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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE DIREITO
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
THALES EGIDIO MACEDO DANTAS
DIREITOS HUMANOS EM TEMPOS DE GOLPE: A INOBSERVÂNCIA DA
POLÍTICA DE AUSTERIDADE DO GOVERNO MICHEL TEMER AOS TRATADOS
INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS NO RIO
GRANDE DO NORTE
NATAL/RN
2018
THALES EGIDIO MACEDO DANTAS
Monografia apresentada ao Curso de Direito do Centro
de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte como requisito parcial para
obtenção do título de bacharel em Direito.
Orientadora: Prof. Mariana de Siqueira
Co-orientadora: Candida de Souza
NATAL/RN
2018
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA
Dantas, Thales Egidio Macedo.
Direitos humanos em tempos de golpe: a inobservância da
política de austeridade do Governo Michel Temer aos tratados
internacionais de Direitos Humanos e suas consequências no Rio Grande do Norte / Thales Egidio Macedo Dantas. - 2018.
65f.: il.
Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Direito. Natal, RN, 2018.
Orientador: Profa. Dra. Mariana de Siqueira.
Coorientador: Profa. Candida de Souza.
1. Direitos humanos - Monografia. 2. Austeridade - Governo
Michel Temer - Monografia. 3. Pacto internacional dos direitos
econômicos - Sociais e Culturais - Monografia. I. Siqueira, Mariana de. II. Souza, Candida de. III. Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. IV. Título.
RN/UF/Biblioteca Setorial do CCSA CDU 342.7
Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355
THALES EGIDIO MACEDO DANTAS
DIREITOS HUMANOS EM TEMPOS DE GOLPE: A INOBSERVÂNCIA DA
POLÍTICA DE AUSTERIDADE DO GOVERNO MICHEL TEMER AOS TRATADOS
INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS NO RIO
GRANDE DO NORTE
Monografia apresentada ao Curso de Direito, da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em Direito.
Aprovado em: __02__/_07_/_2018_
BANCA EXAMINADORA
Mariana de Siqueira - Orientadora
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Candida de Souza - Co-orientadora
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Maria Leuça Teixeira Duarte - Examinadora
Secretaria de Estado da Educação e da Cultura
“Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e,
assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com
eles lutam.”
Paulo Freire
AGRADECIMENTOS
Encerrar ciclos jamais é fácil e enfim chego ao final do curso de Direito da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Foram cinco anos e seis meses de
amadurecimento, desafios, brigas, tristeza, alegria, amor e, sobretudo, militância e um
permanente desejo de que as coisas não podem ou devem continuar da forma que são.
Acima de agradecer à todas e todos que estiveram comigo nesse período, gostaria de
dedicar este trabalho de conclusão do “glorioso” curso de Direito da UFRN aos militantes de
Direitos Humanos desse Estado que doaram suas vidas, esperanças e sonhos em prol de uma
sociedade mais justa, livre e socialista. Emmanuel Bezerra dos Santos, Anatália de Souza
Melo Alves, Luiz Inácio Maranhão Filho, Hélio de Xavier de Vasconcelos, José Silton
Pinheiro, Gilson Nogueira de Carvalho e Marcos Dionísio Medeiros Caldas são alguns
companheiros que gostaria de homenagear e que para sempre serão lembrados por suas
trajetórias de proteção dos direitos humanos no Rio Grande do Norte.
Não poderia deixar de citar a militância do meu avô materno José Milanez, que
dedicou sua vida ao sindicalismo e a defesa dos trabalhadores rurais na região do Seridó nos
anos 1970 e 1980. A sua história me inspira e me impõe a responsabilidade para honra-la: de
jamais me esquecer de lutar contra as injustiças e desigualdades persistentes no nosso Estado
e país.
Gostaria de agradecer inicialmente ao Programa Motyrum de Educação Popular em
Direitos Humanos que me iniciou no mundo da militância e me “ensinou” como a nossa
realidade é desigual, injusta e que jamais devemos nos eximir de lutar. Saibam, companheiros
que para sempre levarei o programa e seu ideal aonde esteja e que nossas brigas, alegrias,
discussões, angustias e sonhos não foram em vão.
A dr. Maurício Fontes, dra. Ana Cláudia Porpino, Joana, Rondinely, Marjorie,
Jamaica, Naelson, Nezinho, Nonato, Dona Bernadete, Liliana, Bruno, Marcel e Thereza por
me proporcionarem na Consultoria-Geral do Estado (CGE) o melhor estágio que poderia
imaginar nessa graduação e por terem me ajudado a me apaixonar pelo meu curso novamente.
A todos que fizeram parte da Secretaria Extraordinária de Juventude (SEJURN),
especialmente Divaneide, Adler e Maria Leuça por terem me possibilitado trabalhar e militar
por um Rio Grande do Norte para todos os jovens e por sempre me incentivarem nas diversas
ideias que tive durante esse período na Secretaria.
Ao Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti (CAAC), entidade histórica de representação
estudantil, que me mostrou como resistir, insistir e nunca desistir da luta estudantil,
acreditando em seu potencial para a mudança das vidas dos estudantes. Agradeço ao CAAC
por ter me feito amadurecer e por ter me dado amigos que levarei para o resto da minha vida.
Ao Centro de Referência em Direitos Humanos Marcos Dionísio (CRDHMD) no
nome da minha co-orientadora, Candida Souza, por me proporcionar ao final do curso uma
experiência única de contribuição ao movimento e à política de direitos humanos.
Às professoras e professores que tive a oportunidade de conhecer, admirar e me
inspirar no que tange à continuação na luta: Mariana de Siqueira (minha orientadora), Anna
Emanuella, Maria Arlete, Ângelo Menezes, Ilana Paiva e Cláudio de Jesus.
A todos e todas que estiveram e estão comigo durante essa militância do movimento
estudantil e em Direitos Humanos: muito obrigado e sigamos juntos por um Brasil e RN para
todos.
E por fim, a todos aqueles e aquelas que entoam comigo um sonho de que as coisas
não podem continuar do jeito que estão!
Até que tudo cesse, nós não cessaremos!
Lema do Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti (CAAC)
RESUMO
Versa da política de austeridade do Governo Michel Temer (MDB) e suas consequências para os
direitos humanos no Rio Grande do Norte, realizando uma análise do desrespeito ao Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) de 1966 com a aplicação das
medidas de Temer no país. Apresenta uma contextualização crítica do surgimento, conceito e
efetivação dos Direitos Humanos, realizando uma síntese teórica sobre sua evolução e aplicação no
ordenamento jurídico brasileiro. Em seguida, discute o processo de impeachment de Dilma Rousseff
e o Governo de Michel Temer, subdividindo-o em suas medidas e o desrespeito ao PIDESC. A partir
de tal subdivisão, expõe as ações da administração do MDB que violam os direitos e afirmam o
caráter anti-Direitos Humanos da gestão, com enfoque especial na aprovação e vigência da Emenda
Constitucional nº 95/2016 e o corte de investimentos na política nacional de direitos humanos.
Posteriormente, trata de como a política de austeridade afeta a capacidade estatal de proteção dos
direitos humanos e diminui a capacidade dos cidadãos de exercerem estes direitos, conforme é
disposto no PIDESC. Verifica a inobservância do Governo Temer com este Pacto e, por isso, busca
aporte em relatórios do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e
posicionamento de juristas para lidar com a realidade observada. Por fim, é caracterizada a situação
dos direitos humanos no Rio Grande do Norte e o caráter austero das gestões estaduais desde 2011 e
seu impacto para o Estado. Finalmente, apresenta as conclusões advindas do estudo empreendido,
que sinalizam para um cenário preocupante de ausência de uma rede de proteção aos direitos. A
metodologia utilizada no trabalho realizado foi de ordem descritiva e analítica, organizada a partir da
pesquisa bibliográfica e documental e, ademais, por meio da análise da legislação.
Palavras-chaves: Direitos Humanos. Austeridade. Michel Temer. Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. Rio Grande do Norte.
ABSTRACT
It deals with the austerity policy of the Michel Temer Government (MDB) and its consequences for
human rights in Rio Grande do Norte, conducting an analysis of the failure to comply with the
International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights (ICESCR) of 1966 with the
application of measures of Temer in the country. It presents a critical contextualization of the
emergence, concept and effectiveness of Human Rights, making a theoretical synthesis about its
evolution and application in the Brazilian legal system. Then, it discusses the impeachment process
of Dilma Rousseff and the Government of Michel Temer, subdividing it into its measures and
disrespect for the ICESCR. From this subdivision, it exposes the actions of the MDB administration
that violate the rights and affirm the anti-Human Rights of management, with special focus on the
approval and validity of Constitutional Amendment nº 95/2016 and the cutback of investments in
national politics of human rights. Further, it discusses how the austerity policy affects the state's
ability to protect human rights and diminishes the ability of citizens to exercise these rights, as
provided in the ICESCR. It verifies that the Fear Government has not complied with this Pact and,
therefore, it seeks contributions in reports of the United Nations Human Rights Council and
positioning jurists to deal with the observed reality. Finally, the situation of human rights in Rio
Grande do Norte is characterized, and the austere character of the state administrations since 2011
and its impact on the State. Finally, it presents the conclusions drawn from the study undertaken,
which point to a worrying scenario of the absence of a network for the protection of rights. The
methodology used in the work was descriptive and analytical, organized from bibliographical and
documentary research and, in addition, through the analysis of legislation.
Keywords: Human Rights. Austerity. Michel Temer. International Covenant on Economic, Social
and Cultural Rights. State of Rio Grande do Norte.
SUMÁRIO
1. Introdução...........................................................................................................................12
2. Contextualização crítica dos Direitos Humanos..............................................................15
2.1 A Declaração Universal dos Direitos Humanos e o seu surgimento enquanto
norma..............................................................................................................................15
2.2 Direitos Humanos enquanto luta social..........................................................................17
2.3 Constituição Federal de 1988 e o “casamento” com os Direitos
Humanos.........................................................................................................................19
2.4 Política de Direitos Humanos no Brasil.........................................................................20
2.5 Política de Direitos Humanos no Rio Grande do Norte.................................................23
3. Golpe de 2016 e suas consequências na efetivação dos Direitos Humanos no Brasil e
Rio Grande do Norte...............................................................................................................26
3.1 Considerações a respeito do impeachment de Dilma Rousseff (PT) e a caracterização
do golpe parlamentar-jurídico........................................................................................27
3.2 O surgimento do Governo anti-Direitos Humanos de Michel Temer (MDB) e seus
retrocessos......................................................................................................................29
3.2.1 Novo arranjo institucional dos Direitos Humanos...............................................30
3.2.2 Emenda Constitucional nº 95/2016.....................................................................31
3.2.3 Reforma Trabalhista e Trabalho Escravo............................................................33
3.2.4 Segurança Pública, Intervenção Militar e Violência...........................................35
3.2.5 Mulheres, LGBTI, Igualdade Racial e Povos Tradicionais.................................37
3.2.6 Outros retrocessos do Governo Temer................................................................39
3.3 A Política de Austeridade do Governo Temer e sua inobservância ao PIDESC de
1966................................................................................................................................40
3.4 Efeitos da Política de Austeridade do Governo Temer no Estado do Rio Grande do
Norte...............................................................................................................................45
4. As consequências da política de austeridade do Governo Michel Temer (MDB) para
os Direitos Humanos no Rio Grande do Norte.....................................................................47
4.1 O “patrono” do movimento de Direitos Humanos potiguar...........................................48
4.2 Cenário pós-Marcos Dionísio e aprofundamento do caos..............................................50
4.2.1 Justiça e Administração penitenciária.................................................................51
4.2.2 Segurança Pública e Defesa Social......................................................................54
4.2.3 Mulheres, Juventude, LGBTI e Igualdade Racial...............................................55
5. Que fazer? Perspectivas e desafios para efetivação dos Direitos Humanos no Rio
Grande do Norte......................................................................................................................57
6. Referências Bibliográficas..................................................................................................60
12
1 INTRODUÇÃO
Vivemos num país em permanente instabilidade política, econômica e social desde o
fraudulento processo de impeachment contra a então Presidenta Dilma Rousseff (PT),
ocasionando a ascensão de Michel Temer (MDB) ao Palácio do Planalto e sua administração
baseada no neoliberalismo econômico, conservadorismo político e retrocessos a direitos
estampados na Constituição Federal, na Declaração Universal de Direitos Humanos e no
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Esses ataques aos direitos
são potencializados no estado do Rio Grande do Norte com taxas recordes de homicídios e
violações aos direitos humanos.
Por esta razão, o autor decidiu pesquisar quais são os impactos da política de
austeridade do Governo Michel Temer, se essas medidas condizem com o Pacto Internacional
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 e quais são suas consequências para a
política estadual de Direitos Humanos no Rio Grande do Norte. A escolha da análise deste
pacto se dá pela primazia de tornar juridicamente importantes os dispositivos da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, determinando a responsabilização internacional dos estados
signatários por eventual violação dos direitos estipulados no Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais.
O autor possui familiaridade e vivência com a temática de Direitos Humanos. Durante
esta graduação participou do Programa Motyrum de Educação Popular em Direitos Humanos,
projeto de extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e pôde atuar enquanto
extensionista e pesquisador nos sistemas penitenciário e socioeducativo potiguar, em
assentamentos rurais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e prestando
assessoria jurídica aos movimentos sociais. Durante quatro anos foram realizadas diversas
ações do Programa em prol da defesa dos direitos de apenados e apenadas, jovens em
cumprimento de medidas socioeducativas, assentados e assentadas, militantes e movimentos
sociais.
Nesse ínterim, o autor iniciou a sua participação nas diversas lutas sociais de Natal e
Rio Grande do Norte e em julho de 2017, passou a integrar o Conselho Estadual de Direitos
Humanos e Cidadania (COEDHUCI) para o mandato 2017/2019, enquanto Tesoureiro, e hoje
ocupa a função de vice-Presidente do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura
(CEPCT) e de integrante do Comitê Estadual Intersetorial de Acompanhamento e
Monitoramento da Política para a População em Situação de Rua (CIAMP/Rua).
13
Foi deste sólido desenvolvimento na militância em direitos humanos que advém o
impulso e inspiração necessários para realizar essa pesquisa: os direitos são conquistas e sua
efetivação só se dá pela luta social. Outra grande inspiração para a produção da pesquisa foi a
história de militância do eterno Marcos Dionísio Medeiros Caldas e o seu papel central no
movimento de direitos humanos do Estado do Rio Grande do Norte. E sua ausência, desde a
sua morte em 2017, cria um solo fértil para o recrudescimento das situações de violações dos
direitos tanto em decorrência das medidas de Michel Temer como pela desmobilização do
movimento estadual de direitos humanos.
Assim, o objetivo geral do trabalho consiste na análise da política de austeridade de
Michel Temer e a sua inobservância aos princípios e artigos do Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Os objetivos específicos, por sua vez, centram-se
nas consequências do Governo Temer no território potiguar e o cenário pós-Marcos Dionísio
para o movimento de direitos humanos. Também se tem por objetivo específico analisar
contribuições dadas por filósofos à efetivação dos direitos humanos e como se deu a criação e
estruturação dos alicerces para uma política nacional e estadual de Direitos Humanos e como
elas estão sob ameaça com as administrações de Michel Temer e Robinson Faria.
Deste modo, no Capítulo I, é traçada uma fundamentação teórica que contextualiza o
que foi convencionado chamar de “Direitos Humanos” e sua normatização a partir da
Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, bem como as gerações de direitos.
Utiliza-se da crítica de Karl Marx para afirmar que somente com a luta social é que os
Direitos Humanos estampados na Declaração Universal serão efetivados. O capítulo I também
analisa o “casamento” entre a Constituição Federal brasileira de 1988 e a Declaração
Universal de Direitos Humanos. Por fim, é analisado o surgimento e estruturação das políticas
nacional e estadual de direitos humanos.
Em seguida, no capítulo dois é tratado sobre a administração do atual Presidente
Michel Temer (MDB) e como se deu o processo de impeachment da então Presidenta Dilma e
sua caracterização enquanto golpe parlamentar. Também foram abordadas as violações da
gestão do MDB aos direitos humanos, principalmente a aprovação da Emenda Constitucional
nº 95/2016 e o desrespeito ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais e ao Protocolo de San Salvador.
Por fim, é abordado pelo capítulo três a contribuição do então Presidente do
COEDHUCI e advogado Marcos Dionísio Medeiros Caldas ao movimento de direitos
humanos e sua caracterização enquanto “patrono” do movimento no Rio Grande do Norte.
Outro enfoque do capítulo é a atual situação do Estado em se tratando das violações e as
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consequências das medidas de austeridade pelas gestões estaduais desde 2011 e aprofundadas
com o Governo Temer.
Para a obtenção do resultado do trabalho empreendeu-se pesquisa de ordem
qualitativa, descritiva e analítica, organizada a partir da pesquisa bibliográfica e documental.
Ademais, trabalhou-se com a análise da legislação internacional, nacional e estadual. Foram
utilizadas, ainda, teses, dissertações, monografias e artigos publicados em periódicos
nacionais e internacionais. Destaque-se que, tendo em vista a escassez de dados oficiais sobre
muitas das situações observadas no Rio Grande do Norte, portais de notícias locais foram
fonte essencial para a pesquisa.
15
2 CONTEXTUALIZAÇÃO CRÍTICA DOS DIREITOS HUMANOS
Gerados com o intuito de proteger todos os seres humanos de arbitrariedades,
omissões e atos do Estado, os Direitos Humanos encontram-se na segunda década do século
XXI em um estágio de ruptura ocasionado pelas consequências políticas e sociais da crise
iniciada em 2008.
A emergência da extrema direita em países da Europa e nos Estados Unidos da
América (EUA), da direita neoliberal na América Latina, a proliferação dos conflitos
regionais, a instabilidade política no Oriente Médio e na Venezuela, o armamento nuclear da
Coreia do Norte, a Guerra Civil na Síria e o golpe parlamentar-jurídico no Brasil demarcam
uma conjuntura de recrudescimento do racismo, intolerância, preconceito e xenofobia aliada
ao corte de investimentos sociais, a ascensão do discurso fascista e a criminalização dos
direitos humanos.
Pretende-se neste capítulo trazer ao debate os fundamentos teórico-políticos que
fundaram a atual geração de direitos (Bobbio, 2004), a relevância da normatização dos
Direitos Humanos através da Declaração Universal e dos Pactos Internacionais e a
necessidade de interligá-los com a luta social, a história e a materialidade das relações sociais.
Por fim, a partir dessa perspectiva, faz-se uma breve análise da Constituição Federal
de 1988 através da absorção dos direitos humanos enquanto direitos fundamentais no Brasil e
um panorama da política nacional e do estado do Rio Grande do Norte na proteção dos
direitos humanos.
2.1 A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS E O SEU
SURGIMENTO ENQUANTO NORMA
Formulados na esteira das conquistas da Revolução Francesa de 17891, os Direitos
Humanos experimentaram três grandes fases que justificam sua universalidade,
indivisibilidade e interdependência na atualidade. A Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão marcou a primeira geração e foi caracterizada pela ascensão dos direitos civis e
políticos e a afirmação do ideal liberal e individualista do capitalismo em face do Estado
absolutista.
No período entre guerras, principalmente após a Constituição Mexicana de 1917, a
Revolução Russa de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919 surge a segunda geração que
1 Declaração do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789.
16
consagrou os direitos sociais, redefiniu o Estado moderno e foi bastante inspirada pelo ideal
socialista e pelo marxismo. Os direitos trabalhistas passaram a ser fundamentais e equiparados
aos direitos civis e políticos conquistados no século XVIII (Comparato, 2008, p. 178).
Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e as atrocidades cometidas
pelas grandes potências envolvidas, a Organização das Nações Unidas (ONU) foi fundada em
24 de outubro de 1945 com o objetivo de preservar a paz mundial e a proteção dos direitos
humanos. Em 10 de dezembro de 1948, 48 países (União Soviética, Bielorrússia, Ucrânia,
Tchecoslováquia, Polônia, Iugoslávia, Arábia Saudita e África do Sul se abstiveram de votar)
aprovaram por unanimidade um documento que transformaria os direitos humanos em norma
- a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH).
Alvo de disputa entre a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e os
EUA, a Declaração congregou um esforço conjunto de várias nações e representa um
consenso de interesses em um cenário mundial marcado pelo início da Guerra Fria (Bobbio,
1992, p. 18).
A DUDH reafirma os direitos da primeira geração - civis, políticos e liberais - e da
segunda geração - econômicos e sociais - e os estende a diversos segmentos sociais (mulheres,
estrangeiros etc.). A Declaração Universal avança para construir uma norma a ser seguida por
todas as nações do planeta e representa um consenso legislativo entre duas concepções
ideológicas de mundo, igualdade (socialismo) e liberdade (capitalismo).
Após a Declaração Universal foram assinados diversos protocolos e pactos que fazem
parte da Carta Internacional de Direitos Humanos. Durante o ano de 1966 foi exposta a
necessidade de transformar os princípios éticos da DUDH em princípios jurídicos, no entanto
houve uma cisão entre os países alinhados com a URSS e os países capitalistas. Foram criados
dois Pactos: o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos Sociais e Culturais
(assinado pela maioria dos países socialistas) e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis
e Políticos (assinado pela maioria dos países capitalistas).
Somente após a assinatura dos referidos pactos é que a DUDH ganhou um status de
diploma legal, consistente e vinculante. Passando a exigir dos Estados a efetivação do que
estava disposto na Declaração Universal e garantiu os alicerces para a criação de um sistema
internacional que fosse apto a assegurar o respeito aos Direitos Humanos contemplados pela
DUDH e que viabilizasse o tratamento dos casos de violação desses direitos.
A Declaração Universal marca o início da terceira geração o qual estamos vivenciando
e é assinalada pela interconexão, indivisibilidade, inalienabilidade e indissociabilidade dos
17
direitos humanos (proclamada pela Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos,
realizada em Viena, em 1993).
Nesta geração os direitos foram alçados para uma visão coletiva e difusa, de proteção
dos grupos minoritários de direitos (mulheres, LGBTI, afrodescendentes, idosos, jovens,
crianças, adolescentes, pessoas com deficiência etc.), combate e prevenção à tortura,
promoção da paz etc. Haveria então uma rede internacional que garantisse a proteção e a
promoção dos Direitos Humanos, com mecanismos, sanções e instâncias criadas para efetivá-
los.
No entanto, não é isso que vivenciamos no Brasil com as diárias violações dos
Direitos Humanos, a falência dos serviços públicos, a explosão no número de homicídios, o
encarceramento em massa, o racismo, machismo e homofobia institucionalizados etc.
Tal situação ocorre devido a uma idealização de que a Declaração Universal foi
plenamente efetivada nos países do outrora “Primeiro Mundo” que criaram no pós-Segunda
Guerra Mundial o chamado Estado de Bem-Estar Social (com investimento em políticas
públicas e ações compensatórias do Estado) dessa forma, espera-se que os demais países
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento os tomem como modelo (Valença, 2015, p. 20).
Entretanto, é desconsiderado por causa desta idealização a particularidade de cada
povo e sua cultura e por essa razão é clara a limitação da DUDH, apesar de esta representar
um inegável avanço para normatização da concepção de Direitos Humanos. A maioria das
atuais nações asiáticas, latino-americanas, oceânicas e africanas - com exceção da URSS - não
participaram do processo de construção da DUDH e suas realidades não foram expressas no
texto da Declaração Universal.
Tal fato somado às excessivas intervenções dos EUA e das demais nações “centrais”
(seja pela via militar ou de bloqueio econômico) com a justificativa de “proteção aos Direitos
Humanos” representa um dos maiores empecilhos para a efetivação da DUDH e a criação do
sistema internacional de direitos humanos, tendo em vista a forma impositiva com que a ONU
vem tratando a questão.
2.2 OS DIREITOS HUMANOS ENQUANTO LUTA SOCIAL
A visão majoritária dos Direitos Humanos é aquela enquanto norma, de que a
Declaração Universal e os posteriores Pactos e Tratados internacionais são suficientes para
nortear as sociedades e servir como ideal.
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Contudo, esse entendimento se mostra simplório e superficial, pois ele renega a
interpretação histórica, as relações sociais e o modo de produção vivenciado em cada uma das
“gerações” às quais os Direitos Humanos foram se moldando e se expandindo. A cada
geração houve uma luta social e mudanças estruturais que possibilitaram a conquista de novas
normas e de um novo ordenamento jurídico garantindo: direitos políticos e civis (1ª geração -
Revolução Francesa e ascensão do capitalismo liberal), direitos sociais e econômicos (2ª
geração - Revolução Russa, Revolução Mexicana, a República de Weimar e a crise do
capitalismo liberal) e direitos coletivos e difusos (3ª geração - Segunda Guerra Mundial,
Guerra Fria, a Declaração Universal de Direitos Humanos e o Estado de Bem-Estar Social).
Buscar-se-á nessa seção, afirmar que os Direitos Humanos são direitos que nascem de
um processo histórico-material, marcados pela luta social, e que são institucionalizados em
forma de normas mínimas que, somente serão garantidas através da ação política. Karl Marx
denunciara o caráter ideológico dos Direitos Humanos devido à sua tentativa de almejar uma
estabilidade social e por esses direitos serem exclusivos - no século XIX - a homens, brancos,
donos dos meios de produção.
Marx não era contrário aos Direitos Humanos, mas criticara a legalidade-formal da
Declaração do Homem e do Cidadão de 1789 e os seus ideais de “igualdade, liberdade e
fraternidade” devido eles serem inseridos no contexto de um Estado burguês regido pelo ideal
da posse, egoísmo e desigualdade. A Declaração oriunda da Revolução Francesa colocou o
“direito à propriedade privada” como sendo a base para os direitos humanos e Marx é
contrário a essa interpretação liberal de que os direitos humanos devam proteger a
propriedade privada (Mészáros, 2008). Para Marx, essa visão de direitos humanos não lutava
contra o sistema e suas desigualdades, mas sim alienava a classe trabalhadora no sentido de
acreditar que os direitos conquistados pelas revoluções burguesas - civis e políticos - eram o
suficiente para obter a superação da exclusão social.
A partir da crítica marxista à concepção clássica de que a idealização e normatização
dos direitos humanos é suficiente para sua efetivação, chegamos à conclusão de que somente
a luta social é capaz de efetivar os direitos normatizados pela DUDH e os pactos e tratados
internacionais.
Para Axel Honneth (2003), o sujeito ao buscar seu reconhecimento enquanto sujeito de
direito luta para que a sociedade e o Estado assim o veja e desta forma estabelece marcos e
conquista de direitos, que podem se tornar novas regras no ordenamento jurídico.
19
É nessa luta por reconhecimento que surgem os direitos humanos, exemplo disso são
os direitos sociais, econômicos e culturais da segunda geração que foram normatizados após a
Revolução Mexicana de 19102, a Revolução Russa de 1917 e a Constituição alemã de Weimar
de 1919.
O idealismo que a visão tradicional dos Direitos Humanos possui é bastante limitado,
pois é necessária uma ação política que ponha em prática esta idealização (Marx & Engels,
2003, p. 137). Os Direitos Humanos não surgiram com a humanidade, pelo contrário, foram
as lutas sociais que movimentaram as estruturas jurídicas, pressionando-as para sua
materialização. Apesar da necessária normatização representada pela DUDH e pelos pactos e
tratados internacionais, não é assegurada a implementação desta devido à majoritária visão
erronia de idealização dos direitos humanos com a ideia de que por meio do “dever ser” os
mesmos serão magicamente respeitados e garantidos a todos, bem como pela inerente
desigualdade acarretada pelo sistema capitalista e a permanente luta de classes no qual a
burguesia controla o aparato estatal e os meios de produção enquanto a classe trabalhadora
possui seus direitos violados. Tal cenário torna a efetivação dos direitos humanos uma
permanente luta também contra os ideais do sistema capitalista.
2.3 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O “CASAMENTO” COM OS DIREITOS
HUMANOS
Após 21 anos de Estado de exceção, comandado por militares, com uma Constituição
Federal que fora promulgada em 1967 (modificada em 1969 por meio de uma Emenda
Constitucional) e que possuía um caráter ditatorial, o Brasil reestabeleceu o Estado
Democrático de Direito em 5 de outubro de 1988.
O texto da Carta Magna de 1988 sela o “casamento” da República Federativa do Brasil
com o sistema internacional de direitos humanos e cumpre os compromissos internacionais
que o país havia assinado na época da Ditadura Militar.
Formulada após anos de luta contra o totalitarismo e arbitrariedades do regime militar,
a Constituição de 1988 reafirma a visão de que os direitos são êxitos de lutas dos movimentos
e segmentos sociais, cabendo ao legislador a inserção no texto constitucional de garantias
2Foi um acontecimento político que lutava pela reforma agrária e tinha inspiração anarquista e comunista e que
resultou na derrubada do ditador Porfírio Diaz e a criação da Constituição Mexicana de 1917 que garantiu o
pleno direito ao Estado de expropriar terras, caso fosse para uso e benefício público, o reconhecimento do direito
dos povos indígenas, criação do salário mínimo, a mudança da duração da jornada de trabalho (até 8h) e a
separação do Estado e a Igreja Católica.
20
democráticas conquistadas graças aos grupos, pensadores e militantes de oposição aos
militares e seus governos autoritários.
A Constituição de 1988 é a primeira e única constituição a consagrar uma infinidade
de regras e princípios que orientam o Brasil na arena internacional, estabelecendo os direitos
humanos como os valores universais que norteiam a agenda política do país no exterior.
Essa compreensão voltada para o internacionalismo se revela na predominância, na
Declaração Universal de Direitos Humanos e em suas disposições, de princípios tais como: a
autodeterminação dos povos, o combate e prevenção à tortura, a presunção de inocência, o
direito à vida, o combate ao terrorismo e ao preconceito e a cooperação entre os povos para o
progresso da humanidade, conforme disposto no art. 4º da CF3. A Carta Magna de 1988
absolveu, principalmente em seu art. 5º, a DUDH e transformou os seus princípios em
Direitos Fundamentais, representando o compromisso do Estado brasileiro na efetivação da
Declaração Universal.
A doutrina majoritária difere os dois direitos. Os direitos humanos possuem uma
universalidade, interdependência, indivisibilidade e aplicabilidade internacional, havendo
organismos supranacionais que promovem pactos e tratados entre nações. Enquanto que os
direitos fundamentais estão restritos à abrangência da Constituição nacional e são princípios
internos ao ordenamento jurídico do país (Araújo e Nunes Junior, 2006, p.108).
Esse “casamento” entre a Declaração Universal e a Constituição Federal de 1988 é um
marco no ordenamento jurídico do país e a mudança do paradigma para um Estado social. No
entanto, tal “casamento” traz consigo a inabilidade do “dever ser” e sua ineficácia em
corresponder as necessidades da população que sofre diariamente violações de direitos
humanos, vivenciando um idealismo que dificulta sua efetivação.
Parte-se dessa fundamentação teórica a respeito dos Direitos Humanos para uma
análise panorâmica da Política Nacional e elementos a serem considerados na conjuntura do
Estado do Rio Grande do Norte.
2.4 POLÍTICA DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL
A princípio, é preciso destacar a inexistência de uma política estruturada de Direitos
Humanos no Brasil. O que nos é convencionado chamar de política são nada mais que
iniciativas tomadas pelo Poder Executivo Federal, respaldadas pela legislação internacional e
3O art. 4º da Constituição da República Federativa do Brasil representa a reinserção do país no cenário
internacional e o seu comprometimento com a efetivação da Declaração Universal de Direitos Humanos.
21
a Constituição Federal, e que se constituem enquanto bases para uma futura política com
dotação orçamentária, autonomia administrativa e um sistema de proteção dos direitos a nível
nacional4.
Originalmente, a dita Política de Direitos Humanos no Brasil surgiu da luta contra a
Ditadura Militar e suas frequentes violações as garantias fundamentais. O surgimento do
Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) e das Comissões de Direitos Humanos
nos Poderes Legislativos do país representam esse momento inicial até meados dos anos
1980.
A promulgação da Constituição Federal de 1988 e o estabelecimento do Estado
Democrático de Direito no Brasil transformam a luta pelos direitos humanos em pauta estatal.
Em 1996, com a edição do I Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH)5 e, em 1997,
com a criação pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) da Secretaria
Nacional de Direitos Humanos (SNDH) no âmbito do Ministério da Justiça, é que a Política
de Direitos Humanos se transforma em “agenda de Estado”.
O I PNDH foi bastante tímido em termos de conteúdo, mas reafirmou a
responsabilidade do Estado em promover e proteger os direitos humanos. Seu maior foco foi a
segurança pública e, dentre as principais ações feitas pelo Governo Fernando Henrique
Cardoso, destacam-se a tipificação do crime de tortura, a criminalização do porte ilegal de
armas e a criação do Estatuto dos Refugiados (Pinheiro & Mesquita Neto, 1997, p. 123).
Em 2002, no último ano de gestão do PSDB, é lançado o II PNDH6, resultado da IV
Conferência Nacional de Direitos Humanos (realizada em 1999) e do aperfeiçoamento do I
PNDH. O II PNDH tem seu principal foco nos direitos sociais, econômicos e culturais
abordando temáticas de proteção às minorias (mulheres, afrodescendentes, LGBT, pessoas
com deficiência etc.). Em 1999, a SNDH é transformada em Secretaria dos Direitos Humanos
(SEDH) com representação nas reuniões ministeriais (Adorno, 2010, p. 10 a 12).
O início do governo do Presidente Luís Inácio Lula da Sila (PT), em 2003, representa
uma nova era para a institucionalização dos Direitos Humanos no Brasil. A SEDH é
transformada em Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República
(SDH/PR) com status de Ministério e com autonomia orçamentária e administrativa. É criado
4 No decorrer da pesquisa o autor utiliza o termo para se referir aos alicerces da política nacional. 5O I PNDH foi criado unindo contribuições da sociedade civil, através das ONGs, e contemplando um ciclo de
seminários regionais em seis capitais do país - São Paulo, Natal, Rio de Janeiro, Recife, Belém e Porto Alegre
(Pinheiro & Mesquita Neto, 1997). O I PNDH foi criado pelo Decreto Federal nº 1.904, de 13 de maio de 1996. 6 Decreto Federal nº 4.229, de 13 de maio de 2002. Dispõe sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos -
PNDH, instituído pelo Decreto no 1.904, de 13 de maio de 1996, e dá outras providências.
22
o III PNDH7, produto das resoluções da 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, além
de propostas aprovadas em mais de 50 conferências temáticas, promovidas de 2003 a 2009,
em áreas como: segurança alimentar, educação, saúde, habitação, igualdade racial, direitos da
mulher, juventude, crianças e adolescentes, pessoas com deficiência, idosos, meio ambiente,
entre outros.
Além da SDH/PR, o Governo Lula (PT) cria as Secretarias Especiais de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR/PR) e de Políticas para
as Mulheres (SPM/PR) com status de Ministério e com autonomia administrativa e
orçamentária. Em 2005 também é criada a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) com
objetivo de articular as políticas para a população de 15 a 29 anos e auxiliar a SDH/PR na
promoção dos Direitos Humanos no país.
O Governo da Presidenta Dilma Rousseff (PT), iniciado em 2011 e interrompido em
2016, deu continuidade aos investimentos e prosseguiu na criação de marcos legais,
programas e ações com objetivo da promoção dos direitos humanos.
Em 2017, o Governo Michel Temer (MDB) criou o Ministério dos Direitos Humanos
(MDH)8 e retirou o status de Ministério da SEPPIR e SPM, também houveram cortes de
recursos e a perda da autonomia orçamentária para as antigas Secretarias Especiais vinculadas
à Presidência da República. Atualmente, o cargo de Ministro dos Direitos Humanos é
ocupado pelo advogado Gustavo do Vale Rocha desde fevereiro de 20189, que possui um
vínculo com o MDB e o presidente Temer10 e que nos faz questionar a funcionalidade e
efetividade do Ministério.
A relativa autonomia administrativa e orçamentária desapareceu com o Governo
Michel Temer (MDB) e o corte de investimentos no III PNDH, nos programas e ações em
defesa da cidadania e direitos humanos passam a afetar os demais Estados da Federação,
como é o caso do Rio Grande do Norte.
7Decreto Federal nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009.Aprova o Programa Nacional de Direitos Humanos
(PNDH-3) e dá outras providências. 8Decreto Federal nº 9.122, de 9 de agosto de 2017. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo
dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério dos Direitos Humanos, remaneja cargos em
comissão e funções de confiança e substitui cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores
- DAS por Funções Comissionadas do Poder Executivo - FCPE. 9 Gustavo responde pela pasta desde 20 de fevereiro de 2018, quando substituiu Luislinda Valois na pasta - única
mulher, negra e de religião de matriz africana dentre os assessores de Michel Temer. 10 Ex-advogado do ex-deputado federal Eduardo Cunha (MDB-RJ), ele foi um dos personagens no episódio que
resultou nas demissões, ainda em 2016, dos então ministros Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) e
Marcelo Calero (Cultura). Além de ter atuado no caso do apartamento de Geddel Vieira Lima no edifício La
Vue, Gustavo do Vale Rocha assinou a petição que censurou uma reportagem da Folha de São Paulo. O texto
tratava de uma tentativa de extorsão de um hacker contra a primeira-dama Marcela Temer, em 2016.
23
2.5 POLÍTICA DE DIREITOS HUMANOS NO RIO GRANDE DO NORTE
Com pouco mais de 3 milhões e 500 mil habitantes11, o Rio Grande do Norte é um dos
menores Estados da Federação. Sua economia é baseada no turismo, comércio, serviço
público, agropecuária, extração mineral, gás natural e petróleo, sendo bastante dependente de
investimentos e repasses do Governo Federal. O Estado se destaca negativamente pelo atual
cenário de explosão do número de homicídios. De acordo com o Atlas da Violência,
publicado em 2018 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Fórum Brasileiro
de Segurança Pública, o Rio Grande do Norte foi o estado em que mais cresceu a taxa de
homicídios (aumento de 256,9%) entre 2006 e 2016 - com 53,4 mortos para cada 100 mil
habitantes, acima da média nacional de 30,3.
Em se tratando da Política de Direitos Humanos, o Rio Grande do Norte iniciou sua
trajetória através da luta de organizações da sociedade civil - tal como a política nacional -
com a fundação do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP)12, em 2 de
dezembro de 1986, e do Centro de Estudos, Pesquisa e Ação Cultural (CENARTE)13, em 9 de
fevereiro de 1987.
Na primeira metade da década de 1990 esses dois grupos realizaram, em conjunto com
o MNDH, diversas ações de promoção dos direitos humanos em Natal e demais municípios
do Rio Grande do Norte, dentre as quais se destacam a realização do Seminário sobre Política
de Comunicação e Direitos Humanos (1992) e o Seminário de Comunicação, Cultura e
Direitos Humanos (1994).
Em 1995 é criada a Comissão Estadual de Direitos Humanos e Cidadania14, dando
início ao processo de institucionalização da pauta de direitos humanos no Governo do Estado
do Rio Grande do Norte. Repercutindo a articulação nacional para a criação do I PNDH, foi
realizada, em 1996, a I Conferência Estadual de Direitos Humanos15 que teve como resultado
11Conforme estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2017 haveriam 3.507.003 de
pessoas vivendo no Estado do Rio Grande do Norte. 12 O CDHMP tem como missão, atuar junto à sociedade civil utilizando como estratégia sua preocupação com a
violência, no sentido de que compreendendo esse fenômeno, ela avance na defesa e promoção dos Direitos
Humanos na temática da Cidadania, Justiça e Segurança Pública, buscando consolidar uma política de Segurança
Pública mais eficaz e democrática. O CDHMP é filiado ao Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH). 13O CENARTE atua com estudos, pesquisas e ações educativas nas áreas de Direitos Humanos, Comunicação e
Cultura. Possui, para melhor desenvolver seus objetivos, três programas básicos: Cultura; Educação para os
Direitos Humanos e Memória Histórica. O CENARTE também é filiado ao MNDH. 14Instituída pela Lei Estadual nº 6.784, de 30 de junho de 1995, e modificada pela Lei Estadual nº 6.980, de 08
de janeiro de 1997. 15 Os organizadores da I Conferência Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Norte foi o MNDH,
através de seu Núcleo Estadual, e a Comissão Estadual de Direitos Humanos e Cidadania.
24
avaliar a implantação do I PNDH e propor formas para sua consolidação no Estado do Rio
Grande do Norte.
O ano de 1997 ficou marcado pela transformação da então Comissão Estadual em
Conselho Estadual de Direitos Humanos e Cidadania (COEDHUCI)16, vinculado à Secretaria
de Estado do Trabalho, da Justiça e da Cidadania (SEJUC) e formado por indicações do Poder
Público e da sociedade civil. Ao COEDHUCI compete fiscalizar, investigar, estudar e propor
soluções aos problemas de violações de direitos humanos no Estado do Rio Grande do Norte.
Contando com o apoio da SEJUC, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos do
Ministério da Justiça (SNDH/MJ) e do CDHMP, foi realizada nos dias 17 e 18 de dezembro
de 1998, a II Conferência Estadual de Direitos Humanos. Os subsídios tirados pela II
Conferência Estadual foram utilizados para a criação do I Programa Estadual de Direitos
Humanos (PEDH).
A realização das duas Conferências Estaduais, a constituição do COEDHUCI, a
criação pela administração do então Governador Garibaldi Alves Filho (PMDB), em 1999, da
Coordenadoria de Direitos Humanos e Defesa das Minorias (CODEM)17 no âmbito da
Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania (SEJUC) e a instituição do I PEDH18, em 2002,
alçaram os Direitos Humanos como pauta estatal no Rio Grande do Norte.
O Governo Wilma de Faria (PSB), inspirado e beneficiado pela administração do
Presidente Lula (PT), trouxe avanços na pauta de investimentos para os Direitos Humanos. A
CODEM/SEJUC, comandada pelo advogado Marcos Dionísio Medeiros Caldas, executou
diversos programas e ações de 2004 a 2010 com o apoio da SDH/PR, como o Centro de
Atendimento às Vítimas de Violência (CEAV), o Centro de Referência em Direitos Humanos
de Prevenção e Combate à Homofobia (CRCH) e o Conselho Deliberativo do Programa de
Proteção à Vítimas e Testemunhas (PROVITA). Em 2006 é criada a Subsecretaria de
Juventude (SEJUV) vinculada à SEJUC, e em 2007, são criadas as Coordenadorias de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial (COEPPIR/SEJUC) e de Políticas para as
Mulheres (CEPAM/SEJUC) com autonomia administrativa para executar as ações.
A posse da Governadora Rosalba Ciarlini (DEM), em 2011, representou um retrocesso
para as políticas de direitos humanos, com os contingenciamentos no orçamento das
Coordenadorias e a falta de prioridade com a pauta. Contribuiu para o cenário a falta de
alinhamento político entre o Governo Rosalba e da Presidenta Dilma Rousseff. O resultado
16O COEDHUCI foi instituído pela Lei Estadual nº 7.098, de 16 de dezembro de 1997. 17A CODEM/SEJUC foi criada pelo Decreto Estadual nº 14.331, de 24 de fevereiro de 1999. 18Aprovado pelo Decreto Estadual nº 15.987, de 3 de abril de 2002.
25
foi o sucateamento e esvaziamento da Política Estadual de Direitos Humanos, passando a
responsabilidade da promoção e defesa dos direitos para os movimentos sociais e eximindo o
Governo do Estado de qualquer atitude.
A administração do Governador Robinson Faria (PSD) foi iniciada, em 2015, tendo
um alinhamento político com o Governo Dilma Rousseff (PT), através de uma aliança local
com o PT e PCdoB. As políticas para mulheres e juventude foram alçadas a status de
Secretarias Extraordinárias, vinculadas ao Gabinete Civil do Governador do Estado (GAC), e
com proposta de autonomia administrativa e orçamentária. No entanto, na esteira do processo
de impeachment da Presidenta Dilma, o Governo Robinson Faria modifica seu
direcionamento político e se alinha ao então Presidente interino, Michel Temer, e sua gestão
com forte viés neoliberal e conservador, rompendo com o PT do Rio Grande do Norte.
Essa mudança de rumo do Governo Robinson Faria atinge os investimentos sociais do
Governo do Estado e aprofunda a crise humanitária, econômica e de segurança pública no
território potiguar. A Política estadual sofreu severamente com a perda do status de
Secretaria, anteriormente destinada à pauta da juventude, e o esvaziamento da Secretaria
Extraordinária de Políticas Públicas para as Mulheres (SPM), além do permanente
contingenciamento de recursos para as ações de direitos humanos e cidadania. Tal situação
transforma as Coordenadorias e Conselhos de Direitos em atores figurantes e sem qualquer
importância.
26
3 GOLPE DE 2016 E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS NO BRASIL E RIO GRANDE DO NORTE
O período histórico iniciado no dia 12 de maio de 2016 (efetivado no dia 31 de agosto
de 2016), com o aprofundamento do processo de crise institucional, o afastamento da
Presidenta Dilma Rousseff (PT) e a posse interina de Michel Temer, interrompeu um ciclo no
desenvolvimento do Estado Democrático de Direito no Brasil.
O processo de destituição de Dilma suscitou uma divisão da sociedade e um forte
debate sobre sua identificação formal - o surgimento de grupos de juristas e movimentos que
caracterizaram o processo como sendo um golpe parlamentar e outro grupo que caracterizou o
impeachment como sendo legítimo - os opositores de Direita da administração da petista,
buscaram encaixar na Constituição Federal, ou seja, numa lógica regimental, o pedido de
impeachment e sua posterior condenação pelo Congresso Nacional. Já seus aliados reagiram e
buscaram denunciar o viés ilegal, como forma de provar que o processo aconteceu por
interesses políticos e não pela lógica regimental (de responsabilizar a Chefe de Poder
Executivo por eventual crime a frente do cargo).
O ano de 2016 foi marcado pelas agonizantes sessões na Câmara dos Deputados e no
Senado Federal que paralisaram o país e aprofundaram o caos social, político e econômico
iniciado por pressões de setores da sociedade no ano anterior. Para Jessé Souza (2016), o
perfil desses setores é formado pela elite econômica (detentora dos grandes bancos e fundos
financeiros), os operadores do Direito e a grande mídia19. E foram esses interessados que se
somaram aos insatisfeitos políticos do Movimento Democrático Brasileiro (MDB)20 - dentre
eles o vice-presidente Michel Temer e o então Presidente da Câmara dos Deputados Eduardo
Cunha - acordando a deposição de Dilma. Destaca-se o papel do Judiciário nesse processo,
pois sem a sua politização e seu “ativismo judicial” o golpe não teria acontecido (Souza,
2016).
Busca-se, neste capítulo, contextualizar o cenário nacional pós-golpe parlamentar com
o Governo Michel Temer (MDB), bem como seu caráter anti-Direitos Humanos e suas
desastrosas consequências para a proteção e efetivação destes direitos no Brasil e no Rio
Grande do Norte. Também será destacado o desrespeito exercido pela administração do MDB
19Não se busca apreciar todo o contexto e as justificativas desses setores para o impeachment de Dilma Rousseff;
para tal objetivo sugerimos ao leitor o livro “A radiografia do golpe: entenda como e por que você foi enganado”
de Jessé Souza, 2016. 20Em dezembro de 2017, os filiados mudaram o nome de Partido do Movimento Democrático Brasileiro
(PMDB) para somente Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Com objetivo de trazer alguma renovação à
combalida imagem do partido perante o eleitorado brasileiro.
27
ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) de 16 de
dezembro de 1966.
3.1 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF (PT)
E A CARACTERIZAÇÃO DO GOLPE PARLAMENTAR-JURÍDICO
Reeleita em 2014, a Presidenta Dilma inicia seu segundo mandato com claros sinais de
crise econômica e política. O ano de 2015 foi marcado pelo aprofundamento da crise
impetrada pelo Presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB) que culminou
na abertura do processo de impeachment gerando um golpe parlamentar-jurídico em maio de
2016.
A petição, apresentada por um grupo de juristas e aceita por Eduardo Cunha,
sustentava que Dilma havia cometido crime de responsabilidade devido a uma manobra fiscal
envolvendo o Plano Safra21 e ao atraso no repasse do Tesouro Nacional ao Banco do Brasil,
administrador do programa, manobra esta conhecida no contexto político brasileiro como
pedalada fiscal. A denúncia também imputava como delito o fato de a Chefe do Poder
Executivo Federal ter editado decretos orçamentários sem autorização expressa do Congresso
Nacional, como dispõe a Lei Federal nº 1.079, de 10 de abril de 195022.
No decorrer do processo de impeachment, o Senado Federal determinou a criação de
uma Junta Pericial que atestou o descumprimento da Constituição Federal por parte do Poder
Executivo. No entanto, a Junta fez ressalvas a respeito da responsabilidade da Presidenta
Dilma no cometimento dessas infrações, tendo como suporte o fato de a Secretaria de
Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SOF/MPOG) não
haver alertado a Presidenta a respeito da incompatibilidade dos decretos orçamentários com a
meta fiscal estabelecida (Brasil, Senado Federal, 2016). Outra ressalva demonstra que os
decretos consideraram a meta fiscal apresentada pelo então Projeto de Lei nº 5/201523,
transformado na Lei Federal nº 13.199, de 3 de dezembro de 2015.
21O Plano Safra é uma política pública do Governo Federal, através da Secretaria Especial da Agricultura
Familiar e do Desenvolvimento Agrário, que objetiva a ampliação da produção de alimentos e na garantia de
crédito mais barato para aqueles que produzem a comida que chega à mesa dos brasileiros. Dados da Secretaria
Especial da Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário do Ministério da Casa Civil. 22Que dispõe sobre os crimes de responsabilidade e regulamenta o seu processo de julgamento. 23Altera os dispositivos que menciona da Lei nº 13.080, de 2 de janeiro de 2015, que dispõe sobre as diretrizes
para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2015.
28
Destarte, com a aprovação da Lei nº 13.199/2015 os parlamentares referendaram e
aprovaram a abertura dos créditos suplementares por meio dos decretos, conforme dispõe a
Constituição Federal e a Lei nº 1.079/1950.
Em se tratando das pedaladas fiscais com relação ao Plano Safra os peritos da Junta do
Senado Federal não identificaram envolvimento direto da Presidenta Dilma para que
ocorressem os atrasos no repasse do Tesouro Nacional para os pagamentos do Banco (Brasil,
Senado Federal, 2016).
Como a Junta Pericial comprovou, não foi possível determinar a participação direta de
Dilma Rousseff nas acusações feitas pela denúncia e aprovadas pelo Congresso Nacional.
José Eduardo Cardoso (2016) em sua função de defesa pontuou quatro elementos que
comprovam a inexistência de dolo por parte da ex-presidenta24. A defesa reiterou em suas
alegações finais que todo o processo de impeachment era baseado em interesses particulares
de um determinado grupo político que tinha o único intuito de retirar um projeto de nação que
saiu vitorioso das eleições gerais em 2014 (Cardoso, 2016).
Para a doutrina majoritária brasileira, que segue o ideal de Paulo Brossard, o instituto
do impeachment possui um caráter iminentemente político, cujo processo e julgamento são
tomados somente pelo jogo político de manter ou não um determinado governo, mesmo que
sejam utilizados princípios e critérios jurídicos para tomarem essas decisões (Queiroz Filho,
2016). A despeito do processo de impeachment estar presente na terminologia do direito
constitucional para caracterizar a sanção a determinada autoridade pública, com a destituição
do cargo e perda dos direitos políticos por oito anos.
Brossard (1992) defendeu que o instituto do impeachment agrava crises
constitucionais, pois é devagar, manipulado pelos grandes meios de comunicação e passível
de abusos por interesses políticos. Nas duas experiências que o Brasil vivenciou (com
Fernando Collor em 1992 e Dilma Rousseff em 2016), o impeachment agravou
consideravelmente o caos político, econômico e social, somente sendo superado com o início
de novos mandatos democraticamente eleitos.
24“1. a Presidenta não determinou previamente o atendimento a quaisquer demandas de órgãos da
Administração, tampouco impôs a adoção de meios inadequados aos órgãos técnicos para atingir a sua
consecução, ou seja, agiu por provocação e não determinou meios ilícitos para consecução das finalidades por
ela prescritas; 2. a Presidenta agiu pautada pelo expresso posicionamento dos órgãos técnicos, inclusive os
jurídicos, que afirmaram a regularidade jurídica dos atos; 3. A Presidenta seguiu a rotina ordinária de despacho
dos atos não tendo sido formalizado em nenhum dos expedientes por ela analisados a existência de dúvida
razoável quanto ao eventual desrespeito à Lei orçamentária; 4. O posicionamento divergente ao tradicionalmente
adotado pela Administração Pública e referendado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), desde 2001, apenas
se tornou definitivo, no âmbito deste órgão, após a Presidenta praticar o ato, ou seja, ainda que fosse de seu
conhecimento referida divergência ela ainda estava em debate entre as áreas técnicas do TCU e do Poder
Executivo” (Cardoso, 2016, p.263).
29
Diante disso, conclui-se que o processo de impeachment - apesar de estar
fundamentado juridicamente - trata-se de uma ação política. No caso de Dilma Rousseff não
foi diferente, tendo em vista a falta de comprovação de dolo pelos atos cometidos pela então
presidenta.
O impeachment sem a comprovação de crime de responsabilidade configura-se como
golpe parlamentar, conforme defende o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos
(2017). A deposição de Dilma foi um golpe parlamentar de natureza política, capitaneado
pelo MDB (até então aliado da Presidenta e do Partido dos Trabalhadores), e se assemelha aos
processos de deposição de Presidentes na Honduras (2009)25 e no Paraguai (2012)26.
3.2 O SURGIMENTO DO GOVERNO ANTI-DIREITOS HUMANOS DE MICHEL
TEMER (MDB) E SEUS RETROCESSOS
Após a deposição de Dilma Rousseff em maio de 2016, inicia-se o Governo do então
vice-presidente Michel Temer (MDB) sob forte divisão na sociedade brasileira e com
promessas de “reformar e moralizar” o país. No entanto, o cenário atual- dois anos após- é de
aprofundamento do caos institucional, econômico, social e político iniciado com o golpe
parlamentar impetrado em 2016.
A administração do MDB é marcada pela severa política de austeridade que consiste
na redução acentuada dos investimentos públicos e de ataque a direitos sociais, garantias
trabalhistas e de seguridade social. A austeridade se tornou a marca dos governos que
ascenderam nos países da União Europeia (UE) após a crise iniciada em 200827 e aprofundada
em 2011.
Procurei nessa seção analisar os retrocessos nas principais áreas e as ações da gestão
que reafirmam o caráter anti-Direitos Humanos de Michel Temer: arranjo institucional da
25Em 28 de junho de 2009, horas antes de ser iniciado uma consulta popular não vinculante a respeito se era
necessário haver uma reforma constitucional em Honduras, militares derrubam o então Presidente legítimo
Manuel Zelaya Rosales. Ele é retirado de sua casa e, com escolta militar, é levado ao aeroporto, onde é
extraditado para a Costa Rica. O Congresso indica Roberto Micheletti, que presidia o legislativo, como novo
chefe de Estado. 26Em 22 de junho de 2012, encerra-se o “relâmpago” processo de impeachment do então Presidente Fernando
Lugo. O processo durou 48 horas e sua maior acusação foi o “fraco desempenho de suas funções” frente a uma
situação de confronto entre trabalhadores rurais sem-terra e policiais. O vice-Presidente Frederico Franco toma
posse como Presidente. 27Iniciada nos Estados Unidos da América (EUA), essa crise foi marcada pelo colapso no sistema global de
especulação econômica para a obtenção de lucros. Grandes bancos e instituições financeiras foram a falência e,
assim como em 1929, quebrou a economia dos EUA e por consequência a de todo o planeta. Em 2011 é iniciada
a crise dos países da União Europeia e os governos partem para socorrer as instituições financeiras que haviam
criado a crise, aumentando o déficit fiscal e gerando uma nova crise: a de falência dos estados europeus.
30
política de Direitos Humanos, a Emenda Constitucional nº 95/2016, a Reforma Trabalhista e
trabalho escravo, a intervenção militar, as políticas para as minorias, a reforma da previdência
social e a perseguição aos movimentos sociais.
3.2.1 NOVO ARRANJO INSTITUCIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
Iniciando os ataques aos Direitos Humanos, como primeira medida de seu governo e
com a justificativa de “corte de gastos”, Temer reduz o número de Ministérios de 32 para 2328
e dentre os extintos está o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e do
Direitos Humanos (MMIRDH)29 que foi incorporado ao então novo Ministério da Justiça e
Cidadania (MJC). Essa atitude revela o descompromisso político da atual administração que
assumiu após o golpe parlamentar e há dois anos vem empreendendo retrocessos aos direitos
humanos da população brasileira.
A consequência direta da perda do status de Ministério da pauta de Direitos Humanos
foi a desestruturação dos alicerces para uma futura política nacional, o corte do financiamento
de programas para os Estados e Municípios30 e a paralisação das atividades até o final de 2016
da maioria das ações das Secretarias Nacionais remanescentes do antigo Ministério e
incorporadas ao MJC.
Em 3 de fevereiro de 2017, Temer cria o Ministério dos Direitos Humanos (MDH),
concedendo novamente à pauta o status ministerial e articulando as antigas Secretarias
Especiais da Presidência da República - Secretaria de Direitos Humanos (SDH) e Secretaria
Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) - num único ministério.
Salienta-se que a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SPM), que possuía status
de Ministério até 2015, e que na Gestão Temer foi incorporada pelo Ministério da Justiça e
Cidadania foi realocada para a Secretaria de Governo da Presidência da República
(SEGOV/PR). A Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) também foi realocada para a
SEGOV/PR.
28Vide Medida Provisória nº 726/2016 29Em 2016 para o orçamento do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos
Humanos estava destinado 0,15% do Orçamento Geral da União. Dados da Secretaria de Orçamento Federal
(SOF) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2015. 30Com a extinção do Ministério, em maio de 2016, foi afetada a execução do Orçamento para a área de Direitos
Humanos (Disque 100, Ouvidoria Nacional, Cidadania, Igualdade Racial, Mulheres, LGBT, Pessoa Idosa,
Pessoa com Deficiência, Criança e Adolescente). Havendo um corte de 35% no Orçamento a ser executado,
se comparado à 2015. Dados da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) do Ministério do Planejamento,
Desenvolvimento e Gestão, 2017.
31
No entanto, com o menor orçamento da União31 e com uma atuação tímida, podemos
concluir que essa recriação do MDH foi uma jogada “para inglês ver”32 do Governo do MDB
e que não possui um real interesse ou comprometimento com a pauta de proteção e defesa dos
direitos humanos.
3.2.2 EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 95/2016
Um dos maiores ataques que reafirmam a tese do descompromisso e desrespeito da
gestão pós-golpe parlamentar de Michel Temer com os Direitos Humanos foi o envio e
posterior aprovação da Emenda Constitucional nº 95/2016 que instituiu o chamado “Teto dos
Gastos” e congelou os investimentos da União em diversos setores, dentre eles o campo social
(por exemplo: saúde, educação, cultura, esporte e assistência social) e do Sistema de Justiça
(Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União, Justiça Federal) por vinte
exercícios financeiros, ou seja, 20 anos. Isso significa que o capital investido no campo social
e no sistema de Justiça a cada ano será o valor investido no ano anterior corrigido pela
inflação.
O ano de 2018 é o primeiro de vigência do “Teto dos Gastos” que já vem afetando
diretamente o alcance e a qualidade (já insuficiente) dos serviços públicos básicos oferecidos,
inviabilizando, desse modo, a garantia de direitos humanos e sociais à grande parcela da
população brasileira, que depende desses serviços33. Além de acarretar uma limitação da
atuação do Poder Judiciário e demais instituições do sistema de Justiça e, nesse sentido,
diminuir a atuação estatal em responder às demandas da sociedade, entre as quais: a atuação
na tutela coletiva, o combate ao crime e à corrupção e a defesa do interesse público34.
A justificativa do Governo Temer pela instituição do “Teto dos Gastos” foi a
necessidade de equilíbrio das contas públicas, entretanto, a auditoria cidadã da dívida
enquanto um mecanismo capaz de auxiliar na determinação do que realmente é dívida e o que
é consequência das estratégias de endividamento público, nunca foi realizada.
Outras medidas constitucionais e efetivas que podem ser empregadas para reequilíbrio
das contas públicas são: a) o compromisso com a revisão de privilégios fiscais, de que são
31Foi orçado R$ 271 milhões para o Ministério dos Direitos Humanos (MDH) para 2018. Dados da Secretaria de
Orçamento Federal (SOF) do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, 2018. 32Ou seja, puramente demagogia e que não modifica na prática o cenário das políticas de direitos humanos no
país, tendo em vista o descompromisso da administração com a pauta. 33 Disponível em: https://www.alainet.org/pt/articulo/185993 34Disponível em: https://conferencianacional.files.wordpress.com/2017/09/nota-cnas-orc3a7amentocorreta-docx-
aprovada-plenc3a1ria1.pdf
32
exemplos as renúncias fiscais e os incentivos creditícios a grandes empresas; b) exame das
contas anuais dos entes políticos; c) investigação e eliminação do inchaço da máquina
pública; d) a taxação de grandes fortunas (prevista no art. 153, inciso VII, Constituição
Federal35), e) diminuição da taxa básica de juros, dentre outras. Outras medidas existem sem
que, para isso, necessitemos eximir o Estado de cumprir suas obrigações constitucionais para
com a sociedade. Não é necessário que, para pagar uma dívida que o Brasil contraiu ao longo
de sua história, a população pague com seus direitos humanos fundamentais.
Salienta-se ainda a penalidade presente na emenda constitucional para o não
cumprimento do teto destinado a investimentos no campo social.
Compreende-se que o financiamento mínimo dos direitos humanos fundamentais à saúde e à
educação, bem como o orçamento da seguridade social são cláusulas pétreas, pela
confluência de três prismas normativos que operam em reforço recíproco.
Para além dos impactos sociais e no sistema de Justiça, a Emenda Constitucional nº
95/2016 fere os princípios constitucionais e internacionais de direitos humanos. A Emenda
vai em sentido contrário aos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que amparam
o investimento em direitos humanos e, consequentemente, em serviços públicos básicos,
através de vinculações de receita ou dever de gasto mínimo, como podemos perceber no caso
da educação no art. 212 da Constituição Federal de 198836.
Conforme a Nota Técnica nº 82/2016 do Ministério Público Federal (MPF), a Emenda
Constitucional nº 95/2016 incuti ao Poder Executivo a ideia de ser um “supra órgão” que, a
pretexto de trazer a trajetória da dívida pública para níveis sustentáveis, passará a controlar os
demais poderes ainda que de maneira indireta, inviabilizando o cumprimento de suas funções
constitucionais e institucionais, o que contrariaria de maneira flagrante a ordem constitucional
vigente e o dispositivo legal de autonomia e independência dos Poderes.
De acordo com Philip Alston, Relator Especial para Extrema Pobreza e Direitos
Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), a emenda constitucional afetará de
forma mais intensa os cidadãos mais pobres e mais vulneráveis com o passar dos anos, além
de ampliar a desigualdade social e colocar em risco toda uma geração de brasileiros, sendo
35“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
(...)
VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.” 36 Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de
transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
33
totalmente incompatível com os compromissos internacionalmente assumidos pelo Brasil na
área de direitos humanos37.
As consequências para os Direitos Humanos da vigência da Emenda Constitucional nº
95/2016 já vem afetando o funcionamento das instituições públicas e inviabilizando os
investimentos na área social e no Sistema de Justiça, sendo uma clara afronta aos direitos
humanos da população brasileira e um desrespeito ao texto constitucional que coloca esses
direitos como sendo inalienáveis, indivisíveis e universais.
3.2.3 REFORMA TRABALHISTA E TRABALHO ESCRAVO
Um dos direitos conquistados na segunda geração, o direito trabalhista vem sendo
fortemente atingido pelas ações de Michel Temer. Defendido pelos aliados da administração
do MDB, principalmente parlamentares do PSDB38 e grandes empresários, a Reforma
Trabalhista, aprovada e transformada na Lei Federal nº 13.467/201739, infringe os direitos
humanos e convenções internacionais ao qual o Brasil ratificou, conforme ficou explicitado
pela Organização Internacional do Trabalho (OIT)40 após consulta feita por organizações
sindicais a respeito da dita “reforma”41.
37 Disponível em: http://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=21006&LangID=E 38Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) fundado em 25 de junho de 1988 e que administrou o país por
duas ocasiões com Fernando Henrique Cardoso: 1995 - 1998; 1999 - 2002. Seu modelo de gestão é marcado
pelas políticas de austeridade e corte de investimentos sociais, privilegiando o setor privado. 39 Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de
1943, e as Leis nos 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de
1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. 40Convenção Internacional nº 98 de 1949, que trata do direito de sindicalização e de negociação coletiva: a
lei 13.467/2017, adotando-se interpretação literal, deixa claro no seu art. 611-A que os acordos coletivos deverão
prevalecer perante as legislação, todavia, tal dispositivo viola a já referida convenção da OIT, pois, embora a
legislação sobre aspectos específicos das condições de trabalho poderiam ser previstas de forma circunscrita e
motivada, sua derrogabilidade via negociação coletiva pode estabelecer a derrogabilidade geral do direito do
trabalho através de um acordo e, portanto, seria contrário ao objetivo de promover a negociação coletiva livre e
voluntária estabelecida pela convenção, em outro termos, o objetivo geral da convenção nº 98, bem como da nº
154 é a promoção da negociação coletiva para encontrar um acordo sobre termos e condições de trabalho que
sejam mais favoráveis do que os previstos na legislação. Entretanto, segundo o texto da lei 13.467/2017, os
acordos coletivos podem prevalecer sobre a legislação em pontos como plano de cargos e salários e participação
nos lucros, por exemplo, sem a garantia de que o resultado final da negociação seja melhor para o trabalhador do
que o estabelecido pela norma trabalhista.
Convenção Internacional nº 154 de 1981, que trata do fomento a negociação coletiva – no art. 7 desta
convenção, é evidenciado a necessidade da realização de consultas prévias das medidas adotada pelo governo
para fomentar esse tipo de negociação. Evidentemente, torna-se impossível a existência de uma consulta prévia
de um projeto, e agora lei, que fora votado e aprovado sob regime de urgência., conforme aprovado pelo
congresso nacional quanto a tramitação do projeto. 41 Disponível em: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---
relconf/documents/meetingdocument/wcms_617065.pdf
34
Destaca-se que as Convenções da OIT possuem natureza de tratados internacionais
multilaterais, os quais estabelecem normas de execução obrigatórias para os Estados que a
ratificarem, contudo, essa ratificação não é obrigatória. Conforme explica Garcia (2014, p.
127) existem três modalidades de convenções da OIT, que podem ser autoaplicáveis
(dispensando regulamentação); de princípios (estabelecendo normas gerais a serem reguladas
pelos países) e as promocionais (que fixam programas a serem disciplinados pelo
ordenamento jurídico nacional a médio e longo prazo). Desta forma, as implicações trazidas
com a Reforma Trabalhista não podem se sobrepor às determinações trazidas pelas
convenções da OIT e aos princípios constitucionais de proteção do direito trabalhista.
A título de ilustração do cenário, dentre algumas mudanças trazidas pela Reforma
Trabalhista e que violam os direitos humanos dos trabalhadores está a questão de as mulheres
grávidas ou lactantes que trabalharem em locais considerados insalubres em grau máximo, e
durante a lactação esse afastamento, em qualquer grau de insalubridade, precisa estar sujeito
a atestado médico (representando um desrespeito ao direito à saúde da mulher). Outro
retrocesso está nas horas in itinere, ou seja, as horas que o trabalhador passa entre sua
residência e o trabalho, indo e voltando, com transporte que é da empresa, deixou de ser
pago ao próprio (mesmo sendo garantido pelo art. 58, § 2º, CLT42, nos casos em que há
dificuldade de acesso ou não há transporte público para servi-lo).
Com mudanças de aproximadamente 120 artigos da Consolidação de Leis Trabalhistas
(CLT), a Reforma Trabalhista inegavelmente trouxe consequências mais negativas do que
positivas para o ordenamento jurídico brasileiro, além de violar as convenções internacionais
da OIT e os princípios constitucionais que garantem conquistas ocorridas no século XX.
A problemática dos trabalhadores em condições análogas à escravidão no Brasil foi
intensificada com a posse de Michel Temer à Presidência da República. Além do corte
orçamentário e do contingenciamento de recursos43, o Ministério do Trabalho por meio da
Portaria nº 1.129 de 201744, mudou o entendimento do que seria trabalho escravo - sua
42 “Art. 58. ................................................................................................................... ...............................................
(...)
§ 2º O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e
para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não
será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.” (Redação dada pela
Lei nº 13.467, de 2017) 43 Conforme a Lei Orçamentária Anual, R$ 3,2 milhões haviam sido previamente alocados para as ações de
fiscalização em 2017. Mas devido ao contingenciamento apresentado pelo Governo de Michel Temer em função
do ajuste fiscal, o valor foi reduzido para 1,6 milhão de reais. Dados da Secretaria de Orçamento Federal (SOF)
do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, 2017. 44Dispõe sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo para fins
de concessão de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser resgatado em fiscalização do Ministério do
35
definição foi restringida à perda de liberdade de locomoção - e criou empecilhos para realizar
as fiscalizações. A portaria também modificou o modo de divulgação da chamada “lista suja
do trabalho escravo45”, tornando-a competência do Ministro do Trabalho e não mais dos
técnicos do Ministério. Houve forte reação da OIT, MPF e Ministério Público do Trabalho
(MPT) que conseguiram que o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendesse os efeitos da
portaria devido ao fato de esta se encontrar em desacordo com o previsto no art. 149 do
Código Penal de 194046. Em dezembro de 2017 o Governo recua e publica a Portaria nº 1.293,
de 29 de dezembro de 2017, que restabelece as regras anteriores e amplia a definição de
trabalho em condições análogas à escravidão.
Em um país com a taxa de desemprego de 13,1% (13, 7 milhões de desempregados),
segundo dados do IBGE47, a política do Governo Temer para a geração de emprego e renda
diminui as condições de trabalho ao desempregado brasileiro e contribui para o
aprofundamento das desigualdades sociais.
3.2.4 SEGURANÇA PÚBLICA, INTERVENÇÃO MILITAR E VIOLÊNCIA
Com 59.103 homicídios48, a segurança pública é a grande ferida aberta na sociedade
brasileira e a resposta do Governo Federal foi a criação de um Plano Nacional de Segurança
Pública49, em fevereiro de 2017, baseado no militarismo, na política do “encarceramento em
massa” e na chamada política de “guerra às drogas”. Entretanto, os resultados foram
ineficazes e houve um aumento do número de homicídios, principalmente na região Nordeste,
e, sobretudo, de jovens e negros (Monitor da Violência, 2018).
Trabalho, nos termos do artigo 2-C da Lei nº 7998, de 11 de janeiro de 1990; bem como altera dispositivos da PI
MTPS/MMIRDH nº 4, de 11 de maio de 2016. Publicada no Diário Oficial de 16 de outubro de 2017. 45 A lista foi considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) um dos principais instrumentos de
combate ao trabalho escravo no Brasil, criada em 2003, como exemplo de transparência. No Brasil, desde 1995,
mais de 52 mil pessoas foram “libertadas” após flagradas em condições análogas à escravidão em canteiros de
obras, carvoarias, fazendas, oficinas têxteis e propriedades agrícolas. 46“Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a
jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por
qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência”. 47 IBGE, 2018. Desemprego volta a crescer no primeiro trimestre de 2018. Disponível:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20995-desemprego-
volta-a-crescer-no-primeiro-trimestre-de-2018.html 48Dados do Monitor da Violência, Núcleo de Estudos da Violência da USP e Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, 2018. 49Disponível em: http://www.justica.gov.br/news/plano-nacional-de-seguranca-preve-integracao-entre-poder-
publico-e-sociedade/pnsp-06jan17.pdf
36
O fracasso do Plano Nacional fez o Governo Temer, em fevereiro de 2018, criar o
Ministério Extraordinário da Segurança Pública (MESP)50 e empreender uma intervenção
militar federal51 na pasta de segurança pública do estado do Rio de Janeiro (RJ) com a
justificativa de “manutenção da ordem pública”, tendo em vista a dificuldade do Governo do
RJ em pagar os servidores públicos e garantir o funcionamento das forças de segurança.
Rejeitada e denunciada pelos movimentos sociais e organizações de esquerda, a
intervenção militar se mostra um fiasco do ponto de vista na redução do número de
homicídios e crimes, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP) do Governo do Rio de
Janeiro, houve um aumento dos índices de violência52. Os assassinatos da Vereadora Marielle
Franco do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e de seu motorista Anderson Gomes53
constatam um cenário de perseguição aos defensores de direitos humanos e aos movimentos
sociais. Marielle era referência incontestável na luta em defesa dos movimentos sociais e
direitos humanos; contra a política de encarceramento em massa da juventude negra;
combatia abusos policiais contra as populações das favelas, denunciava o crescente racismo
institucional e questionava a intervenção militar no Rio de Janeiro54.
Os números dos últimos três anos sobre a situação de defensores de direitos humanos
no Brasil confirmam a escalada da violência e criminalização à que estes estão submetidos.
Em 2015, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram 50 assassinatos por
conflitos no campo55. Em 2016, o Comitê Brasileiro de Defensores de Direitos Humanos
50 Entre as competências figuram coordenar e promover a integração da segurança pública em todo o território
nacional em cooperação com os demais entes federativos; exercer, planejar, coordenar e administrar a política
penitenciária nacional; e o patrulhamento ostensivo das rodovias federais, por meio da Polícia Rodoviária
Federal. Também caberá à pasta exercer a política de organização e manutenção da Polícia Civil, da Polícia
Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal; e a defesa dos bens e dos próprios da União e das
entidades integrantes da administração pública federal indireta. A estrutura do ministério será composta pelo
Departamento de Polícia Federal; pelo Departamento de Polícia Rodoviária Federal, o Departamento
Penitenciário Nacional, o Conselho Nacional de Segurança Pública, o Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária, e a Secretaria Nacional de Segurança Pública, órgão responsável pela Força Nacional de
Segurança Pública. 51A intervenção federal é um procedimento regulado pelos arts. 34 e 36 do capítulo VI da Constituição Federal.
No caso do Rio de Janeiro, foi invocado o inciso III do art. 34, que permite uma intervenção federal para “pôr
termo a grave comprometimento da ordem pública”. 52Houve o crescimento de 11 índices de criminalidade neste trimestre – fevereiro, março e abril – em
comparação com o mesmo período de 2017, em 15 crimes que foram analisados (ISP, 2018). 53Ambos foram assassinados no dia 14 de março de 2018, com características de execução. A notícia da morte da
vereadora causou forte comoção social e, no dia seguinte, mobilizou as redes sociais de todo o país. Foram
realizadas manifestações, que reuniram milhares de pessoas, em pelo menos 15 estados. 54Marielle Franco havia sido escolhida como sendo uma das relatoras da Comissão Representativa da Câmara do
Rio de Janeiro para acompanhar a intervenção militar na cidade e sempre denunciava os abusos policiais no
plenário da Câmara Municipal, especula-se que este poderia ter sido uma das razões para seu assassinato. 55 COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Conflitos no Campo – Brasil 2015. CPT Nacional, Brasil, 2015, p.
240.
37
(CBDDH)56 contabilizou 66 execuções de defensores de direitos humanos57 e outras 64
pessoas sofreram processos de criminalização, ataques ou ameaças por agentes públicos e
privados. Acrescenta-se a isso a fragilidade da política nacional para defensores de direitos
humanos e a inabilidade do MDH frente a essa situação de criminalização.
Além da continuidade da política de guerra às drogas com o uso das Forças Armadas e
Força Nacional para a “manutenção da ordem” nos Estados, o Governo Temer não conseguiu
superar a crise do sistema penitenciário brasileiro. Conforme informações do Ministério da
Justiça, até junho de 2016 o sistema prisional brasileiro tinha uma população de 726.712 mil
pessoas58, embora a capacidade total seja de aproximadamente 370 mil, das quais 55% tinham
entre 18 e 29 anos e 64% eram negros. Superlotação - a taxa chega a cerca de 198%59 -,
relatos de casos de tortura, maus-tratos, ausência de políticas de ressocialização e a
ocorrência, em janeiro, de rebeliões nas prisões de vários Estados, com pelo menos 123
mortes: 64 no Amazonas, 31 em Roraima60, 26 no Rio Grande do Norte61 e 2 na Paraíba
(segundo informações dos governos estaduais62).
Os abusos policiais se intensificaram e o número de vítimas em confrontos com a
polícia aumentou 19% em 2017 (5.012 mortos), enquanto que o número de policiais mortos
caiu 15% (Monitor da Violência, 2018). Esses dados demonstram que as forças policiais estão
no centro da crise de segurança pública e que a resposta dada pelo Governo Federal e
Governos Estaduais é de intensificar o treinamento militar e de aumento da repressão,
conforme demonstrado pelo fracassado Plano Nacional de Segurança Pública.
3.2.5 MULHERES, LGBTI, IGUALDADE RACIAL E POVOS TRADICIONAIS
56 O Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH) é uma articulação composta
por diversas organizações e movimentos da sociedade civil que desde 2004 acompanha atua na proteção a
defensoras e defensores de direitos humanos em situações de risco, ameaça, ataque e/ou criminalização em
decorrência de sua militância. Dados do site do CBDDH, acessado em 16 de junho de 2018. 57 COMITÊ BRASILEIRO DE DEFENSORAS E DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS. VIDAS EM
LUTA: Criminalização e violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil - Brasil 2017.
CBDDH, Brasil, 2017, p. 8. 58 Em termos internacionais, segundo informações do Ministério da Justiça, o Brasil é o terceiro país no mundo
com maior número de pessoas presas. Tem menos presos que os Estados Unidos (2.145.100 presos) e a China
(1.649.804 presos). O quarto país com maior número de presos é a Rússia (646.085 presos). 59 Dados do Ministério da Justiça, 2017. 60 Em janeiro, a guerra entre facções criminosas matou 33 detentos da Penitenciária Agrícola do Monte Cristo,
em Roraima. O massacre foi um dos mais violentos da onda de mortes nos presídios. 61 Após o massacre em Roraima, estourou a rebelião na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, no Rio Grande do
Norte, a guerra entre duas facções - PCC e Sindicato do RN - matou 26 detentos, segundo dados do Governo do
Estado do Rio Grande do Norte. 62 Brasil: Mais de 90 homens mortos durante rebeliões em prisões brasileiras. (AMR 19/5444/2017)
38
A política mais afetada pela austeridade do Governo Temer é a de enfrentamento a
violência e de promoção da autonomia da mulher (no orçamento para 2018, sofreu reduções
orçamentárias de 74%). Com um aumento de 6,5% se comparado a 2016, 4.473 mulheres
foram mortas em 201763, sendo 946 casos de feminicídios64. Levando em consideração que
em 2017 a redução em relação ao ano de 2016 foi de 52%, é correto afirmar que o Governo
Federal decretou o fim da política de promoção de direitos das mulheres, fato somado à
ausência de mulheres no 1ª escalão da gestão Temer compondo um infeliz retrato de uma
administração misógina, machista e que descumpre os compromissos assumidos pelo Brasil
internacionalmente. A exemplo do explicitado na Convenção sobre a Eliminação de todas as
Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979), Declaração sobre a Eliminação da
Violência contra as Mulheres e na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (1967) e a
Declaração de Pequim adotada pela quarta conferência sobre as mulheres - ação para
igualdade, desenvolvimento e paz (1995).
Agrega-se a esta sabotagem aos direitos das mulheres, a redução dos recursos
destinados às políticas de promoção da igualdade racial (SEPPIR/MDH), que segundo a
proposta do Executivo Federal computou uma redução de 34% no orçamento de 2018. Em
uma conjuntura na qual a população negra corresponde a maioria (78,9%) dos 10% dos
indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios, de acordo com informações do
Atlas da Violência 2017, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e
pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, esse corte do orçamento somado ao desmonte do
Plano Juventude Viva (política focada para a prevenção da morte de jovens negros no país) é
mais um retrocesso. Também foi computado aumento no número dos casos de racismo
fundamentalista contra as religiões de matriz africana, como a Umbanda e o Candomblé, em
estados como o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Norte65. No RJ as Casas de Matriz Africana
foram alvos de vários ataques cometidos por particulares, por gangues criminosas e por
integrantes de outras religiões (principalmente cristões evangélicos). No segundo semestre de
63 Dados do Monitor da Violência, 14/03/2018, Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Núcleo de Estudos da
Violência da USP. 64 A Lei Federal nº 13.104, de 9 de março de 2015, art. 2º, § 1º, considera que há razões de condição de
feminicídio quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação com a
condição de mulher. 65
No Rio Grande do Norte, o Governo do Estado divulgou que havia recebido 63 casos de racismo e
intolerância religiosa contra os terreiros. Os casos aconteceram principalmente em Natal e Região Metropolitana
da capital.
39
2017, pelo menos oito centros religiosos foram atacados e destruídos, a maioria na cidade do
Rio de Janeiro.
Outra política que se encontra bastante comprometida pela gestão anti-direitos
humanos de Michel Temer são as lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, travestis e
intersexuais (LGBTI). Em 2017 foram assassinadas 277 pessoas LGBTI no Brasil, um infeliz
recorde66, valendo a ressalva de que o MDH não realizou nada a respeito da situação desse
avanço da LGBTfobia no país.
3.2.6 OUTROS RETROCESSOS DO GOVERNO MICHEL TEMER
Dentre outras ações de Michel Temer contrárias aos Direitos Humanos, se
substanciam na extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e corte de
investimentos na pauta da agricultura familiar e da continuidade da distribuição de terras, por
meio da reforma agrária. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)
perdeu 30% do seu orçamento total em comparação ao ano de 2016, com cortes de 39% dos
recursos para demarcação de áreas quilombolas, 57% no Programa de Assistência Técnica
para Assentamentos (ATER) e 45% no Programa Nacional de Educação para a Reforma
Agrária (PRONERA).
Bem como no esvaziamento e sucateamento da Fundação Nacional do Índio (FUNAI)
67, vinculada ao Ministério da Justiça, e das políticas de saúde e atenção aos povos indígenas,
assim como o apoio do Governo Temer à Proposta de Emenda à Constituição (PEC)68 que
determina a transferência da competência dos processos de demarcação de terras indígenas do
Governo Federal para o Congresso Nacional. A diminuição de investimentos públicos no
campo tem como resultado o aumento da concentração de terras, acompanhada de extrema
violência contra a população historicamente marginalizada.
No que concerne à área da educação o Governo Temer empreendeu a Reforma do
Ensino Médio69que tem entre suas medidas, a permissão de que apenas duas áreas de
66 Segundo informações da organização não-governamental Grupo Gay da Bahia e que começou a compilar
esses dados em 1980. 67 O orçamento total da FUNAI – Fundação Nacional do Índio, de cerca de 85 milhões de reais, é dez vezes
menor do que o orçamento de 2013 para o órgão (Ação Educativa/Plataforma DHESCA, 2017). 68 A PEC nº 215/2000 transfere para Congresso Nacional a prerrogativa de aprovar a demarcação de terras
indígenas e quilombolas, atualmente de competência do Poder Executivo. 69Lei Federal nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, e altera as Leis no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a
40
conhecimento sejam ofertadas pelas escolas em metade do ensino médio, deixando a cargo
das instituições com maior ou menor poder aquisitivo o oferecimento de cursos em todas as
áreas. A reforma também retira a obrigatoriedade da oferta de disciplinas que tratam da
análise das relações sociais e fomentam o senso crítico sobre essas relações, como a filosofia,
sociologia e artes. Outra característica do novo ensino médio é a implementação do tempo
integral para o nível médio, sem garantir formas alternativas de renda aos adolescentes que
necessitam trabalhar no turno oposto, fazendo-os optar pela educação ou pela sobrevivência e,
consequentemente, repelindo-os das salas de aula. Outro retrocesso é a regulamentação do
profissional sem formação (sem ter sido graduado), garantindo que apenas o “notório saber”
seja suficiente para dar aulas no ensino médio, gerando a deformação do plano de carreira e
salários.
Na seguridade social, conforme disposto nos arts. 194 a 204 da Constituição Federal
de 1988 (saúde pública, assistência social e previdência social), houve um aprofundamento do
desmonte nos Sistemas Únicos de Saúde (SUS)70 e Assistência Social (SUAS)71 ocasionados
pela vigência da EC nº 95/2016, além da absurda proposta de emenda constitucional nº
287/2016 que dispõe sobre a Reforma da Previdência Social cuja votação está sendo
aguardada no Congresso Nacional.
Todas essas medidas, e a permanente política de austeridade na qual o governo Michel
Temer se empenha em realizar, aprofundam a miséria e demonstram o total descaso do qual
os direitos humanos, sociais, econômicos e culturais são vítimas na administração do MDB.
3.3 A POLÍTICA DE AUSTERIDADE DO GOVERNO TEMER E SUA
INOBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DO PIDESC DE 1966
A aprovação da Emenda Constitucional nº 95/2016 representa a incompatibilidade e
incapacidade do Governo Michel Temer em cumprir com as obrigações de efetivação dos
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e o
Decreto-Lei no 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei no11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a
Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. 70Desde a entrada em vigor da EC nº 95/2016 houve o encolhimento em cerca de 17% dos recursos destinados
em 2018 ao Ministério da Saúde se comparados a 2017. Dados da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) do
Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, 2018. 71 Conforme a Lei Orçamentária Anual (LOA) o Governo Federal apresentou para o exercício de 2018 um corte
das despesas dos serviços, programas, projetos das Assistência Social, no valor de R$ 3.109.445.448,00,
representando o percentual de corte de 98,05% e, das despesas dos benefícios destinados as pessoas idosas e com
deficiência (benefícios de prestação continuada) no valor de R$ 3.851.527.531,00 com percentual de corte de
6,52%.
41
direitos humanos assinadas internacionalmente e ratificadas pelo Brasil, principalmente no
que está disposto no PIDESC (Alston, 2016).
A respeito dessas políticas de austeridade que os países passaram a adotar após o
início da crise econômica de 2008, o Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU, em
2009, foi categórico ao afirmar que a crise econômica não exime os Estados de cumprir com
suas obrigações internacionais para proteção, efetivação e promoção dos direitos humanos
(CDH, 2009). O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos produziu o
documento Report on austerity measures and economicand social rights (Relatório sobre
medidas de austeridade e direitos econômicos e sociais), em 2013, e foi taxativo ao assinalar
que os países membros da ONU possuem a obrigação de assegurar o financiamento de ações
com vistas à proteção dos direitos humanos. O relatório também deu uma atenção especial às
nações participantes do PIDESC afirmando que estas devem explicar internacionalmente suas
práticas de austeridade e de corte do investimento público, comprovando que tais medidas não
atacam os direitos delineados no Pacto e, principalmente, os direitos humanos das populações
e segmentos marginalizados (OHCHR, 2013).
O relatório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos também
recomendou que os Estados devem demonstrar que todas as outras alternativas foram
esgotadas e que as medidas de austeridade e corte de investimento são realmente necessárias,
proporcionadas, respeitando as obrigações fundamentais mínimas e não discriminatórias.
Evidencia-se que o documento aponta os princípios dos direitos econômicos, sociais e
culturais: sua progressividade; a impossibilidade de retrocesso; a obrigatoriedade de se
efetivar uma base mínima; a máxima prioridade para execução dos recursos disponíveis e a
proibição de preconceito e discriminação (OHCHR, 2013).
Partindo do posicionamento de que políticas de austeridade diminuem a capacidade
dos sujeitos de exercerem seus direitos humanos e afetam a capacidade estatal de proteção
destes direitos, o Governo Temer ao encaminhar, defender e aprovar a EC nº 95/2016, além
de priorizar o corte de investimentos sociais em desfavor de empreender reformas que
modificassem a desigualdade social (conforme disposto no art. 3º, III, IV, CF72), é o principal
algoz dos direitos humanos em território brasileiro atualmente.
72 “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação.”
42
Senão vejamos, a política fiscal e orçamentária precisa considerar o princípio
constitucional de proteção dos direitos fundamentais, tal qualquer política pública. Desta
forma, o orçamento seria o “meio” para atingir a “finalidade fim” do Estado brasileiro: a
efetivação e proteção dos direitos humanos (Torres, 2014). Também existe a fixação
constitucional de aplicação mínima de recursos para as áreas de educação (art. 212) e saúde
(art. 198), bem como dispor sobre o financiamento da seguridade social (assistência e
previdência social), criando um “microssistema de tutela do custeio dos direitos sociais” que
impede a arbitrariedade governamental em não executar o orçamento estatal em prol de ações
públicas com vistas à coletividade, conforme defende a jurista e procuradora do Ministério de
Contas de São Paulo Élida Graziane Pinto73. No entanto, não é isto que é aplicado pela
administração do MDB ao implantar a emenda constitucional do “Teto dos Gastos” e o
deliberado corte nas políticas sociais, conforme apresentado anteriormente.
Frisa-se que o ministro do STF, Celso de Mello, quando relator da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 45-9/DF74 confirmou que a liberdade de
ação estatal não poderia negligenciar o disposto na Constituição Federal e que deve efetivar
os direitos econômicos, sociais e culturais. Também foi apontado pelo ministro que o Poder
Judiciário poderá agir em favor de alocação de recursos mínimos para a efetivação, quando
necessário, de determinado direito ou política pública.
Agrega-se a esse descumprimento constitucional, os tratados ratificados pelo Brasil e
que protegem os direitos humanos, tal como as Convenções de Haia, em 1907, a Carta de São
73 Um microssistema de tutela do custeio dos direitos sociais nos protege, 8 de novembro de 2016. Disponível
em: https://www.conjur.com.br/2016-nov-08/contas-vista-microssistema-tutela-custeio-direitos-sociais-protege 74 Impetrada pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) a ADPF “promovida contra veto, que,
emanado do Senhor Presidente da República, incidiu sobre o § 2º do art. 55 (posteriormente renumerado para art.
59), de proposição legislativa que se converteu na Lei nº 10.707/2003 (LDO), destinada a fixar as diretrizes
pertinentes à elaboração da lei orçamentária anual de 2004. O dispositivo vetado possui o seguinte conteúdo
material: "§ 2º Para efeito do inciso II do caput deste artigo, consideram-se ações e serviços públicos de saúde a
totalidade das dotações do Ministério da Saúde, deduzidos os encargos previdenciários da União, os serviços da
dívida e a parcela das despesas do Ministério financiada com recursos do Fundo de Combate à Erradicação da
Pobreza." O autor da presente ação constitucional sustenta que o veto presidencial importou em desrespeito a
preceito fundamental decorrente da EC 29/2000, que foi promulgada para garantir recursos financeiros mínimos
a serem aplicados nas ações e serviços públicos de saúde. Requisitei, ao Senhor Presidente da República,
informações que por ele foram prestadas a fls. 93/144. Vale referir que o Senhor Presidente da República, logo
após o veto parcial ora questionado nesta sede processual, veio a remeter, ao Congresso Nacional, projeto de lei,
que, transformado na Lei nº 10.777/2003, restaurou, em sua integralidade, o § 2º do art. 59 da Lei nº
10.707/2003 (LDO), dele fazendo constar a mesma norma sobre a qual incidira o veto executivo. Em virtude da
mencionada iniciativa presidencial, que deu causa à instauração do concernente processo legislativo, sobreveio a
edição da já referida Lei nº 10.777, de 24/11/2003, cujo art. 1º - modificando a própria Lei de Diretrizes
Orçamentárias (Lei nº 10.707/2003) - supriu a omissão motivadora do ajuizamento da presente ação
constitucional. Com o advento da mencionada Lei nº 10.777/2003, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, editada
para reger a elaboração da lei orçamentária de 2004, passou a ter, no ponto concernente à questionada omissão
normativa” (ADPF 45-9/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
43
Francisco (de criação das Nações Unidas), de 1945, a Declaração Universal de Direitos
Humanos e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, ambas em 1948. Em
nível regional, o país ratificou o Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana
sobre Direitos Humanos) de 1969, o Protocolo Adicional à Convenção (Protocolo de San
Salvador)75 de 1988 e o reconhecimento da jurisdição do Sistema Interamericano de Direitos
Humanos - formado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
A Comissão é o primeiro órgão a tomar conhecimento de uma denúncia individual, e
só em uma segunda etapa a própria Comissão poderá levar a denúncia perante a Corte. Como
o Brasil só reconheceu a jurisdição contenciosa da Corte em 10 de dezembro de 1998, só
podem ser apresentadas a ela denúncias de violações ocorridas após essa data. Porém, a
Comissão pode receber denúncias de violações anteriores, isso porque sua competência se
estende à análise de violações da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem
(1948) e da Convenção Americana, desde a ratificação pelo Brasil em 1992.
Existe uma tendência dentro do ordenamento jurídico brasileiro, desde a Constituição
Federal de 1988 e a ratificação dos pactos e tratados de direitos humanos, de uma
internacionalização e cooperação entre ambos ordenamentos: nacional e supranacional. Como
já referido, a Constituição brasileira possui diversos dispositivos que comprovam esse
internacionalismo. Pode-se levar em consideração a previsão de que os direitos e garantias
expressos na Constituição não excluem outros decorrentes de tratados internacionais em que o
Brasil seja parte (art. 5º, § 2º); a equivalência de tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos às emendas constitucionais, desde que aprovados com quórum específico
(art. 5º, § 3º); a submissão do Brasil à jurisdição de Tribunal Penal Internacional cuja criação
tenha manifestado adesão (art. 5º, § 4º); relações internacionais determinadas, dentre outros,
pelos princípios da prevalência dos direitos humanos, do repúdio ao terrorismo e ao racismo,
e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (art. 4º, incisos II, VIII e IX).
75
Assinado como reafirmação à nível regional do PIDESC, o Protocolo de San Salvador divide-se em: obrigação
de adotar medidas; adotar disposições de direito interno; não discriminação; não admissão de restrições; alcance
das restrições e limitações; direito ao trabalho; condições justas; equitativas e satisfatórias de trabalho; diretos
sindicais; direito à previdência social; direito à saúde; ao meio ambiente sadio; à alimentação; à educação; aos
benefícios da cultura; à constituição e proteção da família; direito da criança; das pessoas idosas; dos deficientes;
meios de proteção e reservas. O Protocolo de San Salvador foi assinado em El Salvador em 17 de novembro de
1988 e foi ratificado pelo Brasil em 21 de agosto de 1996.
44
Os princípios da erradicação da pobreza e da igualdade e não-discriminação são os que
regem a Declaração Universal (art. 2º, 1.)76, o PIDESC (art. 2º, 1 e 2)77 e o Protocolo de San
Salvador (art. 1º, 1.)78.
Destarte, é compreensível a interpretação do PIDESC e do Protocolo de San Salvador
de que a política fiscal e orçamentária se submete à proteção dos direitos humanos e que as
medidas de austeridade devem ser temporárias, estritamente necessárias e proporcionais, não-
discriminatórias, levando em consideração possíveis medidas alternativas (inclusive medidas
tributárias), identificando e protegendo o conteúdo mínimo e central dos direitos humanos e
adotadas somente após cuidadosa análise, com genuína participação social no processo de
tomada de decisão, especialmente dos grupos e indivíduos afetados (CDESC, 2016)79.
Não obstante, o Governo Michel Temer (MDB) não cumpriu nenhuma dessas
recomendações quando iniciou os cortes no Orçamento Geral da União após sua posse
interina em maio de 2016 e a partir de 2017 com o “Teto dos Gastos”. Utilizando a
justificativa de que o país estava “quebrado” e computando como maior problema fiscal da
União o crescimento vertiginoso da despesa pública primária (principalmente por conta do
aumento de gastos presentes e futuros em diversas políticas públicas), Temer demonstrou o
caráter anti-Direitos Humanos de sua administração e descumpriu com o disposto no PIDESC
e no Protocolo de San Salvador.
Os efeitos da gestão Temer aprofundaram a desigualdade econômica e social no Brasil
e a sua continuidade ameaça o próprio Estado Democrático de Direito, tendo em vista a
marginalização de segmentos, a invisibilidade da extrema pobreza, a criminalização dos
movimentos sociais e a imunidade dos beneficiados com o golpe que alçou Michel Temer à
76“Art. 2º, 1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta
Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de
outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”. DUDH, 1948. 77“Art. 2º 1. Cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio
como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o
máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados,
o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas
legislativas.2. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a garantir que os direitos nele enunciados e
exercerão em discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra
natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação”. PIDESC,
1966. 78 “Art. 1º Obrigação de respeitar os direitos: 1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar
os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita
à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou
de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra
condição social. Protocolo de San Salvador, 1988. 79 ONU. “Relatório sobre medidas de austeridade e direitos socioeconômicos”, 2016. Disponível em:
http://www.ohchr.org/Documents/Issues/Development/RightsCrisis/E-2013-82_en.pdf.
45
Presidência da República (Vieira, 2008). Soma-se a esse cenário o aumento de grupos e
políticos que defendem o retorno do regime militar.
Vivencia-se um desmonte estatal da proteção dos direitos humanos e um desastre
social ocasionado pela inconsequente política de austeridade do Governo Temer. Se faz
necessária e urgente a responsabilização da atual administração por descumprimento à
DUDH, PIDESC e Protocolo de San Salvador e o repúdio da comunidade internacional para
com essa realidade brasileira.
3.4 EFEITOS DA POLÍTICA DE AUSTERIDADE DO GOVERNO TEMER NO ESTADO
DO RIO GRANDE DO NORTE
Os efeitos do sucateamento das políticas públicas do Governo Federal são sentidos no
estado do Rio Grande do Norte com o aumento do número de pessoas em situação de extrema
pobreza na capital do Estado (aumentou cerca de 130% em 2017)80, o corte e
contingenciamento de recursos para a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),
a Universidade Federal do Semiárido (UFERSA) e os Institutos Federais do Rio Grande do
Norte (IFRN), o desmonte do SUAS e dos programas de assistência social, a paralisação do
procedimento de reforma agrária, o corte nos recursos de combate à violência contra a mulher
e o fracasso do Plano Nacional de Segurança Pública, são exemplos específicos dos efeitos da
austeridade implementada por Michel Temer e reverberados no território potiguar.
Administrado pelo empresário Robinson Mesquita de Faria do Partido Social
Democrático (PSD), desde 2015, o Estado do Rio Grande do Norte vivencia o pior momento
de sua história com 62,35%81 de seu orçamento comprometido com o pagamento de despesa
com pessoal e encargos, calamidade pública decretada em diversas áreas (saúde, segurança
pública, recursos hídricos e administração penitenciária), o sucateamento dos serviços
públicos, a explosão do número de homicídios, o aumento no número de desempregados e a
ausência de políticas públicas que protejam os direitos humanos. A administração do PSD no
Rio Grande do Norte procura replicar a política de austeridade que Michel Temer empreende
80 Natal teve o número de pessoas em situação de pobreza saltando de 34 mil, em 2016, para 78 mil, em 2017.
Foi um crescimento de 127,2%. A título de comparação, o aumento no interior do Estado foi de apenas 5,9%.
Dados do IBGE, 2018. 81 Dados da Controladoria-Geral do Estado (CONTROL) referentes a dezembro de 2017.
46
no país82. Alia-se a isso, a falta de planejamento83 da gestão do Governador Robinson Faria e
o seu descompromisso com as pautas de proteção dos direitos humanos, conforme será
detalhado no próximo capítulo com a explanação das consequências desta política de
austeridade no Rio Grande do Norte.
82Em janeiro de 2018 ocorreu uma visita técnica da Secretaria do Tesouro Nacional com objetivo de auxiliar o
Governo do Estado para privatizar a Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (CAERN) e a
Companhia Potiguar de Gás do Rio Grande do Norte (Potigás) e pressionou o Governo Robinson Faria a
encaminhar um “Pacote Fiscal” com 20 projetos de Lei (dentre Leis Ordinárias, Complementares e Emendas à
Constituição Estadual) que impactavam na política fiscal do Estado. Os servidores estaduais se mobilizaram e
impediram a aprovação da maioria dos projetos. 83 Governador Robinson Faria cumpre apenas 9 promessas feitas na campanha eleitoral de 2014. Disponível em:
http://especiais.g1.globo.com/rio-grande-do-norte/2015/as-promessas-de-robinson/#!/3-anos
47
4 AS CONSEQUÊNCIAS DA POLÍTICA DE AUSTERIDADE DO GOVERNO
MICHEL TEMER (MDB) PARA OS DIREITOS HUMANOS NO RIO GRANDE DO
NORTE
“RIO GRANDE DE MORTE, sem sorte e sem
NORTE. Também sem sul, leste ou oeste”.
Marcos Dionísio Medeiros Caldas, 201384.
Essa frase proferida pelo eterno advogado e militante Marcos Dionísio Medeiros
Caldas ainda descreve a realidade do estado do Rio Grande do Norte cinco anos depois e
demarca o cenário no qual a política de Direitos Humanos se encontra há cerca de uma
década: sem sorte e sem norte.
Sem norte devido à permanente e fracassada política de austeridade e congelamento de
investimentos sociais iniciada por Rosalba Ciarlini (2011-2014) e retomada por Robinson
Faria em 2016 - após o seu rompimento político com o PT e seu alinhamento ao Governo
Temer - que desmontou o serviço público estadual e aumentaram o déficit fiscal85. Sem sorte
por efeito do golpe parlamentar de 2016 que, no Rio Grande do Norte, foi potencializado por
esse alinhamento do governo estadual de Robinson e pela inexistência de uma política de
promoção e defesa dos Direitos Humanos consolidada e que garantisse o mínimo de
investimento nos programas e ações sociais, culturais e de valorização do funcionalismo
público estadual.
Ao contrário do que foi vivenciado pelo Brasil de 2003 a 2016, a política de Direitos
Humanos no Rio Grande do Norte não foi alçada a um status de destaque por nenhuma das
gestões estaduais (seja Wilma de Faria, Iberê Ferreira, Rosalba Ciarlini ou Robinson Faria) e
os reflexos estão na elevada desigualdade social86, na elevada taxa de analfabetismo87, no alto
84Disponível em: http://www.cartapotiguar.com.br/2013/03/22/rn-o-rio-grande-de-morte/ 85 Dívidas do Governo do Estado em 2018 somam R$ 7.511.404.420,93 acumuladas por pessoas físicas e
empresas (pessoas jurídicas). Desse total, apenas 50 empresas acumulam R$ 2.192.254.049,50. Dados da
Procuradoria da Dívida Ativa/Procuradoria-Geral do Estado (PGE), 2018. 86A distribuição de renda ainda é um grave problema se for considerado que 69,3% da renda estadual está
concentrada nas mãos dos 20% mais ricos. Dessa forma o RN ocupa a 20ª posição entre os estados brasileiros e o
Distrito Federal quanto à distribuição de renda, o que revela a existência de grandes disparidades
socioeconômicas entre a população. Dados do censo de 2010, IBGE. 87O Rio Grande do Norte possui a sexta maior taxa do país, com 18,5% de sua população acima de 15 anos
considerada analfabeta, quase o dobro da média nacional (9,02%). Dados do censo de 2010, IBGE.
48
índice de trabalho infantil88 e elevada taxa de violência89, especialmente contra a juventude
negra, LGBTI e mulheres.
Neste capítulo será abordado o papel que o advogado Marcos Dionísio Medeiros
Caldas desempenhou para alicerçar a política de direitos humanos potiguar e o por que o autor
o considera como o “patrono” do movimento em prol dos direitos no Rio Grande do Norte.
Também serão destacadas as principais violações de direitos sofridas pelo estado (se baseando
em relatórios de órgãos e organizações) e quais possíveis soluções e medidas o Poder Público
Estadual poderia tomar para se alinhar ao disposto no Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais e no Protocolo de San Salvador.
4.1 O “PATRONO” DOS DIREITOS HUMANOS NO RIO GRANDE DO NORTE
Marcos Dionísio Medeiros Caldas (23 de maio de 1961 - 11 de fevereiro de 2017),
popularmente conhecido como “Mosquito”, foi advogado, assessor jurídico de carreira,
militante de direitos humanos e Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos e
Cidadania (COEDHUCI). Durante as décadas de 1990 a 2010 foi a grande referência política
que a população, o poder público e os movimentos sociais, possuíam para identificar os
direitos humanos no Estado do Rio Grande do Norte.
Iniciando sua militância no Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e no curso de
Direito90 da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), através do Centro
Acadêmico Amaro Cavalcanti (CAAC)91, Mosquito esteve presente no momento de fundação
da política estadual de direitos humanos nos anos 1990, com a realização de duas
Conferências Estaduais de Direitos Humanos e com a criação do COEDHUCI,
CODEM/SEJUC92 e Programa Estadual. Enquanto advogado, atuou na Comissão de Direitos
Humanos da Ordem de Advogados do Brasil - Seccional do Rio Grande do Norte (OAB/RN).
A partir de 2001, quando se tornou o primeiro Ouvidor de Polícia da então Secretaria
de Estado da Defesa Social (SDS)93, Marcos Dionísio passou a acompanhar os casos de
violações de direitos humanos praticados por policiais civis e militares, tornando-se um dos 88 Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios divulgados pelo IBGE, em 2016, revelam que o Rio
Grande do Norte possui cerca de 40 mil crianças e adolescentes trabalhando irregularmente. 89 As maiores taxas de homicídios de negros encontram-se no Rio Grande do Norte (70,5%). Na década 2006-
2016, esse Estado foi onde a taxa mais cresceu: 321,1%. Dados do Atlas da Violência, 2018. 90 Formado em 1987 no curso de Direito da UFRN. 91Entidade histórica representativa dos estudantes do Curso de Direito da UFRN, ao qual passaram diversas
figuras políticas, juristas e militantes que se destacaram à nível estadual e nacional. Fundado em 21 de março de
1955, o CAAC, em conjunto com o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFRN e a União Estadual dos
Estudantes do Rio Grande do Norte (UEE/RN), desempenhou um papel central nas lutas políticas em Natal e no
todo Rio Grande do Norte, principalmente nos anos 1950 e 1960. 92Coordenadoria de Direitos Humanos e Defesa das Minorias da Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania. 93 Atualmente a SDS é denominada Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Defesa Social (SESED).
49
atores principais na pauta. Em 05 de janeiro de 2006, Mosquito foi nomeado para o cargo de
Coordenador de Direitos Humanos e Defesa das Minorias da SEJUC e desempenhou uma
gestão marcada pelo diálogo permanente com os movimentos sociais e pelo consenso com
vistas a efetivar a política estadual de direitos humanos. Saiu da CODEM/SEJUC no dia 11 de
janeiro de 2011, com o início do Governo Rosalba Ciarlini. Seu período à frente da
Coordenadoria garantiu a implantação de diversas políticas do Governo Federal94 no Rio
Grande do Norte e no período de 2006 a 2010, houve um ensaio de estruturação da política
estadual de direitos humanos95.
Após a sua passagem pela CODEM, Marcos Dionísio foi eleito Presidente do
COEDHUCI e a partir deste articulou e mobilizou diversas pautas, dentre elas a do Comitê
Popular dos Atingidos pela Copa do Mundo de 2014 - Natal/RN (que denunciava as ações do
Governo Estadual e da Prefeitura do Natal com vistas a desapropriar áreas de alta
vulnerabilidade social e áreas de proteção ambiental). A mediação de crises no sistema
penitenciário em conjunto com a Pastoral Carcerária, bem como no socioeducativo com o
Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONSEC), o monitoramento
dos homicídios no Rio Grande do Norte96, a defesa dos estudantes e militantes que criaram o
Movimento “Fora Micarla”97 e “Revolta do Busão”98, a criação (em 2011), do Centro de
Referência em Direitos Humanos (CRDH) na UFRN, sua atuação com o Movimento
Nacional da População em Situação de Rua para sua articulação no Rio Grande do Norte, e a
permanente defesa da efetivação da política estadual de direitos humanos pelo Governo do
94Dentre elas estão o Programa de Proteção à Vítimas Ameaçadas (PROVITA), o Centro de Referência de
Combate à Homofobia, 95 De 2005 a 2007, o Rio Grande do Norte assinou 37 convênios com a então Secretaria Especial de Direitos
Humanos da Presidência da República (SDH/PR), no valor total de R$ 4.296.093,37. Destes convênios, oito
foram referentes à promoção dos direitos da criança e do adolescente, dois à proteção de vítimas e testemunhas,
dez à promoção dos direitos humanos (direitos de minorias, mediação de conflitos, capacitação em direitos
humanos), sete à proteção dos direitos das pessoas portadoras de deficiência, quatro ao combate à exploração e
ao abuso sexual de crianças e adolescentes, cinco à aplicação de medidas socioeducativas a adolescentes em
conflito com a lei e um à proteção dos direitos da pessoa idosa. Dados do Ministério dos Direitos Humanos
(MDH). 96Em conjunto com o Observatório da Violência (OBVIO). Anteriormente, era a CODEM/SEJUC quem fazia
essa computação dos dados. 97Em 2011, estudantes universitários, demais movimentos sociais e Vereadores de Oposição (Sargento Regina,
Raniere Barbosa, George Câmara e Júlia Arruda) à gestão da Prefeita Micarla de Sousa (PV) se uniram
denunciando o descaso da Prefeitura do Natal com diversos problemas da cidade e cobrando a instalação de uma
Comissão Especial de Inquérito (CEI) para investigar os contratos de aluguéis de prédios que o Governo Micarla
havia feito em 2009 e havia indícios de superfaturamento. Houve a ocupação da Câmara Municipal de
Vereadores e a CEI foi instalada. Marcos Dionísio desempenhou um papel central na intermediação com a
Câmara de Vereadores e Polícia Militar para que não houvessem casos de violência policial contra os estudantes
que estavam protestando contra a Prefeita. 98Criado inicialmente em 2012 contra o aumento do valor da passagem do transporte público promovida pelo
Sindicato das Empresas de Transporte Urbano do Rio Grande do Norte (SETURN), a Revolta se tornou maior e
em 2013 atingiu seu ápice com milhares de pessoas nas ruas de Natal cobrando a diminuição do valor e
melhorias no transporte.
50
Estado99também figuram enquanto ações de sua trajetória política na luta pela efetivação dos
direitos humanos.
Durante todo esse período de 2011 a 2017, conforme dito anteriormente, o Estado
experimentou diversas violações aos direitos humanos e Mosquito esteve presente nessas
situações enquanto Presidente do COEDHUCI, realizando denúncias e expondo aos meios de
comunicação a real situação do Rio Grande do Norte. Além de ter formado diversos novos
militantes ao longo dos anos que hoje continuam seu legado, como é o caso do atual
Presidente do COEDHUCI, o advogado e professor Daniel Pessoa.
Por essa contribuição e centralidade no movimento em defesa dos direitos humanos do
Rio Grande do Norte é que Marcos Dionísio Medeiros Caldas merece o título de patrono dos
Direitos Humanos e para sempre será lembrado por ter dedicado sua vida a luta por uma
sociedade mais igualitária, socialista e humana.
4.2 CENÁRIO PÓS-MARCOS DIONÍSIO E APROFUNDAMENTO DO CAOS
O falecimento de Marcos Dionísio Medeiros Caldas, em 11 de fevereiro de 2017, foi
um duro golpe no movimento de Direitos Humanos do estado do Rio Grande do Norte que
passava a ficar sem sua maior representação política e sua notória habilidade em conciliar
interesses diversos para o avanço nas pautas de proteção dos direitos.
As políticas de austeridade que caracterizaram os 4 (quatro) anos de Governo de
Rosalba Ciarlini (DEM) e que produziram espantosas violações dos direitos econômicos,
sociais e culturais da maioria da população potiguar foram, na substância, inalteradas pela
administração de Robinson Faria (PSD). Como consequência de cerca de oito anos de
austeridade, o resultado apurado no Balanço Orçamentário de 2017100 foi um déficit no valor
de R$754.461.927,47 (7,14% da receita arrecada), tendo como resultado o atraso do
funcionalismo público (iniciado em 2013) e o permanente congelamento dos salários das
categorias. Esse valor corresponde à queda do repasse do Fundo de Participação dos Estados
(FPE), à diminuição dos royalties do petróleo e gás natural e ao rombo nas contas do Instituto
de Previdência dos Servidores do Estado do Rio Grande do Norte (IPERN), que era de R$
99Mosquito foi uma das maiores vozes de Oposição à administração da Governadora Rosalba Ciarlini (DEM) e
com denúncias contundentes do descaso que o Governo do Estado empreendia em áreas como Administração
Penitenciária, Sistema Socioeducativo, Direitos Humanos, Políticas Sociais, Segurança Pública, Saúde Pública e
Assistência à Agricultura Familiar e à Reforma Agrária. 100Disponível em: http://adcon.rn.gov.br/ACERVO/control/DOC/DOC000000000177319.PDF - CONTROL,
2018.
51
50,7 milhões em janeiro de 2014 (último ano do Governo Rosalba) bateu a casa dos R$ 132,3
milhões em janeiro de 2017 (SEPLAN, 2017).
Seguindo a cartilha da política de austeridade de Michel Temer (MDB), Robinson
Faria apresentou um pacote de 18 medidas que demite servidores públicos, retira direitos do
funcionalismo, reduz de salários e privatiza setores importantes do Estado. Dentre as medidas
está o aumento da contribuição para a Previdência Estadual, a limitação dos gastos públicos
por 20 anos e a privatização da POTIGÁS. No pacote de contrapartidas ainda constam a
demissão de servidores celetistas aposentados, de funcionários com acúmulo de cargos e dos
servidores não concursados que foram admitidos antes da Constituição de 1988. Além da
privatização da POTIGÁS, o governo Robinson pretende vender o Centro de Convenções, o
Centro de Turismo, as Centrais de Abastecimento do RN (CEASA) e o prédio do
Departamento de Estradas de Rodagem do Rio Grande do Norte (DER/RN).
Nesta seção será exposto um panorama das principais áreas de violações do disposto
no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e Protocolo de
San Salvador cometidas, direta ou indiretamente, pelo Governo do Rio Grande do Norte ao
longo dos últimos sete anos (2011-2017).
4.2.1 JUSTIÇA E ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA
Segundo dados do Infopen101 da Coordenadoria de Administração Penitenciária
(COAPE) da Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania (SEJUC)102, o Rio Grande do
Norte possuía em julho/2014 uma população de 7.500 (sete mil e quinhentos) presos, sendo
73% (setenta e três por cento) negros e pardos e 64% (sessenta e quatro por cento) deles entre
18 e 29 anos de idade, ou seja, jovens. Além de haver uma insuficiência no número de vagas
(déficit de 40% nas vagas103), a situação da maioria das Unidades Prisionais é de falta de
energia elétrica, água potável, material de limpeza e pessoal para fazer a segurança dos
presídios, bem como precariedade das estruturas físicas.
101 O Infopen é um sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro, atualizado pelos
gestores dos estabelecimentos desde 2004, que sintetiza informações sobre os estabelecimentos penais e a
população prisional. 102 De acordo com o Decreto Estadual nº 14.331, de 24 de fevereiro de 1999,a SEJUC possui a missão de
contribuir com a Segurança Civil da sociedade Potiguar, através de políticas públicas eficazes voltadas para os
Direitos Humanos no sistema prisional, as Mulheres, a promoção da Igualdade Racial, as políticas de Juventude,
nos Direitos dos Consumidores e na Cidadania, respaldando-se sempre na garantia da ordem social, jurídica e no
bem estar coletivo como essenciais na construção de um Estado justo, organizado e digno. 103 Dados da Coordenadoria de Administração Penitenciária (COAPE) - SEJUC, 2014.
52
Em 2013, o Mutirão Carcerário realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
pôde constatar a situação desumana dos estabelecimentos prisionais da Região Metropolitana
de Natal (onde se localizam grande parte das maiores Unidades Prisionais do Estado), que
enfrentam graves problemas como a superlotação, a falta de instalações adequadas, higiene,
de efetivo profissional nas áreas da segurança, saúde, assistência jurídica e social, e educação,
além de outros casos de violações aos direitos das pessoas privadas de liberdade104.
Com objetivo de alertar para as péssimas condições do sistema penitenciário do Estado
do Rio Grande do Norte aconteceu, em setembro de 2014, uma greve de
fome105simultaneamente em diversos estabelecimentos prisionais distribuídos por todo o
estado106. Com forte teor político e diversas reivindicações importantes107, dentre as quais
pedidos de melhora na estrutura física dos presídios, implementação de forma humanizada de
tratamento para os apenados e seus familiares, melhorias na qualidade da alimentação, o fim
da revista íntima vexatória, a autorização para a entrada de livros dentro dos estabelecimentos,
melhorias no atendimento de saúde, assim como denúncias de agentes penitenciários e
diretores das unidades que cometiam abusos e atos de tortura – pedindo, inclusive, a
substituição de alguns dentre eles –, garantia aos direitos de visitas íntima e social, e o fim dos
maus tratos e do desrespeito com familiares. O movimento foi ignorado pela SEJUC, que
respondeu com repressão e a transferência dos líderes da greve de fome para a Cadeia Pública
de Nova Cruz108.
Após a greve de fome e a inabilidade da SEJUC em responder às reivindicações do
movimento pacífico aconteceu, de 11 a 18 de março de 2015, uma onda de motins e rebeliões
no sistema penitenciário do Rio Grande do Norte que atingiram 14 das 33 unidades prisionais
do Estado, simultaneamente. Ônibus e transportes alternativos foram incendiados em Natal. A
reação do Governo do Estado foi decretar a situação de calamidade pública no sistema
prisional do Rio Grande do Norte e solicitar ao Governo Federal o envio da Força Nacional
104 Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/60922-cnj-entrega-relatorio-a-autoridades-do-rn-com-
recomendacoes-para-sistema-carcerario 105 Segundo informações da COAPE/SEJUC, 2.157 presos haviam aderido à greve de fome. 106A Cadeia Pública e da Penitenciária Agrícola Dr. Mário Negócio, em Mossoró; Penitenciária Estadual de Alcaçuz e
Presídio Rogério Coutinho Madruga, em Nísia Floresta; Penitenciária Estadual de Parnamirim (PEP); Cadeia Pública de
Natal; Penitenciária Estadual do Seridó, em Caicó; e Centro de Detenção Provisória (CDP) de Ceará-Mirim. 107O movimento soltou uma carta endereçada à COAPE/SEJUC contendo as reivindicações. Disponível em:
http://portalbo.com/materia/Presos-em-greve-de-fome-apresentam-pauta-de-reivindicacoes-com-reclamacoes-e-
denuncias 108Disponível em: http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2014/09/presos-que-lideram-greve-de-
fome-em-presidios-do-rn-sao-transferidos.html
53
para reforçar a segurança nos presídios, através do Decreto Estadual nº 25.017 de 16 de março
de 2015109.
Desde março de 2015, diversas fugas foram registradas no combalido sistema de
justiça do Rio Grande do Norte110. Em janeiro de 2017 aconteceu na superlotada111
Penitenciária Estadual Dr. Francisco Nogueira Fernandes (Alcaçuz) um conflito entre duas
facções criminosas - Primeiro Comando da Capital/PCC e Sindicato do Crime do Rio Grande
do Norte112 - o assassinato brutal de pelo menos 26 presos (destes, 15 tiveram as cabeças
decepadas) e a destruição dos 4 pavilhões e da triagem da prisão. No período conflituoso entre
as duas facções, Marcos Dionísio se encontrava num estado crítico de saúde e não pôde
desempenhar o papel de mediador entre os apenados e o Estado, como sempre fez, o que
prolongou a situação. O Estado constatou o desaparecimento de 56 apenados, mas não
confirmou a morte113. O “massacre de Alcaçuz”, como ficou internacionalmente conhecido,
gerou a elaboração por organizações de direitos humanos de um pedido de medidas cautelares
para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) denunciando a situação da
Penitenciária Estadual de Alcaçuz114.
A resposta do Governo Robinson Faria foi a recuperação física de Alcaçuz e demais
unidades, assim como, a adoção de medidas repressoras dentro do sistema com objetivo de
manutenção da “ordem”. A Pastoral Carcerária lançou, em março de 2018, um relatório
denunciando “longas punições individuais e coletivas injustificáveis do ponto de vista legal e
da proporcionalidade entre o fato indeterminado e a penalidade aplicada; uso excessivo de
armas menos letais, ameaças diversas, espancamentos e uma acirrada doutrinação da
ideologia da segurança e da periculosidade marcada pela proibição de contato dos agentes
com os detentos, incluindo a não permissão de servidores e presos serem chamados pelo nome
e a utilização corriqueira de máscaras pelos agentes penitenciários” (Carcerária, 2018). A
Pastoral também denunciou a prática de tortura dentro dos estabelecimentos penais e
109 Declara estado de calamidade, abrangente exclusivamente do Sistema Penitenciário do Estado do Rio Grande
do Norte, para o fim de legitimar a adoção e execução de medidas emergenciais que se mostrarem necessárias ao
restabelecimento do seu normal funcionamento. O Decreto de Calamidade foi prorrogado mais seis vezes e está
vigente até o final de 2018. 110 Disponível em: https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,na-maior-fuga-da-historia-do-rn-91-presos-
escapam-de-cadeia-em-parnamirim,70001813250 111Com capacidade de receber 620 apenados, a Unidade possuía, em janeiro de 2017, 1.150 presos divididos em
4 pavilhões. Ou seja, uma superlotação de cerca de 191% da capacidade original da penitenciária. 112Até então, na área dos pavilhões 4 e 5 estão membros do PCC. Nos pavilhões 1, 2 e 3, estavam detentos que
fazem parte do Sindicato do RN. 113 Disponível em: http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2017/01/governo-confirma-que-pelo-
menos-56-fugiram-em-rebelioes-em-alcacuz.html 114 Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/03/21/politica/1490109921_887001.html
54
responsabilizou a SEJUC pela instituição de um “procedimento” que na prática
institucionaliza a tortura no Rio Grande do Norte115.
Este cenário no sistema penitenciário, somado à ausência de investimentos públicos
em programas e na política de direitos humanos, representa um empecilho no
desenvolvimento do Estado Democrático de Direito, como aquele que o Brasil se propõe a
ser, no território do Rio Grande do Norte.
4.2.2 SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA SOCIAL
Um dos maiores gargalos vivenciado pelos potiguares, de acordo com o Observatório
da Violência (OBVIO), o Rio Grande do Norte registrou 2.405 homicídios em 2017116 e 971
mortos entre janeiro e junho de 2018117. Entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018, o Estado
experimentou uma greve das polícias civil e militar e dos bombeiros militares com objetivo de
que houvesse a regularização do pagamento dos seus salários e do 13º salário. O resultado foi
o aumento do número de assaltos, arrombamentos e homicídios, além do aprofundamento do
caos social. O Governo Robinson Faria respondeu com um decreto de calamidade na
segurança pública e na solicitação de envio das Forças Armadas para desempenharem o
policiamento em Natal e Mossoró118.
A atual administração do PSD mantém uma postura de ataque aos direitos humanos
garantidos pelos acordos internacionais. Como é o caso da criminalização pelo próprio
Governador Robinson Faria119 das audiências de custódia, implantadas em outubro de 2015, e
consideradas uma efetivação dos compromissos assumidos pelo Brasil perante o Sistema
Internacional de Direitos Humanos120.
Outra característica do Governo Robinson é a falta de diálogo com a sociedade civil e,
principalmente, com os movimentos de defesa dos direitos humanos na política de segurança
115 Relatório disponível em: http://www.saibamais.jor.br/wp-content/uploads/2018/06/RELATORIO-
PRISA%CC%83%C6%92O-NO-RN-final.pdf 116 Disponível em: http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/em-2017-rn-teve-aumento-de-20-na-taxa-de-
homica-dios/401238 117Disponível em: https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/com-31-homicidios-rn-tem-segundo-fim-
de-semana-mais-violento-do-ano.ghtml 118 Disponível em: https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/governo-do-rn-decreta-calamidade-na-
seguranca-publica.ghtml 119 Disponível em: http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/robinson-critica-audia-ncias-de-custa-dia-e-tjrn-
reage/336305 120 As audiências foram regulamentadas por um ato do CNJ e encontra respaldo nos artigos 9º, item 3 do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas e 7º, item 5, do Pacto de São José da Costa Rica.
55
pública e na avaliação das ações com vistas a combater os altos índices de criminalidade121. A
Associação de Delegados de Polícia Civil do Rio Grande do Norte (ADEPOL/RN) denunciou
em agosto de 2017 a ausência de investimentos do Governo do Estado na Polícia Civil e a
ficção que é o Orçamento, pois desde 2015 o executado não supera a marca dos 3%
previstos122.
Somando esse sucateamento dos órgãos estatais a falência do sistema penitenciário e
das políticas sociais, encontra-se um quadro de aprofundamento do número de homicídios e
de violações de direitos humanos, com uma deliberada omissão do Governo do Estado.
4.2.3 MULHERES, JUVENTUDE, LGBTI E IGUALDADE RACIAL
Em 2017, o extermínio da juventude negra aumentou 20% entre 2015 e 2016; foram
registrados 251 feminicídios123; 6 assassinatos de LGBTI124 e 63 denúncias de racismo e
intolerância contra religiões de matriz africana125 aconteceram no Rio Grande do Norte.
Conforme exposto anteriormente, as violações dos direitos humanos em território potiguar se
aprofundaram no ano de 2017, como consequência das políticas de Michel Temer e Robinson
Faria.
Em se tratando de recorte institucional, essas políticas possuem a obrigação de serem
executadas pela SEJUC. No entanto, devido à complexidade e necessidade de se administrar e
investir na recuperação física do sistema prisional, a pauta de direitos humanos é
secundarizada pelo governo estadual e o investimento foi praticamente nulo no ano de
2017126. Dentre as políticas, a única que obteve avanço no decorrer de 2017 foi a de promoção
da igualdade racial, devido a articulação dos movimentos sociais e a permanente comunicação
121 Em 2016 foi vetada a Lei Complementar Estadual que criava o Conselho Estadual de Segurança Pública
(CONESP) cujas funções seriam de formular e propor diretrizes para as políticas públicas voltadas à promoção
da segurança pública, prevenção e repressão à criminalidade. Consultoria-Geral do Estado (CGE), 2016. 122No ano de 2015 foram efetivamente investidos na Polícia Civil (recursos da Fonte 100, de arrecadação própria
do Estado) a quantia R$ 13.734,00 dos R$ 9.657.154,66 previstos no Orçamento. Em 2017 foi liquidada a
quantia de R$ 129.045,30, quando o orçamento previa a quantia de R$ 11.694.063,00 para investimentos na
Polícia Civil. Ou seja, o que corresponde a 1,10% da previsão orçamentária. 123 Dados do Relatório “O Poder Judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha”, Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), 2018. 124Dados do Relatório anual de 2017 do Grupo Gay da Bahia (GGB). Também foram contabilizadas 48
denúncias de LGBTfobia no Disque 100 do Ministério dos Direitos Humanos, em 2017. 125Dados da Coordenadoria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (COEPPIR), SEJUC, 2017. 126Em 2017, somente a COEPPIR conseguiu executar R$ 56.000,00 do previsto do seu orçamento, com a
realização da Feira Étnica-Racial e da IV Conferência Estadual de Promoção da Igualdade Racial. A CODEM, a
CORDE, a SEJUV e CEPAM não conseguiram executar nenhum dos projetos previstos no Orçamento da
SEJUC. Dados da CONTROL, 2017.
56
com a COEPPIR/SEJUC127 possibilitou a ativação do Conselho Estadual de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial (CONSEPPIR), a criação do Programa de Legalização das
Casas de Matriz Africana (Meu Terreiro é Legal), do Programa Estadual de Combate ao
Racismo Institucional (PECRI), do Plano Estadual de Políticas para os Povos Ciganos e
Indígenas, a instituição do Comitê Estadual Gestor do Plano Juventude Viva e a criação de
um canal de denúncias de racismo na Coordenadoria (COEPPIR, 2017)128.
A atuação da sociedade civil e dos movimentos sociais nos Conselhos de Direitos129,
que possuem a prerrogativa de fiscalizar e deliberar as políticas, vem sendo limitada pela
indisponibilidade para executar o orçamento previsto na Lei Orçamentária Anual. Essa
situação torna impossível a efetivação dos direitos previstos no PIDESC, Protocolo de San
Salvador e Constituição Federal, configurando um caos social que em pouco tempo poderá
desaguar na barbárie completa. É urgente a atuação dos grupos e movimentos de direitos
humanos para impedir tal acontecimento.
127 De 9 de março de 2016 a 28 de janeiro de 2018 a COEPPIR/SEJUC foi ocupada por Mary Regina dos Santos
Costa, popularmente conhecida como Sargento Regina, oriunda dos movimentos de defesa dos povos de matriz
africana e da comunidade LGBT. Destaca-se o seu mandato de Vereadora (2009-2012) em que foi a única na
história do Município de Natal/RN a ser declaradamente LGBT e de religião de matriz africana. 128Relatório de Gestão da Coordenadoria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Secretaria e Estado da
Justiça e da Cidadania, 2016 e 2017. Publicado em dezembro de 2017. Disponível em:
http://www.adcon.rn.gov.br/ACERVO/Coeppir/DOC/DOC000000000168706.PDF 129COEDHUCI, CONSEPPIR, CONSEC, Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres (CEDIM), Conselho
Estadual de Juventude (CEJUV), Conselho Penitenciário (COPEN), Conselho Estadual dos Direitos das Pessoas
com Deficiência (COEDE), Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Idosa (CEDEPI), Conselho Estadual de
Saúde (CES), Conselho Estadual de Cultura, Conselho Estadual de Educação (CEE), Conselho Estadual de
Assistência Social (CEAS), Conselho Estadual de Segurança Alimentar (CONSEA) e Conselho Estadual do
Desporto e Lazer.
57
5 QUE FAZER? PERSPECTIVAS E DESAFIOS PARA EFETIVAÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS NO RIO GRANDE DO NORTE
Diante deste panorama, verifica-se que o processo em curso no país - de viés
neoliberal e conservador – repercute para além das competências constitucionais da
Presidência da República. Tendo em vista que a maioria dos Estados e municípios necessitam
do suporte financeiro da União as políticas sociais, principalmente as de proteção dos direitos
humanos, não possuem prioridade em administrações como a de Michel Temer (MDB) e
Robinson Faria (PSD).
Salienta-se que o Brasil vivencia um período de profunda instabilidade social, política
e econômica provocado pela deposição da presidenta Dilma Rousseff (PT) por meio de um
golpe parlamentar que catapultou Temer à Presidência da República e iniciou uma gestão
voltada para os interesses privados e que empreende ataques a direitos constitucionais e
desmonta o Estado Democrático de Direito.
Com dois anos de Governo Temer e uma inalterável política de austeridade, as
consequências para o país são as piores possíveis: congelamento de investimentos sociais por
20 anos, privatizações, intervenção federal militar no Rio de Janeiro, desmonte dos alicerces
de uma futura política nacional de Direitos Humanos, reforma trabalhista, criminalização e
perseguição aos movimentos sociais, aumento no número de homicídios e descumprimento da
legislação internacional de proteção aos direitos humanos, especialmente os dispostos no
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e Protocolo de San
Salvador.
Apesar da justificativa de Michel Temer de que a austeridade é importante para
superar a crise econômica, o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações
Unidas (CDH/ONU) expôs que a adoção dessas medidas de corte de orçamento não deve
interferir na execução de políticas que garantam a efetivação dos direitos humanos.
Não obstante, a administração Temer não explicou detalhadamente o porquê do envio
e aprovação da Emenda Constitucional nº 95/2016 que congelou por vinte exercícios
financeiros o investimento em setores sociais, como educação e seguridade social fato que
revela a falta de preocupação do governo com a democratização de suas intervenções e
reforça o caráter contraditório e negligente de suas medidas. Por exemplo, no primeiro ano de
vigência da emenda constitucional houve uma redução de 74% no orçamento de 2018 para as
políticas de enfrentamento a violência contra a mulher num país que contabiliza o aumento
nos casos de feminicídios e violência contra as mulheres.
58
As políticas de austeridade afetam diretamente a efetivação dos direitos humanos e o
Governo Temer (e Robinson, consequentemente) as aplica irresponsavelmente e sem observar
o disposto na DUDH, PIDESC e no Protocolo de San Salvador.
O idealismo que a visão majoritária possui com os Direitos Humanos se mostra
bastante perigoso numa conjuntura política e institucional de avanço de forças de extrema
direita e de retrocessos de direitos conquistados na segunda e primeira geração - políticos,
civis, econômicos, sociais e culturais.
É necessário reafirmar a luta social pela efetivação dos Direitos Humanos, pois a sua
efetivação fortalece ao Estado Democrático de Direito e o que está disposto na Carta Magna
de 1988, Declaração Universal, pactos e tratados internacionais aos quais o Brasil é signatário
- tal como o PIDESC e Protocolo de San Salvador.
Vale salientar que, qualquer desenvolvimento do Estado Democrático de Direito
perpassa pelas garantias à vida, saúde, educação, cultura, esporte e lazer, moradia,
alimentação e trabalho (Netto, 2009). Qualquer luta social necessita disso para que haja a
efetivação dos direitos humanos e da plena cidadania.
É necessário que o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, os
movimentos e organizações que defendem os direitos humanos reajam e denunciem
internacionalmente perante o CDH/ONU e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
da OEA a situação do país com vistas à responsabilização do Governo de Michel Temer por
suas medidas anti-Direitos Humanos que descumprem os acordos assumidos pelo Brasil com
as demais nações.
Em relação ao Estado do Rio Grande do Norte, após sete anos de políticas de
austeridade iniciadas pelo Governo Rosalba Ciarlini (2011-2014) e Robinson Faria (2015-
2018) o resultado é desolador com o recorde de homicídios, atraso salarial do funcionalismo
público, esvaziamento das políticas sociais e de direitos humanos, calamidade em diversas
áreas da gestão (saúde, recursos hídricos, sistema penitenciário e segurança pública) e
ausência de uma rede de direitos humanos. A morte do advogado Marcos Dionísio Medeiros
Caldas em 2017 aprofundou o cenário em território potiguar, pois o movimento de direitos
humanos estadual ficou sem seu “patrono” e sua figura política mais influente.
. São tempos sombrios, não há como negar. No entanto, como disse Mosquito
“Direitos Humanos não são dádivas, mas sim conquistas” e é urgente que haja uma
reorganização das organizações da sociedade civil e do Conselho Estadual de Direitos
Humanos e Cidadania (COEDHUCI), com objetivo de pressionar a criação, pelo Governo do
Estado, de uma Secretaria de Estado dos Direitos Humanos (SEDH) com autonomia e
59
prioridade administrativa e orçamentária para a execução das políticas. Lembrando que essa
instância institucional não garante a proteção e efetivação dos direitos, mas somente a
permanente fiscalização e pressão dos movimentos na luta social poderão vislumbrar um país
em que o Estado Democrático de Direito, a DUDH, o PIDESC e o Protocolo de San Salvador
estejam em sintonia com a realidade brasileira e potiguar.
60
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61
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suposta abertura de créditos suplementares por decretos presidenciais, sem autorização
do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 85, VI e art. 167, V; e Lei nº 1.079, de
1950, art.10, item 4 e art. 11, item II); e da suposta contratação ilegal de operações de
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