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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL ARTHUR MONTEIRO LINS FIALHO A TUTELA SUMÁRIA DE DIREITOS EVIDENTES SOB A ÓTICA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO NATAL/RN 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL

ARTHUR MONTEIRO LINS FIALHO

A TUTELA SUMÁRIA DE DIREITOS EVIDENTES SOB A ÓTICA DOS

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO

NATAL/RN

2017

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ARTHUR MONTEIRO LINS FIALHO

A TUTELA SUMÁRIA DE DIREITOS EVIDENTES SOB A ÓTICA DOS

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Direito da Universidade Federal

do Rio Grande do Norte, como requisito parcial

para a obtenção do título de Mestre em Direito

Constitucional.

Nome do Orientador: Professor Doutor Artur

Cortez Bonifácio

NATAL/RN

2017

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Catalogação da Publicação na Fonte.

UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Fialho, Arthur Monteiro Lins.

A tutela sumária de direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais

do processo/Arthur Monteiro Lins Fialho. - Natal, 2017.

138f.

Orientador: Prof. Dr. Artur Cortez Bonifácio.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em

Direito.

1. Tutela provisória - Dissertação. 2. Tutela de evidência - Dissertação. 3.

Cognição - Dissertação. 4. Prova - Dissertação. 5. Tempo - Dissertação. 6.

Princípios constitucionais - Dissertação. I. Bonifácio, Artur Cortez. II. Universidade

Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 347.64

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL

A dissertação “A tutela sumária de direitos evidentes sob a ótica dos princípios

constitucionais do processo”, de autoria do mestrando Arthur Monteiro Lins Fialho, foi

avaliada e aprovada pela comissão examinadora formada pelos seguintes professores:

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________

Prof. Doutor Artur Cortez Bonifácio

________________________________________________

Profª. Doutora Maria dos Remédios Fontes Silva

________________________________________________

Prof. Doutor Paulo Lopo Saraiva

Natal/RN, 13 de junho de 2017

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu pai, José Lins

Fialho Neto. A ele devo tudo que construí em

minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente tenho que agradecer a todos que fazem parte da Universidade Federal

do Rio Grande do Norte-UFRN, por terem recebido tão bem este paraibano que pouco

conhecia das terras potiguares.

Aos meus pais, por tudo que já fizeram por mim. Sem eles teria sido muito mais difícil

trilhar o caminho até aqui.

Para minha noiva Talita de Casto, grande apoiadora e incentivadora dos meus estudos.

Seu amor e carinho foram fundamentais para alcançar este objetivo.

Sinceros agradecimentos ao meu orientador, Dr. Artur Cortez Bonifácio, por ter me

guiado pelos melhores caminhos, sempre atencioso e com sábios conselhos.

A Felix Fialho e família, por terem me recebido como um filho e dado todo suporte

durante o período que estive na cidade de Natal.

Aos queridos mestres Solon Benevides e Walter Agra, por todo o apoio que sempre

me deram desde o inicio da minha jornada pelo mundo jurídico.

Aos membros da família SW Advogados, os quais, com paciência e compreensão,

principalmente nos momentos de ausência, sempre me incentivaram na realização do

mestrado.

Aos amigos que conquistei no decorrer das atividades do mestrado, com os quais

compartilhei de alegrias e tristezas, e obtive grandes aprendizados. Em especial a Luiz Filipe

Ribeiro e Daniel Guedes, verdadeiros companheiros de jornada!

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“Imagination is more important

than knowledge. Knowledge is

limited. Imagination encircles the

world.”

Albert Einstein

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RESUMO

A presente dissertação analisa a técnica processual da tutela de evidência e o seu papel na

busca pela efetivação dos princípios constitucionais do processo, levantando a problemática

dos efeitos do tempo na atividade jurisdicional e o crescente fenômeno da sumarização da

cognição processual, na qual o processo de amplo conhecimento começa a ser visto como

uma via residual para solução de conflitos. Empregando a técnica da documentação indireta,

por meio de pesquisa bibliográfica, inicialmente é apresentada a evolução das tutelas

provisórias em nosso ordenamento jurídico, agora não mais existindo a obrigação de

comprovação conjunta dos pressupostos da urgência e da evidência para a regular concessão

de uma tutela antecipada. É feita exposição sobre a atividade cognitiva desenvolvida nas

tutelas provisórias, nos planos horizontal e vertical, observando a intima relação da

“evidência” com os elementos de prova apresentados no processo, como também se enfatiza a

diferença no grau de cognição existente nas tutelas de urgência e evidência. Examina as

hipóteses de tutela de evidência previstas no art. 311 do Código de Processo Civil, apontando

críticas acerca da redação de alguns dos seus incisos, como também apresentando sugestões

para um melhor aproveitamento da norma em estudo. Observa a tutela de evidência na fase

recursal e em processos que envolvam a Fazenda Pública, analisando, ainda, a possibilidade

de se realizar negócio jurídico processual dispondo sobre a evidência de determinado direito.

Discorre sobre a evolução dos paradigmas do direito constitucional e a teoria sistêmica dentro

do constitucionalismo, colocando a Constituição como elemento que influencia e é

influenciado pelas relações sociais. É feita abordagem sobre a sumarização da cognição

processual a partir dos princípios constitucionais do devido processo legal, razoável duração

do processo e do efetivo acesso à justiça, com destaque para o problema do “dano marginal”,

que é aquele decorrente da demora da tramitação processual em si, independentemente da

tutela jurisdicional, e que afeta todos os sujeitos do processo. Aponta a dificuldade de se

conciliar o desejo por celeridade do procedimento com as garantias fundamentais do processo,

tendo em vista que muitas vezes valores constitucionais irão colidir, sendo inevitável um

trabalho de ponderação por parte do julgador. Por fim, é analisada de forma mais específica a

constitucionalidade da tutela de evidência conforme posta nos incisos e parágrafo único do

artigo 311 da Lei 13.105/2015, destacando a grande discussão doutrinária a respeito da

concessão da tutela de evidência sem a oitiva da parte contrária, em que se questiona a

possibilidade de se postergar o direito ao contraditório mesmo nos casos em que não há

urgência.

Palavras-chave: Tutela provisória; Tutela de evidência; Cognição; Prova; Tempo;

Efetividade; Princípios constitucionais.

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ABSTRACT

The present study analyzes the procedural technique of evidence protection and its role in the

search for the effectiveness of the constitutional principles of the process, bringing up the

issue of the time's effect in the jurisdictional activity, and the increasing phenomenon of the

procedural cognition summarization, where the wide-knowledge process starts to be viewed

as a residual pathway for conflict resolution. Applying the indirect documentation technique,

through bibliographical research, the evolution of provisional injunctions is initially presented

in our legal system, without any necessity of joint proof for the urgency and evidence

assumptions for the regular concession of a prior injunction provision. An exposition of the

cognitive activity developed in the provisional guardians is made in the horizontal and vertical

plans, observing the close relations between the "evidence" and the evidence elements

presented in the process, as well as emphasizing the difference in the level of cognition found

in the emergency and evidence protections. It examines the hypotheses of injunction of

evidence as previewed in art. 311 of the Code of Civil Process, pointing out criticism about

the composing of some of its paragraphs, as well as presenting suggestions for a better use of

the norm under study. It observes the use of evidence protection in the phase of appeal, in

cases involving the Public Treasury and the possibility of carrying out legal process business

on the evidence of a certain right. It discusses about the evolution of paradigms of

constitutional law and systemic theory within constitutionalism, placing the Constitution as an

element that influences and is influenced by social relations. An approach is made about the

summarization of procedural cognition as of the constitutional principles of the legal process,

reasonable length of process, and the effective access to justice, with special emphasis on the

"marginal damage" issue, which comes about due to the delay in the procedural process itself,

regardless of the judicial protection, which affects all subjects in the process. It points to the

difficulty of reconciling the desire for celerity in the procedure with the fundamental

guarantees of the process, considering that constitutional values will collide quite frequently,

causing the judge to inevitably consider prudence. Lastly, a more specific analysis of the

constitutionality of the protection of evidence as set forth in the clauses and single paragraph

of article 311 of Law 13,105/2015 is more precisely analyzed, highlighting the great doctrinal

discussion regarding the concession of injunction of evidence without the counterclaim of the

opposing part, where the possibility of postponing the right to the contradictory is questioned,

even in cases in which no urgency is needed.

Keywords: Temporary Injunction; Evidence Injunction; Cognition; Evidence; Time;

Effectiveness; Constitutional principles.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10

2 TUTELAS PROVISÓRIAS ................................................................................................ 13

2.1 TERMINOLOGIA ADOTADA ......................................................................................... 17

2.2 O DIREITO EVIDENTE E O ORDENAMENTO PROCESSUAL. ................................. 18

2.3 A COGNIÇÃO JUDICIAL E A EVIDÊNCIA DO DIREITO .......................................... 28

2.3.1 Prova, evidência, verossimilhança e probabilidade .................................................... 31

2.3.2 Grau de cognição nas tutelas de evidência e de urgência .......................................... 38

3 A TUTELA DE EVIDÊNCIA E A PREVISÃO DO CPC/2015 ...................................... 41

3.1 TUTELA DE EVIDÊNCIA EM RAZÃO DO ABUSO DO DIREITO DE DEFESA OU O

MANIFESTO PROPÓSITO PROTELATÓRIO ..................................................................... 45

3.2 TUTELA DE EVIDÊNCIA QUANDO AS ALEGAÇÕES DE FATO PUDEREM SER

COMPROVADAS APENAS DOCUMENTALMENTE E HOUVER ORIENTAÇÃO

JURISPRUDENCIAL CONSOLIDADA. ............................................................................... 50

3.3 TUTELA DE EVIDÊNCIA NOS CASOS DE CONTRATO DE DEPÓSITO. ................ 57

3.4 TUTELA DE EVIDÊNCIA COM BASE EM PROVA DOCUMENTAL E AUSÊNCIA

DE CONTESTAÇÃO SÉRIA. ................................................................................................. 60

3.5 TUTELA DE EVIDÊNCIA SEM A OUVIDA DA PARTE CONTRÁRIA. .................... 64

3.6 TUTELA DE EVIDÊNCIA E A FASE RECURSAL ....................................................... 67

3.7 TUTELA DE EVIDÊNCIA E NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL ........................... 70

3.8 TUTELA DE EVIDÊNCIA E A FAZENDA PÚBLICA. ................................................. 71

4 EVOLUÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL E SUA PREPONDERÂNCIA

SOBRE O PROCESSO CIVIL. ............................................................................................ 75

4.1. PARADIGMAS DO DIREITO CONSTITUCIONAL ..................................................... 75

4.2. A TEORIA SISTÊMICA NO CONSTITUCIOLISMO CONTEMPORÂNEO ............... 80

5 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO, A TUTELA SUMÁRIA DE

DIREITOS EVIDENTES E O ACESSO À JUSTIÇA. ....................................................... 84

5.1 A SUMARIZAÇÃO DA COGNIÇÃO PROCESSUAL SOB A ÓTICA

CONSTITUCIONAL ............................................................................................................... 87

5.2 DEVIDO PROCESSO LEGAL E SEUS CONSECTÁRIOS ............................................ 89

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5.3 PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO: RELAÇÃO ENTRE

TEMPO E PROCESSO ............................................................................................................ 93

5.3.1 Dano marginal ............................................................................................................... 98

5.4 PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA ........................................................................... 101

5.4.1 Ondas renovatórias do acesso à justiça ..................................................................... 103

5.4.2 Princípio do acesso à justiça no direito brasileiro. ................................................... 105

5.4.3 Elementos trazidos pelo novo CPC na busca pelo acesso e efetividade da tutela

jurisdicional ........................................................................................................................... 108

5.5 ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA TUTELA DE EVIDÊNCIA.............. 110

6 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 121

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 125

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1 INTRODUÇÃO

Cada vez mais o fenômeno da sumarização do processo vem ganhando

destaque dentro do ordenamento jurídico de vários países, a exemplo de França e Itália, não

sendo diferente no direito processual brasileiro, que recentemente foi alvo de relevantes

modificações em razão do novo Código de Processo Civil, em vigor desde o mês de março de

2016.

Para alguns doutrinadores, o maior prestígio recentemente atribuído às tutelas

de cognição verticalmente limitada vem causando uma verdadeira alteração nas estruturas do

processo civil moderno. Assim, partindo da ideia de que muitas dessas alterações são

fundamentadas sob o argumento de que está se buscando uma efetiva implementação dos

comandos constitucionais inerentes ao processo, é que se propõe a presente pesquisa acerca

da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo.

Conforme será visto ao longo do presente trabalho, a tutela diferenciada em

razão da sumarização da cognição, seja de urgência ou de evidência, tem influenciado

diretamente no desenvolvimento do processo civil e no comportamento dos sujeitos do

processo. Razão pela qual é feita a abordagem dos limites e benefícios das tutelas

diferenciadas, dando-se destaque para a tutela de evidência nos termos até então previstos em

nosso ordenamento processual e agora especificamente regulados por meio das hipóteses

elencadas no Código de Processo Civil.

Buscar-se-á analisar o difícil equilíbrio entre o valor segurança jurídica e o

valor celeridade, a quem o legislador infraconstitucional brasileiro tem dado tanto prestígio

desde a Emenda Constitucional nº 45. Por vezes, a celeridade vem sendo considerada como

sinônimo de prestação jurisdicional efetiva, conforme pode ser percebido das sucessivas

metas impostas ao judiciário. A dificuldade em se encontrar o meio termo entre a busca pela

celeridade do procedimento e as garantias fundamentais do processo vem sendo tomada como

o desafio do milênio para os estudiosos da relação processo e constituição.

Com relação à análise da constitucionalidade da tutela de evidência

propriamente dita, será destacado que sobre a utilização de técnicas para a inversão do ônus

do tempo no processo não existem grandes discordâncias sobre a sua possibilidade, tendo em

vista que tal medida prestigia a efetividade processual diante de certas condutas tomadas no

feito. Havendo uma maior celeuma doutrinária em relação aos casos em que se busca a tutela

de evidência sem a ouvida da parte contrária.

Vários serão os entendimentos apresentados, tanto a favor como contra a

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possibilidade concessão liminar da tutela de evidência, contudo, o que se buscará transmitir é

a ideia de que a técnica de tutela jurisdicional diferenciada calcada na evidência do direito,

mesmo sendo de cognição sumária, é um meio eficaz para combater o abuso do direito de

defesa e o dano marginal decorrente da própria tramitação processual, possibilitando que a

parte requerente obtenha o bem da vida antes do transcurso do tempo “normal” de um

processo de ampla cognição, ainda mais se considerado que no plano prático existe uma

grande dificuldade em se garantir simultaneamente o direito à tempestividade da tutela e o

direito à cognição definitiva.

Por intermédio de pesquisa bibliográfica, feita por meio de fontes secundárias

como livros e revistas especializados, publicações avulsas, outras pesquisas e dissertações

anteriores, serão expostos vários posicionamentos doutrinários acerca do minimalismo

processual, com foco na tutela de evidência, o que, forçosamente, leva ao estudo dos

princípios do devido processo legal, da razoável duração do processo e do acesso à justiça.

O trabalho se iniciará com uma abordagem acerca das tutelas sumárias e suas

transformações ao longo da vigência do CPC/1973, em que para concessão de medida

cautelar ou antecipação de tutela eram exigidos cumulativamente os pressupostos da urgência

e da fumaça do bom direito, até se chegar na previsão do CPC/2015, que traz no seu Livro V

da Parte Geral a normatização da agora denominada “Tutela Provisória”, que pode ser

fundamentada na urgência ou apenas na evidência do direito pretendido.

No ponto seguinte do capítulo dedicado às tutelas provisórias, serão expostos

os motivos para utilização da expressão “tutela de evidência”, e não “tutela da evidência”,

divergindo da terminologia trazida pelo novo Código.

Dando seguimento, apresentar-se-á um cotejo sobre a presença de mecanismos

processuais voltados para proteção do direito evidente dentro do nosso ordenamento

processual como um todo, inclusive apontando algumas técnicas estrangeiras que diretamente

influenciaram nosso código de processo. Também será delineado um estudo sobre a cognição

judicial e suas peculiaridades perante a evidência do direito, defendendo-se que na tutela de

evidência existe uma cognição vertical mais profunda do que na tutela de urgência.

Já o terceiro capítulo da dissertação trará uma exposição exauriente sobre as

hipóteses de tutela de evidência insculpidas no CPC/2015, com suas principais características,

como também apontará algumas críticas sobre a forma que instituto foi positivado. Abordar-

se-á, ainda, a aplicação da técnica da tutela de evidência na fase recursal e contra a Fazenda

Pública, tendo em vista as limitações existentes em normas infraconstitucionais.

Contextualizando o estudo do direito constitucional com o direito processual,

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no quarto capítulo será feita uma breve abordagem da evolução do direito constitucional, no

qual se demonstrará que a evolução dos seus paradigmas indubitavelmente se deu por

intermédio de influências externas ao direito, influências sociais, que diretamente ajudaram a

conformar o ordenamento jurídico como um todo, influenciando, consequentemente, nas

normas processuais que atualmente se submetem a um verdadeiro modelo constitucional do

processo, e, por vezes, são pensadas com base nos ideais neoliberais. Sendo impossível pensar

o direito como algo estanque, conforme explica a teoria sistêmica do constitucionalismo.

Por fim, no último capítulo do trabalho, será elaborada uma análise da

constitucionalização do processo e suas fortes consequências dentro do atual sistema

processual brasileiro, uma vez que o código revogado foi elaborado anteriormente à

Constituição de 1988, o que acarretou em sucessivas alterações na Lei 5.869/1973.

Como também será feita uma abordagem sobre o fenômeno da sumarização da

cognição processual e a necessidade de se respeitarem os princípios constitucionais do

processo, com destaque para os princípios do devido processo legal e da razoável duração do

processo, ponderando os elementos que podem contribuir ou prejudicar no justo tramitar

processual, considerando, inclusive, a figura do dano marginal, decorrente da simples demora

em se prestar a tutela jurisdicional, como um dos legitimadores para concessão da tutela

provisória de evidência.

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2 TUTELAS PROVISÓRIAS

Na recente história do nosso ordenamento processual, temos que o revogado

Código de Processo Civil, em razão da inovação trazida pela Lei nº 8.952/1994, passou a

diferenciar a tutela cautelar e a tutela antecipatória, atribuindo-lhes pressupostos

individualizados para sua concessão, o que gerava grande discussão doutrinária. Até a referida

lei, o CPC/1973 previa apenas as tutelas de urgência cautelares, as quais eram reguladas por

meio de um livro próprio na codificação processual1.

Por intermédio da nova redação do art. 273 trazida pela Lei nº 8.952/1994 se

estabeleceu que o juiz poderia, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os

efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, fosse

convencido da verossimilhança da alegação.

Conforme Eduardo Talamini, com a nova previsão se criou uma grande zona

cinzenta acerca da distinção dos institutos, situação que só foi contornada por meio da Lei nº

10.444/2002, que incluiu o §7º no art. 273, prevendo a possibilidade de fungibilidade entre as

medidas2. Não fazendo mais sentido o indeferimento de medida cautelar unicamente porque

havia sido equivocadamente nominada de tutela antecipada, ou vice-versa3.

Porém, em que pese a grande evolução trazida pelas Leis nº 8.952/94 e nº

10.444, o CPC/73 não fazia distinção entre as tutelas de urgência e de evidência. Até então,

para a concessão de um provimento liminar, cautelar ou antecipatório, exigia-se a presença

combinada dos pressupostos4 da verossimilhança e da urgência.

Fazendo um estudo sob o viés pragmático e observando a jurisprudência acerca

das tutelas provisórias, Eduardo José da Fonseca Costa observou que os citados pressupostos

não eram encontrados de forma igualitária nas decisões. Havendo situações em se fazia

1 CASTRO, Marcello Soares. Tutela de urgência e tutela de evidência: limites e possibilidades de um regime

único. In: FREIRE, Alexandre; et al. (Coord.). Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm,

2013, p. 290. 2 TALAMINI, Eduardo. Tutela de urgência no projeto de novo código de processo civil: a estabilização da

medida urgente e a „monitorização‟ do processo civil brasileiro. In: Revista de Processo, v. 209, 2012, p. 13-

34. 3 MITIDIERO, Daniel. Antecipação de tutela: da tutela cautelar à técnica antecipatória. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2013, p. 163. 4 Alguns doutrinadores se preocupam em distinguir os termos “pressuposto”, “requisito” e “condição”, e nas

palavras de Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena, “quando se fala em “pressuposto”, se está no terreno da

existência ou não existência do fenômeno jurídico; se se fala em “requisito”, já se alcança etapa

superveniente, que é a da validade ou não do fenômeno jurídico; ao ser abordada a “condição”, ganha-se a

linha de eficácia ou de extinção do fenômeno jurídico”.Cf. VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. O

pressuposto, o requisito e a condição na teoria geral do direito e no direito público. Revista da faculdade de

direito da Universidade Federal de Minas Gerais, v. 21, n. 13, p. 185-202, out. 1973, p. 186. Disponível

em <http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/948>. Acesso em 10 fev. 2017.

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presente em maior grau o periculum in mora, e em outras que predominava o fumus boni

iuris. Feita tal constatação, o referido autor enumerou vários tipos de liminar de acordo com o

grau de presença de cada pressuposto: “tutela de evidência extremada e de urgência não

extremada”, “tutela de urgência extremada e de evidência não extremada”, “tutela de

evidência e urgência extremadas”, bem como “tutela de evidência e urgência não

extremadas” 5.

Contudo, além dos casos em que se fazem presentes de maneira conjunta o

periculum in mora e o fumus boni iuris, sejam em maior ou menor grau, o que é típico das

tutelas liminares cautelares ou satisfativas, também existem situações em que um pressuposto

se fará presente em grau tão elevado que o outro se torna dispensável. São as denominadas

“tutela de urgência extremada pura” e “tutela de evidência extremada pura”, sendo essa

última o objeto central do presente trabalho.

Tendo em vista a multiplicidade de situações que podem ser encontradas

dentro das tutelas liminares, a disciplina legal das tutelas provisórias foi profundamente

alterada no novo Código de Processo Civil, podendo, agora, fundar-se na urgência ou

unicamente na evidência.

A tutela de urgência passa a ser dividida em tutela cautelar e em tutela

antecipada. O art. 300 estabelece as mesmas exigências para concessão das duas espécies de

tutela, acabando, assim, com qualquer discussão remanescente sobre a fungibilidade entre

ambas. As tutelas de urgência, que, como dito, podem ser satisfativas ou cautelares, exigem a

demonstração da probabilidade6 do direito e o perigo de dano ou do risco ao resultado útil do

processo.

A simples leitura no novo código deixa patente que sua sistemática ficou mais

simples, unificando os pressupostos para a concessão das tutelas cautelar e satisfativa.

Topologicamente se atribuiu um regime uniforme à tutela antecipada, seja satisfativa ou

cautelar7.

Por outro lado, as tutelas de evidência, que serão satisfativas, não havendo a

possibilidade de sua concessão de forma cautelar, ganham previsão específica e pressupõem a

5 COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 123-146.

6 Note-se que o novo código fala em probabilidade, e não mais em verossimilhança. Para Michele Taruffo a

verossimilhança tem relação com a capacidade descritiva da realidade independente de haver provas,

enquanto a probabilidade depende de elementos que justifiquem de forma racional a crença em determinado

fato. Cf. TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Traducción de Jordi Ferrer Beltrán. Madrid: Trotta,

2002, p. 185. 7 CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e

perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 253.

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demonstração de que as afirmações de fato estejam robustamente comprovadas, tornando o

direito evidente, conforme disposição contida no art. 311 do novo Código de Processo Civil8.

Como a própria nomenclatura já denota, a tutela de evidência visa garantir, de

forma mais célere e eficaz, a solução de litígios nos quais o direito pleiteado se encontra

evidente, não havendo a necessidade de demonstração de perigo de dano ou de risco ao

resultado útil do processo para que seja concedida. A tutela provisória sem o requisito da

urgência encontra sustento na atual ideia de processo justo, na busca de efetivação da garantia

constitucional da razoável duração do processo.

Para distinguir as modalidades de tutela provisória conforme atualmente

positivadas em nosso digesto processo, com base em seus fundamentos e finalidades,

Marinoni aduz que a diferença entre elas é a de que, no caso da evidência, a tutela antecipada

é concedida com fundamento na prova dos fatos constitutivos e na fragilidade da defesa que

ainda pretende produzir prova. A tutela baseada na evidência tem como finalidade a melhor

distribuição do ônus do tempo do processo observando o grau de robustez do direito do autor

e a debilidade da defesa do réu, afastando-se, assim, da tutela antecipada baseada em perigo

de dano. A tutela antecipada propriamente dita possui como fundamento a urgência e como

objetivo a imediata tutela do direito para evitar o dano, enquanto “a tutela de evidência tem

como fundamento a evidência do direito e a inconsistência da defesa e como fim a inversão

do ônus do tempo do processo”9.

Em sentido semelhante, Daniel Mitidiero verbera que o objetivo da tutela de

evidência é adequar o processo ao maior ou menor grau de evidência do direito pretendido

pela parte, “tomando a maior ou menor consistência das alegações das partes como elemento

para distribuição isonômica do ônus do tempo ao longo do processo”, sendo a tutela de

evidência totalmente “despregada” do perigo, representando importante mudança dentro da

técnica antecipatória10

.

Dentro desse contexto, e conforme suas peculiaridades, temos que a tutela

provisória no novo código de processo civil se apresenta em duas modalidades, de urgência

ou de evidência. Podendo a tutela de urgência ser cautelar ou antecipatória, requeridas de

8 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:

teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos

efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 570. 9 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2017, p. 44. 10

MITIDIERO, Daniel. Tendências em matéria de tutela sumária: da tutela cautelar à técnica antecipatória.

Revista do Processo, ano 36, v. 197, jul. 2011, p. 41.

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16

forma antecedente ou incidental11

. Porém, os fundamentos e finalidades das tutelas

provisórias são distintos, e, como os próprios nomes já declaram, uma tem fundamento na

urgência e a outra na evidência, aquela visa evitar o dano e esta última visa melhor distribuir o

ônus do tempo do processo.

Preocupado em homogeneizar a matéria, o legislador trouxe nos artigos 294 a

299 do CPC as disposições gerais acerca da tutela provisória, que, obviamente, se aplicam

tanto à tutela de evidência como à tutela de urgência. Porém, já existe na doutrina quem

defenda que algumas disposições específicas da tutela de urgência também devem ser

aplicadas à tutela de evidência12

.

Dentre as disposições da tutela de urgência que devem ser aplicadas à tutela de

evidência cita-se a possibilidade de o juiz exigir caução para concessão da tutela nos termos

do §1º do art. 300, uma vez que tal exigência é inerente ao caráter provisório das tutelas

sumárias, e a responsabilização da parte requerente da tutela de evidência quando essa for

cassada e causar prejuízos ao outro litigante, conforme verbera o art. 302 do CPC 13

.

Necessário também destacar que a tutela de evidência não pode ser confundida

com um julgamento antecipado da lide, pois não resolve definitivamente a demanda e está

sempre sujeita à revogabilidade, não tendo aptidão para formar coisa julgada material14

.

11

RIBEIRO, Luiz Filipe et al. Novo CPC: principais alterações. Teresina: Dinâmica Jurídica, 2016, p. 102. 12

“O NCPC restringe a vedação à irreversibilidade, exigibilidade de caução e responsabilidade objetiva pela

revogação da tutela sumária relativamente à antecipação de tutela fundada na urgência, sendo omisso,

outrossim, em relação a tal exigibilidade ou vedação quanto à antecipação de tutela sem o requisito da

urgência, cunhada como tutela da evidência. A nosso sentir, esses mecanismos de balanceamento devem ser

disciplinados no regime geral das antecipatórias e também contemplar a antecipação de tutela sem o requisito

da urgência. Não é porque há alta probabilidade do direito do requerente da medida que uma decisão

provisória deve ser concedida incondicionalmente, sem exame de eventual periculum in mora reverso ou

confronto com a probabilidade de quem cumpre a decisão provisória sagrar-se vencedor ao final da

demanda” Cf. CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência:

panorama geral e perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 249. 13

RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2 ed. rev. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2016, p. 200. 14

Fazendo distinção entre o julgamento antecipado do processo e a tutela de evidência, Humberto Theodoro

Júnior aduz que “quando se pensa em tutela da evidência, a primeira ideia é a de uma proteção sumária para

um direito incontestado ou inconteste, suficientemente provado, de modo que a respectiva proteção judicial

possa ser concedida de imediato, sem depender das diligências e delongas do procedimento comum, e

mesmo, sem necessidade de achar-se, o direito, sujeito a risco de dano iminente e grave (NCPC, art. 311).

Não é, porém, no sentido de uma tutela rápida e exauriente que se concebeu a tutela que o novo Código de

Processo Civil denomina de tutela da evidência, a qual, de forma alguma, pode ser confundida com um

julgamento antecipado da lide, capaz de resolvê-la definitivamente. Não foi, com efeito, com vistas a uma

produção jurisdicional definitiva que a questionada tutela se inseriu no mesmo gênero em que as tutelas de

urgência figuram. O intuito normativo foi o de permitir que tanto as tutelas de urgência como a da evidência

pudessem ser prestadas em procedimentos e com requisitos comuns, de modo a autorizar o emprego do

rótulo abrangente de tutelas sumárias. Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual

Civil: Teoria Geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57 ed.

rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. 1, p. 612.

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17

A concessão da tutela de evidência ganha relevo nos casos em que o direito

pretendido não pode ser seriamente contestado pela parte adversa, mas, mesmo assim, é feito

requerimento de produção de prova ou são adotadas medidas nitidamente procrastinatórias15

.

No momento em que é concedida tutela provisória, quem passa a suportar o ônus do tempo é

aquela parte que insiste em litigar mesmo não possuindo condições de apresentar uma defesa

séria.

2.1 TERMINOLOGIA ADOTADA

Tendo em vista que o presente trabalho irá tratar mais detalhadamente da

prestação jurisdicional de cognição sumária com base na evidência do direito,

independentemente de urgência, e para que ele se mostre coerente com a ideia que será

desenvolvida, destaca-se que a forma como o Título III do Livro V do CPC foi redigido vem

sendo alvo de críticas por parte da doutrina especializada, uma vez que em sua escrita traz a

expressão “tutela da evidência”, transparecendo a ideia de que é a evidência propriamente dita

que se pretende tutelar, quando, na verdade, se antecipa o provimento jurisdicional em razão

do direito evidente, que é aquele que não deixa dúvidas ou se mostra suficientemente robusto

para concessão da medida pleiteada.

Atento a tal detalhe, Paulo Caputo entende que a boa técnica legislativa não

deveria ter admitido a grafia como está posta no citado título, e, consequentemente, no art.

311 do CPC, pois não se tutela a evidência, mas se dá tutela antecipada pela evidência,

sugerindo o citado autor que o instituto fosse chamado de “tutela de ou pela evidência”16

.

No mesmo sentido, reconhecendo o problema da terminologia utilizada pelo

atual código, Bruno Bodart esclarece que a evidência guarda estrita relação com a prova, em

que quanto mais fortes são os elementos apresentados para formação do convencimento do

julgador, maior será o grau de evidência. Assim, considerando que o que se busca não é

tutelar a própria prova, mas sim o direito da parte, tem-se como mais adequada a expressão

“tutela de evidência”17

.

15

Nesse sentido, Marinoni adverte que “a tutela de evidência somente tem razão de ser quando a defesa requer

instrução dilatória, podendo adiar o momento de realização do direito. Quando a defesa pode ser

imediatamente apreciada, independentemente da produção de prova pericial ou testemunhal, obviamente não

há motivo para tutela de evidência, bastando ao juiz proferir sentença”. Cf. MARINONI, Luiz Guilherme.

Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 44. 16

CAPUTO, Paulo Rubens Salomão. Código de processo civil articulado: remissões, referências, comentários

e notas. 2 ed. Leme (SP): JH Mizuno, 2016, p. 323-324. 17

BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito

processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 112.

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18

Nesse sentir, considerando que a evidência é um elemento que possibilita a

utilização de técnica processual diferenciada para melhor proteger o direito da parte, não se

tratando de um fim em si mesmo, ao longo desta dissertação será preferencialmente utilizada

a expressão “tutela de evidência”18

, pois, na essência, temos uma tutela provisória baseada em

evidência e não a tutela da própria evidência.

Enxergar de outra forma seria o mesmo que pensar o processo de forma isolada

e neutra, tutelando um próprio pressuposto. É necessário entender que a técnica processual

serve para atender às tutelas previstas no direito material, em consonância com os direitos

fundamentais e as peculiaridades de cada caso19

.

2.2 O DIREITO EVIDENTE E O ORDENAMENTO PROCESSUAL

Muitos ainda pensam que a prestação de uma tutela jurisdicional em razão da

evidência do direito é uma novidade trazida só agora pelo Código de Processo Civil de 2015,

pouco sabendo sobre sua essência e características. Contudo, tanto no direito estrangeiro

como no direito nacional, várias ferramentas processuais clássicas são alicerçadas no direito

evidente20

.

Historicamente se pode dizer que a tutela de evidência finca raízes nos

“interditos romanos”, nos quais se permitiam determinações sem maiores questionamentos

sobre os fatos, justamente porque já estava evidenciado o direito do requerente. Com base na

evidência, os procedimentos "pretórios" autorizavam a decretação de obrigações de fazer e

obrigações de não fazer21

.

18

Analisando a terminologia trazida pelo novo código por um prisma diferente, Daniel Penteado defende que

seria mais adequado usar a expressão “antecipação de tutela sem o requisito da urgência”, pois, no seu

entender, a expressão “tutela da evidência” soa muito ampla. Afirma que “o direito pode restar evidente

quando do julgamento de recurso de apelação ou outros recursos que reformam decisão anterior, hipóteses

que não guardam ligação alguma com verdadeira antecipação, encurtamento de procedimento ou outra

hipótese que, de alguma forma, autoriza o imediato cumprimento de decisão jurisdicional de forma abreviada

ao procedimento”. Cf. CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência:

panorama geral e perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 132-133. 19

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2017, p. 29. 20

Em obra coletiva dedicada às novas tendências do processo civil, o professor e juiz federal Frederico Koehler

já destacava que “o estudo da tutela de evidência vem ganhando fôlego nos últimos tempos. Suas raízes,

todavia, são antigas. Pode-se falar, até mesmo, em origens romanas do instituto. Não há sentido em dizer que

se trata de uma novidade jurídica. O Novo CPC em vias de ser aprovado pela Câmara dos Deputados apenas

consolida algo já existente de há muito. Não haverá criação no direito positivo pátrio do instituto da tutela de

evidência”. Cf. KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. Conceituação e classificação da antecipação dos

efeitos da tutela, da tutela cautelar e da tutela de evidência. In: FREIRE, Alexandre et al (Orgs.). Novas

Tendências do Processo Civil - Estudos sobre o Projeto do Novo CPC. 1ed. Salvador: Juspodivm, 2014. v.

2, p. 615. 21

CUENCA, Humberto. Processo civil romano. Buenos Aires: E.J.E.A, 1957, p. 331.

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19

Também como exemplo histórico da presença da tutela de evidência nos

ordenamentos jurídicos, pode-se citar a possibilidade de autotutela nas questões possessórias.

Em que vários países, desde muito tempo, trazem previsão do uso da força para evitar atos

evidentes de turbação ou esbulho, como é caso do Código Civil da Suíça de 1907, que em seu

art. 926 prevê que: "o possuidor tem o direito de repelir pela força todo o ato de usurpação

ou de turbação".

Outro equívoco recorrente, ainda mais frequente depois da entrada em vigor do

novo código de processo, é achar que a evidência serve apenas às tutelas provisórias. Quando,

na verdade, em determinados procedimentos o direito evidente dá ensejo à tutela definitiva, de

caráter exauriente.

Como exemplos de tutela definitiva fundadas na evidência, temos a criação dos

procedimentos especiais do mandado de segurança e da ação monitória, como também, a

possibilidade de instauração da execução definitiva por credor que possua título executivo

extrajudicial22

. No mesmo sentido, Leonardo Carneiro da Cunha afirma que a evidência é

pressuposto que de serve base tanto para a tutela definitiva, como para tutela provisória, o

qual também cita os exemplos do mandado de segurança e da ação monitória23

.

Para Luiz Fux a tutela da evidência no Brasil tem íntima relação com o direito

líquido e certo, sendo o mandado de segurança “o protótipo do procedimento estabelecido em

consonância com o direito material objeto do juízo”. Afirma o autor que os procedimentos

decorrentes do direito comum eram insuficientes para tutelar os direitos evidentes, líquidos e

certos, o que acarretou na criação de procedimento específico24

.

De acordo com Fredie Didier, o termo evidência, processualmente dito,

caracteriza-se como “uma situação processual em que determinados direitos se apresentam em

juízo com mais facilidade do que outros. Esses direitos, cuja prova é mais fácil, são chamados

de direitos evidentes, e por serem evidentes merecem tratamento diferenciado”25

.

22

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:

teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos

efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 618. 23

CUNHA, Leonardo Carneiro da. Fazenda Pública em Juízo. 13 ed. tot. ref. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p.

316. 24

FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano

2, n. 16, p. 23-43, abril de 2000. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br//dspace/handle/2011/894>. Acesso

em: 23 fev. 2017 25

DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil. 6 ed. Salvador: Podivm, 2010. v. 2, p. 408.

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20

No ano de 1996 o Ministro Luiz Fux já se preocupava com o tema em estudo

ante a sua relevância para formação de tutelas diferenciadas26

, e lecionava que a tutela de

evidência tem relação com as pretensões em que o direito da parte se mostra evidente, típico

do mandado de segurança, que cobra a existência do direito líquido e certo. Sendo até

desnecessária a demonstração de perigo para a obtenção do provimento jurisdicional,

bastando a probabilidade de certeza do direito alegado. Conforme Fux, “é evidente o direito

cuja prova dos fatos sobre os quais incide revela-os incontestáveis ou ao menos impassíveis

de contestação séria”27

.

Sobre as críticas que afirmam que a tutela satisfativa não poder ser baseada em

cognição sumária, Luiz Fux entende que tais críticas não se aplicam às tutelas de evidência,

aqui compreendidas em sentido amplo, uma vez que, para o citado autor, a “evidência do

direito propicia „cognição exauriente imediata‟, a mesma que se empreenderia ao final de um

processo onde fossem necessárias etapas de dissipação da incerteza quanto ao direito alegado”

28. Em sentido contrário, sobre a profundidade da cognição, Leonardo Greco entende que só

poderá se falar cognição exauriente após ter sido dada oportunidade de apresentação dos

fundamentos da defesa, antes disso qualquer atividade cognitiva, em respeito ao contraditório,

deve ser considerada como sumária29

.

O código de Buzaid, mesmo sem fazer menção expressa à tutela de evidência,

trazia vários dispositivos que implicitamente prestigiavam o direito evidente, como é caso do

famoso artigo 333, agora reproduzido no art. 373 do CPC/2015, referente ao ônus da parte de

demonstrar a evidência de seu direito por meio da prova, e o antigo artigo 334 (374 do

CPC/2015) que traz um rol de fatos que pela sua natureza são tão evidentes que não

26

Sobre as tutelas diferenciadas, Dierle Nunes aponta que o tema “passou a ser objeto do debate da ciência

processual a partir do trabalho de Proto Pisani publicado em 1973, partindo-se do pressuposto óbvio da

necessidade de diversidade de técnicas processuais para as diversas hipóteses de direito material a ser

aplicado e analisando que a questão somente pode ser devidamente colocada em discussão a partir daquele

momento histórico em face da viabilidade de pensar uma quebra com o modelo neutro e único dos processos

ordinários de cognição plena, presumidamente predispostos a permitir o julgamento de qualquer caso. Os

modelos processuais diferenciados seriam delineados com a intenção de garantir as mais idôneas formas de

tutela para as várias categorias de situações jurídicas merecedoras de tutela jurisdicional”. Cf. NUNES,

Dierle. Novo enfoque para as tutelas diferenciadas no Brasil? Diferenciação procedimental a partir da

diversidade de litigiosidade. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 35, n. 184, p. 109-

140, jun. 2010, p. 115. 27

FUX, Luiz. Tutela da Segurança e Tutela de Evidência: fundamentos da tutela antecipada. São Paulo:

Saraiva, 1996, p. 313. 28

FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano

2, n. 16, p. 23-43, abr. 2000. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br//dspace/handle/2011/894>. Acesso em:

23 fev. 2017 29

GRECO, Leonardo. A tutela da urgência e a tutela da evidência no código de processo civil de 2014/2015.

Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, ano 8, v. 14, n. 1, p. 309.

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21

dependem de prova30

. Dentro do devido contexto processual, “évidence, do francês, ou

evidence, do inglês, significam prova” 31

.

Exemplo clássico de provimento jurisdicional liminar assentado na estrita

observância do direito evidente era o art. 1.051 do CPC/1973, que tratava de embargos de

terceiro32

, e dizia que “julgando suficientemente provada a posse, o juiz deferirá liminarmente

os embargos e ordenará a expedição de mandado de manutenção ou de restituição em favor do

embargante”.

Segundo o professo José Bedaque, a liminar possessória trazida pelo art. 928

do CPC/1973, agora insculpida no art. 562 do NCPC, também é uma forma de provimento

jurisdicional que independe da demonstração de perigo, bastando para sua concessão que a

petição inicial esteja a devidamente instruída33

.

Além dos artigos acima citados, o inciso II e o §6º do art. 273 do CPC/73

também são exemplares da presença da tutela de evidência no código de processo revogado,

sendo tais dispositivos os mais referidos pela atual doutrina que estuda o tema34

.

De acordo com o inciso II do art. 273 do código antigo o juiz, a requerimento

da parte, poderia antecipar os efeitos da tutela pretendida, desde que existisse prova

inequívoca e ficasse caracterizado abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito

30

Diante das possibilidades já existentes no CPC/73, indo contra a ideia de colocar a tutela de evidência como

uma novidade, Daniel Penteado afirma que “a tutela da evidência não se aproxima de uma nova espécie de

tutela jurisdicional, seja (i) do ponto de vista do efeito ser praticamente o mesmo dentre as concepções

existentes, seja, (ii) sob a perspectiva do meio ou forma que a tutela é prestada, a deixar de carrear novidade

que a diferencie das técnicas já presentes no sistema. Vale dizer, diferentemente de uma “tutela da

evidência”, é aceitável dizer antecipação de tutela: determinadas hipóteses da já existente antecipação de

tutela, diversamente, podem dispensar a urgência, inexistindo margem, portanto, para falar de “tutela” sob o

perfil ou ótica de qualquer inovação”. Cf. CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o

requisito da urgência: panorama geral e perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador:

JusPodivm, 2017, p. 280. 31

BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito

processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 112. 32

CPC/73 - art. 1.046. Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por

ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, sequestro, alienação judicial,

arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer lhe sejam manutenidos ou restituídos por meio

de embargos. 33

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência

(tentativa de sistematização). 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 333. 34

Luiz Guilherme Marinoni afirma que foi através do art. 273 do CPC/73 que pela primeira vez no direito

brasileiro se introduziu no interior do procedimento comum uma técnica capaz de permitir a distribuição do

tempo do processo. Para o autor “a distribuição do ônus do tempo no procedimento comum é imprescindível

para a democratização do processo civil, pois evita que o tempo seja tratado de forma diferenciada apenas

diante de procedimentos especiais, que, como o próprio nome indica, preocupam-se apenas com situações

especiais, esquecendo que a questão da distribuição do tempo é vital diante de toda e qualquer situação

litigiosa concreta.” Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 278.

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22

protelatório do réu. Previsão essa que foi quase que integralmente repetida no inciso I do art.

311 do CPC/2015, que trata especificamente da tutela de evidência35

.

Já o § 6º do art. 273 do CPC/73 trazia a possibilidade da concessão de tutela

antecipada quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostravam-se

incontroversos. Hipótese em que a não resistência ao direito pretendido o tornava evidente,

possibilitando a antecipação da tutela36

.

Note-se que tanto no inciso II como no § 6º do art. 273 do CPC/73 a urgência

não era elemento preponderante, até poderia existir de acordo com o caso concreto, mas não

seria essencial para concessão da tutela antecipada. O que realmente importava era a forma

como o direito ganhava força nos autos, seja por ser incontroverso ou pela conduta da outra

parte, que notoriamente estava apenas tentando ganhar tempo37

.

É o que o doutrinador Eduardo José da Fonseca Costa denomina de tutela de

evidência extremada sem urgência, na qual “a estreiteza da cognição sumária não é suficiente

para ceifar o direito de sua ululante evidência”38

, pois, mesmo que não exista risco de dano ao

requerente, ou tal risco seja mínimo, deve o juiz conceder a tutela pretendida em face da sua

certeza ou quase-certeza.

No mesmo sentido, tratando do inciso II do art. 273 do CPC, Marinoni e Daniel

Mitidiero asseveram que tal tutela antecipatória independe de perigo de dano. Lastreando-se

basicamente na maior evidência das alegações da parte autora quando comparadas com os

argumentos da parte ré39

.

35

Conforme Daniel de Oliveira Pontes, “a antecipação de tutela por atos protelatórios e abusivos foi a primeira

modalidade de proteção diferenciada ao direito evidente no âmbito do procedimento comum. Ela foi

instituída pela Lei 8.952/1994, que incluiu o inc. II ao art. 273 do CPC de 1973. Lamentavelmente, contudo,

acabou subutilizada em nosso ordenamento”. Cf. PONTES, Daniel de Oliveira. A tutela de evidência no

novo Código de Processo Civil: uma gestão mais justa do tempo na relação processual. Revista de Processo,

São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 41, v. 261, p. 341-368, nov. 2016, p. 355. 36

Como correspondente do § 6º do art. 273 do CPC/73 temos no CPC/2015 o art. 356, conforme indicado pelo

Prof. José Miguel Garcia Medina no seu quadro comparativo CPC/1973 > CPC/2015, disponível em

<https://professormedina.com/2015/03/19/novo-cpc-versao-atualizada-do-quadro-comparativo-cpc1973-x-

cpc2015/>. Com a diferença que o novo CPC retirou a tutela do pedido incontroverso do rol das decisões

provisórias, a colocando dentro do capítulo do julgamento conforme o estado do processo. Logo, pode-se

dizer que é a evidência do direito que possibilita o julgamento definitivo antecipado do feito. 37

Sobre exemplos de aplicação prática da tutela de evidência antes da entrada em vigor do CPC/2015,

especialmente em matéria tributária e previdenciária, consultar: COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito

vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 81-84. 38

COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 71 39

MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado art. por art.. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

23

Ainda dentro do código de processo civil de 1973, conforme aponta João Paulo

Hecker, em seu estudo acerca da tutela de evidência no direito societário40

, outros exemplos

de abreviação do procedimento com base na evidência seriam a execução provisória com base

no art. 475-O, o indeferimento da inicial em pedido manifestamente improcedente (art. 285-

A), a ampliação dos poderes do relator conforme artigos 544 e 557, citando ainda o então

inovador julgamento de recursos repetitivos no termos dos artigos 543-B e 543-C,

introduzidos ao antigo código de processo, respectivamente, pelas leis 11.418/2006 e

11.672/200841

.

Fora do digesto processual, como bem lembra Bruno Bodart, pode-se apontar

como exemplo de tutela baseada na evidência do direito a decretação liminar de

indisponibilidade de bens com base no art. 7º da Lei de Improbidade Administrativa42

. Há

bastante tempo os tribunais superiores vêm concedendo a medida prevista no citado artigo

como sendo uma típica tutela de evidência partindo da ideia que o dano é presumido, sendo

dispensada qualquer prova concreta de dado ou de atos de dilapidação patrimonial43

.

Outro exemplo de tutela sumária que prescinde da demonstração de urgência

são as hipóteses de liminar para desocupação de imóvel previstas nos incisos do §1º do art. 59

40

SILVA, Joao Paulo Hecker da. Tutela de Urgência e Tutela da Evidência nos Processos Societários. Tese

de Doutoramento. São Paulo: Universidade de São Paulo – USP, 2012. p. 155. 41

Tendo vista que o Código de Processo Civil de 2015 foi idealizado para prestigiar os princípios constitucionais

da razoável duração do processo e efetivo acesso à justiça, e considerando que os meios de abreviação do

procedimento acima previstos também visavam o mesmo desiderato, o CPC/2015 tratou de manter tais

mecanismos, mesmo que com algumas alterações, conforme pode ser constatado em seus artigos 332, 520,

932 e 1.036. Podendo ainda ser citado o art. 919, §1º, que prevê a possibilidade de concessão de efeito

suspensivo aos embargos quando verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória, incluindo-se,

assim, a tutela de evidência. Frisando que a previsão do art. 919, §1º traz uma tutela de evidência favorável à

parte promovida (executado), embora este figure como autor dos embargos. 42

BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito

processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 109. 43

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.

INDISPONIBILIDADE DE BENS. ART. 7º DA LEI 8.429/92. TUTELA DE EVIDÊNCIA.

COGNIÇÃO SUMÁRIA. PERICULUM IN MORA. EXCEPCIONAL PRESUNÇÃO.

PRESCINDIBILIDADE DA DEMONSTRAÇÃO DE DILAPIDAÇÃO PATRIMONIAL. FUMUS

BONI IURIS. PRESENÇA DE INDÍCIOS DE ATOS ÍMPROBOS. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO

REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A Primeira Seção desta Corte Superior firmou a orientação no sentido

de que a decretação de indisponibilidade de bens em improbidade administrativa dispensa a demonstração de

dilapidação do patrimônio para a configuração de periculum in mora, o qual estaria implícito ao comando

normativo do art. 7º da Lei 8.429/92, bastando a demonstração do fumus boni iuris que consiste em indícios

de atos ímprobos (REsp 1.319.515/ES, 1ª Seção, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/

acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 21.9.2012). 2. No caso concreto, o Tribunal de

origem expressamente reconheceu a presença do fumus boni iuris (indícios de ato de improbidade

administrativa), entretanto, afastou a presença do periculum in mora em face da ausência de atos de

dilapidação patrimonial, o que é desnecessário para a decretação da constrição patrimonial. 3. Agravo

regimental não provido. Cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo AgRg no REsp: 1407616 SC.

2ª Turma. Ministro Mauro Campbell. Publicação em 02/05/2014. Disponível em

<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25064868/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-

1407616-sc-2013-0216982-1-stj> Acesso em 13 mai. 2017.

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24

da Lei 8.245/199144

. Para a concessão da medida liminar basta a demonstração da ocorrência

de algumas das situações previstas nos incisos I a IX do referido artigo, sendo de direito sua

concessão, sem a necessidade se comprovar o perigo na demora.

Para Daniel Penteado de Castro, “a liminar na ação de despejo, em seus mais

variados fundamentos (...), prescinde da demonstração de dano, a configurar tutela de

evidência, de onde se extrai a grande probabilidade de êxito da demanda em favor do autor”.

Daniel Penteado acrescenta que a liminar de busca em apreensão prevista no art. 3º do

Decreto-Lei nº 911/1969 também se concretiza no mesmo sentido, uma vez que basta a

demonstração da constituição do devedor em mora em relação ao pagamento das obrigações

decorrentes do contrato de alienação fiduciária, sendo dispensável o periculum in mora45

.

Nos casos do §1º do art. 59 da Lei 8.245/1991 e do art. 3º do Decreto-Lei nº

911/1969, na busca de uma atividade cognitiva mais rápida, a norma extravagante nitidamente

inverteu o contraditório em desfavor do devedor46

. Facilitando ao proprietário do imóvel ou

ao credor fiduciário a obtenção da tutela que determina o despejo ou a retomada do bem

negociado por meio de alienação fiduciária.

No direito estrangeiro, podemos citar o instituto francês do référé, que

inicialmente era usado apenas em casos de urgência, e posteriormente passou a ser usado em

outras situações, inclusive naquelas que não exista necessidade de um provimento urgente47

.

Os casos de urgência dispensada chamam-se especificamente de référé provision, e, conforme

leciona Roberta Tiscini, é o típico exemplo de tutela proferida com base no direito evidente,

tendo em vista a sua patente incontestabilidade48

, assim, o pressuposto exigido para concessão

da référé provision é a existência de uma obrigação não seriamente contestável, conforme

verbera o art. 809 do Code de procédure civile 49

.

Abordando a relevância do instituto do référé, Ada Pellegrini Grinover aponta

que em 90% dos casos o provimento oriundo do procedimento provisório já é suficiente para

44

BRASIL. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os

procedimentos a elas pertinentes. 45

CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e

perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 120-121. 46

LEONEL, Ricardo de Barros. Tutela jurisdicional diferenciada. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 160 47

THEODORO JÚNIOR, Humberto; ANDRADE, Érico. A autonomização e a estabilização da tutela de

urgência no projeto de CPC. Revista de Processo, São Paulo, v. 206, abr. 2012, p. 13. No mesmo sentido

temos PERROT, Roger. O processo civil francês na véspera do século XXI. Tradução de José Carlos

Barbosa Moreira. Revista de Processo, São Paulo, ano 23, n. 91, jul./set. 1998, p. 208. 48

TISCINI, Roberta. I provvedimenti decisori senza accertamento. Torino: G. Giappichelli, 2009, p. 259. 49

Chapitre Ier: Les ordonnances de référé. (Articles 808 à 811) Art. 809. Dans les cas où l'existence de

l'obligation n'est pas sérieusement contestable, il peut accorder une provision au créancier, ou ordonner

l'exécution de l'obligation même s'il s'agit d'une obligation de faire.

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25

conformar as partes, as quais deixam de ingressar com o procedimento ordinário50

. Além

disso, diferentemente do ordenamento brasileiro e italiano, o código de processo civil francês

põe dentro do référé os diversos tipos de tutelas sumárias, como, por exemplo, as medidas

cautelares e as tutelas de urgência e de evidência.

Para Roger Perrot, com a técnica do référé todos ganham: “o autor, que terá

obtido rapidamente o que lhe era devido, e a Justiça, que terá economizado um longo

processo, ao desencorajar uma resistência sem esperança”. Para o citado autor, o référé

provision foi uma das inovações mais significantes do direito francês51

.

Na provision não se requer o pressuposto da urgência, não podendo o juiz

exigir uma incontestabilidade absoluta do direito pleiteado, sob pena de limitar

excessivamente a finalidade do référé provision, que é uma forma de tutela dos direitos

evidentes, pois tal ferramenta do direito francês visa exatamente à antecipação da tutela

judicial nos casos em que a obrigação não é seriamente contestável, muito se assemelhando à

nossa tutela de evidência52

.

Já no direito italiano, a tutela de evidência pode ser nitidamente percebida por

intermédio dos procedimentos monitórios, muito prestigiados naquele país. Para se ter uma

ideia da importância da tutela diferenciada por meio da técnica monitória na Itália, é valioso o

levantamento feito por Proto Pisani, o qual aponta que por ano são proferidos mais de 800 mil

decretos injuntivos, evitando-se o custo do processo de cognição plena, enquanto são exaradas

pouco mais de um milhão e cem mil sentenças oriundas de processos de cognição

exauriente53

.

Tanto no direito italiano como no direito francês, as tutelas diferenciadas com

base na evidência do direito pleiteado representam boa parte prestação jurisdicional daqueles

países, evitando-se processos longos, de alto custo e ainda conseguindo entregar ao

jurisdicionado uma tutela que lhe deixe satisfeito, ou, pelo menos, conformado.

Partindo da jurisdição administrativa italiana, Fux já alertava sobre a

necessidade de um tratamento específico para a tutela de evidência, afirmando que os

50

GRINOVER, Ada Pellegrini. Tutela jurisdicional diferenciada: antecipação e sua estabilização. In ______. O

processo: estudos e pareceres. São Paulo: Perfil, 2005, p. 42. 51

PERROT, Roger. O processo civil francês na véspera do século XXI. Tradução de José Carlos Barbosa

Moreira. Revista de Processo, São Paulo, ano 23, n. 91, jul./set. 1998, p. 208. 52

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2017, p. 282. 53

PISANI, Andrea Proto. Verso la residualità del processo a cognizione piena? Revista de processo, São Paulo,

Revista dos Tribunais, v. 31, n. 131, p. 239-249, jan. 2006, p. 244.

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26

procedimentos específicos até então existentes não se faziam suficientes para dissociar as

medidas de urgência e evidencia54

.

Voltando para o ordenamento processual pátrio, tem-se que o Código de

Processo Civil de 2015, atento a toda evolução e relevância do direito evidente, buscando

prestigiar de forma efetiva a figura da tutela diferenciada em razão da evidência, trouxe

expressamente em seu art. 311 a figura da “tutela da evidência”. Prevendo em seus incisos

quatro possibilidades de concessão, conforme será visto detalhadamente mais adiante.

Nas palavras de Daniel Amorim Assumpção Neves, o referido artigo do

CPC/2015 “consagra expressamente o entendimento de que a tutela de evidência independe

da demonstração de perigo da demora da prestação da tutela jurisdicional, em diferenciação

clara e indiscutível com a tutela de urgência”55

.

Ainda sobre as possibilidades da tutela jurisdicional com base no direito

evidente, interessante registrar o raciocínio de que a cognição judicial da evidência permite

não apenas o deferimento ab initio do pedido exordial, como por ser usada para seu

indeferimento sumário. Podendo o juiz indeferir de plano a tutela imediata pela inexistência

"evidente" de direito alegado56

. Sobre tal ponto de vista, vale a análise do §8º do art. 17 da Lei

de Improbidade Administrativa, que prevê que o juiz, após manifestação prévia do réu, poderá

rejeitar a ação principal se convencido da inexistência do ato de improbidade57

. Como se

percebe, ante a ausência de evidência, a ação de improbidade deve ser sumariamente

rejeitada, sem sequer se iniciar o rito ordinário. Não se trata de uma tutela de evidência

propriamente dita, mas a ausência do fator “evidência” é preponderante para rejeitar a ação.

Quanto ao fundamento constitucional da tutela de evidência, que será melhor

estudado em tópico específico, tem-se que essa tem como lastro a necessidade de fornecer

54

“A existência da jurisdição administrativa na Itália é responsável pela constatação de uma jurisprudência no

campo da tutela da evidência, somente contra atos de "particulares", notadamente via "provvedimmenti

d'urgenza". Insta ainda, considerar o processo monitório italiano e suas fundas raízes romanas, que

informaram tanto os sistemas do civil law quanto do common law da necessidade de instrumentos interditais

céleres. A tutela da evidência, a despeito dos remédios específicos, vem recebendo tratamento promíscuo

através da prática da urgência, porque ambas as situações tuteláveis, a urgência e a evidência, reclamam

sumarização procedimental. No campo da administração pública, várias são as limitações impostas quanto

aos provimentos contrários aos interesses da entidade nacional. Cf. FUX, Luiz. A tutela dos direitos

evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano 2, n. 16, p. 23-43, abr. 2000.

Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br//dspace/handle/2011/894>. Acesso em: 23 fev. 2017 55

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm,

2016, p. 508. 56

FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano

2, n. 16, p. 23-43, abr. 2000. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br//dspace/handle/2011/894>. Acesso em:

23 fev. 2017. 57

BRASIL. Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos

casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública

direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.

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27

uma tutela adequada para aquelas situações jurídicas diferenciadas, buscando concretizar

princípios constitucionais como o do acesso à justiça e da efetividade do processo58

.

Pode-se até reconhecer que o alto grau de probabilidade de procedência da

demanda é pressuposto inclusive para a tutela de urgência, porém, há casos em que é possível

haver uma probabilidade de êxito tão elevada que autoriza a tutela do direito de forma prévia

independentemente de qualquer urgência59

.

Bem observadas as previsões normativas e doutrinárias acerca da tutela do

direito evidente, parece ser pacífico o entendimento de que o direito evidente é aquele em que

a pretensão da parte é posta de uma forma tão clara e robusta que o opositor se vê

impossibilitado de apresentar uma contestação séria e substancial, não havendo razão para se

trilhar por um caminho de ampla cognição, sob pena de ferir princípios constitucionais do

processo60

.

Porém, como bem observa o professor José Bedaque, é necessário se ter

cuidado para não transformar a técnica processual sumária em um instituto que privilegia

apenas uma das partes, comprometendo a isonomia processual61

. No mesmo sentido, Athos

Gusmão Carneiro, fazendo remissão a Donaldo Armelin, diz que na aplicação das tutelas

diferenciadas é imprescindível se tomar cuidado para não se violar a isonomia entre as partes

litigantes, respeitando-se o princípio da paridade das armas62

.

58

MACÊDO, Lucas Buril. Antecipação da Tutela por Evidência e os Precedentes obrigatórios. Revista do

Processo, v. 242, p. 523-552, abr. 2015. 59

Sobre o dever constitucional de se proteger de forma diferenciada os direitos evidentes, sob o manto do

princípio da isonomia, pois partes com situações jurídicas comprovadamente diferentes não podem ser

tratadas de forma igual, Luiz Fux, justificando a escolha parlamentar de incluir a tutela de evidência de forma

expressa no código então em elaboração, explica que “a novidade se operou quanto aos direitos líquidos e

certos de uma parte em face da outra. Entendeu a comissão que nessas hipóteses em que uma parte ostenta

direito evidente, não se revelaria justo, ao ângulo do principio da isonomia, postergar a satisfação daquele

que se apresenta no processo com melhor direito, calcado em prova inequívoca, favorecendo a parte que, ao

menos prima facie, não tem razão. A tutela de evidência não é senão a tutela antecipada que dispensa o risco

de dano para ser deferida, na medida em se funda em direito irretorquível da parte que inicia a demanda”. Cf.

FUX, Luiz. O novo processo civil. In:______. O Novo Processo Civil Brasileiro – Direito em Expectativa.

Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 18 60

A tutela da evidência proposta por Luiz Fux “é mais ampla e alcança todos os níveis de satisfatividade,

processos e procedimentos, tendo como finalidade estender a tutela antecipatória a todo os direitos evidentes,

pela inegável desnecessidade de aguardar-se o desenrolar de um itinerário custoso e ritualizado em busca de

algo que se evidencia no limiar da causa posta em juízo. A parte demandada é que, se pretender perseverar na

sua resistência, deverá instar o juízo ao prosseguimento para obter, conforme o caso, a reversão ao estado

anterior ou a condenação do autor em perdas e danos. É o que ocorre, v.g., no despejo liminar, em que a lei

não prevê a reocupação mas tão-somente a indenização, sendo certo que a reversão ao imóvel não é solução

inadmitida, a despeito de não prevista”. Cf. FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do

Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano 2, n. 16, p. 23-43, abr. 2000. Disponível em:

<http://bdjur.stj.jus.br//dspace/handle/2011/894>. Acesso em: 23 fev. 2017 61

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência

(tentativa de sistematização). 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 345. 62

CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 25-26.

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28

Assim, como forma de melhor compreender a legitimidade da tutela de

evidência, torna-se imprescindível um estudo detalhado sobre a extensão das matérias sobre

as quais deve recair o conhecimento do julgador, e como será a construção da convicção do

mesmo acerca da evidência constante nos autos.

2.3 A COGNIÇÃO JUDICIAL E A EVIDÊNCIA DO DIREITO

Para se falar da tutela dos direitos evidentes através de técnicas processuais

diferenciadas é imprescindível uma abordagem sobre a atividade cognitiva desenvolvida pelo

julgador e os possíveis níveis de conhecimento que se pode alcançar através das provas e

fundamentos trazidos pelas partes, uma vez que tais elementos são indissociáveis da formação

do juízo de valor do magistrado63

.

Na Clássica lição de Kazuo Watanabe, a cognição é um ato de inteligência,

pelo qual o julgador deve considerar, analisar e valorar os argumentos e documentos

apresentados pelos litigantes, ou seja, as questões de fato e as de direito deduzidas em juízo.

Por meio de tal atividade cognitiva se estabelece o alicerce, o fundamento, para o julgamento

do processo. Em sua obra Watanabe usa o termo cognição para indicar a natureza da atividade

do órgão jurisdicional, defendendo a existência de um elementar “direito à cognição

adequada” 64

.

É por intermédio da cognição que se torna possível conviver com a

imprevisibilidade da conduta humana, sendo a atividade cognitiva imprescindível em todas as

ciências. Nas palavras de Hannah Arendt, o conhecer é a mais importante das funções do

homem65

.

63

“A cognição é completa quando apta a abranger todos os possíveis fundamentos de interesse do autor ou do

réu; é exauriente quando comporta indagações tão profundas que sejam capazes de eliminar toda possível

dúvida e incutir certeza no espirito do juiz. Mas nem sempre ela abrange toda a área de possíveis razões de

fato ou de direito que em tese poderiam influir na existência ou inexistência do possível direito do autor,

sendo então limitada e não completa; e nem sempre ela se faz com toda a intensidade imaginável, ficando

somente na superfície das investigações, sendo sumária e não exauriente. A redução da área das questões

suscetíveis de cognição passa-se no plano horizontal; as limitações à intensidade na busca da verdade e do

esclarecimento convincente e completo, no vertical. A cognição só tem caráter de universalidade total,

quando for completa no plano horizontal e exauriente no vertical”. Cf. DINAMARCO, Candido

Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002. v. 3, p. 37. 64

WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2 ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 57-59. 65

ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia

das letras, 2008, p. 140.

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29

Por meio da cognição é que o magistrado forma o juízo de valor a respeito das

questões apresentadas no processo66

. Heitor Sica acrescenta que é por meio da cognição que

se possui “ferramenta básica para a instrumentalidade do processo e sua correta compreensão

revela-se imprescindível para explicar adequadamente um sem-número de fenômenos cada

vez mais relevantes para o ordenamento processual”67

.

Falando do “direito à cognição adequada” defendido por Watanabe68

,

Frederico Koehler esclarece que para o citado autor a cognição nem sempre será exauriente

justamente por ter que se amoldar ao direito da parte, podendo haver restrições da cognição

nos planos horizontal e vertical. No primeiro plano o magistrado ficará restrito à análise de

questões de regularidade do processo, das condições da ação e de questões de mérito,

enquanto no sentido vertical, que remete ao grau de profundidade, a cognição poderá ser

exauriente ou sumária69

.

No plano horizontal a cognição poderá ser plena (completa) ou parcial

(limitada). Ter-se-á uma cognição plena quando o juiz puder avaliar o trinômio: questões

processuais, condições da ação70

e questões de mérito. Por sua vez, a cognição será limitada

quando o juiz não puder realizar atividade cognitiva acerca de algum dos elementos do citado

trinômio71

.

66

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 11 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen

Júris, 2014. v. 1, p. 271. 67

SICA, Heitor Vitor Mendonça. Velhos e novos institutos fundamentais do direito processual civil. In:

YARSHELL, Flávio Luiz; ZUFELATO, Camilo (Coords.). Teoria geral do processo: 40 anos. São Paulo:

Saraiva, 2013, p. 465. 68

“A justiça precisa ser rente à realidade social. Essa aderência à vida somente se consegue com o aguçamento

da sensibilidade humanística e social dos juízes, o que necessariamente requer preparação e atualização. Para

a cognição adequada a cada caso, pressuposto de um julgamento justo, a sensibilidade mencionada é um

elemento impostergável. Não seria, certamente, um exagero afirmar-se que o direito à cognição adequada

faz mesmo parte do conceito menos abstrato do princípio do juiz natural.” Cf. WATANABE, Kazuo. Da

cognição no processo civil. 2 ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 64. 69

KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. Conceituação e classificação da antecipação dos efeitos da

tutela, da tutela cautelar e da tutela de evidência. In: FREIRE, Alexandre et al (Orgs.). Novas Tendências

do Processo Civil - Estudos sobre o Projeto do Novo CPC. 1ed. Salvador: Juspodivm, 2014. v. 2, p. 609. 70

É importante ressaltar o Código de Processo Civil de 1973 previa que as condições da ação eram a

legitimidade da parte para a causa, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido, conforme o inciso

VI do art. 267. Sendo consideradas como as condições mínimas para alguém movimentar o judiciário.

Contudo, com a entrada em vigor do novo Código tais elementos foram separados, tendo em vista que os

dois primeiros são inerentes ao juízo de admissibilidade, e a possibilidade jurídica do pedido se confunde

com o próprio mérito. O interesse de agir e a legitimidade passaram a figuram como pressupostos

processuais, conforme o art. 17 do CPC/2015, e a ausência de um dos dois acarreta no indeferimento da

inicial, nos termos art. 330, II e III, do CPC/2015. Já a possibilidade jurídica do pedido, acertadamente,

passou a ser considerada como questão de mérito, nos moldes do art. 487 do CPC/2015. Então, pode-se até

falar que o CPC/2015 extinguiu o paradigma das condições da ação, porém, seus elementos continuam

presentes no novo ordenamento, tendo ocorrido apenas um deslocamento. Desta feita, levando em

consideração que os elementos que formavam as condições da ação ainda estão intactos, tudo indica que os

limites da cognição no plano horizontal ainda podem ser estudados na forma proposta por Kazuo Watanabe. 71

PEÑA, Eduardo Chemale Selistre. Cognição no processo civil - conceituação. Revista Páginas de Direito,

Porto Alegre, ano 4, n. 160, 17 maio 2004.

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

30

As limitações das matérias cognoscíveis no plano horizontal podem ser

definidas tanto pela norma de direito material, a exemplo da ação de indenização baseada em

responsabilidade objetiva, em que se é dispensada qualquer cognição sobre a culpa do gerador

do dano, como também pela norma de direito processual, como é o caso vedação de

reconvenção na esfera dos juizados especiais. Outra limitação no plano horizontal imposta

pela norma processual pode ser percebida no art. 20 do Decreto-Lei 3.365/194172

, que

expressamente limita as matérias de defesa nos casos de desapropriações por utilidade pública

ao definir que a contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação

do preço73

.

Já no “plano vertical, a cognição pode ser classificada, segundo o grau de

profundidade, em exauriente (completa) e sumária (incompleta)”74

. Para Daniel Penteado

“essa intensidade se depreende do grau de convencimento do juiz exigido, consoante impõe a

norma de direito processual, de sorte que na cognição sumária basta um juízo de

probabilidade e verossimilhança, a exemplo (...) do instituto da antecipação de tutela” 75

.

Fala-se em limitação vertical apenas dentro da cognição sumária, pois, apesar

de existir cognição sobre todas as questões, ela ocorre de forma superficial. Ou seja, a

cognição é plena em extensão, mas superficial em relação à profundidade76

. Assim, pode-se

afirmar que a cognição sumária é uma característica da tutela provisória, e,

consequentemente, da tutela de evidência.

Nas palavras de Leonardo Greco “sumária é a cognição que sofre limitações

quanto à sua profundidade, para através de um juízo superficial e incompleto poder extrair

rapidamente uma conclusão a respeito da necessidade da medida”, e como uma das principais

características da tutela de cognição sumária aponta a não formação da coisa julgada,

justamente em respeito ao amplo contraditório. Citando o pensamento de Proto Pisani, Greco

se filia ao entendimento, o qual ele mesmo denomina de mais radical, de que só se pode falar

em cognição exauriente quando houver o amplo e efetivo exercício do direito de defesa pela

parte contrária77

.

72

BRASIL. Decreto-Lei 3.365, de 21 de junho de 1941. Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. 73

CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e

perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 76-77. 74

WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2 ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 112. 75

CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e

perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 76-77. 76

RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2 ed. rev. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2016, p. 78. 77

GRECO, Leonardo. A tutela da urgência e a tutela da evidência no código de processo civil de 2014/2015.

Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, ano 8, v. 14, n. 1, p. 309.

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

31

Porém, é de ser ter em mente que, mesmo com todas as possíveis variáveis, a

cognição é um ato complexo e que exige esforço do juiz, se fazendo presente em todos os

tipos de processo, seja em maior ou menor grau. Sem dúvidas o processo de conhecimento é o

campo ideal para uma cognição plena e exauriente, contudo, a cognição também é

desenvolvida no processo cautelar, no qual inevitavelmente se examina a presença do perigo

na demora e a fumaça do bom direito, e no processo de execução, em que, no mínimo, devem

ser verificados os pressupostos processuais e as condições da ação78

.

Ademais, como bem lembra Sérgio Gilberto Porto, também é necessário

distinguir a cognição sumária daquela sumariedade formal do próprio procedimento, como é o

caso do mandado de segurança, no qual existe uma sumariedade formal, mas a cognição é

exauriente com base nas provas pré-constituídas79

.

Os dois tipos de sumarização não se confundem, a sumarização da cognição é

um tipo de tutela diferenciada, em que garantias como o contraditório e a ampla defesa são

postergadas, impossibilitando a formação de coisa julgada, enquanto que na sumarização do

procedimento são preservadas todas as garantias constitucionais do processo, possibilitando

que as decisões dela decorrentes se revistam dos efeitos da coisa julgada80

.

2.3.1 Prova, evidência, verossimilhança e probabilidade

Em razão da evolução da filosofia do direito, com reflexões sobre as limitações

humanas e do próprio processo, hoje se reconhece que nenhum julgador consegue alcançar a

verdade absoluta, sendo impossível alcançar a essência da verdade. Conforme a lição de

Gerhard Walter, ter convicção da verdade não é igual a descobrir a verdade, pois, mesmo

havendo a convicção da verdade, sempre haverá a possibilidade dos fatos terem ocorrido de

outra forma81

.

Convicção e certeza são conceitos distintos de “verdade”, na concepção de

Malatesta, “a certeza e a verdade nem sempre coincidem: por vezes tem-se a certeza do que

78

RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2. ed. rev. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2016, p. 77. 79

PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa Julga Civil. Rio de Janeiro: AIDE, 1998, p. 93. 80

SILVA, Natália Diniz da. Estabilização da tutela jurisdicional diferenciada. 2014. 227 f. Dissertação

(Mestrado) - Curso de Direito, Direito Processual, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014, p.128.

Disponível em: < http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-20012015-093529/pt-br.php> Acesso

em: 04 fev. 2017 81

WALTER, Gerhard. Libre apreciación de la prueba: investigación acerca del significado, las condiciones y

límites del libre convencimiento judicial. Bogotá: Temis,1985, p. 169.

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32

objectivamente é falso; por vezes duvida-se do que objectivamente é verdade; e a própria

verdade que parece certa a uns, aparece por vezes como duvidosa a outros”82

.

O importante é reconhecer que processo se limita a produzir certezas, e não

verdades. Jamais se conseguirá reproduzir a verdade dos fatos por meio de um processo, no

máximo haverá uma aproximação da verdade, um juízo de certeza, alcançado por meio da

produção probatória83

.

Sobre o conceito de prova, em harmonia com o que já foi acima dito, o

professor Paulo Medina, trazendo as clássicas lições de João Monteiro e Francisco de Paula

Batista, coloca que a prova é o somatório dos meios produtores da certeza, sendo tudo aquilo

capaz de convencer sobre a certeza de um fato, circunstância ou proposição controvertida.

Apontam-se as provas como sendo elementos que determinam a convicção do juiz84

.

Até quando se trata de matéria exclusivamente de direito, caberá à parte

requerente demonstrar que se encontra albergada pelo direito que diz possuir, exigindo-se,

assim, um trabalho de cognição do julgador para valorar se determinada norma jurídica é apta

ao caso em deslinde85

.

Também há quem diga que “a prova é o conjunto de oportunidades oferecidas

à parte pela Constituição e pela lei, para que possa demostrar no processo a veracidade do que

afirma em relação aos fatos relevantes para o julgamento”86

.

Deixando de lado os preciosismos, a doutrina, de uma forma geral, converge

sobre o conceito de prova e sua importância no desenvolvimento do processo, sempre

82

MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Tradução de J. Alves de

Sá. 2 ed. Lisboa: A. M. Teixeita & Cia, 1927, p. 21. 83

Nas palavras de Eros Grau, “no que tange aos fatos não existe, no direito, o verdadeiro. Inútil buscarmos a

verdade dos fatos, porque os fatos que importarão na e para a construção da norma são aqueles

recebidos/percebidos pelo intérprete – eles, como são percebidos pelo interprete, é que

informarão/conformarão a produção/criação da norma”. Dentro deste contexto, quando o autor fala em

norma, se refere às normas de decisão, que são aquelas proferidas pelo juiz após interpretar/aplicar a norma

jurídica. Na lição de Kelsen, o juiz é “intérprete autêntico” da norma jurídica. Cf. GRAU, Eros Roberto.

Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5 ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros,

2009, p.37. 84

MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Teoria geral do processo. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 193-194. 85

Bruno Bodart, com base na lição de Csaba Varga, aduz que “a cognição de questões de fato e de direito não

difere em essência. A realidade é una e indivisível. Quando um ser humano, no cotidiano, observa uma

cadeira, para utilizar um exemplo trivial, uma análise valorativa ocorre em seu consciente, reunindo

qualidades do objeto apreciado e comparando-as com atributos previamente conhecidos (...). O direito,

igualmente, surge da praxe humana, do saber comunicativo e das experiências normativas, prescrevendo

consequências para eventos que preencham características eleitas a priori. Cf. BODART, Bruno Vinícius da

Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito processual e comentários sobre

o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 58. 86

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria

geral do processo. 31 ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 427.

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33

prezando pela isonomia no tratamento das partes litigantes, seja em processo judicial ou

administrativo, conforme determina o inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal.

De outro modo, da análise de várias doutrinas que se dedicam ao estudo da

prova e da cognição processual, é perceptível que não existe um consenso sobre os conceitos

de verossimilhança, probabilidade, evidência. Mesmo sendo ponto comum que todas elas

decorrem da produção probatória permitida e ocorrida no processo.

Da obra de Calamandrei colhe-se o entendimento de que a verossimilhança é

uma aparência da verdade, com base na qual o juiz deve julgar tendo em vista a

impossibilidade de alcançar a verdade plena. O jurista italiano defendia uma concepção ampla

da verossimilhança, considerando-a o único meio para decidir, não sendo restrita aos juízos de

cognição sumária, afirmando que “toda sentença, mesmo que o juiz tenha a subjetiva certeza

de haver conseguido a verdade, é na realidade um juízo de verossimilitude”87

.

Michele Taruffo coloca que “a verossimilhança indica um grau de capacidade

representativa de uma descrição a respeito da realidade”. Para Taruffo verossimilhança e

probabilidade não teriam comunicação, tendo a primeira relação com a descrição dos fatos,

independentemente das provas apresentadas, enquanto que a probabilidade estaria

intimamente ligada aos elementos probatórios, capazes de justificadamente influenciar na

crença do julgador88

. No mesmo sentido, Francisco Rosito afirma que o juízo de

probabilidade é resultante das provas produzidas, dando maior força à formação do

convencimento, e a verossimilhança é mera valoração feita pelo juiz, independentemente das

provas89

.

Segundo estudos do professor Paulo Medina acerca da obra de Tarruffo, o

referido processualista italiano não dava muita atenção aos conceitos de verossimilhança e de

probabilidade, não os considerando logicamente aceitáveis, preferindo os conceitos de

“evidence and inference” oriundos da doutrina americana90

.

Na doutrina nacional ainda temos pouco material direcionado ao estudo do

conceito de direito evidente e seus reflexos no ordenamento jurídico. Na vigência do

CPC/1973 muito se falava em fumaça do bom direito e em verossimilhança das alegações, em

razão dos pressupostos para concessão da liminar em ação cautelar e da redação do art. 273 do

87

CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil. Tradução de Luiz Abezia e Drina Fernandez Barbery.

Campinas: Bookseller, 1999. v. 3, p. 271. 88

TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Traducción de Jordi Ferrer Beltrán. Madrid: Trotta, 2002, p.

185. 89

ROSITO, Francisco. Direito probatório: as máximas de experiência em juízo. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2007, p. 48. 90

MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Teoria geral do processo. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 200.

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CPC/1973 que tratava da antecipação de tutela. Com a nova sistemática trazida no Livro das

tutelas provisórias, o atual digesto processual passou a falar apenas em probabilidade do

direito (art. 300) e em evidência (art. 311)91

.

Flávio Luiz Yarshell e Helena Abdo, por meio de pesquisa em dicionário,

apontam que para o estudo da tutela de evidência, em razão da sua natureza provisória, a

melhor definição para evidência seria “aquilo que indica, com probabilidade, a existência de

(algo); indicação, indício, sinal”92

, havendo certa confusão entre evidência e probabilidade.

De acordo com o Dicionário Aurélio, no sentido filosófico, o termo “evidência” corresponde a

“caráter de objeto de conhecimento que não comporta nenhuma dúvida quanto à sua verdade

ou falsidade. [A evidência acompanha os diversos tipos de assentimento, ligando-se, contudo,

de maneira mais completa, à certeza. Cf. evidência, do v. evidenciar.]93

Sobre a “evidência” é indubitável que ela ajuda a construir o convencimento do

julgador, possuindo íntima relação com as provas dos fatos constitutivos do direito

pretendido, mas, igualmente, não fará com que se alcance o mito da verdade real94

. Ovídio

Baptista fala em “tutela jurisdicional de aparência”, e afirma que não há nada de errado ou de

extraordinário em tal tutela, uma vez que a ideologia de que o processo ordinário é feito para

descobrir a verdade é totalmente equivocada, sendo a busca da verdade um ideal intangível

até mesmo nas ciências exatas. Para Baptista a função da prova no processo não é estabelecer

os fatos verdadeiros, mas sim os fatos tidos por verdadeiros95

.

Para Fredie Didier, “a evidência é fato jurídico processual. É o estado

processual em que as afirmações de fato estão comprovadas”. Porém, o autor destaca que a

evidência não é uma espécie de tutela jurisdicional em si, sendo apenas um “fato jurídico

processual” que permite a utilização de uma tutela diferenciada. E conclui que a tutela de

91

“O juízo de probabilidade é o que resulta da cognição sumária. Assume-se esta sempre que o julgador estiver

a meio caminho entre a cognição superficial e a exauriente”. Cf. BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela

de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito processual e comentários sobre o novo CPC.

2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 156 92

YARSHELL, Flávio Luiz e Abdo, Helena. As questões não tão evidentes sobre a tutela de evidência. In.

Tutela Provisória no novo CPC: dos 20 anos de vigência do art. 273 do CPC/1973 ao CPC/2015. BUENO,

Cassio Scarpinella et al (Coords.). São Paulo: Saraiva, 2016, p. 454. 93

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3

ed. total. rev. ampl.. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1999, p. 854. 94

Sobre a certeza que resulta do processo, Bruno Bodart destaca que “esgotados os meios de prova disponíveis

para apreciação, o juiz tem em mãos tudo que necessita para julgar. Cuida-se de ficção jurídica, pois a certeza

processual não necessariamente corresponde ao conforto interior do magistrado sobre a veracidade das

premissas por ele adotadas para decidir.” Cf. BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência:

Teoria da cognição, análise econômica do direito processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 32. 95

SILVA, Ovídio Baptista da. Da sentença liminar à nulidade da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.

77.

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35

evidência “é uma técnica processual, que diferencia o procedimento, em razão da evidência

com que determinadas alegações se apresentam em juízo” 96

.

Luiz Fux afirma que, na esfera processual, considera-se evidente aquele direito

cuja prova dos fatos os apontam como incontestáveis ou, no mínimo, impassíveis de uma

contestação séria. Nesse sentido, Fux acrescenta que a evidência do direito é patente, sendo

possível a concessão da tutela, nos casos em que (i) o direito é demonstrável apenas por meio

de prova documental, caracterizando-o como líquido e certo; (ii) os fatos forem notórios ou

incontroversos, não sendo necessária a produção de prova; (iii) o juiz puder decidir apenas

com base nos elementos jurídicos, pois, geralmente, o direito objetivo independe de prova;

(iv) exista em favor da parte requerente da tutela questão que não admita prova em contrário

(presunção juris et de jure) e que seja suficiente para solucionar o feito; (v) o direito esteja

lastreado em prova emprestada, desde que no outro feito tenha sido observadas as garantias

fundamentais inerentes ao processo, sendo desnecessária nova produção de prova; (vi) nos

casos de decadência ou prescrição, situação em que a evidência beneficiará o réu, etc.97

Da análise do artigo 311, Marinoni concorda que direito evidente é aquele que

é demonstrado desde logo no processo, sem maiores dificuldades. Porém, acrescenta que para

a concessão da tutela de evidência, em todas suas hipóteses, juntamente com a evidência do

direito também será necessária a presença de uma defesa frágil, que, ao dilatar a demora do

processo, configura um abuso. Para o autor, “de lado o inciso I do art. 311 – que fala

expressamente em abuso de direito de defesa-, os demais incisos deste artigo representam

hipóteses em que o direito é evidente e a defesa de mérito deve ser frágil”98

.

Observando bem a essência da norma, pode-se admitir que as próprias

hipóteses de concessão de tutela de evidência trazidas pelos incisos do artigo 311 do CPC,

mesmo que não se trate de rol taxativo, já servem de parâmetro para se estabelecer a evidência

de um direito. Como exemplo, podemos citar o inciso II, no qual o direito será considerado

evidente quando as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e

houver tese jurisprudencial firmada em favor do requerente.

As hipóteses elencadas no art. 311 servem nitidamente para estabelecer uma

maior segurança sobre do conceito de evidência, criando certa previsibilidade acerca daquilo

96

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:

teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos

efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 617. 97

FUX, Luiz. Tutela da Segurança e Tutela de Evidência: fundamentos da tutela antecipada. São Paulo:

Saraiva, 1996, p. 313-317. 98

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2017, p. 282.

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36

que pode ser considerado evidente para fins de tutela provisória, pois, assim como ocorre em

relação à verossimilhança99

, o conceito de direito evidente é relativo, fluido, aquilo que é

evidente para um juiz, pode não ser para outro, sendo inconteste que a evidência guarda uma

subjetividade implícita, podendo se apresentar em diferentes níveis ou gradações dentro de

determinado processo.

E como sempre existe o risco da evidência se esvair durante a instrução

processual e a demanda ser julgada em desfavor daquele que conseguiu a tutela provisória,

esses parâmetros são essenciais para garantir uma aplicação mais segura da tutela sumária de

evidência.

No entendimento de Daniel Penteado é a junção da verossimilhança das

alegações com um novo elemento informador, que seriam aqueles trazidos pelos incisos do

art. 311, que configura a probabilidade do direito100

. Com base na teoria de Michele Taruffo,

Peteado afirma que “verossimilhança significa menos que probabilidade”, tendo a

probabilidade maior utilidade na cognição da tutela sem urgência, cabendo ao julgador ir além

da verossimilhança, a ponto de constatar o juízo de probabilidade. Ainda segundo Daniel

Penteado, “a tutela de urgência, na literal redação do art. 300, exige a demonstração de

probabilidade do direito, ao passo em que a tutela da evidência se reveste de alta

probabilidade”101

.

Leonardo Ferres da Silva Ribeiro, em obra coordenada por Luiz Rodrigues

Wambier e Teresa Arruda Alvim, afirma que “a evidência pode apresentar gradações”.

Exemplificando, afirma que no mandado de segurança existe a exigência de apresentação da

prova pré-constituída do direito líquido e certo pretendido, na tutela possessória a evidência é

aferida por meio do requisito temporal, já o inciso I do art. 311do NCPC estabelece a

99

CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 26. 100

Sobre tal tema, Daniel Penteado coloca que “o juízo de cognição sumária da antecipação de tutela desprovida

da urgência contém cortes cognitivos específicos a cada uma de suas hipóteses, de sorte que não obstante o

juízo de verossimilhança, a presença de um segundo elemento torna o direito de quem pede a medida mais

provável, o que justifica a antecipação, elementos esses que, (...), tratam do exame da cognição ligado (i) a

precedentes em julgamento de recurso especial ou extraordinário repetitivo, (ii) súmula do tribunal

hierarquicamente superior, (iii) abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório, (iv) súmula

vinculante e, em acréscimo ao texto do NCPC, (v) pedido reipersecutório e (vi) prova documental suficiente

dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha dúvida razoável”. Cf. CASTRO, Daniel

Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e perspectivas no novo

Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 244. 101

CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e

perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 221-222.

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37

evidência do direito em razão da apresentação de defesa meramente procrastinatória,

chegando às novas hipóteses trazidas pelos incisos. II e IV do art. 311102

.

Fazendo uma classificação da evidência na apreciação do caso concreto,

Eduardo José da Fonseca Costa fala que o julgador pode se deparar com situações de: i)

“evidência positiva”, na qual deverá exteriorizar uma posição favorável a respeito da fumaça

do bom direito, citando, como exemplo, os casos de concessão tutela de evidência extremada

pura (sem urgência); ii) situações de “evidência negativa”, em que inexiste o direito evidente,

devendo ser adotada uma posição desfavorável ao pedido de tutela de evidência; iii) e

situações que denomina de “vazio de evidência” ou “evidência zero”, nas quais o juiz não

emite nenhum juízo de valor sobre a evidência do direito, conforme ocorre nos casos de

concessão de tutela de urgência extremada pura103

.

Ainda sobre o tema “prova e convencimento”, Marinoni prega que a prova

existe para convencer o juiz, não sendo admissível confundir a prova com o próprio

convencimento. “A prova é meio para convencer, de modo que a sua valoração é que pode

produzir convicção de probabilidade ou convicção suficiente para solução do litígio” 104

.

Do exposto, analisando-se as várias doutrinas elencadas, como também as

possibilidades de tutelas provisórias existentes em nosso ordenamento jurídico, agora melhor

sistematizadas no NCPC, longe de se querer fazer um juízo simplista acerca do tema, pode-se

dizer que a evidência, a probabilidade ou a verossimilhança decorrem diretamente das provas

apresentadas no processo, e podem se apresentar em vários níveis, porém, na prática, é muito

difícil fazer um escalonamento, pois tais elementos trazem uma grande carga de

subjetividade105

. Para fins práticos, o que realmente importa é que o magistrado profira sua

decisão de forma fundamentada, demonstrando claramente as suas razões de decidir, seja para

conceder ou denegar a tutela sumária requerida.

102

WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Temas essenciais do novo CPC:

análise das principais alterações do sistema processual civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2016, p. 183. 103

COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 94. 104

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2017, p. 141. 105

Para Cássio Scarpinella Bueno poderia até se criar um gráfico escalonando a intensidade de convencimento

do julgador, porém, na prática tal gradação não funciona. “Na prática, não é possível ligar à mente do

magistrado que analisa uma petição inicial de ação cautelar, de ação com pedido de tutela antecipada ou de

mandado de segurança, uns tantos conectores para que seja medido o grau ou intensidade de convencimento

que ele forma a partir do que é narrado e/ou documentado pelo autor. A questão, na realidade, tem de ser

resolvida de modo mais fácil. Ou bem o magistrado se convence suficientemente de que o requerente tem

algum direito já demonstrado (nem que seja retoricamente), e defere a providência jurisdicional de urgência,

ou não se convence, e indefere o pleito de urgência”. Cf. BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela Antecipada.

São Paulo: Saraiva, 2004, p. 36.

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38

2.3.2 Grau de cognição nas tutelas de evidência e de urgência

No novo regime de tutelas provisórias é inconteste que as tutelas de urgência e

as tutelas de evidência possuem um elemento comum de cognição sumária. Porém, é de se

questionar se existe alguma diferença no nível de cognição realizado em cada uma delas106

.

É de se notar que não é apenas a desnecessidade da demonstração da urgência

que diferencia a tutela de urgência da tutela de evidência, mas, também, o grau de

profundidade da cognição vertical realizada pelo julgador107

. Mesmo que nas duas tutelas a

cognição seja sumária, não exauriente, na tutela de evidência se exige um conjunto probatório

bem mais robusto, que dê ao juiz condições de antecipar provisoriamente o desejo final da

parte mesmo que não exista urgência.

Essa maior profundidade cognitiva da tutela de evidência faz todo sentido.

Pois, muitas vezes, nas tutelas de urgência, o perigo da demora ao resultado útil do processo é

tão lesivo à parte, como nos casos de saúde108

, que o juiz se vê compelido a julgar mesmo

diante de frágil conjunto probatório, são os típicos casos de urgência extremada, em que se

admite, inclusive, que a tutela provisória de urgência seja concedida de forma antecedente,

prevista no art. 303 do CPC/2015, na qual a parte ajuíza a ação apenas com uma apresentação

mínima da lide, para só depois da concessão da liminar aditar a inicial, complementando a

demonstração dos fatos constitutivos do seu direito. Nesses casos a cognição é totalmente

sumária109

.

Porém, na tutela de evidência, tendo em vista a inexistência do perigo de dano

em sentido estrito, ela só será concedida se realmente houver uma análise mais profunda das

provas, as quais deverão espelhar a quase certeza do bem da vida pleiteado.

106

CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e

perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 220. 107

Aqui é feito uso da expressão “profundidade” em razão da limitação da cognição ser feita no plano vertical.

Conforme lembra Bruno Bodart sobre a lição de Watanabe, “a limitação probatória acarreta restrição vertical

à cognição (quanto à sua profundidade), na medida em que afetará todas as questões passíveis de apreciação

pelo magistrado. O autor, com acerto, reserva somente à restrição cognitiva vertical a expressão “cognição

sumária”. Cf. BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise

econômica do direito processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015, p. 44. 108

“Geralmente as petições iniciais narram situações de tensão em que a vida do autor está por um fio. Ora, o

bem jurídico aqui ameaçado é a vida, e lesões à vida não são reversíveis. Logo, o grau de periculum um mora

é máximo. Assim sendo, basta que o advogado – minimamente versado em linguagem emotiva – coloque

sobre o colo do juiz a vida do seu cliente e curve o magistrado a um único raciocínio: salve-se a vida; só após

se discuta o direito”. Cf. COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo:

Saraiva, 2011, p. 95. 109

KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. Conceituação e classificação da antecipação dos efeitos da

tutela, da tutela cautelar e da tutela de evidência. In: FREIRE, Alexandre et al (Orgs.). Novas Tendências do

Processo Civil - Estudos sobre o Projeto do Novo CPC. 1 ed. Salvador: Juspodivm, 2014. v. 2, p. 608.

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Com base na lição de Cassio Scarpinella Bueno, pode-se falar que, além do

perigo de dano, o que diferencia as tutelas provisórias de urgência e de evidência é a

profundidade com que o juiz irá analisar as questões que lhe são apresentadas. Na tutela de

urgência, não havendo como se aprofundar na matéria, o juiz utiliza um grau menor de

intensidade, logo, ele decide mais pela aparência do que em uma certeza de fato110

.

Em explanação extremamente clara e coerente sobre o grau de cognição da

tutela de evidência, Marinoni afirma que para sua concessão o juiz tem cognição exauriente

sobre os fundamentos dos fatos constitutivos, enquanto terá uma cognição sumária em relação

ao fato impeditivo, modificativo ou extintivo, concluindo que a cognição é sumária apenas em

relação a uma parcela do mérito. Assim, a tutela de evidência possibilita ao juiz, em razão da

aparente incontrovérsia do fato constitutivo, antecipar a realização do direito, deixando para

um momento processual posterior a cognição da defesa de mérito que parece ser infundada111

.

É o que a doutrina processualista denomina de condenação com reserva de

exceções, pois ainda não se tem cognição exauriente sobre todos os fundamentos da defesa.

Segundo Chiovenda, tal tipo de decisão relativiza o princípio segundo o qual o juiz só deve

decidir após conhecer todas as exceções do réu. Na condenação com reservas a decisão é

proferida com base nos fatos constitutivos apontados pelo requerente, deixando-se para uma

fase posterior do processo a análise exauriente dos fatos impeditivos ou extintivos112

.

A figura da condenação com reserva de exceções ocorre toda vez que uma

decisão provisória puder ser imediatamente cumprida em razão do promovido não ter

apresentado defesa capaz de impor dúvidas ao direito do requerente, e, mesmo assim,

requereu-se a produção de provas complexas e demoradas, ficando para um momento

posterior a apreciação de tais questões113

.

Considerando o conceito de cognição vertical de Watanabe e o raciocínio de

Marinoni acima apresentado, podemos dizer que a cognição na tutela de evidência será mais

profunda do que na tutela de urgência, pois na primeira teremos uma cognição exauriente com

relação aos fatos constitutivos do direito do autor e uma cognição sumária apenas em relação

às alegações da defesa114

. Enquanto a tutela de urgência poderá ser concedida com uma

110

BUENO, Cassio Scarpinella. Tutela Antecipada. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 18. 111

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2017, p. 285-286. 112

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de Paolo Capitanio. 4 ed.

Campinas: Bookseller, 2009, p. 313. 113

SILVA, Ovídio Baptista da. O contraditório das ações sumárias: Da sentença liminar à nulidade da

sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p 254. 114

Para Luiz Fux, como já visto no tópico 2.2, a tutela de evidência é totalmente exauriente, excluindo qualquer

cognição sumária, pois através da evidência do direito o objeto litigioso é integralmente apresentado ao juiz.

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cognição sumária até mesmo dos fatos constitutivos do direito requerido, levando em conta o

valor da urgência.

Com pensamento semelhante, Leonardo Carneiro da Cunha, em trabalho preparado

para o I Congresso Argentina-Brasil de Direito Processual, afirma que a distinção entre a tutela de

urgência e a de evidência “está na profundidade da cognição exercida pelo juízo. Embora em ambos os

tipos de tutela a cognição seja sumária, há maior profundidade na cognição da tutela de evidência,

sendo menos profunda a da tutela da segurança”115

.

Contudo, só o tempo dirá se essa análise inicial mais profunda apenas sobre

parte do mérito poderá vir a ser empecilho para concessão da tutela de evidência, pois,

conforme pontua o Juiz Federal Bruno Bodart, fazendo uma reflexão sobre estudo realizado

por Richard Posner acerca do comportamento dos juízes, o magistrado normalmente é avesso

ao risco (risk-averse), e sem o conforto da certeza, a tendência do julgador é manter as coisas

como estão, tendo em vista a possibilidade de um arrependimento futuro116

.

Assim, a probabilidade de se proferir uma decisão equivocada é a mesma tanto no início como ao fim de uma

ampla tramitação. Cf. FUX, Luiz. Tutela da Segurança e Tutela de Evidência: fundamentos da tutela

antecipada. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 313. Em obra um pouco mais recente Fux afirma que a evidência do

direito gera uma "cognição exauriente imediata", a mesma que se conseguiria ao final de um processo com

demorada instrução. Cf. FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal

de Justiça, Brasília, ano 2, n. 16, p. 23-43, abril 2000. Disponível em:

<http://bdjur.stj.jus.br//dspace/handle/2011/894>. Acesso em: 23 fev. 2017. 115

CUNHA, Leonardo Carneiro da. Tutela Jurisdicional de Urgência - Relatório Nacional (Brasil). Civil

Procedure Review, v. 4, Special Edition: 263-309, 2013, p. 290. Disponível em <

http://www.civilprocedurereview.com/busca/baixa_arquivo.php?id=78&embedded=true> Acesso em 28 abr.

2017. 116

BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito

processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 75.

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3 A TUTELA DE EVIDÊNCIA E A PREVISÃO DO CPC/2015

Até o CPC/1973 a matéria da tutela de evidência era tratada de forma

desconexa e em dispositivos esparsos, conforme acima demonstrado, vindo o novo Código de

Processo Civil consolidar em um único dispositivo quatro hipóteses de concessão, das quais

duas delas, que são as previstas nos incisos II e IV, não possuíam qualquer referência no

ordenamento processual anterior117

.

Adentrando na previsão especificamente trazida pelo novo Código Processual

acerca da tutela de evidência, com foco na ideia da constitucionalização do processo civil,

expressamente reconhecida na própria mensagem do Senado que encaminhou o projeto de

novo Código de Processo Civil para promulgação118

, trataremos neste tópico especificamente

da tutela provisória de evidência insculpida no artigo 311, que define situações para sua

concessão:

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração

de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito

protelatório da parte;

II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e

houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do

contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto

custodiado, sob cominação de multa;

IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos

constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar

dúvida razoável.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir

liminarmente.

Da análise do caput do artigo, em sintonia com tudo que já foi exposto, logo se

percebe que uma das principais diferenças da tutela de evidência em relação à tutela de

urgência é a desnecessidade de demonstração do perigo de dano ou de risco ao resultado útil

do processo. Aqui a preocupação maior não é evitar o dano iminente, mas fazer com que a

parte requerente não seja obrigada a esperar demasiada e injustamente para ver seu direito

garantido e implementado quando o promovido não trouxe ou não tem condições de trazer aos

117

RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2 ed. rev. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2016, p. 194. 118

CALHEIROS, R. Mensagem do Senado encaminhando o projeto de Novo Código de processo civil

aprovado para promulgação. Brasília, DF: Senado Federal, 2010: “As inovações vêm como forma de ajus-

te à promessa constitucional de razoável duração do processo”.

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autos uma defesa, direta ou indireta, de mérito119

, capaz de pôr em dúvida o fato constitutivo

do bem da vida pretendido.

As hipóteses apresentadas pelo artigo 311 são tipicamente de antecipação de

tutela satisfativa, pois o que se busca proteger é a possiblidade de se usufruir do próprio

direito material, e não conservar a utilidade do processo, não podendo ser confundida com

uma tutela cautelar. Pois, apesar de existirem medidas cautelares que dispensam o periculum

in mora, o desiderato precípuo dessa é garantir o resultado útil do processo, situação

expressamente excluída pelo caput do artigo 311120

.

Quanto aos incisos, que não se trata de rol taxativo121

, tem-se que o texto

normativo apresentou parâmetros para construção do conceito de evidência, fala-se em tutela

provisória de evidência punitiva (art. 311, inc. I), quando ocorrer abuso do direito de defesa

ou o claro propósito protelatório, e em tutela documentada (art. 311, incisos II a IV), quando o

direito pleiteado se encontrar devidamente provado nos autos122

.

A hipótese do inciso I já encontrava previsão no revogado Código de Buzaid,

por meio do disposto no art. 273, II, conforme alteração trazida pela Lei nº 8.952/94123

. A

concessão da tutela de evidência fundada nesse inciso exige necessariamente o mau

119

Defesa de mérito direta é aquela em que o réu nega a existência do direito do autor por inexistência de fato

constitutivo do direito alegado, já a defesa de mérito indireta é aquela em que o réu apesar de reconhecer o

fato constitutivo do direito do autor, alega fato modificativo, extintivo ou impeditivo deste. 120

Nesse sentido, Humberto Theodoro fala que “a fungibilidade só é pensada, com propriedade, nas medidas

conservativas (cautelares), em que o interesse gira em torno de proteger a eficácia do processo. Na tutela da

evidência é o pedido substancial da parte que se intenta proteger, não havendo como substituir o objeto da

tutela, sem comprometer a liberdade do autor de definir o objeto litigioso e de pleitear o remédio processual

que entenda útil à sua defesa. Ou se acata o pedido da parte, ou lhe nega acolhida. Não há como decretar, por

iniciativa do juiz, medida satisfativa diversa daquela requerida pela parte. Pode deferi-la em parte, mas não

substituí-la por outra completamente distinta. Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito

Processual Civil: Teoria Geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento

comum. 57 ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. 1, p. 693. 121

A doutrina é pacífica ao reconhecer que o rol do art. 311 não é taxativo, porém, alguns doutrinadores já

apresentam críticas à estrutura do dispositivo, dentre eles podemos citar Daniel Assumpção, que afirma que

“já que o legislador criou um artigo para prever as hipóteses de tutela da evidência, deveria ter tido o cuidado

de fazer uma enumeração mais ampla, ainda que limitada a situações previstas no Código de Processo Civil.

Afinal, a liminar da ação possessória, mantida no Novo Código de Processo Civil, continua a ser espécie de

tutela de evidência, bem como a concessão do mandado monitório e da liminar nos embargos de terceiro, e

nenhuma delas está prevista no art. 311 do Novo CPC. A única conclusão possível é que o rol de tal

dispositivo legal é exemplificativo”. Cf. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito

processual civil. 8 ed. Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 910. 122

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:

teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos

efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 620 123

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela

pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da

alegação e: [...] II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do

réu.

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comportamento do réu, vislumbrado no abuso de direito ou manifesto propósito

protelatório124

.

No inciso II, o legislador seguiu o caminho da valorização das decisões

prolatadas pelos Tribunais Superiores. Da dicção legal pode-se extrair que a hipótese exige

não só que a tese esteja firmada em “julgamento de casos repetitivos”125

e em súmula

vinculante, mas também que a prova seja exclusivamente documental.

Para Daniel Mitidiero, a correta leitura desse dispositivo legal autoriza a

concessão da tutela de evidência no caso de haver precedente do STF ou do STJ, ou ainda

jurisprudência firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas nos Tribunais de

Justiça ou nos Tribunais Regionais Federais, precedentes que podem ou não ser oriundos de

casos repetitivos e podem ou não ter adequadamente suas razões retratadas em súmulas

vinculantes126

.

No inciso III está prevista a tutela de evidência em favor do depositante, que

vem para substituir a anteriormente denominada “ação de depósito”, descrita nos artigos 901 a

906 do CPC/1973, trazendo como principais inovações a exclusão do curto prazo para

contestação e a eliminação da previsão de prisão civil do depositário infiel127

.

Ao final, temos a hipótese no inciso IV, o qual prevê a possibilidade de

concessão da tutela quando “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente

dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar

dúvida razoável”.

124

Daniel Mitidiero discorda da tese de que o art. 273, II, do CPC/73 tinha caráter sancionador, afirmando que

“a finalidade da tutela antecipada baseada no art. 273, II, do CPC, não está em sancionar o comportamento do

litigante de má-fé, a propósito, a legislação alça mão de outras técnicas processuais – como, por exemplo, a

sanção por ato atentatório à dignidade da jurisdição (art. 14, parágrafo único, do CPC/73) e a

responsabilização por dano processual (art. 16 do CPC/73)”. Continua Mitidiero afirmando que “a tutela

antecipatória fundada no art. 273, II, do CPC, não pode ser tomada como tutela antecipatória sancionadora.

Não é essa sua natureza. A tutela antecipatória fundada em abuso do direito de defesa ou manifesto propósito

protelatório do réu constitui mais propriamente tutela antecipatória fundada na maior probabilidade de

veracidade da posição jurídica de uma das partes. Trata-se de tutela antecipatória da simples evidência”. Cf.

MITIDIERO, Daniel. Tendências em matéria de tutela sumária: da tutela cautelar à técnica antecipatória.

Revista do Processo, ano 36, v. 197, p. 42-43, jul. 2011. No mesmo sentido temos OLIVEIRA, Carlos

Alberto Álvaro de. Perfil dogmático da tutela de urgência. Revista da Ajuris, Porto Alegre, n. 70, jul. 1997,

p. 222. MARINONI , Luiz Guilherme. Antecipação da tutela. 11 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2009, p. 276. Em sentido contrário, além de Fredie Didier, como adiante demonstrado, temos LOPES, Bruno

Vasconcelos Carrilho Lopes. Tutela antecipatória sancionatória. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 55. 125

De acordo com o art. 928 do CPC, considera-se “julgamento de casos repetitivos” a decisão proferida em

incidente de resolução de demandas repetitivas, como também em recursos especial e extraordinário

repetitivos. 126

MITIDIERO, Daniel. Comentário ao artigo 311. In.: DIDIER JR., Fredie et al (coords). Breves comentários

ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, p.796. 127

BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito

processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 128-131.

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44

Com efeito, é de se notar que as expressões usadas no referido inciso são

bastante vagas, necessitando-se, inevitavelmente, de uma atividade valorativa do juiz. Razão

pela qual, nesses casos, recai para o julgador um ônus argumentativo ainda maior, sendo

imprescindível que esse “indique a razão pela qual entendeu que o direito alegado pelo autor é

baseado em prova documental „suficiente‟ e por que concluiu não ter o réu logrado opor prova

capaz de gerar dúvida razoável”, sob pena de violar o art. 93, IX, da CF e o art. 489, §1º, do

Código de Processo128

.

Em seu o parágrafo único, o artigo em comento, prevê que, nas hipóteses dos

incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente, deixando claro que a intenção do

legislador infraconstitucional era dar celeridade à atividade jurisdicional. Sendo, portanto,

exceção à regra geral do art. 10 da Lei nº 13.105/15, que prestigia o contraditório como meio

de influência e proíbe que o juiz profira decisões-surpresa.

Sem dúvidas a redação do artigo 311 deixa transparecer o intento do novo

código em fomentar uma adequação das novas normas processuais à Constituição Federal,

buscando um sistema mais coeso e rápido, capaz de proporcionar um processo mais célere e

justo, a partir dos princípios fundamentais previstos na Carta Maior, que se refletem na

garantia do processo legal129

. Para isso, é imprescindível a estrita observância do princípio da

fundamentação das decisões judiciais, em que a importância da fundamentação reside na

necessidade de se preencher conceitos vagos, na justificação da decisão perante as partes do

processo e a sociedade, legitimando a atividade do Estado-juiz130

.

Apesar de em uma primeira leitura o referido dispositivo parecer até simplório,

ele guarda certo grau de complexidade e pode envolver vários direitos fundamentais

constitucionalmente previstos, merecendo um estudo acurado de cada um dos seus incisos e

do parágrafo único.

128

BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito

processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 134-135 129

VITOVSKY, Vladimir Santos. O acesso à justiça no novo código de processo civil: continuidades,

inovações e ausências. Revista CEJ, Brasília, Ano XIX, n. 67, p. 7-17, set./dez. 2015 130

OLIVEIRA NETO, Olavo. Princípio da fundamentação das decisões judicias. In: OLIVEIRA NETO, Olavo;

LOPES, Maria Elizabeth Castro (orgs.). Princípios processuais civis na Constituição. Rio de Janeiro:

Elsevier, 2008, p. 203.

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45

3.1 TUTELA DE EVIDÊNCIA EM RAZÃO DO ABUSO DO DIREITO DE DEFESA OU O

MANIFESTO PROPÓSITO PROTELATÓRIO

Como já visto a tutela de evidência não se fundamenta em fato que aponta

situação geradora de perigo, sendo bastante para a prestação da tutela diferenciada a suficiente

comprovação do direito material da parte.

Aqui é patente o compromisso da técnica processual com a efetivação do

direito material e observância da realidade social, pois a norma processual não pode ser

considerada como um fim em si mesmo, sendo sempre dirigida a um determinado fim, que,

no presente caso, é o equilíbrio dos efeitos do tempo no processo observando o reprovável

comportamento de uma das partes ao buscar sua defesa, havendo quem fale em tutela de

evidência punitiva131

.

Não se pode permitir que a injustificada resistência em juízo seja uma fonte de

vantagens para aquela parte que, mesmo sem possuir qualquer elemento relevante para sua

defesa, tenta a todo custo dilatar o trâmite do processo. Assim, a tutela de evidência surge

como um instrumento processual capaz de desestimular o mau comportamento processual

daquele que as evidências dos autos militam em seu desfavor, fomentando, inclusive, a

solução do conflito por meio do “sistema multiportas”132

.

Se alguma das partes do processo rompe com o dever de boa-fé, tomando

atitudes fora do parâmetro da razoabilidade, seja dentro ou fora do processo, mas que afetem a

marcha desse, ela deve ser responsabilizada, não podendo se admitir a prática de atos que não

vão ajudar na solução da lide133

.

De uma forma geral, o mau comportamento da parte que está se defendendo

fica caracterizado quando a defesa é abusiva, anormal, inadequada, com o claro propósito de

frustrar ou atrasar a entrega da tutela jurisdicional, o que pode correr de várias formas.

131

Em seu curso de direito processual, Fredie Didier aponta que “Trata-se de tutela de evidência punitiva, que

funciona com o uma sanção para apenar aquele que age de má-fé e, sobre tudo, que impõe empecilhos ao

regular andamento do feito, comprometendo a celeridade e lealdade que lhe devem ser inerentes. Cf. DIDIER

JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil: teoria da

prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da

tutela. 10 ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 620. Em sentido um pouco diferente, Cassio Scarpinella Bueno

afirma que “o réu que litiga de má-fé deve ser sancionado como tal, nos moldes do art. 81. Isto, contudo,

nada revela sobre o direito do autor ser mais ou menos evidente para quaisquer fins, inclusive para a

concessão da tutela em exame. Por isto, é mister conjugar os casos do inciso I do art. 311 com a exigência

genérica do caput do art. 300”. Cf. BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil:

inteiramente estruturado à luz do novo CPC, de acordo com a Lei n. 13.256, de 4-2-2016. 2 ed. rev., atual. e

ampl. – São Paulo: Saraiva, 2016. 132

BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito

processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 112. 133

OTEIZA, Eduardo. Abuso de los derechos procesales en America Latina. In: BARBOSA MOREIRA, José

Carlos. Abuso dos direitos processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 21.

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Sobre as expressões trazidas no inciso I do art. 311 (abuso do direito de defesa

ou manifesto propósito protelatório da parte), o saudoso Teori Zavascki, ainda sob a égide do

código revogado, lecionava que o abuso de direito de defesa e manifesto propósito

protelatório possuem sentidos diferentes, pois, o primeiro abrange atos de defesa praticados

no interior do processo, incluindo os atos protelatórios praticados no processo. Já o manifesto

propósito protelatório se reporta aos comportamentos fora dos autos, como, por exemplo,

simulação de doença, ocultação de prova134

.

Boa parte da doutrina, seguindo a lição de Zavascki e visando tratar o tema de

forma detalhada, interpreta o inciso I do art. 311 considerando que o abuso de direito de

defesa se refere aos atos protelatórios praticados no processo, enquanto que o manifesto

propósito protelatório diz respeito aos atos ou omissões externas ao processo, mas que podem

gerar consequências a ele.

Leonardo Ferres Ribeiro lembra que “o réu pode até apresentar defesa técnica

adequada e mesmo assim abusar do direito de defesa, que deve ser lido consoante o princípio

da ampla defesa”, continua o autor afirmando que “a defesa stricto sensu pode até ser

adequada, porém ficar evidenciado, por sua conduta, o manifesto propósito protelatório,

como, e.g., insistir em discutir matéria preclusa, repetir alegações indeferidas, fazer reiteradas

cargas, repetir recursos que foram inadmitidos”135

.

Em sentido semelhante, Bruno Carrilho Lopes entende que expressão "abuso

de direito de defesa" deve ser encarada amplamente, alcançando além dos abusos e excessos

praticados em sede de contestação, toda e qualquer manifestação da parte, citando como

exemplo o uso infundado de incidentes processuais, tendo em vista a possibilidade de

suspensão do processo principal, manejo de recursos protelatórios ou a insistência na oitiva de

testemunha desnecessária136

.

O professor José Bedaque destaca que defesa abusiva é aquela carente de

seriedade, que demonstra uma conduta incorreta da parte, semelhante às condutas

apresentadas nos dispositivos que versam sobre a litigância de má-fé137

. Por sua vez, Flávio

134

ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação de Tutela. 2 ed., São Paulo: Saraiva 1999, p . 77. 135

RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2. ed. rev. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 195. 136

LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Tutela antecipatória sancionatória. São Paulo: Malheiros, 2006, p.

23. 137

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência

(tentativa de sistematização). 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 355.

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Luiz Yarshell e Helena Abdo apontam que o manifesto propósito protelatório faz parte do

abuso de direito de defesa138

.

Por qualquer prisma que se observe o tema, temos que a intenção do instituto é

preservar e estimular a boa-fé processual. Devendo o inciso I do art. 311 ser interpretando

juntamente com o art. 6º, que fala do dever de cooperação entre as partes, e artigos 77 e 88,

que tratam, respectivamente, dos deveres das partes e da litigância de má-fé, todos do

CPC/2015.

Apresentando uma opinião crítica sobre a redação do inciso I do art. 311,

Daniel Amorim Assumpção Neves aduz que, assim como ocorre nas outras três hipóteses

trazidas pelo artigo 311, no inciso I também deveria constar expressamente a exigência de

demonstração da probabilidade do direito, não sendo suficiente para concessão da tutela de

evidência apenas o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte.

Concluindo que no caso em estudo “deve o juiz se valer, por analogia, do art. 300, caput, do

Novo CPC, concedendo tal espécie de tutela apenas se houver nos autos elementos que

evidenciem a probabilidade do direito”139

.

A observação de Daniel Assumpção é acertada do ponto de vista literal, porém,

como bem destaca Humberto Theodoro Júnior, qualquer tipo de tutela provisória, incluindo a

de evidência, sempre irá necessitar da demonstração do fumus boni iuris, pois, sem prova do

direito pretendido, mesmo que seja muito superficial, como ocorre nos casos de tutela de

urgência extremada, não se pode alcançar um provimento de caráter provisório, seja de

urgência ou de evidência140

.

Mesmo que o inciso I não fale em prova documental, a necessidade de sua

apresentação faz parte da sua essência. Sendo indiscutível que na presente hipótese de tutela

de evidência deverá ser feito um juízo cognitivo tanto sobre os elementos de prova trazidos

pela parte requerente da tutela, como também sobre a conduta da parte requerida ao apresentar

e requerer seus elementos de defesa no processo.

A nosso ver, especificamente com relação ao abuso do direito de defesa ou

manifesto propósito protelatório, pode-se considerar que para fins práticos do tema em estudo

ambos se confundem e configuram o mau comportamento do litigante, pois, independente da

138

YARSHELL, Flávio Luiz e Abdo, Helena. As questões não tão evidentes sobre a tutela de evidência. In:

BUENO, Cassio Scarpinella et al (Coords.). Tutela Provisória no novo CPC: dos 20 anos de vigência do

art. 273 do CPC/1973 ao CPC/2015. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 457. 139

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm,

2016, p. 509. 140

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do direito processual

civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,

2016. v. 1, p. 694.

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interpretação que se dê a cada uma das expressões, as quais carregam conceitos vagos, a

intenção sempre será de procrastinar o processo em desfavor daquela parte que possui uma

razão evidente. Sendo, indubitavelmente, sempre necessária a demonstração da probabilidade

do direito pretendido, mesmo que tal exigência não conste expressa na norma.

Sem atribuir maior importância à distinção entre abuso de defesa e manifesto

propósito protelatório, por considerar que aos dois se pode dar um mesmo sentido geral, Luiz

Guilherme Marinoni, dando ênfase à necessidade da presença de uma defesa frágil para

possibilitar a concessão da tutela provisória de evidência, afirma que o inciso I do art. 311 é a

base da tutela de evidência141

. Seguindo o raciocínio de Marinoni, pode-se colocar o inciso I

como um vetor para o maior alcance da tutela de evidência, pois, caso não existisse tal inciso,

as possibilidades de concessão da tutela seriam indevidamente reduzidas.

Sobre o alcance do inciso I do art. 311, Daniel Penteado entende que sua

previsão também abarcaria a situação trazida pelo inciso IV do mesmo artigo, uma vez que a

conduta do réu em não opor prova capaz de gerar dúvida razoável acerca do direito pretendido

se aproxima dos comportamentos tipificados como abuso do direito de defesa e manifesto

propósito protelatório. Para o referido autor, dentro da concepção de abuso do direito de

defesa e manifesto propósito protelatório, os quais encara como expressões sinônimas que se

assemelham às condutas ligadas à litigância de má-fé prevista nos artigos 79 a 81 do CPC,

também se compreende todas aquelas condutas que se caracterizem como resistência

injustificada ao andamento do processo142

.

Dando grande atenção ao tema, Bruno Bodart afirma que o CPC/2015 deveria

ter expressamente permitido ao juiz a possibilidade de concessão da tutela de evidência

sempre que fosse apresentada defesa manifestamente infundada ou quando notória a prática

de atos incompatíveis com o bom andamento processual, independentemente da observância

do componente subjetivo do réu ou do seu advogado. O citado autor, reconhecendo a tutela de

evidência do inciso I como uma sanção em razão do comportamento desleal, e revendo seu

141

Fundamentando seu raciocínio, Marinoni diz que “na verdade, caso o art. 311 fosse um mero amontoado de

exemplos, haveria uma simples descrição de hipóteses traçadas em privilégio de determinados titulares de

documentos ou contratos. Assim, caso não existisse o inciso I, ou melhor, a cláusula geral da tutela de

evidência, a oportuniza-la em todos os casos em que o há direito evidente e defesa inconsistente que exige

instrução dilatória, haveria violação da isonomia. Não é por outro motivo que o inciso I do art. 311 deve ser

visto como uma regra geral de democratização do processo – que viabiliza técnica processual idônea a toda e

qualquer situação de direito substancial. Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de

evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 333. 142

CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e

perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: Jus Podivm, 2017, p. 239-242.

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49

próprio entendimento em obras anteriores, conclui que “a melhor interpretação conferida ao

art. 311, inc. I, do CPC/2015 é a que admite a sua prolação de ofício”143

.

Em que pese a louvável intenção de desencorajar a má-fé processual por

intermédio da possibilidade da concessão de ofício da tutela de evidência, parece não ser

plausível a concessão de uma tutela provisória nos casos em que a parte interessada não a

tenha requerido. Em primeiro lugar, porque vai estar se concedendo ao magistrado um poder

que não foi expressamente previsto pela norma processual, não podendo tal possibilidade

nascer de uma construção doutrinária, como também pelo fato de existirem situações em que

não é interessante para o litigante ficar sob a incerteza de uma decisão provisória, sendo

preferível aguardar o exame de mérito da demanda144

.

O pedido da tutela de evidência deve ser visto como uma faculdade da parte. E

o simples fato de existir a possibilidade do seu requerimento já é uma forma de desestimular

práticas abusivas e protelatórias, fazendo com que a parte adversária pense melhor antes de

realizar atos contra a efetividade do processo, tendo em vista os efeitos decorrentes da tutela

provisória, como é o caso, por exemplo, da não atribuição do efeito suspensivo ao recurso de

apelação, conforme previsto no inciso V do §1º do art. 1.012 do CPC/2015.

Assim, toda vez que for posto em juízo um direito evidente e a defesa

apresentada, mesmo sendo inconsistente suscitar a necessidade de produção de prova, poderá

ser concedida a tutela de evidência com base no inciso I do art. 311, desde que requerida pela

parte interessada. Pouco importando se a conduta do ex adverso deve ser definida como abuso

do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório, pois, em essência, o que se busca é

evitar que o litigante com notória razão aguarde demasiadamente para usufruir do seu

direito145

.

143

BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito

processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 116-117. 144

É muito comum nas ações judiciais em que se pleiteia o direito de nomeação em razão de aprovação em

concurso que o autor não requeira nenhuma tutela provisória em razão de já exercer outro cargo público

efetivo, tendo em vista o receio de pedir exoneração do cargo anterior e tomar posse no novo cargo na

situação de sub judice e posteriormente a decisão provisória ser reformada, perdendo, assim, os dois

vínculos. 145

Para Daniel Penteado, a medida trazida pelo inc. I do art. 311 também “pode ser concedida liminarmente,

mormente em situações que o réu apresentar qualquer dificuldade apta a obstar o ato de citação, embaraço

que, não obstante viabilize a citação ficta, também não impede a antecipação de tutela jurisdicional. Cf.

CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e

perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 241.

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50

3.2 TUTELA DE EVIDÊNCIA QUANDO AS ALEGAÇÕES DE FATO PUDEREM SER

COMPROVADAS APENAS DOCUMENTALMENTE E HOUVER ORIENTAÇÃO

JURISPRUDENCIAL CONSOLIDADA

Por meio do inciso II do art. 311 do CPC ficou estabelecida a possibilidade de

concessão da tutela de evidência quando “as alegações de fato puderem ser comprovadas

apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em

súmula vinculante”. Conforme se observa da redação legal, são exigidos dois pressupostos

cumulativos para concessão da medida.

Busca-se por intermédio dessa modalidade de tutela proteger de forma imediata

o bem da vida discutido, independentemente de qual seja sua natureza, desde que a

probabilidade do direito possa ser satisfatoriamente comprovada por meio de documentos e

exista orientação jurisprudencial consolidada sobre o tema. A prova documental deve ser

idônea, capaz de demostrar, mesmo em uma análise preliminar, que a pretensão é viável146

.

A hipótese de tutela de evidência aqui tratada não possui referência no antigo

Código de Processo Civil, sendo reconhecidamente uma novidade trazida pelo CPC/2105.

Conforme leciona Daniel Assumpção, a nova possibilidade exige a “probabilidade tanto no

aspecto fático como no jurídico, exigindo prova documental para comprovar os fatos alegados

e tese jurídica já firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante”147

.

Com relação ao pressuposto da prova documental, a doutrina não apresenta

observações palpitantes, sendo pacífico que a prova documental exigida é aquela capaz de

demonstrar, já naquele momento processual, a probabilidade do direito almejado148

. A prova

documental, ou documentada, além de ser robusta e confiável, deve corroborar com os

argumentos da parte requerente da tutela, demonstrando a possibilidade de sua concessão.

Por outro lado, a segunda parte do inciso em estudo merece uma análise mais

minuciosa, e já vem fomentando interessantes discussões no meio acadêmico. Para sua correta

aplicação se faz necessária uma interpretação conjunta e sistemática do novo Código de

146

BODART, Bruno Vinícius da Rós. Simplificação e adaptabilidade no anteprojeto do novo CPC. In: FUX,

Luiz (coord.). O novo processo civil brasileiro: Direito em expectativa. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.

81. 147

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm,

2016, p. 510. 148

De acordo com Lucas Buril “a primeira exigência é de que se trate de situação fática de baixa complexidade

probatória, que são aquelas possíveis de serem suficientemente provadas por meio de documentos. A prova

documental, nessas hipóteses, tem eficácia probatória suficiente para formar a convicção muito próxima da

convicção de verdade quanto à existência do fato constitutivo. São exemplos desses casos os relativos a

vantagens de algum cargo, onde basta a comprovação da condição de servidor público, ou que partam do

pressuposto da conclusão de uma relação jurídica, onde o recibo é suficiente”. Cf. MACÊDO, Lucas Buril.

Antecipação da Tutela por Evidência e os Precedentes obrigatórios. Revista do Processo, v. 242, p. 523-552,

abr. 2015.

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51

Processo Civil e da Constituição Federal, reconhecendo o papel dos precedentes obrigatórios

dentro do atual panorama processual, no qual ganha relevo a figura da ratio decidendi

desenvolvida para solução de cada conflito.

Em razão da ratio decidendi e de sua importância dentro do sistema de

precedentes, temos que as meras circunstâncias fáticas que adornam o caso concreto, e que

também são partes integrantes do julgado, não possuem o poder de formar um precedente

obrigatório, pois o que constrói o precedente é a razão de decidir em si, ou seja, a

própria ratio decidendi149

.

Ao se invocar um precedente para fundamentar um pedido de tutela evidência,

o requerente deverá demonstrar a similitude do seu caso com a razão de decidir do paradigma

suscitado, não bastando que sejam parecidos apenas em aspectos fáticos, mas também os

fundamentos jurídicos150

.

Ratificando a importância dos precedentes dentro do atual panorama

constitucional e processual, em que se busca uma maior segurança jurídica na prestação

jurisdicional, o artigo 926 do CPC/2105 traz a previsão de que “os tribunais devem

uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”151

, surgindo

expressamente um dever de autorreferência para as cortes julgadoras, as quais devem dialogar

com os seus precedentes, nascendo para o julgador um maior ônus argumentativo, pois, só

assim, poderá realizar o devido distinguishing.

Conforme lembra Estefânia Maria de Queiroz Barboza, os precedentes devem

ser respeitados, podendo até haver sua justificada superação/revogação, mas jamais podem ser

ignorados152

.

Dentro dessa ideia da integridade e coerência, Fredie Didier153

aponta que se

encaixa muito bem a lição de Dworkin segundo a qual a construção judicial do Direito é um

149

TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2004, p. 14 150

Para Daniel Penteado de Castro “a cognição exercida quando do juízo antecipação de tutela fundada em

precedente ou súmula lastreia-se no (i) cotejo do enunciado de súmula ou precedente com o caso concreto, e,

ainda, no exame (ii) das provas coligidas suficientes a comprovar que o requerente da medida efetivamente

se equipara a idêntica situação jurídica tratada, a fazer jus à antecipação, na forma que restou anteriormente

decidida no precedente paradigma ou que o pedido esteja em consonância com o enunciado de súmula do

tribunal ou súmula vinculante”. Cf. CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito

da urgência: panorama geral e perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017,

p. 234. 151

Conforme o enunciado n. 166 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, aprovado no Rio de Janeiro em

25-27 de abril de 2014, “a aplicação dos enunciados das súmulas deve ser realizada a partir dos precedentes

que os formaram e dos que os aplicaram posteriormente”. Disponível em <http://portalprocessual.com/wp-

content/uploads/2015/06/Carta-de-Vitória.pdf>. Acesso em 28 Mar. 2017. 152

BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes judiciais e segurança jurídica: fundamentos e

possibilidades para a jurisdição constitucional brasileira. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 235

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romance em cadeia, no qual cada julgador redige um capítulo, sem deixar, porém, de dialogar

com o capítulo anterior154

. Ou seja, a cada nova decisão os magistrados não podem

simplesmente romper com os fundamentos e entendimentos anteriores, sem antes demonstrar,

fundamentadamente, as razões da mudança na razão de decidir.

Dentro de tal contexto, o inciso II do artigo 311 vem para sacramentar a

importância dos precedentes dentro do nosso mais novo ordenamento processual, pois passa a

considerar a evidência não só pelo prisma fático-probatório, como também pelo seu aspecto

jurídico. Em razão da força jurídica das teses firmadas em julgamento de casos repetitivos ou

em súmula vinculante, juntamente com a prova documental colacionada, possibilita-se a

imediata concessão da tutela de evidência pretendida.

Sobre a importância da criação da possibilidade da concessão da tutela

provisória de evidência em razão da orientação jurisprudencial dos tribunais superiores, Lucas

Buril saliente que: “seria um completo disparate não incluir a tutela antecipada de evidência

no contexto do dever de seguir precedentes obrigatório”155

.

Sem dúvidas a hipótese de que o inciso II, interpretada conjuntamente com os

artigos 926 e 927 do CPC/2015, veio contribuir diretamente para que as instâncias julgadoras

consigam desenvolver seus julgados de forma coerente, passando a observar a evidência do

direito da parte também sob o aspecto jurisprudencial consolidado pelos tribunais156

.

Porém, para Luiz Guilherme Marinoni a inovação trazida pelo inciso II do art.

311 só terá algum valor se for interpretada sob a ótica de que mesmo existindo alegações

provadas documentalmente e respaldadas por entendimento de Corte Suprema, a tutela de

153

DIDIER JR., Fredie. Sistema brasileiro de precedentes judiciais obrigatórios e os deveres institucionais dos

tribunais: uniformidade, estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência. Revista da Faculdade

Mineira de Direito, Belo Horizonte, v. 18, n. 36, p. 114-132, dez. 2015. Disponível em:

<http://periodicos.pucminas.br/index.php/Direito/article/view/P.2318-7999.2015v18n36p114/11168>.

Acesso em: 28 Mar. 2017. 154

DWORKIN, Ronaldo. O Império do Direito. Jeferson Luiz Camargo (trad.). São Paulo: Martins Fontes,

2003, p. 275-277 155

MACÊDO, Lucas Buril. Antecipação da Tutela por Evidência e os Precedentes obrigatórios. Revista do

Processo, v. 242, p. 523-552, abr. 2015. 156

Indubitavelmente o movimento de fortalecimento dos precedentes vem aproximando cada vez mais a nossa

tradição de civil law da tradição do common law, onde a interpretação dada ao direito pelo Tribunais

Superiores passa a ser encarada como algo dotado de normatividade. Sobre o tema, Daniel Mitidiero leciona

que “existe uma recíproca aproximação entre as tradições de civil law e de common law no mundo

contemporâneo. De um lado, a tradição do common law cada vez mais trabalha com o direito legislado,

fenômeno que já levou a doutrina a identificar a statutorification do common law e se perguntar a respeito de

qual o lugar do common law em uma época em que cada vez mais vige o statutory law. De outro, a tradição

de civil law cada vez mais se preocupa em assegurar a vigência do princípio da liberdade e da igualdade de

todos perante o direito trabalhando com uma noção dinâmica do princípio da segurança jurídica, o que

postula a necessidade de acompanharmos não só o trabalho do legislador, mas também as decisões dos

tribunais, em especial das Cortes Supremas, como expressão do direito vigente.” Cf. MITIDIERO, Daniel.

Precedentes, Jurisprudência e Súmulas no Novo Código de Processo Civil Brasileiro. Revista do Processo,

ano 40, v. 245, jul. 2015, p. 333-334.

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evidência só poderá ser concedida se as alegações de defesa, mesmo despidas de seriedade,

exigirem dilação probatória157

. Caso contrário, a tese firmada em julgamento de casos

repetitivos ou em súmula vinculante serviria apenas para possibilitar o julgamento antecipado

do mérito158

.

Outro ponto polêmico que envolve a presente possibilidade de tutela de

evidência é a limitação de sua aplicação apenas aos casos repetitivos ou à súmula vinculante,

pois, como bem alerta Marinoni, “a ideia de súmula vinculante e de decisão tomada em casos

repetitivos indica meros exemplos do entendimento das Cortes Supremas, que, mais do que

em qualquer outro lugar, está em seus precedentes”159

.

Logo, partindo da concepção de que o inciso aqui estudado vem para prestigiar

a cultura dos precedentes, alguns autores já começam a suscitar críticas acerca da redação do

dispositivo. Afirmando-se que tal norma não pode ser interpretada de forma literal e restritiva,

devendo-se possibilitar sua aplicação sempre que os fatos estejam documentalmente provados

e exista tese firmada nas demais hipóteses de precedentes obrigatórios, como aqueles

elencados no art. 927 CPC160

.

Nesse mesmo sentido, Fredie Didier sustenta que todos os precedentes

vinculantes também devem ser considerados para concessão da tutela de evidência, pois, para

a formação da ratio decidendi do precedente já foi realizado exauriente debate sobre os

principais fundamentos acerca do tema em questão, sendo desnecessária sua revisitação nos

demais casos concretos que a ele se amoldem161

. Por consequência, as possibilidades de

defesa da parte contra a qual se requer a tutela de evidencia podem ser sensivelmente

reduzidas, pois, como dito, os principais argumentos sobre o tema já foram discutidos no

precedente162

.

157

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2017, p. 335. 158

Discorrendo sobre o tema, Daniel Amorim Assumpção frisa que “sendo os fatos alegados pelo autor provados

documentalmente, salvo na hipótese de o réu alegar defesa de mérito indireta, com fato modificativo,

extintivo ou impeditivo do direito do autor, que demande produção de prova oral ou pericial, essa hipótese de

tutela de evidência só terá sentido se for concedida liminarmente, porque após a citação e defesa do réu será

caso de julgamento antecipado da lide”. Cf. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo

Civil Comentado. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 511. 159

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2017, p. 334-335. 160

MACÊDO, Lucas Buril. Precedentes judiciais e o Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2014, p.

544-545. 161

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:

teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos

efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 625. 162

“Cabe ao sujeito processual que viu a tutela de evidência fundada em precedente obrigatório ser concedida

em seu desfavor uma argumentação dialética. Os caminhos argumentativos, embora mais restritos, são ainda

vários, cabendo-lhe: (a) demonstrar o erro na interpretação do precedente judicial pelo magistrado do caso,

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Para Daniel Amorim Assumpção: “o legislador poderia ter sido mais incisivo

na abrangência do dispositivo, considerando também as súmulas persuasivas e a

jurisprudência dominante, ainda que somente dos tribunais superiores”. Sustentando seu

posicionamento, o referido autor lembra que o art. 332, inciso IV, do CPC permite ao juiz

julgar liminarmente improcedente o pedido que contrariar mero enunciado de súmula de

tribunal de justiça sobre direito local, sendo, assim, um contrassenso cobrar para a concessão

da tutela de evidência o embasamento em uma tese firmada em súmula vinculante, enquanto

se permite uma decisão liminar de improcedência por ter contrariado uma súmula de tribunal

de justiça 163

.

O raciocínio é bem simples, pois, quem pode o mais, pode o menos. Se o art.

332 dá ao magistrado a possibilidade de prestar tutela definitiva com lastro em súmulas não

vinculantes do STF e do STJ ou em enunciado de tribunal de justiça sobre direito local,

também se deve permitir a concessão da tutela provisória com base em tais hipóteses de

vinculação mais fraca164

.

Analisando os fundamentos trazidos pela doutrina sobre a extensão da

aplicação da tutela de evidencia baseada em documentos e em entendimento jurisprudencial, é

de se reconhecer que a redação do inciso foi muito tímida e que se esse for interpretado de

forma restritiva irá frustrar a sua razão de existir, que é reconhecer e recepcionar a força dos

precedentes na formação do direito evidente165

.

Para uma aplicação mais segura da tutela, uma parcela da doutrina afirma que é

necessário observar se já houve o trânsito em julgado dos precedentes decorrentes de recurso

especial ou extraordinário repetitivo, como também daqueles formados em sede de resolução

pugnando por seu afastamento ou adequação; (b) demonstrar a erosão do precedente, alicerçada por

relevantes mudanças contextuais, ou o erro da tese firmada, a determinar sua superação; (c) demonstrar uma

distinção relevante entre a hipótese fática da ratio decidendi construída a partir do precedente obrigatório e

os fatos que se apresentam na causa sob análise, a afastar a sua incidência. Não seguido nenhum desses

standards argumentativos, tem-se defesa abusiva e, portanto, ilícita.” Cf. MACÊDO, Lucas Buril.

Antecipação da Tutela por Evidência e os Precedentes obrigatórios. Revista do Processo, v. 242, p. 523-552,

abr. 2015. 163

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm,

2016, p. 510 164

RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2 ed. rev. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2016, p. 197. 165

Atenta ao tema, e já preocupada com a possível má aplicação técnica processual, a Escola Nacional de

Formação e Aperfeiçoamento e Magistrados – ENFAM, no seminário - o poder judiciário e o novo código de

processo civil, lançou o Enunciado 30 no qual verbera que: “É possível a concessão da tutela de evidência

prevista no art. 311, II, do CPC/2015 quando a pretensão autoral estiver de acordo com orientação firmada

pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato de constitucionalidade ou com tese prevista em

súmula dos tribunais, independentemente de caráter vinculante”. Disponível em:

<http://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-VERS%C3%83O-DEFINITIVA-

.pdf> Acesso em 20 mar. 2017.

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de demandas repetitivas, evitando-se que seja concedida uma tutela provisória com base em

um julgado que posteriormente pode ser reformando166

. Quantos às súmulas, afirma-se que

apesar de também estarem sujeitas a processo de revisão ou cancelamento, tais hipóteses são

mais raras e exigem um procedimento mais rígido de superação, razão pela qual estaria

justificada a possibilidade da concessão da tutela de evidência com base em súmula167

.

Independente da discussão acerca da necessidade do trânsito em julgado do

caso paradigma, a jurisprudência já vem se consolidando no sentido de que só será possível a

concessão da tutela se houver uma forte consolidação de entendimento:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ICMS NA BASE DE CÁLCULO DA COFINS.

TUTELA DE EVIDÊNCIA. NÃO CABIMENTO. IMPROVIMENTO.

1. Nos termos do art. 311, II, do CPC, pode ser concedida tutela de evidência

quando os fatos puderem ser provados apenas documentalmente e houver tese

firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante, o que

pressupõe uma quase certeza absoluta de êxito na demanda. 2. Conquanto no

julgamento do RE 240785 o Supremo Tribunal Federal tenha acolhido a tese do

contribuinte quanto a não inserção do ICMS na base de cálculo da COFINS, na

mesma assentada deixou aplicar a sistemática da repercussão geral,

principalmente em face de ponderável mudança de sua composição, sinalizando

que o entendimento sobre a matéria pode ser alterado. 3. Agravo improvido.

(PROCESSO: 08043384620164050000, AG/SE, DESEMBARGADOR FEDERAL

LAZARO GUIMARÃES, 4ª Turma, JULGAMENTO: 14/12/2016) 168

No caso citado, observa-se que até já houve um julgado no STF favorável à

tese do requerente da tutela de evidência, porém, deixou-se de aplicar a sistemática da

repercussão geral justamente por ainda existirem debates na corte sobre a matéria, faltando,

assim, a obrigatória presença de “tese firmada”. Havendo entendimentos instáveis sobre a

tese, fica impossibilitada a concessão da medida.

Por sua vez, observando-se o que prescreve o art. 489, §1º, incisos V e VI169

, a

decisão que concede a tutela de evidência com base inciso II não poderá apenas se limitar a

166

Em sentido oposto o Enunciado 31 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento e Magistrados

verbera que: “A concessão da tutela de evidência prevista no art. 311, II, do CPC/2015 independe do trânsito

em julgado da decisão paradigma”. Disponível em: <http://www.enfam.jus.br/wp-

content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-VERS%C3%83O-DEFINITIVA-.pdf> Acesso em 20 mar. 2017. 167

CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e

perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 232-233. 168

BRASIL. TRF 5ª Região. Processo 08043384620164050000. 4ª Turma. Julgado em 14/12/2016. Disponível

em <https://www4.trf5.jus.br/Jurisprudencia/JurisServlet?op=exibir&tipo=1> Acesso em 13 mai. 2017. 169

Art. 489(...)

§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão,

que:

(...)

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes

nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem

demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

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indicar os elementos de prova e apontar o precedente usado como paradigma, deverá também

demonstrar claramente que as razões de decidir do precedente podem ser aplicadas ao caso

concreto em julgamento, fazendo um cotejo analítico entre os fundamentos das decisões. Pois,

caso contrário, a decisão será considerada como não fundamentada. Da mesma forma, a

decisão que nega o pedido de tutela também deverá apontar os motivos pelo qual o precedente

suscitado pelo requerente não pode ser aplicado ao caso, não sendo admissível uma negativa

genérica. Deve ser feita a devida distinção entre o paradigma suscitado e o caso concreto em

análise:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ICMS. Ação declaratória c.c. repetição de

indébito. Pretensão à exclusão das tarifas TUST e TUSD da base de cálculo do

ICMS incidente sobre a energia elétrica. Tutela de evidência parcialmente deferida.

Reforma. Necessidade. Requisitos ensejadores da medida não evidenciados. Art.

311 do CPC/2015. Inexistência de tese fixada em recurso repetitivo. Distinção

entre o presente caso e os julgados pelo STJ nos recursos repetitivos (Temas nº

63 e nº 537). Decisão reformada. Recurso provido. (TJ-SP - AI:

20428184020178260000 SP 2042818-40.2017.8.26.0000, Relator: Paulo Galizia,

Data de Julgamento: 08/05/2017, 10ª Câmara de Direito Público, Data de

Publicação: 10/05/2017)170

Na ementa apresentada, logo se percebe que a tutela de evidência foi indeferida

em razão do direito pleiteado não encontrar amparo em tese fixada em recurso repetitivo.

Aponta-se a distinção entre os casos, sendo mantida a decisão de primeiro grau que

acertadamente negou a tutela provisória.

Com relação aos recursos cabíveis contra as decisões que concedem a tutela de

evidência fundada em documentos e em precedente obrigatório, seja decisão interlocutória,

sentença ou acórdão, para que não corram o risco de serem rejeitados monocraticamente com

base no art. 932, inciso IV do CPC171

, os mesmos recursos deverão indicar a diferença entre o

caso sub judice e o precedente utilizado para concessão da tutela, ou demonstrar a superação

do precedente172

, pois, caso contrário, estará indo de encontro ao que ficou estabelecido em

um precedente.

170

BRASIL. TJSP. Processo 2042818-40.2017.8.26.0000. 10ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação:

10/05/2017. Disponível em: <https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/457787074/agravo-de-instrumento-

ai-20428184020178260000-sp-2042818-4020178260000?ref=juris-tabs> Acesso em 10 mai. 2017. 171

Art. 932. Incumbe ao relator:(...)

IV - negar provimento a recurso que for contrário a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de

recursos repetitivos;

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; 172

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:

teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos

efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 627.

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57

Como se percebe, o inciso II do artigo 311, além da obrigação de comprovação

robusta dos fatos alegados, traz uma gama de possibilidades para a concessão da tutela de

evidência em razão de entendimento jurisprudencial consolidado, sendo imprescindível para

sua correta compreensão e aplicação um estudo minucioso acerca dos precedentes. Contudo, a

tarefa de analisar mais profundamente tal matéria é inviável no presente momento, tendo em

vista o objeto deste trabalho e a complexidade do tema dos precedentes.

Aqui é importante estabelecer que a evidência não repousa apenas na seara

documental, podendo também ser reconhecida em razão da certeza do direito estabelecida por

meio dos precedentes. Assim, demonstrando-se conjuntamente a evidência fática e jurídica

do direito pretendido, resta inconteste a possibilidade da concessão da tutela de evidência.

3.3 TUTELA DE EVIDÊNCIA NOS CASOS DE CONTRATO DE DEPÓSITO

Como a presente hipótese de tutela de evidência gravita em torno do contrato

de depósito, para uma melhor compreensão da sua aplicação convém registrar que tal tipo de

contrato está previsto em nosso Código de Civil, artigos 627 e seguintes, e impõe ao

depositário o dever de guardar e conservar a coisa depositada, com mesmo cuidado e

diligência que costuma ter com o que lhe pertence, devendo restituí-la, com todos os frutos e

acréscimos, quando exigida pelo depositante. Em regra o contrato de depósito é gratuito,

salvo se houver pacto em contrário, se resultar de atividade negocial ou se o depositário o

praticar por profissão.

Diante de tal possibilidade contratual, o inciso III o artigo 311 trouxe hipótese

bem casuística, que possibilita a concessão da tutela provisória quando “se tratar de pedido

reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que

será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa”.

Tal previsão veio nitidamente para preencher a lacuna deixada pela liminar na

ação especial de depósito, que era regida pelos artigos 901 a 906 do CPC/73173

, pois, com o

173

Com a revogação dos artigos 901 a 906 do CPC/73 ocorreram modificações substanciais na relação jurídico-

processual decorrente dos contratos de depósito. Importante novidade foi a eliminação da previsão processual

da prisão civil do depositário infiel, conforme já havia sido pacificado através da Súmula Vinculante 25: “é

ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”. Atualmente as

penalidades que podem ser imputadas ao depositório estão previstas no art. 161 do CPC, que em seu

parágrafo único ressalta que “o depositário infiel responde civilmente pelos prejuízos causados, sem prejuízo

de sua responsabilidade penal e da imposição de sanção por ato atentatório à dignidade da justiça”. Outra

inovação interessante é a dispensa de se informar na petição inicial o valor da causa, o que será feito apenas

no momento da execução, nos termos do §1º do art. 809 do CPC/2015. Como também não existem mais

limitações para matéria de defesa.

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58

novo Código de Processo Civil, a ação de depósito passou a seguir o procedimento comum,

sendo eliminado do ordenamento processual o procedimento específico174

.

Aqui, mais uma vez, a evidência do direito pretendido decorre necessariamente

da prova documental apresentada pela parte promovente, mais especificamente o contrato de

depósito. Porém, alguns autores já defendem que na ausência do contrato a tutela poderá ser

concedida com base em prova escrita que demonstre de forma concreta a existência de uma

relação jurídica material de depósito entre as partes175

.

Na opinião de Bruno Bodart, mesmo que o novo CPC não tenha trazido

menção expressa acerca da comprovação da mora, deve-se entender que tal exigência está

implicitamente contida no dispositivo em comento176

, e como meio de comprovação da mora

sugere, por analogia ao entendimento jurisprudencial do STJ177

, a apresentação do respectivo

protesto ou de notificação extrajudicial. Assim, para o citado doutrinador, no momento em

que o promovente apresenta sua petição inicial devidamente instruída com a comprovação do

depósito e da mora, torna-se imperiosa a concessão da tutela de evidência, inclusive em sede

liminar, não sendo justo que espere pela citação e consequente resposta do réu para só então

usufruir do seu direito que já estava suficientemente demonstrado178

.

Da leitura do dispositivo, conjugada com o entendimento da necessidade da

demonstração da mora, chega-se à conclusão de que aqui, inicialmente, a atividade cognitiva

do julgado irá ocorrer apenas sobre o contrato de depósito apresentado e a prova do seu

eventual descumprimento. Com a apresentação da defesa a análise cognitiva do magistrado

será ampliada para outras questões referentes não só a posse, mas também sobre a propriedade

do bem discutido179

.

Dando uma interpretação ainda mais elástica ao dispositivo, Leonardo Ferres

sustenta que, “todo e qualquer pedido reipersecutório, ainda que não com fundamento em

depósito, abre a possibilidade de concessão de tutela de evidência”. Como exemplo, cita-se

174

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do direito processual

civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57 ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense,

2016. v. 1, p. 696. 175

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm,

2016, p. 511. 176

No mesmo sentido é o Enunciado 29 da ENFAM: “Para a concessão da tutela de evidência prevista no art.

311, III, do CPC/2015, o pedido reipersecutório deve ser fundado em prova documental do contrato de

depósito e também da mora”. Disponível em: <http://www.enfam.jus.br/wp-

content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-VERS%C3%83O-DEFINITIVA-.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2017 177

Súmula 72 do STJ: “A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado

fiduciariamente”. 178

BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito

processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 130. 179

CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e

perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 242.

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59

um contrato de compra e venda com reserva de domínio de um equipamento e em razão do

inadimplemento surgir a necessidade de retomá-lo180

.

Da parte final da redação do inciso III temos a previsão de cominação de multa

caso o objeto custodiado não seja devolvido. Porém, em que pese a boa intenção do

legislador, tal previsão pode ser considerada desnecessária, pois, como bem lembra Daniel

Amorim, “em toda e qualquer obrigação de fazer, não fazer e entregar coisa é cabível a

aplicação de multa cominatória (astreintes)”181

.

Em caso de descumprimento da tutela concedida, existe à disposição do juiz

um rol de medidas que podem ser adotados visando ao efetivo cumprimento da obrigação

estabelecida, a exemplo do que prescreve §1º do art. 536 do CPC, no qual se prevê, além da

imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de

obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de

força policial.

Lançando um olhar mais crítico sobre a tutela de evidência com base no

contrato de depósito, Luiz Guilherme Marinoni frisa que existem vários outros contratos de

igual natureza e que injustificadamente não foram beneficiados pelo legislador, chegando a

concluir que tal “regra só pode ser uma encomenda da posição social que se vale destes

documentos”. Para Marinoni o conteúdo do inciso III é desnecessário, pois, havendo prova do

contrato e da mora na entrega da coisa qualquer manobra protelatória de defesa iria

possibilitar a concessão da tutela provisória com base no inciso I do art. 311, já que esse

abarca todas as situações de direito substancial182

.

Em arremate, considerando que “a alegação de falsidade desconstitui a

evidência intrínseca à prova documental”, Marinoni aduz que basta que a parte contra a qual é

requerida a tutela suscite a falsidade do documento para que deixe de existir a evidência do

direito, sendo necessária produção de prova, desaparecendo a evidência necessária para

concessão da medida183

.

Trata-se realmente de uma previsão muito casuística184

, com previsão

redundante diante da possiblidade já trazida pelo inciso I. Espera-se que sua aplicação seja

180

RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2 ed. rev. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2016, p. 197. 181

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm,

2016, p. 511. 182

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2017, p. 335-336. 183

Ibidem, p. 336. 184

Para Daniel Penteado, a hipótese do inciso III ficaria topologicamente melhor enquadrada como uma

modalidade de procedimento especial, dentro do Livro I, Título III da Parte Especial do CPC, pois se trata de

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aprimorada por meio das contribuições da doutrina e da jurisprudência, possibilitando uma

salutar utilização desta hipótese de tutela de evidência no dia a dia dos fóruns, inclusive

estendendo sua utilização para outros tipos de contratos.

3.4 TUTELA DE EVIDÊNCIA COM BASE EM PROVA DOCUMENTAL E AUSÊNCIA

DE CONTESTAÇÃO SÉRIA

O último inciso do art. 311 trata da possibilidade de concessão da tutela de

evidência quando “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos

constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida

razoável”.

Da leitura do dispositivo se pode perceber grande semelhança com a figura da

référé provision do direito francês, em que o art. 809 do Code de procédure civile exige como

pressuposto para concessão da référé provision a existência de uma obrigação não seriamente

contestável185

.

Relembrando o que foi dito sobre as tutelas provisórias no tópico 2 acima,

pode-se dizer que a tutela fundamentada no inciso IV do art. 311 é nitidamente uma

condenação com reserva de exceção, havendo uma cognição exauriente apenas em relação aos

fatos constitutivos do direito do autor e uma percepção sumária quanto aos fatos extintivos,

impeditivos ou modificativos do direito requerido. “Se concede ao autor o acesso ao bem da

vida, com base em um juízo de probabilidade, não como meio de tutelar uma situação de

urgência, mas para evitar que o autor seja penalizado com os ônus dromológicos do processo”

186.

Trata-se claramente de uma tutela destinada aos interesses do promovente, só

podendo ser deferida após a apresentação da defesa do réu187

, pois, como visto, o pressuposto

uma tutela diferenciada de específico direito material. Cf. CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da

tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e perspectivas no novo Código de Processo Civil.

Salvador: JusPodivm, 2017, p. 260. 185

De acordo com Natalia Diniz, “O requisito da ausência da contestação séria surge em quase todos os tipos de

réféfé e também surgirá no processo societário italiano. A doutrina não define bem o que seria a contestação

séria, mas pode-se entender que é quando a contestação apresentada pelo réu não se sustenta, mostrando

ainda mais a evidência do direito do autor, seria o óbvio e o inegável”. Cf. SILVA, Natália Diniz da.

Estabilização da tutela jurisdicional diferenciada. 2014. 227 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito,

Direito Processual, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014, p.128. Disponível em: <

http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-20012015-093529/pt-br.php> Acesso em: 04 fev. 2017 186

BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito

processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 138. 187

Sobre o momento da concessão da tutela, Daniel Amorim Assumpção diz que: “embora o dispositivo legal

aponte para a concessão de tutela da evidência após a contestação do réu, entendo que seu cabimento não se

exaure a esse momento procedimental. Seguindo o processo e sendo produzida prova de outra natureza que

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para sua concessão é que, além da apresentação de prova idônea dos fatos constitutivos do

direito do autor, o réu não apresente prova capaz de gerar dúvida razoável acerca do direito

pretendido, cabendo ao magistrado avaliar fundamentadamente se os elementos da defesa

foram capazes de impor dúvidas acerca do direito do autor. Caso gere dúvida, a tutela

provisória deve ser denegada188

.

Para melhor ilustrar a presente hipótese de tutela provisória, segue a ementa e o

voto condutor de acórdão que trata diretamente do inciso IV do art. 311:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO TUTELA DE EVIDENCIA.

DEFERIMENTO. Prova documental comprobatória dos fatos constitutivos do

direito do autor. Ausência de oposição do réu quanto ao inadimplemento.

Incidência do artigo 311, IV, do Código de Processo Civil. NEGARAM

PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº

70070441316, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:

Ergio Roque Menine, Julgado em 22/09/2016).

Voto - DES. ERGIO ROQUE MENINE (RELATOR)

No caso dos autos, restou deferida tutela de evidência de restituição de bem

objeto de contrato locação firmado entre as partes, com base no disposto no

artigo 311, IV, do CPC. Sobre o tema, cumpre citar a redação do referido

dispositivo legal: Art. 311. (...) No caso dos autos, observa-se que a parte

demandante instruiu a petição inicial com contrato de locação firmado com a

demandada (fl. 27 dos autos eletrônicos), com prazo determinado de dez meses, de

um “Centro de usinagem Romi Discovery 150, ano 2005, comando Funac”. O

pedido de busca e apreensão do bem locado, por sua vez, está embasado no

inadimplemento do aluguel mensal de R$ 13.500,00 avençado entre as partes.

Quanto ao contrato de locação, observa-se que a demandada não nega que

firmou o documento e tampouco o inadimplemento, mas atribui à contratação

natureza da garantia, já que adquiriu o bem. Todavia, a mera alegação –

desprovida de prova - de que adquiriu o bem objeto de locação não é suficiente para

afastar direito do autor de valer de cláusula contratual sexta que possibilita rescisão

do contrato independente de qualquer interpelação judicial. Além disso, observa-se

que a demandada foi notificada extrajudicialmente quanto à existência de

débito e intenção de retomada do bem locado em caso de não pagamento. Ou

seja, já estava ciente da situação antes mesmo da propositura da ação e, assim,

poderia ter intentado medida judicial para manter-se na posse do bem, mas

nada fez nesse sentido. (...) .Ante o exposto, voto no sentido de negar

provimento ao recurso189

.

Como se observa do voto, foram rigorosamente observadas as exigências do

inciso aqui analisado, tendo o promovente/recorrido apresentado forte evidência dos fatos

constitutivos do seu direito e o réu nada apresentou para contraditar a tese de adimplemento.

não a documental, caso a parte adversa não consiga produzir prova que gere dúvida razoável, o juiz deverá

conceder a tutela da evidência”. Cf. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil

Comentado. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 511. 188

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do direito processual

civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57 ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense,

2016. v. 1, p. 697. 189

BRASIL. TJRS. Processo AI 70070441316, Décima Sexta Câmara Cível, Julgado em 22/09/2016.

Disponível em: <https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/390349409/agravo-de-instrumento-ai-

70070441316-rs/inteiro-teor-390349422?ref=juris-tabs> Acesso em 10 mai. 2017.

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62

Outro ponto importante a ser observado no inciso IV, é que a prova deve ser

documental, ou documentada, podendo o promovente fazer uso de prova emprestada pericial

ou oral190

. Em uma interpretação mais adequada, a exigência de prova documental deve ser

interpretada como prova capaz de ser apresentada por meio de papel191

.

Assim como em outras hipóteses da tutela de evidência, aqui só se fará

necessária/útil uma decisão provisória quando o juiz não tiver condições de realizar uma

cognição exauriente acerca dos fundamentos da defesa, tendo em vista a necessidade de

produção de prova. Caso exista a possibilidade de um juízo exauriente dos elementos da

defesa logo após a apresentação da contestação, deverá ser realizado o julgamento antecipado

do mérito, nos termos do inciso I do art. 355 do CPC.

Simplificando as hipóteses de concessão de tutela de evidência com base em

prova documental, pode-se dizer ela deverá ser concedida quando houver pela defesa negação

do fato constitutivo do direito do autor (defesa de mérito direta) e for feito pedido de

produção de prova, ou, quando existindo prova dos fatos constitutivos, o réu apresentar defesa

de mérito indireta com pedido de produção de prova. Em ambos os casos as alegações e

provas inicialmente apresentadas pela defesa devem ser incapazes de gerar dúvida razoável192

.

A ausência de apresentação de prova capaz de gerar dúvida razoável sobre o

direito do autor não pode ser confundida com incontrovérsia acerca de um ou mais pedidos

formulados, o que acarretaria o julgamento parcial de mérito nos termos do art. 356 do

CPC/2015. O que se observa é a inconsistência da defesa, que inicialmente não traz prova

capaz de gerar dúvida razoável, mas também não chega a ter intenções procrastinatórias ou de

abuso de direito de defesa, o que configuraria a hipótese do inciso I193

.

Por outro lado, discordando do caráter sumário e provisório da medida trazida

pelo inciso IV, Fredie Didier acredita que da aplicação da norma em comento só pode existir

190

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm,

2016, p. 511. 191

“O inciso IV é a norma que mais se aproxima da razão teórica da tutela da evidência. Fala em prova

documental suficiente dos fatos constitutivos. É certo que, tendo-se em conta o significado teórico de prova

documental, aludir a prova suficiente constitui equivoco. É que, quando se leva à serio o conceito de prova

documental, dessa decorre necessariamente o fato. O documento é um objeto que tem em si mesmo o fato.

Daí que a única maneira de negar o fato representado em documento é a alegação da sua falsidade. Lembre-

se que a prova documental ou o documento não se confunde com a prova documentada, ou seja, com a prova

que contém a declaração de uma testemunha sobre um fato ou mesmo a declaração de um especialista sobre

determinada situação fática. Estas provas, não obstantes retidas em papel, constituem declarações de

testemunha e de especialista sobre um fato, vale dizer, precisamente uma mera versão a respeito do fato”. Cf MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2017, p. 337. 192

Ibidem, p. 338. 193

RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2 ed. rev. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2016, p. 198.

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63

uma tutela definitiva, proferida por intermédio de julgamento antecipado da lide. Para o autor,

“trata-se de hipótese de tutela de evidência inevitavelmente definitiva, que se confunde com o

julgamento antecipado do mérito e que fora, equivocadamente, colocada no rol de hipóteses

de tutela provisória” 194

.

Para fundamentar seu ponto de vista, Didier parte da premissa de que o réu

deve abalar a evidência do direito do autor por meio de prova exclusivamente documental. Se

a prova documental do réu é fraca e ele não requer outras provas, deve ser feito o julgamento

antecipado do mérito, de outro modo, caso o réu tenha prova documental insuficiente e

requeira qualquer outro meio de prova, a concessão da tutela se torna inviável, pois, na

opinião do citado doutrinador, a norma exige que a prova de ambos os litigantes seja

exclusivamente documental195

.

Em que pesem os fundamentos trazidos pelo renomado processualista,

acreditamos que a sua leitura do dispositivo está sendo feita de forma muito rigorosa, até

porque a segunda parte do inciso fala que o “réu não oponha prova capaz de gerar dúvida

razoável”, existindo exigência de apresentação de prova exclusivamente documental apenas

para o autor, para o réu se fala simplesmente em prova196

.

Pensar de outro modo esvairia a essência da técnica processual da tutela de

evidência, que aqui visa justamente permitir ao autor o acesso ao direito requerido, fortemente

evidenciado pela prova documental trazida com a exordial, enquanto são produzidas as

demais provas pretendidas pela defesa, independentemente de serem documentais, que, ao

que tudo indica, não serão capazes de gerar dúvidas sobre o direito do promovente, mas que,

em respeito ao direito constitucional ao contraditório, é deferida a produção.

Contra a previsão do inciso IV do art. 311 também se levanta Daniel Penteado

de Castro, para quem a referida hipótese não é adequada e pode vir a gerar problemas de

ordem prática. Preliminarmente em razão do subjetivismo das expressões “prova documental

suficiente” e “dúvida razoável”, depois porque tal situação poderia ser concedida já com base

194

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:

teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos

efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 629. 195

Ibidem. 196

Ao que tudo indica, o inciso IV foi melhor interpretado por Daniel Amorim Assumpção: “Essa hipótese de

cabimento está condicionada à inexistência de cognição exauriente diante da situação descrita no dispositivo

legal, porque, sendo possível nesse momento do procedimento, ao juiz, formar juízo de certeza, será caso de

julgamento antecipado do mérito, ainda que parcial, a depender do caso concreto. Dessa forma, mesmo que o

réu não consiga produzir prova documental capaz de gerar dúvida razoável, deve haver, no caso concreto,

outros meios de prova a produzir (oral, pericial) a impedirem o referido julgamento antecipado”. Cf. NEVES,

Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm, 2016, p.

511.

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64

na previsão do inciso I do art. 311, uma vez que ao não apresentar prova capaz de gerar

dúvida razoável e insistindo na continuidade do processo, a parte requerida estaria cometendo

um abuso do direito de defesa, ou seja, os incisos I e IV estariam dentro do mesmo campo

cognitivo. Por fim, seguindo o entendimento de Didier, também se afirma que existe uma

grande dificuldade de se identificarem situações que não se encaixem como julgamento

antecipado total ou parcial de mérito, nos termos dos artigos 355 e 356 do CPC/2015197

.

Observados os fundamentos doutrinários acerca do inciso IV, sejam favoráveis

ou contrários, é inegável que ele se encontra positivado e deverá ser cada vez mais usado na

prática forense. Infelizmente a redação legal traz muitos conceitos vagos198

, o que pode gerar

certa insegurança jurídica, assim, tanto a decisão que concede ou que nega a tutela provisória

deve estar devidamente motivada, conforme determina o art. 298 do CPC/2015 e em respeito

ao inciso IX do art. 93 da Constituição Federal.

Baseado nos ensinamentos de Alessandro Jommi, Bruno Bodart alerta que, “a

aplicação prática da norma necessitará de valoração subjetiva do juiz, do seu caráter

impulsivo ou audaz, ou, ao contrário, do seu temperamento timorato e prudente”, não

podendo haver relativismo exagerado, que deverá ser combatido nas instancias recursais199

.

3.5 TUTELA DE EVIDÊNCIA SEM A OUVIDA DA PARTE CONTRÁRIA

Sobre concessão de liminar baseada em “evidência extremada pura”, Eduardo

da Fonseca aponta que, apesar do alto grau de certeza do direito afirmado pelo promovente, o

grau de periculosidade é esquálido, a parte requerente não indica o perigo da demora

(esqualidez postulatória), ou, mesmo que indique, o julgador decide apenas com base na alta

probabilidade do direito, deixando enfrentar o periculum in mora (esqualidez decisória) 200

.

Em sede de parágrafo único, o artigo 311 prevê a possibilidade de o juiz

decidir liminarmente nas hipóteses dos incisos II e III. Tal previsão está claramente ligada ao

fato de que em tais incisos a formação da convicção sobre a evidência do direito independe da

197

CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e

perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 242. 198

Sobre a interpretação das normas, principalmente daquelas que trazem elementos muitos subjetivos, é sempre

válida a lição de Eros Grau de que a “neutralidade política do intérprete só existe nos livros. Na práxis do

direito ela se dissolve, sempre. Lembre-se de que todas as decisões jurídicas, porque jurídicas, são políticas”.

Cf. GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5 ed. rev. e ampl.

São Paulo: Malheiros, 2009. 199

BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito

processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 138. 200

COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 73.

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apresentação de defesa, tendo em vista o silencio do legislador sobre a necessidade de

resposta da parte contrária.

No inciso II basta que as alegações de fato estejam comprovadas por

documento e exista jurisprudência consolidada sobre o tema, enquanto que no inciso III se

exige apenas o pedido reipersecutório com base em contrato de depósito. Diferentemente dos

incisos I e IV201

, as hipóteses trazidas pelo parágrafo único em momento algum condicionam

a concessão da medida aos fundamentos da defesa.

Defendendo a possibilidade da concessão da tutela de evidência antes da

apresentação dos elementos de defesa, Bruno Bodart, seguindo a linha mais ampla defendida

por Luiz Fux, afirma que, apesar da importância do princípio constitucional do contraditório,

é possível seu exercício na forma postergada toda vez que o direito do autor for apresentado

de forma tão robusta que se torne muito pouco provável a possibilidade do requerido

apresentar uma defesa séria202

.

Discordando de Fux e Bodart, alguns autores já tecem críticas acerca da

escolha do legislador em incluir no texto legal a possibilidade da concessão inaudita altera

parte da tutela de evidência. O fundamento da crítica reside no fato de que na tutela de

evidência não existe urgência203

, logo, inexistiria razão para não se esperar a resposta do réu,

sendo indevido postergar o contraditório para depois da concessão da medida204

.

Especificamente com relação à concessão de liminar nos casos de tutela de

evidência fundada em precedente obrigatório (art. 311, II), Lucas Buril é incisivo ao afirmar

que tal possibilidade é inconstitucional, uma vez que o legislador ou o judiciário não podem

dispor do direito constitucional ao contraditório de nenhuma das partes do processo. Para o

201

Sobre a necessidade de pronunciamento da parte adversa para concessão de tutela de evidência com base nos

inciso I e V do art. 311 o TJPR se pronunciou da seguinte forma:

EMENTA: OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS.

PEDIDO DE TUTELA DE EVIDÊNCIA AMPARADO NOS INCISOS I E IV DO ARTIGO 311, DO

CPC. PARÁGRAFO ÚNICO. IMPOSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO SEM OPORTUNIZAR O

CONTRADITÓRIO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. Cf. BRASIL.

TJPR. Processo AI 1593787-2. 18ª C.Cível, Rel. Vitor Roberto Silva, julgado em 26/04/2017. Disponível

em: <https://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/457735336/agravo-de-instrumento-ai-15937872-pr-

1593787-2-acordao> Acesso em: 16 mai. 2017. 202

BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito

processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 133. 203

Sobre o argumento da inexistência de urgência na tutela de evidência é interessante levantar a discussão

acerca da diferenciação entre urgência e periculum in mora. Para Mirna Cianci a tutela de evidência pode ser

considerada uma tutela de urgência em sentido lato, pois a pressa em usufruir o direito não nasce do risco do

seu perecimento, mas por uma equiparação legal. Cf. CIANCI, Mirna. As principais reformas do processo

civil brasileiro sob o enfoque do acesso à justiça. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 118. 204

RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2 ed. rev. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2016, p. 198.

Page 68: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

66

autor, “a relativização do contraditório, de prévio para postergado, apenas se justifica quando

houver ponderação de princípios diante de situação conflitiva, o que não ocorre na espécie”.

Conclui afirmando que “não se pode simplesmente dispor do direito fundamental ao

contraditório prévio sem qualquer urgência a impor a imediata tutela do provável direito, não

existindo qualquer prejuízo na espera da resposta do réu pelo autor” 205

.

Leonardo Greco também questiona sobre a constitucionalidade da concessão

da tutela evidência em sede de liminar, uma vez que não estaria presente o requisito da

urgência. Para Greco “na tutela da evidência a prova documental robusta não é aquela que

formalmente gere a presunção de certeza de existência do crédito, pois se o fosse, ensejaria

desde logo a execução como título executivo”. Aduz que só não haveria violação do artigo 5º,

inciso LV, da CF, se também fosse exigida para concessão de liminar a demonstração do

perigo de lesão grave ou de difícil reparação206

.

Indo um pouco mais além, Marinoni diz que o parágrafo único do artigo 311

carece de racionalidade, uma vez que só será possível verificar a evidência de um direito após

oferecimento da oportunidade de defesa, não podendo se admitir que um fato constitutivo

restou devidamente comprovado por meio de documento sem se ter escutado a outra parte,

concluindo pela inconstitucionalidade do dispositivo207

.

Ao que se percebe, até o presente momento boa parte da doutrina guarda

reservas acerca da constitucionalidade da previsão da tutela de evidência antes da ouvida da

outra parte, apontando-se como principal empecilho para sua concessão a inexistência da

urgência. Sem a existência do risco da demora, o princípio do contraditório seria mitigado

sem que existisse qualquer outro valor com ele conflitando208

.

205

MACÊDO, Lucas Buril. Antecipação da Tutela por Evidência e os Precedentes obrigatórios. Revista do

Processo/ vol. 242 2015/ p. 523-552/ Abr. 2015. 206

GRECO, Leonardo. A tutela da urgência e a tutela da evidência no código de processo civil de 2014/2015.

Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Volume XIV, n. 1, ano 8, p. 321-322. 207

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2017, p. 340. 208

Mantendo um posicionamento totalmente diverso e bem mais amplo, Bruno Bodart defende, além da tutela

liminar, a possibilidade da concessão da tutela de evidência em caráter antecedente, através do rito trazido

nos artigos 303 e 304. Segundo o autor, as tutelas trazidas pelos incisos II e III do artigo 311 são compatíveis

com o procedimento autônomo. Cf. BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da

cognição, análise econômica do direito processual e comentários sobre o novo CPC. 2ª Ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2015, p. 139-147.

Page 69: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

67

3.6 TUTELA DE EVIDÊNCIA E A FASE RECURSAL

Com relação à decisão interlocutória que concede ou nega pedido de tutela de

evidência não existem relevantes debates sobre a fase recursal, uma vez o Código de Processo

Civil traz expressamente no inciso I do art. 1.015 que o recurso cabível é o agravo de

instrumento. Trazendo o artigo 1.019, inciso I, a possibilidade do relator “atribuir efeito

suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão

recursal, comunicando ao juiz sua decisão”.

Segue abaixo um julgado proferido em agravo de instrumento manejado contra

decisão que negou pedido de tutela de evidência. Aplicando o artigo 1.019, inciso I, e com

base no inciso II do art. 311, ambos do CPC, o Relator reconheceu a possibilidade de

concessão da medida sumária e deferiu a antecipação de tutela recursal:

(...) De acordo com o art. 311, II, do CPC de 2015, a tutela da evidência será

concedida , independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco

ao resultado útil do processo, quando as alegações de fato puderem ser

comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento

de casos repetitivos ou em súmula vinculante. Este Colegiado tem precedente

no qual admite a concessão da tutela de evidência em sede de mandado de

segurança, verbis: "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM MANDADO DE

SEGURANÇA. REQUISITOS PARA O DEFERIMENTO DA LIMINAR.

TUTELA DE EVIDÊNCIA. 1. É possível o deferimento parcial do pedido

liminar, com fundamento no art. 311 do CPC (tutela de evidência) desde que a

tese pontuada no mandamus esteja sufragada ou no STJ ou no STF. (...)O caso

dos autos subsume-se no dispositivo citado. Com efeito, por maioria de votos, o

Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão nesta quarta-feira

(15/03/2017), decidiu que o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

(ICMS) não integra a base de cálculo das contribuições para o Programa de

Integracao Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social

(Cofins). Ao finalizar o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 574706, com

repercussão geral reconhecida, os ministros entenderam que o valor arrecadado a

título de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte e, dessa forma, não

pode integrar a base de cálculo dessas contribuições, que são destinadas ao

financiamento da seguridade social. Pelo exposto, é impositivo dar razão ao pleito

do ora agravante. Destarte, para acautelar o direito vindicado, há de ser deferido o

pedido liminar. Defiro, pois, o pedido acautelatório, forte no art. 1.019, I, do

CPC. Comunique-se. Em observância à regra insculpida no art. 1.019, II, do novo

Codex Processual Civil (Lei 13.105/2015), determino a intimação da parte agravada

para oferecer resposta, no prazo legal. Após, inclua-se este agravo na pauta de

julgamento. Publique-se. (TRF-4 - AG: 50195071420174040000 5019507-

14.2017.404.0000, Relator: ROBERTO FERNANDES JÚNIOR, Data de

Julgamento: 04/05/2017, SEGUNDA TURMA) 209

209

BRASIL. TRF 4ª Região. Processo 5019507-14.2017.404.00000. 2ª Turma. Julgado em 04/05/2017.

Disponível em

<https://eproc.trf4.jus.br/eproc2trf4/controlador.php?acao=acessar_documento_publico&doc=414939034303

42842057220974384&evento=41493903430342842057221023920&key=25aa9feba64712020776320270be3

c26b37af02206a1a92940519664989b6986> Acesso em 13 mai. 2017.

Page 70: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

68

O caso acima apresentado é emblemático porque inicialmente o pedido liminar

foi negado pelo juízo de primeiro grau sob o engessado argumento de que não havia sido

concretamente demonstrado o risco de dano irreparável ou de difícil reparação, porém, em

sede de agravo de instrumento, já imbuído dos ideais do novo código, o TRF 4º da Região

reformou a decisão por entender que o direito do autor estava documentalmente provado e

existia entendimento formado na jurisprudência sobre o assunto, sendo totalmente dispensável

a demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo.

Com a nova redação acerca das tutelas provisórias, em especial sobre a tutela

de evidência, não pode mais existir aquela velha concepção dualística da demonstração

cumulativa do periculum in mora e fumus boni iuris, pois, conforme a própria prática forense

nos mostra, a presença forte de um pressuposto pode compensar a ausência do outro. Usando

o exemplo de Eduardo José da Fonseca Costa, a tutela provisória não pode ser vista como

uma porta que precisa de duas chaves para abri-la, bastando apenas uma210

.

Indo além das decisões interlocutórias, tendo em vista que a tutela de evidência

também pode ser concedida e/ou confirmada em sede de sentença, o recurso a ser utilizado

será o de apelação, o qual será recebido apenas no seu efeito devolutivo, conforme verbera o

inciso V do §1º do art. 1.012 do CPC, hipótese em que a sentença irá produzir seus efeitos

imediatamente após sua publicação.

Por sua vez, o §4º do art. 1.012 estabelece que a eficácia da sentença poderá

ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso

ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação.

Partindo da previsão do citado parágrafo 4º, que coloca como requisito para

concessão do efeito suspensivo recursal a demonstração da probabilidade de provimento do

recurso ou do risco de dano grave ou de difícil reparação, a doutrina vem entendendo que em

razão da preposição “ou” basta a evidência da grande possibilidade do provimento do recurso

para concessão do efeito suspensivo, caracterizando-se uma verdadeira “tutela de evidência

recursal”, defendendo-se, inclusive, a possibilidade de sua concessão de ofício pelo relator211

.

Vejamos julgado do Tribunal Regional da 5ª Região, que trata de agravo

regimental contra decisão monocrática em que o Relator, reconhecendo a relevância da

fundamentação do apelo e a probabilidade do seu provimento, atribuiu efeito suspensivo ao

210

COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 19. 211

BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito

processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 148-150.

Page 71: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

69

recurso apelatório mesmo tendo sido deferida a tutela de evidência em primeiro grau, saindo

da regra do inciso V do §1º do art. 1.012 para aplicar a previsão do seu parágrafo 4º:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. ATRIBUIÇÃO DE

EFICÁCIA SUSPENSIVA A APELO INTERPOSTO EM AÇÃO CIVIL

PÚBLICA. TUTELA DE EVIDÊNCIA CONCEDIDA NO JUÍZO DE

ORIGEM. DEFESA DA PARTE RÉ CONSISTENTE. DISCUSSÃO

EMINENTEMENTE JURÍDICA. REQUISITOS DO ART. 311 DO CPC/2015

NÃO PREENCHIDOS NO CASO CONCRETO. IMPROVIMENTO.

1. Agravo regimental interposto pelo MPF contra decisão monocrática que, no

presente incidente, atribuiu efeito suspensivo ao apelo interposto pela UNIÃO nos

autos da ação civil pública n. 0800624-83.2016.4.05.8502, na qual foi concedida

tutela de evidência pelo Juízo de origem.(...) 6. No caso concreto, o magistrado

sentenciante entendeu estar configurada a hipótese do art. 311, IV, do CPC/2015, ao

argumento de que o MPF teria provado documentalmente os fatos por ele alegados

na inicial e a UNIÃO "não trouxe prova razoável que comprovasse o cumprimento

da Lei n° 11.945/2009 e da sanção prevista no inciso I do parágrafo 3o do art. 23 da

LRF". 7. Na hipótese em exame, a defesa apresentada pela UNIÃO no processo

principal não se mostra inconsistente ou defeituosa. Ao contrário, aquele ente

político trouxe substanciosos argumentos jurídicos contrários à pretensão do MPF,

notadamente a alegação de sua ilegitimidade passiva e a extrapolação, na sentença,

dos limites da lide impostos na inicial, o que merece ser mais bem analisado por esta

Corte quando do julgamento do aludido apelo. 8. Ademais, além da existência de

uma defesa inconsistente do réu, o que, repita-se, não se verifica no caso

concreto, a incidência do disposto no art. 311, IV, do CPC/2015 restringe-se às

hipóteses em que o sucesso da demanda depende da comprovação, pela parte

autora, da matéria fática por ela alegada na exordial. 9. Entretanto, a principal

controvérsia instaurada na demanda principal é eminentemente jurídica (...),

de modo que a afirmação do Juízo a quo de que os fatos deduzidos pelo MPF na

inicial teriam sido por ele comprovados não é suficiente, por si só, para justificar a

concessão da tutela de evidência, sobretudo por se tratar, in casu, de questão

jurídica peculiar e sem precedentes na jurisprudência desta Corte ou na dos

Tribunais Superiores, a demandar, portanto, uma discussão mais detalhada e

cautelosa da matéria por este órgão ad quem. 10. Assim, deve ser mantida a

eficácia suspensiva do apelo interposto pela UNIÃO nos autos da ação

originária (ACP n. 0800624-83.2016.4.05.8502), até o julgamento daquele

recurso por esta Corte. 11. Agravo regimental cujo provimento é negado.

(PROCESSO: 08004373620174050000, PET/SE, DESEMBARGADOR FEDERAL

MANUEL MAIA (CONVOCADO), 4ª Turma, JULGAMENTO: 06/04/2017)212

No caso acima, a União ao manejar seu apelo usou nitidamente da “tutela de

evidência recursal”, na qual, em razão da força dos seus fundamentos, demonstrou a

fragilidade da tese do promovente/apelado e conseguiu a atribuir efeito suspensivo ao seu

recurso. Interessante também é a observação de que a controvérsia dos autos gira em torno de

matéria de jurídica, dando-se baixa relevância ao fato do MPF em sua exordial ter apresentado

prova dos fatos alegados. Indo um pouco mais além, o relator destaca que questão é peculiar e

não possui precedentes na Corte ou nos Tribunais Superiores, já afastando qualquer

possibilidade de concessão da tutela de evidência com base no inciso II do art. 311.

212

BRASIL. TRF 5ª Região. Processo 08004373620174050000. 4ª Turma. Julgado em 06/04/2017. Disponível

em <https://www4.trf5.jus.br/Jurisprudencia/JurisServlet?op=exibir&tipo=1> Acesso em 13 mai. 2017.

Page 72: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

70

Tratando da fase recursal, Daniel Penteado aduz que “a antecipação de tutela

sem o requisito da urgência pode ser concedida, no âmbito recursal, portanto, diante da

probabilidade de provimento do recurso” 213

. Utiliza-se na fase recursal o mesmo raciocínio

desenvolvido no pleito inicial de tutela de evidência, em que se exige a comprovação da

grande viabilidade da pretensão deduzida, com pequenas chances de uma modificação do

julgado ao final do processo.

3.7 TUTELA DE EVIDÊNCIA E NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL

Sobre a matéria de prova na tutela de evidência, alguns processualistas, em

destaque Fredie Didier Jr., defendem a existência da possibilidade de negociação processual

para criar um direito à tutela de evidência convencionada. O que seria possível na hipótese da

tutela documentada214

.

Segundo os doutrinadores que defendem a ideia, se existe a possibilidade de

negociação para se criar um título executivo, poder-se-ia criar também um documento no qual

as partes dissessem que o documento não é um título executivo, mas, ao mesmo tempo,

autorizassem a tutela de evidência. Essa premissa seria resultado da interpretação do artigo

190 do novo Código de Processo Civil, o qual verbera que versando o processo sobre direitos

que admitam autocomposição, é lícito às partes estipular mudanças no procedimento para

ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e

deveres processuais.

Diante da mencionada previsão normativa, seria possível, por exemplo, que

se atribuísse a um determinado documento uma força de título executivo ou que se proibisse a

tutela de evidência a certos casos.

Acerca dos negócios jurídicos processuais envolvendo matéria de prova,

Lucas Buril e Ravi Peixoto apontam que, “os negócios jurídicos processuais probatórios, de

uma maneira geral, não podem buscar ajustar situações jurídicas típicas da posição do Estado-

juiz”. Como em qualquer outro tipo negócio jurídico, só é permitido às partes regularem

situações que lhes são disponíveis. Se as partes pudessem dispor das atividades do Estado-

Juiz, haveria uma grande crise de eficiência. Assim, os citados autores entendem que só “é

213

CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e

perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 274. 214

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:

teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos

efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 620.

Page 73: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

71

admissível um negócio processual acerca do ônus da prova, mas não um negócio que intente

impedir que o magistrado tome em conta determinada prova em espécie”, no máximo pode

haver uma convenção entre as partes impondo uma obrigação de não fazer entre elas, em que,

por exemplo, os litigantes só pudessem apresentar provas documentais215

.

Para Didier, nos casos que versem sobre tutela de evidência documentada,

não existe impedimento de que as partes celebrem um acordo, seja prévio ou após a

distribuição do processo, respeitando os limites estabelecidos no art. 190 do CPC, para

“atribuir a um documento a aptidão para permitir ou não a tutela de evidência, nas hipóteses

do art. 311, II a IV, CPC. Essa é, inclusive, uma hipótese que tende a ser muito usual de

negócio jurídico processual”216

.

Com certeza a negociação processual em volta da tutela de evidência ainda é

um pensamento embrionário. Em primeiro lugar, é preciso que os operadores do direito se

familiarizem com as próprias figuras da tutela de evidência e do negócio jurídico processual

dentro das possibilidades já elencadas no novo digesto processo, para, só depois, ocorrer uma

evolução, sem sobressaltos, dos referidos institutos.

3.8 TUTELA DE EVIDÊNCIA E A FAZENDA PÚBLICA

É de se reconhecer a possibilidade de concessão da tutela de evidência contra a

Fazenda Pública, porém, para tanto, deverá ser observado o art. 1.059 do CPC/2015, que

expressamente condiciona a concessão de qualquer tutela provisória em desfavor da Fazendo

Pública à observância das limitações impostos pelas Leis 8.437/1992 e 12.016/2009 em

relação às liminares217

.

Na hipótese do inciso I do art. 311, que trata do abuso de direito de defesa, não

existem maiores problemas para o deferimento da medida. Basta que fique configurado o

215

MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi de Medeiros. Negócio Processual acerca da distribuição do

Ônus da Prova. RT 241, p. 463-487, mar. 2015. 216

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:

teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos

efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 620. 217

Em sentido contrário, o Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC, através da Carta de São Paulo

resultante do encontro que ocorreu entre os dias 18 e 20 de março de 2016 na Universidade Presbiteriana

Mackenzie, formulou o Enunciado 35: “As vedações à concessão de tutela provisória contra a Fazenda

Pública limitam-se às tutelas de urgência.” Cuja redação original era “As vedações à concessão de tutela

antecipada contra a Fazenda Pública não se aplicam aos casos de tutela de evidência”. Disponível em

<http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2016/05/Carta-de-S%C3%A3o-Paulo.pdf> Acesso em 29

de abril de 2017.

Page 74: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

72

abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório por parte do ente público218

, e

sejam respeitadas as limitações elencadas pelas normas acima citadas.

Quanto aos casos em que a tutela de evidência é requerida com base no inciso

II, em que é possível a concessão da tutela liminarmente, surgem maiores discussões. Para os

que defendem a inconstitucionalidade do deferimento da tutela sem a oitiva da Administração

Pública, no caso do inciso II só poderia ser concedida a medida após o pronunciamento do

representante judicial do ente público, tendo em vista a inexistência da urgência e do risco de

dano. Afirma-se que, de acordo com o entendimento consolidado do STF, apenas nos casos

de um grande risco de perecimento do direito é possível o deferimento do pedido

antecipatório sem o pronunciamento do Poder Público219

.

Os que acreditam na ampla possibilidade de deferimento da tutela de evidência

contra a Fazenda Pública fundamentam seu posicionamento com base no entendimento do

STF de que a concessão de tutela que se apoie em jurisprudência consolidada da Corte

Constitucional não se submete ao art. 1º da Lei 9.494/1997, podendo, inclusive, existir ordem

inaudita altera parte de pagamento imediato de vantagens de servidores, como nos casos de

decisão liminar que determina a reintegração de servidor ao seu cargo. Para Leonardo

Carneiro, o inciso II do art. 311 visa tutelar a segurança jurídica como também o respeito ao

sistema de precedentes, e, “ao Poder Público, nesse mesmo sentido, cumpre atender aos

princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade (CF, art. 37), que se relacionam

diretamente com o respeito aos precedentes e à integridade e à coerência do sistema” 220

.

Defendendo a possibilidade da concessão da tutela evidência contra Fazenda

Publica nos casos em que exista jurisprudência firme sobre determinada matéria, afastando até

o argumento de irreparabilidade do ano, Antônio de Souza Prudente aduz que convém

reconhecer-se, de pronto, que, se o conteúdo do requerimento antecipatório coincidir com a

jurisprudência uniforme do STF ou STJ, deve ser superada até a alegação da irreparabilidade

do dano ao Erário público, posto que, na decisão final, a tutela antecipatória será, certamente,

218

De acordo com o enunciado 34 do Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC, conforme Carta de

São Paulo, “considera-se abusiva a defesa da Administração Pública, sempre que contrariar entendimento

coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público,

consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa, salvo se demonstrar a existência de

distinção ou da necessidade de superação do entendimento.” Disponível em:

<http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2016/05/Carta-de-S%C3%A3o-Paulo.pdf> Acesso em: 29

de abril de 2017. 219

PONTES, Daniel de Oliveira. A tutela de evidência no novo Código de Processo Civil: uma gestão mais

justa do tempo na relação processual. Revista de Processo, São Paulo, ano 41, v. 261, p. 341-368, nov. 2016,

p. 364. 220

CUNHA, Leonardo Carneiro da. Fazenda Pública em Juízo. 13 ed. tot. ref. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p.

321.

Page 75: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

73

mantida. Para o autor, o processo deve ser visto sob o prisma do princípio da razoabilidade,

que regula o processo justo e efetivo, não sendo justo nem razoável fazer com que o

promovente tenha que aguardar por uma ampla cognição para ver implementado um direito

que já se encontra pacífico nos Tribunais221

.

Sobre o tema, envolvendo pedido de tutela de evidência contra a Fazenda

Pública com base no inciso II, segue abaixo interessante julgado em que a parte agravante é a

Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN, vinculada ao Ministério da Ciência,

Tecnologia, Inovações e Comunicações. Vejamos:

PROCESSO CIVIL. TUTELA DE EVIDÊNCIA. JUÍZO DE

PROBABILIDADE. SERVIDORES QUE OPERAM DIRETAMENTE COM

RAIOS X E SUBSTÂNCIAS RADIOATIVAS. REDUÇÃO DA JORNADA DE

TRABALHO. MANUTENÇÃO DO VALOR DAS REMUNERAÇÕES. LEI Nº

1.234/50. AUSÊNCIA DE OFENSA ÀS VEDAÇÕES RELATIVAS À

APLICAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA.

NÃO COMPROVAÇÃO DO ARGUMENTO DE AMEAÇA DE LESÃO GRAVE

E DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. IMPROVIMENTO.

1. Recurso de Agravo de Instrumento interposto no intuito de reformar decisão que

deferiu a Tutela de Evidência requerida e determinou a redução, imediata, da

jornada de trabalho dos autores para 24 horas semanais, mantendo-se o valor de suas

remunerações. 2. A Tutela de Evidência, instituída pelo Código de Processo Civil

de 2015, permite ao Juiz conceder o bem da vida a quem comprovadamente

dele faz jus, caso haja demonstração documental suficiente dos fatos

constitutivos do direito e tese firmada, independentemente da demonstração de

perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, baseando-se

unicamente na Evidência, isto é, num juízo de probabilidade. (...) 4. A

concessão da Tutela de Evidência prevista no art. 311, II, do CPC/2015

independe do trânsito em julgado da decisão paradigma, conforme orienta o

Enunciado 31 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de

Magistrados (ENFAM), o que bem evidencia a possibilidade de lastro em

precedentes jurisprudenciais não obrigatórios. 5. Irretorquível o

reconhecimento de que restou satisfeita a exigência do inciso II do art. 311 do

CPC de existência da tese firmada em julgamento de casos repetitivos, ante a

menção a diversos julgados favoráveis a tese autoral. (...) 8. Agravo improvido.

(PROCESSO PJE: 08072978720164050000, AG/SE, DESEMBARGADOR

FEDERAL RUBENS DE MENDONÇA CANUTO, 4ª Turma, JULGAMENTO:

27/01/2017)222

.

A ementa de acórdão acima apresentada é bastante rica sobre a temática da

tutela de evidência. Note-se que inicialmente o julgado fala em juízo de probabilidade, e não

221

“Serve de ilustração, na espécie, a tutela de evidência, que se busca, na Justiça Federal do Brasil e nos

Tribunais Superiores (STJ e STF), inclusive, perante os Juizados Especiais Federais Cíveis, visando a

correção dos saldos das contas vinculadas ao FGTS, pelos índices de janeiro de 1989 (42,72% – IPC) e de

abril de 1990 (44,80% – IPC), quando o direito a esses percentuais de correção monetária já fora reconhecido

e proclamado pelo Supremo Tribunal Federal (RE no 226.855-7- RS. Rel. Min. Moreira Alves – STF/Pleno –

D.J.U. de 13.10.2000) e pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula 252), a caracterizá-lo, assim, como direito

evidente”.Cf. PRUDENTE, Antônio Souza. A tutela coletiva e de evidência no Juizado Especial Federal

Cível e o acesso pleno à Justiça. Revista CEJ, Brasília, v 7, n. 21, p. 92-97, jun. 2003, p. 96. 222

BRASIL. TRF 5ª Região. Processo 0807297-87.2016.4.05.0000. 4ª Turma. Julgado em 27/01/2017.

Disponível em <https://www4.trf5.jus.br/Jurisprudencia/JurisServlet?op=exibir&tipo=1> Acesso em 15 mai.

2017.

Page 76: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

74

de verossimilhança, dando preferência à nomenclatura trazida pelo novo código. No seu item

2 traz explicação sobre os elementos necessários para concessão da medida, no tópico 4

aponta a desnecessidade do trânsito em julgado da decisão paradigma, para, ao fim,

reconhecer que a tese discutida já era pacificada por meio de julgamento repetitivos, os quais

foram devidamente cotejados pelo juízo de primeiro grau.

Por sua vez, o inciso III do art. 311 não desperta grandes interesses práticos,

sendo muito pouco provável a existência de uma ação de depósito contra a Fazenda Pública.

Porém, caso ocorra, é possível que se formule pedido de tutela de evidência contra a

Administração Pública que figure como depositária. Questionável, contudo, o deferimento da

medida em sede de liminar nos termos do parágrafo único do artigo em debate.

No que diz respeito à possibilidade trazida pelo inciso IV do art. 311, é

interessante o raciocínio desenvolvido pelo doutrinador Leonardo Carneiro da Cunha, para

quem tal hipótese de tutela de evidência seria equivalente ao caso de mandado de segurança,

atualmente regido pela Lei 12.016/2009. Para o citado autor, se em uma ação ordinária em

face da Fazenda Pública existir evidência documental e não for oposta dúvida razoável ao

documento, é possível ao juiz conceder a tutela, desde que o caso não se encaixe em nenhuma

das causas de vedação223

. Assim, Leonardo Carneiro discorda parcialmente do Enunciado 35

do Fórum Permanente de Processualistas Civis, que diz que “as vedações à concessão de

tutela provisória contra a Fazenda Pública limitam-se às tutelas de urgência”, reconhecendo

expressamente que as vedações legais devem ser aplicadas na tutela de evidência na hipótese

do inciso IV.

Sem dúvidas muito ainda será discutido sobre a aplicação do art. 1.059 do CPC

em relação à tutela de evidência. Porém, se for considerado que o referido artigo

expressamente fez referência ao gênero do qual a tutela de evidencia é espécie, só uma

alteração legislativa poderá fazer com que não se aplique à tutela de evidência o regime de

liminares contra a Fazenda Pública224

. No momento em que o texto legal fala do gênero,

consideram-se inclusas as espécies, salvo se houver determinação legal em contrário225

.

223

CUNHA, Leonardo Carneiro da. Fazenda Pública em Juízo. 13 ed. tot. ref. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p.

321. 224

Para Fredie Didier, diante do atual panorama legislativo, deve-se considerar proibida a tutela provisória

contra a Fazenda Pública quando tenha por objeto: a) "a reclassificação ou equiparação de servidores

públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza" (art. 7º, §

2°, da Lei n. 12.016/2009); b) medida "que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação" (art. 10,

§3o, Lei n. 8437/1 992) - que, na pior das hipóteses, é mera repetição da vedação (já mitigada) à

irreversibilidade (cf. art. 300, §3o, CPC), como já se disse; e, enfim, c) a impugnação, em primeira instância,

de ato de autoridade sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária do tribunal -

ressalvados a ação popular e a ação civil pública (art. 1 °, §§ 1 o e 20, Lei n . 8.437/1992). Cf. DIDIER JR.,

Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil: teoria da prova,

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75

4 EVOLUÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL E SUA PREPONDERÂNCIA

SOBRE O PROCESSO CIVIL

Para se compreender o porquê dos princípios constitucionais possuírem tanta

influencia sobre os demais ramos do direito, dentre eles o direito processual civil, formando

um verdadeiro sistema constitucional, é importante conhecer a evolução dos paradigmas do

direito constitucional, analisando o seu desenrolar na história recente da humanidade.

Fazendo um corte temporal a partir do final do século XVIII, temos em um

primeiro momento o período inicial do constitucionalismo clássico, também conhecido como

constitucionalismo liberal, marcado pela transição da monarquia absolutista para o Estado

Liberal. Posteriormente, em razão das crises sociais do século XIX, surge a ideia de Estado

Moderno, também nominado de Estado do bem-estar social, caracterizado pela forte atuação

do Estado na esfera privada e pelo positivismo, o qual também não se sustentou. Para, então,

alcançarmos o constitucionalismo contemporâneo e seu modelo axiológico.

4.1 PARADIGMAS DO DIREITO CONSTITUCIONAL

Conforme dito, para uma efetiva compreensão do processo de

constitucionalização do direito, é forçoso realizar todo um levantamento histórico de sua

evolução, pois, como já lecionado por Pedro de Vega Garcia, somente por meio dos valores

da realidade histórica preexistente, expressados por intermédio da vontade do poder

constituinte, é que se consegue alcançar a plenitude do sentido da ideia de Constituição226

.

Compartilhando do mesmo pensamento, Konrad Hesse defende que para se

tentar compreender a Constituição, deve-se partir dos seus fundamentos e conexões básicas,

observados sob uma perspectiva histórica, para, só assim, compreender-se o verdadeiro

sentido da norma227

.

Desta feita, partindo do constitucionalismo clássico, com nascedouro no Estado

Liberal e dando início ao constitucionalismo moderno, temos que esse surgiu com o ideal

direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela.

10ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 632. 225

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 201. 226

GARCIA, Pedro de Vega. Mundialização e Direito Constitucional: a crise do princípio democrático no

constitucionalismo atual. In: Constitucionalismo e Estado. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 506 227

HESSE, Konrad. Constituição e Direito Constitucional. Tradução de Carlos dos Santos Almeida. In:

ALMEIDA, Carlos dos Santos et al. Temas de Fundamentais do Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva,

2009.

Page 78: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

76

precípuo de estabelecer limites ao governante.228

Ou seja, o constitucionalismo surge como

verdadeiro opositor ideológico do absolutismo, firmando uma dualidade entre Estado e

sociedade civil, com o Estado afastado das relações privadas.

Buscou-se um sistema político prevendo a separação dos poderes, e que

assegurasse os direitos individuais, formando um verdadeiro sistema político de liberdades229

.

As primeiras constituições, portanto, nada regulavam sobre as relações privadas, cumprindo

sua função de delimitação do Estado mínimo.

Referido momento foi marcado pelo individualismo jurídico e pelo anseio da

codificação das normas, tendo como principais marcos históricos o surgimento das

Constituições norte-americana (1787) e francesa (1791). Sobre tal período, no qual

predominava a influencia de pensadores do quilate de Montesquieu, Locke e Rousseau, pode-

se ressaltar a limitação do trabalho hermenêutico do juiz, que se restringia a uma mera

atividade mecânica.

Nos dizeres de Canotilho, apenas com o desenvolvimento do

constitucionalismo moderno é que surge a chamada constituição moderna, cujo conceito

consiste “na ordenação sistemática e racional da comunidade política através de documento

escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos fundamentais e se fixam os limites do

poder político”230

. Sendo, sob tal aspecto, inquestionável a importância do liberalismo231

.

Com o inicio do século XX, começa a busca pelos direitos sociais, ocasionando

o surgimento do Estado do bem-estar social. Em tal momento, o Estado teve seu campo de

atuação vastamente ampliado, passando a interferir de forma mais incisiva na seara privada e,

consequentemente, o ordenamento jurídico ganhou um novo nível de complexidade,

admitindo-se, inclusive, que o juiz exercesse uma atividade hermenêutica, fazendo uso de

métodos como o teleológico, sistêmico e histórico232

. Ou seja, coube ao judiciário uma

228

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 36 229

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 151. 230

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3 ed. Coimbra:

Almedina, 1998, p. 49 231

Porém, para uma melhor compreensão do Estado Liberal sob o enfoque constitucional, vale transcrever a

lição do professor Paulo Bonavides: “O constitucionalismo clássico, reduzindo a Constituição simplesmente

a um instrumento jurídico, dava competência aos três órgãos fundamentais da ordem estatal - o Executivo, o

Legislativo e o Judiciário – ao mesmo passo que declarava os direitos e as garantias individuais. A

Constituição se continha toda no texto, como se fora o livro sagrado da liberdade, a bíblia de uma nova fé

democrática, o alcorão dos princípios liberais, tendo por finalidade precípua limitar ou enfrear o exercício do

poder”. Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.

94. 232

CARVALHO NETTO, Menelick de. A hermenêutica constitucional sob o paradigma do Estado

Democrático de Direito. Notícia do Direito Brasileiro. Nova série nº 6. Brasília: Editora da UnB, jul./dez.

1998, p. 242.

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77

atividade mais elaborada, focada nas responsabilidades sociais fortemente atribuídas ao

Estado.

Sobre o declínio do paradigma social, pode-se atribuir sua derrocada ao déficit

de legitimação do Poder Estatal. O Estado não conseguiu implementar de forma efetiva a

igualdade material pretendida, tendo em vista a crescente complexidade social. Considerando,

ainda, que o apego exagerado ao novo modelo normativo, mais prolixo e programático, e o

distanciamento dos valores morais, levou ao cometimento de atrocidades em nome da lei.

Assim, a ordem constitucional não podia mais ficar restrita ao regramento

estatal, simples carta de intenções políticas, surgindo a ideia de que a Constituição deve

regular a vida em sociedade, passando a ser, também, norma da comunidade que vive dentro

do Estado por ela criado e mantido.

Seguindo tal rumo, com o fim da Segunda Guerra Mundial, considerando as

sequelas do pós-guerra e os malefícios da normatividade excessiva, ganha corpo uma corrente

filosófica que busca superar a dualidade entre direito natural e direito positivo, aproximando

novamente o direito dos valores morais, denominada de neoconstitucionalismo ou

constitucionalismo contemporâneo. Perde força o império das leis, e a Constituição é posta

como norma suprema (força normativa e expansiva), passando a consagrar juridicamente os

direitos humanos e a dignidade da pessoa humana.

Na seara processual propriamente dita, conforme lembra Leonardo Schenk,

com o segundo pós-guerra, em razão do movimento de valorização da Constituição e a

proteção dos direitos humanos, com forte influência da jurisprudência das cortes

constitucionais e dos tribunais internacionais, ganha relevo o princípio do contraditório, que

muito influenciou no modo de pensar o processo a partir de então233

.

Nesse último paradigma, preponderante na nossa atualidade e em pleno

processo de evolução, verifica-se o ressurgimento de alguns valores do jusnaturalismo na

busca da efetiva justiça, em que os princípios passam a ter papel central dentro do sistema

jurídico. As novas Constituições, promulgadas sob a égide do pós-positivismo, passam a

realçar e fortalecer a hegemonia axiológica dos princípios, os quais, como já falado, servem

de lastro para todo ordenamento normativo234

. Inclusive, com grande influência na seara

processual, conforme ocorre em nossa Carta Magna, que expressamente traz vários princípios

que regem diretamente o processo, seja judicial ou administrativo.

233

SCHENK, Leonardo Faria. Contraditório e cognição sumária. Revista Eletrônica de Direito Processual

(REDP), v. 13, 2014, p. 554. 234

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 264.

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78

Dentro do viés pós-positivista, segundo Regla, ser fiel às regras vai além de ser

fiel a sua literalidade. Devendo-se observar quais princípios as regras pretendem refletir, qual

é o real propósito da norma235

.

Com o neoconstitucionalismo houve a chamada constitucionalização do

sistema jurídico, demonstrando-se que a pura e simples aplicação do direito positivo, por

meio da subsunção, não era suficiente para dar conta dos princípios constitucionais, os quais

necessitam do uso da ponderação. Restando prejudicado positivismo teórico236

.

No Brasil, o neoconstitucionalismo realmente ganhou força a partir da

promulgação da Constituição de 1988, tendo em vista sua forte carga axiológica. Pois, até

então, prevaleciam os conceitos positivistas, fazendo-se ainda hoje presente em nossa

bandeira o lema “Ordem e Progresso”, de influência direta do positivista francês Auguste

Comte.

Contudo, como bem destaca Gilmar Mendes, é de se ter em mente que toda

essa evolução não ocorreu de forma linear e sistêmica. Tendo sido marcada por vários

avanços e retrocessos, de acordo com os mais variados contextos. O ilustre doutrinador nos

fala em natureza dialética desse desenrolar histórico, colocando que “as fases subsequentes

devem ser vistas como absorção/transformação/superação das etapas anteriores, em

movimento aberto e infinito, em tudo semelhante ao movimento do espírito humano” 237

.

No mesmo pensar, é acertado anuir que o neoconstitucionalismo não surge com

intenção da desconstrução, mas, pelo contrário, nasce com um intuito de superação do

conhecimento convencional. Ele inicia uma trajetória guardando deferência relativa ao

ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as ideias de justiça e legitimidade238

.

Interessante, porém, é a abordagem que a alguns autores fazem entre o

neoliberalismo e o neoconstitucionalismo. Para Carlos Ayres Brito, o neoconstitucionalismo

está intimamente comprometido com a ideologia neoliberal que varreu o mundo após a queda

do Muro de Berlim239

.

Já Boaventura de Sousa Santos reflete sobre os efeitos do neoliberalismo no

235

REGLA, Josep Aguiló. Do Império da Lei ao Estado Constitucional: Dois paradigmas jurídicos em poucas

palavras. Tradução de Eduardo Moreira. Revista Jurídica - Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, n. 4,

maio 2010, p. 23. 236

FIGUEROA, Alfonso Garcia. A teoria do Direito em tempos de Constitucionalismo. In: RIBEIRO, Eduardo

(Coord.). Argumentação e Estado Constitucional. São Paulo: Ícone, 2012, p. 522 237

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 37-38. 238

COELHO, Paulo Magalhães da Costa. É possível a construção de uma hermenêutica constitucional

emancipadora na pós-modernidade? In: Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, n. 44, set./ dez. 2005.

Bauru : Instituição Toledo de Ensino, p. 119 239

BRITO, Carlos Ayres. Teoria da constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 7.

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79

sistema jurídico, e afirma que muitas reformas são feitas justamente para beneficiar o campo

dos negócios, dos interesses econômicos, fazendo com que o sistema possibilite a

previsibilidade dos negócios e proteja os direitos de propriedade240

. O autor afirma que em

vários países as reformas são feitas quase que exclusivamente seguindo a ideia de rapidez,

visando um sistema célere, em que algumas áreas do judiciário e formas de atuação são

consideradas importantes e outras ficam de lado, e ainda ressalta que a formação dos

magistrados é orientada para as necessidades da economia241

.

Preocupado com os rumos do processo civil em razão da ânsia por celeridade

influenciada pelos ideais neoliberais, Dierle Nunes afirma que inicialmente é de se analisar

qual tipo de eficiência os sistemas processuais democráticos almejam. Se uma eficiência

quantitativa, na qual se prioriza a velocidade dos procedimentos e a redução de custos, ou

uma eficiência qualitativa, dando-se ênfase à qualidade das decisões e suas fundamentações.

Segundo o autor, no Brasil, infelizmente, o sistema geralmente trabalha com eficiência

quantitativa, “impondo mesmo uma visão neoliberal de alta produtividade de decisões e de

uniformização superficial dos entendimentos dos tribunais, mesmo que isto ocorra antes de

um exaustivo debate em torno dos casos, com finalidade de aumentar estatísticas”242

.

Em que pese às críticas sobre a modelo neoliberal e a sua influencia sobre o

sistema jurídico, é inegável que todos os paradigmas constitucionais foram estruturados e

influenciados por movimentos sociais, ficando evidenciado que até mesmo no Estado de

Direito, no qual se repelia qualquer possibilidade de influência externa no ordenamento

jurídico, existia influência de agentes externos ao sistema jurídico. Tanto é que seu declínio

decorreu dos problemas sociais e políticos criados pela sua própria filosofia positivista, de

exagerado rigor formal.

Pode-se dizer que a própria evolução do direito constitucional já evidencia o

seu caráter sistêmico, o qual, em hipótese alguma, pode ser analisado de forma isolada, tendo

em vista sua forte relação com a realidade social e política. Nesse sentir, merece realce o

ensinamento do autor português Jorge Miranda, para quem “a Constituição é elemento

conformado e elemento conformador de relações sociais, bem como resultado e fator de

240

Observando as ideias de Boaventura, ganha ainda mais força as criticas tecidas por Luiz Guilherme Marinoni

sobre a previsão casuística da tutela de evidência nos casos de contratos de depósitos. Conforme visto no

tópico 3.3, para Marinoni a regra trazida pelo inciso III do art. 311 só pode ter sido uma encomenda daqueles

que se valem destes documentos. 241

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. 3 ed. São Paulo: Cortez,

2011. p. 21. 242

NUNES, Dierle. Novo enfoque para as tutelas diferenciadas no Brasil? Diferenciação procedimental a partir

da diversidade de litigiosidade. Revista de Processo, São Paulo, ano 35, n. 184, p. 109-140, jun. 2010, p.

112-114.

Page 82: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

80

integração política”243

. Canotilho complementa que o sistema jurídico deve ser observado

como um sistema normativo aberto de regras e princípios244

.

4.2 A TEORIA SISTÊMICA NO CONSTITUCIOLISMO CONTEMPORÂNEO

Após a estagnação do direito material durante o período do Estado Formal de

Direito, no qual se refutavam influências externas e se buscava cegamente uma “segurança

jurídica” por meio do formalismo exacerbado, ressurge a concepção do estudo científico por

intermédio da diretriz sistêmica dentro das ciências sociais, especialmente no direito.

Segundo Paulo Bonavides, não havia mais como a ciência jurídica ficar restrita

à dicotomia entre direito natural ou direito positivo, pois, o jusnaturalismo e o positivismo

entraram em um “beco sem saída”. O primeiro por não responder ao problema dos

fundamentos de validade do direito, pecando pelo excesso de subjetivismo no ideal de

alcançar a justiça, e o segundo por sacrificar o problema da verdade para obter a segurança245

.

Logo, evidenciou-se que o caminho a ser trilhado pelo neoconstitucionalismo

seria considerar o Direito como uma estrutura sistêmica, com unidade e regulação interna dos

seus próprios elementos e em constante interação com os demais sistemas. O próprio jurista

deixa de ser algo externo do Direito para também ser elemento integrante do sistema jurídico.

Nesse sentido, Regla coloca que na ótica pós-positivista e sistêmica, o jurista

não é mero observador, não podendo ser considerado um elemento fora direito. O jurista é

considerado como participante do direito, que é uma prática social muito complexa246

.

“A noção atual de sistema está presente em todos os ramos do conhecimento,

sendo certo que em todos eles a ideia de sistema implica não só em uma mera reunião de

elementos, mas também na interação entre eles” 247

.

Dentro dessa nova realidade constitucional, não há como se negar a intrínseca

relação dialógica entre o direito constitucional e a realidade política e social. Para Pedro de

Vega Garcia, a história do Estado Constitucional se confunde com a própria história das

transformações desses valores, princípios e exigências. “Isso equivale a indicar que não são as

243

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4 ed. Tomo II. Parte II, Título I. p. 82. 244

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3 ed. Coimbra:

Almedina, 1998, p. 1115. 245

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 124 246

REGLA, Josep Aguiló. Do Império da Lei ao Estado Constitucional: Dois paradigmas jurídicos em poucas

palavras. Tradução de Eduardo Moreira. Revista Jurídica - Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, n. 4,

maio 2010, p. 27. 247

RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2 ed. rev. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2016, p. 29.

Page 83: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

81

mudanças da legalidade que provocam as transformações sociais. São as transformações

ocorridas na realidade que sempre determinaram as grandes revisões da legalidade”248

.

E foi justamente em razão de transformações na realidade social que ocorreram

várias modificações na nossa Constituição Federal e, consequentemente, na norma processual.

Como exemplo recente, podemos citar a Emenda Constitucional nº45, conhecida como a

Reforma do Judiciário, que, ante o clamor social por uma prestação jurisdicional mais célere e

efetiva, apta a proporcionar o substancial acesso à justiça, introduziu o inciso LXXVIII no

artigo 5º da Constituição Federal, consagrando o princípio da razoável duração do

processo249

.

Com lastro na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, ganha relevo o estudo

desse diálogo entre o direito e a realidade social. O ordenamento jurídico passa a ser encarado

como sistema autônomo, aberto aos elementos e fatores externos. Passou-se a considerar, sob

o viés científico, que as influências de outros sistemas, como econômico, político, podem

repercutir dentro da espera jurídica. Desde que cada sistema respeite o núcleo central e

caracterizador do outro250

.

Nessa perspectiva sistêmica, considerando a inevitável convivência entre o

mundo jurídico e os fatores sociais, o conceito de Constituição de Marcelo Neves, trazido por

Jorge Miranda no seu Manual de Direito Constitucional, deixa evidente a aceitação e

consolidação da teoria dos sistemas no ordenamento constitucional. Conforme posto por

Miranda, Neves “vê a Constituição na acepção moderna como fator e produto de

diferenciação entre sistema político e sistema social”. Continuando, Miranda pontua que de

acordo com tal conceito a relação entre o sistema jurídico e o político é horizontal-funcional e

não mais vertical-hierárquica251

.

Porém, esse encontro entre o sistema político e o sistema jurídico tem que

248

GARCIA, Pedro de Vega. Mundialização e Direito Constitucional: a crise do princípio democrático no

constitucionalismo atual. In: Constitucionalismo e Estado. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 500 249

“O processo não é apenas instrumento técnico, mas sobretudo ético. E significa, ainda, que é profundamente

influenciado por fatores históricos, sociológicos e políticos. Claro é que a história, a sociologia e a política

hão de parar às portas da experiência processual, entendida como fenômeno jurídico. Mas é justamente a

Constituição, como resultante do equilíbrio das forças políticas existentes na sociedade em dado momento

histórico, que se constitui no instrumento jurídico que deve utilizar-se o processualista para o completo

entendimento do fenômeno processo e de seus princípios.” Cf. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo;

GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 31 ed. São Paulo:

Malheiros, 2015, p. 104. 250

Na teoria dos sistemas autopoiéticos de Nikas Luhmann, a sociedade é entendida como um grande sistema

social, composta por outros sistemas menores (subsistemas), que possibilitam diminuir a complexidade do

sistema maior. Segundo o pensamento de Luhmann, afirmar que os sistemas sociais são autopoiéticos

significa que estes produzem seus próprios elementos, possibilitando a identificação do próprio sistema como

unidade. Cf. LUHMANN, N. O conceito de sociedade. In: NEVES, C. B.; SAMIOS, E. M. B. (Org.). Niklas

Luhmann: a nova teoria dos sistemas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1997. 251

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4 ed. Tomo II. Parte II, Título I. p. 78

Page 84: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

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ocorrer de forma harmoniosa, não podendo um se sobrepor ao outro, sob pena de um dos

sistemas findar sendo suprimindo. Por isso, a doutrina tem sempre lançado um olhar atento

sobre a questão da politização do judiciário e a judicialização da política252

.

Observando a doutrina que se debruça sobre o assunto, não ficam dúvidas

sobre a importância da sistematização do ordenamento constitucional, no qual a Constituição

passa a ser observada como sistema aberto de valores, e "os princípios assomam o coração das

Constituições e o ato de interpretar não é mais uma operação lógico-dedutiva, mas sim o que

se abre para a realidade, para a vida humana histórica e concreta”253

.

Desta feita, além da autorreferência dos seus elementos internos, o sistema

constitucional também deve ser aberto aos fatores externos, pois, só assim, irá se manter

equilibrado.

Seguindo a lição de Hesse, contextualizando com o delicado tema da relação

entre os sistemas, pode-se afirmar que a Constituição tem que estar aberta ao tempo, o que

não significa nem dissolução, nem diminuição de sua força normativa. Pois, ela também

estabelece o que não deve ficar em aberto, como, por exemplo, os fundamentos da ordem da

comunidade e a estrutura do Estado.

O surgimento e desenrolar do direito constitucional foi marcado e influenciado

por vários fatores sociais, estando umbilicalmente ligado com a evolução do espírito humano,

do desejo de viver numa sociedade igualitária e justa. Pablo Lucas Verdú fala que o avanço do

Direito Constitucional quase sempre se deu por meio da revolução e conquista dos cidadãos,

com base em sentimentos, em regras de conduta e nas opiniões morais254

.

Nesse diapasão, podemos aduzir que caso a norma constitucional não se

comunique com outros sistemas, ela não irá se renovar e acabará obsoleta diante da evolução

social cada vez mais rápida, tornando-se imprestável para finalidade a que se propõe.

Encaixa-se aqui a lição de Friedrich Müller, de que a norma obsoleta pode até ser

252

Sobre tal tema, Paulo Bonavides alerta que “todo o problema constitucional ainda hoje procede, contudo, da

ausência de uma formula que venha combinar ou conciliar essas duas dimensões da Constituição: a jurídica e

a politica. A verdade e que ora prepondera uma, ora outra. (...) E quando uma delas ocupa todo o espaço da

reflexão e da analise, os danos e as insuficiências de compreensão do fenômeno constitucional se fazem

patentes. (...) O sistema constitucional surge pois como expressão elástica e flexível, que nos permite

perceber o sentido tomado pela Constituição em face da ambiência social, que ela reflete, e a cujos influxos

esta sujeita, numa escala de dependência cada vez mais avultante. A terminologia sistema constitucional não

é, assim, gratuita, pois induz a globalidade de forcas e formas politicas a que uma Constituição

necessariamente se acha presa. Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15 ed. São Paulo:

Malheiros, 2004, p. 95. 253

COELHO, Paulo Magalhães da Costa. É possível a construção de uma hermenêutica constitucional

emancipadora na pós-modernidade? In: Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, Instituição

Toledo de Ensino, n. 44, set./ dez. 2005, p. 123 254

VERDÚ, Pablo Lucas. O Sentimento Constitucional: aproximação ao estudo do sentir constitucional como

modo de integração política. Tradução de Agassiz Almeida Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 127.

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83

historicamente interpretada como texto, sob o ponto de vista histórico e das ciências humanas

em geral, contudo, não pode mais ser juridicamente concretizada255

.

Como se percebe, é notória a importância do estudo e aplicação da teoria dos

sistemas dentro do direito constitucional, que irá influenciar diretamente em todo o restando

do ordenamento jurídico. Na lição Antônio Cintra, Ada Pellegrini e Cândido Rangel

Dinamarco, cada vez mais “acentua-se a ligação entre processo e Constituição no estudo

concreto dos institutos processuais, não mais colhidos na esfera fechada da ordem processual,

mas no sistema unitário do ordenamento jurídico” 256

.

255

MÜLLER, Friedrich. Teoria Estruturante do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 202 256

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria

geral do processo. 31 ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 364.

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84

5 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO, A TUTELA SUMÁRIA DOS

DIREITOS EVIDENTES E O ACESSO À JUSTIÇA

De acordo com Alfonso Garcia Figueroa, o fenômeno da constitucionalização

não transformou apenas o direito, mas também o pensamento de juristas e teóricos do Direito.

Fazendo surgir o constitucionalismo (ou mais atualmente o neoconstitucionalismo), o qual

define como o "conjunto de teorias que proporcionaram uma cobertura justeórica conceitual

e/ou normativa à constitucionalização do Direito em termos normalmente não positivistas” 257

.

Partindo do conceito sistêmico do direito constitucional, com base nos

preceitos axiológicos do neoconstitucionalismo, alcançamos uma fase de verdadeira

constitucionalização do ordenamento jurídico, em que restou demonstrado que a simples

técnica de subsunção do fato à norma não era suficiente para correta interpretação e aplicação

dos princípios constitucionais, os quais necessariamente deverão ser aplicados por intermédio

de um trabalho cognitivo e valorativo do julgador, ficando quase que inviável o positivismo

teórico258

.

Sem dúvidas a constitucionalização do direito é um fenômeno marcante no

Brasil. E para os fins a que se destina o presente trabalho, torna-se imperiosa uma abordagem

acerca da constitucionalização do processo civil, ainda mais se for considerado que a

Constituição Federal traz em seu bojo relevante regramento sobre a formação e condução

processual, um verdadeiro “modelo constitucional do processo”. O processo precisa ser

estudado e compreendido sob a ótica da Constituição Federal, para que sejam efetivados, no

mais elevado grau, os seus princípios fundamentais.

Vários são os dispositivos trazidos pela nossa Carta Constitucional que versam

sobre a tutela constitucional da ação e do processo. A própria Constituição se incumbe de

deixar claro que direito processual não é apenas um conjunto de regras acessórias para

aplicação do direito material, tratando-o, cientificamente, como instrumento público para

efetivação da justiça e conservação do valor da liberdade259

.

A forte normatização constitucional processual se deve, precipuamente, ao fato

de que o Código de Processo Civil de 1973 foi promulgado em um período caracterizado pelo

“Estado de Exceção”, sendo, inicialmente, pobre de instrumentos garantidores do Estado

Democrático de Direito.

257

FIGUEROA, Alfonso Garcia. A teoria do Direito em tempos de Constitucionalismo. In: RIBEIRO, Eduardo.

Argumentação e Estado Constitucional. São Paulo: Ícone, 2012, p. 517. 258

Ibidem, p. 522 259

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria

geral do processo. 31 ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 105.

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85

Sobre a constitucionalização do processo, José Alfredo Baracho, na sua então

inovadora obra “Processo Constitucional”, afirma que a condensação sistemática e

metodológica dos princípios constitucionais do processo pode ser denominada de “Direito

Processual Constitucional”, o qual, para o citado autor, não se trata de um ramo autônomo do

direito processual, mas apenas de uma definição científica, facilitadora para o estudo das

relações entre processo e Constituição260

. Ainda segundo Baracho, a tutela constitucional do

processo abarca o direito de ação e de defesa e demais postulados deles decorrentes261

.

Em razão da publicização do processo e das “novas” correntes doutrinárias do

Direito Processual Contemporâneo, Paulo Bonavides afirma que “os laços do Direito

Constitucional com o Direito Processual se fizeram tão íntimos e apertados, que dessa união

parece resultar uma nova disciplina em gestação: o Direito Processual Constitucional”262

.

Nas palavras do doutrinador pernambucano Ivo Dantas, o conteúdo

constitucional-ideológico do processo atualmente se reflete na própria consagração de normas

constitucionais que visam à garantia processual da própria Constituição, como também, de

garantias constitucionais em relação ao processo e ao procedimento. Ressaltando que a

existência de ações de natureza constitucional fez nascer aquilo que alguns autores

denominam de “Direito Constitucional Processual” e outros chamam de “Direito Processual

Constitucional”263

.

Gilmar Mendes fala em direitos fundamentais de caráter judicial e garantias

constitucionais do processo, denominação essa que o próprio autor reconhece que peca por

imprecisão, mas que abarca os direitos fundamentais que têm por escopo proteger o indivíduo

no contexto processual, e que, indubitavelmente, também irão refletir na garantia da dignidade

da pessoa humana264

.

Aprofundando-se no estudo do tema, e preocupado com questões

metodológicas, Cândido Rangel Dinamarco diferencia o “Direito Constitucional Processual”

da figura do “Direito Processual Constitucional”, expondo que o primeiro é aquele que trata

dos princípios e diretrizes que vão nortear o processo de uma forma geral. E o segundo seria

mais restrito, correspondendo à jurisdição constitucional propriamente dita, prevendo, por

260

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 125. 261

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O Valor constitucional dos direitos de defesa: jurisdição e

constituição. In: JP – Jornal da Pós-Graduação em Direito da FD – UFMG, Belo Horizonte, ano 2, n. 12,

maio 2002, p. 5-6. 262

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 95. 263

DANTAS, Ivo. Direito processual constitucional e direito constitucional processual: um debate em aberto. In:

Revista Acadêmica, v. 85, n.2, 2013, p. 200. 264

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p 476.

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86

exemplo, mecanismos para preservação de garantias fundamentais e instrumentos de controle

da constitucionalidade das normas265

.

No mesmo sentido, Moacyr Amaral ressalta que é no direito constitucional que

o direito processual vai encontrar as suas bases e diretrizes, para assim desempenhar

adequadamente sua função. Estando na Constituição os princípios fundamentais do

processo266

.

Já o processualista Fredie Didier, quando fala da ciência do processo e a nova

metodologia jurídica, destaca que a constitucionalização do processo é uma das fortes

características do Direito atual, e afirma que tal fenômeno pode ser visto por duas dimensões,

a primeira relacionada à implementação nos textos constitucionais de normas processuais,

fato esse facilmente perceptível em nossa CF, e a segunda relacionada ao exame das normas

processuais como meio de concretização dos preceitos da Constituição267

. Que é justamente a

intenção do novo Código de Processo Civil, claramente demonstrada no seu Capitulo I, que

trata das normas fundamentais do processo civil.

Como dito, a constitucionalização do processo é uma realidade no Direito

brasileiro e, atualmente, a maioria da doutrina, seguindo o pensamento de Dinamarco,

convenciona nominar de “Direito Constitucional Processual”, referente ao conjunto de normas

constitucionais que estruturam o direito processual como um todo268

.

Sendo assim, torna-se especificamente relevante para este trabalho a figura do

Direito Constitucional Processual, dentro do qual estão os preceitos do acesso à justiça, da

razoável duração do processo, do devido processo legal e seus consectários lógicos, os quais,

por se tratarem de princípios, que são normas imediatamente finalísticas, implicam a adoção

de comportamentos, por parte do legislador e dos operadores do direito, necessários à sua

concretização269

.

Seguindo a linha do neoconstitucionalismo, no qual os princípios ganham

relevante força normativa, o novo CPC aspira alcançar uma fina harmonia com a Carta

Magna, com a efetivação dos princípios aplicáveis ao processo, conforme ficou consignado na

265

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 13. ed. ver. e atual. São Paulo:

Malheiros, 2001, p. 25. 266

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, p. 19. 267

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e

processo de conhecimento. 17 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 46. 268

CATTONI, Marcelo. Direito Processual Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001, p. 211. 269

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 16 ed. São

Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 103.

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87

exposição de motivos do anteprojeto apresentado no Senado Federal em 08 de junho de

2010270

.

Buscou-se uma socialização do processo, o que já era muito defendido pela

doutrina, através da simplificação do instrumento para obtenção de uma tutela jurisdicional

mais rápida e eficaz.

Nesse viés, além de vários outros mecanismos processuais, criou-se no Livro V

do novo Código de Processo Civil um título específico para a figura da Tutela de

Evidência271

, a qual esteve presente apenas implicitamente no Código Processualista de 1973

e, até mesmo, na própria Constituição Federal. E, como já dito, a citada tutela visa garantir de

forma mais célere e eficaz a solução de litígios nos quais o direito pleiteado se encontra

evidente, não havendo a necessidade de demonstração de perigo de dano ou de risco ao

resultado útil do processo para que seja de pronto concedida, conforme verbera o art. 311 do

novo digesto processual civil.

5.1 A SUMARIZAÇÃO DA COGNIÇÃO PROCESSUAL SOB A ÓTICA

CONSTITUCIONAL

A cada dia o fenômeno da sumarização do processo ganha maior destaque em

vários países, e a grande busca por medidas judiciais com cognição verticalmente limitada

tem modificado as estruturas do processo civil.

Como exemplo, pode-se citar a estabilização da tutela antecipada requerida em

caráter antecedente, nos termos do art. 304 do CPC, nitidamente criada sob a influência do

instituto do référé oriundo do direito francês, por meio do qual se desestimula a litigância

270

“Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos,

ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias

constitucionais de um Estado Democrático de Direito. Sendo ineficiente o sistema processual, todo o

ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do

processo. (...) A necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição

Federal da República fez com que se incluíssem no Código, expressamente, princípios constitucionais, na sua

versão processual. Por outro lado, muitas regras foram concebidas, dando concreção a princípios

constitucionais”. Cf. Código de Processo Civil: anteprojeto/ Comissão de Juristas Responsável pela

Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. – Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010.

Disponível em: < www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf> Acesso em 23/04/2017. 271

Sobre a tutela de evidência, a exposição de motivos do anteprojeto apresentado no Senado Federal diz que “o

Novo CPC agora deixa clara a possibilidade de concessão de tutela de urgência e de tutela à evidência.

Considerou-se conveniente esclarecer de forma expressa que a resposta do Poder Judiciário deve ser rápida

não só em situações em que a urgência decorre do risco de eficácia do processo e do eventual perecimento do

próprio direito. Também em hipóteses em que as alegações da parte se revelam de juridicidade ostensiva

deve a tutela ser antecipadamente (total ou parcialmente) concedida, independentemente de periculum in

mora, por não haver razão relevante para a espera, até porque, via de regra, a demora do processo gera

agravamento do dano”.

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88

naqueles casos que claramente não podem ser seriamente contestados272

.

Ao falar das tutelas sumárias no direito francês e italiano, Barbosa Moreira

destaca que “em ambos os países, a concessão da tutela de urgência vai tendendo a assegurar

ao interessado, de direito ou ao menos de fato, o gozo definitivo do benefício pleiteado”. Ou

seja, a solução inicial do litígio, que seria apenas provisória, passa a adquirir estabilidade

equivalente àquela que teria a solução final273

.

Para Leonardo Schenk, cada vez mais o processo de cognição plena será

utilizado de forma residual, afirmado que “a opção por modelos processuais simplificados,

capazes de entregar resultados às partes em um menor espaço de tempo, por meio de uma

cognição sumária, sinaliza os novos rumos do processo civil” 274

. Pode-se perceber que

atualmente, entre a escolha do valor segurança e o valor celeridade, o legislador tem dado

maior prestígio à celeridade, em que, por vezes, a efetividade vem sendo considerada como

sinônimo de prestação jurisdicional célere275

.

Sobre sumarização da cognição por meio das tutelas provisórias e a intenção de

se impor uma maior celeridade na prestação jurisdicional, em seu artigo científico dedicado

ao estudo das tutelas de urgência e de evidência antes da entrada em vigor do Código de 2015,

Marcello Soares Castro já afirmava que se tratavam de hipóteses de tutelas diferenciadas,

pois, ao contrário das tutelas jurisdicionais embasadas em uma racionalidade unitarista, com

um modelo padronizado para todas as situações, as tutelas sumárias possuem como meta a

efetividade, as quais buscam um alinhamento a partir da proposta de adaptabilidade, o que

possibilita uma aplicação da tutela de forma sensível e flexibilizada ao caso concreto276

.

A tutela diferenciada em razão da sumarização da cognição, seja de urgência,

cautelar ou de evidência, ganhou importante papel no desenvolvimento do processo civil, que

deverá, ao mesmo tempo, e de forma equilibrada, garantir aos jurisdicionados o melhor

resultado possível do processo, por intermédio de uma tutela adequada e tempestiva,

272

“O référé provision, vigente no direito francês, é a maior inspiração para a previsão legislativa constante no

novo Código de Processo Civil brasileiro (...) há nítida relação entre os institutos, inclusive do ponto de vista

da existência de um verdadeiro processo sumário não cautelar. Cf. CAVALCANTI NETO, Antônio de

Moura . Estabilização da tutela antecipada antecedente: tentativa de sistematização. In: COSTA, Eduardo

José da Fonseca; GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos; PEREIRA, Mateus Costa. (Org.). Coleção

Grandes Temas do Novo CPC. 1 ed. Salvador: Juspovim, 2015. v. 6. p. 195-222. 273

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de Direito Processual. 8ª série. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 99 274

SCHENK, Leonardo Faria. Contraditório e cognição sumária. Revista Eletrônica de Direito Processual

(REDP), v. 13, 2014, p. 575. 275

CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e

perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 144. 276

CASTRO, Marcello Soares. Tutela de urgência e tutela de evidência: limites e possibilidades de um regime

único. In: FREIRE, Alexandre; et al. (Coord.). Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm,

2013, p. 285-286.

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89

respeitando os comandos constitucionais do processo e demais garantias. Caso contrário, não

poderá ser considerada como constitucional, muito menos justa.

“Nesse contexto, se a sumarização da cognição indica os rumos do processo

civil do futuro, como técnica de tutela diferenciada já adotada em diversos países, é preciso

que se tenha também, entre nós, clara noção das suas vantagens e dos seus limites”277

. O

movimento da sumarização é tão forte, que já se fala em um novo processo pós-burocrático

sumarizado 278

.

A grande dificuldade para se avaliar a constitucionalidade das tutelas sumárias

é justamente saber até que ponto essa sumarização visando “efetividade/eficiência” processual

não irá afetar, de forma desproporcional, garantias constitucionais como o direito ao

contraditório, prevista no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal. Autores como Eduardo

Oteiza e Ovídio Baptista descrevem a dificuldade de se equilibrar a busca pela

celeridade/efetividade do procedimento com as garantias fundamentais do processo como o

desafio do milênio para os processualistas279

.

Para tratar de tal desafio, é necessário estabelecer e definir os princípios e

valores que possivelmente poderão entrar em rota de colisão quando da regulamentação e

utilização das tutelas sumárias280

, em que a cognição do juízo não é feita de forma

suficientemente profunda para proferir uma decisão definitiva, seja por limitações de ordem

processual ou material.

5.2 DEVIDO PROCESSO LEGAL E SEUS CONSECTÁRIOS

Como é sabido, o devido processo legal surgiu em razão da necessidade de se

impor limites ao poder real, conforme a Magna Carta de 1215, tendo em vistas os excessos

277

SCHENK, Leonardo Faria. Contraditório e cognição sumária. Revista Eletrônica de Direito Processual

(REDP), v. 13, 2014, p. 552. 278

ISAIA, Cristiano Becker. Processo civil constitucionalizado e resposta correta: o modelo democrático-

sumarizado de processo na sociedade em rede. In: Fabricio Muraro Novais; Francisco Cardozo Oliveira;

Marlene Kempfer. (Org.). Processo e Jurisdição II (Organziação CONPEDI/UNINOVE). 1 ed.

Florianópolis: FUNJAB, 2014, p. 148-169. 279

OTEIZA, Eduardo. El debido proceso y su proyección sobre el proceso civil en América Latina. Revista de

Processo - REPRO, São Paulo, ano 34, n. 173, jul. 2009, p. 183. 280

“As colisões e restrições nascem, como já constatado, porque o exercício de um direito fundamental entra em

conflito com outro ou com outros preceitos constitucionais (bens jurídico-constitucionais).(...) Há colisão de

direitos fundamentais quando, in concreto, o exercício de um direito fundamental por um titular obstaculiza,

afeta ou restringe o exercício de um direito fundamental de um outro titular.” Cf. DIMOULIS, Dimitri;

MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 5 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Atlas,

2014, p. 170.

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90

que eram perpetrados pelo soberano281

. Até hoje tal princípio é de extrema relevância no

direito anglo-saxão, fazendo-se presente na grande maioria das constituições dos países

democráticos. Na nossa constituição, ele está previsto no inciso LIV do 5º, estabelecendo que

“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido Processo legal”.

Grande parte da nossa doutrina, a exemplo de Cândido Rangel Dinamarco,

Paulo Rangel e Nelson Nery Júnior, trata o devido processo legal como um superprincípio, do

qual derivam outros princípios processuais, dentre os quais os princípios do contraditório, da

ampla defesa, acesso à justiça, os quais serão adiante abordados e possuem intima relação

com este trabalho.

Segundo Ivo Dantas, “em qualquer que seja a perspectiva sob a qual se estude

o processo na Constituição, o ponto fundamental é a análise do devido processo legal, até

porque este é princípio fundamental ao denominado Estado Democrático de Direito” 282

.

O due process of law garante que uma determinada pessoa só poderá sofrer o

alcance de uma norma, seja em processo judicial ou administrativo, se for estritamente

obedecido o parâmetro da legalidade. Dividindo-se em devido processo legal material e

devido processo legal procedimental. Primeiramente foi elaborado o devido processo legal

procedimental, sendo positivado por intermédio da Quinta Emenda da Constituição dos

Estados Unidos, e, posteriormente, surgiu o devido processo legal material, por meio da

decisão do Chief Justice Taney, no caso Dred Scott, vindo a ser melhor amparado por meio da

Emenda 14 da Constituição Americana283

.

Leonardo Ferres destaca que a citada divisão entre devido processo legal

material (substancial) e formal, decorrente do direito norte-americano, não é meramente

acadêmica e que possui importante repercussão na delimitação do campo de atuação e

extensão do princípio. Esclarece que no campo formal o princípio impõe várias garantias na

esfera processual, sendo a primeira delas referente ao acesso à justiça, para depois garantir a

ampla defesa e o contraditório, mantendo o equilíbrio entre as partes durante toda a relação

processual. Já no aspecto material, o devido processo legal irradia seus efeitos para todas as

áreas do direito, possibilitando que o Judiciário, com lastro na razoabilidade, realize o

281

Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho a Magna Carta “constitui um antecedente das modernas constituições,

no que tange à forma escrita e à proteção de direitos individuais, ainda que de caráter imemorial e destinados

apenas a determinados homens”. Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito

Constitucional. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 8. 282

DANTAS, Ivo. Direito processual constitucional e direito constitucional processual: um debate em aberto. In

Revista Acadêmica, v. 85, n. 2, 2013, p. 226. 283

AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. Rio de janeiro: Forense, 2012, p. 228.

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91

controle dos atos dos demais poderes284

.

No sentido formal o devido processo legal compreende a forma do processo

propriamente dito, estabelecendo as regras para o processamento do feito, com base em

normas previamente estabelecidas pelo legislativo, fazendo que as partes tenham um

conhecimento prévio trâmite a ser seguido, como também propiciando uma igualdade formal

no tratamento entre os litigantes.

O devido processo legal substancial (material) tem como objetivo a proteção

do conteúdo material dos direitos fundamentais. Por meio de construção jurisprudencial

fundada na razoabilidade, deve zelar pelos direitos fundamentais285

. Aqui a razoabilidade

deve ser vista como um dever de harmonização do geral com o individual, servindo como

ferramenta para determinar que as circunstâncias de fato devem ser presumidas como dentro

na normalidade, “exigindo uma relação congruente entre o critério de diferenciação escolhido

e a medida adotada” 286

.

Ademais, o devido processo legal material também impõe que as decisões

restritivas de direitos sejam fundadas no sentimento de justiça, de adequação, de necessidade

e proporcionalidade tendo em vista o fim que se pretende proteger287

. Sobre o postulado da

proporcionalidade, Humberto Ávila destaca que o referido postulado não se confunde com a

razoabilidade, apontando que aquele exige que os Poderes escolham, para realização dos seus

fins, meios adequados, necessários e proporcionais, devendo existir uma casualidade entre

meio e fim, não havendo na razoabilidade essa exigência de relação entre meio e fim288

.

Apesar de ainda pouco difundida, a perspectiva do devido processo legal

substancial é essencial para concretização dos direitos fundamentais, devendo ser concebido

juntamente com o devido processo legal procedimental, uma vez que é impensável direito

sem processo e vice-versa, havendo uma dependência mútua entre ambos289

. Para J.J Gomes

Canotilho “a teoria substantiva está ligada à ideia de um processo legal justo e adequado,

materialmente informado pelos princípios da justiça, com base nos quais os juízes podem e

284

RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2. ed. rev. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2016, p. 37. 285

AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. Rio de janeiro: Forense, 2012, p. 227. 286

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios - Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 16 ed. São

Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 202. 287

JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. Bahia: JusPodvim, 2010, p. 704. 288

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 16 ed. São

Paulo: Malheiros, 2015, p. 201-202. 289

MESQUITA, Eduardo Melo de. As tutelas cautelar e antecipada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002,

p. 53.

Page 94: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

92

devem analisar os requisitos intrínsecos da lei” 290

.

Já com relação ao contraditório propriamente dito, Leonardo Greco afirma

que esse serve para garantir às partes: (i) uma tempestiva comunicação sobre o ajuizamento

da ação, com a oportunidade de conhecer todos os seus elementos, (ii) o direito de apresentar

em juízo todas as suas alegações e formular requerimentos destinados à comprovação dos

fatos e direitos em questão, (iii) possibilidade de flexibilização dos prazos de acordo com a

complexidade da demanda, visando uma igualdade concreta entre as partes. Possibilitando,

assim, o direito da parte influenciar no julgamento da causa. Para Greco, deve-se buscar um

processo humanizado, com garantias que não podem ser negadas a qualquer cidadão,

consubstanciando os direitos à manifestação e influência no processo291

.

A doutrina é pacifica em dizer que princípio do contraditório não se limita na

mera ciência bilateral dos atos processuais e na abertura de oportunidade para contrapô-los292

,

seu principal desiderato é fazer com que as partes tenham condições contribuir para a

formação dos provimentos judiciais293

.

Nesse viés, Candido Rangel Dinamarco afirma que vivenciar o processo não

é apenas ser chamado para tomar conhecimento dele e apresentar uma defesa formal, para que

a parte possa viver o processo é necessário que lhe seja dada a oportunidade de efetivamente

influenciar no convencimento do julgador, pois, só assim, é possível garantir a legitimidade

da prestação jurisdicional294

.

Seguindo a multicitada lição de Enrico Túlio Liebman, o princípio do

contraditório é uma garantia fundamental da Justiça e, consequentemente, regra essencial do

processo. Em respeito ao contraditório, a todos os litigantes se deve dar a oportunidade de

apresentar ao julgador as suas razões e provas antes que seja proferido o julgamento. O

oferecimento da defesa deve ocorrer de forma plena e sem limitações arbitrárias, e qualquer

disposição legal em contrário deve ser tido como inconstitucional295

.

290

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3 ed. Coimbra:

Almedina, 1998, p. 428. 291

GRECO, Leonardo. O princípio do contraditório. In: Estudos de direito processual. Campos dos

Goytacazes: Editora da Faculdade de Direito de Campos, 2005. p. 547-552. 292

Sobre a matéria, Milton Sanseverino destaca que “o princípio constitucional da igualdade jurídica, do qual um

dos desdobramentos é o direito de defesa para o réu, contraposto ao direito de ação para o autor, está

intimamente ligado a uma regra eminentemente processual: o princípio da bilateralidade da ação, surgindo,

da composição de ambos, o princípio da bilateralidade da audiência”.

TUCCI, José Rogério Cruz e (coord.). Garantia do contraditório. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999,

p. 144. 294

DINAMARCO, Cândido Rangel. O princípio do contraditório. In: Fundamentos do processo civil

moderno. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 95. 295

MARCATO, Antônio Carlos. Preclusões: Limitação ao Contraditório? Revista de Processo, São Paulo, ano

5, n. 17, 1980, p. 111.

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93

Fazendo um apanhado geral sobre o assunto, Walber Agra leciona que o

devido processo legal e o contraditório possuem o papel de propiciar ao cidadão a ampla

defesa, que deve ocorrer de forma substancial, possibilitando o exaurimento de todos os meios

de prova nos respectivos momentos processuais296

. Já José Afonso da Silva pontua que o

princípio do devido processo legal (art.5º, LIV), juntamente com o direito de acesso à justiça

(art.5º, XXXV), o contraditório e a plenitude de defesa (art.5º, LIV) fecham o ciclo das

garantias processuais297

.

Vale concluir que o devido processo legal é o agrupamento das garantias

constitucionais que asseguram aos litigantes o exercício de seus direitos processuais, como

também são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição. Não se podendo encarar as

garantias processuais como meros direitos públicos subjetivos das partes, pois, antes de servir

às partes, deve proteger o próprio processo, considerado de forma objetiva como elemento

legitimante da tutela jurisdicional. 298

Com base nas considerações acima apresentadas sobre o princípio do devido

processo legal, que é colocado pela doutrina como “o princípio fundamental ao denominado

Estado Democrático de Direito”, tem-se que, inevitavelmente, só se poderá falar em

constitucionalidade das tutelas sumárias, mais especificamente da tutela de evidência, se

houver o devido respeito aos seus desdobramentos, os quais só poderão ser mitigados por

intermédio de um trabalho de ponderação entre os valores em deslinde299

.

5.3 PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO: RELAÇÃO ENTRE

TEMPO E PROCESSO

Tendo em vista que ainda existe uma cultura muito forte de judicialização em

nossa sociedade, torna-se imperioso o estudo do tempo na perspectiva do processo judicial em

si. Pois, conforme leciona François Ost, o tempo é mais que uma mera experiência psíquica,

ele é um desafio de poder, uma exigência ética e, também, um objeto jurídico300

.

296

AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. Rio de janeiro: Forense, 2012, p. 227. 297

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 39 ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p.

435. 298

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria

geral do processo. 31 ed. São Paulo: Malheiros, 2015. 299

Segundo Daniel Sarmento, “o equacionamento das tensões principiológicas só pode ser empreendido à luz

das variáveis fáticas do caso, as quais indicarão ao intérprete o peso específico que deve ser atribuído a cada

cânone constitucional em confronto. E a técnica de decisão que, sem perder de vista os aspectos normativos

do problema, atribui especial relevância às suas dimensões fáticas, é o método de ponderação de bens”. Cf.

SARMENTO, Daniel. Os Princípios Constitucionais e a Ponderação de Bens. 2 ed. Rio de Janeiro:

Renovar, 2004, p. 55. 300

OST, François. O tempo do direito. Tradução de Élcio Fernandes. Bauru: Edusc, 2005, p. 12.

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94

Nesse sentir, deve-se verificar, sob o prisma temporal, se o processo judicial

está realmente servindo como um vetor para concretização do princípio constitucional do

acesso à justiça e proteção judiciária. Muito já se foi escrito sobre o tema na doutrina, mas,

considerando os rápidos avanços sociais e tecnológicos, o assunto sempre é instigante e atual.

Já dizia Carnelutti, que o direito evolui com o tempo, pois, o tempo está

diretamente ligado ao estudo da evolução da sociedade, observando, ainda, que os estudiosos

e operadores do Direito jamais podem encarar o Direito como algo estanque, limitado às

codificações301

.

Tendo em vista essa indissolúvel relação entre tempo e direito, o ilustre

doutrinador italiano cunhou célebre frase afirmando que o tempo é um inimigo do direito,

contra o qual o juiz deve travar uma luta sem tréguas302

. Para Carnelutti o litígio judicial deve

ser visto como uma doença social, logo, sendo a lide uma doença, ela deve ser curada

rapidamente303

.

Demonstrando igual preocupação com os efeitos do tempo sobre a prestação

jurisdicional, em um pensamento que poderíamos encaixar dentro da primeira onda de acesso

à justiça, Mauro Cappelletti encarou a demora na prestação da tutela judicial como uma

injustiça social, uma vez que o pobre não possui condições de esperar pela justiça, enquanto o

rico, com suas reservas, pode aguardar um processo demorado304

.

Contudo, em que pese o tempo ser um inconveniente para aquele que aguarda a

implementação de um direito, sendo muitas vezes colocado como empecilho para o acesso à

justiça, ele não pode ser mitigado ou eliminado por meio de decisões sumárias simples. Pois,

um processo justo requer uma parcela de tempo que inevitavelmente será debitada em

desfavor de alguma das partes da lide305

. Mesmo existindo a expressa previsão constitucional

sobre o direito a um julgamento em tempo razoável, tal direito deve ser visto em conjunto

com as demais garantias do processo306

.

301

CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000. v. 1, p. 31. 302

CARNELUTTI, Francesco. Diritto e processo. Napoli: Morano, 1958, p. 232. 303

CARNELUTTI, Francesco. Lezioni di Diritto Processuale Civile. Padova: CEDAM, 1930. v. 2, p. 356. 304

CAPPELLETTI, Mauro. El processo como fenómeno social de masa. In: Processo, ideologias, sociedade.

Buenos Aires: EJEA, 1974, p. 133-134. 305

BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do

direito processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 69 306

SCHENK, Leonardo Faria. Contraditório e cognição sumária. Revista Eletrônica de Direito Processual

(REDP), v. 13, 2014, p. 557.

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95

O tempo de tramitação processual é um custo necessário, porém o legislador

deve tentar fazer com que tal ônus seja partilhado de forma harmoniosa e justa entre as partes,

evitando que apenas um delas fique indevidamente sobrecarregada307

.

Como exemplo do esforço legislativo para solucionar tal desigualdade,

podemos citar as tutelas provisórias, com destaque para a tutela de evidência, na qual apenas o

pressuposto do fumus boni iuris já é suficiente para concessão da tutela pretendida308

.

Refletindo sobre a efetividade da prestação jurisdicional, e já antevendo a

preocupação do ordenamento processual sobre o tema, Ricardo Castilho lecionou que para

que haja um efetivo acesso à justiça no sentido material, é necessária a existência anterior de

uma ordem jurídica justa, respeitadora dos direitos humanos e que possa responder às

demandas sociais, pois o inverso poderia causar graves prejuízos aos jurisdicionados309

.

Assim, justamente tentando saciar as demandas sociais de forma mais célere e humana, foi

elaborado o novo digesto processual, observando-se, para tanto, os preceitos fundamentais da

nossa Constituição310

.

Tais constatações fortalecem o vaticínio do Professor Bedaque, que há muito já

afirmava que a grande luta do processualista moderno é contra o tempo311

, uma vez que é

muito difícil equilibrar o fator tempo entre as partes em contenda, podendo restar

comprometida a efetividade processual caso ocorra excessiva demora ou excessiva brevidade,

sendo, contudo, impensável falar em razoável duração do processo sem a observância das

garantias constitucionais que regem o processo.

Como se percebe, a problemática temporal é muito delicada. Pois, se por um

lado, não se pode permitir que o tempo seja um aliado para aquele promovido que não

consegue apresentar em juízo elementos que no mínimo causem dúvida razoável acerca do

direito pleiteado em seu desfavor , usando o processo apenas como ferramenta para postergar

o cumprimento de suas obrigações, por outro, também haverá momentos em que a demora

processual será a única forma de se alcançar a efetiva justiça.

307

SILVA, Ovídio Baptista da. Processo de conhecimento e procedimentos especiais. In: WAMBIER, Luiz

Rorigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Orgs.). Doutrinas essenciais – Processo Civil. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2011. v. 2, p. 841. 308

COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 73. 309

CASTILHO, Ricardo. Acesso à Justiça: tutela coletiva de direitos pelo Ministério Público. São Paulo: Atlas,

2006, p. 15. 310

Já em seu artigo primeiro, até de forma óbvia, o novo Código de Processo Civil verbera que o processo civil

será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos

na Constituição da República Federativa do Brasil. 311

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência

(tentativa de sistematização). 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 116.

Page 98: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

96

Luiz Orione Neto adverte que a realização da atividade jurisdicional exige

tempo, ainda mais se o rito for ordinário, no qual a dilação temporal é inevitável, afirmando

que a busca por um processo instantâneo é desacertada, pois a duração do processo antes de

ser um problema é uma garantia, decorrente do devido processo legal312

.

Para Marinoni, inquestionavelmente o processo exige tempo. Sendo o tempo

um mal necessário para a boa tutela dos direitos. Segundo o citado processualista, é

imprescindível um lapso temporal razoável para que se concretize plenamente o devido

processo legal e princípios dele decorrentes, como o contraditório e a ampla defesa,

produzindo-se resultados justos e predispostos à imutabilidade. Sendo, inclusive, garantia de

segurança jurídica313

.

Em frase de efeito, o professor carioca Antônio do Passo Cabral afirma que “o

processo é feito para demorar!”.

Pois, para se julgar adequadamente, seja na seara

administrativa ou judicial, o julgador deve analisar cuidadosamente os argumentos

apresentados pelas partes envolvidas, sendo o contato com as partes do processo muito

importante para o amadurecimento de uma decisão314

.

Observando tudo que consta na doutrina acerca da relação tempo e processo,

nota-se que não é nada fácil se chegar a um ponto de equilíbrio entre celeridade e as garantias

da tutela jurisdicional, o que poderíamos definir como o tempo razoável para tramitação do

procedimento315

.

Para Trocker, a concepção de tempo razoável dentro do devido processo legal

deve ser no sentido de uma justiça sem retardos, mas que, também, não se pode se desvirtuar

na busca por uma tramitação meramente rápida316

.

Como consectário do estudo da relação tempo e processo, surge o princípio da

razoável duração do processo, introduzindo expressamente em nosso ordenamento jurídico

por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004, com previsão no art. 5º, inciso LXXVIII, da

312

ORIONE NETO, Luiz. Processo Cautelar. São Paulo: Saraiva, 2004. P. 01 313

MARINONI, Luiz Guilherme. Da Antecipação da Tutela. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 1. 314

CABRAL, Antônio do Passo. A duração razoável do processo e a gestão do tempo no projeto de novo código

de processo civil. In: FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER JR, Fredie;

MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda

de (Coords.). Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 79-80. 315

A Corte Europeia de Direitos Humanos analisa alguns critérios para avaliar a duração razoável de um

processo, que são: (a) complexidade da causa; (b) comportamento das litigantes; (c) comportamento das

autoridades judiciárias; e (d) a relevância dos interesses em envolvidos. 316

TROCKER, Nicolò. Il nuovo articolo 111 della costituzione e il “giusto processo” in materia civile:

profili generali. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Milano: Giuffrè Editore, 2001, p. 407.

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97

Constituição Federal317

, sendo esse princípio um dos principais fundamentos para renovação

do Código de Processo Civil, conforme Ato do Presidente nº 379, de 2009318

.

A tutela judicial dentro de um prazo razoável é elemento básico para se

alcançar uma tutela jurisdicional efetiva, a espera pelo Judiciário cria uma grande

instabilidade para as partes, que ficam incertas acerca da sua situação jurídica, como medo de

realizar novos projetos, criando um sentimento oposto ao conceito de segurança jurídica319

.

Na lição de Humberto Theodoro Júnior, a busca por um processo que tramite

por um tempo razoável representa um aprimoramento da garantia do devido processo legal.

Pois, para que se considere como razoável o tempo de tramitação de uma contenda judicial, a

prestação jurisdicional, além de atender aos requisitos tradicionais – juiz natural, forma legal,

contraditório e julgamento segundo a lei – tem de proporcionar à parte um resultado

compatível com a efetividade e a presteza320

.

Sobre a relevância da celeridade processual, a jurista Gisela Gondim Ramos,

em sua obra intitulada Princípios Jurídicos, coloca que a morosidade frustra quaisquer

expectativas dos cidadãos, e pouco a pouco vai minando a fé no sistema de justiça. Assim, o

processo, que deveria ser vetor de pacificação social, passa a ser instrumento de ameaça e

pressão, criando um ambiente que favorece os mais fortes e prejudica irremediavelmente os

menos favorecidos321

.

Pode-se até dizer que em alguns momentos não se deve interpretar o direito

processual de modo muito rigoroso, inviabilizando, por motivos irrelevantes, a efetiva

prestação jurisdicional. Devendo a norma processual ser interpretada visando alcançar a

solução rápida, efetiva e justa dos conflitos, prestigiando-se o princípio da instrumentalidade

das formas. Não se podendo admitir que meros caprichos dificultem o dever estatal de

tutela322

.

Nesse contexto, depreende-se que o poder constituinte reformador e o

317

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988. 318

“Considerando que tanto o acesso à justiça quanto a razoável duração do processo adquiriram novo verniz ao

serem alçados à condição de garantias fundamentais previstas constitucionalmente (...)RESOLVE: Art. 1º

Instituir Comissão de Juristas com a finalidade de apresentar, no prazo de cento e oitenta dias, anteprojeto de

Código de Processo Civil.” BRASIL. Ato do Presidente n º 379, de 2009. Institui Comissão de Juristas

responsável pela elaboração de anteprojeto de Código de Processo Civil. Disponível em:

<https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/ATO%20DO%20PRESIDENTE%20N%C2%BA%20379.

pdf.> Acesso em: 20 set. 2016. 319

GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais do processo: o processo justo. In: Estudos de direito

processual. Campos dos Goytacazes: Editora da Faculdade de Direito de Campos, 2005, p. 269. 320

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Alguns reflexos da Emenda Constitucional 45, de 08.12.2004, sobre o

processo civil. Revista de Processo, São Paulo, n. 124, jun. 2005, p. 37. 321

RAMOS, Gisela Gondim. Princípios Jurídicos. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 453. 322

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p 35.

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98

legislador ordinário, por intermédio da inclusão do inciso LXXVIII no art. 5º na CF e da

criação do CPC/2015, buscaram uma forma de garantir celeridade na tramitação processual

ante a crescente busca pelo Judiciário. O próprio Código de Processo Civil vem trazendo em

seu art. 139, inciso II, a previsão de que é incumbência do magistrado velar pela duração

razoável do processo.

Porém, o conceito de “razoável duração do processo” ainda é fluido. Ou seja,

por se tratar de uma expressão vaga, continua dependendo de norma infraconstitucional para

regulamentação, não se podendo permitir que a ação legislativa tardia impeça a imediata

aplicação do principio. Ficando ainda maior a responsabilidade do julgador com relação à

condução processual, que deverá ser sempre pautada em objetivos alcançáveis323

.

Dentro do quadro aqui posto, pode-se constatar que tutela de evidência será de

grande valia para efetivação dos princípios da razoável duração do processo e do acesso à

justiça, sempre trabalhados sob a ótica da segurança jurídica324

.

5.3.1 Dano marginal

O desrespeito ao postulado da razoável duração do processo em razão de

demora desarrazoada e excessiva para se pôr fim ao litígio gera um dano marginal, não

decorrente do provimento jurisdicional em si.

Com base na lição de Enrico Finzi325

, Antônio do Passo Cabral esclarece que

se trata de um dano que não é consequência de uma derrota em juízo, mas um “dano

marginal”, tendo tal expressão sido popularizada por meio da doutrina italiana. “O dano

marginal é aquele que sofrem os litigantes em razão de deficiência na tramitação dos

processos, e esta demora afeta a ambos, autor e réu, vencedor e vencido”326

.

323

AGRA, Walber de Moura (Coord.). Comentários à reforma do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Forense,

2005, p. 16. 324

“A definição de critérios objetivos destinados a identificar em que circunstâncias a duração de dado processo

exorbitou o razoável é preocupação corrente, da qual se extrai a análise: a) da natureza do processo e

complexidade da causa; b) do comportamento das partes e seus procuradores; e, c) da atuação do órgão

jurisdicional. Nessa seara, (...), a observância dos itens “a” e “b” podem dar ensejo a formas de antecipação

de tutela sem o elemento urgência, providencia essa que também se encontra alinhada com o princípio da

duração razoável do processo.” Cf. CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito

da urgência: panorama geral e perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017,

p. 142. 325

Em sua tese de doutorado João Paulo Hecker esclarece que a expressão “dano marginal” é atribuída a Enrico

Finzi quando da definição do periculum in mora em sua obra “questioni controverse in tema di esecuzione

provisória”. Cf. SILVA, Joao Paulo Hecker da. Tutela de Urgência e Tutela da Evidência nos Processos

Societários. Tese de Doutoramento. São Paulo: Universidade de São Paulo – USP, 2012, p. 58. 326

CABRAL, Antônio do Passo. A duração razoável do processo e a gestão do tempo no projeto de novo código

de processo civil. In: FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER JR, Fredie;

Page 101: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

99

Têm-se como dano marginal todos aqueles danos concretos ocasionados em

razão da demora do processo. Como exemplos desses danos concretos, Paulo Henrique Lucon

cita o empobrecimento do devedor durante o processo acarretando na diminuição da garantia

do credor em ver seu crédito adimplido, a desvalorização monetária e a própria inflação327

.

Olhando o processo sob um viés econômico, João Paulo Hecker acrescenta que

o dano marginal “atua não como um efeito meramente colateral, mas como um relevante

„custo de transação‟. Os efeitos do transcurso de um grande lapso temporal para que o

processo chegue a uma definição, portanto, age como verdadeiro inibidor”, e a demora passa a

ser objeto de vantagens e desvantagens econômicas. Ainda segundo o autor, “danos efetivos

sob o ponto de vista econômico e institucional são causados pela mera pendência do

processo”328

.

O decorrer do tempo necessariamente é um ônus, com grande probabilidade de

gerar prejuízos para aquela parte que pleiteia a alteração do “statu quo”. A demora gera um

problema social, pois provoca danos econômicos, muitas vezes em razão da imobilização de

bens e capitais por intermédio do processo, cria especulações e até insolvência, fortalecendo

ainda mais aquele que pode esperar pelo processo, que usa a demora da tramitação para

pressionar a parte adversa a celebrar acordos desvantajosos329

.

Conforme lecionam Antônio Cintra, Ada Pellegrini e Cândido Rangel

Dinamarco, independente de existir urgência ou risco de perecimento do direito, o simples

passar do tempo sempre será um fator de desgaste, gerador de danos marginais que

prejudicam a efetividade da justiça. Daí o uso cada vez mais frequente de tutelas provisórias,

que não precisam necessariamente do pressuposto da urgência, buscando apenas um resultado

em tempo mais breve. “Isso sucede, p. ex., nas liminares em ações possessórias, para cuja lei

não exige qualquer requisito de urgência; nos alimentos provisionais ou nos provisórios; na

chamada antecipação sancionatória de tutela jurisdicional”, atualmente prevista no inciso I do

art. 311330

.

Preocupado com os danos decorrentes da demora na tramitação processual e já

considerando a necessidade de uma adequada distribuição do ônus do tempo no processo,

MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda

de (Coord.). Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 77. 327

LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2000, p. 172. 328

SILVA, Joao Paulo Hecker da. Tutela de Urgência e Tutela da Evidência nos Processos Societários. Tese

de Doutoramento. São Paulo: Universidade de São Paulo – USP, 2012. p. 60. 329

CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 03. 330

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria

geral do processo. 31 ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2015, p. 364.

Page 102: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

100

Athos Gusmão Carneiro defende que os procedimentos devem ser menos complexos

conforme aumente o grau de evidência das pretensões de direito material331

.

Alguns autores, como José Roberto Bedaque, já previam que, apesar da regra

geral definir como pressupostos para concessão das tutelas diferenciadas a presença conjunta

da urgência e da evidência, havendo previsão legal específica, a tutela poderá ser deferida

unicamente com base na evidência332

.

Nesse sentir, pode-se dizer que foi instituída de forma expressa a técnica da

tutela de evidência, em que o grau da evidência é tão elevado que nem sequer é exigido o

pressuposto da urgência, diminuindo, no momento inicial do processo, a complexidade do

feito. Mais uma vez vale lembrar o exemplo trazido por Eduardo José da Fonseca Costa, pelo

qual a tutela provisória não pode ser vista como uma porta que só pode ser aberta com o uso

simultâneo de duas chaves, que seriam a urgência e a evidência, pois havendo previsão legal,

basta uma das “chaves” para concessão da medida de cognição sumária333

.

Especificamente em relação à tutela de evidência como meio de gestão da

duração do processo e combate ao dano marginal, Antônio do Passo Cabral fala que se trata

de uma tutela satisfativa, que não segue os pressupostos de cautelaridade e que se revela como

mais um mecanismo eficiente para reprimir a má-fé processual por meio do gerenciamento do

tempo do processo, no qual o juiz pode inverter o ônus do tempo. Para Cabral, deve-se partir

da premissa que o retardo do processo interessa mais a quem não possui razão, assim, com a

concessão da tutela de evidência, a parte que não tinha razão passa a ser o maior interessado

em que o processo caminhe rápido, para que possa pleitear em sede de sentença a revogação

da decisão provisória334

.

Em concordância com tal entendimento, Lucas Buril leciona que a tutela de

evidência se caracteriza como técnica de distribuição do ônus do tempo no processo335

,

buscando-se beneficiar aquele que provavelmente possui razão, tendo em vista a prova

robusta que consta nos autos336

.

331

CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 9. 332

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência

(tentativa de sistematização). 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 339. 333

COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 19. 334

CABRAL, Antônio do Passo. A duração razoável do processo e a gestão do tempo no projeto de novo código

de processo civil. In: FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER JR, Fredie;

MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda

de (Coords.). Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 87. 335

MACÊDO, Lucas Buril. Precedentes judiciais e o Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2014, p.

540. 336

AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015, p. 415.

Page 103: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

101

As tutelas provisórias estão voltadas para efetividade do processo,

possibilitando uma maior flexibilidade de acordo com cada caso concreto, sendo induvidoso

que aquelas, por via de consequência, também servem para combater o dano marginal.

5.4 PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA

Em razão da sociedade hodierna não admitir mais a prática da vingança

privada, em que o cidadão buscava sozinho resolver as contendas em que se envolvia, a tarefa

de solucionar os litígios foi transferida para um órgão autônomo e imparcial. Sendo

responsabilidade do Poder Judiciário garantir a segurança jurídica e a justiça nas relações

sociais modernas, surgindo um dever estatal de permitir e garantir a todos os cidadãos uma

proteção jurídica integral, por intermédio da inafastabilidade do controle jurisdicional337

.

Acompanhando o atual momento do constitucionalismo, no qual os valores

constitucionais passam a balizar e influenciar todo o ordenamento jurídico, o CPC/2015, já

em seu artigo 3º, trouxe cópia da previsão constitucional sobre o princípio do acesso à justiça,

repetindo que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”.

Esse ônus do Estado de garantir aos membros da sociedade um efetivo controle

dos litígios foi paulatinamente ganhando relevância, tendo em vista sua primordial função de

pacificação social. Vários autores passaram a estudar detidamente o princípio do acesso à

justiça, dentre os quais podemos destacar Mauro Cappelletti e Bryant Garth, que, por meio do

trabalho intitulado “Acesso à Justiça”, fizeram detalhada análise da evolução de tal princípio,

inclusive, traçando perspectivas futuras.

Na clássica obra acima referida, Cappelletti e Garth, logo na introdução,

deixam claro que a expressão “acesso à justiça” é muito aberta e de difícil definição, porém,

no mínimo, determina duas finalidades elementares do ordenamento jurídico, sendo o meio

pelo qual os jurisdicionados podem reivindicar seus direitos, como também resolver seus

litígios por meio da atuação Estatal. Afirma-se que a priori o sistema jurídico deve ser

igualmente acessível a todos e, consequentemente, deve produzir resultados que sejam

individual e socialmente justos338

.

Analisando a evolução dos paradigmas do Estado de Direito, o qual só passou a

realmente existir quando se conseguiu pôr freios à atividade estatal por intermédio da lei que é

337

AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. Rio de janeiro: Forense, 2012, p. 217. 338

CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor,

1988, p. 3.

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102

criada pelo próprio Estado339

, temos que no Estado Liberal o acesso à justiça se limitava ao

direito de propor ou contestar uma ação, prevalecendo apenas seu aspecto meramente formal,

o que acabava afastando o Estado de sua obrigação jurisdicional, prejudicando o verdadeiro

sentido da democracia e distanciando a justiça da realidade social340

. A justiça só era

alcançada por aqueles que podiam pagar seus custos, que eram poucos.

Porém, com o declínio do Estado Liberal, tendo em vista as desigualdades

sociais decorrentes da garantia apenas dos direitos negativos, no Estado Social se percebeu a

necessidade de criação de instrumentos para a efetiva reivindicação e proteção de direitos,

inclusive os direitos positivos, que deveriam ser garantidos pela própria administração. Ganha

relevo o aspecto material do princípio do acesso à justiça, que não podia ficar limitado ao

mero direito de petição, passando a figurar como um direito social fundamental, a ser

garantido pelo próprio Estado341

.

Daí surge a preocupação com a efetividade do acesso ao Judiciário, perdurando

até o presente momento a busca de se fazer com que a prestação jurisdicional seja realmente

satisfatória, não permitindo que fatores prejudiciais, como o tempo morto do processo e atos

meramente procrastinatórios, deixem perecer o direito que se busca garantir por meio do

Judiciário342

.

Sobre o tempo morto do processo é interessante anotar a lição de Fernando da

Fonseca Gajardoni que, fazendo referência ao trabalho do jurista italiano Vincenzo Vigoriti,

esclarece que do ponto de vista estrutural, o processo possui tempos de espera e tempos técnicos,

em que o “tempo morto” corresponde aos tempos de espera, necessários para que a causa seja

tomada em consideração, a exemplo da juntada de documentos, transporte e conclusão dos autos,

etc. Já os tempos técnicos são aqueles necessários à instrução e decisão da demanda, a exemplo

dos prazos para pronunciamento das partes. Ainda segundo Gajardoni, os tempos de espera

podem ser diminuídos “através de mecanismos de contenção de demanda, modificação das leis de

organização judiciária e investimentos no judiciário”, já os tempos técnicos por meio de alterações

339

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p 35. 340

ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito

processual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 64. 341

CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,

1988, p. 5. 342

SALGADO, Gisele Mascarelli. Tempo morto no processo judicial brasileiro; 2007 - Disponível em:

http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3837/Tempo-morto-no-processo-judicial-brasileiro. Acesso em:

16 set. 2016.

Page 105: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

103

na disciplina do processo, afirmando, ao final, que sob o aspecto estrutural o trâmite processual só

ficará mais célere se efetivamente houver a redução dos tempos técnicos e de espera343.

É cristalino que os problemas e as soluções do acesso à justiça passam pela

verificação dos elementos e mecanismos do processo, analisando se esse está alcançando seu

objetivo, uma vez que o procedimento não é um fim em si mesmo, mas, principalmente, um

meio para efetivação de direitos fundamentais344

.

Como também se deve considerar que a problemática da morosidade

jurisdicional não se soluciona unicamente na esfera das regras processuais345

. A garantia da

duração razoável do processo, que tem como finalidade o efetivo acesso à justiça, também

deve ser observada e buscada por meio da estruturação da organização judiciária, a

proporcionar bons recursos humanos e materiais para o escorreito funcionamento da máquina

do Judiciário, inclusive, prevendo mecanismos sancionadores para aqueles que violarem os

deveres relacionados à tempestividade e efetividade da tutela jurisdicional346

.

5.4.1 Ondas renovatórias do acesso à justiça

Seguindo a cronologia da evolução do Estado de Democrático Direito347

, que

nos dizeres de Jorge Miranda é aquele em que prevalece o império da lei, estando o Estado e

os particulares subordinados às normas jurídicas348

, Cappelletti e Garth apresentam o direito

ao acesso à justiça em três ondas, definição essa que formou uma verdadeira corrente

doutrinária de grande importância para a ciência processual, sendo seguida pelos mais

renomados doutrinadores brasileiros, a exemplo de José Rogério Cruz e Tucci, Luiz

343

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Apelação por instrumento: breve leitura crítica à proposta apresentada

no PLC 8046/2010. In: FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER JR, Fredie;

MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda

de (Coords.). Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 40. 344

NUNES, Donizetti Elpídio. O processo como meio de efetivação dos direitos fundamentais. Belo Horizonte:

Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, v. 51, n. 81, p. 195-204, jan./jun. 2010. 345

José Bedaque faz importante observação ao afirmar que técnica processual, “por mais perfeita que possa

parecer aos olhos do processualista, depende fundamentalmente das pessoas que a operam e da estrutura

criada para sua aplicação” Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada. 4.

ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 15. 346

SCHENK, Leonardo Faria. Contraditório e cognição sumária. Revista Eletrônica de Direito Processual

(REDP), v. 13, 2014, p. 557. 347

Na teoria procedimentalista de Habermas, o Estado Democrático de Direito é concebido como uma ordem

jurídica legítima através da adoção de um espaço de autonomia privada co-originária de uma autonomia

cidadã dos membros da sociedade que legitimam a atuação estatal e a ordem jurídica. Deve existir um

sistema capaz de assimilar a complexidade da vida moderna, possibilitando que o Estado contribua para

efetivação dos direitos fundamentais. Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e

validade. Tradução de Flávio Beno Siebneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. v. 1, p. 147. 348

MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 1.

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104

Guilherme Marinoni, José Roberto dos Santos Bedaque, Celso Agrícola Barbi, José Augusto

Delgado.

A primeira das ondas trata sobre os empecilhos econômicos para se judicializar

uma questão, levando em consideração os custos iniciais e incidentais ao processo, e ainda a

possibilidade de uma pena sucumbencial. Fatores esses que dificultam o direito de ação dos

hipossuficientes349

.

Nesse primeiro momento se buscou garantir a assistência judiciária ao

economicamente incapaz de pagar os custos de movimentar o judiciário sem prejudicar seu

sustento próprio, surgindo figuras como a do defensor público e da gratuidade judicial.

Não bastava a existência dos meios processuais no plano legal, devendo existir

a real possibilidade de todos terem acesso ao processo. Pois, conforme leciona Alexy, a

igualdade no sentido jurídico nem sempre garante a igualdade no sentido fático, ou seja, no

campo das consequências350

. Logo, o acesso à justiça deve ser real, não sendo suficiente a

mera previsão de que todos têm acesso ao judiciário, quando na verdade não é assim.

A segunda onda, por sua vez, refere-se aos interesses transindividuais,

buscando solucionar os problemas da representação dos interesses coletivos, difusos e

individuais homogêneos, uma vez que nem todos os interessados podem comparecer em

juízo, dando-se como exemplo as áreas de proteção ambiental e do consumidor, nas quais

passa a ganhar destaque afigura do Ministério Público.

Por último, ao mesmo tempo em que se reconhece a importância dos avanços

trazidos pelas duas primeiras ondas, também se constata que essas não são suficientes para

uma proteção judiciária integral, atribuindo-se à terceira onda um enfoque mais amplo do

acesso à justiça, em que são analisados diversos fatores e barreiras envolvidos, inclusive

técnicas e instrumentos processuais adequados para efetivar o princípio em estudo351

.

Na terceira fase do processo contemporâneo, conforme reportado por José

Augusto Delgado, também existe uma preocupação com os profissionais do direito,

principalmente com a atividade desenvolvida pelo julgador, que não pode mais quedar-se

inerte diante de direitos ululantes, superando o modo antigo de entender o processo, tratando-

349

CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,

1988, p. 12. 350

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da silva. 2 ed. São Paulo:

Malheiros, 2008, p. 416. 351

CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,

1988, p. 27.

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105

o como veículo capaz de contribuir para a harmonização social, transformando-o em

instrumento de Justiça352

.

Logo, pode-se dizer que abordagem do presente trabalho se encaixa no último

enfoque do acesso à justiça, tendo em vista as inovações e mecanismos trazidos pelo Código

de Processo Civil que entrou em vigor no ano de 2016, em especial a tutela de evidência, que

é o tema principal aqui versado, em que, por conta da forma evidente com que determinadas

alegações se apresentam em juízo, torna-se imperiosa a concessão ou proteção do bem da

vida353

, conforme já visto de modo detalhado.

.

5.4.2 Princípio do acesso à justiça no direito brasileiro

Em nosso ordenamento jurídico temos no inciso XXXV do artigo 5º da

Constituição Federal a positivação do princípio do acesso à Justiça, uma vez que “a lei não

excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”354

. Ninguém será

privado do direito de submeter para apreciação do Poder Judiciário qualquer questão que

envolva violação ou ameaça a direitos355

.

Sobre tal previsão constitucional, o doutrinador Walber Agra adverte que no

Brasil até pouco tempo atrás o direito ao acesso à justiça era mais restrito, pois a Carta de

1967/1969 previa a proteção jurisdicional apenas quando efetivamente ocorresse a lesão de

direito individual, restando afastada da responsabilidade estatal os casos de mera ameaça a

direitos, sendo tal deficiência da tutela jurídica sanada com a nossa atual Lei Maior356

.

Até então no Brasil se falava tradicionalmente em direito de ação como direito

de acesso à justiça para defender direitos individuais efetivamente violados, mas com a

Constituição de 1988 tal acepção foi ampliada, possibilitando-se o direito de ação também na

via preventiva, abarcando a ameaça357

.

352

DELGADO, José Augusto. Acesso à justiça: um direito da cidadania. Informativo Jurídico da Biblioteca

Ministro Oscar Saraiva, Brasília, v. 9, n. 2, p.11-32, jan./jun. 1997, p. 18. 353

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:

teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos

efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 617 354

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado,

1988. 355

RAMOS, Gisela Gondim. Princípios Jurídicos. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 420. 356

AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. Rio de janeiro: Forense, 2012, p. 217. 357

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria

geral do processo. 31 ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 106.

Page 108: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

106

Ou seja, atualmente se passou a expressamente admitir a prestação de tutela

jurisdicional preventiva quando, por meio de um juízo de probabilidade, ficar evidenciada

uma possível ofensa a um direito.

De acordo com José Afonso da Silva, o art. 5º, inciso XXXV, da CF consagra

um direito público subjetivo, que é o direito de invocar a atividade jurisdicional. Decorrendo

daí não só o direito de ação, mas também o direito de resposta pelo réu, uma vez que esse

também vai buscar do Judiciário um pronunciamento em seu favor358

.

O acesso à justiça deve ser encarado como um acesso-garantia, em que o

Estado, por um lado, assegura o devido processo legal ao cidadão e, por outro, disponibiliza

meios estruturais e econômicos que conformem um processo materialmente justo. A

universalização do acesso à justiça se trata de garantir resultados substancialmente justos359

.

Nesse palmilhar, é de se realçar a lição do Ministro Herman Benjamim que, já

no ano de 1995, afirmava que o tema do acesso à justiça era uma questão crucial, mas não tão

nova, e que o princípio do acesso ao Judiciário, no que diz respeito ao seu campo de

aplicação, poderia ser visto sob três enfoques básicos360

.

O primeiro é o de sentido restrito, referente apenas ao acesso à tutela

jurisdicional, ou seja, à resolução dos conflitos pela via judicial. O segundo enfoque seria

mais aberto, que se refere ao acesso à tutela de direitos ou interesses violados, utilizando-se

mecanismos jurídicos variados, judiciais ou não. Por fim, em uma acepção integral, ressalta o

acesso ao Direito por intermédio de uma ordem jurídica justa, conhecida e implementável.

Colocando dentro desse último enfoque os meios preventivos de tutela, pois o que se deve

buscar é evitar o dano, e não apenas repará-lo, principalmente, quando interesses difusos estão

em risco361

.

Dentro de uma perspectiva nacional, e seguindo a ordem das ondas

renovatórias do acesso à justiça do processo contemporâneo, podemos citar como forma de

proporcionar o acesso à tutela jurisdicional aos mais pobres a Lei 1.060/1950362

, que

estabeleceu normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, tendo alguns

358

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p.

434. 359

BONIFÁCIO, Artur Cortez. Direito Constitucional Internacional e a proteção dos direitos fundamentais.

São Paulo: Método, 2008, p. 287. 360

BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos e. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico:

apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. BDJur, Brasília,

DF. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br//dspace/handle/2011/8688>. Acesso em: 05 mai. 2017, p. 6. 361

Ibidem. 362

BRASIL. Lei Federal nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950. Estabelece normas para a concessão de

assistência judiciária aos necessitados.

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107

dos seus artigos revogados recentemente em virtude de regulamentação específica trazida pelo

art. 92 e seguintes do CPC/2015363

. Estando a assistência judiciária definida como direito

fundamental no inciso LXXIV do artigo 5º da CF.

Ainda relacionado à primeira onda, dentre as normas existentes, considerando

seu papel de destaque para efetivação do acesso à justiça, também frisamos a Lei

Complementar 80/1994364

, que instituiu a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e

dos Territórios. A Defensoria Pública está prevista no art. 134 da Carta Maior, lá figurando

como instituição essencial à função jurisdicional do Estado.

Com relação ao enfoque social e a preocupação com os direitos difusos,

coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos, temos papel de destaque para a ação

civil pública (Lei n. 7.347/1985365

), a ação popular (Lei n. 4.717/1965366

), nova lei mandado

de segurança, que possui previsão específica para o writ coletivo (Lei n. 12.016/2009367

), o

Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990368

), dentre outras normas.

Adentrando na terceira onda renovatória, que abarca as fases anteriores e prima

por uma garantia da proteção jurídica integral, ganha destaque no Brasil institutos processuais

como a antecipação de tutela, tutelas monitórias, súmulas vinculantes, os juizados especiais e

alguns meios alternativos para resolução dos conflitos369

.

É a fase do instrumentalismo, na qual se estabelece uma relação de

interdependência entre o direito material e o direito processual, em este é o meio de

concretização daquele, existindo grande preocupação com a efetividade do processo, o que até

então não existia370

.

Contudo, mesmo diante de tantos avanços e novos institutos legais, é

plenamente perceptível que ainda não alcançamos um estágio em que o princípio do acesso à

justiça esteja sedo garantido de forma plena em todas as suas acepções, tendo como um dos

363

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. 364

BRASIL. Lei complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Organiza a Defensoria Pública da União, do

Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras

providências. 365

BRASIL. Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos

causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e

paisagístico e dá outras providências. 366

BRASIL. Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965. Regula a ação popular. 367

BRASIL. Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e

dá outras providências. 368

BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras

providências. 369

NOGUEIRA, Vânia Márcia Damasceno. O movimento mundial pela coletivização do processo e seu ingresso

e desenvolvimento no direito brasileiro. De Jure: revista jurídica do Ministério Público do Estado de Minas

Gerais, Belo Horizonte, n. 12, p. 325-348, jan./jun. 2009, p. 336. 370

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e

processo de conhecimento. 17 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 44.

Page 110: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

108

principais entraves a morosidade no trâmite processual. Pode-se até dizer que a terceira onda

já passa por um momento de crise, devendo ter seus conceitos revistos, buscando-se alinhar o

direito processual em face da Constituição Federal371

.

E assim, inserido em tal contexto, ganha ainda mais relevo a figura do novo

Código de Processo Civil, uma vez que o Código de Buzaid era bem anterior à Constituição

de 1988, e, consequentemente, já não se adequava aos anseios contemporâneos, deixando a

desejar no que diz respeito ao acesso à justiça e a razoável duração do processo, princípios

esses que ganharam grande destaque ao serem postos como garantias fundamentais

constitucionais.

5.4.3 Elementos trazidos pelo novo CPC na busca pelo acesso e efetividade da tutela

jurisdicional

Como já apresentado, o novo Código de Processo Civil foi idealizado e posto

em vigor com a intenção precípua de harmonizar a norma processual com os preceitos

constitucionais, dando grande atenção aos princípios do acesso à justiça e da razoável duração

do processo, fato esse reconhecido desde a sua exposição de motivos até a apresentação feita

pelo Presidente do Senado Federal ao encaminhar o texto legal para promulgação pela

Presidente da República372

.

Da simples leitura do informativo apresentado no site do Senado Federal373

,

pouco antes da sanção presidencial, em que são relacionados os pontos principais do CPC, já

se percebe que quase todos eles, direta ou indiretamente, refletem o anseio do legislador em

garantir o real e célere acesso à justiça.

Sendo notório o intuito do novo código em fomentar uma adequação das novas

normas processuais à Constituição Federal, concretizando-se um sistema mais coeso, capaz de

proporcionar um processo mais célere e justo, a partir dos princípios fundamentais previstos

na Carta Maior, que se refletem na garantia do processo legal374

.

371

ALMEIDA, Gregório Assagra de. Manual das ações constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 17. 372

CALHEIROS, R. Mensagem do Senado encaminhando o projeto de Novo Código de processo civil

aprovado para promulgação. Brasília, DF: Senado Federal, 2010: “As inovações vêm como forma de ajus-

te à promessa constitucional de razoável duração do processo, com os Incidentes de demandas repetitivas; a

padronização dos prazos recursais; a supressão de recursos; a elevação da multa por litigância de má-fé; a

simplificação de formalidades; o uso de instrumentos eletrônicos”. 373

BRASIL. Os 13 Principais Pontos do Novo Código de Processo Civil. Disponível em

<http://senadofederal.tumblr.com/post/105602565077/os-13-principais-pontos-do-novo-codigo-de-

processo>. Acesso em 09 set. 2016. 374

VITOVSKY, Vladimir Santos. O acesso à justiça no novo código de processo civil: continuidades, inovações

e ausências. Revista CEJ, Brasília, ano 19, n. 67, p. 7-17, set./dez. 2015.

Page 111: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

109

Aqui, de forma não exauriente e relacionada mais especificamente à

perspectiva do acesso à justiça, apresentamos nas próximas linhas as principais novidades e

elementos trazidos pelo novo código adjetivo na busca pela efetividade da prestação

jurisdicional.

Temos a priorização do julgamento de mérito, inclusive por meio da

valorização da instrumentalidade das formas, fazendo surgir o princípio da primazia do exame

de mérito (art. 4º do NCPC)375

.

Busca por uma verdadeira cooperação entre as partes e o juiz da causa,

consagrando o princípio da cooperação (artigo 6º do NCPC). Exigência de um maior ônus

argumentativo na fundamentação das decisões, não se admitindo decisões genéricas e não

fundamentadas (artigo 489, §§ 1º e 2º do NCPC), na mesma linha do que preceitua o art. 93,

inc. IX da CF.

Prestação de uma tutela mais célere nos casos em que o direito posto em juízo,

por sua evidência ou urgência, mereça um tratamento diferenciado, criando-se um livro

específico para as tutela provisórias (Livro V, artigos 294 a 311 do NCPC), havendo uma

considerável evolução em relação à tutela antecipada prevista no art. 273 do Código de 1973.

Do referido Livro V se pode extrair a preocupação do novo digesto processual com os efeitos

do tempo no processo, uma vez que em determinados casos o fator temporal poderá conspirar

em desfavor do próprio processo e do direito que se busca garantir por intermédio desse376

.

Ademais, mesmo existindo a preocupação temporal, também se prestigia o

amplo contraditório, inclusive inibindo-se decisões com base em fundamento a respeito do

qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, consagrando o princípio da

não surpresa (artigo 10º, NCPC). Pois, como já dito, o processo apesar de necessitar ser

rápido, não deve apenas buscar celeridade, uma vez que a coordenação dos atos processuais

no tempo atende a várias outras finalidades, como a garantia do contraditório em prol da

verdade dos fatos articulados377

.

Sob o foco do princípio do acesso à justiça ainda podemos citar a busca pela

resolução pacífica dos conflitos por meio da conciliação e mediação (artigos 165 a 175

do NCPC), a valorização dos precedentes, prevendo-se que os tribunais devem uniformizar

sua jurisprudência e mantê-la estável (artigos 926 e 927 do NCPC).

375

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e

processo de conhecimento. 17 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 136. 376

TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 11. 377

MILHOMENS, Jônatas. Dos Prazos e do Tempo no CPC. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 9.

Page 112: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo. Conforme será visto ao longo do presente

110

Como também se deu maior força aos atos processuais das partes, as quais, por

intermédio do negócio processual (artigo 190 do NCPC ), poderão estipular mudanças no

procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa, tornando-o mais eficaz.

É inegável que umas das grandes dificuldades em se alcançar um sistema

processual justo é a de equilibrar a busca por eficiência entre as perspectivas qualitativa e

quantitativa, e ainda respeitar as garantias do devido processo legal. Porém, dos elementos

citados, percebe-se que houve um grande trabalho do legislador ordinário na busca da

efetividade material do processo, pois, conforme Barbosa Moreira, todo mecanismo

processual será bom na medida em que seja efetivo. Só podendo ser considerado efetivo o

processo que constitua instrumento eficiente de realização do direito material378

.

Segundo Dierle Nunes, citando o autor italiano Michele Taruffo, eficiência

qualitativa e eficiência quantitativa são “faces da mesma moeda, mas que podem e

comumente são vistas como concepções contraditórias”, pois o processo muito rápido e barato

provavelmente forma decisões incompletas e incorretas, enquanto a busca por uma decisão

“justa” e de qualidade exige tempo, dinheiro para melhores condições trabalho e uma

atividade comparticipada entre o julgador e os demais sujeitos do processo379

.

Para a compreensão e bom uso do novo código, é imperioso observar os seus

doze primeiros artigos, os quais verberam as normas fundamentais do processo civil e, mesmo

não se tratando de um rol taxativo, trazem os elementos e princípios que irão guiar o direito

processual de uma forma geral, fazendo surgir aquilo que Fredie Didier denominou de

“Direito Processual Fundamental Constitucional”380

.

5.5 ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA TUTELA DE EVIDÊNCIA

É patente que a Constituição Federal age diretamente sobre o processo,

arrolando princípios básicos que servem como diretrizes para balizar o comportamento do

Estado-juiz381

. “É correto, portanto, tratar os princípios constitucionais do processo como

significativos de um modelo mínimo, mas indispensável, mas vinculante, mas impositivo,

378

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Por um processo socialmente efetivo. Revista de Processo, São Paulo,

v. 27, n. 105, p. 183-190, jan./mar. 2002. 379

NUNES, Dierle. Novo enfoque para as tutelas diferenciadas no Brasil? Diferenciação procedimental a partir

da diversidade de litigiosidade. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 35, n. 184, p.

109-140, jun. 2010, p. 112. 380

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e

processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 62. 381

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 13 ed. ver. e atual. São Paulo:

Malheiros, 2008, p. 25.

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111

para a atuação do Estado-juiz”382

.

Conforme já brevemente exposto do item 5.1, o grande desafio do

processualista moderno é alcançar um processo célere e justo que não viole direitos

fundamentais, ou que, no mínimo, não mitigue princípios constitucionais sem a devida

observância do postulado da proporcionalidade383

. A luta contra a morosidade excessiva é tão

importante quanto o dever de garantir a segurança proporcionada pelo devido processo legal,

sendo missão do processualista encontrar o equilíbrio entre ambos384

.

Mesmo sendo a tutela provisória um relevante instrumento para se garantir um

acesso efetivo ao Poder Judiciário, o uso de tal técnica deve ser harmonizado com o princípio

do devido processo legal, que, como visto, é considerado por muitos autores o “princípio dos

princípios”, do qual derivam vários princípios constitucionais do processo385

. A grande

problemática é equilibrar a busca por eficiência e o respeito às garantias fundamentais do

processo 386

.

Como se percebe, nos casos de tutela de evidência será quase que inevitável o

uso da ponderação, uma vez que valores por vezes conflitantes estarão jogo, como, por

exemplo, o direito à ampla cognição e o direito à tempestividade da tutela. E para tal juízo de

ponderação também será necessária uma valoração sobre a intensidade da evidência do

direito, observando seu elemento informador, para só então se avaliar a possibilidade da

concessão da medida.

Para Alexy a ponderação é uma parte do princípio da proporcionalidade, que é

composto por três princípios parciais: da idoneidade (adequação), da necessidade e da

proporcionalidade em sentido estrito387

. Todos os três expressando a ideia da otimização388

.

382

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2007. v.

1, p.92 383

Humberto Ávila estabelece a proporcionalidade “como um postulado estruturador da aplicação de princípios

que concretamente se imbricam em torno de uma relação de causalidade entre meio e fim”. Cf. ÁVILA,

Humberto. Teoria dos Princípios - Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 16 ed. São Paulo:

Malheiros, 2015, p. 204. 384

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo: Malheiros,

2006, p. 48. 385

CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e

perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 140. 386

SCHENK, Leonardo Faria. Contraditório e cognição sumária. Revista Eletrônica de Direito Processual

(REDP), v. 13, 2014, p. 554. 387

Para Humberto Ávila o postulado da proporcionalidade exige o exame da adequação, da necessidade e da

proporcionalidade em sentido estrito. Cf. AVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: Da definição à

aplicação dos princípios jurídicos. 16ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 204. 388

Para Habermas e outros autores, o sopesamento ou a ponderação é um critério que nada mais é do que uma

forma pseudo-objetiva de canalizar as preferências pessoais do aplicador do direito. Substitui-se a decisão do

legislador, que, ao criar uma lei, expressa a sua forma particular de interpretar a CF, pela opinião alternativa

do juiz sobre o mesmo problema. Cf. SILVA, Virgílio Afonso da, e MENDES, Conrado Hübner. Habermas e

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112

Seguindo o princípio da idoneidade, deve-se fazer com que uma posição seja melhorada sem

que nasçam desvantagens para outras, devendo o meio ser capaz de alcançar o fim. Já no

princípio da necessidade, se sacrifícios não podem ser evitados, busca-se o meio menos

gravoso. Esses dois primeiros princípios parciais da proporcionalidade tratam de

possibilidades fáticas. Por derradeiro, têm-se o princípio parcial da proporcionalidade em

sentido estrito. Sendo a ponderação objeto desse terceiro princípio parcial389

.

Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis advertem que é necessário evitar que a

proporcionalidade se dilua dentro de uma visão geral da ponderação, reduzindo-se a uma

figura retórica, conforme pode ser observado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

sobre a matéria390

. Manoel Atienza pontua que a ponderação é um elemento inerente ao

raciocínio, sendo importante para solução dos casos difíceis, e que a maioria dos casos que

tramitam no Judiciário não podem ser considerados casos difíceis, logo não pode haver uma

supervalorização da ponderação, devendo ocorrer a solução dos casos comuns, que tratam de

matéria exclusivamente de direito, por meio das regras391

.

Cabe ao magistrado, por intermédio do postulado da proporcionalidade,

encontrar o justo equilíbrio entre as técnicas processuais aplicadas e os objetivos almejados. A

concessão da tutela de evidência exige “um juízo de probabilidade firme da existência dos

fatos alegados pelo autor, da existência do seu direito e da juridicidade e adequação do

pedido, cujo acolhimento antecipado e provisório é pleiteado”392

.

Daniel Penteado de Castro acrescenta que no trabalho de ponderação dos

elementos para concessão da antecipação de tutela sem urgência, o julgador também deve

levar em consideração o periculum in mora reverso, que representa o suposto dano que será

experimentado pela parte que tiver a medida concedida em seu desfavor. Afirma que o

confronto entre o periculum in mora reverso e a alta probabilidade do direito requerido possui

íntima ligação com o princípio da proporcionalidade e com o “juízo do mal maior”393

.

a Jurisdição Constitucional. In: TERRA, Ricardo e NOBRE, Marcos (orgs.): Direito e Democracia: um guia

de leitura, São Paulo, Malheiros, 2008, p. 204. 389

ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do

Advogado editora, 2007, p. 105-116. 390

DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 5 ed. ver., atual. e

ampl. São Paulo: Atlas, 2014, p. 187. 391

ATIENZA, Manoel. Dos versiones del Constitucionalismo. In: FERRAJOLI, Luigi (Coord.). Um debate

sobre el constitucionalismo. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 79-83. 392

GRECO, Leonardo. A tutela da urgência e a tutela da evidência no código de processo civil de 2014/2015.

Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, ano 8, v. 14, n. 1, p. 320. 393

Citando Candido Rangel Dinamarco, Daniel Penteado coloca que “Ao juízo do mal maior associa-se o juízo

do direito mais forte, que deve aconselhar o juiz a ponderar adequadamente as repercussões da medida que

concederá, redobrando cuidados antes de determinar providências capazes de atingir valores de tão elevada

expressão econômica, política, social e humana, que somente em casos extremos devam ser sacrificados”. Cf.

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113

No panorama apresentado, temos que para a correta avaliação da

constitucionalidade da tutela sumária dos direitos evidentes é necessário definir as suas

vantagens e os seus limites, considerando-se, para tanto, princípios como o do devido

processo legal, da razoável duração do processo e do substancial acesso à justiça.

Da análise das peculiaridades da referida técnica processual, Eduardo José da

Fonseca conceitua a tutela de evidência como aquela tutela que deve ser concedida quando o

magistrado se defronta com uma pretensão de direito material de existência quase certa. Em

tais casos, mesmo diante da estreita via da cognição sumária, não será possível deixar de

garantir o direito ululante. “É como se o excesso de fumus boni iuris deformasse o campo de

gravidade das tutelas de urgência e afastasse do periculum in mora o centro do equilíbrio do

sistema”394

.

Por sua vez, Bodart afirma que a tutela de evidência deve ser considerada como

“técnica de distribuição dos ônus decorrentes do tempo no processo, consistente na concessão

imediata da tutela jurisdicional com base no alto grau de verossimilhança das alegações do

autor, a revelar improvável o sucesso do réu”395

.

Ou seja, a vantagem da tutela de evidência está na possibilidade de se inverter

o ônus do tempo mesmo por meio de uma cognição sumária e estreita, porém, para tanto,

impõe-se a demonstração prévia de uma forte evidência dos fatos constitutivos do direito

pretendido. A alta probabilidade do direito será o valor a ser levado em consideração para

diferir a garantia do contraditório exauriente.

Sob um prisma mais restrito, considerando o texto do artigo 311, pode-se dizer

que em razão dos debates desenvolvidos na doutrina e jurisprudência acerca da

constitucionalidade da tutela antecipada396

, o que vem ocorrendo com maior intensidade

desde a nova redação do art. 273 do CPC/1973 trazida pela Lei nº 8.952/1994, atualmente,

parece não haver discordância sobre a constitucionalidade das hipóteses de tutela de evidência

trazidas nos incisos I a IV do artigo citado.

A grande discussão existente, hodiernamente, conforme visto no item 3.5, é

sobre a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 311, que prevê a possibilidade do

CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e

perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 246-247. 394

COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 71-74. 395

BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito

processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 111. 396

Sobre as possibilidades de “tutelas antecipadas” previstas no CPC/73 se chegou ao entendimento de que o

direito ao contraditório não teria sido excluído do processo, ele apenas teve sua lógica invertida, admitindo-se

seu exercício de forma diferida, visando garantir outros relevantes princípios constitucionais do processo,

como a efetividade e o acesso à justiça.

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juiz decidir sobre a tutela de evidência sem que a parte adversa tenha se pronunciado, o que

poderá ocorrer nos casos em que as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas

documentalmente e houver entendimento jurisprudencial firmado a respeito do direito

pleiteado (inciso II) ou no caso de pedido reipersecutório fundado em prova documental

adequada do contrato de depósito (inciso III).

A possibilidade trazida pelo parágrafo único se dá pelo fato de que, ao

contrário dos incisos I e IV, as hipóteses dos incisos II e III não condicionam a concessão da

medida ao pronunciamento da outra parte. A formação da convicção sobre a evidência do

direito independe da apresentação de defesa.

Já existe uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do

Estado do Rio de Janeiro, ADI 5492, questionando alguns dispositivos do novo Código de

Processo Civil, dentre os quais estão o inciso II do parágrafo único do artigo 9397

e o

parágrafo único do artigo 311. O autor da ADI alega que tais dispositivos desrespeitam as

garantias fundamentais do processo que balizam o devido processo legal, em especial a

garantia do contraditório participativo398

.

Vários Estados e entidades representativas já ingressaram no feito na qualidade

de amicus curiae, e interessantes posicionamentos foram apresentados sobre a

constitucionalidade do tema aqui debatido. Em especial, é de se destacar a petição de amicus

curiae nº 20.653/2017, apresentada pela Associação Norte e Nordeste de Professores de

Processo – ANNEP, que, de forma didática, expõe opiniões divergentes sobre o tema399

.

Para os professores que advogam a tese de inconstitucionalidade, a exemplo de

Lucas Buril, como não existe nenhum perigo na demora ou qualquer outra situação que

justificasse o adiamento do contraditório, não faz sentido autorizar a tutela de evidência sem a

ouvida da outra parte. Deve-se primeiramente ser dada a oportunidade de defesa, para, só

depois, o juiz apreciar a tutela de evidência. Cita-se a lição de José Aurélio de Araújo, para

397

Art. 9o Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:

(...)

II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III; 398

“O governador pede a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos que versam sobre a concessão

liminar de tutela da evidência fundada em precedente vinculante (artigos 9º, parágrafo único, inciso II, e 311,

parágrafo único). Em respeito ao contraditório, para o governador, somente a urgência justifica a postergação

da oitiva do réu para decisão que causa agravo à sua esfera de interesses”. Disponível em <

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=313873> Acessado em 12 de mai. 2017. 399

“A ANNEP é composta de professores de Direito Processual. Alguns de seus membros entendem que os arts.

9º, parágrafo único, II, e 311, parágrafo único, do CPC-2015, não são inconstitucionais. Outros,

diversamente, entendem que há inconstitucionalidade na previsão segundo a qual seria possível a concessão

liminar de tutela provisória de evidência.” Disponível em < http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seq

objetoincidente=4959031> Acessado em 13 maio 2017.

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115

quem a tutela de evidência não pode ser concedida liminarmente, uma vez que tal

possiblidade só pode ocorrer em situações excepcionais, nas quais exista relevante

urgência400

. Ainda como fundamento para impossibilidade da concessão liminar da tutela

provisória de evidência, é suscitado o artigo 10 do CPC, que veda o juiz de decidir com base

em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se

manifestar401

.

Já os que defendem a constitucionalidade da concessão liminar da tutela de

evidência, apesar de reconhecerem que a regra é que o contraditório seja prévio, destacam

que, de acordo com a realidade do direito material, existem hipóteses em que a garantia do

contraditório pode ser invertida ou postergada, mesmo que não exista o pressuposto da

urgência. Para fortalecer o entendimento pela constitucionalidade, são apontados vários outros

procedimentos em que, mesmo não existindo urgência, é possível uma tutela sem a ouvida da

parte contrária: i) a liminar em ação possessória (art. 562); ii) O mandado injuntivo nas ações

monitórias para cumprimento imediato da obrigação (art. 700 e seguintes)402

; iii) a liminar em

ação de despejo, que também é tida como hipótese de tutela da evidência liminar (Lei n.

8.245/1991, art. 59, § 1º) 403

.

Especificamente com relação à constitucionalidade da liminar concedida com

base no inciso II do art. 311, que é o principal alvo da ADI, destaca-se que ao ter sido firmada

tese em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante, obrigatoriamente houve um

amplo debate sobre assunto, inclusive de cognição mais ampliada do que a que seria possível

dentro de um único processo. Ou seja, o contraditório amplo e substancial já é realizado na

400

ARAÚJO, José Aurélio de. Introdução ao sistema de tutelas cognitivas sumárias do Projeto do novo Código

de Processo Civi”. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, ano 37, v. 206, p. 213-214. 401

De acordo com a petição de amicus curiae nº 20653/2017, apresentada pela Associação Norte e Nordeste de

Professores de Processo – ANNEP nos autos da ADI 5492. 402

Reconhecendo a inconstitucionalidade do inciso II do parágrafo único do art. 9º e do parágrafo único do art.

311, afastando a tese de constitucionalidade por analogia ao procedimento monitório, Lenio Luiz Streck,

Lúcio Delfino e Diego Crevelin de Sousa, em artigo de opinião publicado na Revista Consultor Jurídico de

15 de maio de 2017, apontam que em relação ao procedimento monitório previsto no artigo 701 e seguintes

do CPC não há que se falar em contraditório deficiente, pois, diferentemente do que ocorre na tutela de

evidência, a decisão monitória não possui aptidão para interferir automaticamente na esfera jurídica da parte

adversa. Pois, após intimação do mandado monitório o réu terá a oportunidade: i) de pagar a dívida; ii) não

fazer nada e esperar a conversão do feito em processo de execução; ou iii) apresentar embargos monitórios,

ocorrendo a conversão do feito em processo de conhecimento. Só haverá eficácia executiva ou mandamental,

de acordo com o caso, quando não apresentados ou rejeitados os embargos monitórios. Enquanto na tutela

provisória de evidência os efeitos da decisão de pronto atingem o requerido, que deverá se socorrer através de

um agravo de instrumento ou de uma defesa robusta, mas já sofrendo os efeitos da tutela provisória. Cf.

STRECK, Lenio Luiz; DELFINO, Lúcio; SOUSA, Diego Crevelin de. Tutela provisória e contraditório: uma

evidente inconstitucionalidade. 2017. In: Revista Consultor Jurídico. Disponível em:

<http://www.conjur.com.br/2017-mai-15/tutela-provisoria-contraditorio-evidente-inconstitucionalidade>

Acesso em: 19 mai. 2017. 403

De acordo com a petição de amicus curiae nº 20653/2017, apresentada pela Associação Norte e Nordeste de

Professores de Processo – ANNEP nos autos da ADI 5492.

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116

construção do precedente que serve ao processo em que está sendo requerida a tutela de

evidência, restando, assim, respeitado o direito constitucional404

.

Quanto ao inciso III do artigo 311, que trata do pedido reipersecutório baseado

em prova documental adequada do contrato de depósito, e que não foi expressamente

questionado na ADI 5492, a doutrina vem entendendo que se “trata de uma opção política do

legislador de previsão de tutela sumária destinada a atender específico direito material, o que

não se confunde com uma maior probabilidade do direito em favor do autor” 405

.

Como entusiasta do estudo da tutela de evidência, Luiz Fux afirma que a tutela

diferenciada de evidência406

ao invés de mitigar, fortalece o devido processo legal e prestigia

o princípio da “justiça adequada”, pois, para a efetiva concretização do preceito constitucional

de que “nenhuma lesão escapará à apreciação judicial” deve amoldar-se à rápida tutela do

direito material. A demora em garantir um direito evidente, por si só, representaria uma

lesão407

.

Percebe-se da doutrina de Fux que esse encara a demora na entrega de um

provimento judicial nos casos de direito evidente como um perigo de dano em sentido lato. A

demora, por si só, já gera um dano, sendo bastante para concessão da tutela sem a

demonstração de outro risco em concreto.

Pondera-se que muitas vezes o risco de ocorrer uma injustiça em razão da

demora na prestação jurisdicional pode ser muito maior que o risco de haver um erro na

decisão proferida em sede de cognição sumária de evidência408

.

404

De acordo com a petição de amicus curiae nº 20653/2017, apresentada pela Associação Norte e Nordeste de

Professores de Processo – ANNEP nos autos da ADI 5492. 405

CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e

perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 145-151. 406

Contra a denominação da tutela antecipada fundada na evidência como tutela diferenciada, Lucas Buril aduz

que “A tutela antecipada consiste em técnica que garante à parte alguns efeitos do provimento que só

receberia ao fim do processo; é, propriamente, a antecipação dos efeitos da tutela final, que pode ser tanto

satisfativa como cautelar. Não se trata, portanto, de uma tutela diferenciada, mas de técnica processual. A

tutela cautelar, por sua vez, consiste na asseguração de direito que sofre perigo de dano. É tutela, e pressupõe

um direito à cautela”. Cf. MACÊDO, Lucas Buril. Antecipação da Tutela por Evidência e os Precedentes

obrigatórios. Revista do Processo, v. 242, p. 523-552, abr. 2015. 407

FUX, Luiz. Tutela da Segurança e Tutela de Evidência. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 58. 408

“Não há dúvidas de que a sujeição de um jurisdicionado aos trâmites processuais por mais tempo que deveria,

gerando mora na tutela de seus interesses, encerra já por si uma injustiça – decorrente do incorreto manejo,

seja pelo legislador ou pelo juiz, dos mecanismos processuais. Afinal, o art. 5º, LXXVIII, da CF/1988 impõe

que o tempo do processo seja gerido com razoabilidade, não apenas no que concerne à decisão final, mas

também no que tange à escolha do sujeito que deverá suportar os inconvenientes gerados pela demora do

julgamento. Se considerarmos que, nos casos em que o direito do autor é bastante provável, o risco de

produção de uma injustiça pela mora na prestação jurisdicional é muito maior que o risco de erro do

judiciário (sendo este o principal perigo da cognição sumária), é imperioso concluir, nessas hipóteses, pela

concessão da tutela em favor do demandante”. Cf. BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência:

Teoria da cognição, análise econômica do direito processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 112.

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117

Sobre tal perspectiva, e como fundamento para possibilidade de sumarização

da tutela mesmo sem o pressuposto da urgência, é interessante a exposição de Mirna Cianci,

que considera a tutela de evidência como uma “tutela de urgência em sentido lato”, na qual a

pressa em gozar o direito discutido em juízo não surge pelo perigo ou pela irreversibilidade409

,

mas por uma equiparação legal410

.

Em sentido semelhante, Eduardo de Mesquita Melo aponta que mesmo que não

exista o perigo da demora, há uma urgência em sentido lato, o que denomina de “urgência

sem periculum”411

.

Daniel Penteado fala que a própria demora na obtenção de uma tutela efetiva já

gera um “dano marginal stricto sensu”, não sendo necessária a demonstração de dano ou a

iminência da sua consumação para concessão da antecipação da tutela sem o pressuposto da

urgência. O “dano marginal stricto sensu” atua como legitimador da antecipação sem

urgência. O autor acrescenta que dentro das possibilidades da técnica de antecipação de tutela

revela-se uma tendência de mitigação da urgência, o que ocorre em sintonia com as últimas

modificações na Constituição Federal, tendo em vista a relevância dada pelo constituinte

derivado ao valor celeridade. Na esfera processual passa-se a preterir o pressuposto da

urgência visando à entrega do bem da vida de forma antecipada412

.

Na defesa da constitucionalidade do instituto, o Ministro Luiz Fux aduz que

“satisfazer tardiamente o interesse da parte em face da evidência significa violar o direito

maior ao acesso à justiça e, consectariamente, ao devido processo instrumental à jurisdição

requerida”413

.

409

Sobre a irreversibilidade da medida, Leonardo Greco expõe que o parágrafo 3º do artigo 300 do novo código

reproduz a capciosa regra do § 2º do art. 273 do Código anterior, “que parece vedar a concessão da tutela

antecipada de urgência, quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. Interpretada

literalmente essa disposição representaria verdadeira afronta à garantia constitucional da tutela jurisdicional

efetiva, inscrita no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição. Os fatos pretéritos nunca são reversíveis. E o

gozo pretérito do direito também não pode ser revertido. No máximo, a revogação pode alterar a situação

fático-jurídica para o futuro e determinar a responsabilidade por perdas e danos em relação aos efeitos já

exauridos. A doutrina e a jurisprudência se encarregaram de dar à irreversibilidade o sentido de um juízo de

ponderação entre o perigo de dano alegado pelo requerente e aquele a que ficaria sujeito o requerido caso

concedida a medida de urgência. Assim, deverá seguir sendo interpretado o dispositivo do novo Código”. Cf.

GRECO, Leonardo. A tutela da urgência e a tutela da evidência no código de processo civil de 2014/2015.

Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, ano 8, v. 14, n. 1, p. 304. 410

CIANCI, Mirna. As principais reformas do processo civil brasileiro sob o enfoque do acesso à justiça.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 118. 411

MESQUITA, Eduardo Melo de. O princípio da proporcionalidade e as tutelas de urgência. 2005. 424 f.

Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005, p. 118. 412

CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e

perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 145-151. 413

FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano

2, n. 16, p. 23-43, abr. 2000. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br//dspace/handle/2011/894>. Acesso em:

23 fev. 2017

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118

Se por um lado se afirma que a concessão de uma tutela sumária de evidência é

inconstitucional por “mitigar” o direito ao contraditório antes do pronunciamento do julgador,

por outro lado, também parece aceitável a alegação de que existe um grande conflito entre o

direito à tempestividade da tutela e o direito à cognição definitiva, sendo raras as vezes em

que uma tutela definitiva é prestada sem causar nenhum dano ao seu requerente decorrente do

período de espera para sua concessão.

Normalmente a parte que não possui condições de apresentar uma defesa séria

se utiliza da demora processual para conservar um status quo que lhe é favorável414

. Logo, faz

todo sentido a existência de uma técnica processual que permita uma tutela sumária,

provisória e satisfativa em razão da evidência do direito pretendido415

.

Da doutrina processualista também se pode perceber que um fator

preponderante para justificar o instituto da tutela da evidência é a busca da efetividade da

prestação jurisdicional por meio do princípio da igualdade, não podendo haver tratamento

igual para pessoas em situações diferentes. Não se pode tratar igualmente partes que possuem

situações jurídicas distintas, quando uma se encontra totalmente acobertada pelo direito

material, mas a parte oponente fica se valendo, de forma procrastinatória e desleal, de

inúmeros elementos do direito processual.

Citando a doutrina de Dinamarco, Daniel Penteado aponta que é improvável

que um processo que não seja em si mesmo justo gere resultados realmente justos. E conclui

afirmando que “o conceito de devido processo legal e garantias dele decorrentes se encontra

aliado à concepção de processo justo”416

.

Assim, temos que a tutela de evidência é uma técnica disponibilizada pelo

direito processual visando à prestação de uma adequada e justa tutela do direito material. Seu

lastro constitucional reside na própria necessidade de prestar a tutela adequada, estando

intimamente ligada aos princípios da efetividade do processo e do acesso à justiça.

Sobre a problemática da ponderação, é de se considerar que qualquer decisão,

como ato de inteligência que é, deve ser o resultado de um exercício mental de ponderações

414

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2017, p. 44. 415

Segundo Marinoni, “se o Estado proibiu a autotutela privada é correto afirmar que ele está obrigado a prestar

a tutela jurisdicional adequada a cada conflito de interesses. Nessa perspectiva, então, deve surgir a resposta

intuitiva de que a inexistência de tutela adequada a determinada situação conflitiva significa a própria

negação da tutela que o Estado se obrigou no momento em que chamou a si o monopólio da jurisdição, já que

o processo nada mais é do que a contrapartida que o Estado oferece aos cidadãos diante da proibição de

autotutela”. Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da tutela. 11 ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2009, p. 133. 416

CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e

perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 139.

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119

dos valores em jogo417

, onde o postulado da proporcionalidade deverá servir como um

balizador para a conduta do julgador.

No caso da aplicação da tutela de evidência, mesmo que não exista um perigo

de dano em concreto, o dano causado pela demora excessiva em se garantir judicialmente um

direito evidente já é suficiente para justificar a constitucionalmente da medida, não havendo

que se falar que houve mitigação do contraditório sem que existisse um valor de igual

grandeza com ele conflitante418

.

Ademais, conforme lembra Bruno Bodart, um processo longo não é garantia de

eliminação dos riscos do erro judiciário. A certeza decorrente do processo judicial é uma mera

ficção jurídica, decorrente do esgotamento dos meios de prova existentes no processo419

.

Como visto no tópico 2.3.1, o processo não cria verdades, mas apenas certezas, a partir de um

referencial de natureza factual.

Considerando que não é possível o processo se apropriar da verdade, pois cria

apenas uma ficção jurídica de certeza, acredita-se ser plenamente viável que, em

determinados casos, a tutela de evidência possa ser aplicada em favor daqueles que

comprovadamente pleiteiam um direito ululante, em prestígio ao princípio do efetivo acesso à

justiça na sua concepção material, sem violar o direito ao contraditório da parte adversa que

nitidamente não terá condições apresentar uma contestação séria, capaz de por em dúvida os

fatos constitutivos do direito requerido.

O que realmente irá importar para o processo é a justificação da decisão

sumária, que deverá ser produzida por intermédio de procedimento cognitivo confiável e que

transmita segurança às partes. Um possível juízo de certeza por meio de cognição exauriente

nada mais é do que o esgotamento dos procedimentos previstos em lei, cabendo ao julgador

proferir sentença mesmo que ainda esteja com dúvidas, tendo em vista a vedação do non

liquet420

.

Sabendo-se aplicar devidamente a tutela de evidência, dentro das

417

LUCON, P. H. S. Tutela provisória na atualidade, avanços e perspectivas: entre os 20 anos do Art. 273 do

CPC de 1973 e a entrada em vigor do Novo CPC. In: Cassio Scarpinella Bueno; Elias Marques de Medeiros

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(Org.). Tutela Provisória no Novo CPC: dos 20 anos de vigência do art. 273 do CPC/1973 ao CPC/2015. 1

ed. São Paulo: Saraiva, 2016. v. 1, p. 239. 418

Segundo Daniel Mitidiero, a tutela sumária não existe apenas em razão da urgência, pois “a técnica

antecipatória serve para adequar o processo às especificidades do direito material alegado em juízo (urgência

ou evidência) a fim de que o processo seja capaz de promover a efetividade da tutela jurisdicional”. Cf.

MITIDIERO, Daniel. Antecipação de tutela: da tutela cautelar à técnica antecipatória. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2013, p. 53. 419

BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito

processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 32 420

Ibidem, p. 155.

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120

possibilidades previstas em lei e verificando-se a probabilidade das alegações deduzidas,

pode-se dizer que a tutela dos direitos evidentes vem para fortificar o princípio do devido

processo legal, e não para mitigá-lo, na medida em que irá prestigiar e garantir a efetivação

daquele direito, o qual, de plano, é comprovado em juízo.

Diante da complexidade dos elementos jurídicos envolvidos, só resta esperar

pelo adequado desenvolvimento prático da técnica processual trazida pelo art. 311 do NCPC,

uma vez que ainda existem lacunas sobre a sua utilização, o que, muito provavelmente, irá

acarretar questionamentos sobre seu impacto no sistema processual. Por hora é precipitado se

falar em inconstitucionalidade por violação ao devido processo legal.

Se o direito da parte se apresenta cristalino aos olhos do magistrado, havendo

condições para uma decisão devidamente fundamentada, não parece justo exigir que o

requerente, para obtenção do bem da vida pretendido, tenha que aguardar a tramitação de todo

o processo até a sentença, para que então, simplesmente, se confirme a existência de um

direito que já era óbvio.

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121

6 CONCLUSÃO

Tendo em vista tudo que foi apresentado ao longo do presente trabalho, que

teve como foco o estudo da tutela sumária dos direitos evidentes, algumas conclusões podem

ser destacadas acerca dos reflexos da constitucionalização do processo nas tutelas provisórias,

como também sobre a necessidade de se repensar o tradicional processo de cognição

exauriente, que sob o argumento de uma suposta segurança jurídica busca estabelecer uma

maior previsibilidade nas relações, favorecendo diretamente aqueles litigantes contumazes

que usam a demora processual para obter maior proveito econômico em face dos menos

favorecidos.

Em primeiro lugar, agora se tem a certeza que é possível se obter uma

antecipação de tutela independentemente da comprovação de perigo de dano ou de risco ao

resultado útil do processo, não existindo mais a estrita exigência de demonstração conjunta e

igualitária dos pressupostos da urgência e da evidência, que geralmente se apresentam com

intensidades diferentes de acordo com cada caso em deslinde.

De acordo com o que foi estudado, também é de se ter em mente que é muito

difícil dissociar totalmente as figuras da urgência e da evidência, pois, nos casos em que se

requer uma tutela de urgência, deve-se evidenciar a probabilidade do direito, ainda que seja de

forma superficial, enquanto que nos casos de tutela de evidência, mesmo que não exista um

iminente perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, sempre há uma urgência

latente. A simples demora na prestação jurisdicional já é capaz de gerar dano.

Sobre a tutela de evidência, pode-se constatar que ela não é uma novidade

trazida só agora pelo CPC/2015, uma vez que já estava implicitamente prevista em nosso

ordenamento por meio de dispositivos que davam ao direito evidente um maior prestígio

dentro da relação processual. Havendo, inclusive, a previsão de concessão da tutela com base

em legislação esparsa, como é o caso do art. 7º da Lei de Improbidade Administrativa,

amplamente utilizado pelos tribunais muito antes da entrada em vigor do novo código.

Com relação à previsão trazida pelo CPC/2015 sobre a tutela de evidência

propriamente dita, tem-se que as hipóteses elencadas no art. 311 não formam um rol taxativo

e fechado de possibilidades. Como também, em razão da sua natureza provisória, algumas

previsões específicas da tutela de urgência devem ser estendidas à tutela de evidência, como é

caso da exigibilidade de caução e da previsão da responsabilidade objetiva pela revogação da

tutela, não existindo razão para tais mecanismos de controle não estarem previstos dentro das

disposições gerais da tutela provisória.

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Da hipótese trazida pelo inciso I do art. 311, pode-se extrair a essência da tutela

de evidência, que é evitar a injustificada resistência em juízo, coibindo o abuso do direito de

defesa por aquele litigante que mesmo não possuindo condições de apresentar uma defesa

séria, fica se valendo de artimanhas processuais para procrastinar o cumprimento de uma

condenação que certamente será imposta.

Apesar de existir quem defenda que a hipótese prevista no inciso IV seria

dispensável, uma vez que se encaixaria dentro do campo cognitivo do inciso I, não se deve

deixar de considerar que pode haver casos em que o réu inicialmente não oponha prova capaz

de gerar dúvida razoável ao direito do autor, mas, de boa-fé, requeira uma dilação probatória

coerente, situação que nitidamente afastaria a incidência do disposto no inciso I do art. 311 e

possibilitaria a concessão da tutela de evidência com base no inciso IV do art. 311.

No caso da tutela de evidência fundada em prova documental e na forte

orientação jurisprudencial a favor da tese do requerente, nos termos do inciso II do art. 311,

tem-se uma verdadeira inovação na legislação processual. Com o grande diferencial de se

reconhecer que a evidência não repousa apenas na seara documental, podendo também ser

reconhecida em razão da certeza do direito estabelecida por intermédio dos precedentes.

Exigindo-se para a concessão da tutela a demonstração da evidência tanto no campo fático

como no campo jurídico.

Alvo de fortes críticas, a tutela de evidência baseada no contrato de depósito,

trata de previsão muito casuística que injustificadamente não foi estendida a outros tipos de

contrato. Ademais, diante da patente especificidade do direito material protegido, ficaria

melhor enquadrada como uma modalidade de procedimento especial, dentro do Livro I, Título

III da Parte Especial do CPC.

A tutela do inciso IV do art. 311, por sua vez, deve ser encarada como um

verdadeiro exemplo de condenação com reserva de exceção, já que ocorre uma cognição

exauriente apenas em relação aos fatos constitutivos do direito do autor e uma análise sumária

quanto aos fundamentos da parte requerida. Devendo-se ficar claro que a ausência de

apresentação de prova capaz de gerar dúvida razoável sobre o direito do autor não pode ser

confundida com incontrovérsia acerca de um ou mais pedidos formulados, o que acarretaria o

julgamento parcial de mérito.

A tutela de evidência com base em prova documental e ausência de contestação

séria também é criticada pela doutrina, sob o argumento de trazer expressões vagas como

“prova documental suficiente” e “prova capaz de gerar dúvida razoável”, todavia, a correta

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utilização da tutela de evidência, seja em qual modalidade for, depende da forte

fundamentação da decisão que lhe conceder ou negar, com base em um trabalho cognitivo

coerente com as provas dos autos. Cabe ao julgador um maior ônus de fundamentação, não

podendo mais ser admitidas decisões do tipo “concedo a tutela porque essa é a solução mais

razoável” ou “indefiro o pedido, pois é a medida adequada ao interesse público e aos bons

costumes”.

Dos conceitos de “evidência”, “verossimilhança” e “probabilidade”, apesar de

existirem várias definições doutrinárias sobre cada uma delas, por vezes até divergentes,

pode-se afirmar que todas estão intimamente ligadas com o conceito de prova, cabendo ao

julgador justificar em cada caso quais elementos de prova, conjugados com o comportamento

dos sujeitos do processo, foram capazes de dar ensejo à concessão da tutela de cognição

sumária. A devida fundamentação da decisão é uma garantia imprescindível, que possibilita,

inclusive, o controle e a fiscalização da tutela jurisdicional, o que os italianos chamam de

“participação popular na administração da justiça”.

Sobre a atividade cognitiva desenvolvida nas tutelas provisórias, tem-se que no

plano horizontal, em regra, não existem limitações para conhecimento de matérias pelo

julgador. Havendo limitações apenas de ordem vertical, pelas quais em razão das

peculiaridades do caso, o magistrado não realiza uma cognição exauriente dos elementos de

prova. Sendo inconteste que as tutelas de urgência e as tutelas de evidência são de cognição

sumária, tendo como diferencial o grau de profundidade da cognição.

Como visto ao longo da dissertação, em razão da inexistência do perigo de

dano em sentido estrito, a tutela de evidência exige uma análise mais profunda das provas,

que devem espelhar a quase certeza do bem da vida pleiteado. Só por intermédio de uma forte

evidência do direito pretendido é que se justifica o diferimento do contraditório ante a

ausência do pressuposto urgência, o que justifica também a concessão da tutela de evidência

em sede de liminar, sem a ouvida da parte contrária, afastando-se, assim, a argumentação de

inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 311.

Para correta compreensão do tema em estudo, é imprescindível reconhecer o

tempo como um bem muito valioso, relacionado ao conceito de justiça. Por tal razão ganha

relevo a técnica processual da tutela de evidência, que inverte o ônus do tempo do processo

em desfavor daquela parte que possui pouca ou nenhuma chance de êxito e, mesmo assim,

insiste em litigar.

No plano das tutelas provisórias, o princípio da razoável duração do processo

deve ser observado sempre por intermédio da ponderação entre o risco da demora processual

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124

para a parte que busca alcançar um direito e os sacrifícios que podem ser experimentados pela

parte requerida caso não seja oportunizado um amplo contraditório antes da concessão de uma

medida judicial.

Não se pode mais admitir a ideia de que a satisfatividade da medida judicial

está obrigatoriamente relacionada com cognição exauriente e coisa julgada, até porque,

conforme demonstrado, uma ampla cognição não é garantia absoluta de acerto do Judiciário,

pois, esgotadas as fases do processo o juiz é obrigado a julgar, mesmo que em dúvida.

Ao que tudo indica, a tendência é que o rito da ampla cognição seja aplicado de

forma residual, quando não for possível a entrega da tutela pretendida de forma sumária,

mesmo que sobre ela não recaiam os efeitos da coisa julgado, como é o caso da référé

provision do direito francês, em que sequer existe prazo para instauração do processo

principal, gerando um maior conforto para a parte beneficiada pela tutela provisória, que

acaba não ingressando com o pedido ordinário.

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