19) a arquitetura neoclássica constitui
uma arte intelectual preconizada pelo domínio da deusa da Razão sobre o
mundo subjetivo, quanto ao aproveitamento dos elementos da arquitetura
clássica, descreve, a seguir, aspectos relevantes adotados pelo estilo
neoclássico.
92
Nas edificações são aplicados frontões, colunatas e átrios, com
capitel dórico, jônico ou corítio, com realce da coluna e do dintel (elementos
essenciais da arquitetura grega). Contudo, diferenciando da arquitetura
renascentista, a neoclássica jamais sobreporá as ordens arquitetônicas,
usando somente uma em cada construção.
Mirabent (1991, p.17) destaca que priorizando a intenção
racionalista que pressupõe o funcionalismo, a construção neoclássica procura
formas simples, proporcionadas, simétricas; sugerem plantas claras em sua
distribuição, estruturados no conjunto de princípios adaptados a um
determinado objetivo, que obedece a métodos, cláusulas e raciocínios lógicos;
buscando em seu interior, o conforto e bem estar. Outro aspecto que marca a
edificação neoclássica é o planejamento, concebido com grandiosidade e
autoridade, a vontade de expressar solidez e poder possibilita a idealização de
habitações de tamanhos consideráveis, com dominância de linhas horizontais
que prevalecem sobre as verticais, constituindo uma arquitetura compacta. Em
relação à arquitetura barroca, diferencia nos seguintes aspectos,
primeiramente, por preconizar a confusão e a diversidade, a neoclássica prima
pela tendência à coesão e recupera a nitidez do contorno na criação dos
volumes arquitetônicos, nas elevações, seções e plantas, as quais privilegiam
as formas quadradas, retangulares e centralizadas. Em segundo, a arquitetura
a neoclássica permite a autonomia aos elementos decorativos, delimitando
espaços exclusivos para a pintura e escultura sem que haja miscigenação.
Na Antiguidade, a arquitetura clássica está presente nos edifícios
públicos representados exclusivamente por templos. Entretanto, na segunda
metade do século XVIII e início do XIX, nas fachadas neoclássicas, o exterior
da construção, procura expressar efeitos de imponência e de força,
transformando a tipologia exterior do templo clássico em tipologia fundamental
a ser aplicada a todas construções, sejam igrejas, palácios, teatros, bolsas
mercantis ou câmaras parlamentares.
Mirabent (1991, p.19) ressalta que nas edificações neoclássicas
observa-se a renuncia à aplicação de contrastes cromáticos e efeitos pictóricos
e prefere obter a estabilidade, a solidez e a consistência de volumes por meio
da nobre simplicidade com emprego e valorização de materiais como o tijolo, a
pedra, o mármore branco, a pedra calcária e o granito.
93
Argan (1992, p.21) acrescenta que Lodoli e Milízia defendem
princípios como, além da adequação lógica da forma à função; a sobriedade do
ornamento, o equilíbrio e a proporção dos volumes, focando suas metas nas
necessidades sociais e econômicas da sociedade. Para alcançar tais metas, a
técnica não resulta da inspiração, habilidade e virtuosismo individual, agora,
compreendida como instrumento racional que a sociedade constrói e
aperfeiçoa para suas necessidades e que deve usufruir dela.
Para Argan (1992, p.22) essas reflexões levam a pensar sobre o
conceito de cidade, não como propriedade da Igreja e das famílias poderosas,
mas como resultado da expressão visível de uma coletividade norteada pelo
caráter racional que quer concretizar suas perspectivas de desenvolvimento. A
razão, não é um elemento abstrato, mas capacidade humana que deve orientar
a ordem à vida prática, deste modo, a cidade é concebida como local e
instrumento da vida social, dotada de crescimento complexo que precisa da
construção de edifícios específicos para atender a demanda social como
escolas, hospitais, cemitérios, mercados, alfândegas, portos, quartéis, pontes,
ruas, praças, etc. Para atingir este objetivo, a habilidade de engenheiros e
arquitetos deve servir aos interesses da sociedade na edificação de obras
públicas.
Argan (1992, p.23) A visão de que a construção da cidade é fruto de
concepções norteadas pelo bem comum e projeções de desenvolvimento leva
à criação de uma nova ciência da cidade, a urbanística, pensada por arquitetos
“da revolução”, Boulée (1728-99) e Ledoux (1736-1806). O caráter público deve
se sobrepor ao privado, essa concepção pertence às aspirações arquitetônicas
e urbanísticas que contemplam a cidade com unidade estilística adequada à
ordem social e são alvos das ambições napoleônicas que quer transformar
arquiteturas, estruturas espaciais, as dimensões, as funções das grandes
cidades do império em imensas praças com ruas longas guarnecidas por
grandes edifícios rigorosamente neoclássicos em sua maioria de ordem
pública. Muitas cidades europeias possuem uma fase neoclássica na sua
arquitetura que expressa o desejo de reforma e adaptação racional e refletem
uma sociedade em transformação.
Guinsburg (1999, p.304) completa que o estilo neoclássico,
primeiramente se manifesta na arquitetura e depois na pintura. Na arquitetura
94
revelar-se no mundo europeu e extra europeu, entretanto, sua essência e suas
reflexões são fatos caracteristicamente franceses. Os arquitetos, estudando as
ruínas de Grécia e Roma, elegem-nas como modelo para a arquitetura
neoclássica e recuperam a aplicação dos frontões triangulares com as ordens
arquitetônicas, toscana, dórica, coríntia e jônica, fundamentados no valor
absoluto das proporções que compõem a base da teoria de toda a arquitetura
clássica.
Guinsburg (1999, p.311) argumenta que a formação arqueológica
dos arquitetos franceses contempla Roma como modelo, entre eles, Jacques-
Germain Soufflot (1713-1780) pesquisa Roma entre 1731 e 1738, faz um
levantamento arquitetônico dos templos dóricos de Paestum. Sua obra principal
é a Igreja de Sainte-Geneviève, construída em 1746. Nesta obra une a estrita
regularidade clássica com o detalhe monumental romano com base na lógica
construtiva.
Segundo Guinsburg (1999, p.291) em fins de 1750, o retorno à
Antiguidade pode ser confirmado por dois edifícios simbólicos: primeiramente,
o Panteão de Paris, que apresenta a planta em cruz grega e sua colunata é
proveniente do Panteão de Roma, em seu interior, as colunas são coríntias,
apresentando influências de Piranesi e Clérisseau; em segundo, em 1758, o
Templo Dórico de Hagley Park, de James Stuart, no experimento de
reconstrução de um edifício grego. Comparando com o classicismo
renascentista, onde o homem é o centro de suas inquietações, o
neoclassicismo é norteado pela glorificação dos valores do cidadão, reflete
uma reação moral, da procura por novos moldes de comportamento
relacionados com o ideal de vida estóico e republicano, é contrário à sociedade
cortesã e apresenta uma reação intelectual, que objetiva buscar os princípios
de uma civilização primitiva e verdadeira.
Sobre o estilo Império no período napoleônico relatado por
Gombrich, Guinsburg completa que a assimilação com a Roma imperial
estimula o entusiasmo pela arquitetura antiga. Visando a monumentalidade, os
arquitetos do período, aplicam volumes simples, procuram a simetria e os
efeitos de perspectiva e utilizam formas geométricas básicas (cubo,
paralelepípedo, semiesfera).
95
O autor ainda completa que as ações de Napoleão são glorificadas
por vários monumentos: o Arco do Carroussel (1806-1808), de Percier e
Fontaine, inspirado no Arco de Sétimo Severo; o Arco do Triunfo (1806-1836),
de Raymond e Chalgrin, inspirado na arquitetura do período de Luís XIV; a
Coluna Vendôme (1806-1810), de Vivant Denon, Gondouin e Lepère, inspirada
na Coluna Trajana; O Templo da Glória (Madalena, 1807-1842), de Vignon, em
estilo coríntio, edificado sobre um alto pódio romano.
Tintelnot (1972, p.12) explica que a igreja de ‘Madelaine’, antes, na
origem, projetada por Contant d’Ivry, como igreja de cúpula sobre cruz latina,
demolida no período napoleônico, é reconstruída em forma de templo antigo,
seu novo aspecto permite reelaborar toda a perspectiva da Praça da
Concórdia. Seu arquiteto, Barthélémy Vignon (1762-1846), atribui com rigor
arqueológico, desprovido de aspiração cristã, destitui da tradição das fachadas
de duas torres e reconstrói na arquitetura neoclássica que influencia e domina
a concepção de construtores subsequentes.
A Pintura neoclássica
Mirabent (1991, p.47) argumenta que a Antiguidade clássica greco-
romana é transformada em parâmetro para a pintura neoclássica e a cidade de
Roma, com suas ruínas, é concebida como centro de inspiração pelos artistas
neoclássicos que consideram imprescindível o contato direto com Roma e
procuram auxílio para estudar ali. Os que conseguem bolsa de estudo
primeiramente expõem seus trabalhos em Roma, e depois, em seus
respectivos países. Os pesquisadores que difundem suas ideias e se tornam
expoentes do movimento neoclássico são A.R. Mengs, J.J. Winckelmann e
Francesco Milizia. Das obras, a mais relevante na pintura do período é o
trabalho de Mengs intitulado ‘Reflexões sobre a beleza e o bom gosto na
pintura’, publicado em 1762, em que concebe a Beleza, que não aparece com
perfeição na natureza, e cabe à Arte atingir tal perfeição por meio do intelecto,
da razão, da prática da habilidade artística e do conhecimento e aplicação dos
cânones clássicos, ou seja, o ideal da pintura neoclássica consiste na seleção
de belezas naturais despidas de toda imperfeição, percebidas pelo intelecto e
não com os olhos. Para a autora o artista concebe a pintura como arte liberal e
96
defende a necessidade de postular regras seguras acompanhadas de método,
propõe: cuidar da verossimilhança das representações; dar a cada corpo sua
forma particular, de modo claro e simples, sem detalhes acessórios; buscar a
verdade em tudo, inclusive em particular nos gestos, nos elementos singulares,
nas cores, luzes e sombras, que não apresentem fortes contrastes; com a
verdade é possível obter a graça, a que se subordina à beleza. Tudo
apresentado com composições mais simples com poucas figuras para realçar
visivelmente a sua perfeição.
Mirabent (1991, p.54) afirma que são escassos os exemplos da
pintura antiga, com exceção dos vasos gregos e dos afrescos de Pompeia, a
pintura antiga desaparece, para substituir esta lacuna, volta-se a atenção para
a arquitetura e a escultura, mais precisamente, aos baixos relevos. a temática
predominante na pintura neoclássica, na segunda metade do século XVIII,
compreende três: a história, a moral e os retratos, também criam cenas
mitológicas e paisagens. Na pintura histórica estabelece duas vertentes: a
representação de momentos históricos da Antiguidade e a interpretação de
acontecimentos contemporâneos.
Mirabent (1991, p.50,51) explica que na segunda metade do século
XVIII, a linha se sobrepõe à cor, estabelecendo um aspecto mais gráfico do
que pictórico. Sua revalorização resulta da sua identificação com a essência
intelectual, enquadrada no uso da razão, estabelecendo o contorno de modo
firme e consistente, mostrando-se claro quando usado na pintura sem sombra.
Sobre a aplicação das cores, a gama cromática diminui e há a preferência por
cores primárias que servem para definir limites entre zonas para evitar
superposições e matizes. A luz fria e cortante contribui para tornar os volumes
dos personagens mais precisos dando solenidade ao ambiente. O pintor
neoclássico não trabalha com contrastes de luz. Para que ocorra o destaque do
tema na pintura são abolidas as decorações supérfluas e secundárias.
Argan (1992, p.22) esclarece que o pintor neoclássico está guiado
pela “evocação e perfeição do antigo” e quer mostrar sua modernidade, para
tanto, elege como temas: o retrato que revele a individualidade e sociabilidade
da pessoa, os quadros mitológicos e históricos para representar seus ideais
civis.
97
Guinsburg (1999, p.290) alega que a pintura neoclássica norteia-se
por princípios que objetivam fazer de um quadro um exemplo de simplicidade,
sobriedade e dignidade, para esta aquisição, a inspiração do pintor neoclássico
é oriunda da estatuária antiga, seu trabalho prima pela conquista da forma, da
linha contínua, da pureza do traço, da perfeição do desenho, da composição
sólida, aproximadamente escultórica, privilegia cores frias e chapadas do que o
sensualismo cromático.
Gombrich (1979, p.382) acrescenta que a Revolução Francesa
propicia um enorme impulso à pintura com interesse na história e o uso de
temas heróicos. Os revolucionários franceses gostam de se considerar gregos
e romanos renascidos, e sua pintura, reflete seu gosto à veneração pela
grandeza romana. Grande parte das obras produzidas no período pré-
revolucionário possui como característica a representação de idéias como a
lealdade ao estado e à monarquia, e o dever público acima do sentimento
privado, e são essas algumas das idéias representadas na pintura de David
que é, mais tarde, o “artista oficial” do Governo Revolucionário e desenha os
trajes e cenários para eventos como o “Festival do Ser Supremo” em que
Robespierre oficia como Sumo Sacerdote autonomeado. Essas pessoas
pensam estar vivendo tempos heróicos e que os acontecimentos de seus
próprios dias são tão dígnos da atenção do pintor quanto os episódios da
história grega e romana.
A Academia
Gombrich (1979, p.379) explica que a palavra ‘academia’ recomenda
nova abordagem, deriva do nome da residência onde o filósofo grego Platão
ensina seus discípulos e gradualmente é aplicada a reuniões de homens
eruditos em busca da sabedoria. Os artistas italianos do século XVI chamam
primeiramente aos seus locais de reunião ‘academias’ para sublinhar aquela
igualdade com os humanistas que eles têm em tão alto apreço; a concepção de
academia, no século XVIII, é diferente do Renascimento italiano no século XVI,
no denominado ‘Século das Luzes’, as academias tem a finalidade de ensinar
Arte, como parte integrante do método de ensino, os professores estimulam
98
seus alunos a estudarem e analisarem as obras com o objetivo de adquirir e
desenvolver a habilidade técnica dos grandes artistas.
Mirabent (1991, p.8) declara que na Revolução Francesa ocorrem
avanços em vários aspectos, como o político, social, econômico, intelectual e
jurídico, neste último, resulta na reforma que se traduz no desejo de igualdade,
de universalização e unificação das leis, declarados e legitimados pelos
Direitos do Homem. Os iluministas, como filósofos, moralistas e artistas,
convergem na posição de alicerçar o pensamento na razão, esta ideia
influencia a Arte, nas concepções e na produção artística do período, pois,
valorizando a obra de artistas que ressaltam as finalidades didáticas e moral no
seu trabalho, contribuem para o progresso social. Para alcançar tal objetivo,
ocorre a criação e difusão das academias destinadas à formação do artista,
este almeja, como um intelectual, além do valor formal do seu trabalho,
contribuir para o bem comum, por meio da sua obra, mudar o mundo.
Segundo Mirabent (1991, p.12) apesar de algumas críticas
recebidas, as academias são decisivas na formação dos principais artistas da
época e permitem um status social e intelectual mais elevado em que a
aceitação e admiração das suas obras dependem da sua formação estar
abalizada no conhecimento enciclopédico e na consciência social. Somados
aos conhecimentos técnicos e, para sustentar a relação com a Antiguidade,
estão história, mitologia, com as histórias dos heróis gregos ou romanos e a
teoria da arte para favorecer a correta formação estética. A autora ressalta que
no século XVIII, com propagação das academias por todo continente europeu,
se destaca uma das qualidades mais importantes do período, o universalismo,
que corresponde ao interesse pela felicidade e pela verdade, inerente a todos
os tempos e lugares, acrescenta-se o desejo de suprimir as fronteiras
intelectuais. Há uma convicção na universalidade do saber quanto à sua
eficácia e no progresso do espírito humano.
A criação de academias também tem razões de ordem econômica,
pois seus administradores desejam conseguir benefícios industriais conforme
proporcionassem aos artistas hábeis, desenhar qualquer tipo de objeto. O
contingente de alunos assegura, em médio prazo, que as cortes de cada país
não necessitem procurar no exterior os artistas de renome para executar seus
pedidos.
99
Todas as academias têm alguns aspectos em comum como o
repúdio ao estilo barroco e rococó e o objetivo de atingir, na arte, a “nobre
simplicidade”. Para que as obras atraiam a atenção de interessados e sejam
apreciadas, os artistas devem obter uma sólida formação fundamentada no
conhecimento de caráter enciclopédico e na consciência social voltada para o
bem comum.
Além dos ensinamentos técnicos, são incluídos: a teoria da arte, a
história dos heróis gregos, romanos e a mitologia, estes dois últimos tópicos
estão frequentemente presentes nos trabalhos das academias, que colaboram
para conservar viva a relação instituída com a Antiguidade.
Como norma acadêmica, o projeto é o desenho, o traço que existe
na folha do artista, que obedece à cópia da estátua antiga, ou seja, o primeiro
passo na formação do artista neoclássico é obedecer à descrição do modelo,
deve desenhar corretamente as cópias das obras antigas.
Guinsburg (1999, p.269) destaca que já no século XVII, em 1648, é
fundada em Paris, a Academia de Pintura e Escultura, e mais tarde, em 1666, é
criada em Roma a Academia de França, nela, é ensinado aos artistas
franceses “o bom gosto e a maneira dos antigos”. Nestas academias, o modelo
acadêmico corresponde à ideia clássica concebida como dogma e exige que a
formação do artista obedeça a objetivos precisos que envolva, até, a
propaganda a serviço do Estado.
Na academia parisiense, o desenho está incluso no plano básico de
ensino que compreende cópias dos desenhos dos professores, desenhos de
modelos de gesso e de esculturas clássicas originais, e também, desenhos de
modelos vivos.
Guinsburg (1999, p.271) enfatiza que na academia, no programa de
ensino inclui os “discursos”, conferências nas quais as obras de arte são
analisadas de acordo com categorias (invenção, proporção, cor, expressão e
composição), são aplicadas notas, de zero a oitenta, aos artistas do passado.
O cânone da proporção, integrante primordial da composição, obedece às
normas da Antiguidade Clássica e deve ser aplicada com seriedade, bem como
a representação de gestos e atitudes. A viagem à Roma é parte complementar
da formação do artista, por meio dos exemplos greco-romanos é possível
observar a natureza e a proporção, a qual é uma das normas essenciais da
100
composição e está intrinsicamente ligada aos cânones da Antiguidade
Clássica, tal como a representação de gestos e atitudes. Neste mesmo século,
o historiógrafo e teórico de arte francês Félibien des Avaux, no seu trabalho
“Entretiens sur les plus excellents peintres anciens et modernes” (1666-1668) é
usado como base do ensino acadêmico, que preconiza: o estudo das estátuas
antigas deve retificar a natureza; a composição é espiritual porque se configura
na imaginação e antecede a execução; o desenho, mesmo não sendo
excelente, é fundamental para ilustrar a história, a fábula, a expressão; a
beleza, que compreende a proporção, obedece à razão.
Jacques Louis David
Mirabent (1991, p.49) relata que David na sua pintura consolida as
ideias do artista e teórico alemão A. R. Mengs, norteadas pela necessidade de
um relacionamento mais próximo com a Antiguidade Clássica.
O “espírito neoclássico” concretiza em David seu maior expoente,
sua pintura difunde a imagem da Antiguidade e por meio da visão plástica
expressa o caráter e a força dos antigos e exalta a virtude. Sua obra ultrapassa
as fronteiras da França e assume importante significado em nível europeu.
Perante a pintura neoclássica, o espectador deve refletir sobre os
fatos expostos e decidir dar um rumo positivo à sua própria vida.
A pintura de David ressalta a evidente ruptura com as linhas
estéticas barrocas. Sua obra pictórica permite entender as inovações plásticas
propostas pelo neoclassicismo como a preocupação em definir com precisão o
espaço estabelecido por uma caixa de perspectiva simples. Ao seguir os
relevos clássicos, tende a situar os personagens pictóricos num único plano.
Vive na época em que a França passa por profundas mudanças
sócio-político e culturais lideradas pela Revolução Francesa. Engajado no
processo revolucionário, pertence ao grupo dos Jacobinos, apoia os ideais da
Nação-estado como liberdade, fraternidade e igualdade que influenciam
diretamente nas suas convicções políticas e artísticas, e consequentemente,
refletem na sua produção pictórica, fazendo de seu trabalho uma ferramenta
ideológica.
101
O pintor considera a helenização de Roma o fato mais importante na
construção de uma arte pelos romanos. Ele mesmo almeja transformar-se
esteticamente em “grego puro”, para atingir esta meta, acrescenta em seus
quadros, objetos da Antiguidade, concretizando o interesse neoclássico pela
arqueologia. Propriamente não copia a Antiguidade, contudo, prefere ser
original e se sobrepõe a ela. O artista comenta que copia os modelos antigos e
depois transforma perante o advento de um “tempero moderno” para obter os
efeitos expressivos e gestuais, outro elemento que o relaciona com a
Antiguidade clássica é seu interesse pelo nu.
Schama (2010, p. 192) acrescenta que o pintor crê que a Arte, para
exercer atração magnética, precisa ir além de ser um veículo de prazer, deve
mudar vidas, e com elas, a própria história da sociedade humana. Concebe a
pintura como um meio de conversão, que pode levar a sociedade a se
transformar em uma comunidade moral e estabelecer uma cidadania digna. O
autor ressalta que o artista cria a moderna propaganda visual ao estabelecer o
poder coercitivo da sua pintura composta por um desfile de heróis, vítimas e
mártires que exaltam o bem comum. David produz sua obra com determinação
e paixão suprema, a pintura deve expor narrativas envolventes, necessitava
chocar, fascinar, incitar e, por vezes, aterrorizar, objetivando uma tomada de
consciência e mudança de atitude das pessoas frente a um momento histórico.
Sua produção pictórica, composta pelos aspectos comentados acima, torna-se
o principal propósito da pintura neoclássica e norteiam os trabalhos de pintores
neoclássicos posteriores. O artista, ao confeccionar cópias dos homens e
acontecimentos importantes que redimem a humanidade, ou melhor, a parte
francesa da humanidade, do antigo regime, seria um exercício de reeducação
das massas, acredita que as imagens da verdade lançadas como raios sobre
sensibilidades da maioria analfabeta e ignorante tem o poder de libertar dos
vícios do antigo regime.
O pintor protagonista da pintura neoclássica se considera um
homem novo de uma nação renascida, assim como a Igreja, que por vários
séculos, usou a pintura para promover a salvação moral, que transforma
pecadores em penitentes, se sente como um instrutor da virtude.
Schama (2010, p.196) cita que Jacques-Louis David (1748-1825)
perde o pai por volta dos nove anos, uma dupla de tios arquitetos e
102
construtores se responsabilizam por sua educação e o enviam às melhores
escolas objetivando transformarem-no em advogado ou arquiteto, contudo, o
menino gosta de pintar e os tios observam algum talento incomum, foi
encaminhado para ser aluno do pintor Boucher, no início da década de 1760,
este não o aceita como aluno alegando estar muito velho e já ter alunos
suficientes. Mais tarde, é enviado ao mestre classicista Joseph-Marie Vien,
conhece Roma, o Fórum romano, estuda os textos que indicam o retorno à
solenidade antiga, conhece livros como o trabalho de Johann Winckelmann e
outros sobre as escavações de Pompéia e Herculano, tais fatos evidenciam a
presença de colunas caneladas e trajes clássicos baseados em relevos
romanos na obra de David.
Guinsburg (1999, p.269) descreve que o pintor norteia-se pelas
teorias do neoclassicismo para compilar e modificar, em forma de lei, os
ensinamentos de arte da Academia de Belas-Artes e articula conceitos
estéticos para unir valores do seu período com os ensinamentos clássicos.
Dois trabalhos de David, que em comum, utilizam elementos da
arquitetura clássica para compor como cenário: “O Juramento dos Horácios” e
“A Consagração do Imperador Napoleão e a Coroação da Imperatriz Josephine
em 02 de dezembro de 1804” são comentados a seguir.
“O Juramento dos Horácios”
Argan (1992, p.22) comenta que na obra “O Juramento dos
Horácios”, David inspira-se na moral da Roma republicana referindo-se à arte
romana do período.
Guinsburg (1999, p. 276) destaca que a ideia é derivada da peça Os
Horácios (1639). De Corneille, inspirada por sua vez na História de Roma, de
Tito Lívio. O quadro é pintado em Roma, cidade onde David completa sua
formação como pintor, iniciada com Vien, depois continuada com o contato
com Mengs, Milizia e Quatremère de Quincy.
Convicto de seus princípios, David aplica seu talento na elaboração
de pinturas de tema histórico como a obra intitulada: “O Juramento dos
Horácios”, iniciada em 1774 e concluída em 1785, encomenda do rei da
103
França, Luís XVI, exalta os valores coletivos e nacionais sobre os valores
individuais, seus personagens pertencem a uma história romana, retratados em
um ambiente interno caracterizado pela arquitetura clássica com colunas, arcos
e capitéis dóricos. Durante sua permanência na cidade de Roma, o pintor cria
este trabalho por encomenda da corte, cinco anos antes da Revolução
Francesa, movimento político e social que derruba a monarquia e marca a
implantação de uma nova ordem social na Europa com objetivo de encontrar
um novo modelo para uma nova sociedade revolucionária e republicana.
Arte e política: A intenção de David era fazer um quadro de propaganda, mas não previu o sucesso que teria. Quando foi pintado, o Antigo Regime da monarquia francesa, baseado no direito divino dos reis, teria apenas mais quatro anos de vida. Em 1789 a Revolução Francesa, que David apoiou, substituiu esse regime por uma nova ordem política: a república da Nação-Estado, com seus ideais de liberdade, fraternidade e igualdade. Seu quadro heroico, autoritário e de composição impecável simboliza o novo sonho político e é um modelo do estilo neoclássico. Ironicamente, esse quadro foi encomendado pelo rei Luís XVI, que morreu na guilhotina em 1792. (CUMMING, 1996, p.71)
104
Imagem 16 “O Juramento dos Horácios”
(http://www.doispensamentos.com.br) Acesso em: 04/06/2014 – 11h40min.
Mirabent (1991, p.49) relata que esta obra é concebida como a
primeira obra pictórica inteiramente neoclássica. Os acontecimentos políticos
influenciam os temas pictóricos e as composições de David, antes e depois da
revolução. Anteriormente pinta cenas violentas, e posteriormente à revolução,
reveste seus trabalhos com clima de distenção antibeligerante. A autora
destaca que o quadrilátero geométrico mostra-se evidente neste trabalho e,
como nos relevos clássicos, situam os personagens pictóricos num mesmo
plano.
Schama (2010, p.204) explica que David, com esta obra, alcança
reconhecimento no salão de 1785, devido ao tema, à composição e a técnica.
Do tema, ressalta que nunca antes se representou tão bem o conflito entre o
dever e o sentimento. Terminado o Salão, 60 mil pessoas compareceram para
105
ver a obra, o quadro foi aplaudido tanto pelos críticos como pelo público. David,
depois deste sucesso de público, executa pinturas para “A Nação”.
De grandes dimensões, a obra é concebida como o paradigma da
pintura neoclássica, personifica aspectos do final do período moderno, como a
intenção da nobreza e monarquia em resgatar valores da Roma Antiga, como o
civismo, a lealdade ao Estado, a virtude, o dever público, o bem coletivo acima
do sentimento privado.
O tema desta pintura é inspirado na peça Horácio e retrata o
momento em que os três irmãos fazendo a saudação romana, no qual juram ao
homem mais velho, Horácio, que lutarão pela República Romana, embora sua
decisão traga sofrimento a seus familiares.
Mirabent (1991, p. 56) ressalta que a obra tem como finalidade
artística a regeneração dos costumes por meio da contemplação.
A cena retratada no quadro acontece em um ambiente fechado, com
aspecto cênico, onde os personagens principais estão todos em primeiro plano,
distribuídos equilibradamente com simplicidade e objetividade, graças á
construção de uma pintura linear. O ambiente é sustentado por elementos da
arquitetura clássica composto por três arcos plenos apoiados em três colunas
de textura lisa como uma ordem dórica simplificada.
Mirabent (1991, p. 50) esclarece que com a utilização de poucos
personagens, a composição ressalta a perfeita integração das figuras com
espaço arquitetônico, pois este último acomoda as figuras: cada arco pleno
aloja um grupo ou uma figura como um compartimento, uma vez que a
arquitetura de colunas dóricas que os condiciona, formam três grandes arcos
plenos que aludem o arco do triunfo, monumento da arquitetura romana,
normalmente utilizado como símbolo de vitória em uma batalha, o que garante
simetria à obra.
Sob o arco à esquerda estão três homens, os irmãos Horácios,
prestam juramento de lealdade e solidariedade a Roma com braços levantados
em direção a outro homem que toma o juramento, é o pai Horácio, situado na
direção do arco central, onde acontece a ação principal, o ritual de juramento,
levantando três espadas para o alto; e atrás deles, na direção do arco à direita
estão duas crianças e três mulheres sentadas com gestos e expressões de
106
consternação. É possível observar que este ambiente ganha profundidade pelo
piso em perspectiva e que as colunas continuam no fundo, no segundo plano.
Em todo quadro, o artista repete o tema do grupo de três. Como
cada grupo está emoldurado num arco sugere seu isolamento e, ao mesmo
tempo, os vínculos que os unem. Sobressai o desenho de ordem firme e
decidido, exibindo uma gama cromática reduzida, mas, com presença de
tonalidades quentes. O contraste entre a postura heróica dos homens e a
sensibilidade das mulheres é copiado por muitos pintores.
Schama (2010, p.203 e 204) destaca que a obra ‘O Juramento dos
Horácios’ é o manifesto da fraternidade, da união masculina patriótica, uma
incitação às armas, contudo, em 1785, o momento não evidencia uma luta
política e nem uma guerra social, o panorama político tem uma reviravolta um
ano mais tarde.
Consagração do Imperador Napoleão e a Coroação da
Imperatriz Josephine em 02 de dezembro de 1804
A segunda obra de David que destacamos nesta pesquisa
representa o momento que Napoleão é coroado Imperador, consagrando-o
como homem poderoso perante toda Europa, feita entre 1806 e 1807, foi
encomendada por Napoleão.
Nessa obra, a arquitetura, com traços clássicos, é usada para
enfatizar a importância do acontecimento histórico, expressa sofisticação sóbria
sem exageros de ostentação, representa a conquista, a glória, a idolatria, e a
moral.
107
Imagem 17 A Consagração do Imperador Napoleão e a Coroação da Imperatriz
Josephine em 02 de dezembro de 1804.
(http://tiffanyslittleblog.blogspot.com.br/) Acesso em: 27/10/2015. 10h45min.
Mirabent (1991, p.52) revela que a preparação desta obra leva um
ano e a composição apresenta com relevância o jogo de luzes e de cores que
organizam e harmonizam o conjunto. Esta pintura retrata a cerimônia da
coroação de Napoleão Bonaparte que acontece na catedral gótica de “Notre-
Dame”. David pretende destacar Napoleão como uma grande figura da História
mundial. Quando o quadro é apresentado no salão de 1808, obtém sucesso e
Napoleão como prêmio, honra David com título oficial da Legião de Honra.
De acordo com os cânones da arte clássica, cada personagem e
cada detalhe possui autonomia, mas, sem perder a unidade.
O espaço pictórico ocupado pela catedral de “Notre-Dame”, na
pintura de David, está retratado como uma edificação neoclássica para ser
entendida como pintura histórica que ressalte a “Era Napoleônica” para
representar e enfatizar a atualidade do momento histórico e político. Contudo,
não corresponde à realidade, pois a catedral de Notre-Dame é construída em
estilo gótico, concebido como ultrapassado pelos artistas neoclássicos.
108
A releitura do universo material do estilo clássico greco-romano,
articulada pelo estilo neoclássico no século XVIII e início do XIX, assume
posição relevante no governo de Napoleão, que deseja anexar sua imagem de
governante glorioso ao Neoclassicismo, transformando-o em estilo Império,
concebido como símbolo de requinte, conquista e poder estabelecido, usa-o
como instrumento ideológico para marcar a presença na história universal.
109
CAPÍTULO IV O NEOCLASSICISMO NO BRASIL
Contexto Histórico
O século XIX apresenta à História da Arte no Brasil o sério desafio de ter sido a época decisiva para a formação de nossa cultura nacional. A transferência da família real portuguesa e consequente elevação do Brasil a Reino Unido e sede da Côrte; a independência política e o estabelecimento de um Estado nacional; a progressiva emancipação econômica e a passagem de um sistema exportador escravagista para outro baseado no trabalho assalariado; o surgimento de uma classe média urbana e de um comércio interno, aliado aos nascentes grupos industriais, tudo o que até o advento republicano pôde condicionar a inteligência brasileira para receber e reassimilar as influências internacionais, aconteceu de fato nesses primeiros cem anos de nossa história independente.....No momento, tão paradoxal politicamente, em que tanto a abertura dos portos proporcionada pelos interesses comerciais ingleses quando a índole absolutista de D. João VI e do príncipe D. Pedro serviram ao partido da independência, assim como o movimento constitucional das cortes portuguesas aliava-se aos interesses da colonização; no campo cultural, alimentado pelos ideais do liberalismo e da revolução francesa, tudo parecia propiciar a substituição da arte setecentista portuguesa por umas formas e conceitos importados de Roma ou Paris. (CAMPOFIORITO, 1983, p.13)
O Brasil, na condição de colônia portuguesa, herda influências
culturais da Europa como a língua, a religião, as tradições, os costumes, a arte
e, politicamente, obedece às diretrizes da metrópole portuguesa e de seus
soberanos conforme seus interesses políticos e econômicos.
Mais precisamente, a vida das pessoas na colônia é norteada
diretamente pela administração de seus colonizadores, que por sua vez, é
regida por suas ambições de conquista e poder. No campo artístico, não é
diferente, suas preferências acompanham as tendências do continente
europeu, tal fato, torna difícil o espaço para o reconhecimento e
desenvolvimento de uma arte genuinamente brasileira.
A ordem jesuíta Companhia de Jesus, exerce no Brasil sua política
de disseminação, catequese e alfabetização dos humildes dentro dos princípios
da teologia, da filosofia escolástica e traz a Arte barroca, acompanhada da
religião católica, introduzida e sedimentada na nossa cultura ao longo do
período colonial, durante o ciclo da cana-de-açúcar e o ciclo do ouro na
110
construção e decoração de igrejas, norteando a organização da sociedade
brasileira.
Este panorama social, cultural e político muda com a vinda de Dom
João e da família real portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808 que repercute
em consequências políticas, econômicas e culturais para o país, entre elas, a
elevação do Brasil a Reino Unido, sede provisória da Corte, e, a abertura dos
portos, quase que exclusivamente para atender aos interesses comerciais
ingleses.
Apesar da reestruturação política e social que resulta na construção
da cultura brasileira, a ex-colônia é concebida por estrangeiros e seus
governantes como incapaz de desenvolver uma cultura sólida e sofisticada nos
moldes dos países europeus, dessa forma, passam a sujeitar, controlar,
submeter e amoldar a receber influências internacionais, as quais interferem na
formação do pensamento cultural brasileiro até o final do século XIX.
A vinda da corte refugiada parecia dever despertar o Brasil da sua modorra, duas vezes secular; mas, como observam Spix e Martius, a chegada em massa de um grande número de europeus, o contato com uma sociedade mais civilizada introduziu, sobretudo e mais rapidamente, maior gosto pelo conforto material, pelo luxo e os encantos exteriores da vida social, muito mais do que pelo amor das artes e ciências. Nos países do Norte o requinte dos gozos da vida seguiu os progressos das artes e das ciências; no Brasil, pelo contrário, começou-se por desenvolver os prazeres dos sentidos e da vida exterior antes de aperfeiçoar as artes e as ciências. Dentre os estabelecimentos com que dotou o Brasil, quis compreender uma escola de Belas Artes, inspirado pelos conselhos do homem superior que era Antonio de Araújo Azevedo, de inteligência e erudição rara entre os homens de Estado portugueses da época. (TAUNAY, 1912, p.7)
Os costumes, comportamentos e o modo de vida dos habitantes
daqui são bem distantes dos hábitos europeus da corte portuguesa que veio
para cá. Na época, a colônia conta com muitos trabalhadores humildes, na
maioria, sem estudo e sem formação intelectual ou acadêmica, um lugar
completamente sem ambiente para o desenvolvimento das ciências e muito
menos, das artes.
Contudo, o contato, observação e admiração pelo comportamento
de um povo mais civilizado que ostenta requinte, gestos ponderados,
acostumados á comodidade material e à intensa vida social, leva o povo da
111
colônia a almejar e valorizar esse modo de vida sem se dar conta que é
necessário melhorar primeiramente o nível educacional e sua condição
econômica.
A Vinda da Missão Francesa
A presença da Missão Francesa no Brasil está inserida na escalada
de mudanças sociais, culturais e no processo de reurbanização do Rio de
Janeiro que acontece após a vinda de Dom João e sua comitiva de quinze mil
pessoas em 24 de janeiro de 1808.
Bardi (1975, p.142 e 144) cita que D. João VI, ladeado por seus
ministros, pelos mentores Visconde de Cairu e pelo Conde da Barca, estão
focados em estruturar a capital no âmbito da utilidade pública, visto que o Rio
de Janeiro, na época, encontra-se em situação precária, é uma cidade com
condições higiênicas e habitacionais abaixo de qualquer decência, sem
tratamento de esgoto, a população analfabeta vive em casas insalubres.
A abertura dos portos privilegiando a Grã Bretanha, proclamada por
meio de uma Carta Régia pelo príncipe regente, D. João, em 28 de janeiro de
1808, quatro dias após sua chegada e da corte portuguesa, possibilita o
contato do povo da ex-colônia com diversas novidades, por exemplo, o vidro,
divulgado por ingleses, que substitui as rótulas e gelosias das casas por
vidraças e cortinas.
D. João estabelece um decreto sobre a interligação entre casa e rua
que resulta na melhoria da limpeza e no mobiliário das habitações, estimulando
o trabalho de fabricantes de móveis e incentivando as importações.
Sucessivamente, com a reurbanização, transforma o aspecto físico e
urbano da cidade que inclui desde caminhos capinados, ruas varridas e
calçadas lavadas, lugares da circulação do povo humilde como meirinhos,
aguadeiros e alferes, e até, muitas moradias, como sobrados que hospedam os
fidalgos, marqueses, barões e duques.
Abruptamente, a cidade tem que adaptar-se aos novos moradores e
oferece distrações do gosto da nobreza como o Convento do Carmo, onde
instala-se a sede da Corte, passa por reformas, a capela é edificada como sala
de concertos e palco de teatro. O local improvisado torna-se insuficiente e D.
112
João manda construir um teatro maior para receber as atividades teatrais como
o Teatro São João, em 1812. A vida cultural varia entre teatro, bailes, saraus e
festas folclóricas como touradas e cavalhadas.
A condição de Reino Unido agrada ao monarca que se sente seguro
e autônomo na América, buscando apagar a impressão de ex-colônia, Dom
João procura realizar ações que promovam o Brasil entre outras nações,
modernizando e atualizando o país, como a instalação da tipografia régia,
editando livros científicos, romances e um jornal. A Biblioteca Real, trazida no
porão dos navios, é organizada no Carmo e aberta ao público. O Conde
Linhares, ministro do regente, constrói uma Escola de Cirurgia.
No processo de reurbanização da cidade do Rio de Janeiro, como
sede do Reino, o regente aprova pessoalmente a planta de vários edifícios
públicos e certifica-se quanto a sua modernidade, repudiando construções
“góticas”, ou seja, devem ser edificações que obedeçam aos padrões
neoclássicos. Contudo, os arquitetos e artistas brasileiros não conhecem
suficientemente os padrões neoclássicos e precisam ampliar modernizar seus
estudos na área da construção civil para acompanhar o gosto da Corte
portuguesa.
Bardi (1975, p.143 e149) explica que D. João possui hábitos
mecenísticos e concebe as artes como instrumento político e também percebe
que é necessário suprir a ex-colônia com uma instituição que desenvolva arte
nos padrões europeus. Sob este panorama, a Missão Francesa resulta de uma
articulação política em que o Conde da Barca (Dom Antônio de Araújo e
Azevedo) aconselha o Soberano, que o Marquês de Marialva (Dom Pedro José
Joaquim vito de Menezes Coutinho), responsável pelos negócios em Paris,
seja encarregado de estudar a vinda de um grupo de artistas profissionais
competentes nos padrões do neoclassicismo francês para o Brasil.
O Marquês acata a ordem real, porém, sendo principiante no
assunto, pede o parecer de Alexander von Humboldt, que por sua vez se dirige
a Joachin Le Breton, secretário perpétuo mas demissionário da Academia de
Belas Artes do Instituto de França. Le Breton organiza um grupo de artistas e
mestres de ofício: Nicolay Antoine Taunay (pintor de paisagem), Jean-Baptiste
de Bret (conhecido como Debret, pintor de história), Auguste-Henri-Victor
Grandjean de Montigny (arquiteto), Auguste Marie Taunay (escultor), Charles
113
Simon Pradier (gravador), integram também o grupo um secretário, um
professor de mecânica e muitos auxiliares, como serralheiros, ferreiros,
construtores navais, curtidores e surradores de pele, carpinteiros, fabricantes
de carros e outros práticos de diversos serviços. Estes profissionais estão
acostumados a servir aos gostos e preferências das cortes europeias e, é
claro, pretendem continuar o mesmo trabalho aqui.
O objetivo da Missão Francesa é a criação de uma Academia
atuante e influente, Le Breton, devotado à sua missão em articular um ensino
acadêmico estruturado, apresenta o projeto da Academia ao Governo, este
interfere sistematicamente no projeto, o que desagrada seu criador.
Em fins de janeiro de 1816, o grupo embarca no navio cargueiro
americano Calphe, no Havre-de- Grâce; em 20 de março, desembarcam no
Rio, sendo recebidos por D. João VI, com atenciosa cordialidade.
Bardi (1975, p.143 e150) afirma que após a acomodação do grupo,
meses depois, Le Breton expõe seu projeto de trabalho para o Governo para
criação da Academia. O projeto é modificado conforme a moda da casa,
condições, pechinchas, graus e horários. Irritado e aborrecido, Le Breton
aceita, aconselha. O regente assina o primeiro decreto de fundação em 12 de
outubro de 1816 que institui a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, sendo
encomendado o projeto do edifício a Montigny, que inicia os desenhos.
Entretanto, só após dez anos será concluído. Além disso, três fatos interferem
no desempenho da academia: os falecimentos do Conde da Barca, protetor da
Missão, tempos depois, Lebreton e a manifestação de desconforto entre os
artistas locais, apoiados pelo cônsul geral francês, este desaprova a presença
dos artistas bonapartistas da Missão.
Taunay (1912, p.6) ressalta que a criação de uma Escola real de
ciências, artes e ofícios promovem e difundem a instrução e conhecimentos
indispensáveis aos homens voltados aos empregos públicos de administração
do Estado, como também, ao desenvolvimento da agricultura, mineralogia,
indústria e comércio que compõe a subsistência, comodidade e civilização dos
povos, tais concepções estão em consonância com as ideias defendidas pela
revolução industrial em andamento na Europa.
Squeff (2004, p.171) completa que os artistas componentes da
Missão deparam-se com as péssimas circunstâncias sociais, culturais e
114
políticas do Brasil colônia e percebe os sérios obstáculos que tem de enfrentar
para concluir a empreitada. A pretensão de uma Academia atuante e influente
fica comprometida porque os franceses percebem que a criação de uma
academia de artes não pertence ao conjunto de prioridades de Dom João VI.
A demora do governo para inaugurar a escola leva muitos membros
da Missão a voltar para a Europa. Porto Alegre, usando um termo irônico,
afirma que a academia, no início do funcionamento, é comandada por um
“triunvirato português” liderado pelo pintor Henrique José da Silva que controla
a AIBA por 14 anos e administra de forma distanciada do projeto original,
inspirado no modelo francês.
Somente quatro anos depois, é fundada a Real Academia de
Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil, inspirada na Academia de
Londres.
Dos artistas franceses o mínimo que se deve reconhecer é que eram notáveis e categorizados no ambiente artístico europeu, o que constituía credencial de significado internacional. (CAMPOFIORITO, 1983, p.24)
Os artistas da Missão são pessoas estudadas com ótima formação
artística e com objetivos sérios para estruturar a Arte na ex-colônia, mas,
encontram diversos obstáculos como os sentimentos nacionalistas perante a
presença de um grupo artístico estrangeiro, as terríveis condições sociais e a
falta de um compromisso político devotado para a cultura, pois os homens do
governo, além de não terem conhecimento mínimo sobre a Arte, estão
inteiramente preocupados com as constantes turbulências políticas e
econômicas que assolam o Brasil, desde 1808 e que se estendem por toda
fase imperial até o advento da República, dessa forma, a Academia e o
desenvolvimento do ensino artístico profundo estão relegados ao segundo
plano, não configuram entre os interesses de primeira ordem de nossos
administradores políticos da época. Apesar de todos esses revezes, a Missão
Artística procura realizar seu trabalho com afinco na medida do possível,
ensinam àqueles interessados e formam grandes nomes da arte brasileira do
século XIX sob os cânones da arte acadêmica e do neoclassicismo francês.
115
O Neoclassicismo Francês no Brasil
Durand (1989, p.3) esclarece que o período monárquico (1822-1889)
é marcado pela importação do estilo neoclássico francês praticado nas
academias de belas-artes europeias. É introduzido no Brasil na época do
declínio do barroco, característico da etapa colonial e do mecenato da Igreja,
até as primeiras manifestações locais da estética inspirada nos movimentos de
vanguarda europeia do começo do século XX. No âmbito cultural, no século
XIX, mais exatamente, no período monárquico, de 1822 a 1889, ocorre a
disseminação em terras brasileiras dos ideais do liberalismo e da revolução
francesa, materializados na arte por meio dos cânones acadêmicos do
neoclassicismo francês fundamentado nas formas e conceitos importados de
Roma e Paris. Na França, a formação do estilo francês se intensifica quando os
artistas franceses matriculam-se no Instituto de França, fundado em 1795, sob
a administração de David, pintor oficial de Napoleão, rapidamente adquire
notoriedade superior como Ecole des Beaux-Arts de Paris que norteia escolas
de Arte de toda Europa.
Campofiorito (1983, p.23) acrescenta que a Missão Francesa é
composta por dois pintores que se consagram à especialidade histórica, tal fato
está ligado às preferências das cortes europeias de encomendar pinturas que
retratem os acontecimentos de seu interesse.
O êxito que se espera da pintura corresponde ao mesmo na
arquitetura, à gravura e à escultura, conforme as preferências da classe
dominante para seus palácios, através bustos, estátuas e medalhas, integrando
o conjunto documental dos fatos e das personalidades que devem ser
perpetuadas.
No Brasil, as pessoas da corte e de condição abastada cultivam este
tipo de documentação conveniente. Tal comportamento transforma-se em estilo
oficial na formalidade padronizada de um gosto artístico determinado
configurando uma arte erudita e distante das raízes populares.
Squeff (2004, p.207) completa que as pessoas envolvidas no projeto
de legitimação da nação criada em 1822, renegam o passado colonial. É
momento de articular uma concepção de história como progresso e
116
aprimoramento contínuo que estabeleça ao Império o estatuto de nação
independente, soberana e integrada com as nações civilizadas, o estilo
barroco, visto como marca do passado colonial atrasado é suplantado e
encoberto pelo estilo neoclássico e seus valores estéticos.
O Neoclassicismo representa o estilo que se destaca no panorama
de mudanças dos valores e na visão de mundo na Europa, em especial na
França e é concebido por muitos artistas da época como fator principal que
compõe uma conduta moral e ética potencialmente oposta a tudo que o
barroco evoca.
A pesquisadora conclui que o pintor Manuel de Araújo Porto Alegre,
como seguidor de Debret e David, envolvido profundamente em dois episódios
do recente Império, a proclamação da Independência e a instalação da
Academia de Belas Artes no Rio de Janeiro, concebe e compromete-se de
maneira programática ao neoclassicismo que corporifica significados e
desdobramentos que vão além do campo artístico. Na posição de estilo
representante da nação independente, cabe ao neoclassicismo, a missão
histórica de ressaltar o lugar do Império brasileiro entre as nações
desenvolvidas do mundo.
A condição social do artista brasileiro
Os artistas da Colônia raramente vinham de camadas abastadas da sociedade. Ao contrário, sendo escravos, forros, mulatos ou brancos livres, tinham uma ocupação pouco valorizada. A eles coubera uma atividade que, se muitas vezes lhes garantia a liberdade, a despeito do vínculo estrito que mantinham com os mestres de seu ofício, por certo, dificilmente significava prestígio social ou enriquecimento. Os negros e mulatos eram incorporados ao sistema corporativo de formas diversas: como escravos dos mestres; alugando seus serviços como negros de ganho; ou ainda como libertos, nesse caso teoricamente ficava aberta a possibilidade de ascensão profissional. Fora do contexto das oficinas de ofícios, nas fazendas e casas particulares, escravos eram utilizados na feitura de móveis e utensílios domésticos, na decoração e pintura das residências, realizando, muitas vezes com maestria, ofícios e atividades de artesanato. Os artistas coloniais também raramente possuíam uma especialidade: realizavam da pintura de afrescos ao douramento de móveis, da arquitetura à pintura de paredes, da estatuária à ‘encarnação’ de imagens. À falta de especialização correspondia um aprendizado
117
informal, conquistado com a observação dos mestres, aos quais o aprendiz ajudava em tarefas progressivamente mais complexas, conforme aumentavam seus conhecimentos. Sem frequentar uma escola ou academia de artes, o artista da colônia tinha uma formação predominantemente prática. A realização artística estava condicionada à vontade do contratante, que participava de todas etapas do processo de criação. Nesse contexto, como dar um estatuto de artista a esses homens humildes, cujas vidas pouco ou nada tiveram de notável. (SQUEFF, 2004, p.143)
Na fase colonial, as condições da vida são profundamente difíceis,
visto que a Metrópole tem somente a preocupação em manter seu domínio e
comércio, como consequência, os artistas nativos têm uma formação
profissional incompleta, sem especialização que não permite qualidade melhor
de vida nem desenvolvimento ou aperfeiçoamento artístico.
Diante desta situação, não há uma preocupação com a organização
formal no ensino e aprendizado artístico, esta mão de obra serve apenas para
suprir os interesses da Igreja na sua disseminação no território brasileiro.
Completa este panorama, o fato que os colonizadores mantêm a
preferência pelo importado, ambicionam exibir uma magnificência artística
comparável com a que se produz em solo europeu.
A pintura não se destina mais à decoração religiosa, procura temas
diferentes como o retrato, que se expandem como a paisagem, as cenas
urbanas e a natureza morta. Esta situação exige que o artista possua uma
formação mais profunda, consistente e na qual necessita de estudo formal,
longo e complexo.
Estabelece uma concorrência acirrada entre os artistas por
encomendas realizadas pela própria corte ou pessoas ligadas a ela com
prestígio social.
Com a independência, em 1822, acentua ainda mais o fim da pintura
colonial ligada à arte barroca e principia outra direção estética que regula o
ensino artístico à Academia de Belas Artes, em que ocorre o enquadramento
da atividade pictórica nos termos de um aprendizado voltado para o estilo que
se expandiu por toda a Europa em oposição ao Barroco e Rococó, tidos como
arte do passado.
As encomendas são feitas por membros da corte, pelo imperador e
sua família, ou pessoas com alto poder aquisitivo e posição social de prestígio.
118
Os artistas colocam seu talento artístico a disposição dessas
pessoas e dependem de suas encomendas para viver, a clientela geralmente
solicita os temas acadêmicos como retratos, pintura de fatos históricos ou
paisagens.
Temerosos em perder a clientela valiosa e sofisticada, os pintores
não buscam temas mais complexos ou duvidosos como costumes e tradições
do povo brasileiro, injustiças sociais como a escravidão humana e a retratação
de grupos étnicos, ou seja, nada que pudesse soar como crítica ao governo
monárquico.
Manuel de Araújo Porto Alegre
Campofiorito (1983, p.51) afirma que Manuel de Araújo Porto Alegre
(1806-1879), dono de inteligência e sensibilidade diferenciadas, tem formação
completa no âmbito da filosofia, literatura e arte, no século XIX e realiza grande
contribuição à formação da cultura nacional.
Letícia Squeff (2004, p. 23) acrescenta que Porto Alegre é um dos
personagens mais ativos do Império brasileiro. Pintor de formação escreve
poesia, história sobre música e artes plásticas. Faz projetos arquitetônicos de
igrejas e de diversos edifícios do Rio de Janeiro, entre eles, parte do edifício da
Academia Imperial de Belas Artes (AIBA).
Desde cedo demonstra aptidão e gosto inatos pelas artes, como
autodidata, principia sozinho seus estudos artísticos. Mais tarde, faz as
primeiras aulas com Debret, torna-se seu discípulo, participa da exposição da
Academia em 1829 e ganha a admiração de dom Pedro I por seus retratos.
Membro do primeiro grupo que estuda na Academia Imperial de
Belas Artes, com especialização em pintura histórica, dedica-se ao ensino
artístico e à crítica de arte.
A autora relata que Porto Alegre, vindo da província de rio Grande
de São Pedro, chega ao Rio de Janeiro após a emancipação política, momento
em que os conselheiros políticos ao redor de D. Pedro I observam a
necessidade aplicar medidas de médio e longo prazo para concretizar o
Império brasileiro.
119
A cidade do Rio de Janeiro deve se reorganizar como capital e dar
destaque o Império brasileiro, percebem a necessidade de construir uma rede
de instituições, bem como normas e leis que equipassem o Estado para um
cotidiano político e administrativo consolidado e ativo.
Obedecendo ao porte de capital, a cidade deve comportar
instituições de ensino e cultura que inexistiam em outras regiões do Império,
dessa forma, D. João cria o Museu Real, a Imprensa Régia, a biblioteca Real, o
Jardim Botânico, a Escola Militar, a Escola Naval, a Academia de Medicina,
além de uma Academia de Música, de Belas Artes, do Imperial Observatório,
do Arquivo Público, do Laboratório do Estado e de algumas escolas técnicas.
Para a articulação do aparato de corte da capital é imprescindível a
contratação de pessoal. Muitos chegam á cidade em busca de uma colocação
entre os órgãos governamentais, Porto Alegre é um desses homens, que
almeja trabalhar na corte imperial.
Torna-se professor entre 1837 a 1848, e diretor da AIBA, de 1854 a
1857, período em que faz uma ampla reforma nos estatutos da instituição,
também atua como orador do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro por 14
anos.
Pinta diversos retratos de membros da família real, quadros
históricos e de paisagem. Entre as várias atividades que participa consta a
preparação da decoração da festa de coroação de dom Pedro II, seu
casamento com dona Tereza Cristina e coordena as obras da decoração do
Palácio Imperial do Rio de Janeiro.
A atuação de Porto Alegre, segundo a autora, na vida cultural da
corte é marcada por uma séria e determinada intenção em constituir uma arte
característica e impregnada com a brasilidade. Pretende que o Brasil, recém-
constituído em nação independente, transforme o Império em uma “civilização”,
uma sociedade brasileira com religiosidade e vida política.
Toda essa atividade cultural resulta na sua dedicação ao teatro, nas
belas-artes, nas revistas literárias, na poesia e na arquitetura que projeta Porto
Alegre como iniciador de diversos movimentos artísticos no período.
A articulação e formação de uma cultura propriamente brasileira
constitui uma das metas do universo intelectual brasileiro dos Oitocentos que
120
exalte a originalidade do Império tropical e que destaque o Brasil como nação
civilizada do globo.
Para a concretização desses objetivos, constrói com contornos
específicos seu engajamento na elaboração dessa nacionalidade e projeta na
arte, investida de caráter estético, o potencial para transformar a sociedade
imperial em nação culta e diferenciada.
Como pintor, na sua trajetória de vida permite verificar a formulação
e reelaboração do projeto para o Império em que investe nas “belas-artes”,
mais precisamente, na pintura, na arquitetura e escultura que são seus núcleos
centrais de realização. Na AIBA, o foco está na cidade do Rio de Janeiro,
centro das suas intenções transformadoras.
Campofiorito (1983,p. 23,v.2), comenta que Manuel de Araújo Porto
Alegre (1806-1879), discípulo de Debret, ainda frequenta as aulas de escultura
com Auguste Taunay e arquitetura com Grandjean de Montigny. Seus trabalhos
recebem posição de destaque nas exposições de alunos e professores.
Empresta relevante contribuição à cultura do país como prestigioso intelectual
e artista, dono de aguçada inteligência, teve completa formação filosófica,
literária e artística em Paris, deixa obra de escritor e pintor que recebem
importância nacional. Em 1854, época em que trabalha como diretor da
Academia de Belas Artes, é agraciado por D. Pedro II com o título de Barão de
Santo Ângelo, na sua gestão reorganiza a biblioteca escolar, a pinacoteca e
reforma o ensino artístico.
Coroação de D. Pedro II
A tela “Coroação de D. Pedro II” de Manuel de Araújo Porto Alegre
representa as aspirações do pintor que retrata a corte e a alta sociedade
integrantes da jovem nação independente imperial que pretendem construir um
país culto, diferenciado e civilizado de destaque no mundo.
121
Imagem 18 Coroação de Dom Pedro II
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Academia_Imperial_de_Belas_Artes) Acesso em: 27/10/2015. 11h05min.
Squeff (2004, p.73) esclarece que Paulo Barbosa da Silva, como
protetor, possibilita a participação de Porto Alegre em diversas atividades do
Paço imperial: em nomeações, encomendas, títulos e organização de eventos
importantes que exigem a presença do imperador.
Dentre estas cerimônias imperiais, o mordomo chama Porto Alegre
para organizar a festa da sagração do jovem imperador. No quadro inacabado da
Coroação de dom Pedro II, Porto Alegre dá lugar de destaque a este amigo e
colaborador que tem sua retratação em primeiro plano.
Porto Alegre projeta a célebre Varanda da Sagração e desenha as
roupas usadas pelo monarca durante a cerimônia. Em 28 de julho de 1840 é
nomeado pintor da Imperial Câmara, assumindo total responsabilidade por
todas as iniciativas que necessitam das belas artes nos movimentados anos
122
após a provação da maioridade celebrados por grandes reformas, festas e pela
fundação de diversas instituições.
No âmbito formal, ao analisar a obra intitulada “Coroação de D.
Pedro II”, realizada dentro dos cânones do estilo neoclássico francês, retrata a
arquitetura composta com elementos da arquitetura clássica greco-romana,
como colunas, com fustes, caneluras e capitel coríntio carregando a arquitrave.
Este conjunto arquitetônico neoclássico emoldura, destaca e dá
solenidade ao evento importante da história brasileira, a coroação de D. Pedro
II, com a presença da corte e pessoas importantes ligadas ao Imperador,
simbolizando a riqueza, conquista e estabelecimento do poder imperial no
Brasil.
A arquitetura neoclássica compartimenta e descreve o fato histórico
por etapas, suas colunas de capitel coríntio dividem o espaço da tela em três
partes, e consequentemente, seus personagens e ações.
O espaço da esquerda destaca a participação das pessoas que
fazem parte da corte e do clero que testemunham a coroação; no espaço
central, a presença de figuras importantes como o cardeal e membros da corte;
no terceiro espaço a direita, no plano mais alto que as demais figuras, a
presença de D. Pedro II com a coroa, e pessoas ligadas ao Paço imperial.
Contudo, D. Pedro II não concretizou a compra deste quadro, essa
pintura encontra-se inacabada. O monarca prefere o trabalho do pintor francês
François Rene Moreaux, artista de talento reconhecido para o tema da
retratística.
Bardi (1975, p.166) explica que após a vinda da Missão Francesa,
muitos artistas estrangeiros com formação deixam a Europa por motivos
políticos ou por espírito aventureiro. Da França chegam os irmãos François-
Rene Moreaux e Louis-Auguste Moreaux.
François-Rene é discípulo do Barão Gros, protagonista do
neoclassicismo europeu, que no Rio se desentende com Porto Alegre,
personalidade responsável pelas artes na capital, e lhe dedica caricaturas
satíricas com as imagináveis consequências.
Campofiorito (1983,p.25) esclarece que os irmãos Moreaux chegam
ao Rio de Janeiro em 1840 e realizam muitos desenhos e pinturas. François-
Rene, com a formação recebida no ateliê de o Barão de Gros, em Paris tem
123
destaque para a pintura de história, tal fato de conhecimento da Corte que
deseja o registro para a história dos feitos nacionais considerados importantes
pelo poder vigente.
Entre os trabalhos de tema histórico estão “A Proclamação da
Independência” (1844) e o “Ato de Coroação de S.M. o Imperador” (a imagem
representa o evento de 18 de julho de 1841). Pedro II impressiona-se com o
estilo muito acirrado ao academismo francês.
O quadro da Coroação agrada a Dom Pedro II e é adquirido para
sua coleção particular, outorga a François-Rene o Hábito da Ordem de Cristo
em 1843.
Imagem 19
Coroação de Dom Pedro II (Fonte:https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Coronation_of_dom_pedro_II.jpg)
Acesso em: 27/10/2015 – 11h00.
D. Pedro II observa que o trabalho de Moreaux destaca em primeiro
plano o evento de sua coroação e a participação de pessoas importantes na
história do país, envolvidas na sua coroação.
124
Squeff (2004, p. 76) argumenta que a escolha pelo trabalho do
artista francês tem outra razão. Porto Alegre, ao regressar da Europa, se
aproxima das pessoas do Paço, ganha a proteção de um dos homens mais
poderosos do Segundo Reinado, o mordomo Paulo Barbosa da Silva, nomeado
mordomo da casa Imperial em 1833, ano em que a tutoria de José Bonifácio
chega ao fim. A função de mordomo passa pelo controle das finanças da Casa
Imperial, e na prática, Barbosa serve como intermediário entre dom Pedro e o
resto da corte. Cabe também a Barbosa definir e dirigir os rituais oficiais que
incluem dom Pedro, sendo o responsável que controla a escolha de artistas,
materiais, decoração e obras para a realização dos eventos imperiais. O
mordomo chama Porto Alegre para trabalhar no evento mais importante, a
festa da sagração do jovem imperador.
Porto Alegre projeta a célebre Varanda da Sagração e desenha as
roupas usadas pelo monarca durante a cerimônia. Em 28 de julho de 1840 é
nomeado pintor da Imperial Câmara, assumindo total responsabilidade por
todas as iniciativas que necessitam das belas artes nos movimentados anos
após a provação da maioridade celebrados por grandes reformas, festas e pela
fundação de diversas instituições. A autora afirma que Paulo Barbosa da Silva
está por trás de todas as nomeações, títulos e encomendas que o artista
recebe no período.
Contudo, com a saída de Barbosa da mordomia, as encomendas a
Porto Alegre diminuem, este começa a ter problemas com outros componentes
da AIBA, mais particularmente, com o diretor Félix Émile Taunay, também
frequentador assíduo do Paço Imperial e pertencente ao grupo palaciano
oposto a Paulo Barbosa, ligado á marquesa de Maceió e a Honório Hermeto
Carneiro Leão, este grupo domina o Paço com o fim do chamado Quinquênio
Liberal. Devido às desavenças, Porto Alegre pede afastamento da instituição e
é transferido para a Academia Militar.
125
AIBA – Academia Imperial de Belas Artes
A adesão de Porto Alegre ao projeto civilizador que movimentava sua geração seria profundamente marcada por sua passagem pela Academia de Belas Artes. Primeiramente como aluno de pintura e arquitetura, mais tarde como professor e publicista, seu engajamento no projeto de melhorar o Império teria um foco principal: a cidade do Rio de Janeiro. A escola fundada pelos franceses, a qual, depois de diversas modificações e crises, foi finalmente inaugurada em 1826, com o nome de Academia Imperial de Belas Artes, foi desde o começo uma instituição comprometida com a definição e divulgação de imagens do Império. Órgão concebido segundo parâmetros do reformismo ilustrado português, a AIBA esteve, de fato, desde o início, marcada pelo compromisso de auxiliar o governo monárquico num projeto civilizador. Dessa perspectiva, cabia-lhe atuar diretamente sobre a cidade do Rio de Janeiro. Suas funções incluíam, além da produção de quadros e monumentos, responsabilizar-se pela construção de edifícios públicos e pala reforma de ruas e bairros. Esperava-se que professores e alunos ajudassem a solucionar os problemas da cidade. (SQUEFF, 2004, p.107)
Concebida conforme as ideias iluministas que defendem que toda
atividade humana deve ser norteada pela razão e pelo bem comum e inspirada
na Academia Francesa de Paris, o corpo docente e discente da Academia
Imperial de Belas Artes tem papel fundamental na realização do projeto
civilizador concebido pelo governo monárquico para a construção da imagem
do “Império brasileiro civilizado” e na reforma urbana para modernização da
cidade do Rio de Janeiro para acompanhar as metrópoles europeias como
Paris.
Squeff (2004, p. 108 e 109) ressalta que a AIBA tem a missão de
estabelecer a boa reputação do novo Império entre as nações cultas e
concentra seu foco na construção da imagem civilizada da Monarquia e da
capital. Para atingir este objetivo, o neoclassicismo, inspirado na Antiguidade,
se apresenta ideal para unir a nação do Novo Mundo e sua corte orientada pela
tradição europeia.
É necessário criar uma atmosfera de antiguidade ao Império com
sede na América, unificando-o a formas e símbolos carregados de significados
seculares (universo material da arte clássica greco-romana), consagrados por
outras nações civilizadas.
126
Squeff (2004, p. 170) afirma que a Academia distingue-se por
oferecer um ensino voltado inteiramente às artes plásticas e divide-se em
quatro áreas essenciais: pintura de paisagem, pintura histórica, arquitetura e
escultura, além de aulas de desenho e geometria. Os aprendizes provinham de
classes sociais mais modestas como filhos de pequenos comerciantes que não
tinham condição financeira para cursos como medicina e direito.
Squeff (2004, p. 172) descreve que a instituição funciona de forma
inconstante e insuficiente até 1831, quando são elaborados os novos estatutos
da AIBA, por Debret e Montigny, na tentativa de organizar o caráter da
instituição. Duas medidas são elaboradas pelo documento: uma concede a
dom Pedro II o título de “fundador e protetor perpétuo da Academia Imperial de
Belas Artes”, e a que coloca diretamente sob a responsabilidade do ministro do
Império, denominado como “presidente do corpo acadêmico”. O documento
registra a função da AIBA como órgão de Estado, confere a proteção do
monarca e garante espaço na agenda de um ministério.
Campofiorito (1983, p.30, v.4) explica que os métodos aplicados
correspondem às preferências do imperador, que, na condição de protetor dos
artistas, exigia dos professores e alunos uma determinada postura estética
estritamente composta pelos cânones neoclássicos fundamentados na
produção artística do maior representante do neoclassicismo francês, o mestre
Jacques-Louis David.
Campofiorito (1983, p.19) explana que mesmo que neste momento
a Europa esteja sob as concepções estéticas do romantismo expresso por
Delacroix, ou o Realismo chefiado por Courbet, e ainda, o paisagismo pela
maestria de Corot e desenvolvido pela escola de Barbizon, a pintura brasileira,
mais precisamente, o pintor brasileiro, que está em período de estudo no
exterior, não deve se influenciar e sim desprezar essas novas tendências
artístico-plásticas.
A Reforma Pedreira na Academia, ou a “Reforma Porto Alegre”.
Dentro de uma visão ampla, Squeff (2004, p.176) explica que a
Reforma Pedreira é parte integrante de um projeto de dom Pedro II que norteia-
se pela centralização, articulando formas de controle e fiscalização para
127
garantir uniformidade no ensino em todos os pontos do território, eliminando os
‘localismos’ por meio de normas gerais de ensino com a finalidade de exercer a
função civilizatória dos cidadãos do Império e concretizar a identidade nacional
de um Brasil uno e coeso. Relata que Porto Alegre é chamado pelo Ministério
da Conciliação para realizar a reforma da Academia Imperial de Belas Artes por
considerá-lo capaz de preparar e implantar as mudanças necessárias, entre
1854-57. Liderado pelo marquês de Paraná, o Gabinete da Conciliação admite
entre seus componentes homens com passado liberal, como Luiz Pedreira do
Couto Ferraz.
Com o apoio pessoal do monarca, Porto Alegre realiza a maior
reforma promovida na AIBA em todo período monárquico. Diante deste
contexto, o Paço assume a função de uma forma de centro decisivo dos
assuntos culturais e artísticos que movimentam a vida dos homens da cultura
brasileira. O projeto de reforma da AIBA é aprovado, após muita oposição dos
deputados, em 23 de setembro de 1854.
A autora completa que Porto Alegre recebe cinco contos de réis
anuais que aplica na reestruturação da Academia, realiza grande reforma no
edifício da instituição, acrescentando o segundo andar e completa o projeto
inacabado de Montigny, constrói instalações para a pinacoteca e a biblioteca
especializada, faz uma reforma no interior do prédio, aparelha com novos
móveis e reorganiza o espaço das aulas.
Na organização dos novos estatutos é abordado o conteúdo das
disciplinas; as atribuições de todos os professionais da instituição, desde o
diretor, passando pelos profissores, pelo consevador da pinacoteca; as
exposições públicas, as premiações e o pensionato na Europa.
As novas normas aprimoram algumas disciplinas da AIBA que antes
eram mal estruturadas; além das cadeiras existentes, arquitetura, pintura,
escultura, desenho, gravura, paisagem e anatomia, são incluídas aulas de
desenho geométrico, desenho de ornamentos, matemáticas aplicadas e
história das belas-artes.
O curso fica dividido em cinco sessões: arquitetura (inclui as
cadeiras de desenho geométrico, desenho de ornatos e arquitetura civil);
escultura (com as cadeiras de escultura de ornatos, gravura de medalhas e
pedras preciosas e estatuária); pintura (com cadeiras de desenho figurado,
128
paisagem flores, e animais, pintura histórica), ciências acessórias (que
compreendem as cadeiras de matemáticas aplicadas anatomia e fisiologia das
paixões, histórias das artes estética e arqueologia) e, finalmente, música, cujas
cadeiras são específicadas pelo Conservatório de Música.
As regras dos novos estatutos da academia preconizam que, após
minucioso estudo baseado na cópia de estátuas e bustos antigos, os alunos de
pintura histórica tem aula de modelo vivo e aprendem as “regras de compor e
agrupar”, assim como a “modelar as formas”. Finalmente, os alunos mais
adiantados o professor treinará na composição de objetos históricos, preferindo
sempre os nacionais, ou religiosos.
Destaca ainda que o rígido aprendizado que os alunos têm que
obedecer e a ênfase no conhecimento da estatuária antiga sugerem a intenção
de fazer com que a arte produzida na AIBA consagre os valores próprios ao
neoclassicismo.
A adoção dos cânones neoclássicos é parte integrante da proposta
de ensino que culmina com a depuração de uma arte peculiar. O domínio da
tradição artística clássica é fator primordial na formação acadêmica
corresponde a uma etapa e não finalidade da pedagogia praticada por Porto
Alegre. Procura convergir toda formação artística no sentido de criar obras
‘nacionais’.
Para atingir a proposta descrita acima, preocupa-se em articular um
repertório de temas que auxiliem os alunos da academia a realizar essa
intenção. É desse ponto de vista que Porto Alegre, como diretor, elabora duas
iniciativas: a formação de uma biblioteca que supra as necessidades de estudo
dos alunos como estampas trazidas da Europa. Como o governo não oferece
verbas para comprar livros, o próprio Porto Alegre se dispõe a fazer as
estampas para compor o acervo da biblioteca.
Sugere que os desenhos sejam agrupados conforme os temas:
“retratos históricos de todas as épocas do Brasil”, “retratos das notabilidades do
país”, “usos e costumes desde os tempos coloniais”, “usos e costumes das
províncias”, “estudos sobre nossos indígenas”, “festas nacionais” e “fantasias
dos artistas brasileiros”.
O projeto permite interligar os vários campos da vida artística da
corte em uma instituição: a AIBA. A medida estabelece uma visão orgânica da
129
cultura e das artes: a instituição deve reunir ensino das “belas-artes” com o de
música e teatro. Na academia, são treinados todos os tipos de artistas:
músicos, cantores, atores, e também, artífices capazes de construir cenários e
figurinos. Esta é a visão do diretor da academia, o primeiro passo no sentido de
criar uma Ópera Nacional. A Imperial Academia de Música e Ópera Nacional é
fundada na biblioteca da AIBA, em 1857. Para assegurar a realização de todas
essas medidas, a Reforma Porto Alegre tem como meta constituir um novo
significado para a Academia de Belas Artes dentro do quadro das instituições
governamentais, procura fazer do órgão um centro de formação de teor
artístico completo que abrange as belas-artes, o teatro, a música e a
cenografia.
Squeff (2004, p. 218) esclarece que a coleção de estampas deve
englobar todos os aspectos do Império. As belas-artes, o desenho, a pintura, a
gravura, ocupam o espaço das letras, interpretando todos os caracteres da
nação: história, personalidades, particularidades regionais, costumes, valores,
fauna, flora. Como uma propaganda visual que exalta o Império, este seria
narrado, explicado e exaltado nas diversas imagens que compõem a
enciclopédia formada por imagens.
Squeff (2004, p. 219) destaca que, com as normas, o diretor objetiva
completar a educação dos alunos da academia: as cópias das “grandes obras”
elaboradas pelos pensionistas podem ser usadas no ensino da academia, para
familiarizar os brasileiros com a tradição europeia congregando ideias e valores
de forma eclética, o diretor promove o alto destino das belas-artes e dos
artistas formados pela AIBA: fundir tradição ocidental e essência individual,
domínio de “saberes universais” e apreensão profunda do “ser” nacional.
A arte produzida na academia é definida em função de temas
específicos: a pintura de paisagem, entendida como espaço de representação
da natureza selvagem e exótica dos trópicos ou a pintura histórica, palco de
atuação de um Estado Monárquico civilizador e ordenador, ambas permitem
uma visão ampla do Império.
Natureza e história, a monarquia brasileira representada em sua
máxima pompa, os “fatos” importantes da história, como a proclamação da
Independência, os primeiros contatos entre colonizador e os índios, os retratos
dos grandes homens do passado, todos celebram o Estado imperial grande e
130
poderoso. A pintura de paisagem e a história devem compor, juntas, a auto-
imagem do Império, tal como pensado por seus funcionários, artistas e homens
de letras: como nação civilizada nos trópicos, como monarquia europeizada,
encravada no meio exótico, mas nada ameaçador, entorno natural.
Perante os olhos dos alunos da AIBA, frequentadores da biblioteca,
a “nação” adquire contornos concretos, delineados em função de
particularidades e generalidades, passado e presente, grandes feitos de heróis
e costumes cotidianos do povo. A sobreposição de imagens permite aos
artistas formados na academia a oportunidade de ter uma visão global do
Império.
Ciente dos preconceitos que cercam a atividade artística e da pouca
importância da AIBA para o governo central procura ampliar as atribuições e a
importância da Academia criando um curso voltado para o ensino técnico, com
este duplica os objetivos da Academia de Belas Artes que a torna uma
instituição única entre as congêneres no resto do mundo.
Campofiorito (1983, p. 27) esclarece que os pintores Vítor Meireles
de Lima e Pedro Américo de Figueiredo e Melo são pintores exponenciais
formados pelo Ensino da Academia no Segundo Reinado sob a proteção do
imperador Dom Pedro II que ressaltam o neoclassicismo brasileiro em seus
trabalhos.
Pedro Américo de Figueiredo e Melo corresponde ao resultado vivo
dos métodos da Missão Francesa, artista formado pela AIBA, com destaque na
pintura neoclássica, obedece às preferências do Imperador que faz de tudo
para proteger os artistas, exigindo-lhes uma conduta estética comum.
Pedro Américo
Para Campofiorito (1983, p.30), o pintor Pedro Américo de
Figueiredo Melo (Areias, PB, 29 de abril 1843 – Florença, Itália, 1905), é
representante da geração de pintores formados pelos métodos da Missão
Francesa que prosseguem a orientar o preparo de jovens artistas da Academia
Imperial de Belas Artes. Descendente de família de artistas, na infância,
manifesta sua precocidade artística que é apoiada por familiares, tendo sua
educação iniciada por seu próprio pai, o violinista Daniel Eduardo de Figueiredo
131
que o alfabetiza, ensina princípios de música e procura estimular e desenvolver
a vocação, cada dia mais acentuada, para o desenho, dispondo-lhe a biografia
dos mais célebres pintores.
Cavalcanti (1973, p. 75) descreve que Pedro Américo, dono de um
talento precoce para desenho, é contratado aos onze anos como desenhista da
expedição científica do naturalista francês Louis Jacques Brunet, que percorre
o sertão de várias províncias do norte, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do
Norte, Ceará e Piauí. Durante os vários meses na expedição, realiza desenhos
de documentação da flora e da fauna locais. Em 1854, viaja para o Rio de
Janeiro devido à interferência do Barão do Bom Retiro e consegue, no mesmo
ano, matricular-se gratuitamente no colégio Pedro II. Vai para a Academia
Imperial de Belas Artes, em 1856, então dirigida pelo pintor e poeta Manuel de
Araújo Porto Alegre, mais tarde, diplomata Barão de Santo Ângelo e seu futuro
sogro.
O autor cita que na academia frequenta o curso, de maneira
brilhante, graças á sua competência como desenhista espontâneo e colorista
fluente. Ao longo do curso, alcança quinze medalhas de ouro e prata, vários
diplomas e premiações que lhe outorgam destaque e permitem que, em 1859,
como não acontece o tradicional concurso escolar para premio de viagem à
Europa, solicita e obtém de D. Pedro II a bolsa de estudos no estrangeiro.
Parte no mesmo ano para Paris e matricula-se na Escola de Belas-Artes. Na
Escola de Belas-Artes de Paris, recebeu orientação de Leon Cogniet, Horace
Vernet e Jean Domingues Ingres, mestres notabilizados do neoclassicismo na
pintura francesa. No restante de sua carreira faz diversas viagens à Europa,
entre Paris e Florença e desenvolve estudo e pesquisas no âmbito das
investigações científicas e das letras, obedecendo a intenção de personificar o
tipo ideal do artista renascentista, possuidor de espírito enciclopédico, com
habilidade para harmonizar as manifestações do sentimento com as da razão,
ou seja, a conciliação entre arte e ciência. Na Sorbonne, recebe o diploma de
doutor em Ciências Naturais. Pinta várias telas históricas e militares e retratos
de D. Pedro I, D. Pedro II e Duque de Caxias.
Perante os artistas de sua geração, Campofiorito (1983, p.32)
descreve Pedro Américo como desenhista correto, retratista objetivo, intérprete
entusiasta de temas clássicos e históricos, pintor de índole acadêmica,
132
contudo, mais versátil e erudito que seus colegas brasileiros. Dos ateliês que
frequenta em Paris, Horace Vernet é que mais influencia nos quadros de
batalha. Em 1870, no Rio de Janeiro, assume temporariamente a cadeira de
pintura na Academia, nesta época o Governo faz a encomenda da tela Batalha
do Avaí, pintada em Florença, como possui prestígio junto às autoridades
florentinas, consegue realizar o trabalho dentro das dependências da biblioteca
do Convento da Santíssima Annunziata. Terminada a grande composição, é
exposta em Florença, em 1877, neste mesmo ano é transportada para o Brasil
e aqui exposta com merecido sucesso. Realiza novas viagens a Florença entre
1879 e 1885, neste último ano é conferido pelo Imperador o grau de dignatário
da Ordem da Rosa, tal honra o situa na categoria de ‘grande do Império’.
Com a proclamação da República é eleito deputado por seu
estado e membro do Congresso Constituinte (1890). Não aceita a reeleição,
desgostoso com a animosidade por se sentir enfermo, volta a Florença, pela
última vez, quando pinta a alegoria Paz e Concórdia (1900), exposta no mesmo
ano no Salão de Paris e atualmente no Palácio Itamarati.
Na interpretação de Martins (1994, p.103) esta obra compõe uma
alegoria da civilização, retrata o encontro de mundos diferentes: um cortejo
representa a sociedade antiga que se depara com outro que identifica a
sociedade moderna. Na entrada do Templo está a reprodução do seu quadro
“Independência ou Morte”. A nação brasileira, inspirada nas duas tradições,
cristã e pagã, e coroada pela Glória, segue o caminho iluminado pela
Civilização. Dois jovens oferecem frutos e vinho. Pequenos gênios carregam
coroas de louros espalhados pelo caminho por onde passa o Brasil, que, na
visão de Pedro Américo, é glorificado tanto por homens ilustres quanto por
medíocres.
A presença da obra “Independência ou Morte” reflete a concepção
de Pedro Américo sobre o sete de setembro: uma certidão visual da
independência do Brasil. Freire (2000, p. 20) explica que a pintura
“Independência ou Morte” é elaborada em 1888 e consolida os esforços do
IHGB para estabelecer a história oficial para o Império em torno da
Independência, concebida nos moldes do gênero histórico assume sentido
preciso: afirmar a Independência e seu herói, que conseguem destaque na
historiografia do século XIX. A pintura “Independência ou Morte” de Pedro
133
Américo é transformada na imagem oficial da Independência, a principal
certidão visual do nascimento do Brasil Nação e destaca a presença de D.
Pedro I que, no alto de uma colina verde, em traje de gala e montado em seu
corcel, empunha a espada diante dos olhares dos “dragões” de sua Guarda
Real, proclama a Independência, é possível observar à esquerda, no canto,
perto da base do quadro, a figura solitária de um camponês, o “caipira’,
representante do povo, que, com atitude de espanto e incompreensão perante
o fato.
Imagem 20 Paz e Concórdia
(http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_pa_arquivos/pa_1902_paxconcordia.jpg) Acesso em: 31/10/2015. 01:21
134
Podemos ter ressalvas quanto ao valor dos quadros de Américo, sempre condicionados por pretensões monumentais e por certa grandiloquência retórica. Mas, sem dúvida, ele tinha consciência do valor político de sua pintura nas estratégias culturais das instituições. Como bem enxergou Gonzaga Duque em seu romance Mocidade Morta, Pedro Américo era o protótipo do pintor oficial que sabe promover a própria arte, servindo-se de modo desinibido das instituições públicas e dos meios de comunicação. O nascimento da República ofereceu-lhe a moldura ideal para uma nova tentativa, ‘Paz e Concórdia’, por exemplo, hoje no Palácio do Itamarati, no Rio de Janeiro. (AGUILLAR, 2000, p.113)
A obra “Paz e Concórdia”, localizada no Palácio do Itamaraty, no Rio
de Janeiro, evidencia a mestria e habilidade do pintor para representar
aspectos da arquitetura neoclássica com seus elementos na elaboração do
cenário arquitetônico que também tem a função de personagem no contexto
retratado. Embora a arquitetura que se apresente tenha um estilo eclético, é
possível evidenciar os aspectos neoclássicos na obra.
Carlos Lemos (1987, p. 75) em suas nove identificações das
características do estilo eclético nos apresenta no segundo item, construções
neoclássicas, no partido arquitetônico, comprometidas principalmente pela
ornamentação renascentista.
Sendo discípulo de Leon Cogniet, Horace Vernet e Jean Domingues
Ingres, mestres do neoclassicismo na pintura francesa, Pedro Américo assimila
e aplica o universo material da arte clássica com utilização dos elementos:
frontão triangular, muitas colunas com base e fustes lisos, sem caneluras, com
capitel coríntio que apoia uma arquitrave com beirais trabalhados em detalhes
dourados com esculturas.
Na colossal edificação “clássica” de formato retangular, com cor
branca que lembra o mármore, possui paredes divididas em módulos, também
se observa a presença de arcos plenos, apoiados em pilastras ou meias
pilastras. Semelhante ao Panteão romano apresenta grande teto abobadado
branco com detalhes dourados.
As figuras retratadas lembram muitos dos personagens das obras
dos pintores neoclássicos mestres de Pedro Américo que se originam na
mitologia grega, as mulheres possuem vestimenta que lembra deusas
mitológicas, esta vestimenta dá volume e movimento a todo conjunto feminino.
135
Entre os cômodos internos, possui um corredor situado sobre um
teto com arco pleno e paredes com divisões modulares, onde está retratado o
quadro ‘Independência ou Morte’, pintura histórica que reverencia a
independência do Brasil.
Como cena teatral, a personagem feminina da Paz, que está à
direita do quadro, desce a escada, após fazer uma caminhada junto com outras
figuras vindas do corredor sob o arco pleno, em que festejam os
acontecimentos históricos que dignificam o país como civilização desenvolvida,
a Independência e a Proclamação da República.
A figura feminina da Concórdia, situada à esquerda, cumprimenta a
Paz com uma coroa de louros, esta ação está acompanhada por
representações das artes, do amor e da deusa alada ‘Niké’, uma deusa grega
que personifica a vitória e que oficializa o evento.
A obra ‘Paz e Concórdia’, causa a impressão de uma encenação
teatral que representa a consagração do sistema republicano (na figura da Paz)
como meio que impulsionará o país para o desenvolvimento, riqueza, conquista
e revela-se como instrumento ideológico ao Estado brasileiro para legitimar a
República como forma de poder estabelecido.
136
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Jorge Coli (2010, p.108) afirma que a arte é formulada a partir de
programas esboçados por fatores externos, servindo de propaganda a
interesses de poderosos, celebra vivos e mortos, atendendo a normas,
exigências e vaidades, transformando-se em instrumento ideológico.
Em várias épocas da história da civilização humana, o governante
de um povo, país ou estado agrega símbolos diversos como instrumento
ideológico para se representar por todo território, para seus súditos e para
todos outros povos, amigos ou adversários, com o objetivo de estabelecer e
perpetuar seu poder, entre os símbolos usados, está a Arte, na produção
artística que envolve a arquitetura e a pintura, veículos de mensagem do poder
estabelecido.
Observando as imagens estudadas nesta pesquisa, verifica-se em
todas elas a inspiração em elementos da arquitetura da antiguidade clássica
greco-romana.
A aplicação harmônica destes elementos permite elaborar uma
construção coesa, com unidade, equilíbrio e colossal, nada é insignificante,
todos os elementos em seu tamanho proporcional levam a um conjunto único e
sóbrio.
A Arte Clássica, articulada pelos gregos, tem sua representação
máxima no século V a.C., em Atenas, durante o governo de Péricles, na
primeira reforma urbana do Ocidente, a reconstrução da Acrópole e do
Partenon, estabelece Atenas como cidade-estado poderosa no âmbito da
política, economia e da cultura. A Arte clássica, desenvolvida na arquitetura,
pintura e escultura é a porta-voz para diferenciar e destacar os poderosos
atenienses perante os povos adversários.
O Império Romano faz uma releitura da arte grega e a adapta às
suas exigências para representar o poder estabelecido, na época de Augusto,
este governante pronuncia seu governo manipulando a seu favor todo universo
material da arte clássica de maneira a ressaltar seu poder e conquista perante
os romanos e povos hostis.
137
Quando termina a Antiguidade, a Arte Clássica, criada por gregos e
romanos, já está consolidada como a imagem de arte das classes ricas e
poderosas que detém o poder sobre uma determinada sociedade.
Em outros momentos da história das sociedades europeias, o
Renascimento italiano e, depois, no século XVIII e início do XIX com o
Neoclassicismo, a Arte Clássica é reverenciada como instrumento ideológico
de propaganda nas mãos de uma classe social em ascensão, a emergente
burguesia e ressurge toda vez que os europeus estão fartos do predomínio do
poder e caprichos da Igreja Católica e que a fé se sobrepõe à razão humana.
A Arte Clássica é vista como meio norteador para realizar uma
mudança profunda nas concepções: filosóficas, políticas, sociais e artísticas
que permitem construir um caminho renovador na arquitetura e na pintura e a
busca por novas concepções de vida.
Esse fato pode ser confirmado pelo Renascimento italiano, nos
séculos XIV, XV e XVI, a Arte clássica reverencia o Humanismo, período que
sucede a Idade Média, época em que a Igreja tem grande poder político e
econômico.
Depois, no século XVIII, momento em que acontece a Revolução
Francesa e que os europeus estão cansados dos excessos da Arte Barroca, a
arte da Contra-reforma, patrocinada pela Igreja Católica e dos exageros do
absolutismo, surge o Neoclassicismo.
Os europeus concebem o Neoclassicismo como um caminho, uma
busca, uma solução para uma nova concepção de vida para a sociedade
europeia que almeja o bem comum, igualdade, fraternidade e liberdade
fundamentada na razão.
No Brasil, o neoclassicismo trazido por franceses na Missão
Francesa de 1816, vem consagrar o poder estabelecido pela monarquia, no
Primeiro e Segundo Reinado, edificado nas atividades da Academia Imperial de
Belas Artes, responsável por disseminar e eternizar a Arte Clássica que
distingue o Brasil, como nação civilizada entre as demais desenvolvidas.
Hobsbawm (1984, p.9) explica que a tradição inventada compreende
um conjunto de práticas normatizadas por regras ou abertamente aceitas, de
caráter ritual ou simbólico com o objetivo de fixar determinados valores e
138
princípios de comportamento por meio da repetição, estabelecendo
continuidade em relação ao passado.
Em todas as épocas da história humana o universo material da arte
clássica exerce o papel de símbolo de riqueza, glória e poder perenes. As
ordens arquitetônicas, por expressar unidade, equilíbrio, harmonia, sobriedade
e simplicidade, aplicadas na arquitetura de edificações particulares ou públicas
e retratadas na pintura ressaltam a supremacia da classe governante, tal
tradição criada na Antiguidade se reproduz na história humana de outras
sociedades que reverenciam a tradição da imagem de passado glorioso que
deve ser mantido e reproduzido como garantia de poder.
Quanto às figuras retratadas observa-se que na obra “Escola de
Atenas” e “Juramento dos Horácios”, os personagens usam trajes dos antigos,
que lembram gregos e romanos. As figuras se dividem em grupos que ocupam
determinado lugar na arquitetura organizando suas ações que simbolizam
concepções filosóficas, como é o caso dos pensadores na obra “Escola de
Atenas”.
No caso da pintura “Juramento dos Horácios” a arquitetura divide e
determina o lugar das figuras que expressam emoções e gestos controversos
que evidenciam uma tragédia. No centro e a esquerda os corpos dos homens
evidenciam pela postura rígida e ereta a decisão pelo combate e possível
morte. No grupo da direita, o grupo das mulheres que estão curvadas,
encolhidas, entulhadas pela tristeza da tragédia que se anuncia.
Nas obras “A Consagração do Imperador Napoleão e a Coroação da
Imperatriz Josephine em 02 de dezembro de 1804” e “Coroação de Dom Pedro
II” a postura ereta das figuras que testemunham um acontecimento histórico
solene. Sua posição definida pela arquitetura denuncia sua hierarquia funcional
dentro do Império.
Na tela “Paz e Concórdia”, a arquitetura divide as ações das figuras
que participam de acontecimentos importantes na história do Brasil. A figura da
Paz executa uma caminhada que sai do corredor da construção colossal onde
está a imagem da tela Independência para encontrar a figura da Concórdia que
representa a República, o cumprimento das duas é abençoado pela imagem da
Nike, deusa da vitória, na esquerda, ao alto. Alguns personagens usam trajes
139
que lembram gregos e romanos. Há uma diversidade de posturas, algumas
eretas, outras curvadas, algumas festejam o momento.
A divisão do espaço pictórico é antiga, basta observar a imagem do
afresco pompeano ‘Vila dos Mistérios’ e sua repartição em três faixas
retangulares.
As obras pictóricas, feitas distintamente em épocas diversas,
possuem em comum a preservação da tradição clássica, além da evidência
dos elementos da arquitetura clássica, sua estrutura de composição similar.
A arquitetura clássica exerce duas ações: o emprego de arcos com
colunas formando corredores ou salões amplia o espaço virtual e ordena os
personagens no espaço por suas atitudes e destacam o poder e riqueza da
classe dominante de cada momento histórico em que foram confeccionadas.
Em comum as obras pretendem falar de fatos reais, mas pode-se
concluir que são todas alegóricas e fantasiosas.
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