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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA AGUINALDO CESAR FRATUCCI A DIMENSÃO ESPACIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS DE TURISMO: AS POSSIBILIDADES DAS REDES REGIONAIS DE TURISMO Orientador: Prof. Dr. ROGÉRIO HAESBAERT DA COSTA Niterói, 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

AGUINALDO CESAR FRATUCCI

A DIMENSÃO ESPACIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS DE TURISMO: AS POSSIBILIDADES DAS REDES

REGIONAIS DE TURISMO

Orientador: Prof. Dr. ROGÉRIO HAESBAERT DA COSTA

Niterói, 2008

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AGUINALDO CESAR FRATUCCI

A DIMENSÃO ESPACIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEI RAS DE TURISMO: AS POSSIBILIDADES DAS REDES REGIONAIS DE T URISMO

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor. Área de Concentração: Ordenamento Territorial.

Orientador: Prof. Dr. ROGÉRIO HAESBAERT DA COSTA

Niterói 2008

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F844 Fratucci, Aguinaldo Cesar A dimensão espacial nas políticas públicas brasileiras de turismo: as possibilidades das redes regionais de turismo / Aguinaldo Cesar Fratucci. – Niterói : [s.n.], 2008.

308 f.

Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal Fluminense, 2008.

1.Turismo. 2.Espaço turístico. 3.Território-rede. I.Título.

CDD 338.4791

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AGUINALDO CESAR FRATUCCI

A DIMENSÃO ESPACIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEI RAS DE TURISMO: AS POSSIBILIDADES DAS REDES REGIONAIS DE T URISMO

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor. Área de Concentração: Ordenamento Territorial.

Aprovada em 20 de novembro de 2008

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________ Prof. Dr. Rogério Haesbaert da Costa - Orientador

Universidade Federal Fluminense - UFF

___________________________________________ Prof. Drª Miriam Rejowski

Universidade de São Paulo - USP

___________________________________________ Prof. Dr. Gilmar Mascarenhas de Jesus

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

___________________________________________ Prof. Dr. Márcio Piñon de Oliveira

Universidade Federal Fluminense - UFF

___________________________________________ Prof. Dr. Ivaldo Gonçalves de Lima

Universidade Federal Fluminense - UFF

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Aos amigos e companheiros da longa viagem em direção

ao conhecimento da complexidade do fenômeno turístico.

Obrigado pelas conversas, dicas e sugestões.

Avançamos muito, mas ainda há muito a fazer!

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AGRADECIMENTOS Ao professor Rogério Haesbaert, pela orientação segura e tranqüila. Assim

como no processo da dissertação de mestrado, o período de elaboração da

tese também foi muito produtivo, quando tivemos a oportunidade compartilhar

muitas idéias em conversas sempre agradáveis e instigadoras. Sua visão de

mundo com certeza influenciou por demais minhas investigações e estão

presentes nesse trabalho.

Aos professores Márcio Piñon de Oliveira, Ivaldo Gonçalves de Lima e Jorge

Luiz Barbosa, do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFF que, em

diferentes momentos do processo de minha qualificação, oportunizaram tantas

contribuições e sugestões para esse trabalho.

Á professora Miriam Rejowsky, por ter aceito prontamente meu convite para

participação na banca de avaliação.

Ao professor Gilmar Mascarenhas de Jesus, amigo de tantos eventos e

encontros de geografia e turismo, pelas palavras de estimulo e também, por ter

aceito participar da banca de avaliação.

Á Roberta Dias de Oliveira, diretora executiva do CONRETUR e amiga de

longa data, pela sua colaboração nas pesquisas de campo na região das

Agulhas Negras. Obrigado por sua disponibilidade, mesmo nos momentos da

chegada da Ana Júlia, para atender minhas solicitações e esclarecer minhas

dúvidas sobre o processo de constituição daquele Conselho.

Aos amigos Jorge Faria e Cariojado pelas iluminações nos momentos de pouca

inspiração.

À Profª Erly Maria de Carvalho e Silva, docente e amiga do Departamento de

Turismo da UFF, pela paciente revisão de texto, pelas sempre oportunas

sugestões e pelas conversas “sem pressa” que me acalmaram nos momentos

mais tensos.

Aos professores e alunos do curso de Turismo da UFF, pelas palavras e gestos

de incentivo e carinho durante todo o período do doutorado e, principalmente,

por compreenderem meus momentos de afastamento, tão necessários para a

elaboração desse trabalho.

Ao Álvaro, pela companhia fiel e solidária.

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“O desafio é amplo e premente: a necessidade de um pensamento que reúna é cada vez maior porque os problemas são cada

vez mais interdependentes e cada vez mais globais, e ao mesmo tempo porque sofremos

cada vez mais do excesso de parcelarização e de compartimentação dos saberes.”

Edgar Morin, 2000.

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LISTA DE FIGURAS E ILUSTRAÇÕES

Tabela 1 Evolução do total de chegadas internacionais 1950 – 2005

55

Figura 1 Distribuição dos fluxos e das áreas turísticas 57

Figura 2 Curva do perfil psicográfico dos turistas de Stanley Plog 77

Figura 3 Modelo referencial do Sistema Turístico – SISTUR de Beni

83

Figura 4 Representação básica do sistema turístico 97

Figura 5 Modelo de Campbell de viagem recreativa e excursionista

99

Figura 6 Modelo de desenvolvimento turístico de Miossec 101

Figura 7 Modelo de espaço turístico de Boullón 104

Figuras 8 Componentes do espaço turístico proposto por Roberto Boullón

105

Figura 9 Regiões Turísticas do Estado do Rio de Janeiro 2005 116

Figura 10 Previsão de chegadas internacionais por região 137

Figura 11 Políticas internacionais de turismo a partir de 1945 139

Figura 12 Abordagens metodológicas do Planejamento Turístico 140

Figura 13 Evolução das instâncias de gestão do turismo no Brasil 143

Tabela 2 Oficinas do PNMT realizadas entre 1995 e 2001 165

Figura 14 Supra-estrutura do turismo brasileiro 170

Figura 15 Localização dos 65 destinos indutores de desenvolvimento

176

Figura 16 Áreas especiais de interesse turísticos do estado do Rio de Janeiro

188

Tabela 3 Oficinas do PNMT no estado do Rio de Janeiro 193

Figura 17 Regionalização Turística – Plano Diretor de Turismo – 2001

197

Figura 18 Regiões turísticas do estado do Rio de janeiro priorizadas para o PRT

201

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8 Figura 19 Localização da Região Turística das Agulhas Negras 206

Figura 20 Parque Nacional do Itatiaia e arredores 209

Tabela 4 Oferta de meios de hospedagem na Região das Agulhas Negras – RJ

210

Tabela 5 População empregada no Setor do Turismo na Região das Agulhas Negras - RJ

213

Figura 21 Espaços apropriados para o turismo na Região das Agulhas Negras – década de 1930

217

Figura 22 Espaços apropriados para o turismo na Região das Agulhas Negras – década de 1970

218

Figura 23 Espaços apropriados para o turismo na Região das Agulhas Negras – décadas de 1980 - 1990

220

Figura 24 Espaços apropriados para o turismo na Região das Agulhas Negras – década de 2000

221

Figura 25 Agentes sociais produtores do turismo: lógica de apropriação dos espaços

242

Figura 26 Esquema de território-rede do turismo – escala local 259

Figura 27 Esquema de Território-rede de Turismo – escala regional

263

Figura 28 Território-rede do turismo da Região das Agulhas Negras – 2008

269

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABAV Associação Brasileira de Agentes de Viagens

ADE Áreas de desenvolvimento estratégico

AD-Rio Agência de Desenvolvimento Econômico do Estado do Rio de Janeiro

CICATUR Centro de Capacitação Turística - OEA

CNTur Conselho Nacional de Turismo

CONRETUR Conselho Regional de Turismo das Agulhas

EMBRATUR Instituto Brasileiro do Turismo

FUNDREM Fundação de Desenvolvimento Metropolitano da Cidade do Rio de Janeiro

FUNGETUR Fundo Geral de Turismo

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

MTur Ministério do Turismo

OMT Organização Mundial do Turismo

PLANTUR Plano Nacional de Turismo

PNMT Programa Nacional de Municipalização do Turismo

PNT Plano Nacional de Turismo

PRODETUR Programa de Desenvolvimento do Turismo

PRT Programa de Regionalização do Turismo

RINTUR Roteiro de Informações Turísticas

SEBRAE-RJ Serviço de Brasileiro de Apoio a Pequena e Média Empresa

SECPLAN Secretaria de Planejamento do Estado do Rio de Janeiro

SEPDET Secretaria de Estado de Planejamento, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado do Rio de Janeiro

SISTUR Sistema turístico

TurisRio Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro

UnB Universidade de Brasília

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RESUMO

Com o intuito de investigar o descaso para com a dimensão espacial das políticas nacionais e as possibilidades de construção de novas estruturas de governança para os espaços apropriados para o turismo a partir de redes regionais, este trabalho apresenta os resultados da pesquisa desenvolvida nos últimos quinze anos, a partir da observação participante do autor no contexto do estado do Rio de Janeiro, em especial da região turística das Agulhas Negras. Partindo do entendimento do turismo como fenômeno socioespacial marcante da contemporaneidade, propõe que seu estudo ocorra por diversos meta-pontos de vista que possam incluir e ampliar o complexo jogo de ações, retroações e inter-relações estabelecido pelos os seus diversos agentes sociais: turistas, empresários, poder público, trabalhadores diretos e indiretos e população residente nos destinos turísticos. Após discorrer sobre a dialógica existente entre o fenômeno socioespacial e a atividade econômica gerada pelo turismo, apresenta uma revisão das bases teóricas necessárias para a análise e discussão dos processos de turistificação de trechos do espaço, tendo como referência que o turismo não é sujeito desses processos, mas sim resultado das ações e das interações dos diversos agentes sociais que o produzem. A seguir, apresenta uma revisão da evolução das políticas públicas de turismo implementadas no Brasil a partir de 1966, buscando identificar o modo como a espacialidade do fenômeno vem sendo tratada por cada uma delas. Tendo como objeto de observação o processo de construção da região turística das Agulhas Negras, propõe a adoção da categoria geográfica do território-rede como a mais adequada para análise e estudo dos espaços turísticos e aponta para a tendência de ampliação dos territórios-redes do turismo para a escala micro-regional e formação de redes regionais de turismo, consideradas como uma oportunidade para adoção de uma nova estrutura organizacional de governança público-privada, mais democrática e participativa para a gestão do desenvolvimento a nível nacional.

Palavras chaves: Políticas públicas de turismo; Espaço turístico; Território-rede; Redes regionais de turismo; Região turística das Agulhas Negras – RJ; Brasil.

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ABSTRACT

Aiming at investigating the carelessness towards national politics of spatial dimension as well as possibilities of new governance structures building to appropriate spaces for the tourism from regional networks, this work presents the results of a research developed over the last fifteen years, from the participant's observation of the author within the context of Rio de Janeiro state, specially Agulhas Negras touristic region. Understanding tourism as an outstanding social-spatial phenomenon of contemporariness, it proposes that its study be unfolded through several meta-points-of-view that may include and amplify the complex game of actions, feedbacks and inter-relations established by its many social agents: tourists, businessmen, public power, direct and indirect workers as well as the population who lives in touristic destinies. After discussing about the logic which exists between the social-spatial phenomenon and the economic activity generated by tourism, it presents a review of theoretical foundations necessary to analysis and discussion of touristification processes of spatial stretches, having as reference that tourism is not subjected to these processes, but is the result of actions and interactions of several social agents which produce them. After that, it presents a review of public politics of tourism evolution implemented in Brazil from 1966 on, searching to identify the way spatiality of phenomenon has been dealt by each one of them. Having as observation object the process of touristic area of Agulhas Negras construction, it proposes the adoption of geographical category of net-territory as the most adequate for analysis and study of touristic spaces and points to the tendency of tourism net-territories broadening to the scale of micro-regional and formation of regional tourism networks considered as an opportunity of adopting a new organizational structure of public-private governance, more democratic and participating for development management at a national level. Key-Words: Public politics of tourism; Touristic Space; Network-territory;

Regional networks of tourism; touristic region of Agulhas Negras – RJ; Brazil.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 14

2 DO FENÔMENO SOCIOESPACIAL À ATIVIDADE ECONÔMICA DO TURISMO

24

2.1 DA “GRAND TOUR” DA ARISTOCRACIA BURGUESA DO SÉCULO XVI AOS PACOTES POPULARES DO SÉCULO XXI

28

2.2 RELAÇÕES DO TURISMO COM AS MANIFESTAÇÕES DO CAPITAL CONTEMPORÂNEO: ÓCIO, LAZER E TEMPO LIVRE

45

2.3 DIALÓGICA DO TURISMO: FENÔMENO SOCIOESPACIAL E ATIVIDADE ECONÔMICA

51

3 BASES TEÓRICAS PARA ANÁLISE DOS PROCESSOS DE TURISTIFICAÇÃO DO ESPAÇO

62

3.1 TURISTIFICAÇÃO DOS ESPAÇOS PARA O TURISMO 66

3.1.1 Agentes do Turismo e Suas Lógicas de Apropriação dos Espaços

74

3.1.2 Teorias e Modelos de Estudos do Espaço Turístico 97

3.2 REGIONALIZAÇÃO COMO MÉTODO PARA GERENCIAMENTO DOS PROCESSOS DE TURISTIFICAÇÃO DOS ESPAÇOS

104

3.2.1 Tradição do Uso da Regionalização nas Políticas Públicas de Turismo

111

3.2.2 Descontinuidade Territorial do Espaço Turístico 117

3.3 COMBINAÇÃO DAS DIVERSAS LÓGICAS DE APROPRIAÇÃO DOS ESPAÇOS PARA O TURISMO

119

3.4 INCERTEZAS E CONFLITOS NOS PROCESSOS DE TURISTIFICAÇÃO DO ESPAÇO

127

4 A DIMENSÃO ESPACIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DO TURISMO NO BRASIL

134

4.1 TENDÊNCIAS NOS PROCESSOS DE GERENCIAMENTO DOS ESPAÇOS TURÍSTICOS

138

4.2 INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TURISMO NO BRASIL 142

4.2.1 Dimensão Espacial nas Políticas Públicas de Turismo - 1966 a 1994

149

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13 4.2.2 Município como Base Político-Territorial da Política de

Turismo do Governo FHC 164

4.2.3 Governo Lula - 2003-2010: o Foco na Regionalização do Turismo

168

5 REGIÃO DAS AGULHAS NEGRAS, RJ: UMA REDE REGIONAL DE TURISMO EM CONSTRUÇÃO

182

5.1 CONTEXTO INSTITUCIONAL DO TURISMO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

185

5.1.1 Reorganização do Mapa Turístico do Estado do Rio de Janeiro a Partir de 1990

191

5.2 PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA REGIÃO TURÍSTICA DAS AGULHAS NEGRAS: À CAMINHO DE UMA REDE-REGIONAL DE TURISMO

205

5.2.1 Aspectos turísticos da região das Agulhas Negras 207

5.2.2 Processo de Articulação da Região Turística das Agulhas Negras

215

5.2.3 Na Direção de Uma Rede Regional de Turismo 223

6 INSERÇÃO DA DIMENSÃO ESPACIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE TURISMO: POSSIBILIDADES DAS REDES REGIONAIS

236

6.1 ESPACIALIDADES DISTINTAS DOS AGENTES SOCIAIS PRODUTORES DO TURISMO

241

6.2 AMPLIAÇÃO DO TERRITÓRIO-REDE DO TURISMO: ENTRE AS ESCALAS LOCAL E REGIONAL

260

6.3 POSSIBILIDADES DAS REDES REGIONAIS PARA AS POLÍTICAS DE TURISMO

270

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 277

REFERÊNCIAS 292

ANEXOS 301

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1 INTRODUÇÃO La disociación creciente entre la lógica del trabajo y la lógica del ocio se refuerza con prácticas sociales y de consumo específicas que implican prácticas espaciales distintas. De esta manera, más que una actividad económica, el turismo debe catalogarse como una práctica social generadora de un tipo de actividad que requiere del fundamento espacial para su desarrollo. (VERA, 1997, p.200)

O descuido para com a dimensão espacial do turismo, tão cara

para todos aqueles que, como nós, entendem o turismo a partir da

complexidade de um fenômeno socioespacial e não se limitam a estudá-lo pelo

viés economicista, tornou-se o leimotiv das nossas reflexões e de nossas

pesquisas nos últimos anos. Sabedores que o turismo não é o sujeito dos

processos de turistificação, mas sim o resultado das ações e das interações

dos diversos agentes sociais que o produzem, passamos a observar o quanto a

dimensão espacial desses processos é fundamental para o estabelecimento de

políticas, públicas ou privadas, que realmente almejem instalar ou incrementar

processos de desenvolvimento humano sustentáveis e duradouros para as

comunidades residentes nos destinos turísticos. O desenvolvimento humano,

como bem nos coloca Edgar Morin, “deve tornar-se multidimensional,

ultrapassar ou romper os esquemas não apenas econômicos, mas também

civilizacionais e culturais ocidentais que pretende fixar seu sentido e suas

normas” (MORIN, 2003, p.102). Assim, buscamos aprofundar nossos estudos

considerando a espacialidade do turismo como uma das suas dimensões

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15 básicas que deve ser contemplada por todas as ações e políticas direcionadas

para o seu desenvolvimento.

A complexidade do fenômeno socioespacial do turismo exige que

adotemos uma visão mais ampliada das suas diversas dimensões e das ações

dos seus vários agentes produtores. Esses agentes produtores, aparentemente

a partir da desordem inicial de encontros aleatórios, estabelecem uma

conjunção densa e intrincada de relações, interações e retroações que se

concretizam nos destinos turísticos e que podem ser analisadas a partir de um

modelo de organização ou sistema aberto (MORIN, 1999). Como entendemos

sistema um conjunto de partes distintas, organizadas e unidas em torno de um

objetivo comum, podemos indicar que ele é capaz de produzir qualidades e

propriedades que não existem em nenhuma de suas partes. Desse modo,

podemos afirmar com base no princípio gestáltico, que o sistema como um

todo é mais do que a simples soma de suas partes e que cada uma de suas

partes tem características e propriedades específicas, ou seja, tem a sua

individualidade.

Entretanto, para compreendermos fenômenos complexos como o

turismo, não basta assumirmos o seu caráter “hologramático” que nos leva a

dizer que “a parte está dentro do todo, mas que o todo está no interior das

partes” (MORIN, 2002, p.15); precisamos também incluir o entendimento de

que é necessário juntar a noção de que as relações, ações e retroações dos

agentes sociais do fenômeno são ao mesmo tempo antagônicas e

complementares, portanto mantém entre si um jogo dialógico permanente.

(ibidem). Nesse sentido, a preocupação com a espacialidade do turismo deve

ser vista e analisada não apenas pelo estudo das diversas variáveis dos

espaços apropriados para o turismo. A turistificação de trechos do espaço

exige que ampliemos nossos meta-pontos de observação, incluindo variáveis

que permitam o entendimento do fenômeno e não apenas da atividade turística

sobre aqueles processos de territorialização. Ou seja, o espaço do turista é

menor que o espaço do turismo; não basta analisarmos os espaços

apropriados pelos turistas e pelos agentes de mercado para entendermos a

dimensão espacial do fenômeno turístico.

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16

Os resultados aqui apresentados são fruto de pesquisas de

observação participante, inicialmente assistemáticas e, posteriormente,

sistemáticas, iniciadas nos primeiros anos da década de 1980, quando fomos

contratados como técnico da Diretoria de Planejamento e Projetos da

Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro (TurisRio). Durante os

anos 80, participamos de diversos projetos e ações daquele órgão direcionados

para a gestão e o planejamento da atividade turística do estado, o que nos

aguçou os sentidos para a importância e a complexidade desse setor. Alguns

desses projetos, mais diretamente relacionados com a questão da

espacialidade e do ordenamento territorial do turismo estão detalhados no

capítulo cinco desse trabalho.

Na década de 1990, mas especificamente em 1992, assumimos

também a atividade de docente em cursos de pós-graduação lato sensu e de

graduação em turismo, inicialmente no Centro Universitário Plínio Leite, de

Niterói, depois em diversas outras instituições. Esta nova atividade nos

aproximou ainda mais dos estudos acadêmicos e nos levou a cursar o

mestrado em Geografia do Programa de Pós Graduação em Geografia da

Universidade Federal Fluminense. Naquele momento, sob a égide do modelo

neoliberal em ascensão no país, as políticas públicas de turismo estavam

focadas na municipalização da gestão do turismo apoiada pelo Programa

Nacional de Municipalização do Turismo (PNMT). Depois de muitos anos sem

uma política pública clara para o setor, o governo federal, por meio do Instituto

Brasileiro do Turismo (EMBRATUR) e do Ministério dos Esportes e do Turismo,

instituiu um instrumento legal para direcionar as ações dos diversos agentes,

públicos e privados, envolvidos no desenvolvimento turístico brasileiro,

sintetizado no documento Política Nacional de Turismo 1996-1999 (MICT,

1996).

O PNMT propiciou o inicio de uma mudança significativa nos

processos de gestão do turismo, invertendo, pelo menos parcialmente, o

sentido das decisões, valorizando a gestão na escala dos municípios.

Pessoalmente, nos envolvemos diretamente com todas as ações daquele

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17 Programa no estado, tanto no papel de multiplicador estadual1 como no de

facilitador de oficinas2. Dessa maneira, participamos tanto das oficinas

nacionais de planejamento das ações do PNMT, como representante da

TurisRio, como das oficinas desenvolvidas nas diversas regiões e municípios

do estado no período de 1997 a 2002, detalhadas na primeira parte do capítulo

cinco.

Foi naquele momento que decidimos pelo desenvolvimento de

uma pesquisa baseada na técnica da observação participante sistemática,

objetivando acompanhar a evolução da gestão pública do turismo brasileiro,

especialmente nas questões relacionadas com os processos de apropriação do

espaço para o turismo. A cada oficina ou evento, participávamos dos

processos, coletando informações sobre eles e sobre a atuação dos diversos

agentes sociais produtores do turismo, as quais foram nos instigando para a

pesquisa que agora apresentamos.

Desde o início de nossa atuação profissional observamos que a

atividade turística era vista e defendida pelos responsáveis pela sua gestão

pública apenas como uma atividade econômica e que as suas outras

dimensões – social, espacial, cultural e mesmo política, não eram motivos de

interesse ou atenção. Sem apoio de estudos teóricos e acadêmicos

consistentes sobre a situação real do turismo no país, os dirigentes agiam de

forma totalmente empírica e pragmática, baseados apenas nos discursos das

grandes vantagens econômicas que o setor turístico poderia trazer para os

municípios e para o país. A leitura era simplificada e indicava o turismo como a

solução de todos os problemas dos municípios brasileiros, quase uma

panacéia.

Tal situação começou a ser alterada, mesmo que timidamente, a

partir do governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), que promoveu a

aproximação da academia com a EMBRATUR e com os demais órgãos 1 Denominação dos representantes dos órgãos estaduais de turismo que participavam

diretamente das oficinas e reuniões do Comitê Nacional do PNMT, direcionadas tanto para o planejamento como para a revisão e avaliação dos resultados do Programa.

2 Responsável pela condução de oficinas voltadas para a organização de conselhos municipais de turismo e de setores específicos das comunidades, tais como artesãos, taxistas, hoteleiros, guias de turismo, no intuito de estimular suas articulações em associações de classe.

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18 estaduais e municipais de turismo. Essa aproximação foi provocada,

principalmente pelas discussões e críticas à nova Política Nacional de Turismo

e, em especial, ao PNMT, ocorridas em eventos científicos como o Seminário

“Sol e Território” realizado pelo Departamento de Geografia da USP em 1995 e

nos Encontros Nacionais de Turismo de Base Local de 1996 e 1997, todos sob

a coordenação da geógrafa Adyr Balastreri Rodrigues, da USP.

Partindo dessa problemática constituída pelo descaso das

políticas públicas de turismo para a multidimensionalidade do fenômeno

turístico, onde apenas seu caráter econômico imediato vem sendo privilegiado,

construímos nossos objetivos de pesquisa. O primeiro, e mais amplo, foi o de

comprovar que o fenômeno socioespacial do turismo contemporâneo tende

para uma espacialização na escala regional, a partir da estruturação de

territórios-rede regionais e não de regiões turísticas como a maioria das

políticas existente pregam. A seguir, buscamos investigar as possibilidades de

constituições de redes sociais de turismo a partir daqueles territórios-rede e as

potencialidades dessas redes regionais assumirem o papel de novas estruturas

organizacionais para a gestão do desenvolvimento turístico, consolidando-se

em uma nova instância de governança público-privada.

Para contextualizar nossas reflexões apresentamos, no capítulo

dois, uma revisão teórica sobre o que estamos denominando como a dialógica

do turismo, abordando as relações e as interações entre o fenômeno social-

espacial e a atividade econômica gerada por ele. Nosso propósito com essa

revisão foi buscar as origens e as causas dos atuais processos de turistificação

do espaço, centrados inicialmente na ação subjetiva dos turistas. A partir do

século XIX, o uso do tempo livre liberado do trabalho, após ser apropriado pelo

capital como mercadoria, torna-se mais complexo e passa a incluir a ação de

outros agentes sociais naqueles processos de apropriação de trechos do

espaço para a sua consecução. Nesse sentido, apresentamos uma releitura da

linha evolutiva do turismo, a partir do olhar do turista, indo desde as viagens da

aristocracia burguesa dos séculos XVI, XVII e XVIII até o turismo

contemporâneo, caracterizado pela segmentação e pela especialização de

todos os seus agentes sociais produtores. As relações do turismo com as

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19 diversas formas de manifestação do capital e as discussões sobre as

categorias de ócio, lazer e tempo livre são também abordadas, tendo em vista

serem fundamentais para nosso pressuposto teórico do turismo como

fenômeno complexo, responsável pela refuncionalização de trechos do espaço

e pela criação de territorialidades distintas.

No capítulo três, avançamos para o estudo dos processos de

turistificação do espaço, analisando e revisando as diversas teorias e modelos

existentes para o estudo do espaço apropriado para o turismo, ressaltando o

papel e a lógica de cada um dos agentes sociais produtores – turistas, agentes

de mercado, poder público, trabalhadores e população dos destinos turísticos -

daqueles processos de apropriação do espaço. Na segunda parte do capítulo,

desenvolvemos as questões relacionadas com o uso da regionalização como

instrumento analítico das políticas públicas de turismo e à descontinuidade que

caracteriza os espaços apropriados para o turismo. A seguir, analisamos as

diversas lógicas de territorialização de cada um dos agentes sociais produtores

do turismo que realizam um jogo dialógico entre si e com outras

territorialidades sincrônicas a elas. A partir dessa abordagem propomos a

adoção da categoria do território-rede como a mais adequada para o estudo e

o ordenamento daqueles espaços turistificados. Para tanto, assumimos que

nos espaços apropriados para o turismo convivem a lógica reticular e a lógica

zonal, em movimentos complementares, concorrentes e antagônicos

resultantes das ações e interações de todos os agentes produtores e das redes

de relações que são estabelecidas entre eles. A combinação dessas lógicas

distintas de territorialização vai revelar-se em um elemento fundamental do

reordenamento dos espaços turistificados que podem ser melhor apreendidos

se adotarmos a sua leitura como um território-rede, ora mais denso, ora mais

esgarçado, mas sempre dinâmico e fluído, resultado do mosaico composto

pelas territorialidades de cada um dos agentes sociais do turismo.

Após essa contextualização teórica, iniciamos nossa discussão

sobre as incertezas e os conflitos existentes nos atuais processos de

turistificação de certos trechos do espaço. A partir da leitura do jogo dialógico

que os agentes sociais do turismo estabelecem entre si e com os agentes de

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20 outros setores, identificamos uma realidade bastante densa, complexa e fluída,

que precisa ser incorporada nas análises e nas ações voltadas para o

ordenamento dos espaços apropriados para o turismo. No entanto, destacamos

o fato de as políticas públicas, produzidas e implementadas pelos órgãos

públicos federais, estaduais e municipais, apesar dos discursos aparentemente

calcados no paradigma do desenvolvimento sustentável, estarem longe de

propor ações e projetos que realmente contemplem todos os agentes sociais

envolvidos com o turismo. A prática daqueles agentes públicos mostra-se mais

direcionada para atender às demandas do mercado em busca de maior

lucratividade e facilidades para a reprodução do capital, deixando de lado os

interesses dos demais agentes sociais envolvidos e contemplando o espaço

apenas como suporte ou “palco” para a atividade econômica.

Seguindo essa linha de reflexão, no capítulo quatro aprofundamos

nossa discussão quanto à presença da dimensão espacial nas políticas

públicas de turismo no Brasil. Após uma revisão sobre as tendências atuais nos

processos de gerenciamento dos espaços apropriados para o turismo,

apresentamos uma análise das políticas publicas de turismo já estabelecidas

no país, tendo como recorte espacial o período de 1966 até os dias atuais.

Essa análise está norteada pela busca dos indícios de preocupação com a

espacialidade do turismo naquelas políticas e das suas possíveis implicações

para o ordenamento do desenvolvimento turístico no país. Constatamos que,

apesar do espaço – quase sempre visto apenas como território-zona,

estabelecido pelos limites político-administrativos – ser citado em diversos

instrumentos políticos e projetos, não é possível identificarmos claramente a

preocupação com a dimensão espacial do fenômeno turístico no escopo das

políticas públicas já implementadas. Como há uma nítida tendência dessas

políticas para atender às solicitações dos agentes do mercado, as

preocupações para com a questão da espacialidade do fenômeno turístico

restringem-se às questões de ordenamento do uso do solo e, mais grave,

quase sempre em escalas bastante pontuais.

No quinto capítulo, aprofundamos o debate tomando como base

empírica uma área mais especifica - a região turística de Agulhas Negras - para

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21 desenvolver, ao final, nossa tese de que as políticas públicas e privadas

voltadas para o turismo, entendido como fenômeno complexo, devem enfatizar

como um de seus fundamentos - inclusive de gestão e de governança - a

dimensão espacial, especialmente por meio do que estamos denominando,

aqui, territórios-rede estruturados/estruturadores em/de redes regionais do

turismo.

Apresentamos, para tanto, o processo de formação do território-

rede de turismo na região das Agulhas Negras, iniciando por uma

contextualização da institucionalização do turismo no nível do governo do

estado do Rio de Janeiro, partindo da década de 1970 até os dias atuais.

Optamos por essa contextualização por entendermos que o processo em curso

na região das Agulhas Negras está diretamente relacionado tanto com a

implementação das políticas nacionais de turismo, quanto com as diversas

ações e projetos desenvolvidos pelo governo estadual nas últimas três décadas

sem, entretanto, deixar de considerar o próprio processo de formação histórica

das localidades e dos municípios que compõem aquela parte do território

estadual. Após uma breve apresentação dos aspectos turísticos atuais da

região, detalhamos o processo de articulação do território-rede do turismo

regional, a partir da constituição do Conselho Regional de Turismo das Agulhas

(CONRETUR), em 1997, indicando o inicio da formação de uma nova estrutura

de governança do turismo regional.

A escolha por essa região foi motivada pela nossa atuação efetiva

no processo de desenvolvimento turístico do estado do Rio de Janeiro nos

últimos anos e no nosso entendimento de que, se é possível o estabelecimento

de uma rede regional de turismo como instância de governança no estado, ele

tem mais chances de ocorrer naquela região. Além disso, no contexto do

estado do Rio de Janeiro, a região das Agulhas Negras apresenta

características bastante singulares, tanto do ponto de vista da sua localização

entre os principais centros emissores de demandas turísticas do país, como da

sua constituição político-administrativa e das suas características de formação

histórica. Os agentes sociais do turismo da região já apresentavam uma

tendência para a articulação em fóruns e associações desde a década de

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22 1980, quando colaboraram para a emancipação do distrito de Itatiaia para a

categoria de município. O entendimento, mesmo que empírico, da possibilidade

de um desenvolvimento turístico a partir de uma base territorial em torno de

lógicas reticulares na escala micro-regional e da complementaridade dos

produtos turísticos de cada localidade do entorno do Parque Nacional, parece-

nos fundamental para o processo que ora observamos ali. Mesmo que alguns

agentes sociais ainda não estejam participando diretamente da rede regional

de turismo, lentamente, nota-se uma ampliação dessa rede com a inclusão de

novos agentes sociais, como foi o caso recente da Federação das Associações

de Moradores de Itatiaia.

No sexto capítulo desenvolvemos, com detalhamento teórico,

nossa tese sobre as possibilidades e as perspectivas das redes regionais de

turismo como nova estrutura organizacional de governança para o

desenvolvimento sustentável dos destinos turísticos brasileiros. Retomando a

discussão teórica sobre a espacialidade existente na lógica dos agentes sociais

produtores do turismo, nas possíveis combinações que podem ocorrer entre

eles e nos territórios-rede que cada um deles estabelece nos espaços

turistificados, apontamos para a tendência de ampliação daqueles territórios

para a escala regional. Concluímos o capítulo apresentando nossa proposta

sobre as perspectivas e possibilidades das redes regionais como fórum de

articulação de todos os agentes sociais envolvidos com a produção dos

espaços turistificados. Avançamos propondo a rede regional como uma nova

possibilidade de instância de governança para o estabelecimento e para a

implantação das políticas de desenvolvimento turístico, tendo o processo em

andamento na região das Agulhas Negras como um exemplo a ser observado

e considerado com a devida atenção.

Por fim, nas nossas considerações finais, sintetizando o debate e

retomando as considerações dos capítulos iniciais, tecemos uma crítica aos

processos recentes de estabelecimento de políticas públicas direcionadas para

o ordenamento do desenvolvimento turístico no país, apontando o descaso

quase que total para com as outras dimensões do fenômeno turístico,

principalmente com a sua dimensão espacial. Apoiados na nossa proposta de

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23 que os espaços apropriados para o turismo são sempre marcados pela

descontinuidade territorial, indicamos a categoria do território-rede para a sua

análise, tanto no nível da escala local como micro-regional. Tendo em vista que

os agentes produtores daqueles espaços turistificados têm lógicas de

territorialização distintas, ora zonais ora reticulares e que não se prendem aos

limites político-administrativos dos municípios ou estados, indicamos que os

territórios-rede do turismo tendem, na atualidade, para a escala micro-regional.

Entendemos que, a partir dessa ampliação para a escala micro-regional, são

estabelecidas redes econômicas, sociais, políticas e culturais, que podem se

tornar uma nova estrutura organizacional de governança público-privada, mais

democrática e participativa para a gestão do desenvolvimento a nível nacional.

Concluímos, considerando que essa possibilidade de composição

de uma nova estrutura organizacional de governança a partir das redes

regionais de turismo, está fortemente apoiada na dimensão espacial do

fenômeno turístico, que precisa ser incorporada às políticas públicas. Para

tanto, urge que tais políticas contemplem explicitamente as territorialidades

estabelecidas nos espaços apropriados para o turismo por cada um dos seus

agentes sociais produtores.

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2 DO FENÔMENO SOCIOESPACIAL À ATIVIDADE ECONÔMICA D O TURISMO

Será o turismo um novo mal do século XXI, ou um elemento vital para a integração e o respeito entre os povos? Poderá trazer realmente benefícios aos residentes e real satisfação aos turistas e viajantes, ao lado de contemplar os interesses de todos os seus agentes? Poderá contribuir para a sustentabilidade em seu sentido amplo na prática? (REJOWSKI; SOLHA, 2002, p.112)

As características complexas do fenômeno turístico vêm sendo

motivos de observação e análises críticas desde o inicio do século XX.

Entretanto, por suas peculiaridades e por estar muito diretamente relacionado

com o movimento reprodutivo do capital, percebe-se nessa discussão certo

distanciamento da Academia. O aumento da produção bibliográfica e o

crescente número de encontros, congressos e eventos científicos, a partir da

década de 1980, não podem ser vistos como indicadores decisivos de um

aprofundamento dos estudos teóricos sobre o fenômeno do turismo. Somente

há poucos anos, os estudos e a reflexão sobre o campo do turismo vêm

merecendo alguma atenção dos acadêmicos, apesar de serem perceptíveis,

ainda, certas resistências quanto à validade desses estudos, principalmente no

campo das ciências sociais.

As primeiras investidas no estudo do turismo foram motivadas por

interesses econômicos e empresariais e tiveram na Alemanha, mas

especificamente em Berlim, seu local principal de ocorrência. Um dos primeiros

autores a se preocupar com esse estudo foi o austríaco Hermann von Schullern

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25 zu Schattenhofen que, em 1911, publicou a obra Turismo e Economia

Nacional. Em 1929, foi instalado na Faculdade de Economia da Universidade

de Berlim o Centro de Pesquisas Turísticas, cuja produção teórica passou a ser

denominada como corpo de doutrina da Escola de Berlim. Entre os autores

daquela Escola podemos destacar Robert Glücksmann, Wille Benscheidt,

Schrwink, Bormann, dentre outros. Apesar de seus conceitos limitados aos

aspectos econômicos do fenômeno turístico, a Escola de Berlim pode ser

considerada o ponto de partida para os estudos que contribuíram para a

formatação do referencial que hoje estrutura a teoria do turismo (FRATUCCI,

2000a).

Daquele momento até os dias atuais, as investigações sobre o

turismo avançaram de maneira significativa, mas ainda não o suficiente para a

estruturação de um corpo teórico consistente, ou de um paradigma aceito pelos

os acadêmicos envolvidos com o tema. A compartimentalização e o isolamento

dos estudos existentes, que dificilmente avançam para uma discussão

multidisciplinar, geram a compreensão fragmentada de um fenômeno

naturalmente complexo. Apesar dos diversos discursos que pregam a multi e a

transdisciplinaridade como métodos necessários, poucos são os estudos que

conseguem ir além dos limites das disciplinas isoladas, não contribuindo para a

formulação de uma teoria própria do turismo, como bem nos aponta C. Michael

Hall (20013):

A maioria das pesquisas nos periódicos de turismo implicitamente adota uma filosofia empírica-positivista [sic], particularmente na economia, gerenciamento, marketing e psicologia; dessa forma, a construção da teoria é pobremente formulada. (apud PANOSSO NETTO, 2005, p. 32).

O turismo é, por natureza, um fenômeno socioespacial que gera

experiências para o turista. Essas experiências (vivências) são frutos de uma

prática humana, onde o homem, por motivações as mais variadas, decide

afastar-se do seu local de residência habitual e, temporariamente, percorrer

3 HALL, C.M. Theory. In: JAFARI, J. (Ed.). Encyclopedia of tourism. Londres/Nova York: Routledge, 2000.

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26 outros trechos do espaço para depois retornar ao seu ponto de origem. Durante

seus deslocamentos, ele tem a oportunidade de vivenciar e experimentar

momentos únicos que vão ser incorporados ao seu ser histórico (PANOSSO

NETTO, 2005).

Ao considerarmos o turismo como um fenômeno complexo,

estamos propondo entendê-lo como jogo dialógico entre elementos, ações e

indivíduos que se complementam, concorrem e apresentam antagonismos

entre si (MORIN, 1987?). Tal jogo estabelece uma teia de ações, interações,

inter-relações e retroações que vão compor um sistema aberto. A partir de

encontros aleatórios (intencionais ou não) entre diversos agentes sociais surge

o fenômeno turístico. Essa desordem inicial vai ser transformada pelas

interações, entendidas como “ações recíprocas que modificam o

comportamento ou a natureza dos elementos, corpos, objetos ou fenômenos

que estão presentes ou se influenciam” (MORIN, 1987?, p.53). Tais interações

podem transformar-se em inter-relações que irão proporcionar o surgimento de

uma organização ou sistema, que pode ser considerado como uno e

homogêneo se analisado em toda sua amplitude, ou diverso e heterogêneo,

quando observado do ponto de vista de cada um dos seus constituintes.

(MORIN, 1987?, 1999a). Deve ser visto ainda como um “conceito não totalitário

e não hierárquico do todo, mas, ao contrário, um conceito complexo da unitas

multiplex, aberto às politotalidades”. (ibidem, p.264).

Nossa tentativa de apreensão da unidade global/complexa do

turismo somente é possível a partir do estabelecimento de múltiplos pontos de

vista que nos permitam observar e analisar o fenômeno de maneira mais

complexa. Cada ponto de vista (ou meta-ponto como nos indica MORIN,

1999b) pode nos levar a um viés do conhecimento do turismo, possibilitando a

compreensão de parte das suas variáveis, de suas inter-relações e de suas

implicações para a sociedade contemporânea. O somatório dos resultados das

análises de cada apreensão pode nos permitir uma visão mais ampliada do

fenômeno sem, entretanto, abarcar toda extensão de suas dimensões.

Nesse sentido, quando se opta por analisar e estudar o turismo

sob a ótica de um dos seus constituintes, a sua dimensão econômica,

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27 privilegia-se o caminho que leva ao entendimento de uma parcela reduzida da

sua unitas multiplex. Ainda hoje, os estudos predominantes sobre o turismo

baseiam-se nessa vertente metodológica empírico-positivista, indicada por Hall

(2001), o que nos parece plenamente compreensível, dada a importância da

atividade econômica gerada pelo turismo no mundo contemporâneo.

Para o sistema de produção hegemônico atual, estruturado no modelo do capitalismo pós-fordista de linhas neoliberais, o turismo revela-se uma ferramenta adequada para garantir a reprodução do capital e o aumento contínuo na geração de lucros financeiros. Entretanto, não é possível concordar com a leitura do turismo apenas pelo viés econômico que atende às necessidades prementes dos principais agentes sociais diretamente envolvidos (empresários, trabalhadores e governos), uma vez que essa é uma visão reducionista que deixa escapar implicações e consequências importantes para todos os envolvidos com o fenomeno turistico.

O turismo tem sido apontado como um dos indicadores mais

significativos para o entendimento dos movimentos sociais contemporâneos e

do fenômeno da globalização pelo qual o planeta passa na atualidade. Para

VERA et al., ele é parte importante nos processos de “globalização econômica

e de mundialização territorial” (1997, p.11), devendo ser entendido também,

como fator responsável pela construção de novos espaços regionais e de redes

de relacionamentos densas, gerador de impactos nas sociedades e nos

territórios do início do século XXI. Assim,

o turismo é um fenômeno e não uma indústria [como querem os defensores da sua vertente econômica]. Uma indústria pressupõe transformação de bens e nesse caso não se aplica ao turismo. A melhor forma de definir o turismo é utilizando o termo fenômeno, que significa a ação objetiva e intersubjetiva que se manifesta em si mesma, que pode ser apreendida pela consciência e que possui uma essência em si (PANOSSO NETTO, 2005, p.144).

A essa proposição de Panosso Netto podemos acrescentar a

idéia de que o turismo deve ser entendido e compreendido como fenômeno

fruto de uma prática social com fortes imbricações espaciais. Fenômeno social,

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28 pois sempre envolve pessoas (individualmente ou em grupos), e espacial, por

envolver sempre os deslocamentos e as ações daquelas pessoas pelo espaço

percorrido e visitado.

O turismo, visto como atividade econômica inserida no sistema

capitalista atual, revela-se prática bastante recente considerada por muitos, um

fenômeno típico da sociedade contemporânea, fruto da Revolução Industrial e

do processo crescente de urbanização do planeta. Podemos afirmar que, como

atividade econômica, o turismo tem suas origens nos séculos XVIII e XIX no

continente europeu, mais especificamente na sua parte mais ocidental

(Inglaterra e França). Entretanto, como fenômeno socioespacial, suas origens

são bem mais remotas na história da humanidade e envolvem questões

bastante diversas, tais como: a) a relação dialética tempo livre – tempo de

trabalho; b) os fatores motivadores dos deslocamentos temporários de

indivíduos ou de grupos humanos; c) o modo como esse viajante temporário

percebe e apreende as paisagens pelas quais circula; além de outras como

aquela que inclui a transformação das viagens temporárias dos turistas em

mercadoria, pelo capital, principalmente após o término da Segunda Guerra

Mundial, em 1945.

2.1 DA “GRAND TOUR” DA ARISTOCRACIA BURGUESA DO SÉCULO XVI AOS PACOTES POPULARES DO SÉCULO XXI

O hábito dos deslocamentos espaciais pode ser observado em

diversos momentos da história da humanidade, especialmente no hemisfério

ocidental do planeta. Na sua caminhada evolutiva, o ser humano começa como

nômade errante e, à medida que acumula conhecimentos sobre a natureza e

sobre ele mesmo, vai ganhando condições para se sedentarizar em alguns

pontos mais propícios para a sua sobrevivência. Inicialmente, sua luta volta-se

para a busca de alimentos e abrigo; depois, vai incorporando outros elementos

a essas necessidades básicas: o abrigo natural (grutas, cavernas) é

abandonado quando aprende a construir o seu próprio abrigo; o alimento cru,

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29 colhido diretamente da natureza, passa a ser transformado quando aprende a

cozinhá-los a partir da descoberta do fogo.

Esse ser nômade, em um lento processo de descobertas e

aprendizado, transforma-se no homem sedentário característico da nossa

sociedade atual, quando é possível vivermos sem sequer sair de nossas casas;

basta estar “linkado” às diversas formas de comunicação e tudo chega até nós,

física ou virtualmente. O processo civilizatório vai acrescentando mais e mais

necessidades à sobrevivência humana na terra. Cada nova descoberta, ou

nova invenção, traz com ela ansiedades, possibilidades e desejos de consumo

e de posse.

Nesse processo, os deslocamentos espaciais merecem ser

destacados, pois o homem nunca deixou de viajar, de percorrer territórios,

conhecidos ou desconhecidos, confirmando a importância da dimensão

espacial para a complexidade do fenômeno. Para Tuan,

El ser humano ha sido y continúa siendo profundamente inquieto. Por una razón u otra no se contenta nunca con el lugar en el que está. Se mueve [...]. Reflejan un sentimiento de descontento con el estado de cosas, el deseo de escapar. (2003, p.26).

A curiosidade e o instinto humano sempre incitaram a busca por

outros lugares diferentes, próximos ou distantes. A necessidade de saber o que

existe para além de uma simples montanha ou do outro lado de uma grande

massa de água, parece levar o homem a arriscar-se, afastando-se do seu

habitat natural para descobrir novos lugares.

O homem, desde que concluiu que gostava ou carecia de ampliar seu campo de ação, através de deslocamentos em busca de víveres, de aumento de território tribal ou reduto familiar, ou mesmo para saciar sua curiosidade a respeito do que o pudesse impertigar por causa da possibilidade de alguma nova existência além do horizonte conhecido, aprendeu a viajar. (FRATUCCI, 2000a, p.28).

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30

No entanto, o olhar do viajante para esses novos lugares

apresenta características diferenciadas nos diversos momentos da história. Ora

ele se revela como um olhar curioso e ansioso por novos conhecimentos, ora

indica o desejo de conquista e de posse de novos territórios, ora ele apenas

aponta para a vontade de “mudar de paisagem”; ou, como é comum

atualmente, indica o desejo de consumir, de ter. Segundo o sociólogo inglês

John Urry (1996), o viajante temporário possui um olhar próprio que ele

classifica como o “olhar do turista”. Entender como esse olhar se comporta e se

modifica, é fundamental para o aprofundamento dos estudos e das ações de

ordenamento dos espaços apropriados para o turismo, objeto central da nossa

pesquisa.

O turismo é de certa forma, conseqüência desses olhares

lançados pelos visitantes4 que, motivados por diversas razões e estímulos,

viajam apenas para desfrutar de novos lugares, sem um intuito financeiro ou

lucrativo.

Não existe um único olhar do turista enquanto tal. Ele varia de acordo com a sociedade, o grupo social e o período histórico. Tais olhares são construídos por meio da diferença. Com isso quero dizer que não existe apenas uma experiência universal verdadeira para todos os turistas, em todas as épocas. Na verdade, o olhar do turista, em qualquer período histórico, é construído em relacionamentos com seu oposto, com formas não-turísticas de experiências e de consciência social. [...] Esse olhar pressupõe, portanto, um sistema de atividades e signos sociais que localizam determinadas práticas turísticas, em termos de algumas características intrínsecas, mas através dos contrastes implicados com práticas sociais não-turísticas, sobretudo aquelas baseadas no lar e no trabalho remunerado (URRY, 1996, p.16).

A partir do proposto por Urry (1996), podemos reconstituir a linha

evolutiva do turismo pelos períodos históricos e mapear os diversos momentos

4 Para a OMT, viajante é “qualquer pessoa que viaje entre dois ou mais países ou entre duas

ou mais localidades em seu país de residência habitual”, enquanto os visitantes são “todos os tipos de viajantes relacionados ao turismo”, podendo ser classificados como turistas (aqueles que pernoitam pelo menos uma noite no local visitado) ou, excursionistas (aqueles que permanecem apenas por algumas horas no local visitado, sem pernoitar no mesmo). (OMT, 2001).

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31 do seu processo de apropriação dos espaços, sempre destacando as

imbricações territoriais que ele implica e resulta.

O homem, inicialmente nômade, lentamente foi levado a se

preocupar com os seus deslocamentos, prevendo seu tempo de duração, o

roteiro mais seguro e as maneiras como suprir suas necessidades básicas

durante a viagem. Acerenza (1991), Cunha (1997) e Padilla (1997), dentre

outros, enumeram uma série de evidências quanto à existência de viagens já

na Antigüidade. Para esses autores, as obras escritas por Homero, mostram

claramente o hábito dos gregos de viajar entre suas cidades, motivados por

suas práticas religiosas, por ocasião dos jogos devotados aos deuses, com

destaque para os Jogos Olímpicos. Outras comprovações da ocorrência de

viagens podem ser obtidas em diversos relatos de viagens remanescentes

daquele período histórico, especialmente nos escritos de Heródoto. Entre 160 e

180 a.C. o sofista Pausânias, como fruto de suas viagens, fez uma descrição

pormenorizada dos mais importantes sítios e monumentos da Grécia,

consolidados em dez livros sob a denominação “Descrição da Grécia”

(Periegesis Hellados). (GOELDNER et al, 2002).

Os Romanos, além de realizarem extensas viagens pelo território

do seu império, desenvolveram o hábito dos banhos termais e da construção

de villas em localidades próximas ao litoral ou de fontes hidrotermais. Eles

demonstravam, inclusive, preocupação com alguns elementos básicos para a

concretização das viagens de lazer e descanso: estradas calçadas, sistema de

comunicação e segurança e tinham consciência da existência de períodos de

tempo livre (o tempo do ótium, como veremos adiante) para alguns súditos do

Império, que precisavam ser “preenchidos” com atividades saudáveis e

prazerosas (ACERENZA, 1991). Sêneca já apontava que “os homens viajam

muito para diferentes espécies de lugar à procura de diferentes distrações por

serem volúveis, cansados de uma vida mansa, e por estarem sempre à procura

de algo que os iluda”. (apud URRY, 1996, p. 19).

Com a queda do Império Romano Ocidental no ano de 476 d. C.,

a insegurança gerada pelas invasões bárbaras no continente europeu levou a

uma retração no hábito das viagens, somente retomado séculos mais tarde

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32 pelos peregrinos, a partir dos seus deslocamentos em grupos, para os locais

sagrados como Canterbury, Santiago de Compostela, Jerusalém e Roma, sede

da igreja católica.

Ainda no período da Idade Média, o movimento das Cruzadas fez

ressurgir, no território europeu e no Oriente Médio, as viagens, contribuindo

para a revitalização do comércio e para o surgimento da atividade comercial da

hospedagem. Inicialmente, os viajantes eram recebidos nos mosteiros e nas

casas dos moradores dos locais de parada. Os ensinamentos cristãos

estimulavam a prática de receber o viajante cansado do seu percurso diurno

como um direito e um dever sagrado, que devia ser exercido sem nenhum tipo

de retorno ou interesse monetário. Já no século IV, há registros das primeiras

casas de refúgios e asilos denominados de xenodochias e hospitia, dentre os

quais. o mais famoso foi o Hospice du Grand-Saint-Bernard, construído em

962, nos Alpes franceses, na estrada que liga a Suíça (Valais) à Itália (Vale de

Aosta), local de origem dos famosos cães da raça São Bernardo, treinados

para localizar viajantes em dificuldades com a neve (CUNHA, 1997).

Contudo, o aumento do número de viajantes tornou difícil e caro,

tanto para os mosteiros quanto para os moradores, acomodar a todos. Para

atender ao crescimento da demanda por hospedagem, as tavernas começaram

a oferecer também esse tipo de serviço em troca de pagamento em moeda. O

novo negócio da hospedagem progrediu consideravelmente por toda a Europa,

especialmente na península italiana e na região montanhosa dos Alpes Suíços.

No ano de 1282, registra-se na cidade de Florença, a constituição da primeira

associação de estalajadeiros, com o objetivo de tornar o serviço de

hospedagem uma atividade comercial institucionalizada. No ano de 1290,

aquela cidade já contava com 86 pousadas licenciadas. (ACERENZA, 1991).

Seguindo o exemplo de Florença, Roma e Veneza também regulamentaram o

negócio de hospedagem na mesma época.

A partir do século XV, podemos perceber o surgimento de viagens

com motivações diferentes daquela dos peregrinos. Para Miguel Acerenza “no

período que se inicia no século XVI e que vai até quase meados do século XIX,

se estabelecem as bases do turismo moderno” (1991, v.1, p.56). Foi naquele

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33 período da história humana que teve início o hábito da grand tour, desenvolvido

para atender às demandas da aristocracia e da fidalguia inglesa para quem a

educação dos filhos deveria ser coroada com uma viagem por todos os lugares

cultos e importantes da Europa.

Segundo John Urry, “havia uma visualização da experiência da

viagem ou o desenvolvimento do ‘olhar’, ajudado e assistido pelo crescimento

de livros de orientação para turistas, que promoviam novos modos de ver”

(1996 p.19). Nessa fase, a viagem exercia papel fundamental para o acúmulo

de conhecimento dos jovens e no desenvolvimento de sua percepção de

mundo, semelhante ao que hoje conhecemos como viagens de intercâmbio,

bastante comuns entre os jovens de classe média e alta.

Inicialmente, a denominada grand tour clássica tinha uma duração

média de três anos e seu itinerário incluía uma demorada estada na França,

especialmente em Paris, seguida de visitas a Genova, Florença, Roma e

Veneza. O retorno era feito através da Alemanha e dos Países Baixos, via

Suíça. Com as descobertas de novas terras, os mais abastados passaram a

incluir nas suas grand tours, viagens às Américas, às Índias Orientais, ao

Extremo Orientem, ao Brasil, mais especificamente ao Rio de Janeiro e ao sul

da África. De um modo geral, a grand tour sempre era uma viagem individual e

personalizada (ACERENZA, 1991; URRY, 1996).

Para muitos autores e estudiosos, (FUSTER, 1974; ACERENZA,

1991; BENI, 2004; URRY, 1996; dentre outros) o inicio do turismo moderno

pode ser definido a partir do incremento do hábito da grand tour e,

principalmente, pelo surgimento do emprego do termo turista para designar os

viajantes temporários. O vocábulo inglês tour teria sido usado pela primeira vez

na Inglaterra, em 1760, conforme registro da edição de 1850 do The short

Oxford English dictionary.

O que observamos naquele momento da história, foi o surgimento

da percepção da viagem como momento de aprendizado, de prazer e de

descanso, de certa forma retomando o sentido do lazer clássico (shkolé) dos

gregos. Até então, as viagens tinham motivações bem específicas, centradas

nas necessidades de trocas comerciais e da peregrinação. O olhar do viajante

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34 estava limitado pelas dificuldades da viagem. A partir da prática da grand tour,

aquele olhar ganhou outras dimensões passando a demandar diferentes

necessidades, além da simples hospedagem e da alimentação. Os viajantes

eram filhos de nobres acompanhados por seus preceptores, motivados pelo

olhar da busca da confirmação e do aprofundamento do que havia sido

aprendido nos livros. Buscavam os museus, as galerias de arte, os

monumentos arquitetônicos da antiguidade clássica, mas também buscavam

os prazeres das tavernas e dos bordéis.

Paralelamente, no século XVI, verificou-se o renascimento do

hábito curativo e social dos banhos termais, já conhecidos e bastante

difundidos na Grécia Antiga e no Império Romano. Os médicos da época

passaram a recomendar os banhos termais para o tratamento de diversas

moléstias. Urry (1996) aponta para o fato de naquele século, terem surgidos

diversos balneários com objetivos medicinais. Segundo esse mesmo autor, o

mais antigo foi o de Scarborough, na Grã-Bretanha, cujas origens remontam a

1626, “quando uma certa senhora Farrouw notou uma fonte na praia” (URRY,

1996, p.34). Já Acerenza relata que “na primeira metade do século XVIII, Bath

e muitos outros centros termais contavam com uma boa atividade social e

atraíam as pessoas mais importantes da época. [...] Em meados do século

XVIII foram publicadas algumas teses sobre o uso da água do mar e isso

generalizou uma nova moda nas viagens” (1991, v.1, p.58), fazendo surgir os

balneários litorâneos da Inglaterra e da França.

É oportuno destacar que os balneários termais ou marítimos

contribuíram sobremaneira para uma mudança na forma de percepção dos

viajantes para os locais visitados. Além disso, a retomada do hábito do banho

de mar vai re-funcionalizar diversos trechos do litoral europeu, principalmente

da Inglaterra e do sul da França, a partir de um dos mais antigos processos de

turistificação do mundo ocidental. Naquele momento, o olhar do turista torna-se

mais ampliado e voltado para buscar objetos e sensações diferentes daquelas

que vivenciava na sua vida cotidiana. A convivência nos espaços dos

balneários oferecia oportunidade de novas experiências urbanas, pois além dos

banhos medicinais, os visitantes eram brindados com bailes, passeios,

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35 bibliotecas, jogos e festas que lhes proporcionavam prazeres e entretenimentos

diferenciados. O balneário tornou-se o ponto de encontro da sociedade

moderna instalando um novo modo de olhar o mundo.

As transformações econômicas e espaciais provocadas pela

Revolução Industrial, no século XIX, deram origem a uma classe proletariada

que, por meio de lutas sociais, foi se organizando e adquirindo algumas

vantagens e alguns direitos sociais, tais como: diminuição da jornada diária de

trabalho, férias e fins de semana remunerados. É o momento do tempo livre,

liberado das obrigações do trabalho, se expandir e das atividades de recreação

se multiplicarem. Para Rodrigues (1997, p.38), “as razões dessa expansão são

complexas e derivam de fatores que atuam não de forma linear, mas de

maneira interativa no processo global, situando-se nos campos econômico,

social, psicológico, político, cultural, ideológico, além de outros”.

Essa nova classe média, com novos gostos e necessidades,

especialmente no que se referia às férias, favorecidas pelos rápidos progressos

ocorridos nos transportes, gerou um aumento considerável no número de

pessoas que viajavam buscando o descanso e o prazer. O viajante individual

característico de até então, foi sendo substituído pelo turista da sociedade de

consumo emergente, que passou a viajar em grupos e para locais onde podia

desfrutar da companhia de outras pessoas do mesmo nível social. Os

balneários vão se expandindo e ganhando feições mais complexas, tanto em

temos de infra-estrutura como em relação aos serviços oferecidos aos

visitantes. Conseqüência dessa tendência, em 1824, funda-se nos Estados

Unidos, Atlantic City, primeiro centro turístico de férias e praia das Américas,

situada próxima a Nova York e ponto terminal da Companhia Camden and

Atlantic Railroad. (ACERENZA, 1991).

Levadas pelo ritmo rápido e estressante das suas rotinas urbanas

diárias, as pessoas buscavam romper o ciclo vicioso viajando,

temporariamente, para fora do seu lugar cotidiano. Segundo Urry, “tais práticas

envolvem o conceito de ‘afastamento’, de uma ruptura limitada com rotinas e

práticas bem estabelecidas da vida de todos os dias, permitindo que nossos

sentidos se abram para um conjunto de estímulos que contrastam com o

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36 cotidiano e o mundano” (1996, p.17), conceito bastante próximo daquele de

escapismo, proposto por Yi-Fu Tuan (2003).

O aumento do tempo livre, aliado aos grandes avanços

tecnológicos dos sistemas de comunicação e de transportes, deu origem ao

que chamamos de turismo de massa, expressão mais marcante do turismo

moderno. A viagem deixa de ser privilégio da classe mais abastada para tornar-

se mais acessível a um número crescente de pessoas:

Antes [...] do século XIX, poucas pessoas que não as das classes superiores realizavam viagens para verem objetos, motivadas por razões que não dissessem respeito ao trabalho ou aos negócios. É isso que constitui a característica principal do turismo de massa das sociedades modernas, isto é, boa parte da população, a maior parte do tempo, viajará para algum lugar com a finalidade de contemplar e ali permanecer por motivos que, basicamente, não têm ligações com seu trabalho. [...] A viagem é a marca do status. É um elemento crucial, na vida moderna, sentir que a viagem e as férias são necessárias (URRY, 1996, p.20).

Para Jost Krippendorf, as características do cotidiano da

sociedade moderna – trabalho cada vez mais mecanizado, fragmentado e

determinado fora da esfera da vontade do indivíduo – criam uma sensação de

monotonia, de repressão dos sentimentos, de isolamento e, “geram o stress, o

esgotamento físico e psíquico, o vazio interior e o tédio [...]. Para encontrarmos

uma compensação a tudo que nos falta no cotidiano [...] viajamos [...]. Com

efeito, viajamos para viver, para sobreviver” (1989, p.17). Para o citado autor, o

grande êxodo das massas que caracteriza a contemporaneidade é resultado

das condições geradas pelo desenvolvimento da sociedade industrial.

As transformações nos espaços urbanos da Europa no século

XIX, provocadas pelo rápido crescimento das cidades, contribuíram para um

processo de segregação social. A pouca oferta de espaços públicos como

praças e parques e de raras oportunidades para recreação e lazer, obrigaram

as comunidades de classes trabalhadoras a buscar alternativas para a

ocupação do seu tempo liberado do trabalho, especialmente nas áreas rurais

situadas nos arredores dos centros urbanos. Além disso, o espírito romântico

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37 dos séculos XVIII e XIX estimulou uma reavaliação nos valores sociais e fez

surgir uma nova maneira de olhar para o mundo. O estímulo às emoções e às

sensações levou a uma valorização das paisagens naturais, só possíveis de

serem contempladas fora das cidades, conduzindo ao desenvolvimento do

“turismo de paisagem” (URRY, 1996), tão caro aos românticos e aos

parnasianos.

O surgimento e o crescimento do turismo de massa tiveram como

pré-condição a grande melhoria dos meios de transportes, especialmente do

transporte ferroviário. O ano de 1841 é considerado por muitos como o marco

inicial do turismo moderno: naquele ano, Thomas Cook realizou a primeira

excursão em grupo organizada e, anos depois fundou, na Inglaterra, a primeira

agência de viagens do mundo, a Thomas Cook and Sons, enquanto Henry

Wells criava a American Express Company, nos Estados Unidos. Na mesma

época, surgiu na cidade do Porto (Portugal), a agência de viagens Abreu.

Essas três instituições, dentre outras, continuam em operação, tendo sido

responsáveis pela implantação de muitos dos aspectos operacionais da

atividade turística, como os vouchers e as reservas antecipadas.

As diferenças nas facilidades de deslocamento e o tempo de

viagens entre as cidades industriais e os balneários, proporcionados pela nova

malha ferroviária da Europa e, em especial, da Inglaterra, contribuíram para um

processo de diferenciação social desses balneários. Aqueles situados mais

próximos às cidades industriais, portanto, mais facilmente acessíveis,

ganharam um certo tom popular (como Brighton e Southend), enquanto outros,

localizados a mais de um dia de viagem, receberam um ar mais aristocrático e

reservado. Na realidade, a diferenciação social percebida nos lugares turísticos

de massa, surgidos a partir do século XIX, não foi definida somente pela

questão da facilidade de transporte e de acesso. Porém, temos que concordar

que a acessibilidade foi e ainda continua sendo, um dos fatores mais decisivos

para a diferenciação e segmentação dos destinos turísticos, aliada à

composição fundiária das áreas turísticas. Nas áreas onde predominam as

grandes propriedades tende-se à implantação de grandes empreendimentos de

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38 luxo, enquanto naquelas onde a posse da terra é mais fragmentada, há uma

tendência para estabelecimentos menores e mais populares (URRY, 1996).

Podemos observar tal diferenciação ao analisarmos as

características de ocupação turística do litoral do estado do Rio de Janeiro. No

litoral sul, onde predominam as grandes propriedades privadas, desenvolve-se

um turismo mais elitizado, concentrado em mega-resorts, bastante estimulado

pelo primeiro plano de desenvolvimento turístico ocorrido no país, na década

de 1970 (Projeto Turis). Já no litoral norte, conhecido como Costa do Sol (ou

região dos Lagos), onde a divisão fundiária foi bastante intensificada depois da

construção da ponte Rio-Niterói, observa-se um turismo mais popular,

estruturado na prática da segunda residência (veraneio), em pequenas

pousadas e hotéis mais simples.

Paralelamente ao crescimento dos balneários, no século XIX,

verificou-se um crescimento acelerado do fluxo de grupos de turistas ingleses

para viagens pelo continente europeu. Esse movimento, que pode ser

entendido como uma popularização das viagens do grand tour, fez surgir os

primeiros hotéis com características atuais (quartos privados, banheiros

individuais, etc.), especialmente na Suíça: Baden, Interlaken, St. Moritz

(CUNHA, 1997), que rapidamente ganharam reputação de pontos de encontros

internacionais. São dessa época algumas das cadeias internacionais de hotéis

mais tradicionais, como a Pullman e a Ritz.

Na virada do século XIX para o século XX, as dimensões

econômicas do turismo já eram significativas e suas receitas beneficiavam as

balanças de pagamentos de alguns países como a Itália. Segundo o estudioso

português, Licínio Cunha, “em 1912, as receitas turísticas italianas cobriam já

mais de 54% do défice da balança comercial e, no ano seguinte, a França

financiava em cerca de 49%, também o défice da sua balança comercial com

as receitas turísticas” (1997, p.66).

As primeiras décadas do século XX, conhecidas como Belle

Époque, provocaram profundas alterações no cenário econômico, social e

político mundial. As grandes descobertas como o telégrafo e o telefone, a

expansão da rede de rodovias e ferrovias e o desenvolvimento industrial dos

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39 Estados Unidos trouxeram consigo novos conceitos de vida e uma maior

liberalização das sociedades.

Os principais destinos turísticos concentravam-se nas estâncias

termais (os já famosos balneários), nas estâncias climáticas de montanha

(Suíça) e nos balneários marítimos que, graças ao lançamento da helioterapia,

ganharam força e se desenvolveram principalmente, no litoral do Mar

Mediterrâneo (Biarritz, Riviera Francesa, Riviera Italiana). O desenvolvimento

da aviação comercial (em 1918 surgiu a Deutsche Lufthansa na Alemanha e,

em 1926, a Varney Airlines, nos Estados Unidos) e da indústria automobilística,

sinalizava para um crescimento acentuado dos fluxos de viagens internacionais

que, entretanto, foi interrompido pela eclosão da II Guerra Mundial.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os países europeus

buscaram novas formas de financiar as suas reconstruções e o turismo ganhou

lugar de destaque como estratégia de desenvolvimento rápido e estimulador de

entrada de moedas estrangeiras. Licínio Cunha, reconhecendo a importância

do turismo para a economia mundial a partir do final da Segunda Guerra,

propõe dividi-lo em três períodos pós-guerra: entre 1945 e 1973, 1973 a 1990 e

depois de 1990 (CUNHA, 1997).

Com a entrada em vigor, em 1944, dos artigos 5º e 6º da

Convenção de Chicago sobre os diretos de vôos nos serviços internacionais

regulares e não regulares, e com o Acordo Multilateral sobre Direitos

Comerciais dos Serviços Aéreos não Regulares na Europa, em 1956, a aviação

internacional adquiriu um patamar de regulamentação que permitiu seu

crescimento seguro e acelerado e o surgimento das viagens do tipo “tudo

incluso”, organizadas pelas operadoras de turismo. (ACERENZA, 1991).

No plano econômico, no primeiro período, compreendido entre

1945 e 1973, verificou-se um desenvolvimento inédito, com o alargamento da

divisão internacional do trabalho, o crescimento acelerado das trocas

internacionais e a emergências das grandes empresas multinacionais.

Politicamente, a Europa foi dividida em dois blocos bastante distintos: a Europa

Ocidental e a Europa do Leste.

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Por sua vez, no âmbito do turismo, iniciou-se a fase da oferta de

produtos de massa, estruturados em torno do avião fretado (charter) e das

grandes cadeias de hotéis. É a fase do turismo do sol e mar, caracterizado

pelos três S: sun, sea and sand, que, posteriormente, foi acrescido de um outro

S, de sex. Os grandes destinos turísticos concentravam-se especialmente na

Europa, mais especificamente no litoral do Mediterrâneo e na América do Norte

(Miami, Acapulco, Atlantic City etc.).

Importante destacar que no primeiro período, o turismo era

compreendido pelas grandes organizações internacionais como aquele que

ocorria entre os países. O turismo interno (também conhecido como turismo

doméstico), compreendido pelos fluxos gerados pelas viagens realizadas

dentro dos países era visto como um subproduto do turismo internacional e

sem grande importância tendo em vista que não gerava entrada de divisas

estrangeiras (CUNHA, 1997).

O turista daquela época tinha um olhar que buscava

essencialmente a oportunidade de isolar-se em um lugar paradisíaco,

distanciado de qualquer contato com as culturais locais. Foi o momento dos

hotéis fechados, tão bem exemplificados pelo modelo proposto pela cadeia

francesa Club Med, com serviços padronizados e características construtivas

que evocam aquelas dos chalés das distantes ilhas do Pacífico (Taiti, em

especial). O turista adquiria um pacote fechado, que lhe dava direito a uma

temporada em uma ilha tropical qualquer, onde teria sol e praia à vontade.

Apesar de ser menos elitizado que o turismo do século XIX, ainda era restrito

àquela porção da sociedade com poder aquisitivo mais alto e a uma pequena

parcela ascendente da classe média dos países centrais. O processo de

apropriação do espaço para o turismo caracterizava-se pelo surgimento dos

chamados “espaços de exclusão” ou “não-lugares”, onde o turista não tinha

nenhum contato direto com as populações permanentes locais.

Com a crise econômica da década de 1970, conhecida como a

“crise do petróleo”, o crescimento econômico mundial desacelerou-se

rapidamente e as tensões políticas internacionais diminuíram as taxas de

crescimento do turismo mundial. O endividamento externo da maioria dos

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41 países abalou os fundamentos do sistema financeiro mundial (CUNHA, 1997).

Por outro lado, o movimento ambientalista trouxe à tona a questão sobre o

modelo de crescimento adotado pelos países mais desenvolvidos e seus

reflexos para o meio ambiente do planeta. Segundo aquele movimento, o

excesso de consumo estava levando a um rápido esgotamento dos recursos

naturais, devendo ser incluído nas grandes discussões políticas internacionais.

Nesse cenário de crise, o turismo passou por uma alteração

estrutural significativa e por uma redução no seu ritmo de crescimento,

entrando no segundo período indicado por Cunha (1997), que abrange o

interstício entre 1973 e 1990. As viagens tenderam a ficar mais curtas, tanto

temporal como espacialmente e os modelos de alojamentos buscaram fórmulas

mais econômicas. O turista tornou-se mais exigente e passou a buscar contato

mais direto com as comunidades visitadas, não querendo mais, tão somente, o

isolamento nos resorts luxuosos. Houve um desenvolvimento acelerado nos

equipamentos desportivos e de entretenimentos (parques temáticos,

especialmente) e no hábito do retorno constante aos mesmos lugares,

caracterizado pela residência de veraneio e pelos alojamentos do tipo time

sharing (tempo compartilhado), especialmente nas áreas turísticas localizadas

ao redor das grandes e médias concentrações urbanas.

Tais alterações estruturais valorizaram o turismo interno, que

passou a merecer a atenção tanto dos empresários como dos governos e que,

em alguns países, superou os fluxos internacionais. Atualmente, as estatísticas

da Organização Mundial do Turismo (OMT) indicam que para cada viagem

internacional ocorrem dez viagens domésticas. Os governos começam a dar

ênfase a planos e políticas de desenvolvimento mais direcionadas para atender

às demandas das viagens internas, apoiados na afirmação de que esse

movimento interno pode ser um grande estimulador da redistribuição da renda

e da diminuição das desigualdades sociais entre as áreas mais ricas e as áreas

mais pobres.

Academicamente, o turismo deixa de ser visto como um

fenômeno estritamente econômico passando a ser incluído como tema de

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42 estudo de outras disciplinas como a geografia, a sociologia, a antropologia e a

psicologia.

A nível (sic.) conceptual, passou a enfatizar-se menos o papel econômico do turismo no qual se tinha, até então, insistido em excesso para, igualmente, se atribuir importância ao seu papel social, político, ecológico, cultural e educativo o que levou a passar a considerá-lo como uma das componentes essenciais da vida do homem. Deixou de ser unidimensional para passar a ser multidimensional, na medida em que responde a uma multiplicidade de necessidades humanas e não apenas à melhoria do bem-estar material (CUNHA, 1997, p.70).

Como resultado da Conferência Mundial de Turismo, ocorrida nas

Filipinas em 1990, tem-se a divulgação da Declaração de Manilha que

recomendou aos países membros da OMT a adoção de modelos mais

coerentes com as tendências de desenvolvimento mundial. Tais modelos

pregavam a observância das questões ambientais, o respeito às diferenças dos

povos e nações, a criação de produtos segmentados e diferenciados e a

integração das comunidades locais em todo o processo de desenvolvimento

turístico. Aquela Declaração pode ser considerada o marco referencial do início

do terceiro período do turismo pós Segunda Guerra Mundial, proposto por

Cunha (1997).

Ao mesmo tempo, observa-se uma clara tendência por parte dos

turistas, para a procura de programas de férias que aliem atividades culturais e

desportivas que possam contribuir para o desenvolvimento humano e para o

alargamento do conhecimento. De certa forma, podemos dizer que é uma

retomada do conceito das viagens da grand tour, praticadas pelos jovens da

nobreza dos séculos XVI e XVII, que tinham nelas uma forma de

aprimoramento da sua formação cultural e educativa.

A partir de 1990, o turismo mundial vê-se afetado pelas mudanças

econômicas generalizadas por todo o planeta. Os altos índices de desemprego

provocados pela flexibilização da produção e do trabalho, as altas taxas de

inflação e a internacionalização do capital financeiro constroem um novo

cenário, no qual a atividade econômica do turismo deve-se encaixar.

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O fim do bloco de países de economias centralizadas e a abertura

da China para a entrada de visitantes abrem um novo e amplo mercado para o

turismo internacional, gerando uma profunda alteração na direção dos

principais fluxos internacionais de turistas. Antes concentrados para a Europa,

EUA, Caribe e Ilhas do Pacífico, os fluxos de visitantes dos últimos anos

voltam-se para os países do extremo oriente, com destaque para China, Índia,

Vietnã, Tailândia, Indonésia e os países do Leste Europeu, onde Polônia,

Hungria e República Tcheca têm atraído números crescentes e expressivos de

demanda internacional nos últimos anos, mantendo taxas de crescimento

superiores à média mundial (OMT, 2007).

Do ponto de vista da oferta, consolidou-se a prática das viagens

de menor duração direcionadas para pequenos grupos e com tratamento

personalizado. A segmentação das motivações atingiu alta sofisticação e cada

vez mais o mercado vem buscando criar condições para atender às exigências

mais específicas dos turistas. As pequenas agências de viagens estão

assumindo a função de operadoras e passando a oferecer um atendimento

individualizado, oportunizando pacotes de viagens únicos, adequados ao perfil

de cada turista potencial. Também os pequenos empreendimentos hoteleiros

ganham espaço, principalmente para os mercados internos e o movimento

alberguista retoma com força seu papel no cenário mundial. O olhar do turista

atual é aquele voltado para a fuga do cotidiano, para “escapar” da rotina

entediante ou massacrante imposta pelo trabalho, nem que seja por algumas

horas, como é o caso dos excursionistas. Como bem nos coloca Tuan (2003,

p.46): “La gente dice: estoy harto de este tiempo horroroso y de los agobios de

mi trabajo… me voy a Hawai”. O turista contemporâneo viaja com um olhar

que, de certa forma, busca uma volta à natureza, mas igualmente porque

deseja se destacar dentro do seu grupo social.

Os fortes apelos da mídia e os modismos criados por ela, as

facilidades de crédito, a elevação dos rendimentos de uma parcela maior da

população das cidades, tornaram o hábito de viajar quase que uma obrigação

social. A cada final de semana, feriado prolongado e nos períodos de férias

escolares, um número sempre crescente de pessoas saem para viajar. Nas

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44 áreas circunvizinhas das grandes concentrações metropolitanas, proliferam

oportunidades de hospedagem e entretenimento em áreas dotadas de algum

tipo de atrativo (praia, cachoeira, fazendas, montanhas), que atraem um fluxo

constante de visitantes, ávidos pelo lazer e descanso. O olhar do turista se

confunde com o olhar do consumidor; a qualidade da experiência é importante,

mas preponderantemente, a quantidade tem mais peso na hora da escolha.

Aonde ir, gastando menos e consumindo mais, parece ser o lema do viajante

atual.

Essas práticas, entretanto, não diminuíram o crescimento do

turismo de sol e praia, ainda responsável por pouco mais da metade das

viagens internacionais (OMT, 2007). Os resorts continuam se expandindo,

principalmente nos países em desenvolvimento da região tropical do planeta,

exigindo dos seus governos planos de desenvolvimento de infra-estrutura para

atrair o capital estrangeiro, como é o caso do Programa de Desenvolvimento do

Turismo (PRODETUR-NE), em implantação desde o início da década de 1990,

no litoral do Nordeste brasileiro. Por outro lado, atualmente é possível

identificarmos diversos tipos de resorts, voltados para o atendimento da

demanda de grupos oriundos de classes sociais distintas. Ou seja, há uma

tendência de popularização do turismo de sol e praia. A elite continua

freqüentando os seus resorts sofisticados e isolados em ilhas e penínsulas

paradisíacas, mas a classe média5 também pode usufruir desse tipo de produto

turístico, pagando menos e de forma facilitada, pelas suas viagens.

Dessa maneira é possível identificarmos pacotes turísticos de sol

e praia bastante elitizados, com preços não acessíveis à classe média, (caso

de Costa do Sauípe, na Bahia e de algumas ilhas da Micronésia e do Caribe), e

outros mais baratos e viáveis para a classe média. Os pacotes mais comuns

oferecidos para Cancun, no México, podem custar menos que alguns

oferecidos para determinados resorts brasileiros. É possível viajar para Bali

como turista “mochileiro”, a um custo accessível aos jovens da classe média

brasileira, ou como um turista vip e ficar isolado em um chalé construído sobre 5 Aqui entendemos classe média como aquela parte da população atual que, pelo aumento de

sua renda mensal, vem conseguindo ampliar seu poder de consumo. Seguindo as indicações das estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), seriam os componentes das classes B e C, com rendimentos superiores a quatro salários mínimos.

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45 as águas do oceano Pacífico, dentro dos limites de algum resort de uma das

grandes cadeias hoteleiras internacionais.

O aprofundamento no entendimento das mudanças nos diversos

olhares que o turista assume nas suas viagens, indica a necessidade de

avançarmos no estudo das relações que o turismo, como fenômeno

socioespacial e atividade econômica de destaque na contemporaneidade,

mantém com as manifestações do capital.

2.2 RELAÇÕES DO TURISMO COM AS MANIFESTAÇÕES DO CAPITAL CONTEMPORÂNEO: ÓCIO, LAZER E TEMPO LIVRE

O estudo do turismo contemporâneo está diretamente vinculado

ao estudo das manifestações do sistema do capital. Apoiados na premissa de o

turismo ter se tornado uma atividade econômica dinâmica, portanto uma

ramificação dentro do modo de produção capitalista, a partir das

transformações geradas pela Revolução Industrial, devemos buscar no

entendimento das inter-relações constituídas entre o fenômeno e a atividade os

elementos que nos permitirão compreender os seus processos de apropriação

dos espaços. Os processos de turistificação dos espaços são parte do

processo de reprodução do capital; sendo assim, as tentativas para

compreendê-los e de estabelecer algum tipo de (re) ordenamento para os

espaços turistificados devem, também, incorporar as dimensões e categorias

criadas e impostas pelo capital.

Essas dimensões do capital incorporadas pelo turismo podem ser

analisadas a partir do jogo dialógico estabelecido entre o tempo livre e do

tempo de trabalho, composto por um feixe de ações e interesses que se

complementam, se contradizem, ou simplesmente, concorrem num acontecer

simultâneo. Visto de modo simplista, no seu eterno movimento de reprodução,

o capital se apropria do tempo livre conquistado pelos trabalhadores, e o

transforma em tempo de consumo. A recreação, o lazer e a viagem passam a

ser vistos como necessidades essenciais do homem para a “auto-preservação

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46 e para o reconhecimento e admiração do grupo social no qual está inserido”

(RODRIGUES, 1997, p.39).

Analisada por esse ponto de vista, a lógica capitalista se reproduz

mais uma vez por meio do turismo: o turista viaja para recuperar energias, para

poder retornar ao seu cotidiano e continuar vendendo sua força de trabalho. E

mais, enquanto viaja consome os elementos disponibilizados para satisfazê-lo:

a paisagem, o clima, a cultura. Tão logo retorna ao seu dia-a-dia, o turista vê

ressurgir o desejo de viajar. Estabelece-se o ciclo vicioso característico da

sociedade moderna pós-fordista: trabalho-viagem-trabalho-viagem.

Trabalhamos, sobretudo, para podermos sair de férias e temos necessidade

das férias para podermos retomar nosso trabalho. Temos então, o “turismo

como terapia da sociedade, como válvula que faz manter o funcionamento do

mundo de todos os dias” (KRIPPENDORF, 1989, p.18).

Essa visão reduzida pode ser ampliada pelo estabelecimento de

outros pontos de observação do fenômeno turístico e das manifestações do

modo de produção, levando-nos a construir um corpo de conhecimento mais

denso e profundo a respeito do atual estágio de desenvolvimento do turismo e

das implicações nas áreas para ele apropriadas, portanto, turistificadas.

A discussão acerca do tempo livre e do tempo de trabalho vem

sendo objeto de estudos sociológicos bastantes intensos nas últimas décadas

e, segundo alguns autores (SONEIRO, 1991; PADILHA, 2000;

MASCARENHAS, 2006; dentre outros) existem diversas tendências

metodológicas e epistemológicas de abordagem do tema. O modo de produção

capitalista, desde a sua origem, alterou sobremaneira o significado da categoria

tempo, dividindo-o em duas categorias distintas: tempo dedicado ao trabalho e

tempo liberado do trabalho. As sociedades pré-industriais, estruturadas em

torno das atividades agrícolas, conviviam com uma noção de tempo natural

marcada pelas características do ciclo solar e das estações climáticas. O

tempo de ócio era determinado pela impossibilidade de tratar da terra, de

plantar ou de colher. A relação tempo e trabalho não era decidida pelo homem,

mas imposta pela natureza (SONEIRO, 1991). Já a sociedade surgida a partir

da Revolução Industrial, estabelece um tempo permanente de trabalho,

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47 ordenado pelo tempo do relógio, desarticulado do tempo natural. O trabalho é

cronometrado e remunerado pelo número de horas trabalhadas, marcadas pelo

“relógio de ponto”, transformando-se em valor central no novo sistema de

produção, apoiado pelo discurso construído a partir da ética protestante de

Weber, que previa “o trabalho como uma necessidade e um dever moral do

indivíduo para garantir o desenvolvimento harmônico da sociedade, estruturado

no princípio da acumulação” (ibidem, p.15).

Dessa forma, o entendimento ampliado do turismo, hoje, passa

pela compreensão desse jogo dialógico, estabelecido entre tempo livre e de

trabalho. Compreender o real sentido das categorias tempo livre, ócio e lazer

no contexto da sociedade contemporânea, revela-se tarefa obrigatória para tal

empreitada. Um dos primeiros autores a abordar essa temática foi Tornstein

Veblen que, em seus estudos sobre o comportamento da sociedade norte-

americana do século XIX, já enfatizava a importância da vida ociosa para o ser

humano:

Desde os tempos dos filósofos gregos até hoje, reconheceram os homens ponderados, como requisito de uma vida digna, bela ou mesmo virtuosa, que é preciso ter um certo ócio e estar livre de contato com certos processos industriais ligados às necessidades cotidianas da vida humana. A vida ociosa, por si mesma e nas conseqüências é linda e nobre aos olhos de todos os homens civilizados (VEBLEN, 1980, p.33)

É possível perceber que existe um ponto de consenso das

ciências sociais no entendimento de que vida, tempo e espaço mantêm entre si

um jogo imbricado e denso. Mede-se a vida pelo tempo, por diversas maneiras:

dias, horas, estações, fases (infância, adolescência, velhice). Para isso, foram

estabelecidos instrumentos diversificados e indicadores (relógios, ampulhetas,

faixas etárias). A vida, dividida em tempos, realiza-se necessariamente no

espaço e, dependendo do seu momento, ocupa partes desse espaço. Portanto,

de acordo com as etapas temporais da vida, o espaço é apropriado e dividido

pelo homem de modos específicos. O espaço do adulto é diferente do espaço

da criança, que por sua vez é diferente do espaço apropriado pelo adolescente

(PADILHA, 2000).

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No modo de produção capitalista, o tempo e o espaço são

apropriados pelo capital, que os divide de acordo com as suas necessidades

de acumulação e reprodução. Com exceção de algumas modalidades do tele-

trabalho, essa divisão do tempo é demarcada no espaço: o território do tempo

de trabalho é distinto do território do tempo livre. Cada um tem características e

regras de ordenamento diferenciadas, pelo menos em tese. Entretanto, no

atual estágio de flexibilização do modo de produção, há uma tendência para

que o território e o tempo do trabalho se superponham ao território e ao tempo

livre do trabalhador, invadindo até mesmo seu espaço doméstico. No

ordenamento dos espaços, esses territórios aparecem dialogicamente

misturados e são de difícil diferenciação. No caso dos espaços turistificados,

para alguns - os turistas - é o território do lazer, das atividades liberadas das

obrigações do trabalho. Para outros – empresários e trabalhadores – é o

território da produção e do trabalho. Nos territórios do turismo, produção e

consumo se misturam, no tempo e no espaço.

É possível identificarmos em diversos estudos sobre o turismo,

uma certa confusão entre as categorias lazer, ócio, tempo livre e tempo

liberado do trabalho. Muitos consideram como ócio todo o tempo não produtivo,

partindo de uma leitura estritamente produtivista. É importante que não se

misture o otium clássico dos romanos, que tinha sua antítese no nec-otium,

com o que hoje, classificamos de tempo livre ou lazer.

A idéia de skholé (lazer) dos gregos, em essência significava atos

de parar ou cessar ou ainda, “uma condição ou estado de isenção da atividade

produtiva ou, especificamente, ter tempo para si mesmo” (MASCARENHAS,

2006, p.77). O ócio clássico, sinônimo de lazer, estava diretamente relacionado

com a liberação de qualquer tipo de obrigação e com a dedicação ao

desenvolvimento físico e intelectual do homem, norteada pela idéia de

liberdade, de cultivo à beleza, à sabedoria e de outras virtudes. Ou seja, o lazer

não era o oposto de atividade, ele era o oposto de ocupação e trabalho,

entendidos como atividades desenvolvidas para se obter e/ou produzir alguma

coisa fora de si (COELHO, 2000). O lazer era o tempo social do não trabalho,

privilégio de poucos cidadãos da polis. Posteriormente, o ideal de skholé

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49 direcionou-se para schola, uma vez que o ócio era também o tempo da

formação do homem grego (MASCARENHAS, 2006).

Para os romanos o otium (ócio) era o oposto do nec-otium

(negócio). Enquanto este era o tempo do comércio, do exército e do governo, o

primeiro era o tempo de descanso do corpo e da recreação do espírito.

Importante lembrar que, naquele momento, o trabalho não era taxado como

algum ruim, punitivo ou desonroso. O ócio, visto como tempo de não trabalho,

serviu também para a imposição de uma política de controle da maioria da

população pelo imperador. Através da política do pannis et circens, que

oferecia às massas recreação na medida certa, os governantes despolitizavam

e afastavam os indivíduos das questões críticas, dando para eles mais controle

da situação (MASCARENHAS, 2006).

Na Idade Média, o ócio torna-se o ideal da nobreza, visto como o

tempo de nada fazer de produtivo. O trabalho era considerado indigno para os

nobres e motivo de repulsa e desinteresse, como bem nos mostra Tornstein

Veblen (1980) no desenvolvimento da sua teoria da classe ociosa, proposta no

final do século XIX. O ócio tornou-se o momento e a oportunidade de

demonstração das posses e das riquezas vistas como fatores que permitiam a

ociosidade. Paralelamente a esse ócio nobre, o ócio popular manifestava-se

como o momento do descanso, das comemorações e das festas religiosas,

sempre sob o controle rígido das regras da Igreja Católica.

Esse modo de ver o ócio sofre profundas transformações na idade

moderna: a reforma protestante passa a considerar o trabalho um fator

altamente positivo e o único caminho para se obter a liberdade. Sendo o

trabalho um esforço pessoal para o acúmulo de riqueza, conseqüentemente, o

ócio torna-se pecaminoso e motivo de críticas. Politicamente, a postura do

trabalho como algo digno e virtuoso trouxe consigo a justificativa para a

ascensão e reconhecimento da burguesia como nova classe social, cuja

riqueza fora acumulada a partir do trabalho, materializado no comércio.

No contexto da sociedade contemporânea, pós Revolução

Industrial, em que estamos inseridos, outros elementos foram incorporados ao

entendimento do ócio e do lazer. O ócio burguês gerado pelo aumento do

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50 tempo livre, entendido como o tempo liberado das obrigações do trabalho, foi

incorporado pelo sistema produtivo como uma espécie de estratégia de

controle dos trabalhadores, indicando a melhor e mais adequada maneira de

utilização do tempo de não trabalho. O tempo livre deve ser utilizado para a

recuperação das forças de produção, de modo a garantir a produtividade no

tempo de trabalho. Por isso, são recomendadas atividades que valorizem o

homem e que o afastem dos vícios, criando um “modo de vida burguês”

(MASCARENHAS, 2006).

Simultaneamente, o capital transforma esse mesmo tempo livre

em tempo de consumo, pela mercantilização do lazer. As atividades

desenvolvidas nos momentos de tempo liberado do trabalho são transformadas

em mercadorias que, para ser consumidas, precisam ser adquiridas com

dinheiro: a lógica capitalista incorpora o lazer (em todas as suas vertentes) sob

a forma de mercadoria. A filosofia desenvolvida por Henry Ford – fordismo – no

início do século XX, no interior dos Estados Unidos (Michigan), ao propor o dia

de trabalho de oito horas, remunerado a um valor de US$ 5 por hora, não

visava apenas a estimular a disciplina do trabalhador necessária para a

operação do sistema de linha de montagem de alta produtividade. Ela também

buscava:

dar aos trabalhadores renda e tempo de lazer suficientes para que consumissem os produtos produzidos em massa que as corporações estavam por fabricar em quantidades cada vez maiores. Mas isso presumia que os trabalhadores soubessem como gastar o dinheiro adequadamente (HARVEY, 1992, p.122).

Ford presumia que a regulamentação da economia traria consigo

a construção de um novo sistema social com valores morais diferenciados,

estruturados a partir da nova ética proposta pelo capitalismo.

As características do lazer e do ócio mostram-se plenamente

vinculadas com os diversos momentos da evolução humana, trazendo consigo

todas as contradições e condições de cada época e de cada momento, como

observa Mascarenhas:

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O ócio foi adquirindo novos e diferentes sentidos, conservando antigas significações e abandonando outras, até ter sua configuração radicalmente transformada, desdobrando-se no lazer. Ocorre que se o lazer, numa relação de ruptura e continuidade, nega e em certa medida incorpora o ócio, como a forma mais desenvolvida e atualmente dominante é, também, a mais complexa (2006, p. 93).

É importante reforçarmos a posição do afastamento do sentido

atual dado à categoria do lazer daquele dos tempos da Grécia Clássica. Se,

naquele momento histórico da humanidade, o termo skholé, estava relacionado

com o momento de crescimento e evolução do ser humano cultural e

socialmente, atualmente o lazer está mais relacionado com os momentos

liberados do tempo de trabalho que devem, e podem ser ocupados por uma

série de atividades, nem sempre relacionadas com a satisfação das

necessidades humanas e sociais ou com a emancipação dos indivíduos dentro

dos seus grupos sociais. O tempo do lazer traveste-se de tempo de consumo e,

como tal, passa a ser regulado pelas regras do sistema produtivo vigente.

Como ressalta Robert Kurz, o aumento do tempo livre “foi imediatamente

ocupado pela finalidade própria do capital: a indústria da cultura e indústria do

lazer [incluído aí o turismo] passaram a ocupar e a colonizar o tempo

penosamente conquistado e concebido fora do espaço funcional abstrato da

produção” (2000, p.42). Em outras palavras, como atividade que preenche

parcialmente o tempo liberado do tempo de trabalho, o lazer torna-se mais uma

mercadoria produzida pelo capital, incluída no rol das necessidades por ele

criadas para o homem contemporâneo.

2.3 DIALÓGICA DO TURISMO: FENÔMENO SOCIOESPACIAL E ATIVIDADE ECONÔMICA

O processo de apropriação do tempo livre pelo capital como

mercadoria na forma de lazer, traz embutido a transformação do turismo em

uma atividade econômica, geradora de produtos postos à venda. O turismo,

como fenômeno socioespacial sempre esteve relacionado com o tempo do ócio

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52 e do lazer. Portanto, composto por atividades não relacionadas com

remuneração, ele sempre ocorre nos momentos de tempo liberados do trabalho

e em espaços específicos, apropriados pelos seus diversos agentes sociais.

O hábito dos deslocamentos temporários do homem, motivados

por razões relacionadas às necessidades religiosas, ao desenvolvimento

sociocultural ou ao tratamento de saúde, tornou-se objeto de atenção dos

controladores do sistema de produção implantado a partir do século XIX e,

rapidamente, passou a ser mais uma forma de produção do espaço. As

necessidades de hospedagem, transportes, alimentação e entretenimento,

demandadas pelos visitantes durante as suas viagens, foram transformadas

em serviços que devem ser produzidos dentro das regras do sistema de

produção e remunerados como qualquer outro. Do fenômeno socioespacial

surge a atividade econômica, por muitos classificada como “indústria do

turismo”.

Neste ponto, podemos indicar um dos pressupostos básicos do

presente trabalho: o turismo contemporâneo é resultado da apropriação, pelo

capital, dos elementos constitutivos do fenômeno socioespacial das viagens

temporárias, que caracteriza o próprio modo de ser do homem. Esse processo

de apropriação do fenômeno fez surgir uma atividade econômica, imposta

como prática social e cultural essencial pelo paradigma do sistema social

vigente, que tornou o turismo em uma das manifestações mais visíveis da

sociedade de consumo atual, responsável pela diferenciação dos indivíduos

dentro dos seus grupos sociais. O ato de consumir turismo não é apenas

importante como atividade econômica, ele traz consigo uma simbologia de

aquisição de status dentro dos grupos sociais onde o turista se insere. No dizer

de Dias e Frutos:

El turismo como manifestación de nuestros hábitos del consumo, es uno de los mayores exponentes de la importancia social [...] del consumo. Las modas de donde se viaja y a donde no se viaja, que hacemos y que no hacemos durante nuestras vacaciones ha pasado a ser elementos básicos y estereotipos en los hábitos turísticos (DIAS; FRUTOS, 2003, p.28)

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Essa atividade econômica dinâmica e vital para muitos países,

estados ou províncias e municípios, sobrevive do consumo de trechos

privilegiados do espaço, os quais são apropriados pelos seus agentes sociais

dentro do que estamos classificando como processo de turistificação. O

processo de turistificação dos espaços, defendidos por autores como Knafou,

(1996) e Nicolàs (1989), dentre outros, compreende tanto o processo de

apropriação simbólica de trechos do espaço pelo turista (a partir de “olhares”

diferenciados social, política e culturalmente), como o processo de dominação

pelos agentes econômicos e pelos agentes de governo. Como veremos mais à

frente, para Knafou (1996), existem três possíveis agentes de turistificação dos

espaços: os turistas, o mercado (agentes de mercado) e os planejadores

(agentes do poder público).

Os espaços turistificados apresentam características de

ordenamento bastante específicas e vêm se tornando objeto de interesse e de

análise dos governantes que, em uma visão imediatista, estabelecem políticas

para a sua gestão visando exclusivamente ao aumento dos resultados

econômicos possíveis com a atividade, ignorando toda a complexidade do

fenômeno socioespacial que a determina. Tais políticas acabam por criar, no

médio e no longo prazo, distorções e impactos negativos, tanto para os turistas,

como para os próprios empresários e para as populações residentes naqueles

espaços, gerando a sua desvalorização e, na maioria das vezes, o seu

abandono gradual pelo mercado do turismo.

Como visto na primeira parte deste capítulo, a maneira como o

visitante olha para as paisagens e para os lugares visitados vem mudando ao

longo do tempo, conforme as características socioculturais de cada momento

histórico. Até meados do século XIX, era uma prática social restrita a uma

parcela bastante reduzida da população que conseguia reunir as três

características básicas para ser turista: tempo livre, poupança excedente e

desejo de viajar. Transformações socioculturais, econômicas e tecnológicas

como a implantação do trabalho assalariado, do tempo liberado do trabalho

remunerado (férias, finais de semana), o desenvolvimento tecnológico dos

meios de telecomunicações e de transportes, a mecanização dos processos de

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54 produção, a conseqüente diminuição nas jornadas de trabalho e o aumento do

tempo livre, além do grande apelo para consumo exacerbado, transformaram o

fenômeno turístico em uma importante atividade econômica para a sociedade

contemporânea; o hábito das viagens temporárias popularizou-se rapidamente,

até atingir o nível de uma prática de consumo de massa, que caracteriza nossa

sociedade atual.

O olhar do peregrino da Grécia Clássica e da Idade Média, que se

arriscava, viajando para satisfazer suas necessidades de fé, vai ser

transformado até atingir o olhar do turista consumidor atual, que deseja apenas

acumular produtos e símbolos para se destacar dentro do seu grupo social. O

consumo dos produtos turísticos traz consigo mais do que uma aquisição de

valor econômico; ele carrega o fato de ter se tornado “más una manifestación

del sistema de valores, de los patrones culturales de una colectividad” (DIAS;

FRUTOS, 2003, p.30).

O olhar do turista de nosso tempo busca mais que satisfazer suas

necessidades de consumo imediatas. Ele quer adquirir com as viagens signos

que vão diferenciá-lo socialmente, dando-lhe uma posição mais destacada

dentre seus pares. É a aquisição do valor simbólico dos lugares visitados que o

turista busca, mais do que a sua satisfação pessoal de descanso e lazer.

Tiram-se férias para descansar e recuperar as energias, mas no fundo o que se

busca é a aquisição de elementos carregados de simbologia, que elevem seu

status social. Muitas vezes, após as férias, o turista encontra-se mais cansado

fisicamente do que antes. Exemplo dessa busca pelos símbolos e signos

socialmente valorizados, são as intermináveis filas de congestionamentos de

veículos nas rodovias de acesso aos destinos turísticos definidos como “points

da moda”, a cada final de semana ou feriado prolongado. O desgaste físico e

psicológico gerado pelas horas de congestionamento nas viagens de ida e de

volta, justificam-se pelas horas de convívio com outros indivíduos do mesmo

nível social e com as mesmas ansiedades, no destino turístico procurado. O

turismo torna-se, na sociedade de consumo contemporânea, uma prática

social, econômica e cultural que colabora mais para o processo de

diferenciação social entre os elementos do mesmo grupo e entre diversos

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55 grupos sociais, que para a satisfação das suas necessidades de descanso e

recreação, afastando-se totalmente do conceito de lazer clássico.

A transformação do turismo, de prática social relacionada com o

lazer, o descanso, em oportunidade de aprender com o outro, para atividade

econômica de massa pode ser localizada no período do pós Segunda Guerra

Mundial. Apesar das indicações das primeiras concessões de férias

remuneradas remontarem ao final do século XIX, os trabalhadores não foram

imediatamente contemplados com ações voltadas para a operacionalização e

comercialização das viagens em escala ampliada. O turismo, até o período da

Segunda Guerra Mundial continuou sendo uma atividade típica da elite

burguesa, restrita a uma parcela minoritária da população mundial.

Somente nas décadas de 1950 e 1960, quando o mundo

presencia uma fase de grande crescimento econômico, especialmente na

Europa e nos Estados Unidos, com o desenvolvimento dos aviões com motor a

jato, foi possível aumentar consideravelmente o volume das viagens

internacionais, como se pode observar nos dados estatísticos disponíveis

(Tabela 1).

Tabela 1 – Evolução do total de chegadas internacio nais 1950 – 2005

Ano Total de chegadas de visitantes (milhões)

Aumento percentual médio anual

1950 25,2 --- 1960 69,3 10,6 1970 165,8 9,1 1980 286,2 5,6 1990 459,2 4,8 2000 689,2 6,0 2001 688,5 - 0,1 2002 2003

708,9 696,6

2,9 - 1,9

2004 765,5 9,9 2005 808,4 5,6 2006 842,0 4,5

2020(*) 1.604,0 --- Fonte: OMT e Embratur, 2007. (*) Previsão a partir de uma taxa anual de crescimento de 4% ao ano

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Esse crescimento acelerado do turismo mundial gerou uma nova

configuração geográfica para o mapa dos fluxos de viagens (Figura 2), onde

las áreas con mayor nivel de renta, una moneda más fuerte en su tipo de cambio y las necesidades de ocio, por ejemplo, relacionadas con sus condiciones climáticas (la búsqueda de litoral y sol), se convierten como decimos en emisoras de turistas y los espacios con características complementares, en receptoras. Especialmente los tres grandes “mediterráneos turísticos”: el Mediterráneo propiamente dicho, el Caribe y el sudeste asiático (VERA et al., 1997, p.8).

O processo de divisão internacional do trabalho, iniciado a partir

da Revolução Industrial, gerou um mapa desigual de distribuição das riquezas

produzidas, criando blocos econômicos bastante diferenciados apesar de todo

o discurso da globalização econômica e de mundialização territorial. O turismo,

na opinião dos geógrafos espanhóis articulados por J. Fernando Vera Rebollo,

participa “como conector en esta dinámica, agente de la globalización, y como

fenómeno relacionado en si mismo con el ‘achicamiento’ del mundo por los

flujos de personas que se mueven por motivos de ocio y negocios entre

ámbitos territoriales diferentes” (ibidem, p.9).

O negócio turístico, gerado pelo aumento expressivo dos fluxos

mundiais de viagens, cresce e complexifica o processo de produção de

serviços e instalações destinados a atender às necessidades dessa massa

crescente de visitantes. Esse crescimento quantitativo gera uma alteração

qualitativa na estrutura das viagens e dos destinos turísticos, transformando o

turismo em um dos setores econômicos mais dinâmicos e lucrativos da

atualidade, atraindo a atenção do grande capital internacional.

No final do século XX, a composição do mapa de fluxos de

viagens e de lazer ganha outra configuração, com a entrada de outras áreas

emissivas (países do Leste Europeu, Brasil, China, Austrália) e, principalmente

de novas áreas receptoras (Polônia, Hungria, China), ávidas por atrair parte

daqueles fluxos. No cenário do mundo globalizado, o turismo é visto por alguns

como um mecanismo possível para a redistribuição de renda entre os países e

áreas ricas e os países e áreas menos privilegiadas, na medida em que os

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Figura 1 –Distribuição dos fluxos e das principais áreas turísticas mundiais Fonte: elaboração própria, 2007

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58 turistas oriundos, na sua grande maioria, das primeiras levariam parte das suas

poupanças acumuladas, para consumir nas segundas.

Evidentemente, esse discurso não se sustenta na maioria dos casos

e somente serve para justificar as estratégias políticas de alguns lideres

interessados em aderir ao pacto neoliberal do sistema vigente. Na medida em que

o fluxo de capital está bastante internacionalizado e que a maioria das grandes

corporações está sediada nos países ricos, o dinheiro gasto pelo turista

praticamente não chega aos destinos turísticos, uma vez que o hotel pertence a

uma grande cadeia européia, a empresa aérea é americana, a operadora é

inglesa, e assim por diante. A maior parte do valor pago pelo pacote turístico

mantém-se nos limites dos sistemas financeiros das próprias áreas emissoras e

apenas uma pequena parcela é transferida para as áreas receptoras.

No jogo contraditório do negócio turístico atual, quem realmente

centraliza a lucratividade do setor são as suas mega-empresas transnacionais,

enquanto para as populações e o pequeno capital das áreas receptoras, restam

os pequenos negócios periféricos, em sua maioria, restritos à economia informal

(artesanato, gastronomia) e os empregos menos remunerados. Segundo o próprio

Ministério do Turismo, em seu relatório “Turismo no Brasil: 2007-2010”, com base

em estudos da Universidade de Brasília (UnB), para cada emprego formal no

setor turístico brasileiro correspondem outros três empregos na economia

informal.

O jogo dialógico existente entre o fenômeno turístico e a atividade

turística contemporâneos centraliza-se no estímulo ao consumo desenfreado

promovido pelo modo de produção e consumo atual. O turista já não viaja apenas

buscando conhecer lugares diferentes, onde possa descansar, relaxar e recuperar

suas energias. Ele ainda tem consigo aquele desejo de conhecer o novo, mas a

esse desejo ele acrescenta outro, criado e quase imposto pelo capital: o desejo

de adquirir mais status perante o seu grupo social. Seu olhar busca novas

paisagens, novas culturas, desde que elas possam lhe acrescentar um valor

simbólico maior. Ele precisa ver e, mas mais do que isto, ser visto pelos outros;

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59 precisa se mostrar, se expor e demonstrar que está consumindo o que há de mais

valioso para a cultura de consumo naquele momento.

Essas novas regras de consumo são as responsáveis pelo

surgimento daquilo que Milton Santos (1996) e Michael C. Hall (2001), dentre

outros autores, classificam como a “guerra dos lugares” do mundo

contemporâneo, promovida e estimulada pelas ações dos especialistas de

marketing, interessados em criar novas necessidades que justifiquem o consumo

de novos produtos. As cidades e os lugares passam a ser tratados como produtos

dentro da teoria conhecida como city marketing ou marketing place6 desenvolvida

inicialmente pelo especialista americano Philipp Kotler, segundo a qual “o

marketing de lugares significa projetar um lugar que satisfaça as necessidades de

seus mercados-alvo. Ele atinge seu objetivo quando cidadãos e empresas estão

satisfeitos com suas comunidades e atendem às expectativas de visitantes e

investidores” (KOTLLER et al., 1993, p.99).

Os destinos turísticos buscam oferecer sempre algo que os

destaquem e os diferenciem no contexto do mercado turístico:

El escenario de globalización actual nos ofrece una nueva geografía turística, donde hay más destinos compitiendo con productos similares y donde se tiende a buscar la diferencia entre espacios receptores por medio de la especialización de mayor valor agregado: turismos específicos y temáticos, relacionados fundamentalmente con la cultura, la naturaleza y el deporte, ya sea en ámbitos urbanos, de interior o litorales (VERA et al., 1997, p.9).

Essa busca pelo novo e diferente reordena seus espaços e

territórios, a partir de processos de turistificação constantes, que superpõem em

intervalos temporais cada vez menores, novos objetos ou novas funções para os

já existentes. A paisagem vista como resultado do acúmulo de tempos ganha um

dinamismo desenfreado que não permite a sua cristalização e,

conseqüentemente, o seu reconhecimento por parte dos seus habitantes

6 Expressões que vêm sendo traduzidas para a língua portuguesa como “marketing de lugares”

e “marketing de cidades”.

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60 permanentes. As paisagens transformam-se em produtos que mudam de acordo

com o desejo e a competição do mercado turístico internacional.

A atividade turística gerada por essa competição entre lugares e

cidades acelera o processo de (re) ordenamento dos espaços onde se instala a

partir da lógica de acumulação do capital (quase sempre externo), com o apoio

dos governantes locais, por meio de planos e políticas de gestão do

desenvolvimento, ironicamente encomendadas aos representantes daquele

mesmo capital. Esses planos e políticas, apesar de prometerem o

desenvolvimento turístico sustentável, quase sempre estão focados tão somente

em facilitar o jogo do sistema produtivo do capital, deixando de lado os outros

agentes sociais envolvidos no e pelo processo de turistificação de trechos do

espaço.

Desse contexto, surgem algumas questões para as quais estamos

buscando respostas nesse trabalho. Seria a atividade turística uma prática do

capital necessariamente perversa para com as comunidades das áreas

receptoras? O modelo de desenvolvimento turístico atual sempre é ruim para os

moradores dos destinos turísticos? Ou será possível, a partir da implantação de

práticas de gestão participativa da atividade turística que envolvam todos os

agentes sociais interessados no setor, instalar-se um processo de

desenvolvimento que realmente garanta o atendimento das necessidades de

todos eles, assegurando suas emancipações como indivíduos e grupos sociais ?

Caso a resposta desta ultima questão seja positiva, qual seria o melhor recorte

espacial para o seu ordenamento e gestão? E, principalmente, até que ponto a

dimensão espacial do fenômeno turístico vem sendo considerada pelas políticas

públicas e privada direcionadas para a gestão e o ordenamento do

desenvolvimento do setor?

Para tal empreitada, iniciamos nossas pesquisas pelo estudo dos

processos de turistificação do espaço, buscando as suas incongruências, suas

formas e suas categorias de análise, com ênfase no método bastante utilizado até

agora estruturado no binômio região-regionalização. Sem nos afastarmos da

objetividade crítica, pretendemos demonstrar que o turismo é um dos setores

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61 mais significativos do atual momento da sociedade humana, tanto do ponto de

vista econômico como do ponto de vista social e cultural, sendo um dos

responsáveis pela sua transformação e, especialmente, dos seus territórios.

Entendemos que, qualquer que seja a proposta de desenvolvimento

estruturada a partir das possibilidades da atividade turística contemporânea, a

dimensão espacial que norteia o fenômeno turístico precisa ser considerada e

contemplada. O turismo, como orienta Morin, deve ser observado como uma

“unidade complexa” num processo em que “não podemos reduzir nem o todo às

partes nem as partes ao todo, nem o uno ao múltiplo nem o múltiplo ao uno”. Ele

precisa ser apreendido pelo conjunto, simultaneamente de forma complementar e

antagônica, onde as relações entre as partes e o todo são fundamentais, pois é a

partir delas que poderemos captar “as qualidades e as propriedades de novas

emergências da organização e da unidade complexa” (MORIN, 1987?, p. 103).

É a partir da dimensão espacial do fenômeno turístico que nos

parece possível a inclusão das diversas lógicas de cada agente social do turismo

nas políticas públicas e privadas direcionadas para o ordenamento do

crescimento do setor, de modo a garantir o atendimento das necessidades,

ansiedades e desejos de cada um daqueles agentes.

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3 BASES TEÓRICAS PARA A REFLEXÃO DOS PROCESSOS DE TURISTIFICAÇÃO DO ESPAÇO

Num mundo globalizado o turismo apresenta-se em inúmeras modalidades, sob diversas fases evolutivas, que podem ocorrer sincronicamente num mesmo país, em escalas regionais ou locais. Expande-se em nível planetário, não poupando nenhum território [...]. É certamente um fenômeno complexo, designado por distintas expressões: uma instituição social, uma prática social, uma frente pioneira, um processo civilizatório, um sistema de valores, um estilo de vida – um produtor, consumidor e organizador de espaços – uma “indústria”, um comércio, uma rede imbricada e aprimorada de serviços. (RODRIGUES, 1996, p.17-8).

Entendido como fenômeno socioespacial contemporâneo gerador

de uma atividade econômica dinâmica, o turismo provoca transformações

significativas nas estruturas ocupacionais das populações residentes nas áreas

onde ele se manifesta, desde o abandono das atividades primárias (pesca,

agricultura e pecuária), substituídas por aquelas do setor de prestação de

serviços, até a migração de trabalhadores de outras áreas e a construção de

empreendimentos direcionados para as funções de lazer e recreação. No dizer

de Nicolas (1989), o processo de turistificação dos espaços implica na

substituição da lógica da produção (esfera do trabalho) pela lógica do lazer

(esfera do lazer); para nós não há uma substiuição e sim, um amálgamação

das duas lógicas

Todas essas transformações afetam sobremaneira o

ordenamento dos espaços apropriados pelo turismo, podendo gerar

conseqüências negativas como o crescimento urbano caótico, a eliminação das

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paisagens naturais, a construção de paisagens artificiais destacadas dos

valores, símbolos e mitos locais7. Além disso, pode ocasionar o aparecimento

de conflitos internos nos grupos sociais locais e, também, nas suas relações

com os visitantes e com os agentes do mercado que ali se instalam para operar

a atividade econômica gerada. Contraditoriamente, para a própria continuidade

da atividade turística, essas conseqüências negativas não são bem-vindas, na

medida em que ajudam a afastar os visitantes, o que diminui a produtividade do

setor, o número de empregos gerados e a arrecadação de impostos.

A atividade turística compõe um setor econômico que vem

apresentando taxas de crescimento bastante significativas nos últimos anos,

em especial naqueles países classificados como emergentes, periféricos ou em

desenvolvimento, incluindo o Brasil. Por tal vigor econômico, tem merecido

lugar de destaque nas políticas nacionais de muitos países, graças aos efeitos

multiplicadores positivos possíveis para suas economias, principalmente no

que concerne ao equilíbrio das contas de suas balanças de pagamentos, dado

funcionar como um setor de exportação bastante ágil e flexível.

With 842 million arrivals and a 4.5% growth rate, 2006 exceeded expectations as the tourism sector continued to enjoy above average results, making it a new record year for the industry. The latest UNWTO World Tourism Barometer figures suggest that 2007 will consolidate this performance and turn into the fourth year of sustained growth. […]One of the features of 2006 has been the continued positive results of emerging destinations, underscoring the links to economic progress. As one of the most dynamic economic sectors, Tourism has a key role among the instruments to fight against poverty, thus becoming a primary tool for sustainable development […] Africa has outpaced all other regions with almost twice the rate of global growth reaching 8.1% in 2006, following an already strong 2005. This star performance was led by Sub-Saharan Africa (+9.4%), while North Africa (+5.8%) also ended the year above average. Major destinations such as South Africa, Kenya and Morocco all continued to post excellent results.

7 É comum observar nas áreas turísticas a criação de estilos arquitetônicos que parecem

remeter às características construtivas de um passado local que nunca existiu. A arquitetura no estilo enxaimel de Blumenau foi “inventada” durante o processo de reconstrução da cidade após uma grande enchente no inicio da década de 1970. As autoridades municipais, a partir de uma estratégia de desenvolvimento baseada no turismo, deram diversos incentivos fiscais para que a população adotasse aquele estilo nas suas fachadas, de modo a criar uma paisagem que atraísse e deslumbrasse os visitantes.

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Asia and the Pacific (+7.6%) was able to maintain its extraordinary growth level, both due to the recovery of Thailand and the Maldives from the impact of the December 2004 tsunami, as well as remarkable performances from emerging destinations in the region – international tourist arrivals in South Asia grew by 10%, boosted by India, the destination responsible for half the arrivals to the sub-region. Europe performed on target last year (+4%). Germany took advantage of the Football World Cup 2006, while Italy had a strong comeback. Spain 's solid results also contributed to the generally positive outcome. In the Middle East, international tourist arrivals are estimated to have risen by 4% in 2006, after the bumper years of 2004 and 2005, and in spite of the overall geopolitical situation, the Israel-Lebanon crisis in particular. Although the Americas 2% growth might seem disappointing at first, regional results vary considerably. The rise in the USA was not sufficient to compensate for the weak development in Canada and Mexico. On the other hand, the results from Central (+6.1%) and South America (+7.2%) show how Latin America is on track to consolidating the positive outcome of recent years: Chile, Colombia, Guatemala, Paraguay and Peru all grew at double-digit-rates (OMT, 2007).

A entrada de moeda forte e a geração de empregos em prazos

menores vêm sendo utilizados como justificativa para investimentos cada vez

maiores em ações de marketing e de fomento por parte de governantes, que

têm elegido o desenvolvimento turístico como uma alternativa estratégica

prioritária nos seus planos de governo. Ao poder público, como agente

articulador e normatizador dos processos de ocupação e (re)ordenamento dos

seus territórios, caberia estabelecer políticas públicas que definissem as

diretrizes para tais processos, preferencialmente ouvindo os demais agentes do

turismo, incluindo as representações das populações residentes nas áreas

receptoras.

De um modo geral, as políticas públicas de gestão do turismo

editadas pelas diversas instâncias governamentais brasileiras nos últimos

anos, seguindo o paradigma da teoria do marketing de lugares de Kotler

(1993), têm se norteado apenas pelas dimensões econômicas e

mercadológicas do setor, deixando de fora dos seus estudos e estratégias

outras dimensões dessa prática social que repercutem, sobremaneira, no

cotidiano das áreas receptoras e das áreas emissoras. Entre as dimensões do

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turismo não observadas está aquela relacionada com a sua espacialidade.

Como visto no capítulo anterior, na sua essência, o turismo constitui-se no

deslocamento de indivíduos pelo território, sozinhos ou acompanhados, sempre

em movimentos de ida e volta, portanto temporários. É essa mobilidade

espacial que mais o caracteriza e que o torna um dos fenômenos mais

marcantes das sociedades atuais.

Confirmamos aqui uma incoerência nas políticas públicas

direcionadas para o turismo. Os gestores públicos vêm se apropriando apenas

do turismo como atividade econômica, deixando de lado, total ou parcialmente,

as outras dimensões do fenômeno socioespacial. Conseqüentemente, os

estudos e as diretrizes políticas (públicas e privadas) resultantes abrangem

unicamente as variáveis econômicas da atividade, não contemplando suas

variáveis espaciais, culturais e sociais. O espaço é compreendido e citado

apenas como suporte e matéria prima para a atividade econômica, tornando-se

bastante visível a priorização, nas políticas do setor, dos interesses de apenas

um dos agentes do turismo, os empresários. Os demais agentes (turista, poder

público, trabalhadores e comunidade receptora) não vêem seus interesses e

necessidades contemplados diretamente, mesmo quando os discursos

apontam para isso.

Para a construção de um referencial teórico que nos apóie em tais

afirmações, optamos por iniciar pela recuperação de diversos enfoques que

vêm sendo adotados nos estudos acadêmicos voltados para questão da

apropriação do espaço para o turismo. Pesquisas bibliográficas e experiências

profissionais pessoais nos permitem mapear os principais estudos

desenvolvidos nas últimas décadas e, a partir da sua análise, confirmar o ponto

central da nossa tese: a dimensão espacial do turismo vem sendo

sistematicamente relegada ao segundo plano na construção das políticas

públicas brasileiras recentes, o que tem impedido o aproveitamento de diversas

oportunidades e possibilidades que o desenvolvimento do setor poderia trazer

para o país.

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3.1 TURISTIFICAÇÃO8 DOS ESPAÇOS PARA O TURISMO

A turistificação intencional e ordenada de trechos do espaço teve

grande impulso a partir do final da Segunda Guerra mundial, quando dirigentes

de diversos países, inicialmente europeus, perceberam a oportunidade de

melhorar suas balanças de pagamentos proporcionada pela entrada de um

número maior de turistas estrangeiros. Para estimular o crescimento dos fluxos

de visitantes, começaram a desenvolver projetos urbanísticos de grandes

proporções, preparando determinadas áreas para exercer a função de centros

turísticos, com infra-estrutura urbana, hoteleira e de entretenimento

condizentes com as demandas dos visitantes, conforme veremos no capítulo

seguinte.

Os estudos sobre esses processos de apropriação do espaço

para o turismo vêm merecendo a atenção de muitos estudiosos desde a

primeira metade do século XX, destacando-se entre eles Christaller (1955),

Miossec (1969), Knafou (1969), Nicolas (1996), Pearce (1987), Boullón (1985)

e Vera (1997). Enquanto os três primeiros e Vera desenvolveram suas

pesquisas tendo como objeto empírico de análise o turismo no continente

europeu (Alemanha, França e Espanha), Nicolas elaborou suas ponderações

sobre a turistificação dos espaços com base na observação e na análise do

desenvolvimento do turismo no México, em especial na área de Cancún.

Pearce, por sua vez, fixou seus estudos na área da Nova Zelândia, enquanto

Boullón dedicou-se à construção de sua teoria do espaço turístico tendo como

base empírica de referência a sua atuação em diversos países latino-

americanos.

Um dos pioneiros nos estudos da espacialidade do turismo no

âmbito da Geografia, Walter Christaller (1889-1969), partiu da sua teoria

neopositivista de lugares centrais para buscar explicações para a formação de

8 O termo turistificação vem sendo adotado entre os estudiosos do turismo para designar o

processo de apropriação de trechos do espaço pelos agentes do turismo para a implantação da atividade turística, pela inclusão de novos fixos e/ou da re-funcionalização de outros já existentes e de novos fluxos e relações que caracterizam o turismo como fenômeno socioespacial contemporâneo. Um dos autores mais citados como referência para o termo é o geógrafo francês Jean Remy Knafou (1996).

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uma “zona de periferia”, onde a única atividade econômica consistente seria o

comércio turístico. Christaller entendia

o turismo como um comércio do repouso e do recreio e de viagens de férias - cujos fatores de localização se constituem em atrações climáticas e paisagísticas, possibilidades de práticas de esportes, fontes de águas terapêuticas, preciosidades artísticas e da antiguidade, locais de interesse histórico, folclórico e cultural e locais de atividades econômicas especializadas e peculiares (19559, apud EUFRÁSIO, 1996, p. 291).

A partir de 1930 o turismo assume, segundo as observações de

Christaller, uma “busca pela periferia” como forma predominante de

apropriação dos espaços. Naquele momento, o que se percebia era a procura

constante por lugares novos, diferentes, que em movimentos sucessivos iam

sendo turistificados: primeiro vinham os pioneiros (artistas, poetas, pintores,

etc.) que transformavam o lugar em um ponto de encontro da moda. Logo, os

chalés e cabanas dos pioneiros iam se transformando em pensões para abrigar

novos visitantes, seguidos pelo surgimento de hotéis trazidos por empresários

externos ao lugar. Lentamente os pioneiros afastavam-se do lugar em busca de

novos lugares e iam sendo substituídos por turistas, cada vez em maiores

quantidades.

As origens dos turistas “pioneiros” ou “andarilhos” podem ser

encontradas nos séculos XVI, XVII e XVIII, entre os viajantes humanistas e os

escritores românticos que (re) descobriram e (re) valorizaram o mar, as

montanhas, o campo, o uso das águas termais de modo mundano, o prazer de

ver e subir as geleiras (Mont Blanc é o marco do início do alpinismo).

Montaigne, ao escrever o seu Journal de Voyage relatando sua viagem pela

Itália em 1581, transformou-a no grande destino cultural da Europa, qualidade

que perdura até os dias atuais. Outros escritores o seguiram no hábito de

relatar suas viagens, contribuindo significativamente para o início da

turistificação de pontos espalhados do continente europeu: Charmettes e

9 CHRISTALLER, W. Beiträge zu einer Geographie des Freendenverkehrs. Erdkunde, 9 (1), p. 1 -19, fevereiro, 1995.

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Lèman (Rousseau, 1776); Ilha de Córsega (D. de Foë, Bernardin de Saint-

Pierre e Sénancour, segunda metade do século XVIII); Suíça (Coxe, 1776);

Chamonix (Ruskin, 1740), dentre muitos (BOYER, 2003).

Os estudos de Christaller feitos na década de 1950 identificaram a

existência de áreas de recreação num raio de 50 a 100 km ao redor das

grandes cidades industriais da Itália e da Alemanha. Buscando fugir da sua

rotina diária, os moradores daquelas cidades passaram a viajar cada vez com

mais freqüência, para lugares onde o clima, a tranqüilidade e a amplitude dos

horizontes pudessem se contrapor à paisagem hostil e fria das suas cidades; o

motivo principal das viagens era a mudança de paisagem. Viajava-se para se

recuperar da rotina “inatural” das áreas urbanas.

Para Remy Knafou, a palavra turismo é “particularmente

polissêmica, evocando ao mesmo tempo uma atividade humana e social, hoje

convertida em fundamental, e todo aparelho econômico – igualmente muito

importante – que a rejunta” (1996, p.63). O turista, na visão de Knafou, apesar

de sempre muito criticado, é sempre explorado e, portanto, necessário. Ele

incomoda por sua mobilidade que retoma a territorialidade nômade que um dia

caracterizou a raça humana. Esse conflito de territorialidades é característico

dos trechos do espaço onde o turismo se manifesta:

[...] há diferentes tipos de territorialidades que se confrontam nos lugares turísticos10: a territorialidade sedentária dos que aí vivem freqüentemente e a territorialidade nômade dos que só passam, mas que não têm menos necessidade de se apropriar, mesmo fugidiamente, dos territórios que freqüentam. Um bom número de conflitos nos lugares turísticos é oriundo das diferenças de territorialidades (KNAFOU, 1996, p.64).

Em seus estudos sobre a relação entre turismo e território, Knafou

propõe considerar três fontes possíveis de turistificação dos lugares e dos

espaços: os turistas, o mercado e os planejadores. No primeiro caso, são as

práticas sociais de deslocamentos temporários de pessoas que fazem surgir os

espaços turísticos. É o turista que, na busca de novas paisagens mais

10 Para Knafou, “lugar turístico são lugares em que há turistas, onde fomos precedidos e onde

seremos seguidos de muitos outros” (1996, p. 64).

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agradáveis e salutares, diferentes daquelas do seu dia a dia, se apropria de

alguns trechos privilegiados do espaço. No entender daquele autor, foi assim

que a Cote d’Azur, a Riviera del Fiori, Chamonix e outros destinos turísticos

surgiram. Fazendo um paralelo, podemos indicar que esses destinos teriam

surgido pela ação dos turistas pioneiros apontados pelos estudos feitos por

Christaller.

O segundo agente de turistificação de espaços, proposto por

Knafou é o mercado. Para o autor, é pela ação do mercado e não mais, a partir

das práticas turísticas em si, que os espaços atualmente, são turistificados. De

acordo com as tendências e modismo, novos destinos e produtos turísticos são

criados e colocados à venda para o consumidor, em uma relação estritamente

econômica. Muitas vezes, comete-se o equívoco de não se observar a

evolução das práticas turísticas, criando destinos e produtos não aceitos pelo

mercado consumidor, como o exemplo recente do mega-empreendimento

turístico implantando na Costa do Sauípe, litoral norte do estado da Bahia.

Apesar de suas características singulares e da sua localização, aquele

empreendimento passou por uma reestruturação logo no seu segundo ano de

funcionamento, uma vez que o mercado consumidor não se mostrou disposto a

consumi-lo, pois pelo preço estipulado era possível adquirir produtos similares

em diversas ilhas que compõem a grande área turística de sol e praia do mar

do Caribe. O consumidor brasileiro em condições de pagar pelo produto

oferecido, prefere optar por uma viagem para o exterior visto que a mesma lhe

traz mais reconhecimento dentro dos seus grupos sociais, quesito fundamental

na nossa sociedade de consumo atual. Por outro lado, para o consumidor

estrangeiro que vem para o Brasil, não há motivação para isolar-se em um

resort; o foco maior de interesse dos nossos visitantes estrangeiros é o contato

direto com a cultura e com a população brasileira, praticamente impossível

dentro daquele tipo de empreendimento turístico.

Completando sua relação de agentes de turistificação de espaços,

Knafou (1996) inclui os planejadores e promotores “territoriais”. Diferentemente

dos dois primeiros agentes que, em sua grande maioria, são externos aos

espaços que turistificam, esses agentes são sempre ligados ao lugar. A partir

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da ideologia do desenvolvimento local endógeno, muito comum nos discursos

dos gestores públicos do turismo, formulam-se planos estratégicos para atrair

turistas e empreendedores que, nem sempre, observam as tendências do

mercado e das práticas turísticas, criando destinos turísticos que não

conseguem se inserir no mercado. Nesses casos, é comum identificar-se por

trás do plano estratégico, o interesse de líderes locais que, por

desconhecimento das características do fenômeno turístico ou por

apresentarem intenções políticas específicas, apresentam o turismo como a

solução (uma verdadeira panacéia!) de todos os problemas locais.

Seguindo essa proposição de turistificação dos espaços, Knafou

nos aponta para as três possibilidades de relações entre turismo e território:

territórios sem turismo, turismo sem territórios e “territórios turísticos”. O

território sem turismo seria aquele ainda não apropriado pelo turista, onde a

turistificação ainda não ocorreu, quer seja por falta de interesse do turista, quer

seja por problemas de acessibilidade (física, cultural, política e legal) ou falta de

atratividade. O turismo sem território seria aquela prática pela qual o turista não

pára no lugar, apenas passa, observa a paisagem exterior passivamente e vai

embora, sem manter nenhuma relação mais direta com a comunidade local. É

o caso dos pacotes turísticos massificados e dos enclaves produzidos pelos

grandes empreendimentos hoteleiros que oferecem tudo o que o turista

necessita dentro dos seus limites, isolando-o da realidade cotidiana do lugar.

Para alguns, podem ser chamados de “não-lugares”, seguindo o conceito

proposto por Marc Augé11 (1994); para outros, são os espaços da segregação

social, ou enclaves, que permitem o acesso apenas de parte privilegiada da

população, dotada de recursos financeiros excedentes para o seu consumo.

Por fim, os territórios turísticos seriam aqueles “inventados e produzidos pelos

turistas, mais ou menos retomados pelos operadores turísticos e pelos

planejadores.” (KNAFOU, 1996. p.73).

Os “territórios turísticos”, no dizer de Knafou, compõem-se dos

trechos do espaço “descobertos” pelos turistas e, posteriormente, apropriados

11 AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas-

SP: Papirus, 1994.

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pelos agentes do mercado (hoteleiros, operadores, etc.) e pelo poder público

por meio de suas ações de reordenamento e de regulação do uso do solo.

Por sua vez, Nicolás (1989) observa que o espaço é utilizado para

o turismo tanto pelo seu valor paisagístico quanto pelas suas condições

ambientais (clima, vegetação, hidrologia, etc.). De acordo com o autor, a

turistificação de determinados trechos do espaço está condicionada

“profundamente pelos elementos super-estruturais” (p.58), onde os

componentes culturais praticamente decidem a atratividade de um lugar ou

destino.

Segundo a linha mais conservadora de análise, a apropriação do

espaço para o turismo dá-se apenas naqueles trechos em que existem

elementos – naturais ou culturais – capazes de gerar fluxos de visitantes

temporários, os quais proporcionam o surgimento da atividade turística, com

todas as suas implicações econômicas. Tendo a realidade do turismo no

México, em especial da região de Cancun, como objeto empírico de análise,

Nicolas aponta que

[...] tanto las características ambientales como la existencia de “trazas” de sociedades anteriores son factores locacionales importantes para el turismo, mas también lo es la existencia o permanencia de ciertos rasgos superestructurales religiosos o culturales, en la época actual. (1989, p. 58)

Em outras palavras, para o citado autor, o turismo como prática

socioespacial se apropria de trechos do espaço onde vislumbra a existência de

um conjunto de recursos naturais e culturais que, graças às suas

características intrínsecas próprias, é capaz de “atrair” a atenção de pessoas

de outros locais, incitando o seu deslocamento temporário até ele.

Nicolás (1989) propõe que observemos os espaços apropriados

para o turismo a partir de uma lógica diferente daquela que utilizamos nas

análises dos espaços de produção (do trabalho). Segundo ele, os destinos

turísticos obedecem à lógica do “mundo do ócio” e, a produção turística “no

obedece a las leyes de la producción económica tradicional: el espacio turístico

se crea y recrea como valor de uso (y también de cambio), sin que su

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destrucción ocurra” (1996, p.44). Como já ressaltamos anteriormente, no nosso

entendimento, nos lugares turísticos há uma amalgamação entre as lógicas do

ócio e do trabalho e, conseqüentemente, seu estudo deve ocorrer de modo a

contemplar o jogo dialógico e, em alguns casos, dialético que ali se estabelece.

Para Nicolás (1996), não há apropriação definitiva ou consumo

consumptivo dos fatores de atração por parte dos visitantes; os elementos

naturais e culturais apenas são utilizados temporariamente e permanecem ali

para novos usos. Somente quando ocorre a mercantilização do tempo livre pelo

capital, é que se observa a transformação do valor de uso dos fatores de

atração em valor de troca e a conseqüente diferenciação do espaço a partir do

seu ordenamento específico dado pelo uso turístico. Ou seja, no espaço

apropriado para o turismo devemos ter em conta que convivem,

sincronicamente, as lógicas da produção (do trabalho) e do ócio (do tempo

livre).

Além da ocorrência dos fatores de atração – atrativos turísticos –

Nicolás (1989) nos indica outro ponto de fundamental importância para que

ocorra a turistificação de um determinado espaço: a acessibilidade dos turistas.

Trata-se não apenas da acessibilidade física (possibilitada pela disponibilização

de infra-estrutura de acessos e transportes), mas também das acessibilidades

econômica, cultural12, política e, principalmente, da acessibilidade legal.

Somente aqueles espaços que permitam a livre circulação dos visitantes e que

ofereçam uma utilidade condizente com os preços cobrados aos turistas, é que

são passíveis de serem turistificados. Devemos sempre considerar a

subjetividade da questão da utilidade do turismo na composição do status

social do turista que, de uma maneira geral, vê nas viagens uma forma de se

destacar dentro do seu grupo social.

Tal fato nos leva a reconhecer a necessidade de termos sempre

em consideração o papel do turista nos processos de turistificação dos

espaços. É ele que, em primeira instância, com as avaliações subjetivas das

suas próprias necessidades, acaba por definir quais partes do espaço serão

12 Somente serão atrativos para os turistas aqueles lugares onde ele consiga decodificar os

símbolos da cultura local e onde ele consiga se sentir apto a circular pelo espaço sem se sentir agredido ou estranho.

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turísticas. Como nos lembra Knafou (1996), não existem lugares turísticos sem

turistas. Portanto, a compreensão dos processos de turistificação dos espaços

e a construção dos territórios do turismo passam também, pelo entendimento

dos processos subjetivos e pessoais que motivam os turistas a optarem por

determinados destinos em detrimento de outros.

A simples existência de belas praias, clima ameno, florestas

preservadas ou de patrimônios arquitetônicos de reconhecido valor, não é

garantia para a turistificação de um determinado trecho do espaço. Soneiro

(1991) nos lembra que nem todo espaço potencialmente turístico é turistificado.

Para ele, o meio físico (natural e cultural) não pode ser deixado de lado, “pero

el espacio turístico, lejos de cualquier determinismo natural, no es uma realidad

hasta que los agentes económico-sociales decidan su ‘apuesta en escena’ para

el consumo turístico” (SONEIRO, 1991, p. 64).

Pessoalmente, acreditamos que as especificidades (naturais e

culturais) dos lugares são fatores que devem ser avaliados com cuidado nos

estudos dos processos de turistificação dos espaços, pois podem contribuir

para agregar mais valor à paisagem, dando-lhes um caráter singular, muitas

vezes único. É esse valor intrínseco que é capaz de despertar o interesse

inicial do turista e que contribui para a construção da imagem (marca) dos

destinos turísticos. Assim, o Cristo Redentor no alto do pico do Corcovado é

uma especificidade da cidade do Rio de Janeiro que, dada a sua singularidade,

foi transformado no seu símbolo, sua marca principal.

Entretanto, entendemos que outros fatores, entre eles a decisão

subjetiva do turista, interferem no processo, exigindo uma análise mais

ampliada da questão. Essa análise deve abranger tanto os agentes do mundo

do trabalho como aqueles do mundo do ócio. A “unidade complexa” do turismo

é constituída por diversos agentes sociais (elementos) independentes e

interdependentes que, movidos por intenções e ações particulares,

estabelecem um feixe de interações responsáveis pelo surgimento de uma

organização dinâmica, flexível e, na maioria das vezes, sazonal. Entre esses

agentes sociais constituintes do turismo, ocorre um jogo dialógico, em que

podem ser identificados complementaridades, antagonismos e concorrências.

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A lógica diferenciada de cada um deles é decisiva para a análise dos espaços

do turismo, como apresentamos a seguir.

3.1.1 Agentes do Turismo e Suas Lógicas de Apropriação dos Espaços

Assumindo o entendimento do agente como fator capaz de

produzir um efeito sobre determinado fato ou atividade, os agentes sociais

produtores do turismo compõem-se de pessoas, grupos sociais,

empresas/firmas e instituições com poder de gerar um efeito sobre o fenômeno

e/ou sobre a atividade turística, ou seja, com capacidade de intervir, modificar

ou influenciar o seu curso.

Apesar de diversos autores clássicos apontarem como sujeito do

turismo o homem, com suas necessidades e desejos subjetivos, entendemos

não ser possível compreender a lógica espacial do turismo a partir dessa

separação cartesiana sujeito-objeto, por ser praticamente impossível identificá-

los ou isolá-los. Os agentes sociais produtores desse fenômeno e da atividade

por ele gerada são, ao mesmo tempo, ativos e passivos, e estabelecem uma

trama reticular complexa de relações. Essa rede complexa é fortemente

espacializada, sendo composta de pontos emissores, pontos receptores e

linhas de conexões (físicas e imateriais), que se superpõem a outras redes de

relacionamentos, sincronicamente, densificando e turistificando o espaço

regional onde se manifesta.

Essas redes ou, mais especificamente, territórios-rede do turismo

como veremos adiante, apresentam como característica fundamental sua

sazonalidade, visto serem dependentes da temporalidade e da constância dos

fluxos de turistas, bastante irregulares, dado estarem vinculadas a diversos

fatores que caracterizam o consumo do produto turístico: tempo livre,

condições climáticas, férias escolares, disponibilidade de recursos (poupança),

aspectos motivacionais, ações de marketing, modismo, etc.

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Os poucos estudos epistemológicos envolvendo o fenômeno

turístico, em sua quase totalidade, fundamentam-se na corrente estruturalista

empírico-positivista, na qual a teoria de sistema aparece como principal

ferramenta metodológica. Tal fato faz com que a construção de uma teoria do

turismo (turismologia, como querem os mais radicais) não consiga criar as

bases que lhe permita definir com clareza qual é o seu campo de estudo.

No paradigma estruturalista que vem predominando na maioria

dos estudos do turismo, a categoria de sistema turístico apóia praticamente

todos os estudos teóricos e empíricos (CUERVO, 1967; ACERENZA,1991;

BOULLÓN, 1990a OMT, 2001; BENI, 2001; TRIBE, 2003; entre outros

autores). Entretanto, se nos afastarmos dela, poderemos encontrar outra

possibilidade para a compreensão da lógica territorial do turismo

contemporâneo: o turismo visto como um conjunto de agentes inter-

relacionados no tempo e no espaço, que compõem redes territoriais e de

relacionamentos, sazonais, flexíveis e fluídas, onde ocorrem os encontros de

alteridades distintas (do turista, do trabalhador, do anfitrião, do poder público e

do capital), apoiadas tanto pela lógica da produção como do consumo.

Para o antropólogo brasileiro Álvaro Banducci Júnior, “o turismo é

um fenômeno extremamente complexo, mutável, que opera de múltiplas formas

e nas mais diversas circunstâncias, sendo difícil apreendê-lo, em sua

totalidade, por meio de uma única perspectiva teórica ou mesmo de uma única

ciência”. (2001, p.23). Apoiados nessa afirmação, entendemos que a

complexidade das variáveis e dos elementos que compõem o turismo impõe

uma postura mais dinâmica, preferencialmente multidisciplinar e dialógica, para

o seu estudo e sua compreensão.

Seguindo essa tendência, a busca da compreensão do processo

de turistificação do espaço nos leva a ampliar nossos meta-pontos de

observação (MORIN, 1999) para apreendê-lo como um fenômeno

socioespacial contemporâneo que tem no seu bojo não apenas um agente

social gerador, mas sim diversos agentes que, cada um dentro das suas

características, expectativas e necessidades, colaboram para a construção do

fenômeno e da atividade. Contrariamente ao que propõem os autores mais

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clássicos, para quem o único agente do turismo é o turista, entendemos que

precisamos iniciar nossas investigações dando tal estatuto também, para

outros agentes sociais que agem e interagem sincronicamente no acontecer do

turismo, trabalhando para a constituição da sua “unidade complexa”: os

representantes do capital, portanto do mercado, conhecidos vulgarmente como

trade turístico, o Estado, em seus diversos níveis, e as comunidades das áreas

receptoras, representadas pelos trabalhadores empregados pelo setor e pela

população em geral.

Turistas

Agente produtor central do fenômeno turístico, também o mais

conhecido, o turista é responsável pelo momento inicial e mais subjetivo do

fenômeno, na medida em que, levado por motivações as mais diversas e quase

sempre pessoais, se desterritorializa temporariamente, afastando-se do seu

entorno habitual de vida. Para atingir tal intento, desloca-se para outros pontos

do espaço em busca de oportunidades ímpares, que lhe permitam fugir do

stress do seu dia a dia e, de alguma maneira, recompor suas energias para

retornar ao seu tempo de trabalho; ao fazê-lo, esses agentes produzem um

território mais fluído e sazonal, estruturado, a princípio, a partir da lógica do

tempo do ócio. Nas palavras do sociólogo espanhol Gregório Mendez Muela,

Un turista es un viajero temporal que posee una plaza fija de permanencia, con dirección permanente incluso durante su viaje. Estas circunstancias le diferencian del nómada, el errante, el vagabundo y otros tipos de viajeros permanentes. Así, para el turista, el viaje es algo excepcional, un estado inusual, un rol que torna sólo ocasionalmente o con poco frecuencia (2003, p.52).

A sociedade moderna, desde o princípio da mundialização dos

territórios e da cultura no século XV, tem na sua mobilidade uma de suas

características mais marcantes. Mas, o que levaria uma pessoa a deslocar-se

temporariamente e tornar-se um turista? Por que ela escolhe determinado lugar

ou região em detrimento de outros? Os fatores motivacionais que sustentam as

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escolhas dos turistas fazem parte de um processo psicossocial bastante

subjetivo, que vem merecendo a atenção de estudiosos da psicologia social, na

busca de teorias que o elucidem. O estudo mais citado é aquele desenvolvido

por Stanley Plog13, ainda na década de 1970 que, a partir do estudo do

comportamento dos turistas americanos, propôs um modelo com dois perfis

psicográficos ideais: os turistas alocêntricos e os turistas psicocêntricos. Entre

os dois podem ser identificadas combinações gradativas, conforme indicado na

Figura 2, além do achatamento da curva nas décadas mais recentes (COOPER

et al, 2001).

Figura 2 – Curva do perfil psicográfico dos turista s de Stanley Plog

Fonte: CUNHA, 1997

O turista, com características alocêntricas, aproxima-se daquele

turista pioneiro apontado por Walter Christaller. É o descobridor de novos

destinos turísticos; que busca se afastar do seu cotidiano em lugares

radicalmente opostos ao seu lugar de vida. Para alcançar esses lugares ainda

não “descobertos” pela mídia não se incomoda com longos deslocamentos,

muitas vezes utilizando-se de meios de transportes precários e

13 S.C. Plog. Why destination areas rise and falt in popularity. IN: Tourism destination. Nova

York: The Cornoel H.R. A. Quartely, 1974.

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desconfortáveis. O importante para ele é desfrutar de lugares e paisagens

ímpares e pouco conhecidos, onde possa entrar em contato com um ambiente

natural e cultural que lhe possibilite, mesmo que temporariamente, vivenciar a

experiência de “estar no paraíso”. Em geral são pessoas extrovertidas, ativas e

dispostas a correrem certos riscos (mesmo que previamente calculados),

abertas para trocar experiências com os moradores das comunidades visitadas

e por experimentar sensações diferentes: comidas, bebidas, jogos, danças, etc.

Um exemplo característico desse tipo de turista são os conhecidos

“mochileiros”, viajantes que planejam suas viagens por conta própria, evitam os

pacotes turísticos convencionais, utilizam-se de meios de transportes regulares

(trens, ônibus, etc.) e se hospedam em albergues, pensões e até mesmo, na

casa dos moradores locais. Seus roteiros não são rígidos e permitem a

inclusão de novos lugares, descobertos durante a própria viagem. Tão logo o

lugar torne-se conhecido ele se afasta em busca de outros.

Por sua vez, o turista com características psicocêntricas tende a

ser introvertido, inseguro e, portanto, não gosta de correr riscos. Suas viagens

são planejadas com cuidado e antecedência, em sua maioria direcionadas para

destinos turísticos conhecidos, próximos de sua residência, já consolidados no

mercado, que possibilitem certa sensação de isolamento do cotidiano local.

Não há interesse do turista em manter contato com os moradores locais, pouco

se interessando por conhecer a cultura local. Quando muito, satisfaze-se em

conhecê-la através de shows folclóricos especialmente preparados para ele.

Esse tipo de turista tende a repetir suas viagens; prefere retornar ao mesmo

hotel, ao mesmo restaurante, pois isso lhe transmite uma sensação de

segurança e de rotina.

O ponto extremo desse perfil de turista é aquele consumidor dos

enclaves turísticos (resorts), que busca apenas fugir do seu stress diário sem

nenhuma outra preocupação além do descanso. Para isso, basta uma boa

praia, com mar de águas mornas, límpidas e calmas e um alto índice de

insolação. Nada que lhe fuja do controle: comidas e bebidas internacionais,

guias e prestadores de serviços discretos, eficientes e prontos a servi-los. O

exótico do lugar é previamente preparado para ele: a comida típica tem sua

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composição original alterada para não gerar problemas de saúde, os shows

folclóricos são espetacularizados seguindo os modelos hollywoodianos, de

modo a não se tornarem monótonos ou mesmo incompreensíveis para eles.

Entre esses dois perfis psicográficos tão extremos, podemos

identificar uma graduação bastante rica de variações no comportamento dos

turistas contemporâneos. O ponto intermediário entre eles é o perfil que mais

se aproxima das características da grande maioria dos turistas atuais,

recebendo a denominação de mesocêntrico. É o turista consumidor que tem na

viagem uma maneira de adquirir status e de se diferenciar dentro do seu grupo

social. O olhar do turista mesocêntrico é o olhar da sociedade de consumo e

não mais o olhar romântico ou curioso do turista tradicional que desejava

apenas fugir do seu cotidiano e recompor suas energias para o trabalho.

Atualmente, os turistas com características mesocêntricas

representam a maioria nas estatísticas dos fluxos de viagens e podem ser

assumidos como o típico turista da pós-modernidade e do modo de produção

flexível: busca do prazer, sensualidade, diversão, clima (sol e praia), compras e

recordações e, principalmente, exposição (ou seria melhor exibição?) social,

tanto durante a viagem com no seu retorno. Para ele, mostrar suas fotografias,

filmes e souvenires ou relatar suas experiências é tão ou mais importante

quanto a própria viagem.

Com as mudanças no comportamento e no modo de vida do

homem contemporâneo e, principalmente, pela intervenção do capital no modo

de consumo do tempo livre, as motivações dos turistas estão sofrendo

alterações, apontando para mais dois tipos intermediários de perfis

psicográficos: os semi-alocêntricos e os semi-psicocêntricos. A análise das

curvas da Figura 2 mostra claramente o deslocamento do perfil mesocêntrico

para esses dois perfis intermediários, principalmente para o semi-alocêntrico,

confirmando a tendência mundial de mudanças no comportamento do

consumidor do produto turístico, a partir da década de 1980.

O perfil semi-psicocêntrico comporta os turistas que tendem a

buscar por destinos turísticos muito freqüentados e valorizados pela mídia, mas

que oferecem conforto, segurança e um mínimo de privacidade. Ou seja,

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apesar de não gostarem de correr riscos durante seus deslocamentos, eles

também almejam se exibir e adquirir algum destaque perante seus grupos

sociais, viajando para destinos turísticos freqüentados por pessoas famosos ou

de classe social igual ou superior a deles. Como exemplos podemos citar os

casos de Cancún-MEX, Armação dos Búzios e Miami-USA.

Já os turistas com perfil semi-alocêntrico dão preferência para as

viagens que lhe possibilitem o desenvolvimento de atividades desportivas,

culturais e de desenvolvimento pessoal (congressos, eventos, espetáculos

culturais, etc.) em destinos turísticos ainda não muitos expostos pela mídia.

Também buscam a oportunidade de enfrentar alguns desafios e aventuras,

realizando atividades esportivas mais arriscadas (escaladas, rafting, mergulho,

etc.) ou longas caminhadas de peregrinação, onde o caminhar é o próprio

objetivo da viagem. Diferentemente dos alocêntricos, procuram planejar suas

viagens, quase sempre com o apoio de profissionais das áreas e exigem

conforto e segurança durante todo o tempo da experiência. Temos como

exemplos de destinos turísticos procurados pelos turistas psicocêntricos:

Aspen-EUA, Bariloche-ARG, Fernando de Noronha, Bonito).

É importante ressaltar que esses perfis psicográficos propostos

por Plog (1974) não são rígidos e nem permanentes. O mesmo turista pode

apresentar características de tipos diferentes em uma mesma viagem ou, como

é mais comum, comportar-se de maneira diferente a cada nova viagem. Um

morador de uma grande cidade como São Paulo pode, por questões diversas,

mas principalmente por motivos econômicos, comportar-se como um turista

psicocêntrico durante suas viagens de fins de semana ou de feriados

prolongados e, nas suas férias anuais, optar por um comportamento mais

alocêntrico ou semi-alocêntrico, viajando para lugares mais distantes, menos

conhecidos do grande público, onde possa ter experiências mais excitantes ou

inusitadas.

Em síntese, o turista é o agente social gerador do fenômeno

turístico e, por conseqüência, de todo o jogo de relações complementares,

concorrentes e antagônicas que constituem a cadeia econômica que surge

para atender as suas necessidades durante os seus deslocamentos

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temporários (hospedagem, alimentação, entretenimento, segurança etc.).

Dependendo do seu comportamento durante seus deslocamentos, ele irá se

territorializar temporariamente com menos ou mais intensidade, estabelecendo

redes de relacionamentos mais ou menos fluidas. O turista com um

comportamento mais próximo do perfil psicocêntrico tende a ter uma lógica

reticular de apropriação dos espaços visitados, porém mais estática, pois tende

a se movimentar menos e a estabelecer menos contatos com a população

local. Por outro lado, o turista que se aproxima do tipo alocêntrico tende a ter

uma lógica reticular de apropriação dos espaços, porém, mais dinâmica e

fluída; já que circula mais e se relaciona mais com outros agentes sociais,

principalmente, com a população dos locais visitados.

Como apontam muitos autores, sem turista não há turismo, o que

sinaliza para a sua importância dentro dos estudos dos processos de

turistificação dos lugares. Ele é o principal responsável pela dinâmica do setor

turístico atual e é por meio dele que o capital busca aumentar a sua

capacidade de acumulação, criando e inventando novas necessidades e novos

destinos turísticos para serem consumidos.

Agentes do mercado

O segundo agente social produtor do turismo por nós indicado

está diretamente relacionado com a atividade econômica que surge a partir do

fenômeno turístico e com o processo de apropriação do tempo livre pelo

capital. No jogo das lógicas trabalho-ócio e tempo de trabalho-tempo livre, o

capital encontrou uma excelente oportunidade para se reproduzir e se

fortalecer. Apoderando-se do discurso que propõe a necessidade do lazer para

a recuperação das energias necessárias para a continuidade do trabalho,

transformou o tempo livre em tempo de consumo e o lazer em mais um produto

a ser consumido.

Tais agentes do mercado, conhecidos tecnicamente pela

denominação de trade turístico, são os agentes produtores da atividade

turística. A partir das necessidades geradas pelos deslocamentos temporários

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do homem o capital, por meio dos seus representantes – empresários –

mercantilizou o fenômeno e o transformou em mais uma atividade econômica

típica da atual sociedade de consumo. De acordo com Norma M. Moesch essa

transformação ocorreu a partir da metade do século XIX, quando

um atento observador inglês preocupou-se em identificar os elementos necessários à viagem turística, ao deslocamento humano praticado por lazer. Thomas Cook é o seu nome e, tudo leva a crer que ao dimensionar o âmbito das necessidades biopsicossociais do homem viajante, o pastor anglicano de Leicester tenha alavancado os primeiros passos da fantástica indústria do turismo, a revolução silenciosa do século XX, e formato o primeiro produto turístico do mundo (2003, p.38).

Sem entrar na discussão epistemológica da expressão “indústria

do turismo14”, visto não ser parte essencial para nosso estudo, podemos

detalhar a estrutura e as características dos agentes produtivos do turismo

partindo dos parâmetros do modelo referencial de sistema turístico (SISTUR)

(Figura 3), proposto pelo professor Mário Beni (2001), mesmo cientes das suas

limitações (extremamente estruturalista) para um estudo mais ampliado do

fenômeno turístico. Para nós, o modelo de Beni não é suficiente para

representar todo o jogo dialógico que constitui o fenômeno socioespacial do

turismo. Entretanto, ele se revela útil para o estudo da estrutura do

sistema/organização turístico e para o entendimento da ação dos seus agentes

de mercado.

Para se concretizar a atividade turística estrutura-se em um

sistema de produção, complexo, dinâmico e ágil, instalado tanto nos centros

emissores como nos centros receptores e nos corredores de ligação entre eles,

oferecendo equipamentos e serviços que tornam a viagem mais segura,

confortável e atraente. No modelo de SISTUR de Beni, o turismo é apresentado

como um sistema aberto, tendo como referência a conceituação de sistema

como “um conjunto de procedimentos, doutrinas, idéias ou princípios

14 Diversos especialistas, dentre eles o economista Leandro Lemos (2005), argumentam que é

errôneo classificar o turismo como indústria tendo em vista que a indústria pressupõe transformação de matéria-prima em um outro bem e para o turismo os recursos (naturais e culturais) precisam se manter inalterados para garantir a sua continuidade.

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logicamente ordenados e coesos, com a intenção de descrever, explicar ou

dirigir o funcionamento de um todo” (BENI, 2001, p. 44).

Figura 3 – Modelo referencial do Sistema Turístico – SISTUR de Beni Fonte: Beni, 2001

Esse sistema é composto por três conjuntos mais abrangentes

(relações ambientais, organização estrutural e ações operacionais) que

abarcam elementos e funções específicas. No conjunto das ações operacionais

identificamos os componentes da atividade turística, todas as relações de

produção e consumo decorrentes do turismo e os seus agentes produtivos.

Tendo por base o atendimento das necessidades biopsicossociais

do turista durante seus deslocamentos, é possível agruparmos esses agentes

produtivos do turismo em dois conjuntos distintos, mas inter-relacionados: o

conjunto composto pelos agentes produtivos que atendem diretamente às

necessidades do turista (hospedagem, alimentação, transporte,

entretenimentos, informações) e outro, composto pelos agentes que

indiretamente atendem às necessidades do turista dando suporte àqueles que

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o fazem diretamente (serviços de comunicação, segurança, fornecimento de

insumos, etc.).

Na realidade, o assim chamado “produto do turismo” é, em

realidade, um agregado de produtos e serviços oriundos de diversos setores

que, graças às ações das operadoras e das agências de viagens, são

consolidados em um produto único (do ponto de vista do turista). Para tal,

estrutura-se toda uma cadeia produtiva densa onde, nem sempre seus

componentes se percebem participantes dela. Parece ser difícil para um

produtor de hortaliças que abastece os hotéis e restaurantes de um

determinado destino turístico perceber que ele, indiretamente, participa do

produto turístico oferecido ao visitante. O mesmo ocorre com relação às

imobiliárias de aluguel por temporada que, apesar de terem a grande maioria

dos seus clientes composta por pessoas de outros municípios (portanto,

visitantes), se recusam a participar das ações de gerenciamento propostas pelo

conselho municipal de turismo, por não se perceberem parte do contexto

turístico local.

Durante a implantação da segunda fase do PNMT, quando o

objetivo era a articulação dos conselhos municipais de turismo, ocorreram

muitos fatos que comprovam essa falta de consciência dos membros das

cadeiras produtivas do turismo local. Orientados pelos gestores do programa,

os monitores municipais tinham a missão de convidar e estimular a participação

dos agentes produtivos locais na estruturação do conselho de turismo e, era

comum ouvirem respostas do tipo “sou taxista e não tenho nada com o turismo”

ou “meu filho, eu só vendo sanduíche na praia, não tem porque participar

dessa coisa ai!”. Por outro lado, a falta de entendimento da cadeia produtiva

levava um hoteleiro, por exemplo, a indagar: “por que esse cara está aqui? Ele

é só um artesão e não tem nada a ver com o turismo!”.

Com base na teoria do ciclo de vida das destinações turísticas

(BUTTLER, 1980)15, podemos observar níveis diferenciados de atuação dos

agentes de mercado nos seus processos de turistificação. Levando-se em

15 BUTLER, R.W. The concept of a tourist área cycle of evolution, implications to management

of resources. Canadian Geographer, v.24, n.1, p. 5-12, 1980.

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consideração apenas aquelas destinações que surgem mais ou menos

espontaneamente (caso da maioria dos destinos turísticos brasileiros),

podemos sintetizar a ação do trade turístico da seguinte forma:

a) Nas fases iniciais do ciclo de vida, a produção dos bens e serviços

turísticos fica a cargo de agentes de mercado locais, membros da

população residente com alguma reserva de capital para “se

arriscar” no novo negócio, abrindo pequenas pousadas e

restaurantes, oferecendo serviços e instalações mais simples e, em

alguns casos, quase improvisados, objetivando atender as

necessidades e demandas dos visitantes;

b) Com a divulgação do destino pela mídia, observa-se uma etapa de

crescimento mais acelerado dos fluxos de demanda turística.

Agentes de mercado endógenos começam a chegar e substituem os

agentes de mercado local (tanto pela compra dos seus

empreendimentos como pela concorrência), impondo uma lógica de

produção mais profissional, em que o objetivo passa a ser o máximo

de produtividade para o capital investido, pela oferta de produtos e

serviços mais sofisticados e diversificados para os visitantes;

c) Com a maturidade e a saturação do destino, observa-se uma

paralisação da entrada de novos investidores externos, seguida pela

retirada daqueles originalmente endógenos que, não satisfeitos com

o nível de rentabilidade obtido no local, identificam novas

oportunidades em outros destinos turísticos mais novos.

A duração desse ciclo de vida varia significativamente,

dificultando a indicação de parâmetros médios para comparação e

acompanhamento. Entretanto, a forma de atuação dos agentes de mercado é

praticamente igual em todos os casos, exceto naquelas destinações turísticas

planejadas, que já surgem como destinos turísticos consolidados, totalmente

dependentes de investidores endógenos e voltadas para segmentos bastante

específicos do mercado, como exemplo podemos citar os casos de Cancún-

MEX e Costa do Sauípe-BA.

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Na atualidade, a força de atuação dos agentes do mercado no

turismo vem assumindo proporções mais específicas e complexas graças “a

progressiva implantação da filosofia do liberalismo econômico, segundo a qual

o setor privado deve protagonizar a atividade no mercado” (OMT, 2001, p.109),

ocupando o espaço de outro agente social básico do turismo, o Estado. Os

exemplos das recém criadas parcerias público-privadas, propostas pelo

Ministério do Turismo, comprovam tal situação. O agente privado vem

assumindo o fornecimento de diversos serviços públicos, principalmente, nas

áreas dos transportes e das comunicações.

Estado

Partindo do entendimento de ser possível utilizar o turismo como

uma ferramenta para implementação de processos de desenvolvimento,

especialmente aqueles que objetivam diminuir as desigualdades regionais, o

Estado16, por meio de suas diversas instâncias de poder público, procura

estabelecer regras e normas para o sistema turístico sob sua área de atuação.

Tal postura objetiva regular e normalizar o sistema turístico dentro daquilo que

parece ser a melhor forma para o atendimento das necessidades das

populações residentes sem, entretanto, esquecer ou desprezar a lógica do

capital;

Nas últimas décadas, como já indicamos anteriormente, o fato

econômico gerado pelo turismo tornou-se parte integrante da estrutura

governamental de muitos países, estados e municípios. Mesmo com a

explosão dos governos alinhados pelas diretrizes neoliberais do mercado,

responsável por “um crescente ceticismo quanto à eficiência do governo,

especialmente o governo central” (HALL, 2001, p. 27) e por uma diretriz de

menor intervenção estatal, as falhas e imperfeições do mercado ainda

justificam e dão fundamentos lógicos para a atuação mais ativa do Estado na

gestão e no funcionamento dos sistemas turísticos.

16 Estado aqui é entendido como a primeira pessoa jurídica, com direitos e deveres, composta

por três elementos fundamentais: povo, território e poder (ACERENZA, 1991), que concentra em si o monopólio da produção das leis e normas.

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A ação do agente público no turismo pode ocorrer de maneira

bastante diferenciada nos diversos níveis de governo. Desde o nível nacional

até o nível local, a importância da sua atuação vem se revelando fundamental e

sendo solicitada até mesmo pelo próprio agente produtivo, o mercado.

Para Mário Carlos Beni, a ação do Estado deve ser exercida por

meio de uma política setorial, entendida “como um curso de ação calculado

para alcançar objetivos” (2001, p.109), a qual deve ser detalhada pelos

programas constantes dos processos de planejamento estratégico. Para Beni,

o Estado “desempenha um papel controlador” do turismo.

De acordo com Colin Michael Hall, a intervenção do poder público

no turismo pode ser direcionada para: a) buscar a melhoria da sua

competitividade econômica; b) corrigir e organizar os direitos de propriedade da

terra; c) permitir uma visão integral do setor que observe e incorpore as suas

externalidades; d) reduzir custos e incertezas; e) apoiar projetos com elevados

custos de capital e que envolvam novas tecnologias; f) educar e informar

(HALL, 2001). Essa visão do papel do Estado aparentemente está

comprometida com o modelo de desenvolvimento turístico que prega a busca

da sustentabilidade do setor, mas nela percebe-se claramente a influência da

filosofia neoliberal atual, principalmente no tocante à busca da melhoria da

competitividade econômica e da ação do Estado em projetos que exigem maior

investimento e que, portanto, apresentam maior risco para o capital privado.

Para outros autores, o papel do Estado atualmente é menos o de

investidor e mais o de articulador dos diversos agentes que intervêm no

turismo. A complexidade da atividade turística e as suas repercussões e seus

efeitos multiplicadores para as economias nacionais e locais exigem uma

atuação mais verdadeiramente política do poder público, principalmente no

estabelecimento das macro-estratégias de longo prazo, que devem deixar

claras as diretrizes gerais para a atuação dos demais agentes envolvidos com

o setor. Hall (2001) observa que o papel do Estado deve estar diretamente

vinculado ao estímulo e ao gerenciamento da sustentabilidade das redes de

relacionamento que estruturam o turismo atual.

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Entretanto, não cremos que esse discurso esteja funcionando

plenamente, mesmo naqueles países mais desenvolvidos onde o agente do

mercado apresenta maior poder de intervenção. Como iremos abordar no

capítulo seguinte, a dimensão da atuação do Estado no desenvolvimento

turístico vem sofrendo transformações desde a década de 1950, quando o

turismo passou a ser encarado como uma possibilidade de desenvolvimento

econômico, de aumento da arrecadação pública e para o equilíbrio da balança

de pagamentos de alguns países. Inicialmente, cabiam ao Estado os

investimentos pesados no fornecimento de infra-estrutura, nas ações de

marketing e até mesmo no fornecimento de determinados equipamentos e

serviços turísticos, tipicamente de características privadas. Hoje, o Estado vem

se distanciando daquela postura e tornando-se mais um coordenador do

processo de desenvolvimento; pelo menos é o que indicam os discursos dos

governantes, impressos nos seus planos de desenvolvimento turístico.

As recomendações dadas pela OMT para seus países membros

indicam que o grande objetivo das políticas públicas de turismo deve ser

“compatibilizar o princípio de liberdade de mercado e de empresa com a

preservação das vantagens estruturais que assegurem a continuidade da

atividade em condições adequadas” (OMT, 2001, p.154). Para aquela agência

de desenvolvimento ligada à ONU, é cada vez mais evidente que o “Estado

deve exercer um papel central na fixação de critérios de desenvolvimento e na

coordenação das atuações dos agentes privados que nele interagem” (ibidem,

p. 155), de modo a “criar e manter as condições adequadas para aquecer a

competitividade das empresas e das regiões turísticas” (ibidem, p.159).

Para nós, há uma clara inconsistência entre o que é divulgado nos

discursos do poder público, nas manifestações oficiais dos agentes produtivos

do mercado e o que realmente é praticado na gestão das áreas turísticas. Os

discursos pregam o afastamento do Estado, mas a prática mostra que os

próprios agentes do mercado se articulam e pressionam o Estado para que

invista no fornecimento de toda a infra-estrutura necessária, para que eles se

instalem sem riscos de perda ou prejuízo além de, também, articular para que

esse mesmo Estado financie seus investimentos de maneira que lhes seja

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vantajosa. Podemos ver isso claramente na análise dos programas de

desenvolvimento do turismo (PRODETUR), que o governo brasileiro vem

implantando em algumas regiões do país, particularmente na região Nordeste,

desde o início da década de 1990.

Concordamos com Mário C. Beni quando, analisando o papel

atual do Estado na gestão do turismo, afirma que “é ficção pensar que o

governo não tem papel algum a desempenhar no Turismo. Pelo contrário, ele é

e continuará sendo a ‘mão oculta’ que dirige a política da área, ao mesmo

tempo em que assegura que os serviços turísticos que mais satisfazem os

visitantes estrangeiros sejam oferecidos pelos mais capacitados a fornecê-los”

(2001, p.125). Para o mesmo autor, entretanto, o Estado tem se preocupado

demais com as questões relacionadas com a dimensão econômica do turismo

e relegado a um plano bastante inferior àquelas relacionadas com os impactos

e benefícios sócio-ambientais que o fenômeno contempla.

Comunidades das áreas receptoras

Na perspectiva de mapear os agentes sociais que, direta e

indiretamente, intervêm no turismo, identificamos na população residente nas

áreas turísticas mais um deles. Entretanto, não podemos tratá-la com um

agente social homogêneo, tendo em vista as diferentes posições e

relacionamentos que ela mantém com o sistema turístico.

O sociólogo Jost Krippendorf (1989) faz uma interessante

abordagem sobre o papel da população autóctone dos destinos turísticos, a

quem ele denomina de “viajados” (aqueles que são visitados), em

contraposição aos “viajantes” (os que visitam). Apontando para o fato da quase

inexistência de pesquisas sobre esse agente social do turismo, o autor nos fala

que “o advento do turismo transformou a bela virtude humana da hospitalidade

espontânea e gratuita, num ganha pão e numa profissão” e que “nesta grande

indústria que é o turismo, é evidentemente a escala de valores dos viajantes e

dos promotores que prima” (1989, p.89). Não há espaço para a opinião do

viajado: o “nativo está mudo” e sua voz é praticamente inaudível.

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Quem é esse agente social, o “viajado”? Classificar toda a

população local como um agente único frente ao turismo é incorrer no risco de

tentar homogeneizar um grupo de agentes sociais diversificados e, até mesmo,

antagônicos para algumas questões. Nos seus estudos sociológicos do

turismo, Krippendorf propôs dividir os “viajados” em cinco categorias: aqueles

que estão em contato direto com os turistas (os trabalhadores do setor); os

empresários de empresas turísticas locais e de outras empresas que

indiretamente dependem do turismo; os habitantes que, mesmo mantendo

contatos diretos com os turistas, não dependem totalmente deles para obterem

seus ganhos; os habitantes que não mantêm nenhum contato com os turistas;

e os políticos e governantes que vêem no turismo a oportunidade de elevação

do nível de vida, deles e da população local.

Importante ressaltarmos que essas cinco categorias estão

permeadas pela questão das diferenças das classes sociais, as quais devem

ser consideradas na análise da atuação dos agentes sociais do turismo. Assim,

na categoria dos trabalhadores diretamente envolvidos na atividade turística,

estão incluídos desde aqueles de classes menos privilegiadas (jardineiros,

camareiras, carregadores de malas, etc.) até os de classes sociais mais

elevadas (gerentes, maitres, chefes de cozinhas, especialistas em marketing,

etc.), assim como entre os empresários estão incluídos desde o pequeno e

micro empresário, muitos na economia informal, até os mega-empresários

transnacionais.

Essas diferenças de classe sociais interferem diretamente na

forma de atuação de cada agente, principalmente na sua lógica de

territorialização dentro do espaço dos destinos turísticos. Enquanto os

empresários - agentes do mercado – e os trabalhadores melhor qualificados

(e, portanto, melhor remunerados) se territorializam nos bairros e áreas mais

nobres dos destinos turísticos, os trabalhadores menos qualificados ocupam as

suas periferias, longe do espaço turistificado.

Mascarenhas (2005) nos oferece um interessante estudo sobre

essas diferentes lógicas de territorialização dos agentes sociais dos destinos

turísticos, quando aborda o processo de urbanização turística da localidade de

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Penedo (RJ). Para aquele autor “a organização do espaço urbano em Penedo

configura a existência de dois circuitos da economia local, cada um com sua

espacialização própria, claramente demarcada” (2005, p.128), que revelam

“duas Penedos”: a dos “turistas e indivíduos de médio/alto poder aquisitivo com

boa infra-estrutura e oferta de bens e serviços mais sofisticados” (ibidem); e a

destinada “aos pobres do lugar, caracterizada por preços baixos, organização

espacial informal ou rudimentar (idem, p. 129). A primeira com baixa densidade

populacional, ruas largas e valorizadas; a segunda densamente povoada e

ironicamente denominada “bairro Formigueiro” que é cercado de áreas de

ocupação precária nominadas com África 1 e África 2.

Para nós, a segunda e a quinta categoria apontadas por

Krippendorf têm uma ingerência bastante diferenciada e significativa no

turismo, por isso optamos por destacá-los como agentes específicos. Os

empresários locais, mesmo que de pequeno porte, têm sua lógica de ação

ditada pela lucratividade e, por isso, enquadram-se dentro do universo dos

agentes produtivos do mercado (trade turístico). Os políticos e governantes por

sua vez, atuam como poder público e, portanto, devem ser analisados a partir

de uma outra lógica de atuação, da regulação e da normatização.

Restam ser analisados os trabalhadores diretos do setor turístico,

os habitantes que obtêm parcialmente seus rendimentos no turismo e a

população em geral que, a princípio, não se vê dependente ou comprometida

com a atividade turística local.

Trabalhadores diretos do turismo

É o grupo de agentes sociais do turismo composto pela parte da

população residente nas áreas receptoras ou nas suas cercanias, autóctones

ou migrantes, que se emprega nas diversas empresas ou atividades geradas

pelo processo de turistificação e tem no turismo o meio principal de obtenção

de renda para sua sobrevivência. Na sua grande maioria é oriunda de outros

setores econômicos e depende diretamente dos fluxos de visitantes para obter

seus ganhos e manter seus empregos. Aumentando o número de turistas,

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aumentam não só o número de empregos e ocupações, como também o ganho

médio de cada um, já que o setor é extremamente vinculado ao hábito das

gratificações (gorjetas). Se os fluxos de turistas diminuem, diminuem os

empregos, as ocupações e o ganho médio

Na hotelaria brasileira é praticado, com anuência dos sindicatos

da categoria, o sistema de remuneração composto pelo salário fixo

(normalmente muito baixo) e pelos “pontos”. Cada cargo recebe um número de

pontos de acordo com a sua maior ou menor proximidade com o turista e com

a complexidade do serviço compreendido (a princípio, um recepcionista tem um

número maior de pontos que um empregado responsável pelo estoque de

roupas limpas). O total arrecadado com a taxa de serviço cobrada do hóspede

(os já famosos 10%) é rateado proporcionalmente entre todos os empregados

do hotel, conforme o número de pontos de cada cargo ou função. Na alta

estação o ganho com os pontos supera em muito o valor do salário, mas esse

valor extra não é considerado quando dos cálculos dos benefícios sociais do

trabalhador, como o fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS), férias

remuneradas e contribuição previdenciária.

Dentro da estrutura do sistema econômico do turismo, os

trabalhadores diretos têm uma importância muito destacada, uma vez que da

sua atuação individual depende a qualidade do produto turístico oferecido.

Alguns economistas chegam a afirmar que entre 60 e 70% do produto turístico

compõe-se de prestação de serviços que depende diretamente do

desempenho da mão-de-obra empregada. Essa importância do trabalhador na

composição e no funcionamento da atividade turística, entretanto, não é

devidamente reconhecida pelo agente produtivo, detentor do capital,

constituindo-se em uma das muitas contradições do turismo. Os empresários

se aproveitam da extrema fragmentação da cadeia produtiva do setor para

evitar que surjam entidades e associações de classe fortes e representativas. A

proliferação de sindicatos para cada tipo de função é uma artimanha

estimulada pelos empregadores para diminuir o poder de pressão dos

trabalhadores nos processos de negociações das relações do trabalho.

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Outra questão que exemplifica essa ação dos agentes do

mercado no sentido de esvaziar o poder de negociação dos trabalhadores do

setor é aquela relacionada com a regulamentação da profissão do bacharel em

turismo – o turismólogo. Todas as tentativas feitas pelos profissionais até o

momento, por meio de diversos projetos de lei apresentados no Congresso

Nacional, fracassaram graças ao lobby dos empresários do setor que não

querem a regulamentação da profissão, temendo que isto aumente os seus

custos com a mão-de-obra, diminuindo suas margens de lucros.

Apesar de tudo isso, é importante assumirmos o papel do

trabalhador como um dos agentes dos processos de turistificação dos espaços.

A favelização das periferias dos destinos turísticos é um forte argumento para

comprovar esta nossa posição. Sem preparo específico para atuar nos serviços

turísticos e por conta disso, explorados pelo trade turístico, que lhe oferece

salários baixos e poucas oportunidades de ascensão social pelo do seu

trabalho, ele faz dessas periferias seu lugar de vida, deslocando-se diariamente

para os espaços turísticos para trabalhar. Tal atitude contribui para a formação

dos espaços segregados dos destinos turísticos, onde é possível mapearmos

facilmente os trechos destinados aos visitantes, mais dotados de infra-estrutura

e de segurança e os trechos ocupados pela população local, mais afastados e

com menos opções de infra-estrutura urbana, como bem nos aponta

Mascarenhas (2005).

É preciso destacar que uma parte desses trabalhadores diretos

ocupantes de cargos e funções melhor remunerados consegue se territorializar

nos bairros e áreas turísticas e usufruir de toda a infra-estrutura montada para

atender aos turistas. Entretanto, essa parcela de trabalhadores é muito

pequena e formada, na sua grande maioria, por migrantes mais qualificados,

atraídos pelas oportunidades de trabalho locais.

Trabalhadores indiretos do turismo

Graças à complexidade da cadeia produtiva do turismo os seus

efeitos multiplicadores são bastante acentuados, gerando um número

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expressivo de empregos indiretos e, também, um número elevado de

ocupações indiretamente vinculadas a ela. Segundo estudos da OMT feito a

pedido da EMBRATUR na década de 1990, o turismo impacta diretamente 53

setores da economia nacional, indo desde a agricultura e pecuária à indústria

de informática e ao setor de serviços, gerando um em cada dez empregos

existentes no país. No setor hoteleiro é comum nos depararmos com o

seguinte discurso: cada leito instalado gera pelo menos um emprego direto e,

para cada emprego direto de um hotel são gerados outros cinco empregos

indiretos. Esses valores são relativos e variam conforme a categoria e o tipo do

meio de hospedagem, além de não serem apoiados por pesquisas mais

atualizadas e metodologicamente estruturadas.

Apesar de toda fragilidade desses dados estatísticos, não

podemos ignorar o fato de a atividade turística ser uma grande geradora de

empregos e de ocupações indiretas na atualidade. O motorista de táxi de um

destino turístico qualquer, não obtém todo o seu ganho apenas com o

transporte de turistas, mas certamente, eles representam um percentual

expressivo no total daqueles rendimentos. O mesmo ocorre com os

trabalhadores de um cybercafé que na alta estação se vêem envolvidos com o

atendimento de um número elevado de não-residentes (turistas), apesar de

terem na população local a maioria dos seus clientes cotidianos.

Assim como os trabalhadores diretos, também os indiretos têm

uma grande relevância na composição da qualidade do serviço oferecido ao

turista. Porém, temos aqui um agravante: o trabalhador indireto, por não

depender exclusivamente do ganho com o turismo, nem sempre percebe a

importância da sua participação, com seu trabalho, para o sucesso da

produtividade do sistema turístico local. Esse baixo nível de conscientização e

de envolvimento desses trabalhadores indiretos tem dificultado o processo de

desenvolvimento de muitos destinos turísticos, revelando outro ponto de

conflito do turismo. Além disso, assim como a maioria dos trabalhadores diretos

no turismo, também eles não obtêm rendimento suficiente para ocupar os

trechos dos espaços destinados aos turistas e acabam aumentando a

população das periferias e das áreas menos privilegiadas dos destinos

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turísticos, por meio de um processo de ocupação precária e informal das

mesmas.

Apesar disso, o que observamos nos processos de

desenvolvimento turístico recentes, é que esses agentes sociais praticamente

não são considerados. O discurso e o conteúdo das políticas e planos

propostos ignoram o fato de que os problemas daquelas periferias são

conseqüências dos processos de turistificação dos lugares e que, em virtude

disso, deveriam fazer partes dos escopos dos seus diagnósticos e de suas

proposições. A densificação acentuada do bairro Formigueiro em Penedo (RJ),

as favelas nas encostas da Serra do Mar em Angra dos Reis (morro Santo

Antônio, Vila do Frade, dentre outras), o crescimento acelerado das favelas da

zona sul da cidade do Rio de Janeiro (Cantagalo, Rocinha e Vidigal,

especialmente) têm no turismo um importante acelerador dos seus processos,

senão, o mais importante de todos.

População residente não envolvida com o turismo

É o agente social menos reconhecido pelo sistema turístico, mas

de importância estratégica para o seu funcionamento. Ao ceder o direito de uso

do seu espaço de vida para o desfrute temporário dos turistas, concorda em

vivenciar um encontro de duas alteridades – a sua e a do turista – o que gera

uma série de relações e interações entre os diversos agentes sociais aqui

indicados, em uma rede socioespacial extremamente complexa.

Apesar de não manter contato mais direto com os turistas, a

população residente dos destinos turísticos pode, a partir do seu

comportamento e das suas ações, estimular ou dificultar o funcionamento do

sistema turístico local, tornando o destino turístico mais ou menos atraente

para o turista. É comum ouvirmos comentários como: “Paris é linda, mas os

parisienses são mal-educados e mal-humorados”. Ou então: “o jeito de ser do

brasileiro, descontraído e bem-humorado, torna nosso povo um dos mais

hospitaleiros aos olhos dos turistas estrangeiros”. Tais afirmações, mesmo que

não comprovadas por pesquisas, contribuem positiva ou negativamente, para o

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sucesso da imagem dos destinos turísticos, reforçando o papel indireto

daqueles agentes sociais.

Além disso, tais agentes têm em suas mãos dois elementos vitais

para a atividade turística sem, infelizmente, ter consciência do valor e da

importância deles: a posse da terra e da força de trabalho. Esses dois

elementos são fundamentais para o desenvolvimento dos destinos turísticos e,

se forem utilizados conscientemente pelos habitantes locais, podem funcionar

como uma ferramenta de equilíbrio na relação com o capital externo, que

chega sempre que um lugar é “descoberto” pelo mercado turístico. Certamente

estamos falando em tese, pois a prática atual é exatamente inversa, com o

capital comprando (ou tomando) a terra dos autóctones por preços irrisórios,

para depois expulsá-los para longe, oferecendo empregos precários com

salários indignos, expropriando a sua força de trabalho.

Como já visto, de acordo com o modelo de ciclo de vida dos

destinos turísticos (BUTLER, 198017), logo depois que o destino é descoberto

pelo mercado e seu produto aceito, empresários e oportunistas exógenos ali se

instalam e vão ocupando o lugar dos fornecedores e das empresas locais. Sem

capital de giro e tecnologia suficientes para concorrer com eles, as pequenas

empresas e empreendimentos terminam por deixar de funcionar, ou então, são

compradas a preços nem sempre justos pelos agentes externos do capital.

Esse processo de substituição da propriedade dá-se em relação

às empresas e serviços turísticos e com a posse da terra das áreas próximas

aos atrativos turísticos. Os residentes autóctones são convencidos a vender

suas terras e com o dinheiro arrecadado só conseguem se instalar em áreas

afastadas do núcleo turístico, mais precisamente naquilo que estamos

chamando de periferias dos destinos turísticos, contribuindo para a

densificação desorganizada dessas áreas. Um dos exemplos mais expressivos

desse processo no estado do Rio de Janeiro é aquele do bairro Cem Braças,

na cidade de Armação dos Búzios, surgido a partir da expropriação das terras

próximas ao mar dos pescadores locais iniciada da década de 1950 que, sem

opção, foram ocupar aquela área mais afastada do mar.

17 Cf. ref. p. 70

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É importante ressaltar que a população residente dos destinos

turísticos, independentemente do tipo de relações que estabelece com o

sistema turístico local, é a verdadeira “dona do lugar”, visto como seu território

de vida e, apenas por isso, merece o status de agente social do processo de

turistificação dos espaços. Não reconhecê-la como tal, é propor um modelo de

desenvolvimento turístico arbitrário, desigual e principalmente desumano.

3.1.2 Teorias e Modelos de Estudos do Espaço Turístico

Após a reflexão sobre o papel dos diferentes agentes sociais do

turismo no processo de turistificação dos espaços, cremos ser relevante a

recuperação de alguns dos estudos realizados, direcionados para a

compreensão do fenômeno socioespacial do turismo. Mesmo partindo do

pressuposto de que os modelos são representações abstratas que tendem à

homogeneização das leituras do espaço, entendemos que os mesmos são

importantes para a definição de elementos que poderão contemplar as

diversas dimensões do turismo na elaboração de estratégias e diretrizes para o

ordenamento e desenvolvimento integral e integrado do setor.

Primariamente, a dimensão espacial do turismo pode ser

apreendida pela representação clássica do fenômeno, proposta por Neil Leiper

(1981) que interpõe as áreas emissoras e as áreas receptoras, a partir das

linhas de deslocamentos espaciais realizados pelos turistas (Figura 4).

Figura 4 - Representação básica do sistema turístic o Fonte: Adaptado de Leiper (1981)18

18 LEIPER, Neil. Towards a cohesive curriculum in tourism: the case for a distinct discipline.

Annals of Tourism Research, v.VIII, n. 1, 1981, p. 75

Área emisso

ra

Área recept

ora Deslocamentos

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Nesse modelo, o espaço do turismo se compõe das áreas

emissoras- (lugar de vida do turista e território de parte dos agentes do

mercado do turismo -, áreas receptoras - lugar onde o turismo se manifesta

concretamente por meio da produção e do consumo turístico e do encontro dos

turistas com a comunidade anfitriã - e pelos corredores de deslocamentos,

onde o turista consome serviços (transportes, comunicações, etc.) e infra-

estrutura (rodovias, aeroportos, etc.) para realizar sua viagem.

Ampliando as variáveis dessa representação espacial do turismo,

podemos incluir outros pontos (lugares) de parada do turista. Quase sempre, o

turista opta por um deslocamento (viagem) fracionado em trechos intercalados

com paradas temporárias (horas ou dias), quando desenvolve atividades

recreativas e de lazer para depois seguir sua viagem (MARIOT, 196919, apud

PEARCE, 2003). Nessa representação espacial fica implícita a idéia da viagem

do tipo excursão, em que a proposta do turista é visitar diversos lugares

durante o percurso do seu deslocamento; e a motivação inclui a observação e

consumo do percurso e não apenas do destino final.

De acordo com o modelo proposto por Campbell (197620, apud

PEARCE, 2003), podemos diferenciar o turista que tem como objeto principal a

atividade recreativa deslocando-se diretamente até um destino turístico

específico onde poderá concretizá-las, daquele que faz do deslocamento a

própria razão da sua viagem, parando em diversos pontos do percurso (Figura

5). Campbell acrescenta ainda, uma terceira opção para a representação

espacial das viagens, composta por uma combinação da viagem do tipo

recreativa e da viagem do tipo excursão. Nesse caso o turista se deslocaria

para um determinado destino turístico específico e, a partir dele, visitaria outros

lugares próximos, em movimentos circulares de ida e volta.

19 MARIOT, P. Priestorové aspekty cestovnélio rechu a otázky gravitacného sázemia

návstevnych miest. Geografick’y Casopis. 1969, v. 21, n. 4, p. 287-312. 20 CAMPBELL, C.K. An approach to research in recreational geography. B.C. Occasional

Papers. 1967, n. 7, p.85-90. Depto. Of Geography, University of British Columbia, Vancouver.

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Centro emissor

Centro recreativo

Lugares recreativos

Rota recreativa

Rota Excursionismo recreativo

Excursionista

Esses três modelos iniciais abordam o turismo a partir do modo

como o turista se desloca, procurando estabelecer uma tipologia com base nas

atividades que ocorrem, ou não, durante os deslocamentos. Além de indicar a

espacialidade do turismo nas áreas emissoras e, principalmente, nas

receptoras, os autores se preocupam em incluir o percurso como parte da

viagem turística.

Figura 5 - Modelo de Campbell de viagem recreativa e excursionista Fonte: Pearce, 2003

Seguindo a tradição da geografia neopositivista, Miossec (1976,

197721) desenvolveu um modelo que busca demonstrar a evolução nas

estruturas das regiões turísticas no tempo e no espaço (PEARCE, 2003). Seu

objetivo foi estabelecer um modelo hipotético-dedutivo que explicasse a

configuração espacial dos processos de consumo do turismo. Segundo Vera et

al, o modelo de Miossec configura-se como “uno de los intentos más complejos

de comprensión teórica de la formación de espacios turísticos u de su

evolución” (1997, p. 235).

Tendo como fundamento o estudo das articulações econômicas e

espaciais existentes entre as áreas emissoras e as áreas receptoras de

visitantes, Miossec analisa o processo evolutivo dos destinos turísticos, dentro 21 MIOSSEC, J.M. Un modèle de l’espace touristique. L’Espace Géographique, 1977, v.6, n.1,

p.41-48. ____. Elèments pour une Theorie de l ‘Espace Touristique. Les Cahiers du Tourisme, C-36, 1976, CHET, aix-en-Provence.

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de um recorte escalar regional, estabelecendo quatro focos de observação: do

próprio destino turístico (resort), da rede de transportes, do comportamento do

turista e das atitudes das empresas e da população das áreas receptoras

(Figura 6).

Segundo aquele autor, os destinos turísticos obedecem a um ciclo

similar àquele proposto por Butler (1980) que se inicia com a sua descoberta

pelos turistas e evoluem, quantitativa e qualitativamente, em ritmos variáveis e

independentes, de acordo com os pontos de observação propostos. A medida

que evoluem, aumenta a complexidade das relações e das inter-relações no

destino.

Para Pearce (2003), o modelo de Miossec enfatiza os aspectos de

mudanças no comportamento do turista durante o ciclo evolutivo dos destinos

turísticos, paralelamente às mudanças na percepção dos moradores locais nas

possibilidades do turismo.

Vale a pena ressaltar que, dentre os diversos modelos aqui

demonstrados, apenas no proposto por Miossec é possível observarmos certo

cuidado com o estudo dos pontos de vista dos diversos agentes sociais do

turismo. O foco principal está sempre no deslocamento e no centro receptor, a

partir da ótica do mercado, mas Miossec avança incorporando ao seu modelo a

visão do turista e o comportamento da população da região receptora.

Teoria de espaço turístico de Roberto Boullón

No processo histórico recente do desenvolvimento turístico da

América Latina a revisão teórica das propostas e teorias do arquiteto argentino

Roberto C. Boullón revela-se oportuno e necessário. Graças à sua participação

em diversos planos de desenvolvimento turístico Boullón foi convidado pela

Organização dos Estados Americanos (OEA) para coordenar o Centro de

Capacitação Turística (CICATUR), no período de 1974 a 1979 (FRATUCCI,

2000a).

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Figura 6 – Modelo de desenvolvimento turístico de M iossec Fonte: Pearce, 2003

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Aquele centro de estudos gerou um grande referencial teórico

sobre os estudos dos espaços turísticos latino-americanos que, ainda hoje,

continua influenciando a elaboração de políticas públicas de turismo no

continente, inclusive as brasileiras. No conjunto daquela produção bibliográfica

as obras de Boullón tornaram-se referências obrigatórias para todos os

especialistas na área do planejamento e ordenamento do turismo22.

Seguindo a linha funcionalista de análise do fenômeno turístico,

Boullón propôs um modelo de sistema turístico baseado na relação oferta-

demanda, claramente direcionado pela perspectiva do mercado. De acordo

com tal modelo, os destinos turísticos estruturam-se pelo conjunto de atrativos

turísticos, equipamentos e serviços turísticos e infra-estrutura de apoio,

gerenciado pela superestrutura do sistema, tendo a questão da acessibilidade

física como ponto essencial para definição e análise.

Partindo de um conceito empírico-positivista de espaço físico –

tangível e composto de quatro dimensões: comprimento, largura, altura e

tempo – o autor elaborou uma detalhada teoria para explicar a espacialidade

do fenômeno turístico e apoiar as ações de ordenamento dos espaços

turistificados. Segundo ele,

El espacio turístico es la consecuencia de la presencia y distribución territorial de los atractivos turísticos que, no debemos olvidar, son la materia prima del turismo. Este elemento del patrimonio turístico, más la planta turística, es suficiente para definir o espacio turístico de cualquier país. (1990a, p.65)

Levando em consideração que a distribuição dos atrativos

turísticos pelo espaço é aleatória, ele afirma que o espaço turístico é

descontínuo (1990a, 2002), uma vez que entre um atrativo e outro, ocorrem no

espaço outros tipos de objetos e funções sem relações com o turismo. Esta

descontinuidade nos espaços turistificáveis levou Boullón a afirmar que:

22 Os títulos mais importantes de Roberto C. Boulón são: Planificación del espacio turístico

(1985), Los municípios turísticos (1990) e Las actividades turísticas y recreacionales: el hombre como protagonista (1983), todos publicados pela editora mexicana Editorial Trillas, na sua coleção Trillas Turismo. Entretanto, apenas o primeiro título está disponível em português, em edição de 2002, da editora EDUSC.

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Visto que el espacio turístico es entrecortado, no se puede recurrir a las técnicas de regionalización para pro ceder a su delimitación por que, de acuerdo a las mismas, habría que abarcar toda la superficie del país o de la provincia en estudio y si se hiciera esto se cometería el error de hacer figurar como turísticas grandes superficies que no lo son. Esto quiere decir que las regiones turísticas non existen (1990a, p.65-66) (grifo nosso).

Cabe ressaltar que Boullón considera região como uma área com

propriedades similares que lhe confere uma determinada identidade, dando-

lhe certa homogeneidade e continuidade (2002). Ou seja, na sua análise utiliza

o conceito de região empregado nos sistemas de planejamento de governos,

em que a superfície territorial do país ou estado, é subdividida em regiões

contínuas e com características similares definidas a partir de uma série de

indicadores previamente estabelecidos, conforme os objetivos e interesses dos

governantes (econômicos, populacionais, culturais, etc.).

Para o desenvolvimento da sua teoria, Boullón propõe a utilização

de um método empírico para a definição do espaço turístico, estruturado a

partir da regularidade da distribuição dos atrativos turísticos e dos

equipamentos e serviços turísticos existentes e na identificação visual das suas

concentrações ou agrupamentos. Num segundo momento, de forma bastante

sistemática e estruturalista, organiza aquelas concentrações, classificando-as

nos seguintes componentes, organizados em escala descendente: zona

turística, área turística, complexo turístico, centro turístico, unidade turística,

núcleo turístico, conjunto turístico e corredor turístico (Figura 7).

Aqui nos parece ser possível detectar uma contradição nas

propostas de Boullón. Apesar de sua negação explícita da existência de

regiões turísticas, toda a sua teoria fundamenta-se nos pressupostos do

conceito das regiões funcionais da geografia: existências de nós/pólos, lógica

reticular, possibilidades de sobreposições de alguns limites, supervalorização

dos fenômenos pontuais (no caso, os atrativos turísticos), relações de

organização do tipo dominação e/ou complementaridade, etc.

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Figura 7 – Modelo de espaço turístico de Boullón Fonte: adaptado de Boullón, 2002

Tendo como referência a teoria de pólos regionais de

desenvolvimento, Boullón estabelece uma complexa rede de relacionamentos

entre os componentes do espaço turístico, partindo da existência e da

distribuição dos atrativos turísticos, as redes de comunicação entre eles

(rodovias, ferrovias, portos) e a ocorrência ou não de equipamentos e serviços

turísticos (hospedagem, restaurantes, entretenimentos, informações turísticas

etc.) (Figura 8).

De acordo com tal proposta, o espaço turístico pode ser

delimitado com bastante precisão, deixando de fora das intervenções de

ordenamento sugeridas, aqueles trechos não turísticos ou não turistificáveis. As

categorias espaciais propostas por Boullón permitem a visualização e a

conseqüente compreensão dos espaços apropriados pelo turismo. A partir

delas, é possível a realização de um diagnóstico da situação atual e o

estabelecimento de propostas de intervenção que permitiriam a concentração e

otimização dos recursos destinados ao incremento do desenvolvimento

turístico.

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105

Componente Requisitos mínimos Observações

Zona turística

10 atrativos turísticos 2 centros turísticos Equipamentos e serviços turísticos Infra-estrutura de transportes e comunicação

É a maior unidade de análise do espaço turístico; Para ser subdividida em áreas turísticas necessita ter mais de 20 atrativos turísticos.

Área turística

1 centro turístico 10 atrativos turísticos Equipamentos e serviços turísticos Infra-estrutura de transportes e comunicação

São as partes em que uma zona turística pode ser subdividida.

Centro turístico

Atrativos turísticos no seu raio de influências Equipamentos e serviços turísticos Infra-estrutura de transporte interno e conexões com as áreas emissoras

Centro urbano que polariza a atividade turística de uma área ou zona turística. Pode ser de distribuição, de estada, de escala ou de excursão.

Complexo turístico Atrativos turísticos com grande poder de atratividade 1 centro turístico

Agrupamento maior que um centro turístico menor que uma zona turística

Unidade turística

1 ou mais atrativos turísticos singulares e concentrados Hospedagem Alimentação Entretenimento

Menor que um centro turístico

Núcleo turístico Até 9 atrativos turísticos Isolado, com pouca ou nenhuma infra-estrutura de acesso.

Conjunto turístico Até 9 atrativos turísticos Infra-estrutura de transportes

São os núcleos turísticos após a sua integração ao sistema turístico

Corredores turísticos

Vias de conexão entre os diversos componentes do espaço turístico. Podem ser de translado ou de estada.

Figuras 8 – Componentes do espaço turístico propost o por Roberto Boullón Fonte: Elaboração própria a partir de Boullón, 1990a

Para Boullón, “a teoria do espaço turístico é a base para organizar

todas as ações do setor, uma vez que permite a elaboração de políticas

promocionais que, partindo da realidade do patrimônio [turístico], trabalhem

com base em produtos claramente definidos” (2002, p. 108). Trata-se, portanto,

de um instrumento metodológico para “orientar a análise e o diagnóstico do

setor” (ibidem, p. 109).

A teoria do espaço turístico desenvolvida por Roberto Boullón

vem sendo aplicada na América Latina com bastante freqüência, inclusive no

Brasil. No início da década de 1980, a EMBRATUR desenvolveu um ambicioso

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projeto denominado “Identificação do turístico brasileiro”23 que objetivava

estabelecer as áreas prioritárias para o desenvolvimento turístico do país

(FRATUCCI, 2000a e 2006). Também nos planos nacionais de turismo de

2003-2007 e 2007-2010 é claramente observável o uso dessa mesma

metodologia no Programa de Regionalização do Turismo (PRT).

Essa utilização quase pragmática da teoria de Boullón no PRT

nos permite apontar para outro paradoxo da atual política de gestão do turismo

brasileiro: enquanto a teoria de Boullón nega veementemente a possibilidade

de existência de regiões turísticas e o uso das técnicas de regionalização, o

PRT propõe a definição de uma série de regiões turísticas para ordenar os

investimentos e as ações do governo no setor turístico nacional. A tradição do

uso da categoria de região nos planos de turismo é bastante forte, como

veremos mais adiante, porém, quase sempre utilizado de maneira dissonante

com as diversas conceituações adotadas pela geografia.

A revisão e o estudo desses diversos modelos e teorias de estudo

para entender os processos de turistificação do espaço, permitem-nos alguns

questionamentos quanto à abrangência de cada um e a sua aplicabilidade

prática. Em sua maioria, esses modelos tentam compreender como trechos do

espaço são apropriados pelo turismo a partir da constatação de uma situação

empírica já estabelecida e não propõem indicadores ou ferramentas para seu

(re) ordenamento, com exceção da teoria do espaço turístico de Roberto

Boullón que indica algumas possibilidades para o planejamento dos destinos

turísticos. Isto nos leva a reconhecer a necessidade de busca de outras

possibilidades para a leitura e entendimento dos processos de turistificação do

espaço.

23Apresentado com mais detalhes no capítulo 4 deste trabalho.

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3.2 REGIONALIZAÇÃO COMO MÉTODO PARA GERENCIAMENTO DOS PROCESSOS DE TURISTIFICAÇÃO DOS ESPAÇOS

Considerando nossa proposição de entender o turismo como um

fenômeno socioespacial complexo e não apenas como uma atividade

econômica, a dimensão espacial, portanto geográfica, adquire papel

fundamental para a análise das políticas públicas direcionadas para o

ordenamento do desenvolvimento turístico e para a elaboração de futuras

propostas metodológicas.

Tal dimensão espacial do fenômeno turístico deve ser observada

pelo olhar complementar, concorrente e antagônico dos processos de

apropriação e dominação do espaço pelos seus diversos agentes

(HAESBAERT, 2004). Para isso, partimos do entendimento do espaço como

uma realidade relacional, “considerado como um conjunto indissociável de que

participam de um lado, certos arranjos de objetos geográficos, objetos naturais

e objetos sociais e, de outro, a vida que os preenche e os anima, ou seja, a

sociedade em movimento.” (SANTOS, 1997, p. 26). Esse conceito pode ser

complementado pelo proposto por Doreen Massen (2004), para quem o espaço

deve ser visto como uma produção da vida cotidiana, da multiplicidade da

dimensão social contemporânea; ele está em permanente construção e reflete

toda uma simultaneidade de históricas inacabadas, ainda em andamento. Ou

seja, o espaço é o resultado das relações sociais e, também, da ausência

delas.

O atual estágio de globalização econômica do nosso planeta nos

coloca muitas interrogações quando buscamos definir a escala que poderá

melhor nortear as ações de gestão e ordenamento do desenvolvimento

turístico, visto que, pelas suas próprias características intrínsecas, o turismo

deve ser encarado como uma das faces daquele processo de globalização

(VERA et al., 1997). O desenvolvimento técnico-informacional pelo qual temos

passado nas últimas décadas contribuiu para a expansão das viagens

temporárias motivadas pela busca do lazer, do descanso e das descobertas de

novos lugares e novas culturas, fato que estimulou o crescimento de todos os

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segmentos produtivos que contribuem para a atividade turística. Esta atividade

econômica para se mostrar lucrativa, conforme os ditames do modelo

capitalista vigente, necessita da interligação de diversos pontos do planeta em

redes densa e dinâmicas, ao mesmo tempo fluídas e sazonais.

Tais interligações revelam-se simultaneamente em

horizontalidades e em verticalidades. De acordo com as necessidades e

ansiedades de cada agente social que faz acontecer a atividade turística,

podemos verificar processos de territorializações orientados pela lógica zonal

(trabalhadores, Estado e sociedade local), nos quais as relações de

proximidade e de pertencimento enfatizam a força do local como contraponto

da lógica global. Porém, também verificamos processos de territorializações

mais fluídos e esgarçados, em que apenas alguns pontos (nós) são

apropriados efetivamente pelos agentes sociais (turistas, agentes do mercado

e, em alguns casos, os próprios trabalhadores) e interligados a partir da lógica

reticular do processo de globalização dos mercados. O pequeno hotel

localizado no interior do pantanal mato-grossense interliga-se diretamente com

os operadores de turismo de Londres, por exemplo, que lhe determinam sua

forma de atuação, desde o tipo de serviços e instalações de receptivo a serem

oferecidos até seus preços, estabelecendo linhas de comando que extrapolam

as fronteiras nacionais, superpondo-se às lógicas e normas do local.

Os agentes do mercado buscam homogeneizar a organização da

produção nos destinos turísticos, pela imposição de suas técnicas e de suas

“regras e normas egoísticas” (SANTOS, 1996, p.207), enquanto os grupos

sociais locais procuram manter as características singulares e específicas que

são a base do seu cotidiano, regidos por suas regras e normas próprias. A

complexidade que essas relações verticais e horizontais estabelecem nos e

entre os espaços turistificados, devem ser observadas e analisadas num

processo dialógico que contemple tanto os arranjos espaciais contínuos e

contíguos das horizontalidades, como os arranjos descontínuos gerados pelas

verticalidades que garantem o funcionamento do atual sistema econômico

global.

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Como componente do processo de globalização econômica, o

turismo vem contribuindo para a mundialização do espaço geográfico,

diminuindo as distâncias entre seus pontos e reorganizando as funções em

determinados trechos privilegiados, que são apropriados e turistificados pelos

seus agentes, de acordo com suas necessidades e demandas. Esses trechos

turistificados apresentam a conformação de territórios-redes articulados por

redes sociais de diversas escalas e densidades, como detalharemos adiante.

O processo produtivo do turismo valoriza esses trechos

específicos do espaço e os interligam através das relações verticais e/ou

horizontais indicadas anteriormente. Tal processo de turistificação dos espaços

constitui-se em um processo de diferenciação geográfica (SANTOS, 1997), que

(re) valoriza os destinos turísticos, dando-lhes novas funções, incorporando

novos fixos e refuncionalizando outros já existentes, estabelecendo novas

interações internas e externas e, de certa maneira, inserindo-os no sistema

global. Ou seja, a apropriação dos trechos do espaço para o turismo ocorre na

escala local, ao mesmo tempo em que o insere no processo de globalização.

Pelo fenômeno turístico, o global e o local interagem dialogicamente,

compondo uma nova realidade espacial em que a continuidade da lógica zonal

das relações horizontais convive com a descontinuidade reticular das suas

verticalidades.

Desta forma, a turistificação do espaço não pode ser analisada

apenas pelo par escalar local-global. A produção e o consumo do produto

turístico caracterizam-se por ocorrer em trechos descontínuos do espaço que,

na maioria dos casos, ultrapassam a escala local expandindo-se para a escala

regional, compondo espaços turistificados mais ampliados.

A partir do momento em que a civilização ocidental passou a ver o

turismo como um possível vetor de crescimento econômico e mais, como um

fator contribuinte para a diminuição das desigualdades regionais, os

responsáveis pelos governos de muitos países passaram a investir na

elaboração e implantação de políticas nacionais de desenvolvimento para o

setor turístico, com o intuito de se aproveitar dos efeitos multiplicadores da

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atividade econômica resultante dele. Tal fato deu-se logo após o término da

Segunda Guerra mundial, como nos confirma Miguel Angel Acerenza:

Los antecedentes de que se dispone respecto de la planificación del turismo por parte del Estado indican que esta actividad empezó con la elaboración del Primer Plan Quinquenal del Equipamiento Turístico francés, para el período 1948-1952. (1991, v.2, p.39).

Tal afirmação é corroborada por Petrocchi (2001) e por Beni

(2001), que apontam para o fato do planejamento formal do turismo ter surgido

na França não por obra do acaso. Segundo Beni “não foi mera casualidade,

pois na França iniciou-se o planejamento central aplicável a países com

economias de mercado. Portanto, ainda que não fosse um plano integral,

constituiu, de fato, o princípio do planejamento formal do turismo por parte do

Estado.” (2001, p. 111).

Os primeiros planos tinham abrangência nacional e objetivavam

definir políticas de desenvolvimento do setor integradas às políticas mais

amplas de cada governo. Entretanto, logo começaram a surgir os planos de

desenvolvimento turístico voltados para a escala regional. Para Acerenza,

assim como o planejamento integral implica e necessita dos planos setoriais

para atingir os objetivos e metas estabelecidos, “la planificación nacional

requiere de una expresión detallada en el nivel de región o zona geográfica

dentro del territorio nacional.” (1991, v.1, p.142).

Para os principais autores especializados nos estudos sobre o

planejamento direcionado para o turismo (BENI, 2001; ACERENZA, 1991;

PETROCCHI, 2001; HALL, 2001; dentre outros), é possível identificarmos

algumas orientações específicas nos enfoques metodológicos adotados pelos

gestores e planejadores do desenvolvimento turístico, sendo os mais utilizados

o enfoque urbanístico, o enfoque econômico ou mercadológico (city marketing)

e o enfoque regional.

No nosso entender, na atualidade é possível apontarmos uma

busca de combinação dessas tendências metodológicas, com o predomínio do

enfoque mercadológico. A explicação para tal tendência parece estar no

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modelo de produção adotado pela maioria dos países, que prega a priorização

das demandas do mercado e o aumento da lucratividade dos empresários.

Entretanto, mesmo sobre essa orientação neoliberal que faz

predominar as políticas centradas no interesse do mercado e, principalmente,

nas necessidades de reprodução do capital, o uso do modelo regional como

base para a definição das estratégias de desenvolvimento turístico continua

bastante expressivo. A análise dos documentos que registram os processos de

planejamento, denominados planos, confirma essa tradição do uso da escala

regional desde os idos da década de 1950, como exporemos a seguir.

3.2.1 Tradição do Uso da Regionalização nas Políticas Públicas de Turismo

As primeiras iniciativas públicas para a definição de políticas para

a gestão dos processos de apropriação dos espaços para o turismo, como já

apontamos, remontam ao pós-guerra, principalmente nos países europeus.

Antes disso, a turistificação dos espaços ocorria de forma bastante espontânea

e as intervenções governamentais somente se materializavam em momentos

mais críticos, quase sempre de maneira empírica e pontual.

O caso mais antigo em que se pode observar a ação de

planificação voltada exclusivamente para atender às demandas dos visitantes é

o de Atlantic City, fundada em 1824 na costa leste dos Estados Unidos,

próximo à cidade de Nova York, com a função de centro de férias e praia.

Inicialmente foi uma iniciativa privada do engenheiro Richard N. Osborne, mas

seu crescimento acelerado levou à sua incorporação pela administração

pública (ACERENZA, 1991).

Nos anos seguintes ao final da Segunda Guerra mundial,

observa-se a adoção da prática do planejamento econômico integral pelos

países capitalistas24, até então exclusiva dos países de economias

centralizadas (URSS, principalmente). Inicialmente, aqueles planos de governo 24 Em 1946 a França tornou-se o primeiro país de economia de mercado a lançar um plano de

governo, denominado Plano Monet, centrado no planejamento integral da economia do país.

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tendiam para o planejamento integral das economias nacionais atrelado a uma

taxa de crescimento econômico pré-determinada. Na seqüência, foi-se

desenvolvendo a prática do planejamento setorial direcionada para setores

econômicos específicos como agricultura, indústria, etc. (ACERENZA, 1991).

Mesmo tendo sua base na economia, os planos de

desenvolvimento integrais e setoriais revelaram a necessidade de observação

de uma dimensão espacial que definisse claramente o seu âmbito de atuação

territorial. Em conseqüência, surgiram os recortes nacionais, regionais e locais

ou urbanos. Enquanto os planos nacionais abarcavam todo o território de um

país, os regionais limitavam-se ao espaço de uma região específica e os locais

aos limites dos centros urbanos ou dos municípios.

A expansão do capitalismo iniciada em 1945, ocorrida no cenário

do processo de recuperação da Europa, gerou uma maior concentração do

capital e o fortalecimento das grandes corporações. Foi uma expansão que não

se limitou à dimensão territorial, tendo atingido também a dimensão social por

uma nova divisão territorial e social do trabalho (CORRÊA, 1995; 1997).

Os limites regionais até então existentes não conseguiam mais

explicar a nova organização espacial gerada pelo crescente desenvolvimento

tecnológico, da acelerada industrialização de algumas frações do espaço e do

crescimento das áreas urbanas. A expansão do capital trouxe consigo um

processo de re-ordenamento dos espaços, que estabeleceu uma nova ordem

social para todo o planeta, exigindo um novo método geográfico para sua

análise. Foi o período de domínio do método do positivismo lógico, do emprego

das diversas técnicas da estatística e do desenvolvimento do “conceito de

organização espacial entendido como padrão espacial resultante de decisões

locacionais, privilegiando as formas e os movimentos sobre a superfície da

terra” (CORRÊA, 1995, p. 19).

Segundo esse paradigma, a região é entendida como uma criação

intelectual do cientista, sem a priori, destinada a comportar seus propósitos de

estudos (idem, 1997). Na opinião de Haesbaert (2002), o conceito de região

surgida como recorte espacial produzido por esse método de regionalização

foi, posteriormente, adotado por outras linhas teóricas da geografia.

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As ações de gestão do território do turismo se originaram no

contexto de desenvolvimento das diversas teorias sobre as desigualdades

regionais. A observação das estruturas econômicas e sociais de um país

indicava a não uniformidade do seu território. O modo de produção capitalista e

a divisão territorial do trabalho provocavam a concentração de riquezas em

determinadas áreas, em detrimento de outras, criando uma série de

desigualdades no território, seja do ponto de vista econômico, seja do ponto de

vista sociocultural. Na medida em que o turismo passou a ser tratado como

uma alternativa eficaz de desenvolvimento econômico nos planos de governo

de alguns países, começaram a surgir os planos setoriais de turismo e, mais

especificamente, os planos regionais de desenvolvimento para áreas e zonas

geográficas específicas consideradas potencialmente turísticas.

A adoção dos processos de planificação formal para o setor do

turismo foi norteada pelo paradigma neopositivista da nova geografia e da

economia espacial. Partindo de teorias locacionais que visavam à eficiência

máxima para a reprodução do capital, as ações de ordenamento dos espaços a

serem turistificados entendiam a região como uma classe de área, isto é “um

conjunto de unidades de área, como os municípios, que apresenta grande

uniformidade interna e grande diferença face a outros conjuntos (CORRÊA,

1997, p.186).

É interessante observarmos que na literatura pesquisada, há certa

constância dos autores no uso dos termos “região” ou “zona” para classificar as

frações do espaço passíveis de turistificação. No modelo de estudo do espaço

turístico desenvolvido por Roberto Boullón (1990a), a categoria mais ampla de

divisão daquele espaço é denominada de “zona turística”25. Miguel Acerenza,

por sua vez, quando aborda a questão da coordenação dentre os planos

nacionais e regionais, indica que os primeiros para terem seus objetivos e

metas atingidos “requiere de una expresión detallada en el nivel de región o

zona geográfica” (1991 v.1, p. 142).

25 Talvez Boullón tenha optado pelo uso da categoria de “zona turística” em razão da sua

recusa em aceitar a existência da região turística, tendo em vista seu entendimento de o espaço turístico ser sempre descontínuo e a região, necessariamente, ser contínua.

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Nessa linha, a prática de elaboração de planos de

desenvolvimento turístico praticamente instituiu a regionalização como método

mais adequado para comportar a dimensão espacial do turismo, tanto do ponto

de vista do diagnóstico dos seus impactos sobre os espaços turistificados,

quanto das intervenções propostas para o seu ordenamento futuro.

Partindo do conceito de região como “unidade agregada de áreas,

descrita pela invariabilidade (estatisticamente considerada) de características

analisadas, sem movimento no tempo e no espaço” (CORRÊA, 1995, p. 34), os

responsáveis pela definição das ações de planejamento do turismo

estabelecem um sistema turístico regional, utilizando ora a divisão lógica ora a

divisão por agrupamento. Enquanto na primeira o processo é dedutivo, partindo

da divisão sucessiva do todo em parte, na segundo, é indutivo, indo das partes

para o todo (ibidem).

Tanto no processo dedutivo como no indutivo, observa-se nas

regionalizações do turismo o uso quase sistemático da paisagem como recurso

para diferenciação. A identificação e caracterização de cada região quase

sempre se iniciam pelo estudo dos seus aspectos naturais e culturais,

buscando os elementos que possam justificar a sua unidade enquanto região e,

até mesmo, definir suas designações (região dos Lagos, região das Agulhas

Negras, região da Costa do Cacau, são bons exemplos disso).

Esse método vem sendo sistematicamente empregado nos planos

de desenvolvimento turístico, especialmente no Brasil. Mesmo tendo

consciência do fato de que nem todo trecho do espaço é turistificável, as

políticas públicas brasileiras optam pela utilização da regionalização funcional

como estratégia para cuidar da dimensão espacial do setor. Isto tem gerado

muitos equívocos na distribuição dos recursos orçamentários e nos momentos

de priorização das intervenções que culminam no desperdício daqueles

recursos ou na implantação de infra-estruturas e mesmo de empreendimentos

privados, em trechos do espaço pouco propícios para a atividade turística.

A observação da atual regionalização turística do território do

estado do Rio de Janeiro (Figura 9) ilustra bem o que acabamos de colocar.

Utilizando inicialmente o método da divisão lógica (dedutivo), localizaram-se no

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território estadual os elementos identificadores da função turística, tendo o

município como unidade inicial. Assim, o contexto histórico do ciclo do café é o

elemento que identifica e denomina a área do estado composto pelos

municípios de Volta Redonda, Barra Mansa, Pinheiral, Barra do Piraí, Pirai,

Valença, Vassouras, Rio das Flores, Paraíba do Sul, Miguel Pereira, Paty do

Alferes, Mendes, Paracambi e Engenheiro Paulo de Frontin, como a região

turística do Vale do Café. Por sua vez, é a paisagem natural fortemente

marcada pelo mar, pelas encostas da Serra do Mar e pelos remanescentes de

florestas de mata atlântica que caracteriza a região que compreende os

municípios de Paraty, Angra dos Reis, Rio Claro e Itaguaí, denominada de

Costa Verde.

Como nem todos os municípios apresentam elementos que os

caracterizem como turísticos, concluiu-se o processo de regionalização do

estado, com o emprego do método indutivo do agrupamento, tendo como

finalidade garantir que a totalidade do território estadual esteja contemplada

pelas regiões turísticas. Nesse exercício, municípios como Magé e Guapimirim

foram incorporados à região da Serra Verde Imperial, em função de parte dos

seus territórios estarem incluídos no conjunto geográfico da serra dos Órgãos.

Do mesmo modo, outros municípios sem um claro potencial turístico definido,

foram agrupados em regiões agregadas àquelas identificadas a partir do

estudo dedutivo, apenas para que não ocorressem “buracos” no mapa estadual

(caso das regiões turísticas da Baixada Fluminense e dos Caminhos da Mata).

Por esse processo todo o território estadual é considerado como

turístico e, mesmo aquelas áreas onde não há perspectivas de médio e curto

prazo para o desenvolvimento do turismo, são classificadas como uma região

turística como, por exemplo, a área dos municípios da Baixada Fluminense.

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CordeiroMacuco

Trajano de Morais Conceiçãode Macabu

Carapebus

Quissamã

Campos dos Goytacazes

São Joãoda Barra

São Franciscode Itabapoana

São Fidélis

Cardoso Moreira

Italva

Cambuci

Sumidouro

Duas Barras

CarmoCantagalo

Itaocara

Aperibé

Santo Antôniode Pádua

São Joséde Ubá

Itaperuna

Natividade

Porciúncula

Varre-Sai

Bom Jesusdo ItabapoanaLaje do

Muriaé

Santa Maria Madalena

São Sebastiãodo Alto

Bom Jardim

IguabaGrande

S.Pedroda Aldeia

Cabo Frio

S. José do Valedo Rio Preto

Três Rios

Sapucaia

Cachoeirasde Macacu

São GonçaloSaquarema

Rio BonitoAraruama

Silva Jardim

Casimiro de Abreu

Rio das Ostras

MacaéNova Friburgo

Paraíba do Sul

PortoReal

Resende

Rio Claro

Itaguaí

Seropédica

JaperiDuquede Caxias

Engº Paulode Frontin

Paracambi

Miguel Pereira

Valença

Rio das Flores

Vassouras

Paty do Alferes

Petrópolis

Magé

Teresópolis

Guapimirim

Itaboraí Tanguá

Barra do Piraí

NovaIguaçu

Nilópolis

S. Joãode Meriti

BelfordRoxo

Itatiaia

Quatis

VoltaRedonda

Pinheiral

Piraí

Armação dos Búzios

Areal

Paraty

Angra dos Reis Mangaratiba

Mendes

Rio de JaneiroMaricá

Arraial do Cabo

Fonte: Plano Diretor de Turismo do Estado do Rio de Janeiro - 2001 0 10 30 50 Km

Com. LevyGasparian

Região Turística - Agulhas NegrasRegião Turística - Costa Verde

Região Turística - Vale do CaféRegião Turística - Baixada Fluminense

Região Turística - Serra Verde Imperial

Região Turística - Região dos Lagos - Costa do Sol

9

Região Turística - Serra Norte

Região Turística - Metropolitana

Região Turística - Caminhos da Mata

Região Turística - Costa DoceRegião Turística - Noroeste das Águas

Barra Mansa

Me asquit

Figura 9 – Regiões Turísticas do Estado do Rio de J aneiro - 2005 Fonte: TurisRio, 2006.

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Entretanto, a tradição do uso do método regionalização nos

estudos da dimensão espacial do turismo contradiz praticamente todos os

modelos e teorias de estudos do espaço turístico que apontam unanimemente

para a descontinuidade daquele espaço, como veremos a seguir.

3.2.2 Descontinuidade Territorial do Espaço Turístico

Para o grupo de geógrafos espanhóis26 coordenados por J.

Fernando Vera Rebollo (1997), o turismo é uma prática espacial coletiva que

projeta no espaço tempo de estada e tempo de movimento (deslocamento). A

variável tempo revela-se fundamental para a apreensão da espacialidade do

fenômeno turístico e está diretamente relacionada aos fatores motivacionais

dos deslocamentos turísticos. De acordo com as motivações e a

temporalidade dos deslocamentos, a organização dos espaços turistificados

varia e assume características específicas.

Como já abordamos anteriormente, a base de referência para a

ocorrência do fenômeno turístico concentra-se nos recursos capazes de atrair

a atenção dos turistas e, conseqüentemente, de provocar os seus

deslocamentos espaciais. Nos diversos modelos revisados (MIOSSEC,1967;

BOULLÓN, 1990a, dentre outros) observamos que os espaços turistificados

ou turistificáveis não são necessariamente contínuos ou exclusivos. Em um

mesmo trecho do espaço é possível a superposição de territórios e

territorialidades distintas (FRATUCCI, 2000b). Como apontam Souza (1995) e,

mais especificamente, Haesbaert (2004), os processos de territorialização,

entendidos como “relações de domínio e apropriação do espaço, ou seja,

nossas mediações espaciais do poder, poder em sentido amplo, que se

estende do concreto ao mais simbólico” (HAESBAERT, 2004, p. 339), são

múltiplos e complexos, admitindo flexibilidade, sobreposição e intercalação de

territórios, de forma complementar, concorrente ou, em casos mais

26 É importante destacar que a Espanha é um dos países pioneiros e com mais tradição no

desenvolvimento de ações de planejamento e ordenamento do desenvolvimento turístico.

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específicos, antagônica. No cenário atual, o espaço turístico puro e exclusivo

talvez, somente seja possível ocorrer nos enclaves turísticos dos resorts ou

dos grandes parques temáticos.

Roberto Boullón, como já ressaltamos, é categórico na sua teoria

para o estudo do espaço turístico quanto à questão da sua descontinuidade.

Para aquele autor, o espaço turístico sempre se revela entrecortado,

descontínuo. Esta descontinuidade vai ficar mais ou menos clara conforme o

recorte escalar que estivermos adotando para nossos estudos e observações.

Na escala do país, ela pode ser estabelecida pela descontinuidade existente

entre os destinos turísticos. Por sua vez, no recorte estadual podemos

abranger mais detalhes e os espaços vazios de turismo revelam-se de forma

mais perceptível. Na escala local temos a possibilidade de precisão bastante

elevada para distinguir os espaços do turismo dos demais.

Agregando outros elementos para a caracterização dos espaços

turísticos além dos atrativos, através da incorporação dos outros objetos

sociais necessários à concretização do turismo (hotéis, serviços, infra-

estrutura, etc.) vamos perceber que a descontinuidade mantém-se presente e

revela-se mais marcante, assumindo o caráter de rede. Mesmo na escala

urbana dos destinos turísticos podemos observar trechos do espaço não

apropriados diretamente para o turismo e trechos onde o turismo se superpõe

a outras atividades como a comercial, a residencial, etc., compondo espaços

de multiterritorialidades (HAESBAERT, 2004) concorrentes, complementares

e, em certos casos, antagônicas.

No caso do município do Rio de Janeiro, destino turístico de

escala internacional, a distinção das áreas turísticas em relação às outras

áreas da cidade é de fácil percepção. O espaço turistificado do município

concentra-se na pequena fração do seu território localizada entre o centro e a

área litorânea das zonas sul e oeste, onde é facilmente possível identificarmos

pontos específicos de concretização do turismo, intercalados com áreas

urbanas com outras funções específicas.

Assumir essa descontinuidade territorial dos espaços turísticos

parece-nos essencial para o estabelecimento das políticas públicas para a

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gestão do turismo. Entretanto, cabe lembrar que tais políticas devem atender

às necessidades de todos os agentes sociais envolvidos com o fenômeno

turístico e não apenas aos turistas e aos empresários do setor. Isto exige uma

compreensão mais acurada do espaço apropriado para o turismo: seus limites

vão além daqueles por onde os visitantes circulam e onde se concentram

seus fixos (atrativos, equipamentos hoteleiros, parques de diversões, etc.),

abrangendo os espaços superpostos, intercalados ou periféricos, que mantêm

ligações indiretas com o turismo, pela atuação e da ação dos demais agentes

do fenômeno: trabalhadores do setor, empresas e serviços que apóiam o

trade turístico. Como veremos com mais detalhes adiante, esse espaço

entrecortado, descontínuo, flexível e sazonal, pode ser visto e classificado

como um território-rede, tanto na escala local dos destinos turísticos como na

escala regional, resultado da combinação das lógicas de apropriação dos

espaços de cada um dos agentes produtores do turismo.

3.3 COMBINAÇÃO DAS DIVERSAS LÓGICAS DE APROPRIAÇÃO DOS ESPAÇOS PARA O TURISMO

Cada um dos agentes sociais responsáveis pela produção dos

territórios descontínuos, sazonais e flexíveis do turismo - turistas, agentes do

mercado, Estado, trabalhadores e população local - age segundo lógicas de

territorialização próprias, que variam em diferentes combinações entre a lógica

zonal e a lógica reticular. De acordo com Haesbaert (2004), a lógica zonal

está relacionada com o controle de áreas ou limites, enquanto a lógica

reticular concentra-se no controle dos fluxos e dos pólos de conexões,

portanto, das redes. Enquanto a primeira parte de uma concepção espacial de

território como superfície contínua, mais ou menos homogênea e até certo

ponto estática, segundo a concepção bidimensional do espaço euclidiano, a

lógica reticular incorpora o movimento como ponto importante na constituição

dos territórios e das territorialidades (ibidem).

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As ações e as práticas de cada um daqueles agentes sociais

compõem um complexo feixe de relações que se refletem nos espaços

turísticos, dando-lhes uma dimensão espacial marcada, como já discutido,

pela descontinuidade territorial e pela intensa mobilidade. Na

contemporaneidade a turistificação dos espaços revela-se importante fator de

reordenamento daqueles espaços, a partir da refuncionalização dos seus fixos

e da produção de territórios “esgarçados”, estruturados em malhas de pontos

e linhas, mais ou menos densas. Enquanto a lógica de apropriação dos

espaços do turista é essencialmente reticular e marcada pela mobilidade27,

para o poder público e para a comunidade local ela é predominantemente

zonal; já para os agentes de mercado e para os trabalhadores do setor ora ela

se apresenta como zonal ora como reticular. A combinação dessas diferentes

lógicas dos agentes sociais produtores do turismo, apontam para a

constituição de um espaço do turismo ora contínuo (zonal) ora entrecortado

(reticular), constituindo-se em um território-rede, trazendo assim implicações

distintas para as políticas de planejamento e ordenamento de turismo.

Tais espaços apropriados para o turismo revelam a organização

de um território que deve ser visto e analisado “através de uma perspectiva

integradora entre as diferentes dimensões sociais” (HAESBAERT, 2004, p. 74)

de cada um dos seus agentes. Esta perspectiva integradora, portanto

complexa, nos leva a assumir, seguindo as proposições de Haesbaert, o

território do turismo e os processos de territorialização dos seus diversos

agentes,

como fruto da interação entre relações sociais e controle do/pelo espaço, relações de poder em sentido amplo, ao mesmo tempo de forma mais concreta (dominação) [especialmente pelo Estado e pelos agentes do mercado] e mais simbólica (um tipo de apropriação) [processo mais visível na atuação distintas dos turistas e da população local]” (ibidem, p. 235).

27 Adotamos aqui a concepção proposta por Jacques Levy (2001, p.1), para quem a

mobilidade é “a relação social ligada à mudança de lugar, isto é, como o conjunto de modalidades pelas quais os membros de uma sociedade tratam a possibilidade de eles próprios ou outros ocuparem sucessivamente vários lugares.”

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A sociedade contemporânea, para alguns, dita pós-moderna,

experiencia o “viver em redes”, em que os territórios e as territorialidades

passam a ser concebidos e caracterizados pelo movimento, pela fluidez e

pelas interconexões, portanto, pelas redes (idem, 2002, 2004). Assim como

outras atividades econômicas contemporâneas, o turismo concretiza-se pela

ação, pela articulação e pela interconexão dos seus diversos agentes

produtores no tempo e no espaço. Isto nos abre a possibilidade de

considerarmos o turismo e, em especial, a sua dimensão espacial a partir da

perspectiva das redes e dos territórios-rede, descontínuos e sobrepostos.

O conceito de rede, presente em diversas formas de

representação do mundo proposta pelo homem desde a Antiguidade, adquiriu

na contemporaneidade uma posição de destaque enquanto recurso de análise

de diversas disciplinas das ciências humanas, inclusive da geografia (DIAS,

2007). A ênfase imposta pelo regime de acumulação flexível, que caracteriza

o atual estágio do capitalismo, nos fluxos de capital, mercadorias e de

informações, nos leva a incluir as redes como um recurso metodológico e

analítico apropriado para a compreensão da organização espacial dos

territórios apropriados para o turismo.

Para Pierre Musso (2003a; 2003b), a percepção da idéia de rede

remonta à antiguidade grega, onde vamos encontrá-la associada tanto às

representações da tecelagem e do labirinto como às “representações

hipocráticas do corpo humano e dos seus fluxos internos28” (2003a, p. 18).

Essa associação entre o conceito de rede e o corpo humano só ganhou

acréscimos consideráveis a partir do século XVIII, quando surgiram, no âmbito

da cartografia, as representações do território baseadas em uma visão

geométrica e matemática do espaço, o que introduziu uma objetivação da

rede como uma “matriz técnica” (DIAS, 2007).

Já no século XIX, Claude-Henri de Rouvroy, ou Conde de Saint-

Simon, desenvolveu o conceito moderno para as redes a partir de uma

proposta de reformulação do sistema feudal do Estado (no caso, a França)

para um sistema industrial, visto como uma “obra divina” dentro do “Nouveau

28 Todas as citações diretas feitas de Musso 2003a e 2003b, foram traduzidas pelo autor.

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Christianisme” proposto por ele. Segundo ele, o território deveria ser coberto

por redes de comunicação, de conhecimento e de crédito, ou seja, “redes

artificiais para assegurar a circulação de todos os fluxos dentro da sociedade”

(MUSSO, 2003a, p. 32).

Para Saint-Simon “a rede simboliza definitivamente – na ação e

na representação – o laço selado entre os três elementos da sua religião: a

associação, a comunicação e a comunhão” (ibidem, p.32). Ou seja, as redes

eram intermediadoras de uma mudança social e não produtoras de relações

sociais, como propuseram posteriormente, alguns dos seus seguidores como

Michael Chevalier (DIAS, 2007).

Ainda de acordo com Musso, com o desenvolvimento dos

computadores e das redes de tele-informáticas, notadamente a Internet,

ocorreu uma nova extensão da representação das redes para toda a

sociedade (2003a, p.34), por ele denominada de “tecno-utopia reticular” que

articulava dois pontos centrais do seu conceito de rede: a antiga narrativa

envolvendo corpo e técnica, colocando o corpo, mais especificamente, o

cérebro frente á frente com a rede, e a narrativa moderna de Saint-simon que

tem a rede técnica como uma propulsora política de mudanças sociais.

(MUSSO, 2003b).

Como bem nos lembra Milton Santos, “a rede é também social e

política, pelas pessoas, mensagens, valores que a freqüentam” (1996, p.209),

nunca são uniformes e são inseparáveis da questão do poder, entendido

como a capacidade de qualquer sistema para organizar e controlar os

recursos necessários para o seu funcionamento (ibidem).

Segundo Dias (2007), o conceito de rede vem sendo aplicado

como forma de organização social, urbana, econômica, política e técnica.

Para a autora, a rede técnica é a que mais chama a atenção e merece

destaque, sendo “objeto de muitas representações, freqüentemente marcadas

por discursos prospectivos, segundo o pressuposto da casualidade linear

entre o desenvolvimento técnico e as mudanças sociais e espaciais (ibidem,

p. 12).

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No entanto, Dias (2007) também nos alerta para o fato da

articulação das redes com o desenvolvimento técnico acelerado característico

do século XX, envolver um debate “fortemente marcado por um viés

determinista”. Tal postura pode nos levar a entender as redes como o “sujeito

capaz de criar condições sociais inéditas e de estruturar territórios” (ibidem, p.

13), superestimando o poder das mudanças técnicas. Citando Jean-Marc

Offner (200029), a autora nos chama a atenção para a necessidade de

cuidarmos para não nos redermos àquele determinismo tecnológico atual,

como ocorreu com Manuel Castell na sua obra Sociedade em Rede (1999).

Para tanto, ela nos orienta a pensar as redes como resultado das ações dos

agentes sociais e não como sujeitos daquelas ações, tirando o foco das redes

técnicas e levando-o para o conjunto das ações dos agentes sociais que

engendram aquelas redes:

Instável no tempo, móvel e inacabada como já apontou Raffestin (1980), a idéia da rede certamente ilumina um aspecto importante da realidade – chama a atenção para a complexidade das interações espaciais, resultantes dos conjuntos de ações desencadeadas em lugares mais ou menos longínquos. Assim, a rede representa um dos recortes espaciais possíveis para compreender a organização do espaço contemporâneo. (DIAS, 2007, p. 23).

Na visão de Milton Santos (1996), as redes devem ser vistas

como um composto de ações técnicas e ações sociais, tendo materialidade e

fluidez. São reais e virtuais, não prescindindo dos fixos – sua base técnica – e

dos fluxos, que as animam. Para ele, “as redes são estáveis e, ao mesmo

tempo, dinâmicas. Fixos e fluxos são intercorrentes, interdependentes. Ativas

e passivas, as redes não têm em si mesmo seu princípio dinâmico, que é o

movimento social.” (ibidem, p. 221). Ou seja, como já nos apontara Dias

(2007), elas não são o sujeito das ações e dos fenômenos; são apenas

instrumentos analíticos para o aprofundamento da compreensão de

fenômenos complexos como é o caso do turismo, especialmente quando o

analisarmos pelo ponto de vista da sua dimensão espacial.

29 OFFNER, J.M. ‘Territorial deregulation’: local authorities at risk from technical networks.

International Journal of urban and regional research. Volume 24.1, p.165-182, march 2000.

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Por outro lado, para Raffestin (1980), “toda prática espacial,

mesmo embrionária, induzida por um sistema de ações ou de comportamento

se traduz por uma produção territorial que faz intervir tessitura, nó e rede”

(1993, p.150). Os deslocamentos espaço-temporais dos turistas estabelecem

um feixe de relações e de interações entre locais, firmas, instituições e

indivíduos, que pode ser representado pelo que ele classifica como um

“sistema de malhas, nós e redes”, ou pelo que Souza (1995) propõe como

sendo um “território descontínuo ou território-rede”. Com base no

comportamento e nas ações dos diversos agentes produtores do turismo, o

espaço turistificado organiza-se a partir de pontos/nós (destinos turísticos)

articulados e interligados entre si e com outros pontos/nós (centros

emissores), estabelecendo tessituras, que variam de intensidade e de escala,

de acordo com o tipo e o modo do turismo estabelecido.

Em outras palavras, podemos afirmar que, sob a ótica do seu

processo e da sua organização, o turismo estabelece uma rede composta por

destinos turísticos e por centros emissores (nós), localizados em pontos

diferentes do espaço que, por suas características funcionais, mantêm entre si

certas ligações de comando. Existe, pois, uma organização que mantém um

nível de gerenciamento (por extensão, de poder) sobre eles, interligando-os

por meio de objetivos comuns. O ponto/nó emissor precisa do ponto/nó

receptor (destino turístico) para satisfazer as demandas dos turistas e para

informá-los e transportá-los são necessários os “dutos” (materiais e imateriais)

que os unem, formando uma rede complexa (FRATUCCI, 2000b), que em

alguns casos pode avançar para a escala regional.

Fazendo um paralelo com os territórios-rede propostos por

Souza, podemos propor que os agentes produtores do turismo ao se

territorializarem produzem “uma rede complexa, unindo nós irmanados pelo

pertencimento a um mesmo comando” (1995, p.92). Entretanto, assim como

no caso do tráfico de drogas, nos vazios existentes entre os destinos

turísticos, ou mesmo superpostos a eles, existem outras redes e outras

territorialidades, com objetivos distintos.

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Por outro lado, “cada nó de um território descontinuo é [...] ele

mesmo um território” e “cada território descontínuo é, na realidade, uma rede

a articular dois ou mais territórios contínuos” (idem, 1995, p.93-4). Se fizermos

o caminho oposto pelos níveis escalares de análise, iremos perceber que,

dentro do conceito mais tradicional de território, o destino turístico (nó

receptor) apresenta-se como o território mais concreto, quase sempre

contínuo e relativamente homogêneo, do turismo. A produção e o consumo do

produto turístico pelo turista sempre acontece na escala local; ou seja, é nos

“núcleos receptores que se dá, de maneira mais explícita, o consumo do

espaço” (RODRIGUES, 1997a, p.62).

O destino turístico30, como espaço vivido apresenta-se, portanto,

como

o território onde o turismo se realiza e onde há a ocorrência de interações e inter-relações temporárias entre o anfitrião e o turista [hoje acrescentamos os agentes de mercado, os trabalhadores e o Estado], aos quais irão permitir um contato direto, sem barreiras (físicas ou simbólicas) entre eles e o reconhecimento da existência do outro, recíproca e simultaneamente. (FRATUCCI, 2000a, p.65).

Importante salientar que a lógica reticular dos territórios-rede não

é exclusiva e não deve ser identificada de forma isolada; ela ocorre de forma

ao mesmo tempo complementar e concorrente à lógica zonal dos territórios

tradicionais. Na realidade, como aponta Haesbaert, a lógica zonal do território

tradicional (território-zona) “não estabelece em momento algum um relação

dicotômica ou dual“ (2004, p. 286) com a lógica reticular dos territórios-rede;

“território-zona e território-rede, como espécies de ‘tipos ideais’, de fato nunca

se manifestam de forma completamente distinta” (idem, p.290).

Essa lógica complexa de apropriação do espaço, ora mais zonal

ora mais reticular deve ser de alguma maneira, observada e incorporada pelas

políticas públicas orientadoras da gestão do desenvolvimento turístico. O

30 Em trabalho anterior, propusemos o termo lugar turístico para definir os centros receptores.

Entretanto, para a presente discussão entendemos ser mais oportuno denominá-los como destinos turísticos, tendo em vista que nem sempre o centro receptor se revela como um lugar no sentido dado pelas concepções teóricas da geografia humana e da antropologia.

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descaso para com esse componente do fenômeno turístico como abordado

anteriormente, tem originado uma série de equívocos responsáveis por muitas

perdas de oportunidades e por muitos conflitos e impactos socioculturais e

ambientais no país.

Como afirmamos antes, há uma certa tradição do uso da região

e de diferentes métodos de regionalização nos processos de planejamento

dos espaços turistificados, levando a que considerem apenas a lógica zonal

de apropriação dos espaços para o turismo nas suas propostas de

intervenção. Entretanto, como também já apontamos, parece-nos que a região

não seja a categoria mais apropriada para o estudo e para a gestão daqueles

espaços, dada as características muito específicas do fenômeno turístico.

Desse modo, a categoria território-rede revela-se mais adequada

para avançarmos nos estudos do sistema articulado pelo turismo, de modo

complexo, incluindo todos os seus elementos constituintes, suas ações,

interações e inter-relações, sejam elas complementares, concorrentes ou

antagônicas. A lógica reticular do território-rede nos permite captar a

mobilidade e a transformação dos agentes sociais produtores do turismo.

Como bem nos coloca Haesbaert (2004, p. 286) a adoção da lógica reticular

nos permite captar “a dimensão temporal-móvel do território” e a sua

combinação com a lógica zonal nos leva a perceber mais nitidamente o

dinamismo, o movimento, as possíveis conexões e a profundidade do espaço

apropriado pelo turismo (ibidem).

Esse procedimento contribui para nos afastarmos da leitura

bidimensional e estática do espaço do turismo, incorporando às nossas

observações também a multiplicidade de tempos de cada um dos seus

agentes sociais e diminuindo as incertezas que ainda é possível observamos

nos processos de apropriação do espaço para o turismo.

Ao analisarmos o espaço do turismo na região das Agulhas

Negras (capítulo 5), observamos que a combinação das lógicas de

territorialização de cada um dos agentes sociais envolvidos, tende a ampliar

os territórios-rede do turismo para a escala micro-regional, envolvendo os

territórios e articulando localidades de mais de um município. Desse modo,

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identificamos a formação de redes regionais compostas por aqueles agentes

produtores, em especial, pelos agentes de mercado e pelos turistas.

3.4 INCERTEZAS E CONFLITOS NOS PROCESSOS DE TURISTIFICAÇÃO DO ESPAÇO CONTEMPORÃNEOS

O estudo e a análise recentes dos processos de turistificação de

espaços na contemporaneidade apontam para uma realidade complexa e

ainda bastante longe de uma organização. O jogo dialógico que os agentes

produtores do turismo estabelecem entre si, com os outros setores da

sociedade contemporânea e, mais especialmente, com as comunidades das

áreas receptoras, promove uma realidade bastante densa e complexa. Nela

convivem sincronicamente muitas lógicas espaciais, além de interesses e

visões de mundo específicas, que precisam ser observadas e contempladas,

mesmo que de maneira indireta, nas análises e no estudo daquele fenômeno.

O turismo, visto como fenômeno socioespacial ou como

atividade econômica, faz parte de uma realidade mais ampla e suas políticas

públicas de gestão devem ter essa referência. Todas as ações e políticas

propostas para o turismo deveriam contemplar esse jogo dialógico complexo

que envolve dois níveis de organização: um nível mais específico, que

contempla a organização/sistema do turismo especificamente e outro, mais

abrangente, que abarca uma organização/sistema maior, como um meta-

sistema, no qual o turismo se insere e se articula. O conjunto das relações

ambientais proposto por Beni (2001) no seu modelo de sistema turístico busca

justamente considerar esse jogo contraditório, mas ao mesmo tempo

complementar e concorrente, com o qual o turismo convive. Não é possível

estabelecer políticas, programas e ações para o desenvolvimento do turismo,

seja qual for a estratégia adotada, sem que seu ambiente externo esteja

envolvido e articulado com ele. Essa interdependência do sistema turístico

com o meta-sistema no qual se insere, pode ser considerada como um dos

pontos nevrálgicos para a sua gestão e ordenamento, já que incorpora ao

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problema um conjunto de variáveis externas extremamente complexas e,

aparentemente, desarticuladas.

O grau de permeabilidade do sistema turístico com o seu

ambiente externo torna a sua gestão uma ação que requer muita agilidade no

seu monitoramento e na sua retro-alimentação. Não é possível pensar o

turismo a partir de metodologias de planejamento rígidas e estáticas; urge a

utilização de métodos e técnicas que possibilitem a constante atualização das

variáveis do jogo e a permanente revisão dos programas, projetos e ações

propostos. Diante dessa complexidade do fenômeno, não é possível

desconsiderar os cortes que as articulações entre as disciplinas, entre as

categorias cognitivas e entre os tipos de conhecimento, propostos pelo

paradigma atual (da simplificação) têm nos imposto (MORIN, 1999a). Pensar

e agir complexamente diante do fenômeno turístico é buscar incluir as outras

dimensões que o turismo comporta, além da dimensão econômica. “Não

devemos esquecer que o homem é um ser biológico-sociocultural, e que os

fenômenos sociais são, ao mesmo tempo, econômicos, culturais, psicológicos,

etc.” (Ibidem, p. 177).

Voltando à questão das incertezas e dos conflitos com os quais o

turismo convive, podemos iniciar nossa análise pelo conflito básico do

fenômeno: enquanto o comportamento da demanda turística tende para a

globalização e para a internacionalização, a estruturação da oferta turística

cada vez mais se volta para a valorização das características locais. Ao

mesmo tempo em que o perfil do turista atual tende para um comportamento

mais ou menos internacionalizado (talvez, melhor seria dizer estandardizado)

e que os agentes do mercado trabalham para uma padronização dos serviços

oferecidos, os destinos turísticos, na luta pela competitividade com outros

destinos, buscam se diferenciar dos demais, incorporando e salientando as

suas características locais, por meio de uma revalorização das suas

identidades culturais. A própria proposta da corrente do city marketing, tão

difundida atualmente no mundo do negócio turístico, salienta que para um

destino turístico se destacar no universo do turismo atual, ele deve valorizar

as suas peculiaridades locais. Essa aparente contradição entre o local e o

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global reforça a complementaridade dos diversos constituintes do turismo,

indicando que o seu jogo de interações caminha da desordem para a ordem,

ciclicamente, se retroalimentando mutuamente.

Senão vejamos: um turista europeu que vem ao Brasil e compra

um final de semana em Paraty, com certeza foi motivado para tal escolha

pelas características daquela cidade histórica, especialmente por sua

arquitetura tipicamente brasileira e pelas suas festas e atividades populares.

Portanto, o que o atraiu foram as características peculiares e específicas da

oferta local em relação a outras cidades históricas do Brasil. Entretanto, ele irá

demandar por uma série de serviços (transportes, alimentação, hospedagem

etc.) dos quais irá esperar um nível de qualidade de padrão internacional, em

que conforto, segurança e higiene deverão estar presentes. Para atender a

essa característica da demanda, as pousadas de Paraty, sem alterar as

características históricas e arquitetônicas dos seus prédios, disponibilizam

quartos com ar condicionado, banheiros com sistema de aquecimento de

água central e no café da manhã oferecem os alimentos que qualquer hotel

brasileiro de categoria similar oferece: sucos e frutas tropicais, presunto,

queijos, pães e biscoitos, chá, café, etc. Cabe aos responsáveis pela

administração e gestão do sistema turístico local encontrar um caminho que

possibilite aos atributos locais continuarem tendo seu papel como seu

constituinte diferencial, complementarmente às demandas e necessidades de

serviços e estruturas mais internacionalizadas dos seus visitantes. A

organização deve contemplar a unidade e a multiplicidade, o uno e o múltiplo

(MORIN, 1999a).

Para o especialista em turismo Peter Keller, o jogo contraditório

existente entre a abertura dos mercados provocados pela globalização e a

volta às origens pregada pela valorização do local, se revela extremamente

forte na atividade turística:

A grande rede de contatos criada pela tecnologia da informação deu condições para o surgimento de uma cultura global de lazer. A posição do consumidor foi aperfeiçoada nesse mundo globalizado. [...] Os novos sistemas de distribuição estão melhorando a transparência nos negócios

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tanto em termos de serviços como de preços. Essas melhorias também significam que as pessoas, em todo o mundo, passaram a adotar padrões similares relativos à expectativa do conforto e da qualidade de serviços. O conforto e o padrão de qualidade de hoje são verdadeiramente internacionais (KELLER, 2005, p.5)

Para nós, esse jogo contraditório deve ser ampliado e visto como

dialógico entre os valores propostos pelo processo de globalização e aqueles

ditados pelos processos de resistência dos locais, representando uma das

variáveis mais significativas para entendimento dos processos de turistificação

dos espaços. Ao tentar se diferenciar no mercado turístico, os destinos

turísticos recuperam, (re)criam ou (re)inventam valores locais na ânsia de

conquistar mais visitantes. Nessa tentativa, ao mesmo tempo em que o

turismo pode contribuir para a valorização e o fortalecimento dos laços

culturais das populações das áreas receptoras, também pode levar à

espectacularização da sua cultura. Para alguns antropólogos brasileiros, a

relação dialética do turismo com a cultura se revela com a encenação da

cultura para o turista ao mesmo tempo em que essa encenação provoca o

resgate da cultura; a cultura “produto” inventada pelo e para o turismo, ajuda a

reinventar as identidades locais a partir da recuperação de valores culturais

esquecidos ou mesmo perdidos. (BANDUCCI JR; BARRETTO, 2001). No

nosso entender, devemos ver esse processo como parte de um circuito

relacional em que os elementos se influenciam e se retroalimentam

recorrentemente, em um movimento constante e cíclico, característico dos

fenômenos sociais complexos.

Continuando na esteira dos conflitos e das incertezas do turismo

contemporâneo nos deparamos com aquela relacionada diretamente com a

ação do agente público, ou seja, do Estado na gestão do turismo. Enquanto

os discursos dos governantes vêm sendo marcados fortemente pelo

paradigma do desenvolvimento sustentável, a prática resultante das suas

ações e interações com os outros agentes do turismo não corresponde a ele.

Há um distanciamento significativo entre discurso e ação, revelando conflitos

e desequilíbrios entre os interesses dos diversos agentes do turismo. Se o

poder público, como agente articulador de todos os agentes envolvidos

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apresenta um discurso conflituoso com suas práticas, todo o

sistema/organização turístico gerenciado por ele torna-se conflituoso e incerto.

Considerando o paradigma do desenvolvimento sustentável que

estabelece a sustentabilidade alicerçada em três pilares centrais –

sustentabilidade econômica, sustentabilidade ambiental e sustentabilidade

sociocultural – ficam evidentes as ambigüidades existentes entre o que as

políticas públicas de turismo vêm propondo nos últimos anos e o que vem

sendo efetivamente construído nos destinos turísticos brasileiros. Enquanto o

discurso prega a lógica da sustentabilidade, a prática segue a lógica do

mercado que está voltada especificamente para a busca de maior

produtividade e geração de mais lucros para o capital investido. As outras

dimensões do fenômeno são praticamente ignoradas. A dimensão espacial do

turismo, em especial, é totalmente relegada ao papel de suporte, quase

cenário, para a atividade econômica, somente aparecendo nos momentos em

que é necessário definir a localização dos investimentos públicos e privados.

Literalmente, são desconsideradas as lógicas de apropriação dos espaços de

alguns dos seus agentes sociais, especificamente dos trabalhadores do setor

e das populações residentes nos destinos turísticos.

Podemos exemplificar esse fato, analisando o PRODETUR-NE,

que desde o início da década de 1990, vem preparando praticamente todo o

litoral daquela região para os grandes empreendimentos turísticos

internacionais, implantando toda a infra-estrutura exigida por aqueles

investidores. Assim, um número expressivo de aeroportos foi construído ou

ampliado para poder receber os tão conhecidos “vôos charters” (São Luiz,

Fortaleza, Natal, Recife, Salvador, João Pessoa, etc.); muitos quilômetros de

rodovias foram abertos, asfaltados ou recapeados ligando as localidades da

faixa litorâneas às capitais e, portanto, aos seus aeroportos; redes de

abastecimento de água, energia e comunicação e sistemas de tratamento de

esgotos foram disponibilizados em pontos privilegiados do litoral para onde

estavam reservadas as áreas para a implantação de resorts.

Entretanto, muito pouco ou quase nada foi investido para a

preparação das populações das áreas envolvidas, de maneira a permitir sua

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inserção no novo (para eles) negócio do turismo. Não houve capacitação,

treinamento e muito menos, investimentos na área da educação fundamental.

Também, pouco está se investindo para a preservação ou recuperação de

áreas naturais importantes. Os investimentos ocorridos nesse sentido estão

diretamente vinculados à implantação de empreendimentos do tipo resorts

que se utilizam deles apenas para exibirem o rótulo de ambientalmente

corretos.

Outro fator de incerteza nos processos de turistificação dos

espaços está no comportamento da população autóctone dos destinos

turísticos. Mesmo percebendo no turismo uma possibilidade de melhoria da

qualidade de vida local, pelos investimentos gerados e pelo aumento da oferta

de empregos e ocupações, há certa resistência à entrada de visitantes

representada por certa hostilidade a eles. Ao mesmo tempo em que o turismo

é visto como algo bom do ponto de vista econômico, também é criticado pelos

seus impactos ambientais e pelas influências negativas que provoca,

principalmente, na faixa mais jovem da população, que se deixa levar pelo uso

das drogas, pela prostituição e pela incorporação de hábitos estranhos ao seu

cotidiano.

A resistência de alguns esbarra no otimismo de outros, criando

um impasse nas relações sociais locais, levando a crises de convivência e de

perda de interesse pelo lugar. Muitos optam por se afastarem do local, indo

morar em outros lugares ou mesmo nas áreas periféricas dos centros

turísticos, buscando isolar-se da situação, enquanto outros se articulam para

tirar proveito da nova atividade econômica, investindo em negócios nem

sempre bem estruturados para atender à demanda dos visitantes, partindo do

pensamento equivocado que o turista está ali para ser explorado sempre.

Como toda prática espacial, o turismo gera alterações nos

espaços onde seus agentes produtores se instalam, refuncionalizando alguns

dos seus objetos fixos, eliminando outros que impedem o seu crescimento e

constituindo uma nova rede de relações sociais, políticas, culturais e

econômicas, que tornam o espaço turistificado um campo de novas interações

e inter-relações convergentes, concorrentes e opostas, cheio de conflitos e

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incertezas para os seus agentes promotores. Caberia às políticas públicas

responsáveis pelo ordenamento do setor, captar esses conflitos e demandas e

encontrar o ponto de estabilidade entre eles, mesmo que temporário, de modo

que, senão todos, pelo menos a maioria dos seus agentes tenham as suas

ansiedades e necessidades atendidas de forma plena e duradoura.

Entretanto, parece que essa tarefa não vem sendo realizada pelos

responsáveis pela gestão do setor no nosso país e, com isso, muitas

oportunidades têm sido perdidas, tanto na dimensão espacial do fenômeno,

como na social e na econômica, como veremos no capítulo seguinte.

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4 A DIMENSÃO ESPACIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DO TUR ISMO NO

BRASIL A análise das políticas públicas federais de turismo no Brasil mostra, claramente, a total ignorância daqueles que as elaboraram relativamente ao significado do espaço para a vida e, conseqüentemente, para o turismo. Reduzido a ‘atrativos naturais e culturais’, o espaço foi e continua sendo compreendido pelas administrações públicas – ao menos no que diz respeito ao turismo – como um puro e simples receptáculo de suas ações às quais devem somar-se as ações dos agentes de mercado. (CRUZ, 2006, p. 349)

Finda a Segunda Guerra Mundial, em 1945, o cenário mundial

exigiu uma retomada estratégica para viabilizar a reconstrução de todos os

países atingidos pela guerra. O processo de recuperação da Europa levou

muitos governos a buscarem saídas rápidas para o fortalecimento de suas

economias e principalmente, para a criação de empregos em quantidade

suficiente para atender à demanda por eles. Foi quando os países de economia

de mercado aderiram ao uso das ferramentas do planejamento racional, até

então característica quase exclusiva dos países de economia centralizada

(ACERENZA, 1991). Os recursos disponíveis para a reconstrução não eram

suficientes impondo a necessidade de priorização das ações, para o

estabelecimento de uma hierarquização entre o que era mais urgente (curto

prazo) e o que podia ser deixado para o futuro próximo (médio e longo prazo).

Dentre as diversas possibilidades identificadas para atingir

aqueles objetivos, identificou-se o turismo como um setor econômico bastante

fértil, tendo em vista seu potencial para geração de empregos e,

principalmente, para o aumento na entrada de moedas estrangeiras para os

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países. Ajudados pela rápida evolução dos meios de transportes e de

comunicação31, os governos passaram a investir intensamente no

desenvolvimento do turismo, principalmente nas áreas litorâneas do mar

Mediterrâneo, onde era possível a combinação de uma série de variáveis

positivas para o incremento do turismo de sol e praia como alto índice de

insolação, mar de águas mornas e limpas, temperaturas agradáveis e extensas

áreas de praias. Foi o início dos processos de turistificação intencionais

(planejado) de determinados trechos do espaço a partir de uma série de

medidas tomadas pelos organismos nacionais de turismo, que foram se

modificando e se adaptando ao processo de evolução do modelo de economia

de mercado predominante na maioria dos países europeus e americanos.

Podemos afirmar que o Mediterrâneo foi a primeira região turística

planejada do mundo. Desenvolvida sistematicamente a partir de 1961, nela é

possível observarmos as primeiras intervenções de planejamento em

localidades turísticas de que se tem notícias. Apesar da realização dos estudos

para o ordenamento turístico da Costa do Sol da Espanha datar de 1955, o

primeiro plano de desenvolvimento turístico reconhecido como tal, foi aquele

realizado no extremo ocidental do litoral mediterrâneo francês, próximo à

fronteira com a Espanha, conhecido como Languedoc e Roussilón, no atual

departamento de Hérault (ACERENZA, 1991; PEARCE, 2003).

Tratava-se de um plano de desenvolvimento centrado na questão

espacial, que criou um modelo para destinos turísticos direcionados para o

consumo do produto “sol e praia”. O governo francês adquiriu mais de 1.500

hectares ao longo de 180 km de praias, por meio de uma comissão

interministerial ligada diretamente a Autoridade Nacional de Planejamento,

onde implementou um amplo projeto de desenvolvimento regional estruturado

na atividade turística, sob a coordenação do arquiteto George Candilis,

discípulo de Le Corbusier (ACERENZA, 1991).

31 A rápida evolução da tecnologia no setor da aviação comercial e a expansão dos transportes

aéreos intercontinentais foram decisivas para o surgimento do turismo de massa e das viagens de férias para os destinos tropicais do Mediterrâneo e do Caribe.

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Así, 180 km de costa escasamente antropizada, donde sólo aparecía algún pequeño centro turístico en relación con las ciudades del traspaís, con recursos no utilizados (playas vírgenes, marismas, patrimonio cultural en el interior) se convierten en escenario privilegiado de una ordenación cuyo objetivo es crear una gran región turística en un contexto económico centrado en la viticultura (VERA et al, 1997, p.278).

Devido ao sucesso obtido, aquele modelo passou a ser

reproduzido em diversos recantos do litoral do Mar Mediterrâneo, num

processo de expansão que transpassou as décadas de 1960 e 1970, apenas

interrompido pela instabilidade política dos países do norte da África. Após

terem ocupado com o citado modelo os espaços disponíveis do litoral sul

francês (Cote d’Azul), do litoral norte ocidental da Itália, da costa da ilha da

Sardenha, do litoral da antiga Iugoslávia no mar Adriático, os investimentos

chegaram ao litoral da Tunísia, Turquia, Líbano e Israel. A seqüência lógica de

expansão do modelo seria o litoral norte do continente africano (Egito, Argélia,

Marrocos e Líbia) o que foi, de certa forma, reprimido pela instabilidade política

daqueles países.

Ávidos por ampliar seus espaços de reprodução, os agentes do

capital buscaram novas áreas com características similares às do Mediterrâneo

(temperaturas amenas e estáveis, águas cálidas, alto índice de insolação e

praias de grande extensão) e descobriram-nas no Mar do Caribe para onde se

deslocaram, iniciando um novo processo de turistificação a partir da década de

1970. Ainda na década de 1960, alguns governos latino-americanos

começaram a vislumbrar a possibilidade de ter o turismo como um vetor de

desenvolvimento, fato que justificou a elaboração de diversos planos de

desenvolvimento turístico nacionais (México, 1968; Argentina, 1968; Peru,

1969) (ACERENZA, 1991).

Apoiados pelo processo de globalização do mercado financeiro

essa expansão territorial do turismo iniciada na década de 1990, atinge

praticamente todos os continentes. Os dados da OMT (Figura 10) corroboram

com esta afirmação, sinalizando para o que podemos chamar de mundialização

do turismo como setor econômico de importância para a balança de

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pagamentos de muitos países, especialmente aqueles com processos de

desenvolvimento menos acelerado.

È interessante observar que desde 1995, tanto a Europa como o

continente americano vêm apresentando uma tendência de crescimento abaixo

da média mundial, enquanto que para os países asiáticos (Oriente Médio, Sul

da Ásia e Extremo Oriente) e da África, as previsões apontam para um

crescimento superior àquela mesma média, indicando um deslocamento das

correntes turísticas internacionais para aquelas regiões do planeta. Desse

modo, em um ritmo constante, o turismo está se expandindo por todos os

continentes e ocupando seus territórios, num processo de turistificação

constante e incisivo.

Figura 10 – Previsão de chegadas internacionais po r região (em milhões) Fonte: OMT, 2007

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4.1 TENDÊNCIAS NOS PROCESSOS DE GERENCIAMENTO DOS ESPAÇOS TURÍSTICOS

O processo evolutivo e os diversos métodos utilizados nos

processos de planejamento de destinos turísticos vêm sendo objeto de estudos

de inúmeros autores como Acerenza (1991), Boullón (1990a), Beni (2001),

Petrocchi (2001), Hall (2001), dentre outros. Com exceção do último autor, os

demais elaboraram suas análises no intuito de identificar um modelo de

planejamento mais adequado para o desenvolvimento de planos turísticos,

sempre direcionados para a questão do ordenamento da atividade turística,

com pouca ou nenhuma referência às questões espaciais e socioculturais do

turismo. O espaço é visto, de um modo geral, apenas como suporte e recurso

para o turismo, sendo muitas vezes denominado como “matéria prima”

essencial.

De acordo com os estudos de Hall (2001)32, podemos identificar

um processo evolutivo nas dimensões e métodos pelos quais o

desenvolvimento turístico vem sendo gestado e implantado na maioria dos

países, a partir da sua expansão pós Segunda Guerra Mundial. Essas

dimensões estão diretamente relacionadas com as características das políticas

públicas direcionadas para a gestão do setor turístico (Figura 11).

Num primeiro momento os governos nacionais procuraram

estruturar e regular a entrada e saída de visitantes, visando principalmente ao

controle cambial e à prevenção da difusão de problemas de saúde pública. A

seguir, passaram a se concentrar na divulgação dos seus países nos possíveis

mercados emissores e no fornecimento de infra-estrutura básica para a

expansão da atividade turística, tais como, redes de transportes, comunicação,

serviços urbanos, no intuito de atrair mais visitantes e aumentar a entrada de

moedas fortes para suas contas nacionais (HALL, 2001).

32 Colin Michael Hall é geógrafo, professor e pesquisador do Centro para o Turismo, da

Universidade de Otago, Dunedin, Nova Zelândia, especializado nas temáticas do planejamento e desenvolvimento do turismo, com enfoque nas questões de desenvolvimento regional e políticas públicas.

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Fase Características

1945 – 1955

Desagregação e racionalização da política, da moeda e de regulamentações referentes à saúde adotadas após o final da Segunda Guerra Mundial.

1955 – 1970 Maior envolvimento do governo no marketing turístico a fim de aumentar o potencial de ganhos do setor

1970 – 1985 Envolvimento do governo no fortalecimento de infra-estrutura turística e no uso do turismo como instrumento de desenvolvimento regional

A partir de 1985

Uso continuado do turismo como instrumento de desenvolvimento regional, maior foco em questões ambientais, menor envolvimento do governo no fornecimento de infra-estrutura turística, maior ênfase no desenvolvimento de parcerias público-privadas e auto-regulamentação do setor

Figura 11 – Políticas internacionais de turismo a p artir de 1945 Fonte: Hall, 2001

A adoção do modelo neoliberal na gestão pública pela maioria dos

países ocidentais, incrementada a partir da década de 1980 por Margareth

Thatcher no Reino Unido e por Ronald Reagan nos Estados Unidos, levou a

uma revisão no papel do Estado na economia e a um amplo processo de

desregulamentação do mercado. Aquele modelo enfatizava, e ainda enfatiza, o

Estado mínimo com pouca intervenção dos governos centrais, partindo do

princípio de o mercado ter condições de auto-regular suas atividades. Nessa

linha, os governos passaram a se concentrar mais nas ações de marketing e

divulgação do turismo e no estabelecimento de parcerias público-privadas para

o desenvolvimento do setor turístico.

Entendendo o planejamento como um processo político de

tomada de decisões, que sempre envolve jogos de interesses, que precisam

ser administrados pelas políticas públicas de turismo, Hall (2001), com bases

em estudos de diversos pesquisadores, aponta cinco abordagens

metodológicas possíveis no processo evolutivo do planejamento turístico.

Essas abordagens são diferenciadas, mas não excludentes e podem ser

compreendidas como uma seqüência cíclica evolutiva, uma vez que é possível

identificarmos características de todas elas combinadas no mesmo processo

de planejamento (Figura 12). Hall (2001) sistematiza as diversas abordagens

metodológicas, usando como ponto de partida a identificação dos seus

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Abordagem Metodológica Pressupostos Problema do Planejamento

Ferramentas principais

Fomento

o Turismo sempre é bom para os centros receptores e devem ser desenvolvidos;

o Turismo não gera impactos negativos;

o Recursos naturais e culturais devem sempre ser explorados.

PROBLEMA: Como receber e alojar mais turistas? FERRAMENTAS: divulgação, propaganda, relações públicas estabelecimento de metas de crescimento.

Econômico

o Turismo é visto apenas como mais um setor da economia, capaz de gerar; empregos, renda e estimular o desenvolvimento regional;

o O planejador torna-se um especialista;

o Desenvolvimento econômico baseado na satisfação do mercado.

PROBLEMA: O turismo pode ser usado como um vetor de crescimento econômico? FERRAMENTAS: Análises oferta X procura; Análises custo X benefícios; Adequação do produto ao mercado; Marketing = segmentação de mercado; Desenvolvimento de incentivos

Físico-espacial

o Turismo é um fenômeno espacial e regional, capaz de auxiliar na conservação ambiental;

o Turismo como usuário dos recursos naturais;

o Os destinos turísticos apresentam ciclos de vida como qualquer produto

o Desenvolvimento definido a partir dos limites ambientais e ecológicos.

PROBLEMA: Como manipular os fluxos de visitantes através de parâmetros de controle da saturação física dos ambientes naturais? FERRAMENTAS: Planejamento regional; Estudos de impactos ambientais; Estudos de capacidade de carga; Leis de uso do solo.

Participativo

(comunitário)

o Turismo visto como gerador de impactos positivos e negativos;

o Busca do desenvolvimento equilibrado, com controle das comunidades locais;

o Planejador assumindo o papel de facilitador do processo de decisão.

PROBLEMA: Como desenvolver o turismo, garantindo o seu controle pela comunidade receptora? FERRAMENTAS: Conscientização e educação dos sujeitos do fenômeno: turista, empresário e comunidade; Desenvolvimento local; Avaliação dos impactos socioculturais; Desenvolvimento NA e não DA comunidade.

Sustentável

o Integração dos valores econômicos, ambientais e socioculturais;

o Planejamento turístico integrado ao processo de planejamento de outros setores;

o Eqüidade inter e intra-geracional; o Planejamento como processo

político de tomada de decisões; o Busca de melhor equilíbrio, justiça e

oportunidades entre nações, regiões e lugares.

PROBLEMA: como planejar o turismo a partir dos princípios da sustentabilidade? FERRAMENTAS: Planejamento estratégico; Elevação da consciência do consumidor, do produtor e da comunidade; Visão sistêmica do setor turístico Planejamento participativo.

Figura 12 – Abordagens metodológicas do Planejament o Turístico Fonte: Adaptado de Hall,2001.

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pressupostos teóricos, os problemas centrais impostos para as equipes de

planejamento e os métodos e ferramentas adotados por cada uma das

abordagens.

Atualmente, na busca de um modelo de desenvolvimento turístico

sustentável e duradouro, portanto, potencialmente sustentável, tem-se chegado

à constatação de que o mesmo somente pode ser atingido se estiver orientado

por uma visão sistêmica do turismo, em que as políticas e as ações

contemplem tanto o interior do sistema em estudo quanto o seu ambiente

exterior.

É necessário pensar no longo prazo, de maneira estratégica e

integrada, uma vez que o sistema turístico é extremamente complexo e

dependente do seu ambiente, estando permanentemente em contato com

outros sistemas sociais, econômicos, culturais e políticos que o rodeiam.

O turismo, como propomos aqui, por natureza é um fenômeno

socioespacial que concretiza uma atividade econômica multifacetada, gerando

um sistema/organização complexo extremamente permeável e,

conseqüentemente, dependente do meio ambiente externo onde se insere.

Para estabelecermos um processo de desenvolvimento sustentável em

qualquer destino turístico é necessária a adoção da prática do planejamento

contínuo, que contemple todos os níveis de gestão: o estratégico, o tático e o

operacional (HALL, 2001; PETROCCHI, 2001).

Entretanto, não constatamos essa preocupação nas diversas

políticas públicas direcionadas para o desenvolvimento do turismo no país.

Como já apontamos, apesar de alguns discursos contemplarem a necessidade

da visão sistêmica e estratégica nos processos propostos, a prática tem

revelado o oposto. O que observamos é a existência de conjuntos de

programas e projetos agrupados sob a denominação de política, abrangendo

horizontes temporais de médio e curto prazo. Na realidade não são fruto de um

processo de planejamento contínuo e democrático; são mais resultados de

consolidação de projetos políticos de grupos específicos que, ao assumirem

determinados cargos públicos, procuram implementá-los dando-lhe feição de

planos e políticas setoriais.

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Não observamos no conjunto de normas, instrumentos legais e

políticas públicas direcionados para o gerenciamento do turismo brasileiro

nenhuma aproximação, por mínima que seja, de uma visão complexa do

fenômeno. A leitura e análise são sempre míopes, quase sempre feitas do

ponto de vista exclusivo da sua dimensão econômica. As decisões, os projetos

e as ações privilegiam apenas os agentes de mercado (diretamente) e os

turistas e o Estado (indiretamente).

Apenas na última década, as ações governamentais brasileiras

vêm tentando adotar uma visão de longo prazo para o desenvolvimento do

turismo no país. Mesmo assim, ainda é possível, a partir de uma leitura mais

aprofundada dos documentos e da análise dos seus resultados, percebermos

uma preocupação maior com o curto e o médio prazo, uma vez que são nesses

recortes temporais que se realizam os projetos pessoais dos nossos

governantes.

4. 2 INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TURISMO NO BRASIL

No Brasil, a evolução do setor turístico vem ocorrendo de forma

mais lenta e menos contínua se comparada com a de outras áreas turísticas do

mundo. O contexto histórico da América Latina e a distância entre nosso país e

os grandes centros emissores de turistas – Europa e América do Norte –

tornam o produto turístico nacional pouco competitivo (do ponto de vista do

mercado) em relação a produtos similares oferecidos por países como México,

Aruba e as demais ilhas do Caribe, por exemplo. Além disso, o longo período

de instabilidade política e econômica, ocorrido na história recente do país, mais

precisamente nas décadas de 1970 e 1980, ajudou a criar uma imagem pouco

favorável para o nosso produto turístico.

A partir de 1994, o governo federal passou a demonstrar um

interesse mais efetivo pelo turismo, propondo e desenvolvendo uma série de

políticas, programas, projetos e ações destinadas a mudar esse quadro

desfavorável e acelerar o crescimento do setor turístico nacional. Essa

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mudança de postura em relação à importância do turismo também vem

ocorrendo, em ritmo e processos diferenciados, nos principais estados e

municípios do país.

Segundo a geógrafa Rita de Cássia Cruz, a primeira política

nacional de turismo do Brasil foi instituída em 1966, pelo decreto-lei nº 55.

Antes disso, a gestão pública do turismo ocorreu de forma fragmentada e

esporádica, por meio de instrumentos legais e instâncias de governo bastante

diversificadas (Figura 13). Em seus estudos, a autora divide as políticas

nacionais de turismo em três fases: aquela que ela denomina de “pré-história

juridico-institucional” que vai de 1938 a 1966, a fase compreendida entre 1966

e 1991 e a fase posterior a 1991 (CRUZ, 2000).

Período Instâncias do Turismo

1939 - 1945

Divisão de Turismo, do Departamento de Imprensa e Propaganda, vinculado à Presidência da República

1945 - 1946 Departamento Nacional de Informação, do Ministério da Justiça e Negócios Interiores

1951 - 1958 Departamento Nacional de Imigração (posterior Instituto Nacional de Imigração e Colonização) do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio

1958 - 1962 Comissão Brasileira de Turismo – Combratur, vinculada à Presidência da República

1961 - 1966 Divisão de Turismo e Certames, do Departamento Nacional do Comércio do Ministério da Indústria e do Comércio

1966 - 1990

Ministério da Indústria e do Comércio (diversos órgãos internos)

EMBRATUR – Empresa Brasileira de Turismo Conselho Nacional de Turismo – CNTUR

1990 - 1992 Secretaria de Desenvolvimento Regional da Presidência da República EMBRATUR

1992 - 1996 Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo EMBRATUR

1996 - 2002 Ministério de Esportes e do Turismo EMBRATUR

2003 - 2007 Ministério do Turismo Conselho Nacional de Turismo

Figura 13 – Evolução das instâncias de gestão do t urismo no Brasil Fonte: Fratucci, 2006.

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Antes de 1966, o que podemos observar é a promulgação de

diversos diplomas legais isolados, direcionados para questões específicas do

turismo brasileiro. Apesar de isolados e direcionados, os diversos instrumentos

legais compunham o arcabouço das diretrizes governamentais para o setor

turístico, revelando a sua inoperância dentro do cenário nacional. O primeiro

diploma legal que abordou o turismo foi o decreto-lei 406, de 1938,

regulamentado pelo decreto 3.010 do mesmo ano, tendo como foco a

normatização da venda de passagens marítimas, aéreas e rodoviárias, o

funcionamento das agências de viagens e a emissão de vistos consulares

(CRUZ, 2000).

Em 1939, foi criada a Divisão de Turismo, primeiro órgão

administrativo de turismo no país, vinculada ao Departamento de Imprensa e

Propaganda, com a finalidade de gerenciar, organizar e fiscalizar o turismo

interno e externo (decreto-lei 1.915/39). A partir daí, o turismo passa a ser

tratado, na esfera do governo federal, em diversos órgãos e níveis (Figura 13),

conforme as necessidades pontuais que se impunham a cada momento.

Segundo Cruz, “essa circulação da atividade turística por tão diversas esferas

da administração pública, conduz a diferentes interpretações” (2000, p.45),

sendo a mais freqüente aquela que aponta para a não priorização do turismo

pelas políticas federais, o que o deixava sempre à mercê dos interesses de

grupos específicos relacionados a ele.

O período compreendido entre 1966 e 1990 pode ser considerado

como aquele em que o governo se fez presente na estruturação e

regulamentação do setor turístico nacional. Com a instalação do Conselho

Nacional de Turismo (CNTur), de caráter normativo e da Empresa Brasileira de

Turismo (EMBRATUR), órgão executor da política nacional de turismo

(decreto-lei 55/66), o governo federal passa a reconhecer institucionalmente o

turismo como uma atividade capaz de contribuir para o desenvolvimento

regional, principalmente das áreas menos privilegiadas, equiparando o setor

turístico à indústria.

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Durante aquele período o governo federal estabeleceu um

sistema nacional de incentivos fiscais e financeiros para estimular o

desenvolvimento turístico no país, principalmente pela ampliação e melhoria da

oferta de meios de hospedagem. Tais ações provocavam um intenso

reordenamento no território brasileiro, tendo por base o seu uso pelo turismo. A

resolução CNTur nº 31/1968 estabelecia claramente o plano de priorização de

localização de hotéis de turismo no território nacional, contemplando como

áreas prioritárias:

I - Capital federal e as capitais dos estados e dos territórios; II – estâncias hidrominerais, estações climáticas e balneárias, e cidades históricas; III – adjacências dos aeroportos internacionais e eixos viários de interesse turístico; IV – Parques Nacionais e áreas onde haja ocorrências naturais com caráter de excepcionalidade e interesse turístico; V – outras localidades de comprovado interesse turístico, a critério deste Conselho (BRASIL, 1968).

Além dessa priorização territorial de caráter subjetivo e difuso,

foram priorizados os investimentos destinados a atender à demanda

internacional, caracterizados pela construção de empreendimentos hoteleiros

de categoria luxo (os famosos 5 estrelas), em detrimento daqueles voltados

para as necessidades do mercado interno. Tal direcionamento contribuiu para a

turistificação concentrada de trechos do território nacional, principalmente

aqueles próximos ao litoral.

Essa tentativa de ordenar e estimular a turistificação de certos

trechos do território nacional estruturava-se apenas pelos interesses dos

agentes do mercado e por algumas prioridades estratégicas do governo militar

que dirigia o país. Não havia cuidado ou qualquer consideração para com a

dimensão espacial do turismo e com suas interações com as populações dos

locais escolhidos para serem turistificados.

Para viabilizar as diretrizes daquela resolução normativa e atrair

investidores, em 1971 foi criado o Fundo Geral de Turismo (FUNGETUR), pelo

decreto-lei 1.191,com o objetivo de

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financiar empreendimentos, obras e serviços de finalidades ou interesse turístico, assim declarados pela EMBRATUR e enquadrados em programas estaduais ou municipais de desenvolvimento turístico, desde que situados em cidades cujo mercado revele a necessidade de sua implantação. (FERRAZ, 1992, p.70).

Segundo Beni (2006), o direcionamento dado pela EMBRATUR

para a atração de investidores para o setor turístico foi equivocado e, apesar

dos alertas dados pelos profissionais e pesquisadores, priorizou os fluxos

internacionais em detrimento dos fluxos internos33. Os recursos incentivados

pelo governo foram alocados em projetos de empreendimentos de alto luxo

(com custo de 250 mil dólares por unidade habitacional) que, na maioria das

vezes, não levaram “em consideração os estudos de localização, de viabilidade

econômico-financeira, de formação de recursos humanos e de inclusão social”

(BENI, 2006, p. 25), revelando-se incompatíveis com as características do

mercado interno e, até mesmo, do mercado internacional da época.

Também naquele período, foi desenvolvido todo um conjunto de

instrumentos legais para regulamentação da atividade turística, representada

por deliberações normativas editadas pela EMBRATUR e por resoluções

normativas do CNTur. Tal regulamentação abrangia desde a obrigatoriedade

do cadastro de empresas e empreendimentos turísticos até a classificação dos

meios de hospedagem. Esse sistema de regulação do turismo no país foi

praticamente extinto pelo decreto-lei 2.294 de 21 de novembro de 1986,

assinado pelo presidente José Sarney que, de maneira direta, declarou livre a

atividade turística no país, adotando a tendência internacional da época de

desregulamentação da economia, imposta pelo neoliberalismo econômico

dominante com respaldo das orientações da OMT.

Por outro lado, apesar da resolução CNTur 71/1969 detalhar as

diretrizes, objetivos e metodologias para a elaboração do Plano Nacional de

Turismo (PLANTUR), instrumento básico da política nacional de turismo, este

nunca chegou a ser implementado. Tal fato fez com que as diretrizes, projetos

33 Para alguns críticos, o governo militar utilizou os investimentos no turismo internacional como

estratégia para ocultar da comunidade internacional, alguns fatos e ações autoritárias que estavam ocorrendo no país.

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e ações voltados para o ordenamento do desenvolvimento turístico no país não

obedecessem a um norte estratégico, ficando à mercê dos interesses dos

grupos políticos dominantes de cada governo, quase sempre interessados em

atender aos interesses dos grupos empresariais nacionais e internacionais.

No período do governo Collor (1990-92), o sistema turístico

nacional passou por transformações estruturais e ideológicas. O CNTur foi

extinto e a EMBRATUR reformulada (lei 8.191/91), passando a ser denominada

Instituto Brasileiro de Turismo34 com a função de formular, coordenar e fazer

executar a política nacional de turismo. A sede do órgão foi transferida para

Brasília, gerando um esvaziamento no seu corpo técnico, tendo em vista que a

maioria optou por não se deslocar para a capital federal.

Ainda no governo Collor, foi editado o decreto 448 de 14 de

fevereiro de 1992, regulamentando a lei 8.181/91, dispondo sobre a Política

Nacional de Turismo. Nele o turismo é posto como um aliado para o aumento

da renda nacional e “instrumento de desenvolvimento regional, de forma a

reduzir o desequilíbrio existente entre as distintas regiões do País” (artigo 4º).

No seu artigo 6º decreta-se a equiparação dos investimentos do turismo com

os da indústria para efeitos de acesso a financiamentos públicos e obtenção de

incentivos do Estado. Além disso, aquele instrumento jurídico previa no seu

artigo segundo as seguintes diretrizes para o seu planejamento:

I - a prática do Turismo como forma de valorização e preservação do patrimônio natural e cultural do País; II - a valorização do homem como destinatário final do desenvolvimento turístico. (BRASIL, 1992).

Com o processo de impeachment que destituiu o presidente

Fernando Collor de Mello em 1992, a referida Política Nacional de Turismo não

foi efetivamente aplicada, apesar da publicação do Plano Nacional de Turismo -

PLANTUR - 1992-1994 em julho de 1992. Com a posse do presidente Itamar

Franco, a gestão pública do turismo brasileiro foi reestruturada mais uma vez,

34 Apesar da mudança da figura jurídica daquele órgão de empresa pública para instituto,

optou-se pela manutenção da marca EMBRATUR, tendo em vista o seu reconhecimento tanto no mercado interno como no externo.

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tendo como ponto de partida o trabalho da Secretaria Nacional de Turismo e

Serviços do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, que consolidou

PLANTUR. O plano apresentava suas diretrizes centrais focadas na

preservação e valorização do meio ambiente e seus recursos, na eficiência

administrativa e na interação e no trabalho cooperativo com outras esferas e

estâncias governamentais e privadas (CRUZ, 2000). A principal ação gerada

por essas novas diretrizes políticas foi a formatação do Programa Nacional de

Municipalização do Turismo (PNMT) que somente seria plenamente implantado

no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Nos governos subseqüentes (Fernando Henrique Cardoso e Luiz

Inácio Lula da Silva), assiste-se a uma definição mais clara e objetiva da

prioridade do turismo dentro dos programas de governos, que resultou em uma

reformulação significativa não somente na estrutura governamental como

também, nas políticas públicas direcionadas para o setor. É importante

ressaltar que em todas as políticas direcionadas para o turismo no nível

federal, o viés econômico é claramente o foco predominante. Tanto na

definição de estratégias como na de objetivos, as ações e projetos voltam-se

para a geração de renda e empregos e para o equilíbrio da balança comercial

do país, passando pelo discurso da diminuição das desigualdades regionais

existentes no país.

Como exposto anteriormente, não há tentativa de aproximação de

uma visão mais ampliada do turismo e da complexidade que este fenômeno

apresenta. Mesmo com o fato de alguns acadêmicos ocuparem alguns cargos

e funções nos órgãos do governo federal (MTur e EMBRATUR,

especialmente), não houve abertura para uma discussão mais ampliada que,

caso ocorresse, poderia provocar uma reviravolta na construção e na aplicação

das políticas públicas direcionadas para o desenvolvimento do turismo no país.

Optou-se por continuar seguindo o modelo economicista neoliberal vigente.

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4.2.1 Dimensão Espacial nas Políticas Públicas de Turismo - 1966 a 1994

Com a instituição do CNTur e da EMBRATUR em 1966, o turismo

adquiriu, pelo menos em tese, um lugar definido dentro da estrutura

administrativa do governo federal brasileiro, em consonância com as diretrizes

do Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG – 1964-1966) que tinha

dentre os seus principais objetivos desenvolver ações voltadas para a

atenuação das desigualdades regionais e das tensões oriundas dos

desequilíbrios sociais existentes naquele momento histórico do país (CRUZ,

2000). Entretanto, em todos os planos e programas do período de governos

militares (Plano Decenal (1967-1976), Programa Estratégico de

Desenvolvimento (PED – 1968-1970), Metas e Bases para a Ação do Governo

(1970), I e II Plano Nacional de Desenvolvimento) o turismo não foi tratado

como atividade estratégica para o processo de desenvolvimento econômico

nacional.

Mesmo com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o

turismo continuou sendo tratado apenas do ponto de vista da atividade

econômica, com ações e diretrizes quase sempre voltadas para a promoção ou

para o incentivo financeiro e fiscal do setor privado. O artigo 180 da atual

Constituição prega que a “União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios

promoverão e incentivarão o turismo como fator de desenvolvimento social e

econômico” (BRASIL, 1998). Ressalta-se que o referido artigo encontra-se

incluído no Titulo VII da Constituição, que trata da Ordem Econômica,

indicando explicitamente, o entendimento do turismo como pertencente à

esfera econômica do governo, devendo ser tratado de forma “equilibrada e

articulada” pelos três níveis de governo – federal, estadual e municipal –

antecipando um modelo de gestão descentralizada do setor.

Durante aquele período alguns projetos e ações direcionados

para o ordenamento e gestão do território turístico brasileiro foram

desenvolvidos pela EMBRATUR, seguindo orientação do CNTur. Em sua

grande maioria foram pontuais e tiveram seus processos abandonados ou

interrompidos em virtude de conjunturas econômicas e políticas da época. São

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ainda desse período alguns instrumentos legais (leis, decretos e decretos-lei)

que, direta ou indiretamente, buscaram propor algum tipo de classificação e

ordenamento dos espaços turísticos do país.

O primeiro projeto de ordenamento territorial desenvolvido pela

EMBRATUR, em cumprimento a uma Resolução do CNTur foi denominado

Projeto Turis:

Preocupado com a preservação desse potencial, o Conselho Nacional de Turismo, com base no decreto n.º 71.791/73, editou a resolução CNTur n.º 413 de 13 de fevereiro de 1973, declarando como Zona Prioritária de Interesse Turístico, “a faixa litorânea compreendida entre o mar e uma linha imaginária, medida horizontalmente, para a parte da terra, até 1 (hum) km após o eixo da rodovia BR-101, no trecho situado entre as localidades de Mangaratiba (RJ) e Bertioga (SP)” (artigo 1º da resolução CNTur 413/73). Estrategicamente foram excluídos a ilha de Guaíba (RJ), as praias de Itaorna e Jacuacanga (RJ) e os perímetros urbanos das sedes municipais daquela área (FRATUCCI, 2000a, p.77).

O referido projeto objetivava simultaneamente, ordenar o território

do litoral Rio-Santos e capacitar os técnicos brasileiros nas metodologias mais

modernas de planejamento turístico praticadas principalmente na Europa. Com

ele, “a EMBRATUR logrou nivelar sua tecnologia à dos centros mais

especializados na matéria, ao permitir à sua equipe a adaptação de sistemas à

realidade brasileira, ao capacitá-la à elaboração de futuros planos de

aproveitamento turístico” (EMBRATUR, 1975a, p. 2).

Para desenvolver o projeto foi contratada a empresa de

consultoria italiana SCET – Internacional que, através da análise de “três

experiências alienígenas: a Côte d’Azur, o Languedoc-Roussillon e a Côte

d’Aquitaine” (ibidem, p.,17), propôs para a região a adoção do modelo de

turismo de “sol e praia”, tendo como ponto de referência o estudo da

“densificação ocupacional das localidades consideradas de interesse turístico,

sempre dentro dos padrões ditados pela Natureza e pela Realidade Nacional”

(EMBRATUR, 1975b, p.1), e o “fato de ser a PRAIA o mais importante

elemento catalisador das duas molas mestras: as FÉRIAS e a conseqüente

demanda de LAZER” (ibidem, p.1).

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Apesar de o projeto apresentar certa preocupação com a questão

relacionada à capacidade de absorção dos locais e áreas turísticas35, a

metodologia proposta entendia o território apenas como suporte físico para a

ocupação humana, devendo por isso ser “corrigido” na medida das

necessidades básicas de salubridade e conforto. Esta postura conceitual fica

explícita quando são feitas referências às planícies litorâneas de manguezais,

(erroneamente classificadas nos documentos do projeto como pantanais), tidas

como empecilhos à atividade turística, exigindo por isso “saneamento geral da

parte plana e de correção dos cursos fluviais, para contornar os riscos de

inundação e de poluição das praias” (EMBRATUR, 1975a, p.4).

O projeto elencou 250 locais no continente e 60 nas ilhas maiores,

os quais foram minuciosamente estudados e classificados, por suas

capacidades turísticas teóricas, posteriormente, agrupados em 23 zonas

homogêneas. Cada local selecionado foi classificado com base nos seguintes

critérios:

Categoria A: ocupação proposta: turismo de alto nível, com baixa densidade (15m2/banhista); Categoria B: ocupação proposta: turismo de nível médio, densidade entre 6 e 15m2/banhista; Categoria C: ocupação proposta: turismo econômico, com alta densidade (5m2/banhista). (EMBRATUR, 1975b, p.2).

Como resultado do projeto verificou-se que “as possibilidades

reais, em níveis ótimos, do litoral Rio-Santos, se estabelecem em torno de

775.000 leitos, dos quais 42% devem corresponder aos lazeres e ao turismo

econômico, 42% a um turismo de tipo médio e, finalmente, 16% a um turismo

de qualidade” (EMBRATUR, 1975a, p.28). Esses números deveriam ser

atingidos no ano de 1995.

Dado às divergências jurídicas e às descontinuidades políticas

características das administrações públicas do nosso país, o Projeto Turis não

35 Segundo o texto do projeto, “Ocupar adequadamente uma região não significa instalar, em

suma, o contingente, máximo de pessoas que ela comporta. Significa, sim, equilibrar número de residentes e número de visitantes, de modo que o total dessa justaposição não venha nunca comprometer em definitivo as condições naturais e ecológicas da região” (EMBRATUR, 1975b, p.1).

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foi totalmente implantado. Apesar de o projeto ter gerado as Normas de

Ocupação do Território, aprovadas pela Resolução CNTur nº 413, de 13 de

fevereiro de 1973, as mesmas não foram implementadas tendo em vista que os

convênios entre a EMBRATUR e os municípios envolvidos não foram

assinados, criando uma espécie de vácuo jurídico que impediu a sua

concretização. Importante salientar que as referidas Normas pretendiam definir

padrões aplicáveis a outras faixas litorâneas brasileiras (FERRAZ, 1992).

Apesar disso, as marcas do Projeto Turis continuam visíveis até

hoje na configuração do território turístico do litoral dos municípios de Angra

dos Reis e de Mangaratiba, que se caracterizam pela concentração de grandes

empreendimentos turísticos do tipo resort de sol e praia, frutos das estratégias

de desenvolvimento previstas por aquele plano. Os agentes do mercado se

anteciparam adquirindo terras nas áreas indicadas no projeto como prioritárias

para a implantação daquele tipo de empreendimentos turísticos, antes que

seus proprietários originais inflacionassem seus preços, formando uma reserva

de solo para o futuro. Ainda hoje essas reservas de terra não estão totalmente

esgotadas e, regularmente um novo resort é lançado na região. O último,

inaugurando no início desta década, foi o Blue Tree, no litoral do município de

Angra dos Reis.

Como primeiro exercício de planejamento turístico no país, o

Projeto Turis pode ser enquadrado na abordagem físico-territorial indicada por

Hall (2001). Na sua essência, tendo o território apenas como suporte para a

atividade humana, as suas propostas estabeleciam o tipo e a densidade de

turismo para cada trecho turistificável do litoral, constituindo-se apenas, em um

grande plano de zoneamento do uso do solo baseado no desenvolvimento da

atividade turística, seguindo o modelo praticado no litoral do Mediterrâneo.

Na segunda metade da década de 1970, a EMBRATUR iniciou

uma série de tentativas para definir os possíveis espaços prioritários para o

desenvolvimento turístico, baseada na percepção de que determinados centros

urbanos estavam assumindo um caráter polarizador graças à sua atratividade,

localização privilegiada e concentração de serviços turísticos. Em 1976, no

Informativo nº 01, aquele órgão deixava explicita a sua preocupação com “as

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áreas que, pela beleza paisagística, importância histórica, ou condições

notáveis para a prática do turismo, constituem o patrimônio turístico nacional”

(apud FERRAZ, 1992, p. 49).

Também segundo Ferraz (1992), em documentos internos e

preliminares de 1977, a EMBRATUR indicava suas intenções de estabelecer

normas de proteção para aquele patrimônio turístico nacional a partir da

organização e manutenção de um inventário dos bens de valor natural ou

cultural de interesse turístico. Esse inventário seria a base para a identificação

e declaração das áreas e locais especiais de interesse turístico, com a

finalidade de promover o desenvolvimento turístico e estimular a “preservação

e a valorização do patrimônio natural e cultural e o estabelecimento de normas

de uso racional do solo” (ibidem, p. 50).

Com o objetivo de evitar problemas futuros gerados pela

ocupação desordenada do espaço, a EMBRATUR pretendia

selecionar espaços turísticos imprescindíveis a uma política de descentralização, estabelecendo-se novos núcleos de apoio à expansão turística, bem como disciplinar a ocupação territorial, visando à preservação e valorização do Patrimônio Turístico Nacional (EMBRATUR, 1979, p.3).

Nesse sentido, entendendo que o conhecimento do território era

fator básico para o planejamento, a EMBRATUR elaborou uma metodologia

para definição do espaço considerado prioritário para o desenvolvimento

turístico do país. Seu objetivo era selecionar os espaços que deveriam ser

tratados de forma diferenciada pelas ações da EMBRATUR e de outros órgãos

de desenvolvimento setorial, permitindo o direcionamento da natureza dos

investimentos necessários, além da identificação das necessidades de

limitação da expansão turística e dos recursos naturais a serem protegidos e

preservados (EMBRATUR, 1979).

A metodologia do projeto baseava-se, mais uma vez, em outras

experiências internacionais, principalmente aquelas desenvolvidas pelo grupo

de especialistas em planejamento turístico, reunidos no Centro de Capacitação

Turística – CICATUR ligado a OEA, sediado na cidade do México. Em linhas

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gerais propunha o zoneamento turístico do território nacional, estabelecendo

zonas e centros com vocação turística, os quais, em uma segunda etapa,

teriam hierarquizados de modo a permitir uma tipologia de tratamento e a

definição do grau de prioridade de cada um.36

Para definição do zoneamento turístico nacional foram

estabelecidas as seguintes categorias espaciais: zona turística efetiva, zona

turística potencial, centro turístico, centro de apoio, área turística, núcleo

turístico, centros de apoio, portão de entrada e corredor turístico, tendo como

base territorial os limites municipais.

Os municípios eram identificados como efetivamente turístico com

base no levantamento dos seus atrativos turísticos (naturais e culturais), da

infra-estrutura de acesso, dos meios de hospedagens da infra-estrutura urbana

de apoio ao turismo, das condições socioeconômicas e das tendências de

fluxos, sendo os três primeiros itens considerados básicos e os demais,

complementares (EMBRATUR, 1979).

Os trabalhos de pesquisas foram executados pelos órgãos

estaduais de turismo, sob coordenação da EMBRATUR. Cada estado

estabeleceu o seu zoneamento turístico, o qual serviu de base para aquele

órgão federal estabelecer o zoneamento turístico do país. Cabe ressaltar que

alguns municípios foram incluídos nos zoneamentos turísticos estaduais,

mesmo não atendendo aos requisitos mínimos estabelecidos pela metodologia,

principalmente àquele relacionado ao número mínimo de leitos disponíveis em

meios de hospedagens (250 leitos por município). Tal decisão deveu-se

exclusivamente a interesses políticos dos governantes da época, sem nenhum

critério técnico como apoio.

Exemplo disso foi a inclusão dos municípios de Maricá, São João

da Barra, Santa Maria Madalena, São Fidélis, Itaocara e Santo Antônio de

Pádua no espaço turístico do estado do Rio de Janeiro. Para burlar as

36 Roberto Boullón foi um dos principais articuladores do CICATUR tendo sido, inclusive, seu

diretor por vários anos. No projeto de identificação do espaço turístico nacional é bastante explícita a influência da teoria do espaço turístico desenvolvida por Boullón, apresentada no capítulo anterior.

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exigências dos critérios metodológicos da EMBRATUR, aqueles municípios

foram incluídos como municípios com potencial turístico37 (FRATUCCI, 2006).

Essa primeira tentativa de definição e de ordenamento do espaço

turístico nacional não conseguiu ganhar efetividade em razão da inexistência

de suporte jurídico que estabelecesse penalidades para os infratores das

normas propostas (FERRAZ, 1992). Na tentativa de sanar essa falha, a

EMBRATUR elaborou o projeto de lei que resultou na lei nº 6.513 de 20 de

dezembro de 1977, dispondo sobre as áreas especiais e os locais de interesse

turístico, posteriormente regulamentada pelo decreto nº 86.176 de 06 de julho

de 1981. Essa ação foi resultado do trabalho conjunto daquele órgão com a

Secretaria de Planejamento da Presidência da República, da Secretaria do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) do Ministério da Educação e

da Cultura, do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), da

Superintendência do Desenvolvimento da Pesca, da Secretaria Especial do

Meio Ambiente e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano.

Com um discurso cuidadoso, que buscava mostrar a necessidade

da compatibilização dos usos locais da atividade turística com a preservação

do patrimônio turístico, a lei foi publicada em forma de brochura pela

EMBRATUR, sendo apresentada pelo seu então diretor de planejamento,

Lauro Pereira Guimarães, como

37 O espaço turístico estadual definido pelo projeto ficou composto de seis zonas turísticas

efetivas e três zonas turísticas potenciais: Zonas Turísticas Efetivas:

1. Rio de Janeiro e Niterói 2. Mangaratiba, Parati e Angra dos Reis 3. Resende, Barra Mansa, Valença, Vassouras, Paraíba do Sul e Miguel Pereira 4. Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo 5. Macaé, Casimiro de Abreu, Campos e Itaperuna 6. Saquarema, Araruama, São Pedro da Aldeia e Cabo Frio Zonas Turísticas Potenciais: 1. São João da Barra 2. Santa Maria Madalena, São Fidélis, Itaocara e Santo Antônio de Pádua 3. Maricá Os municípios identificados como centros turísticos nacionais pela EMBRATUR no estado do Rio de Janeiro, foram: Rio de Janeiro, Petrópolis, Angra dos Reis e Cabo Frio (incluindo os distritos de Arraial do Cabo e Armação dos Búzios, ainda não emancipados àquela época). Esse zoneamento serviu de base técnica para alguns projetos, mas caiu em desuso e no esquecimento, em virtude das alterações na orientação político-administrativa tanto no governo federal como nos estaduais. Entretanto, podemos afirmar que, por ter sido a primeira ação de ordenamento abrangendo todo o território do país sob a ótica do turismo, tornou-se uma referência técnica para compreender-se a evolução da atividade turística.

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a mais completa e moderna reunião de dispositivos, racionalmente estabelecidos para o justo equilíbrio entre a necessidade de facilitar - e, mesmo de estimular – a prática do lazer e do turismo, como instrumentos de paz social e de alívio das tensões próprias da vida urbana, e a conveniência de preservar as manifestações culturais, as belezas naturais, a flora, a fauna e os demais recursos naturais renováveis, para uso das futuras gerações [...] a lei 6.513 e seu regulamento significam a verdadeira Carta Magna do solo brasileiro, isto é, seu mais eficiente estatuto jurídico de defesa. (EMBRATUR, 1982, p.3)

Pelo texto daqueles instrumentos legais, as áreas especiais de

interesse turístico são definidas pelos “trechos contínuos do território nacional,

inclusive suas águas territoriais, a serem preservados e protegidos, no sentido

cultural e natural, destinados à realização de planos e projetos de

desenvolvimento turístico” (artigo 3º, lei 6.513). Por sua vez, os locais de

interesse turístico são trechos do território nacional, compreendidos ou não em

áreas especiais de interesse turístico, destinados por sua adequação ao

desenvolvimento de atividades turísticas, e à realização de projetos específicos

(artigo 4º, lei 6.513). Evidencia-se que, por esses conceitos, o espaço é

encarado apenas como suporte para o desenvolvimento do turismo e, somente

por isso, precisa ter seus trechos com maior potencialidade preservados

Tal legislação objetivava de certa maneira, ordenar o

desenvolvimento turístico do país pela preservação e valorização do patrimônio

natural e cultural, do estabelecimento de normas de uso do solo e da

orientação da alocação de recursos e incentivos necessários. Sem prejuízo do

direito de propriedade privada, a declaração de área ou local de interesse

turístico, obrigava os proprietários a respeitarem as normas e usos

estabelecidos pelos seus planos diretores.

Com a promulgação da Constituição Nacional de 1988, como

apontado anteriormente, o turismo foi contemplado como atividade econômica

e passou a ser regido pelos princípios da ordem econômica. No período

subseqüente a 1988, constata-se a busca de atualização e conciliação dos

diversos instrumentos legais do país como todo e, em especial, daqueles

relativos ao turismo. Cabe lembrar que a promulgação do decreto-lei 2.294/86

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gerou um vácuo na legislação turística brasileira, motivo de muitas discussões

jurídicas sobre o que havia e o que não havia sido revogado por aquele ato

legal. Com a eleição do presidente Collor de Mello, o sistema turístico nacional

foi reformulado profundamente e as competências conferidas à EMBRATUR

foram redefinidas pela lei 8.181/91 e, posteriormente, alteradas pela lei

10.683/03. Dentre aquelas atribuições, previstas no seu artigo 3º, incluiu-se

uma diretamente relacionada com a questão do ordenamento e gestão do

território turístico, reafirmando as orientações da lei 6.513/77:

VIII – inventariar, hierarquizar e ordenar o uso e a ocupação de áreas e locais de interesse turístico e estimular o aproveitamento turístico dos recursos naturais e culturais que integram o patrimônio turístico, com vistas à sua preservação, de acordo com a Lei n.º 6.513, de 20 de dezembro de 1977 (grifo nosso).

Tendo como base essa atribuição, por meio da deliberação

normativa nº 290, de 03 de junho de 1991, a EMBRATUR, já na figura jurídica

de Instituto Brasileiro de Turismo, decidiu “definir e estabelecer [...] no Espaço

do Território Nacional, Pólos Turísticos Consolidados, em Desenvolvimento e

Potenciais, prioritários para o desenvolvimento do setor”(EMBRATUR, 1991).

No texto da Nota Técnica (Anexo Ia da Deliberação Normativa

290/91) que apresenta todo o processo de definição dos pólos turísticos, nota-

se a repetição dos mesmos discursos anteriores:

Diante do fato, visando preservar e valorizar o Patrimônio Turístico Nacional, além de evitar problemas futuros gerados pela ocupação desordenada do espaço, pretende-se definir pólos turísticos imprescindíveis a uma política de priorização na alocação dos recursos necessários para cada área. (Anexo Ia, Deliberação Normativa 290/91).

Porém, pela primeira vez foi decidida a inclusão da necessidade

de priorização de determinados trechos (pólos) do território nacional para as

ações e intervenções das políticas nacionais de turismo. Podemos entender

esse fato como um avanço considerável, na medida em que a compreensão de

que nem todo trecho do espaço é turistificável passou a fazer parte do discurso

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das políticas voltadas para o desenvolvimento turístico no país. É claro que a

compreensão da descontinuidade do espaço turístico deu-se pelo viés do

interesse dos agentes do mercado e, de modo algum, deve ser entendida como

um indício da ampliação dos pontos de vistas de análise do fenômeno turístico.

A questão que volta à tona é aquela relacionada com a

metodologia a ser adotada para identificar, definir, delimitar e classificar os

referidos pólos. No nosso entender tal questão continua sem resposta. As

diversas tentativas implementadas revelaram-se pouco eficientes e, como de

costume, foram deixadas de lado diante da complexidade do problema.

O texto da referida Nota Técnica da Deliberação 290/91 é pouco

esclarecedor ao afirmar que “a metodologia com vista à definição do espaço

considerado prioritário para o desenvolvimento do setor” estava ainda sendo

elaborada e seria “amparada em critérios objetivos” que deveriam possibilitar a

classificação dos pólos turísticos de acordo com os seus estágios de evolução:

pólos consolidados, pólos em desenvolvimento e pólos potenciais.

Merece ser destacado ainda o fato de, pela primeira vez, a

possibilidade do recorte regional ter sido indicada nos instrumentos legais de

políticas públicas de turismo:

Podem ser considerados Pólos Turísticos, municípios, localidades e trechos do território nacional, bem como ilhas, situadas nos limites das águas territoriais brasileiras, que por suas características físico-geográficas, climáticas e histórico-culturais, abriguem um conjunto de equipamentos capazes de gerar demanda e motivar a permanência, por tempo determinado, de fluxos turísticos (Anexo I da Deliberação Normativa 290/91) (grifos nosso).

A possibilidade do recorte regional na definição dos trechos

prioritários do espaço nacional para o desenvolvimento turístico pode ser

compreendida um avança metodológico, mesmo que não tenha sido

claramente explicitado como seria a sua delimitação. Também não fica explicito

no texto da citada deliberação, nem mesmo na sua nota técnica, os critérios

pelos quais a EMBRATUR, passou a definir os pólos turísticos do país. A

primeira listagem dos pólos prioritários já estava incluída no Anexo Ib da

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deliberação normativa 290/91, tendo sido atualizada pela deliberação

normativa nº 303/92 e suas subseqüentes38.

Em julho de 1992 o governo federal tornou público o Plano

Nacional de Turismo 1992-1997 (PLANTUR) que, dentre outras medidas,

incorporou a estratégia de definição dos pólos turísticos prioritários previstos na

Deliberação Normativa 290/91, pelo Programa de Pólos Turísticos ao

estabelecer que

O fomento e o incentivo à atividade turística se dará através de programas e subprogramas voltados à ampliação e diversificação da capacidade instalada em áreas pré-selecionadas como pólos turísticos. (EMBRATUR, 1992, p. 13) (grifo nosso)

Entretanto, na opinião de Rodrigues (1996), o “PLANTUR não

expressa uma política objetiva, clara e consistente” sendo facilmente

observável nele “uma nítida falta de coerência e de articulação tanto intra como

intersetorial” (1996, p.151). Para a autora seu ponto mais crítico “é o descaso

com o planejamento territorial, ignorando-se as especificidades regionais”

(ibidem, p.151).

Apesar de considerar o turismo como uma possibilidade para o

desenvolvimento regional, a definição dos pólos turísticos contemplava

explicitamente os pólos localizados na região costeira do país. Orientado pelo

modelo neoliberal imposto pelos agentes financeiros internacionais - BIRD, BID

e FMI -, a identificação dos pólos turísticos visava explicitamente orientar “de

forma integrada e sem dispersão de recursos” (EMBRATUR, 1992, p.14) a

alocação dos investimentos públicos e privados. Nessa linha, o PLANTUR

previa a “implantação de pólos turísticos, cuja modalidade preferencial em

termos de meios de hospedagem [era] o ‘hotel âncora’ do tipo ‘resort’, de

padrão internacional (ibidem, p.15).

38 As atualizações feitas nas relações dos municípios classificados como pólos prioritários deram-se de forma irregular nas seguintes deliberações da EMBRATUR: 329/94, 337/94, 345/95, 348/95, 357/96, 366/96, 371/96, 385/97, 405/98, 408/99, 417/00 e 432/02. Está última deliberação continua em vigor.

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Mesmo concordando com Rodrigues (1996) no que se refere à

desarticulação entre os diversos programas e subprogramas previstos no

PLANTUR, em uma leitura mais detalhada daquele documento, percebemos

uma intenção pré-determinada de priorização das ações nos ditos “pólos

turísticos” por todo ele. Certamente, aquela desarticulação apontada por

Rodrigues (1996) tornava praticamente impossível concretizar o desejo de

priorização.

Na década de 1990, com base na deliberação normativa da

EMBRATUR nº 324/93, os municípios brasileiros foram orientados a

anualmente preencherem e encaminharem para a EMBRATUR o Roteiro de

Informações Turísticas (RINTUR), que abrangia um amplo espectro de

informações sobre o turismo municipal, indo desde aquelas ligadas aos

aspectos político-administrativos até as relacionadas aos fluxos efetivos de

demanda turística existentes. O objetivo desse procedimento era permitir a

identificação dos municípios prioritários para o desenvolvimento do turismo no

país para, no curto prazo, priorizar municípios para fins de alocação estratégica

de recursos públicos no financiamento de empreendimentos turísticos e, no

médio e longo prazos, nortear as atividades de planejamento, voltadas ao

desenvolvimento turístico municipal. Os critérios utilizados para a análise das

informações oferecidas nunca foram plenamente divulgados pela EMBRATUR

e, a simples remessa do RINTUR assegurava a inclusão dos municípios na

relação dos pólos turísticos, após serem classificados em duas categorias:

Municípios Turísticos (MT): são aqueles consolidados, determinantes de um turismo efetivo, capaz de gerar deslocamentos e estadas de fluxo permanente; Municípios com Potencial Turístico (MPT): são aqueles possuidores de recursos naturais e culturais expressivos, encontrando no turismo diretrizes para o desenvolvimento sócio-econômico do município. (Deliberação Normativa EMBRATUR nº 363/96)

Obrigatoriamente, o RINTUR devia ser assinado pelo prefeito

municipal e, por suas informações, a EMBRATUR promovia a atualização da

listagem dos municípios incluídos como pólos turísticos. Como os referidos

relatórios eram encaminhados diretamente para os prefeitos, muitas vezes

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acabavam sendo esquecidos ou perdidos dentro da burocracia local e,

conseqüentemente, não eram devolvidos preenchidos no prazo correto,

acarretando a exclusão de muitos municípios daquela lista de pólos turísticos39.

Ainda durante o governo do presidente Collor de Mello,

paralelamente ao PLANTUR e a implantação dos pólos turísticos prioritários, foi

gestado, por iniciativa conjunta da SUDENE e da EMBRATUR40 o

PRODETUR-NE, com o objetivo de melhorar a oferta de infra-estrutura básica

e de serviços públicos de áreas com potencialidade para crescimento do

turismo (CRUZ, 2000). Reflexo da adoção do modelo neoliberal, o

PRODETUR-NE, concebido no governo Collor, teve sua implantação iniciada

no período do presidente Itamar Franco e ganhou força no governo de

Fernando Henrique Cardoso, sendo incorporado pela Política Nacional de

Turismo, dentro dos Programas de Infra-estruturas básica e turísticas,

desmembrado em PRODETUR-NE, Prodetur Amazônia Lega l- Centro-Oeste e

Prodetur-Sul.

O aparente sucesso dos resultados do PRODETUR-NE o tornou

um programa quase estruturante das políticas de desenvolvimento turístico do

país, o que levou a sua inclusão nos planos nacionais de turismo 2003-2007 e

2007-2010, editados pelo atual governo Lula.

Como nos apontam Benevides (1998) e Cruz (2000), o

PRODETUR-NE, pelas características de suas propostas e ações, chega a

fazer as vezes de uma política urbana, dado que para atingir seu objetivo

central de indução de investimentos em infra-estrutura turística, adota a

estratégia de “provimento de infra-estrutura básica e de serviços para áreas em

expansão turística, onde a capacidade do estado não acompanhou a demanda

por tais serviços” (BNB, 1995, apud CRUZ, 2000, p. 111). Tais áreas são

direcionadas para se consolidarem como pólos turísticos de nível internacional,

gerando todo um re-ordenamento do espaço turístico das regiões onde o

39 No caso específico do estado do Rio de Janeiro, em diversas atualizações na relação dos

municípios prioritários, municípios como Cabo Frio, Armação dos Búzios, dentro outros, não forma incluídos exclusivamente pelo fato dos seus prefeitos, por descaso ou desconhecimento, não terem remetidos os formulários do RINTUR preenchidos e assinados.

40 Portarias Conjuntas nº 01 (29 de novembro de 1991) e nº 02 (16 de abril de 1993).

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programa continua sendo implantado sem, no entanto, propiciar um processo

de desenvolvimento sustentável para as populações das áreas envolvidas.

Restringindo nossa análise aos limites da dimensão espacial do

turismo, é possível identificarmos, nesse período, alguns pontos críticos que

merecem ser nossa atenção:

a. A não existência de uma política nacional clara para o setor turístico

propiciou o desenvolvimento de diversos projetos simultâneos e

desarticulados, tanto do ponto de vista do interior do sistema

turístico (praticamente restrito à EMBRATUR e ao CNTur naquele

momento) como em relação aos outros setores da vida nacional,

especialmente aqueles responsáveis pelas políticas de gestão

ambiental e de gestão do patrimônio histórico nacional, essenciais

para o desenvolvimento turístico;

b. A opção pelo governo centralizado em Brasília “esvaziou” a

capacidade e as competências dos estados e municípios na gestão

do ordenamento do desenvolvimento turístico no país. Esta

estratégia acabou inviabilizando diversos projetos da EMBRATUR

do ponto de vista político-institucional. Entre eles, um dos mais

afetados foi o projeto Turis que não pode ser implementado em

virtude da não concretização dos convênios necessários entre a

EMBRATUR e os municípios envolvidos. Como grande parte das

propostas daquele projeto estavam vinculadas ao controle e a

normatização do uso do solo, a sua efetivação passava pela criação

e/ou alteração nas legislações municipais, o que demandava uma

negociação política entre a EMBRATUR e cada município, fato que

não chegou a se concretizar41;

c. Ainda por conta da centralização da gestão do turismo na

EMBRATUR/CNTur, durante aquele período foram comuns “ações

41 O mesmo tipo de desarticulação político-institucional foi responsável pela não efetivação do

Projeto Indutor de Desenvolvimento Turístico da Região dos Lagos, desenvolvido por uma consultoria espanhola a pedido do governo do estado do Rio de Janeiro, na década de 1980. Como o projeto necessitava de aprovação dos poderes legislativos dos municípios daquela região, o governo estadual não deu continuidade ao processo por entender que tal articulação seria impossível naquele momento.

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isoladas de resistência” por parte dos governos estaduais e

municipais e dos empresários do setor, que recebiam as

determinações do sistema nacional já com criticas e muitas

ressalvas. Como não havia diálogo entre os diversos níveis de

governo, especialmente nas discussões técnicas, as deliberações e

resoluções normativas do CNTur/EMBRATUR eram mal recebidas,

principalmente pelos agentes produtivos do setor turístico

(hoteleiros, agentes de viagens e empresas transportadoras),

levando à criação de um ambiente de quase hostilidade entre os

participantes do sistema turístico nacional. A forma autoritária,

característica básica das políticas dos diversos governos do período

militar, de atuação da EMBRATUR e do CNTur dificultaram a

implantação dos diversos programas e projetos propostos, levando

ao desperdício de recursos, de oportunidades e, mais grave, à

opção por algumas experiências nada positivas para o

desenvolvimento do turismo no país.

d. Também por conta da opção pela gestão centralizada no nível

federal e pela não existência de diálogo e participação dos estados e

municípios nas decisões da EMBRATUR e CNTur, as políticas de

ordenamento do desenvolvimento turístico propostas não

contemplavam e muito menos incluíam as particularidades locais,

essenciais no caso do turismo. As decisões autoritárias e

verticalizadas, de cima para baixo, entendiam todo o território

nacional como uma totalidade homogênea; o que era proposto valia

tanto para o desenvolvimento turístico do Rio de Janeiro como para

a área do Pantanal mato-grossense ou para as praias da região

Nordeste.

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4.2.2 Município Como Base Político-territorial da Política Nacional de Turismo do Governo FHC

Após o período de instabilidade política bastante acentuada que

marcou os governos de Fernando Collor de Mello e de Itamar Franco (1990-

94), no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-98) foi

instituída a política nacional de turismo prevista pelo decreto 448/92 que,

segundo Cruz “é o mais completo e detalhado documento oficial na história das

políticas federais para atividade, a tratar do setor turismo” (2000, p.62). Como

ação estrutural mais significativa foi criado o Ministério dos Esportes e do

Turismo, ao qual a EMBRATUR passou a ser subordinada. Pela primeira vez o

turismo ganhou o status de ministério na estrutura administrativa do executivo

nacional.

Estrategicamente a Política Nacional de Turismo estava orientada

por quatro macro-estratégias: a primeira voltada para o ordenamento,

desenvolvimento e promoção da atividade pela articulação entre o governo e a

iniciativa privada; a segunda destinava-se a implantação de infra-estrutura

básica e infra-estrutura turística adequada às potencialidades regionais; a

terceira previa a qualificação dos recursos humanos envolvidos no setor e a

quarta macro-estratégia compunha-se pela descentralização da gestão turística

por intermédio do fortalecimento dos órgãos delegados estaduais,

municipalização do turismo e terceirização de atividades para o setor privado

(MICT, 1996).

Uma das ações propostas, com forte viés territorial, estava

direcionada para a consolidação de um novo modelo de gestão descentralizada

do turismo nacional, tendo sido implementada através PNMT. Oficialmente

criado pela portaria nº 130 do MICT, de 30 de março de 1994, o PNMT

estruturava-se a partir de cinco princípios norteadores para as suas ações

estratégicas – descentralização, sustentabilidade, parcerias, mobilização e

capacitação – tendo sido lançado com o objetivo de fomentar o

desenvolvimento turístico dos municípios brasileiros com base na

sustentabilidade econômica, social, ambiental, cultural e política, numa ação

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que se propunha a auxiliar as comunidades locais a verem-se como diferentes,

compreenderem suas qualidades, entenderem seus defeitos, produzirem esse

entendimento e agirem para realçar o bom, corrigirem o errado e orgulharem-

se do resultado (FRATUCCI, 2005a).

O PNMT caracterizou-se como um programa de descentralização

da gestão do turismo sem repasse financeiro direto. Os municípios não eram

obrigados a aderirem ao programa e quando o faziam, recebiam apenas, o

repasse de tecnologia e de informações, com uma série de oficinas de

planejamento participativo, baseadas em técnicas de dinâmica de grupo que

misturavam diversos métodos, entre eles o método Metaplan e o ZOPP42.

Até o ano de 2001, o PNMT havia capacitado 27.483 pessoas em

todo o país, por meio de 1.107 oficinas de diversos níveis (Tabela 2), tendo

disseminando sua filosofia para 1.080 municípios brasileiros (EMBRATUR,

2002).

Tabela 2 – Oficinas do PNMT realizadas entre 1995 e 2001

Oficinas 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Total

1ª Fase 28 46 42 39 53 47 34 289

2ª fase - 27 30 36 49 38 36 216

3ª Fase - - 03 06 42 46 72 169

Comunidade - 01 11 27 39 47 59 184

Núcleos de Artesanato - - - 02 05 09 13 29

Aldeias Indígenas - - - 01 03 - 01 05 Conscientização ambiental - - - 01 14 06 07 28

Melhor Idade - - - - 02 05 06 13 Coordenação e Planejamento 05 02 07 06 05 05 08 38

Parceiros - - - 12 11 07 09 39

Universidades - 01 - 01 05 09 28 44

Outras - - - 08 - 17 28 53

Total 33 77 93 139 228 236 301 1.107

Pessoas capacitadas 970 1.540 2.325 3.525 5.700 5.900 7.523 27.483

Fonte: EMBRATUR, 2002, p. 111

42 ZOOP = Planejamento de projetos orientados por objetivos (Zrelorientiert Projekplanung, em

alemão), métodos desenvolvidos pela agência de desenvolvimento do governo alemão.

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Paralelamente às outras ações desenvolvidas pelo Ministério dos

Esportes e do Turismo e pela EMBRATUR, podemos afirmar que no período de

1994-2002 promoveu-se, ainda que com algumas imperfeições, uma profunda

mudança no modo como o setor do turismo vinha sendo gerenciado pelas

diversas esferas do poder público. A busca da articulação de uma visão

sistêmica do setor, trazendo a iniciativa privada, as organizações civis e a

própria comunidade para participar das discussões estratégicas do setor, pela

implantação de conselhos municipais de turismo, pode ser entendida como

uma mudança estrutural de rumo profunda. No nosso entender, tratou-se de

uma mudança processual e não pragmática que incutiu novas posturas nos

gestores públicos e privados do turismo brasileiro, na medida em que os levou

a pensar o turismo como um setor estratégico que exigia gestão profissional e

o reconhecimento da necessidade de envolvimento dos outros agentes sociais,

especialmente a população dos destinos turísticos (FRATUCCI, 2006).

Certamente, a questão do nível de participação que o PNMT

pregava e estimulava pode ser questionado. Os agentes sociais dos municípios

envolvidos historicamente não tinham o hábito de participar da gestão das suas

localidades e, quase sempre, de alguma forma eram induzidos pelas lideranças

locais, muitas delas ligadas a partidos e políticos locais, mais interessados nos

seus projetos pessoais que no desenvolvimento do município. Entretanto, é

preciso lançar um olhar mais atento ao processo do que aos resultados. A

descentralização da gestão do turismo, proposta pelo programa, levou a

discussão do turismo para a escala local dos municípios, envolveu e deu voz

às comunidades, assumindo explicitamente o turismo como prática social que

acontece “na escala e na efervescência da vida nos lugares” (CRUZ, 2006, p.

338).

Se em alguns municípios o processo foi desviado e até mesmo

manipulado por lideranças inescrupulosas, em outros fez surgir um movimento

de questionamentos e de organização de grupos sociais em associações e

entidades mais comprometidas com os interesses coletivos locais.

Institucionalmente, a proposição de conselhos municipais de turismo paritários,

participativos e de caráter deliberativo, pode ser considerada como um avanço

significativo na gestão pública do turismo brasileiro.

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Um dos principais obstáculos para continuidade do processo de

municipalização da gestão do turismo, que de certa forma foi desconsiderado

pelos gestores federais do programa, relacionava-se com a sua escala de

atuação. O PNMT impunha a escala municipal para as suas ações,

considerando que os limites político-administrativos dos municípios brasileiros

seriam o recorte mais adequado para a definição e implantação das políticas

de desenvolvimento do setor. Tal decisão revelou-se, no decorrer do processo,

equivocada na medida em que o turismo, tanto do ponto de vista do fenômeno

socioespacial quanto da atividade econômica, não se restringe às fronteiras

municipais. São poucos os municípios brasileiros com capacidade e autonomia

de implantação de um processo de desenvolvimento turístico eminentemente

local, desarticulado do seu entorno. Mesmo o município do Rio de Janeiro, pólo

turístico internacional consolidado, não abre mão dos recursos localizados nos

seus municípios limítrofes para compor seu produto turístico, como podemos

comprovar nas peças promocionais e pacotes turísticos oferecidos aos

visitantes que incluem Niterói, Petrópolis, Búzios, Paraty e as Ilhas Tropicais da

baía de Sepetiba.

Contraditoriamente, o próprio processo de implantação PNMT

despertou nos gestores municipais a percepção de que precisavam trabalhar

em conjunto com seus municípios vizinhos, se tinham intenção de

estruturarem-se como destinos turísticos de destaque no cenário nacional e

mundial. Assim, foram surgindo os primeiros movimentos direcionados para a

construção de conselhos e consórcios regionais de turismo, como foram os

casos dos municípios da Serra Gaúcha e da região das Agulhas Negras

(Itatiaia, Resende, Porto Real e Quatis), dentro outros; movimentos absorvidos

pelo governo seguinte, por meio do Programa de Regionalização do Turismo

(PRT).

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4.2.3 Governo Lula - 2003-2010: o Foco na Regionalização do Turismo

Com a vitória do Partido dos Trabalhadores nas eleições

presidenciais de 2002, o novo governo federal empossado em janeiro de 2003

interrompeu institucionalmente o PNMT sob o argumento de que toda a

estrutura governamental de gestão do setor turístico deveria ser revista e

recomposta, visando atender às novas diretrizes governamentais e aos

objetivos e metas do novo Plano Nacional de Turismo 2003-2007.

Com a criação do Ministério do Turismo (MTur), a EMBRATUR

teve suas competências limitadas à promoção, divulgação e ao apoio da

comercialização dos produtos e serviços turísticos brasileiros no exterior.

Todas as demais competências foram transferidas para o novo ministério. No

caso específico do PNMT, o mesmo foi desativado como programa e

incorporado como projeto ao Programa Roteiros Integrados do Brasil, no

Macro-Programa de Estruturação e Diversificação da Oferta Turística do Plano

Nacional do Turismo.

Plano Nacional do Turismo 2003-2007

A questão da diminuição das desigualdades regionais foi

considerada como um dos maiores desafios do atual governo federal e o setor

turístico foi indicado como uma das dez prioridades do plano de governo para

enfrentá-la. Com esse foco, todo o Plano Nacional de Turismo 2003-2007

(PNT) foi desenvolvido para contribuir na solução daquele desafio. Nessa linha

estratégica, na mensagem de apresentação do PNT, o Ministro Mares Guia

ressaltou que a criação do Ministério do Turismo demonstrava o compromisso

do governo “de priorizar o turismo como elemento propulsor do

desenvolvimento socioeconômico do país” (MTur, 2003, p. 7), além de enfatizar

que o PNT “constitui-se em um processo dinâmico de construção permanente.

Traduz uma concepção de desenvolvimento que, além do crescimento, busca a

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desconcentração de renda por meio da regionalização, interiorização e

segmentação da atividade turística” (ibidem, p.7).

No diagnóstico do turismo brasileiro elaborado para subsidiar a

elaboração do PNT, foram identificados como problemas a serem solucionados

ou, pelo menos, abrandados: a baixa qualidade e a pequena oferta de produtos

turísticos; a insuficiência de créditos para o setor; a promoção equivocada; a

insuficiência de infra-estrutura básica e turística nos destinos turísticos; a

existência de conflitos e superposições nos instrumentos de legislação e

normatização do setor; a pouca qualificação dos recursos humanos; a falta de

um sistema de monitoramento e avaliação dos resultados das ações (Ibidem).

Partindo desse cenário, o PNT propôs uma visão de futuro que

previa o turismo no Brasil estruturado de forma diversificada tanto cultural como

geograficamente. Esta visão tinha como vetores orientadores a redução das

desigualdades regionais, a geração e distribuição de renda, a geração de

emprego e ocupação e o equilíbrio no balanço de pagamentos (ibidem).

Para dar cumprimento àquela visão e aos objetivos estabelecidos,

o PNT propôs um novo modelo de desenvolvimento para o turismo brasileiro,

calcado em dois pontos estruturantes: parcerias e gestão descentralizada. A

gestão descentralizada foi proposta na nova configuração da supra-estrutura

do turismo nacional (Figura 14) que, no nível estratégico - federal - tem o

Ministério do Turismo como órgão aglutinador, assessorado pelo Conselho

Nacional de Turismo (apoiado por dez câmaras temáticas) e pelo Fórum de

Secretários Estaduais de Turismo. No nível intermediário - estados - as

parcerias com os órgãos estaduais e com os representantes de todos os

setores do turismo se materializam nos fóruns e conselhos estaduais de

turismo cuja missão é de identificar problemas e elaborar propostas e

sugestões para o desenvolvimento do setor, com as demandas oriundas dos

consórcios regionais de municípios e dos conselhos/comitês municipais de

turismo.

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Figura 14 – Supra-estrutura do turismo brasileiro 2 003-2006 Fonte: Ministério do Turismo, 2006.

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Esse modelo de gestão descentralizada refletia-se na última meta

estabelecida pelo PNT de “ampliar a oferta turística brasileira, desenvolvendo

no mínimo três produtos de qualidade em cada estada da federação e distrito

federal” (MTur, 2003, p. 17). Essa meta foi taticamente desenvolvida no macro-

programa de Infra-estrutura, pelo Programa de Desenvolvimento Regional do

Turismo e no macro-programa da Oferta Turística, no Programa de

Desenvolvimento de Roteiros Integrados de Turismo (PRT). Ambos os

programas tinham o seu recorte territorial baseado no conceito de região como

espaço geográfico que apresenta características e potencialidades similares,

trabalhando de forma integrada (BRASIL, 2004b) e buscavam, pela

estruturação e otimização das cadeias produtivas regionais, estimular a criação

de novos produtos turísticos diversificados, calcados nas características

culturais locais e em outros fatores motivadores de demanda, além do

tradicional “sol e praia”.

Em razão disso foi instituída a meta de ampliação da oferta

turística nacional com, pelo menos, três novos produtos turísticos por unidade

da federação até 2006, com condições de qualidade e competitividade, tanto

no mercado internacional como no mercado doméstico.

A estratégia da regionalização, nas bases de sua proposta atual, sugere a otimização de esforços, o aumento da competitividade dos produtos e roteiros turísticos, e a dinamização das redes de comercialização. Ao final, os objetivos são os de promover o aumento dos fluxos de turistas, tanto para a capital, quanto para o interior, através do incremento do tempo de permanência e do gasto médio direto e indireto com o turismo, uma vez que se diversifica e se qualifica em excelência a oferta de produtos, assegurando, com isso, o aumento dos níveis de competitividade no mercado. (LIMA, 2004, p.55)

Apesar de, inicialmente, ter sido previsto como um programa do

Macro-programa 4 – Estruturação e diversificação da oferta turística, o PRT

acabou extrapolando essa posição e tornando-se um programa transversal a

todos os macro-programas do PNT.

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Partindo do pressuposto de que a regionalização é um novo

modelo de gestão de política pública descentralizada, coordenada e integrada,

o PRT entende que “regionalizar o turismo é transformar a ação na unidade

municipal para uma política pública mobilizadora de planejamento e

coordenação para o desenvolvimento turístico local e regional, estadual e

nacional, de forma articulada” (BRASIL, 2004b, p.11).

Para tanto, a base conceitual do programa assume o território

como “espaço e lugar de integração do homem com o ambiente, dando origem

a diversas formas de se organizar e se relacionar com a natureza, a cultura e

com os recursos disponíveis” (ibidem, p.11). Entende-se que, a partir desse

conceito, é possível superar a visão estritamente setorial do desenvolvimento

turístico, na medida em que ele “propõe uma coordenação entre organizações

sociais, agentes econômicos e representantes políticos” (ibidem).

O PRT teve sua proposta estabelecida pelas ações

descentralizadas, focadas em parceiras, nas quais os municípios, os estados e

a sociedade civil organizada têm papel fundamental no desenvolvimento em

suas etapas. Estrategicamente o programa está estruturado a partir de três

diretrizes políticas específicas: gestão coordenada, planejamento integrado e

participativo e promoção e apoio à comercialização (MTur, 2004b).

Inicialmente, no mapeamento feito em 2004, foram identificadas

219 regiões turísticas envolvendo 3.203 municípios. Em 2006, após um

trabalho de revisão chegou-se a 200 regiões turísticas, contemplando 3.819

municípios, indicando 396 roteiros turísticos para o mercado nacional (149

regiões e 1.027 municípios), dos quais apenas 87 destinavam-se a ser

estruturados para atingirem o padrão de qualidade exigido pelo mercado

internacional, envolvendo 116 regiões turísticas, compostas por 474

municípios. (BRASIL, 2007d)

Esses resultados foram amplamente divulgados para o público em

dois eventos de marketing, realizados nos anos de 2005 e 2006 na cidade de

São Paulo, denominados Salão Nacional de Turismo. Os eventos tinham como

objetivo apresentar, promover e incentivar a organização e comercialização dos

roteiros turísticos do Brasil. No ano de 2006, o evento apresentou 451

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produtos/roteiros turísticos, envolvendo 959 municípios de 134 regiões

turísticas selecionadas pelas cinco macrorregiões brasileiras. Em 2006, foram

apresentados ao público os 396 roteiros (de 149 regiões turísticas e 1.027

municípios) selecionados incluindo aqueles 87 roteiros (474 municípios) a

serem trabalhados para obtenção do padrão de qualidade internacional

previsto no PNT.

Apesar de suas propostas serem direcionadas à criação de

produtos turísticos regionais e sugerirem o envolvimento de praticamente todos

os agentes sociais envolvidos com o turismo, o PRT não conseguiu, até o

momento, resultados efetivos como esperados, sinalizando que a falta de

interação entre aqueles agentes ainda é significativa. Os produtos regionais

devem ser resultados da organização dos agentes envolvidos; para tanto,

torna-se necessário que essas interações evoluam para inter-relações

dinâmicas e complementares, que irão compor a organização/sistema turístico

de cada região envolvida.

A dificuldade de articulação dessa organização regional dos

agentes sociais envolvidos mostrou-se um dos pontos mais críticos para o

sucesso da implantação efetiva das metas do PRT no país, o que exigiu da

equipe do MTur uma revisão das suas metodologias e uma nova investida nas

ações de articulações e de sensibilização dos agentes sociais das regiões

classificadas como turísticas.

Plano Nacional do Turismo 2007-2010

Com a continuidade político-administrativa no governo federal,

mesmo com a substituição do ministro Mares Guias por Marta Suplicy em

março de 2007, as diretrizes e ações estratégicas do turismo mantiveram seu

curso com a publicação do Plano Nacional de Turismo 2007/2010, apesar de

uma aparente priorização para a questão da inclusão social a partir do

desenvolvimento turístico no interior do país:

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O desafio da Política Econômica de 2007 a 2010 é aproveitar o momento histórico favorável para estimular o crescimento do PIB e do emprego, intensificando ainda mais a inclusão social e a melhoria na distribuição de renda no Brasil (BRASIL, 2007a, p.47).

Baseado em relatórios técnicos que apontam para os resultados

positivos do turismo nos últimos quatro anos (BRASIL, 2006; BRASIL, 2007a),

o novo plano mantém o modelo de gestão descentralizada (Figura 14)

indicando a amplitude de participação dos diversos agentes do setor turístico

nacional. Segundo aqueles documentos, em 2006 o Conselho Nacional de

Turismo abrigava 1.358 representantes diretos de instituições públicas (702) e

privadas (656) e cerca de 12.000 representantes indiretos, vinculados a

entidades privadas e a instituições públicas relacionados ao turismo em todo o

país.

Assim constituído, o modelo de gestão descentralizada do turismo viabiliza os canais de interlocução entre as diversas esferas da gestão pública e as diferentes escalas de representação da iniciativa privada e do terceiro setor, possibilitando a implementação dos programas e ações propostos pelo Plano Nacional de Turismo, de forma articulada com o planejamento e a implementação dos programas e ações relacionados à gestão do turismo no âmbito das Unidades da Federação, das macroregiões, das regiões turísticas e dos municípios do País (BRASIL, 2007a, p.45).

Com relação à dimensão espacial do desenvolvimento turístico,

foco desse nosso trabalho, o PNT 2007/2010 confirmou a estratégia de

regionalização proposta no período anterior, porém com uma alteração nas

suas propostas conceituais, na medida em que propõe.

focar destinos turísticos selecionados, de modo a se constituírem em indutores do desenvolvimento do turismo regional e da roteirização turística, gerando modelos e referências para os demais destinos turísticos no Brasil, conforme o mapeamento apresentado pelo Programa de Regionalização do Turismo – Roteiros do Brasil (Ibidem, p. 47)

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A estratégia de regionalização introduziu no país uma perspectiva

diferenciada para o turismo brasileiro, dentro da proposta de gestão

participativa dos processos de estruturação, promoção e comercialização de

roteiros turísticos, como percebe-se nas palavras da ministra Marta Suplicy, no

texto de abertura dos cadernos técnicos do PRT:

Regionalizar não é apenas o ato de agrupar municípios com relativa proximidade e similaridades. É construir um ambiente democrático, harmônico e participativo entre poder público, iniciativa privada, terceiro setor e comunidade. É promover a integração e cooperação intersetorial, com vistas à sinergia na atuação conjunta entre todos os envolvidos direta e indiretamente na atividade turística de uma determinada localidade (MTur, 2007b)

Um dos objetivos do PRT vem sendo a desconcentração da oferta

turística brasileira, atualmente localizada predominantemente no litoral,

estimulando a interiorização da atividade e a inclusão de novos destinos nos

roteiros já comercializados. Nessa nova ótica voltada, principalmente, para as

metas econômicas do plano, foram selecionados pelo Ministério do Turismo,

em conjunto com os órgãos e conselhos estaduais de turismo, 65 destinos com

capacidade de induzir o desenvolvimento regional, para serem trabalhados

prioritariamente até 2010. O objetivo dessa estratégia é dotá-los de condições

modelares para as demandas do mercado externo. Segundo o MTur, os

destinos indutores de desenvolvimento são:

aqueles que possuem infra-estrutura básica e turística e atrativos qualificados, que se caracterizam como núcleo receptor e/ou distribuidor de fluxos turísticos, isto é, são aqueles capazes de atrair e/ou distribuir significativo número de turistas para seu entorno e dinamizar a economia do território em que está inserido (BRASIL, 2007b, p.3)

No universo dos 87 roteiros turísticos selecionados anteriormente,

esses 65 destinos (leia-se municípios) (Figura 15) foram escolhidos por

critérios de “avaliações e valorações do Plano de Marketing Turístico

Internacional – Plano Aquarela, do Plano de Marketing Turístico Nacional –

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Figura 15: Localização dos 65 destinos indutores de desenvolvimento Fonte: Ministério do Turismo, 2007.

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Plano Cores do Brasil, além de outros estudos e investigações sobre

investimentos do governo federal e sobre as potencialidades desses destinos”

(Ibidem, p.52) em sua grande maioria, elaborados pelo Observatório de

Inovação do Turismo da Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro (BRASIL,

2008).

A meta 3 do PNT 2007/2010 indica que até 2008, 15 desses 65

destinos deverão estar estruturados dentro dos modelos de qualidade de

padrão internacional estabelecidos pelo MTur, respeitando o princípio da

sustentabilidade ambiental, sociocultural e econômica e sempre trabalhando

“de forma participativa, descentralizada e sistêmica, estimulando a integração e

a conseqüente organização e ampliação da oferta turística” (idem, 2007d, p.

52).

Ainda de acordo com a referida meta esses destinos turísticos

priorizados deverão assumir a função de “modelos indutores para o

desenvolvimento turístico-regional. Suas experiências e práticas exitosas

devem ser multiplicadas para outros destinos que integram as regiões turísticas

do País” (ibidem, p. 52).

Paralelamente ao desenvolvimento e estruturação dos destinos

turísticos priorizados, as 116 regiões turísticas selecionadas deverão estar,

gradativamente, se preparando e se organizando institucionalmente para

incorporarem aqueles modelos de padrão de qualidade propostos pelo MTur.

Cabe destacar que no texto divulgado oficialmente, percebe-se algumas

contradições entre os conceitos de região, destino e produto turístico, o que

dificultam a análise mais detalhada dos números propostos.

A meta 3 aponta para a estruturação de 65 destinos turísticos com

padrão internacional (15 em 2008, 20 em 2009 e 30 em 2010), que servirão de

“produtos-modelo” para as regiões turísticas a serem organizadas

institucionalmente até 2010. Entretanto, o texto não esclarece se as condições

necessárias indicadas para o cumprimento da referida meta (investimentos de

infra-estrutura, pessoas qualificadas, profissionais e empreendimentos

certificados) referem-se aos 65 destinos priorizados ou às 116 regiões

turísticas selecionadas (BRASIL, 2007d).

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No intuito de facilitar e estimular a implantação do modelo

proposto pelo PRT, o MTur desenvolveu uma coleção de 13 cadernos técnicos,

cada um abordando um dos pontos teóricos e operacionais do programa:

Os Cadernos de Turismo apresentam os passos para que os municípios das regiões turísticas brasileiras se organizem com base nos princípios da sustentabilidade ambiental, econômica, sociocultural e político-institucional e destaca os benefícios que a regionalização e a consolidação de roteiros turísticos oferecem ao turismo brasileiro (MTur, 2007b, p.10)

Nota-se claramente, a preocupação do Ministério com a questão

da articulação dos diversos agentes sociais do turismo na escala dos

municípios, reforçando nossa proposição de que as ações voltadas para a

consolidação de regiões ou de roteiros turísticos regionais passam

necessariamente pela escala do município, nossa menor célula político-

administrativa. Nessa mesma direção e visando estimular as articulações locais

e regionais, as ações do MTur têm se voltado para o apoio e o incentivo para a

formação de novas estruturas organizacionais de gestão do desenvolvimento

turístico local e regional. O caderno técnico III, especificamente, destina-se a

orientar os agentes sociais para a institucionalização de instâncias de

governanças regionais, no formato de consórcios ou conselhos regionais de

turismo (MTur, 2007c)

Aprofundando a questão, outro dos cadernos técnicos citados, o

de número XII, é dedicado ao tema da formação de redes e “apresenta alguns

dos princípios e modos de funcionamento das Redes para que os diversos

atores espalhados pelas regiões turísticas possam, na medida de suas

necessidades e desejos, desenvolver projetos ou processos de Redes de

forma descentralizada e autônoma” (ibidem, p.10).

Uma das conferencistas da terceira edição do Salão de Turismo,

ocorrido em junho de 2008, na cidade de São Paulo, no espaço Núcleo do

Conhecimento, destinado às discussões, debates e intercâmbios de propostas

e idéias, a socióloga Tânia Zapata abordou o tema “Instâncias de

Representação da Sociedade Civil e Gestão Pública”. Na sua exposição, ela

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buscou fundamentar teoricamente, a opção pela constituição de um novo tipo

de governança de escala micro-regional para que os destinos indutores e suas

regiões consigam estabelecer um processo de desenvolvimento territorial

endógeno e competitivo. Segundo ela, esse modelo de desenvolvimento surge

como uma “estratégia construída pelos atores locais, a partir de uma

identidade” através de um “processo intencional de provocar mudanças

buscando o desenvolvimento do território com mais equidade, participação e

sustentabilidade”, tendo como eixo central o ser humano. (ZAPATA, 2008).

É interessante ressaltar que, nos documentos oficiais do PRT, o

termo governança é entendido como “a capacidade de administrar ou, mais

especificamente, como a capacidade que os governos têm de criar condições e

de responder às demandas da sociedade.” (BRASIL, 2007c, p.16), o que, de

certa forma, mantém a gestão centralizada no poder público, mesmo quando

“essa capacidade de governar pressupõe uma administração participativa que

envolve as populações locais na elaboração, monitoramento e, em alguns

casos, na execução de políticas públicas” (ibidem). Especificamente para o

PRT, “a Instância de Governança Regional é uma organização com

participação do poder público e dos atores privados dos municípios

componentes das regiões turísticas, com o papel de coordenar o Programa em

âmbito regional” (ibidem).

No contexto atual, de amplo domínio do discurso neoliberal, as

políticas públicas de turismo voltam-se apenas para contemplar os interesses

dos agentes do mercado. Nem mesmo os interesses dos agentes públicos

(governos) são observados, uma vez que, para facilitar a captação de novos

investimentos, o Estado abre mão dos seus direitos de arrecadação,

fiscalização e de regulação, pela concessão de uma série de incentivos e da

liberação de diversas facilidades de crédito. Para os demais agentes sociais

envolvidos pelo turismo resta apenas um papel secundário, quase marginal, e

os impactos quase sempre negativos que a atividade turística gera onde se

instala.

A fragmentação dos territórios em regiões funcionais, propostas

em muitas políticas públicas de turismo, visa permitir apenas uma

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administração mais conservadora e cartesiana das ações estratégicas de

gestão e planejamento público. Elas precisam incorporar, nas suas discussões,

os processos endógenos de consolidação de regiões turísticas. Mesmo sendo

uma decisão política que sinaliza para as diretrizes e prioridades do grupo

governante, é importante que as políticas públicas observem como as

localidades e municípios se aglutinam dialogicamente para compor produtos

turísticos regionais, incorporando esses movimentos às suas decisões.

Com base na análise aqui desenvolvida, podemos apontar os

pontos centrais desse novo momento da gestão pública do turismo nacional

agrupando-os da seguinte forma:

a. Aceitação do turismo como uma atividade econômica de cunho

acentuadamente local e, portanto, merecedora de ações de

ordenamento e gestão diferenciadas de acordo com as

peculiaridades de cada local;

b. Compreensão da complexidade da cadeia produtiva do setor e da

expressividade dos componentes locais, de pequeno e médio porte,

dentro dessa cadeia;

c. “Descoberta” da incompatibilidade do uso da escala político-

administrativa municipal para a definição das ações de

desenvolvimento do setor. O turismo não pode ser contido e/ou

restrito à escala dos municípios, devendo ser gestado e gerenciado

a partir da escala regional;

d. Percepção da necessidade de estabelecimento de novas instâncias

de gestão do setor, em sua grande maioria envolvendo diversos

municípios, o que exige um esforço de regionalização no

ordenamento dos espaços turísticos ou ainda turistificáveis;

Esta revisão da gestão pública do turismo no Brasil serve-nos

para confirmar o descaso das políticas públicas para com as diversas

dimensões do turismo, em especial para com a sua dimensão espacial. Em

todos os momentos em que a questão da espacialidade do turismo aparece

nos discursos e nas práticas dos órgãos de turismo, o espaço é tratado como

mero suporte para o desenvolvimento econômico do setor e o seu

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ordenamento e preservação só ocorrem quando direcionados para a facilitação

da reprodução do capital, por meio dos grandes empreendimentos turísticos.

A articulação em novos recortes espaciais – os territórios-redes

que estamos propondo - e em novas estruturas de gestão – redes regionais de

turismo – como aquele que vem ocorrendo espontaneamente na região

turística das Agulhas Negras, no estado do Rio de Janeiro, mostra-se como

uma opção menos excludente, possibilitando que todos os agentes sociais

envolvidos com e pelo fenômeno turístico possam ter voz e se beneficiar dos

seus impactos e efeitos multiplicadores. A consolidação de novas instâncias

público-privadas micro-regionais de gestão e planejamento, democráticas e

participativas, parece ser o caminho para uma reversão desse atual quadro de

desequilíbrio nas formas de gestão do turismo brasileiro.

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5 REGIÃO DAS AGULHAS NEGRAS, RJ: UMA REDE REGIONAL DE TURISMO EM CONSTRUÇÃO

As redes como estratégia de comunicação e de empoderamento da sociedade civil são as formas mais expressivas das articulações políticas contemporâneas [...] (SCHERER-WARREN, 2007, p.42)

Neste capítulo analisamos o processo de turistificação da região

das Agulhas Negras buscando articulá-los com nossas discussões e propostas

teóricas, objetivando demonstrar que a dimensão espacial do turismo se revela

mais claramente na escala micro-regional e que o seu ordenamento e gestão

pode ser assumido por um novo modelo de estrutura organizacional de

governança representado pelas redes regionais de turismo, compostas pelos

diversos agentes sociais produtores daquele processo. Essa articulação entre

nossas discussões teóricas e os fatos observados naquela parte do território

estadual resulta de um exercício dialógico contínuo que vimos desenvolvendo

nos últimos anos, onde procuramos ampliar nossos pontos de observação dos

processos de turistificação do espaço.

A implementação das diversas políticas públicas direcionadas

para o turismo, revistas no capítulo anterior, constituiu-se em relevante fator de

reorganização do território no contexto do estado do Rio de Janeiro,

especialmente nos últimos quinze anos, quando o governo federal sinalizou

para a priorização do setor como possível vetor de desenvolvimento regional

para o país. O estado do Rio de Janeiro, pelas suas características sociais,

ambientais e culturais, além do seu processo de formação histórica, desde

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meados do século XIX vem despertando o interesse e a atenção tanto dos

visitantes como dos empresários do setor turístico nacional e internacional.

Para muitos estudiosos, a cidade do Rio de Janeiro foi o palco do

início da atividade turística contemporânea no país (LAGE; MILONE, 1991).

Para Tomé Machado (2005), a reforma urbana promovida pelo prefeito Pereira

Passos, nos primeiros anos do século XX, pode ser considerada como um dos

principais fatores que vieram contribuir para o inicio da atividade turística na

cidade do Rio de Janeiro. De acordo com aquele autor, a inauguração do porto

do Rio de Janeiro, em novembro de 1906, foi fundamental para o

desenvolvimento do turismo no país. Tal fato pode ser comprovado “com a

chegada do primeiro grupo organizado de turistas ao Rio de Janeiro em 27 de

junho de 1907, a bordo do navio a vapor Byron, em uma excursão organizada

pela agência inglesa ‘Cook and Son’.” (TOMÉ MACHADO, 2005, p.72). Foi

naquela época que surgiu a expressão “cidade maravilhosa criada em 1908 por

Coelho Neto e, posteriormente popularizada por André Filho (1934), através da

marcha do mesmo nome” (TURISRIO, 1999, p.127).

Os eventos desenvolvidos para a comemoração do

cinqüentenário da independência brasileira, durante o ano de 1922 fizeram

surgir “os primeiros hotéis no Rio de Janeiro e foi criada a Sociedade Brasileira

de Turismo, posteriormente chamada de Touring Club do Brasil” (LAGE;

MILONE,1991, p.21), instalando as premissas básicas para a sua consolidação

como centro turístico internacional: liberação do jogo, construção de hotéis de

luxo como o Copacabana Palace, o Hotel Glória e o Hotel Palace, esse já

demolido, e “a divulgação da imagem de um carioca alegre, descontraído e de

espírito universalista, sempre aberto a novas idéias e modas” (TURISRIO,

1999, p.128).

Entretanto, até a década de 1970, o turismo ficou praticamente

concentrado na cidade do Rio de Janeiro. Com relação ao interior do estado,

com exceção das citações feitas a Petrópolis como cidade de veraneio da

família imperial e, posteriormente, da sociedade carioca, são encontradas

algumas referências ao Parque Nacional de Itatiaia, a Cabo Frio e Búzios

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(depois do advento de Brigitte Bardot, no início da década de 1960) e ao Pico

Dedo de Deus, em Teresópolis (TURISRIO, 1999).

Especificamente no caso da região das Agulhas Negras, as

poucas informações disponíveis nos apontam que em 1918 foi inaugurado o

Hotel Fazenda Villa Forte, às margens da estrada de ferro que ligava o Rio de

Janeiro a São Paulo, na atual localidade de Engenheiro Passos. Com a criação

do primeiro parque nacional no maciço do Itatiaia, em 1937, outros meios de

hospedagem surgiram dentro dos limites do parque e nas localidades de

Visconde Mauá e Penedo. Esta última, segundo Mascarenhas (2005), teve seu

processo de turistificação iniciado com a chegada dos colonos finlandeses,

liderados pelo utopista Toivo Uuskallio no final da década de 1920. Já na

região da vila de Visconde de Mauá, cuja colonização iniciou-se em 1908 com

um núcleo de colonos alemães trazidos pelo governo brasileiro, “as famílias

Bühler e Büttner iniciaram um empreendimento de recepção rústica” para

atender a um esporádico, porém crescente fluxo de ‘hóspedes pagantes’,

composto por professores e alunos da Escola Alemã do Rio de Janeiro”

(MASCARENHAS, 2005, p. 116), que passaram a veranear na região, atraídos

pelas características climáticas e paisagísticas da região e pela curiosidade em

conhecer a história e a situação dos colonos patrícios.

Somente após a inauguração da Rodovia Rio-Santos e da Ponte

Rio - Niterói (na primeira metade da década de 1970), a população carioca

passou a buscar mais regularmente o litoral das regiões turísticas da Costa

Verde e da Costa do Sol, mais conhecida como região dos Lagos. Esses fluxos

de turistas, concentrados principalmente durante o período de verão e nos

feriados prolongados provocaram um intenso processo de urbanização

daquelas áreas, a partir da construção acelerada de condomínios de segundas

residências voltadas para o veraneio.

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5.1 CONTEXTO INSTITUCIONAL DO TURISMO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Institucionalmente, a preocupação com a atividade turística no

estado do Rio de Janeiro teve início no ano de 1960 com a criação da

Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro – Flumitur (Lei n.º 4.221

de 12 de abril de 1960), com sede na capital Niterói, e da Riotur S/A pelo

governo do antigo Estado da Guanabara (abril de 1960). Na mesma década, no

nível nacional, foi criada a Empresa Brasileira de Turismo – EMBRATUR,

através decreto-lei n.º 55 de 18 de novembro de 1966, também com sede na

cidade do Rio de Janeiro (FRATUCCI, 2006).

A primeira tentativa institucional de interiorização mais sistemática

da atividade turística deu-se com a fusão dos estados da Guanabara e do Rio

de Janeiro, no ano de 1974 (Lei Complementar n.º 20 de 01/07/1974). A

Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro – Flumitur43 foi transferida

de Niterói para o Rio de Janeiro passando a desenvolver ações voltadas,

principalmente, para o interior do estado, deixando explícito que o seu território

de atuação era o interior. Paralelamente, o turismo no município do Rio de

Janeiro foi deixado a cargo da Riotur S/A, empresa de economia mista ligada à

estrutura administrativa municipal a partir da fusão, conforme nos aponta Lima:

Há que se dizer que os órgãos de turismo criados em 1960 passaram a ser sediados, com a fusão, na capital do “novo” estado, havendo igualmente uma diferenciação entre os âmbitos de suas atuações: a Riotur dedicando-se ao turismo da cidade do Rio de Janeiro, e a TurisRio voltada ao turismo do estado como um todo (2004, p..41).

O Plano de Desenvolvimento Econômico e Social, estabelecido

para o quadriênio 1979-82 (Governo Chagas Freitas), instituiu a divisão do

território estadual em sete regiões turísticas: Metropolitana, Costa do Sol,

Costa Verde, Norte, Serrana A, Serrana B e Serramar, delimitadas a partir das

43 A marca fantasia Flumitur foi alterada em 1988, para TurisRio, como parte da estratégia de

marketing proposta pela campanha “cidades maravilhosas do Estado do Rio de Janeiro”.

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características e recursos do setor turístico, observando a homogeneidade e

complementaridade de ofertas, objetivando facilitar, sobretudo, o estudo micro-

regional (FRATUCCI, 2000a).

A partir dessa primeira regionalização oficial do espaço turístico

do estado, o poder público estadual, através de projetos coordenados,

principalmente pela TurisRio, promoveu uma série de ações que contribuíram

para a construção do atual território do turismo estadual. Entretanto, a prática

de gestão e ordenamento do território fluminense foi marcada por experiências

pontuais e assistemáticas, o que dificulta uma análise mais profunda dos seus

resultados, principalmente pela não continuidade nos processos de suas

implantações. No período entre 1960 e 1988, identificamos algumas dessas

tentativas, em sua grande maioria realizada sob o comando da TurisRio a partir

de projetos propostos pela EMBRATUR, com destaque para o Projeto Turis

(1973) e a Identificação do Espaço Turístico Estadual (1979).

Com base na lei federal 6.766, promulgada no ano de 1979,

estabelecendo que todo o parcelamento de solo em áreas determinadas como

de interesse especial, deveriam merecer a anuência prévia dos governos

estaduais, o governo do estado do Rio de Janeiro, determinou que a Secretaria

de Planejamento (SECPLAN) e a Fundação de Desenvolvimento Metropolitano

da Cidade do Rio de Janeiro (FUNDREM) (extinta na década de 1980),

realizassem a definição das áreas de interesse especial do estado. Foram

definidos grupos de trabalho setoriais para tal fim, cabendo à Flumitur, atual

TurisRio, a definição das áreas especiais de interesse turístico.

Esse processo de identificação de áreas de interesse especial

objetivava normatizar o uso e o parcelamento do solo naquelas áreas do

estado com alguma característica própria que lhe inferisse um valor

diferenciado em relação às demais. Para tal fim, estabeleceu-se que seriam

classificadas como “áreas de interesse turístico as superfícies territoriais do

continente e de todas as ilhas marítimas, lacustres e fluviais que concentrem

recursos turísticos que possam ser explorados turisticamente e cuja proteção é

de fundamental importância para a conservação das suas qualidades

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ecológicas como para a perpetuação de atividades de recreação e lazer

decorrentes do turismo” (TURISRIO, 1985)

A regulamentação das Áreas de Interesse Especial previstas na

lei 6.766/79 sofreu um processo peculiar no caso do estado do Rio de Janeiro.

Em razão da divisão de responsabilidades sobre a gestão do território estadual

entre a SECPLAN e a FUNDREM, os trabalhos foram desenvolvidos de forma

distinta e em ritmos diferentes nos dois recortes territoriais. Disso resultou que

o território sob responsabilidade da SECPLAN (interior do estado), teve seus

estudos concluídos e devidamente regulamentados pela lei estadual 1.130/87,

enquanto nos municípios da região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro

o processo foi interrompido, restando apenas uma minuta de projeto de lei

como resultado final. (Figura 16).

No caso específico das áreas especiais de interesse turístico,

foram identificadas aquelas que comportavam recursos turísticos (efetivos ou

potenciais) localizados “na faixa de orla marítima e ilhas marítimas, nas áreas

de montanha e serra, na faixa de entorno de lagos, lagoas e ilhas lacustres e

nas estâncias hidrominerais e/ou terapêuticas” (SEPDET, 2001). Na área da

região das Agulhas Negras, toda área do Parque Nacional do Itatiaia acrescida

de uma grande área de entorno, principalmente nos seus limites oeste

(Engenheiro Passos) e nordeste (Visconde de Mauá) foram incluídas como de

interesse turístico.

Importante ressaltar que esta foi a primeira ação do governo

estadual que tratava o território do turismo de forma não contínua, indicando

quais as áreas prioritárias para o desenvolvimento do setor, com forte

influência do modelo de espaço turístico proposto por Boullón (1990a).

Entretanto, assim como as demais tentativas de ordenamento do

território turístico estadual, esse trabalho também não foi implementado, apesar

da lei 1.130/87 ter sido regulamentada por decreto e continuar em vigor até os

dias de hoje. O Plano Diretor de Turismo do Estado – 2002 retomou esse

trabalho, indicando-o como um dos seus principais referenciais orientador para

as ações do governo estadual.

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0 10 30 50 Km

Figura 16 – Áreas especiais de interesse turísticos do estado do Rio de Janeiro Fonte: SEPDET, 2001

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Com a posse do governador Moreira Franco (1987), a Companhia

de Turismo do Estado do Rio de Janeiro, a partir de um projeto de

modernização administrativa, foi totalmente reestruturada, com a redefinição da

suas atribuições e da sua missão, além da alteração da sua marca de Flumitur

para TurisRio. Nesse processo de mudança incluiu-se o desenvolvimento de

uma campanha de marketing mais agressiva, voltada para o mercado interno,

baseada na idéia-força de agregar-se à marca “Cidade Maravilhosa” o produto

de outras cidades próximas (FRATUCCI, 2000a).

Sem qualquer rigor metodológico e com base em dados empíricos

e na experiência pessoal dos diretores da empresa, foram selecionadas sete

localidades consideradas em condições para funcionar como centros

receptivos de fluxos de demanda interestadual e internacional, de forma

complementar ao produto turístico da cidade do Rio de Janeiro: Angra dos

Reis, Paraty, Visconde de Mauá, Itatiaia, Armação dos Búzios, Nova Friburgo e

Petrópolis. Vale destacar que duas localidades da região das Agulhas Negras

(àquela época denominada Serrana A) foram selecionadas – Itatiaia e

Visconde de Mauá – por estarem localizadas próximas à cidade de São Paulo

e das cidades de porte médio do vale do Rio Paraíba paulista, tradicionais

emissores de visitantes para aquela região.

Apesar de ter sido apenas uma campanha de marketing, essa

ação induziu certo reordenamento no território turístico do estado do Rio de

Janeiro. Primeiro, por ter induzido a concentração dos fluxos turísticos para as

áreas escolhidas como “cidades maravilhosas”, em detrimento das demais

áreas do estado, numa primeira tentativa de adoção da lógica reticular para o

ordenamento do território do turismo no estado. Segundo, por despertar nas

localidades deixadas fora do processo, um desejo de se tornarem também uma

“cidade maravilhosa”. Entre críticas e reclamações, alguns municípios

souberam aproveitar-se do momento e passaram a trabalhar para o

desenvolvimento turístico local (FRATUCCI, 2000a)

Simultaneamente, em janeiro de 1989, foi assinado um convênio

de cooperação técnica entre os governos do Estado do Rio de Janeiro e da

Catalunha – Espanha, “para desenvolvimento de um trabalho conjunto de

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planejamento, visando transferir o qualificado know-how turístico adquirido pela

Catalunha para o Rio de Janeiro” (AD-RIO, 1989, p.1). Denominado Plano

Indutor de Desenvolvimento Turístico para a Região dos Lagos, oficialmente

denominada como Costa do Sol44, foi desenvolvido pela Agência de

Desenvolvimento Econômico do Estado do Rio de Janeiro (AD-Rio), com apoio

da TurisRio45, objetivando estabelecer “indicações preciosas para o investidor

privado como também fornecer diretrizes para a atuação correta das

administrações municipais e estaduais na execução de obras de infra-estrutura

e de projetos turísticos para a região” (ibidem, p.1).

A justificativa para aquele plano estava calcada em um

diagnóstico do turismo brasileiro da época, que assinalava para o fato de

apesar da forte demanda potencial existente, tanto do mercado nacional como

do internacional, o Rio de Janeiro não oferecia um produto turístico coerente e

compatível com as exigências do mercado. Segundo relatórios da época, esse

desajuste era causado pela ausência de uma política de turismo específica

para um segmento de mercado, o que demonstrava a ausência de um produto

turístico altamente qualificado e competitivo internacionalmente.

A escolha da Região dos Lagos do Rio de Janeiro foi baseada em

alguns poucos critérios de interesse, principalmente dos empresários

espanhóis interessados em investir no Brasil: a) proximidade com a cidade do

Rio de Janeiro e com o aeroporto internacional Antonio Carlos Jobin (média de

60 km); b) características fisiográficas locais: grande extensão do litoral, clima

tropical, baixo índice pluviométrico e inverno com temperaturas médias em

torno de 20º C; c) topografia ideal para implantação de campos de golfe; d)

características culturais dos centros urbanos.

O referido Plano Indutor pretendia estimular o desenvolvimento da

região tendo o turismo como atividade econômica central, balizado por ações

de reordenamento do uso do solo, preservação do meio ambiente, recuperação

da paisagem regional e melhoria dos sistemas de infra-estrutura, premissas

básicas para todo o processo. Nota-se que, apesar da aparente priorização de

44 Trecho do litoral fluminense que, originalmente, se estendia do município de Maricá até o

município de Rio das Ostras. 45 Para maiores detalhes, ver FRATUCCI, 2006.

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191

um trecho do território estadual, a lógica zonal predomina no modelo de

desenvolvimento proposto, uma vez que na escala da região, todo o espaço é

tratado como de interesse turístico.

A segunda metade da década de 1980, sob a coordenação do

governador Moreira Franco, representou uma tentativa de implantação de um

modelo neoliberal bastante agudo na gestão do turismo no estado do Rio de

Janeiro. Com o foco na privatização e na desregulamentação do setor,

seguindo a tendência da esfera federal, a gestão pública do turismo,

coordenada pela TurisRio, buscou desenvolver planos e projetos que

estimulassem o desenvolvimento econômico do turismo sob a égide do capital

privado, com o Estado apenas fornecendo a infra-estrutura básica e,

esporadicamente, subsídios para estimular os investimentos. O Plano Indutor

de Investimentos Turísticos na Região dos Lagos é o melhor exemplo desse

processo que, por razões de descontinuidade política, tanto no governo

estadual quanto no federal, acabou por não ser levado a cabo. Nos anos

seguintes, orientados pela mudança na gestão do turismo na esfera federal, o

governo estadual tende a rever essa postura, entretanto, sem muito sucesso.

5.1.1 Reorganização do Mapa Turístico do Estado do Rio de Janeiro a Partir de 1990

Para o estado do Rio de Janeiro as mudanças de rumo nas

políticas públicas do turismo brasileiro foram bastante representativas,

especialmente sob o viés político. A perda da sede da EMBRATUR para

Brasília, um dos últimos atos do processo de mudança da capital federal do

país, parece representar mais um duro golpe para o processo socioeconômico

do estado. Como uma forma de reação política, ocorreu certo afastamento das

ações do governo estadual para o setor do turismo daquelas propostas pelo

governo federal.

Tal afastamento político entre o órgão de turismo estadual e a

EMBRATUR fez com que o processo de municipalização do turismo ocorresse

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de forma diferenciada no estado, se comparado as demais unidades da

Federação. Enquanto na maioria delas, as oficinas do PNMT começaram a ser

realizadas ainda no ano de 1995, no Rio de Janeiro a implantação do

Programa só ocorreu efetivamente a partir do segundo semestre de 1998.

Apesar de terem sido realizadas uma oficina no município de

Petrópolis em dezembro de 1995 e outra, em agosto de 1996, no município de

Itatiaia (ambas da 1ª Fase), oficialmente o governo estadual não se engajou no

Programa. Nesse período (1996-1998), a TurisRio desenvolvia um projeto

próprio de municipalização denominado Programa de Apoio ao

Desenvolvimento Turístico Municipal, que consistia-se basicamente de uma

visita aos municípios, com dois ou três dias de duração, durante a qual, um

grupo de técnicos e professores proferiam palestras e cursos de curta duração,

com o objetivo de capacitar e profissionalizar os órgãos municipais de turismo.

Não havia uma priorização estratégica por parte da TurisRio na definição de

qual município deveria ser atendido primeiro; os mesmos eram atendidos na

medida em que oficializavam suas solicitações junto à Chefia de Gabinete da

empresa e garantiam os recursos financeiros necessários para a sua

realização. (FRATUCCI, 2005).

No segundo semestre de 1998, os representantes dos municípios

componentes da região turística da Costa do Sol, sabedores do sucesso do

PNMT em outros estados, organizaram-se e pressionaram a TurisRio para a

realização de uma oficina de 1ª Fase na região. Essa iniciativa, aliada à

mudança do governo estadual em janeiro de 1999 e, conseqüentemente, de

toda a estrutura diretiva da empresa, levou ao estabelecimento de um acordo

informal com o Comitê Executivo Nacional do PNMT para o desenvolvimento

de um processo de recuperação da defasagem do Programa no Estado.

A partir dos dados consolidados na Tabela 3, percebe-se que o

desenvolvimento do Programa no estado concentrou-se nos anos de 1999 a

2002. Até 2003, o PNMT havia sido implantado em 72 municípios do estado,

dos quais 11 atingiram a 3ª fase do Programa, 57 a 2ª fase e, apenas 2

estacionaram na 1ª fase. A partir de nossa vivência pessoal como multiplicador

estadual do PNMT e técnico da TurisRio, podemos afirmar que a causa de um

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número elevado de municípios não ter ultrapassado a segunda fase do

programa, está diretamente relacionada com as dificuldades encontradas para

a articulação e formação dos conselhos municipais de turismo dentro dos

princípios propostos, principalmente aqueles que orientavam para que os

mesmos fossem paritários entre o poder público e a sociedade civil e,

instituídos por lei municipal específica.

Vale destacar que, graças ao PNMT, os principais agentes sociais

do turismo dos municípios do interior do estado, em especial, da região das

Agulhas Negras (denominação criada em 1998), começaram a se articular e a

organizar a criação de conselhos regionais de turismo. O turismo como

atividade econômica já era significativo para diversas localidades dos

municípios da região - Visconde Mauá, Engenheiro Passos, Penedo e Itatiaia -,

mas tratado de forma isolada por cada uma delas que, em determinados

momentos, se viam como concorrentes no mercado. Não havia, até então, uma

visão complexa do fenômeno que permitisse o entendimento de que todos os

agentes sociais envolvidos com o turismo regional eram interdependentes e

complementares.

Tabela 3 – Oficinas do PNMT no estado do Rio de Janeiro Oficinas 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

1ª Fase 1 1 0 1 4 0 2 1 0 2ª Fase 0 0 0 1 4 0 1 2 0

3º Fase Passo 1 0 0 0 0 1 2 0 0 0 Passo 2 0 0 0 0 0 1 1 0 0 Passo 3 0 0 0 0 0 0 0 7 4 Comunidades 0 0 0 0 0 4 0 0 0 Docente 0 0 0 0 10 0 0 0 0 Nivelamento (1ª/ 2ª Fases) 0 0 0 0 0 0 0 7 3 Turismo rural 0 0 0 0 0 0 1 0 0 Planejamento Nacional 0 0 0 0 1 2 1 0 0 Encontros Nacionais 0 0 0 0 1 1 1 0 0 Encontro Estadual 0 0 0 0 0 0 0 1 1 Fonte: Fratucci, 2005

Apesar do previsto no artigo 227 da Constituição Estadual de

1989 que determina que o ”Estado definirá a política estadual de turismo

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buscando proporcionar as condições necessárias para o pleno

desenvolvimento dessa atividade” e que o instrumento básico de intervenção

do Estado no setor deveria ser o plano diretor de turismo, somente a partir de

1997, a TurisRio, em conjunto com a SECPLAN46, iniciou a elaboração do

citado plano, com o objetivo de torná-lo o “pressuposto fundamental e

dispositivo privilegiado ao pleno desenvolvimento da atividade turística no

território estadual” (TURISRIO, 1999).

O desenvolvimento do plano procurou contar com a participação

de representantes de todos os segmentos da sociedade organizada e dos

governos municipais do estado. Os diagnósticos regionais preliminares foram

objetos de discussão em 14 oficinas regionais47, contando com a participação

dos diversos segmentos públicos e privados de todos os municípios, envolvidos

com o setor. Dessas oficinas extraiu-se o diagnóstico final e as proposições,

que foram materializadas em programas e projetos que deveriam nortear a

política estadual proposta para o desenvolvimento turístico.

Na reunião realizada no município de Itatiaia estiveram

representantes dos governos dos municípios de Resende, Itatiaia, Quatis,

Barra Mansa, Volta Redonda e de diversas associações empresarias ligadas

ao turismo da região. Naquele momento, conforme registrado no relatório da

oficina, já existia o Conselho de Turismo da Região das Agulhas Negras

(CONRETUR) e os participantes já destacavam como ponto positivo do

processo de desenvolvimento regional a integração dos membros daquele

conselho. Além disso, também indicavam como ação prioritária para o Plano

Diretor a consolidação dos conselhos municipais e regionais de turismo.

(TURISRIO, 1999).

46 Com a posse do novo governador em 1998, a SECPLAN foi transformada em Secretaria de

Estado de Planejamento, Desenvolvimento Econômico e Turismo (SEPDET). 47 O primeiro relatório elaborado consolidou o Diagnóstico do Plano Diretor de Turismo do

Estado, que foi apresentado também de forma sintetizada em Relatórios Executivos para cada uma das Regiões Turísticas do Estado. Esses diagnósticos preliminares foram então, objetos de discussão em quatorze oficinas regionais (Niterói, Angra dos Reis, Arraial do Cabo, Paracambi, Araruama, Piraí, Itatiaia, Comendador Levy Gaspariam, Petrópolis, Cachoeiras de Macacu, Macaé, Cantagalo, Itaperuna e Campo dos Goytacazes) com a participação dos diversos segmentos públicos e privados de todos os municípios, envolvidos com o setor.

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Importante salientar que no decorrer do processo de elaboração

do Plano Diretor, o governo estadual incorporou a participação de uma

consultoria internacional paga pelo Banco Interamericano – BID. Esta decisão

foi tomada pelo governador e pelo Secretário de Planejamento e

Desenvolvimento Econômico do Estado, sem ouvir os diretores e o corpo

técnico da TurisRio. Os consultores contratados deveriam, a princípio,

desenvolver um plano estratégico para o desenvolvimento turístico, mas ao

tomarem contato com o trabalho em desenvolvimento pelos técnicos da

TurisRio e da Secretaria de Estado de Planejamento, Desenvolvimento

Econômico e Turismo (SEPDET), concordaram em concentrar-se no

desenvolvimento dos tópicos referentes à questão de formação dos recursos

humanos e ao marketing voltados para o mercado externo.

Podemos afirmar que a maior contribuição daquela consultoria

internacional para o Plano Diretor de Turismo foi a proposição de instituições

das áreas de desenvolvimento estratégico (ADE), que podem ser melhor

compreendidas a partir da seguinte colocação de Valéria Maria de Souza Lima,

diretora de planejamento da TurisRio:

as ADEs foram concebidas para criar facilidades relativas às ações de promoção e marketing, mas começam a ser pensadas também sob o ponto de vista do planejamento e da gestão. Reúnem, em um mesmo grupo, uma ou mais regiões turísticas, mas que, em virtude de sua finalidade original, separam-se por linhas flexíveis que permitem a existência de espaços comuns. (LIMA, 2004, p. 47).

Na proposta original as ADE foram delimitadas a partir da análise

das potencialidades de produtos em termos das motivações e preferências dos

consumidores e da identificação de conjuntos de atrativos e serviços, que

compunham a diversidade da oferta do território estadual e que poderiam ser

ancorados em determinados produtos turísticos regionais, ficando assim

organizadas:

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� ADE I: Região da Costa Verde � ADE II: Região do Vale do Paraíba e Região das Agulhas Negras � ADE III: Região do vale do Café � ADE IV: Região Metropolitana e Baixada Fluminense � ADE V: Região Serra Tropical e Região da Serra Norte � ADE VI: Região da Costa do Sol e Região da baixada Litorânea � ADE VII: Região da Costa Doce e Região Noroeste das Águas

Por outro lado, atendendo a uma necessidade estratégica de

atualização do recorte regional do turismo no estado, o Plano Diretor de

Turismo apresentou uma atualização para configuração da regionalização

turística, buscando incorporar a nova realidade sociocultural e econômica

estadual. A regionalização anterior era datada do início da década de 1980,

quando o estado ainda era composto por 64 municípios e não apresentava o

setor turístico significativamente desenvolvido nos municípios do interior.

Partindo do entendimento da região turística como um

instrumento primordial para a organização territorial e para a gestão da

atividade turística, enquanto instância intermediária de articulação entre o

estado e os municípios, o Plano Diretor de Turismo propôs um novo recorte

regional (Figura 17) composto por 13 regiões. De acordo com aquele

documento, essas regiões “guardam, internamente, um sentido de

homogeneidade e complementaridade, que traduzem sua identidade

geográfica, paisagística, territorial e da oferta de infra-estrutura e serviços”

(SEPDET, 2001, p.98).

Na realidade, o Plano Diretor de Turismo tornou-se mais um

documento de referência para algumas ações da Secretaria Estadual de

Turismo, criada em janeiro de 2004, e da TurisRio que o documento norteador

da política estadual de turismo. No nosso entender, tal política ainda não

existe, tendo em vista o setor não ser prioridade do governo estadual, conforme

podemos comprovar a partir da observação dos valores orçamentários para

investimentos destinados tanto à TurisRio quanto à própria Secretaria, nos

últimos anos.

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Figura 17 – Regionalização Turística – Plano Direto r de Turismo – 2001 Fonte: SEPDET, 2001.

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A criação da Secretaria Estadual de Turismo e a reativação e

reformulação do Conselho Estadual de Turismo, através dos decretos 33.334

de 05 de junho de 2003 e 33.461 de 25 de junho de 2003, não nos parecem

suficientes para indicar que o turismo tenha obtido o status de setor prioritário

no contexto do poder executivo estadual. As ações, projetos e a atividades

continuam acontecendo sem que seja seguido um rumo definido por um

planejamento estratégico de longo prazo.

Em 2006, com a posse do governador Sérgio Cabral, a Secretaria

de Turismo e a Secretaria de Esportes foram aglutinadas na Secretaria de

Esporte e Turismo, caracterizando, mais uma vez, a não definição do setor

turístico como estratégico dentro da estrutura governamental. Desde a sua

criação, ora a TurisRio esteve ligada à secretarias da esfera econômica, ora à

secretarias mais voltadas para questões sociais e culturais, indicando a falta de

definição do seu papel e da sua importância dentro da estrutura administrativa

estadual.

Desde a implantação do PNMT na grande maioria dos municípios

do estado, iniciou-se um profundo processo de mudanças nos diversos

segmentos do turismo que colaborou para uma reformulação do território

turístico estadual. A partir dele, os municípios começaram a se perceber parte

de um contexto mais amplo, onde só poderiam ter competitividade a partir da

estruturação de produtos turísticos diversificados e diferenciados. Para tanto,

constataram a necessidade de se organizar em grupos regionais, gerando um

processo descentralizado de reestruturação das regiões turísticas do estado.

Esses movimentos descentralizados e, em sua grande maioria,

endógenos, foram incorporados no processo de redefinição da regionalização

turística estadual desenvolvida no âmbito do Plano Diretor de Turismo

(SEPDET, 2001). Entretanto, como em todo processo democrático de tomada

de decisões, houve algumas divergências e discordâncias com aquela

proposta, o que levou o Fórum Estadual de Secretários de Turismo – RJ a

promover uma ampla discussão com seus membros sobre o assunto.

Aquele Fórum “foi criado em 1997 por um grupo de Secretários

preocupados com o fortalecimento da atividade turística no estado do Rio de

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Janeiro” (OLIVEIRA, 2004, p.79), fruto das oficinas e reuniões de

conscientização e capacitação promovidas pelo PNMT no estado. Seu primeiro

presidente foi o então presidente da Empresa de Turismo do Município de

Macaé (Macaetur), Glauco Lopes. Em janeiro de 2002, assumiu a sua

presidência a então secretária de turismo do município de Itatiaia, Roberta Dias

de Oliveira.

Durante o mandato da senhora Roberta foram realizadas diversas

reuniões regionais com o objetivo de definir os nomes das regiões turísticas,

dado que o Plano Diretor de Turismo definiu-as apenas por um número

seqüencial. Também objetivam discutir a composição de cada uma das 13

regiões turísticas estabelecidas, no intuito de contemplar algumas

reivindicações de municípios que não concordavam com os limites propostos.

A partir dos resultados dessas diversas reuniões regionais, o

Fórum Estadual de Secretários de Turismo apresentou uma proposta para o

novo recorte regional do território turístico estadual, já definindo os nomes de

cada um deles, o que, em alguns casos, alterou significativamente a proposta

original. Essas alterações foram: a) o desmembramento da Região Turística 3

em duas, fazendo surgir a Região Vale do Paraíba composta pelos municípios

de Barra Mansa, Volta Redonda e Pinheiral; b) a incorporação de toda a

Região Turística 11 (Macaé, Quissamã e Carapebus) à Região 9, aumentando

consideravelmente o território da região dos Lagos, c) a incorporação dos

municípios de São Fidélis e Cardoso Moreira à Região da Costa Doce e a sua

desincorporação da Região Turística 13 e, d) a transferência do município de

São Gonçalo da Região Turística 5 para a Região 10 – Rota do Sol

(FRATUCCI, 2005a).

Essas alterações foram motivadas mais por motivos políticos

regionais que por questões técnicas relacionadas com o desenvolvimento

turístico dos municípios. Apenas no caso da Região das Agulhas Negras, o

novo limite proposto surgiu de um planejamento estratégico, desenvolvido sob

a coordenação do SEBRAE-RJ, envolvendo os municípios de Itatiaia, Resende,

Porto Real e Quatis, como veremos mais adiante. Todas as demais foram

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conseqüências de articulações de líderes políticos regionais, sem nenhum

respaldo técnico.

Por fim, depois de várias alterações e estudos, já sob a orientação

do PRT do Ministério do Turismo, em 2005 foi estabelecida pela Secretaria

Estadual de Turismo uma versão final para o recorte regional do território

turístico do estado do Rio de Janeiro, composto por onze regiões turísticas

(Figura 9, p. 106).

Analisando esta nova proposta podemos perceber uma mudança

bastante significativa nos recortes das regiões turísticas localizadas na área da

Serra dos Órgãos e do vale do rio Paraíba do Sul, no seu trecho entre o

município de Valença e Cantagalo. Nas regiões localizadas no litoral manteve-

se o recorte proposto pelo Fórum Estadual de Secretários de Turismo. Já na

parte interior, percebemos um grande acréscimo territorial na região do Vale do

Café e a extinção da região anteriormente denominada de Serra Tropical.

A implantação do PRT no estado do Rio de Janeiro encontrou um

ambiente propício, tendo em vista que o desenvolvimento do Plano Diretor de

Turismo - 2002 já havia provocado uma revisão na divisão do território estadual

em regiões turísticas. Por ocasião das oficinas realizadas no Rio de Janeiro,

foram selecionadas, como estratégicas, seis das treze regiões turísticas,

considerando a perspectiva do curto prazo para a consolidação de produtos

voltados à comercialização no mercado internacional e nacional. Foram

priorizadas as regiões Rio-Niterói, Vale do Café, Costa Verde, Costa do Sol,

Agulhas Negras e Serra Verde Imperial, consideradas como aquelas com

maiores possibilidades de inserção mercadológica no curto e médio prazo

(Figura 18).

Segundo a diretora de planejamento da TurisRio, esta priorização

atende apenas aos objetivos do PRT; para as demais ações do estado,

continuam sendo contempladas todas as demais regiões turísticas:

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CordeiroMac uco

Trajano de Morais Conce içãode Macabu

Carapebus

Quissamã

Campos dos Goytac azes

São Joãoda Barra

São Franciscode Itabapoana

São Fidélis

Cardoso Moreira

Italva

Cambuci

Sumidouro

Duas Barras

Carmo Cantagalo

Itaocara

Aperibé

Santo Antôn iode Pádua

São Joséde Ubá

Itaperuna

Natividade

Porc iúnc ula

Varre-Sai

Bom Jesusdo Itabapoana

Miracem a

Laje doMuriaé

Santa Maria Madalena

São Sebastiãodo Alto

Bom Jardim

IguabaGrande

S.Pedroda Aldeia

Cabo Frio

S. José do Valedo Rio Preto

Três Rios

Sapucaia

Cachoeirasde Macacu

São Gonç aloSaquarem a

Rio Bon itoAraruam a

Silva Jardim

Casimiro de Abreu

Rio das Ostras

Mac aéNova Friburgo

Paraíba do Sul

PortoReal

Resende

Rio Claro

Itaguaí

Seropédic a

Queimados

JaperiDuquede Caxias

Engº Paulode Frontin

Parac ambi

Migue l Pereira

Valença

Rio das Flores

Vassouras

Paty do Alferes

Petrópolis

Magé

Teresópo lis

Guapimirim

Itaboraí Tanguá

Barra do Piraí

NovaIguaç u

Nilópolis

S. Joãode Meriti

BelfordRoxo

Itatiaia

Quatis

Barra Mansa

VoltaRedonda

Pinhei ral

Piraí

Armação dos Búzios

Areal

Parati

Angra dos Reis Mangaratiba

Mendes

Rio de JaneiroNiterói

Maricá

Arra ial do Cabo

0 10 30 50 Km

Com. LevyGasparian

Região Costa VerdeRegião das Agulhas NegrasRegião do Vale do CaféRegião MetropolitanaRegião Serra ImperialRegião Costa do Sol

Figura 18 – Regiões turísticas do estado do Rio de janeiro priorizadas para o PRT Fonte: TurisRio, 2005.

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No caso do estado do Rio de Janeiro, a definição das regiões estratégicas tem objetivo claro e não desmerece a atenção das demais localidades fluminenses que, evidentemente, permanecem no escopo das ações de desenvolvimento da atividade turística em todo o estado, levando-se em conta os seus diferentes estágios, necessidades e particularidades. (LIMA, 2004, p.50)

Durante o 2º Salão do Turismo, realizado em São Paulo, em

junho de 2006, “como resultado do Programa de Regionalização foram

apresentados no Salão do Turismo — Roteiros do Brasil, 396 roteiros turísticos,

envolvendo 149 regiões turísticas e 1.207 municípios de todas as unidades da

Federação” (MTur, 2008, p.3).

No contexto do estado do Rio de Janeiro, foram apresentados três

roteiros regionais envolvendo as seis regiões turísticas do estado priorizadas:

Roteiro Serra e Mar/Sol, Gastronomia e Cultura . Dividido em Serra Verde Imperial (Serramar I), abrange atrações de Petrópolis, Teresópolis, Guapimirim (Parque Nacional da Serra dos Órgãos), Cachoeiras de Macacu, Nova Friburgo; e Mar, com os municípios da Costa do Sol , que inclui Casimiro de Abreu, Quissamã, Macaé,Rio das Ostras, Armação dos Búzios, Cabo Frio, Arraial do Cabo Esse roteiro integra os atrativos da serra fluminense, reunidos na região da Serra Verde Imperial, com os da Costa do Sol, também conhecida como Região dos Lagos, no Litoral Sul do Estado, através da nova rodovia que liga a serra ao litoral. História, marcas da colonização européia, natureza exuberante marcada pelo clima de montanha, prazeres da boa mesa, rico patrimônio cultural e ecológico, e o charme da antiga Cidade Imperial formam este atraente roteiro da Serra Verde Imperial. Descendo pelo Litoral Sul do Estado, fica a Costa do Sol, com dezenas de praias propícias aos esportes náuticos, e onde Búzios desponta não apenas por suas praias povoadas de gente bonita de todo o mundo, mas principalmente por sua gastronomia e a intensa vida noturna.

Roteiro Floresta e Mar , com a temática História, Natureza e Aventura, inclui os municípios da Costa Verde, Agulhas Negras e Vale do Café: Mangaratiba, Angra dos Reis (Ilha Grande), Paraty, Rio Claro, Itatiaia (Parque Nacional do Itatiaia e Penedo), Resende (Visconde Mauá), Porto Real, Barra Mansa, Volta Redonda, Barra do Piraí, Vassouras, Valença (Conservatória), Rio das Flores Paraíso do turismo ecológico, da aventura, dos esportes radicais e do turismo rural, as Agulhas Negras, com o Parque Nacional de Itatiaia, e o Vale do Café são também o destino

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eleito dos que procuram o turismo de lazer. Pródigas em formações da Mata Atlântica, cortada de rios, cachoeiras e corredeiras, com o santuário da Ilha Grande dominando o perfil da Baía de Angra dos Reis, as duas regiões completam um roteiro que pode começar no Litoral Norte, onde a Cidade Histórica de Paraty, Patrimônio Nacional, se destaca pelo seu harmonioso conjunto arquitetônico colonial, e terminar no Vale do Café, onde o visitante é brindado com o clima bucólico das fazendas históricas, seus saraus e sinhazinhas contando histórias do tempo dos barões, além das serestas de Conservatória. (TURISRIO, 2006).

Observa-se que os citados roteiros foram definidos a partir do

conjunto dos atrativos turísticos de cada região e, indiretamente, pela rede

rodoviária existente, além de buscarem incorporar alguns elementos que

pudessem estabelecer uma possível identidade regional. Isto fica bastante

visível no terceiro roteiro que envolve as regiões da Costa Verde, do Vale do

Café e das Agulhas Negras. Tendo em vista que o MTur havia estabelecido

que fossem priorizados apenas três roteiros por estado da federação, a

TurisRio tratou de defini-los de modo a contemplar as seis regiões

anteriormente definidas como prioritárias revelando, mais uma vez, a

indefinição nas políticas públicas na escolha dos espaços prioritários para o

desenvolvimento turístico estadual.

Dentre aqueles roteiros selecionados pelo PRT, foram priorizados

por cada estado da Federação, 87 roteiros, considerados aptos para a

“obtenção de padrão de qualidade internacional e, conseqüentemente,

promoção do alcance das metas do PNT” (MTur, 2008, p.3).

Assim, o foco de atuação do Ministério do Turismo, em especial do Programa de Regionalização do Turismo e suas entidades parceiras em âmbitos nacional, estadual, regional e municipal são os 87 roteiros que contemplam 474 municípios de 116 regiões turísticas (ibidem, p.3)

Já em 2007, o MTur, através das novas diretrizes e metas

propostas pelo PNT 2007/2010, definiu dentre aqueles 474 municípios

contemplados, os 65 “destinos indutores de desenvolvimento turístico regional”

prioritários para o desenvolvimento turístico, com capacidade de induzir o

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desenvolvimento regional dentro daqueles 87 roteiros priorizados, funcionando

como exemplos exitosos para os demais destinos turísticos que integram

aqueles roteiros. Para tanto, “esses destinos serão priorizados para receber

investimentos técnicos e financeiros do MTur e serão foco de articulações e

busca de parcerias com outros ministérios e instituições” (ibidem, p. 4).

Importante destacar o uso de critérios distintos para a definição,

tanto dos roteiros como dos destinos indutores. De um lado, estabelece-se o

critério de escolha daqueles roteiros e destinos capazes de induzir o

desenvolvimento regional com padrão internacional, indicando uma priorização

do mercado externo e, por outro lado, define-se que todas as unidades da

federação deverão ter três roteiros turísticos priorizados e entre um e cinco

destinos indutores selecionados. Enquanto o primeiro pauta-se por critérios

técnicos, o segundo indica uma priorização política, já que nem todas as

unidades da federação têm condições de inserir algum destino turístico no

mercado internacional no horizonte de tempo pré-determinado.

No contexto do estado do Rio de Janeiro foram definidos como

destinos indutores de desenvolvimento turístico regional, os municípios do Rio

de Janeiro, Armação dos Búzios, Paraty, Angra dos Reis e Petrópolis por já

apresentarem infra-estrutura básica e turística e atrativos qualificados, serem

núcleos receptores e distribuidores de fluxos turísticos, o que os tornam

“capazes de atrair e/ou distribuir significativo número de turistas para seu

entorno e dinamizar a economia do território em que estão inseridos” (ibidem,

p. 4).

Como já dito, de acordo com os critérios divulgados pelo MTur,

foram selecionados apenas aqueles destinos já preparados para serem

comercializados no mercado internacional no curto prazo. Ainda de acordo com

aquele órgão, os destinos selecionados irão concentrar os investimentos

destinados ao desenvolvimento turístico pela esfera federal até 2010. Os

demais destinos turísticos incluídos naqueles 87 roteiros selecionados – casos

dos municípios da região turística das Agulhas Negras - deverão continuar

seus processos de desenvolvimento regional conforme proposto as diretrizes

do PRT, sem contar com recursos financeiros do Ministério Federal.

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205

Apesar do governo federal, através do Plano Nacional de Turismo

aparentemente indicar para o desenvolvimento do turismo a partir das regiões

turísticas, os resultados apresentados no relatório recente onde são expostos

os critérios para a definição dos 65 destinos indutores do desenvolvimento

turístico, apontam para a priorização de municípios capazes de exercerem a

função de pólos indutores regionais. Entendemos que a proposta inicial de

identificação e fortalecimento de produtos e roteiros turísticos regionais,

defendidos nos documentos anteriores do Ministério do Turismo (BRASIL,

2004a, 2004b; MTur, 2006), teve de ser revista e reformulada diante das

especificidades encontradas na realidade da maioria das regiões turísticas do

país, como no caso da região turística das Agulhas Negras, como veremos a

seguir.

5.2 PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA REGIÃO TURÍSTICA DAS AGULHAS NEGRAS

Apresentamos aqui uma análise do processo em andamento na

região turística das Agulhas Negras-RJ. A opção por essa região deveu-se ao

fato do processo de articulação dos agentes produtores do turismo naqueles

municípios ter se iniciado ainda na década de 1990, portanto, anteriormente à

implantação do PRT pelo governo federal e por termos tido a oportunidade de

acompanhá-lo com regularidade, primeiro ainda como técnico da TurisRio (até

2002), depois como docente e acadêmico interessado na dimensão espacial do

fenômeno turístico e seus reflexos sobre os territórios construídos pelos seus

diversos agentes sociais. Entendemos que esta análise pode nos ajudar na

construção de uma proposta voltada para a constituição de instâncias regionais

de gestão do desenvolvimento turístico, definidas e definidoras dos territórios-

rede do turismo, que atuem a partir do fenômeno turístico e não apenas da

atividade econômica por ele gerada, incorporando todos os seus agentes

sociais nos processos decisórios.

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Localizada no médio vale do rio Paraíba do Sul, estado do Rio de

Janeiro, a região turística das Agulhas Negras encontra-se a uma distância

intermediária dos três maiores centros urbanos e econômicos do país – São

Paulo (250km), Rio de Janeiro (170km) e Belo Horizonte (450km) - sendo

composta pelos municípios de Itatiaia, Porto Real, Quatis e Resende (Figura

19).

Figura 19 – Localização da Região Turística das Agu lhas Negras Fonte: CIDE, 2006.

A região insere-se na Serra da Mantiqueira, no conjunto do

planalto do Itatiaia classificado como um maciço alcalino que apresenta

altitudes elevadas (o pico culminante é o das Agulhas Negras com 2.791m),

que decrescem em direção do vale do rio Paraíba do Sul em forma de

escarpas com vales profundos e escalonados e, presença de grandes blocos

rochosos (CIDE, 1987). Na vertente norte, o maciço avança pelo território de

Minas Gerais, abrangendo os municípios de Itamonte, Alagoa e Bocaina de

Minas, dividindo-se em espigões separados pelos vales do rio Preto e do rio

Aiuruoca, este formador do rio Grande.

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207

O clima da região varia de úmido para superúmido, com

temperaturas médias brandas e baixas nas áreas elevadas do planalto,

chegando a atingir índices negativos durante os meses de inverno, com casos

esporádicos de precipitação de neve. A cobertura vegetal predominante é

composta pela floresta pluvial tropical (mata Atlântica). Na parte mais alta do

planalto, (acima da cota 1500), a vegetação é classificada como de refúgio

ecológico, “representado por pequenas áreas rupestres [...] apresentando-se

como uma cobertura graminóide, intercalada por pequenos arbustos” (CIDE,

1987, p.52), com ocorrência de orquídeas, bromélias e cactáceas. É

interessante observar como a vegetação sofreu adaptações para suportar os

períodos mais frios do inverno, como densa pilosidade e folhas coriáceas

(semelhantes ao couro), estando algumas espécies já possivelmente

preparadas para se protegerem dos incêndios comuns no planalto.

Segundo dados do Censo do IBGE – 2000, a população dos

municípios era a seguinte: Itatiaia – 24.739 habitantes (120,3hab/km²); Porto

Real – 12.101 habitantes (284,9 hab/km²); Quatis – 10.727 habitantes (41,7

hab/km²); Resende – 104.550 habitantes (107,7 hab/km²). (CIDE, 2006). Com

relação ao índice de desenvolvimento humano municipal – IDH-M, no ano de

2000, o município de Resende apresenta o quinto melhor índice do estado

(0,804), enquanto o município de Itatiaia ocupa a oitava posição (0,800), o de

Quatis, a décima segunda posição (0,791) e o município de Porto Real situa-se

em 58º lugar, com IDH-M de 0,745. (CIDE, 2006). Segundo as pesquisas da

Fundação CIDE, no ano de 2000, a renda per capita mensal nos municípios da

região variava entre R$ 365,45 (município de Resende) e R$ 212,55 (município

de Porto Real) e a expectativa de vida regional estava em torno de 70,73 anos.

(ibidem).

5.2.1 Aspectos Turísticos da Região das Agulhas Negras

A região turística das Agulhas Negras pode ser considerada como

uma das áreas pioneiras do desenvolvimento turístico do estado do Rio de

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Janeiro. Segundo Mascarenhas (2005), o processo de turistificação da região

pode ser estabelecido a partir de 1922, quando se iniciaram os primeiros fluxos

de veranistas cariocas direção do núcleo de colonização de imigrantes alemães

nas terras da vila de Visconde de Mauá. Da década de 1930 em diante, com o

inicio dos fluxos de visitantes para a colônia finlandesa de Penedo e para o

Parque Nacional do Itatiaia, implantado em junho de 1937, a prática da

atividade turística na região foi incrementada, consolidando pequenas

povoações já existentes e fazendo surgir outras. O processo acelerou-se com a

inauguração da rodovia Presidente Dutra em 1951 e o desenvolvimento da

indústria automobilística no país, fatos que contribuíram para a difusão do

hábito das viagens de férias e de final de semana entre a sociedade brasileira,

especialmente a carioca, então capital federal do país.

Atualmente, ao redor do Parque Nacional do Itatiaia (Figura 20)

encontramos as localidades de Engenheiro Passos, Penedo, Visconde Mauá,

Capelinha, Serrinha do Alambari, Itatiaia, Maromba, Maringá e, um pouco mais

afastadas, as cidades de Resende, Quatis e Porto Real. Importante destacar

que parte do espaço turistificado da região fica no território de Minas Gerais,

mais especificamente nos municípios de Bocaina de Minas, Alagoa e Itamonte.

Entretanto, para os visitantes isto não parece ser significativo, como nos aponta

a matéria recentemente publicada pelo Caderno Boa Viagem do jornal O

Globo. Segundo o jornalista André Coelho, na matéria de capa da edição do

dia 24 de julho de 2008, “Nem tudo o que se vê é Mauá”, em referência ao

conjunto de 14 vilas que compõem a região conhecida apenas como Mauá.

Separadas pelo rio Preto as vilas se espalham por ambas as margens e pelos

diversos vales que compõem a paisagem local (COELHO, 2008).

No que se refere à oferta diferencial que compõe o potencial

turístico da região podemos afirmar que, apesar da existência de alguns

elementos baseados no patrimônio histórico-cultural, o grande fator motivador

das correntes de visitantes é o seu patrimônio natural, com destaque para o

conjunto do Parque Nacional do Itatiaia. As características da oferta diferencial

da região estimulam diversos tipos e modalidades específicas de práticas

turísticas, quase todas direcionadas para atividades de contato com a natureza;

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209

caminhadas, montanhismo, repouso, observação de flora e fauna, treccking,

estão entre as mais praticadas. Entretanto, vale ressaltar as características

específicas da localidade turística de Penedo, que disponibiliza uma variada

oferta de entretenimentos noturnos, dando-lhe destaque no contexto turístico

regional.

Itatiaia

Eng. Passos

Penedo

Serrinha

MarombaMaringa

Visc. Mauá

Agulhas NegrasSP

MG

RJParque Nac. Itatiaia

Figura 20 – Parque Nacional do Itatiaia e arredores Fonte: Elaboração própria sobre imagem do Google Earth

Com relação à oferta técnica, a região turística das Agulhas

Negras pode ser dividida em duas partes bastante distintas. No interior e nos

arredores do Parque Nacional do Itatiaia temos uma concentração bastante

expressiva de equipamentos e serviços turísticos, já consolidados no mercado

turístico nacional. No restante da região, que compreende Porto Real, Quatis e

parte do município de Resende, a oferta técnica é bastante limitada e

direcionada para o atendimento do segmento do turismo de negócio,

especialmente na cidade de Resende.

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210

No seu conjunto, a região apresenta uma das mais expressivas

ofertas de meios de hospedagem do estado do Rio de Janeiro (Tabela 4), que

compreendem desde pequenas pousadas, com serviços bastante

particularizados até hotéis-fazendas e hotéis localizados dentro do Parque

Nacional do Itatiaia. Esta oferta diversificada de tipos de meios de

hospedagem, tanto com relação à qualidade como às dimensões, possibilita a

formatação de produtos turísticos diferenciados voltados para diversos

segmentos do mercado turístico, tanto no tocante às motivações quanto aos

preços.

Tabela 4 - Oferta de meios de hospedagem na região das Agulhas Negras – RJ

Localidades Turísticas Internet (1)

Telelista (2)

Guia 4 Rodas RAIS 2001(3)

2006 2008 Engenheiros Passos 3 3 3 2 Itatiaia, incluindo PN Itatiaia 24 14 10 7 85 Penedo 69 57 31 22 Porto Real 1 2 1 0 3 Quatis 1 0 1 0 4 Resende 13 14 10 5 25 Serrinha do Alambari 6 1 0 0 Visconde de Mauá; Maringá e Maromba 119 43 32 29

TOTAL 236 134 88 65 117

(1): Dados consolidados em junho de 2008 pelo autor, a partir das informações colhidas nos sites oficiais das prefeituras dos 4 municípios, no site <www.visiteagulhasnegras.com.br> (SEBRAE-RJ) e em diversos outros sites de busca

(2): Dados obtidos em <http://www.telelistas.net/guias/turismo/index.aspx> acessado em jun/2008. (3): Dados do Ministério do Trabalho, disponíveis apenas por município.

As diferenças nos números encontrados entre as diversas fontes

de pesquisa remetem às considerações necessárias para o entendimento do

turismo regional. Para o Guia 4 Rodas apenas merecem indicação aqueles

meios de hospedagem que preenchem os requisitos de conforto, higiene e

atendimento esperados pelos turistas de melhor poder aquisitivo que têm

naquele guia a principal fonte de informação para suas viagens. Para tanto, são

utilizados critérios de avaliações específicos e não disponibilizados para o

público.

Quanto aos dados consolidados a partir da coleta de informações

em diversos sites da rede mundial de computadores, o elevado número de

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estabelecimentos pode ser indicativo da existência de muitos meios de

hospedagem que ainda operam na informalidade, como casas de famílias que

recebem “hóspedes pagantes”, como aqueles que já ocorriam na região no

início do século XX. Este fato é bem mais significativo nas vilas de Visconde de

Mauá, onde predominam meios de hospedagem menores e mais simples do

ponto de vista das suas instalações e serviços disponibilizados aos hóspedes.

A consolidação dos dados foi estruturada a partir do cruzamento das

informações dos diversos sites consultados, inclusive aqueles oficiais dos

municípios e do CONRETUR, tendo como variáveis de estudo: nome,

endereços, telefones e endereços eletrônicos. Além disso, valemo-nos também

do conhecimento pessoal que temos da região, que freqüentamos desde a

década de 1980. No caso específico dos números muito diferentes os

indicados para as localidades de Visconde de Mauá, Maromba e Maringá pelo

site Telelista e pelos demais sites pesquisados, deve-se à baixa oferta de

serviços de telefonia fixa para a região. Isto pode ser comprovado pela

indicação bastante comum, nos sites dos meios de hospedagem, de números

de telefones móveis para contato e reservas. Os dados indicados pela RAIS,

além de desatualizados também indicam, como já apontamos, a existência de

muitos meios de hospedagem que operam na informalidade.

As localidades de Visconde Mauá, Maromba, Maringá e Penedo

possuem uma oferta bastante expressiva de restaurantes estruturados a partir

de uma gastronomia diversificada e mais especializada. Nos hotéis fazenda de

Engenheiro Passos e de Itatiaia predominam os restaurantes com comida

brasileira (tipo mineira), caracterizada pela multiplicidade de opções de pratos e

pelos temperos regionais.

A região ainda oferece uma rede de espaços para realização de

pequenos eventos localizados dentro dos seus meios de hospedagem e na

Academia Militar das Agulhas Negras. São auditórios, salas de reuniões e

pequenos centros de convenções que possibilitam a realização de pequenos

eventos empresariais, que garantem uma ocupação menos sazonal para

aquela região turística.

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Confirmando a realidade da maioria dos destinos turísticos do

interior do país, é inexpressiva a oferta de serviços de receptivo48 nas

localidades da região. Atualmente, operam na região nove agências de viagens

e turismo, mas apenas quatro oferecem regularmente serviços de receptivo,

todas localizadas na cidade de Resende. Tal fato dificulta a criação e a

conseqüente oferta de produtos turísticos locais e regionais que estimulem a

vinda e o aumento da permanência média dos visitantes na região.

Com relação aos empregos gerados pelo turismo, os dados

obtidos por meio das estatísticas da Fundação CIDE-RJ (Tabela 5) para o ano

de 2005, apontam para uma expressiva importância do setor na região.

Enquanto a relação entre população empregada pelo turismo e população total

empregada gira em torno de 3,34% na escala estadual, na região das Agulhas

Negras ela se mostra superior a media estadual, atingindo 3,8%. Vale destacar

que, no caso específico do município de Itatiaia, essa relação é muito superior

a média do estado, chegando a 8,43%, reforçando a importância do setor para

a economia regional. Por sua vez, fica também clara a participação ínfima do

setor na geração de empregos nos municípios de Porto Real e de Quatis, com

1,33% e 0,39% respectivamente, demonstrando que o turismo ainda não se

apresenta consolidado naqueles municípios.

Convém destacar que o número de empregos apontados para o

setor de transporte não deve ser considerado na sua totalidade, pois nele estão

incluídos os empregos gerados por todas as empresas de transportes

coletivos, incluindo aquelas que atendem aos fluxos urbanos regulares e que

não necessariamente são gerados pelo turismo. Infelizmente, os dados

disponibilizados não são desagregados de modo a permitir uma leitura mais

exata do quanto o setor de transporte é impactado, do ponto de vista dos

empregados demandados, pelo movimento de turistas.

48 Aqueles especializados em receber e atender o visitante durante a sua estada no destino

turístico.

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Tabela 5 – População empregada no setor do turismo na região das Agulhas Negras - RJ

População

Total

População Empregada

População empregada no Turismo

Pop

. Em

preg

ada

no

Tur

ism

o / T

otal

da

Pop

ulaç

ão E

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V

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los

%

Tra

nspo

rtes

(2)

%

Itatiaia 30.008 12.396 1.045 455 43,5 386 36,9 1 0,1 0 0 203 19,4 8,43

Porto Real 14.386 5.565 74 22 29,7 19 25,7 0 0 0 0 33 44,6 1,33

Quatis 11.905 5.111 20 14 70,0 6 30,0 0 0 0 0 0 0 0,39

Resende 117.391 51.120 1.675 335 20,0 772 46,1 6 0,3 23 1,4 539 32,2 3,28

Região Agulhas Negras

173.690 74.192 2.814 826 29,3 1.183 42,0 7 0,2 23 0,8 775 27,5 3,80

Estado RJ 15.354.166 6.703.759 224.223 30.330 13,5 59.220 26,4 6.313 2,8 3.134 1,4 125.496 56,0 3,34

(1): Inclui estabelecimentos hoteleiros e outros tipos de alojamentos (2): Inclui todos os tipos de meios de transportes e as atividades auxiliares a eles FONTE: Elaboração própria a partir do banco de dados da Fundação CIDE--RJ, 2005

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É importante ressaltar que, além dos empregos gerados

diretamente pelo setor do turismo, muitos outros setores ampliam sua oferta de

empregos para atender às necessidades das empresas do setor. Não existem

pesquisas e dados sistemáticos sobre esses empregos indiretos produzidos

pelo crescimento do setor turístico, mas alguns autores e a própria OMT

trabalham com a relação de cinco empregos indiretos para cada emprego

direto gerado nos meios de hospedagem. Se levarmos em consideração esse

indicador, poderíamos afirmar que na região das Agulhas Negras, além dos

826 empregos diretos gerados pelos meios de hospedagem, outros 4.130 são

gerados nas empresas fornecedoras de insumos e serviços para o setor.

Certamente deve-se ter cuidado com esses números, mas mesmo com essa

ponderação, eles podem indicar uma importância maior do turismo para a

economia regional.

O setor do turismo também é responsável por um número

expressivo de ocupações sazonais e temporárias nos destinos turísticos,

especialmente durante os períodos considerados de alta estação. No caso da

região das Agulhas Negras os períodos de alta são compreendidos pelos

meses de dezembro, janeiro, fevereiro e julho.

Além disso, especialmente nos pequenos empreendimentos de

hospedagem e alimentação, é comum a ocupação dos próprios familiares para

a operação diária do negócio, números que normalmente não aparecem nas

estatísticas. A existência de nove agências de viagens e turismo na região que

geram apenas sete empregos diretos pode ser um indicador desse fato.

Por outro lado, como indicamos que a região possui 236 meios de

hospedagem e que o setor gera 826 empregos diretos, chegamos a uma

relação de 3,5 empregos por meio de hospedagem. Levando-se em

consideração que, segundo a OMT, a média de empregos geradas nos meios

de hospedagem gira entre 0,7 e 1 emprego para cada unidade habitacional

(UH), podemos deduzir que os meios de hospedagem da região são muito

pequenos, com média entre 3 e 4 UH cada um. Apesar de não

disponibilizarmos de dados precisos sobre o total de unidades habitacionais

oferecidas na região, sabemos que essa média não retrata a realidade, o que

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nos leva a subentender que o número de pessoas ocupadas pelos meios de

hospedagem é superior àquele indicado pelas estatísticas oficiais.

Independentemente dessas considerações e extrapolações de

dados podemos perceber que o setor de turismo tem um lugar de destaque na

geração de ocupações e de renda na região das Agulhas Negras,

especialmente para aquelas localidades localizadas no perímetro externo do

Parque Nacional do Itatiaia.

5.2.2 Processo de Formação da Região Turística das Agulhas Negras

Como já apontamos, a atividade turística regional está ancorada

na existência do Parque Nacional de Itatiaia e desenvolve-se de forma reticular

ao seu redor. Como nós dessa rede encontramos as localidades de Itatiaia,

Penedo, Engenheiro Passos, Serrinha do Alambari, Maringá (MG), Maringá-RJ,

Mirantão (MG), Santo Antônio (MG) Maromba, Visconde Mauá e, um pouco

mais afastadas do Parque, Resende, Agulhas Negras, Porto Real e Quatis.

Apesar de todas terem, direta ou indiretamente, o Parque Nacional como

principal atrativo, cada localidade apresenta características turísticas próprias.

Enquanto Itatiaia, sede do município de mesmo nome, assume o

papel de porta de entrada do Parque, Penedo tem na história da sua

colonização finlandesa a grande singularidade. Já as localidades situadas no

alto vale do rio Preto, como Visconde de Mauá, Maromba e Maringá,

aproveitam-se da sua localização privilegiada, do seu clima mais ameno, da

sua história de colonização alemã e, mais recentemente, de ponto de encontro

de comunidades alternativas (hippies, esotéricos) para estruturarem seus

produtos turísticos. Por outro lado, Porto Real e Resende, graças as suas

localizações às margens da rodovia Presidente Dutra e dos seus parques

industriais, desenvolvem o turismo de negócios. Quatis e Engenheiro Passos,

por suas características rurais e a presença de um grande número de fazendas

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tradicionais, têm no turismo rural sua base de diferenciação turística, mesmo

que ainda de forma incipiente como é o caso de Quatis.

Levando-se em consideração a distância média da região dos

principais centros emissores, podemos afirmar que o turismo regional é aquele

que envolve, para a maioria dos visitantes, pelo menos um pernoite em um dos

meios de hospedagens de suas localidades. Dessa maneira, a partir das datas

de inauguração dos principais meios de hospedagem é possível elaborarmos

um esquema da evolução do processo de turistificação ocorrido na região.

O primeiro meio de hospedagem instalado na região foi na área

de Engenheiros Passos, onde três fazendas seculares foram transformadas em

hotéis-fazenda ainda na primeira metade do século XX: Fazenda Villa Forte,

Fazenda Três Pinheiros e Fazenda Palmital. O mais antigo é o hotel-fazenda

Villa-Forte, onde o hábito de hospedar convidados iniciou-se ainda na época do

Império. Em 1918, por conta do alto custo dessa hospedagem, a família optou

por instituir uma taxa para cobrir esses custos. Com a decadência da atividade

rural na região, em 1932 a fazenda foi registrada na Junta Comercial como

“Pensão Familiar”, oficializando a atividade hoteleira na fazenda.

Durante a década de 1930 instalaram-se na região, além do Hotel

Fazenda Villa-Forte, os seguintes meios de hospedagem: Hotel Fazenda 3

Pinheiros (1938) em Engenheiro Passos; Hotel Repouso do Itatiaia, hoje Hotel

Donati (1931) no interior do Parque Nacional do Itatiaia e o Hotel Bühler (1931),

em Visconde de Mauá. Cabe destacar que, assim como na região de Visconde

de Mauá, onde os visitantes se hospedavam nas casas dos colonos alemães,

no sistema de “hóspedes pagantes” apontados por Mascarenhas (2005), na

região de Penedo, inicialmente os visitantes também se hospedavam nas

casas dos colonos finlandeses, principalmente na sede da Fazenda Penedo,

que era denominada por eles de “Casa Grande ou Casarão” (ibidem, p. 114).

Com base nessas informações podemos indicar a existência,

durante a década de 1930, de quatro pontos de ocorrência de algum tipo de

atividade turística na região: Engenheiro Passos, com seus dois hotéis-

fazenda; o Parque Nacional de Itatiaia, com o Hotel Repouso do Itatiaia; a Vila

de Visconde de Mauá com o sistema de hospedagem familiar, onde se

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destacava o hotel Bühler; e a Fazenda do Penedo, também com o sistema de

hospedagem em casas dos colonos, especialmente no “Casarão” e com o

hábito da sauna sendo difundido entre os brasileiros. (Figura 21).

Figura 21 – Espaços apropriados para o turismo na R egião das Agulhas Negras – década de 1930

Fonte: Elaboração própria sobre imagem do Google Earth

Vale ressaltar que o acesso à região era feito basicamente por

trem e pela antiga rodovia que ligava a cidade do Rio de Janeiro a São Paulo, o

que dificultava sobremaneira os deslocamentos e justificava os períodos longos

de permanências nos visitantes. Segundo Mascarenhas (2005), “a forma

rudimentar de hospedagem informal e caseira, o teor campestre e exótico da

visita, e a permanência mínima de duas semanas caracterizavam aquela fase

inicial da turistificação de Penedo” (ibidem, p.117). Segundo o mesmo autor, o

período de permanência dos primeiros visitantes de Visconde Mauá era de dois

meses, sempre no período das férias de verão.

A construção de diversas rodovias, como a Presidente Dutra, em

1951, aliado à chegada da indústria automobilística no país, propiciou uma

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mudança de hábitos em parte da população de melhor poder aquisitivo. Entre

os novos hábitos incluía-se aquele das viagens de final de semana, inclusive

para a região do Parque Nacional do Itatiaia que sofreu um novo ciclo de

crescimento de meios de hospedagem. Nas décadas de 1960 e de 1970 novos

meios de hospedagem surgiram na região, dentre os quais se incluem o Hotel

Repouso de Maringá, (1960), a Pousada Cantinho de Férias (1967), ambos na

vila de Maringá-MG, o Hotel Simon (1969), no interior do Parque Nacional do

Itatiaia, o Hotel Vale das Hortênsias, na localidade de Maringá-MG (1971), o

Hotel Cabanas do Itatiaia, também no interior do Parque Nacional do Itatiaia

(1976), o Hotel da Cachoeira (1976) e o Hotel Moradas do Penedo(1978),

ambos em Penedo e o Hotel do Ype, no interior do Parque Nacional do Itatiaia

(1979) (CAMPOS, 2006). (Figura 22). As localizações desses novos meios de

hospedagem confirmaram as localidades anteriormente identificadas como de

concentração da atividade turística na região.

Figura 22 – Espaços apropriados para o turismo na R egião das Agulhas Negras

– década de 1970 Fonte: Elaboração própria sobre imagem do Google Earth

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Na década seguinte (1980), verifica-se a intensificação dos fluxos

de visitantes para todas as localidades do entorno do Parque Nacional do

Itatiaia, com uma crescente expansão no número de meios de hospedagem, de

restaurantes e outros equipamentos de lazer e entretenimento para atender

aquela demanda. Tanto na área de Penedo como nas vilas da região de

Visconde de Mauá observou-se um tipo de ocupação não urbana dada a

ausência de infra-estrutura básica, como abastecimento de água, coleta e

tratamento de lixo e esgoto e, no caso de Mauá, precariedade dos meios de

acessibilidade.

Segundo Mascarenhas (2005), a melhoria da acessibilidade com

o asfaltamento da estrada que liga a localidade à via Dutra e a implantação da

telefonia no final da década de 1970 foram os principais responsáveis pelo

“take off do turismo de Penedo” nos anos oitenta. Na área da vila de Visconde

de Mauá, mesmo com a precariedade do acesso, a turistificação começa a

avançar na direção oeste do vale do rio Preto, fazendo surgir as vilas de

Maringá e de Maromba no lado fluminense e consolidando-se na Vila de

Maringá, do lado do estado de Minas Gerais.

Durante esse período, ainda de forma não ordenada, os agentes

produtores do turismo regional se concentram em três áreas específicas, como

se pode observar na Figura 23. Na área do Parque Nacional, conhecida como

parte baixa, os empreendimentos turísticos, impedidos pela legislação de se

instalarem no interior do parque, avançam para fora dos seus limites, em

direção da cidade de Itatiaia, nas margens da estrada de acesso ao mesmo.

A expansão industrial estimulada pelo governo do estado nos

anos oitenta leva para toda a região do vale do Paraíba fluminense um surto de

crescimento urbano e populacional para cidades como Resende, Porto Real,

Volta Redonda e Barra Mansa. Esta expansão, de certa forma, acaba por

beneficiar o turismo na localidade de Penedo que, favorecida pela sua

proximidade principalmente de Resende, torna-se uma opção para a realização

de eventos de negócios e para a hospedagem dos profissionais das grandes

empresas multinacionais instaladas às margens da via Dutra.

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Figura 23 – Espaços apropriados para o turismo na R egião das Agulhas Negras – décadas de 1980 - 1990

Fonte: Elaboração própria sobre imagem do Google Earth

O processo de turistificação do bairro de Penedo e das

localidades da parte alta do vale do rio Preto se intensifica e passa a chamar a

atenção dos órgãos públicos estaduais e municipais que, timidamente, voltam-

se para a questão buscando orientar e estimular aquele crescimento. A

emancipação do município de Itatiaia em 1989 e o processo de sensibilização e

conscientização do PNMT, iniciado na região em 1996, também despertaram a

atenção dos empresários e dos demais agentes sociais ligados à atividade

turística

Atualmente, o espaço apropriado pelo turismo na região (Figura

24) confirma-se nas três áreas já indicadas e amplia-se para o território do

estado de Minas Gerais, na região do vale do Rio Preto e na área do bairro de

Penedo. Como resultado do processo iniciado pelo CONRETUR em 1997,

outras municípios da região como Quatis e Porto Real vem procurando

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Serrinha

Visc. de MauáMaromba

Maringá-MG

Maringá

Mirantão

Santo Antonio

Penedo

Agulhas Negras

Fumaça

Eng. Passos

Parque Nac. Itatiaia

Itatiaia

Figura 24 – Espaços apropriados para o turismo na r egião das Agulhas Negras – década de 2000 Fonte: Elaboração própria sobre imagem do Google Earth

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estimular o desenvolvimento do turismo, embora não de maneira prioritária em

relação a outros setores.

A leitura desse espaço apropriado pelo turismo na região

demonstra claramente como a descontinuidade espacial, apontada em diversos

modelos revistos no capítulo 3, é característica básica do fenômeno turístico. O

território-rede apropriado para o turismo convive com outras territorialidades,

dividindo e competindo pelo mesmo espaço. Entre elas destaca-se aquela

produzida pela preservação do ecossistema do maciço do Itatiaia, instituída

legalmente e que limita o uso turístico de grande parte daquele maciço. Outra

territorialidade com que o turismo é obrigado a conviver na região é a de

função industrial, fortemente presente no corredor instituído pela rodovia

Presidente Dutra e nos diversos distritos industriais criados nas décadas de

1980 e 1990, com grandes incentivos fiscais dos governos municipais e

estaduais. E, mesmo que em processo de decadência, as funções

agropecuárias ainda coexistem em parte da região, principalmente nos

municípios de Resende e de Quatis.

Outro ponto que um estudo a partir da ótica de um território-rede

do turismo na região das Agulhas Negras nos confirma é aquele relacionado

com a não observância pelos agentes produtores do turismo dos limites

político-administrativos existentes. Na região localizada no alto vale do rio

Preto, a territorialidade do turismo se espraia para além de limites municipais e

estaduais, fato destacado inclusive pela própria imprensa especializada em

turismo. Ali os agentes produtores do turismo circulam pelos territórios de três

municípios – Itatiaia, Resende e Bocaina de Minas – e de dois estados – Rio de

Janeiro e Minas Gerais.

Podemos afirmar ainda, que essa expansão territorial só não é

maior pelas dificuldades de acessibilidade que a região enfrenta. A parte

noroeste do parque, onde se localiza o município de Itamonte-MG, importante

núcleo turístico, não possui ligação rodoviária regular com as vilas da área de

Visconde de Mauá, impedindo a ocorrência de um circuito completo ao redor

dos limites do Parque Nacional do Itatiaia, fator limitante nos deslocamentos

dos visitantes da região.

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A apropriação do espaço da região do entorno do Parque

Nacional do Itatiaia revela-nos, pro sua vez, um processo bastante espontâneo,

com pouca influência de políticas públicas direcionadas para o

desenvolvimento turístico, pelo menos até a década de 1990. Atos isolados

como a criação do Parque Nacional do Itatiaia, em 1937, a abertura da rodovia

Presidente Dutra em 1951, as ações para a criação do pólo de indústria

automotiva nos municípios de Resende e Porto Real, estimularam os fluxos de

visitantes para a região, mas o fizeram indiretamente e não podem ser

assumidos como políticas públicas direcionadas para o desenvolvimento

turístico regional.

A partir da segunda metade dos anos 90, alguns dos agentes de

mercado da região, envolvidos diretamente com a atividade turística, apoiados

por técnicos das prefeituras dos municípios, da TurisRio e do SEBRAE-RJ

iniciaram um processo de articulação para a constituição de uma “região

turística” competitiva, como veremos a seguir. Porém, é importante reforçar que

esse processo foi provocado e vem sendo mantido, muito mais graças às

ações individuais de alguns representantes de entidades e de órgãos públicos,

que de estratégias e políticas públicas.

Convém por fim, salientar que a dimensão espacial do fenômeno

não esteve e ainda não está incluída de forma clara nesse processo. Pela

própria predominância dos agentes de mercado no CONRETUR, a rede que

está sendo estabelecida e que vem sendo reforçada a cada processo de

planejamento estratégico é ainda, essencialmente de cunho econômico, pouco

avançando nas dimensões espaciais e sociais que necessariamente o

fenômeno turístico envolve.

5.2.3 Na Direção de Uma Rede Regional de Turismo

A análise do processo histórico recente do desenvolvimento

turístico da região nos indica que até a metade da década de 1990, não havia

uma articulação consistente entre aquelas localidades, tanto do ponto de vista

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dos seus diversos órgãos públicos como dos outros agentes sociais. Ou seja,

os agentes de cada uma buscavam atrair visitantes de forma isolada e

independente, sendo que algumas delas sequer apareciam como destinos

turísticos, caso de Serrinha, Agulhas Negras, Porto Real e Quatis. Outro fator

que dificultava a circulação dos visitantes entre aquelas localidades era a

precariedade das rodovias e estradas vicinais e das suas redes de

telecomunicação que supriam apenas as demandas locais.

A década de 1980 pode ser considerada o início do processo de

profissionalização do turismo regional. As primeiras associações de hoteleiros

foram criadas visando fortalecer os diversos destinos turísticos: Associação de

Hotéis do Parque Nacional, Associação dos Hoteleiros de Visconde de Mauá,

Associação de Hotéis de Penedo, dentre outras. Naquele momento inicial, elas

atuaram de forma independente e até mesmo isolada, não percebendo o apelo

regional do produto turístico que as justificavam.

A partir de 1996, com a realização da primeira oficina do PNMT

na região, teve início o processo em que tanto as entidades públicas – órgãos

municipais de turismo, IBAMA – como as associações civis e diversos

empresários ligados ao setor turístico, começaram a se articular para criar uma

estratégia de desenvolvimento regional única, englobando todas as localidades

da região a partir do atrativo comum a todas: o Parque Nacional do Itatiaia.

Desse movimento surgiu o Conselho Regional de Turismo – Região das

Agulhas Negras (CONRETUR), como uma instância regional público-privada

direcionada para ordenar e estimular o desenvolvimento turístico regional.

Observando esse movimento dos agentes sociais do turismo da

região, podemos perceber o início de um processo de articulação baseado,

mesmo que forma ainda tímida, na possibilidade de estabelecimento de uma

rede social estruturada em um tipo de contrato social mais flexível e não

apenas em contratos legais, onde a colaboração e a confiança tornam-se

pontos fundamentais (SCOTT et al, 2008). Inicialmente, aquela tentativa de

estabelecimento de uma rede de turismo regional pode ter sido provocada

pelas ações interindividuais dos diversos agentes sociais envolvidos, mas aos

poucos, está se dirigindo para o que Scherer-Warrem (2007) classifica como

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“rede de relações sociais”, onde predominam as ações coletivas estabelecidas

a partir de intenções políticas bem definidas e comuns a todos os envolvidos.

Conforme as informações da diretora executiva do CONRETUR,

Sra. Roberta Dias de Oliveira49, o processo de formação daquele Conselho

iniciou-se “em 1997, quando um grupo de empresários, por meio da Câmera de

Dirigentes Lojistas de Resende e algumas lideranças políticas tiveram a idéia

de criar um Conselho Regional de Turismo que pudesse elaborar propostas de

desenvolvimento do turismo regional”. Os membros foram empossados no dia

23 de outubro de 1997, em cerimônia que contou com a presença do Ministro

da Indústria, Comércio e Turismo, do Secretário de Estado da Indústria,

Comércio e Turismo, do superintendente do SEBRAE/RJ, e dos prefeitos dos

quatro municípios da região, ratificando a relevância do acontecimento para o

contexto socioeconômico daqueles municípios.

Apesar da diretora do CONRETUR, ter declarado em sua

entrevista que o processo de formação do Conselho não sofreu influência

direta do PNMT, pessoalmente sentimo-nos à vontade para contradizê-la. As

oficinas de sensibilização e de conscientização do PNMT provocaram, mesmo

que de forma indireta, uma mudança na maneira como os representantes, tanto

do poder público quanto da iniciativa privada da região, viam e percebiam o

turismo. Entretanto, essa mudança não se fez visível de imediato e apenas

alguns anos depois é que foi possível percebermos seus efeitos nos agentes

sociais envolvidos. Aquelas oficinas estimularam os agentes do turismo da

região para a necessidade de articulação para atingir melhores resultados em

seus negócios, principalmente pelo entendimento que o turista que visita a

região circula pelas suas diversas localidades indistintamente, buscando obter

uma experiência turística mais completa durante suas estadas.

Ainda segundo Roberta Dias de Oliveira, inicialmente o

CONRETUR estava composto pelos representantes dos quatro municípios da

região e das seguintes entidades e associações: Associação de Hotéis,

Restaurantes e Similares de Itatiaia, Associação de Hoteleiros e Similares do

Penedo; Delegacia Regional da Associação Brasileira de Agentes de viagens –

49 Entrevistas realizadas, por meio eletrônico, em maio de 2006 e junho de 2008.

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(ABAV) e Associação Brasileira da Indústria Hoteleira (ABIH/RJ), Parque

Nacional do Itatiaia, Associação Comercial de Visconde de Mauá, Associação

Comercial e Turística da Região de Visconde de Mauá, Associação Comercial

e de Empresários da Serrinha do Alambari, Câmara de Dirigentes Lojistas de

Resende, SEBRAE-RJ e Associação Brasileira de Jornalistas Escritores de

Turismo (ABRAJET). O primeiro presidente foi o senhor Dino Lopes de Oliveira,

representante da Associação Comercial e de Empresários da Serrinha do

Alambari.

Inicialmente, nas primeiras reuniões do CONRETUR, chegou-se a

discutir a possibilidade de agregar a ele os representantes públicos e privados

dos municípios mineiros de Itamonte, Alagoa e Bocaina de Minas, uma vez que

eles fazem parte da área do entorno do Parque Nacional do Itatiaia. Entretanto,

a idéia não prosperou devido à dificuldade de comunicação, acessibilidade e

entraves administrativos na articulação com municípios de outro estado.

Apesar das vilas de Mirantão Santo Antonio e Maringá comporem a área

apropriada pelo turismo de Visconde de Mauá, a sede municipal de Bocaina de

Minas encontra-se mais afastada e com acesso precário. Já os municípios de

Itamonte e Alagoa encontram-se no lado noroeste do Parque e para acessá-los

há a necessidade de contorná-lo pela via Dutra, o que dificulta o contato mais

direto com as localidades do lado fluminense. Ainda em 1998 foi realizado o

primeiro planejamento estratégico para definir as ações do CONRETUR, o qual

foi revisto e atualizado em 2002.

Atualmente o CONRETUR, depois de um período de inatividade

(2003 a 2005), apresenta na sua composição, além das entidades fundadoras,

representantes das seguintes entidades: Associação de Guias de Turismo da

Região das Agulhas Negras, Agulhas Negras Convention and Visitors Bureau,

Sindicato de Hotéis Restaurantes, Bares e Similares e Associação Empresarial

Pró-Penedo (Anexo A). De acordo com as informações da secretária executiva

do Conselho, tanto o Parque Nacional do Itatiaia quanto a ABRAJET não vem

participando regularmente das reuniões do CONRETUR.

Nas entrevistas concedidas, a Sra. Roberta destacou a

importância da participação de determinadas pessoas na formação e no

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funcionamento do CONRETUR. Cita o exemplo da representante do SEBRAE-

RJ, Laura Knoch que, num primeiro momento, respondeu pela secretaria

executiva do Conselho, imprimindo um ritmo bastante intenso no processo,

graças ao seu entusiasmo pessoal. Com o seu afastamento do SEBRAE-RJ,

em 2002, o Conselho ficou paralisado temporariamente, demonstrando a

relevância do papel dos agentes sociais enquanto indivíduos nos processos de

articulação e integração de coletividades. Os fóruns e conselhos que surgem

para permitir a interlocução entre os diversos agentes sociais produtores do

turismo, em qualquer escala, sempre são compostos por associações, grupos

de empresários, órgãos públicos e organizações não governamentais.

Entretanto, essas entidades são representadas por dirigentes, técnicos ou

conselheiros que, antes de tudo, têm a sua subjetividade e as suas

expectativas pessoais. Assim, é comum que o entusiasmo de um representante

ou a apatia de outro acelere ou dificulte os processos daqueles conselhos e

fóruns.

Outro caso de pessoa física determinando o ritmo da participação

de uma entidade no processo do CONRETUR foi o do Parque Nacional do

Itatiaia. Enquanto o Chefe do Parque foi o senhor Carlos Eduardo Zikan,

aquela entidade teve participação efetiva nas ações do CONRETUR. Seu

sucessor manteve o modo de participação e “também participou ativamente

dos trabalhos, em parceria com a Associação de Hotéis de Itatiaia, realizou

vários eventos no PNI para o Festival de Inverno, estimulou a visitação de

turistas no Parque e abriu o Parque para a divulgação através da mídia50”.

Entretanto, o atual Chefe do Parque, empossado logo após o início do governo

Lula, seguindo orientações do Ministério do Meio Ambiente, tem voltado sua

atuação mais para as questões ambientais e se afastado daquelas

relacionadas com o uso turístico da unidade de conservação. Uma das suas

primeiras atitudes que afastou o Parque Nacional do CONRETUR foi a decisão

de retomar o processo de desapropriação dos hotéis localizados dentro dos

limites do Parque. Segundo a diretora executiva do CONRETUR, isso foi

recebido por todos da “pior maneira possível”, desviando o foco das ações do

50 Palavras textuais da Sra. Roberta durante uma das entrevistas concedidas ao autor.

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Conselho, que teve que se preocupar em impedir o andamento de tal processo.

Segundo ela “o IBAMA está revendo suas colocações a respeito desta

regularização fundiária e acreditamos que isto não irá acontecer tão cedo”. Nas

entrevistas recentes com alguns dos conselheiros do CONRETUR detectamos

que, para a maioria deles, a atuação dos representantes do Parque tem sido

regular ou fraca, confirmando o anteriormente exposto.

Após a criação do CONRETUR, praticamente todas as ações de

gestão do turismo passaram a ser desenvolvidas na escala regional sem, no

entanto, ferir a individualidade de cada município ou localidade. As ações do

CONRETUR vêm sendo trabalhadas com base nos processos de planejamento

estratégicos regulares. De acordo com a Sra. Roberta as diversas associações

empresariais da área do turismo da região vêm se articulando em torno do

CONRETUR e já trabalham com a uma perspectiva da importância do

fortalecimento de cada destino turístico da região, pois todos são

complementares e não concorrentes entre si. Entretanto, uma parcela dos

empresários e representantes locais ainda não pactua com essa proposta, o

que de alguma maneira enfraquece as associações e, indiretamente, dificulta

as ações do CONRETUR. Em entrevistas informais durante visita de campo

que realizamos nas localidades da região no mês de julho de 2008,

percebemos que a maioria dos empresários da região diz conhecer, mas não

participar das reuniões e das ações do CONRETUR. Isto parece indicar que,

para eles, o trabalho em conjunto e articulado não é prioridade ou necessário.

Em 2005, com a reativação do CONRETUR, foi desenvolvido um

novo processo de planejamento regional coordenado pelo SEBRAE-RJ, com a

utilização da metodologia denominada Gestão Estratégica Orientada para

Resultados (GEOR). Desse segundo processo resultou o Acordo de

Resultados do Projeto Caminhos Singulares do Turismo e do Artesanato da

Região das Agulhas Negras51, assinado em 28 de março de 2005, “com o

objetivo de formalizar sua conjugação de esforços para o alcance dos

resultados finalísticos e intermediários previstos no Projeto” (SEBRAE, 2005, 51 Metodologia de planejamento participativo em que todos os agentes sociais envolvidos são

levados a avaliar as condições atuais da situação em estudo e, em conjunto, definir e elaborar as linhas de ação estratégica a serem desenvolvidas no horizonte temporal estabelecido de comum acordo pelo grupo.

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p.2). Pelo acordo, seus signatários se comprometem a apoiar "as ações e

demais iniciativas necessárias à obtenção dos resultados previstos no Projeto e

de prover os meios para a sua execução” inclusive no tocante as

“responsabilidades pela viabilização financeira, pela execução das ações ou

pelo apoio técnico” (ibidem, p.3). O horizonte temporal do planejamento

proposto era até dezembro de 2007. Convém ressaltar que esse tipo de acordo

é espontâneo e voluntário, não prevendo nenhum tipo de penalidade ou de

ação caso algum dos seus signatários não cumpra com o que foi acordado

entre as partes.

Dentre os pontos mais marcantes daquelas primeiras ações

estratégicas está a decisão de estruturação de todas as ações de promoção a

partir da marca “Região das Agulhas Negras”, com o material promocional

contemplando todos os municípios da região. Também o calendário de eventos

turísticos permanentes passou a ser pensado e executado de forma regional, a

fim de evitarem-se sobreposições de datas e estimular o aumento da

permanência e a circulação dos visitantes dentro da região.

Importante observarmos que em todo esse movimento para a

articulação das diversas localidades turísticas da região, procura-se instituir de

forma bem definida uma possível “identidade regional” que atenda a todos os

interesses, revelando a adoção, mesmo que inconsciente, de uma lógica zonal.

A dimensão espacial do turismo não é percebida dentro da lógica reticular e,

podemos afirmar, que ela nem mesmo aparece claramente nas diversas

decisões propostas pelos relatórios de planejamento estratégico do

CONRETUR. O espaço ainda é visto apenas como suporte para a atividade

econômica, um recurso a ser explorado e como elemento capaz de articular a

identidade regional.

Esta estratégia implicou na consolidação do Festival de Inverno

das Agulhas Negras como o principal evento regional. Composto por uma série

de eventos que ocorrem em todas as localidades turísticas da região, durante

os meses de inverno, quando as baixas temperaturas estimulam os festivais

gastronômicos (chocolate em Mauá, trutas na Serrinha e em Penedo) e a

realização de atividades esportivas como caminhadas e outros esportes de

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aventura típicos de locais montanhosos e frios. Também foram criados o

Festival de Natal e o Festival da Primavera e, após a elaboração de uma

folheteria regional52, estruturou-se a participação do CONRETUR nos principais

eventos de turismo do país, com destaque para as feiras da ABAV e o Salão de

Turismo do Ministério do Turismo.

Tais ações práticas de articulação do turismo envolvendo todas as

localidades do entorno do Parque Nacional do Itatiaia, na sua parte fluminense,

nos leva a vislumbrar a possibilidade de considerarmos o CONRETUR como

um embrião de uma rede social que abrange a escala regional. Essa rede

regional de turismo pode ser presencial e virtual, resultante da combinação

articulada pelos diversos territórios-rede que os agentes sociais produtores do

turismo constituem com seus movimentos, ações e interações. Dessa forma, o

CONRETUR visto como uma rede regional capaz de articular todos os agentes

sociais envolvidos, passa a ser um fórum em condições de contemplar toda a

complexidade inerente ao fenômeno turístico que ocorre na região. Através

dele torna-se possível tanto a articulação de redes técnicas e funcionais do

turismo, como também de redes sociais de cooperação, o que pode permitir

tanto a coordenação das ações coletivas necessárias para a consolidação do

setor econômico, como também, o desenvolvimento de estratégias para o

fortalecimento dos agentes sociais envolvidos.

Desde o início do Programa de Regionalização do Turismo no

estado do Rio de Janeiro, o processo de fortalecimento do CONRETUR parece

estar ocorrendo em um ritmo continuo, mesmo que não acelerado. Foram

realizadas algumas oficinas do PRT na região e a participação da região no

Salão de Turismo do Ministério do Turismo de 2005, 2006 e 2008 foi bastante

destacada. De todas as regiões turísticas do estado presentes naqueles

eventos, a região das Agulhas Negras foi a que se apresentou mais estruturada

e mais preparada para o processo de fortalecimento de produtos turísticos

regionais propostos pela atual política nacional de turismo. Entretanto, para as

estratégias do Ministério do Turismo isso não foi o suficiente para que pelo

menos um dos seus destinos fosse incluído no rol daqueles considerados como 52 Peças promocionais para divulgação do produto turístico da região em substituição das

diversos folhetos individuais de cada localidade turística.

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“destinos indutores de desenvolvimento turístico regional”, pelo fato daquelas

estratégias priorizarem o mercado internacional, o que não é o caso da região

das Agulhas Negras.

No final do ano de 2007 iniciou-se o segundo ciclo do processo de

planejamento estratégico do CONRETUR, também coordenado pelo SEBRAE-

RJ e mantendo a aplicação da metodologia GEOR. Os resultados desse

segundo planejamento estão sendo consolidados no documento “Projeto de

Turismo da Região das Agulhas Negras 2008-201053”, previsto para ser

assinado por todos os partícipes. No documento os participantes das reuniões

avaliaram que as ações previstas no planejamento de 2005-2007, apesar de

parcialmente realizadas, reforçaram a importância dos trabalhos e esforços

conjuntos. Destacaram, também, as dificuldades de comprometimento e a

pouca integração e comunicação entre todos os agentes envolvidos no

processo, o que de certa maneira indica “a falta de interesse e o

desconhecimento da importância do turismo para a economia tanto do

empresariado, como de prefeituras e entidades em geral” da região. (SEBRAE-

RJ, 2007, p.11).

Apesar do caráter preliminar daquele relatório, é importante

ressaltar que dentre as 13 ações detalhadas para execução no biênio 2008-

2010 (Anexo B), nenhuma delas contempla a questão espacial do turismo na

região. Reforçando nossa leitura de que o CONRETUR ainda esta limitado a

uma rede regional dos agentes de mercado, com pouca participação dos outros

agentes sociais envolvidos com o fenômeno na região. Aquelas ações

direcionam-se basicamente na melhoraria da qualidade do produto turístico

regional, quer seja através da capacitação (leia-se treinamento) dos

funcionários já empregados pelas empresas turísticas ou dos próprios

empresários em questões específicas de seus negócios.

Observa-se também uma priorização da divulgação da “marca

regional”, tanto para os próprios agentes sociais da região como para os

turistas e para o trade turístico em geral. Como foi apontado por vários

53 Obtido por correio eletrônico, datado de 20 de junho de 2008, cópia digital do relatório

preliminar do referido projeto, ainda em fase de conclusão, principalmente no que se refere às contrapartidas financeiras dos participantes.

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conselheiros em nossos contatos recentes, há uma preocupação daqueles que

estão participando com relação à falta de conscientização e de interesse nos

trabalhos e nas ações do CONRETUR. Uma das conselheiras mais atuantes,

guia de turismo regional, chegou a nos indicar que percebe muitas dificuldades

para fazer as informações chegarem “as pontas dos processos”, o que pode

indicar que as representações dos diversos segmentos participantes do

Conselho não estão cumprindo a sua função de repassadores e multiplicadores

das informações.

A observação do processo de desenvolvimento turístico da

Região Turística das Agulhas Negras ocorrido nos últimos quinze anos,

contextualizado pelas diversas tentativas de implementação de políticas –

talvez melhor classificadas como projetos – públicas dos governos federal e

estadual, nos permite, sem sombra de dúvida, visualizar ali um processo

peculiar e praticamente único no estado do Rio de Janeiro.

Apesar de possuir, desde a década de 1980, uma das mais

consistentes ofertas de equipamentos turísticos do estado, a região do Parque

Nacional do Itatiaia nunca foi entendida como uma região prioritária nos

escopos dos projetos e das tentativas daquelas políticas públicas de turismo,

tanto do governo estadual como do federal. Mesmo estando localizada

estrategicamente entre os três principais mercados emissores de visitantes do

país – Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais – a região nunca foi priorizada

nas campanhas de marketing, principalmente do governo estadual, talvez por

apresentar sua oferta turística diferenciada em relação àquela que,

sistematicamente, é dada como a mais representativa do potencial turístico do

estado, composta pelo trinômio “sol-praia-mar”.

Sem se preocupar em captar tantos visitantes do mercado

externo, os agentes de mercado e públicos da região foram desenvolvendo

estratégias próprias para conquistar o mercado interno, especialmente o do

estado de São Paulo – capital e interior. A princípio atuaram de forma intuitiva e

individualizada e, posteriormente, foram visualizando possibilidades mais

ousadas a partir de articulações entre as empresas e os municípios da região.

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A implantação de uma política efetiva de turismo pelo governo

federal, na primeira metade da década de 1990, encontrou na região um

terreno fértil e provocou a aceleração daquele processo endógeno de

articulação regional. As redes econômicas locais estruturadas pelos

empresários, por meio das diversas associações de classe, podem ser

consideradas como marco inicial desse processo. Com as ações de

conscientização e de capacitação propostas pelas oficinas do PNMT aliadas ao

cenário de desenvolvimento econômico da segunda metade da década de

1990, aqueles agentes produtivos ganharam a adesão de outros agentes

sociais que os levaram na direção da formação de um fórum regional de

desenvolvimento turístico. Entretanto, dado o viés econômico da maioria dos

seus participantes, o CONRETUR ainda não conseguiu envolver em suas

articulações e propostas todos os agentes sociais que deveriam ser envolvidos.

Na sua composição não encontramos a participação das associações de

moradores ou de trabalhadores no setor, com exceção da Associação de Guias

de Turismo, Monitores e Condutores da Região das Agulhas Negras e da

Federação das Associações de Moradores de Itatiaia, que participou do ultimo

planejamento estratégico como convidada e que, possivelmente, será

convidada a integrar oficialmente o CONRETUR.

Entretanto, mesmo com o predomínio dos agentes representantes

do capital privado, é possível notarmos que as ações e projetos propostos

pelos seus planejamentos estratégicos já incluem questões ligadas à

preservação do meio ambiente natural – maior atrativo turístico da região – e à

capacitação e inclusão da mão de obra e da comunidade em geral, mesmo que

por meio de ações tímidas como a capacitação daqueles já empregados no

setor e a proposta de implantação de cartilhas sobre a importância do turismo

nas escolas de ensino fundamental dos seus municípios.

Atualmente, verifica-se que os trabalhadores direta ou

indiretamente empregados pelo setor turístico da região são basicamente

oriundos dos quatro municípios que a compõem. Segundo informações

recentes, obtidas diretamente com empresários das diversas localidades em

conversas informais, constatamos que, com exceção de Penedo e do Parque

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Nacional do Itatiaia, nas demais localidades turísticas a grande maioria da

mão-de-obra contratada reside próxima aos seus locais de trabalho. No caso

de Penedo, uma parcela dos funcionários é oriunda de Resende, mais

especificamente do bairro São Caetano, localizado a poucos quilômetros e com

fácil acesso pela via Dutra. Mascarenhas (2005) em seu artigo sobre

urbanização turística de Penedo já apontava para a existência de um bairro

específico dos trabalhadores do turismo em Penedo, denominado Formigueiro,

de fácil acesso para seus empregos, mas não muito visível para os visitantes.

Salienta também que uma parte deles, entretanto, residia em bairros modestos

de Itatiaia e Resende (ibidem). Já os empregados nos meios de hospedagem

localizados dentro dos limites do Parque Nacional residem, em sua grande

maioria, na área urbana da cidade de Itatiaia.

Os empresários do setor turístico da região, por sua vez, iniciam a

formação de uma rede regional de fornecedores de insumos e de serviços,

fortalecendo outros setores econômicos e contribuindo para a dinamização da

economia regional. Também segundo as informações colhidas junto aos

membros do CONRETUR durante o mês de julho, quando indagamos sobre a

origem dos produtos e serviços utilizados nos empreendimentos turísticos, a

grande maioria nos relatou que seus fornecedores são da própria localidade ou

da região das Agulhas Negras. O único insumo que a maioria informou comprar

fora da região, foram os componentes dos enxovais dos meios de hospedagem

(lençóis, tolhas de banho e de mesa) que, por serem adquiridos em maiores

quantidade e terem maior vida útil, são preferencialmente comprados

diretamente dos fabricantes ou de atacadistas, de São Paulo ou do Paraná.

Essa rede econômica regional de turismo das Agulhas Negras

ainda apresenta-se esgarçada, frágil e incompleta, mas se o processo não for

interrompido, a tendência é que se consolide e se amplie para as dimensões

sociais e políticas. A decisão estratégica atual de trabalhar um produto turístico

regional único, articulado, complementar e mais competitivo, tem estimulado a

circulação dos visitantes por diversas localidades da região, contribuindo para o

aumento da taxa de permanência média e, conseqüentemente, do gasto médio

per capita.

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Em um horizonte temporal de menos de dez anos, as estratégias

de marketing do produto turístico regional alteraram-se profundamente. Criou-

se a marca “Região das Agulhas Negras” e estruturou-se um calendário de

eventos permanentes de caráter regional, que busca evitar sobreposição de

datas e de eventos isolados. Apesar de alguns problemas de continuidade

nesse período, em que o mais significativo foi a mudança na direção do Parque

Nacional do Itatiaia e da postura pouco receptiva da nova direção em relação

ao turismo, podemos afirmar que os municípios da região conseguiram

instaurar um processo de desenvolvimento turístico mais estratégico voltado

para resultados de longo prazo, calcado na visão sistêmica do produto turístico

regional.

Sem sacrificar as individualidades e os diferenciais de cada

localidade, chegou-se a uma proposta bastante integradora para o turismo

regional, que já está trazendo um desenvolvimento menos concentrado e mais

equilibrado. A exposição freqüente da região na mídia e o crescimento dos

fluxos de visitantes para a região indicam que essas estratégias podem

estabelecer na região um processo de desenvolvimento turístico regional,

estruturado a partir da participação direta de todos os agentes sociais

interessados. Para tanto, o território-rede do turismo regional precisa ser

estruturado por uma rede regional de agentes sociais que, atuando como uma

nova instância público-privada de gestão, poderá ter mais controle e ingerência

sobre o processo de desenvolvimento turístico regional. O CONRETUR, como

indicamos anteriormente, vem buscando compor essa rede regional de turismo,

mesmo que com viés fortemente econômico, mas que começa a mostrar seus

primeiros nós e seus primeiros dutos e que pode ser ampliada para comportar

todos os demais agentes sociais envolvidos com o turismo regional.

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6 INSERÇÃO DA DIMENSÃO ESPACIAL NAS POLÍTICAS PÚBL ICAS DE

TURISMO: POSSIBILIDADES DAS REDES REGIONAIS Las redes de múltiples actores, interdependientes, con relaciones más o menos conflictivas o de consenso y con distribuciones más o menos asimétricas de poder, se convierten en los nuevos espacios predominantes de regulación social, de governance. En ellos, las opciones políticas de fondo vendrán a determinar los roles que deberá jugar cada uno. (BURGUÉ; GOMÀ; SUBIRATS, 2002, p.299)

Os processos de apropriação dos espaços para o turismo trazem

implícito um complexo jogo de variáveis originado a partir da lógica de

territorialização de cada um dos seus agentes produtores, apresentadas no

capítulo três, e das combinações entre aquelas lógicas. Visto dessa maneira, a

busca da compreensão e do ordenamento desses espaços deve,

necessariamente, contemplar as variáveis oriundas da ação dos turistas, dos

agentes do mercado, do poder público (nos seus diversos níveis), dos

trabalhadores no setor (diretos e indiretos) e da comunidade receptora em

geral. Além disso, devem incluir também, as interações estabelecidas entre

cada um daqueles agentes e deles com os agentes sociais de outros sistemas

que formam o meta-sistema onde se inserem.

Cada um dos agentes sociais produtores dos espaços

turistificados age e reage de forma específica e particular, assumindo posições

e papéis diferenciados, contribuindo para a complexidade e para o dinamismo

daqueles espaços. As ações e reações de todos os agentes compõem o jogo

dialógico do turismo contemporâneo cuja territorialidade é mais facilmente

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perceptível nas escalas local e micro-regional, a partir da combinação dos

diversos territórios-rede que cada um dos seus agentes constrói e reconstrói,

sincrônica e diacronicamente no tempo e no espaço.

Entretanto, a revisão feita nos capítulos anteriores revela que esta

complexidade do fenômeno turístico não vem sendo considerada pelas

diversas políticas públicas de turismo já implantadas ou em implantação no

país. Mesmo aquelas que oferecem um discurso mais democrático e sinalizam

para uma maior participação de todos os envolvidos nos processos de

decisões, pecam por priorizar em suas diretrizes e propostas de ações os

agentes de mercado. Nota-se, até com certa facilidade, que as características

específicas dos demais agentes produtores não vêm sendo contempladas no

bojo das políticas e das ações direcionadas para o incremento e o

ordenamento do desenvolvimento turístico brasileiro. Também do ponto de

vista dos movimentos endógenos direcionados para o ordenamento do turismo

nas escalas regionais e locais, como é o caso da região turística das Agulhas

Negras – RJ, percebe-se o predomínio dos agentes econômicos com uma

participação nem sempre muito ativa dos agentes públicos e a ausência quase

absoluta dos outros agentes sociais responsáveis pelo acontecer do fenômeno

turístico.

Em outros termos, as políticas públicas direcionadas para o (re)

ordenamento dos espaços turistificados deveriam, mas não o fazem, observar

e atender as necessidades e as demandas de cada um dos seus agentes

produtores caso pretendessem realmente, estimular um processo de

desenvolvimento humano sustentável e duradouro para os destinos turísticos.

Nesse sentido, faz-se necessário um esforço mais ampliado para o

entendimento das combinações existentes e possíveis entre as diversas

lógicas de apropriação dos espaços pelos agentes produtores do turismo

contemporâneo. Seguindo essa linha, é possível indicarmos a emergência de

revisão nas escalas de atuação daquelas políticas e da constituição de novas

instâncias de governança, mais amplas e ao mesmo tempo mais próximas das

características dos agentes produtores dos territórios-rede do turismo. As

escalas político-administrativas atuais – nacional, estadual e municipal – não

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são mais suficientes para atender às demandas e incorporar as oportunidades

geradas pelo turismo a partir da ação dos seus agentes produtores, individual

ou coletivamente.

O desenvolvimento sustentável vai além do simples crescimento.

Ele implica em mudanças políticas mais ou menos profundas, com a definição

de novos padrões de organização da sociedade, exigindo maior interação e

articulação entre os diversos agentes sociais, a descentralização da gestão e o

aumento do poder local sobre o território e sobre as localidades (ZAPATA,

2008). Para atingi-lo é necessário que os agentes sociais locais tornem-se

protagonistas dos seus próprios territórios, deixando de ser meros atores

passivos. Por essa proposta, eles devem assumir a responsabilidade de serem

pró-ativos e participantes de todos os momentos dos processos.

Estruturado a partir de um atrativo turístico único – o maciço das

Agulhas Negras – o território-rede do turismo das Agulhas Negras vem

revelando-se excelente laboratório para aprofundarmos nossas reflexões

teóricas aqui propostas. O turismo gerado pela ação dos seus diversos agentes

produtores vêm compondo uma rede de localidades peculiares, relativamente

próximas, com características específicas, diferenciadas, mas ao mesmo

tempo complementares do ponto de vista do mercado turístico e dos turistas.

Essa rede de localidades, envolvendo sedes municipais – Resende, Itatiaia,

Porto Real e Quatis, sedes distritais – Visconde Mauá, Engenheiro Passos,

algumas vilas – Maringá, Maromba, Serrinha do Alambari, Capelinha e bairros

– Penedo, vem articulando-se em um território-rede do turismo visto como um

destino turístico unificado, com identidade própria, estabelecida

conscientemente pelos membros do CONRETUR a partir do seu principal

símbolo, o pico das Agulhas Negras.

Estimulados pelas recentes políticas públicas de turismo do

governo federal, concretizadas pelo PNMT e pelo PRT, os agentes sociais

daquela região turística, lentamente estão se articulando buscando estabelecer

um processo de desenvolvimento turístico potencialmente duradouro e

benéfico para todos. A conscientização da importância e das possibilidades

que podem vir do desenvolvimento turístico sustentável, propostas pelas

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oficinas e ações do PNMT e estimuladas pelo PRT, aproximaram aqueles

agentes sociais dando inicio a um processo de constituição de uma nova

estrutura para a gestão do turismo regional, na forma do CONRETUR.

Certamente, as ações do PNMT e, posteriormente, do PRT encontraram um

cenário mais propício naqueles municípios, dado pelo seu processo de

formação histórica aliado às suas características geográficas, demográficas,

econômicas e socioculturais, o que de certa maneira, facilitou o

desenvolvimento do processo que estamos ora analisando.

A proposta de descentralização da gestão do turismo iniciada e

estimulada pelo PNMT, no período entre 1994 e 2002, demonstrou que a

escala local e, mais precisamente, a escala municipal (e, em certa medida, até

intra-municipal), deve ser o ponto de partida para a elaboração das diretrizes e

estratégias para o desenvolvimento turístico. Entretanto, antes mesmo que o

PRT fosse oficialmente instituído em 2003, a tendência e a necessidade de

uma ampliação daquela escala para o nível micro-regional revelou-se em

diversos pontos do território nacional, como bem demonstram os diversos

conselhos regionais de turismo surgidos antes daquele programa ser instituído,

incluindo o CONRETUR.

À medida que o turismo era organizado e estruturado nos

municípios foi-se descortinando o fato de que, para o turista, não existem

fronteiras ou limites administrativos a serem obedecidos. A circulação do

agente produtor central do fenômeno não observa aqueles limites e

delimitações, pelo menos no que se refere aos limites municipais e estaduais,

onde não há nenhum tipo de controle do ir e vir do cidadão. No caso da região

das Agulhas Negras isto fica bastante visível no conjunto das vilas do alto vale

do rio Preto, onde os visitantes circulam pelo território de dois estados – Rio de

Janeiro e Minas Gerais - e três municípios – Resende, Itatiaia e Bocaina de

Minas, sem sequer dar-se conta do fato. O turista se apropria e circula pelo

espaço motivado por outros fatores como a localização dos atrativos, a

facilidade de acessos, a oferta de serviços de transportes, os “reclames” da

mídia, os preços e a localização dos equipamentos e serviços turísticos, dentre

outros.

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240

Também para outros agentes sociais envolvidos com o turismo os

limites municipais não são fatores de restrição ou de impedimento de seus

movimentos e de suas ações. Apenas os órgãos públicos municipais vêem-se

limitados pelas fronteiras político-administrativas existentes, o que de certa

forma pode ser visto como um empecilho para o processo. É a combinação das

diversas lógicas de apropriação dos espaços que define o que estamos

propondo como território-rede do turismo que, quase sempre, não acompanha

ou não se restringe aos territórios político-administrativos dos municípios,

estados ou nações. Certamente, no caso dos territórios-rede do turismo que

envolvam fronteiras internacionais, a circulação e atuação dos diversos

agentes sociais passam a ter algumas restrições – alfandegárias e leis de

imigração, por exemplo – acrescentando outras variáveis ao processo, que

podem ser controladas a partir de decisões dos órgãos federais dos país

envolvidos, como é o caso do território-rede de Foz do Iguaçu (Brasil), Puerto

Iguaçu (Argentina) e Ciudad del Leste (Paraguai)54.

Dessa maneira, se os territórios apropriados para o turismo não

coincidem com aqueles limites político-administrativos, as políticas

direcionadas para o seu ordenamento não podem ser definidas e/ou ficar

circunscritas por eles. Elas carecem de outra escala de observação e de

atuação, que permita a flexibilidade necessária para a apreensão de toda a

complexidade do fenômeno e da ação e interação dos diversos agentes sociais

envolvidos. Para nós, a escala que vem se mostrando mais adequada para tal

tarefa é a micro-regional, abrangendo os territórios de dois ou mais municípios

ou mesmo, em alguns casos específicos, de dois ou mais estados da

federação, como ocorre na região das Agulhas Negras.

Adotando a escala micro-regional como a mais apropriada para a

definição das políticas públicas de turismo, somos levados a refletir sobre a

necessidade de um novo tipo de estrutura organizacional para assumir a

54 No 3º Salão de Turismo 2008, um dos estudos de caso apresentados foi o do roteiro turístico

Iguassu – Misiones, que envolve localidades turísticas de duas províncias argentinas (Misiones e Corrientes) três departamentos paraguaios (Itapúa, Misiones e Alto Paraná) e dois estados brasileiros (Paraná e Rio Grande do Sul), que têm em comum os nove patrimônios da Humanidade, reconhecidos pela UNESCO. Atualmente, todos os agentes envolvidos estão institucionalizando uma instância de governança para gerenciar o roteiro.

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gestão do território-rede regional constituído pelos agentes sociais do turismo.

Essa nova instância de governança, entendida como um espaço de

negociação, de gestão de conflitos e de interesses e de construção de

consensos e de projetos de interesse comum a todos, poderá ser o que

estamos propondo como redes regionais de turismo. Para tanto, precisamos

avançar no conhecimento das diversas lógicas de apropriação dos espaços de

cada um dos agentes sociais produtores do turismo.

6.1 ESPACIALIDADES DISTINTAS DOS AGENTES SOCIAIS PRODUTORES DO TURISMO

A partir das diferentes lógicas de apropriação dos espaços

estabelecidas pelos comportamentos dos diversos agentes sociais produtores

do turismo (seção 3.1.1), e da observação dos processos em desenvolvimento

na região das Agulhas Negras, elaboramos o quadro a seguir (Figura 25), onde

sintetizamos as principais características de cada um deles. Nosso intento foi

compor uma visão mais ampliada dos processos de turistificação dos espaços

na contemporaneidade a partir das características de cada um daqueles

agentes sociais. A análise da combinação dessas lógicas e características,

além de nos oferecer um entendimento mais ampliado e oportuno da dimensão

espacial do turismo, indica a escala micro-regional como a mais apropriada

para tal empreitada. Também nos mostra que, no caso da região das Agulhas

Negras apenas os agentes de mercado e do poder público, além dos turistas já

são possíveis de identificação e estudos.

O não envolvimento das representações dos trabalhadores e da

população residente nas diversas localidades turísticas que ocorre até o

momento, ainda dificulta uma análise mais apurada das características e das

lógicas daqueles agentes sociais.

Revendo a evolução das formas de apropriação dos espaços

pelos turistas, podemos constatar uma transformação intensa no seu

comportamento recente, ocasionado pela rápida evolução dos meios de

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Agentes sociais produtores do turismo

Lógica de apropriação dos espaços

Expectativas e tendências Características Tipos Subtipos

Turistas (visitantes)

Turista

Predominantemente Reticular

Oportunidade de afastamento do cotidiano e da rotina de trabalho; tempo de lazer e descanso; busca ver e ser visto; mais exigente e interessado em manter contato com a cultura dos locais visitados.

Territorialidade flexível, sazonal; apropriação dos valores materiais e imateriais dos destinos turísticos; comportamentos e hábitos diferenciados conforme nível de renda e classe social; viagens mais curtas do tipo excursionista-recreativa.

Excursionista

Veranista

Poder Público

Federal

Predominantemente Zonal

Oportunidade de equilíbrio na balança de pagamentos; aumento da arrecadação; tentativa de redistribuição de renda entre as regiões do país; turismo visto como possível vetor de diminuição das desigualdades regionais.

Visualizam no turismo a oportunidade de desenvolver projetos voltados para a melhoria da qualidade de vida das populações de áreas menos favorecidas; acreditam no retorno mais rápido com o estímulo ao desenvolvimento do setor turístico; priorizam os grandes empreendimentos e o capital externo;

Estadual

Municipal

Atração de investimentos para novos negócios; aumento na arrecadação; criação de empregos e ocupação; busca de articulação com os municípios vizinhos para oferta de produtos mais competitivos.

Têm dificuldades em assimilar a complexidade do turismo; operam de forma não planejada e com visão de curto prazo; tendem a valorizar mais os investidores externos; o jogo político local dificulta a estruturação de fóruns gestores do turismo nessa escala.

Figura 25 – Agentes sociais produtores do turismo: lógica de apropriação dos espaços (1ª parte) Fonte: Elaboração própria

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Cont.

Agentes sociais produtores do turismo

Lógica de apropriação dos espaços

Expectativas e tendências Características Tipos Subtipos

Agentes de Mercado

Grandes empresas/ cadeias internacionais

Zonal e reticular (mais instável)

Aumento das oportunidades de acumulação e reprodução do capital; lucro; articulados em grandes redes internacionais; operam com grandes volumes de negócios o que lhes permitem oferecer preços e condições mais competitivos.

Demandam do Estado a implantação de infra-estrutura urbana e o fornecimento de linhas de crédito e de incentivos mais vantajosos; no caso de diminuição da lucratividade nos negócios, mudam-se para outros destinos; grandes empreendimentos; padronização das instalações e dos serviços; utilização mão-de-obra mais capacitada e, predominantemente, externa ao destino turístico.

Empresários locais Reticular (mais estável) e zonal

Possibilidade de expansão dos negócios; aumento na lucratividade; têm dificuldades de se articularem com as grandes operadoras internacionais; operam volumes menores de negócios, o que os leva a manter preços e condições menos competitivos

Auto-empreendedores; permanecem nos destinos turísticos mesmo quando eles entram na fase de saturação e de declínio; pequenos e médios negócios, com serviços pouco padronizados, mas diferenciados; utilizam a mão-de-obra local ou do seu entorno regional, quase sempre não qualificada para o turismo

Fornecedores de serviços e matérias primas

Zonal e reticular

Instalam-se nos destinos turísticos, em especial nas suas áreas periféricas; em sua grande maioria não são fornecedores exclusivos do turismo;

Sofrem os efeitos da sazonalidade do turismo mais diretamente; quase sempre não se reconhecem como parte da cadeia produtiva do turismo.

Figura 25 – Agentes sociais produtores do turismo: lógica de apropriação dos espaços (2ª parte) Fonte: Elaboração própria

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Cont.

Agentes sociais produtores do turismo

Lógica de apropriação dos espaços

Expectativas e tendências Características Tipos Subtipos

Trabalhadores diretos

Formais Zonal e reticular (mais permanente)

Oportunidade de trabalho e renda fixa (salário); mais capacitados; migram para os locais onde podem ter mais chances de ocupações mais bem remuneradas; nesses casos podem gerar pressão sobre as questões locais de custo de vida e de moradia.

Buscam atender às exigências de formação impostas pelo setor; mantêm contato pessoal com os turistas; quando migrantes, podem não se relacionar com a população autóctone.

Informais Zonal e reticular (sazonal)

Oportunidade de obtenção de alguma renda e/ou de ganhos extras; pouco capacitados e sem condições de buscar melhores ocupações.

Convivem marginalmente com o setor turístico; seus ganhos são sempre inferiores e sazonais; mantém contato pessoal com os visitantes; sofrem mais diretamente os efeitos da sazonalidade do turismo

Trabalhadores indiretos

Formais Zonal e reticular (mais permanente)

Oportunidade de trabalho e renda fixa (salário)

Não têm percepção clara da sua participação no setor turístico; quase não têm contato direto com os turistas; não se percebe como parte da cadeia produtiva do turista

Informais Zonal e reticular (sazonal)

Oportunidade de obtenção de alguma renda e/ou de ganhos extras

Convivem marginalmente com o setor turístico; seus ganhos são sempre inferiores e sazonais.

População residente

Envolvida diretamente com o turismo Predominantemente

Zonal

Busca obter algum tipo de vantagem com o setor turístico sem se envolver diretamente com ele.

Vê no turismo uma possibilidade para o desenvolvimento local; mantém contatos esporádicos com os visitantes;

Sem envolvimento direto com o turismo

Indiferente ao processo de desenvolvimento turístico

Procura afastar-se das áreas de concentração de turistas; evita contato com os “forasteiros”;

Figura 25 – Agentes sociais produtores do turismo: lógica de apropriação dos espaços (3ª parte) Fonte: Elaboração própria

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transportes e de comunicação e, mais essencialmente, pelas profundas

alterações nos hábitos de consumo do homem contemporâneo (REJOWSKI,

2002). As alterações trazidas pela flexibilização nos contratos de trabalho e

as facilidades de comunicação e de informações induzem o turista atual a

segmentar mais seus momentos de tempo livre e, conseqüentemente, suas

viagens.

Das longas viagens características da grand tour dos aristocratas

dos séculos XVI, XVII e XVIII, o turismo evoluiu para as viagens atuais, em que

predominam as viagens mais curtas tanto no tempo como no espaço

(SWARBROOKE; HORNER, 2002). O turista de hoje tende a optar pelo

fracionamento das suas férias anuais em diversos períodos menores,

distribuídos ao longo do ano e por viagens para lugares mais próximos dos

seus locais de entorno habitual. De acordo com a OMT, “as estatísticas do

turismo mundial mostram o predomínio do tráfego intra-regional e doméstico”

(2003, p.32), registrando uma forte tendência para as viagens de curta

distância. Essas alterações no hábito e no comportamento dos turistas estão

alterando o ordenamento dos espaços apropriados para o turismo, dando-lhes

outras feições e outras dimensões. Observa-se uma expansão das áreas de

influência dos destinos turísticos e a articulação deles em redes que se

ampliam para a escala regional.

O turista contemporâneo tende a organizar melhor e

antecipadamente seus deslocamentos, o que é facilitado pela disponibilidade

relativamente farta e fácil de informações sobre os destinos turísticos. Durante

seus deslocamentos ele se apropria de pontos específicos dos espaços,

representados pelos atrativos turísticos, pelos meios de hospedagem, por

alguns equipamentos de apoio (transportes e comunicação) e pelos locais de

entretenimentos e lazer, circulando entre eles quase sempre sem notar ou

observar o que ocorre nesses percursos mais curtos.

De acordo com Boullón, “ao percorrer uma cidade, o turista o faz

entre pontos que atraem seu interesse e motivam sua presença obrigatória”

(2002, p. 248); para aquele autor esses pontos constituem o que ele denomina

de áreas gravitacionais do turismo. A imagem final do lugar visitado que o

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turista terá retido na sua memória ao retornar para seu lugar de residência

habitual, será composta por um conjunto de imagens pontuais, agrupadas de

maneira aleatória e sem compromisso com a realidade. Dessa forma, o atrativo

“A” pode parecer-lhe próximo do hotel “X” já que, durante a sua estada, ele se

deslocou de um para o outro rapidamente, numa fração de tempo

insignificante, sem perceber que entre eles existia um maciço rochoso

ultrapassado por um túnel. Exemplo disso é o caso de um turista hospedado na

Zona Sul do Rio de Janeiro que visita o complexo do Maracanã, fazendo seu

deslocamento através do túnel Rebouças. Apesar da distância e das

montanhas, para ele o tempo que separam os dois pontos é de pouco mais de

meia hora. O trecho da cidade que fica entre eles não é registrado na sua

memória já que grande parte do percurso é feita através do túnel, em veículo

climatizado que o isola temporariamente do ambiente externo. Nesse tipo de

mobilidade, o turista vai tecendo uma rede com os pontos que lhe interessam,

entre os quais circula e onde permanece temporariamente, sem se importar

com os interstícios que ocorrem entre eles.

Analisando o comportamento dos visitantes da região das

Agulhas Negras, a partir das informações colhidas com os conselheiros do

CONRETUR e outros agentes sociais atuantes na região, podemos indicar

para um perfil essencialmente voltado para o lazer, o descanso e a prática de

esportes vinculados à natureza, que busca conhecer as diversas localidades

turísticas da região. A falta de pesquisas sistemáticas nos impede de traçar um

perfil mais detalhado; no entanto é consenso, principalmente entre os

responsáveis pelos meios de hospedagem, que a grande maioria é proveniente

dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo que buscam a região pelas suas

características climáticas e culturais para “fugir do estresse urbano” e

reabastecer suas baterias para mais um período de trabalho (KRIPPENDORF,

1989). A presença de turistas estrangeiros é, quantitativamente, pequena e

direcionada basicamente para o interior do Parque Nacional do Itatiaia.

Retomando os modelos de viagens propostos por Campbell

(1967, apud PEARCE, 2003), - excursionista, excursionista-recreativa e

recreativa – (Figura 5), podemos afirmar que se verifica, atualmente, um

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247

aumento na demanda para os dois últimos modelos. Esse incremento ocorre

principalmente nas viagens classificadas como excursionista-recreativas, onde

o turista escolhe uma base regional, equivalente ao centro turístico de apoio

proposto por Boullón (1990) e, a partir dele, realiza uma série de viagens

curtas. Essas viagens, limitadas por uma distância-tempo média de duas

horas55, estimulam a articulação de uma rede de destinos turísticos,

normalmente ancorados em torno de um centro turístico consolidado no

mercado ou de um atrativo turístico de expressivo poder de atratividade, como

um parque nacional, uma queda d’água de grande expressão ou um conjunto

de praias.

Na atualidade, o turista procura ampliar o leque de lugares

visitados durante cada uma das suas viagens, movimentando-se mais dentro

daquele raio de ação possível. Até os anos 80, o turista estrangeiro ou oriundo

de outros estados, que visitava o Rio de Janeiro permanecia nos limites da

zona sul, pouco se aventurando para outras áreas da cidade. Decorridos pouco

mais de 20 anos, os turistas que aqui chegam quase sempre incluem na sua

estada visitas às cidades de Niterói, Petrópolis, Itacuruçá (Ilhas Tropicais da

baía de Sepetiba), Búzios e, em alguns raros casos chegam a Paraty.

No caso da região turística das Agulhas Negras, os turistas

tendem a dividir seu tempo de permanência entre algumas das diversas

localidades turísticas que compõem a região. Nota-se uma grande

concentração de fluxos de visitantes entre as localidades de Penedo, Itatiaia e

o Parque Nacional, na sua parte baixa. Já aqueles que optam por Visconde

Mauá circulam pelas diversas vilas como Maromba, Maringá, Mirantão, Santo

Antônio, sem perceber sequer que circulam pelo território de dois estados,

Minas Gerais e Rio de Janeiro, separados pelo rio Preto. Este tipo de

comportamento é fruto de uma combinação de fatores que incluem a melhoria

nas facilidades de transportes e de comunicação e os desejos do turista em

aproveitar sua viagem para conhecer outros lugares, incentivado pelos

55 De acordo com Boullón (1990a), essa relação é uma medida que estabelece a extensão do

caminho que, nessa unidade de tempo, um ônibus ou outro meio de transporte turístico pode percorrer, de maneira confortável para o turista, permitindo a viagem de ida e volta no mesmo dia.

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estímulos da mídia, pelas promoções oferecidas pelas operadoras de turismo e

pela diminuição dos custos das viagens.

Pelo lado dos agentes de mercado a lógica de apropriação dos

espaços pode ser vista a partir de duas situações específicas: aquela na qual

os destinos turísticos são “inventados” e implantados pelos representantes do

capital a partir de grandes investimentos e aquela em que os destinos turísticos

“descobertos” pelos turistas são apropriados por aqueles agentes de mercado

depois de já estarem relativamente conhecidos pelo grande público.

Em ambos os casos, as políticas públicas de desenvolvimento

turístico estabelecidas são fundamentais para a tomada de decisão dos

agentes de mercado. Na prática eles agem diretamente na definição daquelas

políticas, através de suas representações de classes (ABAV, ABIH, dentre

outras) ou individualmente, através de lobistas que atuam junto aos

representantes dos poderes executivos e legislativos. Como já colocamos

anteriormente, atualmente as políticas públicas voltadas para o ordenamento e

a gestão do turismo brasileiro, apesar dos discursos aparentes de

sustentabilidade e processos participativos, voltam-se para o atendimento das

demandas e sinalizações que os grandes agentes do mercado apontam,

adotando um viés economicista, redutor da complexidade dos processos de

turistificação. Os demais agentes sociais envolvidos no fenômeno e na

atividade turística ficam à margem naquelas políticas e suas demandas e

necessidades, quando atendidas, o são em função das conseqüências das

variáveis econômicas do processo. Raramente eles têm participação efetiva

nos processos decisórios das políticas públicas; em grande parte dos casos

suas participações se resumem a algumas pesquisas, a oficinas de

conscientização e capacitação e a fóruns de lançamento de novos programas e

produtos turísticos.

No primeiro caso, quando os destinos são “inventados”, os

agentes do mercado com base em sondagens e estudos técnicos detalhados,

visualizam a potencialidade para implantação de mega-empreendimentos em

áreas próximas a atrativos turísticos ainda não muito divulgados e pouco

valorizados pelo mercado imobiliário, porém capazes de atrair a atenção de

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futuros fluxos de demanda. Com o apoio e o incentivo dos órgãos

governamentais que assumem principalmente, os investimentos necessários

para a implantação da infra-estrutura básica de acessos, redes de

abastecimento de água, energia e de comunicações, surgem destinos turísticos

como Costa do Sauípe (BA), Cancun (Mex), Beto Carrero World (SC),

Disneyworld (EUA)56, direcionados para segmentos específicos de

consumidores, quase sempre de alto poder aquisitivo.

Na segunda situação, os agentes de mercado aproveitam-se do

sucesso de destinos turísticos surgidos de maneira espontânea pela ação dos

turistas do tipo alocêntricos ou pela ação dos representantes da mídia, onde se

instalam ocupando os espaços dos empreendimentos pioneiros, construindo

novos hotéis, locais de entretenimento, oferecendo serviços mais

especializados. Comprovando o proposto pelo ciclo de vida das destinações

turísticas (BUTLER, 1980; 2006), na fase de desenvolvimento os destinos já

são relativamente conhecidos pelos consumidores e o risco dos investimentos

diminui, atraindo aqueles agentes de mercados exógenos que não querem

arriscar por demais seu capital financeiro.

Para esses agentes do turismo, os espaços são apropriados em

razão da garantia do retorno financeiro a partir dos lucros possíveis. Na escala

local, sua espacialidade é sempre pontual (zonal) e depende da localização e

da proximidade dos atrativos turísticos capazes de atrair e manter os turistas e

da disponibilidade de infra-estrutura de acesso e urbana. Sua localização

contribui significativamente para a definição das áreas gravitacionais

(BOULLÓN, 1990a) por onde os turistas irão circular com mais intensidade,

caracterizando o espaço do turismo mais concreto. É comum, nas áreas

próximas e/ou periféricas a esses grandes empreendimentos o surgimento de

áreas residenciais mais ou menos precárias, onde os seus trabalhadores

56 A Disneyworld, localizada no estado americano da Flórida e os resorts da cadeia Club

Mediterranée podem ser considerados os precursores desse tipo de apropriação de espaços em larga escala pelos agentes de mercado, típica da segunda metade do século XX.

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buscam se fixar57 para evitar grandes deslocamentos diários entre o local de

trabalho e sua residência.

Por outro lado, quase sempre esses agentes de mercado são de

grande e médio porte e exógenos ao destino turístico e, por isso, também

seguem uma lógica reticular ao estabelecer ligações verticais com suas

matrizes e com seus fornecedores, especialmente os grandes operadores de

turismo. Graças às articulações diretas com os principais mercados emissores,

podem trabalhar com grandes volumes de negócios, o que lhes permite operar

com preços mais reduzidos e competitivos.

Importante ressaltar que a classificação em grande e médio porte

não necessariamente implica que seus negócios nos destinos turísticos se

materializem em grandes empreendimentos turísticos. A dimensão está

relacionada ao volume e à densidade da rede comercial em que o agente de

mercado se movimenta e se insere. A dimensão física do empreendimento nem

sempre revela a dimensão financeira dos seus agentes. Em alguns casos

podemos identificar “pequenas pousadas”, por exemplo, que estão inseridas

nas grandes redes mundiais, através de diversos artifícios financeiros e

comerciais (franchising, cadeias internacionais, etc.).

Paralelamente, encontramos nos destinos turísticos a presença

dos pequenos empresários locais que, desde a fase inicial do ciclo de vida do

destino, visualizam a possibilidade de investimento das suas pequenas

reservas financeiras e arriscam em negócios voltados para atender a demanda

dos turistas que chegam: pequenas pousadas e restaurantes, serviços de

guiamento, pequenos negócios de entretenimento e lazer. Por já pertencerem à

comunidade dos destinos turísticos, suas formas de apropriação do espaço

para o turismo são basicamente pontuais e zonais. Pelo menos no inicio dos

seus negócios têm dificuldades de “entrar no mercado” e se articular com os

grandes operadores nacionais e internacionais, o que não lhes permite operar

com grandes volumes de negócios, gerando dificuldades para oferecer preços

57 É o caso da comunidade do Vidigal na zona sul do Rio de Janeiro, que cresceu

acentuadamente após a instalação do Hotel Sheraton e da Vila do Frade, em Angra dos Reis, que surgiu com a construção do resort denominado Hotel do Frade, ambos na década de 1970.

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mais competitivos. É comum optarem pela contratação de trabalhadores

residentes na própria área do destino turístico, contribuindo para o não

surgimento de pressões nas áreas habitacionais locais, comuns nos casos dos

grandes empreendimentos que, em sua grande maioria, optam por trazer seus

trabalhadores de outros centros, provocando pequenas correntes migratórias.

Com relação aos agentes de mercado da região das Agulhas

Negras, encontramos um perfil bastante característico. Em sua grande parte os

empreendimentos turísticos da região são de pequeno porte, com

características de empresas familiares, o que faz dos agentes de mercado

empresários do tipo pioneiros que operam há bastante tempo na região. Ao

contrário do que ocorre na região da Costa do Sol do estado do Rio de Janeiro,

onde a cada temporada de verão surgem novos empreendimentos nos lugares

de outros que fecharam, o ciclo de vida dos empreendimentos da região das

Agulhas Negra tende a ser longo, como bem comprovamos no capítulo

anterior, quando elaboramos a evolução do território-rede do turismo a partir da

data de inauguração dos seus meios de hospedagem. Essa característica

contribuiu para o surgimento das associações de turismo de cada localidade

ainda na década de 1980, formada basicamente pelos empresários locais. Não

existe na região nenhum representante das grandes cadeias internacionais de

hotéis ou das grandes operadoras de turismo. Apesar disso, uma parte

considerável dos agentes de mercados da região já se insere nas cadeias

nacionais do turismo e, apesar de trabalharem com pequenos volumes de

negócios, conseguem diminuir os efeitos da sazonalidade nos períodos de

baixa estação.

Outra parte dos agentes de mercado produtores do turismo são

os fornecedores de insumos e serviços para os empreendimentos e empresas

turísticas. Em determinadas situações, na tentativa de otimizar seus custos

operacionais, eles optam por se instalar em áreas periféricas ou próximas às

áreas gravitacionais do turismo, como estratégia para poder continuar

fornecendo seus produtos e serviços sem incorporar os altos custos comuns

aos destinos turísticos, como o preço do solo e os impostos municipais. Esse

comportamento amplia a área sob influência do turismo que tende a se

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estender para além daqueles trechos do espaço por onde circulam os

visitantes, fazendo surgir ou densificando uma área periférica aos espaços do

turismo que, embora não consumida diretamente pelo turista, sofrem

influências diretas de suas ações e reações que se refletem no seu

ordenamento territorial e na sua sustentabilidade.

Para o poder público, a apropriação dos espaços fica limitada

pelos seus limites político-administrativos de atuação e aos interesses dos

projetos políticos dos seus líderes e representantes. Sua intervenção pode ser

indutiva e/ou reguladora, sintetizada pelas políticas públicas de

desenvolvimento turístico. É indutiva quando identificam nos seus territórios

atrativos turísticos que julgam capazes de gerar grandes fluxos de demanda e,

a partir dessa premissa, realizam os investimentos preliminares em infra-

estrutura e divulgação, visando chamar a atenção dos agentes de mercado

para as suas potencialidades. Nesse caso, a ação do poder público pode ser

induzida diretamente pelos agentes do mercado, como colocamos antes, que

são aqueles que realmente identificam os atrativos a serem desenvolvidos e

colocados à disposição do consumo e do mercado.

Esse procedimento indutivo das políticas públicas, conforme

descrito por Hall (2001), vem ocorrendo sistematicamente desde a década de

1950 e variando de intervenções mais contundentes, com grandes

investimentos em obras de infra-estrutura - Languedoc-Roussilon e Cancún,

por exemplo - a liberação de linhas de incentivos fiscais para o capital privado,

passando por ações mais direcionadas à promoção dos seus destinos

turísticos nos mercados emissores.

A espacialidade dessas ações do poder público é nitidamente

zonal, pois raramente ocorre uma seleção ou priorização dos trechos a serem

turistificados, já que optam por tratar como tal todo o seu território de atuação.

Politicamente é muito difícil o estabelecimento de áreas prioritárias para o

desenvolvimento turístico, uma vez que, quase sempre é inviável para os

representantes eleitos pela população, justificar o porquê da priorização dos

investimentos em turismo para determinadas áreas em detrimento de outras.

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No momento atual, o governo brasileiro, por meio do PRT busca

assumir tal postura, mas vem encontrando resistência principalmente no meio

dos parlamentares do Congresso Nacional. Observa-se uma tentativa de

combinação das lógicas zonal e reticular no nível das ações do governo

federal, que ainda podemos classificar como bastante tímida. Ao priorizar 65

destinos turísticos para a ação do Ministério do Turismo para suas ações até

2010, o governo federal assumiu uma lógica de atuação zonal descontínua,

criando um foco de divergências com todos os outros municípios brasileiros

que se sentiram preteridos pelo processo de desenvolvimento turístico do país.

Certamente irão ocorrer pressões por parte dos parlamentares representantes

daqueles municípios, no sentido de obter investimentos do Ministério através

de ementas parlamentares ao orçamento federal.

O mesmo ocorreu no estado do Rio de Janeiro, durante o governo

Moreira Franco (1984-1988), quando a TurisRio criou a campanha “Cidades

maravilhosas do estado do Rio de Janeiro”. Independentemente dos critérios

utilizados para a escolha das tais “cidades maravilhosas”, houve muito protesto

por parte de prefeitos e deputados estaduais e de empresários do setor não

incluídos na área de ação daquele projeto de marketing. A opção política pela

não definição dos espaços prioritários para o desenvolvimento turístico,

principalmente no recorte de atuação dos governos estaduais, explica

parcialmente o uso das técnicas de regionalização que predominam nas

políticas públicas direcionadas para o turismo. Por essa técnica, todo o

território do estado fica classificado como turístico, incluindo mesmo aqueles

municípios sem nenhuma potencialidade para o desenvolvimento turístico, pelo

menos nos horizontes temporais de curto e médio prazo.

Quanto aos trabalhadores diretos e indiretos do setor turístico,

suas lógicas de apropriação dos espaços, portanto de territorialização, são

norteadas por suas necessidades imediatas de obtenção de trabalho, renda e

de moradia. O trabalho e a renda são encontrados nos empreendimentos e nas

empresas turísticas (empregos diretos), localizados no destino turístico ou nas

empresas fornecedoras de insumos para as empresas turísticas, localizadas

tanto no centro como nas zonas periféricas ao destino turístico. Além disso,

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devemos destacar a importância das ocupações na economia informal,

bastante comuns e intensas na grande maioria dos destinos turísticos.

Já a necessidade de moradia quase sempre é suprida nas áreas

periféricas ou em áreas menos valorizadas dos destinos turísticos. No primeiro

caso o trabalhador vê-se obrigado a deslocamentos diários entre seu local de

moradia e de trabalho. Já no segundo caso, ele se sujeita a ocupação de áreas

urbanas próximas ao seu local de trabalho, com baixas condições de moradia,

tanto no que diz respeito à qualidade da moradia em si, como a falta ou baixa

oferta dos serviços urbanos básicos como água potável, coleta e tratamento do

esgoto domiciliar e do lixo, educação e serviços de saúde. Em ambos os casos

constata-se a ampliação dos limites do espaço apropriado para o turismo,

quase sempre ignorada pelas políticas públicas de turismo propostas, assim

como pelos agentes de mercado que indiretamente afetam o turismo.

No caso da região das Agulhas Negras a maioria dos

trabalhadores do turismo reside nas próprias localidades dos empreendimentos

turísticos. Além disso, o predomínio de pequenas empresas faz com que a

mão-de-obra utilizada seja composta pelos próprios familiares, impedindo que

se verifiquem os problemas de ocupações irregulares gerados pela oferta de

empregos no setor, responsáveis pela atração de correntes migratórias

significativas. Apenas na localidade de Penedo observa-se um processo de

urbanização mais precário no bairro Formigueiro, por conta do crescimento

recente do número de meios de hospedagem e restaurantes de turismo

(MASCARENHAS, 2005).

Por fim, a territorialidade da população residente nos destinos

turísticos obedece a outras lógicas específicas, nem sempre relacionados ou

dependentes do turismo. Entretanto, por conta da atividade turística, ela tende

a redefinir seus espaços cotidianos de vida, de circulação e até mesmo de

lazer, muitas vezes isolando ou reservando alguns trechos desse espaço para

os turistas. Na tentativa de afastar-se do incômodo de conviver com o estranho,

o forasteiro, ela se desapega de alguns pontos do seu espaço, tirando-os do

seu entorno e da sua rotina habitual.

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Exemplos disso são alguns pontos ou áreas considerados

turísticos da cidade do Rio de Janeiro e de outras cidades, onde o morador

quase não aparece ou freqüenta, a não ser na função de trabalhador, de

fornecedor de mão-de-obra: Pão de Açúcar, Corcovado, MAC em Niterói, as

praias de Búzios, o centro histórico de Paraty, são alguns exemplos bastante

representativo. Também alguns serviços e instalações específicas podem ficar

restritos ao uso do turista, seja pelos preços praticados seja pelo

distanciamento que mantém com o modo de vida da população local. É comum

identificarmos nos destinos turísticos lojas, centros comerciais, casas noturnas

ou restaurantes onde o morador praticamente não entra e não consome, como

é o caso das lojas de jóias e pedras preciosas da zona sul do Rio de Janeiro e

de alguns restaurantes mais sofisticados, tanto do ponto de vista das suas

instalações como da composição dos seus cardápios.

A partir da chegada do turista e do turismo, os residentes

permanentes redefinem seus espaços de estar e de circular, observando o

estar e o circular do turista. Ora se misturam com eles ora se esquivam e se

afastam, deixando determinados espaços quase exclusivos para os visitantes.

Além disso, para suprir suas necessidades de lazer, estar e viver, acabam por

buscar outras áreas próximas, ampliando seu espaço de vida para as áreas

periféricas ou próximas, criando um espaço de vida paralelo ao espaço do

turismo. Esse fenômeno ainda não é passível de ser observado nas localidades

da região das Agulhas Negras, dado todas serem áreas urbanas de pequeno

porte.

Os processos de apropriação dos espaços gerados por cada um

desses agentes sociais produtores do turismo fazem surgir recortes espaciais

distintos que, ao serem analisados conjuntamente nos possibilitam identificar o

espaço apropriado pelo turismo de maneira mais abrangente. Tais processos

apresentam características e especificidades próprias, mas devem ser

observados e estudados como processos dialógicos, ao mesmo tempo

complementares, concorrentes e antagônicos. O território-rede que resulta da

combinação desses processos específicos de apropriação do espaço contém e

é contido na e pela complexidade do fenômeno turístico contemporâneo,

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entendido como um “exponente del proceso de reorganización espacial de la

producción y el consumo propios del sistema capitalista global” (IVARS, 2003,

p. 19).

O território-rede estabelecido pelos agentes produtores do turismo

na escala local dos destinos turísticos resultante da combinação das relações

estruturais e funcionais com que cada um deles atua, ultrapassa os limites do

território apropriado pelo turista e apresenta especificidades oriundas das

próprias características do fenômeno turístico: descontinuidade espacial,

sazonalidade e flexibilidade. Tal constatação nos leva a admitir que o espaço

apropriado para o turismo seja muito mais extenso que aquele apropriado pelo

turista, fato que não vem sendo levado em consideração pelos gestores de

políticas públicas de turismo.

As concepções clássicas que restringem o entendimento do

espaço turístico aos trechos do espaço onde se concentram os turistas, os

atrativos turísticos e os equipamentos turísticos (MIOSSEC, 1976; BOULLÓN,

1990a; LOZATO, 1990; OMT, 2003), já não são suficientes para explicar a

dimensão espacial do fenômeno turístico atual, que impõe novas relações

sociais e funcionais que reorganizam os territórios dos destinos turísticos, no

bojo das transformações mais amplas do próprio capitalismo global, como

indicamos no capítulo dois. Essa reorganização territorial abrange desde as

novas redes de comunicações que garantem a acessibilidade dos centros

emissores e os novos usos dados ao solo para atender às funções turísticas,

até as relações de concorrência e complementaridade com outros setores e

atividades ali existentes, como bem nos coloca o pesquisador espanhol Josep

A. Ivars:

La necesidad de ampliar el perímetro del área turística desde el punto de vista del análisis espacial encuentra una clara justificación atendiendo a que los efectos territoriales del turismo no se localizan exclusivamente en el área que concentra los establecimientos de acogida y los principales recursos turísticos, sino que afectan a la estructura territorial de un espacio mas vasto que el percibido comúnmente como turístico. (IVARS, 2003, P. 45).

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Entretanto, os estudos, observações e ordenamentos dos

espaços apropriados pelo turismo tendem a considerar como objeto de sua

atenção apenas os trechos do espaço onde o turismo se manifesta

concretamente. Ou seja, apenas onde o turista é visível e atuante. Os modelos

e teorias de espaço turístico apresentados na seção 3.1.2 deste trabalho,

confirmam isto. Tanto o modelo de Miosec (1977) como o de Boullón (1990a),

limita-se a entender o espaço turístico a partir das ações dos agentes do

mercado e dos turistas. Nenhum dos dois inclui explicitamente nas suas

propostas as ações dos demais agentes do fenômeno.

O modelo de Miosec (Figura 6, p.79) estrutura a evolução do

desenvolvimento dos espaços, por ele denominados resorts turísticos, baseado

nas variáveis de transportes e comportamento dos turistas. Apesar de incluir

uma avaliação do comportamento dos indivíduos com poder de decisão e da

população em geral, aquele autor não avança muito na articulação desses

agentes sociais na formação do espaço do turismo.

Boullón (1990a), por sua vez, com uma visão bastante

estruturalista direcionada para o mercado, define o espaço turístico a partir da

localização dos atrativos, dos empreendimentos turísticos e das redes de

acesso estabelecidas entre eles, os centros urbanos de apoio e as áreas

emissoras. Em nenhum momento o autor cita ou inclui explicitamente, os

trabalhadores e a comunidade nas suas discussões.

Entretanto, no nosso entendimento, para a atividade turística

acontecer, diversas ações e reações de outros agentes sociais, além dos

turistas e os agentes de mercado, são necessárias e acontecem em outras

áreas às quais o turista não tem acesso direto ou sequer toma conhecimento

da sua existência. O território-rede funcional estabelecido pelos agentes do

turismo avança para além dos espaços do turista, ampliando sua influência

para uma área periférica, contígua ou não, através de articulações com outras

funções urbanas como a residencial e a comercial.

Isto nos leva a considerar a necessidade de ampliação dos limites dos

territórios-rede do turismo, com a inclusão daquela área periférica responsável

pelo fornecimento de insumos e, principalmente, de mão-de-obra para as

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empresas produtoras e fornecedoras de serviços turísticos. Desenvolvendo

esta proposta, teríamos o território-rede do turismo composto por uma área

turística propriamente dita – core turisticus - e por uma área circundante – zona

periférica - nem sempre claramente definida e, muito raramente, contemplada

pelas políticas públicas de gestão do desenvolvimento turístico (Figura 26).

No interior do core turisticus verificamos a presença e a ação de

todos os agentes sociais produtores e dos elementos constituintes - atrativos

turísticos, equipamentos de recreação e lazer, meios de hospedagem - da

atividade turística. Nele as diversas territorialidades dos agentes sociais

produtores do turismo se superpõem, entre si e com outras territorialidades de

outros agentes de outros setores, densificando aquele espaço com seus fixos e

seus fluxos. Já na zona periférica, composta por áreas urbanas com funções e

usos mistos e por áreas residenciais – contiguas ou não - vamos encontrar a

presença de outros agentes de mercado indiretamente ligados à cadeia

produtiva do setor, da população residente e, principalmente, dos trabalhadores

diretos e indiretos do setor.

Por outro lado, as ações daqueles mesmos agentes produtores

também se voltam para outros destinos turísticos próximos, conforme as suas

demandas ou necessidades. O território-rede funcional conformado nos e pelos

destinos turísticos na escala local, tende a se complexificar e a se ampliar,

aglutinando-se ou sendo absorvido por outros territórios-rede localizados nas

suas proximidades, num processo que nos direciona para a escala regional nos

estudos do turismo contemporâneo. Além disso, o território-rede estabelecido

nos e entre os destinos turísticos mantém também relações com as áreas de

origem dos turistas – áreas emissoras – onde, além deles, encontramos

aqueles agentes de mercado que trabalham diretamente para incentivar e

direcionar os fluxos de demandas para os destinos turísticos.

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Área urbana mista

Core Turisticus

Área urbana residencial periférica

Atrativo turístico

Centros emissores

Meio de hospedagem

Equipamento de entretenimento

Eixo de circulação principal

Eixo de circulação secundário

Aeroporto

Figura 26 – Esquema de território-rede do turismo – escala local Fonte: elaboração própria

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6.2 AMPLIAÇÃO DO TERRITÓRIO-REDE DO TURISMO: ENTRE A ESCALA LOCAL E MICRO-REGIONAL

Apesar de envolver grande parte do mundo atual, o turismo tem o

seu acontecer no espaço local dos destinos turísticos. O turista realiza a sua

experiência no destino visitado onde, simultaneamente, os agentes sociais

locais produzem os serviços que ele consome. É no destino turístico que o

fenômeno turístico se materializa e sobrepõe suas formas fixas e, é sobretudo

ali, que se realizam a produção e o consumo, quase simultâneos, do produto

turístico (FRATUCCI, 2000b), onde é possível verificarmos as interações e

inter-relações entre os seus diversos agentes sociais, em um contato direto,

“face-a-face”, compondo o território-rede onde o turismo se manifesta.

Entretanto, este território-rede do turismo, resultado da

combinação daquele feixe de ações e reações de cada agente social envolvido,

tende a se ampliar e a abranger uma dimensão espacial maior. Na medida em

que os seus agentes sociais passam a buscar e a constituir articulações com

outros destinos turísticos geograficamente próximos, envolvendo outras

localidades circunvizinhas, articuladas pelas suas redes de acessibilidade, de

comunicações, de transportes e econômicas, ampliam aquele território-rede

para a escala micro-regional.

O aumento do número de visitantes provoca a ampliação do

número de agentes de mercado e de trabalhadores, tanto no destino turístico

em si como nos seus arredores e nas áreas emissoras. Novos negócios,

atividades e serviços vão surgindo para atender as necessidades dos turistas

ou para incrementar o consumo de produtos locais como artesanatos,

souvenirs e outros produtos “típicos”. Essa expansão, tanto do número dos

visitantes como dos agentes de mercado, induz à ampliação do espaço

turistificado originalmente. O turista é estimulado, seja por motivações próprias

ou por estímulos externos, a circular mais pelos arredores do destino turístico,

buscando outros atrativos desconhecidos ou diferenciados, enquanto os

agentes de mercado vão buscando oferecer novos motivos para que eles

permaneçam mais tempo e aumentem seu consumo.

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Exemplo recente desse movimento expansionista da turistificação

dos espaços pode ser observado na incorporação da cidade de Guaratinguetá

(SP) ao espaço turístico de Aparecida (SP). A santificação do beato Frei

Galvão e a divulgação de que ele havia estado e vivido durante um período de

tempo em um mosteiro daquela localidade, motivaram o surgimento de um

novo fluxo de turistas que, por já estarem em Aparecida, aproveitam para

visitar aquele local na cidade vizinha, ampliando seu espaço de peregrinação.

Tal acontecimento vem levando os agentes de mercado locais a

se adaptarem rapidamente à nova situação, através da oferta de novos

serviços e produtos para atender à nova demanda, o que gerou o surgimento

de novos empregos e de novas ocupações e a ampliação do território-rede do

turismo em Aparecida (SP). A comunidade de Guaratinguetá (SP) também está

tendo de se adaptar aos novos visitantes e o poder público local, lentamente,

começa a se movimentar para agir e ordenar a nova atividade.

Outro exemplo, também marcante, dessa articulação regional de

destinos turísticos pode ser verificado na região turística da Costa do Sol do

estado do Rio de Janeiro. Até o final da década de 1980, o turista que viajava

para Armação dos Búzios, permanecia durante toda a sua estada naquela

localidade, raramente saindo de lá para visitar outros pontos da região de

entorno.

Atualmente, principalmente através da ação dos agentes de

mercado com apoio da mídia, os turistas são estimulados a visitar a localidade

de Barra de São João e fazer o passeio pelo rio de mesmo nome, assim como

ir até Cabo Frio para compras na famosa rua dos Biquínis, ou a Arraial do

Cabo, onde podem encontrar excelentes pontos para mergulho. Observa-se

nesse caso, uma clara sobreposição dos territórios-rede de cada uma daqueles

destinos turísticos e o surgimento de um território-rede ampliado para a escala

micro-regional. Não apenas ocorrem fluxos de turistas de Armação dos Búzios

para Cabo Frio, Barra de São João e Arraial de Cabo, como também ocorrem

fluxos no sentido inverso, daqueles destinos turísticos para Armação dos

Búzios

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Nessas situações, os destinos turísticos localizam-se próximos o

suficiente para permitir que os turistas circulem entre eles durante as suas

estadas. Desse movimento centrífugo nos deslocamentos dos turistas e nas

ações dos outros agentes produtores do turismo, surgem articulações que

extrapolam os limites locais e avançam para outros destinos, localizados numa

mesma região, ampliando a escala do território-rede do turismo do local para o

micro-regional. Mesmo sem constituir uma região propriamente dita, uma vez

que não apresenta a continuidade territorial que as caracteriza (HAESBAERT,

1997), a articulação desses territórios-rede locais possibilitam a adoção de uma

certa identidade regional, pelo menos do ponto de vista do produto turístico

que, se devidamente estimulados pelas políticas públicas, podem se consolidar

em territórios-rede regionais.

Dessas articulações entre destinos turísticos, territórios-rede

locais de turismo, pode surgir um complexo de relações e articulações

regionais entre seus diversos agentes produtores, constituindo um território-

rede regional (Figura 27). Os fluxos de pessoas (turistas, trabalhadores e

agentes de mercado), de informações e financeiros contribuem para interligar

os destinos turísticos aos centros de apoio (CA), aos centros emissores e a

outras áreas periféricas fornecedoras de insumos, serviços e mão-de-obra para

o turismo, estruturando um território-rede regional de turismo limitado, quase

sempre, pela distância-tempo que define os movimentos de ir e vir diário do

turista (para Boullón (1990a), estabelecido em 2 horas de viagens).

Retomando o referencial do ciclo de vida das destinações

(BUTLER, 1980, 2006), podemos apontar para o fato de que uma das

principais estratégias dos agentes de mercado direcionadas para manter seus

negócios, tem sido a da ampliação das suas áreas de atuação pela

incorporação de novos atrativos turísticos localizados nos arredores do destino

turístico onde estão instalados. Pelo lado dos turistas também é possível

verificarmos uma tentativa de incluir no período de uma mesma viagem, a visita

de vários lugares próximos, o que amplia o espaço apropriado por eles.

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DT1

DT2

DT3

CA

AT

AT

AT

ATAT

Figura 27 – Esquema de Território-rede de Turismo – escala regional Fonte: elaboração própria

Centros Emissor

es

Centros Emissor

es

Centros Emissor

es

Fluxos de turistas Fluxos de trabalhadores

CA – Centro de apoio DT – Destino turístico AT – Atrativo turístico

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264

Por outro lado, parte das populações residentes tanto nos

destinos turísticos como nos seus arredores, identificam nos turistas e, mais

especificamente nos empreendimentos e negócios destinados a atendê-los

durante seus deslocamentos e estada, a oportunidade de emprego ou algum

outro tipo de ocupação que lhes garanta uma renda. Estimulados pelas

facilidades oferecidas pelos sistemas de transportes e de comunicação

existentes, se predispõem a realizar deslocamentos diários para chegar aos

seus locais de trabalho, contribuindo para o surgimento de fluxos diários de

trabalhadores entre os diversos destinos turísticos de uma região e também,

com suas áreas periféricas.

A combinação desses diversos fluxos materiais e imateriais

estabelecidos entre os diversos destinos turísticos e suas áreas periféricas dá

consistência e densidade a um território-rede de turismo regional, que se

mostra mais denso e intenso durante os períodos de alta estação turística e

mais rarefeito, ou mesmo desfeito, nos períodos de baixa estação, exigindo dos

gestores das políticas públicas uma intervenção mais atenta e dinâmica.

O desenvolvimento dos territórios-rede regionais de turismo, de

um modo geral, como pudemos observar no caso da região das Agulhas

Negras, vem acompanhado do surgimento de redes direcionadas para o

melhor aproveitamento dos efeitos multiplicadores da atividade turística – redes

econômicas – ou como forma de resistência das comunidades locais – redes

sociais e políticas –, compondo o que estamos propondo denominar como

redes regionais do turismo.

Observando o que diz Castells (2000, p.498), para quem as redes

eram “estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada, integrando

novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde

que compartilhem os mesmos códigos de comunicação”, somos levados a

considerar como característica básica das redes o seu tamanho. O poder

aparentemente ilimitado de expansão das redes indicado por Castells (2000),

na realidade não é infinito uma vez que o próprio autor o vincula à capacidade

de comunicação entre os componentes e ao compartilhamento dos seus

códigos. Desse modo, no caso das redes regionais de turismo os seus limites

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estão diretamente relacionados com a oferta de infra-estrutura de acesso e de

transportes, uma vez que são limitantes para a principal variável do fenômeno

turístico que é o deslocamento dos turistas entre e pelos destinos turísticos.

Do ponto de vista social tais redes se constituem em conjuntos de

pessoas engajadas na condução de uma ação, ou seja, relacionamentos

sociais com predominância e repetição de certos padrões, durante certo

período de tempo (GARRIDO, 2002). Para Castells a estrutura social em rede

deve ser entendida como “um sistema aberto, altamente dinâmico suscetível de

inovação sem ameaças ao seu equilíbrio” (2000, p. 498).

Por outro lado, Lima (2003) em suas reflexões sobre a

problemática das redes, nos alerta para o fato de ter se tornado comum a

associação entre os termos rede e ordem. Para o autor, as redes mantêm uma

“estrita proximidade com o movimento dialógico que anima a ordem e a

desordem” (ibidem, p. 51), comportando relações dinâmicas que concorrem, se

complementam e, ao mesmo tempo, são antagônicas entre si.

Em suas recentes análises sobre as redes e o turismo, Scottt;

Baggio e Cooper (2008) nos chamam a atenção para o fato do turismo, de um

modo geral, ter sido visto ora como um setor econômico interdependente, ora

como um setor fragmentado e geograficamente disperso, consistindo em

pequenos negocio independentes, com uma alta rotatividade de mão de obra e

operando em um ambiente de negócios bastante instável (ibidem). Nessa

perspectiva, aqueles autores nos alertam para que o desenvolvimento do setor

depende parcialmente de ações e projetos coletivos, indicando as redes como

uma possibilidade para cumprir esse papel. Para eles, uma das razões

primeiras para a ação articulada dos agentes sociais do turismo está no fato de

que muitos dos principais recursos de um destino turístico utilizados para atrair

turistas são de uso comum de toda a (ibidem), o que exige que as decisões

relativas à sua gestão sejam assumidas por todos eles e não apenas pelo

poder público.

Retomando nosso objeto de estudo, os processos de apropriação

do espaço para o turismo, podemos indicar que as características do fenômeno

socioespacial e da atividade econômica gerada por ele, podem ser

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espacialmente visualizadas em territórios-rede na escala local dos destinos

que, avançando para a escala micro-regional, compõem territórios-rede

regionais, a partir dos quais se configuram redes regionais - econômicas,

sociais e políticas - de fluxos e relacionamentos baseadas nos elementos, nos

agentes e nos efeitos do fenômeno turístico. Tais redes, compostas pela ação

e reação de diferentes agentes sociais, podem revelar-se como novas

dimensões de governança possíveis para a gestão e o gerenciamento do

desenvolvimento ou crescimento do turismo, corroborando o proposto por Dias,

que nos orienta que

à tradicional combinação de escalas da organização espacial, segundo o modelo da boneca russa – do apartamento ao prédio, do prédio ao quarteirão, do quarteirão ao bairro, do bairro à cidade, da cidade à região, da região à nação – somam-se novos arranjos institucionais e espaciais que nos desafiam a redefinir as categorias analíticas que utilizamos para representar o mundo (DIAS, 2007, p. 21)

Contudo, convém reforçar que o território-rede do turismo na

escala micro-regional continua sendo marcado pela flexibilidade, sazonalidade

e fluidez dos seus agentes produtores. Ou seja, também nessa escala as

territorialidades compostas pelos diversos agentes produtores do turismo

revelam-se ora reticulares ora zonais, essencialmente descontínuas, compondo

redes de fixos e de fluxos dinâmicas, complexas e principalmente, sazonais.

De acordo com o modelo proposto na Figura 27, o território-rede

regional do turismo estrutura-se e delimita-se pelas redes físicas de acessos,

essenciais para os deslocamentos dos diversos agentes produtores do turismo,

principalmente dos turistas e dos trabalhadores do setor. É a partir da

existência das redes de acesso e do tipo de meios de transportes

disponibilizados que os destinos turísticos se articulam regionalmente e

definem suas densidades e dimensões.

Enquanto os turistas tendem a se deslocar e a circular entre os

diversos destinos (DT) e atrativos turísticos (AT), em busca de atrativos que

lhes propiciem algum tipo de atividade ou experiência peculiar, os

trabalhadores do setor tendem a se deslocar pelos diversos pontos da rede

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regional em busca de novas ou melhores oportunidades de emprego ou

ocupação.

Atualmente, são cada vez mais comuns os deslocamentos diários

dos trabalhadores diretos do setor, entre localidades diferentes, na tentativa de

melhorar sua renda e sua qualidade de vida. Também a valorização do solo

nas áreas turistificadas e a melhoria das facilidades de acesso e de

transportes, contribuem para que os trabalhadores do setor busquem as suas

periferias para instalar suas moradias. Ou seja, a expansão e aglomeração dos

territórios-rede do turismo estimulam o crescimento desses fluxos diários de

trabalhadores entre os destinos turísticos de uma região, assim como também,

ampliam o processo de crescimento e o inchaço das suas áreas urbanas

periféricas.

Também é importante ressaltar o aumento dos movimentos

migratórios de pessoas de outras áreas para os destinos turísticos em

crescimento, em busca de oportunidades de trabalho. Nem todas são

absorvidas pelo mercado local, mas optam por ali permanecer, na esperança

de conseguir um emprego ou uma ocupação, contribuindo para a expansão

das áreas periféricas daqueles destinos turísticos. Esse fenômeno pode ser

observado na periferia da cidade do Rio de Janeiro, mas também é mais visível

nas áreas periféricas de destinos turísticos como Armação dos Búzios, Porto

Seguro, Penedo, Angra dos Reis, para citar apenas alguns mais conhecidos.

Os agentes de mercado, por sua vez, apesar da aparente fixidez

dos seus empreendimentos, ao perceberem as possibilidades de incorporação

de novos atrativos aos seus produtos, logo iniciam o estabelecimento de

contatos com outros agentes de mercado no intuito de ampliar suas margens

de lucro. Esses contatos vão permitir o estabelecimento de redes regionais de

negócios, conhecidas na literatura econômica como clusters ou arranjos

produtivos, estruturadas a partir de objetivos e objetos econômicos comuns a

todos os agentes da atividade turística. Em virtude da sua maior agilidade de

ação, os agentes de mercado sempre se antecipam às ações dos demais

agentes do turismo, impondo sua lógica de apropriação dos espaços e dos

demais recursos. Portanto, a ampliação dos territórios-rede do turismo tem nos

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agentes de mercado seu indutor primário e mais ativo que, na busca por novas

oportunidades de ampliação da sua lucratividade, incorporam novas áreas e

atrativos ao seu negócio. Os turistas, por sua vez, também induzem a

ampliação dos espaços apropriados para o turismo na medida em que sempre

querem acrescentar algo novo às suas experiências vividas durante seus

deslocamentos e permanências fora dos seus locais de residência habitual.

A partir da análise da nossa área de estudo, a região turística das

Agulhas Negras, podemos indicar que o território-rede regional estabelecido

pelos diversos agentes produtores do turismo mostra-se ainda em formação,

tendo em vista que a intensidade e a articulação entre alguns deles ainda são

quase efêmeras e pouco visíveis. Entretanto, tanto os turistas como os agentes

de mercado já têm suas territorialidades regionais bastante visíveis e marcadas

naquela região, permitindo-nos mapear, ainda que de forma inicial seus fluxos

e seus fixos (Figura 28).

Por esse esquema preliminar, fica bastante caracterizado que os

espaços apropriados pelo turismo concentram-se em três áreas contíguas ao

Parque Nacional do Itatiaia e, quando permitido pelo plano de manejo do

mesmo, superpõem-se a ele. Essas três áreas – Visconde Mauá, Penedo e

sede do Parque Nacional – graças às relativas facilidades de acessos entre

elas, convivem com um fluxo expressivo de turistas que circulam entre elas,

porém, ainda sofrem com a carência de elementos básicos de infra-estrutura,

como a pouca oferta de serviços bancários (fixos ou do tipo 24 horas), na

maioria das localidades, concentrando os fluxos financeiros na cidade de

Resende. A presença da rodovia Presidente Dutra margeando

longitudinalmente toda a região, possibilita a comunicação com os principais

centros emissores do país, mas também trás a disputa do espaço com a

atividade industrial, bastante presente ao longo de toda rodovia e nas cidades

de Resende e Porto Real.

O CONRETUR, depois de dez anos de atuação vem se abrindo

para novos parceiros, como é o caso da Federação das Associações de

Moradores de Itatiaia. Isto parece indicar uma decisão de inclusão no

Conselho, de outros agentes sociais, além dos agentes de mercado e do poder

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Serrinha

Visc. de MauáMaromba

Maringá-MG

Maringá

Mirantão

Santo Antonio

Penedo

Agulhas Negras

Fumaça

Eng. Passos

Parque Nac. Itatiaia

Resende

Itatiaia

Porto Real

Quatis

Bairro São Geraldo

Fluxos de turistas Fluxos de trabalhadores Fluxos financeiros

Figura 28 – Território-rede da Região das Agulhas Negras – 2008 – esquema preliminar Fonte: Elaboração própria

Centros Emissores SP

Centros Emissores Rio de Janeiro

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público, o que pode vir a fortalecer as redes sociais, políticas e econômicas que

começam a se estruturar a partir do fenômeno turístico regional.

O fortalecimento dessas redes parece sinalizar para a

necessidade de uma mudança nas estruturas organizacionais responsáveis

pela gestão do turismo regional, uma vez que as políticas públicas atuais,

quase sempre centralizadas e de cima para baixo, vêm se mostrando

ineficazes ou, na melhor das hipóteses, parciais para o ordenamento e a

gestão de um setor tão ativo e complexo como é o do turismo atualmente

ocorrente naquela região turística.

6.3 POTENCIALIDADES DAS REDES REGIONAIS PARA AS POLÍTICAS

PUBLICAS DE TURISMO

A crise do capitalismo na década de 1970 provocou uma

alteração no regime de acumulação fordista (caracterizado pela oferta massiva

de produtos, economia de escala e aumento crescente da produtividade) para

outra forma classificada como pós-fordista onde predomina a acumulação

flexível, economia de escopo e aprofundamento dos processos de circulação

do capital, das informações e das mercadorias. Nesse novo cenário, a

utilização do conceito de “economia de rede” indica um caminho mais

apropriado para a compreensão dos processos dos sistemas da maioria dos

setores econômicos (SILVEIRA, 2007). As redes, entendidas como

instrumentos de análise das novas articulações e conexões que os agentes

sociais estabelecem entre si e com outros setores, caracterizam-se pelas

complementaridades, os antagonismos e as concorrências dinâmicas geradas

pelas ações de cada um deles e também pelas ações e decisões tomadas

coletivamente, por todos ou por parte deles.

Como vimos anteriormente, diante da complexidade das relações,

dos fluxos e das ações dos agentes sociais do turismo, o estudo e a análise

dos territórios-rede por eles produzidos ganham mais consistência quando

observadas na escala regional. Hall (2001) nos lembra que a análise

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concentrada no destino turístico – centrada na escala local – não pode estar

descolada das questões relacionadas com “processos que ocorrem em outras

meta e micro escalas e relacionamentos com coisas alheias ao destino embora

na mesma escala de análise” (2001, p. 137). Isto nos aponta que os destinos

não podem ser vistos ou analisados isoladamente, tendo em vista que “estão

inseridos em uma complexa rede de relacionamentos socioculturais,

econômicos, políticos e ambientais (ibidem, p. 137).

Para muitos autores, dentre eles Ivars (2003), é necessário

diferenciarmos a gestão dos espaços turísticos da gestão dos municípios.

Sobre o espaço turístico incidem as decisões de outros agentes sociais além

do poder público e, portanto, este último não deve agir sozinho nas decisões de

gestão daqueles espaços. A gestão municipal está apoiada no marco

institucional e legal da organização territorial da Constituição Federal vigente,

enquanto a gestão dos espaços turísticos está vinculada ao feixe de decisões e

de ações de seus diversos agentes sociais para quem os limites municipais

não são, ou necessitam ser, observados ou respeitados.

Além disso, é essencial e urgente fugir da dicotomia global↔local

que predomina nas discussões atuais relativas às formas e escalas de gestão

dos processos políticos e de desenvolvimento turístico. Como nos propõe

Boaventura de Souza Santos, precisamos reconstruir ou reinventar “um

espaço-tempo que favoreça e promova a deliberação democrática” (1999,

p.58), onde seja possível caminhar para um processo de regulação e

ordenamento dos espaços turistificados que garanta a participação e

emancipação plena de todos os agentes sociais neles envolvidos.

Segundo aquele autor, o novo contrato social “não pode confinar-

se ao espaço-tempo nacional estatal e deve incluir igualmente os espaços-

tempo local, regional e global” (ibidem, p.60), o que confirma nossa tese de que

as políticas públicas de turismo não podem mais ser definidas, implementadas

ou impostas apenas a partir das lógicas dos nossos diversos níveis político-

administrativos atuais (federal estadual e municipal). A complexidade das

relações e das interações do fenômeno turístico contemporâneo exige a

definição de novos recortes espaciais para a sua regulação. As articulações

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cada vez mais intensas entre os territórios-rede do turismo apontam para as

redes regionais de relações e inter-relações constituídas pelos e entre seus

agentes sociais, indicando para uma nova dimensão espaço-tempo complexa

de governança do setor.

Essa nova dimensão espaço-tempo, delimitada e definida pelos

territórios-rede dos diversos agentes sociais do turismo, constitui-se em novas

estruturas organizacionais público-privadas voltadas para a gestão do interesse

coletivo daqueles agentes, funcionando como fóruns de negociação e de

produção de políticas e projetos pensados estrategicamente a partir da região e

não dos interesses específicos de um grupo dominante.

Nas palavras da socióloga Tânia Zapata (2008)

a governança democrática torna-se fator de competitividade do território [no nosso caso, do território-rede] porque a gestão de conflitos, a construção de consensos e o ambiente de confiança entre os atores [para nós agentes sociais] facilitam a cultura empreendedora, a inovação e a construção de uma agenda pactuada de mudanças, de pró-atividade dos sujeitos sociais através de idéias inovadoras, projetos coletivos, novos negócios e empreendedorismo social.

As políticas são sempre resultado de decisões deliberadas a partir

de um conjunto de alternativas propostas para solução de determinados

dilemas ou questões de comunidades específicas. Assim, elas incluem as

ações, as inações, as decisões e as não decisões (HALL, 2001) dos governos

e dos governantes. Para tornarem-se públicas devem ser fruto de um amplo

processo, aberto, democrático e inclusivo que observe e respeite as práticas

sociais existentes nas comunidades onde serão implementadas. Políticas

decididas nos ambientes fechados de gabinetes de autoridades do governo

não podem ter e não ganham o status de políticas públicas, limitando-se a

serem políticas de governo. Além disso, as políticas públicas devem comportar

princípios articulados com uma visão de longo prazo e não apenas

constituírem-se de um somatório de programas e projetos arranjados de acordo

com os interesses de curto e médio prazo dos governantes.

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No âmbito das políticas específicas para o turismo podemos

observar que, no Brasil, elas somente se tornaram suficientemente coerentes,

coordenadas e exeqüíveis a partir de 1992, quando o governo federal decidiu

assumir, pelo menos do ponto de visto da economia, o caráter estratégico do

setor turístico. Entretanto, é preciso destacar o caráter essencialmente

governamental dessas políticas, todas resultado dos projetos políticos de cada

grupo de governo e, portanto, direcionadas pelos objetivos e interesses dos

seus representantes. Em suma, antes de serem políticas públicas, são políticas

de governo e como tal, ficam mais sujeitas às descontinuidades marcadas por

cada ciclo governamental.

Como vimos no capítulo quatro, a descentralização da gestão do

turismo no nosso país, iniciada com a implantação do PNMT no período do

governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), de certa maneira continua

se constituindo no eixo central das políticas federais do setor até o momento

atual. A aparente ruptura proposta em 2003, pelo Plano Nacional de Turismo

do primeiro ciclo de governo do presidente Lula, representada pela extinção do

PNMT e instituição do PRT, apenas confirmou a opção política do governo

federal pela descentralização.

Porém, é importante ressaltar que essa aparente descentralização

trouxe embutida a manutenção do predomínio do poder central. Apesar dos

dois programas citados incluírem propostas de estímulo à formação de redes

locais e regionais para a gestão participativa do desenvolvimento do setor,

ambos continuam baseados na “relação centro-periferia, onde o centro é o

elemento ativo ou sujeito da relação” (ENDRES, 2003, p. 235), o que mantém o

poder do governo federal sobre todo o processo.

Ambos os programas, PNMT e PRT, têm seu foco estratégico no

estímulo ao desenvolvimento turístico a partir da escala local. Enquanto o

PNMT buscava agir nos processos de articulação e organização dos diversos

setores locais, públicos e privados, envolvidos com a atividade turística, o PRT

volta-se mais para a estruturação e formatação de produtos turísticos regionais

com qualidade suficiente para competirem nos mercados atuais.

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Dito de outra forma, o processo de municipalização do turismo

preocupava-se mais com a organização dos diferentes nichos do setor –

associações, fóruns, conselhos - enquanto o PRT voltou-se mais para a

organização da cadeia produtiva do setor nos espaços regionais. O primeiro

objetivava mais a organização institucional e administrativa do setor na escala

dos municípios; o segundo interessa-se pela organização competitiva do setor

na escala regional.

Pessoalmente acreditamos mais na complementaridade e na

continuidade daqueles processos do que na incompatibilidade entre as duas

propostas. As propostas do PNMT, se tivessem tido continuidade e sido

atualizadas a partir de avaliações regulares e consistentes, certamente teriam

avançado da escala municipal para a regional. Tão logo estruturada e

organizada a célula político-administrativa dos municípios, através de seus

conselhos e fundos municipais de turismo, a demanda pela necessidade de

articulação com seus municípios vizinhos iria vir à tona, pois como já

afirmamos o turismo e especialmente o turista, não se preocupa ou respeita os

limites, quase sempre imperceptíveis e simbólicos, das fronteiras municipais. O

caso do CONRETUR da região turística das Agulhas Negras ilustra bem o que

estamos colocando aqui.

Talvez, a maior falha da descontinuidade política ocorrida entre o

PNMT e o PRT esteja no fato dos criadores e executores do segundo terem

demorado a perceber o quanto os resultados do primeiro lhes eram essenciais.

A articulação de dois ou mais municípios circunvizinhos em uma região turística

só é possível de ocorrer de forma consistente e sustentável, se todos eles já

estiverem com suas estruturas locais minimamente organizadas. Um conselho

ou consórcio regional de turismo só terá condições para se consolidar se

estiver baseado em conselhos ou fóruns municipais fortes e atuantes.

A articulação regional necessita ser precedida por um processo

de articulação municipal, segundo um processo endógeno iniciado na escala

local. A não observância desse ponto está diretamente relacionada com a

continuidade do poder de decisão do centro, ou seja, a descentralização ocorre

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gerenciada pelo Estado e não como fruto de processos participativos

endógenos consistentes e duradouros.

O surgimento e o desenvolvimento de tais processos

participativos endógenos culminam no desenvolvimento de redes locais e

regionais de relacionamentos, estruturadas nos pilares básicos da

solidariedade e da confiança entre seus participantes (HALL, 2001). Tais redes

regionais poderão contribuir para a governança do desenvolvimento turístico no

caso de serem fruto de processos democráticos, participativos e inclusivos,

dentro daquilo que Souza Santos (1999) classifica como um “espaço-tempo”

favorável à promoção das deliberações democráticas.

Nesse contexto de revisão do papel de cada agente social do

turismo nos processos de apropriação dos espaços para o turismo, as redes

regionais estabelecidas por eles e entre eles podem propiciar uma nova

instância de governança para o desenvolvimento do setor. A organização,

formal ou informal, dessas redes em conselhos, consórcios ou outro tipo de

fórum de agentes sociais, pode possibilitar o desenvolvimento de política

públicas mais específicas e mais diretamente articuladas com as necessidades

e características do setor turístico.

Esses novos fóruns regionais de discussão e deliberação sobre

os processos de desenvolvimento turístico podem possibilitar a gestão mais

equilibrada dos interesses e necessidades de todos os agentes sociais

envolvidos e interessados, na medida em que abrangem os limites dos

territórios-rede definidos por eles e não ficam restritos aos limites político-

administrativos dos municípios. Assumindo o papel de uma nova estrutura

organizacional de governança público-privada, as redes regionais poderão

aumentar o ganho de produtividade e de competitividade dos destinos turísticos

envolvidos a partir da melhor gestão do uso dos recursos comuns a todos os

agentes sociais envolvidos. Além disso, através de suas ações e projetos

coletivos será possível um melhor monitoramento dos impactos ambientais,

sociais e culturais gerados pelo fenômeno e pela atividade turística e contribuir

para uma melhor redistribuição desses impactos entre todos os agentes sociais

envolvidos.

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No caso do CONRETUR, no momento atual o que presenciamos

ainda é a construção de uma rede técnico-econômica, coordenada pelos

agentes de mercado da região das Agulhas Negras, com o apoio e o incentivo

dos agentes representantes dos diversos níveis do poder público. Ainda não

pode ser assumida como uma rede regional de turismo capaz de cumprir com a

função de efetiva instância de governança público-privada do turismo regional.

Para que isto seja possível, torna-se necessário que aquele fórum se abra para

a participação dos demais agentes sociais interessados no desenvolvimento

turístico regional e inclua as demais dimensões do fenômeno turístico em suas

estratégias e projetos, principalmente, a dimensão espacial, a partir da

incorporação das territorialidades de todos aqueles agentes sociais envolvidos.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Destinos são lugares nos quais as pessoas vivem, trabalham e se divertem. Se temos intenções sérias de tornar esses lugares sustentáveis, devemos tratá-los como um conjunto completo de relacionamentos e redes que são. (HALL, 2001, p. 216).

Partimos do entendimento de que o turismo contemporâneo é um

fenômeno socioespacial complexo, gerador de um dos setores econômicos

mais dinâmicos da atualidade e impulsionador dos processos de globalização,

para analisar como as políticas – públicas e privadas – dos seus agentes

sociais produtores vêm sendo articuladas e implementadas, ou não, pelos

diversos processos de gestão dos territórios apropriados para o turismo. No

jogo dialógico que se estabelece no acontecer tanto do fenômeno como da

atividade turística, observamos um leque de relações antagônicas, mas ao

mesmo tempo complementares e conjugadas. Como apontamos no capítulo

segundo, o fenômeno turístico surge de encontros aleatórios – intencionais ou

não - entre diversos agentes sociais que, dentro de uma aparente desordem

inicial, articulam um feixe de ações, relações e interações modificadoras do

comportamento ou a natureza dos elementos, corpos, objetos ou territórios

envolvidos.

Não é possível, portanto, limitar a análise e o estudo do turismo

contemporâneo à sua dimensão econômica. É necessário ampliarmos os

pontos de vista desse estudo, incluindo outras questões bastante diversas

como a relação dialética tempo livre – tempo de trabalho; os fatores

motivadores dos deslocamentos temporários de indivíduos ou de grupos

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humanos; o modo como esse viajante temporário percebe e apreende as

paisagens pelas quais circula e, conseqüentemente, se territorializa

temporariamente; além daquela que inclui a transformação das viagens dos

turistas em mercadoria, pelo capital.

Visto como uma prática social que remonta ao início da civilização

ocidental, o turismo comporta possibilidades de encontros de alteridades

distintas, a partir dos deslocamentos espaciais de pessoas (individualmente ou

em grupos) para outros locais fora das suas áreas de atuação cotidiana.

Entretanto, nem sempre esses encontros ocorrem plenamente; o visitante, na

grande maioria das oportunidades, ainda prefere não se relacionar com o grupo

visitado, optando por apenas “olhar” passivamente o lugar visitado, como se

este fosse o cenário de um espetáculo. Para ele, não há desejo de

envolvimento e de participação com o cotidiano do lugar visitado.

Por outro lado, nas últimas décadas do século XX observa-se

uma mudança comportamental nos turistas durante suas viagens e estadas

nos destinos turísticos visitados. Parte daqueles que compõem os crescentes

fluxos de turistas nacionais e internacionais, começa a revelar interesse em

trocar informações com os visitados. Inicialmente de forma tímida, apoiados

principalmente pelas orientações e pelos novos paradigmas do movimento

ambientalista, os turistas passam a “exigir” dos operadores de viagens e dos

demais agentes produtores da atividade turística, oportunidades de contato ou

mesmo de envolvimento mais direto com a realidade cotidiana dos destinos

turísticos. Pela ótica dos agentes de mercado, o cliente – o turista – torna-se

conhecedor dos seus direitos de consumidor, passando a optar por produtos

turísticos que incluam, além da qualidade dos equipamentos e serviços,

cuidados com a sustentabilidade dos recursos utilizados e, principalmente, com

o respeito às populações permanentes dos destinos turísticos. Ou seja, uma

parte cada vez mais significativa dos turistas atuais não aceita consumir

passivamente pacotes turísticos pasteurizados e homogeneizados, nos quais o

imprevisto é eliminado completamente. Mesmo sem desejar correr grandes

riscos, esse novo turista contemporâneo, mais articulado política e socialmente,

ansia pelo inesperado e pelo novo, que lhe propicie a concretização de uma

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experiência e de uma vivência de momentos únicos, ímpares e, se possível,

inesquecíveis para a sua história pessoal de vida.

Nesse contexto, o desejo de aprofundar o entendimento dos

processos de apropriação do espaço pelos agentes sociais produtores do

turismo, por meio da sua turistificação sinaliza para a necessidade de

avançarmos no estudo das relações que o turismo, como fenômeno

socioespacial e atividade econômica de destaque na contemporaneidade,

mantém com as manifestações do capital. As dimensões do capital

incorporadas pelo turismo podem ser analisadas a partir do jogo dialógico

estabelecido entre o tempo livre e o tempo de trabalho, em que diversas ações

e interesses se complementam, se contradizem ou, simplesmente, concorrem

num acontecer simultâneo. O capital, na sua ânsia constante de reprodução, se

apropriou do tempo livre conquistado pelos trabalhadores e o transformou em

tempo de consumo, transformando a recreação, o lazer e a viagem em

necessidades básicas do homem para a sua auto-preservação.

O turismo na sociedade de consumo contemporânea transformou-

se, então, em uma prática social, econômica e cultural que vem contribuindo

para os processos de diferenciação social entre os elementos do mesmo grupo

e entre os diversos grupos sociais, afastando-se totalmente do conceito de

lazer clássico. Para acontecer, essa prática social consome trechos do espaço

que pela ação dos seus diversos agentes sociais, passam a ser turistificados.

O processo de turistificação dos espaços, defendidos por autores como Knafou

(1996) e Nicolàs (1989) compreendem, portanto, tanto o processo de

apropriação pelo turista como o de dominação pelos agentes econômicos e

pelos agentes de governo de certos trechos do espaço.

Para nós, tal processo produz um amálgama entre a lógica da

produção imposta pelos agentes econômicos e a lógica do lazer dada pelo

turista. Tudo isto ocasiona o reordenamento dos espaços turistificados,

podendo trazer conseqüências negativas como o crescimento urbano caótico e

o aparecimento de conflitos internos nos grupos sociais locais e nas suas

relações com os visitantes e com os agentes do mercado que ali se instalam.

Contraditoriamente, essas conseqüências negativas não são bem-vindas para

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nenhum dos agentes sociais envolvidos, na medida em que ajudam a afastar

os visitantes, diminuindo a produtividade do setor, o número de empregos

gerados, a arrecadação de impostos e minimizando os tão destacados efeitos

multiplicadores do turismo.

A princípio, a regulação e normatização dos processos de

ocupação e (re)ordenamento dos territórios apropriados para o turismo

competem ao poder público, a partir do estabelecimento de políticas públicas

que definam as diretrizes para tais processos, preferencialmente ouvindo os

demais agentes sociais envolvidos, incluindo as representações das

populações residentes nas áreas receptoras. Entretanto, o acompanhamento

do processo de turistificação da região turística das Agulhas Negras, nos

mostrou que raramente aquelas políticas públicas conseguem cumprir essa

tarefa, por não incluírem no seu bojo, as ações e reações de todos os agentes

sociais produtores dos espaços turísticos. A turistificação dos espaços no Brasil

tem ocorrido, quase sempre, de forma espontânea e sob a coordenação dos

agentes de mercado que, identificando novas oportunidades de investimentos,

se antecipam e impõem a sua lógica para todos os demais agentes sociais

envolvidos.

Nos últimos 30 anos, apoiados no modelo neoliberal hegemônico

reinante na maioria dos Estados, os governos têm se apropriado do turismo

apenas pela sua dimensão econômica, privilegiando os agentes do mercado

em detrimento dos demais. De um modo geral, as políticas públicas

direcionadas para a gestão do turismo vêm sendo norteadas apenas pelas

dimensões econômica e mercadológica do setor, não contemplando outras

dimensões relevantes para o cotidiano das áreas receptoras e das áreas

emissoras, como aquela relacionada com a espacialidade do turismo. O

espaço é tido apenas como suporte e “matéria prima” para a atividade

econômica, deixando bem visível a priorização dos interesses dos empresários.

Os demais agentes sociais não têm seus interesses e necessidades

contemplados pela maioria daquelas políticas públicas, mesmo quando os

discursos, aparentemente, apontam para isso.

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É oportuno recuperar aqui nossa proposta, desenvolvida no

capítulo terceiro e concluída no capítulo sexto, relacionada aos agentes sociais

produtores do turismo contemporâneo. Contrariando alguns autores,

entendemos ser preciso nos afastar da separação cartesiana entre sujeito e

objeto, para apreender o turismo como um fenômeno socioespacial que tem no

seu cerne não apenas um agente social gerador, mas sim diversos agentes

sociais que colaboram para a sua construção e seu acontecer. Para nós, tais

agentes sociais são, ao mesmo tempo, ativos e passivos; suas ações e

reações estabelecem uma trama reticular complexa fortemente espacializada,

composta pelos pontos emissores, pelos pontos receptores e pelas suas linhas

de conexões, que se superpõem às outras redes de relacionamentos,

sincronicamente, densificando e turistificando o espaço onde ocorrem.

A revisão da história recente das políticas públicas de turismo

brasileiras desenvolvida no capítulo quarto deste trabalho, com especial

atenção para a dimensão espacial do turismo, nos estimulou a uma análise das

diferentes formas e propostas de compreensão e ordenamento territorial do

turismo contido nelas. Tal reflexão nos permitiu identificar diversas

convergências e divergências existentes entre aquelas políticas e elencar uma

série de indagações sobre o atual estado da arte da gestão pública de turismo

no Brasil, a partir da nossa participação direta, durante mais de vinte anos, na

aplicação de muitas delas no território do estado do Rio de Janeiro.

Tendo como base de análise as políticas públicas de turismo

estabelecidas a partir de 196658, entendemos ser possível definirmos dois

períodos distintos nos processos de institucionalização do turismo no país: o

primeiro de 1966 a 1986 e o segundo, de 1994 até o momento atual, separados

por um momento que pode ser considerado de transição entre 1986 e 1994.

Esta periodização tem o único intuito de possibilitar a análise de maneira mais

objetiva e não pode, nem deve, ser confundida com uma tentativa de divisão

rigorosa do processo histórico recente do desenvolvimento do turismo no país.

58 Este recorte temporal estabeleceu-se com base em nosso entendimento de que a primeira

política pública específica para o turismo foi editada naquele ano, com a criação do CNTur e da EMBRATUR.

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A separação em períodos propiciou-nos apenas reunir acordos e desacordos

entre aquelas políticas objetos do nosso presente estudo.

Durante o primeiro período proposto (1966-1986) observamos a

falta de articulação política entre os diversos projetos e programas

estabelecidos pelo CNTur e desenvolvidos pela EMBRATUR. Na realidade tal

desarticulação já pode ser percebida na superposição e nos conflitos entre as

competências e as atuações daqueles dois organismos federais. Em certos

momentos foi a EMBRATUR quem elaborou e propôs as normas para o

turismo brasileiro, deixando para o CNTur o simples papel, quase burocrático,

de aprovar e editar aquelas normas, na forma de resoluções normativas. O

modelo governamental imposto pelo regime militar propiciava a relação

conflituosa entre diversos níveis do poder executivo federal que, sem o

acompanhamento e controle do legislativo, agiam de maneira isolada e

desarticulada.

O período entre 1986 e 1994 pode ser considerado, do ponto de

vista da gestão do desenvolvimento turístico brasileiro, como de transição.

Entretanto, deve-se cuidar para não minimizar sua importância e relevância

para a compreensão do período subseqüente. A ruptura com a centralização e

o autoritarismo do período do regime militar não foi brusca; pelo contrário, deu-

se de forma bastante lenta. Ainda hoje, é possível observarmos alguns hábitos

(ranços?) daquele regime nos procedimentos de certos órgãos públicos e entre

determinados políticos atuais.

Durante esse período, o ponto crítico central nas definições das

políticas públicas brasileiras foi a opção pelo modelo neoliberal, defendido e

recomendado pela OMT como o mais adequado para o desenvolvimento do

setor turístico mundial. Tal modelo apresentava, naquele momento histórico,

como ponto fundamental, a ampla desregulamentação do setor turístico, com o

fim da ingerência do setor público e a entrega das decisões para os agentes de

mercado (HALL, 2001; BENI, 2006).

No caso brasileiro isto ocorreu de forma bastante incisiva, talvez

possamos dizer até dramática. A assinatura do Decreto-lei nº 2294, de 21 de

dezembro de 1986, tornou livre a atividade turística no país,

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independentemente de qualquer autorização prévia. Esta posição foi reforçada

pelo artigo 170 da Constituição Federal de 1988 que “assegura a todos o livre

exercício de qualquer atividade econômica, independente de autorização de

órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.” (FERRAZ, 1992, p.25).

A desregulamentação instituída pelo citado decreto-lei foi recebida

pelo mercado com euforia, como podemos verificar nos anais dos congressos

da ABAV de 1987 e 1988. Entretanto, pouco tempo depois, os mesmos

empresários que haviam trabalhado e apoiado a desregulamentação do setor,

viram-se obrigados a solicitar a intervenção estatal para controlar o surgimento

de forma quase exponencial, de empresas e negócios turísticos59.

Nos dois anos do governo Fernando Collor, o Estado voltou a

intervir no setor turístico, não mais como agente regulador e fiscalizador, mas

como fomentador do turismo pela implantação de projetos indutores de

desenvolvimento denominados de pólos de desenvolvimento ou PRODETUR.

Nessa ação específica, o governo federal atuou fortemente no (re)ordenamento

do espaço turístico nacional, a partir da priorização dos investimentos na infra-

estrutura de apoio em trechos do litoral nordestino, visando induzir o

deslocamento dos fluxos de investimentos privados para a região Nordeste do

país. Desta forma, o papel do Estado no turismo ganhou outra roupagem e

dimensão, demonstrando claramente sua dependência e/ou subserviência aos

agentes de mercado, especialmente àqueles vinculados ao capital

internacional. As políticas públicas passaram a priorizar as “necessidades” do

mercado, em detrimento de um projeto de desenvolvimento mais abrangente e

duradouro. Para conseguir atrair os investimentos privados, o Estado fornecia a

infra-estrutura básica para viabilizá-los, abrindo mão de parte das suas

competências e atribuições para privilegiar aqueles agentes específicos.

Com a posse de Fernando Henrique Cardoso a gestão do turismo

nacional ganhou novos rumos e novos projetos. A primeira grande alteração

59 Exemplo disso foi o caso das agências de viagens existentes no estado do Rio de Janeiro:

antes do decreto-lei 2294/86 não chegava a 2000 o total de agências em operação no estado; dois anos depois esse número havia ultrapassado a marca de 10.000 agências, em sua grande maioria de pequeno porte, popularmente conhecidas como “Maria’s tour”, em razão de terem sido originadas pela formalização do trabalho desenvolvido pelas guias de turismo do sexo feminino.

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institucional foi a elevação da gestão do setor para o nível ministerial, com a

criação do Ministério dos Esportes e do Turismo. Independentemente da

aparente contradição entre esses dois setores, pela primeira vez o país passou

a ter uma política nacional de turismo definida, objetiva e amplamente

divulgada.

Além disso, concretizou-se uma alteração bastante significativa na

gestão política do setor com a implantação do PNMT e do processo de

descentralização daquela gestão. Em 2003, o turismo ganhou o status de

ministério exclusivo e a política nacional do setor passou a ser norteada pela

estratégia central de desenvolvimento de “produtos regionais” dentro de um

amplo processo de regionalização, orientada pelo PRT. Em 2007, o PRT

definiu as regiões consideradas prioritárias para o turismo nacional e, em 2008,

indicou os 65 destinos priorizados até 2010 para assumirem a função de

modelos indutores para o desenvolvimento turístico regional.

Em uma leitura transversal de todas as políticas, programas e

projetos direcionados para o desenvolvimento turístico nas últimas quatro

décadas, foi possível identificarmos alguns pontos e/ou focos que vêm sendo

mantidos, mesmo que não de forma intencional, explícita ou sistemática:

a. Desde a instituição da área do litoral Rio-Santos como “Zona

Prioritária de Interesse Turística”, (resolução CNTur nº 413/73) e o

desenvolvimento do Projeto Turis (1974), as diretrizes do governo

federal vêm sinalizando para a importância e a necessidade do

ordenamento dos espaços apropriados ou apropriáveis para o

turismo, sem contudo implantar ações efetivas para tanto;

b. Dadas as dimensões e as características do país, em diversos

momentos, por meio de vários projetos, deixou-se clara a

necessidade da identificação e do ordenamento dos trechos

prioritários do território nacional para o desenvolvimento turístico:

projeto Turis (1974); identificação do espaço turístico nacional

(1979); pólos de desenvolvimento turístico (década de 1990);

municípios prioritários para o desenvolvimento turístico; regiões

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turísticas prioritárias (2003); e pólos indutores do desenvolvimento

regional (2007);

c. A concordância de que para a definição dos espaços prioritários do

turismo é fundamental a realização do inventário da oferta turística

do país, projeto iniciado em 1983 e, até hoje, não implantado

plenamente, por conta de uma série de razões de ordem técnica e

política.

Contudo, entendemos que a dimensão espacial tão cara para o

turismo e, principalmente, para o ordenamento dos espaços apropriados pelos

seus agentes sociais, ainda não foi contemplada como deveria por aquelas

políticas, que continuam não levando em consideração a complexidade do

fenômeno. Mesmo quando oferecem um discurso mais democrático e sinalizam

para uma maior participação de todos os agentes sociais envolvidos nos

processos de decisões, elas pecam por priorizar, em suas diretrizes e

propostas de ações, os agentes de mercado.

Cada um dos agentes sociais envolvidos com o fenômeno

turístico, de acordo com suas necessidades e ansiedades, se apropria dos

espaços dentro de lógicas específicas e a combinação dessas diversas lógicas

compõe territórios-redes bastante diversificados e específicos. Como

apontamos nos capítulos cinco e seis, esses territórios-redes avançam da

escala local para a escala micro-regional, ultrapassando os tradicionais limites

político-administrativos dos municípios, exigindo novas estruturas

organizacionais para sua gestão e ordenamento, que encontramos em

formação durantes nossas observações e estudos do processo de turistificação

da região das Agulhas Negras.

Uma das grandes dificuldades das políticas públicas mais

recentes, por nós indicada, está no não reconhecimento do fato de não haver

para o turista, fronteiras ou limites político-administrativos a serem obedecidos.

Os seus deslocamentos espaciais não obedecem àqueles limites e

delimitações, principalmente no que se refere aos limites municipais. O turista

se apropria e circula pelo espaço seguindo outros fatores - localização dos

atrativos, facilidade de acessos, oferta de serviços de transportes, “reclames”

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da mídia, preços e localização dos equipamentos e serviços turísticos – que na

sua grande maioria apresentam um alto grau de subjetividade. È perceptível

que, se o turista não se restringe àqueles limites, os demais agentes

produtores do turismo também tendem a não fazê-lo, uma vez que suas lógicas

de apropriação dos espaços estão diretamente ligadas com a lógica dos

turistas.

Dessa forma, se os territórios apropriados pelo turista e para o

turismo não coincidem com aqueles limites político-administrativos, as políticas

direcionadas para o seu ordenamento, quer sejam públicas ou privadas, não

podem ser circunscritas por eles. Verifica-se uma clara necessidade de

definição de outra escala de atuação que contemple a flexibilidade necessária

para a apreensão de toda a complexidade do fenômeno.

A turistificação de trechos do espaço produz, na atualidade,

territórios “esgarçados”, que são reordenados a partir da refuncionalização dos

seus fixos e estruturados em malhas de pontos e linhas, mais ou menos

densas, definidas pela combinação das diversos modos de apropriação de

cada um dos agentes sociais envolvidos. A forma de apropriação dos espaços

do turista é predominantemente reticular e flexível, enquanto a do poder público

e da comunidade local são mais fortemente zonal; já para os agentes de

mercado e para os trabalhadores do setor ora ela é zonal ora é reticular. A

combinação dessas diferentes lógicas aponta para a constituição de um

espaço do turismo ora contínuo (zonal) ora entrecortado (reticular), constituindo

o que denominamos de território-rede.

Nesses territórios-rede do turismo, tanto na escala local dos

destinos turísticos, como na escala micro-regional onde alguns destinos

turísticos se articulam buscando constituir produtos mais competitivos para o

mercado turístico, é possível observamos a circulação de pessoas (turistas,

trabalhadores do setor, agentes de mercado, fornecedores), de insumos, de

informações e de capitais financeiros, em ritmos e tempos diferenciados, que

ampliam a complexidade das variáveis envolvidas nesses processos.

Essa complexidade das lógicas de apropriação do espaço, ora

mais zonal ora mais reticular precisa ser incorporada pelas políticas

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orientadoras da gestão do desenvolvimento turístico, sob pena de provocar

uma série de equívocos geradores de muitas perdas de oportunidades e de

muitos conflitos e impactos socioculturais e ambientais no país. Nesse sentido,

propomos a adoção da categoria de território-rede como a mais adequada para

o desenvolvimento de políticas direcionadas para o ordenamento dos espaços

apropriados pelo turismo, por possibilitar a inclusão de todos os seus

elementos constituintes, suas ações, interações e inter-relações, sejam elas

complementares, concorrentes ou mesmo antagônicas. A lógica reticular do

território-rede nos permite captar a mobilidade dos seus agentes sociais

produtores e sua combinação com a lógica zonal nos leva a perceber mais

nitidamente o dinamismo, o movimento, as possíveis conexões e a

profundidade do espaço apropriado; tal procedimento nos afasta do risco de

uma leitura bidimensional e estática, uma vez que incorpora a multiplicidade de

tempos de cada um daqueles agentes sociais.

Mesmo concordando com o fato de o turismo ter o seu acontecer

no espaço local dos destinos turísticos, onde sobrepõe suas formas fixas e

onde ocorrem a produção e o consumo, quase simultâneos, do produto

turístico, indicamos que esse território tende a se ampliar e a abranger um nível

escalar maior. Na medida em que os seus agentes sociais constituem

articulações com outros destinos turísticos geograficamente próximos,

envolvendo outras localidades circunvizinhas, interligadas pelas suas redes de

acessibilidade, de comunicações, de transportes e econômicas, ampliam

aquele território-rede para a escala micro-regional.

Vimos acompanhando o processo de formação do espaço do

turismo na região turística das Agulhas Negras, localizada no sul fluminense

desde a década de 1980, participando diretamente de diversas ações e

projetos propostos tanto pelo governo estadual como o federal e mantendo

contato pessoal com os agentes sociais envolvidos com o turismo regional. Isto

nos permitiu observar a expansão para a escala micro-regional do território-

rede do turismo ali ocorrente, contribuindo para a construção da proposta que

ora apresentamos.

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Iniciado nas primeiras décadas do século XX, o processo de

turistificação da área de entorno do Parque Nacional do Itatiaia, originalmente

restrito às localidades de Penedo, Visconde de Mauá e Engenheiro Passos,

ampliou-se para um território-rede que atualmente congrega um número

expressivo de destinos turísticos articulados em torno de três pontos focais:

Visconde de Mauá, Penedo e Parque Nacional do Itatiaia. Na configuração

atual, esse território-rede abrange dois municípios do estado do Rio de Janeiro

(Resende e Itatiaia) e um de Minas Gerais (Bocaina de Minas), com indicação

de envolvimento de, pelo menos, mais dois municípios fluminenses (Porto Real

e Quatis) e de outros dois municípios mineiros nos próximos anos (Itamonte e

Alagoa). Essa expansão deverá ser de certa maneira, limitada por dois

condicionantes básicos para o desenvolvimento turístico. O primeiro está

relacionado com a melhoria da rede de acessos entre as diversas localidades

da região que, atualmente impede a realização de um circuito completo ao

redor do Parque Nacional do Itatiaia. O segundo vincula-se às dificuldades de

articulação dos agentes sociais públicos envolvidos, tendo em vista que exigirá

a necessidade de envolvimento dos representantes de diversos municípios e

de dois estados da federação.

O território-rede regional das Agulhas Negras vem ganhando

consistência com a intensificação dos fluxos materiais e imateriais

estabelecidos entre os seus diversos destinos turísticos e suas áreas

periféricas, revelando-se mais denso e intenso - na alta estação turística - e

mais rarefeito, ou mesmo desfeitos - na baixa estação – indicando a

necessidade de políticas mais atentas e dinâmicas. A intensa mobilidade dos

agentes sociais do turismo e o crescimento bastante significativo dos agentes

de mercado em novos destinos turísticos têm levado ao surgimento de um

número elevado de redes de destinos e de relacionamentos estruturados com

base na atividade turística.

O desenvolvimento de territórios-rede regionais de turismo, de um

modo geral, tem sido acompanhado pelo surgimento de redes econômicas

direcionadas para o melhor aproveitamento dos efeitos multiplicadores da

atividade turística ou de redes sociais e políticas de resistência das

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comunidades locais, compondo o que estamos denominando redes regionais

do turismo. Essas redes regionais compostas pela ação e reação de diferentes

agentes sociais, sinalizam para a possibilidade de uma mudança nas estruturas

de governança responsáveis pela gestão do turismo, uma vez que elas

permitem contemplar as territorialidades de cada um daqueles agentes sociais

envolvidos com o desenvolvimento turístico, em uma dimensão espaço-tempo

mais flexível, ampla e democrática.

As redes regionais do turismo, como novas estruturas

organizacionais para a gestão e para o ordenamento dos espaços

turistificados, podem possibilitar aos seus agentes sociais a constituição de

uma série de articulações e conectividades, entre eles e com outros agentes

sociais externos ao turismo, tanto do ponto de vista econômico, como cultural e

político. A individualidade de cada localidade pode ser preservada ao mesmo

tempo em que é articulada com as individualidades das demais localidades da

rede, compondo um território-rede regional do turismo complexo. Esse

território-rede é marcado pela superposição de territorialidades distintas no

tempo e no espaço, aparentemente antagônicas, mas também

complementares e que podem ser conjugadas, fortalecendo a todas as

localidades e destinos envolvidos.

No caso da região das Agulhas Negras estabeleceu-se, a partir de

1997, um embrião de uma rede regional de turismo com a constituição do

CONRETUR. Mesmo ainda apresentando um viés predominantemente

econômico, aquele conselho vem possibilitando o diálogo e a articulação entre

os diversos agentes sociais envolvidos com o turismo naquela região e

ampliando as possibilidades de articulação e de inserção daquelas localidades

turísticas em outras redes mais ampliadas do turismo atual. A rede econômica

que já estabelecida deverá continuar se expandindo e incluindo novos agentes

sociais, como foi o caso recente da Federação das Associações de Moradores

de Itatiaia, ampliando os espaços de discussões e complexificando as relações

e as interações entre seus diversos agentes sociais, num jogo permanente

entre o local e o micro-regional, entre a racionalidade econômico-funcional dos

agentes de mercado e a apropriação simbólica dos espaços pelos turistas e

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pelas populações locais, entre as territorialidades zonais mais contínuas de

alguns e as territorialidades mais reticulares e efêmeras de outros.

Como observamos no capítulo sexto, os destinos turísticos não

podem ser vistos ou geridos isoladamente, tendo em vista que fazem parte de

uma complexa rede de relacionamentos socioculturais, econômicos, políticos e

ambientais. Sobre o espaço apropriado para o turismo incidem as decisões de

outros agentes sociais além dos agentes de mercado e do poder público;

portanto, este último não deve agir sozinho nas decisões de gestão daqueles

espaços.

Devemos ter presente que, apesar da gestão dos municípios

brasileiros estar apoiada no marco institucional e legal da organização territorial

da Constituição Federal vigente, a gestão dos espaços turísticos depende de

um conjunto de decisões e de ações de diversos agentes sociais, para quem

os limites municipais não são necessariamente definidores para suas atuações.

Como também apontamos, é essencial e urgente fugir da dicotomia excludente,

estabelecida entre o global e o local, que predomina em grande parte das

discussões atuais relativas às formas e escalas de gestão dos processos

políticos e de desenvolvimento turístico.

A opção pelo desenvolvimento do setor turístico como indutor do

processo de desenvolvimento humano naquelas áreas consideradas prioritárias

pelas atuais políticas públicas, necessariamente precisa incorporar a dimensão

espacial do fenômeno turístico e buscar novos “espaços-tempo” que

possibilitem a sua gestão mais participativa e democrática, com o envolvimento

de todos os agentes sociais nos processos. A partir de ações e projetos de

regulação e ordenamento dos espaços turistificados que garantam a

participação e emancipação plena de todos os agentes sociais neles

envolvidos, poderá ser possível caminhar-se para um estágio de governança

mais democrático e ampliado para os territórios-rede regionais do turismo

brasileiro.

A consolidação das redes regionais de turismo como novas

estruturas organizacionais de governança público-privadas dos territórios-rede

regionais constituídos pela combinação das lógicas de territorialização de cada

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um dos seus agentes produtores, parece-nos uma perspectiva viável para um

espaço-tempo de gestão mais democrática e participativa do desenvolvimento

turístico. Nelas, e por meio delas, parece-nos possível a convivência e a

articulação dos agentes sociais do turismo, na busca de projetos coletivos

construídos a partir da gestão dos seus conflitos, num exercício novo de

cidadania. O jogo dialógico existente entre eles, fruto da complexidade do

fenômeno do turismo, será permanente e exigirá o exercício diário de busca de

equilíbrio entre os interesses de todos, sempre de forma complementar e

conjugada. Esse exercício poderá facilitar o estabelecimento de uma agenda

pactuada por todos, incluindo as mudanças necessárias e o fortalecimento dos

agentes sociais envolvidos nos processos de desenvolvimento regional

propiciado pelo turismo.

Por fim, para que as redes regionais de turismo ganhem

consistência e efetividade, as políticas – públicas ou não – direcionadas para o

gerenciamento e o ordenamento do desenvolvimento turístico no país,

precisam incorporar efetivamente a ação de cada um dos agentes sociais

produtores envolvidos, tendo como ponto de partida o entendimento da

territorialidade que cada um deles estabelece nos espaços turistificados e da

incorporação de outras dimensões sociais, políticas e culturais do fenômeno. O

espaço apropriado para o turismo não deve ser visto apenas como cenário e

suporte para uma atividade econômica cada vez mais marcante da sociedade

contemporânea. Ele precisa ser incorporado como resultado das ações de

cada um dos seus agentes sociais tornando-se, ao mesmo tempo, conteúdo e

continente do turismo.

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ANEXO A

CONRETUR CONSELHO REGIONAL DE TURISMO – REGIÃO DAS AGULHAS NEGRAS

Resende, Itatiaia, Quatis, Porto Real, CDL, SEBRAE/RJ, Parque Nacional do Itatiaia, ABRAJET, ABAV, ABIH,

TurisRio e as Associações de Hotéis de Itatiaia, Penedo, Visconde de Mauá e Serrinha do Alambari

DIRETORIA EXECUTIVA DO CONRETUR

Presidente: Marcelo Andres Carrasco Jimenez (Pró-Penedo) Vice-Presidente: Mônica Rangel (ART-VM) Diretora Técnica: Paola Pereira Tenchinni da Silva (Sebrae) Secretária Executiva: Roberta Dias de Oliveira (PMR) Tesoureira: Nilda Ratinetz (ANC&VB) Relações Públicas: Vago (a Conselheira Malu Santa Rita que ocupava este cargo não faz parte mais do CONRETUR)

RELAÇÃO DAS ENTIDADES DO CONRETUR (FUNDADORAS E CONVIDADAS)

Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Inovação de Resende Roberta Dias de Oliveira – Titular Telefax: 3354-7051 E-mail: [email protected] / [email protected] Ricardo Abbud de Azevedo – Suplente Telefax: 3354-7051 E-mail: [email protected] Secretaria Municipal de Turismo de Itatiaia Roxane Alexandre – Titular Telefax: 3352-6777 – ramal: 313 E-mail: [email protected]/[email protected]. Coordenadoria de Desenvolvimento Municipal Rosangela Aparecida da Silva – Titular – 9984-4550 Telefax: 3353-5983/3353-2918/3353-3509 E-mail: [email protected] / [email protected] Secretaria Municipal de Planejamento e Desenvolvimento de Porto Real Carlos César de Oliveira - Titular Telefax:3353-8200/3353-1812/3353-1791/3353-4929/9902-0181 E-mail: [email protected] / [email protected] Av. H, nº 365 – Nova Colônia – Porto Real/RJ Luis Carlos de Souza Cardoso - Suplente Telefax: 3353-8200/3353-1812/3353-4929/9831-4781 E-mail: [email protected]

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Juliana de Carvalho Pederassi – Estagiária (participa das reuniões acompanhando o César) Telefone: 9911-4436 E-mail: [email protected] CDL – Câmara de Dirigentes Lojistas Mario Augusto Barbosa – Titular Rua: Cadete Caldas, 35 – Montese – 27.541-080 Telefax: (24) 3354-1982 E-mail: [email protected] / [email protected] Site: www.voubem.com.br Nilda Ratinetz – Suplente Telefax: 3355-1108 E-mail: [email protected] Site: www.agulhasnegrasconvention.com.br SEBRAE – Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas Paola Pereira Tenchini da Silva – Gestora do Projeto de Turismo GEOR – Titular Telefax: 3347-3481/3347-5846/3323-7127/3323-5782/9811-8942 E-mail: [email protected] Jayme Souza – Técnico – Suplente Telefax: 3354-3171/3355-1647/9957-0844 E-mail: [email protected] Ana Cláudia Melo Vieira – Sebrae/RJ – Convidada Comitê Gestor Telefax: (21) 2212-7951/9889-5561 E-mail: [email protected] PNI – Parque Nacional do Itatiaia Daniel Di Giorgi Tofolli – Titular Telefax: 3352-1461/3352-7001 E-mail: [email protected] / [email protected] / [email protected] Luiz Sérgio Pereira Sarahyba – Suplente Telefax: 3352-1461/3352-7001 E-mail: [email protected] /[email protected] ABAV – Delegacia Regional da Associação Brasileira das Agências de Viagens e João Pires da Costa – Vou Bem Viagens e Turismo – Titular Rua Cadete Caldas, 35 – Montese – Resende/RJ – 27.541-080 Telefax: (24) 3354-1982 E-mail: [email protected] Ana Amélia de Melo Lambert Araújo – Suplente Telefax: 3355-1824 E-mail: [email protected] Valdir de Oliveira – Convidado Oasis Viagens, Turismo e Seguros Av. Nova Resende, nº 57 – Campos Elíseos Telefax: (24) 3355-4170 E-mail: [email protected]

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ABIH – Delegacia Regional da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis TURISRIO – Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro Nilo Sérgio Félix – Titular Telefax: (21) 2215-0011 E-mail: [email protected] Valéria Maria de Souza Lima – Suplente Telefax: (21) 2544-7121/ 2215-0011 E-mail: [email protected] AHRSI – Associação de Hotéis, Restaurantes e Similares de Itatiaia Luis Carlos Ferreira Bastos – Titular Telefax: 3352-1453/9999-2655 E-mail: [email protected] Adriana Fontes – Suplente Telefax: 3352-1453 / 9228-0547 / 3352-5748 E-mail: [email protected] / [email protected] ART-VM – Associação da Região Turística de Visconde de Mauá Mônica Rangel – Titular Telefax: 3387-1108/3387-1382/9998-9093 E-mail: [email protected] / [email protected] Jussara Nunes – Suplente Telefax: 3387-1308/3387-2348/3360-5425/9829-8424 E-mail: [email protected] / [email protected] ACESA – Associação Comercial e de Empresários da Serrinha do Alambari Guilherme Caram – Titular Telefax: 3381-7226 E-mail: [email protected] Eliel de Assis Queiroz – Suplente Telefone: 3381-7180 E-mail:

Associação Empresarial PRÓ-PENEDO Marcelo Andrés Carrasco Jimenez – Titular Telefax: 3351-1183/9212-2552 E-mail: [email protected] Av. das Mangueiras, 1457 Cidnei Celso Trevisan – Suplente Rua das Velas, 76 – Penedo – Itatiaia/RJ Telefone: 3351-2495 E-mail: - Andréa Madaras – Convidada Telefax: 3351-1030 / 3351-1036 E-mail: [email protected] / [email protected]

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AGUIMAN – Assoc. de Guias de Turismo, Monitores e Condutores da Região das Agulhas Negras Ralph Salgueiro – Titular Telefax: 3351-1823/9952-5962 E-mail: [email protected] Danielle Muniz – Suplente Telefax: 3351-1823/9974-9974 E-mail: [email protected] Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Barra Mansa – SHRBS Alexandre Magno Vieira – Titular Telefax: 3323-3750/3323-2779 / (21) 8116-8796 E-mail: [email protected] / [email protected] Antelmo Pires – Suplente Telefax: 3323-3750/3323-2779 E-mail: [email protected] Rua Dr. Mário Ramos, 184 – sala 402 – Centro – Barra Mansa

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RELAÇÃO DAS ENTIDADES DO COMITÊ GESTOR PROJETO DE

TURISMO GEOR SENAC Francisco Lopes / Renata Leite Telefax: 3354-3188 E-mail: [email protected] / [email protected] ACIAR Marco Túlio Ramos da Silva – Presidente Marcy Giffoni Menandro 3383-1344 / 9998-6813 / 3351-1541 Telefax: 3354-6192 E-mail: [email protected] / [email protected] CEF – Caixa Econômica Federal Marcus Cezar Paiva Telefax: 3355-3811 E-mail: [email protected] SENAI Jaqueline Marques Benedito Telefax: 3354-9998 Telefone: 3354-9950 E-mail: [email protected] UBM Danielle Fidelis e Silva Resende Telefax: 3325-0220 E-mail: [email protected] / [email protected] TV RIO SUL Leonardo Aquino Telefax: 3355-9814 Telefone: 3355-9808 E-mail: [email protected] Deise Lacerda Telefax: 3355-9814 Telefone: 3355-9800 E-mail: [email protected] SESC Beatriz Esperança Telefax: 3323-1145 Telefone: 3322-1352 E-mail: [email protected]

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RELAÇÃO DOS PARTICIPANTES DA OFICINA DE PLANEJAMENT O TURÍSTICO REGIONAL – PROJETO DE TURISMO GEOR 2008-2010 (AQUELES QUE AINDA NÃO FAZEM PARTE DO CONRETUR E DO

COMITÊ GESTOR DO GEOR) Parque Nacional do Itatiaia Magaly Dolsan de Almeida Telefax: 3352-1461 / 3352-7001 E-mail: - Pousada Por do Sol (Quatis) e Hotel Colonial (Porto Real) Juliana Soares Fagundes Telefone: 3353-2161/3353-3524 E-mail: [email protected] Conselho de Cultura, Turismo e de Preservação do Patrimônio de Quatis e Livraria Prosa e Verso Helena Fabiano T. Leite Telefone: 3353-3578 E-mail: [email protected] Conselho de Cultura, Turismo e de Preservação do Patrimônio de Quatis Perpetua do Socorro Alves Telefone: 3353-2116 E-mail: [email protected] ACESA – Associação Comercial e de Empresários da Serrinha do Alambari Eliel Queiroz e Leandro da Silva Telefone: 3381-7180 / 9816-6980 E-mail: - / [email protected]; [email protected]; ACIATI – Associação Comercial Industrial Agropecuária e Turística de Itatiaia Nilson Rodrigues Neves e Itaiacy Chaves Neves Telefone: 9999-0515 E-mail: - Pé No Ar Esportes e Aventuras André Bruckner Telefone: 3351-1051 / 8114-7940 E-mail: [email protected] Fundação Porto Real Josiane Teixeira Ramos Telefone: 3353-2407 E-mail: [email protected] CEF – Caixa Econômica Federal Sylvio Leonel Telefone: 3355-3811

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E-mail: [email protected] SEBRAE/RJ - Consultora Perola Akerman Telefone: (21) 9325-1942 E-mail: [email protected] SEBRAE/RJ Sérgio Junior Telefone: (21) 2212-7775 E-mail: TURISRIO – Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro Alexandre Ramos Telefone: (21) 2215-0011 E-mail: – [email protected] PMI – Prefeitura Municipal de Itatiaia – Secretaria Municipal de Turismo Nilda Camargo Telefone: 3352-6777 E-mail: [email protected] / [email protected] AGUIMAN – Associação de Guias de turismo da Região das Agulhas Negras Moacir Rodrigues Telefone: 3351-1553 E-mail: [email protected] PMQ – Prefeitura Municipal de Quatis - Secretaria Municipal de Cultura, Esporte, Lazer e Turismo Luiz Henrique Telefone: 9961-9570 E-mail: [email protected] PMI – Prefeitura Municipal de Itatiaia – Departamento de Cultura Jorge Correa Telefone: 8128-1580 E-mail: - FAMEI – Federação das Associações de Moradores de Itatiaia Alfredo Raimundo da Silva Telefone: 9811-4728 E-mail: -

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ANEXO B – SÍNTESE DAS AÇÕES PREVISTAS PARA O PERÍOD O 2008-2010.

PROJETO DE TURISMO DA REGIÃO DAS AGULHAS NEGRAS – R J

AÇÃO DESCRIÇÃO METAS Capacitação dos funcionários Capacitar funcionários das

empresas turísticas objetivando a excelência da qualidade nos serviços previstos

3 turmas treinadas: Itatiaia, Resende e Porto Real/Quatis

Capacitação dos Empresários Programas direcionados para a melhoria da qualidade dos empreendimentos

Implantação de 4 programas: qualidade total nos meios de hospedagem; produção mais limpa; alimentos seguros / qualidade total para bares e restaurantes.

Desenvolvimento tecnológico para restaurantes e meios de hospedagem

Adequação para o uso eficiente e racional de energia e água

Palestras e programa de consultorias

Participação em feiras e eventos técnicos e promocionais

Divulgar a Região em feiras e congressos, conforme o novo recorte de público alvo estabelecido

Participação em 5 feiras por ano e em um congresso.

Elaboração de Material promocional

Padronização da folheteria dos municípios; atualização da folheteria regional; produção do catálogo da região e criação do site

Impressão de 20.000 folders; 50.000 folders para empresas e prefeituras; 10.000 catálogos regional.

Elaboração de roteiros Elaboração de roteiros integrados entre os quatro municípios da região

4 roteiros

Fampress/Famtour Receptivo de veículos de comunicação especializados do Rio e de São Paulo

2 fampress e 1 famtour

Comunicação interna Divulgação das ações realizadas na própria região

Veiculação de matérias nos jornais regionais; impressão de 10.000 informativos; realização de evento de integração regional

Elaboração de projeto de sinalização turística integradas na RAN

Padronizar e estimular o uso da marca da região das Agulhas Negras, visando o fortalecimento do senso regional na comunidade e nos turistas

Desenvolvimento do projeto e implantação de placas de sinalização padronizadas

Estudo de viabilidade de centro de convenções

Elaboração de projeto de viabilidade econômico-financeira

Elaborar o projeto

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AÇÃO DESCRIÇÃO METAS

Incentivo à preservação ambiental

Promoção de campanhas para sensibilização para coleta seletiva e preservação ambiental

Ações e campanhas de sensibilização dos agentes envolvidos.

Políticas públicas Ações para o fortalecimento do setor junto à esfera pública municipal; articulação para um plano diretor regional; integração das secretarias de turismo

Ações para sensibilizar e aumentar a arrecadação de impostos municipais pelas empresas turísticas; elaboração de um plano diretor regional; definição de um termo de cooperação técnica entre os municípios.

Sensibilização para o turismo Ação nas escolas dos municípios e junto aos turistas

Trabalhar projetos de cartilhas sobre o turismo junto com as secretarias municipais de educação; 50.000 cartilhas impressas.

Fonte: SEBRAE-RJ. Projeto de Turismo da Região das Agulhas Negras, 2007. Relatório preliminar; disponibilizado em meio digital.

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