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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
ESCUTA CLÍNICA E ATITUDE FENOMENOLÓGICA NO ATENDIMENTO À
PESSOA SURDA: REFLEXÕES SOBRE UM PROCESSO PSICOTERÁPICO
Délio Henrique Delfino de Oliveira
Natal
2014
DÉLIO HENRIQUE DELFINO DE OLIVEIRA
ESCUTA CLÍNICA E ATITUDE FENOMENOLÓGICA NO ATENDIMENTO À
PESSOA SURDA: REFLEXÕES SOBRE UM PROCESSO PSICOTERÁPICO
Dissertação elaborada sob a orientação da
Professora Dra. Elza Dutra e apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Psicologia.
Natal
2014
UFRN. Biblioteca Central Zila Mamede.
Catalogação da Publicação na Fonte.
Oliveira, Délio Henrique Delfino de.
Escuta clínica e atitude fenomenológica no atendimento à pessoa
surda: reflexões sobre um processo psicoterápico / Délio Henrique Delfino
de Oliveira. – Natal, RN, 2014.
111 f. : il.
Orientadora: Profª. Drª. Elza Dutra.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-
Graduação em Psicologia.
1. Surdez – Dissertação. 2. Língua brasileira de sinais (Libras) –
Dissertação. 3. Psicoterapia – Dissertação. 4. Escuta clínica – Dissertação.
5. Atitude fenomenológica – Dissertação. I. Dutra, Elza. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/UF/BCZM CDU 159.932
iii
iv
Mãos verticais abertas,
palmas para trás diante da face.
Movê-las, alternadamente,
para frente e para trás,
com movimentos curtos.
Sinal de Psicologia
v
Agradecimentos
À minha família, a todos do meu lar. Em especial, à minha maravilhosa mãe, que
sempre me inspirou a seguir enfrentando os desafios da vida. À minha segunda mãe,
minha querida tia, Doca, que sempre me apoia e cuida muito bem de mim;
À minha orientadora, professora Drª. Elza Dutra, fonte de inspiração profissional e
pessoal que, com sua abertura existencial e compreensão das questões contemporâneas,
permitiu-me realizar esse projeto de vida. Muito obrigado por tudo que você me
possibilitou;
Aos vários mestres que passaram por minha formação acadêmica/clínica e despertaram
o meu interesse para seguir nesse caminho. Aos professores, Dr. Roberto Novaes de Sá
e Drª. Symone Melo, que fizeram parte desse estudo, tecendo considerações pertinentes,
ajudando-nos em nossas reflexões sobre a clínica fenomenológico-existencial;
Aos meus queridos amigos, ouvintes e surdos, que me dão força e tornam o meu viver
bem mais alegre;
Aos colegas da academia e base de pesquisa, pelo apoio e acolhida nesse novo lugar;
Às pessoas que me fazem intensamente ser-com, os meus clientes, que em liberdade
questionam o existir, deixando marcas no meu ser-clínico;
Ao programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRN, pelo espaço de crescimento.
SUMÁRIO
Resumo............................................................................................................. vii
Abstract............................................................................................................ viii
INTRODUÇÃO................................................................................................ 09
1. SER SURDO E LIBRAS: UMA ESCUTA VISÍVEL................................. 16
2. O DIÁLOGO DA PSICOLOGIA COM O SER SURDO:
POSSIBILIDADES PARA UMA APROXIMAÇÃO
FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL...........................................................
34
2.1 A clínica fenomenológico-existencial........................................................... 44
3. MÉTODO..................................................................................................... 53
3.1 Processos metodológicos............................................................................. 55
3.2 Colaborador/Participante............................................................................ 56
3.3 Registro dos dados...................................................................................... 57
3.4 Procedimentos éticos................................................................................... 57
3.5 Procedimento de interpretação hermenêutica............................................... 58
4. INTERPRETAÇÃO DAS NARRATIVAS................................................. 61
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................... 97
REFERÊNCIAS................................................................................................... 103
vii
Resumo
A psicologia faz uso da escuta como um dos recursos do seu trabalho. Em se tratando da
psicoterapia, a escuta estabelece a comunicação e facilita o diálogo entre psicólogo-
cliente. A presente pesquisa, de caráter qualitativo, tem por objetivo discutir a escuta
clínica na atitude fenomenológica na psicoterapia fenomenológico-existencial com
pessoas surdas. Essa perspectiva está embasada no pensamento do filósofo alemão
Martin Heidegger, que considera o humano um ser-no-mundo-com-os-outros, sempre
desvelando sentidos. Com relação às pessoas surdas, atualmente, a Libras é a língua
natural das pessoas surdas brasileiras. Nessa nova configuração de língua, a
comunicação ocorre na modalidade espaço-visual. Assim, escuta e fala ganham novas
dimensões que demandam diferentes formas de compreensão no campo da psicoterapia.
Para o desenvolvimento desta pesquisa, apresentamos recortes das narrativas de sessões
psicoterapêuticas com um cliente surdo, interpretadas à luz da hermenêutica
heideggeriana. Consideramos ser possível para o psicoterapeuta escutar pessoas surdas
em atitude fenomenológica, com postura que não naturaliza e não limita o humano,
auxiliando para que o cliente se responsabilize por seu existir e que possa dialogar
hermeneuticamente em sua língua, cabendo, nesse contexto, ao psicólogo, estar
habilitado em Libras para realizar o atendimento. Esperamos que esta pesquisa possa, de
alguma forma, preencher a lacuna existente no que se refere à produção científica sobre
tal temática, no campo da psicologia, e, principalmente, fomentar a discussão no
contexto dos cursos de psicologia acerca da importância e necessidade de capacitar o
psicólogo para o exercício da prática clínica com pessoas surdas.
Palavras-chave: surdez; libras; psicoterapia; escuta clínica; atitude fenomenológica.
viii
Abstract
Psychology uses listening as a work resource. When it comes to psychotherapy,
listening establishes communication and makes psychologist-client dialogue easier. This
qualitative research aims to discuss the clinic listening in phenomenological attitude in
existential-phenomenological psychotherapy with deaf people. This perspective is based
on the thinking of German philosopher Martin Heidegger, who considers humane a
being-with and being-in-the-world, always unveiling meanings. Regarding the deaf
people, Libras is currently the natural language of Brazilian deaf people. In this new
language configuration, communication occurs in a visual-spatial modality. Thus,
listening and speech gain new dimensions, demanding different ways of understanding
in the field of psychotherapy. To the development of this research, we present excerpts
from therapeutic sessions narratives with a deaf client, interpreted in the light of
Heidegger’s hermeneutics. We consider that it is possible for the psychotherapist to
listen to deaf people in phenomenological attitude. Such position, which does not
naturalize and limit the humane, helps so that the clients do not feel responsible for their
existence and can hermeneutically converse in their language. In this context, the
psychologist must be qualified to conduct the treatment in Libras. We hope that this
research can, somehow, fill the existing gap of the scientific production about such
theme in the field of Psychology and, mainly, instigate discussion in the context of
Psychology courses on the importance and need to qualify psychologists for the
management of clinical practice with deaf people.
Keywords: deafness; libras; psychotherapy; clinic hearing; phenomenological attitude.
9
INTRODUÇÃO
Este estudo começou a ser vislumbrado durante minha graduação em psicologia,
quando, na realização do estágio final em psicoterapia, fomos convocados para dar
resposta à demanda de um cliente surdo que era fluente em Libras, comunicando-se por
sinais e que necessitava de acompanhamento psicológico. Diante dessa solicitação,
percebi a necessidade de investir nessa modalidade de atendimento. Esta experiência
evidenciou algumas questões acerca da atuação do psicólogo, em especial, no que tange
à escuta clínica de pessoas surdas.
Atualmente, diversas discussões sobre a questão da inclusão de pessoas surdas
são frequentes em nossa sociedade. Com a oficialização da Língua Brasileira de Sinais –
Libras, em 2002, o uso dos sinais ganhou reconhecimento como comunicação e língua,
o que faz com que as mais variadas áreas necessitem refletir sobre questões particulares
dessa população. Este é o caso da psicologia, profissão que se desenvolve junto a
diferentes contextos, tendo no psicólogo clínico um profissional que faz uso da escuta
como um dos recursos do seu trabalho. Em se tratando da psicoterapia, uma das
modalidades de atendimento do psicólogo clínico, sabemos que a escuta estabelece a
comunicação, facilitando o diálogo entre psicólogo-cliente para que esse processo
ocorra. Dessa forma, somos convocados a refletir sobre a escuta do silêncio, a escuta
dos sinais.
No atual cenário ético e político, a temática do acompanhamento psicológico de
pessoas surdas mostra-se relevante para responder às questões de inclusão das pessoas
surdas, aspecto que envolve o desenvolvimento de uma atuação comprometida
socialmente, consonante com as demandas contemporâneas que chegam à psicologia.
Nesse sentido, falamos sobre a possibilidade de atender a essa população, caso venha
10
necessitar de algum tipo de apoio psicológico, levando-se em consideração seu modo
particular de comunicação, fazendo uso de sinais em uma língua específica, a Libras, o
que nos leva a pensar sobre as implicações dessa atuação na clínica de base
fenomenológico-existencial.
Para o filósofo alemão Martin Heidegger (1927/2012), o humano é um ente que
se difere dos demais presentes no mundo por ser o único capaz de compreender o ser
dos entes, inclusive do próprio ente que ele é, e por reconhecer os outros que também
apresentam essa característica desveladora de sentidos. Trazendo essa reflexão
ontológica para o campo da psicoterapia, Feijoo (2000) nos diz ser por intermédio da
estrutura escuta-fala que o ser dos entes desvela-se. Mas, qual a importância dessa
compreensão dos entes? Segundo a referida autora, a psicoterapia de base
fenomenológico-existencial, referencial teórico adotado nesse estudo, tem por finalidade
compreender o sentido do ser do ente, que se revela na fala. Sendo assim, a fala
apresenta-se como elemento primordial para que ocorra o processo psicoterapêutico,
possibilitando que o cliente expresse sua singular compreensão do mundo para um
psicólogo que escute este processo de dar sentidos à existência. Tal ideia pressupõe a
existência de uma atitude fenomenológica que possa favorecer a escuta dos sentidos que
emergem nessa abertura de possibilidades que caracteriza o ser-no-mundo. Assim,
entendemos que a escuta, tal como concebida na perspectiva teórica e metodológica
adotada neste estudo, parte de uma determinada atitude diante do fenômeno que se
desvela no contexto de uma relação psicoterapêutica.
Diante dessa questão, trazemos que a escuta é um fenômeno presente no
cotidiano da humanidade, seja no contexto familiar, escolar, profissional, afetivo ou em
qualquer outra situação. Ela emerge como ato de existência, como processo de estar em
sociedade, de ser-no-mundo, não se realizando somente no encontro de duas ou mais
11
pessoas, mas podendo ser realizada por outra via de escuta, a escuta dos sentidos do ser,
na qual a pessoa pode escutar seus sentidos e se fazer presente no mundo.
Quando falamos em escuta, podemos pensar sobre os diversos significados e
sentidos que este termo tem para nossa sociedade e, em especial, para a psicologia. Para
tanto, faz-se necessário tematizar o que vem a ser “escuta”, principalmente,
apresentando qual a compreensão social que se tem acerca deste termo, assim como
refletindo sobre este relevante conceito no contexto da psicologia fenomenológico-
existencial. Sendo assim, surgem algumas questões acerca da escuta clínica de pessoas
surdas deste modo singular de estar presente no mundo. Como se dá a comunicação
entre cliente e psicoterapeuta por meio da língua de sinais, Libras? Quais seriam as
limitações e alcances da prática em tais condições? Qual a postura do profissional que
se depara com as alteridades existenciais do seu cliente? Essas questões norteadoras nos
conduzem para esse questionamento: Como é para o Psicólogo clínico a prática da
atitude fenomenológica no atendimento de uma pessoa surda que se comunica por meio
de sinais?
Com relação à perspectiva fenomenológico-existencial, por considerar o homem
como um ser de possibilidades e que atribui sentidos ao mundo, pensar no atendimento
clínico de uma pessoa surda é pensar no seu modo particular de comunicação como
sendo uma das muitas possibilidades de ser-no-mundo. De acordo com Heidegger
(1927/2012), o ser, ou Dasein – como esse filósofo nomeia o modo de ser do humano,
termo que foi traduzido para o português como presença, no trabalho de Marcia Sá
Cavalcante Schuback e que também adotamos nesse estudo, apresenta ontologicamente,
em sua constituição, três existenciais fundamentais: disposição, compreensão e
linguagem. São esses existenciais que possibilitam ao Dasein atribuir sentidos ao
mundo – mundo, segundo Critelli (1996) “é uma sutil e poderosa trama de significação
12
que nos enlaça e dá consistência a nosso ser, nosso fazer, nosso saber” (p. 18). Como
também destaca Sá (2010), “Dasein e “mundo” são cooriginários ou coemergentes” (p.
186) não existindo separados e muito menos sendo a mera integração sujeito e objeto;
então, falar em Dasein e mundo é falar em ser-no-mundo.
Para desenvolver esta pesquisa, inicialmente, realizamos um levantamento
bibliográfico sobre o tema por nós abordado, o que nos deu como resposta poucos
materiais que lidam com esta temática, sendo que entre estes predominam os estudos
com referencial teórico psicanalítico. Em relação a isso, a perspectiva teórica adotada
neste trabalho difere das principais abordagens psicológicas, o que, diante da escassez
de produção científica sobre a temática pesquisada, favorece a possibilidade de se
ampliar a compreensão da psicoterapia e, em especial, discutir a clínica
fenomenológico-existencial nessa área tão pouco estudada.
Levando tal aspecto em consideração, refletimos que, no atual cenário político e
social, surge a urgência do desenvolvimento de estudos que discutam o atendimento
psicológico de pessoas surdas. Com isso, estaremos respondendo à temática da inclusão
de pessoas surdas nos serviços que prestam atendimento psicológico, na tentativa de
acompanhar as mudanças e os avanços propostos para a educação, saúde e inclusão de
pessoas surdas nos espaços sociais, direitos já regulamentados pelo decreto nacional de
nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005. Dessa forma, mostra-se uma tentativa de
assegurar, como exige o referido documento, o atendimento à pessoa surda nos serviços
de saúde pública, sendo realizado por profissional capacitado em Libras, ou, no mínimo,
com a presença de um intérprete de Libras.
Nesse processo de inclusão, devemos pensar na psicologia e no seu
compromisso social, respondendo ética e politicamente às exigências do Código de
Ética do Psicólogo, que destaca em seu tópico V que “o psicólogo contribuirá para
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promover a universalização do acesso da população às informações, ao conhecimento
da ciência psicológica, aos serviços e aos padrões éticos da profissão” (Conselho
Federal de Psicologia, 2005, p. 7). Desse modo, acreditamos que nossas discussões
divulgarão os conhecimentos e ampliarão os serviços psicológicos, contemplando a
população surda e a sociedade em geral, pois, ao mesmo tempo em que produziremos
novos conhecimentos em psicologia, também ampliaremos as possibilidades do
atendimento psicológico.
Apresentadas essas questões, propomos com esse estudo discutir a atitude
fenomenológica e a escuta clínica na psicoterapia fenomenológico-existencial com
clientes surdos, refletindo sobre essa atuação e tendo como canal de comunicação a
Língua Brasileira de Sinais. Neste intuito, temos como objetivo geral da pesquisa:
Discutir a escuta clínica na atitude fenomenológica no atendimento psicoterápico de
uma pessoa surda. E como objetivos específicos: Tematizar o processo da escuta clínica
no atendimento psicoterápico de pessoas surdas; Investigar possibilidades e limitações
do atendimento de pessoas surdas no âmbito da psicoterapia fenomenológico-
existencial; Refletir sobre a comunicação em Libras no contexto da psicoterapia;
Descrever os procedimentos pertinentes à realização do atendimento psicoterápico de
clientes surdos na perspectiva fenomenológico-existencial.
Por atitude fenomenológica, entendemos a postura do psicólogo de assumir uma
compreensão antinatural dos fenômenos, como nos diz Feijoo (2010) “toda e qualquer
teoria acerca da existência humana deve ser suspensa, para ser possível se aproximar do
fenômeno, no caso, a questão trazida pelo paciente, atendo-se a todo o detalhamento de
como se dá o acolhimento em questão” (p. 161). Nesse sentido, com essa
disponibilidade de escutar o outro em sua singularidade, a escuta clínica mostra-se
intimamente ligada à postura fenomenológico-existencial, pois é ela que possibilita ao
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cliente se encontrar com sua história, escutar-se, meditar sobre os sentidos de sua
existência e de todas as implicações relacionadas a ela (Sá, 2008; Sapienza, 2004). É
com essa escuta que o psicoterapeuta desenvolve o seu fazer, uma escuta que abre
sentidos.
Com relação aos capítulos apresentados por esse estudo, em Ser surdo e libras:
uma escuta visível trazemos algumas questões do universo das pessoas surdas, como a
proibição do uso da comunicação em sinais, sua retomada e posterior oficialização das
línguas de sinais, no Brasil a Libras - como língua oficial das pessoas surdas desse país,
assim como também tematizamos a escuta clínica. No segundo capítulo, O diálogo da
psicologia com o ser surdo: possibilidades para uma aproximação fenomenológico-
existencial, mostramos a escassez de estudos sobre a temática, as particularidades do
atendimento às pessoas surdas, algumas considerações sobre o pensamento
heideggeriano, as noções de compreensão, disposição afetiva, linguagem, cuidado, a
clínica fenomenológico-existencial e outros temas discutidos na analítica existencial
heideggeriana, voltados ao fazer clínico. O nosso terceiro capítulo traz o método
utilizado para realizar o estudo. Nele, apresentamos a pesquisa como sendo qualitativa,
de natureza fenomenológico-existencial. Discutimos como foi desenvolvido o trabalho,
o qual contou com uma pessoa surda em atendimento psicoterápico, falamos sobre a
elaboração dos dados por meio da videogravação e dos registros feitos pelo psicólogo
no diário clínico. Trabalhamos com a estratégia Narrativa e os dados analisados, tendo
como referencial a hermenêutica heideggeriana. O capítulo seguinte contempla a análise
e discussão do material produzido com os atendimentos em psicoterapia
fenomenológico-existencial. Nele, trazemos recortes dos atendimentos e os principais
temas que versam sobre as questões da clínica com pessoas surdas no qual refletimos
sobre a experiência desse tipo de atendimento. Nosso último tópico, considerações
15
finais, traz reflexões sobre os objetivos desse estudo e sugerimos novas possibilidades à
clínica fenomenológico-existencial no atendimento de pessoas surdas.
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1. SER SURDO E LIBRAS: UMA ESCUTA VISÍVEL
Este capítulo tem como objetivo tematizar algumas questões referentes à
população surda. Inicialmente, para falar sobre o ser surdo, trazemos algumas definições
necessárias, esclarecendo alguns pontos para dar continuidade no conhecimento da
história dessa população, assim como na apresentação da língua natural de quem é surdo
no Brasil, a Língua Brasileira de Sinais – Libras. São essas questões que nos convocam
a buscar compreender o ser surdo e as possibilidades existenciais desse singular modo
de ser-no-mundo.
Com relação ao ser surdo, Capovilla (2009) nos mostra que o surdo “está
privado, no todo ou em sua maior parte, do sentido da audição. Que não ouve”. Assim
como também é uma pessoa “que pertence à Comunidade Surda e à Cultura do Sinal”
(p. 2070). Ao falar sobre surdez, o mesmo autor a apresenta como um tipo de “perda
auditiva profunda.... em que mesmo com o uso de aparelhos auditivos de amplificação,
a pessoa não consegue compreender a fala que ocorre no nível usual de conversação”
(p. 2068), podendo essa ser classificada em fatores de desenvolvimento: adquirida ou
congênita, e nível de surdez: leve, moderada, profunda ou severa. Em consonância com
essas conceituações, percebe-se que ser surdo diz respeito não somente aos fatores
biológicos, mas traz a consideração de uma ampla gama de questões sociais, linguísticas
e toda uma trama complexa de sentidos que constituem o humano.
Aprofundando o estudo sobre o conhecimento da existência de pessoas surdas ao
longo da história da humanidade, Sacks (2010) nos informa que sempre existiram
pessoas surdas desde as mais antigas gerações e que o fenômeno da surdez acompanha o
humano em seu percurso histórico. Em cada época, os grupos sociais nomeavam as
pessoas surdas de modos diferentes, inicialmente, os considerando como “mudos” ou
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“surdos-mudos”, em períodos nos quais as outras pessoas, reconhecidas como ouvintes,
ditavam os principais conceitos relacionados à questão da surdez, ou seja, eram os
ouvintes que respondiam pelos surdos.
Com o passar do tempo e diante das modificações nas questões da surdez, novas
compreensões foram conquistadas pela comunidade surda na construção dos temas e
conceitos que tocam a sua história. Mesmo assim, atualmente, não é difícil encontrar
pessoas com dúvidas em relação às pessoas surdas, questionamentos se elas são pessoas
“mudas” ainda perduram, estigmas que aos poucos vão se desfazendo a partir das
contínuas discussões fomentadas pela comunidade surda. Como nos mostra Gesser
(2009), as pessoas surdas não apresentam comprometimentos orgânicos nos aparelhos
fonadores, o que desqualifica a classificação desses enquanto mudos. Essa questão nos
revela outras implicações, outras questões normativas, as quais utilizam como referência
um padrão de normalidade e funcionamento orgânico que faz comparações entre as
pessoas surdas e as pessoas ouvintes, essas últimas consideradas como normais (Bisol,
Simioni & Sperb 2008).
Para dar continuidade à nossa temática, torna-se pertinente apresentar
brevemente a história das línguas de sinais, conhecendo um pouco como elas foram se
estabelecendo ao longo da história e em diferentes contextos. Como nos mostram
Strobel e Fernandes (1998) e Sacks (2010), as línguas de sinais estão presentes nas mais
variadas regiões do nosso planeta, e os sinais sempre foram utilizados ao longo da
história, nos contextos comunicativos nos quais existiam pessoas surdas ou
impossibilitadas de desenvolver uma comunicação oral-auditiva. Com isso, a utilização
de uma comunicação em sinais, desde os mais remotos momentos históricos,
desenvolvida no desenrolar da humanidade e acompanhando os vários processos de
modificações das civilizações, contribuiu para que esses modos de comunicação
18
mostrassem o seu valor e caminhassem para uma estrutura mais elaborada, permitindo
com isso que os sinais fossem se estruturando enquanto uma língua, não mais somente
como comunicação, mas respondendo às exigências linguísticas e ganhando maior
visibilidade.
Mesmo reconhecendo que pessoas surdas estão presentes ao longo de nossa
história, assim como a utilização dos sinais, durante alguns períodos surgiram
questionamentos com relação ao ser surdo e a utilização de sinais. Sobre essas questões,
Bisol (2008) e Skliar (2010) mostram que, desde o século XVIII, ocorreram mudanças
na educação das pessoas surdas. Nesse percurso, um dos momentos mais polêmicos e
influentes na educação das pessoas surdas foi o Congresso de Milão realizado em 1880,
evento no qual ficou decidido que a oralização seria o método adotado para educar as
pessoas surdas. Este momento corresponde ao período de valorização do modelo
científico moderno como construtor de um saber verdadeiro, sobre o humano, com
princípios e normas particulares que regiam a produção desse conhecimento, adotando
modelos de normalidade que foram alcançados com as pesquisas científicas da época.
Ressaltamos que foi nesse período que a psicologia se estruturou enquanto ciência,
inicialmente, na Alemanha, com a criação dos laboratórios e estudos sistemáticos
embasados no modelo cientificista, separando-se assim de sua origem mais filosófica.
Sendo assim, com a valorização da ciência moderna nesse período, temos a legitimação
e difusão dos valores cientificistas regendo o pensamento sobre o humano nos
principais âmbitos sociais.
Voltando a adoção do método oral, elegido nesse congresso, essa foi uma
decisão que ficou a cargo dos principais pesquisadores da época, em sua totalidade,
pessoas ouvintes que definiram o que pensavam ser melhor para a população surda.
Buscaram a adequação da população surda aos modelos normativos da época, ou seja, o
19
ser ouvinte. Tomando por referência essa decisão, as línguas de sinais tornaram-se
proibidas no processo educativo em todo o mundo e a pessoa surda não podia ser
educada ou realizar a comunicação em sinais, para não atrapalhar o método científico
oralista. Temos, com isso, os desdobramentos no modo como a comunicação com as
pessoas surdas se desenvolveu nos espaços sociais – escolar, familiar, educacional, entre
outros, nos quais estas pessoas estavam inseridas e precisavam alcançar esse tipo de
normalidade.
Posteriormente, à determinação do Congresso de Milão foi somente no século
XX, mais especificamente na década de 60, que começaram a ocorrer várias
reivindicações de profissionais e pessoas envolvidas com a comunidade surda. A
comunidade surda, insatisfeita com a proibição do uso dos sinais e constatando o
fracasso do método oral na educação das pessoas surdas, lutou e conquistou a aprovação
do uso das línguas de sinais na educação de surdos. Foi nesse período que as línguas de
sinais começam a retomar seu valor tanto na educação quanto no convívio social.
Nesse contexto de legitimação da comunicação em sinais como uma língua,
surgiram campos divergentes no estudo da surdez e nos modos de promover o
desenvolvimento das pessoas surdas. Essas questões despertaram o interesse de alguns
campos de pesquisa, sendo que, atualmente, ainda temos duas vertentes que
predominam com suas atuações nos campos de atendimento e pesquisa. Uma dessas
vertentes trabalha com o enfoque clínico-terapêutico, adotando o oralismo, nas palavras
de Capovilla (2009), como “uma filosofia educacional para as pessoas surdas, que....,
propõe o ensino somente de técnicas oralistas, como leitura labial, vocalização e
aproveitamento dos resíduos auditivos, visando ao desenvolvimento da linguagem oral”
(p. 1633).
20
Entendemos que esse enfoque, o da oralização, traz alguns benefícios, visto que
grande parte da população é considerada ouvinte - “que ou quem é capaz de ouvir por
oposição à pessoa com surdez” (Capovilla, 2009, p. 1646), fazendo uso dos canais
orais-auditivos. Essa perspectiva até pode facilitar a comunicação com grande parte da
população, mas, visto por outro prisma, esse modelo termina por colocar o surdo em um
lugar desigual, pois ele tem que sair de sua língua de origem, a Libras, que foi
legitimada como sendo a língua natural das pessoas surdas, para submeter-se à língua
que é adotada por outra população majoritariamente ouvinte. Seguindo nessa
compreensão, a respeito da oralização, Bisol, Simioni e Sperb (2008), desenvolvem
críticas ao afirmar que as ações dessa perspectiva voltam-se para a normalização das
pessoas surdas, seguindo os critérios de convivência das pessoas ouvintes e na busca de
uma adaptação à sociedade que usa os canais orais-auditivos para se comunicar. Esse
modelo passa a ser tomado como norma, o ser normal, e, como elas apontam, “a
diferença é geralmente percebida como negativa e caracterizada como desvio” (p. 393).
Diante do que esses autores expõem torna-se pertinente apresentar também o
outro modelo de atenção, o socioantropológico, que em sua estrutura compreende a
surdez como uma diferença cultural e linguística, não mais como deficiência. Conforme
Capovilla (2009), esta perspectiva adota o bilinguismo, que é uma “filosofia
educacional para surdos que propõe o ensino primeiramente da língua de sinais da
comunidade em que vive o surdo e, em seguida, da leitura e da escrita alfabética da
língua falada do país em que vive o surdo” (pp. 401-402). Essa perspectiva abre espaço
para compreendermos a pessoa surda na fenomenologia heideggeriana, por considerar
os diversos modos de ser, não mais adotando um critério de normalidade a ser
alcançado, assim como também traz a consideração das línguas de sinais.
21
Com relação à constituição da língua de sinais no Brasil, somente no ano de
2002 é que a língua brasileira de sinais passa a ser oficializada com a Lei Nº 10.436, de
24 de Abril, tornando-se a língua natural das pessoas surdas. Por língua natural Skliar
(2010) vem esclarecer que “deve ser entendida como uma língua que foi criada e é
utilizada por uma comunidade específica de usuários, que se transmite de geração em
geração, e que muda tanto estrutural como funcionalmente com o passar do tempo” (p.
27). Por ser uma língua, a Libras apresenta em sua estrutura os requisitos necessários
para a sua validação normativa. Ela traz aspectos linguísticos próprios, entre esses,
temos os parâmetros gramaticais: Configuração de mão – CM; Movimento – M;
Locação – L, Orientação da mão – Or e Expressões-não-manuais – ENM, que
apresentaremos para possibilitar compreender a importância desses parâmetros na
estruturação da língua de sinais brasileira (Quadros, 2004).
Com relação a esses parâmetros, temos que a configuração da mão representa “a
forma que a mão assume durante a realização de um sinal” (Strobel & Fernandes, 1998,
p. 10). Adotamos como referência o total de 46 configurações de mãos (conforme
apresentado na figura 01) que representam possíveis formas para uma mão reproduzir
durante a composição de um sinal. Para a elaboração de um sinal, é imprescindível a
adoção de uma dessas 46 configurações, sempre escolhendo adequadamente qual delas
será utilizada e que essa seja condizente com o determinado sinal que será utilizado.
Essa configuração não pode ser modificada, pois ocasionaria um erro gramatical em
Libras, o que pode levar à mudança do sentido de um determinado sinal, caso essa
configuração não corresponda às convenções gramaticais dessa língua.
22
Figura 01. “As 46 CMs da Libras” (Ferreira-Brito & Langevin, 1995).
Outro parâmetro é o Movimento, esse representa o deslocamento das mãos, os
movimentos que essa faz ao realizar o sinal, o que possibilita diferenciar um sinal de
outro apenas agregando um movimento à configuração de mão. Com relação à
direcionalidade do movimento, temos que um sinal pode necessitar de movimento
unidirecional, bidirecional ou multidirecional. Esse parâmetro também possibilita
23
variados tipos de movimentos como o retilíneo, helicoidal, circular, semicircular,
sinuoso e o angular (Strobel & Fernandes, 1998). Cada sinal tem em sua formação a
característica de necessitar de um movimento, com direcionalidade e tipo específico ou
ser um sinal sem movimento. Na configuração de mão e nos outros três parâmetros
deve-se fazer uma execução precisa do que é esperado, assim como nos demais, não
fugindo às regras já estabelecidas para essa língua.
Figura 02. Movimento (Felipe, 2007, p. 146).
Já o parâmetro Locação ou lócus do movimento do sinal corresponde ao lugar no
espaço no qual o sinal é executado. A locação também diz respeito ao lugar do corpo do
realizador no qual a mão toca para compor uma palavra. Temos como locais
apropriados para sua execução: a cabeça, o tronco, os braços, as mãos e o espaço em
frente ao sujeito que comunica a libras. Informamos que na Libras não é permitido
executar um sinal de modo que ele não fique visível para o receptor. Contextualizando
24
esse aspecto, podemos descrever uma situação de comunicação na qual o comunicador,
disposto de frente para o receptor do sinal, realiza a sinalização com suas mãos
posicionadas nas costas. Desse modo, o receptor fica impossibilitado de visualizar a
mensagem e, por não ver o ponto de locação, não compreenderá a comunicação. Na
figura a seguir, trazemos exemplos corretos de sinais que utilizam uma mesma
configuração de mão, mas que, contextualmente ao enunciado, fazem uso de espaços
diferenciados e com isso adquirem outros significados linguísticos.
Figura 03. Locação ou lócus do movimento (Felipe, 2007, p. 171).
Com relação ao parâmetro da Orientação da mão, exprime a marcação de como
a mão vai estar posicionada. Sua disposição pode ser direcionada para esquerda, direita,
cima, baixo, frente ou trás do comunicador. Ela tem como referência a palma da mão e a
possibilidade de sua direção ser modificada durante a exposição do sinal. Vemos nas
25
figuras abaixo alguns exemplos de orientação da palma da mão no momento da
comunicação da palavra.
Figura 04. Orientação da mão (Felipe, 2007, p. 71).
O parâmetro da Expressão Não-Manual ou Expressões Faciais é uma
característica peculiar diferenciadora dos sinais, como nos mostra Gesser (2009) “as
mãos não são o único veículo usado nas línguas de sinais para produzir informações
linguísticas” (p. 17), também fazem parte da língua de sinais as expressões faciais,
movimentos da cabeça, boca, olhos, sobrancelhas etc. com os quais temos a expressão
de emoções e a demarcação das estruturas gramaticais dos sinais. Desse modo, um sinal
pode ter idênticas configurações de mão, movimento, locação e orientação de outro
sinal, mas com uma expressão não manual ele pode representar um conceito diferente,
inclusive, oposto ao outro sinal que lhe é similar. Os exemplos que seguem na figura 05
26
são significativos no que concerne a demonstração da intensidade do que é comunicado
em sinais, mesmo quando se utiliza a mesma palavra.
Figura 05. Expressões Não-Manuais; expressões faciais (Felipe, 2007, p. 162).
Essas são algumas das características que tornam a Libras uma língua, com
especificidades linguísticas próprias e que necessita ser contextualizada ao espaço no
qual ela é desenvolvida. Outra característica é que os sinais não podem ser considerados
universais, com a mesma representação e significado nos mais diversos países, como
nos mostram Gesser (2009) e Sacks (2010), cada país desenvolve sua língua de sinais,
ou seja, na Inglaterra temos a língua de sinais britânica (BSL), nos Estados Unidos
temos a língua de sinais americana (ASL), na França temos a língua de sinais francesa
(LSF), no Brasil temos a Língua Brasileira de Sinais – Libras, assim como em outros
países existem língua de sinais que são singulares a cada nação. Gesser (2009) também
destaca que a dúvida sobre ser uma língua universal traz implícita a ideia de que a
27
comunicação em sinais é simples e não muito elaborada, na crença de que os sinais não
podem apresentar conceitos mais sofisticados e complexos, facilitando a aquisição da
linguagem para que a pessoa surda possa aprender mais fácil e se comunicar com outros
surdos, não importando em qual lugar esteja. Essa noção não condiz com a
complexidade e riqueza presente em cada língua de sinais, já que essas são específicas
para cada país e região, assim como são as línguas orais.
A Libras é uma língua especificamente viso-espacial, portanto, precisamos
apresentar outra questão, existem noções básicas para poder desenvolver uma conversa
na qual o campo da visão é o meio receptor da informação. Veloso e Maia (2009)
discutem que, em uma língua de sinais, as pessoas precisam falar de frente uma para a
outra; deve-se estabelecer o contato visual, buscando não desviar o olhar; movimentar
calmamente os lábios quando pronunciar alguma palavra, para facilitar a leitura labial,
se for o caso; estar em um ambiente com boa iluminação, que permita a completa
visualização das pessoas que estão falando; ser expressivo na hora de sinalizar, pois é
com a percepção das emoções que é possível modificar o sentido das sentenças,
tornando-as afirmativas ou negativas, ou imprimindo um sentido singular ao que for
comunicado; pedir para repetir algo quando não conseguir compreender o sinal que foi
realizado ou a informação que foi apresentada para que a conversa ocorra com clareza;
quando precisar falar com alguma pessoa surda, deve-se tocar na pessoa sem ser
invasivo, ou fazer algum movimento com as mãos que possa chamar sua atenção. Essas
são algumas considerações importantes que ajudam na comunicação mediada por olhos
e mãos, são questões que trazem a relevância da execução precisa dessa língua, com
respeito às particularidade de seus parâmetros linguísticos, que a qualificam enquanto
língua.
28
Com base nessas questões, que mostram as particularidades das pessoas surdas e
de sua língua, discutiremos a escuta partindo da cotidianidade, no como ela é percebida
e difundida nas produções informativas da língua brasileira, assim como ela é
compreendida no campo da psicologia. Para isso, considerando o âmbito da
cotidianidade, lugar em que as palavras portuguesas ganham significado e servem como
norma e explicação da vida, trazemos o dicionário como recurso facilitador da
compreensão e comunicação dos signos e significados de cada população. Nele, temos
como base a lexicologia, o estudo dos sentidos etimológicos e das possibilidades de
acepções das palavras. Esta arte, que dá suporte à elaboração dos dicionários, traz a
sistematização dos vocábulos de uma determinada língua, catalogando-os em uma obra
de referência (Ferreira, 2000). Por ter um valor fundamental na estruturação das
palavras, recorremos a este tipo de livro para discutirmos alguns temas necessários ao
nosso trabalho.
Para pensar a escuta e seus sentidos, trazemos a explicação existente no
dicionário Aurélio (Ferreira, 2000) o qual nos mostra o vocábulo “escutar” como
“tornar-se ou estar atento para ouvir; dar ouvidos a; ouvir” (p. 284), remetendo-se ao
processo de ouvir. Por também ser citado, o vocábulo “ouvir” é apresentado por esta
obra como “perceber, entender (os sons) pelo sentido da audição” (p. 505); desse modo,
se estabelece uma estreita relação entre o escutar e o ouvir, apontando para a
necessidade da comunicação se desenvolver pelos canais orais-auditivos, o que por sua
vez remete ao emitir sons com a boca e escutar esta verbalização com os ouvidos, ou
seja, fazendo uso da audição. Outro dicionário, o Deit-Libras (Capovilla, 2009) –
Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue da Língua Brasileira de Sinais – corrobora
estes preceitos, ao mostrar que escutar é “prestar atenção para ouvir” (p. 946) e assim
29
como no momento anterior, passamos à palavra “ouvir” que se encontra como “perceber
e discriminar pelo sentido da audição” (p. 1646).
Recorremos a esses dicionários no intuito de mostrar como os sentidos da escuta
se constroem na cotidianidade, tornam-se familiares e fazem parte do discurso sobre o
que vem a ser este processo. Dessa forma, não é de se estranhar ter como resposta que
escutar é fazer uso da audição, para poder ouvir o que é falado pelos órgãos fonadores.
Mas será que todas as pessoas escutam assim? Quando nos deparamos com pessoas que
não falam pela voz e não escutam por meio dos canais auditivos, pessoas que escutam e
falam com o olhar e com as mãos, este modo de pensar a escuta não ficaria
comprometido?
Se retomarmos o termo “escuta” e buscarmos explicá-lo, como mostrado
anteriormente, entre as diferentes possibilidades que podem surgir, teremos a de que o
seu significado está em fazer uso dos órgãos auditivos, tendo somente o campo oral-
auditivo como propiciador desse fenômeno. Mas, ao realizarmos uma compreensão
fenomenológica da escuta buscamos ampliar o seu sentido e, para isso, precisamos
colocar entre parêntese o seu significado social, ampliando-o para poder tecer
apontamentos para além do que os agentes normativos compreendem ser o escutar.
Aprofundando a discussão de tais questões, recorremos à outra obra para
apresentarmos com mais propriedade outras possibilidades de compreensão. Para isso,
elegemos um livro que é específico ao nosso campo de atuação, sendo este também um
dicionário, só que elaborado pela Associação Americana de Psicologia – APA. Neste, o
vocábulo listening – “escuta” – surge com a seguinte definição “uma atividade essencial
na terapia e aconselhamento que envolve estar atento às palavras e ações do cliente,
bem como às intenções presentes nas palavras” (VandenBos, 2007, p. 539). Como no
dicionário em português fomos levados ao termo “ouvir”, trazemos também a palavra
30
hearing, tal como apresentada pela APA, que nos diz ser “a capacidade de um
organismo detectar um som, processar e interpretar essas sensações, adquirindo
informações sobre sua origem e natureza. Nos seres humanos, refere-se à percepção do
som, também chamada de audição” (VandenBos, 2007, p. 432). A escuta é
compreendida de outro modo como escuta das palavras, dos sentidos, do que é expresso
também pelo silêncio, na expressão facial, nos movimentos corporais e, sendo assim,
não se restringindo somente à escuta da fala dos sons. Nesta obra, fica clara a distinção
que a psicologia faz entre escutar e ouvir, reflexão que não se encontra presente nos
outros dicionários estudados. Sendo assim, entendemos que a psicologia e suas práticas
têm na base do seu fazer clínico o processo da escuta (Amatuzzi, 1989; Bucher, 1989;
Feijoo, 2000; Lima, Yehia & Morato, 2009; Pereira & Caldas, 2009). Nesse campo do
saber, com suas diversas perspectivas teóricas e áreas de atuação, a escuta é realizada de
diferentes modos, sempre em consonância com o referencial teórico adotado e com o
contexto no qual ela ocorre.
Pensando nos processos de comunicação no contexto da surdez, Strobel (2008)
vem nos mostrar alguns aspectos da Libras que se diferenciam dos modos ouvintistas de
comunicação. Entre estes, temos que essa língua “é expressa através da modalidade
espacial-visual” (p. 46), ou seja, a comunicação ocorre fazendo uso da visão e do espaço
de referência que o sujeito adota para apresentar os sinais. Sendo assim, a comunicação
não mais deve ser somente compreendida como realizada pelos canais orais-auditivos,
fazendo uso dos sons acústicos, mas, diferentemente, pela modalidade viso-espacial,
como advoga Skliar (2010) “a surdez é uma experiência visual” (p. 28). Escuta e fala
ganham novas dimensões que precisam de diferentes formas de compreensão.
Nessa concepção da escuta, com esse novo olhar, que convoca o psicólogo a ser-
com-o-outro de um modo diferenciado, podemos pensar na ampliação da psicologia
31
clínica e da escuta psicológica. Para isso, recorremos à Dutra (2004) ao dizer que o
diferencial da escuta clínica é a capacidade de estar aberto à alteridade e aos novos
modos de compreensão do humano, sempre acolhendo a pessoa diante de sua realidade
social e demanda singular. O psicólogo encontra-se incumbido dessa tarefa, de
compreender o humano em todas as suas dimensões e com isso passa a exercer o seu
posicionamento ético e político. Nesse sentido, podemos pensar a psicoterapia como um
processo inclusivo, avançando no campo da inclusão e aproximando mais ainda a
psicologia da comunidade surda.
Ao falarmos nesse modo particular de compreensão e de ser psicoterapeuta,
agora como profissional pertencente ao processo inclusivo, adotamos como conceito de
inclusão o que Sassaki (1997) propõe como sendo práticas e condutas que visam a
reconhecer e respeitar as diferenças existentes entre as pessoas e, dessa forma, busca-se
aproximá-las de seus diversos modos de ser. Ele nos mostra que estando com o outro,
disponível, potencializa-se a inclusão que “contribui para a construção de um novo tipo
de sociedade através de transformações, pequenas e grandes, nos ambientes físicos.... e
na mentalidade de todas as pessoas, portanto, do próprio portador de necessidades
especiais” (p.42).
Para este processo de inclusão devemos pensar na psicologia e seu compromisso
social, já que os dados oficiais do Censo Demográfico de 2010 apontam que, em nosso
país, existe uma população com mais de 190 milhões de habitantes (IBGE, 2010), sendo
que no estado do Rio Grande do Norte - RN estão presentes mais de três milhões de
pessoas. Os dados referentes à população surda não constam nas informações oficiais do
Censo de 2010. O Censo generaliza e informa sobre as pessoas consideradas com
deficiência auditiva. Nesse universo temos 9.717.318 brasileiros com algum tipo de
deficiência auditiva, especificados como: não conseguem ouvir de modo algum:
32
344.206; com grande dificuldade: 1.798.967 e com alguma dificuldade: 7.574.145
habitantes brasileiros. No estado do RN temos 191.862 brasileiros que se consideram
com algum tipo de deficiência auditiva, dentre esses, 4.879 não conseguem ouvir de
modo algum; 36.929 com grande dificuldade e 150.054 habitantes com alguma
dificuldade. Essas informações não são específicas e não esclarecem bem a questão da
surdez, mas já mostram o elevado índice populacional que não escuta auditivamente e
que pode apresentar a comunicação em sinais. O Censo de 2000 apresentava uma
população surda de 5.750.805 habitantes, informação resgatada com a Federação
Nacional de Educação e Integração dos Surdos - Feneis. No tocante a atuação clínica
com pessoas surdas, podemos pensar sobre quantas dentre essas pessoas podem vir a
necessitar de acompanhamento psicológico, uma questão que aponta a urgência da
reformulação das práticas clínicas atuais.
É diante deste panorama que trazemos a temática da “sociedade inclusiva”,
refletindo inclusão e sociedade, como propôs Machado (2008). Segundo este autor, a
sociedade deve se constituir considerando as diferenças apresentadas pelas diversas
pessoas que compõem o social. Acerca dessas diferenças, de contextos e pessoas, ele
propõe para elas “formas de trabalho diferenciadas” que, no caso da psicoterapia,
podemos pensar em como realizada por meio da Libras, respondendo às necessidades de
pessoas surdas que sofrem e não são escutadas.
Levando-se em consideração o percurso até aqui apresentado, percebe-se que
não foram mencionadas informações sobre o atendimento psicológico para pessoas
surdas. É desse lugar que destacamos o discurso de Figueiredo (1993) acerca do
psicólogo, por compreender ser este um profissional do encontro - encontro com as
alteridades. É com o intuito de facilitar este encontro, compreendendo melhor a relação
33
da psicologia com a surdez, que apresentaremos algumas considerações sobre a atuação
e inserção psi nesse campo.
34
2. O DIÁLOGO DA PSICOLOGIA COM O SER SURDO:
POSSIBILIDADES PARA UMA APROXIMAÇÃO FENOMENOLÓGICO-
EXISTENCIAL
As pesquisas brasileiras desenvolvidas sobre as pessoas surdas ainda são
incipientes se considerarmos a relevância de tal temática. O desenvolvimento de novos
estudos corresponde aos principais acontecimentos sociais, que deram maior
visibilidade as questões das pessoas surdas brasileiras, como a luta dessa população por
mais qualidade de vida e as recentes leis desenvolvidas em nosso país voltadas à
população surda. Com relação à psicologia e sua aproximação com essa temática, os
estudos realizados acerca da atuação do Psicólogo junto às pessoas surdas, em sua
maioria, abordam a questão da inclusão escolar. Esta é uma questão que também se
sobressai em pesquisas realizadas por outras áreas do conhecimento. Na tentativa de nos
aproximarmos mais do campo da psicologia, na sua prática psicoterápica, deparamo-nos
com a escassez de publicações que abordam o atendimento da pessoa surda, uma
situação que necessita ser repensada pela psicologia.
Entre as poucas e relevantes pesquisas, predominam relatos de psicólogos
narrando sua experiência de atendimento, os quais, em sua maioria, adotam como
referencial teórico a Psicanálise (Geovanini, 1999; Marzolla, 2012; Marzolla &
Balieiro, 2012; Solé, 2005). Essas pesquisas nos mostram questões acerca do
atendimento psicológico e tecem algumas considerações que se mostraram consensuais,
como as reflexões em torno do despreparo do profissional de psicologia para atender
pessoas surdas, como também a vivência da angústia ao se deparar com esse tipo de
atendimento, em especial, quando o cliente comunica-se em Libras. Pensando em como
atuar nesse contexto, Cattalini e Fornazari (2007) trazem algumas estratégias
35
desenvolvidas para criar algum tipo de comunicação, nas quais utilizam colagens,
desenhos e outros recursos, mas que, segundo essas autoras, não se mostram suficientes
para dar conta do estabelecimento efetivo de um vínculo, no qual a compreensão das
vivências do cliente é fundamental para iniciar o processo psicoterápico.
As questões que surgem diante da solicitação de atender uma pessoa surda, em
compreender o seu sofrimento sinalizado, podem acarretar falhas na comunicação entre
psicólogo e cliente surdo, quando alguns aspectos não são considerados. Geovanini
(1999) discute a questão da falha na comunicação, mostrando-nos que, na própria
família, a pessoa surda pode não ser compreendida, não ser escutada. Ela relata um caso
no qual a família demonstra ter dificuldade em aceitar a surdez de um membro, em
acolher esta singularidade. Traz a queixa de uma mãe, falando que seu filho apresenta
comportamentos não condizentes com sua idade, comportamentos “imaturos”, ao
mesmo tempo em que essa mãe relata antecipar a resolução de questões cotidianas antes
que seu filho as resolva, por julgá-lo despreparado para estar no mundo. Se fizermos
uma leitura heideggeriana desse modo de cuidado podemos pensá-lo como sendo uma
preocupação substitutiva, em “retirar o “cuidado” do outro e tomar-lhe o lugar nas
ocupações” (Heidegger, 1927/2012, p. 178), assumindo o seu lugar no exercício de
viver, impossibilitando esse filho de começar a assumir sua vida.
Sobre esse ponto, trazemos à reflexão o modo heideggeriano de conceber o
“cuidado” (Sorge), mas para falar em cuidado é preciso antes falar no modo de existir
do humano tal como pensado por este filósofo. Heidegger (1927/2012) desvela o ser
como um ser-com-os-outros e esses outros não podem existir em separado de quem se é,
ou seja, “não significa todo o resto dos demais além de mim, do qual o eu se isolaria. Os
outros, ao contrário, são aqueles dos quais, na maior parte das vezes, ninguém se
diferencia propriamente, entre os quais também se está” (p. 174). É neste modo
36
cooriginário de ser que o cuidado emerge como condição do existente, condição de ser-
com. Para Heidegger, existem outras condições existenciais do ser, entre essas temos
que o existente é também ser-no-mundo, como aponta Casanova (2009):
O ser-aí é um ente jogado em um mundo fático que constrói a sua dinâmica
existencial a partir de uma familiaridade com esse mundo. Ele é um ser-no-
mundo não porque se encontra dentro de um espaço dado específico chamado
mundo e porque precisa necessariamente se adequar a esse espaço circundante.
Ao contrário, ele é essencialmente um ser-no-mundo, porque encontra no mundo
a sua própria morada. (p.101)
Como ser-no-mundo, o ser é “cuidado” (Sorge) e, sendo assim cuida de sua
existência e do que vem ao seu encontro nos modos da “ocupação” (Besorgen) ou
“preocupação” (Fürsorge), que são modos diferentes de estar e de ser-no-mundo. A
respeito dessa condição, Sá (2010) vem nos mostrar que o cuidado é uma característica
ontológica do ser, é seu modo originário de estar no mundo, no ser-com os demais
entes, inclusive com os entes que também possuem essa condição de considerar o outro
por constituir-se também como um ser. Coadunando com este pensamento, Critelli
(1996) aponta que a existência humana ocorre no cuidar de si e do mundo e que o ser
escolhe o como vai cuidar e do que vai cuidar, assim como cuidará do seu modo de
cuidar. Diante dessas questões, como se configuram esses modos do cuidado e quais são
suas particularidades?
No cuidado enquanto “ocupação” o ser faz uso dos outros entes em sua
manualidade, os explora, nesta condição que só ocorre entre um ente que possui o modo
de ser e estar-no-mundo ocupando os entes dados, não dotados da mesma condição de
ser daquele que ocupa. Já na preocupação, “constituição de ser da presença que,
segundo suas diferentes possibilidades, está imbricada tanto com o seu ser para o
37
mundo da ocupação quanto com o ser para consigo mesmo” (Heidegger, 1927/2012, p.
179), esse é o único modo de ser-com os outros entes dotados dessa condição de ser.
Existem variações nesse modo de cuidar, sendo o modo não deficitário, o da
preocupação antepositiva libertadora, o cuidado que permite que o outro seja
responsável por si e livre no estar lançado em possibilidades. O oposto a este modo é o
cuidado como preocupação substitutiva, que ocorre quando o ser “pode ocultar o
sentido próprio do outro, substituindo-o na sua liberdade e responsabilidade ao impor-
lhe um sentido impessoal, ainda que de modo dissimulado e parecendo fazer justamente
o contrário” (Sá, 2010, pp. 194-195). Como desdobramento dessa condição de cuidar,
Heidegger (1927/2012) nos adverte que “o outro pode tornar-se dependente e dominado
mesmo que esse domínio seja silencioso e permaneça encoberto para o dominado” (p.
178).
Relacionando esses modos de cuidado e como se dá o olhar que o psicólogo
lança à pessoa surda, trazemos as considerações de Mrech (2001), ao enfatizar que,
quando se aborda somente a surdez – o não ouvir, isso se torna um complicador, pois
faltará uma maior compreensão dessa pessoa. E, ao se ter uma compreensão mais
ampla, a particularidade da surdez passa a ser vista como sendo mais um modo de ser
constituinte da pessoa surda, não o único ou o principal. Na perspectiva
fenomenológica, podemos compreender a surdez como um dos aspectos do humano,
dentre as diversas possibilidades dos modos de ser.
Nesse sentido, o profissional deve ofertar a escuta e a partir dela realizar seu
trabalho, escutar a palavra, não somente a voz, pois é na palavra – linguagem, que a
pessoa se comunica. Mas, quando não se conhece a Libras “a escuta vai se dando diante
de certa impossibilidade” (Geovanini, 1999, p. 259). Desse modo, a comunicação torna-
se incompleta, pois ocorre entre línguas nacionalmente iguais, o português e a Libras,
38
mas que possuem diferentes estruturas gramaticais e aspectos linguísticos próprios.
Podemos pensar que a pessoa surda busca falar sobre sua vivência ao seu modo e para
algumas abordagens psicoterápicas isso pode ser uma questão conflituosa,
principalmente para quem não está capacitado para se comunicar em Libras. Com isso,
a referida autora aponta para a necessidade de o profissional buscar se capacitar em
Libras, para melhor se comunicar e estabelecer um diálogo compreensivo entre ambos,
cliente e psicólogo, possibilitando o desenvolvimento do vínculo terapêutico.
Diante dessas questões, buscamos ampliar a compreensão da pessoa surda e sua
particular condição de existente refletindo a partir do referencial teórico
fenomenológico-existencial heideggeriano. Em sua obra Ser e Tempo, Heidegger
(1927/2012) diz que o Dasein, ou pre-sença, por ser-no-mundo, encontra-se sempre em
abertura de sentidos1, tendo no existencial disposição um modo de ser, um humor, que
dá uma tonalidade afetiva particular ao existente. É por meio dessa disposição que o
Dasein compreende e comunica seus sentidos – mundo, ressaltando que em seu
processo de estar-no-mundo “a pre-sença já se colocou sempre diante de si mesma e já
sempre se encontrou, não como percepção, mas como um dispor-se numa afinação de
humor.” (p. 194).
Para este filósofo, o Dasein é constituído por vários existenciais fundamentais,
entre os quais: disposição, compreensão e linguagem. Sobre o existencial disposição
(Befindlichkeit), ele nos diz: “o que indicamos ontologicamente com o termo disposição
é, onticamente, o mais conhecido e o mais cotidiano, a saber, o humor, o estar afinado
num humor” (1927/2012, p. 193). Ele defende que o ser se encontra sempre em
disposição e compreensão (Verstehen), já que “toda disposição sempre possui a sua
1 Heidegger (1927/2012) nomeia sentido como “aquilo que pode articular-se na abertura
compreensiva... um existencial da presença” (pp. 212-213).
39
compreensão, mesmo quando a reprime. O compreender está sempre afinado pelo
humor” (p. 202). Esse modo de conhecimento possibilita que o mundo seja interpretado
e aquilo que foi compreendido passa a ter um sentido, mas, segundo Heidegger, não
basta simplesmente ter acesso ao que se compreendeu, mas sim “elaborar as
possibilidades projetadas no compreender” (p. 209), apropriando-se do conhecido,
permitindo-se afetar pelas vivências e compor sua interpretação.
Esta interpretação, quando elaborada, passa a ser comunicada, sendo por
intermédio da linguagem que o Dasein torna-se presente no mundo. Com relação ao
terceiro existencial, a linguagem (Sprache), considera-se que também faz parte do
processo de existir do Dasein, ela necessita dos outros dois existenciais, assim como é
necessária a eles para possibilitar ao ser atribuir sentidos a si e ao mundo. Quando
pensamos na linguagem, em seu sentido ontológico, remetemo-nos aos aspectos ônticos
como: palavra, discurso, fala, comunicação, entre outros modos de tematizar a
linguagem. Esses termos dizem muito sobre o ser, ao mesmo tempo em que ameaçam
aprisionar a linguagem em um conceito cotidiano, apenas gramatical, o que limitaria
esse existencial, mas é oportuno considerar que a sua compreensão ultrapassa as
possíveis definições ônticas que pode ter. A linguagem apresenta mundo traz a fala, que
é a “articulação “significativa” da compreensibilidade do ser-no-mundo, a que pertence
o ser-com e que já sempre se mantém num determinado modo de convivência
ocupacional” (Heidegger, 1927/2012, p. 224).
Pensar o fenômeno da fala, inserida na compreensão ontológica do existencial
linguagem, nos remete a sua complexidade e ao jogo de sentidos do qual ela faz parte.
Sobre essa possibilidade do ser, Heidegger (1959/2011a) ressalta:
O homem fala. Falamos quando acordados e em sonho. Falamos continuamente.
Falamos mesmo quando não deixamos soar nenhuma palavra. Falamos quando
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ouvimos e lemos. Falamos igualmente quando não ouvimos e não lemos e, ao
invés, realizamos um trabalho ou ficamos à toa. Falamos sempre de um jeito ou
de outro. Falamos porque falar nos é natural. (p. 7)
Para esse pensador, a fala faz parte da existência, ela sempre nos diz sobre algo,
aponta para algo do que se fala. Sendo assim, ela é um processo de comunicação que se
desenvolve no ser-com. Como bem mostra Heidegger (1927/2012), a comunicação da
fala traz em sua constituição, o seu referencial, o tematizado em fala, a comunicação e o
que é apresentado. Podemos compreender que essa fala da linguagem não tem relação
com o fenômeno auditivo, mas sim diz respeito ao campo existencial, independente de
como se fala, oralizando, escrevendo, por intermédio de sinais, com o corpo ou até
mesmo nos momentos de silêncio. Existimos na fala.
Outro aspecto pertencente à fala é o processo de escuta. Para Heidegger “a
escuta é constitutiva da fala. E, assim como a articulação verbal está fundada na fala,
assim também a percepção acústica funda-se na escuta. Escutar é o estar aberto
existencial da presença enquanto ser-com os outros” (1927/2012, p. 226). Assim, como
a escuta, o ouvir faz parte da linguagem e da fala da linguagem. De acordo com esse
filósofo, o ouvir é mais originário que a escuta, ele é uma escuta compreensiva, um
aprofundamento na escuta verbal, é ouvir o sentido do ser, estar sensível às sutilezas do
que é proferido na fala. Nas palavras de Heidegger (1927/2012), “somente onde se dá a
possibilidade existencial de fala e escuta é que se pode ouvir. Quem “não pode escutar”
e “deve sentir” talvez possa muito bem e, justamente por isso, ouvir” (p. 227).
É com esse existencial que o discurso surge como elemento fundamental,
ontológico, de expressão do vivido. Desse modo, “linguagem é o pronunciamento do
discurso” (Heidegger 1927/2005, p. 219), sendo esta produção tecida na trama dos
elementos disposição, compreensão e linguagem. A esse respeito, ele diz que “a
41
compreensibilidade do ser-no-mundo, trabalhada por uma disposição, se pronuncia
como discurso” (p. 219). Mas, em relação à estrutura fundamental linguagem, esta não
deve ser apenas compreendida como a comunicação de algo racional, ela vai além da
transmissão de informações. Em seu sentido ontológico, linguagem é “o modo no qual
se manifesta o próprio existir humano” (Duarte, 2005, p. 2) já que é o homem que
pertence à linguagem e não o contrário.
Esse processo permite ao ser se encontrar em seu discurso, meditar sobre sua
vida e ter a possibilidade de se deparar com suas questões existenciais e movimentar-se
para outras possibilidades de ser. É a abertura para o seu ser mais próprio, retirando o
Dasein do aspecto impessoal de sua cotidianidade. Como nos diz Heidegger
(1959/2011a):
Se devemos buscar a fala da linguagem no que se diz, faríamos bem em
encontrar um dito que se diz genuinamente e não um dito qualquer, escolhido de
qualquer modo. Dizer genuinamente é dizer de tal maneira que a plenitude do
dizer, próprio ao dito, é por sua vez inaugural. (p. 12)
Dessa forma, a linguagem nos mostra o complexo processo que é o ouvir, que
muito se aproxima do realizado pelo fazer clínico do psicoterapeuta fenomenológico-
existencial, pois é no ser-com que pode ocorrer o compreender e o ouvir os sentidos,
não somente o ouvir dos ruídos e emissões sonoras dotadas de conceitualidade, mas
caminhar no desvelar da linguagem do poder ser.
Esses são alguns aspectos do Dasein, do seu modo de existir, mas seguindo na
tematização do ser e nos aproximando de reflexões para o campo da clínica psicológica,
temos que o ser encontra-se em liberdade, respondendo com verdades aos clamores do
mundo fático. Em sua abertura, ele se mostra em liberdade, é livre e entregue a outras
possibilidades de poder ser, que por esse motivo o convidam a se apropriar dessa sua
42
liberdade e, com isso, realizar escolhas, levando-se em consideração que ele não poderá
concretizar todas as possibilidades que se apresentam para o seu existir, segundo Sá
(2010) “O que o Dasein está sendo nunca é sua totalidade, mas a realização de certas
possibilidades sempre em jogo, em sua temporalização existencial finita” (p. 185).
Nesse sentido, estar em liberdade é estar lançado em um mundo que exige a
tomada de decisões, indo além da simples ação de escolher alguma coisa para sua vida,
pois é preciso que o Dasein se comprometa com o que escolhe. Compromisso de se
responsabilizar em assumir sua existência, levando adiante suas decisões e respondendo
as implicações advindas do existir em liberdade. É um processo de tomar para si algo
que vai lhe acompanhar em seu ser-no-mundo, com aspectos positivos e negativos,
sendo que o Dasein nunca poderá se fechar em apenas um único modo de ser, já que sua
essência é a sua indeterminação enquanto existente. Mesmo após se apropriar de alguma
escolha, ele também é convocado, em alguns momentos, pelo clamor das outras
possibilidades que foram deixadas de lado e que lhe deixam em débito existencial.
Como nos diz Pompeia e Sapienza (2011) “sua abertura diz respeito ao que ainda não é
mas pode ser, ao que já foi e não é mais e ao que seria possível apenas virtualmente (p.
24)”.
Pensar no ser em liberdade, que se lança no existir, nos remete aos clamores
mundanos e a escuta das verdades desse ser, compreendidos como condição
fundamental para a realização de sua existência. Heidegger (1927/2012) afirma que
“enquanto constituída pela abertura, a presença é e está essencialmente na verdade” (p.
298). Para ele, é a liberdade que possibilita ao Dasein desvelar suas verdades. Pensar
sobre isso nos leva a reflexão da atuação clínica psicológica, que se depara com as
noções de verdade e pode utilizá-las como referências ao seu fazer. Temos com esse
termo o convite para buscar desenvolver outra compreensão, ontológica, para escapar
43
do aprisionamento cotidiano, no que já é familiar ao campo da psicologia. Esse é um
constructo complexo e que, pensado filosoficamente, nos mostra novos sentidos para o
atendimento clínico e para a compreensão do humano nesse jogo de ser livre e
responsável por sua liberdade.
Como ser-aí, o humano está em decadência, ou seja, vive na impessoalidade,
junto aos outros entes imersos na cotidianidade na condição de ser-com, indo de
encontro aos entes que apresentam sentidos e verdades cristalizados pelo saber
metafísico ocidental. Segundo Heidegger (2012) “numa primeira aproximação e na
maior parte das vezes, a presença se perdeu em seu “mundo”.... Empenhar-se no
impessoal significa o predomínio da interpretação pública. O que se descobre e se abre
instala-se nos modos de distorção e fechamento (292)”. Nesse sentido, ao pensar o
conceito de verdade enquanto um conhecimento dado, produto de um saber naturalizado
e estabelecido socialmente, tem-se a busca da congruência entre o que existe
objetivamente e a representação que o humano faz desse ente, mas não é esse o caminho
feito por Heidegger em sua analítica existencial. Ao desenvolver uma leitura
compreensiva, na discussão ontologicamente da noção de verdade para o Dasein, esse
conceito carece de um novo sentido, ou seja, pensar a verdade em seu aspecto mais
ontológico, enquanto desvelamento dos sentidos do ser (Sá, 2009).
Para pensar a verdade em seu modo original é preciso retornar ao seu sentido
construído na Grécia antiga, na verdade enquanto alétheia (ἀλήθεια), ou seja, como
desvelamento e não somente como representação e confirmação das coisas do mundo.
Mas a verdade enquanto desvelamento não desqualifica a verdade metafísica da
adequação das coisas, ela é anterior a essa e está em sua base. Sobre esse aspecto Sá
(2009) afirma “ser verdadeiro é, primeiramente, ser desvelador e este é um caráter
existencial do ser-no-mundo, somente por isso a verdade e a não verdade pertencem
44
igualmente à facticidade da existência” (p. 67). Aquele que desvela sentidos, o ser
desvelador, busca verdade por ser um ser de abertura e que exerce seu ser-no-mundo em
disposição, compreensão e linguagem. Nas palavras de Heidegger (1927/2012) “a
“definição” de verdade como descoberta e ser-descobridor tampouco é mera explicação
de palavras. Ela nasce da análise das atitudes da presença, que costumamos chamar de
“verdadeiras”” (p. 291). O Dasein, para chegar a sua verdade, deparasse com os apelos
de si, do mundo e dos outros. Em meio a essa trama de convocações, que podem ofuscar
ou iluminar o ser, é preciso que ele corresponda a esses chamados e siga com sua
decisão, pois somente ele poderá cuidar de seu modo de ser (Pompeia & Sapienza,
2011).
Percebe-se que essas reflexões, levantadas pelo pensamento filosófico de
Heidegger, em muito contribuem para pensar o fazer clínico do psicólogo, assim como
de outros profissionais que lidam com o humano e seu sofrimento. Discutir o Dasein,
sua constituição e seus modos de ser, inicialmente, despertou o interesse de
profissionais da medicina, inquietos com as práticas clínicas que aprisionavam o
homem em determinismo e diagnósticos, o que permitiu o surgimento de uma nova
atuação clínica, que trouxe para o campo da medicina o pensamento heideggeriano e,
posteriormente, levantou novas possibilidades para o atendimento clínico em psicologia.
É sobre a Daseinsanálise e a psicoterapia fenomenológico-existencial que seguiremos
tematizando nesse estudo, pensando em sua atuação junto à pessoa surda.
2.1 A clínica fenomenológico-existencial
Após tematizar sobre os existenciais do Dasein, trazemos para discussão a
prática clínica fenomenológico-existencial, que tem por base o pensamento filosófico de
45
Martin Heidegger. Discutiremos seu surgimento, momento no qual se desenvolveu a
Daseinsanálise, e quais as principais noções que hoje fazem parte do fazer clínico do
psicoterapeuta fenomenológico-existencial. Nossa discussão será voltada à clínica de
base heideggeriana, sendo assim, não faz parte do nosso estudo discutir o surgimento da
clínica, esse importante tema, mas que já foi bastante abordado em outros estudos da
psicologia.
A Daseinsanálise, enquanto clínica, teve seu início com Ludwig Binswanger,
médico suíço que, em seu percurso profissional, manteve contato com os filósofos
Husserl e Heidegger. Inspirado nas discussões formuladas por Martin Heidegger em sua
obra Ser e Tempo, Binswanger partiu das noções existenciais de projeto e cuidado e
com isso buscou levar para o campo do atendimento psiquiátrico a fenomenologia
existencial heideggeriana. Nesse intento também considerou alguns aspectos da
fenomenologia de Husserl, com quem teve contato anteriormente (Feijoo, 2011).
Insatisfeito com o modelo de ciência que predominava em sua época, bem como
com os desdobramentos desse modelo naturalista no campo da psiquiatria, Binswanger
buscou modificar o atendimento psiquiátrico, levando o pensamento heideggeriano para
sua atuação clínica (Boss & Condrau, 1997). Seu trabalho foi uma tentativa de levar a
ontologia filosófica para o campo ôntico. Essa foi uma difícil e ousada tarefa, já que o
pensamento heideggeriano e a analítica do Dasein foram pensados principalmente no
campo ontológico. Essa aproximação acabou repercutindo na incompreensão do
conceito de “Cuidado”, tornando-se diferente do formulado por Heidegger, que o
apresentava no campo ontológico como um modo de ser-no-mundo do Dasein. A noção
de cuidado, como apresentada em Ser e Tempo, traz que:
o ser-aí é constitutivamente cuidado, porque ele é os seus modos de ser, e, assim,
sendo, sempre cuida de si. Esse modo de ser envolve, por sua vez, uma ocupação
46
com os entes intramundanos (Bersorgen) e o desentranhamento de um contexto
relacional.... Ser-aí é um ente sempre referido a outro ente, seja sob o modo da
ocupação, seja sob o modo da preocupação. (Feijoo, 2011, p. 38)
Buscando entender o seu atendimento psiquiátrico à luz da filosofia
heideggeriana, Binswanger acrescentou ao conceito de “cuidado” a noção de “amor”,
considerando esta como necessária ao Dasein para poder exercer o ser-com. Ele
introduziu o afeto ôntico “amor” e passou a compreender o cuidado como também uma
condição ôntica. Essa questão fez com que Heidegger se posicionasse contra essa nova
compreensão que, segundo ele, foi errônea, do existencial cuidado. Para Heidegger, o
cuidado inclui também a noção de amor, como nos mostra Boss e Condrau (2007)
“Heidegger não somente não exclui as diversas formas de relações afetivas, como as
inclui de imediato” (p. 25), o que faz com que não determine apenas uma como devendo
ser a base fundante do existencial cuidado, mas sim como uma das diversas
possibilidades de ser enquanto cuidado. Em sua obra Seminários de Zollikon, Heidegger
(1987/2001) reforça sua posição em relação à Binswanger e argumenta que:
o mal entendido de Binswanger não consiste tanto em que ele quer
complementar o “cuidado” pelo amor, mas sim, no fato de que ele não vê que o
cuidado tem um sentido existencial, isto é, ontológico, que a analítica do dasein
pergunta pela sua constituição fundamental ontológica (existencial) e não quer
simplesmente descrever fenômenos ônticos do Dasein. (p. 142)
Ante o conflito gerado, Binswanger reconhece seu equívoco e passa a reformular seu
pensamento, o qual seguiu mais proximamente os preceitos da fenomenologia de
Husserl, desenvolvendo-se por outro caminho teórico, posicionando-se enquanto criador
de uma prática clínica, com isso, modificou a nomenclatura de sua atuação. Sua
abordagem passou então a ser nomeada de Fenomenologia Antropológica e a
47
daseinsanálise, tendo por base o pensamento heideggeriano, passou a ser discutida por
outro psiquiatra que melhor trabalhou o que Binswanger havia começado e abandonado
(Feijoo, 2011).
No contexto dessa modificação da clínica de inspiração heideggeriana, outro
profissional da medicina foi quem continuou a desenvolver o projeto da daseinsanálise.
Medard Boss, médico psiquiatra, trabalhou inicialmente como psicanalista e teve a
oportunidade de ter contato com Freud e Jung, para, posteriormente, ser tomado pelo
pensamento do filósofo alemão. Assim como Binswanger, incomodado com o fazer
psiquiátrico de seu tempo, passou a questionar as bases teóricas e científicas da
psiquiatria, não vendo mais sentido no modo como se realizava o fazer clínico
psiquiátrico daquela época. Os pacientes e sua experiência apontavam para a
necessidade de aprimorar o seu trabalho, de avançar para uma nova compreensão do
humano, da existência enquanto sofrimento e possibilidades. Suas inquietações o
levaram ao encontro com a obra Ser e Tempo de Heidegger, a qual, inicialmente,
mostrou-se incompreensível, levando-se em consideração os seus anteriores referenciais
de homem e mundo. A nova postura proposta nessa obra e o novo olhar para os
fenômenos, por mais que de difícil entendimento, já despertavam Boss para as questões
do pensamento heideggeriano que ele sentia trazer “algo inaudito, novo e muito
profundo” (Boss, 1997, p. 7). O contato com o novo pensamento, através das leituras da
obra, fez com que ele se aproximasse do pensador, suscitando o interesse em conhecer
pessoalmente Heidegger e, posteriormente, já no primeiro encontro, estabeleceram um
bom vínculo afetivo (Boss, 1997).
Boss assume a daseinsanálise e traz novas compreensões para pensar essa
abordagem. Para esse desenvolvimento, também recorreu à obra Ser e Tempo, mais
especificamente às considerações acerca das tonalidades afetivas. Em sua trajetória de
48
consolidação da daseinsanálise enquanto clínica, Boss destacou alguns principais pontos
que considerou pertinentes para pensar a atuação profissional: “a inseparabilidade do
orgânico e do psíquico, a angústia e a culpa como tonalidades afetivas de suma
importância no âmbito dos psiquicamente doentes e, por fim, o caminho para a
libertação” (Feijoo, 2011, p.72). Também realizou interpretações dos sonhos feitas pelo
paciente e leituras psicossomáticas que partem de outra compreensão das vivências.
Essas questões, que se constituíram enquanto abordagem clínica, surgiram a partir das
reflexões existentes nos pressupostos heideggerianos sobre o Dasein.
Com o passar do tempo, a daseinsanálise ganhou mais espaço e se consolidou
enquanto prática clínica. O processo de institucionalização da daseinsanálise ocorreu
inicialmente na Suíça, no ano de 1971, quando do surgimento da Sociedade Suíça de
Daseinsanalyse, e, posteriormente, em 1973, com a Associação Internacional de
Daseinsanalyse, momentos que possibilitaram abertura para que outras unidades da
associação fossem criadas em outros países, inclusive no Brasil, na cidade de São Paulo.
Esses espaços surgiram para formar novos profissionais - psicólogos e médicos - nessa
perspectiva e, também, para possibilitar que discussões em relação a essa nova
abordagem, enquanto atuação no espaço da clínica, ganhassem maior visibilidade (Boss
& Condrau, 1997). Sobre os caminhos atuais da daseinsanálise, Feijoo (2011) destaca
que, atualmente, essa perspectiva não está presente nas formações em psicologia e
prossegue argumentando que é uma formação ainda muito restrita, o que torna relevante
o reconhecimento da necessidade de realizar maior divulgação, ganhar mais visibilidade
acadêmica e mostrar o seu fazer, apresentando claramente o que vem a ser a
daseinsanálise.
Foi nesse contexto que a daseinsanálise constituiu-se, surgindo diante das
insatisfações com o modelo cientificista que media, calculava, previa e cindia homem e
49
mundo, ela estando à frente dos saberes psiquiátricos e psicanalíticos, dos modelos que
pensavam o homem enquanto um sujeito detentor de um subjetivismo que o separava
dos objetivismos do mundo. Sobre essas perspectivas mais cientificistas, a
daseinsanálise se posicionou contrariamente, lançando um renovador e revelador olhar
fenomenológico enquanto abertura de novos modos de ser (Boss, 1997; Boss &
Condrau, 1997). Inicialmente pensada para o campo da psiquiatria, a daseinsanálise
ampliou o seu campo de atuação chegando ao atendimento psicoterápico das diversas
demandas existenciais, não somente aquelas relacionadas ao âmbito do que ainda hoje
chamamos de saúde mental, mas acolhendo os diversos modos de sofrimento humano.
Com relação à atual prática clínica, de inspiração fenomenológico-existencial,
torna-se oportuno discutir alguns aspectos que configuram essa atuação. Nesse sentido,
para discutir sobre as partes que constituem esse fazer, precisamos refletir sobre as
questões que são desveladas junto à noção de Dasein e que, nessa abordagem,
redefinem a prática clínica psicológica. Uma nova compreensão, de homem e mundo,
exige novos modos de ser-com no campo da psicoterapia.
Dutra (2013); Feijoo (2010, 2011); Prado e Caldas (2013) e Sá (2002b, 2010)
nos falam sobre a atitude fenomenológica presente na atuação clínica do psicoterapeuta
fenomenológico-existencial. Com essa postura, o psicólogo não deve se limitar a
compreender os fenômenos como simplesmente dados a priori. Deve ter abertura para
acolher o outro como novidade, em sua singularidade, reconhecendo que existem
discursos elaborados e que buscam explicar o humano, mas que também é preciso
suspender o que já se sabe para deixar que o novo se desvele, conhecendo assim os
sentidos que emergem no espaço clínico. Para isso, o Psicólogo precisa desenvolver
uma atitude antinatural, como mostra Feijoo (2011) buscando “suspender qualquer
interpretação acerca do que está acontecendo com aquele que procura o analista, para
50
assim acompanhar o fenômeno no seu modo de revelar-se” (p. 86). Uma atitude
contrária a essa seria a atitude natural, que diagnostica, aprisiona e pode obscurecer a
condição de poder ser do Dasein.
O Dasein é um ente que tem como condição existencial ser indeterminado, ele
está em liberdade para exercer seu ato de existir, sendo assim, é um ser de
possibilidades que se encontra lançado no mundo, na maior parte do tempo, imerso no
modo de ser impessoal “que encobre e distorce o desvelamento das possibilidades de
sentido de si mesmo, tomando-se por um ente cujo modo de ser já está previamente
dado” (Sá, 2009, 65-66). É esse ser que chega aos serviços de psicologia, mas cabe ao
psicoterapeuta fenomenológico-existencial insistir em um movimento contrário às
solicitações e apelos da existência no modo de ser impessoal, devendo favorecer o
despertar, em alguns momentos, dos sentidos do ser.
Entre os modos de cuidado, condição existencial do Dasein, cabe ao
psicoterapeuta ser-com na condição cuidadora da “preocupação antepositiva
libertadora”, “modo do “ser-com” em que o terapeuta deixa-se apropriar enquanto
abertura dialogante para a manifestação das possibilidades próprias do outro” (Sá, 2002,
p. 7). O profissional recua para que o cliente assuma o seu lugar de cuidador de si, a se
perceber em sua responsabilidade de existir, no seu desvelar de outras possibilidades de
ser, assim como na escolha de quais projetos traçar e quais abandonar, referentes às
decisões que precisa tomar e refletir sobre o débito que pode acompanhá-lo diante de
algumas escolhas anteriormente já realizadas (Feijoo, 2000, 2011; Pompeia & Sapienza
2011; Sá, 2002b; Sá & Rodrigues, 2008; Sapienza 2004).
No desenvolver da atuação clínica fenomenológico-existencial, fica consolidado
um modo particular de conceber a psicoterapia na ótica da analítica existencial, na qual
o pensamento heideggeriano vai além de posturas técnicas e nos convida para um novo
51
olhar, que ultrapassa a esfera do atendimento clínico e se integra ao nosso modo de ser-
com. Refletindo sobre esse fazer, trazemos as considerações de Sapienza (2004):
Esse trabalho é de pensamento, faz essencialmente uso da linguagem, mas bem
poderia ser chamado de artesanal. Nesse contexto, artesanal indica a diferença
do “industrializado”, do padronizado, do que se torna generalizado – como as
teorias são generalizações –, feito para alguém que não sabemos quem será.
Nosso trabalho é destinado a cada um. E não é aquele artesanal que poderia já
estar na vitrine à espera de quem o levasse: ele só vai ser realizado no momento
em que o destinatário estiver presente. E mais: só será feito com ele. Terapeuta e
paciente pensam e sentem juntos. (pp. 19-20)
Esse é um fazer que não está aprisionado a técnicas psicológicas, não podendo
ser transposto, de um cliente para outro, de modo universal e padronizando. É uma obra
de arte, única, que necessita ser contextualizada junto à indeterminação do ser. Com
isso, podemos pensar que, mesmo que o cliente se queixe de uma depressão, ou de outra
condição existencial classificada e coisificada em verdades psicológicas, essa vivência é
hermeneuticamente cuidada pelo psicoterapeuta fenomenológico-existencial (Sá,1998),
para ser compreendida como se dá essa depressão na existência desse Dasein e diante
do arte-fato que emerge, esse saber/fazer não será reproduzido para outros clientes, mas
pode até servir de inspiração para outras obras.
Como vemos, a atuação fenomenológico-existencial escapa do fazer clínico
tradicional da psicologia, quando essa faz uso de técnicas e diagnósticos que norteiam a
atenção psicológica. É um trabalho de afetação e afinação, que predispõe o modo de ser-
com, aqui considerado como atitude fenomenológica, ou seja, no qual tanto o
psicoterapeuta quanto o cliente estão ontologicamente envolvidos, já que existem
enquanto ser-com e ser-aí, não havendo a possibilidade de separação e distanciamento
52
daquele em seu encontro com esse outro ente. O que existe é a possibilidade de
ampliação da liberdade existencial, desenvolvida hermeneuticamente. Como afirma
Morato (2013):
Como ser-com, o ser-aí é para si mesmo e para outros, circulando o mundo da
alteridade com o qual se implica e refere na teia de significatividade....
compreendendo o outro, o eu sabe de si mesmo através do outro em seu mundo.
(pp. 52-53)
Essa condição nos permite pensar a clínica enquanto um trabalho cartográfico,
que a cada encontro reformula o território existencial e viabiliza a reflexão contínua
dessa práxis (Morato, 2009). Recria-se constantemente, por também ser clareira que
vislumbra novas possibilidades e aponta para novos horizontes, com a atuação do
psicólogo clínico fenomenológico-existencial que adota os fundamentos do filosofar
heideggeriano, iluminando o Dasein em seu ser livre para poder ser, inclusive no que
concerne ao metamorfosear o existir clínico a cada momento.
Com a tematização destes aspectos existenciais, podemos pensar o atendimento
da pessoa surda, que em seu modo singular pode comunicar-se em Libras. Nesta
comunicação, a interpretação do sentido é realizada e, para ser compartilhada, exige que
o apreciador do que é pronunciado também compreenda essa singular forma de
comunicação, a Libras. É deste lugar que pensamos a clínica psicológica como
possibilitadora de escuta do existente, escuta implicada, que demanda sensibilidade para
acolher quem busca compartilhar sua disposição, compreensão e linguagem. É tornar a
psicoterapia um espaço no qual se cuida do Dasein na condição de preocupação
antepositiva libertadora, convidando-o a assumir suas possibilidades de ser-no-mundo.
53
3. MÉTODO
Esta pesquisa é caracterizada como de cunho qualitativo, na qual buscamos
fomentar a discussão do atendimento psicoterápico de pessoas surdas. Nesse sentido,
adotamos o referencial teórico/metodológico fenomenológico-existencial, refletindo a
analítica existencial heideggeriana no contexto da clínica stricto sensu, no caso a
psicoterapia, buscando refletir sobre a escuta clínica na atitude fenomenológica presente
no atendimento de pessoas surdas.
Pensar este tipo de pesquisa exige uma reflexão acerca dos modos de realizar
ciência, que no nosso campo específico traz pontos que se diferenciam de outros
modelos adotados em pesquisa, como apontados por Amatuzzi (2006, 2009), Dutra
(2002), Feijoo (2000, 2011), Holanda (2006), Roehe (2006), Szymanski e Cury (2004) e
Vieira (2008). Em conformidade com estes autores, o modelo de pesquisa que se
ampara nos moldes cientificistas, que visam à neutralidade, objetividade, controle e
generalização, não cabe no fazer das pesquisas qualitativas. Estas, principalmente as
compreendidas como fenomenológicas, trazem como característica marcante no ato de
pesquisar a presença do pesquisador em todo o desenrolar do estudo, pois o homem é
sempre um ser de compreensão, um ser-no-mundo, que vivencia suas experiências com
uma tonalidade afetiva, o que sempre implica a existência plena de afetos no decorrer
deste processo de fazer ciência. Este modelo de pesquisa é distinto dos modelos que
possuem em sua base o referencial clássico cientificista, já que essa perspectiva “ignora
a complexidade ontológica do homem. Não reconhece o papel do ser humano na
constituição da realidade e, portanto, não considera adequadamente a presença do
cientista numa investigação” (Roehe, 2006, p. 157). Pensando em outras possibilidades
54
de construir ciência, condizentes com as propostas dessa pesquisa, Dutra (2002) nos
mostra a relevância de realizar uma pesquisa com base fenomenológica:
A escolha de um método de inspiração fenomenológica parece o mais adequado
quando se pretende investigar e conhecer a experiência do outro, uma vez que o
ato do sujeito de contar a sua experiência não se restringe somente a dar a
conhecer os fatos e acontecimentos da sua vida. Mas significa, além de tudo,
uma forma de existir com-o-outro; significa com-partilhar o seu ser-com-o-
outro. (377)
Considerando estas questões como suporte do nosso trabalho, passamos a pensar
no estudo tal como ele ocorre na perspectiva fenomenológico-existencial. Nesse sentido,
por constituir uma pesquisa no campo da clínica, traz em seu bojo algumas
particularidades inerentes a esse modo peculiar de pesquisar. Avellar (2009) reconhece
que o âmbito clínico é um espaço profícuo e disponível para a realização de pesquisas,
ela nos mostra que “trata-se de tomar a prática como problema de pesquisa, com o
intuito de melhorá-la em função de seus próprios resultados. A situação clínica possui
uma dupla fundamentação, a de construção do conhecimento e a do campo da prática”
(p. 16), ideia que coaduna com o pensamento de Dutra (2004), com relação à produção
de um saber que vai se desenvolvendo junto à atuação clínica. Sendo assim, falamos em
um fazer ciência que adota como lugar de estudo a clínica psicológica. Alves, Morato e
Caldas (2009) e Vieira (2008), mostram que o pesquisador, ao realizar um estudo em
clínica, também se encontra implicado como psicoterapeuta, o que mostra o seu
envolvimento e presença, evidenciando ser um trabalho de afetação por parte de todos
os participantes, característica também destacada por Amatuzzi (2009) quando
desenvolve sua compreensão de uma pesquisa fenomenológica.
55
Outro ponto peculiar às pesquisas em clínica diz respeito ao fato de a
psicoterapia não poder ser compreendida como uma ciência que segue os moldes
cientificistas da racionalidade moderna. Sobre esta questão, Drawin (2009) argumenta
que “sua não cientificidade não é um defeito a ser corrigido no futuro, mas é o traço
essencial de um saber cuja fecundidade reside justamente em resistir à pretensão de uma
objetividade e de uma operacionalidade universais” (p. 29). Com relação à pesquisa
fenomenológica em psicoterapia, podemos refletir sobre o que Sapienza (2004) nos diz
sobre o fazer fenomenológico e o que emerge no contexto clínico:
É um modo de se aproximar de um fenômeno, que se caracteriza,
principalmente, por deixar que ele se mostre tal como se apresenta, o mais
possível sem interferência das teorias já existentes sobre ele. Mas o fenômeno só
se mostra tal quando alguém olha para ele, aproxima-se dele na procura de
compreendê-lo e explicitá-lo na linguagem. Na terapia, o fenômeno em questão
é a existência do paciente. É isso o que se revela no decorrer das sessões. (p. 54)
Estas questões mostram a pertinência da fenomenologia no respaldo teórico das
pesquisas realizadas em clínica, pois não buscam uma resposta objetiva, única, ou
trabalhar com generalizações, têm como fundamento trabalhar com a abertura a outras
possibilidades, inclusive no tocante aos modos de produzir ciência.
3.1 Processos metodológicos
No percurso de criação das pesquisas em psicologia clínica, o registro das
informações sob a forma de texto foi adotado, com o intuito de melhor compreender a
experiência do atendimento estudado. Nesse sentido, os dados são construídos a partir
da vivência do processo psicoterápico, ou seja, o pesquisador/terapeuta e o
56
colaborador/cliente constroem narrativas nesse espaço de tematização da vida em
narrativas (Vieira, 2008). Como nos diz Cabral e Morato (2013) “pode-se compreender
a configuração do método como a construção de um caminho possível para a realização
de um estudo, que vai ganhando contornos mais precisos ao longo do próprio trânsito do
pesquisador pelo campo” (p. 178). É nesse sentido que a pesquisa em clínica vai se
estruturando, em seu fazer cotidiano, com traços singulares e que evidenciam as
afetações e novos sentidos que se desvelam, no decorrer do processo, e se integram ao
método clínico adotado nesse modo de pesquisar.
3.2 Colaborador/Participante
Com relação a outros aspectos do método clínico, destacamos que, nas pesquisas
em clínica ou em pesquisas consideradas interventivas, o colaborador do estudo deve
ser reconhecido em sua dupla condição, como cliente e participante do trabalho
científico. Szymanski e Cury (2004) ressaltam a importância da “consideração dos
usuários/participantes como pessoas que são focos de cuidado, co-construtores dos
significados e não “objetos” ou “sujeitos” de uma pesquisa” (360-361).
O colaborador de nossa pesquisa é uma pessoa surda, atualmente com 27 anos
de idade, participante de um processo psicoterápico de inspiração fenomenológico-
existencial. O processo teve início no mês de agosto de 2011 e continua até o presente
momento da elaboração dessa dissertação. Esse cliente chegou ao atendimento devido
ter passado por tentativas de suicídio e por estar se sentindo “angustiado”, em
sofrimento. Quem o encaminhou para atendimento psicoterápico foi uma médica
psiquiatra que o acompanhou e, sentindo-se despreparada para lidar com o atendimento
57
de pessoas surdas, informou não estar habilitada para se comunicar com o cliente,
recomendando que a família procurasse acompanhamento em caráter de urgência.
3.3 Registro dos dados
Ao olharmos para o desenvolvimento das pesquisas na clínica, vemos que um
aspecto em comum é a adoção de um documento de registro, contendo as informações e
reflexões que emergem na sessão, assim como o registro das impressões e sentimentos
do pesquisador diante do experienciado. Com relação ao material que adotamos para
construção dos dados, nomeamos de diário clínico, no qual, após a realização de cada
sessão de psicoterapia, foi feito o registro da sessão e as reflexões sobre as questões já
apresentadas nesse trabalho.
Outra forma de registro também utilizada foi a gravação em vídeo das sessões.
Este recurso teve como objetivo facilitar o estudo dos conteúdos tematizados em sessão,
já que uma característica específica de nossa pesquisa é o colaborador ser uma pessoa
surda em processo de psicoterapia e que se comunica pela língua de sinais. Dessa forma,
a expressão comunicativa utilizava o campo espaço-visual, o que exigiu cuidado na
adequação do registro dos dados às necessidades da pesquisa. Os vídeos foram
assistidos em outro momento, após a anotação do diário clínico, o que fez com que a
sessão fosse relembrada, revivida, possibilitando o acréscimo de informações e
impressões que não foram registradas no primeiro momento.
3.4 Procedimentos éticos
58
O estudo adotou como procedimentos éticos: as recomendações da Associação
Americana de Psicologia – APA (2010), que em seus princípios éticos exige a
preservação da beneficência e não maleficência, fidelidade e responsabilidade,
integralidade, justiça, respeito pelos direitos e dignidade das pessoas; as orientações do
Código de Ética do Psicólogo e a autorização de participação do cliente. Destacamos,
também, que com essa pesquisa realizamos o cumprimento do registro documental das
práticas psicológicas, conforme regulamentado e exigido pelo Conselho Federal de
Psicologia (2009).
3.5 Procedimentos de interpretação hermenêutica
Para o processo de discussão e interpretação dos dados, apresentamos recortes
do estudo clínico da psicoterapia realizada em Libras com o cliente surdo, sobre o qual
discutimos as nuances da escuta clínica na atitude fenomenológica em psicoterapia de
base fenomenológico-existencial. Escolhemos as sessões analisadas adotando como
limite de sessões as que se encontravam realizadas até o vigésimo mês do
desenvolvimento da pesquisa, perfazendo um total de dois anos e quatro meses de
psicoterapia fenomenológico-existencial, para poder realizar a defesa nos prazos
exigidos pelo programa de pós-graduação ao qual estamos vinculados. Informamos que,
mesmo com o término da coleta de dados da pesquisa, o processo de psicoterapia
continuará ocorrendo enquanto o cliente necessitar de acompanhamento.
Como estratégia de pesquisa, para melhor contemplar o nosso objetivo,
adotamos a narrativa, já utilizada em outras pesquisas (Duarte, 2013; Dutra, 2002;
Dutra, 2011; Fernandes, 2013; Maux, 2008; Morato & Schmidt, 1998; Moura, 2012;
Rebouças, 2010; Souza, 2007), por possibilitar compreender o vivido, aproximando-se
59
da experiência do narrador que está plena de sentidos que surgem e mobilizam os
envolvidos no momento da narração. Como afirmam, Alves et al. (2009) “a matéria-
prima do narrador é a experiência e seu produto, a narrativa” (p. 244), legitimando com
isso a importância dos dados elaborados neste processo para a pesquisa
fenomenológico-existencial. Com essa abordagem, a história do cliente é apresentada ao
psicólogo/pesquisador que também acompanha este colaborador no desvelar dos
sentidos. Sendo assim, trabalhamos com as narrativas em Libras, construídas pelo
cliente e pesquisador, as videogravações e o diário clínico.
Os dados obtidos foram interpretados à luz da hermenêutica heideggeriana, que
embasou as discussões apresentadas sobre as questões relacionadas ao campo da
psicoterapia fenomenológico-existencial com pessoas surdas. Trabalhamos com os
materiais registrados sem a exigência de esgotarmos as possibilidades de tematização
dos sentidos narrados durante todo o processo psicoterápico. Nesse momento de análise,
recorremos à hermenêutica, que vem sendo utilizada em pesquisas qualitativas nas mais
diversas áreas de atuação. Conforme Jesus, Peixoto e Cunha (1998), a hermenêutica foi
inicialmente utilizada pelo campo teológico no processo de interpretação dos textos
bíblicos, sendo posteriormente adotada em outros estudos, o que possibilitou o
surgimento de novas reflexões para esta arte e favoreceu a atual condição de
compreensão dos sentidos da existência, questão essa que destaca sua importância para
compor a pesquisa em clínica.
Com relação à hermenêutica heideggeriana, essa tem por base a analítica
existencial, questão presente ao longo da obra Ser e Tempo, que nos mostra as
estruturas existenciais do Dasein. Com isso, pensando no processo da análise desta
pesquisa, destacamos a dimensão originária do ser, de sempre compreender e interpretar
o mundo (Heidegger, 1927/2012). Sendo assim, o processo hermenêutico é algo que
60
ocorre no ser-com, é uma interpretação dos Daseins envolvidos tanto na psicoterapia
quanto na pesquisa. É algo que ocorre em conjunto, não somente por parte do
psicoterapeuta/pesquisador, mas junto ao cliente/colaborador. O interpretar faz parte do
existir, é uma condição do Dasein e, por isso, não poderia estar ausente do nosso modo
de realizar psicoterapia fenomenológico-existencial e de realizar estudos científicos que
buscam compreender os sentidos do ser.
61
4. INTERPRETAÇÃO DAS NARRATIVAS
Nesse momento do trabalho, apresentamos fragmentos de uma situação clínica e
as interpretações das narrativas do atendimento clínico estudado. Para tanto,
informamos inicialmente o contexto dos atendimentos, seu início, especificidades da
psicoterapia, alguns temas que se destacaram no desenrolar das sessões e que
representam a nossa construção de sentidos sobre a escuta clínica na atitude
fenomenológica em processo psicoterápico de base fenomenológico-existencial no
atendimento de pessoas surdas. Esses dados são interpretados à luz da hermenêutica
heideggeriana, em um processo de diálogo com outros autores que estudam algumas das
temáticas que emergiram ao longo das sessões como conteúdos significativos para nossa
pesquisa.
Com relação aos atendimentos, esses ocorreram em consultório particular, com
sessões com duração de 50 minutos cada, realizadas semanalmente. Durante semanas
específicas tivemos momentos de urgência e foi necessário realizar entre um ou dois
atendimentos a mais que o convencional, diante das necessidades e demandas que foram
se desvelando ao longo do acompanhamento psicoterápico. Esses momentos foram
aqueles nos quais o cliente estava em uma situação delicada e sua vida encontrava-se
em risco. No momento da realização do segundo seminário de qualificação do mestrado,
o cliente encontrava-se em sua setuagésima sessão e delimitamos esse período como
sendo os atendimentos realizados que comporiam esse estudo, mas, para a construção da
dissertação, novas informações foram acrescentadas, visto que a psicoterapia continuou
sendo realizada juntamente ao prosseguimento do mestrado. Com relação ao período da
construção dos dados, foi ao longo de vinte e oito meses de psicoterapia que as
informações foram elaboradas. O cliente compareceu regularmente aos atendimentos
62
nos horários previamente combinados. Com relação ao pagamento financeiro pela
realização desse processo, os honorários do psicoterapeuta não foram cobrados, tendo o
psicoterapeuta considerado a situação financeira do cliente e a possibilidade da
realização de um estudo científico.
Para realizar o atendimento em Libras é importante considerar a modalidade de
comunicação dessa língua, seus aspectos viso-espaciais, que implicam exigências não
só ao psicoterapeuta, mas também à configuração e organização da sala. Inicialmente a
sala na qual realizávamos o atendimento possibilitava a disposição das cadeiras em
paralelo, ficávamos de frente um para o outro, como sugerido por Veloso e Maia (2009)
para poder realizar nossa comunicação, mas essa disposição não favorecia muito a
videogravação por completo de todo o setting. Sendo assim, optei por tomar como foco
da filmagem o cliente, por esse motivo a minha imagem não está bem enquadrada
nessas filmagens iniciais. No enquadre de cena, nós estamos em perfil, com a câmera
mais voltada para gravar a sinalização do cliente. Essa escolha não prejudicou a
pesquisa, pois os registros sobre as minhas impressões e reflexões do atendimento
foram realizadas no diário clínico após cada atendimento. Outro aspecto é dispor de boa
iluminação na sala, questão de extrema relevância não só para a captura das imagens,
mas, principalmente, para a completa visualização e apreensão dos sinais. Com relação
à instalação da câmera, posicionava esse equipamento em um suporte de tripé sobre
uma mesa próxima às poltronas em que sentávamos.
Após um ano e quatro meses de atendimento, mudei de consultório e, em uma
nova sala, tive melhores resultados com a boa utilização do espaço para a videogravação
das sessões. Nesse novo ambiente, as poltronas ficam dispostas perpendicularmente,
com um espaço entre elas, nos dando mais mobilidade na escolha da posição em que
sentamos sem prejudicar as imagens. A câmera fica posicionada em frente a nós dois e
63
captura por completo a imagem do cliente, assim como a minha. Outra questão que
busquei modificar diz respeito à acessibilidade do cliente e consideração à sua condição.
Tenho na porta de minha sala uma placa que informa se estou em atendimento ou não.
Com a mudança, também mudei a placa e na nova constam as inscrições “Aguarde” e
“Livre”, aquela na cor vermelha, sinalizando o momento de esperar, assim como usado
no trânsito, sendo que, na clínica, indica ao cliente que, no atual momento, ele precisa
aguardar, pois nessa ocasião já está ocorrendo um atendimento. No lado oposto está
pintada a palavra “Livre”, na cor verde, representando que, no momento, o cliente pode,
sim, informar a sua chegada. Como a Libras é a língua oficial da população surda, e não
o português, a escolha das cores respeita essa questão e possibilita aos clientes surdos
não bilíngues ter um rápido entendimento do que está acontecendo no momento de sua
chegada à recepção do consultório. Essa estratégia surtiu um bom resultado, tanto com
adultos, como com as crianças e adolescentes surdos que são atendidos.
Disponibilizar-se para atender pessoas surdas requer pensar em condições dignas
de acessibilidade, além dessas questões estruturais, também precisamos considerar as
condizentes com as relações sociais. O local onde o profissional exerce seu trabalho
deve ter um preparo também junto aos outros profissionais que lá estejam presentes. O
psicólogo deve informar que atua com pessoas surdas, esclarecer questões básicas e, se
possível, realizar um trabalho de capacitação da equipe profissional. Informações
básicas, como apresentar alguns sinais mais usuais que permitam uma breve
conversação informativa, facilita a inserção dos clientes surdos no serviço no qual se
trabalha, assim como diminui as barreiras relacionais que podem dificultar o livre
acesso e bom uso desses espaços. Para Schneider (2012), as questões da acessibilidade
são questões políticas e legalmente garantidas às populações consideradas “deficientes”,
não se configurando somente como sinalizações e modificações físicas dos
64
estabelecimentos. Pensar em acessibilidade é ir além e garantir direitos, não interferir no
bom uso dos espaços para que as pessoas possam utilizar esses lugares com mais
autonomia e liberdade. Todas essas informações contribuem para pensar sobre um
formato de atendimento que favoreça esse tipo específico de clientela.
Com relação ao início do processo, o cliente chegou para atendimento por
indicação de uma professora da universidade, com a qual realizo o mestrado, que passou
o meu contato à família que necessitava de ajuda. O contato inicial foi feito por telefone
pelo cunhado do cliente, informando brevemente como estava a situação familiar diante
das tentativas de suicídio por parte do cliente. Também foi relatado que uma médica
havia recomendado atendimento psicológico com alguém que soubesse Libras,
argumentando que o seu trabalho já não era suficiente e que o paciente precisava
conversar sobre o que estava acontecendo. Sua família sabia que ele falava em estar
sentindo muita “angústia” e inicialmente foi informado que ele se sente diferente na
família, “ele quer casar, ter filhos”, dizia o membro familiar durante a ligação.
Marcamos uma sessão inicial com sua mãe e com o cliente para darmos início aos
atendimentos.
Na primeira sessão veio o cliente, sua mãe, sua irmã e seu cunhado. Iniciei
conversando somente com a mãe, para entender melhor sobre a necessidade do
atendimento. Essa escolha foi feita para que eu pudesse ter uma visão mais ampla da
situação, saber como o cliente se encontrava, emocionalmente, se tinha condições de
estar ali e sobre sua disponibilidade para conversar comigo, já que havia tentado se
suicidar e veio por intermédio de sua família. Bastante emocionada e sensibilizada com
a situação, relatou que o filho tentou se suicidar e que essa não foi a única vez, já que
existiram outras tentativas anteriores ao longo de sua juventude. Segundo ela, ele tentou
pular de uma ponte localizada na cidade, mas foi resgatado por policiais e levado para
65
um hospital psiquiátrico. Nesse local, foi medicado, passou um dia em observação,
recebeu alta e pôde ir para casa no dia seguinte. A mãe prosseguiu, falou sobre os
motivos que, nesse momento, poderiam levar o cliente a pensar em se matar, em suas
palavras:
Os irmãos dele já são casados, com filhos, e ele é louco para ser pai, mas até
agora não é. Eu sinto que ele se sente diferente, pensa que nós não gostamos
dele, até por não ser pai. Eu não sei o que fazer, já entreguei a Deus, porque
você ver seu filho querer morrer e você não conseguir fazer nada... não é fácil”.
Para ela, não ser igual aos outros, “ser diferente” assim como relatou em sessão,
o faz sofrer e contribui para que não se aceite nessa condição. Contou que ele trabalha
em um grande supermercado da cidade, mora com uma companheira, não terminou os
estudos, aprendeu Libras já com uma idade mais avançada e sempre preferiu ficar em
casa. Percebi a mãe expressando como compreende esse momento do seu filho, os
sentidos atribuídos ao que acontece com ele. Na perspectiva fenomenológico-
existencial, é importante acolher o discurso do outro, assim como estarmos abertos para,
em outro momento, suspender o que foi apresentado e permitir que outros sentidos
emerjam durante a situação clínica. Enquanto sua mãe fala, eu pensava no cliente, no
como seria para ele estar passando por isso. Também pensava que ele ainda se
encontrava aguardando uma escuta, ser acolhido diante de seu sofrimento, o que me
fazia refletir sobre as possibilidades do meu atendimento, questionando se daria conta
de escutar e falar com essa existência tão fragilizada.
Algo que chama atenção nesse atendimento é que se trata de um
acompanhamento de adulto, mas que o cliente chega ao psicólogo por iniciativa da
família. Quem me telefonou foi um familiar que, inicialmente, falou representando sua
família; na primeira sessão, escutei a mãe falar sobre o cliente, inclusive, relatando que
66
sempre o acompanha quando tem que ir a médicos, chegando até a resolver algumas
questões dele sem que ele precise ir junto até os serviços de saúde. Essa questão nos
mostra que um familiar de uma pessoa surda, no caso a que se encontra em
atendimento, faz a mediação entre o campo de comunicação das pessoas ouvintes e do
familiar que é surdo, auxiliando no acesso à serviços, como os de saúde, inclusive
respondendo por ele, assumindo seu lugar em um modo de cuidado que Heidegger
(1927/2012) poderia chamar de substitutivo, no qual se assume o lugar do outro,
respondendo às solicitações do mundo por ele.
Com relação a esse momento inicial, de chegar até o psicólogo, e pensando
sobre todo o trajeto que essa família precisou fazer para encontrar um atendimento
adequado, em Libras, atendimento esse não encontrado nos serviços públicos de saúde,
nos deparamos com as limitações e exclusões vivenciadas por pessoas surdas quando
buscam atendimento para suas demandas, em especial, aquelas relacionadas ao
sofrimento existencial. Mesmo com tantos avanços nas políticas de inclusão, com
decretos e leis que resguardam os direitos da população surda, ainda assim existe um
despreparo dos serviços e profissionais, culminando no desamparo da população surda
que fica desassistida, à margem dos serviços públicos e privados.
O discurso da mãe do cliente estava carregado de afetos, ela trazia o cansaço de
vivenciar o sofrimento existencial de seu filho, como o vivenciado por não encontrar
apoio adequado nesse momento de urgência, momento em que a vida de alguém muito
querido está em risco. Quando pensamos no humano, enquanto Dasein, um ser-com que
se constitui e é constituído junto aos demais entes, vemos que essa mãe também
vivencia o sofrimento do filho, ela também é afetada, não enquanto alguém que sente
tudo como seu filho sente, não como se substituísse ele, mas sofre junto, com ele, não
por ele. Enquanto ser-com, o que afeta a um toca a todos os demais, aqui estou
67
referenciando apenas a mãe, pois foi com esta que conversei, mas toda sua família
estava tocada pelo sofrimento e angústia de não saber se conseguiriam ajudá-lo nesse
momento no qual a vida do cliente estava desamparada de cuidado, por parte do cliente
e também dos serviços de saúde, nos quais buscaram ajuda e não conseguiram uma
resposta satisfatória.
Foram essas questões iniciais que chegaram até mim, foi assim que iniciamos
nosso atendimento, com a escuta de outras pessoas falando sobre o cliente e que
facilitaram o acesso para que ele pudesse chegar até um psicólogo, profissão sobre a
qual não sabia se antes o cliente já tinha tomado conhecimento. Iniciei com a escuta da
mãe, mas como nos diz Feijoo (2011) “o analista deverá assumir uma atitude
fenomenológica, e, assim, suspender todo e qualquer pressuposto que anteriormente se
fez presente, inclusive no relato dos pais” (p 118). Feijoo tece esses comentários ao falar
do atendimento clínico de crianças, pessoas que podem não ter conhecimento de que
existe uma profissão chamada psicologia e de que um psicoterapeuta pode tentar
contribuir para desenvolver algum tipo de mudança em momentos de intenso
sofrimento. Por essa questão, faço analogia ao atendimento desse adulto surdo, que
pode necessitar que outra pessoa tenha algum conhecimento das possibilidades da
psicologia para dar suporte emocional a sua atual situação.
Com relação ao atendimento de pessoas surdas com a participação de sua
família, Solé (2005) fala que, em sua experiência, devido a se deparar com clientes que
não sabiam maiores detalhes de sua história, passou a incluir entrevistas com os pais,
independente da idade do cliente, para poder auxiliá-la no desenrolar da terapia. Eu
também trabalho com a participação da família do cliente. Acredito que esse é o
momento no qual se inicia o atendimento ou pode fazer parte, em outras ocasiões,
durante o desenvolvimento da psicoterapia. Essa escolha se faz também por perceber
68
que o cliente pode não saber maiores detalhes de sua vida, por vivenciar situações nas
quais ele não participa dos processos de comunicação familiar ou em outros momentos
de sua história, como ida a médicos, resolução de questões escolares, entre outros
acontecimentos em espaços sociais que o deixam à margem no que tange a sua
necessidade de se comunicar em sinais. Falar com algum membro de sua família é ir
construindo sua história, é uma parte a mais, não deve ser o único meio de informação,
também temos, principalmente, que escutar o cliente, bastando para isso estar
disponível para que ele fale sobre sua experiência, que narre sua história e que continue
o processo de atribuir sentidos ao seu ser-no-mundo.
O passo seguinte foi escutar o cliente e, após o atendimento de sua mãe, foi isso
que fiz ao convidá-lo para sua primeira sessão. Confesso que, antes de encontrá-lo, eu
vivenciava diferentes emoções, dúvidas e interesses com relação ao como seria atendê-
lo. Qual seu nível de conhecimento em Libras? Como seria nossa comunicação? O
cliente, por estar em um momento intenso de crise, repercutiria negativamente em nosso
diálogo? Eu teria dificuldades para compreender como estava sendo para ele exercer a
responsabilidade de assumir o cuidado de sua vida? Como seria sair de meu lugar de
ouvinte e escutar e falar em sinais? Preocupava-me em poder auxiliá-lo e colaborar para
que ele pudesse sentir-se melhor. Em atitude fenomenológica, permiti-me ser tocado por
essas questões, mas precisei deixá-las em segundo plano, pois o encontro com o cliente
pedia que eu estivesse ali, totalmente presente. Nesse momento, as preocupações
abriram espaço para o meu envolvimento e implicação com esse atendimento, uma
atuação que não podia ser desenvolvida por outra pessoa, já que necessitava, no
mínimo, de alguém que soubesse Libras e, nesse aspecto, os serviços de psicologia da
cidade do cliente, na ocasião desse atendimento, não dispunham de outro profissional
que realizasse psicoterapia em Libras.
69
Para realizar a sessão inicial, eu adotei o mesmo tempo e procedimentos que
utilizo com pessoas ouvintes, com relação ao estabelecimento do contrato e demais
questões. Nesse momento, por não ter respaldo na literatura sobre o como deve se
desenvolver o atendimento às pessoas surdas, fiz o que fazia com os outros
atendimentos, utilizei o referencial que tinha aprendido na minha graduação,
conhecimento ampliado em minha especialização na atuação clínica fenomenológico-
existencial e, nessas circunstâncias, fomos construindo esse atendimento. Iniciamos
nossa conversa nos apresentando. Eu mostrei o meu sinal em Libras, a identificação
pessoal. Assim como o nome é o elemento representativo nas comunicações entre
ouvintes, também fiz meu nome em datilologia. O cliente também se apresentou,
fazendo seu sinal e mostrando seu nome. Disse a ele que sou psicólogo, perguntei se ele
conhecia essa profissão e ele disse que conhece a profissão de médico e que acredita
que eu também sou um médico. Eu respondi que meu trabalho é diferente, mas que
sobre essa questão depois nós conversaríamos. Nesse atendimento, fiz como faço com
todos os clientes, perguntei como eu poderia ajudar, ele respondeu que não sabia, que
não estava bem e que sentia muita “angústia”.
Para desenvolver essa questão, pedi que me falasse como estava sua vida e ele
iniciou dizendo que queria morrer, “acabar com tudo”. Aos poucos, ele foi relatando sua
vida, falando sobre o seu atual trabalho, sobre o contexto familiar, contou que estava
casado com uma mulher que também é surda e relatou como foi sua tentativa de se
matar. Ele descreveu o acontecimento, falou ter ido para cima de uma ponte que fica
sobre o mar, pensou por um tempo sobre sua vida e decidiu que ia pular. Nesse
momento, em que estava disposto a concretizar o abandono de sua vida, chegaram
policiais e, segundo ele, “atrapalharam tudo”, no momento em que tentaram conversar
com ele, mas logo o cliente mostrou que era surdo, colocando a mão no ouvido e, com
70
esse gesto ele disse que a polícia o entendeu. Contou que ao ser abordado pelos
policiais, nessa tentativa de suicídio, foi imobilizado e eles conseguiram ligar para seus
pais e o encaminharam para ser medicado em um hospital psiquiátrico da cidade. Após
escutar seu relato, falei que sua família estava bastante preocupada e que por esse
motivo eles me procuraram. Com o término da sessão, combinamos dar continuidade
aos atendimentos, mostrei-me solícito a escutar a sua narrativa em sinais e o cliente
concordou, afirmou querer voltar outras vezes para conversar sobre o que estava
acontecendo em sua vida.
Nesse primeiro momento, seu discurso também estava carregado de afetos,
insatisfações, intenso sofrimento e o desejo de encerrar com tudo o que lhe fazia mal. O
cliente mostrava-se emocionalmente abalado, seu olhar não apresentava vivacidade e o
movimento de suas mãos, na comunicação dos sinais, não tinha tanto vigor, a existência
estava cansada, querendo não mais prosseguir a ser-no-mundo enquanto existente. O
tédio (Langeweile) evidenciava-se enquanto tonalidade afetiva fundamental, na qual o
Dasein fica limitado em suas possibilidades de ser-no-mundo, ao passo que busca
recusar sua liberdade e se lançar na tentativa de existir como se fosse um ente dado, sem
sentido (Heidegger, 2011b). Nessa sessão, o cliente traz o seu sofrimento, sua tentativa
de abandonar tudo que vivencia por não ver outra possibilidade para sua existência. Sua
liberdade, enquanto condição existencial, está velada, o que o leva a não vislumbrar
outras possibilidades de ser e de cuidar do seu existir. Ele mostra sentir-se desapontado
por ser interrompido em sua tentativa de matar o seu viver e, por isso, ter que retornar à
cotidianidade que o incomoda e, nesse singular momento, não mais o interessa ou faz
sentido:
Eu estou com vontade de morrer, eu quero! Não quero saber de nada... Eu ia
fazer, mas chegaram os homens da polícia e atrapalharam tudo, fui para o
71
hospital e voltei. Eu estava lá (na ponte) e olhava para baixo, não pensava em
mais nada.
Ao terminar essa sessão, as questões que me inquietavam antes do início de
nosso processo me fizeram refletir que seria uma boa estratégia gravar em vídeo os
atendimentos desse cliente; pensei nesse recurso em razão de em alguns momentos
sentir dificuldade para conversar com ele, compreender o que me contava, não sei se
devido ao conteúdo da sessão e seu estado emocional ou se por incompreensão de
alguns sinais que ele apresentava e que foram difíceis para que eu os entendesse. Essa
estratégia serviria para que eu pudesse estudar o atendimento após ter sido realizado,
compreender com calma o que estava acontecendo e, ao mesmo tempo, refletir e estudar
sobre o desenvolvimento do meu atendimento em Libras com pessoas surdas.
Posteriormente ao atendimento, fui compor o relato da sessão, relembrando os
momentos vividos com essa temática tão densa, o que me fez sentir sensações
desconfortáveis. Estava revivendo afetações que o encontro terapêutico possibilita,
nesse caso estava olhando de outro lugar o que vivenciamos juntos em sessão, o
encontro com o esvaziamento de sentidos, a paralisação das possibilidades do poder-ser
(Nogueira, 2008), resultando, nesse caso, na escolha do morrer. Com relação a essa
temática inicial, a ideação suicida, Dutra (2011) traz uma reflexão heideggeriana desse
fenômeno e nos mostra que “o motivo ou motivos que levam alguém ao suicídio
formam-se ao longo de sua história e se revelam nos sentidos e modos de ser que
constituem a sua existência” (p. 153). Como vemos, é na historicidade do Dasein que a
possibilidade do suicídio pode surgir, desmistificando assim as crenças deterministas
que explicam essa condição em suas causas orgânicas ou hereditárias. Enquanto ser-aí,
o Dasein é lançado no mundo e encontra-se nesse jogo do existir, cabendo ao homem
escolher entre as possibilidades que vislumbra diante de sua existência (Heidegger,
72
1927/2012). Sendo assim, o suicídio ou a ideação suicida podem ser pensados nessa
perspectiva, também, como uma escolha feita diante de intenso sofrimento existencial.
Na sessão seguinte, levei minha câmera filmadora e, logo ao início da sessão,
conversei com o cliente e expus o que havia pensado sobre filmá-lo. O cliente consentiu
a gravação e demos continuidade à psicoterapia, realizando o registro em vídeo dos
atendimentos. Ao final dessa segunda sessão, fiquei bastante angustiado por me deparar
com momentos nos quais não compreendia o que o cliente estava expondo. Ao terminar,
saí desse encontro com a certeza de que não é fácil atender em Libras, pois esse cliente
utiliza como língua apenas a Libras, não faz uso do português, ou seja, sua sessão tem
que ser toda em Libras, sua narrativa acontece como ele prefere se expressar, em sinais.
Informei ao cliente que estou aprendendo Libras, que ainda preciso conhecer algumas
palavras, por isso, gostaria que, se possível, relatando sua história ao longo da sessão,
ele pudesse me ajudar em algum momento no qual eu não compreendesse algo que me
falava. Percebi que, ao longo do atendimento, eu estava pedindo várias vezes para que
ele repetisse novamente o que me contava e o cliente atendia minha solicitação com
tranquilidade, falando novamente com pausas para que eu pudesse melhor compreender
seu discurso, o que comprova que meu pedido foi acatado pelo cliente, mostrando-se
compreensivo com relação às dificuldades advindas de nossas diferenças linguísticas.
Nas primeiras sessões, algumas questões não ficavam claras durante o
atendimento, eu sentia dificuldades para conhecer algumas partes de sua história e, ao
rever as gravações, fui percebendo que ele não informava com clareza sobre quem ele
estava relatando algo. Isso é algo que é particular a esse atendimento, assim como pode
acontecer em um atendimento de uma pessoa ouvinte, o importante para mim foi dizer
que não estava entendendo e que gostaria que ele me explicasse com mais detalhes,
assim como eu também perguntava ao longo de nossa conversa sobre quem ele estava
73
falando, se era uma pessoa amiga, um familiar ou se era sobre ele próprio. Avançamos,
quando ele começou a dar mais informações referentes à pessoa sobre a qual falava,
dizendo se era surda ou não, amiga ou familiar, isso antes de fazer o sinal dessa pessoa
– aqui, o sinal representa o nome da pessoa – isso foi ocorrendo nas sessões seguintes e
avançamos em nossa comunicação.
Outro aspecto importante, que contribuiu na ampliação de minha compreensão
do atendimento, foi buscar estudar os sinais que não conhecia, principalmente, tirando
dúvidas em livros, vídeos e com auxílio de uma professora do curso de Libras que eu
havia realizado. Quando recorria à ela, sempre tomava cuidado para preservar o sigilo
do atendimento, mas perguntando sobre alguns sinais que surgiam em sessão ou outros
que eu relacionava às temáticas que estavam sendo difíceis de compreender. Essa
dificuldade também parte de nossas diferenças linguísticas, como relatado
anteriormente, por se tratar de duas línguas que exigem habilidades diferenciadas para
sua compreensão e execução, sendo assim, posso me considerar um estrangeiro que se
lança na comunicação em língua de sinais brasileira, na escuta clínica disposta em
atitude fenomenológica.
Nesse novo modo de escuta, estou disponível ao complexo jogo de pensar em
Libras e Português, de fazer o processo simultâneo de tradução da Libras para o
Português e vice-versa, aspecto que uma comunicação em outra língua exige. Com isso,
é imprescindível estar atento para não tornar o meu discurso em uma comunicação que
apenas sinaliza a língua portuguesa, seguindo as regras gramaticais dessa língua, o que
dificultaria a compreensão da pessoa surda que utiliza a Libras. Comunicar-se nessa
língua, por ter uma estrutura gramatical própria, diferente em vários aspectos da
estrutura do português, exige, de quem faça uso da língua de sinal, a correta execução
dos sinais estruturados em todos os seus aspectos linguísticos.
74
Além da comunicação em sinais, é preciso desenvolver a escuta e fala clínica,
que exigem do psicólogo ir além, levando para o atendimento as discussões e o
pensamento elaborados pela psicologia e pela filosofia heideggeriana. Enquanto
psicoterapeuta fenomenológico-existencial, no atendimento de pessoas surdas, o diálogo
hermenêutico tematiza o ser e sustenta a angústia existencial na comunicação que ocorre
em uma língua viso-espacial. Esse é um processo complexo que exige prática, que vai
se aprimorando com o passar do tempo e com a familiarização desse novo modo clínico
de ser. É um convite para que a escuta e a fala sejam ampliadas para novas
possibilidades clínicas, condição que só o Dasein pode realizar em sua abertura e, diante
de suas possibilidades, aprender a se comunicar por outra via.
No que diz respeito ao atendimento de pessoas surdas, considerando outras
situações nas quais fui solicitado a atender clientes surdos, suas famílias são quem
buscam o atendimento, isso aconteceu em atendimentos de crianças, adolescente e,
agora, com um adulto. Nesse contexto, com o primeiro contato ocorrendo por
intermédio de familiares das pessoas surdas atendidas, isso nos faz questionar se essas
pessoas surdas conheciam o trabalho do psicólogo ou se sabiam sobre a existência dessa
profissão. Essa é uma questão bastante preocupante para nós da psicologia, se
considerarmos a quantidade de pessoas surdas que existem em nosso país – mais de
nove milhões, como informado pelo IBGE – deparamo-nos com uma possível limitação
do campo de atuação psicológica diante das urgências existenciais de algumas pessoas
que fazem parte da comunidade surda brasileira, que, por algum tipo de sofrimento,
podem precisar de apoio psicológico.
Outra questão que levantamos, nesse sentido, é a da falta de discussão da
psicologia junto às pessoas surdas. Com o desconhecimento dessa profissão e de suas
possibilidades, cabe à psicologia buscar estratégias de levar o seu saber para que
75
pessoas surdas possam conhecer o que é a psicologia, qual o seu fazer, qual a sua
relevância, apresentar suas perspectivas teóricas, áreas de atuação, serviços
desenvolvidos pelo psicólogo, levar próximo a essa população suas discussões e
posicionamentos em relação às principais temáticas contemporâneas. É preciso que a
psicologia também crie sinais próprios, pois muitos conceitos não possuem sinal e, para
que esse saber seja transmitido, é preciso que um projeto nesse sentido seja
desenvolvido. Com isso, poderemos ter a transformação de um discurso, atualmente
oralizado, em um saber viável a outras condições existenciais, para que essa ciência não
se comunique somente por intermédio do canal oral-auditivo.
Com essas considerações, pertinentes para que se mantenha o compromisso
social da psicologia, será possível criar espaços para escutar essa população e saber o
que ela pensa sobre o nosso fazer. Outra questão que segue nesse sentido, nos faz pensar
que a psicologia atuando de modo inclusivo, abre espaço para que pessoas surdas, assim
como qualquer outra, possam seguir nessa profissão caso se interessem. Mas,
atualmente, temos uma aproximação tímida da psicologia e esse distanciamento foi
sentido por mim, revelando-se como dificuldade para o meu fazer clínico que não
encontrava suporte para a atuação em psicoterapia com pessoas surdas, como pensado
nesse tipo de atendimento em Libras que valoriza a pessoa surda em seu singular modo
de ser.
Sobre o acesso de pessoas surdas aos serviços de saúde, Marin e Góes (2006),
pesquisando sobre a experiência de atividades cotidianas de pessoas surdas, falam sobre
o momento no qual elas procuram um profissional de saúde, com isso são citadas as
dificuldades que surgem quando esses profissionais recebem pessoas com esse outro
modo de comunicar suas dores. Entre as principais dificuldades, são citadas as geradas
pelos profissionais, por não conhecerem a língua de quem os procura buscando
76
atendimento. Com relação a essa questão, são apontados dois aspectos que podem afetar
o paciente surdo. O primeiro, contempla a limitação da autonomia da pessoa surda, de
poder ir sozinha procurar auxilio médico; a outra aborda as sutilezas e particularidades
que podem gerar situações constrangedoras para o paciente que recorre à presença de
um acompanhante, o auxiliando para se comunicar com o profissional que realiza o
atendimento. Sobre essa questão, a pessoa surda, além de vivenciar um momento
mobilizador, o estar doente ou necessitando de cuidados médicos, precisa expor a sua
intimidade a outra pessoa, além do profissional de saúde, situação essa que pode
constranger ou levar o paciente a não informar particularidades e acontecimentos que
ele não quer expor a pessoas desconhecidas. Com relação a essa consideração, deve-se
reconhecer a existência de assuntos que são difíceis para o paciente relatar, relacionados
com sua intimidade ou sofrimento, questões mobilizadoras de afetos e que diante da
situação de maior exposição, ao estar acompanhado de um familiar, amigo, conhecido
ou profissional intérprete de libras, podem não ser discutidas diante do desconforto e
constrangimento gerado por essa situação.
Essa limitação da comunicação entre profissional e cliente com surdez surgiu ao
longo da realização da vigésima segunda sessão. O cliente trouxe uma situação que
vivenciou e que lhe fez passar por um momento de dúvida com relação a buscar ou não
os serviços de saúde, os quais se mostraram sem o preparo adequado para o acolhimento
de pessoas surdas. Ele falou que acreditava estar com alguma doença no órgão sexual,
narrou um pouco sobre a tensão que vivenciou e sobre a necessidade de ir ao médico
acompanhado, mesmo nesse caso que ele estava bastante constrangido por ter que expor
sua intimidade para outras pessoas. Ele trouxe, em seu discurso, algo que nos remete ao
complicado acesso de pessoas surdas aos serviços de saúde:
77
Fiquei pensando... eu tenho que ir ao médico, criei coragem, me arrumei e sai
de casa... quando cheguei à parada de ônibus eu pensei bem e voltei para casa...
Eu estava com dúvida, com medo e meu coração batia rápido. Eu sei que
precisava criar coragem e ir ao médico, mas não fui. Quando cheguei em casa
minha mãe perguntou para onde eu tinha ido. Não respondi nada e entrei no
quarto. Ela perguntou o que eu tinha ido fazer, falou sério comigo, ai eu disse
que estava doente. Ela me mandou falar a verdade, ela disse “Fale”. Eu já
estava bastante nervoso e com vergonha, e ela insistiu dizendo “Fale”, ai eu
contei a ela que era no pênis, peguei um papel e escrevi “Sexo”. Ela disse que
eu tinha que ir mostrar ao médico, mas eu disse que não ia... Minha mãe vai
junto, no posto de saúde, ela conversa com o médico e explica, mas eu não
tenho coragem de ir mostrar a ele, tenho vergonha. No passado eu fui com um
amigo, também surdo, que estava doente. Ele estava com uma doença no pênis,
a mãe dele também foi junto e foi conversar com o médico, explicar tudo. Eles lá
conversando e nós ficamos sentados esperando. Um tempo depois, quando eles
acabaram a conversa, o médico chamou meu amigo e fez o gesto para que
descesse a bermuda e mostrasse o pênis... O médico olhou e viu que meu amigo
estava doente e teve que colocar, no ânus dele, uma mangueira com um líquido
amarelo, que saía de um saco que ficava mais alto, isso durante duas horas. Eu
estava lá e fiquei com medo. O médico veio falar comigo e eu fui embora... Para
outras doenças eu até vou ao médico, mas não para doenças no pênis.
Percebemos que a falta de comunicação direta entre o cliente e o profissional de
saúde, por não dialogarem em uma língua comum, acaba gerando no cliente dúvidas e
receios com relação a recorrer aos serviços de saúde. O que vemos nesse exemplo é que
ele não conversa sobre o que está sentindo, assim como sua consulta sempre ocorre
78
mediada por outra pessoa, no caso, a sua mãe, que conta ao médico o que está
acontecendo com o filho que é surdo. Na primeira conversa que tive com sua mãe, ela
me disse reconhecer que não tem domínio em Libras e muitas vezes, se comunicam em
uma linguagem caseira e com os poucos sinais que aprendeu com o filho. O cliente
também percebe isso por parte de sua família, não só de sua mãe. Sobre os atendimentos
nos serviços de saúde, que são realizados pela mãe do cliente falando por ele, refletimos
que ela pode não compreender tão bem o que o filho lhe comunica. Com relação ao
médico, não consultar diretamente o seu paciente, não tira sua dúvidas ou esclarece os
procedimentos dos tratamentos que possa querer realizar, também percebemos como
preocupante para a saúde dessa pessoa que adoece e não comunica o seu adoecer.
Vemos que, nesses momentos, existe certa dependência por parte do cliente para que
outras pessoas possam falar por ele.
Nessas situações de dependência e cuidado substitutivo, a pessoa surda fica
excluída, suas questões podem permanecer em silêncio e invisíveis aos olhos do
profissional de saúde que a atende. Percebemos que algumas incompreensões que o
cliente possa ter com relação aos tratamentos médicos restringem e dificultam sua ida
aos serviços de saúde quando está doente, pois não é devidamente informado sobre o
que acontece por lá, a quais procedimentos será submetido e porque esses são
necessários. Em alguns casos, como no relatado anteriormente, ele fantasia sobre o que
pode acontecer e teme buscar ajuda. Sobre esse aspecto, não podemos conceber uma
psicologia que retira o cuidado de si do próprio cliente. Em atitude fenomenológica,
essa postura não é possível, devido a agir de modo a naturalizar o Dasein como um ser
incapaz, limitando sua liberdade e responsabilidade de assumir suas escolhas. Uma
escuta que apenas prioriza o que os outros dizem e não o próprio cliente não cabe no
fazer fenomenológico-existencial. Essa questão eu abordei com o cliente, entendendo as
79
dificuldades de ter que depender de alguém que faça essa mediação linguística.
Pensando nisso, refletimos, em nossas discussões, sobre o que fazer quando ele
necessitar de auxílio nessas situações. O cliente escolheu recorrer ao auxílio de um
amigo ouvinte, que sabe Libras e é seu vizinho, uma pessoa que ele conhece desde sua
infância e se sente confortável para abordar questões mais íntimas, caso seja necessário.
Ainda com relação ao contexto da comunicação, com pouco mais de um ano de
psicoterapia, o cliente passou por outro momento difícil e tentou novamente se suicidar.
Ele ingeriu produtos químicos para limpeza doméstica e foi levado por sua família ao
hospital. Quando retornou e veio ao atendimento, contou-me que acreditava estar sendo
traído por sua namorada. Nesse momento, ele já havia rompido o relacionamento com a
companheira com quem morava quando veio para psicoterapia; o casal morava na casa
dos pais do cliente. Em ambas as relações, ele levantou a suspeita de traição e
questionou suas companheiras que, com o tempo, escolhiam terminar a relação.
Passamos por outro momento delicado no processo e, novamente, o psicoterapeuta foi
solicitado a dar suporte nesse momento de crise.
Após ter vivenciado essa tentativa de suicídio, o cliente relata que sua família
insistia para que ele ficasse bem, mas o modo como ela fez isso o incomodou. Informa
que os familiares, principalmente, a mãe, conversavam oralmente com ele, emitindo
acusticamente palavras em português, junto a alguns gestos, mas ele diz não
compreender o que eles falam, como relatado em sessão:
Eles ficam só falando comigo, mexendo a boca e dizendo coisas que eu não
entendo. Isso é muito chato, ficar ali vendo eles insistirem assim, mas eu não
entendo nada do que dizem. Minha mãe sabe pouco Libras e faz alguns sinais,
mas ela estava oralizando muito e eu fico ali apenas olhando. Eu vejo que eles
querem que eu fique bem, mas a comunicação é difícil.
80
Ao relembrar essa ocasião, ele me conta falando em libras e fazendo gestos com
a boca, imitando como sua mãe conversava oralmente com ele. Se pensarmos nessa
situação, vemos que uma pessoa surda que tem como língua natural a Libras certamente
não vai compreender as palavras pronunciadas oralmente em português, pois sua língua
é visual, não auditiva, e possui uma gramática própria. Essa questão envolve outras, de
ordens mais complexas, pois não é apenas ouvir os sons, mas saber os significados das
palavras, para poder atribuir algum sentido ao que é dito. O sentido que o cliente
atribuiu ao que aconteceu foi de que essas pessoas gostam dele e, preocupadas com seu
sofrimento, querem vê-lo superar esse momento delicado. Para pensar essa questão,
Heidegger vem nos falar sobre o ser sempre estar em uma disposição que possibilita
compreender sua existência, e afirma:
Mesmo na escuta expressa da fala do outro, compreendemos de imediato o que
se diz, ou melhor, já nos encontramos previamente com o outro junto ao ente
sobre o que se fala. O que se dá em primeiro lugar não é, pois, o que se
pronunciou na articulação verbal. Mesmo quando o dizer não é claro ou quando
a linguagem é estranha, o que escutamos, em primeiro lugar, são palavras
incompreensíveis e nunca uma variedade de dados sonoros. (1927/2012, p. 227)
Embora sinta esse cuidado por parte de sua família, o relato do cliente nos
mostra que ele ainda não se sente totalmente acolhido em casa, pois falta uma língua
comum, falta ter com quem estabelecer um diálogo compreensivo sobre seus
sentimentos. Isso mostra o quanto ele e a família não se compreendem em alguns
momentos e, principalmente, nesse momento sensibilizador, após as tentativas de
suicídio. Sendo assim, pensar no atendimento realizado somente com o discurso dos
familiares, falando pelo cliente como ocorre nas idas aos serviços de saúde, deixa de
81
lado a escuta de quem necessita ser escutado, ou seja, o cliente e os sentidos de sua
existência e é por esse caminho que meu atendimento busca corresponder, ao clamor
desse ser-aí. O cliente vivencia intensa solidão, mesmo estando próximo a outras
pessoas que o consideram importante e se preocupam com ele, mas não se relacionam,
comunicativamente, de modo adequado como ele necessita.
Nesse momento da psicoterapia, em que o cliente retorna com a ideação suicida,
lembra-nos sobre a consideração de o Dasein ser abertura e, desse modo, podendo se
desvelar e voltar a se velar ao longo da sua existência. O ser, por viver imerso na
cotidianidade impessoal, está junto aos outros e corresponde aos clamores do “a gente -
nós”, vive em meio a massificação e padronização. Ele se mistura com os demais e com
isso escapa da responsabilidade de assumir as implicações de seu poder ser. Ele existe
enquanto ser que transita, em alguns momentos, se aproxima de sua propriedade, assim
como em outros passa a corresponder ao impessoal (Heidegger, 1927/2012). Queremos
concluir, com isso, que por mais que o cliente faça uma escolha em sua vida, essa nunca
será permanente. Ele mesmo chegou com a questão do suicídio e essa vivência foi se
modificando ao longo das sessões, agora, novamente, há o retorno ao abandono de si.
Essas repetições não podem ser descartadas pelo psicoterapeuta, são possibilidades do
Dasein, do mesmo modo que as possibilidades de mudança e retomada de sua liberdade.
Se pensarmos na clínica como uma aplicação técnica, em seu sentido moderno,
essa situação vai frustrar o psicólogo, por não ter conseguido alcançar com sua atuação
técnica, eficientemente, o total controle sobre a vida do cliente. Mas, como nos
relacionamos com a técnica e verdade em seus aspectos desveladores de sentidos
(Heidegger, 1927/2012; Sá, 2002; 2004), nos afetamos, sim, por essa vivência, mas
lidamos com o que se apresenta como possibilidade, no nosso lugar de psicoterapeuta
82
fenomenológico-existencial que também realiza seu poder ser no ser-com da clínica.
Nesse momento, é preciso dar continuidade ao nosso trabalho. Para isso, escuto o
cliente narrar que não quer mais viver algo que já foi experienciado por nós em outro
momento de sua psicoterapia. Essa questão que agora retorna foi modificada ao longo
da continuidade do acompanhamento e o cliente abandonou sua escolha por morrer. Isso
foi o que ocorreu naquele contexto, sendo assim, prender-se ao já vivido em terapia
limita a atuação clínica, já que, em atitude fenomenológica, não podemos conceber o
Dasein como já conhecido e com desdobramentos existenciais previsíveis. É preciso
que o Dasein seja sempre acolhido como novidade, sendo assim, quando ele falar
novamente em se matar isso terá um sentido singular, correspondente ao que está
vivendo naquele momento específico de sua existência.
Passar novamente por essa situação fez com que eu me afetasse com o que
escutava, convocando-me a pensar, junto ao cliente, sobre o que podia ser melhor para
ele. Em sessão, acolhi sua narrativa, escutado seu sofrimento e verdades, relembramos
as sessões, retomamos seus projetos já tematizados e trouxemos para a cena clínica as
outras pessoas que lhe são significativas, para que ele meditasse sobre o que está
vivendo. Recomendei-lhe ser atendido por um psiquiatra, já que ele parou, por conta
própria, de tomar os remédios prescritos em um tratamento. Com isso, esperava que o
cliente também pudesse se ver em outras possibilidades de ser e conseguisse sair desse
momento tão desalojador. Isso foi preciso, para poder seguir em terapia na tematização
dessa angústia que anunciava sentidos. Ele acatou minha recomendação de ir ao
especialista e se comprometeu a voltar para outras sessões naquela mesma semana. A
confirmação de que viria, assim como o seu comparecimento e disponibilidade para
falar de si, revelaram a pertinência da atenção clinica ofertada ao cliente nesse delicado
momento de sua vida.
83
Uma questão que precisa ser ressaltada é que, mesmo durante as tentativas de
suicídio, o cliente se comprometeu e compareceu às sessões marcadas, o que nos faz
pensar na escuta clínica em atitude fenomenológica que ele encontra na terapia, e que
possibilita a retomada de sua responsabilidade para exercer o seu existir. Essa discussão
nos remete as implicações que a escuta e fala, na clínica, trazem para o psicoterapeuta,
pois esse profissional deve, sim, respeitar o modo como o cliente escolhe falar sobre si,
principalmente na abordagem que sustenta a minha atuação. Fica evidente que a Libras
não é somente uma escolha desse cliente, ela é a única língua que ele conhece. Seu
percurso escolar foi mais limitante do que enriquecedor, sem a possibilidade de uma
aprendizagem significativa na proposta da educação bilíngue, ensino das duas línguas
oficiais brasileiras, com a Libras sendo a primeira língua e o Português como segunda
língua. Slomski (2012) e Witkoski (2012) falam sobre o bilinguismo e enfatizam que,
nessa perspectiva, a pessoa surda é reconhecida em sua diferença e necessidade, o que
lhe permite melhores oportunidades de inserção no âmbito escolar com melhores
resultados no processo de aprendizagem, o que abre espaço para possíveis
desdobramentos futuros, como inserção no mercado de trabalho, isso como derivado
dessa escolarização bilíngue.
Em um dado momento de sua vida, a escolha por trabalhar, ao invés de estudar,
está amparada em suas vivências enquanto aluno que passou por limitações impostas
pela educação regular, com profissionais despreparados e, muitas vezes, sem intérpretes
de Libras nas salas de aula, que o forçavam a ser inserido no universo ouvinte e
impossibilitavam o melhor desenvolvimento intelectual, assim como ocorreria caso a
escolha fosse por um ensino na língua de sinais, pois é dessa forma que o aluno surdo
aprende, fazendo uso da visão e não com a audição, como nos mostram Faria, Alves,
Batista e Monteiro (2011):
84
A Libras, assim como nas línguas orais, exerce papel central no
desenvolvimento interacional e cognitivo dos sujeitos surdos, cujo processo de
interação é prejudicado em ambientes em que predominam a língua oralauditiva,
porque não é a língua de sinais que media a interação entre o surdo e o ouvinte.
Muitas dificuldades de aprendizagem sentidas por essas pessoas podem ser
explicadas por meio do contexto em que elas estão inseridas. (pp. 197-198)
Voltando à comunicação do cliente com sua família, nesse tipo de atendimento
me é demandado estabelecer comunicação em sinais com o cliente e, por vezes, também
mediar a comunicação com sua família, pois é nesse horizonte que o cliente assume a
responsabilidade sobre sua história. Essa foi uma questão que surgiu ao longo das
sessões, perceber que existia uma falha na comunicação realizada entre o cliente e
demais membros da família. Sua mãe também buscou ajuda nos momentos críticos,
para saber como lidar com essa situação. Nós formamos uma parceria, pois é assim que
esses atendimentos devem ocorrer, junto a outras pessoas que são importantes para o
cliente, e sempre com o consentimento deste.
Atender esse ser-aí, com suas particularidades, mostra-me a relevância de, em
minha profissão, ter o conhecimento da língua de sinais brasileira, pois, nesse momento,
essa é a única possibilidade para realizar a escuta desse processo e, também, é por
intermédio dela que o cliente busca narrar sua história. Quando iniciava a pesquisa,
diante das leituras realizadas e que enfatizavam o uso da Libras com pessoas surdas, eu
acreditava que o atendimento partia do saber essa língua, mas no decorrer do processo
fui verificando que não basta apenas saber libras, essa é uma parte do atendimento de
pessoas surdas. Uma alternativa que pode ser pensada para resolver a comunicação em
psicoterapia pode ser a utilização dos serviços de um intérprete de Libras. Acredito que
recorrer a um intérprete não é a melhor solução para aqueles que buscam atender
85
pessoas surdas, por diversas questões, incluindo aspectos éticos, como o sigilo
profissional, entre outros tópicos que são bem discutidos no código de ética do
psicólogo. Sabemos que o intérprete é um profissional habilitado para se comunicar em
Libras, com respeito ético, e que pode assistir a pessoa surda quando ela precisar. Isso é
garantido por lei, o acompanhamento desse profissional já está regulamentado e tem seu
valor em vários âmbitos sociais, como o escolar, mas, em se tratando de psicoterapia,
devemos ser mais cautelosos com relação à inserção de um mediador nesse processo.
Dando continuidade ao entendimento de que não basta saber Libras para atender
pessoas surdas, podemos nos deparar com pessoas que fazem uso de implante coclear
ou que passaram por processo de oralização, aprendizagem de leitura labial, emissão
vocal de palavras e que podem dominar a língua portuguesa. Nessas condições, a
utilização dos sinais vai ser determinada pelo cliente, caso queira fazer uso ou não.
Também podemos pensar que existem pessoas surdas sem o conhecimento da língua de
sinais e estabelecem outros modos de comunicação, como a expressão em gestos
(Sacks, 2010). Mas pensar em efetivar um acompanhamento psicológico envolve uma
maior compreensão histórica, educacional, cultural e jurídica sobre essa temática.
Realizar esse atendimento pede que se tenha uma visão mais ampla do ser surdo,
entender os aspectos linguísticos tão fundamentais para essa comunicação; saber sobre o
percurso histórico da população surda e, com isso, buscar refletir sobre o atual cenário
social no qual nos encontramos, entendendo os preconceitos que vivenciam e o estigma
que muitas vezes segue perpetuando informações errôneas da língua e de seus usuários;
entender as modificações educacionais ao longo do tempo e suas repercussões, as
fragilidades das tentativas de educar surdos como se fossem ouvintes, as atuais lutas
pelas escolas bilíngues, saber que o cliente pode ter tido seu desenvolvimento afetado
por não ter acesso à educação e que essa dificuldade vêm se somar às outras situações
86
críticas que agravam a falta de qualificação profissional, com conseguinte desemprego
de parte desses cidadãos; conhecer o que eles falam ser a cultura surda, comportamentos
éticos, de valorização do ser surdo e de sua singularidade; juridicamente, tomar
conhecimento das principais leis e decretos, sobre questões trabalhistas, educacionais,
dos serviços de saúde que regem o nosso país e resguardam direitos e deveres da pessoa
surda. Saber sobre esses tópicos é avançar na atuação clínica, é desenvolver uma escuta
crítica e afinada com as diversas realidades e questões que envolvem a comunidade
surda.
É dessa escuta que falamos quando pensamos a escuta clínica na atitude
fenomenológica em psicoterapia fenomenológico-existencial. Uma escuta atenta aos
sentidos do ser e não só à sonoridade das palavras, mas a sua fluidez enquanto
linguagem. Como ressaltam Lima, Yehia e Morato (2009) escutar é “uma postura de
colocar-se disponível, aberto para acolher os sons e para algo mais (sentido) que se faça
presente na relação com o outro” (p. 180). Nesse sentido, falamos sobre a clínica de
inspiração heideggeriana no acompanhamento psicológico de pessoas surdas como uma
atuação baseada na noção de Dasein e, com isso, pensada nas condições existenciais
desse ser que está em experiência como um ser-com e ser-no-mundo. Por essas
questões, temos que ter essa compreensão mais ampla da vivência de ser surdo, trazer
sua historicidade para a reflexão clínica, para assim nos comunicarmos em uma língua
viso-espacial, em língua de sinais que pode ser adotada por pessoas surdas e ouvintes.
Ao longo desse estudo, vemos que as relações entre pessoas surdas e ouvintes
estão entrelaçadas e, em alguns momentos, se pensarmos historicamente o processo
educativo, os ouvintes assumiram o lugar de escolher como seria a vida de quem fala e
escuta de modo singular e por outra via. É sabido que o modelo normativo de quem
ouve guiou as estratégias reabilitadoras para que a fala de pessoas surdas fosse
87
desenvolvida oralmente, nos serviços de saúde e escolares, ficando esta pessoa
desvalorizada em sua real condição (Sacks, 2010; Skliar, 2010; Bisol, Simini, & Sperb,
2008). O que temos, atualmente, é uma considerável separação entre aquele que é surdo
e o ouvinte, na qual vemos em alguns momentos, por parte das pessoas surdas, que o
ouvinte não pode aprender certos sinais e que tenta assumir o lugar de quem é surdo,
entre outras afirmações, que são compreensíveis em comparação ao processo histórico,
mas que precisam ser discutidas e esclarecidas, visando um melhor relacionamento
entre essas pessoas. Essa dualidade, ouvinte x surdo, evidenciou-se em alguns
momentos da psicoterapia, quando o cliente falava sobre suas relações amorosas e sobre
se sentir “perseguido” pelas pessoas ouvintes.
Em sua história, o cliente envolveu-se afetivamente com pessoas ouvintes e
surdas, por ora gostando mais de relações com pessoas ouvintes, mas, em outros
momentos, quando questionado, disse que a comunicação com pessoas ouvintes, para
ele, é mais difícil e que se sente mais compreendido e consegue conversar melhor com
quem também é surdo ou se comunica em Libras. A comunicação com algumas
namoradas ouvintes era insuficiente e básica, com trocas de mensagens por celular e a
realização de alguns gestos manuais. Quando era preciso um diálogo mais aprofundado,
inclusive, em momentos críticos vivenciados pelo cliente, como exemplo, após o
termino de uma relação com uma mulher ouvinte, o cliente não entendia bem o que ela
lhe dizia e passou a acreditar em algo que ele desconfiava acontecer, estar sendo traído.
Situação já tematizada nesse trabalho, mas que traz à discussão a complexa relação
surdo-ouvinte.
Em outro momento, quando trouxe mais intensamente os conflitos entre ser
surdo e ser-com pessoas ouvintes, já estava com um ano e seis meses de
acompanhamento psicoterápico. Nesse momento, ele abordou a temática do trabalho e
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de continuar desempregado, narrou que suspeitava não estar conseguindo emprego por
causa de um desentendimento ocorrido com o gerente de um trabalho anterior:
Eu trabalhava em uma fábrica, aí um dia eu não consegui entrar no trabalho.
Na recepção da empresa o meu cartão não passava e eu fiquei lá fora,
aguardando. Chegou o gerente, chamou-me para conversar e disse que eu ia ser
demitido... Eu não sei o motivo, acredito que ele pensou que eu roubei algo lá,
mas eu estava só trabalhando, eu não fiz isso... Em uma reunião ele contou para
todos, que estavam lá, que eu roubei e por isso estava demitido... eu não estava
na reunião, mas acho que ele disse, porque as pessoas passaram a me olhar
diferente. Ele não sabe Libras, mas tinha uma pessoa que sabia e nós
conversávamos. Em seguida eu fui trabalhar em um supermercado, isso no meu
último emprego, passei uns dois anos lá e fui demitido. Agora, estou todo esse
tempo sem conseguir trabalhar, acredito que as pessoas ouvintes pensam que eu
sou ladrão, por isso não me dão emprego. Eu percebo o olhar delas, como ficam
estranhas quando estou perto. Inclusive, há um tempo, eu fui à justiça e pedi
para eles verificarem se eu tinha algum processo ou registro de que sou
criminoso. Cheguei lá com o intérprete e eles olharam no computador, me
entregaram um papel, como resposta, no qual constava que eu não havia
cometido nada de errado.
Diante do seu relato, procurei compreender com ele o que havia acontecido em
seu trabalho, questionando as verdades que ele apresentava, como as relacionadas ao ter
certeza que o gerente havia falado dele em uma reunião. Percebi que essa busca de
ampliação da situação não possibilitou ao cliente lançar um novo olhar para essa
situação, sendo assim, deixei de lado a verificação dos fatos e, refletindo sobre as
implicações dessas vivências, permiti-me compreender em atitude fenomenológica os
89
sentidos que se desvelavam em sua narrativa, como era para ele se sentir como alguém
que não conseguia um emprego e que se via como possível ladrão. Em atitude
fenomenológica, minha intenção, nesse momento e em outros de sua psicoterapia, foi
buscar escutar hermeneuticamente, no ser-com, ampliando a nossa compreensão na
trama dos sentidos narrados nessa e em outras histórias que se desvelaram nas sessões.
Nas palavras de Sapienza (2007):
A maneira como trabalhamos em terapia se dá como um compartilhar a
interpretação da facticidade daquela existência que temos junto a nós no
consultório. Interpretação aqui não quer dizer encaixar aquilo que o paciente traz
no referencial de uma teoria de psicologia. Quer dizer, diante do que ele traz,
tendo como horizontes, ao mesmo tempo, os existenciais e aquela história
particular, empenhar-se não só na explicitação do sentido do que aparece como
na ampliação desse sentido, na procura do que pode estar encoberto – pois o que
é se dá e se oculta – propiciando assim que o paciente possa alargar e aprofundar
a compreensão de como está sendo seu modo de existir. (p. 47)
Logo em seguida à exposição dessa situação, o cliente começa a trazer mais
informações que intensificam o desconforto e sentimentos que ele tem por algumas
pessoas ouvintes:
Tem outra coisa que eu ainda não falei a você. Sempre têm pessoas que ficam
me seguindo, onde quer que eu vá, sou seguido, inclusive quando venho aqui. Eu
não sei quem é, pois sempre são pessoas diferentes. Elas são ouvintes, e ficam
me olhando estranho, na parada do ônibus, na rua quando passo... em qualquer
lugar. Eu percebo que estão olhando para mim, desconfiadas. Algumas tentam
disfarçar, outras, quando percebem, mudam o caminho delas... Eu já perguntei
a algumas pessoas o que elas queriam, eu acho que elas acreditam que eu sou
90
ladrão, por isso ficam me seguindo. Eu não sei se vão me prender. Nesse tempo
todo a polícia nunca foi lá em casa. Faz muito tempo que percebo isso, desde
que eu estou sem trabalhar e acredito que não me dão emprego porque pensam
que eu roubei.
Se essa experiência fosse analisada por outra perspectiva da psicologia, poderia
ser tomada como um delírio, uma ideação persecutória, como Solé (2005) aborda, ao
fazer uma leitura psicanalítica de vivências parecidas com essa, nas quais o cliente
surdo relata seus conflitos com pessoas ouvintes. Realmente, essa é uma questão que
precisa ser investigada, e foi o que fiz ao longo dos atendimentos, já que o cliente fazia
uso de psicotrópicos quando chegou para o acompanhamento e ainda, durante algum
tempo, parando posteriormente por escolha pessoal. A reflexão que faço sobre o que foi
narrado é pensando nas restrições impostas à sua liberdade enquanto Dasein, que
encontra inúmeras dificuldades para se fazer presença no ser-aí, na situação
desalojadora de estar com sua fala – linguagem ontológica, limitada diante da escuta
ofertada pelos outros entes, com os quais exerce o ser-com, e que não são surdos ou não
sabem sua língua. Também penso no como o seu pouco nível de escolarização, ou seja,
as poucas oportunidades de conhecer e compreender em maior profundidade o mundo
do qual faz parte contribuíram para que sua condição existencial de compreender não se
realizasse satisfatoriamente em sua experiência fática. Ao ser privado de informações
como as das descobertas científicas, a falta de algumas explicações do mundo natural
podem favorecer fantasias explicativas desse mundo, junto à construção de uma
realidade que pode não condizer com o que realmente vivenciamos, o que pode
ocasionar sofrimento, em algum momento, em que sua verdade seja questionada e
colocada à prova perante os saberes disseminados pelo mundo científico.
91
Para Heidegger (1927/2012) “toda verdade é relativa ao ser da presença na
medida em que seu modo de ser possui essencialmente o caráter de presença (p. 298)”,
desse modo, na clínica fenomenológico-existencial, entendemos a verdade como uma
possibilidade do Dasein desvelar sentidos, elaborando essa sua verdade e ampliando a
compreensão de sua existência, do que lhe é possível na abertura do ser enquanto
presença, considerando, também, que essa compreensão diz muito da trama de sentidos
de sua história. É essa verdade que precisa ser escutada na clínica, o desvelar
hermenêutico dos sentidos, como nos mostra Sá (2009):
Quanto mais livres somos para a escuta, mais temos a impressão de que
perspectivas aparentemente antagônica, no fundo, têm quase sempre suas razões
e revelam aspectos possíveis da situação. O problema se encontra mais na
limitação e na unilateralidade das verdades do que em sua inadequação a uma
suposta realidade objetiva. (p. 73)
Por estar próximo ao cliente, como psicoterapeuta, e por escutar e falar em
Libras, percebo que, mesmo eu sendo ouvinte, diferencio-me dos demais e sou
considerado como uma pessoa de referência para sua vida, alguém que ele pode confiar
para falar sobre seu sofrimento e que pode auxiliá-lo em momentos difíceis. Acredito
que a escuta desenvolvida com base na atitude fenomenológica, viabilizada por
intermédio da comunicação em sinais, nos aproximou e contribuiu para que esse Dasein
se sentisse acolhido e confortável, livre em seu modo de ser, para poder abordar as
temáticas mais delicadas de sua história.
No que diz respeito às narrativas desenvolvidas em psicoterapia
fenomenológico-existencial, sabemos que psicólogo e cliente estão em comunicação,
sendo ela uma das condições originárias do ser-com do Dasein. Enquanto ser que existe
no aí, junto aos demais, a fala do cliente não é somente a anunciação de algo que espera
92
por entendimento, mas diz respeito ao desenrolar de uma compreensão que é sentida em
sua intensidade por todos os envolvidos. Nessa situação, o psicólogo também é um ser-
com que faz parte dessa disposição e compreensão sobre a qual o cliente relata. Como
nos lembra Heidegger (1927/2012), “comunicação nunca é a transposição de vivências,
por exemplo, de opiniões e desejos, do interior de um sujeito para o interior de outro
sujeito. A copresença já se revelou essencialmente na disposição e compreender
comuns” (p. 225).
Por se sentir escutado e compreendido, o cliente solicitou ajuda, em alguns
momentos, para estabelecer comunicação com outras pessoas ouvintes. Pediu-me que o
ajudasse a elaborar uma carta em português para uma namorada, em outro momento, fui
solicitado a ler uma mensagem escrita em português por uma pessoa ouvinte. Quando
ele quis fazer um cartão para uma namorada ouvinte e pediu minha ajuda, contribuí
escrevendo em português o que ele me falava em sinais. Procurei trabalhar com ele
levando-lhe a compreender o que realmente estava escrito em suas correspondências,
saber o que diziam essas mensagens que recebia e como era para ele recebê-las, seja
uma declaração de amor ou até mesmo uma carta na qual a namorada rompia o
relacionamento que estavam construindo.
Além dessas mensagens de caráter afetivo, também surgiram alguns
documentos, como exemplo os da igreja a qual frequenta e o documento judicial que ele
havia solicitado, registros significativos ao seu processo psicoterápico. Todos esses
escritos se encontravam em português e precisavam de tradução para a língua de sinais,
e foi isso que o cliente buscou ter em sua língua o que estava recebendo originalmente
em outra e que surgiam como questão para o seu ser. Essa é uma demanda que também
cabe ao psicoterapeuta de pessoas surdas, auxiliar em situações mais delicadas, como
essas que envolvem relações amorosas e íntimas. São situações que um intérprete de
93
Libras poderia fazer, mas penso que o psicólogo também pode realizar quando
solicitado, quando essas ações não puderem ser realizadas por outra pessoa, um familiar
ou amigo que saiba Libras e, principalmente, no momento em que fizer sentido para o
processo clínico.
Nosso percurso, na psicoterapia fenomenológico-existencial, no atendimento de
uma pessoa surda, se deu diante dessas questões apresentadas ao longo desse capítulo.
Caminhamos na atuação clínica durante esse tempo, no qual o cliente pôde tematizar
suas questões, falar sobre seu sofrimento, ser escutado em sua língua, no desvelar de
seus sentidos, mas, assim como nos outros atendimentos em psicoterapia, chega um
momento no qual é preciso pensar na possibilidade do encerramento do processo
realizado. Encerramento que é pensado como maior compreensão de algumas questões e
que não se encerra por completo, já que o Dasein é um ser de abertura que vive sua
indeterminação no existir cotidiano, nunca podendo concluir, fechar por completo sua
existência em psicoterapia. Não se trata de alcançar objetivos que visem à adequação do
humano ou o alcance de sua máxima eficiência, crítica já feita por Heidegger
(1954/2010) ao pensar o uso da técnica modera como exploração de algo, nesse caso,
nós podemos pensar na exploração do Dasein em seu modo de ser-no-mundo.
No tocante a clínica fenomenológico-existencial, diferentemente da atuação
técnica moderna, não cabe conceber o humano como um produto a ser trabalhado por
técnicas de aperfeiçoamento para que se chegue a um fim desejado que corresponda a
eficiente adequação do ser ao mundo. Agindo assim, tomaríamos o Dasein como um
ente dado e responderíamos apenas as adequações técnicas exploratórias dos clamores
sociais, encobrindo os sentidos do ser e sua constituição enquanto abertura, realização
que não caberia ao nosso fazer clínico. Por outro lado, a técnica para o pensamento
heideggeriano, refletida na psicoterapia fenomenológico-existencial, diz respeito a sua
94
origem grega, enquanto téchne (τέχνη), ou seja, a arte do homem de permitir emergir
aquilo que vem de encontro a sua presença e que produz verdades (alétheia) (Pompeia
& Sapienza, 2011; Sá, 2002a). É a busca da modificação de um pensamento meramente
calculante, que analisa decompondo as partes para se chegar a um fim, para um novo
modo de pensar fenomenológico-existencial, o meditante, que se lança na compreensão
do ser. Como exposto por Sá (2004) “ao contrário do pensamento calculante.... que tudo
reduz à dimensão de objeto de representação, o pensamento que medita nos solicita uma
atenção livre de qualquer violência subjetiva, isto é, de qualquer identificação a um
aspecto exclusivo das coisas” (p. 44).
Na meditação sobre o encerramento, lidamos com o que já foi tematizado ao
longo das sessões e levamos o cliente a refletir sobre dar continuidade ou encerrar a
psicoterapia. Nessa escolha, nos posicionamos em hermenêutica existencial, pensando
juntos o como estamos e o que pode ser possível nesse momento de sua vida. Sendo
assim, algumas questões são retomadas e trazemos alguns pontos norteadores de um fim
que se anuncia, mas que até o momento da conclusão desse estudo não foi realizado.
Pensamos sobre o como ele está se apropriando de sua história, de suas escolhas e o
como lida com a impossibilidade de realizar tudo que se mostra em seu horizonte do
poder ser. Percebemos que, entre suas escolhas, temos a de seguir em um
relacionamento com uma nova namorada ouvinte, que não sabe Libras e não mostra
disponibilidade para aprender essa língua, essa escolha se fez mesmo considerando as
possíveis inquietações que essa dificuldade na comunicação possa trazer para o
relacionamento. Também nos deparamos com a escolha de não se aposentar por
invalidez, contrariando a opinião de sua família e seguindo com seu projeto de encontrar
um novo trabalho, já que essa é uma questão que o realiza enquanto pessoa.
95
Quando tocamos na queixa que o trouxe ao acompanhamento, falamos sobre os
momentos nos quais tentou suicídio, com isso, permitimos nos deparar com o
reencontro e compreensão dessa experiência constituinte de sua história, mas que nesse
momento pareceu distante do atual lugar no qual o cliente se encontra. Esse seu outro
modo de cuidar da vida nos mostra que, nesse momento, o cliente elaborou suas
vivências de sofrimento que de algum modo se integravam à sua busca de abandono do
existir. No espaço clínico, também foi discutido com o cliente sobre os lugares de
ampliação de sua socialização, já que trazia tantas vivências de solidão e isolamento,
conversamos sobre sua inserção em uma equipe de futebol e sua participação em uma
associação de surdos, escolhas feitas pelo próprio cliente, exercendo mais
satisfatoriamente o seu ser-com. Foi nessa rede de apoio que as relações, que antes
estavam afastadas, foram resgatadas e o cliente se permitiu ser-com esses outros que
também compartilham de sua condição existencial, ser surdo, escutando visualmente e
falando manualmente.
Como fomos percebendo nas sessões, o cliente passa a ter outros planos para sua
vida, busca realizar outras possibilidades para o seu ser. Ele quer seguir jogando
profissionalmente em seu time de futebol, que representa a associação de surdos de sua
cidadee também quer voltar a estudar, para dar continuidade ao seu crescimento pessoal
e estar mais preparado, inclusive, para retornar ao mercado de trabalho. Já eu, enquanto
psicoterapeuta fenomenológico-existencial, respeito suas escolhas, mesmo quando
posso considerar que outra opção seria mais apropriada, como, por exemplo, a que diz
respeito à escolha do cliente de se relacionar amorosamente com pessoas que não lhe
compreendem linguisticamente, mas, considerando que só quem pode realizar suas
escolhas e dar continuidade na concretização de seus projetos é o próprio cliente,
reconheço que cada Dasein é responsável por sua existência. Nesse sentido, não cabe ao
96
psicoterapeuta escolher por seu cliente, mas em escuta compreensiva, disposta em
atitude fenomenológica, cuidar desse ser enquanto preocupação antepositiva libertadora.
Como nos mostram Feijoo (2000; 2011); Sá (2002a; 2002b; 2009; 2010);
Pompeia e Sapienza (2011) e Sapienza (2004; 2007), em psicoterapia fenomenológico-
existencial, cliente e terapeuta percebem uma ampliação da liberdade e maior
compreensão das relações de cuidado que essa existência passa a desenvolver enquanto
Dasein, momento que nos leva a pensar no encerramento, no sentido de reconhecer que
o ser se encontrou, durante alguns momentos, com suas questões e nesse desvelar de
sentidos pôde resgatar sua liberdade e realizar alguns projetos existenciais. Configura-se
como um final que possibilita um retorno, em algum outro momento de sua vida, caso o
cliente sinta a necessidade novamente de questionar o seu ser-aí, pois, como já falamos,
o Dasein como abertura nunca se completa e vive lançado em angústia. Encerramos
com as palavras de Pompeia e Sapienza (2011) ao nos lembrar que nossa atuação clínica
para com o Dasein, que nos solicita escuta em atitude fenomenológica, caminha para:
Ampliar sua liberdade, para que ele possa se aproximar da sua história e fazer
dela, propriamente, a “sua” história, na qual são acolhidos os fatos que já se
deram, o que está acontecendo agora, e que se abre para o que pode vir a ser; em
que cabem sua realidade, suas perdas, seus sonhos. Assim, não o passado, não o
presente, não o futuro, não a conduta, não o sintoma, mas a totalidade da sua
história: é essa a nossa referência na clínica. (p.159)
97
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A perspectiva fenomenológico-existencial, por trabalhar com o reconhecimento
da abertura do humano e de sua característica essencial, a indeterminação do ser, deve
considerar a possibilidade de que uma pessoa surda, que fala e escuta de modo diferente
do que é conhecido como falar e escutar, que se comunica em uma língua que utiliza
sinais expressos principalmente por suas mãos, pode, sim, necessitar de
acompanhamento psicológico. Nesse sentido, esse estudo se desenvolveu buscando
compreender a escuta clínica na atitude fenomenológica no atendimento psicoterápico
de uma pessoa surda. Atendimento que serviu de base para desvelar algumas
possibilidades de atuação clínica nesse contexto, auxiliando-nos nas reflexões de como
essa prática se dá na experiência do psicoterapeuta.
Escolhemos, ao longo dessa pesquisa, nomear como “pessoa surda” o ser que,
assim como os demais, traz em sua alteridade uma condição singular, com aspectos
linguísticos específicos. A população surda brasileira prefere ser reconhecida pelo termo
“surdo”, no campo da biomedicina, temos a escolha do termo “deficiente auditivo”. Já
nós, por ressaltarmos que o Dasein é um ser singular e não poder ser enquadrado em um
único conceito, elegemos nomear como “pessoa surda”, não enfatizando assim somente
a característica da surdez, mas mostrando que falamos de um humano, Dasein, ser,
independente de sua condição, reconhecido como igual em seu modo de ser singular, e
que, nesse caso, comunica-se em uma língua específica, a língua de sinais, que é
realizada viso-espacialmente.
A clínica com pessoa surda depende das particularidades de cada caso
específico. Temos que buscar conhecer como essa pessoa exerce o seu ser-com em
disposição, compreensão e linguagem, para pensar a atuação clínica. Esse conhecimento
98
faz-se necessário devido às diversas condições de ser pessoa surda, já que temos pessoas
oralizadas, pessoas que nasceram surdas e não sabem Libras, outras que nasceram
surdas e sabem essa língua, temos as que se tornaram surdas em outro momento de sua
vida, também temos as que fazem uso de aparelhos auditivos ou implantes cocleares,
entre outros modos das pessoas surdas exercerem sua existência. Sendo assim, não
podemos dizer ser somente por intermédio da Libras que uma pessoa será escutada na
clínica fenomenológico-existencial. Antes disso, a atitude fenomenológica contribui
para a compreensão do ser surdo como Dasein e traz necessidades específicas, também,
para o psicólogo ouvinte poder realizar esse atendimento. Essa questão pode demandar
desse profissional o seu preparo para se comunicar em língua de sinais, assim como
demanda que compreenda a complexidade dos outros aspectos que estão relacionados às
pessoas surdas, questões linguísticas, educacionais, sociológicas, da área da saúde e de
outros campos do saber.
No tocante as particularidades desse atendimento, vimos que uma pessoa surda
estabelece uma relação linguisticamente diferenciada da realizada pela pessoa ouvinte.
Ela está no mundo em uma experiência visual e é pertinente que a clínica seja pensada
também como um espaço inclusivo e acessível. No ambiente de trabalho, é preciso
realizar mudanças estruturais e relacionais, pensar sobre os recursos que podem auxiliar
o psicólogo, por exemplo, o uso da videogravação. Ele deve buscar facilitar a
experiência visual de seu cliente, com a utilização de placas, fotos, revistas na sala de
recepção, para que ele se sinta acolhido e valorizado. O psicoterapeuta também deve
conversar sobre a realização desse atendimento com os outros profissionais e
funcionários do local onde atua, levando informações e esclarecendo dúvidas. Essas
questões, assim com outras que visem receber igualmente um cliente surdo e um
99
ouvinte, são necessárias ao atendimento psicoterápico fenomenológico-existencial de
pessoas surdas.
Desenvolvendo essa atuação, possibilitamos que a população surda tenha acesso
aos serviços psicológicos e passe a conhecer as possibilidades dessa profissão.
Rompemos com o distanciamento existente na psicologia entre práticas clínicas e a
escuta de pessoas surdas, iniciando com a discussão sobre a relevância dessa
modalidade de atenção. Atuamos em respeito ao Código de Ética do Psicólogo, que nos
pede compromisso social, sendo assim, com envolvimento político que responde as
demandas sociais contemporâneas. Essa é uma postura clínica que se faz política, pois
vemos que o fazer tradicional dessa profissão, a psicoterapia, passa a se implicar com
questões que ficaram à margem das discussões dessa ciência, ao longo do
desenvolvimento da história da psicologia brasileira.
Na realização desse atendimento, deparamo-nos com algumas limitações
impostas pela psicologia e no que diz respeito às questões do psicoterapeuta. Como
discutimos, a psicologia esteve distante dessa temática durante muito tempo, sendo
assim, não encontramos materiais que embasem a realização desse fazer, que respalde
teórica e praticamente essa atuação. É preciso construir esse conhecimento com leituras
de diversas áreas, da filosofia, educação, linguística, fonoaudiologia, medicina, para
refletir nossa atuação clínica. Faltam referenciais teóricos que pensem em profundidade
a psicoterapia de pessoas surdas, questão que também toca o campo da abordagem
fenomenológico-existencial, na qual não se encontram estudos dessa natureza. Essas
limitações repercutem na atuação do psicoterapeuta que não está sendo preparado para
lidar com tais demandas. Percebemos que é preciso fomentar a discussão desse tema no
contexto dos cursos de psicologia, estruturando grupos de extensão, pesquisa e estudo
que possam dar amparo à nossa atuação, formando os futuros psicólogos com uma visão
100
ampla no tocante à essa questão. E, principalmente, habilitar o psicólogo para o manejo
da prática clínica com pessoas surdas.
Não é porque a clínica com pessoas surdas é realizada em outra língua que esse
atendimento deve ser concebido como diferente dos demais processos psicoterápicos. A
duração das sessões, cobrança de honorários, estabelecimento do contrato terapêutico,
acordos – como o relacionado ao momento de entrar em sala para ser atendido e o
contato que precisa ser estabelecido para realizar desmarcações ou remarcações, seja
auxiliado por outra pessoa ou com o envio de mensagens de texto de um aparelho
celular – assim como outras questões, precisam ser abordadas como tratamos em um
atendimento regular de clientes não surdos. Dentre o que diz respeito, especificamente,
ao atendimento de pessoas surdas, aponto para a necessidade de estar em contato com a
família, mesmo em atendimentos de adultos, devido às questões já mencionadas. Sobre
a utilização de videogravação, esse pode ser um recurso interessante e que dará suporte
ao psicólogo, para que possa recorrer quando tiver alguma dúvida, principalmente nos
momentos iniciais do atendimento.
No que diz respeito à duração de todo o processo, diferentemente de Solé (2005)
que diz ser preciso um tempo maior de psicoterapia do que com cliente ouvintes, na
perspectiva fenomenológico-existencial não podemos determinar períodos para
acompanhar determinados casos e pessoas. Trabalhamos com as inúmeras
possibilidades de vir a ser, que o Dasein apresenta em sua existência, sendo assim, não
cabe traçar metas relacionadas ao período em acompanhamento, essa é uma questão que
vai se desenrolando ao longo do processo, atenta aos conteúdos que vão sendo
trabalhados, as mudanças que ocorrem na vida do cliente e, quando for o momento, em
acordo entre as partes envolvidas, pode-se pensar no encerramento da psicoterapia,
101
nunca em um fechamento, pois as questões não estão concluídas, já que o Dasein é um
ser de abertura e está sempre em liberdade para vir a ser.
Para o psicólogo, é fácil não ter que falar em libras, é cômodo permanecer no
que já está dado, inclusive querer que a pessoa surda aprenda a se comunicar como a
psicologia está acostumada a ouvir. Nesse modo de não escutar as solicitações do
mundo, essas questões ficam distanciadas das práticas psicológicas contemporâneas.
Podemos afirmar que o difícil é se disponibilizar a transpor o já dado e investir,
linguística e afetivamente, em aprender uma nova língua que escapa ao modo
convencional de comunicação, em um novo modo de escuta, de ser-com esse outro
estrangeiro, assim como também se é.
Pensamos no Dasein como igual e múltiplo, igualando-se no seu modo
constitutivo de ser enquanto abertura, indeterminação, livre, ser-com/ -aí/ -no-mundo/ -
para-a-morte, compreensão, disposição e linguagem. Diferindo-se nas infinitas
possibilidades de exercer sua existência, com suas escolhas impróprias e próprias, seus
modos de cuidado de si, do outro e do mundo, do vivenciar a angústia, entre outras
questões, inclusive as que dizem respeito aos modos de ser em linguagem. Nesse
sentido, pensamos em uma clínica em disposição, compreensão e linguagem, em
abertura, livre, lançada em possibilidades, uma clínica que é realizada com a
consideração do ser enquanto Dasein e, desse modo, sua arte representa sua essência
que é vir a ser.
Com esse relato, percebemos que, atualmente, é difícil para uma pessoa surda
chegar até um atendimento psicológico, assim como para ter acesso aos outros espaços
considerados constitucionalmente como de direito de todo e qualquer cidadão. O
psicólogo, ao se deparar com esse tipo específico de atendimento, é questionado, em seu
fazer, a repensar o que está presente em sua atuação clínica, que é o processo de escuta
102
dos sentidos. Junto ao cliente, precisa ouvir com os olhos e falar com as mãos. No
tocante à atuação fenomenológico-existencial, acreditamos ser preciso aprofundar a
compreensão da escuta na comunicação em sinais, na premissa de devolver ao cliente o
cuidado de si, já que muitas vezes esse cuidado está delegado à outra pessoa, lugar esse
que o psicoterapeuta não pode assumir. Esse profissional deve facilitar a tematização de
sentidos para permitir ao cliente falar de sua experiência, trazendo suas questões,
demandas, dúvidas e projetos, para que assim o encontro terapêutico seja abertura para
outras possibilidades no horizonte histórico de sua existência.
Penso que na psicoterapia fenomenológico-existencial não podemos prejudicar a
compreensão de sentidos do Dasein, temos que auxiliar o cliente surdo em seu processo
de desvelamento dos sentidos, tematizando suas questões e dialogando de forma
compreensiva, ou seja, falando em sua língua. Trago essas questões para poder pensar
no meu papel enquanto ser-com, lançado nesse mundo indeterminado e que trouxe ao
meu encontro uma nova demanda, escutar em uma língua diferente da minha, sobre a
qual eu antes não tinha conhecimento como possibilidade de comunicação em
psicoterapia. A psicologia não me apresentou essa modalidade de atuação ao longo da
graduação, como realizar essa escuta singular de palavras que são sinalizadas. Embora
seja esse o cenário no qual comecei, fui buscando melhor entender essa prática clínica,
discutindo o que venho vivenciando desde meu último ano de graduação e, mais
recentemente, nos estudos realizados durante a pós-graduação lato sensu e na pesquisa
atual do mestrado. Sendo assim, tenho a oportunidade de também construir esse novo
fazer, o que requer muita reflexão e discussão da prática clínica. Não escutar esses
clientes é tornar-se surdo diante das alteridades do ser-com.
103
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