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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO HELIETE RODRIGUES VIANA O CONTROLE SOCIAL como instrumento para efetivação da cidadania no Brasil: um estudo a partir das redes Observatório Social do Brasil (OSB) e Amigos Associados de Ribeirão Bonito (AMARRIBO) São Paulo 2016

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO

HELIETE RODRIGUES VIANA

O CONTROLE SOCIAL como instrumento para efetivação da cidadania no Brasil:

um estudo a partir das redes Observatório Social do Brasil (OSB) e Amigos Associados

de Ribeirão Bonito (AMARRIBO)

São Paulo

2016

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HELIETE RODRIGUES VIANA

O CONTROLE SOCIAL como instrumento para efetivação da cidadania no Brasil: um

estudo a partir das redes Observatório Social do Brasil (OSB) e Amigos Associados de

Ribeirão Bonito (AMARRIBO)

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Direito Político e Econômico do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito Político e Econômico. Área de Concentração: Direito Político e Econômico Orientador: Professor Doutor Hélcio Ribeiro

São Paulo

2016

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V614c Viana, Heliete Rodrigues

O controle social como instrumento para efetivação da cidadania no Brasil: um estudo a partir das redes Observatório Social do Brasil (OSB) e Amigos Associados de Ribeirão Bonito (AMARRIBO). / Heliete Rodrigues Viana. – 2016.

263 f. : il. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade

Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2016. Orientador: Hélcio Ribeiro Bibliografia: f. 230-236 1. Democracia. 2. Cidadania. 3. Controle social. 4. Accountability. I. Título

CDDir 342.612

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HELIETE RODRIGUES VIANA

O CONTROLE SOCIAL como instrumento para efetivação da cidadania no Brasil: um

estudo a partir das redes Observatório Social do Brasil (OSB) e Amigos Associados de

Ribeirão Bonito (AMARRIBO)

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Direito Político e Econômico do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito Político e Econômico. Área de Concentração: Direito Político e Econômico

Aprovada em de de .

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________________________________

Professor Doutor Hélcio Ribeiro – Orientador Universidade Presbiteriana Mackenzie – São Paulo

Professor Doutor Arthur Capella Universidade Presbiteriana Mackenzie – São Paulo

_____________________________________________________________________________________

Professor Doutor Pietro de Jesus Alarcon Pontifícia Universidade Católica do Estado de São Paulo

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Aos meus queridos pais e irmãos pelo incentivo e apoio à realização deste projeto de vida. A todo aquele que compartilha dos mesmos valores e ideais que motivam a realização deste trabalho... ....e a todos a quem ele possa inspirar a mais simples atitude em favor do bem comum e da justiça social.

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AGRADECIMENTOS

É com imenso júbilo e gratidão que chego a esse tão esperado momento da jornada

do Mestrado em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie; uma

jornada rica em aprendizagem, conhecimento e compartilhamento de experiências que

manterei sempre acesos na memória da minha mente e do meu coração.

Este, pois, é o momento de agradecer a tudo e a todos que, na trajetória, se

revelaram especiais para que este momento se tornasse real; e, na singularidade de cada um,

contribuíram para o êxito da jornada. Assim:

À Deus, primeiramente, que concede a todos a vida e a sabedoria para que, através

dela, busquemos a realização pessoal, espiritual e coletiva; e que me concedeu a graça da

grande experiência em que se resume esta formação acadêmica.

Agradeço, de modo especial, ao meu orientador, o Professor Doutor Hélcio Ribeiro,

pela constante disponibilidade para compartilhar os seus conhecimentos, auxiliando-me com

sabedoria e clareza na articulação das idéias e dos referenciais da pesquisa que ora se

materializam neste trabalho último do Mestrado.

Honra-me, ainda, para o aprimoramento do meu trabalho de pesquisa, a contribuição

do ilustre examinador Professor Doutor Pietro de Jesus Alarcón das bancas de qualificação e

defesa do Mestrado, assim como do examinador Professor Doutor Arthur Capella.

Especial agradecimento também dirijo aos nobres Professores Doutores do Mestrado

em Direito Político e Econômico, que com muita competência, mas também com a humildade

que enobrece o ser, compartilharam os seus mais elevados conhecimentos, auxiliando-me

também a trilhar tão importante jornada, especialmente os Professores Doutores Alysson

Leandro Mascaro, Gianpaolo Smanio e Felipe Chiarello.

À competente e gentil Professora de Metodologia Científica Bruna Angotti, cujas

orientações foram decisivas no desenvolvimento do estudo de casos múltiplos como parte

essencial do presente trabalho acadêmico.

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Aos queridos funcionários da Coordenação da Pós-Graduação em Direito, Cristiane

e Gabriel, pela atenção e carinho constantes no atendimento das demandas dos alunos.

Aos queridos colegas do curso de Mestrado, em especial aqueles com quem tive a

honra e a alegria de compartilhar cada importante etapa do curso e com os quais pude

construir valiosas amizades: Homero Fornari, Sylvia Mellín e Pedro Vitor Costa.

Ao colega de importantes disciplinas no curso de Mestrado, o doutorando Luiz

Ismael, o qual jamais poupa esforços para auxiliar os demais colegas.

Aos amigos Diorlene Silva e Karl Erik Pristed pela colaboração especial que me

prestaram na busca do conhecimento.

Ao colega e amigo querido André Luiz Magalhães, Procurador do Estado da Bahia,

de quem recebi especial força e incentivo para concretizar esse valoroso projeto de vida.

Aos membros das organizações não governamentais OSB e AMARRIBO Brasil,

estudadas neste trabalho, pela receptividade e confiança em mim depositadas durante todas as

etapas da pesquisa.

A todos os amigos que a vida me concedeu, mesmo não estando aqui nominados,

por simplesmente serem amigos sempre.

Muito obrigada!

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O poder é sempre um potencial do poder, não uma entidade imutável, mensurável, e confiável como a força. Enquanto a força é a qualidade natural de um indivíduo isolado; o poder existe entre os homens enquanto eles estão juntos. Todo aquele que por algum motivo se isola e não participa dessa convivência renuncia ao poder e se torna impotente, por maior que seja a sua força ou por mais válidas que sejam suas razões.

Hannah Arendt1

A democracia é uma conquista muito importante, e é uma conquista que tem que ser feita praticamente todos os dias.

Boaventura de Souza Santos2

1 ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 212. 2 Professor Catedrático aposentado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, em entrevista para a Revista e, janeiro de 2016, nº 7, ano 22, SESC São Paulo, pp. 11-15.

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RESUMO O presente trabalho de pesquisa teve por objetivo investigar, por meio de um estudo de casos múltiplos, como vem se desenvolvendo no Estado brasileiro, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a forma de controle da Administração Pública concebida como controle social. Escolheu-se para o estudo de casos as organizações não governamentais e redes de controle e fiscalização da gestão pública Observatório Social do Brasil (OSB) e Amigos Associados de Ribeirão Bonito (AMARRIBO Brasil). O estudo de casos envolveu uma análise qualitativa, de caráter descritivo, das ações desenvolvidas pelas duas organizações da sociedade civil, selecionadas pela contribuição prestada ao fortalecimento do controle social em nosso país, o que possibilitou uma base mais abrangente para estudo. As principais técnicas para a coleta dos dados do estudo foram o recurso a fontes documentais, entrevistas semi-estruturadas com atores-chave e observações, auxiliados pela análise de conteúdos obtidos por meio da incursão nos sites das entidades. O estudo partiu da análise da disciplina constitucional e infraconstitucional acerca das possibilidades de exercício do controle social, cotejada com pesquisa bibliográfica e jurisprudencial acerca do tema. Os referenciais teóricos da pesquisa foram obtidos por meio da análise de teorias contemporâneas acerca da democracia e da participação social, com destaque para o papel e as iniciativas da esfera social a que se denomina sociedade civil, bem como dos fundamentos teóricos do controle da administração pública, buscando-se obter possíveis respostas para os problemas da pesquisa, a partir de uma análise crítica. Constatou-se que as organizações estudadas buscam desenvolver práticas condizentes com os objetivos estatutários, através de ações voluntárias, mas dotadas de elevado profissionalismo, encontrando limites tão somente no reduzido número de atores-sociais envolvidos e de recursos financeiros disponibilizados. O estudo de caso possibilitou, ainda, constatar que o ordenamento jurídico brasileiro prevê instrumentos hábeis a permitir o exercício do direito à participação e ao controle social, carecendo os mesmos, todavia, de um lado, de urgente implementação por parte dos entes e respectivos agentes públicos responsáveis e, de outro, do interesse dos titulares desses direitos, os cidadãos, individual e coletivamente, em exigi-los e exercê-los.

Palavras-chave: democracia; cidadania; controle social; accountability.

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ABSTRACT

The present research aimed to investigate the form of control of public administration conceived as social control through a study of multiple cases, as it has been developed in the Brazilian State after the promulgation of the Constitution of 1988. Social Observatory of Brazil (OSB) and Friends of Ribeirão Bonito Associates (AMARRIBO Brazil) were the non-governmental organizations and networks of control and supervision of public management which were chosen for the case study. The case study involved a qualitative and descriptive analysis of the actions developed by both civil society organizations, selected by their contribution to the strengthening of social control in our country, which enabled a more comprehensive basis for study. The main techniques used for the collecting of the study data were the use of documentary sources, semi-structured interviews with those who played a key role in the study and observations, aided by the analysis of the contents obtained by the incursion into the entities websites. The study was based on the analysis of the constitutional and infra-constitutional discipline about the possibilities of exercising social control, in contrast to bibliographical and jurisprudential research on the subject. The research theoretical framework was obtained by the analysis of contemporary theories about democracy and social participation, highlighting the role and initiatives of the social sphere that is called civil society, as well as the theoretical foundations of the public administration control, seeking possible answers to the problems of the research, from a critical analysis. It was found that the studied organizations seek to develop practices consistent with the statutory objectives through their voluntary actions, but endowed with high professionalism, finding limits only on the small number of social actors involved and on available financial resources. The case study also made it possible to see that the Brazilian legal system provides skilled instruments to allow the exercise of the right to participation and social control, lacking, however, on the one hand the urgent implementation by the entities and their responsible public officials and on the other, the interests of the holders of these rights, the citizens, individually and collectively, to require those rights and exercise them.

Keywords: democracy; citizenship; social control; accountability.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Gráfico da avaliação de portais de transparência de municípios baianos com

mais de 100.000 habitantes. ..............................................................................................p. 84

Figura 2. Gráfico da avaliação de portais de transparência de municípios baianos com

população entre 50.000 e 100.000 habitantes .................................................................. p. 84

Figura 3. Gráfico comparativo da avaliação dos portais de transparência de municípios

baianos. ...............................................................................................................................p. 85

Figura 4. Gráfico comparativo de três avaliações de portais de transparência de

municípios baianos ............................................................................................................p. 86

Figura 5. Quadro de municípios baianos avaliados e correspondentes resultados. ....p. 87

Figura 6. Índice de Transparência Estados 2014. ..........................................................p. 91

Figura 7. Índice de Transparência Capitais 2014...........................................................p. 92

Figura 8. Escala Brasil Transparente CGU Capitais.....................................................p. 94

Figura 9. Escala Brasil Transparente CGU Municípios................................................p. 94

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LISTA DE ABREVIATURAS ABRACCI Articulação Brasileira de Combate à Corrupção e à Impunidade

AMASA Associação Amigos Associados de Analândia – São Paulo

AMARRIBO Associação Amigos Associados de Ribeirão Bonito

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BSC Big Society Capital

IACC Conferência Internacional Anticorrupção

CAE Conselho de Alimentação Escolar

CNJ Conselho Nacional de Justiça

CNMP Conselho Nacional do Ministério Público

CF Constituição Federal

CGU Controladoria Geral da União

EC Emenda Constitucional

ENOS Encontro Nacional de Observatórios Sociais

ENCLA Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro

ESFN European Social Franchising Network

OSE European Social Observatory

IGP-CP Indicadores de Gestão Pública de Curto Prazo

IGP-LP Indicadores de Gestão Pública de Longo Prazo

ICF Instituto de Cidadania Fiscal

IFC Instituto de Fiscalização e Controle

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LC Lei Complementar

LAI Lei de Acesso à Informação

MCCE Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral

OS Observatório Social

OSSJC-SP Observatório Social de São José dos Campos – São Paulo

OSB Observatório Social do Brasil

OSP Observatório de Segurança Pública da UNESP

ONG Organização Não Governamental

OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

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GESPÚBLICA Programa de Qualidade na Gestão Pública

PROMOEX Programa de Modernização do Sistema de Controle Externo dos Estados e

Municípios Brasileiros

STN Secretaria do Tesouro Nacional

SIC Serviço de Informação ao Cidadão

SESI Serviço Social da Indústria

SCF Sistema de Contabilidade Federal

SIM Sistema Informatizado de Monitoramento das Licitações

STF Supremo Tribunal Federal

TI Transparência Internacional

UNESP Universidade Estadual Paulista

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................16

1. DEMOCRACIA, PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA ATIVA: O QU E INFORMAM ESSES CONCEITOS PARA O CONTROLE SOCIAL NO BRASIL..............................23

1.1 A urgência e emergência de uma cidadania plena e ativa...............................................23 1.2 A Democracia: para onde caminha?................................................................................34 1.3 Participação social e cidadania ativa como aliados do controle social a partir de uma perspectiva habermasiana......................................................................................................38

2. O CONTROLE SOCIAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BR ASIL: MITO OU REALIDADE JURÍDICO-INSTITUCIONAL................ .............................................45

2.1 Algumas notas introdutórias sobre o controle da administração pública........................45 2.2 Controle Administrativo do Estado ou Controle do Estado-Administrador ou Controle administrativo da Administração Pública. ............................................................................49 2.3 Controle interno e controle externo: a importância do agente controlador nos processos de controle da Administração Pública...................................................................................53

2.3.1 Controle de resultado ou avaliação da função pública: uma nova tendência no controle externo das contas públicas. ................................................................................63

2.4 O controle social como mecanismo de participação da sociedade na Administração Pública: um instrumento democrático para a efetivação da cidadania..................................66

2.4.1 A perspectiva institucional do controle social na ordem jurídico-institucional brasileira.............................................................................................................................72

2.5 Transparência, controle social e accountability. .............................................................77 2.5.1 Um diagnóstico da Transparência Pública no Brasil a partir de três iniciativas.......81 2.5.1.1 Projeto Transparência nas Contas Públicas do Ministério Público do Estado da Bahia. .................................................................................................................................81 2.5.1.2 O “Índice de Transparência” desenvolvido pela Associação Contas Abertas.......89 2.5.1.3 A Escala Brasil Transparente da Controladoria-Geral da União ...........................93

3. ESTUDO DE CASOS: AS CONTRIBUIÇÕES DAS ORGANIZAÇÕES OBSERVATÓRIO SOCIAL DO BRASIL - OSB E AMIGOS ASSOCI ADOS DE RIBEIRÃO BONITO PARA A EFICIÊNCIA, MORALIZAÇÃO E CO NTROLE SOCIAL DA GESTÃO PÚBLICA. ......................................................................................96

3.1 A metodologia do Estudo de Casos.................................................................................96 3.2 O Observatório Social do Brasil – OSB: uma organização em defesa da gestão pública responsável e da cidadania fiscal ........................................................................................100

3.2.1 O que vem a ser um observatório social? ...............................................................100 3.2.2 Apresentação e breve histórico do Observatório Social do Brasil: a origem como associação civil e a inovação como franquia social.........................................................106 3.2.3 A franquia social OSB: um desafio à frente da organização. .................................115 3.2.4 As estratégias de ação do OSB: uma análise a partir do 6º Encontro Nacional de Observatórios Sociais – ENOS. .......................................................................................125 3.2.4.1 O alcance da eficiência na gestão pública: uma questão de qualidade, resultados e desenvolvimento de boas práticas....................................................................................128 3.2.4.2 As metodologias e frentes de atuação do Observatório Social do Brasil. ...........133 3.2.5 O trabalho de campo no estudo do caso Observatório Social do Brasil: uma incursão investigativa no Observatório Social de São José dos Campos - SP. ..............................143

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3.3 A Organização da Sociedade Civil de Interesse Público Amigos Associados de Ribeirão Bonito – AMARRIBO: o pioneirismo associativo no combate à corrupção nas Prefeituras do Brasil. .............................................................................................................................147

3.3.1 Apresentação...........................................................................................................147 3.3.2 A Rede AMARRIBO: um caso de sincronicidade de ideais e objetivos................148 3.3.3 O combate à corrupção na Administração Pública pela AMARRIBO Brasil: um movimento em favor da “accountability” no Brasil. .......................................................158 3.3.3.1 Associação Amigos Associados de Analândia – AMASA: uma heróica batalha de combate à corrupção que se repete na história da Rede AMARRIBO Brasil. ................167

4. RESULTADOS DOS TRABALHOS DE CAMPO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA PERCEPÇÃO DOS ATORES-CHAVE DAS ORGANIZAÇÕES SELECIONADAS E DAS CATEGORIAS TEMÁTICAS ESTRUTURADAS. ................................................182

4.1 Notas introdutórias. .......................................................................................................182 4.2 Participação social na administração pública: iniciativa social, incentivo oficial e realização de audiências públicas........................................................................................183 4.3 Articulação entre o Estado (Poder Público) e a sociedade e receptividade da Administração Pública local às intervenções das organizações..........................................199 4.4 Transparência e acesso à informação: a questão do orçamento público, das receitas e despesas públicas.................................................................................................................208 4.5 Efetividade dos mecanismos e ferramentas de controle social da Administração Pública..............................................................................................................................................219

CONCLUSÃO.......................................................................................................................223

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................230

APÊNDICE A – PROTOCOLO DE ESTUDO DE CASOS.............................................237

APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARE CIDO (TCLE)................................................................................................................................................259

APÊNDICE C – ROTEIRO PARA AS ENTREVISTAS.................................................261

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INTRODUÇÃO

A Constituição Brasileira de 1988 nasceu vocacionada para afirmar os valores e

princípios fundamentais inerentes à democracia que nela estão insertos e que devem, ou, ao

menos, deveriam orientar intérpretes e aplicadores do Direito, bem como o comportamento da

sociedade brasileira como um todo. Para algumas expressivas correntes do pensamento

jurídico e político trata-se da constitucionalização do direito3. Para as mais críticas,

entretanto, não é bem isso o que vem acontecendo. É sob essa perspectiva mais crítica que

pretende se orientar o presente trabalho.

A referência a expressão constitucionalização do direito é utilizada, no universo

do Direito, predominantemente para significar o fenômeno da expansão das normas

constitucionais, enquanto conjunto de valores, regras e princípios com força normativa, por

todo o sistema jurídico, condicionando a validade do ordenamento infraconstitucional,4 e

reflete a importância que tal fenômeno passou a exercer sobre a atuação dos Poderes Públicos

Constituídos e, no particular, do poder de administração do Estado.

A nova ordem constitucional, por seu turno, democrática e social, também

inaugurou um novo capítulo na construção do conceito de cidadania: a cidadania participativa,

que ostenta a prerrogativa de exigir novas posturas ativas e efetivas do Estado, quanto à

viabilização das condições necessárias ao estabelecimento do ambiente social e econômico

propício ao desenvolvimento das plenitudes humanas e sociais, e, especialmente, possibilitar a

participação de todos os cidadãos e da sociedade civil organizada na construção desse novo e

esperado ambiente social e econômico.

3 No BRASIL: STRECK, Lênio Luiz et al, ANDRADE, André (Org.). Constitucionalização do Direito: a Constituição como locus da hermenêutica jurídica. 2. tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003; BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pp 123-127, no qual, embora não dito de modo expresso pelo autor, fica claramente subtendido, pela leitura apenas dessas páginas referenciadas, a conformidade do seu discurso ao modelo jurídico; BARROSO, Luiz Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2.tir., 2009. Nesse livro o autor dedica um capítulo (Capítulo V) à exposição do tema da constitucionalização do Direito, que considera como um fenômeno na evolução do direito constitucional na Europa e no Brasil nas últimas décadas. 4 BARROSO, Luiz Roberto. Op. cit., pp. 351 et seq.

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Afinal, não basta se falar em direitos civis, políticos, sociais se tais não passarem

de uma garantia formal, que na linguagem técnico-jurídica se traduz na expressão “perante a

lei”. É preciso que condições sejam criadas, ações sejam planejadas e promovidas,

objetivando a materialização desses direitos e a sua livre fruição pela pessoa humana,

possibilitando a satisfação das suas reais necessidades. É, enfim, a conquista de uma

cidadania que pode, assim, chamar-se de plena. Ali, uma cidadania formal, aqui, uma

cidadania substancial.

Como registra Alysson Leandro Barbate Mascaro, em prefácio à obra de

Oliveira,5 nem a cidadania institucional e formal, sozinha, foi capaz de barrar o nazismo, em

tempos de vigência da avançada Constituição da República de Weimar.

Importa assinalar que não somente o tema controle social, como também o tema

mais amplo da cidadania, com o qual as práticas sociais de controle da administração dos

Poderes do Estado guardam estreita conexão, partindo das palavras de Jaime Pinsky e Carla

Bassanezi Pinsky, vem carecendo, não apenas aqui no Brasil, mas pelo mundo afora, de

estudos mais aprofundados e maior produção bibliográfica,6 embora não tenha sido a proposta

deste trabalho de pesquisa uma abordagem da questão para além dos limites necessários ao

trato do seu problema central.

Vive-se, é certo, sob a égide de um modelo de Estado calcado sobre as bases do

liberalismo econômico; um modelo de sociedade maleável e hábil o suficiente para produzir

tanto e quanto - e reproduzir-se em - regimes políticos democráticos e ditatoriais. Certo,

também é que se encontra distante – ao menos na imensa maioria das nações da atualidade -

uma experiência política e econômica menos contraditória e mais igualitária. Todavia, essa

realidade não impede de se vislumbrar e se reconhecer a existência de caminhos,

institucionalizados ou não – como se verá na continuidade da presente abordagem - capazes

de promover justiça, dignidade e desenvolvimento humano, superando, gradativamente o

emaranhado de contradições e desigualdades que vêm campeando a sociedade

contemporânea.

5 OLIVEIRA, Marcos Alcyr Brito de. Cidadania Plena. A cidadania modelando o Estado. São Paulo: Alfa-Omega, 2005, p.14. 6 PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi. História da Cidadania. São Paulo: Editora Contexto, 2013, na introdução à obra asseveram: “A idéia deste livro surgiu ao constatarmos a carência bibliográfica a respeito da questão da cidadania. Inicialmente pensamos tratar-se de um problema brasileiro, mas aos poucos fomos percebendo que era um fenômeno mundial”.

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18

Nesse sentido, traz-se para o âmbito discursivo do presente estudo a contribuição

teórica de Jürgen Habermas, que, partindo da combinação dos pressupostos fundamentais das

concepções liberal e republicana da política, na forma como se consagrou no debate norte-

americano, propõe um modelo de democracia pautada em uma concepção procedimental e

deliberativa, fundada na teoria do discurso e do agir comunicativo. Essa concepção é

apresentada por Habermas em artigo intitulado “Três Modelos Normativos de Democracia”7

e, mais inteiramente, em Faktizität und Geltung. Beiträge zur Diskurstheorie dês Rechits und

dês demokratische Rechitstaats, publicado na Alemanha, em 1992, para aqui traduzida sob o

título de Direito e democracia: entre facticidade e validade, em 1994.8

Portanto, já no primeiro capítulo do presente trabalho serão perpassados os

principais pressupostos do pensamento habermasiano, expostos principalmente nas acima

destacadas referências bibliográficas do autor que, associados aos casos trazidos para o estudo

e às abordagens que se seguirão nos capítulos 2, 3 e 4, conduzirão à compreensão do tema da

pesquisa, sob uma perspectiva inovadora.

No presente trabalho importa, ainda, promover uma reflexão acerca das

concepções de cidadania e democracia a partir dos marcos históricos que inauguram a

formação do Estado moderno. Também, refletir como a repercussão da dimensão e força das

normas e princípios fundamentais insertos no texto constitucional possibilita, no Estado

Democrático de Direito brasileiro, o reconhecimento das condições legitimadoras para o

exercício do controle social, em especial, daquele tido como controle não institucionalizado.9

Outro ponto relevante para o tema da pesquisa, e que será abordado no capítulo

segundo deste trabalho, é o tema da transparência pública, na medida em que esta guarda

estreita relação com as possibilidades de exercício do controle do poder administrativo do

Estado, em qualquer de suas modalidades.

7 HABERMAS, Jürgen. Três modelos normativos de democracia. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ln/n36/a03n36.pdf . Acesso em: 30 jun. 2015. 8 Id. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 2.ed./1.ed. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2 volumes, 2012/2011. 9 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12. ed., rev. e atual. São Paulo: RT, 2008, p.376.

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A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, já trazia, em seu

art. 15, pode-se assim dizer, as sementes do instituto do controle que deve incidir sobre as

atividades da Administração Pública ao afirmar que “a sociedade tem o direito de pedir

conta, a todo agente público, quanto à sua administração”.10

Abrindo o Texto Constitucional de 1988 são apresentados, no art. 1º e seu

parágrafo único, os alicerces que definem o Estado Democrático de Direito em que se

constitui a República Federativa do Brasil, orientando a nova ordem jurídica no sentido da

busca incessante da afirmação dos princípios fundamentais ali estabelecidos.

O trabalho de pesquisa realiza uma investigação científica de cunho

predominantemente jurídico acerca dos pressupostos teóricos constitucionais e

administrativos que orientam e legitimam o exercício da cidadania ativa e participativa no

âmbito da atuação do exercício dos Poderes Públicos, com ênfase para a sua função

administrativa; mas com elementos da Política da História e da Sociologia, esta

especialmente, na medida em que se colhem dados empíricos a partir de estudos de casos

concretos de práticas de participação e exercício do controle social, atualmente desenvolvidas

no Brasil, de modo a oferecer uma contribuição no caminho da construção de uma cidadania

plena no Estado democrático e social de Direito brasileiro.

Propõe-se a pesquisa a favorecer a análise do tratamento constitucional e

infraconstitucional que é dado ao tema, em toda a plenitude do seu alcance, seja no tocante às

formas e instrumentos pelos quais o controle social se torna realizável; seja na dimensão em

que o mesmo é um instrumento de realização de direitos e garantias fundamentais e sociais e,

portanto, de efetivação de políticas públicas; seja, enfim, na medida em que o mesmo

impulsiona e, ao mesmo tempo, reflete a amplitude da democracia participativa. Sobre este

aspecto, aliás, no desenvolvimento da pesquisa, reafirma-se, faz-se especial incursão na

temática da democracia, bem articulada com os pressupostos da concepção republicana de

exercício do poder político - ao lado do conjunto de órgãos e instituições legalmente

incumbidos do exercício do controle dos atos da Administração Pública, compreendida no

âmbito de todos os Poderes Públicos Constituídos - vem fortalecer, legitimar e justificar o

10 DECLARAÇÃO DE DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO (1789). Disponível em http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/direitos-humanos/declar_dir_homem_cidadao.pdfhttp://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Doc_Histo/texto/Direitos_homem_cidad.html. Acesso em: 08 mar. 2015.

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exercício de novas práticas de conformação do processo democrático por atores outros como

indivíduos, associações e demais instituições da sociedade civil, em face das quais emerge o

que se vem a denominar controle social.

Na sequência, o projeto de pesquisa se propõe a contribuir para que o tema

“controle social” seja inserido na temática técnico-jurídica mais ampla das formas de controle

da Administração Pública11, enquanto exercício legal do poder para o alcance de finalidades

públicas, sempre tão bem tratada por administrativistas pátrios e alienígenas, de modo a

merecer uma maior atenção tanto por parte da doutrina jurídica quanto do operador do direito

e, assim, contribuir para a legitimação e o aprimoramento dos processos democráticos que

emergem da evolução dos direitos fundamentais e do amadurecimento das sociedades

politicamente organizadas no sentido de uma reivindicação cada vez maior de amplitude e

institucionalização de espaços de participação nas decisões políticas e administrativas dos

interesses coletivos.

A metodologia escolhida para o desenvolvimento do estudo partiu da análise da

disciplina constitucional e infraconstitucional acerca das possibilidades de exercício do

controle social, cotejada com pesquisa bibliográfica e jurisprudencial acerca do tema. Os

fundamentos teóricos, por seu turno, privilegiam as análises críticas acerca da democracia,

especialmente no contexto atual, que muito têm a oferecer na compreensão do fenômeno

sócio-político objeto da pesquisa, dentre outras fontes de conhecimento aqui tomadas como

subsidiárias, a exemplo da História.

Os dados de cunho empírico foram investigados por meio de uma análise

qualitativa – procedida através de estudo de casos múltiplos - de caráter descritivo, de ações

desenvolvidas por duas organizações da sociedade civil, a saber, a rede Amigos Associados

de Ribeirão Bonito - AMARRIBO e o Observatório Social do Brasil - OSB - selecionadas

pela aparente contribuição que vêm prestando ao fortalecimento do controle social neste país,

11 Quando da pesquisa teórica, pode-se constatar que pouca, ou quase nenhuma, atenção vem sendo dada à questão nos clássicos manuais de Direito Administrativo – base dos primeiros passos do acadêmico em Direito -, os quais se limitam a abordar, predominantemente, as conhecidas, e já densamente regulamentadas e caracterizadas formas de controle da Administração Pública, assim classificadas como de controle interno e externo; o que decorre da abordagem que comumente é dada ao controle social, pluralizando-o tão somente em formas de controle não institucionalizadas, como é o caso das manifestações de entidades sociais legalmente constituídas ou sociedade civil organizada, manifestações de partidos políticos, abaixo-assinados, passeatas, manifestações da imprensa e de cidadãos isoladamente e/ou por meio dos diversos canais de comunicação disponíveis, v.g, websites e outras redes sociais.

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agregando, cada uma delas, um significativo número de entidades afiliadas e identificadas por

um mesmo propósito de exercer, no âmbito dos municípios onde estão sediadas, práticas de

controle da gestão pública; o que possibilita uma base mais abrangente para estudo e,

portanto, uma visão mais global da hipótese pesquisada - e cujos objetivos estão voltados ao

exercício do controle social da Administração Pública, através de ações estratégias previstas

em seus respectivos estatutos e consoantes com o ambiente social e institucional específicos

do âmbito de atuação das entidades. Cuidou-se de observar os modi operandi de atuação

dessas organizações e as competências da Administração Pública mais visadas por suas

iniciativas, buscando-se avaliar o grau de interferência das provocações decorrentes desses

modi operandi de atuação nas decisões administrativas produzidas, em face dos interesses

públicos envolvidos, aqui tomados como aqueles voltados à efetivação de direitos

fundamentais do indivíduo e da sociedade, em outras palavras, os indicadores sociais de

resultados das iniciativas das organizações estudadas.

As principais técnicas para a coleta dos dados científicos de estudo dos casos

selecionados a que se procedeu no trabalho de pesquisa foram o recurso a fontes documentais,

entrevistas e a observações, auxiliados pela análise de conteúdos previamente levantados

junto aos sites institucionais, bem como documentos relevantes que foram coletados nos

respectivos trabalhos de campo. As entrevistas foram do tipo semi-estruturadas, seguindo,

assim, o formato aberto e, por vezes, informal; as observações, por sua vez, seguiram a

modalidade sistemática e, prioritariamente, voltaram-se para o comportamento dos fenômenos

e dos fatos pesquisados;12 e as análises de documentos se deram mediante consulta a

documentos disponibilizados nos sítios eletrônicos das organizações selecionadas, suas

publicações e materiais publicados em jornais e revistas, bem como, mediante o

consentimento da organização, documentos institucionais e administrativos.

Pretende-se, ainda, complementarmente ao estudo de caso, enriquecer a pesquisa

com dados a serem obtidos junto à Controladoria Geral da União, que criou e desenvolve o

projeto “Escala Brasil Transparente”, ao Ministério Público do Estado da Bahia, através do

projeto institucional “Transparência nas Contas Públicas” – com destaque para a metodologia

“Índice de Transparência”, desenvolvida pela Associação Contas Abertas, utilizada na

execução desse projeto institucional, o que se fará em um dos subtítulos do Capítulo 2,

dedicado à abordagem do controle social. Esta etapa da pesquisa justifica-se porque, 12 MARTINS, Gilberto de Andrade. Estudo de Caso: Uma estratégia de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2008, p.13.

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conforme assinalado anteriormente, esses programas têm entre seus objetivos o fomento ao

exercício, pelo cidadão, do controle social através do fomento à transparência e à participação

na gestão pública.

Assim, no presente trabalho de pesquisa buscou-se analisar como práticas de

controle do Estado-Administrador desenvolvidas, no Brasil, por organizações da sociedade

civil, com eventual apoio e participação de terceiros, têm contribuído para a efetivação dos

direitos inerentes à cidadania, além de prevenir a corrupção, consubstanciando-se em uma

modalidade de controle da Administração Pública denominada por controle social.13

13 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2008, p. 375; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23.ed. rev.e amp., 2.tir.. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 1031; MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA e CENTRO DE APOIO OPERACIONAL ÀS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DA CIDADANIA. Caderno Controle Social no Sistema Único de Saúde. Caderno do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Cidadania/Ministério Público do Estado da Bahia. Salvador: 2005, p. 5.

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1. DEMOCRACIA, PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA ATIVA: O QU E INFORMAM

ESSES CONCEITOS PARA O CONTROLE SOCIAL NO BRASIL.

1.1 A urgência e emergência de uma cidadania plena e ativa.

Fala-se, atualmente, em um conceito de cidadania plena14 como a efetiva fruição

dos direitos de liberdade do homem, dos direitos sociais, difusos e coletivos para além da

dimensão formal desses direitos, única até então assegurada pelos Estados-nação do mundo -

ainda que com singulares exceções -, como uma herança do contexto histórico, político,

econômico e jurídico- filosófico que ensejou a formação e consolidação do Estado Moderno,

e seu desenvolvimento até hoje.

Urge, assim, falar em uma cidadania plena, o que é falar de efetivação dos direitos

fundamentais inseridos nos textos constitucionais, como também da participação dos cidadãos

na formação da vontade político-administrativa, na construção dos programas de governo;

enfim, na legitimação do exercício do poder político e administrativo a partir de processos

democráticos.

Sob o enfoque da análise crítica fundada no pensamento marxista,15 um olhar

diverso, e que se fez projetar para além da concepção clássica e formal de cidadania, permitiu

que novas reflexões surgissem em torno desse conceito. Estas estavam alavancadas,

principalmente, nas contradições reveladas pela qualidade da cidadania desfrutada pelo

homem em suas relações sociais que se apresentava longe daquele ideal desenhado

formalmente pelos juristas e pelos pensadores políticos da modernidade.

A concepção de cidadania, como hoje a conhecemos e interpretamos, teve sua

construção histórica no Estado Absolutista, base do Estado Moderno, analisada a partir das

primeiras formulações conceituais da época16, construídas a partir da nova relação que

emergia entre o indivíduo, como sujeito de direito (cidadão), frente a esse Estado, enquanto

14 OLIVEIRA, Marcos Alcyr Brito de. Cidadania Plena. A cidadania modelando o Estado. São Paulo: Alfa-Omega, 2005; BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral da Cidadania: a plenitude da cidadania e as garantias constitucionais e processuais. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 9. 15 BARRACHO, José Alfredo de Oliveira. Op. cit., p. 20. 16 BODIN, Jean, Les Six Livres de La Republique; HOBBES, Thomas, Do Cidadão, apud SMANIO, Gianpaolo Poggio. As Dimensões da Cidadania. São Paulo: Revista da ESMP – ano 2, p 13-23, janeiro/junho – 2009, pp. 13-14.

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poder instituído. Entretanto, somente no século XVIII, com o resgate da cidadania clássica,

aquela fundada na instituição da comunidade política e na participação política dentro dela,

despontou uma nova perspectiva para a cidadania, saindo da verticalização (Estado/Indivíduo)

para uma concepção horizontal de cidadania, fundada no contrato social.17

A sociedade feudal entra em crise, já no século XIV, preparando o terreno para

que, na Idade Moderna, as revoluções burguesas dos próximos séculos XVII e XVIII fizessem

emergir os valores da universalidade, da individualidade e da autonomia humana, em

contraponto ao excesso de dogmas religiosos, principalmente vontade divina, a até então

incontestável. Estes impregnavam o pensamento e as instituições políticas na Idade Média,

alimentados pela Igreja Católica Romana, e que pretendiam justificar todos os fatos e

acontecimentos, em especial, os privilégios de nascença de uma minoria estamental. Nessa

transição, a emergência de uma consciência das desigualdades sociais chega para ficar e

mudar os rumos da história da humanidade. Nas palavras de Mondaini,

Essa historização da desigualdade servirá de pano de fundo para uma das mais importantes transformações levadas a cabo na trajetória da humanidade: a do citadino/súdito para o citadino/cidadão.18

A partir de então, a Europa-ocidental passa a experienciar um desenvolvimento

dos direitos dos cidadãos à custa de muitos conflitos sociais, ressalte-se, que do século XVIII

até o século XX evoluem dos direitos civis aos direitos sociais, passando pelos direitos

políticos, constituindo, assim, o que passou a ser concebido como as gerações dos direitos

humanos. Porém, esse processo histórico, político e social é devedor daquela que é

considerada a primeira revolução burguesa da história, a saber, a Revolução Inglesa do século

XVII, que teve início em 1640.

O cenário de transformações que se refletem, primeiramente, no modo de

produção econômico, abrindo espaço para as formas capitalistas de produção e relações

sociais, gradualmente vai sepultando o sistema feudal e alcançando o sistema político de

então, dominado pelo Estado Monárquico Absolutista, concebido, e que ganhou hegemonia,

na transição do feudalismo para o Estado Moderno, base dos modelos de Estado que se

17 SMANIO, Gianpaolo Poggio. As Dimensões da Cidadania. São Paulo: Revista da ESMP – ano 2, p 13-23, janeiro/junho – 2009, p. 14. 18 MONDAINI, Marco. O respeito ao direito dos indivíduos. In: PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi, orgs. História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2013, p. 116.

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desenvolveram a partir do século XIX. Opera-se, desta forma, “a estabilidade política sob a

nova direção de uma classe burguesa que toma para si o poder estatal, fortalecendo-o nas suas

relações internas com outras classes sociais e nas suas relações externas com outras nações”.19

Essas considerações acerca da formação do Estado Moderno e sua evolução se

mostram relevantes para a pesquisa na medida em os dados históricos demonstram a

importância do papel do Estado na consolidação dos direitos de cidadania ao longo da história

moderna e pós-moderna. O Estado passou a se constituir na forma política essencial para a

sobrevivência e reprodução das infraestruturas sociais nas sociedades politicamente

organizadas e garantidor das liberdades públicas. Em verdade, é o Estado que formalmente os

reconhece como tal, garante-os e assegura a sua aplicação universalmente a todos, partindo

das palavras de Vieira, para quem “os direitos e as obrigações de cidadania existem,

portanto, quando o Estado valida as normas de cidadania e adota as medidas para

implementá-las”.20

Deve-se a Thomas H. Marshall,21 na primeira metade do século XX, a primeira

proposta teórico-sociológica a respeito da cidadania, a qual se tornou clássica, sendo

reconhecida até hoje como referência e ponto de partida para qualquer estudo acerca do tema.

Partindo da análise da sociedade inglesa da época, de onde o capitalismo veio a se impor para

o resto do mundo com a sua evolução de comercial para industrial, Marshall instituiu uma

tipologia para os direitos de cidadania, classificando-os em civis, aqueles ali conquistados no

século XVIII; em políticos, aqueles conquistados no século XIX, embora não em caráter

universal, posto que em muitas nações, mesmo aquelas mais desenvolvidas, as mulheres

somente vieram a conquistá-los no século seguinte; e, em sociais, conquistados a duras lutas

de classes a partir do século XX. Os dois primeiros tipos são considerados direitos de primeira

geração; os direitos sociais, direitos de cidadania de segunda geração.22 A cidadania de que se

está a falar aqui ainda é aquela fundada essencialmente na teoria e na experiência Liberal que

vem dominando, política e economicamente, os países centrais do capitalismo e se impondo

na periferia do sistema, onde as liberdades individuais ainda são a maior preocupação para os

19 MONDAINI, Marco. O respeito ao direito dos indivíduos. In: PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi, orgs. História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2013, p. 120. 20 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. Rio de Janeiro: Record, 2001, p.35 e 36. 21 MARSHALL, T. H. In Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967, p.66. 22 VIEIRA, Liszt. Op. cit., p.33.

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seus defensores e para as instituições políticas concebidas a partir do correspondente modelo

político e econômico.

E, se as derrocadas sofridas pelo sistema capitalista, já na primeira metade do século

XX, e que vieram a abalar as economias ocidentais, com fortes reflexos no Estado Liberal

Clássico, impulsionaram o surgimento de um novo modelo de Estado: o do Welfare State norte-

americano, ou do Estado de Bem-Estar Social, na conformidade pela qual se expandiu para o

mundo. A verdade é que os direitos sociais conquistados pela classe trabalhadora, ainda que

resultantes das lutas emancipatórias dessa classe social frente às imposições e exigências

sofridas para a conservação e o desenvolvimento do capitalismo, fizeram parte de um ajuste

(o New Deal, nos EUA) engendrado pelo próprio Estado para salvar a economia capitalista,

que logo veio a se expandir pelo mundo, o que vem a revelar a habilidade desse sistema

econômico e suas correspondentes formas sociais, jurídicas e políticas na superação das

próprias crises.

A cidadania liberal foi o grande passo para o reconhecimento do homem como um

sujeito de direitos e não somente deveres frente ao soberano e ao Estado que nele se

corporificava, enquanto afirmadora de liberdades individuais, não reconhecidas ao homem em

sua dimensão individual e social até o século XVIII, em torno das quais as teorias

contratualistas23 pautaram as suas reflexões. Este é, pois, o grande contributo do liberalismo, a

saber, a formulação da ideia de uma cidadania universal, baseada na concepção de que todos

os indivíduos nascem livre e iguais, nas palavras de Vieira.24 Entretanto, ela é uma cidadania

excludente: inicialmente quando promovia uma diferenciação entre “cidadão ativos” e

“cidadãos passivos”, “cidadãos com posses” e “cidadãos sem posses”, reservando as

prerrogativas políticas aos “livres proprietários de terra”;25 e, posteriormente, quando, embora

reconhecendo a “igualdade de todos perante a lei”, passa a revelar as intrínsecas limitações do

sistema político-econômico sob o qual se assenta, para permitir o acesso a todos os cidadãos,

aqui não mais, ao menos, formalmente diferenciados em razão de posses, gênero, raça ou cor,

aos bens materiais ou imateriais que consubstanciam a plena fruição dos direitos

fundamentais de cidadania.

23 Refere-se aqui às teorias acerca do Estado, fundadas na ideia do contrato social, cujos expoentes foram os pensadores políticos Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau 24 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 71. 25 MONDAINI, Marco. O respeito ao direito dos indivíduos. In: PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi, orgs. História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2013, p.131.

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Smanio observa ainda que a concepção liberal conservadora de cidadania, a qual a

define como um status concedido pelo Estado aos seus membros, embora os confira direitos

políticos de participar das decisões políticas do Estado, pouco acrescenta em relação às

garantias sociais.26 Para o mesmo, é preciso reconhecer o valor da dignidade humana e o

papel de cada cidadão no interior do seu próprio Estado27, acrescentando que:

A dimensão da cidadania que deve ser desenvolvida é a dimensão horizontal, uma condição objetiva de acesso a direitos, mas também de comprometimento com os interesses da comunidade, como, por exemplo, a defesa ambiental, a responsabilidade social, a transparência nos negócios públicos, a distribuição da renda e a inclusão social.28

Em defesa também de uma cidadania horizontal, Santos a vincula ao princípio da

comunidade, responsável pelo maior equilíbrio entre o Estado e as forças do mercado, e

fundamento das lutas sociais de classe que constituíram a base da conquista dos direitos

sociais no século XX, acrescentando que “a comunidade assenta na obrigação política

horizontal entre indivíduos ou grupos sociais e na solidariedade que dela decorre, uma

solidariedade participativa e concreta, isto é, socialmente contextualizada”.29

No Brasil, o processo de redemocratização do país que culminou com a

promulgação da Constituição de 1988 veio dar um impulso ao desenvolvimento da cidadania,

no país, agora já sob a égide de um Estado Constitucional Democrático de Direito, onde os

direitos e garantias fundamentais do cidadão e da sociedade ocupam um lugar de relevo no

texto da Constituição. A esperança de construção da democracia no país também nasceu junto

com a Constituição de 1988. Liberdades individuais e públicas, bem como direitos políticos e

sociais que antes haviam sido conquistados em momentos históricos distintos, foram

integralmente absorvidos e tutelados por, e para, uma nova ordem constitucional, ao ponto de

se conferir à Constituição de 1988, o título de Constituição Cidadã.

Antes da vigência da nova ordem constitucional democrática de Direito, o Brasil

experienciou o surgimento dos direitos de cidadania em meio a uma alternância de períodos 26 SMANIO, Gianpaolo Poggio. A conceituação da cidadania brasileira e a Constituição Federal de 1988. MORAIS, Alexandre de (Org.). Os 20 anos da Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Atlas, 2008, p.336. 27 Loc. cit. 28 Id. Ibid., p. 337. 29 Loc. cit.

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históricos democráticos e ditatoriais, aqueles, mínimos, e estes com maior ou menor

supressão de liberdades, sendo o pior deles o que resultou do golpe militar de 1964.

Estabelecendo um paralelo entre o surgimento histórico dos direitos da cidadania

no Brasil e a clássica teoria desenvolvida por T. H. Marshall30 acerca do desenvolvimento dos

direitos de cidadania, o historiador José Murilo de Carvalho observa que:

Houve no Brasil pelo menos duas diferenças importantes. A primeira refere-se à maior ênfase em um dos direitos, o social, em relação aos outros. A segunda refere-se à alteração na sequência em que os direitos foram adquiridos: entre nós o social precedeu os outros.31

E diz mais: “como havia uma lógica na sequência inglesa, uma alteração dessa

lógica afeta a natureza da cidadania”,32 sem que se possa deixar de salientar que os direitos

sociais por nós primeiramente conquistados, assim o foram em plena vigência do Estado

Novo, implantados que foram pelo Governo de Getúlio Vargas.

Outro ponto destacado por Carvalho é a relação das pessoas com o Estado e com a

nação, como fatores que particularmente informam a construção da cidadania em um país.

Como se verá da leitura do capítulo 3, este ponto guarda estreita relação com o

comportamento do cidadão e da sociedade brasileira, frente aos assuntos de interesse coletivo,

em particular o seu envolvimento com iniciativas voltadas ao controle social da administração

pública,

Assim, no Brasil, o que a História registra de significativo, no período que

compreende a Declaração da Independência e a Proclamação da República foi a abolição da

escravatura, fator mais negativo para a cidadania no Brasil, segundo Carvalho,33 a qual

conferiu direitos civis aos ex-escravos; uma concessão, todavia, mais formal do que real.34 Ao

final do período colonial, o Brasil contava com a maioria da população excluída dos direitos

30 Conforme assinalado acima e em obra referida na nota 21. 31 CARVALHO, José Murillo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 17. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, pp.11 e 12. 32 Id. Ibid., p.12. 33 Id. Ibid., pp. 18-20. 34 Id. Ibid., p.17.

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civis e políticos e sem qualquer sentido de nacionalidade.35

Carvalho também realça o quanto o latifúndio e a escravidão constituíram um

ambiente desfavorável à formação de futuros cidadãos ao destacá-los como traço marcante da

economia brasileira durante séculos. Lembra, inclusive, o fato de que o Estado, funcionários

públicos, ordens religiosas, padres, e até mesmo escravos libertos, eram proprietários de

escravos. Inclusive, no próprio quilombo dos Palmares havia escravos, concluindo o autor

que não existiam linhas geográficas separando a escravidão da liberdade”.36 Afinal, aqui se

está a falar de um direito civil básico – talvez o mais fundamental depois da vida, a saber, a

liberdade humana.

O fato é que, como assinalou Carvalho, a escravidão estava, e pode-se arriscar a

afirmação de que ainda está, tão enraizada na sociedade brasileira que não foi colocada em

questão, com a seriedade que o fato demandava, até o final da guerra contra o Paraguai, um

dos poucos e importantes eventos da história do Brasil capaz de criar alguma identidade

nacional. Isto porque se travara guerra contra inimigos estrangeiros, fator primordial, na

compreensão de Carvalho, para o desenvolvimento dessa identidade. Para o autor, em

verdade, teria sido precisamente a Guerra do Paraguai o principal fator de produção de

identidade brasileira que até então se resumia ao “nativismo antiportuguês”, que produzia

revoltas regenciais localizadas em cidades.37

Porém, sob um outro ângulo que se pode considerar confluente para as conclusões

de Carvalho sobre os reflexos da escravidão na construção da cidadania brasileira, Schwarcz e

Starling escrevem:

Um sistema como o escravismo moderno só se enraiza com o exercício da violência. Da parte dos proprietários, a sanha contínua que visava à sujeição e obediência cegas para o trabalho. Da parte dos escravos, a reação se dava a partir de gradações que iam das pequenas insubordinações diárias e persistentes até as grandes revoltas e os quilombos.38

E prosseguem: 35 CARVALHO, José Murillo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 17. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, p.25. 36 Id. Ibid., p.48 37 Id. Ibid., pp.77e 78. 38 SCHWARZ, LÍLIA M.; SATARLING, Heloísa M. Brasil: uma biografia. 7.Imp. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 92.

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De todo modo, a escravidão se enraizou de tal forma no Brasil, que costumes e palavras ficaram por ela marcados. Se a casa-grande delimitava a fronteira entre a área social e a de serviços, a mesma arquitetura simbólica permaneceria presente nas casas e edifícios, onde, até os dias que correm, elevador de serviço não é só para carga, mas também, e sobretudo, para os empregados que guardam a marca do passado africano na cor.39

As liberdades civis, e não menos assim o seria com a consciência coletiva delas,

também foram profundamente afetadas pelo modelo da grande propriedade rural, ou

latifúndio. Uma herança colonial onde a lei que vigia não era a lei do Estado, mas sim a do

seu senhor e proprietário, geralmente também proprietários de escravos. Uma herança ainda

viva em muitas regiões rurais do país, onde, ao modelo agrário soma-se a triste realidade do

culto a práticas escravagistas travestidas em aparentes “relações de trabalho”.

E eram esses grandes proprietários de terras que sustentavam o coronelismo, um

sistema político que persistiu mesmo após a Proclamação da República, especialmente

durante a Primeira República, conhecida como “república dos coronéis”, passando a constituir

as poderosas oligarquias que ainda insistem em se perpetuar no comando do poder político,

especialmente nas regiões menos desenvolvidas do país.

Sobre a estreita relação entre a grande propriedade rural e a política dos coronéis,

recorrer-se, mais uma vez, às felizes observações do historiador José Murilo de Carvalho:

O coronelismo não era apenas um obstáculo ao livre exercício dos direitos políticos . Ou melhor, ele impedia a participação política porque antes negava os direitos civis. Nas fazendas, imperava a lei do coronel, criada por ele, executada por ele.40

Os direitos políticos no Brasil, embora regulados desde a Constituição do Império,

de 1824, como dito anteriormente, também foram profundamente comprometidos, em seu

exercício, pela ação da política dos coronéis. E mais, dos brasileiros tornados cidadãos com

direito ao voto pela Constituição de 1824, 85% eram analfabetos, entre os quais se incluíam

39 CARVALHO, José Murillo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 17. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. 40 Id. Ibid., p. 56.

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grandes proprietários rurais e, nas cidades, muitos dos votantes eram funcionários públicos

controlados pelo governo. As mulheres e os escravos não eram considerados cidadãos.41

Conforme assinalado anteriormente, nos países centrais do capitalismo a

conquista dos direitos de cidadania seguiu a trajetória das transformações sociais

impulsionadas pelo capitalismo: direitos civis, seguidos dos direitos políticos e, mais tarde os

direitos sociais, na fase industrial do modelo econômico.

No Brasil, somente com a implantação do mercado livre de trabalho em fins do

século XIX, com a tardia abolição da escravatura, despontou-se o cenário apropriado ao

surgimento da classe trabalhadora nos moldes como a modernidade a concebeu. Isso ocorreu

pela emergência do processo de industrialização do país no início do período republicano,

inicialmente na região Centro-Sul e, com ela, o movimento político operário. É o que informa

Luca no seguinte registro:

A vasta bibliografia a respeito do tema tem analisado, com riqueza de detalhes, a composição da nascente classe operária, os vários leitos da alta porcentagem de mulheres e crianças nas industrias, os padrões salariais, as péssimas condições de vida e trabalho vigentes nas primeiras décadas do século passado, além de enfatizar as formas de atuação da liderança, as ideologias abraçadas, os embates travados com o capital, o esforço de organização, expresso em associações mutuais, ligas, uniões, centros, sindicatos, federações, partidos, congressos, boletins, manifestos, panfletos, jornais, escolas, comemorações, produção teatral e literária, enfim, o processo de construção de uma identidade operária, evidenciando que os assalariados estiveram longe de aceitar pacificamente o padrão de exploração que lhes era imposto.42

Em que pesem os fortes argumentos e fontes históricas a informar, como

assinalou Carvalho,43 a dianteira no Brasil dos direitos sociais em face dos direitos civis e

políticos, em virtude da criação das legislações previdenciária e trabalhista na vigência do

Estado Novo, após o movimento revolucionário de 1930, o fato é que elas resultaram do

crescimento do movimento operário que reivindicava, desde fins do século XIX, a edição de

leis protetivas em favor do trabalhador assalariado, chegando mesmo à conquista de algumas,

41 CARVALHO, José Murillo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 17. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, pp. 32-33. 42 LUCA, Tânia Regina de. Direitos sociais no Brasil. In: PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi, orgs. História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2013, p.471. 43 CARVALHO, José Murilo. Conf. notas 21 e 32.

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v.g., a lei de acidentes do trabalho de 1919, a lei de férias de 1925 e o Código de Menores de

1927, este a proibir o trabalho de crianças menores de 14 anos.

Como assinala Luca, pois, “a entrada do Estado como regulador das relações

entre capital e trabalho fez-se num contexto marcado por grande mobilização e foi

concomitante e sistemática à ofensiva contra os sindicatos e as principais lideranças

operárias”.44 Levando-se em consideração o contexto político ditatorial da época em que

Consolidação das Leis do Trabalho foi aprovada, constata-se que os direitos sociais vieram à

custa da supressão de direitos civis e políticos, o que põe em cheque o caráter democrático

dessa conquista e sua contribuição para o desenvolvimento de uma cidadania ativa.45

A História é farta em elementos e rica em narrativas e interpretações capazes de

propiciar uma compreensão do caminhar da cidadania no Brasil, como se pode apreender a

partir da incursão nas obras dos autores anteriormente referenciados.46 Urge assim, como

aspecto relevante da abordagem que ora se desenvolve acerca do controle social como

instrumento para a efetivação da cidadania no Brasil, que se dirija a atenção para o novo

momento político-institucional inaugurado com a promulgado da Constituição de 1988, a qual

foi editada com o firme propósito de fazer prevalecer no Estado Brasileiro os valores

democráticos e republicanos que haviam sucumbido pelas mãos dos mentores da ditadura

militar e seus algozes.

O primeiro aspecto a observar acerca da cidadania na Constituição de 1988 é que

essa nova ordem constitucional ampliou o sentido até então conferido pelas constituições

brasileiras anteriores ao instituto. Se antes o seu sentido era limitado à ideia de pertencimento

a uma comunidade nacional, restringindo-o, assim, ao conceito de nacionalidade, a

Constituição de 1988, concebida nos moldes do Estado Constitucional de Direito

Democrático e Social, ampliou o sentido de cidadania, vinculando-a aos direitos e garantias

fundamentais. Ou melhor, definiu-a como um dos princípios fundamentais da República

Federativa do Brasil. Portanto, para a sua compreensão, no contexto da nova ordem

constitucional, deve-se atentar para, além dos direitos inerentes à nacionalidade, das

44 LUCA, Tânia Regina de. Direitos sociais no Brasil. In: PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi, orgs. História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2013, p.478. 45 CARVALHO, José Murillo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 17. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, p.110. 46 Acresça-se aos referenciais citados o clássico Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda.

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liberdades civis e dos direitos políticos de votar e ser votado, as garantias fundamentais, a

ampliação de direitos sociais a categorias de trabalhadores até então excluídos e os direitos

sociais de dimensão coletiva. Enfim, o conceito de cidadania e sua amplitude concebidos a

partir da Constituição de 1988 refletem a escolha, ao menos simbólica, pelos princípios e

valores republicanos, em especial a solidariedade, a supremacia do interesse público e a

dignidade da pessoa humana.

Ao tomar por referência a Constituição brasileira de 1988, José Alfredo de

Oliveira Baracho oportunamente assinala, na apresentação de sua Teoria Geral da Cidadania

– A plenitude da cidadania e as garantias constitucionais e processuais, o quão importa

mostrar a nova concepção que se pode ter de cidadania, ali significativamente ampliada em

seu conteúdo, e seus reflexos na vida das pessoas, demonstrando que eles não se esgotam

apenas na clássica participação política, através dos instrumentos criados pela democracia

representativa e pela democracia direta,47 sinalizando, pois, para a estreita ligação existente

entre a temática da cidadania e da democracia.

Nessa nova ordem constitucional, os direitos políticos foram universalizados,

estendo-se o direito de voto, ainda que como uma faculdade, aos maiores de 16 anos, bem

como aos analfabetos. A democracia deixou de ser tão somente representativa para constituir-

se ativa e participativa, nas apenas nos limites do contorno desenhado no art. 14 de

Constituição Federal, mas, e principalmente, a partir do exercício do poder soberano pelo

povo, nos expressos termos do seu art. 1º. Houve ampliação dos direitos civis ao longo do art.

5º da Constituição e, principalmente, os direitos sociais, somados às garantias fundamentais,

ganharam dimensão digna de se considerar, a Constituição Brasileira de 1988, uma das mais

avançadas constituições que o Estado de Direito, Democrático e Social da pós-modernidade,

veio a conhecer.

Ocorre que, e isto se constituiu em das preocupações que motivaram a presente

pesquisa, toda a gama de direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição Federal

e por ela recepcionados não vem bastando para torná-los efetivos e acessíveis a todos os

cidadãos brasileiros, o que nos faz crer que de fato há entre nós indivíduos e cidadãos: os

47 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral da Cidadania: a plenitude da cidadania e as garantias constitucionais e processuais. São Paulo: Saraiva, 1995, p.V.

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primeiros, aos quais cabe a luta pela sobrevivência; e os últimos, a aspiração pela realização

pessoal e social.

Hoje, no Brasil, a aspiração pela conquista da cidadania move-se do respeito às

liberdades individuais do cidadão, perpassa as relações de trabalho lícito no âmbito das quais

o mesmo se insere e se consolida com a plenitude do acesso à moradia, à educação, à saúde,

ao lazer, à Justiça, ao meio ambiente sustentável e ao desenvolvimento social. Mas, ainda é

uma aspiração, mesmo que já constitucionalmente legitimada.

A pesquisa aqui desenvolvida lança um olhar sobre as possibilidades de

empoderamento e efetivação da cidadania a partir da participação social na Administração

Pública, especialmente aquelas que vem projetando o olhar no sentido da fiscalização dos

recursos públicos, na eficiência da sua aplicação e no combate à corrupção nos respectivos

setores.

1.2 A Democracia: para onde caminha?

Falar de democracia, na atualidade, não se constitui em uma tarefa fácil,

especialmente se a opção consistir em sair-se do campo de análise dos seus pressupostos

formal para os de ordem material ou substancial.

Também não se pode vinculá-la ao seu nascedouro no contexto das civilizações

greco-romanas da antiguidade, posto que a democracia que se vivencia hoje é herança do

Estado Moderno cunhado sob as bases das revoluções burguesas do século XVIII. Nasceu no

Estado Moderno, transitou pelo modelo de Estado de Direito Liberal, daí para o Estado de

Direito Social e resgatou raízes liberais no modelo do Estado Neoliberal, o qual

reconhecidamente vive constantes embates de forças estruturantes da sociedade – a política, o

direito, o mercado, a cultura e os movimentos sociais - não respondendo satisfatoriamente às

necessidades sociais, de modo a confrontar a exclusão social.

É de se questionar, portanto, qual caminho tomará a democracia na atualidade,

considerando-se que tem sido, até então, modelada pelo Estado de Direito vigente a cada

momento histórico e ao sabor dos interesses em jogo nos campos social, político e,

principalmente, econômico.

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Ainda que distante do modelo de Estado da antiguidade clássica é nele que a

democracia moderna foi buscar os seus alicerces da participação popular nos destinos da

coletividade, da soberania do povo e da liberdade individual. Pode-se, assim, afirmar que,

enquanto regime político, a democracia vem definir o exercício do Poder Estatal sobre tais

alicerces. E sobre os mesmos também se definiu o Estado Constitucional de Direito: aquele

que racionalmente conforma o Estado de Direito às bases da separação de poderes e funções

do Estado e se dirige à efetividade dos direitos fundamentais.48

Importa assinalar, entretanto, que, ao longo do caminhar evolutivo do Estado de

Direito, foram as reivindicações sociais por novas liberdades públicas e garantias

institucionais as mesmas que alavancaram o modelo do Estado de Direito Constitucional.

É nas Constituições – em seu conjunto de normas e princípios que informam todo

o funcionamento do Estado e asseguram aos cidadãos os direitos e deveres fundamentais à

satisfação das necessidades individuais e coletivas -, portanto, que se encontrarão os

pressupostos principiológicos, formais e materiais da experiência democrática a ser

vivenciada por cada Estado, e sua coletividade, particularmente.

Trazendo esses conceitos para o Estado de Direito Brasileiro, desenhado pela

Constituição Federal de 1988 como um Estado Democrático de Direito, pode-se observar que

diversos princípios e disposições normativas, ao longo do Texto Constitucional, informam a

opção institucional pela democracia e seus correspondentes valores da igualdade, da

dignidade humana, da liberdade, da soberania e da participação popular e do republicanismo,

haja vista que, como assinala Comparato,49 a democracia constitui o complemento necessário

da república.

Tem-se hoje uma Constituição que enseja princípios e normas que asseguram,

para além da democracia clássica representativa, condições para que a sociedade brasileira,

por seus cidadãos isoladamente ou através de movimentos sociais ou associações legalmente

constituídas, participem dos processos de formação da vontade política e administrativa do

48 Id. Ibid., p.117. 49 COMPARATO, Fábio Konder. Ética: Direito, moral e religião no mundo moderno. 2.ed. rev., São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 637.

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Estado, seja através dos institutos da iniciativa popular, do referendum e do plebiscito, seja

através de procedimentos administrativos que prevêem a participação popular na discussão e

deliberação de políticas públicas governamentais, do orçamento público, da política pública,

dentre outras hipóteses que serão tratadas no Capítulo 2.

Entretanto, a realidade brasileira, ou melhor, a democracia substancialmente

vivenciada no interior do Estado Democrático de Direito Brasileiro não vem correspondendo

à gama de possibilidades formalmente previstas na Constituição. E, como percebem alguns

estudiosos do assunto, este quadro é preocupante. E especialmente quando se está a tratar de

uma forma democrática, por excelência, de controle da Administração Pública, as reflexões

merecem atenção.

Vive-se, aqui, o que Capella sinalizou em fins do século passado em relação ao

que ele denomina “sistemas políticos do Norte”, quando afirma que:

Uma das características dos sistemas políticos do “Norte”, acentuada nos últimos decênios, é a contenção crescente do processo de democratização. Essa contenção é, no substancial, consequência de que as exigências políticas feitas ao Estado (ou aos Estados, ainda que aqui se obviará essa consideração) pelas estruturas do capital são incompatíveis com as pulsações democráticas da população.50

Para Rancière vive-se hoje um ódio à democracia, cujos porta-vozes habitam

todos os países que se declaram não apenas Estados democráticos, mas democracias tout

court. Segundo o mesmo:

A mecânica das instituições que encantou os contemporâneos de Montesquieu, Madison e Tocqueville não lhes interessa. É do povo que e de seus costumes que eles se queixam, não das instituições de seu poder. Para eles, a democracia não é uma forma de governo corrompido, mas uma crise da civilização que afeta a sociedade e o Estado através dela.51

Mais adiante ainda assinala que:

A palavra democracia não designa propriamente nem uma forma de sociedade nem uma forma de governo. A “sociedade democrática” é apenas uma pintura fantasiosa, destinada a sustentar tal ou tal princípio do bom

50 CAPELLA, Juan Ramón. Os Cidadãos Servos. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1998, p.109. 51 RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. São Paulo: Boitempo, 2014, pp 9 e 10.

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governo. As sociedades, tanto no presente quanto no passado, são organizadas pelo jogo das oligarquias. E não existe governo democrático propriamente dito. Os governos se exercem sempre da minoria sobre a maioria.52

De fato, o modelo de democracia que a sociedade política contemporânea

reivindica para a afirmação das liberdades fundamentais e direitos sociais vai além do modelo

clássico. Pressupõe-se um arranjo normativo-constitucional que insira no ordenamento não

apenas mecanismos de representação popular, mas, e acima de tudo, instrumentos jurídicos

que possibilitem a inserção direta da vontade popular na formação da opinião e da vontade

políticas, capazes de vincular as decisões do Estado em sua atuação administrativa.

Já na transição do século XX para o atual, Capella aponta até mesmo para uma

involução do processo de democratização política do Estado,53 Democrático e Social de

Direito por óbvio, decorrente de fatores diversos de natureza política próprios do modelo de

Estado esculpido a partir das revoluções burguesas, comungando com a ideia de uma política

de poderes para as populações.54 Pode-se arriscar a afirmar, mesmo que antecipadamente a

uma investigação acerca dos fundamentos que subjazem às assertivas dos estudiosos citados,

que tais ideias revelam preocupações com as contingências que os processos de

democratização e conquistas de direitos sociais vem suportando na atualidade, urgindo que

sejam conferidos maiores poderes de participação aos cidadãos nas decisões políticas e

administrativas mais diretamente afetas aos interesses coletivos. Fala-se de um âmbito público

não estatal de atividade social, ou um âmbito constituído pela atividade dos movimentos

sociais e pelas iniciativas cidadãs, responsáveis pela formação de novos poderes sociais,

capazes de intervir no campo institucional, sobre as políticas estatais de programas.55

Em obra recentemente publicada,56 Jessé Souza contribui com o debate político

atual ao proceder a uma análise profundamente crítica acerca das (in)visíveis distorções que

campeiam a sociedade brasileira através de uma imperiosa “violência simbólica”. Tal

violência é fruto de estratégias de convencimento usada para submeter os cidadãos brasileiros,

diariamente, através da reprodução de ideias que os faz acreditar que os velhos privilégios

52 RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. São Paulo: Boitempo, 2014, p. 68. 53 CAPELLA, Juan Ramón. Os cidadãos servos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998, p. 110. 54 Id., Ibid., p. 111, onde o autor refere-se a ideias e termos empregados por Pietro Barcellona em obra intitulada Postmodernidad y comunidad, Madri, Trotta, 1992. 55 Id., Ibid., p. 112. 56 SOUZA, Jossé. A Tolice da inteligência brasileira ou como o país se deixa manipular pela elite. São Paulo: Leya, 2015.

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injustos não são nada mais que velhos, impedindo-os de enxergar que eles continuam

existindo com nova roupagem. No contexto desenhado pelo auto, é possível perceber as

ameaças que a democracia e seus valores fundamentais sofrem na atualidade.

Inquestionável, assim, que o Estado nacional, concebido a partir do modelo

liberal, revela estar em crise. Todavia, se correntes marxistas defendem a solução para a

emancipação humana ou cidadania plena na sua extinção,57 propugna-se aqui um caminho

para tal crise através do reconhecimento e da expansão dos espaços públicos de comunicação

e discussão.

Oportuno aqui que se considere o entendimento de Alarcón, o qual advoga a favor

de um Estado Social renovado58, e para quem

as diversas opções jusfilosóficas e políticas sobre o melhor Esatado ou sobre o Estado possível, tem como premissa um mal-estar socioeconômico, que impulsiona uma ação política que logo se reverte em uma formulação pragmática renovadora da relação homem e Estado em vigor. É dizer que as diversas manifestações do Estado de Direito, longe de limitar-se ao plano da teoria política e de especulação filosófica, são o resultado de processos vivos, e não imagens institucionais desenvolvidas à margem da realidade, é dizer, não são algo postiço, mas o resultado de realidades políticas vigentes.59

Tais assertivas sugerem, dentre tantas indagações possíveis acerca dos sistemas

políticos ditos democráticos da atualidade, que se indague qual o futuro da democracia na

sociedade globalizada, tão contaminada pelas mesmas distorções institucionais. Será que está

nas mãos do senhor do tempo? Crê-se que a conscientização social e a busca pela ocupação

dos espaços públicos de empoderamento do cidadão e da sociedade civil organizada poderão

impedir o assinalado enfraquecimento da democracia.

1.3 Participação social e cidadania ativa como aliados do controle social a partir de uma

perspectiva habermasiana.

57 Ver referências em SINGER, Paul. A Cidadania para todos. In: História da Cidadania. Org.: PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi. São Paulo: Contexto, 2013, p.232; e em CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 17.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, p. 60. 58 LORA ALARCÓN, Pietro de Jesús. Ciência Política, Estado e direito público: uma introdução ao direito público da contemporaneidade. São Paulo: Verbatim, 2011, p.106. 59 Id. Ibid., p. 105.

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A partir dos pressupostos da democracia assinalados e analisados acima pode-se

afirmar ser a participação social (ou popular, como preferem outros tratadores do tema) um

corolário fundamental desse instituto, seja enquanto regime político materializado em um

Estado de Constitucional de Direito, seja enquanto um valor social e cultural.

Foi dito na Introdução que seria trazida para o âmbito discursivo do presente

estudo a contribuição teórica de Jürgen Habermas, a qual, partindo da combinação dos

pressupostos fundamentais das concepções liberal e republicana da política, na forma como se

consagraram no debate norte-americano, propõe um modelo de democracia pautada em uma

concepção procedimental e deliberativa, fundada na teoria do discurso e do agir

comunicativo. Essa concepção é apresentada por Habermas em artigo intitulado Três Modelos

Normativos de Democracia”60 assim como em “Direito e Democracia: entre facticidade e

validade.61

Em “Três Modelos Normativos de Democracia”, Habermas estabelece uma

comparação entre as concepções liberal e republicana de governo, na forma como a

terminologia se consagrou no debate norte-americano, e, destacando o papel do processo

democrático, desenvolve uma concepção procedimental de política deliberativa.

Habermas parte da análise acerca de pressupostos básicos que orientam o processo

democrático nas duas diferentes concepções. Na concepção liberal, tem-se o processo

democrático como um mecanismo utilizado para possibilitar que o Estado, entendido como o

aparato da administração pública, atenda aos interesses da sociedade, entendendo-se esta

como o sistema estruturado a partir de uma economia de mercado, relações entre pessoas

privadas e do seu trabalho social. Nesse contexto, à política, vista a partir do sentido de

formação da vontade política dos cidadãos, cabe o papel de agregar e impor os interesses

sociais privados perante o aparato administrativo do Estado especializado no uso do poder

político para garantir os fins coletivos.62 A concepção republicana, por sua vez, atribui à

política não apenas a função de mediação que a mesma exerce no contexto da concepção

liberal, mas, e principalmente, o meio pelo qual os anseios de liberdade e igualdade aspirados

60 HABERMAS, Jürgen. Três modelos normativos de democracia. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ln/n36/a03n36.pdf . Acesso em: 30 jun. 2015. 61 Id. Direito e Democracia: entre facticidade e validade.2.ed./1.ed. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2 volumes, 2012/2011. 62 Id. Três modelos normativos de democracia. Op. cit., p. 01

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pelos membros das comunidades, na medida em que os torna conscientes da interdependência

recíproca que os envolve. A concepção republicana, pois, acrescenta um terceiro componente

à arquitetônica liberal do Estado e da sociedade, alterando-a consideravelmente: à instância de

regulação hierárquica, verticalizada, portanto, representada pela jurisdição do Estado e à

instância de regulação descentralizada representada pelo mercado, emerge a solidariedade e a

orientação para o bem comum como uma terceira fonte de integração social, possibilitando

uma formação horizontal da vontade política orientada para o entendimento ou para um

consenso argumentativamente alcançado.63

Para além do debate que se instalou principalmente nos Estados Unidos entre os

chamados “comunitaristas”, defensores do modelo republicano, e os “liberais”, Habermas

vislumbra e propõe uma terceira alternativa aos dois modelos de democracia correspondentes,

levando em consideração vantagens que reconhece tanto no modelo republicano quanto no

modelo liberal. Como vantagem do primeiro, estaria no fato de se ater ao sentido democrata

essencial que envolve uma auto-organização da sociedade “por cidadãos unidos

comunicativamente e em não fazer com que os fins coletivos sejam derivados somente de um

arranjo entre interesses privados conflitantes”.64 A desvantagem desse modelo estaria no

idealismo excessivo que torna o processo democrático dependente das virtudes dos cidadãos

orientados para o bem comum, o que vincularia o processo a autocompreensão ética dos

membros da comunidade, uma compreensão jamais compatível com ambientes de pluralismo

cultural e social. Enfim, para Habermas, os discursos éticos por si só não são capazes de

oferecer o equilíbrio e o compromisso necessários a formação de consenso, posto que a

política não se limita a eles.65

A solução, ou melhor, alternativa proposta por Habermas frente às diferenças que

alimentam o debate entre os comunitaristas e os liberais consiste em um terceiro modelo de

democracia, fundado na política deliberativa. Esta, segundo Habermas, resultaria de um

entrelaçamento racional dos modelos liberal e republicano de política, através da consideração

a um referencial empírico, o qual consiste em se reconhecer a pluralidade de formas de

comunicação no contexto das quais uma vontade comum pode se formar. Isso significa não

ser apenas a via da autocompreensão ética, mas também através do equilíbrio de interesses e

63 HABERMAS, Jürgen. Três modelos normativos de democracia. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ln/n36/a03n36.pdf . Acesso em: 30 jun. 2015, p. 2. 64 Id., p. 6 65 Loc. cit.

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compromissos, da escolha racional de meios com respeito a um fim, e mediante justificações

morais e exames de coerência jurídica, o que oferece ao modelo de democracia as condições

de comunicação necessárias para proporcionar ao processo político a possibilidade de alcance

de resultados racionais.66

O modelo normativo de democracia deliberativa proposto por Habermas pretende

tomar elementos do modelo liberal (representativo) e do republicano (participativo) e os

articular de maneira nova e distinta, objetivando a construção de um procedimento ideal de

deliberação e de tomada de decisões, assim explicado por Habermas:

Conforme essa concepção a razão prática se afastaria dos direitos universais do homem (liberalismo) ou da eticidade concreta de uma determinada comunidade (comunitarismo) para se situar naquelas normas de discurso e de formas e argumentação que retiram seu conteúdo normativo do fundamento de validade da ação orientada para o entendimento, e, em última instância, portanto, da própria estrutura da comunicação linguídtica.67

Efetivamente, o modelo proposto por Habermas se apresenta como um referencial

teórico especial para a análise da forma como os processos de controle social, desenvolvidos

pelas organizações estudadas informam para a democracia, enquanto entidades componentes

da sociedade civil, e o que eles significam dentro da estrutura de um Estado de Direito.

O que o estudo de casos mostrou com os capítulos 3 e 4, que sucedem à frente e

são fartos em dados e relatos a esse respeito, é que, entre mecanismos institucionalizados ou

não, as organizações estudadas, por meio dos cidadãos que delas participam, têm buscado

ocupar os espaços públicos políticos, com o propósito de interferir no aparato administrativo

estatal de modo a garantir a realização pelo Estado dos interesses coletivos e sociais.

Entretanto, e esse aspecto fortalece a democracia e a cidadania, o que a teoria do

discurso se propõe a fazer não é a realização de uma política deliberativa depender de uma

cidadania coletivamente capaz de ação, diz Habermas, mas da institucionalização dos

correspondentes procedimentos e pressupostos comunicativos, viabilizando processos de

entendimento na forma institucionalizada de deliberações, seja nas instituições parlamentares

seja na rede de comunicação dos espaços públicos políticos.68

66 HABERMAS, Jürgen. Três modelos normativos de democracia. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ln/n36/a03n36.pdf . Acesso em: 30 jun. 2015, p. 6. 67 Id. Ibid., p. 8. 68 Id. Ibid., pp. 9-10.

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É dizer: a teoria do discurso reforça a importância da institucionalização de

procedimentos democráticos capazes de converter o poder comunicativamente gerado na

esfera pública, dimensão da sociedade aonde tem lugar o processo discursivo orientador e

legitimador da atuação do Estado, em decisões políticas e administrativas revestidas de

racionalidade e legitimidade.

Em respaldo a esse entendimento, tem-se Lubenow, para quem:

A compreensão procedimental da democracia tenta mostrar que os pressupostos comunicativos e as condições do processo de formação da opinião são a única fonte de legitimação; que a formação democrática da opinião e da vontade tira sua força legitimadora dos pressupostos comunicativos e dos procedimentos democráticos.69

Enfim, Habermas reconhece que:

A geração informal da opinião desemboca em decisões eleitorais institucionalizadas e em decisões legislativas por meio das quais o poder gerado comunicativamente se transforma em poder passível de ser empregado em termos administrativos.70

Desta forma, dentro da perspectiva discursiva desenvolvida por Habermas,

orientada para o entendimento e o consenso a ser alcançado de modo argumentativo induz a

autodeterminação cidadã – um valor republicano e democrático. E, para a prática dessa

autodeterminação cidadã, destaca o papel da sociedade civil autônoma, independente,

segundo o mesmo, tanto da administração pública como do intercâmbio privado, que

protegeria a comunicação política da absorção pelo aparato estatal ou da assimilação à

estrutura do mercado.71 Na concepção republicana, o espaço público e político e a sociedade

civil têm a função de garantir a força integradora e a autonomia da prática de entendimento

entre os cidadãos.72 A sociedade civil, para Habermas, apresenta-se como a base social de

espaços públicos autônomos distintos do poder administrativo e do poder econômico, capazes

de revelar a força de integração social contida na solidariedade social.

69 LUBENOW, Jorge Adriano. Esfera pública e democracia deliberativa em Habermas. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2010000100012. Acesso em: 15 jun. 2016, p. 9. 70 HABERMAS, Jürgen. Três modelos normativos de democracia. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ln/n36/a03n36.pdf . Acesso em: 30 jun. 2015, p. 10. 71 Id., Ibid., p. 40. 72 Loc. cit.

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Por sociedade civil entende Habermas não como sendo aquela esfera da sociedade

burguesa de tradição liberal, mas aquela cujo núcleo institucional é constituído por

movimentos, organizações e associações, que, segundo o mesmo, “captam os ecos dos

problemas sociais que ressoam nas esferas privadas”, condensando-os e transmitindo-os em

seguida à esfera pública.73

Importa assinalar que essas associações e organizações livres que constituem a

sociedade civil exercem importante influência sobre a formação institucionalizada da opinião

e da vontade74, na medida em que canalizam as impressões deixadas pelos problemas sociais

na esfera privada e transmite-os para esfera pública, descrita por Habermas como uma rede

adequada para a comunicação de conteúdo, tomada de posições e opiniões públicas

enfeixadas em determinados temas.75

A alternativa assim proposta por Habermas é uma terceira via entre o modelo

liberal e o republicano: o modelo procedimental de política deliberativa no “núcleo normativo

de uma teoria da democracia”.76 Um modelo democrático, fundado na teoria do discurso, a

qual toma elementos das demais concepções citadas para construir um procedimento ideal de

deliberação para tomada de decisões democráticas em nível de coletividades, através do qual

– se pode subtender - assegurada estará a legitimidade das decisões.

Portanto, a perspectiva habermasiana encontra ressonância nas práticas

desenvolvidas da sociedade civil, que vem se caracterizando pelo exercício da participação

social e da cidadania ativa organizada e buscando soluções para problemas coletivos.

E, as audiências públicas já previstas em diversos instrumentos normativos

brasileiros se constituem em espaços públicos institucionalizados, porém, com procedimentos

pouco regulamentados no nível das instâncias públicas que são obrigadas a promovê-las, no

sentido de melhor assegurar condições para uma construção legítima da decisão por um

consenso bem formado.

73 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. vol. 2, p.100. 74 Loc. cit. 75 Id. Ibid., p. 93 76 Id., Ibid., p. 45.

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E, a propósito do tema das audiências públicas, ao qual o presente trabalho de

pesquisa não confere tratamento próprio dada a sua amplitude, Melo oferece um tratamento

específico sobre o tema, no contexto da função administrativa, a partir do mesmo referencial

teórico aqui utilizado, cuja referência se mostra relevante como fonte de aprofundamento: a

“Teoria Discursiva do Direito e da Democracia”, de Jürgen Haberma, descrevendo assim a

hipótese de pesquisa:

Considerando que o modelo discursivo procedimental de Jürgen Habermas defende que as ações do poder público devem ser legitimados por meio de aparatos discursivos institucionalizados presentes nos processos decisórios da Administração Pública, pode-se afirmar que a audiência pública constitu i canal que promove a interação entre o poder comunicativo e o poder administrativo e contribui para a legitimidade das ações do poder público e para o aperfeiçoamento de um modelo de administração pública democrática, desde que sejam respeitadas normas procedimentais previamente estabelecidas e viabilizada a participação de todos os setores interessados da sociedade civil.77

77 MELO, Cristina Andrade. A audiência pública na função administrativa. Dissertação (Mestrado em Direito). Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2012. Disponível em http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/BUOS-8XMNX3, p. 18.

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2. O CONTROLE SOCIAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BR ASIL: MITO

OU REALIDADE JURÍDICO-INSTITUCIONAL.

2.1 Algumas notas introdutórias sobre o controle da administração pública.

Condição preliminar para a abordagem da temática que se constitui no objetivo

maior do presente trabalho de pesquisa – o controle social - é a incursão no tema do controle

da Administração Pública nos contornos que lhe dá a doutrina administrativista tradicional

com a denominação abrangente de formas de controle institucionalizadas; adiantando, porém,

que essa denominação impõe um lugar marginal às formas de controle da Administração

Pública reunidas sob a denominação de controle social, que será mais à frente tratado, no

subtítulo 2.5.

A abordagem que se fará nas linhas seguintes acerca dos aspectos que envolvem o

tema do “controle da administração pública” e, mais especialmente, do “controle social da

administração pública”, inevitável e obrigatoriamente perpassará conceitos e entendimentos

da doutrina administrativista tradicional, em paralelo com as concepções contemporâneas

mais progressistas acerca do tema e seus institutos.

De imediato há de se chamar a atenção para a relevância do tema desde a

consolidação do Estado de Direito moderno até o seu estágio atual de desenvolvimento,

quando já a clássica divisão tripartite dos poderes desse Estado e o seu corolário do sistema de

freios e contrapesos não bastam para resolver as necessidades de controle das ações estatais

manifestas em cada um dos poderes constituídos e funções do Estado, frente à complexidade

das demandas apresentadas pelas sociedades politicamente organizadas da atualidade e,

principalmente, pelos desafios impostos a não mais adiável afirmação dos direitos

fundamentais que a sociedade globalizada reivindica. Em respaldo, citem-se Alarcón, Mota e

Pereira Jr.

O primeiro porque, ao ressaltar a relevância do tema da separação de poderes para

o Direito Público, assinala que

não é possível fazer uma automática transposição das teses de Montesquieu à sociedade política de hoje, pretendendo descobrir falhas ou tecer críticas sem

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levar em conta os modelos econômicos atuais, o desenvolvimento das forças políticas, os contextos culturais e as mutações do Estado de Direito até os nossos dias.78

Mota, por sua vez, ainda em tempos de transição do último período ditatorial

brasileiro para a nova ordem constitucional de 1988 que se propôs democrática, em sintonia

com outros administrativistas que dominavam o debate público à época, já destacara a

importância do tema ao posicionar o Controle da Administração Pública como o grave

problema do direito administrativo moderno.79

Pereira Jr., a seu turno, ressalta a importância do tema no âmbito dos estudos

acerca do Estado contemporâneo, assinalando que, qualquer que seja a premissa ideológica de

sua estrutura de poder, tenderá sempre a se expandir e invadir o campo dos direitos

individuais e a comprimir as liberdades.80 E acrescenta:

O mínimo que os cidadãos podem desejar para esse Estado que influencia (sic), direta ou indiretamente, os mais remotos escaninhos do dia-a-dia das pessoas e instituições, é que esteja sujeito a mecanismos permanentes de controle, de modo a que os Poderes constituídos se contenham uns aos outros, todos submetidos, a seu turno, à tutela da sociedade, efetivada por instrumentos que garantam a administração do interesse público em harmonia com os direitos fundamentais, assegurados custos suportáveis e resultados que a todos beneficiem.81

Pereira Jr. ainda destaca o caráter universalista do controle da administração

Pública, assinalando que não importa a qual regime político ou jurídico esteja um Estado

submetido; pois, o controle da Administração terá sempre a mesma motivação e finalidade,

qualquer que seja ele, isto é, a garantia do respeito à legalidade, a eficácia e a pertinência das

ações dos órgãos administrativos do Estado – o que veio, no caso do Brasil, com a Emenda

Constitucional n°19/98, à Constituição Brasileira de 1988, a denominar-se de eficiência 78 ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Ciência Política, Estado e Direito Público: uma introdução ao Direito Público da Contemporaneidade. São Paulo: Verbatim, 2006, p. 157. 79 MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Controles da Administração Pública. In: Doutrinas Essenciais: Direito Administrativo. Orgs. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; SUNFIELD, Carlos Ari. Controle da Administração, processo administrativo e responsabilidade do Estado. São Paulo: Revista dos Tribunais, Edições Especiais 100 anos, vol. III, 2013, p. 57. A primeira publicação do artigo deu-se na Revista de Direito Público (RDP) 72/92, out.-nov./1984. 80 PEREIRA JR., Jessé Torres. O Controle da Administração Pública na Constituição Brasileira. In: Doutrinas Essenciais: Direito Administrativo. Orgs. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; SUNFIELD, Carlos Ari. Controle da Administração, processo administrativo e responsabilidade do Estado. São Paulo: Revista dos Tribunais, Edições Especiais 100 anos, vol. III, 2013, p. 79. Observe-se que o referido artigo foi originalmente publicado na Revista de Direito Constitucional e Internacional (RDCI) 7/74, abr.-jun./1994, quando as ideias neoliberais já ditavam planos e programas de governo da época e futuros no Brasil recém-redemocratizado. 81 Id. Ibid., pp. 79-80.

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administrativa - e a manutenção do equilíbrio entre a realização do interesse público e o

respeito aos direitos individuais. Numa análise mais progressista, haver-se-á de falar em

realização do interesse público e, não apenas o respeito às liberdades públicas, mas também e

precipuamente a implementação de ações voltadas à efetivação dos direitos humanos

fundamentais na sua dimensão social ou coletiva, pois do bom desempenho das ações

administrativas do Estado dependerá o maior ou menor êxito na garantia dos direitos

individuais e na satisfação das necessidades comuns a todos os cidadãos da coletividade. Nas

palavras do autor, as condições de vida individual e a prosperidade coletiva.82

Universal também é a forma como os controles são estruturados nos diversos

países, segundo Pereira Jr., valendo a distinção que é feita entre controle interno e controle

externo da Administração, conforme provenha o controle dos próprios órgãos executivos do

Estado, ou dos demais Poderes – o que permite reafirmar-se a relação intrínseca e de base que

se estabelece entre a concepção clássica e hoje universal da divisão tripartite dos poderes do

Estado e o sistema de controle83 da Administração Pública - e dos cidadãos.84

Wallace Paiva Martins Júnior, objetivando uma concepção para a palavra controle

que melhor se adeque ao universo da Administração Pública sob a ótica do Direito

Administrativo, observa que a expressão tem várias acepções, a saber, dominação, direção,

limitação, fiscalização, vigilância, verificação e registro, optando por conceber o controle da

Administração Pública como a “verificação da regularidade do exercício de suas funções com

os princípios e regras do Direito Administrativo e a imposição de medidas pelo órgão

controlador”.85 Encampa o pensamento de Odete Medauar, para quem o controle da

Administração Pública possuiria um “caráter multifário” e consistiria na “verificação da

82 PEREIRA JR., Jessé Torres. O Controle da Administração Pública na Constituição Brasileira. In: Doutrinas Essenciais: Direito Administrativo. Orgs. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; SUNFIELD, Carlos Ari. Controle da Administração, processo administrativo e responsabilidade do Estado. São Paulo: Revista dos Tribunais, Edições Especiais 100 anos, vol. III, 2013, p. 81. 83 Pode-se definir “sistema de controle” da Administração Pública como o conjunto de órgãos e instrumentos ou ferramentas, mecanismos e processos de que dispõe o Estado para o exercício do controle de legalidade e de eficiência das ações administrativas que lhe são próprias, conforme o regime político-administrativo do país, instituídos e estruturados de modo a desempenhar funções preventivas e corretivas em face dos atos dos órgãos públicos encarregados do desempenho daquelas ações. A definição aqui elaborada tem como base e fonte teórica as reflexões postas por Jessé Torres Pereira Jr., sobre o tema “Controle da Administração Pública”, no texto referenciado. 84 Id., Ibid. 85 MARTINS JR., Wallace Paiva. Controle da Administração pelo Ministério Público: Ministério Público Defensor do Povo. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, pp. 3-6.

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conformidade de uma atuação a determinados cânones,86 e de Massimo Severo Giannini,

segundo o qual o controle se expressa pela “verificação da regularidade de uma função

própria ou alheia” em sentido amplo,87 enfatizando, ainda, o caráter procedimental da

atividade de controle da Administração Pública, quando afirma que “o controle se concretiza

por um procedimento administrativo com destinação específica de verificação da regularidade

de uma função.88

Por essas reconhecidas razões, as diversas formas de controle da Administração

Pública vêm ganhando importância cada vez maior, tanto no âmbito das reflexões acadêmicas

e doutrinárias, quanto no âmbito das instituições públicas encarregadas do exercício desses

controles, a reivindicar um fortalecimento e uma amplitude dos sujeitos legitimados.

No Brasil, o caput do art. 37 da Constituição Federal apresenta as primeiras notas

do controle a que está submetida a Administração Pública ao determinar a obrigatória

observância, por parte de todos os entes públicos da administração direta e indireta de todos

os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos princípios da

legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Pode-se falar de

imediato, portanto, de um controle de natureza principiológica, mas que, pelo status

constitucional conferido à matéria, norteia e submete toda a atividade administrativa pública,

tanto aquelas previstas nos incisos desse artigo e ao longo do texto constitucional, quanto as

demais regulamentadas por leis infraconstitucionais, além daquelas disposições normativas

cuja vigência antecedeu a Constituição de 1988, mas foram por esta recepcionadas.89 A

propósito dessas últimas, inclusive, há de se atentar para o quanto estabelece o art. 6°, incisos

I a V, do Decreto-Lei n° 200, de 25 de fevereiro de 1967, o qual atribui ao controle da

Administração Pública a natureza jurídica de princípio fundamental, ao dispor que:

Art. 6º As atividades da Administração Federal obedecerão aos seguintes princípios fundamentais: I - Planejamento. II - Coordenação. III - Descentralização. IV - Delegação de Competência.

86 Apud MARTINS JR., Wallace Paiva. Controle da Administração pelo Ministério Público: Ministério Público Defensor do Povo. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 3. 87 Apud MARTINS JR, Wallace Paiva. Op. cit.,p. 4, tradução nossa. No texto “verificazione di regoliritá di uma funzione propria o aliena”. 88 Id. Ibid.,p. 4. 89 Cite-se como exemplos o Decreto-lei nº 200/1967 e a Lei nº 4.320/1964.

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V - Contrôle..(sic)

Mais adiante, em seus arts. 70 a 71, sob a denominação de “Fiscalização Contábil,

Financeira e Orçamentária”, a Constituição Federal apresenta as bases constitucionais dos

chamados controles externo e interno da Administração Pública, deixando entrever, porém,

que a observância àqueles princípios estabelecidos no caput do art. 37 subjaz a todo e

qualquer fundamento para o controle e a fiscalização contábil, financeira, orçamentária,

operacional e patrimonial da União e dos demais entes federativos. Isto porque ao estabelecer

como pressupostos para o exercício dos controles externo - pela Casa Legislativa do

respectivo ente federativo, com o auxílio do respectivo Tribunal de Contas -, e interno - pelo

sistema de controle próprio de cada Poder - a verificação da legalidade, legitimidade e

economicidade, a Constituição Federal nada mais fez senão enfatizar a importância da

legalidade e da eficiência no exercício da atividade administrativa pública.

Sobre essas modalidades tradicionais – também concebidas como formais90 - de

controle da Administração Pública, ver-se-á, a seguir, no subtítulo 2.3, como se manifestam e

se apresentam positivadas no atual cenário constitucional e administrativo do Estado

brasileiro.

2.2 Controle Administrativo do Estado ou Controle do Estado-Administrador ou

Controle administrativo da Administração Pública.

Não somente sob as formas anteriormente anunciadas, entretanto, opera-se o

controle do Estado sob a égide da clássica teoria da tripartição dos poderes. Daí a tríplice

terminologia “Controle Administrativo do Estado”, “Controle do Estado-Administrador” ou

“Controle administrativo da Administração Pública”.

Entre nós, é José dos Santos Carvalho Filho que, em introdução ao tema do

“Controle da Administração Pública” levanta questão acerca da coexistência de um controle

político do Estado, ao lado do controle administrativo. Para o mesmo, o controle político está

delineado na Constituição, sendo de natureza essencialmente constitucional, e “tem por base a

90 FERRAZ, Sérgio, apud MOTA, Carlos Pinto Coelho. Controles da Administração Pública. In: Doutrinas Essenciais: Direito Administrativo. Orgs.: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; SUNFIELD, Carlos Ari. Controle da Administração, processo administrativo e responsabilidade do Estado. São Paulo: Revista dos Tribunais, Edições Especiais 100 anos, vol. III, 2013, p. 57.

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necessidade de equilíbrio entre os Poderes estruturais da República – o Executivo, o

Legislativo e o Judiciário”. Dele emergem normas que “inibem o crescimento de qualquer um

deles em detrimento de outro”, permitindo a compensação de possíveis pontos de fragilidade

de algum deles, que o torne vulnerável à força do outro. Está no mesmo, assim, efetivamente

consubstanciado o sistema de freios e contrapesos. Exemplificando com as hipóteses previstas

nos arts. 66, § 1° e 4°, 101, parágrafo único, 104, parágrafo único e 107, todos da Constituição

Federal91, compreende o publicista que no controle político reside a “preservação e o

equilíbrio das instituições democráticas do país”.92 Dito de outra forma, por meio do controle

político, no limite das hipóteses constitucionalmente previstas, evitam-se abusos no exercício

dos poderes constituídos e o desrespeito aos direitos constitucionais, constituindo-se, tais

hipóteses, em mecanismos de controle recíproco.

Sobre o tema, pertinente se mostra trazer, a colação, trecho do voto preferido pelo

Ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Tofolli, em sede da ADI 4232/RJ, em que,

recorrendo a manifestação anterior do então também Ministro dessa Suprema Corte,

Sepúlveda Pertence, na ADI n° 3046/SP (DJ 28/05/2004), assim discorre:

Nas palavras do Ministro Sepúlveda Pertence, “[a] fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo, não há dúvida, é um dos contrapesos da Constituição Federal à separação e independência dos Poderes: cuida-se, porém, de interferência que só a Constituição da República pode legitimar”, não sendo “dado criar novas interferências de um Poder na órbita de outro, que não derive explicita ou implicitamente de regra ou princípio da Lei Fundamental da República”93 (grifo no original).

91 Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará. §1º - Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto [...] § 4º - O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores [...]. Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. Art. 104. O Superior Tribunal de Justiça compõe-se de, no mínimo, trinta e três Ministros. Parágrafo único. Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça serão nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo: [...]. Art. 107. Os Tribunais Regionais Federais compõem-se de, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e menos de sessenta e cinco, sendo: [...]. 92 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 29.ed., São Paulo: Atlas, 2015, pp.973-974. 93 Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7645089. Acesso em 15.06.2016.

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Diversa, porém, é, para Carvalho Filho, a natureza do controle administrativo.

Aqui, diz o autor, “não se procede a nenhuma medida para estabilizar poderes políticos, mas,

ao contrário, se pretende alvejar os órgãos incumbidos de exercer uma das funções do

Estado”, a saber, a função administrativa. Em síntese, “o controle político se relaciona com as

instituições políticas, o controle administrativo é direcionado às instituições

administrativas”.94

Ao se falar, pois, em “Controle administrativo do Estado”, Controle do Estado-

Administrador” ou “Controle administrativo da Administração Pública”, em verdade, utiliza-

se de nomenclaturas distintas para tratar do controle de uma das funções do Estado – a função

administrativa; na expressão de Carvalho Filho, do controle administrativo.

Pode-se, entretanto, asseverar – seguindo o entendimento dominante na doutrina

administrativista já citada na presente seção deste trabalho, que, quando se fala em controle

da Administração Pública – também se está a falar no controle dos Poderes Constituídos – o

Executivo, o Legislativo e o Judiciário -, mas não enquanto instituições políticas, e sim em

seu conjunto de órgãos, quando exercem funções tipicamente administrativas, compondo,

assim, o que se entende por Administração Pública no sentido amplo. Dito de outra forma, é o

controle a que está sujeito o Estado quando, através dos órgãos que o representam nas

tríplices funções administrativa, legislativa e jurisdicional, exerce particularmente a primeira

delas. O próprio Carvalho Filho, quando trata da classificação dos controles da Administração

Pública, referindo-se ao controle externo, assinala também ser esta a forma de controle que

“dá bem a medida da harmonia que deve reinar entre os Poderes, como o impõe o art. 2° da

CF”.95

A caracterização das funções do Estado, mesmo após a consolidação do Estado de

Direito em todo o mundo, nunca foi algo pacífico e unânime no campo do estudo e da

aplicação do Direito Administrativo96, tanto pelo fato de cada órgão estatal exercer sua função

94 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 974. 95 Id. Ibid., p.978. 96 JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Ensaio acerca da função administrativa. São Paulo: Sugestões Literárias, Vox Legis, vol. 13, n.149, p. 39-59, maio, 1981.

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típica em paralelo com outras de menor importância, como também pelo fato de os órgãos do

legislativo, do executivo e do judiciário exercerem, ao mesmo tempo, funções semelhantes.

Uma ponderação que se pode considerar fundamental, inclusive, na compreensão

do conceito de função para o Direito Administrativo é a que traz Celso Antônio Bandeira

Mello, quando assinala a sua incompatibilidade com o princípio da autonomia da vontade,

que governa as relações de que se ocupam os ramos do Direito Privado, haja vista que no

âmbito das relações geridas pelo Direito Público sagra-se o interesse público como princípio

maior, caracterizador, portanto, do regime jurídico-administrativo, cuja observância

consubstancia-se em um dever inescusável de quem o esteja a curar.97

A ponderação levantada por Celso Antônio Bandeira de Mello, e aqui

colacionada, mostra-se bastante relevante para o tema tratado no presente trabalho porque, se

para as matrizes clássicas do Direito Administrativo consubstancia-se em uma noção

fundamental, para os novos paradigmas desse ramo do Direito Público, assentados nos

princípios que informam o Estado Social e Democrático, apresenta-se como um marco

limitador a qualquer tentativa de ressurreição do autoritarismo que caracterizou o Direito

Administrativo no século XIX, ou apropriação da função pública para fins diversos daqueles

que caracterizam o interesse público, revelando-se como um forte aliado, portanto, do

controle da Administração Pública.

Abraçando a doutrina da tripartição de poderes legada por Montesquieu ao

Estado de Direito, a nossa Constituição Federal estatuiu no art. 2o que “são Poderes da União,

independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Em meio,

portanto, à clássica – e também atual - discussão em torno dos aspectos caracterizadores e

diferenciadores das funções administrativa, legislativa e jurisdicional do Estado, com acerto

conclui Odete Medauar que “na verdade a distinção das funções apresenta-se orgânica, não

substancial”, sendo uma consequência dessa separação de poderes.98

Todavia, o princípio constitucional da separação de poderes não pode se constituir

em um obstáculo à verificação da plena submissão do ato do Poder Público aos princípios

97 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: 31. ed., Malheiros, 2014, p. 27. 98 MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em evolução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p.123.

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constitucionais da Administração Pública, explicitados do art. 37 da CF, assim como aos

princípios nela implícitos. Em verdade, tais princípios a todos os Poderes Públicos limitam.

Assim, mister se faz que se estabeleçam mecanismos de controle da atividade do

Estado, desenvolvida pelos órgãos que integram a estrutura de cada Poder do Estado, uma vez

que todos eles desempenham funções administrativas, não sendo esta, pois, exclusiva do

Poder Executivo, e, desta forma, deverão conduzir-se em perfeita consonância com as

disposições estatuídas no Capítulo VII do Título III da Constituição Federal, que trata dos

princípios e regras da Administração Pública.

Ao se reportar, no presente subtítulo, à tríplice terminologia “Controle

Administrativo do Estado ou Controle do Estado-Administrador ou Controle administrativo

da Administração Pública”, visa-se uma compreensão do alcance do instituto do controle da

Administração Pública, ou seja, das atividades do Estado que são atingidas pelas formas

institucionalizadas de controle e de que forma esse controle se opera, considerando-se que ao

Estado, através dos Poderes Constituídos – Executivo, Legislativo e Judiciário -, por seus

correspondentes órgãos, cabe, além da função de administrar, as funções de legislação e de

exercício da jurisdição, conforme pontuado anteriormente. Daí haver-se reportado acima ao

tema da função administrativa, diferenciando-a daquelas funções estatais que não são

alcançadas pelas modalidades convencionalmente tidas como de controle da Administração

Pública.

2.3 Controle interno e controle externo: a importância do agente controlador nos

processos de controle da Administração Pública.

Ater-se-á, no presente trabalho, à classificação (ou tipologia) do controle da

Administração Pública que leva em consideração o agente controlador. Isto porque,

compreendendo-se a extensão do controle a partir do agente que o realiza, mais nítido afigura-

se o caminho para a compreensão e o alcance do controle social.

Sob o prisma do agente controlador, classifica-se o controle da Administração

Pública em controle interno e controle externo.

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O controle interno é aquele realizado por órgão de um Poder sobre os atos

administrativos praticados no próprio âmbito desse Poder, daí também denominarem-se

controle administrativo, controle intraorgânico, controle intra-administrativo,99 A relevância

dessa modalidade de controle está no fato de ela se configurar como uma espécie de

autotutela, ou seja, um autocontrole capaz de possibilitar a revisão dos atos administrativos

no âmbito dos próprios órgãos competentes para praticá-los. Essa modalidade de controle está

prevista no art. 74 da CF, o qual dispõe que:

Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União; IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional. § 1º - Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.

Exemplo de atividade típica de controle interno é o desempenhado pelas

Controladorias e Ouvidorias dos órgãos estatais encarregados do exercício de funções

administrativas. Nesse âmbito, é possível ao próprio órgão rever e modificar atos

administrativos inquinados de nulidade ou que, no mérito, não atendam aos critérios de

conveniência e oportunidade, anulando-os ou revogando-os. Nesse sentido, Odete Medauar

afirma que:

O controle interno visa ao cumprimento do princípio da legalidade, à observância dos preceitos da “boa administração”, a estimular a ação dos órgãos, a verificar a conveniência e a oportunidade de medidas e decisões no atendimento do interesse público (controle de mérito), a verificar a proporção custo-benefício na realização das atividades e a verificar a eficácia de medidas na solução de problemas.100

Também, em sede do Poder Judiciário, tem-se o controle interno desenvolvido

pelas Corregedorias em relação aos serviços administrativos desempenhados pelos agentes

desse Poder, assim como o controle exercido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ),

99 MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em evolução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 400. 100 Id., Ibid.

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previsto no art. 92, I-A, e 103-B da CF; este, a propósito, tem seu correspondente, para os

diversos Órgãos do Ministério Público, no Conselho Nacional do Ministério Público

(CNMP), previsto no art. 130-A da CF.

Dentre os mecanismos de controle interno instituídos (autocontrole, correição,

auditoria, ouvidoria, fiscalização hierárquica, supervisão ministerial), um se destaca pela

relevância apresentada para o tema do presente trabalho de pesquisa: o recurso

administrativo.

Trata-se, o recurso administrativo, de um mecanismo pelo qual o interessado

requer à Administração o reexame de um ato ou decisão administrativa emanados no âmbito

de qualquer de seus órgãos. E, aproveitando-se aqui, mais uma vez, das lições de Medauar,

sob um ângulo subjetivo, tal recurso pode ser considerado como um instrumento de defesa de

direitos e interesses eventualmente lesados pela Administração, e, sob um ângulo objetivo,

apresenta-se como um mecanismo de controle da legalidade e do mérito dos atos e decisões

administrativas101. Por outro lado, assinala também a autora que o recurso administrativo é

um recurso menos formalista e oneroso para o interessado, se comparado às ações propostas

perante o Judiciário, dispensando a assistência de advogado.102 Essas peculiaridades do

recurso administrativo fazem crer na possibilidade de otimização do atendimento do interesse

público, representando, o mesmo, “um importante meio para propiciar aproximação entre

Administração e particulares, para ouvir o cidadão”, garantindo, assim, mais credibilidade à

ação administrativa.103

O recurso administrativo apresenta-se como um mecanismo de controle interno

da Administração porque, quando provocada a autoridade que emitiu o ato recorrido, ou seu

superior hierárquico, pode a Administração reexaminar a decisão inicialmente proferida,

anulando-a ou revogando-a total ou parcialmente, conforme se trate, a hipótese de exame da

legalidade ou da conveniência e oportunidade.

Entre nós, é a Lei n° 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo

administrativo no âmbito da Administração Pública Federal e de aplicação também pelos

101 MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em evolução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 400. 102 Id., p. 401. 103 Id., p.400.

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Poderes Legislativo e Judiciário exclusivamente para as hipóteses de desempenho de função

administrativa, e que prevê, entre as suas disposições normativas, o direito de petição e

recurso administrativo, pelos interessados, para formular solicitações e em defesa de direitos

individuais ou coletivos e difusos, perante a Administração. A esta, conforme estabelece o art.

53 do referido diploma legal, caberá o dever de “anular seus próprios atos, quando eivados de

vício de legalidade”, podendo “revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade”.

É de se chamar aqui a atenção para as pessoas (físicas ou jurídicas) que a lei

considera como legitimadas para exercer o direito de petição e/ou interpor o recurso

administrativo nas hipóteses enumeradas. Assim, de acordo com o art. 9° da Lei 9.784/99, são

legitimados como interessados no processo administrativo: a) as pessoas físicas ou jurídicas

que iniciem o processo como titulares de direitos ou interesses individuais ou no exercício do

direito de representação; b) os que, sem terem iniciado o processo, possuam direitos ou

interesses que possam ser afetados pela decisão a ser adotada; c) as organizações e

associações representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos; e, d) as pessoas ou as

associações legalmente constituídas quanto a direitos ou interesses difusos. Para interpor o

recurso administrativo, legitimados são, segundo o art. 58 do mesmo estatuto legal, aqueles

sujeitos anteriormente enumerados, na medida em que tenham sido partes no processo; cujos

direitos tenham sido indiretamente afetados pela decisão recorrida; organizações e

associações representativas, quanto a direitos e interesses coletivos; e os cidadãos ou

associações, quando a decisão recorrida envolva direitos ou interesses difusos. As disposições

legais presentemente comentadas, mesmo cuidando de um dos mecanismos de controle

interno da Administração, deixam clara a possibilidade de o reexame do ato ou da decisão

impugnada, quando se trate de direitos ou interesses difusos, vir a ser promovido mediante

provocação de cidadãos ou associações, o que pode ser considerado, na hipótese, também

como um meio de exercício do controle social.

Eis, pois, a relevância, anteriormente assinalada, para a pesquisa, do recurso

administrativo, enquanto mecanismo de controle da Administração Pública, de que também

se valem as organizações estudadas, no âmbito territorial de atuação, conforme os respectivos

estatutos, em defesa dos interesses difusos consubstanciados na prevenção e combate à

corrupção nos municípios brasileiros e a fiscalização dos gastos públicos. Ainda que hoje

estejam a fundamentar muitas das suas iniciativas no direito fundamental à informação,

regulamentado pela Lei 12.527, de 18.11.2011, antes, porém, da edição desta, dispunham do

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direito de petição constitucionalmente previsto no art. 5°, XXXIV, a, da CF, na ausência de

norma municipal. Talvez, do que ainda careçam muitos entes federativos, especialmente

municípios, seja de previsão normativa acerca da utilização desse mecanismo de controle no

âmbito das respectivas administrações.104

Abre-se uma ressalva acerca das disposições estabelecidas no artigo 74 da CF – e

aqui já se antecipa o tema a ser tratado no subtítulo 2.4 - para assinalar que aí a CF também

prevê uma possibilidade de exercício do controle social, quando dispõe no § 2° que “qualquer

cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei,

denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União”, o que

atesta a identificação do tema central deste trabalho com a tipologia de controle da

Administração Pública de que ora se cuida. E, partindo-se dessa disposição constitucional,

pode-se passar à modalidade de controle da Administração Pública denominada controle

externo.

O controle externo é aquele que se exerce por órgão externo à estrutura

organizacional-administrativa de determinado Poder. É a modalidade de controle que se opera

do Legislativo – com o auxílio dos Tribunais de Contas - sobre os atos administrativos do

Executivo e do Judiciário, e o que se efetiva do Poder Judiciário sobre o Executivo ou

Legislativo – quando no exercício de funções administrativas -, por intermédio de ações

judiciais propostas por pessoas legitimadas. Este, que, conforme assinalado linhas atrás,

também se fundamenta no sistema de freios e contrapesos, implícito no art. 2° da CF, em

verdade, refere-se a todas as formas institucionalizadas de controle externo da Administração

Pública.

O controle administrativo exercido pelo Poder Legislativo sobre os demais

Poderes denomina-se controle parlamentar e opera-se no âmbito de algumas das

competências previstas nos arts. 49 e 50 da Constituição Federal, quando se trata de atividade

administrativa dos Poderes Executivo e Judiciário da União. Tem-se, portanto, o controle

parlamentar, exercido pelo Congresso Nacional, por meio de autorizações dadas ao Chefe do

Poder Executivo da União para ausentar-se do País na hipótese ali prevista; pela possibilidade

de sustação de atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou

104 No Estado de São Paulo, v.g., a Lei n° 10.177/98 estabelece normas que dispõem sobre o recurso administrativo no âmbito da Administração estadual.

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dos limites da delegação legislativa; pela competência para fixação dos subsídios do

Presidente e do Vice-Presidente da República e dos Ministros de Estado; pela competência

para julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os

relatórios sobre a execução dos planos de governo; para fiscalizar e controlar, diretamente, ou

por qualquer das suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluindo-se os da administração

indireta; mediante a apreciação dos atos de concessão e renovação de concessão de emissoras

de rádio e televisão (CF, art. 49, III, V, VIII, IX, X e XII).

Somam-se a essas hipóteses acima enumeradas a faculdade conferida pelo art. 50

da CF à Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou de qualquer de suas Comissões para

convocar Ministro de Estado ou titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da

República para prestarem, pessoalmente, informações sobre assunto previamente

determinado, podendo as Mesas dessas Casas Legislativas ainda encaminhar pedidos escritos

de informações a Ministros de Estado ou aos titulares de órgãos antes reportados (CF, art. 50,

§ 2°).

Outros meios de exercício do controle parlamentar também estão previstos na

Constituição Federal, nos arts. 52, incisos III, IV, V, VI, VII,VIII, IX, XI e XV, e 58 – com

destaque para o quanto estabelecem os seus §§ 2° e 3°, ao tratar da competência das

comissões permanentes e das comissões parlamentares de inquérito -, sendo o que mais

destaque recebe, seja na própria Constituição, seja frente à sociedade, o controle externo

parlamentar desempenhado pelo Congresso Nacional para fins de fiscalização contábil,

financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União, e das entidades da

administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação

das subvenções e renúncia de receitas, controle este também que também deve ser exercido

pelo sistema de controle interno de cada Poder, nos termos do art. 70 da CF.105

No caso específico da abrangência dessa modalidade de controle externo,

delineada pelo art. 70 da CF, Jessé Torres Pereira Júnior assinala:

[...] exsurge que o constituinte confiou ao controle parlamentar – de “legitimidade”, “economicidade”, “eficácia” e “eficiência” – soma sem precedentes de poderes para o exame da intimidade do processo decisório da Administração, podendo desvendar-lhe motivações e medir resultados, o que

105 Conforme art. 70 da CF.

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tangencia o mérito administrativo [...].106

A fiscalização contábil, financeira e orçamentária que compete ao Congresso

Nacional efetiva-se com o auxílio do Tribunal de Contas da União, nos termos estabelecidos

no art. 71, seus incisos e parágrafos, da Constituição Federal, do qual convém que se

destaquem as seguintes competências:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: I – apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente de República, mediante parecer prévio [...]; II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; III – [...]; IV – realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II; V- [...]; VI – fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município; VII – [...]; VIII – aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; IX – assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; X – sustar, se não atendida, a execução do ato impugnado [...]; XI – representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados. [...] § 3° As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.

É possível deduzir que tais competências conferidas ao Congresso Nacional e ao

Tribunal de Contas da União devem ser exercidas permanentemente, e não apenas por ocasião

da apreciação anual das contas dos gestores públicos, como predominantemente ocorre na

primeira hipótese de controle. Dessa forma, estar-se-á promovendo um controle externo

também preventivo de futuros danos ao patrimônio e ao erário públicos, como se mostra

106 PEREIRA Jr. Op. cit., p. 92.

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possível através dos procedimentos de convocação de Ministro de Estado ou titulares de

órgãos subordinados à Presidência da República, ou formulação de pedidos escritos, para

prestarem informações, bem como a fiscalização e o controle direto, ou por qualquer das

Casas, dos atos do Poder Executivo, inclusive os da administração indireta, em se tratando do

controle parlamentar; e os procedimentos de inspeção e auditoria, realizados pelos Tribunais

de Contas, por iniciativa própria ou das Casas Legislativas.

É indispensável anotar que as normas e hipóteses previstas na Constituição

Federal para o exercício do controle parlamentar, com o auxílio do Tribunal de Contas, e

destes em face da competência que lhes é constitucionalmente conferida, aplicam-se às

administrações estaduais e municipais nos termos das disposições próprias, mais semelhantes

- porque obrigatoriamente fundadas naquela Lei Maior, em seu art. 75 - e expressas nas

respectivas Constituições estaduais e Leis Orgânicas municipais.

A propósito do controle parlamentar, o estudo de caso, relatado no Capítulo 3 do

presente trabalho de pesquisa, denunciou a fragilidade desse controle nos municípios

brasileiros, quando entrevistados-chave das Redes Observatório Social do Brasil (OSB) e

Amigos Associados de Ribeirão Bonito (AMARRIBO) relataram a omissão dos Poderes

Legislativos em grande parte dos Municípios contemplados pelas iniciativas das Redes,

quando se trata de proceder à fiscalização contábil, financeira e orçamentária dos atos

administrativos dos Poderes Executivos locais, naquelas diversas situações que a lei admite e

impõe. Alguns dos entrevistados-chave demonstram, inclusive, indignação com o fato de estar

desempenhando papéis que competem aos vereadores realizar.

O terceiro mecanismo de controle externo da Administração aqui analisado é o

controle jurisdicional. Como se pode deduzir da própria denominação, refere-se ao controle

realizado por meio de instrumentos jurídicos previstos na Constituição Federal e em leis

infraconstitucionais ordinárias ou especiais que se desenvolvem por meio de provocação da

atividade jurisdicional do Estado.

Diversas são as possibilidades de utilização da via judicial para o controle externo

da Administração Pública. A Constituição Federal, no capítulo dedicado aos “Direitos e

Deveres Individuais e Coletivos”, prevê instrumentos que asseguram o recurso, pelo

interessado, ao Poder Judiciário, para requerer medida judicial tendente a promover o controle

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da Administração. Entre eles: i) o direito de petição aos Poderes Públicos para a defesa de

direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder (CF, art. 5°, XXXIV, a) e, em especial, ao

Poder Judiciário por lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5°, XXXV); ii) o mandado de

segurança individual e coletivo, para proteger direito líquido e certo, não amparado por

habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for

autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;

iii) o mandado de injunção, visando o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das

prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; iv) o habeas data, para

assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de

registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público e para a

retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou

administrativo; v) a ação popular com vistas a anular ato lesivo ao patrimônio público ou a

entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao

patrimônio histórico e cultural; e, vi) por meio de ação civil pública ajuizada em qualquer das

hipóteses e por qualquer dos legitimados na Lei n° 7.347, de 24.07.1985.

Nesse ponto, importa que se reabra a discussão acerca de até onde vai a

possibilidade de controle do Poder Judiciário sobre os atos de natureza administrativa

praticados no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo.

De acordo com a Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal – aprovada em

03.12.1969, no auge da vigência do Estado Ditatorial, portanto -, “a administração pode

anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se

originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os

direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial” (grifo nosso).

Em recente decisão, sob relatoria da Ministra Rosa Weber, o STF reafirma

entendimento no sentido de que inexiste violação do art. 2° da Lei Fundamental quando do

exame da legalidade de atos administrativos pelo Poder Judiciário, não configurando violação

ao princípio da separação de poderes107. Entretanto, também recentemente reafirmou, em sede

de Agravo Regimental, precedente da Corte no sentido de que:

107 ARE 953205 AgR/RS (1ª Turma, DJe 03.05.2016). No mesmo sentido: RE 634.900-AgR/PI, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe 22.5.2013; e ARE 757.716-AgR/BA, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJe 07.10.2013).

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É firme a orientação neste Supremo Tribunal Federal de que o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes, uma vez que não se trata de ingerência ilegítima de um Poder na esfera de outro.108

A decisão acima destacada, assim como os precedentes que a fundamentaram,

foram adotados em sede de recursos extraordinários interpostos junto à Corte Maior do País, a

partir de ações civis públicas ajuizadas por diversos órgãos de execução de Ministérios

Públicos Estaduais, o que impõe que se acresça ao rol dos órgãos legitimados ao exercício do

controle externo da Administração Pública o Ministério Público. E não se está a falar apenas

do controle pela via jurisdicional; mas também por meio de instrumentos ofertados ao

Ministério Público em caráter exclusivo para o bom desempenho das suas atribuições

funcionais, v.g., a instauração de inquérito civil, a expedição de recomendações dirigidas aos

poderes e órgãos da administração direta e indireta, aos concessionários e permissionários de

serviço público e a entidades que exerçam função delegada ou executem serviços de

relevância pública.109

E, no ensejo da referência acima, sobre ações civis públicas ajuizadas pelo

Ministério Público, não poderia faltar aqui a alusão à Ação Civil Pública como um importante

instrumento jurídico, de que dispõe a sociedade civil organizada, para exercer o controle

social sobre atos da Administração Pública que atentem contra qualquer interesse difuso ou

coletivo, o meio ambiente, o patrimônio público e social, dentre outros bens e interesses

indisponíveis do cidadão e da coletividade. Encontra-se a Ação Civil Pública, na Lei 7.347, de

24 de julho de 1985, mas recepcionada em sua totalidade pela Constituição Federal, já tendo

sofrido, o texto normativo original, alterações na vigência da atual ordem constitucional.110

Por meio da ação civil pública, além do Ministério Público, Defensoria Pública, União,

Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como suas empresas, autarquias, fundações ou

108 AI 808328 AgR/SP (Rel. Min. Dias Toffoli, 2ª Turma, DJe de 18.05.2016). No mesmo sentido: RE n° 417.408/RJ-AgR, 1ª Turma, DJe de 26.04.2012; RE n° 559.646/PR-AgR, 2ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 24.06.2011; RE n° 367.432/PR-AgR, 2ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJe de 14.05.2010. 109 Conferir Lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, arts. 26 e 27. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8625.htm. Acesso em 17.06.2016. 110 Conferir Lei n° 8.78, de 1990, Lei n° 9.008, de 1995, Lei n° 9.240, de 1995, Lei n° 9.494, de 1997, Medida Provisória n° 2.180-35, Lei n° 11.448, de 2007, Lei n° 12.288, de 2010, Lei n° 12.529, de 2011, Lei n° 12.966, de 2014, Lei n° 13.004, de 2014, e Lei n° 13.105, de 2015, esta última que instituiu o novo Código de Processo Civil e, portanto, trouxe mudanças no rito processual dessa ação especial.

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sociedades de economia mista, podem também associações que incluam entre suas

finalidades institucionais a defesa dos bens protegidos pela Lei111, promover a defesa desses

bens e interesses difusos e coletivos.112

As modalidades e correspondentes mecanismos de controle destacados no

presente trabalho oferecem vias de acesso ao exercício do controle social, em especial, o

controle externo pelo Poder Judiciário, o qual, segundo Jessé Torres Pereira Jr.,

continuará a ser o instrumento que mais se colocará ao alcance da sociedade civil para submeter a atividade administrativa ao sistema geral de freios e contrapesos, ao qual nossa tradição constitucional outorga o papel de prevenir e corrigir eventuais abusos e desvios de poder, ou acautelar as liberdades públicas.113

2.3.1 Controle de resultado ou avaliação da função pública: uma nova tendência no controle

externo das contas públicas.

Análise que se afigura de extrema relevância neste trabalho de pesquisa é a que

informa a tendência atual que move os órgãos de controle externo mais desenvolvidos no

mundo, no sentido do controle de resultado da função governamental, ou à avaliação da

função pública. Trata-se, na esteira da perspectiva informada por Rémy Janner114 - que, em

trabalho intitulado “Avaliação de resultado da função pública no controle externo francês e o

papel das Câmaras Regionais de Constas”, promove uma análise acerca da atuação que esses

órgãos, através dos recursos físicos, financeiros, tecnológicos e humanos de que dispõem,

direcionam para o controle de resultado da função governamental ou para a avaliação da

função pública115 -, de ressaltar o papel que os órgãos de controle externo da Administração

Pública desempenham em favor da sociedade.

A despeito de suas diferenças, os órgãos de controle externo mais desenvolvidos no cenário internacional direcionam hoje seus recursos físicos, financeiros, tecnológicos e humanos ao controle de resultado da função governamental, ou à avaliação da função pública, ou seja, têm em sua missão responder à sociedade como os projetos, programas e sub programas de governo estão sendo implementados e, sobretudo, ajudam o

111 Art. 1° da Lei n° 7.347/85. 112 Art. 5° da Lei n° 7.347/85. 113 PEREIRA Jr. Op. cit., p. 93. 114 Conselheiro da Câmara Regional de Contas da Alta Normandia, na França, à época da publicação do artigo. 115 Tradução e introdução de Márcia Farias. Interesse Público, ano 10, n.52, nov./dez. 2008. Belo Horizonte: Fórum, 2008, pp. 305-323.

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Poder Legislativo a avaliar se o governo está atendendo às necessidades da população, e como podem ser melhorados os serviços prestados116 (negrito no original).

Dentro dessa nova perspectiva do controle, cabe aos órgãos de controle externo da

Administração Pública, então, verificar a existência ou não de falhas ou dificuldades na

concepção ou no planejamento dos projetos e programas de governo, propondo soluções

exequíveis. Passa, assim, o órgão de controle, a ser “um parceiro em governança”, ou seja, um

“aliado do governo”, e não um órgão fiscalizador, julgador e punitivo, como

predominantemente é concebido e instituído. É o caso do Brasil, v.g., onde, com propriedade

assinala o autor, o controle externo pelos Tribunais de Contas ainda se revela bastante

incipiente.117Embora não afirmado diretamente pelo autor, fica subsumido que tal incipiência

relaciona-se à ausência de tradição democrática no Brasil que, somente a partir da

Constituição de 1988, passou a conhecer e vivenciar, entretanto, com débil intensidade e

conteúdo ainda, a força das instituições democráticas, por sua vez, bastante amadurecidas, nas

nações que foram protagonistas das principais revoluções burguesas do século XVIII, embora

não imune às crises pelas quais o Estado contemporâneo vem passando na atualidade.

Para o autor – e esta é a conclusão a que se pode chegar após perscrutar o

referencial teórico que dá suporte ao presente trabalho de pesquisa, em confronto com os

dados levantados no estudo de casos adiante apresentado -, “quanto mais sólida a democracia,

mais as pessoas têm confiança nas relações entre particulares e entre esses e o Estado, e

menos recorrem aos órgãos jurisdicionais e de controle.” 118

Em uma análise comparativa com o modelo de controle externo legalmente

previsto no Brasil, Janner destaca que as relações das Câmaras Regionais de Contas do Estado

Francês com o Poder Executivo e Parlamento “se dão num clima fortemente desprovido de

116 JANNER. Rémy. Avaliação de resultado da função pública no controle externo francês e o papel das Câmaras Regionais de Contas. Tradução e introdução: Márcia Farias. Interesse Público, ano 10, n. 52, nov./dez. 2000. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 306. Importa que se assinale, ainda que em breve nota, a dificuldade já reconhecida pela doutrina pátria (MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 15ª ed. – São Paulo: RT, 2011, pp. 52-53), para se fixar as fronteiras entre governo e Administração, o que vem a repercutir na diferenciação entre as funções administrativas e as funções governamentais. Em meio a esse debate, entretanto, o destaque que ora se dá ao referencial teórico que opta pela expressão função governamental, quando possível se mostra ao reconhecimento de que, pelo entendimento manifestado, está-se a tratar do que entre nós insere-se no contexto da função administrativa do Estado. 117 Id. Ibid., p.306. Aqui no Brasil, inclusive, os critérios de escolha dos conselheiros dos Tribunais de Contas culminam por comprometer a independência desses órgãos de controle externo no próprio desempenho da função constitucional que lhes é atribuída, tipicamente fiscalizadora e punitiva. 118 Id. Ibid.

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drama e de apelação”, o que informa a evolução de um controle estrito de regularidade, que

predominava na origem dessas câmaras, para um controle envolvendo parceria com as

coletividades territoriais; uma perspectiva que envolve a gestão e o controle das finanças

públicas. Nesse contexto, aperfeiçoaram-se não apenas mecanismos de controle de

regularidade, mas também de exame e de avaliação da gestão, pois, segundo aquele, o atual

arranjo institucional das Câmaras Regionais de Controle permite que as mesmas ajam de

ofício, dispensando provocação de ordenador, conferindo, nas análises procedidas, a mesma

importância ao controle de regularidade, de gestão e de avaliação, ou seja, não se fazendo

qualquer distinção entre tais parâmetros.119

Enquanto no Brasil a sociedade ainda reclama - e os órgãos de controle ainda

engatinham na implementação de - instrumentos democráticos de controle da gestão pública,

como a transparência e o acesso à informação, não obstante esses institutos já se apresentem

minimamente regulamentados em nível de legislação nacional, países como a França, hoje, já

aperfeiçoam os mecanismos próprios, para possibilitar uma maior integração e parceria entre

as suas coletividades territoriais e os seus órgãos de controle da gestão pública.

Em que pese o quadro preocupante e lucidamente observado por um Conselheiro

de uma Câmara Regional de Contas francesa, há quase uma década, o Brasil, através do

Ministério do Planejamento, já havia desenvolvido, nessa época, após assinatura de um

contrato de financiamento com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em 31 de

maio de 2005,120 no valor de 64,4 milhões de dólares, e dado início à sua implementação, o

Programa de Modernização do Sistema de Controle Externo dos Estados e Municípios

Brasileiros (PROMOEX), cujo objetivo geral consistiu na promoção do fortalecimento do

Sistema de Controle Externo Brasileiro como instrumento da cidadania, incluindo a

intensificação das relações inter-governamentais e inter-institucionais, com vistas ao

cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Como objetivos específicos, o

PROMOEX ainda previu o implemento de ações visando o desenvolvimento de redes inter-

institucionais entre os Tribunais de Contas, promovendo a cooperação técnica entre eles, e

visando a uniformização de conceitos, métodos e procedimentos; assim como o desenho e a

119 JANNER. Rémy. Avaliação de resultado da função pública no controle externo francês e o papel das Câmaras Regionais de Contas. Tradução e introdução: Márcia Farias. Interesse Público, ano 10, n. 52, nov./dez. 2000. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 312. 120 Conf. http://www.iadb.org/es/proyectos/project-information-page,1303.html?id=br0403. Acesso em 18.06.2016.

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implantação de novos modelos de gestão, buscando a modernização institucional dos

Tribunais de Contas, por meio da implementação de planejamento estratégico, modernização

da administração e melhoria da capacidade institucional.121

Pesquisa realizada no sítio eletrônico oficial do Ministério do Planejamento,

Orçamento e Gestão dá conta de que, até o ano de 2011, o PROMOEX ainda se encontrava

em execução, produzindo relatórios de resultados.122 Entretanto, no capítulo seguinte do

presente trabalho de pesquisa – no subtítulo 3.2.4.1 -, novas ferramentas oficiais de controle

da gestão pública, especialmente voltadas para a qualidade, são descritas.

2.4 O controle social como mecanismo de participação da sociedade na Administração

Pública: um instrumento democrático para a efetivação da cidadania.

Quando se fala em controle social da Administração Pública, deve-se assinalar, de

pronto, que, na compreensão de significativa parte da doutrina administrativista pátria, está-se

diante de uma modalidade de controle não institucionalizada ou informal da Administração

Pública.123

No Estado brasileiro os fundamentos primeiros do exercício dessa modalidade de

controle da Administração Pública estão nas disposições expressas nos arts. 1º, incisos I e II,

parágrafo único, e 5°, XXXIII, da CF.124

121 Conf. http://www.tce.ma.gov.br/publicações/documento/arquivos/Manual_Execução_Promoex.pdf. Acesso em 18.06.2016. 122 Conf. http:// www.planejamento.gov.br/secretarias/uploads/Arquivos/segep/promoex/cumprimento_metas/2011/151111_relatorio_progresso_2sem_2011.pdf e http://www.planejamento.gov.br/@@busca?advanced_search=False&sort_on=&SearchableText=promoex&pt_toggle=%23&portal_type%3Alist=Adate=1970-01-02&created.range%3Arecord=min. Acessos em 18.06.2016. 123 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 15ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 399. José dos Santos Carvalho Filho, por sua vez, o apresenta como uma forma de controle exógeno, posto que exercido sobre o Poder Público por segmentos oriundos da sociedade. In: CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23.ed., rev. e ampl., 2.tir. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2010, p.1031. 124 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II- a cidadania; [...] Parágrafo único: Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; [...] XXXIII – todos tem direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo

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Ainda que em uma perspectiva positivista kelseniana125 e formulando uma análise

crítica do instituto do contencioso administrativo francês recepcionado pelo direito positivo

uruguaio, a democratização dos processos administrativos públicos já era tema que

preocupava publicistas latino-americanos, como Real, que assim afirmara na primeira metade

dos anos 1970,126 fazendo referência ao publicista franco-croata, Marc Gjidara:

Por eso se proponen, entre otros, remédios que vayan al fondo de las estructuras y práticas administrativas, democratizándolas, dando mayor participación al administrado, antes de dictarse el acto administrativo, al estilo Inglaterra y Estados Unidos. Uma regulación moderna del procedimiento administrativo, que preventivamente impida la arbitrariedad en la mayoría de los casos, y uma mejor educación ética, de administradores y administrados, serían condiciones insustituibles para lograr um mayor respecto de la juridicidad [...].127

A relevância do pensamento acima transposto para o presente trabalho – no qual

se prefere recorrer a abordagens críticas para explicar teoricamente o fenômeno pesquisado -

deve-se justamente ao fato de que, até mesmo para as correntes mais conservadoras do

pensamento jurídico-político e que tomam por referência as experiências de nações

organizadas sob bases políticas democrático-liberais, a democratização dos processos de

construção das decisões da administração pública vem se mostrando uma necessidade e uma

preocupação para os estudiosos do tema desde o século passado.

Também manifestada no século passado - e ainda na vigência da ordem jurídica

ditada pelo golpe de Estado de 1964 - pelo administrativista brasileiro Rui Cirne Lima, uma

noção de Administração Pública se mostra agora bastante pertinente para o tema pesquisado,

especialmente quando, no capítulo seguinte, ao se cuidar da análise dos casos e dos relatos

de lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado [...]. 125 Conferir SARLO, Oscar. Recepción de la Teoria Pura del Derecho em Uruguay. Revista de la Facultad de Derecho, ISSN 0797-8316, n. 32. Montevideo, jan.-jun./2012, pp 348. nota 68. Disponível em http://www.revistafacultadderecho.edu.uy/ojs-2.4.2/index.php/rfd/article/viewFile/38/37. Acesso em 05.06.2016. 126 A primeira publicação do artigo no Brasil ocorreu em 1974, na Revista de Direito Público, edição nov.-dez., um periódico também da Editora Revista dos Tribunais. 127 REAL, Alberto Ramon. El control de la Administración. In: Doutrinas Essenciais: Direito Administrativo. Orgs. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella & SUNFIELD, Carlos Ari. Controle da Administração, processo administrativo e responsabilidade do Estado. São Paulo: Revista dos Tribunais, Edições Especiais 100 anos, vol. III, 2013, p. 34. Em tradução simples nossa: “Por isso se propõe, entre outros remédios, que se vá ao fundo das estruturas e práticas administrativas, democratizando-as, dando maior participação ao administrado, antes de editar-se o ato administrativo, ao estilo da Inglaterra e dos Estados Unidos. Uma regulação interna do procedimento que preventivamente impeça a arbitrariedade em a maioria dos casos, e uma maior educação ética de administradores e administrados, seriam condições insubstituíveis para lograr um maior respeito à juridicidade”.

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colhidos nos correspondentes trabalhos de campo realizados junto às ONGs estudadas e seus

atores-voluntários, percebe-se que a Administração Pública no Brasil ainda é concebida como

propriedade dos agentes públicos, e não como esfera pública de realização dos interesses

coletivos.

Dentre os poderes do Estado, cabe, em princípio, ao Poder Executivo o desempenho da Administração Pública. Administração, segundo o nosso modo de ver, é a atividade do que não é proprietário – do que não tem a disposição da coisa ou do negócio administrado.128

A tendência hoje é a superação absoluta daquele paradigma que norteou as

instituições do Estado no século XIX, quando o tipo de Administração dele resultante

mantinha o indivíduo na condição de “súdito”, um deficiente jurídico, ante as recusas da

Administração que se considerava do todo soberana frente ao administrado129; ou seja, de uma

Administração fundada na hierarquia e na rigidez, para uma Administração baseada na

flexibilidade democrática,130 Portanto, há de se buscar modelos organizacionais e funcionais

que reflitam a necessidade de estabelecimento de uma comunicação entre o Estado e a

sociedade, na medida em que esta, por meio de associações ou grupos de interesse, passa a

reivindicar do Estado não somente o atendimento das demandas dos segmentos sociais que

representa, como também a participação na construção das decisões políticas fundamentais

para o desenvolvimento da sociedade.

O controle social revela-se, portanto, não apenas - e principalmente - como um

caminho democrático para a efetivação da cidadania e dos direitos fundamentais a ela

inerentes, como também uma espécie de caminho do meio entre os dois principais modelos de

Administração Pública conhecidos, a saber, a Administração Pública formal baseada no

racionalismo-burocrático, adotada pelo Estado Liberal, e a Administração Pública gerencial

(conforme concebido pela ideologia neoliberal), fundada na teoria sistêmica; modelos estes

conhecidos pela administração pública do Brasil contemporâneo, através das reformas

administrativas de 1936 e da última promovida pela Emenda Constitucional nº. 19/98 (EC

128 Apud MOTA, Carlos Pinto Coelho. Controles da Administração Pública. In: Doutrinas Essenciais: Direito Administrativo. Orgs.: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; SUNFIELD, Carlos Ari. Controle da Administração, processo administrativo e responsabilidade do Estado. São Paulo: Revista dos Tribunais, Edições Especiais 100 anos, vol. III, 2013, p. 50. 129 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 15.ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: RT, 2011, p. 130-131. 130 MOREIRA, João Batista Gomes. Direito Administrativo: da rigidez autoritária à flexibilidade democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 16.

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19/98)131 cujo alicerce foi o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, desenvolvido

pelo Ministério da Administração Pública e Reforma do Estado, criado, e também extinto, no

governo de Fernando Henrique Cardoso com esse propósito específico. O primeiro modelo,

pelo mérito de representar uma barreira ao patrimonialismo, ao clientelismo e ao nepotismo.

Formalista por excelência, o modelo racional-burocrático, em tese, imporia limites aos abusos

frequentemente verificados na vigência do patrimonialismo (e no Brasil o seu corolário do

coronelismo), assim como desvios de poder ou finalidade, fraudes e corrupção na

Administração Pública. O segundo modelo, pretendido pela EC 19/98, porque, tendo como

princípio básico a eficiência administrativa, privilegia resultados, segundo Moreira, “em

termos de quantidade, qualidade, oportunidade e economicidade, mas, sobretudo, pela real

satisfação proporcionada ao cidadão-usuário,”132 ao que se permite acrescentar, também, a

expressão “em tese”. Assim, institucionalizadas ao máximo, formas de controle que tenham o

cidadão e a sociedade civil organizada como copartícipes dos processos de fiscalização da

gestão pública e do desenvolvimento das políticas públicas desde a sua elaboração, é possível

conciliar as cautelas formais da administração burocrática e organicista, nas quais se prioriza

o controle dos processos, e a flexibilidade do modelo sistêmico, orientado pela eficiência e

pelo controle dos resultados, permitindo-se a minimização daquelas e garantindo-se a

qualidade, a oportunidade, a conveniência e a economicidade destes.

Afinal, como propôs o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, que veio

a ser oficializado com a edição da EC 19/98, importa alcançar-se uma administração pública

“voltada para o controle dos resultados e descentralizada para poder chegar ao cidadão, que,

numa sociedade democrática, é quem dá legitimidade às instituições”.133 Tal pretendida

legitimidade encontra viabilidade nessa forma emergente de controle da administração

pública denominada controle social.

O fato é que, conforme assinala, em nova oportunidade, Odete Medauar, citando

Franco Levi, “a presença dos cidadãos, das formações sociais e dos interesses coletivos no

interior da Administração, sob o nome de participação, constitui uma das tendências 131 Há quem sustente ser a reforma promovida pela EC 19/98 a terceira sofrida pela Administração Pública Federal, levando em consideração as mudanças realizadas pelo Decreto-Lei nº. 200/1967 no aparelho administrativo do Estado brasileiro. É o que pontua João Batista Gomes Moreira (MOREIRA, João Batista Gomes. Direito Administrativo: da rigidez autoritária à flexibilidade democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 159). 132 Id., Ibid., p.155. 133 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, 1995, p.7. Disponível em http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/planodiretor.pdf. Acesso em 14.06.2016.

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contemporâneas”.134 Ainda que se refira a autora à expressão “participação”, é de se deduzir

das linhas que se seguem a tal assertiva que está a mesma a abordar a forma democrática de

inserção da vontade do administrado nas decisões da administração pública a qual configura,

em meio a tantos mecanismos, institucionalizados inclusive, de aproximação entre o Estado e

a sociedade, o que vem a se denominar controle social da Administração Pública,

constituindo, muitas vezes, o cidadão e a sociedade civil, como copartícipes de um controle

interno e preventivo e, por vezes, também, do controle externo, como assinalado no subtítulo

anterior.

O atributo de conferir legitimidade às ações (ou decisões) administrativas, ao

referir-se ao controle social da Administração Pública, é ressaltado por Phillip Gil França, ao

ressaltar que “outra característica legal que se ressalta na atividade administrativa é o

necessário contato aberto com a população, com o fito de viabilizar a verificação de sua

atuação conforme os ditames e parâmetros legais e de Direito estabelecidos”. Isto porque,

ainda segundo o mesmo, “a sociedade deve estar ciente de suas ações que, para serem

socialmente legítimas, precisam ser amplamente divulgadas e examinadas pelo cidadão, seja

via internet, imprensa escrita, rádio, tevê ou até mesmo pelo contato direto entre administrado

e administração (por exemplo, via audiências públicas) – trata-se de fundamental

democratização da informação pelo Estado”.135

A verdade é que não apenas a disponibilidade da informação aos cidadãos e à

sociedade em geral acerca das ações administrativas, para fins de exame, envolvem o controle

social. Este requer mais; requer que, ao lado da transparência e do acesso à informação de

interesse público – fundamentais em um Estado Democrático de Direito -, possam o cidadão e

a sociedade civil participar da construção das decisões político-administrativas, assim como

questionar e provocar o reexame dos atos que contrariem aqueles interesses ou se mostrem

lesivos a direitos fundamentais e ao erário.

Nesse sentido, vem acrescentar França que “a instauração e a correta viabilização

da prática de consulta ao povo sobre os passos da Administração Pública, por meio de

134 MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em evolução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p.227. 135 FRANÇA, Phillip Gil. O Controle da Administração e sua efetividade no Estado contemporâneo. Interesse Público, ano 9, n.43, maio/j un. 2007. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 186.

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audiências públicas, por exemplo, são uma importante ferramenta para a concretização do

ideal democrático estabelecido na Constituição”.136

A evolução do Estado de Direito para o Estado Democrático de Direito impôs

uma necessidade de transparência na administração da coisa pública e a abertura de espaços

para a participação popular, do que, segundo Mileski,

terminou originando-se uma expansão dos meios de controle sobre a Administração Pública, na medida em que a transparência e a participação popular possibilitaram a criação de um novo tipo de controle: o controle social. No controle social, o cidadão é o meio executor do controle, que pode verificar, acompanhar e fiscalizar a regularidade dos atos governamentais.137

Pode-se, portanto, conceituar o controle social da Administração Pública como

aquele que é exercido sobre a Administração pelos administrados, sejam estes os cidadãos

individualmente considerados, sejam eles por intermédio das entidades da sociedade civil

organizada. Consiste o controle social em uma manifestação do exercício do poder-dever do

povo, como decorrência direta do princípio da soberania popular que também informa o

Estado Democrático de Direito, recepcionado pela Constituição da República Federativa do

Brasil, nos termos expressos no seu art. 1º, incisos I e II, e parágrafo único.

A proposta do presente trabalho é demonstrar como o controle social se configura

como um instrumento para efetivação da cidadania no Brasil. Da análise que ora se procede

pode-se afirmar que o exercício do controle social pelo cidadão e pela sociedade civil

organizada já se revela um exercício de direito inerente à cidadania moldada nas bases de um

Estado Democrático de Direito, em busca da conquista de outros direitos inerentes à

cidadania, dentre os quais se ressaltam os direitos sociais. Resta apenas a reflexão: estão os

valores democráticos e republicanos, que formalmente moldaram o Estado Democrático de

Direito da República Federativa do Brasil a partir da Constituição de 1988, minimamente

consolidados e amadurecidos no seio da sociedade brasileira, de modo a possibilitar a

efetividade dessa forma de controle da administração? O estudo dos casos múltiplos eleitos

para a pesquisa, de que cuida o capítulo seguinte do presente trabalho, buscou elementos

hábeis a contribuir com uma possível e atual resposta.

136 FRANÇA, Phillip Gil. O Controle da Administração e sua efetividade no Estado contemporâneo. Interesse Público, ano 9, n.43, maio/j un. 2007. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 187. 137 MILESKI, Hélio Saul. Controle Social: um aliado do controle oficial. Interesse Público, ano 8, n° 36, mar./abril 2006. Porto Alegre: Notadez, 2006, p. 89.

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2.4.1 A perspectiva institucional do controle social na ordem jurídico-institucional brasileira.

Trata-se aqui da apresentação do marco legal que fundamenta o exercício do controle e da participação social na Administração Pública atualmente no Brasil.

Conforme foi destacado linhas atrás, o controle e a participação social na

Administração Pública têm seu alicerce normativo na Constituição Federal quando esta, já no

art.1º, incisos I e II, e parágrafo único estabelece que:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; [...] Parágrafo único: Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição (grifos nossos).

Está, pois, no exercício da cidadania e do poder, diretamente, nas hipóteses

abrangidas pelos princípios e normas expressos e implícitos na Constituição Federal, as

possibilidade de exercício do controle social e da participação na Administração Pública pelos

cidadãos isolados ou organizados em associações civis; o que para França significa o

princípio democrático definindo o titular do Poder – o povo – numa perspectiva de dever, para

definir os caminhos que o Estado onde vive deve seguir.138 A seguir, o panorama

constitucional do controle social na Administração Pública:

Em seu Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais -, a Constituição

Brasileira prevê, no art. 5º, incisos XIV e XXXIII, o direito fundamental de acesso à

informação dos órgãos públicos, da Administração Pública, portanto, e, no inciso XXXIV, a,

desse mesmo artigo, confere a qualquer pessoa física ou jurídica o direito de petição aos

Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.

Por seu turno, o art. 29, XII, da Lei Maior, ao cuidar da organização dos

municípios, estabelece como princípio constitucional a cooperação das associações

138 FRANÇA, Phillip Gil. O Controle da Administração e sua efetividade no Estado contemporâneo. Interesse Público, ano 9, n.43, maio/j un. 2007. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p.188.

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representativas no planejamento municipal, ou seja, determina que a Administração

Municipal abra espaços de participação da sociedade civil organizada no planejamento

municipal.

O artigo 37 da Constituição Federal, que em seu caput estabelece que “a

administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,

moralidade, publicidade e eficiência, no seu §3�, prevê a edição de lei para disciplinar as

formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando

especialmente: I- as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral,

asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica,

externa e interna, da qualidade dos serviços; II- o acesso dos usuários a registros

administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e

XXXIII; III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo,

emprego ou função na administração pública.

Por certo que essa enumeração do §3�, do art. 37 da CF/1988, não pode ser

interpretada como taxativa, levando-se em consideração a utilização do advérbio

“especialmente” ao final do corpo do dispositivo ao qual se vincula.

O artigo 58, §2�, II, da nossa Constituição, por sua vez, prevê a realização de

audiências públicas com entidades da sociedade civil, pelas Comissões do Congresso

Nacional e suas duas Casas Legislativas, com natureza permanente ou temporária, para fins de

discussão de matérias de sua competência.

No âmbito da Política Urbana, regulada pela Constituição Federal nos artigos 182

e 183, embora o legislador constituinte não faça menção a formas de participação popular no

seu planejamento, previu a edição de lei para o estabelecimento de diretrizes gerais de

execução, pelos municípios, da política de desenvolvimento urbano – duas das quais sob

análise no presente trabalho -, de forma a ordenar o pleno desenvolvimento das funções

sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes: o denominado Direito à Cidade.

Estabelecido ainda ficou que o Plano Diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório

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para as cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de

desenvolvimento e expansão urbana.139

Ao cuidar, no Título III, da Ordem Social, a Constituição Federal, dos artigos 193

a 232, ao instituir que a ordem social tem por objetivo o bem-estar e a justiça sociais (art.

193), estabelece que a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de

iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à

saúde, à previdência e à assistência social (art. 193, destaque nosso), mediante gestão

democrática e descentralizada. Mais particularmente no tocante à Saúde, estabelece que as

ações e os serviços de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem

um sistema único (art. 198), organizado de acordo com diretrizes dentre as quais se destaca a

participação da comunidade. Na Assistência Social é assegurada, desde a Constituição

Federal, a participação da população por meio de organizações representativas, na formulação

das políticas e no controle das ações em todos os níveis (art. 204, II). À Educação também foi

reservado o lugar de princípio orientador da gestão democrática do ensino público (art. 206,

VI); e ao meio ambiente a corresponsabilidade do Poder Público e da coletividade em sua

defesa (art. 225).

Em nível infraconstitucional devem-se observar as previsões contidas na Lei

Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) e suas subsequentes alterações, que

dedica um capítulo específico ao tratamento da Transparência, Controle e Fiscalização das

contas públicas, estabelecendo, expressamente, que:

Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos. Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos (grifo nosso).

A Lei n� 9.784, de 29 de janeiro de 1999, editada para regular o processo

administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, visando em especial à proteção

139 §1º, do art. 182, da Constituição Federal de 1988.

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dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração, também

prevê, no caput dos artigos 31 e 32, que, no caso de a matéria do processo envolver assunto de

interesse geral, o órgão competente poderá, mediante despacho motivado, abrir período de

consulta pública para manifestação de terceiros, antes da decisão do pedido, se não houver

prejuízo para a parte interessada, e que, antes da tomada de decisão, a juízo da autoridade,

diante da relevância da questão, poderá ser realizada audiência pública para debates sobre a

matéria do processo.

Quando se afirmou, linhas atrás, que, no âmbito da Política Urbana, regulada pela

Constituição Federal nos artigos 182 e 183, embora o legislador constituinte não faça menção

a formas de participação popular no seu planejamento, previu a edição de lei para o

estabelecimento de diretrizes gerais de execução, pelos municípios, da política de

desenvolvimento urbano referia-se à já editada Lei n� 10.257, de 10 de julho de 2001

(Estatuto da Cidade), a qual estabelece, em seu artigo 2�, caput, que a política urbana tem

por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade

urbana, e enumera, no inciso II do referido artigo, como uma de suas diretrizes, a gestão

democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos

vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos,

programas e projetos de desenvolvimento urbano; e, no inciso XII, a audiência do Poder

Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de

empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente

natural ou construído, o conforto ou a segurança da população. Mais adiante, a Lei n�

10.257/2001 elenca como um dos instrumentos da política urbana a gestão orçamentária

participativa . Já no Capítulo III, ao tratar especificamente do Plano Diretor urbano, o

Estatuto da Cidade estabelece no artigo 40, §4� e seus incisos, que:

No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativos e Executivos municipais garantirão: I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas de vários seguimentos da comunidade; II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos (grifo nosso).

Dedicando também um capítulo próprio ao instrumento da gestão orçamentária

participativa (Capítulo IV), a Lei n� 10.257/2001 determina, no seu artigo 44, que “no

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76

âmbito municipal a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea f do inciso III do

art. 4� desta lei incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as

propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como

condição obrigatória para a sua aprovação pela Câmara Municipal”; bem como, no seu art. 45,

que “os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão

obrigatória e significativa participação da população e de associações representativas de

vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o

pleno exercício da cidadania” (grifo nosso).

A Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1966, também prevê formas de exercício do

controle social, ao estabelecer, no § 8º do art. 7º - o qual define regras para os projetos básicos

e executivos, bem como para a execução da obra ou do serviço - que qualquer cidadão poderá

requerer à Administração Pública os quantitativos das obras e preços unitários de determinada

obra executada; no art. 15, § 6º, que qualquer cidadão é parte legítima para impugnar preço

constante do quadro geral em razão de incompatibilidade desse com o preço vigente no

mercado; no art. 41, ao dispor em seu § 1º que a abertura dos envelopes contendo a

documentação para habilitação e as propostas será realizada sempre em ato público

previamente designado, do qual se lavrará ata circunstanciada, assinada pelos licitantes

presentes e pela Comissão; no art. 63, que é permitido a qualquer licitante o conhecimento dos

termos do contrato e do respectivo processo licitatório e, a qualquer interessado, a obtenção

de cópia autenticada, mediante o pagamento dos emolumentos devidos; e, no § 1º do art. 113,

que qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica poderá representar ao Tribunal

de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno contra irregularidades na

aplicação desta Lei, para os fins do disposto nesse artigo.

Acerca do referencial legal infraconstitucional, há ainda a Lei n° 10.079, de 30 de

dezembro de 2004, que, disciplinando normas gerais para licitação e contratação de parcerias

público-privadas, em seu art. 4°, V, determina a observância da transparência dos

procedimentos e das decisões, e, no seu art. 10, VI, a submissão da minuta de edital e de

contrato à consulta pública, mediante publicação na imprensa oficial, em jornais de grande

circulação e por meio eletrônico, que deverá informar a justificativa para a contratação, a

identificação do objeto, o prazo de duração do contrato, seu valor estimado, fixando-se prazo

mínimo de 30 (trinta) dias para recebimento de sugestões, cujo termo dar-se-á pelo menos 7

(sete) dias antes da data prevista para a publicação do edital.

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77

Para finalizar, cabe citar a Lei n° 12.462, de 4 de agosto de 2011, que, dentre

outras providências, estabelece o Regime Diferenciado das Contratações (RDC), a qual,

mesmo não sendo explícita no sentido das hipóteses em que admite o controle social, remete,

em seus arts. 45 e 46, às disposições estabelecidas no art. 113 da Lei 8.666/93, acima

referidas.

Na perspectiva constitucional e infraconstitucional, portanto, pode-se assegurar

que o sistema jurídico-institucional brasileiro oferece condições ao desenvolvimento da

participação e do controle social frente à Administração Pública, embora, como será relatado

no capítulo seguinte, os instrumentos normativos ainda necessitem grandemente de

efetividade, tanto naquilo que compete ao Poder Público cumprir quanto ao que compete ao

cidadão brasileiro, em seu poder-dever de exigir o cumprimento e participar desse controle.

2.5 Transparência, controle social e accountability.

Abordar o tema do controle social impõe, necessariamente, uma incursão na

temática da transparência pública e da accountability, embora seja este último um instituto de

controle da gestão fiscal, cuja tradução para o português, até hoje, não se fez possível. E não

se está aqui a reafirmar o que dissera Anna Maria Campos ainda em 1987/1988, ao publicar o

trabalho científico intitulado “Accountability: Quando poderemos traduzi-la para o

Português?”,140 ao menos, nesse preciso momento do trabalho. Está-se, por hora,

efetivamente, tratando do contexto linguístico da palavra. Isto porque se trata de um instituto

de origem anglo-saxônica cuja melhor tradução para o português é aquela que o vincula à

responsabilidade dos servidores públicos no exercício do munus público. Tratava-se, como

pode perceber Campos em suas primeiras análises do instituto – e assim demonstra sê-lo

ainda - de um conceito-chave no estudo da administração e na prática do serviço público141

nos países que herdaram essa tradição anglo-saxônica. Concluiu a autora, então, que não

140 Considerado um texto científico clássico sobre o tema, publicado primeiramente na coletânea de texto: Public service accountability: a comparative perspective. Jabbra Joseph G&Dwiwedi O.P. West Hartfird, Connecticut, Kumarian Press, 1988 (apud MILESKI, Helio Saul. Controle Social: um aliado do controle oficial. Interesse Público, ano 8, n° 36, mar./abril 2006. Porto Alegre: Notadez, 2006, n. de rodapé n° 10, p. 92). Em 1990 o texto vem a ser publicado na Revista de Administração Pública, 24(2), fev./abr.1990. Rio de Janeiro, pp 30-50, e disponível em http://www.admsp20061.wikispace.com/file/view/Accountability-+Quando+podemos+traduzi-la+par+o+português+-+Anna+Maria+Campos.pdf. Acesso em 19.06.2016. 141 CAMPOS. Anna Maria. Accountability: Quando poderemos traduzi-la para o Português? Disponível em http://www.ebape.fgv.br/sites/ebape.fgv.br/files/rap8_0.pdf. Acesso em: 19 jun. 2016, p. 31.

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78

apenas a correspondente no português inexistia, mas, o que se revelou mais grave, não havia,

entre nós, o próprio conceito. Ou seja, nada existia em nível de administração pública, em

nosso país, que conceitualmente correspondesse ao significado da palavra em sua concepção

original.

Por ocasião de um longo período de observação e questionamentos –

aproximadamente 12 anos - Campos assim resumiu as suas observações:

Pelo lado dos funcionários, um desrespeito pela clientela (exceto os clientes conhecidos ou recomendados) e uma completa falta de zelo pelos dinheiros públicos (supostamente pertencentes a um dono tão rico quanto incapaz de cobrar). Pelo lado do público, uma atitude de aceitação passiva quanto ao favoritismo, ao nepotismo e todo tipo de privilégios; tolerância e passividade ante a corrupção, a dupla tributação (o imposto mais a propina) e o desperdício de recursos.142

Já naquela ocasião Campos manifestou-se no sentido da identidade entre

accountability e cidadania, e desta com os valores democráticos, vindo a afirmar que

“enquanto tema importante, o conceito devia estar relacionado com a questão dos direitos do

cidadão”143 e que “quanto mais avançado o estágio democrático, maior o interesse pela

accountability”, tendendo a accountability governamental a “acompanhar o avanço de valores

democráticos, tais como igualdade, dignidade humana, participação, representatividade”.144

Também na ocasião dos estudos de onde germinou o trabalho em comento,

Campos pôde observar que, no contexto do sistema burocrático em que estava assentada a

Administração Pública à época – e atualmente, mesmo com a Reforma Administrativa

cunhada pela EC 19/98, em que a Administração Pública no Brasil ainda convive fortemente

com traços e estruturas do modelo anterior -, o controle interno não bastava para garantir que

o serviço público servisse ao seu usuário de acordo com os padrões normativos do governo

democrático.145 Trazendo tais constatações para a atualidade, pode-se verificar que a realidade

impõe uma mudança de paradigmas de controle da atividade administrativa e de governo do

Estado.

142 CAMPOS. Anna Maria. Accountability: Quando poderemos traduzi-la para o Português? Disponível em http://www.ebape.fgv.br/sites/ebape.fgv.br/files/rap8_0.pdf. Acesso em: 19 jun. 2016, p. 36. 143 Id., Ibid.,p. 32. 144 Loc. cit. 145 Id., Ibid., p. 34.

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79

A accountability envolve economicidade, eficiência e honestidade na prestação do

serviço público; mas não apenas isso; envolve também qualidade, justiça na distribuição dos

benefícios, assim como na distribuição dos custos econômicos, sociais e políticos dos serviços

e bens produzidos, além de adequação dos resultados dos programas às necessidades dos

usuários146, que nada mais são que os cidadãos. Essa constatação - que também se perseguiu

com o presente trabalho de pesquisa através do estudo de casos -, levou Campos a concluir

que “o verdadeiro controle do governo – em qualquer de suas divisões: Executivo, Legislativo

e Judiciário – só vai ocorrer efetivamente se as ações do governo forem fiscalizadas pelos

cidadãos.147

O contexto histórico-administrativo que perfilou a inédita abordagem do tema por

Campos a fez concluir que, mudanças na burocracia administrativa brasileira no sentido de

garantir a accountability da administração pública somente se efetivariam através de uma

ampliação de controles burocráticos em dois sentidos, a saber: a redefinição conceitual de

controle e avaliação, para incluir outras dimensões de desempenho como eficácia, efetividade

e justiça social e política; e a expansão do número de controladores e sua representatividade,

reforçando a própria legitimidade do controle.148 Trazendo as conclusões da autora para o

atual momento político-administrativo e social que o Brasil experimenta, vê-se que algum

progresso foi alcançado, em termos de configuração jurídico-normativa do sistema de

controles da Administração Pública, como revelam os instrumentos normativos referidos no

subtítulo 2.4.1. Entretanto – e isso o estudo de caso revelou, como é relatado no capítulo

seguinte – a utilização dos institutos jurídicos pelo cidadão isolado ou organizadamente ainda

se mostra bastante incipiente, assim como muitos dos mecanismos oficiais de controle da

administração, na maioria das unidades federativas do país ainda não saíram do papel; o que

em muito compromete a eficácia desses institutos. É o caso, por exemplo, dos mecanismos

para assegurar a transparência na gestão pública, essa forte aliada do controle social.

A transparência assegura o êxito da accountability da administração pública. E a

essa conclusão também chegou Campos, àquela época, quando afirmou que:

146 CAMPOS. Anna Maria. Accountability: Quando poderemos traduzi-la para o Português? Disponível em http://www.ebape.fgv.br/sites/ebape.fgv.br/files/rap8_0.pdf. Acesso em: 19 jun. 2016, p. 34. 147 Loc. cit. 148 Id., Ibid., p. 48.

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As possibilidades de tornar a administração pública amena a controles políticos, como se viu, vão depender de reversão do padrão de tutela que tem caracterizado o relacionamento entre governo e sociedade. Tais possibilidades estão relacionadas: - [...]; - às chances de que o aparato governamental, conformado ao passado de autoritarismo e centralismo, seja remodelado, tornando-se descentralizado e transparente para os cidadãos; -[...].149

No art. 37, caput, da Constituição Federal, a transparência aparece sob a

roupagem da publicidade administrativa, elevada à condição de princípio constitucional da

Administração Pública. Com a edição da Lei Complementar 101/2000 (Lei de

Responsabilidade Fiscal) ela foi introduzida por completo na gestão pública, instituindo-se

mecanismos de transparência da gestão fiscal, aos quais deverá ser dada ampla divulgação,

conforme estabelecido no art. 48 da referida Lei. Esse mesmo artigo também estabelece,

como mecanismo para assegurar a transparência da gestão fiscal, o incentivo à participação

popular e realização de audiências públicas, durante os processo de elaboração e discussão

dos planos, leis de diretrizes orçamentárias e orçamentos. Outros instrumentos normativos, a

exemplo daqueles citados no subtítulo 2.4.1 dão a certeza da íntima ligação dos institutos da

transparência pública e do controle social. Segue-se à LRF, a Lei de Acesso à Informação (

Lei n° 12.527/2011), que veio ampliar os mecanismos de acesso à informação produzida na

Administração Pública e de interesse do cidadão e de toda a coletividade, impondo novas

obrigações à Administração Pública e consolidando outras anteriormente previstas.

Mileski resume a importância da transparência para o controle social nos

seguintes termos:

Assim, no Estado contemporâneo, deve o Poder Público expor de forma clara e indubitável, com absoluta transparência, as políticas públicas estabelecidas para o atendimento do interesse público, dando ciência sobre a estrutura e as funções de governo, os fins da política fiscal adotada, qual a orientação para a elaboração e execução dos planos de governo, a situação das contas públicas e as respectivas prestações de contas. Só tendo pleno conhecimento das formas de agir da Administração Pública pode haver participação popular e, em decorrência, controle social.150

149 CAMPOS. Anna Maria. Accountability: Quando poderemos traduzi-la para o Português? Disponível em http://www.ebape.fgv.br/sites/ebape.fgv.br/files/rap8_0.pdf. Acesso em: 19 jun. 2016, p. 48. 150 MILESKI, Helio Saul. Op. cit.,p. 87.

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81

A transparência também contribui para a diminuição dos índices de corrupção.

Indiscutível é que, nos Estados onde há maior transparência na informação pública, o nível de

corrupção é menor, o que possibilita uma maior injeção e aproveitamento de recursos

públicos na implementação de melhorias sociais a serem oferecidas sob a forma de políticas

públicas para a efetivação de direitos fundamentais, especialmente os de natureza social.151

No começo da presente abordagem, assinalou-se que uma melhor tradução para o

português seria aquela que o vincula à responsabilidade dos servidores públicos no exercício

do munus público. Acresça-se agora que à responsabilidade dos servidores e agentes públicos

deve-se associar a avaliação do desempenho do governo frente às necessidades dos cidadãos,

ou seja, os resultados das políticas públicas, dos investimentos públicos e a qualidade dos

serviços públicos prestados aos cidadãos, como fator de medida da responsabilidade da

Administração Pública; bem como a transparência da gestão pública como mecanismo de

participação e controle social.

2.5.1 Um diagnóstico da Transparência Pública no Brasil a partir de três iniciativas.

2.5.1.1 Projeto Transparência nas Contas Públicas do Ministério Público do Estado da

Bahia.

Integrando o Banco de Projetos do Ministério Público do Estado da Bahia152

encontra-se o projeto “Transparência nas Contas Públicas”, desenvolvido como parte do

conjunto das iniciativas estratégicas do Plano Estratégico de Atuação do Ministério Público

do Estado da Bahia para o período 2011-2023.

O motivo que leva a que se reporte ao projeto “Transparência nas Contas

Públicas” neste trabalho de pesquisa, deve-se ao fato de a utilização – expressamente

consentida pela entidade civil – da metodologia desenvolvida pela Associação Contas

Abertas, denominada “Índice de Transparência”, na etapa do referido projeto de atuação

institucional do Ministério Público do Estado da Bahia, possibilitar a avaliação dos portais de

transparência dos municípios do Estado, obedecendo à sistemática estabelecida na Lei

Complementar 101/2000 - após as alterações introduzidas pela Lei Complementar 131/2009,

151 LIMBERGER, Têmis. Efetividade da gestão fiscal transparente: o valor da cultura constitucional. Interesse Público, ano 10, n. 52, nov./dez. 2008. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 75. 152 Disponível em www.bancodeprojetos.mpba.mp.br/projetos/. Acesso em 12.03.2015.

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82

que deu nova redação ao art. 48, acrescentando, dentre outros dispositivos, as disposições

contidas nos arts. 48-A, 73-A, 73-B e 73-C. O projeto “Transparência nas Contas Públicas”

desencadeou uma laboriosa jornada de iniciativas, por parte do Parquet baiano, no intuito de,

prioritariamente, através de procedimentos extrajudiciais (procedimentos investigativos

preliminares, audiências públicas, notificações recomendatórias, termos de ajustamento de

conduta, dentre outras medidas), induzir os Chefes dos Poderes Executivo e Legislativo dos

municípios do Estado da Bahia a criarem os portais de transparência obrigatórios por lei; ou,

no caso daqueles entes federativos que já dispunham de portais de transparência concernentes

aos respectivos Poderes Constituídos municipais, a adotarem as medidas necessárias no

sentido de alimentá-los com os indicadores de conteúdo, série histórica e freqüência de

avaliação, e usabilidade elencados como indispensáveis ao exercício, pelo cidadão ou

sociedade civil, do controle social sobre as despesas públicas e as ações de gestão e governo

da Administração Pública.

O Projeto “Transparência nas Contas Públicas”, do Ministério Público do Estado

da Bahia, em execução, tem por objetivo principal implementar mecanismos de controle que

possibilitem uma maior transparência e simplificação dos instrumentos de informação no

âmbito dos Poderes Públicos, especialmente sobre orçamento e gastos públicos, estimulando

o exercício do controle social, por meio da articulação com a sociedade civil e com os

segmentos econômicos da sociedade, bem como a cooperação técnica entre os setores

públicos e privados para a defesa da probidade e eficiência administrativa na consecução dos

interesses públicos. Daí haver buscado, a Instituição, suporte na metodologia do “Índice de

Transparência”, posto que lhe pareceu bastante adequada às primeiras iniciativas estratégicas

a serem postas em execução, em meio às diversas etapas do projeto institucional

“Transparência nas Contas Públicas”.

A etapa inicial do Projeto “Transparência nas Contas Públicas”, seguindo a

previsão estabelecida no art. 73-B da Lei Complementar 101/2000 (LRF), privilegiou a

análise, por um corpo técnico da Coordenação de Gestão Estratégica (CGE) do MPBA, dos

portais de transparência dos municípios com população acima de 100.000 (cem mil)

habitantes. Seguiu-se a esta etapa, a análise dos portais de transparência dos municípios com

população entre 50.000 (cinqüenta mil) e 100.000 (cem mil habitantes).

O objetivo da análise prévia dos portais de transparência, através da utilização da

metodologia do “Índice de Transparência”, foi a verificação tanto da efetiva criação dos

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83

portais de transparência pelos maiores municípios do Estado da Bahia, quanto, e acima de

tudo, da quantidade, qualidade, clareza e atualidade das informações minimamente exigidas

por lei, em efetiva sintonia com os princípios da transparência e publicidade da Administração

Pública e respeito ao direito fundamental à informação, cuja lei regulamentadora já se

encontrava, por ocasião do início da execução do projeto “Transparência nas Contas Públicas”

– segundo semestre de 2012 -, em plena vigência.

A partir da análise dos portais de transparência dos municípios baianos

enquadrados nas condições acima descritas, os respectivos relatórios foram encaminhados às

Promotorias de Justiça com atribuições de defesa do patrimônio público e da moralidade

administrativa nesses entes federativos, para que dessem início a um trabalho – mediante a

utilização dos instrumentos legais de atuação finalística (v.g., inquérito civil, recomendação,

termo de ajustamento de conduta e ação civil pública) - voltado à implementação ou ao

aprimoramento dos mecanismos de transparência e informação pelos Poderes Executivo e

Legislativo locais.

Uma vez que se está a falar de uma metodologia de análise de portais de

transparência públicos e sua aplicação dentro de um projeto institucional finalístico, que tem

por objetivo a implementação de mecanismos que possibilitem uma maior transparência e

simplificação dos instrumentos de informação no âmbito dos Poderes Públicos, especialmente

sobre orçamento e gastos públicos, estimulando o exercício do controle social, as análises da

Associação Contas Abertas, demonstradas nas Figuras 6 e 7, adiante apresentads, vêm a

ilustrar bem a realidade – ainda que parcial – da transparência na Administração Pública

brasileira, ao lado das constatações realizadas pelos técnicos da CGE/MPBA, sobre os portais

de transparência dos municípios baianos com população acima de 100.000 (cem mil)

habitantes e entre 50.000 (cinqüenta mil) e 100.000 (cem mil) habitantes, conforme descrito

abaixo:

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84

Figura 1.

0,00

1,00

2,00

3,00

4,00

5,00

6,00

7,00

8,00

9,00

10,00

Ministério Público do Estado da Bahia

Unidade de Análises Estratégicas

Municípios acima de 100.000 habitantes

Comparativo entre as notas

1ª Avaliação Contas Abertas

2ª Avaliação Contas Abertas

Fonte: Unidade de Análises Estratégicas

Figura 2.

0,00

1,00

2,00

3,00

4,00

5,00

6,00

7,00

8,00

9,00

10,00

Ministério Público do Estado da Bahia

Unidade de Análises Estratégicas

Municípios entre 50.000 e 100.000 habitantes

Comparativo entre notas

1ª Avaliação Contas Abertas 2ª Avaliação Contas AbertasFonte: Unidade de Análises Estratégicas

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85

Figura 3.

3,27

4,09

0,79

2,08

0,00

1,00

2,00

3,00

4,00

5,00

6,00

7,00

Média 1ª avaliação Média 2ª avaliação

Média das Notas

Ministério Público do Estado da Bahia

Unidade de Análises Estratégicas

Municípios acima de 50.000 habitantes

Comparativo entre as médias das notas

Municípios acima

de 100.000

habitantes

Municípios entre

50.000 e 100.000

habitantes

Fonte: Unidade de Análises Estratégicas

Os dados constantes nos três gráficos das figuras 3, 4 e 5 acima, foram levantados

em duas oportunidade diferentes, porém próximas, do ano de 2012, quando se iniciou a

execução do projeto “Transparência nas Contas Públicas”, pelo Ministério Público do Estado

da Bahia, e, tomando-se por base os critérios de avaliação de portais de transparências

adotados, conforme explicitado acima, deduz-se, com clareza, que os índices de transparência

pública dos municípios do estado da Bahia, com população acima de 100.000 (cem mil)

habitantes e população entre 50.000 (cinquenta mil) e 100.000(cem mil) habitantes,

apresentaram uma média bastante baixa, apenas revelando uma pequena alteração positiva

entre a primeira e segunda avaliações. Embora não se tenha levantado, no mesmo período,

dados acerca dos municípios como população abaixo de 50.000 (cinquenta mil) habitantes, é

possível imaginar a situação dos mesmos, no tocante à transparência das contas públicas e,

consequentemente, acesso a dados e informações de interesse público pelos munícipes.

Os resultados do projeto “Transparência nas Contas Públicas”, atualizados até o

ano de 2013, informam ainda, especialmente no tocante à meta estabelecida para o quesito

“Qualidade dos portais de transparência” em 74 municípios analisados, que foi alcançada a

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86

nota de 3,92, sendo a meta para o período estabelecida em 4,5. De igual modo, êxito foi

obtido no quesito “Ocorrência de dados sobre transparência”, analisado para 74 municípios do

estado da Bahia, onde a meta de 60% foi ultrapassada, chegando a 90%.153

Figura 4.

0,00

0,50

1,00

1,50

2,00

2,50

3,00

3,50

4,00

4,50

5,00

Média 1ª

avaliação

Média 2ª

avaliação

Média 3ª

avaliação

Municípios acima

de 100.000

habitantes

Municípios entre

50.000 e 100.000

habitantes

Fonte: Unidade de Análises Estratégicas – Ministério Público do Estado da Bahia.

Figura 5.

Município População

1ª Avaliação Contas Abertas

2ª Avaliação Contas Abertas

3ª Avaliação Contas Abertas

Salvador 2.675.656 5,31 5,31 5,35

Feira de Santana 556.642 4,95 4,65 5,38

Vitória da Conquista 306.866 5,76 5,76 5,80

Camaçari 242.970 4,78 4,93 5,00

Itabuna 204.667 4,36 4,91 4,91

Juazeiro 197.965 5,00 5,00 5,22

Ilhéus 184.236 3,67 3,93 3,93

Lauro de Freitas 163.449 4,71 5,53 5,96

Jequié 151.895 2,47 2,47 4,84

Alagoinhas 141.949 2,73 2,73 2,73

Teixeira de Freitas 138.341 0,00 0,00 6,07

153 Disponível em www.bancodeprojetos.mpba.mp.br/projetos/file:///C:Users/Helli/Downloads/transparência_monitoramento_metas%20(1)pdf. Acesso em 14.03.15.

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Barreiras 137.427 0,00 0,00 0,00

Porto Seguro 126.929 4,76 5,20 4,84

Simões Filho 118.047 0,00 5,16 3,78

Paulo Afonso 108.396 3,75 4,95 4,95

Eunápolis 100.196 0,00 4,95 4,95

Sto Antonio de Jesus 90.985 0,00 4,80 0,00

Valença 88.673 0,00 5,13 4,44

Candeias 83.158 0,00 0,00 0,00

Jacobina 79.247 0,00 0,00 5,02

Guanambi 78.833 0,00 0,00 2,51

Serrinha 76.762 0,00 0,00 5,27

Senhor do Bonfim 74.419 4,29 4,55 1,05

Itapetinga 68.273 0,00 0,00 0,47

Campo Formoso 66.616 0,00 4,76 5,02

Dias Dávila 66.440 0,00 0,00 4,58

Irecê 66.181 3,53 3,64 3,53

Casa Nova 64.940 0,00 0,00 0,00

Brumado 64.602 0,00 5,05 5,31

Bom Jesus da Lapa 63.480 0,00 0,00 0,00

Itamaraju 63.069 0,00 0,00 0,00

Conceição do Coité 62.040 0,00 0,00 0,00

Itaberaba 61.631 4,15 4,98 5,20

Luís Eduardo Magalhães 60.105 0,00 2,62 2,69

Ipirá 59.343 0,00 0,00 5,42

Cruz das Almas 58.606 0,00 3,31 0,00

Santo Amaro 57.800 0,00 2,53 2,53

Euclides da Cunha 56.289 4,27 4,45 4,89

Tucano 52.418 0,00 4,91 5,42

Monte Santo 52.338 0,00 0,00 0,00

Araci 51.651 1,93 2,29 3,38

Catu 51.077 3,13 3,13 4,25

Jaguaquara 51.011 0,00 0,00 5,13

Média 1ª avaliação

Média 2ª avaliação

Média 3ª avaliação

Municípios acima de 100.000 habitantes 3,27 4,09 4,61

Municípios entre 50.000 e 100.000 habitantes 0,79 2,08 2,82

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Obs.: aqui a listagem está por ordem de população Municípios entre 50.000 e 100.000 habitantes

3ª avaliação

Notas acima de 5,00 2 7% 8 30%

Notas entre 3,00 e 5,00 9 33% 6 22%

Notas entre 2,00 e 3,00 3 11% 3 11%

Notas 0,1 e 2,0 0 0% 2 7%

Não pontuou 0,0 13 48% 8 30%

Total 27 100% 27 100%

Municípios acima de 100.000 habitantes 3ª avaliação

Notas acima de 5,00 5 31% 6 38%

Notas entre 3,00 e 5,00 7 44% 8 50%

Notas entre 2,00 e 3,00 2 13% 1 6%

Notas 0,1 e 2,0 0 0% 0 0%

Não pontuou 0,0 2 13% 1 6%

Total 16 100% 16

Municípios acima de 50 mil habitantes 2ª avaliação 3ª avaliação

Notas acima de 5,00 7 16% 14 33%

Notas entre 3,00 e 5,00 16 37% 14 33%

Notas entre 2,00 e 3,00 5 12% 4 9%

Notas 0,1 e 2,0 0 0% 2 5%

Não pontuou 0,0 15 35% 9 21%

Total 43 100% 43 100%

Fonte: Unidade de Análises Estratégicas – Ministério Público do Estado da Bahia

Importa observar, contudo, que não passou despercebido ao projeto

“Transparência nas Contas Públicas” a situação dos municípios com população inferior a

50.000 (cinqüenta mil) habitantes. Fácil deduzir, seguindo a lógica da lei, que quanto maior o

município, maior a sua complexidade – especialmente quanto ao acesso à informação e

organização administrativa -, e aporte de recursos aos cofres públicos, razão pela qual

demanda maior urgência a atenção para com os mesmos. De qualquer modo, todos os

municípios, indistintamente, e independentemente do número de habitantes, ficam obrigados a

cumprir as disposições estabelecidas nos arts. 48, e seu parágrafo único, e 48-A da Lei

Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a saber: incentivo à participação

popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão

dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos; liberação ao pleno conhecimento e

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acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a

execução orçamentária e financeira; todos os atos praticados pelas unidades gestoras no

decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização

mínima dos dados referentes ao número do processo, ao bem ou serviço prestado, à pessoa

física ou jurídica beneficiária do pagamento e do procedimento licitatório ou de dispensa de

licitação realizado; e, o lançamento e recebimento de toda a receita das unidades gestoras,

inclusive referente a recursos extraordinários.154

2.5.1.2 O “Índice de Transparência” desenvolvido pela Associação Contas Abertas

Iniciativa também voltada a contribuir com o fomento à transparência pública é

desenvolvida pela organização não-governamental Contas Abertas, uma entidade civil, sem

fins lucrativos, fundada em 2005, com sede em Brasília-DF, e atuação em âmbito nacional,

que reúne pessoas físicas e jurídicas, lideranças sociais, empresários, estudantes, jornalistas,

bem como quaisquer interessados em conhecer e contribuir para o aprimoramento do

dispêndio público, notadamente quanto à qualidade, à prioridade e à legalidade, vem

oferecendo importante contribuição para o Projeto Transparência nas Contas Públicas,

desenvolvido pelo Ministério Público do Estado da Bahia. Importa, porém, uma breve

apresentação da Associação Contas Abertas.

De acordo com o estatuto social da entidade155, tem por finalidade a defesa do

interesse público, em especial por intermédio do desenvolvimento, aprimoramento,

fiscalização, acompanhamento e divulgação das execuções orçamentária, financeira e contábil

da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de forma a assegurar o uso ético

e transparente dos recursos públicos, preservando-se e difundindo-se os princípios da

publicidade, eficiência, moralidade, impessoalidade e legalidade, previstos no artigo 37 da

Constituição Federal.

Dentre os objetivos da Associação Contas Abertas está o fomento a transparência,

o acesso à informação e o controle social; o estímulo ao aprimoramento da qualidade, da

prioridade e da legalidade do dispêndio público; o estímulo à participação do cidadão na

elaboração e no acompanhamento dos orçamentos públicos; o estímulo à fiscalização das

154 Lei de Responsabilidade Fiscal. Disponível em www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp101.htm. Acesso em 16.03.15. 155 Disponível em alberguecriativo.com/contasabertas/wp-content/uploads/2013/09/Estatuto-Social.pdf . Acesso em 10.03.15.

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contas públicas; e o estímulo à cidadania participativa, especialmente a relação entre o

governo e a sociedade.156

Efetivamente – e este é o motivo que nos leva a trazer a experiência de fomento

ao controle social, desenvolvida pela Associação Contas Abertas, para a presente pesquisa - a

preocupação com a transparência nas contas públicas tem sido o carro-chefe dessa

organização não governamental.

Através do link de acesso “Índice de Transparência”157, encontram-se informações

acerca do projeto da Associação Contas Abertas que leva esse nome, desenvolvido para

avaliar o nível de transparência dos portais de informações públicas dos governos federal,

estaduais e municipais do Brasil, tendo como escopo o desenvolvimento de parâmetros de

transparência orçamentária e métodos de avaliação objetivos, baseados em metodologias pré-

existentes.158 Deduz-se das informações disponibilizadas no respectivo portal que o Projeto

Índice de Transparência foi idealizado a partir das alterações introduzidas na Lei

Complementar 101, de 4 de maio de 2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – pela Lei

Complementar 131, de 27 de maio de 2009, e posteriormente pela regulamentação do Decreto

7.185, de 27 de maio de 2010, editado em cumprimento ao quanto disposto no art. 48,

parágrafo único da referida Lei.

Criou, assim, a Associação Contas Abertas o Índice de Transparência com o

objetivo de instituir um ranking, entre os sites oficiais dos entes federativos do Brasil, que

possibilite aos cidadãos avaliarem o nível de transparência das contas públicas.

A metodologia aplicada pela Associação Contas Abertas para avaliar o grau de

transparência das contas da União, estados e municípios da Federação Brasileira, e que sofreu

algumas modificações na última edição do ranking divulgada, correspondente ao ano de 2014

– Índice de Transparência 2014 – leva em consideração três componentes básicos, a saber:

Conteúdo, Séries Históricas e Freqüência de Atualização e Usabilidade159. Cada componente

define-se por um conjunto de indicadores – subitens, nos termos utilizados pela metodologia

empregada - que, devidamente considerados, irão informar o nível de transparência

156 Disponível em www.contasabertas.com.br/website/institucional. Acesso em 10.03.15. 157 Disponível em www.contasabertas.com.br/website/. Acesso em 10.03.15. 158 Conf. indicedetransparencia.com/sobre/. Acesso em 10.03.2015. 159 Disponível em www.contasabertas.com.br/indicedetransparencia/metodologia-2014/. Acesso em 10.03.2015.

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apresentado pelo portal da unidade federativa em análise.160 As figuras 1 e 2, abaixo, ilustram

o método de avaliação da Associação Contas Abertas para os portais oficiais.

Figura 6. 161

160 Disponível em www.contasabertas.com.br/indicedetransparencia/metodologia-2014/. Acesso em 10.03.2015. 161 Disponível em http://indicedetransparencia.com/ranking-2014-estados/. Acesso em 21.03.2015.

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Figura 7.162

Analisando-se os quadros constantes das Figuras 6 e 7, verifica-se que, no ano de

2014, o Estado do Espírito Santo foi o que melhor avaliação obteve, frente aos demais estados

da Federação, seguido do Estado de Pernambuco e, no terceiro lugar, o Estado de São Paulo,

162 Disponível em http://indicedetransparencia.com/ranking-2014-capitais/. Acesso em 21.03.2015.

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no ranking de transparência dos estados. No ranking das capitais, a cidade de Recife, obteve a

melhor avaliação no ano de 2014, seguida das cidades de Vitória e São Paulo.

Para a obtenção da nota de cada componente básico do índice de transparência,

levou-se em consideração a somatória da pontuação de cada um dos indicadores (subitens)

dos componentes básicos, cabendo a estes a seguinte pontuação máxima:

Conteúdo = 55% do total

Série Histórica = 5% do total

Usabilidade = 40% do total

Para além da matemática aplicada no contexto da metodologia do Índice de

Transparência, em comento, observa-se que os componentes básicos deste índice, e seus

respectivos indicadores (subitens), coadunam-se com os preceitos informadores dos princípios

da transparência e da publicidade da administração pública, bem como garantidores do

direito fundamental à informação, atualmente disciplinado, no âmbito dos Poderes Públicos

das três esferas da Federação, pela Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011 – Lei de Acesso

à Informação (LAI), que entrou em vigor em 16 de maio de 2012. Isto porque um portal de

transparência – ferramenta obrigatória para a Administração Pública, após a edição da Lei

Complementar n. 131/2009 – que disponibilize ao cidadão ou qualquer pessoa jurídica

interessada, informações atualizadas - de preferência em tempo real (série histórica e

frequência de atualização) – acerca de todos os atos administrativos que envolvam gastos

públicos, assim como ações e serviços de interesse público ou coletivo (conteúdo), de forma

clara, transparente, objetiva e de fácil compreensão (usabilidade), implica não somente na

observância daqueles princípios administrativos, como também na possibilidade de exercício

do direito fundamental à informação.

2.5.1.3 A Escala Brasil Transparente da Controladoria-Geral da União

A terceira iniciativa que se mostrou relevante para pesquisa acerca da transparência

como corolário impositivo do controle da Administração Pública, especialmente do controle

social, vem sendo desenvolvido pela então Controladoria-Geral da União – atual Ministério

da Transparência Fiscalização e Controle. Trata-se da Escala Brasil Transparente – EBT,

criada para medir a transparência pública em estados e municípios brasileiros, estabelecendo o

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ranking de cumprimento da Lei de Acesso à Informação. A Escala Brasil Transparente teve

sua primeira edição realizada entre os meses de janeiro e maio de 2015 e a segunda edição

entre os meses de julho e outubro do mesmo ano.163

Para aqui se transportam os dados da última edição da avaliação, o que possibilita

uma análise mais atualizada do panorama da transparência pública no Brasil.

Figura 8.

Fonte: relatorios.cgu.gov.br/Visualizador.aspx?id_relatorio=9

Figura 9.

Fonte: relatorios.cgu.gov.br/Visualizador.aspx?id_relatorio=10

163 Disponível em http://www.cgu.gov.br/assuntos/transparência-publica/escala-brasil-transparente/amostragem e http://www.relatorios.cgu.gov.br/Visualizador.aspx?id_relatorio=9. Acessos em 30.05.2016.

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Os dados revelam que o Brasil – em que pesem os dezesseis anos de vigência da

LRF, somados aos quatro da Lei de Acesso à Informação, ainda caminha a passos lentos no

que tange à transparência pública. Consequentemente, as possibilidades de exercício da

accountability e do controle social da Administração Pública tornam-se precárias,

comprometendo, assim, o desenvolvimento da democracia participativa. Conforme assinalado

linhas atrás, esses dados culminam por atestar o baixo nível de amadurecimento da sociedade

brasileira e suas instituições públicas, cunhadas para assegurar a democracia e a efetivação da

cidadania no País, mas que, entretanto, não vêm desempenhando o seu papel a contento.

É de se questionar a eficiência do Programa de Modernização do Sistema de

Controle Externo dos Estados e Municípios Brasileiros (PROMOEX), cujo objetivo geral

consistiu na promoção do fortalecimento do Sistema de Controle Externo Brasileiro como

instrumento da cidadania, incluindo a intensificação das relações inter-governamentais e inter-

institucionais, com vistas ao cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), e que

custou aos erário da União – somente na parte que coube ao empréstimo contraído junto ao

BID –, a importância de U$ 64,4 milhões, em valores da época, conforme descrito no

subtítulo 2.3.1.

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3. ESTUDO DE CASOS: AS CONTRIBUIÇÕES DAS ORGANIZAÇÕES

OBSERVATÓRIO SOCIAL DO BRASIL - OSB E AMIGOS ASSOCI ADOS DE

RIBEIRÃO BONITO PARA A EFICIÊNCIA, MORALIZAÇÃO E CO NTROLE

SOCIAL DA GESTÃO PÚBLICA.

3.1 A metodologia do Estudo de Casos.

Elegeu-se para o Estudo de Casos no presente trabalho de pesquisa, conforme

assinalado inicialmente, duas organizações da sociedade civil que, atualmente, constituem-se

em duas redes de controle social, a saber, a rede Observatório Social do Brasil – OSB e a rede

Amigos Associados de Ribeirão Bonito – AMARRIBO, pela observada atuação que tais

organizações, a partir de métodos e estratégias próprios, vêm desenvolvendo no âmbito do

que se denomina controle social no Brasil, agregando, cada uma delas, um significativo

número de entidades afiliadas e identificadas por um mesmo propósito de exercer, nos

municípios onde estão sediadas, práticas de controle da gestão pública; o que possibilita uma

base mais abrangente para estudo e, portanto, uma visão mais global dos problemas da

pesquisa. Buscou-se observar no estudo o grau de amadurecimento das ações desenvolvidas

pelas organizações, frente aos objetivos que se propõem a alcançar, bem como o modo pelo

qual essas ações são planejadas e qual o principal alvo das mesmas no universo das

competências da Administração Pública, extraindo de tais experiências possíveis respostas

para os problemas da pesquisa, e esperando, assim, contribuir para o estímulo e o

aperfeiçoamento dos modi operandi do controle social. Em outras palavras, cuidou-se de

observar os modi operandi de atuação dessas organizações e as competências mais visadas da

Administração Pública por suas iniciativas, em face dos interesses públicos envolvidos, aqui

considerados como aqueles voltados à efetivação de direitos fundamentais de dimensão

individual e social, que, em outras palavras, podem ser tomados como indicadores sociais de

resultados das iniciativas das organizações estudadas; como também da intensidade com que a

sociedade se propõe a ocupar os espaços institucionalizados e, por vezes, extra-

institucionalizados,164 de participação cidadã nas ações, programas e decisões de competência

do Estado, voltadas para a satisfação dos interesses da coletividade.

164 Expressão utilizada por Boaventura de Souza Santos em entrevista concedida à Revista e, uma publicação do Sesc São Paulo, em edição de janeiro de 2016, nº 7, ano 22, p. 14.

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A escolha pela realização da pesquisa através do método do estudo de caso no

presente trabalho justificou-se em razão das principais questões levantadas e que

impulsionaram a pesquisa e, especialmente, pela contemporaneidade do fenômeno estudado.

Optou-se, então, pela pesquisa sob a forma de um estudo de casos múltiplos,

citados anteriormente, o qual objetivou a análise de fatos a partir de métodos compatíveis com

a área do conhecimento das Ciências Sociais Aplicadas. Assim, foram os casos investigados

por meio de uma análise qualitativa de caráter descritivo e explicativo, de ações

desenvolvidas por organizações não governamentais, cujos objetivos estão voltados ao

exercício do controle social da Administração Pública, através de ações estratégias previstas

em seus respectivos estatutos e consoantes com o ambiente social e institucional específicos

do âmbito de atuação dessas entidades.

Como principais técnicas para a coleta das evidências do estudo dos casos

selecionados estiveram o recurso a múltiplas fontes, a saber, documentais, entrevistas e

observações diretas, auxiliadas pela análise de conteúdos previamente levantados junto aos

sites institucionais, bem como a registros em arquivos relevantes que foram coletados nos

respectivos trabalhos de campo, buscando-se, com isso, uma maior convergência das

evidências.

As entrevistas realizadas, por sua vez, foram do tipo semi-estruturadas,

predominantemente prolongadas e individuais, pessoais e em profundidade, seguindo um

roteiro perspectivo aberto, porém, focado, e, por vezes, informal, dentro da linha de

investigação definida no protocolo de estudo de caso adiante abordado. Eventualmente,

entretanto, optou-se por entrevista grupal, em virtude do fator disponibilidade de tempo dos

informantes em ocasiões da realização do trabalho de campo, o que, todavia, não foi capaz de

comprometer a autenticidade das informações colhidas de per si. As observações, por sua vez,

deram-se individual e diretamente pela autora do trabalho de pesquisa, e seguiram a

modalidade sistemática, voltando-se, prioritariamente, para o comportamento dos fenômenos

e dos fatos em pesquisa165 em seu tempo real. As análises de documentos ocorreram mediante

consulta a documentos e registros em arquivos disponibilizados nos sítios eletrônicos das

organizações selecionadas, suas próprias publicações e materiais publicados em jornais e

165 MARTINS, Gilberto de Andrade. Estudo de Caso: uma estratégia de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2008, p.13.

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revistas, bem como, mediante consentimento da organização, documentos institucionais e

administrativos.

Ainda a respeito das entrevistas, cumpre que se registre que os atores

entrevistados foram escolhidos a partir da relevância dos papéis desempenhados pelos

mesmos nas organizações. Assim, priorizou-se a coleta de dados por meio de entrevistas a

diretores, membros de conselhos das organizações e colaboradores que desempenham

importantes papéis no planejamento e na execução das suas atividades finalísticas.

Seguindo referencial metodológico-científico aplicável ao estudo de caso,

enquanto modalidade de pesquisa,166 e para buscar assegurar a confiabilidade do estudo, antes

de se dar início à coleta de dados, cuidou-se de elaborar o Protocolo do Estudo de Casos

(Apêndice I), o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice II) e o Roteiro para

as Entrevistas (Apêndice III); sendo encaminhada, preliminarmente, a cada entidade e

respectivos atores entrevistados uma cópia do Protocolo de Estudo de Casos e do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido.167

Uma observação particular cabe aqui em relação ao documento consubstanciado

pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Considerando a inexistência, no Brasil, de

regulamentação específica para as pesquisas nas áreas de Ciências Humanas e Sociais, nos

moldes como é estabelecido pela Resolução 466, de 12 de dezembro de 2012, pelo Conselho

Nacional de Saúde, para fins de pesquisas científicas envolvendo seres humanos, cuidou-se

aqui de elaborar um documento que contivesse, nos seus termos explícitos e implícitos, e por

analogia, todos os princípios norteadores dos fins que justificaram a edição dessa resolução,

em especial a dignidade da pessoa humana, a ética, a confiabilidade e a confidencialidade.168

166 GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2010, pp. 117 et seq; YIN, Robert K. Estudo de Caso: planejamento e métodos. 4ªed. Porto Alegre: Bookman, 2010, pp 106-107; YIN, Robert K. Case Study Research: design and methods. Trad. Ricardo Lopes Pinto. Adap. Gilberto de Andrade Martins. Disponível em http://www.focca.com.br/cac/textocac/Estudo_Caso.htm. Acesso em 05.08.2015; DEUS, Adélia Meireles de et al. Estudo de Caso da Pesquisa em Educação: uma metodologia. Disponível em http://www.ufpi.br/subsiteFiles/ppged/arquivos/files/VI.encontro.2010/GT.1/GT_01_14.pdf.. Acesso em 05.08.2015; CESAR, Ana Maria Roux Valentin Coelho. Método do Estudo de Caso (Case Studies) ou Método do Caso (Teaching Cases)? Uma análise dos dois métodos no ensino e pesquisa em Administração. Disponível em http://www.mackenzie.br/filradmin/Graduacao/CCSA/remac/jul_dez_05/06.pdf. Acesso em 05.08.2015. 167 Nos documentos que constituem os apêndices I, II e III, o trabalho de pesquisa é apresentado pela autora com título diverso. O título atribuído à dissertação condiz com as orientações recebidas quando da Banca de Qualificação e desenvolvimento subseqüente do relatório do estudo de casos. 168 Resolução 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Disponível em http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf. Acesso em 13.10.2015.

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A título de contribuição à pesquisa nas áreas de Ciências Humanas e Sociais,

importa que se registre que a própria Resolução 466/2012 prevê, em um de seus dispositivos

regulamentadores, que “as especificidades éticas das pesquisas nas ciências sociais e humanas

e de outras que se utilizam de metodologias próprias dessas áreas serão contempladas em

resolução complementar, dadas suas particularidades”.169 Isso levou o Conselho Nacional de

Ética em Pesquisa a criar um Grupo de Trabalho encarregado de elaborar uma proposta de

resolução específica para a ética em pesquisa nas ciências humanas e sociais desde o mês de

agosto de 2013, cujos trabalhos ainda não foram finalizados, encontrando-se em fase de

consulta pública.170

Levantou-se também, em meio à pesquisa desenvolvida acerca do tema do

trabalho e de práticas afins, as que foram objeto do presente estudo de casos e referenciais

teóricos considerados, relevantes contribuições de pesquisadores acadêmicos, cujos resultados

encontrados serão oportunamente comentados no presente relato, como fontes adicionais de

evidência do fenômeno estudado, a fim de confrontá-las com as evidências principais

levantadas através das análises de documentos, das entrevistas e das observações conduzidas

diretamente pela autora desta pesquisa.171

Importa ainda assinalar que o fato de se apresentarem o Observatório Social do

Brasil (OSB) e a Amigos Associados de Ribeirão Bonito (AMARRIBO) com uma

configuração de rede de organizações sob coordenação de cada uma das entidades, o

aprofundamento do estudo dos modi operandi dessas entidades impôs que se ampliasse a 169 Res. 466/2012, do CNS, XIII.3. Disponível em http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf. Acesso em 13.10.2015. 170 Informações disponíveis no portal http://www.conselho.saude.gov.br/Web_comissões/conep/index.html. Acesso em 13.10.2015. 171 Tratam-se dos seguintes trabalhos: MAGALHÃES, Guilherme Souza. A Experiência do Observatório Social de Niterói no período de 2009 a 2012. Disponível em http://novo.osbrasil.org.br/wp- content/uploads/2014/12/Monografia_Experiencia_OSNiteroi48764.pdf. Acesso em 18.02.2015; SILVA, Pedro Gabril Kenne da. Controle Social da Gestão Pública. Análise das práticas em dois municípios do Rio Grande do Sul. Disponível em http://tede.pucrs.br/tde_arquivos/6/TDE-2010-05-03T181910Z-2514/Publico/422983.pdf. Acesso em 29.03.2015; SACRAMENTO, Ana Rita Silva. Accountability no Brasil: um estudo sobre o papel de organizações da sociedade civil para combater e controlar a corrupção. Disponível em www.adm.ufba.br_sites_default_files_publicacao_arquivo_ana_rita_silva_sacramento.pdf. Acesso em 10.04.2015; SIMÕES, Rafael Cláudio. O papel da sociedade civil organizada no combate à corrupção: o caso da Organização Não Governamental (ONG) Amigos Associados de Ribeirão Bonito (AMARRIBO) (1999-2010). Disponível em http://portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_7553_dissertacao_completa_final%20%283%29.pdf. Acesso em 15.10.2015; SERRA, Rita de Cássia Chio. Dos laços de conexão do controle social com o sistema de controle da Administração Pública: avanços e desafios após a Constituição Federal de 1988. Disponível em http://www.bibliotecadigital.mg.gov.br/consulta/consultaDetalheDocumento.php?iCodDocumento=57223. Acesso em 23.10.2015.

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pesquisa para alcançar duas outras organizações – o Observatório Social de São José dos

Campos (OSSJC), do mesmo município do Estado de São Paulo e a Amigos Associados de

Analândia (AMASA), sediada no município de igual nome, também do Estado de São Paulo -

filiadas, respectivamente, ao OSB e à AMARRIBO.

O relato do estudo dos casos iniciar-se-á pela apresentação e breve histórico de

cada organização, privilegiando-se, em seu desenvolvimento, a descrição dos aspectos

institucionais que mais interessam aos objetivos e problemas da pesquisa, seguida dos dados

coletados nos trabalhos de campo.

3.2 O Observatório Social do Brasil – OSB: uma organização em defesa da gestão

pública responsável e da cidadania fiscal

3.2.1 O que vem a ser um observatório social?

Na própria definição do Observatório Social do Brasil - OSB, um observatório

social vem a ser:

Um espaço para o exercício da cidadania, que deve ser democrático e apartidário e reunir o maior número possível de entidades representativas da sociedade civil com o objetivo de contribuir para a melhoria da gestão pública”.172

Não se esquece a entidade de, ao propor uma definição para observatório social,

incluir os cidadãos, individualmente considerados, nesse contexto, como principais

protagonistas das suas iniciativas, ao destacar que “cada Observatório Social é integrado por

cidadãos brasileiros que transformaram o seu direito de indignar-se em atitude: em favor da

transparência e da qualidade na aplicação dos recursos públicos”.173

Com o propósito de enriquecer o presente relato, abre-se, assim, um parêntese

para uma breve abordagem acerca do conceito de observatório social, no contexto a partir do

qual vem sendo o mesmo empregado não apenas aqui no Brasil, mas também em território e

idioma alienígena.

172 OSBrasil. Disponível em <osbrasil.org.br/o-que-e-um-observatorio-social-os/> Acesso em 05.11.2015. 173 Id., Ibid.

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Curiosamente, ao se pesquisar em importantes dicionários da língua portuguesa o

significado da palavra observatório depara-se com definições que a vinculam,

predominantemente, ao lugar físico ou instituição onde se realizam observações astronômicas

e meteorológicas, sugerindo que a Física houvera se apropriado primeiramente da

expressão.174

Entretanto, uma busca avançada na web conduz o pesquisador a uma gama de

endereços eletrônicos que, superando em números os resultados que correlacionam a palavra

observatório ao universo da Física, vinculam a expressão a instituições públicas e privadas

que desenvolvem ações, especialmente, de acompanhamento, fiscalização, controle, suporte,

desenvolvimento e difusão de práticas voltadas para o alcance de interesses coletivos ou de

categorias sociais específicas, a exemplo das práticas organizacionais de que se ocupa o

presente trabalho de pesquisa. É o caso do Observatório Social de Educação do Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP175, do Observatório da

Lei Geral da Micro e Pequena Empresa176, do Observatório Brasil de Igualdade de Gênero177,

do Instituto Observatório Social178 e do Observatório de Segurança Pública da UNESP179,

dentre outros tantos.

O Observatório de Educação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira – INEP – uma autarquia federal vinculada ao Ministério da

Educação (MEC) -, por exemplo, consiste em um programa de fomento desenvolvido pelo

INEP em parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -

CAPES, que visa ao desenvolvimento de estudos e pesquisas na área de educação,

contribuindo para a criação, o fortalecimento e a ampliação de programas de Pós-Graduação

strictu sensu predominantemente na área da educação e a partir dos dados estatísticos

educacionais produzidos pelo INEP.180

174 MICHAELIS, Dicionário de Português Online. Disponível em www.meusdicionarios.com.br Acesso em 05.11.2015; HOUAISS, Instituto Antônio. Mini Houaiss – Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010 175 Conf. < http://portal.inep.gov.br/web/observatorio-da-educacao/o-que-e.> Acesso em 05.11.2015. 176 Conf. <http://www.leigeral.com.br/portal/main.jsp?lumPageId=FF808181270AF73D01270B564E140FC3.> Acesso em 05.11.2015. 177 Conf. < http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/quem-somos.> Acesso em 05.11.2015. 178 Conf. < http://www.observatoriosocial.org.br/.> Acesso em 05.11.2015. 179 Conf. < http://observatoriodeseguranca.org/quemsomos.> Acesso em 05.11.2015. 180 Disponível em < http://portal.inep.gov.br/web/observatorio-da-educacao/o-que-e. > Acesso em 07.11.2015.

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Já o Observatório da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa se constitui em um

portal desenvolvido e mantido através de parceria entre o Serviço Brasileiro de Apoio às

Micro e Pequenas Indústrias - SEBRAE e a Confederação Nacional da Indústria - CNI, que

possibilita o monitoramento, a avaliação e o subsídio à implementação da Lei Geral das

Microempresas e Empresas de Pequeno Porte na União, nos Estados e nos Municípios

brasileiros. Objetiva, ainda, o monitoramento de outras políticas públicas relacionadas às

micro e pequenas empresas, dentre outros assuntos de interesse desse setor da economia

nacional.181

Por sua vez, o Observatório Brasil de Igualdade de Gênero, uma iniciativa da

Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República – SPM/PR em parceria

com instituições públicas outras e privadas, foi desenvolvido para disseminar informações

acerca das desigualdades de gênero e direitos das mulheres, com vistas a subsidiar a

formulação, implementação e avaliação de políticas públicas de gênero; a fortalecer e

estimular a participação social; e, a dar visibilidade às políticas públicas e ações que o Estado

brasileiro realiza e participa nacional e internacionalmente.182

O Instituto Observatório Social, nascido de uma iniciativa do movimento sindical,

define-se como uma organização sem fins lucrativos que tem como objetivo a geração de

conhecimento, para o mundo sindical e o mundo do trabalho,183 propondo-se a atuar a partir

de frentes de monitoramento de multinacionais, indicadores de trabalho descente, formação e

apoio de redes sociais, apoio ao movimento sindical, formação e capacitação de líderes

sindicais, erradicação do trabalho escravo, comunicação e projetos editoriais e jornalismo

investigativo.184

Finalmente, o portal Observatório de Segurança Pública da UNESP – OSP, que

foi desenvolvido no ambiente institucional de Pesquisa da Universidade Estadual Paulista -

UNESP e é mantido com recursos da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São

Paulo – FAPESP, da Fundação para o Desenvolvimento da UNESP, do Conselho Nacional de

181 Disponível em <http://www.leigeral.com.br/portal/main.jsp?lumPageId=FF808181270AF73D01270B564E140FC3. > Acesso em 07.11.2015. 182 Disponível em < www.observatoriodegenero.gov.br/menu/quem-somos/missao-e-objetivos-1. > Acesso em 07.11.2015. 183 Disponível em < www.observatoriosocial.org.br/?q=institucional/quemsomos. > Acesso em 07.11.2015. 184 Disponível em < www.observatoriosocial.org.br/?q=frentes. > Acesso em 07.11.2015.

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Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e da Comissão Permanente de Pesquisa

da UNESP -, trata-se de um portal eletrônico que busca facilitar o acesso a informações sobre

Segurança Pública no Estado de São Paulo, com ênfase em boas práticas185. Dentre as

iniciativas estratégicas, o OSP documenta, acompanha e avalia as políticas de segurança

pública, destacando as principais iniciativas; bem como informações sobre criminalidade,

polícia e justiça criminal, disponibilizando-as à sociedade.186

E, para fins predominantemente comerciais, há, até mesmo, o Observatório

Cristão, um blog dedicado ao público evangélico-cristão, que se dedica à consultoria e à

difusão de diversos temas de interesse, dentro desse universo de pessoas no Brasil, em

especial, do mercado gospel.

No além-fronteiras, também é possível encontrar instituições que desenvolvem

projetos sob um formato que vem se denominando de observatório social, a exemplo do

Observatório Social do Alentejo – OSA, instituído através de projeto da Fundação Eugênio de

Almeida, com sede em Portugal. Essa fundação desenvolve, desde o ano de 2004, ações

voltadas à qualificação do terceiro setor, promovendo estudos com enfoque especial na região

do Alentejo; ações de reflexão, formação e qualificação, dirigidas a organizações e agentes do

terceiro setor, e à comunidade em geral; bem como a promoção do conhecimento e do

trabalho em rede.187

Ainda no continente europeu, é possível encontrar o European Social Observatory

- OSE, com sede em Bruxelas, na Bélgica, um centro de pesquisa, estudos e outras atividades

no campo das políticas sociais e de emprego na Europa, que reúne pesquisadores, acadêmicos

e especialistas em temas relacionados a essas políticas, com ênfase na União Europeia. O

OSE analisa o impacto das políticas Européias na esfera social nacional e em nível europeu,

formulando propostas, conduzindo pesquisas e produzindo ferramentas de aprendizagem e

apoio para reflexão na dimensão social da União Europeia.188

185 Disponível em < www.observatoriodeseguranca.org/quemsomos. > Acesso em 08.11.2015. 186 Id.,Ibid. 187 Disponível em < www.fundacaoeugeniodealmeida.pt/qts/observatorio-social-do-alentejo/290.htm. > Acesso em 08.11.2015. 188 Disponível em < www.ose.be> Tradução nossa. Acesso em 10.11.2015.

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E, mais precisamente na cidade de Barcelona, capital da comunidade autônoma da

Catalunha, na Espanha, encontra-se uma rede também formada por acadêmicos e

investigadores de diversas universidades e centros de pesquisa da Espanha, especializados no

estudo das diversas áreas do Estado de Bem Estar Social, a saber, seguridade social, mercado

de trabalho, educação, saúde, políticas públicas de apoio à família, exclusão social,

desigualdades fiscais e de renda. Trata-se do Observatório Social de España189, que tem como

principal finalidade a documentação e análise das intervenções públicas que, em matéria de

bem estar social e qualidade de vida, são desenvolvidas nos níveis do governo nacional,

autônomo e local. E, dentre os objetivos do Observatório Social de España, estão a geração

de informação e o debate público em torno das políticas sociais, da qualidade de vida e do

bem estar social da população, bem como a proposição de intervenções visando a melhoria da

qualidade de vida e da cidadania.190

O Observatório de los Derechos de la Niñez y la Adolescência191, no Equador e A

Associação Civil Observatório Social192, na Argentina, são outros exemplos que se pode citar

de entidades da sociedade civil que promovem iniciativas comuns a instituições que se

autodenominam observatórios sociais.

No sítio eletrônico da Federação das Indústrias do Estado do Paraná – que

também desenvolve projetos por meio de observatórios - encontra-se um conceito para a

expressão que muito bem sintetiza as práticas institucionais objeto do presente trabalho de

pesquisa. Para essa organização, um observatório é:

[...] um dispositivo de observação criado por organismos, para acompanhar a evolução de um fenômeno, de um domínio ou de um tema estratégico, no tempo e no espaço. Na origem de um observatório deve existir uma problemática que possa ser traduzida sob a forma de objetivos, que permitam definir indicadores, cujo cálculo necessita a integração de dados e permita a realização de sínteses.193

Vê-se, portanto, que, no contexto de ações e iniciativas que surgem e se

desenvolvem em um ambiente apto para estudo pelo campo das ciências humanas - como é o

189 Disponível em < www.ose.be/EN/team.htm.> Acesso em 10.11.2015. 190 Disponível em < www.observatoriosocial.org/ose/pObservatorio.html. > Acesso em 08.11.2015. 191 Disponível em < www.odna.org.ec. > Acesso em 08.11.2015. 192 Disponível em < www.observatoriosocial.com.ar/es/observatorio/quienes-somos.> Acesso em 08.11.2015 193 Disponível em < http://www.fiepr.org.br/observatorios/FreeComponent2272content11361.shtml.> Acesso em 06.11.2015.

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caso das práticas desenvolvidas pelas entidades públicas e privadas aqui referenciadas e

congêneres -, algumas se realizam como um fim em si mesmo, outras, por sua vez, como uma

ferramenta para o alcance de finalidades estatuídas.

A pesquisa não revelou a existência de fonte mais específica sobre o tema, além

das aqui sintetizadas, o que permite que se escolha, com base nas fontes levantadas, aquele

conceito que mais se aproxima do tema da pesquisa, no caso, as práticas de observação,

acompanhamento, fiscalização, controle e participação da sociedade – através de seus

diversos segmentos -, na gestão de recursos públicos, nas políticas públicas e na promoção da

cidadania e suas correspondentes ações estratégicas. Assim, as entidades da sociedade civil194

que se organizam sob a forma de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, e

que elegem, dentre os seus principais objetivos práticas e iniciativas estratégicas afins às aqui

destacadas podem ser definidas como observatórios sociais, como, inclusive, as mesmas se

autodefinem.

Entretanto, a pesquisa revelou – e adiante compreender-se-á o porquê - que as

frentes, estratégias e ferramentas de atuação escolhidas pelo Observatório Social do Brasil

para levar adiante as suas finalidades e objetivos permitem aos seus associados/franqueados e

voluntários uma postura singularmente pró-ativa em face das condutas das Administrações

Públicas locais, principal foco da atenção dos observatórios sociais que integram a Rede OSB.

O propósito de se trazer para o âmbito da presente discussão o conceito do que - e

do porquê - vem sendo denominado de observatório é o de ressaltar a expansão e o destaque

que a atuação de práticas organizacionais de cunho social, que tomam de empréstimo à Física

o vocábulo para se autodefinirem, vêm obtendo na comunidade global.

Ao público o Observatório Social do Brasil se apresenta como uma organização

não governamental que tem como princípio a justiça social, fundada na responsabilidade

fiscal de agentes públicos e privados; por missão, o despertar do espírito de cidadania fiscal

na sociedade, tornando-a proativa e vigilante nos interesses da comunidade; e, por visão, a

contribuição para a conscientização das comunidades quanto aos direitos e deveres de

194 Conferir Capítulo 1, onde é trazido para o contexto do trabalho uma abordagem conceitual de sociedade civil e o seu significado para a presente pesquisa.

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contribuintes e de cidadãos que as integram195. Os objetivos e diretrizes institucionais eleitos

no estatuto da organização irão refletir esses ideários (grifo nosso).

3.2.2 Apresentação e breve histórico do Observatório Social do Brasil: a origem como

associação civil e a inovação como franquia social.

Trata-se o Observatório Social do Brasil (OSB) de uma pessoa jurídica de direito

privado, constituída como associação, a qual coordena uma rede de Observatórios Sociais

(OS) presentes em mais de 100 cidades de 18 Estados da Federação Brasileira, mediante a

disseminação de uma metodologia padronizada para a consecução dos fins da organização,

que compreende tanto o modelo jurídico de constituição dos observatórios sociais locais,

quanto os procedimentos de fiscalização e controle social dos recursos públicos e ferramentas

para educação fiscal.

O Observatório Social do Brasil, que se constitui hoje como uma Organização da

Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), iniciou oficialmente suas atividades como uma

entidade de direito privado de fins não econômicos no município de Maringá, Estado do

Paraná, no ano de 2008, sob a denominação primeira de Instituto da Cidadania Fiscal – ICF.

Nos moldes desenhados pelo estatuto de fundação da entidade já objetivavam os seus

fundadores a constituição de uma rede nacional de ação de um movimento pela cidadania

fiscal196. Essa rede seria composta por unidades independentes de trabalho, organizadas sob a

denominação de Observatório Social – OS, com autonomia administrativa e financeira,

regimento interno e normas operacionais próprias e atuação nos municípios onde estivessem

sediadas, a qual obedeceria a padrões previamente estabelecidos em manual de práticas do

ICF.197

Dentre os objetivos do então ICF, merecem destaque neste relato: a) a atuação

como organismo de apoio à comunidade para pesquisa, análise e divulgação de informações

sobre o comportamento de entidades e órgãos públicos com relação à aplicação dos recursos,

ao comportamento ético dos funcionários e dirigentes, aos resultados e à qualidade dos

195 Observatório Social do Brasil. Disponível em < http://osbrasil.org.br/o-que-e-o-observatorio-social-do-brasil-osb/>. Acesso em 04.11.2015. 196 Estatuto Social do Instituto de Cidadania Fiscal e seu art. 2º. Disponível em <http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/06/ICF_Estatuto-Social.pdf.> Acesso em 28.10.2015. 197 Id., Ibid..

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serviços prestados; b) a congregação local de representantes da sociedade civil organizada,

executivos e profissionais liberais de todas as áreas, sem vinculação político-partidária, que se

dispunham a contribuir no processo de difusão do conceito de cidadania fiscal, servindo ao

próprio grupo profissional e à sociedade em geral; c) o exercício do direito de influenciar o

processo pelo qual se discute, delibera e implementa qualquer política que de alguma forma

afeta a comunidade ou o cidadão em sua vida profissional ou privada, conforme assegurado

no art. 1º da Constituição Federal; d) o incentivo e a promoção de projetos e eventos artísticos

e culturais possíveis de disseminar conhecimentos pertinentes e de contribuir para a criação da

cultura da cidadania fiscal e popularização das ferramentas de participação dos cidadãos na

avaliação e monitoramento da gestão dos recursos públicos; e) a contribuição para uma maior

transparência na gestão dos recursos públicos; f) o estímulo a participação da sociedade civil

organizada no processo de avaliação da gestão dos recursos públicos, visando defender e

reivindicar a austeridade na sua aplicação, dentro de princípios éticos, com vistas à paz e à

justiça social; e, g) a reversão do quadro de desconhecimento, por parte de indivíduos,

empresas e entidades, de mecanismos capazes de possibilitar o exercício da cidadania fiscal e

o controle da qualidade na aplicação dos recursos públicos.198

Em 4 de outubro de 2010, por meio da primeira alteração estatutária, o Instituto de

Cidadania Fiscal (ICF) passou a denominar-se Observatório Social do Brasil (OSB),

mantendo a sua sede no município de Maringá (PR). Nessa oportunidade foi destacada no

dispositivo que tratou das finalidades e objetivos da associação a priorização do

fortalecimento e ampliação da rede, ao estabelecer, o novo estatuto social, que o agora

Observatório Social do Brasil (OSB) “tem como finalidade a gestão, manutenção e ampliação

da Rede de Observatórios Sociais em todo o Brasil, visando o cumprimento da sua missão de

‘estimular as cidades a criarem o seu próprio Observatório Social dotando-as com

metodologia capaz de orientar o trabalho local de forma padronizada’ através de

certificação”.199

No tocante aos demais objetivos, foram preservados os anteriormente

estabelecidos no estatuto social originário da associação, dentre os quais foram destacados

anteriormente os de relação mais estreita com os objetivos da pesquisa.

198 Estatuto Social do ICF, art. 2º, itens I, II, III, V, VI, IX e XVII. Disponível em <http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/06/ICF_Estatuto-Social.pdf.> Acesso em 28.10.2015. 199 1ª Alteração ao Estatuto Social do ICF, art. 2º, caput. Disponível em <http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/06/OSB_Estatuto-Social-1ª-alteração.pdf. Acesso em 28.10.2015.

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Merece ser ressaltado também, como fruto da primeira alteração do estatuto social

do Instituto de Cidadania Fiscal (ICF), a reafirmação à vedação de ingerências político-

partidárias nas ações da associação. Isto porque, além de preservar a disposição estatutária

segundo a qual constituía um dos objetivos da associação, a congregação local de

representantes da sociedade civil organizada, executivos e profissionais liberais de todas as

áreas, sem vinculação político-partidária, que se disponham a contribuir no processo de

difusão do conceito de cidadania fiscal, servindo ao próprio grupo profissional e à sociedade

em geral, a referida alteração veio estabelecer – em capítulo dedicado a disciplinar as

categorias de associados, sua forma de ingresso e permanência na associação -, que o direito

de participar como associado do OSB seja concedido a “entidades de classe, organizações

sociais ou de representação comunitária, empresas e instituições públicas, através de cidadãos,

não filiados a partidos políticos, que as integrem e por elas nomeados e que venham a

contribuir para a consecução da missão do OSB”200 (grifo nosso).

Alterações na estrutura organizacional da associação também foram promovidas a

partir da primeira alteração estatutária, podendo-se registrar a criação da Diretoria Executiva,

dentre os órgãos executivos do OSB, ao lado do Conselho de Administração, dos

Departamentos e das conveniadas ou filiadas, já previstas desde o estatuto social de fundação.

Novamente o Observatório Social do Brasil manifesta a sua preocupação – subtende-se – com

eventuais influências e ou ingerências de ordem político-partidárias, proibindo,

expressamente, aos membros da estrutura organizacional da associação a filiação a partidos

políticos.201

Diversos dispositivos do estatuto social do Observatório Social do Brasil

evidenciam a sua proposta de se constituir numa rede de associações filiadas sob coordenação

e padronização únicas - embora disponham estas filiadas de autonomia administrativa e

financeira -, voltadas prioritariamente para o exercício e a disseminação da cultura da

cidadania fiscal e do controle social, com foco nos municípios brasileiros. Afirma essa

proposta a previsão, no estatuto social, de criação do órgão denominado Conselho da Rede de

Observatórios Sociais do OSB, o qual, entretanto não subsistiu a partir das alterações

200 1ª Alteração ao Estatuto Social do ICF, art. 2º, II e art. 4º, caput. Disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/06/OSB_Estatuto-Social-1ª-alteração.pdf.> Acesso em 28.10.2015. 201 1ª Alteração ao Estatuto Social do ICF, art. 26, parágrafo terceiro. Disponível em http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/06/OSB_Estatuto-Social-1ª-alteração.pdf. Acesso em 28.10.2015.

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seguintes.202

Uma segunda alteração no estatuto do Observatório Social do Brasil foi

promovida em 22 de novembro de 2011. Por força dessa alteração o parágrafo primeiro do art.

2º - que trata dos objetivos da associação - estabeleceu a possibilidade de atuação em todo o

território nacional, sob a forma de unidades independentes e autônomas administrativa e

financeiramente, como filiais e filiadas, e denominação de Observatórios Sociais Estaduais,

Municipais e Distrital, mediante certificação do OSB. Até então o estatuto falava em filiadas e

ou conveniadas, restringindo o seu campo de atuação aos municípios. Na seqüência também

foram acrescidos os parágrafos terceiro e quarto ao art. 2º, que dizem com as alterações aqui

referidas, permitindo a criação, mediante o consentimento dos OS Municipais de cada Estado,

dos Observatórios Sociais Estaduais e Distrital, que, além da função de coordenar os OS

Municipais respectivos, poderão auxiliar no controle social das contas do Governo do Estado

e da Assembléia Legislativa, nos termos dos estatutos sociais próprios e normas específicas

necessariamente alinhadas com as estratégias de atuação do OSB. A esses observatórios

estaduais, municipais e Distrital, inclusive, passa a ser facultada a participação, como

associado, do OSB.203 Acrescente-se que a segunda alteração do estatuto social do OSB abriu

um capítulo próprio no texto, dedicado a tratar dos Observatórios Sociais Estaduais e

Distrital, assim considerados como filiais do OSB, impondo aos mesmos o dever de respeitar

seu estatuto e demais normas regimentais, não obstante a autonomia administrativa e

econômica que lhes é conferida. De igual modo procedeu em relação às entidades

consideradas filiadas, assim chamadas de Observatórios Sociais Municipais, aos quais foi

atribuída a finalidade primordial, dentro dos objetivos do OSB, de atuar no controle social

sobre os recursos públicos na esfera municipal. Enfim, aos Observatórios Sociais Estaduais e

Distrital o OSB conferiu a condição de subordinadas suas e aos Observatórios Sociais

Municipais a de coordenadas, na ausência daqueles.204

Seguindo a linha apartidária a que se propôs desde a sua criação sob a

denominação de ICF, o OSB acrescenta disposições ao seu estatuto social que acentuam o

propósito associativo de atuar com isenção político-partidária, estabelecendo que:

202 Id., arts. 54 e segts. 203 2ª Alteração ao Estatuto do OSB, arts. 2º e 4º. Disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/06/OSB_Estatuto-Social-2ª-alteração.pdf.> Acesso em 31.10.2015. 204 Id., arts. 50 e segts.

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Pelo princípio da absoluta isenção político-partidária, é expressamente vedada a participação, independentemente da categoria de associado, contratados como funcionários, dirigentes ou voluntários que: a) Estejam filiadas a Partidos Políticos; b) Ocupem cargos ou funções em órgãos públicos objeto de controle social do sistema OSB; c) Tenham se desfiliado de Partido Político há menos de 6 (seis) meses.205

A partir da terceira alteração estatutária, editada em 22 de setembro de 2012206, o

OSB transferiu oficialmente a sua sede para a cidade de Curitiba, capital do Estado do

Paraná.207

Os principais objetivos e diretrizes da organização foram mantidos com a 3ª

alteração do Estatuto Social do OSB, em especial o estímulo à cultura da cidadania fiscal, da

transparência na gestão dos recursos públicos e na participação da sociedade civil organizada

no processo de avaliação da gestão desses recursos, visando à defesa da austeridade na sua

aplicação, dentro de princípios éticos; além da construção e manutenção de um quadro de

associados sem qualquer vinculação a partidos políticos.

Por fim, a quarta e última alteração por que passou o Estatuto Social do

Observatório Social do Brasil, desde a sua fundação até o momento atual, veio a ocorrer em

28 de março de 2015, oficializando-se por meio do competente Serviço de Registro de Títulos

e Documentos do município-sede da organização em 8 de maio do mesmo ano.

Particularmente a essa alteração, o informe da data da sua aprovação merece destaque

concomitante com a do seu registro e vigência, em virtude da circunstância de haver a mesma

sido aprovada em Assembléia Geral Extraordinária realizada por ocasião do 6º Encontro

Nacional de Observatórios Sociais – 6º ENOS, que teve lugar na cidade de Brasília, Capital

do Distrito Federal, no período de 26 a 28 de março de 2015. A propósito deste evento, a

autora da presente pesquisa teve no mesmo o seu primeiro contato direto com a organização

estudada, o que veio a se constituir em uma expressiva fonte de dados empíricos acerca das 205 Id., art. 5º, parágrafo único. 206 3ª Alteração do Estatuto do OSB. Disponível em <http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/06/0SB_Estatuto-Social-3ª-alteração.pdf. Acesso em 1º.11.2015. Nesta publicação o documento disponibilizado não traz referências quanto a data de registro da 3ª alteração do Estatuto Social do OSB, informando, apenas, a data da sua aprovação. 207 “O Observatório Social do Brasil – OSB é pessoa jurídica de direito privado, constituída em forma de associação, de fins não econômicos, com sede e foro na Cidade de Curitiba-PR, sito à Rua Heitor Stockler de França, 356, sala 304, Centro Cívico – CEP 80.030-030, regida [...]” 3ª Alteração do Estatuto do OSB, art. 1º. Disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/06/0SB_Estatuto-Social-3ª-alteração.pdf.> Acesso em 1º.11.2015.

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ações estratégicas e finalísticas da organização. Esses dados serão adiante descritos em

subtítulo específico.

Um dos pontos a se destacar na quarta alteração do estatuto social do

Observatório Social do Brasil é a autorização para a implantação de um processo de franquia

social na Rede OSB, assunto que também será abordado em subtítulo específico. Por meio da

previsão de um sistema de certificação de organizações que reproduzem nas suas áreas de

atuação as ferramentas de trabalho criadas e oferecidas pelo OSB, pretende a associação, a

partir dessa alteração estatutária, instituir um processo de filiação por meio de concessão de

franquia social para o cumprimento dos objetivos do OSB, de controle social, conforme

estabelecido em manual específico do Sistema de Franquia Social do OSB.208

Depreende-se da leitura do Estatuto Social do Observatório Social do Brasil que,

com as alterações aprovadas e introduzidas a partir da Assembléia Geral Extraordinária, as

competências dos órgãos que antes estavam previstas no Regimento Interno do OSB passaram

a integrar o Manual do Sistema de Franquia Social, juntamente com o Código de Conduta da

organização.209

A partir de diretrizes compatíveis com os seus objetivos, o OSB desenvolve um

Plano de Ação Anual, proposto pelo Conselho de Administração e referendado pelo Conselho

Superior, órgãos de caráter administrativo e deliberativo, respectivamente, da associação.

Sobre os recursos para manutenção da organização central e OSs locais e o

financiamento dos projetos e atividades finalísticas da Rede OSB - questão que geralmente

desperta interesse e elucubrações, seja por parte dos que aprovam iniciativas como as de que

se incumbe o OSB, seja por parte de quem as tomem como objeto de pesquisa – como aqui se

procede - ou seja, por parte daqueles que delas desconfiam ou, até mesmo, a elas são

indiferentes - a pesquisa levantou por meio dos dados fornecidos aberta e oficialmente em

sítio eletrônico da organização e colhidos nas entrevistas realizadas, que são originados de

208 4ª Alteração do Estatuto Social do Observatório Social do Brasil, art. 2º, incs. XV e XVI e §§ 1º, 2º e 3º. Disponível em <http://osbrasil.org.br/wp-conent/uploads/2015/06/OSB_Estatuto-Social-4ª-alteração.pdf.> Acesso em 1º.11.2015. 209 É o caso, v.g, da competência dos vice-presidentes do Conselho de Administração, conforme a nova disposição inserida no parágrafo primeiro do art. 40, bem como do parágrafo único do art. 85, do estatuto social do OSB. Disponível em <http://osbrasil.org.br/wp-conent/uploads/2015/06/OSB_Estatuto-Social-4ª-alteração.pdf. Acesso em 1º.11.2015.

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doações de pessoas físicas e jurídicas com e sem fins econômicos em sua maior parte;210 e

cada associação (OS) de determinada cidade – valendo-se das palavras de alguns

entrevistados211 - procura os seus próprios mantenedores e apoiadores. Dados levantados

ainda junto a entrevistados dão conta de que a organização angaria recursos mediante a

realização de bazares com mercadorias apreendidas que são doadas pela Receita Federal212 a

entidades sem fins lucrativos, assim como participando de editais para projetos financiados. A

própria sede do OSB, na cidade de Curitiba, Estado do Paraná, ocupa uma sala cedida

gratuitamente por uma das entidades mantenedoras. E algumas manifestações de

entrevistados-chave acerca da sustentabilidade econômica da organização merecem destaque

aqui porque revelaram a estreita conexão desse dado da pesquisa com os dados concernentes

às ações finalísticas da organização, enquanto um dos fatores internos de maior ou menor

alcance de resultados. Outro, do qual se tratará adiante, refere-se ao contingente e à

disponibilidade de voluntários das ONGs.

Tem sido uma questão muito difícil você entendeu, porque a percepção que a gente tem, o sentimento que a gente tem de que entidades que poderiam né ajudar na manutenção do Observatório não têm interesse,você entendeu? Claramente criam dificuldades, barreiras né [...] agora, nós tamos sabendo que o SindReceita vai nos ajudar com um valor pequeno, mas é alguma coisa.Tem sido difícil realmente, muito difícil né, porque a gente precisa, pra se organizar melhor, nós precisamos do recurso financeiro né. A gente precisa ter dentro da estrutura do Observatório né, uma pessoa, como se fosse um administrador do Observatório né [...] e infelizmente, a gente não tem isso por demanda de recurso né [...]. [...] A gente tem trabalhado, a gente tem tentado buscar ajuda aí, mas a gente percebe que... eu tava até conversando, agora a pouco, nós estávamos conversando alí fora sobre essa questão. Parece que tem cidades que as pessoas são... tão mais assim... tão mais abertas pra isso entendeu. Outras cidades mais fechadas né. São José dos Campos é uma cidade muito fechada, muito fechada entendeu [...]. É um desafio pra gente. Assim, alguma coisa acontece na cidade que a gente não consegue, é o sentimento meu, pra expor aqui, parece que é assim: parece que tem muitas entidades na cidade, muitas pessoas na cidade que não gostariam de ter um Observatório Social na cidade [...].213 Então, algumas coisas nos surpreendem, por exemplo, a ACI – Associação Comercial e Industrial da cidade não participa e não é comum isso porque,

210 Disponível na página principal do sítio < http://osbrasil.org.br.> Acesso em 09.11.2015. 211 Dos nove voluntários do OSB e do OSBSJC-SP entrevistados, quatro foram explícitos ao informar as fontes e estratégias para financiamento das ações da associação, afirmando o quanto aqui está relatado. 212 Dados repassados pela Rede OSB informam que no dia 3 de outubro de 2015 a organização arrecadou R$ 47.000,00 em um bazar beneficente, valores estes para serem empregados em projetos de educação fiscal realizados pela rede. Disponível também em < http://osbrasil.org.br/bazar-realizado-pelo-osb-garante-recursos-para-os-projetos-de-controle-social-e-educacao-fiscal/.> Acesso em 25.11.2015. 213 Trecho da entrevista com o informante-chave N do OSSJC.

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em muitos Observatórios, a Associação Comercial Industrial participa e tem interesse em ter um Observatório na cidade. Então isso nos surpreende [...].214 Cada observatório municipal procura na sua cidade, mantenedores né, que são empresas, pessoas físicas. Aqui no Observatório do Brasil é a mesma coisa. Então, nós procuramos mantenedores que, hoje por estarmos no Paraná, são, essencialmente, federações aqui do Estado [...]. Hoje nós temos cinco ou seis que dá esse suporte financeiro, além da cessão de sala, estrutura pro trabalho e, alguns editais, nós sempre nos candidatamos.215 A gente procura utilizar a mídia, os canais de televisão, o rádio. De vez em quando a gente vai nas emissoras de rádio pra falar do Observatório Social. No jornal, nós publicamos artigos... publicamos um artigo mês passado...mês retrasado, abril. Aqui no jornal de São José dos Campos, enfim, a gente procura todos esses meios de comunicação. E a gente procura também, trazer patrocinadores, que são as empresas, as sociedades, as associações pra aderirem como mantenedores do Observatório Social, que a gente precisa porque o Observatório vive de doações. [...] são as entidades mantenedoras do Observatório Social do Brasil, SICOOB que é um, na verdade é um banco né...é uma Rede de Cooperativas, um banco cooperativo, Federação das Indústrias do Estado do Paraná, a Federação do Comércio e Indústria do Paraná, sistema OCEPAR, a Federação do Comércio do Paraná, SESC, SENAC e o Instituto PROE. [...] [...] Então, um dos grandes problemas do Observatório é a manutenção dos Observatórios, porque é muito difícil os Observatórios conseguirem atingir uma certa sustentabilidade. O grande problema dos observatórios é a sustentabilidade. É o financiamento. [...] todos eles vivem de doações e, não é fácil conseguir doação para manutenção dos Observatórios [...].216

Um dado acerca da colaboração mantenedora em favor da Rede OSB, que chamou

a atenção na pesquisa, diz respeito ao comportamento de empresas que, não obstante se

disporem a colaborar com a manutenção dos OS, preferem o anonimato, por diversas razões,

dado que também foi levantado junto a atores-chave da Rede AMARRIBO, de que se falará

mais adiante. Veja-se:

Mas assim, outros que procuram não se envolver, a gente até tem, por exemplo, nos municípios, pessoas ou empresas que até dão dinheiro pro Observatório, mas pedem pra ficar em sigilo, com medo de retaliação. Então, se a prefeitura sabe que eu to apoiando o Observatório, eles vão cortar meu

214 Trecho da entrevista com o informante-chave A do OSSJC. 215 Trecho da entrevista com o informante-chave L do OSB, o qual, quando perguntado, inclusive, se os mantenedores da Rede também se envolviam com os trabalhos do OSB, respondera que alguns se envolvem mais de perto, tendo alguns de seus colaboradores participando como voluntários no trabalho do OSB. Outros mantenedores, por sua vez, afirma o entrevistado-chave, acompanham e incentivam um pouquinho mais de longe. 216 Trechos da entrevista com o informante-chave P do OSSJC.

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alvará, vai ficar em cima de mim com fiscalização, então, eu apoio mas eu prefiro ficar longe. Então, essa é a causa que a gente tem o problema.217

Dados de 2015, levantados junto ao sítio eletrônico oficial do Observatório Social

do Brasil – OSB informam que a Rede atualmente está presente em mais de 100 municípios

brasileiros, em 18 Estados da Federação Brasileira e no Distrito Federal, assim distribuída:

um no Distrito Federal; quatro no estado do Pará, nos municípios de Belém, Abaetetuba,

Capanema e Castanhal; dois no estado de Rondônia, nos município de Porto Velho e Rolim

de Moura; quatro no estado do Mato Grosso, nos municípios de Cuiabá, Cáceres,

Rondonópolis e Sorriso; dois no estado do Mato Grosso do Sul, um dos quais no município de

Campo Grande e o outro em Dourados; um no estado do Tocantins, no município de Palmas;

um na cidade de Goiânia, Capital do Estado de Goiás; um no município de Natal, capital do

estado do Rio Grande do Norte; um no estado do Piauí, no município de Picos; um no

município de Cabedelo, estado da Paraíba, um no município de Caruaru, estado de

Pernambuco, cinco no estado da Bahia, nos municípios de Ilhéus, Jequié, Porto Seguro, Santo

Antônio de Jesus e Sapeaçu, dois no estado de Minas Gerais, sendo um no município de

Piumhi e outro em Uberlândia, três no estado do Rio de Janeiro, nos municípios de Niterói,

Nova Friburgo e Teresópolis; um no município de Aracaju, estado de Sergipe; seis no estado

do Rio Grande do Sul, nos municípios de Erechim, Cruz Alta, Lageado, Pelotas, Santa Maria

e a capital Porto Alegre. Nos estados do Paraná – berço da Rede OSB -, São Paulo e Santa

Catarina concentram-se o maior número de Observatórios Sociais, assim distribuídos no

momento: no primeiro, nos municípios de Apucarana, Arapongas, Assis Chateaubriand,

Cambé, Campo Largo, Campo Mourão, Campos Gerais/Palmeiras, Cascavel, Castro,

Cianorte, Colorado, Curitiba – capital do Estado -, Faxinal, Foz do Iguaçu, Francisco Beltrão,

Goioerê, Guarapuava, Ivaiporã, Irati, Laranjeiras do Sul, Londrina, Marechal Cândido

Rondon, Mandaguari, Medianeira, Palmas, Palmital, Paranavaí, Paranaguá, Pato Branco,

Pitanga, São José dos Pinhais, Toledo, Umuarama e União da Vitória; no segundo,

beneficiam-se de OS os municípios de Bauru, Ilhabela, Ilha Solteira, Itu, Jundiaí, Mococa,

Ribeirão Preto, São Caetano do Sul, São José dos Campos, São José do Rio Preto, São

Sebastião, Sorocaba, Suzano, Taubaté e, mais recentemente, o município de São Paulo, cuja

assembléia de constituição foi realizada no último dia 3 de março218; e, o terceiro, que conta

com OS nos municípios de Balneário Camboriú, Blumenau, Brusque, Caçador, Canoinhas,

217 Trecho da entrevista com o informante-chave L da Rede OSB. 218 Dado disponível em http://osbrasil.org.br/sao-paulo-tem-o-mais-novo-observatorio-social-integrando-a-rede-osb/. Acesso em 22.04.2016.

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Criciúma, a capital Florianópolis, Imbituba, Indaial, Itajaí, Itapema, Lages, Navegantes, Rio

do Sul, São Bento do Sul, São Joaquim, São José e Tubarão.219

3.2.3 A franquia social OSB: um desafio à frente da organização.

Outras alterações no estatuto social do OSB, instituídas por força da adoção de um

sistema de Franquia Social pela organização, serão agora descritas, levando-se em

consideração as particularidades do processo, do seu perfil inovador e, em especial, da sua

implantação.

Conforme foi adiantado, o Sistema de Franquia Social da Rede OSB foi

apresentado no dia 24 de março de 2014, por ocasião da realização do 6º ENOS em Brasília-

DF, e as alterações estatutárias essenciais à sua implantação foram submetidas a discussão e

aprovação, em assembléia geral extraordinária da Rede OSB, prevista na pauta do evento, e

registradas no competente Serviço de Registro de Títulos e Documentos, no dia 8 de maio de

2015.

As alterações porque passou o Estatuto Social do OSB, a fim de recepcionar e

viabilizar a pretendida implantação do Sistema de Franquia Social da Rede OSB, portanto,

são identificadas ao longo do seu texto, em momentos diversos, a saber: (i) ab initio, passa a

estabelecer, como um dos seus objetivos, a implantação do processo de filiação e franquia

social das organizações que formarão a rede de ação do movimento nacional pela cidadania

fiscal e controle social, como também a instituição de um sistema de certificação das

organizações que reproduzem, nas suas localidades, as ferramentas de trabalho criadas e

oferecidas pelo OSB, em regime de concessão e de Franquia Social, para o cumprimento dos

objetivos da Rede OSB de Controle Social, conforme estabelecido nos Manuais do Sistema de

Franquia Social220; (ii) ao prever a possibilidade de expansão da rede por todo o território

nacional, através de unidades denominadas filiais e filiadas/franqueadas, que receberão

certificação conforme Sistema de Franquia Social, “organizado de acordo com a Lei 8.955 de

15.12.1994”, o qual estabelecerá os padrões que regerão a atuação dos OS Locais, conforme

219 Disponível em <http://osbrasil.org.br/o-que-e-o-observatorio-social-do-brasil-osb/.>. Porém, informações mais detalhadas sobre os OS nos municípios estão disponibilizadas em < http://osbrasil.org.br/observatorios-pelo-brasil/.> Acesso em 30.11.2015. 220 Art. 2º, inc. XV e VI. Disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/06/OSB_Estatuto-Social-4ª-alteração.pdf> . Acesso em 02.12.2015.

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previsto nos manuais do Sistema de Franquia Social da Rede OSB221; (iii) ao estabelecer

como competências do seu órgão deliberativo e de orientação estratégica – o Conselho

Superior do OSB -, a prestação de apoio ao Conselho de Administração no acompanhamento

do cumprimento do disposto nos manuais do Sistema de Franquia Social, junto às filiais e

franqueadas222; (iv) conferindo ao Conselho de Administração do OSB a competência para

zelar pelo cumprimento das regras e orientações constantes dos Manuais do Sistema de

Franquia Social, perante as filiais e filiadas, competência esta que deverá ser acompanhada

pelo Conselho Fiscal da organização223;(v) conferindo ao Conselho Consultivo do OSB a

tarefa de apoiar e difundir o Sistema de Franquia Social, dentre outras competências;224 (vi)

quando estabelece para as filiais da Rede o dever de respeitar não somente o estatuto como

também as normas regimentais do OSB e os Manuais do Sistema de Franquia Social, os quais

também regerão os OS Estaduais e Distrital, no tocante à administração de seus serviços,

gestão de seus recursos, regime de trabalho e relações empregatícias225; (vii) quando também

estabelece como condição para a filiação dos Observatórios Sociais Locais, dentre outros

requisitos já anteriormente previstos, o registro no OSB como franqueadas – o qual deverá ser

anualmente renovado -, e a obediência às orientações constantes dos Manuais do Sistema de

Franquia Social, enfatizando os fins não comerciais do Sistema, mas sim de padronização da

Rede OSB226; (viii) ao prever o pagamento de contribuições periódicas, estabelecidas nos

Manuais do Sistema de Franquia Social, devidas pelos Observatórios Sociais

filiados/franqueados, como forma de compor as receitas do OSB227; (ix) ao estabelecer que o

Manual da Franqueadora também regulará as compras efetuadas pelo OSB, em razão dos

serviços prestados228; e (iix), ao finalmente estabelecer que o Código de Conduta do OSB e o

Manual da Franqueadora substituirão o seu Regimento Interno.229

221 Art. 2º, §§ primeiro, segundo e terceiro. Disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/06/OSB_Estatuto-Social-4ª-alteração.pdf> . Acesso em 02.12.2015. 222 Art. 30, inc. VI. Disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/06/OSB_Estatuto-Social-4ª-alteração.pdf> . Acesso em 02.12.2015. 223 Arts. 37, inc. XI e 42, inc. VI. Disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/06/OSB_Estatuto-Social-4ª-alteração.pdf> . Acesso em 02.12.2015. 224 Art. 44, inc. V. Disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/06/OSB_Estatuto-Social-4ª-alteração.pdf> . Acesso em 02.12.2015. 225 Art. 51, Parágrafo Primeiro. Disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/06/OSB_Estatuto-Social-4ª-alteração.pdf> . Acesso em 02.12.2015. 226 Arts. 53, Parágrafo Terceiro, e 54, Parágrafo Único. Disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/06/OSB_Estatuto-Social-4ª-alteração.pdf> . Acesso em 02.12.2015. 227 Art. 67. Disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/06/OSB_Estatuto-Social-4ª-alteração.pdf> . Acesso em 02.12.2015. 228 Art. 76. Disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/06/OSB_Estatuto-Social-4ª-alteração.pdf> . Acesso em 02.12.2015. 229 Art.85, Parágrafo Único. Disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/06/OSB_Estatuto-Social-4ª-alteração.pdf> . Acesso em 02.12.2015.

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O Sistema de Franquia Social – como é denominado -, da Rede OSB230 foi

desenvolvido visando a fortaleza da identidade da Rede, o estabelecimento de uma relação de

parceria entre a Franqueadora e as Unidades Franqueadas e a constituição de uma marca

detentora de know-how próprio,231 desenhado a partir do perfil institucional e dos objetivos

perseguidos pela organização.

A compreensão do Sistema de Franquia Social desenvolvido para o Observatório

Social do Brasil impõe que se recorra ao modelo jurídico que serviu de base para o

desenvolvimento desse e de outros sistemas de franquia social, conforme dados levantados em

entrevista com profissional responsável pela sua concepção232, ou seja, aquele previsto para a

modalidade mais comum de franquia: a franquia comercial, regulamentada pela Lei nº 8.955,

de 15.12.1994. Assim, o que se fez no processo de formatação do Sistema de Franquia Social

da Rede OSB, assim como de outras existentes em território nacional233, foi aplicar-se a lei

brasileira de franchising a iniciativas de caráter social.

A lei brasileira de franchising, seguindo o modelo difundido mundo afora, definiu

a franquia empresarial como:

o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito ao uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.234

A Lei ainda trata de uma circular de oferta de franquia a ser obrigatoriamente

fornecida ao interessado em se tornar franqueado, que deverá conter os elementos

informativos nela enumerados, dentre os quais se destacam aqui: (i) descrição detalhada da

230 Disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/upload/2015/06/Oferta-de-Franquia_Adesão.pdf. > Acesso em 26.11.2015. 231 Id., Ibid. 232 Na coleta de dados da pesquisa desenvolvida para melhor compreender o modelo de franquia construído para a Rede OSB, a autora da pesquisa foi a campo e entrevistou pessoalmente profissional consultor do SEBRAE de Curitiba-PR, responsável pela sua formatação. 233 Na mesma entrevista a que se refere a nota anterior, obteve-se a informação de mais um modelo de franquia social desenvolvido pelo mesmo profissional: a franquia “Bom Aluno”, desenvolvida como uma alternativa para empresas interessadas em executar projetos sociais na área educacional. 234 Art. 2º da Lei nº 8.955/94. Disponível em < www.planalto.gov.br/ccivil_3/LEIS/L8955.htm> Acesso em 30.11.2015.

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franquia, descrição geral do negócio e das atividades que serão desempenhadas pelo

franqueado; (ii) perfil do franqueado ideal; (iii) valores devidos ao franqueador ou a terceiros

que a ele sejam ligados; (iv) indicação do que é efetivamente oferecido ao franqueado pelo

franqueador no que se refere a supervisão da rede, serviços de orientação e outros prestados

ao franqueado, treinamento do franqueado, treinamento dos funcionários do franqueado,

manuais de franquia, dentre outros serviços; e, (v) modelo do contrato-padrão e, se for o caso,

do pré-contrato-padrão de franquia adotado pelo franqueador.235

São elementos fundamentais do contrato de franquia, regulamentado

nacionalmente pela Lei nº 8.955/94, a licença de uso de marca ou patente, transferência de

know-how e a distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos e/ou serviços - que, a

propósito, configuram modalidades específicas de contratos privados -, mediante pagamento

de uma remuneração ao franqueador auferida não apenas pela comercialização do uso da

marca ou patente, mas também pelas taxas de franquia e dos royalties pagos pelos

franqueados. Ressalta-se, entretanto, a importância da qualidade da transferência do

conhecimento para o êxito do empreendimento.

O presente trabalho de pesquisa não se aprofundará no tema dos contratos de

franquia empresarial. As considerações aqui tecidas têm por objetivo estabelecer o necessário

paralelo entre o modelo previsto na Lei nº 8.955/94 – marco legal dos contratos de franquia

no Brasil -, e o Sistema de Franquia Social da Rede OSB, ou seja, o confronto entre os

elementos básicos do contrato de franquia empresarial e o modelo desenvolvido para a Rede

OSB.

No Sistema de Franquia Social da Rede OSB, conforme apresentado, o

Observatório Social do Brasil, com sede em Curitiba-PR, enquanto entidade central do

sistema, detém os direitos de franqueadora e as filiadas da Rede, locais dos municípios e

Estados, a condição de unidades franqueadas. Como franqueador social, ao OSB cabe

disponibilizar às franqueadas sociais apoio jurídico, técnico, operacional e para comunicação

e instalação, além da supervisão inicial e contínua das mesmas.

235 Art. 3º, caput e incisos IV, V, VIII e XII e XV, da Lei 8.955/94. Disponível em < www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8955.htm> Acesso em 01.12.2015.

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O suporte jurídico compõe-se, predominantemente, de um conjunto de

documentos que materializam o modelo de franquia - desenhado para a Rede OSB a partir da

Lei nº 8.955/94 -, a saber: Orientação Normativa nº 1, Pré Contrato de Franquia Social,

Orientação Normativa nº 2, Manual da Franqueada, Circulares de Normas e Procedimentos –

CNPs e Relatórios de Supervisão. Tanto as Circulares de Normas e Procedimentos - CNPs

quanto o Manual da Franqueada também fazem parte da estrutura de apoio operacional

disponibilizado pela Franqueadora às franqueadas. As Orientações Normativas nº 1 e 2 aqui

referidas podem ser conhecidas acessando-se o link “Orientações”, disponível no site oficial

do OSB.236

Para facilitar a identificação e comunicação com e entre as unidades franqueadas,

por sua vez, a franqueadora disponibiliza os seguintes instrumentos: Manual de Comunicação

e Identidade Visual, site vinculado ao portal da Franqueadora, Sistema SIM de

Monitoramento das Licitações Municipais e Relatórios de Resultados, espaço no Boletim

Informativo Semanal do OSB e Modelo de Relatório Quadrimestral.

O apoio técnico viabiliza-se através do SAO – Serviço de Atendimento ao

Observador, que se propõe a oferecer orientações padronizadas às unidades franqueadas,

orientações e resolução de dúvidas e capacitação online. A propósito da capacitação às

franqueadas, em um nível mais abrangente, envolve o apoio na gestão administrativa e

captação de recursos, gestão dos programas de trabalho, gestão de voluntários, conhecimento

de gestão pública e de legislação, monitoramento das licitações, os Índices de Gestão Pública

– IGP e o já referido SIM. Estes últimos ainda constituem parte do apoio operacional da

Franqueadora às entidades franqueadas, posto que são operacionalizados por meio de

tutoriais.237

Mas o que teria motivado a Rede OSB a promover sensível alteração em seu

estatuto para adaptá-lo a um novo modelo institucional que, embora não seja o primeiro em

território nacional, se constitui uma proposta inovadora? Uma vez mais, os dados levantados

na pesquisa de campo oferecem importantes elementos elucidativos para essa questão.

236 Disponível em < http://novo.osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2014/12/Orient_Normativa_n_01_atualiz_em_dez.1241595-1.pdf> e < http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/03/OSB-Normativa-2-palestra-de-sensibilização-rev.-R.pdf> Acesso em 30.11.2015. 237 Toda a descrição acima do sistema de apoio da franquia OSB está disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/upload/2015/06/Oferta-de-Franquia_Adesão.pdf. > Acesso em 30.11.2015.

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A um grupo de informantes-chave selecionados para a coleta dos dados da

pesquisa relacionada ao OSB foram formuladas perguntas específicas para o Sistema de

Franquia Social OSB, objetivando-se, fundamentalmente – para além dos aspectos inovadores

da iniciativa -, uma possível compreensão acerca das vantagens e resultados almejados e

obtidos pela organização, no tocante às ações de controle social e demais objetivos

perseguidos, a partir desse novo desenho institucional.

Das informações prestadas pelos entrevistados L, S, R, P e Y,238 assim, em

confronto com as demais fontes de levantamento de dados do Sistema de Franquia Social

OSB, foi possível o encadeamento das evidências colhidas de modo a se concluir que a

adoção de um sistema de franquia social pelo Observatório Social do Brasil (OSB) buscou a

sistematização e a padronização dos modelos de atuação estratégicos que vinham sendo

empregados e aperfeiçoados pelo OSB desde a sua criação no ano de 2008 - ainda sob a

denominação de Instituto de Cidadania Fiscal (ICF) -, até hoje. Entendeu a Organização que o

desenvolvimento de um sistema de franquia social reuniria as condições mínimas necessárias

para o fortalecimento e ampliação da Rede, oferecendo segurança e credibilidade às entidades

filiadas à época da adoção do sistema e às que viessem a ser criadas, além do sistema como

um todo239; bem como uma gestão e atuação profissionalizada, dando-se ênfase, repita-se, à

qualidade da transferência do conhecimento para o êxito e continuidade do trabalho

desenvolvido pela Rede.

Segundo levantamento realizado no trabalho de campo, a adoção de um sistema

de franquia para o OSB buscou permitir uma melhor sistematização do trabalho que já vinha

sendo desenvolvido pela Rede e agilizar os trâmites indispensáveis quando da criação de

novos observatórios, uniformizando os mecanismos de operacionalização das associações que

a integram. Até mesmo para a boa gestão dos recursos levantados pelas

associadas/franqueadas, visando o custeio das atividades finalísticas, a adoção de um sistema

de franquia social pelo OSB se mostrou como uma alternativa mais viável de 238 Em respeito ao compromisso de anonimato formalmente assumido pela autora da pesquisa para com os informantes, optou-se por identificar os entrevistados apenas por uma letra do alfabeto, preservando-se, para fins de estudo e pesquisa, os arquivos de áudio e as correspondentes transcrições das entrevistas realizadas com o auxílio de gravador. 239 O entrevistado-chave R preocupou-se em afirmar que a adoção de um sistema de franquia pela organização não se propôs a qualquer engessamento das ações das filiadas/franqueadas; mas sim, uma atuação por meio de padrões e princípios pré-estabelecidos capazes de fortalecê-la e profissionaliza-la, garantindo a sustentabilidade da Rede.

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profissionalização dessa captação240, segundo os entrevistados-chave. Inclusive, o desenho

original do OSB, ou seja, como uma organização para atuação em rede, teria facilitado o

desenvolvimento de um modelo de franquia para a entidade. Enfim, valendo-se das palavras

utilizadas por um dos entrevistados-chave, o desenho original do OSB e a experiência anterior

da Rede teriam se constituído em “atestados de validação” para o êxito esperado com o novo

modelo institucional.241

De fato, esses fatores que conspiraram para que o Observatório Social do Brasil –

OSB passasse a se autogerir e conduzir seus objetivos por meio da adoção de um sistema de

franquia social encontram eco entre tratadores do tema, no sentido de que:

A franquia social é um meio de garantir a qualidade e aumentar a capilaridade dos projetos sociais aos quais se destinam, a apropriação do conceito de franquia por uma ONG traz vantagens e desvantagens. Entre as vantagens estão o aumento da visibilidade e da credibilidade do trabalho entre patrocinadores e apoiadores em potencial. [...] Como outras vantagens, podemos citar a padronização das ações e reedição de estratégias e processos já testados e aprovados na prática, que contribuem diretamente para a rápida conquista de resultados.242

E, para Marcelo Cherto a única característica que diferencia o sistema de franquia

social do empresarial é que aquele não visa o lucro, mas sim a disseminação de práticas e

projetos sociais que dão resultados. Ambos operam dentro da mesma lógica, utilizando-se dos

mesmos mecanismos e das mesmas ferramentas, enfim, possuem o mesmo “DNA”.243

O mesmo se há de afirmar quanto à atração de apoiadores e de investidores do

setor empresarial:

As empresas que investem no terceiro setor querem que sua marca esteja ligada a um projeto com modelo de gestão eficiente. As franquias sociais de

240 Nas palavras do entrevistado S: “.[..]aonde você reune os recursos das doações de uma maneira administrada, bem colocada para um fim comum, que é a melhor prestação de serviço à comunidade”; “[...] é ter um conceito de excelência na prestação dos seus serviços sociais. A ideia é essa porque é um serviço social né, pra sociedade. Então a busca da excelência dessa prestação de serviço né.” Disponível em documento de formato Word em arquivo da autora da pesquisa e também em áudio. 241 Dedução formulada também a partir de palavras do entrevistado S. 242 ROTA, Sérgio Luiz. Franquias sociais: minimizando riscos no investimento social. 2004. Dissertação (Mestrado Executivo) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas. Rio de janeiro, 2004, p.39. Disponível em www.biblioteca digital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/3818/000345634.pdf?sequence=1. Acesso em 18.03.2016. 243 CHERTO, Marcelo. Franquias Sociais. Disponível em www.oabsp.org.br/comissoes2010/Downloads/OAB_FranquiasSociais_2009_03_24.pdf. Acesso em 22.03.2016.

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sucesso tornam mais fácil a captação de recursos financeiros ou não, não só pela ‘matriz’ como pelos franqueados.244

Mas Rota também aponta desvantagens no sistema das franquias sociais,245 o que

se opta aqui por contextualizar como desafios.246 O trabalho de campo também forneceu

dados capazes de assegurar a preocupação da “matriz” OSB com o processo de admissão de

franqueados, como um desafio à expansão da rede, além daqueles concernentes à captação de

investidores civis e empresariais.247

O trabalho de conformação do OSB a um sistema de franquia social consistiu

basicamente no detalhamento dos procedimentos padronizados a serem seguidos, por meio de

orientações e criação de modelos de documentos, que viriam a compor o conjunto de

ferramentas de suporte técnico e treinamento das filiadas/franqueadas constantes do Manual

de Franquia Social da rede OSB.

Quanto aos resultados até então alcançados no tocante à expansão da Rede e

consolidação do Sistema de Franquia Social do OSB, ao longo do ano de 2015 - recorte

temporal a princípio definido pela organização, no 6º ENOS, para a adequação de todas as

associações afiliadas da Rede -, o que os dados coletados nos trabalhos de campo248 informam

é uma otimização do processo de criação de novos OS filiados à Rede OSB; uma crescente

formação de multiplicadores de novos observatórios sociais, por meio de convênio celebrado

com o Conselho Federal de Contabilidade; e, uma dinamização crescente das atividades da

Rede através da promoção e participação de e em iniciativas voltadas ao aprimoramento e

244 ROTA, Sérgio Luiz. Franquias sociais: minimizando riscos no investimento social. 2004. Dissertação (Mestrado Executivo) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas. Rio de janeiro, 2004, p.39. Disponível em www.biblioteca digital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/3818/000345634.pdf?sequence=1. Acesso em 18.03.2016, p. 39. 245 O autor destaca como desvantagens das franquias sociais as mesmas que se apresentam às franquias comerciais no tocante ao relacionamento franqueador/franqueado, tornando a escolha desse último um processo que ele chama de “delicado, balizado por diversos critérios de seleção”. Op. cit., p. 39. 246 Conforme nomeado no caput do presente subtítulo deste trabalho. 247 É o que se depreende das informações prestadas pelos entrevistados-chave L e R. O primeiro chegou a referir certa “resistência”de alguns afiliados da Rede OSB em adequar-se ao novo sistema, alegando um possível engessamento. O segundo entrevistado-chave enfatiza ainda a preocupação com a observância dos procedimentos estabelecidos pela rede, para “não deixar ao bel prazer o interesse de cada comunidade porque isso denigre a imagem de toda uma rede que a gente construiu”. Disponível em áudio e texto em poder da autora da pesquisa. 248 Impõe observar que, embora a abordagem da questão da franquia social OSB, surgida em meio ao processo de coleta de dados para a pesquisa, tenha se mostrado relevante, de modo a ensejar sua descrição em subtítulo específico, a própria recenticidade do processo de implantação do sistema impede uma análise mais acurada dos seus resultados.

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difusão de boas práticas participativas da sociedade na administração pública.249 Entretanto,

sobre a implementação do Sistema de Franquia Social OSB por todas as filiadas, as

discussões acerca da sua padronização continuaram ao longo do ano de 2015, em especial nos

encontros regionais da Rede250, reservando a organização nova oportunidade para discussões

e votação do tema para o 7º Encontro Nacional de Observatórios Sociais – ENOS, que

aconteceu em Curitiba – PR, entre os dias 10 e 12 de março de 2016.

A preocupação do relato da pesquisa ao apresentar o Sistema de Franquia Social

da Rede OSB como uma parte relevante do mesmo, deve-se, pois, aos fins almejados pela

Rede ao instituí-la, os quais, conforme dados colhidos tanto no 6º ENOS quanto em

entrevistas realizadas com membros da Diretoria do OSB, estariam voltados ao alcance de um

melhor desempenho dos OS nas práticas de controle social da Administração Pública, bem

como da crescente conquista de credibilidade institucional perante a sociedade e de um maior

número de colaboradores e mantenedores. É o que também sugerem as Orientações

Normativas nº 3 e 4, disponíveis no site oficial da organização OSB.251

Conforme notas e elementos informativos colhidos nos trabalhos de campo da

pesquisa, o Sistema de Franquia Social OSB não se trata de uma iniciativa pioneira do

empreendedorismo social brasileiro, como se supôs no primeiro contato com a organização

249 Pode-se aqui citar Curso de Capacitação de Fiscais de Contratos das Prefeituras, realizado pelo OSB e observatórios sociais de diversos municípios, em parceria com a Controladoria Geral da União – CGU (conf. www.osbrasil.org.br/irati-e-ponta-grossa-recebem-curso-de-fiscais-de-contrato-da-cgu/ e http://www.cgu.gov.br/noticias/2015/08/gestao-e-fiscalizacao-de-contratos-e-tema-de-curso-virtual-oferecido-pela-cgu); concursos de Desenho e Redação, promovido pela CGU, em diversos municípios do Brasil, com o apoio do OSB (conf. www.osbrasil.org.br/os-apresenta-relatorio-e-revela-vencedores-de-concurso-em-marechal-rondon/; www.osbrasil.org.br/cgu-realiza-premiacao-do-7o-concurso-de-desenho-e-redacao/;e, http://www.cgu.gov.br/assuntos/controle-social/educacao-cidada/concurso-de-desenho-e-redacao); dentre outras iniciativas fomentadas pela Rede (conf. www.osbrasil.org.br/semana-da-cidadania-sera-promovida-por-observatorio-e-ufs-em-aracaju/, www.osbrasil.org.br/na-luta-contra-a-corrupcao/, www.osbrasil.org.br/sao-paulo-tem-o-mais-novo-observatori-social-integrando-a-rede-osb/, www.osbrasil.org.br/irati-e-campo-mourao-tambem-se-mobilizam-emc-campanha-anticorrupcao-do-mpf/, www.osbrasil.org.br/os-mobiliza-escolas-de-rio-preto-para-ficarem-de-olho-nos-impostos/, e www.osbrasil.org.br/0s-entrega-relatorio-final-sobre-auditoria-civica-na-saude-de-irati/. 250 É o que informaram as programações do 3º Encontro Estadual dos Observatórios Sociais do Paraná, ocorrido entre os dias 20 e 21 de julho de 2015, e do 6º Encontro Catarinense de Observatórios Sociais, ocorrido nos dias 13 e 14 de agosto de 2015, seguindo-se a estes outros eventos regionais da Rede. Disponíveis em http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/07/OSB-Encontro-PR-20-e-21-jul.pdf. e http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/07/OSB-6ECOS-13-e-14.08.15.pdf. Inclusive, neste último, em notícia publicada no endereço eletrônico http://osbrasil.org.br/6o-encontro-catarinense-de-observatorios-sociais-reune-10-cidades-de-sc/ , o então presidente do OSB, Ater Cristófoli, confirmou a suspensão temporária do projeto (referindo-se ao Sistema de Franquia OSB), visando a sua modificação ou reconstrução, em face das considerações levantadas por representantes de observatórios da Rede. Acessos em 18.11.2015. 251 Disponível em < http://osbrasil.org.br/orientacoes/> Acesso em 1º.12.2015.

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OSB, por ocasião do 6º ENOS252. Como se impõe, então, em qualquer investigação – em

particular a acadêmica -, frente a qualquer dúvida, iniciou-se uma pesquisa do tema por meio

de consultas formuladas em ferramentas de buscas da Internet, levantando-se importantes

fontes sobre a utilização e teorização do instituto mundo afora, juntamente com as citadas

anteriormente.253

O fato é que, se no seguimento empresarial o sistema de franquia vem se

mostrando como um setor em contínua expansão tanto no Brasil como em diversos outros

países, tanto para quem busca uma alternativa ao emprego e renda como para os seguimentos

empresariais que visam uma rápida expansão de suas marcas com menores custos e riscos254;

enquanto agente de desenvolvimento da sociedade255 vem sendo adotada em atividades fora

do setor de produtos e serviços comerciais, através da formatação de modelos próprios para

atividades típicas do Terceiro Setor, onde a acumulação do capital não se constitui o fim em si

mesmo, mas que demandam alternativas de autossustentabilidade econômica para serviços

sociais diversos.256

252 Conforme foi assinalado na nota de nº 80. 253 A busca foi primeiramente realizada no mecanismo de buscas “Google”, utilizando-se as palavras-chave social franchising. Partiu-se, em seguida, para o sistema de buscas do “Google Acadêmico”, utilizando-se as mesmas palavras-chave. A inserção das palavras-chave no idioma inglês buscou assegurar uma maior universalização da pesquisa. 254 GICLIOTTI, Batista Salgado. O funcionamento do sistema de franchising, in: Franquias brasileiras: estratégia, empreendedorismo, inovação e insternacionalização. MELO, Pedro Lucas de Resende, ANDREASSI, Tales (Orgs.). São Paulo: CENGAGE Learning. 2012, p.4. 255 A expressão desenvolvimento da sociedade, faz-se mister a ressalva, é aqui empregada não somente dentro dos parâmetros a que normalmente está associada, ou seja, a fatores como o crescimento econômico e o Produto Interno Bruto – PIB, mas, e especialmente, de outros elementos que atualmente são considerados como codefinidores do desenvolvimento social, como saúde, distribuição de renda, educação, segurança social, dentre outros, que vão constituir, por assim dizer, o capital social (conf. GREVE, Bent. Felicidade. São Paulo: Unesp, 2013, pp. 113 e segts., no qual o autor desenvolve uma abordagem multidisciplinar do tema/título da obra e sua interrelação com o desenvolvimento social, a partir da perspectiva do Estado de bem-estar social moderno e o papel das suas políticas sociais). Em abordagem diferenciada, porém convergente, pode-se citar o trabalho de Fábio F. N. Benfatti, intitulado Direito ao Desenvolvimento (São Paulo: Saraiva, 2014). 256 Na Europa é possível citar a experiência de social franchising relatada e fomentada por organizações não governamentais (NGOs), a exemplo da Cáritas Portuguesa, que atua, predominantemente, no desenvolvimento de projetos pautados a partir do conceito inovador das franquias sociais, como é o caso da iniciativa Criatividade (Ver em www.caritas.pt/site/nacional/index.php?option=com_contest&view=article&id=3823:franchising-social-potenciado-pelo-marketing-social&catid=389:projectos-nacionais&itemd=10, acesso em 22.03.2016). E nesse mesmo continente, a Rede Europeia de Franchising Social (ESFN), sediada no condado inglês de Northumberland-UK e criada no idos de 2008, vem atuando no sentido de promover o conceito de franquia social, facilitando o desenvolvimento de boas práticas nesse campo (Conf. www.aocialfranchising.coop/about-us, acesso em 22.03.2016, a partir de tradução nossa). Outros dados, disponíveis em www.the-icsf.org/wp-content/upload/2012/11/Social-Franchising-Innovation-and-the-Power-of-Old-Ideas-Dan-Berelowitz-Nov-2012.pdf. (Acesso em 16.03.2016) e www.the-icsf.org/wp-content/uploads/2012/09/ICSF-Social-Franchising-Complete-Report.pdf. (Acesso em 16.03.2016).

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3.2.4 As estratégias de ação do OSB: uma análise a partir do 6º Encontro Nacional de

Observatórios Sociais – ENOS.

O primeiro contato direto com o OSB, para fins de conhecimento e apresentação

do interesse da pesquisa, deu-se no 6º Encontro Nacional de Observatórios Sociais – ENOS, ocasião que se revelou, de imediato, oportuna para se proceder a levantamento de dados acerca da organização e suas iniciativas.

O 6º ENOS – uma realização do Observatório Social do Brasil e co-realização da

Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil - ANABB e do Conselho Federal

de Contabilidade – CFC -, aconteceu entre os dias 26 e 28 de março de 2015, no Auditório da

Paróquia do Verbo Divino, cidade de Brasília – Distrito Federal, tendo como tema central a

“União de todos pela eficiência da gestão pública”, com ênfase para o trabalho em favor da

transparência e do controle social dos gastos municipais. O encontro foi o penúltimo dos

encontros anuais257 dos observatórios sociais que integram a Rede OSB, que acontecem com

o objetivo de discutir a qualificação da metodologia de trabalho da Rede, bem como de

compartilhar os resultados dos trabalhos dos OS nos municípios e das boas práticas

efetivadas. Os encontros anuais da Rede OSB visam ainda a consolidação de parcerias

estaduais e nacionais.258

A programação do 6º ENOS foi composta de sete painéis temáticos, cerimônias de

assinaturas de Termos de Cooperação entre o OSB e o Programa Cidades Sustentáveis, e OSB

e o Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras – IDESF, bem como de

lançamento das iniciativas Pacto pelo Brasil e Escola da Cidadania do OSB. No dia 28 de

março de 2015, a programação básica consistiu na Assembléia Geral Ordinária e na

Assembléia Geral Extraordinária da Rede OSB.259

Chamou atenção a programação do 6º ENOS, em razão da relevância dos temas e

da competência com que foram abordados, face à pesquisa aqui relatada. Assim, o Painel 1

tratou da “Eficiência na Gestão Municipal”, abordando temas como a Norma ISO para

257 Entre os dias 10 e 12 de março de 2016 aconteceu o 7º ENOS na cidade de Curitiba-PR, onde está sediado o OSB. Essa edição do evento voltou-se, especialmente, para a discussão de questões internas da Rede OSB – em particular aquelas concernentes à padronização da rede (vide subtítulo anterior) -, bem como de propostas dos OS voltadas à melhoria da gestão e comunicação da Rede OSB de Controle Social. Disponível em www.enos.osbrasil.org.br/página.php?is=1&nome=O%20Evento e www.enos.osbrasil.org.br/pagina.php?id=2&nome=Programação. Acesso em 23.03.2016. 258 Disponível em < http://enos.osbrasil.org.br/pagina.php?d=1&nome=O%20Evento.> Acesso em 09.11.2015. 259 Disponível em < http://enos.osbrasil.org.br/pagina.php?d=2&nome=Programação.> Acesso em 09.11.2015.

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Prefeituras da ABNT, o Gespública – Programa de Qualidade para Gestão Pública e novas

normas da Contabilidade Pública. O Painel 2 teve por tema as “Ferramentas para eficiência

das Compras Públicas”, abordando assuntos como o poder de compra do Estado, Termos de

Referência e apresentação de novo software para compras públicas, o Busca Preço260. O

Painel 3, que teve por título a “Lei da Empresa Limpa”, contando com a participação de

representante da CGU - que abordou a Regulamentação da Lei -, do Instituto ETHOS261 -

apresentando o Cadastro Empresa Pró-Etica262-, além dos cases “Volkswagen”263 e “SESI

Paraná”. O Painel 4 teve por tema o “‘Status’ da Educação no Brasil”, quando foram

apresentados os Mapas dos Indicadores da Gestão Pública na Educação e da Merenda Escolar

na Rede OSB e a palestra “Conteúdos de ‘Cidadania’ no Currículo Escolar. O Painel 5

privilegiou a apresentação de propostas de leis de prevenção à corrupção, ocasião em que

foram apresentadas propostas de iniciativa da própria Rede OSB, do Conselho de

Transparência e Controle Social de Londrina264, bem como a proposta de reforma política

pelo Movimento Contra a Corrupção Eleitoral – MCCE. No Painel 6 foram apresentadas as

“Parcerias Estratégicas para o Controle Social no Brasil”, cabendo aos representantes da

Associação Contas Abertas, da organização Open Brazil 265 e da Estratégia Nacional de

260 Disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/4/03-Apresentação-Rogerio-6Enos-v2.pdf.> Acesso em 09.11.2015. 261 Trata-se de uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, instituída com a finalidade de “mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade sustentável e justa” e estimulando o desenvolvimento da ética e do comportamento social responsável. Conf. www3.ethos.org.br/conteúdo/gestão/estatuto/#.Vyc0YKAs0jw. Acesso em 01.05.2016. 262 Fruto de iniciativa do Instituto Ethos e da Controladoria Geral da União – CGU, com o objetivo de “avaliar e divulgar as companhias voluntariamente engajadas na construção de um ambiente de integridade nas relações comerciais, inclusive nas que envolvem o setor público”, buscando “dar visibilidade às empresas que compartilham a ideia de que a corrupção é um problema que deve ser prevenido e combatido não só pelo governo, mas também pelo setor privado e por toda a sociedade”. Disponível em < www3.ethos.org.br/conteúdo/projetos/em-andamento/empresa_pro_etica/#.VkFbi9KrSt8.> Acesso em 09.112015. 263 Não obstante a participação da Wolkswagen do Brasil no Painel 3 do 6º ENOS, dedicado ao tema “Lei da Empresa Limpa”, onde apresentou o seu programa de Governança Corporativa, meses após esse evento a mídia internacional deu destaque a um escândalo de falsificação de resultados de emissões de poluentes, protagonizado pela multinacional. Dados disponíveis em http://g1.globo.com/carros/noticia/2015/09/escandalo-da-volkswagen-veja-o-passo-passo-do-caso.html, http://www.dw.com/pt/especial-escândalo-da-volkswagen/a-1746927 e http://brasil.elpais.com/brasil/2015/09/25/economia/1443197454_856174.html, dentre outros endereços eletrônicos. Acessos em 09.06.2016. 264 Criado em 19 de dezembro, por força do art. 3º, da Lei nº 11.777/2012, do Município de Londrina – Estado do Paraná, que cuidou da organização da política municipal de Transparência e Controle Social, instituiu a Conferência Municipal de Transparência e Controle Social e criou o Conselho Municipal de Transparência e Controle Social, dentre outras providências. Disponível em < www1.londrina.pr.gov.br/dados/images/stories/Storage/consocial/conferencia/lei_11777_2012.pdf.> Acesso em 09.11.2015. 265 Uma Organização Não Governamental que congrega um número significativo de hackers ativistas ou “hackers cívicos”, cujas atividades têm como foco principal a participação cidadã e a transparência pública,

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Combate à Lavagem de Dinheiro – ENCLA, a exposição das suas principais iniciativas e

ações em parceria com o OSB. Por fim, o Painel 7 abriu espaço para a divulgação de “Boas

Práticas dos OS”.

Dentre os temas abordados no 6º ENOS, o relato da pesquisa destaca aqueles que

envolveram projetos e iniciativas da Rede OSB. Assim, no Painel 2, dedicado a “Ferramentas

para Eficiência das Compras Públicas”, uma atuação conjunta da Administração Pública local

e a sociedade civil organizada, por meio do Observatório Social do município, permitiu que se

construísse, no ano de 2014, um programa de fomento à transparência na gestão pública do

Município de Blumenau266, o qual foi apresentado pelo próprio Prefeito desse município,

Napoleão Bernardes, em palestra proferida no citado painel. Na oportunidade, falou-se da

importância da valorização da transparência pública, como também das resistências culturais

que têm lugar no serviço público.267

Estudos e pesquisas também realizadas pela Rede OSB culminaram na construção

do Mapa dos Indicadores da Gestão Pública na Educação Básica no Brasil e o Mapa da

Merenda Escolar na Rede OSB. A metodologia da pesquisa e o Ranking da Educação Básica

no Brasil em 2014, dela resultante, foram apresentados aos participantes do 6º ENOS no

Painel 4,268 onde também foi apresentado o mapa da situação da merenda escolar em

municípios onde a Rede OSB está presente e a metodologia utilizada na sua construção,

desenvolvida à partir de um checklist para verificação da forma de gestão pública da merenda

e da atuação dos Conselhos de Alimentação Escolar - CAE locais.269 A propósito do tema,

durante a sua exposição foi ressaltado o trabalho da Rede OSB no sentido de reivindicar uma

maior competitividade nos processos de aquisição da merenda escolar, por meio da

participação de mais fornecedores, assim como uma maior capacitação dos conselheiros dos

CAE. A apresentação contou ainda com depoimentos de representantes dos OS dos

municípios de Sorocaba, no Estado de São Paulo, e de Itajaí, em Santa Catarina, acerca de

irregularidades em processos de aquisição de merenda escolar pelas Administrações Públicas

buscando levar a eficiência das ferramentas digitais para a administração pública e em benefício da promoção da cidadania. Disponível em < www.openbrazil.org/#missao.> Acesso em 09.11.2015. 266 Disponível em < www.blumenau.sc.gov.br/secretarias/secretaria-de-gestao-governamental/segg/blumenau-apresenta-programa-para-observatorio-social-5.> Acesso em 10.11.2015. 267 Dados registrados nas notas de campo da autora da pesquisa. 268 Disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/upload/2015/04/01-apresentação-Adriano.pdf.> Acesso em 10.11.2015. 269 Disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/upload/2015/04/02-apresentção-Cristina-MERENDA-ESCOLAR-OS.pdf.> Acesso em 10.11.2015.

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locais, que culminaram na instauração de uma CPI no primeiro município270 e oferecimento

de representação ao Ministério Público, no segundo.271

A Rede OSB ainda apresentou, no 6º ENOS, as suas propostas de projetos de leis

visando a prevenção e o combate à corrupção, a serem oferecidas perante as Câmaras

Municipais dos municípios da Rede OSB. Tais propostas - que se pretende tornem-se leis já

para vigorar no ano de 2016 - versam sobre nepotismo nos poderes constituídos locais, licença

para vereadores ocuparem cargos no Poder Executivo e obrigatoriedade de freqüência a curso

de capacitação para exercício de função pública por parte de funcionários e ocupantes de

cargos eletivos nos Poderes Executivo e Legislativo dos municípios272. Sobre eventuais

encaminhamentos promovidos pela Rede OSB, por suas associações, a respeito das propostas

apresentadas, teve-se informação, em 19 de novembro de 2015, de que o OSB vinha

participando de Grupos de Trabalhos junto ao Ministério da Justiça, para definição de

estratégias para agilização dos processos judiciais envolvendo atos de corrupção; junto ao

Ministério Público Federal, para definição de propostas de combate à corrupção; e, junto à

ENCCLA, com referência a participação na reunião plenária programada para acontecer entre

os dias 18 e 21 de novembro de 2015, na cidade de Teresina, Estado do Piauí.273

3.2.4.1 O alcance da eficiência na gestão pública: uma questão de qualidade, resultados e

desenvolvimento de boas práticas.

A pesquisa também destaca as diversas ferramentas disponibilizadas por

instituições oficiais, que foram apresentadas ao público participante do 6º ENOS,

especialmente no Painel 1. É o caso, por exemplo, da Norma ABNT NBR ISO 18091:2014,

que estabelece diretrizes para obtenção de resultados confiáveis através da aplicação da

Norma ABNT NBR ISO 9001:2008 em prefeituras, estabelecendo o Sistema de Gestão de

Qualidade.274 A exposição buscou esclarecer o campo de incidência e os processos previstos

270 Disponível em < http://www.jornalznorte.com.br/noticias/educacao/leitura/cpi-da-merenda-presidente-do-sindirefeicoes-sorocaba-presta-depoimento-a-camara. > Acesso em 10.11.2015. 271 Disponível em < http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2013/05/fiscalizacao-do-servico-de-merenda-escolar-flagra-pelo-menos-13-irregularidades-em-santa-catarina-4151473.html. > Acesso em 10.11.2015. 272 Disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/upload/2015/04/01-Apresentação-Lorena_-PROPOSTAS 273 Disponível em <enccla.camara.leg/noticias/confira-a-programacao-preliminar-paraxii-plenaria-enccla-2015.> Acesso em 20.11.2015. 274 Disponível em < http://www.abntcatalogo.com.br/norma.aspx?ID=324072.> Acesso em 10.11.2015.

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para a gestão de qualidade das administrações municipais.275

No contexto da temática do Painel 1 houve, ainda, a apresentação do Programa de

Qualidade na Gestão Pública – GESPÚBLICA.276 O GESPÚBLICA, criado pelo Decreto nº

5.378, de 23 de fevereiro de 2005, consiste em um programa desenvolvido pelo Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão da Presidência da República Federativa do Brasil, que

disponibiliza tecnologias de gestão voltadas ao estímulo e à promoção da melhoria de

processos gerenciais e de resultados no âmbito dos órgãos e entidades públicas277. Embora

desenvolvido pelo Governo Federal, do programa podem se apropriar todas as organizações

governamentais que desejarem avaliar seus sistemas de gestão, ou seja, pelos órgãos das

demais entidades federativas. O gerenciamento do programa cabe à Secretaria da Gestão

Pública – SEGEP, criada pelo Decreto nº 7.675, publicado no Diário Oficial da União do dia

23.01.2012, competência que foi reafirmada pelo Decreto nº 8.189, de 21.01.2014.278

Importa assinalar que, no conceito de eficiência preconizado pelo GESPÚBLICA,

está inserida não apenas a ideia de uma administração profissionalizada e de resultados, mas

que esta esteja voltada para a satisfação dos interesses dos cidadãos e que busque, dentre

outros objetivos, a promoção de uma gestão democrática, participativa, transparente e ética.279

São instrumentos disponibilizados pelo GESPÚBLICA para o alcance de

resultados o Guia para Gestão de Processos, o Guia “d” Simplificação Administrativa, a Carta

de Serviços ao Cidadão e seu Guia Metodológico e o Guia Referencial para Medição de

Desempenho e Manual para Construção de Indicadores, ou simplesmente Indicadores de

Gestão.

275 Disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/upload/2015/04/01-apresentação-Dagnino.pdf.> Acesso em 10.11.2015. 276 Disponível em < http://osbrasil.org.br/wp-content/upload/2015/04/02-Apresentação-Haley.pdf.> Acesso em 22.11.2015. 277 Disponível em < www.gespublica.gov.br/Tecnologias.> Acesso em 22.11.2015. 278 Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8189.htm. > Acesso em 22.11.2015. 279 Art. 2º, V, do Dec. 5.378/2005. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5378.htm. > Acesso em 22.11.2015.

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Ainda, dentro do contexto das tecnologias oferecidas pelo GESPÚBLICA, pode-

se encontrar o Sistema de Autoavaliação da Gestão Pública e o Instrumento Padrão de

Pesquisa de Satisfação (IPPS).280

Embora o panorama institucional público brasileiro demonstre que muito ainda há

que se realizar para o alcance de uma gestão pública eficiente e democrática, o conhecimento

desses dispositivos mostra-se de grande valia para o cidadão e para a sociedade civil

organizada, detentores do direito fundamental de participação democrática na gestão pública;

ainda que o exercício desse direito se inicie pela exigência de cumprimento dos objetivos e

diretrizes estabelecidos por um programa de governo com a ambição que o GESPÚBLICA

revela e a que se propõe.

Para exemplificar, cite-se o caso do Conselho de Gestão Fiscal, cuja criação já

estava prevista no art. 67 da Lei Complementar nº 101/2000, desde a sua redação original,

quer dizer, ainda sem as alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 131/2009. Pelo art.

67 da LC 101/2000, o acompanhamento e a avaliação, de forma permanente, da política e da

operacionalidade da gestão fiscal competem a conselho de gestão fiscal, constando, dentre

seus objetivos, a disseminação de práticas que resultem em maior eficiência na alocação e

execução do gasto público, na arrecadação de receitas, no controle do endividamento e na

transparência na gestão fiscal, além de edição de padrões para prestações de contas que

possibilitem o controle social e instituição de premiação e reconhecimento público para os

titulares de Poderes que alcançarem resultados meritórios em suas políticas de

desenvolvimento social, conjugados com a prática de uma gestão fiscal pautada pelas normas

da LC 101/2000.281

Previsto há mais de quinze anos, mas com regulamentação pendente de aprovação

de lei específica, a teor do § 2º do art. 67 da LC 101/2000, o que se tem conhecimento até

então é que no ano de 2013 ingressou um projeto de lei no Senado Federal, de autoria do

Senador Fernando Collor – o PLS nº 424/2013 –, que veio propor uma regulamentação para o

conselho de gestão fiscal -, dispondo sobre a composição e a forma de funcionamento do

280 Aqui se dá destaque, com o propósito assumido de instigar reflexões críticas, que o Instrumento Padrão de Pesquisa de Satisfação – criado no ano de 2009, por força do Decreto 6.932 -, ao tempo da presente pesquisa continha uma observação ao fim da página nos seguintes termos: “O sistema passa por ajustes finais e, tão logo esteja finalizado, será disponibilizado nesse portal”. Disponível em < www.gwaspublica.gov.br/pasta.2010-04-26.2946656561. > Acesso em 22.11.2015. 281 Disponível em < www.planalto.gov.br/civil_03/leis/LCP/Lcp101.htm.> Acesso em 25.11.2015.

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Conselho de Gestão Fiscal, definindo competências, dotação orçamentária, apoio técnico e

administrativo e pessoal necessário ao desenvolvimento das atividades do conselho,282 E, no

ano de 2014, um novo projeto de lei – o de nº 141/2014 -, de autoria do Senador Paulo Bauer,

com natureza e tramitação de lei complementar propõe-se a excluir do art. 67 da LC 101/2000

a previsão de que o Conselho de Gestão Fiscal seja composto por representantes de todos os

Poderes e esferas do Governo, do Ministério Público e de entidades técnicas representativas

da sociedade283. Esses são os dois principais projetos de lei, ainda em tramitação no Senado

Federal, para tratar da matéria. Tal constatação é preocupante, quando um dos maiores

obstáculos que se revelam à efetivação dos direitos sociais – com destaque para aqueles que

se podem qualificar como básicos, a saber, saúde, educação, transporte, previdência social,

emprego e moradia -, no Brasil contemporâneo, têm sido o desequilíbrio crônico das contas

públicas, a ineficiência na gestão dos recursos públicos e os bilionários desvios de dinheiro

público que se operam pelas teias tão inteligentemente tecidas da corrupção entre setores

públicos e privados da sociedade.

Por último, dentro da abordagem sobre ferramentas institucionalmente

disponíveis, trazida no Painel I do 6º ENOS, merece um espaço no presente trabalho de

pesquisa as “Novas Normas de Contabilidade Pública”.

A apresentação se inicia com a descrição dos marcos legais, desde a edição da

importante Lei nº 4.320, de 17.03.1964 – em pleno vigor até hoje -, até as normas mais

recentes. Assim, destacam-se, além da referida Lei nº 4.320/64 que - em âmbito nacional,

estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e

balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal: a criação da Secretaria

do Tesouro Nacional - STN, através do Decreto nº 92.452, de 10.03.1986, a qual, por meio

das medidas estabelecidas no Decreto nº 93.872, de 22.12.1986, coube a execução do

processo de unificação das contas públicas do Governo Federal, o que pode ser considerado

um passo fundamental para a modernização institucional e gestão responsável dos recursos

públicos; o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal, implantado

pela STN em janeiro do ano de 1987, com o propósito de se tornar um instrumento moderno e

eficaz de otimização, controle e acompanhamento dos gastos públicos da União, no âmbito de

todos os órgãos da Administração Direta dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário,

282 Disponível em < www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/114710.> Acesso em 25.11.2015. 283 Disponível em < www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/117041.> Acesso em 25.11.2015.

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promovendo uma maior transparência das contas públicas do Governo Federal; a Lei

Complementar - LC nº 101, de 04.05.2000, ou simplesmente Lei de Responsabilidade Fiscal,

que, como marco legal da gestão fiscal responsável desenhada pela Constituição Federal de

1988, é o instrumento normativo mais importante na disciplina das finanças públicas de todos

os entes federativos; a Portaria do Ministério de Estado da Fazenda de nº 184/08, que

inaugurou o que se denominou Processo de Convergência das Normas Internacionais de

Contabilidade para o Setor Público, em sede do qual a Secretaria do Tesouro Nacional- STN,

os Tribunais de Contas dos Estados e da União e o Conselho Federal de Contabilidade

envidaram esforços e criaram as novas Normas de Contabilidade Governamental, dentro dos

padrões da Internacional Federation of Accountants – IFAC284; a Lei Complementar nº 131,

de 27 de maio de 2009, que, acrescentando dispositivos à LC nº 101/2000, veio aprimorar a

transparência e assegurar a participação e o controle social na elaboração e execução dos

orçamentos públicos nas três esferas de governo e Poderes Constituídos; além das Portarias

STN nº 828/2011, nº 231/2012, nº 437/2012, nº 634/2013 e nº 261/2014, que estabeleceram

cronogramas para implantação da nova gestão no setor público, através da obrigatoriedade de

implementação dos Procedimentos Contábeis Específicos – PCE, das Instruções de

Procedimentos Contábeis do Setor Público – IPCs, do Plano de Contas Aplicado ao Setor

Público – PCASP, das Demonstrações Contábeis Aplicadas ao Setor Público - DCASP e dos

Procedimentos Contábeis Patrimoniais – PCP, à partir do ano de 2013, todos integrantes do

Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público – MCASP.

A propósito da convergência dos procedimentos e práticas contábeis do setor

público brasileiro às Normas Internacionais de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público, a

sua efetiva institucionalização veio a ocorrer com a expedição do Decreto nº 6.976/2009, que

instituiu o Sistema de Contabilidade Federal – SCF, com o objetivo de promover a

padronização e consolidação das contas nacionais, a busca de convergência aos padrões

internacionais de contabilidade, observados os princípios diretores estabelecidos na legislação

pátria vigente e o acompanhamento contínuo das normas contábeis aplicadas ao setor

público.285 E, ainda, como importante ferramenta para a garantia da transparência e exercício

do controle da gestão pública, ainda estabeleceu o Decreto nº 6.976/2009 que compete à STN,

como órgão central do Sistema de Contabilidade Federal, promover a liberação ao pleno

conhecimento e acompanhamento da sociedade de informações sobre a execução

284 Disponível em < www.casponline.com.br/CASP_ONLINE_STN_PHFEIJO.pdf. > Acesso em 23.11.2015. 285 Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6976.htm.> Acesso em 23.11.2015.

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orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público, bem como definir,

coordenar e acompanhar os procedimentos relacionados com a disponibilização de

informações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, para fins de

transparência, controle da gestão fiscal e aplicação de restrições286. Por óbvio que ditas

competências se constituem em efetivos deveres impostos ao órgão central do SCF, em face

da sociedade.

Verificou-se, pois, que, ao lado dos institutos normativos e das tecnologias

desenvolvidas no âmbito da Administração Pública Federal de que se falou anteriormente,

importante papel para a Contabilidade Pública no Brasil é desempenhado pelas Normas

Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público – NBCASP, inspiradas nas Normas

Internacionais de Contabilidade para o Setor Público- IPSAS, emitidas pelo Internacional

Public Sector Accounting Standards Board – IPSASB, vinculado ao International Federation

of Accountants – IFAC.

A pesquisa e a participação da autora no 6º ENOS possibilitaram um

levantamento criterioso dos dispositivos normativos em vigor no Brasil, capazes de ofertar

ferramentas eficazes para o exercício do controle social da administração pública pela

sociedade e, consequentemente, prevenir o gasto ineficiente dos recursos públicos, assim

como diversas práticas corruptivas no âmbito dos Poderes Públicos. Tudo isso já oferece uma

“pista” para a possível resposta que se busca para o primeiro problema da pesquisa, ou seja,

em que medida os mecanismos institucionalizados que possibilitam o exercício do controle

social sobre a Administração pública, disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro,

revelam-se eficazes para os fins a que se destinam.

3.2.4.2 As metodologias e frentes de atuação do Observatório Social do Brasil.

De acordo com os dados publicamente oferecidos pelo Observatório Social do

Brasil (OSB) em seu respectivo sítio eletrônico,287 a Rede desenvolve quatro frentes de

atuação, ou programas, para a consecução dos objetivos organizacionais, a saber: (a) o

monitoramento das compras públicas em nível municipal; (b) o projeto voltado para a

286 Art. 7º, incs. XVI e XVII do Decreto nº 6.976/09. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6976.htm.> Acesso em 23.11.2015. 287 Disponível em www.osbrasil.org.br/como-funciona/. Acesso em 23.06.2016.

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educação fiscal do cidadão; (c) as iniciativas voltadas para a inserção da micro e pequena

empresa nos processos licitatórios; e, (d) a construção de Indicadores da Gestão Pública. O

estabelecimento dessas frentes de atuação, segundo relatos e dados levantados na pesquisa,

não excluem a possibilidade de envolvimento do OSB com projetos e programas outros, em

parceria com setores da iniciativa privada e de organismos governamentais. Sobre cada uma

dessas frentes de atuação, far-se-á uma breve descrição a seguir.

O monitoramento das compras públicas municipais se constitui na primeira e

mais importante frente de atuação que vem sendo desenvolvida pela Rede OSB – a causa,

pode-se dizer, da criação do OSB -, conforme relatos colhidos nos trabalhos de campo da

pesquisa, seja porque reflete as preocupações da organização com a qualidade e a probidade

na aplicação dos recursos públicos, ou seja, o controle de resultados e a prevenção de atos de

corrupção na Administração Pública; seja porque se constitui na frente de atuação que mais

vem se mostrando possível de ser implementada pelos OS, frente aos limites com os quais se

deparam no que diz respeito ao número e disponibilidade dos agentes

observadores/voluntários e colaboradores.288

A primeira frente de atuação da Rede OSB baseia-se em uma sequência

padronizada e ordenada de etapas que devem ser seguidas pelos OS quando do

acompanhamento das licitações públicas, e que podem ser assim sintetizados: (i) pesquisa dos

editais de licitações pelos diversos meios disponíveis, v.g., sítio eletrônico do órgão

municipal, mural da prefeitura, no setor de licitações do órgão público responsável pela

condução do certame, nos diários oficiais e jornais de grande circulação no município, dentre

outros; (ii) análise dos editais de licitação pelos OS, buscando averiguar a sua conformidade

às leis específicas; (iii) encaminhamento dos editais, previamente analisados e conformes com

a legislação, aos fornecedores cadastrados no Sistema Informatizado de Monitoramento das

Licitações – SIM, do OSB; (iv) expedição de ofícios ao gestor responsável solicitando

esclarecimentos, apontando incorreções e/ou propondo alterações no edital que não se

apresente conforme com a legislação, seguindo um checklist pré-elaborado pelo OSB para

288 A maior relevância atribuída ao programa de monitoramento das licitações foi ressaltado pelo entrevistado L, embora assinalando que não se trata de uma diretriz rígida, sendo facultado a cada OS, diante da realidade do seu município, destacar outras prioridades “desde que não vão contra os princípios da Rede”; e o entrevistado R chega a afirmar que o monitoramento das licitações “...é o nosso foco, a razão de existir e de ter iniciado o trabalho do Observatório”.

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cada modalidade de licitação289 - ocasião em que também pode o OS fazer um levantamento

do valor do certame em confronto com os preços de mercado -, otimizando, assim, o trabalho

dos membros/voluntários dos OS; (v) acompanhamento, pelo OS, da sessão de abertura da

licitação, inclusive nos procedimentos eletrônicos, registrando todas as ocorrências do

certame, os participantes e respectivas propostas de preços; (vi) análise e discussão, pelo OS,

das ocorrências da sessão de abertura e julgamento das propostas, para verificação da

legalidade do ato; (vii) encaminhamento de ofício ao gestor público propondo o saneamento

de eventuais incorreções constatadas; e, (viii) expedição de ofícios à Câmara Municipal local

e ao Órgão do Ministério Público em caso de ilegalidades não sanadas pelo gestor público.

Recomenda-se, todavia, a consulta ao Manual de Licitação e Capacitação Técnica de

Observadores, criado pelo Observatório Social do Brasil – OSB, para uma pesquisa mais

detalhada das rotinas padronizadas pela Rede para o monitoramento das licitações

municipais.290

Todo esse procedimento padronizado pelo OSB encontra-se também disponível

no chamado Sistema Informatizado de Monitoramento das Licitações – SIM291, um software

desenvolvido para registro da atuação dos OS e que faz parte do programa de monitoramento

e acompanhamento dos processos licitatórios das Prefeituras e serve de meio de divulgação de

editais de licitação para fornecedores cadastrados no sistema292, possibilitando assim um

aumento da concorrência nos procedimentos de compras públicas e contratação de serviços

pelos entes públicos municipais. Objetiva, com isso, o OSB, uma economia nas compras e

contratações públicas, bem como a redução de práticas de corrupção nas disputas licitatórias.

O SIM – um sistema em expansão na Rede OSB -, permite a visualização de uma Agenda de

Licitações, que corresponde a uma lista de certames licitatórios abertos nos municípios-sede

de OS, divulgados semanalmente no site do OSB293. O sistema ainda permite a visualização

de atas dos certames, contratos, empenhos, ofícios de manifestações dos OS e os checklists

para cada modalidade licitatória; bem como a produção de relatórios quadrimestrais por cada

OS, que se constitui em uma importante ferramenta de controle dos procedimentos licitatórios

realizados, das modalidades utilizadas e dos resultados obtidos nos certames, com respectivas 289 Disponível em www.osbrasil.org.br/modelos-de-documentos. Acesso em 27.03.2016. 290 Disponível em www.novo.osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2014/12/Manual_de_licitacoes_OSB507871.pdf. Acesso em 27.03.2016. 291 Disponível em www.osbrasil.org.br/evento/tutorial-sim-sistema-informatizado-de-monitoramento-das-licitações/. Acesso em 26.03.2016. 292 Disponível em www.osbrasil.org.br/cadastro-de-empresas-para-recebimento-de-avisos-de-licitacao/. Acesso em 26.03.2016. 293 Disponível em www.licitacoes.osbrasil.org.br. Acesso em 26.03.2016.

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entregas dos objetos licitados, além de dados acerca da economia realizada no período pelas

Prefeituras, a partir de levantamentos entre os valores máximos previstos no edital e os

valores licitados, com o objetivo de mostrar o que a Prefeitura se propôs a pagar e o valor

efetivamente licitado. Enfim, trata-se de um relevante banco de dados acerca das atividades de

controle das compras públicas, desenvolvidas pelo Sistema de Franquia Social OSB e

respectivos resultados dessas práticas.294

Sobre o programa de monitoramento das licitações municipais, os trabalhos de

campo da pesquisa efetivamente revelaram que tal programa tem se constituído no carro-

chefe das frentes de atuação da Rede OSB, embora, enquanto frente de atuação eleita pelo

OSB, tenha suas raízes no próprio nascedouro da organização,295 Para parte dos entrevistados,

a principal razão para tanto, hoje, é o reduzido número de observadores/voluntários com que

costumam contar os OS.296

Abaixo alguns relatos de entrevistado-chave do OSB que possibilitam uma

dimensão clara da importância do SIM para a consecução dos objetivos da Rede:

O Observatório Social, ele nasceu de uma ideia lá de Maringá, no Estado do Paraná em que depois de descoberto o desvio de mais de cem milhões de reais da prefeitura municipal lá de Maringá, a sociedade conseguiu recuperar somente hum milhão. Então, as pessoas da sociedade civil que se organizaram pra estudar o problema e ver o que é que podia ser feito, chegaram a conclusão que a melhor forma de se trabalhar seria de uma forma preventiva [...]. Então a gente tem que lutar, pra trabalhar lá no nascedouro do problema. Evitar que ele nasça. Então a metodologia que foi criada, que foi idealizada naquela época, que foi desenvolvida, foi de fiscalizar as licitações porque são as licitações que concentram a maior parte dos gastos das administrações municipais [...]. E aí, nasceu essa ideia que foi, em seguida, estabelecida em um manual, pela Price Water House, [...], a Price Water House desenvolveu o manual, esse manual de [...] essa metodologia de trabalho e, posteriormente, foi contratado uma consultoria, uma empresa que desenvolveu um software, um programa que é chamado SIM – Sistema Informatizado de Monitoramento que é utilizado por todos os Observatórios do Brasil [...]. [...] Esse sistema permite o cadastramento dos usuários, todos os usuários dos Observatórios Sociais que se utilizam do Sistema, eles precisam estar cadastrados no sistema evidentemente [...]. O sistema a gente cadastra também as empresas locais e a gente cadastra as licitações. E quais são as

294 Disponível em www.osbrasil.org.br/evento/tutorial-sim-sistema-informatizado-de-monitoramento-das-licitações/. Acesso em 26.03.2016. 295 Conforme nota de rodapé nº 134. 296 O dado ora em destaque foi obtido junto aos entrevistados-chave N, A, Y e P, os quais foram categóricos em relatar a dificuldade em reunir voluntários para a atuação no OS, o que impossibilita uma cobertura mais abrangente dos processos licitatórios locais.

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vantagens? Isso permite aos Observatórios consultarem dados de licitações no Brasil inteiro [...]. O sistema é um banco de dados, esse sistema é um banco de dados e todos nós temos acesso a esse sistema, tanto de cadastro de empresas... Então eu posso, por exemplo, entrar no sistema e verificar quais são as empresas que estão cadastradas pra um determinado ramo de atividade. Eu posso verificar as licitações, todas as licitações, todas as licitações realizadas pra merenda escolar por exemplo [...]. Mas, além disso, existe uma ferramenta nesse sistema que é muito valiosa pra todos, que é o seguinte: a partir do momento que eu cadastro uma determinada licitação [...], o sistema automaticamente, ele dispara mensagens pras empresas daquele ramo informando dessa licitação e, é isso que aumenta a competitividade, aumenta a participação das empresas.297

A educação fiscal, segunda frente de atuação desenvolvida pela Rede OSB, por

sua vez, se constitui em um programa que objetiva conscientizar a sociedade a respeito da

importância social e econômica dos tributos e a necessidade de o cidadão acompanhar a

aplicação dos recursos públicos gerados com a arrecadação desses tributos.298

Importa recordar aqui que desde a criação do OSB, ainda com a denominação de

Instituto de Cidadania Fiscal – ICF, a organização já estabelecia, dentre seus objetivos, o

incentivo e a promoção de projetos e eventos artísticos e culturais que possibilitassem a

disseminação de conhecimentos e contribuíssem para a criação da cultura da cidadania fiscal

e a popularização das ferramentas de participação dos cidadãos na avaliação e no

monitoramento da gestão dos recursos públicos,299 objetivo esse que foi preservado pelas

alterações estatutárias promovidas posteriormente.

Por meio dos trabalhos de campo da pesquisa, particularmente junto ao

Observatório Social de São José dos Campos (OSSJC), Estado de São Paulo, levantou-se que

nesse município o OS se constitui em um parceiro institucionalizado do Programa Municipal

de Educação Fiscal do Município de São José dos Campos (SP), criado pela Lei nº 8.960, de

28 de junho de 2013 e em conformidade com o quanto estabelecido expressamente no

Decreto Municipal nº 15.573, de 25 de setembro de 2013, que regulamenta a referida Lei300.

297 Trechos da entrevista com o informante-chave P, do OSSJC. 298 Conforme www.osbrasil.org.br/como-funciona/. Acesso em 28.03.2016. 299 Conforme www.osbrasil.org.br/ICF_Estatuto-Social.pdf. Acesso em 28.03.2016. 300 O Programa Municipal de Educação Fiscal do Município de São José dos Campos – SP foi criado e desenvolvido com base nas diretrizes estabelecidas no Programa Nacional de Educação Fiscal, que tem suporte legal na Portaria Interministerial nº 413, de 31 de dezembro de 2002, expedida pelos Ministros de Estado da Fazenda e da Educação. No ano de 1998, porém, através da Portaria nº 35, de 27 de fevereiro de 1998, o então Ministro de Estado da Fazenda, Interino, Pedro Parente, instituíra o Grupo de Trabalho Educação Tributária, com o objetivo de promover e coordenar ações necessárias à colaboração e à implantação de um programa

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Pode-se mesmo afirmar que o Programa Municipal de Educação Fiscal do Município de São

José dos Campos (SP) se propõe a efetivar - como tantos outros programas afins já em

desenvolvimento em diversos municípios do país -, uma política pública nacional voltada à

promoção da educação fiscal e instituída a partir da junção de dois vetores importantes da

ação governamental: a educação e a eficiência na gestão pública dos recursos arrecadados

através dos tributos instituídos301. Essa conclusão é perfeitamente dedutível do inteiro teor da

Portaria Interministerial nº 413/2002, dos Ministérios de Estado da Fazenda e da Educação,

não obstante a opção pela utilização da expressão programa no texto normativo.302

Em verdade, a frente de atuação da educação fiscal, além de atingir um dos

objetivos institucionais do OSB, revela uma consolidada parceria entre a Rede OSB e entes

públicos federais encarregados de fiscalizar, no âmbito público, a regular aplicação dos

recursos públicos e, no âmbito privado, a regular arrecadação dos tributos instituídos por lei.

São, respectivamente, de um lado a Controladoria-Geral da União e, de outro, a Receita

Federal do Brasil; além de parcerias com instituições públicas locais, o que geralmente se dá –

por força, naturalmente, da natureza educativa da iniciativa e seu objetivo - com as secretarias

municipais da Fazenda e da Educação, seguindo o modelo previsto na citada Portaria

Interministerial n° 413/2002.

É o que informam diversos eventos mais recentes, realizados principalmente ao

longo do ano de 2015 e anos anteriores, que contaram com a participação direta do OSB, e

outros que tiveram a organização como parceira na divulgação. Assim, no primeiro caso, é

possível citar o trabalho desenvolvido no município de Foz do Iguaçu – Estado do Paraná,

sede de uma filiada da Rede OSB, o Observatório Social de Foz do Iguaçu, onde essa permanente de educação tributária, o que, certamente, veio a se concretizar com a edição da referida Portaria Interministerial nº 413/2002. Disponíveis, respectivamente, em www.esaf.fazenda.gov.br/assuntos/educacao-fiscal/legislacao/portarias/portaria-413-2002/view e www.esaf.fazenda.gov.br/assuntos/educacao-fiscal/legislação/portarias/portaria-35-1998/view. Acessos em 28.03.2016. 301 O art. 1º da Portaria Interministerial nº 413, afirma textualmente a abrangência nacional do programa de educação fiscal, voltado para “sensibilizar o cidadão para a função socioeconômica do tributo, levar conhecimento ao cidadão sobre administração pública e criar condições para uma relação harmoniosa entre o Estado e o cidadão”. Disponível em www.esaf.fazenda.gov.br./assuntos/educação-fiscal/legislação/portarias/portaria-413-2002/view. Acesso em 28.03.2016. 302 Na esteira do entendimento de Maria Paula Dallari Bucci, para quem “as políticas públicas têm diversos suportes legais. Podem ser expressas em disposições constitucionais, ou em leis, ou ainda em normas infralegais, como decretos e portarias [...]”. E sobre a utilização do termo programa, sobre o qual fazemos essa breve ressalva, aqui valem também as observações dessa autora acerca dos equívocos e das controvérsias que a cercam, assinalando que “a utilidade do elemento programa é individualizar unidades de ação administrativa, relacionadas aos resultados que se pretende alcançar”, correspondendo o programa à “dimensão material da política pública”. BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em Direito. In: ______ (Org). Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006, pp. 11 e 37-43.

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organização implementa o projeto da rede denominado Programa de Educação Fiscal, o qual

visa atingir um público estudantil que vai do ensino básico ao superior, promovendo

atividades como “minifeirões” de impostos, concursos de redação e desenho, palestras em

universidades, cursos de extensão em análise de licitações e organização de seminários e

debates em escolas e outras instituições de ensino.303

Outro evento que informa iniciativa da Rede OSB, por seus filiados, na promoção

da educação fiscal é o que resultou de parceria entre o Observatório Social de Guarapuava,

também no estado do Paraná, e o Colégio SESI, com a realização do projeto “Educação Fiscal

fortalecendo a Cidadania”, entre os meses de maio e junho de 2014.304

Outras práticas de OS, voltadas para o desenvolvimento de projetos na área da

educação fiscal, foram identificadas nos municípios paranaenses de Campo Largo e Marechal

Cândido Rondon, aonde, no ano de 2013, através da metodologia do Teatro de Fantoches,

buscou-se despertar a atenção do público estudantil para conceitos importantes como tributos,

arrecadação, função socioeconômica, corrupção, transparência, controle social e cidadania

fiscal e ativa.305

As oportunidades em que a Rede OSB se revela como um canal de divulgação de

eventos realizados com o propósito de promover a educação fiscal são inúmeras quando o

interessado promove uma busca eletrônica no website da organização por meio da palavra-

chave “educação fiscal”.306

[...] existe um trabalho grande do Observatório Social do Brasil pra que a educação fiscal seja disseminada, não só na educação escolar, como também para a população. Então, existe uma divulgação, através de eventos, palestras, concurso de redação, inclusive o concurso de desenho e redação, que é uma iniciativa que nasceu lá atrás na CGU, na Controladoria Geral da União; hoje isso é feito em parceria entre a CGU e o OSB, esse concurso de desenho e redação que é dirigido às escolas, tanto da Rede Municipal quanto da rede privada [...].307

303 Disponível em www.osbrasil.org.br/observatorio-promove-educacao-fiscal-em-foz-do-iguacu/. Acesso em 31.03.2016. 304 Disponível em http://osbrasil.org.br/estudantes-participam-de-projeto-educacao-fiscal-fortalecendo-a-cidadania/. Acesso em 03.04.2016. 305 Disponível em http://novo.osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2014/12/III_teatro_de_fantoches_-final52384.pdf e http://novo.osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2014/12/Boas_praticas_OSMCR_teatro_de_fantoches52383.pdf. Acesso em 03.04.2016. 306 Disponível em http://osbrasil.org.br/?s=educa%C3%A7%C3%A3o+fiscal. Acessos em 01, 02 e 03.04.2016. 307 Trecho da entrevista com o entrevistado-chave P.

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O caráter científico-acadêmico do presente trabalho impõe que se registrem

algumas reflexões acerca do quando foi observado na pesquisa sobre o programa de educação

fiscal. Para além de se consubstanciar um objetivo da Rede OSB, ele se consubstancia em

uma política pública de educação voltada para a disseminação da consciência cidadã acerca da

função sócio-econômica dos tributos, bem como a sua efetiva destinação e regular aplicação.

Ao serem consultadas as diversas fontes de informação sobre ocorrências relacionadas aos

programas de educação fiscal desenvolvidos pela Rede OSB, depara-se, repita-se, com uma

gama de eventos divulgados no website da organização, que tratam de inúmeras iniciativas

oficiais - federais, estaduais e municipais -, adotadas como parte das diretrizes estabelecidas

no Programa Nacional de Educação Fiscal, anteriormente referido. Alguns dos registros

encontrados trouxeram à autora da pesquisa indagações acerca do diferente grau de ênfase

dado pelo programa nacional aos dois principais pilares do mesmo, ou seja, a função

socioeconômica do tributo e a destinação e regular aplicação dos recursos públicos levantados

com a arrecadação. Afinal, na medida em que o programa busca despertar no cidadão

brasileiro – desde a sua formação básica até a superior -, uma consciência coletiva e

participativa na destinação dos recursos públicos, ao lado, repita-se, da enfatizada função

socioeconômica do tributo, nada mais óbvio do que se esperar que igual ênfase seja dada,

pelos órgãos oficiais envolvidos na execução do respectivo programa, às ferramentas legais

dispostas ao cidadão para o exercício da fiscalização da aplicação desses recursos, o que nada

mais é senão o exercício do controle social. Abre-se aqui, portanto, uma nova hipótese de

pesquisa.

Passam-se agora às iniciativas voltadas para a inserção das micro e pequenas

empresas nos processos licitatórios, terceira frente de atuação da Rede OSB.

Acessando-se o link “Agenda de Licitações” constante da página inicial do

website do OSB, obtém-se acesso à tecnologia desenvolvida pela organização para contribuir

com a maior inserção de micro e pequenas empresas nos processos licitatórios públicos,

priorizando no sistema o acesso a uma agenda de licitações atualizada, um espaço para o

cadastramento da empresa pelo interessado e um canal de contato com a Rede OSB,308 Em

verdade, o formulário de cadastro eletrônico não limita o acesso a essas categorias de

empresas; mas favorece o acesso das mesmas ao universo das licitações públicas, na maioria 308 Disponível em http://licitacoes.osbrasil.org.br/. Acesso em 04.04.2016.

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das vezes, restrito aos grandes grupos empresariais. Tomando-se por base as palavras de um

dos entrevistados-chave do OSB, o que a organização busca empreender é a capacitação das

empresas para participarem das licitações.

Esse(sic) capacitação aqui é porque existe muitos empresários que são micro e pequenos e médios empresários que acham.... não se acham capazes de fornecer pra administração municipal e são. Então, a gente procura capacitar, mostrar a eles que eles podem participar sim [...].309

Precedendo os campos de preenchimento obrigatório para o cadastramento das

empresas, está o mote apresentado pela Rede OSB para incentivar a maior participação do

segmento empresarial nas licitações públicas, que aqui se reproduz, a saber: “a inserção de

empresas nos processos licitatórios contribui para a geração de emprego e redução da

informalidade, bem como aumenta a concorrência e melhora a qualidade e preço nas

compras públicas”.310

[...] A presença, a atuação do Observatório, que a gente tem observado, faz com que aumente o número de participantes na licitação. Aumentando o número de participantes, diminui, melhora o valor da melhor proposta [...]. [...] Média de empresas nas licitações, onde não tem Observatório Social, a média é de três empresas, que é o mínimo. Veja só, a média, na verdade, é o mínimo e, onde tem Observatório Social é de sete empresas a média [...].311

Observa-se, assim, que o projeto “Agenda de Licitações”, desenvolvido pela Rede

OSB para contribuir com a maior inserção de micro e pequenas empresas nas licitações

públicas, ao tempo em que possibilita a amplitude do universo de licitantes e, portanto, a

efetivação do princípio constitucional da igualdade na dimensão dos procedimentos públicos

– o que, no âmbito dos processos licitatórios se traduz também na isonomia -, contribui para

uma maior oferta de preços para os produtos e serviços a serem contratados, sem se descurar

da qualidade desses. Esses fatores associados representam a eficiência esperada na gestão

pública, ou seja, economia e excelência – na linguagem corporativa - nas contratações

públicas.

Observa-se também, aqui, que essa terceira frente de atuação da Rede OSB

associa-se de modo colaborativo para o êxito da primeira – o monitoramento das compras 309 Falas do entrevistado-chave P. 310 Disponível em http://licitacoes.osbrasil.org.br/cadastro/. Acesso em 04.04.2016. 311 Falas do entrevistado-chave P.

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municipais -, fortalecendo a transparência dos certames públicos desde a sua abertura até a

contratação final.

Tem-se, por fim, a quarta frente de atuação da Rede OSB, que se consubstancia na

construção de Indicadores da Gestão Pública (IGP). Mas, o que são os Indicadores de

Gestão Pública desenvolvidos pelo OSB?

De acordo com os dados levantados no site oficial da Rede OSB, os Indicadores

de Gestão Pública (IGP) são indicadores sociais e econômico-financeiros construídos pela

organização a partir de levantamentos realizados em sites oficiais de diferentes órgãos

públicos312. Trata-se de ferramentas - como assim os define a Rede OSB - desenvolvidas para

auxiliar os OS no monitoramento e controle social contínuo da gestão pública, a partir da

análise das políticas públicas, projetos sociais e investimentos públicos de cada município-

sede de OS, frente às necessidades locais mais prementes identificadas, bem como do

equilíbrio entre o binômio receita-despesa públicas.313

Os IGP compreendem tanto indicadores econômico-financeiros quanto sociais. Os

primeiros se propõem a oferecer parâmetros de avaliação da execução financeira e

orçamentária do município a partir da perspectiva do gasto público e da relação de equilíbrio

entre receita e despesa. Os segundos, por sua vez, se propõem a oferecer parâmetros para

avaliação dos resultados da gestão pública e da aplicação dos recursos em áreas relacionadas

às necessidades sociais básicas da população local, v.g, saúde, segurança, educação, emprego,

moradia e meio ambiente, que efetivamente correspondem à satisfação de direitos

fundamentais de dimensão social. São eles, ainda, classificados em IGP de Curto Prazo (CP) e

IGP de Longo Prazo (LP). Os IGP – CP se referem a dados que são levantados continuamente

ao longo do exercício orçamentário anual, em recortes que podem ser mensais, bimestrais,

quadrimestrais ou semestrais. Os IGP – LP referem-se a dados levantados ao final do

exercício financeiro do ente público municipal.314

312 Segundo dado levantado no site oficial da Rede OSB, os IGP integram um sistema de gerenciamento desenvolvido pelo economista e membro do Observatório Social de Lajeado/RS, Adriano Dirceu Strassburger. 313 Disponível em http://novo.osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2014/12/IGPs-Como-utiliz%C3%A1-los-na-pr%C3%A1tica.pdf. Acesso em 04.03.2016. 314 Conf. http://novo.osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2014/12/MIGP_-_CP50823.pdf e http://novo.osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2014/12/MIGP-LP50824.pdf. Acesso em 04.03.2016.

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Assim, tomando-se por base a classificação desenvolvida pela Rede OSB, tem-se

como exemplos de IGS-CP estabelecidos o “Índice de IPTU arrecadado”, o “Índice de ISS

arrecadado”, o “Índice da Receita de Serviços”, o “Percentual de Gastos com Pessoal” e o

“Índice de Investimentos, dentre outros315. Já no quanto se refere aos IGP – LP tem-se o

“IPTU per capita”, o “ISS per capita”, o “FPM per capita”, a “Receita Total per capita”, os

“Gastos em educação per capita”, os “Gastos em assistência social per capita”, novamente o

“Percentual de Gastos com pessoal” e o “Índice de Execução Orçamentária”, dentre outros.316

Esses indicadores, enfim, têm servido de suporte para a elaboração de mapas

estatísticos pela própria Rede OSB, que se mostram relevantes bases de dados para um

diagnóstico socioeconômico de municípios e regiões alcançadas pelas ações da

organização.317

3.2.5 O trabalho de campo no estudo do caso Observatório Social do Brasil: uma incursão

investigativa no Observatório Social de São José dos Campos - SP.

Como foi assinalado anteriormente, a primeira incursão investigativa junto ao

Observatório Social do Brasil deu-se no 6º ENOS, cujas impressões e anotações de pesquisas

foram registradas no item 5.2.4. Seguiu-se daí uma sequência de incursões no site oficial da

organização e de quatro entrevistas entre ocupantes de cargos de direção no OSB, e outros

informantes-chave, entrevistas estas que somaram 3 horas, 2 minutos e 8 segundos de

gravação.

O trabalho de pesquisa, entretanto, não se completaria caso não fosse observado,

em campo, detalhes de como são operacionalizadas as ferramentas de controle social dos

gastos públicos desenvolvidas pela Rede OSB e as demais frentes de atuação escolhidas pela

organização. Para tanto os trabalhos de pesquisa foram direcionados para uma observação

participante do fenômeno estudado, que consistiu na participação direta da pesquisadora em

reuniões do Observatório Social de São José dos Campos – Município do Estado de São

315 Disponível em http://novo.osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2014/12/MIGP_-_CP50823.pdf. Acesso em 04.03.2016. 316 Disponível em http://novo.osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2014/12/MIGP-LP50824.pdf. Acesso em 04.03.2016. 317 Apresentação da Matriz de Indicadores da Gestão Pública no 3º Encontro Nacional de Observatórios Sociais.pps. Disponível em http://osbrasil.org.br/indicadores-de-gestao-publica/, Acesso em 05.03.2016. Ver também os registros do 6º Encontro Nacional de Observatórios Sociais – ENOS, no item 5.2.4.

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Paulo, integrante da Rede OSB, além de entrevistas também com dirigentes e membros-

colaboradores desse OS local. É do que se tratará a seguir.

O Observatório Social de São José dos Campos – SP, associação civil filiada à

Rede OSB, foi fundado no ano de 2013, recentemente, portanto, em solenidade ocorrida no

dia 08 de maio de 2013 na Câmara Municipal de São José dos Campos. O OSSJC ainda não

dispõe de sede – como ocorre com a maioria dos OS, inclusive, a entidade coordenadora e

franqueadora da Rede -, reunindo-se, desde a sua fundação, no imóvel-sede do Lions Club de

São José dos Campos – um dos apoiadores da entidade -, situada na Av. Eng. Francisco José

Longo, n° 460, Jardim São Dimas.318

As visitas de campo ao Observatório Social de São José dos Campos – OSSJC,

interior do Estado de São Paulo também se deram no intuito de compreender como se

desenvolvem as metodologias da Rede OSB, o que veio a ocorrer nos dias 2, 13, 14 e 20 de

julho de 2015. Nas ocasiões, foram realizadas cinco entrevistas devidamente gravadas

mediante livre consentimento, com membros da Diretoria do OSSJC e voluntários conforme

roteiro previamente elaborado (Apêndice 3). Nos dias 14 e 20 de julho de 2015, participou-se

também de reuniões ordinárias do OSSJC, oportunidades em que se pode observar o

fenômeno pesquisado através do acompanhamento do desenrolar de procedimentos de

fiscalização de licitações do Município de São José dos Campos, mediante a utilização da

metodologia de monitoramento de compras públicas da Rede OSB. Assim como as

entrevistas, as duas reuniões ordinárias do OSSJC também foram gravadas, produzindo, o

trabalho de campo junto a esse OS, um tempo de gravação de 6 horas aproximadamente.

Nortearam as entrevistas realizadas com os membros-voluntários do OSSJC as

mesmas questões que foram formuladas aos dirigentes e informantes-chave do OSB, voltadas

predominantemente para elucidar os problemas da pesquisa. Assim, indagou-se os

entrevistados acerca dos objetivos e estratégias de ação da organização no campo do controle

318 Entrevistado-chave da Rede OSB, P relata que “um dos grandes problemas do Observatório é a manutenção dos observatórios, porque é muito difícil os observatórios conseguirem atingir uma certa sustentabilidade. O grande problema dos Observatórios é a sustentabilidade. É o financiamento”, asseverando, em outro momento da entrevista que “aqui, o Observatório tem uma dúzia de voluntários só. É uma equipe muito pequena e nós ainda não temos uma sala, um ambiente fixo no qual a gente possa desenvolver as nossas atividades no horário comercial. Destaca-se aqui esta fala do entrevistado porque relevante para a compreensão dos desafios que os observadores enfrentam para manter em movimento os ideais, objetivos e frentes da Rede OSB, desafios este que se manifestam desde a inexistência de sede própria e prossegue nos demais componentes da infraestrutura material e humana indispensáveis à sustentação das organizações e suas ações.

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social; da efetividade dos mecanismos de controle social postos no ordenamento jurídico

brasileiro à disposição dos cidadãos e da sociedade civil para o seu exercício; do grau de

participação da sociedade brasileira nas decisões político-administrativas do Estado, a partir

do pressuposto da incipiência que outros estudos revelaram neste campo; e, da transparência e

acessibilidade à informação de que se revestem os atos da Administração Pública de todos os

níveis e esferas de Poder. Entretanto, uma análise mais acurada dos dados levantados realizar-

se-á em tópico deste trabalho dedicado à análise por categorias construídas a partir das

questões e problemas que a pesquisa buscou elucidar.

A incursão investigativa junto ao Observatório Social de São José dos Campos

permitiu conhecer, em campo, se não o desenvolvimento de todas as frentes de atuação da

Rede OSB, ao menos aquela que se constituiu na razão do nascer da organização, ou seja, o

monitoramento das compras públicas municipais, tratado no item 5.2.4.2.

Foram realizadas duas visitas de campo, programadas especialmente para

acompanhamento das práticas de monitoramento das contas públicas do município de São

José dos Campos - SP, principal atividade de controle social desenvolvida pelo OSSJC.

Na primeira das reuniões, que contou com a presença, além do Presidente do OSB

local, de mais oito colaboradores, membros voluntários da organização, observou-se que os

participantes membros do OSSJC além de discutirem pormenores das diversas modalidades

de procedimentos licitatórios – o que se revelou como uma oportunidade de

compartilhamento de experiência e conhecimento -, efetuaram uma busca na página virtual da

Prefeitura Municipal de São José dos Campos, mais especificamente da Secretaria de

Administração do Município, e dirigiram uma especial atenção para os pregões presenciais

que se encontravam abertos para a oferta de propostas. Na ocasião foram feitas ponderações a

respeito da falta de transparência e informações essenciais ao exercício do controle social de

processos licitatórios com valores da ordem de vinte e dois milhões de reais, bem como

estabelecidas estratégias para o acompanhamento das sessões públicas de apresentação das

propostas de dois dos pregões presenciais abertos, com o comando de serem devidamente

registrados no Sistema Informatizado de Monitoramento (SIM) da Rede OSB, de que tratou,

igualmente, o item 5.2.4.2.

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O momento correspondente à segunda reunião ordinária do OSSJC, de que

participou a autora da pesquisa na condição de observadora, mostrou-se relevante diante da

possibilidade de obtenção de feedback acerca dos resultados do monitoramento dos dois

procedimentos licitatórios – modalidade pregão presencial -, escolhidos pela organização na

reunião anteriormente relatada e realizados por ocasião do comparecimento de representantes

do OS nas sessões públicas de apresentação das propostas, que se sucederam nos dias 15 e 17

de julho de 2015, conforme deliberado naquela ocasião pelos seus participantes.

Como impressões significativas para a pesquisa, colhidas nessa oportunidade,

pode-se assinalar, primeiramente, que os membros voluntários do OSSJC, honrando o

compromisso assumido com a tarefa abraçada, efetivamente compareceram às duas sessões de

apresentação das propostas correspondentes aos dois processos licitatórios selecionados,

relatando aos demais participantes dessa subseqüente reunião – em sua maioria os mesmos da

anterior -, os registros efetuados com base nas ocorrências verificadas nas respectivas sessões

públicas visitadas de cada um dos pregões presenciais. Tal conduta dos observadores sociais

condiz com as rotinas estabelecidas e recomendadas no Manual de Licitações e Capacitação

Técnica de Observadores do Observatório Social do Brasil.319

Na sequência, merece relato o nível de instrumentalização normativa e

comprometimento com os quais os observadores analisam os processos licitatórios,

pesquisando planilhas de composição de custos, instruções normativas, regularidade de prazos

procedimentais, publicidade dos atos, conforme a modalidade específica de licitação, o valor e

o objeto a ser contratado, comparando também com contratos anteriormente firmados pelo

ente público para o mesmo objeto licitado. E, seguindo a metodologia traçada no Manual de

Licitações e Capacitação Técnica de Observadores, deliberaram, diante do quanto revelaram

as licitações analisadas, pela formalização de questionamento ao Prefeito do Município acerca

de itens da composição dos preços dos objetos licitados.

Há algumas linhas foi relatado que a implementação de todas as frentes de atuação

da Rede OSB pelas filiadas/franqueadas locais encontra obstáculo na carência de voluntários.

O trabalho de campo que se desenvolveu por meio da observação participante em duas

reuniões ordinárias do OSSJC permitiu – além do conhecimento direto da operacionalização

319 Disponível em http://novo.osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2014/12/Manual_de_licitacoes_OSB50787.pdf. Acesso em 09.04.2016.

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das ferramentas de controle social desenvolvidas pela Rede OSB – essa constatação, ou seja, a

seleção dos processos licitatórios a serem analisados e acompanhados pelos observadores

sociais é diretamente proporcional ao número e à disponibilidade desses observadores, ao que

vem se somar o valor da licitação e o interesse público envolvido no seu objeto.

Por fim, cabe registrar que a observação participante em duas reuniões ordinárias

do OSSJC também se consubstanciou em uma importante fonte de dados acerca do nível de

transparência que permeia as administrações públicas municipais e sobre esse tema voltar-se-á

quando da apresentação e análise dos dados por categorias estabelecidas segundo os

problemas da pesquisa, o que se dará um pouco mais adiante.

3.3 A Organização da Sociedade Civil de Interesse Público Amigos Associados de

Ribeirão Bonito – AMARRIBO: o pioneirismo associativo no combate à corrupção nas

Prefeituras do Brasil.

3.3.1 Apresentação.

A Amigos Associados de Ribeirão Bonito – AMARRIBO Brasil, organização da

sociedade civil de interesse público, com título de OSCIP e sede no município de Ribeirão

Bonito, interior do Estado de São Paulo, que iniciou suas atividades no ano de 1999, foi

criada por um grupo de amigos ali nascidos, com o objetivo de promover o desenvolvimento

social e humano do município de Ribeirão Bonito.320 Ao deparar-se com um quadro de

corrupção institucionalizada no âmbito da administração municipal que obstava esse

desenvolvimento, a entidade voltou a sua atenção para a desarticulação dos esquemas de

corrupção que grassavam a sociedade local. As primeiras batalhas da AMARRIBO deixaram

um saldo positivo de duas cassações de prefeitos e vereadores da municipalidade.

Persistindo na vigilância contínua aos Poderes Públicos municipais, o que se

circunscrevia a uma atuação local, ganhou dimensão de rede nacional, vindo a agregar

diversas entidades da sociedade civil organizada de todo o Brasil, se constituindo hoje na

AMARRIBO Brasil, que, em parceria com o Instituto de Fiscalização e Controle (IFC), veio a

320 Ver www.amarribo.org.br. Acesso em 18.02.2015.

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constituir a Rede AMARRIBO – IFC.321

Sob sua responsabilidade e autoria, a AMARRIBO Brasil vem promovendo a

edição e divulgação (cinco edições no total, a última no ano de 2012) do livro “O Combate à

Corrupção nas Prefeituras do Brasil”, um guia em formatos físico, comercializável em loja

virtual própria da entidade, e digital,322 voltado para estimular e orientar os cidadãos e a

sociedade civil organizada no exercício do controle social, através da fiscalização dos gastos

públicos, da regularidade dos processos de compras e execução de obras e serviços nos

municípios e da admissão de pessoal ao serviço público nas municipalidades; enfim,

promover o estímulo à participação popular nos assuntos de interesse público, ministrando

instruções para a prevenção e o combate à corrupção na esfera política e administrativa

municipal. Também, por meio do guia “O Combate à Corrupção nas Prefeituras do Brasil” a

AMARRIBO Brasil compartilha a sua experiência no combate à corrupção junto ao poder

público municipal de Ribeirão Bonito-SP, desde o primeiro resultado exitoso de uma

iniciativa que culminou com o afastamento do cargo de um Chefe do Poder Executivo local,

seguida de novos afastamentos de agentes políticos por atos de corrupção.

3.3.2 A Rede AMARRIBO: um caso de sincronicidade de ideais e objetivos.

O exemplo da AMARRIBO e o compartilhamento de experiências levaram a que

novas organizações da sociedade civil de interesse público fossem constituídas em diversos

municípios brasileiros, podendo ser citadas o Instituto de Fiscalização e Controle (IFC), com

sede em Brasília – Distrito Federal, a AMABOM, no município de Bom Despacho (MG), a

ACIBEN, no município de Ribeirão das Neves (MG), a Transparência Capixaba, em Vitória

(ES), a AMOR, no município de Realeza (PR), a AMAILHA, em Ilhabela (SP), a Associação

Amigos de Januária – ASAJAN, no norte de Minas Gerais, e a Amigos Associados de

Analândia – AMASA - associação a que a autora da pesquisa recorreu, como parte da sua

estratégia de trabalho de campo, para levantamento de evidências mais férteis das práticas

orientadas pela Rede AMARRIBO -, dentre outras ONGs.

321 Consultar http://www.amarribo.org.br/pt_BR/iniciativas/brasil_em_andamento. Acesso em 30.04.2016. 322 Disponível em <www.amarribo.org.br/pt_BR/midia/publicação_cartilha.> Versão digital gratuita. Acesso em 16.03.15.

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A pesquisa de campo junto à AMARRIBO Brasil, a propósito do relato que ora se

desenvolve, teve início com a participação da autora da pesquisa, a convite da Secretaria da

Organização, em uma reunião com cidadãos dos municípios paulistas de São Carlos, Franco

da Rocha e Jaboticabal, interessados em constituir associações nos moldes da que se formou

em Ribeirão Bonito (SP), nos idos de 1999, e que hoje lidera a rede de igual nome.323

Nessa oportunidade e com o consentimento expresso dos participantes, a autora da

pesquisa gravou as manifestações e indagações dos interessados e os feedbacks dos membros

da AMARRIBO Brasil ali presentes, reunindo um material de pesquisa de campo, capaz de

servir como uma rica fonte de evidências para a compreensão dos problemas levantados na

pesquisa. A seguir transcrevem-se alguns trechos das manifestações de participantes do

encontro que não apenas revelam as suas motivações para a constituição de uma ONG voltada

para o combate à corrupção e o exercício do controle social nos municípios que representam,

mas, especialmente, as suas impressões acerca do fenômeno da corrupção na sociedade, da

participação popular e do controle social da administração pública e dos papéis

desempenhados pelos Poderes Públicos locais. Por outro lado, ali também se cuidou de

ministrar instruções aos aspirantes a “soldados da cidadania” sobre como melhor

operacionalizar as ferramentas legais que possibilitam a constituição da associação civil.

[...] e eu sugeri ao..., pra gente mexer melhor com a Prefeitura a gente ter um pouco mais de força, nós temos que mostrar um tipo de uma associação ou algo parecido, eu falei, a única que eu conheço, que eu tenho seguido [...] é a associação de Ribeirão Bonito [...] Aí começamos a combinar até chegar ao ponto de a gente chegar aqui hoje [...] além do nosso interesse social que nós temos pela cidade, que nós gostamos da cidade [...] é a fiscalização do Executivo, que é o que vocês fizeram, que eu acredito, e do Legislativo, que aquilo lá anda largado e as moscas, eles fazem o que eles querem, a hora que querem e como querem [...].324 [...] acho que todos nós temos experiências suficientes pra saber como que isso funciona; e é difícil você ver uma pessoa sair assim em defesa da cidadania, porque sobretudo aqueles que estão no poder; eles não entendem dessa forma; você passa a ser uma pessoa non grata [...] o que eu to fazendo aqui hoje é buscar o know how de vocês, que eu sei que vocês tem, vocês passaram por uma série de coisas, e que eu quero levar pra minha cidade [...].325

323 A Reunião aconteceu no dia 30 de maio de 2015, no atual endereço físico da AMARRIBO Brasil, a saber, o Km 187, 5 da Rodovia Luiz Augusto de Oliveira, Santa Elisa, Município de Ribeirão Bonito (SP). 324 Fala de representante do município de Franco da Rocha (SP). 325 Fala de representante do município de Jaboticabal (SP).

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[...] todo o problema da corrupção em Ribeirão Bonito, ele tinha base em São Carlos; não era nem ramificação, era base em São Carlos, então envolveu também um prefeito lá da época, tudo.326 [...] Ah, e Ribeirão Bonito foi uma das primeiras cidades a acabar com o voto secreto, sabe por que? Porque eu fui sozinha na Câmara de panela na mão [...].327 [...] o Prefeito já tinha sido prefeito antes, um médico da cidade, né; uma pessoa totalmente descontrolada na vida pessoal, cheio de cheque sem fundo; quando ele foi eleito, até a energia da casa dele estava cortada; ele pegava energia com numa gambiarra do vizinho; quer dizer, uma pessoa dessa, você fica perguntando como que a população vota numa pessoa dessa [...].328 [...] A corrupção, ela toma caminhos que a gente nem pode imaginar. É uma verdadeira engenharia né de como roubar. Na cidade pequena, numa cidade pequena, numa cidade média, eles, na evidência, é mais fácil né, esses sinais de evidência é mais fácil, né?329 [...] E, só pra finalizar minha fala, uma coisa que eu vi nesses anos todos de CONSEG, que eu comecei a fazer, o que é que falta no Brasil. Falta congregar as pessoas não é, ou seja, eu vi muito no nosso município. A polícia militar tava aqui, a civil tava aqui, a guarda tava aqui, promotor aqui, tal, tal, daí eu comecei a fazer um ciclo social do bem né [...].330 [...] a gente recomenda, é lógico, se organizar numa ONG e não colocar direta assim, coisas vinculadas ao combate à corrupção direto, porque isso afasta muitas pessoas que tem medo [...].331 Se possível, desde o começo, pense nesse aspecto da sustentação. Pense que vocês vão ter que gastar dinheiro, vai ter que estabelecer, vai ter que se organizar, vai ter que ter algum elemento mínimo de organização, uma pequena sede, um telefone [...], quer dizer, precisa pensar desde o começo que é preciso ter alguma sustentação econômica [...].332 [...], pra mim, até por conta de tudo que eu já passei, que eu já consegui captar, o grande ralo do esgoto da corrupção, que faz medo é o município. Se você juntar tudo, não tem nada que dá um Petrolão, um mensalão, bla, bla, bla. Então, é lá onde a gente tá, é aqui que nós precisamos... por que? Porque é aqui que a verba chegou, e veio normalmente carimbada lá de cima e que nós tamos querendo aqui embaixo, que nem um palhaço... e mais uma coisa, nós não vamos atrás.333

326 Fala de representante da AMARRIBO Brasil. 327 Fala de representante da AMARRIBO Brasil. 328 Fala de representante da AMARRIBO Brasil. 329 Fala de representante da AMARRIBO Brasil em referência a evidências de enriquecimento ilícito de agentes públicos. 330 Fala de representante do município de Franco da Rocha (SP). 331 Fala de representante de AMARRIBO Brasil. 332 Id. 333 Fala de representante do município de Jaboticabal (SP).

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Não, cês querem... a cidade de ..., a Câmara, colocou um blindex entre os vereadores e a platéia. Um blindex assim, de fora a fora. Imagina se a população consegue ter acesso...334

Atualmente, portanto, a AMARRIBO Brasil vem se constituindo, tanto no aspecto

formal quanto estratégico, em uma rede de controle social de compartilhamento e difusão de

práticas de fiscalização da gestão pública em todo o país, incentivando a formação de novas

organizações não governamentais com objetivos afins, ou simplesmente a mobilização dos

cidadãos por meio de lideranças sociais locais.

Um aspecto relevante da organização AMARRIBO Brasil, presente desde a sua

constituição como uma associação circunscrita ao município paulista de Ribeirão Bonito, é o

seu perfil apartidário, ou melhor, desvinculado de qualquer identificação com ideologias e

propósitos político-partidários – realidade que, conforme fora assinalado linhas atrás, também

se reproduz na rede Observatório Social do Brasil. É o que fizeram questão de assinalar dois

dos informantes-chave e co-fundadores da organização ao descrever os passos iniciais de

criação da ONG:

[...] Então nós consultamos diversos órgãos e ONGs também da época, a ETHOS, Transparência Brasil, nós começamos a se envolver com tudo isso né, e o que norteou a ONG, a primeira coisa era que nós teríamos que ser apartidários, teríamos que ter todos os princípios, os objetivos, mas nós não poderíamos ter um rótulo, uma marca [...] isso foi talvez a coisa mais importante né. Tudo que a gente fizesse ou essa luta nossa ela tinha que ter objetivo assim de... educacional, apartidária né... esses princípios de transparência, de fazer tudo dentro do arcabouço de leis que a gente tinha e são leis boas e que precisava(sic) ser só aplicadas né? 335 [...] e a população realmente entendeu; então isso foi gratificante porque a pessoa fala: “- Ah, a AMARRIBO”; porque, na verdade, o que é que a gente acontece: a gente enfrentou três grupos, um do PSDB, PMDB, que foi o segundo prefeito, e o PT; quer dizer, os três maiores partidos [...].336

Esta percepção inicial dos fundadores da AMARRIBO Brasil veio se refletir no

estatuto da entidade, e que, reproduzida nas disposições da antiga Amigos Associados de

334 Fala de representante da AMARRIBO Brasil. 335 Trecho da entrevista com o informante-chave V. 336 Fala de representante da AMARRIBO Brasil na reunião realizada em 30.05.2015, referida anteriormente.

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Ribeirão Bonito - AMARRIBO, fundada em 14 de novembro de 1999337, repetiu-se no seu

atual estatuto social, em seu artigo 1º, caput, o qual estabelece que:

Os Amigos Associados de Ribeirão Bonito – AMARRIBO, doravante designada por entidade, constituída em 14 de novembro de 1999, de conformidade com o Código Civil e a Lei nº 9.790/99, é a pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, religiosos, ou político partidário e duração por tempo indeterminado, com sede à rua Dr. Aurélio Neves, nº 355, na cidade de Ribeirão Bonito, que passa a denominar-se AMARRIBO Brasil (grifo nosso).

É de se ressalvar, apenas que a sede a organização, atualmente, localiza-se no Km

187,5 da Rodovia Luiz Augusto de Oliveira, Santa Eliza, Ribeirão Bonito, Estado de São

Paulo.

A experiência da AMARRIBO que inicialmente se constituiu em uma ação local,

dentro da circunscrição do município de Ribeirão Bonito, Estado de São Paulo, após a criação

do sítio eletrônico www.amarribo.org.br, o lançamento do livro O Combate à Corrupção nas

Prefeituras do Brasil e a parceria com o Instituto de Fiscalização e Controle (IFC), ONG que

reúne profissionais da área de fiscalização e controle no âmbito do Poder Público, possibilitou

a formação de diversas ONGs que hoje integram a Rede AMARRIBO, totalizando já 215

entidades civis de interesse público espalhadas em vinte e um estados da Federação Brasileira,

concentrando-se a maior parte das associações nos estados de São Paulo e Minas Gerais, onde

se contabilizou setenta e quatro e quarenta, respectivamente, até a data da última pesquisa.338

Chamou a atenção no trabalho de pesquisa o fato de que a configuração de rede de

controle e fiscalização e combate à corrupção nas prefeituras escolhida pela AMARRIBO

Brasil, por seguir um formato mais aberto, vem permitindo a integração de mais de uma

associação por base territorial, ou seja, há municípios como Belém, no estado do Pará,

Antonina do Norte e Fortaleza, no estado do Ceará, Natal, no Rio Grande do Norte, João

Pessoa, na Paraíba, Belo Horizonte e Ribeirão das Neves, no estado de Minas Gerais,

Casimiro de Abreu e Rio de Janeiro, no estado do Rio de Janeiro, e Ilhabela e São Paulo, no

estado de São Paulo, que sediam mais de uma associação parceira – como assim as prefere

337 Conforme documento encaminhado por e-mail pela Secretaria da organização, observando-se que o estatuto da entidade, disponível em http://www.amarribo.org.br/pt_BR/conheca/estatuto_social, refere-se à entidade com as alterações estatutárias que deram ensejo à constituição da AMARRIBO Brasil. 338 Disponível em < www.amarribo.org.br?pt_BR/parceiros/rede > Acesso em 22.04.16.

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denominar a AMARRIBO Brasil -, em suas respectivas bases territoriais339. É de se assinalar,

inclusive, que o próprio estatuto social da AMARRIBO Brasil, em seu artigo 2º, inciso I,

alínea l, propõe o reconhecimento e credenciamento como entidades sociais afiliadas da rede,

todas que comunguem dos mesmos objetivos.340

A relevância desse aspecto para a pesquisa deve-se ao fato de que, quando do

estudo do caso Rede Observatório Social do Brasil – OSB, descrito no item anterior 5.2, a

partir de uma abordagem comparativa entre as unidades estudadas, pode-se observar e deduzir

que, dentro do formato institucional desenhado pelo estatuto do OSB – recentemente alterado

para adoção do Sistema de Franquia Social OSB -, a rede admite tão somente a existência de

uma associação por base territorial, aqui tomada como município.

O trabalho de campo desenvolvido junto à AMARRIBO permitiu compreender as

razões dessa abertura conferida pela rede na admissão de parceiros e, mais precisamente, na

possibilidade de existência de mais de uma entidade parceira/filiada por base territorial. É o

que revelam os relatos a seguir destacados:

[...] Essa Rede é uma rede de ONGs que foram formadas a partir da experiência da Amarribo[...] Era um volume de e-mails enorme e ligações e nós não tínhamos estrutura pra atender [...] Mais de dois mil e-mails, nós fomos respondendo e foi assim que eu entrei e nunca mais parei. Até hoje eu ainda respondo e-mails. Já se passaram mais de doze anos. E, a partir daí, a gente começou a formar as ONGs nas cidades em que a gente orientava e dava instruções e se formou então a Rede Amarribo de ONGs, que hoje a gente tem cerca de umas duzentas e trinta ONGs. Nem todas são extremamente ativas, mas todas estão na Rede [...] [...] Você tem uma afluência de organizações de todo tipo na Rede da Amarribo. Eu tenho organizações que já estão formadas há muito tempo e que atuavam no meio ambiente, eu tenho organizações que atuam na afrodescendência, então, todas elas que, formadas e já atuantes, que quiseram entrar na Rede da Amarribo, elas tão hoje. Elas entraram e tão fazendo parte [...] Mas, de uma forma geral, se os princípios são os mesmos né, se você tá defendendo ética, cidadania, participação social então tem total sintonia com a Amarribo. [...] A Rede, ela começou em 2003. Nós começamos com seis ONGs... as primeiras seis ONGs. Tivemos um encontro lá em Brasília e assim, era um encontro de...aspirantes, acho. Naquela época, a gente não imaginava o crescimento né que seria. Mas o... era assim, integran...estávamos integrando

339 Disponível em < www.amarribo.org.br?pt_BR/parceiros/rede > Acesso em 22.04.16. 340 Conforme disponibilizado em <www.amarribo.org.br/pt_BR/conheca/estatuto_social.> Acesso em 25.04.2016.

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objetivos. Os nossos objetivos eram comuns e a gente começou a se falar [...].341

O estatuto da AMARRIBO Brasil, por sua vez, estabelece no artigo 2º que “a

entidade tem por finalidade desenvolver projetos de interesse social e prevenir e combater a

corrupção na administração pública em todos os níveis da federação,” 342seguindo-se daí, nos

incisos I e II do mesmo artigo, um elenco de objetivos enunciados conforme o âmbito de

abrangência das possíveis ações e projetos desenvolvidos pela associação se realizem em

âmbito nacional ou municipal. Observa-se aqui o quanto o objetivo geral da organização

AMARRIBO Brasil343 reflete o histórico de sua formação. Dados levantados na pesquisa

informam que o nascedouro da associação, no ano de 1999, cercou-se de propósitos

diretamente relacionados à promoção do desenvolvimento social do município de Ribeirão

Bonito, no estado de São Paulo. Todavia, diante do quadro de corrupção institucionalizada na

Administração Pública e no Poder Legislativo local, com o qual os seus fundadores se

depararam, e que inviabilizaria a execução de qualquer projeto social no município, a

organização viu-se obrigada a se dedicar ao combate à corrupção em âmbito local. O exitoso

combate que culminou com a cassação de dois prefeitos e cinco vereadores de Ribeirão

Bonito ganhou as mídias regionais e nacional, atraindo o interesse de inúmeros cidadãos país

afora no sentido de replicar aquela experiência em seus municípios também seriamente

contaminados pela grave moléstia social em que se constitui a corrupção, especialmente no

universo dos poderes públicos instituídos, nascendo, a partir daí, a Rede AMARRIBO.

Diversos relatos dão suporte a essa constatação:

[...] quando eu voltei pra São Paulo, nós tínhamos um grupo de amigos que queria fazer alguma coisa por Ribeirão Bonito. Eu fiz a primeira reunião nossa, foi num restaurante lá em São Paulo, reunimos pra conversar sobre Ribeirão Bonito, o que nós poderíamos fazer por Ribeirão Bonito. Aí, surgiu justamente a ideia de fazer uma associação pra ajudar Ribeirão Bonito no seu desenvolvimento, na sua cultura, devolvendo um pouco daquilo que nós angariamos na nossa infância aqui em Ribeirão Bonito e na nossa juventude aqui em Ribeirão Bonito[...]. [...] Então, nós começamos a fazer esse trabalho, restauramos a capela né, foi o primeiro trabalho nosso, restauramos também... tinha uma gruta de Nossa Senhora ali na subida, também é...procuramos restaurar aquilo ali e estávamos fazendo um trabalho, já com vista a juventude de Ribeirão

341 Trecho da entrevista com o informante-chave S. 342 Disponível em < www.amarribo.org.br/pt_BR/conheca/estatuto_social> Acesso em 24.04.2016 343 Dados levantados por meio da incursão no site institucional informam que até o ano de 2011 a organização denominava-se simplesmente AMARRIBO. A partir desse ano a organização ampliou o seu campo de atuação, passando, inclusive a ser parceira institucional da Transparência Internacional no Brasil. Dados disponíveis em www.amarribo.org.br/pt_BR/conheca/historico . Acesso em 23.04.2016.

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Bonito. Foi aí, logo no início da... praticamente da criação da ONG, que nós tentamos nos aproximar do Poder Público né, do prefeito na época, dos vereadores na época, e quando nós fomos conversar com o prefeito, nós notamos que ele não era muito favorável a criação da ONG por razões obvias porque ela...nós iríamos também fiscalizar o Poder Público. E, quando nós estávamos nessa busca desses objetivos, nós notamos coisas que estavam acontecendo na prefeitura e que a maioria do povo desconhecia né[...]. [...] havia um desvio de todo tipo na prefeitura. Foi aí que nós sentamos e falamos: - Não adianta nada a gente fazer por Ribeirão Bonito se não for primeiro arrumar o Poder Público né [...].344 [...] A Amarribo é uma organização que começou com assim, fins sociais de ajudar a cidade a desenvolver e tudo isso aí, quando se deparou com a questão da corrupção, ela focou no combate a corrupção, mas não deixou também de fazer trabalhos sociais como ajudar a recuperar equipamentos da cidade como a Santa Casa, praças e outras entidades. Então, ela é uma entidade que colabora para o desenvolvimento da sociedade [...]. [...] inicialmente foi assim: uma entidade quase que filantrópica, pra ajudar assim a cidade, contribuir com projetos e tudo isso aí não tinha. Depois, quando foi detectado a questão de corrupção e, chegou-se a conclusão que o grande mal que impede o desenvolvimento do país, das cidades, todo, é a corrupção então, a entidade se voltou, muito fortemente pra tentar evitar o desvio de dinheiro público, seja aqui na cidade e seja nas outras onde ela pode contribuir pra formação de entidades com a mesma finalidade [...]. [...] a Rede se forma porque a gente se comunica, a gente troca experiência, a gente troca informação, tudo isso, então, forma essa Rede e, a Amarribo, que ajudou a formar a maioria dessas entidades, quer dizer, a Amarribo, ela exerce um papel de liderança aí sobre a Rede [...] então, o que é que a gente faz? A gente se une no nosso propósito né, e todas essas entidades lutam com o mesmo propósito [...].345 [...] A Amarribo, ela surgiu com uma finalidade de, vamos dizer assim, de alavancar projetos sociais pra cidade né, e era o que o padre Morales queria, aí num determinado momento, da... quando nós estávamos, quando nós abraçamos o primeiro projeto, que foi o projeto de revitalizar, reformar o Morro Bom Jesus, que estava em péssimas condições, tava quase já no fim desse projeto, já íamos abraçar um segundo projeto quando começaram a chegar até nós notícias de que o prefeito da época, desviava recurso da prefeitura[...].346 [...] A Amarribo, ela não foi fundada pra combater a corrupção, mas ela acabou se transformando numa ONG de combate a corrupção pelas circunstâncias, porque a gente não conseguia trabalhar, nós não conseguíamos fazer projeto nenhum, sabendo que de um lado você tava fazendo um projeto e colocando o dinheiro e que por outro, o dinheiro estava saindo pelo ralo né.347

344 Trechos da entrevista com o informante-chave G. 345 Trechos da entrevista com o informante-chave J. 346 Trecho da entrevista com o informante-chave D. 347 Trecho da entrevista com o informante-chave P.

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No presente tópico, destinado a apresentar um panorama da formação da Rede

AMARRIBO Brasil, não se poderia negar algumas linhas à importante questão da

sustentabilidade econômica da rede. Aqui, também, da mesma forma como se revelou no caso

da Rede OSB, essa questão vem se mostrando como um contínuo desafio de sobrevivência

institucional para as respectivas organizações filiadas e parceiras. É o que revelou o trabalho

de campo.

Primeiramente, impõe referir-se à incursão no sítio eletrônico da organização a

qual revelou que a Rede AMARRIBO Brasil classifica os seus mantenedores em três

categorias, a saber, parceiros, apoiadores e colaboradores. Na primeira categoria se situa a

Associação de Livre Comércio da América Latina – ALCOA; na segunda, o Santa Clara Eco

Resort; e, na terceira categoria, a Alcafi, a Búfalo Dourado, industria de laticínios, o

Restaurante Chapéu de Palha, a Cajari Serraria, a FAC Arquitetura, a Fauvel Sociedade de

Advogados e o Camping Parque do Lago, todos sediados no estado de São Paulo. O site da

organização não informa, todavia, de que forma essas empresas contribuem para a

manutenção da organização.348

As entrevistas com os informantes-chave da Rede AMARRIBO Brasil

possibilitaram uma visão mais nítida de como vem se consumando, ao longo dos mais de

quinze anos de existência da entidade, o seu processo de manutenção, e, de modo dedutível,

das suas entidades parceiras, considerando que apenas a situação da AMASA, associação a

que, conforme assinalado linhas atrás, a pesquisa recorreu como parte da sua estratégia de

trabalho de campo para levantamento de evidências mais férteis das práticas orientadas pela

Rede AMARRIBO, veio a ser também considerada.

O desafio da manutenção da Rede AMARRIBO Brasil vem compreendendo dois

aspectos, a saber: a manutenção da estrutura organizacional e o financiamento dos projetos

institucionais. Na primeira hipótese concluiu-se que o quadro de associados e colaboradores

permanentes da organização, através de suas contribuições, vem respondendo pela satisfação

das despesas ordinárias e, eventualmente, extraordinárias de sustentabilidade da entidade. Já

na segunda hipótese, são as parcerias institucionais que, a cada novo projeto desenvolvido,

vêm financiando a correspondente execução. Aqui, novamente, merecem destaque alguns

relatos: 348 Disponível em < www.amarribo.org.br/pt_BR/parceiros/matenedores > Acesso em 24.04.2016.

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[...] no início, logo em 2002 por aí, quando nós fizemos o livro, nós tivemos o apoio do Instituto ETHOS, da Transparência Brasil, que nos ajudaram a organizar o livro, tivemos algumas empresas, acho que umas duas ou três empresas que fizeram doações e a gente fez a primeira edição. As outras edições do livro, que nós já tamos na quinta, tivemos uma edição em espanhol também, as outras edições, a cada edição, a gente passava o chapéu e coletava dinheiro das organizações. E, cada uma delas, nos doou cinco mil reais, com exceção da ... e ... que doaram dez mil reais pra cada edição e, com isso, a gente conseguiu não só financiar o livro, como também a gente começou a sair e fazer palestras [...].349 [...] Foram basicamente doações de empresas, depois a AVINA350 praticamente nos assumiu e, durante quatro anos a AVINA nos deu dinheiro pra projetos, pra projetos de palestra. A AVINA é uma organização internacional, que ela atua na formação de lideranças e também na preservação de meio ambiente e, ela tem a sede na Suiça e tem uma sede aqui no Brasil também né, mas a sede dela, a matriz é na Suíça [...] E, ela ajudou a Amarribo crescer, ajudou a Amarribo a formar novas ONGs, ajudou a Amarribo com financiamento pra gente poder viajar e, durante quatro anos a AVINA praticamente nos bancou mesmo e fez com que a gente fizesse duas reuniões com essas ONGs em Ribeirão Bonito [...] Depois disso então, nós tivemos alguns patrocínios de organizações, mesmo de empresas e, tivemos pela primeira vez uma verba pública, quando a gente, em parceria com a Transparência Internacional, a gente fez o primeiro...a décima quinta IACC aqui no Brasil, é Conferência Internacional Contra a Corrupção, em parceria com a Transparência Internacional. E, foi a primeira vez que a Amarribo pegou dinheiro público [...].351 [...] A Amarribo sempre teve dificuldade financeira né, porque na realidade são doações, né, são seus sócios e na realidade os sócios foram se... foram minguando durante os anos todos, então é muito difícil, então aqueles que estão melhores, em condições melhores da Amarribo doam mais [...].352 [...] os recursos pra manutenção da entidade sempre foram nossos. São recursos do grupo que fundou e que mantém alguns simpatizantes que fazem doações. Tem o pessoal da cidade que faz doação pra Amarribo e, a gente mantém a entidade assim. A gente recebeu, diversas vezes, dinheiro pra projeto, mas o dinheiro não ia pra manutenção da Amarribo. Ia só pra projeto. A gente recebeu dinheiro da AVINA pra fazer alguns projetos, a gente recebeu, por exemplo, dinheiro da CGU pra fazer a décima quinta Conferência Mundial de Combate a Corrupção [...].353 [...] por doações, exclusivamente. Doações... nós... é... assim... é... existe um... nosso site, um portal, é... ele tá preparado pra receber doações, e a gente recebe, assim... como é que fala... sazonalmente, são contribuintes do Brasil todo, que as vezes dão dez reais, cinco reais, as vezes a gente... na

349 Trecho da entrevista com o informante-chave P. 350 A busca por mais referências à Avina através do navegador Google Chrome direcionou a pesquisa para o link http://www.ecodesenvolvimento.org/parceirosecod/parceiros-apoio/fundacao-avina, numa referência que mais se aproxima da identidade da organização referida pelo informante-chave P. 351 Trecho da entrevista com o informante-chave P. 352 Trecho da entrevista com o informante-chave D. 353 Trecho da entrevista com o informante-chave J.

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cara dura, pega o telefone liga e dá uma repassada naquele pessoal que contribui, assim, periodicamente né [...].354

Conforme foi assinalado anteriormente, aquela constatação da pesquisa que diz

respeito ao comportamento do setor empresarial frente aos apelos de colaboração financeira

para a manutenção dos Observatórios Sociais e desenvolvimento de suas ações estratégicas,

repete-se no ambiente de ação da Rede AMARRIBO Brasil. E os motivos, em síntese, são os

mesmos.

É evidente que nós procuramos entidades que pudessem dar apoio a nós, etc, mas é muito difícil contribuir, porque é o seguinte: Todo mundo é contra a corrupção, mas na hora de dar dinheiro pra combater aí o negócio fica bravo viu, fica bravo mesmo. Então veja, nós temos entrado em contato com empresas né, buscando isso daí e vemos que a porta está fechada né [...].355

Na realidade, na realidade a percepção que a gente tem é o seguinte: Por exemplo: Vamos falar sobre o empresariado, as empresas né? As empresas não gostam muito de tocar no termo corrupção, num gostam de entrar nessa seara porque é muito complicado né? Muitas empresas participam desse processo [...]. Então, o tema corrupção não é muito bem visto, bem vindo... então você não vai encontrar indivíduos, porque há um certo receio de que... entende? E ao contribuir com a AMARRIBO pra isso a sua vidraça estar um pouco exposta [...].356

3.3.3 O combate à corrupção na Administração Pública pela AMARRIBO Brasil: um

movimento em favor da “accountability” no Brasil.

As ações das ONGs da Rede AMARRIBO Brasil, de acordo com as orientações e

estratégias propostas pela entidade, são organizadas de modo a que a comunidade volte a sua

atenção para os procedimentos legais de elaboração e fiscalização do orçamento público, para

o cumprimento das normas de contratação de obras, serviços e aquisição de bens, para a

admissão de servidores públicos, dentre outros procedimentos administrativos voltados a

consecução dos interesses públicos; e aprenda a detectar irregularidades praticadas por

gestores e outros agentes públicos, que comprometam a eficiência e a probidade

administrativa, além da oferta de denúncias junto aos órgãos oficiais de controle e fiscalização

da Administração Pública, sempre que forem detectados indícios de desvio e apropriação

354 Trecho da entrevista com o informante-chave S. 355 Trecho da entrevista com o informante-chave G. 356 Trecho da entrevista com o informante-chave F.

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indevida de recursos públicos.357

Os objetivos organizacionais compreendem ações em nível municipal e nacional.

As primeiras voltam-se para a promoção do desenvolvimento urbano, social, econômico e

ambiental sustentáveis do município; a promoção de ações voltadas ao exercício da cidadania

e da ética, da dignidade da pessoa humana, da democracia e dos direitos fundamentais; o

incentivo à participação do cidadão na comunidade e à prática do voluntariado nas ações da

organização; a promoção de ações voltadas para a conservação do patrimônio histórico e

cultural da região a que abrange; a fiscalização das ações do poder público municipal e dos

poderes estadual e federal no âmbito dos respectivos municípios, como expressão da

cidadania; e, o estímulo à criação de entidades de controle social especialmente da

administração pública municipal, estabelecendo com as mesmas uma relação de

solidariedade. As segundas, por seu turno, voltam-se, em apartada síntese, para o combate ao

abuso e desvio de poder, a omissão e a improbidade de autoridades e agentes públicos de

qualquer dos poderes, em todos os níveis da Federação; a propositura de medidas judiciais e

extrajudiciais voltadas à responsabilização de pessoas ou entidades envolvidas na má gestão

de recursos públicos, promovendo a ampla divulgação dos atos de corrupção praticados por

gestores envolvidos em práticas de desvio de verbas públicas; o desenvolvimento de

ferramentas que propiciem a prática do controle social e a fiscalização dos órgãos públicos,

disseminando-os para outras organizações da sociedade civil e estimulando a criação de novas

entidades de controle social no território nacional; o desenvolvimento de ações educativas,

especialmente para os jovens, voltadas para o combate à corrupção; enfim, para práticas que

favorecem o processo de accountability no Brasil.358

Observa-se, desde logo, da simples leitura do estatuto social da AMARRIBO

Brasil, que a organização tem os seus olhos voltados especialmente para o desenvolvimento

sustentável em diferentes aspectos da sociedade política e para o combate à corrupção na

esfera pública, especialmente no âmbito dos poderes públicos instituídos.

Mais uma vez a autora da pesquisa foi a campo coletar dados com o objetivo de

constatar e compreender como se desenvolvem as práticas da organização tendentes à

357 Conferir em <www.amarribo.org.br/pt_BR/midia/publicação_cartilha.> Acesso em 16.03.15. 358 Conforme disponibilizado em < www.amarribo.org.br/pt_BR/conheca/estatuto_social.> Acesso em 25.04.2016.

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consecução dos seus maiores objetivos. Para tanto, iniciaram-se os trabalhos de campo com a

realização de diversas entrevistas com informantes-chave da organização coordenadora da

Rede AMARRIBO Brasil que, em sua maioria, são os mesmos atores que protagonizaram a

constituição da entidade civil em 1999; bem como a Amigos Associados de Analândia –

AMASA, associação a que, repita-se, a pesquisa recorreu como parte da sua estratégia para

levantamento de evidências mais férteis das práticas orientadas pela Rede.

No ensejo das entrevistas e no particular das informações que se buscou a respeito

das estratégias de ação da Rede para a realização dos seus objetivos e solução dos problemas

da pesquisa, o subconjunto das indagações dirigidas aos informantes-chave consistiu nas

seguintes formulações: a) Como atua a organização estudada? Segue algum protocolo-modelo

de ação? Há planejamento estratégico das ações desenvolvidas? b) Em que consistem as

atividades de controle da gestão pública desenvolvidas pela organização? c) Quais as

ferramentas de controle da gestão pública (v.g., ouvidorias, CGU, Controladorias de Estados e

Municípios, consultas a sites oficiais e outros canais oficiais de informação, participação em

audiências públicas, participação em comitês e conselhos de políticas públicas, representação

a órgãos de controle externo da Administração Pública por ilegalidades ou irregularidades,

propositura de ações populares) comumente utilizadas pela organização? d) Há distribuição de

tarefas na execução das atividades-fins da organização? Em caso afirmativo, como se

desenvolvem? e, e) Como são planejadas as ações-fins da organização?

Os dados e informações coletados permitem uma descrição das ações e

comportamentos dos atores-chave da organização nos seguintes moldes:

Não obstante a sua preocupação com o desenvolvimento sócio-ambiental e

econômico sustentável, bem como com a promoção do exercício da cidadania e da efetivação

dos direitos sociais nos municípios aonde atua, afirmada restou a vocação da AMARRIBO

Brasil para a promoção da probidade administrativa e o combate à corrupção

institucionalizada no âmbito da Administração Pública, após as experiências vivenciadas nos

primeiros anos de existência da Amigos Associados de Ribeirão Bonito, quando era

simplesmente a AMARRIBO e tinha os seus olhos voltados tão somente para o município de

Ribeirão Bonito, no Estado de São Paulo. A AMARRIBO Brasil, como hoje é nacional e

internacionalmente conhecida, atualmente tem voltado o seu olhar para o apoio e a criação de

novas organizações não governamentais com objetivos afins pelo Brasil, dentre outras ações.

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Bom, a Amarribo, ela pode ser definida como, ela acabou sendo definida e reconhecida como uma ONG de combate à corrupção nas prefeituras do Brasil, né. A Amarribo, ela não foi fundada pra combater a corrupção, mas ela acabou se transformando numa ONG de combate a corrupção pelas circunstâncias, porque a gente não conseguia trabalhar, nós não fazendo um projeto e colocando o dinheiro e que por outro, o dinheiro estava saindo pelo ralo né. Então, houve um momento de decisão na organização, que foi...o que que nós vamos fazer? Vamos investigar isso que tá caindo na nossa mão e então acabamos fazendo isso [...] E, a Amarribo acabou se profissionalizando nisso, se especializando nisso, não por planejamento, quer dizer, em nenhum momento a gente planejou pra isso, mas, pela demanda que foi caindo em cima da gente o tempo todo, nos indicando pra o caminho que a gente deveria seguir, né [...].359

Como parte principal dessa estratégia de incentivo e apoio à criação e ao

desenvolvimento de novas ONGs com propósitos e objetivos afins, a AMARRIBO Brasil

organizou digitalmente um conjunto de documentos a que denominou “Kit ONG”, o qual é

encaminhado aos interessados em constituir uma associação em seu município, sempre que

solicitado. O “Kit ONG” compõe-se de mais de noventa arquivos, agrupados dentro dos

seguintes temas: a) Histórico da AMARRIBO; b) ONGs e OSCIPs; c) Combate à corrupção;

e, d) Fiscalização dos gastos das Prefeituras. No primeiro conjunto de documentos, pode-se

encontrar um breve histórico da organização e o seu estatuto, o qual, de acordo com

declarações colhidas no trabalho de campo, pode servir de modelo para a elaboração de

estatutos de novas ONGs. No segundo conjunto de documentos, informações acerca do que é

uma ONG e como a mesma pode se constituir e legalizar. No terceiro conjunto de

documentos, tem-se uma série de arquivos que se constituem em um verdadeiro manual

estratégico de combate à corrupção nas Prefeituras, construído a partir da experiência pioneira

da AMARRIBO. E, por fim, o quarto e mais extenso conjunto de documentos, que trata de

mecanismos legais e didáticos – estes, por óbvio, desenvolvidos pela organização -, voltados

ao exercício do controle social da Administração Pública pelos cidadãos organizados em

associações constituídas seguindo o modelo e propósitos da Rede. Neste último conjunto de

documentos, pode-se encontrar cartilhas para fiscalização de licitações e contratos, do

Programa Nacional de Alimentação Escolar no município, para compreensão do papel dos

Conselhos Municipais e seu funcionamento, para fiscalização das verbas do FUNDEB, da

Saúde, através do SUS, e do Programa Saúde na Família – PSF, dos convênios e repasses de

Fundos Públicos aos municípios, da estruturação do quadro de pessoal das Prefeituras,

359 Trecho da entrevista com o informante-chave P.

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orientações sobre como fiscalizar e acompanhar os trabalhos das Câmaras de Vereadores,

dentre outras.360

De acordo ainda com os dados e evidências levantadas, especialmente nas

entrevistas, a Rede AMARRIBO Brasil não desenvolveu – ao contrário da Rede OSB -, um

modelo sistemático de atuação. Assim, mesmo buscando analisar, por exemplo, os processos

licitatórios dos entes públicos – uma das frentes, inclusive, de atuação do OSB -, a Rede

AMARRIBO prefere atuar quando observa indícios de irregularidades em algum

procedimento administrativo específico, ou seja, “pontualmente”, valendo-se do termo

empregado por um dos informantes-chave, para definir a forma de atuar das organizações a

ela filiadas. Isto porque, segundo esse mesmo informante-chave, a ONG não dispõe de

“braços”, ou seja, pessoas, em número suficiente para desenvolver um acompanhamento

sistemático dos procedimentos administrativos oficiais,361 Convém recordar que esta

problemática da insuficiência de atores sociais voluntários para desempenhar as ações

estratégicas e finalísticas da organização também é compartilhada pelo Observatório Social do

Brasil. Este dado será de significativa relevância para o momento em que for tratada a questão

da participação social em iniciativas como as que são objeto do presente estudo.

Pode-se descrever esse aspecto do fenômeno estudado também da seguinte forma:

ao observar, ou tomar conhecimento por meio de alguma denúncia formulada por cidadão da

municipalidade ou algum outro canal de comunicação, e verificar a sua procedência pelos

meios oficiais ou não de informação, a organização a formaliza e encaminha diretamente à

Câmara Municipal, ao gestor do município e ao órgão do Ministério Público local, além de

promover uma ampla divulgação da ocorrência, o que, segundo, informantes-chave da Rede,

vem se constituindo uma importante ferramenta em meio às demais utilizadas para o exercício

do controle social da administração pública.

E, no âmbito interno, os informantes-chave revelam não desenvolverem um

planejamento estratégico ou protocolo de ação para atender às atividades finalísticas da

organização. Frente a uma determinada demanda, a resposta à mesma é discutida em reuniões

360 O conjunto completo dos documentos encontra-se disponível no link https://www.dropbox.com/sh/r0snkkaxi?fvqdm/AABg-SG-k2Lz5StnejcYHzxa?dl=0, encaminhado diretamente por e-mail à autora da pesquisa em 20.04.2016. 361 Em conformidade com as declarações do informante-chave P.

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do Conselho Administrativo da AMARRIBO Brasil e ali traçado um plano de atuação

específico e distribuídas as tarefas conforme a disponibilidade de cada voluntário.

No contexto da promoção da probidade administrativa e combate à corrupção na

Administração Pública em geral, especialmente em âmbito municipal, através da valorização

da transparência e do exercício do controle social, a organização AMARRIBO Brasil vem

desenvolvendo diversos projetos e iniciativas, alguns deles em ação desde os primeiros anos

de atuação da AMARRIBO. É o caso, v.g., da promoção da criação de novas organizações,

anteriormente relatada, iniciativa esta desenvolvida em parceria com o IFC, através de seus

voluntários. Outro caso de iniciativa em ação da Rede AMARRIBO – IFC é o projeto

Caravanas e Palestras, através do qual a rede visita cidades-sedes de ONGs e discute temas

relacionados ao controle social e ao combate à corrupção com a população local; bem como o

projeto de Implementação da Lei de Acesso à Informação, realizado em parceria com a Artigo

XIX e a UNDEF362, envolvendo as organizações não governamentais parceiras Observatório

Social de Belém, Ser Belém, Associação Cearense de Combate a Corrupção e Impunidade -

ACECCI, Amigos Associados de Analândia (AMASA), Observatório Social de Mandaguari -

ADAMA e Transparência Cachoeirense; além do citado livro “O Combate à Corrupção nas

Prefeituras do Brasil”.363

362 Trata-se, respectivamente, da ARTICLE 19, uma organização não-governamental de direitos humanos, criada em Londres - UK, em 1987, que no Brasil tem sede na Rua João Adolfo, 118, Edifício das Bandeiras, Conj. 802, Consolação, São Paulo – SP, e do The United Nations Democracy Fund ou Fundo das Nações Unidas para a Democracia, instituído para concretizar os Objetivos do Milênio (Millennim Development Goals) estabelecidos na Declaração das Nações Unidas para o Milênio (United Nations Millennium Declaration), adotada no alvorecer do atual século XXI, conforme Resolução 60/ 1, de 2005, da Assembléia Geral das Nações Unidas. O item 22, alínea (e) da Resolução A/60/1 estabelece, a propósito da referência que aqui se faz à parceria da AMARRIBO Brasil com o UNDEF e dentro do compromisso estabelecido pela ONU (UN) no sentido de promover o desenvolvimento global e a erradicação da pobreza, que “to enhance the contribution of non-government organizations, civil society, the private sector and other stakeholders in national development efforts, as well as in the promotion of global partnership for development” (valorizar a contribuição das organizações não-governamentais, da sociedade civil, do setor privado e outros segmentos interessados em mover esforços para o desenvolvimento nacional, tanto quanto a promoção de parceria global para o desenvolvimento, em tradução nossa). E para a promoção desse desenvolvimento, a Resolução A/60/1 ainda estabelece a necessidade de que, em nível interno, os países envidem esforços no sentido de combater a corrupção e fortalecer a accountability e a transparência pública, ao dispor no compromisso 24, (c): To make the fight against corruption a priority at all levels and we welcome all actions taken in this regard at the national and international levels, including the adoption of policies tha emphasize accountability, transparent public sector management and corporate responsability and accountability, including efforts to return assets transferred through corruption, consistent with the United Nations Convention against Corruption […]. Disponíveis respectivamente em http://artigo19.org/; www.amarribo.org.br/pt_BR/mídia/ver_notícia/560 e www.un.org/democracyfund/sites/www.un.org.democracyfund/files/A-RES-60-1-E.pdf. Acesso em 30.04.2016. 363 Disponível em www.amarribo.org.br/pt_BR/iniciativas/brasil_em_andamento. Acesso em 30.04.2016.

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Como outras ações que compõem o acervo de iniciativas contabilizadas pela

AMARRIBO Brasil podem-se citar algumas iniciativas que tiveram a organização como uma

das entidades apoiadoras. É o caso da fundação da Articulação Brasileira de Combate à

Corrupção (ABRACCI), com o objetivo de contribuir para a disseminação de uma cultura de

não corrupção e impunidade no Brasil; a parceria estabelecida com o Movimento de Combate

à Corrupção Eleitoral (MCCE) e outras organizações da sociedade civil com vistas à

mobilização da população brasileira em torno do projeto de Lei da Ficha Limpa – como ficou

conhecida a Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010 -, uma das maiores

manifestações de exercício do direito fundamental à participação popular já vistas em solo

brasileiro; a coparticipação da AMARRIBO Brasil na organização da 1ª Conferência Nacional

de Transparência e Controle Social (CONSOCIAL), uma importante iniciativa da

Controladoria-Geral da União, voltada essencialmente para a promoção da transparência e da

participação da sociedade no acompanhamento e no controle da administração pública; e,

também a coparticipação no Comitê Nacional de Coordenação e Mobilização do Projeto

Jogos Limpos364 – voltado diretamente para a Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas e

Paraolimpíadas 2016 -, constituído para orientar as ações coletivas de fiscalização e controle

social sobre os recursos públicos investidos na realização daqueles eventos.365

Aqui, cabe especial atenção à 15ª Conferência Internacional Anticorrupção

(IACC), realizada entre os dias 7 e 10 de novembro de 2012 no Centro de Convenções

Ulysses Guimarães em Brasília (DF). O evento, promovido pela organização Transparência

Internacional (TI), contou com a AMARRIBO Brasil e a Controladoria-Geral da União –

CGU, como entidades organizadoras, ocupando, a primeira, o papel de representante da TI no

Brasil e a segunda o papel de financiadora da organização do evento, contando também com o

apoio do Instituto ETHOS. Na ocasião foram debatidos temas ligados à prevenção e ao

combate à corrupção em diversos setores da sociedade, v.g, eventos esportivos, política,

iniciativa privada, como também discutidos temas relacionados à sustentabilidade ambiental,

à transparência, à saúde, educação, mídia, questões de gênero e integração e, especialmente, a

364 Conferir http://www3.ethos.org.br/conteudo/projetos/em-andamento/jogos-limpos-dentro-e-fora-dos-estadios/#.V1yETCMrLIU. 365 Conferir em www.amarribo.org.br/pt_BR/iniciativas/brasil_apoiadas. Acesso em 30.04.2016.

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mobilização popular e as ações coletivas.366

Os informantes-chave da AMARRIBO Brasil foram praticamente unânimes em

ressaltar a importância e o prestígio alcançados pela organização com a sua escolha como

entidade organizadora da 15ª IACC, o que lhes impôs, também, um ônus público talvez

somente suportado quando das primeiras mobilizações no pequeno município de Ribeirão

Bonito (SP), merecendo destaque alguns relatos:

[...] tivemos pela primeira vez uma verba pública, quando a gente, em parceria com a Transparência Internacional, a gente fez o primeiro...a décima quinta IACC aqui no Brasil, é a Conferência Internacional Contra a Corrupção, em parceria com a Transparência Internacional. E foi a primeira vez que a AMARRIBO pegou dinheiro público [...].367 [...] É verdade isso porque nós fomos procurados né, pela Transparência Internacional como uma única ONG capaz de tocar um projeto dessa maneira e tudo nível Brasil no combate a corrupção e foi a realização da décima quinta IACC, que foi o ápice disso tudo né, onde a AMARRIBO conseguiu realizar isso de uma forma assim muito... foi um esforço tremendo do pessoal porque essa dedicação do voluntarismo não é fácil, né? [...].368 [...] Nós fomos, por exemplo, escolhidos para organizar a décima quinta?... Reunião da Transparência Internacional. É nós somos uma ONG pequenininha, então veja, nós tivemos muita dificuldade, mas achávamos que o Brasil devia sediar realmente esse encontro internacional, que foi em Brasília inclusive, e que nós tivemos que contratar pessoas, técnicos especializados nessa matéria inclusive, porque havia, não só solicitações pesadas, como havia, como fala, problemas de transferência de dinheiro...[...]. Nós tivemos aqui em Ribeirão Bonito, eles pediram a prestação de contas certo, desse encontro lá em Brasília, sendo que nós somos fiscalizados pela Controladoria-Geral da União [...].369 [...] Eu acho que um outro exemplo que nós tivemos ao longo... nosso tempo tava muito, vamos dizer, muito além da nossa própria capacidade e foi uma provação para nós, foi a realização da décima segunda(sic) Conferência de Combate à Corrupção que, nós fomos convidados pra fazer, ser a entidade organizadora né. E, nós, um grupinho pequeno, assumimos isso e fizemos. E realizamos, realizamos. Trouxemos pra isso pessoas importantes e foi um congresso feito durante três dias em Brasília, um congresso mundial, e trouxemos isso pro país né. E foi, pra nós foi uma coisa muito, muito, muito importante, muito motivadora.370

366 Disponível em www.amarribo.org.be/pt_BR/mídia/ver_notícia/9 e www.cgu.gov.br/sobre/institucional/eventos/anos-anteriores/2012/15a-conferencia-internacional-anticorrupção/arquivos/programacao.pdf. Acessos em 01.05.2016. 367 Trecho da entrevista com o informante-chave P. 368 Trecho da entrevista com o informante-chave S. 369 Trecho da entrevista com o informante-chave G. 370 Trecho da entrevista com o informante-chave F.

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Antes, porém, quando a AMARRIBO ainda não havia estendido os seus braços a

outros rincões do país, bem como, ainda não havia entrado em vigor a Lei Brasileira de

Acesso à Informação (LAI) - Lei nº 12.527/2011 -, a organização já fomentara no município

paulista de Ribeirão Bonito, onde tudo começou, a criação de uma “sala de transparência”,

espaço através do qual qualquer cidadão passou a ter acesso a documentos oficiais da

Prefeitura local, sempre que se interessasse,371 O relato abaixo transcrito oferece uma tênue

noção do marco temporal da criação dessa ferramenta de controle da Administração Pública

em Ribeirão Bonito, embora estreme de dúvidas quanto à sua anterioridade à referida LAI.

[...] em Ribeirão Bonito, a primeira coisa que a gente fez foi solicitar, em 2004 ainda, nós solicitamos pra prefeitura...2006 acho que foi isso... nós solicitamos pra prefeitura a relação de todas as despesas, todos os gastos, receitas e despesas, incluindo o CNPJ. Nessa época, não existia ainda lei de acesso a informação né, a lei da transparência e então, foi alguma coisa bem inédita e a prefeitura nos encaminhou e passou a nos encaminhar mensalmente essa lista. Com essa lista, era possível você bater o olho e buscar alguma coisa irregular e a partir daí então, a gente pedia a investigação [...] Logo depois, a própria prefeitura, também atendendo a uma solicitação da Amarribo, disponibilizou uma sala de transparência na prefeitura pra qualquer cidadão ir lá e fazer a pesquisa que quisesse [...] A Amarribo [...] se sente co-responsável por esses avanços das leis porque nós começamos antes de qualquer lei né [...]. 372

E sobre as diversas ferramentas, enumeradas na entrevista, destinadas ao exercício

do controle social da administração pública, os informantes-chave destacaram a participação

em audiências públicas e conselhos de políticas públicas municipais. Sobre as primeiras,

algumas manifestações mereceram atenção na pesquisa. Veja-se:

A gente tenta se fazer presente sim em todas as audiências públicas que nós temos notícia né. Eu mesma já tive situação em que eu saí correndo daqui de São Paulo e a audiência era as sete da noite e lá eu cheguei em cima da hora pra participar. Fiz isso duas vezes pra participar da aprovação da LOA.373 Em cima da hora (sobre a convocação das audiências públicas pelo Poder Público Municipal). Sempre em cima da hora e sempre em horários... durante o dia e a população acaba não comparecendo, então são... acontece né, mas ... é como se não tivesse né. Então, a gente mobiliza, às vezes a gente pede pra ver quem tá da ONG que tá disponível pra ir lá acompanhar,

371 Conferir em http://www.portaltransparencia.gov.br/noticias/DetalheNotícia.asp?noticia=81 e http://www.oabsp.org.br/subs/igarapava/noticias/SALA-DE-TRANSPARENCIA-E-INAUGURADA-E-E-A-SEGUNDA. Acesso em 26.04.2016. 372 Trecho da entrevista com o informante-chave P. 373 Id.

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mas as vezes não dá certo porque tá em cima da hora e, as pessoas já tem os seus compromissos né.374

E sobre a participação em conselhos de políticas públicas, diante das frequentes

ingerências do gestor municipal no ambiente da composição e funcionamento dos conselhos,

os informantes-chave afirmaram a preocupação da AMARRIBO Brasil com a participação

dos seus voluntários nesses colegiados de políticas públicas locais. Assim:

[...] A Amarribo participa do CONSEG (Conselho de Segurança do Município), sempre alguém da Amarribo tá lá e então esse debate é ocorrido. [...] Os conselhos, quase sempre o prefeito, ele tenta controlar os conselhos porque o conselho ele tem que dar aprovações em algumas circunstâncias, pra atos do governo municipal, então o prefeito tenta colocar lá um pessoal que é fiel a ele, que é dócil a ele. Então, sempre existe essa tentativa [...]. [...] Então, o de segurança tem funcionado porque surgiu uma liderança lá que conduz, que chama o pessoal lá e tal e, a Amarribo tenta participar sempre né [...].375 A gente tem incentivado sim (falando da participação). Essa... é uma pauta freqüente na nossa fala. A gente incentiva pros membros das ONGs ocuparem os assentos dos conselhos pra eles ocuparem os assentos da Câmara também e, nos conselhos a Amarribo tem participado, na cidade de Ribeirão Bonito, nós tivemos participação no Conselho de Segurança, no Conselho da Criança e do Adolescente... qual mais?... tivemos participação na construção de uma política de um conselho de prevenção e combate à corrupção, lá pra Ribeirão Bonito né [...] Então, assim, a gente entende que é uma forma de participação e um instrumento de combate a corrupção que deve ser apropriado [...] a Rede, ela se preocupa com isso e nós temos assim... um bom número de ONGs que tem pelo menos um ou dois membros participando nos conselhos né [...].376

De igual modo, foi dada especial ênfase, pelos informantes-chave, à interlocução

da organização AMARRIBO Brasil com a Controladoria Geral da União (CGU), com os

Tribunais de Contas, com as Câmaras Municipais e com os órgãos do Ministério Público,

formulando denúncias e solicitando providências fiscalizadoras e punitivas no âmbito das

atribuições e competências de cada uma dessas instituições, além de estabelecer parcerias,

especialmente com a CGU para a execução de projetos.

3.3.3.1 Associação Amigos Associados de Analândia – AMASA: uma heróica batalha de

combate à corrupção que se repete na história da Rede AMARRIBO Brasil.

374 Trecho da entrevista com o informante-chave E. 375 Trechos da entrevista com informante-chave J. 376 Trecho da entrevista com o informante-chave P.

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Da mesma forma e pelos mesmos motivos que, no estudo do caso Observatório

Social do Brasil, levaram a pesquisa a perscrutar uma associação filiada a essa rede – o

OSSJC -, o trabalho de pesquisa para o estudo do caso Rede AMARRIBO Brasil impôs a sua

ampliação para se alcançar uma segunda associação: o enriquecimento da pesquisa com dados

sobre como são desenvolvidas as estratégias de controle da Administração Pública pela Rede

AMARRIBO Brasil, atentando-se para o fato da sensível diferença que se pode observar nos

esquemas de atuação das duas organizações não-governamentais que lideram as respectivas

redes de controle social da Administração Pública. Como se viu, a Rede OSB desenvolve

estratégias e frentes de atuação com um formato mais detalhadamente desenhado, de modo

que as organizações-membros da Rede, desde a sua criação até subseqüente atuação, seguem

um modelo pré-estabelecido e regulado pela sua organização coordenadora, que hoje se

apresenta a partir de um Sistema de Franquia Social recém implantado. A Rede AMARRIBO

Brasil, por sua vez, constituiu-se e vem se expandindo a partir de um modelo de

relacionamento, entre e para com as filiadas, mais flexível, no tocante aos requisitos para a

admissão de novas ONGs e, na sequência, a atuação das mesmas; ou seja, os vínculos entre as

organizações na AMARRIBO Brasil se consolidam e se fortalecem predominantemente sob

alicerces principiológicos e finalísticos, enquanto que na Rede OSB, se completam mediante

uma estreita observância a preceitos próprios de um sistema previamente estabelecido,

embora aplicados sem rigor extremo, como informou a pesquisa.

Para tanto os trabalhos de pesquisa foram direcionados para uma observação

participante do fenômeno estudado, que, no caso Rede AMARRIBO Brasil, consistiu na

realização de uma visita de campo ao município paulista de Analândia, onde tem sede a

organização não-governamental Amigos Associados de Analândia (AMASA), integrante da

Rede AMARRIBO Brasil, cuja fundação guarda estreitos laços de ligação com a então, e

simplesmente, Amigos Associados de Ribeirão Bonito – AMARRIBO, devido à similitude

dos fatos que motivaram a constituição da entidade. Na oportunidade, foram realizadas

entrevistas com três associados, identificados como informantes-chave da organização e

colhidos importantes relatos sobre as circunstâncias que envolveram a história da AMASA,

bem como de que modo são desenvolvidas as ações capazes de perpetuar os vínculos da

entidade com a Rede AMARRIBO Brasil para além daquelas circunstâncias iniciais. Os dados

levantados foram obtidos essencialmente através dessas entrevistas e de alguns poucos

documentos físicos disponibilizados pelos entrevistados, considerando-se que a entidade

ainda não dispõe de um sítio eletrônico próprio, mas apenas um endereço de correio

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eletrônico e de uma página no Facebook.377

Os dados coletados na pesquisa informam que a AMASA constituiu-se no mês de

setembro do ano de 2009, após realização de uma série de reuniões públicas que tiveram

início por volta do mês de fevereiro daquele ano.

O ano de 2008 – ano de eleições municipais em todo o Brasil -, veio revelar o

tamanho do descontentamento político e social em que estava mergulhada uma significativa

parcela da população do município de Analândia378, devido, segundo informantes-chave da

AMASA, a sucessivos desmandos que vinham sendo protagonizados no ambiente da

administração pública local, pelo menos ao longo dos dezesseis anos que antecederam aquele

pleito. Eram anos de constantes perseguições políticas contra os cidadãos que ousavam se

posicionar contra condutas da Administração Pública local – tanto no âmbito do Poder

Executivo, quanto do Legislativo, mas, principalmente, do primeiro -, bem como de abandono

da cidade e má utilização dos recursos públicos.379

Esta parcela insatisfeita da população local, portanto, decidiu se mobilizar

publicamente e, já a partir do princípio do ano de 2009, teve o apoio de membros da

AMARRIBO Brasil, os quais passaram a compartilhar o know how desenvolvido no combate

à corrupção no município paulista de Ribeirão Bonito.

A primeira reunião pública, onde aqueles que a organizaram já vislumbravam a

constituição de uma organização não-governamental com perfil e objetivos semelhantes aos

da Amigos Associados de Ribeirão Bonito, ocorreu em fevereiro de 2009 na Igreja Matriz da

cidade de Analândia, tendo comparecido cerca de quarenta e cinco pessoas. Segundo relato de

entrevistado-chave, na ocasião o então prefeito do município de Analândia teria dirigido

377 Nos dias de visita ao município paulista de Analândia – 11 e 12 de julho de 2015 -, aonde foram realizadas as entrevistas, por ocasião destas foi entregue por um dos entrevistados-chave seis exemplares do informativo “O grito de ANALÂNDIA”, de circulação local, com distribuição gratuita desde 2011, produzido e editado pela AMASA para informar a população sobre assuntos de interesse público local e sobre iniciativas da organização, algumas das quais foram relatadas nas entrevistas. Sobre o endereço de e-mail, tem-se o [email protected] e sobre a página no Facebook, conferir https://www.facebook.com/AmasaAmigosAssociadosDeAnalândia, atualizada até 16 de abril de 2016 na data do acesso, em 11.05.2016. 378 Trata-se de um município do interior do estado de São Paulo, com população de 4.293 habitantes, segundo Censo Demográfico de 2010, e estimada em 4.731 em 2015, conforme dados divulgados no portal oficial http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=350200&search=||infogr%E1ficos:-informa%E7%F5es-completas. Acesso em 11.05.2016. 379 Segundo relato do entrevistado-chave J.

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ameaças a uma cidadã que ocupava o cargo de professora da rede pública municipal.

Entretanto, tal conduta não foi capaz de intimidar os cidadãos do município a desistir do

intento de se organizar em uma associação e iniciar um trabalho que permanece até hoje,

voltado para o controle social da Administração Pública em Analândia (SP). E, assim,

seguiram-se novas reuniões públicas no abençoado pátio da Igreja Matriz, culminando, em 15

de setembro de 2009, na constituição da Amigos Associados de Analândia – AMASA.

[...] nesse dia, sobre a exposição da L., da Amarribo, tivemos... fomos ameaçados pelo prefeito atual da época e até uma das funcionárias, já no término dessa reunião, saiu lá fora e ele a ameaçou porque ela era professora pública, e ele chegou a ameaça-la e aí a L., e mais alguns elementos ali reunidos, foram pra delegacia, fazendo um boletim de ocorrência contra esse senhor. E daí pra frente, continuamos as nossas reuniões. A próxima reunião fizemos no pátio da Igreja Matriz e convidamos as pessoas, convites especiais entregues em mãos. E... mas, o prefeito e as pessoas ligadas a ele, tipo irmãs, os cães fiéis dele, foram lá pra tumultuar a nossa reunião [...] E... tamos aí trabalhando até hoje, e conseguimos reverter uma situação numa cidade em que, vinte anos, imperava um tipo de uma ditadura. Sempre saia aquele prefeito, entrava outro do lado dele e a família enriquecendo ilicitamente, que a gente via claro, pela posição que eles tinham antes de assumir essa prefeitura e depois que assumiram. Todos os parentes do prefeito trabalhavam na Prefeitura. Eles passavam em concursos fraudados e todos tinham um cargo público. Todos os irmãos e os cunhados. Todos, cunhados, cunhadas e, também por influência dele, também, nós temos hoje no Banco Bradesco, uma sobrinha desse senhor que foi prefeito durante muitos anos. Então, eles mandavam na cidade.380

A partir daí a AMASA passa a desempenhar um relevante papel na comunidade

analandense, através de uma vigilância constante das ações dos gestores públicos e agentes

políticos locais, que podem ser traduzidas como iniciativas voltadas para o controle social da

Administração Pública do município. O informativo “O grito de Analândia” tem sido um

valioso canal de comunicação da AMASA com a população de Analândia e vem registrando,

desde o seu primeiro ano de circulação, ou seja, 2010, as ocorrências mais relevantes do

ambiente político-administrativo do município e as iniciativas mais importantes da

organização não-governamental, inclusive promovendo denúncias contra a má qualidade de

obras e serviços públicos municipais. É o que informam as matérias a seguir destacadas de “O

grito de Analândia”, entre os anos de 2010 e 2014. Não obstante a extensão dos relatos que se

seguirão, a apresentação dos mesmos torna-se indispensável para a pesquisa, na medida em

que, além de oferecer uma visão do comportamento da organização não governamental

AMASA no contexto da sua integração à rede AMARRIBO Brasil ao longo dos poucos anos

380 Trecho de entrevista com o informante-chave C.

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de existência e atuação, revela conteúdos que muitos dizem com o tema da pesquisa e suas

condicionantes problematizadas.

O controle social da administração pública funciona e dá resultados. É o que vem mostrando o trabalho da organização não-governamental de combate à corrupção Amigos Associados de Analândia (AMASA). No início de fevereiro a entidade descobriu e divulgou o exagero na cobrança da multa de quem atrasasse o pagamento das contas de água [...] A multa era de 0,33% (9,90% ao mês), quase dez vezes mais do que o permitido pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Premido pela ilegalidade e pela opinião pública, o prefeito Luiz Antônio Aparecido Garbuio tratou de enviar à Câmara de Vereadores o projeto de lei n. 07/2010, reduzindo a multa para 2%, atendendo a requerimento do vereador Evaldo José Nalin. O projeto foi aprovado por unanimidade pelos vereadores de Analândia.381 Desde que decidiram combater a corrupção no município, integrantes da Associação dos Amigos e Moradores de Analândia (AMASA) tornaram-se vítimas de perseguições e atentados. Em 10 de novembro de 2009, dia do apagão nacional, a casa da ex-presidente da ONG, Sônia Maria Dotta, foi apedrejada. Na noite do dia 4 de março uma integrante da associação, a ex-prefeita Antônia Sodelli, de 72 anos, teve a pintura de seu carro danificada por ácido. [...] No dia 4 de fevereiro, um membro da ONG, Vanderlei Vivaldini Júnior, foi atacado no interior da prefeitura pelo ex-prefeito e atual chefe de gabinete José Roberto Perin, suspeito de vários atos de improbidade. O apedrejamento da casa de Sônia Maria Dotta foi um dos eventos mencionados na palestra do jornalista investigativo Fábio Oliva durante o Seminário Nacional “Superando a Cultura da Corrupção”, realizado em 9 de dezembro de 2009, Dia Mundial de Combate à Corrupção, em Brasília/DF. [...] Os integrantes da AMASA estão convencidos de que o atentado contra o carro da ex-prefeita Toninha Sodelli foi mais uma tentativa de intimidar os integrantes da ONG e tentar barrar o trabalho de combate à corrupção iniciado em Analândia [...]. A transparência dos gastos públicos em Analândia só existe na propaganda oficial. Na prática, nem cidadãos, nem vereadores, nem instituições da sociedade conseguem acesso a documentos que possam comprovar onde e como é gasto o dinheiro do contribuinte. No dia 3 de fevereiro a organização não-governamental de combate à corrupção Amigos Associados de Analândia (AMASA) protocolou diversos pedidos de informação e documentos na Prefeitura. Mais de um mês depois a entidade não obteve nenhuma resposta das autoridades municipais[...]. 382

381 Trabalho de ONG consegue reduzir multa escorchante. O grito de Analândia. Analândia/SP, 20 de março de 2010, ano I – n.04, p.1. 382 Transparência embaçada: prefeito não atende pedidos de informações da sociedade, aumentando as suspeitas de irregularidades na administração. Id., Ibid.

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A Amigos Associados de Analândia – AMASA – comemorou em setembro deste ano seu primeiro aniversário. O balanço das atividades realizadas pela ONG durante o seu primeiro ano de fundação é considerado extremamente positivo. “A população perdeu o medo de ser perseguida, de sofrer retaliações e das ameaças que sempre eram feitas por autoridades locais e pelos integrantes de uma família que se achava dona da cidade”, explica o engenheiro agrônomo Vanderlei Vivaldini Júnior. Atuante ativista da entidade, para ele essa foi uma das maiores conquistas da ONG. “Hoje a população não tem medo de questionar a roubalheira, a péssima qualidade das obras e até já participa de manifestações públicas, o que era impensável um ano atrás”, salienta. [...] Zuleica Marchizeli Canello, que sucedeu Sônia Maria Dotta na presidência da ONG não pára de contabilizar as conquistas da AMASA. “A população está aprendendo a fiscalizar a aplicação do dinheiro público, não aceita mais obras que não funcionam e passou a exigir eficiência das autoridades”, ela diz. Foi graças a essa mudança que a cidade recebeu em abril a visita da Caravana “Todos Contra a Corrupção”, que reúne técnicos voluntários de vários órgãos governamentais de controle, tais como a Controladoria Geral da União (CGU), Tribunal de Contas da União (TCU), União Nacional dos Auditores do SUS (UNASUS) e auditores da Caixa Econômica Federal.383 Dezenove cidadãos de Analândia ajuizaram ação popular como(sic) o objetivo de reaver dinheiro público supostamente desviado das obras da Avenida 8 [...]. A ação também tem o objetivo de corrigir omissão do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), que apesar de identificar várias irregularidades na licitação, acabou por aprovar a prestação de contas do convênio celebrado entre a Prefeitura e o Estado de São Paulo para reformar a Avenida 8. [...] Os autores da ação popular pedem que a Justiça anule todos os atos ilegais praticados pelos réus e os obrigue a devolver os prejuízos causados aos cofres públicos. O valor total do prejuízo será apurado através de perícia, mas são estimados em mais de R$ 1 milhão (Processo n. 283.01.2010.005585-0).384 A qualidade sofrível dos materiais de construção e a aparência de pouco cimento na argamassa da creche que a Prefeitura está construindo no CDHU é preocupante. [...] Preocupada com esta situação, a AMASA decidiu enviar ofício à Prefeitura e ao Ministério Público para que inspecione a qualidade da obra, antes que seja concluída e possa causar acidentes com as crianças que deverá atender.385 Ativistas de organizações não governamentais (ONGs) de combate à corrupção de todas as cinco regiões brasileiras estiveram em Analândia,

383 AMASA comemora um ano de conquistas: ONG ganha simpatia da população, respeito das autoridades e evita desvio de milhões dos cofres públicos. O grito de Analândia. Analândia/SP, ano I, n. 8, p. 1, 30 set 2010. 384 Ação Popular pede devolução do dinheiro desviado da Avenida 8. O grito de Analândia. Analândia/SP, ano I, n. 8, p. 2, 30 set 2010. 385 Creche mal feita pode por em risco vida de crianças. O grito de Analândia. Analândia/SP, ano I, n. 8, p. 4, 30 set 2010.

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sábado, 11 de dezembro. Por um dia, a cidade transformou-se na capital nacional da luta anticorrupção. O objetivo da mobilização, denominada Caravana “Vamos a Analândia”, foi mobilizar e conscientizar a comunidade sobre a importância do controle e fiscalização social da Administração Pública e o direito do povo a um governo honesto, como formas de reduzir os acentuados níveis de corrupção que se observam na cidade e no país. Analândia tem 4.289 habitantes e 4.860 eleitores (mais eleitores que habitantes) e ganhou o noticiário nacional depois que o vereador Evaldo José Nalin (PSDB) foi brutalmente assassinado com sete tiros, quatro deles na cabeça, por denunciar supostos casos de corrupção na Prefeitura local e após o vereador Leandro Sandarpio (ex-DEM, atualmente PV) renunciar à presidência da Câmara Municipal e ao mandato temendo ser a próxima vítima. [...] Com 113 anos de emancipação político-administrativa, Analândia, como a maioria dos pequenos municípios brasileiros, nunca recebeu uma fiscalização da Controladoria Geral da União (CGU) ou do Tribunal de Contas da União (TCU). Apesar de todas as irregularidades verificadas pela população, as contas do município sempre são aprovadas pelo Tribunal de Contas de São Paulo386 (grifo nosso). A falta de transparência das administrações municipais, que fazem de tudo para dificultar o acesso dos cidadãos às informações e documentos que deveriam ser públicos, transformou Analândia e Ribeirão Bonito em laboratório para um trabalho de pesquisa realizado por cinco alunas do Curso de Gestão em Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) de uma das mais importantes universidades do mundo, a USP (Universidade de São Paulo). [...] As universitárias concluíram que “a participação social é fundamental para a garantia do direito de acesso à informação”[...].387 A falta de diligência da Prefeitura de Analândia em tomar cinco providências exigidas pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) está impedindo há mais de cinco anos o funcionamento do aterro sanitário da cidade. Enquanto isso a prefeitura deixa de economizar milhares de reais do contribuinte, pagando para transportar o lixo por 128 quilômetros até o Centro de Gerenciamento de Resíduos de Guarapará. Respondendo a ofício encaminhado pela ONG Amigos Associados de Analândia (AMASA), a CETESB informou que para o aterro funcionar faltam: 1) ...[...].388 As obras de reforma do Calçadão Ricardo Gregório, no centro de Analândia ficarão cerca de R$ 700 mil mais baratas, graças à fiscalização de uma organização não-governamental (ONG) de combate à corrupção. Desde que a obra foi anunciada a AMASA – Amigos Associados de Analândia vem acompanhando a obra de perto.

386 Por um dia, ativistas transformaram Analândia na capital nacional do combate à corrupção. O grito de Analândia. Analândia/SP, ano I, n. 10, p. 3, 23 dez 2010. 387 Falta de transparência em Analândia é estudada por universitárias da USP. O grito de Analândia. Analândia/SP, ano I, n.10, p. 4, 23 dez 2010. 388 Omissão da Prefeitura de Analândia impede aterro sanitário de funcionar. O grito de Analândia. Analândia/SP, ano II, n.12, p. 3, 7 mai. 2011.

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Foi o que possibilitou à entidade descobrir que a obra estava superfaturada [...]. Para a ONG AMASA, exemplos de sucesso como este animam os ativistas do controle social. Mas o que é o controle social?[...].389 A atuação firme e destemida de uma organização não-governamental de combate à corrupção (ONG) tem mudado a rotina dos 4,6 mil moradores de Analândia. Antes, acostumados a obras e serviços de péssima qualidade, como asfaltos que derretiam à menor chuva, agora os habitantes da cidade que fica a 200 quilômetros de São Paulo aprenderam a exigir qualidade e eficiência. Alguns dos cinco quiosques que a Prefeitura vinha construindo através da Concergi, como parte de um projeto de remodelação de uma praça da cidade precisou ser demolida. [...] O perigo que a péssima qualidade da obra representava para a população foi comunicado pela AMASA ao prefeito Luiz Antônio Aparecido Garbuio (DEM), que não teve dúvidas e mandou a CONCERGI Construção, Máquina e Serviços Ltda derrubar os quiosques e construí-los de novo.390

“O grito de Analândia” assim como a população analandense, também registram

em suas memórias um grave acontecimento que tristemente marcou, em tão curto tempo de

existência da AMASA, a sua história de organização não-governamental que se pretende

consolidar como organização social de combate à corrupção e controle social. Assim o

Informativo da AMASA, em matéria intitulada “População de Analândia e região pede

justiça” - em referência ao decurso de quatro anos desde a data do crime até a esperada sessão

de julgamento pelo Tribunal do Júri, prevista para 29 de maio de 2014 -, relembrou o fato em

edição do dia 27 de maio de 2014: 391

O vereador Evaldo José Nalin (DEM) elegeu-se pelo grupo político ligado à família Perin. Inconformado com os desmandos e casos de corrupção, afastou-se do grupo político pelo qual se elegera e passou a fazer denúncias e pedidos de providências ao MPSP. Na noite do dia 9 de outubro de 2010, enquanto assistia televisão com a esposa Kátia, dois homicidas invadiram sua casa, no centro de Analândia. Um deles pediu à esposa que se afastasse, dizendo que não era nada com ela e, em seguida, dispararam sete tiros contra o vereador, quatro deles na cabeça. [...]

389 Obra do calçadão fica R$ 700 mil mais barata por causa de fiscalização da ONG. O grito de Analândia. Analândia/SP, ano II, n. 13, p. 3, 17 dez. 2011. 390 ONG exige qualidade das obras feitas em Analândia. O grito de Analândia. Analândia/SP, ano II, n. 13, p. 4, 17 dez 2011. 391 “O grito de Analândia”. Analândia/SP, ano III, n. 15, p. 1, 27 maio 2014. Notícia do julgamento do caso também está disponibilizada em http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2014/05/acusado-de-mandar-matar-verador-de-analandia-pega-18-anos-de-prisao.html, onde se destaca o caráter político atribuído ao crime. Acesso em 14.05.2016.

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O assassinato do vereador Evaldo José Nalin foi entendido como um recado àqueles que ousavam atrapalhar os planos políticos da família Perin. O vereador Leandro Santarpio entendeu o recado. Com medo de ser a próxima vítima, renunciou ao mandato no dia 26 de outubro de 2010. Em seu lugar assumiu a presidência da Câmara Municipal o vereador Luiz Fernando de Carvalho, cunhado de Chiba.392 Santarpio declarou na época que “Não estou aguentando. São ligações anônimas, cartinhas, recados mandados por outros. Agem no psicológico e no emocional”. E resumiu numa frase o que ocorria na política de Analândia até então: “Aqui tem um política suja, rasteira e sem escrúpulos. Vou fazer outra coisa e só volto quando esse quadro mudar”.

Sobre os requintes de violência com que os representantes do povo, legitimamente

investidos de mandato político, costumavam, no município paulista de Analândia, resolver as

divergências político-administrativa locais, a fim de impor o seu modus operandi ao governar,

a AMASA manifestou repúdio em carta à população local, por ocasião do evento denominado

Caravana “Vamos a Analândia”, ocorrido no dia 11 de dezembro de 2010393, da qual

destacam-se os seguintes trechos:

O clamor social que, em Analândia, até então vinha sendo, equivocadamente, interpretado como mero inconformismo de conotação político partidário, ganhou âmbito nacional, revelando a face e os contornos do individualismo exacerbado de um pseudolíder, que para se manter no poder não hesita em fazer uso indiscriminado da trilogia corrupção, injustiça e violência contra uma população pacata, a cada dia, mais e mais, estarrecida com a ousadia do crime organizado, estabelecido nos poderes constituídos municipais, a praticar toda sorte de desmandos administrativos, que se estendem, desde a prática indiscriminada do nepotismo até os desvios mais inescrupulosos dos recursos públicos. [...] Os cidadãos analandenses, não obstantes(sic) submetidos à total falta de transparência das contas municipais e às ameaças, como, entre tantas outras, as que redundaram na renúncia do Presidente da Câmara Municipal, indignados, reivindicam, das autoridades competentes, uma pronta interferência no sentido da preservação da ordem e da lisura na aplicação dos recursos públicos, no município de Analândia, uma vez que os edis eleitos e compromissados com as causas da ética e do controle social, encontram-se atemorizados diante da sanha de uma quadrilha instalada no poder municipal, para que a impunidade não venha a fomentar a ocorrência de episódios sangrentos como o que enlutou a família analandense e em particular a família do Vereador Nalin.394

392 Chiba era a alcunha pela qual era conhecido Luiz Carlos Perin, acusado de ser o autor intelectual do homicídio de que foi vítima o então vereador Evaldo José Nalin. 393 Ver nota de rodapé nº 237. 394 Carta de Analândia. O grito de Analândia. Analândia/SP, ano I, n. 10, p. 3, 23 dez 2010. Disponível também em http://unidosporanalandia.blogspot.com.br/2010/12/carta-de-analandia_19.html. Acesso em 14.05.2016.

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Fatos extremos como estes, inclusive, contribuíram para que, no início da sua

atuação a organização desempenhasse um papel predominantemente denuncista, até se

consolidar como uma organização de combate à corrupção e controle social a partir de

estratégias de ação que viessem a contribuir para a conscientização política da comunidade,

como reconhece um dos entrevistados-chave:

A gente define como uma organização social de combate a corrupção e controle social. A gente já participou de vários eventos aqui, tanto que foi a capacitação da LIA, o acesso a informação, porque o trabalho da ONG é pra... a princípio era realmente fazer as denúncias né, mas hoje ele também trabalha com a parte da conscientização política que foi feita desde o começo junta, que era a participação nas sessões da Câmara, como todo... pra incentivar a população a participar, acompanhar aonde tava o dinheiro, fiscalizar, denunciar e ver o que ia fazer. A ideia realmente é construir junto mas, na situação que a gente tinha na época não dava porque a população era perseguida, era intimidada, ameaçada... a gente tem casos graves, como o assassinato de um vereador, mas tem outras situações também. A S. D., que foi a primeira presidente, ela teve a casa apedrejada, mudou até de cidade, por medo mesmo de continuar aqui. Então, são várias situações dessas que a gente fez a ONG ser mais denuncista do que na verdade trabalhar direto com controle social e com o empoderamento da população. Mas hoje a gente tem uma população um pouco mais consciente, embora ainda tenham os interesses individuais né, prevalecendo sobre o coletivo.395

Por meio das entrevistas, alguns dos fatos noticiados pelo “O grito de Analândia”

também puderam ser recordados pelos entrevistados-chave, quando questionados sobre as

categorias estudadas que norteiam a pesquisa ora em relato, dentre outras evidências

levantadas e correlacionadas aos problemas da pesquisa.

[...] da AMASA, de perseguição contra a gente. Quando a S., logo que nós começamos a fazer a AMASA né, a S. foi numa sessão, que a gente foi lá pressionar mesmo eles né, porque eles só faziam o que o prefeito queria né, o que o B. queria. Então, nós fomos lá na, lá na coisa... então, que a gente começou a dar a cara a tapa sabe. Ele, o B. P. chegou na S., que era a presidente né da AMASA, ele ameaçou ela. Falou pra ela: Você vai embora dessa cidade senão você vai ver o que vai te acontecer. A S. saiu de lá aterrorizada. Quando ela chegou na casa dela, já era quase dez horas da noite. Quando foi uma meia noite, choveu pedra no telhado dela. Pedra! Quebrou um monte de telha, foi um horror. Quebrou vidro sabe. Ele que mandou apedrejar a casa dela. Daí a família começou a pressionar, pressionar, até que ela pediu demissão que foi ao de eu fiquei como presidente da AMASA [...]. A família dela ficou aterrorizada. Falou: Você não precisa disso. Uma que ela não era daqui. Ela veio morar aqui em Analândia. Quando ela chegou aqui e começou a ver todos esses desmandos, ela enlouqueceu. Ela falou: - Não, não dá. Foi ai que a gente começou a se

395 Trecho da entrevista com o informante-chave J.

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interessar e fomos atrás de fundar a AMASA. Assim que começou a história da AMASA.396 A AMASA, ela teve várias funções, entre ajudar a população com problemas jurídicos, nós resolvemos vários problemas como, aqui tem um loteamento, o Jardim Progresso, aonde todas as pessoas que moram lá tinham uma promessa de uma escritura. Mas, aquilo era usado politicamente, que na hora da eleição... [...] E aí entramos na justiça e ganhamos o direito da escritura. Hoje, mais da metade das casas já tem a escritura conseguida através desse trabalho da AMASA [...].397

Assim, partindo-se das iniciativas da organização voltadas para o controle da

gestão pública, em outras palavras, para o exercício do controle social da administração

pública, os entrevistados-chave informaram que a AMASA fiscaliza contratos e convênios

firmados pelo Poder Executivo local, bem como os projetos de lei em tramitação no Poder

Legislativo do Município. No âmbito deste último, salientam que acompanham as sessões de

análise e votação dos projetos de lei, os quais geralmente ingressam na casa legislativa e são

postos em pauta para votação sem uma antecedência que permita uma maior discussão, tanto

no espaço interno das comissões da casa quanto com segmentos da sociedade.

A AMASA, seguindo o esquema de ação da Rede AMARRIBO Brasil, também

atua formulando denúncias ao órgão do Ministério Público competente, em face de

irregularidades administrativas ou mesmo iniciativas do Poder Público, potencialmente

nocivas à coletividade ou segmento desta.

Hoje muita coisa já mudou né. O medo das pessoas... hoje já mudou bastante. Outro dia tivemos uma fiscalização da água e a vigilância sanitária veio pra multar. Então, ela precisou da vigilância sanitária do município e a vigilância sanitária do município, aparecer o B. lá, eles desmacaram o B. porque ele não tinha sido convidado, que não tinha a portaria dele, não tinha decreto, não tinha nada e, a prefeitura foi autuada. Então, eles tão nun trabalho atrás da água atualmente tremendo e do esgoto também... por causa disso.398 [...] Foi... teve o aniversário da cidade e a gente sabia que eles inaugurariam a estação de tratamento de esgoto que só foi inaugurada com a pressão da ONG. Fazia dez anos que eles tavam lá, constroem, constroem e não constroem. Quando a ONG foi formada, uma das primeiras ações foi de pressionar para concluir a obra né. Eles concluíram de qualquer jeito. Aquele material tava jogado lá há anos, pediram mais dinheiro e... custou mais de

396 Trecho da entrevista com o informante-chave C. 397 Trecho da entrevista com o informante-chave L. 398 Trecho da entrevista com o informante-chave L.

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dois milhões de reais aquela obra e a gente sabia que não ia funcionar. Inauguraram no domingo, terça-feira já não tava funcionando [...].399

De acordo, ainda, com as informações coletadas em entrevista, no ano de 2008,

quando surgiu a ideia de criação da ONG, teria sido feito um planejamento estratégico de

como seria o seu trabalho. Assim, planejaram atuar os novos atores sociais no

acompanhamento da aplicação dos recursos públicos, através do levantamento dos processos

(licitatórios), dos editais e, a partir do que fosse observado, formular as competentes

denúncias.400

E, na verdade, a gente segue esse protocolo até hoje... não tem um protocolo mas é a forma que a gente age. A gente levanta, o pessoal acompanha as contas, acompanha a sessão da Câmara, a cotação, dentro do que a gente verifica de irregularidade, a gente já entra com a ação, normalmente direto com a ação, mesmo porque não tem conversa com a... a gestão. Nem com a atual... é um pouquinho melhor com a atual hoje mas, a gente continua sem retorno mesmo, sem ter uma contra partida.401

O primeiro olhar da ONG, quando se trata de exercício cidadão do controle social

da Administração Pública, é, conforme relatos das entrevistas, para as despesas da Prefeitura.

Nesse campo, buscam analisar processos licitatórios publicados no Diário Oficial e, quando

algo os chama a atenção, iniciam uma análise mais aprofundada da questão, transformando-a

no que eles denominam de um processo, e passam a agir junto aos gestores locais.

Acompanha as licitações. Nós já ajudamos a mudar muitos documentos na... nas licitações porque antes não contratavam pessoas especializadas, sem pegar o acervo técnico do CREA. Contrataram uma vez um eletricista para colocar um ar-condicionado na escola e o cara era um simples apertador de parafuso, né.402 A AMASA, ela fiscaliza os contratos, os convênios, ela faz a parte da fiscalização do executivo e do legislativo, né. Então, ela acompanha, além disso, o investimento mesmo né. Se foi cumprido ou não. Desde o processo do edital até o final né. Normalmente, ela já age com a denúncia, mas, ela acompanha desde o início. É que não tem uma ação efetiva as denúncias que ela faz pra correção de edital e tudo mais. Então, ela faz as denúncias após por causa das irregularidades. E, o acompanhamento na Câmara né.403 Controla as obras públicas, a gente procura pegar as coisas lá na prefeitura, os papéis né, e conferir e checar as obras que, eu acho isso seria até uma

399 Trecho da entrevista com o informante-chave J. 400 Conforme relato do entrevistado-chave J. 401 Trecho da entrevista com o informante-chave J. 402 Trecho da entrevista com o informante-chave L. 403 Trecho da entrevista com o informante-chave J.

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coisa que deveria... os vereadores que deveriam tá ali fiscalizando e fazendo né [...]. Mas o que a gente faz é isso. Quando sabe que vai ter, por exemplo, um concurso, já vai lá, já pega as coisas no mural. Quando não tem, solicita por escrito né. Checar realmente o que eles estão oferecendo [...]. Então, tudo isso a AMASA controla tudo, inclusive, por exemplo, como a gente é membro da AMASA, as pessoas, às vezes, param a gente na rua pra falar: “- Olha, tá acontecendo isso, isso, isso” [...]. Então, tudo isso a gente, por exemplo, um caminhão pipa da prefeitura, deixando água pra encher a piscina do irmão do prefeito. A gente denunciou. Tudo isso. Então, o que a AMASA faz? A AMASA olha o que eles fazem de errado com o dinheiro público.404

Entre as ferramentas disponíveis no ordenamento jurídico nacional para o

exercício do controle social sobre a Administração Pública, os entrevistados-chave

informaram que costumam recorrer a consultas aos sites da Prefeitura e da Câmara Municipal,

a fim de acompanhar as publicações dos atos oficiais. Entretanto, enfatizam que as

informações e dados lançados não são devidamente disponibilizados e atualizados como

determina a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Acesso à Informação.405

A princípio, os entrevistados-chave revelaram um aparente dissenso, quando

questionados sobre o Portal de Transparência de Analândia, ora afirmando que, em verdade, o

que se apresenta como portal de transparência, nada mais seria senão o que é divulgado em

sítio eletrônico do Governo Federal; ora assinalando que o portal de transparência existe, mas

não estaria sendo atualizado em tempo real.

Em pesquisa realizada na internet, levantou-se a existência do Portal do Cidadão,

da Prefeitura Municipal de Analândia (SP).406 Uma breve incursão no sítio eletrônico em

comento permite que se levantem dados relativos às despesas do município a partir do ano de

2011, e às receitas a partir de 2014, informando que a última atualização ocorreu em 13 de

maio de 2016, considerando-se a data deste acesso. Entretanto, algumas informações, quando

se utiliza o link específico para consulta, v.g, referentes a gastos públicos, não se mostram

acessíveis,407 o que vem a corroborar alguns relatos dos entrevistados-chave, quando

404 Trecho da entrevista com o informante-chave C, o qual acrescenta, ainda, que tais denúncias foram feitas ao órgão do Ministério Público da comarca. 405 Tratam-se, respectivamente, da Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000 e da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. 406 Disponível em http://www.analandia.sp.gov.br. Acesso em 14.05.2016. 407 A autora da pesquisa simulou uma pesquisa no link de acesso dos “Gastos diretos por despesa”, utilizando os filtros ano/mês, 2013/dezembro, obtendo como resposta a seguinte informação: “De acordo com os filtros que foram selecionados não existem informações a serem exibidas para esta consulta”. Acesso em 14.05.2016.

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perguntados sobre a atualidade e o detalhamento dos pagamentos, das despesas, dos contratos,

da prestação do serviço ou entrega do bem adquirido, dos processos licitatórios.

Não, não tem publicidade nessas informações. A gente tem que pedir pra saber o que é que foi pago, senão a gente não tem. O que sai no Diário Oficial a gente ainda consegue acompanhar, mas é muito pouco e a população não consegue entender [...], o que que é... então é uma informação muito técnica pra população consultar e a publicidade deles é muito ruim porque é o que eu falei, no site não tem nada. Nada, nada.408

Não obstante, ainda, contar o portal de transparência do município paulista de

Analândia, com um canal de acesso destinado ao Serviço de Informação ao Cidadão (SIC), o

fato é que, por ocasião das entrevistas realizadas para a pesquisa, ou seja, 11 e 12 de julho de

2015, dificuldades de obtenção de informações junto aos órgãos públicos do Município de

Analândia foram relatadas pelos entrevistados-chave.

Por fim, na história da organização não governamental Amigos Associados de

Analândia – AMASA, impõe que se registre mais uma circunstância que muito a identificou

com a história da Amigos Associados de Ribeirão Bonito – AMARRIBO, hoje, Rede

AMARRIBO Brasil: um processo de cassação de prefeito. No caso do Município de

Analândia (SP), o pedido de cassação do prefeito à época – maio de 2015 -, foi rejeitado pela

Câmara de Vereadores. Entretanto, a relevância do registro desta ocorrência para a pesquisa

deve-se ao fato de que o controle social da Administração Pública local, desencadeado com a

constituição da ONG AMASA, foi a mola propulsora para que atos administrativos e

legislativos dos respectivos poderes locais passassem a ser abertamente questionados pela

população, principalmente por intermédio dessa organização – conforme relatado pelos

entrevistados -, ao ponto de se ingressar com um processo de cassação de mandato por

suposta prática de infração político-administrativa contra um prefeito municipal.409

408 Trecho da entrevista com o informante-chave J. 409 Conferir em http://www.jornalcidade.net/rio-claro/municipios/camara-rejeita-a-cassacao-de-prefeito-de-analandia/ e http://www.regiaoemdestake.com.br/news/analandia-rogerio-ulson-fica-camara-rejeita-cassacao/ . Acesso em 15.05.2016.

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4. RESULTADOS DOS TRABALHOS DE CAMPO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA

PERCEPÇÃO DOS ATORES-CHAVE DAS ORGANIZAÇÕES SELECIONADAS E

DAS CATEGORIAS TEMÁTICAS ESTRUTURADAS.

4.1 Notas introdutórias.

O objetivo geral da pesquisa consistiu na investigação do papel exercido pelo

controle social para o dinamismo e funcionamento do Estado, o planejamento,

acompanhamento e execução das políticas públicas, a efetivação dos direitos sociais e,

consequentemente, da cidadania e da democracia participativa, enquanto direito fundamental

de quarta geração. Em outras palavras, o papel do controle social da Administração Pública, a

partir de um olhar através do qual se pudesse (e efetivamente se possa) vislumbrar no mesmo

um caminho para a efetivação de direitos sociais no Estado Brasileiro; portanto, o gozo e a

fruição de direitos civis, políticos e, principalmente, sociais, aqueles que, segundo PINSKY,

garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva.410

Desta forma, conforme dantes assinalado, escolheram-se as organizações não

governamentais Observatório Social do Brasil (OSB) e Amigos Associados de Ribeirão

Bonito (AMARRIBO) Brasil, que atualmente se constituem como duas redes de controle

social da Administração Pública, pela observada atuação que tais organizações, a partir de

métodos e estratégias próprios, vêm demonstrando no âmbito do que se denomina controle

social no Brasil e identificadas por um mesmo propósito de exercer, nos municípios onde

atuam, práticas de controle da gestão pública; o que possibilitou uma base mais abrangente e

um espectro maior para o estudo, dentro de um contexto real, e, portanto, mais confiável para

as repostas aos problemas da pesquisa.

Os resultados da pesquisa – tomando-se estes como o conjunto das evidências

levantadas para se chegar a respostas confiáveis para os problemas que a conduziram, ou suas

questões orientadoras -, foram estruturados em quatro categorias temáticas, das quais se passa

a cuidar, a saber: a) Participação social na administração pública: iniciativa social, incentivo

oficial e realização de audiências públicas (item 5.4.1); b) Articulação entre o Estado (Poder

Público) e a sociedade e receptividade da Administração Pública local às intervenções das

organizações (item 5.4.2); c) Transparência e acesso à informação: a questão do orçamento 410 PINSKY, Jaime; PINSKY Carla Bassanezi. História da Cidadania. São Paulo: Editora Contexto, 2013, p. 9.

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público, das receitas e despesas públicas (item 5.4.3); e, d) Efetividade dos mecanismos e

ferramentas de controle social da Administração Pública (item 5.4.4).

Embora tenha sido aspecto importante da pesquisa o conhecimento das estratégias

de atuação das organizações selecionadas para a realização dos seus propósitos institucionais,

não foi inserido esse elemento dentre as categorias temáticas aqui analisadas, preferindo-se

tratar do mesmo – como assim fora feito -, na apresentação e descrição das organizações, por

considerar-se mais adequado aos propósitos da pesquisa.

4.2 Participação social na administração pública: iniciativa social, incentivo oficial e

realização de audiências públicas.

As análises aqui procedidas tomaram por base os relatos dos atores-chave da Rede

OSB – hoje Sistema de Franquia Social OSB -, assim entendidos parte deles como membros

da entidade coordenadora/franqueadora da Rede e parte como membros do Observatório

Social de São José dos Campos (OSSJC), conforme esclarecido no item 3.2 e seguintes. E, no

tocante à Rede AMARRIBO Brasil, os relatos dos atores-chave desta Rede e da Organização

Não-Governamental Amigos Associados de Analândia – AMASA, os quais como se verá

adiante, confluíram consideravelmente para o quanto revelaram as manifestações e

percepções dos atores-chave da Rede OSB.

Os relatos dos atores-chave da Rede OSB enfatizaram a ausência de uma cultura

de participação social do cidadão brasileiro, e particularmente das municipalidades a que

estão adstritas, nos assuntos de interesse coletivo - e iniciativas como as aqui estudadas -,

apontando, quase que à unanimidade, para uma predominante acomodação coletiva e postura

as mais das vezes individualista, ora vinculando-a a uma ausência de educação para a

cidadania, ora pugnando por uma urgente necessidade de implementação desta; o que remete

aqui ao ponto em que foram abordadas as frentes de atuação da Rede OSB e, em particular, a

referente à educação fiscal. Entretanto há relatos que informam um olhar mais otimista para o

fenômeno pesquisado e que aqui também são considerados.

O brasileiro em geral, ele não tem essa educação para né, para essas participações. E, São José, o pessoal vê o problema, sentem, mas ainda não enfrentam isso. Eles acomodam. Então, um grupo pequeno é que movimenta

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ainda em relação a isso.411 A gente, no início, pra fazer o lançamento do Observatório Social [...] foram feitos vários trabalhos, várias palestras né, convidou-se todas as pessoas né, inclusive autoridades né... fizemos inclusive com bastante participação [...] O auditório lotou, ficou cheio de pessoas né, não é mesmo? Só que, na realidade é o seguinte: Na hora do vamos vê né, vamos fazer né, as pessoas não vem, entendeu? Assim... não há um desejo por parte das pessoas né de uma participação, participação no Observatório. [...] Parece que... eu acho que o brasileiro é muito de deixar pros outros sabe? Alguém tem que fazer por mim. Eu tenho que ser a minha história, eu tenho que fazer história [...]. Eu acho que, o brasileiro, não exerce a sua cidadania entendeu? Não exerce a sua cidadania [...].412 Ah, eu acho que ainda nós estamos engatinhando. Eu acredito nisso, eu acho que nós somos muito acomodados e, São José dos Campos, que é tida como uma cidade do eixo São Paulo/Rio, uma das regiões do país que tem mais doutores né, por conta dos centros tecnológicos e tudo mais, a gente tá longe ainda desse olhar e dessa, de atuaç..., dessa atuação de verdadeiros cidadãos.413 Eu acho que, em média, nós brasileiros nos preocupamos em ganhar nosso pão, sustentar nossa família, trabalhar de segunda a sexta ou sábado, folgar no domingo e quando chega em casa tá cansado e não se ocupa do resto. Porque a luta cotidiana é feroz então, não se se há espaço. A educação passou muitas vezes ao largo. Ou é precária ou inexistente [...]. Mesmo as escolas de nível superior hoje são precárias, os alunos chegam lá sem conhecimento básico de muita coisa e não tem noção daquilo que é responsabilidade individual.414 Ainda tem bastante problema e, muitos nem sabem que tem esse direito né. Muitos, muitos cidadãos não sabem que podem participar das decisões. Então, em alguns municípios a gente vê chamadas de audiência pública, existe, inclusive, contato com o Observatório Social, mas, em alguns, ainda o cidadão não tem o menor conhecimento. [...] Mesma coisa nos conselhos. Muitos estão nos conselhos e não sabem o que é que estão fazendo lá. Então o Observatório também atua na capacitação dos conselheiros e instrução, mas não como membro de Conselho.415 É, eu percebo que isso (falando da participação social na gestão pública) tá crescendo bastante né, por conta assim do número de instituições e, até de redes de controle social, o que a gente já vê frutificar no Brasil né. A gente vê crescer, por exemplo, no meio universitário quando a gente faz palestra pro meio universitário, o quanto eles querem participar, pelo aumento do número de voluntários nas cidades, [...] Então a gente vê crescer bastante isso né, o número de entidades, o número de ONGs, de redes de controle social, o número de voluntários nos Observatórios, o número de cidades que estão procurando pelo Observatório [...], é fruto também de um longo trabalho de educação que, por exemplo, o programa nacional de educação

411 Trecho da entrevista com o informante-chave Y. 412 Trecho da entrevista com o informante-chave N. 413 Trecho da entrevista com o informante-chave A. 414 Trecho da entrevista com o informante-chave X. 415 Trecho da entrevista com o informante-chave L.

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fiscal, eu penso que já contribuiu bastante para melhorar essa consciência crítica [...].416

Houve relatos que sinalizaram para uma percepção dos entrevistados acerca da

ausência de participação social do cidadão brasileiro, extremando-a ao ponto de considerá-la

como um reflexo de sua própria auto-imagem que estaria identificada com a tão censurada

corrupção.

[...] Mas, não há, não houve assim, por parte da população... ó gente, vamos dar um basta nisso, vamos fazer uma passeata né. Houve um... uma questão política de aproveitar uma situação dessa pra derrubar a presidente, que foi eleita democraticamente né, pra tentar derrubar, mas não no sentido da corrupção. Então, o brasileiro, e eu vou falar uma coisa aqui, e eu falo com dor no meu coração: - Isso me leva a crer, acreditar, que, a grande maioria de nós brasileiros, nós somos corruptos, porque aceitar tudo isso e ficar calado... gente!... eu sou corrupto também gente!... Porque se eu não fosse corrupto... eu ia fazer alguma coisa, mas nós... mas não, o Brasil não faz nada, por que? Porque eu acho que, no fundo, tendo a oportunidade, vai fazer a mesma coisa né? Então, isso é uma que mexe com o coração da gente, cê entendeu? E assim, o Observatório Social é uma oportunidade de você exercer a cidadania, né? 417 [...] talvez, as pessoas estejam muito mais preocupadas em garantir o seu próprio sustento e, talvez, por causa daquilo que a gente comentou antes, daquela filosofia de levar vantagem em tudo, então, esse levar vantagem é primeiro... o ditado é primeiro o meu, depois o do outro lá [...].418 Eu acho que nós estamos vivendo no Brasil um momento único. Eu acho que o momento dessa transformação social no Brasil é agora. Eu acho que nós nunca vivemos tantos escândalos de corrupção quanto nós estamos vivendo nesse momento [...] E, eu ainda deixo uma outra informação: enquanto a sociedade civil organizada não tomar consciência de que temos que fiscalizar o dinheiro público, que é nosso, é por essa falta de fiscalização que existe o desvio do dinheiro e, a má aplicação dele. Quando a sociedade se conscientizar de que essa fiscalização e esse controle tem que ser feito por nós, todo esse... essa gama enorme de corrupção que existe aí, ela vai diminuir. Eu não digo acabar, que talvez seja muito difícil acabar, mas ela vai diminuir e muito, porque é com esse controle social, com essa fiscalização desse dinheiro público, desse gasto público que nós vamos evitar os desvios que tem acontecido ultimamente e, na proporção que tem acontecido.419

416 Trecho da entrevista com o informante-chave R. 417 Trecho da entrevista com o informante-chave N. 418 Trecho da entrevista com o informante-chave P. 419 Trecho da entrevista com o informante-chave I.

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Outro dado que chamou a atenção na pesquisa, e relatado por um dos

entrevistados-chave da Rede OSB, foi o aumento crescente de pessoas interessadas em

trabalhar nos Observatórios já constituídos, ou em constituir outros, após as manifestações

populares do ano de 2013, o que o fez interpretar como um resultado da indignação que vem

acometendo a população brasileira, fator, segundo o mesmo entrevistado, que se constitui em

um forte aliado de iniciativas como as dos OS.420

No tocante às audiências públicas, os relatos registram que vem acontecendo um

tímido, porém perceptível, interesse da população local em participar desses eventos, ainda

que não saiba o que ali busca421. Inclusive, ao se voltar o foco da pesquisa para a questão do

orçamento participativo, alguns dos entrevistados-chave da Rede – particularmente do OSSJC

-, foram categóricos em afirmar a ocorrência de audiências públicas e debates em face da

elaboração do orçamento, quando perguntados sobre o incentivo oficial à participação popular

através da realização de debates e audiências públicas para elaboração e durante a execução

do orçamento público em São José dos Campos (SP), cidade-sede do OSSJC, embora

assinalando retrocessos.422

Tem sim. O orçamento público aqui, desde a... quando foi... nós tivemos aqui há dezesseis, dezoito, vinte anos atrás né, nós tivemos uma prefeita aqui que foi do Partido dos Trabalhadores – PT. Já era prática deles fazerem o orçamento participativo né e hoje virou lei. [...] Dezoito a vinte anos nós tivemos orçamento participativo. Foi uma experiência muito boa e era muito marcada a presença de pessoas de baixo poder aquisitivo, pessoas que não tinham quase... moravam em favela... essas pessoas iam pro orçamento participativo defender, porque elas não tinham nada, nem a habitação. Era bem marcada a presença dessas pessoas. Elas se organizaram. Depois, esse mesmo movimento, foi chamado de audiência públ... audiência pública? Me parece que era audiência pública, mas aí a gente já tinha um outro tipo, um grupo de pessoas que não era com a mesma freqüência, a cidade não era mapeada como era no orçamento participativo né. Então, eu vi, eu acho que nós começamos lá atrás com uma posição, depois houve um... retrocesso e hoje eu não sei como acontece a participação da população. Acredito que audiência pública423(grifo nosso). [...] a questão do orçamento participativo, a prefeitura faz, realiza, só que o que a prefeitura disponibiliza pra sociedade, pra população opinar, pro cidadão opinar, é uma parcela pequena do orçamento. A maior parte do orçamento já fica votado, definido na Câmara, elaborado pelo município,

420 Conforme relato do informante-chave L. 421 Conforme relato do informante-chave Y. 422 Conforme relato do informante-chave N. 423 Trecho da entrevista com o informante-chave A.

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pela administração municipal, pelo executivo, aprovado na Câmara e, o que vai pro cidadão é uma parcela muito pequena... . A discussão, a discussão, o que é colocada em discussão é apenas, digamos assim, uma... eu diria uma maquiagem, é uma pequena parte. O que é importante no orçamento municipal é decidido no executivo e no leg... e aprovado no legislativo. E aprovado porque o legislativo, normalmente, não se aprofunda [...].424

Entretanto, quando se trata do tema participação social nesses debates e

audiências públicas, o mesmo entrevistado, como outros informantes-chave da Rede OSB, é

categórico em registrar o desinteresse da população.

[...] As pessoas ainda tem um pouco de resistência. Então, eu vejo que tá errado, eu sei que eu posso fazer alguma coisa, mas eu não faço, porque ele tá fazendo, porque o Observatório tá fazendo. Então, existe uma falta de envolvimento ainda [...]. Ah, mas eu não vou me envolver. Eu só tenho duas horas por dia. Vou fazer outra coisa, vou me divertir nessa hora e não vou me preocupar com o meu município, então falta assim um pouco mais de comprometimento.425 É, olha só, aqui em São José dos Campos tem havido, mas a gente não vê uma participação maciça da população. Infelizmente a gente não vê. Então tem sido discutidos problemas como, por exemplo, mudanças no... na lei de zoneamento do município, tem havido muita discussão, algumas organizações da sociedade civil tem participado. Nós não chegamos a participar. Na questão do orçamento, como eu já comentei, na discussão do orçamento, a gente observa uma participação não muito grande da sociedade, existe uma participação sim, mas eu acho que ainda deixa a desejar em matéria de participação popular, de deliberação.426 Eu, eu tenho muito descrédito com relação a isso porque os grupos que eu vejo participando mais ativamente são grupos ligados a questões políticas, a interesses políticos, quando não são interesses pessoais. [...] eu vejo que, não só aqui no município, mas eu acho que a população brasileira não está consciente da responsabilidade que tem. Daí a todo mundo preferir ir embora do mais, mudar de estado, mudar de país, por conta de se sentir impotente mas, também não faz nada pra ver se consegue resultados. Então, reclama-se e não se anda. Não se faz nada porque a omissão é mais fácil [...]. 427

Outro aspecto dos relatos dos entrevistados, no que concerne ao tema participação

social, incentivo oficial e audiências públicas, diz respeito à relevância e à consideração que o

Poder Público confere às manifestações dos munícipes nesses atos. Lamentavelmente, o que

predominou na percepção dos entrevistados é que as audiências públicas realizadas se prestam

tão somente ao papel de cumprir formalidades legais. 424 Trechos da entrevista com o informante-chave P. 425 Trecho da entrevista com o informante-chave L. 426 Trecho da entrevista com o informante-chave P. 427 Trecho da entrevista com o informante-chave X.

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[...] As audiências públicas até, acabam muitas vezes, sendo só pra cumprir a lei entendeu? O que se vai fazer já tá determinado já. Já está determinado já, entendeu? E. aqui nós tivemos, o prefeito anterior a esse nosso aqui, de chegar, fazer, a fazer a audiência pública né, assumir compromisso de que ia acertar algumas coisas e fazer uma eleição na Câmara, de madrugada entendeu, pra votar, porque ele queria não acordar com a audiência pública, você entendeu? [...] Não há interesse da participação das pessoas né. [...] as pessoas, parece que brasileiro é... deixa pra vocês né, deixa pro outro cuidar né, não é mesmo? Infelizmente é assim. Há muito pouca gente que participa das audiências públicas, não só com relação ao orçamento, é com outras coisas também. [...] Divulga no jornal, na mídia em maneira geral. A cidade fica sabendo sim, entendeu? Fica sabendo. Só que não há... há muito pouca gente que... eu já participei de algumas audiências entendeu, mas é uma minoria de pessoas.428 As audiências, eles tem feito as audiências para elaboração do orçamento, mas, como eu falei, digamos, assim, mais, talvez pra cumprir tabela porque essas... o que é colocado em deliberação é uma parcela muito pequena do orçamento.429 Eu não sinto nada fora do padrão de normalidade né. Publica-se aquilo que é obrigatório publicar, noticia-se(sic) audiências públicas, mas eu sinto a apatia da população.430 [...] de um modo geral, o que a gente observa é que se faz o mínimo pra cumprir a lei. Tem cidades que tem lá todos os conselhos municipais de direitos, regulamentados pela lei, tem todos eles nominados.Tem lá um decreto um decreto nominando as pessoas, mas daí, quando você pergunta quando é a reunião do Conselho? Ninguém sabe. Como encontrar as pessoas que compõem esse Conselho? Ninguém tem essa informação na prefeitura. Então, a gente ainda vê muito isso né, com o Conselho Municipal de Direitos é o primeiro instrumento de controle social oficializado pela Constituição né e, mesmo assim, na grande maioria das vezes nas cidades ele é, no mínimo ignorado ou então as pessoas que estão compondo aquele conselho, por exemplo, na saúde, tem alguém que representa o usuário, mas você vai ver ele é um funcionário da Prefeitura, mas tá representando o usuário.[...] Então, há uma manipulação, eu diria, dos documentos legais pra parecer que está dentro, cumprindo a lei.431

Outras deficiências, concernente à utilização de mecanismos legalmente previstos

para viabilizar a participação social na Administração Pública, ainda foram levantadas na

pesquisa. É o que informa o relato do entrevistado-chave R, a seguir: 428 Trecho da entrevista com o informante-chave N. 429 Trecho da entrevista com o informante-chave P. 430 Trecho da entrevista com o informante-chave X. 431 Trecho da entrevista com o informante-chave R, da Rede OSB, o qual desempenha uma função estratégica na Direção do OSB, acompanhando e participando do desenvolvimento das ações finalísticas da organização, daí a importância conferida ao seu depoimento.

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Geralmente, as cidades maiores que, as administrações são mais profissionais, têm profissionais atuando nas diversas secretarias, geralmente têm essa tendência a ter um cumprimento melhor da lei. Agora, nas cidades pequenas, isso praticamente não existe né. Consulta pública, audiência pública, tanto que, uma das ações previstas pelos Observatórios é o acompanhamento da prestação de contas quadrimestral das prefeituras né e, por muitas vezes, o Observatório tem que forçar, cobrar, oficiar, as vezes até lançar mão do Ministério Público, pra fazer com que o evento de apresentação do relatório aconteça. Muitas... muitos locais acontece no papel né. [...] A gente já viu, inclusive, plaquinhas na sala de licitação de proibida a entrada, né.[...] A gente tem Câmaras de Vereadores em que o plenário é separado... dos vereadores, as, mesas, das cadeiras dos vereadores por vidro até o teto e, só tem um autofalante que vem pra plenário o que os vereadores querem que se ouça, né; então eles apertam o microfone para que o plenário escute ou não, conforme o que eles querem.432

O que o trabalho de campo da pesquisa junto, por sua vez, à Rede AMARRIBO

Brasil e da organização não-governamental Amigos Associados de Analândia (AMASA)

pode constatar, no que toca à categoria temática ora em consideração, é que as manifestações

e percepções dos atores-chave da Rede AMARRIBO Brasil, acerca do fenômeno controle

social da Administração Pública, objeto principal da pesquisa, confluíram, repita-se,

consideravelmente para o quanto revelaram as manifestações e percepções dos atores-chave

da Rede OSB. É o que se pode deduzir das manifestações que serão a seguir destacadas.

Sobre uma predominante acomodação coletiva e postura as mais das vezes

individualista, vinculando-a a fatores de ordem cultural e a uma ausência de educação para a

cidadania:

Na questão da participação popular, eu daria uma nota bem baixa aqui. Eu daria uma nota 4. Por que? Uma é a questão cultural mesmo, né; é a questão de... cada um cuida da sua casa e, a nossa casa é... primeiro a nossa residência, depois a nossa cidade, depois o nosso Estado e depois nosso País e, aquilo. O pessoal acha que ele cuidando da casa dele ali tá bom, mas a gente vivendo em sociedade, numa democracia, hoje não é mais só isso. [...] Por diversas razões: questões culturais, educacionais, tudo isso aí. Se você... a educação, ela tem um papel, ao longo do tempo, de aumentar a participação, não é? O pessoal começa a entender que isso é importante. [...] Você pega algumas cidades que a gente visita as vezes, cê vê olha, cê vê de cara assim que ali teve boa gestão. Teve boa gestão pública, teve boa gestão da coisa e você vai ver que o índice, a participação popular é alta tá.433

432 A situação se repetiu em outro município paulista, a saber, o de Taubaté onde, segundo um dos participantes (o informante-chave S, da Rede AMARRIBO Brasil) da reunião realizada no dia 30 de maio de 2015, na atual sede da AMARRIBO Brasil, foi colocado, na Câmara de Vereadores local, um blindex entre os vereadores e a platéia; “um blindex assim, de fora a fora”. 433 Manifestação do informante-chave J.

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A gente cansa de convidar as pessoas pra irem a Câmara sabe, acompanhar o trabalho, ir lá cobrar aqueles a quem você votou né. Você votou na pessoa? Vai lá ver se ela está realmente fazendo aquilo que ela tem que fazer. As pessoas não vão viu! Não, não colaboram...[...].434 Eu, eu até ia falar mesmo no geral, porque eu acho que, realmente, como a gente tinha conversado que, ainda tem essa dificuldade de a população entender o que é o controle social, o que é a participação, que isso é um direito deles e, ao mesmo tempo é uma obrigação né. Então, eu acho que a população ainda não tá empoderado desse direito, dessa obrigação deles. Então, eu acho que falta muito isso, não só aqui como em todos os lugares né?435 [...] a gente não tem uma base de formação em participação social, em cidadania, em ética e, quando eu to falando base desde o primário mesmo, desde o jardim da infância, quer dizer, é base, é eu crescer com aquela vontade de participar politicamente como eu tenho vontade de comer, como eu tenho vontade de passear, de viajar, de almoçar, de ir ao banheiro, entende?436 Agora, ainda, nós não temos um número que eu gostaria que fosse muito maior que é cidadãos indo lá ver o seu dinheiro público. Falar: Ó! É o meu dinheiro e eu quero saber o que esta sendo feito, entendeu? Como esse imposto está sendo arrecadado. Sala de transparência. Quero saber porque que a prefeitura gastou naquela terraplenagem, naquela construção de escola. Isso ainda não é praticado no Brasil. Eu gostaria que fosse muito mais. Como reverter isso? Educação.437 Nós achamos que tudo isso, se você realmente não desenvolver esse espírito cidadão, não tiver nas pessoas essa consciência cidadã, nada vai acontecer. [...] Somente um camarada que tem realmente o espírito e a consciência e uma formação cidadã é que realmente entende..., não eu tenho que fazer isso. [...] No fundo eu vejo uma certa apatia, parece que ele diz assim: - Bom, o dinheiro público sempre foi maltratado e assim... paciência, nós não temos forças pra que seja diferente, né?438

Novamente o desinteresse da população, quando se trata do tema participação

social nos debates e audiências públicas, se manifesta desde o momento mesmo de

conscientização para o bom exercício da cidadania. Acresça-se a esse aspecto comportamental

do cidadão brasileiro e das comunidades locais, em particular, delineado por atores-chave da

Rede, as deficiências – propositais ou não -, que marcam os mecanismos de publicidade dos

atos oficiais nos municípios, especialmente na divulgação de reuniões e audiências públicas,

434 Trecho da entrevista com o informante-chave C. 435 Trecho da entrevista com o informante-chave J da AMASA. 436 Trecho da entrevista com o informante-chave S. 437 Trecho da entrevista com o informante-chave V. 438 Trecho da entrevista com o informante-chave F.

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que favorecem o conhecimento e a participação cidadã nas mesmas, v.g., dos Conselhos

Municipais de Políticas Públicas.

[...] No último encontro da lei de acesso à informação quase ninguém veio. Então, você chama... e a gente já tinha uma situação mais consciente da população. Então, a gente tem a dificuldade de trazer as pessoas pra ouvir sobre cidadania. As pessoas não estão abertas a isso.439 [...] Então veja, aí hoje o apelo de muitas cidades, que todas cidades do interior tem os mesmos problemas de Ribeirão Bonito. Só que a sociedade não incorpora que é ela que tem que fazer alguma coisa pela cidade né. Ela acha que só quem tem... ele elegendo os vereadores, o prefeito, eles que tem que tomar conta da cidade. É o contrário. Nós temos obrigação de participar nosso convívio no município e de apoiar as ações para que não ocorra, certo, desvio de recursos, que a cidade seja bem administrada, que haja emprego pras pessoas da cidade... Isso não é função exclusiva dos políticos da cidade, ao contrário, nós cidadãos também temos que trabalhar nesse sentido. [...] Se nós tivéssemos uma ONG, ao estilo da AMARRIBO, em cada cidade, fiscalizando o Poder Público... que este passou a ser a coisa mais importante que uma ONG pode oferecer pra sua cidade é fiscalizar o Poder Público pra que ele, certo, tome as iniciativas adequadas, que ele não corrompa as pessoas. Porque veja, isso é... ocorre em cadeia. Quando há corrupção num setor, no outro setor, logo em seguida vai ocorrer também certo [...]. [...] a população é cômoda né. Ela quer ficar na frente da televisão certo, fazendo o churrasquinho dela certo [...] Então veja, a população tem naturalmente uma tendência ao comodismo. Ela não quer perder a amizade com ninguém, quer ficar amigo do prefeito, de todos os vereadores, do Ministério Público, do juiz, do corrup..., até do corrupto, sabendo que o cara é corrupto, ele quer ficar amigo [...].440 O conse... os conselhos ainda que a gente faz força pra sair no horário da tarde que dê pra ir. Assim mesmo é complicado porque tem gente que dá aula, tem gente que... É complicado [...]. Tem uma divulgação lá escondidinha no..., escondidinha no painel da prefeitura lá. [...] Tem a rádio comunitária, mas não tem nada que diga respeito a isso. [...] Lá é muito..., é tudo no painel. [...] Nada... eu passo na rua e já sei se tem um papel novo ou não tem. A senhora tá vendo esse papel dobrado aqui? Tá convidando a senhora pra ir no dia não sei o que lá, pra senhora ir na audiência pública.441 E, tem a questão do coletivo, que a pessoa não tá preocupada com o coletivo. Ela resolve o problema dela e fala: Ah! Eu que to pagando o meu imposto e tá tudo certo né, Tem até uma frase do A., que ele fala sempre assim: que a culpa da corrupção é dos honestos; porque dos desonestos, você não espera

439 Trecho da entrevista com o informante-chave J da AMASA. 440 Trechos da entrevista com o informante-chave G. 441 Trechos da entrevista com o informante-chave L da AMASA, quando o informante mostrou, para a pesquisadora, fotos do painel de divulgação de atos oficiais da Prefeitura Municipal de Analândia (SP).

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que eles vão fiscalizar, você não espera que eles vão fazer nada. Agora, o honesto, ele acha que ele tá pagando o imposto, tá tudo certo e tá tudo bem.442

Embora não reflita a percepção da maioria dos entrevistados-chave, uma avaliação

mais positiva da realidade do fenômeno estudado também foi possível de ser registrada. É o

que sugere a manifestação de um dos entrevistados-chave, quando questionado acerca do

incentivo oficial à participação social na discussão dos instrumentos orçamentários públicos.

Segundo o entrevistado-chave V, os agentes do Poder Executivo de municípios integrantes da

Rede AMARRIBO Brasil têm divulgado regularmente as reuniões e audiências públicas e,

frequentemente os membros da Rede são convidados a comparecer, não o fazendo por falta de

meios e disponibilidade de voluntários. Os convites à Rede AMARRIBO geralmente ocorrem

em processos licitatórios. Todavia, para o mesmo entrevistado a participação popular é que

ainda se mostra muito diminuta, admitindo, porém, que o horário de muitas dessas reuniões e

atos públicos não conspira para uma maior presença dos cidadãos locais.

Nesse mesmo sentido é a percepção do entrevistado-chave D, embora tomando

por referencial o quanto oferecido pelo município de Ribeirão Bonito. A propósito do instituto

das audiências públicas, esse mesmo entrevistado recordou, oportunamente, que em um

determinado período não precisado, porém, mas subseqüente à fundação da AMARRIBO, o

Poder Público local costumava realizar audiências públicas nos bairros da cidade, chegando a

deslocar a estrutura da Câmara de Vereadores do município para os bairros. Essas audiências

foram denominadas pelos integrantes da AMARRIBO de audiências públicas itinerantes.

Eu ainda volto a falar que existe uma certa acomodação da população. Em Ribeirão Bonito, ela acompanha as discussões através da Rádio BJ, mas eu acho que tinha que ser, a pessoa tinha que ir olhar no olho do vereador, discutir com o vereador, porque nesse momento o munícipe pode conversar com os vereadores, aliás, é pra isso né? [...] Eu acho que a população deveria participar mais. Não só acompanhar o que está sendo discutido. Ela participar. [...] Eles tem dado espaço. Eu acho que a popul... A população tem que tá sempre, tem que tá sempre sendo cutucada. Olha... tem que fazer isso. Olha gente, vamos isso... e esse trabalho a AMARRIBO também faz, de conscientização.443

442 Trecho da entrevista com o informante-chave J, da AMASA. 443 Trecho da entrevista com o informante-chave D.

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O desinteresse da população em participar dos debates públicos acerca dos

assuntos de interesse local se repete naquele que deve apresentar-se como o espaço de

exercício da democracia por excelência, a saber, as Casas Legislativas. E é importante

destacar esse ponto pela pesquisa também evidenciado, porque, como assinala Furtado444, ao

Poder Legislativo o ordenamento jurídico brasileiro atribui função primordial para o exercício

do Estado Democrático de Direito; é peça chave na construção das políticas públicas locais,

na medida em que por ele passam, obrigatoriamente, os planos plurianuais, as leis de

diretrizes orçamentárias e as leis orçamentárias anuais, instrumentos fundamentais para a

execução das ações governamentais e cumprimento das metas e programas de governo. Mas,

não somente isso, é também condição de legitimação da formação da vontade estatal a ser

concretizada.

A pauta... o M. sempre tem a pauta né. O M., ele pega sempre. Ele tá sempre... Então, o M., as vezes avisa a gente. Olha, vamos lá hoje, que hoje vai ter tal coisa assim. Mas, no mais, eu acho assim, o povo muito desinteressado. O povo não tem interesse. Eles só sabem reclamar depois de alguma coisa. Mas ter interesse de ir lá ver o que que tá acontecendo, ver o que que vão aprovar, o que não vão aprovar?... Não tem o menor interesse.445

Um aspecto que também chamou a atenção na pesquisa, em relação às

manifestações e percepções de atores-chave da Rede AMARRIBO Brasil, foi o fator “medo”

que, associado à inércia da população local, também responde pelo baixo índice de

participação social no controle da gestão pública. Embora não seja ele um componente social

justificador do estudo de caso em relato – predominantemente focado na dimensão jurídico-

política do fenômeno estudado – a sua referência aqui se propõe a expor o tamanho da

complexidade que envolve a plenificação do exercício de direitos de cidadania em nações

como o Brasil, que não alcançou uma também plena consolidação de suas jovens instituições

democráticas, alvos, ressaltem-se, frequentes de ameaças oriundas de forças políticas

conservadoras; abrindo-se, quiçá, um novo campo para debate científico. Assim, perguntados

se a sociedade local vem colaborando com a ONG nas iniciativas voltadas para o controle

social da Administração Pública, responderam:

444 FURTADO, J. R. Caldas. A Força Vinculante da Lei Orçamentária. In: CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de (Coord.), Lei de responsabilidade fiscal: ensaios em comemoração aos 10 anos da Lei Complementar nº 101/00. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.123. 445 Trecho da entrevista com o informante-chave C, o qual, todavia, também relata que a Câmara Municipal de Analândia necessita mudar a sua conduta para com o cidadão local, pois, segundo o informante-chave, ali o cidadão não pode se manifestar. “Você vai lá e não pode abrir sua boca lá. Só se você pegar a palavra livre”, diz o entrevistado.

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Ah... o medo, o medo é grande né... ninguém... é difícil né? É uma coisa que precisamos, que eu to dizendo atualmente, que teria que começar trabalhar com os meninos de 15 anos... vão... vão começar faltar... pra gente virar a Câmara de uma forma que eles mandassem na Câmara, pra que a gente tivesse mais força. Que a população tivesse mais força.446 É Analândia. Analândia quando viu a nossa atuação em Ribeirão Bonito, eles tavam lá com uma família que dominavam há mais de vinte anos a Administração Pública [...] Inclusive, houve... mataram um vereador lá que era, veja, o cara era escrivão de polícia [...] ele era vereador lá e combatia a corrupção. Nós temos que ver o seguinte: Não adianta você ver, ser um cidadão e querer sozinho resolver o problema da corrupção no município porque você vai ser perseguido e provavelmente certo, vai ser eliminado. É fácil eliminar uma pessoa. É só contatar pra ir lá, dar cabo nele e acabou. Agora quando é uma ONG isso não ocorre, entendeu. O cara não pode matar a ONG. [...] Então, essa despersonalização das pessoas que combatem a corrupção é muito importante. É a maneira mais eficiente de você combater porque aí você pode inclusive, não que você não ponha a cara a bater, porque veja, você como membro, também está sujeito as consequências.447 [...] nós temos vários casos na Rede, em que as pessoas ao começar trabalhar na ONG, sofreram humilhação, ataque moral e econômico, então, a atividade econômica dela mina, quer dizer, ela deixa de ter dinheiro economicamente na cidade porque ela começou a trabalhar como ativista social e isso, quanto menor a cidade, maior o problema né.448 [...] Então é um custo pessoal muito grande e nós estávamos, naquela época, sendo muito perseguido porque quando você trabalha, quando você... no caso nosso, que nós combatemos, estávamos combatendo um corrupto, que era o prefeito... você mexe com o prefeito, você mexe com a família do prefeito, você mexe com os amigos do prefeito e todos aqueles que também tão dentro do esquema corrupto do prefeito e a cidade é pequena e então esse é um custo pessoal muito grande. [...] [...] eu era o repórter que ficava dentro da Câmara, dentro do Legislativo e... eu me lembro que um belo dia, que teve uma sessão muito conturbada, quando eu saí da sessão, acabou a sessão, eu fui pegar meu automóvel e meu automóvel tava inteirinho riscado.449 Sim, sim... quer dizer... nós temos casos, assim, casos bastante críticos de indivíduos que se sentem ameaçados, a família ameaçada, que tiveram que sair da sua cidade, mudar para outra cidade... porque a ameaça é forte. Você quando mexe com a corrupção, mexe com pessoas que estão fora da lei. São bandidos. A atuação muitas vezes deles é com bandidos, então se espera de tudo.450

446 Trecho da entrevista com o informante-chave L, da AMASA. 447 Trechos da entrevista com o informante-chave G. 448 Trecho da entrevista com o informante-chave S. 449 Trecho da entrevista com o informante-chave D. 450 Trecho da entrevista com o informante-chave F.

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Chamou a atenção na pesquisa, e daí a sua relevância, o significado conferido

pelos atores-chave da Rede AMARRIBO Brasil, ao instituto público do orçamento

participativo. Dos seus relatos deduz-se a clara percepção que esses atores sociais têm tanto

do caráter afirmativo da democracia participativa quanto do caráter realizador da cidadania

que esse instrumento legal possibilita em um Estado de Direito Democrático e Social.

Abordando ocasião em que a Rede AMARRIBO Brasil realizou um evento em Ribeirão

Bonito (SP) com o objetivo de esclarecer comunidades interessadas em compreender o

instituto do orçamento participativo, dois dos atores-chave da Rede, em reunião ocorrida no

dia 30 de maio de 2015, na sede da organização, com cidadãos interessados em constituir

associações em seus respectivos municípios de domicílio – a que a autora da pesquisa foi

convidada a acompanhar como observadora - assim se manifestaram:

[...] na realidade essa pessoa que veio preparar as pessoas de diversas comunidades, ela trabalha com o orçamento participativo e ela defende aquela ideia do seguinte: Cada bairro tem sua prioridade, cada bairro tem a sua necessidade, então, num bairro não tem a mesma necessidade que um outro bairro e eu até concordo isso com ela, então, a população poderia ajudar o prefeito e falar o seguinte: Olha, no nosso bairro aqui, citando o bairro... no Morumbi, nós precisamos de asfalto, já no Jardim Centenário nós não precisa de asfalto porque tem asfalto lá, nós precisamos de outra coisa, cê tá entendendo? Então, as diversas comunidades, os diversos bairros falariam pro prefeito quais são as necessidades de cada comunidade e ele trabalharia atendendo as comunidades.451 [...] Várias reuniões foram feitas com a população no próprio, na própria Câmara Municipal, sugerindo isso, mostrando que essa seria uma maneira inteligente, uma forma adequada de se fazer várias reuniões, comandada pela própria L., trazendo outros palestrantes de fora, trazendo pessoas como a E. C..452 Por que é que eu tô usando isso aí pra te responder? Fala assim: - O que é que é bom pra democracia pra participação, pra evitar a corrupção? É a participação cidadã. Se o cidadão estiver participando, acompanhando, reivindicando... .453

É a evidência de que a participação social na elaboração, execução e fiscalização

dos instrumentos de transparência da gestão fiscal - os planos, orçamentos, leis de diretrizes

orçamentárias e prestações de contras, dentre os previstos no art. 48 da Lei Complementar

nº101/2000 - constitui-se em um importante mecanismo democrático para assegurar a

451 Fala do entrevistado-chave P. 452 Trecho da entrevista com o informante-chave D. 453 Fala do entrevistado-chave J.

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eficiência na aplicação dos recursos públicos e, por conseqüência, o comprometimento com a

efetivação de direitos sociais.

A população tá muito alheia. Elas acham, eles acham que ainda não tem o conhecimento suficiente pra participar. Eles não entendem que é só ir lá, propor e dar uma idéia, uma sugestão. Que eles que tão próximos disso que podem falar: - Olha, eu preciso disso no meu bairro, eu preciso daquilo, o que que eu preciso na cidade. É isso que eu preciso. Eles não têm essa... essa percepção que é a ideia deles é que vai fazer... que vai montar o orçamento, que vai direcionar todos os projetos pra onde vai ser gasto o dinheiro.454 [...] eu sou muito a favor do orçamento participativo, mas o orçamento participativo formado da seguinte forma: eu acho que quem tem que passar pro executivo, pro prefeito, os anseios de cada comunidade é a própria comunidade. Um bairro é diferente do outro. Os anseios de um bairro e as necessidades de um bairro, elas não são iguais a de um outro bairro [...] e um prefeito inteligente deveria construir o seu orçamento dentro das necessidades de cada bairro.455

Nesse contexto, inclusive, também se faz projetar a relevância e consideração que

o Poder Público confere às manifestações dos munícipes, revelando a pesquisa que, na

percepção dos entrevistados, predomina o entendimento de que mecanismos

institucionalizados acabam por se prestar tão somente ao papel de cumprir formalidades.

[...] eles fazem o que a lei pede. Nem uma vírgula pra lá, nem outra pra cá. Então, eles tão pegando o valor do ano passado, multiplica pelo coeficiente e tem a LDO, o PPA e todas as coisas. Na hora que você vai pegar numa LDO... não, mas tinha que fazer um PPA. Quando tá no PPA... não, mas isso daqui a gente vai corrige na LDO e nós ficamos no mesmo tamanho. Tudo é tratado, como um professor disse: como um cachorro morto. Carne de cachorro morto... pra que que serve? Pra nada. Enquanto ali deveria ser a ferramenta do vereador, ferramenta nossa, ferramenta da população.456 Algumas audiências, mesmo pro orçamento, foram feitas, mas não... eles não escutam... o plano diretor também... eles não escutam o que a população quer. Eles fazem de acordo com o que eles acham que tem que fazer. Aí eles marcam as audiências durante o dia, horário que o pessoal realmente que realmente tem interesse, que podem ir, que tá trabalhando e acaba não indo. Então, a gente tem essa dificuldade sim. Não... não tá sendo cumprido.457 Os prefeitos e Legislativo, eles acabam se apropriando das audiências públicas, como se eles fossem audiência... como se fosse audiência deles né, de meia dúzia. Então, não se divulga amplamente, não se

454 Trecho da entrevista com o informante-chave L, da AMASA. 455 Trecho da entrevista com o informante-chave D. 456 Trecho da entrevista com o informante-chave L, da AMASA, que encontra eco na manifestação do entrevistado J dessa mesma organização. 457 Trecho da entrevista com o informante-chave J, da AMASA.

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divulga... não se faz em horário que a população possa participar, não se estimula a população a participar, pelo contrário né, se faz audiências públicas só pra formalizar a lei. [...] Então, quer dizer, não se quer a participação da população. Quanto menos tiver melhor pra... só pra cumprir a lei mesmo porque a assinatura se consegue. Não precisa a presença das pessoas [...]. A população tem que ir lá reclamar e dizer que ela quer que seja divulgada a audiência, pelo menos com quinze dias de antecedência que seja colocado um cartaz em cada comércio da cidade, que seja publicado no blog, no site né. Tudo isso deveria estar claro pra um cidadão de boa intenção, mas como não tá claro quem tem que cuidar disso é a população e infelizmente a população se omite nesse aspecto então [...].458 As audiências em que eu tenho participado, ou que eu participei, é um vexame porque não, quer dizer, o orçamento é colocado assim como se fosse... [...] o que sempre a gente fez, é uma adaptação do orçamento passado, né, não trazendo nada que seja uma mudança realmente, fizemos o que sempre a gente faz. É uma adaptação do orçamento passado, sempre uma adaptação do passado [...]. É inconsistente, não tem consistência nenhuma. [...] E essa tem sido uma tônica em quase na maioria dos municípios brasileiros. Quer dizer, falta de planejamento.459

Não apontaram, também, para um horizonte próximo e promissor, as

manifestações dos entrevistados-chave da Rede AMARRIBO Brasil, no tocante ao

fortalecimento dos espaços de participação democrática através da legislação municipal, como

estabelecem as diretrizes nacionais fundadas na ordem constitucional a serem seguidas pelos

entes federados, v.g., aquelas contidas no Estatuto da Cidade, o Sistema Único de Saúde,

agora com as alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 141/2012, e na Lei nº

11.445/2007, que expressa, e, seu art. 2º, X, como princípio, o controle social, definindo-o

como sendo um “conjunto de mecanismos que garantem à sociedade informações,

representações técnicas e participações em processos de formulação de políticas, de

planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos de saneamento”. Aos serem

questionados acerca do tema, eis que assim se manifestaram atores-chave da Rede:

Não, ainda é muito precário né. O que você vê é a sociedade civil timidamente ocupando as cadeiras da Câmara como ouvintes, mas ainda é uma participação muito, muito tímida. As sessões da Câmara, elas são intragáveis, elas não são convidativas nem um pouco pro cidadão então, os

458 Trecho da entrevista com o informante-chave P, da AMARRIBO. 459 Trecho da entrevista com o informante-chave F.

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espaços ainda são muito pequenos, os políticos não tão muito interessados em participação. [...] Eu acho que tá muito aquém do que... tá muito aquém. Ele tá, ele acontece ainda em algumas capitais, como eu falei pra você, mas ainda tá muito aquém. Não existe incentivo a esses instrumentos de participação pelos políticos locais né. A sensação é clara de que, vamos governar aqui entre nós né, entre nós né, entre nós que tamo aqui e não vamos abrir pra população porque vai aparecer alguma coisa que vai fazer com que eu perca o controle. Então, eu não vejo isso acontecendo.460 Eu acho que existe uma iniciativa, a Amarribo participou e eu tenho incentivado essa questão do orçamento participativo, um trabalho composto aí com outras ONGs e eu tenho visto uma iniciativa do governo federal com relação a lei [...]. Isso teria que ter alguma coisa, uma ordenação mais institucional, alguma coisa através de discussão até para os atuais representantes, mesmo que a gente não se ache representado lá, mas tinha que ter alguma discussão a nível nacional né... É criar esses mecanismos.461

O fato é que, a partir do quanto assinala um dos entrevistados-chave da Rede

AMARRIBO Brasil, dentre outros, não obstante a predominante acomodação e desinteresse

do cidadão brasileiro em exercer o direito fundamental de participação social na construção e

execução das políticas públicas, os municípios brasileiros que experimentaram e

experimentam a presença e o ativismo de uma organização não-governamental voltada para o

controle social da Administração Pública e o combate à corrupção em sede dos Poderes

Executivo e Legislativo locais, tendem a contar com uma população mais politizada, o que

não significa, entretanto, sempre atenta às iniciativas de seus agentes públicos enquanto tais.

Isso, que fique, predominantemente, sob a incumbência das ONGs. Portanto, esse é um

movimento que, lamentavelmente, não se mostra imune ao retrocesso.

Eu acho que Ribeirão Bonito é... houve um divisor de águas em Ribeirão Bonito antes da fundação da AMARRIBO e depois da fundação da AMARRIBO. [...] eu acho que a população está mais politizada, ela tem mais interesse do que antigamente. [...] Por outro lado, também acho que, vamos admitir que amanhã ou depois a AMARRIBO para com seus trabalhos, eu acho que... Ah..., eu acho que pode voltar a corrupção até pior do que estava porque eu acho que esse processo é um processo contínuo. Não tem fim. Ah, fizemos isso e agora vamos parar porque não tem mais corrupção? Eu acho que não. Eu acho que tanto a ONG e principalmente a população tem que continuar acompanhando a vida política da cidade por que não tem fim esse trabalho. [...] a AMARRIBO também, ela foi, ela... foi quem orientou os bairros a formar os conselhos de bairros. [...] Mas hoje, em Ribeirão Bonito, tem...

460 Trecho da entrevista com o informante-chave S. 461 Trecho da entrevista com o informante-chave V.

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acho que três associações de bairro. No passado não existia isso né? Então eles se reúnem, eles discutem os problemas do bairro, eles vão conversar com o prefeito, mostram os anseios de cada, de cada comunidade... . 462 São assuntos diferentes, mas a AMASA, antes da AMASA, as pessoas,por exemplo, não discutia política. Dificilmente encarava o gestor de frente ou cobravam alguma postura. Hoje eles cobram. Hoje, independente de ainda ter a questão do coletivo, que ainda não tá... que eles também não entendem, que na verdade não é o interesse individual que vale nesse caso da gestão pública, você percebe que, mesmo pra procurar os próprios interesses, eles aprenderam esse caminho e eles criaram coragem. Eles têm essa liberdade. [...] Independente se o interesse é individual ou coletivo, mas eles sabem que tem o apoio da AMASA, que tem um grupo pequeno, mas que pode dar esse suporte pra ele né. Então, eles tem essa mudança e o espírito mesmo de liberdade que, eu acho que é a melhor coisa que foi o que a gente sentiu no dia da eleição assim, que era uma paz assim... uma alegria, as pessoas chorando no dia da eleição.463

4.3 Articulação entre o Estado (Poder Público) e a sociedade e receptividade da

Administração Pública local às intervenções das organizações.

Muito teve a revelar a pesquisa – em especial as entrevistas realizadas nos

trabalhos de campo - acerca dos coadjuvantes do fenômeno pesquisado, consistentes na

articulação entre o Estado e a sociedade civil e na receptividade das administrações públicas

locais, nos municípios, às iniciativas das organizações pesquisadas.

Para o entrevistado-chave D, da Rede OSB, foi brutal o avanço da articulação

entre o Estado e a sociedade civil no campo do controle social. Entretanto, para a maioria dos

entrevistados, há mais desafios e obstáculos a enfrentar do que avanços a contabilizar.

Não sei se eles querem entender o objetivo do Observatório ou não querem se... às vezes opinar, entendeu? Porque, nós já tivemos inclusive na... com documentos pra promotoria, em relação a alguns comportamentos do prefeito de São José, e,no entanto, foi analisado... como se tivesse... nada tivesse acontecido. [...] Em relação... acho que é muito... deixa assim muito de lado. Eles tomam decisões e o povo continua fazendo assim... dá a impressão... se o povo é burro, o povo não entende isso. Como não entende? Porque nós não temos educação fiscal nesse país por muitos anos, então, eles acham que a gente não entende, não levam em consideração e fazem as coisas a revelia.464 Temos visto já algumas irregularidades, algumas coisas que precisam ser melhoradas né, mas também a gente percebe que o Poder Público é... parece

462 Trechos da entrevista com o informante-chave D. 463 Trecho da entrevista com o informante-chave J da AMASA. 464 Trechos da entrevista com o informante-chave Y do OSSJC.

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que, não tem assim... muito interesse na atuação do Observatório, né. Poderia ser diferente entendeu. O Poder Público poderia usar mais o Observatório, no sentido assim de chamar o Observatório pra conversar e de ouvir sugestões do Observatório né, entendeu? [...] aqui em São José dos Campos, por conta da gente estar... a prefeitura fechou o canal conosco, então, nós tomamos uma decisão, no Observatório aqui, da gente, quando tiver qualquer irregularidade, nós só vamos informar da irregularidade e já vamos dar encaminhamento pra o Ministério Público, ou encaminhar pra Câmara, pro Ministério Público e pro Tribunal de Contas, entendeu? Juntos... na mesma época você entendeu, porque a gente percebe que não há diálogo, não há uma porta aberta pra comunicação, então, a gente já tem que partir pras ações, entendeu? [...] Bom, a gente teve contato aqui, nosso contato aqui é com o Ministério Público né, e a gente tem tido assim, pelo menos nos dois contatos que nós tivemos com a promotora né, nós assim fomos bem recebidos, ela tem colocado a disposição, inclusive ela colocou a disposição se precisar de alguma ajuda, alguma coisa a mais no Observatório entendeu. [...] Eu tinha uma certa expectativa com o atual prefeito, porque é de um partido, que é um partido aí que fala.. é um partido, não é um partido conservador, um partido mais aberto né e tudo mais, imaginava que ele fosse tratar de maneira diferente o Observatório. Então, eu fiquei decepcionado com isso, até porque, quando a gente, na época da eleição, o primeiro candidato a prefeito que assinou o termo de compromisso com o Observatório foi ele né. Então... se esse ganhar a gente cai tá bem, né? (risos) Muito pelo contrário. Não nos recebe mais [...].465

E sobre a receptividade do Poder Legislativo local, o entrevistado N sinaliza

positivamente apenas para a figura de um único vereador, como um agente público receptivo

às iniciativas do OSSJC, asseverando, categoricamente, que não se trata de uma postura da

Câmara de Vereadores local, mas apenas desse Edil.

Ainda sobre a articulação entre o Estado e a sociedade civil, o entrevistado-chave

N do OSSJC considera que não há disposição do Poder Público, aí se incluindo o Poder

Legislativo, de conhecer as necessidades das pessoas, de ouvir as pessoas e muito menos

conhecem a realidade do povo brasileiro; nem mesmo o povo brasileiro a conhece. E ilustra a

sua posição com um interessante depoimento que, embora pareça, em princípio, fora do

contexto deste trabalho, revela muito da problemática da efetivação dos direitos sociais no

Brasil de hoje:

Eu tava conversando esses dias com um amigo meu, veio do Acre, coitado... ele era daqui, foi pro Acre, ficou muitos anos no Acre né, ele veio praça então, ele tava contando de algumas coisas que a gente não sabe. Por

465 Trechos da entrevista com o informante-chave N do OSSJC.

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exemplo, esse projeto do governo federal dos “Mais Médicos” aí né. Ele falou assim: N., talvez aqui em São José dos Campos, as pessoas reclamam, acham um absurdo ter “Mais Médicos”, médicos cubanos aqui no Brasil né, mas essas pessoas que falam não conhecem a realidade nossa no Acre, ele falou. Lá nós não tínhamos médicos na cidade, não tínhamos médico nenhum.[...] Ele falou também da questão da energia elétrica e eu não sabia... uma cidade grande lá, não tinha energia elétrica. Era com gerador a diesel e só tinha energia elétrica à noite. Imagina, como é que esse povo vivia lá? [...] Então, o Brasil é um país muito grande, tem muitas diferenças né, então, nós não conhecemos e eu... o Poder Público, as pessoas que tem a condição de fazer as políticas né de melhorias... mas não conhecem. Não conhecem, estão fora, estão muito longe. Muito longe da realidade do povo entendeu? E, por sua vez, o povo também acha... [...] Não tem onde morar, não tem casa pra morar, não tem nada entendeu? Mas, tem um smartphone novinho, um LG, LG não, como é que chama... um Samsung novo aí né. Então as pessoas não sabem também da realidade. O brasileiro parece que não consegue ser crítico a ponto de identificar aquilo que é necessário pra ele, quais são as suas prioridades, você entendeu? [...] Eu acredito que a gente tem sim muita lei, mas eu não sei até que ponto elas são validadas, até dentro das decisões do Poder Público. Até que ponto ela é validada, ela é usada ou ela é driblada sabe. Eu não sei até que ponto esse... acontece esse rigor.

No mesmo sentido das manifestações destacadas acima, o entrevistado P do

OSSJC ressalta a diferença que se verifica entre a postura de órgãos públicos federais e

estaduais, para com o aparelho administrativo municipal. Credite-se essa diferença, por certo,

ao fato de que as administrações municipais são o principal alvo do controle social realizado

pelas ONGs.

O Observatório Social do Brasil, ele tem uma forte articulação com órgãos de controle, tanto estaduais quanto federais né, porque, por exemplo, nos tribunais de contas... Tribunal de Contas no Estado do Paraná e Santa Catarina, existe uma aproximação grande.[...] Existe uma participação muito forte com a CGU, a Controladoria-Geral da União, inclusive o concurso de redação e desenho, que é promovido pela CGU, ele é feito em parceria como OSB. Existe também um estreitamento com a OAB, existe estreitamento com a AGU.[...] O Tribunal de Contas da União tem ajudado também o Observatório Social do Brasil, com o Conselho Federal de Contabilidade, que é parceiro desde a criação do Observatório... [...] a Escola de Administração Fazendária, Ministério da Fazenda, a Secretaria da Fazenda, Secretaria... o Ministério da Fazenda, Receita Federal, Receita Federal é um órgão que colabora muito com os Observatórios, inclusive na questão da educação fiscal.

Entretanto, com outra face se apresenta a articulação entre as administrações

municipais e os Observatórios. Excetuando a experiência do município de Blumenau, no

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Estado de Santa Cantarina466, é esse o quadro desenhado pelo entrevistado P do OSSJC, como

um desenho que se reproduz através das falas e gestos dos observadores entrevistados:

Então, são poucos os administradores que entendem essa filosofia e aceitam o trabalho do Observatório Social local, né. Como eu disse pra você, aqui em São José dos Campos, por exemplo, nós temos tido alguma dificuldade. A gente consegue as informações, mas a custa de algum trabalho né. [...] nós tivemos, durante dois anos aqui, o prefeito assumiu a Prefeitura em janeiro de 2013. Pois bem, a vereadora, uma das vereadoras mais votadas, que tomou posse, já reeleita desde algumas legislaturas, uma das mais votadas é a esposa do prefeito [...]. Em janeiro de 2013 ela foi eleita Presidente da Câmara [...]. Então, nós tivemos durante dois anos, como a presidência, ela tem um... uma... período de gestão de dois anos, nós tivemos durante dois anos, embora uma presidência legal, não existe nenhuma norma que impeça, mas, na verdade, é uma presidência imoral [...]. É pra você ter ideia de como as coisas se passam dentro da legalidade, mas com a moralidade questionada.

Ao depor sobre eventuais fatores, ou circunstâncias, externas capazes de interferir

no êxito das iniciativas do OSB, o entrevistado-chave L assinala, com veemência, a

dificuldade de comunicação com os órgãos observados – aqueles que são constantes alvos do

controle social. Esse fator serve aqui também como um indicador da qualidade da recepção

conferida pela Administração Pública às intervenções dos Observatórios Sociais.

[...] Então, alguns deles se abrem e conversam bem com o Observatório e, alguns tendem a dificultar o trabalho. Então, o Observatório questiona, porque nós não trabalhamos de uma maneira denuncista [...]. Então, o Observatório tenta instruir, trabalhar de jeito mais amigável e, algumas prefeituras, algumas secretarias, elas se fecham, então dificulta bastante o trabalho. Então, fica uma coisa... uma guerrinha né. Fica batendo de frente.

Acentuada resistência encontram os OS nos municípios onde o trabalho do gestor

não se desenvolve no sentido de atender ao bem da sociedade, uma tônica a se reconhecer.

Ressalta, porém, o entrevistado L da Rede OSB que nos municípios em que os prefeitos

querem fazer um bom trabalho, eles abrem as portas para o OS. Essa percepção encontra eco

no relato também do entrevistado R da Rede OSB. E, menos otimista, na percepção do

entrevistado X do OSSJC, os Poderes Constituídos locais, no máximo, “engolem” os

observadores sociais:

É, nas cidades onde o prefeito quer realmente fazer uma boa gestão, ele é um defensor do Observatório. Ele entende que o Observatório chega a ser um consultor gratuito né para as suas ações porque ele não é onipresente, nem

466 Sobre essa experiência, remeta-se o leitor para o subtítulo 3.2.4 deste trabalho.

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onipotente pra estar em todas as secretarias pra saber o que é que está acontecendo né e, muitas vezes, agradece o fato do Observatório estar contribuindo pra encontrar pontos que precisam ser melhorados. Aqueles que não estão interessados muito na gestão, pelo interesse público né, normalmente criam algumas dificuldades [...] quando se faz um ofício, demora pra responder, não cumpre o prazo ou responde de maneira inconsistente, tem que ficar repetindo o ofício né, pedindo... então, existe aqueles que fazem de conta que são favoráveis e que dificultam [...]. [...] a minha percepção é de que nos engolem. Eles nos recebem porque não podem recusar, mas não nos atendem em tempo, não nos atendem com qualidade. Você vai fazer uma reunião com o prefeito, ele é todo simpático, todo ótimo, mas coloca... afere-se um canal, de... uma abertura de um canal de comunicação. Então ele designa uma pessoa que não nos recebe [...]. Na Câmara, como eu já disse lá atrás, nós tínhamos uma situação atípica de marido e mulher, no Legislativo e no Executivo. Isso nos dificultava tudo [...].

A articulação entre o Estado e a sociedade civil, para os entrevistados-chave da

Rede OSB, apenas se mostra mais positiva quando esse pólo estatal se faz representar pelos

órgãos precisamente de controle da Administração Pública, a saber, o Ministério Público, a

Controladoria-Geral da União – CGU – atual Ministério da Transparência, Fiscalização e

Controle do Governo Federal467 - , o Tribunal de Contas da União e, em alguns estados, os

Tribunais de Contas Estaduais, alguns dos quais desenvolvem programas e projetos de

incentivo ao controle social, como é o caso, v.g., da então CGU468 e do Ministério Público.469

Dessa forma, a articulação entre o Estado e a sociedade civil, no contexto das

possíveis discussões de assuntos de interesse da coletividade, acaba por se mostrar

comprometida. Salvo poucas exceções – e cita o entrevistado-chave o caso da Administração

Municipal na cidade de Curitiba (PR) que costuma convidar a população para discutir esses

temas -, de modo geral, o Poder Público não tem demonstrado abertura e intenção de envolver

a sociedade nas discussões. Em sentido confluente também é a percepção do entrevistado-

chave X, do OSSJC: 467 Resultado da reforma ministerial empreendida pelo governo do Presidente da República Federativa do Brasil Interino, Michel Temer, em decorrência do afastamento temporário da Presidente eleita Dilma Roussef por força de processo de impeachment. 468 Conferir em http://www.cgu.gov.br/assuntos/controle-social, na conformidade das alterações promovidas no sítio eletrônico da CGU, a fim de se adequar às diretivas do novo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle do Governo Federal, que passou a integrar aquele órgão federal de controle da Administração Pública criado em 2001, o que para muitos especialistas significou, pode-se assim resumir, um retrocesso político-institucional (conf. http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/política/noticia/2016/05/para-especialistas-fim-da-cgu-enfraquece-controle-e-combate-a-corrupcao-no-pais-5801064.html). Os programas voltados para a capacitação e o incentivo ao exercício do controle social integram iniciativas desenvolvidas pela antiga CGU. Acessos em 26.05.2016. 469 Conferir www.saude.mppr.mp.br/arquivos/File/eventos/p2_sus_carla_carrubba.pps, http://www.moeduc.mp.br/mpeduc/www2/controle_social/controle_social_modelo e https://www.mpba.mp.br/noticia/29896. Acessos em 26.05.2016.

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Eu vejo assim: Como nós somos de um Observatório Municipal, nós não temos União, TCU né, que têm nos recebido... é assim... mas eu acredito mais nessa relação com esses órgãos. Porém, eu não sinto nenhuma repercussão na relação com o Estado, enquanto Poder Público interessado na realização das necessidades da população.

Essa experiência também é compartilhada pelos atores-sociais entrevistados da

Rede AMARRIBO Brasil, que afirmam muito interagir com o Ministério Público, os

Tribunais de Contas e, ao tempo das entrevistas concedidas para a pesquisa, em maio e julho

de 2015, com a então Controladoria-Geral da União – CGU. Em nível municipal, entretanto,

importante ator-chave da Rede afirma com veemência que os Poderes Executivos e

Legislativos locais nunca são receptivos às iniciativas da organização porque, segundo o

mesmo.470

[...] tudo o que se refere a controle e tal coisa, ninguém gosta, esse pessoal não gosta. Eles recorrem à AMARRIBO quando eles têm um problema e não sabem como resolver e aí eles vêm pedir ajuda, mas eles vem quando encontram uma questão dessas. Normalmente, eles querem a gente longe porque eles acham que a gente sempre vai criar problemas pra eles né, ao fazer pergunta, pedir coisas. Não existe ainda a cultura da transparência, a cultura da cooperação pra ter uma transparência.[...] a receptividade sempre é pequena, mesmo pra aqueles que não tem nada a temer porque são honestos e tal, mas eles não gostam porque a gente faz pergunta e aí tem que dar resposta, a gente perde a informação e aí tem que mandar a informação.

E ainda sobre a articulação entre o Estado e a sociedade civil, esse mesmo

entrevistado-chave oferece mais uma importante contribuição para a discussão e a pesquisa ao

destacar aquilo que se revela um dos nós da administração pública, que é a questão da

eficiência471administrativa:

Olha, essa articulação ainda é muito baixa. É muito baixa porque o Estado, ele é muito ineficiente no atendimento das necessidades da população. É muito ineficiente, quer dizer, além da corrupção, você tem um problema sério de gestão. As gestões são muito precárias, o serviço público é muito precário[...] Até na condução dos trabalhos, dos funcionários, como lidar com os funcionários, como fazer com que os funcionários sejam produtivos, isso não existe. Então, isso acaba gerando sempre uma demanda muito maior do que o serviço público possa responder [...]. [...] Então essa desarticulação, desencontro do que é a necessidade da população e o que é feito, isso aí é brutal em todos os níveis, em todos os

470 Entrevistado-chave J, da AMARRIBO Brasil. 471 Erigida à condição de princípio constitucional da administração pública com a Emenda Constitucional nº 19 de 1998.

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níveis, então, é um desperdício muito grande de recursos públicos por falta dessa articulação e dessa falta de cobrança né, e de respostas [...].

Também no âmbito dessa questão da articulação entre o Estado e a sociedade civil

no campo da Administração Pública e seu controle social, há quem atribua à mesma um papel

de mero formalismo, a guisa do que foi dito no subtítulo anterior:

Muito tênue. Eu gostaria que fosse uma coisa mais bem programada, mais bem motivada porque veja, nesse ponto a gente vê um mero formalismo. As pessoas fazem as coisas e deixam que o formal tome conta. Faz um projeto de lei, por exemplo, e o projeto de lei fica no papel.472

Sobre a receptividade da administração pública local às iniciativas da organização,

o entrevistado-chave S da AMARRIBO Brasil relata o seguinte:

Novamente a gente tem assim uma diferença da AMARRIBO pra Rede. Em Ribeirão Bonito, hoje, depois de quase oito anos, dez anos de atuação da AMARRIBO, a gente começou a ter um trânsito mais fluido com o promo... com o prefeito. Com a Câmara, nós ainda temos alguma dificuldade de nos comunicar e, com o Ministério Público, ele sempre foi muito parceiro da AMARRIBO em Ribeirão Bonito.

Ao inserir no contexto da pergunta que lhe foi formulada, a instituição do

Ministério Público, como também o Poder Judiciário – como se verá no trecho da entrevista a

seguir transcrito - o entrevistado-chave S, da Rede AMARRIBO Brasil, amplia, com oportuna

relevância, o âmbito de contribuição da pesquisa, abrindo um novo campo de análise do

fenômeno pesquisado a partir também do papel desempenhado por essas duas importantes

instituições de controle externo da administração pública.

Na Rede você tem de tudo né. De uma forma geral, você tem uma dificuldade muito grande de conversa da ONG com o Legislativo e o Executivo. Já com o Judiciário e com a Promotoria você tem um pouquinho mais de trânsito. Mesmo assim, eu tenho promotores que sentam em cima né e tenho promotores que são extremamente parceiros [...]. Eu diria pra você assim: que nós temos uns trinta por cento de promotores parceiros na Rede e nós ainda temos setenta por cento que não, não dão atenção, não orientam, não incentivam a participação social, participação da sociedade civil. E aí, a Câmara e o prefeito, realmente eles enxergam as ONGs como alguém que tá querendo tirar o poder deles.

472 Trecho da entrevista com o informante-chave G, da AMARRIBO Brasil.

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No aspecto – ou variante - do fenômeno pesquisado que se relaciona com o nível

de articulação entre o Estado e a sociedade civil para os fins de participação desta na

Administração Pública, os relatos vão de uma percepção extremamente negativa a percepções

mais otimistas do fenômeno. É o que demonstram as manifestações a seguir destacadas:

Na verdade, a gente fala muito em controle social por parte do Poder Público né, só que, quando é que o Poder Público vai realmente querer dar o controle para a sociedade? De verdade. Eu to falando sério. Ninguém vai querer dar. O Poder Público nunca vai querer dar o controle social na mão da população porque o Poder Público tem noção da força que a população tem. É que a população não sabe disso. Então essas articulações que eu vejo por aí, mesmo do Conselho de Saúde né, em S. por exemplo, que eu acompanho, eles abrem o espaço, eles montam as conferências mas, eles tem um controle sobre a decisão. Eles que decidem o que é que vai e o que é que não vai fazer. Às vezes, você escuta a população e fala: - Vamos fazer? É super legal! Mas não vão fazer, entendeu? Então, a gente sabe que é um controle social... maquiado, vamos dizer assim. Você fala que cê tá fazendo, mas aquilo não é o controle social efetivo. Então, a articulação do Estado com a população é muito ruim [...].473 No caso da AMARRIBO tem, tem... enfim, tem havido receptividade, mas parece que depois as coisas não vão. [...] A gente vai insistindo, com os pontos que a gente acha que são pontos que tem, que merecem atenção né, e escrevemos cartas, escrevemos... enfim, solicitações, pedidos de esclarecimentos ou pessoalmente também, pedimos reuniões, quer dizer, usamos todos os mecanismos que é possível. [...] A receptividade varia muito de quem é o indivíduo que tá lá e também do tema né... . Não, o Estado, o Estado, o Estado não, não, não tem procurado relacionamento com a sociedade civil. Ele toma suas decisões, tem seus planejamentos e, como eu disse a você, muitas coisas, certas coisas são discutidas e um pouco da sociedade toma margem nessa discussão e, se perguntar ao povo qual é a opinião sobre a maioridade da... a gente sabe que é uma e a tratativa lá no Congresso é outra. [...] Enfim, eu acho que não há... estamos muito longe de ter uma completa instituição com comunhão e que deveria ser, né, dentro de uma democracia, você deveria ter um sistema formalizado que represente realmente os ideais e os anseios dessa sociedade [...].474 Bom, eu acho que tem havido sim um nível de articulação entre a sociedade civil e a administração e, acho que ela também é crescente nesses doze anos da Rede AMARRIBO aí [...]. Então, tem sim uma articulação e, não ainda do jeito que a gente gostaria, mas, pelo menos nas cidades onde a gente tem a ONG, você tem um crescimento, você tem uma articulação maior. Então, sejam ONGs da Rede AMARRIBO, sejam ONGs do Observatório, da Rede Cidades Sustentáveis, da Rede do Voto Consciente, que são todas outras redes que são parceiras nossas, aonde você tem uma dessas ONGs na cidade, você tem uma articulação maior.475

473 Trecho da entrevista com o informante-chave J, da AMASA, o qual revela o potencial crítico e ousado que a experiência junto à organização proporciona a esse ator social. 474 Trecho da entrevista com o informante-chave F, da Rede AMARRIBO Brasil. 475 Trecho da entrevista com o informante-chave S, da Rede AMARRIBO Brasil.

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Há também relatos que vinculam o nível de articulação entre o Estado e a

sociedade civil a fatores como educação e confiança nas estruturas políticas; esta última, aliás,

que vem a se mostrar como um importante e diferente achado da pesquisa, em se

considerando a qualidade e abrangência do fenômeno pesquisado. É o que se extrai do relato

do entrevistado-chave V da Rede AMARRIBO Brasil:

É um questionamento um pouco particular, acho que uma visão assim de cada membro e tal porque existe uma descrença muito forte em relação ao político né, o pessoal é... tá bravo, tá com raiva, tá angustiado com a política né [...] Isso pra nós é um momento difícil porque envolve toda uma reforma política, educação né? Gostaríamos que fosse diferente, mas hoje é um pouco pessimista essa visão nossa né? Como é nós tamos vendo o Brasil amanhã. Precisava gente boa estar na política e gente boa não quer ir pra política.

O entrevistado-chave J da AMASA também acrescenta que a partir da atual

gestão municipal a Administração Pública local passou a demonstrar maior receptividade às

iniciativas da organização, mas ressalta o entevistado-chave – com propriedade, assim se

afigura -, os atores-sociais não querem ser apenas recebidos, querem ser ouvidos e construir

junto às escolhas e decisões políticas. E esse parece, ainda, um objetivo a ser arduamente

conquistado.

Impõe o trabalho científico, entretanto, que se registre percepção do fenômeno

aqui analisado – articulação entre o Estado (Poder Público) e a sociedade e receptividade da

Administração Pública local às intervenções das organizações -, diversa da que predominou

entre os entrevistados na pesquisa. É a que se verificou no relato do entrevistado-chave I, da

Rede OSB:

Por incrível que pareça, a receptividade é muito boa. A maioria dos municípios que tem o Observatório Social instalado, a Câmara de Vereadores se torna parceiro do Observatório, em todos os aspectos. Nós temos município que a prefeitura chama o Observatório Social para participar com pregoeiro no momento do pregão. Tem já municípios que tem portais eletrônicos do monitoramento da licitação. Tem prefeituras que já colocou on-line, esse momento da seção né, da ocorrência daquela licitação, então, a maioria dos municípios, quando vê que está sendo observado, é toda uma parceria que surge a favor do nosso trabalho e assim, muitos funcionários também do município se tornam parceiros nossos, pra nos ajudar com as informações.

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Como contribuição à pesquisa – neutra que deve ser em sua essencialidade -, cabe

aqui também o registro de manifestação de um dos participantes da reunião ocorrida no dia 30

de maio de 2015, sede da AMARRIBO Brasil – a qual, repita-se, a autora da pesquisa

acompanhou na condição de observadora -, em que o participante, aqui denominado de

Colaborador M da pesquisa, a partir de experiência vivenciada pelo mesmo no município

paulista de Franco da Rocha, tece críticas ao Ministério Público em razão do que considera

uma dificuldade de entrosamento dos munícipes com os membros do Ministério Público da

respectiva comarca. As considerações que tece o colaborador levam em consideração o papel

que o Ministério Público exerce no combate à corrupção. Podendo-se considerar ainda o papel

que o Ministério Público exerce como instituição também de controle da Administração

Pública e, como tal, o dever que lhe compete de estabelecer canais de comunicação com a

sociedade, cujos cidadãos e segmentos civilmente organizados estão constitucionalmente

legitimados para o exercício do controle social, o relato a seguir mostra-se relevante e

preocupante.

Então, eu creio que o Ministério Público em si, ele deveria ter uma forma de se relacionar melhor com a população e, ter uma política pública de “humanização” no tratamento com o cidadão, pelo fato da pessoa se sentir mais a vontade de ir lá e esclarecer seus problemas né, então eu acho que falta muito isso no Ministério Público. Uma proximidade junto com a simplicidade do povo. Acho que essa... isso seria um grande avanço né.

4.4 Transparência e acesso à informação: a questão do orçamento público, das receitas e

despesas públicas.

Um panorama bastante negativo dos portais de transparência, assim como da

implementação da Lei de Acesso à Informação (LAI) nos municípios brasileiros é traçado

pelo entrevistado-chave P do OSSJC, falando também em nome da Rede OSB, quando

perguntado sobre a atualidade, conteúdo e usabilidade desses portais. Mas, não somente do

relato desse entrevistado-chave extrai-se tão preocupante constatação. A maioria dos

entrevistados-chave da Rede OSB, assim como os da Rede AMARRIBO Brasil manifestam

essa percepção:

Péssimo. Péssimo, porque a própria avaliação, que eu mostrei pra você, da CGU, a CGU concluiu como resultado lá que, sessenta e dois por cento dos municípios avaliados tiveram nota zero, sessenta e dois por cento na questão da transparência, na gestão da transparência.[...] O Brasil tem cinco mil e tantos municípios, ou seja, a amostra foi de menos de dez por cento. Se a

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gente transferir isso pro Brasil inteiro, a gente vê que mais de sessenta por cento dos municípios tem nota zero na questão da transparência. Isso é muito sério. [...] Se sessenta por cento dos municípios tiveram nota zero, eu diria que a maioria tem nota zero. Não fazem aquilo que devem fazer. São José dos Campos não foi um dos municípios avaliados, não entrou nessa amostragem. Então, se fosse adotado aqueles critérios, aquela metodologia de avaliação da CGU, eu não sei qual teria sido o resultado de São José dos Campos. [...] nós estávamos conversando antes sobre a questão da LAI nos municípios brasileiros, então, a CGU fez agora, no começo de 2015, uma avaliação de como está a gestão da transparência pública nas administrações municipais e, essa escala tá aqui no site da CGU.[...] Entrando aqui no ranking dos municípios, pra ser bem resumido, a gente vê aqui o seguinte: a CGU avaliou quatrocentos e noventa e dois municípios, desses, nada menos do que sessenta e três por cento, ou seja, trezentos e dez municípios tiveram nota zero em matéria de transparência [...] Somente dois tiveram nota dez, que foram os municípios de São Paulo e Apiúna [...]. [...] Eu acredito que essa evolução do município de São Paulo, eu acredito que, não sei em que parte, mas, pelo menos uma parte disso, foi obtido graças a atuação de uma outra ONG... que é a Rede Nossa São Paulo... ... é do programa Cidades Sustentáveis.

O entrevistado N, do OSSJC, preferindo se posicionar como cidadão e não como

observador social, reconhece a sua existência, mas, no portal, segundo o mesmo, falta muita

informação, chegando a afirmar que o portal de transparência de São José dos Campos (SP)

“é pra enganar, pra enganar o povo”.

A gente tem dificuldade pra saber, por exemplo, as medições. Quanto pagou? O que é que foi medido? A gente não tem isso no portal, não temos. Aí, se você quiser saber pegar mais detalhes, aí você tem que solicitar pra prefeitura e eles criam as dificuldades pra gente, entendeu? Se eu for lá pedir como o Observatório, eles querem que eu leve junto uma cópia autenticada do nosso estatuto, senão eles não entregam... com ata de diretoria e tudo mais, então, eu não sei como o cidadão comum consegue, se no Observatório nós temos essa dificuldade entendeu?[...] Falta muita informação, muita informação.

O entrevistado-chave A, também do OSSJC, relata a dificuldade de

implementação, no município de São José dos Campos, da Lei de Acesso à Informação pelo

Executivo local, o que levou alguns observadores a buscar a Câmara Municipal solicitando

providências em face da omissão do Prefeito do Município, relato esse repetido pelo

entrevistado-chave N da mesma organização. Esta circunstância em torno da regulamentação

da LAI, segundo os mesmos, em muito vem dificultando a atuação fiscalizadora do OS, assim

como dos cidadãos em geral.

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Mas, ainda tem assim, muito documento da licitação que a gente não recebe né, que a gente num... porque assim... pela internet né [...] se alguma empresa entra com recurso, alguma coisa assim, a gente fica sabendo do recurso, mas não fica sabendo do conteúdo do recurso.[...] Ela não está colocando tudo na internet, então, isso dificulta porque aí, a gente vai pedir o documento, fala assim: tá bom, é do Observatório, então nós queremos que vocês mandem pra nós uma cópia do contrato social do Observatório né... Eles criam todas as barreiras, uma dificuldade pra gente não ter acesso as informações, entendeu? Então, atrapalha muito o trabalho nosso. Dificulta no trabalho nosso né, então... a gente espera que com a LAI, com o regulamento da LAI, a gente tenha mais acesso a essas informações que é importante para o Observatório, entendeu?476

É de se atentar para a circunstância de que a entrevista à autora da pesquisa foi

concedida em julho de 2015, três anos, portanto, após a entrada em vigor da Lei de Acesso à

Informação e, nessa época, em um município do porte de São José dos Campos, um dos

maiores e mais importantes do Vale do Paraíba, no interior do Estado de São Paulo, os

observadores sociais ainda reclamavam contra limitações de acesso a informações oficiais que

deveriam ser disponibilizadas por força de uma regulamentação local da Lei nº 12.527, de 18

de novembro de 2011. Atente-se, ainda, que o município paulista de São José dos Campos

ostenta uma população de 629.921 habitantes, conforme último senso do IBGE, realizado em

2010477, e que, entre 2010 e 2015 ocupou o lugar de uma das quatro regiões administrativas

com ritmo de crescimento demográfico anual superior ao do Estado de São Paulo, com a taxa

de 1,05%.478

Endossando tais percepções, o entrevistado L, da Rede OSB, que desempenha

uma função dentro da Rede que lhe possibilita um conhecimento amplo da realidade dos

municípios-sede de OS, no que toca à categoria aqui em comento, assinalou que “ainda tem

muito o que fazer em questão aos portais”. Informa o mesmo que as pequenas prefeituras

ainda têm dificuldade em ter esses portais e disponibilizar as informações, e quando

disponibilizam, o fazem de uma forma que não torna fácil a compreensão, por parte dos

cidadãos, dos dados ali expostos, ou de maneira um tanto maquiada, nas palavras de

entrevistado. Segundo o entrevistado-chave, o OSB já vem promovendo ações no sentido de

aprimorar os portais de transparência dos municípios. É de se tomar como exemplo o trabalho

de parceria que vem sendo desenvolvido no estado do Paraná com o Ministério Público desse

Estado, onde, com o auxílio de uma empresa de tecnologia, desenvolveu-se um modelo de 476 Palavras do informante-chave N do OSSJC, quando da entrevista para a pesquisa. 477 Conforme dados disponíveis em http://www.sjc.sp.gov.br/sao_jose/populacao.aspx . Acesso em 24.05.2016. 478 Fonte: http://www.seade.gov.br/produtos/midia/SPDemografico_Num-03_versao2_corrigido.pdf. Acesso em 24.05.2016.

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portal que está sendo oferecido gratuitamente a todos os municípios.479

Relato no mesmo sentido do que foi exposto pelo entrevistado-chave L, da Rede

OSB, foi o do entrevistado-chave R dessa Rede – que também ocupa um lugar de destaque na

execução das ações da Rede OSB -, para quem somente por força de lei é que as prefeituras

do Brasil passaram a disponibilizar todos os dados oficiais na internet, mas, ainda assim, com

muitas deficiências. Fala o entrevistado da falta de observância, pelas prefeituras, das

disposições estabelecidas na Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal),

com as alterações introduzidas pela Lei Complementar 131/2009, bem da Lei nº 12.527/2011

(Lei de Acesso à Informação).

[...] Geralmente se usava um site na internet né, como site de informação geral, né.[...] Agora, pra dar transparência na divulgação dos editais, pra colocar as contas do município né, isso só foi feito por força da lei. E, mesmo com a força da lei, tem muitos municípios que ainda não disponibilizam ainda as informações né, tanto que, principalmente no estado do Paraná e de Santa Catarina, que a gente tem mais proximidade, né, com o Ministério Público, os Ministérios Públicos tiveram que fazer um trabalho muito sério de arrastão, eles chamam de um arrastão né, de fazer um levantamento de todos os portais, fazer os TACs, os termos de ajustamento de conduta e, agora a gente, como Observatório, parceiro do Ministério Público, pra fazer o monitoramento dos TACs [...] o que a gente vê assim... muita coisa que está disponibilizado, como se fosse transparente e, na verdade não é. São dados antigos, atrasados, não atualizados ou num formato em que a população não consegue ler, não consegue ter acesso, ou então, tá tão escondido dentro do portal que tem que ter alguém que goste de procurar pra encontrar. Então, isso ainda é a realidade.

O quadro no que diz respeito à Lei de Acesso à Informação e sua implementação

nos municípios brasileiros ainda se revela mais catastrófico. Os relatos informam um

completo despreparo – e por vezes proposital desinteresse -, por parte dos gestores em adotar

as providências necessárias para a regulamentação e efetivação da lei nos municípios que

administram, situação esta que se mostra mais incidente nos municípios menores da

Federação Brasileira, conforme, a propósito, já foi registrado anteriormente. Senão, vejamos:

[...] A gente vê que falta muito. É recente a aplicação da lei. Então, falta que, dos dois lados, que o Poder Público, ele disponibilize mais e melhore as informações e que a sociedade busque e compreenda o que que é aquilo e verifique se é realmente o que está acontecendo no município.

479 A informação extraída da entrevista, devidamente transcrita, do informante-chave L tem correspondente nos seguintes links: http://sobrasil.org.br/inscricoes-abertas-para-o-3o-encontro-dos-os-do-parana/ e http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/07/OSB_Encontro_PR_20-e-21-jul.pdf. Acessos em 24.05.2016.

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Nos menores municípios tem os problemas mais graves né, porque muitos, a maioria é terceirizada, então, é feita uma licitação pra contratar empresas pra desenvolver e manter o software. Existe também um problema em relação a isso, que são, de cinco em cinco anos tem de ser renovado, então pode ser que mude o fornecedor. Acaba perdendo a informação, existe esse problema também [...]. Então existe também o problema do fornecimento. Municípios pequenos não têm o dinheiro e não tem o conhecimento pra gerir esse software, então acaba nas mãos de terceiros que, também, as vezes possuem má intenção e seguram informação [...] mas, os piores casos que a gente vê são nos menores municípios mesmo.480

O município de São José dos Campos, por exemplo, sede de Observatório Social

visitado pela autora da pesquisa, como ao tempo das entrevistas ainda não contava com

regulamentação local à Lei de Acesso à Informação e, consequentemente, um Serviço de

Informação ao Cidadão (SIC) implantado, impunha inúmeros obstáculos ao acesso, pelos

cidadãos, às informações que a Lei determina, contribuindo para a precariedade do portal do

município. É o que sugere o relato do entrevistado-chave X do OSSJC, quando perguntado

acerca da implementação da LAI nesse município paulista e o correspondente portal de

transparência.

Nós fizemos reuniões na prefeitura pleiteando isso, já fizemos documentalmente né, já protocolamos documento requerendo isso e a nossa visita à Câmara Municipal teve esse objetivo. Pedir o apoio do Presidente da Câmara, porque antes, a presidente da Câmara era a esposa do prefeito e isso nos dificultava. Esse sim era um obstáculo. Mas esse obstáculo já desapareceu porque, aquilo que se botava na Câmara, ia para a gaveta dela porque o marido é que estava do outro lado. Então, atravessava a rua e nada acontecia. Agora nós temos uma pessoa que é de oposição então, pode acontecer que a gente tenha mais sucesso com o nosso pleito de regularização da LAI. [...] A nossa dificuldade é exatamente essa né, porque como não temos a LAI regulamentada, nós não temos garantia de obtenção das informações que necessitamos né. Então, muitas informações nós somos obrigados a pedir por documento, através de documento e nem sempre temos respostas tá. Então, no meu ponto de vista... do meu ponto de vista é precário.

Ainda que demonstrando associar “Portal de Transparência” a “Acesso à

Informação” como fundados em um mesmo marco legal, o entrevistado-chave Y, do OSSJC,

assinala que o portal de transparência praticamente não existe, sendo, a prefeitura de São José

dos Campos, uma das que mais são reclamadas por ocultar informações. Inclusive, o

entrevistado revela que um dos objetivos da atuação do OSSJC tem sido exigir um portal

de transparência, no dizer do mesmo, mais transparente. Para os objetivos da pesquisa 480 Trechos da entrevista com o informante-chave L, da Rede OSB.

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essa assertiva do entrevistado esclarece o aparente equívoco daquela associação, na medida

em que, efetivamente, a Lei de Acesso à Informação (LAI) se propôs a tornar a Administração

Pública mais transparente do que já lhe impunha a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Nos municípios abrangidos pela atuação de organizações não-governamentais

filiadas à Rede AMARRIBO Brasil a realidade da transparência pública e do acesso à

informação oficial em nada diverge da realidade descrita pelos atores sociais entrevistados da

Rede OSB.

Inicia-se aqui pelos portais de transparência. Uma precariedade que se caracteriza

por uma predominante desatualização de informações e incipiência de conteúdo. Adicione-se

a isso, a baixa usabilidade desses portais, assim como da freqüência de sua atualização, em

conjunto com a maior ou menor amplitude da série histórica das informações

disponibilizadas.481

Olha, novamente eu vou me remeter a pesquisa que a gente acabou de fazer né, e a própria pesquisa que a CGU soltou que chama... acho que é EBL Escala Brasil Transparente, EBT, alguma coisa assim, Escala Brasil Transparente. Você tem... você tem alguns... algumas iniciativas né, principalmente das capitais ou das cidades maiores divulgando, mas a forma de a gente pesquisar essas informações dificulta totalmente pro cidadão, quer dizer, pra eu pesquisar uma determinada licitação ter todos os dados que eu gostaria, eu preciso entrar com quase todos os dados pra eu poder pesquisar. Então, quer dizer, eu preciso saber o número do processo, eu preciso saber quando ele aconteceu, eu preciso... né, senão eu não consigo a informação. Então, meu Deus do céu! Pra que que a informação tá lá se eu preciso dar informação pra ele pra poder obter mais informação? [...] Então, que que adianta ela tá no site se eu não consigo acessá-la... porque eu não consigo fazer a pesquisa. É preciso corrigir isso, quer dizer, qual é o grau de transparência que eu quero? Como é que eu quero que essa informação venha?482

Conforme assinalado em capítulo anterior, um portal de transparência - enquanto

ferramenta obrigatória para a Administração Pública e um direito fundamental

constitucionalmente conferido aos cidadãos e reafirmado através da Lei Complementar nº

131/2009 - que disponibilize aos cidadãos ou qualquer pessoa jurídica interessada,

481 Conforme terminologia empregada pela ONG Contas Abertas, dentro da metodologia “Índice de Transparência”, disponível no endereço eletrônico www.contasabertas.com.br/indicedetransparencia/metodologia-2014. 1º acesso em 10.03.2015, atualizado em 31.06.2016. 482 Trechos da entrevista com o informante-chave S da Rede AMARRIBO Brasil.

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informações atualizadas em tempo real, acerca de todos os atos administrativos que envolvam

gastos públicos, assim como ações e serviços públicos, de forma clara, íntegra, objetiva e de

fácil compreensão, implica não somente a observância dos princípios constitucionais

administrativos483, como também a viabilização do exercício desse direito fundamental à

informação, bem como da participação social na Administração Pública. Entretanto, na

contramão da evolução dos institutos jurídicos que regulamentam a efetivação desses

princípios constitucionais, vêm caminhando as administrações públicas na maior parte dos

municípios brasileiros.

Então, veja... é diferente e eu tenho olhado em algumas cidades, até cidades grandes, cidades que tem recursos, muitas vezes o portal, ele não tem informação, de uma qualidade tão boa quanto tem outra cidade menor né.[...] Por exemplo, se você pegar a lista de pagamentos que a prefeitura de Ribeirão Bonito emite, você tem uma listagem em que diz o que que a prefeitura gastou naquele mês. [...] e tem outros portais de cidades grandes que você tem, simplesmente aquela informação e, você pra saber mais você tem que ir lá e perguntar. Bom... eu gostaria de saber porque foi feita essa despesa? Ela é pertinente a que projeto? Que obra. Que... enfim, departamento e coisa desse tipo. Muitos estão de uma forma ininteligível pra população comum e a outra é que a população comum não tem a prática, não tem a curiosidade ou sei lá... de consultar. [...] recentemente a CGU fez uma pesquisa em que sessenta... na mostragem que eles fizeram, em sessenta por cento dos municípios brasileiros, a nota dada a efetividade da lei de acesso à informação é nota zero, ou seja... sessenta e sete por cento, ou seja, nota zero. Não há nenhuma atividade no município relacionada a acesso a informação e isso na, principalmente em cidades pequenas. Não implementaram o sistema, não tem condição de implementar, não sabem como implementar, não é nem que o camarada não quer pra esconder nada. Ele, as vezes, ele até gostaria, mas ele não sabe o que fazer, né? [...] tem prefeituras que não fizeram nada e tão com dificuldade pra fazer. Realmente não sabem como fazer... E, tem gente que realmente não quer fazer porque acha que a acessibilidade de transparência nesse caso não é nada conveniente né [...] eu não sei como vai desdobrar isso, nós temos essa discussão junto lá com a CGU, que ela também tá preocupada né, como desdobrar isso, quer dizer, como você vai realmente tratar esse assunto pra aqueles municípios que não fizeram nada e não querem fazer nada.484

Importante ator-chave da Rede AMARRIBO Brasil – importante em razão da

função estratégica que desempenha na Rede, a qual lhe permite acompanhar e participar de

todas as iniciativas e projetos da organização –, ao se reportar à avaliação de portais de

municípios brasileiros realizada em sua 1ª edição no primeiro semestre de 2015 pela então 483 Nos termos do art. 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil. 484 Trechos da entrevista com o informante-chave F, da Rede AMARRIBO Brasil.

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Controladoria-Geral da União – CGU485, demonstrou preocupação com a situação da

transparência pública no Brasil, afirmando que:

Bom, em Ribeirão Bonito a gente teve a grata surpresa de ver que o portal da prefeitura de Ribeirão Bonito, ele tem um índice muito bom de transparência... comparativamente ao restante do país.[...] Com uma nota 5, numa escala de 0 a 10, né.[...] O resto do país então, você nem... você pode considerar uma transparência ainda quase zero né. Não tem, não existe a cultura da transparência. O que os prefeitos entendem por transparência não é o que a população nem a lei entendem por transparência. Os sites das cidades e até das capitais, eles só servem a... eles só servem não, eles servem muito a propaganda pessoal do prefeito [...]486(grifo nosso).

Os portais de transparência estão desatualizados, é o que informa o entrevistado-

chave J, da AMASA, uma organização não governamental filiada à Rede AMARRIBO

Brasil:

“a gente tem o acesso, verifica algumas coisas, mas as vezes não diz se foi concluída a obra ou não foi, não diz qual que é o andamento. Tá parado” [...] Não, não tem publicidade nessas informações. A gente tem que pedir pra saber o que é que foi pago, senão a gente não tem. O que sai no Diário Oficial a gente ainda consegue acompanhar, mas é muito pouco e a população não consegue entender [...] o que que é... então é uma informação muito técnica pra população consultar e a publicidade deles é muito ruim porque é o que eu falei, no site não tem nada. Nada, nada.

Mas, com relação à lei de acesso à informação – para cujo tema dirige-se agora a

presente análise de resultados -, esse mesmo entrevistado-chave informou que, embora em

Analândia não existam, atualmente, impedimentos e dificuldades para o acesso, a

Administração Pública local, com alguma freqüência, cobra do solicitante um valor pela

xérox do documento, circunstância esta que, no caso da AMASA, compele a organização a

acionar a Justiça através de advogado. Testemunho que se revelou grave para a autora da

pesquisa, impondo aqui o registro, é a circunstância relatada por esse informante-chave de que

o acesso à informação para população do município se apresenta diversa do que se mostra

485 Trata-se da metodologia Escala Brasil Transparente (EBT) desenvolvida pela então CGU para medir a transparência pública em estados e municípios brasileiros, estabelecendo o ranking de cumprimento da Lei de Acesso à Informação. A EBT teve sua 1ª edição realizada entre os meses de janeiro e maio de 2015 e 2ª edição entre os meses de julho e outubro do mesmo ano, após as entrevistas realizadas para a presente pesquisa, apresentando razoáveis alterações nos resultados das respectivas avaliações. Conferir em http://www.cgu.gov.br/assuntos/transparencia-publica/escala-brasil-transparente/amostragem e http://www.relatorios.cgu.gov.br/Visualizador.aspx?id_relatorio=9. Acessos em 30.05.2016. 486 Refere-se aqui ao entrevistado-chave S da Rede AMARRIBO.

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para a ONG. Para esse entrevistado, dependerá do posicionamento político de quem a

solicita.

Por que que você tá querendo a informação. Se você... dependendo do que for, eles não informam. Aí, vai atrás da ONG, a ONG faz a solicitação e tem a informação. Mas, mas não é igual.

Situação semelhante, inclusive, se repete no município paulista de São José dos

Campos, sede do OSSJC de que se falou anteriormente, onde a municipalidade também

costuma cobrar pelo fornecimento de cópias de documentos oficiais requeridos com base na

Lei de Acesso à Informação (LAI). Embora a LAI estabeleça, em seu art. 12, que o serviço de

busca e fornecimento de informação é gratuito, salvo nas hipóteses de reprodução de

documentos pelo órgão ou entidade pública consultada, situação em que poderá ser cobrado

exclusivamente o valor necessário ao ressarcimento do custo dos serviços e dos materiais487, o

que se deduz da narrativa dos relatos dos entrevistados é que tal postura dos agentes públicos

obrigados se constitui em mais uma estratégia adotada, à contramão dos fins e princípios

legais orientadores do direito em comento, para dificultar o acesso do cidadão às informações

públicas, máxime se considerar-se que até as datas das entrevistas para o estudo de caso os

portais de transparência e serviços de acesso à informação dos municípios-sede das duas

ONGs filiadas, respectivamente, à Rede AMARRIBO Brasil e à Rede OSB, ou seja,

Analândia e São José dos Campos, ainda não haviam sido implementados, conforme relatos

colhidos nos trabalhos de campo. Some-se, então, ao depoimento do entrevistado-chave J da

AMASA, o do entrevistado-chave P, do OSSJC e Rede OSB, e não é outra a conclusão a que

se pode chegar:

[...] a gente teria que ir lá na Prefeitura, pagar pelas cópias e ficar aguardando que eles nos entreguem as cópias, mesmo o prefeito tendo assinado um termo de compromisso, durante a época da eleição, quando ele era candidato ainda, ele e todos os demais candidatos, assinaram um termo de compromisso, abrindo as portas da Prefeitura, da administração pública municipal para as informações, tudo que fosse necessário pra que o Observatório pudesse desempenhar suas atividades. Infelizmente, isso não tá acontecendo conforme seria o ideal, seria o desejado.

O entrevistado-chave L, também da AMASA, descreve o Serviço de Informação

ao Cidadão (SIC) do município de Analândia como um serviço ineficiente. Segundo o

entrevistado, o SIC, nesse município, foi montado às pressas, pela Administração Pública

487 Conferir em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/lei/12527.htm. Acesso em 28.05.2016.

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local, para cumprir as determinações legais, não funcionando a contento; respostas às

solicitações não são oferecidas, chegando o interessado a esperar mais de um mês pelo

atendimento, quando este se efetiva.

Outro ângulo de observação da questão do acesso à informação a partir da

vigência da Lei que regulamentou o direito fundamental estabelecido nos arts. 5º, XXXIII, 37,

§ 3º, II, e 216, § 2º, da Constituição Federal, é apresentado pelo entrevistado-chave G da Rede

AMARRIBO Brasil. O entrevistado sugere uma reflexão que leva em consideração a postura

do próprio titular desse direito fundamental, nos seguintes termos:

Veja, a lei de informação, ela disponibilizou a informação a população. Agora, a população certo, que vai olhar... quase ninguém. Por que? Porque é o seguinte: as pessoas tão acomodadas e, tem outro mais ainda. É como diz: Por que que cada cidade não tem uma ONG fiscalizando o Poder Público? Porque ninguém quer ficar fiscalizando o Poder Público, porque ele vai criar inimizade com o prefeito né, com os vereadores... Então veja, eles procuram ficar numa posição cômoda [...].

De igual modo, para a transparência na gestão pública, a pesquisa levantou dados

que revelam uma visão mais otimista desta coadjuvante do fenômeno estudado. É o revela a

manifestação do entrevistado-chave V, da Rede AMARRIBO Brasil:

[...] Tá caminhando muito bem. O que falta é assim, um padrão, é alguma coisa que facilitasse o cidadão comum, como chegar lá naquela transação financeira né, que é a navegação mesmo, na facilidade porque você vai aqui em Ribeirão Bonito por exemplo e você quer ver alguma documentação e tem a dificuldade burocrática de como pedir, e como solicitar isso né e como ver isso. Então falta, eu acho que é um pouco de padronização [...]. [...] Sim, eu acho que cada município faz de um jeito ou usa uma consultoria ou alguma coisa, mas assim é muito diferente né, então eu acho que aí caberia um trabalho pra padronizar isso.

A propósito dessa almejada padronização pela qual se manifesta o entrevistado-

chave V da Rede AMARRIBO Brasil, em 07 de fevereiro de 2013 a então Controladoria-

Geral da União editou a Portaria nº 277, instituindo o Programa Brasil Transparente, que tem,

dentre os seus principais objetivos, a promoção de uma administração pública mais

transparente e aberta à participação social, o aprimoramento da gestão pública por meio da

valorização da transparência, acesso à informação e participação cidadã, a promoção do uso

de tecnologias para a abertura de governos e o incremento da transparência e da participação

social, e a disseminação da Lei de Acesso à Informação e seu uso pelos cidadãos. Para tanto,

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o programa prevê, dentre as suas ações, a cessão pela CGU de código fonte do sistema

eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC) e apoio técnico na implantação do

sistema, bem como o apoio ao desenvolvimento de Portais de Transparência na internet.488

Ainda que a Portaria nº 277, de 07 de fevereiro de 2013 não fale em padronização

dos Portais de Transparências, o que se depreende a partir da leitura das disposições

estabelecidas nos §§ 1º e 2º do art. 4º dessa portaria489 é que a adoção do e-SIC pelo ente

federativo aderente490 – Estados e Municípios -, implicará em uma padronização dos sistemas

de informação de todos os entes que aderirem ao programa. Até o mês de fevereiro de 2016 a

então Controladoria-Geral da União havia registrado um total de 1.576 adesões, sendo 34% na

região Nordeste, 21% na região Sul, 21% na região Sudeste do Brasil, 10% na região Norte e

13% no Centro-Oeste brasileiro, além de nove adesões em nível nacional, conforme última

atualização do sistema,491 O número ainda é muito pequeno se levar-se em consideração que o

Brasil possui 5.561 municípios492 sediados nos vinte e seis Estados da Federação Brasileira e

no Distrito Federal; bem como que a Portaria nº 277 da CGU vigora desde 7 de fevereiro de

2013. Entretanto, se a adesão ao Programa Brasil Transparente da então CGU é voluntária, o

respeito aos marcos legais da Responsabilidade Fiscal, da Transparência Pública e do Acesso

488 Conforme http://www.cgu.gov.br/assuntos/transparencia-publica/brasil-transparente/o-programa. Acesso em 31.05.2016. 489 §1º - Com relação à utilização do sistema eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC) incumbe à Controladoria-Geral da União: a) disponibilizar o código-fonte do sistema, em sua versão mais atual, bem como informações referentes à sua concepção, manutenção e evolução; b) disponibilizar scripts para a criação do banco de dados e tabelas necessárias à execução do sistema; c) disponibilizar scripts para a inclusão de dados básicos necessários à utilização inicial do sistema; d) informar e disponibilizar as atualizações e correções promovidas no sistema e-SIC. § 2º - Incumbe ao ente parceiro: a) instalar o e-SIC nas suas dependências, arcando com todos os ônus e obrigações inerentes; b) integrar, quando necessário, o e-SIC aos softwares que utiliza; c) zelar pelo uso adequado do programa, comprometendo-se a utilizar os dados que lhe forem disponibilizados somente nas atividades que, em virtude de lei, lhes compete exercer; d) não vender, ceder ou transferir, a qualquer título, o direito de uso do código-fonte do e-SIC e seus conexos; e) apurar o fato, no caso de uso indevido do programa, com vistas a eventual responsabilização administrativa e criminal; f) reportar à CGU eventuais falhas identificadas no sistema; g) prestar suporte aos órgãos sob sua jurisdição que utilizarem o e-SIC; h) incluir, obrigatoriamente, em qualquer ação promocional relacionada ao sistema objeto do presente Termo, o logotipo da CGU e a expressão “desenvolvido pela Controladoria-Geral da União – CGU”. Disponível em www.cgu.gov.br/sobre/legislacao/arquivos/portarias/portaria_cgu_277_2013-1.pdf. Acesso em 31.05.2016. 490 A adesão ao Programa é voluntária e será formalizada mediante a assinatura de um Termo de Adesão, disponível no endereço eletrônico www.cgu.gov.br/brasiltransparente, na conformidade do quanto estabelece o art. 3º da Portaria nº 277, de 07.02.2013. 491 Disponível em www.cgu.gov.br/assuntos/transparencia-publica/brasil-transparente/adesao. Acesso em 31.05.2016. 492 Conforme dados atualizados disponíveis no endereço eletrônico www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/indicadores_sociais_municipais/tabela1a.shtm. Acesso em 31.05.2016.

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à Informação é de efetiva obrigação para os entes federativos brasileiros, sujeitando-os e a

seus representantes legais a penalidades também legalmente instituídas.493

4.5 Efetividade dos mecanismos e ferramentas de controle social da Administração

Pública.

O resultado da pesquisa para este fator coadjuvante do fenômeno pesquisado

ressoou em harmonia entre os atores-chave das organizações cujas práticas de controle social

foram pesquisadas: praticamente à unanimidade, os entrevistados-chave declararam

considerar os instrumentos legais e ferramentas institucionalizadas do controle social da

Administração Pública bons e bastante avançados; se mostrando também unânimes quando

afirmam que tais instrumentos e ferramentas legais estão carecendo, todavia, de cumprimento

para que se mostrem efetivos e seus objetivos sejam alcançados. Importa, assim, inicialmente,

a apresentação de alguns relatos selecionados, entre as manifestações dos entrevistados-chave

das Redes OSB e AMARRIBO Brasil, que mais conteúdos revelaram para o diagnóstico e a

compreensão do fenômeno pesquisado.

[...] eu acho assim, a quantidade de leis é muito grande entendeu? Eu não sei ... eu fico pensando... será que tem que ter tudo isso de lei, né? E, aí é uma dificuldade da gente entender as leis... parece que uma contradiz a outra, mas acho que isso não acontece, mas parece que contradiz né e, assim, a forma de escrever, muitas vezes, muito técnica né...[...] Mas eu acho que há muita lei que a gente precisava resumir um pouco isso daí sabe? [...].494 Existem bastante ferramentas só que, por exemplo, eu fui descobrir muitas delas só depois que eu entrei no Observatório. Então não existia a publicidade delas. Tem muito canal, muitos locais pra população buscar informações e contatos e tirar dúvidas, só que eles não... eu não sei que eles existem, então eu descobri isso quando eu entrei no Observatório.[...] a população não sabe que tá lá. Falta um pouco da publicidade e do conhecimento.495 O que eu penso é... tem duas questões. A lei pra... a lei é boa, a lei tá bem elaborada, a lei tá bem aplicada mas, falta ainda muita cobrança dos órgãos oficiais e da população. Então, naqueles aspectos em que a população começa a despertar e ele cobrar né, e que os órgãos oficiais de controle tem pernas né, tem condições melhores né de fazer o seu trabalho, as coisas

493 Penalidades administrativas, penais e civis, conforme se trate do ente federativo ou do agente público responsável pelo cumprimento das disposições estabelecidas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e na Lei de Acesso à Informação (LAI), respectivamente Lei Complementar 101/2000 e Lei nº 12.527/2011; as últimas na medida em que os respectivos estatutos remetem a responsabilização do agente público também ao quanto estabelece a Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa). 494 Relato do entrevistado-chave N, do OSSJC. 495 Relato do entrevistado-chave L, da Rede OSB.

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funcionam né. Então,é o exemplo que eu tinha dado da lei de acesso a informação e da lei da transparência né, que os Ministérios Públicos, a gente tem visto fazer esse trabalho.[...] E, quando a população também tá mais esperta, tem... está organizada pra cobrar, as cidades onde os conselhos municipais tem pessoas combativas né, tem pessoas que tem consciência, tem conhecimento do que tá fazendo, esses instrumentos legais são cumpridos e, aonde não há ação efetiva dos órgãos oficiais ou não tem a participação da população, se relaxa no cumprimento da legislação. Então, pra mim não é falta de lei. É falta de primeiro do interesse do gestor né, de fazer a coisa certa né... [...].496 [...] eu acho que as iniciativas são muito boas, mas eu sinto que a sociedade é... não faz o uso que deveria fazer, não aproveita essas oportunidades, infelizmente. A gente observa que a sociedade tem dificuldade de atuar usufruindo desses, dessas ferramentas, desses benefícios [...]. [...] E, os cidadãos, nos municípios, também não exercem esse direito. Infelizmente é uma realidade que a gente vive. Essas ferramentas, elas não são ideais? Não, não são ideais. É claro, ninguém consegue fazer uma ferramenta dessa, por exemplo, uma lei de acesso a informação. Eu não duvido que a lei de acesso a informação, apesar dela ser excelente, ela certamente tem as suas falhas, mas ela tem certo suas falhas porque ela é pouco utilizada, porque se ela fosse mais utilizada ela teria sido mais aperfeiçoada, porque você só aperfeiçoa a medida que você usa.497 Eu acho que nós temos, a nossa legislação é extremamente numérica né. Ela é... e nós temos numerosas leis, algumas que até, quase que se colidem né, mas assim, eu vejo que, por exemplo, a questão do meio ambiente... a nossa legislação é extremamente pertinente e ampla[...]. O que não se dá é a efetividade. A legislação está aí agora; o cumprimento dela é que nos distancia de uma realidade melhor [...]. Eu acho que nós pecamos por parte das instituições mesmo, caso selado, o legislativo, o judiciário né, e o executivo. Então, as instituições em si e os cidadãos também porque, se um não cumpre, o outro tem que cobrar e essa coisa não se efetiva. [...] Então, nós não contamos nem com o apoio institucional e nem com o apoio da cidadania. É assim que eu vejo. Mas, a legislação em si é boa, a exceção de algumas leis que saem aí atropeladas, principalmente pela Câmara dos Deputados atualmente... .498 A carência ainda é em relação a aplicabilidade das leis no Brasil. A lei de responsabilidade fiscal ela nos atende a toda informação que a sociedade necessitava e que não tínhamos no passado, mas a gente precisa de aplicabilidade dessa lei porque muitos municípios não fizeram seus portais ainda de transparência e, os que tem ainda não põem as informações necessárias a população. Então, o que eu deixo aqui de recado é, mais uma vez, o excesso de leis que o Brasil tem e a falta de aplicabilidade delas.499

496 Relato do entrevistado-chave R, da Rede OSB. 497 Relato do entrevistado-chave P, do OSSJC. 498 Relato do entrevistado-chave X do OSSJC, que mais adiante, em seu relato, assinala o fator recenticidade da democracia brasileira, a juventude das nossas instituições democráticas, como limitador do potencial realizador da efetividade da legislação que viabiliza o exercício do controle da gestão pública pela sociedade. 499 Relato do entrevistado-chave I, da Rede OSB.

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É para a ausência de efetividade que também chama a atenção o relato do

entrevistado-chave G, da Rede AMARRIBO Brasil, quando assinala que “como toda lei, né,

se você não a torna efetiva, ela fica como instrumento formal”.

Em comunhão de entendimento com a percepção manifestada dos atores-chave

entrevistados da Rede OSB e seu filiado OSSJC, vem o entrevistado-chave J, da Rede

AMARRIBO Brasil, oferecer a sua contribuição à pesquisa, com mais um importante relato:

As leis brasileiras não são más. Tem aí algumas distorções, tem aí esse negócio do enriquecimento ilícito que precisa ser...é, o Brasil precisa cumprir os tratados internacionais e isso precisa ser realmente regulamentado [...], mas os instrumentos legais, eles são bem adequados né, nós fizemos uma avaliação disso né há algum tempo atrás, pra atender um... das... das Nações Unidas. Eles pediram e a AMARRIBO foi indicada pra fazer essa avaliação de como que o Brasil tá cumprindo os tratados internacionais anticorrupção. E, o Brasil não tá mal nisso aí. Tem algumas coisas de evolução do Código Penal pra acelerar, pra você tornar tudo isso mais rápido, tem esse negócio do enriquecimento ilícito, tem a questão do foro privilegiado [...] mas, de forma geral, as leis brasileiras são muito boas pra combater a corrupção [...]. O grande problema do Brasil hoje é o cumprimento da lei, é Justiça né. A Justiça precisa funcionar [...]. Tem outra questão, que é a questão da... da prescrição, que outros países não e talvez o Brasil..., mas, se a Justiça funcionasse bem, a prescrição não seria um problema [...]. A gente não precisaria assim muito mais de leis, exceto alguns aperfeiçoamentos né, mas a Justiça precisa funcionar.

E na sequência da comunhão de entendimentos, outros entrevistados-chave da

Rede AMARRIBO Brasil oferecem a sua contribuição com os seguintes relatos:

Os instrumentos, as ferramentas, eles existem e eles são bons; agora, eles são mal utilizados pelos políticos locais, né.[...] É a audiência pública pra menos gente, só pra cumprir tabela, só pra cumprir a lei. Então, o instrumento é bom, ele só tá sendo usado errado. Agora, quem é que vai cuidar desse instrumento? É a população.500 Eu acho que a AMARRIBO vê isso como um avanço. Sem dúvida, é uma legislação de primeiro mundo né? É... eu acho que no Brasil as leis são excelentes, o problema é fazê-las cumprir né? Então, o que eu tenho visto ainda as vezes, órgãos que deveriam ser os primeiros, isso eu to falando do lado federal, deveriam ser os primeiros a tá lá com as informação, mas num tão. [...] Mas eu vejo que ainda falta um caminho. Mas tamos caminhando. [...] Sim, eu vejo ainda pequenos ajustes, a gente poderia citar alguns exemplos aqui de coisas que ainda precisariam de ser melhoradas, mas eu vejo como o suficiente pra gente exercer muito bem essa fiscalização. É... tem algumas

500 Relato do entrevistado-chave S, da Rede AMARRIBO Brasil.

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questões que a gente poderia evoluir pra melhor. É coisa dinâmica, mas assim, hoje o que a gente tem é suficiente e é bom. 501

A análise das evidências levantadas nos trabalhos de campo acerca dessa última

categoria temática estabelecida no presente estudo de casos múltiplos demonstra que os

instrumentos legais e ferramentas institucionalizadas de que podem se valer os órgãos oficiais

de controle da Administração Pública e, em especial, os cidadãos e entidades da sociedade

civil organizada por meio do exercício do controle social vêm carecendo de efetividade e esta

carência, para os atores-chave entrevistados das organizações pesquisadas, está associada, em

síntese, aos seguintes fatores: a) número excessivo de leis que não poucas vezes se

contradizem e, por se apresentarem com uma linguagem de difícil compreensão – o que na

técnica jurídica denomina-se interpretação ou hermenêutica da lei -, impõem óbices ao

exercício de direitos pelos cidadãos em geral; b) ausência de ampla publicidade dos

mecanismos legais regulamentadores do exercício do controle social; c) pouca exigência, por

parte dos órgãos oficiais de controle e da população, quanto ao cumprimento das leis pelos

agentes públicos obrigados; d) falta de exercício, pelos cidadãos, do direito de participação

social previsto em diversos diplomas legais; e) inaplicabilidade das leis, o que impede,

inclusive, que as suas eventuais deficiências venham a ser evidenciadas e, por conseqüência,

sejam tais leis aperfeiçoadas, cumprindo as finalidades para as quais foram editadas; e, enfim,

f) inoperância e morosidade da Justiça brasileira.

501 Relato do entrevistado-chave V, da Rede AMARRIBO Brasil, ao se reportar à Lei de Acesso à Informação e aos instrumentos e ferramentas legais do controle social em sua generalidade.

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CONCLUSÃO

A pesquisa, partindo da situação problemática que assim se apresentou à autora

deste trabalho, ou seja, o contexto em que se apresenta o controle da Administração pública

pela sociedade no Brasil e a sua repercussão para a firmação da cidadania. Partindo de

pressupostos fáticos e jurídicos, o estudo de casos buscou levantar elementos idôneos a

responder aos problemas da pesquisa, quais sejam: (a) em que medida os mecanismos

institucionalizados que possibilitam a participação popular e o exercício do controle social

sobre a Administração Pública, disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro, revelam-se

eficazes, em face da implementação de políticas públicas que efetivamente respondam às

necessidades essenciais da população e da prevenção e combate à corrupção; (b) no momento

em que a democracia e o seu corolário imediato da participação popular despontam como

direitos fundamentais de quarta geração502, assiste razão àqueles que atribuem,

predominantemente, ao controle social, um caráter, não institucionalizado; e (c) o grau de

incipiência com que esses mecanismos institucionalizados e, especialmente, as manifestações

voluntárias de participação popular e exercício de controle social sobre a Administração

Pública, ainda vem se revelando e se desenvolvendo no seio da sociedade brasileira e a

atualidade das mesmas.

Quando da pesquisa teórica, pode-se constatar que pouca, ou quase nenhuma,

atenção vem sendo dada à questão nos clássicos manuais de Direito Administrativo – base dos

primeiros passos do acadêmico em Direito -, os quais se limitam a abordar,

predominantemente, as conhecidas, e já densamente regulamentadas e caracterizadas formas

de controle da Administração Pública, assim classificadas como de controle interno e externo;

o que decorre da abordagem que comumente é dada ao controle social, pluralizando-o tão

somente em formas de controle não institucionalizadas, como é o caso das manifestações de

entidades sociais legalmente constituídas ou sociedade civil organizada, manifestações de

partidos políticos, abaixo-assinados, passeatas, manifestações da imprensa e de cidadãos

isoladamente e/ou por meio dos diversos canais de comunicação disponíveis, v.g, websites e

outras redes sociais; esquecendo-se de uma extensa gama de preceitos normativos

constitucionais e infraconstitucionais que acabam por institucionalizar diversas formas de

502 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência; por uma Nova Hermenêutica; por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: 3.ed., Malheiros, 2008, pp. 25-43 e 358.

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participação e controle social frente a decisões do Estado-Administrador, diretamente

vinculadas e essenciais à formulação, planejamento e execução de políticas públicas e

serviços públicos essenciais, à elaboração da lei orçamentária anual e plano plurianual e

respectivas execuções e fiel cumprimento, ao legítimo desempenho dos Conselhos Gestores

de Políticas Públicas, legalmente integrados na estrutura do Poder Executivo, e ao controle

legal e finalístico dos gastos públicos.

A pesquisa empírica ofereceu condições para a obtenção de respostas idôneas e

confiáveis para tais problemas levantados, como pode ser constatado na leitura do Capítulo 3,

revelando que, não obstante o incremento de instrumentos que possibilitam a participação e o

controle social em face da Administração Pública, esses instrumentos não vêm sendo regular

e efetivamente aplicados; como também a sociedade brasileira não vem ocupando os espaços

públicos de discussão das questões de interesse coletivo, preferindo acomodar-se no universo

das suas questões individuais.

Porque, se outrora, em tempos de ditadura, o anseio maior era por liberdade nas

suas diversas formas de expressão, em tempos de realização da democracia no Brasil o maior

anseio que se pode almejar, frente a um cenário nacional de contínuo desrespeito e reiteradas

ameaças aos valores republicanos, é por um despertar da consciência cidadã do povo

brasileiro, capaz de erguer a todos, especialmente as elites culturais e econômicas, do berço

esplêndido da conformação individualista e conservadora, e conduzir a nação ao efetivo

desenvolvimento.

O que a pesquisa mostrou é que o instrumental normativo que integra o

ordenamento jurídico nacional envolvendo a temática do controle da Administração Pública

vem se revelando hábil e eficaz para o exercício desse controle e, no particular, do controle

social – tema central desta pesquisa - quando efetivamente aplicado.

Embora o controle social permaneça situado no âmbito das formas de controle da

Administração Pública não institucionalizadas, como assegura o referencial teórico

pesquisado, a razão está com Mileski, quando afirma que:

O controle social exercido pelo cidadão não se esgota em si mesmo, nem possui a função de substituir o controle oficial regulado constitucionalmente. O controle social é complementar do controle oficial e depende deste último

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para ter eficácia. O controle social, para fazer valer as suas constatações contra irregularidades praticadas pelo Poder Público, deve buscar a própria Administração para correção das falhas encontradas, representar aos integrantes do sistema de controle interno, denunciar os fatos ao Tribunal de Contas ou representante do Ministério Público.503

Revelou, entretanto, a pesquisa, a lastimável e ameaçadora realidade vivenciada

pela população brasileira e pelas instituições políticas do país, a começar das pequenas, porém

importantes, células da Federação Brasileira, que são os municípios. Isto porque passados

vinte e oito anos da inauguração de uma nova ordem constitucional brasileira, cujos alicerces

foram desenhados para possibilitar a realização da almejada democracia e seus corolários

institucionais garantidores de uma crescente afirmação dos direitos sociais, o que se vê ainda

hoje é uma predominante e conveniente resistência dos agentes públicos504 em respeitar a

Constituição Federal e dar efetividade aos instrumentos legais que o munus público os impõe,

em que pese a vigência de um arcabouço constitucional e infraconstitucional que, embora

ameaçado em diversas oportunidades por forças políticas retrógradas, apresenta-se favorável à

consolidação da democracia através da participação social na Administração Pública,

mediante o exercício do controle social tanto em nível de fiscalização da aplicação de

recursos públicos quanto em nível de construção de políticas públicas.

Assim, tomando-se por base a configuração constitucional conferida aos

municípios pela Constituição de 1988, ou seja, a autonomia que lhes foi atribuída, a qual se

assenta em quatro capacidades, a saber, a de auto-organização, autogoverno, normativa e de

auto-administração; o que a pesquisa mostrou – e muito importa aqui a referência ao ente

federado município, posto que é sobre ele que predominantemente incidem as ações das

organizações não-governamentais estudadas -, é que prevalece a desorganização, o

desgoverno, o mau exercício da competência normativa e a má administração. Um novo relato

de um dos entrevistados-chave da Rede OSB, dentre os inúmeros transcritos na presente

dissertação, ilustra bem o que aqui se está a sustentar:

503 MILESKI, Helio Saul. Controle Social: um aliado do controle oficial. Interesse Público, ano 8, n. 36, mar./abril 2006. Porto Alegre: Notadez, 2006, p. 96. 504 A terminologia “agentes públicos” preferencialmente utilizada pela autora da pesquisa a “agentes políticos”, acompanha a tendência inaugurada no Brasil pela Lei 8.429/92, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa (LIA), que os define como sendo todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades descritas no art. 1º da referida Lei (art. 2º da LIA), inclusive os agentes políticos, ampliando, assim, o universo de sujeitos para fins de alcance da norma e, no particular da pesquisa, dos atores públicos que possam interessar ao propósito deste trabalho.

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É, em se tratando de legisladores né, dos vereadores, então, o que eu posso dizer é assim: nas cidades aonde fazem... o Observatório faz acompanhamento da produção legislativa, de quais são os tipos de projetos de ações que os vereadores realizam, nós temos a grande insatisfação de revelar que noventa por cento da produção dos vereadores tá focada eu outras ações que não produção de políticas públicas. Então, na primeira vez que nós fizemos essa avaliação, em Maringá foi em 2009, aconteceu absolutamente zero de projetos. Naquele ano nenhum projeto de lei foi apresentado pelos vereadores, votado e sancionado. E isso, em outras cidades que se faz esse acompanhamento, a gente também chega a essa conclusão, que é assim, praticamente oitenta por cento da produção dos vereadores tá em indicações. Indicam tapar o buraco da rua tal, consertar a lâmpada em frente o número tal... Chegou até um vereador que, pra contar como produção né, ele apresentou vinte e um requerimentos, mas era sobre uma única coisa. Então, cinquenta por cento são indicações,aí tem requerimentos, né. Então... requeiro a prefeitura informações sobre tal coisa e, homenagens e menção honrosas bla,bla, bla, que a gente chama, aqui entre nós de perfumaria, né, e, agora, produção de leis, de políticas públicas né, de coisas que vão trazer qualidade de vida pra população é quase zero.[...] Então, você imagina que... o quanto é quase nula a produção de algum tipo de política de participação, que favoreça a participação da população.505

Afirmou um dos entrevistados-chave do Observatório Social de São José dos

Campos (OSSJC), conforme relatado linhas atrás, subtítulo 3.3, que “o brasileiro parece que

não consegue ser crítico a ponto de identificar aquilo que é necessário pra ele, quais são as

suas prioridades”. Na verdade, os brasileiros precisam ser mais críticos em todos os aspectos

que envolvem a nossa vida, e esse senso crítico perpassa um despertar de consciência tanto

para o ser individual que somos e as escolhas que fazemos para atender as necessidades dessa

dimensão individual, quando as escolhas que realizamos enquanto seres sociais; e, nessa

dimensão social assumirmos uma postura crítica diante de todos os sistemas e micro sistemas

que se movimentam e movimentam a vida em sociedade e nos convertem de indivíduos a

cidadãos: a economia, a política, a cultura, o meio ambiente natural e urbano. Estes que

parecem ser os que mais interferem na dimensão individual e coletiva do homem, e dele

sofrem interferências. Porque qualquer superação e transformação passa necessariamente pelo

despertar de uma consciência crítica.

E mais, como fizeram questão de ressaltar alguns dos entrevistados-chave do

trabalho de pesquisa (v.g., os entrevistados-chave J da AMASA e S da AMARRIBO), por

estar ciente do poder que o povo tem em suas mãos, a classe política no Brasil governa entre

si e para si, fazendo de conta, para a população e, em particular, para os eleitores que os

505 Trecho da entrevista com o informante-chave R, da Rede OSB.

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agraciaram com o voto, que os escutam e que representam os seus interesses ou, na mais

legítima das hipóteses, os de toda a coletividade.

Da análise procedida a partir do referencial teórico e dados levantados nos

trabalhos de campo da pesquisa pode-se ainda concluir que as dificuldades experimentadas

pelos atores-sociais da ONGs estudadas para realizar o controle social da Administração

Pública, que nada mais são senão cidadãos especialmente sensibilizados com as questões

sociais, políticas, éticas e econômicas pelas quais atravessa o Estado Brasileiro, são

dificuldades próprias de uma nação em construção, conscientização e consolidação de valores

democráticos e republicanos.

Como assinala Mileski, “quanto mais consolidados e reconhecidos os valores

democráticos, como igualdade, dignidade humana, participação e representatividade, mais

intensos serão a participação popular e o controle social”.506

Quanto ao pouco olhar que a doutrina administrativa ainda confere ao fenômeno

do controle social da administração pública, é de se esperar que o presente trabalho

científico, que vem a se somar a outros desenvolvidos, e anteriormente citados, contribua para

uma maior discussão e aprofundamento do tema nos espaços acadêmicos destinados ao estudo

do Direito e suas correspondentes subáreas de conhecimento.

Daí a escolha, na presente pesquisa, por uma análise dos dados levantados, através

de um olhar científico crítico para o fenômeno e suas condicionantes que nortearam a

pesquisa, porque somente por um viés dessa natureza acredita a sua autora ser possível

explicar as diversas limitações e desafios com que se defrontam diariamente os atores sociais

das organizações pesquisadas e tantas outras que, em solo brasileiro, se propõem a contribuir

para uma sociedade efetivamente democrática e equânime na distribuição das riquezas e bens

de valor e interesse social, atendendo-se ao mesmo tempo às necessidades humanas em suas

dimensões individual e coletiva.

O estudo também induz uma atenção para o papel que organizações da sociedade

civil que compõem o que veio a ser denominado de “Terceiro Setor”, distintas daquelas que já

506 MILESKI, Helio Saul. Controle Social: um aliado do controle oficial. Interesse Público, ano 8, n. 36, mar./abril 2006. Porto Alegre: Notadez, 2006, p. 91.

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na primeira metade do século XX, constituídas a partir do movimento organizativo solidário

da classe operária, protagonizaram as primeiras conquistas dos direitos sociais, desempenham

nos processos de emancipação social voltados para o desenvolvimento da dimensão horizontal

de que se falou no subtítulo 1.1 do presente trabalho.

Conforme assinala Santos, na consolidação da democracia liberal, a classe

trabalhadora se revelou como um agente de transformações progressistas no interior do

sistema capitalista, um agente de emancipação social, portanto.507

Entretanto, na atualidade, em que a democracia participativa começa a se impor

como um direito fundamental de quarta geração, e a cidadania social reclama espaço e

afirmação pela voz e pela ação dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil

comprometidas com a busca pela efetivação dos direitos a ela inerentes, o controle social

também emerge como um instrumento para a promoção dessa almejada emancipação.

Enfim, trata-se de um processo que, para concluir, configura o que Comparato

definiu, em fins do século passado, como a nova cidadania, cujo sentido insere a ideia de

participação do povo como parte principal do próprio processo histórico de desenvolvimento

e promoção social, reconhecendo ser a participação popular na administração pública um

campo onde urge que se faça penetrar essa nova cidadania.508

Porque, como apropriadamente observam Schwarcz e Starling,

Temos construído uma imagem tantas vezes sonhada de um país diferente – por conta da imaginação, da alegria e de um jeito particular de enfrentar dificuldades -, que acabamos nos espelhando nela. Ora, tudo isso pode ser muito bom e vale um retrato. Mas o Brasil é, repita-se, também campeão em desigualdade social, e luta com tenacidade para construir valores republicanos e cidadãos.509

E por falar em sonho, com o expresso consentimento da entrevistada Iara Dórea

Vaz, voluntária do OSB, transcreve-se a seguir um trecho da sua entrevista:

507 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 14.ed. São Paulo: Cortez, 2013, p.236. 508 COMPARATO, Fábio Conder. A nova cidadania. Lua Nova. N° 28-29, abr. 1993. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451993000100005. Acesso em: 18 jun. 2016. 509 SCHWARZ, Lília M.; SATARLING, Heloísa M. Brasil: uma biografia. 7.Imp. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p.18.

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Eu vou contar um sonho pessoal meu. Que isso multiplique pra vários cidadãos, que ouçam o que eu to falando. Eu tinha um sonho pessoal, que eu queria trabalhar numa ONG, que o trabalho social dessa ONG abrangesse todo o Brasil e, era um sonho que eu dizia que ia ser quando eu me aposentasse. Então eu dizia: Quando eu me aposentar, eu vou fundar uma ONG, que a atuação dela reflita em todo Brasil. E, quando a gente realmente deseja uma coisa, quando você deseja uma mudança, essa coisa vem até você e, eu ainda to muito longe de me aposentar e me apareceu a oportunidade de ser vice-presidente dessa Rede, que é uma ONG, uma entidade sem fim lucrativo e, que o nosso trabalho é expandir essa Rede e todo o nosso trabalho social pelos vinte e sete estados do Brasil. Então, eu vi que o desejo que eu tinha como cidadã, de transformar o Brasil, ele aconteceu agora, pelo desejo que eu nutria e, eu ainda sonhava que isso seria na minha aposentadoria.510

510 Entrevista concedida no dia 30.07.2015, em Salvador-Ba, após palestra\da entrevistada na Casa do Comércio, sede do SESC/SENAC, ocasião em que era feita uma apresentação do OSB para dirigentes da entidade representativa do segmento empresarial comercial do Estado da Bahia.

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APÊNDICE A – PROTOCOLO DE ESTUDO DE CASOS

1. APRESENTAÇÃO DO TEMA E DELIMITAÇÃO DO OBJETO

O tema proposto à pesquisa é fruto de uma experiência de quase dezesseis anos de

atuação à frente de uma Promotoria de Justiça da Cidadania, com atribuições de Defesa do

Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa, na capital do Estado da Bahia, o que veio

a se intensificar quando da atuação da autora do projeto na Coordenação Estadual da

campanha “O que você tem a ver com a corrupção?”, instituída nacionalmente pelo Conselho

Nacional de Procuradores Gerais – CNPG, em parceria com a Associação Nacional do

Ministério Público - CONAMP, no ano de 2008.

Nesse período, bastante recente, a autora desta pesquisa teve a oportunidade de

acompanhar e observar, debater e debater-se com questões relacionadas ao exercício (ou à

falta deste) de uma cidadania ativa, tanto em nível individual quanto, e acima de tudo,

coletivo, em intensidade suficiente para estimular em si o interesse pelo aprofundamento do

que, ab initio, pareceu uma questão a merecer estudo e aprofundamento científico: o nível e o

grau de envolvimento da sociedade brasileira, por meio dos cidadãos e instituições da

sociedade civil, para se apoderar dos direitos e garantias fundamentais outorgados pela

Constituição Federal de 1988 – especialmente aqueles de fruição coletiva ou natureza difusa -

e exercê-los com responsabilidade e sob o respaldo de um arcabouço legal que será, no

decorrer do desenvolvimento da pesquisa, devidamente perfilado; e, em decorrência, exercer

uma maior participação nas decisões administrativas de interesse coletivo, v.g. a formulação,

execução e fiscalização das políticas públicas necessárias à efetivação de direitos

fundamentais, bem como prevenir práticas corruptivas.

Esta lamentável constatação passou, então, a merecer uma contínua reflexão por

parte da autora, motivando, assim, a iniciativa de uma investigação científica de cunho

predominantemente jurídico acerca dos pressupostos teóricos constitucionais e

administrativos que orientam e legitimam o exercício da cidadania ativa e participativa no

âmbito da atuação do exercício dos Poderes Públicos; não dispensando, por óbvio, o

ancoramento científico, de natureza histórica, sociológica e política, necessário, acrescido de

elementos colhidos a partir de estudo de casos concretos de práticas de participação e controle

social, atualmente desenvolvidas em nosso país, de modo a oferecer uma contribuição para o

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caminho da construção de uma cidadania plena no Estado Democrático e Social de Direito

brasileiro.

Assim, como fruto da dessa experiência profissional no âmbito da atuação no

Ministério Público do Estado da Bahia, decidiu-se por focar o olhar para algo que vem se

revelando, ainda que em doses homeopáticas, como um remédio eficaz, amargo, é bem

verdade, para aqueles que insistem em perpetuar a nefasta cultura do enriquecimento ilícito,

da malversação do dinheiro público - em detrimento da boa administração - e do famoso

“jeitinho”511 para obtenção de vantagens pessoais, dentre tantas outras psicopatias sociais;

porém, um remédio doce para aqueles que, conscientes da responsabilidade que a todos

compete na realização do bem comum, se esforçam e agem para apressar a chegada do

momento em que o vigor dos preceitos constitucionais inerentes ao Estado Democrático e

Social de Direito deixem as inanimadas folhas de papel e ganhem vida ativa no seio da

sociedade, a saber: o controle social.

A pesquisa pretende, pois, analisar o tratamento constitucional e

infraconstitucional que é dado ao tema, em toda a plenitude do seu alcance, seja no tocante às

formas e instrumentos pelos quais o controle social se torna realizável no Brasil; seja na

dimensão em que o mesmo é um instrumento de realização de direitos e garantias

fundamentais e sociais, e, portanto, de efetivação de políticas públicas; seja, enfim, na medida

em que o mesmo impulsiona e, ao mesmo tempo, reflete a amplitude da democracia

participativa. Acerca desse aspecto vale ressaltar que, ao longo do desenvolvimento da

pesquisa, pretende-se fazer especial incursão na temática da democracia participativa, como

um dos modelos teóricos contemporâneos de democracia que, bem articulada com os

pressupostos do também contemporâneo modelo teórico da democracia deliberativa - ao lado

do conjunto de órgãos e instituições legalmente incumbidos do exercício do controle dos atos

da Administração Pública, compreendida no âmbito de todos os Poderes Públicos

Constituídos, para, além da legalidade, assegurar a efetiva realização do interesse público -

vem fortalecer, legitimar e justificar o exercício de novas práticas de conformação do

processo democrático por atores outros como indivíduos, associações e demais instituições da

sociedade civil, em face das quais emerge o que se vem a denominar controle social.

511 LUSTOSA, Isabel. Faz-me rir: Com mais humor do que crítica, caricaturas brasileiras exibem a cara da corrupção no mundo político; DAMATTA, Roberto, AVRITZER, Leonardo; STELIO, Lourenço. “O jeitinho brasileiro é uma forma de corrupção? In. Revista de História da Biblioteca Nacional, Ano 4, n. 42, março/2009, pp. 24-27 e 34-35.

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2. JUSTIFICATIVA SOCIAL E CIENTÍFICA DA PESQUISA

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, como bem lembrado

por Odete Medauar, já trazia, em seu art. 15, pode-se assim dizer, as sementes do instituto do

controle que deve incidir sobre as atividades da Administração Pública512 ao afirmar que “a

sociedade tem o direito de pedir conta, a todo agente público, quanto à sua

administração” (grifo nosso).

Recorda com propriedade a administrativista513, assim como a maioria dos

estudiosos do direito administrativo e áreas afins, que “o tema do controle também se liga à

questão da visibilidade ou transparência no exercício do poder estatal, sobretudo da

Administração, e relaciona-se em profundidade com o tema da corrupção”,

consubstanciando-se em um dos mecanismos mais eficazes de sua prevenção, bem como

asseguradores do melhor desempenho por parte da Administração (grifo nosso).

Partindo da configuração que lhe é atribuída por José dos Santos Carvalho Filho,

poderíamos conceituar, num primeiro momento, o controle social como sendo aquele

exercido sobre o Poder Público, por segmentos oriundos da sociedade – daí considerá-lo, esse

autor, como uma forma de controle exógeno514 -, em face das inúmeras demandas sociais,

sendo ele o “resultante da articulação e da negociação dos interesses fracionados e específicos

de cada segmento, a favor dos interesses e direitos de cidadania do conjunto da sociedade”515.

Ainda nas palavras desse publicista, o controle social é, indubitavelmente, um

“poderoso instrumento democrático, permitindo a efetiva participação dos cidadãos em

geral no processo de exercício do poder”; apontando, todavia, o autor, mas com relevante

pertinência, para o grau de incipiência com que essa modalidade de controle ainda vem se

revelando no seio da sociedade brasileira, embora já se vislumbre “a existência de

mecanismos jurídicos que, gradativamente, vão inserindo a vontade social como fator de

512 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2008, p.375. 513 Idem, ibdem. 514 CARVALHO FILHO. Manual de Direito Administrativo. 23ª ed. rev.e amp., 2ª tir.. Rio de\Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 1031. 515 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA e CENTRO DE APOIO OPERACIONAL ÀS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DA CIDADANIA. Caderno Controle Social no Sistema Único de Saúde. Salvador: 2005, p.5.

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avaliação para a criação, o desempenho e as metas a serem alcançadas no âmbito de

algumas políticas públicas”, bem como de redução dos índices de corrupção que denigrem a

imagem do Estado Brasileiro frente à ordem interna e internacional 516(grifo nosso).

Ainda que não se pretenda, no trabalho que emergirá desta pesquisa, aprofundar-se

na temática da corrupção, posto que de amplitude tal que, por si só, atrairia para si um ou mais

projetos de pesquisa independentes, reconhece-se a necessidade de ser reservado um espaço

no texto do trabalho para tratar da relevância do tema da pesquisa frente ao fenômeno social

da corrupção.

Propõe-se com esta pesquisa a demonstrar que o tema “controle social” deve ser

inserido na temática técnico-jurídica mais ampla das formas de controle da Administração

Pública, enquanto exercício legal do poder para o alcance de finalidades públicas, sempre tão

bem tratada por administrativistas pátrios e alienígenas, de modo a merecer uma maior

atenção, tanto por parte da doutrina jurídica quanto do operador do direito e, assim, contribuir

para a legitimação e o aprimoramento dos processos democráticos que emergem da evolução

dos direitos fundamentais e do amadurecimento das sociedades politicamente organizadas, no

sentido de uma reivindicação cada vez maior de amplitude e institucionalização de espaços de

participação nas decisões políticas e administrativas dos interesses coletivos.

Ocorre, todavia, que, não obstante os seus fundamentos históricos e a atualidade

do tema, o certo é que pouca, ou quase nenhuma, atenção vem sendo dada à questão nos

clássicos manuais de Direito Administrativo – e de igual modo em trabalhos científicos

monográficos -, os quais se limitam a abordar, predominantemente, as conhecidas, e já

densamente regulamentadas e caracterizadas formas de controle da Administração Pública

como de controle interno e externo, limitando-se a inserir neste último – locus técnico-

jurídico mais apropriado para a inserção do controle social enquanto modalidade de controle

da Administração, como será demonstrado - o controle parlamentar direto, o controle

exercido pelos Tribunais de Contas, na condição de órgãos auxiliares do Legislativo nessa

matéria, o controle realizado pelo Ministério Público e o controle jurisdicional - este

516 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA e CENTRO DE APOIO OPERACIONAL ÀS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DA CIDADANIA. Caderno Controle Social no Sistema Único de Saúde. Salvador: 2005, p.5.

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241

evidentemente quando legitimamente provocado -, exercitável por meios dos instrumentos

processuais legalmente previstos e ordinariamente conhecidos.

Tal postura decorre – e pretende-se perpassar essa questão no trabalho a ser

desenvolvido, porque necessária à caracterização da espécie de controle em foco - da

abordagem e configuração que comumente é dada ou atribuída ao controle social,

pluralizando-o tão somente em formas de controle tidas como não institucionalizadas, como é

o caso das manifestações de entidades sociais legalmente constituídas ou sociedade civil

organizada, manifestações de partidos políticos, abaixo-assinados, passeatas, manifestações

da imprensa e de cidadãos isoladamente e/ou por meio dos diversos canais de comunicação

disponíveis, v.g, websites e outras redes sociais; esquecendo-se de uma extensa gama de

preceitos normativos constitucionais e infraconstitucionais que acabam por institucionalizar

diversas formas de participação social nas decisões do Estado-Administrador, diretamente

vinculadas e essenciais à formulação, planejamento e execução de políticas públicas e

serviços públicos essenciais, à elaboração da lei orçamentária anual e do plano plurianual e

respectivas execuções e fiel cumprimento, ao legítimo desempenho dos Conselhos Gestores

de Políticas Públicas, legalmente integrados à estrutura do Poder Executivo, à formulação e

execução da política urbana do município e ao controle legal e finalístico dos gastos públicos.

Na pesquisa, cujo protocolo de estudo de casos é ora apresentado, pretende-se

conferir especial atenção para a questão oportunamente levantada, ainda que en passant, por

José dos Santos Carvalho Filho, tocante ao grau de incipiência, antes referido, com que tal

modalidade de controle ainda vem se revelando no seio da sociedade brasileira, de modo a

aprofundar as circunstâncias que, à primeira vista, parecem motivar a timidez com que o

controle social vem sendo exercitado em nossa sociedade. Para tanto tomar-se-á, como

referenciais para a pesquisa, experiências já consolidadas de redes de controle, em atuação no

país, de organismos não governamentais e, por que não incluir, de organismos

governamentais que, destacando-se do lugar-comum à maioria dos órgãos oficiais, vêm

prestando importantes serviços através de iniciativas voltadas ao incentivo das práticas sociais

de controle, em prol da responsabilidade fiscal e da prevenção da corrupção e má gestão dos

recursos públicos pelas administrações na tríplice esfera municipal, estadual e federal, como é

o caso da Controladoria Geral da União – CGU.

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O tema mostra-se relevante e permanece na ordem do dia, posto que urge uma

mudança radical de postura, tanto da Administração Pública, por intermédio de agentes, que

se tornam mais comprometidos com a obtenção de vantagens – sejam materiais, sejam

pessoais - em benefício próprio ou de terceiros a quem se vinculam, do que com o exercício

senão eficiente, ao menos honesto do munus público; quanto da sociedade brasileira, que

comumente assiste inerte e passiva aos sucessivos desmandos e escândalos de corrupção e má

gestão que envolvem a máquina administrativa brasileira, no âmbito de seus poderes

constituídos, indistintamente, vindo a sofrer, com isso, as graves consequências da

inoperosidade, ineficiência e irresponsabilidade no trato das questões de interesse público, a

saber: má prestação dos serviços públicos e de relevância pública, crescimento descontrolado

da violência urbana, ausência de políticas públicas nos setores em que a atuação do Estado se

mostra obrigatória, essencial e insubstituível, comprometimento do desenvolvimento social e

econômico e redução dos investimentos nessas áreas.

Houve mesmo quem, já na transição do século XX para o atual, apontasse até para

uma involução do processo de democratização política do Estado517, Democrático e Social de

Direito por óbvio, decorrente de fatores diversos de natureza política, próprios do modelo de

estado esculpido a partir das revoluções burguesas, comungando com a ideia de uma política

de poderes para as populações.518 Pode-se arriscar a afirmar, mesmo que antecipadamente a

uma investigação acerca dos fundamentos que subjazem às assertivas dos estudiosos citados,

que tais ideias revelam preocupações com as contingências que os processos de

democratização e conquistas de direitos sociais vêm suportando na atualidade, urgindo que

sejam conferidos maiores poderes de participação aos cidadãos nas decisões políticas e

administrativas mais diretamente afetas aos interesses coletivos. Fala-se de um âmbito público

não estatal de atividade social, ou um âmbito constituído pela atividade dos movimentos

sociais e pelas iniciativas cidadãs, responsáveis pela formação de novos poderes sociais,

capazes de intervir no campo institucional, sobre as políticas estatais de programas.519

Como justificativa final para a pesquisa recorre-se, mais uma vez, às palavras de

Medauar520 para quem “a descrença generalizada a respeito dos mecanismos de controle sobre

517 CAPELLA, Juan Ramón. Os cidadãos servos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998, p. 110. 518 Id. Ibid., p. 111, no qual o autor refere-se a ideias e termos empregados por Pietro Barcellona em obra intitulada Postmodernidad y comunidad, Madri, Trotta, 1992. 519 Id. Ibid., p. 112. 520 Id., ibid., p. 376.

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a Administração, que levaria ao imobilismo ou niilismo, deve ser substituída justamente por

mais estudos e debates sobre o tema, na busca de maior efetividade dos controles, inclusive

com a criação de novos mecanismos ou a melhoria dos atuais”. É, pois, esta, em suma, a

proposta do presente projeto de pesquisa, ao focar o seu olhar nas ações de controle da

Administração Pública denominadas de controle social.

Até mesmo o tema mais amplo da cidadania, com o qual as práticas sociais de

controle administrativo dos Poderes do Estado guardam estreita conexão, vem carecendo, não

apenas aqui no Brasil, mas pelo mundo afora, de estudos mais aprofundados e maior produção

bibliográfica – embora não se proponha aqui a autora a promover uma abordagem do tema

para além dos limites necessários ao trato do problema da pesquisa -, como bem destacado

pelo historiador Jaime Pinsky, ao delinear, na respectiva introdução, o objeto de mais uma de

suas obras, cujas palavras aqui reproduzimos:

A idéia deste livro surgiu ao constatarmos a carência bibliográfica a respeito da questão da cidadania. Inicialmente pensamos tratar-se de um problema brasileiro, mas aos poucos fomos percebendo que era um fenômeno mundial.521

A se levar em consideração o grau de complexidade da sociedade atual e as

reivindicações cada vez mais crescentes, em nível global, por ações afirmativas que

assegurem universalmente o pleno exercício e acesso a direitos e garantias fundamentais cada

vez mais amplos, tal constatação é preocupante.

3. LINHA DE PESQUISA

O tema do presente trabalho, apresentado como exigência para obtenção do título

de Mestre em Direito Político e Econômico no Programa de Pós-Graduação em Direito

Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, insere-se na linha de

pesquisa “A Cidadania Modelando o Estado”, na medida em que se propõe, na

conformidade do âmbito de pesquisa proposto pelo programa da respectiva área de

concentração, a também promover uma reflexão acerca do conceito de cidadania em suas

novas dimensões contemporaneamente concebidas e, em especial, a partir dos resultados

positivos obtidos na efetivação de direitos sociais já experimentados concretamente por meio

do exercício de mecanismos de controle social dos atos dos Poderes Públicos, sejam eles 521 PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. História da Cidadania. São Paulo: Editora Contexto, 2013, p.12.

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institucionalizados ou “espontâneos”, assim como da análise dos desafios que vêm se

revelando ao pleno exercício desse controle, de maneira a integrá-lo aos fundamentos e

princípios do Estado Social e Democrático de Direito e aos ideais republicanos de progresso e

desenvolvimento social, baseados na justa distribuição das riquezas, possibilitando que, cada

vez mais, o verdadeiro titular do poder soberano que governa esse modelo de Estado de

Direito – o povo – seja o real condutor da nau das conquistas sociais e da promoção dos

direitos fundamentais.

Portanto, tomando o controle social como um corolário do Estado Democrático de

Direito, que vige em nossa ordem constitucional após 1988, e que tem por um de seus

fundamentos o pleno exercício da democracia e da cidadania, em paralelo a outros princípios

fundamentais, dentre os quais se destaca o da soberania do povo, a quem se confere

legitimidade para o exercício direto desse poder, indiscutivelmente que, para assegurar a

efetivação dos direitos garantidores da cidadania plena, mister se faz o aprimoramento dos

controles administrativos, como dito anteriormente, valendo-se das palavras de Odete

Medauar; mas, acima de tudo, a ação por meio dos mecanismos já existentes para tanto, os

quais, mais do que se enquadrarem como instrumentos de implementação de políticas

públicas, consubstanciam-se em verdadeiros instrumentos de realização da justiça e do bem-

estar social, e da consolidação da democracia, plena somente em uma dimensão participativa.

A afirmação da cidadania ativa, com efeito, é pedra angular do Estado de Direito, nos

moldes como o definiu o art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil, capaz de

assegurar, ao legítimo titular da soberania, condições para uma maior participação na

formação da vontade estatal, e tornando-o, por via de consequência, mais responsável e

comprometido com o destino daquilo que se consubstancia no interesse público comum.

4. CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA

4.1 SITUAÇÃO PROBLEMÁTICA

Na introdução do Texto Constitucional de 1988 são apresentados os alicerces que

definem o Estado Democrático de Direito em que se constitui a República Federativa do

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Brasil, orientando a nova ordem jurídica no sentido da busca incessante da afirmação dos

princípios fundamentais estabelecidos já a partir do seu art. 1°, que assim dispõe:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição (grifo nosso).

Há, ao longo do Texto Constitucional, uma sequência de outros princípios,

expressos e implícitos, além de disposições normativas em sentido estrito, que asseguram, ao

menos em tese, a inserção da vontade social no desempenho das funções do Estado-

Legislador e do Estado-Administrador, em especial deste último, a exemplo de: previsão de

edição de lei que regule as formas de participação do usuário na administração pública direta

e indireta, contida no art. 37, § 3°; previsão, de igual modo, para o exercício da iniciativa

popular, contida no art. 61, § 2°, através da apresentação de propostas legislativas perante a

Câmara dos Deputados, visando a sua conversão em lei, após os trâmites regulares, faculdade

esta que, não obstante a quantidade de demandas sociais que se apresentam cotidianamente, é

muito pouco exercida pelos membros da sociedade organizada; a fiscalização das empresas

públicas e das sociedades de economia mista, bem como suas subsidiárias, por parte da

sociedade, a teor do artigo 173, § 1º, inciso I; a atribuição, conforme disposto no art. 194, VII,

de caráter democrático ao sistema da seguridade social, mediante gestão quadripartite dos

órgãos colegiados, com a representação dos trabalhadores, dos empregadores, dos

aposentados e do Governo; a previsão da participação da comunidade nas ações e na

prestação dos serviços públicos de saúde, conforme estabelecido no art. 198, III; no âmbito da

Assistência Social, a participação da população, por meio de organizações representativas, na

formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis, como uma das diretrizes

das ações governamentais nesse campo, conforme estabelecido no art. 204, inciso II; a gestão

democrática do ensino público, segundo determinação expressa no art. 206, inciso VI; e, por

fim, para o Sistema Nacional de Cultura, a democratização dos processos decisórios com

participação e controle social (art. 216-A, § 1º, X, CF).

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Em nível infraconstitucional, há as previsões contidas na Lei nº 9.784, de 29 de

janeiro de 1999, que regula o processo administrativo federal e prevê, para situações de

interesse geral, a realização de consulta pública (art. 31) e audiência pública; na Lei

Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) – com

significativas alterações introduzidas pela Lei Complementar 131, de 27 de maio de 2009 -,

que eleva a transparência ao status de princípio da gestão fiscal responsável, assegurando um

capítulo próprio para tratar de instrumentos e mecanismos de garantia da transparência na

gestão fiscal, com destaque aqui para o disposto no art. 67, inc. III, da Lei; na Lei nº 10.257,

de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade) que inclui, dentre os objetivos da política urbana,

a gestão democrática, com a participação da comunidade na formulação, execução e

acompanhamento do plano de desenvolvimento urbano; na Lei n° 11.445, de 5 de janeiro de

2007, que expressa, em seu art. 2°, X, como princípio, o controle social, definindo-o como

sendo um “conjunto de mecanismos e procedimentos que garantem à sociedade informações,

representações técnicas e participações nos processos de formulação de políticas, de

planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos de saneamento básico” (art.

3°, IV); e, na Lei n° 12.527/ 2011, que veio a entrar em vigor em maio de 2012, para garantir

o acesso a informações, direito fundamental previsto no inc. XXXIII do art. 5°, no inc. II do §

3° do art. 37 e no § 2° do art. 216 da Constituição Federal.

Os exemplos acima destacados, valendo-se, mais uma vez, das palavras de José

dos Santos Carvalho Filho522, “demonstram o processo de evolução do controle social, como

meio democrático de participação da sociedade na gestão do interesse público”. Em verdade,

revelam mais do que um processo, ao menos formal, de evolução; revelam um processo de

conquistas da sociedade e, em particular, dos seus cidadãos, no longo caminho de lutas,

armadas ou não, pela plenitude do exercício legítimo da cidadania.

Como assegura o citado historiador Jayme Pinsky523, ainda na introdução à obra

referenciada, “ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a

lei: é, em resumo, ter direitos civis. É também participar no destino da sociedade, votar, ser

votado, ter direitos políticos. Os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os

522 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Atlas, 2015, recurso online., p.1032. 523 PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi, org.. História da Cidadania. São Paulo: Editora Contexto, 2013, p.9.

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direitos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o

direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranqüila. Exercer a

cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais”. E, pode-se dizer, não somente ter tais

direitos civis, mas desfrutá-los em sua plenitude, convertendo o ter formal em substancial.

Em verdade, como diriam os críticos, não basta ter direitos civis, políticos, sociais,

se tais não passarem de uma garantia formal, que, na linguagem técnico-jurídica, se traduz na

expressão “perante a lei”. É preciso que condições sejam criadas, ações sejam planejadas e

promovidas, objetivando a materialização desses direitos e a sua livre fruição.

O controle social, pois - seja ele exercido de forma “espontânea” pelos cidadãos,

isoladamente ou por meio de associações, sindicatos, passeatas, manifestações políticas,

dentre tantas outras manifestações voluntárias; seja de forma institucionalizada, v.g., por meio

dos conselhos gestores de políticas públicas, de audiências públicas nos casos e para os fins

previstos em lei, por intermédio das ações constitucionais como o mandado de injunção, ação

popular, ação civil pública e outras hipóteses adrede mencionadas -, torna-se, ao lado de

outras formas de controle do Estado-Administrador, um fio condutor para a efetivação dos

direitos e garantias fundamentais e sociais, capaz de assegurar, em meio ao silêncio, omissão

ou desvirtuamento daqueles, a afirmação da cidadania em toda a contínua expansão dos

direitos que a identificam.

Ocorre que, conforme assinalado nas linhas que justificam o presente trabalho de

pesquisa (2), o controle social no Estado-nação brasileiro ainda se opera de modo bastante

incipiente, temeroso, na maioria das vezes, desorganizado e desarticulado, e voltado para a

solução de questões imediatas, sem qualquer perspectiva de fincar raízes ou plantar sementes

que assegurem uma real transformação da sociedade e seus valores de ordem coletiva. Para

compreender a presente assertiva, basta que se recorde, sem qualquer esforço de memória,

aquelas manifestações ocorridas no país no mês de junho de 2013 que, vale lembrar,

ganharam novas edições no ano findo e em curso, e as ininterruptas interrogações que se

puseram na mente de cientistas sociais, da opinião pública e, principalmente, dos agentes do

Poder, ao ponto de não saberem estes como agir em meio a um emaranhado de reivindicações

sociais e protestos seguidos nas principais cidades do país, e que podem ser muito sabiamente

resumidas na frase “O GIGANTE ACORDOU”, que ilustrou cartazes Brasil afora naquela

ocasião; demonstrando que o tamanho das demandas sociais equivale ao tamanho do país, ou

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seja, é gigantesco, necessitando urgentemente de um despertar do povo brasileiro para o

exercício de uma cidadania mais ativa.

Afinal, na clara colocação de Gustavo Binenbojm:

A democracia, a seu turno, consiste em um projeto moral de autogoverno coletivo, que pressupõe cidadãos que sejam não apenas os destinatários, mas também os autores das normas gerais de conduta e das estruturas jurídico-políticas do Estado. Em um certo sentido, a democracia representa a projeção política da autonomia pública e privada dos cidadãos, alicerçada em um conjunto básico de direitos fundamentais.524

E, na sequência, completa: “pode-se dizer, assim, que há entre direitos fundamentais e

democracia uma relação de interdependência e reciprocidade”.525

4.2 PROBLEMAS DE PESQUISA

Os problemas de pesquisa podem assim ser caracterizados:

1. Inobstante as crescentes transformações sociais pelas quais vem passando a

sociedade, especialmente a ocidental, a partir do final do século XVIII, galgando o seu ápice

no século XX, com o desenvolvimento do Estado Constitucional de Direito, assentado em um

modelo constitucional rígido, que passou a produzir reflexos significativos na afirmação da

cidadania plena, através da “constitucionalização de princípios e direitos fundamentais,

vinculando a legislação e condicionando a legitimidade do sistema político à sua tutela e

satisfação” 526, o que possibilitou a inserção de uma dimensão substancial na democracia527; o

pleno exercício da cidadania ainda é, e provavelmente por muito tempo será, um desafio para

os estudiosos do tema, para o Estado e para as sociedades contemporâneas, e futuras. Uma das

formas como esse desafio se revela está na maior ou menor abertura e instrumentalização

jurídica que os Estados-Nação, em especial aqueles constituídos na forma de um Estado

Social e Democrático de Direito, oferecem à participação social na formação da vontade

política, econômica e social dos seus entes. Assim, há de se perquirir (1) em que medida os

mecanismos institucionalizados que possibilitam a participação popular e o exercício do 524 BINENBOJM. Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.50. 525 Idem, ibidem. 526 FERRAJOLI, Luigi. O Estado de Direito entre o passado e o futuro, in O Estado de Direito: Historia, teoria, critica, COSTA, Pietro e ZOLO, Danilo, orgs., e SANTORO, Emílio, colab. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2006, p.428. 527 Idem, ibidem.

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controle social sobre a Administração Pública, disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro,

revelam-se eficazes, em face da implementação de políticas públicas que efetivamente

respondam às necessidades essenciais da população e da prevenção e combate à corrupção?

Eis aqui o primeiro problema de pesquisa.

2. Ainda que venha a doutrina pátria atribuindo, fundamentalmente, ao controle

social a característica de um controle exógeno, realizado a partir de manifestações

espontâneas ou voluntárias de cidadãos e entidades civis associativas, a que denomina

controle natural, em contraposição à dita forma de controle institucional, essa conotação

termina por subestimar a importância que tais iniciativas populares oferecem para a

consolidação das instituições democráticas. Portanto, outro problema de pesquisa que se

impõe é investigar se, (2) no momento em que a democracia e o seu corolário imediato da

participação popular despontam como direitos fundamentais de quarta geração528, assiste

razão àqueles que atribuem, predominantemente, ao controle social, um caráter, não

institucionalizado. Esse, o segundo problema de pesquisa.

3. Por outro lado, o que estudos até aqui promovidos observam, com significativas

referências, ao menos no Brasil, e que também foi assinalado linhas acima, é o grau de

incipiência com que esses mecanismos institucionalizados e, especialmente, as manifestações

voluntárias de participação popular e exercício de controle social sobre a Administração

Pública, ainda vem se revelando e se desenvolvendo no seio da sociedade brasileira. Agora,

portanto, há de se investigar, a partir do estudo de casos presentes e referenciais de pesquisa

histórica e sociológica (3), a atualidade e razoabilidade de tais assertivas e quais as possíveis

razões para essa incipiência. Esse, pois, o terceiro problema da pesquisa.

5. HIPÓTESES DE PESQUISA

A nova ordem constitucional brasileira, acompanhando a evolução do Estado

Constitucional de Direito contemporâneo, conforme dito anteriormente, definiu as bases que

constituem a República Federativa do Brasil sob o primado do Estado Democrático de

528 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência; por uma Nova Hermenêutica; por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: 3.ed., Malheiros, 2008, pp. 25-43 e 358.

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Direito, consagrando, dentre outros princípios fundamentais, a soberania popular, a cidadania

e a dignidade da pessoa humana.

Não obstante o tema Controle da Administração Pública ser matéria específica do

Direito Administrativo, dúvidas não pairam no sentido de que a constitucionalização do

Direito Administrativo trafega em via de sentido único, impondo cada vez mais ao Poder

Público o reconhecimento da soberania popular e, portanto, sua legítima participação, como

formadora da vontade estatal; chegando ao ponto de alguns dispositivos legais de

regulamentação de políticas públicas – elencados anteriormente - possibilitarem a anulação de

atos administrativos praticados com inobservância de alguns de seus preceitos, sob o

fundamento da violação do princípio constitucional da legalidade, o qual, por meio de

disposição expressamente contida no art. 37 da Constituição Federal, rege a atividade da

Administração Pública.

Uma das razões para tanto também se infere da frase de efeito utilizada por

Luciano Ferraz529, no subtítulo do texto base da palestra, cujo tema fora “Novas Formas de

Participação Social na Administração Pública: Conselhos Gestores de Políticas Públicas”,

proferida no XVIII Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, realizado em Salvador-

BA., de 15 a 17 de setembro de 2004, a saber: “o Direito Administrativo é o direito da

democracia”. Tal conceituação consolida a posição do cidadão frente ao novo Estado de

Direito, passando de uma condição de sujeito não só de deveres, mas, acima de tudo, de

direitos e garantias frente ao Estado.

Disso decorre a necessidade de que, cada vez mais, caminhos se abram para o

exercício, por parte do cidadão e da sociedade organizada, do controle social sobre o Estado

Administrador, a fim de assegurar, de modo pleno, consciente e responsável, a consolidação

da cidadania plena, bem como contribuir de modo significativo para a redução das práticas de

corrupção no âmbito da sociedade: aquelas engendradas por particulares contra o Estado e

aquelas engendradas pelos agentes públicos, em benefício próprio e/ou de terceiros que aos

mesmos se vinculam em razão de nefastos e mesquinhos interesses.

529 In TCE – Tribunal de Contas do Estado da Bahia. Gestão Pública e Controle Externo. Revista do Tribunal de Contas do Estado da Bahia em associação com o Instituto de Direito Administrativo da Bahia. Edição Especial Comemorativa, Salvador, v.1 n.1, p.01-704, nov. 2005.

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Conforme assinalado em momento anterior, há hoje no ordenamento brasileiro um

conjunto de normas constitucionais e infraconstitucionais que, não obstante o primor técnico e

substancial que em si encerram, parecem não responder, satisfatoriamente, aos fins a que se

destinaram. Concomitantemente iniciativas de organizações da sociedade civil – e aqui

adianta-se a citação da rede AMARRIBO Brasil e da rede Observatório Social do Brasil –

OSB, cujas atividades elegem-se para Estudo de Casos no presente trabalho de pesquisa, pela

aparente contribuição que vêm prestando ao fortalecimento do controle social neste país,

agregando, cada uma delas, um significativo número de entidades afiliadas e identificadas por

um mesmo propósito de exercer, no âmbito dos municípios onde estão sediadas, práticas de

controle da gestão pública; o que possibilita uma base mais abrangente para estudo e,

portanto, uma visão mais global do problema da pesquisa.

6. OBJETIVOS

6.1 OBJETIVO GERAL

Investigar o papel exercido pelo controle social para o dinamismo e o

funcionamento do Estado, o planejamento, a execução e o acompanhamento das políticas

públicas, a efetivação dos direitos sociais e, consequentemente, para a consolidação da

cidadania e da democracia de quarta geração no Brasil.

6.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Em um primeiro momento, pretende-se analisar o tratamento constitucional e

infraconstitucional dado ao tema do controle da Administração Pública, pelo ordenamento

jurídico pátrio, nas hipóteses em que a lei não apenas autoriza, mas exige a participação da

sociedade nos procedimentos administrativos de caráter deliberativo em assuntos de interesse

coletivo e social, e naquelas hipóteses em que a manifestação espontânea dos cidadãos

organizados ou não em associações civis contribui para a efetivação, pela Administração

Pública, dos direitos sociais.

Perquirir-se-á, ainda, as interpretações que o Supremo Tribunal Federal e o

Superior Tribunal de Justiça do nosso país, a partir do ano 2000, ano em que entrou em vigor

o primeiro marco infraconstituicional da transparência e participação popular na

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Administração Pública brasileira, a saber, a Lei Complementar n° 101/2000 (Lei de

Responsabilidade Fiscal), seguida da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) que inclui,

dentre os objetivos da política urbana, a gestão democrática, com a participação da

comunidade na formulação, execução e acompanhamento do plano de desenvolvimento

urbano; da Lei n° 11.445/2007, que expressa, em seu art. 2°, X, como princípio, o controle

social, definindo-o como sendo um “conjunto de mecanismos e procedimentos que garantem

à sociedade informações, representações técnicas e participações nos processos de formulação

de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos de saneamento

básico (art. 3°, IV); e, da Lei n° 12.527/ 2011, que veio a entrar em vigor em maio de 2012, a

qual veio garantir o acesso a informações previsto no inc. XXXIII do art. 5°, no inc. II do § 3°

do art. 37 e no § 2° do art. 216 da Constituição Federal.

Em um momento seguinte, investigar-se-ão experiências de controle social já

postas em execução pelas organizações da sociedade civil que, congregadas sob a

denominação de duas redes de controle social, a saber, a rede AMARRIBO Brasil e a rede

Observatório Social do Brasil – OSB, cujas atividades, conforme dito anteriormente, elegem-

se para Estudos de Casos no presente trabalho de pesquisa, pela aparente contribuição que

vêm prestando, repita-se, ao fortalecimento do controle social em nosso país, agregando, cada

uma delas, um significativo número de entidades afiliadas e identificadas por um mesmo

propósito de exercer, no âmbito dos municípios onde estão sediadas, práticas de controle da

gestão pública; o que possibilita uma base mais abrangente para estudo e, portanto, uma visão

mais global do problema da pesquisa, em atuação no Brasil, observando-se o grau de

amadurecimento das ações desenvolvidas, frente aos objetivos que se propõem a alcançar,

bem como o modo pelo qual essas ações são organizadas e qual o principal alvo das mesmas

no universo das competências da Administração Pública, extraindo de tais experiências

possíveis respostas para os problemas da pesquisa, esperando, assim, contribuir-se, para o

aperfeiçoamento dos modi operandi do controle social.

Como contribuição, ainda, à compreensão do objeto da pesquisa e à elucidação dos

problemas a ela relacionados, pretende-se também, conforme adrede dito, relacionar ações

empreendidas pela Controladoria Geral da União – CGU, através do programa “Olho vivo no

dinheiro público” e pelo Ministério Público do Estado da Bahia, através do Projeto

“Transparência nas Contas Públicas”, as quais visam o estímulo à prevenção de atos de

corrupção e má utilização de recursos financeiros públicos, através de medidas fiscalizadoras

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e orientadoras da gestão pública responsável. Para tanto, proceder-se-á a um levantamento de

dados junto a fontes oficiais de informação e pesquisa de dados abertos, bem como junto a

agentes públicos desses órgãos oficiais do Poder, encarregados diretamente do gerenciamento

dos programas e projetos, bem como a uma apresentação do projeto “Índice de

Transparência”, desenvolvido pela Associação Contas Abertas, no contexto da aplicação da

sua metodologia no projeto “Transparência nas Contas Públicas”.

7. METODOLOGIA DE PESQUISA

Para a elaboração do projeto será realizada a análise da disciplina constitucional e

infraconstitucional acerca das possibilidades de exercício do controle social, cotejada com

pesquisa bibliográfica e jurisprudencial acerca do tema. Os fundamentos teóricos da pesquisa

serão obtidos por meio da análise de teorias acerca da democracia participativa,

desenvolvidas no campo do Direito e da Ciência Política, dois campos das Ciências Sociais

Aplicadas que muito têm a oferecer na compreensão do fenômeno sócio-político objeto da

pesquisa, dentre outras fontes de conhecimento aqui tomadas como subsidiárias, a exemplo da

História.

Os dados de cunho empírico, o que mais interessa a este Protocolo de Estudo de

Casos, serão investigados por meio de uma análise qualitativa – procedida através de estudo

de casos múltiplos -, de caráter descritivo, de ações desenvolvidas por organizações da

sociedade civil - selecionadas conforme e pelas razões descritas anteriormente -, cujos

objetivos estão voltados ao exercício do controle social da Administração Pública, através de

ações estratégias previstas em seus respectivos estatutos e consoantes com o ambiente social e

institucional específicos do âmbito de atuação das entidades. Cuidar-se-á de observar os modi

operandi de atuação dessas organizações e as competências da Administração Pública mais

visadas por suas iniciativas, ou seja, o alvo principal dessas iniciativas, buscando avaliar o

grau de interferência das provocações decorrentes desses modi operandi de atuação nas

decisões administrativas produzidas, em face dos interesses públicos envolvidos, aqui

tomados como aqueles voltados à efetivação de direitos fundamentais do indivíduo e da

sociedade, em outras palavras, os indicadores sociais de resultados das iniciativas das

organizações estudadas.

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Como principais técnicas para a coleta dos dados científicos de estudo dos casos

selecionados a que se pretende proceder no presente trabalho de pesquisa constarão o recurso

a fontes documentais, entrevistas e a observações, auxiliados pela análise de conteúdos

previamente levantados junto aos sites institucionais, bem como documentos relevantes que

venham a ser coletados nos respectivos trabalhos de campo. As entrevistas serão do tipo semi-

estruturadas, seguindo-se, assim, o formato aberto e, por vezes, informal; as observações, por

sua vez, seguirão a modalidade sistemática e, prioritariamente, voltar-se-ão para o

comportamento dos fenômenos e dos fatos em pesquisa530; e as análises de documentos

ocorrerão mediante consulta a documentos disponibilizados nos sítios eletrônicos das

organizações selecionadas, suas publicações e materiais porventura publicados em jornais e

revistas, bem como, mediante consentimento da organização, documentos institucionais e

administrativos.

Pretende-se, ainda, complementarmente ao estudo de caso, enriquecer a pesquisa

com dados a serem obtidos junto à Controladoria Geral da União, que criou e desenvolve o

programa “Olho Vivo no dinheiro público”, e ao Ministério Público do Estado da Bahia,

através do projeto institucional “Transparência nas Contas Públicas”, acerca das estratégias de

ação desenvolvidas desde o início dos respectivos programas até o presente momento, e os

resultados obtidos frente aos objetivos perseguidos. Essa etapa da pesquisa justifica-se

porque, conforme assinalado anteriormente, ambos os programas têm entre seus objetivos o

fomento ao exercício, pelo cidadão, do controle social da gestão pública.

As fontes de pesquisa aqui enumeradas não afastam, entretanto, a possibilidade de

recurso a outras fontes, o que assim se fará conforme se mostre necessário durante o

desenvolvimento da pesquisa.

8. TRABALHO DE CAMPO

Constituir-se-ão objeto da pesquisa as organizações AMARRIBO e

OBSERVATÓRIO SOCIAL DO BRASIL – OSB, pelas razões anteriormente explicitadas.

O acesso a essas organizações será obtido mediante contato direto e/ou por e-mail

com dirigentes das mesmas, aos quais se encaminhará uma via do presente PROTOCOLO DE 530 MARTINS, Gilberto de Andrade. Estudo de Caso: Uma estratégia de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2008, p.13.

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ESTUDO DE CASOS do projeto de pesquisa em andamento acompanhado de Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE, consultando-os a respeito de outros possíveis

informantes de dados para a pesquisa, dando-se preferência a atores diretamente envolvidos

na situação que se pretende estudar, conforme exposto no presente protocolo.

A agenda para as atividades de coleta de dados – análise de documentos,

entrevistas e observações - será definida de comum acordo e em conformidade com a

disponibilidade dos informantes, com rigorosa atenção aos prazos previstos no cronograma da

execução do estudo, constante do presente protocolo.

9. QUESTÕES ESPECÍFICAS

Com base nos problemas e questões mais amplas da pesquisa, considerar-se-ão as

seguintes questões na coleta de dados:

a) Em que consistem e como se desenvolvem as atividades de controle

da gestão pública desenvolvidas pelas organizações estudadas?

b) Quais as ferramentas de controle da gestão pública (v.g., ouvidorias,

CGU, Controladorias de Estados e Municípios, consultas a sites

oficiais e outros canais oficiais de informação, participação em

audiências públicas, participação em comitês e conselhos de

políticas públicas, representação a órgãos de controle externo da

Administração Pública por ilegalidades ou irregularidades,

propositura de ações populares) comumente utilizadas pelas

organizações?

c) Como as organizações vêm o nível de participação da sociedade

local nas suas iniciativas? E no controle social da gestão pública por

outras iniciativas sociais?

d) Há receptividade da Administração Pública (Poderes Executivo e

Legislativo) às iniciativas/intervenções das organizações que são

destinadas a contribuir com, e/ou fiscalizar, a gestão pública?

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e) As experiências das organizações no campo do controle social

revelam que há articulação entre o Estado e a Sociedade Civil? Em

caso afirmativo, em que nível e áreas essa articulação acontece?

f) O ordenamento jurídico dos municípios abrangidos pelo âmbito de

atuação das organizações, bem como os Poderes Executivo e

Legislativo oferecem condições para a participação, discussão e

deliberação de assuntos de interesse público e social por parte da

sociedade civil local?

g) Há portais de transparência nos municípios abrangidos pelas

iniciativas das organizações? Qual o grau de atualidade, conteúdo e

usabilidade desses portais?

h) Os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias, as

prestações de contas e respectivo parecer prévio, o Relatório

Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal,

e suas respectivas versões simplificadas, são disponibilizados

regularmente pelo Poder Público Municipal, nos moldes

estabelecidos na LRF?

i) Há incentivos à participação popular e realização de audiências

públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos,

lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos, bem como a

disponibilização, em tempo real, de informações pormenorizadas

sobre a execução orçamentária e financeira em meios eletrônicos de

acesso público, nas hipóteses legalmente previstas, pelos Poderes

Executivo e Legislativo?

j) Como as informações concernentes às despesas e receitas dos entes

federativos abrangidos pelas áreas de atuação das organizações estão

sendo disponibilizadas aos cidadãos e à sociedade civil? Há ampla

disponibilização dos atos praticados pelas unidades gestoras no

decorrer da execução da despesa, no momento da sua realização,

referentes aos dados do respectivo processo, bem fornecido ou

serviço prestado, beneficiário do pagamento e procedimento

licitatório realizado, conforme o caso? Há ampla disponibilização do

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lançamento e recebimento de toda a receita das unidades gestoras,

inclusive quanto a recursos extraordinários?

k) As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo local são

disponibilizadas, durante todo o exercício, no Poder Legislativo

local e no órgão técnico responsável pela sua elaboração, para fins

de consulta pelos cidadãos e instituições da sociedade civil?

l) Há serviço de informações ao cidadão, nos moldes estabelecidos

pela Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527, de 18.11.2011), nos

municípios abrangidos pelas ações das organizações?

m) Há debates e audiências públicas frequentes, no âmbito local, com a

sociedade civil, sobre assuntos de interesse das políticas públicas?

n) Os mecanismos institucionalizados que possibilitam a participação

popular e o exercício do controle social sobre a Administração

Pública, disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro, têm se

revelado, nas experiências desenvolvidas pela organização, efetivos

e eficazes para o exercício do controle da Administração Pública?

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10. CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO*

*O Cronograma de Execução do Protocolo de Estudo de Casos toma por termo inicial o décimo-segundo mês do total de vinte e quatro meses de duração do Programa do Mestrado em Direito Político e Econômico

ATIVIDADES

MESES

01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 1

1

12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24

ELABORAÇÃO DO

PROTOCOLO DE

ESTUDO DE CASOS

X X X X

COLETA DE DADOS X X X X

ANÁLISE E

INTERPRETAÇÀO

DOS DADOS

X X

X X X

REDAÇÃO

DO RELATÓRIO

X

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APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARE CIDO (TCLE)

(Minuta)

TITULO DO PROJETO DE PESQUISA: “O CONTROLE SOCIAL: AVANÇOS E DESAFIOS À EFETIVAÇÃO DE UMA CIDADANIA PLENA NO BRASIL” PESQUISADOR: HELIETE RODRIGUES VIANA CONTATOS: 55 11 94689-3824 / 55 71 9184-0744 / [email protected] ORIENTADOR: PROF. DR. HÉLCIO RIBEIRO CONTATO: [email protected] INSTITUIÇÃO A QUE PERTENCEM O PESQUISADOR E O ORIEN TADOR: UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE – Higienópolis – São Paulo/SP FINALIDADE DO PROJETO DE PESQUISA: PROJETO DE PESQUISA APRESENTADO AO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE, COMO REQUISITO PARCIAL À OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO. VOLUNTÁRIO(A)/PARTICIPANTE: .................................................................., (...........................................................................................................................................) ........................................................... da ...................................., organização da sociedade civil de interesse público, com sede...................................................................................................................................................................................................................................................................................

Heliete Rodrigues Viana, acima identificada, responsável pela pesquisa que tem como título “O Controle Social: Avanços e Desafios à Efetivação de uma Cidadania Plena no Brasil”, CONVIDA o(a) ................................................, acima qualificado, a participar como voluntário(a)/participante do estudo que ora desenvolve na área das Ciências Sociais Aplicadas.

A justificativa social e científica da pesquisa, assim como os seus objetivos

gerais e específicos estão claramente delineados no Protocolo de Estudos de Casos entregue ao voluntário/participante no momento da assinatura do presente termo, e que o voluntário/participante declara receber na oportunidade.

A etapa da pesquisa compreendida pelo Trabalho de Campo, da qual participará o

voluntário(a)/participante, terá a duração de 4 (quatro) meses, conforme Cronograma de Execução do Protocolo de Estudo de Casos, correspondente ao período da Coleta de Dados.

Não há riscos previsíveis na pesquisa desenvolvida. Não há previsão de benefício direto para o voluntário(a)/participante, todavia, a

sua participação contribuirá para a compreensão do fenômeno sociopolítico do controle social da Administração Pública, proporcionando elemento de cunho empírico para a análise jurídica do tema da pesquisa.

Durante o período da pesquisa o voluntário(a)/participante tem o direito de

solicitar qualquer esclarecimento e tirar dúvidas, bastando para tanto contatar pessoalmente o pesquisador ou através dos meios acima informados.

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Ao voluntário(a)/participante está reservado o direito de não participar da pesquisa

ou responder a qualquer pergunta a ela relacionada, bem como dela retirar-se, a qualquer momento, sem prejuízo, pela sua decisão, frente ao pesquisador.

As informações prestadas pelo voluntário(a)/participante no Estudo de Caso da

pesquisa serão tratadas de forma confidencial e anônima, e serão divulgadas apenas em eventos ou publicações científicas, preservando-se a identificação do voluntário/participante, ficando a sua privacidade assegurada pela substituição aleatória do seu nome, na hipótese de divulgação do todo ou parte das informações coletadas através das entrevistas, atos e documentos pesquisados, de que o voluntário/participante tomar parte.

Sem prejuízo de questões e esclarecimentos outros que surjam durante a pesquisa,

atinentes ao tema da mesma, a colaboração do voluntário(a)/participante voltar-se-á ao fornecimento de informações a partir das questões específicas constantes do Protocolo de Estudo de Casos, voltadas à coleta dos dados, que lhe serão formuladas, mediante técnica de entrevista a ser observada, a qual será gravada para posterior transcrição, e arquivada por cinco (5) anos, após o que poderá ser incinerada. Tais procedimentos desenvolver-se-ão sem qualquer custo para o voluntário(a)/participante.

As despesas necessárias para o desenvolvimento da pesquisa serão assumidas pelo

pesquisador, não cabendo ao voluntário(a)/participante qualquer forma de remuneração por sua participação na pesquisa.

Ao voluntário(a)/participante será entregue uma via deste termo, sendo facultado

ao mesmo tirar quaisquer dúvidas sobre o projeto de pesquisa e sua participação, no momento da assinatura e a qualquer momento.

Declara o voluntário(a)/participante estar ciente do inteiro teor do presente

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO e estar de acordo em participar da pesquisa proposta na condição de voluntário(a), recebendo na oportunidade uma via assinada deste documento acompanhada de uma via do PROTOCOLO DE ESTUDO DE CASOS, correspondente à pesquisa em referência.

Cidade de , ................ de................................. de 2015.

Pesquisador

Voluntário(a)/Participante Pesquisador: Voluntário/Participante:

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APÊNDICE C – ROTEIRO PARA AS ENTREVISTAS

QUESTÕES ESPECÍFICAS

Com base nos problemas e questões mais amplas da pesquisa, considerar-se-ão as

seguintes questões na coleta de dados:

a) Em que e como se constitui a organização da sociedade civil

estudada e como se autodefine?

b) Como atua a organização estudada? Segue algum protocolo-

modelo de ação? Há planejamento estratégico das ações desenvolvidas?

c) Como e a partir de que fonte são custeadas as atividades-

meios e atividades-fins da organização?

d) Como são escolhidos os membros da organização? Há

critérios para escolha? Quais?

e) Em que consistem as atividades de controle da gestão pública

desenvolvidas pela organização?

f) Quais as ferramentas de controle da gestão pública (v.g.,

ouvidorias, CGU, Controladorias de Estados e Municípios, consultas a sites

oficiais e outros canais oficiais de informação, participação em audiências

públicas, participação em comitês e conselhos de políticas públicas,

representação a órgãos de controle externo da Administração Pública por

ilegalidades ou irregularidades, propositura de ações populares) comumente

utilizadas pela organização?

g) Há distribuição de tarefas na execução das atividades-fins da

organização? Em caso afirmativo, como se desenvolvem?

h) Como são planejadas as ações-fins da organização?

i) A organização admite a colaboração de terceiros ou de

minorias articuladas no desenvolvimento de suas atividades-fins? Em caso

afirmativo, em quais condições, contextos e em que medida se dá essa

colaboração?

j) Como a organização vê o nível de participação da sociedade

local nas suas iniciativas? E no controle social da gestão pública por outras

iniciativas sociais?

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k) Há receptividade da Administração Pública local (Poderes

Executivo e Legislativo) às iniciativas/intervenções da organização que são

destinadas a contribuir com, e/ou fiscalizar, a gestão pública?

l) A experiência da organização no campo do controle social

revela que há articulação entre o Estado e a Sociedade Civil? Em caso

afirmativo, em que nível e áreas essa articulação acontece?

m) O ordenamento jurídico dos municípios abrangidos pelo

âmbito de atuação da organização, bem como os Poderes Executivo e

Legislativo locais oferecem condições para a participação, discussão e

deliberação de assuntos de interesse público e social por parte da sociedade

civil?

n) Existiram ou existem fatores endógenos e/ou exógenos à

organização, capazes de interferir nos resultados das iniciativas de controle

promovidas pela organização?

o) Há portais de transparência nos município abrangidos pelas

iniciativas da organização? Em caso afirmativo, como a organização

classificaria o grau de atualidade, conteúdo e usabilidade desses portais?

p) Os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias, as

prestações de contas e respectivo parecer prévio, o Relatório Resumido da

Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal, e suas respectivas

versões simplificadas, são disponibilizados regularmente pelo Poder Público

Municipal nos moldes estabelecidos na LRF?

q) Há incentivos à participação popular e à realização de

audiências públicas durante os processos de elaboração e discussão dos

planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos, bem como a

disponibilização, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a

execução orçamentária e financeira em meios eletrônicos de acesso público,

nas hipóteses legalmente previstas, pelos Poderes Executivo e Legislativo

locais? Como são utilizados esses instrumentos de transparência na gestão

pública?

r) Como as informações concernentes às despesas e receitas dos

entes federativos abrangidos pelas áreas de atuação da organização estão

sendo disponibilizadas aos cidadãos e à sociedade civil? Há ampla

disponibilização dos atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da

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execução da despesa, no momento da sua realização, referentes aos dados do

respectivo processo, bem fornecido ou serviço prestado, beneficiário do

pagamento e procedimento licitatório realizado, conforme o caso? Há ampla

disponibilização do lançamento e recebimento de toda a receita das unidades

gestoras, inclusive quanto a recursos extraordinários?

s) As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo local

são disponibilizadas, durante todo o exercício, no Poder Legislativo local e

no órgão técnico responsável pela sua elaboração, para fins de consulta pelos

cidadãos e instituições da sociedade civil?

t) Há serviço de informações ao cidadão, nos moldes

estabelecidos pela Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527, de

18.11.2011), nos municípios abrangidos pelas ações da organização?

u) Representantes da organização costumam tomar assento nos

conselhos municipais de políticas públicas? Em caso negativo, quais as

razões? Em caso afirmativo, como é construída, decidida e deliberada a

agenda desses conselhos locais? Há manipulações ou imposições por parte

dos representantes do Poder Público? Há programas para capacitação dos

conselheiros locais? Como se dá o processo de escolha dos conselheiros dos

conselhos de políticas públicas locais?

v) Há debates e audiências públicas frequentes, no âmbito local,

com a sociedade civil, sobre assuntos de interesse das políticas públicas?

w) Os mecanismos institucionalizados que possibilitam a

participação popular e o exercício do controle social sobre a Administração

Pública, disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro, têm se revelado, nas

experiências desenvolvidas pela organização, efetivos e eficazes para o

exercício do controle da Administração Pública?

x) Há programas de conscientização ou educação para a

cidadania, promovidos pela organização? Quais? Em que consistem?

y) Pode-se relatar um ou dois casos que envolveram a atuação

da organização que sejam considerados paradigmáticos pelos atores

envolvidos?