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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES
CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS
CARLOS AURICELLI C. CIRINO
O ENSINO DA ARTE: A EXPERIÊNCIA COMO PROFESSOR INICIANTE E SEUS
DESAFIOS
ORIENTADOR: PROF. ME. JOSÉ VERÍSSIMO DE SOUSA
NATAL
2015
CARLOS AURICELLI C. CIRINO
O ENSINO DA ARTE: A EXPERIÊNCIA COMO PROFESSOR INICIANTE E SEUS
DESAFIOS
Trabalho de Conclusão de Curso II, sob a orientação do
Prof. Me. José Veríssimo de Sousa, apresentado à
Universidade Federal do Rio Grande do Norte como
requisito parcial para obtenção do título de Licenciatura
Plena em Artes Visuais.
NATAL
2015
Carlos Auricelli C. Cirino
O ENSINO DA ARTE: A EXPERIÊNCIA COMO PROFESSOR INICIANTE E SEUS
DESAFIOS
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
Prof. Me. José Veríssimo de Sousa - orientador
______________________________________
Prof. Dr. Vicente Vitoriano Marques Carvalho
Departamento de Artes – UFRN
______________________________________
Prof.ª. Dr.ª. Evanir de Oliveira Pereira
Departamento de Artes – UFRN
AGRADECIMENTOS
A minha família, meu pai José Carlos Cirino e minha mãe, Maria Avaní
Celestino Cirino, por confiar no meu trabalho e ter me educado nos caminhos
corretos da vida.
Agradeço ao meu orientador José Veríssimo de Sousa por me ajudar e
aceitar o desafio de escrever comigo este TCC. Por esclarecer e tirar dúvidas que
até então, permeavam a minha cabeça para o desenvolvimento deste trabalho e por
toda a paciência para comigo.
Agradeço também a Maria das Graças, minha prima, pela ajuda logo no
início de minha vida na universidade, sem seu apoio não teria conseguido chegar
aonde cheguei.
Aos meus amigos, Gelmária Rodrigues e Josemar Carvalho por toda
preocupação e atenção para comigo na ajuda extra no desenvolvimento deste
trabalho.
A Nilson Morais, pela oportunidade de trabalhar com o ensino de desenho
durantes todos estes anos.
Aos meus professores, Vicente Vitoriano, Maria do Mar, Everardo Ramos,
Verônica Lima, José Veríssimo, Evanir Pereira e aos meus colegas de turma, me
ajudaram a compreender o que realmente sou enquanto artista.
DEDICATÓRIA
A Maria das Graças, Gelmária Rodrigues e Josemar Carvalho, por
ajudarem no momento que mais precisei.
RESUMO
Este trabalho de conclusão de curso tem por finalidade relatar a experiência vivida
por mim, Carlos Auricelli Celestino Cirino como professor iniciante do ensino regular
de artes durante o ano de 2015, na instituição de ensino Colégio Encanto Unidade I.
Neste trabalho relato a experiência como professor de desenho e na análise das
vivências em sala de aula enquanto professor regular do ensino de artes, as
dificuldades encontradas durante esse percurso e os acertos obtidos na tentativa de
ensinar arte. Cito também a abordagem pedagógica voltada ao ensino da arte, com
base na Proposta Triangular desenvolvida por Ana Mae Barbosa, os Parâmetros
Curriculares Nacionais, PCN de Arte e suas Políticas Públicas. O objetivo deste
trabalho não é o de criticar a maneira como o ensino da arte é tratado no Brasil, mas
sim relatar a minha experiência e estratégias que desenvolvi para atuar em sala de
aula e ministrar a disciplina de artes sem os recursos necessários para tal.
Palavras-chave: arte, ensino, metodologia triangular, desafios.
ABSTRACT
This course conclusion work aims to report the experience for me, Carlos Celestino
Auricelli Cirino as a beginner teacher's regular arts education during the year 2015,
the College educational institution Encanto Unidade I. This paper reports the
experience as a teacher design and analysis of experiences in the classroom while
regular arts education teacher, the difficulties encountered during this journey and
the successes obtained in an attempt to teach art. Also cite the pedagogical
approach focused on art education, based on the Triangular Proposal developed by
Ana Mae Barbosa, the National Curriculum Parameters, Art NCP and its Public
Policy. The objective of this study is not to criticize the way the art education is
treated in Brazil, but rather to report my experience and strategies developed to work
in the classroom and teach the discipline of arts without the necessary resources to
do so.
Keywords: art, education, triangular methodology, challenges.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - aula de desenho na instituição Nil Ateliê e Galeria de Arte ....................... 30
Figura 2 - desenho do aluno Daniel. Nil Ateliê e Galeria de Arte .............................. 30
Figura 3 - trabalho em aquarela da aluna Ana Cláudia ............................................. 31
Figura 4 - trabalho em aquarela da aluna Sandra ..................................................... 31
Figura 5 - capa de uma das edições da coleção Pinacoteca Caras .......................... 32
Figura 6 - imagens de obras de vários artistas de coleção Pinacoteca Caras .......... 32
LISTA DE ABREVIATURAS
DBAE - Disciplined-based Art Education
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
GUAP – Grupo Universitário de Aquarela e Pastel
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
MAC – Museu de Arte Contemporânea
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PPP – Projeto Político Pedagógico
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Sumário
1 – INTRODUÇÃO .................................................................................................... 11
1.1 Entendendo A Proposta Triangular .................................................................. 12
1.2 As Políticas Públicas e o PCN para o ensino de Artes .................................... 14
2 - O DESAFIO DA SALA DE AULA; PARTINDO PARA O ENSINO DE ARTE ....... 16
2.1 O ensino regular de arte, aplicando as teorias metodológicas ......................... 18
2.2 A vivência pedagógica ..................................................................................... 22
2.2.1 Vivência pedagógica trabalhando a Proposta Triangular ........................... 23
2.3 Saindo da rotina, a proposta da oficina de desenho ........................................ 24
3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 26
4 – REFERÊNCIAS ................................................................................................... 29
ANEXOS ................................................................................................................... 30
11
1 – INTRODUÇÃO
O presente trabalho de conclusão de curso tem como meta trazer
algumas discussões do ensino da arte, a partir da experiência do Estágio de
Docência do Curso de Licenciatura em Artes Visuais. O estudo visa discutir a
maneira como os professores, muitas vezes, têm que lidar com desafios ao ensinar
a disciplina de Artes Visuais em diversas instituições. Entre as dificuldades mais
comuns, a falta de material e/ou instituições de ensino sem infraestrutura adequada
para trabalhar. Tal trabalho de conclusão é de metodologia qualitativa com base em
uma vivência pessoal e autocrítica. Como principal autora para realização desta
pesquisa será utilizada Ana Mae Barbosa, a partir de a proposta triangular.
No ano de 2015, eu Carlos Auricelli Celestino Cirino trabalhei na
instituição de ensino Colégio Encanto Unidade I, situado na Rua Praça Caucaia,
4434, Conjunto Potengi, Natal/RN, como professor regular do ensino de artes nas
turmas do fundamental II. A pesquisa deste trabalho é baseada na vivência por mim
adquirida na atividade de professor e nos desafios que tive nas turmas do
fundamental II, pelas quais fiquei responsável.
Durante este ano letivo, como professor iniciante utilizei metodologias
pedagógicas vistas durante o curso de Licenciatura Plena em Artes Visuais na
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, e suas aplicações em sala
de aula. Busquei aplicá-las e adaptá-las de maneira coerente com a didática
pedagógica e o Projeto Político Pedagógico – PPP da escola, na expectativa de
obter bons resultados no ensino da arte.
Na primeira parte deste trabalho, faço uma descrição do método
pedagógico sistematizado por Ana Mae Barbosa chamado de Proposta Triangular,
como e o porquê dessa proposta ter sido criada, em que a mesma foi inspirada e
busco entender como que a Proposta Triangular pode ajudar no ensino da arte. Num
segundo momento, abordo os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, voltado ao
ensino de arte e suas Políticas Públicas. Discuto as exigências e normas
estabelecidas por lei nos anos de 1973 para o ensino de arte e faço uma análise da
realidade vivida neste ano letivo na instituição Colégio Encanto.
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Na segunda parte do trabalho, trago as vivências por mim
experimentadas durante o primeiro e segundo semestres deste ano, as abordagens
pedagógicas utilizadas, baseadas nos autores Paulo Freire, Célestin Freinet e por
fim Ana Mae Barbosa, os desafios de lecionar pela primeira vez como professor
regular e as estratégias que adquiri como tentativa de ministrar uma aula de artes
bem sucedida, na qual o aluno entenda o significado da arte e suas possibilidades
na vida e cultura de tal aluno, a quebra da rotina com a oficina de desenho criada
pelos alunos do oitavo ano e coordenada por mim e o que obtivemos até agora com
tal oficina.
Por fim, finalizo o trabalho com uma reflexão de todo o caminho
percorrido neste ano letivo, o que pude fazer de bom como professor de arte, se as
metodologias que utilizei surtiram efeito no aprendizado dos alunos, o que a oficina
de desenho representou, as expectativas futuras para continuar na profissão e o que
posso retirar de aprendizado dos erros cometidos nestes dois semestres de 2015.
1.1 Entendendo A Proposta Triangular
Sistematizada por Ana Mae Barbosa entre os anos de 1987 – 1993, a
Proposta Triangular foi testada no Museu de Arte Contemporânea (MAC) no estado
de São Paulo por uma equipe de professores com crianças, adolescentes e adultos
sem conhecimento em arte e visava estimulá-los a fazerem uma leitura das obras
contidas no acervo do museu. Tal proposta de análise buscava a leitura das
imagens pelos interlocutores e o entendimento dos mesmos sobre as obras lhes
apresentadas procurando viabilizar uma metodologia de ensino da arte.
Em nossa vida diária, estamos rodeados por imagens impostas pela mídia, vendendo produtos, ideias, conceitos, comportamentos, slogans políticos etc. Como resultado de nossa incapacidade de ler essas imagens, nós aprendemos por meio delas inconscientemente. A educação deveria prestar atenção ao discurso visual. Ensinar a gramática visual e sua sintaxe através da arte e tornar as crianças conscientes da produção humana de alta qualidade é uma forma de prepará-las para compreender e avaliar todo tipo de imagem, conscientizando-as de que estão aprendendo com estas imagens. (BARBOSA, 1998, p. 17).
Essa incapacidade de ler as imagens e o aprendizado inconsciente citado
por Barbosa, a levaram a desenvolver uma prática metodológica para uma leitura
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mais adequada das imagens. Influenciada nos movimentos das Escuelas al Aire
Libre do México, os Critical Studies da Inglaterra e a proposta da Disciplined-based
Art Education (DBAE), dos EUA, a Proposta Triangular surgiu como tal em 1991 e
trazia uma sistematização para o ensino aprendizagem: a leitura da imagem, sua
contextualização e o fazer artístico.
A leitura da imagem consiste na observação por parte do interlocutor para
que o mesmo registre mentalmente essa imagem em todas as suas nuances
perceptíveis como cores, formas e a disposição dos elementos na composição. A
partir daí, inicia-se a sua contextualização, o período histórico da qual a imagem faz
parte e a importância desta para a arte. Passamos então ao fazer artístico, no qual
os interlocutores podem realizar a sua própria obra ou mesmo uma releitura a partir
das práticas artísticas, seja na pintura, na música ou mesmo no teatro.
Em sua dissertação de mestrado, Eliza Muniz Barretto de Carvalho,
descreve um resumo de cada um dos movimentos mencionados acima, que
inspiraram a Proposta Triangular de Barbosa. Ela resume um dos movimentos da
seguinte forma:
“[...] o programa de ensino de arte denominado DBAE (arte-educação entendida como disciplina), elaborado pelos pesquisadores Elliot Eisner, Brent Wilson, Ralph Smith e Marjorie Wilson, dentre outros, e patrocinada pelo Getty Center for Education in the Arts, no fim da década de 1970. Esse programa resultou de uma pesquisa encomendada pelo Getty Center, que apontou uma grande queda na qualidade do ensino de arte nas escolas dos EUA,[...]” (CARVALHO, 2007, p. 35).
Essa queda se deu pela “perda do status do ensino de arte perante as outras áreas
do conhecimento no currículo escolar” (CARVALHO apud RIZZI, 1999, p. 40) e
complementa:
“O DBAE pressupõe que, para o ensino de arte ser eficiente e de qualidade, é necessária a interação de quatro campos de conhecimento distintos: produção artística — uso de meios materiais pela criança para transmitir ideias, imagens e sentimentos; história da arte — compreensão das relações entre arte e conceitos estéticos das diferentes épocas; estética — reflexão sobre a qualidade das obras de arte e do mundo visual, bem como a filosofia da arte; e crítica — julgamentos sobre a expressão artística através do ato de ver e descrever o mundo visual.” (CARVALHO, 2007, p. 35-36).
Esses quatros fundamentos reforçam a ideia da Proposta Triangular, que
é uma adaptação da DBAE de ver, contextualizar e apreciar a obra de arte e servem
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como base para um programa de arte em qualquer instituição de ensino que “deve
partir da convicção de que a arte não é apenas ornamento, e sim uma parte do
patrimônio cultural, por isso merece a mesma atenção que outras disciplinas no
currículo escolar”. (CARVALHO, 2007, p. 36).
O desafio para nós enquanto professores consiste em desmistificar a
ideia equivocada de que o ensino de arte não é tão importante ou não se faz tão
necessária quanto às demais disciplinas dentro do currículo escolar das instituições
de ensino. A Proposta Triangular segundo CARVALHO, 2007, se sustenta nos três
eixos já mencionados; o fazer, a leitura e sua contextualização, como métodos de
aprendizagem da arte, que proporciona ao aluno conhecer, criticar e realizar seu
próprio trabalho artístico, podendo trazer essa releitura a sua realidade.
1.2 As Políticas Públicas e o PCN para o ensino de Artes
Desde a transformação do ensino de arte no século XX, CARVALHO,
2007, p. 23 e da criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, o ensino de
arte passou a ser obrigatório nas instituições de ensino do fundamental ao médio.
Segundo o PCN de 1998:
Após muitos debates e manifestações de educadores, a atual legislação educacional brasileira reconhece a importância da arte na formação e desenvolvimento de crianças e jovens, incluindo-a como componente curricular obrigatório da educação básica. No ensino fundamental a Arte passa a vigorar como área de conhecimento e trabalho com as várias linguagens e visa à formação artística e estética dos alunos. A área de Arte, assim constituída, refere-se às linguagens artísticas, como as Artes Visuais, a Música, o Teatro e a Dança.
Fica claro que a Arte como conhecimento humano se divide nas
modalidades de ensino já citadas acima; artes visuais, música, teatro, dança e
requer qualificação apropriada a cada uma das competências. Francisco Potiguara
Cavalcante Junior, Coordenador-Geral de Política do Ensino Médio – Ministério da
Educação; Secretaria de Educação Básica; Departamento de Política do Ensino
Médio em documento referente a Políticas Públicas e o Ensino da Arte, publicado na
XV Congresso Nacional da Federação de Arte-Educadores do Brasil – Confaeb:
Trajetória Políticas de Ensino da Arte no Brasil, 2006, aponta questionamentos e
discute a triste realidade do ensino de arte no Brasil. Em seus apontamentos ele diz:
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Alguns consensos possíveis já existem e estão explicitados nas leis que regem a Educação Nacional e em publicações que, oficiais ou não, definem os eixos norteadores de uma prática docente competente e emancipadora, como bem demonstram os princípios norteadores da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância; V – coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII – valorização do profissional da educação escolar; VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX – garantia de padrão de qualidade; X – valorização da experiência extra-escolar; XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. (JUNIOR, 2006, p. 108).
Esses norteadores descritos por Junior seriam o apoio necessário aos
professores na tentativa de auxiliá-los em seus ensinamentos. Ele ainda nos fala:
“Na ausência de professor de artes, entra o professor de História, com o desafio de
desenvolver competências e habilidades numa área, a princípio, distante da sua
formação inicial.” (JUNIOR, 2006, p. 108). Problema não tão comum hoje em dia,
mas que permeou o ensino da arte por alguns anos, pela falta de profissionais
capacitados. Lembro que quando eu estudava ainda pequeno, as professoras de
pedagogia eram responsáveis por ensinar arte e as aulas resumiam-se em
brincadeiras e joguinhos. Essa falta de profissionais na área de artes prejudicou o
ensino nas escolas durante muito tempo.
Voltando um pouco na história, nos anos de 1971, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação/ LDB reformulou e modificou a estrutura de ensino e passou a
incluir o ensino de arte no currículo escolar como atividade educativa sob a
denominação de Educação Artística, a ser desenvolvida por um professor
polivalente, (CARVALHO, 2007, p. 30). A falta de profissionais qualificados na área
fez com que em 1973, fossem criados cursos com duração de dois anos na tentativa
de capacitar professores de arte. O resultado foi “o despreparo teórico-metodológico
dos educadores formados nessa licenciatura promoveu um aligeiramento do saber
artístico...” (CARVALHO, 2007, p. 31).
Esse aligeiramento ineficiente do ensino de arte gerou, “[...] uma
educação estética descartável, um fazer artístico pouco sólido e um apreciador de
arte despreparado” (CARVALHO apud BARBOSA, 1984, p. 88).
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Com a criação do PCN, o ensino de arte pretende proporcionar a
exteriorização dos aspectos essenciais da criação e percepção estética dos alunos,
contribuindo para uma formação de estudantes, capazes de:
expressar, representar ideias, emoções, sensações por meio da articulação de poéticas pessoais, desenvolvendo trabalhos individuais e grupais;
reconhecer, diferenciar e saber utilizar com propriedade diversas técnicas de arte, com procedimentos de pesquisa, experimentação e comunicação próprios;
conhecer, relacionar, apreciar objetos, imagens, concepções artísticas e estéticas — na sua dimensão material e de significação —, criados por produtores de distintos grupos étnicos em diferentes tempos e espaços físicos e virtuais, observando a conexão entre essas produções e a experiência artística pessoal e cultural do aluno;
conhecer e situar profissões e os profissionais de Artes Visuais, observando o momento presente, as transformações históricas já ocorridas, e pensar sobre o cenário profissional do futuro. (PCN, 1998, p. 65-66)
Esses são apenas alguns dos muitos termos e exigências que o PCN de
Artes tem como diretrizes na formação de cidadãos capazes de entender como é e a
relevância que a arte tem em suas vidas e culturas. Mas para tanto se faz
necessário que as escolas estejam preparadas tanto em estrutura quanto em
capacidade profissional. O desenvolvimento cultural do aluno em ações que
integram o perceber, o pensar, o aprender, o recordar, o imaginar, o sentir, o
expressar, o comunicar, através de produções artísticas, a apreciação dos seus
trabalhos bem como de seus colegas mediante a elaboração de ideias, sensações,
hipóteses e esquemas pessoais só poderão ser obtidos, com tempo e estruturas
dignas de um ensino de artes de qualidade.
2 - O DESAFIO DA SALA DE AULA; PARTINDO PARA O ENSINO DE ARTE
No ano de 2015, eu Carlos Auricelli Celestino Cirino, fiquei responsável
pelo ensino de Artes nas turmas do fundamental II no Colégio Encanto Unidade I,
localizado na Rua Praça Caucaia, 4434, Conjunto Potengi, Natal/RN. Essa foi a
minha primeira experiência como professor regular, já que nos estágios obrigatórios
exigidos pela faculdade, trabalhei por meio de oficinas de desenho. Essas oficinas
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foram prestadas na instituição Nil Ateliê e Galeria de Artes, localizada na Rua
Professor Antônio Campos, 1873, Lagoa Nova, Natal/RN. Nessa instituição privada
voltada para alunos de várias idades trabalhei em dois dos três estágios exigidos
pela universidade. No terceiro estágio, trabalhei em conjunto com mais dois colegas
de turma, na Escola Estadual Isabel Gondim, Rua Cel. Avelino Freire, S/N – Rocas,
Natal/RN, também através de oficinas de desenho. Nesta última, estimulávamos os
alunos a praticarem sua criatividade através do desenho, pedindo para que os
mesmos fizessem esses trabalhos de maneira livre e com uma visão da sua
realidade e de seu mundo.
Os resultados foram trabalhos que mostravam as preferências de cada
aluno, como por exemplo, a música com ilustrações de pessoas dançando em um
baile funk, com detalhes como caixas de som, bancada com DJ, colorização de
luzes artificiais como as vistas em shows do gênero, além de letreiros que lembram
o grafite, expressão artística muito comum na contemporaneidade. Trabalhos que
com certeza expressão o dia-a-dia dos alunos e sua convivência com tais
movimentos culturais. A escola Izabel Gondim, não dispunha de um ateliê para
prática e estudo da arte durante o estágio supervisionado. Todo material utilizado
pelos alunos foram doação da professora Evanir Pinheiro, nossa orientadora
responsável pelo estágio.
No Nil Ateliê e Galeria de Artes a proposta era de fazer com que a criança
trabalhasse o desenho e a colorização por meio de lápis de cor, de maneira
acadêmica, seguindo as regras de proporções, de não ultrapassar as linhas do
desenho na hora de colorir, mas ao mesmo tempo estimulando-as a irem aos
poucos criando seus próprios trabalhos.
Em todos os estágios a prática do desenho serviu como metodologia de
ensino. Não nos baseamos em técnicas pedagógicas definidas. A tentativa, com
exceção do trabalho realizado no Nil Ateliê, era de estimular a criatividade e o
interesse dos alunos pela prática do desenho, sem nenhuma menção a períodos
históricos da arte ou da arte em si.
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2.1 O ensino regular de arte, aplicando as teorias metodológicas
Partindo do principio pedagógico de FREIRE (2003), em meu primeiro
momento com as turmas regulares as quais fiquei responsável no ano de 2015,
busquei entender seus conhecimentos básicos em relação às artes. Procurei
conhecer os alunos sobre o que os mesmos tinham a dizer a respeito da arte por
meio de conversas informais, suas preferências e gostos pessoais, o que lhes
chamava a atenção na disciplina e a importância da arte nas suas vidas. Pedi
também para que escrevessem um texto relatando seus conhecimentos em artes, as
experiências com outros professores da disciplina, se já haviam tido a oportunidade
de visitar museus ou galerias, se tinham alguma prática com desenho, pintura,
colagens, etc. A unanimidade nas respostas foi de que “arte é legal” e que é algo
importante.
Com base nessas respostas comecei o ensino de Arte pela sua parte
histórica, buscando atualizá-los e situá-los contextualmente dos acontecimentos que
levaram a arte ao status de importância para a humanidade. Junior cita um
fragmento do autor Gombrich que diz:
Nada existe realmente a que se possa dar o nome de arte. Existem somente artistas. Outrora, eram homens que apanhavam um punhado de terra colorida e com ela modelavam toscamente as formas de um bisão na parede de uma caverna; hoje, alguns compram suas tintas e desenham cartazes para os tapumes; eles faziam e fazem muitas outras coisas. Não prejudica ninguém dar o nome de arte a todas essas atividades, desde que se conserve em mente que tal palavra pode significar coisas muito diversas, em tempos e lugares diferentes, e que arte com A maiúsculo não existe. (JUNIOR apud GOMBRICH, 2006, p. 109).
Esse status que a arte assumiu com o passar dos anos, valorizou a
história da humanidade, pois as pirâmides egípcias por si só, já são admiráveis, mas
foi através das pinturas e da escrita hieroglífica dos seus antepassados, e os
estudos sobre essa escrita que podemos entender como a sociedade da época
viveu a milhares de anos atrás. Eu costumo dizer aos meus alunos que arte é uma
forma pictórica de retratar o passado mesmo antes da invenção da fotografia. Assim
as aulas de arte sempre faziam alguma associação com a disciplina de História.
Porém, segundo Freire; “A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da
relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blablablá e a prática,
ativismo”. (FREIRE, 2003, p. 11). A abordagem por mim seguida acima tornou as
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aulas de Arte parecida com as demais, transmissão de conhecimento associado a
algo que os alunos já haviam visto em algum momento. Os alunos me indagaram se
as aulas de arte seguiriam a mesma metodologia das outras disciplinas,
perguntaram se não iriamos desenhar ou mesmo pintar alguma coisa.
Devido ao regime interno da escola, cujo objetivo é de preparar o aluno
para o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM fui instruído a passar conteúdo de
maneira que os alunos fizessem uma prova regular como a qualquer outra disciplina
no intuito de prepará-los para prestarem concurso algum dia. Dessa forma cometi o
equivoco de cair no blábláblá e no ativismo tornando a sala de aula dispersa e os
alunos desmotivados para as aulas de Arte.
Freire nos mostra que ensinar não é transmitir conhecimento, pois no
momento em que se ensina se aprende e vice-versa. Meu método pedagógico de
transmitir o ensino de Arte relacionando-o com a História, estava se tornando um
transmissor de conhecimento. Era necessário fazê-los entender que a arte não é
somente uma ramificação da história. “[...] quanto mais criticamente se exerça a
capacidade de aprender tanto mais se constrói e se desenvolve o que venho
chamando ‘curiosidade epistemológica’, sem a qual não alcançamos o
conhecimento cabal do objeto”. (FREIRE, 2003, p. 13). Passei então à autocrítica, e
me perguntar onde estava errando no exercício da função como professor de arte.
Surgia então a tentativa de ensinar arte através de exposições de obras
dos grandes mestres seguindo a ideia da Proposta Triangular de Barbosa. Meu
primeiro contato com a Proposta Triangular foi dentro da universidade durante o
curso de licenciatura em Artes Visuais. Como já fora mencionado a proposta de
Barbosa se baseia no princípio de ver, ler e fazer. Essa mudança da prática
pedagógica fez-se necessária na tentativa de prender a atenção dos alunos, que
estavam dispersos e sem motivação para as aulas de arte. Se o que eu fazia era
transmitir o conhecimento que tinha sobre a história da arte descrevendo artistas e
suas obras, cabia ao aluno transformar todas as minhas palavras em imagens de
tais obras. A classe ficava vagando em seus próprios pensamentos. Daí a ideia
adotada com apoio na proposta de Barbosa.
O problema estava na falta de estrutura para realizar uma aula que fosse
ao mesmo tempo expositiva e atrativa. Infelizmente a escola possui apenas um
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projetor de slides, o que dificulta o ensino da arte nos moldes da Proposta
Triangular. Nesses casos o educador tem que se virar na medida do possível e usar
os recursos que ele tiver a disposição. Com a ajuda de alguns livros de arte e de
uma série de imagens que retratavam obras dos grandes mestres da pintura de
vários períodos artísticos intitulada Pinacoteca Caras, pude deixar as aulas mais
interessantes nesse ponto. Assim, tinha a oportunidade de mostrar e contextualizar
de forma mais clara o conteúdo das aulas. Mas, essas aulas expositivas tomavam
muito tempo, tempo este limitado a quarenta e cinco minutos de aula, uma vez por
semana. O que ocorria era que não tínhamos a chance de aproveitar o estimulo dos
alunos naquela aula que por sua vez acabava se perdendo para a semana seguinte
e se esvaindo durante o fim de semana.
Em seus apontamentos Junior afirma nas últimas linhas de seu
documento a Confaeb o seguinte:
Precisamos, com a máxima urgência, estruturar alguns cenários nos quais a direção da escola, por meio de processos de gestão participativa, promova a abertura de espaços alternativos que viabilizem as condições físicas para o trabalho artístico: uma escola com sala de teatro, de música, de artes plásticas – um espaço de múltiplos usos para o desenvolvimento de todo o potencial de habilidades artísticas. Finalmente, uma formação inicial e continuada que permita a todos os educadores o acesso ao patrimônio cultural e artístico produzido pela humanidade. (JUNIOR, 2006, p. 112)
Nós professores nos deparamos muito com este percalço. Não ocorre em
todas as instituições é verdade, mas a grande maioria, segundo colegas de curso
que estão trabalhando na área e por experiências por mim vivenciadas, possui esse
déficit de salas preparadas para um bom ensino de arte. Tive a oportunidade de
estagiar no primeiro semestre de 2015 na Escola Freinet, uma Cooperativa de
Professores situada na Av. Hermes da Fonseca, 1500 - Tirol, Natal/RN. A escola
trabalha com a metodologia pedagógica de Célestin Freinet, que segundo Maria
Lucia dos Santos é; “uma pedagogia ativa, aberta para a vida, que mobiliza a
experiência e os interesses da criança, favorecendo a auto-sócio-construção de
saberes múltiplos, e também o saber pensar, saber agir, saber dividir, saber fazer,
saber viver junto.” (SANTOS, 2012). Na instituição as aulas de arte decorriam por
meio de oficinas de arte, música, teatro e design todas com seu próprio professor
capacitado na sua competência, com materiais adequados para cada uma das
oficinas e interagia com as demais disciplinas. Tais oficinas proporcionavam a cada
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aluno do ensino fundamental I e II, a participação em cada um dos trimestres, assim
ao final do ano todos sem exceção passavam por cada uma das oficinas.
Esse foi meu primeiro contato com Freinet e sua metodologia pedagógica.
Não chegamos a estudá-lo na universidade, mas sua pedagogia apoia-se na livre
expressão do aluno e no trabalho coletivo por meio de Textos Livres, Tipografia,
Correspondência Interescolar e Ficheiros Escolares. (PEREIRA, 2012). O período
que passei na Escola Freinet me mostrou outra forma de pedagogia na qual o aluno
é que tem o máximo de autonomia. Os discentes são incentivados a redigir seu
próprio texto com o objetivo de torná-lo um livro ao fim de cada trimestre. A interação
com as demais turmas mesmo de níveis mais avançados foi outro fator de destaque,
tudo ligado à interdisciplinaridade. O professor serve apenas como intermediador do
conhecimento, os alunos é que buscam esse conhecimento.
Voltando as aulas expositivas por meio de livros e imagens, o que
conseguíamos fazer durante esse tempo em classe era situar os alunos com relação
ao período histórico e o contexto da obra e do artista. Seriam dois passos nos que
diz respeito à Proposta Triangular, faltava então o fazer. É no fazer que está a maior
importância do ensino da arte. Da mesma forma que as aulas de ciências são mais
bem aproveitadas quando se pode observar uma célula ao microscópio, a arte sem
o fazer artístico não se complementa.
A Proposta Triangular se sustenta em três eixos: “[...] o fazer, a leitura e a contextualização” (BARBOSA, 1998, p. 37). Essa autora define cada eixo e diz como foram interpretados, referindo-se a eles como ações integradoras dos componentes curriculares. Segundo ela, na Proposta Triangular, o eixo fazer artístico é prática artística expressa no trabalho de ateliê, prática que enfatiza a percepção, a fantasia e a imaginação criadora do aluno para possibilitar o desenvolvimento de um processo próprio de criação. Em geral, o fazer artístico não deve se basear na simples imitação de modelos propostos, mas no desenvolvimento da criatividade do educando, a ser expressa nas mais diversas linguagens artísticas. (CARVALHO, 2007, p. 40).
Como não havia tempo de realizar o eixo artístico do fazer da proposta,
este era passado como exercício de casa. Ao final de cada aula eu os orientava no
que deveriam fazer e que procedimentos tomar para realizarem a atividade de casa.
Não surtia o efeito desejado pela falta de orientação presencial, de minha parte, no
fazer. Com a liberdade de criarem em suas casas, o resultado era bem aquém do
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que se esperava, não pelo fato de não ficar artisticamente belo, mas pelo descaso
no produto final. Em uma aula sobre mosaico, pedi aos alunos que criassem uma
composição artística que representasse o fundo do mar, pois na aula de biologia os
mesmos estavam estudando a vida marinha. Dividi a sala em grupos de cinco
pessoas, orientei-os a recobrir uma cartolina com recortes de revista com base no
que aprendemos sobre mosaico e no tema escolhido; designei para que fizessem
em casa e trouxessem na próxima aula. Essa falta de acompanhamento por parte do
professor resultou em trabalhos distantes da ideia do que era mosaico. Não chagava
a ser o maior dos problemas, mas a proximidade com a forma artística original
poderia ser mais bem aproveitada. Talvez fosse necessário existir um horário maior
para as aulas de arte. Sem esse horário mais estendido, é quase impossível se fazer
um trabalho interessante na proposta triangular de Barbosa.
2.2 A vivência pedagógica
A experiência pedagógica relacionada a este trabalho de conclusão foi um
minicurso de aquarela realizado no período de 07 de julho a 24 de novembro de
2015, para estudantes em idade adulta, toda terça-feira das 14:00 as 17:00 horas na
instituição Nil Ateliê e Galeria de Arte.
A princípio a proposta seria de um curso da mesma maneira que é o
curso de desenho no próprio ateliê, mas a ideia fora descartada e assumimos, tanto
eu quanto Nilson Morais, dono do ateliê, a ideologia de um minicurso com duração
de três meses. A divulgação se deu por meio de informações através das mídias
sociais e de uma página do ateliê no facebook. Abertas as inscrições, no dia 07 de
julho iniciamos a turma única com quatro alunas adultas.
No primeiro encontro com as alunas, falei um pouco do meu trabalho com
a aquarela, compartilhei da minha participação no Grupo Universitário de Aquarela e
Pastel – GUAP, da UFRN e apresentei alguns de meus trabalhos com a aquarela, o
tipo de estilo de minha produção artística no qual eu me sinto a vontade de executar,
que é a ilustração. Discutimos também quais os melhores matérias que poderiam ser
utilizados pelas alunas, tipo de papel, tintas e pincéis e tiramos todas as dúvidas
possíveis acerca do assunto sobre a pintura em aquarela. Aproveitei também para
contar que já havia praticado uma oficina de aquarela pela própria UFRN, no Projeto
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Arte na Escola. As alunas também compartilharam de suas vivências, algumas até
mesmo já participaram de aulas de pintura dentro da própria UFRN, no ateliê da
Galeria Convivart.
Ainda nesse primeiro encontro, trabalhamos um pouco com as técnicas
utilizadas na aquarela. Reuni as alunas ao meu redor e fiz uma demonstração da
utilização da aquarela, em seguida pedi para que as mesmas repetissem o
processo. Como a maioria das alunas não tinha material eu ofereci o meu próprio,
papel, tintas e alguns pincéis. Assim pudemos dar início em algumas das técnicas
de aquarela, como a diluição da tinta, a maneira ideal de como proceder na
execução da pintura e aproveitei para ver o nível de compreensão de cada aluna,
visto que algumas já haviam participado de outros cursos de pintura em algum
momento. Ao final da aula daquele dia, as alunas tinham praticado algumas das
técnicas, realizado um trabalho livre e um exercício de compreensão das cores da
aquarela, mistura de pigmentos e etc.
Mesmo não possuindo tanto domínio da aquarela, eu pude tirar dúvidas e
ajudar no melhor possível as minhas alunas. Fiquei surpreso com algumas, que
mesmo fora do âmbito do ateliê, trouxeram trabalhos feitos em casa utilizando as
técnicas e dicas concedidas por mim durante as aluas. Foi uma experiência muito
gratificante, pois, pude enquanto ensinava aprender coisas que até então não
conhecia. O ato de ensinar nos traz um aprendizado em dobro, pois ao mesmo
tempo em que ensinamos aprendemos. Essa troca mútua de conhecimentos, nos
ajuda a sermos profissionais melhores e mais capacitados. Para o ano de 2016,
pretendo abrir, com a autorização de Nilson Morais, uma nova turma, desta vez para
o ensino de desenho no estilo mangá, muito popular entre os jovens. Será um
minicurso tal qual foi o de aquarela, mas desta vez voltado ao público infanto-juvenil.
2.2.1 Vivência pedagógica trabalhando a Proposta Triangular
No Colégio Encanto, a experiência em sala como professor era totalmente
diferente. Sendo nossas aulas ministradas ao ensino fundamental II e que tem como
proposta escolar um visão de ensino voltada à preparação para o ENEM, fica difícil,
senão impossível, trabalhar somente com desenhos pinturas e outras coisas que os
alunos gostariam de experimentar em cada aula. Como já mencionado, busquei
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trabalhar nas aulas de arte no Colégio Encanto utilizando de alguns métodos
pedagógicos de grandes autores do ensino como Paulo Freire e até Célestin Freinet.
Dentre todos o que mais resolveu as dificuldades de sala de aula, no que
diz respeito ao entendimento da arte, foi a proposta criada por Ana Mae Barbosa.
Com a proposta triangular pude não só apresentar a arte e sua história, como
também aproximar os alunos das práticas nas quais um determinado movimento
artístico foi inspirado. Mas nem tudo dava certo. De início as coisas caminhavam
bem, mas aos poucos, a tendência de ensino prático ficou mais difícil de realizar. O
tempo de quarenta e cinco minutos por aula, não ajuda a nós, arte educadores,
desenvolver um trabalho artístico que possa despertar no aluno o aprender, o ver e
o apreciar a arte. Mas mesmo com esse percalço do tempo, consegui, segundo os
alunos, ministrar as aulas de arte de maneira agradável. Seus antigos professores,
nas palavras dos alunos, se preocupavam mais em realizar brincadeirinhas e jogos,
do que ensinar o valor que a arte pode ter.
A Proposta Triangular é sim, o melhor caminho para qualquer arte
educador transmitir o valor que a arte tinha, teve e terá na vida de qualquer
sociedade no mundo, a análise de obras, sua contextualização e o fazer relacionado
ao que fora visto nas primeiras observações no estudo da arte, possibilita ao aluno
uma compreensão muito maior sobre a importância da arte, pois a arte, assim como
a música, alcança limites inimagináveis.
2.3 Saindo da rotina, a proposta da oficina de desenho
Com o passar do tempo às aulas estavam, de certa maneira, indo bem.
Mas ainda havia uma ponderação por parte dos alunos e uma vontade de se ter
aulas práticas, de maneira assistida em artes. O tempo de aula era sem dúvida o
maior dos desafios. Associar conteúdo, contextualização e ainda praticar algo é
muito complicado se levarmos o tempo em consideração.
Durante o primeiro semestre de 2015, no Colégio Encanto, ao chegar à
sala de aula fui surpreendido com um grupo de alunos do oitavo ano, que tiveram a
ideia de fazer um “abaixo assinado” para termos aulas desenho e pediram a minha
ajuda. Fiquei surpreso com a proposta, ainda mais por que foi iniciativa deles, os
alunos. Reunimo-nos no intervalo e conversamos sobre a possibilidade de haver tais
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aulas de desenho. Teríamos que levar a proposta à coordenação e posteriormente à
direção da escola e ver o que mesma tinha a dizer sobre o assunto/ideia. Assim o
fizemos.
A coordenadora me pediu para redigir um projeto e apresentá-lo a direção
da escola. A instituição já possui algumas atividades extraclasse, como o CSI Natal,
coordenado pelo professor de biologia. Seria uma espécie de encenação teatral
baseada no seriado de investigação criminal norte-americano de mesmo nome, mas
baseado em fatos histórico-criminais acontecidos no estado do RN. Os alunos do
ensino médio são incentivados a procurar jornais com esses acontecimentos e logo
então criam um roteiro fictício baseado nesses acontecimentos criminológicos. Então
passam para a parte da encenação e no estudo criminal associado às aulas de
biologia. Há também o clube da astronomia coordenado pelo professor de física. Os
alunos se reúnem uma vez por mês para observar e estudar os astros. Não custava
nada tentar uma oficina de desenho.
Redigi a proposta e apresentei a direção como foi pedido e a direção
achou a ideia maravilhosa. Só havia um problema. Onde encaixaríamos esses
alunos e em que horário poderia ser realizado as oficinas. Tivemos o pensamento de
criar um horário extra pela manhã justamente para as oficinas. Um novo documento
foi redigido pedindo a autorização dos pais para criação desse horário extra, afim de
que os alunos interessados pudessem participar das aulas de desenho. Aproveitaria
meu horário ocioso entre as aulas da manhã e da tarde para coordenar as oficinas.
Tais aulas são estendidas a todas as turmas que eu leciono, tanto da
manhã quanto da tarde. Ambas fariam essas aulas no horário extra e os alunos da
tarde ficariam na escola até o começo do seu turno de aula, como fazem os
estudantes da tarde que praticam esporte nas aulas de educação física. Depois de
uma espera de aproximadamente dois meses entre o período de recesso escolar e a
autorização dos pais dos alunos, começamos as oficinas em agosto de 2015, logo
após a volta das férias. Como esperado a maior procura foi de alunos da manhã. A
oficina de desenho não tem relação alguma com as aulas de arte. Não conta pontos
ou presença para a disciplina, funciona somente como forma de aproximar aqueles
que gostam de desenho e é totalmente gratuito, disponível apenas para alunos da
instituição.
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Tentei aplicar a mesma metodologia pedagógica utilizada no Nil Ateliê.
Todavia, faltava material como a própria mesa de luz, lápis de cor dentre outros. A
opção foi começar por fazê-los entender o que é o desenho e como aplicá-lo para
criar formas. Comecei estimulando os alunos a construírem formas geométricas de
vários tipos e tamanhos. Depois pedi para organizarem essas figuras em imagens
que eles mesmos poderiam criar mais ou menos como no jogo tangram, mas tudo
desenhado no papel. As dificuldades que eles tiveram no momento de criar algo a
partir das figuras geométricas foram bem interessantes. Na cabeça de alguns, não
dava pra formar nada de especial. Mas se, por exemplo, você desenhar um
quadrado e logo em cima desse quadrado desenhar um triângulo terá uma casa. Foi
esse princípio de desenho que passei para eles nas primeiras aulas.
De início a oficina estava caminhado muito bem, mas com o passar do
tempo e das atividades por mim exercidas em função de vários casos, trabalhos da
faculdade e até da própria escola, as aulas ficaram cada vez mais ociosas. Os
próprios alunos estavam preocupados em prepararem seus assuntos para a feira de
ciências da escola, logo após vieram a provas bimestrais e em seguida o simulado
preparatório do ENEM. Minha intenção era de realizar uma exposição ao fim do
período letivo com os trabalhos dos alunos, mas infelizmente não temos obras e/ou
materiais suficientes para realizarmos essa exposição. Em continuando a lecionar no
ano de 2016, tentarei por a oficina para o sábado, pois assim teríamos um tempo
maior para produzirmos e tratarmos de assuntos associados à arte. Por hora a
oficina segue caminhando a passos curtos, mas com empolgação de minha parte e
dos alunos.
3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ser docente implica em vários desafios. Aprender a aprender, ser um
pesquisador, aprender a conviver, saber lidar com situações inusitadas, lidar com as
dificuldades que não são poucas, ter paciência e acima de tudo gostar de ensinar.
Em nosso país infelizmente não há uma vontade por parte dos governantes em que
o povo aprenda. No papel está tudo escrito de forma clara e bonita, de encher os
olhos nos PCNs e na própria LDB, mas a realidade é totalmente outra. Escolas
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defasadas e sem estrutura, ensino pouco valorizados e profissionais desmotivados,
falta de investimento na educação de base.
O que vemos são alunos sendo aprovados sem conhecer, sem saber,
conceitos básicos de aprendizagem, como ler e principalmente escrever, valores que
deveriam estar em primeiro lugar no ensino de base até sua formação no ensino
médio. Para a União o que conta são números. Quanto mais nossas crianças
avançam nos anos letivos, maior a ideia ilusória de uma nação educada
pedagogicamente. Pouco importa se os discentes estão aprendendo alguma coisa
ou não, o que vale no final das contas é a quantidade de alunos que avançam essas
séries sem o preparo adequado. Falo isso, pois neste ano de ensino como professor
de artes vi a dura realidade do ensino brasileiro. Alunos despreparados, sem
entendimentos básicos de ensino.
As instituições privadas que até pouco tempo eram vistas como ensino de
qualidade hoje estão mais preocupadas na quantidade de alunos que passam no
ENEM, do que a qualidade desses alunos. Há uma competição indireta entre as
instituições de ensino privado para ver qual cursinho/escola aprova mais. Um ensino
voltado ao mecanicismo e rigidez das provas dos concursos.
Mas e o ensino da arte? Onde ele se encaixa nessa competição? Se para
profissionais de outras disciplinas já é complicado tentar motivar os alunos, que dirá
o ensino da arte, tido por alguns como algo superficial. O profissional das artes, ao
lecionar talvez tenha que ser o mais criativo de todos. Saber como trazer os alunos
para dentro da sua disciplina, motivando-os e atiçando a sua curiosidade sobre as
artes, é o maior desafio para o profissional docente da área, pois ainda não caiu na
realidade dos alunos que a arte deixou, a muito, de ser uma disciplina complementar
do ensino.
Trabalhar com a Proposta Triangular ajudou bastante na compreensão de
alguns alunos no que se refere à arte. Muitos ainda estão distantes em seus
pensamentos e vagueiam sem demonstrar interesse nas artes, mas deve-se tentar
aprofundar mais como profissional docente e buscar formas de trazer esses alunos
para, pelo menos, ver as artes como algo de fundamental importância em sua vida e
cultura. Espero melhorar cada vez mais e um dia quem sabe poder ser tão bom
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quanto aqueles os quais tive a oportunidade de conhecer durante minha estadia na
academia e que hoje são profissionais em suas áreas.
Neste trabalho pude explorar conceitos e métodos de ensino em três
instituições diferentes, muito embora isso não fosse parte desta pesquisa. Nessas
instituições pude não só explorar esses métodos de ensino, como puder ver a
diferença, embora sútil, de cada um deles. Com exceção do estágio na Escola Isabel
Gondim, toda a pesquisa se passou em instituições privadas, cada qual com uma
forma de trabalho e propostas diferentes.
Coube então a mim, uma adequação entre ambas. Nesse período de
adequação cometi erros que não chegaram a comprometer o ensino, mas me
ajudaram a aprender como lidar com situações e principalmente a falta de material.
Aprendi que uma aula exploratória e com auxilio de imagens, sejam quais forem,
despertam no aluno a curiosidade e ajuda a fixar melhor o conteúdo apresentado.
A proposta Triangular de Barbosa é, sem dúvida, a melhor maneira para o
ensino da arte em qualquer instituição. Mesmo que a proposta da escola seja outra,
a autonomia e liberdade concedida a mim, para trabalhar, em especial com a oficina
de desenho, no Colégio Encanto trouxe certa proximidade do alunado para com a
disciplina de artes. Espero que um dia, as instituições de ensino estejam melhores
preparadas para um bom e verdadeiro ensino de arte. Enquanto esse dia não chega,
ensinar arte continuará sendo um desafio.
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4 – REFERÊNCIAS
BARBOSA, A. M. Arte Educação no Brasil: do modernismo ao pós-modernismo.
[Editorial]. Revista Digital Art& - Número 0 - Outubro de 2003. Disponível em:
<http://www.revista.art.br/>. Acesso em: ago. 2015.
BARBOSA, A. M. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: Editora C/Arte, 1998. 198 p.
BARBOSA, A. M.; CUNHA, F. P. Abordagem triangular no ensino das artes e
culturas visuais. São Paulo: Cortez, 2010. 463 p.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
arte / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC / SEF, 1998. 116 p.
CARVALHO, E. M. B. A proposta triangular para o ensino de arte: concepções e
praticas de estudantes-professores/as. 2007. 150 f. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Universidade de Uberaba. Minas Gerais. 2007. PDF.
FREINET, C. Pedagogia do bom senso. 7° Ed. São Paulo: Martins Fontes. 2004.
95 p. PDF.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. 27°
Ed. São Paulo, SP: Paz e Terra, 2003. 148 p.
GUERSON, M. Ana Mae Barbosa e Luigi Pareyson – Um Diálogo Em Prol De “Re-
Significações” Sobre Ensino/Aprendizagem De Artes Visuais. Revista Eletrônica do
Grupo PET – Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade Federal de São
João Del-Rei – Ano V – Número V – Janeiro a Dezembro de 2010. PDF.
PEREIRA, M. F. R. S. Técnicas de educação: Freinet na escola moderna.
Necessidade e urgência de uma pedagogia moderna, In: III Foro Ibérico de
Museísmo Pedagógico - V Jornadas Científicas de la SEPHE. PDF.
TRAJETÓRIA E POLITICAS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL: anais do XV
Confaeb. 15. 2006. Brasília. Anais...Brasília: XV Congresso Nacional da Federação
de Arte-Educadores do Brasil, 2007. 339p.
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ANEXOS
Figura 1 - aula de desenho na instituição Nil Ateliê e Galeria de Arte
Fonte: Nil Ateliê
Figura 2 - desenho do aluno Daniel. Nil Ateliê e Galeria de Arte
Fonte: Nil Ateliê
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Figura 3 - trabalho em aquarela da aluna Ana Cláudia
Fonte: Nil Ateliê
Figura 4 - trabalho em aquarela da aluna Sandra
Fonte: Nil Ateliê
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Figura 5 - capa de uma das edições da coleção Pinacoteca Caras
Fonte: acervo pessoal
Figura 6 - imagens de obras de vários artistas de coleção Pinacoteca Caras
Fonte: acervo pessoal