universidade metodista de sÃo paulo escola de...

180
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO OSIEL LOURENÇO DE CARVALHO (In)VERSÕES POLÍTICO-ESCATOLÓGICAS NO PENTECOSTALISMO BRASILEIRO Uma análise da posição e ação política das Assembleias de Deus de 1930-1945 e 1978-1988 a partir do jornal Mensageiro da Paz SÃO BERNARDO DO CAMPO 2016

Upload: phungminh

Post on 08-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

OSIEL LOURENÇO DE CARVALHO

(In)VERSÕES POLÍTICO-ESCATOLÓGICAS NO

PENTECOSTALISMO BRASILEIRO

Uma análise da posição e ação política das Assembleias de Deus

de 1930-1945 e 1978-1988 a partir do jornal Mensageiro da Paz

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2016

Page 2: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

OSIEL LOURENÇO DE CARVALHO

(In)VERSÕES POLÍTICO-ESCATOLÓGICAS NO

PENTECOSTALISMO BRASILEIRO

Uma análise da posição e ação política das Assembleias de Deus

de 1930-1945 e 1978-1988 a partir do jornal Mensageiro da Paz

Tese de doutorado apresentada em

cumprimento às exigências do Programa de

Pós-Graduação em Ciências da Religião, para

obtenção do grau de Doutor.

Área de Concentração: Linguagens da Religião

Linha de Pesquisa: Teologia das Religiões e

Cultura

Orientador: Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2016

Page 3: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

FICHA CATALOGRÁFICA

C254i

Carvalho, Osiel Lourenço de

(In)versões político-escatológicas no pentecostalismo brasileiro: uma

análise da posição e ação política das Assembleias de Deus 1930-1945 e

1978-1988 a partir do jornal Mensagerio da Paz / Osiel Lourenço de

Carvalho -- São Bernardo do Campo, 2016.

180fl.

Tese (Doutorado em Ciências da Religião) – Escola de comunicação,

Educação e Humanidades Programa de Pós Ciências da Religião da

Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo

Bibliografia

Orientação de: Claudio de Oliveira Ribeiro

1. Política e religião - Brasil 2. Pentecostalismo – Brasil 3. Assembleia

de Deus – Ciência política 4. Biopolítica 5. Jornal Mensageiro da

Paz – análise do discurso I. Título

CDD 261.70981

Page 4: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

A tese de doutorado sob o título: (In)versões político-escatológicas no pentecostalismo

brasileiro: uma análise da posição e ação política das Assembleias de Deus 1930-1945 e 1978-

1988 a partir do jornal Mensagerio da Paz, elaborada por Osiel Lourenço de Carvalho foi

defendida em 04 de março de 2016, perante a banca examinadora composta por Claudio de

Oliveira Ribeiro, (Presidente/UMESP), Paulo Ayres de Mattos, (Titular/UMESP), Lauri Wirth

(Titular/UMESP), Alexandre Fonseca Brasil (Titular/UFRJ), Gedeon Freire de Alencar

(Titular/PUC-SP).

_______________________________________

Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

_______________________________________

Prof. Dr. Helmut Henders

Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Ciências da Religião

Área de Concentração: Linguagens da Religião

Linha de Pesquisa: Teologia das Religiões e Cultura

Page 5: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pelo misterioso e inescrutável dom da vida.

Agradeço ao meu pai Antônio e minha mãe Sônia que deram prosseguimento à criação

de Deus cuidando de mim desde o meu nascimento.

Agradeço a minhas irmãs Elienay e Cíntia e a meu sobrinho João Victor que sempre

estiveram ao meu lado.

Agradeço à minha noiva Leila Patrícia que apareceu em minha vida nos momentos finais

da tese e foi uma das minhas principais motivadoras. Te amo muito!

Agradeço ao professor Claudio Ribeiro que abraçou meu projeto de doutorado e desde

então contribuiu de maneira significativa para meu crescimento como pesquisador. Aprecio

também sua humanidade e generosidade. Nunca vou esquecer que no final do processo de

redação da tese o Claudio precisou fazer uma delicada cirurgia de coração. Apesar do momento

difícil sempre se mostrou disposto a acompanhar-me nos encaminhamentos finais da pesquisa.

Espero levar essa amizade para a vida.

Agradeço aos demais professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências da

Religião da UMESP com os quais pude aprender muito nestes quatros anos.

Agradeço ao IEPG que em momentos de dificuldade foi um importante auxílio. Não

poderia deixar de agradecer a Ana Fonseca, uma amiga que sempre me incentivou a prosseguir

apesar das situações de dificuldade.

Agradeço a CAPES cuja bolsa de estudos foi primordial para que essa pesquisa fosse

realizada.

Agradeço aos amigos de caminhada dos estudos do pentecostalismo no Brasil em

especial a Paulo Ayres, Gedeon de Alencar e Claiton Pommering.

Agradeço ao pastor Marco Antônio, da Assembleia de Deus de Santo André, que se

tornou também um amigo de caminhada.

Page 6: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

O único assunto é Deus

o único problema é Deus

o único enigma é Deus

o único possível é Deus

o único impossível é Deus

o único absurdo é Deus

o único culpado é Deus

e o resto é alucinação.

(Carlos Drummond de Andrade)

Page 7: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

RESUMO

A presente pesquisa analisou a posição e ação política nas Assembleias de Deus do Brasil nos

períodos 1930-1945 e 1978-1988. Defendemos a tese de que desde 1930 há no interior do

pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política. Tanto no período de

1930-1945 como o de 1978-1988 nossas análises serão realizadas a partir das temporalidades

discutidas por Giorgio Agamben: chronos, aiôn e kairos. No que diz respeito ao primeiro

período 1930-1945, as pesquisas quase sempre vinculam o discurso escatológico do

pentecostalismo a processos de alienação e não envolvimento com a política partidária.

Entretanto, acredita-se que as narrativas escatológicas não foram causa de certo afastamento da

esfera pública brasileira, mas sim efeito de processos de exclusão aos quais homens e mulheres

de pertença pentecostal estiveram circunscritos. Doutrinas como a escatologia e a

pneumatologia foram potencializadoras de processos que aqui denominamos de biopotência. Já

no segundo período, de 1978-1988, a posição e a ação política que predominaram no

pentecostalismo estiveram relacionadas com a biopolítica. Chamamos de capítulo intermedário

ou de transição o período correspondente às datas 1946-1977. Nele descreveremos e

analisaremos personalidades pentecostais de destaque no campo da política brasileira.

Metodologicamente, fizemos nossa análise a partir de artigos publicados no órgão oficial de

comunicação da denominação religiosa em questão, o jornal Mensageiro da Paz. Esse periódico

circula desde 1930. Além dos artigos, destacamos também as autoras e os autores, todas elas e

todos eles figuras de destaque no assembleianismo. Ao longo da pesquisa questionamos a ideia

do apoliticismo pentecostal. Defendemos a tese de que desde 1930, que é o início de nossa

pesquisa, há posição e ação política nas Assembleias de Deus. Como resultado disso,

questionamos a ideia do apoliticismo pentecostal. Nossa hipótese é de que no período 1930-

1945 o pentecostalismo foi um polo de biopotência. Se a biopolítica é o poder sobre a vida, a

biopotência é o poder da vida. Doutrinas como a escatologia e pneumatologia contribuíram

para que nos espaços marginais onde se reuniam os pentecostais fossem criados novos modelos

de sociabilidade e de cooperação; eram também espaços de criação de outras narrativas e de

crítica a modelos hegemônicos e excludentes. O pentecostalismo foi um movimento que

promoveu a dignidade humana de sujeitos subalternos.

Palavras-chave: Assembleias de Deus. Mensageiro da Paz. Biopotência. Biopolítica.

Page 8: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

ABSTRACT

This research analyzed the political position and action in the Assemblies of God of Brazil in

the periods 1930-1945 and 1978-1988. We defend the thesis that since 1930 there within the

Brazilian Pentecostalism positions and interventions in the world of politics. In both the 1930-

1945 period and the 1978-1988 our analyzes will be carried out from the time frames discussed

by Giorgio Agamben: chronos, Aion is kairos. With regard to the first period 1930-1945,

research almost always binding on the eschatological discourse of Pentecostalism alienation

processes and not involved with party politics. However, it is believed that the eschatological

narratives were not sure because of remoteness of the Brazilian public sphere, but the effect of

the exclusion of processes to which men and women belonging Pentecostal been circumscribed.

Doctrines such as eschatology and pneumatology were potentiating processes that here we call

biopotency. In the second period, from 1978-1988, the position and political action that

prevailed in Pentecostalism were related to biopolitics. Call intermedário chapter or transition

the corresponding period the dates 1946-1977. We will describe and analyze prominent

Pentecostal personalities in the field of Brazilian politics. Methodologically, we did our analysis

from articles published in the official communication of the religious denomination concerned,

the Messenger Journal of Peace. This newspaper circulates since 1930. In addition to the articles

also highlight the authors and authors, all of them and all of them leading figures in

assembleianismo. During the research question the idea of the Pentecostal apoliticism. We

defend the thesis that since 1930, which is the beginning of our research, there are political

position and action in the Assemblies of God. As a result, we question the idea of the Pentecostal

apoliticism. Our hypothesis is that in the period 1930-1945 Pentecostalism was a center of

biopotency. If biopolitics is the power over life, biopotency is the power of life. Doctrines such

as eschatology and pneumatology contributed to the marginal spaces where they met the

Pentecostals were created new models of sociability and cooperation; They were also spaces to

create other narratives and criticism of hegemonic and exclusive models. Pentecostalism was a

movement that promoted the human dignity of subaltern subjects.

Keywords: Assemblies of God. Messenger of Peace. Biopotency. Biopolitics.

RESUMEN

Page 9: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

Esta investigación analiza la posición política y acción en las Asambleas de Dios de Brasil en

los períodos 1930-1945 y 1978-1988. Defendemos la tesis de que desde 1930 existe dentro de

las posiciones pentecostalismo brasileño e intervenciones en el mundo de la política. Tanto en

el período 1930-1945 y los 1978-1988 nuestros análisis se llevará a cabo a partir de los plazos

discutidos por Giorgio Agamben: chronos, Aion es kairos. En relación con el primer período

de 1930-1945, la investigación casi siempre vinculante para el discurso escatológico de los

procesos de alienación pentecostalismo y no involucrarse con la política partidaria. Sin

embargo, se cree que los relatos escatológicos no estaban seguros debido a la lejanía de la esfera

pública de Brasil, pero el efecto de la exclusión de los procesos a los que se circunscribe a

hombres y mujeres pertenecientes pentecostal. Doctrinas tales como la escatología y la

pneumatología se potenciando procesos que aquí llamamos biopotencia. En el segundo período,

a partir de 1978-1988, la posición y la acción política que prevaleció en el pentecostalismo se

relacionaron con la biopolítica. Llame intermedário capítulo o la transición del periodo

correspondiente las fechas 1946-1977. Vamos a describir y analizar prominentes

personalidades pentecostales en el campo de la política brasileña. Metodológicamente, hicimos

nuestro análisis de los artículos publicados en la comunicación oficial de la confesión religiosa

de que se trate, el Mensajero Diario de la Paz. Este periódico circula desde 1930. Además de

los artículos también resaltar los autores y autores, todos ellos, y todos ellos principales figuras

assembleianismo. Durante la investigación en duda la idea del apoliticismo pentecostal.

Defendemos la tesis de que desde 1930, que es el comienzo de nuestra investigación, hay

posición política y acción en las Asambleas de Dios. Como resultado de ello, ponemos en duda

la idea del apoliticismo pentecostal. Nuestra hipótesis es que en el período 1930-1945 el

pentecostalismo era un centro de biopotencia. Si la biopolítica es el poder sobre la vida,

biopotencia es el poder de la vida. Doctrinas tales como la escatología y la pneumatología

contribuyeron a los espacios marginales donde se reunieron los pentecostales se crearon nuevos

modelos de sociabilidad y cooperación; Eran también los espacios para crear otras narrativas y

la crítica de los modelos hegemónicos y exclusivos. Pentecostalismo fue un movimiento que

promueve la dignidad humana de los sujetos subalternos.

Palabras clave: Asambleas de Dios. Mensajero de la Paz. Biopotencia. Biopolítica.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Page 10: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

ADHONEP – Associação dos Homens de Negócio do Evangelho Pleno

ADs – Assembleias de Deus

AGO – Assembleia Geral Ordinária

ALEF – Aliança Eleitoral pela Família

ANC – Assembleia Nacional Constituinte

ANE – Associação Nacional de Escritores

ARENA – Aliança Renovadora Nacional

CEBs – Comunidades Eclesiais de Base

CGADB – Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil

CGT – Comando Geral dos Trabalhadores

CGTB – Confederação dos Trabalhadores do Brasil

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CNBB – Confederação Nacional dos Bispos do Brasil

COMADEMIG – da Convenção de Ministros das Assembleias de Deus em Minas Gerais

CONAMAD – Convenção Nacional das Assembleias de Deus de Madureira

CPAD – Casa Publicadora das Assembleias de Deus

DEIP – Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda

DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda

EETAD – Escola de Educação Teológica das Assembleias de Deus

FAO – Conselho Executivo da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e

Alimentação

FPE – Frente Parlamentar Evangélica

IBAD – Instituto Bíblico das Assembleias de Deus

IBP – Instituto Bíblico Pentecostal

JUC – Juventude Universitária Católica

MDB – Movimento Democrático Brasileiro

MP – Mensageiro da Paz

MUT – Movimento de Unificação dos Trabalhadores

PC – Partido Comunista

PCB – Partido Comunista Brasileiro

PDC – Partido Democrata Cristão

PDT – Partido Democrático Trabalhista

PFL – Partido da Frente Liberal

Page 11: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

PL – Partido Liberal

PP – Partido Progressista

PRP – Partido da Representação Popular

PRP – Partido Republicano Paulista

PSB – Partido Socialista Brasileiro

PSD – Partido Social Democrático

PSP – Partido Social Progressista

PT – Partido dos Trabalhadores

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

PUI – Pacto de Unidade Intersindical

RBN – Rede Boas Novas de Televisão

UDN – União Democrática Nacional

Ultab – União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil

URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

SUMÁRIO

1INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 11

Page 12: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

2 MILENARISMOS, POSIÇÃO E AÇÃO POLÍTICA ..............................................

2.1 INTRODUÇÃO ..........................................................................................................

2.2 CARACTERIZAÇÃO DO MILENARISMO ............................................................

2.2.1 Aspectos Conceituais ...............................................................................................

2.2.2 Aspectos Históricos .................................................................................................

16

16

18

18

20

2.3 MENTALIDADES POLÍTICO-MILENARISTAS ................................................... 22

2.4 CRENÇAS MILENARISTAS NO BRASIL .............................................................. 27

2.4.1 A República Velha e o Fortalecimento do Coronelismo e das Oligarquias Rurais

(1889-1930) ......................................................................................................................

27

2.4.2 Milenarismo no Sertão: a Comunidade de Canudos ................................................ 30

2.4.3 A Revolta Sertaneja do Contestado ......................................................................... 33

2.5 O MILENARISMO ASSEMBLEIANO BRASILEIRO ............................................ 37

2.6 CONCLUSÃO ............................................................................................................ 42

3 POSIÇÃO E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NO ASSEMBLEIANISMO

BRASILEIRO (1930 A 1945) .........................................................................................

44

3.1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 44

3.2 O GOVERNO GETÚLIO VARGAS: POLÍTICA E SOCIEDADE (1930-1945) ..... 45

3.2.1 O Sufrágio Universal na Década de 1930 ................................................................ 48

3.2.2 O Governo Provisório (1930-1934) ......................................................................... 50

3.2.3 A Ditadura do Estado Novo (1937-1945) ................................................................ 51

3.3 DA SUÉCIA PARA O BRASIL: AS ORIGENS DO ASSEMBLEIANISMO ......... 53

3.4 TEMPORALIDADES E POLÍTICA NO ASSEMBLEIANISMO BRASILEIRO

(1930-1945) ......................................................................................................................

58

3.4.1 Assembleianismo e a Experiência do Chronos ........................................................ 62

3.4.2 Assembleianismo e a Experiência do Aiôn ..............................................................

3.4.3 Assembleianismo e a Experiência do Kairos ..........................................................

3.5 CONCLUSÃO ............................................................................................................

4 ASSEMBLEIAS DE DEUS E POSIÇÃO POLÍTICA: DA “DEMOCRACIA”

AOS “ANOS DE CHUMBO” (1946-1977) ...................................................................

4.1 INTRODUÇÃO ..........................................................................................................

4.2 O PERÍODO 1946-1964 .............................................................................................

4.2.1 Aspectos da Conjuntura Política e Social Brasileira ...............................................

4.2.2 Partem os Suecos, Chegam os Norte-Americanos ...................................................

4.3 O PERÍODO DA DITADURA MILITAR (1964-1977) ............................................

4.3.1 Aspectos da Conjuntura Política e Social no Brasil ................................................

4.3.2 Assembleianismo e Heterogeneidade Política .........................................................

4.4 PERSONALIDADES PENTECOSTAIS EM DESTAQUE NO PERÍODO .............

4.4.1 Pastor Antônio Torres Galvão: “O Libertador de Paulista” ....................................

4.4.2 O Nacionalismo em Paulo Leivas Macalão .............................................................

4.4.3 Manoel da Conceição Santos: “Minha Perna é a Minha Classe” ............................

4.5 CONCLUSÃO ............................................................................................................

5 ASSEMBLEIA DE DEUS: AÇÃO E POSIÇÃO POLÍTICA (1978-1988) ............

5.1 INTRODUÇÃO ..........................................................................................................

5.2 PRÁTICAS POLÍTICO-PENTECOSTAIS NA RECONSTITUCIONALIZAÇÃO

BRASILEIRA ...................................................................................................................

5.2.1 Assembleias de Deus na Transição Democrática ...................................................

67

74

79

81

81

82

82

84

87

87

91

95

95

98

100

108

110

110

111

111

Page 13: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

5.2.2 Assembleia de Deus a Caminho de um Projeto Político ......................................

5.2.3 Assembleianismo no Limiar da Reconstitucionalização .........................................

5.2.4 Assembleianismo e a Experiência Política no Congresso Nacional Constituinte

(1986-88) ..........................................................................................................................

5.2.5 A Atuação Parlamentar Pentecostal .........................................................................

5.3 PRESENÇA PÚBLICA PENTECOSTAL OU VISIBILIDADE PÚBLICA

PENTECOSTAL? ASSEMBLEIA DE DEUS NO TEMPO PROFANO ........................

5.3.1 O que é Presença Pública? .......................................................................................

5.3.2 Assembleia de Deus e o Aiôn Imperializado ...........................................................

5.4 ASSEMBLEIANISMO, CORPO E BIOPOLÍTICA: UMA ANÁLISE A PARTIR

DO KAIROS .....................................................................................................................

5.5 CONCLUSÃO ............................................................................................................

6 PENTECOSTALISMO É/E POLÍTICA: A BIOPOTÊNCIA DAS MARGENS ..

6.1 INTRODUÇÃO ..........................................................................................................

6.2 PODEM OS SUBALTERNOS FALAR? ...................................................................

6.2.1 Corpos Subalternos Pentecostais .............................................................................

6.2.2 Espaços Subalternos Pentecostais ............................................................................

6.2.3 Saberes Subalternos Pentecostais ............................................................................

6.3 ARQUÉTIPOS POLÍTICOS EM MENTALIDADES PENTECOSTAIS .................

6.3.1 Dimensões Míticas da Política .................................................................................

6.3.2 Escatologia e a Crítica à Autoridade Política Hegemônica .....................................

6.4 PENTECOSTALISMO E A BIOPOTÊNCIA ...........................................................

6.4.1 Pneumatologia como Potencializadora da Biopotência ...........................................

6.4.2 Pentecostalismo e Dignidade Humana a Partir da Biopotência ...............................

6.4.3 Das Margens ao Centro ............................................................................................

6.5 CONCLUSÃO ............................................................................................................

7 CONCLUSÃO ..............................................................................................................

REFERÊNCIAS ..............................................................................................................

116

118

121

124

131

132

138

140

148

150

150

151

151

154

156

157

157

160

161

163

164

166

167

169

174

Page 14: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

11

1 INTRODUÇÃO

As Assembleias de Deus no Brasil têm presença cada vez maior na política brasileira.

Esse processo teve início já nas primeiras décadas de implantação do pentecostalismo

brasileiro. Em nossa pesquisa, escolhemos dois recortes históricos a fim de analisarmos a

posição e ação política das Assembleias de Deus: 1930-1945 e 1978-1988. Iremos analisar e

comparar os dois diferentes períodos, pois defendemos a tese de que desde 1930 há posição e

ação política nas Assembleias de Deus no Brasil. Chamaremos de período intermediário os anos

de 1946-1977, de modo que ali descreveremos e analisaremos expressões políticas do

pentecostalismo no Brasil para melhor compreensão do desenvolvimento histórico.

As referidas análises foram feitas a partir de artigos publicados no órgão oficial de

comunicação da denominação religiosa em questão, o jornal Mensageiro da Paz. Esse periódico

circula desde 1930 e, principalmente nas primeiras décadas, foi uma literatura religiosa

militante, pois difundia as doutrinas pentecostais no território brasileiro. Em nossas análises

destacaremos não apenas os artigos, mas também seus respectivos autores e autoras, quando

isso for possível; em todos eles respeitaremos a grafia original. Destacamos dois principais

motivos pelos quais escolhemos o ano de 1930 como ponto incial de nossa análise: i) ano da

criação do jornal Mensageiro da Paz; ii) ano da realização da primeira Convenção Geral das

Assembleias de Deus no Brasil. Entretanto, mesmo com a realização dessa Convenção, isso não

significou que os suecos deixaram de exercer influência nas principais igrejas Assembleias de

Deus do território brasileiro, pelo menos até fins da década de 1940.

Uma das principais características das Assembleias de Deus no período 1930-1945

foram as doutrinas escatológicas, as quais estiverem inseridas no milenarismo, que diz respeito

à crença da chegada de um novo mundo. Todavia, o milenarismo está longe de ser uma doutrina

exclusiva do pentecostalismo brasileiro. A referida crença foi analisada aqui a partir das

concepções judaico-cristãs, mesmo que se possam encontrar crenças de esperança numa terra

sem males em outras confissões religiosas. Não relacionaremos aqui as doutrinas escatológicas

como alienação da realidade, pois a escatologia pode ser impulsionadora de projetos

contestatórios.

Page 15: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

12

Um dos exemplos que apresentamos na presente pesquisa foi o das revoltas camponesas

do século XVI que aconteram na Alemanha. Liderados por Thomas Müntzer1, os camponeses

questionaram a sociedade injusta de seu tempo. Ernest Bloch2 (1973) em Müntzer, Teólogo da

Revolução, analisou em que medida os anseios de retorno ao paraíso impulsionaram o

movimento dos camponeses. A partir da discussão original das relações entre escatologia e

política destacaremos cinco mentalidades milenaristas: i) mentalidade milenarista de crítica

social; ii) mentalidade milenarista como ideia de progresso; iii) mentalidade milenarista de

descontentamento popular; iv) mentalidade milenarista de incerteza; e v) mentalidade

milenarista relacionada com o receio de perda de valores identitários.

No Brasil, a Proclamação da República em 1889 parece ter aprofundado os processos

de exclusão social. Neste contexto, surgem grupos sociorreligiosos de conotação milenarista.

Em nossa pesquisa, analisamos a Comunidade de Canudos, a Revolta do Contestado e o

movimento do Padre Cícero. Tentaremos apontar semelhanças entre o assembleianismo

brasileiro e esses grupos de religiosidade popular. Acreditamos que a influência dessa

religiosidade popular nas Assembleias de Deus é maior se comparada com a infuência dos

conhecidos movimentos da Rua Azusa e de Chicago.

O ano de 1930 no Brasil é marcado pelo movimento que conduziu Getúlio Vargas à

presidência do Brasil. Essa década também ficou caracterizada pela ascensão de regimes

totalitários como o nazismo e o fascismo. Vargas imprimiu uma série de mudanças sociais no

país e, centralizou o poder. Entretanto, o Brasil ainda preservou profundos processos de

exclusão social. Neste contexto, as Assembleias de Deus cresciam principalmente no Norte e

Nordeste do Brasil. Como um movimento religioso, a referida igreja pentecostal teve nesse

considerável influência dos suecos e das principais lideranças pentecostais nordestinas.

Os artigos do jornal Mensageiro da Paz deste primeiro período 1930-1945 serão

analisados a partir de três temporalidades discutidas por Giorgio Agamben: chronos, aiôn e

1 Müntzer, nascido entre 1485 e 1490, havia encontrado Lutero, na ordem dos agostinianos. Mestre em Teologia,

foi profundamente marcado pela mística medieval, da qual conservou porém mais a linguagem que o espírito. O

enriquecimento rápido dos chefes de empresa e a pobreza dos mineiros criaram fortes tensões sociais. Müntzer foi

enfluenciado em Zwickau, na Saxõnia, pelo tecelão Nicolau Storch e seus amigos “profetas de Zwickau”. Eles

rejeitavam todo o clero, desvalorizavam os sacramentos, rebatizavam os adultos, fundamentavam sua fé não

apenas sobre a Escritura, mas também sobre a revelação, sempre atual do Espírito entre os membros de sua

comunidade (DELUMEAU, 1997, p. 119).

2 Ernst Bloch (1885-1977) foi um filósofo marxista alemão tendo como a utopia um de seus principais campos

de estudo. Exerceu influência no pensamento de intelectuais como Theodor W. Adorno, Jürgen Moltmann,

Johann Mertz e Gustavo Gutierrez.

Page 16: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

13

kairos. Identificamos artigos com posição de crítica a governos, estados e modelos políticos. O

tempo nesse assembleianismo é visto como uma dimensão efêmera e os governos incapazes de

promover uma sociedade justa e equânime. Desse modo, o chronos esteve ligado ao aiôn, que

está relacionado com o tempo do fim. O discurso escatológico é concebido e estruturado a partir

de realidades concretas. Desse modo, acreditamos que a escatologia pentecostal foi um

empoderamento discursivo de crítica social. No que diz respeito ao kairos, o analisaremos a

partir das experiências de êxtase de certas formas de ascetismo no assembleianismo desse

período e como eles foram canalisados para manifestar descontamento popular.

No período intermediário ou de transição, a saber, 1946-1977, descreveremos e

analisaremos a participação de assembleianos em diferentes áreas da política nacional. O fim

da Segunda Grande Guerra representou significativas mudanças políticas e econômicas no

mundo que se refletiram no Brasil. Com a polarização Estados Unidos versus União das

Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) o governo brasileiro intensificou suas relações com

os norte-americanos. Foi o período do American way of life. De igual modo, a influência sueca

nas Assembleias de Deus passou a ser cada vez menor, de modo que os missionários

estadunidenses ganharam proeminência. Alguns desses missionários foram Bernhard Johnson

Jr, Lawrence Nels Olson, Orlando Boyer e a missionária Ruth Dorris Lemos.

Com o fim da ditadura de Getúlio Vargas os partidos políticos puderam voltar a

funcionar, de modo que nesse período surgiram personalidades ligadas às Assembleias de Deus

que atuaram em política partidária. Entre 1959 e 1983 o mineiro e assembleiano João Gomes

Moreira exerceu o cargo de deputado estadual. Um dos assembleianos que mais se destacaram

na política desse período foi o pastor Antônio Torres Galvão, que ficaria conhecido como o

libertador de Paulista. Eleito deputado estadual em Pernambuco no ano de 1946 seria reeleito

o mais votado de seu estado nas eleições de 1950. Este feito foi matéria tanto do jornal

Mensageiro da Paz como de outros periódicos publicados pelas Assembleias de Deus. O pastor

Antônio Torres Galvão também se tornaria o único operário da história do estado de

Pernambuco a se tornar governador. Antes da carreira na política partidária o pastor Galvão

liderou um dos maiores sindicatos de operário da América Latina. O pastor da Assembleia de

Deus do Ministério de Madureira, Paulo Leivas Macalão, esteve sempre muito próximo à

política partidária. A família Macalão esteve muito próxima ao governador nacionalista de São

Paulo, Adhemar de Barros.

Em nossa pesquisa discutimos as implicações das relações entre o pentecostalismo e o

mundo da política desse período. Analisamos em que medida ter representantes assembleianos

na política representou empoderamento para a comunidade pentecostal que ainda vivia às

Page 17: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

14

margens dos processos sociais no Brasil. Estabelecemos estão uma relação entre

representatividade pentecostal política e cidadania. Durante o período do Regime Militar a ação

e posição política não foram homogêneas nas Assembleias de Deus. Houve pastores que

estiveram próximos aos militares, mas também houve lideranças pentecostais que criticaram e

atuaram contra o regime.

Nas décadas de 1940, 1950 e 1960 houve forte desenvolvimento das Ligas Camponesas

e uma de suas principais lideranças foi o assembleiano Manoel da Conceição; perseguido e

torturado pelos militares teve uma de suas pernas amputadas. No período em que esteve preso

houve significativa pressão nacional e internacional por sua libertação. No final da ditadura

houve ainda outras lideranças políticas ligadas às Assembleias de Deus. Acreditamos que uma

das principais delas foi o pastor Joanyr de Oliveira, que também foi o responsável pela coluna

Parlamento do jornal Mensageiro da Paz. É também em fins da década de 1970 que são

lançadas as bases de um projeto político de caráter mais corporativista nas Assembleias de

Deus.

No período de 1978-1988 aconteceu o fim do Regime Militar e a consequente

reconstitucionalização no Brasil. Chamaremos esse recorte histórico de transição democrática

tendo em vista que não havia mais ditadura, mas também ainda não havia plena democracia. A

nova ordem democrática seria restaurada em fins de 1988 quando a Constituição foi

promulgada. Nesse período, há vários artigos no jornal Mensageiro da Paz sobre a necessidade

de mais envolvimento das Assembleias de Deus na política partidária nacional.

Tanto nas eleições de 1978 como nas de 1982 há lideranças pentecostais eleitas para

exercer cargos de deputado estadual e federal. Além disso, pastores assembleianos transitavam

pelos corredores do poder em Brasília. Foi também nesse período que foram lançadas as bases

para a criação da Frente Parlamentar Evangélica (FPE). Uma das principais lideranças

assembleianas que estiveram na origem da referida frente foi Benedita da Silva. Quando

analisamos a atuação de parlamentares pentecostais percebemos que não há homogeneidade

política entre eles e a Benedita da Silva foi um dos principais exemplos que ilustram essa

constatação.

Nas eleições para o Congresso Nacional Constituinte em 1986 houve um significativo

número de assembleianos eleitos. Analisaremos aquele novo momento das Assembleias de

Deus a partir da diferença entre visibilidade pública da religião e presença pública da religião.

Também discutiremos como a estrututura do Estado moderno contribuiu para o tipo de atuação

evangélica e pentecostal na política brasileira. No que diz respeito ao aiôn veremos como o

discurso escatológico foi redimensionado e se alinhou a estruturas hegemônicas. Quanto ao

Page 18: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

15

kairos, no período da Assembleia Nacional Constituinte os deputados assembleianos estiveram

circunscritos em dimensões da biopolítica. Assim como fizemos no período 1930-1945, no

recorte histórico 1978-1988 também analisaremos os artigos do jornal Mensageiro da Paz a

partir das temporalidades chronos, aiôn e kairos. Assim como fizemos no período 1930-1945,

no recorte histórico 1978-1988 também analisaremos os artigos do jornal Mensageiro da Paz a

partir das temporalidades chronos, aiôn e kairos.

Na parte final de nossa pesquisa analisamos o assembleianismo e a política a partir da

biopotência das margens. Defendemos a tese de que desde 1930, que é o início de nossa

pesquisa, há posição e ação política nas Assembleias de Deus. Como resultado disso,

questionamos a ideia do apoliticismo pentecostal. Nossa hipótese é de que no período 1930-

1945 o pentecostalismo foi um polo de biopotência. Se a biopolítica é o poder sobre a vida, a

biopotência é o poder da vida. Doutrinas como a escatologia e pneumatologia contribuíram

para que nos espaços marginais onde se reuniam os pentecostais fossem criados novos modelos

de sociabilidade e de cooperação; eram também espaços de criação de outras narrativas e de

crítica a modelos hegemônicos e excludentes. O pentecostalismo foi um movimento que

promoveu a dignidade humana de sujeitos subalternos. A ideia do apoliticismo pentecostal parte

do pressuposto de que os assembleianos não participavam da vida política brasileira porque não

quiseram; poucas pesquisas questionam se a referida não participação se deu porque muitos

deles não puderam. Principalmente no período de 1930-1945 quase a totalidade de

assembleianos era constituída de sujeitos marginalizados e, por isso mesmo, subalternos.

Faremos essa discussão a partir de corpos subalternos pentecostais, de lugares e de saberes

subalternos pentecostais. A partir desse contexto de subalternidade o pentecostalismo foi um

vetor de biopotência.

Page 19: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

16

2 MILENARISMOS, POSIÇÃO E AÇÃO POLÍTICA

2.1 INTRODUÇÃO

As crenças milenárias escatológicas não falam apenas do fim do mundo, mas do fim de

um tipo de mundo. Quando os europeus chegaram a terras brasileiras e tiveram contato com os

ameríndios Tupi-Guarani observaram uma cultura religiosa com marcas do milenarismo;

profetas dessas tribos percorriam aldeias e diziam que eram a reencarnação de heróis tribais e

que um novo tempo, uma nova era seria implantada em breve (QUEIROZ, Maria, 1965, p. 78).

Nas cosmologias antigas dos Guarani há lendas relacionadas com a criação e a destruição do

mundo; logo, esses povos ameríndios elaboraram suas próprias doutrinas escatológicas. Entre

os Apopocúva-Guarani essas narrativas são conhecidas através de profecias, sonhos e outras

especulações escatológicas.

As narrativas religiosas destes grupos milenaristas sobre o dilúvio, por exemplo, estão

relacionadas com a destruição e a recriação de um mundo. Nessa dialética as cataclismologias

marcam a transição de uma era de sofrimento e corrupção para uma era de ouro que será

instaurada. Esses povos originários que viviam na costa brasileira também esperavam uma terra

sem mal; um retorno ao paraíso.

Na segunda metade do século XV vários grupos Tupi que habitavam a costa brasileira

partiram com destino ao Peru, de modo que tal peregrinação pode ter sido motivada pelo desejo

de encontrar a terra sem males. Ainda nesse período, feiticeiros de aldeias na Bahia

conclamaram os ameríndios a iniciar um êxodo; entretanto, foram impedidos por um

missionário jesuíta.

No início do século XVI grupos de Tupinambá partiram em busca da terra sem males e

em sua peregrinação atravessaram o Brasil até chegar aos Andes. Entretanto, ao se depararem

com os espanhóis foram obrigados a voltar e muitos se estabeleceram às margens do rio

Amazonas (QUEIROZ, Maria, 1965, p. 112). Movimentos semelhantes ocorreram em estados

como Pernambuco e São Paulo. Liderados e movidos pelos oráculos proféticos do pajé milhares

de ameríndios se deslocaram do litoral brasileiro em busca do paraíso terreste. Fome, doenças

e os sistemas de escravidão impostos pelos europeus também forçaram essas peregrinações.

Page 20: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

17

Enquanto fala mítica e profética o discurso milenarista não está relacionado com a “fuga

do mundo”, mas vaticina o aniquilamento de um tipo de mundo e o renascimento de outro. O

discurso sobre o céu é um discurso sobre a terra. Sendo assim, o milenarismo é também um

posicionamento político, neste caso, de protesto e descontentamento; uma inquietude

escatológica.

No século XVI, os camponeses liderados por Thomas Müntzer adotaram uma

metalidade milenarista em sua revolta contra os sistemas de opressão social. Bloch viu nessa

revolta a história subterrânea do socialismo. Em terras brasileiras, além dos Tupi-Guarani,

grupos de sertanejos e caboclos também adotaram mentalidades milenaristas como forma de

protesto e descontentamento social. Aqui destacaremos três: Canudos, Contestado e a

comunidade liderada pelo Padre Cícero.

As falas milenaristas e escatológicas podem ser também uma crítica à degradação dos

ecossistemas e aos sistemas econômicos e políticos mundiais. As relações de opressão a

determinados grupos estão na origem das narrativas milenaristas? Talvez não na origem, mas

elas pelo menos potencializam os anseios de retorno ao paraíso. Ao longo do texto discutiremos

cinco mentalidades milenaristas e a relação delas com posicionamentos políticos: mentalidade

milenarista de crítica social; mentalidade milenarista como ideia de progresso; mentalidade

milenarista de descontentamento popular; mentalidade milenarista de incerteza; e mentalidade

milenarista relacionada com o receio de perda de valores identitários.

Os discursos de quase a totalidade dos pentecostalismos no Brasil estão alinhados com

o milenarismo. As Assembleias de Deus ligadas à CGADB (Convenção Geral das Assembleias

de Deus no Brasil) que são nosso principal objeto de análise nesta pesquisa seguem o chamado

pré-milenarismo. Seja através das revistas com estudos bíblicos usadas pela maioria das igrejas

Assembleias de Deus desde a década de 1920, de nome Lições Bíblicas ou do próprio jornal

oficial da denominação, Mensageiro da Paz, a doutrina de um reino milenial é difundida desde

as primeiras décadas do estabelecimento da referida denominação pentecostal no Brasil. Qual

a relação entre as crenças escatológicas das ADs com seus posicionamentos políticos na

sociedade brasileira? Essa e outras questões serão analisadas nesta pesquisa.

2.2 CARACTERIZAÇÃO DO MILENARISMO

Page 21: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

18

2.2.1 Aspectos Conceituais

As crenças milenaristas estão presentes tanto no judaísmo como no cristianismo. Ao

analisarmos os aspectos histórico-sociais e teológicos de determinados grupos milenaristas

devemos associá-los ao messianismo que consiste na espera do retorno do messias que virá

junto com o reino de justiça e felicidade eterna. Mesmo assim, milenarismo e messianismo são

elementos distintos. Na tradição cristã o milênio trará o messias e não necessariamente o

messias trará o reino; isso porque, ao contrário do judaísmo, o messias prometido – Jesus - já

se manifestou.

Uma ideia constante no milenarismo diz respeito ao paraíso, o qual remete a um passado

onde o espaço-tempo era perfeito. A ruptura com esse paraíso abriu caminho para períodos

históricos onde a humanidade se autodestrói e os ecossistemas estão desregulados; entretanto,

o futuro reserva o retorno ao paraíso onde a justiça, a ordem e a felicidade serão restauradas.

Há uma reconciliação cósmica entre o passado perdido e o futuro prometido. Portanto, o reino

milenial será implantado no mundo. A partir daí podemos falar de uma sociologia da espera e

se estabelece uma interrelação entre fatos religiosos e fatos sociais (DESROCHE, 2000, p. 28).

Quando falamos de milenarismo não nos referimos ao fim do mundo. A doutrina

milenarista se relaciona com o fim de um tipo de sociedade imperfeita e o começo de outra

plenamente justa e perfeita. Entendemos por milenarismo como a crença no retorno do paraíso

perdido; lugar esse onde a igualdade, a felicidade e a justiça original serão restauradas. Para os

diversos grupos que adotam mentalidades milenaristas a vinda para essa “terra sem males” pode

acontecer tanto por intervenção divina como por práticas de ação política.

Acreditamos que as crenças milenaristas podem se secularizar e assumir outras formas

na modernidade. Um exemplo disso seria pensar a política como instrumento de redenção e de

graça social com o fim de se chegar ao modelo de uma sociedade plenamente justa e feliz. Um

dos autores que discutiu os processos de secularização e laicização do milenarismo foi Jean

Delumeau (DELUMENAU, 1997). O milenarismo nem sempre está associado a grupos que,

em razão da crença na volta de um messias, entrariam num estado de alienação política e social.

Há, ao longo na história, diversos grupos messiânico-milenaristas vinculados a movimentos

revolucionários e de protesto social. Posteriormente faremos menção de alguns desses grupos.

Page 22: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

19

Na tradição protestante o milenarismo se divide em pré-milenarismo e pós-milenarismo

(DESROCHE, 2000) No primeiro, acredita-se que os mil anos de justiça e felicidade serão

precedidos pela repentina vinda de Cristo. Entretanto, não há consenso, principalmente entre os

grupos evangélicos se os mil anos são literais ou simbólicos. Já para o pós-milenarismo o Reino

de Deus é estabelecido de maneira gradual na sociedade e é fruto do esforço humano e de

práticas sociais voltadas para a correção de injustiças. Com efeito, no pós-milenarismo o

milênio é compreendido como o estado final do processo evolutivo, quando, enfim, a sociedade

humana será plenamente justa e equânime. Portanto, tanto o pré como o pós-milenarismo

esperam por um futuro onde todas as contradições sociais não existirão mais. Uma das

diferenças é de que para o pré-milenarismo esse retorno ao paraíso se dará de maneira abrupta,

sobrenatural e violenta, tendo em vista que a volta de Cristo representará o desdobramento final

das profecias apocalípticas. Já para o pós-milenarismo a chegada do Reino de Deus se dará de

maneira progressiva, mas não imune a conflitos, lutas revolucionárias e violência.

Quanto há de pessimismo e otimismo em cada uma dessas duas correntes? Os pré-

milenaristas tendem a ser mais pessimistas em relação ao tempo presente? Caso a resposta para

a pergunta seja positiva, essa postura faz com que os pré-milenaristas não se interessem pelas

questões como a política, por exemplo? A discussão a respeito dessas perguntas faremos a partir

da análise de grupos milienaristas no Brasil.

Pedro Ribeiro de Oliveira (OLIVEIRA, P., 1985, p. 241) emprega o termo “movimentos

sociorreligiosos de protesto social” a determinados grupos que se inspiram em crenças

milenaristas para expressarem algum tipo de descontentamento popular. Para Roger Bastide

(BASTIDE, 2006) o milenarismo está relacionado a práticas de resistência de grupos oprimidos

e dominados os quais criam uma nova identidade social a fim de restaurar sua dignidade.

Portanto, milenarismo não deixa de ser um posicionamento político. Além disso, “há

determinadas crenças que são posições políticas, mas não tem coragem de dizer seu nome”

(ZIZEK, 2012a, p. 12). Sendo assim, acreditamos que crenças milenaritas podem se caracterizar

como protesto e crítica popular, tendo em vista que há uma relação direta entre grupos

subalternos e crenças milenaristas.

A literatura sobre milenarismo cristão e de maneira específica o protestantismo se baseia

em textos do Antigo Testamento como esses do profeta Isaías a fim de fundamentar a espera

messiânica e também o reino vindouro estabelecido por Deus. A Bíblia de Estudo Pentecostal

(1995, p. 1071) tem uma nota a respeito desses textos na qual diz: “Esta profecia prediz o futuro

reino de Deus na terra; o pecado e morte já não existirão”. Encontramos outros textos utilizados

pelo milenarismo também no livro do profeta Daniel 2.44: “Mas, nos dias destes reis, o Deus

Page 23: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

20

do céu levantará um reino que jamais será destruído”. O comentário da Bíblia de Estudo

Pentecostal (1995, p. 1248) diz: “É certo que a presente ordem mundial não durará para sempre,

mas o reino de Deus, sim durará para sempre”.

Outro texto muito usado pelo milenarismo de grupos protestantes é o de Apocalipse

20.6, o qual afirma: “Bem-aventurado e santo aquele que tem parte na primeira ressurreição.

Sobre estes não tem poder a segunda morte, mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão

com ele os mil anos”. Mais uma vez a Bíblia de Estudo Pentecostal (1995, p. 2009) diz: “Nesse

reino haverá paz, segurança, prosperidade e justiça em toda a terra. A natureza será restaurada

à sua condição original de ordem, perfeição e beleza”. Essa última parte do comentário da Bíblia

de Estudo Pentecostal sobre a natureza evidencia ainda mais a ideia da volta ao paraíso perdido;

é preciso ir para aquele lugar original onde não existem contradições sociais ou desequilíbrios

naturais. Mais do que um dogma cristão ou pentecostal esse anseio pela volta ao paraíso faz

parte da condição humana e, por isso, o milenarismo ultrapassa as fronteiras confessionais.

2.2.2 Aspectos Históricos

No período da Patrística o milenarismo também foi difundido no cristianismo. Irineu foi

um dos chamados pais da Igreja quem mais propagou o milenarismo. Para Irineu, depois de um

período de domínio do Anticristo, Jesus voltaria dos céus e inauguraria seu reino de justiça e

paz. Ao descrever esse período Jean Delumeau diz que “o milenarismo não era apenas uma

doutrina corretamente admitida nas comunidades cristãs do Oriente. Era também partilhada por

cristãos do Ocidente” (DELUMENAU, 1997, p. 26). Depois de Irineu nomes como Tertuliano

e Hipólito também ensinaram as doutrinas milenaristas.

Entretanto, de maneira gradual setores do cristianismo no período medieval propuseram

uma leitura mais alegórica do milênio o que reduz a expectativa imediata da volta de Cristo, ao

passo que o milênio seria um período de tempo indeterminado que se iniciaria em Jesus e se

estenderia ao longo da história da Igreja. Essa leitura escatológica se tornou hegemônica no

cristianismo; todavia, a vertente anterior nunca deixou de despertar fascínio em autores e em

grupos cristãos.

Agostinho, bispo em Hipona no século V, adotou uma interpretação alegórica do

milênio, de modo que os mil anos indicariam a plenitude dos tempos. Mas isso não significa

que Agostinho abandonou o milenarismo. Ele escreveu sobre a escatologia, acreditava num pré-

Page 24: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

21

determinado fim do mundo. Ao longo da história, grupos católicos e protestantes se alinharam

ao tipo de milenarismo agostiniano.

No que diz respeito ao milenarismo no período medieval, Ernst Bloch em Müntzer,

Teólogo da Revolução (1973) discute as proximidades entre movimentos messiânico-

milenaristas e utopias. Bloch faz uma análise da revolta dos camponeses durante o período da

Reforma; Müntzer foi um dos líderes das agitações que reivindicavam uma reforma não apenas

religiosa, mas também social. Juntou-se aos camponeses um grupo de proletários das cidades e

também mineiros que se sentiam explorados. Apesar de Müntzer não fazer referência direta ao

milenarismo, Bloch parece ter visto proximidades entre a revolta dos camponeses e os anseios

pelo paraíso perdido.

No tocante à guerra dos camponeses, à campanha contra as imagens e ao

espiritualismo, é preciso considerar, ao lado dos elementos econômicos, o

elemento originário essencial do conflito: o sonho mais antigo, a irrupção da

história herética, o êxtase do andar ereto e a vontade rebelde, séria,

impaciente, que anseia encontrar o paraíso. Inclinações, sonhos [...]

alimentam-se de fontes que não são as da necessidade mais visível: mesmo

assim elas não são pura ideologia; não desaparecem, dão colorido a amplas

etapas do caminho, nascem de um ponto original da alma que produz valores,

continuam a arder mesmo depois de catástrofes empíricas, mostrando a todas

as épocas [que] o quiliasmo da guerra dos camponeses permanentemente

presente (BLOCH, 1973, p. 215).

Sendo assim, milenarismos e utopias parecem estar circunscritos numa mesma

dimensão psíquico-social de anseio pelo retorno ao paraíso perdido. Mas diante da demora e

das muitas contingências que impedem a chegada desse paraíso é comum o sentimento de

frustração; logo frustração e milenarismo-utopia estão relacionados? Os pentecostais que

esperam um paraíso fora da história tenderiam a ter um sentimento de menos frustrações, tendo

em vista que não esperam a redenção social e o retorno ao paraíso pela instrumentalidade de

práticas políticas? Isso ficara mais evidente na análise que faremos no período 1930-1945.

Os principais teólogos protestantes como Lutero, Melâncton, Andreas Osiander, Pierre

Viret, William Perkins e Calvino falaram a respeito de um iminente fim do mundo. Além disso,

vários comentaristas católicos continuaram a escrever e ensinar doutrinas milenaristas. Com a

transição do período medieval para o Renascimento e o início das grandes navegações as

doutrinas milenaristas chegaram a outras partes do mundo como a América Latina. O padre

português Antônio Vieira foi autor de inúmeros sermões com temáticas escatológicas e

milenaristas. Para Vieira o quinto reino profetizado em Daniel 2.44 estaria muito próximo, de

modo que esse reino seria instaurado dentro do mundo. Lisboa seria o centro desse novo

Page 25: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

22

império, o papa e a Igreja seriam seus líderes. Não haveria mais guerra, de modo que a paz e a

felicidade seriam plenas no mundo.

2.3 MENTALIDADES MILENARISTAS

Em nossa pesquisa, analisamos cinco mentalidades milenaristas: mentalidade

milenarista de crítica social; mentalidade milenarista como ideia de progresso; mentalidade

milenarista de descontentamento popular; mentalidade milenarista de incerteza; e mentalidade

milenarista relacionada com o receio de perda de valores identitários. Essas mentalidades são

flutuantes, não fixas, de modo que o grupo sociorreligioso pode apresentar mais de uma em

determinado momento histórico.

A mentalidade milenarista de crítica social é adotada por indivíduos e grupos

sociorreligiosos que fazem uma crítica direta a sociedades e aos sistemas opressivos. Em geral,

esse grupo tem caráter revolucionário com recusa total ou parcial do mundo presente. Anseiam

que a sociedade seja remodelada com novos valores para o cotidiano; querem uma sociedade

alternativa com maneiras novas de organizar o universo simbólico (CAMPOS, L., 2012). Um

exemplo dessa mentalidade milenarista foi a revolução camponesa liderada por Thomas

Müntzer no período da Reforma Protestante. Ernst Bloch (1973) escreveu que Müntzer

prefigurou a revolução socialista que viria nos séculos posteriores. Bloch escreveu sobre

Thomas Münzer em 1920 com o objetivo de discutir as relações entre religião e marxismo bem

como a temática da luta de classes na Alemanha.

Em sua análise Bloch relaciona teologia e marxismo, metafísica e materialismo

histórico. Com efeito, a revolução que ele analisa é econômico-política e metafísico-religiosa.

O aspecto místico e apocalíptico que Bloch resgata era importante “a fim de corrigir a

unilateralidade da perspectiva revolucionária do marxismo-leninismo, a fim de valorizar, em

nível de uma filosofia social, o momento teológico e revolucionário” (MÜNSTER, 1982, p.

187).

Bloch fez muitas citações de trechos bíblicos que denunciavam a opressão dos pobres

pelos ricos e, provavelmente, esse foi um dos motivos pelos quais seu texto foi rejeitado por

parte da burguesia alemã. Além disso, Bloch era, por questões óbvias, alinhado a Münzer contra

Lutero. Desse modo, Bloch viu na revolta dos camponeses do século XVI a chave para

compreender luta de classes (MÜNSTER, 1982).

Page 26: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

23

Bloch pesquisou as crenças do fim dos tempos tanto no Antigo Testamento como em

espiritualidades cabalísticas. Para ele, os sonhos individuais e coletivos bem como os anseios

pelo fim das injustiças são impulsionados por energias subjetivas e impulsionadoras das

revoluções. Ao falar dos movimentos com características místico-milenaristas da Idade Média

ele diz: “Assim, se levantou – desde os irmãos Tal, desde os leigos místicos, desde Eckart,

desde Münzer e os espiritualistas – a alma em si mesma, a liberdade como novo e derradeiro

valor” (BLOCH, 1973, p. 76).

Como profeta e teólogo Thomas Münzer também assume características messiânicas a

fim de liderar a revolução que é ao mesmo tempo social e espiritual e é influenciada pelas

utopias de igualitarismo do cristianismo antigo e pelas profecias sobre o fim dos tempos.

“Assim também a arca de Thomas Münzer não buscou nada mais nada menos que os elementos

incondicionais de Cristo e do Apocalipse. A obstinação misturou-se curiosamente com vontade

do cristianismo primitivo” (BLOCH, 1973, p. 61).

Bloch compara a guerra dos camponeses aos movimentos operários dos séculos XIX e

XX, de modo que levanta a hipótese de que o socialismo é herdeiro, em sua dimensão

revolucionária, das guerras camponesas de matriz milenarista e apocalíptica. Entretanto, essa

herança não é apenas histórica e sociológica, mas ela se origina nos anseios de indivíduos e

grupos populares por justiça e equidade. Quando ainda escrevia seu texto em 1920, Bloch disse

que “no espírito inflamado da Rússia, até que o catolicismo apocalíptico finalmente constrói o

caminho do velho mundo até o derradeiro mito, até a absoluta transformação” (BLOCH, 1973,

p. 110). Com tais palavras demonstrou sua esperança de que a revolução russa chegasse também

à Alemanha.

Além de Ernst Bloch, outros teóricos relacionaram utopias políticas com crenças

milenaristas. Delumeau se refere, por exemplo, ao publicista francês Étienne Cabet, que

participou do movimento político do proletariado dos anos 1830-1840 e foi um dos

representantes do comunismo utópico. Étienne Cabet em seu romance Voyage en Icarie

(Viagem à Icária) descreve alguns princípios da organização social que deveria ser estabelecida.

Não haverá pobres, nem ricos, nem domésticos; não mais exploradores nem

explorados; não mais angústias nem aflições; não mais ciúme nem ódios; não

mais cupidez nem ambição; não mais, ou quase não mais, ociosos, nem

preguiçosos, nem bêbados, nem ladrões (CABET apud DELUMEAU, 1997,

p. 319).

Page 27: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

24

Até mesmo em textos de Michel Bakunin3 podemos encontrar “resquícios” de crenças

milenaristas quando ele diz que “alta e bela se erguerá em Moscou a constelação da revolução

acima de um mar de sangue e de fogo, e ela se tornará a estrela que guiará para a felicidade toda

a humanidade liberada” (BAKUNIN, 1999, p. 104).

Slavoj Zizek, destacado filósofo e psicanalista esloveno, usa a narrativa escatológica

dos quatro cavaleiros do apocalipse4 para fazer sua crítica ao capitalismo que segundo ele

conduz o mundo ao Armagedon econômico.

O sistema capitalista global aproxima-se de um ponto zero apocalíptico. Seus

quatro cavaleiros do Apocalipse são a crise ecológica, as consequências da

revolução biogenética, os desequilíbrios do próprio sistema (problemas da

propriedade intelectual, a luta vindoura por matéria-prima, comida e água) e

o crescimento explosivo de divisões e exclusões sociais (ZIZEK, 2012b, p.

180).

A mentalidade milenarista como ideia de progresso incide nos projetos econômicos e

sociais que supostamente conduzirão a humanidade à felicidade terrestre coletiva. Ao longo do

século XVIII a vinculação entre progresso e felicidade foi um pensamento recorrente. Há uma

visão otimista quanto ao futuro. Na Grã-Bretanha Joseph Mede5 foi um dos primeiros a

relacionar o milênio com a idade de ouro que viria com o progresso. Ele fez uma interpretação

científica do apocalipse (DELUMEAU, 1997), pois defendia que os cataclismas e destruições

das narrativas apocalípticas não deveriam sem interpretados de maneira literal. Em sua visão

otimista do futuro também questionava a ideia de um pecado original, pois a humanidade

caminhava para um estado de perfeição e felicidade. Sendo assim, Mede foi um dos primeiros

a lançar as bases do pós-milenarismo na modernidade.

Joseph Priestley6 viu na Revolução Francesa uma espécie de cataclisma, de tremor que

antecedia a chegada do milênio quando diz que “assim, qualquer que tenha sido o começo deste

mundo, o fim será glorioso e paradisíaco, ultrapassando tudo o que nossas imaginações podem

agora conceber” (PRIESTLEY apud DELUMEAU, 1997, p. 280). Os teóricos milenaristas

imaginavam que o progresso levaria a um estágio final da plena felicidade humana; quando isso

ocorresse a história se deteria e a humanidade não mais evoluiria.

3 Bakunin (1814-1876) era um anarquista e durante os anos 1848-1849 tomou parte ativa nas rebeliões que

ocorreram em Paris, Praga e Dresden. 4 O texto de Apocalipse 6 fala de quatro cavaleiros: branco, vermelho, preto e amarelo. Eles surgem na terra e são

incumbidos de causar destruição. 5 Mede nasceu em 1586. Era egiptólogo e hebraísta. Foi autor do livro Chave do Apocalipse. 6 Joseph Priestley nasceu em 1733. Foi teólogo, filósofo naturalista e político britânico.

Page 28: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

25

A mentalidade milenarista de descontentamento popular está presente em grupos de

resistência, que almejam criar uma nova identidade social. A dimensão religiosa é em maior

grau, de modo que o grupo não se considera revolucionário ou não dispõe dos meios necessários

para fazer a revolução. Enquanto grupos explorados e oprimidos anseiam por justiça, quase

sempre se congregam ao lado de líderes carismáticos ou profetas. Em geral, esperam que os

sistemas que perpetuam a opressão sejam destruídos pelo elemento sobrenatural. A intervenção

divina e não os processos revolucionários ou progresso garantirá a instauração da idade de ouro.

A mentalidade milenarista de incerteza é assumida por pessoas e grupos em momentos

de cataclismas, guerras, doenças, entre outros eventos destrutivos. No sermão profético de Jesus

em Mateus 24.6 quando fala que “Ouvireis de guerras e rumores de guerras” é assumido pelos

grupos de mentalidade milenarista de incerteza como prelúdio do fim do mundo. Entretanto,

esse tipo de mentalidade não estaria fundamentado em certas racionalidades, no sentido de que

o mundo como funciona hoje estaria a caminho do caos? Os discursos de grupos como o

Greenpeace, que alertam para uma possível destruição do planeta caso a natureza continue

sendo agredida, não é também uma mentalidade milenarista de incerteza?

A mentalidade milenarista como receio da perda de valores identitários está presente

em grupos que promovem uma contracultura. Podemos indentificá-la em grupos conservadores.

Um exemplo disso foi o que ocorreu a partir da década de 60 nos Estados Unidos. As mudanças

sociais ocorridas nessa década, relacionadas com a revolução sexual, defesa dos direitos civis

de homossexuais, negros e mulheres, foram interpretadas com um claro sinal da decadência da

civilização humana e, por conseguinte, da volta de Cristo a Terra. Essas mudanças sociais

fizeram com que várias igrejas se unissem aos movimentos conservadores, pois segundo eles

era preciso salvar a sociedade norte-americana da ruína.

Os evangélicos conservadores norte-americanos não aceitavam a decisão da Suprema

Corte americana de excluir o culto obrigatório das escolas públicas. Entretanto, para os juízes

que tomaram essa decisão o Estado era laico, de modo que patrocinar o culto de determinada

crença religiosa seria inconstitucional.

Em 1963 a Suprema Corte americana também excluiu a obrigatoriedade da leitura

bíblica das escolas. Mais uma vez os conservadores identificaram que estruturas diabólicas

estariam por trás de políticas secularistas e resolveram contra-atacar. Nos anos de 1960 e 1970

grupos evangélicos do sul dos Estados Unidos diziam que o humanismo secular era um inimigo

dos valores cristãos, ao passo que fizeram uma lista com os pontos que identificavam esse

humanismo:

Page 29: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

26

Nega a divindade de Deus, a inspiração da Bíblia e a natureza divina de Jesus

Cristo. Nega a existência da alma, da vida após a morte, da salvação e do céu,

da condenação e do inferno. Acredita que não existem absolutos, nem certo,

nem errado – que os valores morais são autodeterminados e circunstanciais.

Faça o que quiser, “desde que não prejudique ninguém”. Acredita na

eliminação de papéis distintivos do homem e da mulher. Acredita na liberdade

sexual entre indivíduos, de qualquer idade, inclusive em sexo antes do

casamento, homossexualismo, lesbianismo e incesto. Acredita no direito ao

aborto, à eutanásia e ao suicídio. Acredita na distribuição equitativa da riqueza

americana para reduzir a pobreza e estabelecer a igualdade. Acredita em

controle do meio ambiente, controle de energia e sua limitação. Acredita no

fim do patriotismo americano e do sistema de livre empresa, no desarmamento

e na criação de um governo socialista universal (CARVALHO, 2013, p. 70).

Na cultura religiosa evangélica e pentecostal a mentalidade milenarista como receio da

perda de valores identitários também foi assumida. Nesse tipo de mentalidade é mais evidente

o dualismo, a luta entre o bem e o mal, Deus e o diabo. Para os conservadores essas dimensões

do mal devem ser combatidas, sobretudo no espaço público da política.

2.4 CRENÇAS MILENARISTAS NO BRASIL NA VIRADA PARA O SÉCULO 20

2.4.1 A República Velha e o Fortalecimento do Coronelismo e das Oligarquias Rurais (1889-

1930)

No final do século XIX a cidade do Rio de Janeiro e as principais capitais brasileiras

experimentavam um considerável crescimento. Milhares de imigrantes chegavam da Europa

em busca de melhores oportunidades de vida. Nessas cidades, o cotidiano era complexo; o

progresso uma realidade. Na esteira dos ideais de progresso do final do século XIX, o Rio de

Janeiro passou por transformações na esfera pública e privada a fim de incorporar ideais

modernos (NEVES, M., 2014). Entretanto, situação oposta era vivida nos sertões e no interior

do Brasil. Ali, prevalecia a lógica do privilégio, do favor e da submissão inquestionável aos

coronéis. Prevalecia um tipo de sociedade visivelmente hierarquizada.

Na República Velha tivemos esses dois cenários distintos: Progresso na capital federal

e marasmo no interior. Euclides de Cunha falou de “dois Brasis, o do litoral civilizado e o do

sertão ainda em plena fase colonial, dois mundos separados não pela natureza, mas por séculos

de evolução histórica e social” (CUNHA, E., 2011, p. 9). As políticas públicas e privadas

Page 30: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

27

voltadas para o progresso contribuíram para o surgimento de bolsões de pobreza nas grandes

capitais.

Embora a proclamação da República tenha ocorrido no dia 15 de novembro de 1989 o

republicanismo brasileiro foi oficializado com a publicação do Manifesto Republicano em

1870, em forma de encarte na primeira edição do jornal A República. Os projetos de um

federalismo descentralizado eram articulados por partidos políticos provinciais; o fim do

sistema escravista também foi decisivo para minar os sustentáculos do regime monárquico no

Brasil. Depois da proclamação da República a família imperial foi levada de Petrópolis para o

Paço Imperial onde permaneceram sob custódia e na madrugada do dia 17 foram enviados para

o exílio na Europa (NEVES, M., 2014). A proclamação da República em novembro de 1889

não significou mudanças significativas na estrutura social brasileira, de modo que esse evento

foi incompleto, apesar de reconhecermos sua relevância histórica para Brasil.

Os primeiros anos do regime republicano foram tensos e de muita instabilidade, tendo

em vista que a nova ordem prometida pelos republicanos não se efetivou nos primeiros anos. O

presidente Campos Sales, sucessor do Marechal Deodoro acreditava que a instabilidade

nacional viria mediante o fortalecimento do federalismo, pois, para ele a República seria

governada a partir dos estados. Para que isso se concretizasse Campos Sales fez acordos com

as oligarquias regionais e nesse sistema o coronel era a figura central

Agora, com base no peculiar federalismo da primeira República brasileira, era

possível fazer funcionar a chamada política dos governadores, que garantia ao

governo federal o apoio necessário – traduzido sobretudo no fornecimento de

uma base eleitoral – enquanto este oferecia em troca as verbas necessárias para

a manutenção do prestígio da situação nos estados e municípios e, para casos

de necessidade, o mecanismo da Comissão de Verificação de Poderes,

encarregada de corroborar os resultados eleitorais. Nas raras ocasiões em que

as eleições escapavam das rédeas da situação, a Comissão simplesmente

impedia a titulação de eleitores. Na base do sistema estava a figura do coronel,

dono da vontade dos eleitores (NEVES, M., 2014, p. 39).

As eleições eram o argumento para legitimar o poder, mas não significam a soberania

popular. Talvez não seja exagero afirmar que durante a República Velha o coronel foi o

representante do Estado. As principais oligarquias estavam em São Paulo e Minas Gerais e

foram elas que ditaram as regras do jogo político até 1930. Logo abaixo se destacavam as

oligarquias do Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul. Essas oligarquias eram compostas

de coronéis que alcançaram a hegemonia política em seus respectivos estados.

Page 31: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

28

A Constituição promulgada em 1891 que tinha por objetivo ser uma Constituição

Liberal7 conviveu com práticas políticas oligárquicas. Esse liberalismo oligárquico

(RESENDE, 2014) perdurará até 1930 quando o governo centralizador de Getúlio Vargas

enfraquecerá o coronelismo regional. Os 40 anos seguintes à proclamação da República foram

caracterizados pelo domínio de uma minoria e a exclusão da maioria dos brasileiros dos

processos políticos. Como já referimos anteriormente o federalismo promoveu a

descentralização do poder, o qual foi distribuído entre estados e municípios. Os coronéis

exerceram sua influência nos municípios, ao passo que as oligarquias possuíam um poder a

nível estadual e nacional. Enquanto chefes da política municipal, os coronéis foram elementos

fundamentais no funcionamento do sistema federativo na República Velha; sistema esse

baseado no clientelismo e privilégios para uma elite familiar.

O poder privado do coronel no município deve ser entendido a partir de suas bases de

sustentação: a estrutura agrária latifundiária. A estrutura rural foi usada pelos coronéis para

controlar a população que dependia do trabalho nos latifúndios. Poderia haver mais de um

coronel no município, nesse caso eram comuns disputas entre eles pela hegemonia do poder

local. Muitas dessas disputas eram “resolvidas” através da contratação de milícias armadas. Os

coronéis controlavam a polícia e manipulavam a justiça. Caso autoridades estaduais como

promotores e juízes de direito entrassem em conflito com os coronéis eram removidos de seus

postos. Havia o coronel burocrata que era aquele que assumia cargos no legislativo ou executivo

a nível estadual ou federal; ou também “indicava” afilhados políticos para ocuparem cargos

públicos.

O coronel que controlava o município aceitava o convívio com pequenos coronéis desde

que seus interesses não fossem contrariados (RESENDE, 2014). Esses eram os advogados,

médicos, padres, comerciantes, entre outros que exerciam influência nas regiões distritais do

município. Quando o poder do coronel se ampliava a nível estadual ele passava a integrar as

oligarquias. Essas eram integradas, em sua maioria por coronéis, mas era comum a participação

de engenheiros, médicos e advogados. A oligarquia que controlava o Estado poderia ser

formada por uma pessoa, uma família ou grupos de famílias e era comum selar as alianças

políticas através de casamentos.

7 A abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888, põe fim a um processo lento e difícil, que faz ruir a base

social do regime imperial. A abolição e a proclamação da República constituem marcos jurídico-institucionais

que estão na base das questões políticas e sociais a serem enfrentadas pela Assembleia Nacional Constituinte

na esfera da elaboração da primeira Constituição da República. O modelo da Constituição republicana de 1891

é a Constituição dos Estados Unidos da América. Com ele, enquadra-se o Brasil na tradição liberal norte-

americana de organização federativa e do individualismo político e econômico (RESENDE, 2014, p. 93).

Page 32: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

29

A relação de dependência ao coronel foi intensificada pela situação precária dos

municípios, os quais não atendiam às necessidades básicas dos cidadãos. Nesse contexto, o

coronel protegia e mobilizava a segurança coletiva, em troca de apoio a seus interesses

particulares. Nessas relações de poder, era estabelecido um tipo de dominação baseada no

respeito, na lealdade e na veneração. Havia uma espécie de consenso em que o trabalhador

sentia que devia retribuir a proteção do coronel. “Não é possível a descoberta de que sua vontade

está presa à do superior, pois o processo de sujeição tem lugar como se fosse natural e

espontâneo” (FAORO, 2000, p. 714).

Entretanto, houve sertanejos que decidiram se insurgir contra esses sistemas de

exploração, com vistas a uma sociedade justa e igualitária. A sociedade brasileira no pós-

abolição preservou e de certa maneira aprofundou seu sistema social hierarquizado e

excludente. Nesse contexto de uma massa de desprivilegados e uma minoria de privilegiados,

grupos de sertanejos se organizaram a fim de lutar contra as estruturas promotoras da exclusão.

Trataremos de dois deles: Canudos e Contestado que também são considerados movimentos

messiânico-milenaristas.

2.4.2 Milenarismo no Sertão: a Comunidade de Canudos

Antônio Vicente Mendes Maciel8, o Antônio Conselheiro foi a principal liderança da

revolta camponesa de Canudos9. Com um bastão na mão, peregrinava de arraial a arraial pelo

interior da Bahia com um tipo de pregação que enfatizava a salvação pelas obras. Independente

que era do Estado e da Igreja, era opositor da ordem social baseada na exploração dos

camponeses e nos grandes latifúndios. Igualitarismo e solidariedade humana eram uma das

temáticas principais de sua pregação. Para ele, era necessário um retorno ao cristianismo

primitivo, de modo que citava em suas prédicas os Evangelhos e textos de a Cidade de Deus de

Santo Agostinho. Antônio Conselheiro tinha um estilo de vida muito próximo do ascetismo,

pois não comia carne e condenava o uso de bebidas alcoólicas; ele se autointitulava um homem

8 O messias brasileiro mais conhecido e estudado foi Antônio Conselheiro, cuja família se celebrizara em lutas

frequentes no interior do Brasil, a luta entre Maciéis e Araújos, no Ceará. O interior do Nordeste era então

percorrido por missionários itinerantes que iam de lugarejo em lugarejo evangelizando, acompanhados por

uma turba de penitentes e romeiros; Antônio Conselheiro foi a princípio um romeiro, sendo provável que tenha

então atravessado o Ceará, em direção à Bahia. Vivia de esmolas, aceitando somente o necessário para o

sustento de cada dia (QUEIROZ, 1965, p. 203). 9 O conflito armado em Canudos aconteceu de 1896 a 1897.

Page 33: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

30

inspirado por Deus e exigia submissão e respeito. Quanto ao ascetismo em movimentos

camponeses e operários, Moniz cita as palavras de Engels:

Este puritanismo ascético, esta insistência em renunciar os prazeres e alegrias da vida

representam, de um lado uma restauração do princípio espartano da igualdade contras

as classes dirigentes e, de outro, uma etapa necessária de transição, sem a qual os

setores inferiores são incapazes de se porem em marcha (MONIZ, 1987, p. 31).

Apesar de o movimento em Canudos ter sido uma revolta contra o sistema de exploração

dos camponeses, os primeiros conflitos de Antônio Conselheiro foram com a Igreja Católica.

Pregador independente, Antônio Conselheiro interpretava os textos bíblicos à sua maneira,

atitude essa reprovada pelos sacerdotes da Igreja. Não demorou muito para que ele fosse

considerado um herege. Esse discurso de volta ao cristianismo primitivo igualitário significaria

perda de poder econômico e político da Igreja, tendo em vista que para ela na terra sempre

haveria ricos e pobres. Essa era a vontade de Deus. Desse modo, Igreja deveria apoiar o Estado

na manutenção da lei e na obediência às autoridades. Portanto, a pregação de Antônio

Conselheiro era considerada herética pelo catolicismo hegemônico e, por isso deveria ser

recusada (MONIZ, 1987). Apesar da oposição de sacerdotes católicos o número de seguidores

aumentou e o movimento ganhou projeção nacional.

As experiências extáticas eram comuns no movimento, pois o Conselheiro “entrava em

êxtase para se comunicar com o próprio Deus” (QUEIROZ, M., 1965, p. 204). Antônio

Conselheiro também realizava curas e muitos acreditavam que o simples toque de sua barba

poderia expelir os males das pessoas. Com efeito, elementos extáticos e antidogmáticos serão

uma importante característica da religiosidade do movimento de Canudos.

O arcebispo da Bahia, D. Luiz Antônio dos Santos redigiu uma carta ao presidente da

Província da Bahia, João Capistrano Bandeira de Melo, para que Antônio Conselheiro fosse

contido. Nela, o arcebispo reiterou o caráter subversivo da pregação do líder de Canudos. O

presidente da Província, então, contactou o ministro do Império, Barão de Mamoré e pediu-lhe

que Antônio Conselheiro fosse internado num hospício do Rio de Janeiro.

Entretanto, o barão alegou falta de vaga. Tamanho foi o crescimento do movimento em

Canudos que as autoridades se julgavam incapazes de contê-lo. Para elas, além de subversivo

o movimento era caracterizado por uma religiosidade fundamentada em superstição e

fanatismo. Antônio Conselheiro era acusado de “se autointitular o Espírito Santo” (MONIZ,

1987, p. 89).

Page 34: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

31

Antônio Conselheiro percorreu dezenas de cidades e povoados pelo sertão. Um número

expressivo de fiéis o seguia. Não era apenas sua mensagem escatológica que atraía as pessoas,

mas seu ideal de uma sociedade sem humilhação e sofrimento que em breve seria implantada.

Dentre os seguidores de Antônio Conselheiro estavam muitos escravos foragidos e, com a

abolição da escravatura em 1888, muitos ex-escravos também se uniram ao movimento.

Com a autonomia dos municípios na República Velha as Câmaras locais promulgaram

editais relacionados com a cobrança de impostos. Todavia, esses impostos recaíam, em sua

maioria, nas classes menos favorecidas, pois as Câmaras não ousavam cobrar os grandes

proprietários de terras. Ao tomar conhecimento desses editais no interior baiano, Antônio

Conselheiro reuniu o povo, arrancou e queimou os editais na cidade de Bom Conselho como

forma de protesto.

Ao saber do ocorrido o governador baiano Rodrigues Lima enviou um contingente de

policiais com o objetivo de capturar Antônio Conselheiro e acabar com seu bando (MONIZ,

1987). Entretanto, os sertanejos derrotaram os soldados, os quais tiveram que fugir para

Salvador. Esse episódio motivou Antônio Conselheiro a pensar na fundação de uma

comunidade igualitária e sem privilégios. A proclamação da República foi interpretada por

Conselheiro como prenúncio do fim do mundo, ao passo que essa nova ordem era o caminho

para a chegada do Anticristo. Em razão disso, Antônio Conselheiro e seus seguidores

peregrinaram pelo interior do sertão a fim de achar um lugar que seria a “Nova Jerusalém” onde

viveriam até a chegada do Juízo Final. Num dos sermões escatológicos registrados por Euclides

da Cunha o Conselheiro advertia:

Em verdade vos digo, quando as nações brigam com as nações, o Brasil com

o Brasil, a Inglaterra com a Inglaterra, a Prússia com a Prússia, das ondas do

mar D. Sebastião sairá com todo o seu exército. Desde o princípio do mundo

que encantou com todo o seu exército e o restitui em guerra. E quando

encantou-se afincou a espada na pedra, ela foi até os copos e ele disse: Adeus

mundo! Até mil e tantos e dois mil não chegarás! Neste dia quando sair com

seu exército tira a todos no fio da espada deste papel da República (CUNHA,

E., 2011, p. 198).

Dirigiram-se então para o norte da Bahia e fundaram o povoado de Belo Monte que era

uma antiga fazenda chamada Canudos. Ali, as pregações e profecias milenaristas continuaram

e acreditavam num iminente fim do mundo. O povoado cresceu e em pouco tempo já era uma

cidade independente das autoridades civis e eclesiásticas. Nesse lugar, Antônio Conselheiro

almejava o tipo de comunidade onde todos seriam iguais; uma Nova Canaã, a Terra Prometida.

Page 35: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

32

Ex-escravos, emigrantes, vaqueiros, camponeses e demais pessoas que se sentiam

exploradas, a maioria buscava refúgio em Canudos. Além da inexistência de cobradores de

impostos e policiais, Canudos também não permitia prostíbulos. O consumo de álcool era

proibido. Os desejos, a avareza e tudo aquilo que impedisse uma vida de santidade deveriam

ser abandonados. Dos discípulos que seguiam o Conselheiro em suas peregrinações as mulheres

eram em maior número do que os homens. Os sertanejos, com seu modo rude, sentiam a

necessidade de que seus filhos recebessem educação formal, ao passo que fora criada uma

escola de alfabetização para as crianças.

Antônio Conselheiro era o líder absoluto dessa nova comunidade a quem todos

respeitavam. Não se discutia sua autoridade. As possíveis contendas que surgiam entre os

sertanejos eram levadas a ele que era o responsável por resolvê-las. As pessoas que compunham

o movimento se consideravam eleitos, separados e seguidores de crenças reveladas por um líder

carismático. Eram raros crimes em Canudos e quando isso acontecia o Conselheiro

encaminhava o acusado para a comarca mais próxima a fim de ser julgado de acordo com a lei.

Em geral, o clima era de paz na comunidade, muito em razão da maneira como os bens eram

produzidos e distribuídos entre todas e todos. O conceito que vigorava era da propriedade

coletiva das plantações, da terra e da pastagem. A escatologia e o Juízo Final eram temas

constantes da pregação de Antônio Conselheiro, entretanto ele queria que “o reino da terra fosse

igual ao reino celeste” (MONIZ, 1987, p. 76). O reino vindouro onde haverá justiça e paz devia

ser paradigmático para um tipo de sociedade sem exploração e igualitária.

Essa visão de uma comunidade igualitária logo começou a despertar o temor dos grandes

proprietários de terras que viviam da exploração camponesa. Caso os ideais de justiça de

Antônio Conselheiro se espalhassem por outras cidades e originassem outros “canudos” o poder

dos latifundiários seria diminuído. Em 1895 o arcebispo da Bahia enviou o Frei João

Evangelhista a Canudos com o objetivo de dissuadir Antônio Conselheiro a terminar com a

comunidade de Belo Monte. Entretanto, a população rejeitou as investidas do Frei João

Evangelhista que teve que deixar a comunidade.

Tendo em vista que um considerável número de camponeses abandonou o trabalho nas

grandes propriedades, os fazendeiros ficaram incomodados, pois seus negócios poderiam ser

prejudicados. Some-se a isso a insatisfação que a comunidade de Belo Monte nutria para com

o regime republicano. Em Canudos não se aceitava a circulação da moeda da República

(QUEIROZ M.,1965), mas apenas a moeda da Monarquia. Portanto, o crescimento da

comunidade desagradou a Igreja, os políticos republicanos e os latifundiários. Esse

descontentamento das autoridades civis e religiosas ocasionou em quatro expedições militares

Page 36: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

33

em Canudos. Apesar da resistência, Antônio Conselheiro foi morto e a comunidade foi desfeita

em 1897.

2.4.3 A Revolta Sertaneja do Contestado

A revolta do Contestado foi o maior conflito campesino no século XX no Brasil.

Milhares de pessoas morreram nos confrontos com os militares O referido conflito aconteceu

no planalto catarinense e paranaense entre 1912 e 1916. Nessa região havia muitos monges

peregrinos os quais difundiam a religiosidade popular. Dentre eles, havia um chamado João

Maria. Este, na segunda metade do século XIX teria profetizado a vinda de gafanhotos de aço

que comeriam toda a madeira e dragões que soltariam fogo pelas ventas. O curioso é que no

começo do século XX a empresa Brasil Railway10 recebeu do governo uma concessão para

explorar madeira na região do Contestado.

Já no final do século XIX surgiu outro monge também chamado João Maria. A respeito

dele, dizia-se que após a Guerra do Paraguai passou a peregrinar no sertão entre Rio Grande do

Sul e Mato Grosso a fim de cumprir uma promessa. Para os sertanejos João Maria possuía

poderes especiais de cura. Quando os doentes o procuravam, o monge receitava-lhes um chá de

vassourinha do campo (QUEIROZ, Maurício, 1977). Para os sertanejos o milagre da cura

dependia não do chá, mas no ato do monge em indicar sua ingestão. Também acreditavam que

ao tocar determinados lugares como nascentes de águas ou pedaços de chão onde cresciam

plantas, esses lugares se tornavam sagrados. Os sertanejos também o consideravam um

sacerdote, de modo que o monge realizava batismo e casamentos. Era reconhecido como um

profeta.

A região do Contestado era constituída de muitos caboclos e abundavam as expressões

religiosas com dimensões extáticas. Era comum encontrar curandeiros, benzedeiros, adivinhos

10 Em 1908, no mesmo ano em que desapareceu João Maria e seus crentes passaram a julgar que ele estivesse

encantado no Morro Taió, o engenheiro norte-americano Achilles Stengel, nomeado superintendente dos

trabalhos de construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, montou em Calmon, em plena zona

contestada, e ali pôs em funcionamento o escritório central da obra. Dois anos antes, os trilhos partindo de São

Paulo, haviam chegado a União da Vitória e tinha sido inaugurada uma ponte sobre o Rio Iguaçu. Até aquela

época a concessão da estrada pertencia a uma companhia francesa, mas essa cedera os seus direitos à Brazil

Railway Company, organizada na cidade de Portland, Estados Unidos. Em pouco tempo a Railway, além da

Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, controlava toda a rede ferroviária gaúcha, geria a Sorocabana, possuía

vultosos interesses na Paulista, na Mogiana e na Madeira-Mamoré, obtinha os direitos da Vitória-Minas, dirigia

a Port of Pará no extremo-norte e a Companhia do Porto Grande do Sul, dispunha de armazéns frigoríficos e

indústrias de papel, empresas pecuárias, madeireiras, de colonização (QUEIROZ, Maurício, 1977, p. 69).

Page 37: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

34

e outras práticas sobrenaturais. Os benzedeiros usavam de fórmulas mágicas para curar animais,

enquanto as benzedeiras eram responsáveis pela cura de pessoas. Havia milagreiros que

também eram profetas e exorcistas. Estes realizavam com frequência reunião nas casas a fim

de expulsar os demônios e toda sorte de males. As comunidades sertanejas consideravam essas

pessoas possuidoras de uma graça divina especial e, por isso, gozavam de certo prestígio e

status.

João Maria pregava mensagens apocalípticas, pois segundo ele o fim do mundo estava

próximo. A destruição deste mundo seria “precedida de muitos castigos de Deus, como pragas

de gafanhotos e de cobras, uma epidemia de chagas e uma escuridão que duraria três dias”

(QUEIROZ, Maurício, 1977, p. 61). Suas crenças escatológicas eram anunciadas através de

profecias que indicavam que antes do fim aconteceria uma guerra que causaria a morte e

derramamento de muito sangue. João Maria também dizia que a República era um sistema de

governo demoníaco. Apesar das críticas ao modelo republicano, os coronéis não se sentiram

incomodados com João Maria e o consideravam mais um vagabundo.

A partir de 1910 não se ouviu mais falar do monge João Maria, tendo em vista que foi

considerado desaparecido. Todavia, em 1912 surgiu na cidade de Campos Novos, interior de

Santa Catarina, um curandeiro chamado José Maria. Sua fama se espalhou rápido, tendo em

vista que muitos milagres de cura lhe foram atribuídos. Não demorou muito para que caravanas

de doentes viessem à procura do curandeiro José Maria. Esse monge se “autodenominava ser o

irmão do João Maria, logo fazia parte de uma linhagem sagrada” (HERMANN, 2014, p. 150).

O monge José Maria conseguiu reunir muitos discípulos e se instalaram em Taquaraçu, cidade

próxima a Curitibanos. Essa comunidade possuía suas cerimônias religiosas, mas também um

aparato paramilitar. Em seus sermões, José Maria pregava contra a República e pedia a volta

da Monarquia.

A maioria dos adeptos do monge era constituída de pequenos agricultores que viviam

da plantação do milho e da criação de gado. Havia também negros, italianos, alemães poloneses,

paraguaios, argentinos e uruguaios. Não se registravam desavenças relacionadas com a cor da

pele. As mulheres, além dos trabalhos domésticos, também trabalham na agricultura no cultivo

de milho e feijão; raramente alguma delas ia para os campos de batalha. Todavia, existiam as

virgens inspiradoras, as quais iam à frente do grupo para guiá-los na luta (QUEIROZ, Maurício,

1977). Quando José Maria morreu, eram elas que intermediavam o contato entre o monge e

seus adeptos.

Havia outras comunidades menores que estavam ligadas ao centro de comando liderado

pelo monge, de modo que um dos pré-requisitos para ser aceito era se declarar crente do monge.

Page 38: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

35

Os redutos maiores foram Taquaraçu, Caraguatá, Santa Maria e Tamanduá.

Mas além desses verdadeiros centros mais ou menos fortificados, havia grande

número de menores, espalhados pelo mato, e servindo em geral de defesa ou

de guarda-avançada aos outros: Santo Antônio, Pedras Brancas, Corisco,

Timbozinho, Perdizes Grandes, etc (QUEIROZ, Maria, 1965, p. 253).

Essa comunidade religiosa em Taquaraçu despertou a preocupação do coronel Francisco

de Albuquerque, chefe político de Curitibanos. O coronel Chiquinho, como era chamado,

enviou uma carta ao governo do estado na qual dizia que a comunidade em Taquaraçu era

desordeira e antirrepublicana. Desse modo, solicitava a intervenção militar no local. Todavia,

José Maria se antecipou e o grupo se deslocou para o município de Palmas, no Paraná, onde

prosseguiram com suas atividades. Dia após dia mais pessoas das regiões vizinhas se uniam ao

grupo.

Para o governo paranaense esse ato consistiu em invasão do território do Paraná por

catarinenses. Desse modo, enviou um aparato policial a fim de expulsar o monge e os demais

sertanejos de Palmas. Nesse confronto José Maria foi morto. No final de 1913 o grupo voltou

a se agrupar em Taquaraçu, tendo Euzébio Ferreira dos Santos como líder. Sua neta Teodora

tinha experiências extáticas e numa de suas visões disse que “viu o monge no céu, o qual lhe

ordenara que fundasse uma Cidade Santa em Taquaruçu” (QUEIROZ, Maurício, 1977, p. 250).

Esse lugar seria a Nova Jerusalém e ali os adeptos deveriam esperar o retorno do monge José

Maria.

Mais uma vez o coronel Francisco de Albuquerque intercedeu junto ao governo do

estado para que fosse realizada uma intervenção na comunidade. Em dezembro de 1913 quando

os soldados chegaram a Taquaruçu foram surpreendidos pela resistência armada dos sertanejos

e abandonaram o local. Entretanto, dois meses depois aconteceu nova intervenção, sendo que

desta vez os militares usaram metralhadoras e canhões. Sem condições de manter a resistência

os adeptos de José Maria fugiram de Taquaraçu e se estabeleceram em Caraguatá. O governo

federal decidiu intervir mais uma vez. O general Mesquita, o mesmo que havia comandado a

destruição de Canudos, foi nomeado chefe da expedição militar para por fim à comunidade

sertaneja. Os últimos resistentes foram derrotados pelos militares em agosto de 1916.

No limiar do período republicano brasileiro surgiu no Nordeste brasileiro o movimento

religioso popular liderado pelo padre Cícero Romão Baptista 11. Poderíamos chamar esse

movimento de messiânico-milenarista? Analisemos. O início da República é marcado por um

11 Padre Cícero nasceu na região do Crato em 1844. Foi ordenado padre em 1870 e dois anos depois chegou a

Juazeiro do Norte.

Page 39: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

36

enorme contingente de pessoas marginalizadas. O monopólio da terra deflagrou uma série de

conflitos rurais no Brasil ao longo da história republicana e o movimento de sertanejos em

Juazeiro teve na religião popular a expressão de luta contra a exclusão social. Foi através do

catolicismo popular que os sertanejos construíram sua identidade, que era ao mesmo tempo

autônoma e marginal (HERMANN, 2014).

O Padre Cícero, ainda na época do seminário, já tinha certas tendências místicas, ao

passo que teria recebido revelações através de sonhos. Sua ida para Juazeiro é atribuída a um

sonho que teria tido onde Cristo lhe apareceu junto com 12 homens. Em março de 1889, conta-

se que Padre Cícero celebrava uma missa em Juazeiro, quando uma beata solteira de 28 anos

chamada Maria de Araújo desmaiou depois de ter ingerido a hóstia. Momentos depois essa

hóstia teria se transformado em sangue em sua boca. Esse ocorrido foi interpretado como sendo

o sangue de Cristo e, por conseguinte, um milagre. Todavia, tal ato foi desaprovado pela

Sagrada Inquisição Romana. Mesmo assim “o aumento das peregrinações ao lugar

transformaram Juazeiro em um centro potencialmente explosivo e, em diversos momentos, fora

de controle” (HERMANN, 2014, p. 135).

O milagre trouxe outros desdobramentos para Juazeiro. Mulheres que teriam

presenciado a transformação da hóstia em sangue começaram a ter experiências de êxtase como

revelações, sonhos e visões, nos quais diziam que o milagre era o prelúdio do fim do mundo;

mas antes disso a fé católica estaria sendo restaurada. Como sacerdote e político o Padre Cícero

realizou muitas atividades sociais, além do pacto dos coronéis, no qual intencionava o fim dos

conflitos armados entre os fazendeiros e não dar apoio aos cangaceiros. Neste contexto,

Juazeiro era a Nova Jerusalém e o padre Cícero apóstolo e profeta. Estes são aspectos

importantes de movimentos messiânico-milenaristas.

Num documentário produzido pela TV Assembleia do Ceará um dos entrevistados disse

que “Padre Cícero representa para os romeiros uma das santíssimas trindades no céu, na

expressão dele. Para outros um dos doze apóstolos e para os videntes um daqueles que fazem

parte de um dos cinco dedos de Jesus Cristo” (https://www.youtube.com/watc. Acesso em

09/03/2015). Até aqui, percebe-se que a linguagem mítica é um componente importante nos

milenarismos. Mas isso não significa que a referida linguagem é irracional. Ela apenas tem uma

lógica e dinâmica própria, tendo em vista que a linguagem mítica tem elementos fundados em

racionalidades. Talvez uma pergunta aqui seja necessária: os grupos religiosos de mentalidade

rural são mais propensos a crenças milenaristas, ao passo que os grupos religiosos de

mentalidade urbana estabelecem uma dialética diferente com as especulações escatológicas,

Page 40: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

37

sem deixar, é claro, de falar do paraíso perdido? Há elementos que reforçam esta ideia, de modo

que ela será discutida mais adiante.

2.5 O MILENARISMO ASSEMBLEIANO BRASILEIRO

As crenças milenaristas sempre estiveram presentes nas teologias do pentecostalismo

brasileiro. Reconhecemos que a sistematização dessas crenças nas Assembleias de Deus do

Brasil é herança de tradições teológicas europeias e estadunidenses. Encontramos discursos

escatológicos no hinário, na mídia impressa e eletrônica, nas pregações dos pastores e em livros

publicados pela Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD). Entretanto, esse

milenarismo das ADs no Brasil é uma herança apenas das teologias europeias e estadunidenses?

O milenarismo assembleiano não teria influência dos milenarismos que acabamos de descrever?

Acreditamos que sim. Além disso, pensamos que esse assembleianismo das primeiras décadas

estabeleceu uma relação dialógica com a cultura e a religiosidade popular brasileira.

Reconhecemos que os movimentos que ocorreram na Rua Azusa e em Chicago foram

marcantes para o Pentecostalismo. Todavia, a influência norte-americana no assembleianismo

brasileiro inicial é mínima se comparada com as influências da religiosidade popular e da

eclesiologia sueca. Não temos a pretensão de comparar os milerarismos populares do Brasil

com o milenarismo pentecostal, tendo em vista que um método comparativo como esse pode

esconder algumas armadilhas. Entretanto, iremos apontar alguns elementos comuns entre eles.

Interessa-nos aqui não apenas descrever as crenças escatológicas das Assembleias de

Deus, mas sua relação com a posição e ação política. Além disso, identificar em que medida a

mentalidade ou as mentalidades milenaristas se articulam com o interesse ou não na

participação política de assembleianos. Defenderemos a tese de que desde o primeiro período

que estudamos - 1930-1945 - as Assembleias de Deus têm posicionamentos políticos. Além

disso, a crença escatológica não foi e ainda não é o elemento mais importante que determina o

referido posicionamento.

Questionamos a tese de uma alienação política dos assembleianos nas primeiras décadas

pelo fato de adotarem uma mentalidade milenarista e escatológica. Quase sempre se diz que os

pentecostais se afastavam das questões político-sociais em razão de suas crenças escatológicas

e milenaristas. Gostaríamos de pensar de maneira inversa: eles eram excluídos das questões

político-sociais e por isso tinham uma mentalidade escatológica e milenarista. O discurso

Page 41: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

38

escatológico sobre a céu é concebido a partir de realidades da vida concreta, pois “quem fala

sobre o céu fala, em termos celestes, sobre a terra” (HINKELAMMERT, 2012, p. 5).

Entre 1930 e 1945 foram escritos 206 artigos no jornal Mensageiro da Paz, relacionados

com a temática da escatologia, sociedade/mundo e política. Abaixo, os resultados numéricos da

tabulação que fizemos:

Quadro 1 - Artigos analisados na fonte primária

Temáticas Quantidade %

Retorno de Cristo 75 artigos 36,00%

Sociedade/Mundo 129 artigos 62,63%

Política/Políticos/Eleições 2 artigos 0,97%

Total 206 artigos 100%

Fonte: Jornal Mensageiro da Paz. Órgão Oficial das Assembleias de Deus

que teve periodicidade mensal entre 1930 e 1945.

Regina Novais em sua pesquisa sobre religião e política na década de 70 lembra que

“enquanto as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) politizavam categorias religiosas,

pentecostais religiogizavam categorias políticas e entravam em lutas sociais em nome de Jesus”

(NOVAIS, 2002, p. 78). A conversão ao pentecostalismo significava certas rupturas, muito

embora tais rupturas preservem dimensões “daquilo que se deixou para trás”; ruptura pessoal

- a experiência pessoal de aceitar a Cristo como salvador faz com que o convertido sinta-se

diferente dos outros “pela capacidade de experimentar a temporalidade da salvação hoje”

(PASSOS, 2005a, p. 37); ruptura social - o grupo pentecostal se considera escolhido por Deus,

ao passo que é preciso ser diferente do “mundo” (PASSOS, 2005a, p. 67). Esse ser diferente do

mundo nem sempre quer dizer desprezar o mundo, mas sim rejeitar certos valores sociais e

culturais; há ainda a ruptura com a religião católica - entretanto, ao mesmo tempo em que se

abandona e rejeita essa religião se preserva alguns de seus elementos, principalmente os

relacionados com o catolicismo popular.

Gedeon de Alencar (2013) destaca que as ADs, nesse primeiro período, são um

movimento, tendo em vista não possuírem personalidade jurídica entre outras características de

uma instituição burocrática. A igreja crescerá pelo trabalho de suecos e, sobretudo, pela atuação

de migrantes nordestinos. Com efeito, as ADs têm em sua constituição essas duas principais

influências: sueca e nordestina. O Brasil, nesse primeiro período é rural, logo se configurou um

Page 42: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

39

assembleianismo de mentalidade rural (ALENCAR, 2013). Nas décadas posteriores o país

passará por rápidos processos de urbanização e industrialização, de modo que a transição do

Brasil rural para o Brasil urbano será um dos fatores primordiais para o crescimento das ADs.

No contexto da implantação do pentecostalismo no Brasil, a religião católica

predominava de maneira absoluta e sua vertente popular estabeleceu afinidades com a

religiosidade pentecostal. Para Décio Passos foi “uma afinidade involuntária, dada no encontro

efetivo e gradual das duas configurações religiosas que se escolhem ativamente e se articulam,

criando uma figura nova” (PASSOS, 2005a, p. 58). Essa afinidade também diz respeito a

aspectos do milenarismo católico-popular? Vejamos algumas semelhanças entre o

pentecostalismo e os movimentos de catolicismo popular nas primeiras décadas do século XX.

O aspecto popular. Tanto a religiosidade católica popular como o assembleianismo se

desenvolveram a partir das práticas populares; cresceram a partir de classes subalternas e ambas

tiveram expressiva adesão de nordestinos-sertanejos e caboclos. Os movimentos messiânico-

milenaristas no Brasil não estiveram distantes no tempo e no espaço em relação ao

pentecostalismo, principalmente no Nordeste brasileiro, onde em 1914 as ADs já haviam

chegado.

Movimento. Muito embora as ADs tenham adotado, nesse primeiro período, o modelo

da Suécia de igrejas livres sem muita preocupação com questões burocráticas e institucionais,

o caráter de ser um movimento com lideranças carismáticas é semelhante aos movimentos

milenaristas de matriz católico-popular.

Experiências religiosas extáticas e crenças populares. As experiências extáticas como

profecias, sonhos e revelações estão presentes em ambos os movimentos, bem como crenças

populares relacionadas a curas e na resolução de outros problemas do cotidiano.

Mentalidade Rural. Como já dito anteriormente, o Brasil quando da implantação das

ADs é um país rural. É também no Brasil rural que as religiosidades católicas populares

encontraram terreno fértil. Décio Passos (2005b) já falou dos “resquícios” da religiosidade

popular católica no pentecostalismo. Entre esses resquícios não haveria também dimensões do

milenarismo? Há indícios para que possamos responder de maneira afirmativa essa pergunta.

Mentalidade Milenarista. Os movimentos messiânico-milenaristas do Brasil têm

mentalidades milenaristas de descontentamento popular e de crítica social. Se partirmos do

pressuposto de que há “resquícios” dessas crenças escatológicas no pentecostalismo, que tipo

de mentalidade milenarista foi adotado pelo assembleianismo no primeiro período? De início,

questionamos a ideia de fuga do mundo. Por outro lado, poderíamos afirmar então que esse

assembleianismo teve um milenarismo de descontentamento popular? Essa análise será

Page 43: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

40

realizada no próximo capítulo. Mesmo assim, vejamos alguns aspectos teológicos do

milenarismo das ADs.

Há certo padrão nos grupos sociorreligiosos no que diz respeito às crenças escatológicas.

Descreveremos as características do milenarismo assembleiano brasileiro a partir das categorias

de Norman Cohn (COHN, 1996, p. 11) as quais são: coletiva, terrena, iminente, total e

miraculosa.

Coletiva. No sentido de que o novo mundo, o paraíso terrestre será destinado às pessoas

que juntas usufruirão das benesses da igualdade, justiça e paz. Esse é um traço comum dos

movimentos milenaristas, a ideia de comunitarismo, onde aqueles que sofreram ou foram

oprimidos terão sua dignidade restaurada dentro de uma comunidade.

A mensagem a todas as igrejas (Ap 3.21,22) indica que os crentes provenientes

da Era da Igreja que permanecem fiéis, sendo vencedores. Além dos

vencedores provenientes da Era da Igreja, João viu almas, ou seja pessoas que

teriam sido martirizadas. Esses dois grupos ficaram juntos e reinarem com

Cristo durante os mil anos. Será um período de paz e bênçãos, durante o qual

prevalecerá a justiça (HORTON, 1997, p. 639).

Terrena. No sentido de que o período de plena paz e justiça será vivido dentro do mundo

e não no céu. A doutrina escatológica das ADs diz isso. É no paraíso terrestre que os crentes

viverão. A Nova Jerusalém descerá do céu e será implantada neste mundo. Mais uma vez vemos

aqui uma fala mítica e dialética da destruição e recriação.

Essa cidade, o lar eterno dos redimidos e a habitação de Deus, é a Nova

Jerusalém que João viu, numa visão descendo do céu para a nova terra. A

morada e o trono de Deus estarão com o seu povo na terra (Ap 22.3). Isso

significa que sempre haverá uma terra, embora a atual venha a ser substituída

por uma nova (HORTON, 1997, p. 644).

Iminente. Assim como faziam no cristianismo primitivo as comunidades de crentes

esperam que a chegada do paraíso terrestre chegue em breve; parece haver certa urgência em

determinados momentos. Em situações de cataclismas, de mortes em massa, de guerras e outros

desastres, emerge do subsolo um imaginário de grupos sociorreligiosos milenaristas a ideia de

que o fim de um tipo de mundo está ainda mais próximo.

Total. Tudo será restaurado a um estado de plena perfeição. Os ecossistemas e toda a

ordem cósmica estarão em ordem.

Page 44: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

41

O alvo e expectativa finais da fé do NT é um novo mundo, transformado e

redimindo, onde Cristo permanece com seu povo e a justiça reina em santa

perfeição. Para apagar todos os sinais do pecado, haverá a destruição da terra,

das estrelas e galáxias. O céu e a terra serão abalados. A terra renovada se

tornará a habitação dos homens e de Deus (BIBLIA DE ESTUDO

PENTECOSTAL, 1995, p. 2010).

Miraculosa. Essa implantação do paraíso terrestre se dará por intermédio de uma força

sobrenatural, pois “o Reino milenar não virá através de esforços humanos” (HORTON, 1997,

p. 627). Portanto, desde o início, o milenarismo assembleiano brasileiro não leva em

consideração os processos revolucionários ou a luta armada para a efetivação do paraíso

terrestre.

Ao analisar o milenarismo pentecostal André Corten (CORTEN, 1995, p. 110) chamou

a atenção para o caráter violento dessa crença, pois fala de destruição e morte. Entretanto, a

violência parece ser um componente dos grupos sociorreligiosos de mentalidade milenarista.

Mas não seria um tipo de violência como reação a uma ordem opressiva e injusta? Nessas

narrativas escatológicas pentecostais parece sempre haver uma inversão de papéis sociais:

quando os grandes e opressores serão condenados, enquanto os crentes serão recompensados.

2.6 CONCLUSÃO

As crenças milenaristas estão quase sempre relacionadas com grupos subalternos,

embora elas também estejam presentes, mesmo que de forma secularizada, nos ideais de

progresso. Bloch estabeleceu relações entre milenarismo e utopias políticas e viu na guerra dos

camponeses alemães uma das gêneses das doutrinas socialistas. Seja na crença num reino de

mil anos literal ou num período de tempo indeterminado, os grupos que adotam mentalidades

milenaristas anseiam por um mundo de paz, igualdade e justiça. Até aqui, além de

caracterizarmos o milenarismo, analisamos grupos sociorreligiosos como os já citados

camponeses alemães do século XVI, além dos sertanejos e caboclos brasileiros na virada do

século XX; em todos eles, as crenças milenaristas imergiram do subterrâneo de seu imaginário

e foram propulsoras de revoluções sociais.

Reconhecemos também que há grupos que adotam mentalidade milenarista de

descontentamento popular mesmo que isso não resulte em práticas revolucionárias ou de

mudança radical de uma realidade opressora, principalmente quando se trata de grupos

Page 45: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

42

subalternos que não dispõem de instrumentos para realizar as revoluções. Neste capítulo, nossa

intenção ao apresentar alguns elementos comuns entre os grupos sociorreligiosos do

catolicismo popular brasileiro com o pentecostalismo foi tentar perceber alguns “resquícios” do

milenarismo popular católico no assembleianismo inicial. É evidente que o pentecostalismo

brasileiro, a partir de suas crenças milenaristas não realizou uma revolução social no Brasil nas

primeiras décadas. Mesmo assim não relacionaremos as crenças escatológicas do

assembleianismo com alienação política ou fuga do mundo. Ter uma mentalidade escatológica

de cunho milenarista não significa, necessaiamente descompromisso com questões políticas e

sociais; ao contrário, acreditamos inclusive que é preciso resgatar o horizonte escatológico da

política.

Sendo assim, entendemos ser possível discutir posição e ação política a partir da

escatologia, tendo em vista que visões escatológicas não estão relacionadas com alinenação ou

descompromisso social. Discurso sobre o céu é discurso sobre a terra. Sendo assim,

analisaremos a ação política das ADs, tendo em vista que defendemos a tese de que desde 1930

– início de período que pesquisamos – os assembleianos têm posicionamentos político-sociais.

Portanto, nossa análise não parte do pressuposto de alienação no primeiro período, tampouco

de engajamento político no segundo.

Page 46: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

43

3 POSIÇÃO E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NO ASSEMBLEIANISMO

BRASILEIRO (1930 A 1945)

3.1 INTRODUÇÃO

A década de 1930 começa com um movimento militar que conduziu o gaúcho Getúlio

Vargas à presidência da República no Brasil. Centralizador, Vargas intenciovana minar o poder

das antigas oligarquias que dominavam a país até então. O período em que Getúlio governou o

país é dividido nas seguintes fases: 1930 a 1937 foi o período da República Nova, que é

subdivido em: Governo Provisório (1930-1934) e Governo Constitucional (1934-1937);

enquanto que o segundo período, que vai de 1937 a 1945 foi a Ditadura do Estado Novo.

Durante o governo getulista houve significativas mudanças políticas, sociais e econômicas tanto

no Brasil como no restante do mundo.

A década de 1930 também foi importante nas Assembleias de Deus (=ADs), pois foi

nesse período que os brasileiros passaram a ter maior participação na liderança da Igreja, muito

embora os suecos ainda tenham permanecido como pastores das principais igrejas do país. Os

missionários escandinavos foram importantes não apenas na implantação das ADs, mas

também na construção da identidade da denominação. Um dos elementos mais significativos

dessa identidade nesse período foi o reforço da cultura da marginalização social. Foi no ano de

1930 que se deu início à circulação do jornal Mensageiro da Paz. É por intermédio dele que

analisaremos a posição e participação política do assembleianismo brasileiro. Nossas análises

Page 47: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

44

seguirão três categorias temporais de Giorgio Agamben (2006): tempo profano, tempo

escatológico e tempo messiânico.

Na categoria de tempo profano (chronos) analisaremos em que medida houve posição e

participação das Assembleias de Deus durante esse período. Veremos que dentro desse recorte

histórico que analisamos há posições no assembleianismo brasileiro, mesmo com a ênfase no

discurso escatológico do iminente fim do mundo. Acreditamos que as brasileiras e brasileiros

de pertença pentecostal não foram apolíticos, mesmo que a maioria delas e deles não tenham se

envolvido com política partidária.

Quanto discutirmos o tempo escatológico, veremos a relação dele com a posição e

participação política do assembleianismo brasileiro. Seguimos tanto Agamben como

Hinkelammert (2012, p. 145), para quem a “fala sobre o céu é uma fala sobre e terra”. Sendo

assim, relacionamos concepção escatológica não como fuga do mundo ou da realidade, mas

com resistência e contestação social.

Finalizaremos o capítulo com análises da posição e participação política das ADs a partir

do tempo messiânico (tempo que nos resta). Faremos isso com uma análise do êxtase e de

formas de ascetismo, pois acreditamos que há, no interior dessas experiências religiosas,

dimensões de resistência e crítica social. Nossas análises querem demonstrar que assembleianos

desse período são sujeitos políticos e fazem crítica social a partir de suas crenças; seus corpos

são políticos.

Com tais reflexões objetivamos discutir que já nesse período há posição política nas

Assembleias de Deus, desse modo questionamos a ideia de um apoliticismo. Muitos dos

discursos escatológicos estiveram relacionados com resistência e empoderamento discursivo de

homens e mulheres subalternos e com pertença pentecostal.

3.2 O GOVERNO GETÚLIO VARGAS: POLÍTICA E SOCIEDADE (1930-1945)

O movimento político de 1930 em que Getúlio Vargas assumiu a presidência da

República deu início a um período na história brasileira que seria caracterizado por reformas,

repressões, contrarreformas e conflitos armados como tentativa de fazer com que o país

deixasse sua condição de “atrasado” e “subdesenvolvido” (MOTA, 2015, p. 613). A referida

Revolução também inaugurará a transição da hegemonia dos grupos econômicos e políticos do

campo (principalmente os de São Paulo e Minas Gerais) para os da cidade.

Page 48: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

45

A crise mundial de 1929 atingiu a exportação das oligarquias brasileiras, sobretudo de

café. A quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque em outubro de 1929 fez com que a produção

industrial caísse pela metade e o capitalismo enfrentasse uma grave crise. Vigente desde a

Independência, o sistema agrário-exportador caiu em ruínas, de modo que a crise afetou toda a

sociedade brasileira, em especial a classe trabalhadora. Boa parte dos trabalhadores rurais ficou

sem trabalho, de modo que esse fato impulsionou as imigrações do campo para a cidade.

Entretanto, elas aconteceram não apenas do Nordeste para o Sudeste ou para a Amazônia

(MOTA, 2015).

Famílias inteiras se deslocavam de Minas, do sertão baiano e até mesmo do Sul com

destino às grandes cidades, sendo as principais Rio de Janeiro e São Paulo. Esse movimento de

pessoas perambulando pelo sertão, serrado e campos foi muito bem retratado por Graciliano

Ramos em Vidas Secas. Nesses primeiros anos da década de 1930 o Brasil se tornou aos poucos

semi-industrializado (MOTA, 2015). O campo foi sendo substituído pela cidade e aumentou o

número de brasileiras e brasileiros que deixavam o meio rural com destino aos centros urbanos.

Nesse momento aconteceu a transição da hegemonia europeia (inglesa) para a

hegemonia norte-americana, o que promoveu a ascensão de novas elites políticas e econômicas.

Ainda nos anos 20 a cidade de Paris tornou-se uma referência mundial no que diz respeito à

intelectualidade nas cidades. O livro de Ernest Hemingway Paris é uma festa, escrito no final

dos anos de 1950, cobre os anos de 1921 a 1926 em que a sociedade parisiense era para ele um

modelo de intelectualidade e cultura. O diretor de cinema Woody Allen, em seu filme Meia

noite em Paris, retratou esse momento áureo da intelectualidade francesa, que inclusive exerceu

influência no Brasil, em especial na cidade do Rio de Janeiro, talvez a principal representante

da Belle Époque em terras brasileiras.

Pintores, escritores, músicos, atrizes, atores, filósofos, todos queriam estar em sintonia

com a festa intelectual que acontecia em Paris. Entretanto, é bom lembrar que nos anos 20 havia

pelo menos dois “Rio de Janeiro”: o da Belle Époque e o do subúrbio e exclusão; esse último

foi bem retratado pelo escritor negro e carioca Lima Barreto, principalmente em seus livros Os

Bruzundangas, Diário Intimo e Clara dos Anjos. Na esteira desse momento de efervescência

cultural também há mudanças no capitalismo mundial, o que é retratado no romance O grande

Gatsby de 1925.

O presidente norte-americano Franklin Roosevelt com seu programa New Deal (novo

pacto) propôs uma intervenção maior do Estado na economia, com intenção de “civilizar” o

capitalismo liberal. Com as medidas adotadas os Estados Unidos resolveram o problema da

crise e se estabeleceram como o novo centro da economia mundial. Em escala menor o governo

Page 49: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

46

Getúlio Vargas adotou medidas semelhantes aos norte-americanos. O liberalismo econômico

foi abandonado de modo que o governo passou a intervir em todas as áreas da vida dos

brasileiros e brasileiras. Se de um lado, os Estados Unidos adotaram o New Deal, na Europa

surgiu o fascismo. Os fascistas italianos eram contra os ideais marxistas de luta de classes, de

modo que preferiram a união dos trabalhadores com os capitalistas sob a direção do Estado

(MOTA, 2015).

Getúlio Vargas chegou ao poder nesse contexto “de conflitos entre Estados-nação com

ideologias nacionalistas radicais, sobretudo Estados-nação de origem recente, como Itália e a

Alemanha” (MOTA, 2015, p. 626). O período de 1930 a 1937 pode ser chamado de República

Nova, que é também subdivido em duas fases: Governo Provisório (1930-1934) e Governo

Constitucional (1934-1937); enquanto que o segundo período, que vai de 1937 a 1945 foi a

Ditadura do Estado Novo.

Centralizador, o gaúcho Getúlio Vargas foi a principal liderança do Movimento de 1930

e comandou um novo sistema de poder que uniu as ideias reformistas de uma burguesia liberal

e conservadora com “práticas neocoronelísticas e burocráticas na máquina do Estado,

mobilizador das aspirações populares do mundo do trabalhismo” (MOTA, 2015, p. 615).

Embora seja caracterizada como revolução, ela não operou mudanças radicais e significativas

no que diz respeito aos sistemas de exclusão e opressão no Brasil, muito embora seja

reconhecida a política getulista com vistas ao aprimoramento das relações de trabalho, do

sistema educacional e o desenvolvimento de uma indústria de base.

Se houvesse, nesse período, uma escala que mensurasse as relações de subalternidade,

mulheres negras, homens negros e mulheres brancas seriam as pessoas menos “sujeitos” da

sociedade brasileira (sujeito como categoria política daquele que tem voz, que exerce sua

cidadania). São exatamente estes que num futuro próximo formariam o grupo majoritário do

assembleianismo brasileiro. No que diz respeito aos negros e às negras as relações de

preconceito racial eram legitimadas pelo Estado. O então chefe da Polícia, Batista Lusardo,

fundou o Laboratório de Antropologia Criminal. O referido centro de pesquisa estudava as

relações entre crime e o biótipo de negros (NETO, 2013).

Quem dirigia o centro era o médico Leonídio Ribeiro. Suas pesquisas eram baseadas no

livro do italiano Cesare Lombroso, O homem delinquente, o qual defendia que bandidos

poderiam ser identificados por suas características físicas como o tamanho dos lábios, do nariz

e do crânio. Essa pesquisa ficou conhecida como teoria lombrosiana e foi usada em muitos

países como práticas públicas de branqueamento da população com vistas ao

“aperfeiçoamento” da raça (NETO, 2013, p. 31). Em 1933 o idealizador do instituto, Batista

Page 50: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

47

Lusardo, recebeu o Prêmio Lombroso do governo italiano. Os negros e negras no pós-

abolicionismo continuaram a viver num estado de vida nua e permanente exceção no Brasil 12.

Os ex-escravos e seus descendentes enfrentaram situações difíceis tanto nos centros

urbanos como nas atividades rurais nos períodos posteriores ao fim da escravidão. Com exceção

dos ex-escravos com algumas qualificações específicas - como cozinheiros e empregadas

domésticas – a maioria dos libertos estava em desvantagem para competir, principalmente com

os estrangeiros nos centros urbanos. No campo a situação também era difícil, pois o governo

brasileiro desde o final de século dezenove já pagava as passagens para os imigrantes virem

trabalhar nas lavouras brasileiras (LAGO, 2014).

Milhares de estrangeiros foram subsidiados com dinheiro público. Além de receberem

subsídios do governo federal e estadual, os imigrantes que vieram trabalhar nas fazendas de São

Paulo – nas fazendas onde outrora escravos trabalhavam – tinham outras garantias como: “[...]

despesas iniciais para chegar e estabelecer-se nas fazendas de café. Ali, cada uma das famílias

de colonos recebia uma moradia, um lote de terra para cultivar gêneros alimentícios e alguma

terra para pasto” (LAGO, 2014, p. 159).

Um fenômeno sociológico que ocorreu nesse período pós-abolicionista era de que, como

os homens negros tinham dificuldades de encontrar emprego, seja no campo ou nos centros

urbanos, muitos deles passaram a depender dos rendimentos de suas companheiras. A maioria

delas havia trabalhado como lavadeiras, cozinheiras, costureiras e empregadas domésticas.

Com a expansão dos centros urbanos houve um aumento da demanda por essas ocupações, as

quais foram preenchidas, em sua maioria pelas mulheres negras. Em muitas situações era a

única fonte de renda da família. Assim, há uma relação direta entre escravidão e emprego

doméstico13. Homens negros e mulheres negras com vida nua, na transição do Brasil rural para

o Brasil urbano ocuparam os subúrbios e favelas nas grandes cidades. E muitos deles aderiram

ao pentecostalismo.

3.2.1 O Sufrágio Universal na Década de 1930

12 Agamben também introduz o termo tanatopolítica, tendo em vista que o soberano tem o poder de decidir quais

vidas merecem ser vividas. São pessoas insacrificáveis, porém matáveis (AGAMBEN, 2012a, p. 87).

13 Foi apenas em 2013 com a promulgação da “PEC das Domésticas” que as empregadas domésticas passaram

a ter os mesmos direitos dos trabalhadores rurais e urbanos.

Page 51: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

48

Com o fim da Primeira Guerra Mundial houve aumento no número de democracias

representativas; entretanto, com a ascensão do fascismo o referido número voltou a cair. O

sufrágio universal para homens e mulheres instaurado na Alemanha em 1919, por exemplo, foi

abolido por Hitler em 1933. É só com o fim da Segunda Guerra Mundial, que de fato haverá

restauração das democracias representativas em várias partes do mundo. Para citar alguns

exemplos a França adotou o sufrágio universal em 1944; a Itália em 1946; o Japão em 1952; e

os Estados Unidos em 1965, quando foi permitido aos negros votarem (KEUCHEYAN, 2015,

p. 14).

Na história contemporânea três critérios foram usados quando se tratava de exclusão de

votos: classe, gênero e cor da pele. Por muito tempo predominou a ideia de que política é para

homens brancos ricos. Foram: a existência e a mobilização dos movimentos populares que

historicamente reivindicaram a ampliação do sufrágio universal. Entretanto, os movimentos

populares, por si só, não conseguem promover a extensão das democracias representativas. De

acordo com Reucheyan divisões no seio das elites e os desdobramentos das guerras (sobretudo

as derrotas militares) foram elementos importantes para restauração do sufrágio universal

(KEUCHEYAN, 2015).

A reinvindicação dos movimentos populares para extensão do sufrágio universal se deu

a partir da dependência e aliança com certas elites. Isso aconteceu com o voto feminino. Além

da pressão exercida pelos grupos feministas, classes dirigentes viram que o voto das mulheres

poderia lhes ser favorável em países católicos, pois acreditavam que as mulheres seguiriam as

recomendações do clero; desse modo as pressões vindas “de baixo” estariam de acordo com

certos interesses vindos “de cima” (KEUCHEYAN, 2015, p. 15).

Em 1930 Vargas institui uma comissão que ficou responsável pela elaboração de um

novo Código Eleitoral, de modo que em 1932 o referido código foi concluído. Várias

modificações foram introduzidas no processo eleitoral brasileiro, dentre elas o direito ao voto

às mulheres. Na América Latina o Brasil foi o segundo país a estender esse direito, ao passo

que em 1929 o Equador já havia feito isso (NICOLAU, 2002). Em outros países as mulheres

conquistaram o direito ao voto em datas posteriores ao Brasil: França (1944), Itália e Japão

(1946), Argentina e Venezuela (1947), Bélgica (1948), México (1953), Suíça (1971) e Portugal

(1974).

Nas eleições ao Congresso Nacional em 1933, pela primeira vez foram estabelecidas

punições para aqueles que não se alistassem para votar. Mesmo assim, menos de 4% da

população brasileira se cadastrou. Nesse período também foi criada a Justiça Eleitoral,

responsável por todo o processo das eleições. Outra novidade introduzida era de que os

Page 52: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

49

candidatos deviam se registrar antes do pleito (NICOLAU, 2002). Apesar de serem permitidas

candidaturas avulsas, entre 1933 e 1934 houve diversos pedidos de registro de partidos, os quais

deveriam conter no mínimo cem eleitores para terem seus registros homologados. Na

Constituinte de 1934 o maior partido era o PRM (Partido Republicano Mineiro) “que

representava 15% da Câmara dos Deputados” (NICOLAU, 2002, p. 30).

Ainda na Constituinte de 1934, foram eleitos pelo voto popular 214 representantes, além

de 40 que foram eleitos por associações profissionais, portanto de maneira indireta. A

Constituição também reduzia a idade mínima para votar de 21 para 18 anos e instituía a

obrigatoriedade do voto para todos os homens e funcionárias do Estado – as demais mulheres

e os maiores de 60 anos não eram obrigados a votar. Com o golpe de Vargas em 1937 todas as

eleições no país foram suspensas e o Congresso Nacional deixou de funcionar.

3.2.2 O Governo Provisório (1930-1934)

Logo nas primeiras semanas após a Revolução em outubro de 1930 começaram a surgir

os primeiros conflitos entre os dois grupos que prometiam dar sustentação ao novo governo: os

liberais e os tenentistas. Para os liberais, os tenentistas haviam usado Getúlio com o objetivo de

implantar a ditadura militar no Brasil. Enquanto que os tenentistas acusavam os liberais de não

desejarem de fato uma mudança no país, mas apenas substituírem as velhas elites no poder.

Os liberais pressionaram Getúlio Vargas para que convocasse, em caráter de urgência,

a Constituinte. Já os tenentistas contra-argumentavam dizendo que ainda era cedo para se

elaborar uma nova Constituição e restaurar as eleições, pois segundo eles “os brasileiros não

tinham maturidade política para eleger seus próprios destinos, necessitando de uma elite

ilustrada, consciente – e armada – para lhes guiar os caminhos” (NETO, 2013, p. 24). Para os

tenentistas as eleições e uma nova Constituição só serviriam para submeter os brasileiros mais

uma vez ao voto de cabresto e à dependência aos coronéis. De acordo com esse raciocínio,

convocar novas eleições seria ruim para a democracia, pois trariam de volta as velhas

oligarquias rurais que mantinham o eleitorado rural sob o poder do latifúndio.

Em dezembro de 1931, após forte pressão da opinião pública, Getúlio pediu a seu

ministro da Justiça que elaborasse um esboço daquilo que seria a nova legislação eleitoral. No

início de 1932 movimentos populares organizados por todo o Brasil pediam a redemocratização

do país. São Paulo foi a cidade que reuniu o maior número de pessoas nessas manifestações

Page 53: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

50

populares em favor da reconstitucionalização. O texto do novo código eleitoral foi finalizado

em fevereiro de 1932, de modo que pela primeira vez na história da política brasileira foi

assegurado o voto secreto e a participação das mulheres no processo eleitoral. Todavia, apenas

“1,5 milhão de eleitores foram cadastrados num universo de 20 milhões de habitantes adultos”

(MOTA, 2015, p. 650).

Durante esse período Getúlio institucionalizou a Carteira de Trabalho e equiparou o

salário ao tipo de trabalho que se executava. Ele também estabeleceu jornada de oito horas de

trabalho e licença-maternidade de um mês. Incorporou os sindicatos ao Ministério do Trabalho

com o intuito de afastar os trabalhadores dos movimentos comunistas e anarquistas. Em 1933

Vargas decretou a Lei da Usura, que beneficiou principalmente os fazendeiros, pois liberava

estes de suas dívidas. No mesmo período, o decreto de Reajustamento fez com que o Banco do

Brasil assumisse essas dívidas e mais dinheiro foi dado aos grandes cafeicultores (MOTA,

2015).

No final de 1933 foi convocada a Assembleia Nacional Constituinte (ANC), com o

objetivo de discutir aquele que seria um anteprojeto da Constituição, a qual foi promulgada em

16 de julho de 1934. O novo texto constitucional dizia que o presidente teria mandato de quatro

anos e seria eleito pela Assembleia Constituinte. Foi extinto o cargo de vice-presidente e cada

estado teria dois senadores, independente do número de eleitores. A nova Constituição também

decretava a indissolubilidade do casamento, o ensino religioso facultativo nas escolas, e a

palavra “Deus” passou a estar presente no preâmbulo. Todavia, a Constituição durou apenas até

o ano seguinte, quando Getúlio Vargas decretou Estado de Sítio.

Após a Revolução Russa de 1917 e a crise financeira de 1929 duas tendências

rivalizavam-se: a comunista e a fascista. Esses modelos político-ideológicos passaram a exercer

influência no Brasil. Os de esquerda organizaram a Aliança Nacional Libertadora (ANL)

contrária aos ideais fascistas e imperialistas. Seu presidente foi Luís Carlos Prestes e dentre

seus integrantes estavam Caio Prado Junior, Olga Benário e a revolucionária Pagu. À direita e

com ideias fascistas foi organizada a Ação Integralista Brasileira (MOTA, 2015).

A ANL reivindicava a nacionalização das empresas estrangeiras, o cancelamento da

dívida externa, a reforma agrária e a garantia dos direitos individuais. Os membros da ANL

tentaram derrubar o presidente Vargas, fato que ficou conhecido como “Intentona Comunista”.

A partir daí, Getúlio Vargas exigiu que a ANL fosse dissolvida e seus membros passaram a ser

perseguidos pelo governo. Comunistas, operários e socialistas foram presos e torturados pelo

Estado. Vargas decretou o Estado de Guerra e a pena de morte, de modo que milhares de pessoas

foram presas nesse período.

Page 54: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

51

3.2.3 A Ditadura do Estado Novo (1937-1945)

Getúlio Vargas era um líder autoritário. Veio de um caldo de cultura gaúcha e

republicano onde a ditadura era um valor positivista a ser cultivado. A Assembleia Legislativa

do Rio Grande do Sul se reunia apenas duas vezes ao ano para aprovar o orçamento do

executivo. Além disso, nesse período ocorreu a ascensão de regimes totalitários no mundo. Terá

Vargas se inspirado em regimes fascistas? Provavelmente sim. Durante a ditadura, além do

parlamento foram fechados cerca de “420 jornais e 346 revistas no país” (NETO, 2013, p. 125).

Os poucos protestos que ocorriam eram reprimidos pelo governo. Era a estabelecimento de um

estado de exceção.

Os militares apoiaram o golpe de Vargas em 1937, pois acreditavam que um governo

constitucional não seria capaz de deter o comunismo. Getúlio procurou apoio político-jurídico

em outros estados e redigiu uma nova Constituição muito semelhante ao texto constitucional

fascista da Polônia, que na ocasião já era ocupada pelos nazistas alemães. O golpe foi efetivado

em novembro, quando Vargas apresentou a nova Constituição, fechou o parlamento e explicou

pela rádio os motivos pelos quais havia dado o golpe militar (MOTA, 2015). No dia 11 daquele

mês estava decretado o Estado Novo, com a anulação das liberdades públicas e a sociedade sob

a tutela do Estado.

Até a música era usada como propaganda do Estado nesse período. O samba Aquarela

do Brasil, composto por Ari Barroso em 1939, era uma forma de exaltação do país.

Brasil, meu Brasil brasileiro /Meu mulato inzoneiro/ Vou cantar-te nos meus

versos/O Brasil, samba que dá/Bamboleiro que faz gingar/O Brasil do meu

amor/Terra de nosso Senhor/Brasil pra mim/Pra mim, pra mim/Ah! Esse

Brasil lindo e trigueiro/É o meu Brasil brasileiro/Terra de samba e

pandeiro/Brasil pra mim, pra mim, Brasil!/Brasil pra mim, pra mim Brasil,

Brasil! (letras.mus.br/gal-gosta).

Centralizador, além de ter extinguido a Câmara dos Deputados e o Senado, os governos

estaduais eram todos subordinados a Vargas, de modo que esse centralismo era de caráter

antifederalista. Os liberais ou comunistas que faziam oposição ao governo federal eram

Page 55: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

52

perseguidos e presos. Até mesmo a Frente Negra14, que na época já era um partido político foi

extinta por ordem direta de Vargas. Boa parte desses presos foi torturada pelo regime, dentre

eles o próprio Carlos Prestes e sua esposa Olga Benário que grávida foi levada para ser torturada

e morta num campo de concentração nazista.

Até 1942 o governo de Vargas teve relações políticas com a Alemanha de Hitler, de

modo que oficiais brasileiros fizeram estágios na força aérea alemã. Todavia, após dois navios

brasileiros terem sido torpedeados pelos alemães na costa norte-americana Vargas desfez as

relações com o Eixo. É em 1943 que a ditadura de Vargas começou a enfraquecer. É desse

período o Manifesto dos Mineiros, no qual políticos de Minas pediam a redemocratização do

país. Com o fim da guerra e a consequente queda de regimes totalitários, impulsionou grupos

sociais que pediram a redemocratização. Dentre eles estavam a recém-criada Confederação dos

Trabalhadores do Brasil (CGTB).

No início de 1945 se reuniram em São Paulo vários intelectuais liberais e de esquerda

como Jorge Amado, Caio Prado Jr., Antônio Cândido e alguns escritores latino-americanos

exilados no Brasil; estes também lideraram um movimento pró-democracia (MOTA, 2015).

Pressionado, Getúlio Vargas teve que decretar a anistia e a volta dos partidos políticos.

Enfraquecido pelas forças contrárias ao governo, o Estado Novo chegou ao fim com o golpe

militar liderado pelos generais Góes Monteiro e Gaspar Dutra.

3.3 DA SUÉCIA PARA O BRASIL: AS ORIGENS DO ASSEMBLEIANISMO

É nesse contexto político e social descrito que se estabeleceu no Brasil o

pentecostalismo. Em 1911 os suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg fundaram a Missão da Fé

Apostólica, que em 1918 passou a se chamar Assembleia de Deus. De origem sueca, no decorrer

dos anos essa igreja se tornou cada vez mais brasileira. Na década de 1930 ela é um movimento

(ALENCAR, 2013) popular de caráter carismático e não quer ser conhecida como denominação

religiosa. No interior desse pentecostalismo há uma cultura de marginalização que é resultado

14 Fundada em 16 de setembro de 1931 a Frente Negra foi uma organização que chegou a ter 400 membros

inscritos. A sede do movimento ficava localizada no bairro da Liberdade, em São Paulo. Na época, negros não

podiam pertencer à corporação militar de São Paulo, de modo que a Frente Negra criou uma milícia paramilitar,

que lutou na Revolução Constitucionalista de 1932 e ficou conhecida como a “Legião Negra”. Os membros da

organização criaram uma cédula de identidade própria dos membros do grupo, todas com foto de perfil. A

Frente Negra também se opôs à ditadura Vargas, tendo sido dissolvida e voltou a existir com o nome de

Associação dos Negros do Brasil em 1945 (TEIXEIRA, 1988, p. 89).

Page 56: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

53

de processos de exclusão do Brasil, mas também houve ali influência da cultura pentecostal

sueca.

No século XIX e início do século XX, a Suécia era um país pobre, de modo que 80% da

população viviam da agricultura. Nesse período, Suécia, Noruega e Irlanda eram os países

europeus com o maior número de emigrados. A economia sueca mudou durante a Primeira

Grande Guerra e principalmente depois do conflito. Num curto espaço de tempo o país se tornou

rico. Vários países do mundo começaram a comprar produtos suecos como aço, fósforo, pastas

para papel, telefones e aspiradores de pó. A industrialização levou a um rápido aumento de mão

de obra operária e, como consequência, ao crescimento urbano. (ANDERSON, 1984, p. 29).

De maioria luterana, a Suécia do começo do século XX possuía um modelo religioso

diferente do denominacionalismo verificado nos Estados Unidos. Em geral, as dissidências

protestantes que ocorriam eram reprimidas e marginalizadas, de modo que para Paul Freston

esse foi um dos motivos que levou batistas suecos a emigrarem (FRESTON, 1996); muitos

desses batistas já tinham experiências pentecostais. Os missionários que chegaram ao Brasil na

primeira metade do século XX vinham de uma Suécia que marginalizava as minorias religiosas.

Esses grupos protestantes dissidentes nutriam desprezo pela religião estatal com todo seu status

político e social.

[...] eram portadores de uma religião leiga e contracultural, resistentes à

erudição teológica e modesta nas aspirações sociais. Acostumados com a

marginalização, não possuíam a preocupação com a ascensão social típica dos

missionários americanos formados no denominacionalismo (FRESTON,

1996, p. 78).

Esses grupos periféricos farão da religião seu espaço de resistência. As relações entre

subalternidade e resistência, sofrimento e marginalização se firmarão no assembleianismo

brasileiro. Resistência não como oposição explícita, mas como a construção de novos sentidos.

Podemos estabelecer certo paralelo com aquilo que Foucault chamou de “linhas de fuga”

(FOUCAULT, 2002, p.12) em que o empoderamento discursivo – nesse caso o discurso

religioso – no plano simbólico cria condições materiais de emancipação de minorias. Pois os

grupos marginalizados “circulam em uma atmosfera que os mantêm atados a uma imobilidade

social asfixiante” (SILVA, 2011, p. 38).

O assembleianismo brasileiro inicial teve considerável adesão de mulheres, as quais

adquiriam esse empoderamento discursivo através do uso da palavra, sobretudo através dos

testemunhos e das experiências extáticas. Todavia, quando falamos em mulheres no

pentecostalismo é preciso dividi-las em pelo menos três categorias: mulheres negras brasileiras,

Page 57: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

54

mulheres brancas brasileiras e mulheres estrangeiras (europeias e norte-americanas).

Historicamente as mulheres negras são aquelas que estão nos níveis mais inferiores dos

processos de subalternidade.

Isael de Araújo no livro 100 Mulheres que fizeram a história das Assembleias de Deus

(2011) destaca 60 mulheres estrangeiras, 37 mulheres brancas brasileiras e apenas 3 mulheres

negras brasileiras. Em 1925, já no Rio de Janeiro, o casal Frida e Gunnar Vingren separou

Emília Costa para o cargo de diaconisa. Negra, Emília Costa, além de exercer atividades de

evangelização, participou das Escolas Bíblicas de Obreiros e de Convenções Gerais das

Assembleias de Deus. Invisibilizadas, muitas dessas mulheres negras encontraram nas

experiências de êxtase formas de empoderamento discursivo.

Pode-se dizer, então, que Emília Costa e Frida Mari Strandberg eram companheiras de

ministério. Frida nasceu em 09 de junho de 1891 em Sjalevad, região norte da Suécia e ainda

jovem tornou-se membro da igreja Filadélfia de Estocolmo. Na capital sueca trabalhou como

enfermeira até comunicar ao pastor da igreja, Lewi Pethrus, seus anseios missionários.

Ingressou então num curso bíblico, tendo se tornado professora de Bíblia. Em 1917 ela foi

enviada como missionária para o Brasil e casou-se nesse mesmo ano com Gunnar Vingren.

Além de sua atuação como pastora, Frida foi uma das fundadoras do jornal Mensageiro da Paz.

A primeira edição do Mensageiro da Paz foi lançada em dezembro de 1930 no Rio de

Janeiro. De início, a redação do jornal funcionou na residência de Frida e Gunnar Vingren e

também nas instalações da própria igreja em São Cristóvão. O primeiro jornal criado pelos

missionários suecos foi o Voz da Verdade, em 1917, quando ainda estavam em Belém do Pará.

Esse períodico circulou apenas por dois meses e Gunnar Vingren viria a fundar o próximo

jornal, Boa Semente, em 1919, também no Pará. Já no Rio de Janeiro foi criado o jornal Som

Alegre, em 1929, que circulou até 1930. O Mensageiro da Paz foi um jornal militante, pois

além de ter uma função evangelizadora servia também para divulgar e reforçar doutrinas

pentecostais.

Foi no contexto de enriquecimento da Suécia durante a Primeira Guerra Mundial que a

Igreja Pentecostal Filadélfia em Estocolmo, liderada pelo pastor Lewi Pethrus, passou a dar

apoio financeiro a seu amigo de infância Daniel Berg e a Gunnar Vingren no Brasil, além de

enviar missionárias e missionários para o Brasil e outras partes do mundo. Para isso, Pethrus

criou uma organização chamada Missão Sueca Livre. As bases do moderno Estado de bem-

estar social sueco foram lançadas na década de 1930. Uma série de leis e reformas relacionadas

com a política fiscal, pensões de aposentadoria, previdência social, assistência médica e

educação foram aprovadas (ANDERSON, 1984, p. 45). O propósito de tais reformas era o

Page 58: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

55

nivelamento das diferenças sociais, com vistas à igualdade de oportunidades para todos os

cidadãos. O modelo de sociedade sueca passou a ser considerado como o lar do povo, onde as

necessidades dos cidadãos deveriam ser supridas pelo Estado. Foi durante as décadas de 1920

e 1930 que chegou ao Brasil o maior número de missionárias e missionários suecos, que

coincide com o boom econômico da Suécia. Além disso, a cultura da marginalização social foi

sendo substituída por ideias de igualdade e justiça.

Lewi Pethrus nasceu em 11 de março de 1884 em Västra Tunhem, zona rural da Suécia,

tendo sido batizado na Igreja Batista de Vänersborg cinco anos depois. Em 1900 mudou-se para

a Noruega onde se tornou pastor da Igreja Batista de Arendal e dois anos depois passou pela

experiência do falar em outras línguas. De volta a Estocolmo foi estudar teologia no seminário

Betel e, em 1906, tornou-se pastor da Igreja Batista de Lidköping.

Em 1907 tem um contato mais direto com o movimento pentecostal a partir de encontros

em Oslo, na Noruega, com o pastor Thomas Ball Barratt. Ex-pastor metodista, T. B. Barratt

havia recebido o batismo com o Espirito Santo a partir de uma visita a Nova Iorque em 1906 e,

quando regressou à Noruega, tornou-se um dos primeiros divulgadores da doutrina do chamado

batismo com o Espírito Santo na Europa. A Igreja Pentecostal Filadélfia seria fundada por

Pethrus em 1911 na cidade de Estocolmo. Entretanto, sua igreja foi expulsa da União Batista

Sueca, tendo em vista que Pethrus ministrava a ceia aberta. Na década de 1940, 1950 e

principalmente na de 1960 Lewi Pethrus demostrou cada vez mais interesse em exercer

influência na esfera pública sueca. Foi, inclusive, nesse período que ele se desentendeu com o

pastor sueco Sven Lidman (1882-1960). Destacado escritor e para muitos o principal nome da

literatura sueca do início do século XX, Lidman se converteu em 1917 (ARAÚJO, 2007, p.

567). Seus romances e dramas tinham como narrativa principal religião, sexualidade e mente

humana. Em 1920 publicou uma tradução das Confissões de Agostinho e, nesse mesmo ano,

iniciou sua amizade com Lewi Pethrus. No ano seguinte Lidman é nomeado ministro da Igreja

Filadélfia e passou a dirigir o jornal da denominação.

Nesse período também enviou matérias para o Brasil onde foram publicadas nos jornais

Boa Semente e Mensageiro da Paz. Pethrus e Lidman tinham personalidades muito diferentes,

de modo que em 1948 houve o rompimento da amizade. Há versões diferentes para esse fato.

A versão brasileira diz que Lidman foi o responsável pelo fim da amizade, tendo feito acusações

à pessoa de Pethrus; entretanto os suecos narram o ocorrido de maneira diferente. Para eles,

Lidman não concordava com o uso político que Pethrus fazia do jornal da igreja.

Em 1948 houve uma reunião do Conselho da Igreja Filadélfia e nela foi discutido a

respeito dos pastores que estavam na época para se aposentarem. O nome de Lidman fora

Page 59: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

56

citado, de modo que ele interpretou aquilo como uma manobra de Pethrus para tentar afastá-lo

de seus cargos. Lidman, então, preparou uma nota e convocou a imprensa. Nessa nota fez uma

série de acusações. Entre elas dizia que Pethrus tinha um estilo de liderança autoritária; era

admirador de Adolf Hitler e também cometia improbidade administrativa na Filadélfia. Na

ocasião, Lidman também leu sua carta de renúncia.

Foi destacada uma comitiva de pastores para atenuar o conflito, pois acreditavam que

ambos haviam errado. Pethrus teria, então, pedido perdão, mas Lidman recusou. Em 05 de abril

de 1948 Lidman e sua família foram excluídos da Igreja. No ano seguinte escreveu um livro

intitulado Viagem ao julgamento, em que fazia ainda mais acusações contra Pethrus. Pethrus

escreveria apenas em 1953 um livro para rebater as acusações: Verdade e Decência (tradução

livre para o português). Tempos depois Lewi Petrhus confessaria que o conflito com Lidman

era a maior dor que carregou ao longo de seu ministério. Dizia que a briga entre os dois se deu

em razão do ciúme de pessoas que desejam desfazer aquela amizade; em 1953 voltaram a ser

amigos.

Em 1958 Lewi Pethrus se desligou da Filadélfia, tendo criado uma organização

filantrópica e, em 1964, o Partido Democrata Cristão (PDC) 15; apenas em 1985 membros do

partido conseguiram ocupar assentos no parlamento. A criação desse partido esteve relacionada

com questões religiosas na Suécia. Em 1963 o governo havia decidido retirar a disciplina

Ensino Religioso do curriculum das escolas, de modo que Petrhus e outras igrejas evangélicas

se manifestaram contra.

A base do partido era constituída de grupos religiosos minoritários que nesse período

formavam as igrejas livres da Suécia (pentecostais, batistas, metodistas). Portanto, esse partido

era diferente do Partido Democrata Cristão da Alemanha ou da Itália, os quais foram

constituídos a partir de grupos majoritários. Entretanto, nesse período o pentecostalismo na

Suécia já era respeitado. Lewi Petrhus havia fundado também um jornal chamado Dagen e

através dele redigia matérias onde externava seu descontentamento com os rumos das políticas

sociais e econômicas da Suécia.

Oficialmente, o partido foi fundado em março de 1964 e na primeira eleição do diretório

nacional Pethrus foi eleito seu vice-presidente. Como disse pouco antes, ele foi amigo do

famoso escritor sueco Sven Lidman e, em 2001, foi publicado na Suécia o livro Lewi Resa, o

qual trata da amizade entre os dois. Lewi Pethrus morreu em 1974 e um fato curioso é que

15 O PDC é hoje um partido de oposição ao governo e uma de suas principais características é o grande número

de políticos jovens que fazem parte da legenda.

Page 60: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

57

foram feitas moedas como forma de tributo a um dos fundadores do movimento pentecostal na

Suécia.

Nessa primeira fase da pesquisa auscultamos 206 artigos do jornal Mensageiro da Paz

e destes analisamos um total de 30. As autoras e autores, todos com expressiva

representatividade nas ADs são: Frida Vingren (1891-1940); Gunnar Vingren (1879-1933);

Antônio Torres Galvão (1905-1954) - pastor fundador de igrejas no Nordeste, presidente de

sindicato e governador interino do estado de Pernambuco); Zélia Brito (1907-1988) - realizou

trabalhos de evangelização no subúrbio do Rio de Janeiro como Bangu, Realengo e Madureira;

foi casada com o pastor Paulo Leivas Macalão); Samuel Nystrom (1891-1960) - foi o primeiro

missionário sueco enviado para o Brasil a partir da base de missões criada em Estocolmo pelo

pastor Lewi Pethrus. Pastoreou igrejas em Belém, Rio de Janeiro, São Paulo, Amazonas e Acre,

além de ter sido presidente da CGADB; Emílio Conde (1901-1971) - jornalista e diretor do

Mensageiro da Paz. Poliglota, destacou-se como escritor e redator na imprensa assembleiana.

Leigo e solteiro, antes de ser assembleiano pertenceu à Congregação Cristã do Brasil; José

Teixeira Rego (1898-1960) - pastor de igrejas no Ceará, Rio de Janeiro e Maranhão, foi também

um dos fundadores da Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD); Eurico Bergstén

(1913-1999) - missionário finlandês enviado ao Brasil pelo junta de missões sueca. Foi escritor

e professor de inúmeras escolas bíblicas; João Pedro da Silva (1895-1934) - pastor de igrejas

em Minas Gerais, Sergipe, Bahia e Espírito Santo; Nils Kastberg (1896-1978) - missionário

sueco, foi pastor e redator do Mensageiro da Paz; Francisco Pereira do Nascimento (1904-

1966) - primeiro pastor brasileiro das ADs em Belém do Pará; Lawrence Olson (1910-1993) -

missionário estadunidense e um dos pioneiros das ADs em Minas Gerais e do ensino teológico;

Francisco Gomes Assis (1906-1996) -pastoreou igrejas no Rio de Janeiro e Maranhão; escritor

de diversos periódicos da CPAD; Bruno Skolimowsky (1884-1961) - de origem polonesa, além

de pastor ministrava nas Convenções Gerais.

3.4 TEMPORALIDADES E POLÍTICA NO ASSEMBLEIANISMO BRASILEIRO (1930-

1945)

O cristianismo é uma religião histórica, pois atribui ao tempo um valor e significado

teológico (teologia da história). Desse modo nossas análises se darão a partir de uma

compreensão da teologia judaico-cristã da história. Já nas primeiras edições do jornal

Page 61: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

58

Mensageiro da Paz há vários artigos que tratam da temática da escatologia. Tendo em vista que

devemos falar de um assembleianismo de mentalidade rural e um assembleianismo de

mentalidade urbana, entendemos também que podemos falar de uma concepção escatológica a

partir de uma mentalidade rural e uma concepção escatológica a partir de uma mentalidade

urbana. A primeira concepção se aproxima daquilo que Franz Hinkelammert chamou de céu

feudal.

O céu de Agostinho não oferece consolo algum. Contudo, aparece um céu que

oferece consolo e que pode complementar o céu agostiniano: o céu da

sociedade feudal. Ele correspondia, em grande parte, a essa sociedade com

suas hierarquias, seus estados e classes. Um mau rei, no entanto, podia

terminar no inferno e um mendigo piedoso podia chegar às hierarquias mais

altas nesse céu (HINKELAMMERT, 2012, p. 179).

Percebe-se que os discursos escatológicos das ADs nas primeiras décadas se aproximam

dessa concepção escatológica a partir de uma mentalidade mais rural. Já a concepção

escatológica a partir de uma mentalidade urbana16 tende a pensar um “céu imperializado”

(HINKELAMMERT, 2012, p. 172). Sendo assim, temos ressalvas naquilo que Paulo Siepierski

afirmou:

A permanência dos pentecostais na Terra por um período maior que

desejavam forçou-os a viverem como os demais mortais. Tiveram que mandar

seus filhos para a escola, investir em planos de aposentadoria, fazer

financiamento a longo prazo, enfim ficaram forçados a alargar horizontes.

Para isso foi necessário reestruturar a escatologia. A única forma de manter a

esperança num milênio foi reverter para o pós-milenarismo (SIEPIERSKI,

2004, p. 82).

Inicialmente a expressão “forçou-os a viverem como os demais mortais” dá uma ideia

de que as mulheres e homens de pertença pentecostal viviam desvinculados das dinâmicas

sociais como o mundo do trabalho, da economia e da educação. Sabe-se que em muitos espaços

pentecostais a educação formal não era valorizada; entretanto, isso nunca foi um discurso

homogêneo nas Assembleias de Deus. Quanto à expressão de Siepierski “forçou-as a alargar os

horizontes” ela faz vinculação apenas com a escatologia e não leva em consideração os

processos de urbanização e industrialização no Brasil que levaram essas brasileiras e esses

brasileiros a desejarem “alargar horizontes”.

16 Essa discussão a respeito da antecipação e secularização do céu e do inferno tambem foi feita por Walter

Benjamin (2013, p. 128), para quem esse fenômeno cria um tipo de sociedade adequada ao surgimento e

funcionamento do capitalismo.

Page 62: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

59

Essa nova dialética com o Brasil urbano e industrial potencializou essa concepção

escatológica a partir de uma mentalidade urbana e o nome disso não é pós-milenarismo no

pentecostalismo, como sugere Siepierski. Isso não significa que todo o assembleiano que

emigrou para os centros urbanos deixou de ter uma concepção escatológica a partir de uma

mentalidade rural ou que toda concepção escatológica a partir de uma mentalidade urbana não

tenha também elementos críticos. Entretando, a segunda concepção tende a ter uma dimensão

do que se convencionou chamar de uma escatologia antecipada, onde a esperança do paraíso

vindouro se realiza no presente.

A partir dessa discussão inicial acreditamos que desde a década de 1930 há posições

políticas nas ADs, de modo que nesse período, a concepção escatológica está relacionada com

resistência e crítica social. Logo, rejeitamos termos como apoliticismo ou alienação política

pentecostal. Seja a concepção escatológica a partir de uma mentalidade rural ou uma concepção

escatológica a partir de uma mentalidade urbana, ambas estão vinculadas a processos da vida

concreta, na medida em que a fala sobre o céu é uma fala sobre terra. Em nossa tese, faremos a

análise da posição e ação política das ADs a partir de três categorias de tempo propostas por

Giorgio Agamben: tempo profano, tempo escatológico e tempo messiânico.

Ao falar sobre a temática da escatologia no contexto do catolicismo Agamben parece

fazer uma ironia ao dizer que “a referência às coisas últimas parece ter desaparecido do discurso

da Igreja, a tal ponto que se pôde dizer, que, a Igreja de Roma fechou o Escritório Escatológico”

(AGAMBEN, 2010, p. 5). Como leitor de Walter Benjamim, Agamben fala do tempo profano

(chronos) como o tempo da história da humanidade, o tempo cronológico. Enquanto realidade

do mundo presente, o chronos não está relacionado com uma concepção de progresso histórico.

Nas categorias apocalípticas o tempo escatológico diz respeito ao aiôn futuro, ocasião em que

o tempo profano será sucedido pela vida eterna.

Em I Tessalonicensses 5.1-2 está escrito que “a respeito da época e do momento, não há

necessidade, irmãos, de que vos escrevamos. Pois vós mesmos sabeis muito bem que o dia do

Senhor vem como ladrão de noite”; o verbo “vir” neste texto está no presente que retrata a

mensagem do evangelho do messias que não cessa de vir; logo, “cada instante é uma porta

estreita da qual o messias pode passar” (BENJAMIN apud AGAMBEN, 2010, p. 3). A partir

daí Agamben faz a discussão do tempo messiânico (Kairos), com uma dimensão escatológica

presentificada.

O tempo messiânico contesta a mundaneidade como sistema de valores e crenças, ao

mesmo tempo em que “reconhece a realidade presente na qual é preciso viver” (CUVILLIER,

2001, p. 236). Assim, ele representa ao mesmo tempo uma presença no mundo junto à espera

Page 63: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

60

de outra realidade. Segundo Agamben “o tempo messiânico de ver compreendido como o tempo

que surge do interior do tempo cronológico, que o trabalha e o transforma internamente”

(AGAMBEN, 2006, p. 112). Desse modo, há uma oposição qualitativa entre chronos e kairos.

O kairos emerge no tempo cronológico na medida em que o transforma por dentro e nos remete

para um tempo que nos resta.

Sendo assim, o tempo messiânico não é um período cronológico, mas sim uma

transformação qualitativa do tempo vivido. Há também uma diferença entre o tempo

apocalíptico e o tempo messiânico. O primeiro está relacionado com o “final dos tempos,

enquanto que o segundo com o tempo do fim” (AGAMBEN, 2010, p. 3). Esse é um tempo que

se contrai, que começa a acabar, o tempo que nos resta. Enquanto tempo que pulsa dentro do

chronos, o kairos tem a função de fazer o tempo profano terminar.

Um presente, como Benjamin apresentará na tese XVI, que não é transição,

mera lacuna entre o passado e futuro, mas uma temporalidade que se dilata e

se imobiliza, explodindo o continuum catastrófico da história: uma revolução,

prenhe de estilhaços messiânicos, não como meta final na travessia mortal do

progresso, mas no tempo-de-agora (Jetztzeit), na vida que resta, na interrupção

do tempo (BARBOSA, 2014, p. 144).

Há, portanto, uma relação entre as coisas últimas e as coisas penúltimas, de modo que

elas definirão a condição messiânica. Pensar nas coisas últimas é elemento importante que

determina o modo como se vive as coisas penúltimas. Logo, viver o tempo do fim significa uma

mudança da experiência, como também se representa o tempo. O kairos enquanto um tempo

abreviado não é um tempo de fuga das realidades concretas, mas se relaciona com o pensamento

paulino de “não se conformar ao mundo” (CUVILLIER, 2001, p. 236).

Dito isso, a partir de agora analisaremos posições políticas no assembleianismo

brasileiro a partir da experiência das temporalidades do chronos, aiôn e kairos. Verificaremos

que desde a década de 1930 há posições políticas nas ADs e que a concepção escatológica,

nesse período, está relacionada à resistência, principalmente de indivíduos subalternos do

pentecostalismo. Não relacionamos anseios milenaristas aqui com fuga do mundo ou alienação

social, pois o discurso escatológico sobre o céu é concebido a partir de realidades concretas da

existência.

Page 64: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

61

3.4.1 Assembleianismo e a Experiência do Chronos

Verificamos na década de 1930 e início da de 1940 que há posicionamentos políticos

nas ADs, muitos deles como crítica a certos modelos de Estado e sociedade. Além disso,

identificamos determinadas matérias no jornal Mensageiro da Paz que orientava assembleianos

nos processos de participação política no limitado sistema eleitoral brasileiro do período.

Conforme já dito anteriormente, apresentaremos os referidos posicionamentos a partir do jornal

Mensageiro da Paz e em todos eles respeitaremos a grafia original. De início, não concordamos

com Francisco Cartaxo Rolim quando diz: “Desligada dos contextos sociais históricos,

preocupada quase que exclusivamente com a segunda vinda de Cristo, a utopia milenarista,

entendida na dimensão de projeção para o futuro, opera um corte com o aqui e o agora”

(ROLIM, 1985, p. 224). Mesmo que o discurso escatológico aponte para a vida futura, sua

dinâmica funciona a partir da vida presente; não está descolada do aqui e do agora.

Numa das primeiras edições do jornal a missionária Frida Vingren demonstrou

consciência da mudança de determinados papéis atribuídos às mulheres na sociedade. No início

de 1931 pastores já haviam determinado uma série de restrições às atividades pastorais que

Frida já exercia há vários anos no Brasil. Ela cita a "revolução" de 1930 que conduzira Getúlio

Vargas ao governo, e a usa como metáfora, como forma de extenar seu descontentamento.

Na Suécia, país pequeno com cerca de 7 milhões de habitantes, existe um

grande número de irmãs evangelistas. [...] Na “parada das tropas” a qual teve

lugar aqui no Rio de Janeiro, depois da revolução tomou tambem parte um

batalhão de moças do Estado de Minas Gerais (MP, n. 3, p. 3, 1931).

Há também posicionamentos acerca da geopolítica internacional do pós-guerra. Tais

posicionamentos são sempre acompanhados de uma visão pessimista da história e parece que a

crítica social é um elemento fundante da temporalidade do chronos no assembleianismo desse

período. Com uma visão negativa a respeito do chronos esse tempo cronológico é concebido

como uma dimensão autodestrutiva, pois “o tempo é o grande poder que a tudo destrói” (MP,

n. 3, p. 4, 1941). Logo, não há uma antecipação do céu, pois o horizonte histórico não é o

progresso, mas sim o aniquilamento a partir de dentro do próprio chronos. Essa temporalidade

Page 65: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

62

se contrai, autodestrói; logo, há anseios nesse pentecostalismo pela interrupção da história que

está ligada a um tipo de mundo com o qual esses pentecostais demonstram seu

descontentamento.

Segundo Boaventura de Sousa Santos “vivemos num tempo de fulgurações, um tempo

de repetição. A ideia da repetição é o que permite ao presente alastrar ao passado e ao futuro,

canabalizando-os” (SANTOS, 2006, p. 51). Essa concepção do presente como repetição

ampliou-se até chegar à ideia do futuro como progresso, que é um tema que se relaciona com

as utpoias burguesas. Boaventura critica esse tipo de concepção histórica ao dizer: “Nos termos

em que a modernidade ocidental conferiu ao futuro a capacidade messiânica, como diria Walter

Benjamin, a incapacitação do futuro não abre qualquer espaço para a capacitação do passado”

(SANTOS, 2006, p. 53).

No artigo abaixo, Frida Vingren demonstra conhecimento a respeito dos

desdobramentos políticos do período entre guerras, quando há o fortalecimento do

nacionalismo autoritário o qual será um componente básico do nazismo, fascismo e stalinismo;

além das revoluções e conflitos em várias partes do mundo. “Depois da guerra mundial as

nações estão inflamadas pelo espírito do nacionalismo o que tem resultando várias luctas e

conflictos. Na India há constantes luctas por causa do domínio inglês. Igualmente na China há

contínuas guerras e revoluções” (MP, n. 1, p.2, 1930).

Para Franz Hinkelammert pensar o céu como um lugar de consolo não é uma barreira

para a libertação, pelo contrário pode até impulsioná-la (HINKELAMMERT, 2012, p. 185).

Todavia, a redenção é sempre transcendente. Nesse contexto, a política não é vista como um

instrumento de uma possível redenção; de igual modo esse pentecostalismo parece não

conceber os governos como Estado Providência, tendo em vista que a referida instituição seria

incapaz de promover justiça, paz e igualdade em sua plenitude, pois, “todos os anos a Liga das

Nações se reúne para tratar acerca do desarmamento, mas, quando acaba o trabalho cada nação

manda construir navios de guerra, sub-marinos, hydro-aviões, e outras coisas” (MP, n. 18, p. 8,

1931). O pastor José Teixeira Rego escreveu que:

Pacto e alianças são firmadas entre as potências humanas, a actividade de

líderes políticos, sociologos e quejandos, se dedobra, e entretanto, cada dia os

acontecimentos, nas notícias que nos fornecem os periódicos, mostram-nos a

gravidade da situação universal (MP, n. 20, p. 5, 1931) [...] Depois de recordá-

lhe estas coisas elle continua advertindo-o contra os homens maus e

enganadores. Diariamente vemos estes, em todos os ramos de actividade, na

religião, na política, no comércio (MP, n. 18, p. 8, 1931).

Page 66: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

63

Como já analisamos anteriormente, com a crise de 1929, há mudanças no capitalismo

mundial, o que contribuiu para a ascensão de novos impérios econômicos, em especial os

Estados Unidos. Houve tambem aumento da pobreza e desigualdade, paralelamente ao

surgimento de novas elites. Tal situação também foi abordada em matérias publicadas no jornal

Mensageiro da Paz, onde pode se ver crítica aos impérios capitalistas. De acordo com o pastor

Antônio Torres Galvão:

A crise tremenda tem feito milhares de companhias e particulares fechar as

suas casas commerciais e fábricas, têm feito milhões e milhões de pessoa

ficarem sem trabalho e sem pão, sofrendo as maiores privações, enquanto o

ouro do mundo está armazenado nas mãos de algumas nações capitalistas

(MP, n. 1, p. 1, 1932). [...] a humanidade, hoje mais do que nunca, se deixa

absorver pelo mais pesado materialismo. Em tudo e em todos, reinam a

ambição, o egoísmo, e a mais completa ausência de equidade (MP, n. 15, p. 4,

1937).

Durante o governo Getúlio Vargas houve duas grandes secas: uma em 1932 e outra em

1942. Pela primeira vez na história brasileira o governo centralizou e coordenou uma

intervenção no semiárido cearense no combate à seca (NEVES, F., 2001). A seca, então, passou

a ser vista como um fenômeno social, de modo que foram estabelecidas novas relações entre

retirantes, governo e habitantes das cidades. Na seca de 1877 milhares de sertanejos famintos

migraram para Fortaleza, os quais ficaram entregues à fome e à própria morte pelas ruas da

cidade.

A partir de então foi criado um programa de campos de concentração no Ceará, para

onde os retirantes eram levados nos períodos de seca. Esses campos tinham, dentre algumas de

suas finalidades, impedir a mobilidade física dos retirantes, principalmente que se deslocassem

para Fortaleza. O “maior campo de concentração ficava no Crato que chegou abrigar cerca de

60 mil retirantes” (NEVES, F., 2001, p. 109).

A partir de 1930 o Estado interveio no mercado de trabalho e de alimentos na região

nordestina, com o objetivo de possibilitar condições de compra de comida para os retirantes.

Esse período de escassez possibilitou ao getulismo ampliar o controle e a regulamentação de

mecanismos econômicos. A seca nordestina de 1932 foi também citada em matéria no jornal

Mensageiro da Paz, pois o pastor Eurico Bergsten afirmou que:

É gravíssima a situação do mundo. A crise mundial, que já começou a

repercurtir profundamente, entre nós vieram juntar-se dois flagellos: a seca do

nordeste e a guerra civil no sul (felizmente agora finda) affetando o Brasil

Page 67: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

64

inteiro. Quando lemos os jornaes diários, encontramos uma tendência

assustadora, sempre crescente de desrespeito a vida (MP, n. 10, p. 1, 1932).

Entre 1932 e 1935 aconteceu a guerra entre Bolívia e Paraguai, cujo conflito, motivado

pelo petróleo na região dos Andes ficou conhecido como guerra do Chaco. Sessenta mil

bolivianos e 30 mil paraguaios morreram no conflito. É considerada a maior guerra da América

do Sul no século XX. Quanto a esse fato o jornal relatou que “A Bolívia em choque com o

Paraguay, a Colômbia com o Equador, e outras questões mais, põe em ameaça, todo o

continente sul-americano” (MP, n. 20, p. 2, 1932); esse relato foi feito pelo pastor José Teixeira

Rego.

As ambíguas relações entre Estado e religião também são abordadas no

assembleianismo nesse período. O articulista do jornal usa como exemplo a Alemanha, que

segundo ele usava o discurso religioso como narrativa legitimadora da guerra e das políticas

segregacionistas e racistas do nazismo. Além disso, chama-nos a atenção nesse artigo escrito

pelo pastor João Pedro a visão clara dos perigos em fazer uso político da religião

Os homens terminam em misturar e confundir o christianismo, com o

nacionalismo e o patriotismo, como se houvesse alguma razão, ou alguma lei

de Deus, que justificasse essa pretenção. O christianismo não conhece

fronteiras, não conhece raças, não conhece divisas. O que nos levou a escrever

estas linhas foi uma notícia referente a factos que estão se passando na

Allemanha que dizia: “Servir a guerra não é, em caso algum, um attentado

contra a consciência christã, é, ao contrário, obedecer a Deus” (MP, n. 4, p. 3,

4, 1933).

A partir dessa constatação o jornal faz crítica à instrumentalização da religião pelo

Estado, com o objetivo de promover políticas de intolerância e, segundo o articulista, tal postura

é um crime que deve ser denunciado. Tal posicionamento político manifestado no artigo do

jornal Mensageiro da Paz tem dimensões de críticas. O pastor Nils Kastberg escreveu que “Que

cada qual faça política, manifeste seus sentimentos e convicções que adotou. Abusar, porém,

do nome de Deus e do Christianismo, para fins intolerantes, envolvendo-os em movimentos

movórticos, é crime que merece e deve ser denunciado” (MP, n. 4, p. 4, 1933).

Pode se verificar também, através de artigos no Mensageiro da Paz, críticas a políticos

e posturas de desconfiança em relação a eles. Acreditamos que matérias como essa corroboram

nossa tese contrária à ideia do apoliticismo, de modo que desde esse período houve posição

política nas Assembleias de Deus. Para o pastor Samuel Nystron:

Page 68: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

65

Há poucos dias, lendo os jornaes, algo a respeito de dois estadistas e dos

encontros que estes tiveram com alguns ambaixadores de outros paízes dos

mais importantes da Europa. Foram esses homens, Mac Donald da Inglaterra

e Mussolini, da Itália. [...] essas conferências foram seguidas de banquetes e

discursos, que mostraram a boa vontade dos políticos e estadistas em trabalhar

pela paz; tudo isso porém é fictício, pois suas atitudes não deixaram de

transparecer o egoísmo de cada um, em conseguir os melhores resultados para

si (MP, n. 7, p. 5, 1933).

Além de críticas também há espaço no jornal para zombar de estadistas e dizer que

mesmo sendo cultos vacilam na condução dos governos. Pode-se tratar com ironia certos

políticos, pois esse pentecostalismo desconfiava de deteminadas pretensões governamentais.

Tal postura também configura posição política, pois ais uma vez o pastor Antônio Torres

Galvão escreveu que:

Os acontecimentos que se desenrolam no orbe terrestre são, pelo dramático e

imprevisto de que se revestem, de molde a zombar dos estadistas mais cultos

e aluminados, os quais muitas vezes, ficam a vacilar, como se o leme da nau

administrativa não estivesse em mãos de marinheiros conhecedores da costa

(MP, n. 4, p. 1, 1937).

Pode-se encontrar no Mensageiro da Paz críticas a indivíduos que faziam da política

uma profissão e não um instrumento de promoção de justiça social. Era preciso desconfiar

daqueles que assim agiam. Desse modo, o pastor Francisco Gomes escreveu que “O mundo

político espera grandes surpresas de homens, que fizeram da política uma profissão” (MP, n.

22, p. 1, 1938).

E o que dizer dos políticos que pensam no seu próprio enriquecimento? Para o Nils

Kastberg afalou sobre o egeoísmo na política ois, “os homens em nossos dias, principalmente

os políticos, passam pela vida com os punhos fechados, amaldiçoando a tudo e a todos, tendo

as mãos abertas somente para o seu egoísmo” (MP, n. 5, p. 4, 1940). Esse artigo foi escrito em

plena ditadura e mesmo assim há esse tipo de crítica a políticos.

Muito embora tenha havido essas críticas o assembleianismo também teve

posicionamentos políticos de apoio a Getúlio Vargas. No mesmo jornal da denominação há

palavras de apoio e de descontentamento com políticos. Esse é um dos sinais da

heterogeneidade política presente no pentecostalismo, que se seguiria nas décadas seguintes. O

pastor Antônio Torres Galvão disse que:

Somente no Brasil conseguiu fazer uma revolução de cima para baixo, graças

a argúcia do estadista que, há sete anos nos governa. É de notar, porém, que o

presidente Vargas afirmou categoricamente no prelúdio da Nova Constituição,

Page 69: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

66

que a nação estava sob a funesta iminência da guerra civil (MP, n. 3, p. 6,

1938).

Ao que tudo indica a referência a essa iminente guerra civil esteve relacionada com a

Aliança Nacional Libertadora que lutou pela deposição de Getúlio Vargas, fato esse que

culminaria com a implantação do Estado Novo em 1937. Mais uma vez o pastor Antônio

Torres Galvão se posiciona e diz que:

Até mesmo nas terras livres da América, neste Brasil onde tudo é imenso, e

onde não se conhece a crise, no verdadeiro sentido do termo, mercê de

recursos naturais com que nos dotou a dadivosa mão do criador – espíritos

impatrióticos procuram perturbar a ordem e a paz brasileira, ensanguentando

o solo pátrio, levando o luto, a orfandade e a viuvez a milhares de lares (MP,

n. 3, p. 2, 1936).

Em setembro de 1937, ou seja, dois meses antes de Vargas implantar o Estado Novo, há

uma nota no Mensageiro da Paz com uma chamada ao alistamento eleitoral, que estaria

relacionado com o dever cívico. A editoria do jornal disse que “Como todos os irmãos devem

saber, é dever de todo o brasileiro alistar-se eleitor. Isto é por lei. Avisamos, pois, aos que ainda

não cumpriram com esse dever cívico, que no próximo mês de outubro, será encerrado o

alistamento eleitoral” (MP, n. 17, p. 4, 1937).

Entretanto, há também postura de crítica às políticas do governo e uma das mais claras

é com respeito à educação brasileira. O artigo a seguir é um dos sintomas que atestam que o

discurso antieducação formal não era homogêneo nas Assembleias de Deus. De acordo com o

pastor Antônio Torres Galvão “No terreno cultural somos um povo que conta setenta e cinco

porcento de analfabetos. Temos, é verdade, uma elite de cultura bem formada, mas, em matéria

de instrução popular, somos o que há de mais precário” (MP, n. 11, p. 2, 1937). Reconhecemos

que enquanto grupo constituído de pessoas subalternas, mulheres e homens de pertença

pentecostal estiveram alinhados com o Estado paternalista de Vargas. Há indícios de que certos

modelos da eclesiologia pentecostal incorporaram elementos da maneira de governar de

Getúlio. Todavia, é em regimes democráticos e não ditatoriais que o pentecostalismo teve sua

maior expansão.

A partir da discussão que fizemos até aqui e outras análises que faremos adiante

acreditamos que desde 1930 há posições políticas no assembleianismo brasileiro, de modo que

sua concepção escatológica não esteve relacionada com fuga do mundo. No interior da

experiência assembleiana do chronos há dimensões de crítica social e essa temporalidade

caminha para o fim; logo, a mundaneidade é incompatível com a antecipação do céu.

Page 70: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

67

3.4.2 Assembleianismo e a Experiência do Aiôn

Na guerra dos camponeses alemães do século XVI aconteceu uma antecipação do céu,

a qual foi promotora de luta por mudança da realidade social. Hinkelarmmert ao analisar a

revolta afirma que “pode-se dizer também: já não se antecipa o núcleo terrestre do celeste, mas

o núcleo celeste do terrestre. E nesse núcleo do terrestre é, na imaginação dos camponeses, o

paraíso, e, para isso, tem de ser mudada a terra” (HINKELARMMET, 2012, p. 180). O autor

também vê nos movimentos de base e da teologia da libertação dos anos 1960 esses mesmos

anseios. Entretanto, para Hinkelarmmet os resultados da práxis oriunda dessa antecipação do

céu se “esbarraram” nos próprios limites sociais. Vejamos esse aspecto, que consideramos ser

paralelo à nossa tese.

Claudio de Oliveira Ribeiro fez alguns apontamentos críticos a respeito da Teologia da

Libertação e das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), da Igreja Católica Romana, de modo

que, para ele há problemas em compatibilizar o Reino de Deus com uma concepção histórica

linear, sendo que, “quando, ao contrário, os grupos religiosos estabelecem suas metas para além

da história, podem trazer para o interior dela conteúdos de maior radicalidade” (RIBEIRO,

2010, p. 55). Ribeiro prossegue e trata das limitações de um messianismo que superdimensiona

a historicidade do Reino.

[...] Vitor Codina questiona se a Teologia da Libertação não teria assimilado,

a crítica e inconscientemente, a visão moderna e linear de tempo que,

diferentemente da noção bíblica do Kairos, gera um messianismo político e

militante, com o risco de cair num voluntarismo moralista, no pragmatismo e

funcionalismo que acaba por romper e esvaziar de conteúdo a mensagem

evangélica (RIBEIRO, 2010, p. 57).

Sendo assim, a antecipação do céu no projeto da Teologia da Libertação tem seus

limites, os quais podem ser revistos a partir de dentro da própria escatologia. Para isso, seria

importante o Reino possuir “acento messiânico ou até mesmo milenarista”, de modo que “é

preciso conjugar a reserva escatológica com a instância escatológica” (RIBEIRO, 2010, p. 57).

Muitas CEBs, principalmente aquelas formadas na zona rural, carregavam consigo a

dimensão celebrativa própria do catolicismo popular: novenas, procissões, rezas e veneração

de santos. Com o tempo essas comunidades passaram a desenvolver outras atividades como

ligadas à leitura da bíblia e encontros com jovens e casais. O próximo passo foi o envolvimento

com questões práticas como participação nas lutas pela terra e nos sindicatos. Todo esse

Page 71: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

68

processo levou as CEBs ao engajamento nas questões político-sociais do cotidiano e, assim,

assumiram essa dimensão do Reino de Deus dentro da história.

No que diz respeito às bases teológicas das CEBs, Faustino Teixeira lembra a dimensão

dos projetos histórico-libertadores do Reino de Deus (TEIXEIRA, 1988) de modo a indicar que

existe uma estreita ligação entre Reino e Libertação, escatologia e história. O caminho para uma

sociedade plenamente justa e solidária passaria por essa dimensão intra-histórica do Reino de

Deus. Logo, essa dimensão teológica das CEBs também se aproximaria de um projeto de

antecipação do céu.

Tanto o assembleianismo na década de 1930 como as CEBs dos anos de 1960 a 1980

foram grupos populares, de modo que através da mediação religiosa construíram seus espaços

de comunhão e resistência. Pode-se também dizer que ambas fizeram uma leitura popular da

Bíblia, cujo significado e sentido do texto emergiam das ambiguidades da vida cotidiana. Ao

rejeitar o estudo formal da Bíblia em faculdades de teologia, podia ser também uma forma das

brasileiras e brasileiros de pertença pentecostal não aceitarem intermediários na interpretação

bíblica, tendo em vista que o crente tem acesso direto ao Espírito Santo, o que pode configurar

crítica às autoridades hegemônicas. Logo, o sentido do texto seria interpretado por toda a

comunidade e isso deu empoderamento discursivo a todas e todos.

Acredita-se que sempre houve dimensões de invisibilidade de pessoas no interior do

pentecostalismo: seus rostos, suas realizações desaparecem na camada espessa do

esquecimento. São inúmeras as narrativas não narradas, o que gera a despessoalização onde os

sujeitos não aparecem. Brasileiras e brasileiros de pertença pentecostal estiveram circunscritos

nesses processos de subalternidade e invisibilidade social. Nesse sentido, pensamos que as

análises sobre pentecostalismo na vida pública brasileira quase sempre associam certo

afastamento apenas a partir do apocalipcismo pentecostal.

São poucas as análises que pesquisam as relações entre pentecostalismo e vida pública

que levam em consideração as contingências sociais como exclusão social e mesmo os períodos

dos estados de exceção no Brasil. Quase sempre o pouco envolvimento no espaço público é

creditado à vontade própria das brasileiras e brasileiros pentecostais em decorrência de suas

crenças escatológicas. Todavia, antes de serem pentecostais foram, em sua maioria, cidadãos

brasileiros às margens e sem qualquer tipo de protagonismo social e político. Por isso, além do

apocalipcismo, pensamos ser importante pensar também nas contingências sociais.

Tendo em vista que eram sujeitos subalternos, não dependia apenas dessas brasileiras e

desses brasileiros pentecostais exercer algum tipo de protagonismo na política brasileira. Na

sua maioria estavam circunscritos em relações de invisibilidade e de silenciamento social.

Page 72: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

69

Portanto, acreditamos que o discurso escatológico não é a causa ou o elemento originário de

certo afastamento da vida pública brasileira. A escatologia pentecostal brasileira é efeito de

processos de exclusão; é empoderamento discursivo de subalternos. A escatologia por si só não

consegue explicar o distanciamento da política partidária no assembleianismo, pois mesmo com

o discurso escatológico, observamos que há, desde a década de 1930, posições políticas nas

ADs. Por isso, é preciso levar em consideração as contingências sociais.

A escatologia enquanto discurso não é uma fala conjugada com apatia ou alienação, mas

sim com resistência e até mesmo violência. Pensamos discurso escatológico aqui não como

uma estrututura imobilizadora de práticas e ações político-sociais, mas como canalizadora de

resistência e, em alguns momentos, revolucionária. Sendo assim, não pensamos que as

brasileiras e os brasileiros de pertença pentecostal se afastavam da vida pública em razão de sua

concepção escatológica, mas sim que tal concepção foi potencializada por processos de

exclusão social. Para Jung Mo Sung

O milenarismo com todos os defeitos que possa ter, é um movimento que não

perde sua criticidade em relação aos sistemas vigentes. Isto por causa da

transcendência de Deus em relação a este mundo. É sempre um movimento

que julga o mundo a partir de um critério externo a lógica do sistema (SUNG,

2001, p. 61).

Sendo assim, até que ponto podemos dizer que esses brasileiros pentecostais eram

apolíticos, tendo em vista que a dimensão escatológica não esvazia as categorias de um sujeito

político? É no interior dessas crenças que as brasileiras e os brasileiros de pertença pentecostal

canalizaram suas vozes de criticidade em relação a um tipo de mundo e política de que

discordavam; e nessas estruturas escatológicas discursivas podemos perceber elementos de

radicalidade, resistência e contestação, de modo que pensamos ser incorreto chamá-los de

apolíticos.

Mesmo que não haja uma antecipação do céu, a escatologia não significa paralisia dos

eventos históricos (AGAMBEN, 2015), no sentido de que a crença no fim dos tempos levaria

à inércia. Sendo assim, o sentido das coisas últimas orientaria e guiaria as coisas penúltimas.

Agamben vai além e diz que “quando o elemento escatológico se eclipsa na sombra, a economia

mundana se torna propriamente infinita, isto é, interminável e sem escopo” (AGAMBEN, 2015,

p. 24). Quanto às relações entre escatologia e pentecostalismo concordamos com Bernardo

Campos quando afirma:

Page 73: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

70

Sob a forma de um protesto social e de uma utopia de libertação, o movimento

pentecostal nos relembra movimentos históricos como o de Taki Onqoy na

sociedade andina do século XVI (Huamanga, 1560-1570), no Peru. O ponto

de comparação entre eles deve ser visto em seu apocalpcismo e não tanto em

seu comportamento religioso (CAMPOS, B., 1996, p. 54).

O discurso escatológico a respeito do céu é concebido a partir de realidades da vida

concreta; logo, céu e terra estão interligados “assim no céu como na terra”

(HINKELAMMERT, 2012, p. 169). No pentecostalismo a escatologia não levou os sujeitos a

processos revolucionários, mas isso não significa que sua práxis não tenha sido capaz de

influenciar o chronos. Muitas mulheres e muitos homens que aderiam ao pentecostalismo

encontravam naquele espaço laços fraternos garantidores de dignidade. Mesmo assim, a

concepção do aiôn esteve relacionada com anseios de abreviar, contrair e resistir ao chronos.

Para o assembleiano Walfrido dos Anjos

Dia terrível quando o Senhor da glória descer dos altos céus à Terra a fim de

julgá-la. Este dia, cada vez mais se aproxima, pois, as Escripturas Sagradas

assim o dizem e, não só ellas, mas também, o incremento que tem tido toda a

sociedade das nações mais cultas. Entretanto, para que, os múltiplos

desenvolvimentos quer nas letras, quer nas artes e sciencias? Para que, tantos

mestres, philosophos e moralistas, se estes não anunciam à humanidade

desativada de todos os preconceitos? Povos e nações, porém entregam-se aos

prazeres, esquecendo-se de que o homem do pó veio e só pó tornará (MP, n.

4, p. 6, 1931).

Pode-se afirmar que o pentecostalismo é uma religião de migrantes. Tanto a migração

internacional como aquela que aconteceu dentro dos limites do território brasileiro foram um

dos principais elementos estruturadores da identidade assembleiana. Esses fluxos migratórios

ajudaram a reforçar a concepção pentecostal de que nós não somos deste mundo?

Provavelmente sim. Uma das primeiras matérias publicadas no jornal Mensageiro da Paz já

dizia: “Não desconheceis também que sois peregrinos no mundo, que mui breve, hoje ou

amanhã estareis no fim da jornada” (MP, n. 3, p. 1, 1931); essa matéria foi assinada por Zélia

Brito. Inúmeras brasileiras e inúmeros brasileiros viram nas crenças do pentecostalismo meios

de superação dos desafios da jornada migratória.

Todavia, mesmo essa ideia de peregrinação não está relacionada com alienação política.

Ver-se como um peregrino na terra não faz do sujeito um ser apolítico. Ao analisar movimentos

religiosos similares, Boris Gunjevic nos mostra que “a peregrinação comum da comunidade

católica na terra é a única alternativa para uma metanarrativa imperial que possa formar a prática

necessária para a constituição do sujeito político” (GUNJEVIC, 2012, p. 81). Como já

Page 74: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

71

mencionamos anteriormente, essa mesma posição é discutida por Agamben a partir da

expressão grega paroikousa, que reforça a ideia da transitoriedade da existência. O

reconhecimento dessa dimensão transitória da vida determinará uma postura crítica em relação

ao chronos. O mesmo Boris Gunjevic (2012) ao analisar a obra a Cidade de Deus, de Santo

Agostino17, viu nele um interlocutor da crítica ao império e de práticas políticas na

contemporaneidade.

Ao comentar a Carta aos Coríntios de Clemente, Agambem lembra a saudação do autor

quando diz: “A igreja de Deus que se encontra em Roma à igreja de Deus que se encontra em

Corinto” (AGAMBEN, 2006, p. 35). A tradução da palavra paroikousa é estrangeiro, colono,

em estada, que remete à ideia de uma habitação transitória no mundo. Sendo assim, o horizonte

escatológico do porvir está relacionado com a maneira na qual se vive o chronos. É preciso

abreviá-lo e qualificá-lo.

Para Slavoj Zizek vivemos em tempos onde impera a perversidade espiritual do céu de

modo que, embora haja sinais naturais, econômicos e sociais que apontam para a destruição há

sempre uma negação desse fim iminente, na medida em que “podemos distinguir padrões no

modo como nossa consciência social trata o apocalipse vindouro. A primeira reação é a negação

ideológica de qualquer desordem sob o céu” (ZIZEK, 2012b, p. 13). Tal posição ajuda a manter

os mesmos sistemas dominantes. Tendo em vista que a década de 1930 é um período entre as

duas Grandes Guerras Mundiais, parte dos artigos do jornal Mensageiro da Paz está estruturada

a partir de uma mentalidade milenarista de incerteza. Esse discurso escatológico dos últimos

17 No quinto capítulo de Cidade de Deus, Agostinho desconstrói com muita originalidade as virtudes do Império

Romano. No contexto eclesiástico da África do Norte, onde ele estava situado, o Bispo de Hipona tentou

indiretamente elucidar o que provocou, depois de 800 anos, a queda do Império Romano. Sua leitura

intertextual, tanto teológica quanto política, da história política romana pode ser aplicada de maneira crítica ao

projeto de Hardt e Negri em Império. Os cinco primeiros livros de Agostinho são escritos como uma crítica

àqueles que querem se prender à adoração de múltiplos deuses pagãos, enquanto os cinco seguintes são

voltados contra esses apologistas que afirmam existir sempre males menores e maiores. Os quatro livros

posteriores descrevem a origem da cidade mundana e da cidade de Deus. Depois disso, Agostinho fala, em

outros quatro livros, sobre o caminho e o desenvolvimento dessas duas cidades, ao passo que os últimos quatro

livros apresentam o propósito das cidades. O livro V de Cidade de Deus serve como ponto de virada no

argumento fervoroso de Agostinho contra os ataques pagãos à fé cristã. Sua réplica carrega consigo

interpretações críticas das virtudes imperiais. Agostinho observa a genealogia do Império Romano pela

complexa rede de poder na qual ele mesmo está imerso. Ele sabe da natureza entrelaçada da história e da

política romanas e afirma que isso não é coincidência – não é obra do destino nem dos deuses pagãos.

Agostinho argumenta que a censura de Rufio Antônio Agripino Volusiano, responsabilizando o cristianismo

pelos flagelos da guerra que quase destruíam Roma, é irrelevante e despropositada; ele apresenta essa visão

nos 10 primeiros livros de Cidade de Deus. Para Agostinho, essas e outras calamidades semelhantes sempre

existiram, portanto esta não é exceção. O Bispo de Hipona se refere à história das guerras romanas – que não

são poucas -, algumas com mais de 30 ou 40 anos de duração. Apologistas cristãos posteriores, principalmente

os apologistas medievais, como seguidores da escola agostiniana, interpretaram em ampla medida as

constatações apologistas de Agostinho de maneira superficial, em termos de ideologia. Justamente por essa

razão, esses cinco livros deveriam ser relidos, pois eles apresentam a melhor crítica possível de Hardt e Negri

(GUNJEVIC, 2012, p. 71).

Page 75: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

72

dias, a que se refere o texto abaixo, é potencializado pelas desordens causadas pelos inúmeros

conflitos armados, onde não se nega a iminência factual do fim. Tanto o artigo escrito pelo

pastor Bruno Skolimowsky em 1937 como aquele assinado ed Frida Vingren de 1930 discutem

essa temática:

Lendo o capítulo 24 do livro do profeta Isaias, concluímos que vivemos, de

fato nos últimos dias ali preditos. Este trecho, cap. 24, notadamente no

versículo 17 adverte aos moradores da terra acerca dos termos que os espera.

Realmente, vemos o mundo envolvido em sérios embaraços de toda ordem;

guerras, revoluções, ameaças, rumores, terremotos, terroristas, pestilências e

outros males (MP, n. 20, p. 2, 1937). O estado mais doloroso sobre quasi toda

a face da terra, hoje em dia, é a falta de paz. Como signaes, guerras e

revoluções (MP, n. 1, p. 1, 1930).

Em nossa pesquisa no jornal Mensageiro da Paz encontramos artigos que falam dos

motivos pelos quais se deseja ir para o céu. Num deles, o articulista parece demonstrar sua

objeção à ideia de ir para o céu como fuga do sofrimento humano na terra. Num segundo artigo,

fica mais claro que o desejo de uma vida futura está relacionado aos anseios de viver num tipo

de mundo onde haja paz, igualdade e justiça. O jornalista assembleiano Emílio Conde escreveu

a respeito disso, de modo que em um desses artigos é questionada a ideia de que ir para o céu

seria uma forma de escapismo.

Porque desejais ir ao céu? Quem deseja ir ao céu, tendo como objetivo

principal fugir ao sofrimento, é medroso e não está na plenitude da graça (MP,

n. 10, p. 1, 1945). No dia em que Deus dará a seu povo, além de ser eterno,

tudo será perfeito, bom e agradável (MP, n. 4, p. 1, 1941).

No artigo abaixo se vê como os discursos entre a justiça da terra e a justiça do céu estão

entrelaçados. De forma inversa ao que acontece no céu o autor faz crítica à maneira como a

justiça privilegia alguns em detrimento de outros nos tribunais humanos; e mais uma vez se

condena a instrumentalização da religião para fins de abuso e violência:

No tribunal de Cristo, não haverá julgamentos simulados, não haverá defesa

sofistica e hipócrita que absolve o culpado e condena o inocente. Nenhum

argumento terá valor para justificar a violência. O tribunal revelará quantos

crimes se cometeram em nome da civilização; quantos males os homens

praticaram em nome da religião, impondo, pela força, as suas ideias e domínio,

abusando da posição e autoridade ocasionais (MP, n. 7, p. 6, 1941).

Desse modo, acreditamos que a escatologia, enquanto empoderamento discursivo esteve

relacionada com resistência e contestação e não com alienção ou descompromisso social. Por

Page 76: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

73

isso, averiguamos que desde a década de 1930 há posições políticas no assembleianismo

brasileiro, como as caracterizadas por críticas a estadistas e a modelos de estados, bem como

anseios por um mundo justo e igualitário.

3.4.3 Assembleianismo e a Experiência do Kairos

Analisaremos a experiência do assembleianismo brasileiro com o kairos a partir de dois

elementos: o êxtase religioso e as formas de ascetismo - não falaremos aqui das concepções de

ascetismo discutidas por Weber18. Tanto o êxtase como as formas de ascetismo têm no corpo

em sua dimensão biológica, performática e política a sua centralidade. No caso das experiências

de êxtase é um corpo que se entrega, que demove as barreiras do silenciamento, que não quer

ser invisível. No ascetismo é um corpo que se contrai, que se recusa. Em ambas as experiências

esse corpo é movido pelo inconformismo. Cria-se um núcleo existencial, a partir do qual se

manifesta uma corporeidade que não quer estar sujeita a determinados padrões opressivos.

Esses corpos querem falar não apenas uma língua nova, mas querem novos sentidos para a

existência. A vida humana que se politiza (Zoé a politikon Zôon, na expressão usada por

Agamben) é então percebida e vivida a partir de categorias como a linguagem extática e as

formas de ascetismo. Quanto ao seu modo de viver, um dos textos do jornal afirma:

Aos olhos do mundo, quer dizer, dos homens com quem vivemos, parece

estranho o nosso modo de viver; em verdade há razão para eles estranharem

nossa conduta, assim como nós estranhamos a conduta deles. Entretanto, a

realidade é que a nossa vida é muito mais alegre do que muitos pensam, e que

a nossa vida é uma alegria perene (MP, n. 5, p. 6, 1942).

18 Bernardo Campos lembra que Weber observou que a ética puritana de austeridade e negação do prazer carnal

das coisas deste mundo (ascese intramundana) havia gerado, em seus indícios, o espírito do capitalismo. Assim,

ficava assinalado que as ideias podem exercer um impulso autônomo no processo de mudança social.

Entretanto, se a tese de Weber foi aplicável a certos setores do protestantismo europeu e norte-americano,

dificilmente se aplica ao protestantismo latino-americano. E muito menos ao pentecostalismo, dada a sua

condição social majoritariamente proletária, sua urgência escatológica e as atuais variações e flutuações do

capitalismo internacional. Campos prossegue e lembra que os pentecostalismos estão longe de contribuir

proporcionalmente ou de suscitar ao que se aproxime de um “capitalismo popular” (CAMPOS, 1996, p. 59).

Page 77: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

74

Não pensamos que o pentecostalismo nesse período foi uma religião de negação do

corpo. Pelo contrário. Acreditamos que houve dimensões de criticidade tanto nas experiências

extáticas como em formas de ascetismo, o que nos faz afirmar que os assembleianos viviam

uma performatividade política a partir do interior do pentecostalismo. Não iremos discutir o

êxtase pura e simplesmente como experiência, mas sua relação com dimensões antropológicas

e sociais. Pensamos que, mediante as experiências de êxtase, mulheres e homens que vivem

circuncritos em relações de opressão expressam seus medos e anseios, mas também contestam

padrões culturais e sociais.

Há dimensões de certo inconformismo nas esperiências extáticas, pois “êxtase é não

satisfazer-se com o que se é; deslocar, levar para fora, modificar alguma coisa”

(PERLONGHER, 2012, p. 158). O êxtase também é uma das formas de linguagem mais

primitivas da humanidade. Essa experiência tenta captar aquilo que escapa à razão. Isso não

quer dizer que o pentecostalismo foi contrário a todo tipo de razão, mas ele pode ter sido um

movimento de oposição à razão moderna.

Portanto, o êxtase como linguagem quer superar a razão instrumental, no sentido de

contestar sua pretenção de tudo explicar. Como se sabe, o pentecostalismo contemporâneo

nasceu no contexto positivista do final do século XIX e começo do século XX e, por isso,

acredita-se que essas marcas extáticas do movimento são também reação aos excessos da razão

instrumental e da técnica que intencionavam conduzir a humanidade a um novo tempo de

progesso.

Houve momentos do pentecostalismo norte-americano em que os seus integrantes

ansiavam receber o batismo com o Espírito Santo, a fim de falar uma nova língua conhecida,

com propósito de realizar missões no país onde se falava aquela nova língua recebida. Nesse

contexto estadunidense o batismo com o Espírito Santo esteve relacionado com línguas

estrangeiras. Entretanto, na maioria dos pentecostalismos desejava-se falar as línguas

estranhas. Talvez eles percebessem que a razão instrumental era incapaz de decodificar o

sentido das línguas estranhas; logo, essa experiência êxtática superava a racionalidade

científica.

A linguagem é concebida a partir da cultura e dos processos sociais. Desse modo, falar

uma língua que não era desse mundo significa contestar não apenas a linguagem em si, mas

acima de tudo os contextos culturais, históricos e sociais nos quais essa linguagem foi

estruturada. Por isso, a glossolália também contesta o mundo e seus sistemas. As línguas

estranhas como experiência do inefável cria novas narrativas de sentido e de explicação da vida

para além da razão moderna. Ela também acolhe e agrega num mesmo espaço homens, mulhres,

Page 78: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

75

crianças, jovens, velhos, brancos e negros. O pentecostalismo europeu, norte-americano e o

brasileiro associavam as experiências extáticas com o fim dos tempos; e para tal recorriam ao

texto bíblico do profeta Joel 2. Numa das muitas disputas com batistas a respeito do batismo

com o Espírito Santo, um texto do Mensageiro da Paz escrito, de autoria não identificada

pneumatológica está vinculada ao fim dos tempos.

Num destes dias, veio até as minhas mãos, um número do “O Jornal Baptista.

Li no referido jornal, um artigo sob a epigraphe: “O Pentecostismo”, escrito

por um certo Dr Pedro Tarsier. Sendo o artigo, anti-bíblico, em quase todo o

sentido, não posso, a bem da verdade, deixar de refutar as injustiças nelle

contida. Não vale a pena gastar tinta, papel e tempo, para entrar numa batalha

literária com o Dr Tarsier. Segundo a pretenção do Dr Tarsier, “o

Pentecostismo é anti-christão”. O propheta Joel disse: Nos últimos dias

derramarei do meu Espírito, etc. Os últimos dias, são os nossos dias, desde a

primeira vinda de Jesus, até o juízo final (MP, n. 4, p. 2, 1931).

Levamos em consideração que o êxtase está relacionado com as circunstâncias sociais,

mas também com a experiência humana em sua profundidade. O fato de ser possuído (cheio)

pelo Espírito Santo conferia certa autoridade, pois naquele momento o crente se tornava um

canal de comunicação entre mulheres/homens e Deus. Aquela e aquele que fala, profetiza ou

transmite uma revelação divina; enquanto intermediários, sentem-se escolhidos, especiais em

ter aquele dom. Isso lhes dava um sentimento de dignidade e de respeito na comunidade de

crentes.

Além da dignidade, ser intermediário da divindade lhes conferia empoderamento

discursivo. Nesse sentido ser cheio do Espírito Santo e profetizar era diferente da prática do

testemunhar, pois no primeiro caso a linguagem e as narrativas transmitem uma mensagem que

não pertence a este mundo, tem códigos que por mais que sejam sábias e entendidas as pessoas

não podem decifrar; mas aquela mulher e aquele homem pobres podem. Para as mulheres de

maneira especial essas experiências extáticas poderiam ser um protesto disfarçado contra o sexo

dominante – masculino, de modo que através das profecias, revelações e das línguas elas saem

do seu lugar social de silenciamento.

Mediante as experiências de êxtase essas mulheres chamavam a atenção para sua

exclusão e menosprezo, na tentativa de superá-los. Ambos os sexos poderiam ser tomados pelo

Espírito Santo e esse fato os colocava em posições iguais, pois tanto mulheres como homens

podiam ser intermediários da mensagem divina. No momento em que a mulher se manifesta no

interior das experiências extáticas e transmite profecias, revelações ou profere outras línguas,

inferioridade ou submissão feminina são categorias político-religiosas que naquele momento

Page 79: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

76

não fazem sentido na comunidade. Portanto, êxtase não é apenas uma experiência individual,

mas também coletiva, pois ele dialoga com outros campos semânticos e se liga a dimensões

antropológicas e sociais a sua volta.

As experiências de êxtase são centradas no corpo, o qual se expressa para além de uma

regulação orgânica e se conecta a outros numa junção coletiva (PERLONGHER, 2012, p. 155).

Tais experiências religiosas estruturam e remodelam as formas de vivência. Com isso se

estabelece uma nova relação com a corporeidade, no sentido que no momento do êxtase há uma

dessexualização político-social dos corpos, pois diante da efusão do Espírito “... não há homem

ou mulher; pois sois todos um em Cristo Jesus” (Gálatas, 3. 28). É estabelecida a premissa da

igualdade. Seria esse um dos motivos da predominância de mulheres nos pentecostalismos, essa

possibilidade de empoderamento discursivo mediante as experiências de êxtase? A resposta a

essa pergunta não é simples. Todavia, em nossa análise dos escritos do jornal MP encontramos

textos que fazem indicação indireta da questão. O pastor Gunnar Vingren disse que “É

necessário que demos liberdade ao Espírito Santo, para que Ele opere livremente, seja por

homem ou por mulher, seja por dom ou por ministério, para que a egreja possa crescer na graça

do Senhor Jesus” (MP, n. 1, p. 4, 1930). [grifo nosso]

O êxtase enquanto estado alterado da consciência e desejo de desprender de si precisa

de algo que potencialize sua expressão, com o fim de modificar e alterar certo estado das coisas,

caso contrário ele perde seu sentido de ser. 19 Acreditamos que nesse assembleianismo o êxtase

esteve relacionado com a experiência humana em sua profundidade, mas não apenas a partir de

dentro. Mediante a exterioridade desse êxtase nos corpos de homens e mulheres ele incluiu

sujeitos marginalizados ao mesmo tempo em que contestou práticas dominadoras e opressivas.

No assembleianismo brasileiro o êxtase é acompanhado pelas formas de ascetismo, pois

é preciso consagrar, ter santidade para que as experiências extáticas aconteçam e a pessoa

estabeleça novos sentidos de existência. Nesse contexto, o corpo pentecostal tem uma potência

política. Mesmo quando esse corpo se recusa e se contrai ele está em processo de dialogicidade

com o mundo que o cerca, pois “estar em suspenso não é uma simples indiferença, mas a

experiência da possibilidade de uma potência” (AGAMBEN, 2015, p. 29). A postura da recusa

não deve ser entendida como alienação ou indiferença, mas sim como determinada visão crítica

do mundo. Hardt e Negri afirmam:

19 Talvez indivíduos que procuram esses estados de alteração de consciência através do uso de substâncias

entorpecentes podem entrar numa circularidade viciante em razão de nem sempre encontrarem um sentido

nesses anseios de desprender-se de si.

Page 80: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

77

Este puritanismo ascético, esta insistência em renunciar aos prazeres e alegrias

da vida representam, de um lado uma restauração do princípio espartano da

igualdade contra as classes dirigentes e, de outro, uma etapa necessária de

transição, sem a qual os setores inferiores são incapazes de se porem em

marcha (HARDT; NEGRI, 2001, p. 239).

Para Hardt e Negri uma das formas de vencer os sistemas imperialistas é através da

recusa, de certo tipo de deserção e, agindo assim, abandonamos os lugares de poder. Para os

autores, caso vivesse em nossos dias, Francisco de Assis poderia ser um modelo político pós-

moderno e o ascetismo pode ser sim elemento necessário nos tempos atuais. Gunjevic também

discute essa questão

Para viver bem e construir o que é comum, o ascetismo é sempre necessário.

A encarnação como a de Cristo, que é um tipo de ascetismo, é um tipo de guia

ascético, ou melhor, um caminho para a vida virtuosa – como recomendou

Espinosa (GUNJEVIC, 2012, p. 64).

Hardt e Negri não estão reivindicando uma deserção em massa dos processos políticos

e sociais, entretanto aqueles que se recusam não devem ser considerados apolíticos ou

indiferentes. Mas mesmo esses que se recusam também são sujeitos políticos. Boris Gunjevic

acredita que certas doses de ascetismo podem ser elementos de um ativismo político.

Como vimos no Livro V de Cidade de Deus, Agostinho está clamando por

certa forma de deserção, êxodo e nomandismo. Ele está pedindo um ascetismo

disciplinado Isto é o que falta não só ao ativismo pós-moderno e anti-imperial,

mas também a própria multidão que ele constitui como sujeito político

(GUNJEVIC 2012, p. 81).

As práticas ascéticas podem ser posturas sociais que ajudam a formar um tipo de sujeito

político e que mesmo na sua radicalidade seria revolucionário, pois as racionalidades

imperialistas não poderiam dominá-lo. A recusa não é apenas resistência, mas também

redirecionamento do desejo. Os corpos de pessoas pentecostais que se recusavam, que se

contraíam, não queriam destruir o desejo, mas redirecioná-lo para uma dimensão eterna. Isso

se aproxima da concepção agostiniana sobre as práticas ascéticas. Para ele o ascetismo é uma

renúncia voluntária pelo desejo de poder e glória.

Sendo assim, entendemos que esses corpos de pessoas de pertença pentecostal estão

numa relação dialogal, mas ao mesmo tempo contestatória em relação a padrões sociais e

políticos. A recusa emerge a partir de uma mentalidade de resistência e tal postura faz deles

Page 81: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

78

sujeitos políticos e não indiferentes ou alienados. A referida resistência se dá tanto pelo corpo

em sua dimensão biológica como na política. Há, então, elementos de considerável radicalidade

nesse assembleianismo em 1930-1945, de modo que pensamos haver, desde esse período,

posições políticas nas ADs. Nesse contexto, as concepções escatológicas não estão relacionadas

com fuga do mundo ou da realidade, mas sim com elementos de contestação e crítica.

3.5 CONCLUSÃO

Os movimentos políticos que levaram à chegada de Getúlio Vargas ao poder em 1930

no Brasil trouxeram consideráveis mudanças políticas, sociais e econômicas. A diminuição do

poder das aligarquias rurais, a ascensão de novas elites econômicas e políticas e a passagem de

um país agrícola para um semi-industrial marcaram a época. Foi nesse contexto que analisamos

as relações entre assembleianismo e questões político-sociais. Identificamos que desde 1930 há

posição política no assembleianismo brasileiro, embora não tenha havido participação direta

nos processos políticos.

Nossa análise priorizou os artigos do jornal MP a partir das categorias utilizadas pelo

filósofo Agamben: tempo profano (chronos), tempo escatológico (aiôn) e tempo messiânico

(kairos). O tempo profano trata das relações com o tempo histórico; o tempo escatológico diz

respeito ao fim dos tempos e o tempo messiânico se refere às coisas penúltimas, o tempo que

nos resta e se manifesta a fim de mudar o chronos. Com o recurso dessas categorias,

averiguamos que o assembleianismo do primeiro período foi apartidário, mas não apolítico.

Portanto, podemos chamá-los de sujeitos políticos. Houve, nesse assembleianismo,

características de resistência e radicalidade político-social.

A partir da concepção de tempo profano vimos posições políticas no assembleianismo

brasileiro, ao passo que muitas delas são de crítica a modelos de Estado e de estadistas: “Os

homens em nossos dias, principalmente os políticos, passam pela vida com os punhos fechados,

amaldiçoando a tudo e a todos, tendo as mãos abertas somente para o seu egoísmo” (MP, n. 5,

p. 4, 1940). Para esse assembleianismo o chronos é um tempo que caminha para um fim, logo

é descartada a ideia do tempo histórico como progresso. Verificamos através do jornal

Mensageiro da Paz que mesmo com essa visão do chronos, mulheres e homens de pertença

pentecostal não foram indiferentes, mas sim críticos ao tempo e ao mundo no qual viviam.

Page 82: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

79

A partir da concepção de tempo escatológico vimos que o discurso escatológico a

respeito do céu é concebido a partir de realidades da vida concreta; logo, céu e terra estão

interligados, discurso sobre o céu é discurso sobre terra. Através de artigos do jornal

Mensageiro da Paz discutimos as relações entre escatologia e política e acreditamos que o

discurso escatológico não é a causa ou o elemento originário de certo afastamento da vida

pública brasileira, mas efeito de processos de exclusão; foi empoderamento discursivo de

subalternos. Foi através de determinadas crenças que as brasileiras e os brasileiros de pertença

pentecostal canalizaram suas vozes de criticidade e rejeição a sistemas opressores e

excludentes.

No que diz respeito à categoria do tempo messiânico (tempo que nos resta) analisamos

o sujeito político pentecostal dessa época a partir da dimensão das práticas de êxtase e das

formas de ascetismo tão presentes na experiência religiosa desses pentecostais no primeiro

período. E vimos nelas elementos de radicalidade, resistência e contestação social que nos

levam a afirmar que eles eram apartidários, porém não apolíticos. No êxtase, principalmente as

mulheres adquirem empoderamento discursivo quando se tornam intermediárias da divindade;

e nas formas de ascetismo o corpo que se recusa é o mesmo que não quer ser colonizado. No

capítulo que segue, analisaremos a posição e participação política de brasileiras e brasileiros

pentecostais durante a República Liberal e a Ditadura Civil Militar.

4 ASSEMBLEIAS DE DEUS E POSIÇÃO POLÍTICA: DA

“DEMOCRACIA” AOS “ANOS DE CHUMBO” (1946-1977)

4.1 INTRODUÇÃO

Page 83: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

80

Este terceiro tópico de nossa pesquisa denominamos de “capítulo de transição” ou

capítulo intermediário. Não menos importante do que os demais ele descreverá e analisará

experiências políticas do pentecostalismo durante o período de 1946 a 1977. Entretanto, a

referida análise não será feita a partir das categorias de tempo chronos, aiôn e kairos, pois

priorizaremos tais categorias para nossa comparação principal nesta tese, que está relacionada

com os períodos 1930-1945 e 1978-1988. Neste capítulo descreveremos aspectos da conjuntura

política e social do Brasil que são importantes para a nossa tese, dividindo o período em dois

momentos de 1946 a 1964 e 1964-1977. Assim, procuramos possibilitar uma visão do conjunto

das décadas.

No primeiro momento, dezenove anos, o Brasil vivenciou um período de relativa

democracia formal onde os partidos políticos puderam funcionar. Durante os processos

democráticos desse período, houve lideranças políticas assembleianas na política partidária.

Descreveremos e analisaremos também a influência de missionárias e missionários

estadunidenses que chegaram ao Brasil nesse período. De modo que destacaremos as figuras de

Ruth Dorris Lemos, João Kolenda Lemos, Bernard Johnson Jr, Lawrence Nels Olson e Orlando

Boyer.

Descreveremos e analisaremos personalidades pentecostais de destaque no campo da

política nesse período. Veremos que o pastor Antônio Torres Galvão foi uma expressiva

liderança sindical no Nordeste, além de ter sido o único governador de origem operária de

Pernanbuco. Também analisaremos a influência do nacionalismo em práticas poltíticas e

eclesiásticas do pastor Paulo Leivas Macalão.

Durante o segundo período de nosso recorte histórico, 1964 a 1977, o Brasil esteve sob

o governo dos militares. Um sentimento de anticomunismo predominava nas direitas do Brasil

que culminou com o golpe de 1964. A postura política de assembleianos nesse período não foi

homogêna. De maneira geral, os discursos publicados no jornal Mensageiro da Paz também

refletiram preocupações anticomunistas. Entretanto, houve lideranças pentecostais que

criticaram o regime militar e uma das principais foi Manoel da Conceição Santos. Manoel foi

uma das principais lideranças das Ligas Camponesas no Nordeste brasileiro. Sua frase “minha

perna, minha classe” representou a perseguição e tortura a que foi submetido, mas também seus

ideiais de igualdade e justiça.

4.2 O PERÍODO 1946-1964

Page 84: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

81

4.2.1 Aspectos da Conjuntura Política e Social Brasileira

Como se sabe, após o fim da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos e União das

Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) disputaram a hegemonia militar e econômica do

mundo. Essa disputa entre as duas potências resultou na instauração da Guerra Fria em 1947.

Era também a época do American way of life, em que nesse estilo de vida americano os valores

da classe média eram exaltados. O american way of life era difundido por intemédio da indústria

cultural norte-americana, seja mediante a veiculação de filmes de Hollywood, como o

Juventude Transviada, ou mesmo através de artistas musicais como foi Elvis Presley. Sendo

assim, o modelo americano de capitalismo e de consumo começou a ser implantando no Brasil.

Como vimos no capítulo anterior, no período de 1930-1945 há consideráveis mudanças

políticas e econômicas no Brasil. São lançadas as bases do setor industrial brasileiro, por

intermédio da intervenção e regulação estatal na economia. Foi, portanto, um modelo nacional-

desenvolvementista, mas “na prática mais desenvolvementista que nacionalista” (MOTA, 2015,

p. 707), pois quando se procurou defender os interesses sociais, houve reação dos grupos

ligados ao capitalismo hegemônico. Além do fim da guerra, o período se inicia com a eleição

democrática do general Eurico Gaspar Dutra (1946-1951) 20, e com anseios dos movimentos

sociais por mais participação política. Disputaram as eleições presidênciais: o já referido Dutra

do PSD (Partido Social Democrático); Eduardo Gomes da UDN (União Democrática Nacional)

e Iedo Fiúza do PC (Partido Comunista). Num total de 46 milhões de brasileiros, cerca de 7

milhões estavam inscritos para votar e desses cerca de 6,2 milhões votaram. O general Dutra

recebeu 55% dos votos válidos.

Nesse contexto, anseios por democracia e modernização eram palavras que estavam na

ordem do dia, muito embora a democracia e a modernização estivessem sempre em conflito.

As novas elites e setores da classe média diziam que o país deveria deixar sua condição de

“atrasado” e se adequar aos novos arranjos econômicos e tecnológicos. Os modelos de

20 A ordem dos presidentes no período foi: José Linhares (interino, 1945-1946) sem partido; Eurico Gaspar

Dutra (1946-1951) PSD; Getúlio Vargas (1951-1954) PTB; João Café Filho (interino, 1954-1955) PSP; Carlos

Luz (interino, 1955) PSD; Nereu de Oliveira Ramos (interino, 1955-1956) PSD; Juscelino Kubitschek (1956-

1961) PSD; Jânio Quadros (1961) UDN; Paschoal Ranieri Mazzilli (interino, 1961) PSD; João Goulart (em

regime parlamentarista, 1961-1963) PTB; João Goulart (restauração do regime presidencialista, 1963-1964)

PTB; Paschoal Ranieri Mazzilli (interino, 1964) PSD; Humberto de Alencar Castelo Branco (1964-1967) início

do regime militar brasileiro.

Page 85: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

82

industrialização e urbanização dos anos de 1950 foram norte-americanos. O economista Celso

Furtado recebeu, nesse período, um prêmio da embaixada americana em razão de seus estudos

sobre as relações Estados Unidos-Brasil. Insere-se com isso a ideia do planejamento, a fim de

tirar o país do subdesenvolvimento, do atraso e do poder dos antigos coronéis.

As novas elites brasileiras afirmavam que a Segunda Grande Guerra havia demonstrado

que o Brasil possuía significativas carências tecnológicas e industriais, se comparadas aos

Estados Unidos, França, Inglaterra e mesmo à Alemanha e Japão. Todavia, as antigas elites

consevadoras ainda eram influentes e obstaculizavam vários processos de justiça social e

igualdade. Os partidos recém-criados, UDN e PSD, deram sustentação ao governo Dutra.

Entretanto, esses dois partidos representavam os grupos exportadores e os proprietários rurais,

os quais resistiam às políticas governamentais voltadas à industrialização. Além disso, o Brasil

era ainda dependente das exportações de café. O governo do presidente Dutra ajudou a

consolidar essa classe política conservadora no poder, os quais temiam o avanço eleitoral de

políticos comunistas.

O quadro político conservador começou a mudar a partir da eleição de Getúlio Vargas

(1951-1954), do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro); ele recebeu apoio dos sindicalistas e

comunistas. Desse modo, a ala nacionalista se fortaleceu, e para ela caberia ao Estado a

exploração tanto da siderurgia como do petróleo. A industrialização foi a meta principal da

política econômica do governo e, nesse projeto, o Estado foi a instância maior na constituição

e desenvolvimento de um capitalismo industrial. Entretanto, o governo getulista perdeu o apoio

dos militares e foi alvo de uma série de acusações de corrupção. Em sua carta de suicídio,

Getúlio relatou conspirações internacionais contra a Petrobrás e os direitos dos trabalhadores.

Apesar disso, as bases de uma indústria pesada já estavam lançadas.

Todavia, esses processos de industrialização ficaram mais concentrados nos Estados de

São Paulo e da Guanabara, o que impulsionou o fenômeno das migrações internas, em razão

dos desequilíbrios regionais de crescimento. Estes desequilíbrios regionais, o aumento da

população e a urbanização foram elementos-chave nos processos migratórios internos. Se na

década de 1940 setenta e cinco por cento da população brasileira viviam nas zonas rurais, em

fins da década de 1960 cinquenta e dois por cento viviam nas cidades. Os centros urbanos não

foram capazes de absorver toda a mão de obra que se deslocava do campo, o que ocasionou um

número expressivo de desempregados. Em 1950 cerca de 4,3 milhões de brasileiros migraram

e, desse contingente, 1,1 milhões eram do Nordeste, enquanto que 1,3 milhões eram de Minas

Gerais.

Page 86: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

83

Em razão da baixa qualificação os migrantes que chegavam do campo tinham salários

baixos e como não eram sindicalizados, não tinham quem defendesse seus direitos trabalhistas.

Na maioria dos casos eram camponeses e lavradores que desejavam ser operários. Trocavam

“o chão da terra” pelo “chão de fábrica” ou pelo asfalto. Aos poucos, esses migrantes foram

substituindo os imigrantes estrangeiros, os quais possuíam mais habilidades técnicas para o

trabalho nos centros urbanos. Esses operários estrangeiros já possuíam uma tradição em

sindicatos para reivindicação de seus direitos. Caso oposto era dos migrantes que chegavam do

campo; esses não tinham tradição com luta sindical.

Os partidos políticos que haviam sido extintos em 1937 se reorganizaram no período

democrático pós-guerra. Entre 1945 e 1948 trinta e um partidos protocolaram pedidos de

registro. Os mais representantivos estavam divididos em três categorias: Conservadores –

alinhados a essa posição política estavam a União Democrática Nacional e o Partido Social

Democrático , além de partidos menores com atuação mais regional; Progressista – composto

pelo Partido Trabalhista Brasileiro e o Partido Social Progressista (PSP); Ideológicos – faziam

parte dessa corrente o Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Socialista Brasileiro (PSB),

Partido Democrata Cristão (PDC) e Partido da Representação Popular (PRP).

4.2.2 Partem os Suecos, Chegam os Norte-Americanos

O ano de 1946 marcou o final da liderança pastoral do sueco Samuel Nystrom da AD

brasileira. Nesse mesmo ano aconteceu também o registro da CGADB como pessoa jurídica e,

desse modo, o movimento pentecostal de matriz assembleiana entrou numa fase de maior

institucionalização; outro fato importante nesse ano foi a chegada do pastor Cícero Canuto de

Lima à presidência da AD na capital de São Paulo. Tempos depois esse ministério passaria a

ser denominado como Belenzinho ou Belém em razão da localização da igreja no bairro

paulistano de mesmo nome. Canuto nasceu em 1893 na cidade de Mossoró/RN, mas sua

conversão ao pentecostalismo aconteceu no interior do Pará, onde havia considerável número

de migrantes seringueiros. Antes de assunir a AD em São Paulo Cícero Canuto liderou igrejas

no Nordeste e foi o primeiro pastor brasileiro a presidir a Convenção criada em 1930. Entre

1939 e 1946 também foi copastor da AD em São Cristóvão, que naquela época era liderada por

Samuel Nystrom.

Page 87: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

84

Assim como Cícero Canuto um número significativo de lideranças pentecostais entrou

no ciclo migratório rural para o contexto urbano e industrial nas grandes cidades brasileiras.

Desse modo, o período pós-1946 fora marcado pelo fortalecimento dos modelos de Ministérios

das ADs bem como pela institucionalização do movimento pentecostal brasileiro. Os suecos

que por mais de vinte e cinco anos exerceram a principal influência estrangeira no

assembleianismo no Brasil passaram a deixar a liderança das principais igrejas. Com isso, os

missionários norte-americanos ganharam espaço e sua influência se deu, sobretudo, na teologia,

produção literária e comunicação.

O Instituto Bíblico das Assembleias de Deus (IBAD) foi fundado, em 1958, por

missionários das Assembleias de Deus dos Estados Unidos, Ruth Dorris Lemos e João Kolenda

Lemos. Hoje é reconhecida como a primeira instituição de educação teológica formal das ADs

no Brasil. O casal de missionários analisou 45 cidades onde o instituto poderia ser implantado

(ARAÚJO, 2007, p. 589), dentre as quais estavam: Divinópolis (MG), Rio de Janeiro (RJ) e

Pindamonhangaba (SP). Esta última cidade foi escolhida e as aulas no IBAD foram iniciadas

em março de 1959. Um dos critérios para a escolha de Pindamonhangaba foi a qualidade de

vida da cidade, bom clima, fácil acesso e apoio da igreja local. A primeira turma era composta

de sete alunos, cinco deles eram procedentes de Minas Gerais.

A missionária Dorris nasceu em 1925 no estado da Califórnia. Ao final de seus estudos

teológicos foi ordenada ministra e trabalhou como copastora. O missionário Kolenda nasceu

em Pelotas (RS) no ano de 1922; era filho de uma alemã e um brasileiro. Ainda jovem Kolenda

migrou para os Estados Unidos a fim de cursar o seminário teológio no Central Bible College

em Springfield. Depois de se casarem os missionários pastorearam uma igreja no estado de

Michingan e em 1951fizeram sua transferência para o Brasil. Antes de fundarem o IBAD

trabalharam na CPAD tanto em departamentos administrativos como em produção de literatura.

Quando foram para Pindamonhangaba precisaram trabalhar para ajudar na manutenção do

IBAD, de modo que a missionária Dorris dirigiu o departamento de inglês da Universidade de

Taubaté (ARAÚJO, 2007) e o missionário João Kolenda trabalhou como tradutor.

Em 1940 chegou ao Brasil ainda criança Bernhard Johnson Jr. Ele nasceu na Califórnia

em 1931 e chegou a cursar Engenharia numa Universidade em Lavras (MG). Mudou-se para os

Estados Unidos e se formou na Central Bible College em 1954. Retornou ao Brasil três anos

depois como missionário enviado pelas Assembleias de Deus dos Estados Unidos. Foi pastor

de igrejas em Divinópolis e Varginha, ambas no estado de Minas Gerais. Fundou a Cruzada

Boas Novas, onde realizava “cultos ao ar livre” com um tipo de pregação com ênfase na

Page 88: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

85

conversão e na cura divina. O pastor Bernhard Johnson Jr. também fundou em Campinas a

Escola de Educação Teológica das Assembleias de Deus (EETAD).

O missionário estadunidense Lawrence Nels Olson estava no Brasil desde 1938, mas

tudo indica que ganhou mais notoriedade a partir de 1947 quando iniciou um programa de rádio

em Lavras. Em 1955 foi ao ar no Rio de Janeiro seu programa radiofônico Voz das Assembleias

de Deus. Trabalhou na CPAD e trouxe para o Brasil o Plano Divino Através dos Séculos – um

livro no qual apresentava através de iconografia a doutrina do dispensacionalismo. Em 1961

fundou no Rio de Janeiro o Instituto Bíblico Pentecostal (IBP).

O missionário Orlando Boyer foi enviado pela missão norte-americana em 1936, mas

é a partir de 1945 que tem destacada atuação no campo da produção literária. Foi um dos

pioneiros na edição de livros, tendo fundado uma editora com sede na Tijuca, Rio de Janeiro.

Além de ter publicado dezenas de livros atuou como professor no IBAD entre 1967-1977.

Embora não tenha sido missionário no Brasil o evangelista Jimmy Lee Swaggart também

exerceu influência no asssembleianismo brasileiro. Além de suas doações para a expansão e

projetos da CPAD, Swaggart realizou cruzadas evangelísticas em estádios de futebol e nas

décadas posteriores seus programas de televisão eram transmitidos no Brasil. Em 1988

Swaggart seria excluído das Assembleias de Deus norte-americanas em razão de escândalos

relacionados com a moral sexual e fraude fiscal.

Esses missionários estadunidenses eram próximos dos primeiros quadros políticos das

ADs no Brasil. Foi no Partido Social Progressista (PSP) que surgiu o primeiro deputado

assembleiano por Minas Gerais: João Gomes Moreira. Ele foi parlamentar em Minas Gerais

entre os anos 1959 e 1967; e exerceu mais três mandatos consecutivos de 1971 a 1983. O pastor

e presidente da Convenção de Ministros das Assembleias de Deus em Minas Gerais

(COMADEMIG) na década de 1960, o missionário Bernard Jonhson Jr, realizou na cidade

mineira de Divinópolis uma Assembleia Geral Ordinária (AGO). O pastor agradeceu ao

deputado estadual João Moreira pelo apoio na logística do evento.

Graças a intervenção e auxílio do digníssimo Deputado Estadual João Gomes

Moreira, conseguimos que o Comandante Geral da Polícia Militar do Estado

de Minas Gerais, Coronel Manoel Assunção, nos cedesse o Quartel Militar da

cidade, que foi ocupado pelos pastores visitantes e estrearam êste belo

edifício, pois nunca antes fora cedido à pessoa alguma (MP, n. 21, p. 7, 1960).

Num simpósio realizado em 1965 na cidade de São Paulo, o pastor Lawrence Olson

afirmou:

Page 89: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

86

No Brasil os crentes pentecostais têm se tornado em um fator humano tão

forte, que até os políticos os procuram como força eleitoral. Os crentes

pentecostais já elegeram seus elementos, como seja o irmão João Gomes ao

Legislativo de Minas Gerais e Levi Tavares, de São Paulo, ao Congresso

Nacional. Esses casos tornam-se cada vez mais frequentes (CAMPOS, L.,

2005, p. 89).

O outro nome citado na matéria, Levi Tavares, era da igreja O Brasil para Cristo, mas a

expressão usada pelo pastor Lawrence Olson: “esses casos tornam-se cada vez mais frequentes”

deixa subentendido que provavelmente já havia outras pessoas de pertença pentecostal ligadas

à política partidária no Brasil. Veremos que nas décadas posteriores houve significativo

aumento de candidaturas nas eleições de homens e mulheres com pertença pentecostal.

4.3 O PERÍODO DA DITADURA MILITAR (1964-1977)

4.3.1 Aspectos da Conjuntura Política e Social no Brasil

O anticomunismo no Brasil surgiu após a Revolução Russa de 1917, tendo em vista que

o evento teve proporções e reações internacionais. Os países capitalistas temiam que as massas

proletárias tivessem algum tipo de influência daquilo que ocorrera na Rússia. Deu início, então,

a uma série de propagandas anticomunistas nesses países. Na década de 1930 o Brasil contou

com o apoio de nações estrangeiras na repressão aos ideais comunistas e depois da Segunda

Guerra Mundial o país estabeleceu alianças com os Estados Unidos nos projetos

anticomunistas. Sendo assim, os modelos anticomunistas brasileiros eram, sobretudo,

estrangeiros, muito embora tenha havido também projetos originais no país. Há várias citações

no jornal Mensageiro da Paz a respeito do “perigo que vem da Rússia”. O pastor Athayde

Magalhães escreveu a respeito de suas impressões sobre o comunismo

Nunca é demais advertimos sobre as falsas ideologias e sua ação deletéria

sobre a sociedade humana que é a fé cristã. Por que devemos combater o

comunismo? Quais danos, os processos que êle adota para infiltrar-se nos

organismos sócio-econômicos, políticos e educacionais? Historicamente, o

Comunismo se filia a Karl Marx. Elaborou as linhas mestras do pensamento

comunista. Estas linhas foram prolongadas por pensadores de muitos países,

especialmente por Lennine (da Rússia). Foi implantado na Rússia em 1917 e

expandiu-se por vários países (MP, n. 18, p. 2, 1964).

Page 90: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

87

Foi a partir de 1950 que a doutrina anticomunista foi mais disseminada na América

Latina com o decisivo apoio e financiamento dos Estados Unidos. Entretanto, nesse período o

comunismo não era uma preocupação central de governantes como Juscelino Kubitschek e

Getúlio Vargas, tendo em vista que suas prioridades era a industrialização brasileira (MOTTA,

2000). Dessa forma, os Estados Unidos passaram a dialogar sobre o anticomunismo com as

forças armadas, religiosos e políticos conservadores; e a imprensa brasileira teve um

significativo papel na divulgação da propaganda anticomunista. Nas décadas de 1950 e 1960 a

organização religiosa Movimento Por Um Mundo Cristão transmitia em Belo Horizonte um

programa de televisão dedicado a divulgar o anticomunismo. No campo da disputa política foi

criada a Aliança Eleitoral Pela Família (ALEF), agremiação política dedicada a agregar

candidaturas que se mostravam contrárias ao comunismo e a temas como o divórcio.

No início da década de 1960 quando começaram a surgir grupos progressistas no

catolicismo, como foi a Juventude Universitária Católica (JUC), a cúpula da Igreja intensificou

sua atuação contra as ideias comunistas. Difundiam-se informações que católicos ligados a

esses movimentos eram pessoas infiltradas pelos soviéticos a fim de disseminar o comunismo

entre brasileiros. As lideranças católicas desconfiavam que esses militantes eram comunistas

disfarçados de católicos. Rodrigo Motta (2000) analisou sete Cartas Pastorais nas quais os

bispos no Brasil alertavam os fiéis contra o “perigo vermelho”. Dom João Becker, bispo de

Porto Alegre, escreveu: O comunismo russo e a civilização christã; Carta Pastoral e

Mandamento do Episcopado Brasileiro sobre o Comunismo Ateu, escrita por vários bispos. O

bispo Gastão Liberal Pinto, de São Carlos, publicou a carta sobre o comunismo: Carta Pastoral

prevenindo os diocesanos contra os ardis da seita comunista teve a autoria do bispo de Campos,

Dom Antônio de Castro; Dom Geraldo de Proença, então bispo de Diamantina, escreveu a

Carta Pastoral sobre a seita comunista, seus erros, sua ação revolucionária e os deveres dos

católicos na hora presente; houve ainda a Carta Pastoral contra o comunismo, dos bispos da

Bahia e O comunismo e o momento nacional, dos bispos do Rio Grande do Sul.

Nesse período, o pastor assembleiano Abraão de Almeida também escreveu um livro

relacionado ao comunismo chamado Gogue, Magogue e o Anticristo. Nesse texto, a Rússia é

identificada com os reis maus de Gogue e Magogue citados pelo profeta bíblico Ezequiel. Nesse

sentido, o Comunismo da União Soviética representaria também o lugar de onde chegaria o

Anticristo. Essas doutrinas, além de influenciarem o imaginário religioso anticomunista,

também favoreceram o surgimento de inusitadas especulações escatológicas que apontavam o

presidente russo Mikhail Gorbachev como um possível Anticristo. Essas crenças que

Page 91: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

88

associavam o comunismo soviético com doutrinas religiosas foram muito difundidas nas ADs,

principalmente por intermédio das Lições Bíblicas usadas nas Escolas Dominicais nas décadas

de 60,70 e 80.

Desse modo, o comunismo era identificado com a imagem do mal, de modo que no

imaginário da época ele traria sofrimento, fome, miséria e escravidão (MOTTA, 2000). Além

do sofrimento, os grupos mais conservadores acreditavam que o comunismo acarretaria, acima

de tudo, o aumento do pecado, tendo em vista que ele questionava a moral cristã e seria

favorável a temas como o amor livre e o aborto. Com efeito, foram atribuídas qualidades

maléficas aos comunistas. E, por fim, associou-se o comunismo ao demônio, de modo que sua

ascensão faria parte dos propósitos do diabo e por isso era uma trama diabólica. As

representações satânicas no comunismo serviam não apenas para influenciar a sensibilidade

religiosa das pessoas, mas também para criar um clima de medo e de receio das doutrinas

comunistas.

Uma série de representações zoomórficas foi usada para retratar o comunismo; as mais

usadas foram serpente, bode e dragão, todas, imagens ligadas ao imaginário religioso. Rodrigo

Motta (2000) analisa a imagem da serpente que era usada para representar o comunismo. De

imediato, seu significado simbólico remete a um animal que é venenoso e mortal. Como animal

que rasteja essa simbologia apontava para a ideia de que os comunistas estariam sempre na

espreita para se infiltrarem de maneira ardilosa. Na concepção cristã oriunda da narrativa bíblica

de Adão e Eva a serpente é um animal ligado à sedução e ao erotismo e que por consequência

levaria ao pecado e à queda. Além de imaginário religioso, houve representações do comunismo

de ordem patológica. Expressivos jornais da época diziam que era preciso desintoxicar o

organismo nacional do micróbio comunista; outros diziam que era preciso imunizar a nação

brasileira da peste vermelha; ou que o comunismo era como um corpo estranho e infeccioso

que corria o risco de infectar o organismo social (MOTTA, 2000).

Além desses imaginários havia também aquele ligado a valores morais cristãos, os quais

estariam em risco em razão da escalada comunista. Assim, os que se associavam ao comunismo

eram considerados corruptos, mentirosos, sedutores, entre outras características. Desse modo,

cristãos acreditavam que o comunismo minaria os valores basilares da sociedade. A moral

sexual e a estrutura familiar deveriam ser protegidas, diziam os anticomunistas. Esses

imaginários ligados a outros fatores políticos e sociais levaram ao golpe civil-militar em 1964.

Em 1961 já havia movimentos entre os militares para um possível golpe. Naquele ano,

Jânio Quadros renunciou à presidência da República e, na ocasião, seu vice João Goulart estava

numa viagem oficial à República Popular da China. Quando o cargo de presidente ficou vago

Page 92: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

89

os ministros do Exército, Marinha e Aeronáutica interviram impedindo que Jango, como o

presidente era conhecido, assumisse o governo, pois segundo eles caso isso acontecesse o país

entraria num processo de desestabilização e caos. Entretanto, essa manobra dos militares era

constitucionalmente ilegal. O então governador do Rio Grande do Sul – Leonel Brizola - liderou

um movimento de resistência, de modo que após ampla movimentação e negociações João

Goulart tomou posse em setembro de 1961, mas isso se deu mediante um sistema

parlamentarista.

A posse de João Goulart significou uma tentativa de reatualizar o legado de Vargas,

principalmente mediante o nacional-estatismo (REIS, 2014). Em 1962 é apresentado o

programa das reformas de base que eram assim distribuídas: reforma agrária, com o objetivo

de terminar com o monopólio da terra e facilitar o surgimento de pequenos proprietários;

reforma urbana com fins a corrigir os problemas oriundos do crescimento desordenado das

cidades; reforma bancária para um maior controle do Estado no sistema financeiro; reforma

eleitoral onde seriam incluídos os analfabetos que nesse período correspondiam à metade da

população adulta do país; reforma do estatuto do capital estrangeiro, com objetivo de limitar a

remessa de lucros para o exterior e implementar a estatização de setores da indústria de base

(REIS, 2014); e a reforma universitária a fim de democratizar o ensino no Brasil. Esse

reformismo gerou debates no país com a presença dos movimentos sociais, tanto na cidade

como no campo. Jango precisava retomar os plenos poderes presidenciais, que eram limitados

pelo sistema parlamentarista. Assim, em janeiro de 1963 foi realizado um plebiscito onde a

maioria da população escolheu a volta do regime presidencialista. Jango, então, recupera seus

plenos poderes presidenciais para tentar implementar as reformas que programara.

Nas eleições de 1962 houve um crescimento de forças de direita na Câmara Federal e

também nos governos estaduais, de modo que as reformas propostas não agradaram os políticos

e setores mais conservadores da sociedade brasileira. Muitos desses temiam a ascensão de

lideranças populares. Além disso, não lhes agradavam as reformas que previam a redistribuição

da riqueza nacional. Para eles o Brasil estaria prestes a entrar num clima de desordem e caos.

Esse sentimento era ainda mais alimentado pela ameaça vermelha. Somavam-se a isso os

eventos mundiais no contexto da Guerra Fria: as Revoluções em Cuba e na Argélia; os conflitos

no Vietnã e outros tantos movimentos revolucionários de caráter socialista. Enfim, temia-se que

o nacional-estatismo levasse o Brasil ao comunismo assim como havia ocorrido em Cuba. A

fim de impulsionar as reformas, Jango promoveu um comício em 13 de março no centro do Rio

de Janeiro. Na ocasião, 350 mil pessoas ligadas à esquerda estiveram presentes (REIS, 2014).

Três dias depois foi realizada em São Paulo a Marcha da Família com Deus pela Liberdade.

Page 93: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

90

Segundo as estimativas dos organizadores do evento, estiveram presentes 500 mil pessoas que

representam as direitas; ela recebeu significativo apoio do governador Adhemar de Barros.

O que se seguiu a esses acontecimentos foi a ordem do general Olympio Mourão Filho,

em 30 de março de 1964, para que os soldados sediados em Juiz de Fora fossem para o Rio de

Janeiro. Segundo eles, era necessário salvar a democracia do comunismo e da corrupção. Mais

uma vez, mediante um artigo do jornal Mensageiro da Paz assinado pelo pastor Athayde

Magalhães comemorou o ocorrido, pois segundo ele “a Revolução veio desarticular o

comunismo, a subversão e a corrupção” (MP, n.19, p. 2, 1964). Jango fugiu do Rio de Janeiro

para Brasília e de lá para Porto Alegre. Brizola tentou convencer Jango de se fazer uma

resistência ao Golpe; entretanto, o general Ladário Pereira Telhes, que inclusive diz que estaria

pronto para lutar, disse que as chances de vitória eram inexistentes (REIS, 2014, p. 78). Para

comemorar as direitas saíram às ruas, de modo que em abril de 1964 foi realizada mais uma

expressiva Marcha da Família com Deus pela Liberdade pelas ruas do Rio de Janeiro.

4.3.2 Assembleianismo e Heterogeneidade Política

O papel de lideranças assembleianas em relação ao regime militar não foi homogêneo;

por isso pensamos ser precipitado falar de um apoio das Assembleias de Deus à Ditadura. Mais

adiante citaremos e analisaremos o exemplo de assembleianos que discordaram do referido

regime. Apesar disso, houve proximidade entre pentecostais e membros do poder executivo e

principalmente do poder legislativo. Já no ano de 1964 havia movimentação de políticos em

cultos da AD no Plano Piloto de Brasília como se pode verificar em razão dessa nota publicada

pela editoria do Mensageiro da Paz

Evangélicos e funcionários públicos dos três poderes da República reuniram-

se dia 2 de agosto, no templo das Assembleias de Deus no Plano Piloto de

Brasília. O orador oficial do culto foi o Deputado Jeremias Fontes,

representante, na Câmara do Estado do Rio. Entre os membros de várias

denominações havia pastores e numerosos irmãos, destacando-se entre eles, o

prof. Cleanto Siqueira, que é secretário de Educação do DF. Representando os

Page 94: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

91

metodistas, na abertura do culto, fizera uma oração o pastor Almir Bahia (MP,

n. 18, p. 8, 1964).

O deputado Jeremias Fontes citado na reportagem (a grafia correta é Geremias Fontes)

foi pastor da Igreja Batista do Calvário. De 1958 a 1962 foi prefeito de São Gonçalo pelo Partido

Democrata Cristão. Tempos depois se filiou ao Partido Trabalhista Brasileiro e candidatou-se

ao cargo de deputado federal. Na ocasião foi eleito com amplo apoio dos evangélicos. Em 1966

foi indicado pelo regime militar para governar o estado fluminense, cargo que exerceu de 1967

a 1971.

Em 1972 houve o conhecido conflito na região do Araguaia, Norte do Brasil. Parece

haver menção do fato no jornal Mensageiro da Paz. O pastor Eliseu Queiroz de Souza citou

pastores que criticavam o governo. Não fica claro se essas lideranças eram pentecostais, mesmo

assim é sintomático saber que elas demonstravam certa insatisfação.

No entanto, mesmo a despeito da obra gigantesca que o governo está

exercendo na Amazônia, a dinâmica e elogiável integração nacional que se

processa, a erradicação das favelas porque o governo está dando o melhor de

si, ainda se levantam vozes eclesiásticas insatisfeitas, criticando tudo, e até

fazendo declarações desprestigiosas à administração pública (MP, n.15, p. 2,

1972).

Uma liderança assembleiana que influenciou a reflexão pentecostal a respeito de

participação na política partidária foi o pastor Joanyr de Oliveira. Mineiro de Aimorés, também

tentou ser deputado federal no começo dos anos 1970. Em 1962 escreveu a primeira obra

literária do Distrito Distrital intitulada Poetas de Brasília. Seus textos poéticos foram elogiados

por escritores como Jorge Amado, pois segundo o escritor baiano a poesia de Joanyr devia

continuar sangrando o ar e a vida. Carlos Drummond de Andrade recomendou a leitura de

Poetas de Brasília. O dicionarista Antônio Houaiss também fez comentários a respeito da obra.

Riquíssima temática, senhorio da língua em geral e da poética em particular.

(Sou) seu admirador, (agora que tenho a) alegria de conhecê-lo e aos seus

versos. Suas elegias são pungentes, seus poemas a Brasília são

intrinsecamente belos paradoxos, pois ressaltam o criticável socialmente para,

apesar disso, louvar a sensível beleza da obra feita e in fieri

(www.usinadasletras.com.br).

Tempos depois, o pastor Joanyr de Oliveira viria fundar a Associação Nacional de

Escritores (ANE). Ele também participou do Congresso Internacional de Lausanne na Suíça

(ARAÚJO, 2007). Além de ter tentado uma vaga ao cargo de deputado no Distrito Federal o

Page 95: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

92

pastor Joanyr de Oliveira também se candidataria ao mesmo cargo nas eleições de 1986 à

Câmara dos Deputados; ambas, no entanto, sem sucesso. No início de 1971 fora nomeado para

um cargo no gabinete do governador de Goiás, conforme podemos verificar em nota em tom de

celebração publicada pela editoria do jornal Mensageiro da Paz:

Pela primeira vez na História de Goiás, um pentecostal integra a equipe

governamental: Nosso irmão em Cristo, Prof. Joanyr de Oliveira Evangelista

das Assembleias de Deus, colaborador deste jornal há mais de 20 anos e co-

fundador da revista A Seara, foi investido nas funções de subchefe do

Gabinete Civil do Governo do Estado de Goiás, por escolha pessoal do

governador Leonino Caiado. O irmão Joanyr de Oliveira é, ainda um dos

primeiros suplentes de Deputado Estadual no Estado que serve (MP, n. 11, p.

6, 1971).

O pastor Paulo Leivas Macalão, de quem falaremos mais adiante, também recebeu em

1975 o título de cidadão honorário do estado da Guanabara21 conforme nota publicada pela

Kézia Sotero. O autor da proposta foi o deputado Sérgio Maranhão - nasceu na mesma cidade

de Macalão. Ele era do então partido de oposição, o MDB (Movimento Democrático

Brasileiro). Naquela legislatura, inclusive 36 dos 48 deputados estaduais eleitos eram do MDB.

(Paulo Leivas Macalão) Foi bem merecido o prêmio de cidadania do Estado

da Guanabara, por requerimento 874/73, de autoria do Deputado Sérgio

Maranhão, que, antes de ser gaúcho (nasceu em Santana do Livramento, RS),

é um brasileiro voltado para o trabalho do Senhor, que honra as Assembleias

de Deus no Brasil (MP, n. 1, p. 15, 1975).

Ao que tudo indica o futuro presidente da Convenção Nacional das Assembleias de Deus

de Madureira (CONAMAD), pastor Manoel Ferreira, tinha acesso à Presidência da República.

Em artigo publicado no jornal Mensageiro da Paz o pastor Joanyr de Oliveira relatou:

Apraz-me dar-lhe ciência de que, conforme correspondência anterior, tomei

providências, ao lado do Pastor Manoel Ferreira, junto à Presidência da

República, no sentido de liberação do ponto dos funcionários públicos que

participarão da 23ª Convenção Regional das Assembleias de Deus em Recife

(MP, n. 1, p. 4, 1977).

Um dos assembleianos mais entusiastas do presidente Geisel foi o pastor João Pereira

de Andrade e Silva. Natural de Itajubá (MG) onde foi vereador por dois mandatos consecutivos,

também foi candidato derrotado ao cargo de deputado federal. Quando se mudou para o estado

de São Paulo exerceu o cargo de vice-presidente das Assembleias de Deus do Ministério do

21 A Guanabara foi um estado entre 1960 e 1975. Seus limites ficaram no território do atual município do Rio. Já

o estado do Rio de Janeiro tinha como capital a cidade de Niterói.

Page 96: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

93

Belenzinho. Em um dos muitos editorais que escreveu no Mensageiro da Paz há um que exalta

os feitos do presidente Geisel.

Ouvimos o discurso do eminente Presidente da República. Sua Excia não

divagou nem fez literatura – embora o discurso seja excelente. O Sr.

Presidente Geisel foi direto ao assunto, num chamamento de atenção, um

comando, para que o povo brasileiro ouvisse sua palavra sincera, clara e

sensata. Um aviso a Nação. Não negou a gravidade do momento, porém não

exagerou, trazendo o pessimismo, porque o País possui condições de vencer

esta, e outras etapas desde ciclo de desenvolvimento. O Brasil possui

possibilidades para vencer a crise porque, além da probidade do Sr. Presidente

da República e da capacidade da maioria de seus colaboradores, pode contar

com as orações do povo de Deus (MP n. 2, p. 2, 1977).

Em 1977 o assembleiano e obreiro auxiliar da igreja-mãe em Belém, Antônio Alves

Teixeira, assumiu a presidência da Assembleia Legislativa do estado do Pará. Membro da

política partidária desde 1967, Antônio Alves Teixeira já tinha sido Primeiro Vice-Presidente

da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa, líder do governo e líder da ARENA (Aliança

Renovadora Nacional). “Além do Deputado João Gomes Moreira, o Deputado Estadual

Antônio Alves Teixeira iniciou seu pronunciamento de posse à Presidência da Assembleia

Legislativa do Pará, em sessão solene realizada em 1º de março do corrente ano” (MP, n.7, p.

3, 1977).

A partir de agosto de 1977 estreia no jornal Mensageiro da Paz a coluna Parlamento.

Nela, há análises e breves relatos da atuação de deputados, principalmente dos evangélicos. Na

primeira coluna são citados os parlamentares Joel Ferreira (MDB-AM), Daso Coimbra

(ARENA-RJ), Daniel Silva (MDB-RJ), Edgar Martin (MDB-SP), José Camargo (MDB-SP) e

Jorge Arbage (ARENA-PA). Há também menção à Lei do Divórcio que foi aprovada naquele

mesmo ano: “pela primeira vez vemos Nelson Carneiro, depois de defender, durante 26 anos –

anteriormente como Deputado Federal e agora como Senador - a instituição do divórcio no

Brasil, conseguiu alcançar seu objetivo” (MP, n. 8, p. 9, 1977). A partir daí, seguiria uma série

de posicionamentos relacionados a temáticas discutidas no Congresso Nacional que será objeto

de análise do próximo capítulo.

4.4 PERSONALIDADES PENTECOSTAIS EM DESTAQUE NO PERÍODO

4.4.1 Pastor Antônio Torres Galvão: “O Libertador de Paulista”

Page 97: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

94

Pode-se dizer que a entrada de lideranças evangélicas na política partidária é um marco.

Podemos criticar a qualidade da atuação dessas forças políticas, mas elas representaram uma

tentativa, de certa forma bem-sucedida, de romper a hegemonia católica na relação religião e

Estado. Mesmo que a influência do catolicismo tenha se mantido, ela agora teria que “rivalizar”

com a força política dos grupos evangélicos. Privilégios e leis relacionados aos cultos católicos

seriam agora questionados no espaço público. Nesse novo cenário há uma

“reinstitucionalização” de grupos religiosos evangélicos com novos contornos identidários e

emocionais (MALLIMACI, 1996, p. 13).

Desse modo, quando uma liderança pentecostal assumia um cargo era conferido a essa

comunidade religiosa um sentimento de cidadania e representatividade. Portanto, concordamos

com Bandini (2003, p. 89), pois a instituição religiosa fortalecia sua identidade na conquista de

status, poder e legitimidade no espaço público; dava-lhe empoderamento, pois o grupo que era

desprestigiado socialmente possuía agora poder para eleger seu representante e desse modo era

estebelecida uma relação entre identidade religiosa e cidadania. Um dos exemplos desse novo

momento das ADs nesse período foi a ascensão política do pastor Galvão.

Durante o governo de Getúlio Vargas a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)

sintetizava a política trabalhista. Nela os direitos e deveres de empregados e patrões eram

regulados. Direito a férias, segurança no trabalho, estabelecimento de uma jornada semanal de

trabalho, entre outros, eram direitos que deveriam ser garantidos e resguardados pelo Estado;

além da liberdade de se constituir sindicatos, tanto de empregados como de patrões. Na

estrututura sindical estavam os sindicatos com uma abrangência municipal, as federações a

nível estadual e a confederação de abranência nacional. Cabia ao Ministério do Trabalho

reconhecer ou suspender o registro de agremiações sindicais.

A partir de 1945 os sindicatos adquiriram maior liberdade em relação à tutela do

Ministério do Trabalho, de modo que conquistam o direito à greve e eleições livres de suas

lideranças. Nesse processo, o PTB e o PCB22 são partidos que contribuíram nas articulações

com os movimentos de organização de trabalhadores. A CLT não garantia os direitos às

trabalhadoras e aos trabalhadores rurais, que era uma estratégia política de Vargas para manter

o apoio que os proprietários rurais davam ao seu governo. Em 1945 é criado o Movimento de

Unificação dos Trabalhadores (MUT) que entre suas reivindicações estava a extensão dos

22 O PCB teve seu registro cassado em 1947, de modo que 143 sindicatos ligados aos comunistas foram fechados.

Page 98: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

95

direitos trabalhistas às trabalhoras e aos trabalhadores rurais. Além do MUT, surgiu também o

Pacto de Unidade Intersindical (PUI) e o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). Todas elas

usavam o direito à greve como uma ferramente de pressão tanto aos empregadores como a

determinadas políticas governamentais.

Uma das muitas lideranças sindicais desse período foi o assembleiano Antônio Torres

Galvão. Galvão nasceu em 13 de junho de 1905 na cidade de Goianinha (RN). Ainda jovem

migrou para Paulista, no interior de Pernambuco, tendo sido consagrado ao pastorado pelo

sueco Joel Carlson23. Galvão foi um dos pioneiros das ADs em Pernambuco, tendo escrito

vários artigos no Mensageiro da Paz e composto hinos para a Harpa Cristã. Em 1946 foi eleito

deputado estadual pelo PSD e reeleito o deputado mais votado do estado em 1950. Em 1963 o

pastor José Menezes escreveu uma matéria no jornal Mensageiro da Paz intitulado “Cuidado

com a política no ministério”. Nesse artigo, Galvão foi citado como um bom exemplo aos

pastores que desejavam ingressar na política partidária.

Um pastor que galgou o lugar de vereador, amanhã pleiterá o de deputado,

depois embriagado pelo rico ambiemte tentará a carreira de governador com

a ideia de servir à causa (como é sempre a plataforma). Se no futuro, alguém

alcançar esse posto, há de afirmar logo mais, com toda a certeza que tal pessoa

apostatou da fé para servir de ferrolho nas mãos do mundo. Alguém dirá:

“Torres Galvão foi eleito deputado, e logo mais governador do Estado de

Pernambuco, por uma eventualidade, mas não se desviou da fé”. No entanto,

o nosso saudoso irmão quando ingressou na política, afastou-se da direção da

igreja, entregando-se completamente aos negócios do Estado. CUIDADO

com a política no ministério (MP, n. 13, p. 2, 1963).

De fato, no período em que esteve na política partidária, Galvão deixou a liderança da

igreja que pastoreava, mas continuou a exercer atividades pastorais como pregador, ensinador

e escritor das ADs em Pernambuco. Antes da meteórica ascensão política, Galvão liderou e

organizou o Sindicato de Fiação e Tecelagem em Paulista, o qual reunia funcionários de

fábricas que pertenciam à família que comandava as Casas Pernambucanas. Na época a região

de Paulista era um importante polo industrial que atraiu mão de obra nordestina. Eram cerca de

20 mil operários, na época era o maior conjunto de fábricas da América Latina.

A liderança de Galvão entre os operários levou os trabalhadores da indústria têxtil de

outras cidades, como foi o caso de Igarassu, a aderirem ao sindicato. Tempos depois foi

nomeado juiz classista do Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco. Em 1949 escreveu

23 Joel Carlson (1889-1942) foi o fundador da Assembleia de Deus em Pernambuco. Na Suécia foi membro da

Igreja Batista, tendo migrado para Nova Iorque onde teve contato com um grupo de pentecostais. Tempos

depois mudou para Chicago e em janeiro de 1918 chegou como missionário ao Brasil. Foi enviado por Gunnar

Vingren e Daniel Berg para Recife.

Page 99: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

96

um livro intitulado Direito e Deveres dos Trabalhadores, em que fez uma análise histórica, a

partir de 1930, da política trabalhista brasileira na qual os trabalhadores deveriam ter suas

garantias respeitadas. No seu primeiro mandato como deputado estadual participou da

elaboração da Constituinte do estado de Pernambuco, tendo sido eleito 2º vice-presidente da

Mesa Diretora e em seguida presidente da Assembleia Legislativa em 1952.

Um dos projetos de Galvão que viraram lei foi o que obrigava a desapropriação de

cinquenta hectares de terras da Companhia de Tecidos Paulista, que se tornou uma área livre da

cidade. Desde então, essa área recebeu o nome de “Vila Torres Galvão”. Por essa e outras

iniciativas Galvão recebeu o título na época de “Libertador de Paulista”. Em agosto de 1952 o

governador do Estado, Agamenon Magalhães faleceu, de modo que não havendo o cargo de

vice-governador Galvão assumiu o governo do estado até que fossem convocadas novas

eleições. É o único operário que governou Pernambuco em sua história.

4.4.2 O Nacionalismo em Paulo Leivas Macalão

O nacionalismo brasileiro enquanto movimento ideológico de consciência da nação

exerceu influência na eclesiologia das ADs no Brasil. O pastor Paulo Leivas Macalão foi uma

das principais lideranças pentecostais que traduziram esse sentimento político no

assembleianismo. Pesquisadores como Alencar (2013) já discutiram a influência do

nacionalismo na recusa de Macalão em ser liderado por pastores estrangeiros, em especial os

suecos. No que diz respeito à política partidária Macalão esteve próximo de personalidades que

também apregoavam a importância de se valorizar aspectos nacionais.

Paulo Leivas Macalão nasceu em 17 de setembro de 1903 em Santana do Livramento,

Rio Grande do Sul; era filho de militar. Quando sua mãe morreu Macalão foi para o Rio de

Janeiro morar com um tio. Ali, estudou no tradicional Colégio Dom Pedro II. É também no Rio

de Janeiro que teve o primeiro contato com uma igreja pentecostal – a Igreja de Deus – que

frequentou antes de se tornar membro da AD. Desde sua conversão em 1924 evangelizou os

morros e subúrbios cariocas como Bangu, Central do Brasil, Realengo, Parada de Lucas e

Page 100: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

97

Madureira. Ele foi batizado por Vingren na AD de São Cristóvão e consagrado pastor aos 27

anos ainda solteiro, em 1930.

Em razão de conflitos com os missionários suecos Macalão decidiu iniciar sua própria

igreja, tendo construído um templo em 1929 na região de Bangu. Em 1934 transferiu a igreja

para Madureira e a partir daí abriu novos templos nos estados de São Paulo, Minas Gerais,

Paraná, Mato Grosso e Goiás e se tornou o pastor-presidente do Ministério de Madureira. Os

vínculos militares de Macalão e o espírito nacionalista o teriam influenciado, e esse teria sido

inclusive um dos motivos para a recusa em aceitar ser liderado por europeus? Teria Macalão

sido influenciado de alguma maneira pelo movimento militar de 1930? Quanto a isso, são fortes

certos indícios.

Além das relações com os militares, Macalão é próximo de políticos nacionalistas e

também era amigo de uma influente personalidade que esteve no cenário político nacional desde

o início dos anos de 1930. Seu nome, Adhemar de Barros. Em maio de 1955 Paulo Leivas

Macalão e sua mulher Zélia Brito inauguram o novo prédio de uma escola que pertencia à igreja

por eles pastoreada. O nome que escolheram para o colégio foi Escola São Paulo. Terminada a

construção, fizeram questão de prestar uma homenagem a Barros, que nesse tempo governava

o estado de São Paulo. Uma das salas da escola recebeu o nome de Adhemar de Barros e nela

havia também um quadro com o retrato do governador. A editoria do jornal Mensageiro da Paz

registrou o fato:

Manda a justiça que se registre o trabalho patriótico executado pelos pastores

Paulo Leivas Macalão e José Leite de Lacerda, coadjudados pela irmã Zélia

Brito Macalão que não tem poupado esforços para o perfeito funcionamento

desta escola, que é como já dissemos um prolongamento da igreja transferindo

o colégio para sua nova séde, e tendo no Dr Adhemar de Barros, na sua

primeira visita à igreja, prometido à irmã Zélia o seu comparecimento à escola,

pois há muito ele mantêm amizade com a família Macalão (MP, n. 6, p. 6,

1951).

Do final dos anos de 1930 até o início de 1960 Jânio Quadros e Adhemar de Barros

foram expressivas lideranças paulistas não apenas em São Paulo, mas no Brasil. Filho de

fazendeiro na região de Botucatu foi eleito deputado estadual pelo Partido Republicano Paulista

(PRP) na Constituinte de 1934. Durante seu mandato fez duras críticas à ditadura de Vargas,

principalmente quando foi avisado por seu colega Caio Prado Junior, em 1936, que 500 pessoas

ligadas à Aliança Nacional Libertadora tinham sido presas. Todavia, em 1937 membros do PRP

passaram a apoiar Vargas. Quando percebeu esse movimento político, Adhemar de Barros

Page 101: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

98

abandonou as críticas e iniciou um processo de apoio ao presidente; essa mudança de

posicionamento político lhe renderia a interventoria de São Paulo em 1938.

Carismático, seus discursos transitavam por temas como religião, moralidade, defesa do

homem do campo e dos pequemos comerciantes; em razão disso, conquistou admiração das

classes populares. Desenvolveu uma relação direta com seu eleitorado nas muitas viagens que

fez pelo estado de São Paulo. Antes crítico, Adhemar de Barros passou a ter em Getúlio sua

principal inspiração política (COUTO, 2009). Quando foi interventor fez obras como o

Aeroporto de Congonhas e iniciu a construção da Avenida Anchieta-Anhanguera. Ele fazia a

divulgação de seus feitos políticos no Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda

(DEIP), órgão ligado ao Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) criado por Getúlio.

Após fazer articulações com Luiz Carlos Prestes, presidente do Partido Comunista

(PCB), Adhemar de Barros costurou um acordo político que lhe possibilitou ser um candidado

com chances reais de vitória na dispusta pelo governo de São Paulo em 1947. Entretanto, essa

aliança despertou a contrariedade de diversos setores, entre elas a Igreja Católica, para quem o

PCB era um partido anticristão. Dentro do próprio Partido Comunista havia algumas alas,

principalmente entre as mais conservadoras, que discordavam daquela aliança. Apesar disso,

num comício realizado pelo PCB no Vale do Anhangabaú, mais de 100 mil pessoas estiveram

presentes para referendar o apoio a Adhemar de Barros (COUTO, 2009).

Adhemar de Barros saiu vitorioso do pleito eleitoral daquele ano, mas os candidatos

derrotados do PSD e da UDN impetraram recursos na justiça eleitoral a fim de impugnar sua

eleição. Argumentavam que Adhemar havia desviado recuros públicos no período em que tinha

sido interventor do estado. O Tribunal Regional Eleitoral julgou o mérito das acusões e as

considerou improcedentes. Adhermar de Barros foi então diplomado governador de São Paulo.

De caráter reformista, teve entre as classes populares sua maior base de apoio, pois se

apresentava como um defensor do povo. Quando o pastor Paulo Leivas Macalão inaugurou o

já referido prédio da Escola São Paulo, estiveram presentes o próprio governador Adhemar de

Barros e o vice Erlindo Salzano, conforme registro da editoria do jornal Mensageiro da Paz:

O Dr Adhemar de Barros, acompanhado do Dr Salzano, vice governador do

Estado de São Paulo, elogiou a obra social da Igreja Evangélica Assembleia

de Deus de Madureira, com a abertura da nova escola. As suas palavras de

estímulo e amizade, traduziram o pensamento de um homem simples e

temente a Deus. Nas suas afirmações, citou o trabalho pioneiro do apóstolo

Paulo, o apóstolo dos gentios, congratulando-se conosco, com a feliz escolha

do nome desse martir do cristianismo para dá-lo a escola (MP, n. 5, p. 6, 1951).

Page 102: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

99

Ao que tudo indica Macalão era próximo ao mundo da política partidária e se mostrava

interessado nas questões nacionais. O atual templo da AD em Madureira foi inaugurado em

1953 e isso aconteceu ao som do hino nacional e um representante do governo federal desatou

as tradicionais fitas.

Lá nos esperava uma multidão e também o coronel Sergio Marinho,

digníssimo representante do vice Presidente da República, Dr João Café Filho,

o qual após cumprimentar o Pastor Paulo Leivas Macalão e, convidado por

êste, teve a honra, como representante do governo, de desatar as fitas

simbólicas, alinhando assim as portas do Novo Templo, ao som do Hino

Nacional (MP, n. 11, p. 6, 1953).

4.4.3 Manoel da Conceição Santos: “Minha Perna é a Minha Classe”

O fim do Estado Novo favoreceu a mobilização de grupos camponeses em várias partes

do Brasil. Mesmo assim, havia restrições à sindicalização das trabalhadoras e dos trabalhadores

do campo, tendo em vista que, à exceção do PCB, os outros partidos eram, em sua maioria,

comprometidos com os latifundiários. Para “driblhar” as referidas restrições as trabalhadoras e

trabalhadores do campo atuavam a partir do Código Civil que garantia a fundação e

funcionamento de associações, mesmo que não de caráter trabalhista. Sendo assim, centenas de

Ligas Camponesas surgiram no país. Nos primeiros anos não foi possível ascensão de grandes

lideranças camponesas, tendo em vista que elas ainda faziam parte da estrutura partidária do

PCB e, desse modo, a liderança nacional era exercida por Luiz Carlos Prestes (MORAIS, 2012).

Desse modo, até a cassação do registro do PCB em 1947, havia aliança operário-camponesa

centralizada no partido.

A cassação do PCB representou a desarticulação de associação de trabalhadoras e

trabalhadores, de modo que as Ligas Camponesas que quisessem prosseguir suas atividades

tiveram que fazê-lo na clandestinidade e já não contavam mais com o apoio partidário. Entre

1948 e 1954 houve confrontos violentos entre camponeses e a polícia. Um dos conflitos foi A

Revolta de Dona Noca no Maranhão. Nela, dona Doca como era chamada, reuniu, armou e

liderou centenas de camponeses contra o governador eleito Eugênio de Barros. Em 1954

aconteceu o I Congresso Nordestino de Trabalhadores Agrícolas (MORAIS, 2012). O encontro

foi encerrado pela polícia.

Page 103: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

100

Foi a partir de 1954 que as Ligas começaram a ressurgir, por intermédio da liderança de

José Ayres dos Prazeres. Em Iputinga, cidade próxima a Recife, José dos Prazeres e outras

lideranças criaram o Conselho Regional das Ligas Camponesas. Essa estrutura regional e não

apenas municipal era uma das formas de dificultar a interferência direta dos latifundiários, da

polícia e da justiça, além de ter maior abrangência. Passaram a compor o Conselho Regional de

Ligas profissionais liberais, políticos e demais pessoas que se interessavam pelos direitos das

camponesas e dos camponeses; isso deu um caráter mais institucional ao movimento.

No início, o Conselho arregimentou os posseiros e arrendatários da terra. Entretanto, no

contexto da exploração de camponeses, havia também os assalariados agrícolas; esses eram os

mais vulneráveis, pois vendiam sua força de trabalho ao captalismo rural e viviam em condições

de miséria e abandono: também sofriam castigos corporais e outras formas de violência. Ao

que tudo indica, esses assalariados agrícolas foram considerados pouco importantes na estrutura

inicial do Conselho Regional das Ligas.

Um dos fatores que favoreceram a expansão das Ligas Camponesas foi a ampliação de

liberdades democráticas oriundas do governo de Juscelino Kubitschek (MORAIS, 2012).

Problemas nacionais como a fome e a reforma agrária passaram ter maior reprecussão na

imprensa e entraram na pauta de debates dos estados e municípios. Importantes nesse processo

foram as obras publicadas pelo professor Josué de Castro, que a partir de sua experiência no

Nordeste escreveu Geografia da Fome, Geopolítica da Fome, Sete Palmos de Terra e um

Caixão e Homens e Carangueijos. O professor Josué de Castro foi também presidende do

Conselho Executivo da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação

(FAO).

Em agosto de 1955 foi realizado o Congresso de Salvação do Nordeste, em que num

momento inédito da história do Brasil se reúnem pessoas de todas as camadas sociais para

discutirem o problema da fome e da reforma agrária. No mês seguinte, com a liderança do

professor Josué de Castro foi realizado o Primeiro Congresso de Camponeses de Pernambuco,

onde pela primeira vez foi discutido um esboço daquilo que poderia ser uma reforma agrária,

de modo que finalizaram o congresso com um desfile camponês pela capital pernambucana.

Em 1955 foi criada a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (Ultab)

com a finalidade de organizar as trabalhadoras e trabalhadores rurais. A Ultab recebeu apoio

das Ligas, muito embora não tenham formalizado esse apoio mediante a filiação; nesse

momento eram movimentos distintos e independentes. Os camponeses do Nordeste, tendo em

vista que eram em sua maioria analfabetos utilizavam violeiras e mediante canções

relembravam outros movimentos de protesto social como foram os messiânicos. A Ultab logo

Page 104: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

101

se expadiu para os demais estados brasileiros (MORAIS, 2012), exceto no Rio Grande do Sul,

pois ali Leonel Brizola já havia criado o Movimento de Agricultores Sem Terra (MASTER).

Embora a Ultab fosse, em termos numéricos, superior às Ligas, esta tinham um caráter mais

revolucionário e radical.

Figura 1 – Manoel da Conceição Santos no período do exílio

Fonte: Acervo Projeto República da UFMG

Uma das principais lideranças camponesas no Nordeste brasileiro foi o assembleiano

Manoel da Conceição Santos. O jornal Pasquim o chamou de “um subversivo indomável”

(SANTOS, 2010, p. 13). Manoel lutou por bandeiras como valorização da diversidade

ecológica, étnica e cultural; espírito de solidariedade e cooperação; democracia participativa e

equidade; desconcentração econômica e de poder e desenvolvimento local e integração

regional.

A sociologia das ausências é parte de uma reflexão de Boaventura de Souza Santos

(2002) sobre a reinvenção da emancipação social. Nela, são discutidas alternativas à

globalização neoliberal e ao capitalismo global. Esse processo conduzido a partir de “baixo”

por pessoas ou movimentos sociais seria uma globalização contra-hegemônica. O projeto de

investigação de Boaventura priorisou cinco áreas temáticas em diferentes movimentos e

experiências: “democracia participativa; sistemas de produção alternativos; multiculturalismo,

direitos coletivos e cidadania cultural; alternativas aos direitos de propriedade intelectual e

biodiversidade capitalista; novo internacionalismo operário” (SANTOS, 2002, p. 237). Um dos

objetivos era o de identificar outros discursos ou narrativas sobre o mundo.

Page 105: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

102

A sociologia das ausências proposta por Boaventura de Souza Santos quer dar

visibilidade às inciativas e movimentos alternativos, a fim de evitar o desperdício da experiência

social. Desse modo “o objetivo da sociologia das ausências é transformar objetos impossíveis

em possíveis e com base neles transformar as ausências em presenças” (SANTOS, 2002, p.

246). Essas ausências são fragmentos da experiência social invisibilizados pela cultura

hegemônica; são experiências circunscritas numa dimensão da não existência. Para que não

haja desperdício da experiência a sociologia das ausências tem por objetivo identificar e

presentificar as referidas experiências. Desse modo, pensamos que a trajetória política de

Manoel da Conceição Santos precisa ser não apenas conhecida, mas também presentificada.

Manoel da Conceição Santos ou Mané como também é conhecido, nasceu em 1935

numa região conhecida como Pedra Grande no município de Coroatá – interior do estado do

Maranhão. A família era constituída de oito pessoas, de modo que seu pai e sua mãe

trabalhavam; enquanto criança cabia a Manoel a responsabilidade de, na ausência dos pais,

cuidar dos outros irmãos. Desde cedo, a cultura e a religiosidade popular estiveram presentes

no seu cotidiano, pois de acordo com Manoel “minha mãe era devota de Nossa Senhora da

Conceição e no momento do parto teve dificuldade, então disse: ‘Se eu não morrer, meu filho

vai chamar-se Manoel da Conceição’” (SANTOS, 2010, p. 78).

Certa vez Raimundo Frazão, um deles ficou doente e para a mãe de Manoel aquilo era

obra do diabo, pois o garoto passou a comer terra e ficou com a barriga inchada. Ela então fez

uma promessa de que, se o Raimundo fosse curado ela o afilharia ao padre Cícero. Manoel

conta que todos os anos iam participar de uma festa religiosa dedicada ao São Raimundo;

entretanto, ele via com certas ressalvas aquele festejo, pois “vai se confessar, conta os pecados

do ano, depois faz os mesmos pecados de novo, briga com a família, bate na mulher. Tudo é

pecado de fazer, mas se faz tudo debaixo do pano. Todos os dias aquele inferno misturado com

religião” (SANTOS, 2010, p. 84).

A família havia herdado um terreno na cidade de Buriti e tempos mais tarde o estado

passou a cobrar o imposto territorial dessa e de outras pequenas propriedades. Todavia, eles não

puderam arcar com o referido imposto. Desse modo, o chefe do poder político e econômico da

cidade, Luís Soares, disse que faria o usucapião e colocaria todas as propriedades em seu nome

a fim de as deixarem regularizadas. Porém, com o a morte de Luís Soares em 1953 sua mulher

assumiu os negócios, de modo que ela passou a cobrar o aluguel das terras que pertenciam aos

camponeses. O pai de Manoel resistiu o tanto quanto pôde, mas a família acabou sendo expulsa

de sua propriedade em 1955.

Page 106: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

103

Nesse mesmo ano a família se mudou para Bacabal e de lá para Santa Luzia e, por fim,

Copaíba onde construíram sua roça. Foi nessa última cidade que Manoel passou a fazer parte

da AD por volta de 1957. Quanto a isso ele disse que “em Copaíba tinham as famílias

protestantes que se distinguiam basicamente em Assembleia de Deus e Adventistas do Sétimo

Dia. A Assembleia de Deus era um negócio muito popular. Todo mundo se chamava de irmão,

se visitava” (SANTOS, 2010, p. 103). Esse caráter comunitário entre pessoas pobres no

assembleianismo foi um dos elementos que chamou a atenção de Manoel, tendo em vista que

se alguns dos crentes estivessem em dificuldades era socorrido pela comunidade assembleiana.

Após sua conversão, ele exerceu atividades na igreja como professor da escola

dominical até se tornar o dirigente da congregação local. Nesse período, Manoel também

trabalhava como ferreiro numa oficina que havia construído; esse lugar serviu também como

ponto de pregação e de conscientização dos habitantes de Copaíba relacionada a seus direitos.

Em razão de seu destaque na AD bem como seu trabalho como ferreiro foi eleito delegado

distrital da associação de moradores.

Uma de suas funções era representar a população contra as investidas dos grandes

proprietários de terras. No primeiro dia de reunião da associação presidida por Manoel, o chefe

do poder político e econômico de Copaíba enviou cerca de cem de seus jagunços à região, os

quais já chegaram ao povoado armados com rifles, facas e revólveres, de modo que cinco

pessoas morreram na ocasião. Manoel e sua família conseguiram escapar vivos do ataque e se

deslocaram para uma região chamada Pindaré-Mirim.

Manoel relata que seu primeiro contato com o sindicalismo rural aconteceu em 1962

mediante o Movimento de Educação de Base (MEB) órgão esse que mantinha um convênio

com o governo de João Goulart e era ligado à Igreja Católica (SANTOS, 2010). O referido

contato se deu por um curso ministrado pelo MEB, pois “no dia de começar o curso, tinha lá

trinta e cinco trabalhadores rurais do município de Pindaré-Mirim. Muita coisa na época,

durante o curso a gente não aprendeu. Mas depois, revendo os papéis a gente começou a

assimilar” (SANTOS, 2010, p. 131).

Todos os participantes do curso eram analfabetos e por isso o material didático utilizado

era todo feito com imagens. Nelas eram retratados temas como democracia, cidadania, eleições

e direitos dos trabalhadores rurais. A partir daí, os trabalhadores rurais se empenharam não

apenas no sindicalismo, mas também construíram uma escola com barro, palha e madeira (no

estilo mutirão) para alfabetização de crianças e adultos. Manoel foi eleito presidente do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais dos municípios maranhenses de Pindaré-Mirim, Santa

Luzia e Santa Inês.

Page 107: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

104

Com o golpe militar de 1964 ele teve que abandonar o sindicato, pois nesse ano muitos

camponeses foram perseguidos e mortos pela polícia. Manoel fugiu para uma região de mata

denominada Caru; ali havia uma AD e o pastor tentou convencer Manoel a assumir uma das

congregações. Entretanto, Manoel resolveu construir uma igreja que serviria como sua base

religiosa. Além de pastor local, Manoel acabou exercendo a função de líder entre os

trabalhadores rurais daquela localidade. O pastor da AD em Caru se dizia amigo do José Sarney,

o qual foi apresentado a Manoel em 1965.

Naquele ano, Sarney teve maior projeção no cenário político e se apresentava como um

candidato que defenderia os interesses dos camponeses; desse modo, Manoel atuou como seu

cabo eleitoral. Após a eleição de Sarney, Manoel retornou a Pindaré com o objetivo de

reorganizar os sindicatos de trabalhadores rurais na região. O envolvimento de Manoel com o

sindicalismo despertou a desconfiança de certas lideranças pentecostais de Pindaré, muito

embora muitos trabalhadores rurais assembleianos fossem simpatizantes com seus ideais.

Segundo Manoel (2010) uma Assembleia de Deus do povoado de Pimenta se transformou numa

assembleia do sindicato, onde se reuniam para tratar de assuntos de interesses dos trabalhadores

rurais. Quanto à sua experiência na comunidade religiosa ele afirma:

A gente, ao ser crente, assimilou e teve uma prática de vida comunitária, viver

sempre muito unido, procurando as pessoas, preocupado. Vai aqui, vai acolá,

entra em contato, vê o problema, o que pode fazer no interior, se faz. O que

teve um papel muito importante na articulação de comunidades. O que serviu

para esses trabalhadores, pelo fato de serem crentes, continuassem unidos na

luta contra a dominação, exploração que existia ali (SANTOS, 2010, p. 194).

Em 1968 o regime militar passou a reprimir com mais intensidade as organizações

sindicais de trabalhadores rurais. Quando os policiais chegaram a Pindaré e viram uma faixa

com o escrito Guerra Popular derruba a ditadura se sentiram provocados. Quiseram então

saber quem eram os líderes do movimento e quando encontraram o Manoel abriram fogo, de

modo que ele foi baleado no pé com dois tiros de fuzil. Ele ainda tentou resistir, mas foi

dominado pelos policiais. Mesmo com o sangramento Manoel foi levado para a penitenciária;

ali, sua perna acabou gangrenando.

Estudantes, assembleianos e católicos de São Luís denunciaram o caso e alguém fretou

um avião para que Manoel fosse transferido para um hospital na capital. Ele havia ficado seis

dias em Pindaré sem nenhum tratamento na perna e em razão disso quando chegou ao hospital

os médicos precisaram amputá-la. Dias depois apareceram no hospital pessoas que se diziam

representantes do governo e dariam um emprego a Manoel, de modo que ele trabalharia para o

Page 108: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

105

Sarney. Ofereceram também uma perna mecânica, carro e um emprego para sua mulher.

Desconfiado daquilo, recusou a proposta e afirmou que “minha perna é minha classe”

(SANTOS, 2010, p. 2013).

Quando teve alta do hospital os trabalhadores rurais se uniram e compraram a perna

mecânica para Manoel. Nesse período, cerca de quatro mil agricultores eram liderados por ele.

Foi em Pindaré-Mirim que Manoel teve contato com a Ação Popular (AP), organização essa

que dava cursos sobre processos revolucionários e financiou uma viagem de Manoel para a

República Popular da China; ali teria encontrado pessoalmente Mao Tse-Tung. De volta ao

Brasil esteve ainda mais engajado nos movimentos populares contrários ao regime militar e,

em razão disso, foi preso em janeiro de 1972.

Foram quatro anos na prisão e nesse período foi torturado de maneira bárbara numa

penitenciária do Rio de Janeiro. Os soldados o encapuzaram e deram pontapés em suas costas,

barriga e estômago. Em seguida o botaram no chão onde foi amarrado e o jogaram dentro do

que pode ter sido uma piscina. Após vomitar muita água tiraram sua perna mecânica, suas

roupas e o algemaram num poste. Ali o espancaram. Em seguida foi pendurado nu em uma

grade e teve seu pênis amarrado para não urinar. Foram seguidas as torturas e em quase todas

elas Manoel terminava desmaiado de dor. Ele também foi colocado no pau de arara onde era

amarrado pelos testículos e recebia choque na orelha, nariz, nos dedos e nos testículos. Após

seguidas torturas Manoel não mais aguentou e confessou que era uma das lideranças da Ação

Popular. As imagens a seguir são reportagens veiculadas em jornais estrangeiros que relataram

os processos de perseguição política em que Manoel esteve envolvido.

Figura 2 – Matéria publicada em jornal estrangeiro a respeito das ligas camponesas

Page 109: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

106

Fonte: Acervo Projeto República da UFMG.

Durante o período em que esteve preso houve significativa mobilização nacional e

internacional por sua libertação. A Anistia Internacional acompanhou o caso e cerca de vinte

mil cartas foram enviadas ao general Médici com pedido para que Manoel fosse libertado. O

papa Paulo VI foi um dos que enviaram cartas. Foi criado na Suíça o Comitê Internacional

Manoel da Conceição com repercussões na Itália, Alemanha e França. A Conferência Nacional

dos Bispos do Brasil (CNBB) também atuou em prol da libertação de Manoel.

O pastor estadunidense Tom Clinton liderou uma organização com dezoitos comitês em

solidariedade a Manoel (SANTOS, 2010). Mediante a pressão desses organismos nacionais e

internacionais ele foi solto com a condição de ter que deixar o Brasil. Seu destino foi a Suíça

onde foi acompanhado pela Liga Suíça de Defesa dos Direitos Humanos. Durante esse período

participou de cursos e atos públicos em diversos países europeus, africanos e no Oriente Médio.

Com a anistia pôde retornar para o Brasil em 1979. Não encontramos menção a Manoel no

jornal Mensageiro da Paz.

Antônio Torres Galvão, Manoel da Conceição Santos Souza e Paulo Leivas Macalão

podem ser paradigmáticos em nossa compreensão de modelos políticos que estariam presentes

nas ADs nas décadas posteriores. Galvão representa aquele modelo de assembleiano destacado

na denominação que consegue entrar para a política partidária. Sua eleição dá à comunidade

pentecostal um sentimento de representatividade e, sobretudo, de empoderamento no espaço

público. O modelo de Macalão também estaria presente nas ADs pelas décadas seguintes. Nele,

membros “não irmãos” da política partidária seriam próximos dos pastores na busca de apoio.

Page 110: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

107

Desse modo, essas liderenças políticas estariam presentes em cultos e celebrações pentecostais,

principalmente no período eleitoral.

Entretanto, nem sempre o referido apoio é seguido pela comunidade no que diz respeito

a votos. Há certa resistência de membros da comunidade religiosa quando ela é visitada por

personalidades políticas que não sejam irmãos. Além disso, ser um irmão também não é

garantia que a igreja siga a indicação do pastor. Por isso, não concordamos com a

preconceituosa expressão voto de cajado. O terceiro modelo representado por Manoel, embora

menos visível no contexto assembleiano, acontece para além dos muros denominacionais, onde

vozes críticas no interior do pentecostalismo clamam por justiça e igualdade.

4.5 CONCLUSÃO

A atuação política pentecostal não é homogênea. Pudemos perceber essa característica

do movimento a partir da atuação de lideranças pentecostais como Galvão, Manoel e Macalão.

O período pesquisado (1946-1977) começou com mudanças no cenário nacional e

internacional. A principal delas foi o estabelecimento da ordem democrática, bem como a

proximidade das relações entre o governo brasileiro e o estadunidense. Nessa nova fase da

história brasileira o estado exerceu papel de destaque nos processos de urbanização e

industrialização.

As ADs cresceram no bojo dessas mudanças e no contexto delas surgem lideranças

políticas assembleianas. Dentre elas, vimos o caso do pastor Antônio Torres Galvão, que no

interior do movimento operário exerceu destacada atuação na defesa dos interesses das

trabalhadoras e trabalhadores das fábricas. No campo, descrevemos a liderança exercida pelo

assembleiano Manoel da Conceição Santos, que em razão de suas lutas pelos direitos dos

trabalhadores rurais foi preso e torturado pelo regime militar. Vimos também a influência do

nacionalismo nas posturas eclesiásticas e políticas do pastor Paulo Leivas Macalão

A instauração do regime militar de 1964 foi antecedida pelo movimento anticomunista

e o período que se seguiu foi caracterizado pelo cerceamento das liberdades e muitos foram

presos, torturados e mortos. É nesse contexto que analisamos a partir da sociologia das

ausências, de Boaventura de Souza Santos, a trajetória do Manoel da Conceição Santos. É

durante o regime militar que houve, até então, a maior participação de políticos assembleianos

como foram os pastores João Pereira de Andrade e Silva e Joanyr de Oliveira. Sendo assim,

Page 111: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

108

nesse período há posição e participação política no assembleianismo brasileiro. Todavia,

pensamos que as bases de um projeto político de caráter corporativista das ADs seriam lançadas

no final da década de 1970 e começo da de 1980, como veremos no próximo capítulo.

5 ASSEMBLEIA DE DEUS: AÇÃO E POSIÇÃO POLÍTICA (1978-1988)

5.1 INTRODUÇÃO

Neste capítulo analisaremos processos políticos nos quais estiveram envolvidas

lideranças assembleianas. Nesse período que analisamos descreveremos a transição do regime

militar para a democracia com destaque para a posição e ação política pentecostal. Chamamos

Page 112: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

109

de transição democrática o período de 1978 a 1988. Nele, o Brasil deixa ser um estado de

exceção e a pluralidade partidária é restaurada. Veremos que em fins da década de 1970 há

movimentos nas ADs no sentido de aumentar sua influência no Estado a partir da participação

na política partidária.

O período de 1978 a 1988 foi também caracterizado por um aumento significativo de

deputados federais assembleianos. Nas eleições para o Congresso Constituinte de 1986-88 treze

candidatos ligados às ADs foram eleitos ao cargo de deputada e deputado federal. Faremos uma

análise da atuação desses parlamentares e veremos que muitos deles estiveram envolvidos com

temáticas relacionadas com a pessoa humana durante a ANC.

Assim como procedemos no primeiro período pesquisado (1930-1945) faremos nossa

análise a partir das noções de chronos, aiôn e kairos. Mais uma vez discutiremos esses conceitos

a partir de Giorgio Agamben. O chronos diz respeito ao tempo profano e como ele se relaciona

com as dinâmicas hisóticas e sociais; O aiôn é o tempo escatológico e diz respeito a concepções

do fim de um mundo; por fim, o kairos é o tempo que nos resta e como tal tem como finalidade

mudar de maneira qualitativa o chronos.

Ao longo do texto, faremos comparações entre os períodos 1930-1945 e 1978-1988. A

partir da temporalidade do chronos discutiremos as iniciativas de expressões pentecostais no

espaço da política e do Estado brasileiro. Para isso, analisaremos as ADs situadas nas relações

de visibilidade pública e presença pública da religião. Veremos que lideranças da referida

denominação se movimentaram durante esse período em busca de visibilidade nacional.

Quanto à temporalidade do aiôn nos interessa mais uma vez auscultar os artigos do

jornal Mensageiro da Paz que dizem respeito à escatologia. Além de ter um número menor de

matérias com essa temática em relação ao período 1930 a 1945, os textos escatológicos do

jornal estão estruturados, em sua maioria, em narrativas de apoio a potências mundiais e por

isso o denominamos de aiôn imperializado.

Veremos também que as “Declarações de Direitos do Homem” das modernas

democracias, como é o caso do Brasil, deram ao Estado o poder de decidir e legislar sobre os

corpos. Seguindo as teses de Michel Foucault chamamos isso de biopolítica. O texto

constitucional de 1988 também consagrou a primazia da pessoa humana e esse foi um dos

motivos pelos quais o referido texto foi chamado de Constituição Cidadã. Discutiremos,

principalmente com base nas concepções de Michel Foucault e Giorgio Agamben, as

implicações de um Estado que tem como finalidade o biopoder, que também foi apropriado

pelas expressões políticas pentecostais durante a Assembleia Nacional Constituinte.

Page 113: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

110

Neste capítulo vamos dar os seguintes passos: analisar práticas político-pentecostais

durante o processo de reconstitucionalização no Brasil e delinear o percurso do projeto do

assembleianismo até a Assembleia Nacional Constituinte. A partir daí descreveremos e

analisaremos a atuação pentecostal no Congresso Nacional relacionada com a temática da

presença e visibilidade pública da religião, tendo como parâmetro para a referida análise as

temporalidades do crhonos, aiôn e kairos.

5.2 PRÁTICAS POLÍTICO-PENTECOSTAIS NA RECONSTITUCIONALIZAÇÃO

BRASILEIRA

Apresentaremos a seguir os aspectos da transição democrática brasileira, de modo que

descreveremos e analisaremos a presença e atuação de lideranças pentecostais na política

partidária brasileira. Momento significativo na história do Brasil, o período foi caracterizado

pelo restabelecimento da ordem democrática com a instauração do Congresso Constituinte; nele

personalidades ligadas às ADs exerceram diferentes tipos e modelos de atuação.

5.2.1 Assembleias de Deus na Transição Democrática

O período da transição democrática teve início em 1979, quando houve a revogação dos

Atos Institucionais e terminou em 1988 na ocasião da reconstitucionalização da ordem

democrática. Concordamos com a tese de Aarão Reis (2014) para quem, durante esse período

de transição, já não havia mais ditadura, mas também não havia ainda democracia. Além da

suspensão dos Atos Institucionais, as leis de exceção foram revogadas, os presos e asilados

políticos foram anistiados, o pluralismo partidário e sindical foi restaurado e os movimentos

sociais ganharam força para protestarem e fazerem greves.

São no mínimo questionáveis as interpretações historiográficas que marcam a posse do

José Sarney em 1985 como o fim da ditadura. Desde 1964 que Sarney abandonara suas posições

de esquerda (REIS, 2014) e ocupara importantes postos na administração dos militares. Ele,

inclusive, foi uma das principais lideranças do partido ARENA. O primeiro presidente do Brasil

com o fim do regime de exceção foi um homem da ditadura. Entretanto, o regime não foi obra

Page 114: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

111

exclusiva dos militares, de modo que ele não começou nos quartéis. Conforme já citado

anteriormente movimentos civis como a Marcha da Família com Deus pela Liberdade é um dos

embriões originários do golpe de 1964. As narrativas históricas tradicionais e conservadoras

silenciaram o apoio civil ao regime militar.

Além das pressões sociais, havia os problemas econômicos oriundos da crise

internacional do petróleo, aumento da dívida interna e externa, aumento do desemprego e da

inflação. Enfim, pairava no ar a sensação e constatação de que o modelo econômico dos

militares havia se esgotado. Some-se isso à crise da dívida externa na América Latina que

levaria o país ainda mais para a recessão. O início do governo do general João Baptista

Figueiredo foi marcado pelas greves dos metalúrgicos em São Bernardo do Campo. Liderados

por Luiz Inácio Lula da Silva e com o apoio de grupos católicos entre outros, os operários se

articularam em busca do reconhecimento de seus direitos trabalhistas.

Com o apoio do governo os empregadores conseguiram acabar com a greve dos

metalúrgicos de São Bernardo do Campo, de modo que o sindicato foi fechado e suas principais

lideranças foram presas. Essa situação parece ter favorecido o movimento, pois quando soltos

os líderes ganharam a alcunha de heróis e os sindicatos se fortaleceram. Com o tempo, outros

sindicatos de trabalhadores, intelectuais e militantes da esquerda se uniram na fundação do

Partido dos Trabalhadores (PT). As greves de operários no ABC paulista entre 1978 e 1980

apontavam para as significativas mudanças sociais pelas quais o país atravessava.

Apesar de o movimento grevista ter sido derrotado as pressões dos movimentos sociais

levaram o presidente Figueiredo à promulgação da Lei da Anistia e da Reforma Política (REIS,

2014). A referida lei garantia a libertação dos presos políticos, o retorno dos exilados e a

proteção dos aparelhos de segurança que outrora havia sido ultilizados na tortura. Setores da

esquerda discordavam do ponto da lei que resguardaria os torturadores. Entretanto, as alas mais

conservadoras e também grupos ligados ao MDB foram convencidos de que a tortura tinha sido

uma política de Estado. Setores da direita argumentavam que o aparelho de segurança do regime

teve que proteger o país de terroristas e assassinos. Sabe-se, porém, quão desigual foi o

enfrentamento entre as Forças Armadas e os grupos revolucionários de esquerda.

Desse modo, de maneira dissimulada a Lei da Anistia foi sancionada em agosto de 1979,

de modo que tanto torturados como torturadores foram anistiados. A votação que aprovou a lei

foi apertada: “206 votos a favor e 201 contra” (REIS, 2014, p. 134). Como era de se esperar sua

aprovação gerou descontentamento e protesto. Alguns setores que haviam apoiado o golpe de

1964 se apresentaram como sendo defensores da democracia e como se não tivessem nada a

ver com as inúmeras atrocidades cometidas pelo Estado brasileiro durante o regime. Os grupos

Page 115: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

112

que constituíram o movimento civil da Marcha da Famíla com Deus pela Liberdade entraram

nos processos de silenciamento do passado. Tal esquecimento teria como objetivo uma suposta

“harmonia” e “reconciliamento social”.

Em novembro de 1979 foi aprovada a lei que garantiriria o pluripartidarismo no Brasil,

que estava suspenso desde 1965. A nova lei exigia que a palavra partido viesse como prefixo

das legendas. Razão pela qual o MDB passou a ser o Partido do Movimento Democrático

Brasileiro (PMDB). O ARENA se tornou o PDS. Alguns membros do MDB, como foi o caso

do Tancredo Neves, criaram o PP (REIS, 2014, p. 136). Outros partidos também surgiram: de

coloração trabalhista vieram o PTB; o Partido Democrático Trabalhista (PDT), tendo como

fundador Leonel Brizola; e o PT, fundado no início de 1980. Instaurou-se, então, uma nova

conjuntura político-partidária.

Em novembro de 1982 ocorreram as primeiras eleições com a nova estrutura partidária

brasileira. Foram eleitos os ocupantes dos cargos de governadores, prefeitos, senadores,

deputados federais, deputados estaduais e vereadores. Nesse mesmo ano, o jornal Mensageiro

da Paz fez menção a uma reportagem da revista Veja que apontava para o crescimento das

igrejas pentecostais: “A propósito da publicação da matéria “Pentecostais: o milagre da

multiplicação”, pela revista Veja nº 682, de 07 de outubro de 1981 (MP, n. 1, p. 12, 1982). O

começo da abertura democrática alargaria os anseios de pentecostais por maior visibilidade

pública. A história parece mostrar que é em regimes democráticos que o pentecostalismo tem

maior visibilidade pública.

Ainda em 1982 foi aprovado o projeto de lei do deputado Jorge Argabe que instituiu o

dia 12 de outubro como feriado nacional e nomeou Nossa Senhora de Aparecida como padroeira

do Brasil. Com respeito a esse fato o pastor assembleiano Gustavo Kessler escreveu matéria no

jornal Mensageiro da Paz, onde fez críticas ao Congresso. De acordo com Kessler, a aprovação

da referida lei feria o princípio da separação entre Estado e Igreja.

Sabei, povo do Brasil! Sabei, Parlamento do Brasil: Ainda vigora neste Páis a

separação entre Igreja (qualquer que seja ela) e o Estado. Separação

conquistada pelos heróis do passado, entre os quais o grande e sublime Rui,

cuja voz não se calou nem ante as ameaças que lhe fizeram. Ainda vigora –

afirmamos – pois, numa constituinte por tantos reclamada, poderia vir ao

Brasil um Legado Papal, para constranger essa Assembleia a votar a

oficialização da Igreja Romana! E, se viesse, encontraria um Parlamento

passivo submisso, submisso à sua vontade? Mas não aconteceria! Porque, se

a ameaça dessa catástrofe se aproximase, percorreríamos o País inteiro,

despertando o nosso povo com a bandeira sagrada da liberdade de consciência

(MP, n. 11, p. 4, 1982).

Page 116: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

113

Muito embora o pluripartidarismo tenha sido restabelecido, naquele ano de 1982 ainda

permaneceu a polarização entre o PDS (antiga Arena) e o PMDB. Juntos conquistaram a

maioria dos cargos nos estados e municípios. Na Câmara dos Deputados, dos 479 eleitos 439

eram do PDS e do PMDB. Somados, os partidos trabalhistas elegeram 44 deputados (REIS,

2014). Desse modo, o fim do estado de exceção e novas eleições não significou uma ruptura

revolucionária, mas a permanência de uma política conservadora. O pastor Joanyr de Oliveira

comentou o resultado das eleições daquele ano e lamentou a derrota de dois candidatos

evangélicos.

As primeiras notícias sobre o resultado das eleições de novembro, no que diz

respeito à Câmara dos Deputados e a representação evangélica, não são mais

desejáveis. Pelo menos dois parlamentares, ambos batistas, Daniel Silva (RJ)

e Joel Ferreira (AM), já se sabe perderam sua cadeira no Parlamento. Qual

será a razão dessa redução, quando as igrejas evangélicas têm crescido tanto?

Estarão os crentes decepcionados com seus representantes? Esta coluna

pretende acompanhar a atividade de nossos legisladores e é nossa intenção

munir a opinião pública de subsídios para que possa fazer o correto

julgamento, no momento da escolha de seus representantes. E vai cobrar dos

eleitos uma atuação condigna e o exato cumprimento das promessas feitas às

igrejas, durante a campanha política (MP, n. 2, p. 4, 1983).

O pastor Joanyr de Oliveira, assim como muitas outras lideranças das ADs, era negro.

É dele a primeira menção no jornal Mensageiro da Paz sobre a discriminação racial no Brasil.

Ele questiona a doutrina da chamada democracia racial e também chama atenção para o

preconceito dentro de igrejas evangélicas.

Aqui mesmo, no Brasil há crentes racistas, o que é profundamente

vergonhoso, quando nosso País é classificado como a maior democracia racial

do mundo. No fundo, isto é uma grande mentira (há muita discriminação

contra negro e contra o índio no Brasil), mas pelo menos, entre os cristãos,

esse pecado não deveria ser cometido. As pessoas de cor continuam a ser alvo

de deboche, de anedotas, de gracejos depreciativos, que mal encobrem a forma

preconceito exstente, embora ele não tenha suficiente para “se assumir” (MP,

n. 8, p. 2, 1983).

Tempos depois foi publicada outra matéria no jornal Mensageiro da Paz relacionada ao

racismo. Desta vez, uma jovem do Paraná enviou uma carta onde relatava seu drama familiar

em razão de sua amizade com um rapaz negro. A moça relatou inclusive as ameaças dos pais

de mudarem de igreja caso ela persistisse com a amizade com o jovem negro.

Page 117: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

114

Tenho amizade com um rapaz de minha igreja, e meus pais proíbem

terminantemente essa amizade, pelo fato de ser ele negro. Tenho inistido em

mostrar-lhes que não existe nenhum namoro, mas apenas uma grande

amizade. Mesmo assim, eles continuam com a proibição e agora ameaçaram

que toda a nossa família deverá tirar a carta de mudança da igreja para que a

amizade não prossiga. Estou sofrendo muito e não sei o que fazer (M.J.A.)

(PR) (MP, 1987).

Marcos David de Oliveira (2004) em seu livro A religião mais negra do Brasil tratou

das relações entre negritude e pentecostalismo. Mesmo assim, acreditamos que as questões que

envolvem mulheres e homens negros em igrejas pentecostais ainda são pouco estudadas. O

pastor Joanyr de Oliveira também levantou a questão relacionada com a Teologia da Libertação

na América Latina. Inclusive foi uma das pautas de discussão da AGO que se realizaria no ano

seguinte.

Detenhamo-nos por alguns instantes no assunto – Teologia da Libertação. Ele

se constitui, como é do conhecimento da maioria das pessoas que “pensam”,

em um dos temas da maior relevância neste fim de século, pela revolução que

esta nova teologia promove no seio do Catolicismo, pelos ruidosos e

profundos abalos que leva às suas estruturas, a partir da sofrida América

Latina, sobretudo depois dos encontros de Medelin e Puebla. Em boa hora a

questão Teologia da Libertação e outras igualmente da maior gravidade, como

Ecumenismo e Movimento Carismático, serão levadas a uma Convenção

Geral das Assembleias de Deus (MP, n. 11, p. 19, 1984).

5.2.2 Assembleia Deus a Caminho de um Projeto Político

Em fins da década de 1970 são lançadas as bases de um projeto político de caráter mais

corporativista nas ADs no Brasil. Pela primeira vez é dedicada uma coluna específica no jornal

Mensageiro da Paz sobre política partidária. A referida coluna, além de falar da necessidade de

participação política foi também um espaço de publicações referentes à atuação parlamentar

evangélica. Uma das vozes mais entusiastas era a do pastor Joanyr de Oliveira. Seus artigos

repercutiram para além dos limites das Assembleias de Deus, tendo em vista que “a Câmara

Municipal da cidade de Goiana, PE, dirigiu ofício à Casa Publicadora das Assembleias de Deus

Page 118: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

115

com um voto de congratulação ao diretor deste jornal pelo seu artigo Nós, a Política e o

Parlamento” (MP, n. 3, p. 3, 1978).

Nesse artigo o pastor Joanyr de Oliveira citou o exemplo do Geremias Fontes. Como já

referido anteriormente Geremias foi pastor da Igreja Batista do Calvário, e já tinha sido

secretário municipal e prefeito de São Gonçalo, deputado federal e em 1966 foi indicado pelos

militares para o cargo de governador do estado fluminense, cargo este que ocupara de 1967 a

1971. Pesquisadores como Paul Freston (1994) indicam que o livro Irmão vota em irmão, do

pastor assembleiano Josué Sylvestre (1986), foi um dos marcos do slogan que “crente vota em

crente”. Não concordamos de maneira plena com essa visão de Freston. O texto de Josué

Sylvestre foi importante? Entendemos que sim. Todavia, acreditamos que esse processo (irmão

vota em irmão) inicia bem antes de 1986.

Teria o pastor Joanyr de Oliveira maior relevância nesse processo do que o próprio Josué

Sylvestre? Josué saiu derrotado das eleições de 1982 para o cargo de deputado federal pelo

PMDB da Paraíba. Além de ter trânsito livre em determinados corredores do poder os artigos

sobre política partidária escritos pelo pastor Joanyr no jornal Mensageiro da Paz tinham um

poder de alcance maior nas ADs se comparado ao livro do Josué Sylvestre. Ainda em 1978 o

pastor Joanyr de Oliveira defendia:

Este é o momento oportuno para enfatizar o alto sentido da participação

evangélica na atividade política. Muitos nomes poderiam ser lembrados, de

irmãos que ocuparam cadeiras no parlamento, atuaram com toda dedicação à

causa pública e reafirmaram, no dia a dia, com seu verbo e sua vida, a nobreza

de suas convicções religiosas. Geremias Fontes é um deles. Como deputado,

e depois como governador do Estado do Rio (MP, n. 1, p. 2, 1978).

Em agosto de 1978 a Assembleia Legislativa do Rio prestou homenagem a lideranças

evangélicas, de modo que a maioria delas era de pastores pentecostais: Waldir Araújo, Túlio

Barros, Waldir Rocha, Luiz Costa, Antônio Silva, Sebastião Rodrigues de Souza, Manoel

Antônio Batista, Estevam Angelo de Souza, Gilberto Malafaia, João Pereira de Andrade e Silva,

Rodrigo Santana, Liosés Doiciano, Raimundo Anselmo Borges, Manoel da Penha Ribeiro, José

de Souza Reis, Joanyr de Oliveira e Geziel Gomes. Durante muito tempo, essa seria uma marca

da atuação de parlamentares evangélicos nas casas legislativas no Brasil: projetos de lei em

homenagem a pastores, instituição de praças da Bíblia entre outros projetos dessa natureza.

Ainda nesse ano o assembleiano José de Oliveira Fernandes foi eleito deputado federal

pelo estado do Amazonas. Durante a sua trajetória política passou pelos partidos ARENA, PDS,

PDT e PST. Ele era filho de uma tradicional familia de pastores no Norte, de modo que seu avô

Page 119: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

116

Antônio Matos Fernandes fundou a primeira AD no interior do Amazonas (Antaz-Mirim). José

de Oliveira Fernandes nasceu em dezembro de 1943. Estudou economia na Universidade

Federal do Amazonas em 1970 e se tornou professor titular dessa mesma universidade.

Trabalhou também como assessor no Departamento de Estradas e Rodagens do Amazonas.

Em 1975 foi nomeado secretário de transportes pelo governador Enoque Reis até que

conseguiu se eleger deputado federal em 1978. Entretanto, ficou no cargo apenas quarenta e

cinco dias após sua posse, pois foi escolhido para ser prefeito de Manaus pelo então governador

José Lindoso. Ficou três anos no cargo até renunciar para se candidatar mais uma vez ao cargo

de deputado federal em 1982. José Fernandes foi um dos 113 deputados que se ausentaram na

votação da Emenda Constitucional “Dante de Oliveira” que decidiria sobre o restabelecimento

das eleições diretas para presidente do Brasil na noite do dia 25 de abril de 1984. Por falta de

quorum a emenda foi rejeitada e os brasileiros viriam a escolher por meio do voto o presidente

apenas em 1989. José Fernandes votou em Paulo Maluf no Colégio Eleitoral de 1985. Foi

reeleito deputado federal em 1986, porém perdeu as eleições de 1990. A partir daí foi contratado

para trabalhar como diretor-geral da Rede Boas Novas de Televisão (RBN), em Manaus. A

referida rede é comandada, desde a década de 1990, pelo pastor Samuel Câmara.

5.2.3 Assembleianismo no Limiar da Reconstitucionalização

Em 1983 teve início o movimento político das Diretas Já. O pemedebista Dante de

Oliveira propôs a emenda constitucional que previa eleições diretas para o cargo de presidente

nas eleições de janeiro de 1985. É talvez o maior movimento político da história republicana

brasileira. Milhares de pessoas se reuniam nos comícios pelas grandes e médias cidades. Nos

dias finais do movimento Belo Horizonte chegou a reunir 300 mil pessoas num comício; o Rio

de Janeiro 1 milhão e São Paulo 1,5 milhão de pessoas. As principais lideranças que faziam

oposição ao governo se uniram ao movimento das Diretas Já. Entre elas estavam Fernando

Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Franco

Montoro, Leonel Brizola, entre outros.

A emenda do deputado federal Dante de Oliveira foi aprovada por 298 a favor e 65

contra na votação na Câmara dos Deputados. Entretanto, em razão da ausência de 113

Page 120: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

117

deputados a votação não pôde ser validada por questão de quorum. Foi constituído então o

Colégio Eleitoral a fim de escolher de maneira indireta o presidente da República. Como já se

sabe a chapa Tancredo Neves e José Sarney saiu vitoriosa.

No início de 1985 o pastor Manoel Ferreira esteve em audiência com Tancredo Neves

em Brasília. O jornal Mensageiro da Paz relatou o fato quando diz: “Em nome das Assembleias

de Deus no Brasil, o pastor Manoel Ferreira aproveitou a ocasião para entregar a Tancredo

Neves um ofício convidando-o a comparecer a 27ª AGO” (MP, n. 1, p. 8, 1985). Entretanto,

essa reunião não foi apenas para convidar Tancredo Neves para participar da Assembleia Geral

Ordinária (AGO). Além do pastor Manoel Ferreira esteve presente o presidente da Associação

dos Homens de Negócio do Evangelho Pleno (ADHONEP) e diretor executivo da CPAD,

Custódio Rangel Pires, entre outras lideranças assembleianas. O pastor Nemuel Kessler relatou

no jornal Mensageiro da Paz:

A audiência concedida pelo Dr Tancredo Neves a diversos pastores das

Assembleias de Deus, em atendimento à solicitação do irmão Custódio Rangel

Pires, Diretor Executivo da CPAD, que também se fez acompanhar do pastor

Manoel Ferreira, então presidente da CGAD, representa uma nova porta que

se abre para o diálogo entre evangélicos e o próximo governo brasileiro (MP,

n. 2, p. 2, 1985).

Na pauta da referia audiência estava a entrega de um documento elaborado pelos

pastores pentecostais com propostas ao então presidenciável Tancredo Neves: i) Que o Brasil

estreitasse as relações com Israel; ii) a retirada dos simbólos das religiões de matriz africana

das moedas e notas; iii) que fosse criado o Dia Nacional de Jejum e Oração. A primeira

“proposta” ganhou mais força nessa década de 1980 por causa do imaginário político-religioso

dos desdobramentos da Guerra Fria, que discutiremos adiante. A segunda proposta também será

analisada posteriormente.

Sabe-se que Tancredo Neves não chegou a assumir a presidência em razão de sua morte

em abril daquele ano de 1986. O teor da matéria publicada no jornal Mensageiro da Paz sobre

a morte é ambíguo. Ela transmitiu pesar pelo falecimento, mas ao mesmo tempo questionava

se o governo de Tancredo não iria favorecer a Igreja Católica.

[...] Por outro lado, será que Tancredo Neves, no exercício da presidência,

como católico praticante e devoto seguidor de São Francisco de Assis, teria

condições de não submeter-se a prováveis influências do clero romano, que

tentassem comprometer os objetivos da Nova República, principalmente no

que tange a liberdade de expressão religiosa? Reiteramos o que já disse o

Page 121: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

118

Jornal Batista: “Ponto de honra para nós é a preservação do princípio de

separação entre Igreja e o Estado...” (MP, n. 6, p. 10, 1985).

Há alguns elementos estão claros nesse enunciado. Ao que indica, no encontro dos

pastores com Tancredo Neves não foi discutido a influência católica. Pelo que vimos nas

propostas apresentadas foram os símbolos das religiões de matriz africana que estiveram na

pauta. Outro dado é um trecho do Jornal Batista usado para fundamentar a separação entre

Estado e Igreja. Nos primórdios do pentecostalismo brasileiro jornais batistas e jornais

assembleianos trocaram farpas, principalmente, por questões doutrinárias.

No ano de 1984 está o embrião daquela que seria a Frente Parlamentar Evangélica

(FPE)24. Um dos idealizadores foi o deputado assembleiano José Fernandes, depois de

conversas com outros deputados evangélicos nas dependências da Câmara dos Deputados. O

deputado José Fernandes recebeu uma carta do pastor Otoni Moura de Paula, então assessor da

vereadora assembleiana Benedita da Silva. Essa carta propunha a realização do I Encontro de

Parlamentares Evangélicos; desse modo Benedita da Silva está na origem desse processo. A

deputada Benedita da Silva ainda faz parte da FPE; além de ter sido sempre de um partido de

esquerda, seus posicionamentos polítcos diferem de muitos outros deputados evangélicos. Esse

é um dos elementos que demonstram a heterogeneidade da Bancada no Congresso Nacional.

Benedita da Silva era uma típica mulher assembleiana: negra, pobre e empregada

doméstica. Em razão de sua filiação partidária de esquerda e de determinados posicionamentos

políticos não era uma candidata oficial das ADs. Por isso era uma parlamentar assembleiana e

não uma parlamentar da Assembleia de Deus.

No dia da posse do primeiro presidente civil após o golpe de 1964, Figueiredo se recusou

a passar a faixa ao presidente Sarney; como já nos referimos em outra ocasião a posse do Sarney

não significou a restauração de uma República democrática. Mota (2015) questiona o uso da

expressão redemocratização para esse período. Para ele o termo deveria ser mesmo

democratização, pois para Mota o Brasil ainda não tinha vivido um regime de fato democrático

em toda a sua história. Ele lembra o fato de que mesmo durante o período de 1946 a 1964

partidos de esquerda e políticos como Jorge Amado e Carlos Marighella foram cassados por

razões ideológicas.

A chegada de Sarney ao poder significou a volta ao poder de antigos quadros ligados à

UDN de caráter liberal e conservador. Na composição ministerial vários nomes pertenciam à

24 Desde seu surgimento na Assembleia Nacional Constituinte (1986-88) a Frente Parlamentar Evangélica é

composta em sua maioria por pessoas ligadas à Assembleia de Deus e Universal do Reino de Deus.

Page 122: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

119

linha ideológica da antiga UDN (MOTA, 2015): o baiano Antônio Carlos Magalhães, o mineiro

Aureliano Chaves, o catarinense Jorge Bornhausen, entre outros. O governo Sarney adotou a

discurso de conciliação das antigas elites políticas do Brasil, na medida em que ao invés de

remoer o passado recente se deveria criar um clima de harmonia social. Era um claro gesto de

jogar a sujeira para debaixo do tapete.

O novo governo pavimentou o surgimento de um neoclientelismo, onde grandes

empreiteiras, multinacionais, companhias de aviação entre outras desenvolveram práticas

monopolistas. A expressão “capitalismo selvagem” surgiu nesse período. Essa “nova classe

promíscua e deslumbrada com o capitalismo e com as colunas sociais dos jornais e revistas, o

mesmo capitalismo, agora selvagem, que pagou contas do DOU-CODI” (MOTA, 2015).

Mesmo sem a presença dos militares no poder, essa classe econômica tinha o apoio e o respaldo

do governo Sarney.

Ainda em 1985 foi realizada uma AGO na cidade de Anápolis. Como de costume um

temário de assuntos foi apresentado, mas entre os assuntos não constou a participação nas

eleições de 1986. “A elaboração antecipada de um temário pressupõe que os assuntos nele

incluídos refletem o escopo das grandes questões que interessam, de perto, à vida de nossa

Igreja” (MP, n. 3, p. 2, 1985). Apesar disso, estiveram presentes o governador de Goiás, Íris

Resende; o prefeito de Anápolis, Anapolino de Farias; os deputados federais Daso Coimbra e

José Fernandes; o deputado estadual por São Paulo, Carlos Apolinário e o vereador Gilberto

Nascimento. Durante as reuniões convencionais o governador Íris Resende concedeu entrevista

ao jornalista da CPAD pastor Geremias Couto. Nela, Íris “incentivou” mais participação das

ADs na política partidária.

Dias depois foi convocada uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE), cujo assunto

principal seria a unidade de ministérios, tendo em vista que havia muitas divisões no interior da

eclesiologia pentecostal. Essa AGE aconteceu em Brasília. Todavia, outro assunto também

dominou a pauta de discussões: o lançamento de candidaturas para as eleições de 1986. Além

dele, foi constituída uma comissão de pastores que apresentaria propostas ao pré-projeto do

texto constitucional. O jornal Mensageiro da Paz relatou que “reunidos em Brasília, constiui-

se uma comissão tendo entre seus membros Manoel Ferreira, Alcebiádes de Vasconcelos e o

presidente foi o Luiz Bezerra da Costa” (MP, n. 6, p. 10, 1985).

5.2.4 Assembleianismo e a Experiência Política no Congresso Nacional Constituinte (1986-88)

Page 123: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

120

Mesmo com a derrota da emenda do deputado Dante de Oliveira em abril de 1984,

aumentou a pressão na sociedade para a convocação da Assembleia Nacional Constituinte

(ANC). Os diversos grupos sociais e partidos da ala progressista reivindicavam uma nova

Constituição, que substituiria aquela de 1967. O Congresso Constituinte seria formado pelos

deputados e senadores eleitos em 1986, além dos outros 26 senadores das eleições de 1982. A

Assembleia Nacional Constituinte foi instalada em 1º de fevereiro de 1987, composta de 561

congressistas constituintes. “Apenas o PMDB e o PFL que constituíram uma Aliança

Democrática somavam juntos 378 deputados” (REIS, 2014, p. 149). As atividades da ANC

duraram dezoito meses.

Os mais variados grupos sociais e religiosos puderam se fazer representar na

Assembleia, muito embora o predomínio tenha sido das tendências conservadoras. As

“emendas populares” foi um dispositivo usado para que a voz do povo se fizesse ouvir entre os

congressistas constituintes. Cada emenda popular precisava ter no mínimo 30 mil assinaturas,

de modo que centenas delas chegaram ao Congresso. Desse modo, houve significativa presença

popular nos trabalhos e por isso a Carta Magna foi chamada de Constituição Cidadã.

O então presidente Sarney constituiu a partir do Decreto nº 91.450/85, de 18 de julho de

1985, uma comissão provisória para trabalhar num anteprojeto da Constituição. O grupo

recebeu o nome de Comissão Arinos, pois tinha como presidente o jurista e ex-deputado federal

Afonso Arinos de Melo Franco. Também integraram a “comissão de notáveis” nomes como o

empresário Antônio Ermírio de Moraes, o escritor Jorge Amado, o sociólogo Gilberto Freire, o

professor Cristovam Buarque e o pastor presbiteriano Guilhermino Cunha. O número total de

integrantes foi de 50 pessoas. A referida comissão trabalhou por meses no anteprojeto, porém

o presidente José Sarney não o enviou ao Congresso, pois Ulysses Guimarães, que presidia a

ANC, já havia dito que o devolveria caso ele chegasse. Os parlamentares interpretavam a

proposta da Comissão de Notáveis como intromissão do Executivo nos trabalhos do Congresso

Constituinte. Para evitar uma crise o presidente Sarney decidiu não enviar o texto.

Apesar de não ter sido enviado, o texto foi publicado no Diário Oficial da União e, dessa

forma, os constituintes puderam ter acesso ao anteprojeto. Inclusive, parlamentares teriam se

inspirado nele para a elaboração da Constituição de 1988. Só para ficar num exemplo, no

preâmbulo do texto do Afonso Arinos continha a expressão sob a proteção de Deus que está

também está presente no preâmbulo da Carta Magna.

Page 124: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

121

Nós, representantes do Povo Brasileiro, reunidos sob a proteção de Deus em

Assembléia Nacional Constituinte, proclamamos a necessidade de oferecer ao

nosso País uma Constituição que, ao termo do primeiro século do regime

republicano, supere as causas das suas experiências negativas e assegure à

Nação uma era contínua de Paz, Liberdade, Segurança Pessoal, Bem-Estar e

Desenvolvimento, decorrentes da aplicação de princípios políticos,

econômicos e sociais adequados à nossa formação nacional e, como estes,

historicamente em evolução progressista. (Disponível em:

http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/constituinte/AfonsoArinos.pdf.

Acesso em: 18 set. 2015).

Ao contrário do que aconteceu no Congresso Constituinte a Comissão Arinos não

trabalhou no texto constitucional com pressão das corporações comercias, financeiras,

empresariais e até mesmo sindicais. Até porque um número signficativo dos integrantes da

Comissão não tinha vínculos partidários. Muitos itens específicos da Constituição foram

elaborados e aprovados a partir da influência de lobistas. Alguns desses casos foram

denunciados pela imprensa da época, de modo que alguns parlamentares evangélicos foram

acusados de corrupção. Analisaremos esse processo mais adiante.

Além do Ulysses Guimarães outros nomes também ditaram o ritmo dos trabalhos na

Constituite: Mário Covas (PMDB) que era uma das vozes mais importantes da ala progressista;

Fernando Henrique Cardoso (PMDB) também progressista foi o relator do regimento interno

da Constituinte e Bernardo Cabral (PMDB) que esteve na relatoria da Comissão de

Sistematização. Na ala consevadora destacaram-se parlamentares como Roberto Campos

(PDS); Guilherme Afif Domingos (PL); Jarbas Passarinho (PDS); Delfim Neto (PDS) e Marco

Maciel (PFL). À esquerda o professor Florestan Fernandes teve destacada atuação,

principalmente nos temas relacionados com educação e cidadania e o petista Plínio de Arruda

Sampaio defensor da Reforma Agrária (MOTA, 2015). Houve diferenças dentro do grupo

progressista, de modo que parlamentares como Fernando Henrique Cardoso e José Serra tinham

inclinação à social-democracia, enquanto que outros tinham um caráter mais socialista e

nacionalista.

O texto constitucional de 1988 teve 245 artigos e, em razão de emendas, esse número

aumentou para 250. O artigo 3º diz que a República deve garantir a construção de uma

“sociedade livre, justa e solidária” (Inciso I) e deve garantir também o “bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”

(Inciso IV). Capítulos de outros artigos remetem para os “direitos e deveres individuais e

coletivos”, que estariam fundamentados na “dignidade humana” (HEIMER, 2013, p. 78). Essa

tendência textual diz muito sobre a Constituição de 1988: o cidadão e a pessoa humana estão

Page 125: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

122

na centralidade do referido texto constitucional. Isso é um dado relevante para uma discussão

que faremos adiante sobre a biopolítica e práticas políticas pentecostais.

A Constituição de 1988 também previa a realização de plebiscito a fim de se escolher o

tipo de governo, de modo que em 1993 a população decidiu pela manutenção do regime

presidencialista. Outra discussão na ANC foi a duração do mandato presidencial, que o

Congresso Constituinte decidiu pelos cinco anos. O autor da emenda que previa o mandado

presidencial de cinco anos foi o deputado assembleiano pelo Paraná Matheus Iensen. “A

emenda passou com o apoio de 59% dos constituintes, e 76% dos evangélicos” (FRESTON,

1994, p. 81). Este fato foi um dos motivos que levou o Jornal do Brasil a publicar matéria sobre

corrupção na ANC em que figuravam parlamentares evangélicos. Discutiremos este ocorrido

mais à frente.

O texto constitucional reforçou a independência dos poderes legislativo e judiciário,

dando a este último poder para anular atos do executivo. A Constituição também ampliou o

direito dos trabalhadores, onde se garantiu o direito à greve e proíbiu a intervenção do Estado

nos sindicatos. O texto constitucional também assegurou que todo cidadão pode entrar com

ação contra o governo e também estabeleceu o fim da censura prévia às artes e à imprensa

(MOTA, 2015). Também foi reforçado o federalismo, de modo que foi garantida a autonomia

político-administrativa dos estados.

Uma das polêmicas que envolveram parlamentares cristãos foi a menção do vocábulo

“Deus” no preâmbulo da Carta Magna. No fim, acabou prevalecendo a expressão “sob a

proteção de Deus”. Embora o preâmbulo não seja um elemento que integre a Constituição

(REIMER, 2013, p. 79) ele está relacionado com a origem ou aquilo que legitima o texto. Esse

foi um dos motivos que levaram grupos com visão contrária a questionarem o vocábulo Deus

no preâmbulo da Constituição. Outra temática religiosa discutida na ANC foi a das relações

entre Estado e denominações religiosas. O texto está no Artigo 19 e a expressão colaboração

de interesse público fundamentaria, no futuro, aparatos jurídicos para acordos do estado com a

Igreja Católica e também com igrejas evangélicas “I- estabelecer cultos ou igrejas,

subvencioná-las, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes

relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse

público”. Em 2008, por exemplo foi assinado o acordo entre o Vaticano e o Estado brasileiro,

para fins de colaboração em temas como educação e cultura. Desde 2009 tramita no Congresso

Nacional um texto a respeito da “Lei Geral das Religiões” que trata, principalmente das relações

entre igrejas evangélicas e o Estado Brasileiro.

Page 126: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

123

Durante os meses em que se discutiu o texto constitucional o Congresso esteve em

movimento de maneira significativa, de modo que milhares de pessoas percorriam os corredores

e as salas em busca de seus interesses. Os mais variados grupos exerciam pressão sobre os

parlamentares e quase sempre seus votos eram barganhados. Após as discussões, votações e

revisões do texto final a Constituição foi promulgada em 5 de outubro de 1988.

5.2.5 A Atuação Parlamentar Pentecostal

Em meados de 1986 o então presidente da CGAD, pastor José Pimentel de Carvalho,

liderou uma comitiva que se encontrou com o presidente José Sarney em Brasília. A pauta

principal do evento foi a participação de evangélicos na ANC (MP, n. 2, 1986). Na conversa, o

pastor Pimentel disse ao presidente Sarney que as convenções estaduais das Assembleias de

Deus já estavam se articulando para o lançamento de candidaturas às eleições daquele ano. O

pastor Nemuel Kessler em matéria publicada no jornal Mensageiro da Paz disse o que se

esperava dos candidatos evangélicos:

Cabe, portanto, aos candidatos evangélicos que esperam nossos votos, uma

plataforma de ação definida que inclua, entre outros pontos, o combate ao

aborto, a guerra contra a pornografia, a luta para impedir a legalização do jogo,

a busca de melhor distribuição de renda, a vigilância constante para evitar a

subversão da ordem e a restrição da liberdade religiosa (MP, n. 7, p. 2, 1986).

Outro assunto que parece ter sido levantado na reunião foi dinheiro. Para ser mais exato

imagens e textos que figurariam nas notas do Cruzado. O Plano Cruzado foi a primeira medida

econômica em grande escala após o governo dos militares. O objetivo do referido plano era a

estabilização da economia e conter a inflação. Entre as medidas estava o congelamento de

preços por um ano e a substituição do cruzeiro pelo cruzado. Entretanto, não foi apenas uma

troca de moeda. Em 1977 símbolos africanos passaram a estampar as notas do Cruzeiro. O

Banco Central dizia que esses símbolos (búzios) faziam referência ao comércio marítimo (i)

legal de escravos para o Brasil. No Plano Cruzado estes símbolos foram tirados e deram lugar

à expressão “Deus seja louvado”. Com respeito ao fato o jornal Mensageiro da Paz noticiou:

Dentro de alguns meses, conforme anúncio das autoridades econômicas, as

cédulas e moedas do combalido e extinto cruzeiro serão substituídas pelas do

cruzado. Os grotescos totens das religiões afro-brasileiras serão substituídos

Page 127: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

124

por uma declaração de fé no Todo-poderoso: “Deus seja louvado” (MP, n. 7,

p. 8, 1986).

A decisão da retirada dos símbolos africanos das notas e a inserção da expressão Deus

seja louvado foi uma influência direta dos pastores pentecostais? Tudo indica que sim, pois

conforme já destacamos essa foi uma das propostas apresentadas por eles num encontro com o

então presidenciável Tancredo Neves. O próprio jornal Mensageiro da Paz confirma o fato ao

dizer: “Essa decisão atende plenamente uma das reivindicações encaminhadas pela ADHONEP

a Tancredo Neves em fevereiro de 1985” (MP, n.7, p. 8, 1986). Conforme já descrito

anteriormente, a ADHONEP era presidida pelo diretor executivo da CPAD, Custódio Rangel

Pires.

Antes das eleições de 1986 o jornal Mensageiro da Paz abriu espaço para alguns

candidatos assembleianos falarem de suas propostas. Falaram Amizael Gomes da Silva, da AD

de Rondônia e presidente da Assembleia Legislativa daquele estado; Benedita da Silva da AD

do Rio de Janeiro e vereadora pelo PT; Salatiel Carvalho, presbítero da AD da cidade de Abreu

Lima; Sotero Cunha da AD do Rio de Janeiro e João Evangelista Antunes, delegado da polícia

civil e evangelista da AD de Porto Alegre. O jornal Mensageiro da Paz também ouviu

candidatos ao cargo de deputado estadual por São Paulo, como o pastor presidente da AD do

Ministério do Ipiranga Alfredo Reikdal e Carlos Apolinário da AD do Brás (MP, n. 9, 1986).

A canditada Benedita da Silva reforçou sua fala de compromisso com a justiça social e

que caso fosse eleita, participaria das discussões relacionadas com a reforma agrária. O

candidato Salatiel Carvalho, por sua vez reproduziu um discurso muito comum entre lideranças

pentecostais desse período: a Igreja Católica iria controlar os rumos de decisões de temas da

Constituição e em razão disso o catolicismo aumentaria sua influência sobre a nação brasileira.

Sendo assim, Salatiel Carvalho disse que era preciso ter representantes no Congresso

Constituinte para deter esse avanço católico (MP, n. 9, 1986). Discurso semelhante foi feito

pelo candidato gaúcho João de Deus. Além da ameaça católica ele chamou a atenção para o

perigo comunista e para a entrada de parlamentares gays no Congressso.

O Partido Comunista está legalizado em 40 municípios gaúchos; Dom Hélder

Câmara faz uma jornada em todo o Brasil, em nome da CNBB; os seguidores

do Reverendo Moom encontram-se mobilizados pela Constituinte. Os Gays já

tem seus candidatos... E onde está a participação dos evangélicos? (MP, n. 9,

p. 17, 1986).

Page 128: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

125

O assembleiano Amizael Gomes já era bem conhecido em seu estado, tendo em vista

que presidira a Assembleia Legislativa de Rondônia no período em que fora deputado estadual.

Professor e escritor, Amizael já havia produzido material didático na área de história, que era

usado em escolas de 1º e 2º graus do estado. Em sua fala no jornal Mensageiro da Paz chamou

atenção para o perigo de setores radicais de outras religiões que poderiam prejudicar a igreja

evangélica (MP, n. 9, 1986).

O candidato Sotero Cunha falou do imperativo político-evangélico de que irmão vota

em irmão. Já o candidato Carlos Apolinário, que já era um assembleiano com experiência

política repetiu o discurso relacionado com os perigos da legalização do aborto. O pastor

Alfredo Reikdal, que pastoreava a AD Ministério do Ipiranga, conhecida por seu estilo

tradicional e conservador disse que tinha projetos para tirar menores das ruas (MP, n. 9, 1986).

Além desses, houve em todo o Brasil candidatos ligados às Assembleias de Deus, e no final do

pleito 13 foram eleitos. Naquele ano a Igreja Universal do Reino de Deus25 elegeu um deputado.

O jornal Mensgeiro da Paz noticiou que “[...] Após a solenidade de posse foi realizado um culto

na Assembleia de Deus W5 e havia faixas ‘exortando os novos contituintes a se portarem como

legítimos representantes da cidadania celestial’” (MP, n. 4, p. 13, 1987).

Quando falamos numa geografia do voto pentecostal nas eleições de 1986 alguns dados

chamam a atenção: 3 parlamentares do Norte; 3 parlamentares do Nordeste; 1 parlamentar do

Cento-Oeste; 3 parlamentares do Sudeste e 3 parlamentares do Sul. Sete deles eram de partido

do centro; 3 de partidos de esquerda e 3 de partidos da direita.

Uma curiosidade da lista abaixo: antes da Constituinte o deputado Antônio de Jesus foi

líder sindical e diretor da FEBEM de Goiás. Foi também o primeiro deputado evangélico a ler

a Bíblia numa sessão do Congresso Nacional. Ocupou cargo na Mesa Diretora como 1º vice-

25 A igreja Universal do Reino de Deus adota um modelo organizado durante os processos eleitorais. Antes das

eleições se realiza uma campanha para os jovens de 16 anos obterem seu título eleitoral e faz também uma

espécie de recenseamento dos membros no qual figuram seus dados eleitorais. Tais dados são apresentados aos

bispos regionais que por sua vez transmitem à coordenação politica nacional (no passado foi feita pelo bispo

Rodrigues). Juntos deliberam quantos candidatos lançam em cada município ou estado baseados no tipo de

eleição, quociente eleitoral dos partidos e número de eleitores recenseados pelas igrejas locais). E uma vez

lançados os candidatos usam os cultos, concentrações para fazer publicidade dos mesmos (de acordo com a

legislação eleitotal). Urnas eletrônicas disponibilizadas pela Justiça Eleitoral para treinar os fiéis para votarem.

Existe um direcionamento do voto de maneira mais clara e aberta. A escolha dos candidatos é de exclusividade

da liderança regional e nacional (às vezes pode até ser pessoas pouco conhecidas seja entre os membros, do

grande público e da imprensa especializada em política. Perfil: pessoas despojadas de interesses pessoais, ter

o desejo exclusivo de glorificar o bom nome de Jesus; possuir caráter e compromisso com o povo de Deus;

preocupar-se com os desamparados, pobres e necessitados; sem vaidades interiores, egoísmos. Uma pesquisa

realizada pelo ISER em 1994 apontava que os políticos indicados recebiam a porcentagem que pode chegar a

95% do total de fiéis da IURD. O próprio bispo Rodrigues disse : “Nossa força é que temos uma hierarquia, há

uma hierarquia que é seguida a risca”. O pastor eleito não é dono de seu próprio mandato, pois os interesses

institucionais precisam estar acima dos individuais (CAMPOS, L., 2005, p. 57).

Page 129: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

126

presidente em 1988 e participou de uma viagem a Cuba a fim de conhecer a estrutura e

funcionamento da Assembleia Nacional daquele país.

Eliel Rodrigues (PMDB-PA) - Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais, da

Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher: Suplente, 1987;

Subcomissão da Família, do Menor e do Idoso, da Comissão da Família, da Educação, Cultura

e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação: Titular, 1987.

José Fernandes (PDT-AM) - Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais: Titular,

1987; Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher: Titular, 1987;

Subcomissão de Orçamento e Fiscalização Financeira: Suplente, 1987; Comissão do Sistema

Tributário, Orçamento e Finanças: Suplente, 1987; Comissão de Sistematização: Suplente,

1987-1988.

José Viana (PMDB-RO) - Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais: Titular,

1987; Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher: Titular, 1987;

Subcomissão dos Municípios e Regiões: Suplente, 1987; Comissão da Organização do Estado:

Suplente, 1987.

Milton Barbosa (PMDB-BA) - Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das

Relações Internacionais, da Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da

Mulher: Titular; Subcomissão da União, Distrito Federal e Territórios, da Comissão: Suplente.

Salatiel Carvalho (PFL-PE) - Subcomissão dos Municípios e Regiões, da Comissão da

Organização do Estado: Suplente, 1987; Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas,

Pessoas Deficientes e Minorias, da Comissão da Ordem Social: Titular, 1987.

Antônio Conceição da Costa (PMDB-MA) - Subcomissão da Ciência e Tecnologia e da

Comunicação, da Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e

Tecnologia e da Comunicação: Titular, 1987; Subcomissão do Sistema Financeiro, da

Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças: Suplente, 1987.

Antônio de Jesus Dias (PMDB-GO) - Mesa Diretora: Presidente, 1988; Secretário,

1988; Subcomissão da Educação, Cultura e Esportes: Titular, 1987; Comissão da Família, da

Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação: Titular, 1987;

Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais, da Comissão da Soberania e dos Direitos e

Garantias do Homem e da Mulher: Suplente, 1987.

Manoel Moreira (PMDB-SP) - Subcomissão do Poder Executivo, da Comissão da

Organização dos Poderes e Sistema de Governo: Suplente, 1987; Comissão de Sistematização:

Titular, 1987-1988.

Page 130: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

127

Sotero Cunha (PDC-RJ) - Subcomissão da Família, do Menor e do Idoso, da Comissão

da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação:

Titular, 1987; Comissão de Sistematização: Suplente, 1987-1988.

Benedita da Silva (PT-RJ) - Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do

Homem e da Mulher: Suplente, 1987; Subcomissão dos Negros, População Indígena,

Deficientes e Minorias: Titular; Comissão da Ordem Social: Titular; Mesa da Assembleia

Constituinte: Suplente.

João de Deus Antunes (PDT- RS) - Subcomissão da Família, do Menor e do Idoso, da

Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da

Comunicação: Titular, 1987; Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e

Garantias, da Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher:

Suplente, 1987.

Orlando Pacheco (PFL-SC) - Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos

Coletivos e Garantias, da Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da

Mulher: Primeiro-Vice-Presidente, 1987; Subcomissão da Família, do Menor e do Idoso, da

Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da

Comunicação: Suplente, 1987.

Matheus Iensen (PMDB-PR) - Subcomissão da Família, do Menor e do Idoso, da

Comissão da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da

Comunicação: Titular, 1987; Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das Relações

Internacionais, da Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher:

Suplente, 1987. (Fonte: http://www2.camara.leg.br/atividade).

Um mês após a promulgação da Constituição expressivas lideranças das ADs se

reuniram nas dependências da CPAD no Rio de Janeiro; esse encontro teve um caráter

emergencial. A reunião foi conduzida pelo presidente da CGADB pastor José Wellington

Bezerra da Costa e estiverem presentes nomes como Silas Malafaia, Túlio Barros, Samuel

Câmara, Josué Sylvestre e outros destacados pastores-presidentes das ADs no Brasil. No mês

de agosto daquele ano, o Jornal do Brasil e o Correio Braziliense publicaram matérias

relacionadas com corrupção no Congresso Constituinte.

De acordo com o jornal, parte dos parlamentares evangélicos estaria envolvida em

esquemas de enriquecimento ilícito durante os trabalhos da ANC. No mesmo dia em que os

jornais chegaram às bancas com as acusações, o deputado assembleiano Salatiel Carvalho subiu

a tribuna da Câmara e fez um discurso negando as acusações. Na referida matéria, o Jornal do

Brasil denominou a Bancada Evangélica de “a gang dos servos de Deus” (MP, n. 9, 1986) que

Page 131: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

128

teria como chefe Gidel Dantas, pastor da Igreja de Cristo no Ceará e deputado. Para o jornal,

os deputados evangélicos estariam se aproveitando da ANC para conseguirem vantagens

financeiras.

Uma das acusações era de que deputados ligados à bancada haviam comprado com o

dinheiro de corrupção seis opalas Diplomata Especial Modelo 88. Além disso, a AD na Bahia

também teria recebido 100 milhões de cruzados. O deputado Salatiel Carvalho se defendeu e

disse que o dinheriro teria sido usado para um projeto de alfabetização promovido pela AD no

estado da Bahia. O pastor Josué Silvestre pediu a palavra e disse que as acusações estavam

relacionadas com a proximidade das eleições municipais no mês de novembro, que na ocasião

teria expressivo número de candidaturas evangélicas: “sabem que o povo evangélico está

aprendendo a votar nos seus irmãos. Então eles viram que essa era a hora de obstacular a eleição

desses irmãos em todo o interior do Brasil” (MP, n. 10, p. 13, 1988).

O pastor Túlio Barros que presidia a AD de São Cristóvão pediu a palavra ao presidente

José Wellington Bezerra da Costa. De acordo com o pastor Túlio “havia forças em atual

mobilização contra o povo de Deus e, esse era o motivo principal de ataques e denúncias aos

parlamentares evangélicos” (MP, n.10, p. 13, 1988). Para ele essas forças malignas estariam

por trás das matérias do jornal, para deter o avanço dos evangélicos no espaço público

brasileiro, de modo que “isso incomoda o inferno, incomoda os inimigos da nação” (MP, n.10,

p. 13, 1988). Ao contrário do primeiro período, no segundo começa a haver uma demonização

da esfera pública. Nesse sentido, a presença evangélica nesse espaço garantia a vitória contra

poderes diabólicos no espaço público. Desde então esse é um pensamento recorrente para

legitimar a inserção de parlamentares evangélicos na política.

No primeiro período, 1930 a 1945, o espaço público não foi demonizado, mas sim visto

como esvaziado de dimensões redentoras ou libertadoras. Por isso, podia-se desdenhá-lo,

critícá-lo e recusar-se a fazer parte dele. Por isso a não participação é também uma posição

política, no sentido de que se recusa a entrar no jogo político. Já nesse segundo período

pesquisado, 1978 a 1988, o Estado precisa ser des-diabologizado para garantir a manuntenção

de modelos tradicionais de família, por exemplo. Sendo assim, há uma mudança significativa

não apenas no discurso sobre participação política, mas também na forma como se pensa o

papel do Estado. Seria essa concepção de Estado uma postura idolátrica? Caso a resposta para

essa pergunta seja sim, reiteramos nossa afirmação de que há maiores dimensões proféticas e

de crítica social no primeiro período do que no segundo que ora analisamos.

Ainda com respeito à reunião na CPAD o pastor Gildei Dantas também pediu a palavra

para dar explicações sobre a matéria veiculada no Jornal do Brasil. Para o parlamentar aquilo

Page 132: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

129

era fruto de inveja, tendo em vista que a terceira maior bancada do Congresso era a evangélica.O

deputado João de Deus foi acusado pelo Jornal do Brasil de ter recebido nos esquemas de

corrupção rádios, postos de gasolina e 50 milhões de cruzados, mas negou as acusações e disse

que a principal detentora de rádios em seu estado era a Igreja Católica (MP, n. 10, 1988). Após

os esclarecimentos dos parlamentares acusados o pastor José Wellington Bezerra da Costa

reiterou o apoio aos deputados pentecostais.

Em outubro daquele mesmo ano, havia sido realizado no Congresso Nacional um culto

evangélico em ação de graças pela promulgação da Constituição; o organizador foi o deputado

Salatiel de Carvalho. Além de pastores, estiveram presentes o deputado Ulysses Guimarães e o

presidente do Senado, Humberto Lucena. O referido culto aconteceu no Salão Branco do

Senado e teve como pregador o pastor Geziel Nunes Gomes, que baseou sua mensagem no

prêmbulo da própria Constituição: “Sob a proteção de Deus”. Entrevistado o pastor Ronaldo

Fonseca disse que “pela primeira vez na história do Brasil, a solenidade de promulgação de

uma constituição inicia com um culto a Deus comandado pelos evangélicos” (MP, n.12, p. 5,

1988).

5.3 PRESENÇA PÚBLICA PENTECOSTAL OU VISIBILIDADE PÚBLICA

PENTECOSTAL? ASSEMBLEIA DE DEUS NO TEMPO PROFANO

No primeiro período analisado (1930-1945) os artigos publicados no jornal Mensageiro

da Paz apontavam para anseios de interrupção da história: Ela deveria ser abreviada. A história

caminhava para o fim iminente, sendo que o assembleianismo não cultivava uma visão

progressista da história. Por isso, não interpretamos como alienação a constante recusa pela

participação na política partidária naquele período. Além de o próprio momento político da

época ter sido um dificultador da participação popular nos processos políticos, aquele

assembleianismo desconfiava da ideia de um Estado Redentor. Vimos isso nos artigos do jornal

Mensageiro da Paz do período 1930 a 1945 em que criticavam governos, impérios e sistemas

políticos.

Desse modo, percebemos mudanças no assembleianismo e a relação dele com o

chronos, a partir dos artigos que ora analisamos no jornal Mensageiro da Paz. Acreditamos que

essas novas formas de relacionamento com a temporalidade profana nesse período 1978-1988

vão ser impulsionadas por três processos: crescimento numérico dos pentecostais,

institucionalização do movimento e a abertura democrática. A democrcia é um elemento que

propiciou a expansão do pentecostalismo. Descontados aqueles interesses nada evangélicos de

Page 133: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

130

certas lideranças pentecostais em se lançarem na política, tudo indica que assembleianos na

transição democrática desejavam visibilidade pública. Em artigo publicado no jornal

Mensageiro da Paz o pastor Nemuel Kessler disse:

Temos suficiente potencial para elegermos, em cada Unidade da Federação,

um representante, no cômputo geral, mais de 20 nomes oriundos de nosso

meio. Por que dar o nosso voto a candidatos espíritas ou de outras religiões,

se podemos contribuir de modo efetivo para que os nossos sejam eleitos?

Vamos valorizar a expressão bíblica, que diz: “E o senhor te porá por cabeça,

e não por cauda; e só estarás em cima, e não debaixo...” (MP, n. 5, p. 2, 1985).

Os pentecostais reconfiguraram a maneira como se apresentavam na esfera pública, de

modo que encontraram um espaço de ressonância na política partidária; com isso transformaram

seu alcance em termos de participação na democracia. Conforme analisamos até aqui, há anos

que expressões pentecostais já exerciam algum tipo de incidência política; entretanto, a partir

desse novo período da história brasileira eles querem mais visibilidade pública. Muitas dessas

expressões pentecostais não eram mais periféricas. Muitos já eram profissionais liberais,

funcionários públicos, empresários, lideranças políticas a nível municipal e regional,

conferencistas, cantores de sucesso no meio pentecostal ou pastores em megatemplos. Além

disso, há tempos que se repetia o discurso de que “já somos milhões de pentecostais nesse país”.

Mas isso não era o bastante; era preciso visibilidade pública. Percebe-se que esses novos

interlocutores religiosos desejam sua legitimização como atores das discussões políticas. Esse

momento de abertura democrática será de modo significativo favorável à referida visibilidade

pública pentecostal. Desse modo, a democracia favorece o assembleianismo e outros

pentecostalismos.

Além da política partidária, a mídia também funcionou como um espaço de ressonância

dos pentecostalismos. Magali do Nascimento Cunha (2013) também destaca o período da

Assembleia Nacional Constituinte como um “ponto de virada” nas relações entre religião e

política, bem como no uso da mídia para dar visibilidade a práticas políticas evangélicas de

caráter conservador. Nesse período, por exemplo, foram dadas concessões públicas de veículos

de comunicação a lideranças evangélicas, entre elas o assembleiano e deputado constituinte

Matheus Iensen.

5.3.1 O Que é Presença Pública?

Page 134: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

131

Desse modo, acredita-se que práticas políticas pentecostais desejavam visibilidade

pública. Entretanto, pode-se falar também de uma “presença pública pentecostal”? A

visibilidade pública da religião parece se distinguir da presença pública da religião, no sentido

de que nessa última os grupos religiosos têm incidência mais direta nas políticas de Estado; nela

os grupos religiosos discutem, elaboram e apresentam suas demandas. Esses referidos grupos

têm uma atuação propositiva no sentido de corrigir injustiças sociais. Vejamos a distinção

desses dois conceitos.

De acordo com Moltmann, “é preciso colocar as coisas públicas na luz do reino e da

justiça e os grupos religiosos não podem esconder-se atrás dos silenciosos muros da igreja. Seu

lugar é no meio dos campos de conflito” (MOLTMANN, 2008, p. 81). Para Habermas vivemos

em uma sociedade pós-secular onde as religiões devem ser não apenas aceitas, mas também

reconhecidas como instituições que exerçam funções positivas na sociedade (HABERMAS,

1997). Nessa sociedade pós-secular o Estado tem interesse de permitir que as religiões atuem

também na esfera pública, que aqui relacionamos com a política partidária. Nesse sentido, o

Estado não pode restringir a participação dos grupos religiosos no espaço público. Todavia,

para Habermas a linguagem religiosa na esfera pública deve ser traduzida numa linguagem

universal e acessível, pois as verdades religiosas não devem influenciar as deliberações

institucionais do Estado.

Chantal Mouffe (2005) acredita que a democracia moderna é como algo que vai além

da forma de um governo. Ela diz respeito a uma forma de organização resultado de duas

articulações: na primeira ela destaca o papel do estado de direito, a separação de poderes e a

garantia dos direitos individuais e coletivos; e a segunda, a tradição democrática popular. Sendo

assim, o pluralismo, segundo Mouffe, é um dos fundamentos da democracia moderna, onde os

indivíduos podem participar dos processos democráticos. Sendo assim, as diferenças e as

diversidades promovem a construção das identidades nacionais, ao contrário da lógica de

absolutização. Nesse cenário, a presença pública das religiões não atesta contra o princípio da

laicidade do Estado, pelo contrário ela pode fortalecer a democracia. Talvez uma experiência

pentecostal que se aproxime de uma presença pública da religião tenha sido vivida na África

do Sul durante os processos da ascensão de Nelson Madela à presidência daquele país na década

de 199026.

26 Na década de 1990, o então presidente da África do Sul, Nelson Mandela, iniciou um projeto de reconstrução

moral do país. Para esse fim, ele chamou lideranças religiosas a fim de participarem desse processo. Esperava-

se que os grupos religiosos fossem capazes de refletir a respeito de ações de transformação social. Para Nelson

Page 135: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

132

Boaventura de Souza Santos (2014) chama a atenção para o caráter constitutivo da

religião na esfera pública. Para ele, é possível falar de uma teologia política, pela qual, atores

religiosos intervêm nos espaços sociais e políticos. Boaventura cita exemplos de incidência

política das Teologias Latino-Americanas e a Teologia da Libertação Islâmica. Desse modo, o

estudioso português faz críticas à divisão entre esfera pública e esfera privada, cuja cisão seria

fruto do Iluminismo europeu.

Portanto, consideramos como básicos da distinção entre visibilidade pública e presença

pública os seguintes elementos: tradução da linguagem religiosa em narrativas que

reinvindiquem justiça e o estabelecimento de práticas político-sociais na tentativa de corrigir

injustiças. Acreditamos que nesse momento da ANC não se pode falar de uma presença pública

das Assembleias de Deus. Na transição democrática os assembleianos, de maneira geral

participaram das eleições, não da política enquanto um projeto de correção de injustiças sociais

a partir de atuação no interior de instituiçõs do Estado. O que houve foi um movimento em

busca de visibilidade pública. Todavia, como já nos referimos em outra ocasião, a possibilidade

de eleger candidatos conferia sentimento de empoderamento à comunidade pentecostal.

A maneira como o Estado está estruturado e funciona favorece o tipo de atuação política

de pentecostalismos e de outros grupos evangélicos. Além de uma presença das religiões no

espaço público, podemos falar também de paradigmas teológicos que constituem o Estado na

modernidade. Agamben (2015) defende a tese de que o Estado moderno é constituído a partir

de bases mítico-teológicas. Ele propõe a genealogia de um paradigma que exerceu influência

sobre o ordenamento da sociedade global. De acordo com o filósofo italiano dois paradigmas

políticos são derivados da teologia cristã: (i) a teologia política, em cujo fundamento está Deus

em sua soberania e transcendência; (ii) a teologia econômica, que substitui a ideia da oikonomia

(gestão, governo das coisas). “Do primeiro paradigma derivam a filosofia política e a teoria

moderna da soberania; do segundo, a biopolítica moderna até o atual triunfo da economia e do

Mandela a corrupção, a criminalidade, entre outros problemas de ordem moral, deveriam ser enfrentados com

o apoio da religião. Foi realizada uma série de oficinas e consultas para discutir ações voltadas para moralizar

a nação, com a participação de políticos e lideranças religiosas. Em 1998 Mandela dirigiu uma reunião com

essas lideranças e em seu discurso destacou o aumento da corrupção na esfera pública e privada; a ineficiência

das instituições públicas e a violência contra crianças e mulheres. Com efeito, era necessária uma regeneração

moral na sociedade sul-africana. A partir dessas reuniões, começou-se a pensar na criação do Movimento de

Regeneração Moral (MRM), de modo que o Departamento de Educação, a presidência, organizações religiosas

e outros departamentos do governo se uniram para criar estratégias de enfrentamento da degeneração moral da

sociedade. Em 2002 o MRM foi inaugurado em Pretória com o objetivo de ser uma instituição de promoção

da justiça social. No ano de 2004 esse organismo se uniu ao Centro de Teologia Pública Beyers Naudé, ligado

à Universidade de Stellenbosch; era mais uma iniciativa de unir Estado, organizações da sociedade civil e

religiosos na luta por uma sociedade mais ética e igualitária.

Page 136: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

133

governo sobre qualquer outro aspecto da vida social” (AGAMBEN, 2012b, p. 13). No

cristianismo primitivo Eusébio de Cesareia estabeleceu uma relação entre o aparecimento de

Jesus, o imperador romano Augusto e, posteriormente, Constantino. Sendo que, a partir daí a

noção de poliarquia pluralista deu lugar a uma monarquia política, com bases numa monarquia

divina; nesse governo soberano, seu poder é divinamente legitimado.

Para tratar desses paradigmas Agamben busca fundamentação em Carl Schmitt, para

quem as doutrinas que constituem o Estado moderno são conceitos teológicos secularizados.

Ao contrário do que disse Max Weber, o desencantamento do mundo não gerou uma

desteologização dos processos sociais, pois mesmo que esteja no subterrâneo das ideias

políticas, a teologia ainda prossegue atuante no mundo. Sendo assim, tanto as esferas políticas

como as econômicas teriam em sua estrutura e funcionalidade paradigmas teológicos. Tanto

Walter Benjamin (2013) como Franz Hinkelammert (2012) fizeram análises semelhantes na

medida em que o capitalismo também estaria fundamentado a partir de conceitos teológicos e,

em razão disso, poderíamos classificá-lo como uma religião.

Fundamental no texto de Agamben é o termo oikonomia, de modo que o filósofo retoma

os escritos de Pais da Igreja como Tertuliano, Hipólito, Irineu e Clemente, a fim de substanciar

sua tese de que o referido termo esteve relacionado com a gestão, atividade divina,

administração da casa e governo, realizada por intermédio de uma economia da Trindade.

Todavia, para a doutrina da oikonomia o governo de Deus no mundo não é de natureza

ontológica, mas prática; pensamento contrário ao de Aristóteles, por exemplo, para quem o

motor imóvel que controla as esferas celestes está circunscrito numa relação de harmonia entre

o ser e a práxis. Quando os Padres da Igreja discutiram a doutrina da oikonomia, quiseram evitar

o surgimento da pluralidade de divindades e, por conseguinte, o politeísmo, de modo que “a

simples disposição da economia não significa de modo algum a separação da substância. O ser

divino não é dividido porque a triplicidade de que falam os Padres se situa no plano da

oikonomia, e não naquele da ontologia” (AGAMBEN, 2012b, p. 67). Portanto, a vontade livre

de Deus, distinta de sua natureza tornou-se um elemento central na teologia cristã, com uma

dissociação entre ser e práxis, principalmente após o Concílio de Niceia.

Agamben em sua análise destaca as relações entre paradigmas metafísico-teológicos e

paradigmas políticos, os quais estariam interligados. Nesse momento, ele cita a fórmula de uma

monarquia parlamentarista, onde o rei reina, mas não governa. Com efeito, os negócios do reino

ficariam a cargo dos ministros do rei. Essa estrutura governamental seria uma herança gnóstica

na política moderna, pois parte de conceitos gnósticos de que o Deus bom reina, mas as forças

demiúrgicas que governam na figura dos funcionários são más e, por isso, sempre erram. Nesse

Page 137: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

134

contexto político cujo reinado e governo são constituídos de deuses “o primeiro, definido como

rei, é estranho ao mundo, transcendente e totalmente inoperante; o segundo, ao contrário, é

ativo e ocupa-se do governo do mundo” (AGAMBEN, 2012b, p. 92).

Agamben faz essa discussão com Erik Peterson, que em seu texto Monoteísmo como

problema político, afirmou que a estrutura administrativa e o aparato burocrático, pelos quais

os soberanos fundamentam seu reino, seriam paradigmas do governo divino no mundo. E

quanto ao “governo dos homens”? Michel Foucault e principalmente Carl Schmitt viu no

pastorado da Igreja Católica o paradigma daquilo que seria o moderno conceito de governo

(AGAMBEN, 2012b). Schmitt analisa o modelo nacional socialista alemão e afirma que nesse

Estado o povo é impolítico; fica à sombra das deliberações políticas. Enquanto que o partido e

o Führer controlam, decidem mediante um paradigma pastoral-governamental.

Portanto, para Agamben existem assinaturas teológicas no Estado moderno, pois

mediante os arquétipos da Trindade há correspondências entre a oikonomia divina e o governo

do mundo; são imaginários teológicos na constituição de modelos políticos. O filósofo italiano

também discute as possibilidades de se fazer distinção entre Reino e Governo e para isso recorre

ao tema teológico da criação. Nela a divindade cria, mas sua criação prossegue por intermédio

do governo das criaturas criadas. Há dessa forma uma dupla articulação entre ação divina da

criação (creatio) e conservação (conservatio) (AGAMBEN, 2012b). Desse modo, quem reina

nem sempre governa. Esse paradigma teológico, que se desdobra em uma dupla estrutura é uma

das bases da máquina de governos do Ocidente.

Giorgio Agamben lembra em seu texto O Reino e a Glória que na década de 1970

Michel Foucault ministrou no Collège de France um curso em que tratou sobre a genealogia da

“governamentalidade moderna” (AGAMBEN, 2012b, p. 125). Foucault analisou três

modalidades a partir das relações de poder: (i) o sistema legal, que é constituído pelo aparato

normativo que se pode e não pode fazer; (ii) os mecanismos de punição como as penitenciárias;

(ii) e, por fim, aquilo que chamou de governo dos homens (FOUCAULT, 2008). Para o filósofo

francês a genealogia das modernas técnicas governamentais está no pastorado cristão, de modo

que o “cuidado das almas” estaria na matriz do governo político. Nesse contexto, o Estado

moderno é ao mesmo tempo individualizante e totalizante, pois cabe a ele cuidar de todos, mas

de maneira singular e individual. O pastorado enquanto economia das almas seria um dos

propósitos centrais dos governos, logo “pastorado eclesiástico e governo político situam-se

ambos no interior de um paradigma essencialmente econômico” (AGAMBEN, 2012b, p. 126).

Portanto, compreendemos como presença pública da religão a atuação de grupos no

espaço da política em que se engajam em lutas por correção de injustiças sociais e na promoção

Page 138: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

135

da igualdade. Teriam as Assembleias de Deus potencial para promover sua presença pública?

Acreditamos que sim, caso essa atuação seja potencializada por princípios de justiça e igualdade

que encontramos no interior do próprio pentecostalismo.

Acerditamos que as instituições do Estado não seriam um lugar estranho para os

pastores-parlamentares, em razão do aspecto comum relacionado com a economia das almas.

Tanto as práticas políticas do Estado como ação pastoral, tem a função de administrar vidas,

enquanto corpos. Notamos que, quando se trata de mulheres pentecostais parlamentares, a

atuação delas tende a seguir outra direção no que diz respeito à administração dos corpos. Sendo

assim, há indícios de que mulheres e homens pentecostais na política tendem a lidar de maneira

distinta com o paradgma teológico da “economia das almas”. Mais adiante veremos isso a partir

da atuação da assembleiana Benedita da Silva no Congresso Constituinte.

Este paradigma teológico-econômico do Estado moderno teria na crença da providência

divina sua origem, na medida em que Deus se ocuparia das coisas humanas; a divindade estaria

sempre a prestar atendimento a cada indivíduo e fundamentaria a concepção teológica do

governo providencial no mundo. No contexto dessa máquina providencial há dois poderes

distintos, mas harmônicos entre si: um poder de deliberação racional e outro de execução, sendo

que esse último seria exercido pelos ministros ou mediadores. Agamben recorre a Tomás de

Aquino para quem “no que concerne à racionalidade, Deus governa imediatamente todas as

coisas; no que concerne, por sua vez, à execução do governo, Deus governa algumas coisas

mediante outras” (AQUINO apud AGAMBEN, 2012b, p. 151). A divisão de poderes do Estado

moderno tem nesse paradigma teológico seu principal arquétipo Desse modo, há uma

correlação analógica entre o governo divino no mundo e o governo profano das cidades e a

vocação econômico-governamental das democracias modernas tem nessa concepção teológica

a sua origem.

Se Agamben estiver correto na discussão que fez acima, ela é mais um de nossos

argumentos de que o Congresso Constituinte não era um “lugar estranho”, pelo menos no

imaginário dos parlamentares evangélicos e pentecostais. A própria ideia do Legislativo como

Casa do Povo é um termo teológico secularizado que corresponderia à Casa de Deus. Apesar

de a soberania divina ter sido substituída pela soberania do povo, o conceito de “administrar”

as vidas e os corpos permaneceu. Talvez esse tenha sido um dos motivos que levaram

parlamentares pentecostais a terem quase que uma obsessão por temas relacionados ao corpo

como família, aborto e homossexualidade. Por isso acreditamos que a maneira como se constitui

e funciona o Estado favorece a maneira como parlamentares pentecostais legislam em matérias

Page 139: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

136

sobre a vida natural. Além de favorecer arranjos político-religiosos, esse modelo de Estado

potencializa as dispustas de quais e como os corpos se moverão pela democracia.

5.3.2 Assembleia de Deus e o Aiôn Imperializado

Conforme analisamos no período de 1930 a 1945 os artigos relacionados com a

escatologia não estariam relacionados com projetos de alienação política. Os discursos sobre o

céu são concebidos a partir de realidades da vida concreta. No caso das mulheres e homens de

pertença pentecostal, os referidos discursos escatológicos emergiram a partir de dentro dos

processos de marginalização e exclusão social nos quais estavam inseridos. Sendo assim,

relacionamos o aiôn do primeiro período com crítica social e descontentamento popular. Em

relação ao primeiro período, os artigos do jornal Mensageiro da Paz com conteúdo escatológico

aparecem em menor quantidade. Mesmo assim, encontramos um número razoável deles.

Notamos que a maioria dos artigos do período agora analisado (1978-1988) tem relação com o

momento geopolítico mundial relacionado com a Guerra Fria, que resultou na polarização

Estados Unidos versus União Soviética. Em razão disso, pensamos que a dimensão profética e

de crítica social do discurso escatológico adquiriu outras configurações em relação ao período

de 1930-1945.

Se o discurso no primeiro período esteve relacionado com crítica social e também a

“impérios e reinos deste mundo”, no segundo acontece uma “imperialização” do discurso

escatológico. No contexto da Guerra Fria ele é concebido para fundamentar a superioridade de

potências econômicas e militares como Estados Unidos e Israel. De acordo com Boaventura de

Souza Santos, “a globalização hegemônica tem a seu serviço uma institucionalidade

diversificada e muito poderosa dos Estados centrais, União Europeia, do Banco Mundial ao

Fundo Monetário Internacional, das grandes empresas multinacionais à Organização Mundial

do Comércio” (SANTOS, B., 2014, p. 33). Ele analisou os efeitos da globalização hegemônica

e da globalização contra-hegemômica. A primeira está relacionada com forças hegemônicas

imperiais que se articulam mediante órgãos financeiros internacionais. Já o segundo acontece

pela articulação de movimentos sociais e ONGs na luta por dignidade e direitos.

Muito embora o assembleianismo do primeiro período não tenha se articulado em

movimentos sociais organizados, ele esteve mais próximo de uma cultura contra-hegemônica.

Page 140: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

137

Não apenas pela crítica que o movimento fez a impérios e sistemas mundiais. Acreditamos que

os discursos escatológicos daquele período eram uma maneira de demonstrar descontentamento

com este mundo e seus valores. Para Boaventura o processo de contra-hegemonia está

“destinado a desacreditar os esquemas hegemônicos e fornecer entendimentos alternativos

credíveis da vida social” (SANTOS, B., 2014, p. 33).

No interior desses discursos do segundo período analisado está a questão de Israel, pois

o jornal Mensageiro da Paz advertia que “o retorno final de Israel, a reconstrução das suas

cidades antigas e o reflorescimento do país, indicam que estamos vivendo nos últimos tempos”

(MP, n. 8, p. 3, 1983). O pastor assembleiano Abraão de Almeida escreveu artigos e livros nesse

período sobre uma supremacia de Israel.

Além de tratar do declínio e da dominação estrangeira, as profecisas falam

também da invencibilidade dos judeus pelas tropas egípcias. Este é um

acontecimento realmente atual. Desde que o Estado de Israel foi proclamado

em maio de 1948, o Egito e outros países árabes sofreram fragorosas derrotas,

apesar de estarem poderosamente equipados com mordenísssimas armas

soviéticas (MP, n. 8, p. 3, 1982).

O missionário estadunidense Lawrence Olson também era um dos mais fervosoros

defensores de Israel:

A bandeira de Israel, com a estrela hexagonal de Davi já tremula entre as

bandeiras das demais nações do mundo. Israel foi oficialmente reconhecido

como membro das Nações Unidas, graças à atitude amigável da representação

brasileira na oportunidade. Rapidamente Israel assume a posição de líder entre

as nações, justamente como foi predito pelos profetas (MP, n. 1, p. 7, 1983).

As imagens religiosas que relacionavam a Rússia com o Anticristo ainda eram muito

comuns nesse período. Um pastor estadunidense chamado David F. Webber escreveu no jornal

Mensageiro da Paz:

O papel da Rússia nas condições do tempo do fim, que levam à revelação do

Anticristo, está delineado nos capítulos 38 e 39 de Ezequiel. A Rússia e o

comunismo antideus estão desempenhando um papel principal na evolução

dos eventos envolvendo o Anticristo e o tempo do fim (MP, n.3, p. 13, 1982).

O mesmo pastor usou a cabala judaica para fundamentar sua doutrina de que os

soviéticos representavam o Anticristo:

Page 141: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

138

Porque o sistema de numerologia hebraico (Quabballa) que é foneticamente

definido, Rússia, ou União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS),

tem, com suas letras somadas, exatamente o valor de 666, como segue: União

(WAW) 6; das (GOPH) 100; Repúblicas (RESH) 200; Socialistas (SIN) 300;

Soviéticas (SAMEKH) 60. Total 666 (MP, n.3, p. 13, 1982).

O pastor Jeferson Magno Costa também relacionou mísseis aos quatro cavaleiros do

Apocalipse:

Os poderosos mísseis nucleares que surgem dia a dia nos arsenais do mundo,

são hoje conhecidos nos meios jornalísticos como “cavalos do Apocalipse” –

em alusão aos quatro cavalos que apareceream nas visões do evangelista João,

após o Cordeiro abrir os três primeiros selos. Apocalipse 6.2-5. São eles: os

SS-4, SS-5 e SS-20 soviéticos, e o Tomahawk Cruise e Pershing II americanos

(MP, n.6, p. 8, 1984).

Reconhecemos que no período 1978 a 1988 ainda havia discursos escatológicos de

natureza profética, principalmente no interior das igrejas pentecostais. Entretanto, acreditamos

que artigos relacionados com o tema da escatologia publicados no jornal Mensageiro da Paz

perderam parte de seu poder de crítica social. Quando conjugados com a dimensão política, os

referidos artigos denotam um discurso escatólogico imperializado, onde fundamentam o

alinhamento às propostas hegemônicas.

5.4 ASSEMBLEIANISMO, CORPO E BIOPOLÍTICA: UMA ANÁLISE A PARTIR DO

KAIROS

Na atuação parlamentar pentecostal no Congresso Constituinte, assim como na atuação

dos demais políticos, houve uma temporalidade política hierarquizada, ou seja, temas que foram

priorizados. Ao destacar a atuação dos parlamentares evangélicos o jornal Mensageiro da Paz

noticiou que “ficou claro que o empenho de cada um foi efetivo, seja na apresentação de

sugestões ao texto constitucional, como na defesa de pontos com os quais não podiam transigir,

entre eles o aborto e o homossexualimo” (MP, n. 8, p. 2, 1987). No primeiro período de 1930 a

1945 analisamos o tempo kairótico ou messiânico a partir das expressões corporais pentecostais

(êxtase e certas formas de ascetismo); vimos nelas elementos de contestação popular. O kairos

emerge dentro do tempo profano a fim de transformá-lo, modificá-lo de maneira qualitativa,

sem perder o horizonte do tempo que resta. Em que medida as práticas políticas na ANC sobre

o corpo aconteceram ou não aconteceram a partir da experiência do kairos?

Page 142: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

139

O pentecostalismo é uma religião do corpo. Em nossa pesquisa, isso ficou mais evidente

em razão da relação que fizemos entre expressões corporais no assembleianismo e a crítica

social no primeiro período. A Constituição Cidadã de 1988 garantiu a primazia da pessoa

humana; desse modo caberia ao Estado possibilitar políticas públicas de bem-estar ao

“indívíduo-corpo”. E como já nos referimos acima o pentecostalismo tem no corpo sua

centralidade. Está posto então o problema. Percebemos que o tema da corporeidade está

presente na temporalidade política hierarquizada dos pentecostalismos; mas será que ela foi

capaz de produzir determinados tipos de crítica social assim como no primeiro período?

Analisemos.

Já se sabe que a ANC possibilitou a participação de vários grupos da sociedade na

elaboração da Carta Magna. De modo que, como já descrevemos, os pentecostais estiveram

presentes nesse processo. Entretanto, acreditamos que não foi apenas a abertura aos mais

variados grupos da sociedade brasileira que possibilitou a influência religiosa na esfera pública.

Tendo em vista que a Constituição intencionou ser “cidadã” e centrada na pessoa humana, isso

de certa maneira favoreceu ou no mínimo abriu caminho para que parlamentares pentecostais

marcassem sua atuação a partir de temáticas relacionadas com a vida enquanto corpo. Desse

modo, esses parlamentares pentecostais estiveram circunscritos nas relações da biopolítica,

temática essa que analisaremos mais adiante.

Com base na descrição que fizemos a atuação da deputada assembleiana e deputados

assembleianos na ANC mostrou que a maioria deles esteve envolvida em temas relacionados

com os corpos: Comissão da Família, Comissão de Direitos e Garantias do Homem e da Mulher,

entre outras. Já citamos os casos em que alguns desses parlamentares foram denunciados por

corrupção. Muitos deles estiveram envolvidos em outros temas durante a ANC como os que

trataram de conceções de rádio e televisão no Brasil, tema esse que era de interesse de lideranças

evangélicas. Entretanto, queremos analisar a participação da parlamentar e dos parlamentares

assembleianos a partir da temática do corpo, que como já mencionamos é uma dimensão central

no pentecostalismo. Interessa-nos também saber se há possibilidade de relacionar essa atuação

parlamentar com o tempo kairótico.

Um dos motivos principais que lideranças assembleianas usaram para se lançarem na

política em 1986 foi o discurso da defesa da família; de fato, durante a ANC participaram de

discussões relacionadas com o aborto, a homossexualidade e o divórcio. Quanto ao primeiro

tema, todos os parlamentares pentecostais homens foram defensores de que a vida começa a

partir da concepção e, portanto, o aborto deveria ser proibido em qualquer situação. A deputada

Page 143: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

140

Benedita da Silva teve uma postura diferente em relação à matéria, fato este que, inclusive,

virou assunto do jornal Mensageiro da Paz da época:

Ela declara que, como pessoa individual, é contra o aborto, mas quer que ele

seja aprovado por conhecer de perto as condições em que as mulheres o

praticam. Declara ainda que já optou pela prática do aborto. O curioso é que

tal propositura procede de alguém que supostamente estaria na Constituinte

para lutar contra toda a sorte de discriminações, menos evidente, a

discriminação contra bebês cujos pais não teriam a menor condição financeira

e emocional (MP, p. 7, 1988).

Com respeito à homossexualidade também houve discordância entre os parlamentares

pentecostais homens e a deputada Benedita da Silva. Para ela a manifestação livre da

sexualidade seria uma das dimensões da cidadania (FRESTON, 1994, p. 78), enquanto que o

deputado José Fernandes propôs incluir o termo “desvio sexual” no texto constitucional que

tratava da homossexualidade (MP, p. 7, 1987). Assim como a Confederação Nacional dos

Bispos do Brasil (CNBB) os parlamentares pentecostais também foram contra o divórcio. Fica

evidente que a atuação parlamentar pentecostal teve como característica principal a biopolítica,

que está relacionada com as políticas de Estado sobre o corpo. Aliás, a biopolítica foi um tema

central da ANC e está na base do texto constitucional.

Na contemporaneidade existe uma aceitação social do poder disciplinador sobre os

corpos. A modernidade rompeu a lógica de que esse poder de controle dos corpos era originário

da divindade, de modo que o Estado assumiu essa prerrogativa da decisão sobre a vida dos

indivíduos. Essas ideias estão presentes no Contrato Social de Rousseau, tendo em vista que ao

discutir o papel do estado civil ele diz que “a transição do estado natural ao civil produz no

homem mudança notável, substituindo em sua conduta a justiça do instinto e dando aos seus

atos a moralidade de que antes careciam” (ROUSSEAU, 2011, p. 33). Baseado no fundamento

da dignidade humana o Estado se tornou o garantidor dos direitos do cidadão. Entretanto, essa

categoria “cidadão” remete também aos deveres; desse modo os membros da sociedade devem

se sujeitar ao poder decisório do Estado. Nesse contexto democrático, surgem então as políticas

relacionadas aos direitos humanos.

O efeito colateral dessas políticas era de que mesmo em democracias os corpos não

podem mover-se livremente. Para garantir a dignidade humana o estado deveria criar aparelhos

disciplinares, a fim de sujeitar os indivíduos. Michel Foucault (2004), principalmente em Vigiar

e Punir fez críticas a certos modelos de sujeição e métodos disciplinadores usados pelo Estado

para legitimar a garantia dos direitos humanos. Nesse modelo, a vida dos indivíduos entra nos

Page 144: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

141

cálculos governamentais e mesmo na racionalidade econômica do Estado. Quanto a isso

Foucault afirma que a “humanidade é o nome respeitoso dado a essa economia e a seus cálculos

minuciosos” (FOUCAULT, 2004, p. 77). Portanto, para o filósofo francês o discurso sobre

direitos humanos foi possível em um contexto em que havia uma reconfiguração do poder na

modernidade.

Mesmo com essa crítica de Foucault, isso não significa que os direitos humanos não

tiveram um papel importante nas lutas por justiça de grupos subalternizados. Ainda hoje é

reconhecido o papel que esses grupos exercem na incidência política por igualdade e equidade.

Acontece que, a partir da inserção do discurso dos direitos humanos e da administração dos

corpos pelo poder soberano estatal, a política passou a ser biopolítica. Desse modo, o poder

pode se legitimar e funcionar na sociedade a partir de discursos dos direitos humanos, mas esses

mesmos discursos na biopolítica podem produzir lutas por resistência.

O advento da modernidade não significou que a religião tenha perdido o controle e a

influência sobre os corpos. Entretanto, políticas relacionadas aos corpos como casamento e

modelos de famílias, direitos civis e reprodutivos, criminalização do uso de drogas, entre outras

são referendadas e legitimadas a partir do ordenamento jurídico do Estado; assim, os corpos

estão dentro de uma relação dialética com a lei e, por conseguinte, com o controle e poder. Both

discute a hipótese que “é o discurso dos direitos humanos que contribuiu, a partir de

determinado período, para fazer circular efeitos de poder, cujo papel fundamental é preservar e

cuidar da vida” (BOTH, 2009, p. 111).

A religião não aceita perder esse controle e influência sobre o corpo e por isso há

pressões por parte de determinados grupos religiosos em discussões que envolvem políticas

públicas sobre corpos. Está então aberta a disputa pelo controle e colonização deles, de modo

que isso evidencia a luta pelo poder e controle dos corpos. Essa constatação parece ficar mais

evidente em experiências político-pentecostais. Descontados os interesses particulares que

parlamentares evangélicos possam ter na política, o envolvimento de muitas lideranças

pentecostais em disputas no espaço público talvez seja potencializado em razão da centralidade

que o corpo ocupa na religiosidade pentecostal.

Para Foucault, o exercício do poder moderno se apoia na vida enquanto corpo-espécie,

que também podemos chamar de biopoder. A primeira vez que ele usa o termo biopoder é em

História da sexualidade: a vontade de saber. Nesse texto, ele questiona a ideia de repressão

sexual, principalmente no século XVI (FOUCAULT, 2003). Foucault também revê o papel do

sexo no saber-poder moderno e nos dispositivos que sustentam nossos discursos sobre

sexualidade humana: Sexualidade essa que entra na pauta dos governos sobre políticas do corpo

Page 145: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

142

bem como sobre a regulação da população. Em nosso texto tratamos como sinônimos as

expressões biopoder e biopolítica.

A regulação da vida está na agenda do Estado moderno, de modo que ela entrou nos

cálculos governamentais como possibilidades de um exercício das relações de poder. A vida

está no espaço público e, de certa maneira, ela legitima a existência do Estado na

contemporaneidade. Conforme já citado, para Rousseau o Estado só tem razão de ser se ele for

capaz de cuidar da vida e de sua preservação. A partir disso, pode-se questionar também a ideia

de vida privada. Se o Estado moderno tem a incumbência de cuidar da vida isso remete para a

justificativa de que ele pode exercer influência não apenas na polis, mas também no oikos. O

Estado pode entrar nas casas. Saber o que se passa lá dentro e até mesmo regular como devem

ser as relações vividas entre os que ali moram. Um dos muitos exemplos disso seria um Estado

fiscalizador do núcleo familiar, a fim de averiguar dimensões no interior da casa como proteção

e educação da criança, violência doméstica, entre outras. Desse modo, a vida não fica mais

confinada à esfera privada.

Neste cenário, Foucault afirma que a vida está politizada e estatizada. Em razão dessa

materialidade do corpo pode-se falar de uma performatividade do político centrado nos

processos de controle do indivíduo. No que diz respeito à biopolítica, até processos biológicos

como quem nasce, como nasce, onde nasce ou quem morre e quando morre são regulados

mediante os aparatos jurídicos do Estado; logo, são incorporados às preocupações do poder.

Para Foucault até o fim do século XVIII essas questões não eram centrais na política. De acordo

com o filósofo francês é justamente no final de século que há o surgimento da biopolítica, que

emerge no contexto dos países do capitalismo industrial. Desse modo, esse tipo de exercício de

poder nasce a partir da aglomeração de pessoas. O crescimento demográfico acarretou tensões

nessas grandes cidades e se tornou um desafio político. Por isso, foi preciso estabelecer

dispositivos de controle.

No final do século XVIII, as revoltas camponesas entraram em regressão,

acalmam-se em consequência da elevação do nível de vida dos camponeses e

a revolta urbana torna-se cada vez mais frequente com a formação de uma

plebe em vias de se proletarizar. Daí a necessidade de um poder político capaz

de esquadrinhar esta população urbana (FOUCAULT, 2004, p. 86).

Desse modo existe uma relação entre capitalismo e o surgimento da biopolítica, de modo

que nessa nova ordem econômica novas formas de controle social são necessárias, pois “esse

biopoder, sem dúvida, foi elemento indispensável ao desenvolvimento do capitalismo, que só

pode ser garantido à custa da inserção controlada dos corpos no aparelho de produção”

Page 146: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

143

(FOUCAULT, 2003, p. 32). Muito embora Foucault estabeleça a modernidade como o período

em que a biopolítica emerge, ele reconhece que sua origem é mais antiga. Ele faz uma

genealogia da biopolítica e vê no poder pastoral suas origens mais remotas. O pastor têm

responsabilidades pelo cuidado do coletivo e também de cada membro de forma individual. No

período da Reforma, parece ter ressurgido na qualidade do pastor que cura as almas. Para

Foucault esse paradigma teológico-pastoral de cuidado do coletivo e do individual estaria na

origem do Estado moderno e da biopolítica.

Se a defesa dos direitos humanos é também a defesa da vida, significa dizer que os

direitos humanos, enquanto discurso, dão legitimidade ao Estado na sua forma biopolítica. A

Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão afirma no segundo artigo: “A finalidade de

toda associação política é a conservação dos direitos naturais imprescritíveis do homem”; o que

abriu o caminho para uma gestão normalizadora do Estado (BOTH, 2009, p. 143). Foucault

(2003) fez uma crítica às Constituições que receberam influência da Revolução Francesa, tendo

em vista que elas servem para fundamentar a biopolítica do Estado normatizador. Sendo assim,

a vida passa a ser estatizada.

Quanto à politização da vida, Slavoj Zizek (2012b) faz uma análise da lei aprovada na

França que proíbe que mulheres usem a burca na rua e em locais públicos. A lei prevê multa de

até 750 euros para quem desobedecê-la. Na defesa da referida lei o então presidente Nicolas

Sarkozy dizia que o uso da burca era contra a cultura francesa. Outro argumento tinha como

base a dignidade e os direitos humanos, pois se dizia que as mulheres mulçumanas que cobriam

os seus rostos eram oprimidas pelo machismo e eram consideradas inferiores aos homens. Esse

é um dos muitos exemplos de um modelo de Estado que controla e normatiza os corpos.

Entretanto, criticar a biopolítica não significa abandonar a luta pelos direitos humanos, mas os

projetos de resistência social por dignidade humana podem se dar para além das normatizações

e aparatos jurídicos do Estado e do biopoder. Dessa forma, os direitos humanos seriam esse

espaço discursivo construído a partir dos corpos precarizados, mas não necessariamente

normatizados.

A filósofa Judith Butler (2015a) também percorre esse processo da biopolítica ao

analisar o poder de Estados sobre os corpos. Os refugiados, por exemplo, são corpos que entram

nos cálculos dos países europeus, os quais estabelecem cotas para os países da União Europeia.

Desse modo, o Estado faz demarcações de quais vidas são “vivíveis” e quais são descartáveis.

Butler faz essa discussão também a partir de certas práticas do neoimperialismo estadunidense,

como, por exemplo, as práticas de tortura em Guantánamo. Ali, inclusive, é o Estado quem

decide quais vidas merecem pranto e aquelas que não podem ser lamentadas. Desse modo,

Page 147: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

144

Butler diz que as vidas descartáveis não mereceriam pranto e luto; isso tudo determinado pelo

biopoder do Estado.

A própria tortura como política de Estado é o ente público quem decide quais são os

corpos dissidentes. Para Butler (2015a) esses processos são reforçados pela mídia que escolhe

as informações que devem ser veiculadas e aquelas que devem escondidas sobre guerras e

mortes. Para isso ela propõe que construamos novas maneiras públicas de olhar e escutar, as

quais mudem nossas percepções a respeito da precariedade dos corpos e nos levem a questionar

as interpretações dominantes. A filósofa estadunidense destaca os poemas que foram escritos

pelos prisioneiros de Guantánamo, que refletiam uma cultura poética de crítica ao poder do

Estado.

Agamben (2012a), diferente de Foucault, não pontua o final do século XVIII como o

nascimento da biopolítica. Ele discute o biopoder a partir da teoria política de Aristóteles, para

quem o homem, como qualquer outro ser vivo é Zoé – uma vida nua, uma mera existência

biológica. Todavia, é através da linguagem que o homem tem uma existência política. É no uso

da linguagem que o Zoé torna-se Zoé a politikon Zôon, que consiste num animal político que

lhe possibilita a biopolítica (uma vida política). Cabe ao Estado a inclusão da vida biológica

nas políticas públicas, tendo em vista que a pólis, enquanto criação racional é teleológica, de

modo que sua existência é garantir o bem viver.

Na interlocução que Agamben faz com Foucault ele também discute os dispositivos do

poder e como a vida natural entrou nos cálculos do Estado. O filósofo italiano também dialoga

com Hannah Arendt que além do conhecido texto As origens do totalitarismo também foi autora

de um Projeto de pesquisa sobre os campos de concentração (AGAMBEN, 2012a), onde

aborda a dominação total do homem, que seria um dos argumentos que atestam que a política

moderna se transformou em biopolítica. A partir do diálogo com Foucault e Arendt, Agamben

amplia o debate sobre a íntima simbiose da vida nua com a política moderna.

Agamben também dialoga com o pensamento político-teológico de Carl Schmitt para

quem o soberano tem o poder de decisão sobre o estado de exceção. De acordo com Agamben

o soberano também tem o poder de legislar sobre o caos social e avaliar se a vida em sociedade

está dentro dos critérios de normalidade (AGAMBEN, 2012a). Enquanto detentor do poder de

exclusão-inclusão o soberano legisla sobre o caos social, identifica a vida nua e dá-lhe

existência política. Os indivíduos com vida nua não são cidadãos, pois foram reduzidos à mera

existência biológica. São, portando, homo sacer (AGAMBEN, 2012a), entregues a situações de

abandono. Sendo assim, para “fugir” dessa condição de abandono o indivíduo precisa se

submeter ao biopoder. Essa sujeição ao Estado moderno faz com que “o soberano entre em

Page 148: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

145

simbiose cada vez mais íntima não só com o jurista, mas também com o médico, com o cientista,

com o perito, com o sacerdote” (AGAMBEN, 2012a, p. 119) e, desse modo, amplia-se o

controle social sobre os corpos.

Nas democracias modernas o corpo é um sujeito político, de modo que ele ganhou

centralidade nesse novo contexto político-jurídico. Dessa forma, quando falamos em direitos

humanos, eles estão subordinados ao Estado. A própria expressão direitos já remete para a

dimensão de aparatos legais que normatizam políticas sobre a vida humana. Agamben faz

críticas à “judicialização” da dignidade humana a partir das declarações de direitos.

Mas é chegado o momento de cessar de ver as declarações de direitos como

proclamações gratuitas de valores eternos metajurídicos, que tendem (na

verdade sem muito sucesso) vincular o legislador ao respeito pelos princípios

éticos eternos, para então considera-las de acordo com aquela que é a sua

função histórica real na formação do moderno Estado-nação (AGAMBEN,

2012a, p.124).

De modo algum, Agamben critica a ideia de direitos humanos, mas sim certo excesso

em atribuir ao Estado a preservação e a decisão sobre os corpos. O filósofo italiano acredita que

as declarações dos direitos representaram a transição da soberania de ordem divina para a

soberania nacional; a vida nua ao nascer, passa a ser um “cidadão” e por conta disso está sujeita

ao biopoder.

Diante dessas reflexões, precisamos perguntar: A forma como o Estado moderno

assumiu a biopolítica, unida à centralidade do corpo na Constituição de 1988 é um facilitador

para a incidência política do pentecostalismo que também entra no espaço político e nas

relações do biopoder? A resposta para uma questão como essa demandaria outra pesquisa e, por

isso, não temos espaço aqui para aprofundamentos sobre esse questionamento. Mesmo assim,

acreditamos que a centralidade e o controle da vida pelo Estado brasileiro abre caminho ou faz

do corpo um espaço de poder e conflito, tendo em vista que a maneira como os corpos se movem

pela democracia são regulados pelo biopoder; essas regulações do Estado não dão conta de

incluir as muitas pluralidades e identidades na sociedade e essa é uma das razões pelas quais há

conflitos na esfera pública relacionados aos corpos. Reconhecemos que não é apenas o Estado

ou religião que estão inseridos nesse processo. O capitalismo também é um “ente”, talvez o

mais poderoso que deseja colonizar os corpos.

Tendo em vista que as expressões políticas pentecostais tiveram uma dimensão do

biopoder eles perderam seu potencial kairótico e messiânico de mudar de maneira qualitativa o

tempo profano. Em 1930-1945 os corpos “giravam numa ciranda profética” na tentativa de

Page 149: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

146

descolonizar seus corpos de valores culturais e econômicos. Esses corpos político-proféticos

pentecostais protestavam contra certas estruturas de injustiça; como analisamos, os corpos das

mulheres em experiências de êxtase poderiam ser formas disfarçadas de vencer o machismo; as

formas de ascetismo e distanciamento do “mundo” eram corpos que se recusavam a viver a

partir de certos valores culturais, sociais e econômicos. No segundo período pesquisado, a partir

da atuação de parlamentares pentecostais na Assembleia Nacional Constituinte, os corpos

parecem querer controlar outros corpos; eles fazem o caminho oposto do primeiro período:

querem no segundo não libertar, mas controlar e em razão disso há uma dimensão de biopoder

nessas práticas políticas pentecostais.

Não queremos dizer com isso que durante o período 1978 a 1988 não havia dimensões

proféticas e kairóticas no pentecostalismo brasileiro. Muito pelo contrário. Pelas muitas igrejas

espalhadas pelo país os corpos pentecostais ainda ansiavam por dignidade, até porque a maioria

das mulheres e homens de pertença pentecostal pertencia às camadas mais pobres da sociedade

brasileira e ainda estavam circunscritas em experiências de êxtase e discursos escatológicos.

Mesmo assim, em razão dos anseios por visibilidade pública parece haver certo esvaziamento

de dimensões proféticas em relação ao movimento da década de 1930.

Defendemos aqui a tese de que desde o primeiro período pesquisado as mulheres e

homens de pertença pentecostal não eram apolíticos. Mas ao analisar e comparar os dois

períodos a partir das temporalidades chronos, aiôn e kairos percebemos que o movimento

pentecostal do primeiro tem dimensões político-proféticas mais amplas. Em ambos os períodos

são corpos políticos, mas no segundo são corpos políticos em relação com o biopoder.

Acreditamos que as referidas dimensões político-proféticas do primeiro período podem ser

paradigmáticas para se pensar uma ética político-teológica a partir de um princípio pentecostal.

Pretendemos aprofundar esse tópico no capítulo final da pesquisa.

5.5 CONCLUSÃO

Quando comparamos os períodos 1930-1945 e 1978-1998 há significativas mudanças

na relação do assembleianismo com a política no Brasil. No primeiro, apesar das vinculações

quase inexistentes com a política partidária, o assembleianismo foi caracterizado por práticas

político-proféticas que não encontramos a partir da atuação de parlamentares na Assembleia

Nacional Constituinte. Em razão disso, não conseguimos incluir o pentecostalismo dentro de

Page 150: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

147

um quadro sobre presença pública da religião. Pensamos que as iniciativas de inserção do

espaço público estiveram mais relacionadas com anseios de visibilidade pública da religião.

Chamou-nos a atenção as reconfigurações pelas quais passaram os discursos

escatológicos. Se no primeiro período, as concepções escatológicas emergiam a partir de

situações de exclusão e marginalização social, no segundo o discurso escatológico se tornou

imperializado. Dessa forma, no primeiro período o assembleianismo tem certas proximidades

daquilo que Boaventuta de Souza Santos chamou de “globalização contra-hegemônica”. Ao

passo que, durante a década de 1980, o assembleianismo tende a se alinhar a propostas

hegemônicas.

O biopoder se tornou um elemento determinante em expressões político-pentecostais

durante o segundo período. Tendo em vista que o pentecostalismo tem no corpo a sua

centralidade, outros corpos passam a ser um espaço de disputa e poder no espaço público a

partir da atuação de parlamentares ligados às Assembleias de Deus. No primeiro período, os

corpos políticos pentecostais criticavam e demonstravam seu descontentamento popular fora da

biopolítica e por causa disso houve dimensões proféticas de maior amplitude em relação ao

segundo período.

Page 151: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

148

6 PENTECOSTALISMO É/E POLÍTICA: A BIOPOTÊNCIA DAS

MARGENS

6.1 INTRODUÇÃO

O pentecostalismo no Brasil é desde suas origens uma religião de subalternos. Desse

modo, suas crenças e práticas circularam a partir das margens. Alí, o movimento se dinamizou

e foi um polo de novas formas de cooperação e sociabilidade. Portanto, uma biopotência

emergiu a partir de corpos, lugares e saberes subalternos. Nesse contexto, narrativas políticas

ganharam força mediante crenças e práticas pentecostais. Portanto, não há como falar de um

apoliticismo, pois o assembleianismo sempre viveu numa zona limítrofe entre pentecostalismo

e política, pois podemos dizer que pentecostalismo é política.

Iniciaremos este capítulo com uma discussão a respeito dos processos de subalternidade,

de modo que as Assembleias de Deus foram constituídas a partir de corpos subalternos. Estes

não podem falar. São invisibilizados e silenciados nos processos sociais e muitas e muitos deles

encontraram no pentecostalismo possibilidades de empoderamento. Veremos isso também a

partir de artigos do jornal Mensageiro da Paz. As expressões pentecostais foram vividas em

lugares marginais, que chamaremos aqui de espaços subalternos pentecostais. Tendo em vista

que eram corpos subalternos em lugares subalternos seus saberes e maneiras de perceber a

realidade também foram invisibilizados e subalternizados.

Entretanto, veremos que nesses espaços marginais surgiu uma biopotência que é o poder

da vida. Ali, doutrinas como a pneumatologia e a escatologia foram como fio condutor de

arquétipos políticos. A primeira crença favoreceu novas maneiras de afetação, enquanto que a

segunda foi um instrumento pelo qual homens e mulheres excluídos resistiram e criticaram

autoridades e modelos hegemônicos. Mais uma vez, recorreremos ao jornal Mensageiro da Paz

para ilustrar essas nossas assertivas.

Page 152: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

149

Discutiremos a biopotência num contexto pentecostal, relacionando-a primeiramente ao

período 1930-1945 e veremos como ela configurou práticas e mentalidades a fim de garantir

dignidade humana a homens e mulheres que se convertiam nas ADs. Encerraremos o capítulo

com uma discussão a respeito das implicações dos processos que levaram os pentecostais no

período 1978-1988 a desejarem sair das margens para o centro.

6.2 PODEM OS SUBALTERNOS FALAR?

6.2.1 Corpos Subalternos Pentecostais

Durante todo o período de 1930 a 1988 em que analisamos a posição e ação política das

Assembleias de Deus, a referida denominação pentecostal foi constituída, em sua maioria, de

pessoas subalternas da sociedade brasileira27. As denominações pentecostais preencheram um

vazio social e nelas homens e mulheres pobres buscaram dignidade. Veremos mais adiante que

muitas das narrativas e crenças pentecostais são concebidas a partir de arquétipos políticos, ou

seja, realidades e modelos mentais que se relacionam com determinadas doutrinas. Acreditamos

também que expressões como os pentecostais eram/são apolíticos funcionam como semânticas

que reforçam processos de invisibilidade e subalternidade.

Para a autora indiana de teorias do pós-colonialismo Gayatri Chakravorty Spivak

(1988), o subalterno não é apenas uma palavra para definir o oprimido, mas representa aquelas

e aqueles que não conseguem lugar num contexto excludente, de modo que os subalternos são

todas e todos que não podem falar. Historicamente no Brasil, os grupos subalternos não tiveram

voz nem representatividade em razão de seu status social. Desse modo, subalternidade está

relacionada com processos de silenciamento e invisiblidade. Já se sabe que as Assembleias de

Deus no Brasil cresceram a partir da adesão de pessoas cujos corpos eram, na maioria, pobres,

negros e femininos.

Nos espaços pentecostais esses corpos subalternos podiam romper com processos de

silenciamento, ao passo que conquistavam empoderamento discursivo. Por isso, questionamos

a afirmação que os assembleianos eram apolíticos e desprezavam o mundo em razão de seu

27 Nos últimos anos parece haver um processo de ascensão social entre homens e mulheres de pertença pentecostal,

principalmente nos atributos renda e educação. Em recente pesquisa Gedeon Alencar (2014) analisou o

crescimento do número de assembleianos nas universidades brasileiras e o impacto disso no modelo de ser

pentecostal.

Page 153: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

150

discurso escatológico. Essses corpos pentecostais subalternos eram marginalizados e

silenciados. Estavam muito longe de conseguir protagonismo na esfera pública brasileira. Desse

modo, as dimensões política e crítica dos pentecostais eram canalizadas e exteriorizadas a partir

de suas narrativas, corpos, crenças, experiências e em práticas de culto da comunidade. O falar

não depende da vontade do subalterno, pois ele não pode falar. Entretanto, na comunidade

pentecostal todas e todos podiam de alguma maneira falar.

Spivak questiona se os subalternos podem falar numa sociedade em que esse direito

lhes é suprimido. Acreditamos que a resposta para a pergunta da autora seja negativa, tendo em

vista que os corpos subalternizados são colocados à margem do poder. A partir dessa

constatação vemos com ressalvas a expressão que afirma que os pentecostais negavam o mundo,

pois pensamos que essa semântica camufla processos de subalternidade e exclusão social em

que homens e mulheres pentecostais estiveram envolvidas e envolvidos. Portanto, acreditamos

que o discurso escatológico não negava o mundo, mas negava um tipo de mundo injusto e

excludente. Nesse contexto, mediante as narrativas escatológicas os pentecostais adquiriram

empoderamento discursivo para criticar e resistir a esse tipo de mundo.

No caso da mulher, por exemplo, como sujeito subalterno ela é colocada na sombra e

como tal é silenciada. Nas ADs as mulheres encontraram um espaço de enunciação de modo

que lhes foi garantido um lugar de discurso. Desde a década de 1930 que temas como o papel

da mulher na Igreja bem como sua ordenação ministerial são discutidos nas ADs. Apesar das

raras excessões, a consagração de pastoras sempre foi rejeitada nas reuniões convencionais.

Entretanto, desde as origens do pentecostalismo no Brasil as mulheres têm seus espaços

discursivos, ainda que com ambiguidades.

Em 1930, quando ocorreu a primeira Convenção Geral das Assembleias de Deus a

missionária Frida Vingren recebeu uma série de restrições ao seu ministério. Há tempos que ela

já exercia trabalhos ministeriais. Seu marido Gunnar Vingren relatou que “durante a minha

enfermidade, a minha esposa, junto com os obreiros da Igreja, tem assumido a responsabilidade

pela obra” (VINGREN, 1982, p. 56). Mesmo depois da reunião da Convenção ela continuou

sua atuação como redatora do jornal Mensageiro da Paz e usou aquele espaço para se manifestar

contra as decisões que restringiam o ministério feminino. Cinco meses depois da primeira

Convenção Geral, Frida escreveu um texto “Chamado de Deus” mobilizando suas tropas:

Despertemo-nos, para atender o chamado do Rei, alistando-nos nas suas

fileiras. As irmãs das “assembleias de Deus”, que igualmente, como os irmãos

têm recebido o Espírito Santo, e portanto, possuem a mesma responsabilidade

de levar a mensagem aos pecadores precisam convencer-se que precisam fazer

Page 154: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

151

mais do que tratar dos deveres domésticos. Sim, podem também, quando

chamadas pelo Espírito Santo, sair e anunciar o Evangelho. Em todas as partes

do mundo, e especialmente no trabalho pentecostal, as irmãs tomam grande

parte na evangelização. Na Suécia, pais pequeno com cerca de 7 milhões de

habitantes, existem um grande número de irmãs evangelistas, que saem por

toda parte anunciando o Evangelho, entrando em lugares novos e trabalhando

exclusivamente no Evangelho. Dirigem cultos, testificam e falam da palavra

do Senhor, aonde há uma porta aberta. (Os que estiveram na convenção em

Natal e ouviram o pastor Lewi Pethrus falar desse assunto sabem que é

verdade). Por qual razão, as irmãs brasileiras hão de ficar atrasadas? Será, que

o campo não chega, ou que Deus não quer? Creio que não. Será falta de

coragem? Na “parada das tropas” a qual teve lugar aqui no Rio, depois da

revolução, tomou também parte, um batalhão de moças do estado de Minas

Gerais, as quais tinha se alistado para a luta (MP, 1º de fevereiro de 1931, p.

6).

O percurso de Frida e de outras mulheres pentecostais migrantes poderia se enquadrar

em metanarrativas como é o caso da personagem Macabéa de Clarisse Lispector em A Hora da

Estrela. Como se sabe, Macabéa migrou do Nordeste com destino ao Rio de Janeiro, tendo ido

morar no bairro de São Cristóvão; seu objetivo era o de fugir da miséria e alcançar melhores

condições de vida. Após atravessar uma série de dificuldades, Macabéa morreu atropelada por

um automóvel Mercedes e naquele momento virou o centro das atenções e conheceu sua hora

da estrela. Naquele momento ela deixou de ser invisível, mesmo sendo uma experiência

ambígua e de morte. As mulheres pentecostais também experenciaram seus momentos de a

hora da estrela. Quando seus corpos entravam em experiências de êxtase ou usavam a palavra

para testemunhar ou pregar elas rompiam por um momento os processos de invisibilidade. Eram

vistas e notadas como alguém, pois ali, naquele espaço pentecostal, a subalterna falava.

O corpo negro-africano também encontrou no pentecostalismo um espaço de superação

dos processos de invisibilidade e subalternidade. A sociedade brasileira é hierarquizada e

racializada, de modo que

significante chave da diferença cultural e racial no estereótipo é o mais visível

dos fetiches, reconhecido como conhecimento geral de uma série de discursos

culturais, históricos e políticos, e representa um papel público no drama racial

que é encenado todos os dias nas sociedades coloniais (BHABA, 1998, p.

121).

Frantz Fanon (2008) em Pele negra, máscaras brancas analisou como um negro se

comporta no mundo dos brancos, na medida em que ele se vê obrigado a assumir características

da branquitude. Quando os muitos negros e negras do Brasil fizeram opção pelo

pentecostalismo eles viram no movimento um espaço onde poderiam vivenciar dimensões de

Page 155: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

152

sua negritude? Acreditamos que sim. Essa identidade negra foi vivenciada na dimensão

corporal, seja através das experiências de êxtase ou das expressões musicais. Além disso, a

oportunidade que tiveram de usar a palavra também lhes deu empoderamendo discursivo. Desse

modo, acreditamos que os corpos pentecostais rompiam processos de silenciamento e

invisibilidade e vimos nessas experiências dimensões políticas.

O discurso de que pentecostais eram apolíticos parte do pressuposto de que eles não

quiseram participar dos processos políticos, mas não de que eles não puderam. O assembleiano

Manoel da Conceição Santos é um dos muitos exemplos de pentecostais que quiseram falar,

mas como sujeitos subalternos não podiam e por isso foram silenciados e invisibilizados nos

processos sociais. Além de subalterno, como já visto em nosso trabalho, Manoel também falou

a partir de espaços marginais. Faremos essa análise a seguir.

6.2.2 Espaços Subalternos Pentecostais

Pentecostalismo é uma religião das margens, tendo em vista que foi constituída de

grupos subalternos que ficavam distantes de prospostas culturais hegemônicas e saberes

racionalistas. Entretanto, esse sujeito pentecostal pôde reelaborar sua experiência e fazer das

margens um polo criativo de novos sentidos para a vida e a existência. É estabelecida uma

relação entre os marginalizados e suas crenças a fim de superar a exclusão. Nesse contexto, a

lógica da inércia e alienação é rompida, pois essa relação entre as margens e o imaginário

religioso é potencializadora. Doutrinas do pentecostalismo como ser cheio do Espírito e ser

batizado com o Espírito Santo reforçam a ideia de que se foi transformado e agora se vive numa

nova dimensão e de que é preciso avançar, crescer, desenvolver.

Os marginalizados sentiam-se excluídos pelas classes dominantes, mas escolhidos por

Deus. Isso potencializa um processo dinâmico que faz andar para frente, mudar de vida. A

experiência de ser batizado com o Espírito Santo nos espaços pentecostais estava longe de ser

individual e pessoal; ela tinha que ser partilhada. Não importava se era homem, mulher, velho,

jovem, criança, líder ou leigo. A experiência precisava ser vivida e comungada por toda a

comunidade. Essa dimensão é uma das principais características da teologia pentecostal. Se os

espaços sociais eram marcados pela desigualdade e hierarquização, nas margens os pentecostais

estabeleciam novos parâmetros de convivência humana. Essas novas relações aconteciam para

Page 156: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

153

além da rigidez litúrgica e ênfases doutrinárias e dogmáticas. Há, portanto, dimensões político-

sociais nesses espaços subalternos pentecostais.

Ainda nesse espírito de unidade na diversidade, no início de 1946 há um inusitado artigo

publicado no jornal Mensageiro da Paz intitulado “Mensagem do Conselho Mundial de

Igrejas”, escrito por Charles W. Clay, então Secretário Geral de Ação Social da Igreja

Metodista:

O Conselho Mundial de Igrejas, representando 93 Igrejas em 29 países, por

meio de sua Comissão Provisória, na sua primeira reunião depois da Guerra

Mundial, pronunciou recentemente a segunda mensagem que julgamos de

interesse aos evangélicos do Brasil: Um dever especial é colocado sobre as

Igrejas de ajudarem as nações a escolherem o caminho da vida. Os cristãos

são chamados a serem o sal da terra e a luz do mundo. A eles é entregue o

ministério da reconciliação. Nós mesmos damos graças a Deus pela nossa

comunhão ecumênica em Cristo (MP, n. 18, p. 2, 1946).

Consideramos que a publicação dessa mensagem do CMI revela anseios por unidade

dos cristãos no período posterior à Segunda Grande Guerra; isso nos parece ser um indicador

de que o pentecostalismo desse período tinha como uma de suas principais características a

inclusão do diferente.

Nos lugares de marginalização, a experiência é a chave hermenêutica e a efusão do

Espírito promove o nivelamento de posições sociais. Assim, há um enfraquecimento de

hierarquizações e mediações eclesiásticas e desse modo homens e mulheres podiam romper

com processos de invisibilidade. Não queremos dizer com isso que esse espaço pentecostal

fosse isento de tensões oriundas de certas disputas. Todavia, esse lugar de marginalização e

subalternidade atraiu pessoas invisibilizadas, pois a comunidade pentecostal lhes confería

empoderamento discursivo e sentimento de superação dos processos de exclusão social.

Portanto, acreditamos que esses espaços subalternos pentecostais também tinham sua dimensão

política.

Os espaços subalternos e marginalizados eram compreedidos no pentecostaismo como

experiências limiares e que em breve seriam mudadas. Walter Benjamin discutiu a ideia de

limiar, que está relacionada com os ritos de passagem, mudança, transição (BENJAMIN, 2006).

O limiar indica um tempo intermediário e segundo o autor as sociedades contemporâneas vivem

na escassez de experiências limiares. Essas experiências são encontradas nos grupos

milenaristas, onde a dimensão temporal se espacializa e representa a passagem para outro tipo

de mundo. Logo, os grupos subalternos milenaristas vivem no limiar ao mesmo tempo em que

vivem na fronteira “que é também o lugar da elaboração de uma residual concepção de

Page 157: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

154

esperança, atravessada pelo milenarismo da espera no advento do tempo novo, um tempo de

redenção, justiça, alegria e fartura. O tempo dos justos” (MARTINS, 2014, p. 10).

6.2.3 Saberes Subalternos Pentecostais

Os saberes subalternos são excluídos, omitidos, silenciados, e/ou ignorados

(MENESES; SANTOS, 2010). Como movimento de crítica à razão moderna o pentecostalismo,

num processo de criatividade nas margens criou outras formas de percepção da realidade, outros

saberes. Todavia, esses saberes pentecostais não foram e ainda não são considerados como

válidos. O discurso de que os pentecostais não têm teólogos nem teologia é um tipo de narrativa

que desqualifica e oculta saberes pentecostais, tendo em vista que eles não são produzidos no

centro, mas nas margens.

No que diz respeito à teologia pentecostal, ela foi e é invisibilizada porque foi concebida

por corpos subalternos em espaços subalternos. Os que negavam a formação teológica formal

e diziam que ela esfriava o crente talvez resistissem às categorias modernas/europeias de

produção de conhecimento. Esses pentecostais preferiam seus saberes subalternos que eram

concebidos em espaços subalternos e esses lugares de marginalização eram um polo

potencializador de conhecimento e de novas formas de se perceber a realidade. Pensamos que

isso é uma postura crítica e até mesmo uma resistência a saberes coloniais. No que diz respeito

a esse outro tipo de conhecimento pentecostal a editoria do jornal Mensageiro da Paz afirmou:

Muitos confundem o conhecimento intellectual, o preparo teológico e o vigor

phsico com o poder do Espírito Santo; assim preparam-se com certas armas,

e julgam-se promptos para enfrentar todas as luctas espirituaes. Entretanto, o

poder e a plenitude do Espírito Santo não dependem desse conhecimento e

não têm nenhuma relação com o mesmo (MP, n.11, p. 6, 1933).

Desse modo, o fazer teológico pentecostal é constituído a partir de uma transversalidade,

onde toda a comunidade participa. Essa teologia narrativa pentecostal tem cores, tons e cheiros

diferentes, pois é concebida a partir da realidade da vida concreta e do cotidiano. Nesse

contexto, a pneumatologia foi um elemento primordial para que novos saberes fossem

concebidos.

Reconhecemos que se passaram décadas para que as principais lideranças das

Assembleias de Deus reconhecessem a importância da reflexão teológica em instituições

próprias de ensino. Mas esse adiamento pode ter sido movido pelo receio de que o saber

Page 158: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

155

pentecostal que era produzido e potencializado nas margens perdesse sua dimensão criativa,

participativa e profética. O fenômeno atual em que milhares de pentecostais procuram formação

teológica em instituições de ensino credenciadas pelo MEC talvez seja um sintoma de que

muitos deles já saíram ou desejam sair das margens.

6.3 ARQUÉTIPOS POLÍTICOS EM MENTALIDADES PENTECOSTAIS

Temos defendido a tese de que desde 1930, que é o início do recorte histórico de nossa

tese, há posição e ação política nas ADs. Portanto, questionamos a afirmação do apoliticismo

pentecostal. Não apenas há as referidas posições e ação, como elas podem ser indicadoras de

como mulheres e homens de pertença pentecostal eram políticos. Tanto narrativas como crenças

pentecostais circulam a partir de arquétipos, dentre os quais destacaremos aqui os políticos, a

partir da contribuição de Agamben.

6.3.1 Dimensões Míticas da Política

Agamben (2012b) discute duas teses a respeito da relação entre religião e política: (i) o

Estado moderno está fundamentado em conceitos teológicos secularizados e (ii) a teologia

incorporou conceitos políticos teologizando-os. Desse modo há uma relação de simbiose entre

religião e política, cujos limites entre elas nem sempre são bem compreendidos. Em sua análise

Agambem discorre que desde as monarquias medievais até os governos do Estado moderno a

liturgia eclesiástica e o protocolo profano estão interligados. Com o advento da modernidade a

crença na soberania divina foi transferida para o Estado, de modo que este conceito teológico

foi secularizado. Todavia, isso não significa que esse e outros conceitos teológicos foram

eliminados do imaginário político. Portanto, o governo é poder e glória. Agamben faz uma

análise sobre o culto e a política.

Agamben (2012b) faz uma extensa análise sobre a doxologia angelical da Idade Média

e em que medida ela foi incorporada na estrutura e funcionamento do Estado. Os anjos têm uma

dupla função: a contemplativa, que são aqueles que assistem a Deus; e a função administrativa

que está relacionada com atividade, governo. São esses últimos que têm a função ministerial,

Page 159: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

156

os quais estão circunscritos numa cadeia hierárquica de comando na angelologia. Sendo assim,

fica estabelecida uma burocracia angelical, com divisões definidas a partir de graus de força e

poder. Logo, estabeleceu-se um paralelismo entre a hierarquia celeste e hierarquia terrena,

tendo como arquétipo a economia trinitária de operação e governo. Há, portanto,

correspondência entre a burocracia da máquina governamental com a angelologia. É

estabelecida, então, a ideia de um poder sagrado, cuja influência perpassa o reino celestial e as

nações da Terra.

Nesse contexto, os seres angelicais têm a função de publicizar o senhorio político-

religioso do Cristo, publicidade esta manifestada mediante o culto de louvor angelical. Com

efeito, há politicidade na liturgia dos anjos, que são ministros de Deus. Assim, os homens só

alcançam sua cidadania celeste se tomarem parte com os anjos no culto a Deus. Nesse culto de

louvor exalta-se sua soberania e majestade e atributos como a santidade funcionam para

demonstrar a perfeição divina.

O governo para Agamben não é apenas poder, mas é também glória, pois há relações

entre o cerimonial político e a liturgia eclesiástica. Ele faz essa discussão a partir do conceito

de aclamação, que esteve presente tanto nas doxologias angelicais como no aparato litúrgico-

jurídico do império romano. Esse aspecto da liturgia também estaria presente no Estado

moderno, no momento em que é dado ao povo o uso deliberativo da aclamação e da palavra a

fim de legitimar governos. Isso se daria mediante dispositivos democráticos como as eleições,

referendo popular, plebiscito e outras formas de democracia direta que dão ao sujeito soberano

seu poder constituinte.

Há no Novo Testamento termos políticos empregados para se referir à Igreja. Um

exemplo seria o vocábulo ekklesia, que está relacionado com “assembleia dos cidadãos com

pleno direito” (AGAMBEN, 2012b, p. 161). Agamben sugere que o trecho de Hebreus 12.23

“inscritos no livro da vida” seria mais bem traduzido como “inscritos nas listas dos cidadãos da

cidade celestial”. Nessa transcendência escatológica os anjos e os cidadãos do céu se unirão no

culto a Deus. Ao final da discussão Agamben diz haver correlação entre o culto da igreja celeste,

o culto da igreja terrena e a esfera política. Há arquétipos políticos na religião, assim como há

aquétipos religiosos e teológicos na política.

Acreditamos que expressões usadas nos espaços pentecostais como somos povo de

Deus, somos cidadãos da cidade celeste e aguardamos a Nova Jerusalém são concebidas a

partir de arquétipos políticos. Desse modo, são categorias políticas que foram teologizadas. Em

matéria publicada no jornal Mensageiro o editor afirma: “No dia em que Deus dará o céu a seu

povo, além de ser eterno, tudo será perfeito, bom e agradável” (grifo nosso. MP n. 4, p. 1, 1941).

Page 160: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

157

Em outro editorial fez-se uma paralelo entre o governo terreno e o reino vindouro. Percebe-se

que a descrição da nova morada que estaria preparada para os fiéis é desenvolvidada a partir de

arquétipos e mentalidades políticas.

Os homens que, de alguma maneira aspiram o poder ou o governo de uma

nação, esforçam-se pos mostrar os vistosos programmas, os grandes projectos,

as profundas reformas que têm vista, e a solução dos difíceis problemas que

os assoberbam e os fazem viver preocupados. Assim prometem ao povo

grandes melhoramentos; a este apesar de saber que as promessas que lhes

fazem, quasi nunca são cumpridas, contudo, sentem-se, por vezes,

enthusiasmado e emocionado, ao pensar na probabilidade da melhoria da sua

condição, na estabelização de medidas justas e equitativas (MP, n. 3, p. 7,

1933).

A fala pentecostal sobre esse reino que virá não aconteceu descolada da realidade. Além

disso, a referida fala não é apenas comparação entre o reino terreno e o reino celestial, mas há

uma fusão entre as linguagens e arquétipos que descrevem modelos de nação terrena e celeste.

Quanto a isso o mesmo editorial do jornal Mensageiro da Paz afirmou:

Nesse reino não haverá pobreza; não haverá também injustiça, pois a equidade

e a justiça são a base do Seu throno e um adorno permamente. Não haverá,

também, nesse reino, fracos ou enfermos. Morador algum dirá: `estou

enfrermo`, porque o povo que nelle vae habitar, será, pelo Senhor, absolvido

da sua iniquidade (MP, n. 3, p. 7, 1933).

O povo como categoria política é mencionado em várias ocasiões no jornal. Em uma

delas a editoria afirmou: “O povo christão, entretanto, tem a promessa certa e infalível de um

reino justo, seguro e sábio, o qual, o Senhor dos Senhores o Rei dos reis, dirigirá” (MP, n. 3, p.

7, 1993). O termo “povo significa etimologicamente prestação pública e a Igreja sempre insistiu

em sublinhar o caráter público do culto litúrgico, em oposição às devoções privadas”

(AGAMBEN, 2012b, p. 193). Mesmo que Agamben tenha falado de liturgia a partir do

catolicismo acreditamos que há arquétipos políticos na construção de narrativas e crenças

pentecostais nas margens. Sendo assim, há uma relação entre culto, o público e o político, de

modo que na celebração litúrgica como ato de exclamação os fiéis se constituem povo - que é

uma categoria política. Logo, pentecostais que falam sobre o céu, falam a partir de arquétipos

e mentalidades políticas.

Page 161: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

158

6.3.2 Escatologia e a Crítica à Autoridade Política Hegemônica

Além de questionarmos o discurso do apoliticismo pentecostal, acreditamos que as

narrativas escatológicas do período 1930-1945 estiveram relacionadas com resistência e crítica

social. As referidas narrativas não são a causa de afastamento do mundo da política, mas sim

efeito de processos de exclusão social. Vimos que mentalidades milenaristas foram importantes

em projetos de resistência e crítica social em grupos sociorreligiosos no Brasil. Destacamos no

capítulo inicial de nosso trabalho a escatologia como potencializadora em grupos como os de

Canudos e Contestado.

Acreditamos que as narrativas escatológicas podem ser instrumentalizadas para críticas

a propostas hegemômicas e opressoras. Logo, elas nem sempre estam relacionadas com

alienação, inércia ou fuga da realidade. Discutimos essa temática no capítulo segundo de nossa

tese. Analisaremos aqui alguns outros exemplos de como concepções escatológicas podem

questionar e criticar determinados modelos de Estado e de política.

Walter Benjamin (2013) escreveu um comentário a respeito do texto Die Rettung (O

resgate), da autora alemã Anna Seghers, no qual ela falava sobre a situação dos desempregados

no período do nazismo. Benjamin afirma que “de fato, uma das condições que o nazismo

encontrou para o seu crescimento foi o abalo da consciência de classe a que o proletariado ficou

exposto com o desemprego. O novo livro de Anna Seghers tem a ver com esse processo”

(BENJAMIN, 2013, p. 160). O enredo se desenrola em um povoado, cuja economia girava em

torno de uma mina que foi desativada. Tal situação desencadeou uma série de problemas e

injustiças no povoado.

Para tratar da ascensão do nazismo nesse período, Anna Seghers utilizou a narrativa

apocalítica do Anticristo. O Reino de Deus seria aquela dimensão que traria justiça, paz e

igualdade. Para isso a figura do Cristo teria sido primordial. Todavia, o Anticristo, conforme

descrito em textos escatológicos, é uma imagem inversa do Cristo. Desse modo o Anticristo

como antítese do Cristo, inverte os princípios do Reino de Deus e implanta outro projeto.

Benjamin ao comentar Seghers diz que o nazismo se tornou como o Anticristo, pois inverteu

princípios do socialismo. “Porém, ela é algo como a sua imagem inversa, o aparecimento do

anticristo. Como se sabe, este arremeda a benção que foi anunciada como messiânica. Assim

sendo, o Terceiro Reich arremeda o socialismo” (BENJAMIM, 2013, p. 163). A imagem bíblica

do Anticristo serviu como discurso contrário a um sistema político.

Page 162: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

159

A editoria do jornal Mensageiro da Paz publicou uma matéria em que o autor usou uma

narrativa apocalíptica para representar o fascismo: “Chamo esta noite a vossa attenção para os

dizeres do capítulo 13 do Apocalypse começando com o verso 16. Eu fallarei algo sobre

Mussolini” (MP, n. 1, p. 4, 1992). Nesse artigo, o autor descreve a ascensão do fascismo na

Itália e à sua maneira o relaciona com o Anticristo. Já analisamos no capítulo quarto que isso

também aconteceu durante a Guerra Fria, em que a antiga União das Repúblicas Socialistas

Soviéticas foi relacionada com o Anticristo. Mesmo assim, acreditamos que esse tipo de

narrativa escatológica pode ser um discurso que questiona sistemas políticos hegemônicos.

Em outra matéria publicada no jornal Mensageiro da Paz em que a editoria relacionou

política e escatologia diz que “o tribunal revelará quantos crimes se cometeram em nome da

civilização; quantos males os homens praticaram [...] abusando da posição e autoridade” (MP,

n. 7, p. 6, 1941). Esse tipo de escatologia é importante, tendo em vista que ele desqualifica

determinados modelos políticos. A doutrina de que um Redentor virá impede a formação de

uma autoridade hegemônica. Sendo assim, ela pode ser contestada, pois ela é apenas uma

liderança temporária, que assume em caráter provisório o lugar que de direito pertence ao

messias que virá. Essa espera não é caracterizada por resignação, mas como insatisfação e

recusa do tempo presente. Entretanto, essa recusa do tempo presente não aconteceu nos centros

de poder, mas nos espaços subalternos e nas margens pentecostais.

6.4 PENTECOSTALISMO E A BIOPOTÊNCIA

Conforme já referimos outras vezes, pentecostalismo é uma religião do corpo.

Acreditamos que no primeiro período pesquisado - 1930-1945 - experiências corporais

relacionadas com êxtase e formas de ascetismo tiveram dimensões de empoderamento e

resistência. Desse modo, pode-se falar de uma performatividade política do corpo pentecostal.

Não observamos no período citado relações do pentecostalismo com a biopolítica que diz

respeito ao poder sobre a vida. Já a biopotência é o poder da vida, quando pessoas ou grupos

estabelecem forças contra-hegemônicas na busca pela dignidade humana. Na biopotência os

corpos precarizados resistem aos processos de subalternidade e opressão. Quase sempre, a

referida resistência não acontece a partir de políticas públicas, mas sua força se dá nos espaços

de marginalização.

Page 163: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

160

Em 1930-1945 os projetos de resistência pentecostal não estiveram relacionados com

arranjos e dispositivos do Estado moderno. De acordo com Agamben os pobres e

marginalizados vivem num Estado de permanente exceção (AGAMBEN, 2011), logo eles não

apenas não querem, mas também não podem ascender às instâncias maiores do poder. Nesse

modelo, a vida dos indivíduos entra nos cálculos governamentais e mesmo na racionalidade

econômica. Quanto a isso, o autor diz: “Humanidade é o nome respeitoso dado a essa economia

e a seus cálculos minuciosos” (FOUCAULT, 2002, p. 77).

O sistema de governo na modernidade hibridiza estruturas públicas e privadas a fim de

regulamentar e governar a vida. Além de vivermos num contexto de biopolítica, há também um

biocapitalismo que também disputa o controle sobre a vida. Hardt e Negri (2013) discutem o

processo de vampirização por parte do Império em que ele se esforça para regular e modelar a

vida. Hardt e Negri (2001) já haviam apontado para o fato de que, se vivesse em nossos dias,

Francisco de Assis seria um ativista político. Isso se daria a partir de suas práticas de ascetismo

as quais seriam uma resistência à vampirização do Império. Assim, pensamos que os corpos

pentecostais que se moviam a partir de dimensões ascéticas resistiam a esse biocapitalismo; não

queriam ter seus corpos colonizados.

O poder enquanto intencionalidade e instância de circulação permite a instauração de

proposições morais e filosóficas de controle. Na modernidade as instituições usam dispositivos

legais em seus projetos de disciplina, nas relações de força e nas estratégias de poder. Nesse

contexto, a vida está vinculada de maneira integral a mecanismos de modelação da existência,

controle e permanente monitoramento. Um dos muitos desdobramentos disso é que a

subjetividade foi reduzida ao corpo, com um predomínio da dimensão corpórea na identidade,

que poderíamos chamar de uma bioidentidade. Para usar uma expressão de Foucault (2002) há

nos fluxos das relações políticas uma governamentalidade que não pode ser compreendida

como uma ideologia, mas sim com uma tecnologia de poder. Para Foucault (2002) essa

característica de um Estado que cuida da vida tem na teologia pastoral seu principal paradigma.

A biopotência como poder da vida é uma dimensão presente em espaços pentecostais.

A seguir, faremos uma análise sobre como a pneumatologia potencializou a biopotência, de

modo que pentecostais puderam estabelecer novas formas de sociabilidade oposta aos modelos

de exclusão presentes na sociedade brasileira. O resultado disso foi que espaços pentecostais se

tornaram lugares de promoção da dignidade humana.

6.4.1 Pneumatologia como Potencializadora da Biopotência

Page 164: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

161

Tem-se em vista que os corpos pentecostais viviam em estado de permanente exceção;

eles criaram nas margens novas formas de afetação e sociabilidade. Essas vidas incluíram

sinergia coletiva, cooperação social e subjetiva. Nesse vazio social produzido pelo estado de

permanente exceção as comunidades pentecostais criaram aquilo que poderíamos chamar de

outra micropolítica da governamentalidade com novos modelos de associação e invenção de

novos espaços-tempo. Nesse contexto, a pneumatologia teve papel importante no movimento

pentecostal.

Tanto a escatologia como a pneumatologia podem ser um polo de resistência ao

paradigma teológico-pastoral do Estado moderno. Já discutimos que o referido paradigma é

uma das bases da biopolítica e pode ter contribuído na constituição e funcionamento de Estados

totalitários. Esses sistemas de governos controlam corpos e decidem quais vidas merecem ser

cuidadas. Nesse contexto, já discutimos que a narrativa escatológica pode questionar

autoridades hegemônicas. Vimos que artigos sobre escatologia publicados no jornal

Mensageiro da Paz do período 1930-1945 refletiam a crença no caráter provisório e temporário

de governos e por isso não se depositava neles esperança.

A pneumatologia, vivenciada principalmente nas margens, é potencializadora da

biopotência e de dimensões da democracia. Gunnar Vingren em matéria no jornal recomendou:

“É necessário que demos liberdade ao Espírito Santo, para que Ele opere livremente, seja por

homem ou por mulher” (MP, n. 1, p. 4, 1930). A concepção de que a experiência com Deus não

necessita de mediadores, exceto pela atuação do Espírito Santo, questiona projetos de poder

hegemônicos.

Nesse pentecostalismo inicial a teologia pastoral como cuidado das almas e dos corpos

é fraca em relação à pneumatologia, tendo em vista que os pentecostais rejeitavam a ideia de

um magistério eclesiástico e acadêmico. Todas e todos da comunidade podiam ser cheios do

Espírito Santo o que proporcionou novas formas de afetação e cooperação. Surgiram, então,

nesses espaços marginalizados micropolíticas e novos modelos hierárquicos, menos rígidos

com o objetivo de incluir.

Antônio Carlos Magalhães (2006) aponta perspectivas a partir da pneumatologia: i)

diversidade, pois o Espírito sempre abre novos horizontes, o que potencializa a criatividade nos

espaços marginais; ii) diálogo, tem em vista que a unidade na diversidade é uma das principais

dimensões da pneumatologia; iii) pluralidade eclesiológica, pois ninguém pode absolutizar

dogmas e esquemas doutrinários. Portanto, acreditamos que nos espaços pentecostais questões

Page 165: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

162

relacionadas à classe e raça, por exemplo, foram redimensionadas por essas experiências a partir

da pneumatologia. Todas e todos podiam afetar e ser afetados na comunicabilidade pentecostal.

6.4.2 Pentecostalismo e Dignidade Humana a Partir da Biopotência

As novas configurações comunitárias que surgiram no Brasil a partir do

assembleianismo contribuiriam para uma biotência do coletivo, onde o poder da vida emergia

das experiências, êxtase, ascetismo, cânticos, músicas, testemunhos, culto nos lares e mediante

outras formas de associação e empoderamento da comunidade. Acreditamos que nesses espaços

pentecostais - e nos referimos de maneira mais direta ao período 1930-1945 de nossa pesquisa

-, não se pensou em biopolítica como ferramenta de garantia da dignidade humana. Pudemos

perceber isso ao analisarmos os artigos do jornal Mensageiro da Paz. Aderir ao pentecostalismo

era um convite a novos sentidos para a vida. Portanto, eram corpos excluídos em busca de

dignidade. Quanto a essa biopotência em grupos marginalizados Negri afirma:

A lado do poder, há sempre a potência. Ao lado da dominação, há sempre a

insubordinação. E trata-se de cavar, de continuar a cavar, a partir do ponto

mais baixo: este ponto é simplesmente lá onde as pessoas sofrem, ali onde elas

são mais pobres e mais exploradas; ali onde as linguagens e o sentidos estão

separados de qualquer poder de ação e onde, no entanto, ele existe; pois tudo

isso é a vida e não a morte (NEGRI, 2001, p. 45).

Nas democracias modernas, o corpo é um sujeito político, de modo que ele ganhou

centralidade nesse novo contexto político-jurídico. Dessa forma, quando falamos em direitos

humanos, eles estão subordinados ao Estado. A própria expressão direitos já remete para a

dimensão de aparatos legais que normatizam políticas sobre a vida humana. Agamben tece

críticas à judicialização da dignidade humana a partir das declarações de direitos:

Mas é chegado o momento de cessar de ver as declarações de direitos como

proclamações gratuitas de valores eternos metajurídicos, que tendem (na

verdade sem muito sucesso) vincular o legislador ao respeito pelos princípios

éticos eternos, para então considerá-las de acordo com aquela que é a sua

função histórica real na formação do moderno Estado-nação (AGAMBEN,

2012a, p. 124).

Page 166: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

163

Como já discutimos anteriormente, Agamben parece não criticar a ideia de direitos

humanos, mas parece ver certos excessos em atribuir ao Estado a preservação e a decisão sobre

os corpos. Assim como Foucault, Agamben também acredita que as declarações dos direitos

representaram a transição da soberania de ordem divina para a soberania nacional; a vida nua

ao nascer, passa a ser um cidadão e por conta disso está sujeita ao biopoder.

Boaventura de Souza Santos discutiu a tensão dialética entre o Estado e a sociedade

civil, que seria resultado de disputas de grupos hegemônicos que controlam o Estado e os

demais processos sociais. Para o pesquisador português “a tensão deixa, assim, de ser entre

Estado e sociedade civil para ser entre interesses de grupos sociais que se reproduzem melhor

sob a forma de Estado e interesses e grupos sociais que se reproduzem melhor na sociedade

civil” (SANTOS, B., 2006, p. 435). Há situações em que o próprio Estado infringe princípios

da dignidade humana. Um exemplo: os milhares de jovens negros e pobres que são mortos pela

polícia, instituição que tem a função de ser um aparelho disciplinador dos governos. Essas

tensões e conflitos geram uma série de dificuldades em políticas sobre direitos humanos, pois

nem sempre há correspondência entre os interesses do Estado e a vida que pulsa na sociedade

civil.

Os diversos grupos e movimentos sociais que resistem às políticas hegemônicas e

imperialistas na sua relação com o discurso dos direitos humanos foram denominados por

Boaventura de Souza Santos como globalização contra-hegemônica. Já Antônio Negri e

Michael Hardt (2001) falaram sobre a Democracia da Multidão como forma de resistência ao

biopoder e ao império. A referida contestação acontece a partir da biopotência e não mediante

os aparelhos e dispositivos de poder do Estado. Essas vidas e corpos pedem dignidade humana

a partir da criatividade, coletividade e novas formas de cooperação.

Portanto, questionamos a ideia de apoliticismo pentecostal nas primeiras décadas.

Constituída que era na sua maioria de pessoas subalternas elas encontram nesses espaços

marginalizados maneiras de resistir e não aceitar projetos de humilhação e exclusão social.

Quando a referida denominação pentecostal percebeu que tinha força para exercer ação política

para além do biopotência suas lideranças começaram a ingressar na política partidária.

Entretanto, ainda havia aqueles que preferiram biopotência à biopolítica. O próprio jornal

Mensageiro da Paz, em pleno ano de movimentação das lideranças assembleianas para a

Assembleia Nacional Constituinte, publicou a carta de um leitor que alertava:

Sabemos que até agora a igreja vai indo bem. Um tanto reservada no que tange

à política. Não devemos pensar que será, necessariamente, uma benção termos

representantes junto ao governo. A igreja que se envolveu com política,

tornou-se rica e poderosa, mas corrupta (MP, n. 10, p. 4, 1985).

Page 167: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

164

Houve e ainda há vozes dissonantes nas Assembleias de Deus quando se trata de apoio

às lideranças pentecostais que entram para a política partidária. Essa é apenas uma das

indicações de que não existe homogeneidade tanto no discurso como em práticas políticas no

interior do pentecostalismo. A atuação da congressista Benedita da Silva na Assembleia

Nacional Constituinte, por exemplo, destoou da atuação de outras lideranças pentecostais do

mesmo período. Apesar da heterogeneidade e de vozes dissonantes, percebe-se que esse

processo deu empoderamento aos pentecostais. O grupo que há décadas foi marginalizado se

viu representado em instâncias de poder. Mas, quais foram as implicações da ascensão e

representatividade política de atores pentecostais?

6.4.3 Das Margens ao Centro

Conforme já discutimos em capítulos anteriores, no final da década de 1970 foram

lançadas as bases de um projeto político de caráter mais denominacional das ADs. Vimos que

naquele período o jornal Mensageiro da Paz dedicou vários artigos a respeito da necessidade

de se acompanhar as discussões políticas do país. Também descrevemos e analisamos o

aumento significativo de parlamentares assembleianos no Congresso Nacional Constituinte. A

editoria do jornal Mensageiro da Paz afirmou:

Nossa igreja tem suficiente potencial para colocar um representante em cada

Estado do parlamento. O compromisso da igreja, nesse caso, não pressupõe

um envolvimento político-partidário, pois a nossa segurança está em Deus,

mas representa um esforço da igreja manifestar sua benéfica influência nas

mais altas esferas da vida pública (MP, n. 8, p. 1, 1985).

A ascensão de políticos das Assembleias de Deus no Brasil difere da ascensão de

políticos das Assembleias de Deus nos Estados Unidos. A AD estadunidense, ao contrário da

brasileira é, historicamente, branca e mais elitizada. Logo, não podemos falar que esse

assembleianismo foi potencializado a partir das margens. Quando lançaram candidaturas suas

pautas políticas no Congresso norte-americano tiveram como eixo central questões morais e

conservadoras. Conforme analisamos no capítulo anterior, a agenda de congressistas

assembleianos também esteve relacionada com questões morais e conservadoras, mas há

diferenças em relação às ADs estadunidenses.

Page 168: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

165

Parte considerável de assembleianos eleitos no Congresso Nacional Constituinte na

década de 1980 era oriunda das margens. A Benedita da Silva é um exemplo disso. Outra

diferença entre essas ADs é que na estadunidense não havia a preocupação com a influência da

Igreja Católica, ao contrário das ADs no Brasil que tinham como projeto deter a hegemonia do

catolicismo na relação Estado e religião. Era como se eles pensassem assim: “Estamos há

décadas invisibilizados e nas margens, mas já temos condições de ir para centro”. Esse processo

aumentou os anseios de visibilidade pública do pentecostalismo.

Destacamos quatro características políticas do assembleianismo do período 1978-1988:

i) projeto de maior visibilidade pública; ii) questionamento da hegemonia católica no espaço

público; iii) enquadramento na dimensão biopolítica do Estado e iv) representatividade política

como empoderamento de grupo marginalizado. É um pentecostalismo que deseja sair das

margens.

Terá esse pentecostalismo que chega ao centro o mesmo potencial de transformação se

comparado com aquele que nasceu e se desenvolveu nas margens? A resposta para essa

pergunta demandaria outras pesquisas. Todavia, pensamos que o assembleianismo que esteve

circunscrito em dimensões de biopotência28 no período 1930-1945 fez daquele pentecostalismo

um polo de resistência, crítica e, sobretudo, de estabelecimento de novas formas de cooperação

e sociabilidade. Por isso, defendemos a tese de que desde as primeiras décadas há posição e

ação política nas Assembleias de Deus no Brasil e assim questionamos ao longo do texto a ideia

do apoliticismo.

6.5 CONCLUSÃO

Desde suas origens há um núcleo político no pentecostalismo. As narrativas políticas

circularam a partir de suas crenças e práticas. No que diz respeito às ADs no período 1930-1945

as referidas narrativas políticas foram configuradas a partir da biopotência. Foi nos espaços

subalternos pentecostais que homens e mulheres performatizaram seus corpos a fim resistir e

criticar posturas hegemônicas e excludentes. Para isso, a doutrina escatológica teve papel

28 Isso não significa que depois de 1945 não houve dimensões de biopotência no pentecostalismo. Pelo contrário.

Os pentecostalismos ainda são majoritariamente a religião de subalternos. Entretanto, fizemos a afirmação

acima em razão do recorte histórico da pesquisa. Acreditamos que no período de 1978-1988, a atuação de

parlamentares assembleianos esteve relacionada mais com a biopolítica do que com a biopotência.

Page 169: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

166

importante. Através dela, pode-se questionar um tipo de mundo e isso incluiu modelos de

Estado, políticos e propostas imperiais. Neste mesmo contexto, a pneumatologia também

ganhou força nos espaços marginais. Além de ter criticado a razão hegemônica e colonial, o

pneuma soprou nos corpos e os integrou num sistema de cooperação menos excludente e pouco

hierarquizado. Mulheres, homens, adultos, jovens e crianças, todas e todos podiam falar. Nessa

democracia da fala incluiu-se o corpo em sua dimensão extática. Desse modo, pessoas que eram

invisibilizadas romperam processos de silenciamento no assembleianismo. Essa democracia

da multidão, como definiu Negri desencadeou processos de biopotência, que foram vividos para

além das instâncias de poder do Estado.

No período 1978-1988 vimos que setores do assembleianismo desejavam visibilidade

pública; queriam sair das margens. Sendo assim, nossas análises sobre Assembleias de Deus e

política devem levar em consideração o que a eleição de candidatas e candidatos pentecostais

representou para aquela igreja. Mesmo se o apoio a essas candidaturas não tiver sido um

discurso homogêneo nas ADs, esse processo teve relação com empoderamento da comunidade

pentecostal. Entretanto, em certas expressões político-pentecostais a biopotência parece ter

dado lugar à biopolítica. Desse modo, o poder sobre a vida passou a rivalizar com o poder da

vida. Esse processo é favorecido pelo próprio modelo de Estado na modernidade, onde a vida

como espécie entrou nos cálculos e políticas governamentais.

Há, portanto duas dimensões no assembleianismo onde se dão as práticas políticas: a

biopotência e a biopolítica. No que diz respeito à biopotência: i) é potencializada nas margens;

ii) a pneumatologia e escatologia têm papel importante; iii) tem como ponto fundamental o

poder da vida. Já a biopolítica: i) se dá nas instâncias de poder; ii) tem na teologia pastoral seu

paradigma principal; iii) tem como objetivo primordial o poder sobre a vida. Estamos inclinados

a pensar que na biopotência o pentecostalismo é política e na biopolítica são estabelecidas as

relações entre pentecostalismo e política.

7 CONCLUSÃO

Page 170: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

167

Pentecostalismo é política. Por isso, questionamos a narrativa do apoliticismo

pentecostal. Desde suas origens no Brasil os corpos pentecostais se movimentam a partir de

fluxos de contestação e crítica a modelos sociais e culturais. Os artigos do jornal Mensageiro

da Paz, órgão oficial das Assembleias de Deus no Brasil, que foram analisados contribuíram

para fundamentação de nossa tese. Os critérios adotados para a escolha dos referidos artigos

foram aqueles que abordaram de maneira direta ou indireta dimensões do chronos, do aiôn e

do kairos. Os autores das matérias foram em sua maioria pessoas de destaque na denominação

pentecostal. Mesmo aqueles artigos que estiveram relacionados com a escatologia foram formas

de manifestar descontentamento. A escatologia em terras brasileiras que estivera relacionada

com as crenças do milenarismo representaram empoderamento discursivo no qual se pôde

manifestar descontentamento com um tipo de mundo.

Acreditamos que podemos denominar de protopentecostalismos expressões da

religiosidade popular católica presentes no Brasil no final do século XIX e início do século XX.

Em nossa pesquisa demos destaque aos movimentos sociorreligiosos de Canudos, Contestado

e de Juazeiro do Norte. Muitas brasileiras e muitos brasileiros que se converteram ao

pentecostalismo tiveram experiências religiosas com esses grupos. Desse modo, pensamos que

eles exerceram influência sobre mentalidades assembleianas. A referida influência é

consideravelmente maior se comparada com aquelas oriundas do conhecido movimento da Rua

Azusa. A religiosidade popular, principalmente aquela de matriz católica, deixou suas marcas

naquele pentecostalismo que nascia no Brasil na primeira metade do século XX. Mesmo que

não tenhamos tido como objetivo comparar a religiosidade popular católica com o

assembleianismo brasileiro no primeiro capítulo vimos que ambos tiveram características muito

comuns.

O Brasil desse primeiro período estudado (1930 - 1945) ainda era caracterizado por

processos de exclusão e marginalização das classes mais pobres e foram elas que fizeram opção

pelo pentecostalismo. Os primeiros missionários suecos que vieram para o Brasil para fundar

ADs também eram originados de situações de marginalização social em seu país. As ADs

estiveram presentes tanto nas metrópoles como na zona rural brasileira e esse fato propiciou um

assembleianismo de mentalidade urbana e outro de mentalidade rural. Também discutimos a

possibilidade de falar de uma concepção escatológica a partir de uma mentalidade rural e outra

concepção escatológica a partir de uma mentalidade urbana. Ambas podem ser caracterizadas

por certa insatisfação com a situação presente.

Page 171: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

168

Negros, pobres e mulheres foram os grupos que predominaram no pentecostalismo do

período 1930 a 1945. Essa foi também uma época de significativas transformações na

conjuntura nacional e internacional. Houve a ascensão de impérios e novos regimes políticos.

A partir de nossas análises dos artigos do jornal Mensageiro da Paz constatamos que

assembleianos se posicionaram em relação a esse momento político. Governos, modelos de

Estado e impérios foram criticados e por isso questionamos a ideia do apoliticismo pentecostal.

Para ajudar nossa fundamentação dialogamos com as temporalidades conforme pensadas por

Giorgio Agamben: chronos, aiôn e kairos. O chronos foi discutido a partir do tempo profano

que guarda relações com a história. Já o aiôn esteve relacionado com o fim dos tempos, enquanto

que o kairos, tempo do fim ou o tempo que nos resta. Agamben retoma Walter Benjamim e

relaciona o kairos com o tempo messiânico.

Os artigos que analisamos no jornal Mensageiro da Paz do período 1930-1945 que se

enquadram na dimensão do chronos nos mostraram um pentecostalismo crítico à visão

progressista da história. Mais do que uma visão pessimista, tinha-se uma concepção de que

projetos políticos de Estado eram incapazes de promover justiça e equidade de maneira plena.

A partir disso, escritores do jornal podiam criticar e até mesmo ridicularizar propostas políticas.

Nesse período vimos também heterogeneidade política no assembleianismo. Assim como

houve artigos com críticas à política e a políticos, encontramos também aqueles que

incentivavam a submissão a certas autoridades políticas, como foi o caso do presidente Getúlio

Vargas. Desse modo, ao analisarmos posição e ação política das Assembleias de Deus faz-se

necessário levar em consideração a referida heterogeneidade.

Nesse primeiro período há também considerável número de artigos no jornal

Mensageiro da Paz relacionados à escatologia. Se o discurso sobre o céu é também uma fala

sobre a terra, o aiôn pentecostal foi uma narrativa concebida a partir da vida concreta. Não

relacionamos escatologia com propostas de alienação ou desvinculação dos processos sociais.

Ao longo de nossa pesquisa questionamos a ideia de que a escatologia por si só explica os

motivos pelos quais assembleianos não tiveram uma presença maior na esfera pública.

Acredita-se que escatologia não foi a causa de certo afastamento, mas sim efeito de processos

de exclusão e marginalização nos quais os pentecostais estavam inseridos. É no mínimo

temeroso vincular apoliticismo com escatologia. As narrativas escatológicas foram

empoderamento discursivo para questionar e criticar modelos de sociedade e de Estado. O céu

enquanto lugar de equidade serviu como paradigma para se manifestar descontentamento a

esses modelos terrenos. Além disso, vimos ao longo da pesquisa que embora o discurso

Page 172: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

169

escatológico fosse narrativa presente nas mentalidades pentecostais, isso não impediu o

surgimento de lideranças e posições políticas no assembleianismo brasileiro.

O kairos, interpretado aqui como o tempo que nos resta, foi analisado a partir das

expressões de êxtase e de certas formas de ascetismo do assembleianismo brasileiro. Sabe-se

que o pentecostalismo tem no corpo a sua centralidade; logo, a expressão corporal também

assume dimensão política. Os artigos do jornal Mensageiro da Paz do período também

apresentaram discussões sobre a temática do êxtase. Através dele, homens e mulheres excluídos

tiveram a oportunidade de romper processos de silenciamento e invisibilidade social. O êxtase

não pode ser compreendido apenas como uma experiência individual e subjetiva. Ele está ligado

a outros campos semânticos, dialoga com aspectos sociais. Desse modo, acredita-se que essas

experiências de êxtase foram também empoderamento discursivo de subalternos. O ascetismo

também pode ter dimensões críticas e até mesmo revolucionárias. O não fazer, e até mesmo a

deserção é uma posição política. Acredita-se que em certas formas de ascetismo pentecostais

demostraram descontentamento a modelos sociais, políticos e culturais.

O objetivo de nossa tese foi analisar a posição e ação política das Assembleias de Deus

nos períodos 1930-1945 e 1978-1988. Entretanto, desde o início não queríamos deixar os anos

de 1946-1977 no vácuo. Pensando nisso, denominamos esses anos de período intermediário ou

de transição. Nele há importantes acontecimentos da história política brasileira. Uma delas é

que o país viveu uma relativa democracia entre os anos de 1946 e 1964. Depois da ditatura

comandada por Getúlio Vargas os partidos políticos voltaram a funcionar. A relativa

democracia foi interrompida de maneira definitiva em 1964 quando aconteceu o Golpe Militar.

Os anos que se seguiram foram caracterizados pela ditadura dos militares e também por lutas

de grupos e pessoas que desejavam a volta da democracia.

Os últimos anos da década de 1940 também foram caracterizados pelo fortalecimento

do papel de missionários norte-americanos no assembleianismo brasileiro, tendo em vista que

os suecos deixavam de liderar as principais igrejas. Estes missionários atuaram principalmente

na educação teológica, comunicação e literatura. Entretanto, os que mais se destacaram nesse

período foram lideranças assembleianas brasileiras. Temos a primeira ocorrência de

assembleianos na política partidária. Esse processo foi importante, pois a possibilidade de

eleger membros da comunidade pentecostal a cargos públicos dava empoderamento ao grupo

que ainda era marginalizado. Estabeleceu-se, então, uma relação entre religião e cidadania.

Um dos principais nomes desse período foi o pastor Antônio Torres Galvão. De origem

operária, Galvão se tornou um dos principais líderes sindicais no Nordeste brasileiro até chegar

ao posto de governador de Pernambuco, eleito pelo Partido Social Democrático. Também vimos

Page 173: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

170

as relações e proximidades do pastor Paulo Leivas Macalão com lideranças políticas

nacionalistas. Outro importante nome desse período foi Manoel da Conceição Santos. Seu lema

“minha perna, minha classe”, uma vez que ele perdeu a perna decorrente dos processos de

tortura, ilustra bem as lutas e perseguição à qual foi submetido por uma sociedade mais justa e

igualitária.

No segundo período de nossa pesquisa - 1978-1988 - analisamos novas configurações

da posição e ação política das Assembleias de Deus no Brasil. No que diz respeito às relações

entre religião e Estado, a Igreja Católica dominava essa relação entre os grupos religiosos do

Brasil. Desse modo, a entrada de grupos evangélicos na política e, de modo especial, a de

pentecostais, representou o questionamento da hegemonia da Igreja Católica em questões de

política. Embora desde fins da década de 1940 tenha havido assembleianos envolvidos em

política partidária, acreditamos que foi em fins da década de 1970 que foram lançadas as bases

de um projeto político de caráter mais corporativista nas Assembleias de Deus. Nomes como

do pastor Joanyr de Oliveira foram importantes nesse processo. Mesmo antes do lançamento

do livro do pastor Josué Sylvestre Irmão vota em irmão, o pastor Joanyr de Oliveira escreveu

no jornal Mensageiro da Paz sobre a importância de assembleianos na política partidária.

Foi no período da reconstitucionalização do Brasil que as lideranças pentecostais se

movimentaram no sentido de eleger representantes ao Congresso Nacional Constituinte de

1986. Na ocasião, um expressivo número de candidatos que pertenciam às Assembleias de Deus

foi eleito. No período o jornal Mensageiro da Paz circulou um expressivo número de artigos

sobre evangélicos e política. Entretanto, mais uma vez se percebeu a heterogeneidade política

de assembleianos. Houve vozes favoráveis e outras contrárias a esse novo momento das

Assembleias de Deus, tudo isso publicado no jornal Mensageiro da Paz. Além disso, houve

parlamentares de pertença pentecostal com ideias conservadoras e outras e outros com

mentalidade progressista. Na década de 1980 já era expressivo o número de pentecostais no

Brasil, mas a maioria ainda estava circunscrita em processos de invisibilidade e silenciamento

social. Ter tantos deputados eleitos poderia significar anseios de visibilidade pública das

Assembleias de Deus. Mais uma vez a comunidade pentecostal que contribuía para a eleição de

candidatos assembleianos sentia-se empoderada. Fizemos essa análise a partir da categoria de

chronos conforme pensada por Agamben.

No que diz respeito aos discursos escatológicos eles continuaram nesse período; ainda

havia anseios pelo abreviamento do tempo e pela chegada de um mundo pleno de justiça e

equidade. Entretanto, aqueles que foram publicados no jornal no período 1978-1988 parecem

ter sido reconfigurados a partir do contexto do mundo bipolarizado: Estados Unidos versus

Page 174: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

171

União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. O considerável número de artigos que analisamos

vinculou a URSS com o Anticristo. Nossas análises do kairos aplicadas à posição e ação política

das Assembleias de Deus estiveram centradas na Assembleia Nacional Constituinte, que

resultou na Constituição de 1988. O texto constitucional teve como uma de suas marcas

principais o fortalecimento da biopolítica, de modo que caberia ao Estado o controle e cuidado

da vida a partir da noção de políticas públicas. A partir de Michel Foucault e o próprio

Agamben, discutimos a fundamentação teológica do Estado moderno, que teria na teologia

pastoral um de seus principais paradigmas. Desse modo, um Estado biopolítico contribuiria

para um tipo de atuação evangélica na política partidária e, principalmente, pentecostal que tem

no corpo sua centralidade.

Como alternativa à biopolítica, analisamos a força da biopotência do pentecostalismo

na sua versão fora das instâncias públicas e oficiais de poder. A biopotência que é o poder da

vida foi vivenciada por corpos, espaços e saberes subalternos no interior de práticas

pentecostais. Doutrinas como a escatologia e a pneumatologia foram potencializadoras da

biopotência das margens. Ali foram criadas novas formas de cooperação e sociabilidade que

rompessem processos de invisibilidade e silenciamento social. Entendido assim, o

pentecostalismo vivido nas margens foi um polo que ofereceu dignidade humana. Por isso,

acreditamos que desde 1930, que é o começo de nossa análise, há posição e ação política nas

Assembleias de Deus.

REFERÊNCIAS

Page 175: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

172

BIBLIOGRAFIA PRIMÁRIA: DOCUMENTOS DA DENOMINAÇÃO

Jornal

MP - MENSAGEIRO DA PAZ. Rio de Janeiro, de 1930-1988.

Biografias

ARAÚJO, Isael. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

_______. 100 mulheres que fizeram a história das Assembleias de Deus no Brasil. Rio de

Janeiro: CPAD, 2011.

BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL. Rio de Janeiro: Editora CPAD, 1995.

VINGREN, Gunnar. Diário de um Pioneiro. Rio de Janeiro: CPAD, 1982.

BIBLIOGRAFIA

AGAMBEN, Giorgio. Cristianismo como religião: a vocação messiânica. São Leopoldo: IHU

Unisinos, 2010.

_______. El tiempo que resta. Madri: Editorial Trotta, 2006.

_______. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2011.

_______. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora UFMG,

2012a.

_______. O mistério do mal. São Paulo: Boitempo Editorial, 2015.

_______. O Reino e a Glória. 2. ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2012b.

ALENCAR, Gedeon Freire. Matriz Pentecostal Brasileira: Assembleia de Deus 1911-2011.

Rio de Janeiro: Novos Diálogos, 2013.

_______. Pastores assembleianos na Universidade: a polissemia assembleiana na terceira

geração de pastores. Reflexus, São Paulo, n. 12, p. 291-321, 2014.

ANDERSON, Ingvar Anderson. Swedish history in brief. Estocolmo: Wiking Tryckeri, 1984.

BAKUNIN, Michael Alexandrovich. Bakunin: Textos anarquistas. Porto Alegre: L&PM,

1999.

BANDINI, Claudirene de Paula. Religião e política: a participação política dos pentecostais

nas eleições de 2002. Dissertação de Mestrado apresentada na UFSCAR, 2003.

Page 176: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

173

BARBOSA, Jonnefer. Política e tempo em Giorgio Agamben. São Paulo: FAPESP, 2014.

BASTIDE, Roger. O sagrado selvagem e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras,

2006.

BENJAMIN, Walter. O capitalismo como religião. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013.

_______. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.

BHABHA, Homi K. (Org.). O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.

BLOCH, Ernst. Müntzer, Teólogo da Revolução. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1973.

BOTH, Valdevir. Biopoder e direitos humanos: estudos a partir de Michel Foucault. Passo

Fundo: IBIFE, 2009.

BRUNI, José Carlos. Foucault: o silêncio dos sujeitos. In: SCAVONE, Lucila (Org.). O

legado de Foucault. São Paulo: FAPESP, 2006. p. 33-44.

BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2015a.

_______. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2015b.

CAMPOS, Bernardo L. Pentecostacostalismo, teologia e ética social. In: CAMPOS, Leonildo

Silveira; GUTIÉRREZ, Benjamin F. (Org.). Na força do Espírito: os pentecostais na América

Latina: um desafio às igrejas históricas. São Paulo: IEPG, 1996. p. 49-62.

CAMPOS, Leonildo Silveira. In: BURITY, Joanildo; MACHADO, Maria das Dores Campos.

Os votos de Deus: evangélicos, política e eleições no Brasil. Recife: Massangana, 2005.

_______. Reações católicas e protestantes ao movimento sociorreligioso de inspiração

messiânico-milenarista de Canudos. In: LEMOS, Fernanda (Org.). Movimentos messiânicos

milenaristas. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2012.

CARVALHO, Osiel. Teologia Histórica. Pindamonhangaba: IBAD, 2013.

CASALECCHI, José Ênio. O Brasil de 1945 ao golpe militar. São Paulo: Contexto, 2013.

CAVALCANTE, Ronaldo; SINNER, Rudolf von. Teologia Pública em Debate. São

Leopoldo: Sinodal, 2011.

COHN, Norman. Cosmos, caos e o mundo que virá: as origens das crenças do apocalipse. São

Paulo: Companhia das Letras, 1996.

CORTEN, André Corten. Os pobres e o Espírito Santo: o pentecostalismo no Brasil.

Petrópolis: Vozes, 1995.

Page 177: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

174

COUTO, Ari Marcelo Macedo. Adhemar de Barros: práticas e tensões políticas no poder. São

Paulo: Educ, 2009.

CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Saraiva, 2011.

CUNHA, Magali do. O caso Marco Feliciano como paradigma nos estudos mídia, política e

religião. 2013. Disponível em: <http://midiareligiaopolitica.blogspot.com.br/ 2013/04/o-caso-

marco-feliciano-um-paradigma-na.html>. Acesso em: 20 set. 2015.

CUVILLIER, Elian. O tempo messiânico: reflexões sobre temporalidade em Paulo. In:

DETTWILER, Andreas; KAESTLI Jean-Daniel; MARGUERAT, Daniel (Org.). Paulo, uma

teologia em construção. São Paulo: Loyola, 2001. p. 229-239.

DELUMEAU, Jean. Mil anos de felicidade: uma história do paraíso. São Paulo: Companhia

das Letras, 1997.

DESROCHE, Henri. Dicionário de messianismos e milenarismos. São Bernardo do Campo:

UMESP, 2000.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Bahia: EDUFA, 2008.

FAORO, Raimundo. Os donos do poder. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2000.

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: Curso no Collège de France (1975-1976). São

Paulo: Martins Fontes, 2002.

_______. História da sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Gral, 2003.

_______. Segurança, território e população. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

_______. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2004.

FRESTON, Paul. Breve História do Pentecostalismo Brasileiro. In: ANTONIAZZI, Alberto

(Org.). Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis:

1996. p. 67-99.

_______. Evangélicos na política brasileira: história ambígua e desafio ético. Curitiba:

Encontrão Editora, 1994.

GUNJEVIC, Boris. O sofrimento de Deus: inversões do Apocalipse. Belo Horizonte:

Autêntica, 2012.

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro:

Tempo Brasileiro, 1997.

HARDT, Michel; NEGRI, Antônio. Democracia da multidão. Rio de Janeiro: Record, 2013.

_______. Império. Rio de Janeiro: Record, 2001.

HEIMER, Haroldo. Liberdade religiosa na História e nas Constituições do Brasil. São

Leopoldo: Oikos Editora, 2013.

Page 178: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

175

HERMANN, Jacqueline. Religião e Política no alvorecer da República: os movimentos de

Juazeiro, Canudos e Contestado. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida

Neves (Org.). O Brasil Republicano: o tempo do liberalismo excludente. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2014.

HINKELAMMERT, Franz. A maldição que pesa sobre a lei: as raízes do pensamento crítico

em Paulo de Tarso. São Paulo: Paulus, 2012.

HORTON, Stanley. Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: CPAD, 1997.

KEUCHEYAN, Razmig. Démocraties périssable {Democracias perecíveis}. Le Monde

Diplomatique, maio 2015.

LAGO, Luiz Aranha Corrêa. Da escravidão ao trabalho livre. Rio de Janeiro: Companhia das

Letras, 2014.

LEWIS, Ioan M. Êxtase religioso. São Paulo: Editora Perspectiva, 1971.

MAGALHÃES, Antônio Carlos. Uma Igreja com Teologia. São Paulo: Fonte Editorial, 2006.

MALLIMACI, Fortunato. A situação religiosa nos países Cone-Sul. 1996. Conferência sobre

religião globalização realizada no Congresso da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,

Porto Alegre, 1996, p. 12-15.

MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São

Paulo: Contexto, 2014.

MENESES, Maria Paula; SANTOS, Boaventura de Souza. Epistemologias do Sul. São Paulo:

Cortez, 2010.

MOLTMANN, Jurgen. A paixão de Cristo: por uma sociedade sem vítimas. São Leopoldo:

Editora Unisinos, 2008. p. 78-82. (Cadernos IHU em formação: Teologia Pública).

MONIZ, Edmundo. Canudos: a guerra social. Rio de Janeiro: Elo Editora, 1987.

MORAIS, Cladomir Santos. História das Ligas Camponesas. In: STEDILE, João Pedro

(Org.). A questão agrária no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

MOTA, Carlos Guilherme. História do Brasil: uma interpretação. São Paulo: Editora 34,

2015.

MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil

(1917-1964). 2000. Tese de Doutorado. São Paulo: USP, 2000.

MOUFFE, Chantal. Religião, democracia e cidadania. Recife: Massangana, 2005.

MÜNSTER, Arno. Utopia, messianismo e apocalipse nas primeiras obras de Ernest Bloch.

São Paulo: UNESP, 1982.

NEGRI, Antônio. Exílio: seguido de valor e afeto. São Paulo: Uluminuras, 2001.

Page 179: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

176

NETO, Lira. Getúlio 1930-1945: do governo provisório ao Estado Novo. Rio de Janeiro:

Companhia das Letras, 2013.

NEVES, Frederico de Castro. Getúlio e a seca: políticas emergenciais na era Vargas. Revista

Brasileira de História, São Paulo, v. 21, n. 40, p. 107-131, 2001.

NEVES, Margarida de Souza. Os cenários da República. O Brasil na virada do século XIX

para o século XX. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Org.). O

Brasil Republicano: o tempo do liberalismo excludente. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2014.

NICOLAU, Jairo. História do voto no Brasil. São Paulo: Zahar, 2002.

NOVAES, Regina. Crenças religiosas e convicções políticas: fronteiras e passagens. In:

FRIDMANN, Luis Carlos (Org.). Rio de Janeiro: Dumará Publicações, 2002.

OLIVEIRA, Marcos David de. A religião mais negra do Brasil. São Paulo: Mundo Cristão,

2004.

OLIVEIRA, Pedro Ribeiro de. Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do

catolicismo romanizado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1985.

PASSOS, João Décio. Pentecostais: origem e começo. São Paulo: Paulinas, 2005a.

PASSOS, João Décio (Org.). Movimentos do Espírito: matrizes, afinidades e territórios

pentecostais. São Paulo: Paulinas, 2005b.

PERLONGHER, Nestor. Antropologia do Êxtase. Ecopolítica, São Paulo, PUC, n. 4, p. 154-

178, 2012.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O messianismo no Brasil e no mundo. São Paulo:

Dominus Editora, 1965.

QUEIROZ, Maurício Vinhas de. Messianismo e Conflito social: a guerra do Contestado. São

Paulo: Ática, 1977.

REIMER, Haroldo. Liberdade religiosa na História e nas Constituições do Brasil. São

Leopoldo: Oikos Editora, 2013.

REIS, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.

RESENDE, Maria Efigênia Lage. O processo político na Primeira República e o liberalismo

oligárquio. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Org.). O Brasil

Republicano: o tempo do liberalismo excludente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.

RIBEIRO, Claudio de Oliveira. A Teologia da Libertação morreu? Reino de Deus e

espiritualidade hoje. São Paulo: Fonte Editorial, 2010.

Page 180: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1488/2/Osiel.pdf · pentecostalismo brasileiro posições e intervenções no mundo da política

177

ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostais: uma interpretação sócio-religiosa. Petrópolis:

Vozes, 1985.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Saraiva, 2011.

SANTOS, Boaventura de Souza. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São

Paulo: Cortez, 2006.

_______. Por uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica

de Ciências Sociais, Coimbra: Centro de Estudos Sociais, p. 237-280, 2002.

_______. Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos. São Paulo: Cortez, 2014.

SANTOS, Manoel da Conceição. Chão de minha utopia. Belo Horizonte: Editora UFMG,

2010.

SIEPIERSKI, Paulo. Contribuições para uma tipologia do pentecostalismo brasileiro. In:

GUERREIRO, Silas (Org.). O Estudo das Religiões: Desafios contemporâneos. 2. ed. São

Paulo: Paulinas, 2004. p. 71-88.

SILVA, Luiz. Lima Barreto: retratos do Brasil negro. São Paulo: Selo Negro, 2011.

SPIVAK, Gayatri C. Can the subaltern speak? In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence

(Ed.). Marxism and the interpretation of culture. Chicago: Chicago Press, 1988. p. 271-313.

SUNG, Jung Mo. Sacrifício e certezas num mundo de incertezas: neoliberalismo e

milenarismo. In: BRITO, Enio José da Costa; TENÓRIO, Waldeci (Org.). Milenarismos e

messianismos, ontem e hoje. São Paulo: Loyola, 2001. p. 37-64.

SYLVESTRE, Josué. Irmão vota em irmão: os evangélicos, a constituinte e a bíblia. Brasília:

Pergaminho, 1986.

TEIXEIRA, Faustino. Comunidades Eclesiais de Base: bases teológicas. Petrópolis: Vozes,

1988.

TILLICH, Paul. Dinâmica da fé. São Leopoldo: Sinodal, 1985.

ZIZEK, Slajov. O amor impiedoso {ou: sobre a crença}. Belo Horizonte: Autêntica, 2012a.

_______. Vivendo no fim dos tempos. São Paulo: Boitempo, 2012b.

_______; GUNJEVIC, Boris. O sofrimento de Deus: inversões do Apocalipse. Belo

Horizonte: Autêntica, 2012.