universidade federal do rio grande do norte … · da tutela dos direitos evidentes sob a ótica...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL
ARTHUR MONTEIRO LINS FIALHO
A TUTELA SUMÁRIA DE DIREITOS EVIDENTES SOB A ÓTICA DOS
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO
NATAL/RN
2017
ARTHUR MONTEIRO LINS FIALHO
A TUTELA SUMÁRIA DE DIREITOS EVIDENTES SOB A ÓTICA DOS
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Direito da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em Direito
Constitucional.
Nome do Orientador: Professor Doutor Artur
Cortez Bonifácio
NATAL/RN
2017
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Fialho, Arthur Monteiro Lins.
A tutela sumária de direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais
do processo/Arthur Monteiro Lins Fialho. - Natal, 2017.
138f.
Orientador: Prof. Dr. Artur Cortez Bonifácio.
Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em
Direito.
1. Tutela provisória - Dissertação. 2. Tutela de evidência - Dissertação. 3.
Cognição - Dissertação. 4. Prova - Dissertação. 5. Tempo - Dissertação. 6.
Princípios constitucionais - Dissertação. I. Bonifácio, Artur Cortez. II. Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 347.64
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL
A dissertação “A tutela sumária de direitos evidentes sob a ótica dos princípios
constitucionais do processo”, de autoria do mestrando Arthur Monteiro Lins Fialho, foi
avaliada e aprovada pela comissão examinadora formada pelos seguintes professores:
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________
Prof. Doutor Artur Cortez Bonifácio
________________________________________________
Profª. Doutora Maria dos Remédios Fontes Silva
________________________________________________
Prof. Doutor Paulo Lopo Saraiva
Natal/RN, 13 de junho de 2017
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meu pai, José Lins
Fialho Neto. A ele devo tudo que construí em
minha vida.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente tenho que agradecer a todos que fazem parte da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte-UFRN, por terem recebido tão bem este paraibano que pouco
conhecia das terras potiguares.
Aos meus pais, por tudo que já fizeram por mim. Sem eles teria sido muito mais difícil
trilhar o caminho até aqui.
Para minha noiva Talita de Casto, grande apoiadora e incentivadora dos meus estudos.
Seu amor e carinho foram fundamentais para alcançar este objetivo.
Sinceros agradecimentos ao meu orientador, Dr. Artur Cortez Bonifácio, por ter me
guiado pelos melhores caminhos, sempre atencioso e com sábios conselhos.
A Felix Fialho e família, por terem me recebido como um filho e dado todo suporte
durante o período que estive na cidade de Natal.
Aos queridos mestres Solon Benevides e Walter Agra, por todo o apoio que sempre
me deram desde o inicio da minha jornada pelo mundo jurídico.
Aos membros da família SW Advogados, os quais, com paciência e compreensão,
principalmente nos momentos de ausência, sempre me incentivaram na realização do
mestrado.
Aos amigos que conquistei no decorrer das atividades do mestrado, com os quais
compartilhei de alegrias e tristezas, e obtive grandes aprendizados. Em especial a Luiz Filipe
Ribeiro e Daniel Guedes, verdadeiros companheiros de jornada!
“Imagination is more important
than knowledge. Knowledge is
limited. Imagination encircles the
world.”
Albert Einstein
RESUMO
A presente dissertação analisa a técnica processual da tutela de evidência e o seu papel na
busca pela efetivação dos princípios constitucionais do processo, levantando a problemática
dos efeitos do tempo na atividade jurisdicional e o crescente fenômeno da sumarização da
cognição processual, na qual o processo de amplo conhecimento começa a ser visto como
uma via residual para solução de conflitos. Empregando a técnica da documentação indireta,
por meio de pesquisa bibliográfica, inicialmente é apresentada a evolução das tutelas
provisórias em nosso ordenamento jurídico, agora não mais existindo a obrigação de
comprovação conjunta dos pressupostos da urgência e da evidência para a regular concessão
de uma tutela antecipada. É feita exposição sobre a atividade cognitiva desenvolvida nas
tutelas provisórias, nos planos horizontal e vertical, observando a intima relação da
“evidência” com os elementos de prova apresentados no processo, como também se enfatiza a
diferença no grau de cognição existente nas tutelas de urgência e evidência. Examina as
hipóteses de tutela de evidência previstas no art. 311 do Código de Processo Civil, apontando
críticas acerca da redação de alguns dos seus incisos, como também apresentando sugestões
para um melhor aproveitamento da norma em estudo. Observa a tutela de evidência na fase
recursal e em processos que envolvam a Fazenda Pública, analisando, ainda, a possibilidade
de se realizar negócio jurídico processual dispondo sobre a evidência de determinado direito.
Discorre sobre a evolução dos paradigmas do direito constitucional e a teoria sistêmica dentro
do constitucionalismo, colocando a Constituição como elemento que influencia e é
influenciado pelas relações sociais. É feita abordagem sobre a sumarização da cognição
processual a partir dos princípios constitucionais do devido processo legal, razoável duração
do processo e do efetivo acesso à justiça, com destaque para o problema do “dano marginal”,
que é aquele decorrente da demora da tramitação processual em si, independentemente da
tutela jurisdicional, e que afeta todos os sujeitos do processo. Aponta a dificuldade de se
conciliar o desejo por celeridade do procedimento com as garantias fundamentais do processo,
tendo em vista que muitas vezes valores constitucionais irão colidir, sendo inevitável um
trabalho de ponderação por parte do julgador. Por fim, é analisada de forma mais específica a
constitucionalidade da tutela de evidência conforme posta nos incisos e parágrafo único do
artigo 311 da Lei 13.105/2015, destacando a grande discussão doutrinária a respeito da
concessão da tutela de evidência sem a oitiva da parte contrária, em que se questiona a
possibilidade de se postergar o direito ao contraditório mesmo nos casos em que não há
urgência.
Palavras-chave: Tutela provisória; Tutela de evidência; Cognição; Prova; Tempo;
Efetividade; Princípios constitucionais.
ABSTRACT
The present study analyzes the procedural technique of evidence protection and its role in the
search for the effectiveness of the constitutional principles of the process, bringing up the
issue of the time's effect in the jurisdictional activity, and the increasing phenomenon of the
procedural cognition summarization, where the wide-knowledge process starts to be viewed
as a residual pathway for conflict resolution. Applying the indirect documentation technique,
through bibliographical research, the evolution of provisional injunctions is initially presented
in our legal system, without any necessity of joint proof for the urgency and evidence
assumptions for the regular concession of a prior injunction provision. An exposition of the
cognitive activity developed in the provisional guardians is made in the horizontal and vertical
plans, observing the close relations between the "evidence" and the evidence elements
presented in the process, as well as emphasizing the difference in the level of cognition found
in the emergency and evidence protections. It examines the hypotheses of injunction of
evidence as previewed in art. 311 of the Code of Civil Process, pointing out criticism about
the composing of some of its paragraphs, as well as presenting suggestions for a better use of
the norm under study. It observes the use of evidence protection in the phase of appeal, in
cases involving the Public Treasury and the possibility of carrying out legal process business
on the evidence of a certain right. It discusses about the evolution of paradigms of
constitutional law and systemic theory within constitutionalism, placing the Constitution as an
element that influences and is influenced by social relations. An approach is made about the
summarization of procedural cognition as of the constitutional principles of the legal process,
reasonable length of process, and the effective access to justice, with special emphasis on the
"marginal damage" issue, which comes about due to the delay in the procedural process itself,
regardless of the judicial protection, which affects all subjects in the process. It points to the
difficulty of reconciling the desire for celerity in the procedure with the fundamental
guarantees of the process, considering that constitutional values will collide quite frequently,
causing the judge to inevitably consider prudence. Lastly, a more specific analysis of the
constitutionality of the protection of evidence as set forth in the clauses and single paragraph
of article 311 of Law 13,105/2015 is more precisely analyzed, highlighting the great doctrinal
discussion regarding the concession of injunction of evidence without the counterclaim of the
opposing part, where the possibility of postponing the right to the contradictory is questioned,
even in cases in which no urgency is needed.
Keywords: Temporary Injunction; Evidence Injunction; Cognition; Evidence; Time;
Effectiveness; Constitutional principles.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10
2 TUTELAS PROVISÓRIAS ................................................................................................ 13
2.1 TERMINOLOGIA ADOTADA ......................................................................................... 17
2.2 O DIREITO EVIDENTE E O ORDENAMENTO PROCESSUAL. ................................. 18
2.3 A COGNIÇÃO JUDICIAL E A EVIDÊNCIA DO DIREITO .......................................... 28
2.3.1 Prova, evidência, verossimilhança e probabilidade .................................................... 31
2.3.2 Grau de cognição nas tutelas de evidência e de urgência .......................................... 38
3 A TUTELA DE EVIDÊNCIA E A PREVISÃO DO CPC/2015 ...................................... 41
3.1 TUTELA DE EVIDÊNCIA EM RAZÃO DO ABUSO DO DIREITO DE DEFESA OU O
MANIFESTO PROPÓSITO PROTELATÓRIO ..................................................................... 45
3.2 TUTELA DE EVIDÊNCIA QUANDO AS ALEGAÇÕES DE FATO PUDEREM SER
COMPROVADAS APENAS DOCUMENTALMENTE E HOUVER ORIENTAÇÃO
JURISPRUDENCIAL CONSOLIDADA. ............................................................................... 50
3.3 TUTELA DE EVIDÊNCIA NOS CASOS DE CONTRATO DE DEPÓSITO. ................ 57
3.4 TUTELA DE EVIDÊNCIA COM BASE EM PROVA DOCUMENTAL E AUSÊNCIA
DE CONTESTAÇÃO SÉRIA. ................................................................................................. 60
3.5 TUTELA DE EVIDÊNCIA SEM A OUVIDA DA PARTE CONTRÁRIA. .................... 64
3.6 TUTELA DE EVIDÊNCIA E A FASE RECURSAL ....................................................... 67
3.7 TUTELA DE EVIDÊNCIA E NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL ........................... 70
3.8 TUTELA DE EVIDÊNCIA E A FAZENDA PÚBLICA. ................................................. 71
4 EVOLUÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL E SUA PREPONDERÂNCIA
SOBRE O PROCESSO CIVIL. ............................................................................................ 75
4.1. PARADIGMAS DO DIREITO CONSTITUCIONAL ..................................................... 75
4.2. A TEORIA SISTÊMICA NO CONSTITUCIOLISMO CONTEMPORÂNEO ............... 80
5 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO, A TUTELA SUMÁRIA DE
DIREITOS EVIDENTES E O ACESSO À JUSTIÇA. ....................................................... 84
5.1 A SUMARIZAÇÃO DA COGNIÇÃO PROCESSUAL SOB A ÓTICA
CONSTITUCIONAL ............................................................................................................... 87
5.2 DEVIDO PROCESSO LEGAL E SEUS CONSECTÁRIOS ............................................ 89
5.3 PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO: RELAÇÃO ENTRE
TEMPO E PROCESSO ............................................................................................................ 93
5.3.1 Dano marginal ............................................................................................................... 98
5.4 PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA ........................................................................... 101
5.4.1 Ondas renovatórias do acesso à justiça ..................................................................... 103
5.4.2 Princípio do acesso à justiça no direito brasileiro. ................................................... 105
5.4.3 Elementos trazidos pelo novo CPC na busca pelo acesso e efetividade da tutela
jurisdicional ........................................................................................................................... 108
5.5 ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA TUTELA DE EVIDÊNCIA.............. 110
6 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 121
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 125
10
1 INTRODUÇÃO
Cada vez mais o fenômeno da sumarização do processo vem ganhando
destaque dentro do ordenamento jurídico de vários países, a exemplo de França e Itália, não
sendo diferente no direito processual brasileiro, que recentemente foi alvo de relevantes
modificações em razão do novo Código de Processo Civil, em vigor desde o mês de março de
2016.
Para alguns doutrinadores, o maior prestígio recentemente atribuído às tutelas
de cognição verticalmente limitada vem causando uma verdadeira alteração nas estruturas do
processo civil moderno. Assim, partindo da ideia de que muitas dessas alterações são
fundamentadas sob o argumento de que está se buscando uma efetiva implementação dos
comandos constitucionais inerentes ao processo, é que se propõe a presente pesquisa acerca
da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo.
Conforme será visto ao longo do presente trabalho, a tutela diferenciada em
razão da sumarização da cognição, seja de urgência ou de evidência, tem influenciado
diretamente no desenvolvimento do processo civil e no comportamento dos sujeitos do
processo. Razão pela qual é feita a abordagem dos limites e benefícios das tutelas
diferenciadas, dando-se destaque para a tutela de evidência nos termos até então previstos em
nosso ordenamento processual e agora especificamente regulados por meio das hipóteses
elencadas no Código de Processo Civil.
Buscar-se-á analisar o difícil equilíbrio entre o valor segurança jurídica e o
valor celeridade, a quem o legislador infraconstitucional brasileiro tem dado tanto prestígio
desde a Emenda Constitucional nº 45. Por vezes, a celeridade vem sendo considerada como
sinônimo de prestação jurisdicional efetiva, conforme pode ser percebido das sucessivas
metas impostas ao judiciário. A dificuldade em se encontrar o meio termo entre a busca pela
celeridade do procedimento e as garantias fundamentais do processo vem sendo tomada como
o desafio do milênio para os estudiosos da relação processo e constituição.
Com relação à análise da constitucionalidade da tutela de evidência
propriamente dita, será destacado que sobre a utilização de técnicas para a inversão do ônus
do tempo no processo não existem grandes discordâncias sobre a sua possibilidade, tendo em
vista que tal medida prestigia a efetividade processual diante de certas condutas tomadas no
feito. Havendo uma maior celeuma doutrinária em relação aos casos em que se busca a tutela
de evidência sem a ouvida da parte contrária.
Vários serão os entendimentos apresentados, tanto a favor como contra a
11
possibilidade concessão liminar da tutela de evidência, contudo, o que se buscará transmitir é
a ideia de que a técnica de tutela jurisdicional diferenciada calcada na evidência do direito,
mesmo sendo de cognição sumária, é um meio eficaz para combater o abuso do direito de
defesa e o dano marginal decorrente da própria tramitação processual, possibilitando que a
parte requerente obtenha o bem da vida antes do transcurso do tempo “normal” de um
processo de ampla cognição, ainda mais se considerado que no plano prático existe uma
grande dificuldade em se garantir simultaneamente o direito à tempestividade da tutela e o
direito à cognição definitiva.
Por intermédio de pesquisa bibliográfica, feita por meio de fontes secundárias
como livros e revistas especializados, publicações avulsas, outras pesquisas e dissertações
anteriores, serão expostos vários posicionamentos doutrinários acerca do minimalismo
processual, com foco na tutela de evidência, o que, forçosamente, leva ao estudo dos
princípios do devido processo legal, da razoável duração do processo e do acesso à justiça.
O trabalho se iniciará com uma abordagem acerca das tutelas sumárias e suas
transformações ao longo da vigência do CPC/1973, em que para concessão de medida
cautelar ou antecipação de tutela eram exigidos cumulativamente os pressupostos da urgência
e da fumaça do bom direito, até se chegar na previsão do CPC/2015, que traz no seu Livro V
da Parte Geral a normatização da agora denominada “Tutela Provisória”, que pode ser
fundamentada na urgência ou apenas na evidência do direito pretendido.
No ponto seguinte do capítulo dedicado às tutelas provisórias, serão expostos
os motivos para utilização da expressão “tutela de evidência”, e não “tutela da evidência”,
divergindo da terminologia trazida pelo novo Código.
Dando seguimento, apresentar-se-á um cotejo sobre a presença de mecanismos
processuais voltados para proteção do direito evidente dentro do nosso ordenamento
processual como um todo, inclusive apontando algumas técnicas estrangeiras que diretamente
influenciaram nosso código de processo. Também será delineado um estudo sobre a cognição
judicial e suas peculiaridades perante a evidência do direito, defendendo-se que na tutela de
evidência existe uma cognição vertical mais profunda do que na tutela de urgência.
Já o terceiro capítulo da dissertação trará uma exposição exauriente sobre as
hipóteses de tutela de evidência insculpidas no CPC/2015, com suas principais características,
como também apontará algumas críticas sobre a forma que instituto foi positivado. Abordar-
se-á, ainda, a aplicação da técnica da tutela de evidência na fase recursal e contra a Fazenda
Pública, tendo em vista as limitações existentes em normas infraconstitucionais.
Contextualizando o estudo do direito constitucional com o direito processual,
12
no quarto capítulo será feita uma breve abordagem da evolução do direito constitucional, no
qual se demonstrará que a evolução dos seus paradigmas indubitavelmente se deu por
intermédio de influências externas ao direito, influências sociais, que diretamente ajudaram a
conformar o ordenamento jurídico como um todo, influenciando, consequentemente, nas
normas processuais que atualmente se submetem a um verdadeiro modelo constitucional do
processo, e, por vezes, são pensadas com base nos ideais neoliberais. Sendo impossível pensar
o direito como algo estanque, conforme explica a teoria sistêmica do constitucionalismo.
Por fim, no último capítulo do trabalho, será elaborada uma análise da
constitucionalização do processo e suas fortes consequências dentro do atual sistema
processual brasileiro, uma vez que o código revogado foi elaborado anteriormente à
Constituição de 1988, o que acarretou em sucessivas alterações na Lei 5.869/1973.
Como também será feita uma abordagem sobre o fenômeno da sumarização da
cognição processual e a necessidade de se respeitarem os princípios constitucionais do
processo, com destaque para os princípios do devido processo legal e da razoável duração do
processo, ponderando os elementos que podem contribuir ou prejudicar no justo tramitar
processual, considerando, inclusive, a figura do dano marginal, decorrente da simples demora
em se prestar a tutela jurisdicional, como um dos legitimadores para concessão da tutela
provisória de evidência.
13
2 TUTELAS PROVISÓRIAS
Na recente história do nosso ordenamento processual, temos que o revogado
Código de Processo Civil, em razão da inovação trazida pela Lei nº 8.952/1994, passou a
diferenciar a tutela cautelar e a tutela antecipatória, atribuindo-lhes pressupostos
individualizados para sua concessão, o que gerava grande discussão doutrinária. Até a referida
lei, o CPC/1973 previa apenas as tutelas de urgência cautelares, as quais eram reguladas por
meio de um livro próprio na codificação processual1.
Por intermédio da nova redação do art. 273 trazida pela Lei nº 8.952/1994 se
estabeleceu que o juiz poderia, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os
efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, fosse
convencido da verossimilhança da alegação.
Conforme Eduardo Talamini, com a nova previsão se criou uma grande zona
cinzenta acerca da distinção dos institutos, situação que só foi contornada por meio da Lei nº
10.444/2002, que incluiu o §7º no art. 273, prevendo a possibilidade de fungibilidade entre as
medidas2. Não fazendo mais sentido o indeferimento de medida cautelar unicamente porque
havia sido equivocadamente nominada de tutela antecipada, ou vice-versa3.
Porém, em que pese a grande evolução trazida pelas Leis nº 8.952/94 e nº
10.444, o CPC/73 não fazia distinção entre as tutelas de urgência e de evidência. Até então,
para a concessão de um provimento liminar, cautelar ou antecipatório, exigia-se a presença
combinada dos pressupostos4 da verossimilhança e da urgência.
Fazendo um estudo sob o viés pragmático e observando a jurisprudência acerca
das tutelas provisórias, Eduardo José da Fonseca Costa observou que os citados pressupostos
não eram encontrados de forma igualitária nas decisões. Havendo situações em se fazia
1 CASTRO, Marcello Soares. Tutela de urgência e tutela de evidência: limites e possibilidades de um regime
único. In: FREIRE, Alexandre; et al. (Coord.). Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm,
2013, p. 290. 2 TALAMINI, Eduardo. Tutela de urgência no projeto de novo código de processo civil: a estabilização da
medida urgente e a „monitorização‟ do processo civil brasileiro. In: Revista de Processo, v. 209, 2012, p. 13-
34. 3 MITIDIERO, Daniel. Antecipação de tutela: da tutela cautelar à técnica antecipatória. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2013, p. 163. 4 Alguns doutrinadores se preocupam em distinguir os termos “pressuposto”, “requisito” e “condição”, e nas
palavras de Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena, “quando se fala em “pressuposto”, se está no terreno da
existência ou não existência do fenômeno jurídico; se se fala em “requisito”, já se alcança etapa
superveniente, que é a da validade ou não do fenômeno jurídico; ao ser abordada a “condição”, ganha-se a
linha de eficácia ou de extinção do fenômeno jurídico”.Cf. VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. O
pressuposto, o requisito e a condição na teoria geral do direito e no direito público. Revista da faculdade de
direito da Universidade Federal de Minas Gerais, v. 21, n. 13, p. 185-202, out. 1973, p. 186. Disponível
em <http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/948>. Acesso em 10 fev. 2017.
14
presente em maior grau o periculum in mora, e em outras que predominava o fumus boni
iuris. Feita tal constatação, o referido autor enumerou vários tipos de liminar de acordo com o
grau de presença de cada pressuposto: “tutela de evidência extremada e de urgência não
extremada”, “tutela de urgência extremada e de evidência não extremada”, “tutela de
evidência e urgência extremadas”, bem como “tutela de evidência e urgência não
extremadas” 5.
Contudo, além dos casos em que se fazem presentes de maneira conjunta o
periculum in mora e o fumus boni iuris, sejam em maior ou menor grau, o que é típico das
tutelas liminares cautelares ou satisfativas, também existem situações em que um pressuposto
se fará presente em grau tão elevado que o outro se torna dispensável. São as denominadas
“tutela de urgência extremada pura” e “tutela de evidência extremada pura”, sendo essa
última o objeto central do presente trabalho.
Tendo em vista a multiplicidade de situações que podem ser encontradas
dentro das tutelas liminares, a disciplina legal das tutelas provisórias foi profundamente
alterada no novo Código de Processo Civil, podendo, agora, fundar-se na urgência ou
unicamente na evidência.
A tutela de urgência passa a ser dividida em tutela cautelar e em tutela
antecipada. O art. 300 estabelece as mesmas exigências para concessão das duas espécies de
tutela, acabando, assim, com qualquer discussão remanescente sobre a fungibilidade entre
ambas. As tutelas de urgência, que, como dito, podem ser satisfativas ou cautelares, exigem a
demonstração da probabilidade6 do direito e o perigo de dano ou do risco ao resultado útil do
processo.
A simples leitura no novo código deixa patente que sua sistemática ficou mais
simples, unificando os pressupostos para a concessão das tutelas cautelar e satisfativa.
Topologicamente se atribuiu um regime uniforme à tutela antecipada, seja satisfativa ou
cautelar7.
Por outro lado, as tutelas de evidência, que serão satisfativas, não havendo a
possibilidade de sua concessão de forma cautelar, ganham previsão específica e pressupõem a
5 COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 123-146.
6 Note-se que o novo código fala em probabilidade, e não mais em verossimilhança. Para Michele Taruffo a
verossimilhança tem relação com a capacidade descritiva da realidade independente de haver provas,
enquanto a probabilidade depende de elementos que justifiquem de forma racional a crença em determinado
fato. Cf. TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Traducción de Jordi Ferrer Beltrán. Madrid: Trotta,
2002, p. 185. 7 CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e
perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 253.
15
demonstração de que as afirmações de fato estejam robustamente comprovadas, tornando o
direito evidente, conforme disposição contida no art. 311 do novo Código de Processo Civil8.
Como a própria nomenclatura já denota, a tutela de evidência visa garantir, de
forma mais célere e eficaz, a solução de litígios nos quais o direito pleiteado se encontra
evidente, não havendo a necessidade de demonstração de perigo de dano ou de risco ao
resultado útil do processo para que seja concedida. A tutela provisória sem o requisito da
urgência encontra sustento na atual ideia de processo justo, na busca de efetivação da garantia
constitucional da razoável duração do processo.
Para distinguir as modalidades de tutela provisória conforme atualmente
positivadas em nosso digesto processo, com base em seus fundamentos e finalidades,
Marinoni aduz que a diferença entre elas é a de que, no caso da evidência, a tutela antecipada
é concedida com fundamento na prova dos fatos constitutivos e na fragilidade da defesa que
ainda pretende produzir prova. A tutela baseada na evidência tem como finalidade a melhor
distribuição do ônus do tempo do processo observando o grau de robustez do direito do autor
e a debilidade da defesa do réu, afastando-se, assim, da tutela antecipada baseada em perigo
de dano. A tutela antecipada propriamente dita possui como fundamento a urgência e como
objetivo a imediata tutela do direito para evitar o dano, enquanto “a tutela de evidência tem
como fundamento a evidência do direito e a inconsistência da defesa e como fim a inversão
do ônus do tempo do processo”9.
Em sentido semelhante, Daniel Mitidiero verbera que o objetivo da tutela de
evidência é adequar o processo ao maior ou menor grau de evidência do direito pretendido
pela parte, “tomando a maior ou menor consistência das alegações das partes como elemento
para distribuição isonômica do ônus do tempo ao longo do processo”, sendo a tutela de
evidência totalmente “despregada” do perigo, representando importante mudança dentro da
técnica antecipatória10
.
Dentro desse contexto, e conforme suas peculiaridades, temos que a tutela
provisória no novo código de processo civil se apresenta em duas modalidades, de urgência
ou de evidência. Podendo a tutela de urgência ser cautelar ou antecipatória, requeridas de
8 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:
teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 570. 9 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017, p. 44. 10
MITIDIERO, Daniel. Tendências em matéria de tutela sumária: da tutela cautelar à técnica antecipatória.
Revista do Processo, ano 36, v. 197, jul. 2011, p. 41.
16
forma antecedente ou incidental11
. Porém, os fundamentos e finalidades das tutelas
provisórias são distintos, e, como os próprios nomes já declaram, uma tem fundamento na
urgência e a outra na evidência, aquela visa evitar o dano e esta última visa melhor distribuir o
ônus do tempo do processo.
Preocupado em homogeneizar a matéria, o legislador trouxe nos artigos 294 a
299 do CPC as disposições gerais acerca da tutela provisória, que, obviamente, se aplicam
tanto à tutela de evidência como à tutela de urgência. Porém, já existe na doutrina quem
defenda que algumas disposições específicas da tutela de urgência também devem ser
aplicadas à tutela de evidência12
.
Dentre as disposições da tutela de urgência que devem ser aplicadas à tutela de
evidência cita-se a possibilidade de o juiz exigir caução para concessão da tutela nos termos
do §1º do art. 300, uma vez que tal exigência é inerente ao caráter provisório das tutelas
sumárias, e a responsabilização da parte requerente da tutela de evidência quando essa for
cassada e causar prejuízos ao outro litigante, conforme verbera o art. 302 do CPC 13
.
Necessário também destacar que a tutela de evidência não pode ser confundida
com um julgamento antecipado da lide, pois não resolve definitivamente a demanda e está
sempre sujeita à revogabilidade, não tendo aptidão para formar coisa julgada material14
.
11
RIBEIRO, Luiz Filipe et al. Novo CPC: principais alterações. Teresina: Dinâmica Jurídica, 2016, p. 102. 12
“O NCPC restringe a vedação à irreversibilidade, exigibilidade de caução e responsabilidade objetiva pela
revogação da tutela sumária relativamente à antecipação de tutela fundada na urgência, sendo omisso,
outrossim, em relação a tal exigibilidade ou vedação quanto à antecipação de tutela sem o requisito da
urgência, cunhada como tutela da evidência. A nosso sentir, esses mecanismos de balanceamento devem ser
disciplinados no regime geral das antecipatórias e também contemplar a antecipação de tutela sem o requisito
da urgência. Não é porque há alta probabilidade do direito do requerente da medida que uma decisão
provisória deve ser concedida incondicionalmente, sem exame de eventual periculum in mora reverso ou
confronto com a probabilidade de quem cumpre a decisão provisória sagrar-se vencedor ao final da
demanda” Cf. CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência:
panorama geral e perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 249. 13
RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2 ed. rev. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016, p. 200. 14
Fazendo distinção entre o julgamento antecipado do processo e a tutela de evidência, Humberto Theodoro
Júnior aduz que “quando se pensa em tutela da evidência, a primeira ideia é a de uma proteção sumária para
um direito incontestado ou inconteste, suficientemente provado, de modo que a respectiva proteção judicial
possa ser concedida de imediato, sem depender das diligências e delongas do procedimento comum, e
mesmo, sem necessidade de achar-se, o direito, sujeito a risco de dano iminente e grave (NCPC, art. 311).
Não é, porém, no sentido de uma tutela rápida e exauriente que se concebeu a tutela que o novo Código de
Processo Civil denomina de tutela da evidência, a qual, de forma alguma, pode ser confundida com um
julgamento antecipado da lide, capaz de resolvê-la definitivamente. Não foi, com efeito, com vistas a uma
produção jurisdicional definitiva que a questionada tutela se inseriu no mesmo gênero em que as tutelas de
urgência figuram. O intuito normativo foi o de permitir que tanto as tutelas de urgência como a da evidência
pudessem ser prestadas em procedimentos e com requisitos comuns, de modo a autorizar o emprego do
rótulo abrangente de tutelas sumárias. Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual
Civil: Teoria Geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57 ed.
rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. 1, p. 612.
17
A concessão da tutela de evidência ganha relevo nos casos em que o direito
pretendido não pode ser seriamente contestado pela parte adversa, mas, mesmo assim, é feito
requerimento de produção de prova ou são adotadas medidas nitidamente procrastinatórias15
.
No momento em que é concedida tutela provisória, quem passa a suportar o ônus do tempo é
aquela parte que insiste em litigar mesmo não possuindo condições de apresentar uma defesa
séria.
2.1 TERMINOLOGIA ADOTADA
Tendo em vista que o presente trabalho irá tratar mais detalhadamente da
prestação jurisdicional de cognição sumária com base na evidência do direito,
independentemente de urgência, e para que ele se mostre coerente com a ideia que será
desenvolvida, destaca-se que a forma como o Título III do Livro V do CPC foi redigido vem
sendo alvo de críticas por parte da doutrina especializada, uma vez que em sua escrita traz a
expressão “tutela da evidência”, transparecendo a ideia de que é a evidência propriamente dita
que se pretende tutelar, quando, na verdade, se antecipa o provimento jurisdicional em razão
do direito evidente, que é aquele que não deixa dúvidas ou se mostra suficientemente robusto
para concessão da medida pleiteada.
Atento a tal detalhe, Paulo Caputo entende que a boa técnica legislativa não
deveria ter admitido a grafia como está posta no citado título, e, consequentemente, no art.
311 do CPC, pois não se tutela a evidência, mas se dá tutela antecipada pela evidência,
sugerindo o citado autor que o instituto fosse chamado de “tutela de ou pela evidência”16
.
No mesmo sentido, reconhecendo o problema da terminologia utilizada pelo
atual código, Bruno Bodart esclarece que a evidência guarda estrita relação com a prova, em
que quanto mais fortes são os elementos apresentados para formação do convencimento do
julgador, maior será o grau de evidência. Assim, considerando que o que se busca não é
tutelar a própria prova, mas sim o direito da parte, tem-se como mais adequada a expressão
“tutela de evidência”17
.
15
Nesse sentido, Marinoni adverte que “a tutela de evidência somente tem razão de ser quando a defesa requer
instrução dilatória, podendo adiar o momento de realização do direito. Quando a defesa pode ser
imediatamente apreciada, independentemente da produção de prova pericial ou testemunhal, obviamente não
há motivo para tutela de evidência, bastando ao juiz proferir sentença”. Cf. MARINONI, Luiz Guilherme.
Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 44. 16
CAPUTO, Paulo Rubens Salomão. Código de processo civil articulado: remissões, referências, comentários
e notas. 2 ed. Leme (SP): JH Mizuno, 2016, p. 323-324. 17
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito
processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 112.
18
Nesse sentir, considerando que a evidência é um elemento que possibilita a
utilização de técnica processual diferenciada para melhor proteger o direito da parte, não se
tratando de um fim em si mesmo, ao longo desta dissertação será preferencialmente utilizada
a expressão “tutela de evidência”18
, pois, na essência, temos uma tutela provisória baseada em
evidência e não a tutela da própria evidência.
Enxergar de outra forma seria o mesmo que pensar o processo de forma isolada
e neutra, tutelando um próprio pressuposto. É necessário entender que a técnica processual
serve para atender às tutelas previstas no direito material, em consonância com os direitos
fundamentais e as peculiaridades de cada caso19
.
2.2 O DIREITO EVIDENTE E O ORDENAMENTO PROCESSUAL
Muitos ainda pensam que a prestação de uma tutela jurisdicional em razão da
evidência do direito é uma novidade trazida só agora pelo Código de Processo Civil de 2015,
pouco sabendo sobre sua essência e características. Contudo, tanto no direito estrangeiro
como no direito nacional, várias ferramentas processuais clássicas são alicerçadas no direito
evidente20
.
Historicamente se pode dizer que a tutela de evidência finca raízes nos
“interditos romanos”, nos quais se permitiam determinações sem maiores questionamentos
sobre os fatos, justamente porque já estava evidenciado o direito do requerente. Com base na
evidência, os procedimentos "pretórios" autorizavam a decretação de obrigações de fazer e
obrigações de não fazer21
.
18
Analisando a terminologia trazida pelo novo código por um prisma diferente, Daniel Penteado defende que
seria mais adequado usar a expressão “antecipação de tutela sem o requisito da urgência”, pois, no seu
entender, a expressão “tutela da evidência” soa muito ampla. Afirma que “o direito pode restar evidente
quando do julgamento de recurso de apelação ou outros recursos que reformam decisão anterior, hipóteses
que não guardam ligação alguma com verdadeira antecipação, encurtamento de procedimento ou outra
hipótese que, de alguma forma, autoriza o imediato cumprimento de decisão jurisdicional de forma abreviada
ao procedimento”. Cf. CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência:
panorama geral e perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 132-133. 19
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017, p. 29. 20
Em obra coletiva dedicada às novas tendências do processo civil, o professor e juiz federal Frederico Koehler
já destacava que “o estudo da tutela de evidência vem ganhando fôlego nos últimos tempos. Suas raízes,
todavia, são antigas. Pode-se falar, até mesmo, em origens romanas do instituto. Não há sentido em dizer que
se trata de uma novidade jurídica. O Novo CPC em vias de ser aprovado pela Câmara dos Deputados apenas
consolida algo já existente de há muito. Não haverá criação no direito positivo pátrio do instituto da tutela de
evidência”. Cf. KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. Conceituação e classificação da antecipação dos
efeitos da tutela, da tutela cautelar e da tutela de evidência. In: FREIRE, Alexandre et al (Orgs.). Novas
Tendências do Processo Civil - Estudos sobre o Projeto do Novo CPC. 1ed. Salvador: Juspodivm, 2014. v.
2, p. 615. 21
CUENCA, Humberto. Processo civil romano. Buenos Aires: E.J.E.A, 1957, p. 331.
19
Também como exemplo histórico da presença da tutela de evidência nos
ordenamentos jurídicos, pode-se citar a possibilidade de autotutela nas questões possessórias.
Em que vários países, desde muito tempo, trazem previsão do uso da força para evitar atos
evidentes de turbação ou esbulho, como é caso do Código Civil da Suíça de 1907, que em seu
art. 926 prevê que: "o possuidor tem o direito de repelir pela força todo o ato de usurpação
ou de turbação".
Outro equívoco recorrente, ainda mais frequente depois da entrada em vigor do
novo código de processo, é achar que a evidência serve apenas às tutelas provisórias. Quando,
na verdade, em determinados procedimentos o direito evidente dá ensejo à tutela definitiva, de
caráter exauriente.
Como exemplos de tutela definitiva fundadas na evidência, temos a criação dos
procedimentos especiais do mandado de segurança e da ação monitória, como também, a
possibilidade de instauração da execução definitiva por credor que possua título executivo
extrajudicial22
. No mesmo sentido, Leonardo Carneiro da Cunha afirma que a evidência é
pressuposto que de serve base tanto para a tutela definitiva, como para tutela provisória, o
qual também cita os exemplos do mandado de segurança e da ação monitória23
.
Para Luiz Fux a tutela da evidência no Brasil tem íntima relação com o direito
líquido e certo, sendo o mandado de segurança “o protótipo do procedimento estabelecido em
consonância com o direito material objeto do juízo”. Afirma o autor que os procedimentos
decorrentes do direito comum eram insuficientes para tutelar os direitos evidentes, líquidos e
certos, o que acarretou na criação de procedimento específico24
.
De acordo com Fredie Didier, o termo evidência, processualmente dito,
caracteriza-se como “uma situação processual em que determinados direitos se apresentam em
juízo com mais facilidade do que outros. Esses direitos, cuja prova é mais fácil, são chamados
de direitos evidentes, e por serem evidentes merecem tratamento diferenciado”25
.
22
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:
teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 618. 23
CUNHA, Leonardo Carneiro da. Fazenda Pública em Juízo. 13 ed. tot. ref. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p.
316. 24
FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano
2, n. 16, p. 23-43, abril de 2000. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br//dspace/handle/2011/894>. Acesso
em: 23 fev. 2017 25
DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil. 6 ed. Salvador: Podivm, 2010. v. 2, p. 408.
20
No ano de 1996 o Ministro Luiz Fux já se preocupava com o tema em estudo
ante a sua relevância para formação de tutelas diferenciadas26
, e lecionava que a tutela de
evidência tem relação com as pretensões em que o direito da parte se mostra evidente, típico
do mandado de segurança, que cobra a existência do direito líquido e certo. Sendo até
desnecessária a demonstração de perigo para a obtenção do provimento jurisdicional,
bastando a probabilidade de certeza do direito alegado. Conforme Fux, “é evidente o direito
cuja prova dos fatos sobre os quais incide revela-os incontestáveis ou ao menos impassíveis
de contestação séria”27
.
Sobre as críticas que afirmam que a tutela satisfativa não poder ser baseada em
cognição sumária, Luiz Fux entende que tais críticas não se aplicam às tutelas de evidência,
aqui compreendidas em sentido amplo, uma vez que, para o citado autor, a “evidência do
direito propicia „cognição exauriente imediata‟, a mesma que se empreenderia ao final de um
processo onde fossem necessárias etapas de dissipação da incerteza quanto ao direito alegado”
28. Em sentido contrário, sobre a profundidade da cognição, Leonardo Greco entende que só
poderá se falar cognição exauriente após ter sido dada oportunidade de apresentação dos
fundamentos da defesa, antes disso qualquer atividade cognitiva, em respeito ao contraditório,
deve ser considerada como sumária29
.
O código de Buzaid, mesmo sem fazer menção expressa à tutela de evidência,
trazia vários dispositivos que implicitamente prestigiavam o direito evidente, como é caso do
famoso artigo 333, agora reproduzido no art. 373 do CPC/2015, referente ao ônus da parte de
demonstrar a evidência de seu direito por meio da prova, e o antigo artigo 334 (374 do
CPC/2015) que traz um rol de fatos que pela sua natureza são tão evidentes que não
26
Sobre as tutelas diferenciadas, Dierle Nunes aponta que o tema “passou a ser objeto do debate da ciência
processual a partir do trabalho de Proto Pisani publicado em 1973, partindo-se do pressuposto óbvio da
necessidade de diversidade de técnicas processuais para as diversas hipóteses de direito material a ser
aplicado e analisando que a questão somente pode ser devidamente colocada em discussão a partir daquele
momento histórico em face da viabilidade de pensar uma quebra com o modelo neutro e único dos processos
ordinários de cognição plena, presumidamente predispostos a permitir o julgamento de qualquer caso. Os
modelos processuais diferenciados seriam delineados com a intenção de garantir as mais idôneas formas de
tutela para as várias categorias de situações jurídicas merecedoras de tutela jurisdicional”. Cf. NUNES,
Dierle. Novo enfoque para as tutelas diferenciadas no Brasil? Diferenciação procedimental a partir da
diversidade de litigiosidade. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 35, n. 184, p. 109-
140, jun. 2010, p. 115. 27
FUX, Luiz. Tutela da Segurança e Tutela de Evidência: fundamentos da tutela antecipada. São Paulo:
Saraiva, 1996, p. 313. 28
FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano
2, n. 16, p. 23-43, abr. 2000. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br//dspace/handle/2011/894>. Acesso em:
23 fev. 2017 29
GRECO, Leonardo. A tutela da urgência e a tutela da evidência no código de processo civil de 2014/2015.
Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, ano 8, v. 14, n. 1, p. 309.
21
dependem de prova30
. Dentro do devido contexto processual, “évidence, do francês, ou
evidence, do inglês, significam prova” 31
.
Exemplo clássico de provimento jurisdicional liminar assentado na estrita
observância do direito evidente era o art. 1.051 do CPC/1973, que tratava de embargos de
terceiro32
, e dizia que “julgando suficientemente provada a posse, o juiz deferirá liminarmente
os embargos e ordenará a expedição de mandado de manutenção ou de restituição em favor do
embargante”.
Segundo o professo José Bedaque, a liminar possessória trazida pelo art. 928
do CPC/1973, agora insculpida no art. 562 do NCPC, também é uma forma de provimento
jurisdicional que independe da demonstração de perigo, bastando para sua concessão que a
petição inicial esteja a devidamente instruída33
.
Além dos artigos acima citados, o inciso II e o §6º do art. 273 do CPC/73
também são exemplares da presença da tutela de evidência no código de processo revogado,
sendo tais dispositivos os mais referidos pela atual doutrina que estuda o tema34
.
De acordo com o inciso II do art. 273 do código antigo o juiz, a requerimento
da parte, poderia antecipar os efeitos da tutela pretendida, desde que existisse prova
inequívoca e ficasse caracterizado abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito
30
Diante das possibilidades já existentes no CPC/73, indo contra a ideia de colocar a tutela de evidência como
uma novidade, Daniel Penteado afirma que “a tutela da evidência não se aproxima de uma nova espécie de
tutela jurisdicional, seja (i) do ponto de vista do efeito ser praticamente o mesmo dentre as concepções
existentes, seja, (ii) sob a perspectiva do meio ou forma que a tutela é prestada, a deixar de carrear novidade
que a diferencie das técnicas já presentes no sistema. Vale dizer, diferentemente de uma “tutela da
evidência”, é aceitável dizer antecipação de tutela: determinadas hipóteses da já existente antecipação de
tutela, diversamente, podem dispensar a urgência, inexistindo margem, portanto, para falar de “tutela” sob o
perfil ou ótica de qualquer inovação”. Cf. CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o
requisito da urgência: panorama geral e perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador:
JusPodivm, 2017, p. 280. 31
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito
processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 112. 32
CPC/73 - art. 1.046. Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por
ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, sequestro, alienação judicial,
arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer lhe sejam manutenidos ou restituídos por meio
de embargos. 33
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência
(tentativa de sistematização). 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 333. 34
Luiz Guilherme Marinoni afirma que foi através do art. 273 do CPC/73 que pela primeira vez no direito
brasileiro se introduziu no interior do procedimento comum uma técnica capaz de permitir a distribuição do
tempo do processo. Para o autor “a distribuição do ônus do tempo no procedimento comum é imprescindível
para a democratização do processo civil, pois evita que o tempo seja tratado de forma diferenciada apenas
diante de procedimentos especiais, que, como o próprio nome indica, preocupam-se apenas com situações
especiais, esquecendo que a questão da distribuição do tempo é vital diante de toda e qualquer situação
litigiosa concreta.” Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 278.
22
protelatório do réu. Previsão essa que foi quase que integralmente repetida no inciso I do art.
311 do CPC/2015, que trata especificamente da tutela de evidência35
.
Já o § 6º do art. 273 do CPC/73 trazia a possibilidade da concessão de tutela
antecipada quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostravam-se
incontroversos. Hipótese em que a não resistência ao direito pretendido o tornava evidente,
possibilitando a antecipação da tutela36
.
Note-se que tanto no inciso II como no § 6º do art. 273 do CPC/73 a urgência
não era elemento preponderante, até poderia existir de acordo com o caso concreto, mas não
seria essencial para concessão da tutela antecipada. O que realmente importava era a forma
como o direito ganhava força nos autos, seja por ser incontroverso ou pela conduta da outra
parte, que notoriamente estava apenas tentando ganhar tempo37
.
É o que o doutrinador Eduardo José da Fonseca Costa denomina de tutela de
evidência extremada sem urgência, na qual “a estreiteza da cognição sumária não é suficiente
para ceifar o direito de sua ululante evidência”38
, pois, mesmo que não exista risco de dano ao
requerente, ou tal risco seja mínimo, deve o juiz conceder a tutela pretendida em face da sua
certeza ou quase-certeza.
No mesmo sentido, tratando do inciso II do art. 273 do CPC, Marinoni e Daniel
Mitidiero asseveram que tal tutela antecipatória independe de perigo de dano. Lastreando-se
basicamente na maior evidência das alegações da parte autora quando comparadas com os
argumentos da parte ré39
.
35
Conforme Daniel de Oliveira Pontes, “a antecipação de tutela por atos protelatórios e abusivos foi a primeira
modalidade de proteção diferenciada ao direito evidente no âmbito do procedimento comum. Ela foi
instituída pela Lei 8.952/1994, que incluiu o inc. II ao art. 273 do CPC de 1973. Lamentavelmente, contudo,
acabou subutilizada em nosso ordenamento”. Cf. PONTES, Daniel de Oliveira. A tutela de evidência no
novo Código de Processo Civil: uma gestão mais justa do tempo na relação processual. Revista de Processo,
São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 41, v. 261, p. 341-368, nov. 2016, p. 355. 36
Como correspondente do § 6º do art. 273 do CPC/73 temos no CPC/2015 o art. 356, conforme indicado pelo
Prof. José Miguel Garcia Medina no seu quadro comparativo CPC/1973 > CPC/2015, disponível em
<https://professormedina.com/2015/03/19/novo-cpc-versao-atualizada-do-quadro-comparativo-cpc1973-x-
cpc2015/>. Com a diferença que o novo CPC retirou a tutela do pedido incontroverso do rol das decisões
provisórias, a colocando dentro do capítulo do julgamento conforme o estado do processo. Logo, pode-se
dizer que é a evidência do direito que possibilita o julgamento definitivo antecipado do feito. 37
Sobre exemplos de aplicação prática da tutela de evidência antes da entrada em vigor do CPC/2015,
especialmente em matéria tributária e previdenciária, consultar: COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito
vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 81-84. 38
COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 71 39
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado art. por art.. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
23
Ainda dentro do código de processo civil de 1973, conforme aponta João Paulo
Hecker, em seu estudo acerca da tutela de evidência no direito societário40
, outros exemplos
de abreviação do procedimento com base na evidência seriam a execução provisória com base
no art. 475-O, o indeferimento da inicial em pedido manifestamente improcedente (art. 285-
A), a ampliação dos poderes do relator conforme artigos 544 e 557, citando ainda o então
inovador julgamento de recursos repetitivos no termos dos artigos 543-B e 543-C,
introduzidos ao antigo código de processo, respectivamente, pelas leis 11.418/2006 e
11.672/200841
.
Fora do digesto processual, como bem lembra Bruno Bodart, pode-se apontar
como exemplo de tutela baseada na evidência do direito a decretação liminar de
indisponibilidade de bens com base no art. 7º da Lei de Improbidade Administrativa42
. Há
bastante tempo os tribunais superiores vêm concedendo a medida prevista no citado artigo
como sendo uma típica tutela de evidência partindo da ideia que o dano é presumido, sendo
dispensada qualquer prova concreta de dado ou de atos de dilapidação patrimonial43
.
Outro exemplo de tutela sumária que prescinde da demonstração de urgência
são as hipóteses de liminar para desocupação de imóvel previstas nos incisos do §1º do art. 59
40
SILVA, Joao Paulo Hecker da. Tutela de Urgência e Tutela da Evidência nos Processos Societários. Tese
de Doutoramento. São Paulo: Universidade de São Paulo – USP, 2012. p. 155. 41
Tendo vista que o Código de Processo Civil de 2015 foi idealizado para prestigiar os princípios constitucionais
da razoável duração do processo e efetivo acesso à justiça, e considerando que os meios de abreviação do
procedimento acima previstos também visavam o mesmo desiderato, o CPC/2015 tratou de manter tais
mecanismos, mesmo que com algumas alterações, conforme pode ser constatado em seus artigos 332, 520,
932 e 1.036. Podendo ainda ser citado o art. 919, §1º, que prevê a possibilidade de concessão de efeito
suspensivo aos embargos quando verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória, incluindo-se,
assim, a tutela de evidência. Frisando que a previsão do art. 919, §1º traz uma tutela de evidência favorável à
parte promovida (executado), embora este figure como autor dos embargos. 42
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito
processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 109. 43
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.
INDISPONIBILIDADE DE BENS. ART. 7º DA LEI 8.429/92. TUTELA DE EVIDÊNCIA.
COGNIÇÃO SUMÁRIA. PERICULUM IN MORA. EXCEPCIONAL PRESUNÇÃO.
PRESCINDIBILIDADE DA DEMONSTRAÇÃO DE DILAPIDAÇÃO PATRIMONIAL. FUMUS
BONI IURIS. PRESENÇA DE INDÍCIOS DE ATOS ÍMPROBOS. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO
REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A Primeira Seção desta Corte Superior firmou a orientação no sentido
de que a decretação de indisponibilidade de bens em improbidade administrativa dispensa a demonstração de
dilapidação do patrimônio para a configuração de periculum in mora, o qual estaria implícito ao comando
normativo do art. 7º da Lei 8.429/92, bastando a demonstração do fumus boni iuris que consiste em indícios
de atos ímprobos (REsp 1.319.515/ES, 1ª Seção, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/
acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 21.9.2012). 2. No caso concreto, o Tribunal de
origem expressamente reconheceu a presença do fumus boni iuris (indícios de ato de improbidade
administrativa), entretanto, afastou a presença do periculum in mora em face da ausência de atos de
dilapidação patrimonial, o que é desnecessário para a decretação da constrição patrimonial. 3. Agravo
regimental não provido. Cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo AgRg no REsp: 1407616 SC.
2ª Turma. Ministro Mauro Campbell. Publicação em 02/05/2014. Disponível em
<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25064868/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-
1407616-sc-2013-0216982-1-stj> Acesso em 13 mai. 2017.
24
da Lei 8.245/199144
. Para a concessão da medida liminar basta a demonstração da ocorrência
de algumas das situações previstas nos incisos I a IX do referido artigo, sendo de direito sua
concessão, sem a necessidade se comprovar o perigo na demora.
Para Daniel Penteado de Castro, “a liminar na ação de despejo, em seus mais
variados fundamentos (...), prescinde da demonstração de dano, a configurar tutela de
evidência, de onde se extrai a grande probabilidade de êxito da demanda em favor do autor”.
Daniel Penteado acrescenta que a liminar de busca em apreensão prevista no art. 3º do
Decreto-Lei nº 911/1969 também se concretiza no mesmo sentido, uma vez que basta a
demonstração da constituição do devedor em mora em relação ao pagamento das obrigações
decorrentes do contrato de alienação fiduciária, sendo dispensável o periculum in mora45
.
Nos casos do §1º do art. 59 da Lei 8.245/1991 e do art. 3º do Decreto-Lei nº
911/1969, na busca de uma atividade cognitiva mais rápida, a norma extravagante nitidamente
inverteu o contraditório em desfavor do devedor46
. Facilitando ao proprietário do imóvel ou
ao credor fiduciário a obtenção da tutela que determina o despejo ou a retomada do bem
negociado por meio de alienação fiduciária.
No direito estrangeiro, podemos citar o instituto francês do référé, que
inicialmente era usado apenas em casos de urgência, e posteriormente passou a ser usado em
outras situações, inclusive naquelas que não exista necessidade de um provimento urgente47
.
Os casos de urgência dispensada chamam-se especificamente de référé provision, e, conforme
leciona Roberta Tiscini, é o típico exemplo de tutela proferida com base no direito evidente,
tendo em vista a sua patente incontestabilidade48
, assim, o pressuposto exigido para concessão
da référé provision é a existência de uma obrigação não seriamente contestável, conforme
verbera o art. 809 do Code de procédure civile 49
.
Abordando a relevância do instituto do référé, Ada Pellegrini Grinover aponta
que em 90% dos casos o provimento oriundo do procedimento provisório já é suficiente para
44
BRASIL. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os
procedimentos a elas pertinentes. 45
CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e
perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 120-121. 46
LEONEL, Ricardo de Barros. Tutela jurisdicional diferenciada. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 160 47
THEODORO JÚNIOR, Humberto; ANDRADE, Érico. A autonomização e a estabilização da tutela de
urgência no projeto de CPC. Revista de Processo, São Paulo, v. 206, abr. 2012, p. 13. No mesmo sentido
temos PERROT, Roger. O processo civil francês na véspera do século XXI. Tradução de José Carlos
Barbosa Moreira. Revista de Processo, São Paulo, ano 23, n. 91, jul./set. 1998, p. 208. 48
TISCINI, Roberta. I provvedimenti decisori senza accertamento. Torino: G. Giappichelli, 2009, p. 259. 49
Chapitre Ier: Les ordonnances de référé. (Articles 808 à 811) Art. 809. Dans les cas où l'existence de
l'obligation n'est pas sérieusement contestable, il peut accorder une provision au créancier, ou ordonner
l'exécution de l'obligation même s'il s'agit d'une obligation de faire.
25
conformar as partes, as quais deixam de ingressar com o procedimento ordinário50
. Além
disso, diferentemente do ordenamento brasileiro e italiano, o código de processo civil francês
põe dentro do référé os diversos tipos de tutelas sumárias, como, por exemplo, as medidas
cautelares e as tutelas de urgência e de evidência.
Para Roger Perrot, com a técnica do référé todos ganham: “o autor, que terá
obtido rapidamente o que lhe era devido, e a Justiça, que terá economizado um longo
processo, ao desencorajar uma resistência sem esperança”. Para o citado autor, o référé
provision foi uma das inovações mais significantes do direito francês51
.
Na provision não se requer o pressuposto da urgência, não podendo o juiz
exigir uma incontestabilidade absoluta do direito pleiteado, sob pena de limitar
excessivamente a finalidade do référé provision, que é uma forma de tutela dos direitos
evidentes, pois tal ferramenta do direito francês visa exatamente à antecipação da tutela
judicial nos casos em que a obrigação não é seriamente contestável, muito se assemelhando à
nossa tutela de evidência52
.
Já no direito italiano, a tutela de evidência pode ser nitidamente percebida por
intermédio dos procedimentos monitórios, muito prestigiados naquele país. Para se ter uma
ideia da importância da tutela diferenciada por meio da técnica monitória na Itália, é valioso o
levantamento feito por Proto Pisani, o qual aponta que por ano são proferidos mais de 800 mil
decretos injuntivos, evitando-se o custo do processo de cognição plena, enquanto são exaradas
pouco mais de um milhão e cem mil sentenças oriundas de processos de cognição
exauriente53
.
Tanto no direito italiano como no direito francês, as tutelas diferenciadas com
base na evidência do direito pleiteado representam boa parte prestação jurisdicional daqueles
países, evitando-se processos longos, de alto custo e ainda conseguindo entregar ao
jurisdicionado uma tutela que lhe deixe satisfeito, ou, pelo menos, conformado.
Partindo da jurisdição administrativa italiana, Fux já alertava sobre a
necessidade de um tratamento específico para a tutela de evidência, afirmando que os
50
GRINOVER, Ada Pellegrini. Tutela jurisdicional diferenciada: antecipação e sua estabilização. In ______. O
processo: estudos e pareceres. São Paulo: Perfil, 2005, p. 42. 51
PERROT, Roger. O processo civil francês na véspera do século XXI. Tradução de José Carlos Barbosa
Moreira. Revista de Processo, São Paulo, ano 23, n. 91, jul./set. 1998, p. 208. 52
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017, p. 282. 53
PISANI, Andrea Proto. Verso la residualità del processo a cognizione piena? Revista de processo, São Paulo,
Revista dos Tribunais, v. 31, n. 131, p. 239-249, jan. 2006, p. 244.
26
procedimentos específicos até então existentes não se faziam suficientes para dissociar as
medidas de urgência e evidencia54
.
Voltando para o ordenamento processual pátrio, tem-se que o Código de
Processo Civil de 2015, atento a toda evolução e relevância do direito evidente, buscando
prestigiar de forma efetiva a figura da tutela diferenciada em razão da evidência, trouxe
expressamente em seu art. 311 a figura da “tutela da evidência”. Prevendo em seus incisos
quatro possibilidades de concessão, conforme será visto detalhadamente mais adiante.
Nas palavras de Daniel Amorim Assumpção Neves, o referido artigo do
CPC/2015 “consagra expressamente o entendimento de que a tutela de evidência independe
da demonstração de perigo da demora da prestação da tutela jurisdicional, em diferenciação
clara e indiscutível com a tutela de urgência”55
.
Ainda sobre as possibilidades da tutela jurisdicional com base no direito
evidente, interessante registrar o raciocínio de que a cognição judicial da evidência permite
não apenas o deferimento ab initio do pedido exordial, como por ser usada para seu
indeferimento sumário. Podendo o juiz indeferir de plano a tutela imediata pela inexistência
"evidente" de direito alegado56
. Sobre tal ponto de vista, vale a análise do §8º do art. 17 da Lei
de Improbidade Administrativa, que prevê que o juiz, após manifestação prévia do réu, poderá
rejeitar a ação principal se convencido da inexistência do ato de improbidade57
. Como se
percebe, ante a ausência de evidência, a ação de improbidade deve ser sumariamente
rejeitada, sem sequer se iniciar o rito ordinário. Não se trata de uma tutela de evidência
propriamente dita, mas a ausência do fator “evidência” é preponderante para rejeitar a ação.
Quanto ao fundamento constitucional da tutela de evidência, que será melhor
estudado em tópico específico, tem-se que essa tem como lastro a necessidade de fornecer
54
“A existência da jurisdição administrativa na Itália é responsável pela constatação de uma jurisprudência no
campo da tutela da evidência, somente contra atos de "particulares", notadamente via "provvedimmenti
d'urgenza". Insta ainda, considerar o processo monitório italiano e suas fundas raízes romanas, que
informaram tanto os sistemas do civil law quanto do common law da necessidade de instrumentos interditais
céleres. A tutela da evidência, a despeito dos remédios específicos, vem recebendo tratamento promíscuo
através da prática da urgência, porque ambas as situações tuteláveis, a urgência e a evidência, reclamam
sumarização procedimental. No campo da administração pública, várias são as limitações impostas quanto
aos provimentos contrários aos interesses da entidade nacional. Cf. FUX, Luiz. A tutela dos direitos
evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano 2, n. 16, p. 23-43, abr. 2000.
Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br//dspace/handle/2011/894>. Acesso em: 23 fev. 2017 55
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm,
2016, p. 508. 56
FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano
2, n. 16, p. 23-43, abr. 2000. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br//dspace/handle/2011/894>. Acesso em:
23 fev. 2017. 57
BRASIL. Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos
casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública
direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.
27
uma tutela adequada para aquelas situações jurídicas diferenciadas, buscando concretizar
princípios constitucionais como o do acesso à justiça e da efetividade do processo58
.
Pode-se até reconhecer que o alto grau de probabilidade de procedência da
demanda é pressuposto inclusive para a tutela de urgência, porém, há casos em que é possível
haver uma probabilidade de êxito tão elevada que autoriza a tutela do direito de forma prévia
independentemente de qualquer urgência59
.
Bem observadas as previsões normativas e doutrinárias acerca da tutela do
direito evidente, parece ser pacífico o entendimento de que o direito evidente é aquele em que
a pretensão da parte é posta de uma forma tão clara e robusta que o opositor se vê
impossibilitado de apresentar uma contestação séria e substancial, não havendo razão para se
trilhar por um caminho de ampla cognição, sob pena de ferir princípios constitucionais do
processo60
.
Porém, como bem observa o professor José Bedaque, é necessário se ter
cuidado para não transformar a técnica processual sumária em um instituto que privilegia
apenas uma das partes, comprometendo a isonomia processual61
. No mesmo sentido, Athos
Gusmão Carneiro, fazendo remissão a Donaldo Armelin, diz que na aplicação das tutelas
diferenciadas é imprescindível se tomar cuidado para não se violar a isonomia entre as partes
litigantes, respeitando-se o princípio da paridade das armas62
.
58
MACÊDO, Lucas Buril. Antecipação da Tutela por Evidência e os Precedentes obrigatórios. Revista do
Processo, v. 242, p. 523-552, abr. 2015. 59
Sobre o dever constitucional de se proteger de forma diferenciada os direitos evidentes, sob o manto do
princípio da isonomia, pois partes com situações jurídicas comprovadamente diferentes não podem ser
tratadas de forma igual, Luiz Fux, justificando a escolha parlamentar de incluir a tutela de evidência de forma
expressa no código então em elaboração, explica que “a novidade se operou quanto aos direitos líquidos e
certos de uma parte em face da outra. Entendeu a comissão que nessas hipóteses em que uma parte ostenta
direito evidente, não se revelaria justo, ao ângulo do principio da isonomia, postergar a satisfação daquele
que se apresenta no processo com melhor direito, calcado em prova inequívoca, favorecendo a parte que, ao
menos prima facie, não tem razão. A tutela de evidência não é senão a tutela antecipada que dispensa o risco
de dano para ser deferida, na medida em se funda em direito irretorquível da parte que inicia a demanda”. Cf.
FUX, Luiz. O novo processo civil. In:______. O Novo Processo Civil Brasileiro – Direito em Expectativa.
Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 18 60
A tutela da evidência proposta por Luiz Fux “é mais ampla e alcança todos os níveis de satisfatividade,
processos e procedimentos, tendo como finalidade estender a tutela antecipatória a todo os direitos evidentes,
pela inegável desnecessidade de aguardar-se o desenrolar de um itinerário custoso e ritualizado em busca de
algo que se evidencia no limiar da causa posta em juízo. A parte demandada é que, se pretender perseverar na
sua resistência, deverá instar o juízo ao prosseguimento para obter, conforme o caso, a reversão ao estado
anterior ou a condenação do autor em perdas e danos. É o que ocorre, v.g., no despejo liminar, em que a lei
não prevê a reocupação mas tão-somente a indenização, sendo certo que a reversão ao imóvel não é solução
inadmitida, a despeito de não prevista”. Cf. FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano 2, n. 16, p. 23-43, abr. 2000. Disponível em:
<http://bdjur.stj.jus.br//dspace/handle/2011/894>. Acesso em: 23 fev. 2017 61
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência
(tentativa de sistematização). 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 345. 62
CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 25-26.
28
Assim, como forma de melhor compreender a legitimidade da tutela de
evidência, torna-se imprescindível um estudo detalhado sobre a extensão das matérias sobre
as quais deve recair o conhecimento do julgador, e como será a construção da convicção do
mesmo acerca da evidência constante nos autos.
2.3 A COGNIÇÃO JUDICIAL E A EVIDÊNCIA DO DIREITO
Para se falar da tutela dos direitos evidentes através de técnicas processuais
diferenciadas é imprescindível uma abordagem sobre a atividade cognitiva desenvolvida pelo
julgador e os possíveis níveis de conhecimento que se pode alcançar através das provas e
fundamentos trazidos pelas partes, uma vez que tais elementos são indissociáveis da formação
do juízo de valor do magistrado63
.
Na Clássica lição de Kazuo Watanabe, a cognição é um ato de inteligência,
pelo qual o julgador deve considerar, analisar e valorar os argumentos e documentos
apresentados pelos litigantes, ou seja, as questões de fato e as de direito deduzidas em juízo.
Por meio de tal atividade cognitiva se estabelece o alicerce, o fundamento, para o julgamento
do processo. Em sua obra Watanabe usa o termo cognição para indicar a natureza da atividade
do órgão jurisdicional, defendendo a existência de um elementar “direito à cognição
adequada” 64
.
É por intermédio da cognição que se torna possível conviver com a
imprevisibilidade da conduta humana, sendo a atividade cognitiva imprescindível em todas as
ciências. Nas palavras de Hannah Arendt, o conhecer é a mais importante das funções do
homem65
.
63
“A cognição é completa quando apta a abranger todos os possíveis fundamentos de interesse do autor ou do
réu; é exauriente quando comporta indagações tão profundas que sejam capazes de eliminar toda possível
dúvida e incutir certeza no espirito do juiz. Mas nem sempre ela abrange toda a área de possíveis razões de
fato ou de direito que em tese poderiam influir na existência ou inexistência do possível direito do autor,
sendo então limitada e não completa; e nem sempre ela se faz com toda a intensidade imaginável, ficando
somente na superfície das investigações, sendo sumária e não exauriente. A redução da área das questões
suscetíveis de cognição passa-se no plano horizontal; as limitações à intensidade na busca da verdade e do
esclarecimento convincente e completo, no vertical. A cognição só tem caráter de universalidade total,
quando for completa no plano horizontal e exauriente no vertical”. Cf. DINAMARCO, Candido
Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002. v. 3, p. 37. 64
WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2 ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 57-59. 65
ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia
das letras, 2008, p. 140.
29
Por meio da cognição é que o magistrado forma o juízo de valor a respeito das
questões apresentadas no processo66
. Heitor Sica acrescenta que é por meio da cognição que
se possui “ferramenta básica para a instrumentalidade do processo e sua correta compreensão
revela-se imprescindível para explicar adequadamente um sem-número de fenômenos cada
vez mais relevantes para o ordenamento processual”67
.
Falando do “direito à cognição adequada” defendido por Watanabe68
,
Frederico Koehler esclarece que para o citado autor a cognição nem sempre será exauriente
justamente por ter que se amoldar ao direito da parte, podendo haver restrições da cognição
nos planos horizontal e vertical. No primeiro plano o magistrado ficará restrito à análise de
questões de regularidade do processo, das condições da ação e de questões de mérito,
enquanto no sentido vertical, que remete ao grau de profundidade, a cognição poderá ser
exauriente ou sumária69
.
No plano horizontal a cognição poderá ser plena (completa) ou parcial
(limitada). Ter-se-á uma cognição plena quando o juiz puder avaliar o trinômio: questões
processuais, condições da ação70
e questões de mérito. Por sua vez, a cognição será limitada
quando o juiz não puder realizar atividade cognitiva acerca de algum dos elementos do citado
trinômio71
.
66
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 11 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen
Júris, 2014. v. 1, p. 271. 67
SICA, Heitor Vitor Mendonça. Velhos e novos institutos fundamentais do direito processual civil. In:
YARSHELL, Flávio Luiz; ZUFELATO, Camilo (Coords.). Teoria geral do processo: 40 anos. São Paulo:
Saraiva, 2013, p. 465. 68
“A justiça precisa ser rente à realidade social. Essa aderência à vida somente se consegue com o aguçamento
da sensibilidade humanística e social dos juízes, o que necessariamente requer preparação e atualização. Para
a cognição adequada a cada caso, pressuposto de um julgamento justo, a sensibilidade mencionada é um
elemento impostergável. Não seria, certamente, um exagero afirmar-se que o direito à cognição adequada
faz mesmo parte do conceito menos abstrato do princípio do juiz natural.” Cf. WATANABE, Kazuo. Da
cognição no processo civil. 2 ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 64. 69
KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. Conceituação e classificação da antecipação dos efeitos da
tutela, da tutela cautelar e da tutela de evidência. In: FREIRE, Alexandre et al (Orgs.). Novas Tendências
do Processo Civil - Estudos sobre o Projeto do Novo CPC. 1ed. Salvador: Juspodivm, 2014. v. 2, p. 609. 70
É importante ressaltar o Código de Processo Civil de 1973 previa que as condições da ação eram a
legitimidade da parte para a causa, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido, conforme o inciso
VI do art. 267. Sendo consideradas como as condições mínimas para alguém movimentar o judiciário.
Contudo, com a entrada em vigor do novo Código tais elementos foram separados, tendo em vista que os
dois primeiros são inerentes ao juízo de admissibilidade, e a possibilidade jurídica do pedido se confunde
com o próprio mérito. O interesse de agir e a legitimidade passaram a figuram como pressupostos
processuais, conforme o art. 17 do CPC/2015, e a ausência de um dos dois acarreta no indeferimento da
inicial, nos termos art. 330, II e III, do CPC/2015. Já a possibilidade jurídica do pedido, acertadamente,
passou a ser considerada como questão de mérito, nos moldes do art. 487 do CPC/2015. Então, pode-se até
falar que o CPC/2015 extinguiu o paradigma das condições da ação, porém, seus elementos continuam
presentes no novo ordenamento, tendo ocorrido apenas um deslocamento. Desta feita, levando em
consideração que os elementos que formavam as condições da ação ainda estão intactos, tudo indica que os
limites da cognição no plano horizontal ainda podem ser estudados na forma proposta por Kazuo Watanabe. 71
PEÑA, Eduardo Chemale Selistre. Cognição no processo civil - conceituação. Revista Páginas de Direito,
Porto Alegre, ano 4, n. 160, 17 maio 2004.
30
As limitações das matérias cognoscíveis no plano horizontal podem ser
definidas tanto pela norma de direito material, a exemplo da ação de indenização baseada em
responsabilidade objetiva, em que se é dispensada qualquer cognição sobre a culpa do gerador
do dano, como também pela norma de direito processual, como é o caso vedação de
reconvenção na esfera dos juizados especiais. Outra limitação no plano horizontal imposta
pela norma processual pode ser percebida no art. 20 do Decreto-Lei 3.365/194172
, que
expressamente limita as matérias de defesa nos casos de desapropriações por utilidade pública
ao definir que a contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação
do preço73
.
Já no “plano vertical, a cognição pode ser classificada, segundo o grau de
profundidade, em exauriente (completa) e sumária (incompleta)”74
. Para Daniel Penteado
“essa intensidade se depreende do grau de convencimento do juiz exigido, consoante impõe a
norma de direito processual, de sorte que na cognição sumária basta um juízo de
probabilidade e verossimilhança, a exemplo (...) do instituto da antecipação de tutela” 75
.
Fala-se em limitação vertical apenas dentro da cognição sumária, pois, apesar
de existir cognição sobre todas as questões, ela ocorre de forma superficial. Ou seja, a
cognição é plena em extensão, mas superficial em relação à profundidade76
. Assim, pode-se
afirmar que a cognição sumária é uma característica da tutela provisória, e,
consequentemente, da tutela de evidência.
Nas palavras de Leonardo Greco “sumária é a cognição que sofre limitações
quanto à sua profundidade, para através de um juízo superficial e incompleto poder extrair
rapidamente uma conclusão a respeito da necessidade da medida”, e como uma das principais
características da tutela de cognição sumária aponta a não formação da coisa julgada,
justamente em respeito ao amplo contraditório. Citando o pensamento de Proto Pisani, Greco
se filia ao entendimento, o qual ele mesmo denomina de mais radical, de que só se pode falar
em cognição exauriente quando houver o amplo e efetivo exercício do direito de defesa pela
parte contrária77
.
72
BRASIL. Decreto-Lei 3.365, de 21 de junho de 1941. Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. 73
CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e
perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 76-77. 74
WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2 ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 112. 75
CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e
perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 76-77. 76
RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2 ed. rev. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016, p. 78. 77
GRECO, Leonardo. A tutela da urgência e a tutela da evidência no código de processo civil de 2014/2015.
Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, ano 8, v. 14, n. 1, p. 309.
31
Porém, é de ser ter em mente que, mesmo com todas as possíveis variáveis, a
cognição é um ato complexo e que exige esforço do juiz, se fazendo presente em todos os
tipos de processo, seja em maior ou menor grau. Sem dúvidas o processo de conhecimento é o
campo ideal para uma cognição plena e exauriente, contudo, a cognição também é
desenvolvida no processo cautelar, no qual inevitavelmente se examina a presença do perigo
na demora e a fumaça do bom direito, e no processo de execução, em que, no mínimo, devem
ser verificados os pressupostos processuais e as condições da ação78
.
Ademais, como bem lembra Sérgio Gilberto Porto, também é necessário
distinguir a cognição sumária daquela sumariedade formal do próprio procedimento, como é o
caso do mandado de segurança, no qual existe uma sumariedade formal, mas a cognição é
exauriente com base nas provas pré-constituídas79
.
Os dois tipos de sumarização não se confundem, a sumarização da cognição é
um tipo de tutela diferenciada, em que garantias como o contraditório e a ampla defesa são
postergadas, impossibilitando a formação de coisa julgada, enquanto que na sumarização do
procedimento são preservadas todas as garantias constitucionais do processo, possibilitando
que as decisões dela decorrentes se revistam dos efeitos da coisa julgada80
.
2.3.1 Prova, evidência, verossimilhança e probabilidade
Em razão da evolução da filosofia do direito, com reflexões sobre as limitações
humanas e do próprio processo, hoje se reconhece que nenhum julgador consegue alcançar a
verdade absoluta, sendo impossível alcançar a essência da verdade. Conforme a lição de
Gerhard Walter, ter convicção da verdade não é igual a descobrir a verdade, pois, mesmo
havendo a convicção da verdade, sempre haverá a possibilidade dos fatos terem ocorrido de
outra forma81
.
Convicção e certeza são conceitos distintos de “verdade”, na concepção de
Malatesta, “a certeza e a verdade nem sempre coincidem: por vezes tem-se a certeza do que
78
RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2. ed. rev. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016, p. 77. 79
PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa Julga Civil. Rio de Janeiro: AIDE, 1998, p. 93. 80
SILVA, Natália Diniz da. Estabilização da tutela jurisdicional diferenciada. 2014. 227 f. Dissertação
(Mestrado) - Curso de Direito, Direito Processual, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014, p.128.
Disponível em: < http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-20012015-093529/pt-br.php> Acesso
em: 04 fev. 2017 81
WALTER, Gerhard. Libre apreciación de la prueba: investigación acerca del significado, las condiciones y
límites del libre convencimiento judicial. Bogotá: Temis,1985, p. 169.
32
objectivamente é falso; por vezes duvida-se do que objectivamente é verdade; e a própria
verdade que parece certa a uns, aparece por vezes como duvidosa a outros”82
.
O importante é reconhecer que processo se limita a produzir certezas, e não
verdades. Jamais se conseguirá reproduzir a verdade dos fatos por meio de um processo, no
máximo haverá uma aproximação da verdade, um juízo de certeza, alcançado por meio da
produção probatória83
.
Sobre o conceito de prova, em harmonia com o que já foi acima dito, o
professor Paulo Medina, trazendo as clássicas lições de João Monteiro e Francisco de Paula
Batista, coloca que a prova é o somatório dos meios produtores da certeza, sendo tudo aquilo
capaz de convencer sobre a certeza de um fato, circunstância ou proposição controvertida.
Apontam-se as provas como sendo elementos que determinam a convicção do juiz84
.
Até quando se trata de matéria exclusivamente de direito, caberá à parte
requerente demonstrar que se encontra albergada pelo direito que diz possuir, exigindo-se,
assim, um trabalho de cognição do julgador para valorar se determinada norma jurídica é apta
ao caso em deslinde85
.
Também há quem diga que “a prova é o conjunto de oportunidades oferecidas
à parte pela Constituição e pela lei, para que possa demostrar no processo a veracidade do que
afirma em relação aos fatos relevantes para o julgamento”86
.
Deixando de lado os preciosismos, a doutrina, de uma forma geral, converge
sobre o conceito de prova e sua importância no desenvolvimento do processo, sempre
82
MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Tradução de J. Alves de
Sá. 2 ed. Lisboa: A. M. Teixeita & Cia, 1927, p. 21. 83
Nas palavras de Eros Grau, “no que tange aos fatos não existe, no direito, o verdadeiro. Inútil buscarmos a
verdade dos fatos, porque os fatos que importarão na e para a construção da norma são aqueles
recebidos/percebidos pelo intérprete – eles, como são percebidos pelo interprete, é que
informarão/conformarão a produção/criação da norma”. Dentro deste contexto, quando o autor fala em
norma, se refere às normas de decisão, que são aquelas proferidas pelo juiz após interpretar/aplicar a norma
jurídica. Na lição de Kelsen, o juiz é “intérprete autêntico” da norma jurídica. Cf. GRAU, Eros Roberto.
Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5 ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros,
2009, p.37. 84
MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Teoria geral do processo. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 193-194. 85
Bruno Bodart, com base na lição de Csaba Varga, aduz que “a cognição de questões de fato e de direito não
difere em essência. A realidade é una e indivisível. Quando um ser humano, no cotidiano, observa uma
cadeira, para utilizar um exemplo trivial, uma análise valorativa ocorre em seu consciente, reunindo
qualidades do objeto apreciado e comparando-as com atributos previamente conhecidos (...). O direito,
igualmente, surge da praxe humana, do saber comunicativo e das experiências normativas, prescrevendo
consequências para eventos que preencham características eleitas a priori. Cf. BODART, Bruno Vinícius da
Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito processual e comentários sobre
o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 58. 86
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
geral do processo. 31 ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 427.
33
prezando pela isonomia no tratamento das partes litigantes, seja em processo judicial ou
administrativo, conforme determina o inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal.
De outro modo, da análise de várias doutrinas que se dedicam ao estudo da
prova e da cognição processual, é perceptível que não existe um consenso sobre os conceitos
de verossimilhança, probabilidade, evidência. Mesmo sendo ponto comum que todas elas
decorrem da produção probatória permitida e ocorrida no processo.
Da obra de Calamandrei colhe-se o entendimento de que a verossimilhança é
uma aparência da verdade, com base na qual o juiz deve julgar tendo em vista a
impossibilidade de alcançar a verdade plena. O jurista italiano defendia uma concepção ampla
da verossimilhança, considerando-a o único meio para decidir, não sendo restrita aos juízos de
cognição sumária, afirmando que “toda sentença, mesmo que o juiz tenha a subjetiva certeza
de haver conseguido a verdade, é na realidade um juízo de verossimilitude”87
.
Michele Taruffo coloca que “a verossimilhança indica um grau de capacidade
representativa de uma descrição a respeito da realidade”. Para Taruffo verossimilhança e
probabilidade não teriam comunicação, tendo a primeira relação com a descrição dos fatos,
independentemente das provas apresentadas, enquanto que a probabilidade estaria
intimamente ligada aos elementos probatórios, capazes de justificadamente influenciar na
crença do julgador88
. No mesmo sentido, Francisco Rosito afirma que o juízo de
probabilidade é resultante das provas produzidas, dando maior força à formação do
convencimento, e a verossimilhança é mera valoração feita pelo juiz, independentemente das
provas89
.
Segundo estudos do professor Paulo Medina acerca da obra de Tarruffo, o
referido processualista italiano não dava muita atenção aos conceitos de verossimilhança e de
probabilidade, não os considerando logicamente aceitáveis, preferindo os conceitos de
“evidence and inference” oriundos da doutrina americana90
.
Na doutrina nacional ainda temos pouco material direcionado ao estudo do
conceito de direito evidente e seus reflexos no ordenamento jurídico. Na vigência do
CPC/1973 muito se falava em fumaça do bom direito e em verossimilhança das alegações, em
razão dos pressupostos para concessão da liminar em ação cautelar e da redação do art. 273 do
87
CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil. Tradução de Luiz Abezia e Drina Fernandez Barbery.
Campinas: Bookseller, 1999. v. 3, p. 271. 88
TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Traducción de Jordi Ferrer Beltrán. Madrid: Trotta, 2002, p.
185. 89
ROSITO, Francisco. Direito probatório: as máximas de experiência em juízo. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007, p. 48. 90
MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Teoria geral do processo. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 200.
34
CPC/1973 que tratava da antecipação de tutela. Com a nova sistemática trazida no Livro das
tutelas provisórias, o atual digesto processual passou a falar apenas em probabilidade do
direito (art. 300) e em evidência (art. 311)91
.
Flávio Luiz Yarshell e Helena Abdo, por meio de pesquisa em dicionário,
apontam que para o estudo da tutela de evidência, em razão da sua natureza provisória, a
melhor definição para evidência seria “aquilo que indica, com probabilidade, a existência de
(algo); indicação, indício, sinal”92
, havendo certa confusão entre evidência e probabilidade.
De acordo com o Dicionário Aurélio, no sentido filosófico, o termo “evidência” corresponde a
“caráter de objeto de conhecimento que não comporta nenhuma dúvida quanto à sua verdade
ou falsidade. [A evidência acompanha os diversos tipos de assentimento, ligando-se, contudo,
de maneira mais completa, à certeza. Cf. evidência, do v. evidenciar.]93
”
Sobre a “evidência” é indubitável que ela ajuda a construir o convencimento do
julgador, possuindo íntima relação com as provas dos fatos constitutivos do direito
pretendido, mas, igualmente, não fará com que se alcance o mito da verdade real94
. Ovídio
Baptista fala em “tutela jurisdicional de aparência”, e afirma que não há nada de errado ou de
extraordinário em tal tutela, uma vez que a ideologia de que o processo ordinário é feito para
descobrir a verdade é totalmente equivocada, sendo a busca da verdade um ideal intangível
até mesmo nas ciências exatas. Para Baptista a função da prova no processo não é estabelecer
os fatos verdadeiros, mas sim os fatos tidos por verdadeiros95
.
Para Fredie Didier, “a evidência é fato jurídico processual. É o estado
processual em que as afirmações de fato estão comprovadas”. Porém, o autor destaca que a
evidência não é uma espécie de tutela jurisdicional em si, sendo apenas um “fato jurídico
processual” que permite a utilização de uma tutela diferenciada. E conclui que a tutela de
91
“O juízo de probabilidade é o que resulta da cognição sumária. Assume-se esta sempre que o julgador estiver
a meio caminho entre a cognição superficial e a exauriente”. Cf. BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela
de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito processual e comentários sobre o novo CPC.
2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 156 92
YARSHELL, Flávio Luiz e Abdo, Helena. As questões não tão evidentes sobre a tutela de evidência. In.
Tutela Provisória no novo CPC: dos 20 anos de vigência do art. 273 do CPC/1973 ao CPC/2015. BUENO,
Cassio Scarpinella et al (Coords.). São Paulo: Saraiva, 2016, p. 454. 93
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3
ed. total. rev. ampl.. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1999, p. 854. 94
Sobre a certeza que resulta do processo, Bruno Bodart destaca que “esgotados os meios de prova disponíveis
para apreciação, o juiz tem em mãos tudo que necessita para julgar. Cuida-se de ficção jurídica, pois a certeza
processual não necessariamente corresponde ao conforto interior do magistrado sobre a veracidade das
premissas por ele adotadas para decidir.” Cf. BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência:
Teoria da cognição, análise econômica do direito processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 32. 95
SILVA, Ovídio Baptista da. Da sentença liminar à nulidade da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.
77.
35
evidência “é uma técnica processual, que diferencia o procedimento, em razão da evidência
com que determinadas alegações se apresentam em juízo” 96
.
Luiz Fux afirma que, na esfera processual, considera-se evidente aquele direito
cuja prova dos fatos os apontam como incontestáveis ou, no mínimo, impassíveis de uma
contestação séria. Nesse sentido, Fux acrescenta que a evidência do direito é patente, sendo
possível a concessão da tutela, nos casos em que (i) o direito é demonstrável apenas por meio
de prova documental, caracterizando-o como líquido e certo; (ii) os fatos forem notórios ou
incontroversos, não sendo necessária a produção de prova; (iii) o juiz puder decidir apenas
com base nos elementos jurídicos, pois, geralmente, o direito objetivo independe de prova;
(iv) exista em favor da parte requerente da tutela questão que não admita prova em contrário
(presunção juris et de jure) e que seja suficiente para solucionar o feito; (v) o direito esteja
lastreado em prova emprestada, desde que no outro feito tenha sido observadas as garantias
fundamentais inerentes ao processo, sendo desnecessária nova produção de prova; (vi) nos
casos de decadência ou prescrição, situação em que a evidência beneficiará o réu, etc.97
Da análise do artigo 311, Marinoni concorda que direito evidente é aquele que
é demonstrado desde logo no processo, sem maiores dificuldades. Porém, acrescenta que para
a concessão da tutela de evidência, em todas suas hipóteses, juntamente com a evidência do
direito também será necessária a presença de uma defesa frágil, que, ao dilatar a demora do
processo, configura um abuso. Para o autor, “de lado o inciso I do art. 311 – que fala
expressamente em abuso de direito de defesa-, os demais incisos deste artigo representam
hipóteses em que o direito é evidente e a defesa de mérito deve ser frágil”98
.
Observando bem a essência da norma, pode-se admitir que as próprias
hipóteses de concessão de tutela de evidência trazidas pelos incisos do artigo 311 do CPC,
mesmo que não se trate de rol taxativo, já servem de parâmetro para se estabelecer a evidência
de um direito. Como exemplo, podemos citar o inciso II, no qual o direito será considerado
evidente quando as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e
houver tese jurisprudencial firmada em favor do requerente.
As hipóteses elencadas no art. 311 servem nitidamente para estabelecer uma
maior segurança sobre do conceito de evidência, criando certa previsibilidade acerca daquilo
96
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:
teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 617. 97
FUX, Luiz. Tutela da Segurança e Tutela de Evidência: fundamentos da tutela antecipada. São Paulo:
Saraiva, 1996, p. 313-317. 98
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017, p. 282.
36
que pode ser considerado evidente para fins de tutela provisória, pois, assim como ocorre em
relação à verossimilhança99
, o conceito de direito evidente é relativo, fluido, aquilo que é
evidente para um juiz, pode não ser para outro, sendo inconteste que a evidência guarda uma
subjetividade implícita, podendo se apresentar em diferentes níveis ou gradações dentro de
determinado processo.
E como sempre existe o risco da evidência se esvair durante a instrução
processual e a demanda ser julgada em desfavor daquele que conseguiu a tutela provisória,
esses parâmetros são essenciais para garantir uma aplicação mais segura da tutela sumária de
evidência.
No entendimento de Daniel Penteado é a junção da verossimilhança das
alegações com um novo elemento informador, que seriam aqueles trazidos pelos incisos do
art. 311, que configura a probabilidade do direito100
. Com base na teoria de Michele Taruffo,
Peteado afirma que “verossimilhança significa menos que probabilidade”, tendo a
probabilidade maior utilidade na cognição da tutela sem urgência, cabendo ao julgador ir além
da verossimilhança, a ponto de constatar o juízo de probabilidade. Ainda segundo Daniel
Penteado, “a tutela de urgência, na literal redação do art. 300, exige a demonstração de
probabilidade do direito, ao passo em que a tutela da evidência se reveste de alta
probabilidade”101
.
Leonardo Ferres da Silva Ribeiro, em obra coordenada por Luiz Rodrigues
Wambier e Teresa Arruda Alvim, afirma que “a evidência pode apresentar gradações”.
Exemplificando, afirma que no mandado de segurança existe a exigência de apresentação da
prova pré-constituída do direito líquido e certo pretendido, na tutela possessória a evidência é
aferida por meio do requisito temporal, já o inciso I do art. 311do NCPC estabelece a
99
CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 26. 100
Sobre tal tema, Daniel Penteado coloca que “o juízo de cognição sumária da antecipação de tutela desprovida
da urgência contém cortes cognitivos específicos a cada uma de suas hipóteses, de sorte que não obstante o
juízo de verossimilhança, a presença de um segundo elemento torna o direito de quem pede a medida mais
provável, o que justifica a antecipação, elementos esses que, (...), tratam do exame da cognição ligado (i) a
precedentes em julgamento de recurso especial ou extraordinário repetitivo, (ii) súmula do tribunal
hierarquicamente superior, (iii) abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório, (iv) súmula
vinculante e, em acréscimo ao texto do NCPC, (v) pedido reipersecutório e (vi) prova documental suficiente
dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha dúvida razoável”. Cf. CASTRO, Daniel
Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e perspectivas no novo
Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 244. 101
CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e
perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 221-222.
37
evidência do direito em razão da apresentação de defesa meramente procrastinatória,
chegando às novas hipóteses trazidas pelos incisos. II e IV do art. 311102
.
Fazendo uma classificação da evidência na apreciação do caso concreto,
Eduardo José da Fonseca Costa fala que o julgador pode se deparar com situações de: i)
“evidência positiva”, na qual deverá exteriorizar uma posição favorável a respeito da fumaça
do bom direito, citando, como exemplo, os casos de concessão tutela de evidência extremada
pura (sem urgência); ii) situações de “evidência negativa”, em que inexiste o direito evidente,
devendo ser adotada uma posição desfavorável ao pedido de tutela de evidência; iii) e
situações que denomina de “vazio de evidência” ou “evidência zero”, nas quais o juiz não
emite nenhum juízo de valor sobre a evidência do direito, conforme ocorre nos casos de
concessão de tutela de urgência extremada pura103
.
Ainda sobre o tema “prova e convencimento”, Marinoni prega que a prova
existe para convencer o juiz, não sendo admissível confundir a prova com o próprio
convencimento. “A prova é meio para convencer, de modo que a sua valoração é que pode
produzir convicção de probabilidade ou convicção suficiente para solução do litígio” 104
.
Do exposto, analisando-se as várias doutrinas elencadas, como também as
possibilidades de tutelas provisórias existentes em nosso ordenamento jurídico, agora melhor
sistematizadas no NCPC, longe de se querer fazer um juízo simplista acerca do tema, pode-se
dizer que a evidência, a probabilidade ou a verossimilhança decorrem diretamente das provas
apresentadas no processo, e podem se apresentar em vários níveis, porém, na prática, é muito
difícil fazer um escalonamento, pois tais elementos trazem uma grande carga de
subjetividade105
. Para fins práticos, o que realmente importa é que o magistrado profira sua
decisão de forma fundamentada, demonstrando claramente as suas razões de decidir, seja para
conceder ou denegar a tutela sumária requerida.
102
WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Temas essenciais do novo CPC:
análise das principais alterações do sistema processual civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, p. 183. 103
COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 94. 104
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2017, p. 141. 105
Para Cássio Scarpinella Bueno poderia até se criar um gráfico escalonando a intensidade de convencimento
do julgador, porém, na prática tal gradação não funciona. “Na prática, não é possível ligar à mente do
magistrado que analisa uma petição inicial de ação cautelar, de ação com pedido de tutela antecipada ou de
mandado de segurança, uns tantos conectores para que seja medido o grau ou intensidade de convencimento
que ele forma a partir do que é narrado e/ou documentado pelo autor. A questão, na realidade, tem de ser
resolvida de modo mais fácil. Ou bem o magistrado se convence suficientemente de que o requerente tem
algum direito já demonstrado (nem que seja retoricamente), e defere a providência jurisdicional de urgência,
ou não se convence, e indefere o pleito de urgência”. Cf. BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela Antecipada.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 36.
38
2.3.2 Grau de cognição nas tutelas de evidência e de urgência
No novo regime de tutelas provisórias é inconteste que as tutelas de urgência e
as tutelas de evidência possuem um elemento comum de cognição sumária. Porém, é de se
questionar se existe alguma diferença no nível de cognição realizado em cada uma delas106
.
É de se notar que não é apenas a desnecessidade da demonstração da urgência
que diferencia a tutela de urgência da tutela de evidência, mas, também, o grau de
profundidade da cognição vertical realizada pelo julgador107
. Mesmo que nas duas tutelas a
cognição seja sumária, não exauriente, na tutela de evidência se exige um conjunto probatório
bem mais robusto, que dê ao juiz condições de antecipar provisoriamente o desejo final da
parte mesmo que não exista urgência.
Essa maior profundidade cognitiva da tutela de evidência faz todo sentido.
Pois, muitas vezes, nas tutelas de urgência, o perigo da demora ao resultado útil do processo é
tão lesivo à parte, como nos casos de saúde108
, que o juiz se vê compelido a julgar mesmo
diante de frágil conjunto probatório, são os típicos casos de urgência extremada, em que se
admite, inclusive, que a tutela provisória de urgência seja concedida de forma antecedente,
prevista no art. 303 do CPC/2015, na qual a parte ajuíza a ação apenas com uma apresentação
mínima da lide, para só depois da concessão da liminar aditar a inicial, complementando a
demonstração dos fatos constitutivos do seu direito. Nesses casos a cognição é totalmente
sumária109
.
Porém, na tutela de evidência, tendo em vista a inexistência do perigo de dano
em sentido estrito, ela só será concedida se realmente houver uma análise mais profunda das
provas, as quais deverão espelhar a quase certeza do bem da vida pleiteado.
106
CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e
perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 220. 107
Aqui é feito uso da expressão “profundidade” em razão da limitação da cognição ser feita no plano vertical.
Conforme lembra Bruno Bodart sobre a lição de Watanabe, “a limitação probatória acarreta restrição vertical
à cognição (quanto à sua profundidade), na medida em que afetará todas as questões passíveis de apreciação
pelo magistrado. O autor, com acerto, reserva somente à restrição cognitiva vertical a expressão “cognição
sumária”. Cf. BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise
econômica do direito processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 44. 108
“Geralmente as petições iniciais narram situações de tensão em que a vida do autor está por um fio. Ora, o
bem jurídico aqui ameaçado é a vida, e lesões à vida não são reversíveis. Logo, o grau de periculum um mora
é máximo. Assim sendo, basta que o advogado – minimamente versado em linguagem emotiva – coloque
sobre o colo do juiz a vida do seu cliente e curve o magistrado a um único raciocínio: salve-se a vida; só após
se discuta o direito”. Cf. COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo:
Saraiva, 2011, p. 95. 109
KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. Conceituação e classificação da antecipação dos efeitos da
tutela, da tutela cautelar e da tutela de evidência. In: FREIRE, Alexandre et al (Orgs.). Novas Tendências do
Processo Civil - Estudos sobre o Projeto do Novo CPC. 1 ed. Salvador: Juspodivm, 2014. v. 2, p. 608.
39
Com base na lição de Cassio Scarpinella Bueno, pode-se falar que, além do
perigo de dano, o que diferencia as tutelas provisórias de urgência e de evidência é a
profundidade com que o juiz irá analisar as questões que lhe são apresentadas. Na tutela de
urgência, não havendo como se aprofundar na matéria, o juiz utiliza um grau menor de
intensidade, logo, ele decide mais pela aparência do que em uma certeza de fato110
.
Em explanação extremamente clara e coerente sobre o grau de cognição da
tutela de evidência, Marinoni afirma que para sua concessão o juiz tem cognição exauriente
sobre os fundamentos dos fatos constitutivos, enquanto terá uma cognição sumária em relação
ao fato impeditivo, modificativo ou extintivo, concluindo que a cognição é sumária apenas em
relação a uma parcela do mérito. Assim, a tutela de evidência possibilita ao juiz, em razão da
aparente incontrovérsia do fato constitutivo, antecipar a realização do direito, deixando para
um momento processual posterior a cognição da defesa de mérito que parece ser infundada111
.
É o que a doutrina processualista denomina de condenação com reserva de
exceções, pois ainda não se tem cognição exauriente sobre todos os fundamentos da defesa.
Segundo Chiovenda, tal tipo de decisão relativiza o princípio segundo o qual o juiz só deve
decidir após conhecer todas as exceções do réu. Na condenação com reservas a decisão é
proferida com base nos fatos constitutivos apontados pelo requerente, deixando-se para uma
fase posterior do processo a análise exauriente dos fatos impeditivos ou extintivos112
.
A figura da condenação com reserva de exceções ocorre toda vez que uma
decisão provisória puder ser imediatamente cumprida em razão do promovido não ter
apresentado defesa capaz de impor dúvidas ao direito do requerente, e, mesmo assim,
requereu-se a produção de provas complexas e demoradas, ficando para um momento
posterior a apreciação de tais questões113
.
Considerando o conceito de cognição vertical de Watanabe e o raciocínio de
Marinoni acima apresentado, podemos dizer que a cognição na tutela de evidência será mais
profunda do que na tutela de urgência, pois na primeira teremos uma cognição exauriente com
relação aos fatos constitutivos do direito do autor e uma cognição sumária apenas em relação
às alegações da defesa114
. Enquanto a tutela de urgência poderá ser concedida com uma
110
BUENO, Cassio Scarpinella. Tutela Antecipada. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 18. 111
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017, p. 285-286. 112
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de Paolo Capitanio. 4 ed.
Campinas: Bookseller, 2009, p. 313. 113
SILVA, Ovídio Baptista da. O contraditório das ações sumárias: Da sentença liminar à nulidade da
sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p 254. 114
Para Luiz Fux, como já visto no tópico 2.2, a tutela de evidência é totalmente exauriente, excluindo qualquer
cognição sumária, pois através da evidência do direito o objeto litigioso é integralmente apresentado ao juiz.
40
cognição sumária até mesmo dos fatos constitutivos do direito requerido, levando em conta o
valor da urgência.
Com pensamento semelhante, Leonardo Carneiro da Cunha, em trabalho preparado
para o I Congresso Argentina-Brasil de Direito Processual, afirma que a distinção entre a tutela de
urgência e a de evidência “está na profundidade da cognição exercida pelo juízo. Embora em ambos os
tipos de tutela a cognição seja sumária, há maior profundidade na cognição da tutela de evidência,
sendo menos profunda a da tutela da segurança”115
.
Contudo, só o tempo dirá se essa análise inicial mais profunda apenas sobre
parte do mérito poderá vir a ser empecilho para concessão da tutela de evidência, pois,
conforme pontua o Juiz Federal Bruno Bodart, fazendo uma reflexão sobre estudo realizado
por Richard Posner acerca do comportamento dos juízes, o magistrado normalmente é avesso
ao risco (risk-averse), e sem o conforto da certeza, a tendência do julgador é manter as coisas
como estão, tendo em vista a possibilidade de um arrependimento futuro116
.
Assim, a probabilidade de se proferir uma decisão equivocada é a mesma tanto no início como ao fim de uma
ampla tramitação. Cf. FUX, Luiz. Tutela da Segurança e Tutela de Evidência: fundamentos da tutela
antecipada. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 313. Em obra um pouco mais recente Fux afirma que a evidência do
direito gera uma "cognição exauriente imediata", a mesma que se conseguiria ao final de um processo com
demorada instrução. Cf. FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça, Brasília, ano 2, n. 16, p. 23-43, abril 2000. Disponível em:
<http://bdjur.stj.jus.br//dspace/handle/2011/894>. Acesso em: 23 fev. 2017. 115
CUNHA, Leonardo Carneiro da. Tutela Jurisdicional de Urgência - Relatório Nacional (Brasil). Civil
Procedure Review, v. 4, Special Edition: 263-309, 2013, p. 290. Disponível em <
http://www.civilprocedurereview.com/busca/baixa_arquivo.php?id=78&embedded=true> Acesso em 28 abr.
2017. 116
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito
processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 75.
41
3 A TUTELA DE EVIDÊNCIA E A PREVISÃO DO CPC/2015
Até o CPC/1973 a matéria da tutela de evidência era tratada de forma
desconexa e em dispositivos esparsos, conforme acima demonstrado, vindo o novo Código de
Processo Civil consolidar em um único dispositivo quatro hipóteses de concessão, das quais
duas delas, que são as previstas nos incisos II e IV, não possuíam qualquer referência no
ordenamento processual anterior117
.
Adentrando na previsão especificamente trazida pelo novo Código Processual
acerca da tutela de evidência, com foco na ideia da constitucionalização do processo civil,
expressamente reconhecida na própria mensagem do Senado que encaminhou o projeto de
novo Código de Processo Civil para promulgação118
, trataremos neste tópico especificamente
da tutela provisória de evidência insculpida no artigo 311, que define situações para sua
concessão:
Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração
de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório da parte;
II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e
houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do
contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto
custodiado, sob cominação de multa;
IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos
constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar
dúvida razoável.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir
liminarmente.
Da análise do caput do artigo, em sintonia com tudo que já foi exposto, logo se
percebe que uma das principais diferenças da tutela de evidência em relação à tutela de
urgência é a desnecessidade de demonstração do perigo de dano ou de risco ao resultado útil
do processo. Aqui a preocupação maior não é evitar o dano iminente, mas fazer com que a
parte requerente não seja obrigada a esperar demasiada e injustamente para ver seu direito
garantido e implementado quando o promovido não trouxe ou não tem condições de trazer aos
117
RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2 ed. rev. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016, p. 194. 118
CALHEIROS, R. Mensagem do Senado encaminhando o projeto de Novo Código de processo civil
aprovado para promulgação. Brasília, DF: Senado Federal, 2010: “As inovações vêm como forma de ajus-
te à promessa constitucional de razoável duração do processo”.
42
autos uma defesa, direta ou indireta, de mérito119
, capaz de pôr em dúvida o fato constitutivo
do bem da vida pretendido.
As hipóteses apresentadas pelo artigo 311 são tipicamente de antecipação de
tutela satisfativa, pois o que se busca proteger é a possiblidade de se usufruir do próprio
direito material, e não conservar a utilidade do processo, não podendo ser confundida com
uma tutela cautelar. Pois, apesar de existirem medidas cautelares que dispensam o periculum
in mora, o desiderato precípuo dessa é garantir o resultado útil do processo, situação
expressamente excluída pelo caput do artigo 311120
.
Quanto aos incisos, que não se trata de rol taxativo121
, tem-se que o texto
normativo apresentou parâmetros para construção do conceito de evidência, fala-se em tutela
provisória de evidência punitiva (art. 311, inc. I), quando ocorrer abuso do direito de defesa
ou o claro propósito protelatório, e em tutela documentada (art. 311, incisos II a IV), quando o
direito pleiteado se encontrar devidamente provado nos autos122
.
A hipótese do inciso I já encontrava previsão no revogado Código de Buzaid,
por meio do disposto no art. 273, II, conforme alteração trazida pela Lei nº 8.952/94123
. A
concessão da tutela de evidência fundada nesse inciso exige necessariamente o mau
119
Defesa de mérito direta é aquela em que o réu nega a existência do direito do autor por inexistência de fato
constitutivo do direito alegado, já a defesa de mérito indireta é aquela em que o réu apesar de reconhecer o
fato constitutivo do direito do autor, alega fato modificativo, extintivo ou impeditivo deste. 120
Nesse sentido, Humberto Theodoro fala que “a fungibilidade só é pensada, com propriedade, nas medidas
conservativas (cautelares), em que o interesse gira em torno de proteger a eficácia do processo. Na tutela da
evidência é o pedido substancial da parte que se intenta proteger, não havendo como substituir o objeto da
tutela, sem comprometer a liberdade do autor de definir o objeto litigioso e de pleitear o remédio processual
que entenda útil à sua defesa. Ou se acata o pedido da parte, ou lhe nega acolhida. Não há como decretar, por
iniciativa do juiz, medida satisfativa diversa daquela requerida pela parte. Pode deferi-la em parte, mas não
substituí-la por outra completamente distinta. Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito
Processual Civil: Teoria Geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento
comum. 57 ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. 1, p. 693. 121
A doutrina é pacífica ao reconhecer que o rol do art. 311 não é taxativo, porém, alguns doutrinadores já
apresentam críticas à estrutura do dispositivo, dentre eles podemos citar Daniel Assumpção, que afirma que
“já que o legislador criou um artigo para prever as hipóteses de tutela da evidência, deveria ter tido o cuidado
de fazer uma enumeração mais ampla, ainda que limitada a situações previstas no Código de Processo Civil.
Afinal, a liminar da ação possessória, mantida no Novo Código de Processo Civil, continua a ser espécie de
tutela de evidência, bem como a concessão do mandado monitório e da liminar nos embargos de terceiro, e
nenhuma delas está prevista no art. 311 do Novo CPC. A única conclusão possível é que o rol de tal
dispositivo legal é exemplificativo”. Cf. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito
processual civil. 8 ed. Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 910. 122
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:
teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 620 123
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela
pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da
alegação e: [...] II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do
réu.
43
comportamento do réu, vislumbrado no abuso de direito ou manifesto propósito
protelatório124
.
No inciso II, o legislador seguiu o caminho da valorização das decisões
prolatadas pelos Tribunais Superiores. Da dicção legal pode-se extrair que a hipótese exige
não só que a tese esteja firmada em “julgamento de casos repetitivos”125
e em súmula
vinculante, mas também que a prova seja exclusivamente documental.
Para Daniel Mitidiero, a correta leitura desse dispositivo legal autoriza a
concessão da tutela de evidência no caso de haver precedente do STF ou do STJ, ou ainda
jurisprudência firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas nos Tribunais de
Justiça ou nos Tribunais Regionais Federais, precedentes que podem ou não ser oriundos de
casos repetitivos e podem ou não ter adequadamente suas razões retratadas em súmulas
vinculantes126
.
No inciso III está prevista a tutela de evidência em favor do depositante, que
vem para substituir a anteriormente denominada “ação de depósito”, descrita nos artigos 901 a
906 do CPC/1973, trazendo como principais inovações a exclusão do curto prazo para
contestação e a eliminação da previsão de prisão civil do depositário infiel127
.
Ao final, temos a hipótese no inciso IV, o qual prevê a possibilidade de
concessão da tutela quando “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente
dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar
dúvida razoável”.
124
Daniel Mitidiero discorda da tese de que o art. 273, II, do CPC/73 tinha caráter sancionador, afirmando que
“a finalidade da tutela antecipada baseada no art. 273, II, do CPC, não está em sancionar o comportamento do
litigante de má-fé, a propósito, a legislação alça mão de outras técnicas processuais – como, por exemplo, a
sanção por ato atentatório à dignidade da jurisdição (art. 14, parágrafo único, do CPC/73) e a
responsabilização por dano processual (art. 16 do CPC/73)”. Continua Mitidiero afirmando que “a tutela
antecipatória fundada no art. 273, II, do CPC, não pode ser tomada como tutela antecipatória sancionadora.
Não é essa sua natureza. A tutela antecipatória fundada em abuso do direito de defesa ou manifesto propósito
protelatório do réu constitui mais propriamente tutela antecipatória fundada na maior probabilidade de
veracidade da posição jurídica de uma das partes. Trata-se de tutela antecipatória da simples evidência”. Cf.
MITIDIERO, Daniel. Tendências em matéria de tutela sumária: da tutela cautelar à técnica antecipatória.
Revista do Processo, ano 36, v. 197, p. 42-43, jul. 2011. No mesmo sentido temos OLIVEIRA, Carlos
Alberto Álvaro de. Perfil dogmático da tutela de urgência. Revista da Ajuris, Porto Alegre, n. 70, jul. 1997,
p. 222. MARINONI , Luiz Guilherme. Antecipação da tutela. 11 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2009, p. 276. Em sentido contrário, além de Fredie Didier, como adiante demonstrado, temos LOPES, Bruno
Vasconcelos Carrilho Lopes. Tutela antecipatória sancionatória. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 55. 125
De acordo com o art. 928 do CPC, considera-se “julgamento de casos repetitivos” a decisão proferida em
incidente de resolução de demandas repetitivas, como também em recursos especial e extraordinário
repetitivos. 126
MITIDIERO, Daniel. Comentário ao artigo 311. In.: DIDIER JR., Fredie et al (coords). Breves comentários
ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, p.796. 127
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito
processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 128-131.
44
Com efeito, é de se notar que as expressões usadas no referido inciso são
bastante vagas, necessitando-se, inevitavelmente, de uma atividade valorativa do juiz. Razão
pela qual, nesses casos, recai para o julgador um ônus argumentativo ainda maior, sendo
imprescindível que esse “indique a razão pela qual entendeu que o direito alegado pelo autor é
baseado em prova documental „suficiente‟ e por que concluiu não ter o réu logrado opor prova
capaz de gerar dúvida razoável”, sob pena de violar o art. 93, IX, da CF e o art. 489, §1º, do
Código de Processo128
.
Em seu o parágrafo único, o artigo em comento, prevê que, nas hipóteses dos
incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente, deixando claro que a intenção do
legislador infraconstitucional era dar celeridade à atividade jurisdicional. Sendo, portanto,
exceção à regra geral do art. 10 da Lei nº 13.105/15, que prestigia o contraditório como meio
de influência e proíbe que o juiz profira decisões-surpresa.
Sem dúvidas a redação do artigo 311 deixa transparecer o intento do novo
código em fomentar uma adequação das novas normas processuais à Constituição Federal,
buscando um sistema mais coeso e rápido, capaz de proporcionar um processo mais célere e
justo, a partir dos princípios fundamentais previstos na Carta Maior, que se refletem na
garantia do processo legal129
. Para isso, é imprescindível a estrita observância do princípio da
fundamentação das decisões judiciais, em que a importância da fundamentação reside na
necessidade de se preencher conceitos vagos, na justificação da decisão perante as partes do
processo e a sociedade, legitimando a atividade do Estado-juiz130
.
Apesar de em uma primeira leitura o referido dispositivo parecer até simplório,
ele guarda certo grau de complexidade e pode envolver vários direitos fundamentais
constitucionalmente previstos, merecendo um estudo acurado de cada um dos seus incisos e
do parágrafo único.
128
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito
processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 134-135 129
VITOVSKY, Vladimir Santos. O acesso à justiça no novo código de processo civil: continuidades,
inovações e ausências. Revista CEJ, Brasília, Ano XIX, n. 67, p. 7-17, set./dez. 2015 130
OLIVEIRA NETO, Olavo. Princípio da fundamentação das decisões judicias. In: OLIVEIRA NETO, Olavo;
LOPES, Maria Elizabeth Castro (orgs.). Princípios processuais civis na Constituição. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2008, p. 203.
45
3.1 TUTELA DE EVIDÊNCIA EM RAZÃO DO ABUSO DO DIREITO DE DEFESA OU O
MANIFESTO PROPÓSITO PROTELATÓRIO
Como já visto a tutela de evidência não se fundamenta em fato que aponta
situação geradora de perigo, sendo bastante para a prestação da tutela diferenciada a suficiente
comprovação do direito material da parte.
Aqui é patente o compromisso da técnica processual com a efetivação do
direito material e observância da realidade social, pois a norma processual não pode ser
considerada como um fim em si mesmo, sendo sempre dirigida a um determinado fim, que,
no presente caso, é o equilíbrio dos efeitos do tempo no processo observando o reprovável
comportamento de uma das partes ao buscar sua defesa, havendo quem fale em tutela de
evidência punitiva131
.
Não se pode permitir que a injustificada resistência em juízo seja uma fonte de
vantagens para aquela parte que, mesmo sem possuir qualquer elemento relevante para sua
defesa, tenta a todo custo dilatar o trâmite do processo. Assim, a tutela de evidência surge
como um instrumento processual capaz de desestimular o mau comportamento processual
daquele que as evidências dos autos militam em seu desfavor, fomentando, inclusive, a
solução do conflito por meio do “sistema multiportas”132
.
Se alguma das partes do processo rompe com o dever de boa-fé, tomando
atitudes fora do parâmetro da razoabilidade, seja dentro ou fora do processo, mas que afetem a
marcha desse, ela deve ser responsabilizada, não podendo se admitir a prática de atos que não
vão ajudar na solução da lide133
.
De uma forma geral, o mau comportamento da parte que está se defendendo
fica caracterizado quando a defesa é abusiva, anormal, inadequada, com o claro propósito de
frustrar ou atrasar a entrega da tutela jurisdicional, o que pode correr de várias formas.
131
Em seu curso de direito processual, Fredie Didier aponta que “Trata-se de tutela de evidência punitiva, que
funciona com o uma sanção para apenar aquele que age de má-fé e, sobre tudo, que impõe empecilhos ao
regular andamento do feito, comprometendo a celeridade e lealdade que lhe devem ser inerentes. Cf. DIDIER
JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil: teoria da
prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da
tutela. 10 ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 620. Em sentido um pouco diferente, Cassio Scarpinella Bueno
afirma que “o réu que litiga de má-fé deve ser sancionado como tal, nos moldes do art. 81. Isto, contudo,
nada revela sobre o direito do autor ser mais ou menos evidente para quaisquer fins, inclusive para a
concessão da tutela em exame. Por isto, é mister conjugar os casos do inciso I do art. 311 com a exigência
genérica do caput do art. 300”. Cf. BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil:
inteiramente estruturado à luz do novo CPC, de acordo com a Lei n. 13.256, de 4-2-2016. 2 ed. rev., atual. e
ampl. – São Paulo: Saraiva, 2016. 132
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito
processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 112. 133
OTEIZA, Eduardo. Abuso de los derechos procesales en America Latina. In: BARBOSA MOREIRA, José
Carlos. Abuso dos direitos processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 21.
46
Sobre as expressões trazidas no inciso I do art. 311 (abuso do direito de defesa
ou manifesto propósito protelatório da parte), o saudoso Teori Zavascki, ainda sob a égide do
código revogado, lecionava que o abuso de direito de defesa e manifesto propósito
protelatório possuem sentidos diferentes, pois, o primeiro abrange atos de defesa praticados
no interior do processo, incluindo os atos protelatórios praticados no processo. Já o manifesto
propósito protelatório se reporta aos comportamentos fora dos autos, como, por exemplo,
simulação de doença, ocultação de prova134
.
Boa parte da doutrina, seguindo a lição de Zavascki e visando tratar o tema de
forma detalhada, interpreta o inciso I do art. 311 considerando que o abuso de direito de
defesa se refere aos atos protelatórios praticados no processo, enquanto que o manifesto
propósito protelatório diz respeito aos atos ou omissões externas ao processo, mas que podem
gerar consequências a ele.
Leonardo Ferres Ribeiro lembra que “o réu pode até apresentar defesa técnica
adequada e mesmo assim abusar do direito de defesa, que deve ser lido consoante o princípio
da ampla defesa”, continua o autor afirmando que “a defesa stricto sensu pode até ser
adequada, porém ficar evidenciado, por sua conduta, o manifesto propósito protelatório,
como, e.g., insistir em discutir matéria preclusa, repetir alegações indeferidas, fazer reiteradas
cargas, repetir recursos que foram inadmitidos”135
.
Em sentido semelhante, Bruno Carrilho Lopes entende que expressão "abuso
de direito de defesa" deve ser encarada amplamente, alcançando além dos abusos e excessos
praticados em sede de contestação, toda e qualquer manifestação da parte, citando como
exemplo o uso infundado de incidentes processuais, tendo em vista a possibilidade de
suspensão do processo principal, manejo de recursos protelatórios ou a insistência na oitiva de
testemunha desnecessária136
.
O professor José Bedaque destaca que defesa abusiva é aquela carente de
seriedade, que demonstra uma conduta incorreta da parte, semelhante às condutas
apresentadas nos dispositivos que versam sobre a litigância de má-fé137
. Por sua vez, Flávio
134
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação de Tutela. 2 ed., São Paulo: Saraiva 1999, p . 77. 135
RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2. ed. rev. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 195. 136
LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Tutela antecipatória sancionatória. São Paulo: Malheiros, 2006, p.
23. 137
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência
(tentativa de sistematização). 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 355.
47
Luiz Yarshell e Helena Abdo apontam que o manifesto propósito protelatório faz parte do
abuso de direito de defesa138
.
Por qualquer prisma que se observe o tema, temos que a intenção do instituto é
preservar e estimular a boa-fé processual. Devendo o inciso I do art. 311 ser interpretando
juntamente com o art. 6º, que fala do dever de cooperação entre as partes, e artigos 77 e 88,
que tratam, respectivamente, dos deveres das partes e da litigância de má-fé, todos do
CPC/2015.
Apresentando uma opinião crítica sobre a redação do inciso I do art. 311,
Daniel Amorim Assumpção Neves aduz que, assim como ocorre nas outras três hipóteses
trazidas pelo artigo 311, no inciso I também deveria constar expressamente a exigência de
demonstração da probabilidade do direito, não sendo suficiente para concessão da tutela de
evidência apenas o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte.
Concluindo que no caso em estudo “deve o juiz se valer, por analogia, do art. 300, caput, do
Novo CPC, concedendo tal espécie de tutela apenas se houver nos autos elementos que
evidenciem a probabilidade do direito”139
.
A observação de Daniel Assumpção é acertada do ponto de vista literal, porém,
como bem destaca Humberto Theodoro Júnior, qualquer tipo de tutela provisória, incluindo a
de evidência, sempre irá necessitar da demonstração do fumus boni iuris, pois, sem prova do
direito pretendido, mesmo que seja muito superficial, como ocorre nos casos de tutela de
urgência extremada, não se pode alcançar um provimento de caráter provisório, seja de
urgência ou de evidência140
.
Mesmo que o inciso I não fale em prova documental, a necessidade de sua
apresentação faz parte da sua essência. Sendo indiscutível que na presente hipótese de tutela
de evidência deverá ser feito um juízo cognitivo tanto sobre os elementos de prova trazidos
pela parte requerente da tutela, como também sobre a conduta da parte requerida ao apresentar
e requerer seus elementos de defesa no processo.
A nosso ver, especificamente com relação ao abuso do direito de defesa ou
manifesto propósito protelatório, pode-se considerar que para fins práticos do tema em estudo
ambos se confundem e configuram o mau comportamento do litigante, pois, independente da
138
YARSHELL, Flávio Luiz e Abdo, Helena. As questões não tão evidentes sobre a tutela de evidência. In:
BUENO, Cassio Scarpinella et al (Coords.). Tutela Provisória no novo CPC: dos 20 anos de vigência do
art. 273 do CPC/1973 ao CPC/2015. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 457. 139
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm,
2016, p. 509. 140
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do direito processual
civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,
2016. v. 1, p. 694.
48
interpretação que se dê a cada uma das expressões, as quais carregam conceitos vagos, a
intenção sempre será de procrastinar o processo em desfavor daquela parte que possui uma
razão evidente. Sendo, indubitavelmente, sempre necessária a demonstração da probabilidade
do direito pretendido, mesmo que tal exigência não conste expressa na norma.
Sem atribuir maior importância à distinção entre abuso de defesa e manifesto
propósito protelatório, por considerar que aos dois se pode dar um mesmo sentido geral, Luiz
Guilherme Marinoni, dando ênfase à necessidade da presença de uma defesa frágil para
possibilitar a concessão da tutela provisória de evidência, afirma que o inciso I do art. 311 é a
base da tutela de evidência141
. Seguindo o raciocínio de Marinoni, pode-se colocar o inciso I
como um vetor para o maior alcance da tutela de evidência, pois, caso não existisse tal inciso,
as possibilidades de concessão da tutela seriam indevidamente reduzidas.
Sobre o alcance do inciso I do art. 311, Daniel Penteado entende que sua
previsão também abarcaria a situação trazida pelo inciso IV do mesmo artigo, uma vez que a
conduta do réu em não opor prova capaz de gerar dúvida razoável acerca do direito pretendido
se aproxima dos comportamentos tipificados como abuso do direito de defesa e manifesto
propósito protelatório. Para o referido autor, dentro da concepção de abuso do direito de
defesa e manifesto propósito protelatório, os quais encara como expressões sinônimas que se
assemelham às condutas ligadas à litigância de má-fé prevista nos artigos 79 a 81 do CPC,
também se compreende todas aquelas condutas que se caracterizem como resistência
injustificada ao andamento do processo142
.
Dando grande atenção ao tema, Bruno Bodart afirma que o CPC/2015 deveria
ter expressamente permitido ao juiz a possibilidade de concessão da tutela de evidência
sempre que fosse apresentada defesa manifestamente infundada ou quando notória a prática
de atos incompatíveis com o bom andamento processual, independentemente da observância
do componente subjetivo do réu ou do seu advogado. O citado autor, reconhecendo a tutela de
evidência do inciso I como uma sanção em razão do comportamento desleal, e revendo seu
141
Fundamentando seu raciocínio, Marinoni diz que “na verdade, caso o art. 311 fosse um mero amontoado de
exemplos, haveria uma simples descrição de hipóteses traçadas em privilégio de determinados titulares de
documentos ou contratos. Assim, caso não existisse o inciso I, ou melhor, a cláusula geral da tutela de
evidência, a oportuniza-la em todos os casos em que o há direito evidente e defesa inconsistente que exige
instrução dilatória, haveria violação da isonomia. Não é por outro motivo que o inciso I do art. 311 deve ser
visto como uma regra geral de democratização do processo – que viabiliza técnica processual idônea a toda e
qualquer situação de direito substancial. Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de
evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 333. 142
CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e
perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: Jus Podivm, 2017, p. 239-242.
49
próprio entendimento em obras anteriores, conclui que “a melhor interpretação conferida ao
art. 311, inc. I, do CPC/2015 é a que admite a sua prolação de ofício”143
.
Em que pese a louvável intenção de desencorajar a má-fé processual por
intermédio da possibilidade da concessão de ofício da tutela de evidência, parece não ser
plausível a concessão de uma tutela provisória nos casos em que a parte interessada não a
tenha requerido. Em primeiro lugar, porque vai estar se concedendo ao magistrado um poder
que não foi expressamente previsto pela norma processual, não podendo tal possibilidade
nascer de uma construção doutrinária, como também pelo fato de existirem situações em que
não é interessante para o litigante ficar sob a incerteza de uma decisão provisória, sendo
preferível aguardar o exame de mérito da demanda144
.
O pedido da tutela de evidência deve ser visto como uma faculdade da parte. E
o simples fato de existir a possibilidade do seu requerimento já é uma forma de desestimular
práticas abusivas e protelatórias, fazendo com que a parte adversária pense melhor antes de
realizar atos contra a efetividade do processo, tendo em vista os efeitos decorrentes da tutela
provisória, como é o caso, por exemplo, da não atribuição do efeito suspensivo ao recurso de
apelação, conforme previsto no inciso V do §1º do art. 1.012 do CPC/2015.
Assim, toda vez que for posto em juízo um direito evidente e a defesa
apresentada, mesmo sendo inconsistente suscitar a necessidade de produção de prova, poderá
ser concedida a tutela de evidência com base no inciso I do art. 311, desde que requerida pela
parte interessada. Pouco importando se a conduta do ex adverso deve ser definida como abuso
do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório, pois, em essência, o que se busca é
evitar que o litigante com notória razão aguarde demasiadamente para usufruir do seu
direito145
.
143
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito
processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 116-117. 144
É muito comum nas ações judiciais em que se pleiteia o direito de nomeação em razão de aprovação em
concurso que o autor não requeira nenhuma tutela provisória em razão de já exercer outro cargo público
efetivo, tendo em vista o receio de pedir exoneração do cargo anterior e tomar posse no novo cargo na
situação de sub judice e posteriormente a decisão provisória ser reformada, perdendo, assim, os dois
vínculos. 145
Para Daniel Penteado, a medida trazida pelo inc. I do art. 311 também “pode ser concedida liminarmente,
mormente em situações que o réu apresentar qualquer dificuldade apta a obstar o ato de citação, embaraço
que, não obstante viabilize a citação ficta, também não impede a antecipação de tutela jurisdicional. Cf.
CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e
perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 241.
50
3.2 TUTELA DE EVIDÊNCIA QUANDO AS ALEGAÇÕES DE FATO PUDEREM SER
COMPROVADAS APENAS DOCUMENTALMENTE E HOUVER ORIENTAÇÃO
JURISPRUDENCIAL CONSOLIDADA
Por meio do inciso II do art. 311 do CPC ficou estabelecida a possibilidade de
concessão da tutela de evidência quando “as alegações de fato puderem ser comprovadas
apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em
súmula vinculante”. Conforme se observa da redação legal, são exigidos dois pressupostos
cumulativos para concessão da medida.
Busca-se por intermédio dessa modalidade de tutela proteger de forma imediata
o bem da vida discutido, independentemente de qual seja sua natureza, desde que a
probabilidade do direito possa ser satisfatoriamente comprovada por meio de documentos e
exista orientação jurisprudencial consolidada sobre o tema. A prova documental deve ser
idônea, capaz de demostrar, mesmo em uma análise preliminar, que a pretensão é viável146
.
A hipótese de tutela de evidência aqui tratada não possui referência no antigo
Código de Processo Civil, sendo reconhecidamente uma novidade trazida pelo CPC/2105.
Conforme leciona Daniel Assumpção, a nova possibilidade exige a “probabilidade tanto no
aspecto fático como no jurídico, exigindo prova documental para comprovar os fatos alegados
e tese jurídica já firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante”147
.
Com relação ao pressuposto da prova documental, a doutrina não apresenta
observações palpitantes, sendo pacífico que a prova documental exigida é aquela capaz de
demonstrar, já naquele momento processual, a probabilidade do direito almejado148
. A prova
documental, ou documentada, além de ser robusta e confiável, deve corroborar com os
argumentos da parte requerente da tutela, demonstrando a possibilidade de sua concessão.
Por outro lado, a segunda parte do inciso em estudo merece uma análise mais
minuciosa, e já vem fomentando interessantes discussões no meio acadêmico. Para sua correta
aplicação se faz necessária uma interpretação conjunta e sistemática do novo Código de
146
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Simplificação e adaptabilidade no anteprojeto do novo CPC. In: FUX,
Luiz (coord.). O novo processo civil brasileiro: Direito em expectativa. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.
81. 147
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm,
2016, p. 510. 148
De acordo com Lucas Buril “a primeira exigência é de que se trate de situação fática de baixa complexidade
probatória, que são aquelas possíveis de serem suficientemente provadas por meio de documentos. A prova
documental, nessas hipóteses, tem eficácia probatória suficiente para formar a convicção muito próxima da
convicção de verdade quanto à existência do fato constitutivo. São exemplos desses casos os relativos a
vantagens de algum cargo, onde basta a comprovação da condição de servidor público, ou que partam do
pressuposto da conclusão de uma relação jurídica, onde o recibo é suficiente”. Cf. MACÊDO, Lucas Buril.
Antecipação da Tutela por Evidência e os Precedentes obrigatórios. Revista do Processo, v. 242, p. 523-552,
abr. 2015.
51
Processo Civil e da Constituição Federal, reconhecendo o papel dos precedentes obrigatórios
dentro do atual panorama processual, no qual ganha relevo a figura da ratio decidendi
desenvolvida para solução de cada conflito.
Em razão da ratio decidendi e de sua importância dentro do sistema de
precedentes, temos que as meras circunstâncias fáticas que adornam o caso concreto, e que
também são partes integrantes do julgado, não possuem o poder de formar um precedente
obrigatório, pois o que constrói o precedente é a razão de decidir em si, ou seja, a
própria ratio decidendi149
.
Ao se invocar um precedente para fundamentar um pedido de tutela evidência,
o requerente deverá demonstrar a similitude do seu caso com a razão de decidir do paradigma
suscitado, não bastando que sejam parecidos apenas em aspectos fáticos, mas também os
fundamentos jurídicos150
.
Ratificando a importância dos precedentes dentro do atual panorama
constitucional e processual, em que se busca uma maior segurança jurídica na prestação
jurisdicional, o artigo 926 do CPC/2105 traz a previsão de que “os tribunais devem
uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”151
, surgindo
expressamente um dever de autorreferência para as cortes julgadoras, as quais devem dialogar
com os seus precedentes, nascendo para o julgador um maior ônus argumentativo, pois, só
assim, poderá realizar o devido distinguishing.
Conforme lembra Estefânia Maria de Queiroz Barboza, os precedentes devem
ser respeitados, podendo até haver sua justificada superação/revogação, mas jamais podem ser
ignorados152
.
Dentro dessa ideia da integridade e coerência, Fredie Didier153
aponta que se
encaixa muito bem a lição de Dworkin segundo a qual a construção judicial do Direito é um
149
TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 14 150
Para Daniel Penteado de Castro “a cognição exercida quando do juízo antecipação de tutela fundada em
precedente ou súmula lastreia-se no (i) cotejo do enunciado de súmula ou precedente com o caso concreto, e,
ainda, no exame (ii) das provas coligidas suficientes a comprovar que o requerente da medida efetivamente
se equipara a idêntica situação jurídica tratada, a fazer jus à antecipação, na forma que restou anteriormente
decidida no precedente paradigma ou que o pedido esteja em consonância com o enunciado de súmula do
tribunal ou súmula vinculante”. Cf. CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito
da urgência: panorama geral e perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017,
p. 234. 151
Conforme o enunciado n. 166 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, aprovado no Rio de Janeiro em
25-27 de abril de 2014, “a aplicação dos enunciados das súmulas deve ser realizada a partir dos precedentes
que os formaram e dos que os aplicaram posteriormente”. Disponível em <http://portalprocessual.com/wp-
content/uploads/2015/06/Carta-de-Vitória.pdf>. Acesso em 28 Mar. 2017. 152
BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes judiciais e segurança jurídica: fundamentos e
possibilidades para a jurisdição constitucional brasileira. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 235
52
romance em cadeia, no qual cada julgador redige um capítulo, sem deixar, porém, de dialogar
com o capítulo anterior154
. Ou seja, a cada nova decisão os magistrados não podem
simplesmente romper com os fundamentos e entendimentos anteriores, sem antes demonstrar,
fundamentadamente, as razões da mudança na razão de decidir.
Dentro de tal contexto, o inciso II do artigo 311 vem para sacramentar a
importância dos precedentes dentro do nosso mais novo ordenamento processual, pois passa a
considerar a evidência não só pelo prisma fático-probatório, como também pelo seu aspecto
jurídico. Em razão da força jurídica das teses firmadas em julgamento de casos repetitivos ou
em súmula vinculante, juntamente com a prova documental colacionada, possibilita-se a
imediata concessão da tutela de evidência pretendida.
Sobre a importância da criação da possibilidade da concessão da tutela
provisória de evidência em razão da orientação jurisprudencial dos tribunais superiores, Lucas
Buril saliente que: “seria um completo disparate não incluir a tutela antecipada de evidência
no contexto do dever de seguir precedentes obrigatório”155
.
Sem dúvidas a hipótese de que o inciso II, interpretada conjuntamente com os
artigos 926 e 927 do CPC/2015, veio contribuir diretamente para que as instâncias julgadoras
consigam desenvolver seus julgados de forma coerente, passando a observar a evidência do
direito da parte também sob o aspecto jurisprudencial consolidado pelos tribunais156
.
Porém, para Luiz Guilherme Marinoni a inovação trazida pelo inciso II do art.
311 só terá algum valor se for interpretada sob a ótica de que mesmo existindo alegações
provadas documentalmente e respaldadas por entendimento de Corte Suprema, a tutela de
153
DIDIER JR., Fredie. Sistema brasileiro de precedentes judiciais obrigatórios e os deveres institucionais dos
tribunais: uniformidade, estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência. Revista da Faculdade
Mineira de Direito, Belo Horizonte, v. 18, n. 36, p. 114-132, dez. 2015. Disponível em:
<http://periodicos.pucminas.br/index.php/Direito/article/view/P.2318-7999.2015v18n36p114/11168>.
Acesso em: 28 Mar. 2017. 154
DWORKIN, Ronaldo. O Império do Direito. Jeferson Luiz Camargo (trad.). São Paulo: Martins Fontes,
2003, p. 275-277 155
MACÊDO, Lucas Buril. Antecipação da Tutela por Evidência e os Precedentes obrigatórios. Revista do
Processo, v. 242, p. 523-552, abr. 2015. 156
Indubitavelmente o movimento de fortalecimento dos precedentes vem aproximando cada vez mais a nossa
tradição de civil law da tradição do common law, onde a interpretação dada ao direito pelo Tribunais
Superiores passa a ser encarada como algo dotado de normatividade. Sobre o tema, Daniel Mitidiero leciona
que “existe uma recíproca aproximação entre as tradições de civil law e de common law no mundo
contemporâneo. De um lado, a tradição do common law cada vez mais trabalha com o direito legislado,
fenômeno que já levou a doutrina a identificar a statutorification do common law e se perguntar a respeito de
qual o lugar do common law em uma época em que cada vez mais vige o statutory law. De outro, a tradição
de civil law cada vez mais se preocupa em assegurar a vigência do princípio da liberdade e da igualdade de
todos perante o direito trabalhando com uma noção dinâmica do princípio da segurança jurídica, o que
postula a necessidade de acompanharmos não só o trabalho do legislador, mas também as decisões dos
tribunais, em especial das Cortes Supremas, como expressão do direito vigente.” Cf. MITIDIERO, Daniel.
Precedentes, Jurisprudência e Súmulas no Novo Código de Processo Civil Brasileiro. Revista do Processo,
ano 40, v. 245, jul. 2015, p. 333-334.
53
evidência só poderá ser concedida se as alegações de defesa, mesmo despidas de seriedade,
exigirem dilação probatória157
. Caso contrário, a tese firmada em julgamento de casos
repetitivos ou em súmula vinculante serviria apenas para possibilitar o julgamento antecipado
do mérito158
.
Outro ponto polêmico que envolve a presente possibilidade de tutela de
evidência é a limitação de sua aplicação apenas aos casos repetitivos ou à súmula vinculante,
pois, como bem alerta Marinoni, “a ideia de súmula vinculante e de decisão tomada em casos
repetitivos indica meros exemplos do entendimento das Cortes Supremas, que, mais do que
em qualquer outro lugar, está em seus precedentes”159
.
Logo, partindo da concepção de que o inciso aqui estudado vem para prestigiar
a cultura dos precedentes, alguns autores já começam a suscitar críticas acerca da redação do
dispositivo. Afirmando-se que tal norma não pode ser interpretada de forma literal e restritiva,
devendo-se possibilitar sua aplicação sempre que os fatos estejam documentalmente provados
e exista tese firmada nas demais hipóteses de precedentes obrigatórios, como aqueles
elencados no art. 927 CPC160
.
Nesse mesmo sentido, Fredie Didier sustenta que todos os precedentes
vinculantes também devem ser considerados para concessão da tutela de evidência, pois, para
a formação da ratio decidendi do precedente já foi realizado exauriente debate sobre os
principais fundamentos acerca do tema em questão, sendo desnecessária sua revisitação nos
demais casos concretos que a ele se amoldem161
. Por consequência, as possibilidades de
defesa da parte contra a qual se requer a tutela de evidencia podem ser sensivelmente
reduzidas, pois, como dito, os principais argumentos sobre o tema já foram discutidos no
precedente162
.
157
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017, p. 335. 158
Discorrendo sobre o tema, Daniel Amorim Assumpção frisa que “sendo os fatos alegados pelo autor provados
documentalmente, salvo na hipótese de o réu alegar defesa de mérito indireta, com fato modificativo,
extintivo ou impeditivo do direito do autor, que demande produção de prova oral ou pericial, essa hipótese de
tutela de evidência só terá sentido se for concedida liminarmente, porque após a citação e defesa do réu será
caso de julgamento antecipado da lide”. Cf. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo
Civil Comentado. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 511. 159
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017, p. 334-335. 160
MACÊDO, Lucas Buril. Precedentes judiciais e o Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2014, p.
544-545. 161
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:
teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 625. 162
“Cabe ao sujeito processual que viu a tutela de evidência fundada em precedente obrigatório ser concedida
em seu desfavor uma argumentação dialética. Os caminhos argumentativos, embora mais restritos, são ainda
vários, cabendo-lhe: (a) demonstrar o erro na interpretação do precedente judicial pelo magistrado do caso,
54
Para Daniel Amorim Assumpção: “o legislador poderia ter sido mais incisivo
na abrangência do dispositivo, considerando também as súmulas persuasivas e a
jurisprudência dominante, ainda que somente dos tribunais superiores”. Sustentando seu
posicionamento, o referido autor lembra que o art. 332, inciso IV, do CPC permite ao juiz
julgar liminarmente improcedente o pedido que contrariar mero enunciado de súmula de
tribunal de justiça sobre direito local, sendo, assim, um contrassenso cobrar para a concessão
da tutela de evidência o embasamento em uma tese firmada em súmula vinculante, enquanto
se permite uma decisão liminar de improcedência por ter contrariado uma súmula de tribunal
de justiça 163
.
O raciocínio é bem simples, pois, quem pode o mais, pode o menos. Se o art.
332 dá ao magistrado a possibilidade de prestar tutela definitiva com lastro em súmulas não
vinculantes do STF e do STJ ou em enunciado de tribunal de justiça sobre direito local,
também se deve permitir a concessão da tutela provisória com base em tais hipóteses de
vinculação mais fraca164
.
Analisando os fundamentos trazidos pela doutrina sobre a extensão da
aplicação da tutela de evidencia baseada em documentos e em entendimento jurisprudencial, é
de se reconhecer que a redação do inciso foi muito tímida e que se esse for interpretado de
forma restritiva irá frustrar a sua razão de existir, que é reconhecer e recepcionar a força dos
precedentes na formação do direito evidente165
.
Para uma aplicação mais segura da tutela, uma parcela da doutrina afirma que é
necessário observar se já houve o trânsito em julgado dos precedentes decorrentes de recurso
especial ou extraordinário repetitivo, como também daqueles formados em sede de resolução
pugnando por seu afastamento ou adequação; (b) demonstrar a erosão do precedente, alicerçada por
relevantes mudanças contextuais, ou o erro da tese firmada, a determinar sua superação; (c) demonstrar uma
distinção relevante entre a hipótese fática da ratio decidendi construída a partir do precedente obrigatório e
os fatos que se apresentam na causa sob análise, a afastar a sua incidência. Não seguido nenhum desses
standards argumentativos, tem-se defesa abusiva e, portanto, ilícita.” Cf. MACÊDO, Lucas Buril.
Antecipação da Tutela por Evidência e os Precedentes obrigatórios. Revista do Processo, v. 242, p. 523-552,
abr. 2015. 163
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm,
2016, p. 510 164
RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2 ed. rev. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016, p. 197. 165
Atenta ao tema, e já preocupada com a possível má aplicação técnica processual, a Escola Nacional de
Formação e Aperfeiçoamento e Magistrados – ENFAM, no seminário - o poder judiciário e o novo código de
processo civil, lançou o Enunciado 30 no qual verbera que: “É possível a concessão da tutela de evidência
prevista no art. 311, II, do CPC/2015 quando a pretensão autoral estiver de acordo com orientação firmada
pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato de constitucionalidade ou com tese prevista em
súmula dos tribunais, independentemente de caráter vinculante”. Disponível em:
<http://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-VERS%C3%83O-DEFINITIVA-
.pdf> Acesso em 20 mar. 2017.
55
de demandas repetitivas, evitando-se que seja concedida uma tutela provisória com base em
um julgado que posteriormente pode ser reformando166
. Quantos às súmulas, afirma-se que
apesar de também estarem sujeitas a processo de revisão ou cancelamento, tais hipóteses são
mais raras e exigem um procedimento mais rígido de superação, razão pela qual estaria
justificada a possibilidade da concessão da tutela de evidência com base em súmula167
.
Independente da discussão acerca da necessidade do trânsito em julgado do
caso paradigma, a jurisprudência já vem se consolidando no sentido de que só será possível a
concessão da tutela se houver uma forte consolidação de entendimento:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ICMS NA BASE DE CÁLCULO DA COFINS.
TUTELA DE EVIDÊNCIA. NÃO CABIMENTO. IMPROVIMENTO.
1. Nos termos do art. 311, II, do CPC, pode ser concedida tutela de evidência
quando os fatos puderem ser provados apenas documentalmente e houver tese
firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante, o que
pressupõe uma quase certeza absoluta de êxito na demanda. 2. Conquanto no
julgamento do RE 240785 o Supremo Tribunal Federal tenha acolhido a tese do
contribuinte quanto a não inserção do ICMS na base de cálculo da COFINS, na
mesma assentada deixou aplicar a sistemática da repercussão geral,
principalmente em face de ponderável mudança de sua composição, sinalizando
que o entendimento sobre a matéria pode ser alterado. 3. Agravo improvido.
(PROCESSO: 08043384620164050000, AG/SE, DESEMBARGADOR FEDERAL
LAZARO GUIMARÃES, 4ª Turma, JULGAMENTO: 14/12/2016) 168
No caso citado, observa-se que até já houve um julgado no STF favorável à
tese do requerente da tutela de evidência, porém, deixou-se de aplicar a sistemática da
repercussão geral justamente por ainda existirem debates na corte sobre a matéria, faltando,
assim, a obrigatória presença de “tese firmada”. Havendo entendimentos instáveis sobre a
tese, fica impossibilitada a concessão da medida.
Por sua vez, observando-se o que prescreve o art. 489, §1º, incisos V e VI169
, a
decisão que concede a tutela de evidência com base inciso II não poderá apenas se limitar a
166
Em sentido oposto o Enunciado 31 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento e Magistrados
verbera que: “A concessão da tutela de evidência prevista no art. 311, II, do CPC/2015 independe do trânsito
em julgado da decisão paradigma”. Disponível em: <http://www.enfam.jus.br/wp-
content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-VERS%C3%83O-DEFINITIVA-.pdf> Acesso em 20 mar. 2017. 167
CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e
perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 232-233. 168
BRASIL. TRF 5ª Região. Processo 08043384620164050000. 4ª Turma. Julgado em 14/12/2016. Disponível
em <https://www4.trf5.jus.br/Jurisprudencia/JurisServlet?op=exibir&tipo=1> Acesso em 13 mai. 2017. 169
Art. 489(...)
§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão,
que:
(...)
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes
nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem
demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
56
indicar os elementos de prova e apontar o precedente usado como paradigma, deverá também
demonstrar claramente que as razões de decidir do precedente podem ser aplicadas ao caso
concreto em julgamento, fazendo um cotejo analítico entre os fundamentos das decisões. Pois,
caso contrário, a decisão será considerada como não fundamentada. Da mesma forma, a
decisão que nega o pedido de tutela também deverá apontar os motivos pelo qual o precedente
suscitado pelo requerente não pode ser aplicado ao caso, não sendo admissível uma negativa
genérica. Deve ser feita a devida distinção entre o paradigma suscitado e o caso concreto em
análise:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ICMS. Ação declaratória c.c. repetição de
indébito. Pretensão à exclusão das tarifas TUST e TUSD da base de cálculo do
ICMS incidente sobre a energia elétrica. Tutela de evidência parcialmente deferida.
Reforma. Necessidade. Requisitos ensejadores da medida não evidenciados. Art.
311 do CPC/2015. Inexistência de tese fixada em recurso repetitivo. Distinção
entre o presente caso e os julgados pelo STJ nos recursos repetitivos (Temas nº
63 e nº 537). Decisão reformada. Recurso provido. (TJ-SP - AI:
20428184020178260000 SP 2042818-40.2017.8.26.0000, Relator: Paulo Galizia,
Data de Julgamento: 08/05/2017, 10ª Câmara de Direito Público, Data de
Publicação: 10/05/2017)170
Na ementa apresentada, logo se percebe que a tutela de evidência foi indeferida
em razão do direito pleiteado não encontrar amparo em tese fixada em recurso repetitivo.
Aponta-se a distinção entre os casos, sendo mantida a decisão de primeiro grau que
acertadamente negou a tutela provisória.
Com relação aos recursos cabíveis contra as decisões que concedem a tutela de
evidência fundada em documentos e em precedente obrigatório, seja decisão interlocutória,
sentença ou acórdão, para que não corram o risco de serem rejeitados monocraticamente com
base no art. 932, inciso IV do CPC171
, os mesmos recursos deverão indicar a diferença entre o
caso sub judice e o precedente utilizado para concessão da tutela, ou demonstrar a superação
do precedente172
, pois, caso contrário, estará indo de encontro ao que ficou estabelecido em
um precedente.
170
BRASIL. TJSP. Processo 2042818-40.2017.8.26.0000. 10ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação:
10/05/2017. Disponível em: <https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/457787074/agravo-de-instrumento-
ai-20428184020178260000-sp-2042818-4020178260000?ref=juris-tabs> Acesso em 10 mai. 2017. 171
Art. 932. Incumbe ao relator:(...)
IV - negar provimento a recurso que for contrário a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de
recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; 172
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:
teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 627.
57
Como se percebe, o inciso II do artigo 311, além da obrigação de comprovação
robusta dos fatos alegados, traz uma gama de possibilidades para a concessão da tutela de
evidência em razão de entendimento jurisprudencial consolidado, sendo imprescindível para
sua correta compreensão e aplicação um estudo minucioso acerca dos precedentes. Contudo, a
tarefa de analisar mais profundamente tal matéria é inviável no presente momento, tendo em
vista o objeto deste trabalho e a complexidade do tema dos precedentes.
Aqui é importante estabelecer que a evidência não repousa apenas na seara
documental, podendo também ser reconhecida em razão da certeza do direito estabelecida por
meio dos precedentes. Assim, demonstrando-se conjuntamente a evidência fática e jurídica
do direito pretendido, resta inconteste a possibilidade da concessão da tutela de evidência.
3.3 TUTELA DE EVIDÊNCIA NOS CASOS DE CONTRATO DE DEPÓSITO
Como a presente hipótese de tutela de evidência gravita em torno do contrato
de depósito, para uma melhor compreensão da sua aplicação convém registrar que tal tipo de
contrato está previsto em nosso Código de Civil, artigos 627 e seguintes, e impõe ao
depositário o dever de guardar e conservar a coisa depositada, com mesmo cuidado e
diligência que costuma ter com o que lhe pertence, devendo restituí-la, com todos os frutos e
acréscimos, quando exigida pelo depositante. Em regra o contrato de depósito é gratuito,
salvo se houver pacto em contrário, se resultar de atividade negocial ou se o depositário o
praticar por profissão.
Diante de tal possibilidade contratual, o inciso III o artigo 311 trouxe hipótese
bem casuística, que possibilita a concessão da tutela provisória quando “se tratar de pedido
reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que
será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa”.
Tal previsão veio nitidamente para preencher a lacuna deixada pela liminar na
ação especial de depósito, que era regida pelos artigos 901 a 906 do CPC/73173
, pois, com o
173
Com a revogação dos artigos 901 a 906 do CPC/73 ocorreram modificações substanciais na relação jurídico-
processual decorrente dos contratos de depósito. Importante novidade foi a eliminação da previsão processual
da prisão civil do depositário infiel, conforme já havia sido pacificado através da Súmula Vinculante 25: “é
ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”. Atualmente as
penalidades que podem ser imputadas ao depositório estão previstas no art. 161 do CPC, que em seu
parágrafo único ressalta que “o depositário infiel responde civilmente pelos prejuízos causados, sem prejuízo
de sua responsabilidade penal e da imposição de sanção por ato atentatório à dignidade da justiça”. Outra
inovação interessante é a dispensa de se informar na petição inicial o valor da causa, o que será feito apenas
no momento da execução, nos termos do §1º do art. 809 do CPC/2015. Como também não existem mais
limitações para matéria de defesa.
58
novo Código de Processo Civil, a ação de depósito passou a seguir o procedimento comum,
sendo eliminado do ordenamento processual o procedimento específico174
.
Aqui, mais uma vez, a evidência do direito pretendido decorre necessariamente
da prova documental apresentada pela parte promovente, mais especificamente o contrato de
depósito. Porém, alguns autores já defendem que na ausência do contrato a tutela poderá ser
concedida com base em prova escrita que demonstre de forma concreta a existência de uma
relação jurídica material de depósito entre as partes175
.
Na opinião de Bruno Bodart, mesmo que o novo CPC não tenha trazido
menção expressa acerca da comprovação da mora, deve-se entender que tal exigência está
implicitamente contida no dispositivo em comento176
, e como meio de comprovação da mora
sugere, por analogia ao entendimento jurisprudencial do STJ177
, a apresentação do respectivo
protesto ou de notificação extrajudicial. Assim, para o citado doutrinador, no momento em
que o promovente apresenta sua petição inicial devidamente instruída com a comprovação do
depósito e da mora, torna-se imperiosa a concessão da tutela de evidência, inclusive em sede
liminar, não sendo justo que espere pela citação e consequente resposta do réu para só então
usufruir do seu direito que já estava suficientemente demonstrado178
.
Da leitura do dispositivo, conjugada com o entendimento da necessidade da
demonstração da mora, chega-se à conclusão de que aqui, inicialmente, a atividade cognitiva
do julgado irá ocorrer apenas sobre o contrato de depósito apresentado e a prova do seu
eventual descumprimento. Com a apresentação da defesa a análise cognitiva do magistrado
será ampliada para outras questões referentes não só a posse, mas também sobre a propriedade
do bem discutido179
.
Dando uma interpretação ainda mais elástica ao dispositivo, Leonardo Ferres
sustenta que, “todo e qualquer pedido reipersecutório, ainda que não com fundamento em
depósito, abre a possibilidade de concessão de tutela de evidência”. Como exemplo, cita-se
174
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do direito processual
civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57 ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense,
2016. v. 1, p. 696. 175
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm,
2016, p. 511. 176
No mesmo sentido é o Enunciado 29 da ENFAM: “Para a concessão da tutela de evidência prevista no art.
311, III, do CPC/2015, o pedido reipersecutório deve ser fundado em prova documental do contrato de
depósito e também da mora”. Disponível em: <http://www.enfam.jus.br/wp-
content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-VERS%C3%83O-DEFINITIVA-.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2017 177
Súmula 72 do STJ: “A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado
fiduciariamente”. 178
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito
processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 130. 179
CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e
perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 242.
59
um contrato de compra e venda com reserva de domínio de um equipamento e em razão do
inadimplemento surgir a necessidade de retomá-lo180
.
Da parte final da redação do inciso III temos a previsão de cominação de multa
caso o objeto custodiado não seja devolvido. Porém, em que pese a boa intenção do
legislador, tal previsão pode ser considerada desnecessária, pois, como bem lembra Daniel
Amorim, “em toda e qualquer obrigação de fazer, não fazer e entregar coisa é cabível a
aplicação de multa cominatória (astreintes)”181
.
Em caso de descumprimento da tutela concedida, existe à disposição do juiz
um rol de medidas que podem ser adotados visando ao efetivo cumprimento da obrigação
estabelecida, a exemplo do que prescreve §1º do art. 536 do CPC, no qual se prevê, além da
imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de
obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de
força policial.
Lançando um olhar mais crítico sobre a tutela de evidência com base no
contrato de depósito, Luiz Guilherme Marinoni frisa que existem vários outros contratos de
igual natureza e que injustificadamente não foram beneficiados pelo legislador, chegando a
concluir que tal “regra só pode ser uma encomenda da posição social que se vale destes
documentos”. Para Marinoni o conteúdo do inciso III é desnecessário, pois, havendo prova do
contrato e da mora na entrega da coisa qualquer manobra protelatória de defesa iria
possibilitar a concessão da tutela provisória com base no inciso I do art. 311, já que esse
abarca todas as situações de direito substancial182
.
Em arremate, considerando que “a alegação de falsidade desconstitui a
evidência intrínseca à prova documental”, Marinoni aduz que basta que a parte contra a qual é
requerida a tutela suscite a falsidade do documento para que deixe de existir a evidência do
direito, sendo necessária produção de prova, desaparecendo a evidência necessária para
concessão da medida183
.
Trata-se realmente de uma previsão muito casuística184
, com previsão
redundante diante da possiblidade já trazida pelo inciso I. Espera-se que sua aplicação seja
180
RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2 ed. rev. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016, p. 197. 181
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm,
2016, p. 511. 182
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017, p. 335-336. 183
Ibidem, p. 336. 184
Para Daniel Penteado, a hipótese do inciso III ficaria topologicamente melhor enquadrada como uma
modalidade de procedimento especial, dentro do Livro I, Título III da Parte Especial do CPC, pois se trata de
60
aprimorada por meio das contribuições da doutrina e da jurisprudência, possibilitando uma
salutar utilização desta hipótese de tutela de evidência no dia a dia dos fóruns, inclusive
estendendo sua utilização para outros tipos de contratos.
3.4 TUTELA DE EVIDÊNCIA COM BASE EM PROVA DOCUMENTAL E AUSÊNCIA
DE CONTESTAÇÃO SÉRIA
O último inciso do art. 311 trata da possibilidade de concessão da tutela de
evidência quando “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos
constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida
razoável”.
Da leitura do dispositivo se pode perceber grande semelhança com a figura da
référé provision do direito francês, em que o art. 809 do Code de procédure civile exige como
pressuposto para concessão da référé provision a existência de uma obrigação não seriamente
contestável185
.
Relembrando o que foi dito sobre as tutelas provisórias no tópico 2 acima,
pode-se dizer que a tutela fundamentada no inciso IV do art. 311 é nitidamente uma
condenação com reserva de exceção, havendo uma cognição exauriente apenas em relação aos
fatos constitutivos do direito do autor e uma percepção sumária quanto aos fatos extintivos,
impeditivos ou modificativos do direito requerido. “Se concede ao autor o acesso ao bem da
vida, com base em um juízo de probabilidade, não como meio de tutelar uma situação de
urgência, mas para evitar que o autor seja penalizado com os ônus dromológicos do processo”
186.
Trata-se claramente de uma tutela destinada aos interesses do promovente, só
podendo ser deferida após a apresentação da defesa do réu187
, pois, como visto, o pressuposto
uma tutela diferenciada de específico direito material. Cf. CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da
tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e perspectivas no novo Código de Processo Civil.
Salvador: JusPodivm, 2017, p. 260. 185
De acordo com Natalia Diniz, “O requisito da ausência da contestação séria surge em quase todos os tipos de
réféfé e também surgirá no processo societário italiano. A doutrina não define bem o que seria a contestação
séria, mas pode-se entender que é quando a contestação apresentada pelo réu não se sustenta, mostrando
ainda mais a evidência do direito do autor, seria o óbvio e o inegável”. Cf. SILVA, Natália Diniz da.
Estabilização da tutela jurisdicional diferenciada. 2014. 227 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito,
Direito Processual, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014, p.128. Disponível em: <
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-20012015-093529/pt-br.php> Acesso em: 04 fev. 2017 186
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito
processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 138. 187
Sobre o momento da concessão da tutela, Daniel Amorim Assumpção diz que: “embora o dispositivo legal
aponte para a concessão de tutela da evidência após a contestação do réu, entendo que seu cabimento não se
exaure a esse momento procedimental. Seguindo o processo e sendo produzida prova de outra natureza que
61
para sua concessão é que, além da apresentação de prova idônea dos fatos constitutivos do
direito do autor, o réu não apresente prova capaz de gerar dúvida razoável acerca do direito
pretendido, cabendo ao magistrado avaliar fundamentadamente se os elementos da defesa
foram capazes de impor dúvidas acerca do direito do autor. Caso gere dúvida, a tutela
provisória deve ser denegada188
.
Para melhor ilustrar a presente hipótese de tutela provisória, segue a ementa e o
voto condutor de acórdão que trata diretamente do inciso IV do art. 311:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO TUTELA DE EVIDENCIA.
DEFERIMENTO. Prova documental comprobatória dos fatos constitutivos do
direito do autor. Ausência de oposição do réu quanto ao inadimplemento.
Incidência do artigo 311, IV, do Código de Processo Civil. NEGARAM
PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº
70070441316, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Ergio Roque Menine, Julgado em 22/09/2016).
Voto - DES. ERGIO ROQUE MENINE (RELATOR)
No caso dos autos, restou deferida tutela de evidência de restituição de bem
objeto de contrato locação firmado entre as partes, com base no disposto no
artigo 311, IV, do CPC. Sobre o tema, cumpre citar a redação do referido
dispositivo legal: Art. 311. (...) No caso dos autos, observa-se que a parte
demandante instruiu a petição inicial com contrato de locação firmado com a
demandada (fl. 27 dos autos eletrônicos), com prazo determinado de dez meses, de
um “Centro de usinagem Romi Discovery 150, ano 2005, comando Funac”. O
pedido de busca e apreensão do bem locado, por sua vez, está embasado no
inadimplemento do aluguel mensal de R$ 13.500,00 avençado entre as partes.
Quanto ao contrato de locação, observa-se que a demandada não nega que
firmou o documento e tampouco o inadimplemento, mas atribui à contratação
natureza da garantia, já que adquiriu o bem. Todavia, a mera alegação –
desprovida de prova - de que adquiriu o bem objeto de locação não é suficiente para
afastar direito do autor de valer de cláusula contratual sexta que possibilita rescisão
do contrato independente de qualquer interpelação judicial. Além disso, observa-se
que a demandada foi notificada extrajudicialmente quanto à existência de
débito e intenção de retomada do bem locado em caso de não pagamento. Ou
seja, já estava ciente da situação antes mesmo da propositura da ação e, assim,
poderia ter intentado medida judicial para manter-se na posse do bem, mas
nada fez nesse sentido. (...) .Ante o exposto, voto no sentido de negar
provimento ao recurso189
.
Como se observa do voto, foram rigorosamente observadas as exigências do
inciso aqui analisado, tendo o promovente/recorrido apresentado forte evidência dos fatos
constitutivos do seu direito e o réu nada apresentou para contraditar a tese de adimplemento.
não a documental, caso a parte adversa não consiga produzir prova que gere dúvida razoável, o juiz deverá
conceder a tutela da evidência”. Cf. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil
Comentado. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 511. 188
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do direito processual
civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57 ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense,
2016. v. 1, p. 697. 189
BRASIL. TJRS. Processo AI 70070441316, Décima Sexta Câmara Cível, Julgado em 22/09/2016.
Disponível em: <https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/390349409/agravo-de-instrumento-ai-
70070441316-rs/inteiro-teor-390349422?ref=juris-tabs> Acesso em 10 mai. 2017.
62
Outro ponto importante a ser observado no inciso IV, é que a prova deve ser
documental, ou documentada, podendo o promovente fazer uso de prova emprestada pericial
ou oral190
. Em uma interpretação mais adequada, a exigência de prova documental deve ser
interpretada como prova capaz de ser apresentada por meio de papel191
.
Assim como em outras hipóteses da tutela de evidência, aqui só se fará
necessária/útil uma decisão provisória quando o juiz não tiver condições de realizar uma
cognição exauriente acerca dos fundamentos da defesa, tendo em vista a necessidade de
produção de prova. Caso exista a possibilidade de um juízo exauriente dos elementos da
defesa logo após a apresentação da contestação, deverá ser realizado o julgamento antecipado
do mérito, nos termos do inciso I do art. 355 do CPC.
Simplificando as hipóteses de concessão de tutela de evidência com base em
prova documental, pode-se dizer ela deverá ser concedida quando houver pela defesa negação
do fato constitutivo do direito do autor (defesa de mérito direta) e for feito pedido de
produção de prova, ou, quando existindo prova dos fatos constitutivos, o réu apresentar defesa
de mérito indireta com pedido de produção de prova. Em ambos os casos as alegações e
provas inicialmente apresentadas pela defesa devem ser incapazes de gerar dúvida razoável192
.
A ausência de apresentação de prova capaz de gerar dúvida razoável sobre o
direito do autor não pode ser confundida com incontrovérsia acerca de um ou mais pedidos
formulados, o que acarretaria o julgamento parcial de mérito nos termos do art. 356 do
CPC/2015. O que se observa é a inconsistência da defesa, que inicialmente não traz prova
capaz de gerar dúvida razoável, mas também não chega a ter intenções procrastinatórias ou de
abuso de direito de defesa, o que configuraria a hipótese do inciso I193
.
Por outro lado, discordando do caráter sumário e provisório da medida trazida
pelo inciso IV, Fredie Didier acredita que da aplicação da norma em comento só pode existir
190
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm,
2016, p. 511. 191
“O inciso IV é a norma que mais se aproxima da razão teórica da tutela da evidência. Fala em prova
documental suficiente dos fatos constitutivos. É certo que, tendo-se em conta o significado teórico de prova
documental, aludir a prova suficiente constitui equivoco. É que, quando se leva à serio o conceito de prova
documental, dessa decorre necessariamente o fato. O documento é um objeto que tem em si mesmo o fato.
Daí que a única maneira de negar o fato representado em documento é a alegação da sua falsidade. Lembre-
se que a prova documental ou o documento não se confunde com a prova documentada, ou seja, com a prova
que contém a declaração de uma testemunha sobre um fato ou mesmo a declaração de um especialista sobre
determinada situação fática. Estas provas, não obstantes retidas em papel, constituem declarações de
testemunha e de especialista sobre um fato, vale dizer, precisamente uma mera versão a respeito do fato”. Cf MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017, p. 337. 192
Ibidem, p. 338. 193
RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2 ed. rev. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016, p. 198.
63
uma tutela definitiva, proferida por intermédio de julgamento antecipado da lide. Para o autor,
“trata-se de hipótese de tutela de evidência inevitavelmente definitiva, que se confunde com o
julgamento antecipado do mérito e que fora, equivocadamente, colocada no rol de hipóteses
de tutela provisória” 194
.
Para fundamentar seu ponto de vista, Didier parte da premissa de que o réu
deve abalar a evidência do direito do autor por meio de prova exclusivamente documental. Se
a prova documental do réu é fraca e ele não requer outras provas, deve ser feito o julgamento
antecipado do mérito, de outro modo, caso o réu tenha prova documental insuficiente e
requeira qualquer outro meio de prova, a concessão da tutela se torna inviável, pois, na
opinião do citado doutrinador, a norma exige que a prova de ambos os litigantes seja
exclusivamente documental195
.
Em que pesem os fundamentos trazidos pelo renomado processualista,
acreditamos que a sua leitura do dispositivo está sendo feita de forma muito rigorosa, até
porque a segunda parte do inciso fala que o “réu não oponha prova capaz de gerar dúvida
razoável”, existindo exigência de apresentação de prova exclusivamente documental apenas
para o autor, para o réu se fala simplesmente em prova196
.
Pensar de outro modo esvairia a essência da técnica processual da tutela de
evidência, que aqui visa justamente permitir ao autor o acesso ao direito requerido, fortemente
evidenciado pela prova documental trazida com a exordial, enquanto são produzidas as
demais provas pretendidas pela defesa, independentemente de serem documentais, que, ao
que tudo indica, não serão capazes de gerar dúvidas sobre o direito do promovente, mas que,
em respeito ao direito constitucional ao contraditório, é deferida a produção.
Contra a previsão do inciso IV do art. 311 também se levanta Daniel Penteado
de Castro, para quem a referida hipótese não é adequada e pode vir a gerar problemas de
ordem prática. Preliminarmente em razão do subjetivismo das expressões “prova documental
suficiente” e “dúvida razoável”, depois porque tal situação poderia ser concedida já com base
194
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:
teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 629. 195
Ibidem. 196
Ao que tudo indica, o inciso IV foi melhor interpretado por Daniel Amorim Assumpção: “Essa hipótese de
cabimento está condicionada à inexistência de cognição exauriente diante da situação descrita no dispositivo
legal, porque, sendo possível nesse momento do procedimento, ao juiz, formar juízo de certeza, será caso de
julgamento antecipado do mérito, ainda que parcial, a depender do caso concreto. Dessa forma, mesmo que o
réu não consiga produzir prova documental capaz de gerar dúvida razoável, deve haver, no caso concreto,
outros meios de prova a produzir (oral, pericial) a impedirem o referido julgamento antecipado”. Cf. NEVES,
Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm, 2016, p.
511.
64
na previsão do inciso I do art. 311, uma vez que ao não apresentar prova capaz de gerar
dúvida razoável e insistindo na continuidade do processo, a parte requerida estaria cometendo
um abuso do direito de defesa, ou seja, os incisos I e IV estariam dentro do mesmo campo
cognitivo. Por fim, seguindo o entendimento de Didier, também se afirma que existe uma
grande dificuldade de se identificarem situações que não se encaixem como julgamento
antecipado total ou parcial de mérito, nos termos dos artigos 355 e 356 do CPC/2015197
.
Observados os fundamentos doutrinários acerca do inciso IV, sejam favoráveis
ou contrários, é inegável que ele se encontra positivado e deverá ser cada vez mais usado na
prática forense. Infelizmente a redação legal traz muitos conceitos vagos198
, o que pode gerar
certa insegurança jurídica, assim, tanto a decisão que concede ou que nega a tutela provisória
deve estar devidamente motivada, conforme determina o art. 298 do CPC/2015 e em respeito
ao inciso IX do art. 93 da Constituição Federal.
Baseado nos ensinamentos de Alessandro Jommi, Bruno Bodart alerta que, “a
aplicação prática da norma necessitará de valoração subjetiva do juiz, do seu caráter
impulsivo ou audaz, ou, ao contrário, do seu temperamento timorato e prudente”, não
podendo haver relativismo exagerado, que deverá ser combatido nas instancias recursais199
.
3.5 TUTELA DE EVIDÊNCIA SEM A OUVIDA DA PARTE CONTRÁRIA
Sobre concessão de liminar baseada em “evidência extremada pura”, Eduardo
da Fonseca aponta que, apesar do alto grau de certeza do direito afirmado pelo promovente, o
grau de periculosidade é esquálido, a parte requerente não indica o perigo da demora
(esqualidez postulatória), ou, mesmo que indique, o julgador decide apenas com base na alta
probabilidade do direito, deixando enfrentar o periculum in mora (esqualidez decisória) 200
.
Em sede de parágrafo único, o artigo 311 prevê a possibilidade de o juiz
decidir liminarmente nas hipóteses dos incisos II e III. Tal previsão está claramente ligada ao
fato de que em tais incisos a formação da convicção sobre a evidência do direito independe da
197
CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e
perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 242. 198
Sobre a interpretação das normas, principalmente daquelas que trazem elementos muitos subjetivos, é sempre
válida a lição de Eros Grau de que a “neutralidade política do intérprete só existe nos livros. Na práxis do
direito ela se dissolve, sempre. Lembre-se de que todas as decisões jurídicas, porque jurídicas, são políticas”.
Cf. GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5 ed. rev. e ampl.
São Paulo: Malheiros, 2009. 199
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito
processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 138. 200
COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 73.
65
apresentação de defesa, tendo em vista o silencio do legislador sobre a necessidade de
resposta da parte contrária.
No inciso II basta que as alegações de fato estejam comprovadas por
documento e exista jurisprudência consolidada sobre o tema, enquanto que no inciso III se
exige apenas o pedido reipersecutório com base em contrato de depósito. Diferentemente dos
incisos I e IV201
, as hipóteses trazidas pelo parágrafo único em momento algum condicionam
a concessão da medida aos fundamentos da defesa.
Defendendo a possibilidade da concessão da tutela de evidência antes da
apresentação dos elementos de defesa, Bruno Bodart, seguindo a linha mais ampla defendida
por Luiz Fux, afirma que, apesar da importância do princípio constitucional do contraditório,
é possível seu exercício na forma postergada toda vez que o direito do autor for apresentado
de forma tão robusta que se torne muito pouco provável a possibilidade do requerido
apresentar uma defesa séria202
.
Discordando de Fux e Bodart, alguns autores já tecem críticas acerca da
escolha do legislador em incluir no texto legal a possibilidade da concessão inaudita altera
parte da tutela de evidência. O fundamento da crítica reside no fato de que na tutela de
evidência não existe urgência203
, logo, inexistiria razão para não se esperar a resposta do réu,
sendo indevido postergar o contraditório para depois da concessão da medida204
.
Especificamente com relação à concessão de liminar nos casos de tutela de
evidência fundada em precedente obrigatório (art. 311, II), Lucas Buril é incisivo ao afirmar
que tal possibilidade é inconstitucional, uma vez que o legislador ou o judiciário não podem
dispor do direito constitucional ao contraditório de nenhuma das partes do processo. Para o
201
Sobre a necessidade de pronunciamento da parte adversa para concessão de tutela de evidência com base nos
inciso I e V do art. 311 o TJPR se pronunciou da seguinte forma:
EMENTA: OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS.
PEDIDO DE TUTELA DE EVIDÊNCIA AMPARADO NOS INCISOS I E IV DO ARTIGO 311, DO
CPC. PARÁGRAFO ÚNICO. IMPOSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO SEM OPORTUNIZAR O
CONTRADITÓRIO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. Cf. BRASIL.
TJPR. Processo AI 1593787-2. 18ª C.Cível, Rel. Vitor Roberto Silva, julgado em 26/04/2017. Disponível
em: <https://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/457735336/agravo-de-instrumento-ai-15937872-pr-
1593787-2-acordao> Acesso em: 16 mai. 2017. 202
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito
processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 133. 203
Sobre o argumento da inexistência de urgência na tutela de evidência é interessante levantar a discussão
acerca da diferenciação entre urgência e periculum in mora. Para Mirna Cianci a tutela de evidência pode ser
considerada uma tutela de urgência em sentido lato, pois a pressa em usufruir o direito não nasce do risco do
seu perecimento, mas por uma equiparação legal. Cf. CIANCI, Mirna. As principais reformas do processo
civil brasileiro sob o enfoque do acesso à justiça. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 118. 204
RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2 ed. rev. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016, p. 198.
66
autor, “a relativização do contraditório, de prévio para postergado, apenas se justifica quando
houver ponderação de princípios diante de situação conflitiva, o que não ocorre na espécie”.
Conclui afirmando que “não se pode simplesmente dispor do direito fundamental ao
contraditório prévio sem qualquer urgência a impor a imediata tutela do provável direito, não
existindo qualquer prejuízo na espera da resposta do réu pelo autor” 205
.
Leonardo Greco também questiona sobre a constitucionalidade da concessão
da tutela evidência em sede de liminar, uma vez que não estaria presente o requisito da
urgência. Para Greco “na tutela da evidência a prova documental robusta não é aquela que
formalmente gere a presunção de certeza de existência do crédito, pois se o fosse, ensejaria
desde logo a execução como título executivo”. Aduz que só não haveria violação do artigo 5º,
inciso LV, da CF, se também fosse exigida para concessão de liminar a demonstração do
perigo de lesão grave ou de difícil reparação206
.
Indo um pouco mais além, Marinoni diz que o parágrafo único do artigo 311
carece de racionalidade, uma vez que só será possível verificar a evidência de um direito após
oferecimento da oportunidade de defesa, não podendo se admitir que um fato constitutivo
restou devidamente comprovado por meio de documento sem se ter escutado a outra parte,
concluindo pela inconstitucionalidade do dispositivo207
.
Ao que se percebe, até o presente momento boa parte da doutrina guarda
reservas acerca da constitucionalidade da previsão da tutela de evidência antes da ouvida da
outra parte, apontando-se como principal empecilho para sua concessão a inexistência da
urgência. Sem a existência do risco da demora, o princípio do contraditório seria mitigado
sem que existisse qualquer outro valor com ele conflitando208
.
205
MACÊDO, Lucas Buril. Antecipação da Tutela por Evidência e os Precedentes obrigatórios. Revista do
Processo/ vol. 242 2015/ p. 523-552/ Abr. 2015. 206
GRECO, Leonardo. A tutela da urgência e a tutela da evidência no código de processo civil de 2014/2015.
Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Volume XIV, n. 1, ano 8, p. 321-322. 207
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017, p. 340. 208
Mantendo um posicionamento totalmente diverso e bem mais amplo, Bruno Bodart defende, além da tutela
liminar, a possibilidade da concessão da tutela de evidência em caráter antecedente, através do rito trazido
nos artigos 303 e 304. Segundo o autor, as tutelas trazidas pelos incisos II e III do artigo 311 são compatíveis
com o procedimento autônomo. Cf. BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da
cognição, análise econômica do direito processual e comentários sobre o novo CPC. 2ª Ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015, p. 139-147.
67
3.6 TUTELA DE EVIDÊNCIA E A FASE RECURSAL
Com relação à decisão interlocutória que concede ou nega pedido de tutela de
evidência não existem relevantes debates sobre a fase recursal, uma vez o Código de Processo
Civil traz expressamente no inciso I do art. 1.015 que o recurso cabível é o agravo de
instrumento. Trazendo o artigo 1.019, inciso I, a possibilidade do relator “atribuir efeito
suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão
recursal, comunicando ao juiz sua decisão”.
Segue abaixo um julgado proferido em agravo de instrumento manejado contra
decisão que negou pedido de tutela de evidência. Aplicando o artigo 1.019, inciso I, e com
base no inciso II do art. 311, ambos do CPC, o Relator reconheceu a possibilidade de
concessão da medida sumária e deferiu a antecipação de tutela recursal:
(...) De acordo com o art. 311, II, do CPC de 2015, a tutela da evidência será
concedida , independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco
ao resultado útil do processo, quando as alegações de fato puderem ser
comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento
de casos repetitivos ou em súmula vinculante. Este Colegiado tem precedente
no qual admite a concessão da tutela de evidência em sede de mandado de
segurança, verbis: "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. REQUISITOS PARA O DEFERIMENTO DA LIMINAR.
TUTELA DE EVIDÊNCIA. 1. É possível o deferimento parcial do pedido
liminar, com fundamento no art. 311 do CPC (tutela de evidência) desde que a
tese pontuada no mandamus esteja sufragada ou no STJ ou no STF. (...)O caso
dos autos subsume-se no dispositivo citado. Com efeito, por maioria de votos, o
Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão nesta quarta-feira
(15/03/2017), decidiu que o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS) não integra a base de cálculo das contribuições para o Programa de
Integracao Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
(Cofins). Ao finalizar o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 574706, com
repercussão geral reconhecida, os ministros entenderam que o valor arrecadado a
título de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte e, dessa forma, não
pode integrar a base de cálculo dessas contribuições, que são destinadas ao
financiamento da seguridade social. Pelo exposto, é impositivo dar razão ao pleito
do ora agravante. Destarte, para acautelar o direito vindicado, há de ser deferido o
pedido liminar. Defiro, pois, o pedido acautelatório, forte no art. 1.019, I, do
CPC. Comunique-se. Em observância à regra insculpida no art. 1.019, II, do novo
Codex Processual Civil (Lei 13.105/2015), determino a intimação da parte agravada
para oferecer resposta, no prazo legal. Após, inclua-se este agravo na pauta de
julgamento. Publique-se. (TRF-4 - AG: 50195071420174040000 5019507-
14.2017.404.0000, Relator: ROBERTO FERNANDES JÚNIOR, Data de
Julgamento: 04/05/2017, SEGUNDA TURMA) 209
209
BRASIL. TRF 4ª Região. Processo 5019507-14.2017.404.00000. 2ª Turma. Julgado em 04/05/2017.
Disponível em
<https://eproc.trf4.jus.br/eproc2trf4/controlador.php?acao=acessar_documento_publico&doc=414939034303
42842057220974384&evento=41493903430342842057221023920&key=25aa9feba64712020776320270be3
c26b37af02206a1a92940519664989b6986> Acesso em 13 mai. 2017.
68
O caso acima apresentado é emblemático porque inicialmente o pedido liminar
foi negado pelo juízo de primeiro grau sob o engessado argumento de que não havia sido
concretamente demonstrado o risco de dano irreparável ou de difícil reparação, porém, em
sede de agravo de instrumento, já imbuído dos ideais do novo código, o TRF 4º da Região
reformou a decisão por entender que o direito do autor estava documentalmente provado e
existia entendimento formado na jurisprudência sobre o assunto, sendo totalmente dispensável
a demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo.
Com a nova redação acerca das tutelas provisórias, em especial sobre a tutela
de evidência, não pode mais existir aquela velha concepção dualística da demonstração
cumulativa do periculum in mora e fumus boni iuris, pois, conforme a própria prática forense
nos mostra, a presença forte de um pressuposto pode compensar a ausência do outro. Usando
o exemplo de Eduardo José da Fonseca Costa, a tutela provisória não pode ser vista como
uma porta que precisa de duas chaves para abri-la, bastando apenas uma210
.
Indo além das decisões interlocutórias, tendo em vista que a tutela de evidência
também pode ser concedida e/ou confirmada em sede de sentença, o recurso a ser utilizado
será o de apelação, o qual será recebido apenas no seu efeito devolutivo, conforme verbera o
inciso V do §1º do art. 1.012 do CPC, hipótese em que a sentença irá produzir seus efeitos
imediatamente após sua publicação.
Por sua vez, o §4º do art. 1.012 estabelece que a eficácia da sentença poderá
ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso
ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação.
Partindo da previsão do citado parágrafo 4º, que coloca como requisito para
concessão do efeito suspensivo recursal a demonstração da probabilidade de provimento do
recurso ou do risco de dano grave ou de difícil reparação, a doutrina vem entendendo que em
razão da preposição “ou” basta a evidência da grande possibilidade do provimento do recurso
para concessão do efeito suspensivo, caracterizando-se uma verdadeira “tutela de evidência
recursal”, defendendo-se, inclusive, a possibilidade de sua concessão de ofício pelo relator211
.
Vejamos julgado do Tribunal Regional da 5ª Região, que trata de agravo
regimental contra decisão monocrática em que o Relator, reconhecendo a relevância da
fundamentação do apelo e a probabilidade do seu provimento, atribuiu efeito suspensivo ao
210
COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 19. 211
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito
processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 148-150.
69
recurso apelatório mesmo tendo sido deferida a tutela de evidência em primeiro grau, saindo
da regra do inciso V do §1º do art. 1.012 para aplicar a previsão do seu parágrafo 4º:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. ATRIBUIÇÃO DE
EFICÁCIA SUSPENSIVA A APELO INTERPOSTO EM AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. TUTELA DE EVIDÊNCIA CONCEDIDA NO JUÍZO DE
ORIGEM. DEFESA DA PARTE RÉ CONSISTENTE. DISCUSSÃO
EMINENTEMENTE JURÍDICA. REQUISITOS DO ART. 311 DO CPC/2015
NÃO PREENCHIDOS NO CASO CONCRETO. IMPROVIMENTO.
1. Agravo regimental interposto pelo MPF contra decisão monocrática que, no
presente incidente, atribuiu efeito suspensivo ao apelo interposto pela UNIÃO nos
autos da ação civil pública n. 0800624-83.2016.4.05.8502, na qual foi concedida
tutela de evidência pelo Juízo de origem.(...) 6. No caso concreto, o magistrado
sentenciante entendeu estar configurada a hipótese do art. 311, IV, do CPC/2015, ao
argumento de que o MPF teria provado documentalmente os fatos por ele alegados
na inicial e a UNIÃO "não trouxe prova razoável que comprovasse o cumprimento
da Lei n° 11.945/2009 e da sanção prevista no inciso I do parágrafo 3o do art. 23 da
LRF". 7. Na hipótese em exame, a defesa apresentada pela UNIÃO no processo
principal não se mostra inconsistente ou defeituosa. Ao contrário, aquele ente
político trouxe substanciosos argumentos jurídicos contrários à pretensão do MPF,
notadamente a alegação de sua ilegitimidade passiva e a extrapolação, na sentença,
dos limites da lide impostos na inicial, o que merece ser mais bem analisado por esta
Corte quando do julgamento do aludido apelo. 8. Ademais, além da existência de
uma defesa inconsistente do réu, o que, repita-se, não se verifica no caso
concreto, a incidência do disposto no art. 311, IV, do CPC/2015 restringe-se às
hipóteses em que o sucesso da demanda depende da comprovação, pela parte
autora, da matéria fática por ela alegada na exordial. 9. Entretanto, a principal
controvérsia instaurada na demanda principal é eminentemente jurídica (...),
de modo que a afirmação do Juízo a quo de que os fatos deduzidos pelo MPF na
inicial teriam sido por ele comprovados não é suficiente, por si só, para justificar a
concessão da tutela de evidência, sobretudo por se tratar, in casu, de questão
jurídica peculiar e sem precedentes na jurisprudência desta Corte ou na dos
Tribunais Superiores, a demandar, portanto, uma discussão mais detalhada e
cautelosa da matéria por este órgão ad quem. 10. Assim, deve ser mantida a
eficácia suspensiva do apelo interposto pela UNIÃO nos autos da ação
originária (ACP n. 0800624-83.2016.4.05.8502), até o julgamento daquele
recurso por esta Corte. 11. Agravo regimental cujo provimento é negado.
(PROCESSO: 08004373620174050000, PET/SE, DESEMBARGADOR FEDERAL
MANUEL MAIA (CONVOCADO), 4ª Turma, JULGAMENTO: 06/04/2017)212
No caso acima, a União ao manejar seu apelo usou nitidamente da “tutela de
evidência recursal”, na qual, em razão da força dos seus fundamentos, demonstrou a
fragilidade da tese do promovente/apelado e conseguiu a atribuir efeito suspensivo ao seu
recurso. Interessante também é a observação de que a controvérsia dos autos gira em torno de
matéria de jurídica, dando-se baixa relevância ao fato do MPF em sua exordial ter apresentado
prova dos fatos alegados. Indo um pouco mais além, o relator destaca que questão é peculiar e
não possui precedentes na Corte ou nos Tribunais Superiores, já afastando qualquer
possibilidade de concessão da tutela de evidência com base no inciso II do art. 311.
212
BRASIL. TRF 5ª Região. Processo 08004373620174050000. 4ª Turma. Julgado em 06/04/2017. Disponível
em <https://www4.trf5.jus.br/Jurisprudencia/JurisServlet?op=exibir&tipo=1> Acesso em 13 mai. 2017.
70
Tratando da fase recursal, Daniel Penteado aduz que “a antecipação de tutela
sem o requisito da urgência pode ser concedida, no âmbito recursal, portanto, diante da
probabilidade de provimento do recurso” 213
. Utiliza-se na fase recursal o mesmo raciocínio
desenvolvido no pleito inicial de tutela de evidência, em que se exige a comprovação da
grande viabilidade da pretensão deduzida, com pequenas chances de uma modificação do
julgado ao final do processo.
3.7 TUTELA DE EVIDÊNCIA E NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL
Sobre a matéria de prova na tutela de evidência, alguns processualistas, em
destaque Fredie Didier Jr., defendem a existência da possibilidade de negociação processual
para criar um direito à tutela de evidência convencionada. O que seria possível na hipótese da
tutela documentada214
.
Segundo os doutrinadores que defendem a ideia, se existe a possibilidade de
negociação para se criar um título executivo, poder-se-ia criar também um documento no qual
as partes dissessem que o documento não é um título executivo, mas, ao mesmo tempo,
autorizassem a tutela de evidência. Essa premissa seria resultado da interpretação do artigo
190 do novo Código de Processo Civil, o qual verbera que versando o processo sobre direitos
que admitam autocomposição, é lícito às partes estipular mudanças no procedimento para
ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e
deveres processuais.
Diante da mencionada previsão normativa, seria possível, por exemplo, que
se atribuísse a um determinado documento uma força de título executivo ou que se proibisse a
tutela de evidência a certos casos.
Acerca dos negócios jurídicos processuais envolvendo matéria de prova,
Lucas Buril e Ravi Peixoto apontam que, “os negócios jurídicos processuais probatórios, de
uma maneira geral, não podem buscar ajustar situações jurídicas típicas da posição do Estado-
juiz”. Como em qualquer outro tipo negócio jurídico, só é permitido às partes regularem
situações que lhes são disponíveis. Se as partes pudessem dispor das atividades do Estado-
Juiz, haveria uma grande crise de eficiência. Assim, os citados autores entendem que só “é
213
CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e
perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 274. 214
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:
teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 620.
71
admissível um negócio processual acerca do ônus da prova, mas não um negócio que intente
impedir que o magistrado tome em conta determinada prova em espécie”, no máximo pode
haver uma convenção entre as partes impondo uma obrigação de não fazer entre elas, em que,
por exemplo, os litigantes só pudessem apresentar provas documentais215
.
Para Didier, nos casos que versem sobre tutela de evidência documentada,
não existe impedimento de que as partes celebrem um acordo, seja prévio ou após a
distribuição do processo, respeitando os limites estabelecidos no art. 190 do CPC, para
“atribuir a um documento a aptidão para permitir ou não a tutela de evidência, nas hipóteses
do art. 311, II a IV, CPC. Essa é, inclusive, uma hipótese que tende a ser muito usual de
negócio jurídico processual”216
.
Com certeza a negociação processual em volta da tutela de evidência ainda é
um pensamento embrionário. Em primeiro lugar, é preciso que os operadores do direito se
familiarizem com as próprias figuras da tutela de evidência e do negócio jurídico processual
dentro das possibilidades já elencadas no novo digesto processo, para, só depois, ocorrer uma
evolução, sem sobressaltos, dos referidos institutos.
3.8 TUTELA DE EVIDÊNCIA E A FAZENDA PÚBLICA
É de se reconhecer a possibilidade de concessão da tutela de evidência contra a
Fazenda Pública, porém, para tanto, deverá ser observado o art. 1.059 do CPC/2015, que
expressamente condiciona a concessão de qualquer tutela provisória em desfavor da Fazendo
Pública à observância das limitações impostos pelas Leis 8.437/1992 e 12.016/2009 em
relação às liminares217
.
Na hipótese do inciso I do art. 311, que trata do abuso de direito de defesa, não
existem maiores problemas para o deferimento da medida. Basta que fique configurado o
215
MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi de Medeiros. Negócio Processual acerca da distribuição do
Ônus da Prova. RT 241, p. 463-487, mar. 2015. 216
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:
teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 620. 217
Em sentido contrário, o Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC, através da Carta de São Paulo
resultante do encontro que ocorreu entre os dias 18 e 20 de março de 2016 na Universidade Presbiteriana
Mackenzie, formulou o Enunciado 35: “As vedações à concessão de tutela provisória contra a Fazenda
Pública limitam-se às tutelas de urgência.” Cuja redação original era “As vedações à concessão de tutela
antecipada contra a Fazenda Pública não se aplicam aos casos de tutela de evidência”. Disponível em
<http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2016/05/Carta-de-S%C3%A3o-Paulo.pdf> Acesso em 29
de abril de 2017.
72
abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório por parte do ente público218
, e
sejam respeitadas as limitações elencadas pelas normas acima citadas.
Quanto aos casos em que a tutela de evidência é requerida com base no inciso
II, em que é possível a concessão da tutela liminarmente, surgem maiores discussões. Para os
que defendem a inconstitucionalidade do deferimento da tutela sem a oitiva da Administração
Pública, no caso do inciso II só poderia ser concedida a medida após o pronunciamento do
representante judicial do ente público, tendo em vista a inexistência da urgência e do risco de
dano. Afirma-se que, de acordo com o entendimento consolidado do STF, apenas nos casos
de um grande risco de perecimento do direito é possível o deferimento do pedido
antecipatório sem o pronunciamento do Poder Público219
.
Os que acreditam na ampla possibilidade de deferimento da tutela de evidência
contra a Fazenda Pública fundamentam seu posicionamento com base no entendimento do
STF de que a concessão de tutela que se apoie em jurisprudência consolidada da Corte
Constitucional não se submete ao art. 1º da Lei 9.494/1997, podendo, inclusive, existir ordem
inaudita altera parte de pagamento imediato de vantagens de servidores, como nos casos de
decisão liminar que determina a reintegração de servidor ao seu cargo. Para Leonardo
Carneiro, o inciso II do art. 311 visa tutelar a segurança jurídica como também o respeito ao
sistema de precedentes, e, “ao Poder Público, nesse mesmo sentido, cumpre atender aos
princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade (CF, art. 37), que se relacionam
diretamente com o respeito aos precedentes e à integridade e à coerência do sistema” 220
.
Defendendo a possibilidade da concessão da tutela evidência contra Fazenda
Publica nos casos em que exista jurisprudência firme sobre determinada matéria, afastando até
o argumento de irreparabilidade do ano, Antônio de Souza Prudente aduz que convém
reconhecer-se, de pronto, que, se o conteúdo do requerimento antecipatório coincidir com a
jurisprudência uniforme do STF ou STJ, deve ser superada até a alegação da irreparabilidade
do dano ao Erário público, posto que, na decisão final, a tutela antecipatória será, certamente,
218
De acordo com o enunciado 34 do Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC, conforme Carta de
São Paulo, “considera-se abusiva a defesa da Administração Pública, sempre que contrariar entendimento
coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público,
consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa, salvo se demonstrar a existência de
distinção ou da necessidade de superação do entendimento.” Disponível em:
<http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2016/05/Carta-de-S%C3%A3o-Paulo.pdf> Acesso em: 29
de abril de 2017. 219
PONTES, Daniel de Oliveira. A tutela de evidência no novo Código de Processo Civil: uma gestão mais
justa do tempo na relação processual. Revista de Processo, São Paulo, ano 41, v. 261, p. 341-368, nov. 2016,
p. 364. 220
CUNHA, Leonardo Carneiro da. Fazenda Pública em Juízo. 13 ed. tot. ref. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p.
321.
73
mantida. Para o autor, o processo deve ser visto sob o prisma do princípio da razoabilidade,
que regula o processo justo e efetivo, não sendo justo nem razoável fazer com que o
promovente tenha que aguardar por uma ampla cognição para ver implementado um direito
que já se encontra pacífico nos Tribunais221
.
Sobre o tema, envolvendo pedido de tutela de evidência contra a Fazenda
Pública com base no inciso II, segue abaixo interessante julgado em que a parte agravante é a
Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN, vinculada ao Ministério da Ciência,
Tecnologia, Inovações e Comunicações. Vejamos:
PROCESSO CIVIL. TUTELA DE EVIDÊNCIA. JUÍZO DE
PROBABILIDADE. SERVIDORES QUE OPERAM DIRETAMENTE COM
RAIOS X E SUBSTÂNCIAS RADIOATIVAS. REDUÇÃO DA JORNADA DE
TRABALHO. MANUTENÇÃO DO VALOR DAS REMUNERAÇÕES. LEI Nº
1.234/50. AUSÊNCIA DE OFENSA ÀS VEDAÇÕES RELATIVAS À
APLICAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA.
NÃO COMPROVAÇÃO DO ARGUMENTO DE AMEAÇA DE LESÃO GRAVE
E DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. IMPROVIMENTO.
1. Recurso de Agravo de Instrumento interposto no intuito de reformar decisão que
deferiu a Tutela de Evidência requerida e determinou a redução, imediata, da
jornada de trabalho dos autores para 24 horas semanais, mantendo-se o valor de suas
remunerações. 2. A Tutela de Evidência, instituída pelo Código de Processo Civil
de 2015, permite ao Juiz conceder o bem da vida a quem comprovadamente
dele faz jus, caso haja demonstração documental suficiente dos fatos
constitutivos do direito e tese firmada, independentemente da demonstração de
perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, baseando-se
unicamente na Evidência, isto é, num juízo de probabilidade. (...) 4. A
concessão da Tutela de Evidência prevista no art. 311, II, do CPC/2015
independe do trânsito em julgado da decisão paradigma, conforme orienta o
Enunciado 31 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de
Magistrados (ENFAM), o que bem evidencia a possibilidade de lastro em
precedentes jurisprudenciais não obrigatórios. 5. Irretorquível o
reconhecimento de que restou satisfeita a exigência do inciso II do art. 311 do
CPC de existência da tese firmada em julgamento de casos repetitivos, ante a
menção a diversos julgados favoráveis a tese autoral. (...) 8. Agravo improvido.
(PROCESSO PJE: 08072978720164050000, AG/SE, DESEMBARGADOR
FEDERAL RUBENS DE MENDONÇA CANUTO, 4ª Turma, JULGAMENTO:
27/01/2017)222
.
A ementa de acórdão acima apresentada é bastante rica sobre a temática da
tutela de evidência. Note-se que inicialmente o julgado fala em juízo de probabilidade, e não
221
“Serve de ilustração, na espécie, a tutela de evidência, que se busca, na Justiça Federal do Brasil e nos
Tribunais Superiores (STJ e STF), inclusive, perante os Juizados Especiais Federais Cíveis, visando a
correção dos saldos das contas vinculadas ao FGTS, pelos índices de janeiro de 1989 (42,72% – IPC) e de
abril de 1990 (44,80% – IPC), quando o direito a esses percentuais de correção monetária já fora reconhecido
e proclamado pelo Supremo Tribunal Federal (RE no 226.855-7- RS. Rel. Min. Moreira Alves – STF/Pleno –
D.J.U. de 13.10.2000) e pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula 252), a caracterizá-lo, assim, como direito
evidente”.Cf. PRUDENTE, Antônio Souza. A tutela coletiva e de evidência no Juizado Especial Federal
Cível e o acesso pleno à Justiça. Revista CEJ, Brasília, v 7, n. 21, p. 92-97, jun. 2003, p. 96. 222
BRASIL. TRF 5ª Região. Processo 0807297-87.2016.4.05.0000. 4ª Turma. Julgado em 27/01/2017.
Disponível em <https://www4.trf5.jus.br/Jurisprudencia/JurisServlet?op=exibir&tipo=1> Acesso em 15 mai.
2017.
74
de verossimilhança, dando preferência à nomenclatura trazida pelo novo código. No seu item
2 traz explicação sobre os elementos necessários para concessão da medida, no tópico 4
aponta a desnecessidade do trânsito em julgado da decisão paradigma, para, ao fim,
reconhecer que a tese discutida já era pacificada por meio de julgamento repetitivos, os quais
foram devidamente cotejados pelo juízo de primeiro grau.
Por sua vez, o inciso III do art. 311 não desperta grandes interesses práticos,
sendo muito pouco provável a existência de uma ação de depósito contra a Fazenda Pública.
Porém, caso ocorra, é possível que se formule pedido de tutela de evidência contra a
Administração Pública que figure como depositária. Questionável, contudo, o deferimento da
medida em sede de liminar nos termos do parágrafo único do artigo em debate.
No que diz respeito à possibilidade trazida pelo inciso IV do art. 311, é
interessante o raciocínio desenvolvido pelo doutrinador Leonardo Carneiro da Cunha, para
quem tal hipótese de tutela de evidência seria equivalente ao caso de mandado de segurança,
atualmente regido pela Lei 12.016/2009. Para o citado autor, se em uma ação ordinária em
face da Fazenda Pública existir evidência documental e não for oposta dúvida razoável ao
documento, é possível ao juiz conceder a tutela, desde que o caso não se encaixe em nenhuma
das causas de vedação223
. Assim, Leonardo Carneiro discorda parcialmente do Enunciado 35
do Fórum Permanente de Processualistas Civis, que diz que “as vedações à concessão de
tutela provisória contra a Fazenda Pública limitam-se às tutelas de urgência”, reconhecendo
expressamente que as vedações legais devem ser aplicadas na tutela de evidência na hipótese
do inciso IV.
Sem dúvidas muito ainda será discutido sobre a aplicação do art. 1.059 do CPC
em relação à tutela de evidência. Porém, se for considerado que o referido artigo
expressamente fez referência ao gênero do qual a tutela de evidencia é espécie, só uma
alteração legislativa poderá fazer com que não se aplique à tutela de evidência o regime de
liminares contra a Fazenda Pública224
. No momento em que o texto legal fala do gênero,
consideram-se inclusas as espécies, salvo se houver determinação legal em contrário225
.
223
CUNHA, Leonardo Carneiro da. Fazenda Pública em Juízo. 13 ed. tot. ref. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p.
321. 224
Para Fredie Didier, diante do atual panorama legislativo, deve-se considerar proibida a tutela provisória
contra a Fazenda Pública quando tenha por objeto: a) "a reclassificação ou equiparação de servidores
públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza" (art. 7º, §
2°, da Lei n. 12.016/2009); b) medida "que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação" (art. 10,
§3o, Lei n. 8437/1 992) - que, na pior das hipóteses, é mera repetição da vedação (já mitigada) à
irreversibilidade (cf. art. 300, §3o, CPC), como já se disse; e, enfim, c) a impugnação, em primeira instância,
de ato de autoridade sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária do tribunal -
ressalvados a ação popular e a ação civil pública (art. 1 °, §§ 1 o e 20, Lei n . 8.437/1992). Cf. DIDIER JR.,
Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil: teoria da prova,
75
4 EVOLUÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL E SUA PREPONDERÂNCIA
SOBRE O PROCESSO CIVIL
Para se compreender o porquê dos princípios constitucionais possuírem tanta
influencia sobre os demais ramos do direito, dentre eles o direito processual civil, formando
um verdadeiro sistema constitucional, é importante conhecer a evolução dos paradigmas do
direito constitucional, analisando o seu desenrolar na história recente da humanidade.
Fazendo um corte temporal a partir do final do século XVIII, temos em um
primeiro momento o período inicial do constitucionalismo clássico, também conhecido como
constitucionalismo liberal, marcado pela transição da monarquia absolutista para o Estado
Liberal. Posteriormente, em razão das crises sociais do século XIX, surge a ideia de Estado
Moderno, também nominado de Estado do bem-estar social, caracterizado pela forte atuação
do Estado na esfera privada e pelo positivismo, o qual também não se sustentou. Para, então,
alcançarmos o constitucionalismo contemporâneo e seu modelo axiológico.
4.1 PARADIGMAS DO DIREITO CONSTITUCIONAL
Conforme dito, para uma efetiva compreensão do processo de
constitucionalização do direito, é forçoso realizar todo um levantamento histórico de sua
evolução, pois, como já lecionado por Pedro de Vega Garcia, somente por meio dos valores
da realidade histórica preexistente, expressados por intermédio da vontade do poder
constituinte, é que se consegue alcançar a plenitude do sentido da ideia de Constituição226
.
Compartilhando do mesmo pensamento, Konrad Hesse defende que para se
tentar compreender a Constituição, deve-se partir dos seus fundamentos e conexões básicas,
observados sob uma perspectiva histórica, para, só assim, compreender-se o verdadeiro
sentido da norma227
.
Desta feita, partindo do constitucionalismo clássico, com nascedouro no Estado
Liberal e dando início ao constitucionalismo moderno, temos que esse surgiu com o ideal
direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela.
10ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 632. 225
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 201. 226
GARCIA, Pedro de Vega. Mundialização e Direito Constitucional: a crise do princípio democrático no
constitucionalismo atual. In: Constitucionalismo e Estado. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 506 227
HESSE, Konrad. Constituição e Direito Constitucional. Tradução de Carlos dos Santos Almeida. In:
ALMEIDA, Carlos dos Santos et al. Temas de Fundamentais do Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva,
2009.
76
precípuo de estabelecer limites ao governante.228
Ou seja, o constitucionalismo surge como
verdadeiro opositor ideológico do absolutismo, firmando uma dualidade entre Estado e
sociedade civil, com o Estado afastado das relações privadas.
Buscou-se um sistema político prevendo a separação dos poderes, e que
assegurasse os direitos individuais, formando um verdadeiro sistema político de liberdades229
.
As primeiras constituições, portanto, nada regulavam sobre as relações privadas, cumprindo
sua função de delimitação do Estado mínimo.
Referido momento foi marcado pelo individualismo jurídico e pelo anseio da
codificação das normas, tendo como principais marcos históricos o surgimento das
Constituições norte-americana (1787) e francesa (1791). Sobre tal período, no qual
predominava a influencia de pensadores do quilate de Montesquieu, Locke e Rousseau, pode-
se ressaltar a limitação do trabalho hermenêutico do juiz, que se restringia a uma mera
atividade mecânica.
Nos dizeres de Canotilho, apenas com o desenvolvimento do
constitucionalismo moderno é que surge a chamada constituição moderna, cujo conceito
consiste “na ordenação sistemática e racional da comunidade política através de documento
escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos fundamentais e se fixam os limites do
poder político”230
. Sendo, sob tal aspecto, inquestionável a importância do liberalismo231
.
Com o inicio do século XX, começa a busca pelos direitos sociais, ocasionando
o surgimento do Estado do bem-estar social. Em tal momento, o Estado teve seu campo de
atuação vastamente ampliado, passando a interferir de forma mais incisiva na seara privada e,
consequentemente, o ordenamento jurídico ganhou um novo nível de complexidade,
admitindo-se, inclusive, que o juiz exercesse uma atividade hermenêutica, fazendo uso de
métodos como o teleológico, sistêmico e histórico232
. Ou seja, coube ao judiciário uma
228
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 36 229
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 151. 230
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3 ed. Coimbra:
Almedina, 1998, p. 49 231
Porém, para uma melhor compreensão do Estado Liberal sob o enfoque constitucional, vale transcrever a
lição do professor Paulo Bonavides: “O constitucionalismo clássico, reduzindo a Constituição simplesmente
a um instrumento jurídico, dava competência aos três órgãos fundamentais da ordem estatal - o Executivo, o
Legislativo e o Judiciário – ao mesmo passo que declarava os direitos e as garantias individuais. A
Constituição se continha toda no texto, como se fora o livro sagrado da liberdade, a bíblia de uma nova fé
democrática, o alcorão dos princípios liberais, tendo por finalidade precípua limitar ou enfrear o exercício do
poder”. Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.
94. 232
CARVALHO NETTO, Menelick de. A hermenêutica constitucional sob o paradigma do Estado
Democrático de Direito. Notícia do Direito Brasileiro. Nova série nº 6. Brasília: Editora da UnB, jul./dez.
1998, p. 242.
77
atividade mais elaborada, focada nas responsabilidades sociais fortemente atribuídas ao
Estado.
Sobre o declínio do paradigma social, pode-se atribuir sua derrocada ao déficit
de legitimação do Poder Estatal. O Estado não conseguiu implementar de forma efetiva a
igualdade material pretendida, tendo em vista a crescente complexidade social. Considerando,
ainda, que o apego exagerado ao novo modelo normativo, mais prolixo e programático, e o
distanciamento dos valores morais, levou ao cometimento de atrocidades em nome da lei.
Assim, a ordem constitucional não podia mais ficar restrita ao regramento
estatal, simples carta de intenções políticas, surgindo a ideia de que a Constituição deve
regular a vida em sociedade, passando a ser, também, norma da comunidade que vive dentro
do Estado por ela criado e mantido.
Seguindo tal rumo, com o fim da Segunda Guerra Mundial, considerando as
sequelas do pós-guerra e os malefícios da normatividade excessiva, ganha corpo uma corrente
filosófica que busca superar a dualidade entre direito natural e direito positivo, aproximando
novamente o direito dos valores morais, denominada de neoconstitucionalismo ou
constitucionalismo contemporâneo. Perde força o império das leis, e a Constituição é posta
como norma suprema (força normativa e expansiva), passando a consagrar juridicamente os
direitos humanos e a dignidade da pessoa humana.
Na seara processual propriamente dita, conforme lembra Leonardo Schenk,
com o segundo pós-guerra, em razão do movimento de valorização da Constituição e a
proteção dos direitos humanos, com forte influência da jurisprudência das cortes
constitucionais e dos tribunais internacionais, ganha relevo o princípio do contraditório, que
muito influenciou no modo de pensar o processo a partir de então233
.
Nesse último paradigma, preponderante na nossa atualidade e em pleno
processo de evolução, verifica-se o ressurgimento de alguns valores do jusnaturalismo na
busca da efetiva justiça, em que os princípios passam a ter papel central dentro do sistema
jurídico. As novas Constituições, promulgadas sob a égide do pós-positivismo, passam a
realçar e fortalecer a hegemonia axiológica dos princípios, os quais, como já falado, servem
de lastro para todo ordenamento normativo234
. Inclusive, com grande influência na seara
processual, conforme ocorre em nossa Carta Magna, que expressamente traz vários princípios
que regem diretamente o processo, seja judicial ou administrativo.
233
SCHENK, Leonardo Faria. Contraditório e cognição sumária. Revista Eletrônica de Direito Processual
(REDP), v. 13, 2014, p. 554. 234
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 264.
78
Dentro do viés pós-positivista, segundo Regla, ser fiel às regras vai além de ser
fiel a sua literalidade. Devendo-se observar quais princípios as regras pretendem refletir, qual
é o real propósito da norma235
.
Com o neoconstitucionalismo houve a chamada constitucionalização do
sistema jurídico, demonstrando-se que a pura e simples aplicação do direito positivo, por
meio da subsunção, não era suficiente para dar conta dos princípios constitucionais, os quais
necessitam do uso da ponderação. Restando prejudicado positivismo teórico236
.
No Brasil, o neoconstitucionalismo realmente ganhou força a partir da
promulgação da Constituição de 1988, tendo em vista sua forte carga axiológica. Pois, até
então, prevaleciam os conceitos positivistas, fazendo-se ainda hoje presente em nossa
bandeira o lema “Ordem e Progresso”, de influência direta do positivista francês Auguste
Comte.
Contudo, como bem destaca Gilmar Mendes, é de se ter em mente que toda
essa evolução não ocorreu de forma linear e sistêmica. Tendo sido marcada por vários
avanços e retrocessos, de acordo com os mais variados contextos. O ilustre doutrinador nos
fala em natureza dialética desse desenrolar histórico, colocando que “as fases subsequentes
devem ser vistas como absorção/transformação/superação das etapas anteriores, em
movimento aberto e infinito, em tudo semelhante ao movimento do espírito humano” 237
.
No mesmo pensar, é acertado anuir que o neoconstitucionalismo não surge com
intenção da desconstrução, mas, pelo contrário, nasce com um intuito de superação do
conhecimento convencional. Ele inicia uma trajetória guardando deferência relativa ao
ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as ideias de justiça e legitimidade238
.
Interessante, porém, é a abordagem que a alguns autores fazem entre o
neoliberalismo e o neoconstitucionalismo. Para Carlos Ayres Brito, o neoconstitucionalismo
está intimamente comprometido com a ideologia neoliberal que varreu o mundo após a queda
do Muro de Berlim239
.
Já Boaventura de Sousa Santos reflete sobre os efeitos do neoliberalismo no
235
REGLA, Josep Aguiló. Do Império da Lei ao Estado Constitucional: Dois paradigmas jurídicos em poucas
palavras. Tradução de Eduardo Moreira. Revista Jurídica - Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, n. 4,
maio 2010, p. 23. 236
FIGUEROA, Alfonso Garcia. A teoria do Direito em tempos de Constitucionalismo. In: RIBEIRO, Eduardo
(Coord.). Argumentação e Estado Constitucional. São Paulo: Ícone, 2012, p. 522 237
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 37-38. 238
COELHO, Paulo Magalhães da Costa. É possível a construção de uma hermenêutica constitucional
emancipadora na pós-modernidade? In: Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, n. 44, set./ dez. 2005.
Bauru : Instituição Toledo de Ensino, p. 119 239
BRITO, Carlos Ayres. Teoria da constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 7.
79
sistema jurídico, e afirma que muitas reformas são feitas justamente para beneficiar o campo
dos negócios, dos interesses econômicos, fazendo com que o sistema possibilite a
previsibilidade dos negócios e proteja os direitos de propriedade240
. O autor afirma que em
vários países as reformas são feitas quase que exclusivamente seguindo a ideia de rapidez,
visando um sistema célere, em que algumas áreas do judiciário e formas de atuação são
consideradas importantes e outras ficam de lado, e ainda ressalta que a formação dos
magistrados é orientada para as necessidades da economia241
.
Preocupado com os rumos do processo civil em razão da ânsia por celeridade
influenciada pelos ideais neoliberais, Dierle Nunes afirma que inicialmente é de se analisar
qual tipo de eficiência os sistemas processuais democráticos almejam. Se uma eficiência
quantitativa, na qual se prioriza a velocidade dos procedimentos e a redução de custos, ou
uma eficiência qualitativa, dando-se ênfase à qualidade das decisões e suas fundamentações.
Segundo o autor, no Brasil, infelizmente, o sistema geralmente trabalha com eficiência
quantitativa, “impondo mesmo uma visão neoliberal de alta produtividade de decisões e de
uniformização superficial dos entendimentos dos tribunais, mesmo que isto ocorra antes de
um exaustivo debate em torno dos casos, com finalidade de aumentar estatísticas”242
.
Em que pese às críticas sobre a modelo neoliberal e a sua influencia sobre o
sistema jurídico, é inegável que todos os paradigmas constitucionais foram estruturados e
influenciados por movimentos sociais, ficando evidenciado que até mesmo no Estado de
Direito, no qual se repelia qualquer possibilidade de influência externa no ordenamento
jurídico, existia influência de agentes externos ao sistema jurídico. Tanto é que seu declínio
decorreu dos problemas sociais e políticos criados pela sua própria filosofia positivista, de
exagerado rigor formal.
Pode-se dizer que a própria evolução do direito constitucional já evidencia o
seu caráter sistêmico, o qual, em hipótese alguma, pode ser analisado de forma isolada, tendo
em vista sua forte relação com a realidade social e política. Nesse sentir, merece realce o
ensinamento do autor português Jorge Miranda, para quem “a Constituição é elemento
conformado e elemento conformador de relações sociais, bem como resultado e fator de
240
Observando as ideias de Boaventura, ganha ainda mais força as criticas tecidas por Luiz Guilherme Marinoni
sobre a previsão casuística da tutela de evidência nos casos de contratos de depósitos. Conforme visto no
tópico 3.3, para Marinoni a regra trazida pelo inciso III do art. 311 só pode ter sido uma encomenda daqueles
que se valem destes documentos. 241
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. 3 ed. São Paulo: Cortez,
2011. p. 21. 242
NUNES, Dierle. Novo enfoque para as tutelas diferenciadas no Brasil? Diferenciação procedimental a partir
da diversidade de litigiosidade. Revista de Processo, São Paulo, ano 35, n. 184, p. 109-140, jun. 2010, p.
112-114.
80
integração política”243
. Canotilho complementa que o sistema jurídico deve ser observado
como um sistema normativo aberto de regras e princípios244
.
4.2 A TEORIA SISTÊMICA NO CONSTITUCIOLISMO CONTEMPORÂNEO
Após a estagnação do direito material durante o período do Estado Formal de
Direito, no qual se refutavam influências externas e se buscava cegamente uma “segurança
jurídica” por meio do formalismo exacerbado, ressurge a concepção do estudo científico por
intermédio da diretriz sistêmica dentro das ciências sociais, especialmente no direito.
Segundo Paulo Bonavides, não havia mais como a ciência jurídica ficar restrita
à dicotomia entre direito natural ou direito positivo, pois, o jusnaturalismo e o positivismo
entraram em um “beco sem saída”. O primeiro por não responder ao problema dos
fundamentos de validade do direito, pecando pelo excesso de subjetivismo no ideal de
alcançar a justiça, e o segundo por sacrificar o problema da verdade para obter a segurança245
.
Logo, evidenciou-se que o caminho a ser trilhado pelo neoconstitucionalismo
seria considerar o Direito como uma estrutura sistêmica, com unidade e regulação interna dos
seus próprios elementos e em constante interação com os demais sistemas. O próprio jurista
deixa de ser algo externo do Direito para também ser elemento integrante do sistema jurídico.
Nesse sentido, Regla coloca que na ótica pós-positivista e sistêmica, o jurista
não é mero observador, não podendo ser considerado um elemento fora direito. O jurista é
considerado como participante do direito, que é uma prática social muito complexa246
.
“A noção atual de sistema está presente em todos os ramos do conhecimento,
sendo certo que em todos eles a ideia de sistema implica não só em uma mera reunião de
elementos, mas também na interação entre eles” 247
.
Dentro dessa nova realidade constitucional, não há como se negar a intrínseca
relação dialógica entre o direito constitucional e a realidade política e social. Para Pedro de
Vega Garcia, a história do Estado Constitucional se confunde com a própria história das
transformações desses valores, princípios e exigências. “Isso equivale a indicar que não são as
243
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4 ed. Tomo II. Parte II, Título I. p. 82. 244
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3 ed. Coimbra:
Almedina, 1998, p. 1115. 245
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 124 246
REGLA, Josep Aguiló. Do Império da Lei ao Estado Constitucional: Dois paradigmas jurídicos em poucas
palavras. Tradução de Eduardo Moreira. Revista Jurídica - Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, n. 4,
maio 2010, p. 27. 247
RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2 ed. rev. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016, p. 29.
81
mudanças da legalidade que provocam as transformações sociais. São as transformações
ocorridas na realidade que sempre determinaram as grandes revisões da legalidade”248
.
E foi justamente em razão de transformações na realidade social que ocorreram
várias modificações na nossa Constituição Federal e, consequentemente, na norma processual.
Como exemplo recente, podemos citar a Emenda Constitucional nº45, conhecida como a
Reforma do Judiciário, que, ante o clamor social por uma prestação jurisdicional mais célere e
efetiva, apta a proporcionar o substancial acesso à justiça, introduziu o inciso LXXVIII no
artigo 5º da Constituição Federal, consagrando o princípio da razoável duração do
processo249
.
Com lastro na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, ganha relevo o estudo
desse diálogo entre o direito e a realidade social. O ordenamento jurídico passa a ser encarado
como sistema autônomo, aberto aos elementos e fatores externos. Passou-se a considerar, sob
o viés científico, que as influências de outros sistemas, como econômico, político, podem
repercutir dentro da espera jurídica. Desde que cada sistema respeite o núcleo central e
caracterizador do outro250
.
Nessa perspectiva sistêmica, considerando a inevitável convivência entre o
mundo jurídico e os fatores sociais, o conceito de Constituição de Marcelo Neves, trazido por
Jorge Miranda no seu Manual de Direito Constitucional, deixa evidente a aceitação e
consolidação da teoria dos sistemas no ordenamento constitucional. Conforme posto por
Miranda, Neves “vê a Constituição na acepção moderna como fator e produto de
diferenciação entre sistema político e sistema social”. Continuando, Miranda pontua que de
acordo com tal conceito a relação entre o sistema jurídico e o político é horizontal-funcional e
não mais vertical-hierárquica251
.
Porém, esse encontro entre o sistema político e o sistema jurídico tem que
248
GARCIA, Pedro de Vega. Mundialização e Direito Constitucional: a crise do princípio democrático no
constitucionalismo atual. In: Constitucionalismo e Estado. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 500 249
“O processo não é apenas instrumento técnico, mas sobretudo ético. E significa, ainda, que é profundamente
influenciado por fatores históricos, sociológicos e políticos. Claro é que a história, a sociologia e a política
hão de parar às portas da experiência processual, entendida como fenômeno jurídico. Mas é justamente a
Constituição, como resultante do equilíbrio das forças políticas existentes na sociedade em dado momento
histórico, que se constitui no instrumento jurídico que deve utilizar-se o processualista para o completo
entendimento do fenômeno processo e de seus princípios.” Cf. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo;
GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 31 ed. São Paulo:
Malheiros, 2015, p. 104. 250
Na teoria dos sistemas autopoiéticos de Nikas Luhmann, a sociedade é entendida como um grande sistema
social, composta por outros sistemas menores (subsistemas), que possibilitam diminuir a complexidade do
sistema maior. Segundo o pensamento de Luhmann, afirmar que os sistemas sociais são autopoiéticos
significa que estes produzem seus próprios elementos, possibilitando a identificação do próprio sistema como
unidade. Cf. LUHMANN, N. O conceito de sociedade. In: NEVES, C. B.; SAMIOS, E. M. B. (Org.). Niklas
Luhmann: a nova teoria dos sistemas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1997. 251
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4 ed. Tomo II. Parte II, Título I. p. 78
82
ocorrer de forma harmoniosa, não podendo um se sobrepor ao outro, sob pena de um dos
sistemas findar sendo suprimindo. Por isso, a doutrina tem sempre lançado um olhar atento
sobre a questão da politização do judiciário e a judicialização da política252
.
Observando a doutrina que se debruça sobre o assunto, não ficam dúvidas
sobre a importância da sistematização do ordenamento constitucional, no qual a Constituição
passa a ser observada como sistema aberto de valores, e "os princípios assomam o coração das
Constituições e o ato de interpretar não é mais uma operação lógico-dedutiva, mas sim o que
se abre para a realidade, para a vida humana histórica e concreta”253
.
Desta feita, além da autorreferência dos seus elementos internos, o sistema
constitucional também deve ser aberto aos fatores externos, pois, só assim, irá se manter
equilibrado.
Seguindo a lição de Hesse, contextualizando com o delicado tema da relação
entre os sistemas, pode-se afirmar que a Constituição tem que estar aberta ao tempo, o que
não significa nem dissolução, nem diminuição de sua força normativa. Pois, ela também
estabelece o que não deve ficar em aberto, como, por exemplo, os fundamentos da ordem da
comunidade e a estrutura do Estado.
O surgimento e desenrolar do direito constitucional foi marcado e influenciado
por vários fatores sociais, estando umbilicalmente ligado com a evolução do espírito humano,
do desejo de viver numa sociedade igualitária e justa. Pablo Lucas Verdú fala que o avanço do
Direito Constitucional quase sempre se deu por meio da revolução e conquista dos cidadãos,
com base em sentimentos, em regras de conduta e nas opiniões morais254
.
Nesse diapasão, podemos aduzir que caso a norma constitucional não se
comunique com outros sistemas, ela não irá se renovar e acabará obsoleta diante da evolução
social cada vez mais rápida, tornando-se imprestável para finalidade a que se propõe.
Encaixa-se aqui a lição de Friedrich Müller, de que a norma obsoleta pode até ser
252
Sobre tal tema, Paulo Bonavides alerta que “todo o problema constitucional ainda hoje procede, contudo, da
ausência de uma formula que venha combinar ou conciliar essas duas dimensões da Constituição: a jurídica e
a politica. A verdade e que ora prepondera uma, ora outra. (...) E quando uma delas ocupa todo o espaço da
reflexão e da analise, os danos e as insuficiências de compreensão do fenômeno constitucional se fazem
patentes. (...) O sistema constitucional surge pois como expressão elástica e flexível, que nos permite
perceber o sentido tomado pela Constituição em face da ambiência social, que ela reflete, e a cujos influxos
esta sujeita, numa escala de dependência cada vez mais avultante. A terminologia sistema constitucional não
é, assim, gratuita, pois induz a globalidade de forcas e formas politicas a que uma Constituição
necessariamente se acha presa. Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15 ed. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 95. 253
COELHO, Paulo Magalhães da Costa. É possível a construção de uma hermenêutica constitucional
emancipadora na pós-modernidade? In: Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, Instituição
Toledo de Ensino, n. 44, set./ dez. 2005, p. 123 254
VERDÚ, Pablo Lucas. O Sentimento Constitucional: aproximação ao estudo do sentir constitucional como
modo de integração política. Tradução de Agassiz Almeida Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 127.
83
historicamente interpretada como texto, sob o ponto de vista histórico e das ciências humanas
em geral, contudo, não pode mais ser juridicamente concretizada255
.
Como se percebe, é notória a importância do estudo e aplicação da teoria dos
sistemas dentro do direito constitucional, que irá influenciar diretamente em todo o restando
do ordenamento jurídico. Na lição Antônio Cintra, Ada Pellegrini e Cândido Rangel
Dinamarco, cada vez mais “acentua-se a ligação entre processo e Constituição no estudo
concreto dos institutos processuais, não mais colhidos na esfera fechada da ordem processual,
mas no sistema unitário do ordenamento jurídico” 256
.
255
MÜLLER, Friedrich. Teoria Estruturante do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 202 256
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
geral do processo. 31 ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 364.
84
5 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO, A TUTELA SUMÁRIA DOS
DIREITOS EVIDENTES E O ACESSO À JUSTIÇA
De acordo com Alfonso Garcia Figueroa, o fenômeno da constitucionalização
não transformou apenas o direito, mas também o pensamento de juristas e teóricos do Direito.
Fazendo surgir o constitucionalismo (ou mais atualmente o neoconstitucionalismo), o qual
define como o "conjunto de teorias que proporcionaram uma cobertura justeórica conceitual
e/ou normativa à constitucionalização do Direito em termos normalmente não positivistas” 257
.
Partindo do conceito sistêmico do direito constitucional, com base nos
preceitos axiológicos do neoconstitucionalismo, alcançamos uma fase de verdadeira
constitucionalização do ordenamento jurídico, em que restou demonstrado que a simples
técnica de subsunção do fato à norma não era suficiente para correta interpretação e aplicação
dos princípios constitucionais, os quais necessariamente deverão ser aplicados por intermédio
de um trabalho cognitivo e valorativo do julgador, ficando quase que inviável o positivismo
teórico258
.
Sem dúvidas a constitucionalização do direito é um fenômeno marcante no
Brasil. E para os fins a que se destina o presente trabalho, torna-se imperiosa uma abordagem
acerca da constitucionalização do processo civil, ainda mais se for considerado que a
Constituição Federal traz em seu bojo relevante regramento sobre a formação e condução
processual, um verdadeiro “modelo constitucional do processo”. O processo precisa ser
estudado e compreendido sob a ótica da Constituição Federal, para que sejam efetivados, no
mais elevado grau, os seus princípios fundamentais.
Vários são os dispositivos trazidos pela nossa Carta Constitucional que versam
sobre a tutela constitucional da ação e do processo. A própria Constituição se incumbe de
deixar claro que direito processual não é apenas um conjunto de regras acessórias para
aplicação do direito material, tratando-o, cientificamente, como instrumento público para
efetivação da justiça e conservação do valor da liberdade259
.
A forte normatização constitucional processual se deve, precipuamente, ao fato
de que o Código de Processo Civil de 1973 foi promulgado em um período caracterizado pelo
“Estado de Exceção”, sendo, inicialmente, pobre de instrumentos garantidores do Estado
Democrático de Direito.
257
FIGUEROA, Alfonso Garcia. A teoria do Direito em tempos de Constitucionalismo. In: RIBEIRO, Eduardo.
Argumentação e Estado Constitucional. São Paulo: Ícone, 2012, p. 517. 258
Ibidem, p. 522 259
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
geral do processo. 31 ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 105.
85
Sobre a constitucionalização do processo, José Alfredo Baracho, na sua então
inovadora obra “Processo Constitucional”, afirma que a condensação sistemática e
metodológica dos princípios constitucionais do processo pode ser denominada de “Direito
Processual Constitucional”, o qual, para o citado autor, não se trata de um ramo autônomo do
direito processual, mas apenas de uma definição científica, facilitadora para o estudo das
relações entre processo e Constituição260
. Ainda segundo Baracho, a tutela constitucional do
processo abarca o direito de ação e de defesa e demais postulados deles decorrentes261
.
Em razão da publicização do processo e das “novas” correntes doutrinárias do
Direito Processual Contemporâneo, Paulo Bonavides afirma que “os laços do Direito
Constitucional com o Direito Processual se fizeram tão íntimos e apertados, que dessa união
parece resultar uma nova disciplina em gestação: o Direito Processual Constitucional”262
.
Nas palavras do doutrinador pernambucano Ivo Dantas, o conteúdo
constitucional-ideológico do processo atualmente se reflete na própria consagração de normas
constitucionais que visam à garantia processual da própria Constituição, como também, de
garantias constitucionais em relação ao processo e ao procedimento. Ressaltando que a
existência de ações de natureza constitucional fez nascer aquilo que alguns autores
denominam de “Direito Constitucional Processual” e outros chamam de “Direito Processual
Constitucional”263
.
Gilmar Mendes fala em direitos fundamentais de caráter judicial e garantias
constitucionais do processo, denominação essa que o próprio autor reconhece que peca por
imprecisão, mas que abarca os direitos fundamentais que têm por escopo proteger o indivíduo
no contexto processual, e que, indubitavelmente, também irão refletir na garantia da dignidade
da pessoa humana264
.
Aprofundando-se no estudo do tema, e preocupado com questões
metodológicas, Cândido Rangel Dinamarco diferencia o “Direito Constitucional Processual”
da figura do “Direito Processual Constitucional”, expondo que o primeiro é aquele que trata
dos princípios e diretrizes que vão nortear o processo de uma forma geral. E o segundo seria
mais restrito, correspondendo à jurisdição constitucional propriamente dita, prevendo, por
260
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 125. 261
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O Valor constitucional dos direitos de defesa: jurisdição e
constituição. In: JP – Jornal da Pós-Graduação em Direito da FD – UFMG, Belo Horizonte, ano 2, n. 12,
maio 2002, p. 5-6. 262
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 95. 263
DANTAS, Ivo. Direito processual constitucional e direito constitucional processual: um debate em aberto. In:
Revista Acadêmica, v. 85, n.2, 2013, p. 200. 264
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p 476.
86
exemplo, mecanismos para preservação de garantias fundamentais e instrumentos de controle
da constitucionalidade das normas265
.
No mesmo sentido, Moacyr Amaral ressalta que é no direito constitucional que
o direito processual vai encontrar as suas bases e diretrizes, para assim desempenhar
adequadamente sua função. Estando na Constituição os princípios fundamentais do
processo266
.
Já o processualista Fredie Didier, quando fala da ciência do processo e a nova
metodologia jurídica, destaca que a constitucionalização do processo é uma das fortes
características do Direito atual, e afirma que tal fenômeno pode ser visto por duas dimensões,
a primeira relacionada à implementação nos textos constitucionais de normas processuais,
fato esse facilmente perceptível em nossa CF, e a segunda relacionada ao exame das normas
processuais como meio de concretização dos preceitos da Constituição267
. Que é justamente a
intenção do novo Código de Processo Civil, claramente demonstrada no seu Capitulo I, que
trata das normas fundamentais do processo civil.
Como dito, a constitucionalização do processo é uma realidade no Direito
brasileiro e, atualmente, a maioria da doutrina, seguindo o pensamento de Dinamarco,
convenciona nominar de “Direito Constitucional Processual”, referente ao conjunto de normas
constitucionais que estruturam o direito processual como um todo268
.
Sendo assim, torna-se especificamente relevante para este trabalho a figura do
Direito Constitucional Processual, dentro do qual estão os preceitos do acesso à justiça, da
razoável duração do processo, do devido processo legal e seus consectários lógicos, os quais,
por se tratarem de princípios, que são normas imediatamente finalísticas, implicam a adoção
de comportamentos, por parte do legislador e dos operadores do direito, necessários à sua
concretização269
.
Seguindo a linha do neoconstitucionalismo, no qual os princípios ganham
relevante força normativa, o novo CPC aspira alcançar uma fina harmonia com a Carta
Magna, com a efetivação dos princípios aplicáveis ao processo, conforme ficou consignado na
265
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 13. ed. ver. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2001, p. 25. 266
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, p. 19. 267
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e
processo de conhecimento. 17 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 46. 268
CATTONI, Marcelo. Direito Processual Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001, p. 211. 269
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 16 ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 103.
87
exposição de motivos do anteprojeto apresentado no Senado Federal em 08 de junho de
2010270
.
Buscou-se uma socialização do processo, o que já era muito defendido pela
doutrina, através da simplificação do instrumento para obtenção de uma tutela jurisdicional
mais rápida e eficaz.
Nesse viés, além de vários outros mecanismos processuais, criou-se no Livro V
do novo Código de Processo Civil um título específico para a figura da Tutela de
Evidência271
, a qual esteve presente apenas implicitamente no Código Processualista de 1973
e, até mesmo, na própria Constituição Federal. E, como já dito, a citada tutela visa garantir de
forma mais célere e eficaz a solução de litígios nos quais o direito pleiteado se encontra
evidente, não havendo a necessidade de demonstração de perigo de dano ou de risco ao
resultado útil do processo para que seja de pronto concedida, conforme verbera o art. 311 do
novo digesto processual civil.
5.1 A SUMARIZAÇÃO DA COGNIÇÃO PROCESSUAL SOB A ÓTICA
CONSTITUCIONAL
A cada dia o fenômeno da sumarização do processo ganha maior destaque em
vários países, e a grande busca por medidas judiciais com cognição verticalmente limitada
tem modificado as estruturas do processo civil.
Como exemplo, pode-se citar a estabilização da tutela antecipada requerida em
caráter antecedente, nos termos do art. 304 do CPC, nitidamente criada sob a influência do
instituto do référé oriundo do direito francês, por meio do qual se desestimula a litigância
270
“Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos,
ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias
constitucionais de um Estado Democrático de Direito. Sendo ineficiente o sistema processual, todo o
ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do
processo. (...) A necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição
Federal da República fez com que se incluíssem no Código, expressamente, princípios constitucionais, na sua
versão processual. Por outro lado, muitas regras foram concebidas, dando concreção a princípios
constitucionais”. Cf. Código de Processo Civil: anteprojeto/ Comissão de Juristas Responsável pela
Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. – Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010.
Disponível em: < www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf> Acesso em 23/04/2017. 271
Sobre a tutela de evidência, a exposição de motivos do anteprojeto apresentado no Senado Federal diz que “o
Novo CPC agora deixa clara a possibilidade de concessão de tutela de urgência e de tutela à evidência.
Considerou-se conveniente esclarecer de forma expressa que a resposta do Poder Judiciário deve ser rápida
não só em situações em que a urgência decorre do risco de eficácia do processo e do eventual perecimento do
próprio direito. Também em hipóteses em que as alegações da parte se revelam de juridicidade ostensiva
deve a tutela ser antecipadamente (total ou parcialmente) concedida, independentemente de periculum in
mora, por não haver razão relevante para a espera, até porque, via de regra, a demora do processo gera
agravamento do dano”.
88
naqueles casos que claramente não podem ser seriamente contestados272
.
Ao falar das tutelas sumárias no direito francês e italiano, Barbosa Moreira
destaca que “em ambos os países, a concessão da tutela de urgência vai tendendo a assegurar
ao interessado, de direito ou ao menos de fato, o gozo definitivo do benefício pleiteado”. Ou
seja, a solução inicial do litígio, que seria apenas provisória, passa a adquirir estabilidade
equivalente àquela que teria a solução final273
.
Para Leonardo Schenk, cada vez mais o processo de cognição plena será
utilizado de forma residual, afirmado que “a opção por modelos processuais simplificados,
capazes de entregar resultados às partes em um menor espaço de tempo, por meio de uma
cognição sumária, sinaliza os novos rumos do processo civil” 274
. Pode-se perceber que
atualmente, entre a escolha do valor segurança e o valor celeridade, o legislador tem dado
maior prestígio à celeridade, em que, por vezes, a efetividade vem sendo considerada como
sinônimo de prestação jurisdicional célere275
.
Sobre sumarização da cognição por meio das tutelas provisórias e a intenção de
se impor uma maior celeridade na prestação jurisdicional, em seu artigo científico dedicado
ao estudo das tutelas de urgência e de evidência antes da entrada em vigor do Código de 2015,
Marcello Soares Castro já afirmava que se tratavam de hipóteses de tutelas diferenciadas,
pois, ao contrário das tutelas jurisdicionais embasadas em uma racionalidade unitarista, com
um modelo padronizado para todas as situações, as tutelas sumárias possuem como meta a
efetividade, as quais buscam um alinhamento a partir da proposta de adaptabilidade, o que
possibilita uma aplicação da tutela de forma sensível e flexibilizada ao caso concreto276
.
A tutela diferenciada em razão da sumarização da cognição, seja de urgência,
cautelar ou de evidência, ganhou importante papel no desenvolvimento do processo civil, que
deverá, ao mesmo tempo, e de forma equilibrada, garantir aos jurisdicionados o melhor
resultado possível do processo, por intermédio de uma tutela adequada e tempestiva,
272
“O référé provision, vigente no direito francês, é a maior inspiração para a previsão legislativa constante no
novo Código de Processo Civil brasileiro (...) há nítida relação entre os institutos, inclusive do ponto de vista
da existência de um verdadeiro processo sumário não cautelar. Cf. CAVALCANTI NETO, Antônio de
Moura . Estabilização da tutela antecipada antecedente: tentativa de sistematização. In: COSTA, Eduardo
José da Fonseca; GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos; PEREIRA, Mateus Costa. (Org.). Coleção
Grandes Temas do Novo CPC. 1 ed. Salvador: Juspovim, 2015. v. 6. p. 195-222. 273
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de Direito Processual. 8ª série. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 99 274
SCHENK, Leonardo Faria. Contraditório e cognição sumária. Revista Eletrônica de Direito Processual
(REDP), v. 13, 2014, p. 575. 275
CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e
perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 144. 276
CASTRO, Marcello Soares. Tutela de urgência e tutela de evidência: limites e possibilidades de um regime
único. In: FREIRE, Alexandre; et al. (Coord.). Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm,
2013, p. 285-286.
89
respeitando os comandos constitucionais do processo e demais garantias. Caso contrário, não
poderá ser considerada como constitucional, muito menos justa.
“Nesse contexto, se a sumarização da cognição indica os rumos do processo
civil do futuro, como técnica de tutela diferenciada já adotada em diversos países, é preciso
que se tenha também, entre nós, clara noção das suas vantagens e dos seus limites”277
. O
movimento da sumarização é tão forte, que já se fala em um novo processo pós-burocrático
sumarizado 278
.
A grande dificuldade para se avaliar a constitucionalidade das tutelas sumárias
é justamente saber até que ponto essa sumarização visando “efetividade/eficiência” processual
não irá afetar, de forma desproporcional, garantias constitucionais como o direito ao
contraditório, prevista no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal. Autores como Eduardo
Oteiza e Ovídio Baptista descrevem a dificuldade de se equilibrar a busca pela
celeridade/efetividade do procedimento com as garantias fundamentais do processo como o
desafio do milênio para os processualistas279
.
Para tratar de tal desafio, é necessário estabelecer e definir os princípios e
valores que possivelmente poderão entrar em rota de colisão quando da regulamentação e
utilização das tutelas sumárias280
, em que a cognição do juízo não é feita de forma
suficientemente profunda para proferir uma decisão definitiva, seja por limitações de ordem
processual ou material.
5.2 DEVIDO PROCESSO LEGAL E SEUS CONSECTÁRIOS
Como é sabido, o devido processo legal surgiu em razão da necessidade de se
impor limites ao poder real, conforme a Magna Carta de 1215, tendo em vistas os excessos
277
SCHENK, Leonardo Faria. Contraditório e cognição sumária. Revista Eletrônica de Direito Processual
(REDP), v. 13, 2014, p. 552. 278
ISAIA, Cristiano Becker. Processo civil constitucionalizado e resposta correta: o modelo democrático-
sumarizado de processo na sociedade em rede. In: Fabricio Muraro Novais; Francisco Cardozo Oliveira;
Marlene Kempfer. (Org.). Processo e Jurisdição II (Organziação CONPEDI/UNINOVE). 1 ed.
Florianópolis: FUNJAB, 2014, p. 148-169. 279
OTEIZA, Eduardo. El debido proceso y su proyección sobre el proceso civil en América Latina. Revista de
Processo - REPRO, São Paulo, ano 34, n. 173, jul. 2009, p. 183. 280
“As colisões e restrições nascem, como já constatado, porque o exercício de um direito fundamental entra em
conflito com outro ou com outros preceitos constitucionais (bens jurídico-constitucionais).(...) Há colisão de
direitos fundamentais quando, in concreto, o exercício de um direito fundamental por um titular obstaculiza,
afeta ou restringe o exercício de um direito fundamental de um outro titular.” Cf. DIMOULIS, Dimitri;
MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 5 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Atlas,
2014, p. 170.
90
que eram perpetrados pelo soberano281
. Até hoje tal princípio é de extrema relevância no
direito anglo-saxão, fazendo-se presente na grande maioria das constituições dos países
democráticos. Na nossa constituição, ele está previsto no inciso LIV do 5º, estabelecendo que
“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido Processo legal”.
Grande parte da nossa doutrina, a exemplo de Cândido Rangel Dinamarco,
Paulo Rangel e Nelson Nery Júnior, trata o devido processo legal como um superprincípio, do
qual derivam outros princípios processuais, dentre os quais os princípios do contraditório, da
ampla defesa, acesso à justiça, os quais serão adiante abordados e possuem intima relação
com este trabalho.
Segundo Ivo Dantas, “em qualquer que seja a perspectiva sob a qual se estude
o processo na Constituição, o ponto fundamental é a análise do devido processo legal, até
porque este é princípio fundamental ao denominado Estado Democrático de Direito” 282
.
O due process of law garante que uma determinada pessoa só poderá sofrer o
alcance de uma norma, seja em processo judicial ou administrativo, se for estritamente
obedecido o parâmetro da legalidade. Dividindo-se em devido processo legal material e
devido processo legal procedimental. Primeiramente foi elaborado o devido processo legal
procedimental, sendo positivado por intermédio da Quinta Emenda da Constituição dos
Estados Unidos, e, posteriormente, surgiu o devido processo legal material, por meio da
decisão do Chief Justice Taney, no caso Dred Scott, vindo a ser melhor amparado por meio da
Emenda 14 da Constituição Americana283
.
Leonardo Ferres destaca que a citada divisão entre devido processo legal
material (substancial) e formal, decorrente do direito norte-americano, não é meramente
acadêmica e que possui importante repercussão na delimitação do campo de atuação e
extensão do princípio. Esclarece que no campo formal o princípio impõe várias garantias na
esfera processual, sendo a primeira delas referente ao acesso à justiça, para depois garantir a
ampla defesa e o contraditório, mantendo o equilíbrio entre as partes durante toda a relação
processual. Já no aspecto material, o devido processo legal irradia seus efeitos para todas as
áreas do direito, possibilitando que o Judiciário, com lastro na razoabilidade, realize o
281
Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho a Magna Carta “constitui um antecedente das modernas constituições,
no que tange à forma escrita e à proteção de direitos individuais, ainda que de caráter imemorial e destinados
apenas a determinados homens”. Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito
Constitucional. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 8. 282
DANTAS, Ivo. Direito processual constitucional e direito constitucional processual: um debate em aberto. In
Revista Acadêmica, v. 85, n. 2, 2013, p. 226. 283
AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. Rio de janeiro: Forense, 2012, p. 228.
91
controle dos atos dos demais poderes284
.
No sentido formal o devido processo legal compreende a forma do processo
propriamente dito, estabelecendo as regras para o processamento do feito, com base em
normas previamente estabelecidas pelo legislativo, fazendo que as partes tenham um
conhecimento prévio trâmite a ser seguido, como também propiciando uma igualdade formal
no tratamento entre os litigantes.
O devido processo legal substancial (material) tem como objetivo a proteção
do conteúdo material dos direitos fundamentais. Por meio de construção jurisprudencial
fundada na razoabilidade, deve zelar pelos direitos fundamentais285
. Aqui a razoabilidade
deve ser vista como um dever de harmonização do geral com o individual, servindo como
ferramenta para determinar que as circunstâncias de fato devem ser presumidas como dentro
na normalidade, “exigindo uma relação congruente entre o critério de diferenciação escolhido
e a medida adotada” 286
.
Ademais, o devido processo legal material também impõe que as decisões
restritivas de direitos sejam fundadas no sentimento de justiça, de adequação, de necessidade
e proporcionalidade tendo em vista o fim que se pretende proteger287
. Sobre o postulado da
proporcionalidade, Humberto Ávila destaca que o referido postulado não se confunde com a
razoabilidade, apontando que aquele exige que os Poderes escolham, para realização dos seus
fins, meios adequados, necessários e proporcionais, devendo existir uma casualidade entre
meio e fim, não havendo na razoabilidade essa exigência de relação entre meio e fim288
.
Apesar de ainda pouco difundida, a perspectiva do devido processo legal
substancial é essencial para concretização dos direitos fundamentais, devendo ser concebido
juntamente com o devido processo legal procedimental, uma vez que é impensável direito
sem processo e vice-versa, havendo uma dependência mútua entre ambos289
. Para J.J Gomes
Canotilho “a teoria substantiva está ligada à ideia de um processo legal justo e adequado,
materialmente informado pelos princípios da justiça, com base nos quais os juízes podem e
284
RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2. ed. rev. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016, p. 37. 285
AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. Rio de janeiro: Forense, 2012, p. 227. 286
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios - Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 16 ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 202. 287
JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. Bahia: JusPodvim, 2010, p. 704. 288
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 16 ed. São
Paulo: Malheiros, 2015, p. 201-202. 289
MESQUITA, Eduardo Melo de. As tutelas cautelar e antecipada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002,
p. 53.
92
devem analisar os requisitos intrínsecos da lei” 290
.
Já com relação ao contraditório propriamente dito, Leonardo Greco afirma
que esse serve para garantir às partes: (i) uma tempestiva comunicação sobre o ajuizamento
da ação, com a oportunidade de conhecer todos os seus elementos, (ii) o direito de apresentar
em juízo todas as suas alegações e formular requerimentos destinados à comprovação dos
fatos e direitos em questão, (iii) possibilidade de flexibilização dos prazos de acordo com a
complexidade da demanda, visando uma igualdade concreta entre as partes. Possibilitando,
assim, o direito da parte influenciar no julgamento da causa. Para Greco, deve-se buscar um
processo humanizado, com garantias que não podem ser negadas a qualquer cidadão,
consubstanciando os direitos à manifestação e influência no processo291
.
A doutrina é pacifica em dizer que princípio do contraditório não se limita na
mera ciência bilateral dos atos processuais e na abertura de oportunidade para contrapô-los292
,
seu principal desiderato é fazer com que as partes tenham condições contribuir para a
formação dos provimentos judiciais293
.
Nesse viés, Candido Rangel Dinamarco afirma que vivenciar o processo não
é apenas ser chamado para tomar conhecimento dele e apresentar uma defesa formal, para que
a parte possa viver o processo é necessário que lhe seja dada a oportunidade de efetivamente
influenciar no convencimento do julgador, pois, só assim, é possível garantir a legitimidade
da prestação jurisdicional294
.
Seguindo a multicitada lição de Enrico Túlio Liebman, o princípio do
contraditório é uma garantia fundamental da Justiça e, consequentemente, regra essencial do
processo. Em respeito ao contraditório, a todos os litigantes se deve dar a oportunidade de
apresentar ao julgador as suas razões e provas antes que seja proferido o julgamento. O
oferecimento da defesa deve ocorrer de forma plena e sem limitações arbitrárias, e qualquer
disposição legal em contrário deve ser tido como inconstitucional295
.
290
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3 ed. Coimbra:
Almedina, 1998, p. 428. 291
GRECO, Leonardo. O princípio do contraditório. In: Estudos de direito processual. Campos dos
Goytacazes: Editora da Faculdade de Direito de Campos, 2005. p. 547-552. 292
Sobre a matéria, Milton Sanseverino destaca que “o princípio constitucional da igualdade jurídica, do qual um
dos desdobramentos é o direito de defesa para o réu, contraposto ao direito de ação para o autor, está
intimamente ligado a uma regra eminentemente processual: o princípio da bilateralidade da ação, surgindo,
da composição de ambos, o princípio da bilateralidade da audiência”.
TUCCI, José Rogério Cruz e (coord.). Garantia do contraditório. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999,
p. 144. 294
DINAMARCO, Cândido Rangel. O princípio do contraditório. In: Fundamentos do processo civil
moderno. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 95. 295
MARCATO, Antônio Carlos. Preclusões: Limitação ao Contraditório? Revista de Processo, São Paulo, ano
5, n. 17, 1980, p. 111.
93
Fazendo um apanhado geral sobre o assunto, Walber Agra leciona que o
devido processo legal e o contraditório possuem o papel de propiciar ao cidadão a ampla
defesa, que deve ocorrer de forma substancial, possibilitando o exaurimento de todos os meios
de prova nos respectivos momentos processuais296
. Já José Afonso da Silva pontua que o
princípio do devido processo legal (art.5º, LIV), juntamente com o direito de acesso à justiça
(art.5º, XXXV), o contraditório e a plenitude de defesa (art.5º, LIV) fecham o ciclo das
garantias processuais297
.
Vale concluir que o devido processo legal é o agrupamento das garantias
constitucionais que asseguram aos litigantes o exercício de seus direitos processuais, como
também são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição. Não se podendo encarar as
garantias processuais como meros direitos públicos subjetivos das partes, pois, antes de servir
às partes, deve proteger o próprio processo, considerado de forma objetiva como elemento
legitimante da tutela jurisdicional. 298
Com base nas considerações acima apresentadas sobre o princípio do devido
processo legal, que é colocado pela doutrina como “o princípio fundamental ao denominado
Estado Democrático de Direito”, tem-se que, inevitavelmente, só se poderá falar em
constitucionalidade das tutelas sumárias, mais especificamente da tutela de evidência, se
houver o devido respeito aos seus desdobramentos, os quais só poderão ser mitigados por
intermédio de um trabalho de ponderação entre os valores em deslinde299
.
5.3 PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO: RELAÇÃO ENTRE
TEMPO E PROCESSO
Tendo em vista que ainda existe uma cultura muito forte de judicialização em
nossa sociedade, torna-se imperioso o estudo do tempo na perspectiva do processo judicial em
si. Pois, conforme leciona François Ost, o tempo é mais que uma mera experiência psíquica,
ele é um desafio de poder, uma exigência ética e, também, um objeto jurídico300
.
296
AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. Rio de janeiro: Forense, 2012, p. 227. 297
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 39 ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p.
435. 298
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
geral do processo. 31 ed. São Paulo: Malheiros, 2015. 299
Segundo Daniel Sarmento, “o equacionamento das tensões principiológicas só pode ser empreendido à luz
das variáveis fáticas do caso, as quais indicarão ao intérprete o peso específico que deve ser atribuído a cada
cânone constitucional em confronto. E a técnica de decisão que, sem perder de vista os aspectos normativos
do problema, atribui especial relevância às suas dimensões fáticas, é o método de ponderação de bens”. Cf.
SARMENTO, Daniel. Os Princípios Constitucionais e a Ponderação de Bens. 2 ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2004, p. 55. 300
OST, François. O tempo do direito. Tradução de Élcio Fernandes. Bauru: Edusc, 2005, p. 12.
94
Nesse sentir, deve-se verificar, sob o prisma temporal, se o processo judicial
está realmente servindo como um vetor para concretização do princípio constitucional do
acesso à justiça e proteção judiciária. Muito já se foi escrito sobre o tema na doutrina, mas,
considerando os rápidos avanços sociais e tecnológicos, o assunto sempre é instigante e atual.
Já dizia Carnelutti, que o direito evolui com o tempo, pois, o tempo está
diretamente ligado ao estudo da evolução da sociedade, observando, ainda, que os estudiosos
e operadores do Direito jamais podem encarar o Direito como algo estanque, limitado às
codificações301
.
Tendo em vista essa indissolúvel relação entre tempo e direito, o ilustre
doutrinador italiano cunhou célebre frase afirmando que o tempo é um inimigo do direito,
contra o qual o juiz deve travar uma luta sem tréguas302
. Para Carnelutti o litígio judicial deve
ser visto como uma doença social, logo, sendo a lide uma doença, ela deve ser curada
rapidamente303
.
Demonstrando igual preocupação com os efeitos do tempo sobre a prestação
jurisdicional, em um pensamento que poderíamos encaixar dentro da primeira onda de acesso
à justiça, Mauro Cappelletti encarou a demora na prestação da tutela judicial como uma
injustiça social, uma vez que o pobre não possui condições de esperar pela justiça, enquanto o
rico, com suas reservas, pode aguardar um processo demorado304
.
Contudo, em que pese o tempo ser um inconveniente para aquele que aguarda a
implementação de um direito, sendo muitas vezes colocado como empecilho para o acesso à
justiça, ele não pode ser mitigado ou eliminado por meio de decisões sumárias simples. Pois,
um processo justo requer uma parcela de tempo que inevitavelmente será debitada em
desfavor de alguma das partes da lide305
. Mesmo existindo a expressa previsão constitucional
sobre o direito a um julgamento em tempo razoável, tal direito deve ser visto em conjunto
com as demais garantias do processo306
.
301
CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000. v. 1, p. 31. 302
CARNELUTTI, Francesco. Diritto e processo. Napoli: Morano, 1958, p. 232. 303
CARNELUTTI, Francesco. Lezioni di Diritto Processuale Civile. Padova: CEDAM, 1930. v. 2, p. 356. 304
CAPPELLETTI, Mauro. El processo como fenómeno social de masa. In: Processo, ideologias, sociedade.
Buenos Aires: EJEA, 1974, p. 133-134. 305
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do
direito processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 69 306
SCHENK, Leonardo Faria. Contraditório e cognição sumária. Revista Eletrônica de Direito Processual
(REDP), v. 13, 2014, p. 557.
95
O tempo de tramitação processual é um custo necessário, porém o legislador
deve tentar fazer com que tal ônus seja partilhado de forma harmoniosa e justa entre as partes,
evitando que apenas um delas fique indevidamente sobrecarregada307
.
Como exemplo do esforço legislativo para solucionar tal desigualdade,
podemos citar as tutelas provisórias, com destaque para a tutela de evidência, na qual apenas o
pressuposto do fumus boni iuris já é suficiente para concessão da tutela pretendida308
.
Refletindo sobre a efetividade da prestação jurisdicional, e já antevendo a
preocupação do ordenamento processual sobre o tema, Ricardo Castilho lecionou que para
que haja um efetivo acesso à justiça no sentido material, é necessária a existência anterior de
uma ordem jurídica justa, respeitadora dos direitos humanos e que possa responder às
demandas sociais, pois o inverso poderia causar graves prejuízos aos jurisdicionados309
.
Assim, justamente tentando saciar as demandas sociais de forma mais célere e humana, foi
elaborado o novo digesto processual, observando-se, para tanto, os preceitos fundamentais da
nossa Constituição310
.
Tais constatações fortalecem o vaticínio do Professor Bedaque, que há muito já
afirmava que a grande luta do processualista moderno é contra o tempo311
, uma vez que é
muito difícil equilibrar o fator tempo entre as partes em contenda, podendo restar
comprometida a efetividade processual caso ocorra excessiva demora ou excessiva brevidade,
sendo, contudo, impensável falar em razoável duração do processo sem a observância das
garantias constitucionais que regem o processo.
Como se percebe, a problemática temporal é muito delicada. Pois, se por um
lado, não se pode permitir que o tempo seja um aliado para aquele promovido que não
consegue apresentar em juízo elementos que no mínimo causem dúvida razoável acerca do
direito pleiteado em seu desfavor , usando o processo apenas como ferramenta para postergar
o cumprimento de suas obrigações, por outro, também haverá momentos em que a demora
processual será a única forma de se alcançar a efetiva justiça.
307
SILVA, Ovídio Baptista da. Processo de conhecimento e procedimentos especiais. In: WAMBIER, Luiz
Rorigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Orgs.). Doutrinas essenciais – Processo Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011. v. 2, p. 841. 308
COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 73. 309
CASTILHO, Ricardo. Acesso à Justiça: tutela coletiva de direitos pelo Ministério Público. São Paulo: Atlas,
2006, p. 15. 310
Já em seu artigo primeiro, até de forma óbvia, o novo Código de Processo Civil verbera que o processo civil
será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos
na Constituição da República Federativa do Brasil. 311
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência
(tentativa de sistematização). 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 116.
96
Luiz Orione Neto adverte que a realização da atividade jurisdicional exige
tempo, ainda mais se o rito for ordinário, no qual a dilação temporal é inevitável, afirmando
que a busca por um processo instantâneo é desacertada, pois a duração do processo antes de
ser um problema é uma garantia, decorrente do devido processo legal312
.
Para Marinoni, inquestionavelmente o processo exige tempo. Sendo o tempo
um mal necessário para a boa tutela dos direitos. Segundo o citado processualista, é
imprescindível um lapso temporal razoável para que se concretize plenamente o devido
processo legal e princípios dele decorrentes, como o contraditório e a ampla defesa,
produzindo-se resultados justos e predispostos à imutabilidade. Sendo, inclusive, garantia de
segurança jurídica313
.
Em frase de efeito, o professor carioca Antônio do Passo Cabral afirma que “o
processo é feito para demorar!”.
Pois, para se julgar adequadamente, seja na seara
administrativa ou judicial, o julgador deve analisar cuidadosamente os argumentos
apresentados pelas partes envolvidas, sendo o contato com as partes do processo muito
importante para o amadurecimento de uma decisão314
.
Observando tudo que consta na doutrina acerca da relação tempo e processo,
nota-se que não é nada fácil se chegar a um ponto de equilíbrio entre celeridade e as garantias
da tutela jurisdicional, o que poderíamos definir como o tempo razoável para tramitação do
procedimento315
.
Para Trocker, a concepção de tempo razoável dentro do devido processo legal
deve ser no sentido de uma justiça sem retardos, mas que, também, não se pode se desvirtuar
na busca por uma tramitação meramente rápida316
.
Como consectário do estudo da relação tempo e processo, surge o princípio da
razoável duração do processo, introduzindo expressamente em nosso ordenamento jurídico
por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004, com previsão no art. 5º, inciso LXXVIII, da
312
ORIONE NETO, Luiz. Processo Cautelar. São Paulo: Saraiva, 2004. P. 01 313
MARINONI, Luiz Guilherme. Da Antecipação da Tutela. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 1. 314
CABRAL, Antônio do Passo. A duração razoável do processo e a gestão do tempo no projeto de novo código
de processo civil. In: FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER JR, Fredie;
MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda
de (Coords.). Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 79-80. 315
A Corte Europeia de Direitos Humanos analisa alguns critérios para avaliar a duração razoável de um
processo, que são: (a) complexidade da causa; (b) comportamento das litigantes; (c) comportamento das
autoridades judiciárias; e (d) a relevância dos interesses em envolvidos. 316
TROCKER, Nicolò. Il nuovo articolo 111 della costituzione e il “giusto processo” in materia civile:
profili generali. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Milano: Giuffrè Editore, 2001, p. 407.
97
Constituição Federal317
, sendo esse princípio um dos principais fundamentos para renovação
do Código de Processo Civil, conforme Ato do Presidente nº 379, de 2009318
.
A tutela judicial dentro de um prazo razoável é elemento básico para se
alcançar uma tutela jurisdicional efetiva, a espera pelo Judiciário cria uma grande
instabilidade para as partes, que ficam incertas acerca da sua situação jurídica, como medo de
realizar novos projetos, criando um sentimento oposto ao conceito de segurança jurídica319
.
Na lição de Humberto Theodoro Júnior, a busca por um processo que tramite
por um tempo razoável representa um aprimoramento da garantia do devido processo legal.
Pois, para que se considere como razoável o tempo de tramitação de uma contenda judicial, a
prestação jurisdicional, além de atender aos requisitos tradicionais – juiz natural, forma legal,
contraditório e julgamento segundo a lei – tem de proporcionar à parte um resultado
compatível com a efetividade e a presteza320
.
Sobre a relevância da celeridade processual, a jurista Gisela Gondim Ramos,
em sua obra intitulada Princípios Jurídicos, coloca que a morosidade frustra quaisquer
expectativas dos cidadãos, e pouco a pouco vai minando a fé no sistema de justiça. Assim, o
processo, que deveria ser vetor de pacificação social, passa a ser instrumento de ameaça e
pressão, criando um ambiente que favorece os mais fortes e prejudica irremediavelmente os
menos favorecidos321
.
Pode-se até dizer que em alguns momentos não se deve interpretar o direito
processual de modo muito rigoroso, inviabilizando, por motivos irrelevantes, a efetiva
prestação jurisdicional. Devendo a norma processual ser interpretada visando alcançar a
solução rápida, efetiva e justa dos conflitos, prestigiando-se o princípio da instrumentalidade
das formas. Não se podendo admitir que meros caprichos dificultem o dever estatal de
tutela322
.
Nesse contexto, depreende-se que o poder constituinte reformador e o
317
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988. 318
“Considerando que tanto o acesso à justiça quanto a razoável duração do processo adquiriram novo verniz ao
serem alçados à condição de garantias fundamentais previstas constitucionalmente (...)RESOLVE: Art. 1º
Instituir Comissão de Juristas com a finalidade de apresentar, no prazo de cento e oitenta dias, anteprojeto de
Código de Processo Civil.” BRASIL. Ato do Presidente n º 379, de 2009. Institui Comissão de Juristas
responsável pela elaboração de anteprojeto de Código de Processo Civil. Disponível em:
<https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/ATO%20DO%20PRESIDENTE%20N%C2%BA%20379.
pdf.> Acesso em: 20 set. 2016. 319
GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais do processo: o processo justo. In: Estudos de direito
processual. Campos dos Goytacazes: Editora da Faculdade de Direito de Campos, 2005, p. 269. 320
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Alguns reflexos da Emenda Constitucional 45, de 08.12.2004, sobre o
processo civil. Revista de Processo, São Paulo, n. 124, jun. 2005, p. 37. 321
RAMOS, Gisela Gondim. Princípios Jurídicos. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 453. 322
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p 35.
98
legislador ordinário, por intermédio da inclusão do inciso LXXVIII no art. 5º na CF e da
criação do CPC/2015, buscaram uma forma de garantir celeridade na tramitação processual
ante a crescente busca pelo Judiciário. O próprio Código de Processo Civil vem trazendo em
seu art. 139, inciso II, a previsão de que é incumbência do magistrado velar pela duração
razoável do processo.
Porém, o conceito de “razoável duração do processo” ainda é fluido. Ou seja,
por se tratar de uma expressão vaga, continua dependendo de norma infraconstitucional para
regulamentação, não se podendo permitir que a ação legislativa tardia impeça a imediata
aplicação do principio. Ficando ainda maior a responsabilidade do julgador com relação à
condução processual, que deverá ser sempre pautada em objetivos alcançáveis323
.
Dentro do quadro aqui posto, pode-se constatar que tutela de evidência será de
grande valia para efetivação dos princípios da razoável duração do processo e do acesso à
justiça, sempre trabalhados sob a ótica da segurança jurídica324
.
5.3.1 Dano marginal
O desrespeito ao postulado da razoável duração do processo em razão de
demora desarrazoada e excessiva para se pôr fim ao litígio gera um dano marginal, não
decorrente do provimento jurisdicional em si.
Com base na lição de Enrico Finzi325
, Antônio do Passo Cabral esclarece que
se trata de um dano que não é consequência de uma derrota em juízo, mas um “dano
marginal”, tendo tal expressão sido popularizada por meio da doutrina italiana. “O dano
marginal é aquele que sofrem os litigantes em razão de deficiência na tramitação dos
processos, e esta demora afeta a ambos, autor e réu, vencedor e vencido”326
.
323
AGRA, Walber de Moura (Coord.). Comentários à reforma do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Forense,
2005, p. 16. 324
“A definição de critérios objetivos destinados a identificar em que circunstâncias a duração de dado processo
exorbitou o razoável é preocupação corrente, da qual se extrai a análise: a) da natureza do processo e
complexidade da causa; b) do comportamento das partes e seus procuradores; e, c) da atuação do órgão
jurisdicional. Nessa seara, (...), a observância dos itens “a” e “b” podem dar ensejo a formas de antecipação
de tutela sem o elemento urgência, providencia essa que também se encontra alinhada com o princípio da
duração razoável do processo.” Cf. CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito
da urgência: panorama geral e perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017,
p. 142. 325
Em sua tese de doutorado João Paulo Hecker esclarece que a expressão “dano marginal” é atribuída a Enrico
Finzi quando da definição do periculum in mora em sua obra “questioni controverse in tema di esecuzione
provisória”. Cf. SILVA, Joao Paulo Hecker da. Tutela de Urgência e Tutela da Evidência nos Processos
Societários. Tese de Doutoramento. São Paulo: Universidade de São Paulo – USP, 2012, p. 58. 326
CABRAL, Antônio do Passo. A duração razoável do processo e a gestão do tempo no projeto de novo código
de processo civil. In: FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER JR, Fredie;
99
Têm-se como dano marginal todos aqueles danos concretos ocasionados em
razão da demora do processo. Como exemplos desses danos concretos, Paulo Henrique Lucon
cita o empobrecimento do devedor durante o processo acarretando na diminuição da garantia
do credor em ver seu crédito adimplido, a desvalorização monetária e a própria inflação327
.
Olhando o processo sob um viés econômico, João Paulo Hecker acrescenta que
o dano marginal “atua não como um efeito meramente colateral, mas como um relevante
„custo de transação‟. Os efeitos do transcurso de um grande lapso temporal para que o
processo chegue a uma definição, portanto, age como verdadeiro inibidor”, e a demora passa a
ser objeto de vantagens e desvantagens econômicas. Ainda segundo o autor, “danos efetivos
sob o ponto de vista econômico e institucional são causados pela mera pendência do
processo”328
.
O decorrer do tempo necessariamente é um ônus, com grande probabilidade de
gerar prejuízos para aquela parte que pleiteia a alteração do “statu quo”. A demora gera um
problema social, pois provoca danos econômicos, muitas vezes em razão da imobilização de
bens e capitais por intermédio do processo, cria especulações e até insolvência, fortalecendo
ainda mais aquele que pode esperar pelo processo, que usa a demora da tramitação para
pressionar a parte adversa a celebrar acordos desvantajosos329
.
Conforme lecionam Antônio Cintra, Ada Pellegrini e Cândido Rangel
Dinamarco, independente de existir urgência ou risco de perecimento do direito, o simples
passar do tempo sempre será um fator de desgaste, gerador de danos marginais que
prejudicam a efetividade da justiça. Daí o uso cada vez mais frequente de tutelas provisórias,
que não precisam necessariamente do pressuposto da urgência, buscando apenas um resultado
em tempo mais breve. “Isso sucede, p. ex., nas liminares em ações possessórias, para cuja lei
não exige qualquer requisito de urgência; nos alimentos provisionais ou nos provisórios; na
chamada antecipação sancionatória de tutela jurisdicional”, atualmente prevista no inciso I do
art. 311330
.
Preocupado com os danos decorrentes da demora na tramitação processual e já
considerando a necessidade de uma adequada distribuição do ônus do tempo no processo,
MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda
de (Coord.). Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 77. 327
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 172. 328
SILVA, Joao Paulo Hecker da. Tutela de Urgência e Tutela da Evidência nos Processos Societários. Tese
de Doutoramento. São Paulo: Universidade de São Paulo – USP, 2012. p. 60. 329
CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 03. 330
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
geral do processo. 31 ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2015, p. 364.
100
Athos Gusmão Carneiro defende que os procedimentos devem ser menos complexos
conforme aumente o grau de evidência das pretensões de direito material331
.
Alguns autores, como José Roberto Bedaque, já previam que, apesar da regra
geral definir como pressupostos para concessão das tutelas diferenciadas a presença conjunta
da urgência e da evidência, havendo previsão legal específica, a tutela poderá ser deferida
unicamente com base na evidência332
.
Nesse sentir, pode-se dizer que foi instituída de forma expressa a técnica da
tutela de evidência, em que o grau da evidência é tão elevado que nem sequer é exigido o
pressuposto da urgência, diminuindo, no momento inicial do processo, a complexidade do
feito. Mais uma vez vale lembrar o exemplo trazido por Eduardo José da Fonseca Costa, pelo
qual a tutela provisória não pode ser vista como uma porta que só pode ser aberta com o uso
simultâneo de duas chaves, que seriam a urgência e a evidência, pois havendo previsão legal,
basta uma das “chaves” para concessão da medida de cognição sumária333
.
Especificamente em relação à tutela de evidência como meio de gestão da
duração do processo e combate ao dano marginal, Antônio do Passo Cabral fala que se trata
de uma tutela satisfativa, que não segue os pressupostos de cautelaridade e que se revela como
mais um mecanismo eficiente para reprimir a má-fé processual por meio do gerenciamento do
tempo do processo, no qual o juiz pode inverter o ônus do tempo. Para Cabral, deve-se partir
da premissa que o retardo do processo interessa mais a quem não possui razão, assim, com a
concessão da tutela de evidência, a parte que não tinha razão passa a ser o maior interessado
em que o processo caminhe rápido, para que possa pleitear em sede de sentença a revogação
da decisão provisória334
.
Em concordância com tal entendimento, Lucas Buril leciona que a tutela de
evidência se caracteriza como técnica de distribuição do ônus do tempo no processo335
,
buscando-se beneficiar aquele que provavelmente possui razão, tendo em vista a prova
robusta que consta nos autos336
.
331
CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 9. 332
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência
(tentativa de sistematização). 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 339. 333
COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 19. 334
CABRAL, Antônio do Passo. A duração razoável do processo e a gestão do tempo no projeto de novo código
de processo civil. In: FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER JR, Fredie;
MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda
de (Coords.). Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 87. 335
MACÊDO, Lucas Buril. Precedentes judiciais e o Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2014, p.
540. 336
AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 415.
101
As tutelas provisórias estão voltadas para efetividade do processo,
possibilitando uma maior flexibilidade de acordo com cada caso concreto, sendo induvidoso
que aquelas, por via de consequência, também servem para combater o dano marginal.
5.4 PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA
Em razão da sociedade hodierna não admitir mais a prática da vingança
privada, em que o cidadão buscava sozinho resolver as contendas em que se envolvia, a tarefa
de solucionar os litígios foi transferida para um órgão autônomo e imparcial. Sendo
responsabilidade do Poder Judiciário garantir a segurança jurídica e a justiça nas relações
sociais modernas, surgindo um dever estatal de permitir e garantir a todos os cidadãos uma
proteção jurídica integral, por intermédio da inafastabilidade do controle jurisdicional337
.
Acompanhando o atual momento do constitucionalismo, no qual os valores
constitucionais passam a balizar e influenciar todo o ordenamento jurídico, o CPC/2015, já
em seu artigo 3º, trouxe cópia da previsão constitucional sobre o princípio do acesso à justiça,
repetindo que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”.
Esse ônus do Estado de garantir aos membros da sociedade um efetivo controle
dos litígios foi paulatinamente ganhando relevância, tendo em vista sua primordial função de
pacificação social. Vários autores passaram a estudar detidamente o princípio do acesso à
justiça, dentre os quais podemos destacar Mauro Cappelletti e Bryant Garth, que, por meio do
trabalho intitulado “Acesso à Justiça”, fizeram detalhada análise da evolução de tal princípio,
inclusive, traçando perspectivas futuras.
Na clássica obra acima referida, Cappelletti e Garth, logo na introdução,
deixam claro que a expressão “acesso à justiça” é muito aberta e de difícil definição, porém,
no mínimo, determina duas finalidades elementares do ordenamento jurídico, sendo o meio
pelo qual os jurisdicionados podem reivindicar seus direitos, como também resolver seus
litígios por meio da atuação Estatal. Afirma-se que a priori o sistema jurídico deve ser
igualmente acessível a todos e, consequentemente, deve produzir resultados que sejam
individual e socialmente justos338
.
Analisando a evolução dos paradigmas do Estado de Direito, o qual só passou a
realmente existir quando se conseguiu pôr freios à atividade estatal por intermédio da lei que é
337
AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. Rio de janeiro: Forense, 2012, p. 217. 338
CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor,
1988, p. 3.
102
criada pelo próprio Estado339
, temos que no Estado Liberal o acesso à justiça se limitava ao
direito de propor ou contestar uma ação, prevalecendo apenas seu aspecto meramente formal,
o que acabava afastando o Estado de sua obrigação jurisdicional, prejudicando o verdadeiro
sentido da democracia e distanciando a justiça da realidade social340
. A justiça só era
alcançada por aqueles que podiam pagar seus custos, que eram poucos.
Porém, com o declínio do Estado Liberal, tendo em vista as desigualdades
sociais decorrentes da garantia apenas dos direitos negativos, no Estado Social se percebeu a
necessidade de criação de instrumentos para a efetiva reivindicação e proteção de direitos,
inclusive os direitos positivos, que deveriam ser garantidos pela própria administração. Ganha
relevo o aspecto material do princípio do acesso à justiça, que não podia ficar limitado ao
mero direito de petição, passando a figurar como um direito social fundamental, a ser
garantido pelo próprio Estado341
.
Daí surge a preocupação com a efetividade do acesso ao Judiciário, perdurando
até o presente momento a busca de se fazer com que a prestação jurisdicional seja realmente
satisfatória, não permitindo que fatores prejudiciais, como o tempo morto do processo e atos
meramente procrastinatórios, deixem perecer o direito que se busca garantir por meio do
Judiciário342
.
Sobre o tempo morto do processo é interessante anotar a lição de Fernando da
Fonseca Gajardoni que, fazendo referência ao trabalho do jurista italiano Vincenzo Vigoriti,
esclarece que do ponto de vista estrutural, o processo possui tempos de espera e tempos técnicos,
em que o “tempo morto” corresponde aos tempos de espera, necessários para que a causa seja
tomada em consideração, a exemplo da juntada de documentos, transporte e conclusão dos autos,
etc. Já os tempos técnicos são aqueles necessários à instrução e decisão da demanda, a exemplo
dos prazos para pronunciamento das partes. Ainda segundo Gajardoni, os tempos de espera
podem ser diminuídos “através de mecanismos de contenção de demanda, modificação das leis de
organização judiciária e investimentos no judiciário”, já os tempos técnicos por meio de alterações
339
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p 35. 340
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 64. 341
CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
1988, p. 5. 342
SALGADO, Gisele Mascarelli. Tempo morto no processo judicial brasileiro; 2007 - Disponível em:
http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3837/Tempo-morto-no-processo-judicial-brasileiro. Acesso em:
16 set. 2016.
103
na disciplina do processo, afirmando, ao final, que sob o aspecto estrutural o trâmite processual só
ficará mais célere se efetivamente houver a redução dos tempos técnicos e de espera343.
É cristalino que os problemas e as soluções do acesso à justiça passam pela
verificação dos elementos e mecanismos do processo, analisando se esse está alcançando seu
objetivo, uma vez que o procedimento não é um fim em si mesmo, mas, principalmente, um
meio para efetivação de direitos fundamentais344
.
Como também se deve considerar que a problemática da morosidade
jurisdicional não se soluciona unicamente na esfera das regras processuais345
. A garantia da
duração razoável do processo, que tem como finalidade o efetivo acesso à justiça, também
deve ser observada e buscada por meio da estruturação da organização judiciária, a
proporcionar bons recursos humanos e materiais para o escorreito funcionamento da máquina
do Judiciário, inclusive, prevendo mecanismos sancionadores para aqueles que violarem os
deveres relacionados à tempestividade e efetividade da tutela jurisdicional346
.
5.4.1 Ondas renovatórias do acesso à justiça
Seguindo a cronologia da evolução do Estado de Democrático Direito347
, que
nos dizeres de Jorge Miranda é aquele em que prevalece o império da lei, estando o Estado e
os particulares subordinados às normas jurídicas348
, Cappelletti e Garth apresentam o direito
ao acesso à justiça em três ondas, definição essa que formou uma verdadeira corrente
doutrinária de grande importância para a ciência processual, sendo seguida pelos mais
renomados doutrinadores brasileiros, a exemplo de José Rogério Cruz e Tucci, Luiz
343
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Apelação por instrumento: breve leitura crítica à proposta apresentada
no PLC 8046/2010. In: FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER JR, Fredie;
MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda
de (Coords.). Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 40. 344
NUNES, Donizetti Elpídio. O processo como meio de efetivação dos direitos fundamentais. Belo Horizonte:
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, v. 51, n. 81, p. 195-204, jan./jun. 2010. 345
José Bedaque faz importante observação ao afirmar que técnica processual, “por mais perfeita que possa
parecer aos olhos do processualista, depende fundamentalmente das pessoas que a operam e da estrutura
criada para sua aplicação” Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada. 4.
ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 15. 346
SCHENK, Leonardo Faria. Contraditório e cognição sumária. Revista Eletrônica de Direito Processual
(REDP), v. 13, 2014, p. 557. 347
Na teoria procedimentalista de Habermas, o Estado Democrático de Direito é concebido como uma ordem
jurídica legítima através da adoção de um espaço de autonomia privada co-originária de uma autonomia
cidadã dos membros da sociedade que legitimam a atuação estatal e a ordem jurídica. Deve existir um
sistema capaz de assimilar a complexidade da vida moderna, possibilitando que o Estado contribua para
efetivação dos direitos fundamentais. Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e
validade. Tradução de Flávio Beno Siebneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. v. 1, p. 147. 348
MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 1.
104
Guilherme Marinoni, José Roberto dos Santos Bedaque, Celso Agrícola Barbi, José Augusto
Delgado.
A primeira das ondas trata sobre os empecilhos econômicos para se judicializar
uma questão, levando em consideração os custos iniciais e incidentais ao processo, e ainda a
possibilidade de uma pena sucumbencial. Fatores esses que dificultam o direito de ação dos
hipossuficientes349
.
Nesse primeiro momento se buscou garantir a assistência judiciária ao
economicamente incapaz de pagar os custos de movimentar o judiciário sem prejudicar seu
sustento próprio, surgindo figuras como a do defensor público e da gratuidade judicial.
Não bastava a existência dos meios processuais no plano legal, devendo existir
a real possibilidade de todos terem acesso ao processo. Pois, conforme leciona Alexy, a
igualdade no sentido jurídico nem sempre garante a igualdade no sentido fático, ou seja, no
campo das consequências350
. Logo, o acesso à justiça deve ser real, não sendo suficiente a
mera previsão de que todos têm acesso ao judiciário, quando na verdade não é assim.
A segunda onda, por sua vez, refere-se aos interesses transindividuais,
buscando solucionar os problemas da representação dos interesses coletivos, difusos e
individuais homogêneos, uma vez que nem todos os interessados podem comparecer em
juízo, dando-se como exemplo as áreas de proteção ambiental e do consumidor, nas quais
passa a ganhar destaque afigura do Ministério Público.
Por último, ao mesmo tempo em que se reconhece a importância dos avanços
trazidos pelas duas primeiras ondas, também se constata que essas não são suficientes para
uma proteção judiciária integral, atribuindo-se à terceira onda um enfoque mais amplo do
acesso à justiça, em que são analisados diversos fatores e barreiras envolvidos, inclusive
técnicas e instrumentos processuais adequados para efetivar o princípio em estudo351
.
Na terceira fase do processo contemporâneo, conforme reportado por José
Augusto Delgado, também existe uma preocupação com os profissionais do direito,
principalmente com a atividade desenvolvida pelo julgador, que não pode mais quedar-se
inerte diante de direitos ululantes, superando o modo antigo de entender o processo, tratando-
349
CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
1988, p. 12. 350
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da silva. 2 ed. São Paulo:
Malheiros, 2008, p. 416. 351
CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
1988, p. 27.
105
o como veículo capaz de contribuir para a harmonização social, transformando-o em
instrumento de Justiça352
.
Logo, pode-se dizer que abordagem do presente trabalho se encaixa no último
enfoque do acesso à justiça, tendo em vista as inovações e mecanismos trazidos pelo Código
de Processo Civil que entrou em vigor no ano de 2016, em especial a tutela de evidência, que
é o tema principal aqui versado, em que, por conta da forma evidente com que determinadas
alegações se apresentam em juízo, torna-se imperiosa a concessão ou proteção do bem da
vida353
, conforme já visto de modo detalhado.
.
5.4.2 Princípio do acesso à justiça no direito brasileiro
Em nosso ordenamento jurídico temos no inciso XXXV do artigo 5º da
Constituição Federal a positivação do princípio do acesso à Justiça, uma vez que “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”354
. Ninguém será
privado do direito de submeter para apreciação do Poder Judiciário qualquer questão que
envolva violação ou ameaça a direitos355
.
Sobre tal previsão constitucional, o doutrinador Walber Agra adverte que no
Brasil até pouco tempo atrás o direito ao acesso à justiça era mais restrito, pois a Carta de
1967/1969 previa a proteção jurisdicional apenas quando efetivamente ocorresse a lesão de
direito individual, restando afastada da responsabilidade estatal os casos de mera ameaça a
direitos, sendo tal deficiência da tutela jurídica sanada com a nossa atual Lei Maior356
.
Até então no Brasil se falava tradicionalmente em direito de ação como direito
de acesso à justiça para defender direitos individuais efetivamente violados, mas com a
Constituição de 1988 tal acepção foi ampliada, possibilitando-se o direito de ação também na
via preventiva, abarcando a ameaça357
.
352
DELGADO, José Augusto. Acesso à justiça: um direito da cidadania. Informativo Jurídico da Biblioteca
Ministro Oscar Saraiva, Brasília, v. 9, n. 2, p.11-32, jan./jun. 1997, p. 18. 353
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:
teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 617 354
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado,
1988. 355
RAMOS, Gisela Gondim. Princípios Jurídicos. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 420. 356
AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. Rio de janeiro: Forense, 2012, p. 217. 357
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
geral do processo. 31 ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 106.
106
Ou seja, atualmente se passou a expressamente admitir a prestação de tutela
jurisdicional preventiva quando, por meio de um juízo de probabilidade, ficar evidenciada
uma possível ofensa a um direito.
De acordo com José Afonso da Silva, o art. 5º, inciso XXXV, da CF consagra
um direito público subjetivo, que é o direito de invocar a atividade jurisdicional. Decorrendo
daí não só o direito de ação, mas também o direito de resposta pelo réu, uma vez que esse
também vai buscar do Judiciário um pronunciamento em seu favor358
.
O acesso à justiça deve ser encarado como um acesso-garantia, em que o
Estado, por um lado, assegura o devido processo legal ao cidadão e, por outro, disponibiliza
meios estruturais e econômicos que conformem um processo materialmente justo. A
universalização do acesso à justiça se trata de garantir resultados substancialmente justos359
.
Nesse palmilhar, é de se realçar a lição do Ministro Herman Benjamim que, já
no ano de 1995, afirmava que o tema do acesso à justiça era uma questão crucial, mas não tão
nova, e que o princípio do acesso ao Judiciário, no que diz respeito ao seu campo de
aplicação, poderia ser visto sob três enfoques básicos360
.
O primeiro é o de sentido restrito, referente apenas ao acesso à tutela
jurisdicional, ou seja, à resolução dos conflitos pela via judicial. O segundo enfoque seria
mais aberto, que se refere ao acesso à tutela de direitos ou interesses violados, utilizando-se
mecanismos jurídicos variados, judiciais ou não. Por fim, em uma acepção integral, ressalta o
acesso ao Direito por intermédio de uma ordem jurídica justa, conhecida e implementável.
Colocando dentro desse último enfoque os meios preventivos de tutela, pois o que se deve
buscar é evitar o dano, e não apenas repará-lo, principalmente, quando interesses difusos estão
em risco361
.
Dentro de uma perspectiva nacional, e seguindo a ordem das ondas
renovatórias do acesso à justiça do processo contemporâneo, podemos citar como forma de
proporcionar o acesso à tutela jurisdicional aos mais pobres a Lei 1.060/1950362
, que
estabeleceu normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, tendo alguns
358
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p.
434. 359
BONIFÁCIO, Artur Cortez. Direito Constitucional Internacional e a proteção dos direitos fundamentais.
São Paulo: Método, 2008, p. 287. 360
BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos e. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico:
apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. BDJur, Brasília,
DF. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br//dspace/handle/2011/8688>. Acesso em: 05 mai. 2017, p. 6. 361
Ibidem. 362
BRASIL. Lei Federal nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950. Estabelece normas para a concessão de
assistência judiciária aos necessitados.
107
dos seus artigos revogados recentemente em virtude de regulamentação específica trazida pelo
art. 92 e seguintes do CPC/2015363
. Estando a assistência judiciária definida como direito
fundamental no inciso LXXIV do artigo 5º da CF.
Ainda relacionado à primeira onda, dentre as normas existentes, considerando
seu papel de destaque para efetivação do acesso à justiça, também frisamos a Lei
Complementar 80/1994364
, que instituiu a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e
dos Territórios. A Defensoria Pública está prevista no art. 134 da Carta Maior, lá figurando
como instituição essencial à função jurisdicional do Estado.
Com relação ao enfoque social e a preocupação com os direitos difusos,
coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos, temos papel de destaque para a ação
civil pública (Lei n. 7.347/1985365
), a ação popular (Lei n. 4.717/1965366
), nova lei mandado
de segurança, que possui previsão específica para o writ coletivo (Lei n. 12.016/2009367
), o
Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990368
), dentre outras normas.
Adentrando na terceira onda renovatória, que abarca as fases anteriores e prima
por uma garantia da proteção jurídica integral, ganha destaque no Brasil institutos processuais
como a antecipação de tutela, tutelas monitórias, súmulas vinculantes, os juizados especiais e
alguns meios alternativos para resolução dos conflitos369
.
É a fase do instrumentalismo, na qual se estabelece uma relação de
interdependência entre o direito material e o direito processual, em este é o meio de
concretização daquele, existindo grande preocupação com a efetividade do processo, o que até
então não existia370
.
Contudo, mesmo diante de tantos avanços e novos institutos legais, é
plenamente perceptível que ainda não alcançamos um estágio em que o princípio do acesso à
justiça esteja sedo garantido de forma plena em todas as suas acepções, tendo como um dos
363
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. 364
BRASIL. Lei complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Organiza a Defensoria Pública da União, do
Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras
providências. 365
BRASIL. Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos
causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico e dá outras providências. 366
BRASIL. Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965. Regula a ação popular. 367
BRASIL. Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e
dá outras providências. 368
BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras
providências. 369
NOGUEIRA, Vânia Márcia Damasceno. O movimento mundial pela coletivização do processo e seu ingresso
e desenvolvimento no direito brasileiro. De Jure: revista jurídica do Ministério Público do Estado de Minas
Gerais, Belo Horizonte, n. 12, p. 325-348, jan./jun. 2009, p. 336. 370
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e
processo de conhecimento. 17 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 44.
108
principais entraves a morosidade no trâmite processual. Pode-se até dizer que a terceira onda
já passa por um momento de crise, devendo ter seus conceitos revistos, buscando-se alinhar o
direito processual em face da Constituição Federal371
.
E assim, inserido em tal contexto, ganha ainda mais relevo a figura do novo
Código de Processo Civil, uma vez que o Código de Buzaid era bem anterior à Constituição
de 1988, e, consequentemente, já não se adequava aos anseios contemporâneos, deixando a
desejar no que diz respeito ao acesso à justiça e a razoável duração do processo, princípios
esses que ganharam grande destaque ao serem postos como garantias fundamentais
constitucionais.
5.4.3 Elementos trazidos pelo novo CPC na busca pelo acesso e efetividade da tutela
jurisdicional
Como já apresentado, o novo Código de Processo Civil foi idealizado e posto
em vigor com a intenção precípua de harmonizar a norma processual com os preceitos
constitucionais, dando grande atenção aos princípios do acesso à justiça e da razoável duração
do processo, fato esse reconhecido desde a sua exposição de motivos até a apresentação feita
pelo Presidente do Senado Federal ao encaminhar o texto legal para promulgação pela
Presidente da República372
.
Da simples leitura do informativo apresentado no site do Senado Federal373
,
pouco antes da sanção presidencial, em que são relacionados os pontos principais do CPC, já
se percebe que quase todos eles, direta ou indiretamente, refletem o anseio do legislador em
garantir o real e célere acesso à justiça.
Sendo notório o intuito do novo código em fomentar uma adequação das novas
normas processuais à Constituição Federal, concretizando-se um sistema mais coeso, capaz de
proporcionar um processo mais célere e justo, a partir dos princípios fundamentais previstos
na Carta Maior, que se refletem na garantia do processo legal374
.
371
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Manual das ações constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 17. 372
CALHEIROS, R. Mensagem do Senado encaminhando o projeto de Novo Código de processo civil
aprovado para promulgação. Brasília, DF: Senado Federal, 2010: “As inovações vêm como forma de ajus-
te à promessa constitucional de razoável duração do processo, com os Incidentes de demandas repetitivas; a
padronização dos prazos recursais; a supressão de recursos; a elevação da multa por litigância de má-fé; a
simplificação de formalidades; o uso de instrumentos eletrônicos”. 373
BRASIL. Os 13 Principais Pontos do Novo Código de Processo Civil. Disponível em
<http://senadofederal.tumblr.com/post/105602565077/os-13-principais-pontos-do-novo-codigo-de-
processo>. Acesso em 09 set. 2016. 374
VITOVSKY, Vladimir Santos. O acesso à justiça no novo código de processo civil: continuidades, inovações
e ausências. Revista CEJ, Brasília, ano 19, n. 67, p. 7-17, set./dez. 2015.
109
Aqui, de forma não exauriente e relacionada mais especificamente à
perspectiva do acesso à justiça, apresentamos nas próximas linhas as principais novidades e
elementos trazidos pelo novo código adjetivo na busca pela efetividade da prestação
jurisdicional.
Temos a priorização do julgamento de mérito, inclusive por meio da
valorização da instrumentalidade das formas, fazendo surgir o princípio da primazia do exame
de mérito (art. 4º do NCPC)375
.
Busca por uma verdadeira cooperação entre as partes e o juiz da causa,
consagrando o princípio da cooperação (artigo 6º do NCPC). Exigência de um maior ônus
argumentativo na fundamentação das decisões, não se admitindo decisões genéricas e não
fundamentadas (artigo 489, §§ 1º e 2º do NCPC), na mesma linha do que preceitua o art. 93,
inc. IX da CF.
Prestação de uma tutela mais célere nos casos em que o direito posto em juízo,
por sua evidência ou urgência, mereça um tratamento diferenciado, criando-se um livro
específico para as tutela provisórias (Livro V, artigos 294 a 311 do NCPC), havendo uma
considerável evolução em relação à tutela antecipada prevista no art. 273 do Código de 1973.
Do referido Livro V se pode extrair a preocupação do novo digesto processual com os efeitos
do tempo no processo, uma vez que em determinados casos o fator temporal poderá conspirar
em desfavor do próprio processo e do direito que se busca garantir por intermédio desse376
.
Ademais, mesmo existindo a preocupação temporal, também se prestigia o
amplo contraditório, inclusive inibindo-se decisões com base em fundamento a respeito do
qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, consagrando o princípio da
não surpresa (artigo 10º, NCPC). Pois, como já dito, o processo apesar de necessitar ser
rápido, não deve apenas buscar celeridade, uma vez que a coordenação dos atos processuais
no tempo atende a várias outras finalidades, como a garantia do contraditório em prol da
verdade dos fatos articulados377
.
Sob o foco do princípio do acesso à justiça ainda podemos citar a busca pela
resolução pacífica dos conflitos por meio da conciliação e mediação (artigos 165 a 175
do NCPC), a valorização dos precedentes, prevendo-se que os tribunais devem uniformizar
sua jurisprudência e mantê-la estável (artigos 926 e 927 do NCPC).
375
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e
processo de conhecimento. 17 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 136. 376
TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 11. 377
MILHOMENS, Jônatas. Dos Prazos e do Tempo no CPC. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 9.
110
Como também se deu maior força aos atos processuais das partes, as quais, por
intermédio do negócio processual (artigo 190 do NCPC ), poderão estipular mudanças no
procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa, tornando-o mais eficaz.
É inegável que umas das grandes dificuldades em se alcançar um sistema
processual justo é a de equilibrar a busca por eficiência entre as perspectivas qualitativa e
quantitativa, e ainda respeitar as garantias do devido processo legal. Porém, dos elementos
citados, percebe-se que houve um grande trabalho do legislador ordinário na busca da
efetividade material do processo, pois, conforme Barbosa Moreira, todo mecanismo
processual será bom na medida em que seja efetivo. Só podendo ser considerado efetivo o
processo que constitua instrumento eficiente de realização do direito material378
.
Segundo Dierle Nunes, citando o autor italiano Michele Taruffo, eficiência
qualitativa e eficiência quantitativa são “faces da mesma moeda, mas que podem e
comumente são vistas como concepções contraditórias”, pois o processo muito rápido e barato
provavelmente forma decisões incompletas e incorretas, enquanto a busca por uma decisão
“justa” e de qualidade exige tempo, dinheiro para melhores condições trabalho e uma
atividade comparticipada entre o julgador e os demais sujeitos do processo379
.
Para a compreensão e bom uso do novo código, é imperioso observar os seus
doze primeiros artigos, os quais verberam as normas fundamentais do processo civil e, mesmo
não se tratando de um rol taxativo, trazem os elementos e princípios que irão guiar o direito
processual de uma forma geral, fazendo surgir aquilo que Fredie Didier denominou de
“Direito Processual Fundamental Constitucional”380
.
5.5 ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA TUTELA DE EVIDÊNCIA
É patente que a Constituição Federal age diretamente sobre o processo,
arrolando princípios básicos que servem como diretrizes para balizar o comportamento do
Estado-juiz381
. “É correto, portanto, tratar os princípios constitucionais do processo como
significativos de um modelo mínimo, mas indispensável, mas vinculante, mas impositivo,
378
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Por um processo socialmente efetivo. Revista de Processo, São Paulo,
v. 27, n. 105, p. 183-190, jan./mar. 2002. 379
NUNES, Dierle. Novo enfoque para as tutelas diferenciadas no Brasil? Diferenciação procedimental a partir
da diversidade de litigiosidade. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 35, n. 184, p.
109-140, jun. 2010, p. 112. 380
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e
processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 62. 381
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 13 ed. ver. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2008, p. 25.
111
para a atuação do Estado-juiz”382
.
Conforme já brevemente exposto do item 5.1, o grande desafio do
processualista moderno é alcançar um processo célere e justo que não viole direitos
fundamentais, ou que, no mínimo, não mitigue princípios constitucionais sem a devida
observância do postulado da proporcionalidade383
. A luta contra a morosidade excessiva é tão
importante quanto o dever de garantir a segurança proporcionada pelo devido processo legal,
sendo missão do processualista encontrar o equilíbrio entre ambos384
.
Mesmo sendo a tutela provisória um relevante instrumento para se garantir um
acesso efetivo ao Poder Judiciário, o uso de tal técnica deve ser harmonizado com o princípio
do devido processo legal, que, como visto, é considerado por muitos autores o “princípio dos
princípios”, do qual derivam vários princípios constitucionais do processo385
. A grande
problemática é equilibrar a busca por eficiência e o respeito às garantias fundamentais do
processo 386
.
Como se percebe, nos casos de tutela de evidência será quase que inevitável o
uso da ponderação, uma vez que valores por vezes conflitantes estarão jogo, como, por
exemplo, o direito à ampla cognição e o direito à tempestividade da tutela. E para tal juízo de
ponderação também será necessária uma valoração sobre a intensidade da evidência do
direito, observando seu elemento informador, para só então se avaliar a possibilidade da
concessão da medida.
Para Alexy a ponderação é uma parte do princípio da proporcionalidade, que é
composto por três princípios parciais: da idoneidade (adequação), da necessidade e da
proporcionalidade em sentido estrito387
. Todos os três expressando a ideia da otimização388
.
382
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2007. v.
1, p.92 383
Humberto Ávila estabelece a proporcionalidade “como um postulado estruturador da aplicação de princípios
que concretamente se imbricam em torno de uma relação de causalidade entre meio e fim”. Cf. ÁVILA,
Humberto. Teoria dos Princípios - Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 16 ed. São Paulo:
Malheiros, 2015, p. 204. 384
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo: Malheiros,
2006, p. 48. 385
CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e
perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 140. 386
SCHENK, Leonardo Faria. Contraditório e cognição sumária. Revista Eletrônica de Direito Processual
(REDP), v. 13, 2014, p. 554. 387
Para Humberto Ávila o postulado da proporcionalidade exige o exame da adequação, da necessidade e da
proporcionalidade em sentido estrito. Cf. AVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: Da definição à
aplicação dos princípios jurídicos. 16ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 204. 388
Para Habermas e outros autores, o sopesamento ou a ponderação é um critério que nada mais é do que uma
forma pseudo-objetiva de canalizar as preferências pessoais do aplicador do direito. Substitui-se a decisão do
legislador, que, ao criar uma lei, expressa a sua forma particular de interpretar a CF, pela opinião alternativa
do juiz sobre o mesmo problema. Cf. SILVA, Virgílio Afonso da, e MENDES, Conrado Hübner. Habermas e
112
Seguindo o princípio da idoneidade, deve-se fazer com que uma posição seja melhorada sem
que nasçam desvantagens para outras, devendo o meio ser capaz de alcançar o fim. Já no
princípio da necessidade, se sacrifícios não podem ser evitados, busca-se o meio menos
gravoso. Esses dois primeiros princípios parciais da proporcionalidade tratam de
possibilidades fáticas. Por derradeiro, têm-se o princípio parcial da proporcionalidade em
sentido estrito. Sendo a ponderação objeto desse terceiro princípio parcial389
.
Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis advertem que é necessário evitar que a
proporcionalidade se dilua dentro de uma visão geral da ponderação, reduzindo-se a uma
figura retórica, conforme pode ser observado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
sobre a matéria390
. Manoel Atienza pontua que a ponderação é um elemento inerente ao
raciocínio, sendo importante para solução dos casos difíceis, e que a maioria dos casos que
tramitam no Judiciário não podem ser considerados casos difíceis, logo não pode haver uma
supervalorização da ponderação, devendo ocorrer a solução dos casos comuns, que tratam de
matéria exclusivamente de direito, por meio das regras391
.
Cabe ao magistrado, por intermédio do postulado da proporcionalidade,
encontrar o justo equilíbrio entre as técnicas processuais aplicadas e os objetivos almejados. A
concessão da tutela de evidência exige “um juízo de probabilidade firme da existência dos
fatos alegados pelo autor, da existência do seu direito e da juridicidade e adequação do
pedido, cujo acolhimento antecipado e provisório é pleiteado”392
.
Daniel Penteado de Castro acrescenta que no trabalho de ponderação dos
elementos para concessão da antecipação de tutela sem urgência, o julgador também deve
levar em consideração o periculum in mora reverso, que representa o suposto dano que será
experimentado pela parte que tiver a medida concedida em seu desfavor. Afirma que o
confronto entre o periculum in mora reverso e a alta probabilidade do direito requerido possui
íntima ligação com o princípio da proporcionalidade e com o “juízo do mal maior”393
.
a Jurisdição Constitucional. In: TERRA, Ricardo e NOBRE, Marcos (orgs.): Direito e Democracia: um guia
de leitura, São Paulo, Malheiros, 2008, p. 204. 389
ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do
Advogado editora, 2007, p. 105-116. 390
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 5 ed. ver., atual. e
ampl. São Paulo: Atlas, 2014, p. 187. 391
ATIENZA, Manoel. Dos versiones del Constitucionalismo. In: FERRAJOLI, Luigi (Coord.). Um debate
sobre el constitucionalismo. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 79-83. 392
GRECO, Leonardo. A tutela da urgência e a tutela da evidência no código de processo civil de 2014/2015.
Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, ano 8, v. 14, n. 1, p. 320. 393
Citando Candido Rangel Dinamarco, Daniel Penteado coloca que “Ao juízo do mal maior associa-se o juízo
do direito mais forte, que deve aconselhar o juiz a ponderar adequadamente as repercussões da medida que
concederá, redobrando cuidados antes de determinar providências capazes de atingir valores de tão elevada
expressão econômica, política, social e humana, que somente em casos extremos devam ser sacrificados”. Cf.
113
No panorama apresentado, temos que para a correta avaliação da
constitucionalidade da tutela sumária dos direitos evidentes é necessário definir as suas
vantagens e os seus limites, considerando-se, para tanto, princípios como o do devido
processo legal, da razoável duração do processo e do substancial acesso à justiça.
Da análise das peculiaridades da referida técnica processual, Eduardo José da
Fonseca conceitua a tutela de evidência como aquela tutela que deve ser concedida quando o
magistrado se defronta com uma pretensão de direito material de existência quase certa. Em
tais casos, mesmo diante da estreita via da cognição sumária, não será possível deixar de
garantir o direito ululante. “É como se o excesso de fumus boni iuris deformasse o campo de
gravidade das tutelas de urgência e afastasse do periculum in mora o centro do equilíbrio do
sistema”394
.
Por sua vez, Bodart afirma que a tutela de evidência deve ser considerada como
“técnica de distribuição dos ônus decorrentes do tempo no processo, consistente na concessão
imediata da tutela jurisdicional com base no alto grau de verossimilhança das alegações do
autor, a revelar improvável o sucesso do réu”395
.
Ou seja, a vantagem da tutela de evidência está na possibilidade de se inverter
o ônus do tempo mesmo por meio de uma cognição sumária e estreita, porém, para tanto,
impõe-se a demonstração prévia de uma forte evidência dos fatos constitutivos do direito
pretendido. A alta probabilidade do direito será o valor a ser levado em consideração para
diferir a garantia do contraditório exauriente.
Sob um prisma mais restrito, considerando o texto do artigo 311, pode-se dizer
que em razão dos debates desenvolvidos na doutrina e jurisprudência acerca da
constitucionalidade da tutela antecipada396
, o que vem ocorrendo com maior intensidade
desde a nova redação do art. 273 do CPC/1973 trazida pela Lei nº 8.952/1994, atualmente,
parece não haver discordância sobre a constitucionalidade das hipóteses de tutela de evidência
trazidas nos incisos I a IV do artigo citado.
A grande discussão existente, hodiernamente, conforme visto no item 3.5, é
sobre a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 311, que prevê a possibilidade do
CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e
perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 246-247. 394
COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 71-74. 395
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito
processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 111. 396
Sobre as possibilidades de “tutelas antecipadas” previstas no CPC/73 se chegou ao entendimento de que o
direito ao contraditório não teria sido excluído do processo, ele apenas teve sua lógica invertida, admitindo-se
seu exercício de forma diferida, visando garantir outros relevantes princípios constitucionais do processo,
como a efetividade e o acesso à justiça.
114
juiz decidir sobre a tutela de evidência sem que a parte adversa tenha se pronunciado, o que
poderá ocorrer nos casos em que as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas
documentalmente e houver entendimento jurisprudencial firmado a respeito do direito
pleiteado (inciso II) ou no caso de pedido reipersecutório fundado em prova documental
adequada do contrato de depósito (inciso III).
A possibilidade trazida pelo parágrafo único se dá pelo fato de que, ao
contrário dos incisos I e IV, as hipóteses dos incisos II e III não condicionam a concessão da
medida ao pronunciamento da outra parte. A formação da convicção sobre a evidência do
direito independe da apresentação de defesa.
Já existe uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do
Estado do Rio de Janeiro, ADI 5492, questionando alguns dispositivos do novo Código de
Processo Civil, dentre os quais estão o inciso II do parágrafo único do artigo 9397
e o
parágrafo único do artigo 311. O autor da ADI alega que tais dispositivos desrespeitam as
garantias fundamentais do processo que balizam o devido processo legal, em especial a
garantia do contraditório participativo398
.
Vários Estados e entidades representativas já ingressaram no feito na qualidade
de amicus curiae, e interessantes posicionamentos foram apresentados sobre a
constitucionalidade do tema aqui debatido. Em especial, é de se destacar a petição de amicus
curiae nº 20.653/2017, apresentada pela Associação Norte e Nordeste de Professores de
Processo – ANNEP, que, de forma didática, expõe opiniões divergentes sobre o tema399
.
Para os professores que advogam a tese de inconstitucionalidade, a exemplo de
Lucas Buril, como não existe nenhum perigo na demora ou qualquer outra situação que
justificasse o adiamento do contraditório, não faz sentido autorizar a tutela de evidência sem a
ouvida da outra parte. Deve-se primeiramente ser dada a oportunidade de defesa, para, só
depois, o juiz apreciar a tutela de evidência. Cita-se a lição de José Aurélio de Araújo, para
397
Art. 9o Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:
(...)
II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III; 398
“O governador pede a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos que versam sobre a concessão
liminar de tutela da evidência fundada em precedente vinculante (artigos 9º, parágrafo único, inciso II, e 311,
parágrafo único). Em respeito ao contraditório, para o governador, somente a urgência justifica a postergação
da oitiva do réu para decisão que causa agravo à sua esfera de interesses”. Disponível em <
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=313873> Acessado em 12 de mai. 2017. 399
“A ANNEP é composta de professores de Direito Processual. Alguns de seus membros entendem que os arts.
9º, parágrafo único, II, e 311, parágrafo único, do CPC-2015, não são inconstitucionais. Outros,
diversamente, entendem que há inconstitucionalidade na previsão segundo a qual seria possível a concessão
liminar de tutela provisória de evidência.” Disponível em < http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seq
objetoincidente=4959031> Acessado em 13 maio 2017.
115
quem a tutela de evidência não pode ser concedida liminarmente, uma vez que tal
possiblidade só pode ocorrer em situações excepcionais, nas quais exista relevante
urgência400
. Ainda como fundamento para impossibilidade da concessão liminar da tutela
provisória de evidência, é suscitado o artigo 10 do CPC, que veda o juiz de decidir com base
em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se
manifestar401
.
Já os que defendem a constitucionalidade da concessão liminar da tutela de
evidência, apesar de reconhecerem que a regra é que o contraditório seja prévio, destacam
que, de acordo com a realidade do direito material, existem hipóteses em que a garantia do
contraditório pode ser invertida ou postergada, mesmo que não exista o pressuposto da
urgência. Para fortalecer o entendimento pela constitucionalidade, são apontados vários outros
procedimentos em que, mesmo não existindo urgência, é possível uma tutela sem a ouvida da
parte contrária: i) a liminar em ação possessória (art. 562); ii) O mandado injuntivo nas ações
monitórias para cumprimento imediato da obrigação (art. 700 e seguintes)402
; iii) a liminar em
ação de despejo, que também é tida como hipótese de tutela da evidência liminar (Lei n.
8.245/1991, art. 59, § 1º) 403
.
Especificamente com relação à constitucionalidade da liminar concedida com
base no inciso II do art. 311, que é o principal alvo da ADI, destaca-se que ao ter sido firmada
tese em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante, obrigatoriamente houve um
amplo debate sobre assunto, inclusive de cognição mais ampliada do que a que seria possível
dentro de um único processo. Ou seja, o contraditório amplo e substancial já é realizado na
400
ARAÚJO, José Aurélio de. Introdução ao sistema de tutelas cognitivas sumárias do Projeto do novo Código
de Processo Civi”. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, ano 37, v. 206, p. 213-214. 401
De acordo com a petição de amicus curiae nº 20653/2017, apresentada pela Associação Norte e Nordeste de
Professores de Processo – ANNEP nos autos da ADI 5492. 402
Reconhecendo a inconstitucionalidade do inciso II do parágrafo único do art. 9º e do parágrafo único do art.
311, afastando a tese de constitucionalidade por analogia ao procedimento monitório, Lenio Luiz Streck,
Lúcio Delfino e Diego Crevelin de Sousa, em artigo de opinião publicado na Revista Consultor Jurídico de
15 de maio de 2017, apontam que em relação ao procedimento monitório previsto no artigo 701 e seguintes
do CPC não há que se falar em contraditório deficiente, pois, diferentemente do que ocorre na tutela de
evidência, a decisão monitória não possui aptidão para interferir automaticamente na esfera jurídica da parte
adversa. Pois, após intimação do mandado monitório o réu terá a oportunidade: i) de pagar a dívida; ii) não
fazer nada e esperar a conversão do feito em processo de execução; ou iii) apresentar embargos monitórios,
ocorrendo a conversão do feito em processo de conhecimento. Só haverá eficácia executiva ou mandamental,
de acordo com o caso, quando não apresentados ou rejeitados os embargos monitórios. Enquanto na tutela
provisória de evidência os efeitos da decisão de pronto atingem o requerido, que deverá se socorrer através de
um agravo de instrumento ou de uma defesa robusta, mas já sofrendo os efeitos da tutela provisória. Cf.
STRECK, Lenio Luiz; DELFINO, Lúcio; SOUSA, Diego Crevelin de. Tutela provisória e contraditório: uma
evidente inconstitucionalidade. 2017. In: Revista Consultor Jurídico. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2017-mai-15/tutela-provisoria-contraditorio-evidente-inconstitucionalidade>
Acesso em: 19 mai. 2017. 403
De acordo com a petição de amicus curiae nº 20653/2017, apresentada pela Associação Norte e Nordeste de
Professores de Processo – ANNEP nos autos da ADI 5492.
116
construção do precedente que serve ao processo em que está sendo requerida a tutela de
evidência, restando, assim, respeitado o direito constitucional404
.
Quanto ao inciso III do artigo 311, que trata do pedido reipersecutório baseado
em prova documental adequada do contrato de depósito, e que não foi expressamente
questionado na ADI 5492, a doutrina vem entendendo que se “trata de uma opção política do
legislador de previsão de tutela sumária destinada a atender específico direito material, o que
não se confunde com uma maior probabilidade do direito em favor do autor” 405
.
Como entusiasta do estudo da tutela de evidência, Luiz Fux afirma que a tutela
diferenciada de evidência406
ao invés de mitigar, fortalece o devido processo legal e prestigia
o princípio da “justiça adequada”, pois, para a efetiva concretização do preceito constitucional
de que “nenhuma lesão escapará à apreciação judicial” deve amoldar-se à rápida tutela do
direito material. A demora em garantir um direito evidente, por si só, representaria uma
lesão407
.
Percebe-se da doutrina de Fux que esse encara a demora na entrega de um
provimento judicial nos casos de direito evidente como um perigo de dano em sentido lato. A
demora, por si só, já gera um dano, sendo bastante para concessão da tutela sem a
demonstração de outro risco em concreto.
Pondera-se que muitas vezes o risco de ocorrer uma injustiça em razão da
demora na prestação jurisdicional pode ser muito maior que o risco de haver um erro na
decisão proferida em sede de cognição sumária de evidência408
.
404
De acordo com a petição de amicus curiae nº 20653/2017, apresentada pela Associação Norte e Nordeste de
Professores de Processo – ANNEP nos autos da ADI 5492. 405
CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e
perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 145-151. 406
Contra a denominação da tutela antecipada fundada na evidência como tutela diferenciada, Lucas Buril aduz
que “A tutela antecipada consiste em técnica que garante à parte alguns efeitos do provimento que só
receberia ao fim do processo; é, propriamente, a antecipação dos efeitos da tutela final, que pode ser tanto
satisfativa como cautelar. Não se trata, portanto, de uma tutela diferenciada, mas de técnica processual. A
tutela cautelar, por sua vez, consiste na asseguração de direito que sofre perigo de dano. É tutela, e pressupõe
um direito à cautela”. Cf. MACÊDO, Lucas Buril. Antecipação da Tutela por Evidência e os Precedentes
obrigatórios. Revista do Processo, v. 242, p. 523-552, abr. 2015. 407
FUX, Luiz. Tutela da Segurança e Tutela de Evidência. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 58. 408
“Não há dúvidas de que a sujeição de um jurisdicionado aos trâmites processuais por mais tempo que deveria,
gerando mora na tutela de seus interesses, encerra já por si uma injustiça – decorrente do incorreto manejo,
seja pelo legislador ou pelo juiz, dos mecanismos processuais. Afinal, o art. 5º, LXXVIII, da CF/1988 impõe
que o tempo do processo seja gerido com razoabilidade, não apenas no que concerne à decisão final, mas
também no que tange à escolha do sujeito que deverá suportar os inconvenientes gerados pela demora do
julgamento. Se considerarmos que, nos casos em que o direito do autor é bastante provável, o risco de
produção de uma injustiça pela mora na prestação jurisdicional é muito maior que o risco de erro do
judiciário (sendo este o principal perigo da cognição sumária), é imperioso concluir, nessas hipóteses, pela
concessão da tutela em favor do demandante”. Cf. BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência:
Teoria da cognição, análise econômica do direito processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 112.
117
Sobre tal perspectiva, e como fundamento para possibilidade de sumarização
da tutela mesmo sem o pressuposto da urgência, é interessante a exposição de Mirna Cianci,
que considera a tutela de evidência como uma “tutela de urgência em sentido lato”, na qual a
pressa em gozar o direito discutido em juízo não surge pelo perigo ou pela irreversibilidade409
,
mas por uma equiparação legal410
.
Em sentido semelhante, Eduardo de Mesquita Melo aponta que mesmo que não
exista o perigo da demora, há uma urgência em sentido lato, o que denomina de “urgência
sem periculum”411
.
Daniel Penteado fala que a própria demora na obtenção de uma tutela efetiva já
gera um “dano marginal stricto sensu”, não sendo necessária a demonstração de dano ou a
iminência da sua consumação para concessão da antecipação da tutela sem o pressuposto da
urgência. O “dano marginal stricto sensu” atua como legitimador da antecipação sem
urgência. O autor acrescenta que dentro das possibilidades da técnica de antecipação de tutela
revela-se uma tendência de mitigação da urgência, o que ocorre em sintonia com as últimas
modificações na Constituição Federal, tendo em vista a relevância dada pelo constituinte
derivado ao valor celeridade. Na esfera processual passa-se a preterir o pressuposto da
urgência visando à entrega do bem da vida de forma antecipada412
.
Na defesa da constitucionalidade do instituto, o Ministro Luiz Fux aduz que
“satisfazer tardiamente o interesse da parte em face da evidência significa violar o direito
maior ao acesso à justiça e, consectariamente, ao devido processo instrumental à jurisdição
requerida”413
.
409
Sobre a irreversibilidade da medida, Leonardo Greco expõe que o parágrafo 3º do artigo 300 do novo código
reproduz a capciosa regra do § 2º do art. 273 do Código anterior, “que parece vedar a concessão da tutela
antecipada de urgência, quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. Interpretada
literalmente essa disposição representaria verdadeira afronta à garantia constitucional da tutela jurisdicional
efetiva, inscrita no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição. Os fatos pretéritos nunca são reversíveis. E o
gozo pretérito do direito também não pode ser revertido. No máximo, a revogação pode alterar a situação
fático-jurídica para o futuro e determinar a responsabilidade por perdas e danos em relação aos efeitos já
exauridos. A doutrina e a jurisprudência se encarregaram de dar à irreversibilidade o sentido de um juízo de
ponderação entre o perigo de dano alegado pelo requerente e aquele a que ficaria sujeito o requerido caso
concedida a medida de urgência. Assim, deverá seguir sendo interpretado o dispositivo do novo Código”. Cf.
GRECO, Leonardo. A tutela da urgência e a tutela da evidência no código de processo civil de 2014/2015.
Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, ano 8, v. 14, n. 1, p. 304. 410
CIANCI, Mirna. As principais reformas do processo civil brasileiro sob o enfoque do acesso à justiça.
Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 118. 411
MESQUITA, Eduardo Melo de. O princípio da proporcionalidade e as tutelas de urgência. 2005. 424 f.
Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005, p. 118. 412
CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e
perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 145-151. 413
FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano
2, n. 16, p. 23-43, abr. 2000. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br//dspace/handle/2011/894>. Acesso em:
23 fev. 2017
118
Se por um lado se afirma que a concessão de uma tutela sumária de evidência é
inconstitucional por “mitigar” o direito ao contraditório antes do pronunciamento do julgador,
por outro lado, também parece aceitável a alegação de que existe um grande conflito entre o
direito à tempestividade da tutela e o direito à cognição definitiva, sendo raras as vezes em
que uma tutela definitiva é prestada sem causar nenhum dano ao seu requerente decorrente do
período de espera para sua concessão.
Normalmente a parte que não possui condições de apresentar uma defesa séria
se utiliza da demora processual para conservar um status quo que lhe é favorável414
. Logo, faz
todo sentido a existência de uma técnica processual que permita uma tutela sumária,
provisória e satisfativa em razão da evidência do direito pretendido415
.
Da doutrina processualista também se pode perceber que um fator
preponderante para justificar o instituto da tutela da evidência é a busca da efetividade da
prestação jurisdicional por meio do princípio da igualdade, não podendo haver tratamento
igual para pessoas em situações diferentes. Não se pode tratar igualmente partes que possuem
situações jurídicas distintas, quando uma se encontra totalmente acobertada pelo direito
material, mas a parte oponente fica se valendo, de forma procrastinatória e desleal, de
inúmeros elementos do direito processual.
Citando a doutrina de Dinamarco, Daniel Penteado aponta que é improvável
que um processo que não seja em si mesmo justo gere resultados realmente justos. E conclui
afirmando que “o conceito de devido processo legal e garantias dele decorrentes se encontra
aliado à concepção de processo justo”416
.
Assim, temos que a tutela de evidência é uma técnica disponibilizada pelo
direito processual visando à prestação de uma adequada e justa tutela do direito material. Seu
lastro constitucional reside na própria necessidade de prestar a tutela adequada, estando
intimamente ligada aos princípios da efetividade do processo e do acesso à justiça.
Sobre a problemática da ponderação, é de se considerar que qualquer decisão,
como ato de inteligência que é, deve ser o resultado de um exercício mental de ponderações
414
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017, p. 44. 415
Segundo Marinoni, “se o Estado proibiu a autotutela privada é correto afirmar que ele está obrigado a prestar
a tutela jurisdicional adequada a cada conflito de interesses. Nessa perspectiva, então, deve surgir a resposta
intuitiva de que a inexistência de tutela adequada a determinada situação conflitiva significa a própria
negação da tutela que o Estado se obrigou no momento em que chamou a si o monopólio da jurisdição, já que
o processo nada mais é do que a contrapartida que o Estado oferece aos cidadãos diante da proibição de
autotutela”. Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da tutela. 11 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, p. 133. 416
CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e
perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 139.
119
dos valores em jogo417
, onde o postulado da proporcionalidade deverá servir como um
balizador para a conduta do julgador.
No caso da aplicação da tutela de evidência, mesmo que não exista um perigo
de dano em concreto, o dano causado pela demora excessiva em se garantir judicialmente um
direito evidente já é suficiente para justificar a constitucionalmente da medida, não havendo
que se falar que houve mitigação do contraditório sem que existisse um valor de igual
grandeza com ele conflitante418
.
Ademais, conforme lembra Bruno Bodart, um processo longo não é garantia de
eliminação dos riscos do erro judiciário. A certeza decorrente do processo judicial é uma mera
ficção jurídica, decorrente do esgotamento dos meios de prova existentes no processo419
.
Como visto no tópico 2.3.1, o processo não cria verdades, mas apenas certezas, a partir de um
referencial de natureza factual.
Considerando que não é possível o processo se apropriar da verdade, pois cria
apenas uma ficção jurídica de certeza, acredita-se ser plenamente viável que, em
determinados casos, a tutela de evidência possa ser aplicada em favor daqueles que
comprovadamente pleiteiam um direito ululante, em prestígio ao princípio do efetivo acesso à
justiça na sua concepção material, sem violar o direito ao contraditório da parte adversa que
nitidamente não terá condições apresentar uma contestação séria, capaz de por em dúvida os
fatos constitutivos do direito requerido.
O que realmente irá importar para o processo é a justificação da decisão
sumária, que deverá ser produzida por intermédio de procedimento cognitivo confiável e que
transmita segurança às partes. Um possível juízo de certeza por meio de cognição exauriente
nada mais é do que o esgotamento dos procedimentos previstos em lei, cabendo ao julgador
proferir sentença mesmo que ainda esteja com dúvidas, tendo em vista a vedação do non
liquet420
.
Sabendo-se aplicar devidamente a tutela de evidência, dentro das
417
LUCON, P. H. S. Tutela provisória na atualidade, avanços e perspectivas: entre os 20 anos do Art. 273 do
CPC de 1973 e a entrada em vigor do Novo CPC. In: Cassio Scarpinella Bueno; Elias Marques de Medeiros
Neto; Olavo de Oliveira Neto; Patricia Elias Cozzolino de Oliveira; Paulo Henrique dos Santos Lucon.
(Org.). Tutela Provisória no Novo CPC: dos 20 anos de vigência do art. 273 do CPC/1973 ao CPC/2015. 1
ed. São Paulo: Saraiva, 2016. v. 1, p. 239. 418
Segundo Daniel Mitidiero, a tutela sumária não existe apenas em razão da urgência, pois “a técnica
antecipatória serve para adequar o processo às especificidades do direito material alegado em juízo (urgência
ou evidência) a fim de que o processo seja capaz de promover a efetividade da tutela jurisdicional”. Cf.
MITIDIERO, Daniel. Antecipação de tutela: da tutela cautelar à técnica antecipatória. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2013, p. 53. 419
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito
processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 32 420
Ibidem, p. 155.
120
possibilidades previstas em lei e verificando-se a probabilidade das alegações deduzidas,
pode-se dizer que a tutela dos direitos evidentes vem para fortificar o princípio do devido
processo legal, e não para mitigá-lo, na medida em que irá prestigiar e garantir a efetivação
daquele direito, o qual, de plano, é comprovado em juízo.
Diante da complexidade dos elementos jurídicos envolvidos, só resta esperar
pelo adequado desenvolvimento prático da técnica processual trazida pelo art. 311 do NCPC,
uma vez que ainda existem lacunas sobre a sua utilização, o que, muito provavelmente, irá
acarretar questionamentos sobre seu impacto no sistema processual. Por hora é precipitado se
falar em inconstitucionalidade por violação ao devido processo legal.
Se o direito da parte se apresenta cristalino aos olhos do magistrado, havendo
condições para uma decisão devidamente fundamentada, não parece justo exigir que o
requerente, para obtenção do bem da vida pretendido, tenha que aguardar a tramitação de todo
o processo até a sentença, para que então, simplesmente, se confirme a existência de um
direito que já era óbvio.
121
6 CONCLUSÃO
Tendo em vista tudo que foi apresentado ao longo do presente trabalho, que
teve como foco o estudo da tutela sumária dos direitos evidentes, algumas conclusões podem
ser destacadas acerca dos reflexos da constitucionalização do processo nas tutelas provisórias,
como também sobre a necessidade de se repensar o tradicional processo de cognição
exauriente, que sob o argumento de uma suposta segurança jurídica busca estabelecer uma
maior previsibilidade nas relações, favorecendo diretamente aqueles litigantes contumazes
que usam a demora processual para obter maior proveito econômico em face dos menos
favorecidos.
Em primeiro lugar, agora se tem a certeza que é possível se obter uma
antecipação de tutela independentemente da comprovação de perigo de dano ou de risco ao
resultado útil do processo, não existindo mais a estrita exigência de demonstração conjunta e
igualitária dos pressupostos da urgência e da evidência, que geralmente se apresentam com
intensidades diferentes de acordo com cada caso em deslinde.
De acordo com o que foi estudado, também é de se ter em mente que é muito
difícil dissociar totalmente as figuras da urgência e da evidência, pois, nos casos em que se
requer uma tutela de urgência, deve-se evidenciar a probabilidade do direito, ainda que seja de
forma superficial, enquanto que nos casos de tutela de evidência, mesmo que não exista um
iminente perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, sempre há uma urgência
latente. A simples demora na prestação jurisdicional já é capaz de gerar dano.
Sobre a tutela de evidência, pode-se constatar que ela não é uma novidade
trazida só agora pelo CPC/2015, uma vez que já estava implicitamente prevista em nosso
ordenamento por meio de dispositivos que davam ao direito evidente um maior prestígio
dentro da relação processual. Havendo, inclusive, a previsão de concessão da tutela com base
em legislação esparsa, como é o caso do art. 7º da Lei de Improbidade Administrativa,
amplamente utilizado pelos tribunais muito antes da entrada em vigor do novo código.
Com relação à previsão trazida pelo CPC/2015 sobre a tutela de evidência
propriamente dita, tem-se que as hipóteses elencadas no art. 311 não formam um rol taxativo
e fechado de possibilidades. Como também, em razão da sua natureza provisória, algumas
previsões específicas da tutela de urgência devem ser estendidas à tutela de evidência, como é
caso da exigibilidade de caução e da previsão da responsabilidade objetiva pela revogação da
tutela, não existindo razão para tais mecanismos de controle não estarem previstos dentro das
disposições gerais da tutela provisória.
122
Da hipótese trazida pelo inciso I do art. 311, pode-se extrair a essência da tutela
de evidência, que é evitar a injustificada resistência em juízo, coibindo o abuso do direito de
defesa por aquele litigante que mesmo não possuindo condições de apresentar uma defesa
séria, fica se valendo de artimanhas processuais para procrastinar o cumprimento de uma
condenação que certamente será imposta.
Apesar de existir quem defenda que a hipótese prevista no inciso IV seria
dispensável, uma vez que se encaixaria dentro do campo cognitivo do inciso I, não se deve
deixar de considerar que pode haver casos em que o réu inicialmente não oponha prova capaz
de gerar dúvida razoável ao direito do autor, mas, de boa-fé, requeira uma dilação probatória
coerente, situação que nitidamente afastaria a incidência do disposto no inciso I do art. 311 e
possibilitaria a concessão da tutela de evidência com base no inciso IV do art. 311.
No caso da tutela de evidência fundada em prova documental e na forte
orientação jurisprudencial a favor da tese do requerente, nos termos do inciso II do art. 311,
tem-se uma verdadeira inovação na legislação processual. Com o grande diferencial de se
reconhecer que a evidência não repousa apenas na seara documental, podendo também ser
reconhecida em razão da certeza do direito estabelecida por intermédio dos precedentes.
Exigindo-se para a concessão da tutela a demonstração da evidência tanto no campo fático
como no campo jurídico.
Alvo de fortes críticas, a tutela de evidência baseada no contrato de depósito,
trata de previsão muito casuística que injustificadamente não foi estendida a outros tipos de
contrato. Ademais, diante da patente especificidade do direito material protegido, ficaria
melhor enquadrada como uma modalidade de procedimento especial, dentro do Livro I, Título
III da Parte Especial do CPC.
A tutela do inciso IV do art. 311, por sua vez, deve ser encarada como um
verdadeiro exemplo de condenação com reserva de exceção, já que ocorre uma cognição
exauriente apenas em relação aos fatos constitutivos do direito do autor e uma análise sumária
quanto aos fundamentos da parte requerida. Devendo-se ficar claro que a ausência de
apresentação de prova capaz de gerar dúvida razoável sobre o direito do autor não pode ser
confundida com incontrovérsia acerca de um ou mais pedidos formulados, o que acarretaria o
julgamento parcial de mérito.
A tutela de evidência com base em prova documental e ausência de contestação
séria também é criticada pela doutrina, sob o argumento de trazer expressões vagas como
“prova documental suficiente” e “prova capaz de gerar dúvida razoável”, todavia, a correta
123
utilização da tutela de evidência, seja em qual modalidade for, depende da forte
fundamentação da decisão que lhe conceder ou negar, com base em um trabalho cognitivo
coerente com as provas dos autos. Cabe ao julgador um maior ônus de fundamentação, não
podendo mais ser admitidas decisões do tipo “concedo a tutela porque essa é a solução mais
razoável” ou “indefiro o pedido, pois é a medida adequada ao interesse público e aos bons
costumes”.
Dos conceitos de “evidência”, “verossimilhança” e “probabilidade”, apesar de
existirem várias definições doutrinárias sobre cada uma delas, por vezes até divergentes,
pode-se afirmar que todas estão intimamente ligadas com o conceito de prova, cabendo ao
julgador justificar em cada caso quais elementos de prova, conjugados com o comportamento
dos sujeitos do processo, foram capazes de dar ensejo à concessão da tutela de cognição
sumária. A devida fundamentação da decisão é uma garantia imprescindível, que possibilita,
inclusive, o controle e a fiscalização da tutela jurisdicional, o que os italianos chamam de
“participação popular na administração da justiça”.
Sobre a atividade cognitiva desenvolvida nas tutelas provisórias, tem-se que no
plano horizontal, em regra, não existem limitações para conhecimento de matérias pelo
julgador. Havendo limitações apenas de ordem vertical, pelas quais em razão das
peculiaridades do caso, o magistrado não realiza uma cognição exauriente dos elementos de
prova. Sendo inconteste que as tutelas de urgência e as tutelas de evidência são de cognição
sumária, tendo como diferencial o grau de profundidade da cognição.
Como visto ao longo da dissertação, em razão da inexistência do perigo de
dano em sentido estrito, a tutela de evidência exige uma análise mais profunda das provas,
que devem espelhar a quase certeza do bem da vida pleiteado. Só por intermédio de uma forte
evidência do direito pretendido é que se justifica o diferimento do contraditório ante a
ausência do pressuposto urgência, o que justifica também a concessão da tutela de evidência
em sede de liminar, sem a ouvida da parte contrária, afastando-se, assim, a argumentação de
inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 311.
Para correta compreensão do tema em estudo, é imprescindível reconhecer o
tempo como um bem muito valioso, relacionado ao conceito de justiça. Por tal razão ganha
relevo a técnica processual da tutela de evidência, que inverte o ônus do tempo do processo
em desfavor daquela parte que possui pouca ou nenhuma chance de êxito e, mesmo assim,
insiste em litigar.
No plano das tutelas provisórias, o princípio da razoável duração do processo
deve ser observado sempre por intermédio da ponderação entre o risco da demora processual
124
para a parte que busca alcançar um direito e os sacrifícios que podem ser experimentados pela
parte requerida caso não seja oportunizado um amplo contraditório antes da concessão de uma
medida judicial.
Não se pode mais admitir a ideia de que a satisfatividade da medida judicial
está obrigatoriamente relacionada com cognição exauriente e coisa julgada, até porque,
conforme demonstrado, uma ampla cognição não é garantia absoluta de acerto do Judiciário,
pois, esgotadas as fases do processo o juiz é obrigado a julgar, mesmo que em dúvida.
Ao que tudo indica, a tendência é que o rito da ampla cognição seja aplicado de
forma residual, quando não for possível a entrega da tutela pretendida de forma sumária,
mesmo que sobre ela não recaiam os efeitos da coisa julgado, como é o caso da référé
provision do direito francês, em que sequer existe prazo para instauração do processo
principal, gerando um maior conforto para a parte beneficiada pela tutela provisória, que
acaba não ingressando com o pedido ordinário.
125
REFERÊNCIAS
CONSTITUIÇÃO, LEGISLAÇÃO E ATOS NORMATIVOS
BRASIL. Ato do Presidente n º 379, de 2009. Institui Comissão de Juristas responsável pela
elaboração de anteprojeto de Código de Processo Civil. Disponível em:
<https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/ATO%20DO%20PRESIDENTE%20N%C2
%BA%20379.pdf.> Acesso em: 20 set. 2016.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
BRASIL. Decreto-Lei 3.365, de 21 de junho de 1941. Dispõe sobre desapropriações por
utilidade pública.
BRASIL. Lei complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Organiza a Defensoria Pública
da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização
nos Estados, e dá outras providências.
BRASIL. Lei Federal nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950. Estabelece normas para a
concessão de assistência judiciária aos necessitados.
BRASIL. Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança
individual e coletivo e dá outras providências.
BRASIL. Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965. Regula a ação popular.
BRASIL. Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de
responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de
valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências.
BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e
dá outras providências.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.
BRASIL. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis
urbanos e os procedimentos a elas pertinentes.
BRASIL. Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos
agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego
ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: anteprojeto/ Comissão de Juristas Responsável pela
Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. – Brasília: Senado Federal,
Presidência, 2010. Disponível em: <
www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf> Acesso em 23 abr. 2017.
126
JURISPRUDÊNCIAS
BRASIL. STJ. Processo AgRg no REsp 1407616 SC. 2ª Turma. Ministro Mauro Campbell.
Publicação em 02/05/2014.
Disponível em <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25064868/agravo-regimental-no-
recurso-especial-agrg-no-resp-1407616-sc-2013-0216982-1-stj> Acesso em 13 mai. 2017.
BRASIL. TJPR. Processo AI 1593787-2. 18ª C.Cível, Rel. Vitor Roberto Silva, julgado em
26/04/2017. Disponível em: < https://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/457735336/agravo-
de-instrumento-ai-15937872-pr-1593787-2-acordao> Acesso em 16 mai. 2017.
BRASIL. TJRS. Processo AI 70070441316. Décima Sexta Câmara Cível, Julgado em
22/09/2016. Disponível em: <https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/390349409/agravo-
de-instrumento-ai-70070441316-rs/inteiro-teor-390349422?ref=juris-tabs> Acesso em 10
mai. 2017.
BRASIL. TJSP. Processo 2042818-40.2017.8.26.0000. 10ª Câmara de Direito Público, Data
de Publicação: 10/05/2017.
Disponível em: <https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/457787074/agravo-de-
instrumento-ai-20428184020178260000-sp-2042818-4020178260000?ref=juris-tabs> Acesso
em 10 mai. 2017.
BRASIL. TRF 4ª Região. Processo 5019507-14.2017.404.00000. 2ª Turma. Julgado em
04/05/2017. Disponível em
<https://eproc.trf4.jus.br/eproc2trf4/controlador.php?acao=acessar_documento_publico&doc=
41493903430342842057220974384&evento=41493903430342842057221023920&key=25aa
9feba64712020776320270be3c26b37af02206a1a92940519664989b6986> Acesso em 13 mai.
2017.
BRASIL. TRF 5ª Região. Processo 08004373620174050000. 4ª Turma. Julgado em
06/04/2017.
Disponível em <https://www4.trf5.jus.br/Jurisprudencia/JurisServlet?op=exibir&tipo=1>
Acesso em 13 mai. 2017.
BRASIL. TRF 5ª Região. Processo 08043384620164050000. 4ª Turma. Julgado em
14/12/2016.
Disponível em <https://www4.trf5.jus.br/Jurisprudencia/JurisServlet?op=exibir&tipo=1>
Acesso em 13 mai. 2017.
BRASIL. TRF 5ª Região. Processo 0807297-87.2016.4.05.0000. 4ª Turma. Julgado em
27/01/2017.
Disponível em <https://www4.trf5.jus.br/Jurisprudencia/JurisServlet?op=exibir&tipo=1>
Acesso em 15 mai. 2017.
OBRAS DOUTRINÁRIAS E ACADÊMICAS
AGRA, Walber de Moura (Coord.). Comentários à reforma do Poder Judiciário. Rio de
Janeiro: Forense, 2005.
127
AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. Rio de janeiro: Forense,
2012.
ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto
Alegre: Livraria do Advogado editora, 2007.
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da silva. 2
ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do
direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003.
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Manual das ações constitucionais. Belo Horizonte: Del
Rey, 2007.
AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2015.
ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. Tradução de Denise Bottmann. São
Paulo: Companhia das letras, 2008.
ATIENZA, Manoel. Dos versiones del Constitucionalismo. In: FERRAJOLI, Luigi (Coord.)
Um debate sobre el constitucionalismo. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios - Da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. 16 ed. São Paulo: Malheiros, 2015.
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense,
1984.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de Direito Processual. 8ª série. São Paulo:
Saraiva, 2004.
BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes judiciais e segurança jurídica:
fundamentos e possibilidades para a jurisdição constitucional brasileira. São Paulo: Saraiva,
2014.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São
Paulo: Malheiros, 2006.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias
e de urgência (tentativa de sistematização). 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Simplificação e adaptabilidade no anteprojeto do novo
CPC. In: FUX, Luiz (coord.). O novo processo civil brasileiro: direito em expectativa. Rio
de Janeiro: Forense, 2011.
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise
econômica do direito processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2015.
128
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
BONIFÁCIO, Artur Cortez. Direito Constitucional Internacional e a proteção dos direitos
fundamentais. São Paulo: Método, 2008.
BRITO, Carlos Ayres. Teoria da constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo:
Saraiva, 2007. v. 1.
BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à
luz do novo CPC, de acordo com a Lei n. 13.256, de 4-2-2016. 2. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2016.
BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela Antecipada. São Paulo: Saraiva, 2004.
CABRAL, Antônio do Passo. A duração razoável do processo e a gestão do tempo no projeto
de novo código de processo civil. In: FREIRE, Alexandre et al (Coords.). Novas tendências
do processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013.
CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil. Tradução de Luiz Abezia e Drina
Fernandez Barbery. Campinas: Bookseller, 1999. v. 3.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 11 ed. rev. e atual. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2014. v. 1.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3 ed.
Coimbra: Almedina, 1998.
CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 1988.
CAPPELLETTI, Mauro. El processo como fenómeno social de masa. In: Processo,
ideologias, sociedade. Buenos Aires: EJEA, 1974.
CAPUTO, Paulo Rubens Salomão. Código de processo civil articulado: remissões,
referências, comentários e notas. 2 ed. Leme, SP: JH Mizuno, 2016.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
CARNELUTTI, Francesco. Diritto e processo. Napoli: Morano, 1958.
CARNELUTTI, Francesco. Lezioni di Diritto Processuale Civile. Padova: CEDAM, 1930.
v. 2.
CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book,
2000. v. 1.
129
CARVALHO NETTO, Menelick de. A hermenêutica constitucional sob o paradigma do
Estado Democrático de Direito. Notícia do Direito Brasileiro, Nova série nº 6. Brasília: Ed.
UnB, jul./dez. 1998.
CASTILHO, Ricardo. Acesso à Justiça: tutela coletiva de direitos pelo Ministério Público.
São Paulo: Atlas, 2006.
CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência:
panorama geral e perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm,
2017.
CASTRO, Marcello Soares. Tutela de urgência e tutela de evidência: limites e possibilidades
de um regime único. In: FREIRE, Alexandre; et al. (Coords.). Novas tendências do processo
civil. Salvador: JusPodivm, 2013.
CATTONI, Marcelo. Direito Processual Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos,
2001.
CAVALCANTI NETO, Antônio de Moura. Estabilização da tutela antecipada antecedente:
tentativa de sistematização. In: COSTA, Eduardo José da Fonseca; GOUVEIA FILHO,
Roberto P. Campos; PEREIRA, Mateus Costa. (Orgs.). Coleção Grandes Temas do Novo
CPC. 1 ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 6.
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de Paolo
Capitanio. 4 ed. Campinas: Bookseller, 2009.
CIANCI, Mirna. As principais reformas do processo civil brasileiro sob o enfoque do
acesso à justiça. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, São Paulo.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido
Rangel. Teoria geral do processo. 31 ed. São Paulo: Malheiros, 2015.
COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011.
CUENCA, Humberto. Processo civil romano. Buenos Aires: E.J.E.A, 1957.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. Fazenda Pública em Juízo. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2016.
DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. v.
2.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual
civil, parte geral e processo de conhecimento. 17 ed. Salvador: JusPodivm, 2015.
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de
processo civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente,
coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: JusPodivm, 2015.
130
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 5 ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 13 ed. rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2001.
DINAMARCO, Cândido Rangel. O princípio do contraditório. In: Fundamentos do
processo civil moderno. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.
DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 2 ed. rev. atual.
São Paulo: Malheiros, 2002. v. 3.
DWORKIN, Ronaldo. O Império do Direito. Tradução de Jeferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 2003.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 27 ed. São Paulo:
Saraiva, 2001.
FIGUEROA, Alfonso Garcia. A teoria do Direito em tempos de Constitucionalismo. In:
RIBEIRO, Eduardo (Coord.). Argumentação e Estado Constitucional. São Paulo: Ícone,
2012.
FUX, Luiz. O novo processo civil. In: FUX, Luiz (Coord.). O Novo Processo Civil
Brasileiro: Direito em Expectativa. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
FUX, Luiz. Tutela da Segurança e Tutela de Evidência: fundamentos da tutela antecipada.
São Paulo: Saraiva, 1996.
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Apelação por instrumento: breve leitura crítica à
proposta apresentada no PLC 8046/2010. In: FREIRE, Alexandre et al (Coords.). Novas
tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013.
GARCIA, Pedro de Vega. Mundialização e Direito Constitucional: a crise do princípio
democrático no constitucionalismo atual. In: Constitucionalismo e Estado. Rio de Janeiro:
Forense, 2006.
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5 ed.
rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009.
GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais do processo: o processo justo. In: Estudos de
direito processual. Campos dos Goytacazes: Editora da Faculdade de Direito de Campos,
2005.
GRECO, Leonardo. O princípio do contraditório. In: Estudos de direito processual. Campos
dos Goytacazes: Editora da Faculdade de Direito de Campos, 2005.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Tutela jurisdicional diferenciada: antecipação e sua
estabilização. In ______. O processo: estudos e pareceres. São Paulo: Perfil, 2005.
131
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de
Flávio Beno Siebneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. v.1.
HESSE, Konrad. Constituição e Direito Constitucional. Tradução de Carlos dos Santos
Almeida. In: ALMEIDA, Carlos dos Santos et al (Orgs.). Temas Fundamentais do Direito
Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009.
JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. Salvador: JusPodvim,
2010.
KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. Conceituação e classificação da antecipação dos
efeitos da tutela, da tutela cautelar e da tutela de evidência. In: FREIRE, Alexandre et al.
(Orgs.). Novas Tendências do Processo Civil - Estudos sobre o Projeto do Novo CPC. 1
ed. Salvador: Juspodivm, 2014. v. 2.
LEONEL, Ricardo de Barros. Tutela jurisdicional diferenciada. São Paulo: Saraiva, 2010.
LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Tutela antecipatória sancionatória. São Paulo:
Malheiros, 2006.
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
LUCON, Paulo Henrique Santos. Tutela provisória na atualidade, avanços e perspectivas:
entre os 20 anos do Art. 273 do CPC de 1973 e a entrada em vigor do Novo CPC. In:
BUENO, Cassio Scarpinella et al (Org.). Tutela Provisória no Novo CPC - dos 20 anos de
vigência do art. 273 do CPC/1973 ao CPC/2015. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2016. v. 1.
LUHMANN, N. O conceito de sociedade. In: NEVES, C. B.; SAMIOS, E. M. B. (Orgs.).
Niklas Luhmann: a nova teoria dos sistemas. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1997.
MACÊDO, Lucas Buril. Precedentes judiciais e o Direito Processual Civil. Salvador:
JusPodivm, 2014.
MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Tradução
de J. Alves de Sá. 2 ed. Lisboa: A. M. Teixeita & Cia, 1927.
MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da tutela. 11 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009.
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2017.
MARINONI, Luiz Guilherme. Da Antecipação da Tutela. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2004.
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil: Comentado
art. por art. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
132
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense,
2003.
MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Teoria geral do processo. Belo Horizonte: Del Rey,
2012.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.
MESQUITA, Eduardo Melo de. As tutelas cautelar e antecipada. São Paulo: Revista dos
Tribuanis, 2002.
MESQUITA, Eduardo Melo de. O princípio da proporcionalidade e as tutelas de
urgência. 2005. 424 f. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2005.
MILHOMENS, Jônatas. Dos Prazos e do Tempo no CPC. Rio de Janeiro: Forense, 1981.
MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
MITIDIERO, Daniel. Comentário ao artigo 311. In: DIDIER JR., Fredie et al (coords).
Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais.
MITIDIERO, Daniel. Antecipação de tutela: da tutela cautelar à técnica antecipatória. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
MÜLLER, Friedrich. Teoria Estruturante do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8 ed. Salvador:
JusPodivm, 2016.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado.
Salvador: JusPodivm, 2016.
OLIVEIRA NETO, Olavo. Princípio da fundamentação das decisões judicias. In: OLIVEIRA
NETO, Olavo; LOPES, Maria Elizabeth Castro (orgs.). Princípios processuais civis na
Constituição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
ORIONE NETO, Luiz. Processo Cautelar. São Paulo: Saraiva, 2004.
OST, François. O tempo do direito. Tradução de Élcio Fernandes. Bauru: Edusc, 2005.
OTEIZA, Eduardo. Abuso de los derechos procesales en America Latina. In: BARBOSA
MOREIRA, José Carlos. Abuso dos direitos processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa Julgada Civil. Rio de Janeiro: AIDE, 1998.
RAMOS, Gisela Gondim. Princípios Jurídicos. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
133
RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2 ed.
rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
RIBEIRO, Luiz Filipe et al. Novo CPC: principais alterações. Teresina: Dinâmica Jurídica,
2016.
ROSITO, Francisco. Direito probatório: as máximas de experiência em juízo. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2007.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. 3 ed. São
Paulo: Cortez, 2011.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva.
SARMENTO, Daniel. Os Princípios Constitucionais e a Ponderação de Bens. 2 ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2004.
SICA, Heitor Vitor Mendonça. Velhos e novos institutos fundamentais do direito processual
civil. In: YARSHELL, Flávio Luiz; ZUFELATO, Camilo (Coords.). Teoria geral do
processo: 40 anos. São Paulo: Saraiva, 2013.
SILVA, Joao Paulo Hecker da. Tutela de Urgência e Tutela da Evidência nos Processos
Societários. Tese de Doutoramento. São Paulo: Universidade de São Paulo – USP, 2012.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 39 ed. São Paulo:
Malheiros, 2016.
SILVA, Natália Diniz da. Estabilização da tutela jurisdicional diferenciada. 2014. 227 f.
Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, Direito Processual, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2014. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-
20012015-093529/pt-br.php>. Acesso em: 04 fev. 2017.
SILVA, Ovídio Baptista da. Da sentença liminar à nulidade da sentença. Rio de Janeiro:
Forense, 2002.
SILVA, Ovídio Baptista da. O contraditório das ações sumárias. Da sentença liminar à
nulidade da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
SILVA, Ovídio Baptista da. Processo de conhecimento e procedimentos especiais. In:
WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Orgs.). Doutrinas
essenciais – Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v. 2.
SILVA, Virgílio Afonso da; MENDES, Conrado Hübner. Habermas e a Jurisdição
Constitucional. In: TERRA, Ricardo; NOBRE, Marcos (orgs.). Direito e Democracia: um
guia de leitura. São Paulo, Malheiros Editores, 2008.
TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Traducción de Jordi Ferrer Beltrán. Madrid:
Trotta, 2002.
134
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do
direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57 ed. rev., atual.
e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. 1.
TISCINI, Roberta. I provvedimenti decisori senza accertamento. Torino: G. Giappichelli,
2009.
TROCKER, Nicolò. Il nuovo articolo 111 della costituzione e il “giusto processo” in
materia civile: profili generali. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Milano:
Giuffrè Editore, 2001.
TUCCI, José Rogério Cruz e (coord.). Garantia do contraditório. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999.
TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004.
TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
VERDÚ, Pablo Lucas. O Sentimento Constitucional: aproximação ao estudo do sentir
constitucional como modo de integração política. Tradução de Agassiz Almeida Filho. Rio de
Janeiro: Forense, 2006.
WALTER, Gerhard. Libre apreciación de la prueba: investigación acerca del significado,
las condiciones y límites del libre convencimiento judicial. Bogotá: Temis, 1985.
WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coords.). Temas essenciais
do novo CPC: análise das principais alterações do sistema processual civil brasileiro. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2 ed. Campinas: Bookseller, 2000.
YARSHELL, Flávio Luiz e Abdo, Helena. As questões não tão evidentes sobre a tutela de
evidência. In: BUENO, Cassio Scarpinella et. al. (Coords.). Tutela Provisória no novo CPC:
dos 20 anos de vigência do art. 273 do CPC/1973 ao CPC/2015. São Paulo: Saraiva, 2016.
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação de Tutela. 2 ed. São Paulo: Saraiva 1999.
PERIÓDICOS E JORNAIS
ARAÚJO, José Aurélio de. Introdução ao sistema de tutelas cognitivas sumárias do Projeto
do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais,
2012, ano 37, v. 206, p. 213-214.
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O Valor constitucional dos direitos de defesa:
jurisdição e constituição. JP – Jornal da Pós-Graduação em Direito da FD – UFMG, Belo
Horizonte, ano 2, n. 12, maio 2012.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Por um processo socialmente efetivo. Revista de
Processo, São Paulo, v. 27, n. 105, p. 183-190, jan./mar. 2002.
135
BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos e. A insurreição da aldeia global contra o
processo civil clássico: apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio
ambiente e do consumidor. BDJur, Brasília, DF. Disponível em:
<http://bdjur.stj.jus.br//dspace/handle/2011/8688>. Acesso em: 05 maio 2017.
CALHEIROS, R. Mensagem do Senado encaminhando o projeto de Novo Código de
processo civil aprovado para promulgação. Brasília, DF: Senado Federal, 2010
COELHO, Paulo Magalhães da Costa. É possível a construção de uma hermenêutica
constitucional emancipadora na pós-modernidade? In: Revista do Instituto de Pesquisas e
Estudos, n. 44 set./dez. 2005. Bauru: Instituição Toledo de Ensino.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. Tutela Jurisdicional de Urgência - Relatório Nacional
(Brasil). Civil Procedure Review, v. 4, Special Edition: 263-309, 2013, p. 290. Disponível
em:
<http://www.civilprocedurereview.com/busca/baixa_arquivo.php?id=78&embedded=true>
Acesso em 28 de abril de 2017.
DANTAS, Ivo. Direito processual constitucional e direito constitucional processual: um
debate em aberto. In: Revista Acadêmica, v. 85, n. 2, 2013.
DELGADO, José Augusto. Acesso à justiça: um direito da cidadania. Informativo Jurídico
da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, Brasília, v. 9, n. 2, p. 11-32, jan./jun. 1997.
DIDIER JR., Fredie. Sistema brasileiro de precedentes judiciais obrigatórios e os deveres
institucionais dos tribunais: uniformidade, estabilidade, integridade e coerência da
jurisprudência. Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, v. 18, n. 36, p.
114-132, dez. 2015.
FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, Brasília, ano 2, n. 16, p. 23-43, abr. 2000. Disponível em:
<http://bdjur.stj.jus.br//dspace/handle/2011/894>. Acesso em: 23 fev. 2017.
GRECO, Leonardo. A tutela da urgência e a tutela da evidência no código de processo civil
de 2014/2015. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, ano 8, v. 14, n. 1.
ISAIA, Cristiano Becker. Processo civil constitucionalizado e resposta correta: o modelo
democrático-sumarizado de processo na sociedade em rede. In: NOVAIS, Fabricio Muraro;
OLIVEIRA, Francisco Cardozo; KEMPFER, Marlene (Orgs.). Processo e Jurisdição II
(Organização CONPEDI/UNINOVE). 1 ed. Florianópolis: FUNJAB, 2014, p. 148-169.
MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi de Medeiros. Negócio Processual acerca da
distribuição do Ônus da Prova. RT 241, p. 463-487, mar. 2015.
MACÊDO, Lucas Buril. Antecipação da Tutela por Evidência e os Precedentes obrigatórios.
Revista do Processo, v. 242, p. 523-552, abr. 2015.
MARCATO, Antônio Carlos. Preclusões: Limitação ao Contraditório? Revista de Processo,
São Paulo, ano 5, n. 17, 1980.
136
MITIDIERO, Daniel. Precedentes, Jurisprudência e Súmulas no Novo Código de Processo
Civil Brasileiro. Revista do Processo, ano 40, v. 245, jul. 2001.
MITIDIERO, Daniel. Tendências em matéria de tutela sumária: da tutela cautelar à técnica
antecipatória. Revista do Processo, ano 36, v. 197, jul. 2011.
NOGUEIRA, Vânia Márcia Damasceno. O movimento mundial pela coletivização do
processo e seu ingresso e desenvolvimento no direito brasileiro. De Jure: revista jurídica do
Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 12, p. 325-348, jan./jun.
2009.
NUNES, Dierle. Novo enfoque para as tutelas diferenciadas no Brasil? Diferenciação
procedimental a partir da diversidade de litigiosidade. Revista de Processo, São Paulo, ano
35, n. 184, p. 109-140, jun. 2010.
NUNES, Donizetti Elpídio. O processo como meio de efetivação dos direitos fundamentais.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 51, n. 81, p.
195-204, jan./jun.2010.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Perfil dogmático da tutela de urgência. Revista da
Ajuris, Porto Alegre, n. 70, jul. 1997.
OTEIZA, Eduardo. El debido proceso y su proyección sobre el proceso civil en América
Latina. Revista de Processo, São Paulo, ano 34, n. 173, jul. 2009.
PEÑA, Eduardo Chemale Selistre. Cognição no processo civil - conceituação. Revista
Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 4, n. 160, 17 de maio de 2004.
PERROT, Roger. O processo civil francês na véspera do século XXI. Tradução de José Carlos
Barbosa Moreira. Revista de Processo, São Paulo, ano 23, n. 91. jul./set. 1998.
PISANI, Andrea Proto. Verso la residualità del processo a cognizione piena? Revista de
Processo, São Paulo, v. 31, n. 131, p. 239-249, jan. 2006.
PONTES, Daniel de Oliveira. A tutela de evidência no novo Código de Processo Civil: uma
gestão mais justa do tempo na relação processual. Revista de Processo, São Paulo, ano 41, v.
261, p. 341-368, nov. 2016.
PRUDENTE, Antônio Souza. A tutela coletiva e de evidência no Juizado Especial Federal
Cível e o acesso pleno à Justiça. Revista CEJ, Brasília, v 7, n. 21, p. 92-97, jun. 2003.
REGLA, Josep Aguiló. Do Império da Lei ao Estado Constitucional: Dois paradigmas
jurídicos em poucas palavras. Tradução de Eduardo Moreira. Revista Jurídica - Faculdade
Nacional de Direito da UFRJ, Rio de Janeiro, n. 4, maio 2010.
SCHENK, Leonardo Faria. Contraditório e cognição sumária. Revista Eletrônica de Direito
Processual (REDP), v. 13, 2014.
137
TALAMINI, Eduardo. Tutela de urgência no projeto de novo código de processo civil: a
estabilização da medida urgente e a „monitorização‟ do processo civil brasileiro. In: Revista
de Processo, v. 209, 2012.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Alguns reflexos da Emenda Constitucional 45, de
08.12.2004, sobre o processo civil. Revista de Processo, São Paulo, n. 124, jun. 2005.
THEODORO JÚNIOR, Humberto; ANDRADE, Érico. A autonomização e a estabilização da
tutela de urgência no projeto de CPC. Revista de Processo, v. 206, abr. 2012.
VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. O pressuposto, o requisito e a condição na teoria geral
do direito e no direito público. Revista da faculdade de direito da Universidade Federal de
Minas Gerais, v. 21, n. 13, p. 185-202, out. 1973. Disponível em
<http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/948>. Acesso em:
10/02/17.
VITOVSKY, Vladimir Santos. O acesso à justiça no novo código de processo civil:
continuidades, inovações e ausências. Revista CEJ, Brasília, ano 19, n. 67, p. 7-17, set./dez.
2015.
SÍTIOS ELETRÔNICOS
BRASIL. Os 13 Principais Pontos do Novo Código de Processo Civil. Disponível em
<http://senadofederal.tumblr.com/post/105602565077/os-13-principais-pontos-do-novo-
codigo-de-processo>. Acesso em 09 set. 2016.
SALGADO, Gisele Mascarelli. Tempo morto no processo judicial brasileiro. 2007 -
Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3837/Tempo-morto-no-
processo-judicial-brasileiro>. Acesso em: 16 set. 2016.
STRECK, Lenio Luiz; DELFINO, Lúcio; SOUSA, Diego Crevelin de. Tutela provisória e
contraditório: uma evidente inconstitucionalidade. 2017. In: Revista Consultor Jurídico.
Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-mai-15/tutela-provisoria-contraditorio-
evidente-inconstitucionalidade> Acesso em: 19 mai. 2017.
OUTRAS REFERÊNCIAS
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua
portuguesa. 3 ed. total. rev. ampl. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1999.