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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS CAMPUS DE CURRAIS NOVOS PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS ROSEANE IDALINA DA SILVA RANGEL LEITURA E PRÁTICA DOCENTE: EVENTO DE LETRAMENTO EM SALA DE AULA COM CARTAS PESSOAIS CURRAIS NOVOS – RN 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS CAMPUS DE CURRAIS NOVOS

PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS

ROSEANE IDALINA DA SILVA RANGEL

LEITURA E PRÁTICA DOCENTE: EVENTO DE LETRAMENTO EM SALA DE

AULA COM CARTAS PESSOAIS

CURRAIS NOVOS – RN 2015

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ROSEANE IDALINA DA SILVA RANGEL

LEITURA E PRÁTICA DOCENTE: EVENTO DE LETRAMENTO EM SALA DE AULA COM CARTAS PESSOAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência parcial para a obtenção do título de mestre em Letras. Área de concentração: Letramento e Linguagens.

Orientador: Prof. Dr. Sebastião Augusto

Rabelo

CURRAIS NOVOS – RN 2015

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ensino Superior do Seridó - CERES Currais Novos

Rangel, Roseane Idalina da Silva. Leitura e prática docente: evento de letramento em sala de aula com cartas pessoais / Roseane Idalina da Silva Rangel. - Currais Novos, RN, 2016. 107 f.: il. color. Orientador: Prof. Dr. Sebastião Augusto Rabelo. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ensino Superior do Seridó. Departamento de Ciências Sociais e Humanas. Pós-Graduação Stricto Sensu Mestrado Profissional em Letras. 1. Leitura. 2. Cartas. 3. Escrita. I. Rabelo, Sebastião Augusto. II. Título. RN/UF/BSCN CDU 372.4

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ROSEANE IDALINA DA SILVA RANGEL

LEITURA E PRÁTICA DOCENTE: EVENTO DE LETRAMENTO EM SALA DE

AULA COM CARTAS PESSOAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência parcial para a obtenção do título de mestre em Letras. Área de concentração: Letramento e Linguagens.

APROVADA EM: ___/___/______

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________ Prof. Dr. Sebastião Augusto Rabelo – UFRN

Presidente

___________________________________________

Prof. Dr. Mário Lourenço de Medeiros – UFRN

Examinador Interno

___________________________________________

Prof. Dr. Manoel Freire Rodrigues – UERN

Examinador Externo à Instituição

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Dedico aos meus pais e aos meus filhos, que sempre foram fortalezas no meu crescimento. Que eu tenha feito jus a seus esforços, renúncias e desejos de querer que eu seja sempre melhor.

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AGRADECIMENTOS

A meus pais, Rozemiro Rangel e Jovita Idalina da Silva Rangel, que embora não estejam no plano terrestre, continuam presentes em todos os passos da minha vida.

Aos meus irmãos Rosonaldo Rubson Rangel e Rosinelma Idalina da Silva Rangel, pelo inventivo e apoio nas minhas constantes buscas do conhecimento, e embora sejam mais experientes, orgulham-se e aplaudem cada conquista, acreditando na superação dos meus limites.

Aos meus filhos Marcos Batista Filho e Charles Rogers Rangel da Silva, que mesmo estando no auge da juventude, com sabedoria compreenderam os momentos de ausência, aplaudindo com orgulho cada passo conquistado nesta caminhada. Que esta jornada possa ser incentivo para o seu crescimento intelectual.

Aos grandes sábios que busquei como âncora de crescimento e que serão sempre fontes de inspiração na busca de querer aprender como se eu fosse viver eternamente. À professora do Relato de Experiência, que por obra do destino foi ponto essencial na comprovação do Letramento que vai além dos currículos escolares e passa a cumprir seu papel social. Muito obrigada.

Aos alunos colaboradores da pesquisa-ação por sua disponibilidade de desenvolver todas as atividades propostas com entusiasmo e satisfação. Muito obrigada.

Aos meus amigos mestrandos, agora mestres, em especial a Jária, Aldenora, Vilma e Fabiana pela cumplicidade. Vocês fizeram a minha jornada mais suave. Muito obrigada.

Aos meus amigos e familiares, pelos gestos e palavras de incentivo. Muito obrigada.

Aos professores do Mestrado pelo profissionalismo e por cada intervenção feita: foram horizontes abertos que me fizeram enxergar caminhos que, sozinha, não conseguiria ver. Muito obrigada.

A todos que, de alguma forma, deram sua contribuição material e imaterial, enxerguem-se aqui. Todos os meus passos têm um pouco de cada um. Muito obrigada.

Aos professores Dr. Amarino Oliveira de Queiroz e Drª Valdenides Cabral de Araújo Dias, examinadores da banca de qualificação. As intervenções foram fundamentais tanto para a qualidade deste trabalho como para meu crescimento nesta caminhada. Muito grata.

Ao Professor Doutor Sebastião Augusto Rabelo, meu orientador. Ser humano de aguçada sensibilidade, soube perceber minhas necessidades e carências e, de forma sutil e simples, me fez satisfazê-las com as leituras mais acertadas. Homem forte, de palavra generosa e temente a Deus. Minha eterna gratidão.

A Deus que é vida, sabedoria e fortaleza. Nele tudo posso e nunca estarei sozinha. Minha eterna fé e gratidão.

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O que eu vi, sempre, é que toda ação principia mesmo é por uma palavra pensada. Palavra pagante,

dada ou guardada, que vai rompendo rumo.

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João Guimarães Rosa

RESUMO

O presente trabalho propõe caminhos que, através da pesquisa–ação, viabilizem alternativas de atividades pedagógicas que oportunizem ao aluno construir sua aprendizagem e nos quais a leitura possa ser uma ação da prática docente, capaz de desenvolver competências na ampliação da capacidade leitora. O estudo propõe também o favorecimento e domínio da escrita, promovendo o letramento como um evento que incorpora a formação do leitor, o prazer de ler e a construção compartilhada de interpretação. A relação leitura e escrita, neste contexto, torna-se significativa e eficaz à vida e ao cotidiano. Evidencia-se o letramento social na construção dos saberes como também no resgate de valores como: solidariedade, amor ao próximo e gestos de cidadania, neste caso, a comunicação escrita (carta pessoal). O letramento nesta perspectiva ultrapassa o ambiente escolar para cumprir um papel social. Para tanto, diante dos postulados teóricos que nos oferecem suporte nesta tarefa, destacam-se Marcuschi (2001, 2005), Regina Zilberman (2003), Marisa Lajolo (1985), Kleiman (2000), Roxane Rojo (2004), Rildo Cosson, (2006), Emerson de Piretri (2007), Paulo Freire e Donald Macedo (2013), entre outros. Esta pesquisa situa-se em uma perspectiva interacionista de intervenção que adota a interação concretizada na leitura e práticas docentes. A leitura, a escrita e o letramento, com ênfase nas questões sociais, podem ser observadas no contexto escolar como também fora do mesmo. Salientamos a integração de novas práticas de letramento às já realizadas, dinamizando o cotidiano das aulas de Língua Portuguesa de 6º a 9º anos.

Palavras-chave: Leitura. Cartas. Escrita. Letramento. Prática docente.

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ABSTRACT

This paper proposes paths through action research makes possible pedagogical activities alternatives that allow the students build their learning and that reading can be an action of teaching practice able to develop literary skills in the expansion of reading capacity. The study also proposes favoring and mastery of writing thus promoting literary literacy in a move that incorporates the formation of the reader, the pleasure of reading and the shared construction of interpretation. Reading and writing relationship in this context becomes meaningful and effective life and the everyday. Is evident in the social literacy in the construction of knowledge as well as the rescue of values; solidarity, love of neighbor and solidarity gestures, in this case the written communication (Personal Letter). The literary literacy shares up in fiction and reality and beyond the school environment to fulfill the social role. Therefore, on the theoretical postulates that offer us support in this task stand out Marcushi (2001, 2005), Regina Zilberman (2003), Marisa Lajolo (1985), Kleiman (2000), Roxane Rojo (2004), Rildo Cosson (2006), Emerson de Piretri (2007), Paulo Freire and Donald Macedo (2013), among others. This research is situated in an interactionist perspective of research where interaction achieved in reading and teaching practices where literature and literary literacy with social emphasis which can be observed in the school context but also outside of it will be adopted. Taking the integration of new literacy practices already written and streamlining the daily lives of Portuguese classes of 6th to 9th grade.

Keywords: Reading. Literature. Literary Literacy. Teaching practice.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Imagem1: Carta pessoal com enunciação em primeira pessoa........................... 45

Imagem2: Carta pessoal com enunciação misturada, em primeira pessoa do singular e primeira pessoa do plural......................................................................

46

Imagem3: Carta pessoal – Resposta do professor............................................... 47

Imagem4: Os colaboradores................................................................................. 58

Imagem5: Entrega da produção escrita dos alunos.............................................. 59

Imagem6: Texto produzido pelo aluno.................................................................. 60

Imagem7: Escola................................................................................................... 61

Imagem8: Texto produzido pelo aluno.................................................................. 67

Imagem9:Texto produzido pelo aluno................................................................... 72

Imagem10: Postagem nas redes sociais.............................................................. 80

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Quadro de duas estratégias-tipo........................................................... 40

Tabela 2: Articulação de duas estratégias-tipo...................................................... 54

Tabela 3: Planejamento da ação .......................................................................... 69

Tabela 4: Representação da estrutura composicional da carta............................ 73

Tabela 5: Sequência discursiva............................................................................. 74

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................. 12

CAPÍTULO I - LEITURA, ESCOLA E ENSINO: AS VÁRIAS FACES DE UM PROCESSO ....................................................................................................

16

1.1 ESCOLA E LEITURA: UM OLHAR RESGATANDO O PASSADO PARA ELUCIDAR O PRESENTE...............................................................................

16

1.2 O LEITOR E O MUNDO: OS DESAFIOS DO ATO DE LER...................... 19

1.3 PRÁTICA ESCOLAR: ESTRATÉGIAS DO ENSINO DA LEITURA............ 21

1.4 O DESAFIO DA PRÁTICA DOCENTE: COMO FORMAR ALUNOS LEITORES?......................................................................................................

24

CAPÍTULO II - LITERATURA NO PROCESSO ESCOLAR: ARTE OU UTILITARISMO? .............................................................................................

29

2.1 A SIGNIFICAÇÃO DA LITERATURA NA HISTÓRIA: A ARTE DOS SABERES LITERÁRIO.....................................................................................

30

2.2 LITERATURA INFANTIL: BREVE PANORAMA E TENDÊNCIAS ATUAIS.............................................................................................................

32

2.3 LEITURA, LITERATURA E PRÁTICA DOCENTE: INTERFACES............. 33

CAPÍTULO III - LETRAMENTO LITERÁRIO: OS DESAFIOS DO COTIDIANO ESCOLAR...................................................................................

36

3.1 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: DESMISTIFICANDO CONCEITOS 37

3.2 LETRAMENTO LITERÁRIO: FICÇÃO E REALIDADE............................... 38

CAPÍTULO IV – PESQUISA-AÇÃO PARA UM EVENTO DE LETRAMENTO.................................................................................................

42

4.1 ESTUDO DO GÊNERO CARTA PESSOAL.............................................. 44

4.2 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS..................................................... 52

4.2.1 Abordagem da Pesquisa....................................................................... 53

4.2.2 Figurantes e cenário da pesquisa........................................................ 59 4.2.3 Instrumentos e geração de dados ...................................................... 63

4.3 ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DAS AÇÕES..................................... 67

4.3.1 Ações de Sensibilização (Leituras literárias).................................... 67 4.3.2 Planejamento das ações (produções das cartas pessoais)............. 70 4.3.3 Relatos de fatos comuns - realidade e ficção.................................... 73

4.3.4 Produção e escrita das cartas pessoais............................................ 75

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4.3.5 Leitura compartilhada........................................................................ 80

4.3.6 Relatos (elementos de letramento social)......................................... 81

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 84

REFERÊNCIAS................................................................................................ 89

APÊNDICE....................................................................................................... 92

ANEXOS.......................................................................................................... 96

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INTRODUÇÃO

O debate em torno da prática docente de leitura e letramento tem levado

muitos profissionais a articular ações em que professor e alunos sejam agentes de

letramento. Através das práticas de leitura e das ações inovadoras das políticas

públicas para o ensino fundamental, esse processo vem sendo fortalecido com

ênfase nas mudanças curriculares e nas formas de organização do ensino. Dentre

essas ações de melhoria da qualidade de aprendizagem da leitura e escrita,

destaca-se: Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa – PCN

(BRASIL, 1998, p.53), as propostas curriculares das redes estaduais e municipais, o

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), os programas de formação continuada

de professores e as ações que vêm atender à crescente exigência de letramento no

âmbito escolar. A partir delas, diversos caminhos são trilhados na formação de

alunos capazes de pensar de modo crítico, criativo e que possam interagir usando

diferentes linguagens. Noutros termos, deve-se pensar um processo educacional

que permita ao aluno o acesso ao conhecimento, fornecendo condições para

resolver problemas de diferentes naturezas.

Neste estudo, salientamos uma estreita associação da ação de leitura na

prática docente como também na resolução da problemática de formar leitores no

Ensino Fundamental II, tendo como base a literatura e o letramento. A proposta

possibilitou ao aluno uma construção do conhecimento de forma dinâmica, criativa,

reflexiva e contextualizada. Estabelecemos como objetivo discutir a prática docente

com ênfase nos seguintes pontos: leitura, escola e ensino; a leitura no processo

escolar; e o letramento literário.

Essa abordagem mostra que são possíveis ações funcionais de leitura e

letramento literário na pratica docente, fazendo com que o aluno construa

significados para a vida e que as aulas e as diversas leituras possam desenvolver

competências comunicativas essenciais para o exercício da cidadania.

Pensando dessa forma, o presente estudo foi estruturado em quatros

capítulos. No primeiro, intitulado Leitura, escola e ensino: As várias facetas de um

processo, têm-se como ponto de partida os saberes necessários à Prática

Educativa, tomando como referência a Pedagogia da Autonomia, do educador Paulo

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Freire, que mostra a prática educativa como um exercício constante em favor da

produção e do desenvolvimento da autonomia de educadores e educandos. A

relação escola-leitura é apresentada através de um olhar que resgata o passado

para elucidar o presente.

Tanto a leitura quanto a literatura fazem parte das comunidades humanas

desde tempos imemoriais e, nos dias atuais, parece não ter mais lugar no cotidiano

das pessoas. Os brasileiros leem pouco, leem menos ainda a literatura e como se

acreditava que a literatura era de fundamental importância para a condição humana,

a situação do ensino de literatura na escola não deixa dúvidas quanto ao que se

pode esperar da formação do leitor literário, ou mais precisamente, da ausência de

formação do leitor literário. Nesse sentido, que tipo de leitura propor nesta

formação?

No tópico O leitor e o mundo: os desafios do ato de ler, pode-se dizer que ler

é produzir sentido por meio de um diálogo, uma conversa com a experiência

individual e social, um processo de produções de sentidos que envolve quatro

elementos: o leitor, o autor, o texto e o contexto. Se a leitura é um diálogo, todo

dialogo começa essencialmente com uma pergunta, com uma questão cuja resposta

nos leva a outra pergunta e a outra resposta e a outra pergunta... Assim segue a

necessidade da prática escolar, as estratégias do ensino e práticas de leitura,

buscando mostrar como elas podem contribuir para o diálogo da leitura literária,

tendo como cenário principal a escola e o desafio do trabalho docente para

responder os questionamentos de como formar alunos leitores.

Sabe-se que a formação do leitor não pode ser pautada por estratégias de

facilitação, uma vez que a leitura envolve a solução de problemas. A formação do

leitor consiste em suas possibilidades de estabelecer objetivos e estratégias de

leitura, a fim de superar as dificuldades que a leitura do texto lhe apresenta. É

essencial a escolha do texto que será lido em uma sala de aula. O professor, como

mediador, deve saber escolher e adequar o texto ao contexto, priorizando sua

qualidade e sempre tendo em mente o objetivo de formar o leitor proficiente.

No segundo capítulo, Literatura no processo escolar: arte ou utilitarismo?,

mostra-se como a literatura se situa no plano da emoção e acaba revelando, mais

do que o discurso competente, a humanidade do homem. Percebe-se que um texto

literário se movimenta dentro de determinados espaços onde ainda não são

definidas as condições de comunicação e significação da literatura na história, capaz

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de instaurar a arte dos saberes literários baseados sempre na eficácia e

obedecendo a razões externas ao próprio texto, visto que a leitura proporcionada

pela escola é um meio de acesso do jovem ao texto literário.

A teoria da literatura infantil tem, nos últimos anos, voltado sua atenção ao

ensino enfatizando a necessidade de uma metodização das práticas pedagógicas

encontradas na natureza do literário e na comunicação leitor e obra, que propõe

como objeto de discussão questões relativas à obra, ao leitor (aluno) e ao mediador

da leitura (papel desempenhado pelo professor). Quanto ao receptor, são enfocadas

questões relativas ao lúdico e ao prazer da leitura, bem como à emancipação do

leitor por meio da quebra de seu horizonte de expectativas que levam à reflexão em

torno da leitura, da literatura e da prática docente: interfaces. Diante dessa reflexão,

a literatura infantil de fato traz benefícios para o desenvolvimento cognitivo e a

aprendizagem do aluno, sendo necessário, entre outros fatores, que o professor faça

a correta adequação do livro às necessidades e interesses da criança, de acordo

com a etapa do desenvolvimento em que se encontra e com o contexto social em

que está inserida, bem como seu nível de desenvolvimento cognitivo.

O terceiro capítulo intitula-se Letramento literário: os desafios do cotidiano

escolar. O modo como o professor conduz o seu trabalho é crucial para que a

criança construa o conhecimento sobre o objeto escrito e adquira certas habilidades

que lhe permitirão o uso efetivo do ler e do escrever em diferentes situações sociais.

No tópico Alfabetização e letramento: desmistificando conceitos, discute-se a

importância do professor, consciente de que o acesso ao mundo da escrita é, em

grande parte, responsabilidade da escola, conceber a alfabetização e o letramento

como fenômeno complexo e perceber que são múltiplas as possibilidades de uso da

leitura e da escrita na sociedade. Assim, as práticas em sala de aula devem estar

orientadas de modo que se promova a alfabetização na perspectiva do letramento

para que se torne mais claro quais os procedimentos metodológicos a serem

utilizados.

O letramento literário é um estudo que faz um elo entre a ficção e a

realidade essencial da criança em sua formação leitora. Portanto, o estudo mostrará

o letramento no cotidiano escolar: um relato de experiências que, com base em um

trabalho com gêneros textuais (especificamente, a carta), podem ser compreendidas

como uma tentativa de responder a essas novas orientações de alfabetização como

evento de letramento social nas aulas de Língua Portuguesa, tendo como público

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alvo os alunos de 6º a 9º anos do Ensino Fundamental.

No quarto e último capítulo será retratada a pesquisa-ação para um evento

de letramento, em que será feito um estudo sobre o gênero carta pessoal e a

especificação dos pressupostos metodológicos, da abordagem da pesquisa, dos

figurantes e do cenário da pesquisa, bem como dos instrumentos e da geração de

dados. Na parte das etapas do desenvolvimento das ações será feito o relato com

algumas ilustrações das ações de sensibilização, dos planejamentos e das

estratégias utilizadas para que os objetivos fossem alcançados e ficasse

comprovado um evento de letramento com foco na função social, tendo como

elemento articulador o gênero carta pessoal, durante as aulas de Língua

Portuguesa.

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CAPÍTULO I - LEITURA, ESCOLA E ENSINO: AS VÁRIAS FACES DE UM

PROCESSO

O ensino da leitura na Escola atualmente está focado na questão de tornar o

aluno participante dos processos de interlocução e protagonismo na recepção e na

produção de textos adequados a cada situação social. Propiciar ao aluno condições

de se apropriar do conhecimento, usá-lo de forma crítica e se integrar ao mundo

como autônomo, segundo escolhas pessoais capazes de gerar significados em torno

da vida social e cultural, é um grande desafio para o professor. A atitude do

professor diante das várias faces de um processo é essencial para uma prática que

permitirá a abertura da escola à pluralidade do ensino e das diversas leituras no seu

contexto.

A diversidade de leitura na escola permite aos professores oferecer aos

alunos procedimentos de análise das condições reais de produção e recepção de

textos, numa visão interdisciplinar e muito mais produtiva. Os desafios colocados

para que a escola possa responder aos anseios da sociedade pela efetiva melhoria

dos alunos no processo da leitura, da interpretação e da produção de textos são

muitos. Por isso, o olhar sobre o mundo e as estratégias na prática docente são

desafios constantes na formação de alunos leitores proficientes.

1.1 ESCOLA E LEITURA: UM OLHAR RESGATANDO O PASSADO PARA

ELUCIDAR O PRESENTE

A escola, criada para dar acessibilidade aos bens culturais e ao saber

elaborado ao longo do tempo, vem se moldando para dar espaço a uma visão

moderna e transformadora. A leitura na escola consegue fazer uma relação de

transformação ao longo da história. Embora a escola comece a utilizar a leitura

como ponte entre a criança e o conhecimento, ela também dá ênfase à pouca

existência de livros paradidáticos nas escolas até meados do século XIX. Assim, a

leitura escolar se restringia a textos informativos, com base em instruções sociais,

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morais e éticas.

A partir do incentivo às famílias proletárias para matricularem seus filhos

com diversos níveis sociais e faixas etárias nas escolas, tornou-se acessível a um

público maior a assimilação cotidiana das informações. Desse modo, inúmeros

livros de leitura foram produzidos, tornando a leitura e a escrita uma prática comum

do cotidiano. Assim:

A leitura na escola é, antes de mais nada, um objeto de ensino. Para que se transforme num objeto de aprendizagem, é necessário que tenha sentido do ponto de vista do aluno, o que significa, entre outras coisas, que deve cumprir uma função para a realização de um propósito que ele conhece e valoriza. (LERNER, 2002, p. 18).

Este papel desempenhado pela leitura na sociedade burguesa, ao mesmo

tempo em que é fruto da difusão de tal hábito, torna necessária a continuidade e a

propagação cada vez maior das práticas de leitura, como sustenta Zilberman (2003).

Em outras palavras, pode ser visto como um processo de industrialização da cultura

que, de alguma maneira, representou a socialização do conhecimento. O

estabelecimento das escolas e da literatura infantil conseguiu integrar a criança ao

mundo burguês. Esse mecanismo de difusão de leitura reforça, em sua prática, “o

individualismo e o isolamento, processos que a criança passa a vivenciar desde

cedo” (ZILBERMAN, 2003, p.56). Concomitantemente, o fortalecimento do mercado

editorial destinado à publicação de obras da literatura infantil e juvenil se

estabeleceu em torno da escola, vinculando-se ao projeto pedagógico de sua maior

patrocinadora e consumidora. Ao impor ideologicamente o saber e a pedagogia

vigente, a biblioteca e os espaços de leitura escolares integraram de modo

satisfatório, de um lado, o “silêncio discurso”, que cala as vozes outras que não a

voz da doutrina vigente, e o “silêncio poder”, que cala a criança situando-a em sua

frágil dependência em relação ao adulto; e de outro, os ideais individualistas e

isolacionistas da vida social das ruas e de formar leitores, técnica e ideologicamente

capacitados para o sistema de produção capitalista.

Ao ser enfatizado o passado e o papel do leitor neste contexto, encontra-se

explicação para as diferentes atuações realizadas socialmente para a produção, a

distribuição e a apropriação do texto, como também as práticas de leitura. Essa

relação escola e leitura vêm se modificando a cada dia, assim como o valor da

leitura em nossa sociedade. Ler, hoje, constitui um vasto campo de saber que

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envolve desde o mapeamento de áreas do cérebro no momento físico da leitura até

a condução de políticas públicas destinadas a promover o domínio da escrita,

criando seções específicas em disciplinas tradicionais, tais como história da leitura e

psicologia da leitura, e incorporando diversas abordagens, a exemplo do

funcionalismo, da fenomenologia e do sócio-interacionismo, originados nos campos

da Linguística, da Filosofia e da Educação. Dentre muitas definições, conceitos,

concepções e variadas formas, modelos e perspectivas que alimentam as teorias de

leitura, pode-se citar a que toma a leitura como diálogo e que procura estar presente

no cotidiano do leitor.

A base teórica de tal concepção vem, principalmente, de Bakhtin (1992),

quando concebe o enunciado como um elo da corrente de comunicação verbal que

se relaciona tanto com os enunciados anteriores quanto posteriores, em um

movimento dinâmico de interação social, ou seja, quando toma o diálogo como base

de toda comunicação verbal. Também encontra apoio quando estabelece a diferença

entre uma conversa fiada e uma conversação autêntica e quando considera a

literatura parte de uma grande conversação, conforme visto claramente no texto

Esperando por Kafka (2001).

Pode-se dizer que ler é produzir sentido por meio de um diálogo, uma

conversa. Ler é um diálogo que se faz com o passado, uma conversa com a

experiência dos outros, que cria vínculos, estabelece laços entre leitor e mundo. A

leitura é um processo de compartilhamento, uma competência social. Daí que uma

das principais funções da escola seja justamente constituir-se como um espaço

onde aprendemos a partilhar, a compartilhar e a processar a leitura. E isso é

verdadeiro tanto em relação ao conhecimento técnico-científico e cultural expressos

no currículo, o que justifica, entre outras coisas, o ensino da literatura enquanto

cânone, quanto ao conhecimento social que advém de suas práticas, quer sejam

formais ou informais. Quando a escola falha nesse compartilhamento, no processo

de leitura, na função de nos tornar leitores, falha em tudo o mais, pois não há

conhecimento sem leitura, sem a mediação da palavra e da sua interpretação.

Em síntese, ler consiste em produzir sentidos por meio de um diálogo, uma

interação, um diálogo que travamos com o passado enquanto experiência do outro,

experiência que compartilhamos e pela qual nos inserimos em determinada

comunidade de leitores. Entendida dessa forma, a leitura é uma competência

individual e social, um processo de produção de sentidos que envolvem quatro

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elementos: o leitor, o autor, o texto e o contexto.

1.2 O LEITOR E O MUNDO: OS DESAFIOS DO ATO DE LER

Durante o seu desenvolvimento, a criança passa por estágios psicológicos

que precisam ser observados e respeitados no momento da escolha de livro para o

seu manuseio e leitura. Essas etapas não dependem exclusivamente de sua idade,

mas, de acordo com Coelho (2002), do seu nível de amadurecimento psíquico,

afetivo, intelectual e seu nível de conhecimento do mecanismo da leitura. Torna-se

necessária a adequação dos livros às diversas etapas pelas quais a criança

normalmente passa. Existem cinco categorias que norteiam as fases do

desenvolvimento psicológico da criança: o pré-leitor, o leitor iniciante, o leitor-em-

processo, o leitor fluente e o leitor crítico.

O pré-leitor é uma categoria que abrange duas fases da primeira infância

(dos 15/17 meses aos três anos). Nesta fase, a criança começa a reconhecer o

mundo ao seu redor através do contato afetivo e do tato. Por este motivo, ela sente

necessidade de pegar ou tocar em tudo o que estiver ao seu alcance. Outro

momento marcante nesta fase é a aquisição da linguagem, etapa em que a criança

passar a nomear tudo a sua volta. A partir da percepção da criança com o meio em

que vive, é possível estimulá-la oferecendo-lhe brinquedos, álbuns, chocalhos

musicais, entre outros. Assim, ela poderá manuseá-los, nomeá-los e com a ajuda de

um adulto poderá relacioná-los, propiciando situações simples de leitura.

A segunda infância (a partir dos 2/3 anos) é o início da fase egocêntrica. A

criança está mais adaptada ao meio físico e aumenta sua capacidade de interesse

pela comunicação verbal. Como interessa-se por atividades lúdicas, o “brincar” com

o livro será importante e significativo para ela. Nesta fase, os livros adequados, de

acordo com Abramovich (1997), devem apresentar um contexto familiar, com

predomínio absoluto da imagem que deve sugerir uma situação. Não se deve

apresentar texto escrito, já que é através da nomeação das coisas que a criança

estabelecerá uma relação entre a realidade e o mundo dos livros. Um outro critério é

a consciência de que livros que propõem humor, expectativa ou mistério são

indicados para o pré-leitor. Assim a técnica da repetição ou reiteração de elemento

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é, segundo Coelho (2002, p.34), “favorável para manter a atenção e o interesse

desse difícil leitor a ser conquistado”.

Após a pré-leitura, o leitor se torna iniciante (a partir dos 6/7 anos). Essa é a

fase em que a criança começa a apropriar-se da decodificação dos símbolos

gráficos; mas, como ainda se encontra no início do processo, o papel do adulto

como “agente estimulador” é fundamental.

Os livros adequados nesta fase devem ter uma linguagem simples, com

começo, meio e fim. As imagens devem predominar sobre o texto. As personagens

podem ser humanas, bichos, robôs, objetos, especificando sempre os traços de

comportamento, como bom e mal, forte e fraco, feio e bonito. Histórias engraçadas

ou em que o bem vença o mal atraem muito o leitor nesta fase. Indiferentemente de

se utilizar textos como contos de fadas ou do mundo cotidiano, de acordo com

Coelho (2002, p. 35), “eles devem estimular a imaginação, a inteligência, a

afetividade, as emoções, o pensar, o querer, o sentir”.

O leitor a partir dos 8/9 anos é denominado como: em-processo. A criança

nesta fase já domina o mecanismo de leitura. Seu pensamento está mais

desenvolvido, permitindo-lhe realizar operações mentais. Interessa-se pelo

conhecimento de toda a natureza e pelos desafios que lhes são propostos. O leitor

desta fase tem grande atração por textos em que haja humor e situações

inesperadas ou satíricas. O realismo e o imaginário também o agradam. Os livros

adequados a esta fase devem apresentar imagens e textos, escritos em frases

simples, de comunicação direta e objetiva. De acordo com Coelho (2002), devem

conter início, meio e fim. O tema deve girar em torno de um conflito que deixará o

texto mais emocionante e culminar com a solução do problema.

O leitor fluente (a partir dos 10/11 anos) está em fase de consolidação dos

mecanismos de leitura. Sua capacidade de concentração cresce e ele é capaz de

compreender o mundo expresso no livro. Segundo Coelho (2002, p. 35), é a partir

dessa fase que a criança desenvolve o “pensamento hipotético dedutivo” e a

capacidade de abstração. Este estágio, chamado de pré-adolescência, promove

mudanças significativas no indivíduo. Há um sentimento de poder interior, de ver-se

como um ser inteligente, reflexivo, capaz de resolver todos os seus problemas

sozinho. Aqui há uma espécie de retomada do egocentrismo infantil, pois assim

como acontece com as crianças dessa fase, o pré-adolescente pode apresentar

certo desequilíbrio com o meio em que vive.

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O leitor fluente é atraído por histórias que apresentem valores políticos

éticos, por heróis ou heroínas que lutam por um ideal. Identificam-se com textos que

apresentam jovens em busca de espaço no meio em que vivem, seja no grupo,

equipe, dentre outros. É adequado oferecer a esse tipo de leitor histórias com

linguagem mais elaborada. As imagens já não são indispensáveis, porém ainda é

um elemento forte de atração. Interessa-se por mitos e lendas, policiais, romances e

aventuras. Os gêneros narrativos que mais agradam são os contos, as crônicas e as

novelas.

O leitor alcança a fase crítica a partir dos 12/13 anos. Neste momento, é

total o domínio da leitura e da linguagem escrita. Sua capacidade de reflexão

aumenta, permitindo-lhe a intertextualização. Desenvolve gradativamente o

pensamento reflexivo e a consciência crítica em relação ao mundo. Sentimentos

como saber, fazer e poder são elementos que permeiam o adolescente. O convívio

do leitor crítico com o texto literário, segundo Coelho (2002, p.40), “deve extrapolar a

mera fruição de prazer ou emoção e deve provocá-lo para penetrar no mecanismo

de leitura”.

O leitor crítico continua a interessar-se pelos tipos de leitura da fase anterior,

porém, é necessário que ele se aproprie dos conceitos básicos da teoria literária. De

acordo com Coelho (2002), a literatura é considerada a arte da linguagem e, como

qualquer arte, exige uma iniciação. Assim, há certos conhecimentos a respeito da

literatura que não podem ser ignorados pelo leitor crítico.

1.3 PRÁTICA ESCOLAR: ESTRATÉGIAS DO ENSINO DA LEITURA

As estratégias de leitura são uma das formas de participação que promovem

a interação do leitor com o texto. Consistem em levar o leitor, nesse caso, os alunos

do ensino fundamental de 6º a 9º anos, a refletirem sobre o processo de leitura e a

usarem conscientemente estratégias para compreender o texto, como também

monitorar o entendimento do que foi lido. No âmbito escolar, são esses sentidos

restritos que perpassam a prática da leitura. Tal noção de leitura é, muitas vezes,

predominante nas políticas educacionais e as estratégias de leitura ficam distantes

até mesmo do que os Parâmetros Curriculares Nacionais trazem sobre leitura,

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quando evidencia a interação do leitor competente e suas estratégias em relação ao

texto:

Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto suposições feitas. Um leitor competente sabe selecionar, dentre os textos que circulam socialmente, aqueles que podem atender às suas necessidades, conseguindo estabelecer as estratégias adequadas para abordar tais textos. (BRASIL, 1998, p.69-70).

Segundo a proposta de Girotto e Souza (2010), que apresenta a descrição

das estratégias, pode-se programar essas atividades com crianças para que se

possa fornecer estratégias como também permitir que o aluno conheça como um

texto funciona como unidade de significação. Ao saber como o texto funciona, o

aluno-leitor poderá ler não apenas como o professor lê, mas também descobrir na

leitura um processo aberto, construindo e reconstruindo um mundo no qual ele

possa ser sujeito de sua leitura.

Uma primeira estratégia da proposta é a ativação do conhecimento prévio do

educando e funciona como uma estratégia-base, pois é usada em todos os

momentos de uma leitura e ajuda na realização das outras estratégias. Ativa o

conhecimento prévio e consiste em inserir o texto a ser lido em um contexto, mais ou

menos nos termos em que anteriormente foram descritas as atividades de predição

que antecedem a leitura de um texto.

A segunda é a conexão, por meio da qual o leitor estabelece associações

pessoais com o texto, tal como se lembrar de um episódio semelhante vivido ou

narrado por alguém (conexão texto-leitor), fazer uma ligação com outro texto

(conexão texto-texto), e relacionar o texto com situações sociais amplamente

conhecidas (conexão texto-mundo).

A terceira é a inferência, que consiste em reunir pistas dadas pelo texto para

chegar a uma conclusão ou interpretação sobre o que se está lendo. Uma atividade

comum de inferência é construir sentido de uma palavra pelo seu contexto.

A quarta é a visualização que, como bem diz o termo, passa pela construção

de imagens mentais sobre o que está sendo abordado no texto, o que demanda,

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obviamente, recorrer à experiência de mundo do leitor. Uma forma de visualizar é

verificar no texto palavras e expressão que remetem aos sentidos ou como as

descrições são transformadas em imagens pelo leitor.

A quinta é a sumarização, que é a seleção dos elementos mais importantes

do texto. Essa estratégia pode ser ensinada por meio das anotações às margens do

texto ou em um quadro que acompanha a leitura, destacando palavras ou conceitos

que são essenciais para o entendimento daquele texto.

Uma última estratégia é a síntese, que vai além do resumo do texto ao

demandar que o leitor apresente uma visão pessoal do que foi lido. Para tanto, o

professor pode lançar mão da paráfrase e do reconto como atividades que

favorecem a síntese.

Para ensinar essas estratégias, as autoras sugerem que o professor adote

alguns passos. Primeiro, o professor mostra brevemente aos alunos como ele

processa a leitura, ou seja, explica e demonstra determinada estratégia. Depois, em

uma prática guiada com os alunos em grupos ou em leitura independente, eles

mesmos tentam colocar em prática ou reconhecer a estratégia no seu processo de

leitura. Ao final da aula, o professor retoma, também brevemente, aquela estratégia,

avaliando com os alunos o que conseguiram realizar. Aos poucos os alunos vão

internalizando as estratégias, tornando-se capazes de “ampliar e modificar

processos mentais de conhecimento, bem como compreender um texto” (GIROTTO;

SOUZA, 2010, p.108).

Ao adotar a prática das estratégias de leitura, o professor precisa atentar

para alguns aspectos dessa prática, para não correr o risco de esvaziá-la de sentido

e transformá-la em mais uma atividade mecânica na escola. Em primeiro lugar,

quanto mais ricos de sentidos forem os textos a serem lidos, mais relevantes serão

as estratégias utilizadas. Por isso, convém selecionar os textos com bom nível de

elaboração estética, mesmo para crianças pequenas ou em processo de

alfabetização. Depois, é importante compreender que as estratégias são um meio e

não um fim, ou seja, eles são importantes para compreender os textos, para o

processo de leitura, mas no fim é a leitura daquele texto, o que ele diz e como diz, a

sua compreensão e interpretação, que devem ser o resultado da atividade.

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1.4 O DESAFIO DA PRÁTICA DOCENTE: COMO FORMAR ALUNOS LEITORES?

A leitura é uma prática social envolvida com a possibilidade de acesso à

escrita que se constitui de grupos sociais com diversos níveis de letramento, em

razão da quantidade e das características do material escrito disponível e das

funções que a escrita possui nas práticas cotidianas. Desse modo, é preciso pensar

em escolas e em leituras, pois é necessário considerar as diferentes relações entre

a instituição escolar e a comunidade em que ela se encontra e também as diferentes

relações que cada comunidade e os grupos sociais que as constituem estabelecem

com a leitura e com a escrita.

O desafio do trabalho docente em formar alunos leitores significa considerar

que os materiais escritos circulam na sociedade de modo desigual e as práticas de

leitura realizadas na escola podem responder de modo diferente à realidade. O nível

de letramento é determinante para o sucesso ou não da relação do aluno com o

texto na escola. Os alunos vindos de grupos com alto nível de letramento já chegam

à escola sabendo manusear o material escrito com que desenvolverão suas

atividades em sala de aula. Para os alunos vindos de comunidades não letradas,

cujas práticas sociais se baseiam na oralidade, o contato com o material escrito é

algo que precisa ser construído em contexto escolar. O texto e as atividades de

leitura desenvolvidas em sala de aula devem ser feitas levando-se em conta a

possibilidade do aluno. A escolha do texto exige, portanto, que o professor conheça

quem é o aluno que se encontra ali à sua frente e saber quais são os conhecimentos

que ele traz para o interior da escola. Desse modo, como os textos são apropriados

didaticamente e como realizar práticas de leitura interessantes com base na

proposta do livro didático?

Estas questões passam pelo papel desempenhado pelo professor em sala

de aula como também a responsabilidade que o mesmo assume nas decisões sobre

que práticas realizar. Em relação à formação do leitor, essa responsabilidade diz

respeito aos modos como o professor promove a mediação entre leitor e texto. O

grande desafio seria envolver práticas de leitura da sociedade letrada e articular

essas práticas, relacionando-as com as desenvolvidas na escola.

É necessário, portanto, ampliarmos nossa visão para além da competência

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leitora e escritora e do próprio processo de letramento. É necessário buscar outras

razões que dizem respeito ao prazer; à imaginação; às experiências de fruição da

leitura; à arte que possibilita aos alunos conhecerem melhor a si mesmos; à

possibilidade de os educandos reconhecerem o mundo que os cerca, como também

serem protagonistas na busca de algo que amplie seu repertório e permita que os

mesmos possam aprofundar o campo de leitura e avancem como leitores

proficientes e críticos.

Desenvolver o pensamento letrado dos alunos nesta sociedade, que

chamamos de letrada, exige que se aprimore a compreensão leitora e as

possibilidades na construção de sentidos, de fluência e de expressividade na leitura.

O pensamento letrado é um grande passo para a construção da história do leitor. E

para que esta história seja embasada, alguns princípios são necessários à sua

construção:

A diversidade de textos e leituras, tornando o trabalho desafiador e

dinâmico;

A continuidade para sustentar e manter no tempo as propostas

didáticas, assegurando seu desenvolvimento;

A simultaneidade que coexista em diferentes modalidades e propostas

de trabalho num mesmo período (dia, semana, trimestre, ou numa

mesma hora);

A assiduidade na volta às mesmas práticas, mas sempre ampliando e

diversificando, de modo que cada vez volte mais enriquecido;

A progressão como desafio ou níveis de complexidade cada vez

maiores e bem planejados para garantir a possibilidade de o aluno

seguir adiante com o que construiu na etapa anterior.

É importante organizar as propostas para formar alunos leitores desde os

princípios às possibilidades e modalidades de leitura que podem acontecer

simultaneamente, em diferentes focos e ao longo do ano com atividades

permanentes. O professor pode construir e planejar suas intervenções didáticas

valorizando as modalidades de leitura como um desafio ao seu trabalho cotidiano,

viabilizando:

A biblioteca, um espaço em que professores e alunos vivenciem

momentos muito especiais, destacando-se os encontros e

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reencontros com seus autores ou textos preferidos, criando e

mantendo uma relação de respeito e valorização do livro, da leitura e

do conhecimento em geral;

A leitura socializada, um meio que garanta momentos diários na rotina

escolar, possibilitando que professores e alunos possam interagir por

um determinado tempo, em um espaço de cumplicidade e

imaginação;

A leitura individualizada, um caminho para a autonomia leitora como

também para a apropriação do texto e fruição na leitura;

A unidade de leitura ou leitura mediada, uma garantia para um

trabalho sistematizado de leitura de texto literário, no que diz respeito

à ampliação da capacidade de compreensão, ao estabelecimento de

relações entre textos e com a realidade próxima do leitor, bem como à

análise e reflexão sobre a linguagem e aspectos formais desses

textos.

Diante do exposto e a partir das condições anteriormente estabelecidas, o

grande desafio continua sendo o de criar e oferecer mais instrumentos para os quais

o trabalho com a leitura em sala de aula, como também alguns aspectos que

envolvam as práticas de leitura em sociedades letradas como a nossa. Assim, as

maneiras como essas práticas se relacionam com aquelas desenvolvidas na escola

também fazem parte do papel do professor em seu cotidiano escolar.

O professor assume um papel de grande relevância dentre as funções

sociais da leitura que a escola deve contemplar em seus projetos e propostas

curriculares. A leitura precisa acontecer como eventos de deleite, de prazer e como

crescimento humano necessário à vida. Ideia comprovada por Silveira (2005,.p.16),

quando o afirma que:

A leitura escolar deve contemplar o aspecto formativo de educando, estimulando-lhe a sensibilidade estética, a emoção, o sentimento [...] o texto literário tem muito a contribuir para o aprimoramento pessoal, para o autoconhecimento, sem falar do constante desvelamento do mundo e da grande possibilidade que a leitura de determinada obra oferece para o descortínio de novos horizontes para o homem, no sentido da formação e do refinamento da personalidade.

A escola precisa repensar as concepções adotadas e redimensionar práticas

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vigentes quando se trata de leitura e da formação de alunos leitores proficientes com

fruição literária.

No âmbito da sala de aula, no dia-a-dia, alguns gêneros literários têm

exercido, muitas vezes, o papel de auxílio na compreensão gramatical da língua ou

como complemento temporal das aulas de Língua Portuguesa. O prazer pela leitura

é visto como se não fosse uma produção social e cultural. Os alunos não leem

porque não gostam, mas pelas condições que subjazem à relação leitor/texto que

são, muitas vezes, sem motivação, insignificantes e descontextualizadas. O leitor

proficiente não nasce pronto; tal condição é consequência do ambiente em que o

leitor está inserido no seu contexto social, em especial a escola e a sala de aula.

A literatura, para muitos, é objeto de difícil acesso e descontextualizada

social e culturalmente, denunciando assim sua condição elitizada. Torna-se excluída

das práticas pedagógicas, dos programas de leitura e das políticas públicas,

deixando um triste caminho na formação de uma sociedade “não” leitora literária ou

de leitores superficiais e sem referências em sua contextualização.

Além disso, essa ausência da leitura literária na vida de muitos estudantes

dá-se não só por falta de referências culturais, mas também pela forma como a

literatura lhe é retratada na escola: como um bem inacessível e distante da

realidade. O desafio da prática docente é tornar o ensino e a aprendizagem da

literatura uma prática significativa. Para tanto, é preciso repensar o seu conceito, o

seu valor e a sua função social. Nesse sentido, alguns estudos apontam para o

letramento literário – uma visão especial de letramento – em que a literatura é

compreendida de forma mais ampla.

Formar leitores na perspectiva do letramento literário significa adquirir

habilidades de promover leituras em diversos gêneros, como também aprender,

compreender o texto, ressignificar e motivar quem aprende e quem ensina. O

letramento literário é uma estratégia metodológica que fortalece, amplia o contexto

educacional e forma leitores proficientes dentro e fora do contexto escolar. Noutras

palavras, é o uso social da literatura.

Nesse direcionamento, cabe perguntar-se: qual o papel do professor na

formação do leitor? Qual tem sido a função da leitura literária na sala de aula? Como

o letramento literário pode contribuir na formação de alunos leitores? Que função

social o letramento pode adquirir na formação do cidadão leitor? Estas questões são

os grandes desafios da prática docente, mas não encerram a pergunta de como

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formar alunos leitores. Tais questionamentos precisam ser pontos presentes no

cotidiano do professor desde o planejamento até às ações desenvolvidas nas aulas

de Língua Portuguesa, inclusive nos eventos de letramento que surgem como

caminhos para formar leitores.

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CAPÍTULO II - LITERATURA NO PROCESSO ESCOLAR: ARTE OU

UTILITARISMO?

A leitura é prática social de construção de sentido decorrente de um

processo interativo entre autor e leitor, mediados pelo texto. Ler é uma atividade

multifacetada, o que significa que as estratégias usadas na leitura não são as

mesmas para todos os textos.

A escola deve trabalhar a leitura dos mais diversos gêneros e textos, e

dentro dessa diversidade, o texto literário tem papel relevante, pois se o contato com

gêneros (como a notícia, o e-mail, o blog, o texto publicitário) ocorre também fora da

escola, é fato que o contato de nossos estudantes com gêneros pertinentes à esfera

literária é cada vez mais restrito a situações de ensino.

A literatura no processo escolar precisa ser articulada de modo que

proporcione aos alunos o desenvolvimento da capacidade leitora de textos literários

a partir da compreensão de como eles se estruturam e se organizam, e isso é

condição necessária para que se desenvolva o prazer de ler esse tipo de texto. Não

importa o motivo pelo qual se lê um texto literário, o fato é que a leitura desse tipo de

texto requer, por parte do leitor, uma ativação de estratégias específicas. A

linguagem literária tem características próprias que a diferenciam dos outros tipos de

texto. O objetivo pelo qual se lê um texto literário pode apresentar variações. Há

quem leia para tomar contato com a experiência de vida do outro. Há quem leia por

puro prazer e há ainda situações em que a leitura literária é compulsória, como na

escola e nos exames, de forma avaliativa e muitas vezes desestimulante.

A literatura que hoje é aplicada no processo escolar chega aos alunos com o

objetivo utilitário ou reproduz a arte reconhecida por uma pequena parte de leitores

literários? Trata-se de uma questão que envolve o engajamento desde a literatura

infantil aos saberes literários essenciais na formação leitora, que se concretiza

através da prática docente e em sua interface que se abrange desde a arte até sua

utilidade na vida do educando.

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2.1 A SIGNIFICAÇÃO DA LITERATURA NA HISTÓRIA: A ARTE DOS SABERES

LITERÁRIO

A arte dos saberes literários tem um novo significado a partir das duas

primeiras décadas do século XX, período em que as obras didáticas escritas para a

infância apresentavam um caráter ético-didático, ou seja, o livro tinha a finalidade

única de educar, apresentar modelos, moldar a criança de acordo com as

expectativas dos adultos. A obra dificilmente tinha o objetivo de tornar a leitura como

fonte de prazer, retratando a aventura pela aventura. Havia poucas histórias que

falavam da vida de forma lúdica, ou que faziam pequenas viagens em torno do

cotidiano, ou a afirmação da amizade centrada no companheirismo, no amigo da

vizinhança, da escola, da vida. Essa visão de mundo maniqueísta, calcada pelo

interesse do sistema, passa a ser substituída por volta dos anos 70 e a literatura

infantil vive uma revalorização, atribuída em grande parte às obras de Monteiro

Lobato, no que se refere ao Brasil. Ela então se ramifica por todos os caminhos da

atividade humana, valorizando a aventura, o cotidiano, a família, a escola, o esporte,

as brincadeiras, as classes sociais, penetrando até no campo da política e suas

implicações.

Hoje, a dimensão de literatura infantil e juvenil é muito mais ampla e

importante. Ela proporciona à criança um desenvolvimento emocional, social e

cognitivo indiscutível. Segundo Abramovich (1997), quando as crianças ouvem

histórias, passam a visualizar, de forma mais clara, sentimentos que têm em relação

ao mundo. As histórias trabalham com problemas existenciais típicos da infância,

como medo, sentimentos de inveja e de carinho, curiosidade, dor, perda, além de

ensinarem infinitos assuntos. São através das histórias que se podem descobrir

outros lugares, outros tempos, outros modos de agir e de ser, outras regras, outra

ética e outras óticas.

Monteiro Lobato (1882-1948) foi um escritor e editor brasileiro. "O Sítio do Pica-pau Amarelo" é sua obra de maior destaque na literatura infantil. Foi um dos primeiros autores de literatura infantil de nosso país e de toda América Latina. Metade de suas obras é formada de literatura infantil. Destaca-se pelo caráter nacionalista e social. O universo retratado em suas obras são os vilarejos decadentes e a população do Vale do Paraíba, quando da crise do café. Situa-se entre os autores do Pré-Modernismo, período que precedeu a Semana de Arte Moderna.

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Sendo assim, quanto mais cedo a criança tiver contato com os livros e

perceber o prazer que a leitura produz, maior será a probabilidade de ela se tornar

um adulto leitor. Da mesma forma, através da leitura a criança adquire uma postura

crítico-reflexiva, extremamente relevante à sua formação cognitiva.

Quando a criança ouve ou lê uma história e é capaz de comentar, indagar,

duvidar ou discutir sobre os temas abordados, realiza uma intervenção verbal, que,

neste caso, vem ao encontro das noções de linguagem de Bakhtin (1992). Para ele,

o confrontamento de ideias e de pensamento em relação aos textos tem sempre um

caráter coletivo e social.

Descortina-se desse contexto que o letramento literário precisa da escola

para se concretizar, isto é, o letramento demanda um processo educativo específico

que a mera prática de leitura de textos literários não consegue sozinha efetivar.

Portanto, o conceito de letramento aplicado ao estudo da literatura mostra-se

bastante fértil, pois permite uma compreensão do literário situada para fora dos

domínios estritamente ligados ao texto escrito e abre perspectivas para os estudos

de variados aspectos relacionados ao modo como os indivíduos se relacionam com

a escrita ficcional. Conhecer as práticas de letramento literário presentes na escola,

bem como as práticas de letramento literário presentes em diferentes lugares

sociais, pode contribuir para que se possa pensar nas relações entre essas duas

esferas, escola e vida social, fazendo-as convergir para a formação de indivíduos

com graus de letramento e de letramento literário cada vez maiores.

Atualmente, muito tem sido feito para buscar meios de mostrar aos alunos a

beleza e a utilidade da literatura, quer dizer, apresentar metodologias através de

uma prática dinâmica, que proporcionem aos alunos o deleite e o proveito. Para

tanto, há uma grande necessidade de se ampliar a consciência sobre os objetivos ou

finalidades de ensinar literatura em escolas. É preciso também que o professor se

atualize de forma contínua para poder valorizar a formação leitora de seus alunos e

que tenha compreensão de que a arte pode fazer parte da vida e a vida pode ser

retratada através da arte. O professor deve valorizar os eventos que pode acontecer

dentro e fora da escola, na vida ficcional como também na vida real, reafirmando a

diversidade do homem, sua existência e sua interação com seu semelhante e com o

meio em que vive. Vale registrar para elucidar o debate proposto, Todorov (2009)

afirma:

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Hoje, se me pergunto por que amo a literatura, a resposta que me vem espontaneamente à cabeça é: porque ela me ajuda a viver. (...) em lugar de excluir as experiências vividas, ela me faz descobrir mundos que se colocam em continuidade com essas experiências e permite melhor compreendê-las. Não creio ser o único a vê-la assim. Mais densa e mais eloquente que a vida cotidiana, mas não radicalmente diferente, a literatura amplia o nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo. Somos todos feitos do que os outros seres humanos nos dão: primeiro nossos pais, depois aqueles que nos cercam; a literatura abre ao infinito essa possibilidade de interação com os outros e, por isso, nos enriquece infinitamente. Ela nos proporciona sensações insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar mais pleno de sentido e mais belo. Longe de ser um simples entretenimento, uma distração reservada às pessoas educadas, ela permite que cada um responda melhor a sua vocação de ser humano (TODOROV, 2009, p. 23-24).

Com a citação, pode-se afirmar que as ideias e o pensamento em relação ao

texto como arte ou em sua utilidade no processo escolar vêm tornando-se a cada dia

pontos essenciais nas ações de letramento literário presentes na escola e em

diferentes lugares sociais. Isso leva à constatação de que essas mesmas ideias e

pensamentos em relação ao texto tem sempre um caráter coletivo e social e o

desafio maior do professor é formar leitores buscando meios onde a arte tenha uma

comunhão com a realidade e que ambas façam parte da formação do indivíduo

literário e letrado.

2.2 LITERATURA INFANTIL: BREVE PANORAMA E TENDÊNCIAS ATUAIS

No Brasil, no final do século XIX, a literatura infantil nacional trilhou

caminhos nem sempre regulares e aprazíveis. A escola assume um papel relevante

neste contexto, tornando-se uma instituição com desempenhos contraditórios. Num

primeiro momento, trata-se de um local em que se aprende a ler e a escrever;

também na escola passa-se a conhecer a literatura e se desenvolve o gosto pela

leitura. Por outro lado, define-se também como um ambiente caracterizado pelas

carências no campo do ensino e os textos são marcados pela deficiência dos

métodos empregados, que incluem a baixa frequência de exercícios de leitura, a

falta de critérios na seleção e a má qualidade do material manipulado, somado ao

baixo nível de linguagem, ao mero desinteresse pela leitura e à escassez de

repertório por parte dos alunos.

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A leitura proporcionada pela escola é um meio de acesso do jovem ao texto

literário e a teoria da literatura infantil tem enfatizado, na atualidade, a metodização

das práticas pedagógicas centradas na natureza do literário e na comunicação do

leitor com a obra. Portanto, propõe como objeto de discussão questões relativas à

obra, ao aluno (leitor) e ao mediador da leitura (papel desempenhado pelo

professor). Quanto ao receptor, são enfocados aspectos referentes ao interesse, à

valorização do caráter lúdico e do prazer da leitura e à emancipação do leitor por

meio da quebra de seu horizonte de expectativas.

São múltiplos os fatores que contribuem para que a literatura se faça cada

vez mais presente nas escolas: o crescente desenvolvimento editorial da produção

voltada para esse segmento, a qualidade das obras produzidas, as políticas públicas

preocupadas com a formação do leitor, a divulgação de títulos pelo poder público e

privado, as recomendações explicitadas nos PCN‟s para o desenvolvimento de

práticas de leitura em todos os níveis de ensino, o empenho de inúmeros

educadores em levar a leitura literária para suas práticas docentes e, principalmente,

o fato de a instituição escolar cumprir a função de democratizar o livro. Há ainda a

tendência ao trabalho com gêneros textuais, distribuídos equilibradamente nos

tempos escolares, tendência hoje muito presente nos materiais didáticos em geral.

As escolhas por parte do professor tornam-se fundamentais para que ele possa

trabalhar adequadamente o texto literário na sala de aula, ou seja, a seleção dos

livros de literatura a serem lidos deve corresponder aos objetivos de leitura que

levem ao desenvolvimento do letramento literário, favorecendo a ampliação de

gênero e a diversidade temática na interação real, ficcional e poética.

2.3 LEITURA, LITERATURA E PRÁTICA DOCENTE: INTERFACES

O livro infantil, quando adequadamente escolhido, favorecerá a

aprendizagem, a organização do pensamento e estimulará o imaginário e a fantasia

que fazem parte do universo da criança, assim como de qualquer ser humano.

Desse modo, acredita-se que, a partir do entusiasmo que a criança alimenta pela

leitura, surgirá o seu interesse para aprender o código escrito, o qual passará a

possuir significado para ela, desenvolvendo suas potencialidades para criar e expor

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suas ideias.

Para Bettelheim (2002), todos os problemas e ansiedades infantis, como a

necessidade do amor, o medo e o desamparo, a rejeição e a morte são colocados

nos contos em lugares fora do tempo e do espaço, mas muito reais para crianças. A

solução, geralmente encontrada na história, quase sempre leva a um final feliz,

indica a forma de se construir um relacionamento satisfatório com as pessoas com

as quais convive. Segundo o autor, as atividades lúdicas são, para as crianças, um

dos principais meios de expressão. Elas possibilitam a investigação e a

aprendizagem sobre as pessoas e as coisas do mundo interior, de pensamentos e

afetos, pois, por meio da imaginação, a criança pode dar vazão a seus desejos,

conflitos e vivências.

A leitura infantil tem por tarefa, na sociedade em transformação, servir como

agente de formação, seja no espontâneo convívio do leitor com o livro, seja no

diálogo ou nas atividades literárias da escola. A escola é de suma importância para a

literatura infantil, porque é o agente ideal para a formação cultural do indivíduo. Ela é

o espaço privilegiado onde deverão ser lançados desafios que abrirão caminhos na

mente humana rumo à aprendizagem. O estudo literário transmitido na escola é, de

maneira geral e em comparação com qualquer outro, o mais completo no estímulo

do exercício da mente, na percepção do real, na consciência do mundo, no próprio

estudo e conhecimento da língua e expressão verbal.

O professor que trabalha com literatura infantil deve ter em mente o seu

papel de estimulador, orientador e mediador entre o aluno (que é um ser em

formação) e a literatura, que será o meio de acesso para o conhecimento e o mundo

da cultura que caracterizam a sociedade em que vive.

O educador deve estar consciente de que a criança é um aprendiz e busca a

sua interação com o mundo, internaliza sua cultura, ora por repetição da tradução

familiar, ora pelos valores e ideais impostos pela sociedade. É neste contexto que se

firma o lugar que a escola representa para a concepção de literatura.

A justificativa que legitima o uso do livro na escola nasce, pois, de um lado,

da relação que estabelece com seu leitor, convertendo-o num ser crítico perante sua

circunstância: e, de outro, do papel transformador que pode exercer dentro do

ensino, trazendo-o para a realidade do estudante. (ZILBERMAN; LAJOLO, 1985,

p.25)

A formação escolar do leitor passa pelo crivo da cultura em que este se

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enquadra. E a escola não efetua o vínculo entre a cultura grupal ou de classe e o

texto a ser lido; o aluno não se reconhece na obra, porque a realidade representada

não lhe diz respeito. Dentro de um contexto educacional, a literatura infantil deve ser

colocada a partir da experiência socioeconômica e cultural de cada indivíduo,

levando em consideração sua condição de ser humano, a qual já, por natureza, é

muito rica.

Para que a literatura infantil consiga de fato trazer benefícios para o

desenvolvimento cognitivo e à aprendizagem do aluno, é necessário, entre outros

fatores, que o professor faça a correta adequação do livro às necessidades e

interesses da criança, de acordo com a etapa do desenvolvimento em que se

encontra. O indivíduo compreende o texto e a literatura de um livro de acordo com o

seu contexto social, ou seja, conforme as influências que recebeu do seu ambiente

sociocultural e com o seu nível de desenvolvimento cognitivo. A natureza e a

sequência de cada estágio de desenvolvimento são iguais para todos. O que pode

variar é o ritmo, o tempo que determinado indivíduo precisa para superar uma fase.

Assim, a inclusão da criança em determinada categoria literária depende, não

apenas de sua faixa etária, mas principalmente da sua inter-relação sociocultural, do

seu nível de amadurecimento biopsíquico-afetivo e intelectual.

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CAPÍTULO III - LETRAMENTO LITERÁRIO: OS DESAFIOS DO COTIDIANO

ESCOLAR

O conhecimento dos vários modos da leitura literária é importante não

apenas porque evita desencontros de expectativas entre professor e aluno, mas

também porque indica a necessidade de uma maior abertura no tratamento do texto

literário dentro e fora da escola.

Aulas em que se fale de literatura, em que se comungue no amor da literatura, têm algo de festa ritual, inunda-as a alegria de, num impulso coletivo, descobrir, clarificar, ficando cada um enriquecido, dinamizado. Ler coletivamente (em diálogo com a obra literária, em diálogo de leitor com outro leitor) é, com feito, além de prazer estético, um modo apaixonante de conhecimento, o ensejo inestimável de participar ativamente, ampliando a criação pelo comentário, pondo-se cada um à prova, jogando-se, inteiro, na aventura em que a palavra estética nos envolve, e ao mundo. (COELHO, 1976, p.45 apud COSSON, 2014, p.97)

Os modos de ler citados anteriormente pretende demonstrar que a leitura

literária não tem apenas um caminho e que o diálogo da leitura pode ser iniciado de

diversas maneiras. Do mesmo modo, esses diálogos podem ser efetivados por meio

de várias formas. Deve-se ter em conta também que o conceito de letramento

literário abrange não somente os textos valorizados pela cultura letrada. As práticas

de letramento literário pressupõem todas as práticas que envolvem a escrita literária,

cujo traço essencial é a marca de ficcionalidade. Tendo isso em vista, podemos

afirmar que a maioria dos leitores está plenamente inserida em eventos de

letramento literário, embora tenham outros objetivos. São considerados eventos de

letramento literário a interação com filmes, seriados de TV, mangás (história em

quadrinhos, em japonês, e é a palavra usada para designar histórias em quadrinhos

feitas no Japão. Sua origem está no Teatro das Sombras, que na época feudal

percorria diversos vilarejos contando lendas por meio de fantoches), gibis, romances

cor-de-rosa, Best Sellers e a Internet, em alguns casos, os quais, por sua vez,

estabelecem uma relação com os jovens leitores que depreendem significados

múltiplos e variados. Um dos problemas da escola é que ela espera que os

estudantes sejam capazes de fazer a leitura dos textos recomendados de maneira

uniforme, assim tudo teria o mesmo sentido para todas as classes de leitores em

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quaisquer situações.

Segundo Figueiredo (2009), a aplicação de textos, sejam eles literários ou

não, é baseada num ensino completamente descontextualizado. Nesse sentido,

cabe agora discutir qual é a função da escola no processo de formação do leitor

pautado no conceito de letramento literário e desmistificar conceitos entre o que é

letramento literário e o que é ficção e realidade. Para tanto, é necessário que a

escola reconheça que letramento são práticas plurais e situadas, e sendo de tal

forma, a escola torna-se uma mediadora no processo de apropriação de

significados. A escola é uma instituição autorizada e legitimada em toda a sociedade

letrada e as práticas de letramento no ambiente escolar devem concorrer junto com

as práticas de letramento dos alunos.

3.1 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: DESMISTIFICANDO CONCEITOS

O processo de ensino-aprendizagem da leitura e da escrita em seus usos

sociais e letramento no âmbito da sala de aula vem, a cada dia, sendo objeto de

estudo para uma melhor prática docente. Analisar a alfabetização na perspectiva do

letramento requer uma discussão sobre os conceitos de alfabetização e letramento,

como também sobre sua natureza política e social.

Freire e Soares (apud CASTANHEIRA; MACIEL; MARTINS, 2009, p.14-15)

discutem sobre alfabetização e letramento. Soares afirma que para entrar e viver

nesse mundo do conhecimento, o aprendiz necessita de dois passaportes: o

domínio da tecnologia de escrita (o sistema alfabético e ortográfico), que se obtém

por meio do processo de alfabetização; e o domínio de competências de uso dessa

tecnologia (saber ler e escrever em diferentes situações e contextos), que se obtém

por meio do processo de letramento.

Freire (idem) afirma que “não basta saber ler „Eva viu a uva‟. É preciso

compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha

para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho”. Dessa forma, Paulo Freire

chama a atenção para o fato de que não basta simplesmente dominar a escrita

como um instrumento tecnológico. É preciso considerar as possíveis consequências

políticas da inserção do aprendiz no mundo da escrita. Essa inserção favoreceria

uma leitura crítica das relações sociais e econômicas (re)produzidas em nossa

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sociedade.

É importante também que o professor tenha consciência de que o acesso ao

mundo da escrita é, em grande parte, responsabilidade da escola, e de que é

necessário que a mesma possa conceber a alfabetização e o letramento como

fenômenos complexos, como também perceber que são múltiplas as possibilidades

de uso da leitura e da escrita na sociedade.

Trabalhar considerando essa possibilidade potencializa a reflexão crítica

sobre as relações que se estabelecem entre as pessoas em nossa sociedade ao

interpretar e produzir textos diversificados. Ciente da complexidade do ato de

alfabetizar, como também letrar, o professor é desafiado a assumir uma postura

política que envolve o conhecimento e o domínio do que vai ensinar.

3.2 LETRAMENTO LITERÁRIO: FICÇÃO E REALIDADE

A literatura infantil é imprescindível na formação das crianças, pois é notório

o valor do mundo de conhecimentos e de encantamento proporcionados pelos livros

de histórias que as acompanham desde o aprendizado com a língua materna e as

primeiras letras escolares; essa aquisição os faz imaginar e sonhar. A pergunta que

se faz é como se dá a transformação de teorias em práticas escolares? Em especial,

como tratar de um texto literário em sala de aula na educação infantil e no ensino

fundamental? Que atividades podem ser propostas para alterar, ao menos

parcialmente, o predomínio das estratégias tradicionais e arejar o trabalho com

literatura em sala de aula?

Ao longo da pesquisa, estes questionamentos serão abordados, não com a

pretensão de elucidá-los completamente, mas com o propósito de contribuir para

que essas discussões venham à tona. Desta forma, compreende-se que este

trabalho contribuirá para que os seus leitores possam refletir sobre a prática e o

ensino da língua e da literatura, especialmente a infanto-juvenil.

Os grandes objetivos preconizados nessas tarefas estão relacionados à

aprendizagem e, neste momento, o aprendiz deve estar situado no mundo da

literatura, aprendendo a lidar com os diferentes gêneros literários, com o imaginário

requerido para a formação de ideias e do gosto, com os elementos poéticos (rimas,

imagens sonoras, brincadeiras com palavras, musicalidade, expressão de

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sentimento e afeto) e com elementos narrativos (narrador, personagens, diálogos,

tempo e espaço). Também consideramos a aquisição das capacidades sociais e de

formas de conduta pela presença de personagens e situações que representam, no

campo da ficção, pessoas e acontecimentos reais.

Outra forma de aprendizagem é a de aspectos gerais e significativos da vida

para entender a natureza e a sociedade, bem como para saber apreciar e valorizar a

existência. Outra aprendizagem buscada por meio de atividades e estratégias de

trabalho é o conhecimento escolar, objetivo maior desejável e indispensável nos

espaços escolares e na mediação do professor.

O conhecimento obtido é pautado pelos assuntos de que se ocupa a escola:

a língua, as ciências, a matemática, a história, a geografia e outros. Para tratar, por

exemplo, da água nas mais variadas formas em que aparece aos olhos infantis

(como rio, mar, chuva, engarrafada, encanada, em fontes, poças, bicas e outras) e

também em seus diferentes estados (líquido, gasoso, sólido), o professor pode

recorrer às narrativas e poemas infantis, como por exemplo, Rio sombrio, de Cecilia

Meireles, Ah!...Mar, de Bartolomeu Campos Queiros, e Um pipi chovem aqui, de

Sylvia Orthof.

Na literatura, o conhecimento funciona e se manifesta no texto de outra

maneira, diferente do modo como se manifesta em textos não literários, como o

jornal ou os quadrinhos. A literatura é fruto da ficcionalização; isso significa que, por

mais que as informações e os fatos estejam descritos e relatados com sentido

próximo ao real, histórico e concreto, sempre estarão cercados por elementos

ficcionais: personagens, diálogos inventados, enredo fictício. Por exemplo, se a obra

se refere à escravidão, como em Do outro lado tem segredo, de Ana Maria

Machado, quem narra os fatos não é um historiador, é a personagem criança,

inventada. A descrição de paisagens ou cidades, por exemplo, está na dependência

da perspectiva, da adjetivação, da qualificação dos personagens ou do narrador. Há

um belo jogo entre paisagem real e paisagem sonhada na obra Paisagem, de Lygia

Bojunga.

Por conseguinte, qualquer tratamento do texto literário ao longo de trabalhos

ou atividades deve considerar essa qualidade de invenção. Querer transpor as

histórias ou os poemas para situações reais é correr o risco de esquecer a palavra

artística e pensar transitivamente o texto, isto é, olhar através das palavras para a

realidade.

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Durante anos, a carta foi o principal meio de comunicação à distância. Com

o passar do tempo, a carta foi perdendo espaço para os novos meios de

comunicação, devido sua praticidade e rapidez. Mas a carta, embora tenha uma

nova concepção de suas regras, principalmente na sua informalidade, jamais

perderá sua essência, que é de um diálogo brando e claro entre amigos e familiares.

A correspondência pressupõe um diálogo e, referindo-se à carta, o

destinatário deverá respondê-la, dando continuidade a um processo comunicativo

que fora iniciado. Estas conversas, no conjunto, transformam-se numa lição social,

testemunhando a história da amizade – ou afinidade – entre dois (ou mais)

correspondentes e podem relatar vários eventos. Como evento de letramento, a

carta deixa de exercer uma função ficcional, em que o objetivo era cumprir as metas

curriculares da escola, para exercer uma função social, resgatando valores como,

por exemplo, o poder da amizade, a demonstração de amor, carinho e solidariedade

entre amigos e a importância da demonstração dos sentimentos para a recuperação

da autoestima no processo de renascimento ou reconstrução do sentido da vida, de

conceitos e valores que, muitas vezes se entrelaçam, o ficcional com a realidade. Há

uma grande evidência no sentimento de sofrimento com a esperança retratada

através dos textos literários e que são evidenciados, em especial, no gênero carta,

formalizado o evento de letramento literário que se estabelece entre o real e o

literário para exercer a função social.

Nesse sentido, J.I. Roquette, no Código do bom-tom, livro cuja primeira

edição data de 1845 e versa sobre as regras de civilidade e de urbanidade

necessárias à convivência social, ainda que com distanciamento dos tempos atuais,

refere-se à carta como:

Admirável invento que aproxima os ausentes dos presentes, encurta as distâncias, mitiga as saudades, adoça o dissabor da separação, estreita os vínculos da amizade, nutre a alma do fogo da esperança, e ainda depois da morte conserva um momento durável da afeição e ternura com que dois corações se amaram. (ROQUETTE, 1997, p.266).

Embora seja uma referência distante dos dias atuais, a carta tem a mesma

intenção neste evento onde o letramento literário se relaciona diretamente à ficção e

à realidade, e os sentimentos que ora eram literários tomam uma nova roupagem de

função social no contexto real. A transformação de teorias em práticas escolares fica

clara na produção de cartas em que, inicialmente, é abordada a teorização,

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passando a ser retratada na escola através da releitura de cartas literárias e dos

textos acessíveis nos livros didáticos e, após isso, nas produções contextualizadas

no mundo da criança. O mundo da literatura passa a agregar o novo mundo

construído através da ressignificação formalizada ao evento de letramento literário

que se estabelece entre o real e o literário, ou entre a ficção e a realidade, e ainda

exercendo a função social aliada ao crescimento cognitivo na formação leitora.

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CAPÍTULO IV - PESQUISA-AÇÃO PARA UM EVENTO DE LETRAMENTO

Para mostrar a natureza da pesquisa-ação é preciso especificar a

significação do hífen entre pesquisa e ação. Esse hífen pode levar o termo

pesquisa-ação a vários sentidos. Pode significar uma estratégia de pesquisa em um

campo científico, ou uma estratégia de ação participativa, ou ainda uma estratégia

de análise social. A este estudo foi pontual a estratégia de ação participativa como

também a análise social, dada através de um evento de letramento em sala de aula,

partindo das estratégias de leitura e escrita no cotidiano escolar a exercer uma

função social.

A estratégia da pesquisa visa principalmente a desenvolver conhecimentos e

a evidenciar sua validade, a estratégia da ação visa à mudança de uma situação de

maneira eficaz.

Tabela 1 – Quadro de duas estratégias - tipo

Estratégia de pesquisa Estratégia de ação

Objetivo Desenvolvimento dos conhecimentos Transformação de uma situação

Validação Prova Eficácia

Abordagens Regras metodológicas Estratégia de planejamento

Critérios Científicos Políticos

Produção Conhecimentos científicos Conhecimentos ordinários

Papel Especialista Líder

Fonte: DIONNE, 2007

A pesquisa se apoia em regras metodológicas de caráter científico, ao passo

que a ação se constrói com base em processos de planejamento de diversas

práticas. Desse modo, a estratégia cognitiva da pesquisa não persegue sempre o

mesmo interesse e nem sempre acompanha o ritmo da estratégia prática de ação. O

objetivo da pesquisa e o da ação não são necessariamente compatíveis, pelo menos

em dada situação ou dado momento. A pesquisa é centrada na produção de

conhecimentos e a ação almeja a mudança de uma situação particular. A pesquisa

requer mais paciência que a ação e trata de situações gerais; ao passo que a ação

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se defronta com o tempo (tempo de resolução de problema) e o espaço (resolução

de uma situação particular).

Diante do desafio de construir vínculos entre pesquisa e ação, surge um

evento de letramento que aprimora as ações associadas ao processo de ensino e

aprendizagem bem-sucedido no cotidiano escolar. A educação letrada precisa

atender não somente a habilidades formais de codificação de textos, mas também

aos processos individualizados de construção de sentidos. É preciso também ajudar

os alunos a engajarem-se com as ferramentas necessárias para compreender,

avaliar e participar dos sistemas de atividade social maiores, em que a leitura e a

escrita de textos diversificados podem assumir significados e vida.

A importância da leitura para o desenvolvimento cognitivo humano e o seu

papel social tem gerado questionamentos, promovendo diversos estudos. Apesar

disso, aumentam significativamente as queixas de pais e professores acerca da

motivação dos jovens para o gosto de ler, registrando que eles estão preferindo

qualquer outro tipo de atividade a praticar a leitura. Urge ressaltar que é mister

formar o hábito de ler nos alunos, cabendo, pois, à escola oferecer estímulos

necessários à formação dos leitores.

Para consubstanciar a importância e a necessidade de se formar alunos

leitores, Martins (1994, p. 29) escreve que:

“O ato de ler permite a descoberta de características comuns e diferentes entre indivíduos, grupos sociais,

as várias culturas, incentiva tanto a fantasia como a consciência da realidade objetiva, proporcionando elementos

para uma postura crítica, apontando alternativas”.

Não se pode ignorar que existe uma série de expectativas sociais em

relação ao compromisso da escola de formar leitores. Afinal, espera-se que os

alunos aprendam a decifrar o escrito para poder ler, com autonomia, diferentes

gêneros textuais. Assim, é possível entender por que um leitor iniciado nas práticas

da leitura na escola deva não apenas ler, mas também mostrar que lê, pois seu

sucesso na escola dependerá, e muito, de sua competência leitora, já que os textos

estão presentes em todas as disciplinas.

Um aspecto essencial de todos os processos tem a ver com o fato de que os

leitores experientes não só compreendem, mas também sabem quando não

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compreendem e, portanto, podem realizar ações que nos permitam preencher uma

possível lacuna de compreensão. Esta é uma atividade metacognitiva de avaliação

da própria compreensão, e só quando é assumida pelo leitor, sua leitura torna-se

produtiva e eficaz.

Um projeto no qual a prática de letramento também seja entendida como

prática social acentua as mudanças do cotidiano escolar na formação docente e na

ressignificação das práticas de leitura e escrita em sala de aula. Nesse sentido, a

relação dos saberes escolares com os saberes sociais se concretiza na construção

comunicativa dos alunos e nas relações sociais construídas pelas ações

pedagógicas, com uma visão de promover uma educação que integre os

conhecimentos curriculares às necessidades cotidianas do aluno. Para Kleiman

(2010), ao atribuir novos sentidos ao ler e ao escrever, a escola assume um maior

engajamento na produção de práticas emancipatórias, oferecendo ao aluno

possibilidades de compreensão e intervenção na sua realidade social e pessoal.

4.1 ESTUDO DO GÊNERO CARTA PESSOAL

O debate em torno da ressignificação das práticas de leitura e escrita em

sala de aula tem levado muitos profissionais a desenvolver projetos de letramento

(KLEIMAN, 2001). Partindo da necessidade de articular ações em que o professor e

alunos sejam agentes de letramento, a proposta através de prática de leitura e

escrita eleva a prática social na construção de saberes, como também chama a

atenção da comunidade escolar para os valores como solidariedade e amor ao

próximo através de gestos comunicativos, neste caso, a escrita (carta pessoal).

A produção de um texto e a sua recepção são algo que as pessoas fazem

tanto cognitivamente como socialmente. Partindo dessa reflexão, o caminho a trilhar

é o de especificar os componentes que constituem a situação comunicativa da carta

pessoal.

O projeto de intercâmbio de leitores que envolveu a Escola Manoel

Martiniano de Medeiros, do município de Campo Redondo-RN, e a Escola Municipal

Cipriano Lopes Galvão, do município de Currais Novos-RN, teve como público-alvo

os alunos de 6º a 9º anos do Ensino Fundamental das referidas escolas. Esta

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atividade visava melhorar a aprendizagem do educando em relação à leitura e à

escrita, tornando-as significativas e eficazes na vida e no cotidiano. Na

oportunidade, enfatizou-se o papel social dos participantes e a alternância dos seus

papéis comunicativos, promovida pela troca de cartas.

Durante as atividades da troca de cartas, surgiu a ideia dos alunos de usar

este gênero textual para mostrar o sentimento de solidariedade a uma funcionária da

escola, que tinha se submetido a uma intervenção cirúrgica, proveniente de um

câncer de mama. Nesse processo, a leitura e a escrita deixaram de ser

compreendidas como atividades meramente escolares para se desenvolverem como

sociais. Logo, as produções e circulação das cartas foram reais, articuladas aos

interesses do grupo e levadas para fora do ambiente escolar. Segundo Marcuschi

(2007), é a partir das práticas sociais, incluindo as atividades comunicativas

constituídas socialmente, que se pode compreender as funções sociais que

desempenham a leitura e a escrita, como elas se adaptam a várias culturas e como

os indivíduos delas se apropriam.

“A carta configura-se como estrutura maleável em fundo e forma” (MORAES,

2001, p. 01). Assim, apreendemos que a carta se abre tanto para o campo factual

quanto para o ficcional, podendo apresentar-se ora em verso, ora em prosa,

obedecendo (ou não) a preceitos estético-literários. A troca de cartas entre os alunos

vem proporcionar um panorama de sentimentos e emoções que é utilizado pelos

educandos para atingirem seus objetivos. A partir destas reflexões, podemos citar

também o livro @mor, de Daniel Glattaver, em que o autor apresenta a carta de uma

maneira diferente, atual e contextualizada. No livro, somos apresentados a Emmi

Rother e Leo Leitke, que são donos de uma história, ao mesmo tempo inusitada e

comum. A carta é retratada através de e-mail, espaço em que a comunicação

acontece virtualmente. A confidência, os sentimentos e a liberdade de expressão

retomam a função do gênero carta, a reciprocidade quando a mensagem é enviada

e o destinatário cria a expectativa do feedback, que fica evidente no trecho da obra:

(...) e agora é a sua vez de novo, escreva para mim, Emmi. Escrever é como beijar,

só que sem os lábios. Escrever é beijar com a cabeça” (GLATTAVER, 2012, p.76).

A Carta Pessoal mostrou-se como um evento de letramento social nas aulas

de Língua Portuguesa no qual os comandos de escrita que possuem, em sala de

aula, a finalidade marcada no interlocutor, conseguiram influenciar a produção

textual do aluno. Na sala de aula, a competência de escrita do aluno, mesmo em

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uma minoria de comandos, possibilita uma finalidade real. No evento de escrita da

carta pessoal, evitou-se a artificialidade, visto que os alunos escreveram para um

destinatário real, externo à sala de aula de Língua Portuguesa. A professora que no

momento exercendo a função de coordenadora pedagógica, torna-se sujeito do

letramento como elemento que ultrapassa a sala de aula para exercer uma função

social através da comunicação que é feito em uma interlocução da carta pessoal.

Para Garcez (1998), a figura do destinatário tem tanto a função de quem recebe

como também a de quem permite ao locutor perceber seu próprio enunciado, já que

a palavra se orienta em função do interlocutor e da cadeia dialógica sócio-histórica.

Este é parceiro no diálogo e assim determina sua configuração, ou seja, o sujeito

que enuncia constitui para si um possível destinatário e, de certa forma, se constitui

também, transitoriamente, como esse possível destinatário, num processo dinâmico

e complexo de inserção na rede comunicativa que se estabelece no sistema social.

Dessa forma, o aluno precisa receber um comando que contemple todos os

elementos para a construção textual, ou seja, em uma interação comunicativa, tendo

o que dizer, uma razão para dizer o que se tem a dizer, para quem dizer o que se

tem a dizer (GERALDI et al, 1997).

Antes da produção da Carta Pessoal foram feitos breves comentários sobre

o afastamento da professora por problemas de saúde, com objetivo de sensibilizar

os alunos. Buscou-se, por meio desta proposta, romper a barreira da artificialidade

das situações de escrita, mediante a proposta de escrita em que os alunos se

sentissem sujeitos de seus textos, pois lhes possibilitou a produção de um texto

autêntico, com finalidade específica por meio de uma situação de comunicação o

mais próxima do real possível.

Por isso, decidiu-se pela proposta, conforme comando: “A fim de ajudar a

Prof.ª Ayde com palavras de estimulo, produzir uma carta pessoal em folha de

caderno para ser entregue a ela”. Alguns alunos questionaram se a carta seria

realmente entregue e, após ouvirem a resposta afirmativa, outros perguntaram se

valeria nota, o que foi confirmado pela professora de Língua Portuguesa,

aproveitando o momento e a situação como estímulo. Reafirma-se que este estudo

tem por objetivo analisar a manifestação do interlocutor na escrita dos alunos,

considerando os seguintes interlocutores e suas características:

a) o interlocutor real: professora de Língua Portuguesa, presente no

processo dialógico, pois foi quem aplicou a atividade e a avaliou; logo podem

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aparecer marcas dirigidas a ela ou de suas falas, recortadas das aulas, no texto

escrito;

b) o interlocutor real externo: professora Ayde, para quem os alunos

escreveram, não estando presente no momento de elaboração da carta;

c) o interlocutor interno, ou seja, o próprio aluno;

d) interlocutor virtual também era uma possibilidade, mesmo comando que

determinava o interlocutor real externo.

Ao analisarmos as cartas, a compreensão do discurso verbal também esta

associado ao discurso extra verbal pelas marcas deixada pelos interlocutores; real

externo, interno e o virtual. Volochinov (1992 apud FARACO, 2009, p.53-58) destaca

que o locutor, ao constituir um enunciado, necessita da interação com o interlocutor,

que deve estar organizado social e historicamente para criar limites precisos aos

discursos, representados pelo espaço comum que os sujeitos constroem na própria

interação. Portanto, somente inseridas em um contexto social e histórico é que as

cartas dos alunos do 6º ao 9° ano possuem significação – ajudar a professora na

superação do problema de saúde.

Ressalta-se que, ao citar trechos das cartas dos alunos, estes são

identificados pelas iniciais de seus nomes e são transcritos exatamente como foram

produzidos, pois não houve correção e reescrita, por não ser o objetivo da

experiência. A atividade foi aplicada durante o mês de outubro e novembro de 2013,

em vários momentos, na tentativa de conseguir a participação de todos, já que

existia um pequeno número de alunos por turma. Observou-se que a maioria dos

alunos manteve a enunciação apenas em primeira pessoa do singular, outros,

misturavam primeira pessoa do singular e primeira do plural:

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Imagem 1: Carta pessoal com enunciação em primeira pessoa.

Fonte: Do próprio autor

Imagem 2: Carta pessoal com enunciação misturada, em primeira pessoa do singular e primeira

pessoa do plural.

Fonte: Do próprio autor

Observe que a aluna se dirige à professora através do pronome “você”,

enquanto a si própria se refere em pessoas discursivas diferentes: “mim”, “eu”

(primeira pessoa do singular) e “todos” (primeira pessoa do plural). Essa mistura

discursiva não alterou o diálogo com a professora, ao contrário, deixou a carta até

mais pessoal. Quase todos os alunos dirigem-se à professora por meio do pronome

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de tratamento “Você”. Todos apresentam marcas do interlocutor real externo, pois

todos fizeram elogios à professora a quem a carta foi direcionada.

Apareceram várias referências aos conflitos vivenciados pelos alunos com a

professora, aproveitando a oportunidade da escrita para pedir desculpas. Isso pode

ser considerado também uma marca do interlocutor real – as cartas com intenção de

estima e melhoras de saúde fazem parte da característica do gênero carta, a

exposição pessoal. Isso não foi explicado no momento de aplicação, mas ficou bem

marcado, ratificando a teoria de que “a palavra está sempre carregada de um

conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial” (VOLOCHINOV, 1992 apud

FARACO,2009, p. 95).

Imagem 3: Carta pessoal – Resposta da professora.

Fonte: Do próprio autor

Os alunos sabiam o motivo da ausência da professora no final do semestre,

isso confirma a participação real, imediata do outro como um dos sujeitos do

discurso. Alguns apresentaram características bem pessoais da professora,

escrevendo, portanto, para um interlocutor real externo ao processo dialógico. Mais

uma vez, há marcas claras para quem se construiu e se direcionou o enunciado.

Algumas marcas de pessoalidade também comprovam esse direcionamento do

discurso para um interlocutor real externo-professora. Essas marcas confirmam o

que Souza (2010, p. 74) afirma: “desde o princípio, evidencia-se o papel do outro,

isto é, aquele a quem o dizer é endereçado e em função de quem o discurso é

estruturado”.

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Durante o processo de construção da carta, vários alunos perguntaram

quem iria substituir a professora. Como essa informação ainda não era conhecida

pela professora de Língua Portuguesa, ela não pôde informá-los, e isso também

acabou aparecendo em algumas cartas, reforçando a presença do interlocutor real –

professora de Língua Portuguesa, pois fora uma informação transmitida a eles.

Mesmo se dirigindo à professora, utilizando o pronome “você” e escrevendo em 1ª

pessoa, ocorre esse distanciamento, como se estivesse escrevendo para outra

pessoa, para um interlocutor virtual, ao empregar ao final o substantivo “professora”

para se referir à interlocutora eleita. Além disso, apenas alguns alunos retomam o

nome da professora no corpo do texto; os demais apenas o apresentam no vocativo,

mantendo o distanciamento e tratando-a por “professora”, outra característica do

gênero solicitado. Este fato confirma papéis sociais que determinam a conduta e

regulam os modos de dizer, pois o enunciado é sustentado pela situação

comunicativa imediata, influenciando as escolhas dos recursos linguísticos e,

consequentemente, determinando o estilo de linguagem empregado.

Para melhor exemplificar essa proposta, selecionou-se dois textos, os quais

são transcritos na íntegra, tal como o aluno produziu, com marcas bem distintas,

como mostras representativas das produções anexadas acima.

Esse texto comprova que a aluna escreveu considerando os dois

interlocutores reais já descritos: o real e o real externo. Observa-se uma marca de

diálogo entre o locutor e o interlocutor, resgatando os conceitos arrolados por

Volochinov (1992 apud FARACO, 2009, p. 97-98), ao afirmar que o enunciado se

constitui de acordo com a delimitação do interlocutor.

As marcas discursivas da carta analisada demonstram as relações pessoais

da aluna com a professora. Então, observa-se que não são apenas os elementos

linguísticos que manifestam essa interlocução, mas também o compartilhamento de

informações comuns à produtora e à interlocutora. Dessa forma, evidenciam-se

como marcas discursivas enunciativas próprias da interlocução alguns aspectos:

– a professora dava broncas nos alunos;

– a professora se dirigia a alguns alunos com nomes carinhosos;

– a aluna sentia-se acolhida nas aulas da professora;

– a aluna tinha uma visão disciplinadora da professora;

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– os alunos acreditavam no sentimento de carinho da professora;

– a professora se sentia especial para os alunos;

– a aluna admirava a postura da professora;

– os alunos acreditavam na fé da professora em Deus;

– os alunos acreditam na cura e na volta da professora à escola.

Essas informações também constituem a imagem do outro no processo

discursivo da carta produzida. Portanto, a influência do interlocutor na enunciação.

Nessas produções, pudemos confirmar uma das assertivas de Antunes

(2003, p. 45): a atividade da escrita é uma atividade interativa de expressão, de

manifestação verbal das ideias, informações, intenções, crenças ou dos sentimentos

que queremos partilhar com alguém, para, de algum modo, interagir com ele.

Pertencente ao mundo exterior e, além disso, provavelmente, em função desse

gênero textual, não apareceram ocorrências de manifestações do interlocutor

interno: “outro constituído quando o locutor dialoga consigo próprio, ou seja, o

interlocutor/interno é o outro de si próprio” (FRANZOI, 2009, p. 37).

As análises realizadas comprovam as teorias do Círculo de Bakhtin, ao

apresentarem que a palavra “é uma espécie de ponte lançada entre mim e os

outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o

meu interlocutor” (VOLOCHINOV, 1992 apud FARACO, 2009, p.113), em uma

situação social de compreensão responsiva ativa. As cartas pessoais dos alunos,

mesmo possuindo um interlocutor delimitado, demonstraram marcas diferenciadas

na enunciação, utilizando-se de „várias pontes‟, primordialmente direcionando ao

interlocutor real externo – professora Ayde, para quem a carta pessoal deveria ser

encaminhada – mas também enunciações foram dirigidas a um outro interlocutor

real – professora de Língua Portuguesa, presente no processo dialógico, quem

aplicou a atividade. Ademais, foram encontradas marcas insignificantes de

interlocutor virtual e nenhuma marca de interlocutor interior, fato que pode ser

justificado por ser uma produção de Carta Pessoal.

Dessa forma, as características levantadas nessa experiência, em que se

consideram dois interlocutores reais, são:

– os produtores das cartas empregam duas pessoas do discurso, como se

dialogassem com dois interlocutores distintos;

– a delimitação do interlocutor permite ao produtor manifestar suas críticas

ao interlocutor real externo de maneira objetiva;

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– também é possível notar que o produtor consegue se expor

significativamente, como nos pedidos de desculpas apresentados pela professora ao

alunos ao se justificar quanto a sua função na escola;

– as características pessoais do interlocutor real externo são objetivamente

apresentadas pelo produtor;

– há interferência do interlocutor real professor no texto, evidenciadas por

marcas linguístico-discursivas;

– o emprego do vocativo pelo cargo do interlocutor real externo,

“professora”, mobiliza a interlocução em função de sua posição social definida;

– o produtor dialoga com dois interlocutores ao mesmo tempo, sem perder

sua unidade temática no texto produzido;

– as carta exerceram a função social características do gênero;

A produção das cartas pessoais comprovou que os procedimentos de escrita

em sala de aula e o desenvolvimento da produção de textos dos alunos é um

desafio contínuo e que os elementos essenciais para a construção textual, como a

delimitação do interlocutor, precisam ser sempre apresentados aos alunos, para

minimizar os problemas de escrita em uma interação comunicativa pois, assim como

confirmou Garcez (1998), os estudantes ainda apresentam um amadurecimento

restrito da consciência da complexidade dos elementos que constituem um texto.

4.2 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS

A metodologia concebida para o estudo de investigação e acompanhamento

das ações do cotidiano de sala de aula da disciplina Língua Portuguesa, em especial

no trabalho de formação de leitores com inserção das práticas de letramento, foi a

pesquisa-ação, por ser adequada tanto no processo investigativo como também

participativo no contexto de construção e reconstrução dos saberes, mediante a

ação conjunta dos participantes e a adequação de ações interventivas.

A pesquisa-ação é uma estratégia metodológica da pesquisa social na qual

se podem associar as inquietações da prática docente, na tentativa de resolver ou

pelo menos esclarecer os problemas das situações observadas. A pesquisa-ação

possui diversas fases, mas quatros são relevantes para a produtividade desse tipo

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de investigação: o planejamento, a ação, a descrição e a avaliação. Portanto, esse

caminho metodológico é o mais adequado para esse estudo, pois através do mesmo

torna-se possível interagir com o ambiente e o sujeito investigados, observando-se

então, as implicações das ações interventivas organizadas a partir de leituras,

produções, sequência didática, relato, roda de conversas, contação e reprodução de

histórias, dentre outras.

4.2.1 Abordagem da pesquisa

A metodologia desenvolvida neste projeto parte do intercâmbio de leitores na

produção de cartas. Durante o evento que classificamos como uma ação de

letramento social surge a ideia, entre os alunos, de escrever cartas para uma

funcionária da escola que estava doente, com o objetivo de desejar-lhe melhoras e,

entre outros aspectos, falando sobre a importância da mesma para a comunidade

escolar. Trata-se, então, de uma aprendizagem situada em condições específicas de

letramento, priorizada pela necessidade real dos educandos, surgida de alguma

questão de interesse deles e de sua realidade, suscitando ações que envolveram as

atividades de leitura e escrita em sentidos diferentes daqueles usualmente

desenvolvidos no cotidiano de sala de aula. Essas atividades tiveram por objetivo

não apenas aprender a ler e a escrever para ler e escrever, mas sim, estavam

voltadas para a prática social, em que se objetivava “atingir outro fim”. (KLEIMAN,

2001, p.238).

Nesse contexto, os alunos foram orientados para agir, por meio da leitura e

da escrita, não apenas para alcançar a mera aprendizagem formal da língua, mas

para atingir algo, configurando-se como uma ação que surge dentro das atividades

cotidianas escolares e toma uma dimensão que ultrapassa os limites estruturais da

escola.

As ações metodológicas se flexionaram para atender a uma necessidade de

ampliação dos saberes, levando o aluno a sair do convencional e/ou ficcional para

interagir na vida real. Como a ação está ressaltada dentro das atividades do

cotidiano escolar e assentada em quatro bases: pensar, sentir, trocar e fazer de

modo crítico (significativo, solidário e prazeroso), pressupõe-se a seguinte situação:

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Uma instituição escolar atrelada a ações pedagógicas libertadoras,

pautada na construção do conhecimento de forma crítica, engajada na

realidade, de modo a privilegiar a relação teoria-prática na busca da

apreensão das diferentes nuanças do saber;

Um espaço de aprendizagem que vê o educador e o educando como

parceiros na construção do saber sistematizado, cabendo ao professor

articular as diversas fontes de conhecimento, relacionar teoria e prática,

ciência e cotidianidade, dando maior coerência, maior visão de conjunto aos

estudos dos múltiplos fragmentos que estão postos no acervo de

conhecimentos da humanidade que o aluno necessita ter domínio;

Estabelecimento de uma relação dialógica em que os alunos, em conjunto

com o professor e seus colegas, exerçam a prática de refletir;

Um docente que se coloca na posição de medidor da relação educador X

objeto de conhecimento, de um facilitador da aprendizagem, de um eterno

aprendiz, pois ele tem consciência de que “não é o dono do saber” que lhe

cabe transmitir como algo inquestionável. Primeiramente, porque não existe

um “saber”, mas “saberes”. E esses saberes não são dados, mas

conquistados pela ação de processar informações, relacioná-las e aplicá-las

na resolução de problemas significativos. Aprende-se fazendo, refazendo,

recomeçando, mas também refletindo sobre o próprio fazer;

A valorização da boa interação professor-aluno no estabelecimento de

uma relação pedagógica construtiva, capaz de estimular o educando a

buscar informações, a fazer pesquisas, a refletir, a expor suas ideias e

emoções sem constrangimentos, promovendo, assim, a construção de

relações significativas entre o que o educando sabe e o novo objeto de

conhecimento, entre a realidade em que vive e outras formas de viver e dar

sentido ao ato de “estar no mundo”;

Desenvolvimento das potencialidades dos alunos não apenas no campo

da racionalidade, mas também no campo das emoções, das habilidades

artísticas, desenvolvendo, assim, sua criatividade, suas formas de

expressão, bem como sua capacidade de interagir positivamente com o

outro, considerando os valores éticos;

Desenvolvimento de estratégia/procedimento metodológico que facilita o

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aprendizado à medida que aproxima o conhecimento científico da vida real,

com o professor tendo ciência de que o conhecimento também circula fora

da sala de aula e que sua construção vai além do currículo básico,

permitindo que os alunos aprendam a partir das vivências e não das

referências.

Diante do exposto foi possível observar-se a importância do contexto da sala

de aula para o desenvolvimento de todas as ações a serem realizadas, levando em

conta as especificidades dos indivíduos que fazem parte do processo.

O maior desafio da pesquisa-ação consiste em articular duas estratégias

diferentes, pois se trata de “uma abordagem coletiva integrando ao mesmo tempo

uma estratégia de pesquisa e uma estratégia de ação” (MAYER; OUELLET, 1991

apud DIONNE, 2007, p.55). De fato, essas estratégias remetem a dois

procedimentos diferentes, que estão inseridos simultaneamente em uma operação

de pesquisa-ação. A comparação das suas estratégias nos ajudará a melhor

compreender essa dinâmica entre pesquisadores e atores e a evidenciar como a

pesquisa-ação está na junção de dois percursos-tipo simultaneamente engajados.

Não é comum se realizar uma pesquisa sobre dada situação e ao mesmo

tempo intervir diretamente nessa mesma situação. “A lógica da ação coletiva e a

lógica da produção científica não são equivalentes. Essas duas atividades se

desenvolvem em uma duração diferente. A pesquisa exige um tempo longo; a ação

coletiva exige informações selecionadas o mais rapidamente possível” (Riac, 1981,

p. 80, apud BARBIER, 2007, p. 56). Desenvolver uma visão comum sobre um objeto

de pesquisa, integrado a visão do pesquisador e a do ator, isso não é óbvio. Além do

mais, constata-se que as duas operações de pesquisa no campo escolhido e a

operação de ação podem ser comparadas ao percurso-tipo – o da enquete no

campo e o da ação planejada – e são mais bem observadas as correspondências e

as diferenciações entre a dinâmica da pesquisa e a dinâmica da ação, ambas

presentes no processo de pesquisa-ação.

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Tabela 2: Articulação de duas estratégias-tipo

Fonte: DIONNE, 2007.

A comparação é interessante na medida em que existem várias

semelhanças e correspondências entre um percurso de pesquisa e um percurso de

ação. Evidentemente, as finalidades e as modalidades são diferentes. Ambos os

percursos se estruturam em cinco etapas relativamente similares e, ao mesmo

tempo, dão conta de um procedimento de ação.

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Primeira etapa: Identificação da situação

Percurso de investigação: definição do estado da situação e do tema da

pesquisa. O conhecimento prévio do meio foi necessário antes de se iniciar a

formulação de um roteiro de perguntas de pesquisa. Foi inclusive esse

conhecimento de um dado problema que permitiu definir com pertinência o objeto de

pesquisa. Não se trata de conhecer as peculiaridades de tal ou qual campo

específico, mas de captar o estado da situação a partir do qual a pesquisa foi

desenvolvida.

Percurso de ação: identificação de situações. Todo processo começou com o

diagnóstico da situação inicial. O professor reconheceu a situação em que se vai

intervir. O professor de Língua Portuguesa foi levado a compreender bem a situação,

identificou as causas e fatores explicativos e a posição dos diversos atores

considerada no evento de letramento. De fato, os diagnósticos iniciais são muito

importantes porque é como se fosse neles que estivessem estabelecidas as

diversas estratégias de atividades a empreender. Em uma operação de pesquisa-

ação, a colaboração entre pesquisadores e atores é essencial nesta crucial etapa de

intervenção (GENDRON,1992 apud DIONNE, 2007, p.59).

A pesquisa e a ação têm aqui o mesmo ponto de partida, ou seja, de uma

situação a compreender e/ou a modificar. É certo que o procedimento de pesquisa-

ação se torna muito importante durante essa primeira fase de investigação e de

intervenção.

Segunda etapa: definição dos objetos da pesquisa-ação

Percurso de investigação: formulação do objeto da pesquisa. A abordagem

ocorreu com base em leituras teóricas e em análise das produções escritas, que

podemos chamar de documentos e/ou registros. Essa etapa metodológica de

construção do objeto foi bastante importante para a delimitação e os

questionamentos da pesquisa e para que pudessem ser definidos os termos

conceituais empregados.

Percurso de ação: definição dos objetos da ação. Os caminhos foram

definidos para resolver os problemas identificados. A formulação das hipóteses foi

feita de forma simples na ação e as discussões se assemelharam às escolhas de

estratégias a serem aplicadas para resolver os problemas. A tomada de decisão se

baseou na escolha de uma atividade particular (produção cartas pessoais) a ser

empreendida. Todas as ações empreendidas foram sustentadas por objetos de

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mudanças como parte integrante da dinâmica de intervenção.

Terceira etapa: planejamento metodológico da pesquisa e da ação

Percurso de investigação: metodologia e estratégia da pesquisa de campo.

Foram feitos os questionamentos desejados diante da situação efetiva e real. Foi

importante a aplicação dos conceitos teóricos de maneira adequada para que os

alunos conseguissem uma compreensão uniforme do que iriam produzir. Foram

esclarecidas as dúvidas da situação em que os mesmos iriam interagir com suas

produções, nesse caso as cartas pessoais.

Percurso de ação: planejamento da ação. Trata-se do plano de ação e das

modalidades concretas de intervenção. O planejamento se adaptou ao perfil das

estratégias de intervenção. As sequências das ações foram seguidas de maneira

satisfatória e a ação planejada conseguiu modificar várias situações iniciais em

situações desejadas. Os alunos, de certa forma, avaliaram a professora e sua

postura, assim como seus sentimentos em relação à mesma.

Quarta etapa: realização da pesquisa e da ação

Percurso de investigação: processo de pesquisa no campo. Nessa etapa

foram feitas as coletas de dados, através das informações, entrevistas, observações,

relatos, análise e constatação de acontecimentos.

Percurso de ação: realização das atividades previstas. A ação foi iniciada

através do intercâmbio de leitores, com a produção de cartas pessoais para amigos

que estudavam em outras escolas. Nesse ponto, surgiu a ideia de adaptação da

ação, que foi produzir uma carta pessoal para uma funcionária da escola que estava

afastada por problemas de saúde. A arte da ação consiste exatamente em

adaptações contínuas dentro do planejamento, posto à prova na realidade cotidiana.

Imprevistos, conjunturas mutáveis, temperamento das pessoas, erros estratégicos,

tudo foi considerado: tanto as ações do professor como dos alunos foram

conduzidas a adaptações contínuas, sem perder de vista a finalidade das ações

empreendidas. O desafio da prática docente no evento de letramento consiste em

assegurar a colaboração na participação dos atores implicados na solução e em

avaliar constantemente as operações com o intuito de não se desviar dos objetivos.

A dinâmica de colaboração entre os elementos da ação é essencial para manter o

foco na ação e sobre a situação a modificar.

Quinta etapa: análise e avaliação dos resultados

Percurso de investigação: análise e redação do relatório de pesquisa. Esta

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última etapa da pesquisa realizada no campo decorre das etapas anteriores. Foram

compilados os dados e analisados à luz do questionamento inicial. Após, foi

reportado ao objeto de investigação (questionamentos e hipótese) para

circunscrever os dados obtidos e seu alcance explicativo.

Percurso de ação: avaliação dos resultados alcançados. A ação acaba

idealmente quando os alvos estão alcançados. No evento de letramento, raramente

se obtém uma completa satisfação com relação à situação mudada, visto que esta

nunca corresponde perfeitamente à situação desejada no início da intervenção. Os

caminhos do letramento são vastos e sempre têm algo a se dizer ou uma

possibilidade a mais. Todo procedimento de avaliação foi analisado e apreciado nos

caminhos percorridos nas ações interligadas aos objetivos iniciais.

A pesquisa-ação, em virtude de sua própria dinâmica, não se deixa

enquadrar em um processo linear. As etapas enunciadas são apenas indicadoras de

um procedimento que é aplicado em situação de diálogo constante e de colaboração

contínua entre pesquisadores e atores. Conforme Barbier (2007), para quem é

necessária uma abordagem transversal que leve em consideração tanto os saberes

científicos quanto os “saberes do coração” (baseados em experiência e

espiritualidade), nenhuma técnica poderá substituir o desenvolvimento de uma

relação humana de qualidade, que respeita o dinamismo e os valores de todos os

envolvidos, como também o aprendizado que os mesmos levam para toda a vida,

mostrados na alteridade vivida entre os parceiros de uma mesma ação, construída

no calor e na paixão dessas relações acordadas. Importa lembrar que todas as

ações de letramento com ênfase no social retratam uma dinâmica que conecta todos

os saberes e eleva a condição humana à busca constante de novos conhecimentos.

4.2.2 Figurantes e cenário da pesquisa

A pesquisa-ação está focada nas turmas do 6º ao 9º ano do Ensino

Fundamental, nas aulas de Língua Portuguesa e em práticas de leitura. Nesse

contexto, o evento de letramento foi priorizado elucidando o contexto social,

centrados nos critérios de concordância da professora e dos discentes em participar

da pesquisa. A decisão de adotar os alunos como participantes foi tomada em razão

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de eles terem sugerido o evento durante uma aula de produção textual que envolveu

todas as turmas. As turmas têm, em média, dez a dezoito alunos. O baixo número

de alunos se justifica devido ser uma escola de zona rural e só atender àquela

localidade. As turmas estavam participando de um intercâmbio de leitores, em que

todos estavam em um mesmo espaço, numa ação de produção textual (cartas

pessoais), quando surgiu o evento de letramento. A ideia foi lançada e os alunos se

mostraram motivados e entusiasmados em colaborar com a pesquisa que, no

momento, tratava de um contexto real e surgido de uma necessidade vivenciada.

Por esta razão, todos os colaboradores ficaram à vontade para dizer o que

pensavam e expor suas opiniões, ouvir o outro e argumentar sobre suas convicções.

Todos foram informados a respeito da realização da pesquisa no contexto de

sala de aula e concordaram em divulgar seus escritos nas redes sociais (Facebook),

como uma das estratégias de respostas às ações desenvolvidas.

Cumpre ressaltar que a divulgação das cartas dos alunos e a leitura

compartilhada da resposta às mesmas foram realizadas a pedido dos estudantes,

sendo efetivadas e recebidas com orgulho e satisfação.

As turmas são bastante heterogêneas. Alguns alunos têm perfil mais

participativo, interagem, questionam, respondem às perguntas, têm interesse em

folhear livros paradidáticos, literários, revistas, jornais e colaboram com os colegas,

enquanto que outros se se mostram tímidos, mas participam das atividades durante

as aulas.

Hamilton (2000, p. 17), fundamentado nos trabalhos de vários teóricos que

focalizam a prática social, aponta quatro elementos básicos dos eventos e práticas

de letramento – participante, domínio, artefatos e ambiente.

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Participantes

Imagem 4: Os colaboradores da pesquisa

Fonte: Do próprio autor

Oliveira (2002, p. 103) destaca que participantes são as pessoas que podem

ser vistas interagindo com textos escritos durante os eventos de letramento. Assim

sendo, a equipe que atua no evento de letramento no momento relatado são os

alunos da Escola Manoel Martiniano de Medeiros, o professor de Língua Portuguesa

e a funcionária da escola que se encontrava afastada por motivo de doença.

Domínio / Ambiente

Imagem 5: Entrega da produção escrita dos alunos

Fonte: Do próprio autor

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Segundo Marcuschi (2002, p. 23), “domínio não são textos nem discursos,

mas propiciam seu seguimento”. Assim, o domínio são circunstâncias em que as

interações ocorrem ou, mais precisamente, segmentos sociais em que se efetivam

atividades humanas. No evento de letramento citado, o domínio é a produção das

cartas produzidas pelos alunos, pelo professor, como também pela comunidade

escolar que se sensibilizou com o fato. O domínio também se deu quando a caixa

com as cartas foi entregue na casa da funcionária, quando esta respondeu às cartas

dos alunos, bem como quando a imagem foi postada no facebook e partilhada por

todos.

Artefatos

Imagem 6: Texto produzido por aluno

Fonte: Do próprio autor

Os artefatos são instrumentos de natureza conceitual e material que se

apresentam nos níveis primário, secundário e terciário. São constituintes

fundamentais da cultura de cada grupo e, em função disso, são mediadores da ação

humana nas mais diversas atividades, coordenando as relações de quem os utiliza

entre si e com o mundo, enquanto espaço físico e de interação social. Os artefatos,

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neste evento, se concretizam desde os materiais, como as canetas para a produção

das cartas, aos computadores para o uso das redes sociais, levando a informação

precisa a todos. Também são artefatos as mensagens de fé e desejos de melhoras

expostas nas cartas produzidas pelos alunos e a evidente melhora da funcionária

depois de receber as mensagens.

CENÁRIO DA PESQUISA

O cenário da pesquisa é a Escola Municipal de Ensino Infantil e

Fundamental Manoel Martiniano de Medeiros, situada no Sítio Serra do Doutor I, ao

lado da BR 224, distante seis quilômetros da cidade de Campo Redondo, no Estado

do Rio Grande do Norte. A escola é de origem Cenecista, fundada no ano de 1985,

tornando-se municipal conforme a Lei n. 07/98, de 25 de março de 1998.

Imagem7: Escola Municipal Manoel Martiniano de Medeiros

Fonte: Do próprio autor

Devido às exigências do Ministério da Educação e Cultura (MEC), as

escolas não deveriam ser isoladas, portanto foi criado o Centro Municipal de

Educação Rural Arnaldo Barbosa Oliveira, conforme o Decreto n. 011/2001, com o

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objetivo de gerir diretamente as atividades pedagógicas do meio rural. No ano de

2004, essa escola foi desvinculada do Centro Rural, passando a ter sua primeira

gestão autônoma. Atualmente, essa instituição conta com uma equipe gestora

composta por diretor, vice-diretor e coordenador pedagógico, sendo mantida pela

Prefeitura Municipal, através da Secretaria Municipal de Educação e de Programas

nacionais, como: o Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), a

Valorização do Magistério, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação

Básica e da Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), o Programa

Nacional da Alimentação Escolar (PNAE), o Compra Direta e o Programa de

Desenvolvimento da Escola (PDE).

A escola trabalha com as modalidades de ensino alusivas à Educação

Infantil (creche e pré-escola) e ao Ensino Fundamental I e II (1º ao 9º ano),

atendendo a uma clientela de centro e dezoito alunos, com faixa etária de um a

dezoito anos. Esses alunos residem em comunidades rurais próximas à escola,

cujas famílias sobrevivem de agricultura e de pecuária. O corpo docente é formado

por onze professores, sendo quatro polivalentes, graduados em Pedagogia, e sete

graduados em disciplinas específicas, de modo que todos possuem qualificação nas

matérias que lecionam. A escola dispõe também de um atendimento educacional

especializado (AEE), que atende a oito alunos portadores de necessidades

especiais. Para esse atendimento, a escola conta com uma professora especialista

na área. Quanto ao material didático-metodológico, a escola oferece livro didático

adquirido através do Ministério da Educação e Cultura (MEC) pelo Programa

Nacional do Livro Didático (PNLD), escolhido pelos professores da Rede Pública de

Ensino para ser utilizado por um período de três anos. Quanto à estrutura física, a

escola possui salas de aula, secretaria, cozinha, banheiro. Além disso, conta com

um laboratório de informática com seis computadores e não dispõe de biblioteca,

tendo um acervo bibliográfico reduzido, que está alocado na secretaria.

4.2.3 Instrumentos e geração de dados

A mente humana é altamente seletiva e é muito provável que, ao olhar para

um mesmo objeto ou situação, duas pessoas enxerguem diferentes coisas. O que

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cada pessoa seleciona para “ver” depende muito de sua história pessoal e,

principalmente, de sua bagagem cultural e social. Assim, o tipo de formação de

cada pessoa, o grupo social a que pertence, suas aptidões e predileções fazem com

que sua atenção se concentre em determinados aspectos da realidade, desviando-

se de outros.

Da mesma forma, as observações que cada um de nós faz na nossa

vivência diária são muito influenciadas pela nossa história pessoal, o que nos leva a

privilegiar certos aspectos da realidade e negligenciar outros. A observação ocupa

um lugar privilegiado nas novas abordagens de pesquisa educacional. Sendo o

principal instrumento da investigação, o observador pode recorrer aos

conhecimentos e experiências pessoais como auxiliares no processo de

compreensão e interpretação do fenômeno estudado.

Um pesquisador que observa e se insere no contexto de sua pesquisa deve

estar munido de instrumentos adequados e os mesmos devem estar integrados às

suas hipóteses ou objetivos propostos. “A elaboração de instrumentos é fundamental

no processo de obtenção de informações” (GRESSLER, 2003, p. 146), porque as

informações que se busca deverão ser úteis, válidas e precisas, portanto, os

instrumentos também. Ao pesquisador cabe o papel cuidadoso de guardar

informações, compreende-las, analisá-las e empregá-las quando necessárias na

constatação dos resultados.

No estudo, foram utilizados uma série de instrumentos na geração de dados,

tais como: roda de conversas, relatos, anotações de campo, visitas, produção de

textos, fotos, leituras compartilhadas, redes sociais, dentre outros.

A pesquisa foi desenvolvida no início de setembro de 2013 e teve como

ponto de partida uma situação de letramento social durante práticas de leitura e

produção textual em sala de aula. As ações se estenderam até dezembro de 2014.

Esse tempo de pesquisa e intervenção na escola fez-se necessário para que o

pesquisador do contexto investigado tivesse meios para desenvolver todos os

objetivos propostos para este trabalho. Durante o desenvolvimento do levantamento

de dados, procurou-se intervir em algumas situações de produção de texto, para que

a pesquisa pudesse ser realizada e provocasse mudanças significativas na realidade

que estava sendo observada. As observações foram anotadas para que o

pesquisador obtivesse subsídios para melhorar as estratégias de ensino e também

para que se pudesse compreender a dinâmica das interações realizadas no

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66

trabalho.

Considerando a flexibilidade da geração de dados durante o

desenvolvimento das ações, tem-se uma descrição dos principais instrumentos

geradores de dados utilizados nesta pesquisa.

Primeiramente, a coleta de dados por meio da Roda de Conversa permite a

interação entre o pesquisador e os participantes da pesquisa por ser uma espécie de

entrevista de grupo, como o próprio nome sugere. Isso não significa que se trata de

um processo diretivo e fechado em que se alternam perguntas e respostas, mas

uma discussão focada em tópicos específicos na qual os participantes são

incentivados a emitirem opiniões sobre o tema de interesse (IERVOLINO;

PELICIONI, 2001).

Entende-se que as informações produzidas nesse contexto são de caráter

qualitativo, pois as opiniões expressas nessas Rodas de Conversa são ‛falas‟ sobre

determinados temas discutidos pelos participantes (naquela ocasião, sobre o

procedimento de como a ação do envio das cartas iria acontecer) sem a

preocupação com o estabelecimento de um consenso, podendo as opiniões

convergirem ou divergirem, provocando o debate e a polêmica.

Cabe ao mediador (professor) garantir a participação igualitária de todos,

bem como atender aos critérios de estruturação da discussão. Por sua possibilidade

de interação entre os participantes, a técnica da Roda de Conversa assume as

mesmas características da técnica do grupo focal, que é definida por Gaskel (2002,

p. 79) como:

[...] uma esfera pública ideal, já que se trata de um debate aberto e acessível a todos cujos assuntos em questão são de interesse comum; as diferenças de status entre os participantes não são levadas em consideração; e o debate se fundamenta em uma discussão racional.

Essa definição não só dimensiona as possibilidades interativas da Roda de

Conversa como expressa uma característica de criar um espaço de diálogo e de

escuta das diferentes ‛vozes‟ que ali se manifestam, constituindo-se num

instrumento de compreensão de processos de construção de uma dada realidade

por um grupo específico. Como reforça Gatti (2005, p.11), essa técnica permite

compreender processos de construção da realidade por determinados grupos

sociais, compreender práticas cotidianas, ações e reações a fatos e eventos,

comportamentos e atitudes, constituindo-se uma técnica importante para o

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conhecimento das representações, percepções, crenças, hábitos, valores,

restrições, preconceitos, linguagens e simbologias prevalentes no trato de uma dada

questão por pessoas que partilham alguns traços em comum, relevantes para o

estudo do problema visado.

Os relatos e as produções dos alunos foram necessários para que o

professor pudesse desenvolver as ações da pesquisa, como também registrar as

observações através de anotações de campo. Os relatos também proporcionaram o

surgimento de novas ideias e ações quanto à aprendizagem e à postura dos alunos

diante da situação vivenciada. Através desse instrumento, foi possibilitado ao

professor conhecer os desejos e as opiniões de seus colaboradores; suas

produções escritas e orais durante o desenvolvimento das ações; os relatos das

aulas, que também podem ser considerados produções textuais; bem como as

cartas produzidas pelos alunos, que foram essenciais para o alcance dos objetivos

propostos nesta pesquisa.

O evento de letramento como objeto dessa pesquisa atinge uma expressiva

flexibilidade na geração de dados, sendo necessário ao investigador utilizar-se de

instrumento adequados aos propósitos de sua prática e métodos que levem aos

resultados propostos pela pesquisa.

4.3 ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DAS AÇÕES

4.3.1 Ações de sensibilização

Nesse ponto de nossa pesquisa, utilizaram-se textos diversificados da

literatura clássica infanto-juvenil como fonte mediadora para o desenvolvimento da

produção das cartas pessoais. Considerando que a literatura é como um espelho

que nos mostra outra realidade, de onde é possível acessar nosso mundo interno,

podemos pensar o texto literário como elemento desencadeador de emoções e

sentimentos adormecidos nos alunos. Isso ocorre porque ela revela a multiplicidade

de olhares que o homem lança sobre o mundo. Apresentam vivências, maneiras de

fazer e sentir as coisas, um lugar de onde se pode olhar para nossa história e decidir

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o que é melhor para nós. Por outro lado, entramos em contato com as histórias que

tratam daquilo que é universal e atemporal. São as histórias que carregam a alma

mítica do mundo. A literatura nos ajuda a reconhecer as relações simbólicas

estabelecidas com as pessoas e com o meio, além de nos ensinar a habitar

poeticamente o espaço. Mostra como existir de acordo com a lógica de troca

simbólica, no instante da relação com o mundo e com o outro, e nos esclarece que

estar no mundo implica em dar, receber e interagir com o meio.

O estímulo e os vários tipos de leitura são dinâmicas necessárias ao

desenvolvimento do intelecto do aluno leitor. Partindo desse princípio, o relato das

ações de sensibilização com leituras literária mostra uma das etapas vivenciadas na

pesquisa com o intuito de estabelecer e despertar no aluno sentimentos de amor e

solidariedade ao próximo. A atividade foi desenvolvida na turma do 6º ano do Ensino

Fundamental com o gênero Fábula1.

O texto trabalhado foi A CIGARRA E A FORMIGA, lida pelo professor em

duas versões. A seguir, foi feita a estimulação através de dramatização e

participação dos alunos, como também levantamento de questionamento e

reflexões. Uma terceira versão da fábula A CIGARRA E A FORMIGA foi escrita e

exposta no papel maneira e lida com os alunos. Após a leitura partilhada, algumas

ações foram desenvolvidas da seguinte forma;

Foi proposto exercícios de interpretação e reflexão sobre os conceitos

de trabalho, gestos solidários e sentimento de amor ao próximo que

são retratados no texto em estudo;

Os alunos identificaram no texto sua forma poética quanto à rima,

métrica e ênfase no plano sonoro para comparar com os demais

textos em prosa exposto pelo professor;

Estudo e classificação das rimas emparelhadas e intercaladas;

Através de uma dinâmica, foi feita a caracterização do gênero fábula,

identificando personagem, tema, intenções do autor e conclusões do

leitor;

A turma foi dividida em pequenos grupos e o texto foi dramatizado da

seguinte forma: o professor (orador), narrou à história e os grupos

1 A fábula é uma composição literária em que os personagens são geralmente animais, forças da natureza ou objetos, que

apresentam características humanas, tais como a fala e os costumes. São histórias geralmente feitas para crianças que terminam com um ensinamento moral de caráter instrutivo.

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reproduziram a fala das personagens através de barulhos, vozes e até

o canto da cigarra;

As reflexões foram feitas a partir dos conceitos de TRABALHO,

CONDUTA, ESPÍRITO DE SOLIDARIEDADE, RESPEITO E AMOR AO

PRÓXIMO, relacionando-os com o evento da produção das cartas, já

que a intenção seria produzir cartas pessoais retratando os valores

acima citados;

A atividade final proposta foi para que os alunos escrevessem frases

sobre a moral que cada uma das versões lidas admitia e a ilustrasse

com desenho livre.

A prática foi proveitosa, com respostas positivas no aprendizado, na

contextualização com a pesquisa-ação, na participação e disposição dos alunos em

desenvolverem as tarefas propostas pelo professor.

Imagem 8:Textos produzidos pelos alunos

Fonte: Do próprio autor

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4.3.2 PLANEJAMENTO DAS AÇÕES (PRODUÇÕES DAS CARTAS PESSOAIS)

ATIVIDADE

Para Oliveira (2002, p. 113), atividades são as ações realizadas pelos

participantes nos eventos de letramento. Elas estão centradas numa ação conjunta

dentro das quais os colaboradores exercem diferentes papéis sociais, estabelecem

vínculos, compromissos e negociam decisões sobre o que fazer e como fazer: quem

escreve (digita), quem recolhe material informativo e ilustrativo, quem pensa, quem

textualiza e quem ilustra. Nessa perspectiva, as atividades nesta ação de letramento

social se deram da seguinte forma:

Alunos - tiveram a ideia da ação, produziram as cartas, compartilharam na

rede social (Facebook) a entrega da caixa de cartas e sensibilizaram a comunidade

escolar.

Professor - acolheu a ideia, organizou pedagogicamente as etapas das

ações, produziu cartas com os alunos, entregou a caixa de cartas na casa da

funcionária, fez a exposição oral da resposta às cartas dos alunos e sensibilizou a

comunidade escolar para a função social de cada pessoa.

Funcionária da escola que estava afastada por motivo de saúde - leitura

das cartas dos alunos, respostas das cartas através de uma carta coletiva,

postagem nas redes sociais (Facebook).

PLANEJAMENTO

É muito importante também que o planejamento aconteça de forma coletiva,

no qual os professores possam se reunir para estabelecer linhas comuns de ação

diante da realidade encontrada. Portanto, há que se ter conhecimento dos alunos

que estão participando do evento na escola para depois traçar o planejamento, pois

o preparo das aulas deveria ser, para o professor, uma das atividades mais

importantes do seu trabalho porque reforça sua competência teórica e o

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compromisso com a democratização do ensino, dando-lhe oportunidade de refletir,

analisar e avaliar suas ações pedagógicas, manifestando suas indagações e

propostas diante do mundo que o cerca e dos objetivos que deseja alcançar na

realização do seu trabalho diário. Assim:

Planejando, executando e avaliando juntos, esses professores desenvolvem habilidades necessárias à vida em comum com os colegas. Isso proporciona entre outros aspectos, crescimento profissional, ajustamento às mudanças, exercício da autodisciplina, responsabilidade e união a nível de decisões conjuntas (TURRA et al., 1996, p.19).

O planejamento garante ao professor uma reflexão da sua prática docente à

medida que a sua ação vai delineando caminhos para o aperfeiçoamento da sua

prática, permitindo ao educador obedecer a uma sequência lógica dentro de uma

objetividade que não só alcance as possibilidades da escola, como também do

aluno, o que é possível a partir do conhecimento da realidade para intervir nas

condições existentes.

A eficácia do trabalho didático-pedagógico depende em grande parte da

organização, coerência e flexibilidade do planejamento, que tem como função

orientar e reorientar a prática dos professores, oportunizando uma reflexão da sua

ação no processo de ensino-aprendizagem, criando condições favoráveis ao

progresso individual e coletivo dos alunos e dos professores.

Portanto, de acordo com Libâneo (2004, p.223), podemos destacar as

funções do planejamento escolar, que são:

• Explicitar princípios, diretrizes e procedimentos do trabalho docente que

assegurem a articulação entre as tarefas da escola e as exigências do contexto

social e do processo de participação democrática.

• Expressar os vínculos entre o posicionamento filosófico, político

pedagógico e profissional e as ações efetivas que o professor irá realizar na sala de

aula, através de objetivos, conteúdos, métodos e formas organizativas do ensino.

• Assegurar a racionalização, organização e coordenação do trabalho

docente, de modo que a previsão das ações docentes possibilite ao professor a

realização de um ensino de qualidade e evite a improvisação e a rotina.

• Prever objetivos, conteúdos e métodos a partir da consideração das

exigências postas pela realidade social do nível de preparo e das condições

socioculturais e individuais dos alunos.

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• Assegurar a unidade e a coerência do trabalho docente, uma vez que torna

possível inter-relacionar, num plano, os elementos que compõem o processo de

ensino: os objetivos (para que ensinar), os métodos e técnicas (como ensinar) e a

avaliação, que está intimamente relacionada ao demais.

• Atualizar o conteúdo do plano sempre que é revisto, aperfeiçoando-o em

relação aos progressos feitos no campo de conhecimentos, adequando-o às

condições de aprendizagem dos alunos, aos métodos, técnicas e recursos de ensino

que vão sendo incorporados na experiência cotidiana.

• Facilitar a preparação das aulas: selecionar o material didático em tempo

hábil, saber que tarefas professor e alunos devem executar, replanejar o trabalho

frente a novas situações que aparecem no decorrer das aulas.

Tabela 3: Planejamento das ações

Prática de letramento

Ação/Agente Gênero Resultado Meta

1. Leitura de texto do gênero carta presente em livros, revistas e produção real.

Alunos e prof. compartilham os textos selecionados.

Cartas encontradas em revistas;

Cartas nos livros didáticos;

Cartas de produção real.

Acervo do gênero carta e criação do conhecimento e identificação do gênero.

Buscar, através da pesquisa, textos do gênero carta e reconhecer as suas funções em um mesmo gênero.

2. Exposição dos textos identificando a função e as normas características do gênero

Alunos compartilham informações e traçam metas subjetivas para produção individual

Relato oral e escrito das instruções individuais;

Montagem da carta seguindo as regras.

Participação ativa dos alunos e interesse para produzir textos do gênero carta informalmente

Divulgar a produção e estimular produções futuras.

3.Estabeleci-mento das datas de envio das cartas e retorno.

Professores e alunos tomam decisões coletivamente.

Roteiro e agendamen-to das ações;

Produção

Cada aluno com suas ações a cumprir; produção individual de um

Visualização de entrega e recebimento das cartas, como também

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Estratégias de leitura e socialização oral das cartas.

coletiva das instruções individuais e coletivas.

texto escrito com gênero compatível à ação social e propósito comunicativo.

partilhar no Facebook todo o processo.

Fonte: Do próprio autor

4.3.3 Relato de fatos comuns – realidade e ficção

Lidar com a literatura é uma maneira de compreender melhor e mais a fundo

uma espécie de instrumento capaz de desautorizar nossa percepção do cotidiano,

agindo no sentido contrário à organização de nossa apreensão da realidade; de

desenvolver nossa sensibilidade e inteligência, habilitando-as plenamente para uma

leitura mais abrangente do mundo; de despertar nossa capacidade de indignação,

criando em cada um de nós uma consciência crítica da realidade circundante; de

alicerçar nossa conduta ética no trato social, a fim de aperfeiçoar nossas inter-

relações humanas e de desenvolver nossa capacidade de compreensão e absorção

da atividade estética, a partir de uma prática hermenêutica consistente. (SILVA,

2003)

De fato, a ficção é realidade, não apenas por fazer parte das nossas

fantasias e sonhos, mas por estar muito presente na narrativa ou na história de vida

de cada um de nós. Desse modo, a ficção literária é profundamente humanizadora

porque ela só se interessa pela condição humana e pelo sentido da existência

coletiva.

As possibilidades e variações do texto literário se caracterizam pela

exploração de imagens que as palavras podem criar e pela finalidade de

proporcionar prazer ao leitor ou ouvinte, como também sonhar e imaginar o irreal no

seu dia-a-dia e nas ações corriqueiras que passam despercebidas e pouco

valorizadas. Assim, a ação trabalhada com as turmas do 8º e 9ª ano do Ensino

Fundamental foi o gênero FÁBULA, em uma tentativa de transpor exemplos da

ficção para a realidade e fazendo com que o aluno possa interagir entre o mundo

real e o imaginário de forma crítica e contextualizada.

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Inicialmente, a palavra “FÁBULA” foi trabalhada com a dinâmica

“Tempestade de ideias” para levantamento do conhecimento prévio sobre o assunto.

Foram distribuídos diversos livros de fábulas para que os alunos pudessem

identificar as características do gênero em contato com a obra literária.

Imagem 9: Texto produzido pelo aluno

Fonte: Do próprio autor

A dinâmica da aula aconteceu seguindo várias etapas com o intuito voltado

para associar o gênero literário à vida e ao cotidiano dos alunos. Após isso, os

alunos receberam a letra da música “FADA”, da dupla de cantores Vitor e Leo,

quando foi iniciada uma nova sequência de ações da seguinte forma;

Os alunos identificaram quem escreveu o texto, para quem e qual a

finalidade do texto;

Assistiram ao show (DVD), acompanharam a melodia com a letra por

escrito e cantaram diversas vezes;

Foi feita interpretação do texto em relação ao tema, forma de

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expressão, sentido, ideia sugerida e/ou explícita, as razões por que os

alunos gostaram ou não da canção, a relação que a música tem com o

gênero fábula e as ligações da ficção com a realidade;

Estudo da estrutura poética; rima, sonoridade e métrica;

Exposição e reflexão sobre a compatibilidade entre a oralidade e

escrita e sobre o fato de que alguns gêneros podem ser realizados

pelas duas modalidades, enquanto outros ocorrem apenas em uma (a

exposição foi feita pela professora com a participação dos alunos);

A identificação do autor da música, quem são os ouvintes, a quem se

destina a canção, os traços da canção que remetem à realidade e à

ficção e a comprovação de que não é só na escola que este evento

acontece, mas na vida por diversas situações (culturalmente ou por

deleite). Esta etapa aconteceu em forma de debate e relatos dos

alunos, contextualizando com a vida e o cotidiano;

A atividade final proposta foi ilustrar a letra da música e redigir um texto

em prosa, diferente da estrutura da música, dando ênfase aos

sentimentos, à ilusão, à fantasia e ao sonho.

4.3.4 Produção e escrita das cartas pessoais

Na produção e escrita das cartas pessoais incidem dois aspectos da

composição textual: um diz respeito às etapas e às sequências discursivas que

organizam a estrutura textual desse gênero; o outro, à expressão de informalidade

inscrita em seus textos.

Tabela 4: Representação da estrutura composicional da carta

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Abertura do evento

Corpo do texto

Encerramento do evento

Post scriptum

(facultativo)

Fonte: Do próprio autor

Em se tratando da estrutura composicional da carta pessoal, de modo geral,

nas práticas comunicativas dos gêneros epistolares de nossa cultura, o modelo

exposto caracteriza-se como um protótipo da noção de carta. Ou, como lembra

Marcuschi (2002, p.11), é uma noção que funciona como um guia para realização de

um grande número de gêneros epistolares, que se situam na constelação das

produções discursivas do tipo correspondência. Sobre isso, importa observar que a

hipótese em foco parece não se restringir ao universo das práticas comunicativas

das cartas tradicionais. Esclarece também que o post scriptum é uma etapa não

muito recorrente, visto que o produtor pode, em qualquer momento da escrita, inserir

no corpo do texto as informações que julgue necessárias. Tal procedimento –

inexistente nas cartas pessoais, sobretudo, por serem geralmente manuscritas – é

propiciado pelas condições tecnológicas previstas pelo sistema de produção dos

textos desse gênero.

É interessante também registrar, a despeito da variedade de gêneros

epistolares, que a composição textual de cada um deles guarda uma tradição das

práticas epistolares do mundo clássico, que se pautaram nos princípios da retórica

clássica. À época, como ainda hoje, as cartas sustentam-se basicamente em três

grandes etapas, quais sejam: abertura do evento, espaço em que se instaura o

contato e a interlocução com o destinatário; o corpo da carta, desenvolvimento do

objeto do discurso; e, por fim, o encerramento do contato da interlocução, a

conclusão.

As cartas pessoais aqui analisadas, coincidem de certa forma com a

construção exemplificada. Um evento comunicativo, de um saber social decorrente

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de um trabalho coletivo que se ancora cognitivamente em parâmetros de um modelo

social das práticas comunicativas.

Tabela 5: Sequência discursiva

Do ponto de vista do plano formal do texto, as cartas pessoais possuem

como estrutura básica o modelo delineado no item anterior, ou seja, abertura do

evento, corpo da carta e encerramento. Esses elementos são conceitualmente

concebidos por este estudo como etapas da composição textual do gênero. Como

se verá, as etapas de abertura e de encerramento do evento são compostas de

sequências discursivas claras e de natureza do relacionamento dos interlocutores, a

finalidade que cumpre a interação em curso e, sobretudo, o caráter dialogal e

dialógico desse gênero (alternância dos papéis comunicativos).

Já a etapa que compreende o corpo da carta (ou da interação) não

apresenta marcas, são termos discursivos e interativos que sinalizam o seu início ou

o seu fim. A rigor, as etapas de abertura e de encerramento, que emolduram a

interação, acabam cumprindo o papel de indicar o momento quando se inicia e finda

o corpo da carta.

Abertura do evento

Cabeçalho: é um fator contextualizador do evento comunicativo ou, melhor

dizendo, ancora o texto na situação comunicativa no que diz respeito à

origem (topológica/geográfica) e à época em que o texto foi produzido.

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Saudação e vocativo: são sequências discursivas que abrigam rotinas

comunicativas que se caracterizam como verdadeiras estratégias interativas

introdutórias da atividade de interlocução; visam, ainda, a expressar uma

atitude de polidez do remetente para com o destinatário e, como já visto,

indicam a natureza do relacionamento dos interlocutores.

Solicitudes e a acusação do recebimento da carta: espaço discursivo em

que são expressos os votos de saúde e paz, o sentimento de saudade, as

desculpas pela demora da correspondência; a indicação do recebimento da

carta e, muitas vezes, a explicitação da finalidade da carta enviada. Em

resumo, a abertura, na constituição do evento comunicativo, encarna

predominantemente uma função de natureza pragmática e interativa,

independentemente do volume de informação a ser veiculado.

Os três trechos, representativos do formato que assume a etapa de abertura

da carta pessoal, revelam, enunciativa e interativamente, a voz do escrevente ao

instaurar, pela escrita, o diálogo com seu interlocutor.

Corpo do texto

Essa etapa da interação define-se caracteristicamente como o momento em

que o escrevente traz para a interlocução os mais variados temas que reportam a

cenas do seu cotidiano, nas quais, inclusive, encontram-se as de foro íntimo.

Compreende a parte mais extensa do texto da carta, que, em termos materiais, pode

ocupar mais de uma página. Verifica-se que, nesse momento da interação, o

escrevente tende a falar de si mesmo e/ou daqueles com quem convive.

Estrategicamente, por meio de perguntas e outros recursos linguísticos, ao longo da

interação, o destinatário vai sendo envolvido no que está sendo enunciado,

interpelado sobre o que ele vem fazendo na vida, instigado a participar da interação.

Basicamente, a interlocução, nesse momento da interação, é orientada pelo

propósito de fazer com que o destinatário partilhe o que está ocorrendo na vida

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cotidiana do escrevente. Pode-se supor que esse fator justificaria a diversidade de

tópicos e sub tópicos presentes em uma mesma carta, propriedade típica desse

gênero.

Encerramento do evento

Pré-encerramento: espaço em que o escrevente anuncia para o seu

interlocutor que o encontro em curso está findando. Geralmente, são

selecionadas fórmulas linguísticas relativamente estereotipadas, que

permitem ao destinatário identificar esse momento da interação verbal.

Caracteriza-se o momento da revitalização do contrato comunicativo firmado

pelos correspondentes: a demanda da contra resposta.

Despedida: recurso que formaliza o fecho da interação, por meio de rotinas

comunicativas que expressam uma afetividade entre os interlocutores. Vale

reiterar que tanto a despedida como a saudação são sequências discursivas

através das quais se pode inferir a qualidade das relações interpessoais

entre os correspondentes.

Assinatura: unidade que, simbolicamente, pretende deixar clara a autoria do

texto, que equivale a assinalar a validação do que foi ali enunciado, escrito.

Post scriptum

É uma etapa da estrutura composicional não obrigatória. As cartas pessoais,

geralmente escritas à mão, não possuem o recurso de inserir no corpo do texto

novas informações, daí o produtor fazê-lo após a etapa que compreende o

encerramento da carta.

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4.3.5 Leitura compartilhada

A leitura compartilhada (ou leitura em voz alta pelo professor) inscreve-se no

rol de atividades permanentes de leitura, que são situações didáticas propostas com

regularidade e voltadas para a formação de atitude favorável à leitura. Isto significa

que diariamente o professor reserva uma parte do tempo das aulas para articular

situações de leitura de textos diversificados com seus alunos. Durante as ações da

pesquisa, esse tipo de estratégia foi fundamental para conseguir o empenho e o

entusiasmo dos alunos nas práticas de leitura. Alguns procedimentos foram

adotados pelo professor, entre os quais se destacam;

Cuidado na seleção dos textos, de modo que envolvessem os alunos,

despertassem interesse / atenção;

Preparo prévio da leitura, à maneira de um ensaio para apresentação (a

interpretação, associando a decodificação fluente às alterações vocais e à

expressão corporal, é fator importante para dar vida às situações, às

personagens, etc.);

Contextualização da produção (quem produziu o texto, em que época, de

onde foi extraído, etc.)

E a ausência de qualquer cobrança.

Por meio da leitura compartilhada realizada pelo professor durante as ações,

possibilitou-se ao aluno o acesso ao maior número de textos, às vezes difíceis e

que, por sua qualidade e beleza, puderam encantá-los, ainda que nem sempre

fossem capazes de lê-los autonomamente. A leitura compartilhada é uma situação

didática que possibilita:

• ampliar a visão de mundo e inserir o leitor na cultura letrada;

• estimular o desejo de outras leituras;

• vivenciar emoções, exercitar a fantasia e a imaginação;

• compreender o funcionamento comunicativo da escrita: escreve-se para ser

lido;

• expandir o conhecimento a respeito da própria leitura;

• aproximar o leitor dos textos e os tornar familiares;

• valorizar o texto do outo;

A leitura compartilhada, como forma de inserir o aluno na cultura letrada e de

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despertar o gosto pela leitura, foi a primeira situação didática colocada em prática,

exigindo, semanalmente, tempo para a pesquisa, tendo sido inicialmente

privilegiados os textos de trama narrativa, especialmente crônicas, contos e fábulas.

Sendo atividade permanente, realizada com regularidade, provocou uma certa

expectativa nos alunos, que já se preparavam para o contato prazeroso, para

receber as leituras diárias.

Em consonância com a ideia de criar oportunidades para que os alunos

lessem (a maior parte informa que gosta de ler, mas lê muito pouco) ainda de forma

prazerosa, outra situação didática colocada em prática, tão logo se obteve o recurso

necessário (caixa de textos), foi a leitura prazer (ou leitura de escolha pessoal ou

leitura fruição de texto).

Como a leitura compartilhada, a leitura prazer foi uma situação didática

proposta com regularidade, em que os alunos escolhiam o que desejavam ler,

iniciavam a leitura na sala de aula e davam prosseguimento a ela em local de livre

escolha, tomando emprestado o livro, de cuja leitura podem até desistir, caso o

enredo não os enrede.

As práticas de leituras compartilhadas foram feitas de forma pausada com

questionamentos / intervenções constantes do professor que intentavam, por

exemplo, levar o aluno a elaborar hipóteses (antecipação); confirmá-las ou refutá-las

(checagem) à medida que se avançava na leitura; a identificar novas hipóteses e

justificá-las com base no sentido já atribuído; a estabelecer relações com a realidade

(diferenciação entre realidade e ficção) e entre o conteúdo do texto em discussão e

outros textos já trabalhados (intertextualidade); a identificar o significado de palavras

a partir do contexto (inferência local); a sintetizar as ideias nele contidas

(generalização); a identificar as intenções do autor, etc. São alguns aspectos de

conteúdos de leitura relacionados à compreensão do texto que foram essenciais

para os resultados alcançados.

4.3.6 Relatos (elementos de letramento social)

Os elementos de letramento social se diversificaram a cada dia e a

experiência do evento durante as aulas de Língua Portuguesa oportunizou ações

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que foram além do contexto escolar, ampliando o processo de ensino/aprendizagem,

pois se realizaram o uso social da escrita, o estudo sistemático da língua (gramática,

característica do gênero, dente outros) e a vivência real de uma interação

comunicativa. A mídia se fez presente em quase todos os espaços sociais, tanto

quanto a linguagem, uma vez que, na sociedade moderna, a tecnologia a cada dia

torna-se presente no cotidiano dos jovens de maneira notória e significante.

Imagem 10: Postagem do recebimento das cartas

Fonte: Rede social

A tecnologia nos tempos atuais vem transformando a vida e a forma de

comunicação, conectando o mundo com mais facilidade e rapidez. Neste evento, por

meio das imagens, a interação ficou mais excitante e o letramento uma dimensão

ampla, alcançando o contexto social com dinamismo e funcionalidade.

O contexto escolar atua simultaneamente sobre a formação da subjetividade

individual dos alunos, assim como na formação da subjetividade social. Os

momentos em sala de aula são impactados por situações interativas e tecnológicas.

As redes sociais cumprem um papel fundamental para a desnaturalização dos

processos de aquisição das regras da língua. A apropriação dos diversos usos da

leitura e da escrita de uma língua é também uma prática social, mais precisamente

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uma prática de letramento. O que significa dizer que não há prática de letramento

dissociada das redes sociais dos sujeitos.

Na prática de letramento das redes sociais do evento, os participantes do

contexto escolar agregaram-se ao outro social, aos demais participantes que não

ocupam apenas um lugar de comunicar mensagens que levam a construção de

identidades individuais, mas também se envolveram em um complexo processo de

troca e participação ativa que gerou e integrou os processos de desenvolvimento

que se fazem presentes na subjetividade de cada um dos atores sociais.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste evento de letramento como prática social, a escola saiu do seu

contexto para atender a uma necessidade em que a escrita é utilizada para atingir

algum outro fim, na qual deixa-se clara a responsabilidade do professor de língua

materna, uma vez que a escrita como também a leitura pode alcançar diversos

horizontes em diferentes esferas.

O relato de experiência com o gênero carta pessoal comprova o letramento

no cotidiano escolar nas aulas de Língua Portuguesa e mostra que o aprendizado

pode sair do contexto escolar para exercer sua função social. A teorização do ensino

pode e deve agregar a praticidade do cotidiano real do aluno e a formação do leitor

tanto como a produção escrita de textos pode retratar as obras literárias e ser parte

da vida e do crescimento do ser humano, de seus valores e da interação escola e

sociedade.

Neste trabalho de intervenção sócio escolar Leitura e Prática Docente:

Evento de letramento em sala de aula com cartas pessoais, procurou-se explicitar

ideias, conceitos, sugestões e princípios norteadores de uma ação educativa voltada

para o respeito e a valorização das diferenças entre os que aprendem e os que

ensinam.

Um olhar sobre leitura, escola e ensino são essenciais para uma prática

transformadora nas aulas de Língua Portuguesa do 6º ao 9º ano. Porém, o desejo

de ensinar e de aprender, a postura de observação, indagação e investigação

constante, bem como a valorização e aceitação das diferentes situações que surgem

no cotidiano escolar são fatores importantes na elaboração do conhecimento e

internalização do mundo exterior que repercutem positivamente na vida e na

formação leitora do aluno.

Ao pensarmos em uma política educacional transformadora, vemos a

necessidade de oferecer uma escola onde a leitura no processo escolar tenha

significação desde os anos iniciais, retratada na literatura infantil e associada ao

contexto em que está inserido o aluno. A arte e o utilitarismo, da mesma forma,

precisam estar agregadas aos conceitos e à prática docente, possibilitando a

construção individual de todos os alunos, reconhecendo e aceitando as diferenças

como desafios positivos e expressão natural das potencialidades humanas.

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Portanto, procuramos compartilhar nossos achados, indicar rumos, elucidar

algumas questões, bem como provocar novas indagações e acenar para algumas

práticas possíveis, nas quais o letramento vai além dos currículos para exercer sua

função social.

Diante do que foi apresentado e desenvolvido, esperamos poder colaborar

com aqueles que desejam contribuir para a concretização de uma escola letrada

literariamente e os desafios do cotidiano escolar sejam desmistificados diante da

ficção e realidade que ora se entrelaçam para fortalecer o conhecimento e construir

um homem mais justo e uma sociedade igualitária.

Vimos que a carta pessoal, gênero híbrido por excelência, abre-se a um sem

número de utilizações. Elástica na sua forma (poesia ou prosa), múltipla nas

mensagens que encerra, ela permite ao escritor trabalhar tanto com o

confessionalismo, quanto com um testemunho desde uma época específica, como

uma situação cotidiana escolar. As cartas ficcionais permitem ao leitor devassar a

consciência íntima do signatário, proporcionam uma transposição para as cartas

pessoais assim como nas correspondências trocadas por sujeitos empíricos. O ato

de representação linguística do sujeito cria uma imagem com a qual se quer

influenciar os juízos dos leitores, o intratextual e o extratextual.

Os saberes foram construídos, reconstruídos e transformados na medida em

que o aprendizado de forma não linear foi se concretizando. A leitura e a escrita

tornaram-se significativas e eficazes no evento de letramento literário em sala de

aula e foram além dos currículos escolares para exercer seu papel social,

transformando vidas e valores. Apesar das interpretações de um texto literário serem

incontroláveis, é função da escola, enquanto principal agência de letramento e meio

fomentador de leitores literários, atuar como mediadora no processo de leitura.

A escola deve fornecer as ferramentas com as quais os estudantes possam

desenvolver domínio sobre as normas de estilo da escrita literária, domínio sobre as

formas com as quais a literatura canônica ou não se organiza, como os gêneros

literários e os estilos de época moldam o texto. Se a escola considerar o repertório

de leitura de um aluno de Ensino Fundamental e o seu contato com outras formas

ficcionais que estão além dos muros da escola, as aulas de literatura finalmente

terão sentido e deixarão de ser uma prática elitista e desmotivante.

A fim de compreender de forma sistemática o que faz da carta pessoal uma

produção de linguagem, socialmente situada, que engendra uma forma de interação

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particular, este estudo, baseando-se nas cartas postadas e na ação de letramento

com função social para atender a uma necessidade particular, procurou responder a

essa questão tomando como centro de sua atenção o evento e algumas análises

dos fatores pragmáticos, discursivos e sócio cognitivos que concorreram para

delimitar as propriedades do funcionamento desse gênero, as quais lhes conferem

um efeito de tipicidade. A definição desse recorte metodológico reflete tanto a

própria natureza e extensão do objeto de estudo como o pressuposto aqui

defendido: toda e qualquer atividade discursiva se constitui na forma de um gênero

textual, contextualmente situada, para atender às necessidades comunicativas

impostas pelas demandas da vida cotidiana, sejam as pessoais, as profissionais, ou

as de um cidadão comum, enfim, a de um ator social que vive, “querendo ou não”,

imerso até a cabeça em textos, falados e escritos – a produção simbólica de uma

sociedade.

Este estudo construiu um percurso metodológico que compreende uma

articulação entre a investigação e a análise situacional do evento de letramento, o

que o motivou a fazer incursões por diferentes dimensões do funcionamento do

gênero carta pessoal. A exploração de dados elementares do contexto da situação

comunicativa – organização e funcionamento do quadro participativo (produção e

recepção), focalizando e articulando alguns de seus elementos para, então, à luz

deles, contemplar níveis macro e micro estruturais do funcionamento do texto.

Sob a luz desse cenário, seguindo o percurso metodológico e refinando o

trabalho de análise dos dados do corpus, verifica-se que a carta pessoal é um

gênero essencialmente dialógico. Essas dimensões, como pudemos precisar,

manifestam-se em vários planos do funcionamento do gênero, a saber:

no movimento dialogal, gerado pelas idas e vindas das cartas, que fomenta

as relações interpessoais;

na atividade de troca de cartas, o destinatário tende a ser sempre o próximo

remetente e, assim sucessivamente, e aí se efetiva a alternância de papéis

comunicativos;

no contrato comunicativo, instaurado nesse jogo dialógico, pressupõe-se um

compromisso ou a chamada atitude responsiva ativa da parte dos

correspondentes, aos quais são dados o mesmo direito e dever de escrita;

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na estrutura da composição textual, atuam-se etapas cujas sequências

discursivas modelam o movimento e o curso da interação;

na expressão da informalidade presente no texto; e, por fim

na superfície textual, na qual inúmeras marcas linguísticas atuam como

indícios de interatividade, reveladores do resultado concreto do jogo de

atuação interativa, discursiva, cognitiva e enunciativa, engendrados no

evento comunicativo das cartas.

Com base nos resultados obtidos na pesquisa, a conclusão geral que

consideramos adequada para resumir esse quadro pode ser assim expressa: o

funcionamento do gênero carta pessoal é constituído por movimentos

essencialmente dialógicos que atravessam as práticas comunicativas e se refletem

no processo de textualização da escrita, de forma processual e coletiva, na qual os

alunos tiveram a oportunidade de escrever para um interlocutor real, com o propósito

específico de vivenciar diferentes contextos de interação social através da escrita da

carta pessoal, no mesmo instante em que analisavam diversos gêneros discursivos

e suas estruturas a características.

Acreditamos, ainda, que temos um terreno pouco explorado em torno das

questões sobre as relações de similitude e diferença entre carta pessoal, conversa

espontânea e letramento como evento social. Surge a necessidade de se estimular

debates sobre fala e escrita, bem como eventos sociais empreendidos nesse

contexto, com vários caminhos que ainda estão por ser explorados. Cremos que

esta pesquisa pode contribuir para ampliar as discussões dos gêneros textuais, da

investigação, das práticas de ensino e aprendizagem da língua materna, nos

eventos de letramento surgidos na escola.

Inserir nas aulas diferentes recursos instrumentais e mediáticos, partido da

necessidade do próprio aluno, pode trazer mudanças expressivas no processo

ensino/aprendizagem e suscitar o interesse do discente. O olhar atento do professor

e a orientação à turma são importantes para que não se desperdicem oportunidades

de aprendizagem e de letramento. Cabe ao professor agilizar os recursos

necessários para a realização de cada ação, ao mesmo tempo em que concilia o

tempo escolar com acontecimentos das outras esferas sociais. Não se trata

simplesmente de inserir novos recursos metodológicos no ensino, mas oportunizar

novos contextos de letramento e articular a vivência desses eventos e práticas de

letramento.

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Finalizando, fica a certeza de que os eventos de letramento em sala de aula

são, sem dúvida, um grande desafio para o crescimento daqueles que se dispõem a

desenvolvê-los. Não se trata de algo elementar, ao contrário, é rigoroso e

abrangente, mas seus resultados são surpreendentes e valiosos aos participantes

que desfrutam do crescimento no social, comunicativo e no processo

ensino/aprendizagem.

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APÊNDICE

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Apêndice A - Produção das cartas

Produção das cartas

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Produção das cartas

Apêndice B - Leitura das cartas

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Apêndice C - Entrega das cartas

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ANEXOS

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Cartas dos alunos para professora colaboradora

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01 - Carta resposta da professora para alunos

02 - Carta resposta da professora para alunos

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03 - Carta resposta da professora para alunos

03 - Carta resposta da professora para alunos

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Termo de autorização dos alunos colaboradores

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Termo de autorização da professora colaboradora