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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA IV SEMINÁRIO DE ALUNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA 27 a 30 de novembro de 2017 CADERNO DE RESUMOS

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

IV SEMINÁRIO DE ALUNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

27 a 30 de novembro de 2017

C A D E R N O D E R E S U M O S

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Imagem da capa: Camille Corot, The Philosophers' Retreat (Le Repos des philosophes) (1871) Litografia. Matriz: 21,7 x 14,5 cm; Suporte: 47,3 x 34 cm. Metropolitan Museum of Art – Public Domain (https://www.metmuseum.org/art/collection/)

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Reitor

Sidney Luiz de Matos Mello

Pró-Reitor de Pós-Graduação e Inovação

Vitor Francisco Ferreira

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

Diretora

Alessandra Siqueira Barreto

Vice-Diretor

Marcos Otávio Bezerra

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

Chefe

Celso Azar

Sub-chefe

Alexandre Costa

Secretária

Clara Salles

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

Comissão de Coordenação de Curso

Coordenador

Patrick E. C. Pessoa

Secretária

Luciene Pacheco

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IV SEMINÁRIO DOS ALUNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

Comissão Organizadora

Filipe Monteiro Morgado

Frederico Brum Martucci

Jessica Di Chiara

Jonathan Almeida de Souza

Roberto Torviso

Vitória Brito

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SUMÁRIO

Apresentação ............................................................................................................................... 7

CONFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 8

SESSÕES DE COMUNICAÇÃO .............................................................................................. 9

RESUMOS ................................................................................................................................ 14

27/11 – 14h-16h / Mesa 1 - Estética aplicada ............................................................................... 14

Adorno e a pintura Moderna: os casos de Klee, Kandinsky e Picasso..................................... 14

Um ensaio é uma forma mesmo quando ele é um poema? Uma leitura de “O poema no tubo de

ensaio”, de Marília Garcia ...................................................................................................... 15

3/4 de gozo: dos limites de interpretação na arte contemporânea .......................................... 16

Fragmentos: Da escrita ao corpo – intercessões entre Walter Benjamin e Samuel Beckett ...... 17

27/11 – 16h15-18h15 / Mesa 2: Adorno e Benjamin ..................................................................... 20

A aporia da autonomia na Teoria Estética de Adorno ............................................................ 20

O lugar de expressão da morte sob o mundo administrado .................................................... 21

Implicações ideológicas da definição do ensaio como especulação sobre objetos culturalmente

pré-formados em “O ensaio como forma” de Adorno ........................................................... 22

A influência de Walter Benjamin na teoria estética de Carl Schmitt: teatro e história, tragédia e

mito ....................................................................................................................................... 23

27/11 – 14h-15h / Mesa 3: Ética e Ontologia................................................................................ 26

Liberdade e Responsabilidade Moral em Spinoza ................................................................... 26

A Ontologia da Relação em Deleuze ...................................................................................... 27

27/11 – 15h15-17h15 / Mesa 4: Filosofia da História ................................................................... 29

A Paixão do Espírito ou de como os homens fazem a história ............................................... 29

Considerações críticas aos Fundamento da filosofia de Thomas Hobbes ............................... 30

Idealismo ou Ideologia? A epistemologia hegeliana e sua repercussão posterior ..................... 31

As acepções do Sentido Histórico e sua necessidade no procedimento genealógico de Nietzsche

.............................................................................................................................................. 32

28/11 – 14h-15h30 / Mesa 1: Retórica e Sofística .......................................................................... 35

Sobre a fronteira entre sofística e filosofia em Platão ............................................................. 35

Doutor Sócrates, altruísmo e retórica: dois aspectos essenciais da medicina da alma segundo

Platão..................................................................................................................................... 36

Histórias da Catarse: religião, medicina, filosofia, teatro e psicanálise. .................................... 37

28/11 – 15h45-17h15 / Mesa 2: Física e Thauma ......................................................................... 39

Tò thaumádzein: a patologia do espanto na origem da experiência filosófica em Platão e Aristóteles

.............................................................................................................................................. 39

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A harmonía entre a aparência e a inaparência: Fragmento B54 de Heráclito ............................. 40

Questões sobre as dimensões dos corpos no De Caelo II 2 de Aristóteles ............................. 41

28/11 – 17h30-19h – Mesa 3: (Neo)platonismo ............................................................................. 43

O (Duplo) Desejo da Alma e a Geração dos Sensíveis no sistema Plotiniano ......................... 43

Platão e a comédia: o ridículo como prazer, dor e inveja ........................................................ 44

Verdade, mentira e persuasão: sobre a pseudos na República II de Platão ................................... 45

28/11 – 14h-15h30 / Mesa 4: Estética Moderna ........................................................................... 47

Metafísica da Música: a arte dos sons como Representação da Vontade ................................. 47

Sobre a pertinência de um padrão para o gosto na filosofia subjetivista de Hume .................. 48

Hermenêutica Filosófica e Juízo Estético ............................................................................... 49

28/11 – 15h45-16h45 – Mesa 5: Narrativas ................................................................................. 52

Ricoeur e o romance como forma por excelência da modernidade ......................................... 52

A experiência comum e os dilemas da tradição em Walter Benjamin ...................................... 53

28/11 – 17h-18h – Mesa 6: Outras estéticas .................................................................................. 55

A sensibilidade e o papel da arte em Schiller .......................................................................... 55

O conceito de emancipação na obra Espectador Emancipado de Jacques Rancière ............... 56

29/11 – 14h-16h / Mesa 1: Linguagem ........................................................................................ 58

Por uma defesa do entrelaçamento entre Semântica e Epistemologia: a relação entre os Juízos

Analíticos e o Argumento Epistêmico de Searle. .................................................................... 58

Nomes vazios – Soluções novas para um problema antigo .................................................... 59

Apontamentos sobre a metáfora em Ricoeur ......................................................................... 60

O problema dos nomes: da busca pelo Platão à teoria da linguagem de Antístenes ................ 61

29/11 – 16h15-17h45 / Mesa 2: Conhecimento ............................................................................. 64

Atos e obstáculos epistemológicos na filosofia de Gaston Bachelard ..................................... 64

A crítica de Husserl contra o Psicologismo lógico e sua concepção de Lógica Pura ............... 65

A superação da hermenêutica subjetiva na teoria do conhecimento de Spinoza...................... 67

29/11 – 18h-19h30 / Mesa 3: Educação e Política ......................................................................... 69

A questão Moderna da Cidadania e suas implicações para o ensino de Filosofia .................... 69

A crítica marxiana do entendimento político e sua superação nos idos de 1843 e 1844. Uma

proposta de análise a luz do 'estatuto' de José Chasin ............................................................. 70

O paradigma imunitário de Roberto Esposito: uma abordagem sobre identidade e

reconhecimento ..................................................................................................................... 71

29/11 – 14h-16h / Mesa 4: Renascimento ..................................................................................... 73

A renúncia de Pascal às filosofias de Epíteto e Montaigne: uma análise sobre o Colóquio com o

Senhor de Saci ........................................................................................................................... 73

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O Conceito de Bárbaro em Montaigne: Um olhar sobre os Tupinambás ............................... 74

As funções do princípio de plenitude para a cosmologia e para o atomismo de Giordano Bruno

.............................................................................................................................................. 76

Montaigne, educador ............................................................................................................. 78

29/11 – 16h15-18h15 / Mesa 5: Conhecimento e Subjetividade......................................................... 80

“A força de que dispõe a alma para mover o corpo”: o interacionismo causal de Descartes ... 80

A melancolia de Elisabeth ...................................................................................................... 81

A dicotomia intelecto/corpo na “Regra I” de Regras para a orientação do espírito e a necessidade de

sua pressuposição como justificativa da generalidade da aplicação do método cartesiano ....... 82

O Anti-intelectualismo de Bergson ........................................................................................ 83

30/11 – 14h-16h / Mesa 1: Diálogos com Foucault .......................................................................... 86

O Sócrates de Michel Foucault: análise dos cursos do Collège de France da década de 1980. . 86

A funcionalidade da histórica como ficção na filosofia de Foucault ....................................... 87

Entre Espaços Foucaultianos ................................................................................................. 88

A noção de História em As Palavras e as Coisas........................................................................ 90

30/11 – 16h15-17h45 / Mesa 2: Política e Cotidiano ..................................................................... 92

Costume, liberdade e submissão - um ponto de encontro entre O Príncipe e os Discursos ......... 92

O Animal Social e o Isolamento ............................................................................................ 93

Reflexões sobre a violência: Adorno, Benjamin, Günther Anders .......................................... 94

30/11 – 14h-15h30 / Mesa 3: Tópicos Nietzscheanos ..................................................................... 96

Compreensibilidade e Equivocação ........................................................................................ 96

Zaratustra e as três metamorfoses: memória e esquecimento - a importante conquista da

plasticidade e da fluidez para o pensamento ........................................................................... 97

Elementos para um conceito de justiça em Nietzsche e seus desdobramentos ético-estéticos 98

30/11 – 15h45-16h45 / Mesa 4: Ser e Linguagem ....................................................................... 100

Linguagem, poesia e ritmo em Octavio Paz ......................................................................... 100

A fenomenologia hermenêutica no tratado A essência do fundamento de Martin Heidegger ...... 101

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Apresentação

O Seminário dos Alunos de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal

Fluminense (SALUFI) é uma iniciativa que tem a finalidade de fortalecer as relações de trocas e

estimular a atividade acadêmica entre os estudantes de mestrado e doutorado das diversas áreas da

filosofia no país.

Em anos anteriores, além das comunicações discentes, o SALUFI contou com a presença

de palestrantes como o Prof. Dr. Danilo Marcondes (UFF), a Profa. Dra. Mariana de Toledo

Barbosa (UFF) e o Prof. Dr. Pedro Duarte (PUC-Rio). Neste ano, teremos a honra de contar com

as palestras dos professores doutores Vladimir Vieira, Alexandre Costa, Luis Felipe Bellintani

Ribeiro, Diogo de França Gurgel, Carlos Diógenes Tourinho, Tereza Calomeni, Mariana de Toledo

Barbosa.

Agora disponibilizamos o Caderno de Resumos das comunicações que compõem a

programação do IV SALUFI, e é com enorme alegria que contamos com a presença de discentes

dos mais variados programas de pós-graduação do país, como: Colégio Pedro II, PUC-RJ, UERJ,

UFMG, UFRJ, UFRRJ, UNESP, UNICAMP e USP. Além disso, dialogando com a proposta de

ampliação do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFF, organizamos as mesas de

comunicação tendo em vista os quatro eixos temáticos que irão compor suas linhas de pesquisa, a

saber: História da Filosofia, Ética e Filosofia Política, Estética e Filosofia da Arte e Conhecimento e Linguagem.

Desde já, agradecemos a participação de todos.

Bom evento!

A Comissão Organizadora

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CONFERÊNCIAS

27 de novembro – Estética e Filosofia da Arte (Bloco O / Sala 516)

11h | Vladimir Vieira (UFF) - Schiller e o sublime na tragédia

28 de novembro – Filosofia Antiga (Bloco O / Sala 510)

11h | Alexandre Costa (UFF) - Empédocles e a cosmomecânica da contradição

12h | Luis Felipe Bellintani Ribeiro (UFF) - A sofística entre contradição e consenso

29 de novembro - Teoria do conhecimento e Filosofia da Linguagem (Bloco O / Sala 516)

11h | Diogo de França Gurgel (UFF) - Teorias contemporâneas da metáfora

12h | Carlos Diógenes Tourinho (UFF) - Crítica ao naturalismo e teleologia na fenomenologia de Husserl

30 de novembro - Ética e Filosofia Política (Bloco O / Sala 516)

11h | Tereza Calomeni (UFF) - "O ronco surdo da batalha"; poder disciplinar e biopolítica em Michel Foucault

12h | Mariana de Toledo Barbosa (UFF) - A experimentação ética em Deleuze

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SESSÕES DE COMUNICAÇÃO Segunda, 27 de novembro

Mesa 1: Estética aplicada – 14h-16h (Bloco O / sala 516)

Adorno e a pintura Moderna: os casos de Klee, Kandinsky e Picasso – Alberto José Colosso Sartorelli (Unicamp) Um ensaio é uma forma mesmo quando ele é um poema? Uma leitura de “O poema no tubo de ensaio”, de Marília Garcia – Jessica Di Chiara Salgado (UFF) 3/4 de gozo: dos limites da interpretação na arte contemporânea – Juliana de Moraes Monteiro (Puc-Rio) Fragmentos: Da escrita ao corpo – intercessões entre Walter Benjamin e Samuel Beckett – Larissa Primo (Puc-Rio) Mesa 2: Adorno e Benjamin – 16h15-18h15 (Bloco O / sala 516)

A aporia da autonomia na Teoria Estética de Adorno – Bruna Franco Diaz Batalhão (Unicamp) O lugar de expressão da morte sob o mundo administrado – Daniel Alves Gilly de Miranda (Unifesp) Implicações ideológicas da definição do ensaio como especulação sobre objetos culturalmente pré-formados em “O ensaio como forma” de Adorno – Naiara Martins Barrozo (UERJ) A influência de Walter Benjamin na teoria estética de Carl Schmitt: teatro e história, tragédia e mito – Verena Seelaender da Costa (UERJ) Mesa 3 –Ética e Ontologia – 14h-15h (Bloco O / sala 510)

Liberdade e Responsabilidade Moral em Spinoza – Jonathan Alves Ferreira de Sousa (UFRJ) A Ontologia da Relação em Deleuze – Ádamo Bouças Escossia da Veiga (Puc-Rio) Mesa 4 – Filosofia da História – 15h15-17h15 (Bloco O / sala 510)

A Paixão do Espírito ou de como os homens fazem a história – Uriel Massalves de Souza (Puc-Rio) Considerações críticas aos Fundamentos da filosofia de Thomas Hobbes – Thales Coimbra Paranhos Cavalcanti de Paiva (UFRJ) Idealismo ou Ideologia? A epistemologia hegeliana e sua repercussão posterior – Mirian Monteiro Kussumi (Puc-Rio) As acepções do sentido histórico e sua necessidade no procedimento genealógico de Nietzsche – Gabriela Ferreira de Andrade (UFRRJ)

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Terça, 28 de novembro

Mesa 1 – Retórica e Sofística – 14h-15h30 (Bloco O/ sala 516)

Sobre a fronteira entre a sofística e a filosofia em Platão – Ottávio de Azevedo Oliveira Rodrigues (UFF) Doutor Sócrates, altruísmo e retórica: dois aspectos essenciais da medicina da alma segundo Platão – Pedro Luz Baratieri (UFRJ) Histórias da catarse: religião, medicina, filosofia, teatro e psicanálise – João Gabriel Lima & Álan Batista de Oliveira (UFRJ) Mesa 2 – Física e Thauma – 15h45-17h15 (Bloco O / sala 516)

Tò thaumádzein: a patologia do espanto na origem da experiência filosófica em Platão e Aristóteles – Irlim Corrêa Lima Junior (Puc-Rio) A harmonía entre a aparência e a inaparência: Fragmento B54 de Heráclito – Jonathan Almeida de Souza (UFF) Questões sobre as dimensões dos corpos no De Caelo II 2 de Aristóteles – Matheus Oliveira Damião (UFRJ) Mesa 3 – (Neo)platonismo – 17h30-19h (Bloco O / sala 516)

O (Duplo) Desejo da Alma e a Geração dos Sensíveis no sistema Plotiniano – Deysielle Costa das Chagas (Puc-Rio) Platão e a comédia: o ridículo como prazer, dor e inveja – Felipe Ramos Gall (Puc-Rio) Verdade, mentira e persuasão – sobre a pseûdos na República II de Platão – Thiago Augusto Passos Bezerra (UFRJ) Mesa 4 – Estética Moderna – 14h-15h30 (Bloco O / sala 510)

Metafísica da Música: a arte dos sons como Representação da Vontade – Bruno Victor Brito Pacífico (UFF) Sobre a pertinência de um padrão para o gosto na filosofia subjetivista de Hume – Carlota Salgadinho Ferreira (Puc-Rio) Hermenêutica Filosófica e Juízo Estético – Rodrigo Viana Passos (Puc-Rio) Mesa 5 – Narrativas – 15h45-16h45 (Bloco O / sala 510) Ricoeur e o romance como forma por excelência da modernidade – Bianca Pereira da Silva (UFF) A experiência comum e os dilemas da tradição em Walter Benjamin – Matheus Fernandes (UFF)

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Mesa 6 – Outras estéticas – 17h-18h (Bloco O / sala 510) A sensibilidade e o papel da arte em Schiller – Felipe Tuller Moreira Machado (UFF) O conceito de emancipação na obra Espectador Emancipado de Jacques Rancière – Patricia de Souza Matias (Puc-Rio) Quarta, 29 de novembro

Mesa 1 – Linguagem – 14h-16h (Bloco O / sala 516)

Por uma defesa do entrelaçamento entre semântica e epistemologia: a relação entre os juízos analíticos e o argumento epistêmico de Searle – Michelle Cardoso Montoya (UFRJ) Nomes vazios – Soluções novas para um ‘problema antigo – Luisa Luze Brum Genuncio (UFRJ) Apontamentos sobre a metáfora em Ricoeur – Felipe Amancio Braga (Puc-Rio) O problema dos nomes: da busca pelo sofista à teoria da linguagem de Antístenes – Roberto Torviso Neto (UFF) Mesa 2 – Conhecimento – 16h15-17h45 (Bloco O / sala 516)

Atos e obstáculos epistemológicos na filosofia de Gaston Bachelard – Zander Lessa Gueiros (UFF) A crítica de Husserl contra o Psicologismo lógico e sua concepção de Lógica Pura – Vitória Brito da Silva (UFF) A superação da hermenêutica subjetiva na teoria do conhecimento de Espinosa – Kissel Goldblum (UFRJ) Mesa 3 – Educação e Política – 18h-19h30 (Bloco O / sala 516)

A questão Moderna da Cidadania e suas implicações para o ensino de Filosofia – Guilherme Celestino Souza Santos (Colégio Pedro II) A crítica marxiana do entendimento político e sua superação nos idos de 1843 e 1844. Uma proposta de análise a luz do “estatuto” de José Chasin – Victor César Fernandes Rodrigues (UFJF) O paradigma imunitário de Roberto Esposito: uma abordagem sobre identidade e reconhecimento – Simã Catarina de Lima Pinto (UFF) Mesa 4 – Renascimento – 14h-16h (Bloco O / sala 510)

A renúncia de Pascal às filosofias de Epicteto e Montaigne: uma análise sobre o Colóquio do Saci – Bruno de Figueiredo Alonso (UFF) O conceito de bárbaro em Montaigne: um olhar sobre os tupinambás – Isaac Rabelo Dobbin (UFF) As funções do princípio de plenitude para a cosmologia e para o atomismo de Giordano Bruno – Willian Ricardo dos Santos (UFMG)

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Montaigne, educador – Alan Barbosa Buchard (UFF) Mesa 5 – Conhecimento e Subjetividade– 16h15-18h15 (Bloco O / sala 510)

“A força de que dispõe a alma para mover o corpo”: o interacionismo causal de Descartes – Anna Beatriz Figueiredo Pereira da Silva (UFRJ) A melancolia de Elisabeth – Carmel da Silva Ramos (UFRJ) A dicotomia intelecto/corpo na “Regra I” de Regras para a orientação do espírito e a necessidade de sua pressuposição como justificativa da generalidade da aplicação do método cartesiano – Filipe Monteiro Morgado (UFF) O Anti-intelectualismo de Bergson – Julio Auto de Amorin Jr. (UFF) Quinta, 30 de novembro

Mesa 1 – Diálogos com Foucault – 14h-16h (Bloco O / Auditório da Sociologia)

O Sócrates de Michel Foucault: análise dos cursos do Collège de France da década de 1980 – Priscila Céspede Cupello (UFRJ) A funcionalidade da histórica como ficção na filosofia de Foucault – Bruno Abílio Galvão (UERJ) Entre espaços foucaultianos – Ítalo do Nascimento de Oliveira Borba (Puc-Rio) A noção de História em “As Palavras e as Coisas” - Victor Garcia (Puc-Rio) Mesa 2 – Política e Cotidiano – 16h15-17h45 (Bloco O / Auditório da Sociologia)

Costume, liberdade e submissão – um ponto de encontro entre O Príncipe e os Discursos – Otávio Vasconcelos Vieira (Unicamp) O Animal Social e o Isolamento – Thiago Sebastião Reis Contarato (UFRJ) Reflexões sobre a violência: Adorno, Benjamin, Günther Anders – Felipe Catalani (USP) Mesa 3 – Tópicos Nietzscheanos – 14h-15h30 (Bloco O / sala 321)

Compreensibilidade e Equivocação – Iara Velasco e Cruz Malbousisson (Unicamp) Zaratustra e as Três Metamorfoses: memória e esquecimento – A importante conquista da

Plasticidade e da Fluidez para o pensamento – Patrícia Boeira de Souza (UFRRJ)

Elementos para um conceito de justiça em Nietzsche e seus desdobramentos ético-estéticos – Luiza Fonseca Regattieri (UFRJ)

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Mesa 4 – Ser e Linguagem – 15h45-16h45 (Bloco O / sala 321)

Linguagem, poesia e ritmo em Octavio Paz – Bruno de Souza Pacheco Jalles (UFF) A fenomenologia hermenêutica no tratado “A essência do fundamento” de Martin Heidegger – Christiane Costa de Matos Fernandes (UFRJ)

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RESUMOS

27/11 – 14h-16h / Mesa 1 - Estética aplicada

Adorno e a pintura Moderna: os casos de Klee, Kandinsky e Picasso

Alberto José Colosso Sartorelli (UNICAMP) Mestrando (FAEPEX)

Orientador: Taisa Helena Pascale Palhares

A presente apresentação visa mapear as reflexões de Theodor W. Adorno sobre pintura e

fazer pictórico, presentes em sua Teoria Estética (1969), em especial aquelas referentes à arte

moderna e seus principais representantes no viés pictórico: Picasso, Klee e Kandinsky.

Depositamos o valor de importância da apresentação no fato de as reflexões sobre a pintura terem

sido marginalizadas pelos comentadores e críticos de Adorno, privilegiando na análise estética a

música e a literatura. Apesar de a pintura ser apresentada de uma maneira marginal na exposição

da Teoria Estética, muitas vezes conjugada e servindo como patamar de comparação com outras

artes, além de muitas vezes ter sido analisada por Adorno com conceitos gerais de sua Estética,

defendemos que, a partir das reflexões de Adorno acerca das outras artes e da abordagem através

da dialética negativa, além de seus esparsos mas não menos importantes momentos nos quais

realiza observações sobre pintura, é possível estabelecer alguns parâmetros de análise pictórica no

âmbito da estética negativa de raiz adorniana. Tal procedimento não é tanto a abertura de um

caminho novo, mas um desvelamento de possibilidades críticas, já presentes na Teoria Estética, e que

cabe a alguém colocá-las na ordem do dia.

Adorno entende o elemento moderno das artes como a apropriação do que de mais

avançado há na indústria e na técnica conjugados com o pensamento mais progressista da época.

O conceito de Novo surgiu com o avanço da industrialização e do mercado globalizado; todavia, a

arte séria tomou-o como possibilidade de negação da empiria. A espiritualização da arte é sua

separação da realidade social para, com o material retirado dela, denunciar a dor social. Indústria

cultural é a cultura produzida em moldes industriais, em resposta à espiritualização; a indústria

cultural é totalizante, pois produz, veicula e vende seus produtos, além de apropriar-se de obras

que não foram feitas em seu âmbito, mas cuja forma propicia a vendabilidade e a mercantilização.

Forma é conteúdo historicamente sedimentado: não há distinção entre forma e conteúdo, e a

expressão verdadeira do conteúdo só se dá pela forma adequada, e não por moldes

preestabelecidos. A dissonância é a resposta negativa à ideologia contida na noção de harmonia:

uma obra reconciliada é falsa, pois o mundo material, de onde a arte tira seus materiais, é cindido.

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São privilegiados na análise adorniana artistas como Picasso, Klee e Kandinsky, que

reuniam, para Adorno, as condições para uma experiência estética progressista. Aqui talvez

encontremos um limite da crítica de arte adorniana: a atenção pormenorizada a artistas da segunda

metade do século XIX e da primeira metade do século XX, o chamado modernismo “heroico”,

em detrimento da produção do pós-Segunda Guerra. Um exemplo dessa posição é a abordagem

deveras ligeira sobre Pollock e o expressionismo abstrato estadunidense. Apesar disso, há uma

crítica, da qual tomamos como exemplo Jay Bernstein, que se utiliza de conceitos presentes na

Teoria Estética para uma análise positiva do expressionismo abstrato.

Um ensaio é uma forma mesmo quando ele é um poema? Uma leitura de “O poema no

tubo de ensaio”, de Marília Garcia

Jessica Di Chiara Salgado (UFF) Mestranda

Orientador: Pedro Sussekind

Há escritas que, quando acontecem, não desvinculam o que dizem do modo como dizem.

No que diz respeito à relação entre arte e filosofia, podemos dizer que o momento de surgimento

da crítica de arte que se situa ali na Alemanha do final do século XVIII, particularmente com o

primeiro romantismo de Iena, coloca em questão justamente um pensamento que se debruce sobre

essa relação – a publicação de revista, a autoria coletiva e anônima e a forma dos fragmentos são

alguns modos de dizer essa relação. Mesmo que situada à margem, desde então a questão sobre a

forma da escrita passa a ser evidente: porque ela é indissociável do que se diz, e mais ainda do que

é da ordem do não-dito. No século XX, o ensaio se situa nesse lugar limiar entre a experimentação

formal, a criação artística e a reflexão estética, e filósofos e críticos de arte como Georg Lukács,

Walter Benjamin e Theodor Adorno pensaram, às suas maneiras, amplamente essa relação. No

século XXI, a questão se reconfigura e seria possível arriscar um estado de ensaísmo que

caracterizaria certa reflexão e os modos de produção hoje: ponto pacífico de uma escrita

experimental, resta saber o que ainda pode acontecer de novo quando se deseja produzir ensaios.

Ao reunir jovens escritores dedicados ao exercício simultâneo da reflexão crítica e da

criação poética, o livro Sobre poesia: outras vozes, organizado por Célia Pedrosa e Ida Alves, refaz, no

cenário da poesia brasileira contemporânea, um convite à contaminação entre arte e crítica de arte

solicitando e atualizando a noção de “poeta-crítico”, fundamental às poéticas modernas. O

hibridismo que surge daí, ao mesmo tempo em que indica uma expansão de limites seria também

sintoma de uma crise que caracterizaria o contemporâneo?

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Escrito pela poeta e tradutora Marília Garcia, o texto “O poema no tubo de ensaio” – um

dos nove ensaios que compõem Sobre poesia: outras vozes será objeto de análise desta comunicação.

No texto, a poeta narra uma experiência ao mesmo tempo pessoal e circunstancial: para confirmar

o visto que havia tirado no Brasil para uma residência artística na França, ela precisou testar sua

saúde com exames laboratoriais. Essa situação desencadeia uma expansão da noção de “teste” para

muitas direções improváveis: desde a política, à experiência cotidiana e ao texto. Interessa aqui

particularmente a ideia de texto como teste. Mudança discreta de letra, pensar um texto como teste

parece interessante porque, como a autora nos diz, existem testes em que “as regras para o teste

não estão dadas de antemão: / é preciso ensaiar.” Se o ensaio é “teste / experimento / prova” em

sentido amplo, ele também é, em sentido mais restrito, um gênero literário ou filosófico atravessado

exatamente por essa indistinção – um gênero “intranquilo”, como João Barrento disse. Além disso,

nesse texto, Marília Garcia, ao escrever um ensaio, o faz de modo incomum: escrevendo em versos.

A forma em versos do texto de Marília Garcia faz do ensaio um teste de poema ou do poema um

teste de ensaio, expandindo assim a noção do ensaio para além da sua forma enquanto um gênero

em sentido restrito, transformado, então, numa espécie de força no campo de forças do poema.

Se, no ensaio “cada formação do espírito (...) deve se transformar em um campo de forças”

(segundo a lição de Adorno), como pensar o ensaio quando ele está em um campo de forças fora

de si? Escrever ensaios em versos ou poemas como ensaios parece fazer deslocar os lugares

historicamente instituídos para a compreensão de cada um desses modos de escrita. Colocando

tanto o gênero do ensaio quanto o do poema em estado de teste, Marília Garcia nos permite pensar,

a partir desse ensaio em versos, em que medida podemos dizer que o ensaio é uma forma.

3/4 de gozo: dos limites de interpretação na arte contemporânea

Juliana de Moraes Monteiro (PUC-RJ)

Doutoranda (CAPES)

Orientador: Luis Camillo Osório

O presente artigo propõe uma discussão a partir do livro Gosto, do autor italiano Giorgio

Agamben, ainda não publicado no Brasil. Neste texto, Agamben debate o modo como

historicamente haveria uma cisão entre a filosofia – o campo da falta do saber – e o conhecimento

– o campo do saber. Assim, Agamben recoloca a problemática sobre a impossibilidade de

apreender o objeto do conhecimento, já exposta em seu livro Estâncias: a palavra e o fantasma na

cultura ocidental, desenvolvendo uma leitura do Banquete de Platão, texto seminal para pensar essa

questão. No Banquete, estaria exposta a cisão entre o campo epistemológico – o lugar da verdade -

e a beleza – o lugar do prazer. Segundo o filósofo, o Banquete confirma a premissa de que a filosofia,

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por sua própria constituição terminológica enquanto philo- sophia, não procuraria deter a posse do

objeto do conhecimento, mantendo em sua estrutura uma falta de algo que lhe escapa

permanentemente, mas tampouco se ocuparia do gozo da beleza. Com relação à Estética, esfera

que me interessa pesquisar, a formulação do conceito juízo de gosto por Kant seria uma forma,

segundo Agamben, de dar notícias dessa antiga querela, ao tentar resolver essa separação. O gosto,

por assim dizer, buscaria unir o lugar do conhecimento do objeto, ao julgá-lo, e o deleite das obras

de arte, através do prazer desinteressado. Desse modo, proponho me amparar nas considerações

de Agamben sobre o tema para forjar uma perspectiva que pense a relação da filosofia da arte com

relação aos objetos de sua crítica, isto é, as próprias obras de arte, entendendo como elas se colocam

como barreiras ao processo de significação convocado pelo conhecimento, ao mesmo tempo em

que não recusam o estatuto do prazer. Busco com isso extrair uma via possível para a compreensão

do campo contemporâneo da arte, ao reconhecer o limite da interpretação das obras, sempre

escapável à filosofia, e resguardar para a crítica a prazerosa possibilidade de gozar daquilo que nos

é mais estranho e desconhecido. Além disso, faço referência à psicanálise no que diz respeito à

existência de um ininterpretável para a arte baseando-me em uma nota de rodapé inserida em A

interpretação dos sonhos de Freud, na qual o psicanalista austríaco aponta que em todo sonho existe

algo como um umbigo, um ponto insondável que deve ser abandonado pela interpretação, um

limite no qual o analista não mais avança em suas decifrações. Tomando essa consideração como

fundamental para pensar a noção de limite, defendo a perspectiva de que também para a crítica de

arte exista algo como um umbigo, um lugar último no qual a obra de arte se resguarda não como

algo a ser desvelado, mas como enigma que, em vez de demandar respostas e sentidos, se afirma

como um puro querer dizer, no qual a linguagem não é comunicação de uma mensagem, mas se

apresenta como uma potência que expõe em sua estrutura o fracasso dos processos de significação.

Fragmentos: Da escrita ao corpo – intercessões entre Walter Benjamin e Samuel Beckett

Larissa Primo (PUC-RJ) Mestranda (CAPES)

Orientador: Pedro Duarte

Pretendo, através desse ensaio filosófico, me debruçar sobre as possíveis aproximações entre

o pensamento de Walter Benjamin e a literatura de Samuel Beckett a partir de um momento pontual

do ensaio Experiência e Pobreza – a saber, o instante em que Benjamin, ao mencionar as

consequências do declínio da experiência para a tradição, se volta – como exemplo da experiência

desmoralizadora da guerra de trincheiras – ao silêncio dos combatentes que retornavam mudos do

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campo de batalhas, muito pobres em experiências (Erfarung) comunicáveis.1 Tomando esse ponto

como eixo central, buscarei compreender de que maneira a literatura beckettiana – sobretudo a

trilogia do pós-guerra e seus textos mais porosos – enriquece a compreensão desse “lugar” de exílio

em que a linguagem tantas vezes esbarra. Da incapacidade de dizer surge não somente uma escrita

fragmentária, que faz do ensaio a expressão estética como sintoma de uma época. Surge, sobretudo

dessa falência discursiva, um gaguejo infinito diante de um trauma que fragiliza o corpo humano e

expõe o fracasso como única possibilidade de continuar.

Há alguma coisa paralisantemente sagrada na natureza viciosa da palavra que não

se encontra nos elementos das outras artes? Há alguma razão pela qual a terrível

e arbitrária materialidade da superfície da palavra não seria capaz de ser

dissolvida, como pode, por exemplo, a superfície do som, rasgada pelas enormes

pausas, da Sétima Sinfonia de Beethoven, de forma que, por páginas a fio, nós

não podemos perceber nada a não ser um caminho de sons suspensos nas alturas

vertiginosas, ligando insondáveis abismos de silêncio?2

A superfície do som por ora se veste de silêncio – para que haja som, é necessário que o

silêncio recorte um dizer. A potência da Sinfonia de Beethoven não está propriamente no som,

nem tampouco no silêncio, mas no intervalo de tensão, no encontro entre dois dizeres ostensivos.

Sua força repousa em suas pausas dramáticas, nas esperas aflitas do instante em que o som retomará

seu desenlace. A superfície da palavra, para que seja ouvida, para que de algum modo deixe suas

marcas, precisa ser, então, esburacada, precisa se tornar porosa, precisa ainda recorrer à pureza da

língua – como golpes de silêncio que fissuram a tessitura da linguagem. Ao se lançar ao

estrangeirismo de outro idioma, Beckett buscava justamente escrever sem estilo, essa

desterritorialização da palavra, a busca por essa pureza – ora da linguagem, com pantomimas; ora

dos gestos, com um discurso labiríntico e dúvidas hiperbólicas dos anti-heróis beckettianos, é pura

expressão da incapacidade moderna de dar conta de uma completude – seja pelo ritmo incessante

do progresso, seja porque a linguagem já não mais prescreve seu tempo. A escrita fragmentária, a

qual tanto Beckett como Benjamin recorrem, diz justamente sobre um alçar de mãos ao vento na

busca de palavras que caibam – mas é condição própria à palavra sempre escapar, reduzir os objetos

sobre os quais se debruça. Esfacelar a linguagem, como buscava Beckett, é, sobretudo, a eterna

perseguição desses abismos de silêncio sobre os quais a palavra se lança – não para que ela se perca,

mas para que ressoe em potência, pois somente do fragmento, como Benjamin já havia exposto

1 BENJAMIN, Walter. Experiência e Pobreza In. Magia e Técnica, Arte e Política, p.114-115 “Na época já se podia notar que os combatentes tinham voltado silenciosos do campo de batalha. Mais pobres em experiências comunicáveis, e não mais ricos.” 2 Carta de Samuel Beckett a Axel Kaun, a “Carta Alemã” de 1937 In. Samuel Beckett: O silêncio possível, p.169.

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em sua tese sobre O Conceito de Crítica de Arte no Romantismo Alemão, é capaz de fazer surgir a imagem

do todo.

Referências Bibliográficas: BECKETT, Samuel. Companhia e outros textos. Trad. Ana Helena Souza. São Paulo: Globo, 2012. __________. Malone Morre. Trad. Ana Helena Souza. São Paulo: Globo, 2014. __________. Molloy. Trad. Ana Helena Souza. São Paulo: Globo, 2014. __________. O Inominável. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. BENJAMIN, Walter. Alegoria e drama trágico In. Origem do drama trágico alemão. Trad. João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica Editora. __________. A obra de arte In. O conceito de crítica de arte no Romantismo alemão. São Paulo: Iluminuras, 1999. __________. A teoria primeiro romântica do conhecimento da arte. In. O conceito de crítica de arte no Romantismo alemão. São Paulo: Iluminuras, 1999. __________. Experiência e Pobreza In. Magia e técnica, arte e política. Obras escolhidas vol. I. Trad. Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Editora Brasiliense. __________. O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In. Magia e técnica, arte e política. Obras escolhidas vol. I. Trad. Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Editora Brasiliense. Carta de Samuel Beckett a Axel Kaun, a “Carta Alemã” de 1937 In. Samuel Beckett: O silêncio possível Fabio de Souza Andrade. São Paulo: Ateliê Editorial.

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27/11 – 16h15-18h15 / Mesa 2: Adorno e Benjamin

A aporia da autonomia na Teoria Estética de Adorno

Bruna Franco Diaz Batalhão (UNICAMP) Mestranda (CAPES)

Orientadora: Taísa Helena Pascale Palhares

A defesa de Theodor W. Adorno de que obras de arte autênticas em regime de modernidade

possuem um caráter autônomo em relação ao processo histórico-social situa a autonomia da arte

não como mero resultado da recusa da arte a este processo, mas como condicionada ao mesmo

tempo histórica e socialmente. A manutenção do princípio de autonomia no interior da Teoria

Estética – obra de Adorno inacabada e publicada postumamente em 1970 – não se configura como

simples hipóstase desse conceito, mas estabelece uma relação entre arte e sociedade em que a

autonomia é posta como condição fundamental para o poder de negatividade da arte, isto é, para

o poder da arte em realizar a crítica da sociedade. Nesse sentido, pretende-se discutir a relevância

da estética adorniana no debate crítico do século XX, em vista da especificidade da noção de

autonomia e seus pares dialéticos que, ao atribuir à arte a capacidade de mediatizar em sua própria

forma conteúdos de origem histórica e social, propõe um tipo de construção da obra de arte

baseada em uma relação dialética entre arte e sociedade, que se expressa na capacidade conferida

por Adorno à arte em formalizar o que Adorno conceitualiza como o “não-idêntico”. Nesse

sentido, pretende-se discutir o que seria essa noção de não-identidade para Adorno e que seria

passível de formalização pela arte. O princípio de identidade é definido por Adorno como a

característica, em termos epistemológicos, da tendência à completa integração própria do

capitalismo tardio. A capacidade da arte de formalizar o não-idêntico coloca a arte como uma forma

de resistência ao processo de integração total levada a cabo no capitalismo tardio, ao mesmo tempo

em que ela retira seus conteúdos dessa realidade social. A recusa da realidade social pela arte, recusa

esta que lhe conferia uma dimensão crítica a essa realidade, e é nisso que reside sua ambivalência,

tornou as obras de arte cada vez mais especializadas e fechadas em sua autonomia. De maneira que

elas recaíram em um hermetismo e um formalismo tal que, o preço pago pela separação da arte

seria “definhar longe dos destinatários que lhe insulflariam o oxigênio da experiência viva”3.

Grande parte da arte dita “pós-moderna” vai na direção da crítica a esse “alto modernismo”. Em

última instância, o controverso “pós-modernismo” se caracterizou pela derradeira integração da

arte a uma sociedade já completamente administrada, de forma que a pergunta sobre a possibilidade

3 ARANTES, Otília Beatriz Fiorei & Paulo Eduardo. Um Ponto Cego no Projeto Estético Jürgen Habermas: Arquitetura e Dimensão Estética Depois das Vanguardas. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 26.

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de resistência da arte não se faz mais à luz de sua separação, autonomia e não-identidade. Assim,

pretende-se apontar as limitações desta noção no desenvolvimento posterior da arte, seja no que

diz respeito à progressiva integração da arte, seja no que diz respeito à própria fetichização de sua

autonomia. O pós-modernismo poderá, nesse sentido, ser interpretado como uma auto-crítica do

modernismo, um modernismo caracterizado por um pensamento utópico. A estética de Adorno

pode trazer as bases de uma estética utópica, mas também as condições de sua crítica.

O lugar de expressão da morte sob o mundo administrado

Daniel Alves Gilly de Miranda (UNIFESP) Doutorando

Orientador: Luciano Ferreira Gatti

Numa nota à Dialética do esclarecimento denominada "Teoria dos fantasmas", Adorno e

Horkheimer discutem a interpretação freudiana de que a crença nos fantasmas tem a sua raiz nos

maus pensamentos dos vivos em relação aos mortos, originados principalmente dos sentimentos

de ciúme e de culpa. Disso concluem que essa crença permanece viva, desfigurada pelo capitalismo

tardio na maldição do esquecimento que se imputa aos mortos pelo seu afastamento do reino dos

fins do mundo administrado, dentro do qual não possuem mais nenhum valor mercantil. Ao

mesmo tempo, o investimento libidinal no objeto de desejo morto se volta contra as pessoas como

recordação de um estado de alienação para o qual nada que não se reduza à socialização radical

merece lugar na história de um indivíduo ou povo. O morto torna-se para a subjetividade reflexo

de um recalcamento da sua própria historicidade e da incapacidade de se dissolver inteiramente nos

princípios da racionalidade instrumental. O imperativo pragmático de esquecer os mortos em favor

da continuidade da vida de acordo com os seus fins mais imediatos encontra resistência no

sentimento de luto, que prolonga a existência dos fantasmas enquanto ferida: "O luto torna-se a

ferida que marca a civilização, a sentimentalidade associal que revela que ainda não se conseguiu

comprometer inteiramente os homens com o reino dos fins."4 A negatividade que se atribui ao luto

refere-se ao estado de recordação de uma ruína do sentimento que não se deixou sublimar pela

exigência prática, e que reflete ao mesmo tempo a própria cultura como o processo que se efetiva

através da violência sobre os sentimentos e sobre a subjetividade desejante. O luto recorda a

natureza que foi recalcada em favor da dominação técnica, mas ele não possibilita a sua redenção,

que só poderia se dar no contexto da racionalidade instrumental. Como dizem os autores em outra

nota do livro, não é a natureza em si que que tem a força de se colocar como crítica da sociedade

4 ADORNO & HORKHEIMER. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

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capitalista: já integrada a este mundo, ela acaba coincidindo com ele enquanto a forma que mobiliza

as leis de sua dominação ideológica. O que resta para o pensamento crítico e para a negatividade é

nada mais do que a possibilidade de se recordar da natureza. Retomando as reflexões de Walter

Benjamin sobre a relação entre luto, obra de arte e natureza no livro Origem do drama barroco alemão,

é possível apontar para uma aproximação entre a obra de arte e o trabalho de luto enquanto

elaboração de uma perda da natureza, assim como da possibilidade de sua expressão enquanto

perda que permanece uma negatividade não resolvida. Em Benjamin, isto se manifesta numa

relação entre linguagem e natureza na qual a primeira, através do processo de significação, aprisiona

o ser natural em sua mortalidade e perda: "a natureza vê-se traída pela linguagem e aquele enorme

constrangimento do sentimento torna-se luto. Assim, com o duplo sentido da palavra, com a sua

significação, a natureza fica paralisada."5 A natureza, nesse processo, não completa a passagem para

a linguagem comunicativa, mas permanece aprisionada na linguagem enquanto expressão de seu

lamento mudo primordial: "O luto enche o mundo sensível em que natureza e linguagem se

encontram."6 Na obra de arte significativa a expressão é antes de mais nada expressão do negativo

associal, de uma natureza que espera reconciliação e para a qual se destinam os anseios de uma

humanidade livre da lógica da dominação instrumental.

Implicações ideológicas da definição do ensaio como especulação sobre objetos

culturalmente pré-formados em “O ensaio como forma” de Adorno

Naiara Martins Barrozo (UERJ) Doutoranda (CNPQ)

Orientador: Gustavo Krauser

Uma das influências mais explícitas para a elaboração da noção de ensaio apresentada por

Adorno em “O ensaio como forma” (1958) é o prefácio epistolar “Sobre a essência e a forma do

ensaio” publicado por Lukács em 1910 na abertura de A alma e as formas. É possível observar pelo

menos dois sinais da intimidade existente entre os dois textos. O primeiro está logo no início da

exposição de Adorno, quando ele cita um fragmento bastante famoso da obra do pensador

húngaro, segundo o qual o ensaio “ainda não conseguiu deixar para trás o caminho que leva à

autonomia, um caminho que sua irmã, a literatura, já percorreu há muito tempo, desenvolvendo-

se a partir de uma primitiva e indiferenciada unidade com a ciência, a moral e arte” (LUKÁCS,

1910). A partir deste trecho, Adorno situa o leitor sobre a condição então atual do ensaio, condição

5 BENJAMIN, Walter. "O significado da linguagem do drama barroco e na tragédia" In: Origem do drama trágico alemão. Belo Horizonte: Autêntica, 2013, p. 267. 6 Ibidem.

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da mais absoluta rechaça, e tece especulações sobre os motivos que explicam este quadro. Com o

fragmento, Adorno também diz sobre o modo como o ensaio é visto com relação à sua natureza:

ele mantém certa hibridez porque figura entre o artístico e o científico, sem, contudo, ser arte ou

ciência. O segundo sinal da intimidade Adorno-Lukács se mostra no momento que o filósofo

alemão define pela primeira vez o modo de escrita ensaístico. Ele diz: “Apesar de toda a inteligência

acumulada que Simmel e o jovem Lukács, Kassner e Benjamin confiaram ao ensaio, à especulação

sobre objetos pré-formados, a corporação acadêmica (...) só se preocupa com alguma obra

particular do espírito na medida em que esta possa ser utilizada para exemplificar categorias

universais, ou pelo menos (...) tornar o particular transparente em relação a elas” (ADORNO,

1958). Portanto, o ensaio é “a especulação sobre objetos culturalmente pré-formados”. Aqui, sem

citar diretamente o texto original como havia feito na primeira vez, Adorno empreende uma

apropriação da ideia lukacsiana, segundo a qual todo ensaio diz de algo formado anteriormente,

reordena coisas que já foram vivas alguma vez. A relação com o pensamento de Lukács neste

segundo sinal de intimidade parece ser bastante peculiar. Se atentarmos para a forma, a

peculiaridade já se coloca a partir da escolha de Adorno por não citar diretamente, textualmente,

sua fonte. A concepção apresentada originalmente por Lukács é enredada da tessitura do ensaio

como uma linha que o constrói, que ajuda a dar forma e mostrá-lo. Ao fazer isso, Adorno acaba

por conferir à ideia novas matizes que surgiram no instante em que a noção lukacsiana foi imersa

em um projeto próprio e bastante específico: o de pensar a relação entre ensaio e ideologia.

Considerando todo este contexto, o objetivo desta comunicação é debruçar-se sobre esta primeira

configuração com a qual Adorno expõe o ensaio, em outros termos, com esta primeira definição.

Isso será feito a fim de explicitar pelo menos duas implicações ideológicas com as quais a ideia de

Lukács passa a dialogar quando se torna parte da emaranhada rede ensaística adorniana: uma

estritamente relacionada com o tipo de sujeito que é o investigador ensaístico; outra referente ao

objeto do ensaio e à sua natureza.

A influência de Walter Benjamin na teoria estética de Carl Schmitt: teatro e história,

tragédia e mito

Verena Seelaender da Costa (UERJ) Doutoranda (CAPES)

Orientadora: Izabela Aquino Bocayúva

A influência das ideias políticas do jurista conservador Carl Schmitt (1888-1985) no

pensamento de Walter Benjamin (1892-1940) é um assunto razoavelmente debatido dentro da

reflexão filosófica contemporânea, sendo a correspondência entre estes autores considerada um

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dos mais inquietantes diálogos da intelectualidade alemã do início do século XX. A presente

comunicação tem como objetivo, no entanto, percorrer um trajeto menos comum e, em certa

medida, inverso: delimitar a influência de Benjamin na menos conhecida teoria estética de Schmitt,

mesmo após a morte de Benjamin em 1940. Para tal fim, buscaremos na obra sobre estética de

declarada inspiração benjaminiana “Hamlet oder Hekuba: Der Einbruch der Zeit in das Spiel” [Hamlet

ou Hécuba: A Intrusão do Tempo na Peça] (1956) de Schmitt, para além das referências diretas,

como o conceito schmittiano de intrusão da verdade [Einbruch der Wahrheit] na peça de teatro - no

caso, no “Hamlet” de Shakespeare - coloca em operação conceitos benjaminianos como história,

representação teatral, mito e tragédia, tais como articulados na tese de pós-doutoramento de

Benjamin “Origem do drama trágico alemão” (1925), que Schmitt cita como uma de suas principais

fontes. Essas semelhanças, entretanto, não significam uma afinidade profunda e irrestrita, muitas

vezes apontando para diferenças fundamentais entre o pensamento de ambos, especialmente no

que diz respeito ao sentido de intrusão - vista por Schmitt como resultado da ação soberana da

história no texto artístico e, por Benjamin, como ponto de articulação entre teor factual e teor de

verdade da obra de arte. Ao analisar a dramaturgia alemã do período barroco e, em especial, o

gênero do drama trágico alemão [Trauerspiel], Benjamin busca situar o drama trágico como

expressão de uma disposição histórico-espiritual característica do barroco, não apenas como

reflexo estético das concepções artísticas de então. Influenciado pela obra schmittiana -

principalmente pelo conceito de soberania conforme definido no conhecido ensaio de Schmitt

“Teologia política” (1922) - Benjamin observa como o fenômeno do drama trágico mobiliza,

dentro de si mesmo, um conceito de história e uma relação entre história e obra de arte que são

essencialmente diversos daqueles utilizados para interpretar, por exemplo, a tragédia na Grécia

Antiga. É justamente na ideia de que há uma relação intrínseca entre tempo histórico e obra que se

assenta a teoria estética de Schmitt. Assim como para Benjamin, para Schmitt a obra de teatro

carregava na sua própria concepção um conceito de história e de um elo inseparável entre esta e a

representação teatral. Apesar de não ser só um reflexo direto de realidade histórica na qual estava

inserida, havia no barroco a percepção de que o tempo da peça de teatro e o tempo histórico eram

parte de um jogo de espelhamentos e miniaturizações entre arte e mundo, no qual as relações se

reproduziriam de forma imperfeita; relações estas tais como a entre soberano e súditos e potência

divina e a criação, todas perpassadas pela ideia de uma degradação fundamental, no ato do reflexo,

de uma passagem da perfeição para a imperfeição. Para Schmitt, no entanto, a força da decisão

soberana, por meio de uma intrusão violenta, invadia o jogo barroco e retomava novamente a peça

para a imanência das relações de poder contemporâneas à concepção da peça de teatro. Nesse

sentido, o pensamento de Schmitt se distancia do de Walter Benjamin pois, para Benjamin, o fato

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fundamental da representação do soberano no drama trágico reside exatamente na sua incapacidade

de decidir.

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27/11 – 14h-15h / Mesa 3: Ética e Ontologia

Liberdade e Responsabilidade Moral em Spinoza

Jonathan Alves Ferreira de Sousa (UFRJ) Mestrando (CAPES)

Orientador: Ulysses Pinheiro

Neste trabalho trataremos de um problema que se apresenta na filosofia de Baruch de

Spinoza através da relação entre os conceitos de liberdade tal qual proposto pelo filósofo holandês

e a possibilidade, se é que há alguma, de haver responsabilidade moral no sistema filosófico

spinozano. Primeiro é traçado o caminho para compreensão do que é a liberdade para Spinoza,

delineando de maneira simplificada os conceitos de indivíduo, conatus e paralelismo, para então,

relacionar e responder como pode haver compatibilidade entre liberdade e responsabilidade moral

no sistema filosófico spinozano.

O conceito de liberdade tradicionalmente interpretado até Spinoza situa o problema em

torno da vontade e das escolhas feitas pelo indivíduo, mostrando que o homem livre é aquele que

sabe/consegue escolher o que lhe faz bem. O filósofo holandês rompe tacitamente com a tradição

na sua formulação de liberdade levando a discussão a um outro ponto, a saber, o da total negação

do livre-arbítrio, ou seja, a total negação da existência de algum tipo de possibilidade de escolha

para efetuação da ação do indivíduo.

A liberdade proposta por Spinoza é deveras inovadora e faz parte de um sistema grande e

complexo, e, por isso, meu intuito neste trabalho é explicitar da forma mais simples e clara possível

este conceito. A obra usada como base neste estudo será a Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras.

Perguntas, tais como: o que é a liberdade para Spinoza? Quais as possibilidades de liberdade para

o indivíduo? Porque e como o filósofo holandês rejeita o livre-arbítrio? O que pauta as ações

humanas? Em que implica a liberdade? E, a mais importante questão neste trabalho: pode o

indivíduo na filosofia de Spinoza ser responsabilizado moralmente por seus atos?, serão

importantes na caminhada do presente trabalho.

A filosofia spinozana comporta uma ética da alegria, da afirmação, da liberdade individual.

Seu rompimento com a tradição é claro e evidente quando o filósofo holandês dá uma nova

formulação que vai de encontro com o conceito de liberdade como livre-arbítrio, isto é, como uma

(suposta) capacidade ou poder de escolha entre o bom e o mau. Spinoza entende que não existem

atos volitivos, nem deliberação ou qualquer tipo de escolha envolvida na ação humana. As ações

do homem sempre seguem uma ordem natural, ou seja, são determinadas pela sua natureza, logo,

liberdade não é vontade, mas autonomia. (LIMA, 2009). Ser determinado conforme a necessidade

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de sua natureza vai direto ao encontro da tese do livre-arbítrio, pois os indivíduos não agem por

vontade. Para alcançar a liberdade, o homem deve buscar "autodeterminar-se ou agir sem ser

constrangido por nada exterior à própria razão."

Só há possiblidade de responsabilidade moral onde há o livre-arbítrio, ou seja, só pode ser

responsabilizado moralmente aquele que usou seu poder de escolha e decidiu entre o bom e o mau

e, logo, isso impossibilita a responsabilização moral no sistema spinozano? Uma concepção de ação

moral deve dar conta de ações apoiadas em razões e o indivíduo moralmente responsável é aquele

capaz de autodeterminar-se.

Perceberemos, então, que em Spinoza o conceito de moral, bem como o de liberdade

assumem contornos contrários, quando não totalmente opostos, àqueles propostos

tradicionalmente. Ele abandona a concepção tradicional de moral fundamentada fora do indivíduo

e dá ao homem uma moral pautada na lei natural do indivíduo, que está sempre procurando se auto

preservar através do seu conatus, em um esforço contínuo de agir bem, guiado pela razão.

A Ontologia da Relação em Deleuze

Ádamo Bouças Escossia da Veiga (PUC-RJ)

Doutorando (CAPES)

Orientador: Rodrigo Nunes

O presente trabalho se dedica a analisar a filosofia deleuziana sob o ponto de vista de uma

ontologia da relação. Uma ontologia da relação define-se, como coloca com clareza Wildman, como

sendo aquela na qual “as relações entre entidades são ontologicamente mais fundamentais que as

entidades elas mesmas.” De imediato, nos parece um contrassenso pensar que haja relação antes

que haja aquilo que se relaciona; no entanto, aquilo que se relaciona enquanto indivíduo ou termo

individuado, deve ser sempre pensado, como coloca bem Gilbert Simondon em sua própria

ontologia da relação, não a partir de um princípio explicativo anterior ou posterior ou simplesmente

exterior à própria individuação segundo o qual ela teria sua gênese, mas, ao contrário, no próprio

processo de individuação: “conhecer o indivíduo através da individuação em vez de a individuação

através do indivíduo.”(Simondon, 2008, p. 27) O indivíduo em sua atualidade, com suas

propriedades – como forma, matéria, extensão – não pode servir de princípio para explicar a si

mesmo; as propriedades mesmas é que devem ser explicadas. Uma ontologia da relação, então,

articula-se sobre o pensamento de uma gênese; se a relação pode ser dita anterior aos termos que

ela individua, é porque estes termos só existem na e através da relação: “toda verdadeira relação tem

estatuto de ser e se desenrola no interior de uma individuação.” (Simondon, 2008, p. 32) Assim,

tomar o sujeito e objeto, homem e mundo, em si e para nós, como dados iniciais de uma

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investigação filosófica é fechar os olhos para a instância própria que torna tal distinção em si mesma

possível; antes de homem e mundo, há uma relacionaliade na qual temos ambos emergindo como

termos.

Em Deleuze, teremos estes mesmos princípios. Para Deleuze, temos um plano de pura

racionalidade identificado enquanto Ideias ( Diferença e Repetição) e plano de imanência ( Mil

Platôs, O que é a filosofia?) ao qual responde pela individuação dos entes dados na experiência.

Este plano é virtual-intensivo, problemático; constitui-se enquanto uma pura diferença anterior a

diversidade dos entes. Acreditamos que esta postura se mantém em toda a filosofia de Deleuze,

mas nos parece que em Diferença e Repetição ela se mostra mais clara; assim, procuraremos

descrever o movimento de individuação como colocado neste livro.

Deleuze identifica, então, este estado pré-individual à perplicação enquanto estado virtual-ideal-

problemático; dele decorre a implicação como momento da atualização/individuação a partir da

ressonância interna e da ação do percursor sombrio, e, por fim, temos a explicação como

produção efetiva dos entes dados na experiência; a replicação seria manutenção da implicação

enquanto individuação contínua paralela ao indivíduo. Assim, temos um sistema de gênese

que funciona a partir de relações diferenciais e virtuais. Temos a perpiclação enquanto momento

pré-individual, a implicação como momento próprio de individuação – que, povoado por

multiplicidades virtuais, operará como estrutura coextensiva ao –indivíduo – e por fim, as

multiplicidades qualitativas, o diverso dado na experiência enquanto explicação. Neste esquema,

tudo começa nas relações virtuais, relações entre relações para, por fim, culminar nos entes

empíricos. A partir destas considerações e destes conceitos que procuraremos demonstra a

pertinência de se pensar uma ontologia da relação em Deleuze.

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27/11 – 15h15-17h15 / Mesa 4: Filosofia da História

A Paixão do Espírito ou de como os homens fazem a história

Uriel Massalves de Souza do Nascimento (PUC-RJ) Doutorando (CNPQ)

Orientador: Pedro Duarte de Andrade

“Nada de grandioso [na história] foi realizado sem paixão”. Essa frase, extraída das Lições

sobre filosofia da história de Hegel espanta a quaisquer partidários da compreensão corrente do referido

autor como um arauto de uma razão fria e calculadora. Diferente do que se supõe, se é bem verdade

que o filósofo de Jena conclui de maneira grandiloquente o período do Idealismo Alemão –

colocando, com isso, a as noções de Razão e a Totalidade em conjunção – é igualmente verdade

que sua compreensão de razão difere daquela tradicionalmente conhecida. É sabido que, ao longo

de toda a tradição que lhe antecede – à exceção de Spinoza – aquilo que é do âmbito racional não

se mescla ou relaciona com aquilo que é do âmbito sensorial e/ou sensual, ou seja, referente aos

sentidos e, mais amplamente, ao corpo. A clássica oposição entre razão e emoção não é assim

pensada à toa. Se podemos acreditar em Nietzsche e nos filósofos do século XX, tal oposição surge

de certa leitura da filosofia platônica que se torna canônica, qual seja, aquela mesma que vê em

Platão um cristão avant la lettre, efetuando um desprezo do corpo e das emoções em prol do frio e

mudo espetáculo racional da verdade. Ao fim e ao cabo, portanto, a má compreensão da filosofia

hegeliana ou o não entendimento de sua definição de Razão advém de uma certa pré-compreensão

do significado do conceito razão e da tomada de posição que enxerga em qualquer uso deste

significante um significado unívoco. Longe de levar adiante a referida noção, a Razão hegeliana é

total na medida mesmo em que encontra em tudo, mesmo nas emoções (ou nos afetos), um tipo

peculiar de pensamento. Não é tanto que as emoções ou afetos sejam “a base” do pensamento ou

influam na produção de ideias como no paralelismo de Spinoza entre mente e corpo, mas sim que

aquilo que se crê ser o mais irracional seja, na verdade, racional: eis a tese hegeliana sobre as

emoções. Sendo assim, a frase que inicia esse resumo ganha outra coloração. Se a paixão, i.e. o

estado de estar passivo frente a determinada inclinação subjetiva que Hegel também denomina

interesse, é também ela racional, caberá também a ela um quinhão na História do Espírito (ou do

mundo, Weltgeschichte), posto ser essa história aquela que se refere aos passos do Espírito Absoluto

em direção à liberdade. Mais do que uma dimensão secundária, entretanto, a paixão ganhará um

estatuto próximo ao de motor da História do Espírito, posto que são os homens que a fazem sem,

no entanto, saberem que o fazem. Entrelaçam-se, aqui, duas temáticas comuns à filosofia da

história hegeliana: a tese de que são as paixões que motivam os homens dá luz a um corolário

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conhecido como “astúcia da Razão”. Segundo essa tese, a Razão usaria os homens para realizar

seus desígnios pois que, por ser a história realizada de maneira inconsciente pelos homens, estes a

realizariam quer soubessem quer não. Ao intencionar determinado resultado (outcome) os homens

acabariam, assim, por mover a história. Dito isso, nosso objetivo será, aqui, o de deslindar o

entrelaçamento entre o motor da história (que são as paixões humanas) e a própria história (que

são as consequências dessas ações.

Considerações críticas aos Fundamento da filosofia de Thomas Hobbes

Thales Coimbra Paranhos Cavalcanti de Paiva (UFRJ)

Mestrado (CAPES) Orientador: Rafael Haddock-Lobo

Na filosofia política de Thomas Hobbes, os resultados são obtidos segundo uma

metodologia que busca corresponder à metodologia científica da filosofia natural, a saber, Hobbes

empreende uma descrição da estrutura social segundo método correspondente ao que se utiliza na

descrição da realidade física, admitindo o modelo mecanicista. No entanto, a aplicação deste

método no domínio social não significa que seu posicionamento político esteja desprovido de

certos princípios dos quais parte para erguer suas teses. A posição teórica de Thomas Hobbes na

filosofia política advém de determinados pressupostos conceituais que buscam validar esta sua

posição.

A coercitividade das normas jurídicas e a garantia das leis é resultado do papel decisivo que

o contrato social desempenha no seio da sociedade. A função do contrato, pois, é a de cumprir a

segurança dos cidadãos e, a fim de evitar a guerra civil, manter a unidade política do Estado, mas

somente na medida em que os indivíduos se despojam de toda sua potencial força antissocial,

outorgando deliberadamente ao centro de poder a autoridade soberana.

A doutrina do contrato social é sobejamente conhecida, bem como sua concepção do

homem, de acordo com a qual, segundo a própria expressão de Hobbes, “o homem é o lobo do

homem”, no sentido de que, abstração feita das regras constitucionais da sociedade civil, os desejos

dos indivíduos colidiriam fatalmente uns com os outros, e, por conseguinte, no estado de natureza

reinaria a Bellum omnium contra omnes, a “guerra de todos contra todos”. Com isso, a sociedade é

retratada por Hobbes como um conjunto de indivíduos belicosos que, não fosse pelo contrato,

empreenderiam invariavelmente meios quaisquer para satisfazer seus interesses particulares.

Portanto, a origem da sociedade civil se baseia necessariamente no interesse de autopreservação

dos indivíduos.

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O filósofo alemão Schelling é generalizadamente desconhecido, ao contrário do autor de

“Leviatã”. E sobretudo é desconhecida a sua denominada Filosofia Positiva, derradeira etapa

especulativa elaborada pelo filósofo alemão. De modo breve, é a sua teoria da involuntariedade da

realidade mitológica no processo da gênese cultural que atuará como contraponto nesta

comunicação. Em contraposição ao individualismo atômico de Hobbes, exporemos, após a

reconstrução do argumento central apresentado na Filosofia Positiva de Schelling, algumas

contribuições da etnologia filosófica e da antropologia que virão reforçar o respectivo argumento.

Nossa comunicação então objetiva argumentar no sentido de que a validade normativa das

comunidades arcaicas não advém de um fundamento que se identificaria, em última instância, com

a voluntariedade humana, muito menos com uma atividade de deliberação dos membros da

comunidade. Portanto, segundo essa última corrente de pensamento que apresentaremos, está o

homem, enquanto agente individual e singular, destituído de toda a responsabilidade pela invenção

dos bens culturais.

Nossa atenção voltar-se-á, pois, num primeiro momento para os princípios fundamentais

da concepção hobbesiana do homem. Em seguida, a fim de expor um aspecto bastante significativo

da Filosofia da Mitologia de Schelling, como se dá a articulação entre a gênese das culturas e o

papel das representações mitológicas, tal qual encontramos neste trabalho especulativo de sua fase

tardia. Por fim, acrescentaremos alguns dados etnológicos que vão em favor da tese de Schelling.

Aparentemente, não há vínculos entre a filosofia política de Thomas Hobbes e a Filosofia

da Mitologia de F. W. –J. Schelling. A despeito de todas as aparências, nosso objetivo é, em suma,

confronta-las e expor em que medida ambas as concepções se contrapõem.

Idealismo ou Ideologia? A epistemologia hegeliana e sua repercussão posterior

Mirian Monteiro Kussumi (PUC-RJ) Doutoranda (CAPES)

Orientador: Pedro Duarte

As raízes daquilo que se denomina Teoria Crítica remonta, sem dúvida, ao trabalho

kantiano proposto, principalmente, na Crítica da Razão Pura. Aí, Kant se adentra no domínio

epistemológico com o intuito de definir os limites da razão humana na relação de conhecimento.

Estabelecendo o chamado sujeito transcendental, Kant demonstrou como nossa capacidade de

conhecer se volta não apenas para a esfera objetiva, mas, acima de tudo, se refere à estrutura

subjetiva que estabelece os próprios princípios de objetividade. É, portanto, a própria ideia de

sujeito transcendental que irá se desenvolver no período posterior à Kant, durante o movimento

denominado Idealismo Alemão. O idealismo, que encontra seu ápice na filosofia de Hegel, possui

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o mérito de investigar profundamente a interioridade do sujeito durante o ato de conhecimento,

de modo a entender como os elementos cognitivos refazem ou compreendem o próprio sentido

de realidade. Nessa medida, o pensamento hegeliano, principalmente aquele que se insere no

escopo ontológico e epistemológico (e aqui nos referimos aos textos da Fenomenologia do Espírito e

A Ciência da Lógica), coloca em questão a própria relação entre o sujeito de conhecimento (a

consciência pensante no caso da Fenomenologia e a Razão no caso da Ciência da Lógica) e o

mundo exterior (ou seja, aquilo que se refere à realidade objetiva). Todo o percurso da Ciência da

Lógica se demonstra como o percorrer dialético da razão que enquadra e entende o mundo a partir

de sua própria estrutura, de modo a reconhecer o desenvolvimento das coisas como racional.

Assim, o conceito filosófico, proposto na chamada Doutrina do Conceito, se apresenta como um

constructo intelectual que nos impele a entender o funcionamento da realidade e seu desenvolver

a partir de uma estrutura baseada em uma apreensão conceitual.

Contudo, um ponto que se coloca como relevante seria o quanto a razão poderia projetar

suas determinações próprias na realidade, de modo a ver na mesma apenas uma projeção de si. De

modo a radicalizar esse movimento, um dos problemas que se colocam é como a razão poderia ver

a realidade a partir de sua própria auto determinação, como se o real fosse inteiramente

condicionado a como o sujeito de conhecimento o identifica e constrói. A consequência última

desse fato seria entender o real como um elemento apenas psicologicamente construído, como se

ele estivesse sempre submetido à mera construção racional hermeticamente fechada no que o Eu

determina. De fato, o idealismo teria se vulgarizado no problema do Eu que cria um mundo inteiro

para si, algo que resultaria em uma realidade objetiva apenas ilusória e sem conexão com o que se

dá materialmente no mundo. Por conseguinte, pensando na realidade como sempre condicionada

à ideia, vem à luz a própria noção de ideologia, uma vez que se sugere a absoluta dependência da

realidade com aquilo que o Eu entende apenas intelectualmente. Seria o real apenas condicionado

a todo o aparato intelectual da consciência, como se a mesma estivesse subordinada a um estatuto

ideológico? Como poderíamos, portanto, conciliar nossa apreensão subjetiva das coisas com aquilo

que está de fato presente na nossa realidade? Ou nas palavras de Theodor Adorno em sua Dialética

Negativa, como poderíamos pensar o idealismo sem cair na ideologia7? São essas questões que a

comunicação busca tratar.

As acepções do Sentido Histórico e sua necessidade no procedimento genealógico de

Nietzsche

7 Dialética Negativa. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2009, p. 42

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Gabriela Ferreira de Andrade (UFFRJ) Mestranda

Orientador: José Nicolao Julião

A pretensão fundamental que se encontra na gênese deste trabalho consiste numa tentativa

de analisar a questão acerca do sentido histórico presente na filosofia de Nietzsche. Atentar-nos-emos

em destacar como este conceito permeou o processo de desenvolvimento do pensamento

filosófico nietzschiano, e as suas implicações no projeto genealógico da moral. Buscaremos

compreender, portanto, as nuances do conceito, de modo que, averiguaremos as aparentes

contradições que este se encontra nos escritos nietzschianos. A filosofia de Nietzsche é marcada

por suas fortes contradições em relação aos conceitos em que discute, muitas vezes, o que é tomado

por um determinado significado em certo momento de sua obra é em outrem entendido ou

ressignificado de outra perspectiva. Por isso, muitos comentadores e interpretes de seu pensamento

caracterizam sua filosofia como sendo assistemática, ou seja, não estaria interessada em construir

teorias que nos levasse à conclusão de um determinado problema, ou algo do tipo, assim como

ansiavam os alemães de sua época. A história é um tema persistente na filosofia nietzschiana, se

destaca pelo fato de estar presente nos três períodos nos quais a sua filosofia se divide, a saber,

primeiros escritos, intermediário e tardio. É necessário levar em consideração que Nietzsche crítica

a história, mas não desídia de sua utilidade, o que se problematiza é o fato da exacerbação pelo qual

os homens tomaram a história para si, enrijecendo seu valor de proficuidade. Nesse viés,

tentaremos analisar as nuances pelas quais o conceito de sentido histórico perpassou ao longo de seu

pensamento, para que ao final possamos contrastar como Nietzsche edificou seu projeto

genealógico da moral. Projeto este, que necessitou da própria história para se emergir, e que, no

entanto, não é sequer cunhado alguma vez na obra Genealogia da Moral, a qual Nietzsche faz sua

análise acerca do cerne moral. Mas que, de maneira alusiva, já nos remete a questões referidas a

história, enunciando que “Todo o respeito, portanto, aos bons espíritos que acaso habitem esses

historiadores da mora! Mas infelizmente é certo que lhes falta o próprio espírito histórico, que

foram abandonados precisamente pelos bons espíritos da historia!” (GM, I, 2). Na execução dessa

proposta, seu debate com a tradição se fará não só contra os filósofos que almejavam que os

preceitos morais provinham da metafísica e um além-mundo, mas, também contra aos psicólogos

ingleses e moralistas franceses, os quais propuseram um sistema ético explicitamente altruísta, a

partir do qual a moral estaria embasada em convenções utilitárias, destinadas a promover o máximo

de felicidade possível para o maior número de homens. Assim, a história mesmo não aparecendo

no corpo argumentativo de seu procedimento moral, ela é uma ferramenta fundamental para esse

possa suceder, tal como, instrumento de crítica àqueles “débeis” estudiosos da moral. Desse modo,

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veremos como o conceito é compreendido pelo filósofo a partir de sua utilidade, bem como, de

suas desvantagens. Para tanto, utilizamos como apoio metodológico a perspectiva de

“interpretação contextual”, sendo esse um modo pelo qual, Werner Stegmaier, estudioso e

comentador de Nietzsche, desenvolveu para interpretar a obra nietzschiana a partir de contextos.

Nesse viés, o modo interpretativo ao qual miramos os textos de nietzschianos pondera-se na

consideração de contextos particulares de seus escritos, para que dessa maneira, possamos evitar

contradições ou deturpações do sentido ali exposto por nosso filósofo.

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28/11 – 14h-15h30 / Mesa 1: Retórica e Sofística

Sobre a fronteira entre sofística e filosofia em Platão

Ottávio de Azevedo Oliveira Rodrigues (UFF) Mestrando (CAPES)

Orientador: Luís Felipe Bellintani Ribeiro

Adversários da filosofia, gananciosos vendedores do saber, propagadores de doutrinas e

práticas imorais, praticantes de um tipo de discurso repleto de falácias e sem qualquer pretensão à

verdade, todas essas características compuseram o quadro a partir do qual a sofística tornou-se

objeto de consideração ao longo de boa parte da história da filosofia. Este cenário, no entanto,

apesar de pretender assentar-se nos juízos daqueles que são considerados adversários diretos deste

movimento, especialmente em Platão, esbarram em um inconveniente: a recorrente ambiguidade

presente no tratamento dos sofistas pelo referido filósofo.

Mesmo que a hostilidade de Platão contra a sofística esteja realmente presente em sua obra

– e de modo não pouco abundante –, não são raras as passagens em que é possível reconhecer uma

certa dificuldade na diferenciação entre a filosofia e a sofística. Tais passagens estão recheadas de

elementos que permitem reinterpretar essas duas tradições a partir não mais do lugar-comum das

suas características antitéticas, mas das suas semelhanças. No diálogo Sofista, por exemplo, obra que

o filósofo ateniense se engaja na busca de uma definição da sofística, encontramos a afirmação de

que o sofista e o filósofo apresentam certo grau de semelhança, ou, poderíamos dizer, certo grau

de parentesco, como entre o lobo e o cão, um mais selvagem e o outro domesticado (Sof. 231 a).

A presente exposição pretende, com isso, investigar estes momentos da obra platônica em

que o filósofo abre espaço para pensar as ambiguidades na relação entre a filosofia e a sofística,

evidenciando a precariedade dos limites entre essas duas tradições. Para isso tomaremos como

ponto de partida uma interpretação dos passos 314c-e do diálogo Protágoras, no qual Sócrates é

confundido com um sofista ao chegar à casa de Cálias, e os passos 79e-80d do Mênon, em que a

personagem que dá nome ao diálogo compara o efeito das perguntas de Sócrates àquele causado

por uma raia elétrica, capaz de entorpecer tanto a alma quanto a boca de quem dela se aproxima.

Após a análise dessas passagens, discorreremos sobre a importância para o projeto

filosófico de Platão da proposição e criação de fronteiras que distingam os gêneros filosóficos e

sofísticos. Após as passagens supracitadas, podemos ver Sócrates anunciando, mais uma vez, que

não é um sofista (Prot. 314d) e que sua argumentação visa não apenas refutar o adversário, mas

resolver dificuldades reais que ele próprio encontra-se enredado (Mên. 80c). Seus diálogos, mesmo

com as ambiguidades que os constituem, nunca deixam de ser a criação da possibilidade dessas

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fronteiras. De fato, para além da obra de Platão esta distinção não estava dada de modo tão evidente

como a tradição fez parecer, o exemplo mais notável disto é o tratamento dado por Aristófanes a

Sócrates na sua comédia As Nuvens. Nesta, Sócrates é representado como o arquétipo das inovações

culturais que fervilharam ao longo do séc. V a. C., um genuíno representante do movimento sofista.

Neste sentido, a afirmação “Sócrates é um filósofo e não é um sofista” tão presente na obra de

Platão ganha contornos de um juízo de caráter normativo e não meramente descritivo como

poderíamos imaginar em uma primeira aproximação.

Doutor Sócrates, altruísmo e retórica: dois aspectos essenciais da medicina da alma

segundo Platão

Pedro Luz Baratieri (UFRJ) Doutorando (CNPQ)

Orientador: Admar Costa

Minha fala pretende demonstrar os três seguintes fatos a respeito dos diálogos: (1) que

Sócrates é apresentado como "psicoterapeuta" ou médico de almas; (2) que a medicina, tal como

o Doutor Sócrates a entende e a pratica, tem por finalidade o bem de seu paciente; e (3) que para

atingir esse fim utiliza diversos artifícios retóricos. Com esse intuito, a primeira parte de minha fala

dedica-se a mostrar (1) recorrendo a pequenas passagens do (1.1) Laques, do (1.2) Cármides e do

(1.3) Górgias. (1.1) Se no começo do Laques (185a1) afirma-se que seria preciso encontrar um perito

em terapia da alma para resolver o problema da educação das crianças, no final (200c-201c) todos

concordam que os pais deveriam manter Sócrates consigo como guia na educação dos filhos. O

drama do Laques, portanto, no mínimo insinua fortemente que Sócrates é o perito em terapia da

alma que se buscava. (1.2) No Cármides, por sua vez, Sócrates já é explicitamente apresentado como

médico de almas (155b2, 156d-157c), ainda que por meio de certa brincadeira, (1.3) enquanto que

no Górgias o próprio Sócrates, além de tomar a medicina como modelo de arte autêntica (464b,

501a1), prevê seu julgamento como o de um médico sendo acusado por crianças (521e). Já a

segunda parte de minha fala (2) mostra o elemento altruístico dessa medicina valendo-se de

passagens curtas do (2.1) Cármides, do (2.2) Górgias e da (2.3.) República. (2.1) No Cármides, p. ex., é

possível perceber que uma das aporias de Crítias se dá por ele ignorar que não é inerente à arte do

médico buscar o próprio bem (164b-c). (2.2) Em consonância com isso, o Górgias evidencia que na

concepção de Sócrates um médico de verdade atua em vista do bem de seu paciente e não do seu

próprio: todas as artes autências - e a medicina é o grande modelo delas - visam ao bem daquilo de

que cuidam (464b-465, 501a); bem de acordo com isso, Sócrates diz que quando precisar se

defender, o Doutor Sócrates dirá que fez o que fez em benefício exclusivo daqueles que o acusam

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(522a). (2.3.) Já na República, a certa altura da discussão (341c-343a) vemos Sócrates alegando que

um médico enquanto médico busca apenas o bem do objeto de sua arte e não o próprio bem. A

última parte de minha fala (3) mostra que faz parte da maleta de primeiros socorros do Doutor

Sócrates uma série de ferramentas retóricas. (3.1) O próprio Górgias deixa espaço aberto para uma

boa retórica tanto ao não excluir das verdadeiras artes quer a mentira, quer a persuasão (464b-465,

501a), quanto ao apontar para duas possíveis nobres aplicações da retórica: para acusar a si mesmo

de uma injustiça (480c) e para reorientar os desejos do ouvinte em direção à justiça e à virtude

(517b-c, 527c). (3.2) Já na República Sócrates legitima o uso de mentiras tanto como remédios para

amigos loucos ou delirantes (382c-d) quanto para gerar sentimento patriótico nos cidadãos da

cidade feita com palavras (414b-c). Por fim seria conveniente (3.3) expor alguns usos dos diversos

artifícios retóricos (ironia, mentira, politropia, imagens, argumentos de autoridade, falácias com

homonímias etc.) do Doutor Sócrates; um exemplo ilustrativo seria a falácia com a homonímia

com eu prattein em meio ao discurso protréptico do Eutidemo (280c6-281e; cf. Alc. Ma. 116b). A

conclusão a que se pretende chegar com isso é pelo menos sugerir duas teses relevantes, uma sobre

o conteúdo do ensinamento platônico (o Bem) e outra sobre o método (indireto) de ensino do

fundador da Academia.

Histórias da Catarse: religião, medicina, filosofia, teatro e psicanálise.

João Gabriel Lima (UFRJ) / Álan Batista de Oliveira Doutor (CAPES) / Graduando

Orientadora: Anna Carolina Lo Bianco

A despeito dos anos que separam Psicanálise e Filosofia Antiga, há alguns conceitos que

estão presentes na história de ambas. O conceito de catarse (κάϑαρσις), cujo sentido pode ser

definido como ‘purificação’, atravessa a medicina hipocrática Antiga, as práticas religiosas e, de

acordo com a filosofia de Aristóteles, ocorre também no teatro grego. A catarse grega, portanto,

une religião, medicina, filosofia e drama. O termo se torna um conceito importante também no

contexto histórico do nascimento da psicanálise. Seu começo talvez esteja no tio da esposa de

Freud, Jacob Bernays, que publicou um livro de medicina sobre o conceito de catarse, que

provavelmente fora lido pelo jovem Freud – além, naturalmente, dos cursos sobre Aristóteles que

tomou na Universidade de Viena do filósofo Franz Brentano. Ademais, o conceito de catarse era

especialmente caro à geração romântica, que esteve muito presente, como se sabe, nas leituras de

Freud. Assim, mesmo antes de Estudos sobre Histeria, o conceito de catarse parecia estar presente na

formação de Freud. Quando o livro é finalmente lançado, com a colaboração de Josef Breuer, o

tratamento da histeria surge como um método catártico. Ao mesmo que tempo que se concebe um

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tratamento cujo princípio é levar o material patogênico à consciência, a catarse se torna um dos

veículos do tratamento, junto, claro, com a hipnose.

No âmbito da religião grega, a catarse seria uma forma de purificação decorrente de

práticas de iniciação ao culto dos mistérios de Elêusis, forma ritual cujo intuito a ser alcançado seria

a colheita agrícola. Na medicina hipocrática, cujo intuito seria sempre o equilíbrio dos humores, a

catarse constituía uma expulsão de humores incômodos em razão de seu excesso. Trata-se de uma

purgação que deveria aliviar o sofrimento do paciente causado por humores excessivos. Aristóteles,

como se sabe, era filho de médicos, apreciador também do teatro, em sua Poética, transplanta o

termo do âmbito medicinal ao trágico – e consequentemente, ao filosófico – ao buscar

compreender o fascínio dos gregos pelo teatro, sua função, sua ação nas paixões humanas. Em

Aristóteles, em sua poética, a catarse está presente junto a dois conceitos na tragédia: a mimesis,

conceito que poderia ser traduzido de maneira simples como ‘imitação’, e a anagnórise, a passagem

da ignorância ao reconhecimento, ambos essenciais na tragédia. A catarse, assim, será o termo

responsável por descrever o âmbito propriamente do pathos da tragédia: a catarse das emoções, a

purificação espiritual suscitada por terror e piedade. Assim, Aristóteles acaba por dizer, ainda que

de maneira enviesada, que o teatro tem em si mesmo algo de sagrado e de medicinal, algo que

purifica a alma e restabelece o equilíbrio.

Em Estudos sobre histeria, junto com a hipnose, Freud reconhece que a catarse poderia ter

um uso terapêutico, permitindo ao paciente descarregar afetos que de outra maneira seriam

impossíveis de serem liberados em função do recalque. Se, na tragédia, o homem purga os afetos,

no tratamento catártico seria também possível, fora do ambiente teatral, obter efeitos análogos.

Mas o nascimento do método psicanalítica começa, propriamente, não apenas com o abandono da

hipnose, mas, acima de tudo, com o abandono do próprio conceito de catarse. Esse “abandono da

catarse” por Freud não pode ser apenas compreendido como uma escolha por tentativa e erro (como

frequentemente é apresentado), mas, de outro modo, como uma decisão ética em relação às práticas

rituais, à filosofia, à medicina e, claro, ao teatro. Todos esses quatro ramos de saber estão muito

presentes no nascimento da psicanálise, de modo que o nascimento da psicanálise deve ser

interpretado em função da própria história complexa do termo catarse – um conceito entre religião,

medicina, filosofia e teatro.

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28/11 – 15h45-17h15 / Mesa 2: Física e Thauma

Tò thaumádzein: a patologia do espanto na origem da experiência filosófica em Platão e

Aristóteles

Irlim Corrêa Lima Junior (PUC-RJ) Doutorando (CAPES)

Orientador: Edgar Lyra

Texto clássico da filosofia, a que sói recorrer todo aquele em busca de saber o que é a

natureza do pensamento filosófico, a Metafísica A-II introduz, no interior de um plano imenso de

conceitos abstratos a serem, em parte, programaticamente desenvolvidos, um componente

emocional como aquilo que desperta o filosofar. Trata-se, pois, de um páthos (palavra de difícil

tradução, podendo significar paixão, emoção, sofrimento, afecção...) específico, a saber, o que

Aristóteles designa por tò thaumádzein. Pretere-se nessa passagem o substantivo que forma seu

radical (a saber, tò thaûma) à forma verbal infinitiva presente ativa do verbo que lhe é cognato,

fórmula que ao mesmo tempo possui a dupla natureza de verbo e de substantivo. Deste modo, tò

thaumádzein assinalaria algo como um admirar-se, um espantar-se ou assombrar-se, não como uma

simples emoção que sucede à alma, mas, talvez, como uma intercorrência que a arrebata, um

acontecimento inquietante misto de admiração e de espanto e que seria, por natureza, imprevisível,

impassível, portanto, de ser reproduzido mediante expedientes intencionais, o que, destarte, afasta

quaisquer possibilidades de aproximarmos por esse viés o espanto aristotélico, que desperta no ser

humano a sede pelo conhecimento epistêmico, ao efeito surpresa causado pelas táticas retóricas

orquestradas pelo discurso sofístico, como uma espécie de truque mágico de que se lança mão para

mesmerizar a audiência, suscetível de ser influenciada e subjugada. Conectando a origem da sede

do saber com a espontaneidade do espanto, Aristóteles repercute nessa passagem o famoso excerto

do seu mestre Platão, o qual, no passo 155c-d do diálogo Teeteto, focado, sobretudo, em discussões

epistemológicas acerca do movimento e do devir, atribui como páthos próprio do filósofo o tò

thaumádzein. Naturalmente suspeitaríamos aqui de um mero empréstimo platônico a Aristóteles,

como uma herança que o autor da Metafísica incorporou e que deixou sem mais discussões. No

entanto, é necessário ler nas entrelinhas as passagens em que ambos sutilmente costuram o páthos

do espantar-se no texto, sem que deixassem tão patente suas diferenças específicas em cada

abordagem. O objetivo, portanto, de nossa apresentação será o de, partindo de uma hermenêutica

acurada dos textos supramencionados de Platão e de Aristóteles e cotejando-os, deslindar as

nuances conceituais que os diferenciam, sob propósito ulterior de compreendermos a indicação

subliminar de como ambos concebem de forma diametralmente oposta, em que pese manusearem

conceitos homônimos, não somente a origem da filosofia, mas o próprio ato de filosofar enquanto

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produção fundacional da epistéme e da experiência mais elevada do pensamento humano. Sobre esta

base pretendemos diferenciar o programa filosófico platônico do aristotélico, como que cada um

constrói de forma peculiar o conceito emocional sobre o qual nos debruçamos e como que, a partir

do seu campo gravitacional, conceitos próximos como, a título de exemplo, aporia e contemplação

devem ser repensados. Se no subtítulo de nosso trabalho sugere-se a ideia de uma patologia,

devemos entendê-la sobremodo como um discurso do páthos em genitivo objetivo e subjetivo ao

mesmo tempo: o discurso filosófico sobre o páthos que visa tocar o páthos sobre o qual se funda a

própria lógica do discurso filosófico.

A harmonía entre a aparência e a inaparência: Fragmento B54 de Heráclito

Jonathan Almeida de Souza (UFF) Mestrando (CAPES)

Orientador: Alexandre Costa

Há em toda tentativa de analisar e interpretar o pensamento de Heráclito uma certa

dificuldade. Além do distanciamento temporal entre ele e nós, o que impõe às palavras

transformações semânticas delimitadas a cada contexto histórico, criando obstáculos para a

interpretação, temos, também, que lidar com o caráter fragmentário que restou de sua obra.

Sabemos que o conceito de harmonía é uma marca forte no pensamento grego arcaico, pelo menos

desde Homero8, com o sentido, no mais das vezes, de encaixe, junção, e Hesíodo9, que imprime e

recheia de deidade o significado do termo. Entretanto, sua presença na filosofia de Heráclito terá

um caráter profundamente trágico, que deve ser entendido aqui como movimento do cosmo e do

homem que independe da ação humana, por exemplo, desde o vegetal que nasce no concreto até

o medo que o humano sente.

Do que restou para os nossos estudos, existem pelo menos três fragmentos que contêm o

termo harmonía em Heráclito (B8, B51 e B54). Além destes três, Aristóteles lançou mão de um

quarto fragmento de modo curioso para fins de exemplo e ilustração daquilo que o Estagirita

entendia como harmonía em sua obra De Mundo (396b 20), contudo, neste último fragmento, o

termo não se faz presente. Sendo assim, o objetivo deste resumo será indicar uma possível

interpretação do fragmento B54 com a finalidade de observar o uso do termo por Heráclito e como

ele experimentava, através deste conceito, o movimento da natureza como movimento harmônico.

8 O aparecimento do vocábulo harmonía na Ilíada de Homero acontece nos seguintes cantos e versos: V, 60; XVII, 60;

XIX, 210, XXII, 385. Já na Odisseia vemos em: V, 162, 247-248, 361; VIII, 250, 383. 9 A presença da divindade no Teogonia de Hesíodo ocorre em dois versos, a saber, 937 e 975.

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Se partirmos da compreensão que um grego, no mínimo pós Hesíodo, tinha ao ouvir a

palavra harmonía, que também era considerada como uma divindade, é resultado de uma relação de

extremos absolutos. Segundo a Teogonia de Hesíodo, a Harmonía é uma deusa, filha de Ares, deus

da guerra e paradigma de brutalidade, e Afrodite, deusa do amor e arquétipo enfático da delicadeza

feminina. É da relação desta contradição, destes contrários, que surgirá a deusa Harmonía. Este é o

ideário grego para a compreensão da origem desta deusa e daquilo que ela rege no cosmo10.

Aplicando esta visão ao referido fragmento B54, onde lemos que a “harmonia inaparente

mais forte que a do aparente”11, temos que, para o Efésio, há dois tipos de harmonias: uma aparente

e outra inaparente (Não cabe aqui julgar qual seria a escolha do filósofo entre um ou outro tipo,

mas sim debruçarmo-nos sobre o que este fragmento nos leva a pensar sobre estes tipos de harmonía

entre as harmonías). Ao pensar na filosofia heraclítica, entendemos que há uma marcante estrutura

do pensamento baseado no devir. Entretanto, haveria algo de imóvel e algo de móvel em todo

devir? Neste sentido, a harmonia inaparente é aquela cujo o ente não se modifica, ou seja, é a

natureza, a phýsis. O cosmos, por outro lado, é o lugar das aparências. Nesta interpretação, a harmonía

inaparente, ligada à natureza de cada coisa, é mais forte do que a do cosmo que se harmoniza e se

desarmonia constantemente dando, assim, o movimento do cosmos. Por fim, a contradição está

dada uma vez que a harmonía, isto é, a relação de contrários se dá entre a aparência e a inaparência.

Questões sobre as dimensões dos corpos no De Caelo II 2 de Aristóteles

Matheus Oliveira Damião (UFRJ) Mestrando (CNPq)

Orientador: Henrique Cairus

Em De Caelo II ao discutir acerca da existência da direita e da esquerda nos céus, Aristóteles

remete a discussão ao tratado De Incessu Animalium (IA), pois, segundo o Estagirita, tais princípios

são próprios (oikeîa) ao estudo do movimento dos animais. Trata-se das dimensões (diastáseis) de

grandeza dos seres vivos. No IA elas se dividem em três pares: direita e esquerda, alto e baixo e

frente e traseira. Enunciados nesse tratado como uma das premissas para a pesquisa sobre a

natureza, estas dimensões se distinguem ali no exercício das três funções básicas da alma: nutrição,

locomoção e percepção. Entretanto, em De Caelo II 2 Aristóteles atribui a estas dimensões o

estatuto de princípios (archai) das três dimensões que caracterizam o corpo enquanto sólido, isto é, o

10 Não podemos esquecer que a compreensão dos gregos para os seus deuses é que estes são as carnes do mundo.

Deve-se ter em mente que Heráclito é pré-metafísico e isso quer dizer que sua compreensão do cosmo se dá, mesmo que meios laicizados, no próprio cosmo. Dito de outro modo, toda composição do cosmo se daria no próprio cosmo.

11 COSTA, Alexandre. Heráclito: fragmentos contextualizados. Odysseus, 2012.

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comprimento, a largura e a profundidade. O estabelecimento dessa relação suscita certas questões

acerca do modo como Aristóteles entende a tridimensionalidade do corpo. Se a tridimensionalidade

é tratada de modo essencialmente geométrico nas conhecidas primeiras linhas De Caelo I 1, as

dimensões do IA se distinguem na funcionalidade da alma e, assim, introduzem uma distinção

anímica nas três dimensões essências ao corpo. As questões giram, portanto, em torno da relação

entre a concepção geométrica e física de corpo. Aristóteles estaria postulando uma subordinação

ontológica da primeira à segunda, ou trata-se apenas de um recurso epistemológico, como sustenta

Lennox (2001), ao trazer as dimensões do IA para o contexto supra-lunar de De Caelo II 2? Haveria

dois sentidos distintos de dimensões, como também propõe Lennox, ou trata-se de dois modos

distintos de se entender as dimensões? As dimensões dos seres vivos se diferenciam das do objeto

inanimado? A distinção entre o objeto do geômetra e do físico, como elaborada sobretudo em

Física II 2 e em Metafísica M 3, é fundamental para se entender essas questões, pois a caracterização

das dimensões apresenta peculiaridades em relação ao ser vivo, distinguindo-o do sólido

geométrico. Assim, a distinção em IA entre as três dimensões no corpo do ser vivo parece

introduzir um passo distinto dos demais tratamentos presentes no corpus aristotélico, trazendo uma

ainda maior complexidade às concepções formais das substâncias sensíveis. Apesar de haver pouca

literatura específica sobre o IA --um tratado que além de fazer parte dos textos zoológicos é

pouquíssimo trabalhado pelos estudiosos—buscar-se-á compreender principalmente os trechos

que lidam com os conceitos de grandeza (mégethos), dimensão (diastáseis) e unidade (hén), caros à

geometria e matemática. De um modo geral, através dessas questões, nossa apresentação visa

contribuir para as discussões acerca da relação entre corpo e alma, focando, sobretudo, em tópicos

que tecem uma aproximação entre a geometria e os seres vivos, que apesar de evidente para

Aristóteles, raramente é colocada em realce pelos comentadores modernos. Trata-se, por fim, de

colocar em debate problemas ainda novos para os recentes estudos zoológicos de Aristóteles e que

giram em torno de um lugar de difícil demarcação, pois parecem se colocar entre as propriedades

geométricas do corpo enquanto sólido tridimensional e a função que a alma, através de suas

potências, exerce sobre ele.

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28/11 – 17h30-19h – Mesa 3: (Neo)platonismo

O (Duplo) Desejo da Alma e a Geração dos Sensíveis no sistema Plotiniano

Deysielle Costa das Chagas (PUC-RJ)

Mestranda (CAPES)

Orientador: Renato Matoso Ribeiro Gomes Brandão

O presente artigo objetiva analisar – dentro do sistema filosófico plotiniano – a importância

do desejo da Alma para a geração e manutenção da ordem presente na realidade sensível. A

estrutura do sistema filosófico plotiniano consiste na hierarquia das hipóstases inteligíveis

constituída pelo Uno-Bem (hén-agathós), pela Inteligência (nous) e pela Alma (psykhé) e, a partir dela,

a relação com a realidade sensível. Plotino apresenta-nos o Uno-Bem como princípio primeiro de

tudo, superabundante, causa de si mesmo e potência infinita das coisas. A Inteligência, a segunda

hipóstase, deriva diretamente do Uno-Bem. Enquanto o Uno-Bem é potência de todas as coisas, a

Inteligência é a própria “todas as coisas” em sua unidade inteligível. O Uno-Bem, vendo a si

mesmo, faz-se Ser e Pensamento (a Inteligência). Da mesma maneira que através da Inteligência o

Uno-Bem faz-se Ser e Pensar, é através da Alma que esta Inteligência se desdobra na realidade

sensível introduzindo nela o ser, a ordem e a forma. A Alma, a terceira hipóstase no discurso

henólogico de Plotino, é a mediadora entre a realidade inteligível e a sensível. Esta ação de

introduzir a ordem e a forma oriundas do inteligível no mundo sensível só é possível porque a

Alma mantém “seu olhar” e deseja estar junto do que é anterior e princípio do Ser, ou seja, ela

exerce uma atividade contemplativa. Contudo, ela também é afetada por aquilo que está abaixo

dela e somente por dirigir-se até essa realidade inferior (a matéria) e desejar informá-la é que os

sensíveis vêm-a-ser, ou seja, são gerados. Para tal análise, fundamentar-nos-emos primeiramente

no tratado Sobre o Amor (En. III 5 [50]), onde Plotino discorre e compara a Alma à Afrodite, fazendo

uma clara referência ao texto encontrado na obra O Banquete de Platão; em seguida, recorreremos

ao tratado Sobre a Descida da Alma aos Corpos (En. IV 8 [6]), em que Plotino afirma a existência de

um “desejo instintivo” da alma tender ao corpo para dar-lhe forma e ordená-lo. No discurso da

personagem Pausânias presente n’O Banquete há uma afirmação da existência de duas Afrodites: a

Afrodite Urânia ou Celestial e a Afrodite Pandêmia ou Popular. A primeira delas é a filha de Urano,

que está relacionada ao que é de natureza mais forte e que “possui” mais inteligência. A segunda, a

Afrodite Popular, é a filha de Zeus e Dione, e está relacionada aos que amam mais o corpo que a

alma, e ainda aos mais “desprovidos” de inteligência. Ao fazer esta alusão ao discurso Pausânias,

Plotino busca esclarecer estes dois desejos presentes na Alma: a) o desejo de retorno e

contemplação daquilo que lhe é anterior e fonte de Ser (as coisas celestes ou superiores) e; b) o

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desejo instintivo de ir em direção que lhe é inferior (aos corpos). O que trataremos de demonstrar

é que ambos os desejos, que são aparentemente antagônicos, não são excludentes, mas

complementares e necessários para a própria geração e manutenção da realidade sensível e desse

sistema cosmológico. A Alma, enquanto mediadora do inteligível e do sensível, somente pode

exercer seu papel se tanto o desejo de contemplação de seu princípio e fonte do Ser quanto o desejo

de informar e ordenar a matéria atuarem conjuntamente.

Platão e a comédia: o ridículo como prazer, dor e inveja

Felipe Ramos Gall (PUC - RJ)

Doutorando (CAPES)

Orientadora: Luisa Severo Buarque de Holanda

Numa primeira leitura, não é uma opinião errônea ou descartável afirmar que Platão via o

riso de modo negativo. É notório que a personagem Sócrates, na República, discutivelmente a

principal obra do corpus platonicum, faz sérias restrições ao riso ao propor sua reforma educacional.

Os guardiões da pólis idealizada no lógos não devem se entregar ao riso violento, e as passagens dos

poemas homéricos que apresentam os deuses olímpicos rindo devem ser censuradas. Se os deuses

são os seres mais excelentes, ele não podem agir mal. Deuses que não podem rir implica, por

conseguinte, uma concepção negativa do riso. O âmbito divino, superior, elevado, exige seriedade.

O porquê do riso ser “maléfico” é desenvolvido no diálogo Filebo. Nele, Platão expõe a temática

do bem da vida humana. A discussão diz respeito a se o bem humano seria a vida de prazer, a de

pensamento, ou uma mistura entre os dois, isto é, uma vida mista. A conclusão do diálogo é que

somente a vida mista é condizente com a realidade humana. Embora Sócrates argumente que o

pensamento possui mais valor e dignidade que o prazer, uma vida dedicada apenas ao pensamento

só seria exequível a um deus – mas os deuses não riem. Assim, o riso, associado ao prazer, é algo

próprio do humano, e isso porque uma vida de puro prazer também não é uma opção

ontologicamente possível ao homem. Riso é possível apenas na vida mista, ele próprio é uma

mistura de prazer e dor. Não a toa, Platão, no Filebo, ao tratar dos casos em que há uma mistura

entre prazer e dor, usa a comédia como um exemplo paradigmático. O fundamento disso no

desenrolar da questão é um mal da alma específico, melhor dizendo, uma dor da alma, que Platão

denomina como phthónos, inveja. O invejoso, segundo Platão, é quem tem prazer com os males do

próximo. Invejamos aqueles que se apresentam como sendo melhores do que nós, superiores em

algum aspecto. Ocorre que a grande maioria se arroga de uma aparência irreal ao se apresentar

perante seus pares. Sócrates vai dividir essas manifestações ilusórias em três, a saber, os que fingem

ter mais dinheiro do que realmente têm, os que fingem ser mais belos do que são, e os que fingem

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serem mais virtuosos do que são, numa escala crescente de gravidade e “popularidade”. O

descortinar dessa ilusão seria a própria natureza do ridículo, de acordo com o que Sócrates diz no

diálogo. O riso, que é um prazer, tem como origem um mal, qual seja, a ignorância e estupidez do

outro. A pessoa que finge ser mais e melhor do que realmente é não se conhece a si própria, ela

está afastada do dito délfico que caracteriza o pensamento socrático por excelência. O ridículo

implicaria então, necessariamente, uma mistura entre prazer e dor. Só haveria riso devido a uma

dor alheia. Desse modo, o riso é um mal, e por isso não seria digno dos deuses. Ora, mas é um fato

incontestável que Platão faz rir. Seus diálogos são engraçados, e além disso possuem evidentes

influências da comédia antiga. Desse modo, este trabalho se propõe a investigar a verdadeira

postura platônica perante o riso, bem como do seu valor para o pensamento.

Verdade, mentira e persuasão: sobre a pseudos na República II de Platão

Thiago Augusto Passos Bezerra (UFRJ)

Mestrando (CAPES)

Orientadora: Carolina de Melo Bomfim Araújo

A ressignificação da noção de pseûdos operada por Platão no Livro II da República distinguiu-

a em dois tipos; aquela alojada na alma e a outra que reside apenas no discurso (en toîs logoi). Esse

procedimento é fundamental para defesa da educação do phýlax que integra em seu programa

educativo uma apologia à ficção, não obstante o filósofo tenha tecido severas críticas aos poetas,

sobretudo quanto à poesia homérica, de todo modo, destaca Sócrates que o mais reprovável entre

os contadores dos mitos maiores não consiste no fato de mentirem, mas de não contarem

belamente as suas mentiras. A formulação de uma bela mentira, isto é, com propósitos nobres e

consentida em alguns casos é defendida por Platão. Uma defesa que ao leitor sugere ser controversa

e mesmo paradoxal, afinal, é possível alcançar a verdade através de uma mentira? Sabemos que

não será autorizado a todos o exercício da mentira na orthé politeia, será restrito aos dirigentes da

cidade. Além disso, mais a frente no Livro V temos o argumento socrático em que os governantes

devem ser filósofos. Ou seja, não a todos, mas aos filósofos será lícito mentir.

É preciso demarcar que após a pólis primeira construída em discurso e contraposta por

Gláucon é-nos apresentada uma segunda cidade, redirecionando seu projeto inicial Sócrates insere

nessa última aquilo que podemos chamar de necessidades “não essenciais”. Essa cidade passa a ter

suas necessidades inseridas na ordem dos desejos ou apetites. Nesse contexto é onde encontramos

uma nova classe de guardiões enquanto defensores da liberdade da cidade. A epithymía como

impulsionadora dos desejos apresenta uma constante ameaça engendrando a perda dos limites, o

que parece incitar a demanda de uma instância capaz de tratar dos limites e de uma educação dos

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desejos. Isto é importante porque o problema que parece estar ao fundo é mesmo o da eficácia da

verdade e que antecede a defesa da mentira na República, por essa razão tendo em vista a promoção

do benefício alheio e não o próprio essa mentira atua como um pharmakón na tarefa de converter

os cidadãos para virtude e promover a andreía dos guardiães como uma espécie de defesa da orthé

dóxa. Contudo, a verdade pode surtir efeitos ineficazes no propósito de convencer, e por sua

insuficiência em persuadir é que esse tipo especial de mentira encontrará lugar no discurso socrático

da cidade justa.

Nosso trabalho se concentra na análise da passagem 382b-d onde Platão realiza essa

distinção da pseûdos fundamental na compreensão da defesa pela licitude de enganar, afinal, o

veículo da persuasão será um discurso falso ainda que benéfico em questões práticas. Depois,

mostrar em quais casos Platão consideraria justificável o uso da bela mentira orientada por um

propósito nobre.

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28/11 – 14h-15h30 / Mesa 4: Estética Moderna

Metafísica da Música: a arte dos sons como Representação da Vontade

Bruno Victor Brito Pacífico (UFF) Mestrando

Orientador: Vladimir Vieira

Tenho a pretensão de apresentar a filosofia da música a partir das reflexões e escritos de

Arthur Schopenhauer. Explicitarei os argumentos que colocam a arte dos sons como a forma de

arte mais elevada dentre as demais artes (plásticas e poesia) apresentadas no livro terceiro de sua

obra magna, O mundo como vontade e como representação. Deste modo, devo seguir os termos da

metafísica da arte apresentada pelo filósofo.

Schopenhauer nos chama a atenção para a exposição de seu pensamento, propondo um

diálogo ou um exercício reflexivo, entre a sua abordagem filosófica acerca da “arte dos tons” e a

nossa própria reflexão sobre a música. O exercício consiste em mostrar que a reflexão

schopenhaueriana apresenta algo verdadeiro sobre aquilo que a música apresenta: a essência do

mundo, a vontade. Para que este exercício se torne efetivo ao leitor e estudioso da filosofia da

música schopenhaueriana, é necessário manter a audição freqüente de obras musicais e, assim,

travar um diálogo com o pensamento reflexivo presente no § 52, de O mundo (SCHOPENHAUER,

2005, p. 338).

O estudioso Lawrence Ferrara observa que a filosofia da música apresentada por

Schopenhauer apresenta dificuldades ao leitor e ao ouvinte de música que confunde ou torna

incompreensível a profunda análise schopenhaueriana da música. Isto se dá pela falta de um

discurso lógico ou a ausência de uma experiência empírica que prove o conceito metafísico da

música que se apresenta como corporificação da vontade (FERRARA, 1996). Ferrara salienta ainda

que a filosofia (metafísica) da música de Schopenhauer possui dois pressupostos. O primeiro se

refere ao fato de a música ser a corporificação da vontade. O segundo se refere ao fato da música

ter um paralelo com o desenvolvimento da natureza. Isto quer dizer que a música mantém um

paralelo com o mundo representativo (FERRARA, 1996).

Schopenhauer começa a sua argumentação acerca da filosofia da música a partir do segundo

pressuposto, isto é, a partir do paralelo entre a música e a natureza. Segundo Ferrara, isto se dá

porque só é possível comprovar que a música é a corporificação da vontade, através da comparação

constitutiva da música e da natureza. A partir disto é que a música pode ser descrita como uma

objetivação, uma representação da vontade. Assim observamos que a vontade pode se expressar

em nosso mundo de três modos. A vontade pode se expressar em fenômenos particulares no

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mundo como representação; pode se expressar em tipos universais – que conhecemos pelo

conceito de ideia – na qual os fenômenos se enquadram, e pode se expressar também como música

(JANAWAY, 1994). Deste modo Schopenhauer elabora analogias para nos deixar clara a sua

filosofia da música. Em algumas destas analogias, encontramos uma que se refere a uma

aproximação das ideias universais com a música, colocando-as em igualdade metafísica para depois

admitir a superioridade da música em relação às demais formas artísticas que expressam as ideias.

Para o filósofo, as quatro vozes e também as notas da harmonia representam os quatro

graus da série de graduação de existências. Isto equivale dizer que as notas e vozes harmônicas

representam o mineral, os reinos vegetal e animal e a espécie humana. Deste modo Schopenhauer

afirma (2014, p. 129): “As quatro vozes de toda harmonia, isto é, baixo, tenor, contralto e soprano,

ou, dito de outro modo, da nota fundamental, terceira, quinta e oitava, correspondem aos quatro

graus na série de existências...”

A partir da analogia entre a música e as ideias universais, pretendo apresentar uma

introdução à filosofia da música schopenhaueriana.

Sobre a pertinência de um padrão para o gosto na filosofia subjetivista de Hume

Carlota Salgadinho Ferreira (PUC-RJ) Doutoranda (CAPES)

Orientadora: Célia Teixeira

David Hume é comumente considerado um subjetivista moral, já que defende que o valor

moral das ações humanas não reside em nenhuma qualidade intrínseca do objeto avaliado (a própria

ação ou os agentes), mas consiste num sentimento desperto perante a ação. Portanto, ideias e

raciocínios sobre questões de facto, assim como crenças, são incapazes de nos dar o valor moral

(da beleza moral), sendo a sua origem as paixões - impressões de reflexão, tipos de prazer e dor,

despertos por essas ideias e crenças. Portanto, parece que Hume não está autorizado a defender

que, de alguma maneira, exista um padrão objetivo que determine o valor moral de uma ação

humana.

O mesmo vale para o caso dos valores estéticos (da beleza natural), já que a beleza de um

objeto não reside na sua ideia ou num raciocínio sobre ele, mas numa impressão de reflexão -

igualmente, de prazer e dor. Por isso, parece que a mesma impossibilidade quanto a um padrão

objetivo de gosto se estende aos valores estéticos.

Apesar disso, no ensaio “Sobre o Padrão do Gosto”, Hume propõe um padrão para o

gosto, assente na determinação do que se revela – ao longo dos vários tempos e lugares – ser o

gosto geral dos homens, isto é, o que a maioria dos homens aprecia esteticamente. Os objetos

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apreciados por essa generalidade de pessoas passam gradualmente a ser considerados os objetos

mais adequados a despertar sentimentos de agrado ou desagrado (neste caso, beleza e fealdade),

por meio de uma experiência constante e regular por parte do crítico. Eles passam, portanto, a ser

considerados objetos que a ciência Crítica dita como sendo os mais belos/agradáveis, por meio de regras

gerais.

Sob o ponto de vista epistémico, os raciocínios que decorrem da observação cuidadosa dos

objetos (belos ou feios, agradáveis ou desagradáveis aos sentidos) são raciocínios probabilísticos,

causais, que determinam uma relação causal entre o objeto avaliado e o seu poder de agradar a um

sujeito que possui uma determinada constituição física e mental. As regras gerais são obtidas, então,

através de uma disposição ou sujeição à experiência (por parte do crítico) regular – e, portanto,

acompanhada de um exercício do hábito – na qual se formulam esses raciocínios com respeito aos

objetos avaliados. Esse, por sua vez, é o método proposto por Hume para qualquer ciência que

faça parte da Ciência do Homem – o que inclui a ciência Crítica.

A principal questão que pretendemos explicitar é a de saber como é que Hume pode

defender um subjetivismo moral (e do gosto em geral) e ainda assim propor um padrão para o

gosto – que supõe um certo nível de objetividade nos juízos estéticos.

Nesse sentido, procuraremos explicar a origem do valor nas paixões, em vez das ideias ou

das sensações – que explica o subjetivismo e o relativismo que aparentemente surge deste, mas

também o estabelecimento de regras gerais para julgar causas e efeitos e a própria proposta da

Ciência do Homem como projeto de unificação das ciências sob um denominador comum, a saber,

a natureza humana. Julgamos que estas três componentes da filosofia de Hume permitem explicar

a pertinência do estabelecimento de regras gerais para os valores (neste caso, estéticos) e, por fim,

a sua compabilidade com o subjetivismo.

Hermenêutica Filosófica e Juízo Estético

Rodrigo Viana Passos (PUC-RJ)

Mestrando (CAPES)

Orientador: Paulo César Duque-Estrada

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O presente trabalho tem por objetivo apresentar e discutir uma hipótese acerca da hermenêutica

filosófica e da estética. Tal hipótese diz respeito à sua confrontação com a estética moderna,

especificamente com um conceito a esta muito caro: juízo estético (ästhetische Urteilskraft). De fato,

no primeiro capítulo de Verdade e Método, Gadamer refletirá acerca da estetização do conceito de

juízo na Modernidade, que, segundo ele, fora posto num âmbito desarticulado com a efetividade

comunitária e histórica, diferentemente do que teria sido formulado em seu registro humanista.

Devemos ter em consideração que isso se insere num longo trabalho histórico do pensamento

europeu de confrontação crítica com uma herança político, científica e religiosa da Idade Média (a

dúvida metodológica cartesiana é um exemplo disso). Por isso, nada mais “natural” do que buscar

um modo de assegurar nossos juízos sobre as coisas para além de uma forma deficiente de opinião

fragmentada. Nesse sentido, as análises de Gadamer se debruçarão mais propriamente sobre o juízo

estético, na medida em que Gadamer elege a arte como exemplo por excelência em sua reflexão.

Afinal, se pudéssemos eleger um modo característico de nosso ser, a arte seria apontada e aceita

sem grandes batalhas. Gadamer identificará em Kant a “origem” do problema, na medida em que

o juízo estético fora fundamentado transcendental e subjetivamente, em sua terceira Crítica, como

gozo dos sentidos, desconsiderando a possibilidade de verdade da arte. Efetivamente, a introdução

da Crítica da Faculdade de Julgar nos leva a crer que o juízo é, de modo geral, além de um termo médio

entre entendimento e razão, fundado – ou poderíamos dizer que ele funda – quase que

misteriosamente [em] uma “necessidade” de que o mundo não seja fragmentário e arbitrário. O

belo, por exemplo, se levarmos à sério tal condição, é o testemunho da harmonia absoluta de tudo.

De qualquer modo, o gesto kantiano que desejamos enfatizar nesse ponto de nosso trabalho com

Gadamer, e que diria muito sobre um certo projeto moderno de pensamento, é o da subjetivação

– o juízo, diz explicitamente Kant, contém um princípio simplesmente subjetivo (bloss subjektives).

Contudo, a real dificuldade teria sido criada pelos sucessores imediatos do kantismo –

nomeadamente Schiller para Gadamer –, na medida em que será cunhado um tipo de consciência

(Bewusstsein) que estabelecerá, transcendentalmente, o que é ou não arte, ou seja, uma atitude crítica

fundada na subjetividade. Está em jogo aí todo um processo de deslocamento conceitual muito

delicado a partir das formulações kantianas. Em oposição a isso, Gadamer recolocará o problema

da experiência estética em bases hermenêutico-ontológicas, afastando a formulação representativa

(no sentido de Vorstellung, “pôr diante”) da consciência estética em favor da estrutura “presentativa”

(sentido derivado de Darstellung) de nossa compreensão. Assim, parece, a uma primeira vista, que o

juízo estético – em verdade, todo e qualquer juízo – é relegado à impossibilidade. Todavia, essa

conclusão não parece ser propriamente consequente. Com efeito, no mesmo capítulo, Gadamer

levanta um pressuposto e uma tarefa de sua análise: a reabilitação dos conceitos humanistas, dentre

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os quais estão o do juízo e do gosto. Por isso, devemos avaliar em que medida a hermenêutica

filosófica cumpre esta tarefa, mesmo que não explicitamente. O que desejamos demonstrar, enfim,

é que o juízo não se dá segura e propriamente a partir de uma subjetividade, mas sim pelo diálogo

com a coisa mesma, e como o sentido – assim como a possibilidade de juízo – que emerge desse

diálogo transcende qualquer instância de subjetividade-objetividade. A exigência não questionada

da crítica tende fatalmente para a violência e para o dogmatismo, obscurecendo a possibilidade

eminente de cura de nossa “alma” – de nossos pré-juízos – em uma experiência com as obras de

arte.

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28/11 – 15h45-16h45 – Mesa 5: Narrativas

Ricoeur e o romance como forma por excelência da modernidade

Bianca Pereira da Silva (UFF) Mestranda (CAPES)

Orientador: Bernardo Barros

O gênero romance é diferente dos gêneros anteriores a ele e seu surgimento se deu devido

a determinados fatores propiciados pela época em que floresceu. Mais que isso: esses fatores

revelam uma forte ligação entre forma literária e forma de vida. Mas, o que queremos dizer com

isso?

Queremos dizer que a pesquisa das formas literárias sobrepuja especificidades que

poderiam parecer intrínsecas somente às obras de arte. Este estudo (das formas literárias) evidencia

também características inerentes ao modo de vida do ser humano de cada época específica, como

se forma literária caminhasse conjuntamente com o modo como as pessoas vivem em cada período

histórico. Gostaríamos, assim, de expor quais são essas mudanças proporcionadas pela forma

literária romance e como afetaram a sociedade em que floresceu e vice-versa.

O ponto de partida será identificar o romance como característico do mundo moderno e,

em seguida, elencar os atributos que o tornam o gênero por excelência desse período. Nossa

abordagem inicia-se com as indagações de Paul Ricoeur em Tempo e Narrativa II; mais precisamente,

do capítulo “As metamorfoses da intriga”. Aí, o autor põe em evidência a estrutura interna das

obras fictícias, em especial o romance. Isso porque esta forma literária apresenta um vasto campo

de possibilidades e experiências que dá margem para a mutabilidade de suas estruturas, de seus

limites. Com essa variabilidade, a estrutura demonstra ser transgredida de tal forma que seria difícil

mapear sua estabilidade (estabilidade do enredo, por exemplo), se é que possui alguma.

Para complementar a discussão, incluiremos alguns autores que também afirmam a

importância do gênero romance para a modernidade e vice-versa. Esses autores serão: Ian Watt e

sua obra A ascensão do romance: estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding, Mikhail Bakhtin com o ensaio

“Epos e romance” e Walter Benjamin e seu ensaio “O narrador”.

Ian Watt alinha fatores sociais às formas literárias e assevera que o romance é fruto do

espírito da época moderna. Logo, não existia romance antes, e, sim, ficções. Ficções que também

correspondiam a um determinado modo social, mas não ao estilo de vida moderno. Para Mikhail

Bakhtin, o romance nasceu, se desenvolveu e foi alimentado pela sociedade moderna e essa filiação

não revela só a característica do nascido, revela, igualmente, as características de quem o gerou,

revela como essa sociedade vivia, como compreendia a realidade. Por último, temos Walter

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Benjamin, que, embora afirme que o romance é fruto da modernidade, observa nele um produto

que leva à extinção da arte de narrar tradicional, à arte de narrar oralmente. Permeando essas

indagações, apontamos a teoria do filósofo Paul Ricoeur. Para o francês, o gênero romance

responde a uma demanda social, a demanda moderna de viver, e, por isso, totalmente mutável.

Essa mutabilidade pode indicar uma transformação completa do gênero e acabar por extingui-lo,

como analisa Benjamin. Finalizaremos, então, com a resposta de Ricoeur a esta constatação de que

a arte de narrar se findará, pois este se pergunta se o fim visto por Benjamin não seriam apenas as

metamorfoses sofridas, ao longo do tempo, pelos gêneros literários, tal como ocorrido com o

romance.

A experiência comum e os dilemas da tradição em Walter Benjamin

Matheus Fernandes (UFF) Mestrando (CAPES)

Orientador: Bernardo Barros Coelho de Oliveira

Durante a década de 30, o filósofo alemão Walter Benjamin escreveu uma série de ensaios

que versavam sobre a relação entre os seres humanos e os objetos da cultura. Encontramos nestes

textos um vocábulo que possui uma longa trajetória na cronologia filosófica e que aparece

ressignificado no pensamento de Benjamin: a Erfahrung, que é traduzida pelo termo “experiência”.

O objetivo de nossa dissertação, como este resumo procura evidenciar, é determinar a relevância

do conceito de experiência benjaminiano para um estudo filosófico da cultura, mostrando como a

perspectiva inaugurada por Benjamin auxilia-nos a distinguir os aspectos positivos e negativos da

relação dos homens para com a sua tradição cultural.

No ensaio “Sobre alguns motivos na obra de Baudelaire”, Benjamin estabelece que a

experiência pertence ao campo da memória, designando a qualidade específica de uma modalidade

de dados da memória: são experiências as lembranças cujo significado é determinado pela

coletividade, ainda que contem com a participação ativa do indivíduo que rememora. Os ritos de

passagem e os cultos religiosos são exemplos de acontecimentos que não podem ser

compreendidos apenas através da contribuição do indivíduo à atribuição de sentido, pois o seu

significado está atrelado aos valores e ideais compartilhados por uma sociedade. A partir da

ocorrência constante do conceito de experiência na obra benjaminiana, podemos deduzir que o

filósofo alemão considerava a relação dos seres humanos com os objetos da cultura mais um

exemplo da atribuição compartilhada de sentido que constitui a Erfahrung. Em nossa apresentação,

mostraremos como Benjamin correlaciona, no ensaio citado acima, o surgimento de novas formas

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artísticas com as transformações da experiência humana, criando um novo espaço de investigação

ao filósofo da cultura.

Um dos momentos notáveis da obra benjaminiana é a reflexão acerca do valor a ser

depositado na conservação e na renovação da cultura. Os ensaios “Experiência e pobreza” e “O

Narrador” constituem os pólos opostos deste problema filosófico. No primeiro ensaio, Benjamin

afirma que em uma sociedade na qual inexiste um núcleo unificador de valores e ideais

compartilhados, a tradição cultural pode exercer uma função proeminente em um projeto político

autoritário. Neste momento, devemos nos lembrar que o filósofo era testemunha da ascensão do

nazismo na Alemanha, a qual acompanhava um projeto de reconstituição da cultura clássica do

Helenismo, a qual serviria de modelo para a nova sociedade germânica. Como Benjamin

considerava a Modernidade um período caracterizado pela ausência de uma experiência comum, o

conselho do filósofo aos viventes do novo século era o de assumirem o papel de construtores,

erigindo os contornos da sociedade futura a partir de formas nunca antes pensadas.

No entanto, desejamos mostrar que, se nos mantermos presos ao diagnóstico de

“Experiência e pobreza”, não tomaremos consciência de um lado positivo atribuído pelo filósofo

à tradição, especialmente em “O Narrador”. Um paradigma deste tratamento é a resposta que o

filósofo confere à questão: por que algumas narrativas sobrevivem à passagem do tempo e

continuam sendo recontadas? A solução de Benjamin, apoiada no famoso relato de Heródoto

acerca do rei Psamético, está em afirmar que este tipo de narrativas costuma possuir um enigma

que nunca é inteiramente resolvido pelo narrador. Instigados a resolver o enigma, os ouvintes

tendem a conservar a narrativa e, posteriormente, recontá-la sob uma nova perspectiva, na tentativa

de iluminar os seus pontos obscuros. Deste modo, estas narrativas nunca perdem o seu potencial

de possibilitar novas interpretações, uma vez que não se subjugam a uma explicação única.

Argumentaremos que, nestas ocasiões, abra-se a possibilidade de uma tradição calcada em uma

experiência comum de questionamento, na qual a filosofia pode ocupar um lugar de destaque.

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28/11 – 17h-18h – Mesa 6: Outras estéticas

A sensibilidade e o papel da arte em Schiller

Felipe Tuller Moreira Machado (UFF) Mestrando (CAPES)

Orientador: Vladimir M. Vieira.

Este presente trabalho tem por finalidade expor brevemente o papel delegado à

sensibilidade no que concerne às obras Cartas a Augustemburg e A educação estética do homem de

Friedrich Schiller. Motivado pelo que identifica como uma crise do projeto da Aufklärung a partir

dos processos revolucionários da França do final do século XVIII, Schiller é levado a refletir acerca

do papel da arte frente a tal conturbado momento histórico e, para isso, investigar de que modo as

duas partes da alma, razão e sensibilidade, se conectariam para levar a humanidade a um estágio de

liberdade longe da barbárie e da selvageria. Ideia que perpassa as duas obras, Schiller afirma que

muito já havia sido feito anteriormente a ele no que diz respeito à teoria do conhecimento e da

verdade, mas que tais preceitos não eram palpáveis e exequíveis pela humanidade no estágio atual,

no qual sua alma estava cindida por um conflito interno entre razão e sensibilidade; segundo o

autor “não nos falta luz quanto calor, tanta cultura filosófica quanto estética.” (SCHILLER, 2009,

p.80)

A obra inacabada Cartas a Augustemburg, escrita entre fevereiro e dezembro de 1793, em

diálogo com o príncipe dinamarquês Friedrich Christian von Augustenburg, se tornaria a primeira

tentativa propriamente extensiva do autor de desenvolver a ideia de que a arte teria um poder de

mediação entre a razão teórica e a prática. Tida como perdida em um incêndio, tal obra foi

redescoberta pelo autor dois anos após a interrupção da escrita do trabalho. Munido então de novos

esforços e reaproveitando trechos literais do primeiro texto, Schiller escreve o que conheceríamos

posteriormente como A educação estética do homem.

Ao nos debruçarmos sobre estes textos, porém, é possível notar, para além da semelhança

do diagnóstico da modernidade que perpassa as duas obras, uma considerável mudança quanto ao

papel da sensibilidade nas relações de forças internas da alma humana: ao passo que em A educação

estética do homem Schiller desenvolve uma teoria do equilíbrio entre as duas partes da alma, no qual

cada uma seria guiada por um impulso distinto e complementar, em Cartas a Augustenburg, por outro

lado, é possível observar que tal harmonia se funda justamente na supressão dos impulsos sensíveis,

cuja atuação deverá ser regulada e supervisionada pela parte racional da alma.

Ainda que se trate de um texto inacabado, em Cartas a Augustemburg encontramos passagens

nas quais Schiller advoga de modo severo contra a atuação livre da sensibilidade: “o mais perigoso

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inimigo interno da moralidade é o impulso sensível” (SCHILLER, 2009, p. 139). De modo

semelhante à argumentação kantiana que assumidamente se faz presente no corpo do texto

schilleriano, a sensibilidade é associada à faculdade de apetição, um impulso incontrolável da

natureza humana que a humanidade tem de domar para que os preceitos racionais possam ser

praticados. O estabelecimento de uma hierarquia na qual a sensibilidade é suprimida em função da

razão, dessa maneira, parece guiar o argumento de Schiller ao propor que o gosto, quando refinado

o suficiente, poderia colocar um limite nos impulsos da sensibilidade e contribuir para a virtude.

De modo bastante diverso, o conceito de impulso sensível encontrado em A educação estética

diz respeito a um processo de ampliação das disposições da potência da alma: relativo a tudo que

condiz com a existência finita da humanidade, ele é justamente estabelece vínculo do homem com

o mundo. É através de seu cultivo, ou seja, do cultivo da potência de sua sensibilidade por si só,

sem interferência de um impulso guiado pela razão que a humanidade “conjuga a máxima plenitude

de existência” (SCHILLER, 1990 p. 64).

Referências Bibliográficas: SCHILLER, Friedrich. A educação estética do homem. São Paulo: Iluminuras, 1990. __________. Cultura estética e liberdade. São Paulo: Hedra, 2009.

BEISER, Frederick. Schiller As Philosopher: A Re-Examination. New York: Oxford University Press, 2005. KIMBALL, Roger. Schiller’s “Aesthetic Education”. The New Criterion, Vol. 19, p. 12, Março 2001. MARTINSON, Steve. A Companion to the Works of Friedrich Schiller. New York: Camden House, 2005. REGIN, Deric. Freedon And Diginity: The historical and philosophical thought of Schiller. Holanda: Martinus Nijhoff, The Hague, 1965. ROEHR, S. “Freedom and autonomy in Schiller”. Journal of the History of Ideas, v. 64, n. 1 (January 2003), pp. 119-134. SÜSSEKING, Pedro. Schiller e os gregos. Kriterion, Vol. 46, nº 112, Belo Horizonte, 2005. HUSSAK, Pedro; VIEIRA, Vladimir. Educação Estética: de Schiller a Marcuse. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2011.

O conceito de emancipação na obra Espectador Emancipado de Jacques Rancière

Patricia de Souza Matias (PUC-RJ) Mestranda

Orientador: Luiz Camillo Osório

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O artigo tem como objetivo pensar uma perspectiva emancipatória do espectador, com

fulcro na obra O espectador emancipado, de Jacques Rancière, que deve fornecer uma legibilidade da

interface entre arte e política para além das boas intenções pedagógicas. Rancière pode ser

considerado como um caso exemplar daquele filósofo, proposto por Deleuze (1992), que atribui à

filosofia a tarefa de criar conceitos, por oposição à arte, cuja tarefa é a produção de sensações e

afetos, e à ciência, à qual cabe a produção de estados de coisas com suas funções. No entanto, ao

contrário da filosofia da representação, os conceitos da filosofia não têm a pretensão de trazer à

luz ou libertar das sombras as essências, nem revelar o uno que subjaz à diversidade e à

contingência, mas “provocar” o pensamento, fazer acontecimento, criar novas possibilidades de

“pensar” o já pensado. Um emblemático exemplo é a reformulação do conceito de “emancipação”

(émancipation), um dos centrais da arquitetura ranceriana, a partir da idéia teórica de Kant (2008)

para emancipação como saída da menoridade. Para Rancière, “emancipação” (émancipation) constitui

um processo e não um objetivo, uma fratura no presente da ordem estabelecida, que separa e

hierarquiza o mundo entre os que sabem e os que ignoram. Nesse diapasão, o ponto de partida é

a apresentação do conceito de “emancipação intelectual” (l'émancipation intellectuelle) e de sua função

repolitizadora do comum, que acontece ao quebrar a partilha policial do sensível. Distingo os

conceitos de “emancipação social” (l'émancipation sociale) e “emancipação intelectual” (l'émancipation

intellectuelle). Analiso algumas manifestações contemporâneas que ilustram nos domínios da arte, da

política e da teoria a inversão dos modos de descrição e de demonstração próprios da tradição

crítica. Apresento a análise de Rancière da tradição da crítica social e cultural, e sua eficácia

paradoxal, que compreende existir uma separação entre as formas sensíveis de produção da arte e

os seus efeitos nas formas sensíveis de recepção. A partir de uma análise histórica do papel do

espectador no teatro, Rancière observa uma contradição no debate sobre o assunto, que ele irá

nomear como sendo um “paradoxo do espectador”, isto é, a coexistência de dois pressupostos :

um primeiro afirma que não existe teatro sem espectadores; um segundo irá entender a condição

do espectador como algo ruim. De acordo com esse pensamento, olhar é o oposto de conhecer e

agir. Como espectador é aquele que olha, sua condição seria de ignorância e passividade. Em

oposição ao que denomina prática de embrutecimento, Rancière propõe uma prática de

emancipação intelectual na qual não existe distância entre o saber do público e dos artistas.

Acredita-se, portanto, em uma igualdade das inteligências. Isto porque o espetáculo ocupa a posição

de um objeto alheio tanto aos artistas quanto aos espectadores e não pressupõe uma única

compreensão. Por fim, analiso as reflexões do filósofo sobre o processo, no campo específico das

imagens, de passagem do regime representativo para o regime estético concatenando com os

conceitos de “imagem intolerável” (l'image intolérable) e “imagem pensativa” (l’image pensive).

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29/11 – 14h-16h / Mesa 1: Linguagem

Por uma defesa do entrelaçamento entre Semântica e Epistemologia: a relação entre os

Juízos Analíticos e o Argumento Epistêmico de Searle.

Michelle Cardoso Montoya (UFRJ) Mestranda (CAPES)

Orientador: Dirk Greimann

Em “Two Dogmas of Empiricism” (1951), Willard Von Orman Quine (1908-2000) expõe

diversas críticas a adoção da distinção analítico-sintético, outrora proposta por Immanuel Kant

(1724-1804), na Crítica da Razão Pura (1ª versão, 1781; 2ª versão, 1787), vindo a ser também ,

explicitada com mais clareza em Prolegômenos a toda metafísica futura que possa apresentar-se como ciência

(1783). Ao buscar interpretar semanticamente a distinção analítico-sintético no referido artigo,

Quine chega a conclusão inicial de que tal distinção seria obscura por dois motivos principais.

Primeiro, por conservar a discussão acerca do que é analítico ou não a um nível metafórico. Isto é,

quando Kant sugere na Crítica da Razão Pura que um juízo é analítico quando o conceito de seu

predicado está contido implicitamente no de sujeito, parece-nos que, de acordo com Quine, Kant

poderia querer dizer algo mais além do que isso: ele queria dizer que um enunciado é verdadeiro

em virtude do significado. Logo, afirmar que um juízo analítico poderia ser reconhecido como tal

a partir da definição que Kant propõe em sua primeira crítica, de acordo com Quine, seria uma

metáfora acerca do significado, que estaria atrelado a um certo conteúdo cognitivo. Segundo,

porque se formos considerar sua leitura semântica da distinção, teríamos outro problema, o de

definir o que é significado. Responder a essa pergunta, para Quine seria complicado, senão

impossível, já que a noção de significado se conectaria com noções ainda mais obscuras, e um

exemplo delas seria a noção de sinonímia. Logo, após a realização de outras críticas, Quine resolve

propor o abandono da distinção analítico-sintético por considerá-la uma pseudo-distinção,

deslocando-a de um âmbito de tratamento parcialmente epistêmico para estritamente semântico,

tornando inviável sua adoção, a partir da consideração da referida metáfora.

Veremos que John Rogers Searle (1932-?), em sua célebre obra Speech Acts: An Essay of

Philosophy of Language (1969), rejeita essas críticas, partindo de um axioma muito básico, a saber,

o do argumento epistêmico, nos dizendo que, “ um enunciado é analítico, se e somente se, eu sei

o que ele significa”. Desse modo, reinsere os juízos analíticos novamente numa discussão

epistêmica, procurando evidenciar que o teor dos mesmos, não é estritamente semântico. Portanto,

ao propor o argumento epistêmico, Searle parece retomar algumas características fundamentais dos

juízos analíticos vistas em Prolegômenos de Kant, sendo a mais principal, a função explicativa que

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possuem, momento em que podemos realizar uma interface interpretativa não só semântica como

Quine o fez, parecendo rejeitar tanto o papel ampliativo quanto explicativo acerca dos juízos

analíticos, mas também epistêmica, que aparece quando tratamos acerca do problema de se definir

o que é analítico, bem como do papel que esses juízos podem desempenhar. E com isso,

mostraremos de que forma o argumento epistêmico se constitui como uma tentativa de retomar

uma das características fundamentais dos juízos analíticos abandonada por Quine, a saber, a de

serem explicativos. Além disso, procuraremos apontar, como o papel explicativo dos juízos

analíticos pode contribuir para a formação de juízos ampliativos, que estendem o nosso

conhecimento, bem como a maneira pela qual o argumento epistêmico de Searle torna essa questão

bastante evidente.

Nomes vazios – Soluções novas para um problema antigo

Luisa Luze Brum Genuncio (UFRJ) Mestranda (FAPERJ)

Orientador: Roberto Horácio de Sá Pereira

Termos singulares são usados para fazer referência a coisas, numa função muito

fundamental a Linguagem. Nomes próprios, termos indexicais, expressões demonstrativas podem

todos ser considerados termos singulares. Usamos a termos singulares na Linguagem para falar

sobre objetos, quantificar e qualificá-los. Aqui gostaríamos de trazer atenção para o tópico de

Nomes Próprios sem referente, tendenciosamente chamados Nomes Vazios. Se na Linguagem

termos singulares, são usados para nomear, referir-se, a objetos então os Nomes Vazios são aqueles

que parecem referir, mas não o fazem pois não existe o objeto concreto nomeado pelo termo.

O primeiro objetivo deste trabalho é apresentar as principais falhas nas Teorias que ocupam

lugar de destaque na Filosofia da Linguagem, especificamente a teoria Descritivista e a teoria da

Designação Rígida sobre nomes próprios. O segundo objetivo deste trabalho é apresentar possíveis

soluções para o problema de Nomes Vazios, que é um problema que perpassa as duas linhas

teóricas principais. Algumas das soluções propostas nas décadas de investigação filosófica sobre o

tema são excessivamente anti-intuitivas, implicando ou no distanciamento da Linguagem Natural

ou em uma ontologia muito densa.

Existe a intuição forte de que nomes vazios de referente pelo menos têm sentido. Para

Frege nomes têm sentido e referente, mas é a análise da proposição expressa numa sentença com

o objeto no mundo, e suas propriedades, que vai determinar o valor de verdade da proposição.

Para verificar que o valor de verdade de “A Terra se move ao redor do Sol”, basta que o objeto,

Terra, tenha a propriedade atribuída, no caso, de se mover ao redor do Sol. O valor de verdade de

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“Sherlock Holmes é um detetive inglês” é inverificável, pois não existe um objeto sendo referido

pelo nome Sherlock Holmes. No entanto parece que existe algo de mais válido em dizer “Sherlock

Holmes é um detetive” do que em dizer “Sherlock Holmes é um advogado”.

Tratar nomes como designadores rígidos, e assim nomes vazios por sua vez como

designadores de entidades abstratas não parece tão intuitivo quanto o argumento semântico de Saul

Kripke implicaria ser. A implicação de inúmeras entidades abstratas é no mínimo deselegante em

sua falta de economia, e parece ser desnecessário tamanho compromisso ontológico para a solução

de um problema de Linguagem. Ao mesmo tempo, as falhas que ele apontou na teoria descritivista

de Russell não podem ser levianamente ignoradas. As posições de Russell e Kripke são

incompatíveis, e as soluções deste último exigem um compromisso ontológico muito grande.

As propostas de Mark Sainsbury e Manuel García-Carpintero oferecem um modo diferente

de tratar com os problemas apontados no confronto das teorias de Russell e Kripke. Ambos

oferecem teorias híbridas das posições dos antigos opositores no dilema de como os nomes

próprios fazem referência e têm sentido. Sainsbury oferece uma posição que se afasta tanto de

Kripke quanto de Russell ao propor que nomes, e outros termos, sejam considerados expressões

referenciais. Sua teoria semântica associa expressões referenciais com condições referenciais, ao

invés de referentes, para a verificação dos valores de verdade. García-Carpintero por sua vez aponta

uma possibilidade de conciliar as posições do ficcionalismo com o descriptivismo.

Apontamentos sobre a metáfora em Ricoeur

Felipe Amancio Braga (PUC-RJ) Mestrando (CAPES)

Orientador: Paulo César Duque Estrada

Mais do que uma simples figura retórica, a metáfora é um fenômeno da linguagem, um

procedimento que utilizamos não somente para embelezar discursos, mas para nos referirmos e

relacionarmos com o mundo. A metáfora cria figuras através de palavras para se reportar ao que o

espirito humano vê ou sente e, no entanto, não há nome; torna clara e imprecisa a própria pretensão

arbitrária da linguagem de tudo abarcar em seu interior. Porém, nas situações limítrofes, nas quais

a linguagem ordinária se mostra insuficiente, não devemos identificar uma fraqueza, e sim o que

há de mais próprio à linguagem. Pois, é quando reconhecemos as diferenças e as distâncias entre o

que percebemos e o que nomeamos que passamos a duvidar das palavras usadas até então. Partindo

dessa problemática, a presente comunicação tem por objetivo apresentar os desenvolvimentos

iniciais de minha pesquisa que visa investigar a questão da dimensão imagética da metáfora como

um âmbito não estritamente verbal da comunicação. Objetiva-se com isso entender, através do

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paradigma da metáfora, como uma imagem pode se constituir de maneira metafórica, pensada não

só como duplo, mas como uma estrutura, um procedimento usado para a criação de sentidos não

literais, sentidos que não podem ser expressos ou transmitidos de outra maneira. Desse modo,

busca-se compreender também, com base na interseção palavra e figura, que tipo de imagens são

formuladas e como elas colaboram para a construção dos sentidos nos discursos. Em vista de tal

objetivo, a obra mestra que conduz tal investigação é: A Metáfora viva de Paul Ricoeur, da qual será

retomado o percurso intelectual traçado pelo autor que parte desde a antiguidade clássica, até às

teorias contemporâneas sobre o tema. Tal retomada, se justifica não só pela melhor exposição dos

argumentos, mas principalmente por revelar a mudança de escopo das análises através dos tempos.

Parte-se então, do entendimento de Aristóteles, exposto tanto na Retórica quanto na Poética, que

pensou a metáfora como substituição de termos, de palavras, por meio de relações de analogia, e,

deste modo, ainda restrito ao nível semiológico, até autores contemporâneos como Max Black e

Nelson Goodman, que entenderam o sentido metafórico não só pela substituição de termos, mas

pelas interações estabelecidas entre palavras e os enunciados nos quais estão contidas. As teorias

da interação representam no desenvolvimento argumentativo de Ricoeur um ponto de viragem que

marcam não só a passagem da análise semiótica, das taxionomias retóricas, para uma compreensão

semântica, mas também levam a considerar a metáfora estruturalmente através dos enunciados;

opõe-se então, a consideração meramente substitutiva – e portanto acessória e ornamental – a uma

consideração atenta às dinâmicas de interação, às incompatibilidades e transições de significação

presentes nos enunciados. Ao não pensar a metáfora enquanto substituição, a abordagem

semântica também rompe com a oposição sentido próprio e sentido figurado, não atribuindo às

palavras nenhuma significação intrínseca, apenas usos e atribuições. Esse entendimento colabora

para entender a hipótese de uma “metafórica” em ação no interior da linguagem, desestabilizando

qualquer atribuição estanque de sentido e assim possibilitando os trânsitos, uma abertura a

potencialidades criativas. Mais do que um mero ornamento da linguagem, a metáfora é entendida

como um trabalho do pensamento, do qual Ricoeur para o estabelecimento da abordagem

hermenêutica, na busca pela compreensão do sentido simbólico das imagens criadas nos poemas e

nas obras literaturas.

O problema dos nomes: da busca pelo Platão à teoria da linguagem de Antístenes

Roberto Torviso Neto (UFF) Mestrando

Orientador: Luis Felipe Bellintani Ribeiro

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Para Platão, há uma identidade natural entre algo e o nome atribuído ao mesmo, ou seja,

um modo de enunciá-lo; mais ainda, acreditava haver uma definição essencial para cada ente. No

diálogo Sofista, por exemplo, busca-se definir o que é o sofista para contrapor seu conceito ao do

filósofo e ao do político. Assim sendo, neste trabalho discutiremos a respeito do papel da definição

na filosofia platônica, bem como da impossibilidade de uma definição essencial para Antístenes e

da alternativa proposta pelo mesmo, qual seja, a enunciação própria (oikeîos logos).

Definir é dizer o que é uma coisa e, da mesma maneira, é também dizer sua essência. Em

Platão, a essência de algo, aquilo que lhe é essencial, é o que lhe é inerente e elementar, havendo

uma participação entre ideias no sentido platônico do termo. Exemplos disso seriam as famosas

“mesidade” da mesa e “tacidade” da taça discutidas mencionadas num bate-boca entre o fundador

da Academia e o “Cão” Diógenes, como relatado por Diógenes Laércio. No Mênon, Sócrates afirma

ser necessário definir o que é a virtude para então investigar se é algo que se possa ensinar ou se é

inata. Temos então no Sofista o problema da busca pela definição mais acurada deste grupo que

Platão vê como charlatões. Das seis definições iniciais do sofista mais a sétima que os retrata como

produtores de imagens com palavras, qual seria a mais precisa? Este problema nos levou ao Górgias

e ao Crátilo entre outros diálogos.

Para além dos diálogos platônicos, G. B. Kerferd dedica o sétimo capítulo de sua obra O

movimento sofista a uma exposição sucinta sobre a teoria da linguagem presente na sofística,

apresentando exemplos de oradores e teóricos com base nos fragmentos pré-socráticos catalogados

por Diels e Kranz. Dois pensadores trazidos pelo autor que elaboraram teorias sobre a linguagem

são Protágoras de Abdera e Pródico de Ceos, ambos sofistas. Outro sofista que refletiu acerca da

linguagem foi Antístenes de Atenas, quem fora aluno de Górgias antes de seguir Sócrates como

um de seus discípulos e posteriormente teria fundado a escola cínica, levando o socratismo a um

nível mais radical. Dinucci diz que, para Antístenes, objetos simples não podem ser definidos e

objetos complexos podem ser definidos ou receber um lógos, cá entendido como um conjunto de

nomes composto pelos nomes que definem o objeto. Além disso, Antístenes não distingue sujeito

e objeto empírico: eles são um e o mesmo e, portanto, cada ser é único. A definição na filosofia da

linguagem antistênica é, portanto, segundo apresenta Gillespie, “nada mais que a enumeração das

partes de uma coisa composta, os objetos passíveis de serem definidos são agregados” ou, como

conceituou Guthrie, "a teoria [de Antístenes] assume que um todo complexo não é mais que suas

partes postas juntas num certo modo".

Platão havia apresentado seis e, posteriormente no mesmo diálogo, sete definições possíveis

do sofista ao longo do diálogo entre o Estrangeiro de Eléia e Teeteto intitulado Sofista, cada qual

trazendo um aspecto do “camaleão” sofístico. Se um discípulo de Platão naquele tempo separasse

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estas seis definições – que Platão almejava tornar uma – e apresentasse a Antístenes, ele

provavelmente diria que a definição ou, melhor dizendo, a enunciação própria do sofista já estava

ali. As definições múltiplas às quais chegaram Teeteto e o Estrangeiro de Eléia são os muitos

aspectos da figura do sofista, isto é, seus elementos simples (ónomata): bastaria, então, apenas agregar

os diversos objetos simples para formar o complexo.

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29/11 – 16h15-17h45 / Mesa 2: Conhecimento

Atos e obstáculos epistemológicos na filosofia de Gaston Bachelard

Zander Lessa Gueiros (UFF) Mestrando (CAPES)

Orientador: Carlos Diógenes Côrtes Tourinho

As três primeiras décadas do século XX foram palco de profundas revoluções intelectuais,

científicas e tecnológicas. A Relatividade Restrita e Geral de Einstein, a Dualidade Partícula-Onda

De Broglie, o Princípio da Incerteza de Heisenberg são o triunfo do Novo espírito científico sobre

os preconceitos do senso comum que obstaculizavam, de forma inconsciente, os avanços do

conhecimento. Observando a importância de tal ruptura, Bachelard buscou fomentar uma cultura

de descoberta, de ultrapassagem dos obstáculos epistemológicos. Para ele, a pedagogia do novo

espírito científico, que enseja a novidade e impulsiona a descoberta, é reformulada constantemente

pelo racionalismo aplicado combinado ao materialismo técnico. Instrumentando a teoria e

intelectualizando o dado, a ciência progride tanto do ponto de vista da abstração formal quanto no

que concerne à riqueza do detalhe empírico. O geral e o particular, na física matemática, não se

contradizem, malgrado a opinião dos filósofos realistas, empiristas e intuicionistas. A velha teoria

filosófica do conhecimento, bem como o formalismo analítico limitado ao exame das condições

de validação dos enunciados devem ceder o passo à epistemologia histórica, única cuja perspectiva

abarca a dialética real da ciência. A epistemologia histórica de Bachelard (julgadora, recorrente,

normativa, especializada) pretende estabelecer uma filosofia adequada ao pensamento científico

contemporâneo, explicitar as principais características da atividade racional científica, demarcar as

condições reais e efetivas do trabalho científico, analisar as diferentes especificidades dos projetos

da ciência atual, promovendo um autêntico intercâmbio entre a teoria e a prática. O conhecimento

é ato e não coisa ou propriedade, e seu gesto mais genuíno é a recusa do sabido, permanentemente

posto à prova, em vista de uma destituição. Nesse sentido, a verdade é apenas “o limite de nossas

ilusões perdidas”, e desde então a epistemologia será necessariamente uma dialética histórica. O

erro denuncia o vínculo do espírito com o solo das imagens que o fixam (demandando uma

psicanálise). A exigência racionalista busca liberar o pensamento dos obstáculos imaginários e

impulsiona o espírito a realizar um ato epistemológico. A psicanálise do conhecimento objetivo

analisa a gênese da formação dos obstáculos epistemológicos e visa dirimir os conflitos internos da

atividade científica, desobstruindo as barreiras ao seu pleno desenvolvimento. Entender como são

formados os obstáculos epistemológicos (a experiência primeira, conhecimento geral, o

conhecimento unitário e pragmático, o verbalismo, o animismo, o substancialismo) é de grande

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enlevo para o domínio da ciência. Superar tais obstáculos consiste em resistir à sedução da primeira

escolha, desmentir o primeiro contato, ironizar o conhecimento vulgar, negar o saber imediato,

não fornecer um caráter pragmático e unitário ao conhecimento científico com generalizações

vagas e imprecisas dos conceitos, não substituir as explicações científicas complexas por analogias,

metáforas, imagens, que devem ser um recurso acessório na elucidação da teoria e não ferramenta

principal. A compreensão dos atos epistemológicos, por sua vez, requer uma análise das três

primeiras décadas do século XX, conhecidas como período áureo da ciência, devido ao grande

poder de renovação e reorganização científica. Bachelard registra o acelerado crescimento

promovido pelas Mecânicas relativística, ondulatória e quântica que, classificadas por ele como

microfísicas, inauguram um território epistemologicamente novo. Marcadas pelas grandes

incursões da matemática nos seus desenvolvimentos epistemológicos, essas Mecânicas recortaram

o tecido do saber científico, rasgando a sua malha contínua, realizando intervenções

epistemológicas decisivas na estrutura da ciência, rompendo com paradigmas clássicos,

proclamando o declínio de princípios absolutos.

A crítica de Husserl contra o Psicologismo lógico e sua concepção de Lógica Pura

Vitória Brito da Silva (UFF) Mestranda

Orientador: Prof. Dr. Carlos D.C. Tourinho

“Prolegômenos à Lógica Pura”, volume introdutório das Investigações Lógicas, publicado

originalmente em 1900, tem por objetivo evidenciar e fundamentar a lógica enquanto uma

disciplina teorética pura, a priori, cujo caráter equivaleria ao de uma “doutrina das ciências”, ou seja,

ao domínio de conceitos fundamentais comuns a todas as ciências e que, portanto, deve ser distinto

de quaisquer elementos de natureza fática ou psicológica. A obra é, por isso, um marco no que diz

respeito à refutação das teses do principal movimento da época acerca da fundamentação da lógica

- o Psicologismo Lógico que, grosso modo, consistia em considerar a lógica como parte/subcampo da

psicologia empírica. A crítica realizada por Husserl assume destaque porque não apenas evidencia

os equívocos na interpretação psicologista da lógica, como demonstra sistematicamente todas as

consequências e contrassensos teóricos originados a partir deste modo de consideração, sobretudo,

no que concerne à fundamentação das ciências formais, alertando-nos sobre o risco de incorrer em

relativismo. Assim, pode-se dizer que “Prolegômenos” nada versa sobre uma exposição

pormenorizada de conteúdos lógicos, trata-se, antes, de uma investigação rigorosa acerca da

epistemologia e filosofia da lógica.

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O presente ensaio tem por objetivo apresentar o argumento de Husserl contra o

psicologismo e sua importância para o estabelecimento de uma ciência teorética pura. De início,

será exposto o pressuposto segundo o qual Husserl pretende fundar a necessidade de uma

“doutrina das ciências”, bem como os seus atributos necessários. Feito isto, segue-se com a

suposição da lógica como disciplina equivalente à “doutrina das ciências”. Descrever-se-á as

definições de lógica predominantes, as quais incluem as definições oferecidas pelos lógicos

normativos e as definições oriundas dos adeptos do psicologismo lógico. É neste momento que

são apresentados os argumentos contra o psicologismo e apontadas as incorreções do modo de

conceber a lógica pelos lógicos normativos.

O argumento anti-psicologista proposto por Husserl consiste em demonstrar que o

psicologismo lógico conduz inevitavelmente a contrassensos teoréticos, os quais colocam sob

questão a possibilidade do conhecimento em geral. No que diz respeito aos lógicos normativos,

Husserl demonstra que ao conceber essencialmente a lógica como disciplina normativa ou como

técnica do pensar correto, não só é negligenciado o caráter teorético da lógica, mas também abre

margem às interpretações que reduzem a lógica ao nível de uma disciplina técnica.

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A superação da hermenêutica subjetiva na teoria do conhecimento de Spinoza

Kissel Goldblum (UFRJ) Mestrando

Orientador: Ulysses Pinheiro

Na primeira parte da Ética, na qual Spinoza trata sobre Deus12, o autor expõe a estrutura

ontológica do mundo, baseada em uma substância única composta por infinitos atributos, cada um

dos quais modificados por infinitos modos: “Pois além da substância e dos modos nada existe, e

os modos nada mais são do que afecções dos atributos de Deus.” (SPINOZA, 2007, p. 51). Se

além de Deus não pode existir outra substância, devemos compreender o homem como um modo

de um atributo de Deus e não como uma substância separada da Natureza. Parte essencial da Ética,

os gêneros de conhecimento13, são as maneiras pelas quais é possível conhecer a substância e seus

atributos. Estes mesmos gêneros do conhecimento têm sido, tradicionalmente, analisados da

perspectiva de faculdades humanas e consequentemente são compreendidos como interpretações

de uma hermenêutica subjetiva.

Pretendo expor uma linha de análise que revela o processo de conhecer de maneira distinta,

a saber: tomando-o como o próprio meio pelo qual Deus conhece a si mesmo, isto é,

compreendendo o estudo da epistemologia spinozana como inerente à sua teoria ontológica. “Seus

três gêneros do conhecimento não se referem a três gêneros de alguma faculdade humana; ao

contrário, eles são as três maneiras pelas quais Deus conhece a sua própria natureza.”

(VINCIGUERRA, 2012, p.136)14.

Parte importante da hipótese é expor a necessidade de desqualificar a razão, do poder que

lhe fora dado historicamente, como a ferramenta epistemológica capaz de compreender a Natureza

e conduzir o homem a uma vida superior. Tampouco, assim como Espinosa propõe, meu objetivo

é acabar com a imaginação e a razão, mas sim identificar a sua posição correta na ordem do

conhecimento. Dessa forma, seria possível, segundo Spinoza, direcionar o intelecto para uma

compreensão da eternidade do presente, que não está ligada às cadeias e séries de acontecimentos

que constroem as imagens da existência. Este estado só pode ser alcançado com a compreensão

exata do método. Abandonando a ideia do indivíduo antropomorfizado, em direção à compreensão

da realidade, por meio da perspectiva da eternidade através da ciência intuitiva. “Não é mais o

entendimento finito que conclui as propriedades uma por uma, que reflete tanto a coisa e explica

12 Vale ressaltar aos não familiarizados com o conceito de Deus na obra de Spinoza - endende-se Deus como Natureza ou Substância, ou seja, Spinoza não conserva nenhuma característica religiosa ou antropomórfica de Deus. 13 Cf. SPINOZA B. Ética, Parte II, Proposição 40 (2007, pp. 130-134). Os três gêneros do conhecimento, a saber, a imaginação, a razão e intuição estruturam aquilo que podemos chamar de teoria do conhecimento de Spinoza. 14 “His three kinds of knowledge do not refer to three different human faculties; instead, they are the three ways in which God knows his own nature, modified as it is by infinite and finite modes, some of them human ones.”

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em relação à outros objetos. É a coisa que se exprime, é ela mesma que se explica” (DELEUZE,

1968, P.8)15.

15 “Ce n’est plus l’entendement fini qui conclut des propriétés une par une, qui réfléchit sur la chose et l’explique en la rapportant à d’autres objets. C’est la chose qui s’exprime, c’est elle qui s’explique.”

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29/11 – 18h-19h30 / Mesa 3: Educação e Política

A questão Moderna da Cidadania e suas implicações para o ensino de Filosofia

Guilherme Celestino Souza Santos (PROPGPEC do Colégio Pedro II) Mestre

Orientador: Rommel Luz Figueira Barbosa

A questão deste trabalho é a de como fazer das aulas um espaço de construção da vivência

da experiência cidadã por uma didática filosófica aplicada ao currículo escolar no nível do Ensino

Médio. Pretende-se com isso esboçar uma proposta didática para que a prática da cidadania

encontre um ponto de apoio no dia a dia das relações de ensino e aprendizagem dentro e fora das

salas de aula. Tendo em vista esses objetivos, buscar-se-á na discussão filosófica iluminista as bases

desse trabalho. Deve-se ao regime político democrático o tipo de cidadania que é refletido pela

Filosofia Iluminista, e este envolve sempre um regime de liberdade e igualdade. A cidadania

significa a fração de poder dos sujeitos em um regime político, especialmente no democrático.

Formar para a cidadania envolve fazer cada cidadão entender sua própria potência, como ele pode

atuar e transformar o espaço comum que constitui a política; e também distinguir qual seja o tipo

de vício ou defeito precisa ser evitado e desestimulado desde cedo nos jovens. A questão da

cidadania moderna segue o contexto da política e da racionalidade específicas à modernidade

definindo um campo próprio de oposições: contratualistas e iluministas; racionalistas e

passionalistas. Na primeira oposição encontramos Hobbes, Hume, Locke, em um polo, no qual a

cidadania é pensada pela restrição jurídica da liberdade, cujo ápice é certamente o modelo

hobbesiano e a forte tendência ao relativismo gnosiológico na tendência mais empirista desses

autores, cujo ápice certamente está em Hume. Se opondo a esses há no polo oposto os iluministas

mais radicais como Kant e Rousseau, que buscam algo mais do que a tradição e a mera repressão

dos instintos como o fundamento da formação ética do cidadão. Por sua vez os iluministas se

opõem entre si em um polo em que direciona esse processo mais para as faculdades racionais,

como no modelo kantiano, que em grande medida orienta a pedagogia clássica, e o outro polo, o

rousseauniano que coloca a educação sentimental como um eixo central, abrindo espaço para um

papel dos processos psicológicos e de maturação cognitiva, que irá nortear grande parte do

humanismo pedagógico mais progressista. A filosofia moderna iluminista reflete as experiências

democráticas no interior do Estado moderno, e por mais que desde a o advento da modernidade

política e iluminista em pleno século XVIII na Europa, ainda hoje o mundo contemporâneo não

apresentou modelo de cidadania, outro que o iluminista moderno, por mais devastadores que foram

as críticas no plano filosófico, ou foram mais ou menos bem sucedidos os experimentos socialistas

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do século XX. É nesse modelo mesmo em que é possível hoje se apoiar. Certamente nisso está

implicada a dificuldade de se superar o imaginário liberal de uma autoconsciência obediente e de

uma liberdade vigiada, para um exercício da consciência crítica e da liberdade das iniciativas mais

“livre” e autêntico. De todo modo começa-se por querer formar um cidadão ao modo iluminista

mesmo. A escola contemporânea falha ao abandonar o autoritarismo da escola clássica e pedagogia

tradicional se não souber sofisticar a formação da cidadania, apontando para outras formas e não

simplesmente abrindo mão de ter um papel ativo na formação ética e cidadã de seus estudantes.

A crítica marxiana do entendimento político e sua superação nos idos de 1843 e 1844.

Uma proposta de análise a luz do 'estatuto' de José Chasin

Victor César Fernandes Rodrigues (UFJF) Mestrando (FAPEMIG)

Orientador: Ronaldo Vielmi Fortes

Este trabalho tem a pretensão de situar a transição teórica operada por Marx nos idos de

1843 e 1844, baseadas na forma como José Chasin expõe a referida transição, cujo eixo de análise

se apoiará na superação marxiana do entendimento político em prol do entendimento social, como

fonte de sua intelecção originária. A crítica do entendimento político e sua superação nos idos de

1843 e 1844 constituem, ademais, o florescimento propriamente marxiano de Marx, razão pela qual

será analisado neste texto o problema da gênese do pensamento de Marx, partindo da premissa de

que tal gênese se processou no interior da superação do entendimento político em prol do

entendimento social.

Nesse sentido, pretende-se demonstrar que o entendimento político para Marx é posto

como incapaz de captar a essência do social e de compreender sua função no marco da matriz social

esfacelada que a conduz e a determina; vale dizer, à conservação desse esfacelamento através da

manutenção desses limites essenciais nos quais o entendimento político aparece com autentica

incapacidade de senso crítico, cuja função social se limita a não poder ver e a supor inexistentes os

mesmos nexos essenciais desse aparecer e de conservá-los, mantê-los a todo custo. Ângulo de visão

do qual decorre a unilateralidade dos aspectos que priorizam a subjetividade, ante um entendimento

incapaz de acessar o “oceano do social”, fortemente, por isto, voltado para os interesses particulares

que constituem as diversas motivações de cunho arrivista-oportunista. Precisamente porque o

isolamento da subjetividade falsifica e limita a complexa relação da qual emerge, que o

entendimento político reitera a prática personalista, dotando-a de elementos místicos ornados de autonomia

inválida, cuja manutenção inviabiliza a transformação radical da sociedade. A hipóstase da

subjetividade enaltecida à mesquinhez de seu papel messiânico, em cujo contorno é incapaz de

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reconhecer os indivíduos como forças sociais a se integrarem, torna o entendimento político refém

de apriorismos mesclados com a sagração mascarada da manutenção da ordem antissocial que vige

por detrás desse véu aparente de solidariedade de classe. É nesse preciso sentido que é preciso fazer

saltar o entendimento político aos patamares efetivos da intelecção social, em cuja analítica encontra

ressonância na qualidade ontologicamente posicionada na essência do social, e não nos rasteiros e

melindrosos aparatos desfiguradores e corpulentos do entendimento aparente da política. É o que

nos mostra o Marx dos idos de 1843 e 1844.

Com efeito, segundo Chasin16, o entendimento político é o mais raso dos entendimentos

porque parte sempre da subjetividade enaltecida por esse isolamento “fantástico” que lhe constitui.

Ao que contrapõe o entendimento social, a partir de Marx, como o mais elevado porque constitui

o desvelamento objetivo que não apenas imiscui a subjetividade de conteúdo, como também reitera a

prática da descoberta e da perspectivação da totalidade. Enquanto o entendimento político falseia,

posto que limitado aos resquícios do Estado como demiurgo da sociedade civil, o segundo orienta

e mobiliza a crítica universal.

O paradigma imunitário de Roberto Esposito: uma abordagem sobre identidade e

reconhecimento

Simã Catarina de Lima Pinto (UFF) Mestranda

Orientadora: Letícia Veloso

O paradigma imunitário de Roberto Esposito traz em si um outro conceito que lhe é

inerente. Isso se dá porque há na imunidade dois polos que se contrapõem no sentido de “ou o

poder nega a vida ou aumenta o seu desenvolvimento; ou a violenta e exclui ou a protege e

reproduz; ou a objetifica ou subjetiviza” (ESPOSITO, 2010, p. 74). O outro referido conceito,

inerente à imunidade diz respeito à communitas. Sua presença é intrínseca à immunitas na medida em

que só se compreende esta tratando-se do mesmo modo aquele. Trata-se de conceitos opostos de

forma que a compreensão de immunitas pressupõe o seu contrário na medida em que, enquanto

este nega a vida a fim de preservá-la e conservá-la, ao privar os indivíduos da vida em comum, da

contínua abertura ao outro e ao que lhe é externo; a communitas, em oposição, evoca uma

subjetividade coletiva por meio de uma reciprocidade afetiva na qual interesses comuns são

partilhados e vividos coletivamente. A obrigação de uns em relação aos outros é inerente a essa

subjetividade partilhada e impessoal. Nesse sentido, a partir da compreensão de ambos os conceitos

16 CHASIN. J. “Estatuto Ontológico e Resolução metodológica” Ed. Boitempo. 2009.

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propõe-se uma abordagem sobre identidade e reconhecimento, ante o contexto paradoxal que o

paradigma imunitário apresenta, uma vez que a imunização, ao mesmo tempo que visa preservar e

proteger a vida, nega a vida, porque impõe ao sujeito uma submissão assentida, a qual deve se dar

sem qualquer resistência. Por conseguinte, a conservação da vida submete o organismo a uma

condição que diminui sua potência expansiva, um poder que o coage e lhe é exterior, contra o qual

ele não resiste, já que ocorre a introjeção de uma parte daquilo que se apresenta com uma ameaça.

Em outras palavras, um fragmento do inimigo é colocado dentro do organismo a fim de que se

mantenha conservado. A consequência disso é que a imunidade pressupõe a prevalência da

individualidade, o que se opõe à communitas, pois, enquanto esta relaciona seus membros

reciprocamente numa relação de interdependência, aquela nega a doação recíproca de seus

membros e os individualiza ao dispensar as obrigações existentes entre eles. As obrigações comuns

são dispensadas e os membros são liberados à sua própria individualidade, a partir do que se

estabelecem relações sociais de obediências contratuais por meio das quais as relações sociais são

preestabelecidas e a vida vivida é renunciada em seu próprio viver. Seria impossível, “não

reconhecer o resíduo de irracionalidade que se insinua nas dobras do mais racional dos sistemas: a

vida é conservada pressupondo seu sacrifício.” (ESPOSITO, 2003, p. 43). Trata-se, ainda, de um

conceito que se insere dentro do contexto da modernidade, já que esta dá lugar a esse “mecanismo

sacrificial”, na medida em que a modernidade se autolegitima e desliga o sujeito de “todos os laços

sociais, de todo vínculo natural, de toda lei comum.” (ESPOSITO, 2003, p. 43). O Autor, com base

no paradigma imunitário, aponta para uma substituição ou uma relação contraditória anônima do

tipo comunitário pelos “modelos privatísticos ou individualistas” (ESPOSITO, 2010, p. 80), o que

está em consonância com a modernidade e seus ideais iluministas que culminaram nos paradigmas

relacionados ao indivíduo o qual passa a ser um sujeito de direitos individuais que trazem consigo

a ideia da imunização cujo núcleo se baseia naquilo que não tem nada em comum ou não é comum

com os outros. É , portanto, no contexto contemporâneo, no qual a imunidade tem seus

pressupostos reforçados, que surgem grupos sociais identitários em busca de reconhecimento, o

que demonstra o aspecto paradoxal do paradigma imunitário, pois, ao mesmo tempo que ele causa

um distanciamento dos indivíduos – o que o distingue da communitas –, por outro lado, causa

também a necessidade de grupos excluídos resistirem à mesma lógica imunitária a qual contribui

tanto para a individualidade quanto para o fortalecimento de grupos sociais identitários.

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29/11 – 14h-16h / Mesa 4: Renascimento

A renúncia de Pascal às filosofias de Epíteto e Montaigne: uma análise sobre o Colóquio

com o Senhor de Saci

Bruno de Figueiredo Alonso (UFF) Mestrando

Orientador: Celso Martins Azar Filho

O Colóquio com o Senhor de Saci é uma obra atribuída à Pascal cuja dúvida sobre a real autoria

rendeu uma série de discussões em torno da desconfiança sobre quais foram as verdadeiras

condições e sobre as etapas que levaram à produção desse texto.17 É um diálogo que supostamente

reproduz uma conversa de Pascal com o seu mentor religioso. O Senhor de Saci orienta Pascal

sobre os perigos dos ensinamentos de Epíteto e Montaigne, que representam duas das mais

notáveis escolas helenísticas: o estoicismo e o ceticismo. Essa obra seria então um alerta de Pascal,

sobre o perigo dessas tendências filosóficas, que seriam incompatíveis com visão de mundo

pregada pela Igreja.

O estoicismo de Epíteto compreende a natureza humana como dotada de um poder

extraordinário, capaz de superar todas as intempéries, toda turbulência e perturbação provocada

pelo mundo exterior. É verdade que a lógica ascética que perpassa a filosofia estoica parte de

premissas completamente diversas das pregadas pelo pensamento cristão. O estoico deposita

apenas em si mesmo o compromisso de viver virtuosamente. O cristão, em contrapartida, é

incrédulo no que diz respeito à perfeição da razão humana e acredita que a santidade e a virtude

sejam resultados de uma interferência divina. A questão da miséria da natureza humana, alicerce

do cristianismo, vai de encontro com o idealismo dos estoicos. Acusa Pascal, Epíteto ignora os

limites da natureza humana e dá à ela um dever que vai além das suas próprias capacidades. O

17 Jaimir Conte, na apresentação da sua tradução, explica um pouco da complexidade dos fatos que remontam à verdadeira origem do texto de Pascal: “Publicado pela primeira vez em 1728, o Colóquio com o senhor de Saci sobre Epicteto e Montaigne não é, estritamente falando, um texto de autoria do próprio Pascal. Trata-se de uma reconstrução de um diálogo ocorrido em janeiro de 1756 entre Pascal e o seu confessor e também diretor da abadia de Port-Royal des Champs, o Senhor de Saci. A reconstrução foi realizada pelo secretário do Senhor de Saci, Nicolas Fontaine, nas suas Mémoires redigidas em 1696. Alguns estudiosos da obra de Pascal sustentam que o texto não é o resultado estenogáfico de uma conversa como disto poderia dar a impressão as Memórias de Fontaine, graças a quem ele foi conservado. Não se trata também da reconstituição feita de memória do diálogo. Paul-Louis Couchoud e, depois dele, Geneviève Delassault viram neste texto fragmentos de cartas arranjadas sob a forma de conversação. Para Pierre Courcelle, Fontaine teria trabalhado a partir de compilações de excertos de Epicteto, de Montaigne e de Santo Agostinho, feitos por Pascal e pelo Senhor de Saci em vistas de um colóquio que teria efetivamente acontecido. Segundo Jean Mesnard, o que Fontaine teve em mãos ao redigir suas Mémoires, foi um documento de um tipo extremamente divulgado, um escrito composto pelo próprio Pascal, encontrado entre os papéis do Senhor de Saci, nas margens do qual este tinha feito suas observações. Fontaine, neste caso, teria simplesmente sintetizado os vários elementos de que dispunha” (PASCAL, Blaise. Colóquio com o Senhor de Saci: sobre Epicteto e Montaigne, 2005, p. 185–186)

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ascetismo de Epíteto foi uma referência para o modo de vida austero que era disseminado pelos

mosteiros espalhados pela Europa. Não há como negar a influência do estoicismo no

desenvolvimento da teologia cristã. Na patrística, talvez mais do que na escolástica, há um enorme

sentimento de identificação com as práticas e os ensinamentos que foram deixados pelos estoicos

e pelos neoplatônicos. Mas quando a questão da fé religiosa entra em jogo não há como equalizar

uma tradição com a outra. Para Pascal, Epíteto exige da natureza humana algo que ela não pode

atingir por si mesma, a tão sonhada virtude, que para um cristão só pode ser realizada por

intermédio de uma revelação divina.

O pirronismo de Montaigne, por outro lado, seria um perigo ainda maior para as ambições

de Pascal. O seu desprezo pelo homem e a total descrença no poderio da razão provocam um

niilismo sem precedentes, que põe o homem em um estado de miséria espiritual. Nem mesmo a fé

seria capaz de nos livrar dos vícios, parte essencial da nossa natureza, fraca e imperfeita,

contraditória e ambivalente.18 Seria Montaigne um inimigo da cristandade? Para Pascal ele é um

risco potencial, porque desqualifica o tipo de relação que o cristão tem com a religião. Montaigne

ignora qualquer possibilidade de existência de uma influência divina sobre a natureza humana.

Nesse sentido podemos dizer que Montaigne pensa como um filósofo helenista: a responsabilidade

ética é depositada única e exclusivamente no indivíduo. O forte poder de influência da filosofia

ensaística e o estilo livre de Montaigne incomodaram os pensadores cristãos, que se viam em um

beco sem saída, pois não conseguiam manipular os seus escritos para fazer deles um veículo de

pregação da fé religiosa.

O Conceito de Bárbaro em Montaigne: Um olhar sobre os Tupinambás

Isaac Rabelo Dobbin (UFF)

18 “Perdoar-se-ia aos filósofos de outrora, que se chamavam Acadêmicos, por colocarem tudo em dúvida. Mas que necessidade tinha de distrair seu espírito renovando uma doutrina que é considerada agora pelos cristãos como uma loucura? (...) e como dizeis sobre Montaigne que é pela dúvida universal que ele combate os heréticos de seu tempo, foi também por essa mesma dúvida dos Acadêmicos que Santo Agostinho abandonou a heresia dos maniqueus. (...) Reconheceu com quanta sasbedoria São Paulo nos adverte para não nos deixarmos seduzir por estes discursos. Pois ele confessa que há nisso certo encanto que arrebata. Às vezes acredita–se que as coisas são verdadeiras só porque são ditas de maneira eloquente” (PASCAL, Blaise. Colóquio com o Senhor de Saci: sobre Epicteto e Montaigne, 2005, p. 197–198).

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Mestrando Orientador: Celso Martins Azar Filho

Este trabalho tem como objetivo analisar o ensaio intitulado “Dos Canibais”, do autor

francês Michel de Montaigne, no qual o filósofo realiza uma análise da cultura dos tupinambás do

Novo Mundo, mais precisamente dos habitantes do Rio de Janeiro, da França Antártica de

Villegagnon. A análise se centrará no conceito de bárbaro e na maneira como o mesmo, desde sua

origem manteve, em grande medida, uma tintura etnocêntrica na delimitação do civilizado e do

selvagem. Deste modo, a reflexão acerca desse conceito se dará por duas vias: o bárbaro como o

outro e como o sem civilização. A análise da visão dos europeus sobre os nativos ameríndios se

dará a partir de duas perspectivas: pelo olhar dos portugueses e dos franceses.

A pesquisa a qual me proponho a apresentar é um aprofundamento do meu trabalho de

conclusão de curso de graduação na Universidade Federal Fluminense, no qual analisei o conceito

de bárbaro em Montaigne a partir de sua visão sobre os tupinambás no ensaio XXXI, do Livro I

dos Ensaios, intitulado “Dos Canibais”. No projeto atual, pretendo ampliar o foco da investigação

e analisar, também, a visão dos portugueses sobre os nativos do Novo Mundo, destacando a visão

etnocêntrica do colonizador, considerando a percepção da antropofagia indígena no cenário dos

conflitos religiosos ocorridos na Europa.

Primeiro ponto a ressaltar é que o movimento humanista, decorrente do Renascimento, e

do qual Montaigne faz parte, é um movimento de redescoberta da cultura dos antigos (greco-

romana). Neste momento histórico ocorre uma “espécie de deslocamento que permite aos homens

da renascença pôr em perspectiva sua própria cultura” (AZAR FILHO, 2010, p. 1). Neste contexto,

o autor faz uma análise sobre os ameríndios antropofágicos do Brasil e coloca em questão os

costumes dos seus conterrâneos:

chama de bárbaro o que não é de seu uso – como em verdade, não parece que tenhamos outro padrão de verdade e de razão que exemplo e ideia das opiniões e usanças do país de onde somos. Lá está sempre a religião perfeita, o regime político perfeito, o emprego perfeito e acabado de todas as coisas. (MONTAIGNE, 2009, p. 51).

No trecho citado acima, o autor utiliza os tupinambás para realizar uma crítica aos seus

próprios costumes, tentando levar o leitor, por meio de uma construção retórica, a perceber que

aquilo que sua sociedade considerava como selvagem/bárbaro é aquilo que escapa dos costumes

de sua terra, afirmando que aquilo que é diferente do costume europeu é classificado pelos seus

conterrâneos como bárbaro.

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Montaigne foi quem melhor refletiu em sua época sobre a questão do relativismo cultural,

colocando como contraponto à sua cultura o tupinambá brasileiro das terras da França antártica.

É importante ressaltar que o autor, enquanto pensador, tinha em sua postura a intenção de

descrever o ser humano em sua diversidade. Ele possuía uma postura de investigação, não pretendia

“julgar” a humanidade, queria descrevê-la. O filósofo queria “investigar a diversidade das formas

de vida de que os seres humanos são capazes” (MONTAIGNE, 2009, p. 9). Pretendemos, ao longo

da investigação, analisar mais profundamente como o autor tece uma crítica aos costumes de seus

conterrâneos e como o hábito de antropofagia indígena é uma prática de alteridade plena, que tem

como objetivo manter a cultura e a sociedade Tupinambá.

As funções do princípio de plenitude para a cosmologia e para o atomismo de Giordano

Bruno

Willian Ricardo dos Santos (UFMG) Doutorando (FAPEMIG)

Orientador: Newton Bignotto de Souza

A demonstração de Giordano Bruno acerca da infinitude do universo se realiza em dois

passos argumentativos. O primeiro passo é de caráter físico, pois se concentra na desarticulação do

conceito aristotélico de lugar e na defesa de um espaço tridimensional e ilimitado. O segundo passo

se dá desde uma discussão metafísica pela qual Bruno reduz ao absurdo a ideia de que a infinita

potência criadora de Deus seria regulada por sua vontade e que resultaria na finitude da sua obra.

Para Bruno, porém, a onipotência de Deus não sofre qualquer limitação, seja ela interna ou externa.

Não sofre limitação interna porque Deus é unidade absoluta, portanto seus atributos não se opõem.

Isto é, sua vontade, poder e fazer coincidem plenamente. Se a potência de Deus é infinita, então

seu desejo também é infinito, e se realiza por completo em uma ação infinita. A ação divina também

não poderia ser minimizada por nenhum fator externo, uma vez que não há nada que exista fora

do uno que possa constranger sua ação. Ora, nada pode se opôr à divindade uma vez que tudo que

existe tem sua existência assegurada por aquela unidade absoluta. Deste modo Bruno conclui que

Deus se expressa completamente em uma ação infinita, o que resulta em um corpo sensível de igual

grandeza: o universo infinito. Bruno argumenta ainda que qualquer tentativa de limitar a ação divina

ou sua obra pode ser vista como uma atitude injuriosa para com Deus, pois ou bem recusa sua

onipotência ou bem visa torná-la supérflua, uma vez que sua capacidade jamais se efetivaria em um

ato equivalente. Esta é a expressão bruniana daquilo que Lovejoy chamou de princípio de plenitude.

É deste modo que Bruno rompe com o histórico debate em que se buscava conciliar a onipotência

e liberdade de Deus com a frustrante finitude e precariedade da sua obra. A interpretação aqui

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sugerida acerca da adesão bruniana ao princípio de plenitude vai além dos aspectos cosmológicos.

Sugere-se que tal princípio serve ainda como fundamento ontológico para a recusa de Bruno da

tese aristotélica da divisibilidade infinita da matéria. Isto pode ser confirmado primeiro em

Camoeracenses Acrotismus e depois em De triplice minimo, onde o Nolano finaliza sua teoria atomista.

Um dos argumentos de Bruno é o de que se um corpo pudesse ser infinitamente dividido então

ele teria em potência uma infinitude de partes, as quais se atualizariam sucessivamente ao longo do

processo de divisão. Tal corpo, porém, teria em ato um conjunto sempre finito de partes. A crítica

bruniana concentra-se em larga medida neste desequilíbrio entre a potência de ter infinitas partes

e o ato de ter um número finito de partes. Para Bruno, o fato da matéria ter uma potência que não

é atualizada frustra a potência ativa. Ora, este argumento é essencialmente o mesmo utilizado na

demonstração da infinitude do universo. Em ambos os casos Bruno defende a equiparação da

potência com o ato. Conclui-se então que a constante reivindicação bruniana de que uma potência

requer um ato de igual intensidade fundamenta tanto o infinitamente grande, o universo infinito,

quanto o infinitamente pequeno, os infinitos átomos. Os dois pólos do ser estão, portanto,

justificados por um mesmo princípio ontológico, ao qual Bruno adere de forma radical e que acaba

por conferir coesão a sua filosofia da natureza.

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Montaigne, educador

Alan Barbosa Buchard (UFF) Mestre (CAPES)

Orientador: Celso Martins Azar Filho

Esta comunicação tem como objetivo apresentar a leitura de Michel de Montaigne (1533-

1592) sobre a educação, destacando as características do ensino elaborado pelo filósofo, bem como

a crítica à estrutura educacional das escolas de sua época. Um dos principais representantes do

humanismo renascentista francês, Montaigne é um autor central para pensarmos a relação entre

ensino de filosofia e a metodologia humanística que hoje está ameaçada nas escolas brasileiras.

Portanto, a leitura de “Montaigne como Educador” (H. Nivesse) será feita a partir do ensaio “Do

pedantismo” (I, 25), no qual o filósofo produz uma precisa crítica sobre a estrutura escolar, que no

século XVI estava centrada na figura pedante do maistres de science; igualmente, do ensaio “Sobre

a educação das crianças” (I, 26), onde Montaigne apresenta que há de mais próximo de uma teoria

pedagógica em toda sua obra.

No ensaio sobre o pedantismo, nos serviremos da crítica deliberada de Montaigne aos

filósofos que ele diz serem “desprovidos de senso prático” ; professores de filosofia que estão,

acima de tudo, preocupados como um saber erudito (“professoral”), que não possui nenhuma

relação direta, prática, com a experiência cotidiana dos estudantes. O questionamento é direcionado

à estrutura das instituições de ensino da Renascença, bem como à metodologia de aprendizagem

empregada pelos educadores escolásticos e humanistas.

Por sua vez, no ensaio “Da educação das crianças” (I, 26) o que observamos é a tentativa

de Montaigne em propor um método pedagógico alternativo e eficaz, que fosse adequado à

educação da nobreza. Apesar de ser uma pedagogia aristocrática – Montaigne não se pronuncia

sobre a educação das crianças do povo –, a educação teorizada pelo filósofo nos serve como um

modelo ou paradigma para problematizar a práxis educacional no contexto brasileiro, uma vez que

a proposta montaigniana é por uma educação baseada na liberdade individual dos sujeitos, atenta à

inclinação natural de cada um, estruturada fora do modelo repressor e coercitivo.

No Cahiers de l’Éducation, Henri Nivesse nos atenta para o fato de que quatro séculos

antes de Michel Foucault (1922-1984) denunciar o “encarceramento” dos estabelecimentos

escolares, Montaigne já reconhecia na escola uma instituição de controle da mentalidade e dos

corpos. Tanto as análises de Montaigne sobre o encarceramento do sistema escolar, quanto as

leituras de Foucault nos revelam quadros da realidade educacional nos quais os estudantes estão

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submetidos à regimes disciplinares. O desejo último desta comunicação é apontar para um possível

diálogo entre esses dois autores da filosofia francesa.

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29/11 – 16h15-18h15 / Mesa 5: Conhecimento e Subjetividade

“A força de que dispõe a alma para mover o corpo”: o interacionismo causal de Descartes

Anna Beatriz Figueiredo Pereira da Silva (UFRJ) Mestranda (FAPERJ)

Orientador: Ethel Rocha

Discutir ontologia é tentar decifrar e porventura descrever a estrutura do real em toda sua

magnanimidade. Quando se fala especificamente no pensamento de Descartes, tem-se em mente

um projeto de compreensão do mundo através de duas lentes: uma realidade mental paralela às

engrenagens do mecanicismo. O presente trabalho supõe que o fatídico ingrediente para o

funcionamento do mundo como concebido pelo filósofo francês seja o encontro oportuno entre

esses dois planos, ao invés de um mundo fraturado. A chave para essa ontologia é justamente

entender que a sua essência não é o fato do dualismo e sim da mescla completa, que ainda conserva

a identidade de seus ingredientes. Talvez entender ou compreender nem sejam as palavras certas,

uma vez que o próprio Descartes julgou essa sua metafísica impossível de ser plenamente

apreendida filosoficamente. Um embaraço para o propositor de uma antropologia cartesiana são

justamente essas duas perspectivas que refletem o homem: de um lado, o conhecimento sensível é

testemunha de uma união íntima; de outro, a reflexão filosófica fundamenta um dualismo radical.

Isto é: a união substancial entre mente e corpo é matéria das sensações, experimentada a todo

momento por nós, sem que seja necessária reflexão. Enquanto isso, a distinção real, na contramão,

é da ordem do entendimento e concebida a partir de um argumento com respaldo apenas nas ideias

claras e distintas – isto é, temos a ideia da alma como substância pensante e não extensa, ao mesmo

tempo em que temos a ideia do corpo enquanto substância extensa e não-pensante, o bastante para

provar que são duas substâncias inteiramente diferentes, no sentido literal.

Como concatenar essas duas facetas do homem cartesiano? Segundo Descartes, parece ser

impossível que o intelecto humano consiga conceber ambas no mesmo instante, “isto porque é

necessário, para tanto, concebê-los como uma única coisa, e conjuntamente concebê-los como

duas, o que se contraria” (AT III 692). Talvez seja esse titubear, esse nó, aquilo que torna o assunto

tão controverso, quase uma anedota mitológica: era uma vez um filósofo muito distinto, que

formulou duas teses contraditórias e tentou abrigá-las dentro do mesmo corpus filosófico. O que

mais há de difuso é a continuação dessa suposta narrativa: ao formular a união, Descartes teria

abandonado o dualismo? Ou talvez preconizado uma das duas visões em detrimento da outra? Há,

inclusive, quem ressalte que é tratada timidamente uma forte consequência dessa contradição

conceitual: como se explica a interação entre as duas substâncias? Quando um homem decide

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caminhar, é a substância pensante que detém a faculdade da volição, porém é a substância extensa

que se desloca espacialmente – como os dois eventos se relacionaram?

Este trabalho se debruça sobre a questão do interacionismo causal em Descartes, tese que

chegou a ser considerada um escândalo conceitual e inaugurou o problema mente-corpo na história

da filosofia. A proposta é analisar, em um primeiro momento, quais são as teses do dualismo

cartesiano que seriam impeditivas de um interacionismo entre as duas substâncias. Ou seja, mais

especificamente, analisar a tese do atributo principal, presente nos Princípios da Filosofia, segundo

o qual alma e corpo teriam naturezas distintas e excludentes. Um segundo momento trará para a

discussão a união substancial, através de uma discussão do conceito de noções primitivas,

particularmente através da noção de união, através da qual compreenderíamos a noção de interação.

Por fim, além de discutir os meandros da ontologia cartesiana, traremos também para a discussão

a causalidade em Descartes, mostrando teses que seriam igualmente impeditivas do interacionismo,

como a tese da semelhança entre causa e efeito.

A melancolia de Elisabeth

Carmel da Silva Ramos (UFRJ) Doutoranda (CAPES)

Orientador: Ulysses Pinheiro

O termo melancolia, como demonstra Starobinski, é uma sobrevivência da doutrina dos

quatro humores. Designa, literalmente, “atra bilis”, isto é, a bile negra, que ao lado da bile amarela,

do sangue e da fleuma, compunha os quatro humores do corpo humano, segundo, por exemplo,

as teses de Hipócrates. Trata-se do mal que sofria Demócrito, classificado por seus compatriotas

de Abdera como louco, por rir descontroladamente de tudo que lhe era apresentado. Foi preciso a

presença de Hipócrates para dar o diagnóstico final: não se tratava de loucura de Demócrito, mas

de loucura daqueles que o julgavam louco. Além da associação com a loucura, encontramos, num

fragmento atribuído a Aristóteles, um tratamento da melancolia enquanto signo dos

temperamentos destacados: em especial dos filósofos, políticos e poetas. No contexto do século

XVII, a referência imediata é Robert Burton, que recuperou a teoria humoral, bem como a imagem

de Demócrito, em seu A Anatomia da Melancolia, a ponto de assinar seu prefácio satírico como

“Demócrito Júnior”. No mesmo período, um comentário pouco apreciado é, no entanto, o de

Descartes – que, embora não tenha dedicado a esta doença espiritual qualquer abordagem

sistemática, não deixa de assinalá-la em momentos notáveis de sua obra. Além da controversa

passagem da Primeira Meditação, que menciona a bile negra e o caso dos homens que acreditam

ter corpo de vidro – lugar-comum da literatura erudita da época, também trabalhado numa novela

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de Cervantes –, há pelo menos dois outros momentos em que a melancolia surge em seu corpus: no

diálogo La Recherche de la Vérité par la lumière naturelle e na correspondência com Elisabeth. Da mesma

forma que nas Meditações, a alusão à melancolia ocupa, na Recherche, uma função argumentativa

determinada: Eudoxe a apresenta como um grau de radicalização da dúvida em relação aos sentidos.

A correspondência com Elisabeth, por contraste, é um contexto dialógico privilegiado, pois travado

com uma interlocutora assumidamente melancólica. Observa-se, na correspondência, toda uma

tentativa de dar conta do “caso Elisabeth”: oferecendo-lhe uma patologia e uma terapêutica que

englobam, curiosamente, tanto elementos propriamente cartesianos quanto teses da tradição. O

movimento de retomada e atualização destas posições, concluído a partir da investigação

genealógica, nos suscitará a seguinte questão: por que, quando confrontado com as ciências

relativas à união da alma com o corpo – nomeadamente com a medicina, a moral e a política –, a

herança da tradição parece ter algum valor, ao contrário do papel quase nulo que desempenha na

investigação metafísica? Como compreender a existência de duas tendências conflitantes: a

resolução de, uma vez na vida, desfazer-se de todas as opiniões a que anteriormente dera crédito e

a conservação de temas e explicações canônicas? Sem procurar eliminar esta tensão, nossa hipótese

é a de que a impossibilidade de pensar clara e distintamente os fenômenos relativos à união inclina

Descartes a construir, no que se refere às ciências práticas, um novo registro discursivo.

A dicotomia intelecto/corpo na “Regra I” de Regras para a orientação do espírito e a

necessidade de sua pressuposição como justificativa da generalidade da aplicação do

método cartesiano

Filipe Monteiro Morgado (UFF) Mestrando (CAPES)

Orientador: Carlos Diógenes Côrtes Tourinho

Este resumo objetiva vaticinar uma breve exposição da tese cartesiana que justifica a

generalidade do método proposto por Descartes. Trata-se da tese da dicotomia intelecto/corpo,

localizada já na “Regra I” de Regras para a orientação do espírito, obra da juventude de Descartes e que

é mais metodológica que metafísica. No entanto, ela possui temas metafísicos. Essa dicotomia entre

intelecto e corpo é temática sumária à metafísica e à epistemologia cartesianas. A obra supracitada,

a datar logo de sua primeira regra, esteia um antiempirismo no campo da ciência. Faz-se necessário

ir de encontro ao empirismo, por quê? A afirmativa empirista de que todo conhecimento tem sua

origem na experiência implica na conclusão que há um mundo que serve informações, objetos que,

à serventia, deixam saberes ao sujeito de conhecimento, cuja função é absorve-los. Os sentidos

notam objetos que lhes são alheios, objetos externos àquele que sente, àquele que é possuidor dos

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sentidos. Tem-se, pois, o entendimento de que há, de um lado, o sujeito cognoscente e que somente

conhece através da sensibilidade e, de outro, o objeto que é conhecido. Mais: não se pressupõe só

que há alguém que possui sentidos e que há um mundo só lhe é acessível empiricamente, mas,

também e isto é sumário de ser frisado, que é desse perceptível, dos objetos externos que são

notados pelos sentidos, que o conhecimento jorra. Em suma, para o empirismo, no dualismo

sujeito e objeto, este têm, na aquisição do conhecimento, primazia com relação ao sujeito, haja vista

que é daquele que o conhecimento origina-se e vai na direção deste; e, os sentidos, no sujeito, é o

primado da ciência, posto que, sem a sensibilidade, não haveria, absolutamente, conhecimento

sobre qualquer coisa, dado que é a ela que os saberes que emanaram dos objetos vai. O intelecto,

conforme a tese empirista, encontra-se subjugado ao conhecimento que é nascido do mundo

objetivo aos sentidos do sujeito. Por conseguinte, no empirismo, dado que são os objetos que

fornecem ao sujeito conhecimento, o intelecto variaria conforme a diversidade dos objetos aos

quais é aplicado. A resposta ao inquérito feito acima é, então: para o método cartesiano poder ser

aplicado genericamente, método que é a expressão do modo de operação da razão, é preciso que o

intelecto e, logo, seu modo de operar expresso na metodologia cartesiana, não varie conforme se

diversificam os objetos sobre os quais se debruça. Importa salientar que essa inversão da marcha

do pensamento é feita já na “Regra I” das Regras, expondo-se o dualismo entre o corpo e o intelecto,

que é salutar ao cartesianismo. O intelecto ocupa-se com a ciência e, o corpo, por seu turno, com

as artes. Estas não devem ser praticadas concomitantemente, não deve ser um homem que cultive

diversas delas, pois não é melhor com cítara aquele que se dedica a ela e a outras artes do que se só

se aplicasse a esse instrumento. Concernente às ciências, não acontece o mesmo, haja vista que são

componentes da sabedoria humana, que não distingue seus objetos tal como a luz do Sol não

discrimina as coisas a alumiar. Agora, o intelecto não permanece subjugado aos objetos com os

quais se ocupa; põe-nos sob si. Doravante, o intelecto, antes agrilhoado ao mundo pressuposto

fornecedor de saberes, toma sua liberdade, não sendo mais sujeito aos objetos e, sim, sujeitando-

os a si, porquanto não há mais um conhecimento intrínseco aos objetos. O intelecto torna-se ativo

na confecção do saber científico.

O Anti-intelectualismo de Bergson

Julio Auto de Amorim Junior (UFF)

Mestrando

Orientador: Carlos Tourinho

Segundo Bergson, o desenvolvimento da inteligência se completa na ciência e na técnica. A

primeira nos introduz, pelo pensamento, na intimidade de uma matéria que a segunda tem por fim

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manipular19. O filósofo francês recusa a ideia de que as possibilidades máximas da inteligência

atingem plena realização no exercício de um saber desinteressado e especulativo. Desde sua gênese

evolutiva, o intelecto desenvolveu-se, segundo Bergson, de modo a favorecer nossa ação sobre a

matéria e a buscar soluções práticas. O intelecto, tantas vezes elevado à instância máxima de

possibilidade de conhecimento, assumirá, em sua filosofia, uma função contrária ao “conhece-te a

ti mesmo” socrático. Isso porque, explica Bergson, uma certa ignorância de si é útil a um ser que

precisa exteriorizar-se para agir. Essa reorientação do papel da inteligência renderá a Bergson duras

críticas. Para Albert Farges, por exemplo, há, em Bergson, um profundo divórcio entre o

pensamento e a razão. Baptiste-Marie Jacob (1858-1909) vê no antirracionalismo bergsoniano uma

expressão da inquietação contemporânea que, segundo ele, se reúnem sob o misticismo e o

impressionismo. Como explica Claudia Stancati, a reação intelectualista contra Bergson é reforçada

por Julien Benda. Benda tentará mostrar que o bergsonismo é uma soma de erros, cuja origem é

precisamente a intuição: “Bergson, espírito eminentemente amplo, é um espírito eminentemente

fraco”20. De acordo com Nicolas Ségur, o mérito da filosofia bergsoniana foi nos mostrar que

existem outros modelos de conhecimento além da inteligência21. Para Stacanti, foi graças à obra

L’Intellectualisme de Bergson (1947), de Léon Husson, que começou a ser deixado de lado a oposição

intuição/inteligência, dando espaço para uma interpretação que identifica uma colaboração entre

intuição e inteligência na obra de Bergson22. Husson: “A inteligência, sob sua forma mais elevada,

é a própria experiência, o próprio florescimento da intuição”23. No texto “De l’intelligence”,

publicado postumamente, o próprio Bergson fala de uma “inteligência verdadeira”: “A inteligência

real é aquela que nos faz penetrar no interior daquilo que estudamos, tocar-lhe o fundo, inspirar

nosso espírito e sentir palpitar a alma”24. Nesta dimensão, muito além da dimensão prática, a

inteligência é apresentada como a própria intuição: “a inteligência é essa corrente de simpatia que

se estabelece entre o homem e a coisa, como entre dois amigos que se entendem à meia-palavra e

que não possuem mais segredos entre um e outro”25.

A partir das discussões em torno do anti-intelectualismo bergsoniano, buscaremos, nesta

comunicação, chamar atenção para os cuidados que uma filosofia da duração impõe aos leitores.

Uma filosofia que recusa definições prévias, que busca a simplicidade em oposição à complexidade

abstrata dos sistemas. Bergson não faz uso de neologismos. Não obstante, ao mesmo tempo em

19 Ibidem, p. 1959. 20 BENDA, Julien. Le bergsonisme ou une philosophie de la mobilité. Paris: Mercyre de France, 1912, p. 122. 21 SÉGUR, Nicolas. Le génie européen. Paris: Bibliothe ̀que Charpentier: E. Fasquelle, 1926, p. 60 22 STACANTI, Claudia. Henri Bergson: esprit et langage. Sprimont: Mardaga, 2001. 23 HUSSON, Léon. L’Intellectualisme de Bergson. 1947, p. 181-182 apud ADOLPHE, Lydie. La dialectique des images chez Bergson. Paris: PUF, 195, p. 15. 24 BERGSON. Écrits et paroles. Tomo I. Paris: PUF, 1957, p. 177. 25 Idem, p. 177.

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que utiliza as “palavras de todo mundo”, considera que abaixo da palavra há outra coisa, uma

direção sugestiva; algo mais que a mera expressão de sentido. Assim, o real significado do anti-

intelectualismo de Bergson só poderá ser encontrado no conjunto de seus próprios textos, sendo

toda classificação exterior passível de equívocos.

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30/11 – 14h-16h / Mesa 1: Diálogos com Foucault

O Sócrates de Michel Foucault: análise dos cursos do Collège de France da década de

1980.

Priscila Céspede Cupello (UFRJ)

Doutoranda (FAPERJ) Orientadora: Alice Haddad

Nesse trabalho almejamos discutir o modo como Foucault reverte o olhar para a figura de

Sócrates, tendo em vista a grande importância que os textos antigos adquirem em suas pesquisas

da década de 80. Neste momento, Foucault está interessado nos comportamentos singulares,

experiências limites, vidas que confrontam a ordem estabelecida e que colocam os valores sociais

em xeque. Nesse sentido, Sócrates aparece ocupando o lugar do pensamento do fora, ou seja, da

resistência.

Quando Foucault analisa a figura de Sócrates, ele o faz dentro de um projeto genealógico

que tem em vista o estudo de existências escandalosas, que destoam das normas sociais, que

afrontam, perturbam e incomodam. Sócrates não representa exatamente uma “vida infame”, que

foi deixada sem voz e obscurecida pela história, mas poderíamos dizer que ele é um infame por

estar na contramão da ordem social preestabelecida e por representar, justamente, o fora que está

dentro (VHI, p. 237). Com isso, queremos dizer que Sócrates representa um pensamento do fora,

pois seu modo de agir e pensar criam um lugar outro na história do pensamento ocidental, entretanto,

ele também está dentro da pólis ateniense, esse não-lugar, esse lugar estranho, essa atopía emerge de

dentro da própria cidade grega.

O Sócrates que interessa aos trabalhos de Foucault é aquele que desafia as leis da cidade

nos tribunais falando a verdade, ou seja, valendo-se da parresía.26 Alguém que prefere a morte do

que agir como a maioria dos atenienses gostaria que ele se comportasse. Segundo Foucault, a parresía

socrática tem uma relação com a virtude, com o dever e também com a técnica. A parresía está

relacionada com a virtude, pois representa uma certa forma de se comportar, ou seja, um problema

que é parte da ética, um cuidado que se tem consigo mesmo, anterior ao cuidado com o outro. Ela

também é um dever, pois não se pode omitir de falar a verdade; e, se relaciona com a técnica, já

que existe uma forma de se falar, no caso de Sócrates, uma determinada maneira de conduzir os

diálogos, uma tékhne.

Com esse trabalho, almejamos elucidar que o Sócrates resgatado nos estudos foucaultianos

é o Sócrates átopos, aquele da estranheza e do não-lugar na pólis ateniense, ou seja alguém que emerge

26 A parresía é uma atitude, um modo de ser, de se portar, de conduzir a si mesmo. Foucault a caracteriza como “uma maneira de ser que se aparenta à virtude, uma maneira de fazer” (CV, p. 15).

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de dentro da pólis antiga, mas instaura o pensamento do fora criando uma nova forma de pensar e

estar no mundo. O Sócrates é o dentro que está fora, um personagem na contra mão da vida

ordinária, uma voz da resistência. Em seu projeto genealógico da ética, Foucault resgata o Sócrates

como uma existência exemplar e escandalosa, que resiste e subverter as normas da pólis instaurando

o novo, o pensamento do fora.

Lista de Abreviaturas:

VHI: “La vie des hommes infames” (1977).

Referências Bibliográficas: FOUCAULT, Michel. La vie des hommes infames. Les Cahiers du chemin, no 29, 15 janvier 1977, pp. 12-29.Dits et écrits, tome II, texte n°198, Quarto Gallimard, Paris, 1994, pp. 237- 253. FOUCAULT, Michel. Le Courage de la vérité. Le Gouvernement de soi et des autres II. Cours au Collège de France (1984), Paris: Gallimard, 2009.

A funcionalidade da histórica como ficção na filosofia de Foucault

Bruno Abilio Galvão (UERJ) Doutorando

Orientador: Fabiano Lemos

Em uma entrevista de 1978, publicada apenas em 1980, Foucault diz não se considerar um

filósofo no sentido institucional como aquele que tem por objetivo a elaboração de um sistema de

pensamento. Ele se considera um “experimentador”, seus livros nada mais são que meios para

pensar, diferentemente, temas pelos quais se interessa. Os diversos temas por ele abordados,

loucura, delinquência, sexualidade, são mecanismos de transfiguração do próprio pensamento, uma

experiência limite que tem por objetivo arrancar o sujeito de si mesmo, evitar que este permaneça e

pense, as mesmas coisas, da mesma maneira. A relação de Foucault com a escrita e simultaneamente

com a leitura é, primeirissimamente, sua auto formação. Não há, para o filósofo, um objetivo

preestabelecido que não seja sua formação muito menos um método anterior à sua análise, mas

sim cada assunto investigado demanda diferentes maneiras de organizar a análise. Porém, seus

objetos de investigação são sempre discursos e seus elementos, dispersos nos empoeirados

arquivos. Discursos de todas as espécies, literatura, filosofia, textos científicos, receituários

médicos, regulamentações institucionais. Desses diversos tipos de discursos, equivalentes para

Foucault, reagrupa enunciados dando-lhes unidade, criando objetos, modalidades enunciativas,

discurso, configurando sua prática arqueológica e genealógica. Foucault, como diz Deleuze, pinta

quadros, constrói visibilidades com seu discurso e seus “quadros”, por mais “belos” que sejam, são

apenas “quadros”, ou seja, se Foucault não é um filósofo no sentido institucional do termo, muito

menos podemos chama-lo de historiador: certamente, não escrevo outras coisas senão ficções. Dessa forma,

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seu traço histórico presente na arqueologia e genealogia se afasta da história enquanto disciplina e

aproxima-se da literatura. Não que os enunciados sejam falsos, estes existem e possuem data de

registro, a ficção está no agrupamento destes. A ficção, enquanto linguagem artística que compõe

cenários permite, por meio do páthos da distância, experimentar a modernidade que nos constitui.

Mas, qual finalidade de construir acontecimentos de épocas sem se importar com a veracidade

desses fatos de maneira científica? O objetivo não é a história do passado, mas sim uma “história

do presente”. A ficção permite um distanciamento e, consequentemente, um olhar sobre nossas

práticas, problematizar questões da atualidade, pensa-las diferentemente do já consumado e

normalizado. Dessa forma, seus livros não oferecem sistemas que nos expliquem nosso mundo,

suas causas finais e princípios, mas experiências de pensamento que proporcionem novas

perspectivas. A história escrita por Foucault é sempre uma “história do presente” e se adota a

terminologia nietzschiana da história efetiva, a efetividade dessa história, que é ficção, está na

funcionalidade de provocar a problematização da atualidade em seus leitores. Assim, Foucault se

auto intitula não um filósofo em sentido estrito, mas um “crítico”. A postura intelectual crítica tem

por finalidade investigar os regimes de verdade que legitimam determinadas práticas que, de certa

forma, criam regimes de submissão e assujeitamento desfavoráveis ao sujeito. Certas práticas,

quando deslegitimadas em seu subsolo discursivo e visualizadas no espelho da ficção foucaultiana,

passam a enfrentar o risco da perca de sua efetividade. Foucault conclui a atitude crítica em

contraposição à governamentalidade, a crítica é sempre, em sua filosofia, um movimento de

reformulação da forma de ser governado, uma reformulação que passa pelo viés de não querer ser

mais governado de determinada maneira, trata-se de uma insubmissão refletida.

Entre Espaços Foucaultianos

Ítalo do Nascimento Oliveira Borba (PUC-RJ)

Mestrando (CNPQ) Orientador: Edgar Lyra.

Território, espaço, geografia, e localidade são instâncias que permeiam o desenvolvimento

do pensamento de Michel Foucault, ainda que o filósofo não tivesse como preocupação

fundamental uma análise desses termos. O presente trabalho tem por objetivo contrapor as

reflexões de Foucault que lançaram luz sobre problemas envolvendo o espaço. As perspectivas de

suas análises apresentam deslocamentos e mobilidades, portanto é necessário tomar como ponto

de partida a contraposição de abordagens distintas problematizando a espacialidade ao longo de

sua obra, bem como, a própria referência metafórica de espaço é operativa no funcionamento do

pensar foucaultiano. Selecionamos, dessa forma, dois momentos: os primeiros trabalhos de

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Foucault (até os anos de 1970 aproximadamente), perpassando por História da Loucura na Idade

Clássica (1961), e As Palavras e as Coisas(1966); e posteriormente a partir de 1970, chegando em

Vigiar e Punir(1975), e Segurança Território e População(1977-1978).

O primeiro movimento articula uma concepção de espacialidade que passa pela dinâmica

de interior, exterior e limite, tanto no espaço físico quanto discursivo das ciências humanas. No

prólogo de As Palavras e as Coisas, Foucault apresenta as possibilidades do pensamento atingir seu

limite, as configurações discursivas que regem determinadas práticas de produção dos saberes. A

difusão das ciências humanas ocorre num espaço delimitado, condicionado à impossibilidade de

situar-se em outros espaços, lugares impossíveis de pensar como o outro, o fora. Assim como as

as demarcações de interior e exterior são fundamentais não como instrumento analítico capaz de

esclarecer e separar os regimes discursivos entre si, mas ao contrário, tais noções são essenciais

para a própria consolidação desses regimes.

O segundo movimento seleciona a perspectiva foucaultiana dos espaços como referências

mais contextualizadas nas análises genealógicas do poder. Em Vigiar e Punir, o espaço é

fundamental no surgimento das sociedades disciplinares (séculos XVII e século XVIII), permitindo

o enclausuramento e disciplinarização dos indivíduos no cercamento, e vigilância dos mesmos na

eficiência do modelo Panóptico. A demarcação tão específica quanto possível da territorialidade

promove a atuação difusa e microfísica das relações de poder, institui-se a divisão, por exemplo,

do exército em um quartel, uma infantaria, um pelotão, um indivíduo, uma atividade. O poder não

está localizado em um lugar privilegiado, por isso é necessário analisar sua capilaridade e profusão

nos espaços em que suas relações transitam.

Costurando esses dois recortes, o trabalho busca ressaltar um desdobramento dessas

considerações. O discurso apresenta-se como terreno de embates e estratégias de dominação nas

relações saber-poder, existem regras de afirmatividade do discurso científico, em sua própria

consolidação como ciência, produzindo expressões como "campo", "região", "território" de

organização de objetos do saber próprios desse discurso. Além das relações de poder eclodirem na

estrutura social, por exemplo, como planejamento de cidades para administrar populações (análise

do biopoder em Segurança Território e População), também surgem no espaço discursivo para

reivindicarem sua posição de saber legítimo de organizar politicamente o que deve ser investigado,

estudado, planejado. Os problemas que atravessam a ideia de espaço no pensamento foucaultiano

lidam com embate de regimes discursivos de verdade (episteme) na definição dos limites de um

determinado pensamento, objeto, campo de estudo. Além de ser componente histórico da atuação

das redes de operação do poder, nas arquiteturas sociais, e dispositivos de poder de uma forma

geral.

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A noção de História em As Palavras e as Coisas

Victor Alexandre Garcia Pires (PUC-RJ) Mestrando (CNPQ)

Orientador: Rodrigo Nunes

O presente trabalho aborda a reflexão de Foucault sobre a História, a partir do livro As

Palavras e as Coisas. Trabalharemos os conceitos de Episteme e de a priori histórico, pelos quais

Foucault trata da ordenação que delimita cada época como uma espécie de “inconsciente do saber”.

O livro se chamaria “A Ordem das Coisas”, título que sem dúvidas estaria bem mais próximo de

sua experiência intelectual. Se Foucault visa mostrar que temos a experiência bruta de uma ordem,

é para historicizar a própria ordenação e mostrar a contingência por trás de cada configuração

histórica, de modo que nossa ordem moderna não é a mesma da do século XVII e XVIII, nem a

mesma do renascimento, e sem dúvidas ainda virá a mudar novamente. Mostramos como o filósofo

francês, em seu esforço de escapar das concepções dialéticas da história devedoras de Hegel, e

influenciado pelo estruturalismo da década de 60, tentou pensar a história sem partir da categoria

do Homem e sem pressupor nela a existência de um telos. Por último, discutimos a repercussão

inflamada que As Palavras e as Coisas recebeu no pensamento francês da época de sua publicação,

presentificada em nomes tais como o de Sartre e de Jean-Luc Godard - grandes expoentes da

esquerda francesa. Em famosa entrevista, Sartre apresenta o livro como a última muralha da

burguesia contra a revolução: ao excluir o homem como motor da história, Foucault estaria

querendo desmobilizar as massas, pois ele ignoraria tanto a questão do sujeito, quanto o ideal de

emancipação do homem. Curioso que Foucault algum dia tenha sido tomado como um pensador

reacionário, quando atualmente sua figura nos pareça tão libertária. De repente percebeu-se que

sua obra não desmobiliza, mas sim coloca em cena um outro tipo de mobilização. Se tudo é

histórico e se as construções históricas são contingentes, se cada configuração depende de um

embate de forças que constrói determinada ordenação, logo, a arbitrariedade destas construções

nos abre para a possibilidade de sua própria transformação. Além disso, se a história não possui

um telos, se ela não representa, por exemplo, o progresso da razão a estágios cada vez mais

sofisticados, o desafio do intelectual, a verdadeira atividade que ele deve desempenhar, passa a ser

a da realização de um diagnóstico do presente, o de identificar os perigos de seu próprio tempo, os

desafios por ele colocados, explicitar seus problemas, delimitar (para decompor) o que há de

intolerável nesta temporalidade que é a sua. Descobre-se, assim, em Foucault, um pensador da

esquerda. Não mais a esquerda que quer garantir a emancipação do homem, a plenitude da

liberdade, a realização plena da natureza humana, etc. Sem a teleologia o pensamento

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revolucionário fica necessariamente desnorteado. Não se trata de encaminhar uma nova ordem,

mas de evidenciar (para buscar desfazer) as evidências que a cada momento sustentam

determinadas opressões, e identificar que riscos estamos correndo atualmente nos modos de

subjetivação que nos são oferecidos.

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30/11 – 16h15-17h45 / Mesa 2: Política e Cotidiano

Costume, liberdade e submissão - um ponto de encontro entre O Príncipe e os Discursos

Otávio Vasconcelos Vieira (UNICAMP) Mestrando (CNPQ)

Orientadora: Yara Adario Frateschi

A relação entre O Príncipe e os Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio é digna de exame.

Estas obras estão em um peculiar conflito. Seria difícil dizer que estão em contradição, entretanto

a posição do autor é muitas vezes ambígua quando as comparamos. Uma questão que desperta

muitos leitores de Maquiavel, por exemplo, é se o autor seria um defensor da liberdade republicana

e um inimigo dos tiranos de seu tempo, e, portanto, deveríamos considerar a leitura de O Príncipe

com cautela e a dos Discursos como central; ou se, talvez frustrado pelos acontecimentos na Itália

do século XV e XVI, que solaparam a República Florentina e tantas outras, o autor teria se voltado

para o principado como forma não só possível de governo, mas a mais adequada para os homens

de seu tempo, incapazes de viver a liberdade dos antigos. Assim, O Príncipe assume extrema

contundência. Quiçá os conflitos entre as duas obras estaria em proporção com os conflitos reais

observados por Maquiavel entre repúblicas e principados, nascendo as dificuldades de integrá-las

da complexidade mesma da matéria tratada. Os conflitos e perspectivas inconciliáveis entre

principado e república, entre liberdade e submissão, não só distinguem os temas das obras, mas

permeiam os argumentos de ambas, permitindo sua compreensão em conjunto. Nossa

comunicação pretende propor uma leitura conjunta dos textos, questionando-se sobre o conflito

entre repúblicas e principados de forma delimitada e breve. Dedicamo-nos a reconstituir, comparar

e tecer observações sobre os capítulos 5 de O Príncipe e 16 do primeiro livro dos Discursos. A relação

entre os textos é flagrante: no primeiro, discute-se como um príncipe pode governar súditos

acostumados a, antes de serem conquistados, viver livres e sob suas próprias regras; inversamente,

no segundo, o autor se questiona sobre as dificuldades em se manter a liberdade encontradas por

um povo que, acostumado a servir um príncipe, torna-se por alguma ocasião livre. As questões

colocadas são diametralmente opostas e o autor, como devemos mostrar, as desenvolve a partir de

considerações e argumentos comuns. Em linhas gerais, Maquiavel entende que tanto a eficiência

da dominação de um príncipe quanto a capacidade de um povo em se manter livre dependem do

estabelecimento de costumes específicos e conflitantes. O costume à liberdade é corrosivo ao

governo do príncipe e é a força das repúblicas. Inversamente, o costume da servidão a um príncipe

enfraquece o exercício político comum e facilita a concentração do poder nas mãos de um senhor.

A partir da leitura dos textos mencionados, discutiremos no que consistem estes costumes, o que

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os caracteriza e como se formam. Também buscaremos examinar e comparar os dois textos quanto

ao tratamento dado por Maquiavel à incomensurabilidade e conflito entre governo régio e costume

à liberdade, e entre república e costume à servidão, bem como as medidas extraordinárias e fatalistas

necessárias para a introdução de uma forma de governo não conforme ao costume estabelecido -

a necessidade de dissolução de alianças políticas, da ruína de homens e cidades inteiras, da

perseguição a oponentes e do uso da força.

O Animal Social e o Isolamento

Thiago Sebastião Reis Contarato (UFRJ) Doutorando (CAPES)

Orientador: Rodrigo Guerizoli

Tomando por base a obra de Tomás de Aquino intitulada “Do Reino ou dos Governos dos

Príncipes ao Rei de Chipre”, buscaremos apresentar a noção de “animal social” atribuída ao ser

humano. Tomás expõe esse tema da seguinte maneira: “É, todavia, o homem, por natureza, animal

sociável e político, vivendo em multidão, ainda mais que todos os outros animais, o que se evidencia pela natural

necessidade.” Portanto, seguindo Aristóteles, Tomás busca defender que o homem é um animal social,

assim como ocorre naturalmente com as abelhas e as formigas que vivem naturalmente em grupo

e não convencionaram ou acordaram essa vivência em grupo.

Para reforçar essa posição, Tomás apresenta três razões para haver uma “necessidade

natural” de se viver em sociedade. A primeira razão é o fato de que, caso viva isoladamente, o ser

humano não é autossuficiente no que concerne às necessidades básicas de sua vida, como se verifica

pelo seu organismo limitado. A segunda razão é o fato de que, considerando a limitação do nosso

intelecto, cada um de nós somente conhece fragmentos da realidade, o que ocasiona as diversas

especialidades. Somente a vivência em comunidade pode fazer com um indivíduo “tape o buraco”

do conhecimento do outro, de modo que os indivíduos se complementem. A terceira razão envolve

o fato de que, para se realizar completamente, o ser humano tem necessidade de se comunicar e se

expressar, pois “homem [é] o mais comunicativo que qualquer outro animal gregário”, donde entra em

questão a importância da linguagem, enfatizando não a convenção nos símbolos linguísticos, mas

antes a expressividade de sentimentos e saberes.

Por outro lado, Tomás de Aquino não pode negar a existência de indivíduos que vivem

isoladamente e fora da vida política. Para explicar como pode ocorrer o isolamento de um ser

humano, ele apresenta algumas circunstâncias em que isso pode ocorrer: A primeira situação envolve

os casos em que há um tipo de deficiência na natureza humana que impede uma pessoa de viver

em grupo, de modo que temos uma razão natural para o isolamento. A segunda situação ocorre

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quando um indivíduo se afasta da comunidade de modo artificial ou acidental. Assim, o

afastamento pode ocorrer por uma má sorte, quando o indivíduo se perde do grupo em que vivia,

mas o afastamento também pode ocorrer por punição, quando ele é expulso da comunidade, como

nos casos de exílio ou prisão. A terceira situação tem um cunho religioso, onde ocorre uma relação

do indivíduo com Deus, sendo própria da Idade Média, como nos casos dos monges eremitas. Essa

terceira situação de isolamento não é natural, mas poderia ser chamada de “sobrenatural”.

Em suma, seguindo o ideal grego de perfeição que herdou de Aristóteles, Tomás defenderá

que a vivência isolada de um ser humano é artificial, enquanto a vivência em comunidade é natural.

Tal posição se opõe aos contratualistas modernos que, grosso modo, defendem que, por natureza, o

ser humano é individual e solitário, mas convenciona artificialmente uma vivência em grupo ou em

sociedade através de um acordo, que é o “contrato social”. Nesse ponto, é importante ressaltar que

Tomás de Aquino admite que as leis positivas ou humanas podem ser convencionadas socialmente,

mas a própria vivência em sociedade não decorre de um acordo, mas se segue da necessidade envolvendo

leis naturais.

Reflexões sobre a violência: Adorno, Benjamin, Günther Anders

Felipe Catalani (USP) Mestrando (FAPESP)

Orientador: Vladimir Safatle

Uma das passagens da Dialética Negativa que mais provoca desconcerto entre comentadores

e desconforto entre adornianos por assim dizer "ortodoxos" é uma na qual ele, discutindo justiça

(que, diferentemente da liberdade, não é exatamente um conceito central na filosofia moral de

Adorno) e o processo penal dos algozes de Auschwitz, defende o ato violento no momento

oportuno como uma ação moral: "Se tivéssemos fuzilado sumariamente os encarregados da tortura

juntamente com os seus mandantes e os seus protetores extremamente poderosos, isso teria sido

mais moral do que abrir um processo para alguns deles." A impossibilidade de se realizar justiça

vinte anos depois por meio de um processo penal (neste ponto, Adorno não está defendendo nem

a pena de morte nem o direito penal), ou antes, o fato de em tal momento por meio de um processo

jurídico a justiça ser, de antemão, "falsificada", surge como uma "aporia" cujo fundamento histórico

"é o fato de, na Alemanha, a revolução contra os fascistas ter fracassado ou, muito mais, o fato de

não ter havido em 1944 nenhum movimento revolucionário de massas."27 Por um lado, essa

passagem vai contra certa interpretação vulgar de Adorno que tendeu a fixar a imagem do filósofo

27 Adorno, Dialética Negativa. Trad.: Guido de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p. 239.

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que se recusa a "sujar as mãos" (como se fosse possível estar fora do "nexo universal de culpa"28)

e que defende a inação como uma petição de princípio, seja para criticar tal imagem, seja para

defendê-la. Por outro, além de deixar explícito que, para Adorno, houve uma porta aberta da

história no final da Segunda Guerra, torna-se clara também a impossibilidade de uma

fundamentação puramente racional (ou de justificação) da ação moral em Adorno, de modo que a

violência e a irrazão não podem ser extirpadas de uma reflexão moral (algo evidente também em

suas considerações sobre o sofrimento e a compaixão).

Neste trabalho, pretendemos ainda colocar Adorno em diálogo com outros autores

próximos da assim chamada teoria crítica que também abordaram o problema da violência política

e a relação entre violência e moral, a saber, Walter Benjamin em seu Crítica da Violência, no qual o

autor explora a relação entre violência e direito no âmbito das expectativas emancipatórias

existentes nos anos 1920, isto é, como a violência é constituinte do direito (ao mesmo tempo em

que Benjamin defende uma violência revolucionária que possa abolir o direito), e ainda Günther

Anders, que na ressaca pós-1968 reflete sober o esgotamento do pacifismo em Gewalt - eine

notwendige Diskussion.

28 Um problema que evoca uma certa "dialética do engajamento", exposto nos aforismo 5 e 6 das Minima Moralia.

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30/11 – 14h-15h30 / Mesa 3: Tópicos Nietzscheanos

Compreensibilidade e Equivocação

Iara Velasco e Cruz Malbouisson (UNICAMP)

Doutoranda (FAPESP)

Orientador: Oswaldo Giacoia Jr.

Tematizado de forma contundente, o problema de ser ou não ser compreendido, assim

como as figuras de leitores bons e ruins, acompanham as reflexões de Nietzsche sobre o sentido e

as possibilidades de recepção de sua obra. A questão da compreensibilidade (Verständlichkeit)

relaciona-se intimamente com temas centrais de sua filosofia - tais como o problema do valor da

verdade, a genealogia da linguagem e a relação desta com a filosofia, etc - na medida em que

Nietzsche atrela o desejo de ser universal e univocamente compreendido, bem como a

pressuposição de que uma tal compreensão seja possível, com o ‘egipcismo’ da filosofia metafísica,

que “tem a seu favor cada palavra, cada frase que falamos” (CI, III). Neste contexto, Werner

Stegmaier identifica em Nietzsche o surgimento e a maturação de um projeto de superação da

compreensibilidade. Para ele, na filosofia nietzschiana “não há mais lugar para uma compreensão

universal e para uma teoria sobre uma tal compreensão”. Em seus escritos tardios (sobretudo O

Anticristo e Ecce Homo), “ele [Nietzsche] inverte radicalmente a ‘questão da compreensibilidade’”,

dando maior relevo à noção de “mal-compreender (missverstehen)”. Seus aforismos traçariam

“círculos de cultura”, limites e “margens de manobra (Spielraum)” para a compreensão e

incompreensão, não mais pensada em separado das condições de vida, pois tal é a situação “da

comunicação em geral”, isto é, tanto da comunicação “intercultural” quanto da comunicação

“interindividual”. Nesse sentido, a noção de mal-entendidos (Missverständnisse) é também

instrumental para explicitar a perspectiva nietzscheana sobre “cultura”, tal como apresentada por

Stegmaier, uma vez que este autor, destacando reiteradamente o papel fundamental do pensamento

de Nietzsche para a elaboração de um filosofar intercultural, considera a cultura como “aquilo que

se tornou evidente por si (selbstverständlich)”, e portanto como aquilo que “possibilita a

compreensibilidade”. Em nossa comunicação pretendemos expor e analisar esta interpretação da

filosofia nietzschiana fazendo-a dialogar com a noção de “equivocação controlada” que o

antropólogo Eduardo Viveiros de Castro propõe em seus trabalhos como modelo para a

compreensão antropológica, dada sua tarefa de ‘traduzir’ conceitos e discursos ‘nativos’. Inserido

no contexto da antropologia simétrica e pós-social defendida por Viveiros, o método da

equivocação controlada permitiria reconceitualizar os problemas que a suposição de uma

univocidade subjacente à equivocidade da linguagem gera para o teorizar antropológico. Distinta

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da noção de ‘falsidade” – uma vez que o oposto do ‘equívoco’ não é a verdade, mas sim o “unívoco,

enquanto afirmação da existência de um significado único e transcendental” – a equivocação é

colocada por Viveiros como a condição limítrofe de todas as relações sociais, dentre as quais as

relações interculturais seriam apenas casos extremos, nos quais os “jogos de linguagem divergem

de modo máximo”. Esta interlocução inicial entre a filosofia nietzschiana e este debate

antropológico insere-se no âmbito mais geral de nossa pesquisa de doutorado, na qual procuramos

pensar um novo sentido de ‘verdade’ em Nietzsche, não apenas à luz de sua crítica à noção de

‘verdade’ da tradição filosófica, mas experimentando também colocar a filosofia nietzschiana em

contato com questões suscitadas pela teoria antropológica contemporânea – questões estas que,

guardadas as devidas diferenças de campo e procedimento para com a filosofia propriamente dita,

também colocam em cheque a abrangência e a fertilidade de uma noção de verdade ainda pensada

como universal ou universalizável.

Zaratustra e as três metamorfoses: memória e esquecimento - a importante conquista da

plasticidade e da fluidez para o pensamento

Patrícia Boeira de Souza (UFRRJ) Mestranda (CAPES)

Orientador: Francisco José Dias de Moraes

A inocência e o esquecimento ativo são elementos constitutivos do devir-criança, que

Nietzsche descreve como sendo a terceira e derradeira metamorfose do espírito, é como um

modelo de resistência, expressão de fluididade e de vigoroso tônus fisiopsíquico. Se a

hereditariedade dos valores e do sentido, e as determinações do juízo são elementos constitutivos

na formação do homem, do povo e da cultura, o homem enquanto um ser social, histórico e de

linguagem está em relação com toda essa carga de ordenações e direcionamentos. Para Nietzsche,

contudo, toda essa hereditariedade dos costumes e do sentido degeneraram, hipertrofiaram e

esquadrinharam o sensualismo próprio do humano. Daí a importância de “farejar” e colocar sob

suspeita os valores que vigoram; empreendendo uma investigação genealógica que estremece as

bases do absoluto, do irremovível e do até então intocado e oportuniza uma eclosão de outros

sentidos da história e da realidade – investimento realizado pelo filósofo alemão. Em vista disso,

esse movimento literário discorre sobre a importância da resistência e da luta para combater a

hereditariedade do dado, perscrutando valores, assim como, seguir as linhas de fuga nietzschianas

e compreender a solidão como um território para a criação – a pátria de Zaratustra. Dito isso, esse

trabalho percorrerá alguns dos discursos do Zaratustra em que a questão da solidão e da criação se

inter-relacionam e tornam-se determinantes na compreensão da abundância de forças que

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atravessam Zaratustra ao longo do processo de ressignificação de si e do mundo. Há desassossego

nessa trajetória por conhecimento, mas Zaratustra torna-se dançarino, e nem mesmo o fado do

pensamento mais abissal é impedimento para amar o destino (amor fati) – “a fórmula para a grandeza

no homem”. Dada a direção-geral, outro aspecto que emerge nesses discursos e que tornar-se-á

um conceito elementar e indispensável nesse investimento é a capacidade do esquecimento.

Intenciona-se discorrer sobre essa questão dada a importância atribuída por Nietzsche a ela no

processo para a transformação das crises em possibilidade de criação, alertando a todos e a ninguém

que aqueles que sabem esquecer, não ficam a consumir-se e a perder “presentes”.

Compreender a dimensão psicológica que percorre a fina trama dos discursos do Zaratustra

é um empreendimento árduo, mas que possibilita ver a coisa em seu limite; necessária àqueles que

se arriscam na corda bamba do lançar-se além das convicções e empenham-se em desvelar enigmas,

em não cultuar ídolos a reboque, uma vez que toda idealidade pode e precisa ser tocada a fim de

que nos afastemos das venerações e não repitamos como fantoches e tagarelas a moralidade

estanque erigida no Ocidente. Isso não significa dizer que o processo de ressignificação seja uma

tarefa simples. Conquistar o princípio autônomo do corpo, a eclosão de sentido, para então saltar,

transmutar e vir a superar individual e historicamente tanto o pensamento metafísico como o

niilismo enquanto doença que assola e consome o destino do Ocidente é um exercício de liberdade.

Esta foi uma das tarefas empreendida por Nietzsche: “farejar”, investigar acerca da ordenação

moral do mundo, declinar e não sucumbir à lucidez oriunda de ter colocado sob suspeita todos os

valores vigentes por considerar que nem tudo que nos contaram é tão absoluto, irremovível e

intocável.

Dito isso, esse trabalho percorrerá alguns dos discursos do Zaratustra em que a questão da solidão

e da criação se inter-relacionam e tornam-se determinantes na compreensão da abundância de

forças que atravessam Zaratustra ao longo do processo de ressignificação de si e do mundo. Há

desassossego nessa travessia, mas Zaratustra torna-se dançarino, e nem mesmo o fado do

pensamento mais abissal é impedimento para amar o destino(amor fati) - a “fórmula para a grandeza

no homem”.

Elementos para um conceito de justiça em Nietzsche e seus desdobramentos ético-

estéticos

Luiza Fonseca Regattieri (UFRJ) Doutoranda

Orientador. André Martins

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O objetivo da apresentação é explorar o início de uma investigação sobre um sentido de

justiça próprio à filosofia de Nietzsche, especificamente a partir de sua afirmação da necessidade

irrevogável da injustiça e pela maneira com a qual ele, possivelmente, borra o limite entre os campos

ético e estético ao tratar o justo como um caso de gosto. O sentido de justiça nietzschiano se

distancia do esforço filosófico moderno, em especial o de Eugen Dühring, de colocar a justiça

como um princípio de ação impulsionado pela vingança e o ressentimento. Nessa tradição moderna

a justiça se implicaria moral e politicamente como superação dos afetos de vingança e

ressentimento através de um complexo de poder imparcial com o fim de garantir igualdade

universal e eliminar as injustiças. Diferentemente da origem imaculada e da função correcional da

justiça defendida por Dühring, Nietzsche propõe que a justiça surge como boa vontade, entre

homens de poder aproximadamente igual de “entender-se” mediante um compromisso, como um

meio na luta entre complexos de poder para criar maiores unidades de poder. Na filosofia de

Nietzsche não há um fundamento impreterível do real ou da vida, assim, uma teoria da justiça em

Nietzsche não poderia ser a busca de um fundamento absoluto para o justo. Nietzsche não poderia

propor uma teoria da justiça que especulasse qual é, em última instância, o valor justo objetivo que

expurgaria qualquer injustiça e sob o qual se pudesse universal e objetivamente submeter aquilo

que é julgado. Sendo assim, pretendo investigar a justiça em Nietzsche como conjunto de juízos

que possuem a qualidade de se reconhecerem como relações momentaneamente estáveis. Justo

será uma certa relação momentânea, pois não se pretende absoluta, mas estável, porém um tipo de

estabilização não equânime, isto é, que pressupõe a injustiça. Ora, para Nietzsche o empenho da

justiça é o de entender, mas o sentido nietzschiano de entendimento engloba irrevogavelmente um

equívoco que o impede de ser pleno, todavia permite um entendimento. Eis assim que o justo se

produz através de uma injustiça necessária da mesma maneira que o entendimento através do

equívoco. A questão que se coloca é: qual o critério desta justiça que pressupõe necessariamente a

injustiça? Como é possível então fazer justiça? “Justiça (Justiz). – Melhor se deixar roubar do que

ter espantalhos ao seu redor – eis o meu gosto. E, em todas as circunstâncias, isso é uma questão

de gosto – e nada mais!” (GC, §184), responde Nietzsche. Nesse aforismo ele afirma que uma

forma determinada de justiça, isto é, um valor do justo é uma produção do gosto. Nietzsche

aproxima juízos de gosto e instintos, e afirma que os juízos estéticos (o gosto, o desagrado, o asco)

são a base dos juízos morais. Proponho que em Nietzsche há um contínuo estético ético que pode

ser evidenciado na medida em que o filósofo coloca os valores morais como superfícies, sintomas

de valores estéticos. Nesse sentido, Nietzsche borraria os limites entre os campos ético e estético

ao implicar a investigação sobre o gosto com a investigação sobre a justiça.

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30/11 – 15h45-16h45 / Mesa 4: Ser e Linguagem

Linguagem, poesia e ritmo em Octavio Paz

Bruno de Souza Pacheco Jalles (UFF)

Mestrando (CAPES)

Orientador: Patrick Pessoa

Um dos grandes fundamentos que caracterizam a Modernidade é a penetração do

pensamento crítico em todas as esferas da vida. Na arte não é diferente; em meados do século XIX

Hegel já diagnosticara que um dos sintomas do “fim da arte” é que para o moderno a fruição das

obras de arte está submetida à reflexão acerca delas. Mais do que fazer, ou melhor dizendo, tão

importante quanto, é necessário conhecer o que se faz. Com efeito, como que confirmando a tese

hegeliana, uma pletora de grandes artistas dos últimos três séculos oriundos dos mais diversos

campos, foram também em maior ou menor medida, ensaístas, pensadores, críticos. O laureado

poeta Octavio Paz, é sem dúvida, um dos grandes expoentes dessa tradição de “artistas-filósofos”,

e de fato, dentre sua vasta produção bibliográfica encontramos ao lado de poemas impregnados de

inflexões críticas, ensaios em que as fronteiras com o poético encontram-se diluídas. Escrito no

início da sua fase madura, o ensaio O arco e a Lira faz parte desse segundo grupo.

Escrito em 1955, O arco e a lira é o livro que inaugura a fase madura da ensaística de Paz.

Sobre ele, o romancista Julio Cortázar afirma, em carta direcionada ao próprio Paz:

Octavio, acredito que você mostrou em seu livro o que me parece ser a característica mais profunda do pensador, do ensaísta latino-americano – e muito possivelmente do mexicano e do argentino. Estou-me referindo à possibilidade que nos foi dada (e que ainda exercitamos pouco) de conhecer e explorar um assunto por todos os seus ângulos, sem a redução inevitável a um modo de pensar, a uma cultura dada, que é o signo fatal dos trabalhadores europeus.29

Por temerária que possa ser essa afirmação, ela certamente é acertada no que diz respeito

ao método do ensaio paziano que se caracteriza principalmente pela generosidade conceitual com

que um problema ou objeto é analisado. Essa característica é sem dúvida, o traço marcante deste

ensaio, que consiste numa profunda e detalhada reflexão acerca da origem e essência da Poesia e

sua relação com a Linguagem. Por sua vez, o objetivo desse trabalho será analisar três conceitos

chaves elaborados por Paz nesse ensaio, -Linguagem, Ritmo e Poesia, - para a partir destes defender

29 CORTÁZAR, Julio. In Octavio Paz. O Arco e a lira. Tradução: Ari Roitman e Paulina Wacht. São Paulo: Cosac Naify 2012.

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a hipótese de que o dizer poético aparece na obra ensaística paziana como uma possibilidade de

inaugurar uma forma não instrumental de se lidar com a realidade.

A fenomenologia hermenêutica no tratado A essência do fundamento de Martin

Heidegger

Christiane Costa de Matos Fernandes (UFRJ) Doutoranda (CAPES)

Orietador: Gilvan Fogel

A apresentação visa expor como no tratado A essência do fundamento publicado em 1928 é

possível observar, no desenvolvimento do texto, o gesto fenomenológico hermenêutico do autor.

Para tanto, inicialmente será necessário apresentar as diferenças presentes no texto - e em outras

obras do mesmo ano – em relação ao projeto da ontologia fundamental de Ser e Tempo. Também

será necessário apresentar como a filosofia de Heidegger, ao menos na década de 1920, pode ser

compreendida como uma transformação e aprofundamento da fenomenologia husserliana, mais

especificamente a busca da condição de toda e qualquer possibilidade de intencionalidade. E ainda,

como a investigação hermenêutica é desenvolvida com vista à análise das noções históricas

sedimentadas da tradição filosófica ou, de forma mais precisa, como essas interpretações

engessadas na tradição filosófica obliteram o acesso ao fenômeno de maneira originária. É nesse

sentido que acompanharemos o tratado A essência do fundamento. Na primeira parte o autor apresenta

“o princípio da razão” (Der Satz des Grundes) – princípio paradigmático do pensamento moderno

em função da consideração acerca da “universal natureza da verdade” -conforme exposto por

Leibniz e pergunta; “Ora, mas será que o ‘princípio da razão’ é um enunciado sobre o fundamento

enquanto tal?”30. Em seguida o autor indica o caráter problemático do princípio por não fornecer

luz alguma sobre o fundamento, porém ele “pode servir como ponto de partida para a

caracterização do problema do fundamento”31. Heidegger identifica que a aparente evidência dos

conceitos apresentados por Leibniz para a dedução do “princípio da razão” oblitera a clarificação

dos mesmos e, sobretudo, a identificação do princípio como um enunciado sobre o fundamento.

Desse modo, para Heidegger, a exposição do “princípio da razão” deve ser considerada não para

questionar a forma como o princípio é deduzido, mas para “a explicação articuladora

(Auseinanderlegung) do problema do fundamento”32 Aí já é possível observar o início do gesto

fenomenológico hermenêutico de Heidegger: a análise hermenêutica dos conceitos e princípios

30 HEIDEGGER,M. A essência do fundamento in Marcas do caminho. Trad. Enio Paulo Giachini e Ernildo Stein. Petrópolis, RJ : Vozes, 2008, p. 138. 31 Ibid.p.139. 32 Ibid. p. 141.

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herdados da tradição. Essa análise consiste na apresentação do conceito ou princípio, seguida pela

identificação das bases que os oferecem, ou de forma mais precisa, como os conceitos e princípios

mantêm seu sentido33. Esse gesto consiste em identificar se esses conceitos ou princípios obliteram

ou oferecem o acesso originário à essência do fenômeno em questão. No caso do tratado, se o

“princípio racional” pode oferecer o acesso ao fundamento em sua essência. Esse movimento está

articulado com o projeto de “destruição da história da ontologia” 34, não como mero desmonte da

história , mas como apropriação positiva do passado descerrando o intricado mapa conceitual da

filosofia para possibilitar o acesso às perguntas em função das coisas mesmas.

Em seguida, na segunda parte do texto, após desobstruir o campo interpretativo, Heidegger

indica, em um gesto propriamente fenomenológico, a maneira pela qual a essência do fundamento

pode ser acessada, ou como ela pode mostrar-se por si mesma: A partir da transcendência do Dasein.

E esse acesso aparece como tal porque “(...) a intencionalidade só é possível sobre o fundamento da

transcendência”35, contudo, sem confundi-las ou torna-las idênticas.

Na terceira e parte final do tratado, a partir do caminho percorrido nas partes anteriores,

Heidegger trabalha com os elementos da própria essência do fundamento, articulando

transcendência e liberdade, chegando então a conclusão que “A liberdade como transcendência

não é, contudo uma ‘espécie’ particular de fundamento, mas a origem do fundamento em geral. Liberdade

é liberdade para o fundamento”.36 Esse momento final do texto também deve ser destacado em nossa

apresentação, pois articula dois elementos propriamente fenomenológicos: origem e essência.

33 “Sentido” compreendido de forma diversa (talvez mesmo oposta) ao modelo da filosofia da linguagem, que o compreende como o modo pelo qual o objeto se apresenta, sobretudo por uma expressão linguística. Para Heidegger “Sentido é aquilo em que a entendibilidade de algo se mantém” (HEIDEGGER, M. Ser e Tempo . Tradução e organização; Fausto Castilho. Campinas, SP : Editora Unicamp; Petrópolis , RJ : Editora Vozes, 2012, p.429), ou seja, a sustentação ontológica de algo que pode ser indicado como um ente no mundo. 34 Cf. §6 HEIDEGGER,M. Ser e Tempo. 35 HEIDEGGER,M. A essência do fundamento in Marcas do caminho. Trad. Enio Paulo Giachini e Ernildo Stein. Petrópolis, RJ : Vozes, 2008, p. 146. 36 Ibid. p.177.