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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA LÍVIA PIEROTTE MELLO DE FREITAS DIMENSÃO SOCIOPOLÍTICA DO ESPAÇO E PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO NO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES-RJ Niterói 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

LÍVIA PIEROTTE MELLO DE FREITAS

DIMENSÃO SOCIOPOLÍTICA DO ESPAÇO E PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO NO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS

GOYTACAZES-RJ

Niterói 2010

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LÍVIA PIEROTTE MELLO DE FREITAS

DIMENSÃO SOCIOPOLÍTICA DO ESPAÇO E PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO NO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES-

RJ

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre. Área de concentração: Ordenamento Territorial Urbano-Regional.

Orientador: Prof. Dr. Márcio Piñon de Oliveira

Niterói 2010

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F866 Freitas, Lívia Pierotte Mello de

Dimensão sociopolítica do espaço e Plano Diretor Participativo

no município de Campos dos Goytacazes – RJ / Lívia Pierotte Mello

de Freitas – Niterói : [s.n.], 2010.

187 f.

Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal

Fluminense, 2010.

1.Planejamento urbano. 2.Plano Diretor Participativo.

3.Campos dos Goytacazes (RJ). I.Título.

CDD 307.1216098153

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LÍVIA PIEROTTE MELLO DE FREITAS

DIMENSÃO SOCIOPOLÍTICA DO ESPAÇO E PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO NO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES-

RJ

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre. Área de concentração: Ordenamento Territorial Urbano-Regional.

Aprovada em 11 de agosto de 2010.

BANCA EXAMINADORA

PROF. DR. MÁRCIO PIÑON DE OLIVEIRA – ORIENTADOR UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROF. DR. ÁLVARO HENRIQUE DE SOUZA FERREIRA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO

PROF.ª DRa. ESTER LIMONAD UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROF. DR. WERTHER HOLZER UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Niterói 2010

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À minha família, aos amigos e a Otávio, com amor e gratidão.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por me permitir chegar a mais um momento importante da

minha história. Agradeço a Ele por me conceder a graça da vida, das descobertas, e pela

força nos momentos difíceis.

Agradeço aos meus pais, Inácio e Martha, pelo incentivo, pelo amor e pela

confiança em mim; ao meu irmão Raphael e à Dalva, pelo carinho, apoio e dedicação de

sempre; aos meus avós, Francisco e Anita pelas orações e amor incondicional aos netos.

A Otávio, eterno companheiro, por seu amor e carinho, por estar sempre

presente e por ser minha certeza e meu conforto.

Ao meu orientador, professor Márcio Piñon, por me acolher e apostar em mim;

pela atenção e por contribuir para o meu crescimento acadêmico.

Agradeço aos colegas de classe, pelos momentos de aprendizado e crescimento.

Aos professores do curso, pelo exemplo de profissionalismo que carrego comigo

e pelas aulas, tornando-se referência em minha formação.

Aos professores Ester Limonad e Werther Holzer, pelas contribuições quando da

Qualificação deste trabalho.

Aos professores e pesquisadores Aristides Arthur Soffiati, Cláudio Valadares e

Hélio Gomes Filho, pela imprescindível contribuição a esta pesquisa. A eles agradeço

ainda pelo comprometimento com uma Campos dos Goytacazes mais justa e

democrática.

À Universidade Federal Fluminense pela seriedade e oferta de educação de

qualidade.

Ao CNPq, responsável por financiar parte deste estudo.

Ao Instituto Federal Fluminense – IFF Campos, agradeço pelas oportunidades,

pelo apoio e pelo comprometimento com a educação e capacitação de seus servidores.

Por fim, agradeço a todos os entrevistados deste trabalho pela contribuição ao

mesmo, em especial ao professor Nelson Crespo, à Silvana Castro e ao senhor José

Carlos da Silva Eulálio.

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Devemos nos preparar para estabelecer os alicerces de um espaço verdadeiramente humano,

de um espaço que possa unir os homens para e por seu trabalho, mas não para em seguida dividi-los

em classes, em exploradores e explorados; um espaço matéria-inerte que seja trabalhada pelo

homem mas não se volte contra ele; um espaço Natureza social aberta à contemplação direta dos

seres humanos, e não um fetiche; um espaço instrumento de reprodução da vida, e não uma mercadoria trabalhada por outra mercadoria, o

homem fetichizado.

Milton Santos In Pensando o Espaço do Homem

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RESUMO A lei federal 10.257/2001, Estatuto da Cidade, tornou o Plano Diretor instrumento central do planejamento urbano no Brasil. A partir de suas determinações, o princípio da gestão democrática deve ser incorporado em todas as etapas da constituição dos Planos Diretores, garantindo a participação efetiva de toda a sociedade no processo. Considera-se o Plano Diretor como uma ferramenta de gestão do espaço social por excelência política, uma vez que envolve relações de poder e permite evidenciar diferentes projetos de cidade. Nesse sentido, a produção do espaço configura-se como um campo de disputas revelando a dialética relação sociedade-espacialidade. Este estudo tem por propósito analisar as limitações à participação da sociedade no processo de elaboração do Plano Diretor Participativo do Município de Campos dos Goytacazes-RJ, ocorrido entre os anos de 2005 e 2007. Para realizar esta tarefa, assume ser primordial considerar a dimensão sociopolítica do espaço, pois desta maneira é possível compreender que a construção de Planos Diretores configura-se como um momento importante do processo de produção espacial, tendo o viés político como mediação. Por meio da análise de documentos e entrevistas com atores envolvidos no processo, resgatou-se o histórico de formulação do Plano Diretor Participativo de Campos dos Goytacazes, desvelando que sua elaboração foi conduzida num contexto político local conturbado, que não favoreceu o desenvolvimento de estruturas democráticas e participativas de gestão espacial, tendo em vista discussões cuja dinâmica não privilegiou canais decisórios horizontais. Concluiu-se que os limites observados à participação no Plano deram-se tanto na esfera da sociedade civil organizada quanto no direito de voz do cidadão desvinculado de qualquer instituição ou entidade representativa, caracterizando-se pela regulação e pelo consentimento, através da consulta e cooptação de munícipes. Palavras-chave: Plano Diretor Participativo. Espaço social. Dimensão Política. Participação. Campos dos Goytacazes.

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ABSTRACT The federal law, 10.257/2001, Statute of the City, turned the Master Plain the central instrument of the urban planning in Brazil. From its determination, the principle of democratic management must be incorporated in all the stages of the constitution of the Master Plans, guaranteeing the effective participation of all the society in the process. The Master Plan is considered as a management tool of the social space essentially political that involves power relationships and allows to evidence different projects of city. In this direction, the production of the space is configured as a field of disputes disclosing the dialectic relation society-spatiality. This study intends to analyze the limitations to the participation of the society in the process of elaboration of the Master Plan of the City Campos dos Goytacazes-RJ, occurrence between the years of 2005 and 2007. To execute this task, it assumes to be primordial to consider the social-political dimension of the space, because in this way it is possible to understand that the construction of Managing Plans is configured as an important moment of the process of space production, having the political as mediation. Through the analysis of documents and interviews with involved actors in the process, rescued the description of Campos Master Plan’s elaboration, disclosing that its elaboration was lead in a context with local political problems, that did not favored the development of democratic and participative structures of space management and with discussions which dynamics did not privilege horizontal decision spaces. This study concluded that the limits observed to the participation in the Plan had been given in such a way in the sphere of the organized civil society how much in the right of voice of the citizen were verified in the sphere of the organized civil society such as in the citizen’s right of voice. The Plan was characterized by the regulation and the consent, through the consultation and cooptation of townspeople. Key-words: Participative Master Plan. Social Space. Political Dimension. Participation. Campos dos Goytacazes.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA 1 - Mapa dos limites entre Campos dos Goytacazes e demais municípios 84

FIGURA 2 – Mapa dos distritos de Campos dos Goytacazes 85

FIGURA 3 – Mapa da taxa de urbanização do Município de Campos dos Goytacazes

87

TABELA 1 - Tabela Parcial: Resumo quantitativo das atividades das leituras comunitárias ocorridas nos distritos e na sede do Município de Campos dos Goytacazes

126

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - Histórico da Campanha Nacional Plano Diretor Participativo: cidade de todos

65

QUADRO 2 - Graus de abertura para a participação popular no planejamento e na gestão urbanos

79

QUADRO 3 - Taxa Média Geométrica de Crescimento Anual da População - Estado, Região Norte Fluminense e Campos dos Goytacazes – 1940/2000

86

QUADRO 4 - Taxa de Urbanização da População Residente - Estado, Região Norte Fluminense e Campos dos Goytacazes – 1940-2000 (%)

86

QUADRO 5 - Etapas e Produtos divulgados no Plano de Trabalho da Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes, com assessoria do IBAM, para elaboração do PDP de Campos dos Goytacazes

109

QUADRO 6 - Atividades e eventos realizados no processo de elaboração do Plano Diretor Participativo do Município de Campos dos Goytacazes – por nome, data e local

111

QUADRO 7 - Câmaras Temáticas realizadas no processo de elaboração do Plano Diretor Participativo do Município de Campos dos Goytacazes – por tema, coordenador e relator

111

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LISTA DE SIGLAS

ACIC – Associação Comercial e Industrial de Campos dos Goytacazes ANFEA – Associação Norte Fluminense de Engenheiros e Arquitetos CDL – Câmara de Dirigentes Lojistas de Campos CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica CIDAC – Centro de Informações e Dados de Campos COPPAM – Conselho de Preservação do Patrimônio FAFIC – Faculdade de Filosofia de Campos FAMAC – Federação das Associações de Moradores e Amigos de Campos FUNDENOR – Fundação Norte Fluminense de Desenvolvimento Regional IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal IPPUCAM – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Campos PD – Plano Diretor PDP – Plano Diretor Participativo SECPLAN – Secretaria de Planejamento SINDUSCON – Sindicato da Indústria da Construção Civil de Campos STICONCIMO – Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Construção Civil, do Mobiliário, de Ladrilhos, de Artefatos de Cimento, de Mármores e Granitos, de Cerâmica, de Vimes, de Carpintaria, de Estradas, Pontes e Canais de Campos, Norte e Noroeste do Estado do Rio UCAM – Universidade Cândido Mendes UFF – Universidade Federal Fluminense

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

CAPÍTULO 1: A CIDADE E O ESPAÇO SOCIAL: CONSIDERAÇÕES

SOBRE A DIMENSÃO SOCIOPOLÍTICA DO ESPAÇO 22

1.1 – A produção do espaço social: interações sociedade- espacialidade

constituem a cidade 23

1.2 – O espaço social e sua dimensão política 33

CAPÍTULO 2: PLANEJAMENTO URBANO NO BRASIL: A

TRAJETÓRIA DOS PLANOS DIRETORES NA GESTÃO DO ESPAÇO

SOCIAL

44

2.1 – A trajetória dos Planos Diretores: considerações acerca da

experiência brasileira 45

2.2 – A luta pela Reforma Urbana e a Constituição Cidadã de 1988:

implicações no planejamento urbano do país 57

2.3 – Plano Diretor em seu viés participativo: perspectivas e limites a

partir do Estatuto da Cidade 64

2.4 – Plano Diretor Participativo e gestão do espaço social: notas sobre a

participação popular 74

CAPÍTULO 3 – PLANO DIRETOR (PARTICIPATIVO) DO MUNICÍPIO

DE CAMPOS DOS GOYTACAZES: ANÁLISE DO PROCESSO DE

ELABORAÇÃO

83

3.1 – Breve caracterização do Município de Campos dos Goytacazes 83

3.2 – Considerações acerca da estruturação do espaço urbano campista:

principais intervenções urbanísticas no século XX 92

3.3 – Plano Diretor Participativo do Município de Campos dos

Goytacazes: a trajetória de sua formulação 105

3.4 – O viés participativo do Plano Diretor de Campos: uma análise

crítica de suas limitações 112

CONSIDERAÇÕES FINAIS 133

REFERÊNCIAS 138

APÊNDICES 146

ANEXOS 175

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INTRODUÇÃO

O espaço social não pode ser dissociado da dimensão política que carrega

consigo, já destacara Henri Lefebvre1, Edward Soja2, dentre outros autores. O espaço –

produto e condicionante da sociedade – constrói-se através de contradições, disputas,

alianças e conflitos, aspectos a partir dos quais se visualiza seu caráter político. A

investigação da dimensão sociopolítica do espaço envolve a análise de projetos de

cidade defendidos pelos diferentes grupos da sociedade. Estes projetos, por sua vez,

podem ser elucidados quando se compreende o exercício da atividade do planejamento

urbano.

Na realidade brasileira, o viés político impresso nas experiências de

planejamento do espaço urbano sempre teve peso significativo, pondo em evidência

interesses e pressões diversos, manifestando a dialética interação entre sociedade e

espacialidade. No cerne da atividade do planejamento encontram-se os planos diretores,

considerados, pelo presente estudo, como um instrumento – não apenas técnico, mas

sobretudo político – de gestão do espaço social.

A Constituição Federal de 1988 representou um marco na trajetória dos planos

diretores no país por transformá-los em instrumento obrigatório da política de

desenvolvimento urbano. Por sua vez, o Movimento Nacional pela Reforma Urbana

(MNRU) no Brasil deu origem a uma lei federal atualmente conhecida como Estatuto da

Cidade, lei 10.257/2001. Após longos onze anos de tramitação no Congresso Nacional,

essa lei regulamentou os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo uma

série de diretrizes para o planejamento e desenvolvimento urbano das cidades

brasileiras, reforçando o plano diretor enquanto figura central do planejamento urbano e

preconizando a gestão democrática em todas as etapas a ele referentes.

Apesar dos inúmeros avanços trazidos pelo Estatuto da Cidade, no entanto,

observa-se considerável morosidade no tocante à aplicação de seus preceitos

democráticos na elaboração e implementação de planos diretores. A questão da

participação popular apresenta-se como uma das mais difíceis de serem empreendidas,

dadas as condições sociopolíticas vivenciadas pelos municípios brasileiros.

1 LEFEBVRE, Henri. Espaço e Política. Belo Horizonte: UFMG, 2008. 2 SOJA, Edward W. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.

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A trajetória do planejamento urbano no Brasil e, sobretudo a história dos planos

diretores, não pode ser dissociada da análise da dimensão sociopolítica do espaço. Desta

forma, reforça-se neste estudo que os planos diretores representam um momento

importante do processo de produção do espaço, tendo, sobretudo, o político como

mediação. Parte-se da premissa básica de que a prática de gestão do espaço é, por

excelência, política, uma vez que envolve relações de poder.

O espaço social pode ser analisado sob a perspectiva de um campo de disputas e

de poder. Nessa linha de raciocínio permite-se o diálogo com Pierre Bourdieu3,

trazendo ao debate o contato entre a Geografia e outros campos do saber, como a

Sociologia. A partir da compreensão da sociologia de Bourdieu observam-se diálogos

possíveis e enriquecedores acerca das discussões sobre espaço social, sobretudo em seus

apontamentos referentes ao campo e às disputas entre os vários agentes e seus capitais e

habitus pela constituição do espaço, guiados pelo estabelecimento do poder simbólico.

Defende-se no presente estudo que o arcabouço teórico-conceitual escolhido

permite sustentar a investigação dos processos de elaboração de planos diretores,

processos tais considerados como um momento privilegiado em que projetos de cidade

emergem, a partir da correlação de forças de grupos os quais, associados aos seus

respectivos habitus, propõem intervenções no espaço social.

Reforça-se a idéia defendida por Lefebvre de que o espaço é político; a noção de

que há uma constante relação dialética entre sociedade e espacialidade e, ainda, a partir

da base sociológica de Bourdieu, de que o espaço social é composto por diversos grupos

com seus particulares habitus. Com base nesses conceitos e idéias elencados, pretende-

se subsidiar a pesquisa sobre a elaboração do Plano Diretor Participativo do Município

de Campos dos Goytacazes-RJ, objeto da presente investigação, destacando os

principais limites observados à efetiva participação durante o processo.

Justificativa e relevância da pesquisa

A construção do objeto de pesquisa sobre o qual se debruça esta dissertação de

mestrado surgiu a partir da participação da presente autora em etapas do processo de

elaboração do Plano Diretor Participativo de Campos dos Goytacazes.

3 BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 12. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009 e Razões Práticas: sobre a teoria da ação. 8. ed. Campinas, SP: Papirus, 2007.

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O acompanhamento de atividades realizadas durante a formulação do Plano

suscitou o interesse em desvelar questões relativas à participação efetiva (ou não) da

população na tarefa de pensar a cidade que se queria para os próximos dez anos. O

contexto em que se inseria o início da constituição do Plano mostrava-se extremamente

conturbado por fatores de ordem político-eleitoral pelas quais passava o município, e

tratava-se ainda de um cenário em que o cumprimento das determinações legais do

Estatuto da Cidade fazia-se condição obrigatória.

Este estudo apresenta-se como uma possível contribuição às discussões sobre o

direito à cidade e à busca pela proposição de soluções aos dilemas urbanos da

atualidade. A relevância deste trabalho está em explicitar que a dimensão sociopolítica

do espaço imprime-se também quando da elaboração de um Plano Diretor, o qual

representa um momento privilegiado de explicitação de conflitos e disputas pelo espaço

urbano. Estabelece-se o compromisso com o município analisado, lançando elementos

para a continuidade de estudos que busquem soluções para as problemáticas urbanas

campistas.

Questões de ordem metodológica deste estudo

O olhar sobre a cidade deve suscitar debates que vão além da dimensão da

análise do urbano ou de suas problemáticas, simplesmente. Essa questão refere-se ao

próprio debate da produção do conhecimento e pela explicitação das práticas

socioespaciais.

Segundo os argumentos do autor Henri Lefebvre, o problema do conhecimento

está na separação entre sujeito e objeto, o que representa um dos empecilhos trazidos

pela lógica formal4. De acordo com o mesmo autor, o sujeito, homem que conhece, está

em constante interação dialética com os seres conhecidos ou, com o objeto, o que

demonstra que o conhecimento deve ser considerado como um fato indiscutível. Há

também uma dimensão política, assim como simbólica, do sujeito. Em suas palavras:

O sujeito e o objeto estão em perpétua interação; essa interação será expressa por nós com uma palavra que designa a relação entre dois elementos opostos e, não obstante, partes de um todo, como numa

4 Na visão lefebvriana, o espaço não é uma forma pura e é devido a este fato que “o método para abordar os problemas do espaço não pode consistir unicamente num método formal, lógica ou logística; analisando as contradições do espaço na sociedade e na prática social, ele deve e pode ser, também, um método dialético” (2008b, p.14).

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discussão ou num diálogo; diremos, por definição, que se trata de uma interação dialética (1979, p. 49).

O conhecimento é um fato que deve ser caracterizado como prático, histórico e

social, pois é sempre conquistado e adquirido ao longo do tempo, numa constante

relação dialética. Sujeito e objeto são, portanto, indissolúveis5. A história do

conhecimento – assim como a história da produção do espaço – é coroada por essa

lógica dialética (concreta), demonstrando “a própria teoria do conhecimento como

história da prática social” (LEFEBVRE, 1979, p. 88).

É por essa linha de raciocínio que o presente estudo guia-se. Considerando a

importância de se vislumbrarem as práticas sociais. Ao levar em conta as contribuições

de H. Lefebvre, entendemos que a cidade precisa ser encarada como uma mediação,

pois condensa em si várias práticas sociais, através de uma superposição de usos e

apropriações. Portanto é também uma obra6.

No seio do debate sobre as questões metodológicas e no que concerne à relação

sujeito-objeto é fundamental compreender que, ao exercício da ciência é essencial o

retorno do método sobre si mesmo, a partir de um questionamento de suas próprias

bases, numa constante revisão crítica. É o que nos afirma Miriam Limoeiro Cardoso, em

seu posicionamento a seguir destacado:

Entende-se o método como parte de um corpo teórico integrado, em que ele envolve as técnicas, dando-lhes sua razão, perguntando-lhes sobre as possibilidades e as limitações que trazem ou podem trazer às teorias a que servem, no trabalho sobre o seu objeto (1971, p.62).

Nesse âmbito, entende-se que o conhecimento será sempre parcial e provisório;

sempre menos rico do que a realidade a que se propõe analisar. Representa, portanto, “o

resultado da relação entre um sujeito que se empenha em conhecer e o objeto da sua

preocupação” (CARDOSO, 1971, p. 63).

5 Em sua crítica à filosofia clássica, Lefebvre destaca que, na mesma, “o sujeito e o objeto permaneciam fora um do outro. Eles se juntavam nos abismos do Absoluto, da Identidade original ou terminal. Hoje, o mental e o social se reencontram na prática: no espaço concebido e vivido” (2008b, p.35). 6 Segundo Lefebvre, a cidade é também e sobretudo uma obra. O olhar sobre as relações entre o homem e as obras nas e pelas quais realiza sua natureza (trata-se do homem considerado a parir da práxis social e historicamente determinada) mostra que essas obras tendem a lhe escapar, a voltar-se contra ele, tornando-se ameaças. O desafio do urbano atual passa então por fazer o homem apropriar-se plenamente das obras ou, da cidade enquanto obra (LEFEBVRE, 2008b, p.12).

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A relação entre a teoria explicadora e aquilo que ela explica apresenta-se assim

no objeto do conhecimento; no fato científico construído (CARDOSO, 1971, p.65). O

fato científico é também uma construção social.

É preciso que haja, no entanto, uma união entre teoria e prática, numa interação

que favoreça ao máximo o alcance de um resultado real em cada pesquisa a ser

construída. Esse raciocínio pode ser explicado a partir da seguinte afirmação, ainda de

acordo com Cardoso: “A verdade do resultado teórico deste trabalho diz da sua

adequação à realidade, ou seja, capacidade explicativa diante do próprio objeto que ele

se propõe, o que exige que se recorra à experiência” (1971, p. 66).

Construir uma pesquisa ou em última instância, fazer ciência, sempre transforma

o método, continuamente. E, segundo Cardoso, “(...) é essa capacidade de

transformação sempre presente que dá o caráter de científico” (1971, p.86).

Desvendar e compreender fenômenos, as formas de sua representação, os

modelos para sua análise, os conceitos e categorias, tudo deriva da própria vida da

sociedade. São gestados pela práxis humana.

Os caminhos metodológicos adotados neste estudo objetivaram analisar a

participação durante a formulação do Plano Diretor de Campos. Dessa forma, optou-se,

inicialmente, por um levantamento bibliográfico que possibilitasse construir uma

consistente base teórico-conceitual, a fim de fundamentar, posteriormente, a parte

empírica da pesquisa.

Além da revisão da literatura que versa sobre o tema, procedeu-se à análise de

documentos oficiais, tais como atas, leis, publicações em jornais locais, documentos

produzidos pela Prefeitura (com assessoria técnica do IBAM – Instituto Brasileiro de

Administração Municipal), e ao uso de entrevistas semi-estruturadas7. A observação

participante8 fez-se durante algumas atividades do Plano, a saber: lançamento oficial da

Campanha; Seminários e algumas Câmaras Temáticas.

O uso de entrevistas nesta pesquisa merece destaque particular, justificando-se

por razões peculiares. Primeiramente, a autora ressalta que o acesso a documentos

7 Para Lakatos & Marconi, o uso deste tipo de entrevista é uma forma de explorar mais amplamente uma questão. Nesta modalidade, as perguntas podem ser respondidas dentro de uma conversação informal (2010, p.180). 8 Segundo Lakatos & Marconi, a observação participante “consiste na participação real do pesquisador na comunidade ou grupo. Ele se incorpora ao grupo, confunde-se com ele. Fica tão próximo quanto um membro do grupo que está estudando e participa das atividades normais deste. Para Mann (1970:96), a observação participante é uma ‘tentativa de colocar o observador e o observado do mesmo lado, tornando-se o observador um membro do grupo de molde a vivenciar o que eles vivenciam e trabalhar dentro de um sistema de referencia deles’” (2010, p.177).

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oficiais guardados pelo poder público municipal – principal condutor do processo de

elaboração do Plano e órgão que deveria disponibilizar o material a qualquer cidadão

interessado – não foi possibilitado. Em várias visitas à Prefeitura, não se conseguiu

sucesso quanto à obtenção dos documentos solicitados, registros da época da

formulação do Plano, nosso objeto de pesquisa. Contudo, malgrado não conseguir a

documentação necessária junto ao poder público municipal, algum material foi obtido

graças à colaboração de pesquisadores9 que participaram do processo e arquivaram, na

medida do possível, atas, relatórios, dentre outros. Além disso, é possível ainda

encontrar, em pesquisas na Internet, poucos e dispersos documentos que à época foram

digitalizados e publicizados eletronicamente, mas que isoladamente não são suficientes

à investigação do presente objeto.

Quando o acesso a determinadas informações importantes não se faz de forma

satisfatória em uma pesquisa, pode-se então recorrer-se a entrevistas10, pois as mesmas

constituem relevante instrumento de trabalho nos vários campos da Ciência. De acordo

com Chizzotti:

Na história oral, como possibilidade de pesquisa, o investigador reúne informações orais de uma ou mais pessoas sobre eventos, seu contexto, suas causas e efeitos. Como forma de pesquisa, a coleta de testemunhos orais, derivada da “história oral”, supõe conhecimento dos diferentes usos da história (CARDOSO & BRIGNOLI, 2002) e as possibilidades que o recurso aos testemunhos orais podem oferecer, como suprir deficiências de documentos disponíveis, alcançar informações não registradas ou inacessíveis, compreender o contexto vivido para além das informações unidimensionais oferecidas pelos documentos, extrair uma perspectiva não-oficial, registrar a visão de grupos humanos que não têm tradição escrita ou domínio dela (2008, p.107-grifos meus).

Como mencionado, o recurso às entrevistas no presente trabalho explica-se por

razões específicas. Uma delas já foi esclarecida, tratando-se do acesso limitado (ou do

não acesso) à documentação em tentativas com o poder público municipal. Além deste

motivo, a utilização de entrevistas faz-se essencial por permitir resgatar testemunhos e

discursos não oficiais, que retratam a percepção de atores não hegemônicos no processo.

9 Destaco os professores-pesquisadores Aristides Arthur Soffiati Netto (UFF Campos), Cláudio Valadares (UNIFLU FAFIC) e Hélio Gomes Filho (IF Fluminense). Suas contribuições foram fundamentais à realização deste trabalho. 10 Cabe destacar que não se considera aqui que a realização de entrevistas somente deve ser feita quando da não obtenção de outras fontes.

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Recorrer aos testemunhos orais permite aprofundar discussões através do uso

não apenas de documentos oficiais produzidos, mas sobretudo a partir de relatos que

podem trazer informações preciosas acerca do contexto vivenciado à época do

fenômeno enfatizado. Trabalhar a História Oral via entrevistas possibilita expandir as

premissas de análise da parte empírica desta dissertação. Nessa linha de argumentação,

Lakatos & Marconi defendem como vantagens das entrevistas o fato de as mesmas

darem “oportunidade para obtenção de dados que não se encontram em fontes

documentais e que sejam relevantes e significativos” (2010, p.181).

É sabido, no entanto, que a escolha metodológica das entrevistas não representa

tarefa fácil. Por isso, concorda-se com Holanda & Meihy, quando os mesmos alertam:

A memória individual, apesar de se explicar no contexto social, é aferida por meio de entrevistas nas quais o colaborador tenha ampla liberdade de narrar. Cuidados devem ser tomados em relação às interferências ou estímulos presentes nas entrevistas (2007, p.56).

Durante a realização das entrevistas, buscou-se interferir ao mínimo nas falas

dos entrevistados, com o intuito de propiciar maior objetividade e cientificidade na

coleta das informações. Cada entrevistado pode escolher o local, a data e a hora da

entrevista, e utilizou-se de um gravador para registrar o momento. Seguiu-se então a

linha de raciocínio exemplificada por Holanda & Meihy, a saber: “A fim de produzir

melhores condições para as entrevistas, o local escolhido é fundamental. Deve-se,

sempre que possível, deixar o colaborador decidir sobre onde gostaria de gravar a

entrevista” (2007, p.56).

A preparação das entrevistas considerou aspectos que, na visão de Lakatos &

Marconi, são fundamentais: o planejamento da entrevista, tendo em vista o objetivo a

ser alcançado; conhecimento prévio do entrevistado, buscando apreciar o grau de

familiaridade do mesmo com o assunto; oportunidade da entrevista, assegurando-se de

que seria recebida, além da preparação específica, organizando um roteiro com as

questões norteadoras (LAKATOS & MARCONI, 2010, p.182).

Outra preocupação importante para a pesquisa a partir de relatos coletados pelas

entrevistas foi selecionar colaboradores que de fato pudessem trazer equilíbrio no

tocante à representatividade dos principais setores/grupos envolvidos na elaboração do

Plano. Nesse sentido, a seleção pautou-se na divisão básica estabelecida na nomeação

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oficial do Núcleo Gestor11 para a elaboração do plano Diretor, que continha nitidamente

dois grandes grupos principais responsáveis pela preparação, condução e

monitoramento dos trabalhos desenvolvidos: 1) o poder público municipal; e 2) a

sociedade civil organizada.

Dentro desta divisão, foram feitas entrevistas com os seguintes colaboradores12:

1) Silvana Monteiro de Castro – Secretária Municipal de Planejamento à época

de formulação do PDP. A Secretaria de Planejamento era a condutora do

processo;

2) Nelson Crespo Pinto Pimentel – Representante da Sociedade Civil

Organizada através da ONG Cidade 21;

3) José Carlos da Silva Eulálio – Representante da Sociedade Civil Organizada,

através do STICONCIMO-RJ13.

Quanto ao número de entrevistados, é válido compreender, como o fez Gomes

Filho, que:

Meihy diz ser factível trabalhar com poucas entrevistas na história oral (Meihy, 2000, p. 14). Ele fala também sobre o número de entrevistados: “A história oral pode ser feita com base em uma pessoa, em algumas ou em um conjunto grande de entrevistados. Qualquer uma das três opções implica que se considerem fatores que justifiquem escolhas, pois, afinal, o que significa a existência de uma entrevista apenas?” (MEIHY, 2000, p. 18 apud GOMES FILHO, 2003, p.15).

Antes de iniciar as entrevistas, realizava-se uma conversa com o objetivo de

criar um ambiente mais adequado ao diálogo, e procedia-se a um perfil dos

colaboradores, destacando: 1) Nome; 2) Idade; 3) Escolaridade; 4) Ocupação atual; 5)

Ocupação à época de formulação do PDP de Campos e 6) Instituição/ Entidade que

representou no PDP.

O foco principal das entrevistas era compreender como cada um dos

entrevistados definiria o processo participativo do Plano, além de resgatar testemunhos

não obtidos em fontes oficiais e diagnosticar o que cada um dos colaboradores achava

do PDP enquanto um instrumento de gestão do espaço. A seguir estão listadas as cinco

perguntas trabalhadas:

11 Portaria nº 655/2006. Nomeia o Núcleo Gestor para Elaboração do Plano Diretor. 12 As entrevistas e o perfil dos entrevistados constam, na íntegra, nos apêndices deste trabalho. 13 Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Construção Civil, do Mobiliário, de Ladrilhos, de Artefatos de Cimento, de Mármores e Granitos, de Cerâmica, de Vimes, de Carpintaria, de Estradas, Pontes e Canais de Campos, Norte e Noroeste do Estado do Rio.

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1 – Qual foi a sua relação com o Plano Diretor Participativo do Município de Campos dos Goytacazes?

2 – O que era mais importante para o município e que deveria ser contemplado pelo PDP?

3 – Que áreas do município requeriam mais atenção do PDP?

4 - O que você acha do PDP enquanto instrumento de gestão do espaço?

5 – Como você definiria o processo participativo do PDP de Campos?

Da organização da dissertação e do propósito dos capítulos

O trabalho organiza-se em três capítulos, com a delineação dos seguintes

objetivos: no capítulo inicial estrutura-se a base teórico-conceitual da pesquisa. Busca-

se contribuir para a compreensão das relações entre a sociedade e seu espaço social,

considerando-os numa constante e dialética interação. Elege-se a cidade como lócus

privilegiado de manifestação dos dilemas urbanos, bem como lócus fundamental das

possibilidades de solidariedade. Vislumbra-se a dimensão política do espaço social,

defendendo que esta opção significa ampliar as análises sobre as problemáticas urbanas

que se apresentam na contemporaneidade, bem como contribuir para melhor desvendar

o entendimento acerca dos instrumentos de gestão urbana, tais como o plano diretor

participativo. Elegem-se as contribuições críticas de autores como H. Lefebvre, E. Soja,

Ana F. Carlos, Roberto L. Corrêa e Pierre Bourdieu, a partir de um diálogo

interdisciplinar entre a Geografia, a Filosofia e a Sociologia.

A partir do arcabouço teórico-conceitual do capítulo anterior, sistematiza-se, no

segundo capítulo, a trajetória dos Planos Diretores no âmbito da gestão do espaço social

dos municípios brasileiros. Evidencia que a história do planejamento urbano no país – e,

sobretudo, a história dos Planos Diretores – não pode ser dissociada da análise da

dimensão sociopolítica do espaço. Atribui ênfase à fase mais atual do planejamento

urbano no Brasil, que traz como figura central o Plano Diretor em seu viés participativo.

Nesse sentido, elucida a dimensão da gestão democrática preconizada pelo Estatuto da

Cidade – lei federal 10.257 do ano de 2001 e faz alguns apontamentos sobre a

participação popular nos planos diretores.

O terceiro capítulo destina-se à parte empírica da pesquisa. Rememora o

histórico de elaboração do Plano Diretor Participativo (PDP) do Município de Campos

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dos Goytacazes-RJ, investigando, sob uma perspectiva crítica, os principais limites à

participação dos diversos segmentos da sociedade constatados durante o período de sua

formulação. O capítulo parte da caracterização do município selecionado, sobretudo no

que tange aos aspectos referentes à estruturação de seu espaço urbano, com destaque

para as intervenções urbanísticas vivenciadas pela realidade local ao longo do século

XX. Para investigar o processo participativo do Plano, utiliza-se da análise de

entrevistas semi-estruturadas realizadas com representantes dos principais segmentos

presentes em suas discussões e da análise de documentos produzidos à época de

elaboração do mesmo. Busca-se, além de resgatar e sistematizar o histórico do processo

de formulação do plano, averiguar em que medida o mesmo permitiu que diferentes

projetos de cidade tivessem voz diante das atividades executadas.

Espera-se que, com esse trajeto e as escolhas teórico-metodológicas adotadas, se

tenha proporcionado uma análise crítica de nosso objeto de pesquisa, dos seus limites e

possibilidades e que as conclusões a que chegamos possam vir a contribuir para outros

trabalhos e pesquisas nesse campo de estudo.

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CAPÍTULO 1 - A CIDADE E O ESPAÇO SOCIAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE

A DIMENSÃO SOCIOPOLÍTICA DO ESPAÇO

Neste primeiro capítulo, busca-se contribuir para a compreensão das relações

entre a sociedade e a produção de seu espaço social, considerando-os numa constante e

dialética interação. Vislumbra-se, para atingir tal fim, a cidade como lócus privilegiado

de manifestação dos dilemas urbanos, bem como lócus fundamental do cotidiano e das

possibilidades de solidariedade.

Compreender a cidade pelo viés de seu espaço social significa ampliar as

análises sobre as problemáticas urbanas que se apresentam na atualidade, bem como

contribuir para melhor desvendar o entendimento acerca dos instrumentos de gestão

urbana, tais como o plano diretor participativo. Para cumprir tal objetivo faz-se

necessário, ainda, vislumbrar a dimensão política do espaço social.

Corrêa afirma que tornar o espaço inteligível é, para os geógrafos, uma tarefa

inicial. “Decifrando-o, como diz Lefebvre (1974), revelamos as práticas sociais dos

diferentes grupos que nele produzem, circulam, consomem, lutam, sonham, enfim,

vivem e fazem a vida caminhar” (CORRÊA, 2007, p.44)

Buscando dentre outros aspectos a dimensão política do espaço, como

mencionado, bem como as disputas de interesses diversos que nele são visíveis; as

argumentações construídas neste momento inicial baseiam-se principalmente em

análises teórico-conceituais de autores como H. Lefebvre, E. Soja, Ana Fani Carlos e P.

Bourdieu, por considerar que os mesmos propiciam um interessante diálogo crítico

acerca da questão trabalhada.

Trata-se assim, de um contato entre obras de variados campos do saber, que

permitem privilegiar os vínculos entre espaço e política, num reconhecimento da

complexidade que se impõe quando se almeja desvendar práticas sociais construtoras da

realidade espacial.

O viés político do planejamento e gestão de cidades só pode ser compreendido à

luz de um arcabouço teórico-conceitual que se proponha, além de interdisciplinar,

esclarecedor da dimensão política do espaço, aqui analisado enquanto socialmente

produzido. Em outras palavras, ressalta-se neste trabalho a necessidade de uma leitura

política do espaço social na busca pelo entendimento da gestão urbana, vislumbrando o

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espaço não apenas como um reflexo, mas também como um condicionante da

sociedade, numa constante relação dialética.

1.1 - A PRODUÇÃO DO ESPAÇO SOCIAL: INTERAÇÕES SOCIEDADE-

ESPACIALIDADE CONSTITUEM A CIDADE

A discussão acerca do espaço social abarca uma análise crítica da realidade

urbana e da vida cotidiana. Cotidiano e urbano, para Henri Lefebvre “indissoluvelmente

ligados, ao mesmo tempo produtos e produção, ocupam um espaço gerado através deles

e inversamente” (2008b, p.17).

Discutir a constituição do espaço social passa por considerar um conjunto de

atividades prático-sociais que se entrecruzam num espaço urbano complexo e que

assegura a reprodução das relações da sociedade através de interações políticas; de

poder.

Moreira, em acordo com Lacoste e Santos, evidencia em seus estudos que a

construção geográfica de uma sociedade é o resultado das práticas espaciais,

responsáveis por construir espacialmente a sociedade e por criarem a dialética de

determinação que ao mesmo tempo em que faz da sociedade o seu espaço faz do espaço

a sua sociedade. Em suas palavras: “A ação das práticas espaciais é acumulativa em sua

sincronia e diacronia. E o seu resultado é a geograficidade, termo igualmente usado por

Lacoste (LACOSTE, 1989), que entendemos como o modo de existência espacial que

qualifica o homem como ser-no-mundo” (2001, p.19).

Para Corrêa, “são as práticas espaciais, isto é, um conjunto de ações

espacialmente localizadas que impactam diretamente sobre o espaço, alterando-o no

todo ou em parte ou preservando-o em suas formas e interações espaciais” (2007, p. 35).

A dialética estabelecida entre a sociedade e sua espacialidade permite conceber o

espaço não apenas enquanto produto das relações sociais, mas também como motor

indispensável à reprodução dessas mesmas relações. Essa constatação pode ser

ratificada a partir da afirmação de Trindade Júnior:

Como sociedade territorialmente organizada, o espaço se exterioriza através das formas espaciais, ou seja, através de objetos ou arranjo ordenado de objetos distribuídos no território. São elementos produzidos socialmente, ou que adquirem uma existência social, a partir do sentido que as relações lhe atribuem (1998, p. 31).

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A argumentação destacada pode ser complementada pela abordagem miltoniana

de espaço, quando o autor chama atenção para as formas não como simples formas, mas

como formas-conteúdos, alertando para uma visão que contemple o espaço como uma

forma que não tem existência filosófica e empírica se a considerarmos isoladamente do

conteúdo, que por sua vez é um conteúdo o qual não poderia existir sem a forma que o

abrigou (SANTOS, 2008, p. 25).

Para focar a produção do espaço urbano brasileiro e então atribuir às cidades a

importância devida, no entanto, é preciso estabelecer considerações acerca da

conformação da urbanização brasileira, reconhecendo que o processo de urbanização do

território nacional avulta-se, sobretudo, a partir da segunda metade do século XX. Trata-

se de um movimento que, de forma extremamente acelerada, traz como resultado

cidades em que a desigualdade socioespacial manifesta-se sob as mais variadas

dimensões, dada a complexidade de (sobre) vivência e de compreensão do urbano atual

no país. Acerca da consolidação do urbano no Brasil, Milton Santos destaca:

Alcançamos, neste século, a urbanização da sociedade e a urbanização do território, depois de longo período de urbanização social e territorialmente seletiva. Depois de ser litorânea (antes e mesmo depois da mecanização do território), a urbanização brasileira tornou-se praticamente generalizada a partir do terceiro terço do século XX, evolução quase contemporânea da fase atual de macrourbanização e metropolização. O turbilhão demográfico e a terceirização são fatos notáveis. A urbanização se avoluma e a residência dos trabalhadores agrícolas é cada vez mais urbana (2005, p. 09).

A cidade, por sua vez, como relação social e materialidade, torna-se, na visão de

Milton Santos, criadora da pobreza, tanto pelo modelo socioeconômico, de que é o

suporte, como por sua estrutura física, que faz dos habitantes das periferias pessoas

ainda mais pobres. Em seu raciocínio: “A pobreza não é apenas o fato do modelo

socioeconômico vigente, mas, também, do modelo espacial” (2005, p. 10).

A cidade revela-se como o lugar onde mais se esclarecem as relações e os

conflitos entre as pessoas, poder público e privado, instituições e empresas, mostrando

porque é encarada como aquela capaz de explicitar as contradições inerentes ao

processo de urbanização capitalista do Brasil. Na visão de Oliveira, estaríamos diante,

portanto, de um retorno à cidade, não somente pelo fato de a mesma ter voltado ao

debate intelectual, mas, sobretudo porque têm pautado projetos e intervenções urbanas

em diferentes partes do Ocidente (2006, p. 173).

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Uma análise coerente do processo de produção do espaço urbano precisa

considerar que as condições de reprodução da sociedade variam no tempo e no espaço, e

desta maneira, a dinâmica do urbano e suas transformações só serão amplamente

conhecidas se avaliarem os processos de desigualdade socioespacial devidamente

contextualizados e jamais desvinculando práticas sociais de práticas espaciais. Por isso,

concorda-se com os argumentos da autora Ana Fani Carlos, quando a mesma salienta

que:

[...] as relações sociais se realizam, concretamente, na qualidade de relações espaciais – constituindo-se enquanto atividade prática. Nessa direção, a reflexão sobre a cidade é, fundamentalmente, uma reflexão sobre a prática sócio-espacial que diz respeito ao modo pelo qual se realiza a vida na cidade, enquanto formas e momentos de apropriação do espaço como elemento constitutivo da realização da existência humana. Assim, o espaço urbano apresenta um sentido profundo, pois se revela condição, meio e produto da ação humana – pelo uso - ao longo do tempo (2007, p.11).

Em sua concepção de cidade, Carlos a revela enquanto construção humana;

produto histórico-social. Na visão da autora:

Expressão e significação da vida humana, obra e produto, processo histórico cumulativo, a cidade contém e revela ações passadas, ao mesmo tempo em que o futuro, que se constrói nas tramas do presente – o que nos coloca diante da impossibilidade de pensar a cidade separada da sociedade e do momento histórico analisado (2007, p. 12).

Na mesma linha de raciocínio, pode-se recorrer aos escritos lefebvrianos – aos

quais a própria autora supracitada refere-se com freqüência –, ao observar que para o

filósofo há uma história do espaço, história esta longe de estar esgotada e totalmente

escrita. Segundo Lefebvre, “o espaço (social) é um produto (social) (2006a, p.21).

A contribuição lefebvriana à teoria da produção do espaço tem sido de grande

valia para a Geografia, tendo em vista sua utilização como suporte teórico-conceitual

em diversos estudos, numa constante busca pela interdisciplinaridade (diálogo da

Geografia com a Filosofia, Sociologia, dentre outras) e apoio ao entendimento do

espaço urbano e das práticas socioespaciais; uma abordagem que, na visão de Limonad,

“trata de forma indissociável: a dimensão espacial e a política; a análise e a prática”

(2003, p.05).

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Corrêa revela que a concepção de espaço enquanto espaço social marca

profundamente os geógrafos os quais, a partir da década de 1970, adotam o

materialismo histórico e dialético como paradigma14. Nesse contexto, “a contribuição

de Lefebvre a respeito da natureza e significado do espaço estende-se por uma vasta

obra, da qual merece menção especial La Production de l’Espace” (2007, p.26).

Nesta obra fica explícito que para Lefebvre cada sociedade produz seu espaço, e

este contém entrecruzamentos múltiplos. Nas palavras do autor:

Na verdade, o espaço social “incorpora” atos sociais, os de sujeitos, ao mesmo tempo coletivos e individuais, que nascem e morrem, padecem e agem. Para eles, seu espaço se comporta, ao mesmo tempo, vital e mortalmente; eles aí se desenvolvem, se dizem e reencontram os interditos; depois caem e seu espaço contém sua queda. Para o conhecimento e face à ele, o espaço social funciona – com seu conceito – como analisador da sociedade (2006a, p. 22).

A análise lefebvriana do espaço social alicerça-se numa tríade explicitada

através das práticas espaciais; das representações do espaço; e dos espaços de

representação. Essa tríade pode ser representada ainda pelas noções de espaço

percebido; espaço concebido e espaço vivido, respectivamente, e, superando a

dicotomia e o dualismo cartesianos, revela-se condição sem a qual não se apreende de

forma mais profunda a teoria da produção do espaço para o autor supracitado.

No conjunto das práticas espaciais, pode-se situar o espaço percebido. Para

Lefebvre, a prática espacial de uma sociedade é a responsável por produzir seu espaço,

numa constante interação dialética. “Ela o produz lenta e seguramente, dominando-o e

dele se apropriando. Para a análise, a prática espacial de uma sociedade de descobre

decifrando seu espaço” (2006a, p. 24).

As práticas espaciais associam a realidade cotidiana e a realidade urbana e por

isso devem ter coesão, o que não significa necessariamente coerência, no pensamento de

Henri Lefebvre.

As representações do espaço ligam-se ao espaço concebido. Refere-se à ordem

imposta pelas relações de produção e relacionam-se aos conhecimentos, signos,

símbolos e códigos de representação dominante. Trata-se, nesse conjunto, das

concepções hegemônicas do espaço; do Estado, dos políticos, dos urbanistas e

14 De acordo com Corrêa: “A vasta obra de Milton Santos está, ainda que não de modo exclusivo, fortemente inspirada em Lefebvre e em sua concepção de espaço social. A contribuição de Milton Santos aparece, de um lado, com o estabelecimento do conceito de formação sócio-espacial e submetido a intenso debate na década de 1970” (2007, p.26).

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planejadores. Segundo o autor: “o espaço concebido, aquele dos cientistas, dos

planificadores, dos urbanistas, dos tecnocratas ‘retalhadores’ e ‘agenciadores’, de certos

artistas próximos à cientificidade, identificando o vivido e o percebido ao concebido”

(LEFEBVRE, 2006a, p.24).

As representações do espaço referem-se ao espaço dominante numa sociedade;

um modo de produção, no geral tomando a parte pelo todo. Relacionam-se intimamente,

portanto, ao exercício e legitimação do poder.

Por fim, completando a tríade analisada, estão os espaços de representação.

Associados ao espaço vivido, “apresentam (com ou sem código) simbolismos

complexos, ligados ao lado clandestino e subterrâneo da vida social, mas também à arte,

que eventualmente poder-se-ia definir não como código do espaço, mas como código

dos espaços de representação” (LEFEBVRE, 2006a, p.22).

O espaço vivido, aquele dos habitantes, dos usadores15, e também dos artistas,

escritores e filósofos, refere-se ao espaço dominado, que a imaginação tenta modificar.

O filósofo salienta que os espaços de representação, vividos mais que concebidos, têm

por gênese a história, de um povo e de cada um que a esse povo pertence. A

problemática do espaço vivido é um ponto central da realidade urbana. Assim, a

problemática do espaço “pertence à teoria do urbano e à sua ciência e, por conseguinte,

a uma problemática ainda mais vasta, a da sociedade global” (LEFEBVRE, 2008b,

p.40-41).

Ao relacionar a tríade com a produção do espaço, Lefebvre ressalta:

Pode-se supor que a prática espacial, as representações do espaço e os espaços de representação intervêm diferentemente na produção do espaço: segundo suas qualidades e propriedades, segundo as sociedades (modo de produção), segundo as épocas. As relações entre esses três momentos – o percebido, o concebido, o vivido – nunca são simples, nem estáveis, tampouco são, mais ‘positivas’, no sentido em que esse termo opor-se-ia ao ‘negativo’, ao indecifrável, ao não-dito, ao interdito, ao inconsciente (2006a, p.28).

15 Há um esclarecimento na tradução de La Production de l’Espace feita por Doralice Barros e Sérgio Martins no que concerne à palavra usadores. Segundo nota dos tradutores: “Aqui, a palavra ‘usager’ foi ora traduzida como ‘usador’, ora como ‘usuário’. A distinção refere-se ao conflito entre uso e troca, melhor desenvolvido por Lefebvre noutras obras. Segundo o autor, a relação dialética entre valor de troca e valor de uso foi magistralmente demonstrada por Marx, sobretudo n’O Capital, ao analisar a forma da troca. Todavia, o uso não coincide com o valor de uso, pois este corresponde aos termos implicados pela mercadoria, especialmente as relações de propriedade, ao passo que aquele corresponde ao domínio do que é vivido sob os termos da apropriação [...] portanto fora, e quiçá contra, os pressupostos da valorização (2006ª, p.25).

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A produção da cidade é também a produção de um campo de poder, unindo

técnica, trabalho, informação, energia e decisões políticas. Dessa forma, dá visibilidade

às disputas existentes quando de sua organização, uso e apropriação por parte dos

diversos atores que a compõem.

Concorda-se com Limonad & Barbosa, quando, concernente à cidade, ambos

apontam que:

Falar a respeito da cidade, revelar seus significados e, sobretudo, apontar seus possíveis rumos apresentam-se como desafios permanentes. Debater a cidade remete-nos às tensões, conflitos e contradições políticas que emergem do modo de realização do ser e do estar urbano. Condição que faz-nos pensar o espaço urbano como campo de encontro de realidades, ideais e, sobretudo, virtualidades; um campo onde atores desiguais em disputa pelo espaço defrontam-se, um campo onde a dominação do espaço e suas possibilidades de apropriação social entram em confronto (2003, s.p.).

Compreender a cidade através das práticas socioespaciais implica em considerá-

la como espaço onde se desenrola a vida cotidiana, em todos os seus aspectos. Tais

práticas revelam-se como meios efetivos através dos quais se realiza a gestão do

território, a organização espacial. É nesse sentido que, para Carlos:

[...] o espaço surge enquanto nível determinante que esclarece o vivido, na medida em que a sociedade o produz, e nesta condição apropria-se dele e domina-o. Na apropriação se colocam as possibilidades da invenção que faz parte da vida e que institui o uso que explora o possível ligando a produção da cidade a uma prática criadora. Isto porque o homem habita seus espaços como atividade de apropriação (mesmo comprando um valor de troca, como uma casa por exemplo, em que a importância para seu habitante recai sobre o uso que se faz dela para realização da vida e a partir dela para a apropriação dos lugares da cidade), o que significa que esta se refere a um lugar determinado no espaço, a uma localização e distância construída pelo indivíduo e a partir da qual que se relaciona com outros lugares da cidade, atribuindo-lhes qualidades específicas (2007, p.12).

Cabe ressaltar que apropriação e dominação entram em conflito16. Enquanto a

dominação embolsa o conteúdo das estratégias políticas que produzem o espaço da

16 Para Ana Fani A. Carlos, retomando Lefebvre: “o conceito de apropriação é um dos mais importantes que nos chegou de séculos de reflexão filosófica. A ação dos grupos humanos tem sobre o sobre o meio natural duas modalidades, dois atributos: a dominação e a apropriação. A dominação sobre a Natureza material, resultado de operações técnicas, arrasa esta natureza permitindo as sociedades substituí-las por seus produtos. A apropriação não arrasa, mas transforma a Natureza - o corpo e a vida biológica, o tempo

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coação (normatizado pela ordem que se impõe a toda a sociedade, trazendo, como

conseqüência, o direcionamento da prática espacial), a apropriação realiza-se enquanto

prática criativa em luta contra a norma (CARLOS, 2007, p.12).

De acordo com Haesbaert, é de suma relevância diferenciar o que autores como

Lefebvre entendem por domínio e por apropriação. Em sua análise, para o filósofo

francês:

O espaço dominado é geralmente fechado, esterilizado, esvaziado. Seu conceito não adquire seu sentido a não ser por oposição ao conceito inseparável de apropriação (1986:191). Sobre um espaço natural modificado para servir às necessidades e às possibilidades de um grupo, pode-se dizer que este grupo se apropria. (...) Um espaço apropriado aproxima-se de uma obra de arte sem que ela seja seu simulacro. Relacionada ao espaço de vivência cotidiana, a apropriação não pode ser compreendida sem o tempo, os ritmos de vida (p.193) (HAESBAERT, 2007, p. 169).

Sobre o debate dominação X apropriação é válido considerar ainda a

argumentação de Limonad & Lima, quando analisam:

À idéia de dominação, presente em Marx e em Hegel, Lefebvre antepõe a possibilidade de apropriação “próxima e distante a um só tempo” - apropriação possível e não possível de se realizar - e mais uma vez sim e não a um só tempo. Contrapõe, assim, concebido e vivido, que no capitalismo expressam-se na contradição entre valor de troca e valor de uso, a partir da qual define a tríade da representação do espaço social e a relaciona aos três momentos da produção do espaço a partir de três esferas escalares de reprodução social (2003, p. 21).

A cidade como espaço produzido ao longo do tempo agrega novos sentidos,

concedidos pelos modos de apropriação do ser humano, almejando a produção da sua

vida. Em consonância com o pensamento de Carlos, nota-se que:

[...] a apropriação revela-se como uso dos lugares em tempos definidos para cada atividade – produtiva ou não-produtiva. Assim a cidade pode ser analisada como lugar que se reproduz enquanto referência – para o sujeito - e, nesse sentido, lugar de constituição da identidade que comporá os elementos de sustentação da memória, e nesta medida, a análise da cidade revelaria a condição do homem e do espaço urbano enquanto construção e obra (2007, p. 23).

e o espaço dados - em bes humanos. A apropriação é a meta, o sentido e finalidade da vida social” (LEFEBVRE 1978, p.164 apud CARLOS 2007, p.22).

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A discussão sobre o direito à cidade passa, portanto, pelo direito à apropriação

da mesma, remetendo-nos ao valor de uso da cidade, e não mais ao valor de troca ou à

sua mercantilização (LEFEBVRE, 2006b, p.45).

Para Limonad & Lima, em A Produção do Espaço, Lefebvre analisa a

contradição entre o valor de uso e o valor de troca do espaço social e o modo como este

fato influencia nas diversas esferas de reprodução social e nas várias formas de

representação social. Isso com o intuito de chegar a uma tese mais ampla e complexa, a

da reprodução da totalidade, o que o leva de forma coerente a seguir a discutir A

sobrevivência do capitalismo e o Estado. Uma das grandes contribuições de Lefebvre é

precisamente propor o resgate do valor de uso, e a apropriação social do espaço em

contraposição à dominação do espaço abstrato17. Trata-se de lutar pela transformação

social (2003, p.19).

O espaço não pode ser dissociado da economia, da ideologia, da política, do

poder, enfim, da sociedade. Conforme enfatizou Soja em sua luta pela rearfimação do

espaço na teoria social crítica:

[...] a organização e o sentido do espaço são produto da translação, da transformação e da experiência sociais. O espaço socialmente produzido é uma estrutura criada, comparável a outras construções sociais resultantes da transformação de determinadas condições inerentes ao estar vivo, exatamente da mesma maneira que a história humana representa uma transformação social do tempo (1993, p. 101-102).

Soja destaca algumas afirmações de Lefebvre, concernentes à visão de espaço

enquanto construção social, a saber:

O espaço não é um objeto cientifico afastado da ideologia e da política; sempre foi político e estratégico. Se o espaço tem uma aparência de neutralidade e indiferença em relação a seus conteúdos e, desse modo, parece ser ‘puramente’ formal, a epítome da abstração racional, é precisamente por ter sido ocupado e usado, e por já ter sido o foco de processos passados cujos vestígios nem sempre são evidentes na paisagem. O espaço foi formado e moldado a partir de elementos históricos e naturais, mas esse foi um processo político. O espaço é político e ideológico. É um produto literalmente repleto de ideologias (LEFEBVRE 1976, p. 31 apud SOJA 1993, p.102).

17 Para Limonad & Barbosa, “a "coisificação" e mercantilização das cidades está acompanhada por uma crescente dificuldade de sua legibilidade e apropriação enquanto valor de uso, lugar da festa e do encontro e direito à diferença (Lefebvre, 1969: 78-79), na medida em que seu valor de uso é subsumido pelo valor de troca” (2003, s./ p.).

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A cidade surge assim como uma entidade socioespacial na qual processos sociais

animam-se e envolvem-se na dinâmica da produção do espaço. Manifesta toda a sua

complexidade enquanto produto social18, o que nos remete à espacialidade trabalhada

por Soja. Segundo o geógrafo, em acordo com Lefebvre: “(...) as relações sociais e

espaciais são dialeticamente inter-reativas, interdependentes”; (1993, p.103).

A cidade passa a ser vista não somente em seu papel de centro de produção e

acumulação industrial, mas também como ponto de controle da reprodução da sociedade

capitalista. Passa a ser vista sob a égide de seu espaço social; das interações dialéticas

sociedade-espacialidade que a (re) constituem no cotidiano vivido, a partir de decisões

políticas.

Não podendo ser diferente, emergem as contradições inerentes ao espaço social

e politicamente produzido. De acordo com Lefebvre é a partir da segunda metade do

século XX que o espaço e a cidade aparecem como questões. Na visão de Soja, é

sobretudo por volta da década de 1970 que a dimensão dos problemas urbanos ganha

visibilidade. Para o geógrafo:

Deu-se atenção não somente às contradições no local de trabalho (o ponto de produção), mas também ao conflito de classes em torno da habitação e do meio ambiente construído, à prestação e à localização dos serviços públicos pelo Estado, ao desenvolvimento econômico das comunidades e dos bairros, às atividades das organizações financeiras e a outras questões que giravam em torno do modo como o espaço urbano era socialmente organizado para o consumo e a reprodução. Assim, uma problemática espacial especificamente urbana – incorporada na dinâmica dos movimentos sociais urbanos – foi colocada na agenda das considerações teóricas e da ação social radical (1993, p.118 – grifo meu).

Na leitura de Carlos, esse momento em destaque é justamente aquele em que

[...] a reprodução capitalista, ultrapassando os limites da produção stricto sensu, integrou a cidade histórica e incorporou os espaços antes desocupados à troca, isto é, tornou os espaços intercambiáveis através do desenvolvimento do mercado do solo urbano; transformou o espaço social e político em operacional, dado e instrumento do

18 Segundo Costa, em sua análise da obra de H. Lefebvre: “A teoria da produção do espaço, uma economia política do espaço, de Lefebvre não trata de forma separada as dimensões econômica e política; teoria e prática. Além disso não é uma construção teórica ‘datada’ como aquela da economia política da urbanização que tinha como objeto de reflexão um momento do processo de desenvolvimento do capitalismo industrial” (2003, p.11).

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planejamento e, nesta condição, um elemento fundamental na manutenção das relações de dominação (2007, p. 24).

As contradições do espaço se fazem presentes mesmo que camufladas. Elas

oriundam de seu conteúdo social, político e prático; do conteúdo capitalista. “Com

efeito, o espaço da sociedade capitalista pretende-se racional quando, na prática, é

comercializado, despedaçado, vendido em parcelas” (LEFEBVRE, 2008b, p.57).

Santos revela que, diante da mundialização, multiplicam-se ações que fazem do

espaço um “campo de forças multidirecionais e multicomplexas, onde cada lugar é

extremamente distinto do outro, mas também claramente ligado a todos os demais por

um nexo único, dado pelas forças motrizes do modo de acumulação hegemonicamente

universal” (1988, p.13).

O espaço tem sido instrumentalizado para vários fins: dispersar a classe

operária, organizar fluxos, subordinar-se ao poder e à política; controlar, reger, enfim, o

espaço-tempo – na visão lefebvriana – está intimamente ligado à reprodução das

relações sociais de produção. Desse processo extraem-se então as contradições, pois o

espaço passa também a fazer parte do rol das “novas raridades”, assim como a água, o

ar puro, etc. Nesse âmbito, “compra-se um emprego do tempo. Ao tempo, recortado em

fragmentos (tempo de trabalho, de consumo, de lazer, de percurso etc.), vinculam-se

espaços com atributos e práticas correspondentes” (2008, p. 08-09). A produção do

espaço não se faz, portanto, sem contradições que a ela sejam inerentes.

A explicitação dessas contradições socioespaciais remete-nos mais uma vez ao

debate do uso, apropriação e domínio das cidades, visto que os problemas de uso da

cidade agravam-se na constante disputa entre os agentes de produção do espaço social.

Desse modo, pode-se argumentar, conforme Limonad & Barbosa que:

As formas de apropriação, domínio e uso nas cidades brasileiras conformam, como define Santos (1977), a estrutura urbana e a distribuição espacial da população, e contribuem para que, em linhas gerais, particularmente nas grandes cidades, populações de elevado poder aquisitivo concentrem-se em áreas centrais que, dotadas de equipamentos e serviços urbanos, se valorizam e estimulam as atividades dos empreendedores imobiliários. Conforme estes, com a meta de maximizar seus lucros, ao buscar verticalizar as construções, esgotam áreas centrais ou privilegiadas por suas externalidades, e geram simultaneamente uma densidade excessiva bem como terrenos ociosos à espera de valorização, enquanto as periferias expandem-se extensivamente em áreas carentes de infra-estrutura básica, através da

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multiplicação de cinturões de bairros pauperizados, com ocupações, favelas, grilagem e loteamentos clandestinos (2003, s/ p.).

Avaliar a relação sociedade-espacialidade e sua contraditória efetivação no

processo de urbanização favorece o entendimento da cidade que, a partir de sua

construção dialética, define o olhar sobre o espaço social, como reflexo e condicionante

da sociedade. Segundo a análise de Moreira:

Muito já foi escrito sobre a relação sociedade e espaço. Nenhuma sociedade pode existir fora de um espaço e um tempo; é um aprendizado que vem de Descartes a Kant e que, com este, vira uma lição de base da geografia. O modo de produção da sociedade é o modo de produção do seu espaço; estabeleceu-se o caráter dessa relação, de Lefebvre (1973) a Santos (1978) (MOREIRA, 2006, p.72).

Nesse sentido, reforçamos o pensamento de que, referir-se à cidade, às suas

contradições, bem como propor os caminhos que a mesma deva seguir a fim de

solucionar seus dilemas representa um desafio constante. Analisar a cidade, esse espaço

social e politicamente produzido, leva inevitavelmente à necessidade de se explicitarem

os conflitos, as tensões, disputas políticas de conformação do urbano. Por isso, o espaço

urbano revela-se enquanto campo no qual diversas realidades e atores confrontam-se,

buscando a melhor estratégia de dominação ou apropriação do espaço social; de gestão

do território. Ainda conforme argumentação de Moreira:

Todo um sistema de contradições assim implantadas no e a partir do espaço se instaura no âmbito da sociedade, o espaço instituindo-se e instituindo a sociedade como um campo de correlação de forças, a organização da sociedade se constituindo como uma determinação política por excelência. [...] O ordenamento territorial é uma decorrência dessa estrutura em si mesma contraditória. Seu propósito é o controle dos termos da coabitação (2006, p.74).

1.2 – O ESPAÇO SOCIAL E SUA DIMENSÃO POLÍTICA

O espaço é político! Henri Lefebvre In Espaço e Política

O espaço social não pode ser dissociado da dimensão política que carrega

consigo, já destacara Lefebvre, Soja, dentre outros autores. O espaço – produto e

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condicionante da sociedade – constrói-se a partir de contradições, disputas, alianças e

conflitos, aspectos a partir dos quais se visualiza seu caráter político. Segundo

argumentações de Lefebvre, sob o capitalismo o espaço tem sido referenciado também

como um instrumento, quando se observa que:

[...] o espaço é um instrumento político intencionalmente manipulado, mesmo se a intenção se dissimula sob as aparências coerentes da figura espacial. É um modo nas mãos de “alguém”, individual ou coletivo, isto é, de um poder (por exemplo, um Estado), de uma classe dominante (a burguesia) ou de um grupo que tanto pode representar a sociedade global, quanto ter seus próprios objetivos, como os tecnocratas, por exemplo (2008, p.44).

Puentes Gómez aponta que, para Gottdiener, nos escritos de Lefebvre “o espaço

social é ao mesmo tempo um meio de produção e uma força social de produção, é um

objeto de consumo, um instrumento político19 e um elemento na luta de classes

(GOTTDIENER 1993 apud PUENTES GÓMEZ 2006, p. 27).

As contradições do espaço são provenientes de seu conteúdo político-social, e é

de suma importância destacar que as mesmas são visíveis, de acordo com Lefebvre, nos

planos gerais de ordenamento e projetos dos mercadores do espaço. Em seu raciocínio:

Essas contradições explodem no plano institucional. Nesse plano, percebe-se que a burguesia, classe dominante, dispõe de um duplo poder sobre o espaço; primeiro, pela propriedade privada do solo, que se generaliza por todo o espaço, com exceção dos direitos das coletividades e do Estado. Em segundo lugar, pela globalidade, a saber, o conhecimento, a estratégia, a ação do próprio Estado. Existem conflitos inevitáveis entre esses dois aspectos, e notadamente entre o espaço abstrato (concebido ou conceitual, global e estratégico) e o espaço imediato, percebido, vivido, despedaçado e vendido (2008b, p. 57).

O espaço foi modelado politicamente. Nas palavras de Lefebvre: “(...) é

evidente, agora, que o espaço é político” (2008b, p.61).

A produção do espaço está vinculada a grupos que se apropriam do mesmo para

explorá-lo, geri-lo; e um estudo crítico desse processo precisa vislumbrar a partir de que

estratégia (s) determinado espaço foi produzido, para buscar formas de superar as

contradições inerentes a sua constituição. É para o que nos alerta Gonçalves, ao

expressar seu pensamento de que:

19 Grifos meus.

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O planejamento e a intervenção no espaço terão efetividade como força de mudança se encontrado o espaço político preciso onde a intervenção será eficaz. Condição para isto é a capacidade de apreender com clareza as relações entre prática social, espaço e poder e, para uma dada situação concreta, ter a referência de quais as escalas em que se articulam as relações de poder que sustentam essa situação (2005, p. 281).

Sobre o caráter político do espaço podem-se destacar ainda as considerações de

Castro, quando salienta a autora: “o espaço geográfico é intrinsecamente político, ou

seja, ele é arena de conflitos e, consequentemente, de normas para a regulação que

permite o seu controle” (2005, p.139).

O espaço urbano, esse espaço social do qual não se pode dissociar a dimensão

política, pode ser analisado sob a perspectiva de um campo de disputas e de poder. É

por essa linha de raciocínio que se permite o diálogo com autores como Pierre

Bourdieu, trazendo ao debate o contato entre a geografia e outros campos do saber,

como a sociologia.

A partir da compreensão da sociologia de P. Bourdieu observam-se diálogos

possíveis e enriquecedores acerca das discussões sobre espaço social, sobretudo em seus

apontamentos referentes ao campo e às disputas entre os vários agentes e seus capitais

pela constituição do espaço, guiados pelo estabelecimento do poder simbólico. Amplia-

se assim a discussão sobre a dimensão política do espaço, numa perspectiva

interdisciplinar. Em Razões Práticas: sobre a teoria da ação, o autor traz o seguinte

esclarecimento:

Por que me parece necessário e legítimo introduzir no léxico da sociologia as noções de espaço social e de campo de poder? Em primeiro lugar, para romper com a tendência de pensar o mundo social de maneira substancialista. A noção de espaço contém, em si, o principio de uma apreensão relacional do mundo social: ela afirma, de fato, que toda a “realidade” que designa reside na exterioridade mútua dos elementos que a compõem. Os seres aparentes, diretamente visíveis, quer se trate de indivíduos quer de grupos, existem e subsistem na e pela diferença, isto é, enquanto ocupam posições relativas em um espaço de relações que, ainda que invisível e sempre difícil de expressar empiricamente, é a realidade mais real [...] e o principio mais real dos comportamentos dos indivíduos e grupos (2007, p.48-49).

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Leituras e interpretações da obra de P. Bourdieu têm sido referenciadas em

trabalhos geográficos, indicando uma intersecção possível e relevante entre ciências

afins. Nesse âmbito pode-se ressaltar a visão de Porto-Gonçalves, ao expressar:

Pierre Bourdieu, com sua preocupação com o espaço social, abre uma importante senda para um diálogo com a geografia, particularmente com a concepção teórica que abraçamos, que entende a geografia menos como um substantivo e mais como um verbo, ou melhor, como o ato/a ação de marcar a terra, de geografar. Nessa perspectiva teórica, as marcas, os limites, as fronteiras são sempre instituídas e, como tais, implicam sujeitos instituintes o que nos remete à própria configuração do que seja a sociedade como tal (1999, p. 68).

Falar em espaço social para o referenciado sociólogo é afirmar que não se

podem juntar pessoas desconsiderando suas diferenças básicas, principalmente

econômicas e culturais. Segundo o autor: “(...) muitas diferenças que, geralmente, se

associam ao efeito do espaço geográfico, por exemplo, à oposição entre o centro e a

periferia, são o efeito da distância no espaço social, quer dizer, da distribuição desigual

das diferentes espécies de capital no campo geográfico” (2009, p.138).

Ferreira também evidencia a abordagem do pensador francês acerca do espaço

social ao apontar que o mesmo abarca o processo de luta pela conquista de posições

num espaço desigual, que contém relações de poder. Um dos alicerces desse poder é

justamente a posse do capital, expresso na distribuição dos agentes, serviços e bens pelo

espaço. Assim, explicita a autora:

O espaço social é apontado, pelo autor francês, como elemento fundamental na constituição dos agentes sociais, pois é na relação com o espaço social que “os agentes sociais são constituídos como tais”. O autor esclarece que os agentes se situam em determinado lugar do espaço social e que esse lugar se distingue pela sua distância em relação a outros lugares. O espaço social se define pela “exclusão mútua das posições que o constituem” e não pela exterioridade, observada no caso do espaço físico. Bourdieu (1997, p.160) destaca a “forma de oposições espaciais” que expressa a estrutura hierarquizada do espaço social, em virtude da ordem hierárquica da própria sociedade (2005, p. 9-10).

O mundo da sociedade20 é, para Bourdieu, constituído das interações entre

agentes que se fazem diferentes, tanto pela posição ocupada no espaço social quanto

20 “O conhecimento do mundo social e, mais precisamente, as categorias que o tornam possível, são o que está, por excelência, em jogo na luta política, luta ao mesmo tempo teórica e prática pelo poder de conservar ou de transformar o mundo social conservando ou transformando as categorias de percepção deste mundo” (BOURDIEU, 2009, p.142).

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pelo volume de capital e poder de que dispõem. Vale destacar a seguinte passagem do

autor em O Poder Simbólico:

Num primeiro momento, a sociologia apresenta-se como uma tipologia social. Pode-se assim, representar o mundo social em forma de um espaço (a várias dimensões) construído na base de princípios de diferenciação ou de distribuição constituídos pelo conjunto das propriedades que atuam no universo social considerado, quer dizer, apropriadas a conferir, ao detentor delas, força ou poder neste universo. Os agentes e grupos de agentes são assim definidos pelas suas posições relativas neste espaço. Cada um deles está acantonado numa posição ou numa classe precisa de posições vizinhas, quer dizer, numa região determinada do espaço, e não se pode ocupar realmente duas regiões opostas do espaço – mesmo que tal seja concebível (2009, p.134).

Nesse contexto o autor amplia a análise e esclarece sua abordagem em relação

ao campo de forças, estabelecendo argumentações de grande valia para auxiliar no

entendimento das relações entre sociedade e espaço social produzido:

Na medida em que as propriedades tidas em consideração para se constituir este espaço são propriedades atuantes, ele pode ser descrito também como campo de forças, quer dizer, como um conjunto de relações de força objetivas impostas a todos os que entrem nesse campo e irredutíveis às intenções dos agentes individuais ou mesmo às interações diretas entre os agentes (2009, p.134).

De acordo com Bourdieu, a posição21 de um determinado agente no espaço

social define-se pela localização que ele ocupa nos diferentes campos, ou seja, na

distribuição dos poderes que em cada um deles atua, sobretudo o capital econômico; o

cultural, o social e o simbólico. Nesse sentido, pode-se então “construir um modelo

simplificado do campo social no seu conjunto que permite pensar a posição de cada

agente em todos os espaços de jogo possíveis”. Assim, descreve o campo social como:

[...] um espaço multidimensional de posições tal que qualquer posição atual pode ser definida em função de um sistema multidimensional de coordenadas cujos valores correspondem aos valores das diferentes variáveis pertinentes: os agentes distribuem-se assim nele, na primeira dimensão, segundo o volume global do capital que possuem e, na segunda dimensão, segundo a composição do seu capital – quer dizer, segundo o peso relativo das diferentes espécies no conjunto de suas posses (2009, p. 135).

21 Para o autor: “O conhecimento da posição ocupada neste espaço comporta uma informação sobre as propriedades intrínsecas (condição) e relacionais (posição) dos agentes” (2009, p.136).

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A estrutura do campo social é definida pelo arranjo da distribuição do capital e

dos ganhos dos diferentes campos particulares. Todo campo é arena de uma luta em

maior ou menor grau declarada pela definição das regras de divisão do campo. Nas

palavras de Bourdieu: “A questão da legitimidade surge da própria possibilidade deste

pôr-em-causa, desta ruptura com a doxa que aceita a ordem corrente como coisa

evidente. Posto isto, a força simbólica das partes envolvidas nesta luta nunca é

completamente independente da sua posição no jogo (...)” (2009, p. 150).

O mundo social é o que os agentes fazem em cada instante, pelas posições que

ocupam no espaço social. Nesse sentido, esclarece Bourdieu no que concerne ao poder

simbólico:

O poder simbólico dos agentes, como poder de fazer ver – theorein – e de fazer crer, de produzir e de impor a classificação legítima ou legal, depende com efeito, [...] da posição ocupada no espaço ( e nas classificações que nele estão potencialmente inscritas). Mas objectivar a objectivação é, antes de mais, objectivar o campo de produção das representações objectivadas do mundo social, e em particular das taxinomias legiferantes, em resumo, o campo de produção cultural ou ideológica, jogo em que o próprio cientista está metido, como todos os que discutem acerca das classes sociais (2009, p.151).

O poder simbólico aparece assim, como um poder invisível, que só pode ser

exercido com a cumplicidade dos que não querem saber que a ele estão sujeitos ou

mesmo que o exercem. Só é exercido se, na contramão, é também reconhecido,

legitimado. Daí decorre que, segundo Bourdieu, aqueles que ocupam as posições

dominadas22 no espaço social

[...] estão também em posições dominadas no campo de produção simbólica e não se vê onde lhes poderiam vir os instrumentos de produção simbólica de que necessitam para exprimirem o seu próprio ponto de vista sobre o social, se a lógica própria do campo de produção cultural e os interesses específicos que aí se geram não produzisse o efeito de predispor uma fracção dos profissionais envolvidos neste campo a oferecer aos dominados, na base de uma homologia de posição, os instrumentos de ruptura com as representações que se geram na cumplicidade imediata das estruturas

22 Em Razões Práticas, salienta de forma incisiva o sociólogo que: “A dominação não é o efeito direto e simples da ação exercida por um conjunto de agentes (“a classe dominante”) investidos de poderes de coerção, mas o efeito indireto de um conjunto complexo de ações que se engendram na rede cruzada de limitações que cada um dos dominantes, dominado assim pela estrutura do campo através do qual se exerce a dominação, sofre de parte de todos os outros” (2007, p. 52).

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sociais e das estruturas mentais e que tendem a garantir a reprodução continuada da distribuição do capital simbólico (2009, p. 152).

Para o autor, as relações de força objetivas tendem a reproduzir-se nas relações

simbólicas de força, “nas visões do mundo social que contribuem para garantir a

permanência dessas relações de força (2009, p.145).

O conceito de poder simbólico revela-se como um importante aliado no

entendimento dos dilemas socioespaciais recentes, principalmente no concernente às

disputas por frações do espaço que atendam aos interesses de cada grupo, na medida em

que se configura como uma espécie de poder social que impõe significações como

legítimas. Nessa linha de raciocínio, expõe Lemos que:

Os símbolos, afirmam-se, assim, como instrumentos de integração social, tornando possível a reprodução da ordem estabelecida. Para Bourdieu, a posição de um determinado grupo no espaço social é determinada pelo acúmulo de poder simbólico, originado a partir dos conteúdos e substâncias do capital simbólico detido pelo grupo (2008, p.128).

O espaço da sociedade seria assim revestido por diversos universos sociais

relativamente autônomos, universos que representariam campos específicos onde se

produzem os capitais dos indivíduos e grupos sociais. Nesses campos os grupos formam

o habitus, produto de uma aquisição histórica, responsável por modelar suas práticas,

comportamentos e valores, atuando como um instrumento de distinção social. O habitus

apresenta-se, assim, como um componente fundamental na conformação do espaço

social urbano, estruturando as práticas socioespaciais e contribuindo para conservar a

ordem socialmente estabelecida. No pensamento de Bourdieu, observa-se a seguinte

definição de habitus:

Os habitus são princípios geradores de práticas distintas e distintivas – o que o operário come, e sobretudo sua maneira de comer, o esporte que pratica e sua maneira de praticá-lo, suas opiniões políticas e sua maneira de expressá-las diferem sistematicamente do consumo ou das atividades correspondentes do empresário industrial; mas são também esquemas classificatórios, princípios de classificação, princípios de visão e de divisão e gostos diferentes. Eles estabelecem as diferenças entre o que é bom e mau, entre o bem e o mal, entre o que é distinto e o que é vulgar, etc., mas elas não são as mesmas. Assim, por exemplo, o mesmo comportamento ou o mesmo bem pode parecer distinto para um, pretensioso ou ostentatório para outro e vulgar para um terceiro (2007, p.22).

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Do mesmo modo que as posições dos grupos são diferentes no espaço social,

assim o são os habitus. Contudo, destaca Bourdieu que o habitus, além de diferente, é

também diferenciador, operador de distinções, pondo em prática princípios. Conforme

sustenta Lemos: “O conceito de habitus em Pierre Bourdieu apóia-se nos princípios

geradores das práticas, ou seja, o habitus engloba a práxis e a prática social, condutas

sociais unificadoras, relacionais, distintas e distintivas de um determinado estilo de

vida; um conjunto unívoco de escolhas, pessoas, bens e práticas” (LEMOS, 2008,

p.117).

O habitus pode ser compreendido como uma estrutura que, incorporada nos

indivíduos e nos grupos, promove um sentido sobre o mundo social. Complementando

esta abordagem, considera-se, como Lemos, que: “O habitus possui uma dimensão

social que antecede o indivíduo, e uma dimensão individual, que exige um esforço de

internalização de códigos de comportamento” (2008, p. 127).

De forma a sistematizar a noção sobre as relações entre campo(s) e seus habitus

respectivos, é válido constatar que:

Para Bourdieu, o espaço total da sociedade é configurado por meio de diversos universos sociais relativamente autônomos, que são campos específicos onde se produz e se reconhece o capital simbólico dos diferentes indivíduos e grupos sociais. Esses campos, podem ser por exemplo: o da arte, da literatura e o acadêmico. Em cada um desses campos, os indivíduos formam um habitus, que corresponde à interiorização de comportamentos e valores (LEMOS, 2008, p.126).

Nesse âmbito, no interior de cada campo, em sua estrutura objetiva, os grupos

adquirem disposições as quais lhe possibilitam agir segundo seu habitus

correspondente. Consequentemente, o habitus do grupo que possui o maior acúmulo de

capital simbólico é o responsável por impor suas práticas sociais à ordem da sociedade.

Não se deve esquecer, no entanto, que essa imposição associa-se diretamente ao poder

simbólico já debatido, pois só se processa na medida em que se mostra reconhecida e

legitimada socialmente.

Assim, “(...) o espaço social e as diferenças que nele se desenham

espontaneamente tendem a funcionar simbolicamente como espaço dos estilos de vida

ou como conjunto de Stände, isto é, de grupos caracterizados por estilos de vida

diferentes (BOURDIEU, 2009, p.144).

Pierre Bourdieu afirma que, na luta pela imposição da visão legítima do mundo

social, os agentes dotam-se de um poder proporcional ao seu capital, em proporção

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ainda ao reconhecimento que recebem de outros grupos. Observa-se, portanto, uma

íntima relação entre os conceitos aqui elencados de campo (estruturas objetivas), poder

simbólico e habitus (estruturas incorporadas), fundamentais para aclarar o conteúdo do

espaço social23. Salienta-se neste contexto a importante passagem do autor em Razões

Práticas: sobre a teoria da ação: “O espaço social é a realidade primeira e última já que

comanda até as representações que os agentes sociais podem ter dele” (2007, p. 27).

O espaço social – realidade a qual Bourdieu chama de “invisível” – organiza as

representações e práticas dos diversos agentes que o constituem. Nesse contexto, é

essencial revelar que, na visão do sociólogo:

[...] se o mundo social, com suas divisões, é algo que os agentes sociais têm a fazer, a construir, individual e sobretudo coletivamente24, na cooperação e no conflito, resta que essas construções não se dão no vazio social, como parecem acreditar alguns etnometodólogos: a posição ocupada no espaço social, isto é, na estrutura de distribuição de diferentes tipos de capital, que também são armas, comanda as representações desse espaço e as tomadas de posição nas lutas para conservá-lo ou transformá-lo (2007, p.27).

A afirmação acima expressa a importância da posição dos agentes no sentido de

participar das regras constituintes da sociedade e, portanto, da formação de seu espaço

social produzido. Esse processo consolida-se a partir do campo de forças firmado a todo

instante entre os diversos acúmulos de capitais25 (simbólico, cultural, econômico, etc.) e

os variados habitus existentes. Esse campo de forças tem como guia central a

instauração do poder simbólico, que se faz legitimar no seio da construção espacial das

sociedades, assegurando a reprodução das mesmas. Por essa razão, considera-se então

que as estratégias dos diversos grupos (e seus respectivos habitus) na tentativa de fazer

valer seus projetos de cidade ou, no intuito se apropriar do espaço urbano, conjeturam

os conflitos em torno dos bens coletivos dispostos na dimensão espacial.

23 “De maneira mais geral, o espaço de posições sociais se retraduz em um espaço de tomadas de posição pela intermediação do espaço de disposições (ou do habitus); ou, em outros termos, ao sistema de separações diferenciais, que definem as diferentes posições nos dois sistemas principais do espaço social, corresponde um sistema de separações diferenciais nas propriedades dos agentes (ou de classes constituídas como agentes), isto é, em suas práticas e nos bens que possuem (BOURDIEU, 2007, p.21). 24 Grifos do autor. 25 Vale destacar a seguinte observação de Pierre Bourdieu: “Dado que o capital econômico e o capital cultural têm, nesse caso, um peso importante, o espaço social organiza-se de acordo com três dimensões fundamentais: na primeira dimensão, os agentes se distribuem de acordo com o volume global do capital possuído, aí incluídos todos os tipos; na segunda, de acordo com a estrutura desse capital, isto é, de acordo com o peso relativo do capital econômico e do capital cultural no conjunto de seu patrimônio; na terceira, de acordo com a evolução, no tempo, do volume e da estrutura de seu capital” (2007, p.30).

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Bourdieu descreve o espaço social global como um campo, ou seja, “como um

campo de forças, cuja necessidade se impõe aos agentes que nele se encontram

envolvidos, e como um campo de lutas, no interior do qual os agentes se enfrentam,

com meios e fins diferenciados conforme sua estrutura do campo de forças”. Isso

contribui para a conservação ou transformação de sua estrutura (2007, p. 50).

Por isso, relevante tarefa é desvelar e compreender o jogo de forças envolvido na

constituição do espaço social, explicitando as interações entre sociedade-espacialidade;

o arcabouço teórico-conceitual aqui exposto mostra-se elucidativo no reconhecimento

de tais interações.

O campo do poder, para Bourdieu, “é o espaço das relações de força entre os

diferentes tipos de capital ou, mais precisamente, entre os agentes suficientemente

providos de um dos diferentes tipos de capital para poderem dominar o campo

correspondente (...) (2007, p. 52).

Compreender a dialética entre sociedade e espaço, revelar os grupos, campos e

respectivos habitus é extremamente importante a fim de se entender a produção da

dinâmica espacial. Neste cenário, o reconhecimento e a legitimação do poder simbólico

mostram-se elementos fundamentais constituintes da dimensão política do espaço

social.

Desvendar a dimensão política do espaço social envolve a investigação de

projetos de cidade defendidos pelos diferentes grupos da sociedade. Estes projetos, por

sua vez, são passíveis de serem vislumbrados quando a atividade do planejamento

urbano é exercida. No cerne da atividade do planejamento encontram-se os planos

diretores, considerados, pelo presente estudo, o como um instrumento – não apenas

técnico, mas, sobretudo político – de gestão do espaço social.

Desse modo, a escolha dos autores aqui elencados permite sustentar a

investigação dos processos de elaboração de planos diretores, processos tais

considerados como um momento privilegiado em que projetos de cidade emergem, a

partir da correlação de forças de grupos os quais, associados aos seus respectivos

habitus, propõem intervenções no espaço social.

Portanto, com base no arcabouço teórico-conceitual demarcado ao longo deste

capítulo, ficam claros os conceitos e idéias-chave que elegemos a fim de subsidiar a

pesquisa sobre a construção do Plano Diretor Participativo do Município de Campos

dos Goytacazes, objeto específico da presente investigação. Rememora-se e reforça-se

então a idéia defendida por Henri Lefebvre de que o espaço é político; a noção de que

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há uma constante relação dialética entre sociedade e espaço e, ainda, de que o espaço

social é composto por diversos grupos com seus particulares habitus.

Neste cerne, a consideração de que o plano diretor expressa interesses e pressões

de grupos sociais em suas disputas por projetos de cidade, está alicerçada na idéia de

que a prática da gestão urbana é por excelência política, uma vez que envolve relações

de poder. Concorda-se com Vitte, quando a autora afirma que:

Nas cidades, então, ocorrem ações e estratégias de desenvolvimento implementadas por vários agentes, em especial o Estado. A análise acerca dessas estratégias permitem avaliar os impactos socioeconômicos e a materialização dessas estratégias no espaço, no ambiente construído, que resultam em alterações do conteúdo e do significado desses espaços (2005, p.232).

Em suma, o espaço social – campo de forças que tem como guia central a

instauração do poder simbólico – é uma realidade que organiza as práticas e

representações que os grupos possuem dele. É modelado politicamente, e suas

contradições apenas podem ser reveladas quando da compreensão da dialética interação

sociedade-espacialidade, remetendo-nos ao uso, apropriação e domínio das cidades.

Desvendar a feição política do planejamento urbano, situando o plano diretor

como instrumento elementar do mesmo, significa pôr em evidência disputas pelo espaço

social. Por isso, a história do planejamento urbano no Brasil e, principalmente a história

dos planos diretores, não pode ser dissociada da análise da dimensão sociopolítica do

espaço. Reforça-se neste estudo que os planos diretores representam um momento

importante do processo de produção do espaço, tendo, sobretudo, o político como

mediação. A partir dessas colocações, o próximo capítulo buscará então delinear a

trajetória percorrida pelos planos diretores na gestão do espaço social, tendo por foco o

caso específico da realidade brasileira.

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CAPÍTULO 2 - PLANEJAMENTO URBANO NO BRASIL: A TRAJETÓRIA

DOS PLANOS DIRETORES NA GESTÃO DO ESPAÇO SOCIAL

Partimos do pressuposto de que o plano urbano deve ser a

expressão democrática da sociedade, se se pretende combater a desigualdade. Muito papel foi gasto em torno do conceito de

planejamento participativo, sem que a essa produção abundante correspondesse uma prática efetiva de participação social.

Evitando encher mais folhas de papel com um tema que parece óbvio, digamos que sem a participação social a implementação

do plano se torna inviável e, ele mesmo, inaceitável ao tomar os moradores como objeto e não como sujeitos.

Ermínia Maricato In A cidade do pensamento único:

desmanchando consensos O presente capítulo tem por objetivo principal sistematizar a trajetória dos

Planos Diretores no âmbito da gestão do espaço social dos municípios brasileiros. O

arcabouço teórico-conceitual referenciado no capítulo anterior revela-se fundamental

neste momento por permitir compreender que, a história do planejamento urbano no

país – e, sobretudo a história dos planos diretores26 – não pode ser dissociada da análise

da dimensão sociopolítica do espaço. No entanto, vale ressaltar que este segundo

capítulo atribui maior enfoque à fase mais atual do planejamento urbano no Brasil, que

traz como figura central o Plano Diretor em seu viés participativo. Desse modo, a

dimensão da gestão democrática preconizada pelo Estatuto da Cidade – lei federal

10.257 do ano de 2001, apresenta-se como uma temática a ser elucidada nas páginas

seguintes.

Assim, mostra-se essencial compreender em que contexto emerge o discurso (e a

obrigatoriedade legal) da participação social no que tange à elaboração dos Planos

Diretores de caráter participativo no cenário nacional. Considera-se no presente estudo

que os planos diretores representam um momento importante do processo de produção

do espaço, tendo sobretudo o político como mediação. São os planos um instrumento

político, eleitos principalmente a partir da Constituição Federal de 1988 para ditar as

regras da expansão e desenvolvimento urbanos no país. Apesar de o presente capítulo

atribuir ênfase a trajetória dos planos no Brasil, será feita menção a momentos

26 Autores como Ana Maria de Sant’Ana já destacaram que: “(...) o planejamento urbano, em especial o Plano Diretor, por caracterizar-se como um instrumento da política de desenvolvimento urbano, é o procedimento inicial de toda e qualquer atividade urbanística” (2006, p.128).

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importantes da história dos mesmos em âmbito global, a título de complementar e

melhor fundamentar a análise.

2.1 – A TRAJETÓRIA DOS PLANOS DIRETORES: CONSIDERAÇÕES

ACERCA DA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

O processo de urbanização do território brasileiro27 caracterizou-se por sua

rápida velocidade e pela geração de desigualdades socioespaciais. Trata-se de um

processo que, concentrado sobretudo na segunda metade do século XX, coloca

frequentemente em discussão propostas de intervenção no espaço das cidades. De

acordo com Maricato, em 1940, a população urbana do país era cerca de 26,3% do total;

em 2000, chega a 81,2%, representando aproximadamente 140 milhões de pessoas

vivendo em cidades. Nas palavras da autora: “Trata-se de um gigantesco movimento de

construção de cidade, necessário para o assentamento residencial dessa população bem

como de suas necessidades de trabalho, abastecimento, transportes, saúde, energia,

água, etc.” (2002, p. 17).

Sabe-se que todas essas necessidades não conseguem ser atendidas, gerando

conflitos visíveis no cotidiano dos munícipes, conflitos tais materializados na paisagem

das cidades e responsáveis por apartar periferias de áreas centrais, estas com freqüência

mais valorizadas. Tal constatação pode ser referenciada nos argumentos de Loeb,

quando o autor argumenta que:

Graças a essa configuração, que se torna mais evidente à medida que o centro urbano cresce em importância econômica e portanto em força polarizadora, é justamente na periferia que se verificam as taxas mais baixas de investimentos em termos de serviços e estrutura urbana. Cria-se assim, um círculo fechado de investimentos nos núcleos centrais das áreas urbanas, nas quais estão concentrados os maiores proprietários e portanto os maiores benefícios (1987, p.140).

Deste modo, qualquer plano de reformulação da ocupação do solo urbano fica,

de acordo com Loeb, subordinado a pressões econômicas e políticas por parte dos

anseios de grandes proprietários, propiciando o direcionamento de recursos e melhorias

para áreas centrais, evitando a correção de problemas históricos no conjunto das

27 Para maiores detalhes sobre o processo de urbanização brasileira, ver SANTOS, M. A urbanização brasileira. 5. ed. São Paulo: EDUSP, 2005.

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cidades28. Logo, investigar o viés político do planejamento urbano, considerando o

plano diretor como instrumento elementar do mesmo, significa pôr em evidência

situações de conflito impressas no espaço da sociedade.

O planejamento urbano no Brasil, convocado a fim de solucionar os dilemas

socioespaciais oriundos da acelerada urbanização, tem tido como marca importante a

defesa de interesses hegemônicos em detrimento dos desejos e necessidades das

populações segregadas. A atividade de planejar o urbano passa ao longo nos anos por

diversos obstáculos – mas também avanços, deve-se salientar – evoluindo desde uma

base fortemente tecnocrática até uma nova fase que se propõe, ao menos legalmente,

mais atenta e respeitadora das necessidades locais a partir das quais é pensado e então

implementado.

Obviamente, desafios e impasses a um planejamento urbano coerente e próximo

às realidades dos munícipes sempre foram visíveis, dada a dimensão política dos planos

urbanos, os quais não possuem apenas a esfera técnica a ser considerada. Na visão de

Loeb, as opções que se apresentam no campo político são fundamentais para qualquer

orientação técnica da atividade do planejamento. Ao referir-se às análises de Jaguaribe,

em seu trabalho intitulado Desenvolvimento Econômico e Organização Política, reforça

o autor:

De todas as circunstâncias externas ao plano de que depende sua vigência, as mais relevantes são as políticas, no sentido amplo do termo, sendo também estas as que mais facilmente se alteram. Quanto mais subdesenvolvida uma comunidade, mais necessitada se acha de programar seu desenvolvimento e mais sujeita a que se alterem as circunstâncias políticas de que depende a vigência do plano (JAGUARIBE apud LOEB, 1987, p.144).

Ao debater sobre os caminhos percorridos pelo planejamento urbano no Brasil,

as autoras Araújo & Silva argumentam que:

O planejamento urbano é apontado geralmente como o antídoto para o caos urbano, pois pode propiciar uma ação consciente no processo de desenvolvimento. Essa ação será tanto mais eficaz quanto mais estiver apoiada em realidades inerentes aos desejos e padrões da qualidade de vida dos cidadãos e aos recursos socioeconômicos e jurídicos à disposição do administrador público (2003, p. 58).

28 Vale destacar, como o faz Loeb que: “Só quando a concentração urbana se torna excessiva, a ponto de tornar a circulação no centro quase impossível, e muito alto o nível de investimentos para a viabilidade de sua ocupação, é que se pode verificar um deslocamento desse centro para áreas ainda não tão valorizadas, mas que deverão sofrer o mesmo processo circular” (1987, p.140).

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As transformações na dinâmica urbana, a reorganização da administração

pública, as mudanças nas normativas da participação política, aliadas às próprias

reconfigurações territoriais e produtivas certamente impactam nos caminhos a serem

seguidos pelo planejamento urbano em caráter nacional. Simultaneamente à atualização

das técnicas que se processa a fim de intervir no espaço, contradições e visões

fragmentadas continuam contribuindo para fragilizar ações importantes à inclusão

socioespacial das populações. Essas constatações permitem-nos um enlace com as

idéias lefebvrianas a partir das quais se visualiza o caráter político do espaço social. Do

mesmo modo, quando nos remetemos à idéia de que visões parcelares dificultam a

inclusão socioespacial, concordamos com a abordagem do sociólogo Bourdieu, ao

atentar para o espaço social enquanto um campo de forças, em que diferentes habitus

são impressos na luta pelo controle espacial.

Dessa maneira, entender como os planos diretores vêm sendo norteados ao longo

do tempo faz-se tarefa de suma relevância, não olvidando que, como especificidade da

situação brasileira, encontram-se as desigualdades históricas (concentração de renda,

patrimonialismo, ausência de cultura de participação social, etc.) que perpassam a

evolução da urbanização no país.

O arranjo cronológico dos planos diretores aqui traçado explicitará que há certo

consenso entre diversos autores no que tange aos períodos mais relevantes na história

dos planos no Brasil: trata-se do contexto da Carta Magna de 1988 e, posteriormente – e

em complemento a artigos da Constituição Cidadã – do Estatuto da Cidade, lei federal

de 2001. Nas linhas seguintes buscar-se-á delinear esse arranjo temporal no cenário

nacional, não deixando porém de relembrar as principais características dos planos em

âmbito global, numa espécie de panorama mundo - Brasil.

Autores como Campos & Nascimento sistematizaram o histórico dos planos

diretores no Brasil estabelecendo contextualizações que tornam mais elucidativo o

entendimento da evolução de tais instrumentos e assim o cumprimento de nosso

objetivo no sentido de visualizar a trajetória dos mesmos.

Por sua vez, permitindo complementar o panorama mundo-Brasil proposto, as

análises de Jean-Pierre Lecoin mostram-se válidas, à medida que delimitam e sintetizam

três grandes períodos pelos quais passam os planos no cenário global, a saber: final do

século XIX até meados do século XX; um segundo momento entre as décadas de 1950 e

1970; e o período que perpassa os anos de 1980 e 1990.

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Destaca Lecoin ao longo de sua exposição29 a íntima relação entre o conteúdo

dos planos diretores e a época em que eram pensados e implementados. Suas análises

serão referenciadas apenas para complementar as considerações acerca do contexto

brasileiro, numa noção vinculada aos ditames do planejamento observados na maior

parte dos países.

O primeiro ciclo de planos diretores delineado por Lecoin retrata o contexto

histórico de finais do século XIX até meados do século seguinte, sobretudo até a

Segunda Guerra Mundial. No período em questão, alguns planos são formulados para as

maiores cidades do mundo, tendo como cenário a ser mencionado a arrancada do

processo de industrialização, acompanhado de crescimentos demográfico e urbano em

muitos países.

Concebidos neste meio, os primeiros planos diretores eram ainda pouco

numerosos e traziam como marca fundamental os nomes dos urbanistas que os

idealizavam, deixando sobressair o caráter personalista do modelo de planejamento

vigente. O principal conteúdo observado estava associado ao desenvolvimento de uma

“cidade futura”, mediante projetos de construção de avenidas e vias dotadas de maior

capacidade de tráfego nas cidades.

Destacam-se, para ilustrar tal fase, planos como: Plano Saint Juste, em Roma,

1908; Plano Abercrombrie, em Londres, 1939 e Plano Prost-Dautry, na França, em

1939. Apesar de os principais planos terem sido observados nas cidades mais destacadas

da época, outros puderam ser notados tais como: Plano Agache no Rio de Janeiro30, em

1928, além de alguns pela Ásia, Oriente Próximo e África (LECOIN, 2002, s./p.).

Araújo & Silva permitem complementar o raciocínio exposto por Lecoin, na

medida em que, ao sistematizarem a história do planejamento urbano pelo mundo,

argumentam:

29 Em seu texto Como deverá ser o planejamento urbano do século XXI? Parte II, 2002. Publicado originalmente no Cahiers de l'Institut d'Amenagement et d'Urbanisme de la Region d'Ile-de France, nº 104-105, agosto de 1993, p. 7-33.30 Um número significativo de trabalhos sobre o Plano Agache no Rio de Janeiro pode ser encontrado, por isso não será o mesmo aqui detalhado. Em síntese, de acordo com informações disponíveis no sítio da Secretaria Municipal de Urbanismo do Rio de Janeiro, o Plano Agache “buscava embelezar a cidade e criava diversas regras para as edificações e para a ocupação ordenada dos espaços, separando áreas para moradia, comércio ou indústrias. Por esta época surgem ainda os primeiros regulamentos para as construções de prédios (os arranha-céus), pois a nova tecnologia do concreto armado começava a ser utilizada. O primeiro grande código de obras, que reunia todas as regras para as construções e a ocupação da cidade foi editado a partir deste plano, em 1937 e, ainda hoje, influencia a legislação urbanística” (SMU, 2010, s./p.).

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Na segunda metade do século XIX, época que marcou esse intenso crescimento urbano, o desarranjo das cidades passou a exigir novos meios de controle que garantissem uma gestão mais eficiente. Da busca desses meios emergiu o planejamento, como o conjunto de recursos que permite compreender os diferentes fenômenos que contribuem para modificar a cidade ou que interferem em seu desenvolvimento, visando estabelecer seu “projeto ideal” e o controle de seu futuro. Mas no século XX surgiu o planejamento urbano e regional sobre uma base codificada e profissionalizada, ou seja, uma forma de o Estado manter o controle sobre a cidade (2003, p. 59).

Ainda em referência ao período em questão, Marques reforça que, embora

transformações importantes no campo do planejamento só tivessem sido processadas de

forma mais enfática nas primeiras décadas do século XX – com a emergência do

urbanismo moderno – suas características vinham sendo gestadas em finais do século

XIX. Afirma o autor que:

As últimas décadas do século XIX e as primeiras do XX representam um período de transformação dos saberes que tem a cidade como objeto. A idéia de problemas urbanos associada aos problemas sociais típicos das aglomerações – alcoolismo, prostituição, falta de moradia, etc. – passaram gradativamente a ser tematizados no âmbito de um problemática maior, autônoma e particular: a questão urbana. A este lento deslocamento no campo das idéias correspondeu um outro no campo das técnicas de intervenção, que passaram da ação estatal sobre as habitações operarias e as construções para as intervenções totalizantes sobre o espaço da cidade.

No que concerne à experiência brasileira, aqui nosso foco, vale ressaltar as

principais características observadas, sobretudo a partir do século XX, quando começa a

expressar mais força o planejamento de cidades no país. Grande parte da literatura que

versa sobre a trajetória de planos diretores no Brasil atribui importância significativa aos

capítulos destinados à Política Urbana da Constituição Federal de 1988 e,

posteriormente, aos ditames trazidos pelo Estatuto da Cidade no ano de 2001. É válido

retratar, no entanto, alguns aspectos precedentes a ambos os marcos referenciados pela

maioria dos autores, diante do quadro mundial expresso ao longo do capítulo.

Na linha histórica apresentada por Campos & Nascimento, constata-se que de

meados da década de 1930 ao final da década de 1980, a legislação federal havia criado

alguns instrumentos de ordenação das áreas urbanas, contudo, o que apresentavam em

comum era a visão limitada de planejamento e meio ambiente. Geralmente, a ação

legislativa dos municípios restringia-se a tarefas tais como delimitação de perímetros

urbanos, aprovação de código de obras e postura, dentre outras temáticas.

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Ana Maria de Sant’Ana, ao traçar uma cronologia para os planos diretores do

Brasil, remonta à década de 1930, evidenciando as principais preocupações e objetivos

impressos nos instrumentos desse período. Em suas análises, observa a autora que os

planos de então preocupavam-se com temas tais como saneamento básico, abertura de

estradas e traçados urbanísticos estéticos do local.

Maricato também avalia aspectos referentes aos modelos de planejamento

adotados ao longo dos anos no país. No que compete as décadas de 1930 e 1940,

salienta a autora o caráter de embelezamento visível nos planos elaborados, caráter este

seguido de preocupações com a infra-estrutura urbana, notadamente circulação e

saneamento. A partir de leituras de Villaça, aponta Maricato que “foi sob a égide do

embelezamento que nasceu o planejamento urbano brasileiro. A inspiração era

fundamentalmente européia e mais marcadamente francesa” (2009, p.137).

Algumas mudanças começam a se processar a partir de meados da década de

1930, quando a burguesia urbano-industrial passa a edificar hegemonia em caráter

nacional. Para Maricato, fatores como a ciência, a eficiência e a técnica começam a

despontar frente aos conceitos de embelezamento e melhoramento. A cidade voltada

para o processo produtivo precisa ser eficaz. No entanto, nos argumentos da autora,

problematiza-se que:

[...] é justamente nesse momento que tem início um período de inconseqüência e inutilidade da maioria dos planos elaborados no Brasil. De um lado estava dada a impossibilidade de ignorar os “problemas urbanos”, de outro a impossibilidade de dedicar o orçamento público apenas às obras, especialmente às obras viárias, vinculadas à lógica do capital imobiliário, de maneira aberta ao debate, sem sofrer críticas. Quando a preocupação social surge no texto, o plano não é mais cumprido. Ele se transforma no plano-discurso, no plano que esconde ao invés de mostrar (2009, p.138).

Diante dessa problemática, na tentativa de fugir ao descrédito dos planos não

implantados, variadas denominações surgiam, que não somente a de Plano Diretor:

Planejamento Integrado, Plano Urbanístico Básico, Plano Municipal de

Desenvolvimento, dentre outras variações.

Nesse contexto, revela Araújo, ao relembrar os fatos marcantes do Brasil à época

que:

Na fase que antecederia o Estado Novo, regime ditatorial que duraria até meados da década seguinte (1937-1945), o processo de

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esvaziamento do poder oligárquico ocorreria ao mesmo tempo em que novos atores sociais seriam introduzidos no cenário urbano, como a Igreja, os militares, os intelectuais, os empresários e os trabalhadores (SILVA, 1995, p.20 apud Araújo, 2005, p. 29).

A autora evidencia ainda que, no início dos anos 1940, as discussões acerca das

questões urbanas começariam a englobar temas habitacionais. “Por outro lado, o

ordenamento das infra-estruturas diretamente necessárias à produção passaria a ter um

lugar importante no discurso planificador, ampliando sua ação para o sistema viário e o

transporte coletivo” (ARAÚJO, 2005, p.29). A intervenção do Estado ampliar-se-ia

sobre a cidade, congregando mais áreas ao tecido urbano via obras públicas e

investimentos31.

No que tange aos anos 1940, Sant’Ana utiliza exemplos do Rio Grande do Sul e

São Paulo com o intuito de exprimir as principais feições dos planos existentes à época.

Em suas palavras, nesta década “surgem as primeiras experiências de Planos Diretores

elaborados pelo Governo do Rio Grande do Sul. Posteriormente, no âmbito do Centro

de Pesquisas e Estudos Urbanísticos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São

Paulo32, desenvolveram-se estudos mais profundos sobre o planejamento urbano”

(2006, p.128-129).

Roberto Monte-Mór permite aprofundar as análises de Sant’Ana, ao atentar para

o exemplo do Rio Grande do Sul. Em seus argumentos:

Foram produzidos, no período de 1939 a 1945, dez “planos diretores”, os quais evidenciavam a preocupação em incluir novos aspectos no planejamento das cidades. Em 1947, surgiu o Curso de Urbanismo da Escola de Belas Artes de Porto Alegre, que vem reforçar essa atividade. Com este movimento, advém uma mensagem renovadora do urbanismo, expressa através dos “planos diretores”. Apesar de restritos à área físico-urbanística, devem ser ressaltadas as suas preocupações com o processo de planejamento, a assistência permanente e as medidas visando à implantação gradual e efetiva dos trabalhos (MONTE-MÓR, 2008, p.43).

31 No período em questão “novas avenidas foram abertas em São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro, permitindo a circulação de pessoas e mercadorias, preparando o espaço urbano para a nova fase da industrialização que se daria a partir dos anos 1950 (LEME, 1999, p.31 apud ARAÚJO, 2005, p.29). Estas obras, no caso do Rio de Janeiro, transformaram radicalmente a estrutura urbana, ocasionando a destruição de inúmeras moradias populares, o que viria a deflagrar uma forte crise habitacional e a conseqüente multiplicação das favelas” (RIBEIRO, 1997, p.257 apud ARAÚJO, 2005, p.29). 32Em relação a este caso, especificamente, Sant’Ana lembra que em 1967 institui-se pelo governo estadual de São Paulo o CEPAM – Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal – que depois passa a denominar-se Fundação Prefeito Faria Lima. Tal órgão, com apoio do SERFHAU – Serviço Federal de Habitação e Urbanismo, passa a ter por campo de intervenção aspectos não apenas físicos, mas também econômicos, sociais e institucionais, sendo conhecidos como planos integrados (2006, p.129).

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Retomando o panorama mundial, o segundo momento referenciado por Lecoin

traz como destaque as décadas de 50, 60 e 70 do século XX. O planejamento de cidades

inseria-se na conjuntura da ordem bipolar da Guerra Fria, caracterizada pela divisão

geopolítica do mundo em duas áreas de influência, capitalista (EUA) e socialista

(URSS).

O crescimento demográfico elevado, sobretudo em países considerados

subdesenvolvidos despontava como questão crucial a ser contemplada, impactando no

espaço das cidades e refletindo-se, portanto, na elaboração dos planos. De acordo com o

autor, trata-se de aspectos que vão influenciar os planos: “aceleração muito forte do

crescimento demográfico, grande desenvolvimento econômico do hemisfério norte, a

descolonização, e a formação dos blocos Leste e Oeste” (LECOIN, 2002, s./p.).

Dessa forma, o planejamento levava em conta a dinâmica urbana (com destaque

para a previsão do crescimento populacional), trabalhando com temas tais como: êxodo

rural, moradia, saneamento, transportes, etc. Destaque merece ser atribuído ao alicerce

das novas tecnologias operacionais (fotografia aérea, por exemplo), capazes de

representar cartograficamente o ambiente urbano sobre o qual atuavam.

Essa ocasião caracteriza o auge dos planos diretores, vistos como caminho para

o século posterior. Nas palavras de Lecoin: “Os Planos Diretores para grandes cidades

passam a ser contados às centenas. Grandes cidades que não os tiveram são exceção. É a

época de apogeu dos Planos Diretores, considerados como o passaporte indispensável

para a modernidade e o século XXI” (2002, s./p.).

Do período em questão sistematizado por Lecoin, Campos & Nascimento

extraem os pontos mais relevantes aplicados à situação brasileira. Desse modo, julgam

ser relevante trazer à memória do planejamento urbano no Brasil aspectos fundamentais

ocorridos durante o período militar33, influenciado pela conjuntura da bipolaridade

mundial apontada por Lecoin.

Salientam que, até o regime militar, iniciado em 1964, o espaço urbano nacional

era encarado como objeto isolado, fato este que colaborava para promover a

“segregação e concentrar investimentos nos setores espaciais destinados ao uso da

burguesia urbana” (CAMPOS & NASCIMENTO, 2006, p. 5).

33 É importante evidenciar que, a partir da década de 1960 – portanto perpassando o período da ditadura militar – mobilizações sociais engajadas na luta pela reforma urbana começavam a se processar no Brasil. Essas mobilizações, condensadas no que ficou conhecido como o Movimento Nacional pela Reforma Urbana, MNRU, merecem destaque especial no presente estudo e, por este motivo, optou-se por abordá-lo em um item a parte, a fim de tornar mais organizada a exposição das idéias para o leitor.

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Na mesma linha de raciocínio, Monte-Mór relata que:

Até 1964, o planejamento do espaço urbano continuaria sendo encarado pelo governo federal como “artigo de luxo”, reservado aos grandes projetos políticos, onde o caráter nobre do empreendimento exigia um toque artístico e uma funcionalidade técnica compatíveis com a grandeza da obra (2008, p.45).

Segundo Maricato, nos anos 1960 alguns “superplanos” foram produzidos no

país, fortemente detalhados, com diretrizes para vários níveis de governo.

Exemplificando, afirma que:

Um deles, para o Rio de Janeiro, foi elaborado por um escritório grego liderado pelo urbanista Dioxiadis, tendo sido redigido e impresso em Atenas, e entregue ao governador em inglês. O PUB – Plano Urbanístico Básico de São Paulo (1969) – foi elaborado por um consórcio de escritórios brasileiros e norte-americanos. Segundo Villaça, suas 3.500 páginas foram do consórcio diretamente para as gavetas da Secretaria Municipal de Planejamento, onde permaneceram (2009, p.138).

A partir de 196434, o Governo Federal assume a tarefa de planejar as cidades do

país e, de acordo com Campos & Nascimento:

Para tanto, cria o Banco Nacional de Habitação (BNH) e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU). Entretanto, a política de planejamento urbano não mudou muito, continuando a cometer os mesmo erros do período anterior, como desconsiderar fatores tipo a localização da cidade no território brasileiro, escalas demográficas, recursos financeiros ou humanos, etc. (2006, p. 6).

Por sua vez, reforça Araújo em seus estudos acerca do período que se inaugura a

partir de 1964 no país que:

[...] com a instauração do regime militar no país, o governo federal acumulou o poder de decisão e reduziu a autonomia de estados e municípios. A política urbana foi centralizada e construiu-se a idéia de um sistema nacional de planejamento a partir do SERFHAU – Serviço Nacional de Habitação e Urbanismo; do CNDU – Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano; e do BNH – Banco Nacional de

34 De acordo com Ermínia Maricato, foi durante o regime militar que a atividade de planejamento urbano mais se desenvolveu no Brasil. “As diretrizes foram dadas pela PNDU – Política Nacional de Desenvolvimento Urbano. Prevista no II PND – Plano Nacional de Desenvolvimento, elaborado para o governo do general Ernesto Geisel, em 1973. Dois órgãos federais se tornaram implementadores dessa proposta: a SAREM – Secretaria de Articulação entre Estados e Municípios e o SERFHAU – Serviço Federal de Habitação e Urbanismo” (2009, p.138-139).

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Habitação; cuja atuação se daria até os anos 1980. Em um quadro de uma conjuntura política marcadamente autoritária, produziu-se uma “tecnificação” dos problemas urbanos, com sua conseqüente “despolitização” (RIBEIRO; CARDOSO, 1996, p.69 apud ARAÚJO, 2005, p.31).

Para Monte-Mór, com a criação do BNH, foram dados os primeiros passos para

o que denomina o autor de “institucionalização do planejamento urbano no Brasil,

através de mecanismos assumidos pela esfera federal de governo” (2008, p.46).

Entretanto, malgrado as medidas institucionais caminharem no sentido de maior

integração da atuação do Estado frente aos dilemas urbanos – rumo a uma política

urbana nacional – notaram-se dicotomias nas ações governamentais. Segundo análises

de Monte-Mór: “(...) o BNH e o SERFHAU tomariam caminhos diversos em suas ações

quanto ao desenvolvimento urbano” (2008, p.47).

Um dos mais significativos problemas urbanos do período – o da habitação

popular – não conseguia ser solucionado onde mais crítico era. Conforme demonstra

Monte-Mór, descobriu-se que a população pobre brasileira não tinha renda para ter

casas; tampouco foram equacionados os problemas urbanos explicitados quase como

consequência da política habitacional vigente. Nas palavras do autor:

Na verdade, ao contrário, a atuação do BNH veio apenas agravar dois problemas fundamentais das grandes cidades brasileiras: a supervalorização da terra urbana (e imóveis), gerando (e sendo gerada pela) especulação imobiliária, e o seu corolário, o processo de expansão periférica das cidades, de densidade rarefeita e “marginal” ao processo urbanizador (2008, p.49).

É somente em meados de 1970 que as municipalidades novamente conseguem a

iniciativa de elaborar seus planos (até pela extinção do próprio SERFHAU35), contudo

pouquíssimos foram os administradores municipais cuja atenção e preocupações

voltassem-se para isso. Uma quantidade considerável de planos diretores foi criada

nesse período, porém o grande problema era a falta de engajamento dos especialistas

que os elaboravam, distantes da realidade sociocultural local – fato que ainda hoje se

repete. A população não era ouvida, e segundo Maricato, às vezes nem mesmo os

técnicos municipais o eram (2009, p.139). É fundamental evidenciar que no período em

questão, de acordo com Maricato:

35 De acordo com Marco Aurélio Costa, o SERFHAU – Serviço Nacional de Habitação e Urbanismo – foi posteriormente substituído pelo Conselho Nacional de Política Urbana – CNPU, que, depois, teve sua denominação modificada para Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU (2008, p. 168).

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Escritórios técnicos de consultoria e planejamento se multiplicaram. Álibi ou convicção positivista, o planejamento foi tomado como solução para o “caos urbano” e o “crescimento descontrolado”. Essas idéias dissimulavam os conflitos e os reais motores desse “caos” (2009, p.139).

Campos & Nascimento elegem ainda como realce para o período da ditadura a

aprovação da Lei Federal 6.766 em 1979, que trata do parcelamento do solo urbano.

Ressaltam sobre este item que: “Ainda orientava ações dessa natureza a Legislação de

proteção ao patrimônio cultural e a Legislação Ambiental, essa última com uma visão

muito mais voltada para a flora e fauna que para os ecossistemas urbanos, fonte dos

maiores impactos ao ambiente” (2006, p.2).

Observa-se pelos aspectos anteriormente relembrados que se tratam, portanto, de

destaques que os autores realizam para o período pré-Carta Magna de 1988, ano a partir

do qual a questão urbana toma forma legal definida no país, atribuindo maior grau de

autonomia aos municípios, cuja tarefa de gerir o local passa a ser realizada com maior

liberdade36. Nas argumentações dos referidos autores, é válido reforçar que:

Até a Constituição Cidadã, a articulação em termos de planejamento urbano, conforme Bayer (1977), consistia em programas aos quais somente os estados e municípios que tivessem condições de obter financiamentos para projetos específicos poderiam participar. De acordo com Neto apud Bayer (1977, p.34), a Constituição de 1967 e a de 1969 não se preocupavam com um dos mais significativos e aflitivos problemas do século XX, o urbanismo e sua devida legislação (CAMPOS & NASCIMENTO, 2006, p.2).

Finalmente, chega-se ao terceiro período elucidado por Lecoin na

contextualização mundial dos planos diretores. Entre os anos 1980 e 1990, momento de

instabilidade no mercado financeiro, desaceleração do ritmo de crescimento

demográfico, fim da Guerra Fria e acentuação do fenômeno da globalização, os Planos

são marcados pela busca de metas a curto e médio prazos, diferenciando o horizonte

temporal segundo suas intenções. Com um caráter mais dinâmico, percebe-se que esses

planos preconizavam objetivos que levassem a ações mais realistas e imediatas. Para

Lecoin:

36Em complemento, afirmam Campos e Nascimento que: “A constituição de 1988 veio esclarecer também muitos outros pontos antes não abordados ou controversos, passando a partir desse ponto a existir um novo direito coletivo, o direito ao planejamento urbano (2006, p.2).

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Uma das características mais interessantes desses planos, ainda que pouco utilizada, consiste em diferenciar os prazos, segundo os objetivos e a tipologia das ações consideradas. Assim, por exemplo, um mesmo Plano Diretor pode comportar, simultaneamente, objetivos de curto prazo, para a produção de casas, e de médio prazo para a melhoria das condições de transporte, do meio ambiente, da forma urbana, do funcionamento da cidade, e das interações e compatibilidades necessárias entre essas diferentes metas (LECOIN, 2002, s./p.).

Apesar de não detalhar o momento pós-80, Lecoin, bem como Campos &

Nascimento apontam que a partir de então já se nota a incorporação de outras

preocupações ao Plano Diretor, refletindo de forma mais enfática as problemáticas

sócio-urbanas. Destacam-se então projetos ligados à preservação ambiental, recuperação

de zonas centrais, otimização do espaço, dentre outros temas que afligem as cidades

(CAMPOS & NASCIMENTO, 2006, p. 5).

Considera-se no presente estudo que a década de 1980, no caso da

especificidade brasileira, exige uma análise mais detalhada, por tratar-se de um período

marcante na trajetória dos planos diretores em âmbito nacional. Representou esta década

um marco não apenas pela promulgação da Carta Magna de 1988, mas também por

reavivar o movimento de luta pela reforma urbana no país, que se expressava desde os

anos 60. Concorda-se com Marco Aurélio Costa, quando o mesmo argumenta:

A Constituição Federal de 1988, resultante, em diversas de suas passagens, da pressão e das lutas dos movimentos sociais, como exemplifica o Movimento Nacional pela Reforma Urbana – MNRU, vem propor, então, a construção de uma nova sociedade democrática, para a qual contribuem os princípios da descentralização político-administrativa e da valorização da participação social no planejamento e na gestão públicos (2008, p.152).

Logo, tendo como base a conjuntura internacional abordada por Lecoin,

esboçam-se no item seguinte os principais aspectos relacionados ao planejamento

urbano no Brasil derivados dos ditames legais da Constituição Federal de 1988, que

incorporou em seu texto aspectos relevantes da luta pela reforma do urbano nacional.

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2.2 – A LUTA PELA REFORMA URBANA E A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ DE

1988: IMPLICAÇÕES NO PLANEJAMENTO URBANO DO PAÍS

Desde o início da década de 1960 já se podia observar no Brasil a busca por um

novo direcionamento de suas questões urbanas. O ano de 1963 é lembrado por diversos

autores que tratam das problemáticas urbanas no país por representar um marco. Nesta

data, foi realizado o Seminário Nacional de Habitação e Reforma Urbana37, num

contexto histórico de considerável mobilização da sociedade civil e de discussões das

grandes reformas sociais nacionais: da educação, saúde, agrária, dentre outras. Segundo

Marcelo Lopes de Souza, é importante ressaltar que:

O ano de 1963 foi particularmente importante. Naquele ano o Presidente da República, João Goulart, enviou uma mensagem ao Congresso sobre o tema da habitação e da reforma urbana, e em julho do mesmo ano o IAB e o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE) promoveram, no Rio (na verdade, em Petrópolis, no Hotel Quitandinha) e em São Paulo um seminário, que teve por título, precisamente, Habitação e Reforma Urbana (2006a, p.214).

A referida data permite delinear a gênese do ideário da reforma urbana no país,

num período no qual mobilizações em torno de questões como a reforma agrária

avolumavam-se, ganhando maior visibilidade perante a sociedade. A proposta elaborada

durante o evento previa – aqui sintetizando – a implantação da gestão democrática da

cidade; melhoria da eficiência e eficácia da política urbana; introdução de instrumentos

que objetivassem a regulação do solo urbano (imposto progressivo sobre a propriedade,

solo criado, usucapião especial urbano, etc.); municipalização da política urbana, dentre

outras medidas.

Aguiar, ao citar Adauto Lúcio Cardoso, esclarece que a proposta encaminhada

pelo Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU): “procurou se centralizar

37 Maricato destaca acerca do evento: “Para fazer justiça aos arquitetos e outros profissionais ligados à questão urbana, é preciso reconhecer que, em 1963, setores organizados da sociedade (poucos), liderados por esses profissionais, ousaram elaborar uma proposta modernizadora e democrática para as cidades no Brasil. A proposta de Reforma Urbana foi lançada no Congresso do IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil, que teve lugar naquele ano em Petrópolis (2009, p.144). Por sua vez, acrescenta Souza que participaram do seminário: “cerca de duas centenas de pessoas, na sua grande maioria profissionais vinculados ao planejamento e à gestão urbanos (arquitetos, economistas e outros), além de alguns estudantes e, também, oito deputados (incluindo nomes de relevo como Franco Montoro, Almino Afonso e Rubens Paiva, este último assassinado durante o Regime Militar que se instalou no ano seguinte). O próprio Presidente da República, João Goulart, foi o presidente de honra do evento” (2006, p. 215).

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principalmente nos chamados direitos urbanos, portanto ligados diretamente ao papel do

Estado como esfera responsável pela reprodução social, além da defesa de uma nova

concepção de democracia que incorpora a participação popular na gestão da cidade”

(CARDOSO, 2003, p. 31 apud AGUIAR, 2008, p.63).

No entanto, como já foi mencionado em linhas anteriores deste trabalho, o

período em destaque antecederia ao golpe militar de 1964, cujas conseqüências

implicariam de forma incisiva no caminhar das questões ligadas à urbanização do país.

Desse modo, assim como as demais propostas de “reformas de base” lançadas à época, a

proposta de reforma urbana – que pretendia incluir a habitação e a cidade também como

temas das “reformas de base” – é repreendida38 e, nas palavras de Souza, entra numa

espécie de “hibernação” (2006a, p.216). Relembra o autor que:

Pouco menos de um ano após a realização do evento, caía o governo de João Goulart, derrubado pelo golpe militar de 31 de março de 1964. A partir daí, teve início uma fase de repressão desencadeada contra os movimentos sociais, partidos de esquerda e qualquer coisa que cheirasse a “subversão comunista”, tremendamente agravada com a promulgação do famigerado Ato Institucional n° 5 (AI-5), em dezembro de 1968, que atentava contra os direitos civis e políticos dos brasileiros (...) (2006a, p.215).

Neste ínterim, os problemas urbanos intensificavam-se e a população do Brasil

passava a viver predominantemente em cidades. Fenômenos como o êxodo rural

deslanchavam e o déficit habitacional, acompanhado de grande carência de infra-

estrutura urbana processavam-se a proporções nunca vistas no país. Em meados da

década de 1970 manifestações sociais surgiam em decorrência da exclusão propiciada

pelo então “milagre econômico”, realizado às custas de repressão política. O momento e

o contexto revelavam-se como ideais para que a luta pela reforma urbana fosse

reavivada ainda com mais intensidade do que na década anterior. Ratifica Souza que:

“As ‘condições objetivas’ para o ressurgimento, com ainda mais força, da luta pela

reforma urbana, estavam dadas” (2006a, p.216).

38 Marcelo Lopes de Souza registra uma importante situação referente ao período militar, que aqui cabe rememorar: “(...) a despeito da repressão, o regime militar não se furtou, por pragmatismo ‘apaziguador’ e visando à cooptação das massas urbanas, a aproveitar as idéias gestadas no período anterior, adulterando-as e, logicamente, pinçando-as de seu contexto. Assim foi com a criação do Banco Nacional de Habitação, ainda em 1964. Também a criação da Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana, a CNPU, dez anos mais tarde, no início do governo do General Geisel, foi uma tentativa de dar uma resposta, ‘pela direita’, à problemática para cujo enfrentamento o seminário de 1963 procurou, ‘pela esquerda’, colaborar” (2006, p.216).

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Nessa linha de raciocínio, complementa Aguiar:

A década de 70, em virtude do quadro caótico e de intensas desigualdades sociais e de deterioração da qualidade de vida decorrentes do modelo econômico implantado pelo regime autoritário, conduziu a uma valorização política da questão urbana, refletida no crescimento e na mobilização de movimentos sociais em torno da luta pela melhoria de suas condições urbanas de vida. Diversos movimentos formados de favelados, inquilinos, mutuários, posseiros, entre outros, uniram-se a entidades de assessoria e entidades representativas de grupos técnicos vinculadas à problemática urbana. O ponto que assegurou identidade a esses movimentos foi o fato de terem como bandeira de luta a defesa em torno do tema da reforma urbana (2008, p.62).

Em 1979, o Congresso aprovou a lei 6.766 – já mencionada no item anterior

deste estudo – que estabelece as diretrizes para o parcelamento do solo e penaliza o

promotor de loteamentos ilegais, após dez anos de sua tramitação. Em 1983, o próprio

governo militar, destaca Maricato, envia ao Congresso Nacional o projeto de lei do

Desenvolvimento Urbano, PL 775/83, iniciando assim a saga do Estatuto da Cidade39.

Recorda a autora que diversos acontecimentos viriam a acontecer entre essa primeira

versão da lei do Desenvolvimento Urbano e a aprovação efetiva do Estatuto da Cidade,

em 2001 (MARICATO, 2002, p.99).

Com o fim da ditadura militar e a redemocratização do país, em 1985, novas

discussões eram colocadas em pauta, uma das mais importantes a concernente à

necessidade de uma nova Constituição40 para o Brasil. Condições políticas e legais

passavam a surgir, favorecendo as discussões em torno da reforma urbana. O diferencial

neste cenário que se punha, era o fato de haver uma abertura, pelo Congresso Nacional,

para que a sociedade civil apresentasse propostas de artigos – emendas populares – para

a Nova Constituição, desde que respeitados preceitos jurídicos.

Em 1987 funda-se o FNRU – Fórum Nacional da Reforma Urbana41 – expressão

do Movimento Nacional pela Reforma Urbana que vinha se consolidando desde décadas

anteriores, malgrado os impasses a ele existentes. Este Fórum tem sido protagonista em

39 A conquista do Estatuto da Cidade será abordada em item posterior, devido à sua relevância para este estudo. 40 Não é objeto do presente estudo detalhar o histórico de elaboração da Carta Magna de 1988, mas apenas trazer aspectos ligados à política urbana contemplados nesta nova Constituição. 41 O papel do FNRU desde então tem sido fundamental diante do movimento social pela reforma urbana. O Fórum, segundo Santos Junior: (...) é uma coalizão de organizações que reúne movimentos populares, organizações não-governamentais, associações de classe, e instituições acadêmicas e de pesquisa em torno da defesa da reforma urbana, da gestão democrática e da promoção do direito à cidade” (2008, p.139).

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importantes fatos da história urbana do Brasil. Foi justamente neste ano que a Emenda

Popular da Reforma Urbana apresentou-se à Assembléia Nacional Constituinte.

Contudo, como registra Souza:

Mesmo tendo obtido cerca de cento e cinqüenta mil assinaturas, número bem acima, portanto, do piso mínimo necessário, a Emenda Popular da Reforma Urbana granjeou muito menos adesões que, a título de comparação, a da reforma agrária, que obteve cerca de um milhão de assinaturas, mesmo o Brasil sendo já predominantemente urbano (2006a, p.217).

Mais um obstáculo processara-se diante da luta pela reforma urbana do Brasil,

mesmo numa atmosfera favorável à ampliação de conquistas democráticas em prol do

direito à cidade, pois, após ser entregue ao Congresso nacional, a emenda foi

descaracterizada. É o que afirma mais uma vez Souza, ao detalhar: “(...) se o Congresso

se obrigava a receber as emendas populares, ela não estava obrigado a acatá-las sem

alterações” 42 (2006a, p.217).

Diante do exposto, o que se evidencia em relação à reforma urbana como maior

destaque na Carta Magna de 1988 são dois “sucintos” artigos, o de número 182 e o de

número 18343.

Conforme corrobora Maricato:

A maior conquista social resultante das mobilizações que marcaram os anos 80, no que se refere à política urbana, foi a inserção dos artigos 182 e 183 na Constituição Federal de 1988. Alguns instrumentos ou mesmo conceitos previstos na Emenda Constitucional de Iniciativa Popular de Reforma Urbana (subscritos por mais de 130 mil eleitores) lograram fazer parte do texto da carta nacional. O antigo PL do Desenvolvimento Urbano também inspirou parte do texto do capítulo da Política Urbana. A vitória no entanto não foi completa. O tratamento dado à implementação da função social da propriedade dificultou muito sua aplicação (2002, p.101).

Segundo Souza, a vitória não consegue ser vista em sua plenitude porque o

artigo 182, por exemplo, menciona vagas expressões como “funções sociais da cidade”

e “função social da propriedade”, esta última ideologicamente ardilosa, recrutando

instrumentos como o IPTU progressivo, que, instaurados no âmbito dos planos diretores

42 Grifos do autor. 43 Após a promulgação da Carta de 1988, o senador Pompeu de Souza apresentou projeto de lei que buscava regimentar os mencionados artigos 182 e 183. Nascia o PL 5.788/90 e tinha início sua lenta tramitação. A sociedade iria aguardar mais de dez anos para que visse a efetivação dos capítulos regulamentados (MARICATO, 2002, p.101).

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municipais, poderiam garantir o cumprimento das “funções sociais”. O artigo 183

limita-se ao usucapião (2006a, p.218).

A Constituição Federal de 1988 é mencionada na literatura que versa sobre o

planejamento urbano no Brasil por trazer avanços nas questões urbanísticas, mas como

se observa nas discussões aqui pautadas, não está livre de falhas e contestações. Cabe

explicitar de forma mais clara os impactos trazidos por ela nos ditames dos planos

diretores, em especial.

A Constituição em destaque, além de impor ao poder público municipal a

planificação urbana, como acrescenta Sant’Ana “impôs a efetiva execução da política

planejada, inclusive mediante o controle do uso do solo urbano. Encarregou-o, pois, do

estabelecimento de uma política urbana e da tarefa de zelar por seu respeito” (2006,

p.89). Para a realização da política de desenvolvimento urbano, a Constituição traz

como principal instrumento o Plano Diretor. A partir das constatações de Araújo, é

relevante ressaltar que:

[...] com a redemocratização brasileira, a Constituição Federal de 1988 consolidou os propósitos da Reforma Urbana, priorizando a função social da propriedade e da cidade. Além disso, conferiu ao plano diretor o papel de instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, definindo as orientações quanto ao ordenamento da cidade, subordinando a ação privada sobre o solo à função social da propriedade e garantindo o bem-estar de sua população (2005, p.12).

Para grande parte dos autores a Constituição Federal de 1988 recolocou a

questão do plano diretor. De fato, afirmam diversos pesquisadores que a possibilidade

de se inaugurarem novas práticas de planejamento urbano no país, em alicerces legais

mais sólidos vem se configurando de forma mais consolidada desde 1988. Segundo

argumentos de Sant’Ana:

[...] todos os municípios, cujas sedes tenham mais de vinte mil habitantes são obrigados a ter um plano diretor. Mas não se trata do plano diretor integrado dos anos 60 e 70. Este novo plano diretor tem por campo de intervenção o urbano, e tem por conteúdo as diretrizes gerais da política de desenvolvimento e expansão urbana do município, as exigências fundamentais de ordenação da cidade, e a indicação das áreas não edificadas, subutilizadas, ou não utilizadas, que deverão ser adequadamente aproveitadas (2006, p. 138).

Nos argumentos de Maricato, o plano diretor é retomado com certo destaque na

Carta de 1988. Em sua visão:

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Apesar da história comprovada de falta de respeito, durante décadas, em relação aos Planos Diretores Municipais, esse retorna em grande estilo no texto da Constituição de 1988, que estabelece a obrigatoriedade de sua execução em todas as cidades com mais de 20.000 habitantes, restabelecendo seu prestígio e fortalecendo a idéia, muito comum na imprensa, de que nossas cidades são um caos porque não têm planejamento urbano, o que não é verdade. Especialmente nos anos 1970, a produção de Planos Municipais foi muito significativa (2009, p.144).

O objetivo do plano diretor é, na Constituição de 1988, o de ordenar o pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes.

A “Constituição Cidadã” assegura maior autonomia aos municípios brasileiros que

passam assim a ter maior independência na gestão local, na gestão de seu espaço social.

Os municípios passam a ter um papel específico na promoção do desenvolvimento

socioeconômico do país. De acordo com Araújo & Silva:

A partir da descentralização de encargos e recursos e da redistribuição de competências entre os três níveis de governo (federal, estadual e municipal), tornou-se mais importante a responsabilidade do município na gestão urbana – aqui entendida como prática de governo que envolve planejamento e ação sobre todas as funções e atividades públicas e privadas que ocorrem no espaço urbano (2003, p. 59).

Para Joazeiro, a ampliação das responsabilidades municipais determinada pela

Carta de 1988 – sobre a gestão do espaço urbano – associou-se ao aumento de recursos

para sua consecução. Com maior autonomia, o poder e a sociedade locais passam a

assumir responsabilidades cada vez maiores sobre os resultados decorrentes da gestão

destes recursos (2001, p.132).

O presente item trará alguns elementos de ordem legal, expressos na Carta de

1988, para que se vislumbrem os principais impactos da mesma no que tange à

elaboração e execução dos planos diretores. Não se trata, porém, de esgotar a temática

legal ou mesmo jurídica relacionada ao referido instrumento de gestão do urbano, mas

apenas de contribuir para uma análise mais completa que mostre, por um lado, os

avanços oriundos da Constituição no campo do planejamento e, por outro, os limites na

mesma observados. É o objetivo das linhas seguintes.

No capítulo segundo, Da Política Urbana, os artigos 182 e 183, estabelecem os

instrumentos para a garantia do direito à cidade, do cumprimento da função social da

mesma e da propriedade, no âmbito de cada município. Vale destacar, então, os

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seguintes fragmentos deste capítulo, aqui mais relevante para o trabalho o artigo de

número 182:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

Como pode ser observado no artigo 182 acima sublinhado – não em sua

totalidade – apesar de começar a encarar a problemática urbana de forma mais

determinada, a Carta de 1988 não conceitua ou explicita de maneira clara o papel do

Plano Diretor44, tampouco atribui ao mesmo a participação das camadas populares em

sua elaboração, execução e acompanhamento. Além desses limitadores aspectos, impõe

sua aplicação apenas a municípios cujo número de habitantes seja superior a vinte mil,

aspecto que viria a ser alterado somente com o Estatuto da Cidade. Ao não conceituar o

plano diretor, Araújo & Silva adotam então o que a literatura descreve:

[...] é o complexo de normas legais e diretrizes teóricas para o desenvolvimento global e constante do município, sob os aspectos físico, social, econômico e administrativo, desejado pela comunidade local. Deve ser a expressão das aspirações dos munícipes quanto ao progresso do território municipal no seu conjunto cidade-campo. É um instrumento técnico-legal definidor dos objetivos de cada municipalidade e, por isso mesmo, com supremacia sobre os outros para orientar toda a atividade da administração e dos administrados nas realizações públicas e particulares que interessem ou afetem a coletividade (MEIRELLES, 1983, p. 94 apud ARAÚJO & SILVA, 2003, p. 63).

Na mesma Constituição, a participação popular, que deveria ser o alicerce da

democratização do planejamento e gestão urbanos, não se mostra ainda como um

imperativo a ser cumprido, revelando-se desprezada. Os artigos destinados à Política

Urbana não prevêem nenhuma participação dos munícipes, apenas restringindo-se a 44 De acordo com Araújo & Silva, a CF de 1988 não expõe claramente o que entende por Plano Diretor, apenas afirmando ser ele o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana do município com mais de vinte mil habitantes (2003, p. 63).

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temas como regulamentação da propriedade privada, função social da propriedade

urbana, etc. Conforme complementa Faccio, os dois únicos artigos da Constituição (art.

182 e art. 183) “abordam apenas conteúdos de regulamentação da propriedade privada e

não possuem qualquer referência ao tema sobre o espaço público” (2006, p. 4).

Nessa linha de raciocínio, ratifica Marcelo Lopes de Souza que: “(...) deve-se

registrar que a Constituição Federal, marco legal formal mais importante do país, é

omissa, no capítulo sobre a política urbana (que compreende os referidos artigos 182 e

183), quanto à participação popular direta no planejamento e na gestão urbanos” (2006a,

p.218).

Somente treze anos após a promulgação da CF de 1988 o plano diretor teria sua

face mais esclarecida, e o papel da população como ponto-chave em sua elaboração

seria então preconizado. Isso ocorreu com a aprovação do Estatuto da Cidade, Lei

10.257/2001, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Carta Magna e inaugura um novo

momento na história do planejamento urbano nacional: o do caráter participativo dos

planos diretores. Coube ao Estatuto da Cidade dispor sobre as condições – e

obrigatoriedade legal – de participação popular direta no planejamento das cidades

brasileira.

Compete-nos então discutir os reflexos do Estatuto da Cidade no tratamento das

questões urbanas no Brasil, destacando suas perspectivas e também os seus limites. Essa

tarefa será realizada no item que se segue.

2.3 - PLANO DIRETOR EM SEU VIÉS PARTICIPATIVO: PERSPECTIVAS E

LIMITES A PARTIR DO ESTATUTO DA CIDADE

O Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU) no país deu origem a

uma lei federal atualmente conhecida como Estatuto da Cidade, lei 10.257/2001. Após

longos onze anos de tramitação no Congresso Nacional, essa lei veio regulamentar os

artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo uma série de diretrizes para o

planejamento e desenvolvimento urbano das cidades brasileiras. No que tange à gestão

urbana, a aprovação do Estatuto da Cidade, em 2001 – no governo Fernando Henrique

Cardoso –, e a criação do Ministério das Cidades, em 2003 – na primeira gestão Lula –,

consolidaram e fortaleceram o papel dos municípios à frente das tarefas do

planejamento urbano no país.

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Uma longa trajetória se processou até que os planos diretores alcançassem sua

roupagem participativa, e parte desta caminhada pode ser sistematizada no quadro

abaixo, referente à campanha governamental realizada para reforçar a obrigatoriedade

de elaboração dos planos diretores pelos municípios brasileiros. O quadro busca

explicitar os principais momentos da campanha, desde a criação do Estatuto da Cidade,

em 2001. Contudo, cabe registrar que, apesar da obrigatoriedade legal de formulação

dos planos diretores, ainda hoje é possível obter informações de municípios que não os

fizeram. Tais informações podem ser visualizadas até mesmo no sítio oficial do

Ministério das Cidades.

Quadro 1 - Histórico da Campanha Nacional Plano Diretor Participativo: cidade de

todos

Data Ação Descrição

10 de julho de 2001 Criação da lei federal 10.257, denominada Estatuto da Cidade.

Esta lei regulamenta os artigos 182 e 183 da Carta magna de 1988, estabelece as diretrizes para o planejamento e desenvolvimento urbanos dos municípios brasileiros, coloca o Plano Diretor Participativo como figura central da política urbana e estende sua obrigatoriedade para além de municípios com mais de vinte mil habitantes.

02 de janeiro de 2003 Criação do Ministério das Cidades pelo governo Lula.

Criado no primeiro dia do governo Lula, este Ministério surge com o desafio de assegurar a todos o direito à cidade, buscando reverter o tratamento que era dado às cidades que excluem a maioria dos seus habitantes e degradam o meio ambiente.

De abril a outubro de 2003 Realização da I Conferência

Nacional das Cidades. A I Conferência Nacional das Cidades mobilizou mais de 350 mil pessoas em 3.457 municípios e nos 27 estados para, entre outros objetivos, identificar os principais problemas que afligem as cidades brasileiras e construir referenciais para a política nacional de desenvolvimento urbano, além de eleger o Conselho Nacional das Cidades, o ConCidades. Uma das diretrizes aprovadas para a ação do Ministério foi o apoio aos

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municípios para a elaboração dos planos diretores e implementação do Estatuto da Cidade.

Abril de 2004 Programa de Fortalecimento da

Gestão Urbana A Secretaria Nacional de Programas Urbanos lança em 2004 o Programa de Fortalecimento da Gestão Urbana e a Ação de Apoio aos municípios para a Implementação dos Instrumentos do Estatuto da Cidade e à Elaboração dos Planos Diretores. Mobiliza recursos da ordem de R$54 milhões para apoiar os municípios na elaboração dos planos além de atividades de capacitação e sensibilização. Um dos principais objetivos desta ação era fazer os municípios conhecerem a potencialidade dos planos diretores como instrumentos de gestão do espaço.

03 de setembro de 2004 Resolução nº 15 do Conselho

Nacional das Cidades Em setembro de 2004 o Conselho Nacional das Cidades, por meio da Resolução nº 15, resolve realizar uma Campanha Nacional de Sensibilização e Mobilização visando à elaboração e implementação dos Planos Diretores Participativos, com o objetivo de construir cidades includentes, democráticas e sustentáveis. Os eixos eram: inclusão territorial; gestão democrática e justiça social.

A campanha se realizaria por meio de uma coordenação nacional composta de instituições integrantes do ConCidades e de núcleos mobilizadores estaduais. A primeira reunião da coordenação nacional ocorreu em 16 de fevereiro de 2005 com a presença de vários ministérios do governo, Caixa Econômica Federal, Câmara dos Deputados, por meio da Comissão de Desenvolvimento Urbano e de um conjunto de entidades nacionais engajadas na luta pela melhoria das cidades no país.

O Ministério produziu 6000 kits da campanha que foram distribuídos aos municípios pelos núcleos estaduais contendo os mais diversos materiais para capacitação

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e mobilização. O kit inclui um vídeo documentário, 5 cartazes, 10 folhetos, o livro Plano Diretor Participativo: Guia para Elaboração pelos Municípios e Cidadãos (parceria com o CONFEA), um CD do curso Planejamento Territorial Urbano e Plano Diretor Participativo (produzido pela CAIXA), a reedição do Guia do Estatuto da Cidade (produzido pela Câmara Federal), e ainda comercial para TV e spots para rádio.

17 de maio de 2005 Lançamento Nacional da

Campanha Plano Diretor Participativo: cidade de todos.

Após o estímulo à formação dos núcleos estaduais o governo federal lançou no Palácio do Planalto a Campanha Nacional Plano Diretor Participativo: Cidade de Todos. A partir de então, 26 núcleos são constituídos, lançando a campanha em cada estado.

15 de junho a 30 de setembro de 2005

Oficina de Formação de Multiplicadores do Plano Diretor Participativo

Tendo em sua coordenação profissionais como Raquel Rolnik, o Ministério das Cidades executou neste período 45 oficinas de capacitação dos integrantes dos núcleos estaduais e ainda prefeitos e vereadores, técnicos estaduais e municipais, CAIXA, universidades, ONGs, movimentos populares e pela reforma Urbana e de acordo com a realidade local e capacidade de mobilização dos núcleos, representantes de outras instituições como Ministério Público, OAB, TCU, lideranças indígenas e religiosas, deputados estaduais, entre outros. As oficinas mobilizaram quase 600 municípios e formaram mais de 3000 multiplicadores.

A partir de agosto de 2005 Execução pelos núcleos do seu

projeto de sensibilização e capacitação dos municípios e lideranças populares.

Com recursos financeiros do governo federal, e respeitando o seu planejamento e ritmo, 21 núcleos executaram seus projetos de capacitação.

Outubro de 2006 Senador paraense Flexa Ribeiro

lança projeto de lei reivindicando ampliação do prazo para elaboração/revisão dos planos diretores

O prazo fixado no artigo 50 do Estatuto da Cidade expirou em outubro de 2006, mas o projeto de lei nº 7.648/2006, do senador paraense Flexa Ribeiro (PSDB), tentou estendê-lo para 31 de julho de 2008, beneficiando os prefeitos

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que não cumpriram a determinação.

Dezembro de 2007 Aprovação da prorrogação do prazo para elaboração dos planos diretores pelos municípios brasileiros.

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania aprovou, em caráter conclusivo, o substitutivo da Comissão de Desenvolvimento Urbano ao Projeto de Lei 7.648/06, do Senado, que prorrogou até 30 de junho de 2008 o prazo para que os municípios aprovassem seus planos diretores. O texto determinava que os prefeitos enviassem o projeto do plano diretor às Câmaras de Vereadores até a data de 28 de fevereiro de 2008. Uma pesquisa do Ministério das Cidades em parceria com o CONFEA – Conselho Federal de Arquitetura e Engenharia, revelou no período que dos 1.552 municípios que deveriam elaborar ou revisar o plano diretor, apenas 562 cumpriram essa determinação. Outros 346 já tinham o plano diretor, mas ainda faltava a aprovação pela Câmara de Vereadores. A elaboração dos planos diretores não tinha sido concluída por 427 prefeituras. Outras 89 não estavam fazendo seus planos diretores e 18 não o revisaram. Não tinham sido obtidas informações de 110 cidades.

Fonte: elaboração própria, a partir de informações do sítio <http://www.cidades.gov.br/>

A partir da síntese cronológica do quadro acima, é possível dimensionar o papel

do Estatuto da Cidade no que tange às mudanças impressas nos ditames para realização

dos planos diretores no país. Por sua vez, a criação do Ministério das Cidades significou

um reconhecimento por parte do governo federal da questão urbana como uma questão

de cunho nacional a ser encarada. De acordo com Santos Junior: “(...) a criação do

Ministério das Cidades, em 2003, representou uma resposta a um vazio institucional, de

ausência de uma política nacional de desenvolvimento urbano consistente, capaz de

construir um novo projeto de cidades sustentáveis e democráticas” (2008, p.139).

Ainda conforme sustentação do mesmo autor, vale constatar que:

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Analisando em uma perspectiva histórica, pode-se dizer que tanto a criação do Ministério das Cidades, como a implantação do Conselho das Cidades, ambos em 2003, e a realização das conferências nacionais das cidades, em 2003 e 2005, são conquistas do movimento pela reforma urbana brasileira que, desde os anos 1980, vêm construindo um diagnóstico em torno da produção e gestão das cidades e propondo uma agenda centrada (a) na institucionalização da gestão democrática das cidades; (b) na municipalização da política urbana; (c) na regulação pública do solo urbano com base no princípio da função social da propriedade imobiliária; e (d) na inversão de prioridade no tocante à política de investimentos urbanos (SANTOS JUNIOR, 2008, p.139).

Com a aprovação da lei federal 10.257/2001, Estatuto da Cidade, um novo

impulso foi dado à formulação de planos diretores. Tornam-se os planos, mais do que

em qualquer outro período de sua trajetória, componente principal da política urbana no

país. No entanto, apesar de ser possível afirmar que uma nova visão de planejamento

urbano vem sendo disseminada, a partir do Estatuto da Cidade, delineando regras

diretas para a participação popular, é preciso prudência ao analisar a forma como o

processo participativo vem sendo conduzido. É para o que nos alerta Santos Junior, ao

mostrar dados da pesquisa realizada em maio de 2006 pelo próprio Ministério das

Cidades, num balanço sobre os impactos da Campanha Nacional Plano Diretor

Participativo: cidade de todos:

Os dados da mesma pesquisa mostram que apenas 24% dos processos, isto é, 362 planos, foram ou estão sendo participativos, enquanto que em 64% dos municípios (951), os procedimentos de elaboração do plano diretor não incorporaram procedimentos participativos, na opinião dos próprios participantes, ou seja, dos gestores e representantes da sociedade civil entrevistados. Há ainda 11% de situações (174 planos), onde gestores e representantes da sociedade civil divergiram quanto ao caráter participativo ou não do processo (2008, p.142).

A problematização acima remete-nos a uma das determinações de maior

contribuição da lei federal 10.257/2001 – seu pressuposto básico –, a gestão

democrática das cidades, alicerçada na participação e acompanhamento populares. De

acordo com Faccio, um dos instrumentos urbanísticos mais destacados do Estatuto da

Cidade é o Plano Diretor Participativo. “A participação popular nos processos de

planejamento e gestão dos municípios constituiu-se em um dos elementos mais

importantes para a construção da gestão democrática das cidades brasileiras” (2006, p.

5).

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Segundo o Estatuto da Cidade, os planos diretores municipais precisam

obrigatoriamente propiciar condições à participação da população45 e associações que

representem as diversas esferas econômicas e sociais da cidade, não somente no

momento de sua elaboração, mas, sobretudo, na gestão das decisões concernentes ao

plano. É o que determina o artigo 40, do capítulo III, Do Plano Diretor, nos seguintes

parágrafos:

§ 4º No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos. (BRASIL, Lei de nº 10.257 de 2001).

Araújo & Silva, ao tratarem dos avanços e limites impressos no Estatuto,

dialogam e exprimem:

O Estatuto da Cidade, ao estabelecer diretrizes para a política de desenvolvimento urbano, é considerado um avanço na tentativa de melhor ordenar a cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Essa lei possui uma nova concepção e, a partir de sua aplicação, espera-se buscar o aprimoramento da gestão pública, por meio da necessária participação popular. Esse instrumento, além da ênfase dada à participação dos cidadãos no processo de planejamento e tomada de decisão, está fortemente voltado para a questão fundiária e a utilização de mecanismos inovadores que visam ao cumprimento da função social da propriedade (2003, p. 62).

Além de trazer como delegação fundamental a participação popular em todas as

fases do plano, o Estatuto amplia a obrigatoriedade de elaboração do mesmo para os

seguintes casos, além das cidades com mais de vinte mil habitantes (art. 41):

II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da Constituição Federal; IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico;

45 Para que o principio da gestão democrática se concretize, alguns mecanismos são trazidos no Estatuto, tais como: debates, audiências públicas, conferências, referendos, consultas públicas, etc. A referência a estes mecanismos pode ser encontrada no artigo 43 do Estatuto.

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V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.

Os municípios que não se emoldurem em nenhum dos casos acima mencionados

podem formular seus planos, pois os mesmos servem como importante instrumento de

conhecimento da realidade local. No entanto, ao menos no concernente à legislação, as

administrações municipais que os deixarem de fazer – nos casos de obrigatoriedade –,

têm como penalidade improbidade administrativa.

Na visão de Matos, o Estatuto da Cidade:

[...] coroa um longo período de experiências, críticas e sugestões relacionadas ao planejamento urbano no Brasil, além de procurar dar suporte às administrações municipais ao favorecer a flexibilização de ações no trato com a coisa pública, quando preserva o interesse social, mas introduz a política como a chave das negociações no palco dos conflitos que são intrínsecos aos processos espaciais (2008, p.156).

Nas palavras de Marinella Araújo:

Pode-se dizer que com o Estatuto da Cidade o planejamento deixa de ser visto como ato administrativo regulatório burocrático cujo conteúdo se limita a apresentar diretrizes gerais e amplas sobre a ordenação do espaço urbano (planejamento compreensivo) e passa a ser concebido como processo democrático de construção de cidades sustentáveis (2008, p.176).

Além da premissa da gestão democrática46 exaltada no Estatuto da Cidade, outro

elemento relevante merece destaque. A lei federal 10.257 admite uma melhor

articulação entre políticas habitacionais, fundiárias e ambientais, almejando um uso

mais justo do espaço. Diretrizes também importantes do Estatuto podem ser vistas em

seus itens referentes à integração urbana e rural; ao fomento de cidades sustentáveis; à

função social da propriedade e à ordenação e controle do uso e ocupação do solo, com

destaque para a criação de ZEIS (Zona Especial de Interesse Social).

Em relação à ocupação e uso do solo, por exemplo, o objetivo é contribuir para

impedir o inadequado uso dos imóveis urbanos, detendo possíveis ações de caráter

especulativo, através de medidas como zoneamento e parcelamento do solo, dentre

outras. Para as autoras Araújo e Silva, o grande diferencial do Estatuto é:

46 Segundo Marcelo Lopes de Souza, de um total de cinqüenta e oito artigos, em sete a participação direta da população é referenciada. São eles os artigos de número: 2; 4; 33; 40; 43; 44 e 45.

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[...] a questão fundiária e os mecanismos inovadores de uso do solo, e a vinculação destes com o plano diretor, que deverão ser transformados em instrumento de intervenção nas dinâmicas urbanas e fazem com que sejam questionadas as antigas metodologias tradicionais de planejamento (2003, p. 62).

No tocante à promoção de cidades sustentáveis, trata-se, segundo as normativas

da lei federal, de garantir o direito à moradia, à infra-estrutura urbana, ao saneamento

ambiental, etc., para gerações presentes e futuras. Diante do Estatuto da Cidade, o Plano

Diretor torna-se parte integrante do processo de planejamento municipal, o qual abarca

ainda o orçamento participativo, o plano plurianual e as diretrizes orçamentárias.

Maricato observa que: “Quanto ao Plano Diretor, o Estatuto da Cidade reforça-o como a

figura central e decisiva da política urbana. Há um travejamento em torno dele da

aplicação dos principais instrumentos urbanísticos, especialmente aqueles relacionados

à função social da propriedade”. (2002, p. 111).

É preciso lembrar que, assim como alguns limites podem ser constatados na

Carta Magna de 1988, no tocante aos planos diretores no país, o Estatuto da Cidade é

alvo de críticas por parte de diversos estudiosos. Tais críticas não minimizam, contudo,

o avanço que ambos os instrumentos legais possibilitaram ao campo da política urbana

nacional, como resultado de mobilizações sociais condensadas no movimento pela

reforma urbana discutida em páginas precedentes.

Talvez um dos pontos mais criticados da lei federal 10.257/2001 seja justamente

seu pressuposto de gestão democrática, pois se trata de um preceito que depende,

sobretudo, de forças políticas locais. Diante desta colocação, considera-se, portanto,

que, levar em conta cada realidade local em que serão aplicados os instrumentos do

Estatuto da Cidade – com destaque para o plano diretor participativo – faz-se mister,

pois a dimensão política do espaço social a ser planejado emerge diante dos interesses e

conflitos entre os vários grupos da sociedade.

A elaboração dos planos diretores perpassa diferentes administrações municipais

– muitas vezes rivais –, sendo, portanto, um instrumento de médio e longo prazos, com

necessidade de constante revisão. Para Araújo & Silva a eficácia da tarefa a ser

executada dependerá do tempo e recursos disponíveis, “[...] bem como da vontade

política de que para além do cumprimento de obrigações legais se queira que seu

produto promova o real desenvolvimento urbano” (2003, p. 73).

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Conforme reforça Marinella Araújo:

A efetividade de direitos fundamentais sociais tais como o direito à cidade sustentável e os que dela decorrem, direito à moradia, por exemplo, não depende apenas (i) da existência de boas leis ou da interpretação concretizadora pelo Poder Judiciário, mas também de políticas públicas que garantam a realização concreta desses direitos [...] (2008, p.179).

Apesar de todo o ambiente propício à proposta de gestão democrática do

Estatuto da Cidade, seus instrumentos ainda esbarram nas correlações de forças de cada

município, como não poderia deixar de ser, em se tratando de uma apropriação do

espaço por diversos atores sociais. A consolidação do processo participativo dependerá

do contexto político local e de suas características históricas. A confiança extrema no

poder do urbanismo ou mesmo da arquitetura revela-se também como obstáculo à fiel

aplicação das diretrizes do Estatuto da Cidade. Argumenta Faccio que:

A participação da população é o elemento novo na proposta de planejamento e gestão urbanos previsto no Estatuto da Cidade, capaz de produzir mudanças mais significativas nas cidades e talvez o mais difícil de se concretizar, pois não acontece por decreto ou força de lei (mesmo que a existência desta lei ajude no processo, como é o caso da Lei do Estatuto da Cidade, mas que por sua vez foi o resultado de uma mobilização social) (2006, p. 6).

Os planos diretores não podem ser tomados por “salvadores das cidades”, até

porque muitos municípios brasileiros ainda nem os fizeram ou se preocuparam com sua

revisão. Apesar da feição democrática imposta aos planos pelo Estatuto, nota-se

significativa morosidade dos instrumentos participativos. Por isso, a essência

conflituosa característica de toda apropriação espacial deve sempre ser rememorada. O

que se deseja, na verdade, é que o planejamento,

[...] tanto na escala municipal como na regional, comece a superar uma posição normativa e elitista, na visão de alguns, e oportunista e clientelista, na visão de outros, e passe a trabalhar com a cidade e os cidadãos reais, podendo, então, tornar-se um instrumento importante de gestão de uma cidade para todos (ARAÚJO & SILVA, 2003, p. 73).

O simples ato de planejar ou ordenar o espaço já representa uma maneira de

fazer política. O plano diretor configura-se como uma construção coletiva, sendo

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fundamental situá-lo dentro de um processo mais amplo de planejamento, na busca por

diálogos entre viabilidade técnica e política.

Eleger tal pensamento como norte é partir das realidades e potencialidades de

cada município, considerando transformações socioeconômicas e políticas do espaço

urbano. O plano não deve terminar em si mesmo, mas articular outros processos de

planejamento já realizados no município e na região, como a Agenda 21, planos de

bacia hidrográfica, planos de preservação do patrimônio cultural, dentre outros.

Em suma, entende-se que a concretização do planejamento urbano brasileiro em

bases realmente democráticas condiciona-se diretamente à construção de uma sociedade

mais justa, que contemple em sua real dimensão os instrumentos democráticos que

buscam alcançar o direito à cidade.

2.4 – PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO E GESTÃO DO ESPAÇO SOCIAL:

NOTAS SOBRE A PARTICIPAÇÃO POPULAR

A sociedade brasileira tem a tradição de ignorar, ou melhor, não reconhecer a existência de conflitos sociais. Essa característica está presente nas considerações sobre a relação dos escravos na

“casa-grande”, feitas por Gilberto Freyre; nas considerações sobre o “homem cordial” feitas por Sérgio Buarque de Holanda; na

historiografia brasileira de um modo geral, que apenas nas últimas décadas consolida um esforço de dar outra interpretação, menos

ambígua, para a violência das relações sociais no Brasil.

Ermínia Maricato In Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana

O Estatuto da Cidade representa um marco na história dos planos diretores no

Brasil, sobretudo pelo fato de instituir as diretrizes da política urbana alicerçada na

participação popular, propiciada pelo princípio da gestão democrática. No entanto, um

olhar sobre a trajetória da cultura de participação popular no país permite desvendar os

obstáculos ainda existentes a uma efetiva democratização do planejamento urbano pelos

municípios brasileiros, que contemple de fato instrumentos garantidores da participação

da população.

O processo de transição democrática no Brasil ocorreu, como em vários países

latino-americanos, entre as décadas de 1970 e 1980. O movimento de redemocratização

teve como marco inicial os governos do General Geisel (1974) e Figueiredo (1979),

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fortalecendo-se com a escolha do primeiro presidente civil, em 1985 e culminando com

a Carta Magna de 1988 e a realização da primeira eleição livre de um presidente civil

em 1989, após cerca de vinte e cinco longos anos de repressão política. Segundo

Guimarães: “Do ponto de vista institucional, observou-se um processo de lenta abertura

à contestação e, posteriormente, abertura à participação política” (2008, p.26).

A construção do processo de participação no Brasil originou-se de lutas travadas

entre diferentes grupos sociais e o poder constituído no Estado – em especial nas

décadas de 1970 e 1980 – apresentando novos atores e novas temáticas ao debate

público, movimento que se revelou fundamental para a retomada de discussões acerca

dos direitos e da cidadania47. Como já mencionado em linhas anteriores deste trabalho,

é nesse contexto que as discussões referentes ao direito à cidade ganham força, trazendo

à tona as reivindicações por participação na gestão do espaço social das cidades,

impressas na luta pela reforma urbana. A incorporação do ideário da participação dos

cidadãos nas decisões de interesse público, após anos de mobilizações sociais,

representa inegável conquista pelo menos no concernente aos dispositivos legais que no

Brasil normatizam a Política Urbana, mesmo com vários obstáculos existentes. A partir

das considerações de Costa, percebe-se que:

[...] nesse período mais recente da história brasileira, iniciado na virada para os anos 1980, a constituição de uma sociedade civil mais autônoma e ciosa dos valores democráticos que passou a reivindicar uma maior participação social na definição dos rumos das políticas públicas no país, denotando os anseios pela configuração de uma nova relação Estado/sociedade política e sociedade civil, gerou resultados também ambivalentes. Tais resultados tanto expõem as características político-culturais brasileiras, como permitem antever importantes avanços potenciais desse processo de inovações democráticas e deixam claros alguns limites para a consolidação de tais processos, sobretudo no curto prazo (2008, p.236).

A correlação de forças encontrada em cada município é elemento essencial a ser

observado quando da análise da tentativa de democratização48 do planejamento urbano

47 Utiliza-se neste trabalho a concepção de cidadania destacada por Oliveira: “Entendemos cidadania como uma dada condição humana - de consciência política e social - que traz em si um ideal de bem-estar e felicidade que tem variado historicamente, de acordo com a diversidade das culturas. Como elementos desta condição temos: a participação e o nível de consciência política, o grau de igualdade ou eqüidade, o grau de liberdade, o nível de garantia de um conjunto de direitos, o grau de acessibilidade a bens, serviços e equipamentos sociais” (1999, p.117). 48 Segundo Norberto Bobbio: “O processo de alargamento da democracia na sociedade contemporânea não ocorre apenas através da integração da democracia representativa com a democracia direta, mas também, e sobretudo, através da democratização – entendida como instituição e exercício de

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no país. Santos Junior, ao debater sobre este aspecto, estabelece considerações

relevantes, realçando:

[...] é concreto que os processos de discussão dos planos diretores não conseguem mobilizar as maiorias, as classes populares, apesar de ser necessário contextualizar essa generalização, tendo em vista a diversidade regional do país e as diferenças de contexto social. Tal fato, somente em parte, pode ser explicado pela agenda de discussão, que não contempla as demandas dos segmentos populares, já que é necessário incorporar na análise aspectos relacionados à cultura sociopolítica, na qual incidem outros elementos da história política do país, que explicariam a existência de um híbrido institucional, como denomina Wanderley Guilherme dos Santos(1993), ou o contexto da cidadania na encruzilhada, como prefere José Murilo de Carvalho (2001) (2008, p.149).

Cabe delimitar que se entende a participação no presente estudo como condição

para além do momento apenas deliberativo. A participação constitui-se num

aprendizado social, que só com o tempo solidifica-se. Concorda-se com Guimarães49,

ao afirmar que: “Para além da possibilidade de intervenção real nas decisões políticas, é

um novo modo de pensar a gestão pública compartilhada, um circulo virtuoso, em que

os atores assumem uma postura nova de controle sobre os seus destinos, controle que é

conquistado” (2008, p.45).

Para Souza, apesar de a participação por si só não constituir a garantia de acerto,

ela contribui para minimizar fontes de distorção. Configura-se a participação como um

direito inalienável, podendo proporcionar mais chances de exercer plenamente a

cidadania. Ela não é um simples acessório a ser utilizado. Afirma o autor que:

“Participar, no sentido essencial de exercer a autonomia, é a alma mesma de um

planejamento e de uma gestão que queiram se credenciar para reivindicar seriamente o

adjetivo democrático(a)” (2006b, p.335). Vislumbra-se em seus argumentos que:

[...] ao participar de uma decisão, um cidadão se sente muito mais responsável pelo seu resultado – para o bem, caso a decisão se mostre

procedimentos que permitem a participação dos interessados nas deliberações de um corpo coletivo – a corpos diferentes daqueles propriamente políticos” (1987, p.155). 49 Segundo a autora: “A participação, na perspectiva de Pateman (1992), não significa um presente ou dádiva alcançada: trata-se de algo construído, em uma luta que se trava contra a perspectiva dominante e que vai sendo aprimorada com o passar do tempo. A participação, nesse sentido, não se faz exclusivamente para proteger interesses privados e/ou para assegurar um bom governo, mas, sobretudo, para garantir a formação da educação, visando o desenvolvimento das potencialidades humanas. Além disso, promove a integração entre os indivíduos, tornando-os socialmente responsáveis, senhores dos seus próprios destinos, atuantes no meio em que vivem” (2008, p.45).

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mais acertada, e para o mal, caso a decisão se revele equivocada. Isso não é relevante apenas sob o ângulo do amadurecimento político da população; isso é importante também na medida em que, ao sentir-se mais responsável, a população irá cuidar mais e fiscalizar mais (por exemplo, evitando que o patrimônio público seja depredado) (2006, p.334).

Matos, ao estudar os atores e as dificuldades específicas envolvidos na

formulação de planos diretores, cria alguns cenários esquemáticos com o intuito de

responder a algumas indagações elementares: “Quem faz e quem contrata o plano?

Planejamento para quem?” (2008, p.161).

Diante de tais questionamentos, o autor registra três componentes principais em

sua investigação, a saber: a população, a equipe técnica e o Executivo. Evidencia o

pesquisador que, dado o imperativo legal do planejamento, e ainda as características

singulares de cada um dos três elementos, resultados muito variados poderão se

consolidar no plano gerado, fruto das interações entre os componentes envolvidos. De

forma sucinta, serão expostos os principais itens demarcados por Matos ao tratar de

cada uma das três esferas, a começar pela equipe técnica.

Segundo Matos, fato importante com freqüência esquecido pelas equipes

técnicas convidadas a auxiliar na elaboração de planos diretores é a dimensão política

do planejamento urbano. Nas palavras do autor: “A leitura técnica da cidade não se

dissocia da leitura política, se feita mediante reconhecimento dos atores locais, da

representatividade das maiorias e minorias e dos arranjos institucionais que conformam

a vida dessas comunidades” (2008, p.162).

O pesquisador salienta que, não raro, observa-se uma “contaminação” do plano

diretor pelas idéias do Executivo, tendo em vista que, em muitos casos, a equipe técnica

é constituída por funcionários e assessores da própria prefeitura. Outro fator em relação

ao qual se deve ter prudência, consiste em superar as heranças do período tecnocrático,

pois, como lembra o autor, “a transição da irredutibilidade da técnica para a arrogância

tecnocrata passa por uma linha tênue (...)” (2008, p.162).

No tocante ao papel dos Executivos locais, o autor estabelece suas constatações

em termos de práticas de gestão municipal. Nesse sentido, ressalta que a tarefa do poder

público local na divulgação das etapas do plano é de suma importância, contudo, o que

se tem notado pelo país em grande parte dos processos, são falhas na condução das

discussões sobre qual projeto de cidade deve ser almejado. Assim, sistematiza Matos:

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Não raro, o que se verifica são ações mais ou menos veladas orientadas para a despolitização das assembléias, por meio de chamadas e convites por rádio e imprensa sem clareza e profundidade, às vezes exibindo propaganda desnecessária da administração, ou manipulação das audiências por meio de conluios com parceiros, correligionários, servidores públicos, etc. (2008, p.165).

Finalmente, discute-se o papel do terceiro componente: a população. O principal

aspecto a ser mensurado é o da heterogeneidade dos munícipes, seja em relação ao seu

perfil (etnias, classes, religião, poder aquisitivo, idade, etc.), ou, principalmente, pelos

divergentes interesses e necessidades dos mesmos. Na maior parte dos processos,

considerável parcela dos habitantes é desinformada sobre os conteúdos dos planos e, por

isso, acaba tornando-se mais suscetível à cooptação e manipulação. Decorre desta

situação um dos maiores impasses à realização de planos efetivamente participativos.

A partir da interação entre os três componentes – equipe técnica, Executivo e

população –, diferentes planos são formulados, de acordo com o jogo de interesses

explicitado em cada espaço social. Em complemento, sugere Souza: “Uma análise

realista da constelação de forças é uma das tarefas iniciais de um governo que pretende

assumir um perfil de compromisso com a mudança social e implementar políticas

públicas progressistas (...)” (2006b, p.387).

Souza delineia em sua obra diversos graus de participação passíveis de serem

classificados quando da análise dos componentes envolvidos em processos

participativos. Inspirado na “escada da participação popular” desenvolvida por Sherry

Arnstein (1969), que identificou oito categorias de acordo com o grau de abertura da

administração pública à participação popular, Souza faz algumas adaptações e então

discute os graus de participação popular. Destaca o autor, no entanto, os limites de se

“mensurar” os graus de participação; e, além disso, afirma que: “(...) uma classificação

de ‘graus de abertura para a participação popular’ focaliza, em primeiro plano, as

relações entre Estado e sociedade civil, e não as situações no interior dos movimentos

sociais” (2006a, p.413).

Adiante serão resumidamente caracterizados os oito graus por Souza

apresentados. Optou-se por organizá-los num quadro explicativo, exposto a seguir.

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Quadro 2 - Graus de abertura para a participação popular no planejamento e na gestão urbanos

Grau Descrição Coerção Este nível corresponde a situações de extrema restrição da autonomia

individual e coletiva, e, por sua vez, de extrema heteronomia. Caracteriza-se pelo uso sistemático da coerção para garantir as metas do planejamento urbano, inclusive com uso da violência. Exemplos históricos: remoções de favelas durante o regime militar no Brasil, sucedida de transferência da população para conjuntos habitacionais da periferia.

Manipulação Nos casos em que a manipulação ocorre, a população é iludida, induzida a aceitar certas intervenções que normalmente não aceitaria, se não fosse o uso maciço de propagandas enganadoras, por exemplo. Ilustram este grau políticas públicas compensatórias e algumas intervenções pontuais, geralmente acompanhadas de propagandas governamentais.

Informação Neste grau, informações sobre intervenções são disponibilizadas pelo Estado, podendo ser mais confiáveis ou não dependendo da realidade política e transparência local. Diferencia-se da manipulação por não possuir caráter intencionalmente manipulatório.

Consulta Com a consulta a população é ouvida. Contudo, o ponto fraco deste grau é que não há garantias de que, mesmo sendo ouvida a população, suas opiniões serão de fato acatadas.

Cooptação O risco de uma cooptação no processo participativo ocorre mediante “captura” de indivíduos ou grupos-chave para participar dos processos. Podem ser, por exemplo, ativistas, líderes comunitários, etc. A cooptação serve a um propósito de conquistar respaldo popular a um “custo mínimo”, sem o real compartilhamento do poder pelo Estado.

Parceria Nível de participação autenticamente ligado a um compartilhar do poder decisório, dotado de elevada transparência. Há diálogo e interação para a aplicação de uma política pública ou intervenção especifica. Poderia ser denominada de co-gestão.

Delegação de poder

É mais do que a parceria. Neste grau o Estado abdica de co-interferir decisoriamente transferindo uma série de atribuições para canais e instancias participativos. A sociedade civil tem a última palavra.

Autogestão Em relação a canais participativos formais, pelo Estado instituídos, a delegação de poder é o nível mais elevado que se pode desejar. Implementar estratégias de forma autogestionária, sem a presença de uma instância de poder, pressupõe um contexto social marcado por extrema autonomia, distinto da realidade atual marcada pelo capitalismo atrelado à democracia representativa.

Fonte: elaboração própria, a partir de SOUZA, Marcelo Lopes de. A Prisão e a Ágora: reflexões em torno da democratização do planejamento e da gestão das cidades. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p.415-418.

Pode-se observar, pela análise do quadro acima, que, do primeiro (coerção) para

o último (autogestão) grau, estabelece-se uma escala crescente no que tange à abertura

para a participação popular. Souza explica que, os dois primeiros níveis – coerção e

manipulação – representam a “arrogância do discurso competente” e o autoritarismo,

respectivamente. A informação, a consulta e a cooptação, categorias intermediárias,

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perpassam as ilusões de participação; a participação regulada e consentida. Por sua vez,

apenas as três últimas – parceria, delegação de poder e autogestão50 expressariam de

fato marcos político-institucionais a partir dos quais se poderiam alcançar soluções

razoavelmente democráticas (parceria) de planejamento e gestão; fortemente

democráticas (delegação de poder) ou essencialmente democráticas (autogestão)

(SOUZA, 2006a, p.418).

É válido realçar que os graus de participação variam e diferenciam-se no tempo

e no espaço, podendo coexistir níveis distintos de acordo com a realidade dos processos

em andamento. Souza relativiza e utiliza esta escala com prudência, assim como afirma

ter observado a autora Arnstein, ao notar os limites de sua classificação. Assume o autor

que: “No âmbito da mesma escala de ação, politicamente definida de modo formal ou

informal (por exemplo, um município), podem-se encontrar diferentes graus de

participação (às vezes muito diferentes), atinentes a distintas institucionalidades”

(2006a, p.420).

Diante de todas essas abordagens aqui explicitadas, fica claro que a consolidação

da participação popular nos processos de gestão do espaço social ainda possui longos

caminhos a percorrer. A luta pela conquista da participação perpassa a luta pela

conquista da cidadania. Para Dagnino, é importante sublinhar que: “A participação

institucional nas instâncias de co-gestão com o Estado não pode ser a única. Mais do

que isso: sem que conte com o respaldo da sociedade organizada, está fadada a falhar”

(2004, p. 11).

De forma concisa, assegura Souza em suas pesquisas que:

Participar, nos marcos da atual sociedade heterônoma, significa, para o corpo de cidadãos, em sentido próprio, tomar parte, juntamente com o Estado – e, a depender das circunstâncias, escancaradamente (quase sempre), ou sutilmente e em última análise (nas raras situações de elevada consistência participativa), mais abaixo que ao lado dos integrantes do Estado. Isto é, equivale a acrescentar-se como uma parcela, sob as diretrizes do aparelho do Estado, e não a engaja-se como um todo. Ao estar o corpo de cidadãos subjugado à tutela de um aparelho estatal, a participação, em alguma medida, pode ser até conquistada, na base da pressão, ao mesmo tempo em que, em ultimíssima instância, não deixará de ser, sempre, uma participação consentida e subordinada [...] (2006a, p.454).

50 Registra Souza: “E sobre a autogestão: corresponderia a ‘ausência do pai’ a uma ‘orfandade’? Não! ‘Adultos plenamente emancipados’, finalmente, é o que se teria (2006a, p.419).

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Os inúmeros impasses verificados nos processos de elaboração de planos

diretores mostram-se complexos, especialmente no que concerne ao viés da

participação. Como revela Santos Junior, é preciso considerar as desigualdades sociais e

de poder que permeiam a construção do espaço urbano quando da análise desses

obstáculos. Em sua concepção:

A construção do pacto socioterritorial, tal como formulado na concepção da reforma urbana, implica em identificar os processos sociais e econômicos de produção do espaço urbano e os agentes individuais e coletivos que atuam nesses processos, segundo seus interesses e valores, identidades e antagonismos (2008, p.148).

O planejamento urbano, enquanto prática política, traz em si uma concepção de

espaço e, portanto, um projeto de cidade. A complexidade dos dilemas urbanos atuais

impõe difíceis responsabilidades a todos os que elegem o espaço como objeto de suas

análises, e encaram com respeito as políticas e projetos de gestão de cidades. Santos

Junior reforça que as estratégias de investigação do espaço encontram sua síntese no

“planejamento urbano como práxis transformadora” (2008, p.153). Na mesma linha de

raciocínio, concorda-se com o posicionamento de Luiz Souza, ao registrar:

O pensar e o agir (práxis) sobre nossas cidades precisam ser construídos não apenas, como mais um objetivo a ser perseguido, mas vir acompanhado de ações que visem garantir a participação popular nos processos de tomadas de decisões pelo poder público. A questão da legitimidade das ações no âmbito do planejamento urbano é fundamental, não somente para a democracia, mas para a construção de cidades socialmente mais justas (2005, p.53).

Reservadas as peculiaridades de cada realidade local, constata-se ainda que, de

modo geral, as discussões dos planos diretores não têm conseguido mobilizar as classes

populares. Daí decorrem as principais fronteiras a serem transpostas na busca pelo real

direito à cidade. A dimensão sociopolítica do espaço emerge nesse cenário como um

componente sem o qual não se avança na luta pela democratização do espaço urbano.

Em suma, é possível evidenciar em acordo com Santos Junior, numa perspectiva

otimista, que:

Se olharmos as experiências de planejamento urbano em curso, incluindo aí os processos de elaboração dos planos diretores, poderemos concluir que estamos diante de grandes desafios na perspectiva da construção de novos paradigmas de planejamento. No

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entanto, diríamos [...] inspirados em Lefebvre, que é preciso ver nessas experiências de participação e na diversidade de práticas urbanas empreendidas pelos diferentes agentes sociais aprendizados que conformam a práxis que poderá gerar uma nova utopia do direito à cidade, capaz de desenvolver novos processos de reapropriação, pelos seres humanos, do espaço e da sua temporalidade (2008, p.153).

Com o intuito de analisar uma das experiências de planejamento em curso, o

próximo capítulo deste trabalho elege como estudo de caso o Plano Diretor Participativo

do Município de Campos dos Goytacazes-RJ, a partir de um resgate histórico das

principais intervenções urbanísticas observadas no município até alcançar o momento

de elaboração do mesmo, buscando trazer ao debate os principais limites verificados ao

componente da participação neste instrumento de gestão do espaço social.

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CAPÍTULO 3 – PLANO DIRETOR (PARTICIPATIVO) DO MUNICÍPIO DE

CAMPOS DOS GOYTACAZES: ANÁLISE DO PROCESSO DE ELABORAÇÃO

Mesmo ao visitante mais desavisado a paisagem campista é reveladora. A presença das usinas, os antigos casarões do início

do século e o Jockey Club mostram que esta cidade já foi palco de um intenso processo de acumulação. As casas miseráveis que se

aglomeram de forma linear por quase 20 Km de extensão, nas terras entre a antiga estrada de ferro e a rodovia, revelam que esta

acumulação em nada reverteu para a melhoria das condições de vida da população trabalhadora.

Rosélia Piquet In Salário, moradia, cidade: a dinâmica de

uma exclusão.

O presente capítulo tem por objetivo resgatar o histórico de elaboração do plano

diretor participativo (PDP) do Município de Campos dos Goytacazes-RJ. Neste sentido,

faz-se necessária a caracterização do município selecionado, sobretudo no que tange aos

aspectos referentes à estruturação de seu espaço urbano, com destaque para as

intervenções urbanísticas vivenciadas pela realidade local.

Ao resgatar a trajetória de formulação do referido plano, busca-se investigar, sob

uma perspectiva crítica, os principais limites à participação dos diversos segmentos da

sociedade constatados durante o período de construção do PDP de Campos dos

Goytacazes.

3.1 – BREVE CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS

GOYTACAZES

O Município de Campos dos Goytacazes está localizado na Região Norte

Fluminense51, no Estado do Rio de Janeiro. Constituído majoritariamente por planícies,

ocupa uma área territorial de 4032 km² e possui, segundo dados atualizados no ano de

51 Segundo José Luis Vianna da Cruz: “O Norte Fluminense é constituído por nove municípios, polarizados por Campos dos Goytacazes e Macaé, sede das suas duas microrregiões. Herdeiro de 400 anos de monocultura canavieira, tem como pólo mais antigo o Município de Campos dos Goytacazes, que chegou a ser, na primeira metade do século XX, o segundo maior produtor de cana do país, permanecendo até hoje o de maior área de lavoura de cana” (2007, p.45).

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2008 pelo IBGE, – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – uma população de

434.008 habitantes52.

Ao norte, Campos dos Goytacazes limita-se com o Estado do Espírito Santo pelo

Rio Itabapoana; a nordeste com o Município de São Francisco de Itabapoana; a leste

com o Município de São João da Barra pelo Canal de São Bento e a sudeste é banhado

pelo Oceano Atlântico numa área que vai desde a Barra do Açu até a foz do Rio Furado.

Ao sul limita-se com o Município de Quissamã através da Lagoa Feia e do Rio Macabu;

a sudoeste com os Municípios de Conceição de Macabu e Santa Maria Madalena; a

oeste com o Município de São Fidélis; e a noroeste com Cardoso Moreira, pelo Córrego

da Onça em grande parte, além de Italva e Bom Jesus do Itabapoana, via Córrego Santo

Eduardo. Tais limites podem ser verificados a partir do mapa abaixo delineado:

Figura 1: Mapa dos limites entre Campos dos Goytacazes e demais municípios

Fonte: Lei Orgânica do Município de Campos dos Goytacazes, 1990.

De acordo com o Perfil Socioeconômico de 2005 (Anuário de 2005), o

município possui 106 bairros e 14 distritos53, assim listados: Campos dos Goytacazes

52 Segundo Censo Demográfico de 2000, do mesmo Instituto, a população de Campos dos Goytacazes era de 406.989 habitantes, classificando-se como a oitava maior do Estado do Rio de Janeiro e como a maior não pertencente à Região Metropolitana do mesmo estado (IBGE, CENSO, 2000). 53 Ainda hoje, encontram-se divergências em relação ao número exato de distritos e bairros em Campos dos Goytacazes. Tal constatação é passível de ser verificada, por exemplo, quando se analisam os casos

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(distrito sede), Dores de Macabu, Ibitioca, Morangaba, Morro do Coco, Mussurepe,

Santa Maria, Santo Amaro de Campos, Santo Eduardo, São Sebastião de Campos,

Serrinha, Tocos, Travessão e Vila Nova de Campos. A seguir encontra-se o mapa dos

distritos de Campos dos Goytacazes:

Figura 2: Mapa dos distritos de Campos dos Goytacazes

Fonte: Perfil Socioeconômico do Município de Campos dos Goytacazes, 2005.

No concernente ao perfil geral da população, nota-se que entre os anos de 1991 e

2000, o Município de Campos dos Goytacazes apresentou uma taxa média geométrica

de Guarus e Goytacazes, classificados em grande parte da literatura como bairros e não mais distritos. Por isso opta, neste trabalho, pela contagem do Anuário Estatístico de 2005.

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de crescimento anual populacional de 0,88%, contra 1,49% da Região Norte

Fluminense e 1,30% do Estado do Rio de Janeiro. Tais dados podem ser ratificados a

partir do seguinte quadro:

Quadro 3 - Taxa Média Geométrica de Crescimento Anual da População - Estado, Região Norte Fluminense e Campos dos Goytacazes – 1940/2000 Período Estado Região Norte

Fluminense Campos dos Goytacazes

1940/1950 2,61 0,62 1,04 1950/1960 3,68 1,66 2011 1960/1970 2,97 0,88 1,46 1970/1980 2,30 0,89 1,18 1980/1991 1,15 1,58 1,46 1991/2000 1,30 1,49 0,88

Fonte: IBGE, Censos Demográficos-1940-2000

No que se refere ao caráter populacional urbano54 do Município de Campos dos

Goytacazes, em 2000, de acordo com o Censo do IBGE, a população representava o

maior contingente rural do estado, apesar de ter sido observada rápida aproximação da

média estadual, no tocante à sua taxa de urbanização. Detinha assim, a menor taxa se

comparado aos doze maiores municípios do estado. É somente a partir de finais da

década de 1970 e início da década de 198055 que se inicia um significativo crescimento

na área urbana do município, tendo a população rural decrescido em mais da metade.

Constata-se no quadro a seguir esta situação:

Quadro 4 - Taxa de Urbanização da População Residente - Estado, Região Norte Fluminense e Campos dos Goytacazes – 1940-2000 (%) Ano Estado Região Norte

Fluminense Campos dos Goytacazes

1940 61,2 26,8 35,3 1950 72,6 30,1 39,8 1960 79,0 40,4 50,5 1970 87,9 51,0 58,6 1980 91,8 58,4 60,9 1991 95,3 79,2 84,5 2000 96,0 85,1 89,5 Fonte: Perfil Socioeconômico do Município de Campos dos Goytacazes, 2005, p. 54. (IBGE, Censos Demográficos, 1940-2000).

54 A densidade demográfica do Município de Campos dos Goytacazes, no Censo de 2000 realizado pelo IBGE era de 100,6 habitantes por Km². A concentração populacional é visível justamente em seu perímetro urbano. 55 De acordo com o Perfil Socioeconômico do Município de Campos dos Goytacazes de 2005, esse decréscimo da população rural associa-se a uma migração rural-urbana verificada no período, ligada à crise do setor sucroalcooleiro (2006, p. 54).

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O distrito sede, Campos dos Goytacazes, possui aproximadamente 80% da

população total do município, abrigando 98,4% dos habitantes em área urbana;

enquanto os demais distritos apresentam taxas de urbanização bem menores,

destacando-se Ibitioca, com 23,8%, e Vila Nova de Campos, com 26,6%. (PERFIL DE

2005, 2006, p. 54). Em destaque, observa-se no mapa a seguir a taxa de urbanização do

município:

Figura 3: Mapa da Taxa de urbanização do Município de Campos dos Goytacazes

Fonte: Perfil Socioeconômico do Município de Campos dos Goytacazes, 2005.

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Em relação ao perfil urbano da população de Campos dos Goytacazes, Pinto

argumenta que:

A partir de 1950, a população campista iniciou um processo de deslocamento até então não detectado. Começava a urbanização de uma população de características ruralistas em sua esmagadora maioria. Foi o início de uma saída em massa, que se acelerou nas décadas seguintes, de contingentes populacionais que buscavam novas oportunidades. A partir dos anos 80, a zona rural cedeu de vez a sua característica secular de primazia populacional e a ‘city’ passou a centralizar as atenções administrativas, os interesses maiores da população e a oferecer oportunidades diferentes para uma crescente população (2006, p.32).

Em complementação ao raciocínio de Pinto, destaca-se a observação de Gomes

Filho & Serra, quando estes reforçam:

Acompanhando a transição nacional, Campos dos Goytacazes inaugura sua fase urbana em 1970, quando sua população rural deixa de ser hegemônica. Desta data em diante é nítida a consolidação do processo de urbanização, com taxas anuais crescentes para a evolução da população urbana entre 1970 e 2000, enquanto são negativas as taxas que retratam a evolução da população rural municipal (2006, p.4).

A consolidação da população urbana campista não pode ser dissociada do

processo de constituição de favelas em seu espaço urbano, desencadeado em grande

medida pelas migrações campo-cidade. Conforme corrobora Pessanha:

Campos dos Goytacazes possuía, em 1980, 13 favelas. O Censo de 1991 identificou 32 favelas no município. Esse número repetiu-se no Censo de 1996 e no do ano 2000. O crescimento entre os anos de 1980 e 1991 deveu-se ao grande êxodo rural que expulsou do campo trabalhadores rurais, instalando-se essa população nas periferias das cidades, passando a constituir pequenos núcleos (2004, p.308).

No que tangencia aos aspectos econômicos do município56, pode-se salientar o

papel de destaque polarizador historicamente exercido por Campos no cenário Norte

Fluminense57. Em síntese realizada por Silva Neto, observa-se que, a partir dos anos

56 De acordo com informações do CIDAC – Centro de Informações e Dados de Campos –, o PIB do município, no ano de 2007, era de 20,8 milhões de reais. O PIB per capita, no mesmo ano, R$48.846,00. 57 Nas palavras de Cruz: “A imagem do NF ficou marcada, historicamente, pela atividade econômica mais persistente, a da agroindústria açucareira, tendo Campos exercido a condição do grande pólo regional. Campos, sozinho, tinha mais engenhos, ao final do século XVIII, do que Pernambuco, Sergipe e Bahia e quase tantos quanto S.Paulo (Silva, 2002:15). Essa importância foi acentuada a partir da segunda metade

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1980, a tradicional atividade da agroindústria sucroalcooleira que sempre elevou a

economia de Campos a altos níveis econômicos começou a enfrentar sérios obstáculos.

Tais empecilhos refletiram-se, com o passar dos anos, nos processos de migração,

favelização e desemprego na região Norte Fluminense e, sobretudo, no Município de

Campos. No entanto, nos argumentos do mesmo autor, constatou-se que:

Em compensação, a extração de petróleo e gás natural pela Petrobras (Petróleo Brasileiro S. A.) na plataforma continental dessa região, a partir do início da década de 70, desenvolveu um complexo industrial e de serviços bastante significativo, de profundo impacto regional, particularmente nos municípios de Macaé e de Campos dos Goytacazes (2004, p.348).

Algumas atividades econômicas – para além da petrolífera – que emergiam no

município em decorrência do enfraquecimento do setor sucroalcooleiro são destacadas

por autores como Gomes Filho & Serra. Rememoram ambos que, atividades industriais

– como o setor de confecções e o parque ceramista – surgem, contudo enfrentam sérios

obstáculos à sua consolidação. No caso do ramo de confecções, a concorrência frente a

produtos chineses diante do fim das barreiras alfandegárias no Brasil no início dos anos

90 colabora para seu insucesso. No concernente ao setor ceramista, observa-se maior

resistência, porém numa ambiente de crescente degradação, com geração de produtos de

baixo valor agregado.

Campos se transforma ainda num pólo regional de comércio, serviços e firma

sua vocação como importante pólo de educação universitária. Nesse contexto, afirmam

Gomes Filho & Serra:

Esta vocação para o ensino superior e profissionalizante acaba permitindo ao município lograr algum proveito, como celeiro de mão-de-obra, no meio bilionário do petróleo, apesar da vocação inequívoca de enclave econômico assumido pela unidade local da Petrobras, localizada em Macaé. Vocação, aliás, recorrente em se tratando de atividades extrativistas de proporções gigantescas como esta (GOMES FILHO & SERRA, 2006, p.8).

do século XIX, a tal ponto que Campos teve que importar cereais e bois a partir de então (Silva, 2002:9,24)” (CRUZ, 2003, p.89) .

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Mesmo diante da emergência de outras atividades, em termos socioeconômicos é

a exploração do petróleo58, sobretudo na Bacia de Campos, que passa a despontar como

uma das principais esperanças de desenvolvimento regional59. No entanto,

paralelamente à evolução da atividade petrolífera, uma expressiva economia informal

surge no município – e na Região Norte Fluminense –, como conseqüência de anos de

enfraquecimento econômico e alternativa de sobrevivência para grande parcela dos

habitantes. Intensificam-se os problemas urbanos na dinâmica de construção

socioespacial de Campos.

Em publicação realizada em 198660 já denunciava e problematizava Cruz

algumas situações decorrentes do processo relatado acima (informalidade, por

exemplo), relacionadas aos dilemas socioespaciais campistas. Destacara assim,

referindo-se aos processos de expulsão de trabalhadores do campo e à sua conseqüente

precarização no espaço urbano que:

A exclusão na cidade, além da forma já apontada, de ‘desvalorização’ das demais ocupações clandestinas, se dá pela exclusão dos direitos mínimos ligados à urbanização – pavimentação de vias, habitação, luz, água, esgoto, saneamento e drenagem, transporte e comunicação, saúde, educação e lazer – que representam as condições de reprodução dessa força de trabalho. Seu não acesso ao ‘consumo oficial’ termina por garantir as condições de extrema penúria de sobrevivência desses trabalhadores, o que favorece à dominação e à exploração. Diante dessa estratégia até mesmo a perspectiva de fortalecimento deste contingente, sob a denominação de setor informal representaria uma ameaça à manutenção das bases do atual nível de exploração (CRUZ, 1986, p. 42).

58 Silva Neto ressalta ainda que: “Outro fator (...) que contribuiu para a crescente importância do petróleo como instrumento de desenvolvimento regional foi a mudança na lei de pagamento dos royalties, que favoreceu, consideravelmente, a arrecadação dos municípios, e permitiu que as prefeituras locais voltassem a ter capacidade de investimento em infra-estrutura e obras sociais, amenizando os graves impactos do longo processo de enfraquecimento econômico” (2004, p.348). Por sua vez, Gomes Filho & Serra afirmam: “Campos, portanto, em que pese seu porte de cidade média, possui uma receita per capita de cerca de o dobro da realidade média nacional” (2006, p. 12). 59 Vale ressaltar, conforme o fazem Gomes Filho & Serra, numa perspectiva crítica, que: “Este crescimento das rendas petrolíferas implica em um cenário para o desenvolvimento regional ambíguo, pois se por um lado aponta para a ampliação da capacidade de investimento público nos municípios beneficiários dos royalties, por outro evidencia o grau de dependência destes em relação às rendas petrolíferas, sobre as quais não se pode deixar de fazer referência aos seus aspectos errático e finito” (2006, p.12). 60 Análise do perfil ocupacional da população de baixa renda de Campos-RJ. In: PIQUET, Rosélia (org.) Seminário Acumulação e pobreza em Campos: uma região em debate. Rio de Janeiro: PUBLIPUR – UFRJ, 1986 (Série Monográfica n.3).

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Na mesma linha de raciocínio, Rosélia Piquet61 estabelecia discussões

extremamente pertinentes no tocante às contradições que eram gestadas no ambiente

urbano em Campos, principalmente ao revelar situações pelas quais passavam os

trabalhadores, diante de sua restrita inserção no espaço urbano, a saber: “(...) as

condições de mercado de trabalho, que tornam o trabalhador instável e inconstante e o

recebimento de um salário; salários muito baixos; e total privatização do solo urbano”

(PIQUET, 1986, p.72).

De acordo com levantamentos da autora, o processo de exclusão à cidade sofrido

pelos trabalhadores campistas, sobretudo em seus respectivos bairros, evidenciava-se a

partir da observação do (não) acesso aos equipamentos de infra-estrutura e aos serviços

existentes. Segundo afirma:

[...] apenas 5% das habitações contam com rede de esgoto; 66% são providas de fossas, não contando as demais com nenhum sistema de esgotamento. O abastecimento de água por sistema público atinge a 66%, sendo 30% abastecidas por água de poço. A vida no meio urbano impõe ainda novas necessidades que extravasam o consumo individual e familiar. Passam a fazer parte dessas necessidades além dos equipamentos, serviços como transporte, comércio, etc. O processo de exclusão traduz-se mais uma vez no trajeto casa/trabalho. [...] Ainda como reflexo do baixo poder aquisitivo dos salários essa mão-de-obra desloca-se, predominantemente, a pé (4%) ou de bicicleta (34%) (PIQUET, 1986, p.82).

Diante de todos os problemas vivenciados por grande parte da população

campista, a maioria dos trabalhadores obriga-se a buscar sua inserção no urbano de

maneira clandestina, na periferia ou, nas palavras de Piquet, “nas franjas da cidade”

(1986, p. 83). Nesse contexto, ratifica a autora que: “Ao seu turno, a pouca importância

que o Estado – ao nível federal, estadual ou municipal – confere aos meios de consumo

coletivo, denota seu comprometimento e sua subordinação quase exclusivos ao processo

de acumulação privada” (PIQUET, 1986, p.85).

Malgrado tais dilemas urbanos serem relatados à época de 1980, os mesmos

obstáculos no concernente ao efetivo direito à cidade em Campos podem ser

constatados ainda nos dias atuais. Conforme ratifica Pessanha, em Campos, é urgente,

por exemplo, a necessidade de regulação fundiária; além disso, afirma: “O investimento

61 Em seu estudo intitulado: Salário, moradia, cidade: a dinâmica de uma exclusão. In: ________(org.) Seminário Acumulação e pobreza em Campos: uma região em debate. Rio de Janeiro: PUBLIPUR – UFRJ, 1986 (Série Monográfica n.3).

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em infra-estrutura tem se situado num nível muito abaixo das demandas da maioria da

população excluída dos direitos e das oportunidades previstas na própria Constituição

brasileira” (2005, p. 7). Em seus argumentos, revela-se que, de acordo com o Censo de

2000 realizado pelo IBGE há, nos distritos e bairros de Campos:

[...] 68% dos 112 mil domicílios sem rede de água. A coleta de esgoto está restrita a menos de 25% dos domicílios campistas, sendo que em 2,7 mil casas sequer há a presença de banheiros ou sanitários. O transporte em nossa cidade valoriza cada vez mais o carro em detrimento do pedestre e o transporte individual em detrimento do coletivo que vive séria crise. (PESSANHA, 2005, p. 66)

Diante do exposto, faz-se condição essencial para a continuação do presente

estudo uma análise mais específica acerca das intervenções urbanísticas que já

ocorreram em Campos dos Goytacazes. Traçar um histórico de tais intervenções mostra-

se primordial tarefa no sentido de contribuir para uma análise mais completa dos

dilemas vivenciados pelos munícipes campistas. O próximo item trata, assim, deste

objetivo.

3.2 – CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ESTRUTURAÇÃO DO ESPAÇO

URBANO CAMPISTA: PRINCIPAIS INTERVENÇÕES URBANÍSTICAS NO

SÉCULO XX

A passagem do século XIX pra ao século XX foi marcada no Brasil por intensas

transformações em suas estruturas socioeconômica e política. Tais transformações

anunciavam o imperativo do processo de urbanização no país, bem como a necessidade

de se resolverem os dilemas que despontariam como decorrência da formação urbana

nacional.

Diante do grande contingente populacional que passava a migrar para as cidades

e nelas buscar constituir suas vidas – com moradia, saúde, emprego, etc. – observava-se,

sobretudo no início do século XX, uma associação comumente feita entre o espaço das

cidades e a questão da “desordem” ou do “caos” urbano, a partir da vivência de

inúmeros problemas ligados à habitação precária, saneamento básico, dentre outros.

Conforme sustentam Amaral & Faria: “A dinâmica das cidades foi associada à palavra

desordem em virtude de sua ocupação, cada vez mais numerosa e tumultuada. Na

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instabilidade dos núcleos urbanos, os novos habitantes circulavam pelas ruas em busca

de emprego e abrigo” (2003, p.104).

Neste cenário, diversos projetos urbanísticos surgiam na tentativa de amenizar as

situações que emergiam nas cidades, contudo muitas vezes contribuíam, a partir de

meras intervenções pontuais, para intensificar os processos de desigualdade

socioespacial ou, simplesmente caíam no ostracismo. A situação verificada na

experiência nacional refletia-se em Campos dos Goytacazes. Faria ressalta em seus

estudos que:

[...] a cidade se constitui, definitivamente, num espaço de intervenções e controle mais sistemáticos e, em Campos, na virada do século XIX e início do século XX, tudo o que concerne à higiene e à saúde públicas é transformado, em discursos e em justificativa para intervenções (2000, p.106.).

No século XX, antes de se pensar a elaboração de um PDP para o município,

quatro planos procuraram delinear o desenvolvimento urbano da realidade destacada62.

Busca-se então, construir um breve relato sobre os principais objetivos contidos em

cada um desses planos, até se alcançar o atual, exigência do Estatuto da Cidade, foco de

nosso estudo.

Um dos planos mais destacados na história do planejamento urbano em Campos

data do ano de 1903, quando o engenheiro sanitarista Saturnino Rodrigues de Brito,

contratado pelo então prefeito da época, o médico Benedito Pereira Nunes, elaborou um

projeto de saneamento geral para a cidade. O projeto, conhecido como Plano

Saneamento de Campos, calcava-se em bases positivistas e evidenciava o sentido de

racionalidade técnica e econômica traduzido nos projetos de Saturnino de Brito.

Desse modo, o papel ativo dos médicos e engenheiros sanitaristas nos planos

urbanísticos do início do século XX foi condição também verificada na situação

campista. Conforme afirma Faria:

[...] inicia-se a desconstrução da cidade colonial e sua reestruturação sob a égide de projetos modernizadores. Assim, coube aos médicos e engenheiros a missão de pôr fim ao atraso colonial e tornar a cidade o

62 Segundo Soffiati, antes do século XX, houve alguns “planos gerais de implantação de cidades que os portugueses traziam da Europa e algumas iniciativas de Pralon, engenheiro da Câmara Municipal de Campos, na primeira metade do século XIX” (2005, p.77). Além disso, houve ao longo do século XIX outras intervenções urbanísticas, tais como a construção de canais, instalação de água, esgoto e luz elétrica, etc. No entanto, nosso recorte trata das intervenções (planos) realizadas no século XX.

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símbolo do progresso e da civilização. As ações destes profissionais ultrapassavam as funções puramente técnicas. Os engenheiros conduziram as reformas nas cidades brasileiras. As intervenções médicas no espaço urbano passavam pelos ensinamentos das regras de higiene com o corpo, com a alimentação e com a moradia, influenciando o tratamento das doenças. Através destas ações os médicos se inserem em diversas instâncias de poder (2003, p.19).

Ainda de acordo com Faria, pesquisadora que se debruçou sobre o Plano de

Saturnino de Brito, é válido destacar o propósito do engenheiro ao elaborar suas idéias

para Campos, na medida em que, em relatório editado em 1943, referente ao Plano de

1903, o mesmo afirmava: “Preocupa-nos, digamo-lo desde já, chamar a atenção para a

necessidade de educar as populações nos bons princípios de higiene (BRITO, 1943,

p.17 apud FARIA, 2003, p.20).

A feição positivista de Saturnino de Brito pode ser corroborada a partir da

seguinte análise de Faria:

Que se desfaçam todas as nuvens que escurecem o firmamento da nossa existência social: que a Política da Ordem e do Progresso, iluminadora e saneadora e vivificadora, inicie a sua ascensão reta nos horizontes de cada pequena Pátria do nosso Brasil. Para ele < a necessidade de sanear o município insalubre se afirma no seu centro vital, a cidade... (BRITO, 1943, p.21 apud FARIA, 2003, p.20).

Para Soffiati, é importante realçar que o Plano formulado por Saturnino de Brito

para Campos detinha-se, num primeiro momento, apenas à cidade de Campos. A

complementação só viria em 1929, “com um Saturnino de Brito mais humilde,

escrevendo Melhoramentos do Rio Paraíba e da Lagoa Feia, agora compreendendo o

município como um todo, notadamente a sua parte rural” (2005, p.77).

O contexto em que o Plano do referido engenheiro é pensado reflete as

condições urbanas que eram gestadas em Campos, desde finais do século XIX, início do

XX. Nesse momento, erguia-se a bandeira do “sanitarismo redentor”, reforçando a

necessidade de intervenções, sobretudo, no centro urbano, em detrimento das periferias,

alicerçando-se num discurso modernizador. Para Faria, emerge em Campos, nesse

momento, a diferenciação entre áreas centrais e áreas periféricas de seu espaço urbano,

numa lógica de valorização das primeiras, e esquecimento das segundas (FARIA, 2005,

p. 83). Ao citar estudos de Pohlmann, reforça Faria que:

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A partir de 1902, a municipalidade iniciou medidas incisivas sobre a higiene do espaço público, principalmente nas ruas centrais da cidade, normatizando as condutas e o uso deste espaço. Em uma sessão extraordinária, os membros da Câmara resolveram proibir a permanência de quitandas na área central. (...) Na concepção dos comerciantes, a presença de ambulantes denegria a imagem da cidade. As decisões da Câmara apoiavam-se nos discursos que disseminavam a idéia de que tudo que se relacionava aos pobres era considerado desordem. (POHLMANN 2003, p. 74-76 apud FARIA, 2005, p. 83)

O Plano pensado pelo engenheiro Saturnino de Brito partia de críticas aos

projetos do engenheiro Pralon63, e à Companhia The Campos Syndicate64. Desse modo,

Saturnino de Brito defendia a importância da carta topográfica para seu projeto;

delimitava como área de seu estudo o território da cidade propriamente dita – perímetro

urbano –, os subúrbios que surgiam e os grandes eixos pelos quais a cidade deveria

orientar sua expansão (FARIA, 2003, p.20-21).

Além disso, salienta Faria que, após estudo do meio físico e ambiental, Brito

analisou o estado das ruas, consideradas por ele como mal traçadas, dificultando o

escoamento das águas; descreveu e localizou rios, lagos, pântanos e lagoas, destacando

as condições climáticas de Campos; observou suas condições ambientais e a situação

das praças. Comentou o estado dos prédios públicos e privados e estudou com atenção

as principais áreas inundáveis, desenvolvendo noções de higiene e formulando teorias

sobre o meio ambiente, a partir da união dos aspectos material, moral e social. E assim,

segundo a autora: “Só então apresenta a sua análise do meio urbano de Campos, propõe

as soluções e por fim apresenta o seu projeto de intervenção (2003, p.23).

Em suma, pode-se afirmar que o Plano de Saturnino de Brito, primeiro

elaborado para Campos no século XX, preocupava-se, sobretudo, com a questão da

higiene e saúde pública, numa base de pensamento explicitamente positivista, calcada

nos ideais da ordem e do progresso. Talvez o principal plano para Campos sobre o qual

se encontra referência na literatura seja o de Saturnino de Brito.

Apesar dos esforços impressos pelo engenheiro, evidencia Faria que seu projeto

enfrentaria resistências consideráveis. Nesse âmbito, aponta:

63 Amélio Pralon, engenheiro francês naturalizado brasileiro, que em 1840 elaborou o primeiro plano de intervenção urbana para a cidade, enquanto engenheiro da Câmara Municipal de Campos (FARIA, 2003, p.20). 64 Empresa inglesa que elaborou e implementou a instalação de água e esgoto de Campos, no ano de 1888 (FARIA, 2003, p.20).

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No princípio do século XX, de fato a realidade urbana de Campos parece resistir à aplicação do projeto, ou até mesmo querer impedi-lo. São as forças da natureza e as barreiras materiais que prevalecem: o meio físico insalubre (pântanos, brejos e áreas alagadiças), enchentes e velhas construções. E o agravamento desta insalubridade pela chegada de novos habitantes, pelo crescimento da população que é pouco a pouco expulsa em direção às áreas pantanosas e insalubres. Nesta população, é necessário contar, após a abolição da escravidão, a recente classe de ‘pequenos trabalhadores urbanos’ cujas condições de vida e de habitat são particularmente ruins. Além de tudo isto, é preciso enfrentar outro desafio: erradicar as enfermidades epidêmicas, como a peste bubônica que assola a cidade em 1901 (FARIA, 2003, p.26).

O projeto de modernização concebido para uma burguesia em ascensão ficaria

esquecido se não fossem os agravantes que aconteceram na cidade ainda na primeira

década do século XX. Em 1906, ocorreu em Campos uma inundação65 que marcou sua

história, acompanhada de epidemias e doenças. É possível dimensionar o papel da

referida inundação, quando se consultam jornais da época. Faria destaca a notícia

veiculada em A Gazeta do Povo:

A vida econômica e administrativa do Município foi seriamente perturbada desde o começo do ano pelas inundações, uma das maiores que o Município já sofreu, acompanhada de casos de febre amarela e ultimamente de uma epidemia de peste bubônica. As vítimas da inundação foram transferidas para os edifícios do teatro São Salvador, do Liceu de Humanidades, do Liceu de Artes e Ofícios, do Clube Tenentes de Plutão, Macarrões e Indano, da Loja Maçônica Progresso, das estações de trem da Coroa e Carangola, da Matriz de São Salvador, de São Francisco, de Santo Antonio de Guarulhos e da Igreja N. S. do Carmo e São Benedito. Duzentos e trinta e seis casas foram destruídas (A Gazeta do Povo, 1906, apud FARIA, 2003, p.28).

A partir da intensificação desses problemas é que, quatro anos após a formulação

do plano de Saturnino de Brito, Pereira Nunes, agora no Senado Federal, reivindica

intervenção do governo federal e retoma o papel do engenheiro no sentido de propor

soluções para Campos. Nesse momento muda-se o olhar sobre a cidade, tomada ela

mesma, como um problema (FARIA, 2003, p.29). Contudo, mesmo assim é importante

destacar, como o fez Rodrigues, as dificuldades em absorver o projeto de Saturnino de

Brito, diante da seguinte constatação:

65 Esta inundação “destruiu 236 construções das partes baixas (poupando apenas o centro da cidade – um desastre ampliado, pela opinião pública)” (FARIA, 2003, p.27).

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O Plano Saturnino de Brito não foi receptivo logo de sua publicação, por motivos que a política de época se permitiu a assumir, uma vez que a The Campos Syndicate Limited Company detinha a concessão do abastecimento de água e de captação e tratamento de esgoto na cidade desde 1885, estabelecendo suas atividades até 1913, quando então o Governo do Estado do Rio de Janeiro (o mesmo que pagava a Companhia estrangeira para atuar em Campos) assumiu a empreitada per si, sob o nome de Comissão de Saneamento de Campos. Não que outras políticas fossem praticadas, como o arruamento ou o projeto sobre os domicílios segundo a concepção do dito engenheiro sanitarista. Mas é só a partir daí que poderemos perceber uma atuação mais receptiva do Governo deste município no sentido de dar mais ouvidos ao eminente engenheiro sanitarista, mas daí vislumbrar a atuação sob seu plano era idéia que já tinha sido, por hora, guardada às gavetas (RODRIGUES, 2003, p.119).

Em síntese, pode-se concluir que o plano que Saturnino de Brito pensou para

Campos nunca foi realmente executado. Faltavam intervenções concretas, que

englobassem a cidade como um todo. Verificavam-se dispersas medidas pontuais,

principalmente no centro da cidade. Nesse sentido, referindo-se mais uma vez a notícias

veiculadas no jornal A Gazeta do Povo, salienta Faria:

Existe um projeto de saneamento para esta cidade. Presentemente, o famoso engenheiro que o concebeu, filho desta terra, está embelezando Recife. Atualmente o doutor Saturnino de Brito abre avenidas e instala água e esgotos na cidade que teve mais sorte que a nossa. Entretanto, Campos, seu berço, para quem ele dedicou com carinho um estudo e imaginou as necessidades para a qual ele concebeu um projeto de saneamento, parece só ter filhos ilustres para o benefício dos outros e das outras regiões. Este projeto, nobre estudo que sobre a arte e a higiene, relatório completo de nossas necessidades, foi negligenciado (A Gazeta do Povo, 26 de março de 1911, apud FARIA, 2003, p.32).

Posteriormente ao Plano de Saturnino de Brito, em 1903, pode-se enfatizar o

plano elaborado no ano de 1944, no Escritório Coimbra Bueno66, durante o mandato do

prefeito Salo Brand67. Na visão de Soffiati, este plano “prima por um caráter

francamente autoritário, ao apagar das luzes do Estado Novo” (2005, p.77).

66 Coimbra Bueno e Cia Ltda. Nos argumentos de Alves & Costa, observa-se que: “Em 1944 Coimbra Bueno e Cia Ltda elaborou um Plano de Urbanização para Campos, constatando os principais problemas sofridos pela cidade e influenciando no crescimento urbano” (2005, p. 3735). 67 Segundo Faria: “Durante os anos 1939-1945 a cidade de Campos, então, sob a administração dos engenheiros Mário Motta e de Salo Brand que, certamente, seguiram de perto os trabalhos de Agache em São da João Barra, vê o estabelecimento das grandes linhas de intervenção no espaço urbano com uma direção, e um discurso que é uma questão do urbanismo científico” (2000, p.110).

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A estruturação do espaço urbano campista neste período já manifestava

problemáticas complexas. Críticas feitas à administração municipal davam conta de que

a mesma preocupava-se mais com os aspectos estéticos da área central da cidade do que

com os reais problemas enfrentados. Novos jornais, grupos e interesses despontavam,

sugerindo direções diferentes para o desenvolvimento urbano local. Estudos revelam

que, na década de 1940, inaugura-se em Campos seu momento de expansão territorial,

aliada ao problema da mobilidade urbana. Reforça Faria, sobre o contexto selecionado

que:

A partir da década de 40, os critérios de uso e funcionalidade do espaço urbano foram, por exigência da realidade sócio-espacial que já se mostrava problemática, sensivelmente revistos. Na realidade, presenciou-se o advento de critérios racionais e científicos orientados pelo urbanismo moderno para a melhor configuração espacial da cidade. Muito desta reformulação se deveu às reivindicações da população que fizeram ecoar, na imprensa da época, o fato de haver duas cidades. Uma referente à área central que, nos últimos 20 anos, havia recebido inegável atenção por parte das autoridades; outra, desconhecida, distante, porque periférica e carente de ações públicas (2005, p. 84).

Apesar de o processo de verticalização em Campos observar sua intensificação

somente a partir dos anos 1970, já na década de 1940 autores como Faria salientam para

o início deste movimento:

Em Campos, o processo de verticalização teve início, timidamente, nos anos 40 do século XX, se exacerba a partir do final dos anos 70, concentrando-se principalmente nas áreas centrais e adjacências, como resultado da valorização destas áreas em detrimento daquelas mais afastadas do centro urbano (FARIA, 2006, p.02).

Com o intuito de nortear o desenvolvimento de Campos, o então prefeito, já

mencionado, Salo Brand, contrata os serviços da empresa Coimbra Bueno, para

conceber um plano urbanístico para a cidade. Além disso, como evidencia Faria: “Brand

executa intervenções e operações de prestígio68, dotando algumas áreas, inclusive na

periferia da cidade, com infra-estrutura e serviços” (2006, p.05).

68 Planifica a Praça da Bandeira, em frente ao Hospital da Santa Casa de Misericórdia em construção, no início da Avenida Pelinca; constrói o Parque Alzira Vargas para a Assistência à Infância, ao sul do núcleo central, e inicia a construção do Hospital de isolamento para os tuberculosos, hoje, hospital de referência na região, o Hospital Ferreira Machado, na coroa (FARIA, 2006, p.05-06).

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Salo Brand faz diversas referências às idéias propostas por Saturnino de Brito.

Para alguns autores, ele baseia-se no projeto daquele engenheiro higienista. Neste

sentido, guia-se por um discurso da mesma natureza. Um mapa cadastral é elaborado

para a cidade, incluindo o bairro de Guarus, situado à margem esquerda do Rio Paraíba

do Sul. Todos os dados obtidos serviram de base para a empresa Coimbra Bueno e à

elaboração do plano. Segundo Faria, entretanto:

Após a divulgação da elaboração de um projeto urbanístico, críticas, assim como reivindicações com relação aos bairros menos favorecidos pelas obras propostas, se tornam cada vez mais freqüentes na imprensa, evidenciando mais uma vez a distância existente entre o projeto modernizador e a realidade urbana (2000, p. 112).

O Plano de 1944 apresentava as diferenças de infra-estrutura entre os vários

bairros da cidade. Nesse sentido, buscava, dentre outros aspectos “corrigir os erros das

intervenções anteriores que tenderam apenas à valorização e embelezamento das áreas

centrais e (...) orientar a expansão da cidade, integrando, por exemplo, inúmeros bairros

que não foram considerados pelos planos anteriores” (FARIA, 2005, p. 89).

Nos estudos de Faria, nota-se que o Plano de 1944 representou alguns avanços,

pelo menos no que tange ao documento que foi formulado no papel. Em suas análises:

O Plano Urbanístico de 1944 importou num estudo detalhado sem precedentes na história urbana campista que, embora não tenha sido colocado em prática na sua totalidade, foi responsável pela definição das linhas de ação, a posteriori, adotadas pelas subseqüentes administrações (Faria, 2000). Finalmente, devemos destacar que este Plano, ao privilegiar uma organização da cidade, aliando beleza e funcionalidade, orientou o sentido de expansão da cidade em direção às áreas periféricas (2005, p. 89).

Contudo, malgrado um olhar mais detalhado sobre as áreas periféricas

campistas, críticas e reivindicações surgiam, demonstrando que os investimentos que

deveriam ser destinados a estas áreas, conforme estabelecidos no plano de 1944, não se

efetivaram. A partir de então a dicotomia centro-periferia acentua-se na realidade

campista, acrescida de problemas decorrentes do êxodo rural que passava a se observar

no município. Em 1946, um decreto instituía um plano de zoneamento para Campos, a

partir da separação do uso do solo, tendo por base o Plano Urbanístico de Coimbra

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Bueno69. Conforme explicita Faria, este plano de zoneamento contribuiu para aumentar

“ainda mais o processo de diferenciação dos espaços” (2006, p.06).

No que tange à real execução do Plano de 1944, considerações semelhantes às

feitas para o Plano de 1903 podem ser estabelecidas. Não se observa uma aplicação do

plano em sua totalidade, mas referências a ele em gestões municipais posteriores são

averiguadas. Desse modo, sistematiza-se, a partir do raciocínio de Faria, a questão do

referido plano:

O objetivo principal do plano é a organização da cidade, o que deve ser assegurada pela elaboração e a colocação em prática de uma legislação rígida. O plano proposto, em suas linhas gerais, pelo prefeito engenheiro Salo Brand, e elaborado pela empresa Coimbra Bueno não foi executado logo após a sua elaboração, aliás, ele nunca foi executado em sua totalidade, mas observando-se o traçado atual da cidade, podemos constatar que as intervenções posteriores, ocorridas no espaço urbano, seguiram suas principais orientações (2000, p. 114).

O terceiro plano a ser mencionado no presente estudo data do ano de 1979. Para

o professor Soffiati, ao ser elaborado por três arquitetos “a portas fechadas”, na gestão

do prefeito Raul David Linhares Corrêa, este plano teve também um viés autoritário70

(2005, p.77).

Denominado de Plano de Desenvolvimento Urbanístico e Territorial de Campos

– PDUC – de modo sintético, pode-se caracterizar o mesmo como um instrumento que

visava o ordenamento e uso do solo do município e a racionalização dos investimentos

em infra-estrutura urbana e prestação de serviços públicos (FARIA, 2006, p.07).

Importante é destacar que, na década de 1970, a população campista passa a se

tornar majoritariamente urbana, sobretudo em decorrência dos processos de êxodo rural

intensificados a partir das crises no setor sucroalcooleiro. O crescimento urbano no

período ganha fôlego, sendo acompanhado também do agravamento dos dilemas

urbanos. O processo de verticalização torna-se mais presente, e a ocupação em direção à

periferia se fortalece, ampliando o processo de fragmentação socioespacial em Campos

69 “A análise do projeto da empresa Coimbra Bueno mostra a preocupação com o embelezamento e a renovação da cidade apoiados no funcionalismo do - city planning - e da engenharia urbana: a cidade deve ter suas funções bem regularizadas, bem distribuídas a partir de uma racionalidade aliada à beleza” (FARIA, 2000, p. 113). 70 Segundo Soffiati, houve um tempo definido para a inclusão de emendas no plano, na Câmara Municipal. O então vereador Hélio Coelho apresentou vinte emendas, na tentativa de abrir uma brecha pouco mais democrática ao processo (2005, p.77).

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dos Goytacazes. Faria, ao relembrar o processo de verticalização em Campos, ressalta

que:

A verticalização, segundo Pereira (2004), foi anunciada como solução para o crescimento da cidade, primeiramente no plano elaborado por Coimbra Bueno, em 1944, como resposta para o excesso de brejos e lagoas existentes na cidade, retendo a sua expansão. Acrescente-se a isso a presença de grandes propriedades rurais (fazendas e canaviais limitando o perímetro urbano). Com a drenagem dos brejos as construções verticais tornam-se desnecessárias, permanecendo obrigatória para a área central, objetivando utilizar a infra-estrutura aí existente (FARIA, 2006, p.09).

De forma resumida, pode-se dizer que, de acordo com o Plano de 1979, o

PDUC, entidades privadas e públicas deveriam respeitar seus ditames legais, a saber: 1)

Lei dos Perímetros Urbanos; 2) Lei de Zoneamento e Uso do Solo; 3) Lei de

Parcelamento do Solo e 4) Código de Obras. O Plano configurava-se a partir desses

focos, deixando outras questões, importantes, de lado. (FARIA, 2005, p. 90).

Nos argumentos de Faria:

Com vistas a corrigir as irregularidades vivenciadas no tecido urbano da cidade e, principalmente, nas áreas menos privilegiadas e carentes de infra-estrutura, o arquiteto e então prefeito de Campos, Raul David Linhares, elabora, em 1979, com base nas leis do Plano de 1944, o PDUC (Plano de Desenvolvimento Urbanístico e Territorial de Campos). Tal Plano fora definido pela tentativa de promoção do desenvolvimento físico e territorial urbano do Município de Campos, de acordo com as relações sócio-econômicas, geopolíticas e culturais do momento (2005, p. 90).

A partir da década de 1980, Campos passa a vivenciar de forma ainda mais

intensa seus problemas urbanos. O processo de favelização, segregação socioespacial e

a dualidade centro-periferia acentuam-se em sua dinâmica espacial. Reforça Faria que

neste período:

[...] a cidade se vê encurralada pela problemática do processo de favelização, acentuado, sobremaneira, pela falência das Usinas de cana-de-açúcar em Campos e pelos inevitáveis conflitos oriundos da expansão urbana insuficiente para o volume demográfico que recebera a cidade ou qualquer iniciativa de controle urbano que se tenha efetivado (2005, p.90).

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Em 1991, sob a gestão do então prefeito Anthony Garotinho, elabora-se o Plano

Diretor de Campos dos Goytacazes (lei 5.251/1991), já num contexto pós-Constituição

Federal de 1988, a qual tornou obrigatória a elaboração de planos diretores para cidades

com mais de vinte mil habitantes, conforme relatado em capítulo anterior. Portanto,

reforça Rodrigues que:

[...] o Plano Diretor da cidade de Campos dos Goytacazes ganha uma conotação de lei obrigatória, uma vez que ele é identificado, dentro de uma concepção pós-constitucional de construção de cidadania através dos preceitos fundamentais da Carta magna e dos princípios que o norteiam, uma lei municipal que apenas fique nos critérios da legalidade, sem se preocupar com sua legitimidade (2003, p.119).

O Plano Diretor de 1991 surge diante das determinações da Carta de 1988, da

Constituição Estadual de 1989 e da Lei Orgânica do Município do ano de 1990.

Antes de abordar o histórico do Plano Diretor de 1991, no entanto, faz-se mister

destacar alguns aspectos de ordem legal presentes na Lei Orgânica do Município de

Campos dos Goytacazes. Essa tarefa justifica-se porque, ao longo do trabalho, foram

analisados os principais aspectos de ordem legal referentes aos planos diretores no

Brasil, tanto na Constituição Federal de 1988 como na lei 10.257/2001, Estatuto da

Cidade. Dessa forma, considerando a relevância e o peso da legislação municipal nesse

mesmo processo, serão observados alguns pontos também da Lei Orgânica. A referida

legislação será considerada ainda porque, ao concordar com Araújo e Silva, entende-se

que:

Sendo a legislação municipal a mais próxima do cidadão e o espaço urbano sua área privilegiada de atuação, torna-se de extrema importância a reflexão sobre a cidade em que queremos viver, principalmente no aspecto da avaliação da distância entre a descrição apresentada no texto legal e a aplicação prática na realidade das cidades brasileiras. (2003, p. 72)

De início destaca-se o artigo quarto, presente no capítulo primeiro, inserido nas

Disposições Preliminares, ao tratar da Competência do Município. Nesse sentido, nota-

se que compete ao Município de Campos dos Goytacazes:

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XI - elaborar o seu Plano Diretor; além de: XII- promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, e estabelecer normas de edificações;

Seguindo as outras leis citadas, a Lei Orgânica do município em questão

também atribui ao Plano Diretor papel de instrumento orientador dos processos de

transformação do espaço urbano e de sua estrutura territorial, servindo de referência

para todos os agentes públicos e privados que atuam na cidade. Também concede

importante ênfase à questão da função social da propriedade urbana ao preconizar sua

consonância com as exigências de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor. É o

constatado no capítulo III, Da Política Urbana, artigo 170, §1º. Ainda segundo mesmo

artigo, afirma-se que:

A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, atenderá às funções sociais da cidade, compreendidas estas como o direito de todo o cidadão de acesso à moradia, transporte público, saneamento básico, energia elétrica, gás canalizado, abastecimento, iluminação pública, saúde, educação, cultura, creche, lazer, água potável, coleta de lixo, drenagem das vias de circulação, segurança e preservação do patrimônio ambiental e cultural.

Para a concretização desses objetivos, no capítulo primeiro, Do Planejamento

Municipal, mais precisamente artigo 89, a Lei Orgânica determina que a administração

municipal deve organizar-se de modo a exercer suas atividades e promover sua política

de desenvolvimento urbano, dentro de um processo permanente, atendendo aos

objetivos das diretrizes estabelecidas no Plano Diretor e mediante adequado Sistema de

Planejamento71.

Por fim, o artigo 173, Da Ordem econômica e social: capítulo III, Da Política

Urbana, determina: “É garantida a participação popular, através de entidades

representativas, nas fases de elaboração e implementação do Plano Diretor, em

Conselho Municipal a ser definido em lei”.

Apesar de afirmar que a participação popular será realizada via entidades

representativas, não há uma clara especificação de tais entidades. Além disso, não se

ressalta que tal participação deva ocorrer em todas as etapas do Plano Diretor, apenas

71 Existe no mesmo artigo uma definição do que seja o Sistema de Planejamento, no § 2º, o qual afirma: “Sistema de Planejamento é o conjunto de órgãos, normas, recursos humanos e técnicos voltados à coordenação da ação planejada da Administração Municipal”. Contudo nota-se que se trata de uma definição um tanto quanto limitada, ponto não aprofundado da referida legislação.

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mencionando suas fases de elaboração e implementação, deixando em segundo plano a

constante revisão necessária ao processo.

É nesse cenário pós aprovação da Lei Orgânica Municipal que se discute a

elaboração do Plano Diretor de Campos, no ano de 1991.

Segundo Soffiati, para a elaboração do plano a prefeitura constitui um grupo de

trabalho presidido pela geógrafa Lysia Bernardes que, apesar de ter imprimido esforços

no sentido de uma abertura à participação popular na formulação do plano, não

consegue efetivar esse caráter participativo. Nas palavras do autor, Lysia Bernardes

[...] encontrou dificuldades em cumprir o que determinavam a Constituição Estadual e a Lei Orgânica no concerne à participação popular mediante conselho instituído por lei. Com a morte da geógrafa, o anteprojeto foi entregue por dois arquitetos de sua equipe à prefeitura de Campos, que, por pressões econômicas, enviou-o à Câmara Municipal sem a parte relativa a zoneamento urbano e gabaritos, ao mesmo tempo mantendo três leis do plano anterior pelo art. 37. Estas três leis acabaram sendo substituídas em 1995 e 1998, também de forma autoritária (SOFFIATI, 2005, p.78).

Ao referir-se ao espírito do Plano Diretor de 1991, Rodrigues atenta para o fato

de o mesmo não representar uma voluntariedade político-social, mas um mero

instrumento obrigatório. Em seus argumentos, observa-se que o referido plano atuaria

de forma secundarizada na realidade local, sobretudo pela influência, ainda visível, do

PDUC. Mesmo em plena vigência, o Plano Diretor criado na gestão do prefeito

Garotinho não teria peso como um instrumento de ordenação urbanística perante o

poder público municipal. Assim, afirma o autor:

Se atentarmos à estrutura do Plano Diretor, e identificarmos as políticas a serem providas à cidade de Campos dos Goytacazes, veremos, com toda certeza, que nele faltam muitas especificidades quanto à realização de qualquer atividade de empreendedorismo na municipalidade. Visto estar, então, a dita lei em socorro ( em face do seu caráter de norma pragmática), contemplamos com o fato de estar, coadjuvante a esta lei de suma importância, presente a aplicação e norteamento das políticas públicas da cidade pelo Plano de Desenvolvimento Urbano de Campos, desenvolvido em 1979 e atualizado em 1998 e conhecido como PDUC, sendo esta, e não o Plano Diretor, a matriz de ordenamento urbanístico preconizado para a cidade de Campos dos Goytacazes (2003, p. 120).

Ao analisar o histórico dos planos elaborados para Campos dos Goytacazes ao

longo do século XX, conclui-se que os mesmos não foram executados em sua

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totalidade. Constata-se ainda, que não propiciaram intervenções concretas nas áreas

periféricas do município e muito menos contribuíram para amenizar a situação de

desigualdade socioespacial percebida na realidade campista. Em suma, concorda-se com

Rodrigues, quando este sinaliza: “(...) uma vez colocado à sociedade, estes planos têm o

mesmo destino perante a municipalidade: o engavetamento, senão o virtualismo de

existência, dos mesmos” (2003, p.121).

No inicio do século XXI, diversos autores já destacavam o descaso com relação

à defasagem do Plano Diretor de 1991, que necessitava de urgente revisão. Em 2001 a

lei federal Estatuto da Cidade determina novas diretrizes e encaminha novas exigências

para a elaboração e revisão dos planos diretores municipais, enquadrando os mesmos

como figuras centrais de orientação do desenvolvimento urbano no Brasil.

Nesse contexto, a necessidade e obrigatoriedade legal de se revisar o Plano

Diretor de Campos dos Goytacazes de 1991, configuravam-se como condições

primordiais. Com este intuito, no ano de 2005 iniciaram-se as discussões em torno da

referida revisão do último plano que a municipalidade havia conhecido. Contudo,

diferentemente do que ocorria com os planos anteriores, tratava-se de discussões que

deveriam preconizar o princípio da gestão democrática ditado pelo Estatuto da Cidade, e

assim prezar pela participação dos munícipes na elaboração do novo plano para

Campos.

Assim, iniciou-se o processo de formulação do Plano Diretor Participativo do

município, que representava para muitos estudiosos dos dilemas urbanos campistas, a

possibilidade de se instaurarem bases mais democráticas para o pensamento sobre a

cidade e para a proposição de soluções aos seus problemas. O histórico de construção

deste mais atual Plano de Campos é tema a ser abordado no próximo item.

3.3 – PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO DO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS

GOYTACAZES: A TRAJETÓRIA DE SUA FORMULAÇÃO

No ano de 2005 começou-se a discutir a revisão do Plano Diretor de Campos

formulado em 1991. Os debates tiveram início no Conselho Municipal de Meio

Ambiente e Urbanismo – CMMAU72 – órgão a partir do qual se iniciou a discussão e

72O CMMAU foi criado pela lei municipal 5.664, em oito de julho de 1994, alterada pela lei 7.660 de 2004. É composto por vinte e oito membros titulares e vinte e oito membros suplentes. Entre as várias

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formação de um núcleo gestor constituído por poder público e sociedade civil a fim de

se pensar o novo Plano. Tal informação pode ser corroborada a partir do trecho abaixo

sinalizado, extraído da ata73 da primeira reunião ordinária da Comissão designada pelo

Conselho Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo para coordenar a elaboração do

novo Plano:

Aos dez dias do mês de março de dois mil e cinco, às dezesseis horas e dez minutos, na sala de reuniões da Secretária Municipal de Planejamento de Campos dos Goytacazes, realizou-se a primeira reunião ordinária da Comissão do Conselho Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo destinada a coordenar a elaboração do novo Plano Diretor do Município, presidida pelo Secretário de Meio Ambiente e Defesa Civil, Sidney Salgado dos Santos, com a presença da Secretária de Educação Elizabeth Campista, do Secretário de Obras José Luiz Puglia, Antônio Luiz Baldan Gusmão (SMEC), Milton Roberto Duarte Villela (Crea-RJ), Aristides Arthur Soffiati Netto (UFF), Antônio Januário Rosa (FAMAC), Luiz Felipe Muniz de Souza (CNFCN) e secretariada por mim, Clessia Almeida da Silva, para tratar da formulação do novo Plano Diretor do Município de Campos dos Goytacazes.

Registra-se na mesma ata que o então Secretário de Obras do município inicia a

discussão destacando a importância da implementação do Plano, o que, em sua visão,

passava pela “capacidade de traçar metas, planos gerais, específicos e em tópicos, não

só coordenar, mas acompanhar todo o processo”. É válido ressaltar que o mesmo

secretário problematizara que:

[...] até o momento, os membros da Comissão não estão atualizados quanto à formulação de um Plano Diretor, sendo grande a necessidade de se aplicar um curso com a finalidade de preparar o Conselho para que ele possa participar de todo o processo, concordando com ele todos os presentes.

Os primórdios das discussões sobre o processo de formulação do novo Plano

Diretor deram-se num contexto de intensa turbulência política no município,

envolvendo problemas ligados às eleições para o executivo municipal realizadas no ano

entidades que compõem o CMMAU, fazem parte: a OAB Campos (Ordem dos Advogados do Brasil), Asflucan (Associação Fluminense dos Plantadores de Cana), Emater, Fundação Nacional de Saúde, Sindicato da Construção Civil, Águas do Paraíba, Federação das Associações de Moradores e Amigos de Campos (Famac), CNFCN, Uenf e Sociedade Fluminense de Medicina e Cirurgia, além de órgãos municipais, como a Procuradoria Geral do Município e a Secretaria de Obras, entre outros. 73 Esta ata pertence ao arquivo pessoal do professor e pesquisador Dr. Aristides Arthur Soffiati Netto, o qual gentilmente colaborou com o material para a presente pesquisa.

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de 2004, que culminaram no afastamento do prefeito eleito Carlos Alberto Campista74.

Em decorrência desta situação, passava a responder interinamente pela prefeitura o

médico Alexandre Mocaiber, então presidente da Câmara de Vereadores.

Toda essa problemática política incide sobre as atividades de discussões

iniciadas sobre o novo Plano Diretor, que desaceleram e são retomadas apenas em 2006,

quando Alexandre Mocaiber já assumira o cargo de prefeito75. Portanto, é somente no

ano de 2006 que se lança, oficialmente, a Campanha Plano Diretor Participativo do

Município de Campos dos Goytacazes.

Assim, foi no CMMAU, em 2005, que se começou a estudar a viabilização do

Plano, formando-se um pequeno grupo de trabalho e estudando, durante alguns meses,

propostas de vários institutos que poderiam assessorar tecnicamente a prefeitura durante

a condução do processo. Após vários debates internos, decidiu-se pelo auxílio do

IBAM76 – Instituto Brasileiro de Administração Municipal – para cumprir a função de

assessoria técnica.

No concernente à conjuntura política presenciada no ano de 2005, reforça-se que

a instabilidade vivenciada no momento interferia de forma significativa no

planejamento urbano do município, no sentido de contribuir para sua inatividade.

Portanto, ressalta que o início oficial da Campanha somente se deu ano de 2006, com

um prazo cedido pelo Governo Federal de conclusão do processo até outubro do mesmo

ano. Posteriormente tal prazo foi ampliado, até o final de 2007, o que foi de extrema

importância para o caso do Município de Campos, principalmente por conta de sua

vasta extensão territorial.

O processo de elaboração do Plano Diretor Participativo institucionalizou-se

através do decreto nº 113/200677, da prefeitura do município, em 11 de abril de 2006.

Tal decreto foi responsável por designar o núcleo gestor para a formulação do Plano,

74 Diversos autores dão conta de que tanto as eleições de 2004 quanto às eleições de 2006 para o cargo de prefeito do Município de Campos foram perpassadas por intensas correlações de forças, envolvendo denúncias e acusações que partiam de ambos os lados envolvidos na disputa: em 2004, entre Geraldo Pudim e Carlos Alberto Campista (este vencedor no segundo turno), representando respectivamente os grupos políticos de Anthony Garotinho e Arnaldo Viana; e em 2006 entre Alexandre Mocaiber e Geraldo Pudim, tendo o primeiro vencido numa acirrada disputa, em segundo turno (PANTOJA, 2005, p.26). 75 De acordo com Pantoja: “As eleições de março de 2006, reproduziram, no primeiro turno, os resultados obtidos no pleito de 2004, conferindo vitória aos candidatos Geraldo Pudim e Claudeci ‘das ambulâncias’. Entretanto, com o apoio concedido a Mocaiber, pelos candidatos derrotados do PFL, PSDB e PV, este saiu-se vitorioso, conquistando 129.096 votos, contra os 102.282 obtidos por Geraldo Pudim” (2005, p.21). 76 As propostas de assessoria técnica apresentadas vieram da FGV e do IBAM, esta última entidade, escolhida. 77 Publicado no Diário Oficial do Município em 17 de abril de 2006. Consta dos anexos deste trabalho.

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que seria composto por dez representantes do poder público municipal e dez

representantes de outros órgãos públicos das esferas estadual e federal e da sociedade

civil organizada, selecionados pelo CMMAU. A Secretaria de Planejamento Municipal

era o órgão do poder executivo gerenciador das atividades do núcleo gestor. O prefeito

encarregava-se de indicar o primeiro e o segundo secretários executivos do núcleo

gestor.

O cronograma contendo as atividades de elaboração do plano foi divulgado

durante o lançamento oficial da Campanha Plano Diretor Participativo do Município de

Campos, em 18 de abril de 2006. Continha a organização das reuniões/leituras

comunitárias; as câmaras temáticas; a realização de audiências públicas e os seminários

nos quais pesquisadores da região apresentariam suas contribuições. Tratava-se de

atividades requisitadas pelo Estatuto da Cidade como parte da execução da gestão

democrática. Observou-se divulgação, pela imprensa local, do lançamento oficial da

Campanha do Plano, além de notícias sobre o evento visíveis no sítio da própria

prefeitura, à época. A seguir destaca-se matéria veiculada no Jornal Monitor Campista,

edição de 18 de abril de 2006, com o título Plano Diretor será lançado hoje, com o

intuito de divulgar o evento:

O prefeito vai lançar a campanha do Plano Diretor Participativo hoje, às 18:30, no Teatro Municipal Trianon. O evento terá a participação de autoridades municipais e representantes das entidades da sociedade civil organizada, que são convidadas a participar da elaboração do PDP, que tem prazo para ser concluído até outubro deste ano. A secretária de Planejamento, Silvana Castro, destaca que os trabalhos para dar curso ao Plano Diretor foram iniciados pelo CMMAU, que vem conduzindo os trabalhos em conjunto com a secretaria de Planejamento. Para elaborar o Plano, a Prefeitura de Campos contará com assessoria e consultoria do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), instituição credenciada junto ao Ministério das Cidades, e é capacitada tecnicamente para elaborar todas as ações estruturais da cidade para os próximos 10 anos (MONITOR CAMPISTA, 18 de abril de 2006).

Por sua vez, no dia seguinte, informa-se através do Jornal Folha da Manhã, com

matéria intitulada: Plano Diretor inicia debates públicos: campanha foi lançada ontem

no Trianon, que:

A campanha pela implantação do Plano Diretor Participativo de Campos foi lançada na noite de ontem, no Teatro Municipal Trianon. Uma das principais diretrizes do plano é programar o desenvolvimento do município para os próximos 10 anos. A sociedade

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com representação organizada pode fazer sugestões. O lançamento da campanha contou com a participação do vice-prefeito eleito Roberto Henriques, representando o prefeito Alexandre Mocaiber. Presentes também secretários municipais e diretores do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), além de lideranças empresariais, lojistas, engenheiros, arquitetos, ambientalistas e dirigentes de associações de moradores (Folha da Manhã, 19 de abril de 2006).

No primeiro produto gerado pela Prefeitura Municipal de Campos, com

assessoria técnica do IBAM, sistematizou-se o Plano de Trabalho a ser implementado

pela Secretaria de Planejamento a fim de conduzir todo o processo de elaboração do

PDP de Campos dos Goytacazes. Apresenta-se a seguir um quadro (quadro 5) cujo

conteúdo expressa as etapas e os respectivos produtos propostos no referido Plano de

Trabalho78:

Quadro 5 – Etapas e Produtos divulgados no Plano de Trabalho da Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes, com assessoria do IBAM, para elaboração do PDP de Campos dos Goytacazes

ETAPA PRODUTO (S) DESCRIÇÃO/CONTEÚDO

Etapa 1 – Planejamento do

Trabalho

Produto 1 Plano de Trabalho contendo

elementos técnicos e detalhando

as atividades programadas para o

processo de elaboração do PDP.

Define a estratégia de

participação a ser adotada.

Etapa 2 – Construção da Leitura

da Realidade Municipal

Produto 2

__________________________

Produto 3

Relatório com atividades do

Seminário 1; Informações

preliminares obtidas nas leituras

técnica e comunitária ;

Programação da Oficina 3 e do

Seminário 2.

________________________

Documentos com resultados das

leituras técnica e comunitária,

através de diagnóstico integrado

sobre problemas e

potencialidades do município

expressos na Oficina 3 e no

Seminário 2.

78 As etapas do trabalho de assessoria correspondiam à convergência entre as atividades de caráter técnico e a estratégia de participação da sociedade.

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110

Etapa 3 – Formulação e Pactuação

das Propostas do Plano Diretor

Produto 4 Documento com a consolidação

do diagnóstico integrado e as

propostas gerais do PDP,

incluindo Macrozoneamento do

município e programação da

Audiência Pública 1 e da Oficina

4.

Etapa 4 – Elaboração e Validação

dos Anteprojetos de Lei

Produto 5

__________________________

Produto 6

__________________________

Produto 7

Documento com propostas

específicas relativas ao conjunto

de legislação urbnanística; ata da

Audiência Pública 1 e

programação da Oficina 5.

________________________

Documento com a versão

preliminar das minutas de lei

para debate na Audiência Pública

2.

___________________________

Documento Final relativo ao

Anteprojeto de Lei do PDP de

Campos dos Goytacazes

acompanhado de justificativa

técnica e de leis urbanísticas

complementares (Anteprojeto de

Lei do Perímetro Urbano;

Anteprojeto de Lei de

Parcelamento do Solo Urbano e

Anteprojeto de Lei do Uso e

Ocupação do Solo Urbano).

Fonte: elaboração própria a partir de dados do Produto 1 - Plano de Trabalho do Plano Diretor Participativo do Município de Campos dos Goytacazes, 2006.

Diante dos ditames da lei federal 10.257/2001, foram realizados em Campos

dois Seminários; dezesseis Reuniões Comunitárias nas sedes de todos os distritos; seis

Câmaras Temáticas: Cidade é Cultura; Uma Cidade para todos; Campos Plural e

Distributiva; Um novo caminhar; Açúcar, Petróleo e Tecnologia; e Recursos

Preservados/vida Sadia, nos auditórios e salas do CEFET-Campos, na prefeitura, na

UFF (Universidade Federal Fluminense), entre outros locais; além de Oficinas de

Trabalho, três Audiências Públicas; Reuniões com segmentos específicos tais como a

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111

empresa Águas do Paraíba; com o núcleo gestor e algumas Reuniões Plenárias na

Câmara dos Vereadores. Essas foram as atividades e eventos realizados no processo de

revisão/elaboração do Plano Diretor do município campista, após lançamento oficial de

sua campanha. Abaixo busca-se sistematizar o rol de atividades gerais executadas

(quadro 6), especificando as Câmaras Temáticas (quadro 7).

Quadro 6 – Atividades e eventos realizados no processo de elaboração do Plano Diretor Participativo do Município de Campos dos Goytacazes – por nome, data e local Atividade/Evento Data Local Oficina de Orientação sobre o Plano Diretor 16 de dezembro de 2005 Auditório da ACIC Lançamento oficial da Campanha 18 de abril de 2006 Teatro Trianon Primeiro Seminário 30 de junho Auditório da FAFIC 16 Reuniões Comunitárias Julho e agosto de 2006 Sedes de todos os distritos Câmaras Temáticas 08, 10, 15 e 17 de agosto de

2006 Auditórios da FUNDENOR, Prefeitura, SINDUSCON, UFF, CEFET e Sindicato Rural

Segundo Seminário 29, 30 e 31 de agosto Auditório do CEFET Primeira Audiência Pública 06 de outubro Auditório da CDL Reuniões Plenárias 09,10, 27 e 28 de novembro Palácio da Cultura e Câmara dos

Vereadores Segunda Audiência Pública 12 e 13 de dezembro Palácio da Cultura Onze Reuniões específicas com o Núcleo Gestor

Não divulgada Não divulgado

Trinta e três reuniões com outros segmentos pertinentes: COPPAM, ANFEA, Águas do Paraíba, etc.

Não divulgada Não divulgado

Terceira Audiência Pública 09 e 12 de março Auditório da Prefeitura Fonte: elaboração própria, a partir de dados da Revista Plano Diretor Participativo, 2007 Quadro 7 – Câmaras Temáticas realizadas no processo de elaboração do Plano Diretor Participativo do Município de Campos dos Goytacazes – por tema, coordenador e relator

Fonte: elaboração própria, a partir de dados da Revista Plano Diretor Participativo, 2007

Câmara Temática Coordenador Relator Cidade é Cultura Aristides Augusto Soffiati Daniela Bogado Bastos de Oliveira Uma cidade para todos Antonio Luiz Baldan Hernan Mamoni Campos plural e distributiva Renato Siqueira Sheila Barbara Um novo caminhar Lidia Martins Denise Condé Açúcar, petróleo e tecnologia Margot Wagner Paes Gustavo Bastos Recursos preservados/Vida sadia Carlos Henrique Oliveira Precioso Paulo Jorge dos Santos

Observou-se no início da campanha de revisão do Plano Diretor, em 2006,

considerável apoio da imprensa e da mídia no sentido de noticiar as ações referentes ao

processo. No entanto, se no início a divulgação era feita de forma mais significativa,

com o passar dos meses as informações sobre as atividades referentes ao Plano

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tornavam-se cada vez mais escassas. De modo geral, apenas os interessados pelas

atividades do Plano – seja por motivos acadêmicos, profissionais ou interesses de

grupos específicos –, tomavam ciência da evolução das ações que a ele diziam respeito.

Tal constatação pode ser ratificada a partir das análises do pesquisador Rodrigo

Serra79, em entrevista concedida no ano de 2007: “A divulgação das atividades

relacionadas ao PD, que no começo chegou a ocupar o horário nobre da TV, foi

secundarizada, não tendo qualquer visibilidade nas etapas finais do processo de

discussão”. Não somente o aspecto da divulgação das atividades referentes ao Plano é

passível de ser analisado cuidadosamente, mas também outras questões que disseram

respeito à participação dos vários segmentos da sociedade nos debates em torno do

município que se propunha na nova lei gestada. O próximo item analisa o caráter

participativo do novo Plano de Campos, sob uma perspectiva crítica que destaca os

limites observados à construção democrática do referido instrumento de ordenação do

espaço.

3.4 – O VIÉS PARTICIPATIVO DO PLANO DIRETOR DE CAMPOS: UMA

ANÁLISE CRÍTICA DE SUAS LIMITAÇÕES

Considerando a manifesta intenção do Prefeito em Exercício em não convalidar o Ato de Sanção da Lei 7.972, publicada e republicada no Diário Oficial do Município em

11/12/2007 e 20/12/2007, sob o fundamento de não estar assinado pelo seu Antecessor; Considerando que, ante a nulidade daí

decorrente, e terem decorrido mais de 15(quinze) dias da data do recebimento pelo Poder Executivo da aludida Lei, implica na

Sanção Tácita prevista no § Único do Art. 45 da Lei Orgânica do Município: o presidente da Câmara Municipal de Campos dos

Goytacazes, Estado do Rio de Janeiro, faz saber que, com fulcro no § 6° do art. 46 da LOM, a Câmara aprovou e eu promulgo a

seguinte lei: lei número 7.972, de 31 de março de 2008.- Institui o Plano Diretor do Município de Campos dos Goytacazes.

In Lei número 7.972, de 31 de março de 2008. Institui o Plano

Diretor Do Município de Campos dos Goytacazes

79 Em entrevista concedida por e-mail para trabalho monográfico no dia 18/05/2007. Consta, na íntegra, dos apêndices deste trabalho À época da entrevista, Rodrigo Serra era professor-pesquisador do Centro Federal de Educação Tecnológica de Campos dos Goytacazes – CEFET Campos (atualmente IFF - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense); e professor-pesquisador da Universidade Candido Mendes – UCAM Campos. Realizou, juntamente com o professor Hélio Gomes Filho (IFF), uma relatório de assessoria técnica a pedido do IBAM, como subsídio ao Plano Diretor Participativo de Campos.

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113

O presente item busca avaliar o caráter participativo do processo de elaboração

do PDP de Campos dos Goytacazes. Acredita-se que, nesta etapa do estudo, a dimensão

sociopolítica do espaço será aclarada de forma especial, tendo em vista a explicitação

dos meandros percorridos pelo Plano Diretor de Campos até chegar a sua publicação

oficial. O período de constituição do Plano permitiu vislumbrar a formação de um

campo de disputas e correlações de forças em torno do(s) projeto(s) de cidade que se

almejava para Campos, propiciando a explicitação de diferentes grupos permeados por

seus respectivos habitus. A posição que cada grupo ocupava no espaço social refletia-se

na posição do mesmo quando das discussões do Plano.

A escolha da epígrafe assinalada acima expressa algo de importante na trajetória

do Plano Diretor Participativo de Campos. Faz-nos refletir sobre o peculiar fato de que,

sua publicação oficial dá-se sem a assinatura do Poder Executivo Municipal, ficando a

cargo do então Presidente da Câmara Municipal, sancionar a lei 7.972/2008.

Como delineado no item anterior, vale relembrar que as discussões do Plano

começaram no ano de 2005, com várias interrupções significativas, e foram retomadas

no ano seguinte, em 2006. Em 2007 finalizaram-se as atividades. Contudo, por conta da

não sanção do Prefeito, apenas em março de 2008 consegue finalmente, o novo Plano,

ter sua validação oficial. Toda essa trajetória será compreendida à luz das análises

explicitadas no decorrer das próximas linhas.

Por meio da leitura de artigos publicados em sítios da internet e em jornais, e de

atas das reuniões do CMMAU, órgão a partir do qual se iniciaram os debates sobre o

PDP, podem-se extrair contribuições relevantes a esta pesquisa. Inicia-se assim a

investigação sobre as limitações visíveis quando da elaboração do Plano, a começar pela

consideração dos seguintes aspectos: a morosidade e o adiamento constante de algumas

de suas atividades.

No dia dezenove de agosto de 2005, relatava-se em artigo80 do professor

Roberto Moraes em blog da ONG Cidade 21, a preocupação dos Conselheiros no

tocante à demora das discussões referentes ao PDP. Esse aspecto interferiria na

qualidade da participação popular no processo. Ratifica-se esta informação a partir do

trecho:

Enquanto isso o Plano Diretor de Campos...

80 Disponível em http://cidade21.blogspot.com/2005_08_01_archive.html. Acesso em 05-07-2010.

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Enquanto as discussões do Plano Diretor junto à população avançam em Macaé, em Campos, as discussões não saem do âmbito da Comissão nomeada pelo prefeito por indicação do CMMAU (Conselho Municipal de Meio Ambiente Urbanismo). Por lá se discute como e qual será o órgão contratado para dar consultoria aos aspectos técnicos da elaboração do mesmo. Com muito custo se conseguiu inserir este tema na segunda Conferência da Cidade e por conta disto, a plenária aprovou a necessidade que haja pelo menos 5 plenárias para permitir a participação da população nesta elaboração. Ficou aprovado que deveriam ser realizadas plenárias, nas regiões norte, sul, baixada e uma em Guarus e outra temática na sede do município, além da plenária final. O prazo final é outubro do ano que vem para aprovação na Câmara dos Vereadores. Se não houver participação da população nesta elaboração, o texto final poderá ser questionado e o gestor do município punido por improbidade administrativa. Acompanhemos o andamento.

Da mesma forma, no dia sete de dezembro do mesmo ano, similar ansiedade era

expressa e posta em ata81 das Resoluções estabelecidas pelo Conselho Municipal de

Meio Ambiente e Urbanismo, registrando a seguinte questão:

O CMMAU também aprovou com pedido de que fosse registrado em ata, a preocupação com a demora em ver deslanchado o processo de discussão e elaboração do Plano Diretor que pelo Estatuto da Cidade tem prazo até outubro do ano que vem para ser concretizado sendo obrigatório o debate e a participação da sociedade de forma ampla nesta elaboração.

Diante da preocupação com o avanço nas etapas do Plano e, pensando sobretudo

no reflexo da morosidade de suas atividades na participação da população, o professor e

arquiteto Cláudio Valadares82, que à época também era Conselheiro no CMMAU,

propôs, à frente do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Filosofia de

Campos, a criação de um Fórum Permanente - Plano Diretor Participativo83, com o

intuito de contribuir para o progresso das discussões. A proposta fora encaminhada à

Secretaria de Planejamento, e era descrita da seguinte maneira:

[...] preocupados com o caráter “Participativo” integrante do futuro Plano Diretor Municipal, e conseqüentemente com o futuro de nossa cidade bem como a necessária preparação dos organismos representativos da sociedade civil para a referida participação, o Centro Universitário Fluminense – UNIFLU, através da Faculdade de Filosofia de Campos, detentora de cadeira no referido conselho e

81 Esta ata encontra-se disponível em http://cidade21.blogspot.com/2005/12/reunio-do-cmmau-resolues.html. Acesso em 05/07/2010. 82 UNIFLU-FAFIC. 83 O anteprojeto do Fórum aqui consultado pertence ao arquivo pessoal do professor e arquiteto Cláudio Valadares.

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sobre a coordenação do Curso de Arquitetura e Urbanismo, vem propor neste ano uma Ação imediata para realização urgente de um “Fórum Permanente” dirigido às questões inerentes ao mencionado Plano (2005, s/p.).

Na proposta do Fórum, o cenário local e o contexto em que se inseria o Plano

eram realçados, como forma de demonstrar a precisão instante de se agilizarem os

debates. As dificuldades operacionais decorrentes da precariedade dos quadros técnicos

municipais eram salientadas, e constatava-se que:

[...] é sabido que até o momento, o Poder Público, através de órgão representativo, age de forma lenta e morosa, quanto ao direcionamento das ações pertinentes aos estudos para a formatação do referido plano, ficando em prejuízo pela demora das ações, a participação da sociedade civil e comunidade técnica interessada (2005, s/ p. – grifos meus).

Apesar de vários encaminhamentos e solicitações feitos à prefeitura, a

implementação do Fórum não foi considerada. Tratava-se de mais uma limitação à

ampliação de componentes democráticos que contribuiriam com o Plano.

Junto ao problema da morosidade, estava a questão do adiamento de reuniões.

No ano de 2006, em quatro de janeiro, um dos membros do CMMAU, o professor

Aristides Soffiati, manifestou sua indignação no concernente à prorrogação constante

das reuniões relativas ao Plano, por parte do Poder Público. Sua Nota de Protesto84 foi

divulgada no Blog da ONG Cidade 21. Destacam-se as seguintes passagens:

Pelo Edital nº 001/2006, publicado no Diário Oficial do Município hoje, o Presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo, que também é Secretário Municipal de Meio Ambiente e Defesa Civil, adia sine die a reunião do CMMAU prevista para hoje, às 19 horas, alegando que a situação de emergência na baixada, decretada pelo governo municipal, não permite a referida reunião. [...] É bastante estranha a atitude do Presidente em adiar uma reunião para tratar de assunto emergencial, qual seja, a formulação do novo Plano Diretor, que atende ao conjunto da sociedade, para atender a uma parcela dela, representada pelos proprietários rurais, afetados pelas intensas chuvas de dezembro. É curioso que o Secretário de Meio Ambiente esteja mais envolvido na questão do que o Secretário de Agricultura. [...] Agora, que 2005 terminou, tenho a desagradável impressão de que passamos um ano enxugando gelo, porquanto só tratamos do novo Plano Diretor, sem sair praticamente do zero [...].

84 Disponível em http://cidade21.blogspot.com/2006/01/nota-de-protesto-do-professor.html. Acesso em 05/07/2010.

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À Nota de Protesto do professor Soffiati seguiu-se, no dia seis de janeiro de

2006, um manifesto de apoio às suas considerações85. Neste manifesto, mais uma vez

questões como a lentidão e o adiamento das atividades do Plano eram enfatizadas,

demonstrando o impacto direto na participação efetiva da sociedade nos debates.

Argumentava-se assim:

Queremos referendar o protesto do professor Aristides no que diz respeito ao adiamento constante que as questões referentes à elaboração Plano Diretor do município está sofrendo. Desde a 2ª Conferência da Cidade realizada em julho no Cefet, nenhuma discussão pública sobre o assunto foi feita com a comunidade. Foi aprovada por unanimidade na última reunião ordinária do CMMAU, em 7 de dezembro de 2005, resolução que aprovou a formação de uma comissão composta por conselheiros que ficou incumbida de tentar ajudar o Poder Público a resolver as questões pendentes a respeito da contratação de Consultoria. Mais de um mês se passou e nada até hoje foi encaminhado. Aliás, estamos desde o mês de agosto debruçado sobre esta mesma questão. Não há dúvidas que cada dia ou mês que passa é um tempo a menos que teremos para elaborar de forma participativa, como determina o Estatuto da Cidade, nosso Plano Diretor. A tendência natural é que se tenha como produto, um plano mais técnico para não dizer tecnocrático e menos participativo, o que gerará problemas não só de qualidade, mas efetivamente de implantação e cumprimento da legislação. Um plano bem discutido, tende a ser melhor entendido, melhor cumprido e principalmente, melhor fiscalizado.

Em 2007, esses aspectos – da morosidade e dos adiamentos – não tiveram

alteração significativa. Em publicação em seu blog86, o professor e pesquisador Roberto

Moraes, autor do manifesto acima, ao descrever um caso especifico da Cidade de

Campos, denunciava novamente impasses vivenciados pelo Plano, a saber:

Mais duas casas vizinhas cedem espaço para a construção de outro prédio na Rua Dr. Siqueira em frente ao Cefet. Números a serem apurados, dão conta que, na região do quadrilátero da Pelinca, entre a avenida 28 de março, rua Formosa e Beira-valão, em torno de vinte prédios estão sendo erguidos. O pior é que adiaram o encaminhamento do novo Plano Diretor e segundo dizem, ele também não conteria mudanças que a área necessita. Sendo assim, nada altera a tendência do adensamento populacional, que mais do que a verticalização, já está tornando a Pelinca um lugar inabitável muito antes do que se poderia imaginar há alguns anos (grifos meus).

85 Disponível em http://cidade21.blogspot.com/2006/01/posio-da-cidade-21-nota-do-professor.html. Acesso em 05-07-2010. 86 Disponível em http://robertomoraes.blogspot.com/2007_07_01_archive.html. Acesso em julho de 2007.

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Às características de lentidão e adiamento das atividades do Plano, acresciam-se

outros embates. Podem-se salientar os seguintes: o não acesso a documentos produzidos

na formulação do processo; as falhas na divulgação das atividades do Plano e a

realização de Câmaras Temáticas, Seminários e Audiências Públicas em horários

coincidentes com o expediente de trabalho da maioria da população. No caso

específico das Câmaras Temáticas, destaca-se ainda que as mesmas eram simultâneas,

obrigando o participante a optar por uma delas. Trata-se do segundo conjunto de

aspectos limitadores ao favorecimento da participação cidadã no processo.

Na introdução desta pesquisa evidenciou-se que a autora não foi exitosa na

obtenção dos documentos solicitados à prefeitura quando de suas visitas à secretaria

competente. Portanto, as atas e produtos deste órgão quando aqui mencionados, foram

obtidos a partir de sítios oficiais na internet e através da colaboração de pesquisadores

locais via arquivo pessoal. Quanto a este assunto, é de suma importância salientar que

se faz presente, na própria lei 7.972/2008, portanto no Plano Diretor do Município, o

seguinte parágrafo, na Subseção IV, Da Informação e Da Comunicação:

Parágrafo Único - O Poder Executivo Municipal dará ampla publicidade a todos os documentos e informações produzidos no processo de elaboração, revisão, aperfeiçoamento e implementação do Plano Diretor de Campos dos Goytacazes (grifos meus).

Considera-se neste estudo, que o viés participativo do Plano Diretor passa

também pelo acesso à informação, fato este que, no caso específico do Município de

Campos dos Goytacazes, demonstrou claro impasse à democratização das atividades do

Plano. Nesse sentido, concorda-se com Viegas, quando o autor afirma:

Os mecanismos para uma efetiva participação dos cidadãos na construção de uma nova sociedade, como os contemplados na Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001, o Estatuto da Cidade, não terão plena eficácia se as pessoas que participam do processo não têm acesso às informações pertinentes aos interesses da coletividade. É de suma importância que seja garantido o direito à informação para que haja possibilidade de ingerência, pelos cidadãos, na administração pública, sendo em maior escala no âmbito municipal. Contudo, não nos se pode olvidar que o direito à informação é preceito constitucional que deve ser exercido em todos os níveis de governo. Impende que se compreenda que este tema não poderia deixar de ser abordado quando se fala de gestão democrática, pois um assunto é inerente ao outro. Dito de outra maneira, não há como se falar em democracia participativa se aqueles que devem participar não têm as informações necessárias para fazê-la (2004, p.671).

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O não acesso a informações era fato por várias vezes questionado na trajetória

do PDP. Para ilustrar essa problemática, recorre-se à ata de reunião87 dos representantes

da sociedade civil, do dia quatro de julho do ano de 2006, quando um dos membros

componentes levanta o assunto: “Continuando, o arquiteto lembra que este núcleo ainda

não recebera, como solicitado em reuniões anteriores, as atas e documentos e que esta

prática está contida no decreto nº 113/2006, artigo 5º, que institui este NG”.

Por sua vez, em reunião do dia doze de julho do mesmo ano, registra-se em ata

semelhante preocupação, quando uma de suas componentes afirma que, em contato com

representante do IBAM, “solicitou mais uma vez a disponibilidade do material do

seminário, e esta até o momento não se comunicara com nenhum de nós a esse

respeito”. O acesso às informações era tema delicado e apresentou-se novamente

durante a Segunda Audiência Pública do Plano, com registro em ata88, no dia doze de

dezembro de 2006. Alguns participantes traziam à tona que grande parte da população

não tomava conhecimento das atividades referentes ao PDP. Constata-se essa discussão

a partir do trecho abaixo sinalizado:

O professor Mário Galvão89 chamou a atenção de que lidavam com um povo desinformado e que necessário se fazia um trabalho de informação e conscientização da comunidade.

Cabe ressaltar que, logo após este comentário do professor, desvia-se o debate e

registra-se na mesma ata: “Neste momento interrompeu-se a audiência para um

intervalo para o café”.

A Segunda Audiência Pública foi feita em dois dias. No dia treze de dezembro,

põe-se em ata novamente a preocupação do professor supracitado com relação à

disponibilização e divulgação de informações à população. Posteriormente, acrescenta-

se ao seu posicionamento a fala de outro participante, o professor Cláudio Valadares, a

saber:

O professor Mário Galvão atentou para um dos graves problemas de nossa população que era o direito de saber de seus direitos e não se conseguia, pois o sistema de informação de nossa cidade não era eficiente, pelo contrário, antiquado demais. Então sugeriu assegurar aí nesse item, [Planejamento e Gestão Urbana] que o cidadão possa ter acesso à informação, porque o direito de saber seus direitos é um

87 Esta ata pertence ao arquivo pessoal do professor Cláudio Valadares. 88 Esta ata pertence ao arquivo pessoal do professor Hélio Gomes Filho. 89 Professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, que propunha a criação do COMDE – Conselho Municipal para a Inclusão Social da Pessoa com Deficiência.

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direito fundamental. [...] O senhor Cláudio Valadares insistiu em que se disponibilizassem os dados com eficiência e eficácia.

Em entrevista90 concedida pelo professor e sociólogo Nelson Crespo a esta

pesquisa, enfatiza-se também o aspecto do acesso à informação no município, que

deveria, em sua opinião, atrelar-se ao planejamento urbano de forma mais concreta.

Quando indagado sobre o papel do PD como um instrumento de gestão do espaço,

afirmou o professor:

Então realmente o Plano Diretor... Mas teríamos que ter gestores comprometidos com o futuro! Ou seja, eu num tenho a menor dúvida que primeiro nós temos que arrumar a democracia! Melhorar a democracia! Só que eu não acho que tenha uma fórmula. Então eu continuo acreditando no plano diretor como um instrumento interessante de gestão, ao lado de processos de democratização da informação. Esse é um outro problema... Difícil, não é? A população da nossa cidade tem dificuldade de ter acesso à informação... E construção de um modelo de gestão, de uma solução efetivamente democrática pro nosso município (grifos meus).

A divulgação de grande parte das atividades referentes ao PDP dava-se via e-

mails (e cartas), quando a SECPLAN (Secretaria de Planejamento) os enviava às

entidades participantes. Além disso, também em meio eletrônico, através do site da

prefeitura, podia-se acompanhar o que estava sendo programado em relação às etapas

do Plano. Contudo, nem toda a população possui acesso a um computador e/ou internet.

Em entrevista91 concedida à presente autora, o pesquisador Rodrigo Serra

salientou:

Não foi garantido transporte e alimentação para que a comunidade, consultada em um primeiro momento, participasse das audiências públicas. Também o horário das Audiências Públicas não favoreceu a participação dos empregados com horário comercial de trabalho. A participação seria possível, sim, aos profissionais liberais e professores.

Três Audiências Públicas foram realizadas. Quanto ao horário das mesmas, a

primeira, por exemplo, foi feita numa sexta-feira, das oito às dezoito horas; e a terceira,

numa sexta-feira, nove de março de 2007, com previsão de continuação numa segunda-

90 Entrevista realizada no dia 27/04/2010. O professor participou das discussões do PDP enquanto representante da sociedade civil organizada, pela ONG Cidade 21. Consta, na íntegra, dos apêndices deste trabalho. 91 Consta, na íntegra, dos apêndices deste trabalho. Entrevista concedida por email no dia 14/05/2007.

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feira, 12 de março. A seguir observa-se esta programação, a partir de notícia veiculada92

no sítio da prefeitura:

O secretário de Indústria, Comércio e Turismo Rockefeller de Lima, representando o prefeito Alexandre Mocaiber, e a secretaria de Planejamento, Silvana Castro, abriram as discussões do último passo do Plano Diretor Participativo de Campos, através da terceira Audiência Pública, para a conclusão do trabalho, que posteriormente será entregue pelo prefeito à Câmara dos Vereadores. O evento aconteceu na manhã desta sexta-feira, dia 9, no auditório Edgar Coelho dos Santos, no Centro Administrativo José Alves de Azevedo, sede da prefeitura. No período da tarde a Audiência Pública está sendo realizada no auditório do Palácio da Cultura. A continuação desta Audiência Pública está marcada para a próxima segunda-feira, dia 12, no próprio auditório da prefeitura.

As falhas no sentido de levar à população o que era discutido são expressas

ainda durante reunião dos representantes da sociedade civil no dia dezenove de julho de

2006, quando se coloca em ata93: “Observam ainda que a divulgação do Plano é muito

pequena, não atingindo o objetivo”.

Quanto às Câmaras Temáticas, ressalta-se o horário coincidente das mesmas,

que ocorriam, portanto, de forma paralela, também contribuindo para limitar a

participação dos munícipes. Além de discussões simultâneas, as Câmaras eram

realizadas em endereços diferentes. O edital de convocação para as mesmas encontra-se

nos anexos deste estudo, mas aqui destaca-se a notícia94 disponibilizada no sítio da

prefeitura, no dia sete de agosto de 2006, sobre referida fase do PDP:

O processo de elaboração do novo Plano Diretor Participativo entra em uma nova fase nesta terça-feira, com a primeira Câmara Temática, a partir das 14h. A secretária de Planejamento, Silvana Castro, disse que serão discutidos diversos temas. Nos dias oito, 10, 15 e 17, sempre às 14h, serão debatidos temas como: Política das Águas e Saneamento Ambiental, Mobilidade Urbana e Integração do Território Municipal, Habitação e Construção da cidade; Inclusão Social e Cidadania; Promoção do Desenvolvimento Sustentável; Qualidade Ambiental e Desenvolvimento Urbano. [...] Silvana explica que cada câmara terá um coordenador e um relator, representando a sociedade civil, e um coordenador geral. Para participar, a pessoa poderá ir a um dos locais indicados para discutir cada tema. “A pessoa escolhe o tema e participa da câmara que achar melhor”, explica a secretária,

92 Última audiência vai concluir o Plano Diretor. Disponível em http://www.campos.rj.gov.br/noticia.php?id=10145. Acesso em 07/03/2007. 93 Esta ata pertence ao arquivo do professor Cláudio Valadares. 94 Disponível em http://www.campos.rj.gov.br/noticia.php?id=7687. Acesso em agosto de 2006.

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acrescentando que o objetivo das câmaras será debater as questões relacionadas aos principais temas do município. As câmaras serão realizadas em diferentes locais (grifos meus).

A partir das constatações acima – concernentes à morosidade e adiamento de

etapas do Plano; relativas às falhas no que diz respeito ao acesso às informações

produzidas e à divulgação das atividades; além dos horários inacessíveis a grande parte

da população, notam-se obstáculos evidentes à garantia da participação efetiva dos

munícipes no processo de elaboração do PDP de Campos dos Goytacazes.

Outras questões devem ainda ser elucidadas como, por exemplo, a dinâmica

interna dos eventos (sobretudo Câmaras e Audiências Públicas) caracterizada, muitas

vezes, por interrupções e cortes de assuntos de extrema relevância. Desse modo,

acabava-se discutindo um considerável número de itens, sem a profundidade necessária

a cada um deles. Podem-se constatar estes fatos a partir dos trechos extraídos da ata da

Segunda Audiência Publica, quando se debatiam:

Prosseguindo o senhor Secretário de Meio Ambiente, Sidney Salgado, sugeriu acrescentar na dimensão econômica “experiências consorciadas” que são recursos que dão certo. Senhor Mansur opinou que no item Áreas Verdes deveria haver um dispositivo de estímulo para o cidadão que promovesse a criação de Áreas Verdes também na área urbana. A moderadora sugeriu que ele enviasse sua proposta por escrito. O secretário Sidney esclareceu que o assunto “áreas verdes” era pertinente e alvo de preocupação sendo discutido no Conselho Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo e deveria constar da discussão ora debatida. A senhora moderadora fez esclarecimentos à plenária e atendeu seu pedido de nomear a página onde se encontrava o texto em discussão. O senhor Victor Júdice manifestou sua preocupação com a área arborizada e corroborou da importância em ressaltar assunto tão relevante (grifos meus).

Linhas depois, outra discussão importante era estabelecida, contudo precisava da

insistência de presentes na audiência quanto à sua pertinência:

O senhor Victor Ferreira sugeriu que voltassem à página quarenta e oito e que na questão do saneamento deveria constar rede de tratamento de esgoto. O senhor gerente Mansur ponderou que existiam lugares com rede de tratamento de esgoto, mas o cidadão não se interessava em ligá-la, então deveria ter uma obrigatoriedade por parte do município. O senhor Victor Ferreira atentou para a questão política do assunto que passava pelo preço da tarifa. Mansur replicou que a não ligação prejudicava toda coletividade, por isso deveria haver uma ampla campanha de conscientização, não sendo opcional a ligação da rede. O senhor Fabrício Viana argumentou que o poder público deveria arcar com o ônus para os mais carentes. Mansur replicou que a

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argumentação era válida, porém grande parte dos locais onde existia a rede e não era ligada, não ficava em zona carente. O senhor Francklin Cherene, do Procon, chamou a atenção para a colocação anterior que era pertinente. Citou que havia casos em tramitação no Procon onde o consumidor não aceitava o valor da tarifa. [...] O professor Hélio Gomes observou a necessidade de detalhamento maior de algumas propostas, principalmente com relação às concessionárias. O senhor Mansur recomendou que o Conselho de Meio Ambiente as estudasse. O professor ponderou que o mesmo estava assoberbado e a questão de saneamento deveria ser discutida naquela ocasião (grifos meus).

Por sua vez, o “engajamento” do então prefeito e os impasses posteriormente

verificados quando do envio do anteprojeto de lei do Plano à Câmara de Vereadores

também merecem olhar cuidadoso nesta investigação.

Com base na leitura e análise de atas e na avaliação de publicações de notícias

sobre o PDP veiculadas em sítio oficial do poder executivo municipal, observou-se que,

na maioria dos eventos que disseram respeito à elaboração do Plano, o prefeito não

esteve presente. Este fato é corroborado quando se conclui, por exemplo, que de 82

notícias pesquisadas na página eletrônica da prefeitura, mencionava-se sobre a presença

ou a fala do chefe do executivo em apenas três delas95. Era comum o mesmo estar

representado por algum secretário do governo.

A (não) dedicação do prefeito às tarefas do PDP também foi demarcada na fala

de um dos entrevistados. O professor Nelson Crespo relata um momento importante a

partir do qual se visualiza esta questão, salientando que, em sua visão, o PD nunca

interessou de fato ao gestor público no caso de Campos:

[...] teve um dia que me desanimou completamente, que foi num dia de um desses seminários finais que iam até ser no CEFET. No mesmo dia em que a gente estava indo a esse seminário final, que foi esvaziado, o prefeito, Alexandre Mocaiber, anuncia a construção de um Parque na Cidade, típico objeto do Plano Diretor! Que não saiu do papel também! Então, quer dizer, ele resolve fazer um negócio pra mostrar que o Plano Diretor não valia nada e ele anuncia onde vai ser o primeiro Parque Nacional na cidade enquanto estavam se reunindo no Plano Diretor pra discutir isso!

Ao encontro da constatação do sociólogo Nelson Crespo, está a afirmação do

professor Roberto Moraes, publicada em seu blog em dezembro de 200696:

95 Notícias dos dias 30/06/2006; 27/09/2006 e 27/11/2006. Foram pesquisadas notícias veiculadas entre os dias 16/12/2005 e 14/11/2008. 96 Disponível em http://robertomoraes.blogspot.com/2006_12_01_archive.html. Acesso em julho de 2010.

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Se estão elaborando um Plano Diretor que se diz participativo, porque será que grandes decisões, a respeito de investimentos públicos estão sendo tomadas à revelia de qualquer discussão? Vide: Parque Ecológico, Sambódromo, Centro de Convenções, nova Ponte sobre o rio Paraíba, etc.

Nelson Crespo relembra ainda, em relação ao “engajamento” do prefeito no

processo, assunto que aqui foi expresso, quando da epígrafe deste item do estudo,

focando a não sanção por parte do executivo, da lei 7.972/2008. Rememora o professor

que:

Você vê: todo um trabalho desses, a gente participou, essa coisa toda... Num vai sequer ser assinado, o prefeito num teve nem o trabalho de saber o que é isso! Esse é um resumo... É um bom exemplo da importância que o Plano Diretor teve na discussão. E a outra discussão sobre essa questão é muito interessante porque, se você não mostrar o problema pra população, certo? Ela num participa, mas se você mostrar ela entende e quer participar!

Por sua vez, a ex-secretária de planejamento, Silvana Castro97, que coordenou a

elaboração do PDP, destacou em entrevista concedida a este trabalho:

O próprio Plano Diretor, tudo foi entregue à Câmara e pra nós aquilo estava valendo, inclusive a prefeitura começou a avaliar projetos já com o Plano novo. Pra nossa surpresa, quando ele foi afastado, quando o Alexandre foi afastado e o Roberto Henriques assumiu, nós ficamos sabendo que o plano foi encaminhado à Câmara sem a assinatura do prefeito. E que então a Câmara que sancionou. Foi encaminhado por Roberto Henriques, e a Câmara sancionou.

Em 2007, a prefeitura encaminhou o Plano Diretor à Câmara Municipal de

Vereadores. O período em destaque fora divulgado em notícia98 do sítio da prefeitura,

no dia 12 de setembro:

O projeto do Plano Diretor Participativo (PDP) do município de Campos foi entregue à Câmara Municipal nesta terça-feira, dia 11, pela secretária municipal de Planejamento, Silvana Castro. Segundo ela, as propostas serão analisadas pelos vereadores que farão audiências públicas até que seja aprovado pelo Legislativo e encaminhado para sanção do prefeito Alexandre Mocaiber.

97 Entrevista concedida no dia 20/04/2010. Conta, na íntegra, dos apêndices deste trabalho. 98 Prefeitura encaminha Plano Diretor à Câmara Municipal. Disponível em http://www.campos.rj.gov.br/noticia.php?id=12187.

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Este momento específico também fez com que limitações à trajetória percorrida

pelo PDP de Campos pudessem ser observadas, pois havia informações que davam

conta de que alterações foram feitas pelo Legislativo quando este recebeu o projeto.

Cabe rememorar o momento de recepção do Plano pela Câmara, de acordo com

matéria99 veiculada em sítio oficial da mesma:

Os Vereadores de Campos dos Goytacazes iniciam nesta quarta-feira, 03/10, um esforço concentrado para analisar o Plano Diretor do município e o Orçamento de 2008, que chegaram há poucos dias, praticamente ao mesmo tempo. No caso do projeto do Plano Diretor, que deveria ter sido enviado pela Prefeitura desde o início do ano, o texto teve que retornar à Prefeitura para correção há pouco mais de uma semana, pois chegou à Câmara com erros de formatação há menos de um mês (chegou como anteprojeto de lei, quando deveria ter chegado na forma de projeto).

Notam-se críticas, por parte do Legislativo, no tocante ao tempo em que se

enviou o Plano para a apreciação dos vereadores, além da afirmação de que o mesmo

deveria ter sido entregue como projeto de lei.

Para o professor Nelson Crespo, a referida fase do PDP merece avaliação

cuidadosa, tendo em vista os seguintes elementos:

[...] o processo da Câmara vai ser outro. A Câmara resolve que não é nada daquilo, contrata nova consultoria... Essa parte eu não acompanhei. Mas tem algumas coisas que saltam aos olhos! Várias coisas que a gente propunha vieram, por circunstâncias da vida, ganhar força agora. Antes de tudo a questão dos royalties. Lógico que todo mundo fala que tem que ter controle sobre os royalties. A sociedade civil tentou colocar isso no Plano Diretor. O Rodrigo Serra teve participação importantíssima sobre isso e as propostas dele foram solenemente negadas! E a gente estava antecipando uma questão que agora todo mundo é a favor! Folha da Manhã... Quando a gente colocou lá um Conselho sobre a aplicação dos royalties, nada disso passou.

Quanto às alterações feitas pela Câmara, à época do acontecimento publicou-se

uma nota100 na página da internet do Jornal Folha da Manhã, no caderno Política, que

divulgava:

99 Vereadores concentram esforços para analisar Plano Diretor e Orçamento. Fonte: http://www.camaracampos.rj.gov.br/noticias.php?id=60. Acesso em 05/10/07. 100 A nota intitulava-se Correções para dar constitucionalidade. Pertence ao arquivo do professor Aristides Soffiati, e não consta autor nem data.

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Os vereadores fizeram alterações, acrescentaram alguns itens e suprimiram outros. As situações mais comuns, explicou o vereador Nélson Nahim (PMDB), foram as contradições no próprio texto. Havia falhas que não davam clareza ao texto em alguns casos e também situações de omissão, que foram corrigidas na Câmara, explicou o peemebista que, como Geraldo Venâncio (PDT), elogiou a dedicação da secretária municipal de Planejamento, Silvana Castro. Os vereadores contaram que o projeto encaminhado pela Prefeitura continha também algumas situações inconstitucionais, que precisaram ser suprimidas. Outras mudanças foram feitas para ajustar à realidade do município. Teve um caso em que se propôs a criação de quatro pólos de beneficiamento genético do gado: em Morro do Coco, Santo Eduardo, Santa Maria e Espírito Santinho, ou seja, todos na mesma região. Em casos assim a gente teve que fazer modificações, exemplificou Geraldo Venâncio, que presidiu a sessão de ontem na Câmara.

Observa-se assim que, quando o Plano passa pelo crivo da Câmara de

Vereadores, mais uma vez decisões importantes fogem ao que poderia ter sido uma

arena mais democrática de debates e proposição de soluções aos dilemas campistas.

Esta já correspondia à fase final de elaboração do processo, quando mais difícil ainda se

fazia garantir a voz dos munícipes. Na visão da ex-secretária Silvana Castro, a maior

resistência apresentada pelo Legislativo se deu no tocante ao item de Patrimônio:

Existia uma diferença do Plano de 91 para esse, porque o Plano de 91 nessa área de patrimônio, de preservação do patrimônio, ele listava ruas; chamava logradouros e guardas. E esse último Plano delimitou essa área. E aí criou a AEIC, que é a Área de Especial Interesse Cultural. E o interesse do Conselho à época, o Conselho de Patrimônio, o COPPAM, era que junto, no próprio Plano Diretor, entrasse a listagem dos imóveis a serem preservados no município. Já existe uma listagem de imóveis tombados pelo IPHAN, pelo INEPAC e outros de interesse de preservação no município, pelo município. Então, essa listagem seria acrescida de vários imóveis. Isso aí foi a parte que a Câmara não aceitou. Essa listagem não foi incluída porque eles então colocaram lá que caberia ao poder público encaminhar após o Plano uma listagem com os imóveis e que não ficasse ali. [...] acho que a resistência que houve foi essa.

Se retornarmos a etapas anteriores da construção do Plano, como por exemplo, a

responsável pelas Leituras Comunitárias (Etapa 2) – através da qual se estabeleceria um

amplo diagnóstico da realidade municipal – , observaremos questões fundamentais à

análise do caráter participativo do PDP. Destaca-se a seguir, a tabela (Tabela 1) retirada

do Relatório Preliminar I101 elaborado pela Prefeitura, a fim de sistematizar os dados

obtidos durante as Reuniões Comunitárias: 101 Este relatório foi produzido em agosto de 2006. Pertence ao arquivo do professor Cláudio Valadares.

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Tabela 1 – Tabela Parcial: Resumo quantitativo das atividades das leituras comunitárias ocorridas nos distritos e na sede do Município de Campos dos Goytacazes

Reunião Distrito/Sede População

Total

Participantes

das reuniões

locais

Questionários

individuais

entregues

Nº Questionários

individuais recebidos

1ª Ururaí (*1) 63 1.000 98

Serrinha 1.150 27 345 152

Ibitioca 3.034 89 910 217

2ª Dores de

Macabu

7.464 251 2.240 349

3ª Morangaba 3.322 128 996 315

4ª Mussurepe 10.108 63 3.032 203

Santo Amaro 7.169 126 2.150 1.234

5ª e 6ª Campos-

Guarus

(*2) 159 3.550 (*3)

7ª São Sebastião 14.116 114 4.234 1.617

8ª Tocos 7.617 76 1800 912

9ª Goitacazes (*1) 118 2500 (*3)

10ª, 11ª,

16ª

Campos-Sede 316.951(*) 336 4500 (*3)

12ª Santo Eduardo 4.272 62 1240 317

Santa Maria 3.991 157 1240 630

13ª Vila Nova 5.169 59 2000 748

14ª Travessão 18.169 142 5450 798

15ª Morro do

Coco

4.412 88 1300 220

Fonte: População Total – Censo Populacional, 2000, IBGE; Número de participantes da reunião local, número de questionários individuais entregues e número de questionários individuais recebidos e digitados – Plano Diretor Participativo/Relatório de Leitura Comunitária, julho/2006, PMCG/IBAM. ________________________ (*) A população de Campos dos Goytacazes aqui exposta diz respeito à área urbana incluindo Goitacazes, Ururaí e Guarus (3º subdistrito). (*1) De acordo com IBGE, na divisão físico-territorial do município tanto Goitacazes quanto Ururaí fazem parte da área urbana de Campos dos Goytacazes, o que inviabilizou definir o número de população dos mesmos, separadamente; estará incluído em Campos dos Goytacazes. (*2) Guarus faz parte do subdistrito de Campos dos Goytacazes. (*3) Dados em apuração.

Segundo dados constantes no próprio relatório, foram distribuídos questionários

para cerca de 30% da população de cada distrito e 5% da sede municipal, num total de

38.752 questionários entregues. Explica-se no referido documento que se optou por

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distribuir os questionários para 30% da população dos distritos pelo fato de a mesma

estar mais dispersa geograficamente, o que traria dificuldades no recolhimento dos

mesmos; e que no caso da sede municipal, a população é mais concentrada.

A análise da tabela referendada permite concluir que apenas cerca de 3% da

população da sede participou das reuniões comunitárias, o que representa, obviamente,

um número baixíssimo, e que deve ser ponderado neste trabalho tendo por foco o nível

de participação cidadã. De uma expressiva população de 316.951 habitantes, apenas 336

estiveram presentes na Leitura. Igual atenção deve ser dada ao fato de que, somente

4500 questionários foram entregues.

Em entrevista concedida para esta pesquisa, a ex-Secretária de Planejamento,

Silvana Castro, salientou em relação à participação nas Reuniões Comunitárias que:

A gente queria ouvir de perto a população e os anseios dela. Então, nesse momento a gente tinha também um trabalho com as crianças, as crianças também diziam o que era importante. [...] Então a gente ouviu realmente a fala de todos. A gente sempre ficava com pena porque mais pessoas podiam participar. No interior as pessoas participaram mais do que na cidade. [...] Os moradores da sede participaram pouco.

Por sua vez, ao explanar sobre as Leituras Comunitárias, o sociólogo Nelson

Crespo diz enfaticamente:

As reuniões comunitárias do Plano Diretor foram fraquíssimas! As que davam certo eram as do interior porque eram mobilizadas pelo esquema que eles têm de cabo eleitoral que são os chamados “agentes” que eles contratam; as reuniões comunitárias aqui da sede foram pífias! Não havia mobilização; horários ruins...

Quando indagada especificamente sobre o caráter participativo do Plano, as falas

da representante do poder público apontavam ora para um bom nível de participação,

principalmente no que tange às atividades exigidas pelo Estatuto da Cidade, ora

atentava-se para o fato de que mais pessoas podiam ter participado, como se observa

abaixo:

Foi tudo cumprido, acredito que à risca. É complicado eu falar porque eu tava coordenando o processo, junto com outras pessoas, mas acredito que tenha sido tudo cumprido à risca, até por premiação que a gente recebeu uma época, elogios do Ministério das Cidades... Coisa de que Campos cumpriu com sua obrigação. O próprio IBAM que tava dando assessoria, Campos fez três audiências públicas, quando não tinha nem exigência de tantas. Acredito que tenha sido cumprido.

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Nesse sentido, nota-se em sua explanação que as possíveis falhas do viés

participativo do Plano não estiveram a cargo da prefeitura, como nas seguintes linhas:

[...] parece que a população da cidade; num to falando generalizando, mas a grande maioria prefere desconhecer, prefere não participar e criticar. [...] A participação que eu falo, o que eu tenho que falar é isso... De ter sido crucial nesse processo todo. Hoje, se houve falha, se houve coisa que deixou de ser considerada; num tem um responsável, ou se houve benefícios, a responsabilidade é da população, da sociedade.

Por outro lado, há em certos momentos de sua fala a noção de limitações ao

processo (mesmo que estas não tenham sido geradas, em sua opinião, pela ação da

prefeitura), quando evidencia que: “O que eu reconheço e tenho pena que tenha sido

assim, foi a participação pequena ainda, visto nosso contingente populacional, e a gente

poderia ter tido a participação bem maior”.

Sua constatação quanto às limitações da participação são expressas também

durante abertura da Segunda Audiência Pública do Plano, quando se registra na

respectiva ata:

A secretária Silvana Castro voltou a explanar sobre o Plano Diretor e os diversos estágios atingidos. Falou de sua estrutura ressaltando a importância do momento que era o pensar o desenvolvimento, o crescimento do nosso município, apesar da pequena participação, mas foi através dela que se chegou até aquele momento visando sempre a melhoria da qualidade de vida de todos os cidadãos (grifos meus).

Para outro entrevistado desta pesquisa, o Senhor José Carlos Eulálio102, o qual

participou das discussões como representante do STICONCIMO-RJ, portanto sociedade

civil organizada, o aspecto da participação no Plano deixou explicitamente a desejar. É

o que se percebe a partir de alguns de seus argumentos, abaixo listados:

A sociedade organizada foi convocada a comparecer nesta discussão. Porém, pra nós foi muito frustrante [...] as nossas propostas não foram de início, acatadas; os sindicatos tinham planos para modificação da cidade, até melhoramento... E na realidade não foram ouvidos. E chegou a um ponto, depois de várias discussões, é... Que os sindicatos se retiraram da discussão do plano, em virtude do patronal, que de um modo geral, estava impondo situações, e só eles tinham voz e direito [...] Nós ficamos frustrados, então a sociedade organizada que

102 Entrevista concedida no dia 28/05/2010. Consta dos apêndices deste trabalho.

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continuou a participar como federações, associações de moradores, é... Que participaram, e outras pequenas entidades, acho que não tiveram tanto êxito na conclusão do processo. [...] Achamos que nós fomos realmente alijados dentro do processo. Então, só coadjuvante, a gente num quis participar!

À fala do presidente e representante do STICONCIMO, Carlos Eulálio,

corresponde um relato semelhante se considerarmos o testemunho do professor Nelson

Crespo, pois, em sua entrevista, o mesmo reforça:

Eu tentei acompanhar, fui a várias reuniões do núcleo gestor, mas logo eu percebi uma grande dificuldade, porque eu percebia que a prefeitura tinha colocado a Secretaria de Planejamento para trabalhar o plano. Mas você percebia que esse plano, para a prefeitura, num era um instrumento de gestão. Era uma obrigação legal de que ela tinha que se desobrigar.

A partir das análises realizadas por esta pesquisa, unindo dados e documentos

oficiais, o testemunho de uma representante do poder público municipal instituído e,

sobretudo através de relatos de atores não hegemônicos no processo – entrevistados da

sociedade civil organizada – conclui-se que o viés participativo do Plano demonstrou

limites bastante expressivos, que devem ser ponderados.

A partir das indagações feitas a ex-Secretária de Planejamento, observou-se em

seu discurso ora referências ao processo enquanto realmente participativo, ora relatos

que comprovam a pouca expressividade da participação dos munícipes na construção do

Plano.

Por sua vez, os depoimentos da sociedade civil organizada apontam claramente

para as contradições do processo, indicando forma enfática que a formulação do PDP de

Campos não foi participativa, dadas as limitações visíveis e sentidas por seus

representantes, limitações estas provocadas pela dinâmica de condução do processo.

Novamente utiliza-se da argumentação expressa pelo professor Nelson Crespo, quando

de sua fala:

[...] foi me desanimando a participação do Plano Diretor porque eu tava começando a ter a impressão de que eu tava participando de um arremedo de Plano Diretor, porque na verdade, como o gestor não ia pegar isso como uma coisa séria; não ia pegar isso como instrumento de gestão, não ia dar a devida importância, como de fato não deu. Cheguei até a ir a uma sessão na Câmara de Vereadores, quando o Plano Diretor chegou a Câmara de Vereadores, mas ali também eu já percebia que de maneira nenhuma o movimento social organizado foi tratado como tal. Agora também, nós não podemos, e aí é o meu papel

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de sociólogo; a gente tem que perceber que o movimento social organizado em Campos não é tão organizado assim.

Notou-se que propostas importantes foram desconsideradas e que muitas

reuniões acabavam tornando-se esvaziadas, perpassadas por intervenções pontuais e por

interrupções as quais não permitiam o aprofundamento de questões relevantes para o

bem geral do município.

No caso específico da elaboração do PDP do município, como saldo do processo

“democrático” de decisões ficou, para o professor Nelson Crespo:

Então uma impressão que eu tenho do Plano é que ele foi literalmente, como eu diria, ele foi um instrumento para cumprir exigências legais e nunca chegou a ser, digamos assim, a interessar o gestor público no caso de Campos. [...] Eu diria que o Plano Diretor de Campos teve uma participação fraca, acho que essa é a palavra: fraca, esmaecida, eu diria isso. Por isso que eu prefiro dizer que foi um arremedo de plano diretor! Que como todo arremedo tem algumas coisas interessantes, eu diria isso.

Ressalta-se que existiu um consenso nos testemunhos dos entrevistados quanto

ao grupo que mais se fez presente nas discussões do Plano. Tratava-se do setor

imobiliário local. Para a ex-secretária de planejamento, isso ficava visível durante os

debates colocados. Ao relembrar esse momento, destacou Silvana Castro:

Discutimos muito a questão de afastamento dos prédios. Não chegamos a muito avanço, mas conseguimos algum. A questão de afastamentos laterais: aumentar muito, não se conseguiu. A cidade está crescendo, muitos prédios sendo construídos; o objetivo de evitar que se criem paredões, que se prejudique a ventilação que se tem. Não se conseguiu muito, se conseguiu pouco. Conseguiu-se, por exemplo, prédios maiores terem um afastamento frontal maior, isso não existia. Antes você não tinha a questão de afastamento frontal em função de altura de prédio, apenas o lateral. Ganhou-se o afastamento frontal. Então, a gente fala, na hora de discussões de afastamentos, por exemplo, quem mais participou? Foram os empreendedores. Os empreendedores defendem o lado de que quanto menos afastar, melhor, porque aí defendem o lado financeiro. Mas alguma coisa se conseguiu (grifos meus).

Ao remeter-se à participação do grupo ligado à construção civil no município,

relatou o presidente do STICONCIMO-RJ, Senhor José Carlos Eulálio:

[...] eles têm interesse em deter todas aquelas informações e obras que favoreçam a eles! Então essa é a discussão. [...] Então, eles foram combativos nas discussões? Foram! Então por que só os empregadores

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puderam se manifestar, ter a inclusão de suas propostas, e a proposta do movimento sindical, não? Não foi dito a nenhum de nós nessa clareza, mas você vê o caminhar das situações, o interesse da bancada em colocar em discussão ou não, aprovar ou não a matéria, e isso não foi colocado! [...] Porque tinham muitos empresários e todos eles têm... Porque aqui há uma questão muito engraçada: o mesmo empregador em Campos ele é comerciário, ele é construtor, ele é do ramo de farmácia e ele é ruralista! Aí, estavam todas as bancadas muito bem representadas, fortemente representadas! O jogo de interesses ali quando atingia um, de uma bancada atingia a outra aí... Havia sempre uma defesa, aquela discussão era ampliada, então era o jogo de interesses [...] (grifos meus)

Por sua vez, acerca do peso do referido setor nas discussões, avaliou o professor

Nelson Crespo:

[...] o Plano Diretor levantou a questão do ordenamento da cidade. E nada se fez ainda! Aliás, notória também e impressionante a capacidade de organização dos setores imobiliários! Como eles levam a sério essa questão! Se fizeram presentes, eles lutam... Se puderem lutar, se essa vírgula aqui pode vir a nos atrapalhar lá na frente vamos tirar essa vírgula! Ao mesmo tempo em que eles só defendiam seus interesses eles tinham um discurso que às vezes se aproximava, porque era um discurso por tornarem públicas as decisões, mas desde que não fossem sobre esses assuntos (grifos meus).

É válido ponderar que dentre os entrevistados, houve consenso ainda em relação

ao reconhecimento do Plano Diretor enquanto um instrumento importante de gestão do

espaço. Para a ex-secretária Silvana Castro, assume-se que:

É a questão do planejamento da cidade, né, que não pode parar. É desse planejamento aí que você vai ter uma cidade melhor, ter pessoas que pensem, mas que implantem, porque a dificuldade está sendo implantar as coisas, infelizmente.

Na concepção do sociólogo e professor Nelson Crespo, é evidente que:

Na verdade, se o gestor usa o Plano Diretor, que não é o único de gestão urbana, mas se ele usa o plano diretor como um instrumento privilegiado de gestão urbana, ele pode ir além. A ocupação do solo, a discussão de pra onde vai o nosso município, isso pra mim é mais típico do plano diretor. Mas você pode usar o plano diretor colocando mais conselhos dentro dele e inclusive gerir questões da saúde e da educação. Necessariamente não precisa, você pode fazer um plano diretor mais aberto ou menos aberto. Agora se o gestor quer fazer um plano como ta em moda hoje em dia, né, tentar construir uma política de Estado e não uma política de governo, ele pode amarrar essas questões.

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E por fim, segundo o presidente do STICONCIMO-RJ, Senhor José Carlos

Eulálio:

O Plano Diretor é realmente o instrumento que vai reger tudo isso. Mas como ele não teve essa abrangência que eu estou citando, eu acho que ele fica um pouco prejudicado. [...] Então o plano diretor pra mim é algo importantíssimo, mas que fosse realmente participativo, com toda sociedade organizada, não com algumas, ta... Toda ela... Que houvesse um empenho do poder público em facilitar que essas entidades estivessem realmente presentes, discutindo, apoiando. Se não tivesse proposta, mas que pelo menos estivesse sendo conhecedor das propostas ali apresentadas.

Diante de toda a investigação estabelecida nesta etapa do estudo, essencial se faz

atentar para as sinuosidades percorridas pelo Plano Diretor Participativo de Campos dos

Goytacazes correspondentes à fase de sua constituição. Apesar de todo o esforço por

parte da Secretaria de Planejamento do Município no sentido de cumprir as obrigações

legais impostas pelo governo federal, os aspectos salientados demonstram a necessidade

de amadurecimento da estrutura participativa local.

É fundamental considerar, no entanto, que o exercício da atividade democrática

no Brasil ainda está aquém do que se almeja a fim de se garantir a plena cidadania da

população, com seu direito de voz, de expressão e de conhecimento. Portanto, o

Município de Campos, dado o seu quadro político conturbado, logicamente não seria

diferente do restante da realidade brasileira. A elaboração de seu PDP pode ser

considerada ponto de partida para que se pense a ampliação e o aperfeiçoamento de

espaços democráticos de gestão, gestão esta verdadeiramente compartilhada com toda a

sociedade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito à cidade se manifesta como forma superior dos direitos: direito à liberdade, à

individualização na socialização, ao habitat e ao habitar. O direito à obra (à atividade participante) e

o direito à apropriação (bem distinto do direito à propriedade) estão implicados no direito à cidade.

Henri Lefebvre In O direito à cidade

A análise do caráter participativo do Plano Diretor do Município de Campos dos

Goytacazes, neste estudo, buscou pôr em evidência a dimensão sociopolítica do espaço.

Dito de outra maneira, pretendeu-se ressaltar a necessidade de uma leitura política do

espaço social com vista à compreensão dos instrumentos de gestão urbana,

vislumbrando a interação dialética entre sociedade e espacialidade.

Enfatizaram-se os limites observados à participação dos munícipes nas

atividades do PDP de Campos tendo por base a contribuição de escritos lefebvrianos,

com destaque para a constatação de que as contradições, alianças e conflitos

explicitados quando da elaboração do Plano Diretor, refletiram a essência política que

permeia a construção e a gestão do espaço, bem como a noção de que, o conteúdo social

do planejamento urbano é influenciado pela correlação de forças e de poder.

Ainda a partir da teoria crítica de H. Lefebvre, pode-se afirmar que o momento

de constituição do PDP desvelou conflitos importantes acerca das possibilidades e da

luta pela apropriação do espaço, numa lógica associada às contradições entre espaço

concebido, espaço percebido e espaço vivido. Entende-se que a fase de elaboração do

Plano demonstrou que a relação entre as representações do espaço, as práticas

espaciais e os espaços de representação precisava ser esclarecida, pois, segundo

Lefebvre, essa relação nunca é “simples nem estável” (2006a, p.28).

Quanto aos projetos de cidade que se possibilitaram emergir, destacou-se o papel

do influente grupo representativo do setor imobiliário local no testemunho de todos os

entrevistados, inclusive na fala da ex-secretária municipal de planejamento. A presença

desse setor na construção do Plano remete-nos ao aparato teórico do sociólogo

Bourdieu, quando o mesmo salienta o papel do habitus e do poder simbólico na

conformação do espaço social enquanto grande campo de lutas.

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A participação dos empreendedores e construtores na formulação do PDP de

Campos ilustrou que o conceito de poder simbólico revela-se fundamental aliado no

entendimento dos dilemas socioespaciais, principalmente no referente às disputas por

frações do espaço que atendessem aos interesses do referido grupo, em detrimento dos

interesses da coletividade, configurando-se como uma espécie de poder social que

impunha significações como legítimas. Considera-se que a posição que o setor

(patronal) da construção civil ocupa no espaço social campista, refletiu-se na posição

por ele ocupada nos debates do PDP, permeada pelo capital simbólico historicamente

detido pelo grupo. Reconsidera-se a argumentação bourdiana de que:

[...] muitas diferenças que, geralmente, se associam ao efeito do espaço geográfico, por exemplo, à oposição entre o centro e a periferia, são o efeito da distância no espaço social, quer dizer, da distribuição desigual das diferentes espécies de capital no campo geográfico(2009, p.138).

Ancorando-se na visão de Bourdieu, destaca-se que o poder simbólico dos

agentes depende, portanto, da posição por eles ocupada no espaço. As estratégias dos

grupos na tentativa de fazer valer seus projetos de cidade ou, no intuito se apropriar do

espaço urbano, conjeturam os conflitos em torno dos bens coletivos dispostos na

dimensão espacial. O momento de elaboração do Plano Diretor do município

evidenciou disputas entre determinados agentes que, com seus respectivos habitus –

produtos de aquisição histórica responsável por modelar práticas, valores e

comportamento –, lutaram por um projeto de cidade.

O setor da construção civil campista constitui um grupo hegemônico no

município, pois seu habitus é permeado por significativo acúmulo de capital econômico

e simbólico que, na arena de defesa de seus interesses, demonstra poder de persuasão,

uma vez que detém ainda considerável acúmulo de capital técnico que lhes garante

vantagens na determinação da tomada de decisões. Trata-se de um grupo que,

historicamente, vem impondo as regras de ordenação espacial em Campos dos

Goytacazes. Seu habitus contempla grande capacidade de mobilização e organização, o

que garante o favorecimento de suas práticas, objetivando sempre uma posição que

permite lucro financeiro, reforçando o ideal de mercantilização do espaço. Esta

constatação remete-nos ao pensamento de Milton Santos, em que o autor argumenta:

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Os construtores do espaço não se desembaraçam da ideologia dominante quando concebem uma casa, uma estrada, um bairro, uma cidade. O ato de construir está submetido a regras que procuram nos modelos de produção e nas relações de classe suas possibilidades atuais (2004, p.36).

Conforme relatado nas entrevistas, os membros do grupo empregador da

construção civil integram setores estratégicos na cidade, tais como comercial,

farmacêutico, rural, dentre outros. Dessa forma, suas características constituem um

habitus que foi decisivo no processo de formatação do PDP, uma vez que sua robustez

contrasta com a reduzida capacidade de arregimentação da população na defesa de seus

interesses.

Conclui-se que os limites observados à participação no PDP de Campos deram-

se tanto na esfera da sociedade civil organizada quanto no direito de voz do cidadão

desvinculado de qualquer entidade representativa. Como exemplo desta constatação,

conforme entrevistas realizadas, notou-se que o movimento sindical organizado dos

trabalhadores da construção civil considerou-se alijado do processo, dadas as

imposições do sindicato patronal (SINDUSCON); por sua vez, observou-se também que

o movimento social sentiu-se coadjuvante na formulação do Plano, pois, conforme

testemunho do sociólogo Nelson Crespo, as propostas deste movimento não eram

contempladas e sua capacidade de organização mostrou-se fragilizada.

Num esforço de síntese, pode-se dizer que, a partir de pesquisas documentais e

testemunhos de atores presentes no processo de construção do Plano, elucidaram-se os

seguintes aspectos concernentes às limitações à efetiva participação da sociedade: 1)

morosidade e adiamento de atividades do Plano; 2) falhas na divulgação das mesmas,

além do não acesso a informações e documentos; 3) eventos realizados de forma

simultânea e em horários de expediente de trabalho da maioria dos munícipes; 4) não

engajamento do prefeito no sentido de dar ao instrumento de gestão sua devida

importância e 6) embates entre o Executivo e o Legislativo municipais quando da fase

final de aprovação do PDP.

Portanto, torna-se evidente que a elaboração do PDP de Campos dos Goytacazes

foi conduzida em um contexto político local conturbado que não favorecia o incremento

de estruturas democráticas e participativas de decisão, uma vez que as discussões não se

apresentaram como canais decisórios horizontais. Observou-se que o grau de abertura

para a participação nos debates caracterizou-se pela regulação e pelo consentimento,

elementos estes corroborados pelo aporte teórico do autor Marcelo Lopes de Souza no

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presente estudo. Segundo o pesquisador, a regulação e o consentimento permeiam as

“ilusões de participação” atribuídas à consulta e a cooptação da população na gestão do

espaço. Para Souza, níveis distintos de abertura à participação podem coexistir, como

foi o caso específico da construção do PDP investigado.

Por intermédio da consulta, observou-se que parcelas da população puderam ser

“ouvidas” – de forma claramente inexpressiva e limitada – mas que, como qualidade

deste nível intermediário de abertura, não houve garantia nenhuma de que seus

apontamentos fossem acatados. Ratifica-se esta informação, sobretudo, quando se

rememora a fase final do Plano, na qual alterações foram feitas no Legislativo

Municipal, e quando se lembra que propostas importantes para a coletividade foram

solenemente negadas em reuniões e audiências públicas. Segundo Souza & Rodrigues,

este grau de abertura à participação merece atenção, pois, em suas palavras:

Raramente se pergunta aos moradores e usuários dos espaços afetados o que pensam de tais intervenções, e, quando isso acontece, fica-se apenas na consulta, sem que se dê às pessoas a oportunidade de participar, verdadeiramente, na busca de soluções para os problemas de seus bairros e suas cidades. Para nós, o ato (o processo) de se planejar uma cidade deve ser algo essencialmente distinto: os próprios cidadãos devem poder decidir sobre os destinos dos espaços em que vivem, por meio de debates livres, abertos e transparentes (2004, p.14).

No tocante à cooptação, a pesquisa mostrou, a partir de entrevistas à

representantes da sociedade civil organizada que a “captura” de indivíduos ou grupos-

chave locais – tais como líderes comunitários ou cabos eleitorais (“agentes”) – serviu

para “conquistar respaldo popular a um ‘custo mínimo’, sem o real compartilhamento

do poder pelo Estado” (SOUZA, 2006, p.415-418).

Conclui-se que, apesar do caráter democrático cedido aos Planos Diretores pelo

Estatuto da Cidade, nota-se significativa lentidão dos instrumentos participativos de

uma forma geral. Constata-se que a participação popular, elemento novo da proposta de

gestão urbana da lei federal 10.257 de 2001, é o ditame mais difícil de ser alcançado,

pois não ocorre simplesmente por sua existência legal. O tempo da construção dos

pactos sociais é longo e complexo, necessitando da consolidação da democracia e da

ampliação de espaços de gestão compartilhada, sobretudo quando se consideram, como

o faz Maricato, “a falta do hábito da participação, a falta de informação que deve

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qualificar o participante e a desconfiança ou vícios que cercam a relação com os poderes

públicos, em nosso país” (2002, p. 81).

Espera-se que o Plano Diretor seja considerado um instrumento de gestão do

espaço social efetivamente democrático e que, respeitado pelos gestores públicos, deixe

de ser contemplado apenas por sua obrigatoriedade legal, e passe a ser vislumbrado em

sua real dimensão participativa, para além dos aspectos formais e legitimadores do

poder político.

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APÊNDICES

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Entrevista com Silvana Castro – realizada no dia 20/04/2010 Perfil Nome: Silvana Castro Idade: 47 Escolaridade: Pós-Graduação em Gestão Municipal Ocupação: Professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo no IFF Campos e arquiteta da Prefeitura Municipal de Campos Ocupação à época de formulação do PDP de Campos: Secretária de Planejamento Instituição/Entidade que representou no PDP:a prefeitura Entrevista 1 – Qual foi a sua relação com o Plano Diretor Participativo do Município de Campos dos Goytacazes? Silvana Castro (SC) - Pra mim foi um processo importante porque eu participei da elaboração do Plano de 1991. Eu entrei na Prefeitura em 85, e participei da elaboração do Plano de 91, que era o plano vigente. E foi totalmente diferente, porque esse plano foi participativo, esse último. Então aquela época a gente teve a Dra. Lysia Bernardes, geógrafa, que veio a Campos, e a gente não tinha essa oportunidade de discutir com a população. A gente discutia entre acadêmicos, mas entre quatro paredes, uma coisa mais restrita. E agora o estudo desse novo plano permitiu que a gente tivesse acesso a toda a população de Campos, foi uma coisa aberta a todos que quisessem participar, e o processo contou com várias etapas.

A gente teve uma primeira etapa que foi o diagnóstico, levantar um diagnóstico do município. Como que nós fizemos isso? Nós fizemos um trabalho que primeiro tivemos a questão acadêmica, teve um seminário, em que a gente ouviu a fala acadêmica; como é que as pessoas viam Campos, os problemas e já podendo apontar propostas. O que veriam como ideal, e que poderia ser feito. Aí foi a fala acadêmica. Depois a gente teve a leitura comunitária. Na leitura comunitária a gente visitou as comunidades, fez reunião... Aí nós fomos aos distritos, aí a gente tinha a preocupação de mostrar as pessoas que aquilo era um trabalho técnico, não político; que ali não se tava prometendo nada, diferente de coisa política realmente, né. A gente tava ali querendo ouvir deles as necessidades. A gente dava liberdade... A gente levou os temas para serem debatidos por eles, como infraestrutura, transporte... O que vocês têm? Tem praça neste local? Tem atendimento médico? O que eles viam como necessidade?

E até pra deixá-los a vontade muitas vezes a gente saía da sala, eles nomeavam alguém que ia falar em nome do grupo, escrever e tal... E pra eles ficarem a vontade mesmo, falarem o que eles quisessem, a gente até se ausentava, porque era importante

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pra gente naquele momento realmente registrar a necessidade daqueles locais, daquele povo ali; a gente ouvir a voz deles, diferente das informações que a gente tinha dentro de sala, de escritório. A gente tinha as informações: Secretaria de Promoção Social, tem os dados levantados por ela; Secretaria de Educação, tem seus dados; Secretaria de Saúde, a mesma coisa. Mas isso só não bastava, né. A gente queria ouvir de perto a população e os anseios dela. Então nesse momento a gente tinha também um trabalho com as crianças, as crianças também diziam o que era importante. A gente percebia assim, a diferença... enquanto nossas crianças aqui querem... o que que sonham? Os sonhos são diferentes... Desenhavam né. O que é o sonho de uma criança que mora num local precário? É ter uma casa, é ter uma praça... Então a gente ouviu realmente a fala de todos. A gente sempre ficava com pena porque mais pessoas podiam participar. No interior as pessoas participaram mais do que na cidade. Nós buscamos fazer encontro em Campos: durante a semana à noite, não funcionou bem; então vamos fazer sábado, fizemos encontro sábado; fizemos discussões em locais variados. Houve um momento em que nós fizemos Câmaras Temáticas; então discutimos assuntos diferentes em locais diferentes. Assunto: habitação; a Câmara desenvolvia aquele assunto ali; Cidadania, transporte. A gente então procurou colher dados de todos os setores, de segmentos diferentes. O prefeito nomeou o núcleo gestor, composto de pessoas da prefeitura e de pessoas representantes da sociedade civil. Houve muito trabalho em torno de criar um plano que pensasse a cidade para os próximos dez anos, mas que fosse um pensamento de todos, que fosse um estudo pensado por toda a sociedade, por todos os moradores campistas, desde a população mais pobre, que tem menos acesso até os empresários que estão aí construindo. Então acho que foi muito importante isso... Hoje a gente vê algumas pessoas questionando, falando, e a gente fica tranqüilo com relação ao trabalho que, se não foi diferente foi por falta de participação e por falta de vontade de quem não participou. Porque houve chamamento, houve muita oportunidade, como teve discussão em faculdades, nós fomos ao ISECENSA, fomos à Estácio, fomos a locais diferentes e segmentos diferentes, pra buscar que as pessoas entendessem o que era, a proposta que era, a importância do que estava se fazendo, e a importância da participação, visto a oportunidade que estavam tendo né... E dentro de tudo o que o Estatuto da Cidade pregava de participação, o que você acha que a prefeitura conseguiu cumprir, como audiências públicas, debates, câmaras temáticas? SC - É. Foi tudo cumprido, acredito que à risca. É complicado eu falar porque eu tava coordenando o processo, junto com outras pessoas, mas acredito que tenha sido tudo cumprido à risca, até por premiação que a gente recebeu uma época, elogios do Ministério das Cidades... coisa de que Campos cumpriu com sua obrigação. O próprio IBAM que tava dando assessoria, Campos fez três audiências públicas, quando não tinha nem exigência de tantas. Acredito que tenha sido cumprido. O que eu reconheço e tenho pena que tenha sido assim foi a participação pequena ainda, visto nosso contingente populacional e a gente poderia ter tido a participação bem maior. E como foi a escolha da assessoria do IBAM? Pois essa discussão começou no Conselho de Meio Ambiente e Urbanismo?

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SC – Essa discussão começou no Conselho de Meio Ambiente e Urbanismo, e tinham algumas propostas, e não havia a proposta do IBAM. Quando eu assumi a Secretaria, eu propus que o IBAM participasse, procurei pelo Conselho... há ainda chance pra isso? Porque não se tinha definido qual seria a escolha, quem faria e tal... E o IBAM apresentou uma proposta, e foi levada outra vez ao Conselho e a proposta foi aceita, porque não sei se porque teve um preço bem melhor do que o que tava se propondo antes, foi assim que o IBAM entrou no processo com a essência do Conselho que vinha conduzindo esse processo. O Plano começa a ser pensado em 2005. Mas ocorre o problema das eleições, o prefeito Mocaiber assume como interino... Isso influencia no Plano? SC – Quando eu assumi a secretaria foi quando o Mocaiber entrou como interino e esse plano já tava sendo discutido no Conselho de Meio Ambiente sim. Então houve muito atraso no processo em função disso, nesse período que ele ficou como interino. Em março do outro ano houve a eleição, ele foi eleito e aí o IBAM foi contratado a partir de abril. Então durante esse ano aí a gente participou de Seminários sobre Plano Diretor, foi a São Paulo, a gente recebeu o Ministério das Cidades aqui em Campos, que também deu aqui um Seminário, já pra nós prefeitura e pra população, pros demais segmentos, o próprio Conselho de Meio Ambiente. Mas a coisa ainda não tava fluindo porque não havia essa assessoria efetiva né. O que era mais importante para o município e que deveria ser contemplado pelo PDP? SC – Olha só, uma coisa que foi contemplada e que eu acho que foi muito importante foi a questão de definir zoneamento... até no plano isso ficou alinhavado e depois é que foi aprovado na Câmara e que virou lei. Zoneamento e modelo de parcelamento dos distritos. Quer dizer, os distritos eram locais que não tinham uma diretriz pra crescimento. Como é que você analisa um projeto que vai ser implantado num local “X”, Morro do Coco? Não tinha uma diretriz. E o plano criou núcleos urbanos. Então esses distritos passaram a ser núcleos urbanos e a partir daí foi dado a eles um direcionamento, uma direção para o crescimento. Modelos de parcelamento e zoneamento. Ao mesmo tempo foram criados os eixos, macro-eixos de atividades produtivas. Campos está crescendo... As indústrias vinham... onde podem se instalar? Acabam se instalando muitas vezes em local inadequado, então foi implantado isso aí, macro-eixos de atividades produtivas. Quais são os macro-eixos? De onde até onde? Como ficam as rodovias, as BRs, as RJs. Campos-Farol, como é que isso funciona? Então você criou esses núcleos urbanos nesses vários distritos que a gente tem daqui pra lá e entre um e outro como é que funciona, o que é que pode ser implantado. Isso eu acho que foi uma passo muito importante, porque é você realmente direcionar o crescimento, é uma coisa que não existia. Que áreas do município requeriam mais atenção do PDP? SC – Essas áreas – aí a gente está complementando – eram as áreas que mais precisavam. Porque estavam esquecidas realmente e eram áreas que precisavam. Mas

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além disso as áreas nossas de expansão, que é a área que a gente fala área do Queimado, que é a área que pega a Beira-Valão pra estrada dos Ceremistas. Criou-se uma área ali com a abertura da Artur Bernardes. Existe um projeto pra abertura da Nossa Senhora do Carmo. E aí você chega até a Ceramistas. Aquela área toda é uma área de expansão. Então a gente tem outras áreas de expansão. Então que parâmetros criar para o crescimento daquela área? Isso foi feito. Os Eixos Comerciais, outra coisa importante. A gente tinha em Campos eixos de comércio e de serviços, apenas isso. Agora nós temos eixo de comércio e serviços tipo 1, 2 e 3, que diferenciam o que você pode ter em cada eixo desses. Foi o Plano que definiu. Porque no eixo de comércio e de serviços você pode ter comércio, mas que tipo de comércio? Então dependendo do eixo em que você está, você pode um tipo de comércio “X”; então você não pode, por exemplo, fazer uma casa noturna, uma boite, com mais de mil metros quadrados numa área qualquer. Você tem que ver qual eixo, em qual trecho. Então a gente diferenciou os eixos comerciais, delimitou as áreas onde você pode fazer um comércio maior, um comércio menor; não existia. Foi um ganho grande.

Discutimos muito a questão de afastamento dos prédios. Não chegamos a muito avanço, mas conseguimos algum. A questão de afastamentos laterais: aumentar muito, não se conseguiu. A cidade está crescendo, muitos prédios sendo construídos; o objetivo de evitar que se criem paredões, que se prejudique a ventilação que se tem. Não se conseguiu muito, se conseguiu pouco. Conseguiu-se, por exemplo, prédios maiores terem um afastamento frontal maior, isso não existia. Antes você não tinha a questão de afastamento frontal em função de altura de prédio, apenas o lateral. Ganhou-se o afastamento frontal. Então, a gente fala, na hora de discussões de afastamentos, por exemplo, quem mais participou? Foram os empreendedores. Os empreendedores defendem o lado de que quanto menos afastar, melhor, porque aí defende o lado financeiro. Mas alguma coisa se conseguiu. Lógico que o plano é feito pra dez anos. Uma revisão também vale, ainda nesses dez anos. E o pensamento do plano é muito grande, muito abrangente, junto a ele vieram as leis de uso do solo, lei de parcelamento... Deveria vir logo depois o Código de Obras... Vieram parcelamento, uso do solo e perímetro. O Código de Obras, após o término do plano nós elaboramos uma minuta, uma nova proposta de Código de Obras com pequenas alterações que se faziam necessárias, mas esse não foi implantado. Então ainda ta valendo o Código de Obras antigo. Mas é preciso que as pessoas entendam que a cidade cresce e junto a esse crescimento as leis têm que ser revistas. Então o Plano já foi de final de 2007, nós já estamos aí em 2010, algum ajuste nele que se fizer necessário precisa ser feito. Você comentou o caso dos empreendedores, do setor imobiliário. Quais os setores você acha que foram mais resistentes a mudanças que poderiam vir no Plano? SC – Esse setor mesmo. Construção Civil. Os moradores participaram pouco. Eu falo, por exemplo: Flamboyant. Houve alterações pro Flamboyant. Os moradores não estavam presentes pra discutir, pra defender. Os moradores que moravam em zonas onde antes não era permitido fazer prédio, e que passou a se permitir por escolha de quem participou, não estavam lá pra defender os interesses de manter uma área maior, no caso apenas com residência unifamiliar; Então isso são questões que a gente num pode impor. Precisa ter a população pra discutir e pra se chegar a um consenso. Então já existe por exemplo: morador do Flamboyant, estou citando o caso do Flamboyant porque é um caso que a gente conhece bem, e que chama a atenção da

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gente porque era um bairro de muita residência unifamiliar, e que agora estão surgindo prédios. Agora, não só depois do plano, mas antes mesmo a gente já tinha problema com, por exemplo, um eixo comercial já se pode fazer prédios mais altos, diferente das outras ruas do Flamboyant. O Flamboyant tem uma área que é só unifamiliar, depois multifamiliar, mas com prédio baixo. Depois de repente tem os prédios altos que estão nos eixos comerciais. De repente um prédio alto desse que tava na esquina nasce vizinho a uma casa térrea. Essa moradora, ué: como é que está fazendo um prédio aqui? Ou buscar o que é que é. Ali é permitido porque é um eixo de comércio. Mas na hora da discussão, de pensar de novo a cidade, se esses moradores estivessem lá, presentes, eles poderiam mudar isso ou entender como surgiu um prédio e o porquê disso. Os moradores da sede participaram pouco. O que você acha do plano como um instrumento de gestão do espaço? O que você diria sobre essa ferramenta que hoje a gente tem, que é obrigatória? SC – É, aí eu falo: é importantíssimo; eu falo que o plano diretor desde 1991... Agora é obrigatório, mas antes a gente tinha. É preciso que as pessoas saibam que existe. O grande problema que eu vejo, às vezes lá na prefeitura atendendo às pessoas, a falta de conhecimento de que existe uma lei quando você vai fazer qualquer obra, você tem que saber que existe a lei municipal. Muitas vezes eu ficava surpresa de ver assim, num é só o morador lá do interior, que num tem estudo, que num tem conhecimento, desconhece que a cidade tem uma lei que precisa ser cumprida. Não, o morador de dentro da cidade, muitas vezes pessoa que tem estudo, desconhece, prefere às vezes desconhecer que a cidade tem lei. Começa a fazer uma obra e de repente o fiscal bate: mas, ah! Eu não sabia! Então, é... Talvez caiba à prefeitura fazer um trabalho de conscientização maior pra poder as pessoas verem a importância. Eu falo que cabe à prefeitura, mas eu nem sei como. Porque à época do plano trabalhou-se muito isso. E é como eu tô te falando, a gente conseguiu chegar muito mais à população da periferia do que à população da própria cidade. Porque parece que a população da cidade; num to falando generalizando, mas a grande maioria prefere desconhecer, prefere não participar e criticar. Aí você vê, o plano é um plano abrangente; o plano incluiu nele instrumentos que ainda não foram usados, que não foram pensados, como o IPTU progressivo, a própria outorga onerosa, do direito de construir. Então, que precisam ser implementados. A questão do impacto de vizinhança... E é importantíssimo. A cidade que ta crescendo como Campos, com indústrias se instalando, com a questão do Porto; impacto de vizinhança é assim, básico. Então quando você fala em Campos, em impacto de vizinhança, as pessoas falam assim: nossa, isso é difícil, isso é complicado! Ao passo que quando você lida com uma empresa que vem de fora, que ta acostumada a fazer isso em outras cidades, isso é tranqüilo, porque é necessário. Você vai fazer uma ponte, você vê hoje a ponte que tá implantada no centro da cidade, o impacto que causou àquela vizinhança ali. Então, o empreendimento maior que vai se fazer, tem que ter um estudo de impacto de vizinhança. Tem que saber como lidar, se aquilo ali ta implantado, como lidar com o que está no entorno daquilo; como que vai ficar o transito ali? Questão de barulho? A questão da própria infraestrutura. Então são instrumentos que estão dentro do plano que devem ser colocados em prática, tem que ser usados. Impacto de vizinhança é normal, precisa ter. Tem que ser exigido sim. Ainda existe muita resistência, mas resistência porque as pessoas... Existe realmente, mas não existe. Tem que segurar o crescimento, tem que frear. Então essas coisas também estão sendo criadas. Então a questão da outorga onerosa, a questão da transferência do direito de construir; aí você pode

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minimizar o problema dos proprietários que têm imóveis preservados, tombados, que estão no centro. Você consegue fazer uma troca, vai vender o direito de construir. Então são instrumentos que tem que ser aplicados, pra isso tem que ser implantado ali... o plano prevê um sistema de planejamento e gestão; ele não existe. É a questão do planejamento da cidade, né, que não pode parar. É desse planejamento aí que você vai ter uma cidade melhor, ter pessoas que pensem , mas que implantem, porque a dificuldade está sendo implantar as coisas, infelizmente. Em relação às etapas finais do plano, eu lembro que na época, eu até tenho algumas versões finais do plano, parece que o prefeito Mocaiber não assinou, e a Câmara de Vereadores teve que assinar? SC – É. O próprio plano diretor, tudo foi entregue à Câmara e pra nós aquilo estava valendo, inclusive a prefeitura começou a avaliar projetos já com o plano novo. Pra nossa surpresa, quando ele foi afastado, quando o Alexandre foi afastado e o Roberto Henriques assumiu, nós ficamos sabendo que o plano foi encaminhado à Câmara sem a assinatura do prefeito. E que então a Câmara que sancionou. Foi encaminhado por Roberto Henriques, e a Câmara sancionou. Eu num sei na verdade te dizer... a gente continua usando o plano diretor do final de 2007. Eu num tenho a certeza de te dizer se ele vale desde dezembro de 2007 ou desde abril de 2008. Então eu só posso dizer que a Secretaria de Obras já começou a fazer análise por esse plano, a partir de final de dezembro. Então essa diferença de tempo foi de dezembro de 2007 a abril de 2008? SC – Isso. Teve ainda uma prorrogação de prazo pra finalizar o plano, do Ministério das Cidades? SC – É, seria pra, acho que agosto de 2007, foi prorrogado pra dezembro. Então ele já foi mandado em dezembro na prorrogação. E você acha que essa prorrogação foi decisiva pro caso de Campos, por ser um município grande? SC – Foi, foi sim. Porque a gente num teria tempo não. Junto ao plano foi a discussão de uso do solo, parcelamento e perímetro. Teria problema se tivesse que entregar em agosto. E como você definiria o caráter participativo do plano? Os avanços, as limitações, enfim? SC – É, como eu falei o tempo todo, porque eu dei muito enfoque à questão participativa porque foi realmente o “plus” que teve do plano porque deixou-se de se pensar entre quatro paredes e a gente teve a oportunidade de trabalhar com toda a população. Com toda entre aspas, porque com toda que se fez presente. E aí é o que eu já falei todo o tempo. Eu tive pena porque a todo momento eu achava que mais pessoas podiam participar, embora a participação que houve tenha sido uma participação muito boa, as pessoas que participaram, quando nós tivemos o momento das discussões das

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Câmaras Temáticas, nós tivemos pessoas muito boas que nos ajudaram muito. Pessoas que tiveram contribuição assim, muito importantes e pessoas conhecedoras daqueles assuntos “X”. A participação que eu falo, o que eu tenho que falar é isso, de... de ter sido crucial nesse processo todo. Hoje, se houve falha, se houve coisa que deixou de ser considerada; num tem um responsável, ou se houve benefícios, a responsabilidade é da população, da sociedade. E também a pessoa que participou, pode conhecer, saber o que é. Conhece o que ta se pensado pra cidade. Conheceu o diagnóstico, os problemas da cidade, os anseios da população, e as propostas feitas, que... a gente num pode dizer que foi o melhor. Poderiam ter propostas melhores? Poderiam, talvez. Mas foi o que se avançou aí, o que se conseguiu fazer. A gente depois disso aí à época a gente ouviu muito, ah... precisa passar a fazer um orçamento participativo. Na própria época da prefeitura, a gente, a Secretaria apresentava orçamento à Câmara, também era atribuição da Secretaria. A gente ouviu muito, a questão do processo participativo na discussão do orçamento do município. Precisa muito, é necessário sim! E é difícil, mas ta na hora disso acontecer. Eu enxerguei assim, o plano, como uma alavanca pra isso. Então acho que cabe à sociedade continuar cobrando. Acho que esse papel da sociedade de cobrar o seu direito de participar e de ver as coisas acontecendo, de participar de todo o processo, acho que isso num pode parar; a população, a sociedade tem que estar ali sempre atenta, cobrando e participando, né? A palavra principal é participar! Mais do que você criticar, é você ter a oportunidade de participar das dificuldades, dos benefícios, de tudo, de todo o processo. Você acha que tudo o que a população conseguiu levantar foi contemplado no plano ou, quando chega à Câmara, por exemplo, você observou alguma resistência por parte da Câmara, em alguns artigos que estavam ali? SC – Olha, a Câmara, ela leu todo o plano, eles formaram um pequeno grupo mas eles leram todo o plano, nos chamaram várias vezes durante toda a leitura, a análise deles. Então houve realmente uma análise, nos chamaram, nós discutimos muitas vezes, e a maior resistência que houve, é normal de existir, porque existe por parte de toda a população, é relativa à questão de patrimônio. Então, dentro do plano existia uma relação... Existia uma diferença do Plano de 91 pra esse, porque o plano de 91 nessa área de patrimônio, de preservação do patrimônio, ele listava ruas; chamava logradouros e guardas. E esse último plano delimitou essa área. E aí criou a AEIC, que é a Área de Especial Interesse Cultural. E o interesse do conselho à época, o Conselho de Patrimônio, o COPPAM, era que junto, no próprio plano diretor entrasse a listagem dos imóveis a serem preservados no município. Já existe uma listagem de imóveis tombados pelo IPHAN, pelo INEPAC e outros de interesse de preservação no município, pelo município. Então, essa listagem seria acrescida de vários imóveis. Isso aí foi a parte que a Câmara não aceitou. Essa listagem não foi incluída porque eles então colocaram lá que caberia ao poder público encaminhar após o plano uma listagem com os imóveis e que não ficasse ali. Então ficou só um artigo dizendo que ao poder público caberia num prazo “X” encaminhar ao legislativo uma proposta de relação dos imóveis, parâmetros, diretrizes. Então isso foi a resistência maior, acho que a resistência que houve foi essa. Nem digo maior, acho que foi a única resistência que a gente viu. Quando depois o Jornal falava que foram feitos muitos acertos... Eu num vi isso não! Eram acertos relativos à Português, mexer na escrita de uma forma ou de outra, mas nada que tivesse uma representação grande. No conteúdo, não.

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Quem foi essa equipe da Câmara? SC – Geraldo Venâncio, Nelson Nahim... Otávio Cabral também participou. E aí eles contrataram uma equipe que tinha o Bretas, que foi da Caixa Econômica, ele via muito a parte da habitação. O Mário Sérgio que é arquiteto. Teve uma época em que eles chamaram uma pessoa pra ver a questão do trânsito. Pessoas de fora para analisar essa parte. Então eles tiveram uma equipezinha formada que realmente analisou todo o plano. E teve então na Secretaria algumas vezes com a gente, nós tivemos na Câmara algumas vezes. Então essa relação com a Câmara e essa análise do plano pela Câmara aconteceu. Aconteceu de uma forma boa, porque a gente viu que num foi uma lei que foi aprovada sem uma grande análise, por parte de alguns, pela comissão que foi determinada por eles, então isso foi analisado. O plano delimitou as Áreas de Especial Interesse Social, Especial Interesse Cultural, Especial Interesse Ambiental; a questão também da rede viária, tá toda pensada, incluindo esse projeto, por exemplo, da Arthur Bernardes, da Nossa Senhora do Carmo, são projetos de 1944, eles foram implantados nesse plano, mas não foram pensados agora. Então aí incluiu-se alguma coisa a mais, como também a abertura da Princesa Isabel, algumas outras avenidas. Definiu-se largura das avenidas, largura de calçada. Então essa parte também foi muito pensada. Você acha que quando as pessoas reivindicavam, as reivindicações eram mais pontuais ou havia a noção do plano a longo prazo? SC – Eram mais pontuais, com eu falei, a participação maior foi das pessoas mais humildes, mais do interior. A gente tinha um trabalho de esclarecimento disso aí. De que a gente tava vendo bairro por bairro, local por local, mas que era uma coisa maior que tava sendo feita e que num ia atender aquela questão daquele momento. A maior parte eram mais pontuais. Não deveria ser né, mas acho que foi assim o primeiro trabalho, primeira oportunidade que as pessoas tiveram e que também representando a prefeitura teve de levar isso pra eles. Até então o trabalho da prefeitura o que é? É um trabalho mais social, de atender àquela expectativa naquele momento. E esse foi um trabalho mais diferente, mais técnico. A resposta num é imediata e é difícil que você encontre pessoas que estejam pensando no além. Encontramos sim, quando houve a fala acadêmica; aí da fala acadêmica surgiu uma leitura técnica; então dessa leitura técnica a gente viu mais essa leitura pra um plano futuro. Na leitura comunitária, pela própria vida deles, pela forma como são tratados pelas dificuldades que têm, quando você chega o anseio deles é por resolver aquele problema que eles têm ali. Dificuldade de transporte, dificuldade de atendimento médico. Então acaba sendo aquela dificuldade imediata que você vê; que ele vê e que você recebe. Mas era levada até pra esses locais a questão de patrimônio, por exemplo. Muitos locais desses têm uma estação ferroviária que está lá desativada, e que tem um valor arquitetônico; tem igreja; então isso também era colocado, com uma proposta de que aquilo seja preservado, porque é história, é cultura; como em Santo Amaro, tem a cultura da Cavalhada, que eles têm conhecimento disso, mas tem que contar dentro de uma lei. Pra que aquilo ali não morra tem que estar dentro de uma lei, que é o plano diretor, como a cultura daquele local e como uma coisa a ser guardada. Nesses itens que falei que a gente discutia com eles, até a questão cultural tava ali. A questão cultural de patrimônio cultural, de prédio e de dança, folclore; de alguma

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coisa que você tenha de material ou imaterial que tenha de valor naquele local, e que fosse colocada por eles. Nesse trabalho a gente se envolveu muito. Eu falo que lá em casa a gente ia pra reunião a noite, meu marido e meu filho iam juntos; meu filho vestia a camisa do plano diretor, ele agora ta com treze anos, naquela época tinha seus dez. E participava, ajudando entregando papel... Então, a gente se envolveu muito, e se envolveu com carinho. Teve um grupo que participou mesmo, e num foi um grupo pequeno não, foi um grupo bom. A gente fica realmente sonhando e esperando que a gente possa fazer uma coisa boa. Foi legal o trabalho. Esse engajamento foi mais específico da Secretaria de Planejamento ou a Prefeitura estava voltada pra isso? SC – Não, da prefeitura. Eu num posso dizer todas, mas a gente teve Saúde participando com a gente muito; inclusive, pode ser uma coisa boba, mas levava-se biscoito, alguma coisa ali pra um lanche, pra chamar a população. Secretaria de Educação participou com a gente com aquela equipe que faz atividades artísticas; ficavam com as crianças pra os pais poderem participar. Administração teve representantes com a gente todo o tempo. O PROCON, vendo toda a questão jurídica do plano, o texto. A Procuradoria participou muito também. Num teve o envolvimento de todas, mas de várias secretarias. Me lembro de Rockfeller. Em quantas reuniões Rockfeller foi! A gente tem é que cobrar a implantação efetiva, isso que é meio complicado. Quando houve a mudança de gestão você já tinha saído? SC – Não, eu sou funcionaria, eu ainda fiquei seis meses, passei pro secretario de obras que assumiu a minuta do Código de Obras que a gente fez, aí num foi com participação, foi discutindo na própria prefeitura; mas foi fruto do que já tinha sido discutido tecnicamente na época do plano. Quando a gente fazia leitura de uso do solo a gente já falava: isso do plano diretor precisa mudar; isso precisa mudar. Então a gente fez essas alterações. E o Código de Posturas também, nós fizemos um estudo. E cheguei a passar, mas... Isso não foi pra frente e agora como estou de licença num sei como está.

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Entrevista com Nelson Crespo – realizada no dia 27/04/2010 Perfil Nome: Nelson Crespo Pinto Pimentel Idade: 49 Escolaridade: Mestre em Planejamento Regional e Gestão de Cidades (UCAM-Campos) Ocupação: Professor do IFF Campos e assessor da Reitoria do IFF Campos Ocupação à época de formulação do PDP de Campos: Professor do IFF e membro da ONG Cidade 21 Instituição/Entidade que representou no PDP: Sociedade Civil, pela ONG Cidade 21 Entrevista 1 – Qual foi a sua relação com o Plano Diretor Participativo do Município de Campos dos Goytacazes? NC – Bom, eu vou contar no geral, porque depois você arruma. Quando o Carlos Alberto Campista foi eleito prefeito, ele foi eleito prefeito num esquema que parecia repetição do que a gente vê até hoje, que é a disputa de poder entre o grupo ligado a Garotinho e o grupo ligado a Arnaldo. A impressão que eu tenho, até parece que alguém escreveu um artigo sobre isso, é que Arnaldo achava que ia perder aquela eleição e botou o nome que tinha uma certa credibilidade na comunidade, esse nome acabou indo pro segundo turno e ganhou a eleição porque as pessoas que acreditavam em alguma coisa votaram nele no segundo turno e ele ganhou do Pudim, já naquela época candidato. O Carlos Alberto enquanto prefeito começou a fazer algumas coisas que não eram exatamente um esquema de Arnaldo. Uma dessas coisas foi começar a dar atenção ao Conselho Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo, que tava meio parado e que até tinha se organizado em função da luta pra Ponte Rosinha não ser no centro da cidade. Esse Conselho tinha alguma vida e o Carlos Alberto então, interessantemente resolveu fazer política com esse Conselho, quer dizer, seu um status importante a esse Conselho. E começou, inclusive, a ir às reuniões do Conselho. Nessa mesma época, surge a necessidade do Plano Diretor por imposição do Ministério, a obrigação pra que as cidades fizessem o plano diretor e tal, e ele resolve fazer um plano diretor razoável, porque ele entrega na mão do Conselho Municipal a decisão de elaborar esse plano diretor. Nessa etapa eu não participava, quem participava era o Roberto Moraes, que é o fundador, presidente da ONG. Roberto, por questões pessoais queria largar, e eu pego essa discussão no meio disso. Na época eu achava que era importante continuar a ONG, depois vi que num tive muita força sozinho por uma série de razões... Mas esse foi logo

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o começo. E, o que aconteceu? Esse Conselho Municipal de Planejamento tinha feito duas ações: uma, tinha buscado uma assessoria técnica; contratar uma assessoria técnica. A vencedora foi o IBAM, mas teve uma outra antes que foi rejeitada por acharem o preço muito caro, mas eu não me lembro disso porque eu não participava dessa discussão. E a outra questão é que ela criou o Comitê Gestor do Plano. Dentro do Conselho Municipal de Meio Ambiente e Gestão tinha um comitê gestor que iria atuar mais ativamente junto com a construção do plano diretor. Desse comitê gestor foram tirados como representante do Conselho, se não me engano, nove pessoas. Teria que ver nas atas, mas acho que é isso. Três de sindicatos, três representantes da sociedade ou das ONGs e três do poder público. Eu acho que era isso. E esse comitê gestor então ficaria acompanhando a elaboração do plano diretor cuja equipe técnica era do IBAM e quem tinha que executar era a prefeitura. E o que eu me lembro é que assim que eu entrei, como eu tinha entrado, a discussão era que tinha que teria que colocar outra pessoa no meu lugar porque o Roberto é que tinha sido indicado pra ser do comitê gestor. Mas resolveram, eu também num era uma pessoa completamente desconhecida, muitas pessoas me conheciam, resolveram que eu deveria continuar a frente do comitê gestor, porque a indicação tinha sido da ONG, e não da pessoa em si do Roberto. Foi a primeira discussão que eu fiz; cheguei a participar do lançamento antes da primeira reunião do comitê gestor no Trianon. Foi a primeira vez que ouvi a palavra do IBAM, e comecei a participar das reuniões enquanto representante desse comitê, dessa representação popular, do núcleo gestor. Foi assim que começou a minha participação em relação ao plano diretor. Eu tentei acompanhar, fui a várias reuniões do núcleo gestor, mas logo eu percebi uma grande dificuldade, porque eu percebia que a prefeitura tinha colocado a Secretaria de Planejamento para trabalhar o plano. Mas você percebia que esse plano, para a prefeitura, num era um instrumento de gestão. Era uma obrigação legal de que ela tinha que se desobrigar. Então eu me lembro, e essa expressão eu usei varias vezes, já usei com a própria secretária uma vez, dizendo que na época a prefeitura tinha um Programa chamado Prefeitura em Ação. E eu brinquei uma vez com a secretária, brinquei falando sério, que na verdade, o que eu tava percebendo é que existiam várias prefeituras em ação. Uma, que era essa do Planejamento, que tava tentando fazer um plano diretor sério; mas tinha a prefeitura que roubava, tinha a prefeitura que executava as tarefas conforme os fins eleitoreiros; e, infelizmente eu percebia que a prefeitura que fazia o plano diretor era a que tinha menor força. Então foi me desanimando a participação do plano diretor porque eu tava começando a ter a impressão de que eu tava participando de um arremedo de plano diretor, porque na verdade, como o gestor não ia pegar isso como uma coisa séria; não ia pegar isso como instrumento de gestão, não ia dar a devida importância, como de fato não deu. Cheguei até a ir a uma sessão na Câmara de Vereadores, quando o plano diretor chegou a Câmara de Vereadores, mas ali também eu já percebia que de maneira nenhuma o movimento social organizado foi tratado como tal. Agora, também nós não podemos, e aí é o meu papel de sociólogo; a gente tem que perceber que o movimento social organizado em Campos não é tão organizado assim. Também não tinha força pra fazer isso. Eu vou te falar uma coisa que, eu não tenho medo de falar isso, mas que eu não acho legal porque pode favorecer pra sua pesquisa, pra você ter uma idéia, eu tive um problema com a comissão gestora, logo a partir da segunda reunião, porque eles queriam saber qual era, pra participar das reuniões, do processo todo, quanto é que eles iam receber. E naquele dia eles falaram que iam levantar isso com Silvana; os representantes comunitários do conselho gestor queriam receber. E eu levantei e falei: eu sou contra isso! Eu não posso, como representante do conselho gestor, receber

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dinheiro. Ah! Mas você já ganha bem... Eu falei que independe disso. Ou a gente entende que a participação comunitária tem que ser independente ou não. E falavam: não, num é isso, é um dinheiro apenas pra gente... Aí eu, inclusive pra não estragar minha relação com o próprio conselho gestor fui engolido. Deixei eles apresentarem isso à Silvana, e tive o desprazer, numa reunião, de ver aquele Alex, que depois ia ser preso; procurador da prefeitura, dizendo que era ilegal pagar. Mas então o movimento social de Campos também não tinha grandes forças... As reuniões comunitárias do plano diretor foram fraquíssimas! As que davam certo eram as do interior porque eram mobilizadas pelo esquema que eles têm de cabo eleitoral que são os chamados agentes que eles contratam; as reuniões comunitárias aqui da sede foram pífias! Não havia mobilização; horários ruins... O que funcionou melhor? É que eu num tô lembrando a seqüência... Fez aquelas discussões técnicas; que entraram as universidades, foi até na Faculdade de Direito; Seminários, que dali surgiram grupos de trabalho. Eu inclusive coordenei o grupo de trabalho sobre saúde e educação. Foi na UFF, eu fui escolhido lá como coordenador. Nessa hora eu ainda tava acreditando, entendeu? Mas quando eu vi que as decisões iam para as plenárias eram completamente esvaziadas. Duas coisas interessantes que eu me lembro: teve um dia que me desanimou completamente que foi num dia de um desses seminários finais que iam até ser no CEFET; no mesmo dia em que a gente tava indo a esse seminário final, que foi esvaziado, o prefeito, Alexandre Mocaiber, que tava no auge da sua soberba, anuncia a construção de um parque na cidade, típico objeto do plano diretor! Que não saiu do papel também! Então, quer dizer, ele resolve fazer um negócio pra mostrar que o plano diretor não valia nada e ele anuncia onde vai ser o primeiro Parque Nacional na cidade enquanto estavam se reunindo no plano diretor pra discutir isso! Outra coisa engraçada foi que nesses grupos de trabalho, tanto de saúde quanto de educação, a gente recebia pressão das secretarias pra colocar que faltava isso, que faltava aquilo na prefeitura! Por exemplo, educação: coloca aí que tem escola que num tem parte esportiva... E a gente falava, mas vocês num são secretários de educação? E falavam: mas nós não mandamos nada! Esse é um espaço pra gente reivindicar! Mas vocês são o poder, entendeu? Então isso é uma outra coisa que é típica dessas prefeituras inchadas pelos royalties e corruptas por conta disso, que você constrói duas ou três estruturas. Ou seja, tem gente séria trabalhando na prefeitura; tem profissionais sérios. Tem gente que trabalha pra valer mesmo! Uma das coisas que eu aprendi nisso, é que principalmente quando há uma prefeitura muito grande, com um volume de dinheiro muito grande, você precisa ao lado do processo de corrupção, de processos sérios. Às vezes nem convivem, e às vezes convivem. A própria Secretaria de Educação, que por várias razões eu cheguei mais fundo na questão, ela é uma secretaria envolvida em altas denúncias de corrupção; eu acho extremamente complicado a secretária de educação do governo Arnaldo ser diretora de um colégio particular; pra mim isso é eticamente impossível. Eu como prefeito nunca aceitaria chamar a diretora privada de uma rede forte de ensino pra ser minha secretária de educação pública. No entanto a Secretaria de Educação tem trabalhos interessantes! Eles fizeram um trabalho de alfabetização que é fantástico! E como é que consegue? Aí é que eu descobri, que no meio dessa dinheirama toda... Então por exemplo, se você me perguntar se a secretária de planejamento era bem intencionada, era. Era séria, só que não tinha força. No meio dessa promoção do plano diretor, tinha a Exposição Agropecuária aqui de Campos. Ficou combinado que a gente ia usar o estande que é fixo da prefeitura pra fazer uma divulgação do plano diretor e para as pessoas ali colocarem suas propostas. Depois nós perguntamos e a secretária, muito sem graça, disse que num tinha

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conseguido fazer isso. E aí alguém em off me falou que quem toma conta da decoração disse que aquilo tava horrível e que não ia ficar. E não ficou! Então eu acho que a secretária era bem intencionada, mas uma das coisas que eu aprendi nesse processo, é que você tem a estrutura burocrática que funciona por funcionar, tem a estrutura corrupta e tem a gente séria no meio. São quase que três estruturas. Agora, a desorganização ajuda a corrupção. Eu tinha uma professora de mestrado, a Lia, que falava isso. É muito difícil estimar a taxa de corrupção de uma administração, mas quanto mais desorganizada a administração, mais corrupta ela é. Então uma impressão que eu tenho do plano é que ele foi literalmente, como eu diria, ele foi um instrumento para cumprir exigências legais e nunca chegou a ser, digamos assim, a interessar o gestor público no caso de Campos. Teria tido um outro fim se Carlos Alberto... O primeiro prefeito teria dado uma atenção mais especial, porque ele realmente, por uma série de razões, estava querendo, me parece, até mesmo com as contradições do processo, tava querendo fazer um governo mais sério do que o que aconteceu. 2 - O que você acha que era mais importante para o município e que deveria ser contemplado no plano? NC - Não sei como vai ser sua pesquisa, mas o processo da Câmara vai ser outro. A Câmara resolve que não é nada daquilo, contrata nova consultoria... Essa parte eu não acompanhei. Mas tem algumas coisas que saltam aos olhos! Várias coisas que a gente propunha vieram por circunstâncias da vida ganhar força agora. Antes de tudo a questão dos royalties. Lógico que todo mundo fala que tem que ter controle sobre os royalties. A sociedade civil tentou colocar isso no plano diretor. O Rodrigo Serra teve participação importantíssima sobre isso e as propostas dele foram solenemente negadas! E a gente tava antecipando uma questão que agora todo mundo é a favor! Folha da Manhã... Quando a gente colocou lá um Conselho sobre a aplicação dos royalties, nada disso passou. A outra, é lógico que nós não sofremos o problema que sofre Niterói, por exemplo. Mas o plano diretor levantou a questão do ordenamento da cidade. E nada se fez ainda! Aliás, notória também e impressionante a capacidade de organização dos setores imobiliários! Como eles levam a sério essa questão! Se fizeram presentes, eles lutam... Se puderem lutar, se essa vírgula aqui pode vir a nos atrapalhar lá na frente vamos tirar essa vírgula! Ao mesmo tempo em que eles só defendiam seus interesses eles tinham um discurso que às vezes se aproximava, porque era um discurso por tornarem públicas as decisões, mas desde que não fossem sobre esses assuntos. Mas eu acho que essa questão da falta de ordenamento do espaço em Campos que o plano diretor podia propor, prevê a expansão foi um dado positivo; a gente efetivamente não conseguiu fazer um plano mais ousado como a gente poderia ter feito e, principalmente a questão dos royalties, tanto uma quanto a outra agora demonstrando a necessidade, evidentemente. Mas... Nenhum governo vai mexer com o plano diretor porque... Eu costumo dizer que a idéia de governo participativo só vai aparecer quando Campos ficar pobre! Aí vão pedir, pelo amor de Deus, pra turma do governo participativo vir! 3 - Então, na sua opinião, uma das questões mais importantes a serem contempladas no plano para o município seria a questão do ordenamento? NC – Sim. Para onde Campos vai crescer? Para onde nós vamos? Essa é a discussão, que inclusive vem favorecendo à especulação imobiliária há tempo. Na verdade, eu tava falando com meus alunos que o negócio de Niterói, do desabamento não nos assusta

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nem nos faz ficar melhor como dizem: alguns intelectuais já previam! E sim a questão de que durante anos a gente dava aula e falava: ocupação desordenada do meio urbano. O que faltava às pessoas entenderem é o que pode causar ocupação desordenada do meio urbano. Quando causa só o fato de a pessoa subir uma hora de morro, não ter água, isso incomoda aos pobres evidentemente, mas não salta aos olhos das pessoas! Tem que morrer, desabar o negócio pra entender que o cara que subiu uma hora é o mesmo cara que morava no lixão! Eu me lembro, eu lia quando fazia o mestrado em 2000: a população que ocupa as franjas da cidade! Essa expressão eu acho bonita, embora triste, e o Bumba é uma franja da cidade que afundou! Então, Campos não tem esse problema, mas tem outros! E que não se mexe! Aí você pega a Penha. O fato de o sujeito ser velho tem esses problemas! Eu fui um dos fundadores da Federação da Associação de Moradores de Campos, a FAMAC. Já existia a Penha, mas a Penha era pequenininha e aí fizeram um conjunto residencial, que é uma parte ainda menos desorganizada da Penha. E eu tive lá quando esse conjunto estava começando a discussão com o BNH, essas coisas... Vinte anos depois eu voltei lá por conta de campanha política, num sei o que, e fiquei impressionado com o que aconteceu com a Penha! Tem bairros lá que simplesmente, a continuação da Penha, que a ambulância não entra! E isso tudo há vinte, trinta anos atrás era mato!

Esse processo também está crescendo em Campos. E completamente desordenado. 4 - Complementando a pergunta anterior, que áreas do município requerem mais atenção? NC – Na verdade, se o gestor usa o plano diretor, que não é o único de gestão urbana, mas se ele usa o plano diretor como um instrumento privilegiado de gestão urbana, ele pode ir além. A ocupação do solo, a discussão de pra onde vai o nosso município, isso pra mim é mais típico do plano diretor. Mas você pode usar o plano diretor colocando mais conselhos dentro dele e inclusive gerir questões da saúde e da educação. Necessariamente não precisa, você pode fazer um plano diretor mais aberto ou menos aberto. Agora se o gestor quer fazer um plano como ta em moda hoje em dia, né, tentar construir uma política de Estado e não uma política de governo, ele pode amarrar essas questões. Por exemplo, a gente descobriu que não existe conselho municipal de educação! Podia ter amarrado isso no plano diretor. Mas se a gente num conseguiu nem amarrar a moradia, como é que a gente vai amarrar isso? Então quer dizer, tem outras áreas que podiam ser avançadas. O trânsito em Campos. Esse próprio adensamento da Pelinca. A parte urbana me parece ser a principal, mas tem toda uma política de qualidade de vida, por exemplo, que poderia ser garantida e que não foi! Eu acho que... Aí quando você vê agora o novo governo, de novo você vê a falta de planejamento. Outro dia eu passei ali: novo valão! Eles estão reformulando o valão. Como o outro fez a nova praça do centro. Quer dizer, as políticas continuam sendo de operações pontuais, visando fazer uma política de fachada, e tocando o resto pra debaixo do tapete! 5 - E algumas dessas placas apareceram agora depois da discussão dos royalties! NC – Sim! É verdade também. Os royalties recolocaram a discussão, e o pior que recolocaram mas, eu por exemplo, antes mesmo de participar... Eu me lembro... O próprio Carlos Alberto... Participei de uma reunião, um debate com os prefeitos, na

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época o Paulo Feijó, Carlos Alberto, Pudim e o... era do PT... E foi feita uma pergunta sobre o plano diretor e você percebia que os quatro candidatos não sabiam do que estavam falando. Eles não conheciam de gestão urbana sobre plano diretor. Quer dizer, o gestor público não incorpora essas questões no seu dia-a-dia! É alguém que chama a atenção: olha, tem que escrever isso, mas isso não ta incorporado no seu dia-a-dia! Evidentemente que num é essa a noção que ele ta lá no poder pra fazer! 6 - E o que você acha do plano diretor enquanto um instrumento de gestão do espaço? NC – É. Eu num tenho... Como é que eu vou te dizer? Porque hoje tem um debate grande, que envolve até o marxismo, essa coisa... É lógico que eu num sou, esqueci um termo que usa, eu não acredito naquela coisa de é melhor garantir na lei, garantido na lei um dia a gente vai fazer! Eu num acho que seja tão simples assim, não é uma coisa assim: hoje a gente faz a lei, amanhã a gente melhora a lei, aplica a lei... O movimento não é esse... Surgem momentos, evidentemente, certo? Mas, por outro lado, eu também acho que se a gente olhar a história da gestão pública, no Brasil; no Brasil não, no mundo. Primeiro, como o capitalismo foi desenvolvido no laissez-faire, primeiro surgiram os problemas, depois a noção de ter que resolvê-los! Então os primeiros, reformadores urbanos, vão reforçar a idéia de que grandes reformas urbanas são feitas por iluminados! Que é a história do grande urbanista! Aí você tem uma história muito interessante de alguns caras fantásticos nessa onda, principalmente de influência anarquista, que trazem contribuições muito interessantes! Mas, então, primeira etapa: nenhuma gestão. Segunda etapa, grosso modo eu tô falando aqui pra você, o político que chama o gestor profissional que vai arrumar as bagunças, vai fazer as grandes reformas urbanas e tal... Tipo Rio de Janeiro de Pereira Passos, essa coisa. Depois ainda junto dessa idéia, a idéia da cidade planejada, né? A construção da cidade planejada. Tem vários exemplos aqui no Brasil, e nada funcionou, né? Até que surge a noção mais recente de gestão urbana, ou seja, a idéia de que você tem que construir os projetos, discutir com a sociedade esses projetos. Nesse sentido, eu acho que o plano diretor é um caminho interessante! Ou seja, um caminho de entender que a solução pros problemas de nossa sociedade vão ser os problemas de gestão urbana. Ou seja, nós vamos ter que discutir, com a sociedade envolvida, e vamos ter que, pra reverter esse quadro, porque... A situação é impressionante! Você vê: o governo Lula, independente da sua posição, inegavelmente melhorou o nível de consumo das pessoas! Então aumentou os problemas urbanos! As pessoas precisam de mais luz, precisam de mais casa, as pessoas... E você tem dificuldade de discutir isso! É impressionante, quer dizer, como resolver esse caos urbano? Então a vantagem que a gente tem, é viver numa cidade em que o caos urbano ainda num tá instalado! Então realmente o plano diretor... Mas teríamos que ter gestores comprometidos com o futuro! Ou seja, eu num tenho a menor dúvida que primeiro nós temos que arrumar a democracia! Melhorar a democracia! Só que eu não acho que tenha uma fórmula. Então eu continuo acreditando no plano diretor como um instrumento interessante de gestão, ao lado de processos de democratização da informação... Esse é um outro problema... Difícil num é? A população da nossa cidade tem dificuldade de ter acesso à informação... E construção de um modelo de gestão, de uma solução efetivamente democrática pro nosso município.

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7 - Quando o plano vai para a Câmara ele vai sem a assinatura do prefeito Alexandre Mocaiber e quem tem que assinar é o presidente da Câmara. NC – Você vê: todo um trabalho desse, a gente participou, essa coisa toda... Num vai sequer ser assinado, o prefeito num teve nem o trabalho de saber o que é isso! Esse é um resumo... É um bom exemplo da importância que o plano diretor teve na discussão. E a outra discussão sobre essa questão é muito interessante porque, se você não mostrar o problema pra população, certo? Ela num participa, mas se você mostrar ela entende e quer participar! Aí já num foi do plano diretor, foi uma outra discussão do Conselho de Meio Ambiente sobre o consumo da água. Como esse troço é importante , como isso é complicado e como é uma loucura privatizar isso, como Campos privatizou! Eu descobri por exemplo nessa discussão do Conselho Municipal que todo comércio de Campos tem duas águas: uma legal e uma ilegal! A ilegal é pra poder fazer o serviço grosso, pra num pagar a taxa. Um troço louco isso! 8 - Você lembra de algum momento que tenha te marcado em relação à participação, ao direito de se expressar, ou à forma como era conduzido o processo? NC – Bom, eu num vou dizer que o IBAM foi ruim, num foi. Mas a impressão que a gente tem é que o IBAM veio aqui pra aplicar um modelo já construído na cabeça deles. Entendeu? Alguma vez eu me irritei com o pessoal do IBAM, embora não tenha brigado com ninguém não. Eu percebi que o Rui tava aqui pra cumprir a tarefa que recebeu dinheiro da consultoria. Então ele percebeu que pra cumprir a tarefa e receber o dinheiro da consultoria ele num podia ser mais realista que o rei! Essa é uma contradição: se a prefeitura num quer nada com o plano, num sou eu que vou ficar denunciando a prefeitura, porque se eu ficar denunciando acabo num recebendo! Então tem um lado desse. Na verdade, eu comecei participando muito e a partir das assembléias finais eu achei que aquilo já era um arremedo e no final eu num participei. A minha raiva principal foi me afastar, num foi brigar! 9 - E como você definiria o processo participativo do plano? Você encara que foi um processo participativo? NC – É, aquela parte primeira de participação popular, as dos distritos foram claramente cooptadas pelo sistema de... Mas isso num importava, isso é muito interessante, porque no distrito você pode chamar, o cara vai reclamar mesmo, ele ta reclamando pra própria pessoa que vai dizer um dia que vai resolver, entendeu? É uma coisa interessante. Nos distritos, a reclamação de falta disso, falta daquilo não atrapalha o poder público. Ele até acha bom que o cara vá lá e faça. A gente percebia claramente pelos próprios... O sistema que eles têm, que na época tinham que eram essas contratações irregulares da prefeitura que estavam espalhadas pelo município todo. Quando entre a universidade, a participação é limitada... Na verdade, o que faltava era peso político. Essa é a questão! Se você tem um plano diretor em que tão os principais secretários do prefeito, que tão os vereadores participando, você vai ter um peso político. Quando você tem um plano diretor em que a secretária que está lá num tem força, a academia vai porque tem que responder ou os

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alunos vão... Eu diria que o plano diretor de Campos teve uma participação fraca, acho que essa é a palavra: fraca, esmaecida, eu diria isso. Por isso que eu prefiro dizer que foi um arremedo de plano diretor! Que como todo arremedo tem algumas coisas interessantes, eu diria isso. 10 - Tem alguns avanços que a gente tem que considerar, por exemplo alguns mapas que foram produzidos sobre a cidade... NC – Isso. O IBAM fez algum material interessante. O IBAM não era, isso é preciso lembrar, o IBAM mostrou que não é uma instituição também, completamente... Ela tem um suporte técnico interessante, alguns estudos realmente interessantes. Isso é verdade. 11 - Eu soube que quando o plano foi para a Câmara tentaram desfazer algumas coisas, vários itens que “não deveriam estar ali” e contrataram uma nova equipe que nem de Campos era. NC – Novamente. É, a informação que eu soube é isso aí mesmo. Que a Câmara contratou uma nova assessoria, tá tudo errado, tem que refazer e refizeram o plano! Se o plano diretor fosse sério estava no site da prefeitura pra ser acessado! 12 - Você teve alguma participação naquele Plano de 1991? NC – Não, o que eu sei disso é o que eu leio com o Aristides.

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Entrevista com José Carlos da Silva Eulálio – realizada no dia 28/05/2010 Perfil Nome: José Carlos da Silva Eulálio Idade: 64 Escolaridade: ensino superior Ocupação: presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Construção Civil, do Mobiliário, de Ladrilhos, de Artefatos de Cimento, de Mármores e Granitos, de Cerâmica, de Vimes, de Carpintaria, de Estradas, Pontes e Canais de Campos, Norte e Noroeste do Estado do Rio - STICONCIMO-RJ Ocupação à época de formulação do PDP de Campos: presidente do STICONCIMO-RJ Instituição/Entidade que representou no PDP: STICONCIMO-RJ Entrevista 1 – Qual foi a sua relação com o Plano Diretor Participativo do Município de Campos dos Goytacazes? JC – É, muito triste esse plano diretor... É, para as entidades assim... organizadas, né? Pra nós foi lamentável! Então, eu queria resgatar o que o senhor teria a falar sobre a participação, sobre sua relação com o plano de Campos... JC – É. A sociedade organizada foi convocada a comparecer nesta discussão. Porém, pra nós foi muito frustrante porque ao chegar... Não nos passaram os planos básicos a serem discutidos; as nossas propostas não foram de início, acatadas; os sindicatos, né, tinham planos para modificação da cidade, até melhoramento... E na realidade não foram ouvidos. E chegou a um ponto depois de vários, de várias discussões, é... que os sindicatos se retiraram da discussão do plano, em virtude do patronal, que de um modo geral, tava impondo situações, e só eles tinham voz e direito e... nós ficamos frustrados, então a sociedade organizada que continuou a participar como federações, associações de moradores, é... que participaram, e outras pequenas entidades, acho que não tiveram tanto êxito na... na conclusão do processo, e o plano diretor pra nós não foi apresentado, no final dele, e deveria ser, é... Acho que a prefeitura falhou nisso aí. Ela teria que mandar pra todos os participantes ou não, o que foi a resolução daquilo ali. E eles não fizeram!

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Então, nos anais constantes do plano diretor, deve constar o nome dessas entidades que nós assinamos, mas nós não fizemos com êxito as nossas propostas que queríamos fazer. Havia uma idéia, principalmente de demarcação de locais para construção de casas com ... conjuntos residenciais para os trabalhadores, um projeto... E um local que seria disponibilizado pelo próprio poder público, que seria ali em frente ao Shopping Estrada. E ali se daria esse nome, Conjunto dos Trabalhadores, que seriam várias entidades sindicais, e ali os seus associados... seriam beneficiados com a distribuição, porque nós tínhamos a relação das pessoas carentes, de cada categoria, necessitando de uma... E isso não foi em frente! Outro projeto era a interligação de um bairro com o outro, principalmente Parque Leopoldina com o Centro; aquela travessia da linha férrea, que ela tava sendo muito utilizada... e atrapalhava, sempre era um caos na cidade! E, ela fazia um “x”, um viaduto, sobre a Estação da Leopoldina, ligando os dois bairros, independente da via férrea estar funcionando ou não. É, esse foi outro... Outro tema era: a fixação do Camelódromo junto com o Sambódromo em Campos, sobre o valão ali da... é Campos-Macaé, que, segundo engenheiros disseram que num era viável. Mas ali seria a melhor canalização, isso antes da construção da Ponte Rosinha... Então nós pegaríamos ali a... aquele parque que tava obsoleto... Alberto Sampaio? JC – Alberto Sampaio! Então, lá seria dali, terminando quase que em frente à rodoviária Roberto Silveira, sobre o valão e, embaixo daquelas arquibancadas, como é no Rio, seriam as lojas do camelódromo. Então, o mercado seria ampliado, até pra estacionamento... Ficaria ali direto, e as pessoas que fossem comprar teriam acesso interno pela pista do sambódromo que não seria utilizado a não ser no Carnaval, ou show! Então ficaria fechada. Então todo visitante, ele teria as lojas viradas para a pista, mas o acesso seria por dentro do sambódromo. Isso não foi possível, tá? Ninguém concordou com essa idéia e ta lá! Foi uma proposta do Sindicato? JC – Dos sindicatos, do movimento sindical! Então, é... Nós, por não ter acesso assim a essa discussão... A gente não pode apresentar os motivos porque nós estávamos pedindo aquilo, que era pra melhoria da cidade, né? Participando... E outras situações como águas pluviais, alguns pontos de alagamento na cidade. Por que os piscinões não estão funcionando? Foi feito aquilo ali, mas não deu certo... Então teria que ter uma correção... Toda essa discussão foi colocada lá. E não foi apreciada pela equipe técnica que estava dirigindo os trabalhos. Tanto é que isso não consta no plano diretor! E foi uma frustração muito grande para o movimento sindical de Campos, principalmente o nosso sindicato da Construção Civil, que víamos isso com bons olhos. E não fomos atendidos. Então é... essa é a grande frustração na participação no plano diretor da cidade. E... eu num poderia falar mais coisas, porque o teor desse processo final, não foi nos apresentado. Tá? E aí nós resolvemos sair; procuramos também! Nenhum sindicato foi na prefeitura ou onde quer que seja que esteja arquivado isso pra tirar uma cópia pra ler, achamos que nós fomos realmente alijados dentro do processo. Então, só coadjuvante, a gente num quis participar!

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O senhor já adiantou algumas propostas do sindicato, mas o que o senhor acha que era mais importante pro município e que deveria estar no plano diretor? JC – Seria a aplicação dessas obras, porque elas trariam um benefício nem só para os trabalhadores da construção, que nós teríamos garantia de obras efetivas ali... como num todo da sociedade, ta? E aquela nossa idéia, ainda um pedido a atual prefeita, de um espaço físico grande para nós conseguirmos fazer os cursos profissionalizantes desses trabalhadores, que são semi-analfabetos, e o sindicato faz os cursos no interior da entidade com pequenos grupos! Então hoje nós precisamos de um bem maior, um espaço bem maior. E só o poder público poderia nos conceder essa... esse espaço! E tem aí, se pudesse ter sido produzida a nossa proposta, estaria ali incluso! Esse local maravilhoso, que seria utilizado pra formação profissional desses trabalhadores, em conjunto! Então nós teríamos ali, várias entidades sindicais, várias pessoas de bairros, num é, centralizados ali estudando, se profissionalizando e seria... estaria sendo introduzido no mercado de trabalho! Essa foi a nossa visão, ainda é, e a gente então tá aguardando até que a prefeita nos dê algum sinal verde com relação a esse pedido que ainda pra nós é muito importante. Pro sindicato ter esse espaço físico que possa auxiliar esses trabalhadores que necessitam. Porque os pequenos cursos continuam acontecendo! Temos muitas entidades hoje implantadas na cidade, mas ele num tá voltado especificamente pra determinadas categorias. Então aqueles que têm já um grande tempo de trabalho e experiência né, propriamente dita, ele precisa da teoria, e isso aí com um jeitinho, todos se conhecendo... aquele grupo já que é uma família, fica mais fácil o cidadão aceitar comparecer na bancada escolar depois de quarenta, cinqüenta anos de idade, que se acha é... já fora do mercado de trabalho, desiludido... Isso seria um incentivo a esse pessoal que necessita dessa formação. Então, foi um pecado né, até o presente momento, isso não estar acontecendo no plano diretor! E que áreas daqui do município o senhor acha que requeriam mais atenção do plano? Áreas que sempre foram deixadas de lado... Ou determinados bairros... JC – Os bairros foi o que eu relatei antes. É... as galerias ou até mesmo escoamento desses piscinões que foram feitos, poderiam fazer mais ou ter um outro tipo de escoamento, que não está sendo olhado este lado. E um embelezamento só da área central, e a periferia toda ela ainda em péssimo estado. Nós vemos o lado de Guarus, ainda bastante deficitário. Apesar de ter tido um desenvolvimento muito bom, hoje tem agências bancárias... todo um comércio né, bem montado lá, mas nós temos essas dificuldades, porque, por exemplo, as ruas num têm calçamento, poucas delas têm asfaltamento; não tem escoamento. Qualquer chuva é alagamento! As casas são invadidas por água... No próprio centro da cidade... Nós verificamos que foi feito um reparo, mas a pequena chuva que dá, a água continua acumulada. As lojas ali no centro da cidade, se voltar a dar temporais, elas serão invadidas da mesma forma! Então gastou-se, e não resolveu o problema! Então é preciso que a sociedade realmente carente, ela participe para que ela dê soluções, porque ela conhece, ela mora nos bairros! Quantos bairros aqui num tem infra-estrutura nenhuma! As imobiliárias vendem aquelas áreas, comercializam, a própria prefeitura num fiscaliza e num dá infra-estrutura inicial àquele projeto. Aí as construções começam a surgir, depois delas implantadas fica mais difícil!

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Então porque que um... logo assim que um loteamento é requisitado; a licença pro loteamento é dada, ali começa a se montar a infra-estrutura, preparar tudo, mas não! Isso num ocorre na cidade. Que bairros, como o Jockey Clube... Turf... Alagamentos em cima de alagamentos! Então esse é um ponto acho que elementar na nossa estrutura de plano diretor, que teria que ter essa visão! Eu não sei o que eles aprovaram, ta? E também as obras que estão sendo feitas não tão voltadas pra essa infra-estrutura que, pra mim, é básico, né? Então, hoje num cabe mais a uma cidade como a nossa, recebendo royalties na proporção que recebe, ter uma cidade ainda feia, suja, é... Num sei, num tá bem coordenada, né... Acho que alguns setores precisam ser chamados mais atenção pra que eles possam trabalhar melhor, dar melhor sustentação, até mesmo os vereadores, que são responsáveis pelos bairros, eles deveriam ter mais atenção, porque o povo votou neles! Acreditou neles, e eles seriam a pessoa, o elo de ligação, o ponto inicial. Porque o prefeito também num pode ver tudo! Mas tem essas divisões pra que, pra sustentação do órgão majoritário que é o prefeito. Então se eles num repassam e num têm interesse... Você já imaginou como a nossa cidade vai continuar ficando? Quando a gente viaja um pouquinho, a gente vê outros municípios que recebem royalties, pelo menos a aparência, é excelente! Cabo Frio, Rio das Ostras... As outras coisas, a periferia, talvez seja igual ou pior do que Campos, mas ao primeiro impacto, vê-se que houve melhoria... Campos não! Qual melhoria que você até hoje observou na nossa cidade? No centro da cidade? Nenhuma! Os prédios continuam velhos, não há, por parte da prefeitura um incentivo pra que as pessoas voltem a, pelo menos no final de ano, fazer a pintura, fazer um reparo nas suas casas pra ficarem bonitinhas... Não existe isso! Pelo menos no centro da cidade. A implantação de árvores... até árvores frutíferas, tá? Isso aí vai diversificando né... E eles num fazem! Quer dizer, nós temos essa idéia! Agora, quem vai executar? Quem vai pegar esse projeto e colocar realmente em prática? Então os vereadores tão perdendo muito em não conversar com a sociedade organizada que são os sindicatos e associações de moradores, que é muito importante. Ele convive no bairro, conhece seus vizinhos e sabe da necessidade de cada um! Dali, essa consulta seria repassada a esse vereador, que apresentaria na Câmara esses projetos, aprovado, colocaria em execução. Num importa o gasto! Quanto vai custar isso? Se não terminar dentro desse mandato, termina no outro! Mas é pra uma sociedade, é em prol da sociedade. Então qualquer político daria continuidade a um trabalho desse! Num iria interromper. Verificamos que, as casas populares que estão sendo construídas, elas têm boa infra-estrutura? Não! Têm esgoto? Não! E aquelas que estão fazendo esgoto, tão indo pra onde? Pra dentro da lagoa, pra dentro dos córregos... Então, num ta errado? Cadê? O pessoal... Poderia ter sido contemplado no plano... JC – Sem dúvida! Aí fizeram um... uma captação lá em Guarus, uma estação de captação para tratamento, uma! Mas o bairro Guarus é imenso! Toda a coleta de esgoto está indo pra essa estação de tratamento? Todos os bairros de Guarus têm esgoto? Não! Nós verificamos, do lado de cá, você começa ali da Chatuba, IPS é... aquele final... Carvão, já começa ali! Olha Donana, Goytacazes, Parque Imperial! Já fizeram tanto reparo ali e continua alagando! O que que falta? Falha da Engenharia? É falta de planejamento! Então o plano diretor é pra se discutir isso... Por que que tá continuando a alagar aquele bairro que é Parque Imperial? A reclamação, chove um pouquinho, há reclamações! E o que que ta faltando?

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Então eu acho que... O grupo que dirigiu ou aprovou o plano diretor ficou mais voltado em interesses financeiros, lucratividade... Mas num pensou na resolução realmente dos problemas que a cidade apresenta. Ruas estreitas, é... Hoje se faz uma coisa absurda que é forçar todos a colocarem seus veículos em estacionamento. Então dentro do centro da cidade abriu crateras e mais crateras de estacionamento, de exploração! Num podiam ter feito um edifício garagem? Tem! Tem condições, tem! Tem espaço físico que o próprio poder público podia utilizar. Um edifício garagem, dois! Então colocou algumas pessoas que arrebentaram, modificaram totalmente algumas coisas dentro da cidade, poderia ter um prédio, uma casa muito bonita, ele ta demolindo aquela casa pra servir de quê? Estacionamento, que é muito mais lucrativo. Então são coisas dessa natureza que a gente fica frustrado! E... num tô aqui querendo crucificar o prefeito, esse ou aquele, mas a equipe ta muito mal direcionada! E aí: não, mas nós aprovamos o plano diretor... Mas que plano diretor você aprovou? Estão dentro dessas especificações que eu tô citando aqui? Se você conversar com outros sindicatos eles vão ter quase as mesmas reivindicações ou mais do que eu estou falando. E nós participamos disso, discutimos isso nos sindicatos, pra apresentar os projetos. Como era feita essa discussão de vocês pra ser apresentada no plano? JC – Nós nos reuníamos é... Cada sindicato determinadas vezes ou às vezes até um sindicato só, foi feito no Sindicato dos Bancários, Sindicato da CEDAE... É... reunia oito, dez entidades sindicais interessadas e nas suas categorias e fizemos, elaboramos essas idéias, juntava idéia de um e de outro, e chegamos a várias conclusões pra apresentarmos e alguém iria fazer a defesa disso. Depois o desdobramento jurídico, essa coisa toda, ficaria a cargo de um segundo plano. Mas, primeiro, a grosso modo seria apresentar dessa forma. E, realmente nós não tivemos essa inclusão nessa discussão não! E qual seria a diferença do sindicato de vocês para o SINDUSCON? JC – Foi boa a pergunta! Porque o SINDUSCON, ele é totalmente patronal. Lá estão inclusive engenheiros civis, construtores, e que têm todo o lema na mão de todas as obras do município e ate fora do município. Eles têm a obrigação, tem um sistema muito bem instalado para instruir a todos que necessitarem de qualquer avaliação, qualquer pergunta: quanto custa o metro quadrado de obra? A obra bruta, a obra pronta... É... de cada particularidade. Assentamento de piso, azulejos. Quem detém essa informação é o SINDUSCON. Aí o STICONCIMO, que é o Sindicato dos trabalhadores, nós viemos só em proteção dos direitos do trabalhador, que é totalmente diferente a atuação. Então a gente tem os nossos valores, a nossa mão-de-obra, pra atender a classe patronal que é o SINDUSCON, e lá a gente vai ver os direitos, então alguém tem que cuidar. Então o nosso sindicato faz esse tipo de entrelaçamento. Daí, é... Porque nós temos também que acompanhar esse outro lado, num é a nossa obrigação, mas temos que saber. E a gente fica às vezes estarrecido quando alguém procura o SINDUSCON e ele não tem essa informação. Lá tem pessoas que só trabalham em cima disso! São oito horas de trabalho, pesquisando o mercado de trabalho, porque eles sobrevivem disso! Qual município, qual o setor que tá produzindo mais, tá cobrando menos ou mais. Quanto é o preço da mão-de-obra... Isso tudo tem catalogado. Uma pesquisa dessa que você tá fazendo, você teria isso em mãos assim, em

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segundos! E algum detalhamento a mais que pudesse. E isso num acontece no sindicato dos trabalhadores porque a gente num tem especificamente isso. Mas, dentro daquele conhecimento que nós temos, repassamos informações, esclarecemos muitas pessoas... É nossa obrigação esclarecer a sociedade, seja ela de que categoria for. Então a postura do sindicato é esta! Nós nos preparamos pra isso. E como a gente visualiza que o patronal ele só pensa no capital, aí é que nós estamos nos especializando mais ainda nesse tipo de informação, conhecimento de todo nosso grupo. Então nós temos, além dos diretores, funcionários, que são bem treinados em vários setores. Graças a Deus o sindicato hoje tem um quadro de segurança do trabalho, e esse quadro vem desde a formação até a engenharia. Hoje nós temos a colega aqui, a doutora Cristiane, que é engenheira. Em segurança, medicina do trabalho. Formada dentro do sindicato. Então isso nos orgulha, tá certo? E isso é importantíssimo. Porque quando nós fazemos qualquer contraponto com qualquer empresário, nós temos embasamentos técnicos e jurídicos, pra fazer todo esse embate. Então é sempre essa briga, correlação de forças! E se o sindicato num estiver bem preparado, ele vai ficar sem condições de nada, né. De sobrevivência, informação... É por isso que eu tô detalhando pra você, você fez uma pergunta excelente, essa diferença que a maioria se confunde! Então Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil num é só tijolo sobre tijolo! A nossa abrangência é muito maior. Nós aqui cuidamos do pessoal do Mobiliário; fábrica de móveis, de cadeira, de janela, porta... Fábrica de pincéis, tintas, vidros, artefatos de cimento em geral, marmoraria, todo esse pessoal. Asfaltamento, colocação de pedras ornamentais, é... Além da construção civil, encanadores, eletricistas, todo esse pessoal está enquadrado no nosso sistema! Aí, o sindicato patronal, ele não. Ele só detém um caminho, que é representar parte da categoria, e ver a lucratividade dele! Só defende isso! Então você vê que o nosso laço é muito maior! E nessa entidade sindical, nós temos uma outra abrangência que é não só Campos, aí nós temos São João da Barra, São Francisco. De Cardoso até Muriaé! Então toda essa área é regida pelo nosso sindicato. Então cada uma dessas localidades tem uma sede própria da entidade. Então a pouca arrecadação que se tem, a gente reverte em prol do trabalhador. Damos também a esse trabalhador e seus familiares, um benefício, pela pouca arrecadação que eles repassam, médico, dentista, exames laboratoriais e outros... parte clínica médica, sem cobrar um centavo! Tudo isso ao associado e seus familiares. Então, tem-se uma idéia de que o sindicato arrecada muito, mas não. É arrecadado por mês, de cada um deles, oito reais. E não são todos que repassam essa contribuição. Nós apenas, no universo que hoje nós temos aqui no município, de dezoito mil trabalhadores, apenas seis mil e oitocentos são associados, que contribuem com o sindicato. Então os demais acham que o sindicato é deficitário... Ou porque o empregador também diz a ele que não venha ao sindicato porque o empregador não quer que se esclareça, então diz a ele o seguinte: se você for participar do sindicato, você não trabalha na minha empresa! Isso ainda existe com muita freqüência. Ontem mesmo nós ouvimos na Assembléia trabalhadores reclamando sobre isso. Pedindo o que que o sindicato podia fazer para libertar aquele grupo desse mal que o patrão ta colocando, de não comparecer no sindicato. E aqui, de tantas informações que eles não tinham né, eles ficaram tão agradecidos e disseram: nós vamos até perder o emprego, mas vamos participar do sindicato. Então essa cultura tem que ser modificada, que é ainda um ponto lamentável. Lastimável, nesse século a gente deparar com pessoas dessa natureza!

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Mas tem muitos empregadores que só pensam nisso! E aí a conclusão que você tá tirando aqui, que eu estou fazendo, o SINDUSCON teria a obrigação de fazê-lo! Aí eles poderiam até mostrar o “Know-how” que eles tê né, que eles portam como engenheiros, como grandes construtores, né... E mostrar tudo aquilo que eles aprenderam, que eles fazem, executam aqui, fora do país, tudo isso! Num sei porque que eles escondem isso! Acho que numa entrevista dessa, têm medo de se traírem né, nas perguntas, comprometer em alguma coisa. Mas nós aqui num temos isso. Tá aberto pra qualquer pessoa que queira vir aqui nos perguntar, nós estamos sempre de portas abertas para auxiliar no que for possível! Quando a gente pergunta na prefeitura, ou a pessoas que participaram na elaboração qual o grupo que mais participou, que mais... Esse grupo que é apontado é o grupo da Construção Civil... JC – Porque eles têm interesse em deter todas aquelas informações e obras que favoreçam a eles! Então essa é a discussão. Então a discussão lá voltou-se mais pra esse lado, porque o lado que citei, pra eles, uma coisa resolveria a outra, mas num é... Ao longo dos anos a gente vê aí e o não cumprimento dessas situações continua a acontecer. É apenas político? Não! É a vontade das pessoas. Isso depende de cada um da sociedade. Então nós temos que ser participativos, mas críticos também ! E isso num acontece. Então, eles foram combativos nas discussões? Foram! Então por que que só os empregadores puderam se manifestar, ter a inclusão de suas propostas, e a proposta do movimento sindical, não? Não foi dito a nenhum de nós nessa clareza, mas você vê o caminhar das situações, o interesse da bancada em colocar em discussão ou não, aprovar ou não a matéria, e isso não foi colocado! Como isso era percebido? Era como eram conduzidas as mesas? JC – Exatamente! A forma como era conduzido e o direito de voz de cada um era diferente? JC – Exato, muito diferente. Nós já estamos acostumados a debates, assembléias, essas coisas todas... E a gente percebe muito bem os encaminhamentos. Quando há um interesse ou uma vontade, a coisa é conduzida com mais facilidade. Pode ser até que as resoluções finais não sejam favoráveis, mas elas são pelo menos absorvidas. É colocado em debate... Isso não aconteceu! Todas aquelas propostas, que foram encaminhadas, foram lidas... Foram lidas! Mas elas num passaram de lidas! Então não houve um debate, um encaminhamento para a discussão, ou um porquê daquilo... Havia sempre um corte ou uma matéria mais interessante que outro apresentava que se pegava o maior tempo naquela matéria, e a nossa ficava né... Aí nós resolvemos nos retirar! Nós vamos ficar fazendo o que aqui? Quando é que eles vão nos atender? Estão negligenciando a gente, então vamos nos retirar! E assim foi feito! Essa negligência era mais em relação ao SINDUSCON? JC – A bancada como um todo, né! Porque tinham muitos empresários e todos eles têm... Porque aqui há uma questão muito engraçada: o mesmo empregador em Campos ele é comerciário, ele é construtor, ele é do ramo de farmácia e ele é ruralista!

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Aí, estavam todas as bancadas muito bem representadas, fortemente representadas! O jogo de interesses ali quando atingia um, de uma bancada atingia a outra aí... Havia sempre uma defesa, aquela discussão era ampliada, então era o jogo de interesses: olha, eu num quero que seja aberto um canal lá na minha fazenda porque vai, quando houver as chuvas, assim era discutido... Prendia-se muito nisso ta? Na Baixada, a necessidade da Baixada... Porque necessita da dragagem, a limpeza dos canais? Necessita. Mas aí o cidadão ta desviando a água pra dentro da propriedade dele que num tinha; outros estão criando barreiras... pra que a água num chegue até determinado produto que ele estava fazendo.

Ficou mais nessa centralização, então aquela área central que a gente mais queria de presença, de aparência para todos, ela num teve muito êxito, né... Foi assim uma coisa... muito simples né, como se não tivesse muita necessidade de se discutir aquela matéria.

Ao passar do tempo, numa das vezes nós estávamos lá no antigo CEFET mesmo, no auditório, foi discutido lá, e ali é que houve o desfecho do nosso afastamento. A postura da condução dos trabalhos tava voltada mais pra essas questões, da Baixada, dali das fazendas... Do gado e das cerâmicas... E o que foi feito até agora? Nada! Vai ser feito? Nada. Isso é uma enganação! Os canais, alguns estão sendo dragados? Estão! E dão continuidade? Não, porque a empresa que ganhou essa licitação, ela num tem autorização pra fazer isso, fazer aquilo em larga escala.

Aí vem licença ambiental, impacto num sei o que... Aí vêm várias avaliações após o início das obras licitadas. Aí pára-se! Até que seja liberado, passa um bom tempo, aquela empresa não produz, os operários são demitidos... E tudo isso pertence à construção civil: dragagem, canais, portos e pontes. Tudo pertence a nossa entidade.

Então, nós tínhamos um leque enorme pra discussão! E por que que num foi... Mesmo que eu retirasse a entidade de lá, cabia a eles vir atrás da gente e dizer, convencer: não, eu quero que você fique, você é uma pessoa importante, ou a sua entidade é importante pra nossa discussão... Então, a gente queria medir os prós e os contras, e continuaríamos. Mas num foi dada importância, todos os outros sindicatos, construção civil, bancários, CEDAE, é... Vestuário e trabalhadores rurais, todos esses sindicatos, vigilantes... Todos esses sindicatos se retiraram!

Nós nos unimos pra fazermos propostas que eram consensos. E aí ficaria fácil a gente defender aquelas propostas! E bastaria depois haver a correção jurídica, mas a idéia principal estaria lá! Então o principal motivo que levou esses sindicatos a se retirarem foi a forma como... JC – Como eram conduzidos os trabalhos! Sem dúvida! E isso foi bem direcionado. E em momento nenhum eu acho que eles sentiram a nossa falta, a nossa ausência. Foi considerada tão pouca importância, que eles não fizeram nenhum chamamento, nenhum pedido de reiteração de... de retorno. Porque as discussões não se deram num dia né, foram várias vezes. E aí poderíamos ter um melhor aproveitamento dessas discussões. Acho que ficou a cargo de associações de moradores, num sei, os presidentes de associações que lá representaram... Se tiveram êxito nas suas propostas, se avançou realmente. Se ainda tem muita coisa a ser feita que nós ainda não sabemos... Tá programado... Falta de verba... Há um compromisso, nós temos na nossa legislação, da NR18.1.2, ela é muito clara. Antes do início de qualquer atividade é obrigatório à empresa, que ganhar a licitação, comunicar aos sindicatos, tanto patronal como dos trabalhadores, e aos órgãos

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pertinentes a execução da tarefa que ele vai fazer. E isso não acontece! Quando nós vamos tomar conhecimento, a obra está acabando! Tem obra que passa e a gente num sabe nem que ela foi executada. Porque às vezes ela é bem distante, num distrito, e aquilo... Não há uma comunicação para acompanhamento, para que os órgãos realmente dêem uma sustentação, que é obrigação nossa. Se nós formos comunicados de tudo isso, e nós não comparecermos, aí é negligência nossa!Num podemos reclamar! Mas é que isso não ocorre. Não temos conhecimento de nada. Quando temos é através do próprio operário que nos passa informação, qual o direito que ele tem. Mas não pela determinação do órgão principal, que é a Secretaria de Obras, que tem obrigação de fazer isso. Tá na lei! Então, num sei por quê. Acham que o sindicato dos trabalhadores incomoda muito, num sei... E aí nós somos pessoas “non gratas”. E qual é a visão do senhor sobre o plano diretor como um instrumento para gerir o espaço? JC – O plano diretor é realmente o instrumento que vai reger tudo isso. Mas como ele não teve essa abrangência que eu tô citando, eu acho que ele fica um pouco prejudicado. E aí no decorrer do período que for sendo executado o plano, as tarefas, aquilo que estiver dentro do plano, é que a gente vai tomando conhecimento, aí acontecem os debates, as introduções de revolta, às vezes de manifestações... Aí as pessoas passam a não compreender: mas por que estão fazendo isso? Se é um benefício... Às vezes aquele suposto benefício, não trará benefício à sociedade. E aí como às vezes a gente tem conhecimento, a gente tenta impedir. Mas aí já fica um pouco tarde, Então o plano diretor pra mim é algo importantíssimo, mas que fosse realmente participativo, com toda sociedade organizada, não com algumas, ta... Toda ela... Que houvesse um empenho do poder público em facilitar que essas entidades estivessem realmente presentes, discutindo, apoiando. Se não tivesse proposta, mas que pelo menos estivesse sendo conhecedor das propostas ali apresentadas. O que ficaria de “saldo”, se o senhor pudesse definir o participativo do plano. Ele foi realmente participativo? JC – Eu não posso dizer que não foi participativo porque muitas entidades estiveram presentes até o final, mas o grande núcleo de maior expressão não estava contido nesse plano. Não foi. Então podem ter sido, alguns itens até colocados ali em favorecimento a nossa ausência, porque nós num fomos beneficiados, mas com a participação efetiva desse grupo, tá, que tinha fortemente propostas para melhoria. Vamos aguardar o próximo plano, né, quando tiver, quando nos for dada a oportunidade, é lógico que a gente vai ter maior consistência, até maior experiência pelo que aconteceu neste, pra que não aconteça no próximo... E reparo, né, dos erros e acertos que tiveram agora e fazer o próximo. Porque nesse momento, acho eu que num caberá emendas. Até mesmo pelo bom andamento político que o município está vivendo. E aí a idéia é de se colocar em prática e execução tudo que foi ali abordado no plano. Então eu só não diria que ele foi excelente, só por essa razão. Mas houve uma participação sim, a gente num pode negar.

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Entrevistado: Rodrigo Valente Serra. Entrevista concedida por e-mail no dia 14/05/2007. Profissão/Formação: Professor Pesquisador do CEFET – Campos e da Ucam – Campos. Relação com o Plano Diretor Participativo de Campos: Realizei, junto com o professor Helio Gomes Filho, um relatório sobre propostas de Desenvolvimento Econômico Municipal. Trata-se de um serviço de assessoria técnica contratado pelo IBAM ao convênio Cefet Ucam. Pergunta: Considerando o Plano Diretor Participativo como um instrumento de gestão do território, como você analisa o aspecto da participação durante a elaboração do Plano Diretor Participativo de Campos dos Goytacazes? Para começar, vale ressaltar, que o processo de participação continuou reproduzindo a separação nítida entre o saber técnico e o saber popular, o saber científico e o saber “disforme” da comunidade. Realmente, não é tarefa fácil unir estas contribuições, mas deve ficar patente que na concepção do processo participativo do PD estas contribuições foram tratadas de forma absolutamente estanques. Quem costuraria as diferentes contribuições (técnicas e populares) seria os técnicos do IBAM. Então vamos analisar de forma estanque: Somente participei de uma leitura comunitária (em Tocos), portanto minhas impressões não podem ser generalizáveis. Reparei que: haviam muitos participantes que, direta ou indiretamente estavam vinculados a prefeitura, sobretudo, professoras e agentes comunitários. Isso não significa, necessariamente, que estes tiveram uma atitude pelega durante o evento. Na realidade percebi alguns destes membros comunitários expondo como verdadeiros usuários de serviços, demandantes de mais atenção do poder público. Lembrar sobre a presença destes professores e agentes tem como motivo marcar que o chamamento, pelo menos em Tocos, não teve muita receptividade: foram, de fato, aqueles que provavelmente foram convocados por seus superiores para comparecerem, a fim de legitimar o processo, Não saberia avaliar como a equipe do Ibam incorporou as propostas populares no escopo da minuta final do projeto de lei do PD. Minha avaliação neste aspecto está prejudicada. Me parece que as consultas comunitárias foram abrangentes em termos territoriais, contudo não poderia opinar se a experiência vivida em Tocos poderia ser generalizável. Não foi garantido transporte e alimentação para que a comunidade, consultada em um primeiro momento, participasse das audiência públicas. Também o horário das Audiência Públicas não favoreceu a participação dos empregados com horário comercial de trabalho. A participação seria possível, sim, aos profissionais liberais e professores.

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Com relação às leituras técnicas, foi um processo tímido, dado o porte da cidade e de sua massa crítica. É claro que a metodologia do plano diretor não pode ser culpada da “não participação” dos técnicos. Trata-se de um problema com origens diversas e complexas. Mas durante as referidas leituras técnicas o executivo tratou de temas afeitos ao Plano Diretor em fóruns completamente paralelos, como exemplo: plano diretor do abastecimento de água, sistema viário, aquisição (não concretizada) do Hiper Roncetti para construção do centro de convenções municipal. Estas atitudes foi retirando credibilidade do processo de diálogo com a comunidade, ainda que de técnicos. A divulgação das atividades relacionados ao PD, que no começo chegou a ocupar o horário nobre da TV, foi secundarizada, não tendo qualquer visibilidade nas etapas finais do processo de discussão. Enfim: a participação efetiva, seja de técnicos seja da comunidade, foi muito menor do que aquela possibilitada pela estrutura e metodologia do PD, contudo, a metodologia e a estrutura de funcionamento da discussão do PD poderia ser muito mais preocupada com a efetiva participação.

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ANEXOS

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ESTADO DO RIO DE JANEIRO PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES

GABINETE DO PREFEITO

DECRETO Nº 113/2006

Institui o Núcleo Gestor para Elaboração do Plano Diretor.

O PREFEITO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES, no uso de suas atribuições legais, D E C R E T A: Art. 1º - Fica instituído o Núcleo Gestor para Elaboração do Plano Diretor, constituído por

10 (dez) representantes do poder público municipal, e 10 (dez) representantes de outros órgãos públicos das esferas estadual e federal e da Sociedade Civil Organizada, escolhidos pelos conselheiros representantes da sociedade civil organizada do CMMAU – Conselho Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo.

§ 1º - O Prefeito indicará também o primeiro e segundo secretários executivos do

Núcleo Gestor. § 2º – O órgão executivo dos trabalhos do Núcleo Gestor instituído no caput será a

Secretaria Municipal de Planejamento, que contará com a integral colaboração de todos os órgãos, empresas, fundações municipais, disponibilizando inclusive pessoal de apoio;

§ 3º – O Núcleo Gestor executará atividades de acompanhamento e atesto de

serviços realizados por entidades ou empresas que porventura venham a ser contratadas para assessoria e/ou apoio à execução do Plano Diretor.

Art. 2º - O órgão executivo encaminhará ao plenário do CMMAU – Conselho Municipal de

Meio Ambiente e Urbanismo, no prazo de cento e vinte dias, relatório contendo os princípios, diretrizes e regras aplicáveis ao desenvolvimento da cidade, considerando seus aspectos econômico, social, político, urbanístico e ambiental, para consolidação e deliberação final pelo Prefeito.

Art. 3º - Os trabalhos do órgão executivo obedecerão ao devido critério de participação

popular, com a organização de audiências públicas para esclarecimento da população e processamento de propostas, sem prejuízo da adoção de outros instrumentos previstos na Constituição Federal, na Constituição Estadual e na Lei Orgânica do Município.

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ESTADO DO RIO DE JANEIRO PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES

GABINETE DO PREFEITO

Art. 4º - As despesas decorrentes dos trabalhos do núcleo Gestor instituído por este Decreto correrão à conta dos programas de trabalho existentes na Secretaria Municipal de Planejamento e Gabinete do Prefeito.

Art. 5º - O Núcleo Gestor realizará as sessões necessárias, com registro das mesmas em livro

de atas específico para processo de revisão/elaboração do Plano Diretor Municipal.

Parágrafo único: Caberá aos secretários executivos, que contarão com equipe de apoio, as seguintes atribuições: I – Redigir as atas das sessões; II – Redigir toda a correspondência, relatórios e outros documentos, assinando-os conjuntamente com o Presidente e fazer as convocações necessárias; III – Manter contato com outros órgãos da União, dos Estados e dos Municípios quanto à coleta de dados e informações referentes ao plano diretor; IV – Manter em dia um arquivo de legislações pertinentes em vigor, bem como documentos e correspondências necessários ao pleno funcionamento do Núcleo Gestor.

Art. 6º - Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Campos dos Goytacazes/RJ, 11 de abril de 2006.

ALEXANDRE MARCOS MOCAIBER CARDOSO Prefeito Municipal

Observação: publicado no diário oficial do município no dia 17 de abril de 2006.

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2.4 Estrutura Analítica do trabalho

Organização da Informação

Levantamento

Identificação das Informações Prefeitura

Outras fontes

Entrevistas

Reconhecimento de campo

Sistematização

Temas prioritários

Resultados dos eventos realizados

Memória do processo participativo

Produção de mapas

Mobilização da sociedade

Comunicação e divulgação

Definição dos canais e meios

Material informativo

Disponibilização de informação

Outras formas

Concurso de desenhos

Eventos de convergência

Reuniões de mobilização

Seminário 1 - início das leituras comunitárias

Reuniões locais - leitura comunitária

Reuniões temáticas

Seminário 2 - validação dos diagnósticos e prognósticos

Órgão Executor

Definição de atribuições do GT

Relacionamento IBAM

Recursos (humanos e financeiros)

Articulação e integração

Núcleo Gestor

CMMAU

Órgãos municipais

Outros órgãos federais e estaduais

IBAM

Produtos

P1 - Plano de Trabalho

P2 - Consolidação das leituras preliminares

P 3 - Diagnósticos e prognósticos

P 4 - Propostas gerais do PD

Oficinas de integração

OF 1 - Planejamento e levantamento

OF 2 - Acompanhamento e avaliação das leituras

OF 3 - Consolidação das leituras

OF 4 - Discussão das propostas gerais do PDAudiência pública 1 -

pactuação das propostas gerais do PD

Audiência pública 2 - pactuação das minutas de lei

OF 5 - Validação dos insumos para os anteprojetos de lei

P 5 - Textos básicos da legislação

P 6 - Minutas da legislação

P 7 - Anteprojetos de lei

Plano Diretor Participativo de Campos de Goytacazes

2.5 Cronograma das atividades principais

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JanSemanas 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34

1 a 7 8 a 14 15 a 21 22 a 28 29 a 4 5 a 11 12 a 18 19 a 25 26 a 2 3 a 9 4 a 16 17 a 23 24 a 30 31 a 6 7 a 13 14 a 20 21 a 27 28 a 3 4 a 10 11 a 17 18 a 24 25 a 1 2 a 8 9 a 15 16 a 22 23 a 29 30 a 5 6 a 12 13 a 19 20 a 26 27 a 3 4 a 10 11 a 17 18 a 24 25 a 31 1 a 7

Ordem de inícioAtividades preparatóriasOficina 1 - Contato c/ autoridades e equipes locais; Plano de Trabalho; Informações preliminares OF1

Levantamento e organização das informações preliminares

Preparação do Seminario 1 - convocação, divulgação e mobilizaçãoSeminário 1 - Inicio das leituras comunitárias S 1Reuniões locais - leituras comunitáriasSistematização das informações preliminaresIdentificação da necessidade de informações complementares e levantamentosOficina 2 - consolidação preliminar das leituras; diagnósticos/prognósticos iniciais OF2Sistematização dos diagnósticos/prognósticos preliminaresProdução de mapas tematicos e analiticosPreparação do Seminario 2 - convocação, divulgação e mobilizaçãoOficina 3 - Avaliação temática integrada e consolidação das leituras comunitárias e técnicas OF3Seminário 2 - Validação da avaliação temática integrada e das leituras comunitárias e técnicas S 2Consolidação do Diagnóstico Integrado e formulação das Propostas Gerais do PD; Macrozoneamento, etc.Preparação da Audiencia Publica 1 - convocação, divulgação e mobilizaçãoOficina 4 - discussão e ajustes das propostas gerais do Plano Diretor OF4Audiência Publica 1 - Pactuação das propostas gerais do Plano Diretor AP1Elaboração dos textos básicos da legislação urbanísticaOficina 5 - discussão e validação dos textos básicos da legislação urbanistica OF5Elaboração das minutas de Leis (textos simplificados)Preparação da Audiencia Publica 2 - convocação, divulgação e mobilizaçãoAudiência Publica 2 - Validação das minutas de Leis AP2Elaboração dos anteprojetos de LeisEdição dos produtos finais Entrega de produtos P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7

Atividades conjuntas do IBAM (na sede) e da Prefeitura (no municipio) Atividades da Prefeitura e Núcleo Gestor no Municipio Atividades do IBAM no Municipio OF Oficinas de trabalho no Municipio S Seminários públicos no Municipio AP1 Audiêncius Públicas no Municipio

1ª ETAPA 2ª ETAPA 3ª ETAPA 4ª ETAPA

4ª E

TAPA

1ª E

TAPA

2ª E

TAPA

3ª E

TAPA

DezembroNovembroOutubro

ETAPAS / ATIVIDADES / DATAS PRINCIPAIS

Agosto SetembroMaio JulhoJunho

2.6 Fluxograma da Estratégia de Participação

PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO DE CAMPOS DE GOYTACAZES – ESTRATÉGIA DE PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE

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S 1 LEITURA DA REALIDADE DO MUNICÍPIO S 2

PROPOSTAS PRELIMINARES AP 1 ANTEPROJETOS

DE LEI AP 2

NÚCLEO GESTOR

ECMMAU

LEITURA TÉCNICA

LEITURA COMUNITÁRIA

REUNIÕES COM SEGMENTOS

REUNIÕES LOCAISLEITURAS COMUNITÁRIAS

SEMINÁRIO 1INÍCIO DO PROCESSO

PARTICIPATIVO

SEMINÁRIO 2VALIDAÇÃO DOS DIAGNÓSTICOS E PROGNÓSTICOS

AUDIÊNCIA PÚBLICA 1

PACTUAÇÃO DAS PROPOSTAS GERAIS DO

PD

AUDIÊNCIA PÚBLICA 2

PACTUAÇÃO DAS MINUTAS DE LEI

REUNIÕES COM SEGMENTOS E NÚCLEO GESTOR

REUNIÕES TEMÁTICAS

REUNIÕES COM ÓRGÃO EXECUTOR

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Avenida Dr. Nilo Peçanha, 330 – Parque Santo Amaro Cep 28.030-035 – Campos dos Goytacazes, RJ – Brasil

Tel: (22) 2735-2208 - Fax: ramal: 23 - Cel: 8126-7816 [email protected]

REUNIÕES COMUNITÁRIAS

6ª - 18/07/2006 ( 3ª Feira – 18h) Tocos REALIZADA Local: E. M. Dr. Getúlio Vargas Rua Guilherme Morisson, nº 791 - Tócos 7ª - 19/07/06 (4ª Feira – 18h) Goytacazes REALIZADA Local: E. M. Leopoldino Maria Rua Campo Alegre, s/n° - Goytacazes 8ª - 24/07/06 (2ª Feira – 18h) Santo Eduardo, Santa Maria Local: E. M. Santa Maria Rua Marte, s/nº - Santa Maria 9ª – 25/07/06 (3ª Feira – 18h) Vila Nova Local: E. M. Eloy Ornelas Rua do Alto, s/nº - Vila Nova de Campos 10ª - 27/07/06 (5ª Feira – 18h) Travessão Local: E. M. Albertina Rua Antônio Luiz da Silveira, s/n° Travessão

CAMPOS DOS GOYTACAZES – SEDE

1ª - 03/07/06 (2ª Feira – 18h) Ibitioca, Ururaí e Serrinha REALIZADA 2ª - 11/07/06 (3ª Feira – 18h) Dores de Macabu Local: E. M. Paulo Freire Rua Capitão Bernardo, s/nº - Centro de Dores de Macabu REALIZADA 3ª - 12/07/06 (4ª Feira – 18h) - Morangaba Local: E. Estadual Notival Pedro Moll Rua Principal, nº 320 - Morangaba REALIZADA 4ª - 13/07/06 (5ª Feira – 18h) Mussurepe, Santo Amaro, FAROL Local: E. M. Cláudia Almeida Pinto De Oliveira Rua Dom Agostinho, s/n°, Vila do Sol Farol de São Thomé REALIZADA 5ª - 17/07/06 (2ª Feira – 18h) São Sebastião Local: - E. M. Alberto Lamego Rua Principal, s/n° - Poço Gordo REALIZADA

15/07 (sábado) – GUARUS (sub-distrito) Locais: 9h – Escola Municipal Lídia Leitão de Albernaz Av. Wilson Batista, nº 01 - Pq. São José REALIZADA 14h - Escola Municipal Dr. Luiz Sobral Travessa Elias, s/nº - Jardim Carioca REALIZADA 22/07 (sábado) 9h e 14h – 29/07 (sábado) - SEDE DISTRITALLocais: 9h – Escola Municipal Francisco de Assis Rua Adão Pereira Nunes, s/nº - Matadouro 14h – Escola Municipal 29 de Maio Av. Visconde de Alvarenga, s/nº - Pecuária /mmv

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Avenida Dr. Nilo Peçanha, 330 – Parque Santo Amaro Cep 28.030-035 – Campos dos Goytacazes, RJ – Brasil

Tel: (22) 2735-2208 Fax: (22) 2733 9663 Cel: 8126-7816 [email protected]

Edital de Convocação 001/2006

PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO Pelo presente edital, a Secretária Municipal de Planejamento, no uso de suas atribuições, convoca as representações dos órgãos públicos, das entidades civis e todo o cidadão munícipe para participarem das Câmaras Temáticas que serão realizadas nos dias 8, 10, 15 e 17 próximos, das 14 às 18h, de acordo com agenda abaixo, visando a continuidade dos trabalhos de elaboração do Plano Diretor Participativo Municipal. As inscrições poderão ser feitas no próprio local de realização das Câmaras, sendo que os representantes de entidades deverão apresentar ofício de indicação assinado pelo representante legal da mesma, mais documento de identidade.

Tema: POLÍTICA DAS ÁGUAS E SANEAMENTO AMBIENTALLocal: FUNDENOR – Fundação do Norte Fluminense de Desenvolvimento Regional Av. Presidente Vargas, 180 - Pecuária;

Tema: MOBILIDADE URBANA E INTEGRAÇÃO DO TERRITÓRIO MUNICIPALLocal: Auditório Edgar Coelho dos Santos Rua Coronel Ponciano de Azevedo Furtado, 47 – Parque Santo Amaro;

Tema: HABITAÇÃO E CONSTRUÇÃO DA CIDADELocal: SINDUSCON – Sindicato da Construção Rua Bruno de Azevedo, 37 – Parque Jardim Queiroz;

Tema: INCLUSÃO SOCIAL E CIDADANIALocal: UFF – Universidade Federal Fluminense Rua José do Patrocínio, 271 – Centro;

Tema: PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVELLocal: Sindicato Rural Av. Presidente Vargas, 116 – Pecuária;

Tema: QUALIDADE AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO URBANOLocal: CEFET - Campos Rua Dr. Siqueira Campos, 273 – Parque Dom Bosco.

Silvana Monteiro de Castro SECRETÁRIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO

Matrícula 5453-1 /mmv

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ESTADO DO RIO DE JANEIRO PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES

GABINETE DO PREFEITO

PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES

GABINETE DO PREFEITO

EDITAL Nº 002/2006

PROCESSO PARTICIPATIVO PARA REVISÃO E ATUALIZAÇÃO D O PLANO DIRETOR DO

MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES

A Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes, atendendo à Lei Federal no 10.257/2001, o “Estatuto da Cidade”, convida todos os cidadãos para participarem da Segunda Audiência Pública do Plano Diretor Particip ativo de Campos dos Goytacazes .

Objetivo: A 2ª Audiência Pública do PDPCG tem por objetivo a apresentação e

debate do conjunto de Propostas para a Lei do Plano Diretor e para a Legislação Urbanística Básica do Município, elaboradas ao longo do processo participativo e consolidadas a partir da 1ª Audiência Pública e das Reuniões Plenárias recentemente realizadas.

Esta Segunda Audiência Pública compõe a última etapa do processo participativo

que tem sido adotado à elaboração do Plano Diretor e da legislação complementar que deverão orientar o crescimento e o desenvolvimento sustentável do Município.

Por isso, a participação de todos é de grande impor tância. A Audiência Pública será realizada no auditório Amaro Prata Tavares, localizado na

Praça da Bandeira, S/Nº (Palácio da Cultura).

DATAS: 12 e 13 de dezembro de 2006 - 3ª e 4ª feira; HORÁRIO: das 14h às 19h.

Campos dos Goytacazes/RJ, 30 de novembro de 2006.

Alexandre Marcos Mocaiber Cardoso Prefeito Municipal de Campos dos Goytacazes

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