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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS A FÉ E A RELIGIOSIDADE NA COVA DE PEDRO RIBEIRÃO DO LARGO - BAHIA DANILO PATRICK MASCARENHAS BENEDICTIS NATAL - RN — 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTECENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

A FÉ E A RELIGIOSIDADE NA COVA DE PEDRORIBEIRÃO DO LARGO - BAHIA

DANILO PATRICK MASCARENHAS BENEDICTIS

NATAL - RN — 2007

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DANILO PATRICK MASCARENHAS BENEDICTIS

A FÉ E A RELIGIOSIDADE NA COVA DE PEDRORIBEIRÃO DO LARGO - BAHIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre, área de concentração Cultura e Representações.Orientador: Prof. Dr. Luiz Assunção.

NATAL - RN — 2007

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DANILO PATRICK MASCARENHAS BENEDICTIS

A FÉ E A RELIGIOSIDADE NA COVA DE PEDRORIBEIRÃO DO LARGO - BAHIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre, área de concentração Cultura e Representações.Orientador: Prof. Dr. Luiz Assunção.

Aprovada em _______/_______/_______.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________________________

Prof. Dr. Luiz Assunção - Orientador

____________________________________________________________________________

Profa. Dra. Roberta Bivar Carneiro Campos

Examinador Externo – UFPE

____________________________________________________________________________

Profa. Dra. Maria Lúcia Bastos Alves

Examinador do Programa - UFRN

___________________________________________________________________________

Prof. Dr. Orivaldo Pimentel

Suplente - UFRN

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Para

Nereida Benedictis, minha querida esposa.

Júlia e Laís Mafra Benedictis, minhas filhas amadas,

que me ajudaram nesta caminhada.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus por ter me dado a oportunidade de fazer e concluir este

mestrado.

A minha querida família pelo apoio que me deram durante todo o curso e nesta fase final de

escrita da dissertação.

Aos meus pais – avós que me criaram e amaram como um dos seus próprios filhos.

Aos meus irmãos – tios que foram e são para mim como meus verdadeiros irmãos.

Ao meu sobrinho Erivan Myller que nos deu o prazer de compartilhar da sua companhia

durante o período das aulas do mestrado, cedendo o seu apartamento para que morássemos

juntos.

Aos meus cunhados Erivan e Shirlene que nos acolheu tão bem em Cruzeta durante todo o

curso.

Aos Amigos Emerson Cirne, Gilberto Santos Paulo por terem me acompanhado em algumas

viagens a Ribeirão do Largo. E pela ajuda nas entrevistas dos devotos, nas filmagens e fotos.

A Gilson S. Soares que me ajudou lendo o meu trabalho e fazendo algumas ressalvas

pertinentes.

A Augusto Soares Neto que me incentivou a estudar o tema, ainda na época da graduação, e

que me forneceu informações importantes sobre a devoção em Pedro.

Ao meu orientador Prof. Dr. Luiz Assunção pela paciência e pelo apuro na leitura do trabalho,

sugerindo as mudanças necessárias, o que me trouxe muito retorno.

Aos entrevistados, fonte maior deste trabalho, em especial ao Sr. Júlio Ferreira Dutra e o Sr.

Delotero Afonso Figueiredo pela paciência em nos contar as histórias.

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E por fim a Gleudimar Ferreira Santos (Gleuber), pesquisador da Igreja Católica de Vitória da

Conquista que me abriu as portas dos arquivos católicos e me ajudou a buscar dados

pertinentes a minha pesquisa.

A todos vocês o meu muito obrigado!

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“Expliquem-me porque a fé em Deus é uma coisa

engraçada, enquanto a fé na humanidade coisa

engraçada não é? Por que a fé no reino dos céus é coisa

boba, enquanto a fé numa utopia terrestre é coisa

inteligente? Ao abandonarmos a religião positiva

conservamos todos os costumes religiosos; perdendo o

paraíso no céu, acreditamos no advento do paraíso na

Terra, e ainda nos congratulamos por isso.”

Alexander Herzen (escreveu estas linhas para seu filho em 1850)

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RESUMO

Nesta pesquisa procuramos compreender o que alimenta e sustenta a fé e a

religiosidade popular na Cova de Pedro em Ribeirão do Largo na Bahia. Para tanto,

estudamos o ritual de visitação do dia 29 de junho à Cova de Pedro, tentando perceber

a importância deste ritual para a criação e recriação da fé dos devotos. Buscamos

ainda, entender quais os fatores que conduziram Pedro Afonso do Nascimento, um

vaqueiro que teve sua vida ceifada de forma violenta, ao rol dos santos populares e

como se construiu em torno da sua sepultura um santuário de visitação constante.

Palavras-Chave: Fé, Religiosidade, Ritual, Santo.

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ABSTRACT

At this research we attempted to understand what feeds and supports the faith and

popular religiosity at Pedro’s Cave in Ribeirao do Largo, located in Bahia State. For

this we studied the visitation ritual at Pedro’s Cave on June 29th and tried to identify

the importance of this ritual in the construction and reconstruction of believer’s faith.

Moreover, we endeavored to understand which factors led Pedro Afonso Nascimento,

a cowhand whose lift was taken in a violent manner, to the roll of popular saints and

how it was built around his tomb a sanctuary of constant visitation.

Words key: Faith, Religiosity, Ritual, Saint.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO_____________________________________________________11

1. A COVA DE PEDRO E A CIDADE DE RIBEIRÃO DO LARGO_________32

1.1. Ribeirão do Largo: o cenário_________________________________________32

1.2. Pedro Afonso do Nascimento a construção de um santo popular_____________38

2. A COVA DE PEDRO E A RELIGIOSIDADE POPULAR________________59

3. O RITUAL: preces, velas e fogos, a expressão da fé______________________69

3.1. A procissão da Sexta-Feira Santa à Cova de Pedro________________________90

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS________________________________________105

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS________________________________108

6. ANEXOS________________________________________________________115

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INTRODUÇÃO

A partir de tempos imemoriais o homem busca se ver e se explicar na vida através da

religião que surgiu como primeiro conhecimento capaz de dar sentido a existência humana e

explicar sua realidade.

Todos os povos de que se tem notícia, de alguma forma, têm suas explicações quanto

ao seu surgimento e quanto ao que se espera da vida após a morte. Percebemos isto nos gran-

des monumentos deixados pelos povos antigos, que na sua grande maioria são construções

que serviriam para guardar os restos mortais de seus governantes e que tinham uma preocupa-

ção com a vida no além. Ou em túmulos mais simples onde os corpos eram depositados junto

com seus pertences, o que evidencia uma possível necessidade deste indivíduo de usá-los no

mundo dos mortos.

A idéia da santidade humana, enquanto intermediário entre Deus (deuses) e os ho-

mens, é um elemento identificável antes da era cristã; os governos teocráticos do mundo anti-

go, na sua grande maioria, tinham nos seus reis, a figura de um representante legítimo dos

deuses e em alguns casos, estes soberanos eram vistos também como deuses.

Segundo Correia (2003: 01), depois da morte de Cristo:

“(...) era comum considerar santas as pessoas que morriam de uma morte trágica, principalmente, os pregadores ascetas que se colocavam contra as re-ligiões pagãs do Império Romano. Muitos eram reconhecidos apenas bocal-mente, e tinham suas lápides visitadas por aqueles que lhe creditavam a rea-lização de curas milagrosas (...). Desde então o imaginário sobre a santidadenão cessou. Mesmo sob a forte influência da Igreja Católica que, ao longo de sua existência, se viu na contingência de instituir os ritos e a santidade ofici-al, ainda assim, a santidade popular continuou sendo simultaneamente, aos santos da Igreja, cultuada pelos fiéis.”

A matriz comum que faz a ligação entre a maioria dos santos é a idéia de sacrifício e

injustiça. Jesus Cristo se configura como principal modelo desta simbologia, pois ele foi, se-

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gundo a Bíblia (João 1:29), o cordeiro de Deus que se entregou em sacrifício para tirar o pe-

cado dos homens.

A exemplo disso, o ritual de visitação, do dia 29 de junho, na Cova de Pedro tem sua

origem ligada ao assassinato de Pedro Afonso do Nascimento, um vaqueiro que teve sua vida

ceifada de forma violenta. Após sua morte, a população local foi lhe creditando milagres e

criou-se toda uma simbologia em torno dele, que acabou conduzindo-o para o rol dos santos

populares, transformando sua sepultura em um santuário de visitação constante.

Segundo o Sr. Delotero, filho de Pedro, as primeiras visitações ao túmulo de seu pai,

foram feitas pela sua cunhada Altina, primeira mulher de Hugolino, também filho de Pedro,

que juntamente com a Sra. Marcolina começaram a visitar e fazer promessas a Pedro. E como

Pedro era boiadeiro, os boiadeiros da região começaram a pedir a ajuda dele para achar os

bois sumidos. Com a realização dos pedidos, o número de visitações e de devotos foi crescen-

do com o passar dos anos. E é neste número cada vez maior de devotos que são atraídos todos

os anos à cidade de Ribeirão do Largo para fazerem suas preces na Cova, que está a impor-

tância desta devoção. O que move estas pessoas e qual é o sentido desta prática? Estas ques-

tões em conjunto com o que alimenta e sustenta essa prática religiosa é o que nos interessa

compreender e interpretar quando nos propusemos a estudar esta devoção.

Com o estudo sobre a religiosidade popular na Cova de Pedro, pretendemos refletir

sobre o que fundamenta e alimenta essa prática religiosa, buscando identificar quais são os

elementos constitutivos do ritual e da crença, como também da parte profana.

Buscamos estudar o ritual de visitação - do dia 29 de junho - na cova de Pedro como

nos sugere Van Gennep (1977:18), ao invés de privilegiar o período máximo do rito, estuda-

mos todo o processo anterior (as fases preparatórias), pois se segue que houve outros momen-

tos e movimentos anteriores ao período culminante, sendo este apenas uma seqüência daque-

les. Além de estudarmos também, as seqüências finais do rito, pois só desta forma podemos

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ter uma visão globalizante do ritual como um todo. E assim podemos saber em que momento

ele é mais dramatizado e este seria pelo menos teoricamente, o ponto crítico que forneceria os

elementos-chave para o seu significado.

Com a finalidade de construirmos o presente trabalho, foi necessário nos apoiarmos

nos teóricos que nos deram o referencial científico, que nos capacitou ou nos muniu das fer-

ramentas necessárias para pensarmos a devoção em Pedro. Neste sentido, durante todo o pro-

cesso desta caminhada, cultura, religião e religiosidade, foram os principais conceitos que

nortearam a nossa reflexão sobre a temática proposta. E na busca de refletirmos sobre estes

conceitos, buscamos compreendê-los a partir de leituras de teóricos das Ciências Humanas,

tais como Clifford Geertz, Peter Berger, Emile Durkheim, Pedro A. R. de Oliveira, Rubem

César Fernandes e Eduardo Hoornaert, entre outros, autores que nortearam as nossas reflexões

na busca de interpretar e compreender a nossa proposta de estudo.

Segundo Geertz (1989), o conceito de “cultura” é essencialmente semiótico, o ho-

mem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo tece. Então, a cultura seria

o conjunto dessas teias. Ela não seria apenas um complexo de padrões reais de comportamen-

to, usos, costumes, feixes de hábitos e tradições, consiste também em um conjunto de meca-

nismos de controle, planos, receitas, regras e instruções para controlar o comportamento. Para

ele, o homem é justamente o animal mais desesperadamente submisso de tais mecanismos de

controle e estratégias.

A visão de cultura como um meio de controle principia-se com o pressuposto de que

o pensamento humano é necessariamente social e público, por isso seu ambiente natural é o

pátio, o mercado, a praça da cidade. Portanto, pensar consiste não nos fatos na mente, mas

num tráfego entre símbolos significantes: “Nossas idéias, nossos valores, nossos atos e até

mesmo nossas emoções são, como nosso próprio sistema nervoso, produtos culturais, na ver-

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dade produtos manufaturados a partir de tendências, capacidades, disposições com as quais

nascemos”. (Geertz, 1978:62)

Nesta mesma direção, Berger (1985) nos afirma que o homem ao edificar um mundo

ele se edifica a si mesmo no mundo. O animal, biologicamente especializado e dirigido, vive

em um mundo restrito e mais ou menos delineado pelos seus instintos, vivendo cada animal

no ambiente especifico de sua espécie em particular, mas como o homem foi biologicamente

privado de um mundo dos homens, constrói um mundo humano. E é este mundo construído

pelo homem que é designado por Cultura.

Durkheim (2003:462) afirma que a prática humana, ou seja, a sua ação é um “(...)

conjunto de bens intelectuais que constitui a civilização, e a civilização é obra da sociedade.

(...).” A visão de Durkheim é análoga a de Geertz, pois ambos afirmam que o mundo é uma

construção do próprio homem e nesta mesma perspectiva, Berger (1985) concebe toda socie-

dade humana como empreendimento de edificação do mundo, vendo nela um fenômeno dialé-

tico por se tratar de uma obra do homem, pois ao mesmo tempo em que ele cria a vida em

sociedade, esta por sua vez, retroage sobre ele transformando-o em produto desta sociedade.

“(...) O homem não pode existir independentemente da sociedade. As duas asserções, a de que a sociedade é produto do homem e a de que o homem é produto da sociedade, não se contradizem. Refletem, pelo contrário, o cará-ter inerentemente dialético do fenômeno social. Só se compreenderá a socie-dade em termos adequados à sua realidade empírica se este seu caráter for devidamente reconhecido”. (Berger, 1985:16)

Neste sentido, o mundo produzido pelo homem consiste em objetos materiais e não

matérias e uma vez produzidos pelo homem, estes objetos estão aptos a resistir ao seu produ-

tor. Conquanto, toda cultura se origine e enraíze na consciência subjetiva dos homens, uma

vez criada e absorvida, ela não pode ser reabsorvida a qualquer momento da consciência. Ele

passará a existir independentemente da subjetividade do indivíduo, como um mundo. Este

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mundo, embora seja uma construção humana, após ser “(...) idealizado, se torna uma realidade

objetiva fora do controle humano.” (Berger: 1985:22)

Como este mundo cultural é produzido pela ação coletiva, esta não só cria a cultura,

mas também a reconhece como uma realidade objetiva. Neste sentido, estar na cultura é parti-

cipar com semelhantes de um mundo particular de objetividades. Este mundo esforça-se para

se apresentar aos indivíduos como uma coisa clara. E o seu êxito se revela, na medida em que

ele vai conseguindo se apresentar como uma coisa óbvia e inevitável, como se ele fizesse par-

te da ordem “natural das coisas”.

Nesta direção, buscamos interpretar o fenômeno da devoção em Pedro, procurando

repostas não só nos devotos, pois estes não são isolados em si mesmos e conforme diz Berger

(1985:17), “(...) o homem como o conhecemos empiricamente, não pode ser concebido inde-

pendentemente da contínua efusão de si mesmo sobre o mundo em que ele se encontra, pois

ele é exteriorizante por essência e desde o início (...)”, mas também na sociedade onde vivem,

para então ligarmos as suas ações e atitudes; a sua formação cultural, valorizando todos os

tipos de manifestações que aparecem através da cultura popular, além de valorizar a vida coti-

diana que está inquestionavelmente mergulhada neste mundo.

O conceito de religião que adotamos aqui é o defendido por Geertz (1989:104-105):

“(...) uma religião é: um sistema de símbolos que atua para estabelecer pode-rosa, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e vestindo es-sas concepções com tal aura de fatualidade que as disposições e motivações parecem singularmente realistas.”

O conceito acima defende a idéia de que a religião ou os símbolos religiosos agem de

tal forma no indivíduo, que se cria uma concepção de mundo tão realista quanto um estilo de

vida urgente. Sendo na ou através da religião que os signos culturais perdem seu caráter arbi-

trário e se convertem em necessidade ontológica e moral. Desta forma “a religião (...) dá ao

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conjunto de valores sociais aquilo que eles talvez mais precisem para serem coercivos: uma

aparência de objetividade”. (Geertz: 1989:149)

De fato, os símbolos construídos por meio da cultura, fazem nascer nos homens dis-

posições e motivações religiosas, inserindo tais disposições e motivações em uma estrutura

cosmológica, invadindo-as com conceitos de verdades transcendentais, em condições de fixar

o caráter principal da realidade. Aqui nos deparamos com o “problema do sentido”. Desta

forma:

“(...) A religião vem para garantir a interpretabilidade das situações que compõem e interpelam a experiência cotidiana, suscitando questões acerca da (des) ordenação do mundo, da persistência da dor e dos paradoxos éti-cos”. (Giumbelli, 2003:210)

Nesta perspectiva, não é proposta da religião a eliminação da perplexidade, do sofri-

mento ou do mal, já que se baseia em dar ao homem uma compreensão intelectual do mundo,

fazendo com que ele emocionalmente suporte a dor e que o mal tenha uma justificativa moral.

Como as disposições e motivações criadas pelos símbolos religiosos sustentam a religião na

subjetividade humana, as compreensões que vão lhes dar suporte as lançam “(...) para a rela-

ção com a ordem objetiva da realidade.” (Giumbelli, 2003:211)

Nesta mesma linha, Durkheim (2003:32) define a religião como um sistema partilha-

do de crenças e de práticas concernentes ao sagrado, que ao congregar indivíduos que com-

partilhem destas mesmas crenças e práticas formam uma igreja. A idéia de religião não é dis-

sociada da idéia de igreja, pois ela “(...) faz pressentir que a religião deve ser uma coisa emi-

nentemente coletiva”. (2003:32)

Portanto, as concepções coletivas, a consciência coletiva, as representações, como

não são individuais, mas coletivas, elas antecedem o homem e se sobrepõem a ele. Mas de

forma ambivalente, ao mesmo tempo em que, a cultura se impõe ao indivíduo, também o au-

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xilia a viver: “Pois um deus não é somente uma autoridade de que dependemos, é também

uma força sobre a qual se firma a nossa força”. (Durkheim, 2003:299)

Paralelamente, Berger nos afirma que a religião é a ação do homem através da qual

se fixa um cosmo sagrado, ou seja, ela seria:

“(...) a cosmificação feita de maneira sagrada. (...) O sagrado é apreendido como algo que “salta para fora” das rotinas normais do dia a dia, como algo extraordinário e potencialmente perigoso, embora seus perigos possam ser domesticados e sua força aproveitada para as necessidades cotidianas. (...)” (1985:38-39)

Como Berger, pensamos que apesar do sagrado ser algo distinto do homem, diz res-

peito a ele, de forma que o homem é a causa de existência do sagrado. Assim, o cosmo “pos-

tulado” pela religião, ao mesmo tempo em que, ultrapassa o homem, também o inclui. Sendo

assim, o sagrado se manifesta ao homem como uma realidade distinta dele e imensamente

poderosa. A ele se dirige esta realidade, transportando sua vida para uma ordem dotada de

sentido.

Assim, a religião serviria como ajustadora do homem à ordem cósmica, desta forma

o ser humano está - no caso da religião cristã - no mundo de passagem e, se cumprir todos os

preceitos religiosos, após a morte terá a vida eterna. Esta idéia é importante para compreen-

dermos que a devoção em Pedro é um ato religioso, ou seja, uma das partes que compõe o

sistema religioso Católico.

Conforme Durkheim (2003:24-25):

“(...) a religião é um todo formado de partes distintas e relativamente indivi-dualizadas. Cada grupo homogêneo de coisas sagradas, ou mesmo cada coisa sagrada de alguma importância, constitui um centro organizador em torno do qual gravita um grupo de crenças e de ritos, um culto particular; e não há re-ligião, por mais unitária que seja, que não reconheça uma pluralidade de coi-sas sagradas. Mesmo o Cristianismo, pelo menos em sua forma católica, ad-mite, além da personalidade divina – aliás, tripla ao mesmo tempo que uma -,a Virgem, os anjos, os santos, as almas dos mortos, etc.

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Assim, uma religião não se reduz geralmente a um culto único, mas consiste em um sistema de cultos dotados de certa autonomia. “Essa autonomia, por sinal, é variável (...).”

A partir daí, fica claro que os cultos individuais (“o romano tem seu genius; o cristão

seu santo padroeiro e seu anjo da guarda, etc.”) não constituem sistemas religiosos distintos,

mas na realidade, são parte ou aspectos de um sistema religioso comum a toda coletividade

(igreja) da qual esses indivíduos fazem parte. É a igreja que lhes ensina “o que são esses deu-

ses pessoais”, como entrar em contato com eles e como lhes devem prestar culto. Dessa for-

ma, não temos aí duas religiões distintas, “mas sim, de ambos os lados, as mesmas idéias e os

mesmos princípios, aplicadas aqui, às circunstâncias que interessam à coletividade em seu

conjunto, ali, à vida do indivíduo”. (Durkheim, 2003:30-31)

De acordo com esta perspectiva, podemos afirmar que a devoção em Pedro não é um

sistema religioso distinto, ao contrário, ela faz parte de um sistema religioso comum a toda

coletividade que é a religião Católica Apostólica Romana. A Cova de Pedro é uma parte deste

todo, mas forjada pelos pobres, se esquivando de qualquer controle por parte do catolicismo

romano. (Hoornaert, 1991)

Esta espécie de religiosidade vivida em torno da devoção em Pedro que se apresenta

com características autônomas e fora do controle do catolicismo oficial é chamada de “catoli-

cismo popular”.

Porém, o que seria a “religião popular”, ou de forma mais específica o “catolicismo

popular”? Para alguns pesquisadores esta expressão é definida, simplesmente, como um tipo

de religião prática, centrada mais para as coisas da Terra (Zaluar, 1983).

Segundo Michel Vovelle (1991), não podemos ver a religião popular como um fato

imutável e resquício de uma configuração “verdadeira” de religião. Não podemos concebê-la

como pertencente a uma “outra religião”, proveniente do paganismo. Para ele, a religião cató-

lica popular é um produto de apropriações diversas, ou ainda, uma leitura popular do cristia-

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nismo pós-tridentino miscigenado a formas de criatividade do povo. Como exemplo: orações

ditadas pela Igreja se misturavam a preces contra mau olhado (Ferreira Neto, 2003:528).

Discorrer sobre religiosidade do “povo” nos abre uma demanda: o que viria a ser, de

fato, essa “religião popular”? Seria aquela vivenciada pelos camponeses, pelos pobres ou do-

minados, em antagonismo aos ricos ou a elite dominadora, e pelos leigos, em antagonismo

aos clérigos (Chartier, 1990)?

Afim de responder à demanda, antes de qualquer coisa, faz-se necessário determinar

o que se compreende por “povo”. Segundo alguns estudiosos e teólogos, a definição de “po-

vo” seria: o conjunto de pessoas marginalizadas pelo sistema econômico, aqueles que não

possuem os bens materiais, os que estão fora da “elite” (Maldonado, 1986). Ou ainda: o agru-

pamento de etnias, raças e grupos marginalizados, por fim, o “bloco social dos oprimidos”

através do sistema capitalista (Dussel, 1986).

Contudo, outros autores concebem este conceito de povo limitativo e optam por falar

de “povo” enquanto a totalidade da população de uma nação, formada por três elementos: um

sujeito coletivo, uma cultura e uma história comum (Maldonado, 1986). Desta forma, o cato-

licismo “popular” e o catolicismo “oficial”, de nenhuma maneira, poderiam ser pesquisados

como formas separadas de religião, mas como tipos interligados e interdependentes (Delume-

au, 1986).

A religiosidade popular é pontuada por M. Meslin como uma busca pelo divino ori-

entada por relações mais simples, mais diretas e mais produtivas que as formas “oficiais”.

Esta religiosidade não aceitaria a prática religiosa oficial porque ela seria uma forma abstrata

e intelectual de busca do metafísico, enquanto as populares consistiriam em práticas mais

simples, instantâneas, imaginativas e soltas. Elas representariam também uma maneira mais

direta de relação com o sagrado, sem necessidade de mediações das autoridades eclesiásticas,

que dão ares de aversão ao povo. Finalmente, seriam formas mais vantajosas de contato com o

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sagrado, quando da realização de anseios imediatos - como a cura de doenças, por exemplo -,

logo que a religião oficial particularizaria os deleites vindouros do além-túmulo. (apud Mal-

donado, 1986)

O sociólogo Thales de Azevedo destaca-se por seu pioneirismo, dentre os pesquisa-

dores brasileiros que estudaram a dicotomia religião oficial e religião popular, ou mais exata-

mente, entre catolicismo popular e catolicismo oficial. Em 1955 ele distinguia os católicos

entre “católicos só de nome” e “católicos de verdade”, acolhendo dessa maneira a ortodoxia

católica como sendo o padrão verdadeiro de fé. (Hoornaert, 1994)

A pluralidade do catolicismo brasileiro, multiforme, diferentemente do que se trans-

mitia o clero – que queria fazer crer em uma uniformidade do mundo católico -, aliado ao fato

da religião prática não se acomodar ao modelo oficial, mas pelo contrário, ela teria escapado

deles foi de onde partiram as principais conclusões de Azevedo sobre o catolicismo no Brasil.

Desta forma, o catolicismo popular para Azevedo seria “uma manifestação empobrecida do

catolicismo formal... [porque] despojado de seu conteúdo dogmático e moral.” (apud Hoorna-

ert, 1994)

Maria Isaura Pereira de Queiroz (1971,) examinando as diversas faces do catolicismo

brasileiro, também se utiliza dos estudos de Thales de Azevedo para observar que a afirmação

convencional de que “o Brasil seria a maior nação católica do mundo”, camuflaria uma reali-

dade social intricada e quase não estudada. Ela, tendo em vista os estudos de Azevedo, con-

corda que existe uma acentuada variedade no catolicismo praticado no Brasil, provavelmente

instigado pelo fato de que a maior parte dos que se dizem católicos verdadeiros, seguidores

autênticos de sua religião, o seriam à medida que decifram a sua própria maneira esta religião.

“Thales de Azevedo e também outros autores, afirmam que está disseminada pelo

Brasil profunda ignorância religiosa... decorre[nte] do fato de que a fé católica é transmitida

de uma geração a outra conjuntamente com os costumes” (Queiroz, 1971:160) e ao mesmo

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tempo pela falta do costume da leitura da Bíblia por parte dos católicos brasileiros ou da leitu-

ra de livros doutrinários para se regular em seu comportamento diário.

Segundo Queiroz, no Brasil se constituiu dois grandes grupos de católicos, definidos

a partir de suas atitudes: o católico formal e o católico popular ou informal, o primeiro é aque-

le que usa a ortodoxia católica e se sujeitaria ao padrão sacramental, experimentando uma

aprendizagem ordenada, o segundo é aquele que teria ou veria nos sacramentos somente uma

maneira de se resguardar do mal e, principalmente como aparelhos de socialização – como o

casamento, o batizado do filho, por exemplo.

Ainda de acordo com a autora, o “catolicismo popular”, não diz respeito exclusiva-

mente às classes inferiores, mas adquire a definição de “povo em geral”, toda pessoa que tem

a religião como algo, simplesmente, que cura ou veria nela apenas o agrupamento de crenças

comunicadas livremente pela tradição, em uma base de sustentação ao status quo.

Alguns pesquisadores se negam a conceituar tipologias do catolicismo, pelo fato de

considerarem esta expressão presa a definições fixas e rígidas, e escolhem falar em “modos de

ser católico”, dando condições assim à possibilidade de conceitos flexíveis, baseados numa

maior variedade e rotatividade, nas quais os indivíduos permanecem ou giram por entre for-

mas distintas de se ver a religião (Rolim, 1970).

De todo modo, diversos estudos sobre o catolicismo popular brasileiro, em áreas es-

pecíficas, indicam que a Igreja Católica não é, terminantemente, um bloco uniforme. Antes,

caracteriza-se como uma religião assinalada por “vários tipos de catolicismos.” (Gaeta, 1997)

Fazendo uma análise da formação do catolicismo no Brasil (1550 a 1800), Eduardo

Hoornaert (1991), nos sugere algumas respostas para o dilema da dicotomia entre “religião

oficial” e “religião popular”. Ele reconhece a existência daquilo que define de “catolicismo

guerreiro” ou a configuração de religião inserida pelos portugueses, como sendo uma “guerra

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santa” versus as “trevas” em que se encontrariam “mergulhados” os índios e os negros. O

catolicismo teria sido usado como alicerce ideológico de manutenção da estrutura colonial.

Evitando os modelos acabados e arriscados, Hoornaert opta por falar em “manifesta-

ções sincréticas do catolicismo”. De acordo com ele, no transcorrer de suas vidas, os brasilei-

ros teriam tecido práticas religiosas autônomas, em tempo que eram coagidos a seguirem as

práticas oficiais. O sincretismo teria sido aprendido e desenvolvido pelo próprio povo, ele era

“a coexistência de elementos – entre si estranhos – dentro de uma religião.” (Hoornaert,

1991:23)

Hoornaert, entretanto, reconhece a existência do “catolicismo popular” ou o modo de

religião vivenciada pelos pobres e excluídos. Ele, aqui, projeta o conceito que se tem hoje em

dia de “popular”, de “povo”, para conjunturas históricas anteriores, durante o período colonial

brasileiro, envolvendo índios e africanos, período em que estes grupos étnicos não eram acei-

tos como “povo”.

Alguns autores, na modernidade, concebem o catolicismo popular como a maneira

que o povo descobriu para desenvolver as ações devocionais, que seriam deixadas a planos

inferiores pelas autoridades da Igreja. Seriam amostras “populares” do catolicismo: o culto

aos “santos”, as promessas, as romarias, a necessidade da remissão individual do pecado

(Monteiro, 1990).

Para Reesink (2007) o termo “catolicismo popular” não deveria ser mais usado pelos

pesquisadores, pois o termo “popular” seria um julgamento de valor que dá descrédito àquilo

que a carrega, sendo desta forma um pré-julgamento que se torna prejudicial, cegando os pes-

quisadores, o que faz com que se crie um prejuízo em relação ao objeto de estudo. A autora

propõe a idéia de catolicismo concêntrico. Os católicos embora tenham uma identidade multi-

forme eles têm suas bases firmadas em um mesmo fundo em comum: a consciência de perten-

ça de um grupo como atores da mesma história, de uma mesma “natureza”, de uma mesma

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cultura. Esse fundo comum é o cerne de uma construção do que é ser católico e é conectado a

ele que os indivíduos formam sua identidade e sua prática. É por esse motivo que o catolicis-

mo se apresenta de fato, como uno. Essa unicidade não atenua, de maneira nenhuma, a sua

habilidade de ser apreendido e experimentado de forma múltipla. Porém, sua multiplicidade é

amarrada nesse fundo comum, constituindo dessa maneira “(...) não um catolicismo dicotômi-

co, mas uma religião concêntrica, onde os católicos serão cada vez mais próximos ou cada vez

mais longe de seus centros teológicos”. E é nesta perspectiva concêntrica que os católicos,

mediante o processo de interpretação e reinterpretação do catolicismo pregado pelos clérigos,

se posicionam de maneira diferente dentro do campo católico.

Seguindo uma linha parecida com a de Reesink, Marjo de Theije (2002) evita as di-

cotomias entre estrutura e cultura, estrutura e agência, pois a intenção é exatamente mostrar as

relações entre elas. Para tanto, Theije, optou em servir-se da “abordagem da prática” de Sher-

ry Ortner. O foco fundamental dessa abordagem é a agência e relação desempenhada pelos

atores, obtendo-se, segundo a autora, a possibilidade de se perceber como os atores interpre-

tam e reinterpretam o discurso, o símbolo, o ritual e a ação, tomando como base os fatores

estruturais, sociais e culturais que situam essas mesmas interpretações e reinterpretações feitas

pelos componentes dos grupos de leigos católicos que ela pesquisou.

Eloísa Martín (2002) não utiliza o termo catolicismo popular, preferindo, ao invés

disso, falar de práticas poucos eclesiásticas e bastante autônomas no artigo que ela escreveu

sobre a Virgem de Itatí na Argentina.

Outros pesquisadores são taxativos na afirmação da inexistência de um catolicismo

imaculado, singular e legitimamente autêntico, como alguns sacerdotes fazem crer, contudo o

que existe são “diferentes sistemas de tradução do cristianismo em condições concretas de

vivência humana” (Comblin, 1968:37), em meio a eles a forma “popular” de vivenciar o cato-

licismo.

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Outros, ainda, insistem em conceber o catolicismo popular como uma religião de

precária força prescritiva, em que idéias como culpa e pecado, perdição e salvação, inferno e

céu, são basicamente ignorados. (Thales de Azevedo, apud Hoornaert, 1994)

Há aqueles ainda, que persistem com a idéia de que o catolicismo popular conserva

em si, resquícios de cultos pré-cristãos ou maneiras disfarçadas de magia, superstições, paga-

nismo e tradições antiquadas. (Maldonado, 1986)

Conforme Alba Zaluar (1973), estas acusações ocultariam em seu seio a dicotomia

weberiana de religião e magia, que nortearia a uma diferenciação errônea entre uma religião

desenvolvida nos centros urbanos, tida como “superior” e compatibilizada com a modernida-

de científica, e uma religião das áreas rurais, julgada como “inferior”, atrasada e dirigida para

a magia, para a superstição. Todavia, Zaluar concebe que o catolicismo popular no Brasil tem

um sentido interno próprio, baseado na praticidade e no utilitarismo.

Por fim, o conceito de “catolicismo popular” que defendemos aqui, será o conjunto

de experiências religiosas não efetuadas ou não reconhecidas pela religião Católica oficial, e

vivenciadas pelos leigos católicos em geral, quer sejam eles das classes pobres ou ricas. A

palavra “devoção popular” é aqui apreendida como o conjunto de maneiras religiosas que

estão fora do controle da ortodoxia dos clérigos, sem que isto denote qualquer identificação à

qualidade sócio-econômica de seus representantes. (Schneider, 1996)

Durante o período que estudamos a devoção em Pedro, o ritual de visitação do dia 29

de junho, as observações de campo e conversas com os devotos locais na cidade de Ribeirão

do Largo, identificamos que há uma pluralidade de diferenças sociais entre os devotos. O

comparecimento de indivíduos das camadas média e alta, igualmente vivenciando as cerimô-

nias de forma igual ou análoga às camadas populares, demonstra que o catolicismo popular

não é praticado excepcionalmente pelos subalternos. Dizemos também, que o catolicismo

popular de maneira alguma, representa um “modelo puro” de experiência da religião pelo

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povo. Estão presentes também, nesse tipo de religiosidade, os princípios “oficiais”, que estão

presentes de forma sutil ou claramente interligados aos elementos “populares”.

Segundo Reesink (2007) falar em religiosidade popular no Brasil, de um modo geral,

“(...) é para evocar vários tipos de religiosidades”. Isto explica a nossa preferência pelo termo

catolicismo popular em detrimento do termo religiosidade popular, pois achamos que ele é

mais específico e traz uma clareza maior para identificarmos os devotos da Cova de Pedro

como membros de uma Igreja, a Católica. Além do que, todos os devotos que conversamos se

pronunciaram católicos, sem contar que a linha de frente da Igreja Católica de Ribeirão do

Largo – pelo menos aqueles que foram escolhidos para ajudar no dia do ritual de visitação –

se proclamaram devotos de Pedro Afonso do Nascimento. Sendo assim, é importante enten-

dermos que a devoção em Pedro está inserida dentro do universo católico para podermos pen-

sar e refletir sobre ela.

Os romeiros ou devotos de Pedro chegam no dia 29 de junho de madrugada e no iní-

cio da tarde, do mesmo dia, começam a voltar para as suas respectivas cidades. Tem sido as-

sim todos os anos. Estes romeiros são oriundos do Município de Ribeirão do Largo como de

cidades próximas, a maioria maciça deles residem em um raio de no máximo 130 km de dis-

tância da Cova de Pedro nos sentidos norte, sul, leste e oeste. Os devotos, na sua grande maio-

ria, são oriundos do Sudoeste da Bahia e do Norte de Minas Gerais. Tive notícias de devotos

em São Paulo, por exemplo, mas estes, na realidade, são pessoas que tem sua origem ligada à

região de Ribeirão do Largo ou a cidades próximas a este município que já saíram da região

como devotas ou aprenderam a sê-lo através de seus pais e familiares; outros devotos foram

surgindo a partir do contato com os devotos de Pedro que ao relatarem suas graças ou mila-

gres recebidos, acabaram influenciando outros a começarem o processo de devoção também;

entretanto este tipo de devoto que vem de longe é minoria na Cova de Pedro, tanto é que não

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conseguimos localizar nenhum destes, embora os devotos locais façam referências à sua exis-

tência.

A grande maioria dos romeiros pertence às camadas populares. Entre os entrevista-

dos, muitos estavam ligados a atividades no campo: eram lavradores, pequenos agricultores,

estudantes e pequenos proprietários de terras. Uma minoria dos devotos ligados ao campo

tinha uma condição financeira privilegiada: entre eles encontramos proprietários de terras de

porte médio, tanto de criação de gado como de cultivo de café. Os homens que não trabalha-

vam no campo eram pequenos comerciantes, professores e servidores públicos municipais.

Na maioria das vezes, as mulheres eram donas-de-casa e ajudavam os maridos na a-

gricultura, lavradoras, servidoras públicas municipais, professoras, estudantes. Existia ainda

um grande número de aposentados. Os devotos, na sua grande maioria, são moradores da zona

urbana. Porém, como os centros urbanos habitados pelos devotos de Pedro, quase sempre, são

de pequeno porte, o trabalho assalariado no campo acaba por se constituir como principal ati-

vidade econômica.

Alguns dos devotos chegam à Cova acompanhados da família e não raramente vimos

crianças participando do pagamento das promessas juntos com seus pais. Uma das caracterís-

ticas marcantes da devoção em Pedro é o número de fiéis que apreenderam esta devoção a

partir dos seus pais ou de algum familiar próximo. Muitos dos devotos que conversamos rela-

taram que seus pais eram devotos de Pedro Afonso do Nascimento e que depois de adultos

eles dão continuidade à religiosidade apresentando-a também aos seus próprios filhos, o que

faz com que esta devoção se constitua em uma herança de família.

Não existe outra data no ano que concentre o número de romeiros na Cova como a

do dia 29 de junho, além desta visitação, existe a da sexta-feira santa que sai da Igreja Matriz

até a Cova de Pedro, atraindo um pequeno número de devotos. Estes devotos também vão no

dia 29 de junho, mas a diferença é que esta peregrinação é estritamente local. Esta peregrina-

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ção é composta por alguns moradores da cidade de Ribeirão do Largo e alguns poucos da zo-

na rural do mesmo município. Além destas visitas de caráter mais coletivo, têm aquelas que se

fazem a níveis individuais que são realizadas durante todo o ano pelos devotos, mas sem ne-

nhuma organização coletiva.

Esta devoção nos interessa desde a época em que cursávamos graduação em História

da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia em Vitória da Conquista. Começamos o tra-

balho de pesquisa sobre a fé e a religiosidade popular na Cova de Pedro para ser apresentado

como monografia no final do curso, mas não fomos adiante com este trabalho. Como a religi-

ão é um assunto que sempre nos interessou, aguardávamos uma oportunidade para retomá-lo.

E com a abertura de vagas para o mestrado em Ciências Sociais da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, nos inscrevemos no programa com a pretensão de compreender o que

fundamenta e alimenta essa pratica religiosa, buscando o significado desta devoção, além de

identificar os elementos constitutivos do ritual e da crença, como também da parte profana.

Para tanto, fizemos leitura bibliográfica que trata de temas centrais, como a devoção

a Antônio Relojoeiro que após morte violenta e o testemunho dos primeiros milagres, o seu

túmulo, foi transformado pelo povo de Uberlândia-MG em espaço sagrado, por exemplo.

Pesquisa no arquivo Civil do Fórum do município de Encruzilhada, onde encontramos o titulo

de eleitor de um dos filhos de Pedro, Hugolino Afonso Figueiredo. Foi a partir deste docu-

mento que pudemos elucidar uma parte da história de Pedro no que diz respeito ao ano de sua

chegada na região e sobre a constituição de sua família. Os moradores de Ribeirão do Largo

apontavam sua chegada, em finais do século XIX, trazido por João Alves e que só teria se

casado após sua chegada na região. O que não condiz com os fatos, de acordo com o docu-

mento de Hugolino que encontramos, conforme veremos no primeiro capítulo. E pesquisa nos

livros de tombo da Igreja Católica Apostólica Romana - da cidade de Encruzilhada-Ba e Vitó-

ria da Conquista-Ba -, que nos forneceram dados importantes para a construção da história da

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cidade; trabalhos científicos já publicados; entrevistas com os devotos de Pedro Afonso do

Nascimento. E ainda, a aquisição de cordéis que narram à história de Pedro, desde sua morte

até sua santificação e de temas relacionados para a aquisição das informações requisitadas ao

alvo da pesquisa.

Realizamos observação participante do ritual de visitação à Cova de Pedro do dia 29

de junho dos anos de 2006-2007, além de termos participado de uma procissão à Cova duran-

te a sexta-feira santa do ano de 2007. No ano de 2006, chegamos um dia antes do ritual de

visitação e observamos os preparativos que estavam sendo realizados no espaço da Cova de

Pedro, como montagem das barracas e armação do palco onde seria realizada a missa, por

exemplo. Aproveitamos também para entrevistar o pároco de Ribeirão do Largo, Pe. Alexan-

dre. E através dele montamos nossa rede de informantes que foi sendo ampliada, na medida

em que, nossos primeiros informantes nos indicavam outras pessoas como conhecedoras da

história de Pedro. Durante o ritual de visitação deste ano, observamos as ações dos devotos,

dos barraqueiros e aproveitamos para conversar e entrevistar alguns devotos. Foram entrevis-

tados neste dia e no dia anterior uma média de 20 pessoas a partir de perguntas pré-

selecionadas. As perguntas inicialmente tratavam principalmente sobre a parte histórica do

fenômeno e como foi que Pedro Afonso se tornou santo.

Posteriormente nos detivemos principalmente nas devoções e nos milagres. Conver-

samos com pessoas, tanto da zona urbana como da zona rural de Ribeirão do Largo, como

também das cidades circunvizinhas, na finalidade de compreender e apreender o fenômeno a

Cova de Pedro.

Participamos também do ritual de visitação do dia 29 de junho de 2007, pois senti-

mos a necessidade de viajar juntamente com os romeiros e também para tirarmos algumas

dúvidas que ainda tínhamos. Conversamos mais uma vez com os devotos sobre sua fé, os mi-

lagres e o sentido que eles davam a suas ações.

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Inicialmente pensávamos em sair com os romeiros de Vitória da Conquista - cidade

situada no Sudoeste da Bahia, às margens da Br-116, distante 520 km de Salvador e 100 km

da divisa com o Estado de Minas Gerais -, mas quando contatamos com o organizador da via-

gem para a Cova de Pedro, fomos informados que de Conquista não sairia ônibus com romei-

ros, mas com vendedores que estariam no local para comercializar seus produtos. Então resol-

vemos viajar junto com os romeiros de Macarani-Ba. Chegamos à cidade a noite do dia 28 e

acertamos a viagem.

Saímos às 05h00min da manhã do dia 29 com o termômetro marcando 12°. Durante

a passagem pela cidade, paramos algumas vezes para embarcar mais romeiros e ainda no pe-

rímetro urbano, nos encontramos com uma F-1000 cheia de devotos.

Macarani está a 52 km de distância de Ribeirão do Largo, sendo que o trecho que li-

ga estas duas cidades é de estrada de chão, cheia de despenhadeiro, mas com uma paisagem

deslumbrante, com a névoa cobrindo a vegetação dos vales. Durante a viagem continuamos a

pegar pela estrada mais romeiros e chegamos ao nosso destino, praticamente, com todos os

assentos do ônibus ocupados. A viagem foi tranqüila, as pessoas vinham conversando baixo,

mas nada de especial, assuntos normais da vida. Quando chegamos à Cova de Pedro, aprovei-

tamos a oportunidade para conversar com mais devotos e ouvir suas histórias, além de obser-

varmos novamente o ritual de visitação e conferir os produtos que estavam sendo vendidos na

feira deste ano. Constatamos, salvo pequenas variações, as mesmas realidades do ano de

2006.

Tão importante quanto as entrevistas foram as observações de campo, onde tivemos a

possibilidade de ver o outro, o devoto, a partir de sua própria visão de mundo. Desta maneira,

podemos entender a lógica que os norteiam e como nos diz Geertz (1978:24), “(...) colocá-los

no quadro de suas banalidades dissolve sua opacidade”. Este método é justificável na prática

científica, pois impedirá que o pesquisador enquadre o seu objeto de pesquisa dentro de uma

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teoria pré-escolhida. Para o estudo da devoção em Pedro, a observação de campo demanda

um maior apuro em ouvir, pois não havendo gestual de grupo e não sendo um ritual hierarqui-

zado, o que predomina são práticas individuais em uma crença difundida no “imaginário cole-

tivo”.

No nosso entendimento, a realização da observação participante apoiada também em

entrevistas abertas com os devotos e com outros atores significativos deste universo, que se

apresentaram no decorrer do trabalho, teve aqui sua pertinência na medida em que tal incursão

empírica pôde nos revelar elementos fundamentais aos objetivos almejados.

Segundo Geertz (1978:103-104) de acordo com o horizonte teórico (práticas e repre-

sentações), a cultura (ou as diversas formações culturais) poderia ser examinada no âmbito

produzido pela relação interativa entre estes dois pólos. E é isso que fazemos, ou seja, exami-

namos o fenômeno a cova de Pedro, a partir do ritual e da crença, ou seja, aos modos de fazer

e aos modos de ver dessa respectiva cultura.

Assim, a metodologia empregada para a realização desta pesquisa, teve como objeti-

vo maior, compreender a fé e a religiosidade popular na Cova de Pedro e a produção de um

documento que entenda tal crença, a partir dos modos de ver e de fazer dos devotos do muni-

cípio de Ribeirão do Largo, na Bahia.

Com este intuito, dividimos este trabalho em três capítulos.

No primeiro capítulo, apresentamos a história da cidade de Ribeirão do Largo e a his-

tória da Cova de Pedro, no sentido de contextualizar o cenário do crime e a importância desta

devoção para o município. Mostrando ainda as diversas versões populares e suas diferenças,

que circulam no imaginário dos devotos e que acabaram por conduzir Pedro Afonso do Nas-

cimento para o rol dos santos populares.

No segundo capítulo, traçamos a trajetória da formação do catolicismo no Brasil,

mostrando como a religião católica foi forjada em nosso país e como, ou quais as causas que

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contribuíram para a formação de um outro catolicismo – que chamamos aqui de catolicismo

popular -, que será fundamental para entendermos a devoção em Pedro, não como uma crença

solta, mas na realidade, uma crença que tem suas bases de formação explicativa desde o Brasil

colônia.

No terceiro e último capítulo, descrevemos o ritual da Cova de Pedro e seus mila-

gres, onde buscamos entender o que alimenta e sustenta esta devoção.

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1. A Cova de Pedro e a cidade de Ribeirão do Largo1.1. Ribeirão do Largo: o cenário

O município de Ribeirão do Largo faz parte da região do Sudoeste da Bahia (fig.01),

tem uma população estimada em 18.524 mil habitantes (IBGE, 2006) e limita-se com os mu-

nicípios de Encruzilhada, Macarani, Itambé e Vitória da Conquista. Encontra-se localizado

entre a Zona Fisiográfica de Vitória da Conquista e a micro região de Itapetinga, a 600 km da

capital do Estado.

Figura 01: Mapa de localização de Ribeirão do Largo na região sudoeste do Estado da Bahia

No final do século XVIII, os extensos vales das regiões do Ribeirão, São João, Espe-

rança e Sussuarana, se caracterizavam como um maciço de grandes matas habitadas pelos

índios Pataxós e Imborés. Com a chegada dos desbravadores que iam aos poucos se estabele-

cendo na região, os índios foram praticamente dizimados, restando, atualmente, uns poucos,

espalhados por algumas reservas do Estado.

Ribeirão do Largo

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Esta colonização só foi possível, graças à busca de metais preciosos e o deslocamen-

to da pecuária para o interior. Estas ações aliadas ao incremento de novas atividades econômi-

cas primárias, contribuíram para o surgimento de diversas povoações ao longo da colônia.

Sousa (2001:48) afirma que “(...) A possibilidade de encontrar riquezas, o apresa-

mento do indígena e o reconhecimento dos seus feitos pelo governo metropolitano, através da

concessão de títulos ou de terras, eram os principais estímulos das atividades bandeirantistas

(...)”.

Diante do esgotamento das minas em Minas Gerais e em Rio de Contas, os bandei-

rantes almejavam encontrar metais preciosos em outras regiões da colônia e por este motivo

adentraram pelo sertão baiano. Perante a escassez de metais preciosos acabaram fixando-se na

região.

E, foi com este intuito que o capitão João Gonçalves da Costa chegou à região, hoje

conhecida como Planalto da Conquista, onde travou sangrentas batalhas com os índios. Com a

conquista da região, João Gonçalves da Costa fundou o arraial da Conquista (atual Vitória da

Conquista) e ocupou vasta área de terra (quase todo o Planalto da Conquista), onde tratou de

estabelecer seus filhos, em várias fazendas situadas estrategicamente. Fonseca (1998) em con-

sonância com Tanajura (1992) e Sousa (2001) afirma que diante da escassez de metais precio-

sos na região, a pecuária foi a alternativa encontrada por estes homens como forma de sobre-

vivência. O autor ainda observa que de uma maneira ou de outra, os primeiros fazendeiros da

região foram anteriormente, grandes garimpeiros.

Segundo Sousa (2001), a criação de gado foi o principal fator de povoamento do in-

terior da Bahia no século XVIII, sendo neste século que a pecuária vai completar o processo

de colonização do Brasil, com uma participação essencial no abastecimento interno. Com a

consolidação da conquista, em finais deste século, os conquistadores vão se transformando em

fazendeiros e inicia-se a construção de povoados e arraiais que serão governados pelos pró-

prios conquistadores, dando início a uma aristocracia sertaneja, que detém o poder baseado na

ocupação e povoamento das terras, sem interferência da coroa.

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Foi dentro deste contexto histórico que surgiu o arraial de São Hilarião no século

XIX, que posteriormente viria a dar origem ao município de Ribeirão do Largo. Originaria-

mente, o arraial pertencia a Imperial Vila da Vitória – que de 1891 a 1943, passou a denomi-

nar-se Conquista e que em 31 de dezembro de 1943, adquiriu o nome definitivo de Vitória da

Conquista -, e o nome de São Hilarião foi dado ao arraial por um padre jesuíta chamado Fer-

nando, ele administrou a fazenda Moinho de propriedade da Igreja Católica que fora sediada

no arraial de Campinarana (atualmente povoado pertencente a Ribeirão do Largo), cujo padre

teria sido o responsável pela catequização dos índios da região: os Pataxós e Botocudos (Im-

borés).

Com a emancipação política de Encruzilhada – que também pertencia a Conquista -

ocorrida em 17 de junho de 1921, o arraial de Ribeirão do Largo passou a pertencer ao recém

criado município.

Existem duas versões para a mudança do nome de São Hilarião para o atual Ribeirão

do Largo: a primeira diz que:

“(...) com o crescimento do lugar, o nome mudou-se para Ribeirão do Largo em função do rio Ribeirão, afluente do rio Pardo, destinar à sua margem uma área espaçosa e larga, onde as pessoas começaram a construir as primeiras moradias” (Faz Cidadão, 2000:04)1

O nome do rio associado a sua característica de margens largas teria sido o motivo da

mudança do nome. A outra versão diz que os moradores da zona rural, todo ano no mês de

junho, durante as festas juninas, diziam “vamos para a festa de Largo, atravessavam o rio Ri-

beirão montados a cavalo, daí porque a origem do nome do lugar: Ribeirão do Largo”. (Oli-

veira, s/d: 2-3)

1- O FAZ CIDADÃO é um programa do Governo do Estado da Bahia que visa a elaboração de um plano de desenvolvimento sustentável para os municípios mais carentes do Estado. A Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB foi uma parceira do programa e foram os professores do Departamento de História da UESB juntamente com as lideranças locais que construíram as bases teóricas e prática deste programa. As informações históricas contidas no FAZ CIDADÃO foram obtidas através de entrevistas com as pessoas mais velhas do mu-nicípio, com o historiador local Milton Rodrigues de Oliveira e através de fontes escritas sobre a região Sudoes-te, muitas delas foram escritas pelos próprios professores, participantes deste programa.

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As primeiras famílias que se instalaram na região de Encruzilhada - da qual o povoa-

do de Ribeirão do Largo fazia parte - partiram da Imperial Vila da Vitória (atual Vitória da

Conquista) com a finalidade de criar gado, desbravando a terra e estabelecendo as primeiras

fazendas. Juntamente com a introdução destas fazendas chegaram também os primeiros es-

cravos para trabalharem nas lavouras, pertencentes aos pioneiros da ocupação da região.

(Torres, 1996)

As principais famílias que se estabeleceram na região foram às famílias de Francisco

Santos, João Ferraz de Oliveira e Rufino Correia de Mello. Também fizeram parte deste pro-

cesso de ocupação e povoamento, as famílias de Juvêncio Gonçalves da Cruz e seu irmão

Prudêncio Gonçalves. “(...) De Minas Gerais, da cidade de Medina, vieram os membros da

família de Policarpo Ferreira dos Anjos”. (Faz Cidadão, 2000:05)

Em 1900, o coronel João Ferraz de Oliveira construiu no povoado o primeiro casa-

rão, exemplo esse que logo foi seguido pelos demais fazendeiros e comerciantes da região,

que passaram também, a construir suas moradias e casas de comércio no arraial, destinadas à

venda de tecidos, ferragens e alimentos.

Ainda no início do século XX, o arraial começou a atrair muita gente da região pelo

seu desenvolvimento, em função de ser um entreposto comercial, ligando o norte de Minas

Gerais à cidade de Conquista. Sendo neste contexto que se construiu um “Barracão” “destina-

do a pouso de tropas e boiadas vindas do Norte de Minas Gerais. Com a construção da estrada

que ligava” a cidade de Conquista “ao Norte de Minas, o povoado tornou-se parada obrigató-

ria para os comerciantes de gado, vaqueiros e tropeiros”. (Faz Cidadão 2000:5)

Outros fatores que podem ter favorecido o crescimento demográfico de Ribeirão do

Largo foram as secas de 1890 e principalmente a de 1900 - as quais ceifaram muitas vidas -

que forçou a migração de um importante número de pessoas do Norte de Minas e do sertão

baiano em direção a terras que lhes dessem uma condição melhor de vida; passando pela regi-

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ão e percebendo que seria um bom lugar para morar, acabaram se estabelecendo nela. (IBGE,

1958:312)

A primeira capela do povoado foi edificada em 1912 ou 1913, dedicada a São João,

que foi transformado em padroeiro do arraial e, posteriormente, da cidade. A capela servia

para a realização de missas, batizados e casamentos, assim como para reuniões importantes,

referentes aos assuntos administrativos do local2.

Com a criação do município de Encruzilhada (que fora desmembrado do município

de Vitória da Conquista), o povoado cresceu muito em importância econômica e social. A

pecuária, base de sua economia desenvolveu-se muito. Os fazendeiros negociavam gado, re-

queijão e manteiga com outras zonas de produção. O comércio intensificou-se com a instala-

ção de lojas de tecidos, açougues e fábricas de manteiga.

Em 1939, o Sr. Antônio Gonçalves reconstruiu a capela que se encontrava em “ver-

dadeira decadência”, conforme as próprias palavras do padre Arnaldo Castro, escrita em de-

zembro deste mesmo ano3.

Em 1950 o povoado de Ribeirão do Largo contava com 450 habitantes. Com o cres-

cimento do povoado a capela se tornou pequena para aglutinar a população local, o que levou

a edificação de uma igreja matriz, que foi construída no ano de 1959. (IBGE, 1958:214)

Progressivamente, com o passar do tempo, a comunidade assimilou “(...) os ideais

emancipacionistas de seus líderes e inicia um movimento para transformar o povoado em dis-

trito, caminho para a municipalização.” (Benedictis, 1991)

No início da década de 1980 o povoado foi elevado à categoria de distrito, o que a-

briu caminho para a emancipação política. E em 03 de março de 1989 o distrito de Ribeirão

do Largo foi desmembrado do município de Encruzilhada, e neste mesmo ano foi realizada

eleição com vistas ao preenchimento das vagas do executivo e do legislativo.

2 - Livro de Tombo da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Vitória, em Vitória da Conquista - Ba.3 - Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Lourdes em Encruzilhada – Ba.

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Ribeirão do Largo é composta pela sede, pelo distrito de Nova Brasília, pelo povoado

de Campinarana - conhecido também como Cachimbo, situado às margens do rio Pardo, que

no século XIX, foi um importante entreposto do comércio de Ilhéus e a cidade de Vitória da

Conquista - e por algumas localidades, dentre as quais, a mais importante é de Rio Bonito,

maior produtora de café do município.

Originariamente, a principal atividade econômica desenvolvida em Ribeirão do Lar-

go era a pecuária, mas a partir da década de 1980, o município passou a se desenvolver na

cultura cafeeira, baseada na mecanização, mudando a sua característica econômica de pólo

pecuário para pólo agrícola.

No que diz respeito à política local, Fonseca (1999) em consonância com Ivo (2004)

afirma que, durante o período Imperial, as estruturas políticas e administrativas do Estado

permitiram que nas localidades, grupos políticos contrários utilizassem da violência como

forma de controlar o poder municipal. O que lhes proporcionava o domínio sobre um grande

número de pessoas, como também o papel de intermediária entre a localidade e o Governo do

Estado da Bahia.

Desta forma, os conflitos entre os grupos dominantes locais, acabavam sempre com

um desfecho violento, pois a esfera pública – controlada por um dos grupos envolvidos nos

conflitos e, por isso, tendenciosa - não tinha condições de intermediar as demandas do mundo

privado.

Após o processo de conquista e ocupação das terras, o que se viu formar no século

XIX na região, foi uma feição política baseada no mandonismo local, “(...) com práticas polí-

ticas de caráter coronelístico que se reproduziriam por todo o período republicano, sobrevi-

vendo com pouquíssimas mudanças até os dias atuais.” (Fonseca, 1999:21)

Na década de 1920, a base da economia de Ribeirão do Largo era a pecuária que ti-

nha na criação de gado a sua principal atividade econômica. Conforme dito anteriormente,

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neste período, os fazendeiros negociavam gado, requeijão e manteiga com outras zonas de

produção. E embora nesta década o comércio tenha se intensificado com a instalação de lojas

de tecidos, açougues e fábricas de manteiga, a economia local ainda continuava dependente da

criação bovina, o que evidenciava a força que os grandes fazendeiros ainda exerciam sobre

esta terra. Eles administravam a região atrelados ao poder dos coronéis da cidade de Encruzi-

lhada, à qual pertencia o povoado de Ribeirão do Largo.

O Sr. João Alves, uma das autoridades da região, era homem temido e valente e se-

gundo os depoimentos dos mais velhos do município, possuía jagunços só para resolver pen-

dengas e apontaram esta prática como algo comum entre os principais fazendeiros da região.

Segundo Ivo (2004), o uso da violência por parte da elite agrária, de fato, era muito comum e

fartamente se utilizava desta prerrogativa para a solução de alguma divergência, seja no cam-

po político ou privado. E muitas vezes se utilizava das instituições públicas para resolver pen-

dências privadas o que fazia com que qualquer discórdia privada se tornasse numa desavença

pública.

É neste contexto agrário e de práticas violentas que ocorrerá a morte de Pedro Afon-

so do Nascimento e que também se dará início a uma devoção popular que marcará a história

do município de Ribeirão do Largo.

1.2. Pedro Afonso do Nascimento a construção de um santo popular

No ano de 1925 o tranqüilo povoado de Ribeirão do Largo, haveria de presenciar um

fato histórico que marcaria para sempre aquela região, promovendo comoção social e influên-

cia sobre o cotidiano daquela população.

A história da Cova de Pedro teve início no dia 12 de abril de 1925 com a morte de

Pedro Afonso do Nascimento, mais conhecido como Pedro de Ana Rita (sua mulher) que fora

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brutalmente assassinado. Sabemos que este crime se tratou de crime de mando e que os seus

algozes Amaro e Tintino4 foram contratados com esta finalidade, conforme demonstraremos

adiante.

Os relatos orais sobre o ocorrido em todas as suas variações e com todas elas, quando

falam da forma impiedosa com que ceifaram a vida de um vaqueiro, convergem praticamente

para a mesma versão. E é esta forma de morrer, conciliada com outros fatos e principalmente,

com a idéia da eficácia, que vão criar uma simbologia em torno do homem Pedro que vão

conduzi-lo para o panteão dos santos populares.

Desde a sua morte, o local onde fora enterrado virou um centro de peregrinação

constante e romaria anual, transformando a Cova de Pedro, como é mais conhecida, como um

importante santuário local e em décadas posteriores, de certa importância econômica para o

município de Ribeirão do Largo.

Pelo fato da cidade não ter um potencial turístico de relevância, a Cova de Pedro,

passou a ser explorada pelo poder público municipal, enquanto área de lazer e promoção de

turismo. Todos os anos a Prefeitura Municipal de Ribeirão do Largo faz uma forte campanha

publicitária convidando a população local e as cidades vizinhas para as festividades juninas e

a Romaria da Cova de Pedro. Na Cova de Pedro, no dia 29 de junho, conforme veremos no

capítulo 3, armam-se barracas que vendem desde comida e bebida a produtos diversos, como

roupa, pratos, panelas, CD´s, entre outros; e milhares de pessoas todos os anos participam

deste evento, o que representa uma considerável animação para a vida comercial e social lo-

cal.

Pedro Afonso do Nascimento nasceu em 10 de maio de 1870 em lugar desconhecido

e viveu em Santa Rita de Minas (cidade localizada no sudoeste de Minas Gerais) onde se ca-

sou com Ana Rita Figueiredo com quem teve 4 filhos, dos quais os 2 primeiros filhos nasce-

4 – Tintino e Amaro eram irmãos e filhos de João de Mucinha. Eles moravam na região de Ribeirão do Largo. Mas infelizmente, não achamos dados orais, nem oficiais que nos fornecessem os nomes completos dos dois irmãos.

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ram nesta cidade. Djanira era a mais velha, Hugolino (apelidado de Aprígio) era o segundo,

Hermínio, o terceiro e Delotero, o caçula, estes dois últimos filhos nasceram em Encruzilhada,

em 1907 e 1910 respectivamente. Não sabemos ao certo o ano da chegada de Pedro e sua fa-

mília em Ribeirão do Largo, mas, deduzimos, com base no nascimento de Hugolino (1905,

em Santa Rita de Minas) e de Hermínio (1907, em Encruzilhada) que eles tenham chegado a

Ribeirão do Largo entre os anos de 1905 e 1907.

Figura 02 – Pedro Afonso do NascimentoFonte: Sr. Júlio Ferreira Dutra.

Segundo o filho caçula de Pedro, Sr. Delotero Afonso Figueiredo de 98 anos de ida-

de, a sua família teria saído de Santa Rita de Minas por causa de um crime cometido pelo seu

pai, que foi para Ribeirão do Largo, a pedido do Sr. Juca, que era parente de Ana Rita, mulher

de Pedro. Chegando a Ribeirão do Largo, foi morar com Juca e Maria Gorda, sua esposa. Pe-

dro trabalhava como vaqueiro na fazenda de Juca e como ele também, era funileiro e sapatei-

ro, nas horas vagas exercia também estas funções.

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Pedro era um homem comum, como qualquer outro homem de um lugar pequeno em

plena década de 1920. Mas o que mudaria esta condição qualitativa de Pedro de homem co-

mum para a de um homem santo?

Na realidade, a história da morte de Pedro não é homogênea, ela possui diversas ver-

sões. Vamos partir da versão de Miguel B. M. Silva que entrevistou as pessoas mais velhas do

município de Ribeirão do Largo e publicou em forma de cordel A História da Cova de Pedro e

seus milagres em 1985, pelo fato dela ser em alguns aspectos, a mais reproduzida pelos fiéis

para que a partir desta, possamos inserir outras versões e concomitantemente buscarmos com-

preender quais os mecanismos encontrados na realidade que favoreceram a inserção de Pedro

na categoria dos santos populares.

Segundo Silva (1985), Pedro no dia 12 de abril de 1925, dia da sua morte, estava tra-

balhando na casa de Fonseca Alves Gusmão, fazendeiro da região; estava lascando lenha

quando chegaram dois camaradas perguntando se ele seria Pedro de Ana Rita, e logo depois

da afirmativa, foram logo dizendo que vieram buscá-lo com a finalidade de matá-lo. Amarra-

ram as mãos de Pedro e foram andando em direção a uma ladeira. No final dela, desamarram

as mãos de Pedro. A leitura de Silva, que não é clara, para esclarecer-nos como foi que mata-

ram Pedro, faz apenas uma sugestão que ele teria recebido pauladas, mas não diz que estes

golpes são a causa da sua morte e logo depois fala que ele foi obrigado a abrir sua própria

cova e assim consuma-se o assassinato.

O interessante deste cordel é que ele cita apenas a violência da morte de Pedro, mas

não detalha esta brutalidade, enquanto as demais versões populares como a do Sr. Joel Soares

Bonfim5 que veremos mais a frente, se prendem principalmente nos detalhes desta violência e

é principalmente nestes detalhes que encontramos certa unidade na história, onde a variação

da informação é praticamente inexistente.

5 – O Sr. Joel Soares Bonfim, 72 anos, católico, agricultor e morador de Vila do Café (Encruzilhada), distando uns 3 km da Cova de Pedro, conheceu a história de Pedro através de sua mãe que foi contemporânea dele.

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As versões que colhemos, em Ribeirão do Largo, com os devotos e com os mais ve-

lhos, sobre a história da morte de Pedro diferem em alguns pontos da contada por Silva. A

primeira diferença está no local onde Pedro estava trabalhando no dia da sua morte, Silva fala

da casa dos Fonsecas, a maioria das outras histórias fala que Pedro estava trabalhando na fa-

zenda São João, de propriedade de Juvêncio Gonçalves e uma minoria, que ele estava transi-

tando do povoado para a Cabeceira, uma região próxima do povoado ou em outra fazenda

qualquer da região. A segunda diferença era a atividade desenvolvida no momento da aborda-

gem. Silva, fala que ele estava lascando lenha, enquanto as outras afirmam que ele estava ti-

rando leite. A terceira e “última” diferença - é a mais importante para o nosso estudo, pois

esta está envolvida com uma áurea mística de muita valia para entendermos a construção do

mito - diz respeito quanto ao objeto utilizado para consumar o assassinato, Silva deixa nas

entrelinhas que foi à paulada que Pedro morreu, conforme citação abaixo:

“(...) Seguiu Pedro em direçãoDe uma enorme ladeiraSabendo que logo adianteLhe passavam a madeiraEle disse para os doisVou do barro fazer poeira(...).”(Silva, 1985:02)

Esta versão da morte à paulada é a mais sustentada pela maioria dos devotos, é a ver-

são mais reproduzida pelos informantes. Em outras, a faca teria sido o objeto utilizado pelos

assassinos para consumar o fato. Na realidade, só estes dois objetos são apontados pelos in-

formantes como armas do crime. Mas não teria sido qualquer faca, só a faca que era de pro-

priedade de Pedro poderia matá-lo. E mesmo à paulada, a sua morte só aconteceu porque ele

indicou que só poderia morrer com aquele objeto. Os bandidos já tinham tentado matá-lo de

revólver e de faca, sem sucesso.

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Este suposto poder de Pedro em vida fica evidenciado conforme o relato do Sr. Júlio

Ferreira Dutra6: “(...) mas ele também não era peco também não, ele tinha qualquer coisa com

ele (...), Pedro era curado. Meteu a arma nele, não deu tiro; meteu a faca, a faca dobrou, ma-

tou de pau (...)”. O que fica demonstrado nesta fala é que existe toda uma simbologia em tor-

no de Pedro que já não é mais visto como homem comum, mas agora ele está revestido de

algo sobre-humano. Se ele tinha poderes em vida, certamente os terá depois de morto. E esta

ligação em relação aos poderes demonstrados por ele em vida através dos fatos levantados

acima, acrescentados a estes o fato dele ser um bom rezador está evidenciada também na fala

de D. Ana Teixeira Ribeiro7: “(...) bom rezador, ele rezava as pessoa e as pessoa tinha fé, daí

se anodou né, depois veio a morte, aí o povo começou fazer promessas (...)”.

Em alguns casos acrescenta-se ainda que o corpo de Pedro foi encontrado com os

paus, as armas do crime, disposto em seu corpo de forma que eles formassem uma cruz. E

esta ligação com a cruz é de suma importância, pois representa que sua morte não foi à morte

de uma pessoa comum, mas de um mártir cristão, dado o sofrimento que passou. Simbolica-

mente o martírio sofrido por Pedro, - “(...) homem bom tinha o coração bom, não ofendia nin-

guém, matou ele de perversidade mesmo (...)” afirmou D. Ana Teixeira - antes de sua morte e

a cruz em seu corpo faz uma clara ligação ao cristianismo, o que por si só já evidencia uma

morte não merecida e comparada a de Cristo em certo sentido, uma vez que houve uma morte

acompanhada de sofrimento junto com a cruz, que apareceu de forma misteriosa. Quem teria

colocado os paus neste formato? Dificilmente os assassinos teriam feito isso, levando a ima-

ginação do povo a pensar que seja algo produzido pelo sobrenatural.

“(...) Ele abria (a cova) e sentiaUma dor no coraçãoMas Deus lá nas alturas

6 - Sr. Júlio Ferreira Dutra, 72 anos, pequeno comerciante, morador de Ribeirão do Largo, católico e devoto de Pedro.7 - D. Ana Teixeira Ribeiro, aposentada, 82 anos, moradora de Ribeirão do Largo, devota e católica.

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Estava com grande compaixãoPois, hoje sua cova é santaE tem muita adoração (...).Cada um traz um problemaPara Pedro solucionarEle dar soluçãoAntes de você contarIsso só faz vocêMuito mais acreditar (...).”(Silva, 1985:02)

Esta ligação simbólica utilizada por Silva entre Pedro, sofrimento, inocência, morte,

Deus e compaixão aliados à idéia da cruz e da eficácia, são elementos que de acordo com a

visão de mundo dos devotos são suficientes para justificar a santidade de Pedro, ou seja, é

santo porque estão presentes estes elementos, sofrimento, inocência e a idéia da eficácia prin-

cipalmente.

Para Correia (2003) não seria apenas o exemplo de uma vida pura e voltada para a

doação e o ascetismo que tornaria possível a elevação de um homem ao panteão dos santos

populares. Segundo a autora, “(...) é muito mais a maneira como se deu a morte que possibili-

ta o reconhecimento do santo (...)”.

Em concordância com a autora entendemos que a forma da morte abre a possibilida-

de do reconhecimento do santo, pois este tipo de morte causa grande impressão nas pessoas e

estas podem começar a fazer petições para algum indivíduo que tenha passado por este tipo de

morte. Mas não acreditamos que somente a morte violenta e inocente do homem seja suficien-

te para lançá-lo ao rol dos santos populares, pois se assim fosse, como se explicaria tantas

mortes violentas e inocentes ocorridas no Brasil que não se transformam em objetos da devo-

ção popular? Neste sentido, defendemos que para o catolicismo popular não existe santo sem

a idéia de milagres. Sendo assim, vemos os demais elementos como o sofrimento e a inocên-

cia, por exemplo, como elementos que servem mais para acomodar a devoção a própria visão

de mundo dos devotos e também para justificar sua devoção a determinado santo, do que para

elevá-lo a categoria de santo. Como é o caso da devoção em Pedro, pois ele sofreu, morreu de

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forma inocente como o próprio Jesus Cristo. Estes elementos neste sentido, serviriam de justi-

ficativa da devoção em Pedro como sendo uma devoção cristã; entretanto, não foram estes

elementos que o transformaram em santo, mas sim, os milagres e graças realizados por ele

que lhe conferiram esta autoridade. Porém, a idéia de eficácia não é somente um privilégio do

cristianismo, ela também existe em outras religiões. E por que se busca alguns santos em de-

trimento de outros, por exemplo? O que limita esta busca? Pensamos que seja, exatamente, a

identificação e ligação que o devoto faz do santo com sua própria religião. Por isto, no caso de

Pedro Afonso, a importância da relação entre morte violenta, inocência e a cruz, são simbolo-

gias fundamentais para legitimar a devoção como sendo uma devoção cristã.

Segundo Sáez (1996), explicando o surgimento de diversos santos populares, se de-

tendo aos cultos nos cemitérios em São Paulo capital, afirma que: “os santos nascem e cres-

cem em vários sentidos (...).” E como exemplo, ele cita que a proximidade com o Além atri-

buídas às crianças fazem com que as pessoas passem por seus túmulos e deixem pequenas

oferendas e pedidos que se respondidos, podem dar origem a um pequeno culto. Desta forma

a idéia defendida pelo autor e que concordamos, mesmo no caso de exemplos de morte vio-

lenta estudadas por ele, é que os cultos surgem em torno de determinado indivíduo, somente,

após a consecução dos pedidos, ou seja, deve estar presente a idéia da eficácia, tanto para o

surgimento quanto para a permanência do culto.

Existe no senso comum um conhecimento que afirma que o bem vence o mal. Mas

como o bem venceria o mal no caso de Pedro? A única maneira possível de isso acontecer

seria a sua santificação diante da impossibilidade de se fazer justiça. Esta foi à mesma manei-

ra encontrada pelos devotos de João Relojoeiro que em resposta a sua morte violenta e cheia

de sofrimento, acusado por um crime que não cometeu e provavelmente utilizado como bode

expiatório por parte da elite da cidade de Uberlândia-MG na década de 50, foi perseguido,

torturado e morto, mesmo sendo inocente. Como absolvê-lo? A resposta da população foi a

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mesma dada a Pedro, a santificação. (Correia, 2003) Ou seja, embora o mal encarnado em

João Relojoeiro tenha sido, de certa forma, diferente do de Pedro, ambas as mortes foram cau-

sadas pelo mal, a resposta popular para vencer este mal seria a elevação de ambos ao panteão

dos santos populares.

Só em três fatos a maioria das versões da morte de Pedro se cruza. No primeiro, qua-

se todas elas (versões) relacionam a morte dele com a traição da sua esposa Ana Rita. Na sua

grande maioria as versões falam de que ela teria traído ele com um ou dois dos filhos de um

fazendeiro da região conhecido pelo nome de Juca, casado com Maria Gorda. Elas não indi-

cam o parentesco de Juca com Ana Rita, nem muito menos que Pedro e sua família moravam

na fazenda deste fazendeiro8, o que nos foi elucidado pela entrevista do Sr. Delotero, confor-

me citamos anteriormente. Quando as versões não relacionam a traição com a morte de Pedro,

elas não relacionam acontecimento nenhum, como foi o caso da neta dele Sra. Maria Lúcia,

que apenas disse que se tratou de crime de mando. O que é compreensível por se tratar de um

membro da família e que talvez ela não quisesse expor sua avó Ana Rita. O segundo fato onde

há cruzamento das versões é o nome dos assassinos Amaro e Tintino que são apontados por

todas elas como autores do crime. Eram irmãos e moradores da região, bem conhecidos pela

comunidade local da época. Embora o parentesco dos dois não seja algo unânime já que al-

gumas versões apontam origens diferentes para eles. O terceiro e último fato unânime nas

falas dos informantes é a tortura e o sofrimento que Pedro teve que passar até a sua morte. É

bem verdade que em algumas falas existe uma certa variação da dor a que ele foi submetido,

mas em todas elas fica evidente que ele teve uma morte com requintes de crueldade.

Pedro Afonso do Nascimento morreu no dia 12 de abril de 1925; o seu corpo foi en-

contrado 3 dias depois da sua morte, enterrado em cova rasa e com partes do corpo de fora

(Silva, 1985). O que teria facilitado a sua localização por causa dos urubus que rondavam o

8 – Conforme depoimento do Sr. Delotero, filho de Pedro e Ana Rita, os seus pais moraram na fazenda de Juca e Maria Gorda até se separarem.

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local, além de outra versão assinalar que foram as marcas do sangue deixado pelo caminho

graças as torturas que ele veio sofrendo que apontaram a localização do corpo.

Não sabemos ao certo como foi que chegaram aos nomes dos autores do crime, pois

só em uma versão (a do Sr. Joel) a saída de Pedro com Amaro e Tintino foi presenciada por

uma mulher de nome Margarida que era a dona da fazenda onde Pedro estava trabalhando no

dia da sua morte. Esta versão do Sr. Joel foi reforçada pela versão do Sr. Delotero que nos

disse que Ana Rita, separou-se de seu pai (não alegou os motivos da separação) e que ele após

a separação, foi embora da fazenda de Juca e Maria Gorda, indo morar na fazenda de João

Pelado (primo carnal de Ana Rita) que era casado com Dona Margarida, onde Pedro teria sido

abordado pelos criminosos. A sua mãe teria ido morar em Macarani com a sua irmã Djanira.

A traição, possivelmente, é fato verídico, pois só um fato muito grave levaria os dois a saírem

da fazenda de Juca (envolvimento dela com o/os filhos de Juca). Pois, podemos até conceber a

separação, mas a saída dos dois da fazenda de Juca que os acolheu e que, segundo Delotero,

teria ajudado seu pai a se defender do crime cometido em Santa Rita de Minas é algo no mí-

nimo estranho. Outro fator estranho é o crime que Pedro teria cometido em Santa Rita de Mi-

nas-MG, em Ribeirão do Largo ninguém mencionou nada sobre este fato e demonstraram

total desconhecimento sobre o assunto.

Uma outra versão bem presente na memória do povo, fala de uma vaca que teria sido

dada para os assassinos como pagamento da empreitada, esta foi vendida para um açougueiro

de Ribeirão do Largo que ao abatê-la, ela se desmanchou em sangue e o restante da carne que

sobrou amanheceu podre – a questão da vaca também é um fato simbólico de grande valia na

fundamentação da santidade de Pedro, pois demonstra a ação do sobrenatural na vaca para

que ela se desmanchasse em sangue e apodrecesse - levantando a suspeita sobre os “irmãos”.

Na versão de Silva (1985) não se fala como ele chegou aos nomes dos assassinos.

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De qualquer forma, o nome deles está presente em todas as versões, embora como

contratados para este fim. Então, quem seria o mandante da morte de Pedro? As versões popu-

lares quando apontam para o mandante do crime citam Juca e Maria Gorda como os contra-

tantes dos pistoleiros; e em uma outra versão, sustentada apenas pelo Sr. Júlio Ferreira Dutra,

o mandante do crime teria sido a comadre de Pedro. Segundo Sr. Júlio, Pedro tinha mandado

Ana Rita embora após o adultério, dizendo que se ela voltasse para Ribeirão do Largo ele a

mataria. Ela foi embora para Macarani, morar com a filha Djanira (até aqui esta versão é sus-

tentada pela fala de Delotero). Tempos depois retornou para Ribeirão do Largo e no povoado

se encontrou com Pedro. Ainda segundo Sr. Júlio, Pedro saiu atrás dela com um facão na mão

para matá-la e ela entrou correndo na casa da tal comadre. Em respeito a comadre, Pedro foi

embora sem concretizar o seu juramento. Mas como a comadre teria ficado com medo de Pe-

dro realmente matar Ana Rita, ela contratou os pistoleiros para matá-lo.

O interessante é que poucos reproduzem estes fatos contados acima - pelas duas ver-

sões - de quem teria sido o mandante do crime. Tanto a versão que aponta Juca e sua esposa

quanto à da comadre, são praticamente desconhecidas dos devotos. Talvez, o que motivou o

esquecimento de quem teria sido o mandante do crime, teria sido ocasionado pelo escândalo

social do fato, pois ambas as versões apresentadas aqui, trata-se de adultério e morte entre

parentes; neste caso seria melhor abafá-lo, o que de fato foi feito. Provavelmente isto explique

todas as atenções canalizadas para os pistoleiros citados, exaustivamente, pelos devotos.

Os assassinos de Pedro foram perseguidos e assassinados por ordem, provavelmente,

dos fazendeiros Juvêncio Gonçalves e João Alves, principais autoridades da região. Às vezes

as fontes orais citam um, às vezes citam o outro fazendeiro como organizador da caçada e da

morte dos pistoleiros. O Sr. Delotero e a maioria das fontes orais citam o fazendeiro João Al-

ves - homem valente e temido na região - como o mandante das mortes dos pistoleiros. Se-

gundo as fontes citadas acima, João Alves morava vizinho de Juca e que teria desenvolvido

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certa relação de amizade com Pedro e do qual gostava muito, além disto, ele teria sido procu-

rado por populares que lhe pediram para intervir no caso, possivelmente, devido à popularida-

de que Pedro teria na região.

Não existe nenhum registro oficial sobre a morte de Pedro, nem muito menos um in-

quérito policial foi aberto após a sua morte. E como Ribeirão do Largo naquela época não

tinha policiamento efetivo eram os próprios fazendeiros que faziam valer a lei, por isso, infe-

rimos com base nos depoimentos orais, que estes tomaram a atitude diante do ocorrido, man-

dando perseguir e executar Tintino e Amaro.

Com base nos relatos, podemos inferir que no período próximo a separação de Pedro

Afonso e Ana Rita, eles moravam na fazenda de Juca e Maria Gorda (parentes de Ana Rita),

juntamente com um dos seus 4 filhos, o Hermínio. Pois Delotero alguns anos antes fora morar

com um dos seus tios em Almenara-MG, onde terminou de ser criado. Djanira e Hugolino já

eram casados neste período. Ana Rita traiu Pedro com um ou dois dos filhos de Juca e Maria

Gorda. A traição levou o casal a se separar. Depois do adultério, os dois foram embora da

fazenda de Juca. Ana Rita e o seu filho, Hermínio, foram morar com Djanira, sua filha, em

Macarani-Ba e Pedro foi morar na fazenda de João Pelado (primo carnal de Ana Rita) e Mar-

garida. Foi nesta fazenda que Pedro foi abordado e levado pelos irmãos Amaro e Tintino. No

meio da mata, foi obrigado a abrir a sua cova, sendo executado e enterrado.

Não sabemos se Pedro descobriu o adultério, pois há divergência de opiniões entre os

entrevistados. Mas de todo modo, as falas que apontam Juca e Maria Gorda como mandantes

do crime têm uma maior sustentação do que a apontada pelo Sr. Júlio. Primeiro, porque ele foi

o único que apontou a comadre de Pedro como mandante, enquanto os demais informantes

apontaram o casal de fazendeiros como mandantes do crime. E em segundo lugar, eles (Juca e

sua esposa) tinham, de fato, um motivo direto para mandar matar Pedro. Tinham medo que

Pedro quisesse fazer justiça e atentasse contra a vida de seu(s) filho(s). Não importa se Pedro

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tomou ou não tomou conhecimento do adultério, mas uma coisa é certa, conviver com a pos-

sibilidade dele saber do acontecido ou de descobri-lo, não seria nada confortável para a famí-

lia dos rapazes, principalmente, porque eles sabiam do assassinato cometido por Pedro em

Santa Rita de Minas-MG. E este seria um bom motivo para se acabar de uma vez por todas

com o problema. Principalmente se tratando de filhos, pelos quais os pais não medem esfor-

ços para protegê-los.

Para resgatar o sofrimento de Pedro vamos nos utilizar da fala do Sr. Joel9, católico e

devoto, por ter sido a versão que abarcou todas as outras e nos deu uma riqueza em detalhes

que até então não tínhamos encontrado:

“(...) Já saiu com ele algemado subiram a ladeira, já botou os animal pra pi-sar nas pernas dele, nas costas,... ele caiu os animal acabavam de pisar mais, é certo que já foi judiando dele até chegou no assentado, quando chegou no assentado encima largaram a estrada, o carreirinho que vinha pra que pro Largo e entraram na chapada com ele, quando chego perto da onde ta sepul-tado, cortaram as madeirinha, que eles trouxe o cavador e disse: agora você vai abrir sua cova aqui que é pra você ser sepultado aqui, mas ele já vinha muito machucado, ele abriu a terra mole, mas ele não pode, só abriu pra lá e pra cá mal mal, só arou a terra, acabaram de matar ele de pau, e jogaram ele na covinha rasa e acabaram de completar de folha seca, completou de folha seca aí sumiu aí. (...).”

A morte trágica e a inocência de Pedro são apontadas por alguns devotos como fator

determinante para a sua santidade. Contudo na prática, observamos que existe um outro fator

que sobrepõe a idéia de morte trágica e inocência para se definir Pedro como santo. Quando

perguntamos ao Sr. Lourival Teixeira Ribeiro10, por que ele acreditava na santidade de Pedro,

ele nos respondeu: “(...) ele é santo por causa da fé e porque deu certo (...)”.

Segundo Malinowski, (1984:87):

“(...) o mito é a conseqüência natural da fé humana, porque cada poder deve dar indícios da sua eficácia, deve atuar e saber-se que atua, se pretende que

9 - Ibidem 5.10 - Sr. Lourival Teixeira Ribeiro de 42 anos, fazendeiro, católico, devoto de Pedro e morador de Ribeirão do Largo.

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as pessoas acreditem na sua virtude. Cada crença gera a sua mitologia, pois não existe fé sem milagres (...)”

Seguindo a idéia do autor, poderíamos afirmar que Pedro é santo não por causa da

morte trágica, mas porque ele escuta e responde as preces. Não somente escuta, escuta e tem

poder de interferir na realidade. Então, a resposta a sua santidade está na sua eficácia de aten-

der aos pedidos dos devotos e na experiência com o sobrenatural gerada através desta relação.

Que ao mesmo tempo em que cria fé, vai recriando-a através das diversas outras experiências

que vão acontecendo ao longo dos anos da vida do devoto. A cada nova experiência, o devoto

vai se aprofundando cada vez mais na fé e na devoção ao santo, não importando para este as

teorias em contrário, pois nada que se diga pode eliminar da sua vivência a experiência que

um dia ele teve e que o levou a tantas outras que para ele são provas irrefutáveis de que o so-

brenatural existe, pois ele na sua experiência o pôde senti-lo.

A experiência do Sr. Israel Paixão Souza11 é um bom exemplo para confirmar a idéia

defendida acima. Ele nos relatou que no ano 2001 veio para Ribeirão do Largo de férias, na-

quela época ele morava em São Paulo capital. E no dia 29 de junho percebeu uma movimen-

tação em direção à Cova de Pedro e encantou-se com a fé demonstrada pelo povo e ali fez

uma promessa a Pedro pedindo para que o santo o tirasse da cidade de São Paulo e o trouxes-

se para Ribeirão do Largo. Se a vontade dele fosse atendida, ele acenderia algumas velas, re-

zaria alguns terços e soltaria fogos em agradecimento a graça recebida. No mesmo ano ele

veio embora para Ribeirão do Largo, pagou sua promessa e virou devoto do santo. Esta tradu-

ção da fala de Israel demonstra muito bem a força da eficácia e da experiência que esta intro-

duz no indivíduo, que fez um pedido sem muita esperança de ser atendido, ao ser concretizada

a sua vontade, logo se tornou devoto do santo e hoje é um dos organizadores – a serviço da

Igreja Católica local, pois é ela que fica encarregada de dar suporte logístico humano à festa -

dos festejos do dia 29 de junho na Cova de Pedro.

11 - Sr. Israel Paixão Souza, 25 anos, católico, funcionário público, morador de Ribeirão do Largo.

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Os pedidos feitos a Pedro Afonso são variados, os devotos pedem: a volta do marido,

a concretização de uma aposentadoria, dinheiro para diversas finalidades, cura, acabar com o

vício de um filho ou de ente querido, enfim, pedem ajuda para qualquer mazela da vida. Re-

produziremos abaixo três cartas encontradas - e transcritas por nós - na Casa dos Milagres no

dia 13 de outubro de 2006 e duas cartas encontradas no dia 12 de setembro de 2007 (conforme

anexo) - elas, provavelmente, foram deixadas lá durante o ritual de visitação destes respecti-

vos anos - que confirmam a afirmativa acima e que demonstram muito bem a força da fé, di-

ante de momentos turbulentos e de incertezas da vida.

Primeira carta:

“São Pedro muito conhecido como cova de Pedro com a fé que eu tenho no senhor eu te peso de todo coração traga meu marido de volta o pai do meu fi-lho ele se chama R. ou Duti. senhor e que eu tenha um bom parto eu tenho muita fé e se ele volta para mim e nosso filho o ano que vem eu vou queimar um maço de vela e reza um pai nosso meu nome é G.S.S. ou Gaza obrigada senhor”.

Segunda carta:

“alma santa pesso ele para tirar abebida de me filho que eu não estou a guen-tando mais so mesmo Deus para da jeito nos visos de meu filho para tirar es-sas violecia de meu filho V.G.S. si deus abençoa que ele seja felis eu mando um masso de vela para sender na cova santa na tenção do anjo, dele na ate-cão da alma santa também.”

Terceira carta:

“Eu O.O. pede uma ajuda pelo santo São Pedro, para que ele possa ajuda-lo mim, em uma coisa muito preocupado da minha vida, São Pedro eu O. lem-brei mim, do Senhor, e resolvi pedir ajuda pelo Senhor. Poricio, São eu vim visitar a Rumaria do Senhor, São Pedro e trazer esta carta para o Senhor mim ajudar converçar normal, porque eu estou muito gago e eu me sinto como um infeliz, poricio eu queria que o Senhor fazesse um milagre para mim e meus irmãos também eles não sabe o que fazer então eu também não sabia mas pencei muito no Senhor São Pedro, pencei também na arrumaria do Se-nhor Bom Jesus mas axei que era mas difícil para mim visita-lo, em tão o

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Senhor possa mim ajuda-lo porque é mas perto e o Senhor também é mila-groso. (...) Só o Senhor pode fazer isso por mim por que o Senhor Jesus e o mais poderozo mas ele pode nos ajuda-lo também. Só que onde ele esta situ-ado é muito longe, ele esta aqui ente nós mas o melhor é visitar a lapa donde ele esta mas situado então Senhor São Pedro muito obrigado pelo contar com o Senhor e o Senhor vai nos ajuda-lo. Muito obrigado mesmo ta Senhor São Pedro: e também mim da sorte e tudo que eu quizer São faça uma força por mim por que eu também sempre lembrado do Senhor. Boa visita pelo Senhor São Pedro.”

Quarta carta:

“Saldações.Para você Pedro. Perdoime por não poder ir ai mais porissi escrito ti pesso uma coisa muito importante para mim Pedro mim ajude a conseguir a guarda do meu filho me outro ano si nois tiver com vida e saúde nos vamos ai. O-brigado ass: Luciene.”

Quinta carta:

“São Pedro.Eu estou lhe mandado esse recado em agradecimento por tudo pelo senhor ter realizado a minha promessa. Eu estou feliz porque eu estou feliz porque estou com saúde graças a Deus. Eu estou muito triste por eu não ter podido ir visita-lo mais eu te agradeço muito. São Pedro eu te pesso não deixe que eu sofra mais não por favor o que eu passei com aquela criatura. O ano passado foi um exemplo grande que até hoje eu sinto. Coloque en meu caminho uma pessoa que mim ama de verdade e que eu amo também não deixa eu sofrer tanto mais não. Olha Senhor São Pedro se o senhor mim ajudar que apareça de uma vez o amor da minha vida e também que eu passe de ano e eu Cleide esteje com vida e saúde para o ano que vem eu irei visita-lo mais eu queria ir acompanhada com o passeiro que primeiramente Deus e com a ajuda do Se-nhor que vai arrumar pra mim. São Pedro eu estou com muita fé em Deus e no Senhor eu sei que os meus pedidos vão ser realizados é por isso que para o ano eu irei levar um maço de velas para queimar em sua igrejinha e irei soltar uma caixa de fogos só de alegria e quero agradecer por tudo muito o-brigado (...) estou mandado um maço de vela para queimar pra iluminar a sua alma. Termino com muito amor e saudade sua bença! São Pedro de sua devota C.S.J.”

Conforme dito anteriormente, verificamos nestas cartas que os pedidos feitos a Pedro

são variados. Na primeira, a Sra. G.S.S pede ao santo para que ele traga o seu marido de volta

para casa; na segunda, um(a) desconhecido(a) aflito(a) pedindo um milagre na vida do filho

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para que ele largue a bebida e a violência e seja feliz; na terceira, percebemos O.O, um ho-

mem angustiado diante de uma dificuldade na sua fala (gago) que atinge também seus irmãos,

pelo fato deles sofrerem por se verem impotentes diante do problema do irmão, o que causa

mais dor e sofrimento a O.O.; na quarta, encontramos a Sra. Luciene desculpando-se com

Pedro por não ter ido a sua cova e pedindo a guarda do filho; e na quinta, encontramos C.S.J.

agradecendo pelas bênçãos já recebidas e pedindo a ajuda para que ela consiga arrumar um

marido e não venha mais a sofrer no amor.

Todas estas cartas são bons exemplos de como estes devotos vêem o mundo. O mun-

do para eles foi construído por Deus e por tanto, administrado por Deus, anjos, santos, etc.,

então, diante das dificuldades normais da vida, apelam para aqueles que possam socorrê-los,

neste caso específico, apelam para Pedro Afonso por este já possuir uma existência definida.

A necessidade de buscá-lo passa a ser também, uma necessidade de sair do desespero e da

desordem para integrar-se na ordem. Outro aspecto interessante demonstrado nestas cartas é a

cumplicidade existente entre o devoto e o santo. Onde o primeiro se compromete em lembrar-

se constantemente do santo, desde que ele responda seus pedidos, ou pelo menos alguns deles.

Caso contrário, o santo correrá o perigo de perder sua autoridade, correndo o risco de esque-

cimento e do total desaparecimento. (Mauss, 1988)

Esta relação de troca estabelecida entre devoto e santo, percebidas nas cartas citadas

é uma prática muito comum no mundo social. Ao recebermos um presente, por exemplo, au-

tomaticamente, nos sentimos obrigados a também dar um presente a pessoa que nos presente-

ou ou imediatamente ou em data que tenha algum sentido para o presenteador. Desta forma, a

dádiva e a troca é um fenômeno puramente social que, à primeira vista, se apresentam de for-

ma voluntária, mas no fundo, se revelam, de forma rigorosamente obrigatórias.

Mauss (1988:58) afirma que a recusa de doar, de convidar ou a recusa de receber são

atos que equivalem a declaração de guerra; “(...) é recusar a aliança e a comunhão (...)”. Nas

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cartas percebemos através dos discursos dos devotos que existe entre eles e Pedro uma aliança

e comunhão, como nos descreve Mauss, aliança demonstrada pela confiança que os devotos

apresentam na realização dos seus pedidos, principalmente, demonstrada através da retribui-

ção que é oferecida ao santo e o constrangimento causado por não ter visitado o santo, con-

forme carta 4 e 5. E a comunhão é representada pela própria petição que em si mesma já de-

monstra certa familiaridade entre o devoto e o santo, que é acionado todas as vezes que o de-

voto achar necessário. Ambos, santo e devoto convivem em um estreito relacionamento, onde

o primeiro “(...) está ali para dar e retribuir uma grande coisa no lugar de uma pequena coisa”.

Uma outra relação percebida, somente, na carta de número 3, mas reforçada por ou-

tros devotos através das entrevistas, é a relação que estes fazem, entre o santuário de Pedro e o

santuário de Bom Jesus da Lapa. Há, obviamente, uma preferência pelos devotos de Pedro

pelo santuário da Lapa. Tirando os devotos do município de Ribeirão do Largo que devido a

proximidade com o santuário de Pedro não precisam optar – devido a causas financeiras - em

visitar um ou o outro santuário. Os demais devotos que conversamos quando tinham condi-

ções financeiras preferiam ir a Bom Jesus da Lapa e quando não, iam ao santuário de Pedro.

Vale a pena ressaltar que esta preferência por Bom Jesus da Lapa não se configura no imagi-

nário do devoto uma competição entre os dois santuários, pois para eles lá na Lapa, conforme

a própria carta de número 3 nos diz, é onde eles podem se encontrar com Jesus cristo. Desta

forma, suas petições poderiam ser feitas de forma direta a Jesus, “(...) por que o Senhor Jesus e o

mais poderozo (...)”, não havendo necessidade de intermediário, como seria o caso da visita ao

santuário de Pedro que serviria de intermediário entre o devoto e Deus. Neste caso a opção é

por Jesus, pois ele também é o próprio Deus e no imaginário popular é como se o próprio

Cristo fosse encontrado por eles no santuário do Bom Jesus da Lapa, a preferência por este

santuário, então, é advinda desta idéia.

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Diante do exposto, tudo indica que a relação desenvolvida entre os devotos e Pedro

está relacionado, mas pela proximidade do santuário do que por uma possível identificação do

modo de vida dos devotos com a de Pedro, como nos descreve as pesquisas de Correia (2003)

que identifica a devoção a João Relojoeiro em Uberlândia-MG como uma maneira dos devo-

tos se verem através dele, injustiçados e caluniados, demonstrando que esta devoção teria uma

característica de resistência das camadas mais pobres. E a de Alves (2006) que vê na relação

dos devotos de Jararaca, no Rio Grande do Norte, uma forma de autojustificação dos devotos,

pois a partir do momento que o cangaceiro Jararaca sendo mal, conseguiu absolvição pelos

seus atos, quaisquer uns deles, também poderão conseguir absolvição pelos seus próprios atos

pecaminosos. Desta maneira, perdoar Jararaca seria uma forma de acreditar que eles próprios

serão perdoados após a morte.

Não conseguimos perceber na devoção em Pedro, a mesma relação descrita por Cor-

reia e Alves nas suas pesquisas. No nosso ponto de vista, há uma diferença marcante entre

estas devoções, principalmente, porque a devoção em Pedro é vista pelos seus devotos como

santuário católico – conforme veremos melhor no capítulo 3 - e a relação ente eles está muito

mais ligada na intermediação de milagres do que numa visão de se ver no outro, no caso aqui

específico, em Pedro Afonso do Nascimento. Não temos nenhuma fala que faça esta ligação

entre eles, como os autores citados acima, demonstraram em seus respectivos trabalhos.

Segundo Durkheim (2003:461), a verdadeira função da religião não está “(...) em nos

fazer pensar, enriquecer nosso conhecimento, acrescentar às representações que devemos à

ciência. Representações de uma outra origem e de um outro caráter (...)”, mas na realidade o

sentido da religião está em nos fazer agir, ou seja, nos fazer viver. O devoto que se põe em

contato com seu deus ou santo, percebe verdades novas que o incrédulo ignora; é um homem

que pode mais. O homem religioso tem mais força, seja para sair de situações de crises exis-

tenciais, seja para subjugá-las. Mas este sentimento de força não emana de um objeto qual-

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quer; é necessário que dele proceda “(...) forças superiores as nossas (...)” e que, de alguma

forma possamos nos misturar a elas fazendo com que penetrem em nossa vida interior. Para

tanto, se faz necessário, que nós entremos na sua esfera de ação para podermos sentir sua in-

fluência. Sendo assim, devemos repetir este ato todas as vezes que se fizer necessário para que

seus efeitos possam ser renovados. Daí a importância da repetição destes atos regularmente,

os quais constituem o culto.

E o papel determinante destes cultos em todas as sociedades se explica no fato, de

que é pelo ato que a sociedade se faz sentir, e só será um ato se os homens que a formam esti-

verem reunidos e agindo em comum. Sendo pela ação comum que a sociedade se conscientiza

e se assegura, sendo ela, sobretudo, uma colaboração funcional. Sendo assim, “(...) é a ação

que domina a vida religiosa, pelo simples fato de a sociedade ser a sua fonte.” (Durkheim,

2003:462)

Neste sentido, a explicação sociológica da religião não pode ser obstruída ou contra-

dita pela existência de cultos individuais, pois as forças religiosas que estes se dirigem são

formas particularizadas de forças coletivas. Sendo assim, ainda que “(...) a religião pareça

estar inteiramente no foro interior do indivíduo, é ainda na sociedade que se encontra a fonte

viva da qual ela se alimenta (...)”. (Durkheim, 2003:470)

Concordemos com a idéia de que os seres parecidos às mitologias realmente existam.

De toda forma, a ação deles sobre as almas só será possível se os indivíduos acreditarem ne-

les. Estas crenças só podem ser ativas se forem partilhadas. Desta forma, o crente sente a ne-

cessidade de compartilhá-la, se precisa espalhá-la não pode ficar isolado, então, se aproxima

dos outros com a finalidade de convencê-los, sendo desta maneira que, ao mesmo tempo, que

o crente cria um ardor das convicções que ele suscita nos outros, que ele fortalece a sua, ou

seja a dele se fortalece na medida que outros são convencidos e incorporados na sua própria

crença.

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Desta forma a devoção em Pedro é um ato religioso e por isso mesmo, a ação domina

esta devoção e como a sociedade é composta de atos, é nela que a religião encontra sua fonte.

Esta devoção é uma maneira dos homens se verem e se explicarem no mundo. Observemos o

relato do Sr. Edvaldo José dos Santos12:

“Aí nois adoeceu de sarampo, aí morreu uma irmãzinha da gente novinha né, aí a mãe da gente fez promessa, se nois não morresse mais daquela doença, que ela trazia nois na cova de Pedro, nois chegava tudo de joelho e nois che-go tudo de joelho ta... pagamos a promessa... ninguém mais morreu de sa-rampo. Neste tempo era tudo a capoeira, nem estrada tinha não, nois foi tudo a pé”.

Diante das mazelas do mundo construído, aqui exemplificado por uma doença que

causou morte, a religião – através da devoção em Pedro – projetou o mundo construído do Sr.

Edvaldo para um mundo mais abrangente, o sagrado. O qual justificou, legitimou e explicou

as suas mazelas. O que fica demonstrado através deste relato, é que o caos estabelecido nas

suas vidas - através da morte de sua irmã e na possibilidade dessas mortes continuarem - foi

apaziguado pela interferência do santo na vida real, interferência esta que só foi efetivada de-

pois da promessa da mãe do Sr. Edvaldo. Ou seja, como viver no mundo é viver no caos e na

desagregação, somente um esforço contínuo do homem pode tirá-lo desta desordem; por isso

a vida deve ser uma luta permanente para unir-se à ordem.

12 - Sr. Edvaldo José dos Santos, 32 anos, agricultor, morador da zona rural de Ribeirão do Largo, católico e devoto de Pedro.

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2. A Cova de Pedro e a Religiosidade Popular

Este capítulo tem como objetivo apresentar uma reflexão sobre a temática da religio-

sidade popular no Brasil, especificamente, a católica. Para tanto, buscamos compreender quais

foram os mecanismos que forjaram uma outra espécie de catolicismo, o popular.

Na medida em que os Estados Modernos iam se consolidando, os reis e a burguesia

trataram de empreender novas atividades lucrativas, buscando novos produtos e mercados

para solucionarem os problemas internos. Essa ânsia por lucros, impulsionou a procura do

caminho marítimo para o Oriente, as Índias, região produtora de mercadorias de luxo e espe-

ciarias, que acabou resultando no movimento chamado “Grandes Navegações”. Esse movi-

mento provocou também a conquista de terras até então desconhecidas dos europeus e a for-

mação de impérios coloniais.

Nesta mesma perspectiva, o texto de Marc Ferro (1996) nos fala sobre as expedições

realizadas pelos portugueses, espanhóis, franceses, holandeses, ingleses, russos e japoneses,

que desbravaram os oceanos com o intuito da expansão territorial e de controlar ou monopoli-

zar o comércio marítimo, além do provável interesse - por parte de alguns desses países - de

propagar o cristianismo. Foi neste contexto que os portugueses desembarcam no Brasil em 22

de abril de 1500.

Com o processo de conquista da nova terra, estabeleceu-se também o da ocupação. A

Coroa portuguesa doou terras para os fidalgos portugueses, com vistas à ocupação das terras

brasileiras, evitando desta forma a sua ocupação por estrangeiros que andavam rondando a

costa do Brasil. Durante este processo de colonização, inúmeras dificuldades se apresentaram

para aqueles que se aventuraram em aceitar a empreitada de se estabelecer na colônia. O pro-

cesso de colonização foi lento, mas aos poucos, as primeiras dificuldades apresentadas foram

sendo resolvidas e os portugueses conseguiram se estabelecer, principalmente no litoral brasi-

leiro. A ocupação do interior só será efetivada com a descoberta das minas, as quais serão

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sistematicamente exploradas pela Coroa portuguesa, que após descobri-las passará a exercer

um maior controle sobre essas regiões.

Nesse sentido, se configurou no Brasil durante a hegemonia portuguesa uma cultura

eminentemente local, o que diferencia a colonização portuguesa da hispano-americana, que

era mais centralizada. Segundo Hoornaert (1991:66) a vida brasileira neste período foi vivida

nos engenhos, nas fazendas de gado, fumo, algodão, cacau, mais tarde café, nas pequenas

minerações do século XVIII, nos aldeamentos missionários, nas vilas e – de maneira não-

conformista – nos quilombos de africanos foragidos. É nestes lugares que devemos procurar a

vida do Brasil português, nestes isolados estabelecimentos rurais bastante pobres e rudimenta-

res.

Mesmo no século XVIII com a descoberta de minas no interior, a cultura brasileira

ainda conservará o caráter local (patriarcal) e escravocrata da cultura anterior, apesar desta

cultura apresentar diferenças consideráveis e se passar em um ambiente mais urbano. Essa

mesma característica ainda alcançará as fazendas de café do século XIX e as usinas de açúcar

do século XX onde estarão presentes ainda os traços básicos de uma cultura que foi qualifica-

da de “patriarcal” “por autores como Oliveira Viana, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Ho-

landa e muitos outros”. (Hoornaert, 1991:67)

A cultura patriarcal é uma idéia aplicada pelos reis ibéricos como forma de justifica-

ção dos seus intentos nas colônias americanas. A conquista empreendida por estes reinos ca-

recia de legitimidade e justificação, tanto para os seus pares europeus como também para os

dominados. Segundo Hoornaert (1991:67):

“(...) a cultura patriarcal seria uma resposta ao angustiante problema da pos-se das terras americanas roubadas aos índios. Como dar ao português a im-pressão que o Brasil era seu? E como dar ao índio a impressão contrária? Is-so era básico. A propriedade portuguesa da terra brasileira tinha que ser legi-timada. Para tal intento, os juristas ibéricos (a teoria foi elaborada por espa-nhóis, não tanto por portugueses) recorreram a antigos simbolismos feudais. Eles imaginaram que o mundo inteiro era um feudo cujo senhor supremo –representante de Deus – era o papa. Desta forma inventou-se uma relação

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senhor-vassalo entre o papa e o rei de Portugal, assim como entre o rei e os donatários que “recebem” uma capitania. A mesma relação se estabeleceu entre o mesmo rei e os senhores de engenho (...)”.

Neste sentido, fica claro, que os espanhóis no processo de invasão e conquista da

América foram mais contestados do que os portugueses, resultando dessa falta de contestação,

maior facilidade dos portugueses no estabelecimento dos novos donos. Estes negavam os di-

reitos dos índios de forma tranqüila, aparentando não sofrer de nenhuma perturbação de cons-

ciência, o que demonstra a eficácia da teoria desenvolvida por parte da Igreja que era respal-

dada pelas coroas ibéricas e transmitidas largamente aos súditos e aos nativos. Os novos do-

nos da terra assimilaram bem a idéia transmitida pelas autoridades e se revestiram de legiti-

midade na posse das terras. “Diante dos novos donos da terra, a Coroa portuguesa promoveu

uma política de nobilitações; diante dos escravos, a política era paternalista e tutelar.” (Hoor-

naert, 1991:68)

Para salvaguardar a unidade na colônia e manter as lideranças locais atreladas aos

seus interesses, a Coroa adotou a política da nobilitação. Em relação aos índios e africanos

que forçadamente fizeram parte do sistema como mão-de-obra, as elites locais adotaram uma

política de impedimento de uma criação de classe por parte do dominado, onde se permitia a

manifestação cultural por parte dos diversos grupos étnicos, para que estes não viessem a es-

quecer-se “da raiva com que a natureza as desuniu”. (Hoornaert 1991:72) Dessa forma, pre-

servava-se a desunião entre os grupos, evitando uma consciência de classe do dominado e, por

conseguinte, facilitando a manutenção da ordem estabelecida. E uma outra forma encontrada

pelo sistema na busca da conformação da condição de dominado, foi à promoção individual

dos escravos, ou através da mestiçagem ou por meio de um tipo de nobilitação adequada aos

pobres. Afirma Caio Prado Júnior (1989:98): “A mestiçagem, que é o signo sob o qual se

forma a nação brasileira e que constitui, sem dúvida, o seu traço mais profundo e notável, foi

a verdadeira solução encontrada pela colonização portuguesa para o problema indígena.” Ou-

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tro meio de integração social, aplicado igualmente ao africano, foi a nobilitação adaptada. A

estrutura distribuiu “patente” de general, tenente, brigadeiro, coronel, governador de “nação”

a certos negros e mulatos de bom procedimento. Os casos de Henrique Dias e de Filipe Cama-

rão são conhecidos.

A finalidade de todas essas concessões por parte da Coroa e pelas autoridades locais,

era a conformação do escravo com o seu lugar na ordem social estabelecida, para que não lhes

causassem problemas, mas aceitassem a sua condição como vontade do Criador. E a maneira

mais eficiente para se efetivar esta conformação, era por viés religioso conforme nos diz Ho-

ornaert (1991:73): “Eis por que a religião sempre foi julgada ser necessária para a sua educa-

ção. O catolicismo tinha que entrar nos esquemas da cultura colonialista, ela tinha que ser

patriarcal também”.

O catolicismo do tipo patriarcal significa a sacralização da ordem estabelecida im-

plantada no Brasil pelos portugueses. Dessa forma, sua principal função consistia em impedir

que surgisse uma consciência de comunidade nos trabalhadores da colônia, tanto nos enge-

nhos, nas fazendas, como nas minerações. Este tipo de catolicismo desenvolvido no Brasil se

inclui na longa lista de religiões que estiveram a serviço do estado com a função de sacralizar

e assim perpetuar o poder dos estados. No Brasil, a “religião de estado” se constituiu por cir-

cunstâncias típicas de uma cultura desenvolvida em volta do engenho ou da fazenda: “o enge-

nho se tornou sagrado, o senhor de engenho também; o catolicismo estava a serviço do patri-

arca local.” (Hoornaert, 1991:74)

“Mas seria um erro encarar o catolicismo no Brasil unicamente como religião do Es-

tado”, fala Oliveira (1985:112), ressaltando que, embora a Coroa portuguesa tenha trazido

missionários e criado dioceses e paróquias, fazendo-as funcionar debaixo do regime do padro-

ado com vistas à conversão dos ameríndios e além de ter exercido todo um controle sobre o

sistema religioso na colônia, não é menos verdade, que o processo de implantação do catoli-

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cismo no Brasil se deu também pela ação dos colonos que introduzem no universo colonial, o

“catolicismo popular português”.

Esta mesma idéia é defendida por Weckmann (apud Neto: 2002) que afirma que o

português trouxe para o Brasil uma herança cultural herdada do mundo feudal. Dentre elas,

cita a “experiência mística, a organização eclesiástica e diversos aspectos da cultura popular,

máxime os que mais nos interessam, quais sejam, os religiosos”.

Neste mesmo sentido Huizinga afirma que no final da Idade Média, nota-se uma vi-

são “ultra-realista” da fé popular concernente a tudo que tem relação com os santos. Ele asse-

gura ainda que os santos:

“(...) se tornaram tão reais e familiares na religião corrente que se encontra-vam ligados aos mais superficiais impulsos religiosos. Enquanto a profunda devoção se encontrava ainda centrada em Cristo e sua mãe, uma multidão de crendices e fantasias enxameava em volta dos santos. Tudo contribuía para os tornar familiares e quase vivos. (1996:174)

Desta forma, apesar da colonização do Brasil ter-se passado na Idade Moderna, ele

acaba por receber dos conquistadores esta herança cultural ibérica fortemente marcada pelo

misticismo e pelo aspecto devocional independente.

Diversos foram os fatores que favoreceram o desenvolvimento de um catolicismo do

tipo patriarcal no Brasil, entre eles podemos citar: a política descentralizada do poder, adotada

pela metrópole, que desde o início delegou seus poderes para as mãos de donatários e de se-

nhores de engenhos locais em geral; o pouco interesse de Portugal pelo Brasil até o século

XVIII, quando terá início o ciclo das minas, além da fraqueza evidente da estrutura hierárqui-

ca no catolicismo colonial, que até 1676 contava apenas com um bispado e até 1889, com um

arcebispado, seis bispados e duas prelazias, o que demonstra fatalmente, que era o senhor lo-

cal mesmo, o maior interessado em promover a religião em seus domínios. Dessa forma, o

senhor procurava fazer aliança com algum padre e o submetia aos seus interesses. Devido à

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ausência de Roma na formação do catolicismo no Brasil, o senhor acabou por exercer a sua

influência sobre o padre transformando-o em mais um forte elemento a seu serviço, contagi-

ando religião com escravidão.

Na lógica do sistema escravocrata brasileiro, o senhor estava apenas reproduzindo a

mesma lógica já posta em ação pelo estado português: ambos utilizam-se da religião para con-

formar os dominados aos seus interesses.

No Brasil colônia só a Coroa tinha o direito de construir igrejas e capelas, mas a ri-

gor, o Estado português acabava fechando os olhos para quem infringisse esse direito, o que

lhe desobrigava do dever de manutenção dos serviços religiosos nesses centros, deixando seus

serviços a cargo da população local. A ausência de Roma no processo de evangelização e a

presença maciça de leigos à frente de irmandades, confrarias e nas ordens terceiras, favoreceu

a absorção por parte destes, de elementos religiosos de outras crenças, como do índio e do

negro, indivíduos que faziam parte do seu universo cultural. Brandão (1986) e Carvalho

(1992) acrescentam que, além da influência sofrida pelo catolicismo no Brasil dos símbolos

religiosos indígenas e africanos, somam-se a estes também, só que mais recentemente, na se-

gunda metade do século XIX, a dos espíritas kardecistas.

E mesmo os padres regulares – presentes mais na zona rural do que na urbana - não

sofriam diretamente, um controle por parte da autoridade eclesiástica central do Brasil, dada a

dificuldade de deslocamento que a colônia lhe imputava. Daí o desenvolvimento quase inde-

pendente que caracterizou o catolicismo nos primeiros séculos do Brasil e que favoreceu para

o não desaparecimento da cultura tanto do índio como do negro, que - devido a esta “ausên-

cia” de governo eclesiástico - acabou por misturar-se ao universo católico. Essa convivência

entre culturas diferentes forjou os traços do catolicismo popular, que segundo Oliveira

(1985:122-123), é:

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“O conjunto de representações religiosas desenvolvidas pelo imaginário po-pular a partir dos símbolos religiosos introduzidos no Brasil pelos missioná-rios e colonos portugueses, e aos quais se juntaram alguns símbolos religio-sos indígenas e africanos. Essas representações e práticas, por meio das quais, um sentido religioso é dado ao mundo e à vida humana, são o resulta-do da atividade anônima e coletiva.”

Diante do quadro de desenvolvimento descentralizado que caracterizou a dinâmica

do catolicismo brasileiro, a Santa Sé após a sua separação do Estado, buscou empreender me-

didas com vistas a retomar o controle dos fiéis que até então se encontrava nas mãos dos lei-

gos. Estas ações ficaram conhecidas na história como romanização do catolicismo brasileiro.

Segundo Oliveira (1985:275):

“Essa ruptura entre o aparelho eclesiástico e a massa de fiéis aparece no dis-curso clerical como um distanciamento entre a profissão de fé católica do povo e a doutrina da Igreja: o povo se diz católico, recebe os sacramentos, mas não conhece a doutrina da Igreja. Os discursos dos principais líderes e-clesiásticos da época colocam em evidência o tema da ignorância religiosa do povo, a ser combatida pelo aparelho religioso (...)”.

O aparelho eclesiástico desde a sua formação não teve forças para exercer um contro-

le efetivo sobre o desenvolvimento do catolicismo brasileiro - devido a diversos fatores já

discutidos aqui - o que favoreceu para o desenvolvimento do catolicismo popular, que encon-

trava nos beatos, beatas, rezadores, “monges”, capelães, etc., os seus agentes de base e que

gozavam de grande prestígio, sobretudo entre as massas rurais. Esta forma de se praticar o

catolicismo reproduzida por estes agentes e pela grande massa de fiéis era, para as autoridades

eclesiásticas, uma negação do catolicismo romano e não uma forma popular de se praticar o

catolicismo. (Oliveira, 1985:277)

Ainda, segundo Oliveira, somente há pouco tempo essa idéia de que o catolicismo

popular seria fruto da ignorância do povo foi contestada. Verificando-se que esta suposta ig-

norância não passava da falta de conhecimento da doutrina do clero. Como nos afirma J.

Comblim citado por Oliveira (1985:277):

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“O povo não se interessa pela catequese porque não sente falta de conheci-mentos religiosos. Nós achamos que eles estão precisando de catequese. Mas eles não se acham ignorantes em matéria religiosa. Ao invés, eles acham que, em assuntos religiosos, sabem todas as coisas necessárias para a vida... Na realidade, o povo não é ignorante da sua religião, desse catolicismo po-pular que se transmite por tradição oral de geração em geração desde os pri-meiros portugueses que o trouxeram há quatro séculos. O povo não conhece o catolicismo oficial da Igreja Católica, nem se preocupa por conhecê-lo... O povo não é ignorante da sua religião: é ignorante da nossa”.

Por outro lado, Fernandes (1982) afirma que a religiosidade praticada pelo povo não

é homogênea. Diante das diferenças sociais existentes dentro da sociedade brasileira, as práti-

cas religiosas não são isoladas em grupo de classe homogênea. Ao estudar a romaria ao santu-

ário do Bom Jesus de Pirapora, no interior de São Paulo, o autor diz que as religiões populares

no Brasil constituem um cenário variadíssimo, em que se faz necessário optar por algum prin-

cípio simples que permita falar do conjunto sem que se perca o fio da meada. Como todo con-

ceito, a idéia de religião popular serve para esquematizar a realidade e agir em seu interior,

valorizando certos aspectos em prejuízo de outros.

Em consonância com Fernandes, Reesink (2007:322) afirma que não se pode separar

a religião em classes pois ela “as engloba e as transcende, isso se constitui uma das suas ca-

racterísticas mais fascinantes”.

Para Brandão (1986:298) a religião popular “é a parte subalterna de um trabalho

simbólico e político no setor religioso”. Embora discordemos desta afirmativa de Brandão,

pois como Fernandes e Reesink, não conseguimos perceber as práticas religiosas de forma

isoladas em um grupo de classe homogênea, por outro lado, concordamos com Brandão

(1986) na sua analise das tensões entre os campos erudito e popular, quando afirma que a re-

lação que o erudito mantém com o popular é para negá-lo, ajustá-lo, clareá-lo, de acordo com

sua visão de mundo, da verdade que prega e defende. Enquanto o popular tem no erudito mais

uma opção para se reconhecer e se relacionar com o mundo visível e invisível, “(...) toma-o

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como complementar ao seu modo (limitado) de ser, sem deixar de reconhecer que também o

erudito tem limitações”. (Silva, 2003:37)

Como observou Steil (1996), o social e o religioso não são consensuais. Entre eles

existe uma contradição e ambigüidade, onde se privilegia os conflitos e olha-se o social como

um drama, uma arena de forças em luta, no caso, para situar os sentidos do culto da romaria

de Bom Jesus da Lapa, na Bahia. A pluralidade de sentidos retida pelo catolicismo nos dife-

rentes campos de práticas e crenças, fica mais clara em grandes períodos da religiosidade co-

mo os rituais de peregrinação, por causa de sua natureza de reunir as várias significações dos

símbolos religiosos. O autor nos diz ainda que através das romarias, os diversos sentidos em-

prestados à religião entram em choque, especialmente a tentativa de se ligar o universal ao

local e vice-versa, explicada na tentativa dos padres de se apossar da tradição oral sobre o

culto, bem como o desempenho dos romeiros tradicionais de apropriação dos dados universais

do discurso dos clérigos, como uma maneira de validar sua produção local.

Era comum no início da era cristã, diante da perseguição religiosa que assolou os

primeiros cristãos, alguns mortos serem considerados como santos e consequentemente a cri-

ação de santuários em torno deles. Segundo Le Goff (2001) a Igreja só vai tomar para si o

direito de canonizar os mortos somente a partir do século XII. Ela a partir deste momento se

autodenomina a única autoridade de Deus na terra apta para a efetivação das canonizações.

Esta autoridade da Igreja é fundamentada na teoria criada por ela própria onde Pedro teria tido

a primazia em relação aos demais apóstolos, sendo o primeiro papa da história e que sua auto-

ridade - que supostamente teria sido dada por Jesus - foi sendo passada de geração a geração,

sucessivamente, até chegarmos ao papa atual Bento XVI. Esta idéia defendida pela Igreja, de

Pedro como Papa, não encontra paralelo nos textos bíblicos, embora reconheçamos a sua im-

portância e influência sobre os primeiros cristãos, mas sair da idéia de influência para a de

papa são duas coisas bens distintas. Na realidade, a igreja primitiva era dirigida pelos apósto-

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los, embora entendamos também, que uma minoria dentre estes exerciam uma maior influên-

cia sobre a igreja, como era o caso do próprio Pedro, João e Tiago (irmão de Jesus) e posteri-

ormente Paulo.

A verdade é que o povo nunca deixou de criar e promover seus próprios santos ao

longo dos séculos. E esta idéia de santo existe em quase todas as religiões do mundo.

Nesse sentido, podemos afirmar que a devoção em Pedro é um fenômeno humano,

que está embrenhado na cultura, não sendo algo solto e único, mas uma reprodução da tradi-

ção e da fé católica.

Ora, a idéia de santo não é algo estranho ao catolicismo romano como também não o

é na maioria das religiões no mundo. O catolicismo possuiu uma miríade de santos. Então não

pode ser nenhum absurdo o povo ter e forjar os seus próprios santos. O único problema en-

contrado aqui pelo povo não é de ordem teórica, mas de ordem de quem tem e quem não tem

autoridade. A Igreja diz que só ela pode elevar alguém a santidade. O povo, na prática, está

imbuído da mesma autoridade, não sendo a Igreja que lhes dirá se Pedro Afonso é santo ou

não, mas as suas próprias experiências.

A santidade de Pedro, primeiro se explica pela cultura, pela tradição, é possível na

cultura humana um homem virar santo, as pessoas acreditam e têm fé neste axioma e convi-

vemos com isso o tempo todo. Neste sentido, Pedro sendo homem, já preenche o primeiro

requisito. E o segundo, diz respeito à questão da eficácia. Não existe santo sem milagres, en-

tão a partir do momento que foi encontrado na realidade experiências humanas com o sobre-

natural, adquiridas através das graças e milagres alcançados, não existe dúvida para o devoto,

que ali se manifesta o sagrado. E a partir daí iniciam-se as devoções populares.

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3. O RITUAL: preces, velas e fogos, a expressão da fé

Para Oliveira (1985), as representações fundamentais do catolicismo popular são os

santos. Eles são “seres espirituais” dotados de poderes miraculosos que podem interferir na

realidade e conseqüentemente no próprio curso da vida. Alcançaram a misericórdia graças ao

merecimento, pois levaram aqui na terra uma vida de obediência a Deus ou conquistaram este

privilegio na hora da morte, por isso têm poderes de interceder em favor dos homens. Aqui

fazemos uma ressalva às palavras do autor, pois acreditamos – como já defendemos anterior-

mente - que o indivíduo não se torna santo, simplesmente por que levou aqui na terra uma

vida de obediência a Deus ou adquiriu esta condição na hora da morte, pois se assim fosse,

todos que se encaixassem dentro desta descrição feita pelo autor, deveria ter-se tornado santo

e não é isso que apreendemos na realidade. Todavia, acreditamos que a forma de viver ou de

morrer abre a possibilidade de santificação, mas não define o santo, para nós, é a presença da

idéia de eficácia que lança o indivíduo ao rol dos santos populares ou até mesmo dos oficiais,

já que o milagre, entre tantas outras, é a última condição exigida pela Igreja para a canoniza-

ção de algum fiel. Nenhum candidato a santo é canonizado pela Igreja sem a comprovação

dos milagres. Este tipo de santidade apreendida pelo catolicismo, seja popular ou oficial, é

diferente da perspectiva de santo que nos é apresentada no Novo Testamento (Bíblia). A idéia

de santo apresentada neste livro diz respeito a conversão do homem a Jesus cristo. Todos a-

queles que um dia foram iluminados por Deus e reconheceram Jesus como Senhor de suas

vidas e foram batizados, foram transportados do império das trevas para o reino da luz e se

tornaram santos (cf. Romanos capítulo 6). No contexto do novo Testamento todos quantos

receberam a Jesus como Senhor de suas vidas são chamados de santos, a palavra santo neste

contexto significa separados do mundo para viverem para Deus, mas esta vida para Deus deve

se processar aqui e agora, pois no contexto bíblico, os mortos não voltam e muito menos têm

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poder de interferir na realidade. Entretanto, para o catolicismo, a idéia da eficácia é condição

indispensável para a elevação de alguém para a categoria de santo.

Os santos têm poderes de interceder em favor dos devotos. Estes por sua vez se que-

rem a sua proteção ou sua graça, precisam lhes prestar culto, como forma de “pagamento”

pela graça alcançada. Segundo Mauss (1988:60) esta relação de troca entre o devoto e o santo

produz uma aliança entre eles, onde o culto prestado pelo devoto incita "os espíritos dos mor-

tos, os deuses... a serem "generosos para com eles"." E de alguma forma o santo se identifica

com sua(s) imagem(ns) que seria o ponto de contato entre ele e os seus devotos. E esta iden-

tidade do santo com sua imagem é tão grande que se o devoto fez uma promessa a determina-

da imagem que está, por exemplo, em determinado santuário, é para lá que ele deve se dirigir

para pagar a promessa feita, não podendo o devoto pagar a promessa a uma outra imagem (do

mesmo santo) que esteja em outro local.

Oliveira (1985) nos fala da importância que a imagem tem como morada do santo

para o catolicismo popular, porque ela torna possível o contato direto entre o fiel e o santo. Os

santos estão, por assim dizer, ao alcance de qualquer fiel, sem que intervenha alguma media-

ção institucional entre eles. Esse domínio prático do culto por todos os fiéis, em conjunto ou

individualmente, independentemente de sua qualificação institucional, é uma das característi-

cas principais do catolicismo popular. Numa primeira abordagem, pode-se definir o catolicis-

mo popular pela sua propriedade de ser acessível a todos os fiéis, sem mediação de especialis-

tas eclesiásticos.

Estas características estão presentes também na devoção da Cova de Pedro. Esta reli-

giosidade popular iniciou-se a partir do momento em que apareceram os primeiros testemu-

nhos de milagres e graças alcançadas. Como Pedro foi vaqueiro e boiadeiro, inicialmente os

pedidos feitos a ele giravam em torno de animais perdidos pelos boiadeiros, conforme nos

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relatou a Sra. Maria de Lourdes Rodrigues Fernandes13 – ela faz parte do grupo de apoio da

Igreja Católica, ajuda na organização das devoções dentro da capela durante o ritual de visita-

ção -,

“(...) o primeiro milagre dele foi um fazendeiro que ia viajando com gado, aí uma rés sumiu... e ele se pegou a arma de Pedro, se a arma de Pedro o aju-dasse a achar a rês que ele mandava fazer uma lapinha e um trúmulo né, aí foi quando ele viajou poucos instantes, eles voltou e uns seguiu e outros vol-tou, quando chego atrais eles acho o garrote (...).”

Diante do relato desta graça alcançada, se tornou comum na região, o pedido a Pedro

de ajuda para que se encontrasse animais perdidos. Diante dos testemunhos das bênçãos rece-

bidas, a sua fama de santo rapidamente se espalhou pela população da cidade de Ribeirão do

Largo, bem como por toda a vizinhança, até alcançar lugares mais distantes.

O local do seu sepultamento passou então, a ser visitado por diversos devotos e a sua

cova se constituiu como uma porta de passagem que leva o homem religioso a comunicar-se

com o Céu. Para estes o espaço não é homogêneo, pois apresenta roturas, quebras, havendo

porções de espaço que se apresentam qualitativamente diferentes das outras. Segundo Eliade

(1957:26) é difícil para o ocidental moderno aceitar que para certos humanos o sagrado possa

se manifestar através de objetos, lugares, etc., não compreendendo que tais objetos não são

adorados pela sua forma material, mas sim, porque são considerados como sagrados, e como

tal, embora iguais aos demais de sua forma, são adorados pelo que representam: o sagrado. E

esta idéia do sagrado como fonte norteadora das devoções fica evidenciada também na afir-

mativa de Fernandes (1990:116):

"A imagem do Santo, que todos sabem ser de material perecível, não é redu-zida, por isto à condição de uma figura simbólica. É de gesso, de barro, ou de madeira, mas é nesses elementos que a santidade efetivamente se mani-

13 - Sra. Maria de Lourdes Rodrigues Fernandes, 51 anos, professora, devota de Pedro, católica e moradora de Ribeirão do Largo.

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festa, de modo a ser vista e ser tocada. A matéria não é morta. Ou melhor, a santidade vence a morte que permeia a matéria. O lugar do Santo destaca-se porque, nele, a morte foi efetivamente vencida. Não se trata apenas de um sinal, ou promessa, de uma vitória a ser alcançada em outro plano de exis-tência. No realismo fantástico da devoção aos santos, vê-se a ultrapassagem das finitudes naturais. Os santuários são, fundamentalmente, fontes de mila-gres."

Conforme Eliade (1957:25), todo o espaço sagrado implica uma hierofania, uma ir-

rupção do sagrado que tem por resultado o destacar um território do meio Cósmico envolven-

te e o torná-lo qualitativamente diferente.

“(...) você quer fazer o bem lá ou destruir lá, pois lá é um lugar santo (...)” foi logo

dizendo Sr. Liomésio Gonçalves Pereira14, quando o abordarmos para conversarmos sobre a

Cova de Pedro. O que fica evidente nesta fala é que o local do seu sepultamento é visto pelos

devotos, como uma porta terrena que leva o homem a comunicar-se com o Céu. O lugar da

adoração é visto como um lugar diferente dos outros, sagrado, se diferenciando dos outros

lugares que o cercam, profano.

Esta mesma idéia de lugar sagrado é visto no santuário do Bom Jesus da Lapa. Steil

(1996) afirma que a argumentação do Clero no início do século XX para fundamentar a idéia

de lugar sagrado, no santuário da Lapa, estava nos “aspectos extraordinários da geografia” do

lugar, enquanto no santuário de Pedro foi a morte violenta que abriu caminho para o início do

culto que se efetivou a partir da realização dos primeiros milagres.

A gênese da devoção em Pedro está ligada, conforme vimos anteriormente, à procura

de animais perdidos, o que demonstra que Pedro Afonso a princípio, nasceu como um santo

especialista em achar animais desaparecidos, não sabemos precisar quando foi que ele perdeu

esta especialização e se transformou num santo que atende a qualquer tipo de pedido. Mas de

qualquer forma, é fato que ele ainda tem uma forte ligação com os tipos de animais que ele

lidava em vida e que a estes foram acrescidos outros tipos pelo povo, conforme veremos abai-

14 - Sr. Liomésio Gonçalves Pereira, devoto de Pedro, católico, comerciante, 72 anos e morador da cidade de Vitória da Conquista – BA.

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xo. Hoje em dia é comum entre os devotos, pedidos a Pedro de cura de animais, como exem-

plo, podemos citar as falas do Sr. Onildo Francisco Santos15:

“(...) Meu pai mesmo fez uma promessa pra um cavalo doente que tinha a-qui, se o cavalo sarasse (...) não tinha remédio que desse jeito, fez uma pro-messa com São Pedro e a primeira viagem que fez foi montado no cavalo na Cova de Pedro pro cavalo sarar e o cavalo sarou (...) eu sempre me apego a São Pedro pra ele me ajudar (...)”

Do Sr. João Santos de Souza16: “(...) eu já fiz promessa comigo, com bichinho meu,

assim, cachorro doente, gato doente, assim que sara”.

E do Sr. Joel Soares Bonfim17:

(...) meu pai também tinha uma párea de boi, boi branco, alto, cobra cascavel pegou um e ele fez uma promessa que se o boi não morresse (...) que ele vi-nha botar uma fogueira lá na Cova de Pedro, de São Pedro. é certo que em poucos dias o boi não teve nada, aí passou; quando foi na época de junho pegou uma farinha de boi botou a canga e botou a fogueira lá na Cova de Pedro (...).”

Estes relatos demonstram uma adequação dos pedidos dos devotos que, originaria-

mente, estavam mais ligados à procura de animais perdidos - os animais eram criados soltos,

pois as fazendas não eram cercadas - e que paulatinamente, provavelmente, em conseqüência

da transformação sócio-econômica da região – os animais, na sua grande maioria, não são

mais transportados via tocadores, mas via transporte automotivo, além do cercamento das

fazendas impedirem a fuga dos animais, abrindo desta forma, corredores entre si, facilitando o

toque das boiadas, impedindo que se percam - migrou para os pedidos mais relacionados à

cura dos animais. E hoje é muito comum vermos pedidos de cura que tenham relação com

animais de toda espécie.

15 - Sr. Onildo Francisco Santos, 28 anos, agricultor, devoto de Pedro, católico e morador da zona rural de Ribei-rão do Largo.16 - Sr. João Santos de Souza, 48 anos, comerciante, devoto de Pedro, católico e morador de Nova Brasília, distri-to de Ribeirão do Largo.17 - Ibidem 5.

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São diversos os rituais que compõem o fenômeno da Cova de Pedro, desde os rituais

mais individualizados e privados, como é o caso da oração (feita em qualquer lugar, fora do

santuário), onde se pede uma graça ao santo - que inevitavelmente originara uma visita como

forma de pagamento da benção recebida - as visitações semanais, sem nenhuma organização

coletiva, nas quais as pessoas vão fazer suas orações e preces, acender suas velas e até mesmo

fazer algum pedido ou pagar alguma promessa, até os momentos mais dramatizados e coleti-

vos, que levam um número de pessoas maior para realizarem as suas devoções com o mesmo

intuito e característica das devoções em dias normais.

Desses rituais o mais dramatizado é o ritual de visitação do dia 29 de junho. Este ri-

tual leva um grande número de pessoas de várias partes do Brasil à Cova de Pedro, principal-

mente pessoas da região do Sudoeste da Bahia e do Norte de Minas Gerais. Elas vêm de todas

as formas: a pé, a cavalo, de moto, de bicicleta, de carro próprio e um grande número delas de

transporte coletivo, como ônibus, caminhões e peruas; são os famosos romeiros.

Fomos à festa do ano de 2006, neste ano o dia 29 de junho caiu numa quinta-feira.

Desde o dia de domingo (25), já começaram a chegar os primeiros barraqueiros para a festa.

No dia 28, no final da tarde, a grande maioria das barracas já estavam armadas, formando uma

Figura 03: Festa do dia 29/06/2006 na cova de Pedro.Fonte: Trabalho de campo, 2006. Foto: Danilo Patrick M. Benedictis

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grande feira e no dia 29 de manhã bem cedo, esta feira é ampliada com a chegada dos ambu-

lantes. A feira que se forma na Cova de Pedro é de muita importância para a região de Ribei-

rão do Largo, pois ali se vende de tudo, imagens e quadros de santos católicos, produtos ele-

trônicos (rádio, calculadora, mine-games, etc.), utensílios domésticos (panelas, talheres, etc.),

comida, lanches, bolsas, carteiras, roupas, frutas, verduras, flores, calçados, CD’s, além das

velas e fogos de artifícios, produtos de grande valia na devoção popular, pois são utensílios

dos mais utilizados no ato do pagamento da promessa.

No espaço da feira também são montadas barracas de jogos do tipo argolinha e tiro

ao alvo, etc., a venda de bebidas é constante e tudo isto ocorre paralelamente às devoções den-

tro da Cova.

A Cova de Pedro está localizada na zona rural, possuindo uma área estimada em

5000 m2, dista cinco quilômetros da sede do município de Ribeirão do Largo e está na mar-

gem da Ba-270 que liga Encruzilhada-Ba a Macarani-Ba.

Segundo o Sr. Delotero, seu pai foi assassinado em terras pertencentes ao finado fa-

zendeiro José Gonçalves (filho de Juvêncio Gonçalves) que doou uma pequena porção de sua

terra e mandou enterrar Pedro nela – o corpo estava mal enterrado com partes de fora - no

mesmo local onde o corpo foi encontrado. Posteriormente, o fazendeiro mandou construir

uma capelinha, como fruto de pagamento de uma promessa.

Durante muitos anos, eram os próprios devotos que iam fazendo melhorias no local,

muitas delas eram frutos de pagamentos de promessas e segundo Delotero – que passou a vi-

sitar (a partir da década de 1970) anualmente a Cova de seu pai, neste período o número de

pessoas que a visitavam não passava de 150 a 200 pessoas – ele mesmo encabeçou algumas

melhorias no local com a ajuda da Sra. Maria Roxa. Quando da chegada do Sr. Delotero, a

Sra. Maria Roxa já estava na linha de frente, lutando pela melhoria da Cova de Pedro. Sabe-

mos muito pouco sobre Dona Maria, ela passa despercebida aos devotos e ninguém em Ribei-

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rão do Largo soube nos dizer quem estava enterrado ao lado da capelinha de Pedro, somente

sabiam que se tratava de uma mulher, fato que só foi elucidado pelo Sr. Delotero. Ele já velho

e doente, com as idéias confusas, não nos revelou detalhes sobre a participação de Dona Ma-

ria na devoção em Pedro. O fato é que os dois se uniram a partir da década de 1970 para em-

preender melhorias no local, como reformas constantes na capela e a limpeza da área externa

coberta constantemente pela vegetação, facilitando o recebimento dos devotos no dia 29 de

junho. Como Delotero morava em São Paulo-capital e só vinha durante o ritual de visitação

do dia 29 de junho, ficava a cargo de Dona Maria Roxa os cuidados da capela durante todo o

ano. Após a emancipação política de Ribeirão do Largo, a prefeitura assumiu esta tarefa fa-

zendo investimentos e ampliando a área da Cova de Pedro. Embora a prefeitura tenha assumi-

do esta responsabilidade, Delotero e Maria Roxa, continuaram na linha de frente da Cova,

mas agora juntos com o poder público. E foi a partir da entrada da prefeitura que a devoção

em Pedro cresceu muito e assumiu importância na região.

A prefeitura Municipal de Ribeirão do Largo comprou terras vizinhas à Cova ampli-

ando o seu espaço territorial, investiu e investe em propagandas anuais convidando as popula-

ções vizinhas para os festejos juninos e para a Romaria da Cova de Pedro. Segundo o Sr. De-

lotero, a foto e o busto de seu pai, foram feitos a pedido da prefeitura. Como Pedro Afonso do

Nascimento não tinha retrato e diante da necessidade de se ter uma imagem dele para uma

melhor promoção da Cova, foi pedido a Delotero que ele servisse de modelo para que através

do seu rosto e de suas lembranças, se pudesse desenhar uma foto de seu pai. Feita a foto, a

partir dela fizeram o busto.

A Igreja, que em períodos anteriores não dava muito apoio a esta devoção - os padres

se limitavam apenas a visitar o local - passou também a se interessar, realizando missas anuais

e procissões e hoje é quem administra a Cova juntamente com a prefeitura. A Igreja adminis-

tra as ofertas depositadas em duas urnas no fundo da capela, além de gerir os objetos deixados

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pelos devotos como fruto de pagamento de promessas. As roupas, por exemplo, em perfeito

estado de conservação, são doadas para a comunidade. O padre Alexandre nos relatou que

certa feita, uma devota deixou sobre o túmulo de Pedro um vestido de noiva, posteriormente,

este vestido foi doado por ele para uma moça de poucos recursos, da comunidade local que

iria se casar. A doação ou a utilização de alguns dos objetos deixados pelos devotos por parte

do padre local é algo, aparentemente, bem comum no meio do catolicismo, como exemplo,

podemos citar a utilização das madeiras das cruzes levadas pelos romeiros do Bom Jesus até

seu santuário em Pirapora-SP. Após o pagamento da promessa estas cruzes são depositadas na

Casa dos Milagres e posteriormente, são aproveitadas pelos párocos locais. (Fernandes, 1982)

A estrutura física que compõe a Cova de Pedro hoje, (fig. 04) consta de uma capeli-

nha onde se encontram os restos mortais de Pedro Afonso do Nascimento, ao lado esquerdo

da capela, uma espécie de Casas dos Milagres, onde a Igreja após os festejos deposita os obje-

tos que foram utilizados no culto e foram deixados ao lado ou em cima do tumulo de Pedro.

Na frente da capela tem um busto de Pedro, esculpido em pedra sabão e mais a frente, uma

cruz símbolo do cristianismo e ao lado direito dela um pequeno palco. Ao fundo do palco e

Fig. 04: Parte da estrutura da Cova de PedroFonte: Trabalho de campo, 2006. Foto: Danilo Patrick M. Benedictis

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mais a direita, tem o confessionário e os banheiros (fig. 05). Além de um galpão grande de

palha utilizado para o pouso e descanso dos devotos (fig. 06) e que no dia da festa coloca-se

mesas e cadeiras com a finalidade de dar um maior conforto aos participantes do evento. Não

é só Pedro que se encontra enterrado na área conhecida como Cova de Pedro; lá está enterrada

também, a Sra. Maria Roxa, antiga zeladora do local que ajudou a Delotero, como dissemos

anteriormente, a melhorar a estrutura da Cova de Pedro. Ela foi enterrada na área da Cova –

como era de sua vontade - com o consentimento de Delotero e da Prefeitura Municipal, em

reconhecimento pelos serviços prestados por ela ao santuário.

Fig. 05: Na frente, mini-palco, no fundo, o confessionário e os banheiros.Fonte: Trabalho de campo, 2006. Foto: Danilo Patrick M. Benedictis.

Fig. 06: Galpão para descanso dos devotosFonte: Trabalho de campo, 2006. Foto: Danilo Patrick M. Benedictis.

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Toda a estrutura da Cova de Pedro de hoje, foi feita pela Prefeitura. A infra-estrutura

do dia da festa também fica a seu cargo, como a instalação da energia, o policiamento, aten-

dimento de primeiros socorros e a limpeza do local; a Igreja Católica entra com a organização

humana da festa, como a realização da missa e a coordenação dentro da capela.

A partir de 05h30min da manhã começaram a chegar os primeiros veículos com ro-

meiros. Os devotos continuaram a chegar por toda a manhã. Todos que chegam, a primeira

coisa que fazem é ir a capela para fazer suas orações. Inclusive os próprios barraqueiros, pelo

menos aqueles que são devotos, também visitam a cova antes de armarem suas barracas con-

forme nos relata o Sr. João Santos de Souza18: “(...) Eu venho aqui, desço do carro pra armar

essa barraca a primeira coisa que faço é ir lá”.

Fig. 07 e 08: Interior da capela onde está o túmulo de Pedro Afonso do Nascimento Fonte: Trabalho de campo, 2006. Foto: Danilo Patrick M. Benedictis.

Às 08h00min da manhã, já estão presentes os membros da Igreja Católica que estão

ali com a finalidade de orientar e ajudar os devotos a rezarem o terço, que é o fruto de paga-

mento de muitas promessas, e no que for necessário; o movimento na capela já é grande, ela

está lotada, os devotos entram acendem suas velas e fazem suas orações. É bem verdade, que

as velas não são acesas dentro da capela (nos dias normais são) onde Pedro está enterrado e

nem poderia ser, por causa da grande quantidade delas que seriam acesas e, consequentemen-

18 - Ibidem 16.

Fig. 07 e 08: Interior da capela onde está o túmulo de Pedro A. do Nascimento.Fonte: Trabalho de campo, 2006. Foto: Danilo Patrick M. Benedictis.

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te, criariam uma quantidade de fumaça que impediria a permanência e a entrada dos devotos,

por isso os organizadores indicam a cova ao lado da capela (cova de Maria Roxa) para esta

finalidade. (fig. 09 e 10) O curioso é que encontramos gente acendendo velas neste túmulo

pensando que Pedro estava enterrado ali.

A utilização de leigos, por parte da Igreja, para o auxílio dos devotos durante o pro-

cesso de pagamento de promessas, não é uma exclusividade da devoção em Pedro, Steil

(1996) também nos relata a utilização de leigos como auxiliares na devoção em Bom Jesus da

Lapa, só que diferentemente da realidade traduzida por ele na Lapa, onde descreve que os

leigos que estão auxiliando os romeiros fazem questão de contrapor a sua fé “às crenças e ao

fanatismo dos romeiros”, o que não corresponde com a fé em Pedro, onde os auxiliares da

Igreja não fizeram nenhuma diferenciação entre suas fé e as dos devotos, o que percebemos é

Fig. 09 e 10: Túmulo de Maria Roxa. Antes e depois da queima das velas. Fonte: Trabalho de campo, 2006. Foto: Danilo Patrick M. Benedictis

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que existe uma satisfação por parte destes auxiliares em ver que a cada ano a devoção a Pedro

tem crescido, conforme nos sugere a fala do Sr. Euflorzino José Paulo dos Santos19:

“(...) a gente é católico e tem coragem de enfrentar a luta, porque a quantos anos que a gente vê, eu já vou fazer 60 anos e sempre a luta é essa todo ano, todo ano a luta é essa, todo ano, nunca faiamos (...) tenho muita fé em meu Jesus, porque a gente dizer que não tem é difiço, porque eu tenho fé nele vi-vo, Deus vivo, porque as vezio o povo dizem que tem outros deuzos, mas eu acredito num Deus vivo (...) vem gente de todas as regiões pra cá, nem só da Bahia, como de outros lugares, tem crescido muito (...).”

Ás 09h00min da manhã, o movimento é grande na capela, os devotos estão diante da

Cova de Pedro agradecendo as graças e milagres já alcançados e aproveitam para renovar seus

pedidos. Outros estão ali fazendo seus pedidos e se comprometendo com o santo em voltar,

caso as suas petições sejam satisfeitas. Alguns depositam sobre a cova ou encostam no túmu-

lo, objetos, como roupas, cartas, provas e cadernos escolares, muletas, fotos, flores, pedidos

de aposentadoria, entre outros, com a finalidade de receberam as bênçãos que vieram buscar e

estes objetos são os símbolos utilizados como ponto de contato entre o devoto - ou entre a

pessoa que o devoto quer que receba a bênção - e o santo. Outros depositam ofertas em duas

espécies de urnas que foram construídas para esta finalidade.

Durante o período de trabalho de campo não presenciei milagres no espaço do santu-

ário e nem soube que algum devoto tenha experimentado desta experiência durante a romaria.

Porém o recebimento dos milagres ou graças alcançadas pelos devotos, geralmente estão as-

sociados ao ambiente doméstico. Se os milagres e as curas dificilmente ocorrem no santuário,

os seus testemunhos são uma peça essencial para o incremento do culto e formam um repertó-

rio bastante vasto como os testemunhos de milagres que se referem à experiência subjetiva do

narrador como é o caso da Sra. Joaquina Silva Santana20, ela nos disse que: “minha filha caiu

19 - Sr. Euflorzino José Paulo dos Santos, 59 anos, funcionário público, devoto de Pedro, católico, morador de Ribeirão do Largo.20 - Sra. Joaquina Silva Santana, 43 anos, Lavradora, católica, devota de Pedro, moradora de Inhobim, distrito de Vitória da Conquista-BA.

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e fico morta aí, aí eu peguei com a arma de Pedro, se ajudasse que ela melhorasse, que eu iria

lá todo o ano soltar 6 dúzia de fogos e queimar um maço de velas”, ou de pessoas de sua inti-

midade, parentes ou vizinhos como é o caso do Sr. Euflorzino21, que nos disse que “busco

Pedro por causa do conhecimento do milagre (...) através dos milagres dos outros eu me ache-

guei a Pedro”. Como nos disse Steil (1996:105) os testemunhos dos milagres na memória dos

devotos “são como que documentos que ajudam a sustentar o sistema de relações instituídas”

entre Pedro e o devoto, “e entre os próprios romeiros”.

Às 10h00min da manhã, o movimento externo, na feira, ainda é intenso. As pessoas

chegam, entram na capela, fazem suas obrigações religiosas e depois vão para a feira fazer

compras, as barracas estão lotadas; é gente para todo o lado, parece um formigueiro. Nelas

estão tocando músicas não religiosas.

Às 10h20min, o padre Alexandre iniciou a missa. Foi logo reclamando de um som

alto de um barraqueiro que anunciava a venda de seus produtos, ao qual ele exigiu que desli-

gasse o som afirmando que: “(...) se não, não temos como fazer uma belíssima missa, tem

como, falando de Deus enquanto ouvimos aqui um real dois reais (...).” O que demonstrou

certa tensão entre a Igreja (sagrado) e os barraqueiros (profano), tensão esta evidenciada tam-

bém na fala de um devoto, um dos membros organizadores ligado à Igreja: “(...) se eu pudesse

eu tiraria todas essas barracas daí, isso aí não tem nada a ver com o que nois estamos fazendo aqui(...).”

O padre Alexandre discorreu sobre a vida de São Pedro. Falando da passagem de A-

tos dos Apóstolos até a passagem dos evangelhos onde Jesus, na interpretação da Igreja, passa

a chave do Reino dos céus para Pedro (Mt. 16:16). O interessante nesta missa é que o padre

fala de Pedro muitas vezes, mas em nenhum momento ele deixa claro que o Pedro que está

enterrado ao lado do palanque não tem nada a ver com o Pedro que ele está anunciando. E

esta falta de esclarecimento por parte da autoridade eclesiástica induz o fiel, menos “esclare-

21 - Ibidem 19.

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cido”, em alguns casos a pensar que o Pedro apóstolo é quem está enterrado logo ali e não

Pedro Afonso. O que faz em certo sentido, uma fusão de identidade entre Pedro Apóstolo e

Pedro Afonso, como se ambos fossem uma só pessoa. Outros nem sabem que tem um Pedro

enterrado por ali. Durante a missa abordamos uma mulher vendendo alguns santinhos colados

em flores e perguntamos de quem era aquele santinho e ela nos respondeu “(...) de Pedro ué

(...)” e continuamos, de qual Pedro? E ela respondeu “(...) do apóstolo ué, hoje não é dia de

São Pedro? (...)” E lhe fizemos outra pergunta. Você sabia que ali e apontamos em direção a

capela, tem um Pedro enterrado? E ela disse não.

Durante a festa encontramos gente com interesses diversos. A maioria das pessoas,

de fato, vem por causa de Pedro Afonso; o que é facilmente comprovado pelo grande número

de pessoas que passaram pela capela durante toda a manhã e continuará visitando-a ainda até

o final da tarde. E mesmo durante a missa este movimento não pára. Algumas pessoas vieram

por causa da missa e outras para ver o movimento e comprar alguma coisa na feira. Mas em

certo sentido, quem foi com algum interesse específico acabou participando de alguma forma

de quase toda a programação.

Steil (1996) estudando a romaria do Bom Jesus da Lapa nos fala da relação entre pe-

regrinação e turismo encontrada nesta devoção. Inclusive afirma que é difícil separar o romei-

ro do turista diante da mistura de ações religiosas e turísticas praticadas pela mesma pessoa.

Em outro trabalho sobre a mesma romaria, Steil (2003:250) destaca os dados recolhidos em

Bom Jesus da Lapa “(...) em que o turismo aparece como categoria significativa para alguns

romeiros (...)”. Esta relação entre romaria e turismo vivenciada em Bom Jesus da Lapa não

encontra paralelo na devoção em Pedro, pois não encontramos nenhum devoto que reprodu-

zisse a idéia de turismo como ela é apontada por Steil na Lapa. Não queremos dizer com isto,

que esta relação não exista na devoção em Pedro, mas podemos afirmar, se ela existe, não

possui a mesma importância e característica da que é encontrada na Lapa. Mesmo porque, os

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dois santuários em questão, têm características bem distintas. Enquanto na Lapa tem uma gru-

ta com vários atrativos, em Pedro só tem a capelinha de construção bem simples que não justi-

ficaria, em certo sentido, uma visitação turística. A não ser, que estes possíveis turistas esti-

vessem com interesse de comprar alguma coisa na feira que se desenvolve na frente da capela.

Mesmo assim, estes turistas seriam de nível, no máximo, regional, o que demonstra uma

grande diferença desta romaria da do Bom Jesus da Lapa que recebe gente de todo o Brasil

com finalidades religiosas e turísticas.

Após o sermão do Padre e dando continuidade à missa, aconteceu um show com o

padre Valmir de Itapetinga - Ba. Durante todo o período da missa, a movimentação dentro da

capela prosseguiu, as pessoas continuaram fazendo suas devoções, acendendo suas velas e

soltando seus fogos; alguns se ajoelham diante da Cova, outros se debruçam nela e a beijam

também. Algumas orações são mais demoradas do que outras e no final delas, a maioria se

dirigiu direto à feira para fazer compras ou olhar as novidades, uma pequena parte participou

efetivamente da missa. O movimento na missa em nenhum momento esvaziou a feira.

Encontramos muitos devotos, inclusive crianças, passando a mão na cabeça e rosto

da imagem de Pedro Afonso (fig. 11) - que está localizada na entrada da capela – e em con-

Fig. 11: Devotos passando as mãos no busto de Pedro.Fonte: Trabalho de campo, 2006. Foto: Danilo Patrick M. Benedictis.

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trapartida estavam passando de volta nos seus próprios rostos. Segundo os devotos, eles fa-

zem isto para que a saúde de Pedro passe para eles. Esta ação prática da fé do devoto de “to-

mar” a saúde do santo para eles via passagem das mãos é caracterizado por Malinowski

(1984:90) como ato mágico na medida em que, estes atos dos devotos se constituem apenas

em um meio “(...) para um fim objetivo que se espera vir a desenrolar posteriormente (...)”,

neste caso específico, o que se espera desse ato é a saúde.

Por toda a manhã é um entra e sai de pessoas na capela, o que faz com que a quanti-

dade de indivíduos dentro dela sofra variações constantes. Mas por toda a manhã ela jamais

ficou vazia.

Às 12h30min, termina o show com o padre Valmir e com isso, dá-se por encerrada a

programação oficial do evento, o som é desligado e o palco começa a ser desmontado. As

pessoas que estavam participando ativamente da missa começam a ir embora. Mas o movi-

mento nas barracas continuará ativo até as 15h00min, neste momento alguns barraqueiros já

começaram a desarmar as suas barracas e por volta das 16h00min quase todas elas já estarão

desarmadas. E as 17h00min todos já tinham se retirado. A maioria dos devotos voltou para

suas respectivas casas e uma minoria aproveitou para participar da festa de São Pedro na ci-

dade de Ribeirão do Largo, conforme percebemos durante a observação de campo e que foi

reforçada pelo relato do prefeito Joaquim Garcia:

“(...) É um evento grande em nossa cidade, um evento muito grande, cres-ceu, aqui passa cada romaria dessa, algo em torno de 6 mil pessoas, porque tem muita gente que vem de manhã e vai embora e não fica pra festa o dia todo, mas é um evento que tá grande e a prefeitura tem dado muito apoio e é uma coisa que já se tornou tradição em nosso município (...).”

Percebemos na conversa com o prefeito e através das faixas fixadas pelo espaço da

Cova de Pedro, principalmente em anos eleitorais, a utilização deste evento com finalidades

políticas e também econômicas. Durante os dois anos consecutivos que participamos deste

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ritual notamos a presença de importantes lideranças políticas da região. E o investimento fi-

nanceiro feito pela prefeitura de Ribeirão do Largo, visa transformar a Cova de Pedro em pon-

to turístico ou uma espécie de chamariz para a festa de São Pedro que acontece à noite na ci-

dade. Por isso a propaganda veiculada nos meios de comunicação convida as pessoas para a

romaria da Cova de Pedro e também para a festa de São Pedro, anunciando bandas importan-

tes do cenário baiano. Percebemos que esta política adotada é uma tentativa da prefeitura mu-

nicipal de não somente aumentar o número de visitantes na Cova de Pedro, como também de

atrair mais gente para a festa noturna que, consequentemente, gera mais recursos para o povo

de Ribeirão do Largo, do que o movimento que ocorre no espaço da Cova durante o dia. Ou

seja, o dinheiro deixado pelos devotos no espaço da Cova é bem menor do que o deixado na

festa dançante que acontece no centro da cidade. Enquanto a cidade da Lapa vive economi-

camente, quase exclusivamente da religiosidade em torno do santuário do Bom Jesus (Steil,

1996), a Cova de Pedro ainda é uma aposta do poder público municipal para incentivar o tu-

rismo na região. Como nos afirma Correia (2003:166):

“(...) É nesse sentido que os interesses públicos têm se voltado cada vez mais no sentido de patrocinar essas demandas e acabam auxiliando em acessos públicos para o visitante que deixará uma parte do seu dinheiro nos cofres da municipalidade”.

No ano 2007, aproveitamos a oportunidade e viajamos junto com os romeiros da ci-

dade de Macarani-Ba a 52 km de distância de Ribeirão do Largo. A viagem transcorreu de

forma tranqüila sem nada de extraordinário. A mudança nos ânimos dos devotos só se fez

sentir, na medida em que nos aproximávamos da Cova, foi a partir daí que uma romeira co-

meçou a cantar uma ladainha “abre a porta Pedro que chegou Jesus que levou por nós o peso

da cruz” e logo foi seguida por mais devotos. Ao desembarcarmos cada um seguiu para reali-

zar suas devoções.

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Neste ano observamos um número muito maior de romeiros e de devotos do que no

ano passado. Contamos uma faixa de 300 barracas, fora os vendedores ambulantes, contamos

por alto uns 22 caminhões truque (só contamos os que trouxeram romeiros), 16 caminhonetes,

13 ônibus, 15 Kombi – van e uma média de 80 carros pequenos. Além desta quantidade de

veículos constatamos que havia um micro-ônibus e um ônibus, além de uma kombe e um ca-

minhão transportando gente da cidade de Ribeirão do Largo para a Cova, com exceção do

caminhão, os outros veículos fizeram a linha da cidade para a Cova a manhã toda. Vinham

cheios e voltavam vazios. A polícia militar fez uma estimativa de três mil pessoas participan-

do do evento; com base no número de veículos e barracas, achamos pouco provável que este

número esteja certo, acreditamos que havia no local uma faixa de cincomil pessoas.(fig. 12,13,14e 15)

Neste ano a missa estava lotada e diferentemente da de 2006, tinha mais gente nela

do que na feira fazendo compras. Outra diferença que podemos observar foram as velas ace-

sas dentro da capela. Estava ficando insuportável permanecer nela. Procurei os organizadores

e não os encontrei. Mais tarde voltei à capela e percebi que os devotos não acendiam mais as

Fig. 12, 13, 14 e 15: Uma multidão participando da missa na Cova de Pedro.Fonte: Trabalho de campo, 2007. Foto: Danilo Patrick M. Benedictis.

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velas no local, foi quando me encontrei com o Sr. Euflorzino22, um dos organizadores da Co-

va e o interpelei sobre o assunto. Ele me disse que eles (os organizadores) tinham chegado

tarde e por isso as pessoas acenderam as velas dentro da capela; neste momento percebemos

no chão diversos maços de velas ainda fechados, quando perguntado sobre o assunto, disse

que os devotos aceitaram não acender as velas dentro da capela, naquele momento, desde que

ele se comprometesse em acendê-las em outra oportunidade; e ficaram acertados assim. Mas a

grande maioria dos devotos continuou acendendo suas velas no túmulo de Dona Maria Roxa,

localizado fora da capela como no ano anterior. (confira fig. 09 e 10)

Outro fator interessante que não tínhamos percebido no ano anterior, foi o pagamento

de promessa dentro da Casa dos Milagres. Quando chegamos nesta casa, encontramos um

homem cortando o cabelo de um menino (fig. 16) – ele deveria ter entre 5 e 6 anos de idade -

nos aproximamos e perguntamos à mãe dele, Sra. Jesulinda francisca da Silva23, o porquê do

corte do cabelo. E ela nos respondeu:

“Ele nasceu, fui tirar aquela presilha do umbigo dele, aí começou, começou a sair sangue. Fiz promessa pra alma santa de Pedro; si o umbigo dele parasse de sair sangue, eu trazia ele para cortar o cabelo aqui, já que ele sarou o um-bigo e não teve mais problema, hoje to aqui cumprindo a promessa.”

22 - Ibidem 19.23 - Sra. Jesulinda Francisca da Silva, lavradora, devota de Pedro, católica, moradora de Mata Verde-MG.

Fig.16: Menino cortando cabelo na Casa dos Milagres.Fonte: Trabalho de campo, 2007. Foto: Danilo Patrick M. Benedictis.

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Nesse ínterim, entrou um homem com duas muletas e andando com certa dificulda-

de. Entrou sorrindo e falando: “Pedro já me livrou desta aqui”, pegou uma das muletas e de-

positou junto a outras que já estavam na casa dos Milagres. Na saída (fig. 17) mostrou a mule-

ta que ficou e disse: “só falta ele me livrar desta outra.” Soube depois que este homem tinha

sofrido um grave acidente e que os médicos tinham dito que jamais ele voltaria a andar. Isto

explica a sua expressão de alegria ao depositar a muleta na Casa dos Milagres.

Este tipo de devoção encontra suas raízes fundantes no Brasil colônia. Nos seu co-

meço, o Brasil, foi uma verdadeira terra de santos e de milagres. Segundo Weckmann (apud

Neto, 2007:04)

“(...) as fontes primárias (e não unicamente a hagiografia) registram o que a portugueses e índios contemporâneos lhes pareceram aparições de santos, (...) no contexto de uma imensa experiência mística que caracteriza aqueles primeiros tempos (...).”

Estes homens impregnados pela visão religiosa de mundo, herdada da Idade Média,

invocavam santos protetores contra todo tipo de doenças ou perigos. Desta forma a devoção

em Pedro é uma continuidade desta cultura trazida para o Brasil pelos portugueses e que aqui

absorveu traços da cultura indígena e dos negros, como a prática de oferecer alimentos ao

Figura 17: Devoto deixando a muleta na Casa dos Milagres.Fonte: Trabalho de campo, 2007. Foto: Danilo Patrick M. Benedictis

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santo, por exemplo. É muito comum encontrarmos no espaço da Cova de Pedro, seja na cape-

la ou na Casa dos Milagres, cacho de bananas, feijão, farinha, garrafas cheias de água. Segun-

do Sáez (1996:87-88) o uso da água, por exemplo, “(...) se relaciona com o acervo ritual espí-

rita (...) que nas sessões de mesa branca estão para ser fluidificados pelos espíritos e usados

pelos encarnados (...)”. No culto das almas este elemento já aparece com outra conotação, o

de dar força a alma de quem se espera algum favor.

3.1. A procissão da Sexta-Feira Santa à Cova de Pedro

Já faz alguns anos que o padre Alexandre, vem inserindo a Cova de Pedro no roteiro

das comemorações da Igreja durante a semana santa. Na sexta-feira santa os fiéis fazem uma

caminhada que sai da Igreja Católica e termina na Cova de Pedro. Basicamente, a grande

maioria dos participantes da procissão são moradores da zona urbana de Ribeirão do Largo e

uns poucos moradores da zona rural deste município. Quase todos são devotos de Pedro e são

freqüentadores assíduos da sua Cova.

Neste ano (2007) acompanhamos esta procissão. Chegamos à Igreja às 04h20min da

Fig. 18: Procissão da sexta-feira santa em direção à Cova de PedroFonte: Trabalho de campo, 2007. Foto: Danilo Patrick M. Benedictis.

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manhã e lá já se encontravam algumas pessoas dentro do templo orando. Após o momento de

oração, cantaram algumas músicas. O padre começou uma espécie de oração onde ele anunci-

ava o sofrimento e o martírio de Jesus Cristo. Um trecho da oração diz: “(...) o nosso Senhor

Jesus que foi tirado de nós de forma injusta (...) hoje celebramos a morte do Senhor Jesus que

teve uma morte tão violenta que olhe para este mundo tão violento e nos abençoe”. Esta fala

do padre é bem significativa, ele na sua oração pede a Jesus que olhe para o mundo que está

tão violento e a sua justificativa para alcançar o seu objetivo é lembrar a Jesus que ele teve

uma morte também violenta. A matriz comum desta oração é a violência, parece-me que o

fato de Jesus ter morrido de maneira tão violenta - o que o padre em oração fez questão de

lembrar-lhe - fará com que ele não permita que os seus passem pelo mesmo sofrimento. Esta

veiculação da pessoa de Jesus com a violência é bem interessante. Quando, durante o culto,

nós ouvimos esta referência, a primeira coisa que veio na nossa mente foi Pedro Afonso. Ora

estamos ali prestes a fazer uma caminhada para nos lembrar da morte de Cristo – e esta vio-

lenta - é normal que durante todo este processo as pessoas façam uma comparação de Cristo

com Pedro Afonso, que também teve uma morte violenta e, de acordo com o sentimento do

povo, também inocente. Neste sentido, percebemos que a partir do momento em que a Igreja

introduziu no seu roteiro a Cova de Pedro, ela ajudou a alimentar e fundamentar esta prática

religiosa.

Ao chegarmos à entrada da Cova de Pedro, o padre disse: “(...) vamos andar até nos-

sa capela (...).” Ele se referiu à capela onde Pedro Afonso está enterrado como sendo da Igre-

ja. Ora, se Pedro não é santo para a Igreja como pode a capela dele ser da Igreja. Como po-

dem fazer missa no local? Qual é a lógica deste comportamento da autoridade eclesiástica,

então?

Deixemos que o padre Alexandre fale por si mesmo:

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“Ô, primeiro que a questão da devoção em Pedro ali não tem assim nenhuma relação com a festa que a igreja celebra amanhã, que é a festa de São Pedro e São Paulo, são os apóstolos né. Talvez, as pessoas possam querer fazer asso-ciações, mas uma coisa não tem a ver com a outra. Qual a posição da igreja diante do fato? O problema é o que nós não podemos ferir a devoção popular das pessoas né. O que a gente pode fazer ali, nem dizer que a igreja não re-conhece o fato dos milagres, a questão de Pedro que lá está enterrado, a igre-ja não reconhece a sua santidade, porém o que a igreja pode fazer como igre-ja local aqui é dar um apoio espiritual aos que estão indo lá para que não fi-que só uma coisa distorcida, ou vazia ou solta, mas que a gente possa canali-zar para um caminho que possa aproveitar alguma coisa daquilo que eles vão fazer ali e conduzir para o caminho certo da fé cristã né. Porque em si se for pegar os detalhes da romaria ou das pessoas que vão ali não tem muito ali-cerce da doutrina e dos costumes da igreja, o que é que tem, uma devoção popular muito forte, uma fé muito forte, aí que a igreja não pode ferir dizer que não é ou que é, mas o que a gente pode fazer, dar um suporte, uma ajuda e aos poucos é, clareando e vamos dizer assim, transformando aquela reali-dade que é uma mistura de muita coisa, transformando numa coisa mais é, vamos dizer assim numa realidade de verdade de fé que pode ser aproveita-da... por exemplo você já foi lá? Mas por exemplo, amanhã é, logo quando eu cheguei, os outros padres que também passaram por aqui, era uma grande feira, o povo vai, aqueles que têm devoção passa faz devoção, canta um reis é, bota lá os objetos de devoção, você vai ver lá muita carta, vai ver muletas, fotos, e outros objetos que aparecem por lá também, muitas velas e, é muitos terminou lá a devoção, reza ali, canta, solta os fogos e vai fazer a compra, lá tem uma grande feira, tudo você encontra lá né. Então o que a gente tenta fa-zer que aquilo não se torne só uma coisa solta, por isso desde o tempo que cheguei aqui a gente tenta fazer um trabalho de evangelização conscienti-zando o povo que o que a gente faz lá em cima não é para Pedro que está lá é para São Pedro o apóstolo, porém reconhecendo a fé daquele povo, talvez não reconhecendo o santo, mas reconhecendo a fé do povo que vendo sem-pre, consegue trabalhar o povo pela fé. Conduzindo estas pessoas até ter uma fé mais pura e autêntica... Muitas pessoas hoje tão indo, estão vindo pra Co-va de Pedro, pela questão da missa que já está tendo todo ano também, des-tas coisas organizadas que está acontecendo por lá.

A fala do padre é clara no que concerne ao interesse da Igreja no evento. O interesse

estaria em canalizar a fé dos devotos de Pedro Afonso para o que ele chamou de “(...) cami-

nho certo da fé cristã (...).” A pergunta que fazemos é qual seria este caminho certo? Pois a-

creditamos que a diferença mais marcante entre a devoção em Pedro e a devoção em um santo

canonizado está na questão da autoridade, em quem disse que Pedro é santo. Foi o povo quem

disse que ele era santo e a Igreja só aceita devoção a qualquer homem se primeiro ela, como

autoridade “delegada” por Deus, assim o afirmar. Mas isto para o povo pouco importa, pois os

seus santos não precisam do aval da Igreja, pois o que determina o santo na esfera popular é a

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sua eficácia. Outra questão interessante que o padre argumenta é que o trabalho que se faz lá

na Cova tem o objetivo de evangelizar e conscientizar o povo “(...) que o que a gente faz lá

em cima não é para Pedro que está lá é para São Pedro o apóstolo”. O problema desta argu-

mentação está no fato de que, em nenhum momento ele ensina aos devotos que Pedro Afonso

não é santo e nem deixa claro que a missa que ora se realiza no local é para o apóstolo Pedro e

que este nada tem a ver com o Pedro Afonso. Esta mesma estratégia – de não bater de frente

com a crença dos devotos - foi percebida por Steil (1996) no seu estudo sobre o Santuário do

Bom Jesus da Lapa, quando ele nos afirma que “(...) mesmo considerando estas práticas como

mágicas, os dirigentes do santuário não as reprimem diretamente e evitam falar contra elas

nos sermões”. Durante o seu sermão o padre Alexandre disse “(...) estamos aqui para come-

morarmos o dia de São Pedro e São Paulo”, ora, Pedro Afonso também é conhecido pelos

seus devotos como São Pedro, o que em certo sentido, leva o devoto a fazer con(fusão) entre

os dois Pedro’s, que facilmente são confundidos quando nos referimos ao nome Pedro. Até

mesmo na nossa pesquisa, quando falamos para as pessoas, inclusive no meio acadêmico, que

estamos estudando a Cova de Pedro, alguns pensam, pelo menos por alguns instantes, que

estamos falando do Pedro apóstolo. Neste sentido, não conseguimos entender, como se pode

conscientizar as pessoas que estão participando daquela festa, sem deixar claro o que a Igreja

pensa sobre o assunto.

Na verdade, a Igreja se apropriou da devoção em Pedro numa tentativa de aproximar-

se dos seus fiéis, como forma de “(...) conduzi-los... até ter uma fé mais pura e autêntica (...)”,

conforme as próprias palavras do padre Alexandre. Mas ao fazer isto ela acaba por validar

esta crença popular. Só pelo fato do padre está presente no local e mais ainda, realizando mis-

sas, já é suficiente para respaldar estas devoções. Pois os devotos fazem uma clara ligação

entre Pedro Afonso e a Igreja. Como exemplo disto, podemos citar a fala de alguns devotos

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como a do Sr. Júlio Ferreira Dutra24, que para justificarem a santidade de Pedro nos relataram

“(...) vou te contar um negócio (...), Pedro não taí mais não (...), os padres levaram ele para

Roma (...).” E a do Sr. João Santos de Souza25, “(...) dizem que vieram um padre, fez o que

tinha que fazer aí, descobriu que ele tinha virado santo, por isso aí que todo mundo faz pro-

messa (...).”

Neste sentido, qual seria a lógica que move a Igreja a participar de forma efetiva na

devoção em Pedro? Se a sua presença, a primeira vista, ao invés de demonstrar o erro, na rea-

lidade, o justifica. Então, o que realmente o padre Alexandre quis dizer com “conduzi-los...

até uma fé mais pura (...)”?

Analisando alguns discursos dos devotos de Pedro Afonso percebemos que alguns

deles já misturam elementos da vida de Pedro Afonso com a de Pedro apóstolo, como foi o

caso da Sra. Ana Lúcia Santos26:

“(...) levo vela pra iluminar a alma dele, como ele foi muito judiado e mor-reu e ninguém acendeu uma vela pra ele, ele fico no escuro, por isso levo ve-la pra cender lá. Jesus Cristo faz o milagre e me apego a Pedro pois desde o princípio do mundo Pedro andou com ele, se Pedro fosse um qualquer não me apegaria a ele”.

Através deste e de outros discursos, percebemos que na mente de alguns dos devotos

de Pedro, pelo menos daqueles que estão mais distantes da sua Cova, já existe certa fusão

entre os Pedro’s e a vida de um está, gradualmente, se misturando na vida do outro, o que nos

sugere que em tempos próximos, a figura que sobreviverá, certamente, pela representatividade

que tem junto aos cristãos católicos, será a do Pedro Apóstolo. Talvez, esta seja a estratégia da

Igreja na devoção em Pedro, ao invés de combater a fé dos devotos - que eles concebem como

fora dos padrões cristãos - a canalizam de forma sutil, através do discurso oficial, para a figu-

24 - Ibidem 6.25 - Ibidem 16.26 - Sra. Ana Lúcia Santos, 57 anos, católica, devota de Pedro e moradora de Inhobim, distrito de Vitória da Conquista-BA.

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ra de um santo oficial, transformando desta forma o que eles julgam como errado – pelo fato

de Pedro Afonso não ter sido canonizado pela Igreja - em uma devoção ao Pedro da Bíblia,

aceita pela Igreja.

Segundo Correia (2003:164), nestes últimos tempos, a política adotada pela Igreja

nos processos de canonizações têm se voltado mais para modelos que reúnam um número

maior de católicos que sirvam como exemplo de uma atitude ideológica que não esteja dire-

tamente ligada às questões sociais. Há uma preocupação da Igreja, desde o Concílio Vaticano

II, em se aproximar das camadas populares, “no sentido de incorporação nos seus ritos festi-

vidades que agremiem um maior número de fiéis em todo mundo”. Esta preocupação, segun-

do a autora, se dá, principalmente, devido ao crescimento de outras opções religiosas no seio

da comunidade cristã e a conseqüente perda de fieis para estas religiões. O que fez com que a

Igreja, nas últimas décadas, acelerasse os processos de canonizações, dando-se preferência

por santos mortos mais recentemente e que tenham uma maior aproximação com as pessoas

comuns, o que demonstra que a Igreja está interessada através desta política em se aproximar

mais do seu rebanho que se encontra cada vez mais disperso em meio ao avanço dos cultos

pentecostais. “Em outros tempos, os heróis cristãos, o clero, os ascetas sofredores e os nobres,

foram, cada um a seu tempo, escolhidos como modelo ideal”.

Um dos pré-requisitos no processo de canonização é a condição de não haver venera-

ção pública do candidato a santo. As romarias, a presença de santinhos, panfletos e a publica-

ção da imagem do santo são proibidas até o seu reconhecimento oficial.

Neste sentido, a devoção em Pedro não se enquadra neste modelo de santidade atri-

buído pela Igreja, mas mesmo assim, percebemos que esta mesma política está presente na

devoção em Pedro, onde o padre local se aproveitou da devoção em Pedro para se aproximar

dos seus fiéis e assim sendo, adotou uma política, a nosso ver, de transformação desta devo-

ção numa devoção ao apóstolo Pedro, como percebemos através das entrevistas que realiza-

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mos com os devotos que, conforme dito anteriormente, já demonstram nas suas falas certa

fusão entre os Pedro’s. Em todo o período pesquisado em que tivemos contato com o padre

Alexandre, seja na procissão ou no ritual de visitação do dia 29 de junho, nunca ouvimos refe-

rência do padre a Pedro Afonso do Nascimento, sempre se referiu a Pedro Apóstolo – mas

também nunca disse que o Pedro enterrado dentro da capela fosse o apóstolo - e isto nunca

incomodou os devotos de Pedro que não demonstravam dar importância à omissão do padre

em relação ao seu santo e por outro lado, os devotos sempre fizeram menção da Cova de Pe-

dro como espaço genuinamente católico, não demonstrando dúvidas em nenhum momento a

respeito disto, mesmo diante do silêncio do padre. O que nos parece é que para o devoto, a

presença do Padre no ritual de visitação do dia 29 de junho e a administração do local a cargo

da Igreja já seria suficiente para a justificação da Cova de Pedro como espaço católico.

E como nos fala Reesink (2007), as multiplicidades do catolicismo “são baseadas na

unidade, todos são católicos, todos “fazem” o catolicismo, é aí toda sua potência e dinamis-

mo. E isso não quer dizer que não exista conflitos, disputas, oposições, voltas e rodeios”. To-

dos, segundo a autora, que estão relacionados com o catolicismo, são profundamente católi-

cos. Nesse sentido, os devotos de Pedro não fazem distinção entre a sua fé e a fé de qualquer

católico, pois para estes, todos eles são participantes da mesma religião. Não percebemos nas

falas dos devotos de Pedro, nenhum desconforto - mesmo naqueles que fazem parte da linha

de frente da Igreja de Ribeirão do Largo - pelo fato, do padre local não fazer referência a Pe-

dro Afonso. Neste sentido, inferimos que a omissão proposital do padre, deve passar desper-

cebida pelos devotos que como dissemos anteriormente, fazem uma clara ligação entre sua

devoção e a Igreja, como se esta, apoiasse a devoção em Pedro. Contudo, como a autoridade

eclesiástica faz diferenciação entre a fé pregada por eles e a vivida pelo povo em Pedro, ela

tenta canalizar a fé desses devotos para o que a Igreja julga correto de acordo com os seus

dogmas.

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Embora a Cova de Pedro seja administrada pela Igreja - pelo fato dela não ser na sua

visão um santuário católico oficial - ela não recebe e nem poderia receber o mesmo tratamen-

to dado a um santuário oficial. Ela fica praticamente abandonada – no sentido de limpeza, por

exemplo - durante quase todo o ano e somente, próximo ao período do ritual de visitação do

dia 29, da procissão da semana santa ou de alguma caminhada à Cova, é que vão providenciar

a arrumação e a limpeza do local. Mas vale a pena lembrar que estes fatores não prejudicam

em nada as visitações rotineiras que ocorrem durante todo o ano.

Voltemos à procissão. O padre Alexandre encerrou a liturgia da sexta-feira santa di-

zendo que, as pessoas ficassem a vontade para fazerem suas devoções e orações particulares,

o que levou quase todos os presentes para dentro da capela, quase 90 pessoas participaram

deste evento. Algumas pessoas jogaram água na cruz e na imagem de Pedro, segundo elas, era

para trazer milagre e chuva para quem estivesse precisando dela.

Quando terminou o evento, as pessoas retornaram normalmente para suas casas. Na

volta conversamos com alguns devotos e perguntamos se o número de pessoas que foram à

procissão tinha relação com a Cova de Pedro, ou seja, se fosse para outro lugar se elas iriam

ou se o número de pessoas diminuiriam? “claro, nois pertence à Igreja e vamo onde ela for

(...)” e afirmaram que o número de pessoas seria o mesmo. O que fica evidenciado, é que para

o devoto de Pedro o local de seu sepultamento é um espaço Católico. Em nenhum momento

percebemos na observação de campo, uma relação contrária a esta afirmativa; e no próprio

espaço da Cova, a ligação com a Igreja é evidente quando olhamos para o confessionário,

cartaz da Campanha Missionária 2006 afixado dentro da capela, armação de presépio natali-

no, a presença maciça dela se manifesta ainda na organização do espaço, das caminhadas rea-

lizadas à Cova e missas anuais que acontecem no local e a própria referência do padre à cape-

la é reveladora “(...) a nossa capela (...).”

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Geertz e Berger dividem com Marx a convicção criadora de seu axioma a de que a

sociedade é construída pela ação humana. Para eles, a própria idéia de uma natureza humana,

nada mais é que um produto da atividade construtora de mundos. A religião introduz a socie-

dade humana dentro de um cosmo sagrado que valida, justifica e explica as mazelas do mun-

do construído.

O homem está mergulhado continuamente no processo de busca de significado para

sua existência; e é nesta busca que ele constrói um mundo. Sendo nele que o homem busca

situar-se e dar sentido à sua vida. “Mas viver no mundo e na sociedade é viver sob ameaça de

caos e da desagregação. Por isso mesmo viver nele é esforçar-se de forma contínua e persis-

tente para integrar-se na ordem”. (Berger, 1985:7)

Nesta mesma direção, a fala da Sra. Ana Teixeira Ribeiro27 é bem interessante, pois

ela nos afirma que:

“(...) eu tinha uma caçula que tudo que ela vomitava saia pelo nariz, aí eu fa-lei, sabe de uma coisa, vou fazer um nariz de cera, bota na Cova de Pedro, eu fiz um nariz de cera, botei lá, nunca mais ela vomitou. Ficou mea foen, mas ficou boa (...).“

O que fica evidenciado nesta fala é que a saída do vômito pelo nariz só parou por

causa da promessa que foi feita e esta relação, só foi possível, graças ao ethos e visão de

mundo desta devota, que através da sua fé católica explicou o episódio. A idéia de se buscar

um mediador e intercessor entre o homem e Deus é algo bem comum na Igreja Católica. Em-

bora a Bíblia nos traga apenas Jesus como único mediador, conforme o texto de I Timóteo

2:5: “Porquanto há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, ho-

mem”. Além de mediador, alguns textos bíblicos o trazem também como intercessor confor-

me Romanos 8:34: “Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem res-

suscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós.” Este texto de Romanos

27 - Ibidem 7.

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diz que Jesus também intercede, o que demonstra que a Bíblia reconhece um outro intercessor

que é, exatamente o Espírito Santo, segundo o texto de Romanos 8:26-27:

“Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; por-que não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis.E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito, porque se-gundo a vontade de Deus é que ele intercede pelos santos”.

Ao longo dos séculos introduziu-se no cristianismo a idéia de outros intercessores,

como é o caso dos santos. Estes teriam a função de intercederem junto a Deus em favor dos

seus devotos.

Durante os séculos posteriores à queda do Império Romano do Ocidente foi se de-

senvolvendo uma teoria favorável a inserção de imagens de escultura no seio da Igreja e junto

com elas surgiram novos santos. E a partir do sexto século já existia uma defesa teológica

favorável à adoração de ícones. Durante os séculos IV ao VIII, houve diversos períodos de

destruição de imagens, cujos movimentos ficaram conhecidos como iconoclastas. Quando

subia ao trono um imperador desfavorável à adoração de imagens, se empreendia a caça a

elas, mas quando subia um favorável aos ícones, se restabelecia o direito de adorá-las. Entre-

tanto, o movimento iconoclasta chegou ao fim, após o segundo Concílio de Nicéia, que reti-

rou a proibição de adoração às imagens que vigorava desde o I Concílio de Nicéia, reafirman-

do de uma vez por todas que a sua veneração era transferida a seus protótipos.

“(...) A adoração de imagens, concluíram, não era apenas permitida: era or-denada tanto pela tradição quanto pela teologia. A passagem de Deuteronô-mio que proibia imagens foi seguida imediatamente por uma maldição sobre quem “desonrar pai ou mãe” ou retirar “marcos” do pai, entre os quais se in-cluíam ícones. Desde que o Deus invisível se tornara visível e humano emCristo, e a natureza humana de Cristo se transformara pela Encarnação, a adoração de ícones era necessária para afirmar o verdadeiro significado de Cristo. Assim o Concílio afirmava uma nova epistemologia cristã na qual os sentidos eram santificados.” (Boorstin, 1995:241)

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Acreditamos que a inserção das imagens de escultura no seio da Igreja, de alguma

forma levou a uma proliferação de novos santos. Pois elas podiam “inspirar e sustentar a fé

cristã”, e o seu poder foi reconhecido por Santo Agostinho (354-430). (Boorstin, 1995:234)

No início da era cristã, bastava a aclamação do povo para que um morto fosse feito

santo. Foi só no século XII, conforme dito anteriormente, que as canonizações passaram a ter

de ser proclamadas pelo papa. E a idéia de santo, de uma forma ou de outra, existe em quase

todas as religiões do mundo. Pelo que podemos concluir que o povo ao longo dos séculos

nunca deixou de criar seus próprios santos; embora a Igreja Católica (no caso do mundo cris-

tão) tenha tomado para si a autoridade da canonização, o povo sempre “canonizou” alguns de

seus mortos. O que explicaria a devoção em Pedro como fenômeno da tradição, da cultura.

Tanto Geertz quanto Berger, à similaridade de Durkheim e Weber, concebem a reli-

gião como realidade produzida pelos homens, com vistas a se entenderem e se explicarem no

mundo. Ela seria a “plenitude do significado de um mundo, que só é humano porque signifi-

cativo; mas significado construído”. A religião aparece então como a finalidade audaciosa de

arquitetar o universo como “humanamente significativo”. (Berger, 1985:7-8)

E esta finalidade da religião de dar significado à vida do homem fica evidenciada nas

palavras de Geertz (1989:103-104):

“(...) os símbolos sagrados funcionam para sintetizar o ethos de um povo – o tom, o caráter e a qualidade da sua vida, seu estilo e disposições morais e es-téticos – e sua visão de mundo – o quadro que fazem do que são as coisas na sua simples atualidade, suas idéias mais abrangentes sobre ordem. Na crença e na prática religiosa, o ethos de um grupo torna-se intelectualmente razoá-vel porque demonstra representar um tipo de vida idealmente adaptado ao estado de coisas atual que a visão de mundo descreve, enquanto essa visão de mundo torna-se emocionalmente convincente por ser apresentada como uma imagem de um estado de coisas verdadeiro, especialmente bem-arrumado para acomodar tal tipo de vida.”

Neste sentido a religião serviria como ajustadora das ações humanas a uma ordem

cósmica imaginada e projeta imagens da ordem cósmica no plano da experiência humana. E

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esta função da religião de ajuste do homem à ordem é claramente perceptível no conceito de

religião defendido por Geertz (1989) que está intrinsecamente ligado ao de Émile Durkheim

(2003), principalmente no que diz respeito ao sistema - que ela cria - de crenças e práticas

relativas a coisas sagradas como forma de inserção do homem dentro do universo do sagrado,

além do caráter eminentemente coletivo dela. A idéia de igreja expressa bem essa coletividade

e conforme defende Durkheim (2003) não existe na história religião sem igreja.

Seguindo o raciocínio de Geertz, os símbolos criam significados ou concepções, que,

por sua vez, imprimem nos indivíduos um ethos e visão de mundo, que consequentemente –

através dos símbolos – modelam as ações humanas, induzindo o crente a certo conjunto dis-

tinto de disposições (tendências, capacidades, propensões, habilidades, hábitos, compromis-

sos, inclinações) que emprestam um caráter crônico ao fluxo de sua atividade e à qualidade da

sua experiência. Uma disposição descreve não uma atividade ou uma ocorrência, mas uma

probabilidade de a atividade ser exercida ou de a ocorrência se realizar em certas circunstân-

cias.

Quando se diz que o homem é religioso, significa dizer que ele é movido pela religi-

ão e por isso terá inclinações para executar determinados tipos de atos ou ter determinados

tipos de sentimentos. Neste sentido, podemos afirmar que a idéia da santidade popular em

Pedro não é divorciada da religião, pois quem ensinou e moveu estes devotos a cultuar o san-

to, foi exatamente a religião deles, a Católica.

As inclinações que os símbolos sagrados induzem, em épocas e lugares diferentes,

vão desde a exultação até a melancolia, da autoconfiança, à autopiedade, de uma jocosidade

incorrigível a uma suave apatia – para não falar do poder erógeno de tantos mitos e rituais

mundiais.

De acordo com Durkheim (2003:461):

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“(...) a verdadeira função da religião não é nos fazer pensar, enriquecer o nosso conhecimento, acrescentar as representações que devemos à ciência, representações de uma outra origem e de um outro caráter, mas sim nos fazer agir, nos ajudar a viver. O fiel que se pôs em contato com seu deus não é a-penas um homem que percebe verdades novas que o descrente ignora, é um homem que pode mais. Ele sente em si mais força, seja para suportar as difi-culdades da existência, seja para vencê-las (...).”

Partindo desta análise, a perspectiva religiosa se move além das realidades da vida

cotidiana em direção a outras mais amplas, que as corrigem e completam, e sua preocupação

definidora não é a ação sobre essas realidades mais amplas, mas sua aceitação, a fé nelas. Ela

repousa justamente nesse sentido do “verdadeiramente real” e as atividades simbólicas da

religião como sistema cultural se devotam a produzi-lo, intensificá-lo e, tanto quanto possível,

torná-lo inviolável pelas revelações discordantes da experiência secular. Mais uma vez, a es-

sência da ação religiosa constitui, de um ponto de vista analítico, imbuir certo complexo espe-

cífico de símbolos – da metafísica que formulam e do estilo de vida que recomendam – de

uma autoridade persuasiva.

E isso nos faz chegar, ao ritual. Conforme Durkheim (2003:19):

“Os fenômenos religiosos classificam-se naturalmente em duas categorias fundamentais: as crenças e os ritos. As primeiras são estados da opinião, consistem em representações; os segundos são modos de ação determinados. Entre esses dois tipos de fatos há exatamente a diferença que separa o pen-samento do movimento.”

E afirma ainda, que qualquer crença religiosa conhecida apresenta o mesmo caráter

que é a representação ou idéia da classificação das coisas como sagradas ou profanas. Nesse

sentido, como fazer para que o homem que vive necessariamente no mundo profano, seja

transportado para um outro mundo, o sagrado? O ritual seria o mecanismo utilizado pela reli-

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gião de inserção deste homem no espaço sagrado. A fala do Sr. João Santos de Souza28, de-

monstra claramente a qualidade diferenciada da Cova de Pedro:

“(...) o número de devotos aumentou (...) também que muita gente coi resul-tado, acho que todo mundo que vem aqui fazer uma promessa com a arma santa de Pedro coi vantage, eu pelo menos já fiz duas”.

Daí sua importância na manutenção da crença, pois é através do ritual que a fé é cri-

ada e recriada, garantindo com isso a manutenção da representação. Pois a fé sem as obras é

morta, assim como, a representação sem a sua prática (rito) tende ao esquecimento e ao con-

seqüente desaparecimento.

Entendemos que é no ritual – isto é, no comportamento consagrado – que se origina,

de alguma forma, essa convicção de que as concepções religiosas são verídicas e de que as

diretivas religiosas são corretas. É em alguma espécie de forma cerimonial – ainda que essa

forma nada mais seja que a recitação de um mito, a consulta a um oráculo ou a decoração de

um túmulo – que as disposições e motivações induzidas pelos símbolos sagrados nos homens

e as concepções gerais da ordem da existência que eles formulam para os homens, se encon-

tram e se reforçam uma às outras. Num ritual, o mundo vivido e o mundo imaginado fundem-

se sob a mediação de um único conjunto de formas simbólicas, tornando-se um mundo único

e produzindo aquela transformação idiossincrática no sentido de realidade conforme Santaya-

na (apud Geertz: 1989:101) se refere na epígrafe abaixo:

“Qualquer tentativa de falar num idioma particular não tem maior fundamen-to que a tentativa de ter uma religião que não seja uma religião em particular(...) Assim, cada religião viva e saudável tem uma idiossincrasia marcante. Seu poder consiste em sua mensagem especial e surpreendente e na direção que essa revelação dá à vida. As perspectivas que ela abre e os mistérios que propõe criam um novo mundo em que viver; e um novo mundo em que viver – quer esperemos ou não usufruí-lo totalmente – é justamente o que deseja-mos ao adotarmos uma religião.”

28 - Ibidem 16.

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E é na busca deste novo mundo que o homem é conduzido à religião. E se busca um

novo mundo é porque o velho não o satisfaz mais. O homem pode adaptar-se, de alguma for-

ma, a qualquer coisa que sua imaginação possa enfrentar, mas ele não pode confrontar-se com

o caos. Por isso, entre a ordem e a desordem, os homens por habitarem na região das incerte-

zas, recorrem a um ser superior, por este já ter uma existência definida.

Assim, o homem na religião está, ao contrário do que pretendem análises hoje em dia

ultrapassadas, no exercício ou em busca do todo-poderoso. (Fernandes, 1982)

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4. Considerações Finais

A fé e a religiosidade popular na Cova de Pedro fazem parte da cultura brasileira

herdada do Brasil colônia. Pelas suas características observáveis, constitui-se, principalmente,

em ato religioso individual. Nesta devoção, existem poucos momentos de caráter mais coleti-

vo. Este se apresenta no cântico de ladainhas e algumas orações que são acompanhadas por

quase todos que estão dentro da capela. Embora estas ladainhas e orações sejam feitas como

fruto de pagamento de promessas; o que determina que esta seja uma ação, predominantemen-

te, individual na sua origem, mas que na prática, algumas vezes, se reveste de coletividade.

Os romeiros e devotos de Pedro Afonso são oriundos, na sua grande maioria, da zona

rural, mas isto não significa dizer, que esta devoção seja exclusiva de pessoas ligadas direta

ou indiretamente ao campo, pois nos relatos dos devotos se fazem referência a milagres de

devotos também de origem urbana. Acreditamos que a fé não é um ato exclusivo da zona ru-

ral, pois encontramos devoções parecidas com a Cova de Pedro também nos centros urbanos.

Nos últimos anos, a Igreja assumiu a administração do local com vistas a canalizar a

fé dos devotos para uma fé mais “pura”, conforme as próprias palavras do padre Alexandre.

Nos seus sermões o padre canaliza o seu discurso, principalmente, para o apóstolo Pedro, nu-

ma tentativa de transformar a devoção a Pedro Afonso em devoção ao Pedro apóstolo. Esta

estratégia já está surtindo efeito no imaginário dos devotos que já começam a fazer uma certa

con(fusão) entre os dois Pedro’s, o que no futuro inferimos que transformará esta devoção

numa devoção a Pedro apóstolo.

A Cova de Pedro é utilizada pelos seus devotos como meio de se chegar a Deus nu-

ma mesma perspectiva do catolicismo oficial. Os devotos vêem em Pedro uma forma de in-

termediação dos seus pedidos a Deus. Como Pedro Afonso está mais acessível que Deus ou

Jesus Cristo, principalmente pela proximidade deste santuário, se utilizam desta devoção para

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achegar-se a Deus, ou seja, o objetivo deles é chegar ao Todo Poderoso para que as suas peti-

ções sejam ouvidas e respondidas.

As falas dos devotos são contundentes quando apontam a proximidade do santuário

de Pedro Afonso como fator preponderante para a sua escolha para a realização das suas de-

voções.

A abordagem teórico-metodológica utilizada nesta pesquisa não dá conta da totalida-

de da discussão que o tema da devoção em Pedro pode suscitar. Ao trilharmos o caminho do

que sustenta e alimenta esta pratica religiosa, nos deparamos, no mínimo, com uma questão

que extrapola o objetivo desta pesquisa. A história do homem Pedro, cuja complexidade deixa

brechas para outras abordagens.

O surgimento e a permanência desta devoção têm uma qualidade, até onde observa-

mos legitimamente popular, sobrevivendo ao longo dos anos, através da oralidade, como ex-

pressão da fé. A crença de que Pedro Afonso do Nascimento escuta e atende aos pedidos, ou

alguns deles, são a sua própria razão de ser. Desta forma, é a idéia da eficácia gerada nos de-

votos através do ritual - produz neles uma experiência com o sobrenatural - que dá sentido e

sustentação a esta devoção.

Assim, o ritual tem esta característica de criar e recriar a fé humana, transportando o

homem do mundo profano para o sagrado e depois o conduzindo de volta ao primeiro estágio,

fazendo com que ele retire um sentido de existência através da experiência no ritual e sinta-se

parte de um universo maior, o sagrado; dessa forma impedindo-o de entrar no caos, em um

mundo sem significado e consequentemente sem sentido.

Acreditamos que é o ritual que fundamenta e alimenta a prática religiosa em Pedro, a

partir do momento em que ele cria e recria um ethos e visão de mundo nos devotos, e conse-

quentemente insere neles uma motivação e disposição religiosa. O ritual tem esse poder de

renovar constantemente a fé dos homens, não permitindo que a sua confiança religiosa seja

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abalada, esquecida conforme nos disse Berg (1985:53) - “(...) Os homens esquecem. Preci-

sam, por isso, que se lhes refresque constantemente a memória (...)”.

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5. Referências Bibliográficas

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6. Anexos:

A – Carta de C.A.J. para Pedro Afonso do Nascimento

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B – Carta de Luciene para Pedro Afonso do Nascimento