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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE (CCBS) CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS JÉSSICA REGINA MAKINO NUKUI AVALIAÇÃO DA PRESENÇA DE BACTÉRIAS RESISTENTES AOS ANTIBIÓTICOS NA CANA-DE-AÇÚCAR São Paulo 2014

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE (CCBS)

CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

JÉSSICA REGINA MAKINO NUKUI

AVALIAÇÃO DA PRESENÇA DE BACTÉRIAS RESISTENTES AOS

ANTIBIÓTICOS NA CANA-DE-AÇÚCAR

São Paulo

2014

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JÉSSICA REGINA MAKINO NUKUI

AVALIAÇÃO DA PRESENÇA DE BACTÉRIAS RESISTENTES AOS ANTIBIÓTICOS

NA CANA-DE-AÇÚCAR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Universidade Presbiteriana Mackenzie como

requisito parcial à obtenção do título de

Bacharel em Ciências Biológicas.

Orientador: Prof. Dr. José Luiz Caldas Wolff

São Paulo

2014

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JÉSSICA REGINA MAKINO NUKUI

AVALIAÇÃO DA PRESENÇA DE BACTÉRIAS RESISTENTES AOS ANTIBIÓTICOS

NA CANA-DE-AÇÚCAR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Universidade Presbiteriana Mackenzie como

requisito parcial à obtenção do título de

Bacharel em Ciências Biológicas.

Aprovada em

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. José Luiz Caldas Wolff – Orientador

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profª. Drª Maria Beatriz Riverón Acosta

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Ms. Natália Goes dos Santos Barom

Universidade Presbiteriana Mackenzie

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Dedico este trabalho aos meus pais e ao meu

namorado por todo o apoio, incentivo e

carinho.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por me dar essa oportunidade de lutar pela Vida.

À Universidade Presbiteriana Mackenzie pelo excelente ensino que me foi ofertado.

Ao Professor Doutor José Luiz Caldas Wolff pela sua paciência em me orientar e por

permitir ser sua aprendiza, dando-me inúmeros ensinamentos que guardarei por toda a

vida.

A Ms. Natalia Goes dos Santos Barom por todo auxílio e apoio ao meu trabalho.

Aos meus pais pelo incentivo, compreensão e amor incondicional.

Ao meu namorado pelo apoio, pela ajuda e, principalmente pelos conselhos durante

períodos difíceis.

Aos técnicos do laboratório pela ajuda e atenção.

Aos meus amigos Débora, Michelle e Ronaldo por me acompanhar e me ajudar durante

o desenvolvimento do meu trabalho e também por proporcionar diversos risos.

Aos meus colegas do laboratório: Amanda, Débora e Leonardo pelo auxílio.

Ao ProUni pela oportunidade de realizar o meu curso.

Ao PIBIC Mackpesquisa pelo apoio financeiro.

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“Quanto mais eu estudo a Natureza mais fico

impressionado com a obra do Criador. Nas

menores de suas criaturas, Deus colocou

propriedades extraordinárias.”

(Louis Pasteur)

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RESUMO

A resistência aos antibióticos é uma resposta evolutiva das bactérias perante a exposição

a estas substâncias, sendo um mecanismo inerente a elas. A cana-de-açúcar possui uma

rica microbiota, na qual estão contidas as bactérias do ácido láctico, como as

pertencentes ao gênero Lactobacillus. Como a resistência aos antibióticos é uma

característica que surge naturalmente nas bactérias, as bactérias do ácido láctico que

estão contidas em diversos alimentos podem ser resistentes aos antibióticos, como no

caso dos aminoglicosídeos. Os genes de resistência podem estar localizados em

plasmídeos e transposons, que por sua vez são transferidos facilmente para outras

bactérias por transferência horizontal, porém tais genes podem estar localizados em

cromossomos. Logo, bactérias vizinhas podem se tornar resistentes devido à obtenção

desses genes, e um dos meios que permitem esse fenômeno é a ingestão de alimentos in

natura que contém uma microbiota resistente. Neste estudo foram analisadas seis

amostras de produtos da cana-de-açúcar, dentre eles o caldo de cana, e foram

submetidas ao teste de resistência aos antibióticos do grupo dos aminoglicosídeos

(gentamicina, kanamicina) e um aminociclitol (estreptomicina) pelo método da diluição

em caldo. O teste consistiu em três níveis de concentração de antibiótico: baixa (50

µg/mL), intermediária (250 µg/mL) e alta (500 µg/mL). As cepas resistentes foram em

seguida analisadas por meio do teste da catalase e da coloração de Gram, e suas colônias

foram também descritas e comparadas com a literatura. Verificou-se que a maioria das

bactérias analisada pertencia a bacilos Gram-positivos e catalase negativos,

características dos lactobacilos. No teste, as bactérias apresentaram em sua maioria:

certa sensibilidade à gentamicina, pois muitas não se desenvolveram em concentrações

intermediárias e altas; apresentaram resistência a kanamicina e a estreptomicina. Com

os resultados obtidos, ressaltou-se a importância de se conhecer o nível de resistência

aos antibióticos nas bactérias contidas em alimentos, principalmente no âmbito da saúde

pública, pois as mesmas podem contribuir com a resistência das bactérias

potencialmente patogênicas.

Palavras-chave: Resistência a antibióticos, cana-de-açúcar, bactérias do ácido láctico,

Lactobacillus, aminoglicosídeos.

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ABSTRACT

Antibiotic resistance is an evolutionary response of the bacteria against exposure to

these substances, being an inherent mechanism to them. Sugarcane has a rich

microbiota, in which are contained the lactic acid bacteria, such as those belonging to

the genus Lactobacillus. As the antibiotic resistance is a feature that occurs naturally in

the bacteria, lactic acid bacteria which are contained in various foods may be resistant to

antibiotics, such as aminoglycoside. This characteristic may be due to the presence of

resistance genes that can be contained in plasmids or transposons, which in turn can be

transferred horizontally to other bacteria, but these genes may be located in

chromosomes. So, bacteria that get in contact with these could become resistant due to

acquisition of these genes. One possible route for this to happen could be the intake of

fresh foods that contains a resistant microbiota. In this study six samples of sugarcane

products, including the sugar cane juice, were analyzed and subjected to resistance test

to aminoglycoside antibiotics (gentamicin, kanamycin) and aminociclitol (streptomycin)

by the broth dilution method. The test consisted of three levels of antibiotic

concentration: low (50 µg/mL), intermediate (250 µg/mL) and high (500 µg/mL). The

resistant strains were then analyzed using the catalase test and Gram staining. It was

found that most of the bacteria analyzed belong to the Gram-positives and catalase

negatives bacillus, which are characteristics of Lactobacilli. In the antibiotic test, the

bacteria showed mostly: some sensitivity to gentamicin, as many have not developed at

intermediate and high concentrations; showed resistance to kanamycin and

streptomycin. With the results obtained, focused the importance of knowing the level of

antibiotic resistance in bacteria contained in food, especially in the field of public

health, because they can contribute to the resistance of potentially pathogenic bacteria.

Key words: Antibiotic resistance, sugarcane, lactic acid bacteria, Lactobacillus,

aminoglycosides.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 10

2 REFERENCIAL TEÓRICO ..................................................................................... 12

2.1 BACTÉRIAS ENDOFÍTICAS ..................................................................................... 12

2.2 BACTÉRIAS DO ÁCIDO LÁCTICO (LAB) .............................................................. 12

2.2.1 Lactobacillus ................................................................................................................ 13

2.3 ANTIBIÓTICOS .......................................................................................................... 14

2.3.1 Antibióticos aminoglicosídeo e aminociclitol ............................................................ 15

2.4 MECANISMOS DE RESISTÊNCIA AOS ANTIBIÓTICOS

AMINOGLICOSÍDEOS ............................................................................................... 17

2.5 RESISTÊNCIA DOS LACTOBACILOS AOS ANTIBIÓTICOS .............................. 18

2.6 TRANSFERÊNCIA HORIZONTAL DE GENES ....................................................... 19

2.6.1 Transferência de genes de resistência em bactérias do ácido láctico ..................... 20

3 OBJETIVOS ............................................................................................................... 21

4 MATERIAIS E MÉTODOS ...................................................................................... 22

4.1 COLETA DE AMOSTRAS ......................................................................................... 22

4.2 INOCULAÇÃO E TITULAÇÃO DAS AMOSTRAS ................................................. 22

4.2.1 Diluição seriada da amostra ...................................................................................... 22

4.2.2 Inoculação em placas .................................................................................................. 23

4.3 CONTAGEM E DESCRIÇÃO DE COLÔNIAS ......................................................... 24

4.4 TESTE DE RESISTÊNCIA AOS ANTIBIÓTICOS – DILUIÇÃO EM CALDO ..... 25

4.5 PREPARO DE PLACAS MÃES DE CEPAS RESISTENTES ................................... 27

4.5.1 Descrição das colônias resistentes ............................................................................. 27

4.6 TESTE BIOQUÍMICO ................................................................................................. 27

4.6.1 Teste da catalase ......................................................................................................... 27

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4.7 COLORAÇÃO DE GRAM .......................................................................................... 28

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................ 30

5.1 CONTAGEM DE UNIDADES FORMADORAS DE COLÔNIAS ............................ 30

5.2 DESCRIÇÃO DAS COLÔNIAS DA PLACA DE TITULAÇÃO .............................. 31

5.3 COLORAÇÃO DE GRAM DAS COLÔNIAS DA TITULAÇÃO ............................. 32

5.4 TESTE DE RESISTÊNCIA AOS ANTIBIÓTICOS ................................................... 34

5.5 TESTE DA CATALASE E COLORAÇÃO DE GRAM DAS CEPAS

RESISTENTES ............................................................................................................. 38

5.6 DESCRIÇÃO DAS COLÔNIAS RESISTENTES ....................................................... 41

6 CONCLUSÃO ............................................................................................................. 42

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 43

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1 INTRODUÇÃO

A resistência aos antibióticos é a resposta evolutiva da pressão seletiva imposta pela

exposição a estas substâncias. Este processo seletivo é inerente ao mundo microbiano, já que

muitas bactérias e fungos produzem antibiótico, que por sua vez são sempre resistentes a essas

substâncias. A partir da década de 40, os antibióticos passaram a ser produzidos em escala

industrial e amplamente utilizados não apenas no combate as doenças infecciosas que afligem

as populações humanas, mas também na agricultura. Com o aumento constante da aplicação

destes compostos, houve uma aceleração nos processos de seleção de variantes com

resistência devido, em parte, à intensa pressão seletiva. Além disso, mais recentemente

descobriu-se que essa pressão não é o único fenômeno que contribui para a disseminação da

resistência. Agora sabemos que mecanismos de transferência horizontal de genes tem um

papel relevante na disseminação da resistência (WRIGHT, 2010).

Devido à transferência horizontal, bactérias não patogênicas podem transferir genes de

resistência para bactérias patogênicas. Dessa forma, grupos bacterianos que são considerados

seguros podem, em alguns casos, contribuir para difundir a resistência para microrganismos

potencialmente danosos para a saúde humana. Este pode ser o caso das bactérias do ácido

láctico (ou LABs). O “American Food and Drug Administration”, órgão do governo

americano que cuida da qualidade dos alimentos e de medicamentos, classifica estas bactérias

no grupo chamado de “GRAS” (Generally Regarded As Safe), ou seja, considerados seguros

para o consumo humano (http://www.fda.gov/Food/IngredientsPackagingLabeling/GRAS/).

Porém, na última década, surgiu a preocupação sobre os possíveis riscos destas bactérias

devido à presença relativamente comum de linhagens resistentes aos antibióticos

(CLEMENTI e AQUILANTI, 2011).

As bactérias do ácido láctico possuem metabolismo fermentativo, são gram-positivas,

oxidase e catalase negativas, não formadores de esporos e geralmente crescem sob condições

microaerófilas ou estritamente anaeróbicas (BRUNO, 2011). Um dos principais gêneros do

grupo das bactérias lácticas é o Lactobacillus. Este gênero engloba um grande número de

espécies, onde várias delas são encontradas associadas a vegetais (como na cana-de-açúcar) e

algumas são utilizadas na produção de alimentos fermentados (CAPLICE e FITZGERALD,

1999).

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A cana-de-açúcar (Saccharum officinarum) pertence à família das gramíneas

(Poaceae), uma das maiores famílias da classe das angiospermas (JOLY, 1993). Esta espécie é

cultivada e utilizada em várias regiões tropicais e subtropicais para a produção de açúcar,

aguardente e etanol. No Brasil, o caldo de cana “in natura” é uma bebida bastante popular.

Assim como os demais vegetais, a cana-de-açúcar possui uma microbiota diversificada,

incluindo as bactérias do ácido láctico, principalmente as pertencentes aos gêneros

Lactobacillus e Leuconostoc (SILVA et al., 2010). Estas bactérias são consideradas

endofíticas, pois vivem no interior da planta sem causar danos visíveis (MAGNANI, 2005).

De acordo com Clementi e Aquilanti (2011), vários tipos de genes que conferem

resistência a antibióticos já foram detectados em espécies de Lactobacillus. Apesar destas

bactérias geralmente serem sensíveis aos antibióticos que alteram a síntese proteica (como os

aminoglicosídeos), genes de resistência a vários antibióticos que atuam neste processo, tais

como a tetraciclina e a eritromicina, já foram encontrados em cepas de Lactobacillus

utilizados como probióticos e presentes nos alimentos (CLEMENTI e AQUILANTI, 2011).

No estudo de Danielsen e Wind (2003), todas as cepas de Lactobacilli analisadas mostraram

uma resistência aos antibióticos aminoglicosídeos, apresentando maior resistência à

estreptomicina e à kanamicina.

O consumo de alimentos que contenham bactérias resistentes é considerado uma via

para a transferência de genes que conferem resistência para bactérias do trato gastrointestinal

humano (CLEMENTI e AQUILANTI, 2011). Neste local de grande concentração bacteriana,

existe a possibilidade de transferência destes genes para bactérias patogênicas e oportunistas.

Portanto, o conhecimento a respeito do nível de resistência a antibióticos nas bactérias

presentes nos alimentos que consumimos regularmente é relevante para a saúde pública.

Este trabalho teve como objetivo investigar a presença de lactobacilos resistentes aos

antibióticos aminoglicosídeos (gentamicina e kanamicina) e a um aminociclitol

(estreptomicina) no caldo de cana e outros derivados da cana-de-açúcar e com isso realizar

uma análise preliminar das amostras isoladas.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. Bactérias endofíticas

As bactérias são organismos procariontes e unicelulares, pertencentes ao Domínio

Bacteria (TORTORA et al., 2012). Esses seres são capazes de se estabelecer em uma imensa

diversidade de nichos (MAGNANI, 2005), desde o sistema digestório de animais superiores

até fontes termais, sendo comum também habitar vários ecossistemas aquáticos, interior de

vegetais e rochas.

As plantas são comumente um ecossistema favorável ao desenvolvimento de bactérias,

podendo ocupar diversos nichos nestas hospedeiras, tais como nas superfícies das raízes e

folhas ou mesmo no interior de tecidos vegetais (MAGNANI, 2005). Algumas bactérias

podem causar danos, como as patogênicas, ou não, citando como exemplos as comensais ou

simbióticas. Estas últimas podem ser endofíticas, que se estabelecem no interior dos tecidos,

ou epifíticas, que por sua vez se estabelecem nas superfícies.

As bactérias endofíticas vivem no interior de plantas sem causar nenhum dano

aparente a seus hospedeiros. Por causa desta característica, elas se diferenciam das bactérias

patogênicas, que causam doenças nas hospedeiras, sendo, portanto prejudiciais (AZEVEDO,

1998). No entanto, essas definições não são definitivas, pois o fato de uma bactéria ou outro

microrganismo ser patogênico ou não depende de fatores ambientais ou populacionais

(MAGNANI, 2005). Em outras palavras, uma bactéria endofítica pode, em decorrência de

certos fatores, se tornar potencialmente um patógeno.

2.2. Bactérias do Ácido Láctico (LAB)

As bactérias do ácido láctico constituem um grupo diversificado de microrganismos

que estão associados aos vegetais (repolho, milho, cana-de-açúcar, cevada, etc.), carne e

derivados do leite (CARR et al., 2002). Estas bactérias também são encontradas nos tratos

gastrointestinais e urogenitais de humanos e de outros animais, e geralmente não são

patogênicos (CLEMENTI e AQUILANTI, 2011).

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Estes microrganismos possuem metabolismo fermentativo, são Gram-positivas,

oxidase e catalase negativas, não formadores de esporos e geralmente crescem sob condições

microaerófilas ou estritamente anaeróbicas (BRUNO, 2011).

Levando em consideração o seu metabolismo fermentativo, as bactérias do ácido

láctico podem ser agrupadas em homofermentativas ou heterofermentativas, classificação que

é baseada no produto final da fermentação. As bactérias homofermentativas produzem

majoritariamente ácido láctico na fermentação da glicose, e as heterofermentativas produzem

além de ácido láctico outros produtos, como dióxido de carbono, ácido acético e etanol

(CARR et al., 2002). Os gêneros mais representativos de bactérias do ácido láctico

homofermentativos são: Streptococcus e Pediococcus; e os mais representativos das

heterofermentativas são as pertencentes aos gêneros Leuconostoc e Lactobacillus (CARR et

al., 2002).

Um dos principais gêneros do grupo das bactérias lácticas é o Lactobacillus. Este

gênero engloba um grande número de espécies. Várias espécies deste gênero são encontradas

associadas a vegetais e algumas delas são utilizadas na produção de vegetais fermentados

(CAPLICE e FITZGERALD, 1999).

2.2.1. Lactobacillus

As bactérias do gênero Lactobacillus possuem formato de bacilos, variando de bacilos

longos e delgados a cocobacilos curtos (KONEMAN et al., 2001). São Gram-positivas e

catalase negativas. São microrganismos que ocupam importantes nichos no trato

gastrointestinal humano e outros animais (faz parte da flora intestinal) e também estão

presentes em derivados animais (leites e queijos) e produtos vegetais (BERGEY e HOLT,

1994). Podem ser heterofermentativos ou homofermentativos (CARR et al., 2002).

Os lactobacilos possuem considerável efeito probiótico, isto é, desempenham diversos

benefícios para seu hospedeiro, tais como: influência positiva na microbiota normal; exclusão

competitiva contra os patógenos e estimulação da imunidade da mucosa (KLAENHAMMER

et al., 2002).

Para Reid e colaboradores (2003), o conceito de probiótico remonta há mais de um

século, mas apenas recentemente existem o conhecimento e as ferramentas científicas para

avaliar adequadamente os efeitos das bactérias probióticas em alimentos sobre a saúde e o

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bem-estar das pessoas, e seu potencial na prevenção e no tratamento de doenças. Vários

estudos reconheceram os efeitos positivos no tratamento de algumas doenças, como

inflamação intestinal, vaginose bacteriana, infecções respiratórias e diarreia (TULINI et al.,

2013).

2.3. Antibióticos

Os antibióticos podem ser compostos naturais ou semissintéticos capazes de inibir ou

causar a morte de fungos ou bactérias. Um antibiótico pode ser semissintético quando é obtido

pela modificação da estrutura química de uma substância oriunda de um organismo (BLACK,

2002). Com relação às bactérias, os antibióticos podem ser bactericidas (matam-nas) ou

bacteriostáticos (inibem o seu crescimento) (GUIMARÃES et al., 2010).

Existem vários grupos de antibióticos classificados de acordo com sua estrutura

química e com suas atividades específicas sobre uma estrutura ou função microbiana

importante. De acordo com o trabalho de Black (2002), os diferentes mecanismos de ação dos

agentes microbianos e seus respectivos exemplos são apresentados no Quadro 1.

Para Guimarães e colaboradores (2010), os antibióticos de origem natural podem ser

classificados em: β-lactâmicos (penicilinas e cefalosporinas); tetraciclinas; aminoglicosídeos

(agem ao nível ribossômico, alterando a síntese proteica); macrolídeos; peptídeos cíclicos

(como os glicopeptídeos); estreptograminas, dentre muitos outros.

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15

Quadro 1: Mecanismos de ação dos antibióticos e seus respectivos exemplos

Fonte: Modificado de Black (2002).

2.3.1. Antibióticos aminoglicosídeo e aminociclitol

O grupo dos antibióticos do tipo aminoglicosídeo é caracterizado quimicamente por

possuírem um grupo amino básico e uma unidade de açúcar, como mostrado na Figura 1, que

estão representando uma molécula de kanamicina e uma de gentamicina.

Figura 1: Estruturas químicas de Kanamicina e Gentamicina

Fonte: Guimarães e colaboradores (2010).

Os antibióticos com aminociclitol se diferenciam dos aminoglicosídeos devido à

composição de um anel de álcool aminado (aminociclitol) em sua estrutura química (MELLA

et al., 2004), como pode ser visto na Figura 2 que mostra um exemplo de aminociclitol.

Mecanismo de ação Principais tipos de antibióticos

Penicilina

Bacitracina

Cefalosporina

Destruição da função da membrana celular Polimixina

Estreptomicina

Kanamicina

Gentamicina

Cloranfenicol

Tetraciclina

Rifamicina

Quinolonas

Sulfonilamidas

Trimetoprim

Inibição da síntese de ácidos nucleicos

Ação como antimetabólitos

Inibição da síntese da parede celular

Alteração da síntese proteica

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Apesar dessa diferença, este tipo de antibiótico desempenha a mesma atividade

antimicrobiana de aminoglicosídeos: a alteração da síntese de proteínas.

Figura 2: Estrutura química da Estreptomicina, um aminociclitol

Fonte: Guimarães e colaboradores (2010).

O primeiro aminoglicosídeo isolado foi a estreptomicina, em 1944, de Streptomyces

griseus, uma bactéria de solo (GUIMARÃES et al., 2010). A estreptomicina foi eficiente

contra diversas espécies de bactérias, mas em tempos recentes, muitas bactérias se tornaram

resistentes a elas. A estreptomicina somente é usado em situações especiais ou combinados

com outras drogas com efeito sinergista, pois esta substância pode causar danos aos rins e ao

ouvido interno, às vezes causando ressonância permanente nos ouvidos e vertigem (BLACK,

2002). A estreptomicina é comumente utilizada no tratamento de doenças como a

tuberculose, a tularemia e infecções causadas por Streptococcus ou Enterococcus resistentes à

gentamicina (MURRAY et al., 2010). Porém, comparando a estrutura química da

estreptomicina com os demais aminoglicosídeos, concluiu-se que tal antibiótico pertence ao

grupo de aminociclitol, e não dos aminoglicosídeos (MELLA et al., 2004).

Os antibióticos aminoglicosídeos desempenham seu papel bactericida atuando na

subunidade 30S dos ribossomos bacterianos, que impede o movimento do ribossomo ao longo

do RNA mensageiro e, como consequência, compromete a síntese proteica da bactéria,

sintetizando proteínas anômalas (GUIMARÃES et al., 2010). Pelo fato dos ribossomos das

células animais serem constituídos de subunidades 60S e 40S, estes antibióticos têm pequeno

efeito e não causam danos às células do hospedeiro (BLACK, 2002). Porém, os ribossomos

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das mitocôndrias de células do hospedeiro possuem a subunidade 12S, uma estrutura

altamente conservada durante a evolução que possui uma região suscetível a ação dos

aminoglicosídeos, semelhantes ao que ocorre com as subunidades ribossomais bacterianas

(POSTAL et al., 2009).

Na categoria dos aminoglicosídeos, existem outros antibióticos, como a kanamicina, a

gentamicina, a amicacina, a tobramicina e a netilmicina, e também apresentam indicações

especiais e apresentam graus variados de toxicidade aos rins e ao ouvido interno (BLACK,

2002).

2.4. Mecanismos de resistência aos antibióticos aminoglicosídeos

Para Alterthum e colaboradores (2008), existem três tipos de mecanismos de

resistência para os antibióticos do tipo aminoglicosídeo: alterações de permeabilidade,

modificações ribossômicas e produção de enzimas inativadas ou modificadas, sendo que os

dois primeiros são causados por mutações e o último mecanismo por plasmídeo. No entanto,

existe um mecanismo menos frequente de resistência a aminoglicosídeos, que é o evento do

efluxo (BARROS, 2001). De acordo com Cundliffe (1992), a inativação enzimática

possivelmente desempenha um papel junto a mecanismos de efluxo em bactérias que

produzem aminoglicosídeos.

No estudo feito por Barnhart e colaboradores (2002), algumas cepas de Pseudomonas

aeruginosa e outras espécies de bacilos Gram-negativos exibiram como mecanismo de

resistência aos aminoglicosídeos uma deficiência no transporte de moléculas do antibiótico ou

a membrana celular adquiriu certa impermeabilidade, sendo estas formas de resistências

mediadas por genes do cromossomo. A mutação que modifica o transporte de moléculas do

antibiótico para dentro da célula parece ser o principal mecanismo de resistência de patógenos

bacterianos (ALTERTHUM, 2008). Para Murray e colaboradores (2008), apesar do

mecanismo de inibição do transporte de antibióticos ser observada em Pseudomonas, é mais

comumente encontrada em bactérias anaeróbias.

As mutações podem ocorrer nos sítios de ação, isto é, nos sítios alvos (proteínas dos

ribossomos), interferindo na interação da molécula do aminoglicosídeo com o ribossomo. Um

exemplo é o que ocorre com relação à resistência a estreptomicina, que se liga à proteína S12

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da subunidade 30S (os outros tipos de aminoglicosídeos se ligam às outras proteínas desta

subunidade e à subunidade 50S dos ribossomos), onde uma modificação no sítio dessa

subunidade impede a interação com a molécula da estreptomicina, conferindo a célula

bacteriana uma resistência ao antibiótico (ALTERTHUM, 2008).

O mecanismo que envolve a produção de enzimas que modificam a estrutura do

antibiótico é considerado o tipo mais comum de resistência a aminoglicosídeos (BARNHART

et al., 2002), tanto para bactérias Gram-negativas quanto para Gram-positivas

(ALTERTHUM, 2008). São conhecidas três classes de enzimas que afetam aminoglicosídeos:

as O- fosfotransferases (APH); as O-adeniltransferases (ANT) e as N-acetiltransferases

(AAC). As funções de cada classe de enzima são explicadas no Quadro 2.

Quadro 2: Funções das classes de enzimas que modificam a estrutura das moléculas de aminoglicosídeos

Fonte: Modificado de Barnhart e colaboradores (2002).

Existem diversos genes que codificam as enzimas que promovem a resistência aos

vários antibióticos aminoglicosídeos. Os genes que codificam as enzimas são geralmente

encontrados nos plasmídeos e transposons (BARNHART et al., 2002).

2.5. Resistência dos lactobacilos aos antibióticos

De acordo com o estudo de Clementi e Aquilanti (2011), algumas espécies de

Lactobacillus apresentaram resistência a diversos tipos de antibióticos, tais como: tetraciclina,

eritromicina, cefoxitina, vancomicina, ciprofloxacina, dentre outros. Como regra geral, os

Lactobacillus são naturalmente sensíveis a antibióticos que alteram a síntese proteica, como

os aminoglicosídeos, tetraciclina e cloranfenicol. Porém, no estudo feito por Caplice e

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19

Fitzgerald (2011), diferentes espécies de lactobacilos que são resistentes a tetraciclina foram

encontrados em alguns alimentos probióticos.

Com relação aos antibióticos aminoglicosídeos, um estudo apontou que todas as cepas

de lactobacilos analisadas pelos pesquisadores mostraram alta resistência aos

aminoglicosídeos, como a gentamicina e a kanamicina, e ao aminociclitol estreptomicina

(DANIELSEN e WIND, 2003). Já nos estudos de Curragh e Collins (1992) foi relatada a

presença de uma frequência muito alta de mutação espontânea para resistência à kanamicina e

à estreptomicina para algumas espécies de Lactobacillus.

Porém, infelizmente existem pouquíssimos estudos sobre espécies de Lactobacillus

que apresentam resistência a antibióticos encontrados em alimentos consumidos in natura,

como o caldo de cana.

2.6. Transferência horizontal de genes

A transferência horizontal de genes consiste em um mecanismo de movimentação de

informação genética entre as bactérias de uma mesma geração. Essa transferência resulta no

aumento da diversidade genética dos microrganismos. Ao todo foram descobertos três

mecanismos de transferência de genes em bactérias: transformação, transdução mediada por

bacteriófagos e conjugação (BLACK, 2002), sendo que esta última é considerada a mais

relevante para a transferência de genes de resistência a antibióticos (CLEMENTI e

AQUILANTI, 2011).

A transformação envolve a liberação de fragmentos de DNA de um microrganismo no

meio nos quais são capturados por outras células. A captura do DNA ocorre durante uma fase

do ciclo de vida da célula, provavelmente antes do término da síntese da parede celular

(BLACK, 2002).

O processo de transdução difere da transformação pelo fato de que o método de

transferência de material genético de uma bactéria a outra é feito por bacteriófagos, um tipo

de vírus que ataca bactérias (TORTORA et al., 2012).

De acordo com Tortora e colaboradores (2012) o mecanismo da conjugação difere da

transformação e da transdução por dois aspectos: primeiro, a conjugação requer o contato

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20

direto entre as células; e segundo, as células doadoras devem transportar os plasmídeos, e as

células receptoras normalmente não. Geralmente na conjugação ocorrem transferências de

quantidades maiores de DNA (BLACK, 2002).

2.6.1. Transferência de genes de resistência em bactérias do ácido láctico

Como os genes de resistência se encontram em plasmídeos e transposons

(BARNHART et al., 2002), estas estruturas são naturalmente conjugadas entre as células

bacterianas. A transferência de plasmídeos de resistência de organismos resistentes a

antibióticos pode ser um processo rápido, além disso, essa transferência não ocorre somente

entre espécies, mas também entre gêneros intimamente relacionados ou não (BLACK, 2002).

Bactérias não patogênicas que são resistentes a alguns antibióticos podem transferir

seus genes de resistências para bactérias patogênicas através do processo de transferência

horizontal. Devido a esse fenômeno, as bactérias que são consideradas seguras de alguma

maneira podem contribuir para a resistência aos antibióticos em algumas bactérias que são

potencialmente patogênicas ao hospedeiro.

As bactérias do ácido láctico são um exemplo deste problema: o órgão do governo

americano “American Food and Drug Administration” classifica essas bactérias no status

GRAS ou “generally regarded as safe” que em português significa “geralmente considerado

como seguro”. Porém, diante de diversos estudos apontando a possibilidade destas bactérias

de transferirem genes de resistências aos microrganismos patogênicos, surgiram diversas

preocupações sobre o uso seguro destas bactérias no consumo humano devido naturalmente à

presença de linhagens de bactérias do ácido láctico que são resistentes a alguns tipos de

antibióticos (CLEMENTI e AQUILANTI, 2011).

Portanto, a transferência de genes de resistência das bactérias consideradas seguras

para as potencialmente patogênicas é um caso de grande relevância médica, pois esse

fenômeno contribui para o aumento de populações cada vez maiores de organismos

resistentes e reduz a eficácia dos antibióticos.

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21

3 OBJETIVOS

Objetivo geral

a) Avaliação de amostras de caldo e de outros produtos da cana-de-açúcar com relação à

presença de Lactobacillus sp. resistentes a antibióticos aminoglicosídeos e aminociclitol.

Objetivos específicos

a) Estimar a concentração de Lactobacillus sp. presente em produtos extraídos de cana-

de-açúcar;

b) Avaliar a resistência das bactérias aos antibióticos do tipo aminoglicosídeos

(kanamicina e gentamicina) e do tipo aminociclitol (estreptomicina);

c) Realizar uma caracterização preliminar das bactérias resistentes encontradas,

utilizando a coloração de Gram, o teste da catalase e a descrição da morfologia colonial.

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22

4 MATERIAIS E MÉTODOS

4.1. Coleta de amostras

As amostras de caldo de cana e de outros produtos da cana-de-açúcar foram obtidas de

diferentes estabelecimentos, como usinas e lanchonetes, localizados no estado de São Paulo.

Ao todo foram analisadas seis amostras de produtos derivados da cana-de-açúcar, sendo dois

caldos de cana, dois caldos com levedura reutilizados no processo de fermentação, uma

mistura de água e melaço e um mosto fermentado. No Quadro 3 estão descritas as

procedências de cada amostra:

Quadro 3: Amostras e suas respectivas procedências e localizações

Fonte: Adaptado pela autora.

As amostras foram depositadas em tubos Falcon de 50 mL e armazenadas na geladeira.

4.2. Inoculação e titulação das amostras

4.2.1. Diluição seriada da amostra

Para as inoculações das amostras em meios de cultura sólidos e contagem de colônias

foi necessário diluir de forma seriada. A diluição seriada é importante para facilitar a

contagem de colônias durante um estudo de crescimento bacteriano. Na realização da

diluição seriada foram feitos os seguintes procedimentos: sete tubos eppendorfs autoclavados

foram selecionados; acrescentou-se 900 µL de água peptonada salina em todos os eppendorfs;

no primeiro tubo foi acrescentada 100 µL da amostra; a mistura foi homogeneizada com a

ponteira da micropipeta de 1000 µL e neste tubo foram retiradas 100 µL e transferida para o

próximo tubo e assim sucessivamente até o sexto tubo, no qual 100 µL foram descartados; no

sétimo tubo foi acrescentado aproximadamente 1 mL da amostra (amostra pura). Neste

Amostra Produto Procedência Localização

1 Mistura de água e melaço Usina Ester Cosmópolis, SP

2 Caldo com levedura reutilizada na fermentação Usina Ester Cosmópolis, SP

3 Caldo com levedura reutilizada na fermentação Usina Água Bonita Tarumã, SP

4 Mosto fermentado Usina Água Bonita Tarumã, SP

5 Caldo de cana Lanchonete São Paulo, SP

6 Caldo de cana Sacolão São Paulo, SP

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23

processo, a amostra foi diluída de 10 em 10 vezes, ou seja, na última diluição a amostra foi

diluída um milhão de vezes (10-6). A Figura 3 ilustra o procedimento descrito acima.

Figura 3: Diluição seriada da amostra de caldo de cana

1-6: número dos tubos

Fonte: Adaptado pela autora.

Esse procedimento foi realizado na câmara de fluxo laminar para evitar possíveis

contaminações e de acordo com as boas práticas de laboratório.

Os tubos com as diluições foram armazenados numa caixa de plástico e depositados na

geladeira para posterior uso.

4.2.2. Inoculação em placas

As diluições foram inoculadas em placas de Petri descartáveis pré-esterilizadas

contendo meio MRS com ágar (Man-Rogosa-Sharpe, um meio seletivo para Lactobacillus

spp.) e dois tipos de substâncias antifúngicas (Nistatina e Benlate). As substâncias

antifúngicas têm como finalidade evitar o desenvolvimento de leveduras e de outros tipos de

fungos. O objetivo da inoculação foi a obtenção da titulação da amostra, que posteriormente

foi utilizado para a contagem de unidade formadora de colônias. Para cada amostra foi feita

uma placa de titulação.

O meio MRS é muito utilizado em culturas de bactérias do ácido láctico,

especialmente de Lactobacillus spp. (CARR et al., 2002), pois contém nutrientes que

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favorecem o desenvolvimento dos mesmos , tais como: peptona de caseína, extrato de carne,

extrato de levedura, D(+)-glucosa, Tween ® 80, acetato de sódio, sulfato de magnésio, sulfato

de manganês, citrato de amônio e fosfato de potássio (DA COSTA et al., 2011).

Em cada 100 mL de meio MRS ágar, foram acrescentadas 500 µL de Benlate e 250 µL

de Nistatina (20 mg/mL). Logo após a mistura, cerca de 25 mL do meio de cultura foi

distribuído na placa de Petri, tendo que aguardar a sua solidificação antes da inoculação.

Numa placa foram feitas seis quadrantes de tamanhos aproximadamente iguais, que

correspondem à amostra não diluída e às cinco diluições das amostras (amostra pura,

diluições 10-1, 10-2, 10-3, 10-4 e 10-5). Em cada quadrante inoculou-se 20 µL da diluição com o

auxílio de uma micropipeta de precisão de 100 µL. Por questão de economia de ponteiras, a

ordem da inoculação foi feita da mais diluída (10-5) para a mais concentrada (amostra pura).

Logo depois da inoculação, a placa foi mantida na câmara de fluxo laminar para

secagem. Ao secar, a placa foi colocada em uma câmara de anaerobiose com vela (a condição

de anaerobiose favorece o crescimento de lactobacilos). Quando a chama da vela apagou

(devido à escassez de oxigênio), a câmara foi colocada numa estufa de cultura a 34ºC por

aproximadamente 24 horas.

4.3. Contagem e descrição de colônias

Logo após o período de crescimento das bactérias na placa, as colônias foram contadas

para obter a quantidade de unidades formadoras de colônias por mililitro do meio (UFC/mL).

A UFC é um tipo de estimativa que permite obter a quantidade aproximada de células em

cada mililitro da cultura. Cada colônia encontrada na placa se originou de uma bactéria que

foi isolada durante a inoculação.

Para calcular a UFC selecionaram-se dois quadrantes que continham colônias

individualizadas e com elas foram feitas duas contagens para obter uma média (exceto na

amostra 1, no qual selecionou-se apenas um quadrante). A fórmula do cálculo é definida

como:

UFC: N x Fd x Fi= UFC/mL

Onde:

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25

N: número de colônias na placa de Petri;

Fd: fator de diluição do tubo utilizado na placa;

Fi: fator do inóculo.

O valor de UFC permitiu analisar o estado do crescimento bacteriano de cada amostra.

É comum nos trabalhos de rotina dos microbiologistas caracterizarem as colônias

bacterianas que crescem na superfície de meios de cultura de ágar para efetuar uma

identificação presuntiva do grupo ou gênero, e como guia para selecionar provas diferenciais

e bioquímicas para estabelecer a identificação final da espécie (KONEMAN et al., 2001).

Devido a essa importância, caracterizaram-se as colônias que se desenvolveram tanto nas

placas de titulação quanto nas placas mães (cepas resistentes).

As colônias foram observadas em lupa (Mitutoyo) para facilitar a descrição de suas

características morfológicas (cor, borda, brilho, elevação, forma, aspecto da superfície e

presença de muco). Em cada placa de titulação foram observadas cinco colônias, exceto na

amostra 1 no qual haviam apenas duas colônias. Ao todo foram observadas 27 colônias, as

mesmas que foram submetidas à coloração de Gram (Seção 4.7).

4.4. Teste de resistência aos antibióticos - diluição em caldo

O método da diluição em caldo foi um dos primeiros a ser utilizado na avaliação da

resistência a antibióticos, e consiste em introduzir uma quantidade constante de inóculo

bacteriano ou de uma amostra em uma série de tubos com caldos de cultura contendo

concentrações graduais de um agente antimicrobiano (BLACK, 2002). Tal técnica tem a

vantagem de poder utilizar diversos antibióticos simultaneamente, usando um conjunto de

tubos de cultura.

Para realizar o teste de resistência a antibiótico por meio da diluição em caldo usou-se um

conjunto de 11 tubos de vidro para cultura esterilizados, em que cada um deles foi

acrescentado 5 mL de meio MRS líquido com agentes antifúngicos (Nistatina e Benlate). Para

cada 100 mL de meio, acrescentaram-se 500 µL de Benlate e 250 µL de Nistatina. Foram

utilizados dois antibióticos aminoglicosídeos no teste: gentamicina, kanamicina, e um

antibiótico aminociclitol (estreptomicina), todos diluídos numa concentração de 50 mg/mL.

Ao fazer o teste para cada aminoglicosídeo, três tubos foram usados para acrescentar

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concentrações diferentes, por exemplo, um tubo continha uma concentração baixa de um

antibiótico e os demais continham ou uma concentração intermediária ou uma alta. Os dois

tubos restantes foram usados para controle positivo e negativo (um sem antibiótico e com o

inoculo e um apenas com o meio, respectivamente).

As concentrações baixas e altas de antibiótico aminoglicosídeo foram baseadas nos

requisitos do teste de sensibilidade aos aminoglicosídeos descritos pela ANVISA

(http://www.anvisa.gov.br/servicosaude/controle/rede_rm/cursos/boas_práticas/modelo5/ente

4.htm). As concentrações e as suas respectivas quantidades de aminoglicosídeo utilizadas no

teste estão descritas na Tabela 1, que são as mesmas para os três antibióticos.

Tabela 1- Concentração e quantidade utilizada de antibiótico para cada nível do teste

Fonte: Modificado de Anvisa (2008).

De acordo com os dados da Tabela 1, um tubo para testar a resistência de nível baixo

ao aminoglicosídeo nas bactérias precisou acrescentar no caldo 5 µL do antibiótico, que

corresponde a uma concentração de 50 µg/mL em um tubo contendo 5 mL de meio.

Em cada tubo (exceto no controle negativo) foram inoculados 100 µL da amostra. O

conjunto de tubos foi incubado na estufa bacteriológica a 34ºC por aproximadamente 24

horas.

A análise do método da diluição em caldo foi feita visualizando a turbidez do caldo,

ou seja, um meio de cultura turvo indica que houve crescimento bacteriano e um meio limpo

indica ausência de crescimento. No teste de resistência aos antibióticos, um meio turvo propõe

que as bactérias que cresceram são resistentes àquela concentração do antibiótico, sendo o

oposto verdadeiro.

Nível Concentração do antibiótico Quantidade do antibiótico

Baixo 50 µg/mL 5 µL

Intermediário 250 µg/mL 25 µL

Alto 500 µg/mL 50 µL

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4.5. Preparo de placas mães de cepas resistentes

Para realizar o teste bioquímico da catalase e a coloração de Gram fizeram-se placas

mães das cepas resistentes aos antibióticos verificados no teste de resistência. Nestas placas

obtiveram-se colônias isoladas das linhagens resistentes.

Na preparação das placas selecionaram-se os tubos que continham crescimento

bacteriano em meio com antimicrobiano, que no caso são as linhagens resistentes. Com o

auxílio de uma alça bacteriológica foi feita um espalhamento por esgotamento do caldo

infectado numa placa contendo MRS ágar com antifúngicos. O método de esgotamento

permite obter culturas puras, já que a cada estriamento espalham-se as células bacterianas na

placa, isolando-as. Antes e depois de cada estriamento do caldo, a alça foi esterilizada com

água sanitária (cândida), etanol e na chama do bico de Bünsen até a sua incandescência.

As placas mães foram depositadas na câmara de anaerobiose com vela e incubadas na

estufa bacteriológica a 34ºC por aproximadamente 24 horas.

Ao todo foram feitas 15 placas mães de amostras resistentes a gentamicina, a

kanamicina e a estreptomicina de variados níveis de concentração.

4.5.1. Descrição das colônias resistentes

As colônias que se desenvolveram nas placas mães foram observadas e classificadas de

acordo com a suas características morfológicas, como cor, forma, bordas, brilho, elevação,

aspecto da superfície e presença de muco. As colônias foram visualizadas com o auxílio de

lupa (Mitutoyo). Esse método descritivo foi feito anteriormente à coloração de Gram e ao

teste da catalase. Ao todo, foram observadas 75 colônias das linhagens resistentes.

4.6. Teste bioquímico

4.6.1. Teste da catalase

O teste bioquímico da catalase é um dos métodos utilizados na identificação e classificação de

bactérias. O teste consiste em verificar se as bactérias reagem com o peróxido de hidrogênio

(H2O2), liberando com isso água e oxigênio molecular. Se as bactérias reagem com o peróxido

de hidrogênio, elas indicam que possuem uma enzima chamada catalase, responsável pela

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reação química (BLACK, 2002). A Figura 4 mostra a fórmula da reação química da catalase

sobre o H2O2.

H2O2 → O2 + H2O

Figura 4: Reação química da catalase

Fonte: Adaptado pela autora.

O teste da catalase é um dos principais testes bioquímicos requisitados para identificar

bactérias do gênero Lactobacillus (KONEMAN et al., 1992).

Para a realização deste teste, selecionaram-se cinco colônias de cepas resistentes de

cada placa mãe. Com o auxílio da alça bacteriológica esterilizada, retirou-se uma quantidade

da colônia e misturou-se numa gota de peróxido de hidrogênio de volume 30 que estava sobre

uma lâmina de microscópio óptico. Logo após o procedimento, as lâminas foram visualizadas

para verificar se as bactérias reagiram com o peróxido de hidrogênio. Isto é, se houve a

formação de bolhas, as bactérias são catalase positivas, e se não houve a formação de bolhas,

são catalase negativas.

4.7. Coloração de Gram

A coloração de Gram é considerada um método de análise diagnóstico mais utilizado na

microbiologia, pois sua finalidade é facilitar a classificação de microrganismos baseada na

morfologia, isto é, nas características tintoriais, no tamanho, na forma e no arranjo celular

(FREITAS e PICOLI, 2007). As bactérias Gram-positivas se coram de roxo escuro enquanto

que as Gram-negativas se coram de rosa ou vermelho.

Este método de coloração diferencial usa cristal violeta, iodo, álcool e safranina para

corar e diferenciar as bactérias. Antes de realizar esse procedimento, as bactérias teriam que

ser fixadas em lâminas de microscópio. Para isso, selecionaram-se cinco colônias de cada

placa mãe e de cada placa de titulação. Uma quantidade da colônia foi retirada com o uso da

alça bacteriológica esterilizada e foi espalhada com uma gota de água destilada que estava

sobre a lâmina de microscópio. As lâminas logo em seguida foram submetidas à chama do

bico de Bünsen para a fixação, tomando a devida cautela para não queimar as bactérias. Cada

lâmina correspondeu a uma colônia selecionada.

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As lâminas fixadas foram submetidas aos procedimentos da coloração de Gram, que

seguiram-se dessa maneira: com uma pipeta descartável, espalhou-se uma quantidade de

cristal violeta sobre a superfície das lâminas até cobri-las totalmente, deixando agir por 1

minuto; depois desse período, as lâminas foram lavadas com água destilada para tirar o

excesso de cristal violeta; espalhou-se em seguida lugol sobre as lâminas, deixando agir por 1

minuto (o lugol nesse procedimento é usado como mordente ou fixador de corante); as

lâminas foram lavadas com água destilada logo em seguida; gotejou-se álcool etílico absoluto

nas lâminas até o momento em que não desprendeu mais a cor violeta do esfregaço, e o

excesso do álcool foi retirado com a água destilada; e para finalizar, uma quantidade de

safranina (contra-corante) foi colocada sobre as lâminas, agindo por 30 segundos, e com a

água destilada retirou-se o excesso.

As lâminas coradas foram analisadas microscopicamente em objetiva de imersão

(aumento de 1000x) através do microscópio óptico da marca Zeiss. Foram lidas dois campos

de visão em cada lâmina para registrar as características morfológicas e tintoriais das

bactérias.

Ao todo foram feitas e analisadas 75 lâminas de colônias resistentes aos

aminoglicosídeos contidas nas placas mães e 27 lâminas de colônias das placas de titulação.

Posteriormente, algumas lâminas foram selecionadas para serem fotografadas com o auxílio

de um microscópio óptico (Zeiss) com uma câmera digital instalada (Canon PowerShot

A640).

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5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1. Contagem de Unidades Formadoras de Colônias

Foram analisadas seis placas de titulação das amostras para obter o valor das Unidades

Formadoras de Colônias (UFC). A Figura 3 mostra uma fotografia da placa de titulação da

amostra 5, obtida pelo aparelho Alpha Innotech ® e editado pelo programa Alpha Imager ®.

E a Tabela 2 mostra as médias de UFC de cada amostra. A amostra 1 teve um baixo

crescimento bacteriano, no qual foi possível fazer somente uma única contagem.

Figura 5: Placa de titulação da amostra 5. P: amostra pura (20 µL da amostra sem diluir); 1: diluição 10-1; 2:

diluição 10-2; 3: diluição 10-3; 4: diluição 10-4; 5: diluição 10-5; 5 MACK: amostra 5 obtido no Mackenzie.

Fonte: Adaptado pela autora.

Os valores do UFC tiveram como finalidade proporcionar uma ideia do tamanho da

população e da concentração de bactérias existentes em cada amostra. Como pode ser notado

na Tabela 2, houve uma pequena variação na concentração bacteriana encontrada em cada

uma das amostras, onde quase todas elas tiveram uma concentração na ordem de milhões de

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Unidades Formadoras de Colônias. Dentre elas, a amostra 6 teve a maior concentração

bacteriana.

Tabela 2- Média das Unidades Formadoras de Colônias das amostras

Fonte: Adaptado pela autora.

5.2. Descrição das colônias da placa de titulação

Ao todo foram selecionadas, analisadas e descritas 27 colônias que cresceram nas

placas de titulação, no qual os dados estão mostrados no Quadro 4, que além de conter dados

da morfologia das colônias, estão as características da coloração de Gram e da morfologia

bacteriana. Essa descrição permite conhecer as características das bactérias não submetidas às

concentrações de antibióticos e possibilitar uma comparação com as colônias resistentes.

Todas as colônias observadas tinham tais aspectos: coloração branca, lisas, com

bordas inteiras, brilhosas, convexas e com formatos circulares. No entanto, observaram-se

algumas colônias com aspecto mucoso em três amostras.

As características das colônias são semelhantes às colônias descritas de Lactobacillus

spp.. De acordo com Carr e colaboradores (2002), as colônias da maioria das espécies de

Lactobacillus são: brancas (algumas podem ser levemente amareladas), com bordas inteiras,

convexas, circulares, lisas, brilhosas e podem ser pequenas. Estas características são idênticas

para todas as colônias observadas nas placas de titulação.

As colônias mucoides observadas nessas amostras podem indicar a presença de

bactérias com cápsulas: bactérias com material capsular bem definido produzem colônias

mucoides em meio que contém ágar. A cápsula tem como função primária a proteção contra o

dessecamento, mas no hospedeiro, essa estrutura pode facilitar a aderência a superfícies e

interferir na fagocitose (QUINN et al., 2002).

Amostra Produto

1 Melaço e água

2 Caldo fermentado

3 Caldo fermentado

4 Mosto

5 Caldo de cana

6 Caldo de cana

1,37.10^7

8,65.10^7

Média das Unidades Formadoras de Colônias (UFC/ml)

100

4,75.10^6

2,51.10^7

3,32.10^6

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Quadro 4: Caracterização das colônias que cresceram em placas de titulação, mostrando a morfologia

das mesmas e a das bactérias e o resultado da coloração de Gram

Morfologia da colônia: BRA- cor branca; LIS- lisa; INT- borda inteira; BRI- brilhosa; CNX- convexa; CIR-

formato circular e MUC- mucoso.

Fonte: Adaptado pela autora.

5.3. Coloração de Gram das colônias da titulação

As colônias das titulações de cada amostra foram selecionadas e submetidas à

coloração de Gram para análise de microscopia. Foram analisadas cinco colônias de cada

placa de titulação (exceto na amostra 1, que foi possível analisar duas), totalizando 27

colônias analisadas. Todas as colônias continham bactérias Gram-positivas, como foi

mostrado no Quadro 4.

AMOSTRA COLÔNIA MORFOLOGIA DA COLÔNIA GRAMMORFOLOGIA DA

BACTÉRIA

1 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR, MUC + Cocobacilo

2 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR, MUC + Cocobacilo

1 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Cocobacilo

2 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Bacilo

3 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Bacilo

4 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Bacilo

5 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Bacilo

1 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Bacilo

2 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Bacilo

3 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Bacilo

4 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Bacilo

5 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Bacilo

1 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Bacilo

2 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Bacilo

3 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Bacilo

4 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Bacilo

5 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Bacilo

1 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR, MUC + Cocobacilo

2 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Bacilo

3 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Bacilo

4 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Bacilo

5 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Bacilo

1 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR, MUC + Bacilo

2 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Bacilo

3 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR, MUC + Bacilo

4 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR, MUC + Bacilo

5 BRA, LIS, INT, BRI, CNX, CIR + Bacilo

5

6

1

3

2

4

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As colônias da amostra 1 foram também submetidas para o teste da catalase, que deu

resultado negativo, podendo descartar a hipótese de que seja de outra espécie além de

Lactobacillus.

Através dos resultados da coloração de Gram pode-se concluir que as bactérias

encontradas nas amostras de produtos derivados da cana-de-açúcar pertencem ao gênero

Lactobacillus, pois a maioria das bactérias possui formato de bacilos e alguns eram

cocobacilos, o que pode ser também um lactobacilo de acordo com a descrição de Koneman e

outros (2001). E as colônias de cocobacilos possuem características idênticas às colônias de

bacilos.

A figura abaixo mostra a coloração de Gram resultante de uma colônia da amostra 1,

no qual pode-se notar a presença de cocobacilos Gram-positivos.

Figura 6: Cocobacilos Gram-positivos presentes na amostra 1 (placa de titulação). Aumento de 200x.

Fonte: Adaptado pela autora.

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34

5.4. Teste de resistência aos antibióticos

Foram testados três níveis de concentrações de antibióticos aminoglicosídeos e

aminociclitol, e no total foram analisados 54 tubos de culturas com antibióticos de variados

níveis de concentração (sendo nove para cada amostra, ou seja, três com gentamicina, três

com kanamicina e três com estreptomicina) e 12 tubos controles (negativo e positivo), todos

com antifúngicos. Como descrito nos Materiais e Métodos, o critério utilizado para a análise

foi baseado na proposta de teste de susceptibilidade a aminoglicosídeos pela ANVISA, no

qual consistia em utilizar a concentração de 50 µg/mL em teste de nível baixo e 500 µg/mL

no teste de alto nível. Esse tipo de teste tem como finalidade avaliar se as bactérias presentes

no caldo de cana e outros derivados são sensíveis ou resistentes em determinadas

concentrações dos antibióticos.

Com isso, verificaram-se três estados do caldo: turvo, pouco turvo e limpo. O estado

turvo indicava crescimento bacteriano normal, o que podia ser notado no controle positivo

(meio sem antibiótico e com inoculo); o estado pouco turvo indicava moderado crescimento

bacteriano, o que pode-se inferir uma certa seleção de bactérias que sejam resistentes ao

antibiótico; e o estado limpo indicava nenhum crescimento, podendo indicar sensibilidade ao

antibiótico. A Tabela 3 indica o estado de turbidez do caldo observado em cada tubo, em

todas as amostras.

A Figura 7 mostra alguns dos resultados do teste de resistência aos antibióticos

aminoglicosídeos e aminociclitol por diluição em caldo.

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Figura 7: Teste da diluição em caldo da amostra 2. (a) Caldos com gentamicina. (b) Caldos com kanamicina. (c)

Caldos com estreptomicina. Da esquerda para a direita (em todas as imagens): controle positivo, caldo com baixa

concentração de antibiótico (50µg/mL), caldo com concentração intermediária de antibiótico (250µg/mL), caldo

com alta concentração do mesmo (500µg/mL) e controle negativo.

Fonte: Adaptado pela autora.

Tabela 3- Estado da turbidez do meio em certas concentrações de antibiótico

Antibióticos: GN: Gentamicina; KN: Kanamicina; ST: Estreptomicina.

Turbidez do caldo: L: caldo limpo (nenhum crescimento); PT: caldo pouco turvo (crescimento moderado); T:

caldo turvo (crescimento normal).

GN KN ST GN KN ST GN KN ST

1 Melaço e água L L L L L L L L L

2 Caldo fermentado T T T PT T T L T PT

3 Caldo fermentado T T T L T T L T PT

4 Mosto T T T L T T L T PT

5 Caldo de cana PT T T L T PT L PT L

6 Caldo de cana T T T L T T L T PT

Amostra Produto

Estado da turbidez do meio em várias concentrações (µg/mL)

50 µg/mL 250 µg/mL 500 µg/mL

(a) (b)

(c)

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Como mostrado na Tabela 3, pode-se observar que a amostra 1 foi a única amostra a

apresentar sensibilidade a todos os antibióticos testados, que se deve ou pela baixa

concentração bacteriana na amostra ou pelo fato das bactérias serem realmente sensíveis aos

antibióticos. Com relação às concentrações dos antibióticos, quase todas as amostras

cresceram em baixa concentração (50 µg/mL) de antibióticos, no entanto, conforme o

aumento do nível de concentração houve variações nos perfis de resistência.

O Gráfico 1 resume a quantidade de amostras que mostraram resistência a cada tipo

de antibiótico do teste. Na elaboração deste gráfico, as amostras foram classificadas como

resistentes devido à presença de crescimento em caldo com alta concentração de antibiótico

(levando em consideração também aqueles que cresceram pouco).

Gráfico 1: Perfis de resistência das amostras aos antibióticos gentamicina, kanamicina e estreptomicina. O eixo

das ordenadas mostra o número de amostras que cresceram em certa concentração do antibiótico (considerando

também as que cresceram pouco no meio). E no eixo das abcissas estão as concentrações de antibiótico

acrescentadas em cada tubo. A legenda mostra, em cores distintas, os três tipos de antibióticos usados no teste.

Analisando o Gráfico 1 pode-se observar que as bactérias são resistentes à kanamicina,

pois quase todas as amostras cresceram até em meio com alta concentração do antibiótico. A

maioria das amostras é sensível a concentrações intermediárias (exceto a amostra 2) e altas de

gentamicina. E com relação à estreptomicina, as bactérias apresentaram redução no

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crescimento conforme o aumento do nível de concentração, mas isso claramente nos indica a

existência de linhagens resistentes ao antibiótico. Logo, as bactérias podem ser consideradas

como resistentes a estreptomicina, mesmo sendo de forma gradual.

Os dados coletados neste teste concordam com os resultados de Danielsen e Wind

(2003), no qual a maioria das cepas isoladas de lactobacilos mostrou resistência a

aminoglicosídeos, sendo que as bactérias mostraram tendência de crescimento até em baixas

concentrações de gentamicina (64 µg/mL), diferentemente do observado em kanamicina e

estreptomicina, que cresceram até em altas concentrações (≥ 256 µg/mL). Logo, tais

resultados foram semelhantes ao do presente estudo.

Além disso, os dados divergem ao encontrado em Klare e colaboradores (2007), que

dos 432 isolados de lactobacilos oriundos de diversas fontes (probióticos, isolados humanos,

animais e de alimentos) apenas 0,7% apresentaram resistência à estreptomicina.

Pode-se inferir que os resultados discordam com a afirmação geral de Clementi e

Aquilanti (2011) de que os lactobacilos são naturalmente sensíveis a antibióticos que alteram

a síntese proteica, como os aminoglicosídeos. Porém, deve-se levar em consideração a

hipótese de que os lactobacilos podem se tornar resistentes aos antibióticos ou por mutação

espontânea (como relatado por Curragh e Collins (1992)) ou por adquirir genes de resistência

a antimicrobianos através da transferência horizontal pelas bactérias vizinhas.

Esta última hipótese levanta um assunto muito interessante e preocupante. De acordo

com SILVA e colaboradores (2005), todos os isolados resistentes a um antibiótico são

considerados potencialmente patogênicos por serem “reservatórios de resistência”. Os

pesquisadores isolaram, caracterizaram e testaram a resistência de bactérias Gram-negativas

presentes no solo e verificaram que 85,71% das espécies eram multirresistentes, ou seja,

resistentes a quatro ou mais antibióticos! Eles inferiram que a presença de resistência se deve

ao uso extensivo de antibióticos, principalmente de usos na agricultura

(KHACHATOURIANS, 1998) e veterinário, no qual promoveu uma pressão seletiva sobre os

microrganismos e que por meio do processo da transferência horizontal, transferiram genes de

resistência para bactérias do mesmo ambiente.

As bactérias endofíticas da cana-de-açúcar provavelmente podem ter adquirido tais

genes através de bactérias resistentes presentes no solo, que por sua vez sofreram pressão

seletiva ao serem expostas aos antibióticos lançados no meio ambiente.

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Os lactobacilos resistentes a antibióticos encontrados na cana-de-açúcar pode ser um

assunto preocupante para a Saúde Pública, pois tais bactérias podem potencialmente transferir

seus genes de resistência para bactérias do trato intestinal quando um indivíduo ingere caldo

de cana, um alimento bastante consumido no Brasil. Como mencionado anteriormente, estas

bactérias vizinhas no trato gastrointestinal podem ser potencialmente patogênicas, permitindo

a prevalência de linhagens resistentes, e, portanto, dificultando o tratamento do indivíduo com

antimicrobianos.

5.5. Teste da catalase e coloração de Gram das cepas resistentes

As amostras resistentes aos antibióticos foram inoculadas em meio ágar MRS com

antifúngicos, cuja finalidade foi obter colônias de linhagens puras. Como descrito nos

Materiais e Métodos, foram feitas 15 placas mães distribuídas em três para cada amostra

(exceto a amostra 1, que não houve crescimento), sendo que em cada uma cresceram bactérias

resistentes a um tipo de antibiótico. Com isso, foram observadas cinco colônias de cada placa

mãe, totalizando 75 colônias observadas pelo teste da catalase e pela coloração de Gram.

Todas as colônias analisadas mostraram ser catalase negativa e eram bacilos Gram-

positivos. As colônias eram catalase negativa porque não reagiram com o peróxido de

hidrogênio, não formando bolhas. Logo abaixo, a Figura 8 mostra o resultado da coloração de

Gram de uma das amostras.

Durante a análise da coloração de Gram em microscopia óptica foi possível notar uma

variação no comprimento dos bacilos em todas as amostras, sendo que alguns eram curtos e

outros alongados, como mostra a Figura 9. Em todas as amostras resistentes a todos os

antibióticos foram observados que os bacilos de tamanho curto são as formas predominantes

(Figura 10). As colônias de bacilos curtos resistentes à gentamicina, kanamicina e à

estreptomicina totalizaram, respectivamente: 80% (n: 20), 68% (n: 17) e 84% (n: 21). Em

contrapartida, apenas uma colônia da amostra 4 resistente à gentamicina observaram-se

bacilos alongados (Figura 9).

A grande variedade de tamanhos de bacilos revela que as bactérias podem pertencer a

diferentes espécies de Lactobacillus, porém, poucos estudos sistematizaram as comparações

morfológicas entre as várias espécies de lactobacilos. Dentre estes estudos está o famoso

trabalho de Bergey e Holt (1994): Bergey’s manual of determinative bacteriology. De acordo

com os autores, os lactobacilos medem cerca de 0,5-1,2 µm até 1,0-10 µm, sendo portanto de

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tamanho bem variado. Eles apontaram que, dependendo das condições do ambiente, algumas

espécies de lactobacilos tendem a modificar o seu tamanho. Linhagens de Lactobacillus

plantarum (uma espécie comumente encontrada em vegetais), por exemplo, em condições

favoráveis de crescimento tendem a ser curtos, porém, em condições adversas (a 45ºC), eles

tendem a ser mais alongados (BERGEY e HOLT, 1994).

Figura 8: Coloração de Gram de uma das colônias da amostra 4 resistente à gentamicina (50 µg/mL). Aumento

de 1000x.

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Figura 9: Lâmina de microscopia óptica mostrando a variação no tamanho dos bacilos Gram-positivos de uma

colônia da amostra 4 resistente à gentamicina (50 µg/mL) . Ponta da seta: bacilo muito alongado. Aumento de

400x.

Figura 10: Lâmina de microscopia óptica mostrando bacilos de tamanho curto, encontrados em uma colônia da

amostra 5, resistente à estreptomicina em concentração intermediária (250 µg/mL). Aumento de 1000x.

Fontes: Adaptados pela autora.

Portanto, os lactobacilos resistentes podem ser de espécies diferentes devido à

diversidade de tamanhos, que por sua vez pode estar relacionada com as condições ambientais

(mesmo que as bactérias estejam em uma mesma amostra, pois a variação no comprimento é

intrínseca à espécie). Neste caso, as condições ambientais se referem à temperatura, à

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presença de O2 e/ou CO2, aos componentes do meio de cultura, dentre outros, que podem

modificar o tamanho de algumas espécies de Lactobacillus, mostrando a resultante

diversidade de tamanhos encontrada no estudo.

Nas linhagens resistentes não houve a presença de cocobacilos, como foi encontrado

em algumas amostras inoculadas em meios sem antibióticos (placas de titulação). Com isso,

conclui-se que esses cocobacilos são sensíveis aos antibióticos do teste.

5.6. Descrição das colônias resistentes

As mesmas 75 colônias submetidas à coloração de Gram e ao teste bioquímico foram

inicialmente descritas morfologicamente. Todas as colônias observadas eram circulares,

brilhosas, brancas, convexas, lisas e com bordas inteiras, portanto, idênticas às colônias

desenvolvidas nas placas de titulação, exceto que nenhuma apresentou aspecto mucoso.

A ausência de colônias mucosas pode indicar que as linhagens bacterianas com

cápsulas foram sensíveis aos antibióticos testados.

Como discutido na seção 5.2., as colônias resistentes apresentam as características

descritas para colônias de Lactobacillus spp.

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6 CONCLUSÃO

De acordo com as características das colônias, com a coloração de Gram e com o teste

da catalase, conclui-se que todas podem pertencer ao gênero Lactobacillus. No entanto,

estudos mais detalhados usando técnicas moleculares, por exemplo, são necessários para se

realizar uma identificação mais precisa das bactérias.

O teste de resistência aos antibióticos aminoglicosídeos e aminociclitol revelou que a

maioria das amostras de lactobacilos presentes no caldo de cana e derivados é resistente à

kanamicina e à estreptomicina, e sensível à gentamicina em concentrações intermediárias e

altas. Estas informações indicam um alerta para a emergência de bactérias resistentes aos

antibióticos contidos na cana-de-açúcar. O surgimento da resistência talvez se deva ao fato de

que os lactobacilos da planta podem ter adquirido genes de resistência de bactérias presentes

no solo. E estas bactérias por sua vez sofreram pressão seletiva através da exposição aos

antibióticos lançados extensivamente no meio ambiente.

Devido à escassez na literatura sobre o assunto, devem-se realizar estudos sistemáticos

sobre a resistência das bactérias presentes em alimentos in natura a outros tipos de

antibióticos. Os resultados destes estudos deverão servir como um alerta da possibilidade de

emergência de linhagens bacterianas cada vez mais resistentes, que podem se disseminar para

outros tipos de ambientes além do corpo humano.

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