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Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Ciências da Saúde Escola de Enfermagem Anna Nery Coordenação de pós-graduação e Pesquisa Curso de Doutorado em Enfermagem Linha de Pesquisa Cuidar/cuidados em Enfermagem de Emergência: Especificidade e Aspectos Distintivos no Cotidiano Assistencial Doutoranda: Maria José Coelho Orientadora : Profa . Dra. Nébia Maria Almeida de Figueiredo

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Centro de Ciências da Saúde

Escola de Enfermagem Anna Nery

Coordenação de pós-graduação e Pesquisa

Curso de Doutorado em Enfermagem

Linha de Pesquisa

Cuidar/cuidados em Enfermagem de Emergência:

Especificidade e Aspectos Distintivos no Cotidiano Assistencial

Doutoranda: Maria José Coelho

Orientadora : Profa. Dra. Nébia Maria Almeida de Figueiredo

co-orientadora: Profa. Dra. Vilma de Carvalho

Rio de Janeiro

Maio/1997

2

“ Tocar significa ‘Eu cuido’, ser tocado significa “Eu existo e, por

isso, necessito de cuidado’. ”

Philips Ernest e Jeanne Shew

S U M Á R I O

Págs.

CAPÍTULO I - O CAMINHAR ...............................................................

4

A Idéia, o Problema, o Objeto, a Justificativa, os Objetivos e a

Conceituação de Termos,

Bases Teórico-Metodológico do Estudo

CAPÍTULO II - O CUIDAR EM EMERGENCIA: O PANORAMA

DAS SALAS DE

ATENDIMENTO...........................................................24

Ensaio Teorico sobre Cuidar/cuidados em Enfermagem de

Emergência......................................................................................2

5

CAPÍTULO III - O EMERGENTE DE UM

COTIDIANO ...........................................................................................

...................38

Primeiro ATO - Dia -a -dia em Emergência ....................................

Segundo ATO - (D)A (Des) Ordem e (com) o Caos..........................

Terceiro ATO - O Retorno ou a volta ao primeiro ato...................

3

CAPÍTULO IV - A FORMA E A ESCULTURA DO CUIDAR

MOLDADAS PELOS ENFERMEIROS...........................................66

REFLEXÃO FINAL DO ESTUDO.........................................................125

BIBLIOGRAFIA......................................................................................12

6

ANEXO..................................................................................................132

----------------------------------------------------------------CAPÍTULO I

O CAMINHAR...

4

A Idéia, o Problema, o Objeto, a Justificativa, os Objetivos e a

Conceituação de Termos

Bases Teórico-Metodológico do Estudo

Antes de tudo...., imaginemos !

Entre as várias situações cotidianas de nossas vidas e com as quais

nos deparamos, uma corresponde ao fato de, com muita freqüência,

ouvirmos no trânsito o som de uma ambulância com a sirene ligada

pedindo passagem na via pública. Isto nos faz pensar que, dentro dela,

possivelmente, encontra-se uma pessoa em situação de risco de vida, cuja

gravidade (maior ou menor) depende da rapidez do atendimento. Tal

informação costuma ser inicialmente, captada pelo sentido da audição e,

depois, da visão da passagem da ambulância, sendo transmitida para o

cérebro, formando uma imagem. Mesmo que os olhos não visualizem o

interior da ambulância, a imagem que temos é a de “alguém grave”

necessitando de atendimento e de cuidados. Sendo eu, enfermeira de

emergência, imagino logo que a situação poderia envolver um(a) outro(a)

enfermeiro(a), ou mesmo eu, vivenciando um acontecimento quase

rotineiro para quem mora em área urbana.

5

Diante de tal situação afasto, imediatamente meu carro, para dar

espaço à ambulância que passa rapidamente, e observo o que fazem os

outros motoristas e os transeuntes. Sabemos de antemão que direção a

ambulância irá, possivelmente, tomar um pronto-socorro em algum ponto

da cidade. Em lá chegando, o atendimento ao cliente, certamente, dar-se-á

por meio de atividades que caracterizam o cotidiano das ações dos

profissionais de saúde: salvar vidas - retirar a pessoa que se encontra em

situação de risco, trazendo-a de volta para a vida e, assim, retirá-la do

limiar entre a vida e a morte. Avançando em minhas cogitações

compreendo que, entre os profissionais que irão cuidar do cliente, estão os

enfermeiros, e, quando falo em Cuidar, faço-o num sentido profissional

que abrange o desenvolvimento de atividades, pertinentes e a utilização de

um instrumental de conhecimento específico, fato que determinará os

aspectos distintivos dos cuidados especiais singulares, baseados num saber

e numa tecnologia de enfermagem.

E depois...?

No decorrer de dezesseis anos de trabalho como enfermeira, (onze

dos quais dedicados à assistência e os outros cinco à docência), tenho

observado e convivido com clientes em situações de emergência. Nestas

ocasiões, tenho percebido três características que parecem específicas e

emergentes de uma mesma ação, as quais são inseparáveis no atendimento

à clientela das unidades de emergência.

A primeira é típica do atendimento à pessoa que precisa ser

“socorrida”, ou seja, que sofreu um acidente físico e/ou uma violenta

agressão orgânica, ou ainda, as duas coisas, e que traz consigo as suas

6

características pessoais, familiares e as da sociedade. A segunda diz

respeito ao “socorro”, ação imediata, tida pelos enfermeiros como cuidado

de enfermagem em emergência, envolvendo segurança e competência,

aliadas à tecnologia específica de cuidar. E a terceira, o “socorrer”, ação

global da atividade básica da abordagem emergencial de enfermagem,

envolvendo desde as ações mais simples até as de maior complexidade,

incluindo, também, o preparo do ambiente e dos materiais necessários à

intervenção em enfermagem de emergência.

A partir destas observações e deste convívio, desejei compreender

melhor como o cliente em risco de vida era atendido nas unidades de

emergência. A prática e a contextualização da assistência de enfermagem,

neste cenário, teve como ponto de partida minha dissertação de mestrado

Nos Bastidores da Assistência: o Cliente em Risco de Vida e a Enfermagem

na Unidade de Emergência, realizada em 1991, na Escola de Enfermagem

Anna Nery - Universidade Federal do Rio de Janeiro, cuja pesquisa foi

desenvolvida em hospitais públicos de grande porte, no município do Rio

de Janeiro, responsáveis pelo atendimento em emergência.

Dessa primeira investigação, surgiram novas questões relacionadas

ao atendimento à clientela em situações de emergência dentro do hospital,

envolvendo o cuidar em enfermagem. Verifiquei, também, neste meu

estudo, que a assistência de enfermagem em emergência precisava ser

detalhadamente estudada. Muitas dúvidas ainda existem, quando refletimos

ou pensamos que o cuidar em enfermagem se consolida através de

cuidados, e que pode constituir uma ação de curar, tornando-se

terapêutico. Decidi, então, que era fundamental pesquisar a natureza desse

Cuidar.

7

Identifiquei, também que, neste cenário, denominado de emergência

ou pronto - socorro, existe uma prática com determinados tipos de cuidar,

que ainda não foram identificados devidamente e tampouco nomeados no

plano da enfermagem, além do que há certamente uma especificidade para

os cuidados de enfermagem em emergência, a qual deveria ser

caracterizada por uma competência diferenciada. Resta saber qual é, de

fato, a característica mais típica do Cuidar, e de tais cuidados, e, por

conseguinte, quais as conseqüências para o cliente, quando estes não estão

explicitados.1

A não - explicitação do cuidar e dos cuidados constitui um ponto

que considero fundamental para esta pesquisa, razão suficiente para a sua

transformação em objeto de estudo. Alguns questionamentos são colocados

para direcionar a referida pesquisa: o cuidado de enfermagem em

emergência pode favorecer a manutenção da vida?; como isto é possível de

acontecer?; qual o cuidar e que tipos de cuidados são prestados numa

situação de emergência?; qual a especificidade da ação de cuidar?; de que

modo compreender o cuidado de enfermagem como terapêutico, se, em

relação à profissão de enfermagem, pairam dúvidas quanto aos limites de

sua cientificidade?; o que é cuidar em emergência?.

Em vista destes questionamentos, o objeto da presente investigação é

o cuidar de enfermagem em unidade de emergência, em face das

especificidade e/ou aspectos distintivos no cotidiano da prática assistencial.

Nesta tese, a expectativa é, portanto, a de mostrar que o cuidar/cuidados de

1Observo que tal cuidar está subdividido, dando a entender que, em determinados momentos, deixa de ser especifico da área de conhecimento de enfermagem, para ser de dois tipos: um que assegura a ação interventiva do enfermeiro e sua equipe, com autonomia profissional, e outro, em que a intervenção passa a ser subsidiada pela medicina, isto é, os cuidados passam a ser de manutenção, de infra-estrutura e das implementaçãos nas ações desenvolvidas como descreve COELHO (1991, p.246).

8

enfermagem tem uma especificidade, com uma forma de abordagem

peculiar, já que o enfermeiro é co-responsável pela recuperação do cliente.

A investigação da especificidade e dos tipos de cuidar de

enfermagem em emergência é imprescindível. Atualmente, o cuidar/os

cuidados de enfermagem vêm interessando a muitas pesquisadoras como

objeto de estudo. Tenham-se em consideração os trabalhos e/ou

investigações de Wanda A. Horta (1970), Vilma de Carvalho e Ieda B. e

Castro ( 1979), Maria Cecília Puntel de Almeida (1986), Maria José de

Lima (1993), Maria Teresa Leopardi (1994), Nébia Maria Almeida de

Figueiredo (1994), Vera Regina Waldow et al. (1995), entre outras.

Mesmo com abordagens diferentes, estas autoras mostram que o cuidar, o

cuidado e a prática de enfermagem são temas que continuam emergentes.

Essas autoras de enfermagem, em seus estudos e/ou para esclarecer

aspectos das ações de cuidar realizadas, mostram a incessante busca

cientifica, razão por que como objeto de pesquisa, o assunto ainda pertence

a um processo de busca que têm-se mostrado constante na profissão.

Um outro ponto que considero importante é o resultado da pesquisa

como uma contribuição significativa para a construção do conhecimento

relativo à área de enfermagem em emergência.

Os objetivos para o desenvolvimento da pesquisa são: caracterizar o

cuidar em enfermagem, nas situações de emergência, que põem em risco a

vida da clientela; descrever a especificidade e os tipos de cuidar em

emergência, e, conceituar o cuidar/os cuidados de enfermagem prestados

em emergência, a partir da especificidade das ações e/ou atividades de

enfermagem habitualmente encontrada na prática assistencial.

Conceituação de termos

9

Na busca de literatura especializada, relacionada ao cliente em risco

e/ou em emergência, encontrei um acervo direcionado ao aspecto técnico:

socorro ao politraumatismo, infarto agudo do miocárdio, diabetes,

queimaduras em vários níveis, como tratar ou equilibrar a homeostase

orgânica; entre outros. Mas o cuidar/cuidados em enfermagem em

Emergência nunca é explicitado e objetivamente determinado.

Para facilitar a compreensão do que entendo sobre cuidar em

enfermagem dirigido à clientela que busca e/ou é levada à emergência, é

necessário conceituar alguns termos, uma vez que os conceitos de cuidar,

na área da enfermagem, são usados na linguagem profissional cotidiana

sem critério de universalidade, e, às vezes, o cuidar e o cuidado de

enfermagem são usados como sinônimos. Neste sentido, entendo que:

CUIDAR é o processo de expressão, de reflexão, de elaboração do

pensamento, de imaginação, de meditação e de aplicação intelectual,

desenvolvido pelo enfermeiro, em relação às ações mais simples até as

mais complexas, e que requer um mínimo de condições estruturais,

ambientais e de recursos humanos que seja razoável para assegurar a

confiabilidade, a credibilidade dos atos/ações direcionados ao atendimento

dos clientes nos níveis imediato, mediato e tardio;

CUIDADO é a ação imediata prestada pelo enfermeiro ou algum

elemento de sua equipe, técnico e/ou auxiliar de enfermagem, em curto

espaço de tempo, desenvolvido em vários momentos, envolvendo

segurança e competência, aliados à tecnologia específica que a situação

exige;

10

CLIENTE é aquele que sofreu uma violência ou acidente físico e/ou

orgânico, e que traz consigo as suas características pessoais, familiares e

sociais, necessitando, urgentemente, do CUIDAR e dos cuidados de

enfermagem para o atendimento de suas necessidades humanas, a partir da

prioridade de manter a vida - trazer o cliente de volta para a sua realidade.

Bases Teórico - Metodológicas

Sabe-se que a enfermagem utiliza, em sua prática cotidiana, um

conhecimento próprio mesclado com outro proveniente das ciências

humanas, sociais e biológicas. Com esse conhecimento, ela tem sido capaz

de desenvolver suas atividades, baseada em uma visão holística2 do cliente,

explorando, interpretando e discutindo os fenômenos que envolvem a sua

prática.

A causa da saúde/doença como expressão social/individual pode ter

sua origem em fatores endógenos, relacionados ao aspecto clínico, através

dos processos biológicos, e em causas exógenas socialmente construídas.

As situações dos atendimentos de emergência e o cuidar em enfermagem

convivem com este dualismo e são preocupações que este estudo poderá

ressaltar e discutir, encontrando-se como fonte de reflexão do objeto de

estudo.

Na construção do referencial teórico do estudo, trabalho com alguns

conceitos básicos os de Myra Estrin Levine e os de Jean Watson para

compreender a sistematização da prática de enfermagem, reforçando o que

estou investigando. Leonard e Talento. (1993, p.164-173 e 254-267).

2 Holismo do grego holos = totalidade. Termo divulgado pelo filosofo syl-africano Jan Smutts a partir de 1926, siginificando surpreender o todo nas partes e as partes no todo de tal forma que nos deparamos sempre com uma sintese que ordena, organiza, regula e finaliza as partes num todo e cada todo com uma outra totalidade, sempre maior. Boff (1995. pag. 72).

11

1. Myra Estrin Levine considera como tema central a ação da

enfermagem baseada no cuidado total da pessoa e em princípios,

significando manter equilíbrio, com enfoque nos aspectos:

a) da energia: repouso, nutrição e exercício adequados; integridade;

b) estrutural: o corpo e o seu funcionamento, manutenção e

recuperação da estrutura do corpo, prevenção do colapso físico e promoção

da cura;

c) pessoal: manutenção e recuperação da identidade e auto-estima do

cliente;

d) social: reconhecê-lo como um ser social.

O conceito de ambiente externo é citado por Leonard (1993, p.164-

171) e por Almeida e Rocha (1986, p.91-102). Inclui o perceptivo com os

seus cinco sentidos (visão, audição, olfato, gustação, tato), o operacional

com as suas forças, condições e elementos não-perceptíveis, e, por último,

o conceitual, que engloba os processos dos pensamentos, emoções e

sociais.

2. Jean Watson como cita Talento (1993, p.259-61) considera o

cuidado como o maior valor que a enfermagem tem para oferecer à

humanidade, buscando mais conexões do que separações entre as partes

que compõem a totalidade da pessoa, diz que é através do modo como

fazemos o cuidado que auxiliamos as pessoas a obter um alto grau de

harmonia em seu self, para que possam promover o autoconhecimento, a

autocura ou obter sinais que são partes da vida.

3. E é de Nébia Maria Almeida de Figueiredo a concepção do corpo da

enfermeira como instrumento do cuidado de enfermagem:

“...o corpo...não é um instrumento entendido como ferramenta,

como objeto mecânico ou máquina, mas compreendido como algo em

12

movimento, como expressão da vida e como capacidade de exercer algo por

si - Um instrumento que é movimento com a própria energia corporal-

mental e que tem a função de veicular características necessárias para

ajudar a outros corpos - os dos clientes das enfermeiras.....que se

instrumentaliza no ato de cuidar...” (1994, p.263)

Os conceitos de Maria José Lima, são usados para sustentar a análise

e argumentação quanto ao o que é enfermagem

O referencial metodológico é o de uma pesquisa qualitativa

desenvolvida através de etnométodos, descritiva, interpretativa e

correlacional. A opção pelo método qualitativo, para estudar o

CUIDAR/cuidados em enfermagem, em unidade de emergência, tem por

base o que Richardson e cols. afirmam:

“...descreve a complexidade de determinado problema, analisa a

interação de certas variáveis, compreende e classifica processos dinâmicos

vividos de grupos sociais. Contribui no processo de mudanças de

determinado grupo e possibilita o atendimento das particularidades...”

(1985, p.139)

Corroborando as afirmações, Haguete (1992, p.35) assegura que o

método qualitativo enfatiza a especificidade de um fenômeno em termos de

suas origens e razão de ser. A explanação descritiva tem como meta a

descrição sistemática e assistemática.

A metodologia é compreendida como uma trilha, que possui

instrumental próprio de abordagem da realidade. O caminho escolhido foi o

da ETNOMETODOLOGIA o qual possibilitou, identificar o

cuidar/cuidados que é realizado pela enfermagem em emergência,

entendido como ação de remover uma condição de risco, tentar evitar a

13

morte e manter a vida, desenvolvido pelo enfermeiro como líder de equipe,

numa compreensão do dia-a-dia, o qual foi interpretado, buscando, no

mundo cotidiano da enfermagem3, o que é diferente, universal, específico,

distinto, estável e mutável, numa analise microssocial dos acontecimentos

diários comuns na unidade de emergência, “vistos sem serem notados”,

como afirma Minayo (1993, p.53-150) vividos no cotidiano e que tomam

uma atenção igual à dos acontecimentos extraordinários.

No plano da explanação interpretativa dos dados, o método permitiu

caracterizar o cuidar em diferentes momentos e circunstâncias, a partir da

observação da dinâmica interna de cada configuração. Na explanação

correlacional, o cuidar é associado com o todo, o foco da análise desloca-se

das influências externas para o que determinam o modo, o ritmo e a

dinâmica dos cuidados em emergência. Harold Garfinkel 4 nos indica que

seus estudos:“...abordam as atividades práticas, as circunstâncias práticas e o

raciocínio sociológico prático, como temas de estudo empírico.

Concedendo às atividades corriqueiras da vida cotidiana a mesma atenção

que habitualmente se presta aos acontecimentos extraordinários,

tentaremos compreende-los como fenômenos de direito pleno...”.

E acrescenta:

“...é a pesquisa empírica dos métodos que os indivíduos utilizam para dar

sentido e ao mesmo tempo realizar as suas ações de todos os dias: comunicar-se, tomar

decisões, raciocinar....” (1995, p.10-11)

3 O cotidiano em enfermagem corresponde ao que os enfermeiros e suas equipes, na prática, fazem todos os dias.4 Quanto à etnometodologia, Harold Garfinkel (fundador da corrente científica em pauta, inventor “da palavra” etnometodologia. Sofreu influencia de estudiosos como Edmund Husserl, Aaron Gurwistsch, Alfred Schütz e Maurice Merleau-Ponty

14

O projeto científico dessa corrente consiste em analisar os

procedimentos que os indivíduos utilizam para levar a termo as diferentes

operações que realizam em sua vida cotidiana. O radical grego “ETNO”

significa raça, grupo, mas para Harold Garfinkel sugere aquilo que um

membro dispõe do saber de sua sociedade enquanto do que quer que seja.

O raciocínio sociológico prático, empregado pelos membros daquele

grupo e observado no seu cotidiano, vem a ser o corpus da pesquisa

etnometodológica. Outra característica, é que o mesmo método requer a

descrição, e tem como estratégia descrever o que fazem os membros.

Serve de utensílio de pesquisa de outras correntes, em particular, da

etnografia.

Portanto, esta metodologia, e não outra permitiu o estudo das

atividades cotidianas em enfermagem em emergência, do modo mais

abrangente possível, quer fossem corriqueiras, quer variadas. A

etnometodologia também me deu a oportunidade de compreender como é

que os indivíduos vêem, descrevem e propõem, em conjunto, uma

definição da situação. Coulon (1995, p.1 e 109) enfoca que ela não

somente mostra como as estruturas sociais agem sobre a atividade

científica, mas também faz com que o pesquisador se interesse pelo

trabalho científico em si mesmo.

A minha participação como pesquisadora na coleta dos dados foi de

observadora participante, observando os enfermeiros5 e suas equipes em

ação no campo. Não ocultei totalmente as minhas atividades de

pesquisadora, mas revelei somente o essencial do que pretendia, dando

ênfase ao contato direto e pessoal. Neste sentido Ludke e André observam

que:

5 Neste estudo, onde se lê enfermeiro, entenda-se enfermeiro e enfermeira.

15

“...o pesquisador precisa entender o comportamento como os

participantes o entendem. Estudar o seu mundo, suas interpretações sobre

eles mesmos em interação e compartilhar suas definições. O pesquisador

deve ser um participante da situação do estudo e transformar as

informações coletadas em conteúdos científicos, frutos da pesquisa.....”

(1986, p.26).

O divisor de águas entre o meu papel como pesquisadora e o de

enfermeira, muitas vezes, tornou-se quase impossível. O limite era muito

tênue, quando uma vida estava em risco e eu tinha que deixar de pesquisar

para atuar, cuidar. Como estratégia, procurei aceitar as pessoas e os fatos,

com a minha participação cotidiana, assim como tentei não influenciar o

grupo, porque desejava estudar o seu cotidiano, afetando-o o menos

possível com a minha presença.

Busquei, também, ser útil naquilo que se espera de uma profissional-

amiga num sistema dual de papéis (como enfermeira e pesquisadora), no

que refere à participação em nível humano espontâneo e em nível de

planejamento de pesquisa na busca de pistas, numa relação face a face com

os observados, participando de suas vidas no próprio cenário e colher

dados.

Quanto ao campo de pesquisa, utilizei as dependências de um setor

de emergência - salas de atendimento - de um hospital de grande porte,

especializado neste atendimento, localizado na região metropolitana do

Município do Rio de Janeiro. A escolha deste cenário foi por receber uma

clientela em situação de emergência, oriunda das áreas metropolitana e

circunvizinhas, e provenientes de outros hospitais, assim como de outros

municípios do Estado do Rio de Janeiro. Um ponto de partida básico foi

desenvolver a pesquisa num setor diferente e desconhecido, para que

16

pudesse criar as condições nas quais as percepções e interpretações

ganhassem significados, como preconiza a pesquisa de campo etnográfica

segundo Cicourel, (1990, p. 88).

A equipe de enfermagem tem seis enfermeiros, distribuídos nas 24

horas do dia, num regime de plantão de 12 por 60 horas, totalizando em

média 20 enfermeiros, sendo um enfermeiro para cada sala de atendimento.

Quanto ao cenário de pesquisa, existem cinco salas de atendimento

(trauma, clinica, ortopedia, pediatria e triagem). Nelas homens e mulheres

ocupam o mesmo espaço físico, assim como são verificados muitos e

variados casos de atendimento de emergência. Os enfermeiros fazem um

sistema de rodízio nas salas de atendimento, com uma permanência média

de um mês em cada sala.

Das cinco salas de atendimento, duas não compõem o cenário da

pesquisa: a da pediatria, excluída do estudo por trata-se de uma área

relacionada com conhecimento específico e distinto, pela clientela que

requer um cuidar/cuidado diferenciado em sua abordagem; e a sala de

ortopedia, para onde são levados os clientes que sofrem trauma de pequena

gravidade, ficando os mais graves na sala de trauma e sendo o enfermeiro

responsável o plantonista da sala de trauma.

Os enfermeiros selecionados para a pesquisa foram aqueles que

lideram as equipes de enfermagem, sendo responsáveis profissional e

legalmente pela construção e realização do cuidar e a prestação dos

cuidados de enfermagem à clientela assistida, como determina a Lei n0

7.498/86, sobre o exercício profissional de enfermagem, em vigor.

O enfermeiro pertence ao grupo de pessoas da comunidade (de

enfermagem) que mantém sólidos laços com a clientela assistida, num

universo de totalidade deles, alocados na emergência, e cuja

17

responsabilidade pelos cuidados (diretos e/ou indiretos) é exclusivamente

sua. Torna-se importante discutir com estes enfermeiros como tal acontece.

A escolha dos enfermeiros para participar da pesquisa é acidental,

reforçando a investigação enquanto descoberta e criação.

A pesquisa de campo deste estudo incluiu tanto a observação

participante quanto a entrevista. Como instrumento de coleta de

informações foi utilizado, num primeiro momento, o método observacional

preconizado na etnometodologia. A observação do objeto de investigação

inclui diferentes momentos e segue os passos determinados pela

etnometodologia descritos por Coulon e apresentados a seguir.

Prática

Formas particulares pelas quais os enfermeiros tomavam decisão, e

que as faziam observáveis e descritíveis, atividades concretas, as regras e

os modos de proceder, através de observação, e a análise. Enfim, como

construiam um mundo “racional”, para que podessem atuar e viver numa

construção de trabalho manual e/ou artesanal e intelectual.

Indicialidade

Constituiu a linguagem cotidiana. Foram as determinações que se

ligavam a uma palavra ou situação. As formas simbólicas, como os

enunciados, os gestos, as regras, as ações, aconteciam ou se apresentavam.

Reflexividade

18

Este conceito não tem o mesmo significado de reflexão. Quando

afirmo que as pessoas desenvolvem uma prática reflexiva, isto significa que

os membros refletem sobre o que fazem. Na reflexividade, tal não

acontece. Os membros não têm consciência do caráter reflexivo de suas

ações. Não se preocupam em teorizar. Portanto, a reflexividade designa a

equivalência entre descrever e produzir interação, entre a compreensão e a

expressão mesma da compreensão que o enfermeiro tem na construção de

sua prática do dia-a-dia.

Descritibilidade

Possibilidade de descrição da realidade com a própria realidade.

Parte integrante das circunstâncias práticas, descritíveis, inteligíveis,

relatáveis e analisáveis. Estes fatores se mostravam nas ações práticas dos

atores enquanto descrição de um panorama da vida cotidiana, não no

sentido do que ela “diria”, mas de quando e como “fabricam” o mundo

assistencial, quando constrói a prática de enfermagem em emergência.

Membro de equipe

No vocabulário etnometodológico, a noção de membro referia-se às

pessoas, pessoas particulares e/ou indivíduos dotados de um conjunto de

modos de agir, de métodos, de atividades, de um saber-fazer, e não

simplesmente uma pessoa que pensa e fala. O membro é alguém que

incorporou os etnométodos de um grupo social, ligado à coletividade. Neste

estudo, os membros foram os enfermeiros e suas equipes que atuavam no

setor de emergência.

19

Utilizei os referidos conceitos da etnometodologia, para compreender

o relatável - o observável - o descritível nas informações que remetem à

interpretação, descrevendo o cotidiano do cuidar em Unidade de

emergência / pronto socorro. As formas deste trabalho de campo, para

coletar as informações resultantes das observações e inferências, foram

construídas a partir do que os enfermeiros e sua equipe faziam, assim como

o que diziam, tanto quando sabiam que estavam sendo observados, como

quando pensavam que não estavam. O dados foram colhidos em três

momentos:

1) observação direta individualizada e grupal no setor de emergência.

Utilizei o diário de campo para a observação, registro, interpretação, e

descrição dos sujeitos (quem, quantos, como se relacionam entre si , entre

outros aspectos); do cenário (onde as pessoas se situam, quais as

características deste local, com que sistema social pode ser identificado); e

do comportamento dos sujeitos (o que ocorre em termos assistenciais e

sociais, o que os sujeitos fazem, com quem e com que o fazem, seus

maneirismos, modo de falar e agir, os gestos, as regras, as ações, as

conversas, expressões que digam respeito à pesquisa).

As observações foram descritas tal como se ofereceram, e se

esgotaram quando os dados se mostraram saturados. Os enfermeiros

validaram os dados levantados, lendo-os, discutindo e sugerindo novas

denominações para os tipos de cuidar.

2) entrevista aberta buscando maneiras de pensar, de atuar, idéias,

fatos, para captar explicações e interpretações do que é compreendido sobre

o cuidar de enfermagem em emergência. (Anexo 1).

Para a revisão dos dados coletados, promovi reuniões dos grupos

focais, para as quais os temas de discussão foram escolhidos após as

20

entrevistas, como forma complementar, para dar ênfase a alguns aspectos

considerados relevantes. Os grupos focais foram compostos com dois a três

enfermeiros, que se reuniram em uma sala, dentro do cenário da pesquisa

(sala de chefia), durante 30 a 40 minutos, quando eram debatidos temas que

emergiam da descrição do cotidiano, tais como os tipos de cuidar e os

respectivos cuidados de enfermagem em emergência.

Na entrevista, foram permitidas livres respostas dos enfermeiros,

tendo sido realizada com perguntas explicativas, interrogativas,

consequenciais, avaliativas e hipotéticas, e acompanhada de anotações

sobre o comportamento, atitudes, idéias, manifestações verbais e não

verbais, e ações do entrevistado. As entrevistas foram gravadas em fitas

magnéticas, com 20 minutos em média, de duração. As informações

obtidas das entrevistas foram organizadas segundo o conteúdo e a pessoa

que as prestou;

3) consulta aos livros de registro dos relatórios de enfermagem e

outros, considerando como documento “qualquer material escrito que possa

ser usado como fonte de informação”, como os boletins de atendimento, o

boletim do Corpo de Salvamento dos Bombeiros, ou outro similar, levando

em consideração que, para o atendimento de emergência ocorrer, não é

preciso, necessariamente nenhuma documentação escrita. A utilização

destas fontes teve dois objetivos: validação e para identificar o cuidar de

enfermagem em via pública, feito através de conexões institucionais, mais

precisamente o setor de emergência.

O histórico em emergência, muitas vezes, é elaborado, inicialmente,

de forma verbal, oriundo de pessoas (amigos, companheiros, transeuntes,

policiais, entre outros) que fornecem os dados essenciais que dão uma idéia

geral de quem vai ser cuidado pela enfermagem, para, assim, compor um

21

plano para cuidar. O inicio da coleta das informações preliminares foi em

31 de agosto de 1995, após contato com os dirigentes da instituição, através

de solicitação escrita ao Diretor Geral e à Diretora da Divisão de

Enfermagem e Chefe do Setor de Emergência que durou o mes de

setembro de 1995, o termino da coleta de dados do estudo terminou em 22

de outubro de 1996.

Os participantes do estudo tiveram as suas identidades preservadas

pelo anonimato, com nomes fictícios dados em homenagem às (aos)

amigas(o)s e companheira(o)s enfermeiras(os) e auxiliares de enfermagem

que conheci durante a minha trajetória profissional. Os arquivos de

informações descritivas da análise documental de fontes primárias e

secundárias estão arquivados em disquete de computador.

Tão logo coletei meus primeiros dados - estágio exploratório -,

organizei as anotações em ordem cronológica. Inseri os dados no arquivo

do programa microsoft word. Relacionei todo o material em disquete e em

back up (cópia de segurança), que ocupou de uma a dez páginas, contendo

a observação, data, hora de entrada e saída do setor de emergência. Gastei

de 30 minutos à uma hora, para revisar as anotações ou redigi-las. Dez

minutos foram suficientes para localizar qualquer item.

A descrição da observação do quadro cotidiano do cuidar de

enfermagem em emergência foi anotada imediatamente ao fato ocorrido

(procurou-se um canto e/ou um ponto estratégico no setor de emergência,

para que fossem anotadas as palavras - chaves do diálogo e da observação

que continha o fato cotidiano), em folhas de papel soltas tipo receituário e,

posteriormente, realizada a observação retrospectiva, em que o observador

recriou, na sua imaginação, o dado da pesquisa em toda sua a dimensão, no

instante em que ocorreu o fato.

22

Esta atividade foi registrada em disquete de computador no mesmo

dia, só se retornando ao cenário da pesquisa após a descrição literal do

cotidiano, em diário de campo, a qual levava de 6 a 10 horas seguidas, para

o desenvolvimento dos tópicos - chaves registrados como anotações

iniciais, no momento da ocorrência do fato.

---------------------------------------------------------------CAPÍTULO II

23

CUIDARCUIDADOS EM EMERGÊNCIA: O PANORAMA DAS

SALAS DE ATENDIMENTO

Ensaio Teorico sobre Cuidar/cuidados em Enfermagem de

Emergência

Ensaio Teorico sobre Cuidar/cuidados de Enfermagem em

Emergência

24

Nas últimas décadas, o atendimento em Emergência condutas e

procedimentos vem tomando contornos próprios e diferenciados pelas

intervenções e procedimentos especificos, fato que por salvar vidas, por

meio de um atendimento que requer uma diferenciação, um estilo próprio

de cada profissional durante a ação. No tocante a enfermagem este

atendimento requer uma diferenciação, um estilo porprio dos profissionais.

É importante destacar então que, para a enfermagem, existem critérios

fundamentais para cuidar em Emergência, que dizem respeito a três

questões importantes: a) rapidez nas ações; b) raciocínio, coerência de

idéias; e c) um modo especial de cuidar. A partir dessas questões, deve

prevalecer a relação harmonica nas condutas e intervenção de

enfermagem, e adequadas ao quadro clínico apresentado pelo cliente e/ou

clientela.

A convicção da propriedade do cuidar/cuidado faz-se pela

identificação dos fatores primários e secundários que levaram o indivíduo

àquela situação. Esses fatores, contudo, não caracterizam ou distinguem os

cuidados de enfermagem em emergência: o enfermeiro deve pensar o

cuidado mais amplamente, estabelecendo a relação entre o homem e o

meio; o equilíbrio e o desequilíbrio biológico e suas manifestações naturais

e/ou provocadas; os comportamentos socioculturais das pessoas e dos

profissionais, que são expressos neste espaço ( microssocial ) da Unidade

de Emergência; e ainda os procedimentos e tecnica de cuidar adotados com

base em um conhecimento especifico denominado ciência da enfermagem.

Diante do exposto a complexidade do objeto investigado passa a ser

de interesse para a aplicação de princípios cientificos e de conhecimento,

que fazem parte nessa modalidade assistencial, estabelece a diferença entre

esta e outros tipos de assistencia que se oferta. Difere, principalmente,

25

quando levamos em consideração que a Emergência é uma unidade onde os

processos - de objetivação e subjetivação - assistencial requer a construção

de uma intervenção diferenciada de enfermagem, já que este cenário nas

Unidades de Emergência se encontram em intensa dinamica de movimento

de corpos e de ações de cuidar.

Por outro lado é importante considerar também a importância dos

conceitos e definições de enfermagem em Unidade de Emergência que no

interesse da enfermagem são utilizados em enfermagem de Emergencia e,

com base neles, descrever as formas de organização e atendimento à

clientela, considerando problemas e aspectos significativos da realidade

com a qual se deparam os enfermeiros neste cenário, incluidas à divisão

social do trabalho existente, a estratificação técnica, social e econômica,

além de outros, que permeia o contato da enfermagem com a sua clientela,

bem como com os outros profissionais da área de saúde.

Neste sentido, em emergência, cuidar do corpo de quem necessita de

cuidados requer o que os teóricos chamam de “um modelo de sistema dinâmico

complexo”. Como define Gleick “nenhum objeto de estudo ao alcance dos

pesquisadores ...oferece tal movimento de contra-rítmo em escalas que vão da

macroscópica a microscópica como o corpo humano, movimento dos músculos, dos

fluidos, de correntes, de fibras, de células.... uma parte do corpo pode ser um órgão

aparentemente bem definido como o fígado... ou pode ser uma rede, especialmente

desafiadora, de sólido e líquido como o sistema vascular” . (1991:268)

Portanto, podemos aceitar e reconhecer que o Cuidar/cuidados em

Enfermagem de Emergência não resulta apenas em intervir para que o

organismo reaja à condição orgânica que varia rapidamente e de maneira

imprevisível, numa concepção biologista. O enfoque principal do

cuidar/cuidados da enfermagem não é somente o técnico (necessário),

requer a sincronia daquilo que oscila mas sim - o que se deve e

26

consequentemente prevalecer na unidade de emergência é o da visão do

homem em sua totalidade, de acordo com o paradigma holístico.

Mesmo atuando num momento de caos, a enfermagem não pode

perder de vista a necessidade das coisas. Isso exige pensamento ousado e

de uma mentalidade profissional apoiada em uma abordagem terapêutica

específica, centrada nos aspectos biopsicossócioespirituais do cliente. E

assim Cuidar/ cuidados possibitam sincronizar o que estam em oscilação.

A pessoa que busca e/ou necessita do atendimento em Emergência

pode apresentar um quadro de alterações tais que a fazem sentir-se doente.

É preciso entender que, para o cliente a quem geralmente chamamos de

cliente em risco de vida, sair da situação que vivência depende, e muito, da

ação do(s) profissional(ais) que o atende(m) e, em especial, da equipe de

enfermagem que responde 24 horas de cuidado e vigilância. É importante

frisar que a complexidade do Cuidar/cuidado implica no mais, em um tipo

de vigilância constante já que naquele momento, o cliente não pode ser

exercer plenamente sua capacidade de direito e decisão, como veremos

adiante.

Mesmo quando as medidas de enfermagem podem parecer que estão

contrariando os direitos e os modos de vida dos clientes, não se pode perder

a ideia e a intenção de manter a vigencia do principio de respeito e

reconhecimento pelo ser humano. É quando cabe as medidas de conforto,

segurança, comunicação, conversa, o toque sensivel e as explicações

possiveis do que se deseja fazer ou do que esta se fazendo mesmo quando

aparentemente o cliente não pode ouvir ou responder, isso é expressar

qualquer sinal de entedimento.

O cliente, ao ser admitido em uma unidade de emergência, na

maioria das vezes, encontra-se numa situação de risco de vida -

27

emergência ou urgência -, que pode resultar em modificação no seu modo

de viver. Frequentemente, ocorrem reações de fundo comportamental, que

geram angústia por motivos diversos, como o desconhecimento das

medidas diagnosticas ou terapêuticas, e dúvidas e incertezas quanto ao seu

futuro.

Um dos principios gerais da enfermagem de que não deve, se

possível, contrapor-se ao modo de vida dos indivíduos, mas apenas dar-

lhes suporte, quando carecem temporariamente, ou conferir-lhes mais

vigor, proporcionando uma intervenção de “...reforço de mecanismos na

normatividade do ser vivo e máxima eficácia comprovada com o mínimo de risco...”,

como enfatiza Nogueira (1994, p.106) fundamenta o cuidar/cuidados de

enfermagem em emergência

Desta forma entendemos que Cuidar/cuidados em enfermagem de

emergência pauta-se no encontro da regularização biopsicossócioespiritual

do indivíduo, promovendo equilíbrio. Os esforços dos enfermeiros e suas

equipes devem levar o indivíduo a uma regularização de suas funções vitais

e sociais. Não se pode esquecer de quando se trata de seres humanos, há

regras de mudança e de harmonização, de antagonismos internos e

ambientais, e de sociabilidade, que precisam ser considerados conforme

recomenda Nogueira (1994, p.104). A consideração dessas regras pela

enfermagem ocupa posição central em enfermagem de emergência.

É preciso ver, tambem, que, por detrás dos sinais e sintomas de

desequelibrios apresentados pelo cliente de unidade de emergência, existe

uma trama de relações entre as possíveis causas e as necessidades humanas

que para a enfermagem de emergência constitui um permanente desafio de

oferecer ajuda e condições favoráveis no que refere o cuidar\cuidados. É

relevante considerar o significado de vigilância e a engenharia dos

cuidar/cuidados em Emergência. Sobre este aspecto, Ventura (1975, p.465)

28

define que “é o conjunto de serviços e facilidades oferecidas pelo hospital ao

paciente, para que possa ele receber socorro - cuidados...adequados”.

Para a Enfermagem, desde os tempos de Florence Nightingale o

cuidar/cuidados inclui o apoio nas condições previstas e nas adversas do

atendimento das necessidades dos clientes, como indicativo para o processo

de assistir em enfermagem.

O Cuidar/cuidados em Emergência, requer o entendimento de saber -

fazer e a devida compreensão quanto a julgamento e medidas de vigilância

em um entrosamento pensar, imaginar, meditar, julgar, tratar, velar, intuir,

vigiar, além de intervenções compativeis a complexidade assistencial. A

construção do Cuidar/cuidados abrange elementos ideológicos fundamentos

de uma filosofia assistencial, conceitos e técnica que interessam

diretamente as tomadas de decisão sobre as formas de atendimento. A

lógica do atendimento envolve raciocínio, intuição, sensibilidade ,

conhecimento e experiencia profissional além de bom senso. É preciso,

para isso, que o enfermeiro também tenha registrado na memória um

grande acervo de conhecimentos, para poder acioná-los no imediatismo que

o cuidar/cuidados em Emergência requerer.

O Cuidar em Emergência exige do enfermeiro capacidade de

expressão afetiva, cognitiva e psicomotora certamente, com base no que

dizem Almeida e Rocha (1986, p.105 ), “A medicina persegue a restauração de

uma norma através da cura, e a enfermagem, a restauração de uma norma através do

cuidado...O que se evidencia é a essência de cada trabalho, se o objeto da enfermagem

é o cuidado do paciente, seu objetivo é diferente do da medicina”.

O Cuidar/cuidados, além de uma distinção conceitual que se

evidencia pela singularidade das condutas e procedimentos adotados e que

requer a contrução do cuidar/cuidados em enfermagem de detalhes que se

mostram diferentes do que se faz em outras areas de enfermagem. No caso

29

particular da enfermagem de emergência a construção é diferente do da

medicina. Existe aspectos distintivos e diferenciados entre a enfermagem

de emergencia e o da medicina que atua no mesmo cenário. A construção

do Cuidar em Enfermagem de Emergência é um detalhe de uma ação

global, na qual o cuidado é parte do cuidar.

Para alcançar o entendimento daquilo que se compreende por Cuidar

em Enfermagem de Emergência, tornou-se necessário uma restrospectiva

historica. Para compreendê-los, é necessário, hoje, retornar ao passado,

descrevendo, de forma sumária, a evolução e contextualização do Cuidar.

Com isso, os indícios históricos nos mostram que os fatos atuais, muitas

vezes incompreensíveis à primeira vista, possuem coerência ao longo da

sócio-história. O ponto de partida para essa compreensão tem como seus

personagens Florence Nightingale e Henry Dunant.

No Brasil, berço do atendimento de Emergência como criação que se

estendeu pelo mundo, as tentativas de sua organização, no Rio de Janeiro

tanto dos poderes publicos quanto das instituições particulares preocupados

com os acidentes ocorridos nas ruas, descritas por Vieira (1982, p.228)

datam de 1893.

O plano elaborado naquele momento somente foi implantado na

administração do Prefeito Pereira Passos, em 1904, sendo os primeiros

postos na rua Camerino e 3 anos depois na Praça da Republica. O Pronto

Socorro fora agraciado com medalha de ouro pelo seu carater inovativo e

qualidade de instalações na exposição Internacional de Higiene Social, em

1912, em Roma além de indicado como uma pedra angular da assistencia

medica, na Exposição Internacional de Higiene no Rio em 1909. ( op. cit)

Os fios histórico que ligam os primeiros cuidados, os primeiros

socorros e o Cuidar/cuidado em Enfermagem de Emergência Ontem e

30

hoje...( Brasil e Europa) podem ser assim descritos: ao ser descoberto, em

l500, o Brasil era habitado por indígenas ainda no período neolítico,

nômades, e que, febris ou feridos, entravam na água do mar e dos rios,

várias vezes, para se banhar, lavar os lanhos resultantes de guerras ou de

sacrifícios voluntários. As fricções e massagens também eram usuais. O

calor quente e úmido constituía uma terapêutica indígena, sendo obtido,

lançando água fria sobre uma grande pedra bem aquecida onde o doente era

colocado, de modo que recebesse o vapor. As mordeduras de animais

venenosos foram os acidentes mais comuns assim como os índios feridos

por flechas provenientes das guerras, lutando nações contra nações, tribos

contra tribos, segundo descreve Santos Filho (1991, p.114).

O negro veio do continente africano, proveniente de dois grandes

conglomerados populacionais banto e sudanês, a partir de l532. Tinha seus

ferimentos produzidos por gargalheira, calabrote, tronco, argolas e

grilhetas, entre outros instrumentos, sendo, banhado com uma mistura de

vinagre, pimenta malagueta e sal. Foi portador de defeitos físicos

provocados por castigos e desastres nos engenhos.

Nos primeiros tempos da colonização, entre 1549 e 1759, os padres

de Santo Inácio de Loiola exerceram os mais variados ofícios: entre eles,

físicos, cirurgião, barbeiro, enfermeiro e boticário. Bastante rudimentar, a

cirurgia compreendia as amputações de membros e suturas com cipós

apropriados nos grandes ferimentos. Imobilizavam os membros fraturados

com folhas de palmeiras, as lesões resultantes de traumatismo conhecidas à

época por ferida-fresca produzidas por espada, lança, pedra entre outros

materiais cortantes eram tratadas com óleo de copayba. Também eram

realizados as simpatias decorrentes da relação mística, espiritual entre as

plantas, os animais e as Divindades, como exemplos o chocalho da

31

cascavel preso ao pescoço para prevenir ou debelar erisipela, ramo de

arruda sob o travesseiro para impedir sufocamentos. Paulo, ( 1936 p.308-

408).

Nos três primeiros séculos, não houve enfermeiro legalmente

habilitado. Eram todos práticos; uma vez contratado para assistir um

doente, qualquer pessoa - homem ou mulher - adquiria prática e firmava a

reputação de que entendia de enfermagem conforme assinala o autor

anteriormente citado (op. cit p.344:345). A princípio, brancos, portugueses

ou castelhanos e posteriormente, negros, escravos e libertos, eram práticos

em enfermagem, varriam, faziam as camas dos doentes, mudavam as

roupas, faziam-lhe as barbas e lavavam as enfermarias, sendo mais

serventes, quarteiros, do que enfermeiros como hoje se entende, continua

Santos Filho.

Na Europa.. buscando a correlação do Cuidar de enfermagem com o

surgimento dos primeiros socorros, numa contextualização histórico-

político-social Jean Henry Dunant, suíço, nascido em 1828 e falecido em

1910, administrador da Sociedade Anônima Moinhos de Mons-Djemile, em

1859, foi, a Paris com o objetivo de conseguir de Napoleão III - que se

encontrava nesta ocasião, na Itália, para ajudar os italianos a expulsar os

austríacos dos campos de Solferino - autorização para instalar um moinho

na Argélia, cujo domínio era francês.

Dunant observou, atrás das linhas de combate francesas, em

Castiglione, a chegada dos feridos de guerra de ambos os exércitos, em que

predominavam o tétano, a gangrena, as infecções, e as mutilações. Reuniu,

então, as mulheres e mais de 300 soldados, organizando, inicialmente, um

Corpo de Assistência aos Feridos com o lema “somos todos irmãos”,

32

defendia a idéia que um soldado ferido era como uma zona neutra,

independente de qual lado da guerra ele viesse.

Em 1870, ao fim da guerra franco-prussiana, incentivou, na

comunidade, o ensino dos primeiros socorros, a serem aplicados, também

nos períodos de calamidade, catástrofe, fome, entre outros, criando, assim,

os “Primeiros Socorros” como registra Novaes (1994, p.11-12). Dunant foi,

ainda, o fundador da Associação Cristã de Moços e da Cruz Vermelha,

reconhecendo Florence Nightingale como sua inspiradora.

Florence Nightingale nascida em 1820, em Florença (Itália), e

falecida em 1910, procedia de uma família inglesa construiu o fundamento

básico sobre o qual se pratica a enfermagem, hoje, passados mais de 130

anos. Não inventou a enfermagem, mas tinha uma visão singular e de como

ela deveria ser moderna, isto é, adiante de seu tempo. Enfermagem deveria

significar “o emprego de ar puro, luz, calor, limpeza, quietude e

administração da dieta com mínimo gasto da força vital do cliente. Torres,

(1993, p.38-48).

A atividade de cuidar/cuidados de doentes era realizada por

indigentes, bêbados e pessoas incapacitadas a qualquer espécie de trabalho,

NURSE significava conforme decreve Miranda, (1996, p.127) “....mulher

vulgar e velha, vestindo roupas sórdidas e embriagando-se com uma garrafa de gin,

prostituída e sem nenhuma qualificação profissional formalizada....eram no hospital

notórias por sua conduta imoral e sem nenhuma sobriedade, debochadas, a quem se

ordenava, com pouquíssima confiança, a execução das mais simples ordens médicas. A

figura da enfermeira, da mulher que cuida, pré-Nightingale é atroz”. A palavra nurse

tinha como sentido de cuidar “...a administração de remédios e aplicação de

emplastros..”.

A senhora Nightingale foi convidada pelo secretário de guerra para

administrar a enfermagem dos hospitais militares, durante a guerra da

33

Criméia. Os hospitais eram focos de doenças contagiosas, sujeira, peste e

morte num ambiente de enormes barracas que serviam de hospital.

Destacou-se tanto na administração de guerra como na humanização da

assistência aos soldados.

Trabalhou em reformas e no saneamento dos quartéis e hospitais,

entre outras obras. No dia anterior a sua chegada, muitos soldados feridos

estavam ficando às vezes uma semana nas macas aguardando cuidados de

qualquer tipo, morrendo de fome, de infeção, de desenteria e de cólera.

Havia falta de salas para tratamentos especiais e muitos feridos

aguardavam cirurgia, a qual recusava-se após presenciar uma amputação

sem anestesia6. A senhora Nightingale providenciou ambientes separados

para os atendimentos, era mais do que supervisora das 38 enfermeiras e

uma governanta que as acompanhavam, era uma administradora e

organizava o cotidiano da assistência aos soldados.

Em 1867, na Conferencia Das Sociedades da Cruz Vermelha em

Paris, fora agraciada com uma medalha de ouro, e em 1870 tornou-se

consultora da Sociedade da Cruz Vermelha Inglesa. Seu trabalho inspirou a

fundação da Sociedade da Cruz Vermelha, como enfocam Lima (1993,

p.89-92) e Torres (1993, p.38-9).

Um dos pontos comuns entre DUNANT e a Senhora

NIGHTINGALE é que ambos participaram de guerras, atendendo e

socorrendo os soldados, com destacado humanismo, inovação, criação e

cientificidade. Dunant, na guerra franco-prussiana (1859), e Sra

Nightingale, na guerra da Criméia (1853-1856, em março de 1854, a França

e a Turquia declararam guerra a Rússia Tzarista, e a Inglaterra aderiu, para

não correr o risco de perder sua rota para a Índia). Ambos foram

precursores da Cruz Vermelha Internacional. Buscar tal relação, este fio 6 Havia muitos questionamentos a respeito do uso seguro da anestesia.

34

histórico-social é, pois, uma proposta compreensiva da arquitetura inicial

do cuidar/cuidados na elaboração desse ensaio teorico.

Na atualidade, podemos fazer uma correlação da sociohistória com o

cotidiano em Emergência, local da investigação. Uma das suas

características, principalmente na região urbana, e em especial, no Rio de

Janeiro7, é a questão social, vislumbrando-se como de conflito urbano,

sendo considerada por Zuenir Ventura como Cidade Partida (1995) devido

ao apartheid social. Não se trata de uma guerra civil, mas de um conflito

oriundo de questões econômicas relacionadas às leis de mercado, e

dependente das artes bélicas, conforme descreve o referido autor.

A clientela cuidada em Emergência, muitas vezes, apresenta lesões

freqüentemente observadas e comuns em guerras - como as do Golfo

Pérsico, Bósnia, Irã-Iraque, entre outras, que surgiram nos últimos tempos -

do mundo de hoje e em ambientes militares, decorrendo do uso de armas

poderosas e projéteis de grande velocidade, como fuzis AR-15 e FAL, de

que dispoe de miras de alta resolução, cujas balas atravessam chapas de aço

com seis milímetros de espessura, e que quando penetram no corpo

humano, abalam tudo o que estiver num raio de cinqüenta vezes o seu

próprio tamanho. A velocidade e o movimento do projétil criam um vácuo,

que puxa para dentro do ferimento pedaços da roupa e até a poeira do

ambiente, contaminando-o, revólveres calibre 38, entre outros, como

registra Krymchantowski (1995, p.23-5) que produzem ferimentos

encontrados comuns nas situações cotidianas de Emergência que exige

cuidar/ cuidados.

7 O Rio de Janeiro, ao mesmo tempo que aparece como locus do cosmopolitismo, tem sido apontado como caso limite de violência, à medida que a explicitação da desigualdade se dá de modo intenso e dramático dentro do proprio quadro de organização sócio-espacial da cidade., Gilberto Velho Violência, reciprocidade e desigualdade uma perspectiva antropologica. Cidade e violência , 1996 p.21.

35

Tais lesões e ferimentos exige dos enfermeiros um certo

conhecimento de guerra e humanismo, para desencadear as estratégias de

atendimento. Na maioria das circunstancias a Unidade de Emergência,

torna-se semelhante a um acampamento de guerra. Em alguns momentos as

Nightingale e os Dunant da atualidade andam de um lado para outro, entre

as macas-leitos e ate de corpos deitados no chão, tal qual em um

acampamento; não levam as lanternas de pano do exército turco, enrugada

com uma lanterna chinesa, utilizando uma vela de luz amarelada na base,

em suas mãos, mas conhecimentos, condutas técnico-científicos adquiridos

e acunulados através de um olhar atento e uma atitude responsável.

Com base em experiencia do cotidiano profissional e a título de

ilustrar o que acontece em Unidade de Emergência, destacamos o relato do

enfermeiro Marcio:

“...podem daqui a pouco, ligar para o hospital, informando: Olha!

Houve um desabamento ( hoje está um dia chuvoso aqui no Rio de Janeiro) e

tem não sei quantas pessoas soterradas. Em questão de 5 ou 10 minutos,

tenho que reorganizar tudo para receber mais estes pacientes acidentados

como já tive várias experiências dessas. Avisaram que tinha ocorrido um

desabamento num morro da Zona Sul e não sabiam informar quantas pessoas

estavam soterradas. Esta informação é transmitida para os enfermeiros das

salas e estes reorganizam todo o material de atendimento, avisam aos

auxiliares. Os mais graves chegaram através do heliporto que fica localizado a

poucos metros daqui.

Quando os clientes deram entrada no setor, eram 90 pessoas, alguns

com quadros clínicos graves. Nós distribuímos toda a equipe em dupla,

colocamos todos no chão, porque não tínhamos espaço físico nem leitos para

todos. Os mais graves foram reunidos mais próximos um do outro, e todo

material de assistência cardiorrespiratória ficou por perto. Nós intubamos no

chão, ventilamos os doentes, administramos adrenalina, tudo. Ou você dá

36

conforto ao doente ou deixa-o morrer. Acho mais importante recuperá-lo, o

conforto fica em segundo plano. Todos foram atendidos e cuidados...”.

( enfermeiro Márcio)

Em relação a natureza dos acontecimentos que sucedem em Unidade

de Emergencia, vale considerar o que Di Giambatista (1995, p.32), afirma

que este acontecimento relatado pelo enfermeiro Márcio, em que o local de

atendimento de urgência individual e urgência coletiva se transforma num

lugar em que a desordem se torna indescritível, figurativamente pode ser

comparado a um chute dado em um formigueiro.

Tentando-se uma analogia entre Unidade de Emergência e um campo

de guerra, uma fronteira de combate o mesmo enfermeiro nos remete a

natureza dos acontecimentos da Unidade de Emergência..

“...esse hospital, por ser uma área bem fácil de ser cercada, nós já

tivemos e temos presos aqui, já recebemos vários telefonemas de invasão do

hospital por quadrilha, comboios que iam tirar presos daqui. Mas, a partir de

uma informação dessa, do “cliente-bandido” a um elemento da equipe de

saúde, há duas tomadas de decisões pela direção do hospital: é reforçada a

segurança ou o cliente é transferido para um hospital penitenciário, devido à

sua periculosidade. Caso ele não possa ser transferido o hospital é

imediatamente cercado. Em questão de 15 minutos, a rua de frente ao hospital

é fechada ao trânsito, passa um carro de cada vez, a lateral do hospital é

reforçada com várias Patamos, um helicóptero da policia civil sobrevoa com

armas apontadas para baixo em direção ao hospital. Não há hipótese alguma

de ninguém se aproximar. Todas as entradas e as ruas que dão acesso ao

hospital são vigiadas. Mantém por ordem do Batalhão... uma segurança

grande...”

( enfermeiro Márcio )

37

Na construção deste Cuidar e dos cuidados emergentes, numa análise

dos acontecimentos relatados pelo enfermeiro Márcio, o que chama atenção

é o grau de improvisação e criatividade nas formas dos cuidados prestados.

Tanto que Mezzomo (1969, p.40) chama atenção que, se nos perguntarmos

sobre onde e como os clientes devem ser atendidos, poderemos pensar da

forma mais simples e prática: onde e como for possível mas a criatividade

dos cuidados é singular e a improvisação é inovadora.

Vargas (1996, p.8-15), em seu artigo O Combate pela Vida, afirma

que o lado de fora da Unidade de Emergência pode ser comparado com a

Índia, devido às condições sócio-econômicas da população, e o lado de

dentro parece a Bósnia, pela semelhança com uma área de combate.

Para situar melhor o objeto desse estudo o Cuidar/cuidados de

Enfermagem em Emergência, o ensaio teorico constitue ancora que nos

remete ao capítulo seguinte, que descreve o cotidiano que o cliente

transportado por ambulância, procedente da via pública, irá encontrar, ao

ingressar numa Unidade de Emergência.

-----------------------------------------------------------CAPÍTULO III

O EMERGENTE DE UM COTIDIANO

38

Primeiro ATO - O dia-a-Dia em Emergência

Segundo ATO - (D)A (Des) Ordem e (com) o Caos

Terceiro ATO - O Retorno ou a Volta ao Primeiro Ato

Em uma Unidade de Emergência, o Cuidar/cuidados compreende

quase que uma construção diaria constituindo a busca de uma descrição

daquilo que se faz ou ocorre todos os dias, isto é, das atividades

corriqueiras dos enfermeiros e suas equipes, que se vêem envolvidos numa

prática, nas relações que surgem e se reproduzem, em que este cuidar se

mostra e os cuidados emergem, numa descrição de como se faz, das

maneiras de fazer e pensar em diferentes momentos, constituindo um

paradigma em que seus membros vivenciam o(s) Cuidar/cuidados, que têm,

39

no seu aspecto essencial, um movimento periódico de idas e vindas,

revestido de expectativa, quanto ao que poderá chegar.

Há diferenças importantes a serem apontadas no processo do Cuidar

e nos cuidados que compõem o primeiro momento de atendimento,

assinalados por Certeau (1996. p.146:153) o qual demonstra que as

práticas se reproduzem ora num campo verbal, ora num campo gestual,

numa situação de alternâncias e cumplicidades, de homologias de

procedimentos e imbricações sociais que ligam a arte de dizer à arte de

fazer. Arte, definida pelo autor como inventividade incessante na

experiência prática.

O Cuidar/cuidados emergentes utilizam a formação e pratica

profissional e o corpo do enfermeiro e de suas equipes como instrumento

do cuidar buscando para o cliente que é admitido em Unidade de

Emergência funcionamento, conexões, princípios de equilíbrio e

conservação do seu corpo, vigor, força, manutenção e/ou recuperação da

identidade e da auto-estima.

O Cuidar/cuidados são pautados numa seqüência de delineamento

inicial de procedimentos instrumentais8 e expressivos9, como descreve

Coelho (1991. p.178:l82). Observa-se um movimento aparente de caos e

desordem, mas com uma seqüência lógica, elaborada por seus membros.

Seqüência que emerge do saber e, ao mesmo tempo, do senso comum.

O cotidiano da Emergência, do ponto de vista de Mezzomo ( 1969.

p.38), pode ser descrito como o cuidar de vitimados por acidentes que

compreendem os de trânsito (rodoviário, ferroviário ou aéreo), os mais

8 São procedimentos que implicam um conteúdo predominantemente cognitivo-psicomotor, manipulação de algum material e objetos, ou algum ato que requer coordenação neuromuscular durante a assistência de enfermagem.Trata-se de ações relativas às necessidades psicobiológicas,conforme COELHO, 1991, p.178.9 São procedimentos que implicam um conteúdo predominantemente cognitivo-afetivo, isto é, com a expressão de sentimento, emoção ou um grau de aceitação ou de rejeição. Trata-se de ações voltadas às necessidades psicossocioespirituais do cliente, conforme COELHO, (1991, p.182)

40

diferentes acidentes de trabalho, os crimes (suicídio ou homicídio), além de

males orgânicos súbitos e, também, intoxicações, envenenamentos,

desabamentos e tantos outros que podem afetar gravemente a saúde do

indivíduo.

O Cuidar/cuidados em Enfermagem de Unidades de Emergência

consistem num referencial com base no qual o cuidado é direta e/ou

indiretamente desenvolvido, as necessidades humans existem sejam quais

forem os diagnósticos e prognósticos clinicos, analisar os sentidos de suas

palavras, silêncios, expressões faciais, gestos além das necessidades

biológica. O enfermeiro pode estar cuidando do cliente mesmo quando

indiretamente, como afirma Patrício (1993. p.67).

Um outro conceito básico de enfermagem que sustentam o

cuidar/cuidados em enfemagem de Emergencia caracteristico dos trabalhos

da Sra Nightingale é o de ambiente em que se encontra o cliente, que pode

se etnograficamente assim descrito:

PRIMEIRO ATO - O DIA-DIA EM EMERGÊNCIA

Na descrição, interpretação e análise do Cuidar e na execução dos

cuidados emergentes de enfermagem, cabe, inicialmente, ressaltar o espaço

físico, a porta de entrada, o hall, os profissionais que lá se encontram e as

barreiras à clientela.

O cuidar em enfermagem e os cuidados, num primeiro momento, são

provenientes da associação de várias áreas do conhecimento técnico-

científico requerendo habilidades psicomotoras durante o atendimento dos

clientes, dirigidas à prevenção de um colapso físico e para um nível de

adaptação.

41

É imprescindível compreender a estrutura ambiental na qual o

Cuidar/cuidado estão inseridos, assim como as relações cotidianas de

pensamento, criação e de ação que permitem uma postura reflexiva do

profissional, ao prestar o cuidado. Nesta atividade de formigas, é mister

evidenciar os procedimentos, as bases, os efeitos e as possibilidades, como

corrobora Certeau (1996, p.40). Os dados coletados etnograficamente pela

observação ilustram o cuidar/cuidados no cotidiano assistencial de

enfermagem e nos convidam a entrar no setor de Emergência:

“No primeiro piso, fica o hall, onde a clientela aguarda para fazer os

boletins de atendimento. Há três funcionárias que preenchem a primeira parte

do boletim de atendimento, no qual constam o nome do cliente, endereço,

idade, convênios-planos de saúde, entre outros. Uma destas funcionárias é

escalada para fazer este boletim no momento do cliente em um quadro clínico

de risco de vida, cujo atendimento inicialmente foi realizado pelo Grupo de

Salvamento do Corpo de Bombeiros. O boletim é preenchido rapidamente,

para que o cliente seja atendido o mais imediatamente possível. Os dados não

são registrados com recursos da informática, em nível de computador, mas o

hospital recebeu um, e ainda não está em funcionamento.

Existe uma porta lateral que dá acesso ao ambulatório. Há uma fila que

vai do interior do prédio à calçada. Na entrada, dois guardas uniformizados e

no corredor, muitas pessoas, tumulto de vozes, falas simultâneas, operários,

material de obras. Vimos clientes deitados em macas-leitos, sentados em

cadeiras de rodas com os membros inferiores com aparelho, gessados. Tem

que desviar-se para ultrapassar estas barreiras humanas e materiais. No hall

há dois guardas uniformizados, sentados na porta de entrada.

A porta de entrada do Setor de Emergência, podemos ver, está cheia

de pessoas, e a sala de estar também. Na escadaria que dá acesso ao setor

estão sentados uma senhora comendo biscoitos, um senhor com as vestes

rasgadas e sujas, portando um saco cheio de papelões; e, mais adiante, um

42

outro senhor, de aproximadamente 45 anos, lendo um jornal; mais à frente,

duas mulheres conversando, uma ambulância do Corpo de Salvamento dos

Bombeiros do Rio de Janeiro está estacionada, aguardando.

Os carros passam velozmente. Há um movimento intenso de veículos,

e há guardas no sinal de trânsito, localizados no cruzamento das ruas,

pessoas passando para lá e para cá. A vida do lado de fora do setor de

Emergência segue seu rumo.

Ao adentrar a porta principal que dá acesso ao setor de emergência,

nos deparamos com a sala cheia de pessoas, clientes em macas, cadeiras,

sentados na escada que leva à porta de entrada, em pé; para poder passar,

tem-se que solicitar e se desviar das mesmas.

No corredor do hospital, pessoas uniformizadas de branco cruzam com

outras de roupa comum. No hall, há dois guardas sentados do lado esquerdo

de quem entra, e, em sua frente, um médico atende aos clientes, que, para

serem admitidos, passam por entre os três.

Ao longo do corredor, há salas e, dentre elas, o posto de enfermagem,

onde podemos ver várias pessoas a serem cuidadas, a sala de odontologia

com dois acadêmicos e a sala de epidemiologia com uma senhora.

O ambiente da emergência se caracteriza por corredores longos,

paredes pintadas com tinta de cor verde - clara, portas e portais pintados de

cor verde - escura. Nas soleiras, as identificações de cada sala de

atendimento. Pessoas vestidas de branco, uniformizadas, como os

funcionários da vigilância, limpeza e transporte dos clientes, bem como de

roupa comum circulam pelos corredores, além de clientes em macas, cadeiras

de rodas e/ou deambulando. A todo momento, entra ou sai uma pessoa

vestida de roupa branca de alguma porta.

O chão encontra-se limpo. As paredes, pintadas de verde-claro, e as

portas, de verde-escuro, como todos os outros ambientes; uma pequena saleta

anexa tem a identificação Chefe de Enfermagem. Todo o ambiente é fechado

e refrigerado.

No ar, uma música do Chico Cesar, À primeira vista, que diz:

“...Quando você me chamou, eu vim...quando dei por mim estava aqui ... \

43

quando me achei, me perdi... quando vi você, me apaixonei...amara zaia soié,

zaia..\.zaia...ai em Gaturã...ôôôôô”, transmitida por uma rádio FM e

intercalada pelo noticiário diário.

Na sala de atendimento, Climene e Hélio, dois auxiliares de

enfermagem, e a enfermeira Marta conversam sobre a situação do

funcionalismo público, no tocante à acumulação de empregos e os baixos

salários. Em um dos corredores o que leva às enfermarias da unidade de

internação, as paredes estão quebradas, há cascalhos nos corredores, latas

de tinta, andaimes ...

Severino, um rapaz de aproximadamente 25 anos, com uma lesão

fechada na face, segura um saco plástico com gelo de encontro a ela, e relata

trabalhar no Jóquei Clube e que levou um coice de um cavalo na face

esquerda. Entra na sala de atendimento, para ser cuidado, onde a acadêmica

de medicina Beatriz diz: “Senta aqui, que eu vou lhe atender...”

Severino senta em uma cadeira próxima e aguarda. Suas vestes estão

sujas de terra e rasgadas. Se assemelham muito às dos tipos de vestimenta

de profissionais da zona rural.

Em outro boxe, Dona Josefa, uma senhora de aproximadamente 60

anos, sentada no leito, chora ao conversar com seu familiar, que se encontra

de pé, próximo aos pés da maca.

Sr. Antônio, um senhor de calça jeans, levanta do leito, com hidratação

venosa em curso, além de cateter nasogástrico fechado e respectivo frasco de

drenagem na mão direita. Pergunto ao Sr. Antônio onde irá. Ele responde:

“Vou ver vocês salvarem uma vida. Quero bater palmas”. Digo a ele então:

“Ah..., volte para o seu leito, senão o senhor vai cair e se machucará”. Ajudo-o

a voltar, segurando-o pelo braço direito, no que ele diz: “ Estou com fome, não

como desde ontem ! “. Explico: “ O Senhor está usando esta sonda (mostro),

tem isso no nariz, logo não pode comer por enquanto, somente quando retirar

isso”.

Sr. Antônio: “Quero ir ao banheiro”.“ Vamos retornar a sua cama”,

respondo. “Há um recipiente no qual o Senhor poderá urinar”, (mostro o

patinho perto de sua maca-leito, na mesa de cabeceira). O Sr. Antônio deita

44

em silêncio. A hidratação venosa não flui, desobstruo e, logo em seguida, flui

normalmente. Arrumo-o no leito e ele fica quieto, parece aceitar. Comunico à

enfermeira Marta o fato, para que ela continue cuidando deste cliente10.

A sala de atendimento, naquele momento, estava cheia. Vejo que há um

crucifixo com a imagem de Jesus Cristo, preso na parede, no posto de

enfermagem. Há muitas senhoras nos dois boxes em frente ao posto de

enfermagem; Dona Margarida e Osvaldina, duas senhoras idosas em coma

profundo, respirações ofegantes, macas-leito desarrumadas, cabelos em

desalinho, imóveis, olhos cerrados.

No boxe ao lado do posto de enfermagem, estava Dona Josete, uma

senhora obesa, com o corpo quase desnudo, apenas coberto por um pedaço

de tecido jogado sobre a região pubiana, membros inferiores edemaciados,

mamas e abdome volumosos, não permitindo que sua superfície corporal

coubesse no espaço pequeno da maca-leito. Ela apresentava dispnéia intensa,

cateter de oxigênio, cabeceira da maca em Fowler. Em seu boletim, está

escrito: edema agudo de pulmão - os medicamentos estão checados.

No ar, a música do Zé Ramalho, cantada pela Cássia Eller, Admirável

gado novo, que diz: “...o povo foge da ignorância, apesar de viver bem perto

dela... esperam novas possibilidades... e vê toda essa engrenagem. Já sente

a ferrugem lhe comer...E, ô, ô, vida de gado...\povo marcado ê,....povo feliz...”.

Ao lado direito de quem entra na sala de atendimento, encontrava-se o

Sr. Raimundo, de aproximadamente 40 anos, pele clara, olhos azuis, cabelos

castanho-claro, estatura mediana e forte, sentado na maca, com as pernas

pendentes. Sobre o leito, seus pertences: pente, bolsa grande de viagem. Ele

penteia os cabelos e o bigode; esta liberado (de alta), aguardando seus

familiares, para levá-lo para casa.

A cliente Marilene grita: “Estou ficando louca, deixe eu sair, desamarre

minhas pernas. Pelo amor de Deus! Pelo amor de Deus! . Tosse e chama

“Luiz...Luiz...”. Tosse novamente e, depois, fica em silêncio.

Volta gritar: “Me deixe ir embora, por favor! O que vocês querem?

Dinheiro, eu não tenho!, Dinheiro, eu não tenho !”. Volta a ficar em silêncio.

10Para nós, às vezes, é difícil manter um divisor de águas entre ser enfermeira e pesquisadora.

45

O cuidar/cuidados,levam em consideração a descrição do setor de

emergência como ambiente terapêutico, em que os corpos da clientela e dos

enfermeiros agem numa interação aproximativa. Para cada cuidado,

inicialmente é relevante analisar o que Taketo (1989. p.88) diz quanto à

unidade do cliente hospitalizado: o paciente hospitalizado,

necessariamente, ocupa uma unidade, que deve ser preparada e conservada

e, na sua utilização, estão envolvidas quase todas as necessidades básicas

tais como sono, repouso, abrigo, ambiente, espaço, segurança e

comunicação.

Neste sentido, a palavra emergência sugere a idéia de gravidade, de

algo quase próximo à morte, Mezzomo (1969. p.40) observa que, embora

visando os casos que inspiram maiores cuidados, o setor de emergência

recebe, também, as ocorrências menores. O cuidar/cuidados emergentes

como ato operativo para diversas situações, exige do enfermeiro levar em

conta a ambiência com todos os seus subcenários, inclusive os locais

descritos como o habitat do profissional que, permanecem um plantão (12

horas, no mínimo), a construir intelectualmente, de maneira intensiva,

formas e modos de salvar vidas através do cuidar/cuidados.

Boff (1995. pág. 10-21) reforça este aspecto ao afirma que o ser

humano e a sociedade sempre estabelecem uma relação com o meio ambiente. ...As

sociedades sempre organizam suas relações para com o meio no sentido de garantir a

produção e reprodução da vida.

Quanto ao grau de urgência/emergência e a gravidade de que se

revestem os casos estes fatores são primordiais para a execução dos

cuidados, que vão desde o atendimento de um caso aparentemente simples,

como um coice de um cavalo (o que chama atenção para este cuidado é o

aspecto diferenciador, já que o setor de emergência se localiza num centro

46

urbano), perpassando pela cliente que chora ao conversar com o seu

familiar, os dois clientes com modificações de comportamento e as clientes

em coma profundo, caracterizando a elaboração de cuidados complexos.

Estas situações da pratica de enfermagem são relevantes considerar

na aplicação dos cuidados e visam à manutenção dos sinais vitais, à

preservação dos órgãos nobres - como coração, cérebro, rins e pulmão - , à

observação dos sinais, dos sintomas e sua evolução imediata. Objetivam,

ainda, proporcionar um ambiente adequado e o atendimento de

necessidades, como alimentação, eliminações, posição anatômica e

funcional, postura corporal correta, repouso, vestuário, restrição mecânica

cuidadosa e eficiente, assistências religiosa e familiar. Estes cuidados são

operacionalizados de forma técnica oportunizando a execução de uma série

de atividades psicomotoras, subdivididas compondo uma rede interligada

de cuidados.

Ressalte-se a música, levando-nos a interligar o cotidiano da

emergência com o contexto social e humano que compões o cenário.

Santaellla (1994, p. 85:96) decreve que a musica quanto arte dentre todas as

linguagens, “...é a superior porque afeta diretamente os sentimentos, paixões e

emoções do ouvinte. É a musica que melhor representa as forças inconscientes que

motivam nossas representações do mundo......todos aqueles aspectos da vida interior

dos seres humanos que não podem ser adequadamente representados na linguagem

verbal”.

A musica num ambiente de emergência tem como preposição

interligar o ambiente interno ao ambiente externo. As ocorrências de

Emergência freqüentemente retiram as pessoas rapidamente de seu

ambiente e de forma brusca do seu convívio social rompendo os laços

afetivos, familiares, sociais e político cotidianos. Tem como outro objetivo

o relaxamento, o entretenimento, a informação e a localização tempo-

47

espacial. A musica é a apresentação reveladora da forma emocional dos

sentimentos humanos, expressando os aspectos da vida interior que não

são representados na linguagem verbal.

Esta interligação remete à aplicação de cuidados formulados numa

diversidade de princípios em que tal realidade encontra-se inserida. Corpos

biológicos e corpos sociais, corpos espirituais e corpos ideológicos, os

cuidados emergindo dessa rede de interligação, compondo um diagnóstico

de enfermagem em emergência .

Na ambiencia cotidiana, aparentemente rotineiro do cuidar/cuidados,

surge frequentemente o inesperado, como veremos a seguir.

O INESPERADO CONSTITUINDO ROTINA

“São 8 horas da manhã de um dia de primavera, sexta-feira, entre um

dia de feriado e um final de semana. Parece um dia igual a qualquer outro, em

que os cuidados e o cuidar de enfermagem ficam imprensados, como o próprio

dia.

A equipe de enfermagem parece repetir o que faz diariamente. Cada um

faz aquilo que lhe cabe, num trabalho individual, mas que é, ao mesmo tempo,

coletivo. A enfermeira do plantão Angélica se encontra no posto de

enfermagem consultando os livros, formulários e papeletas, ao mesmo tempo

em que seu olhar percorre todo o ambiente. O olhar da enfermeira Angélica

pára a cada maca-leito onde haja um cliente acamado, detém-se também em

cada membro da equipe de enfermagem. Uma funcionária da limpeza com

roupa de cor bege, limpa o chão. Após percorrer todo o ambiente, o olhar da

enfermeira repousa novamente nos livros. Repete esse movimento a cada

olhar, como se estivesse checando e supervisionando tudo.

Os auxiliares de enfermagem João e Maria vestem aventais de plástico,

luvas, e, com um balde com água, fazem a higiene corporal do Sr. Antônio,

um senhor de aproximadamente 50 anos, em um leito-maca no canto

48

esquerdo da sala de atendimento, ao mesmo tempo em que conversam entre

si e com o cliente.

A auxiliar de enfermagem Juliana abre as gavetas, repõe

medicamentos, instrumental, aparelhagem. Confere cada objeto, olha as

conexões dos equipamentos, as pilhas do laringoscópio, os tubos

endotraqueais. Em silêncio, ela checa e confere tudo. A seu lado tem um

carrinho com estoque de material hospitalar, com o qual faz a reposição

daquilo que falta nos respectivos lugares. O carro de parada

cardiorrespiratória, com frascos de soro e os respectivos equipos pendurados.

As saídas de oxigênio, ar comprimido e vácuo, e suas conexões também são

conferidas por ela.

A sala de atendimento está repleta de clientes, cada um em seu leito.

Uns estão calados, com os olhos fechados. Outros, agitados, contidos pelos

braços com identificação feita com tira de esparadrapo. Uns estão graves,

outros em fase agônica. Jovens, homens e mulheres.

No ar, a rádio FM toca uma música do Caetano Veloso com o título de

Fora da ordem, que diz: “...Alguma coisa está fora da ordem, fora da ordem

social, alguma coisa está fora da ordem .. fora da ordem mundial...”. A

interlocutora do sistema ambiente de comunicação, vez por outra, pára a

música e diz: “Funcionário Antônio, dirija-se à recepção”.

No canto direito, a auxiliar de enfermagem Mariana conversa com

Teresa, uma senhora que está chorando, e diz: “Quero ir ao banheiro, para

tomar banho !”. “Um momento, que eu vou levar a senhora. Não se levante!

Poderá cair”.

No meio da sala, três acadêmicos-médicos conversam. Neste momento,

duas senhoras de roupa de cor amarela têm em seus crachás escrita a

palavra voluntária. Elas se aproximam de um senhor negro (Sr. Nilton) em uma

das macas-leitos. Em seguida, um médico se aproxima dos três e diz, próximo

e em tom baixo, para enfermeira Angélica: “Este cliente está morto!”.

A enfermeira solicita a saída das duas, que a atendem prontamente.

A enfermeira diz a elas: “Temos que prestar-lhe um cuidado, por favor”.

49

As duas se retiram imediatamente. O médico Alberto examina o cliente,

constata o óbito, junto com a enfermeira Angélica, e, logo após este

procedimento, os auxiliares de enfermagem iniciam o preparo do corpo do

cliente morto”.

A enfermeira Angélica ao olhar atentamente para cada maca onde

está um cliente e em cada membro da sua equipe, utiliza os olhos, parte do

seu copo, como instrumento do seu cuidar/cuidados ao percorrer todo o

ambiente numa postura de prontidão para qualquer pequena anormalidade

surgida transformar este olhar em ação de cuidar/cuidados. Neste sentido

Goleman, (1996 pag.21 -32) argumenta que o erguer das sobrancelhas na

surpresa “permite a adoção de uma varredura visual mais ampla e mais luz para a

retina, mais informação sobre o fato inesperado, percebendo o que está acontecendo e

concebendo o melhor plano de ação e que o sinal visual vai primeiro da retina para o

tálamo, onde é traduzido para a linguagem do cérebro. A maior parte da mensagem

segue então para o córtex visual, onde é analisada e avaliada em busca do significado

e da resposta adequada..”.. Este tipo de cuidado é repetido várias vezes e em

diversas circunstâncias nos milésimos de segundos que compõem o

cotidiano do cuidar/cuidados em enfermagem de Emergência.

O mesmo autor (1995. pag.304) referenda também a participação das

voluntárias quando afirma que “o estilo de vida ecologicamente sustentável se

baseia em relações de cooperação em todas as atividades e em todos os momentos, pois

esta é uma das leis que regem o próprio universo e que garantem a cadeia das

interdependências de todos os seres”.

Situações inesperadas e até constrangedoras são vivenciadas no dia-

a-dia do cuidar/cuidados, como a enfermeira Sara nos relata que envolvem

inter-ligações intra e extra muros institucional:

“Acho que foi no sábado... foi no meu plantão. Veio um rapaz

completamente alcoolizado, bêbado, que estava com duas crianças, dois

50

garotinhos. Eu falei: “Gente!. Dois meninos?”. Eu perguntei para o

menorzinho: “você sabe seu endereço?. Ele respondeu: “Eu moro ali, perto do

ônibus, do ponto final”. Tinham entre 5 e 7 anos, sei lá, pequenininhos. Eu

falei; “Vou chamar o chefe de equipe”. Chamei a ambulância, botei as crianças

dentro, já que um médico ia sair na ambulância e informou que sabia onde

ficava o ponto de ônibus a que a criança maior referia, e, lá chegando, o

menino diria qual era a casa das proximidades em que morava. Deixei tudo

escrito no livro, inclusive que foi com o médico fulano... Quer dizer, é uma

preocupação que a gente tem a mais. Fiquei com pena, era um sábado.

Sábado, domingo e feriado não tem serviço social”.

(enfermeira Sara)

No emergir de determinados cuidados e na sua elaboração, existem

conceitos fundamentais de enfermagem e de areas afins como psicologia do

desenvolvimento, sociologia, antropologia e outras que nos dar a

compreensão desta realidade. O corpo humano, em seus níveis macro e

micro, vai se tornando fractal necessitando de conhecimentos amplos e

profundos e o cuidar/cuidados acompanha esta divisão.

Na construção do saber e do cuidar/cuidados em enfermagem de

emergência abrangidos conteúdos inerentes à instrumentalização do

profissional, que reflete em seus cuidados a forma como se cuida do

cliente, tendo em sua composição as cenas cotidianas de um pensar-fazer.

O cuidar/cuidados têm suas origens no meio hospitalar externo.

Sua aplicação prática, ultrapassa a porta de entrada da Unidade de

Emergência e buscar o cliente, quando este anda pela rua como um cidadão

comum. Suas pontes e conexões se fazem com outras áreas do saber, tais

como a geografia, a topografia, a engenharia de tráfego, a economia, e a

política entre outras, absolutamente necessárias para o desenvolvimento da

51

assistência como um todo, e do planejamento dos cuidados que serão

prestados, quando da chegada deste cliente à instituição hospitalar.

Lima (1993. p.21) afirma que “a enfermagem é uma ciência humana, de

pessoas e experiências, conhecimentos, fundamentações práticas que vão do estado de

saúde ao de doença, mediadas por transações pessoais, profissionais, cientificas,

estéticas, éticas e políticas”.

Cuidar/cuidados em enfermagem de emergência é fazer as conexões

necessárias com a admissão(entrada) e a alta(saida) dos clientes, com as

situações de grande emergência, como, a paradacardiorrespiratória, as

enfermidades agudas críticas e as crônicas agudizadas. O enfermeiro na

construção e execução do cuidar/cuidados abrange mais do que a simples

direção do “tráfego” nas situações ocorridas, isto é, a liderança de uma

equipe, ele organiza um ambiente terapêutico para o cliente.

No cuidar/cuidados o enfermeiro é o elemento de ligação entre a

administração, serviço, família, Corpo de Bombeiros, serviços

especializados, e a comunidade - as voluntárias- ,e, ainda mais, detém o

conhecimento sociológico necessário ao comportamento das pessoas em

ambiente do cliente, quando este é admitido, promovendo a sua

identificação, descrevendo seus dados, o que o faz único e inconfundível

dentro do complexo assistencial de uma ambiência peculiar como a

Unidade de emergência. Aliados à empatia, o enfermeiro deve possuir

astúcia, rapidez de raciocínio, conhecimento científico que permitirão

estabelecer uma interação com a sua clientela como núcleo dos

cuidar/cuidados.

O Cuidar/cuidados como ato operativo decorrem de uma possível

reflexão dos enfermeiros e sua equipe de enfermagem, vivenciada através

de ações junto a um cliente que sofreu o coice de um cavalo, um quadro de

desorientação e agitação psicomotora, ou uma insuficiência

52

cardiorrespiratória, as senhoras voluntárias, os membros do Corpo de

Bombeiros, entre outros, surgem juntos, num momento inesperado, mas

que constitui o seu cotidiano de cuidar/cuidados.

Ainda que a sala de atendimento esteja superlotada e não permita

virtualmente uma conexão entre os cuidados individual e coletivo que

ocorrem paralelamente às situações inesperadas, o cuidar/cuidados são

elaborados e aplicados visando a uma totalidade: atender às necessidades

humanas básicas de todo o conjunto biológico humano, isto é, do corpo

com um todo, alma e sentimentos.

Nessa situação, o cuidar/cuidado é constituído, dentro das

possibilidades do inesperado, o mais rápido possível, de forma que o

tratamento seja objetivo, eficaz e voltado para a queixa principal e/ou

situação que envolve o cliente. Speranzini (1978. p.78), argumenta e

corrobora com o cuidar/cuidado no tocante a principios básicos

fundamentais em enfermagem mesclados com caracteristicas proprias da

Unidade de Emergência que inclui preparos, higiene, interdisciplinaridade,

divisão social de trabalho, variedades de situações emergênciais, a morte, a

participação ou extensão da sociedade (como as voluntárias que se

apresentam e os filhos pequenos do cliente alcoolizado que estão como

clientes da enfermeira, sob sua guarda, sua responsabilidade legal e

profissional) . Na elaboração do cuidar das crianças o enfermeiro utiliza as

duas mentes descritas por Goleman (1996 pag.17-26) ao descreve para que

servem as emoções a que pensa e a que sente isto é a mente racional e a

mente emocional ao levar em consideração que a crianças estavam vivendo

um mal-estar emocional e que esta situação com o pai na Unidade de

emergência tem possibilidade de significar déficit emocionais para elas.

53

A música de Caetano Veloso cantada e tocada por uma emissora

num ambiente como a Unidade de emergência pode ser considerada como

arte contemplativa pelos clientes e profissionais da Unidade de Emergência

apoia-se no que Santaella, (1994. pag.89) afirma “a arte é a mais universal

representação da realidade ao mesmo tempo em que a mais especificamente sensorial.

Dentre todas as linguagens e todas as artes, a musica é a superior porque afeta

diretamente a vontade, quer dizer, os sentimentos, paixões e emoções do ouvinte. É a

musica que melhor representa as forças inconscientes que motivam nossas

representações do mundo”.

Contextualizar o dia-dia e as situações inesperadas do

cuidar/cuidados envolve os corpos fisicos, social, espiritual, politico e

familiar da clientela e da enfermeira e sua equipe como instrumento

especificos e distintos.

O SEGUNDO ATO ... ( D) A (des) ordem e (com) o caos

A turbulência e o equilíbrio moldam o Cuidar/cuidados em

Emergência, aflorando ações cuja a característica é a complexidade. Veschi

(1993, p.67) conceitua turbulência como situação que apresenta pontos

críticos; no cuidar/cuidados todos os aspectos do sistema mostram-se

instáveis mas num movimento coerente. Lima (1993. p.23) afirma que a

enfermagem é uma profissão que lida “com os acontecimentos graves, como

doenças, deficiências e a morte sendo que cada cuidado, portanto, tem importância

vital”. O acontecimento seguinte nos mostra isso:

“A auxiliar de enfermagem Vilma conversa com um cliente que se

encontra na maca-leito do lado esquerdo do posto de enfermagem: “Você

será transferido para a unidade de internação”, enquanto se comunicava com

o cliente, a porta de entrada se abriu. Por ela entram dois rapazes e uma

54

moça. Um dos rapazes trazia uma câmera de TV no ombro. Por detrás deles,

dois senhores e uma maca, onde um cliente é transferido. Uma senhora, que

com o olhar assustado, percorria todo o ambiente, vinha logo a seguir.

Após a entrada deste grupo, a porta novamente se abre (é uma porta

com duas partes, estilo country); por ela, entram duas profissionais de saúde

do Corpo de Bombeiros, fardadas com emblemas em seus uniformes, que as

identificavam como tenente e cabo, respectivamente Elas acompanham o Sr.

Xavier, de aproximadamente 60 anos, com uma atadura de crepom

envolvendo o couro cabeludo, roupas sujas de sangue e graxa. A seguir, entra

um homem de uniforme branco, com uma prancheta nas mãos, cuja

identificação no uniforme era a de capitão.

A enfermeira Angélica e as auxiliares de enfermagem Vilma e Maria

Helena deixam o que estavam fazendo e se aproximam do grupo. A

enfermeira conversa com a tenente e a cabo, ao mesmo tempo em que

inspeciona com o olhar e as mãos toda a superfície corporal do cliente.

Explica ao cliente que este está no pronto socorro do hospital X, perguntando,

em seguida, o seu nome. A auxiliares de enfermagem Vilma, em silêncio, se

afasta e retorna com uma seringa e um chumaço de algodão. Pega no braço

do cliente.

Neste ambiente agitado, um médico, no outro canto da sala de

atendimento, grita: “Enfermeira! Precisamos de ajuda! Corra, ande rápido!”.

Imediatamente, a enfermeira e sua equipe movimentam- se e dividem -se. A

enfermeira Angélica, numa rapidez de olhar, faz uma análise, priorizando qual

seria o seu lugar de atuação. Delega para a auxiliar de enfermagem Vilma os

cuidados higiênicos do Sr. Xavier, e se dirigindo, posteriormente, em direção à

voz que lhe pede ajuda”.

Percebemos que, neste ato da enfermeira Angélica, suas mãos, os

olhos, a cabeça e todo o corpo movimentam-se pari- passu com a situação.

Como que numa ebulição, todo o seu corpo se move, age, fazendo com

que ela seja um dos sujeitos dessa ação de salvar - vidas.

55

Passam por suas mãos tubos, fios, seringas, ambu, cateteres, tubo de

oxigênio, bolsas de sangue, gaze, pacotes, caixas, amor, fraternidade,

esperança, improvisações, criatividade e tudo o que for necessário para

oxigenar a vida do outro. É a luta para manter a vida de alguém.

Os batimentos cardíacos do seu corpo aceleram-se, e uma onda de

hormônios como a adrenalina gera uma pulsação, energia suficiente forte

para uma ação.

Tudo aquilo que aparenta se desarmonizar no ambiente, é a

repercussão de uma desordem que busca uma ordem - a da vida - , já que,

passados alguns minutos, tudo retorna ao nível da “normalidade”, e,

também, a enfermeira e seu corpo, bem como os de sua equipe, como a

ordem das coisas. Não demora muito, a porta se abre novamente, e então:

“Entra uma senhora de maiô preto, envolvida em canga de praia

colorida. Em sua face vemos suor intenso. Os cabelos estão molhados. Ela

segura uma bolsa com motivos indianos. Fora atropelada há poucos minutos

por um ônibus, quando ia de bicicleta para a praia. Tem uma lesão cortante

em região anterior da coxa direita, que sangra muito.

Dela se aproximam a enfermeira Odilia e duas alunas/estudantes de

enfermagem; Eliseuda e Norma, perguntam: “ O que aconteceu?”

A cliente relata: “Um motorista de ônibus atropelou-me e não me

socorreu, deixando-me caída na via pública”.

As três conversam bem próximas da face da cliente, atentas às

informações dadas. Examinam a lesão cortante e pegam um frasco de soro

fisiológico para fazer a limpeza do local. Limpam a lesão e continuam

conversando com a cliente. A enfermeira Odilia relata o caso para a médica

cirurgiã, encaminhando a cliente para a sala de sutura. As três empurram a

maca. A enfermeira Odilia pega o material necessário para o procedimento de

sutura. Acompanha o procedimento até o final e, vez por outra, sai e entra da

sala, para observar e acompanhar os outros clientes”.

56

A multiplicidade de situações marcam o Cuidar/cuidados. As

relações interpessoais e profissionais ocorrem, também, com outros setores

externos. A situação instalada, a interdependência nos cuidados, a

delegação, a admissão e a alta de clientes, em curto espaço de tempo, bem

como a tecnologia são os vértices desses cuidados. A enfermagem, em

principio, põe todas as suas energias nas ações, já que tem como função a

manutenção de um corpo sadio, e o corpo doente ou lesado sinaliza que

houve ruptura nessa harmonia. Isto significa, para a enfermagem,

necessidade de restauração, da unicidade ou do equilíbrio adequado às

funções vitais.

A operacionalização do cuidar/cuidados busca atender a aspectos

psicoemocionais particulares, os quais devem ser levados em consideração,

tanto quanto são atendidas as manifestações orgânicas, de uma forma

rápida, objetiva e voltada para a queixa ou a manifestação principal mais

evidente.

É importante a compreensão de como os enfermeiros elaboram os

seus cuidados, nas dimensões que Lopes (1995, p.155) chama de objetiva

(categorias, procedimentos técnicos, comunicação, etc), na subjetividade de

quem cuida (racionalidade, intencionalidade), do ser cuidado (cliente) e da

mediação das interações de espaço-tempo (o hospital, a jornada de

trabalho, as urgências) num momento de crise e turbulência. A seqüência

do cotidiano de enfermagem, vivenciado por seus enfermeiros remete-nos

ao passo seguinte.

O TERCEIRO ATO... O retorno ou a volta ao primeiro ato

57

O encadeamento dos cuidados pode nos proporcionar a aferição das

formas pelas quais os enfermeiros tomam decisão. “É através das regras, dos

modos de proceder à assistência, a linguagem diária de se comunicarem com o outro

(através do corpo que fala, toca e emite energia)”, que se pode quase palpar a

aplicação dos saberes embutidos nos cuidados ao cliente, conforme Lima

(1993, p.35). Portanto:

“A enfermeira Fátima e sua equipe começam a reordenar o que

anteriormente, estava desorganizado... Tudo precisa ser revisto, recolocado,

refeito, recomeçado.

A enfermeira Fátima prepara medicações, analisa as prescrições,

administra alguns medicamentos. Diz para cada auxiliar e funcionário de

transporte fazer o que acham necessário para os clientes. Movimenta-se,

sentando, levantando, andando de um lado para o outro. Vez por outra, canta

baixinho uma canção11, analisa uma papeleta no posto de enfermagem,

coloca-se de costas para a clientela e de frente para o balcão de preparo de

medicação. Todos da equipe de enfermagem, nesse plantão, cantam baixinho.

A auxiliar de enfermagem Tânia anda de um lado para outro, prepara

uma medicação, procura luvas na gaveta, vai até os clientes e retorna ao

posto. O telefone toca e ela atende: “Alô...sim !”, e pergunta à enfermeira:

“Fátima, os familiares podem subir ?”

A enfermeira Fátima responde: “Daqui a 10 minutos”

Vez por outra uma voz feminina do serviço de interfonia diz:

“Funcionário Antônio, dirija-se à recepção”; “Dra. Mônica, entrar em contato

com a anestesia”.

A linguagem corporal que emana da atuação da enfermeira Fatima,

no seu cotidiano, é a de articulação na criação e execução do

cuidar/cuidados como forma particular de produção mental, ligados a uma

prática ambivalente e multipolar como é a assistência de emergência.11 Não deu para identificar o nome da canção.

58

“... a gente luta o dia inteiro, toda hora, em cima da recuperação desses

doentes que são pacientes graves que dão entrada aqui... O cuidar aqui é

diferente. Não é um cuidar intensivo, mas também não é um cuidar de

enfermaria que você possa fazer tranqüilamente...É diferente. Não é urgente, é

emergente mesmo. Cuidar emergente. Sabe...aquela coisa de impacto? Na

hora? É um cuidar de impacto. Você não pode demorar no seu ato de pensar” .

( enfermeira Regina)

Contextualizando o cuidar/cuidado em Unidade de Emergencia pode

se constata que o cotidiano deixou emergir uma rotina durante os atos que

se desenrolam, construindo um tipo de cuidar, com emergentes e típicos

cuidados. Durante o Cuidar/cuidados, emergiram 18 momentos intercalados

e permanentes, que vão do ponto zero ao pico máximo como se pode

observar a seguir que inclue imagens distribuidas em tipos, momentos de

cuidados e fases assim como mapeamento do cuidar/ cuidados de

enfermagem em Emergencia de receber, registrar e agir.

Cuidar/cuidadosMomentos

de

Cuidados

FASES DO CUIDAR/ DOS CUIDADOS

Receber

Registro 10

Cuidando se sua chegada

O cliente se registra

Admissão 20 Recebido na sala de atendimento

Registrar Cuidando de sua Historia

Histórico 30 Coleta de dados/sumário para o histórico de enfermagem

Cuidados 40 Implementação dos primeiros cuidados

Idem 50 Atendimento médico - vigilância nos cuidados de

compartilhamento

Idem 60 Implementação dos cuidados interdisciplinar e

59

multiprofissional

Idem 70 Implementação dos cuidados no tocante à requisição de

exames complementares

Idem 80 Instituição do tratamento e dos cuidados

Agir Ação Cuidando do seu corpo

Idem 90 Sob a guarda da

enfermagem/aguardando os

resultados dos exames

Encaminhado à sala de

/emergência/front dos cuidados

Idem 100 Implementações dos

cuidados rotineiros/pequena e

média complexidade

Implementações dos Cuidados

Complexos e de altíssima

complexidade/Cuidar individual e

coletivo

Idem 110 Alta com orientação -

Cuidados referentes à

liberação/alta do pronto socorro

Requisição dos exames /

resultados/encaminhamentos/instit

uição de tratamento e conseqüente

cuidados referentes a este/

implementação/criação/improvisa

ção de cuidados/ a luta no limiar

entre a vida e morte - Cuidados na

fronteira do limite

Idem 120 Cuidar dos familiares/ amigos/

companheiros/ vizinhos e outros

Em vigia e vigilância intensiva e

seqüenciais dos cuidados de

enfermagem

Idem 130 Cuidar no encaminhamento para o

C.T.I/ Centro Cirúrgico ou Setor

de Internação

Idem 140 Cuidar no momento da morte.

Idem 150 Cuidar do corpo morto

Idem 160 Encaminhar o corpo morto à

patologia / cuidar no tocante às

providências legais quanto ao

corpo encaminhado ao Instituto

60

médico- legal, se for o caso

Idem 170 Cuidar da

família/amigos/companheiros/

conhecidos entre outros...

180 Reimplantação do Cuidar de Alerta/ O começar de novo da enfermagem em pronto socorro,

individual e coletivamente.

O mapeamento do cuidar/cuidados de enfermagem em unidade de

emergência compreendem o cuidado na admissão (entrada) do cliente até

a liberação (alta), dando forma e tipos de cuidar e de cuidados, numa

multiplicidade de fatores que se conjugam, envolvendo cooperação e

interdependência profissional como define Lopes, (1995, p.155).

No cotidiano da emergência, o cuidar/cuidados são compostos de um

núcleo central e vários outros que se movimentam e se multiplicam

construíndo uma “trajetória”. Certeau (op. cit, p. 46-47) evoca um

movimento da arte de fazer, logo trata-se de uma transcrição, um gráfico,

um traço do Cuidar/cuidados, numa “curva fractal” que aparece com pontos

estáveis e instáveis contendo movimentos das pessoas e a densidade do

cuidado. “ fractal é um princípio segundo o qual nada que existe é inteir”, conforme

ressalta Veschi, (1993, p.147).

IMAGINANDO A REPRESENTAÇÃO DO CUIDAR/CUIDADOS

ATRAVÉS DE GRÁFICOS.

Os gráficos apresentados a seguir é um primeiro mapeamento do Cuidar e

seus respectivos cuidados desenvolvidos em Emergência. Sua descrição

objetiva transcrever a intensidade como os mesmos ocorrem, o que requer

61

um olhar atento para o acompanhamento de sua curvatura, em suas bases

estão os cuidados e no seu vertice o tempo .

Cliente Atendido e Liberado

05

1015202530354045

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12CUIDADOS

O cliente atendido e liberado, a representação descreve o momento

zero do cliente admitido para o atendimento até o pico do cuidar/cuidados

aos 40 minutos após, liberado para a sua residência composto dos 10, 20,

30, 40, 50, 60, 70, 80, 90 , 100 e 110 momentos de cuidados. Aliado a descrição

observacional pode-se perceber o cuidar/cuidados do cliente atendido e

liberado:

“No canto direito do posto de enfermagem, está Luísa, uma moça de

mais de 30 anos, deitada lateralmente, vomitando em um balde, que fica

abaixo da maca. Após o ato, olha ao redor. No boxe lateral, está Ricardo, um

rapaz com várias escoriações pelo corpo e uma faixa de crepom, envolvendo

o couro cabeludo.

A auxiliar de enfermagem Francisca caminha pela sala de atendimento,

olhando cliente por cliente”.

A cliente Luisa assim como Ricardo apresentam quadros que num

primeiro momento não se caracterizam como de gravidade ou risco

62

imediato de vida, mas sim de acompanhamento e observação de suas

evoluções embora estes possam se modificar rapidamente. Muitos desses

cuidados são simples mas podem ser tornar complexos. Corpos com

modificações ou alterações biológicas sejam internas e/ou externas

necessitam de avaliação constante assim como um corpo vigilante através

de olhos atentos, de acompanhamento da auxiliar de enfermagem

Francisca, e de sistematizando os cuidados de enfermagem.

Na elaboração do cuidar/cuidados para a clientela admitida, que fica

um período em observação (ponto máximo mapeado em 45 minutos) e é

liberada, deve levar em conta a evolução do quadro clínico apresentado, e

considerar as várias horas que se seguem até a estabilização ou alta, com a

mesma objetividade e intensidade que compõem as atenções iniciais,

segundo assinala Speranzini (1978, p.79). Este Cuidar e a execução dos

cuidados são desenvolvidos calcados numa periodicidade, isto é, os clientes

são admitidos e permanecem por um período nunca superior a 12 horas,

sendo dois pontos de ancoragem dos cuidados a observação e o repouso.

O mapeamento do cuidar/cuidados em relação ao tempo (minutos de

entrada e saída) não retorna ao ponto zero, de sua entrada (admissão)

porque em situações de emergencia (local transitorio de atendimento), o

cliente é referendado para uma Unidade Basica de Saúde para o

acompanhamento ambulatorial futuro do seu quadro clinico. Logo o

cuidar/cuidados necessita de prosseguimento ambulatorial através da

consulta de enfermagem. O cuidar/cuidado não esgota no setor de

Emergência, esta é uma passagem rápida e transitoria.

Os clientes avaliados como em risco de vida eminente, isto é, com

quadro clinico de grande gravidade necessitando de cuidados variados e de

63

um Cuidar tipografado como os descritos no capítulo IV, pode ser mapeado

conforme o segundo gráfico.

O cliente no limiar entre a vida e a morte

0

510

1520

25

3035

40

1 2 3 4 5 6 7CUIDADOS

O pico do cuidar/cuidados ao cliente que entra grave inicialmente

ocorre nos primeiros 15 minutos, estabiliza, mas continua intenso e

oscilante até o seu encaminhamento ao Centro de Tratamento Intensivo,

Centro Cirúrgico ou Unidade de Internação constituindo os 20, ,, 30,

,100,110,120,130. e 170 momentos de cuidados, como se pode notar na

descrição a seguir:

“No boxe 2, encontram-se o Sr. Valdir de mais ou menos 70 anos,

deitado em uma maca. Ele é forte, negro, e está com os olhos cerrados. Em

sua pálpebra direita, um hematoma bem acentuado. Em seu corpo,

escoriações. Está contido pelos braços e sua boca está semi-aberta.

O Sr.Tito, um cliente de cabelos negros, moreno de mais ou menos 40

anos, entra no setor acompanhado de uma jovem. Senta numa maca. Um

estudante de medicina vai conversar com ele. Entra um médico do staff e o

estudante se dirige a ele: “ Este cliente está com dor precordial”. O último

responde: “É infarto, ele está de pé?...É infarto; se a CPK-mb deu alterada, é

infarto, é infarto. Cadê o ECG?”.

64

O cliente olha sem entender, sua acompanhante também. O acadêmico

diz: “Por favor, Sr.Tito, o senhor tem que ficar deitado”. O cliente atende

prontamente. O acadêmico sai para procurar os resultados dos exames e

mostrá-los ao colega”.

Em situações como as descritas e vivenciadas pelos Senhores Valdir

e Tito, o enfermeiro e sua equipe ficam vigilantes, a fim de apreender

qualquer anormalidade, sinais ou sintomas alarmantes. O risco do

agravamento súbito do quadro clínico do cliente Sr. Tito é constante, apesar

de aparentemente ser uma pessoa saudável necessitando de cuidar/cuidados

atentivo, de observação e acompanhamento analitico.

No terceiro gráfico a seguir ressalte-se, a ultrapassagem do limiar

entre a vida e a morte nos 20,30, ,100,110,120,130,140,150,160 e 170 momentos

de cuidar/cuidados de um corpo que ultrapassou o limiar vida/morte, sua

representação grafica retorna ao ponto zero inicial. Corpo sem vida mas

vivo através dos laços sociais, familiares e juridico-policial não se esgota o

cuidar/cuidados estes são direcionados aos familiares e amigos.

A ultrapassagem do limiar entre a vida e morte e o cuidar do corpo morto e dos familiares / amigos

0

5

10

15

20

25

30

35

40

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11CUIDADOS

Vejamos a sua representação etnografica:

65

“A enfermeira Laura anda de um lado para outro. Uma cliente

apresentou parada cardiorrespiratória. Realizadas as manobras de

ressuscitação cárdiorrespiratória, constatou-se que não há válvula para

conectar no tubo do respirador, não podendo ventilar. A enfermeira Laura liga

para o serviço de interfonia e solicita o comparecimento do chefe de

enfermagem da emergência.

No ar, a mensagem diz: “Enfermeiro Ronaldo, entrar em contato com a

sala de atendimento. Urgente!” Demora uns minutos e o enfermeiro Ronaldo

entra ofegante. Pergunta: “ O que aconteceu ?” Laura diz: “A cliente parou e

não tem válvula para o respirador”. Os dois se dirigem à sala de material

esterilizado, lá existem tem três respiradores tipo BIRD. O enfermeiro Ronaldo

diz: “O que eu vou fazer! Todos estão com defeito, incompletos. O pessoal

tira as peças e não repõe, perdendo-as. Como eu posso controlar isso?, Não

fico aqui 14 horas seguidas, como posso responder por isso ?. Por estes

motivos, ninguém quer chefiar. As coisas somem e ninguém sabe!” ( fala

irritado).

A enfermeira. Laura fica em silêncio. Na sala de atendimento, a cliente

está sendo ventilada por ambu.

Retornam à sala de atendimento, mas a cliente morre. A auxiliar de

enfermagem Vilma passa um chumaço de algodão em sua boca, limpa o

corpo, para envolvê-lo em um lençol, e, posteriormente, encaminha ao serviço

de patologia”.

O cuidar/cuidados de receber, de registrar e de agir mapeados

anteriormente nos tres graficos do cliente atendido e liberado; o cliente no

limiar entre a vida e a morte e na ultrapassagem entre vida/morte e o cuidar

do corpo morto e dos familiares/amigos utiliza a lógica da complexidade12

12 Esta lógica includente da complexidade impoe um estilo de pensar e de agir: obriga a articular os vários saberes relativos às várias dimensões do real; importa jamais enrijer as representações, mas compreender a multidimensionalidade de tudo; leva a conjugar o local com o global, o ecossistema com a historia, o contrario e até o contraditorio com a totalidade mais abrangente. Boff (1996.pag.51)

66

num movimento sequencial de ordem-desordem-interação-organização-

criação descritos por Boff (1996. pag. 50:51). Andrade (1993, p.64), ao

estudar o assistir, diz que ele caminha em duas direções: a primeira, o

fazer pelo outro, e a segunda, o fazer com o outro.

Quanto aos equipamentos hospitalares, Ostronoff, (1972, p. 32),

observa que um hospital em funcionamento necessita repor, substitui ou

atualizar o equipamento, que sofre desgaste e depreciação ou desatualização naturais

com o tempo e o uso. Os equipamentos são recursos utilizados para o

cuidar/cuidados pelo outro e com o outro (ser).

A tipificação e as denominações do cuidar/cuidado oriundos do

cotidiano, e denominados e descritos pelos enfermeiros, são outros aspectos

a serem apresentados a seguir.

67

------------------------------------------------------------CAPÍTULO IV

A FORMA E A ESCULTURA DO CUIDAR MOLDADAS

PELOS ENFERMEIROS

cuidar de ALERTA

cuidar de GUERRA

cuidar CONTINGENCIAL

cuidar CONTINUO

cuidar DINÂMICO

cuidar EXPRESSIVO

cuidar do ANÔNIMO

cuidar MULTIFACES

cuidar daquele que se encontra À MARGEM SOCIAL

cuidar da POPULAÇÃO DE RUA

cuidar MURAL

cuidar PERTO/DISTANTE

cuidar do CORPO (SEMI) MORTO e o

cuidar DOS PROFISSIONAIS DO CUIDADO

68

O cuidar/cuidado emerge do Setor de Emergencia com especificidade

e distinção compondo uma tipologia contraposto as experiencias dos

enfermeiros e a da autora intrinsicos num processo inter e multidisciplinar

procurou-se materializar o pensar-fazer-criar que compoe a propedeutica de

enfermagem invisivel e sileciosa numa pratica em que todos percebem o

procedimento medicamentoso e médico. Combinou-se prática profissional

e vivência adquirida num cotidiano para a compreensão do fenomeno

cuidar / cuidados em enfermagem de Emergencia, o qual se expressou com

muita nitidez numa pluralidade de cuidar e de cuidados.

Receber, registrar e agir, abordados sócio-historicamente emergem

no cotidiano, exigindo do enfermeiro, técnica e competência, intuição e

ação, estética e ambiência, criatividade (arte de improvisar, portanto arte de

criar) e sensibilidade (arte de ser sensível), para moldar o cuidar/cuidados.

Os enfermeiros moldaram o cuidar/cuidados através de etnometodos, numa

seqüência de reflexão-ação-reflexão da praxis de enfermagem em

emergência.

As descrições e interpretações dos tipos de cuidar/cuidados de

enfermagem estão em diversos níveis e comportam, em sua essência, os

níveis técnico, intuitivo, estético, criativo e sensível aliados ao

conhecimentos do senso comum, como se pode observar nos tipos de

cuidar/cuidados daquele que se encontra à margem social, como população

de rua, e do cuidar anônimo, em que a aprendizagem destes tópicos escapa

dos bancos acadêmicos. Exemplo relevante é reconhecer a cocaína, a

maconha, a cola, o crack, entre outros que exigem do enfermeiro e de sua

equipe um conhecimento que emerge do senso comum de uma prática

cotidiana, a fim de compor a aprendizagem técnica para Cuidar/cuidados.

Neste sentido, Lima (1993. pag. 8:9) afirma que a enfermagem deve ser

69

compreendida como arte e ciência de pessoas que convivem e cuidam de outras, e

que, como ciência, procede, na prática, pelo modelo interativo, convivendo com o

inacabado, a multifinalidade, as diferenças, a ambigüidade e a incerteza.

Nos vários momentos observados nas salas de atendimento, no

cotidiano de Enfermagem em Emergência, como espaço de visibilidade e

elucidação, emergiram, foram identificado, lançados e referendados pelos

enfermeiros, de modo consensual como propedeutica do cuidar/cuidar os

seguintes Tipos e Conceitos:

CUIDAR DE ALERTA

O enfermeiro permanece atento aos aspectos imprevisíveis do

atendimento, iniciando no ato de Cuidar em Setor de Emergência, desde a

coleta dos dados para o histórico de enfermagem, contidos no boletim de

atendimento, até a organização e reorganização de todo o ambiente. É uma

Expectativa permanente pelo que poderá vir. Além da autonomia

profissional da enfermagem, caracteriza-se também, por um processo

assistencial inter-conjugado ao de outros profissionais da área da saúde.

E relevante no cuidar/cuidados prestados à clientela atendida pela

enfermeira e sua equipe, e que merece destaque, é a idéia de intensidade,

bem como o equipamento material e o pessoal especializado, obedecendo,

sobretudo, a um princípio de interação e funcionalidade. Tudo deve estar

preparado nos mínimos detalhes técnicos, já que a sua característica é ser

oriundo de uma Unidade que, em relação ao restante do Hospital, pode ser

considerado um local de passagem e portanto, não pode faltar o necessário

para o estabelecimento do diagnóstico e a implementação terapêutica,

através do cuidar/ cuidados necessários para salvar - vidas. O

70

cuidar/cuidados compreendem atividades cognitivas e psicomotoras

predominantemente.

“Acompanhando a enfermeira Lúcia, na supervisão da clientela,

entramos no setor de atendimento. Eram 11 h 30 min. Logo na entrada, perto

da porta, estava Osvaldo um rapaz de aproximadamente 30 anos,

inconsciente, contido pelos braços, numa maca-leito, com o corpo coberto por

um lençol.

A enfermeira Lúcia se aproxima. Seu olhar percorre o corpo do cliente.

Ela anda alguns passos, indo ao encontro de dois médicos que se

encontravam próximo, e pergunta: “O que aconteceu com ele? Quem está

cuidando deste cliente?”.

A acadêmica de medicina responde: “É o Dr. Mário Celso”.

Lúcia sai a procurá-lo, a fim de saber mais informações para cuidar do

cliente”.

Num outro momento ...

“A enfermeira Jaíra estava no posto de enfermagem; o guarda Manuel

se aproxima e diz: “Dona Jaíra, tem este familiar aqui que deseja falar com a

senhora”. Ela se vira, e a jovem familiar diz: “ Gostaria de ver o Ângelo”. A

enfermeira Jaíra responde: “Pode vê-lo”

O cliente é um adolescente de 14 anos que sofreu uma agressão por

um projétil de arma de fogo (PAF) com conseqüente transfixação. Segundo o

relato, a agressão foi devida a uma briga envolvendo o pai. O adolescente, no

momento em que dispararam, passou na frente do pai, para evitar a agressão,

sendo atingido pelos tiros. Seu pai morreu no local, e ele corre risco de vida.

Ao ver seus familiares, chora.

Diz Jaíra: “Coitado desse garoto!”

Numa outra ocasião...

71

A enfermeira Laura anda de um lado para o outro, olhando tudo ao seu

redor. Muitas senhoras idosas nos leitos. Homens e mulheres ficam internados

e/ou em atendimento no mesmo espaço físico, já que não há divisão por

gênero. No boxe 3, Dona Judite e Dona Elizete, duas senhoras em coma

profundo. Respiram com o auxílio de aparelhos BIRD. Seus olhos estão

cerrados. No boxe 4 D. Rosa, obesa, despida, com um pedaço de tecido

jogado sob o seu púbis, membros inferiores edemaciados, abdome volumoso,

extensão corporal ocupando todo o leito-maca. Dispnéia intensa, cateter de

oxigênio, cabeceira em Fowler - diagnóstico emergencial: edema agudo de

pulmão. A enfermeira Laura mantém vigilância constante”.

OS CUIDADOS. Na execução dos cuidados oriundos do cuidar de

Alerta, é importante considerar o que Lima (1993, p. 9-24) afirma sobre a

necessidade de “os enfermeiros manter observações precisas, apuradas e completas,

a percepção correta sendo considerada como a sua capacidade essencial para atuar

nos corpos, que, muitas vezes chegam condicionados por enfermidades de vários tipos,

violência, carência e misérias”.

É importante destacar que, o cuidar/ cuidados de Alerta não segue a

rotina dos setores clínicos, cirúrgicos e outros. O preparo do cliente de

emergência para a cirurgia, por exemplo, é diferente do preparo rotineiro.

No caso de encaminhamento para uma cirurgia não-urgente. O preparo do

cliente é imediato, fazendo apenas a coleta de sangue para a tipagem e o

hematócrito. Promove-se a cateterização vesical, nasogástrica e venosa

periférica e realiza-se a tricotomia do local da futura incisão cirúrgica. Mas,

se o risco de vida for iminente, em alguns casos, nem estes cuidados de

pequena complexidade são realizados, encaminhando-se rapidamente o

cliente direto à sala de operação, do jeito que estiver, porque a prioridade é

salvar-lhe a vida.

72

Os cuidados que emergem dos dados etnometodos de observação são

direcionados à organização e reorganização da ambiência, contenção

mecânica, acompanhamento de um cliente inconsciente, manutenção da

privacidade, ao cobrir um corpo, preservação de outro, ao manter uma

vigilância constante junto ao adolescente que levou um tiro e tem como

perspectiva a invasão do setor de emergência pelos seus agressores,

estendendo à Emergência e a todos os que nela se encontram as

conseqüências dessa provável invasão. É o que se conclui do olhar atento a

tudo em seu redor da enfermeira Laura, acompanhando o quadro clinico de

todos os clientes graves do boxe 3

Portanto corpos individuais e coletivos do enfermeiro, de sua equipe

e da clientela em alerta na contextualização cotidiana desse cuidar/cuidados

são como sentinelas de uma prática que engloba aptidões humanas

essenciais como autoconsciência, auto controle, empatia, arte de ouvir,

resolver conflitos e cooperar nas decisões e ações.

O cuidar/cuidados moldado e apresentado a seguir pode ocorrer

simultaneamente ao Cuidar de Alerta, como veremos.

CUIDAR DE GUERRA

O cuidar/ cuidados de enfermagem emergem do Confronto entre a

vida e a morte. Neste momento, as enfermeiras e suas equipes, bem como

a equipe de saúde buscam e utilizam todos os recursos e esforços

disponíveis para cuidar em emergência. Neste sentido Lima (1993, p.22)

assinala que, entre as metas de enfermagem, existe a preocupação em reduzir ou

evitar tensões biofísicas e psicossociais das pessoas que ingressam no sistema de

atendimento de saúde.

73

“O posto de enfermagem num formato de L, acompanha a porta de

entrada. Há mais de seis pessoas encostadas no balcão do posto de

enfermagem, aguardando atendimento. Formou-se uma fila. Todos seguram

seus boletins ou os de seus familiares e/ou amigos, em suas mãos. Há macas-

leitos com clientes, por todos os lados. Existem momentos de silêncio que são

seguidos por um falatório intenso, até mesmo gritos. Cada duas ou três

profissionais da equipe de saúde atendem a uma situação, cujos cuidados

são voltados à assistência aos corpos dos clientes em crise.

Dentro do posto de enfermagem, a enfermeira Edna e duas auxiliares

de enfermagem, Mariana e Nara, têm mãos ágeis. Observo tensão em suas

faces, através das faces descoradas e sudoréicas; mãos ágeis preparam as

medicações, o suor brota também em suas têmporas, seus corpos se

movimentam de um lado para o outro, num espaço físico em que caberia, no

máximo, um corpo. Quase não conversam entre si. Uma das auxiliares

pergunta para a outra: “O que você quer ?”. “Quero glicose” - responde Nara.

“Aqui está, oferece Mariana”.

Nara pega a ampola e vai para a outra extremidade do balcão preparar

a medicação. Os outros clientes, enquanto isso, são atendidos na porta de

entrada por um médico. São encaminhados ao posto de enfermagem, para

que recebam as medicações prescritas por eles ou sejam observados por

algumas horas.

O telefone toca. A auxiliar de enfermagem Mariana atende. “Alô...Sim!

Aqui está um inferno! ...É impossível fazer isso! ...Sim senhora! Está bem...”.

Ao desligar, ela comenta: “É a chefe. Ela quer que façamos a higiene

corporal, dar banho nos clientes. Isso é impossível! Isso aqui está um

inferno!”.

A sala está cheia. Desliga o telefone, pega um boletim. Pergunta: “Onde

está o cliente?”.

Dona Maria, uma senhora, mulata, de estatura mediana, com um lenço

florido nos cabelos, segura um boletim, próximo ao balcão do posto de

enfermagem, e diz baixinho: “Ele fugiu. Ficou com medo de tomar injeção.

Tenho tanto medo de injeção. Mas sei que a injeção de Profenid é muito boa”.

74

Se aproxima da auxiliar de enfermagem Nara e entrega o seu boletim. A

auxiliar de enfermagem lê, quebra e aspira uma ampola do medicamento.

Caminha pelo lado de dentro do balcão. Dona Maria a acompanha pelo lado

de fora, se aproxima, oferece o braço esquerdo, vira o rosto para o lado

contrário. Nara aplica a injeção, e Dona Maria se afasta, segurando um

chumaço de algodão no local em que foi aplicada a medicação. Sai em

silêncio, olhando para o chão.

Neste momento, a enfermeira Edna atende a um cliente. Ás suas

costas, a cliente Vera, uma mulata de cabelos curtos, alta, diz: “Não agüento

mais”. E cai ao chão. A enfermeira Edna se volta rapidamente e a segura pelo

braço direito, mas não consegue impedir que seu corpo caia devido ao peso.

Solicita: “Me ajudem, por favor!”.

No ar, a telefonista solicita: “Eletricista de plantão, compareça ao 30

andar”.

As duas auxiliares de enfermagem Mariana e Nara e mais um

acadêmico de medicina, que estavam próximos, ajudam a enfermeira.

Colocam a cliente Vera em uma maca. A enfermeira Edna pega uns pacotes

com gaze, limpa a boca de Vera e procura o esfignomanômetro, para verificar

a pressão arterial da cliente, ao mesmo tempo em que faz um exame físico

simplificado. Solicita a um dos acadêmicos que avalie também. Observo que a

face da enfermeira, neste momento, esta hipocorada; brota da região frontal

suor; seus lábios estão hipocorados, suas mãos e sua voz trêmulas. Diz para

o acadêmico de medicina: “Avalie e depois nós vamos medicá-la”.

A cliente Vera diz: “ Eu não agüentei mais esperar. Fiquei tonta”. Edna

responde: “Sim , eu sei”.

Passados alguns segundos, outra cliente, Laurita, se aproxima e diz:

“Onde está a doutora?. Ela saiu com o meu boletim e não veio mais”.

Responde a enfermeira Edna: “ Não sei”. “Mas onde ela foi ? Não é

possível me deixar aqui. Estou há mais de duas horas aqui!” “A senhora

aguarde que ela vai atendê-la. Fique na fila, senão vai perder seu lugar”,

esclarece a enfermeira Edna. Irritada, responde: “Não vou, não vou! Eu

cheguei aqui cedo, a doutora foi quem sumiu. Onde ela foi?”. “Não sei. Acho

75

melhor a senhora entrar na fila, senão vão brigar com a senhora”. “Não pode

acontecer isso. Estou aqui há muito tempo”.

A enfermeira Edna fica em silêncio. A cliente continua junto ao balcão

de enfermagem. Chega a acadêmica de enfermagem. Luciene e diz: “Aquele

cliente ali (aponta para a direção) está com dor epigástrica e sensação de

desmaio. Procurei o seu boletim de atendimento, mas não encontrei”. A

enfermeira. Edna responde: “Está bem. Deixe comigo”.

OS CUIDADOS. Num setor de emergência de um perímetro urbano,

a qual usualmente chega grande numero de clientes com queixas tão

diversas, como a síncope por falência orgânica da cliente Vera,

insuficiência respiratória, entre outros, e há filas de clientes aguardando

para ser cuidados (cuidar coletivamente), macas-leitos por todos os lados, o

medo de Dona Maria de tomar injeção, falatório, por um lado, e silêncio

prolongado por outro os momentos de cuidados de enfermagem vão da

administração parenteral das medicações a cuidados complexos de atender

um corpo em crise, de forma individual e/ou coletiva, simultaneamente. A

síncope da cliente Vera exige investigação e atenção nos cuidados

prestados, assim como deve ocorrer com todos os que aguardam para ser

cuidados de forma distinta e com diferentes necessidades humanas básicas

a serem atendidas.

Os cuidados relevantes desta tipologia são os de triar, diagnosticar,

atender à fase aguda e manter, em cuidado de observação, aquele sem

condições de ser liberado.

Os cuidados visam a manter a função cardio-pulmonar, tanto quanto

possível, próxima da fisiologia, em condições hemodinamicamente

favoráveis, pela verificação da pressão arterial, pulso, reposição de volume

necessária, observação das extremidades, sudorese e coloração da pele, que

são dados indicadores de gravidade. Chida e Zerbetto (1975, p.53) afirmam

76

que “se devem levar em consideração queixas e identificar as variações dos sinais

vitais, pois, muitas vezes, em questão de segundos, se estabelece um quadro gravíssimo

e, mesmo, irreversível”.

A relação no contexto deste Cuidar/cuidados é o do corpo

físico/corpo emocional, a leitura e a interpretação dos sinais, sensações e

sintomas corporais, evolução da doença ou circunstancia que envolveu o

cliente e/ou clientela, sua perspectiva de cura e a morte são básicos para o

cuidados de Guerra.

Numa analogia em termos evolucionários quanto a sobrevivência no

tocante a impelir o enfermeiros e seus aliados (sua equipe) à ação do

cuidar/cuidados de Guerra estes exigem uma reação instantânea em que a

mensagem percorre uma rota de emergência no cérebro que vai do olho ou ouvido

ao tálamo e à amígdala. Esse tempo de percurso é calculado em milésimos de segundo,

permitindo uma opção de resposta rápida. Goleman (1996. p. 36-37).

Outro cuidar moldado pelos enfermeiros além do Cuidar/cuidados

de Alerta e de Guerra é o cuidar contingencial descrito a seguir.

CUIDAR CONTINGENCIAL

Esta modalidade de cuidar/cuidados é construída durante os

momentos em que há uma situação súbita ou episódica. O prognóstico em

enfermagem de emergência é reservado, já que o desequilíbrio

biopsicossocioespiritual do cliente pode agravar-se. O perfil dos cuidados

delineia-se pelo investimento de todos os recursos de que a enfermeira e a

sua equipe dispõem, o cuidar/cuidados assim como a equipe de saúde, para

salvar o cliente. Uma das características dos cuidados contingenciais é a de

ficar em vigilância para apreender qualquer anormalidade ou sintoma

alarmante.

77

Este cuidar/cuidados em enfermagem encontra-se cuidados

contingenciais, que se caracterizam pelo aspecto biológico do cuidar dos

corpos dos clientes, através de procedimentos que utilizam os

instrumentais de enfermagem, como a punção venosa periférica, a

cateterização vesical e o curativo de partes lesadas, entre outros.

A principal característica desse tipo de Cuidar são os procedimentos

cuja constatação é concreta, mas que chamam atenção pelo fato de que,

paralelamente a eles, a enfermagem atende aos aspectos subjetivos da

assistência aos clientes, já que estes necessitam de observação detalhada.

Aliados aos dados etnometodos da observação acopla-se ao

cuidar/cuidados contigenciais os dados descrito na evolução de

enfermagem no primeiro plano :

“...paciente sonolento, facilmente despertável, eupnéico, hidratação

venosa em veia periférica, diurese presente através de sonda Folley, pérvia à

saída de urina cor amarelo-âmbar, lesão em membro inferior direito...”.

E...

“A enfermeira. Fátima, ao analisar a prescrição de uma cliente, canta

bem baixinho. A auxiliar de enfermagem Lenilva aproxima-se repara: “Fátima,

olha essa prescrição! Não entendi esse horário. Tenho ou não de dar essa

medicação?”. “Deixe-me ver, diz Fátima. Pega a prescrição. Olha. Demora um

pouco e diz: “Olha aqui! Esta medicação é um antibiótico e tem que ser dada

de 18 em 18 horas. A cliente tem insuficiência renal. Tem que ser

administrado à zero hora de hoje, explica Fátima.

“Por que, então, ela, sendo renal crônica, tem 2.000 ml de soro

prescritos ?, questiona a auxiliar de enfermagem. “Acho que há um equivoco,

mas dois médicos a avaliaram hoje. Vou procurar saber e te digo”.

78

A sala de atendimento está cheia de homens e mulheres jovens, adultos

e idosos, macas-leitos posicionadas no meio da sala de atendimento por falta

de espaço disponível para colocá-las. Entra Dona Julita trazida pelo transporte.

Ela é uma senhora de estatura mediana, de blusa preta e saia florida com

dispnéia intensa. A enfermeira Fátima diz para o auxiliar de enfermagem

Jonas: “Coloque-a no leito”. Este, rapidamente, coloca a cliente sentada no

leito que conseguira e arruma um lugar entre as macas, num canto próximo a

saída de oxigênio. Logo após, retorna ao posto de enfermagem. A enfermeira

Fátima pede: “Faça a medicação dessa cliente. É aminofilina diluído no soro.

Olhe, preste bem atenção”.

Mostra o boletim para o auxiliar de enfermagem Jonas. Ele escuta com

atenção o que a enfermeira dissera, pega o boletim onde está prescrita a

medicação e inicia o preparo do medicamento.

Depois de pronta a medicação, auxiliar de enfermagem fala: “Acho que

eu vou puncionar uma veia com gelco... mas ela tem uma veia muito fina”, -

expressando em tom alto.

A enfermeira Fátima sugere: “Puncione com scalp. É o mais indicado”.

O auxiliar de enfermagem Jonas demora um pouco para fazer o que fora

sugerido, pois se encontra com outra colega, que diz: “Escuta essa música que

está tocando”. A enfermeira Fátima diz para os dois: “Vamos, vamos, vamos,

não embolem”.

Os dois se separam rapidamente e cada um vai atender a um cliente

diferente. A enfermeira Fátima pega os boletins e prontuários. Analisa um a

um. Apraza os horários das medicações, item por item. Comunica aos auxiliar

de enfermagem Jonas, Lenilva e Maria Helena: “Todas as mulheres já foram

vistas. Agora, eu vou para os homens”.

O auxiliar de enfermagem Jonas pega um cobertor de cor marrom, com

as bordas rasgadas. Cobre a cliente que esta em crise asmática,

principalmente suas pernas” 13.

A telefonista solicita: “Ortopedista de plantão, compareça ao politrauma”.

13 O ar condicionado ambiental provoca muito frio.

79

A auxiliar de enfermagem Maria Helena, de avental azul e máscara

facial branca, se aproxima do posto de enfermagem e fala para a enfermeira:

“Não sei o que ele escreveu. Isso está um garrancho. Não consigo ler. Fátima,

me ajude aqui, não sei o que esta escrito, é um garranchinho. Olha!” .

A enfermeira Fátima pega a prescrição, olha, lê junto com a auxiliar de

enfermagem, item por item. “Aqui é soro glicosado a 5% ; este aqui é cloreto

de potássio.” “E este ?” (aponta para um dos itens) “É... ampicilina diluída em

100 ml de soro”.

As duas ficam “decifrando” cada item. Fátima explica e lê cada item para

a auxiliar de enfermagem Maria Helena.

OS CUIDADOS. Os cuidar/cuidados, como as anotações descritas

na evolução, a descrição da resposta corporal dos cuidados realizados, a

análise de prescrições medicamentosas, a supervisão, orientação e

distribuição de tarefas dadas para a equipe de enfermagem, direcionando o

cuidar/cuidados, o ato de procurar, no caos ambiental, um espaço para

acomodar uma maca-leito, a fim de que a cliente Dona Julita possa ser mais

bem cuidada, assim como atender à necessidade termorreguladora,

cobrindo o corpo da cliente com um cobertor com as bordas rasgadas que

entre outros são instrumentais de enfermagem, importantes para a

enfermagem, na execução de seus cuidados, e outros como a

administração de medicações que revelam a interdisciplinaridade dos

cuidados prestados.

Neste sentido, os cuidados contingenciais como a observação e

acompanhamento de uma simples tosse, de um pé descoberto e cianótico

pelo resfriamento ambiental, de um gotejar mais lento de uma hidratação

venosa são pontos alarmantes e, como tais mobilizam o enfermeiro e sua

equipe constantemente. Um outro aspecto que envolve o cuidar/cuidados

contingenciais são as iatrogenias, bastante freqüentes devido aos

80

procedimentos invasivos necessários, tais como a injeção de drogas com os

seus efeitos colaterais, a punção venosa, a prótese respiratória, as punções,

e sondagens em geral, entre outros cuidados. Os corpos em risco são

monitorizados mas não perdendo de vista o que Boff (1995. p.300) diz

quando faz uma metáfora com o jogo de futebol em que este resulta do inter-

retro-relacionamento de todos os jogadores, de suas interdependencias, da

harmonização entre ataque e defesa e da clareza das táticas combinadas em que supõe

criatividade de cada jogador, do senso de oportunidade para o melhor lance que pode

marcar um gol e diz ainda a lógica do jogo não é linear, mas complexa, aberta, sempre

se construindo em cada momento......como em todo o jogo, o ser humano não se sente

passivo, mero espectador de um mundo fora dele e do qual não se sente parte e parcela.

Ele faz parte essencial do jogo.

A metáfora descrita por Boff em relação ao cuidar/cuidado

contigencial pode se comparado a um jogo de futebol no campo da

vivência, em que a relação corpo físico / corpo emocional /corpo social

encontram-se em movimento sincronizado para marcar o gol da vida.

Paralelamente ao cuidar de Alerta, de Guerra e Contingencial, surge,

também, o cuidar contínuo a seguir.

CUIDAR CONTÍNUO

É o momento em que ocorrem a manutenção e a seqüência dos

cuidar/cuidados diários, tal como o de higiene. Estes cuidados têm a função

de prevenção, manutenção da vida e impedimento do surgimento de

seqüelas que possam agravar o quadro do cliente. São procedimentos que

implicam um conteúdo predominantemente cognitivo-psicomotor. É a

manipulação de material, objeto, ou algum ato que requeira atenção e

coordenação neuromuscular, durante os cuidados. Os procedimentos são

81

revelados através das ações do enfermeiro, relativos às necessidades

psicobiológicas da clientela, como define Coelho (1991, p.178).

Quanto aos rituais de enfermagem como arte aplicada, Lima (1996,

p.1) assinala que eles se destinam “a amenizar o sofrimento dos seres humanos,

não se tratando somente de operação técnica e ideológica, mas também de uma relação

sensorial criativa, resolvendo problemas de conforto e cura do corpo, satisfazendo

necessidades básicas, tais como as de higiene e alimentação, entre outras”.

O Cuidar/cuidado continuo se fundamenta nas necessidades

“universais do ser humano, é composto de cuidados básicos de enfermagem” em que

Herderson, (1989. p.15) afirma de que necessitam de uma “continua

interpretação e os mesmos independem do diagnóstico e da terapêutica médica”. É o

cuidar/cuidados do corpo em seqüência, numa sistematização continua que

determinam regras e modos de proceder.

“No canto direito do posto de enfermagem, o enfermeiro Renato

conversa com uma cliente, Dona Adelaide, uma senhora de cabelos grisalhos,

explicando por que a levará ao banheiro. Outras duas enfermeiras, Sílvia e

Lilian, tentam acalmar e, simultaneamente, ajudar no banho de leito de uma

cliente que se encontrava agitada, movimentando os braços, tentando

levantar-se do leito.

O padre João, com hábito de cor marrom com capuz, faz visita, em

silêncio, a um por um dos clientes. Não se dirige a nenhum profissional de

saúde. Vai de leito em leito.

As auxiliar de enfermagem Ana Lúcia e Iracema estão no posto de

enfermagem A primeira prepara uma medicação enquanto que a segunda leva

uma medicação, e um copo de água nas mãos, aproximando-se de um senhor

de aproximadamente 65 anos. Chama-o “Sr. Walter, vamos tomar este

remédio”.

O Sr. Walter abre os olhos. Olha para a auxiliar de enfermagem e senta-

se na cama-leito. A auxiliar de enfermagem espera, estende a mão e entrega

82

o comprimido. O Sr. Walter leva o comprimido à boca, enquanto aguarda.

Depois, oferece a ele o copo de água. Aguarda um pouco mais e sai”.

Num outro plantão:

“No boxe 3, há Adílson, um cliente de 32 anos que sofreu trauma direto

na região parietal direita há duas semanas. Pouco tempo depois, em 16 de

abril, começou a apresentar cefaléia, vômitos e distúrbios de comportamento.

Foi admitido no setor lúcido. Hoje, dois dias após a admissão se encontra em

coma profundo, intubado, respiração assistida pelo respirador artificial, cateter

vesical com circuito fechado. Está contido no leito pelas regiões radiais, soro

glicosado contendo outras substâncias. Fluem ao mesmo tempo, pela punção

dopamina e manitol. O monitor cardíaco apresenta um traçado de assistolia (o

aparelho não está funcionado). Vejo que o aparelho de esfigmomanômentro

está ao seu lado.

A enfermeira Angélica examina os eletrodos do monitor cardíaco

aplicados em seu tórax. Mexe no circuito do aparelho, verifica a tomada

elétrica, mas o aparelho teima em não funcionar. Chama o enfermeiro

Ronaldo. Neste momento, a auxiliar de enfermagem Ana Lúcia se aproxima.

Os três olham, buscam, mexem, mas o aparelho...não funciona.

No ar, a telefonista solicita: “Enfermeira Cristina, compareça no gabinete

do Senhor Diretor”.

Quanto à evolução do quadro clínico do Sr. Adílson, a equipe de

enfermagem acompanha, descrevendo os cuidar/cuidados no boletim:

“Paciente alternando momentos de orientação e desorientação,

encaminhado ao banho de chuveiro. Evacuou grande quantidade. Cor e

aspecto normais, puncionada veia periférica com Gelco n0 20. PA 120 X 60 -

auxiliar de enfermagem Albertina “.

83

Às 18 h 40 minutos deste mesmo dia, seguindo a leitura da anotação,

o cliente respondia aos cuidar/cuidados se manifestando organicamernte,

exigindo reavaliação e implementação de uma nova abordagem de

cuidar/cuidados.

“...fazendo crise convulsiva, mais vários episódios de vômitos. Passada

sonda nasogástrica em sifonagem, suspensa a dieta, apresentando-se

cianótico. Pressão arterial 100 X 80 - auxiliar de enfermagem Mônica”.

No boxe 3, um cliente chama: “Enfermeira! Enfermeira! Enfermeira!

Passados aproximadamente 10 minutos, a enfermeira Angélica se aproxima e

pergunta: “O que você quer? Ele retruca: “É o soro”.

A enfermeira pede: “Aguarde um momento que nós vamos mudar’.

Fecha o circuito do soro e pede: “Deixe assim”. Depois, ela se encaminha para

o posto de enfermagem. Ao se aproximar da porta, a auxiliar de enfermagem

Jurema vem ao seu encontro, chama a atenção da enfermeira. Angélica para

um cliente, dizendo: “Aquela paciente vai chocar. Eu acho que está chocando.

Depois, nós vamos correr e aí é tarde !”

A enfermeira acompanha a auxiliar de enfermagem e, juntas, examinam

a situação em que se encontrava a cliente. A enfermeira Angélica pede à

auxiliar de enfermagem para chamar o médico. Verifica os sinais vitais,

examinando a cliente rapidamente. Naquele momento, somente as duas

estavam no setor.

Descrito e assinado por uma enfermeira no livro de ordens e

ocorrências chamando atenção para o cuidar/cuidados:

“Serviço Noturno - Solicito que oriente aos plantonistas da... quanto à

importância da confecção dos rótulos de soro para as etapas e, também, das

medicações. Várias vezes, recebo os plantões sem rótulos. Como vou saber o

que está ocorrendo ou não? Os médicos sempre perguntam quanto a essa

84

questão, e eu não sei e não posso responder por algo que não ocorreu no meu

horário, certo? - enfermeira Célia”.

Num outro plantão, numa quinta-feira:

“A auxiliar de enfermagem Auxiliadora anda, olha ao redor e diz para o

outro auxiliar de enfermagem Gilberto: “Troca, por favor, o soro deste cliente. É

glicosado com potássio e sódio. Veja a papeleta dele”. Gilberto responde:

“OK.”. Sai rapidamente. Se dirige ao posto de enfermagem, pega o frasco de

soro. Durante esse procedimento, percebo que ele está sorrindo, face

tranqüila. Com passos ligeiros, pega o boletim do cliente, prepara o soro e

troca-o, como havia solicitado a auxiliar de enfermagem Auxiliadora. Durante a

realização dos cuidados, a equipe de enfermagem se movimenta ligeiramente

de um lado para outro, conversam o tempo todo um ou outro, as enfermeiras

no meio dos clientes e integrantes da equipe, sobre os cuidados, as formas de

cuidar, os exames a serem realizados, as prioridades dos clientes, entre outros

assuntos.

Uma enfermeira solicita e assina, aos outros colegas atenção no livro de

ocorrências sobre: “Em virtude do ‘sumiço’ da única comadre, solicito

substituição da mesma, posto que os pacientes acamados não têm como

satisfazer suas necessidades básicas afetadas. Grata enfermeira Cristina”.

OS CUIDADOS. A terapêutica do cuidar/cuidados de enfermagem,

de forma geral, tem uma ampla gama de objetivos; já os cuidados

contínuos podem visar, inicialmente, à correção de situações que ameaçam

a vida do cliente, ou ao atendimento de uma série de quadros clínicos

agudizados. A evolução dos quadros clinicos dos clientes deve ser

acompanhada nas várias horas até a sua estabilização ou alta com a mesma

objetividade e intensidade, num seguimento como levar Dona Adelaide ao

banheiro, a visita do padre, dar um copo de água ao cliente para beber,

85

como fez a auxiliar de enfermagem Ana Lúcia, o acompanhamento das

possíveis alterações eletrocardiográficas do cliente Adílson, assim como o

acompanhamento do seu quadro clínico descrito através da anotação da

enfermagem, da evolução da folha do prontuário e do livro de ocorrências,

bem como o atendimento do chamado “Enfermeira, enfermeira”, para

acompanhar o gotejamento da hidratação venosa, entre outros cuidados.

A característica marcante desses cuidados é a de reconhecer os sinais

e os sintomas pela observação constante (as alterações da pressão arterial,

por exemplo, quer sistólicas, quer diastolicas, devem ser rapidamente

detectadas e corrigidas). Um volume urinário, gástrico, de drenagem

torácica ou outros pode significar lesões graves; uma anisocoria, com

perda súbita do estado de consciência, é um dado a ser acompanhado;

assim como o conhecimento e a atualização na farmacologia permitirão

uma administração correta dos medicamentos e o reconhecimento dos

resultados dos exames laboratoriais e complementares, principalmente os

mais usuais.

Outro aspecto importante para o cuidar/cuidados continuo é o

conhecimento da psiconeuroimunologia, rotas biológicas que tornam a

mente, as emoções e o corpo intimamente interligados. A clientela sob

cuidados no Setor de Emergência, pode permanecer de alguns minutos a

vários dias logo a rapidez e as mudanças de seus quadros clínicos são

percebíveis e esperáveis. A solicitação da telefonista pelo sistema de

interfonia aos profissionais de saúde mostra a urgência no atendimento dos

casos e a sua conseqüente mudança.

Ë importantíssimo o planejamento do cuidar/cuidados contínuo, para

que haja o prosseguimento dos cuidados. Na continuação da modelagem

pelos enfermeiros do cuidar/cuidado de enfermagem em emergência,

86

desenvolve-se nas salas de atendimentos, um outro tipo de cuidar, cuja

característica básica é o dinamismo e o coletivismo, a ser visto a seguir.

CUIDAR DINÂMICO

É a execução do cuidar/cuidados num contato relativamente curto e

rápido, no tocante ao tempo de permanência com o cliente, mas intenso e

direto em sua execução. O que chama atenção é que uns estão sendo

cuidados e, simultaneamente, chegam outros, somando-se assim, aos que

estão sendo cuidados. Na sua aparente “anormalidade”, o cuidar de

enfermagem mostra-se quando são atingidos os níveis interpessoal e

individual. A análise das situações não se detém apenas naquele momento.

Suas conexões remetem o enfermeiro ao passado, na busca de comparações

e informações, para moldar a continuidade dos cuidar/cuidados.

Através de Prigogine (1988. p.69) é realizada uma analogia no

tocante ao tempo do cuidar/cuidado dinâmico, ligando-o ao sistema

dinâmico da física descrito pelo fisico em que diz quando jogo à roleta posso

ter jogado mil vezes e jogar uma milionésima vez, mas a situação apresentasse-a cada

vez como nova, não permanece nada do passado. No cuidar/cuidado dinâmico o

que se envidencia são corpos físicos, emocionais e sociais, corpos

individual e coletivo numa luta que encontra apoio em Aristóteles quando

afirma que o tempo é o estudo do movimento na perspectiva do antes e do depois,

logo é o movimento dinâmico dos corpos cuidando e sendo cuidado com

mudanças internas e externas ligeiríssimas.

Observação e descrição da sala de atendimento, quanto ao

cuidar/cuidado dinâmico, pode ser assim apresentada:

87

“São cuidadas, ao mesmo tempo, três clientes que estão intubadas, e

suas respirações, assistidas por aparelhos, estavam sendo também

monitorizadas; hidratações venosas em veias profundas, cateterizações

vesicais e nasogástricas. Duas delas Dona Luiza e Dona Beatriz, estão em

coma profundo, enquanto que Dona Aline está torporosa. Do outro lado, cinco

homens de meia - idade e um senhor jovem de aproximadamente 30 anos.

Todos em macas móveis.

As anotações da enfermagem como instrumento do

cuidar/cuidados ilustram detalhes do quadro de cuidar dinâmico:

“ ...encontrado lúcido, orientado, respondendo às solicitações verbais,

com scalp heparinizado em dorso da mão esquerda, edema em membros

inferiores (++/++++). Refere que não dormiu bem à noite, e está ansioso pela

alta hospitalar. Há vários dias apresentando dispnéia em repouso, ortopnéia e

aparecimento de edema em membros inferiores. Faz uso regular de

medicamentos que não sabe dizer quais...”.

Num outro plantão, numa terça-feira:

“Na sala de clínica, a enfermeira Clara anda de um lado para outro;

pega um boletim. Lê, se aproxima do cliente, olha-o e volta ao posto de

enfermagem. Prepara a medicação venosa: pega uma seringa e um frasco de

medicação, e retorna ao cliente, administrando a solução preparada. Logo

após, pega um outro boletim. Volta para o posto, prepara outra medicação, e

assim sucessivamente.

A auxiliar de enfermagem Maria Helena tem em suas mãos luvas de

borracha e um garrote. Conversa e punciona uma veia no braço direito do

cliente Luiz Carlos, que vira o rosto e olha para a parede, enquanto faz o

procedimento. Sua esposa, Dona Aninha, ao seu lado, acompanha em

88

silêncio. Diz para o cliente: “Vou puncionar sua veia. Calma, não vai doer”. O

cliente não responde e volta o rosto para a parede.

As auxiliares de enfermagem estão vestidas com aventais carimbados

com o nome do hospital sobre o uniforme branco. Ao fazer as medicações,

comentam uma com a outra: “Aquele cliente do canto”, aponta, “eu já fiz toda

a medicação”.

A auxiliar de enfermagem Jurema continua a prestar cuidados a outro

cliente. Vira-o de um lado para o outro. Olha para o braço do cliente, onde

está sendo administrada a medicação, verificando o local e, logo após, o

gotejamento da hidratação venosa.

A enfermeira Clara, no meio das auxiliares de enfermagem diz: “Tem

que fazer o curativo daquele cliente. Aquele outro há que se medicar, e o

outro (aponta) tem que colher sangue para exame”.

A auxiliar de enfermagem caminha em direção ao posto de

enfermagem. Lá, pega um pacote de curativo e gazes, encaminhando-se para

um dos clientes apontados pela enfermeira. Chama-o pelo nome, e este senta-

se no leito, colocando sua perna esquerda em cima de um balde. A auxiliar

de enfermagem lava o ferimento com soro fisiológico, seca e cobre o

ferimento com gazes, prendendo as bordas com esparadrapo, enquanto

comenta com o cliente: “Está melhor, não é, Sr. Paulo?”. Este afirma

balançando a cabeça.

Leva o material usado. Quando chega ao posto de enfermagem

pergunta à enfermeira Clara: - “Posso ir depois disso?” Responde Clara: “Sim,

pode”.

Num outro momento, deste mesmo dia

“A enfermeira Heloísa e sua equipe cuidam de vários clientes ao mesmo

tempo. São clientes em situações clínicas descompensadas, tais como

cardiopatas, diabéticos, hipertensos, entre outros. As auxiliares de

enfermagem falam em tom alto, andam de um lado para outro. Uma coloca

uma comadre em uma cliente; a segunda verifica e troca as hidratações

89

venosas; a terceira prepara as medicações no balcão do posto de enfermagem

e uma quarta prepara o material para a realização de higiene, o carro de

banho. Todas se movimentam.

A enfermeira Heloísa está no meio da sala de atendimento e no meio

dos clientes; às vezes, dá volta sobre o eixo de seu próprio corpo, não saindo

do lugar, olhando ao redor. Identifica, durante este procedimento, a

necessidade de um cliente, que está no canto da sala de atendimento, de fazer

um exame. Pede para o funcionário do transporte “Alexandre, aproveite e leve

este cliente para o exame. É urgente, é urgente!”.

O funcionário a quem ela havia se dirigido, sai rapidamente do setor,

retruca: “Não posso! Estou escalado lá em cima. Não posso!”.

A enfermeira Heloísa volta ao posto, olha ao redor. Aproxima-se do Sr.

Joaquim, informando-lhe: “Sr. Joaquim, o Senhor vai realizar um exame e

depois irá para a unidade de internação” . Este cliente tem 80 anos, é obeso,

os olhos estão bem abertos, observando tudo ao redor. Seu olhar vai para

cada profissional de enfermagem que se aproxima. Ele havia sido admitido

com sangramento digestivo, sendo necessário um encaminhamento para

endoscopia digestiva e posterior internação na unidade.

O funcionário do transporte, Ricardo, resolve levá-lo após a solicitação

insistente da enfermeira, na mesma maca - leito na qual o cliente está deitado.

No meio do corredor, lembra-se de alguma coisa, volta, e diz para a

enfermeira: “Esta maca-leito não entrará no elevador. É preciso trocá-la”. O

funcionário pega uma maca mais estreita para o transporte do cliente, já que

esta estava mais próxima. Leva a maca até próximo do cliente e as coloca lado

a lado. A enfermeira Heloísa diz para a auxiliar de enfermagem Severina: “Há

que se aproximar bem, senão uma das macas desliza e o cliente cai” .

Apoia e segura, com o seu próprio corpo, a maca-leito, pede que a

auxiliar de enfermagem Severina apoie e segure, com o seu corpo, a maca -

transporte, ajudando o Sr. Joaquim. O Sr. Ricardo, do transporte, fica

inicialmente olhando para os três. A enfermeira Heloísa pede ao cliente: “Vá,

90

Sr. Joaquim, ajude a gente. Chega mais próximo da cama, nos ajude” 14. A

auxiliar de enfermagem Severina pede, ainda: “Sr. Joaquim, vá rolando o

corpo. Venha para o meu lado”. O cliente tenta, mas o seu corpo é grande e

pesado.

O funcionário do transporte tenta ajudar, segura a perna esquerda do

cliente. Neste momento ele grita alto um ai ! de dor: “Aiiiiiiii!”. No que a auxiliar

de enfermagem Severina fala: “Sr. Joaquim, desculpe-nos. Ele não sabia que

sua perna está doendo. Ele não fez por querer”.

A enfermeira Heloísa diz: “Cuidado! É a perna que está comprometida

pela insuficiência vascular”.

O Sr. Joaquim vai, aos poucos, virando-se para o decúbito lateral,

depois ventrolateral, conseguindo passar para a maca-transporte. A auxiliar de

enfermagem Severina, neste momento, identifica que o frasco de soro da

hidratação venosa e o coletor de urina da cateterização estão sendo

pressionados pelo peso do corpo do cliente, e rapidamente, tenta reverter a

interrupção momentânea dos fluxos.

Enquanto isso:

“A enfermeira Fátima prepara a medicação, analisando as prescrições.

Administra algumas medicações, movimenta-se, senta-se, levanta-se, anda de

um lado para o outro, retorna ao posto de enfermagem. Durante a ação ela

canta baixinho uma canção. Ouço a letra da canção, que diz: “Eu sei que vou

te amar....por toda a minha vida, eu vou te amar...”.

OS CUIDADOS. Uma das características dos cuidar/cuidados

dinâmicos é a intensidade com que são realizados e a concentração de

clientes graves sujeitos a mudanças abruptas quanto ao seu estado

orgânico. A situação clínica dos clientes que recebem os cuidados de

enfermagem de emergência dinâmicos é são daqueles que estão em estado 14 Observo que a superfície corporal do cliente é três vezes maior do que a da enfermeira e a da auxiliar de enfermagem.

crítico, saíram dos primeiros momentos de risco, mas carecem de cuidados

específicos e atenção, porque o seu estado clinico apresenta alto risco e

pode apresentar, subitamente, alterações graves de suas funções vitais.

Necessitam de cuidar/cuidados de enfermagem dinâmicos, mas

também de assistência médica periódica, porque todas as especialidades

médicas são condiciodas no seu atendimento a uma avaliação por partes

devido as especializações medicas, porém o todo é de responsabilidade da

enfermagem, inclusive a implementação dessas orientações. A vigilância

dos cuidados de enfermagem objetiva a prevenção de danos e a

identificação precoce de anormalidades.

Esses cuidar/cuidados acompanham o cliente nos diferentes estágios

do seu quadro clínico até a sua transferência para o centro de terapia

intensiva, centro cirúrgico, unidade de internação, ou óbito.

O cuidar/cuidados é voltado para o atendimento das necessidades

humanas básicas, relacionadas com a sobrevivência física, psíquica,

espiritual e social, através do atendimento, em tempo hábil, de forma

individual e coletiva, como os cuidar/cuidados das três clientes que estão

intubadas e suas respirações são assistidas por aparelhos, assim como as

clientes torporosas e em coma profundo, como Dona Luiza, Dona Beatriz

e Dona Aline. São cuidados que exigem do enfermeiro e de sua equipe de

enfermagem andar de um lado para o outro com passos rápidos, na

execução de um cuidado e outro, falam em tom alto, fazem um curativo,

colhem sangue, observam os níveis de consciência, administram

medicações, encaminham para exames, analisam as prescrições

medicamentosas, as arritmias cardíacas, as complicações hemorrágicas, as

complicações do sistema nervoso central, entre tantos outros cuidados

prestados, revestidos de intenso dinamismo.

Além da modelage de Cuidar/Cuidados voltados para o atendimento

das necessidades biológicas, também foram identificados outros tipos de

cuidar de enfermagem na emergência, cujo atendimento é tão prioritário

para a sobrevivência do indivíduo quanto o atendimento das necessidades

da área biorgânica, ou seja, as necessidades afetadas pela ocorrência que o

levou ao atendimento de emergência, seja da área expressiva, psicossocial,

de estratégia para cuidar ou de sobrevivência dos próprios elementos da

equipe de enfermagem que serão apresentados a seguir.

CUIDAR EXPRESSIVO

No tipo de cuidar/cuidados expressivos, os enfermeiros ficam atentos

ao que parece, em um primeiro momento, imperceptível. O cuidar assume

diversas formas, que são de encorajamento, expressas para que o cliente

lute e reaja. Os enfermeiros se utilizam de seus sentidos através de uma

relação interpessoal, que contém as linguagens verbal e não verbal.

É a parte do cuidar em que os cuidados são predominantemente

cognitivo-afetivos moldados através da expressão do sentimento, da

emoção, do grau de aceitação ou de rejeição. Também é o da

demonstração da qualidade de caráter e de uma consciência internamente

consistente. O fio condutor deste cuidar é a Esperança, num momento em

que os cuidados são realizados e caracterizados por uma situação de

anonimato do cliente em relação com os enfermeiros e a equipe de

enfermagem, porque o momento é de crise, não havendo meios de o cliente

fixar na memória quem o cuidou, devido à turbulência da situação

vivenciada.

Goleman ( 1996 p.180-181) quando descreve sobre mente e

medicina, relata que “historicamente, a medicina na sociedade moderna tem

definido sua missão em termos de curar a doença - o problema médico - ignorando o

mal - a experiência da doença pelo paciente”.

Continua afirmando (op. cit, p.100) da perspectiva da inteligência

emocional, e ter esperança siginifica “não cair numa ansiedade arrasadora,

numa atitude derrotista ou depressão diante de desafios ou reverses dificies e mais e no

sentido tecnico a palavra esperança siginifica acreditar que se tem a vontade e os meios

de atingir as proprias metas, quaisquer que sejam”.

Os quadros observados no cotidiano da Unidade de Emergência e

apresentados nos mostram esse cuidar/cuidados.

“A auxiliar de enfermagem Antônia segura o braço de uma senhora

idosa. Explica o procedimento (encaminhamento ao banho) que ela deverá

fazer, pega-a e leva-a pelo braço até a cadeira de rodas. Segura a cadeira,

para evitar que a cliente caia. Acomoda-a, sorrindo para ela, conversa com a

mesma, comunicando-se verbalmente e face a face...”.

O cliente João Amaro, em uma maca-leito, chama a enfermeira Luciana

e reclama: “Ninguém me viu. O Dr. ..., disse que eu vou perder o meu tendão.

Estou com...com muita dor”. Sua fisionomia era de preocupação, de angústia

e inquietação. Luciana olha para ele e pergunta: “Quem disse isso para

você?”. “Foi o Dr. ... Olha a minha perna! Estou com medo de perdê-la.” “O

que foi mesmo, que ele lhe disse? O cliente repete: “Vou perder o meu

tendão !”.

A enfermeira examina a perna do cliente, toca em seu braço e diz,

aproximando-se com o seu corpo: “Vou procurar saber melhor sobre essa

informação, mas tenha fé e coragem”!. Apertou sua mão e lhe sorriu .

Ao ser entrevistado, o enfermeiro Márcio depõe sobre o que

presencia no seu cotidiano de cuidar/cuidados expressivos:

“Eu observo em todos os clientes, principalmente aqueles que sofreram

traumas, uma perda de memória transitória. Isso eu observo em todos os

clientes. Eles perguntam: “Como é que foi acontecer esse acidente?”.“ Não sei!

Eu vim parar aqui, estou aqui dentro... Que lugar é esse?”.

Eu acho que ele deve ser localizado, deve saber que está sendo

cuidado. No caso do cliente consciente que chega, ele quer saber onde está,

por que veio, se é grave o problema dele... É a segunda colocação; aí, depois,

ele pergunta se vai morrer. São três as pergunta: “ Onde estou? O que

aconteceu comigo? É grave e eu vou morrer?”. Em outros casos, eles

perguntam: ‘Quando vou ter alta?, Eu vou embora, quando?’. Outros que estão

aguardando cirurgia dizem: ‘Quando eu vou ser operado?’.

Você conversa, explica, tenta acalmá-lo. O doente, às vezes, não está

com a vida comprometida, mas ele acha que sim, e os doentes que estão

graves mesmo, aqueles que chegam hemodinamicamente instáveis, eles

pressentem que vão morrer, eles entram naquela confusão mental, ficam

desorientados e se agarrando em todo mundo...Eles agarram o enfermeiro,

seguram o braço, puxam.... porque eles sabem que vão morrer. Nós tocamos,

conversamos, tiramos a mão dele e explicamos: ‘O Senhor se acalma...’,

explico, seguro o braço, pra ele não ficar agitado.

O tocar e o conversar com o doente acalmam. Às vezes, tem que agir

até com certo rigor, até dar um tapa no doente, que é para ele poder deixar a

gente trabalhar em cima daquele quadro. Ele grita..., fala alto..., segura... Tem

uns que solicitam que você fique segurando a mão, e muitas vezes, o

enfermeiro da sala fica ali um longo tempo segurando a mão, porque, às

vezes, o doente nem está em risco de vida mas diz: ‘Meu filho, por favor, não

me larga!’ Aí, a gente fica ali, procura conversar com o doente. Depois, ele vai

se entrosando, vai percebendo o quadro grave ou não dele e vai largando a

mão da gente espontaneamente, e você vai procurando se afastar do doente,

conversando com ele. Mas, às vezes, leva muito tempo. Tem que ficar muito

tempo ali, segurando a mão dele”. A gente começa a repassar... aquela coisa

mais familiar?”.

(enfermeiro Márcio)

O enfermeiro, no cuidar/cuidado expressivo, como observa Lima

(1993, p.10) deve estar “preparado para a realização de cuidados com gestos e

transferências de gestos do seu corpo para o de outra pessoa, ajustando-se a cada

situação físico-emocional com liberdade, equilíbrio e expressividade, detectando o

momento de ser ágil, sólido, preciso, calmo, envolvente, pacífico ou apaziguante”.

Já Boff ( 1995 pag.30-31) corrobora com este ponto ao afirma que a “razão instrumental não é a única forma de uso de nossa capacidade de intelecção.

Existe também a razão simbólica e cordial e o uso de todos os nossos sentidos

corporais e espirituais. Junto ao logo (razão) está o eros (vida e paixão), o pathos

(afetividade e sensibilidade) e o daimon (a voz interior da natureza)... Nós somos

também afetividade (pathos), desejo (eros), paixão, comoção, comunicação e atenção

para a voz da natureza que fala por nós... “.

OS CUIDADOS. A Unidade de emergência cria uma atmosfera

emocionalmente comprometida, em que o estresse está presente, sendo o

cliente atingido em suas necessidades básicas. Para proporcionar os

cuidar/cuidados expressivos, deve-se levar em consideração muitos

acontecimento que envolve o cliente e um deles muito presente e associado

a palavra Emergencia é a morte e o sentido de gravidade. Pode - se estar

diante de um ser humano que sofreu uma amputação traumática; num outro

momento, diante de uma pessoa que perdeu a sua propriedade adquirida

com muito sacrifício, ao longo dos anos; outro que nos relata que seus

entes queridos, envolvidos no acidente, morreram no local do acidente e,

por isso, não lhe importa mais viver. O enfermeiro e sua equipe vivem

entre tantas situações rotineiras desse tipo.

Geralmente, os clientes que procuram ou são trazidos a Unidade de

Emergência trazem consigo uma carga de tensão, ansiedade, temor e

instabilidade emocional. Estes cuidados de conversar, segurar a mão, dar

um sorriso, aproximar-se, ficar junto, utilizando a compreensão, a simpatia

e a empatia, tendo como base o diálogo aberto, franco e direto, com o

objetivo de esclarecimento, de evitar mal-entendidos e de comunicar o que

diz respeito ao cliente, são cuidar/cuidados expressivos fundamentais, tais

como os direcionados à área biológica e o controle do instrumental

tecnológico empregado para cuidar.

O corpo expressivo do enfermeiro é o seu instrumental de trabalho e

atuação em sintonia com os corpos expressivo dos clientes na

contextualização do cuidar expressivo. A enfermagem em emergência

reconhecer a rota -chave ligando emoções e o sistema imunologico na

influencia dos hormonios liberados sob tensão e o seu impacto sobre as

células imunológicas realizados pelos microbiológos e outros cientistas “em

que a tensão elimina a resistência imunológica.....se a tensão é constante e intensa,

essa eliminação pode tornar-se duradoura”. Goleman (1996 p.183).

O cuidar/cuidados expressivos é base para o cuidar/cuidados

anonimos moldado que se apresenta a seguir.

CUIDAR DO ANÔNIMO

É o cuidar/cuidados calcado no princípio de individualização,

naquilo que se refere ao conjunto de características próprias e exclusivas de

uma pessoa tais como o nome, a idade, a profissão, o sexo, a religião, as

preferências de lazer, o estado civil, a popularidade, entre outros. Lima

(1993, p.31) quanto a esta questão, afirma que “o princípio da inviolabilidade

trata de preservar as pessoas que estão sob cuidados, protegendo-as contra agressões à

sua identidade social e corporal”. Numa vertente contrária, é o cuidar da pessoa

pública como os artistas, autoridades, políticos, entre outros com

reconhecida popularidade mas que no momento do atendimento

emergencial, necessita da preservação do anonimato para que seja cuidado.

Existem quadros que só são vistos na Unidade de emergência e um

deles é o cuidar anônimo. O seu conhecimento e manejo requer

cuidar/cuidados com um contorno especial, conhecimento científico aliado

ao conhecimento de senso comum que emerge das salas de atendimento.

Para cada cliente atendido no setor de emergência, deve ser preenchido um

boletim de atendimento, de modo legível, a tinta, sem abreviaturas, siglas

ou rasuras, e, de preferência, em letra do tipo imprensa.

“No boxe, encontra-se o Sr. Antonio, que sofreu queda da própria

altura, quando se encontrava alcoolizado. Durante aquele momento,

apresentou paradacardiorrespiratória. Ao ser admitido na emergência, foi

realizada manobra de ressuscitação, intubado e colocado no respirador

artificial, e, também, foi feita a monitorização cardíaca.

No laudo do exame de tomografia computadorizada, está descrito:

contusão hemorrágica em região frontotemporoparietal esquerda, com desvio

de linha média e hematoma subdural esquerda(?) , em coma com Glasgow 3.

PA 120 X?. Quanto à sua identificação, no momento da admissão, tem

descrito “homem preto de aproximadamente 50 anos”. Leio o seu boletim após

dois dias e vejo que nele já consta o seu nome.

Na ante-sala, na entrada da sala de atendimento, tem um corpo

envolvido em um lençol sujo de sangue na altura do rosto e do tórax, onde

está escrito: “Homem branco de aproximadamente 23 anos”.

Neste momento, chega ao posto de enfermagem uma senhora de

bermuda azul e pergunta à enfermeira Virgínia: “Onde está a Adelaide” A

enfermeira pergunta: “Quem?”. “Adelaide. Ela está internada”.

A enfermeira Virgínia verifica na listagem presa ao vidro, no posto de

enfermagem, e fala: “Não há ninguém relacionado na lista com este nome,

mas a senhora pode ir de leito, em leito procurando, para tentar reconhecê-la.

Há três senhoras sem identificação”. E aponta na direção dos leitos.

A senhora vai de leito em leito, mas não acha o seu familiar. Retorna e

diz para a enfermeira: “Não achei”. Sai com o semblante triste.

Os clientes em estado de coma e os idosos têm os seus nomes ou

especificações físicas, como cor da pele, idade aproximada, por exemplo,

descritas em uma tira de esparadrapo em formato de pulseira, presa aos seus

tornozelos.

Há um cliente de aproximadamente 40 anos, estatura mediana, que foi

atropelado na Av. Ayrton Senna, próximo ao n0 98. Foi atendido em via pública

pelo Grupo de Socorro do Corpo de Bombeiros. Submetido, após a sua

admissão na emergência, à punção abdominal, laparotomia exploradora,

durante discussão entre cirurgiões, enfermeira e anestesista, devido à

gravidade de seu quadro orgânico, e seu nível de consciência considerado

estado de coma grau 3, na escala de Glasgow. Estava com cateteres

nasogástrico, vesical, além de várias lesões cortantes e hematomas em sua

superfície corporal.

OS CUIDADOS. Quando se trata de cliente sobre o qual não se

obtêm dados de identidade, é registrada no espaço para o NOME, uma das

expressões: um homem, uma mulher, uma criança, assim como ocorre com

a cor: branca, negra ou parda, e a idade aparente: +(....) anos.

O cliente que não porta nenhum documento de identidade e está

inconsciente, é registrado como “ desconhecido”. Quando não for

estabelecida a identidade, com exceção dos casos policiais, será

providenciado para que sejam tomadas, pelas autoridades competentes, as

impressões digitais, em duas vias, sendo uma destinada ao prontuário. O

cuidar/cuidado, no tocante à elucidação e preservação da identidade, são de

caráter do cuidado interdependente, isto é, de compartilhamento com o

serviço social, com o policial de plantão na Unidade que representa a

autoridade legal a qual - após a admissão do cliente e a estabilização do

quadro clínico, amenizando o momento de risco de vida imediato - é

solicitada a presença. Nos finais de semana e a noite, não há o profissional

do serviço social, logo umm dos cuidados que os enfermeiros desenvolvem

é o de identificar, com uma pulseira feita de tiras de esparadrapo, as

características peculiares do cliente.

Outro cuidar/cuidado é o de acompanhar o seu nível de consciência,

perguntando como se chama e, em seguida escrevendo, no seu boletim, o

nome expresso. Outro cuidado é permitir a visita de um dos familiares,

para que possa reconhecê-lo no meio dos outros clientes. Este fato merece

uma consideração, particular, pois, quando o cliente sofre, principalmente,

traumatismo cranioencêfalico por acidente com veículos automotores,

pode ocorrer uma desfiguração corporal, mormente o trauma da face, com

múltiplas feridas corto-contusas, que dificultam a identificação,

necessitando de um outro tipo de cuidado emergente, que é o apoio ao

familiar que vivência tal experiência em sua busca pelo cliente.

Cabe destacar que os clientes com registro de identidade fora do

circuito do Estado do Rio de Janeiro, isto é, sem registro no Instituto Félix

Pacheco, são de mais difícil identificação, já que ainda não se dispõe de

meios tecnológicos para interligar informações entre os estados brasileiros.

Os cuidados relacionados de fazer pulseira, acompanhar as alterações

do nível de consciência, registrar no boletim de atendimento as descrições

físicas do cliente e prende-lo na maca-leito, sem deixá-lo extraviar ou

trocar pelo de outro cliente que também tenha as mesmas características

físicas e que esteja sendo cuidado na sala de atendimento.

O cuidar/cuidado de preservação nominal, resgatando a identidade,

para situar o cliente no tempo e no espaço, a fim de que esboce um

movimento de reação, muitas vezes fica difícil, mas não impossível de

realizar, tornando-se assim, um cuidado específico e diferenciado do

cotidiano de enfermagem, porém típico do cuidar/cuidado anonimo em

emergência.

Registros contidos no Livro de Óbitos:

DATA HORA NOME DESTIN

O

MÉDIC

O

ENFERMEIR

A.

OBSERV

AÇÃO

1

2/12/95 -

23 h.

Homem

preto de +

20 anos

I.M.L. Ivo Virgínia Chegou

cadáver*15

14/5/96

10 h.

Mulher

branca de

+ 55 anos

I.M.L.16 Mário Heloísa Chegou

cadáver*

115/4/96 14 h. Mulher

parda

Centro

Cirúrgico João Fátima

Gra

ve

01/01/96 2 h Homem

branco +

45 anos

C.T.I17

René Laura Grave

Nos casos de morte violenta, evidente ou suspeita, inclusive a

ocorrida tardiamente por lesão decorrente de agressão, acidente,

atropelamento, suicídio, homicidio entre outros motivos, o corpo deverá ser

encaminhado, de acordo com a lei, ao Instituto Médico Legal, com

informações completas e registradas em guia especial.

Na Declaração dos direitos da criança proclamada pela assembléia

das Nações Unidas, em 20/11/1959, em seu 30 principio diz desde o

nascimento, toda criança terá direito a um nome e a uma nacionalidade. Gauderer,

15 Chegou cadáver. A expressão significa que o cliente chegou morto no setor.16 Instituto Médico Legal.17 centro de tratamento intensivo.

101

(1995 p.212), logo o cuidar/cuidados anonimo remete para a observancia

desse principio fundamental de direito do ser humano e que perpassa pelo

cuidar/cuidados em Unidade de Emergência.

Na seqüência da tipificação do cuidar/cuidado, emergente das salas

de atendimento, segue um que, à primeira vista, pode ser encontrado de

forma geral em um cotidiano assistencial de enfermagem, mas que, na

Unidade de emergência, toma um perfil muito particular, que é o

cuidar/cuidados multifaces.

CUIDAR MULTIFACES

Dentro da tipologia do cuidar/cuidados moldados, apresenta-se

aquele que, na sua elaboração, ao mesmo tempo é único, tem muitas faces

interligadas, tornando-o singular e múltiplo. Sua interseção se faz com

várias áreas do saber em saúde, aliadas a outros saberes. Assim, a

construção deste cuidar/cuidados tem suas bases fundamentadas nas áreas

da antropologia, sociologia, economia, política e diplomacia (nos limites

nacional e internacional, quando os cuidados são instrumentalizados aos

estrangeiros, com base na sua nacionalidade, cultura, idioma, símbolos e

vivências. “Um ser vivo não pode ser visto isoladamente como um mero represetante

de sua espécie, mas deve ser visto e analisado sempre em relação ao conjunto das

condições vitais que o constituem e no equilíbrio com todos os demais representantes

da comunidade dos viventes” diz Boff (1995 p.18).

No setor de emergência, o cuidar/cuidados é prestado ao cliente que

têm a sua vida em risco por mal súbito, acidente ou qualquer outra razão,

necessitando de atendimento rápido. É comum, porém, cuidar de clientes

portadores de situações simultâneas, tais como um acidentado com uma

doença infecto-parasitária ou crônica ou simplesmente com um quadro

102

agudizado de tuberculose, meningite, hepatite, tétano, escabiose,

pediculose, entre outras enfermidades.

O cuidar/cuidado principal é Escutar o outro, ter interesse em

conhecer a história de cada uma das pessoas que estão sendo cuidadas e

fazer as devidas conexões técnico-científica, ouvir de fato por trás do que

está sendo dito. Lima, (1993. p.62) assinala que “as ações desenvolvidas por

quem cuida implicam arcar com a responsabilidade pelo conteúdo de sua fala, expressa

pela linguagem...é fundamental falar com a pessoa que recebe os cuidados de saúde,

considerando-a como sujeito”.

“Da sala de atendimento de trauma, vem uma voz em tom alto.

Inicialmente, ela é incompreensível, podendo-se ouvi-la na sala de

atendimento. Nesta sala, no boxe do lado esquerdo, há uma mulher deitada

em uma maca-leito. Ela tem aproximadamente 40 anos, branca, apresenta

escoriações em todo o corpo. As unhas estão sujas, com resto de esmalte

vermelho. Está contida em regiões radiais. Ela está com uma fralda feita de

lençol, presa com fita adesiva. Recobrindo os mamilos, dois pedaços de gaze,

presos por fita adesiva. Fora atropelada no Aterro do Flamengo. Ela grita: “Me

solta, quero ir embora! Luiz! Venha me buscar. Luiz!. Me solte, me solte por

favor. Luiz!.

A enfermeira se dirige ao seu leito, e, ao passar por mim, ouço - a

murmurando baixo: “Sinto pena dessa mulher”.

Ao se aproximar a enfermeira pergunta: “Qual o seu nome?”.

“Margarida Goldeberg.” Percebo que o sotaque é de alguém da região Sul do

País, de descendência estrangeira “Onde você morar?” “Em Copacabana,

rua... n0 . Eu tomo um remédio. Não posso deixar de tomar”. “Qual é o

remédio que você toma ?” “Não sei, não sei. Estive no Pinel”. “Você faz

tratamento no Pinel ? “Sim.” “Você esteve internada?” “Sim, mas faço

tratamento ambulatorial”. “Fique calma. Vou ver o que eu posso fazer.” A

enfermeira Virgínia sai e retorna ao posto de enfermagem. Pega uma

caderneta e faz uma ligação telefônica. “Aqui é do Hospital de Emergência...

103

Temos aqui uma cliente internada, vítima de atropelamento e nos informa que

faz tratamento ambulatorial aí.” Silêncio...“Seu nome é Margarida Goudemberg

- não sei ao certo. Gunderberng ou Goudemberg.” Silêncio... “Eu queria saber

o nome da medicação da qual ela faz uso. Para quê eu quero saber ? A

paciente faz tratamento aí, precisamos cuidá-la.” Silêncio.

Percebo que a enfermeira fica irritada, e, gesticulando os braços, diz:

“Tudo bem, eu aguardo.” Desliga o telefone e, neste intervalo, a cliente fica

em silêncio. A enfermeira Virgínia volta ao seu leito e lhe diz: “Eu liguei para o

hospital. Eles darão a resposta quanto ao seu medicamento.” A cliente

responde : “Está bem”. Fica por um período em silêncio.

Na outra extremidade da sala de atendimento, no boxe próximo a

parede, dois clientes com diagnóstico clínico de sarcoma de Kaposi, diarréia

intensa e pneumonia por SIDA/AIDS. Estão emagrecidos, com hidratações

venosas em veias periféricas dos membros superiores.

Em outro momento, na sala de atendimento do primeiro andar:

“A cliente Benedita, negra, estatura mediana, dentes ausentes, mãos

trêmulas, anda de um lado para o outro, na sala de atendimento, com o

boletim na mão e radiografias na outra. Veste um robe branco, com carimbo do

hospital. Apresenta um curativo de lesão extensa em couro cabeludo, com

secreção esverdeada. A calota craniana está envolta em atadura de crepom, e

seus olhos estão arregalados. Fala sozinha coisas desconexas. É uma doente

mental, que vaga pela cidade. Considerada como população de rua, faz

tratamento psiquiátrico.

Um guarda se aproxima, ela diz alguma coisa incompreensível para ele.

O guarda olha-a, respondendo em voz alta: “Não me enche o saco” . A cliente

continua falando sozinha, ignorando-o.”

OS CUIDADOS. Um determinante para a agudização de doenças

psiquiátricas, num momento de urgência, é o estresse e o temor pelo que se

104

passa. O cliente se depara, geralmente, com o desconhecido - a equipe de

saúde, a sala de atendimento, - seu prognóstico clínico, toda uma situação

nova. Alguns clientes apresentam, como agudização ou cronicidade, um

quadro psiquiátrico com comportamento verborréico, hostil, agitado,

deprimido, aliado ao risco iminente de morte por situações súbitas, tais

como acidentes de carro, doméstico, trabalho, tentativa de homicidio entre

outros.

Os clientes com infecções e infestações também chegam até sala de

atendimento, e, após os cuidados iniciais, devem ser tomadas as

providências de cuida/cuidados ordem sanitária indicadas. Muitos clientes

com enfermidades contagiosas, quando são admitidos, não apresentam

aparentemente perigo de vida nem de contagio, e, na realidade, suas

patologias básicas não constituem, muitas vezes, risco de vida.

Um dos cuidados a serem prestados pela enfermeira é o de discernir

não só a gravidade do caso, como também o perigo de transmissão da

doença básica para os outros clientes e a equipe de enfermagem, assim

como os casos extremos de agitação psicomotora. A preservação da saúde

da coletividade é um dos cuidados a serem prestados, desenvolvendo uma

técnica de isolamento, de assepsia, de biossegurança e, no caso dos clientes

psiquiátricos ou com quadro de desorientação psiquica por

descompensação orgância, deve-se conquistar a sua confiança, penetrando,

de uma maneira positiva e terapeutica, no seu mundo interior, para poder

cuidá-lo. O ouvido, a paciência e, se necessário, a sedação funcionam. Não

devemos permitir a intervenção de policiais, a não ser em casos extremos

de agitação psicomotora.

105

Toda vez que um cliente esteja em iminência de colocar a sua vida

ou a de outro (s) em risco, devem ser tomadas medidas para proteger a

todos. Outro cuidar/cuidado é a vigilância constante.

Os cuidados de estender as mãos, cumprimentar o cliente, pedir que

se sente ou retorne ao leito, quando este estiver agitado, andando de um

lado para o outro, na sala de atendimento, e de identificá-lo nominalmente

com respeito, cordialidade, educação e cortesia - são cuidar/cuidados a

serem realizados, objetivando reduzir o sofrimento, porque, ás vezes, a cura

clínica ou o salvamento de sua vida encontram-se numa situação distante

das possibilidades do profissional de enfermagem de emergência. Um fator

importante dos cuidar/cuidados prestados é procurar esclarecer como a

enfermidade de base vem sendo conduzida, para que não haja interrupção,

nem descontinuidade no esquema de tratamento.

Por mais que sejamos “parte do universo, um elo na imensa corrente dos seres e dos

viventes, cada ser humano individual, Emanuel, Francisco, Maria da Paz, etc.., possui

sua singularidade irredutível ...a individualidade não é um numero, cada ser possui sua

singularidade....cada um é ele mesmo de uma forma original, não antes experimentada

nem depois repetivel” diz Boff (1995. p.97:98).

O importante é a pessoa, o indivíduo que se tornou um cliente por ser

portador de uma doença ou de um quadro clinico súbito ( contra a sua

vontade). Corpos divididos pelas áreas de conhecimento científico mas ao

mesmo tempo único e indivisível ser.

CUIDAR DAQUELE QUE SE ENCONTRA À MARGEM SOCIAL

O cuidar/cuidados daquele à margem social tem como base o aspecto

jurídico-policial das situações surgidas, quando o cliente é levado ao setor

de emergência por policiais, na maioria das vezes ferido durante uma troca

106

de tiros com as autoridades, e em outras circunstâncias similares. Os casos

policiais freqüentemente estão presentes no setor de emergência, e um dos

cuidados fundamentais é a DISCRIÇÃO, ou seja, ter uma postura discreta

utilizando a lógica da complementariedade/reciprocidade. Não, contudo, a

ponto de atuar como protetor legal ou de ser “o juízo final”. Deve-se ter

bom senso para lidar com tal situação.

Boff (1995 pag.48-50) diz que “conhecer um ser é conhecer seu

ecossistema e a teia de suas relações”. Importa conhecer a parte no todo e o todo

presente nas partes dos corpos físico, emocional, social, político e

econômico. Muitos temas abordados e cuidados emergem nas salas de

atendimeto de Emergência se inter-relacionam quando o autor afirma que a

lógica (forma de encadear e relacionar as realidades do universo entre si) da

complementariedade/reciprocidade funciona em todos os grupos que “valorizam as diferenças, as oposições dialéticas, a escuta atenta das varias posições e

acolhem as contribuições donde quer que venham. É pela lógica da

complementariedade/reciprocidade que se estabelecem relações criativas entre os sexos,

as raças, as ideologias, as religiões e se valorizam os diferentes ecossitemas num

mesmo nicho ecológico”.

Os referidos cuidados são direcionados aos traficantes, toxicômanos,

delinqüentes juvenis, alcoólatras, travestis, clientes em custódia, suicidas,

mulheres espancadas violentadas ou estrupadas entre outros como descreve

a pesquisadora no diario de campo.

“Caminho por entre os clientes, pedindo licença para passar. Um deles,

o cliente Ariovaldo, deitado em uma maca de ferro, vestido com um macacão

branco, com a inscrição do nome da firma em que trabalha na manga, de

botas de plástico branca, tem o rosto voltado para a parede. Dois acadêmicos

de medicina fazem uma sutura numa lesão cortante em sua mão esquerda.

Logo à sua frente Dona Laurinda apresenta dispnéia intensa. Está sentada no

107

leito, com um cateter de oxigênio em uma de suas narinas. Vejo que a sua

filha segura uma de suas mãos.

A auxiliar de enfermagem. Climene sai da sala de atendimento, para

procurar uma maca no corredor. A maca é para que seja colocada uma outra

cliente que sente mal-estar. Entram três policiais: dois fardados com uniformes

e um alto e forte à paisana. Percebo que todos três estão fortemente armados

com revólveres, submetralhadoras e fuzis, acompanhando um rapaz algemado

de cognome “Sapo”, que entra no setor cabisbaixo. Está de short e colete

preto. Neste colete, tem a inscrição BAND DROG, na parte de trás. Está

descalço, com uma lesão sangrante no nariz, escoriações nas pernas e nos

braços. O seu olho esquerdo está com um hematoma acentuado.

A enfermeira Edna recebe-o e encaminha-o a uma extremidade da sala

de atendimento. Coloca-o sentado em uma cadeira, calça um par de luvas,

pega um frasco de soro fisiológico e limpa as lesões sangrantes do nariz.

Durante o procedimento, faz um exame físico simplificado. Pergunta ao cliente

se ele sente muita dor e solicita aos acadêmicos de medicina que o avaliem

pelo lado médico. Os três policiais acompanham tudo de perto, em silêncio.

Percebo que, durante toda a cena, todos os outros clientes também

permaneceram em silêncio, apenas olhando.

No boxe 7, tem “Figura”, um rapaz de 24 anos, com perfurações por

arma de fogo, preso por algemas à maca-leito. Ao seu lado, um policial com

uma metralhadora.18

A enfermeira Sara conta o que vive no seu dia-a-dia de

cuidar/cuidados:

“Eu já peguei pessoas comuns e famosas, trazendo papelotes. A gente

vai tirar a roupa, para levá-lo ao centro cirúrgico, e, quando a gente abre:

cocaína. A gente nem sabia o que era e descobriu que era cocaína. Eu

18 É comum, nos setores de emergência, os enfermeiros lidar com situações de ameaça à vida dos internados. Não raro, eles se deparam com traficantes e/ou outros tipos de indivíduos entrando no setor e matando os clientes.

108

aprendi, aqui na emergência, o que era cocaína, o que era maconha...eu

aprendi aqui! Porque eu não sabia, entendeu? A gente ia ver: o que é isso? Eu

descobri, porque, até então...”.

(enfermeira Sara)

Pergunto o que o enfermeiro faz nesta situação, Sara responde:

“Olha, a conduta é chamar o inspetor, o detetive de plantão e, é com

eles. A gente passa: ‘Olha, nós encontramos isso e tal...’. Às vezes, vem até

algum acompanhante, que pega e esconde para não ser pego em flagrante,

entendeu? Eu não me meto. Se a pessoa pegou... então, a gente pegando, é

diferente. O auxiliar de enfermagem diz ‘ ih! Sara, olha aqui!’. Eu tenho que

chamar o detetive de plantão... nós somos obrigados. Então, eu já vi família

também carregando, para não dar flagrante. É diferente ? Eu não me meto,

não tem como me meter, nesse ponto. Então, a gente pegando ali, na hora

tem que entregar ? Lógico. Assim, a gente aprendeu a conhecer. A gente

aprende”.

(enfermeira Sara)

Um outro episódio muito comum também é relatado por outro

enfermeiro, Renato:

“...até no preso que está aqui. Ah! Chegou com a polícia: ‘Olha, esse é

do tráfico, já matou não sei quantos, deixa ele morrer..’. Respondo: ‘ Não !’.

Entrou no hospital, é o que a gente fala para os policiais: ‘Olha! Se você

quisesse matá-lo, deixasse lá, sangrando, no local’”.

( enfermeiro Renato)

OS CUIDADOS. No caso de posse ou ingestão de drogas (pessoas

conhecidas como “engolidores de droga”), o enfermeiro tem que recolher,

109

contar e descrever o material na presença de uma testemunha,

encaminhando ao policial de plantão. No momento da evacuação, por

exemplo, além de observar e descrever as características das fezes, também

recolhe papelote por papelote, separa-os acondiciona-os em um recipiente,

para posterior análise pericial. Este cuidar/cuidado também é extensivo aos

materiais por inalação, introdução parenteral, projétil de arma de fogo

retirado dos corpos dos clientes, e outros.

Outro cuidado é quanto aos projéteis e corpos estranhos retirados das

lesões, na Unidade de emergência, que deverão ser identificados,

relacionados e entregues à administração do hospital, para encaminhamento

às autoridades competentes.

Os cuidados têm respaldo na ética profissional. Lima (1993, p.30)

afirma que o cuidar em enfermagem é fundamentado “nos postulados de

liberdade, igualdade e ausência de coação, no tocante à integridade do corpo e à

identidade pessoal de quem se encontra sob os cuidados de enfermagem”. Todos os

profissionais têm o dever de exercer a essência da enfermagem, cumprindo

o código de ética preconizado pelo Conselho Federal de Enfermagem

(COFEn). Quem busca os cuidados de emergência, espera encontrar

cuidadores, e não juizes. Cabe à Justiça julgá-los quanto ao débito social.

Um dos eixos articuladores desse Cuidar que lhe confere especificidade e

distinção é a capacidade do enfermeiro de adaptação as situações novas, a

atitude de abertura e de atenção as mudanças e a sua capacidade de

adaptar-se àquilo que deve ser em cada momento utilizando o principio que

dá forma a esta Ética de cuidar/cuidados daquele que se encontra à margem

social: o principio de responsabilidade. Morin (1990. p. 110-113) ao

escrever no seu capítulo o Revolver diz “a proliferação das violências

imaginarias se acrescenta a vedetização das violências que explodem na periferia da

vida cotidiana sob formas de acidentes, catástrofes, crimes.....a imprensa capitalista

110

consome de uma só vez as grandes catástrofes, os grandes atos de sadismo, os raptos,

os belos crimes passionais. Através do sensacionalismo, através dessas “esquisitices”

do comportamento humano que refletem a verdadeira natureza do homem...Os grandes

criminosos são, portanto, literalmente, os bodes expiatórios da coletividade....e o rito

cerimonial da tragédia é consumido à mesa, no metrô, com café com leite”.

O entendimento do Cuidar/cuidados dos corpos físicos e juridico-

social daquele que se encontra a margem social se conecta no plano do

cuidar/cuidados moldado pelos enfermeiros a um outro tipo que é o cuidar

do corpo com necessidades sociais afetadas. Hoje temos um cuidar que

envolve uma questão social, que é tambem de educação e de saúde pública,

articulada a uma questão juridico penal e policial.

CUIDAR DA POPULAÇÃO DE RUA

É o cuidar/cuidados centrado no estrato social, com cuidados

oriundos das áreas de conhecimento da sociologia, política e economia. São

crianças e idosos abandonados pelos familiares, crianças de rua, mendigos,

pessoas sem residência fixa, que buscam abrigo e comida. O que para nós

seria alimentação, para este grupo é a forma de saciar a fome, um cuidado.

Este representa a prescrição de um corpo debilitado que precisa de

alimentos e abrigo como forma terapêutica.

Segundo Boff (1995. pag 15) “o ser mais ameaçado da natureza hoje é o

pobre. Setenta e nove por cento da humanidade vive no grande sul pobre; 1 milhão de

pessoas vivem em estado de pobreza absoluta; 3 (sobre 5,3) bilhões têm alimentação

insuficiente; 60 milhões morrem anualmente de fome e 14 milhões de jovens abaixo de

15 anos morrem anualmente em conseqüências das doenças da fome.

E mais ocorre que na nave-Terra um quinto da população viaja na parte

reservada aos passageiros. Estes consomem 80% das reservas disponíveis para a

viagem. Os outros 4/5 viajam no compartimento de carga. Passam frio, fome e toda

111

ordem de privações... o progresso é imenso, mas profundamente inumano (op cit,

p.174)

O cuidado fundamental é Confortar, proporcionando um espaço

para abrigar o cliente na sala de atendimento, um leito para que deite e

comida para saciar sua fome, através de solicitação à nutrição, numa

tipificação de cuidado interdependente.

Hoje temos um cuidar/cuidados que é tambem uma questão social,

de educação e de saúde pública.

“Ao lado direito da sala de atendimento, há um boxe com duas macas,

uma com Geraldo, um rapaz com colete gessado e outro que não dá para

presumir a idade, cor ou estatura. Noto que suas vestes estão sujas. Há,

ainda, um terceiro deitado em um colchonete no chão, e um pedaço de

cobertor tipo trapo cobrindo toda a sua extensão corporal, com a face voltada

para a parede e em posição fetal, não dando para identificar o gênero 19. No

ambiente, um cheiro forte de sujeira e de urina20 . Moscas voando pelo

ambiente, acima dos corpos dos clientes.

Nos boletins desses clientes, não há prescrita nenhuma medicação.

Está apenas escrito: POPULAÇÃO DE RUA21.

O enfermeira Heloísa diz para a auxiliar de enfermagem Rosa

“Providencie higiene e alimentação para estes clientes”.

A auxiliar de enfermagem Rosa se aproxima, leva um a um ao banheiro,

para fazer higiene. Quando estes retornam, oferece o lanche. Seu rosto

expressa tranqüilidade, suas mãos cuidam com firmeza e carinho. Pega-os

19 Nota da pesquisadora: Voltei três vezes para esclarecer esse tópico.20 Dado sensorial da pesquisadora.21 A expressão utilizada no boletim de atendimento segundo estudiosos como Helio R.S. Silva, professor de antropologia da UFSC em relação aos meninos de rua é vazia porque eles estão na rua porque fogem não de fantasmas, e sim de certos monstros bem palpáveis: casas pobres e feias, vida chata, vizinha violenta, pais violentos, crimes organizados.....a rua é mais segura que suas casas. O menino, o medo e o rpofessor de Saarbrucken In Cidadania e violência, Velho, Gilberto e Alvito, Marcos- organizadores, R.J, UFRJ-editora-FGV, 1996 p.25-47.

112

pelos braços, indo e voltando da sala de higiene; escuta o que cada um diz ou

os acompanha em silêncio, olhando-os nos olhos.

A enfermeira Heloísa prepara uma medicação no posto de enfermagem

para um cliente grave. Apesar da gravidade do cliente que entrou,

acompanha, com o olhar, cada movimento do grupo.

OS CUIDADOS. Um dos cuidados fundamentais neste tipo de

cuidar é o respeito pelo Diferente. Não separar o corpo da mente, o

indivíduo da sociedade, a saúde da doença e o relacionamento impessoal do

pessoal. Os cuidar/cuidados desenvolvidos ultrapassam a terapêutica

medicamentosa preconizada pelo modelo biomédico.

Um dos incômodos predominantes é a ausência de higiene, com a

qual se precisa conviver, respeitando e entendendo “a diferença”. O

cuidado de encaminhar à higienização do corpo deve ser feito, respeitando

todo um estilo de vida e condições sociais vivenciadas pelo cliente.

Interrogações, criticas e conselhos formais são por demais superficiais para

encontrar respostas satisfatórias. Os cuidados tomam um contorno de

proporcionar um conforto temporário, mas com dedicação, respeito e a arte

de unir ciência e humanismo.

Veschi (1993, p.168) quando discorre sobre a teoria das catástrofes e

o problema do sujeito, afirma que, “...uma sociedade onde as diferenças se

expressam (não) é uma sociedade tranqüila, assim como o sujeito que desamarra os

laços que prendem seus estados diferenciais não é mais um sujeito clássico,

cartesiano...Tivemos uma grande desilusão quando supusemos que podíamos integrar,

de forma coerente, os loucos, os marginais, os sadios, etc..., tornando-os parte da

mesma sociedade...”.

Continua o autor, observando que tais indivíduos quanto a forma

como se relacionam entre si e como organizam suas relações sociais para

com os demais no quadro socio-politico diz “portam elementos rejeitados pela

113

ordem vigente e essa rejeição é de princípios... Desse modo, estes elementos não podem

entrar sem promover uma alteração extensa na ordem que os excluiu...”.

Nesse cuidar/cuidados pressupõe-se que os enfermeiros e suas

equipes façam uma aliança, uma cortesia e fraternidade vendo a causa-raiz

que os produz e que os faz ir até a sala de atendimento de Emergência e

reafirme uma opção de defesa pelo pobre de forma geral e em especial os

brasileiros, aquelas imensas maiorias da espécie humana que são

exploradas e dizimadas por uma pequena minoria da mesma espécie. Lima,

(1993, p.34) assinala que é na comunidade que os enfermeiros e suas

equipes se deparam com questões íntimas e complexas, como orientar as pessoas a ter

otimismo frente ao seu destino, encontrar satisfação na vida, enfrentar e se adaptar às

frustrações, ter disposição para se relacionar satisfatoriamente com os outros e com o

meio ambiente, respeitando o espaço de cada um e o seu próprio.

CUIDAR MURAL

A primeira vista, este cuidar/cuidados pode parecer um lembrete

chamando atenção para um determinado fato. O objetivo é o de advertência

e de direção. Sua criação é fundamentada na prevenção, na vigilância e na

situação - limite, proporcionando um esquema de ação agil e seguro num

encadeamento lógico e coerente de raciocínio. Trata-se da descrição de

cuidados estratégicos nas paredes do posto de enfermagem, em local de

destaque, de fácil visualização, conseqüentemente, proporcionando uma

ação rápida, este cuidar, na parede, é uma forma de detalhar os critérios de

avaliação de um cuidar específico e desafiador.

Lima (1993. p.63) aponta que, na enfermagem, a linguagem - ação e

a linguagem - pensamento estão interligadas. O uso da linguagem-ação “incide na elaboração de planos de trabalho, normas de rotina, escalas, relatórios,

114

entre outros, pautando-se pela comunicação (mencionar, perguntar, responder, dizer,

objetar), constatação (afirmar, descrever, retratar, esclarecer, interpretar, garantir,

negar, duvidar), representação (concretizar, silenciar, ocultar, confessar, renegar) e

regulação (ordenar, solicitar, rogar, advertir, recusar-se, comprometer-se, desculpar-

se, recomendar)...”

Já a linguagem- pensamento, geralmente escrita, “está vinculada aos

processos intrapsíquicos individuais... para planejar as ações de enfermagem, em

termos que garantam a sua inserção no contexto operacional dos serviços, antevendo o

seu resultado”.

Morin, (1990. pag.45) diz no tocante a linguagem de massa adaptada

ao grande publico “é a audivisual, uma linguagem em quatro instrumentos: imagem,

som musical, palavra, escrita, que se desenvolve tanto e mais sobre o tecido

imaginário...universalizando”.

Neste tipo de cuidar/cuidados, para os auxiliares existem lembretes

quanto às suas atribuições diárias. Destacado o seguinte:

Atribuições/ orientações aos enfermeiros:

Hospital X de Emergência - Auxiliares de Enfermagem

Cuidados básicos com o paciente

Administrar a medicação prescrita

Assegurar ao paciente uma assistência de enfermagem livre de danos”

115

OS CUIDADOS. Os cuidados descritos em cada lembrete têm

como objetivo a identificação dos espaços e de ações. Representam um

corpus reconhecido como mapa (descrição de um caminho a ser seguido) e

como percurso (um ver permitindo um fazer ou ir). São ações

espacializantes criando uma forma descritiva dos cuidados em emergência,

para o atendimento imediato ao que emergir nas salas de atendimento, sem

perda de tempo.

Ao analisar os cuidados descritos para os auxiliares de enfermagem,

verifica-se que visam a assegurar um cuidar/cuidados livre de riscos para a

“ Hospital X de Emergência - Enfermeiros - Rotina Clínica

.Identificar com pulseira o doente em coma

.Checar e repor o material no carro de parada

.Repor a caixa de psicotrópicos

.Atuar junto ao auxiliar de enfermagem nas suas necessidades básicas”

“Evite infecções, lave as mãos”

“Lave as mãos antes de cada atendimento“

“Seringas na caixa”

“Colabore com a limpeza, jogue lixo na cesta”

Classificação de afogamento - Szpilman (1993)

Respiração?: Sim; Não

Escala de coma de Glasgow

- indivíduo normal, 15 ;indivíduo em pior estado, 3 -

116

clientela. Para os enfermeiros, um conjunto de medidas que objetivam a

manutenção da vida e da identidade, ressaltando pontos do cuidar de

Alerta, tais como a checagem do material, a reposição dos psicotrópicos, e

um aspecto importante o chamamento para o cuidar da equipe de

enfermagem como cliente do enfermeiro, atuando junto a mesma,

atendendo às suas necessidades básicas.

Como mapa e percurso dos cuidados da clientela para uma avaliação

técnica eficiente e rápida, destacam-se a classificação de Szpilman para

afogados e a Escala de Coma de Glasgow que contem minucias a serem

observadas.

Um dos cuidados fundamentais é o direcionado às mãos, instrumento

de comunicação e transmissão dos cuidados da enfermeira e de sua equipe,

que também precisa de atenção específica no mural, para chamar atenção

sobre si.

Gomes, (1978, p.34), quando comenta que o paciente tem o direito

de ser o centro de atenção da equipe, ressalta que a sua recuperação é o objeto

de toda a metodologia de trabalho...Ele merece um atendimento perfeito, onde cada

elemento desenvolve um papel definido, porém mantendo entrosamento, coordenação e

equilíbrio com os demais profissionais, resultando numa somatória de conhecimentos e

experiências

Os cuidar/cuidados murais destinam-se, portanto, a um mapeamento

e a um percurso no atuar rápido e eficiente, aliviar a dor e proporcionar

cuidar de uma enfermidade. O cuidar/cuidados Mural apoia-se em

conhecimentos técnico-científicos e nos avanços da tecnologia, dispostos

em lugar visível e de fácil acesso para a sua aplicação.

CUIDAR PERTO/ DISTANTE

117

O conhecimento intelectual, o domínio tecnológico e o conhecimento

sensível constróem e proporcionam esse tipo de cuidar/cuidados. Os órgãos

dos sentidos são acionados pela situação de alerta, pelos instrumentos e

equipamentos, ampliando a capacidade natural de sentir, como o ruído do

respirador, a respiração estertorosa, gemidos, silêncios prolongados, entre

outros, apreendidos pelos sentidos e compostos de dados intuitivos, os

quais, mesmo distantes, o enfermeiro continua captando com os seus

sentidos, identificando o perigo no ar. Qualquer objeto material atua sobre

os órgão dos sentidos do enfermeiro e sua equipe, causando uma sensação

estimuladora; o mundo sensível exerce ação sobre os órgãos dos sentidos,

despertando sensações intuitivas.

O cuidar/cuidado perto/distante utiliza os sentidos perceptivos da

enfermeira (olfato, tato, audição, visão, paladar e percepção) como medidas

de manutenção dos cuidados.

Lima (1993, p.22) assegura que, para cuidar, é preciso “perceber e

reconhecer as tensões biofísicas, como a dor, a dispnéia, a náusea, o calor, o frio, a

sede, entre outras, mas também as tensões psicossociais, como a ansiedade, a solidão,

o medo, o vazio, a impotência, a frustração, a depressão, a raiva, a aflição, a

irritabilidade, o desamparo, o constrangimento, a humilhação, as confusões, a

incerteza, a culpa, a monotonia e a aversão, entre outras, como sinônimo de interação

humana”.

Santaella descreve que Peirce ( 1994, pag.153-166) em seu estudo

observacional do raciocínio através de signos depois de quase cinqüenta

anos dedicados ao processo de pensamento empregados tanto pelo artista

ao criar seus objetos estéticos quanto pelos receptores no ato de apreensão

e talvez compreensão desses objetos seja em laboratório cientifico, atelier

do artista ou no dia-dia da pessoa comum chegou a três tipos de raciocino:

dedução, indução e abdução pelas quais a forma de pensamento se organiza

118

em qualquer situação e submetido a disciplina de auto controle ao criar e ao

apreender um objeto em que algo surpreendente se apresenta, reclamando

uma resposta no dia-a-dia.

Quando algo produz surpresa, a abdução é o processo de pensamento

que surge, engendrando uma conjectura, um instinto racional, de uma inferencia

lógica, que brota no flash de um insight, uma adivinhação que é a representante mais

legitima da capacidade criadora da razão e que a razão, paradoxalmente não pode

explicar. O cuidar/cuidados perto-distante exige do enfermeiro a utilização

do raciocínio basicamente abdutivo em que o processo de pensamento se

organiza em qualquer situação de risco. Todos os sentidos estão presentes

nesse cuidar, impregnando os corpos dos enfermeiros como se pode

observar a seguir:

“A auxiliar de enfermagem Rosângela caminha pela sala de

atendimento, olhando os clientes um por um.

No banheiro, Dona Antonieta toma banho. Uma senhora de

aproximadamente 65 anos. A auxiliar de enfermagem vai buscá-la. Troca sua

blusa de malha de mangas longas. Diz: “ Vó, esta blusa é muito difícil, tem que

tirá-la. A senhora vai perder o soro. Não, não pode ser assim. Olha, vó, não

pode ser assim” ( a cliente tenta vestir a blusa a todo custo), “a senhora vai

perder o soro”. “Não vou perder nada, quero colocar a minha blusa”. Diz a

auxiliar de enfermagem: “Mas não dá !” “Quero colocar a minha blusa, insiste

a cliente, que fica em pé, seminua, no meio do banheiro, e não se move. O

tom de vozes alto entre as duas chama a atenção da enfermeira Esmeralda,

que conversa do outro lado da sala de atendimento, distante do lugar onde se

encontravam as duas (cliente e funcionária), e responde ao questionamento do

Sr. Antônio, que diz: “Há três dias que não como nada! Desde sábado, e como

pode acontecer isso? Se for para ficar aqui sem comer, pode me mandar para

casa!”.

119

A enfermeira Esmeralda pede licença ao Sr. Antônio, interrompe as

orientações, sem responder ao questionamento do Sr. Antônio e se dirige

para o banheiro, em direção à cliente, e a auxiliar de enfermagem pergunta, ao

se aproximar: “O que está acontecendo?”. Diz a auxiliar de enfermagem que a

Sra. Débora quer colocar a blusa de mangas longas, mas não dá por causa da

hidratação venosa, que será interrompida. Diz a enfermeira Esmeralda: “Ajeite

a blusa e a hidratação venosa. O ar - condicionado está frio. Faça o favor”. A

auxiliar de enfermagem fica em silêncio. Deixa a cliente em pé no banheiro e

se dirige ao posto de enfermagem para pegar um chumaço de algodão com

álcool, para a retirada da hidratação venosa. Ao retornar a cliente Débora

começa a chorar. A enfermeira explica: “Este procedimento é necessário para

colocar a blusa e recolocar o soro, já que este foi interrompido e a punção

venosa perdida”.

Sai e deixa a auxiliar de enfermagem fazendo os cuidados de retirada

da hidratação venosa, nova punção venosa e recolocação da blusa na cliente,

e retorna para terminar as orientações do Sr. Antônio que foram interrompidas.

Ao se aproximar do leito do Sr. Antônio, pega a papeleta e, após leitura, diz:

“O Senhor não pode comer, está em dieta zero. É importante, além disso o

Senhor está sendo alimentado pelo soro. Olha (mostra o soro) isso alimenta”.

O Sr. Antônio diz: “Quero ir para minha casa, assim eu vou emagrecer. Estava

com 86 quilos. Após alguns segundos pensativo, diz: “Está bem, então! Já não

fumo, deixei de fumar”.

O Sr. Antônio é diabético insulino-dependente, cardiopata e com história

clínica de hemorragia digestiva baixa, e parada cardiorrespiratória, ao dar

entrada no setor de emergência. Diz a enfermeira Esmeralda: “o Sr. parou?”.

Sim, mas não vou agora, não! Ainda vou demorar um pouco”, responde. A

enfermeira ri da resposta e comenta em voz baixa e sozinha: “Quando os

médicos se aproximam, eles (clientes) não falam nada. Depois ficam

perguntando à gente o que vai acontecer com eles. Os médicos passam a

visita, vão embora e eles ficam calados. Depois que saem, nos perguntam as

coisas”.

120

Num outro plantão, terça-feira, pela manhã:

“A enfermeira Gisele está no posto de enfermagem, fazendo a relação

nominal de clientes. No boxe 5 do posto, está Patrícia, uma garota de 11 anos

que fora atropelada e que, inicialmente, tinha como identificação ser uma

menina de aproximadamente 12 a 13 anos, branca. Está intubada, com

assistência ventilatória, mas ofegante, com períodos de apnéia, com

respiração de Cheyne-Stokes, politraumatizada, cateterização nasogástrica,

vesical e venosa, olhos protegidos com compressas de gase.

A enfermeira Gisele eleva os olhos da folha de papel, pára de escrever,

fica por alguns segundos prestando atenção em alguma coisa, em silêncio,

levanta e se dirige para o boxe da cliente Patrícia. Se aproxima do respirador,

onde estavam duas auxiliares de enfermagem, cuidando de uma outra cliente

que sofrera um acidente automobilístico com o filho de dois meses e o marido;

suas mamas estão volumosas de leite, pois deixara de amamentar o filho, que

fora liberado após o atendimento, juntamente com o esposo, e ela ficara em

observação, porque tinha muitas lesões cortantes na face, e o seu olho

esquerdo está comprometido clinicamente. A enfermeira Gisele se aproxima

do respirador, escuta, examina a cliente-menina, mexe no respirador, recoloca

uma peça.

A cliente volta a respirar melhor, fica menos ofegante, examina o

aparelho, examina novamente a cliente e, após, sai. Ao passar pelas

auxiliares de enfermagem diz: “Será possível que vocês não escutaram o

respirador parado, duas auxiliares ao lado e ninguém vê? . Será possível?.” .

Sai falando com voz de irritação; as duas auxiliares de enfermagem

ficam em silêncio, olhando uma para outra.

Ao retornar ao posto de enfermagem, olha um por um todos os clientes

da sala de atendimento. Senta, e recomeça a fazer a listagem dos clientes

cuidados. Vez por outra, levanta os olhos, fica parada em silêncio e retorna ao

que estava fazendo.

121

OS CUIDADOS. Após passada a fase mais crítica, um dos recursos

dos cuidados mais importantes da enfermagem é a observação, utilizando

os sentidos perceptivos para o que poderá acontecer: o controle e a atenção

para com os ruídos respiratórios, gemidos, ruídos oriundos da eliminação

de gases orgânicos, da tosse, ruídos estranhos da aparelhagem tecnológica

ou do corpo da clientela, como a movimentação corporal no leito, a

eliminação de flatos e a eructação.

Muitos clientes necessitam de cuidar/cuidados perto/distante do

enfermeiro, por dificuldades de comunicação por meio da expressão verbal

e de direção temporo-espacial, ocorridas por circunstâncias clínicas ou

traumáticas, impossibilitando se comunicar ou se expressar. Clientes com

situações envolvendo a fala ou deficiência auditiva como traumatismo

bucofacial, traqueostomia, surdomudez, com deficiência visual, ou com

deformidades congênitas ou adquiridas, ausência de percepção tátil e

outras, exigem do enfermeiro a utilização de cuidados perto/distante. Às

vezes, a própria circunstância de sua admissão no setor de emergência

requer os cuidados perto/distante.

Podemos afirmar que os cuidados de enfermagem formam um ritual

de enfermagem Lima (1993, p. 25) destaca que este ritual “compreende um

conjunto de gestos, com limites precisos e irreversível, incorruptível, promovendo a

essência, a luz, a vista, tudo entrando em seu campo o que implica refletir sobre o seu

significado e a sua propedêutica, considerando que se trata de um ato emocionante,

impressivo, inteiramente concreto e inteiramente abstrato...”.

Vale ressaltar a importância da intuição, capacidade de síntese,

sensibilidade, preservação, cooperação, como instrumentos do

cuidar/cuidado perto/distante, sendo estes considerados pelo senso comum

dons femininos, já que a grande maioria dos enfermeiros é constituída de

mulheres. Neste sentido Boff ( 1995, pag.52-53) diz que a “mulher capta e

122

vivência a complexidade e a interconexão (de todas as coisas entre si e da centralidade

da vida) do real por instinto e por estruturação toda singular....mais do que pelo

trabalho é pelo cuidado que a mulher se relaciona com a vida....é principalmente a

mulher (embora não exclusivamente) com sua presença como mulher, mãe, esposa,

companheira e conselheira, que maneja esta arte e esta técnica do complexo”.

CUIDAR DO CORPO (SEMI) MORTO

As situações mais dramáticas do cuidar/cuidados de enfermagem em

emergência são as que envolvem a morte, por vezes prematura. Estas

ocorrem num ambiente comum aos outros clientes e sob as vistas dos

acompanhantes e curiosos. São mortes decorrentes de situações clínicas

descompensadas, de acidentes súbitos, de situações induzidas, como os

suicídios, ou suspeitas. Mortes individuais ou coletivas, em que, muitas

vezes, o clima é de medo e de tensão tanto dos que observam quanto

daqueles que tentam evitá-la a todo custo.

Este é um assunto difícil, porque apresenta múltiplos aspectos. Existe

a questão da responsabilidade tanto no aspecto moral, ético, como jurídico-

policial. Na Unidade de emergência, são muitas as polêmicas e, também,

poucas as respostas aos questionamentos surgidos no enfrentamento do

dilema vida/morte no cotidiano do cuidar.

De um lado, a filosofia que norteia o cuidar de emergência para

salva-vidas, e a valorização do desempenho técnico altamente qualificado;

e por outro, o momento de parar, sem incorrer na questão polêmica da

imprudência, imperícia, negligência ou eutanásia.

O direito de morrer em paz, com dignidade e sem sofrimento

desnecessário é algo que não pode se esquecido, pois implica o respeito ao

ser humano. O limite tênue entre salvarvida e permitir a morte digna, no

cuidar de emergência é um desafio para o enfermeiro.

123

O tema morte vem sendo estudado por vários pesquisadores e

estudiosos. Antigamente a morte era quando a respiração cessava, o que era

verificado com o espelhinho diante da boca, que então embaciava, depois

era quando o coração deixava de bater. Hoje há recursos sofisticado da

tecnologia que fornece a prova da morte, não é uma passagem, um instante,

e sim uma serie de etapas envolvendo recursos técnico que pode ir de

várias horas, ou até dias, meses ou anos como a literatura mundial nos

mostra. Morte de todo o corpo físico ou de uma das suas partes faz parte do

cotidiano do Cuidar/cuidados nas salas de atendimento de Emergência.

Quanto ao corpo morto, a enfermeira Cecilia relata:

“...existem aqueles cuidar/cuidados que fogem da nossa área e que são

referentes ao cuidar após o corpo morto e encaminha-lo à patologia. Não é

função nossa. O paciente morreu, já desceu o corpo... Então, a gente tem que

orientar a família, para onde foi o corpo. A família não sabe que o corpo vai

para o necrotério, do necrotério vai para o Instituto Médico Legal... Então, o

familiar fica perdido e não sabe para onde vai. Eles perguntam “O que eu faço

agora?”. A gente tem que explicar que vai para o necrotério, que vem um

rabecão apanhar e que eles agora têm que descer, ir na administração. Muitas

vezes, não tem uma assistente social que faça isso, aqui, a gente não deixa.

Eu observo isso nos enfermeiros; a gente não deixa as pessoas ficarem

totalmente perdidas. Então, a gente desce, encaminha e vai resolver um

problema que não tem nada a ver conosco”

(enfermeira Cecília)

Um outro aspecto relacionado a este cuidar/cuidados é o do corpo

semimorto, isto é, quando há constatação da morte biológica (cerebral) por

meios diagnósticos. O cliente é considerado fora de possibilidade

124

terapêutica médica, em morte cerebral. O enfermeiro Renato relata sobre a

vivência cotidiana com este tipo de cuidar/cuidados:

“...Chega um paciente, e há informação que ele tinha vontade de doar

um órgão ou os órgãos. A família nos diz: “Ah! mas o paciente parece que

queria doar”. Quando são esses casos, a gente procura estar atento para

encaminhá-los às pessoas responsáveis, para melhor esclarecimento. Hoje em

dia, isso parece comum, mas não é tão comum assim, envolve um conflito

familiar muito grande. Mas nós cuidamos normalmente, como se ele estivesse

vivo, tudo igual” .

(enfermeiro Renato)

OS CUIDADOS. Ficar junto do(s) cliente(s), sem pressa;

proporcionar um ambiente de paz e silêncio (muitos morrem cercados de

aparelhos e pela equipe de saúde, mas isolados das pessoas conhecidas, e

dos familiares); compreensão empática22 através dos cuidados expressivos e

instrumentais; escutar, dando oportunidade de falar e colocando o cliente à

vontade; ser fraterno são cuidados fundamentais a serem realizados.

Cabe a preocupação com a implementação de uma melhor qualidade

de vida, a luta pela sobrevivência e atenuação do sofrimento quando os

recursos se esgotarem. A confrontação com a realidade no Cuidar/cuidados

de Emergência e em certas situações inevitáveis surgem conflitos ou atritos

em grau menor ou maior. As fases de negação, minimização do problema,

raiva, culpa, rejeição e a aceitação convivem neste cotidiano nas situações

as mais diversas num convívio e envolvimento temporal curto. Portanto

necessita-se que o enfermeiro e sua equipe tenha conhecimento cultural

sobre morte e luto, tato, sensibilidade e intuição, sentimento e razão

operando na maior parte do tempo.

22 Capacidade de ler emoções nos outros

125

Quanto aos transplantes, implantes e a biotecnologia, atualmente

fazem parte dos recursos terapêuticos a retirada de órgãos depende de uma

autorização em vida, documentada pelo cliente em sua posse ou por um dos

seus familiares. A seleção adequada do cliente receptor ou doador envolve

vários fatores familiares, éticos, legais, juridicos, religiosos, técnicos e

cultural, que exigem conhecimento pleno dos enfermeiros para construir os

cuidados. O cuidado fundamental para o processo de retirada de órgão é a

comprovação por exames do estado de morte cerebral do cliente. O

importante nesse cotidiano de cuidar/cuidados é a atenção para todos os

detalhes que envolvem o acompanhamento de suas evoluções e discussões

cientificas.

Outro fator importante é o cuidar/cuidados do membro amputado

traumaticamente, os enfermeiros necessitam acompanhar as modernas

tecnicas de cuidar/cuidado com o membro recebido muitas vezes antes do

cliente na Sala de atendimento de Emergência, sua preservação quanto

estrutura e função é extremamente importante para o cliente. É importante a

atenção quanto ao que denominamos de óbito parcial, isto é, o obito de

uma das partes do corpo amputado, que envolve um cuidar/cuidados

especifico do enfermeiro tanto para o cliente quanto para os familiares.

Corpo integro versus corpo partido, mutilado.

Lima, (1993, p.9) considera que a enfermagem, “como ciência, procede,

na prática, pelo modelo interativo, convivendo com o inacabado, com a

multifinalidade, as diferenças, a ambigüidade e a incerteza”.

Portanto para o entendimento do cuidar/cuidados da morte e as

circunstancias que a envolve, é fundamental o entendimento da vida e

consequentemente a origem do homem, isto é, a tríade individuo-

sociedade-especie.

126

O CUIDAR DOS PROFISSIONAIS DO CUIDADO

- O corpo do enfermeiro e de sua equipe como instrumento de

cuidar e de autocuidado -

No cotidiano da arte de pensar, de criar, de fazer e de teorizar o

cuidar/cuidados de enfermagem em emergência emergem um cuidar no

avesso dos cuidares, que origina uma das situações mais dramáticas do

atendimento de emergência, envolta num manto de silêncio. Pode ser

considerada, pela ótica ético-profissional, uma infração e, por outro lado,

pode ser considerada como um ato de sobrevivência, de preservação da

integridade física e de autocuidado.

Cabe destacar que uma das atribuições descritas no cuidar mural é o

chamamento para o enfermeiro cuidar da própria equipe de enfermagem,

esta na condição de seu cliente, atuando junto dela, atendendo às suas necessidades

básicas, orienta o cartaz.

As salas de atendimento de emergência, o inesperado constitui

rotina, é um local estressante, levando a angústia, apreensão e sentimento

de medo, que costumam envolver os enfermeiros e suas equipes, como

veremos, a seguir nas quatro situações apresentadas:

“Olha, os meninos de rua23 são um problema. Eu já peguei menino de

rua que já pegou até gilete para navalhar a gente. Eu chamei o Serviço Social,

eu já estava chamando desde cedo e... elas não têm o que fazer, elas levam

para onde? Para FEBEM? FUNABEM? Hoje, tem outro nome, parece ? Então,

o que elas podem fazer? Eles ficam andando pelo hospital todo, as vezes vão

23 Nota etnografica: Termo abrangente que designa meninos, meninas e adolescentes, 1)cujos vínculos familiares são ciclicos, 2) permanentes 3) ou rompidos (e que em decorrência) ocupam a rua 1) intermitente, 2) tempóraria 3) ou permanente. Logo uns pedem, outros roubam, uns cheriam cola, outros brincam livremente, uns zoam, outros agridem, alguns são capazes de mater, há os que querem voltar para casa e há os que não querem voltar para casa, etc, etc, etc.. Mas todos recebem uma única etiqueta: meninos de rua. Silva, 1996. p. 39

127

embora Eles não querem ficar, a gente não consegue segurar um garoto de

13, 14 anos, que já assalta, já mata... Uma vez, um pegou uma gilete e veio

para cima de mim e dos auxiliares de enfermagem. Eu deixei ele ir. Fui

obrigada. Deixei ir, fiz vista grossa. Porque ele queria ir e disse que, se a gente

não deixasse, ele iria navalhar a gente. Pegou uma lâmina de bisturi, pegou

uma gilete e escondeu tudo debaixo do colchão Depois, só comuniquei: foi à

revelia. Acabou. Não tinha como segurá-lo aqui.

O problema é que nós...Eu tenho medo...O profissional de emergência é

muito visado, ele se expõe muito. Às vezes, a gente cuida de um traficante; por

isso que eu digo para os meus auxiliares: não discutam. Às vezes, eles são

soltos lá fora e podem até pegar a gente, a verdade é essa. A gente fica

aqui.... Então, eu trato bem, não trato mal, evito qualquer tipo de atrito com

essas pessoas.

“ Não converso muito porque é arriscado...Tem um auxiliar de

enfermagem daqui que cuidou de um marginal, e, quando ela foi aplicar a

benzilpenicilina, rezou para que a agulha não entupisse, que não obstruísse a

agulha; ficou com medo. Olha o pensamento dela. Passado algum tempo, ela

entrou num ônibus e o ônibus foi assaltado por ele, o cliente que ela dera

injeção, a maior coincidência. Ela falou que o viu e o reconheceu entre os

assaltantes. Ele a olhou, lembrou dela e falou: ‘Não! . Essa moça aqui a gente

não mexe, porque eu conheço ela lá do hospital’. Quer dizer, associou. Então,

você vê se ela tivesse tratado mal. O ônibus foi todo assaltado e ela não foi

pega. Você não sabe com quem está lidando. Pode ser, até, que amanhã ele

me assalte lá embaixo, pode ser até que ele me mate, mas eu não tenho

coragem de tratá-lo mal. Então, você tem que lidar e tratar bem todos os

níveis, porque você não sabe com quem você está lidando”.

(enfermeira Marli)

Um outro vértice do auto-cuidar da equipe de enfermagem é o

observado no dia-a-dia do cuidar/cuidados de enfermagem em emergência.

Vejamos o que o auxiliar de enfermagem Hélio diz para a enfermeira Liná:

128

“Tem uma colega grávida lá fora (no corredor da sala de atendimento),

tem que fazer uma ultra-sonografia e não conseguiu, e está muito chateada

com isso. É da casa. Veja se você consegue fazer alguma coisa. Ajude-a”

A enfermeira sai e conversa, em um canto do corredor, com a

funcionária. Após 10 minutos, retorna e informa ao funcionário solicitante: “Eu

conversei como você me pediu, mas o que a sua colega precisa é ficar de

repouso. Está medicada e tem os remédios. Afirma, porém, que não consegue

manter o repouso prescrito.

Observemos, através da observação no diario de campo a seguir, o

comportamento da equipe de enfermagem diante do cotidiano de

cuidar/cuidados de vidas:

“Durante os cuidados de enfermagem, os auxiliares sorriem um para o

outro, andam de um lado para outro. Conversam o tempo todo, os enfermeiros

estão sempre no meio deles e dos clientes. Observo, neste plantão, uma

cordialidade, uma cumplicidade no desenvolvimento dos cuidados”.

O enfermeiro nos conta como, em situação de crise, cuidou dos

seus funcionários, numa postura conflitiva de valores

éticoprofissionais:

“Eu passei por tantas situações aqui dentro! Um dia, teve um tiroteio

dentro de uma das salas de atendimento, um dos tiros passou perto da minha

cabeça. Senti medo! Levei um grande susto. O tiro rebateu alto na parede; foi

um quebra-quebra tremendo. O familiar do cliente queria atendimento

exclusivo, sacou da arma e começou a atirar. Eu tive que tomar uma atitude

em segundos e eu tomei, que foi a seguinte: eu retirei todos os meus

auxiliares de enfermagem da sala. Evacuei toda a sala, infelizmente, os

doentes ficaram a sós na sala. O refúgio foi uma outra sala grande, com

129

parede dupla. Fechamos a porta e ficamos todos aguardando, nos protegendo.

Não tínhamos nem como proteger os doente, infelizmente”.

(enfermeiro Ronaldo)

O cuidar/cuidados em enfermagem nas Salas de atendimento de

emergência baseia-se na cooperação. Pouco se fala da relação dos

enfermeiros com os auxiliares de enfermagem em que o primeiro cuida do

segundo numa inter-relação com a construção do cuidar da clientela assim

dos seus medos e sentimentos que afloram em silencio durante o

cuidar/cuidados. O medo não é mais do que uma forma de interpretar o mundo diz

Silva (1996 p. ) quando escreve sobre cultura do medo, paranoia e afirma

mais a experiencia cotidiana com o risco cria uma tensão psicológica.

Cooperação e negociação configuram nesse cotidiano de

cuidar/cuidados, tão especial, distinto e especifico. Se nos detivermos na

questão, não é o propósito da presente Tese, a lógica da ação do

cuidar/cuidado do cliente é próxima e se associam ao sofrimento, dor,

conforto e proteção do cuidar/cuidados dos auxiliares de enfermagem. As

situações acima exprime momentos de valorização para a equipe de

enfermagem e, ao mesmo tempo, um ônus a mais ao polivalente exercício

profissional do enfermeiro.

Entre medicações, eliminações, verificações de sinais vitais,

chamados, dramas humanos, ameaça, medo de um cotidiano social externo

mas ao mesmo tempo interligado a violência da rua refletindo diretamente

nas salas de atendimento de Emergência, tiroteio, auxilio mutuo, solicitar

cuidar/cuidados para o colega, brincadeiras, cantar baixinho, sorrisos, se

reunir para o café e/ou lanche, o cuidar/cuidados de enfermagem na

Unidade de Emergência emergem uma prática habitual de um cotidiano. É

o cuidar/cuidado envolvendo cliente e/ou clientela e a própria equipe de

130

enfermagem numa rede de reciprocidade. Cuidar/cuidados em Emergência

não é somente sofrimento, dor e desespero, há prazer, sorriso, cordialidade,

amizade e preocupação com o outro.

REFLEXÃO FINAL DO ESTUDO

Refletindo sobre o caminho percorrido através da organização das

informações descritas através de etnométodo, do diário de campo e das

entrevista percebe-se encaminhamento para uma conceituação sobre o

Cuidar/cuidados de Enfermagem em Emergência, como “ uma prática de

enfermagem que não é programada, é emergente, e que quando instalada

exige conhecimentos, não só da tecnologia da enfermagem, mas também

de conhecimento do senso comum, que envolve o homem, os recursos

utilizados para cuidar, as relações políticas econômicas, diplomáticas e de

saúde”.

131

O ensaio teorico sobre cuidar/cuidados em Emergencia remete-nos

que ao Cuidar/cuidados quanto ao seus tipos e denominações pelos

enfermeiros em que sua construção pode-se dizer que recai em um

entrosamente no qual pensar, imaginar, meditar, julgar, tratar, velar, inuir,

vigiar demonstram a complexidade assistencial. A construção dos

Cuidar/cuidados possui aspectos ideologicos que incluem uma filosofia

assistencial, conceitos e tecnica que influenciam diretamente na tomada de

decisão sobre a forma de socorro.

O cuidar/cuidados de enfermagem, quando operacionalizado em

emergência, dá origem a cuidados que também foram identificados e

especificados a partir de situações do cotidiano dos enfermeiros em que ha

o controle sobre o que está instalado descritos quando “...o olhar da

enfermeira Angelica pará a cada maca-leito onde haja um cliente acamado...”. -

Num olhar que toca e controla a vida

No momento do preparo para manter a vida - “... a auxilair de

enfermagem juliana abre as gavetas, repoe medicamentos, instrumental, aparelhagem.

Confere cada objeto, olha as concexões dos equipamentos, as pilhas do laringoscopio,

os tubos endotraqueais. Em silencio ela checa e confere tudo...”.

Nos movimentos da vida - “.... a sala de atendimento está repleta de

clientes, cada um em seu leito. Uns estão calados, com os olhos fechados. Outros

agitados, contidos pelos braços com identificação feita com tira de esparadrapo. Uns

estão graves, outros em fase agonica. Jovens, homens e mulheres...”

Na música como elo da vida, que interliga vida em risco - vida

cotidiana , questiona, expressa os sentimentos e emoções mais

profundas - “...no ar, a radio FM toca uma musica do Caetano Veloso como o titulo

de Fora da ordem que diz ...alguma coisa está fora da rodem, fora da ordem social,

alguma coisa está fora da ordem...fora da ordem mundial...Ä interlocutora do sistema

ambiente de comunicação, vez por outra., pára a musica e diz “funcionário Antonio,

dirija-se à recepção”.

132

Na morte que ronda a vida - “...duas senhoras de roupa de cor amarela

tem em seus cráchas escrito a palavra voluntária. Elas se aproximan de um senhor

negro (Sr. Nilton) em uma das macas-leitos. Em seguida, um médico se aproxima dos

três e diz proximo e em tom baixo, para a enfermeira Angelica: Este clinete está

morto...” - e em outros corpos que são instrumentos de solidariedade

como as voluntárias.

Na morte que é mais rapida do que a vida - “....a enfermeira

diz...temos que prestar-lhe um cuidado por favor...”

De um cuidado a mais - “...acho que foi bo sa’bado...foi no meu plantão.

Veio um rapaz alcoolizado, bébado, que estava com duas crianças, dois garotinhos. Eu

falei: “Gente !. Dois meninos..tinham entre 5 e 7 anos...”.

Dos corpos sadios que trazem os corpos doentes que chegam - “...

a porta abre novamente...por ela entram duas profissionais de saúde do corpo de

bombeiro, fardadas com emblemas em seus uniformes, que as identificam como tenente

e cabo, respectivamente. Elas acompanham o Sr. Xavier, de aproximadamente 60 anos,

com atadura de crepom envolvendo o couro cabeludo, roupas sujas de sangue e

graxa...”

Dos corpos que decidem em segundos - “...nesse ambiente agitado, um

médico, no outro canto da sala de atendimento, grita: Ënfermeira !Enfermeira!

Precisamos de ajuda! corra, ande rápido!. Imediatamente, a enfermeira e sua equipe

movimentam-se e dividem-se....numa rapidez de olhar, faz uma analise...delega...e se

dirige em direção à voz que lhe pede ajuda...”

Da ebulição do corpo sadio para manter vivo o corpo em crise -

“....no ato da enfermeira suas mãos, olhos, cabeça movimentam-se pari-passu com a

situação...todo seu corpo se move, age, fazendo com que ela seja um dos sujeitos dessa

ação de salvar-vidas...Passam por suas mãos tubos, fios, seringas, ambú, cateteres,

tubo de oxigencio, bolsas de sangue, gazes, pacotes, caixas, amor fraternidade,

esperança, improvisações, criatividade e tudo que for necessário para oxigenar a vida

do outro. É a luta para manter a vida de alguem...”.

133

Dos corpos que cuidam dos corpos lesados pelo transito - a

conversa que mantem a vida - “...a cliente relata “um motorista de onibus

atropelou-me e não me socorreu, deixando-me caida na via publica.....a enfermeira

Odilia e duas alunas de enfermagem conversam bem proximas da face da cliente,

atentas as informações dadas. Examinam a lesão cortante e pegam um frasco de soro

fisiologico para fazer a limpesa do local. Limpam a lesão e continuam conversando

com a cliente ...pega o mateerial necessario para o procedimento de sutura...”.

Do corpo em movimento - “... a enfermeira Fatima prepara

medicações, analisa as prescrições, administra alguns medicamentos...movimenta-se,

sentando, levantando, andando de um lado para o outro

Do corpo que luta e se transforma para o cuidar dependente de um cuidado

- “...a gente luta o dia inteiro, toda hora, em cima da recuperaçãp desses doentes....O

cuidar é dieferente...não é um cuidar de enfermaria...É diferente. Não é urgente, é

emergente mesmo....”

Um corpo que fala uma linguagem diferente da linguagem tradicional do

corpo doente - “ ....Sr Valdirde cabelo negros, moreno de mais ou menos 40 anos,

entra no setor acompanhado de uma jovem. Senta numa maca. Um estudante de

medicina vai conversar com ele. Este clinete está com dor precordial...É infarto, ele

está de pé? ...É infarto; se a CPK-mb deu alterada é infarto, é infarto. Cade o ECG. ?.

O cliente olha sem entender, sua acompanhante também....”

Do corre-corre do corpo do enfermeiro versus o corpo

despreparado do sistema de saúde - “A enfermeira Laura anda de um lado para

o outro. Um cliente em parada cardiorespiratoria, constatou-se que não há valvula

para conectar o tubo do respirador...no ar, a mensafem diz Ënfermeiro Ronaldo, entrar

em contato com a sala de atendimento. Urgente ! Demora uns minutos e o enfermeiro

Ronaldo entra ofegante. Pergunta “O que Aconteceu ?”.....o enfermeiro Roanaldo após

a informação sobre o caso diz “O que eu vou fazer ! Todos estão com defeito,

incompleto. O pessoal tira as peças e não repoe, perdendo-as...”

O cuidar/cuidado preconiza uma pluralidade de cuidar e uma

multiplicidade de cuidados, em que cada um goza do mesmo poder de

134

generalidade, e o intercruzamento da arte de fazer, de pensar e de dizer

como prática e teoria da arte de Cuidar de enfermagem em emergência,

através do que os enfermeiros fazem e dizem sobre o cotidiano de sua arte

(maneira de fazer), que é também uma questão social, politica, economica,

de saúde publica, de educação articuladas a uma questão juridico-penal e

policial

Nas imagens da enfermagem de emergência emergem um fazer-

saber que se oculta num emaranhado de astúcias silenciosas e sutis,

extraidas de ruídos nas maneiras de fazer que, muitas vezes, não são

visíveis no cotidiano das salas de atendimento de emergência.

Cuidar em Emergência é acompanhar a utilização do couro de rã

esteril como alternativa de curativo biologico em queimaduras até a

revolução dos clones de Ian Wilmut abrindo a possibilidade teorica para a

copia de um ser humano em laboratório.

Tudo está em evolução, veio do passado (Nightingale e Dunnant) se

concretiza no presente ( Especificidade e aspecto distinto do Cuidar e dos

cuidados em Emergência) e se abre para o futuro na lógica de um

movimento sequecial de ordem-desordem-interação-organização-criação, numa

conexão pensada da frente para trás e de trás para frente que Boff (1995 p.51-55)

escreveu e disse mais “...a lógica includente da complexidade impoe um estilo de

pensar e de agir: obriga a articular os vários saberes relativos às várias dimensões do

real; importa jamais enrijecer as representações, mas compreender a

multidimensionalidade de tudo, levar a conjugar o local com o global, o ecosistema

com a historia, o contrário e até o contraditório com a toalidade mais abrangente. e

mais não basta, pois considerar apenas os elementos fisico-quimicos que entram na

composição dos seres, mas importa ver a forma como se organizam, se relacionam com

os outros e se automanifestam...”

O arquétipo dominante do Cuidar de Enfermagem em Emergência

são os Cuidar de Alerta e o de Guerra numa ramificação com outros

135

fundamentais e imprescendiveis que não se esgota nesse estudo. É

desafiante para Enfermagem brasileira e em especial do Rio de Janeiro

mostrar o perfil de sua pratica do fazer-pensar. Essa tese oportunizou a

expressão de ideias plurais no cotidiano do saber-fazer, deixo para

prosseguimento as muitas interpretações e reflexões que haverá de ocorrer

desse raciocinio pratico.

O cuidar/cuidado de enfermagem em emergência faz parte de uma

rede com várias linhas de articulação. O cuidar/cuidado portanto, se apoiam

em quatro princípios: agilidade, criatividade, humanismo e tecnologia.

Cuida-se em Enfermagem em Unidade de Emergência com uma

natureza que a difere das outras profissões que compoem esse mesmo

cenário no atendimento do seu principio basico que é Salva-se vidas através

de uma modelagem propria. O Cuidar individual e cuidar coletivo

entrelaçam de forma quase imperceptivel mas especifica e distinta e com

caracteristica propria que o diferencia de outras areas de conhecimento da

area de saúde e e em especial da de outrass de enfermagem.

A metafora do fio da meada pode ser utilizada nesse estudo quanto a

especificidade e distinção dos Cuida/cuidados de Enfermagem em

Emergencia, puxamos o fio mas não esgotamos, foram tecidos mas não

terminados, flagrados os intercruzamentos dos fluxos do Cuidar e dos

cuidados de Corpos que cuidam de outros corpos sorrindo, fraternos,

em crise, descobertos, em silencio mas sempre presente nas salas de

atendimento até para ouvir a critica frequente de que “o enfermeiro

não faz nada em Emergência” dita por nossos pares.

Maria José Coelho

Nébia M. A. Figueiredo

Vilma de Carvalho

136

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Mestrado. Rio de Janeiro: IMS/UERJ, 1982.

ROTEIRO DE ENTREVISTA ABERTA

Fale sobre o Cuidar em Emergência.

Como você(s) caracterizaria(m) os seguintes tipos de cuidar

encontrados no cotidiano:

de alerta / de guerra / contingencial/ dinâmico / contínuo / mural /

expressivo / anônimo / multiface / população de rua / corpo (semi) morto /

à margem social?.

144

Uma situação de Emergência como um fato inesperado na vida da pesquisadora.

Em 14 de janeiro de 1997, durante as ferias, num continente europeu aconteceu o

que todas as pessoas não esperam e é caractersitica básica da temática dessa tese. A.R.C, 70

anos, hipertensa, com controle medicamento e dietetico, brasileira, natural do Espirito

Santo, instrução média. Saiu do país para visitar sua filha que vive na Europa, precisamente

na Belgica , na cidade de Oostende, no momento de iniciar sua viagem estava sob controle

e aparentemnte bem. O que a preocuipava era o tempo, no Brasil entrariamos no

verão mas na europa estariamos prester a entrar no inverno. Como era meado de outubro de

1996, esta preocupação nao se justificada plenamente,

Viajou, ‘sozinha, tudo correu bem apenas estranhou tantas escalas, uma na cidade

de São Paulo e outra em Salvador. Ao chegar em Bruxelas comentou com a filha “Como

voce está longe ? Nunca imaginei que fosse tão distante.