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Amaral Transfiguração e polimetáfora em O Cristo Cigano, de Sophia de Mello Breyner Andresen

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Page 1: Universidade Presbiteriana Mackenzie Doutoranda: Gisele Centenaro Orientadora: Dra. Glória Carneiro do Amaral Transfiguração e polimetáfora em O Cristo

Universidade Presbiteriana MackenzieDoutoranda: Gisele CentenaroOrientadora: Dra. Glória Carneiro do Amaral

Transfiguração e polimetáfora em O Cristo Cigano,de Sophia deMello Breyner Andresen

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Sobre a autora1916 – Nascimento (Porto – Portugal)Contato com a poesia a partir de 3 anos de idadeEducação básica católica | Estudou Filologia Clássica1944 – Publica primeira obra (Poesia)1958 – Faz amizade com João Cabral de Melo Neto1959 – Escreve O Cristo Cigano

1961 – Publica O Cristo Cigano

1999 – Recebe o Prêmio Camões2004 – Falecimento, com 88 anos

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Contextualização histórica

Sophia Breyner viveu sob a ditadura militar, sob a ditadura Salazarista (Estado Novo) e sob o processo de abertura democrática iniciado com a Revolução dos Cravos em 1974, em Portugal.Publicou Cristo Cigano no mesmo ano que se iniciou a Guerra Ultramar ou Guerra da Libertação (confronto entre Forças Armadas Portuguesas e províncias ultramarinas (Angola, Guiné-Bissau, Moçambique).Entre seus amigos poetas estavam representantes da poesia de intervenção (intenção de realidade, denúncias sociais, tensão dialética).

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Contextualização histórica

Fez muitos amigos poetas também no Brasil (visitou pela primeira vez nosso país em 1966), entre eles Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Morais e João Cabral de Melo Neto.Expressava admiração pelas poetas simbolistas do Modernismo português, como Fernando Pessoa – assim como por obras de rigor estético sob estilo construtivista, das gerações seguintes do Modernismo.Não escreveu poemas sob a estética concretista, mas, destaca-se, na temática de sua obra, a poesia do concreto, com intenção de realidade.

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InspiraçãoSophia Breyner dedica O Cristo Cigano ao amigo e poeta João Cabral de Melo Neto, que foi consul do Brasil em Porto.A homenagem ao amigo se dá porque ele lhe contou, em visita a Iglesia de San Isidoro, em Sevilha, na Espanha, a lenda do cigano assassinado que serviu de modelo, segundo contado em lenda, ao escultor Francisco Antonio Ruiz Gijón para a criação neobarroca, em 1682, da imagem esculpida de Cristo no momento de sua expiração na cruz (El Cachorro), em madeira policromada.

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IntertextualidadeAlém da homenagem ao amigo, a homenagem ao poeta João Cabral reflete o diálogo que pode ser apreciado entre os 12 poemas de O Cristo Cigano, de Sophia, com poemas de João Cabral que refletem estética similar na composição de imagens-chave, sentimentos-chave e preciosismo no trato com a palavra ao provocar efeitos tanto por meio da estrutura gramatical como pela sonoridade, inserindo os textos numa rede que gera interconexão de conflitos, visões de mudo e ideal de arte, ao desbloquear percepções e fronteiras.

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Uma Faca Só lâminaou

Serventia das Ideias FixasJoão Cabral de Melo Neto – 1955 – Estrofes 1 e 59

Assim como uma balaenterrada no corpo,fazendo mais espessoum dos lados do morto;

GE se é faca a metáforado que leva no músculo,facas dentro de um homemdão-lhe maior impulso.

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El Cachorro

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El Cachorro

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A lendaA Hermandad del Patrocínio pede que o escultor Ruiz Gijón faça a imagem de Cristo no exato momento de sua morte na cruz. Ele não consegue e se atormenta em busca de inspiração, ficando até enfermo. Vagando, uma noite, se depara com um cigano que acabara de ser esfaquiado e morre na sua frente, enquanto ele capta seus últimos momentos de espamos e agonia, que lhe serviram, enfim, de modelo para a encomenda.O cigano se chamava El Cachorro. Era um homem bonito e sedutor. Visitava em segredo a irmã bastarda, em Sevilha, cujo noivo pensou se tratar de um amante e, por isso, o matou a facadas. Ele não havia revelado o parenteco para que a senhorita sua irmã não fosse chamada de mulher cigana.

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Os poemas de O Cristo Cigano190 versos no livro

todo

A Palavra Faca (1 estrófe)I - O Escultor e a Tarde (4)II - O Destino (2)III – Busca (16 estrófes)IV – O Encontro (5)V – O Amor (2)

51 estrófes ao todo

VI – A Solidão (5)VII – Trevas (1)VIII – Canção de Matar (7) IX – Morte do Cigano (1)X - Aparição (6)XI – Final (1)

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A Palavra facaA palavra facaDe uso universalA tornou tão agudaO poeta João CabralQue agora ela apareceAzul e afiadaNo gume do poemaAtravessando a históriaPor João Cabral contada.

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A P a l a v r a F a c aA p a l a v r a f a c aD e u s o u n i v e r s a lA t o r n o u t ã o a g u d aO p o e t a J o ã o C a b r a lQ u e a g o r a e l a a p a r e c eA z u l e a fi a d aN o g u m e d o p o e m aA t r a v e s s a n d o a h i s t ó r i aP o r J o ã o C a b r a l c o n t a d a .

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Arrebatamento pela faca

O poema tenta nos arrebatar da visão normal da vida por meio de um choque emocional e racional.De imediato recusa a manipulação social sacando a palavra “faca” com diversas dimensões de sentidos.Vietnã: instrumento de trabalho de maneira global.Hindus, maias, mexicanos: arma de terríveis divindades.China: emblema da luta fatiada; afasta malefícios.Execução: sentido judiciário; morte; vingança; sacrifício.Judeus: circuncisão.Africanos: simbolismo fálico.

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Arrebatamento pelo cizel

Princípio cósmico ativo que penetra e modifca o princípio passivo.Modifica a pedra, a madeira…Raio intelectual que penetra a individualidade.Força que corta, retalha, separa, distingue.Intervenção do homem sobre a natureza e o social.Corta e restitiu o fio da vida.

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Cizel

Faca Agudeza

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Fazer poético

Palavra Agudeza de espírito

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Escultor

Modelo Escultura

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Mítico-religioso

Profano Arte poética

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Sophia Breyner | Mito | Palavra Escrita

João CabralLenda

Palavra oral

O Cristo CiganoPoesia

Polionimia

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Hermenêutica comumA estética, por si só, não é capaz de explicar-se, segundo Umberto Eco, o que nos faculta, em análise literária, recorrer à assistência de outras ciências, como psicologia, sociologia, antropologia…Em O Cristo Cigano, podemos aproximar as afinidades de Sophia Breyner e João Cabral, sem descuidar dos jogos de ambiguidades nos discursos de ambos.Decartes disse: “Penso, logo existo.”Gaston Bachelard o parodiou: “Penso, logo evoluo.”A “faca” recorta e refaz uma história; muitas histórias.

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Toda história é linear?Todo gênero é definido a

priori?Os autores se movem, os poemas se movem, os leitores se movem, inclusive no momento da leitura“Se a humanidade perder seus contadores de história, perde sua infância.” – Wim Wenders em Asas do Desejo (1987)

João Cabral é animus; Sophia é anima; mas ambos também são faca e cizel; são enunciado e enunciação; são perspectivas contínuas; abundâncias de sentidos; são local e global; são regionais e mundiais; são poetas, escultores, são unidades e um todo.

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Unidade preservadaA “faca” tem muitos sentidos regionais e universais.A cruz tem muitos sentidos regionais e universais.O Cristo Cigano é poesia lírica com tom épico.Os poemas abrangem a realidade objetiva e a subjetividade dos seres humanos.A ambiguidade estabelece jogos que atraem a razão e cenários/cenas que provocam sentimentos.O encantamento é verbal (visual e sonoro) e imagético.Cristo é lenda e mito; é profano e religioso; é cigano e é Deus.

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Unidade preservadaA ambiguidade, a polaridade, a dialética hegeliana, o dialogismo bakhtiniano são elementos síntese ascensional no discurso poético de Sophia Breyner, pois, em O Cristo Cigano a unidade interior está preservada e, como explicita Ernst Cassirer:

“(…) só pode ser descoberta quando, em virtude da linguagem e do mito, se apresenta exteriormente nas formações concretas, quando é cunhada em um mundo de configuração objetivas, na qual se introduz e do qual pode ser recuperado paulatinamente mediante o processo de reflexão progressiva.” – Linguagem e Mito – Pag. 99

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TransfiguraçãoDa lenda ao mito

religiosoDo mito à linguagem

poéticaA metáfora surge como vínculo entre lenda, mito e a linguagem poética em O Cristo Cigano.

“– Tu esculpirás Seu rostode morte e de agonia” (Poema II – O Destino)

Eu te procuro.(Poema VI – A Solidão)

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TransfiguraçãoA faca é cizel, é cruz, é palavra, é agudeza de espírito.O escultor é lenda, é realidade, é pedra, é delírio, é besta humana sem fala, é o demoníaco reatualizado.O escultor é algoz e vítima, é faca e cizel, é morte e vida, é realidade social e arte universal.O cigano é marginal e heroi; é feio e belo; é mau exemplo e é modelo; é um sujeito qualquer e o ser divinizado; é vivo e morto; é um homem despojado de sua dignidade e o homem deificado.O cigano é El Cachorro em vida; é Cristo quando morto e transfigurado, pela escultura; e também pela linguagem poética, em O Cristo Cigano.

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Cristo El Cachorro | Universo mítico-religioso | Artes plásticas

El CachorroUniverso profano

O Cristo CiganoUniverso poético

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Silogismo filosófico e poético

Silogsimo aristotélico

“Todo homem é mortal. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal.”Silogismo cabralino

Todo cigano é Cristo. El Cachorro é cigano. Logo, El Cachorro é Cristo.Silogismo breyneriano

Toda faca é fatal. A palavra é faca. Logo, palavra é fatal.

Toda faca é universal. A palavra é faca. Logo, palavra é universal.

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XIFinal

Assim termina a lendaDaquele escultor:Nem pedra nem plantaNem jardim nem florForam seu modelo.

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BibliografiaANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. O Cristo Cigano. In: Obra Poética. Porto: Porto Editora, 2015.CASSIRER, Ernst. Linguagem e Mito. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972.DE MELO NETO, João Cabral. Uma Faca Só Lamina. In: Obra Completa. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994.ECO, Umberto. Obra Aberta. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976.RIFFATERRE, Michael. Sémiotique de la Poésie. Paris: Seuil, 1979.SARAIVA, A.J. LOPES, Oscar. História da Literatura Portuguesa. Porto: Editora Porto, 17ª ed.TODOROV, Tzvetan. Symbolisme et Interprétation. Paris: Seuil, 1968.