universidade federal do rio de janeiro ufrj programa … · 2020-01-30 · gustavo benevenuti...

120
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS VERNÁCULAS DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS - LÍNGUA PORTUGUESA MULTIFUNCIONALIDADE E DESGARRAMENTO DE ONDE: UMA ABORDAGEM FUNCIONALISTA GUSTAVO BENEVENUTI MACHADO Rio de Janeiro 2017

Upload: others

Post on 20-Apr-2020

4 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS VERNÁCULAS

DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS - LÍNGUA PORTUGUESA

MULTIFUNCIONALIDADE E DESGARRAMENTO DE ONDE: UMA

ABORDAGEM FUNCIONALISTA

GUSTAVO BENEVENUTI MACHADO

Rio de Janeiro

2017

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

Multifuncionalidade e Desgarramento de Onde: uma abordagem funcionalista

GUSTAVO BENEVENUTI MACHADO

Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de

Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Língua

Portuguesa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do

título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua

Portuguesa).

Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia

Rodrigues

Rio de Janeiro

2017

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

Multifuncionalidade e Desgarramento de Onde: uma abordagem funcionalista

Gustavo Benevenuti Machado

Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas

da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários

para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Examinada por:

______________________________________________________________________

Presidente, Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues - UFRJ

______________________________________________________________________

Professora Doutora Monica Tavares Orsini – UFRJ

______________________________________________________________________

Professor Doutor Ivo da Costa do Rosário – UFF

______________________________________________________________________

Professora Doutora Karen Sampaio Braga Alonso – UFRJ (Suplente)

______________________________________________________________________

Professor Doutor Marcos Luiz Wiedemer – FFP/UERJ – (Suplente)

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2017

Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

SINOPSE

Análise e descrição dos usos do articulador de cláusula

onde na Língua Portuguesa, segundo a perspectiva

funcionalista. Descrição dos usos de onde em contextos

oracionais, a partir das noções de sequência textual e do

continuum fala-escrita. Análise sincrônica do emprego

de onde por falantes da língua portuguesa após seu

estágio de gramaticalização.

MACHADO, Gustavo Benevenuti. Multifuncionalidade e Desgarramento de Onde: uma

abordagem funcionalista. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras/UFRJ, 2017. p. 120, mimeo.

Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

Multifuncionalidade e Desgarramento de Onde: uma abordagem funcionalista

Gustavo Benevenuti Machado

Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues

RESUMO

O item onde apresenta duas acepções nos dicionários de língua portuguesa – ora é descrito

como advérbio locativo ora como pronome indicativo de lugar equivalente a em que. Na

articulação entre orações, nas gramáticas normativas, pode introduzir orações subordinadas

adjetivas, desde que se refira a um antecedente nominal locativo. Entretanto, há casos em

que este item aparece sem antecedente expresso, o que gera divergências de análise a

depender da gramática consultada. Em contextos reais de interação comunicativa, onde

parece assumir funções diferentes daquelas que propõe a tradição gramatical. Neste estudo,

partimos da hipótese de que onde é tão multifuncional quanto o conector que em língua

portuguesa, levando em conta situações reais de interação. Assim, onde funciona como

introdutor de orações adjetivas, substantivas e adverbiais, além de veicular conteúdos

semânticos de tempo, causa e nocional. Além disso, um dos aspectos mais inovadores em

termos de seu(s) uso(s) a ser considerado é o desgarramento. Com base na teoria

funcionalista, que considera a função comunicativo-interacional da linguagem, ou seja, a

relação gramatical das línguas e seus contextos de interação, valorizando o uso efetivo do

falante, analisamos, de forma qualitativa, os usos de onde como articulador de orações

substantivas, adjetivas e adverbiais, não desconsiderando o fato de que todas elas podem se

desgarrar. Os dados analisados provêm do corpus roteiro de cinema, corpus misto, por

apresentar tanto características da fala, quanto da escrita. Por isso, foram monitorados os

fragmentos inerentemente de fala e de escrita, além da sequência textual (narrativa,

descritiva, expositiva, argumentativa e injuntiva) em que as cláusulas introduzidas por

onde se inserem, a fim de verificar se esses contextos poderiam ou não interferir nos usos

de onde investigados. Foram analisados, para esta investigação, 20 roteiros e encontrados

388 dados de onde como articulador de cláusulas completivas, cláusulas relativas e

cláusulas hipotáticas, sendo apenas 11 deles dados desgarrados.

Palavras-chave: onde, multifuncionalidade, desgarramento, funcionalismo.

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2017

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

Multifuncionalidade e Desgarramento de Onde: uma abordagem funcionalista

Gustavo Benevenuti Machado

Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues

ABSTRACT The item 'where' has two meanings in the Portuguese dictionaries - first, it is described as

locative adverb; second, it is considered an indicative pronoun of place equivalent to

where. Considering clauses articulation, in traditional grammars, it can introduce relative

clauses, as long as it refers to a nominal locative antecedent. However, there are cases in

which this item appears without an express antecedent, which generates differences of

analysis depending on the grammar consulted. In real contexts of communicative

interaction, 'where' seems to assume different functions from those proposed by the

grammatical tradition. In this study, we argue that 'where' is as multifunctional as the

connector 'that' in Portuguese language, taking into account real situations of interaction.

Thus, 'where' functions as an linker of relative, noun and adverbial clauses, besides

carrying semantic contents of time, cause and notional. In addition, one of the most

innovative aspects in terms of its use(s) to be considered is 'tearing'. Based on Functionalist

theory, which considers the communicative-interactional function of language, in other

words, the grammatical relation of languages and their contexts of interaction, valuing the

effective use of the speaker, we qualitatively analyze the uses of 'where' as conjunction of

noun, relative and adverbial clauses, not disregarding the fact that they can all 'tear' apart.

The analyzed data come from the cinema script corpus, a mixed corpus that present

characteristics of oral and writing speech. Therefore, in order to verify if these contexts

could or could not interfere in the uses of 'where' which we are investigating, some

fragments of speech and writing were monitored, as well as the textual sequence

(narrative, descriptive, expository, argumentative and injunctive) in which the clauses

introduced by 'where'. For this dissertation, we analyzed 20 scripts. In those scripts, we

found 388 data from 'where' as articulator of completive clauses, relative clauses and

hypothetical clauses, with only 11 of them being 'torn'.

Key-words: where, multifunctionality, „tearing‟, functionalism.

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2017

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

Esta pesquisa foi integralmente financiada pelo CNPq.

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo [...]

(PESSOA, Fernando. Tabacaria. In: Presença nº 39, 1933).

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

AGRADECIMENTO

À minha mãe pelo amor e amizade incondicionais em todos os momentos da

minha vida. É graças a ela que sou o homem que eu sou. Agradeço também ao Vinícius

por ser protagonista dos melhores momentos da minha vida nos últimos anos. A meu pai e

às minhas avós por, cada um do seu jeito, torcerem pelo meu sucesso.

À professora Violeta Rodrigues, orientadora e amiga, por todos os ensinamentos

(não foram poucos) ao longo desses cinco anos de um ótimo convívio. Foi com você,

Violeta, que aprendi o que é amar, verdadeiramente, a nossa profissão. Obrigado por

acreditar em mim.

Ao professor Ivo do Rosário, atual professor da UFF e ex-colega de grupo de

pesquisa, a quem tenho admiração, por aceitar participar da banca examinadora de meu

trabalho.

À professora Monica Orsini, por, além de participar desta banca, ter sido

fundamental em minha formação profissional, estando ao meu lado em muitos momentos,

sempre me dando força para seguir em frente. Você não poderia faltar em mais esta etapa,

professora. Obrigado por todos os ensinamentos.

Aos professores Marcos Luiz Wiedemer e Karen Alonso por terem aceitado,

prontamente, o convite para comporem a banca desta dissertação.

À professora Monica Nobre pela contribuição ao longo de minha iniciação

científica.

Às amigas Adriana e Rachel por estarem ao meu lado nos momentos mais

complicados. Sem vocês, tudo teria sido muito mais difícil. Obrigado de todo meu coração.

Aos amigos de grupo de pesquisa mais antigos Anderson Godinho, Felippe Tota,

Heloise Thompson e Vanessa Relvas. Obrigado por terem sido especiais em muitos

momentos.

Aos atuais amigos de grupo de pesquisa Gesieny, Aline, Karen, Andressa e Luiz

Herculano.

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

À Nathalia Viana, Luciana Mota, Antônio Marques, Davidson Alves e Juliano

Leandro, amigos queridos, da Faculdade de Letras para vida. Com vocês, tenho as

melhores lembranças do período de graduação.

Ao CNPq por ter contribuído financeiramente durante todo o período de mestrado.

A todos os docentes da Faculdade de Letras da UFRJ que contribuíram para

minha formação e para o profissional que tenho me tornado.

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SINAIS

NGB - Nomenclatura Gramatical Brasileira

SV – Sintagma Verbal

SN – Sintagma Nominal

GT – Gramática Tradicional

ABAP - Associação Brasileira de Agência de Publicidade

R.P – Relativa Padrão

R.N – Relativa Não Padrão

C.C – Cláusula Completiva

C.H - Cláusula Hipotática

I.SI – Intermediário Sintático

I. SE – Intermediário Semântico

LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros

Page 12: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

Lista de quadros, gráficos, imagens e continua

Quadro 1..........................................................................................................................28

Quadro 2..........................................................................................................................54

Quadro 3..........................................................................................................................56

Quadro 4..........................................................................................................................61

Quadro 5..........................................................................................................................63

Quadro 6..........................................................................................................................94

Quadro 7..........................................................................................................................97

Quadro 8..........................................................................................................................98

Quadro 9..........................................................................................................................98

Quadro 10........................................................................................................................104

Gráfico 1..........................................................................................................................35

Gráfico 2..........................................................................................................................36

Gráfico 3..........................................................................................................................95

Gráfico 4..........................................................................................................................96

Gráfico 5..........................................................................................................................99

Gráfico 6..........................................................................................................................100

Gráfico 7..........................................................................................................................101

Gráfico 8..........................................................................................................................102

Gráfico 9..........................................................................................................................103

Imagem 1.........................................................................................................................64

Imagem 2.........................................................................................................................86

Imagem 3.........................................................................................................................87

Imagem 4.........................................................................................................................88

Imagem 5.........................................................................................................................91

Continuum 1....................................................................................................................55

Continuum 2....................................................................................................................62

Continuum 3....................................................................................................................105

Continuum 4....................................................................................................................106

Continuum 5....................................................................................................................106

Page 13: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

SUMÁRIO

1. Introdução: apresentação do tema.................................................................................14

2. Onde: objeto de estudo..................................................................................................17

2.1 Onde na perspectiva etimológica...........................................................................21

2.2 Onde na perspectiva tradicional............................................................................22

2.3 Onde em outras abordagens..................................................................................24

2.4 Onde: justificativas, hipóteses, objetivos e corpus...............................................26

3. Pressupostos teórico-metodológicos.............................................................................30

3.1 Da fala para a escrita: a constituição do corpus...................................................31

3.1.1 O continuum fala-escrita: uma breve revisão..............................................33

3.1.2 O continuum fala-escrita: a descrição do corpus........................................36

3.2. Língua e texto: noções relevantes.........................................................................40

3.2.1. Tipos e gêneros textuais: breves reflexões..................................................42

3.2.2. Sequências textuais: uma escolha metodológica........................................44

3.3. O funcionalismo: definições e contribuições........................................................47

3.4. A proposta de análise funcionalista......................................................................52

3.4.1. Cláusulas Completivas...............................................................................56

3.4.2. Cláusulas Relativas....................................................................................57

3.4.3. Cláusulas Hipotáticas................................................................................58

3.4.4. Cláusulas Desgarradas..............................................................................59

4. A análise dos dados.................................................................................................66

4.1. A multifuncionalidade de onde...........................................................................67

4.1.1. Onde com função de articulador de cláusulas completivas......................67

4.1.2. Onde com função de articulador de cláusulas relativas............................69

4.1.3. Onde com função de articulador de cláusulas hipotáticas........................72

4.1.4. Onde em contextos sintaticamente intermediários....................................74

4.1.5. Onde em contextos semanticamente intermediários.................................75

4.2. Os usos desgarrados............................................................................................79

4.2.1. O desgarramento de onde em cláusulas completivas................................79

4.2.2. O desgarramento de onde em cláusulas relativas......................................81

4.2.3. O desgarramento de onde em cláusulas hipotáticas..................................83

4.2.4. O desgarramento de onde em outros corpora...........................................85

5. Os resultados da análise...............................................................................................93

5.1. Os continua dos usos de onde.............................................................................105

6. Considerações finais......................................................................................................108

7. Bibliografia....................................................................................................................113

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

14

1. Introdução: apresentação do tema

Este capítulo de introdução tem por objetivo apresentar as

partes que compõem esta dissertação, bem como desenvolver

brevemente parte do tema que será abordado ao longo deste

trabalho.

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

15

Em dados recentes da língua portuguesa, tanto na modalidade oral quanto na

modalidade escrita, podemos encontrar usos de onde funcionando como articulador de

diferentes orações, apresentando outros conteúdos semânticos, além do locativo,

tradicionalmente descrito. No entanto, alguns desses usos ainda não estão em

conformidade com o uso considerado padrão e, por isso, não são contemplados pela

maioria das gramáticas normativas.

Esta dissertação tem, então, como principal objetivo descrever os usos do

articulador onde, em contextos oracionais, a fim de demonstrar que esse item pode ser

tão multifuncional quanto o que. Para isso, este estudo foi organizado em sete capítulos.

No capítulo 2, destinado a estabelecer considerações sobre o objeto de estudo,

isto é, o articulador onde, revisitamos alguns trabalhos acerca de seus usos, começando

pela descrição etimológica, retirada dos principais dicionários etimológicos disponíveis,

seguido de uma breve revisão do tratamento tradicional atribuído ao onde, para, então,

chegarmos aos estudos em outras abordagens linguísticas, em que revisamos trabalhos

anteriores sobre esse articulador. Na seção 2.4, encerrando o capítulo 2, apresentamos

nossos objetivos, justificativas para este trabalho, bem como o corpus analisado.

No capítulo 3, estão nossos pressupostos teórico-metodológicos, em que

traçamos um paralelo entre a noção do continuum fala-escrita com a descrição de nosso

corpus: o roteiro de cinema. Isso porque o roteiro, por ser considerado um gênero misto,

isto é, um texto escrito com a finalidade de ser encenado, contendo, assim,

características da fala e da escrita, servirá para descrevermos os usos de onde em

contextos inerentes à fala e à escrita, objetivando identificar se a modalidade linguística

em que se insere poderá ou não interferir em seus usos. Além da noção de fala e escrita,

neste capítulo, foi feita também a revisão das noções de gênero e tipo textual, além da

noção de sequência textual, que é adotada por nós, a fim verificar se, do mesmo modo

que as noções de fala e escrita, a sequência textual poderá ou não interferir nos usos de

onde. Encerrando o capítulo 3, na seção 3.3, apresentam-se alguns dos pressupostos do

funcionalismo, teoria que norteia esta investigação e embasa a nossa análise dos dados

(cf. seção 4).

No capítulo 4, analisamos os nossos dados recolhidos do corpus roteiro de

cinema. Na seção 4.1, descrevemos os usos multifuncionais de onde, ao passo que na

seção 4.2, descrevemos os usos desgarrados de onde. Assim, espera-se comprovar, por

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

16

meio dessas análises, levando-se em conta alguns pressupostos funcionalistas, bem

como as noções de fala e escrita e de sequência textual, que o articulador de cláusulas

onde tem se comportado de maneira tão multifuncional quanto o conector universal que.

No capítulo 5, são apresentados nossos resultados, demonstrando qual(is) do(s)

nosso(s) critério(s) de análise se fizeram mais relevantes em relação aos usos de onde

desgarrados e não desgarrados encontrados no corpus roteiro. Na seção 5.1, traçamos

três continua: o primeiro, funcional-discursivo, em que fazemos um contraste entre os

estágios de menor esvaziamento semântico até o estágio de maior esvaziamento

semântico de onde. Os outros dois continua, de cunho pragmático, demonstram os usos

mais ou menos frequentes em relação aos fragmentos inerentes à fala e à escrita,

configurando os usos de onde nessas duas modalidades.

No capítulo 6, explicitam-se nossas conclusões, retomando os usos de onde

descritos ao longo deste trabalho e alguns aspectos da teoria utilizada, a fim de

comprovar os objetivos e as justificativas apontadas nesta dissertação.

Por fim, no capítulo 7, indicam-se as fontes bibliográficas que, direta ou

indiretamente, nortearam esta investigação.

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

17

2. Onde: objeto de estudo

Este capítulo destina-se a apresentar o tema, os objetivos do

estudo, suas hipóteses e justificativas. Para isso, partiremos da

revisão bibliográfica do item onde, buscando referências na

etimologia, na tradição gramatical e em estudos linguísticos de

outras naturezas sobre o tema. Além disso, busca-se também

explicitar as motivações para esta investigação, as justificativas

e as possíveis contribuições para a análise linguística.

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

18

Embora a multifuncionalidade do conector onde já tenha sido objeto de

pesquisa em vários trabalhos, compreendemos que este tema não parece estar esgotado,

principalmente, se levarmos em consideração alguns aspectos teórico-metodológicos.

Trabalhos como os de Braga e Manfili (2004) e Manfili (2007) investigam, dentre

outras coisas, a remissão anafórica do item em contextos não locativos e locativos em

textos jornalísticos, sob a perspectiva da sociolinguística. Em Silva (2008), encontramos

uma análise diacrônica e quantitativa, em que a autora traça a trajetória da

gramaticalização deste conector. Esses trabalhos citados já demonstram a complexidade

de usos que envolvem o conector onde. No entanto, apesar dos trabalhos mencionados

apresentarem uma descrição bastante relevante sobre o item em análise, este trabalho se

difere dos demais pelo (i) aporte teórico-metodológico utilizado, (ii) pelo corpus

analisado e (iii) pelos usos de onde descritos na atual sincronia, destacando-se, por

exemplo, seu uso desgarrado.

Em análises preliminares (cf. período de IC, de 2011 a 20131), investigamos

dados recentes da língua portuguesa no corpus roteiro de cinema, gênero considerado

misto, isto é, gênero prototipicamente escrito, porém com intenção de reproduzir a fala

em determinados contextos, o que nos permitiu traçar um continuum dos usos de onde,

com base em contextos mais próximos à fala e em contextos mais próximos da escrita.

No corpus supracitado, encontram-se usos de onde como articulador em diferentes

contextos oracionais, podendo este, inclusive, veicular outros valores semânticos, além

do prototípico locativo, como atestam os dados que se seguem.

(1) Vários bombeiros e motoristas estão ali, em silêncio, aguardando uma

emergência. Som de pernilongo no ar. Um dos bombeiros caminha em direção

ao portão, onde apoia-se e acende um cigarro, quando, de repente, o silêncio é

interrompido pelo SOM DO TELEFONE, que toca. Bombeiro-chefe atende o

telefone. (É proibido fumar)

1 Trabalho de iniciação científica inserido e desenvolvido no âmbito do projeto de pesquisa Uso(s) de

conjunções e combinação hipotática de cláusulas. Atualmente, o tema desta dissertação se insere no

âmbito do projeto de pesquisa Cláusulas Hipotáticas: interface sintaxe & prosódia. Ambos os projetos

supracitados são coordenados pela Profª. Drª. Violeta Virginia Rodrigues.

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

19

(2) Daniel chega na escola, para a bicicleta, desce, vê Mim encostada numa

coluna, na entrada da escola, entre um bando de outros COLEGAS que vão

chegando. Daniel dá as costas para ela, fica botando a tranca na sua bicicleta.

Daniel dá um tempo, respira fundo. Então se vira para onde Mim estava. Mas

ela já foi. (Antes que o mundo acabe)

(3) Eu não tenho pra onde ir, Baby. Eu não tenho pra onde ir... Max pega na

mão de Baby e beija. (É proibido fumar)

Com base, então, na leitura dos exemplos anteriores, retirados do corpus

roteiro de cinema, encontram-se dados de onde introduzindo, para usar os rótulos

tradicionais, (i) orações adjetivas, (ii) orações adverbiais e (iii) orações substantivas,

respectivamente. Em (1), há o uso padrão, isto é, aquele previsto pela tradição

gramatical, já que a oração introduzida por onde retoma o antecedente nominal locativo

antes expresso “portão”. No entanto, como veremos na seção correspondente à análise

dos dados (cf. seção 4), observamos que, em seu uso como pronome relativo, onde pode

veicular outros valores semânticos, além do de lugar. Já em (2), encontramos o uso de

onde como um introdutor de orações adverbiais, isso porque, além de apresentar

conteúdo circunstancial, característica desse tipo de oração, também não apresenta o

antecedente nominal expresso, além de apresentar mobilidade entre as orações, como se

verifica na paráfrase em (2‟), em que a oração principal [se vira] pode vir posposta à

oração adverbial introduzida por onde [para onde Mim estava].

(2‟) Daniel chega na escola, para a bicicleta, desce, vê Mim encostada numa

coluna, na entrada da escola, entre um bando de outros COLEGAS que vão

chegando. Daniel dá as costas para ela, fica botando a tranca na sua bicicleta.

Daniel dá um tempo, respira fundo. Então [para onde Mim estava], [se vira].

Mas ela já foi. (Antes que o mundo acabe)

No exemplo (3), no entanto, encontramos o uso de onde como um introdutor de

orações substantivas, isto é, seu uso como uma conjunção integrante, estágio de maior

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

20

esvaziamento semântico do item. É nesse contexto, que a oração introduzida por onde

[para onde ir] parece se encaixar sintaticamente ao sintagma verbal da oração principal

[Eu não tenho]. No que se refere a esse dado, por exemplo, cabe destacar que a leitura

como uma conjunção subordinativa, isto é, como um introdutor de orações adverbiais

também se faz possível pelos mesmos critérios verificados em (2). Na seção

correspondente à análise dos dados (cf. seção 4), trataremos esse tipo de dado como um

contexto sintaticamente intermediário, por apresentar duas possibilidades de

interpretação sintática.

Tendo em vista os usos descritos anteriormente, sabe-se que muitos deles,

apesar de amplamente usados pelo falante da língua portuguesa, em contextos mais ou

menos formais, ainda não são contemplados pela tradição gramatical, passíveis ainda de

correção no ambiente escolar, por exemplo, ou em textos avaliativos para o ENEM,

principal mecanismo de ingresso para universidades federais na atualidade. É nesse

sentido, com o intuito de demonstrar que esses usos já fazem parte de uma gramática

“brasileira”, isto é, os usos de onde fazem parte da gramática internalizada do falante no

português brasileiro, que surgiu o desejo de ainda se pesquisar sobre seu

comportamento em contextos reais de interação.

O objetivo, pois, desta dissertação, é descrever os usos de onde em contextos

oracionais, já que, em situações reais de interação, onde introduz, utilizando-se os

rótulos tradicionais, (i) orações adjetivas (funcionando como pronome relativo,

conforme prevê a tradição gramatical, podendo, no entanto, exprimir outros valores

semânticos, além do locativo), (ii) orações substantivas (funcionando, nesse contexto,

como uma conjunção integrante, já que introduziria uma oração com maior vínculo de

encaixamento em relação ao sintagma verbal da oração principal) e (iii) orações

adverbiais (funcionando como uma conjunção subordinativa, apresentando, além da

leitura circunstancial, maior mobilidade no período, sem retomar um antecedente

nominal). Ainda em relação a esses contextos, onde também pode introduzir as

chamadas orações subordinadas que se manifestam de forma solta e isolada

sintaticamente, através de um sinal de pontuação que, grosso modo, desfaz o vínculo

sintático entre a oração principal e a subordinada. A essas orações, Decat (2011)

denomina desgarradas, conforme se vê no exemplo (4) a seguir.

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

21

(4) Com o aperto no prazo do edital, entreguei as 52 páginas da primeira

versão do roteiro em 11 dias. O script seria, claro, muito modificado durante as

filmagens pelo diretor e também pelos cacos dos atores. Quando o telefilme foi

ao ar no fim do ano seguinte, a gente já estava pensando na criação de uma

série Carro de Paulista. Onde os personagens mostrariam ainda mais nuanças

de personalidade e possibilidades de ação. (Carro de Paulista)

(4) é um exemplo de onde introduzindo uma oração desgarrada. No entanto,

utilizaremos a noção prevista em Rodrigues (no prelo), que entende esse caso de

desgarramento, como um caso não prototípico. Isso porque o desgarramento

prototípico, para a teórica, corresponde à oração adverbial que viria completamente

isolada de uma principal como ocorre no exemplo retirado de Decat (2011, p. 25) “Se eu

ganhasse na Sena!”, em que a oração subordinada analisada não possui sua principal

correspondente. Esse seria, então, um caso de desgarramento prototípico,

diferentemente do que ocorre em (4), um desgarramento não prototípico, já que a

oração desgarrada possui, apesar de separada por um sinal de pontuação (o ponto), sua

oração principal. Uma melhor diferenciação entre desgarramento prototípico e não

prototípico será feita na seção 3.4.4, correspondente à fundamentação teórica e análise

dos dados em desgarramento.

A investigação desses contextos tem, portanto, por objetivo, estabelecer o

continnum entre esses usos, a fim de descrevermos os usos do item de acordo com

situações comunicativas dos falantes em língua portuguesa.

2.1. Onde na perspectiva etimológica

Com o objetivo de tentar explicar alguns dos usos de onde na atual sincronia, a

busca por sua etimologia pareceu-nos indispensável. Levando isso em consideração,

consultaram-se dois dicionários etimológicos. O “Dicionário etimológico da língua

portuguesa,” de Machado (1969), em que o autor afirma que onde é um advérbio

advindo da forma latina unde. O autor ainda chama a atenção para o fato de a forma

unde, no latim, ter assumido o lugar da forma ubi. Em relação a esse aspecto, é

interessante destacar que Barreto (1999), em sua análise sobre a trajetória das

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

22

conjunções do latim ao português, observa que a forma ubi no latim também já era

multifuncional, uma vez que, segundo ela, ubi podia exercer as funções de (i) pronome

interrogativo, (ii) pronome relativo, além de assumir a função de (iii) conjunção

subordinativa temporal. A autora chama ainda a atenção para a gramaticalização

(advérbio – conjunção) no português arcaico pela qual passou a forma hu ~ u, advérbio

que corresponderia à forma onde no português contemporâneo. É nesse sentido, pois,

que se leva em conta o princípio do uniformitarismo, proposto por Labov (1994), que

prevê as mudanças linguísticas de forma cíclica, ou seja, em que se busca o passado

para explicar o presente e também o presente para entender o passado das formas

linguísticas. É assim que esperamos que a etimologia de onde possa nos auxiliar, já que

formas equivalentes a esse item, na passagem do latim ao português, já demonstravam

comportamento multifuncional. O “Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua

portuguesa,” de Cunha (1982), não difere muito do tratamento tradicional que

encontramos hoje, já que se atribui ao item o funcionamento como advérbio e/ou

pronome relativo, cujo antecedente nominal deverá ser locativo.

2.2. Onde na perspectiva tradicional

Tradicionalmente, os gramáticos não contemplam ainda onde em sua lista de

conjunções nem subordinativas e nem integrantes, considerando somente seu uso como

pronome relativo e/ou como advérbio locativo/relativo. Para isso, recorremos a

gramáticas de cunho tradicional, tais como Bechara (2009), Cunha & Cintra (2008),

Luft (1978) e Cegalla (1978). Além disso, analisamos a gramática histórica de Said Ali

(1964), que muito nos auxiliou em nossas investigações.

Bechara (2009) afirma que onde é um pronome relativo e, como tal,

normalmente se refere a um termo anterior, o antecedente (locativo). No entanto, o autor

é o único, dentre os gramáticos revisitados, a admitir a possibilidade de alguns

pronomes relativos não apresentarem antecedente, como atesta o exemplo “Moro onde

mais me agrada” (Bechara, 2009, p. 172). Para ele, o antecedente, então, estaria

implícito, como na paráfrase “Moro no lugar onde mais me agrada”. Todavia, para nós,

a oração introduzida por onde “onde mais me agrada” apresentaria leitura

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

23

circunstancial, a semelhança de um complemento circunstancial2, sendo, portanto, um

introdutor de oração adverbial. Além disso, consideramos que a estratégia de

subentender o antecedente [lugar] nessas orações modifica o uso real produzido pelo

falante. É nesse sentido que acreditamos que uma análise sintática, como é a que ocorre

no caso, deve ser pautada em como o usuário da língua realizou determinadas orações,

ou seja, é indispensável descrevermos a língua de modo a analisar as proposições tais

como são de fato e não modificá-las para dar conta de nossas análises.

Já Cunha & Cintra (2008, p. 365) seguirão o mesmo raciocínio proposto em

Bechara (2009), admitindo somente a possibilidade de onde funcionar como um

advérbio e/ou pronome relativo ou “advérbio relativo”, para usar o rótulo dos

gramáticos, sempre com antecedente locativo. Para exemplificar suas análises, os

gramáticos recorrem ao seguinte exemplo “Ainda não sei mesmo onde vou buscar as

flores”, em que onde não apresenta antecedente nominal e, a semelhança do que ocorre

em Bechara (2009), onde, nesse cotexto, também não atenderia aos nossos critérios de

análise, uma vez que, para nós, onde estaria funcionando como um introdutor de

orações substantivas, devido a seu vínculo com o sintagma verbal [sei], presente na

oração principal. Para ir mais além, o exemplo de Cunha & Cintra (2008) supracitado

seria semelhante ao dado em (3), descrito na seção anterior como introdutor de orações

substantivas, com possibilidade de ser analisado como um introdutor de orações

adverbiais, isto é, um dado em contexto sintaticamente intermediário.

Luft (1978, p. 122), ao ilustrar o uso de onde como pronome relativo

“precedido de palavra de lugar”, apresenta o seguinte exemplo retirado de Machado de

Assis “Onde me espetam, fico”. O período apontado pelo autor é, na verdade, um contra

exemplo ao conceito que ele propõe. Isso porque, nesse contexto, onde parece introduzir

uma oração subordinada adverbial, já que, dentre outras coisas, não apresenta

antecedente nominal, como aponta a conceituação do gramático, além de a oração

inserida por ele estar em ordem inversa, o que nos indica uma maior mobilidade no

período, um dos aspectos usados por diversos autores para distinguir as adverbiais das

demais subordinadas.

2 Rocha Lima (2011) considera o complemento circunstancial um complemento de natureza adverbial, ou

seja, um termo circunstancial que estaria vinculado, por uma relação de complementação, ao verbo. Para

o autor, o complemento circunstancial tem natureza tão indispensável ao verbo quanto os demais tipos de

complemento.

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

24

Cegalla (1978, p. 117) afirma que “onde, como pronome relativo, tem sempre

antecedente e equivale a em que: A casa onde (= em que) moro foi de meu avô”. Apesar

de exemplificar onde retomando um antecedente locativo, o autor, em sua descrição,

não menciona a retomada locativa, comparando o item ao que, conectivo universal. Isso

pode ser um indício, ainda que restrito, acerca da multifuncionalidade do item,

sobretudo no que se refere aos aspectos semânticos em seu funcionamento como

pronome relativo.

Para Said Ali (1964), onde é equivalente ao que e, por isso, poderá se referir a

um nome locativo ou que indique coisa. É nesse momento que compreendemos a visão

do gramático ao perceber que o item em análise pode ocorrer em contextos mais

esvaziados de sentido, isto é, ao admitir a possibilidade de retomar uma “coisa”, o

estudioso atesta, ainda que indiretamente, a multifuncionalidade de onde, tal como

ocorre em relação ao conector que. Ao admitir ainda a retomada por uma “coisa”, o

gramático parece descrever onde funcionando como um pronome relativo, cujo

antecedente nominal poderá apresentar o valor nocional, isto é, contextos em que o

usuário da língua parece expandir/alargar a noção de lugar, tornando-a mais abstrata.

Levando-se em conta as propostas tradicional e histórica antes explicitadas,

percebe-se que muitas dessas gramáticas parecem também não entrar em um consenso,

no que se refere aos usos de onde. Essa ausência de um consenso entre os gramáticos

não parece inviabilizar nossa análise, pelo contrário, parece reforçá-la. Isso porque esses

gramáticos parecem perceber exatamente o mesmo que percebemos, isto é, onde

funcionando em contextos oracionais diversos, com ou sem antecedente (locativo e não

locativo). Assim, a abordagem não consensual entre eles nos ajuda a defender a

multifuncionalidade do item, que parece se comportar de forma tão universal quanto o

conector que.

2.3. Onde em outras abordagens

Fora do âmbito tradicional, as orações introduzidas por onde têm sido bastante

estudadas à luz de diversas teorias, como nos trabalhos de Braga & Manfili (2004),

Manfili (2007), Siqueira (2009) e Silva (2008) só para citar alguns. Silva (2008), por

exemplo, por meio de uma análise diacrônica, de natureza quantitativa, utilizando

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

25

corpus do português arcaico e contemporâneo, demonstra que o item onde passa de uma

função lexical (advérbio locativo) para uma função gramatical (pronome relativo), além

de apresentar também seus usos como conjunção “intersentencial”. Muitos destes

trabalhos, como se vê, já apontam não só a gramaticalização desse conector como

também se preocupam em investigar os contextos de retomada anafórica de onde, como

é o caso de Braga & Manfili (2004). No entanto, todos esses estudos supracitados

diferem-se do nosso pelo aporte teórico-metodológico e/ou pelo corpus a ser analisado.

Souza (2009), em seu trabalho sobre as cláusulas relativas, chama a atenção

para o uso do relativo onde, contestando a prescrição gramatical que estabelece que o

item deva retomar somente antecedente com significação espacial (de lugar), ainda que

já seja de conhecimento seu emprego mais amplo em textos mais ou menos formais. A

autora propõe ainda que a fronteira semântica entre espaço físico e espaço nocional, a

abstratização da noção de lugar pelo usuário da língua, é tênue. Isso, então, é o que

levaria os falantes da língua a generalizarem as duas categorias como noções de espaço,

empregando, assim, o onde em construções não canônicas. A preocupação da

pesquisadora era investigar somente as cláusulas relativas e seus respectivos relativos,

por isso não há qualquer menção aos outros usos não canônicos de onde.

Como a multifuncionalidade do item parece ser incontestável, nossas

observações, a partir deste momento, baseiam-se em estudos funcionalista, perspectiva

teórica adotada nessa pesquisa e que será mais bem descrita na seção 3.3.

Castilho (2010), ao tratar das orações adjetivas e dos pronomes relativos,

especificamente em relação ao onde, cita Braga & Manfili (2004), chamando atenção

para o fato de as autoras admitirem a possibilidade de retomada a termos locativos e

temporais. Além disso, o linguista admite também a ideia de que onde tem seu

funcionamento semelhante a em que. Ao diferenciar onde de aonde (relativo

preposicionado), o autor observa que, para Braga & Manfili (2004), essa diferença

ocorre devido à função como adjunto, que favorece a ocorrência de onde, e como

argumento, que favorece a ocorrência do relativo preposicionado. Em nosso corpus e

com base em pesquisas passadas como em Machado (2011 e 2012), no entanto,

verificamos que os usos de onde e seus respectivos usos preposicionados (aonde, para

onde etc.) parecem não apresentar significativa diferença, isto é, esses usos parecem ser

equivalentes. Isso se verifica nos dados, como em (3) na seção 2 anterior, já que, como

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

26

explicado anteriormente, pode ser considerado como um contexto sintaticamente

intermediário.

Neves (2011, p. 372), por sua vez, aborda muito pouco a temática da

multifuncionalidade de onde. A pesquisadora nota que onde em funcionamento como

pronome relativo, nunca se refere à pessoa, mas somente a lugar. No entanto, a teórica

utiliza-se do exemplo “Ramsey observou que onde há fumaça, há fogo”, em que onde

não parece ter seu funcionamento como pronome relativo, mas, na verdade, como um

introdutor de uma oração adverbial. Entretanto, a linguista não assume essa leitura,

admitindo, na verdade, a possibilidade de onde, ao se referir a lugar, poder se apresentar

como um pronome relativo com ou sem antecedente, tal como propõe Bechara (2009).

Apesar de serem funcionalistas, os teóricos citados anteriormente parecem não

dar conta, em suas descrições, dos usos efetivos que os falantes produzem em relação à

multifuncionalidade de onde. Azeredo (2008), que não é funcionalista, no entanto,

admite a possibilidade de, além de exercer a função de pronome relativo, pode onde

funcionar também como conjunção locativa, isto é, como um introdutor de uma oração

adverbial.

2.4. Onde: justificativas, hipótese, objetivos e apresentação do corpus

Após essa breve revisão sobre os usos de onde sob diferentes enfoques teóricos

e metodológicos, tradicionais ou não, pode-se dizer que nos interessamos um pouco

mais sobre alguns aspectos que envolvem os seus usos. Também foi possível perceber

que, apesar do item já ter sido bastante investigado, esse tema ainda não parece ter se

esgotado, do mesmo modo que não parece haver ainda nenhum consenso acerca de seu

comportamento. Assim, o presente trabalho se justifica, já que tem como intenção,

descrever os usos de onde encontrados em situações de interação comunicativa por meio

de dados coletados em roteiros cinematográficos. Para esta análise, utilizaremos como

pressupostos teóricos, dentre outras teorias, o funcionalismo, que visa a contemplar as

funções discursivas em âmbito textual e interacional, privilegiando os contextos reais de

interação. Nesse sentido, Neves (1997) aponta que considerar o estudo linguístico sob a

ótica da gramática funcional é reconhecer a capacidade do indivíduo de codificar,

refletir e empregar expressões de forma satisfatória. Sendo assim, o emprego do aporte

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

27

teórico funcionalista, neste estudo, justifica a escolha do corpus utilizado, bem como a

análise dos dados, a partir das intenções comunicativas delimitadas pela

contextualização. Trataremos um pouco mais sobre a proposta funcionalista no item 3.3.

Partindo-se, portanto, da premissa de que onde já passou por seu processo de

gramaticalização, pretende-se agora verificar em qual estágio o item se encontra após

gramaticalizar-se. A hipótese inicial é de que onde parece assumir os mesmos valores

semânticos e sintáticos que o conectivo universal que. Nesse sentido, onde seria, pois,

tão multifuncional quanto o que. Para isso, serão controladas a sequência textual em que

o item se encontra, a modalidade (se escrita ou fala, nesse momento levaremos em

consideração a premissa de que o roteiro de cinema, por ser um gênero misto,

apresentaria características das duas modalidades da língua), além de outros aspectos de

análise, a fim de verificar em qual(is) contexto(s) determinado(s) usos de onde são mais

ou menos recorrentes ou, ainda, verificar se essas noções influenciam ou não no

funcionamento do item, uma vez que, por já ter seu uso disseminado na língua, essas

noções podem não mais interferir em seu funcionamento. Além disso, controlar a

sequência textual, bem como o registro linguístico, associada ao grau de

monitoramento, pode contribuir para a identificação se muitos desses usos de onde são

ainda (ou não) estigmatizados pelos usuários da língua.

No que se referem aos dados analisados, todos foram extraídos de 20 (vinte)

roteiros de cinema, totalizando 388 orações introduzidas por onde, como mostra o

quadro 1 a seguir.

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

28

Roteiros

Analisados

Ano de

Publicação

Número de Dados

Feliz ano velho 1982 59

Dores e amores 1999 17

Tolerância 2000 15

O circo das qualidades humanas 2000 13

Memórias Póstumas 2001 21

A selva 2002 21

O homem que copiava 2003 09

Jogo subterrâneo 2005 41

Quanto vale ou é por quilo? 2005 28

Se eu fosse você 2006 05

Zuzu Angel 2006 13

Não por acaso 2007 17

Os 12 trabalhos 2007 22

3 Efes 2007 02

Fim da linha 2008 18

É proibido fumar 2009 14

Antes que o mundo acabe 2009 19

Carro de Paulista 2009 16

Olhos Azuis 2010 32

As melhores coisas do mundo 2010 06

TOTAL: 388

Quadro 1: número de ocorrências de onde por roteiro analisado.

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

29

Embora não tenha sido nosso objetivo, se compararmos os dados de onde nos

roteiros mais antigos em relação aos mais atuais, uma significativa diferença é

percebida, já que foi no roteiro Feliz Ano Velho (1982) em que se observou o maior

número de ocorrências onde introduzindo orações diversas. No entanto, essa

constatação precisa ser relativizada, uma vez que não nos preocupamos em organizar os

roteiros por épocas diferentes, isto é, esse não foi um critério para a escolha dos roteiros

a serem analisados. Essa escolha se deu, tão somente, pela ordem em que os roteiros

estavam disponíveis no site (http://www.roteirodecinema.com.br/roteiros/longas.htm),

ou seja, em ordem cronológica. Além disso, buscou-se privilegiar os roteiros mais

próximos da atual realidade.

Com base nessa análise do corpus, espera-se, portanto, contribuir para

descrição da língua portuguesa, no que se refere ao uso(s) de onde em contextos

oracionais, a fim de, quem sabe, ajudar na configuração de uma gramática que possa

refletir usos reais dos falantes.

Após a revisão do tratamento de onde em diferentes abordagens e da breve

descrição dos nossos objetivos e de nossas justificativas, apresentam-se, na seção 3

seguinte, os nossos pressupostos teórico-metodológicos, em que abordamos, além das

questões funcionalistas, perspectiva teórica que fundamenta esta dissertação, o

continuum fala-escrita, para descrever o corpus em análise, e a noção de sequência

textual, escolha metodológica, no que se refere à análise das porções textuais coletadas.

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

30

3. Pressupostos teórico-metodológicos

Este capítulo explicita os pressupostos teórico-

metodológicos que permearão nossas análises. Assim,

revisaremos os conceitos de fala e escrita, bem como a noção de

continuum entre essas modalidades linguísticas. Resgataremos

também as noções de gênero e tipo textual e a noção de

sequência textual, eleita, nesta dissertação, como um dos

critérios de análise. Por fim, apresentaremos, ainda que de forma

breve, as noções básicas do funcionalismo, corrente teórica a

que se filia este trabalho.

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

31

Nesta seção, para que possamos analisar e descrever os dados de onde e traçar

seus continua, fizemos um breve histórico de alguns preceitos funcionalistas que

norteiam essa investigação e que servem de base para o entendimento do funcionamento

do item como um conectivo universal/multifuncional, além de outras questões teóricas

que nos auxiliarão em nossas análises, tais como (i) o continuum fala-escrita, (ii) a

noção de sequência textual, (iii) a proposta funcionalista de análise dos dados, (iv) a

noção de desgarramento e unidade informacional, abordadas por Decat (2011) e Chafe

(1980), respectivamente, dentre outras coisas.

3.1 Da fala para a escrita: a constituição do corpus

Leech (1997 apud Hoffnagel, 2003), na tentativa de conceituar corpus,

estabelece que, tradicionalmente, os linguistas usam esse termo para designar um corpo

de dados linguísticos autênticos, isto é, que ocorrem de modo espontâneo, podendo ser

usado como base para a pesquisa linguística. No entanto, o autor destaca que um corpus

não é meramente uma coleção de textos, pelo contrário, ele procura representar uma

língua ou alguma parte de uma língua. Assim, compreende-se que, na verdade, o corpus

ideal é aquele que atende às expectativas daquilo que se pretende. É nesse sentido que

optamos por eleger como corpus o roteiro de cinema, afinal, além de representar uma

língua espontânea e conter dados que refletem o uso real, trata-se de um gênero misto,

isto é, escrito, porém com finalidade de ser encenado e falado.

Pensando assim, como um de nossos objetivos é, além de descrever os usos do

item em análise, estabelecer um continuum entre a fala e a escrita, com base nos usos de

onde, a escolha do corpus roteiro de cinema nos pareceu indispensável, por apresentar

sequências inerentemente orais e outras inerentemente escritas. Cabe destacar, no

entanto, que a respeito do roteiro, consideramos como sequências inerentes à escrita

aquelas que tratam da localização da cena, descrição de lugares e/ou personagens,

apresentação do roteiro e/ou de como surgiu a ideia do roteiro etc. Por sua vez,

consideramos como fragmentos inerentes à fala aqueles que reproduzem o diálogo entre

personagens, já que, é neste momento, que o roteiro é escrito com a finalidade de ser

encenado, ou seja, podendo se aproximar mais da modalidade oral da língua.

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

32

Ainda em relação aos nossos objetivos, abordamos a noção de sequência

textual, a fim de compreender se o contexto textual em que onde ocorre pode ou não

influenciar no seu comportamento. Esperamos também, através dessa noção,

compreender os contextos mais e menos formais em que onde se insere, para assim,

verificarmos se parte desses usos é ou não ainda estigmatizada pelos falantes. Além

disso, adotar o conceito de sequência textual nos possibilita analisar melhor os roteiros,

já que, a depender da intenção e propósito comunicativo, alguns roteiros podem ser de

tamanhos díspares. Nesse sentido, então, através da verificação da sequência textual,

não analisaremos a estrutura macrotextual, mas sim a estrutura microtextual em que

onde se insere, sem, no entanto, desconsiderar o contexto.

Para a melhor descrição do gênero roteiro de cinema e sua justificativa no que

se refere aos aspectos textuais, levamos em conta a noção de gênero textual, que,

segundo Marcuschi (2008), são formas textuais concretamente realizadas, isto é, formas

textuais materializadas histórica e socialmente. Assim, a definição de gênero textual não

é linguística, mas pragmática, ou seja, sócio-comunicativa. No entanto, vale destacar

que tratar dos gêneros textuais para justificar a escolha do corpus não parece ser

suficiente. Isso porque os gêneros textuais são relativamente estáveis, já que, conforme

a sociedade evolui, alguns gêneros podem cair em desuso para dar lugar a outros. Além

disso, diferentemente do tipo textual, os gêneros compõem uma listagem aberta, isto é,

de difícil categorização. Por isso, não sabemos quantos gêneros existem.

Pensando assim, recorremos à noção de sequência textual, em que as noções

sobre gênero textual, principalmente no que se refere ao roteiro de cinema, e a noção de

tipos textuais, sobretudo aqueles envolvidos em nossas análises, se tornaram

indispensáveis.

Antes de abordarmos as noções de gêneros textuais, tipos textuais e sequências

textuais, faremos uma breve sistematização acerca das duas modalidades da língua: fala

e escrita, por entender ser esse também um ponto importante para descrevermos o

corpus utilizado.

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

33

3.1.1 O continuum fala-escrita: uma breve revisão

Para Marcuschi (2010), partindo-se da premissa de que são os usos que fundam

a língua e não o contrário, falar ou escrever bem não é ser capaz de adequar-se às regras

gramaticais da língua, mas é, na verdade, usar adequadamente a língua para produzir um

efeito de sentido pretendido em uma determinada situação comunicativa. Portanto,

nesse sentido, o autor propõe que a intenção comunicativa é que fundamenta uma língua

e não seus aspectos morfológicos e/ou sintáticos.

Segundo esse raciocínio, Marcuschi (2010, p. 16) afirma que

não serão primeiramente as regras da língua nem a morfologia os

merecedores de nossa atenção, mas os usos da língua, pois o que

determina a variação linguística em todas as suas manifestações são os

usos que fazemos da língua. São as formas que se adéquam aos usos e

não o inverso. Pouco importa que a faculdade da linguagem seja um

fenômeno inato, universal e igual para todos [...] o que importa é o

que fazemos com esta capacidade.

É assim que Marcuschi (2010) estabelece que as noções de fala e escrita não

devem ser tratadas de maneira estanque ou dicotômica, em que a primeira seria

descontextualizada e não planejada, isto é, o lugar do erro e do caos gramatical,

enquanto que a segunda seria o lugar da contextualização e do planejamento, ou seja, o

texto socialmente projetado como o ideal. Essa é, de acordo com o linguista, uma visão

seguramente a ser rejeitada, ainda que impere no ambiente escolar. Para o teórico,

então, fala e escrita estão dispostas em um continuum, que vai desde o nível mais

informal ao nível mais formal, passando por graus intermediários. Nesse sentido, fala e

escrita podem ser entendidas como duas práticas sociais e não duas propriedades de

sociedades diversas, isto é, elas constituem duas modalidades de uma mesma língua e

não modalidades de línguas diversas, embora, no entanto, as proximidades entre fala e

escrita nem sempre sejam estreitas. Para comprovar que fala e escrita não constituem

modalidades estanques, podemos utilizar como exemplo o próprio gênero roteiro, já que

nele encontramos uma mescla ou fusão entre ambas as modalidades linguísticas.

Diferentemente do continuum fala-escrita proposto por Marcuschi (2010) e por

Paiva e Gomes (2015), ainda é comum encontrarmos situações em que a escrita é

considerada formal e em que fala seria considerada informal. Isso se justifica porque os

usos da escrita têm maior prestígio social que os da fala.

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

34

Para Marcuschi (2010, p. 27), essa é certamente uma visão a ser criticada. Para

o autor, essa visão dicotômica se fundamenta na gramática tradicional, uma vez que

numa perspectiva mais restrita da língua, levando-se em conta a prescrição gramatical,

elegeu-se uma única norma linguística tida como padrão. É dessa forma que se distingue

fala e escrita em dois blocos antagônicos, atribuindo-lhes propriedades específicas. A

língua, no entanto, seja em sua modalidade oral ou escrita, reflete a organização da

sociedade.

Seguindo esse raciocínio, para o linguista, as diferenças entre fala e escrita se

dão dentro de “um continuum tipológico das práticas sociais de produção textual”

(Marcuschi, 2010, p. 37-38).

Sobre os gêneros orais, Carvalho (2010, p. 1) destaca que o primeiro ponto a se

pensar é a compreensão da base oral na maioria dos textos produzidos nas dinâmicas

sociais, porque falamos mais do que escrevemos. Assim, somos seres eminentemente da

oralidade. A maior parte das relações verbais, estabelecidas nas atividades cotidianas,

depende da mediação da fala. Além disso, o estudioso destaca, ainda, que tanto a

atividade escrita como a oral apresentam mais semelhanças do que diferenças, visto que

se constituem de mesmo sistema linguístico e compartilham de gêneros textuais que

intercambiam procedimentos similares na estruturação do funcionamento discursivo.

Desse modo, o continuum fala-escrita leva o aprendiz a refletir sobre a diversidade de

gêneros e suas sobreposições em relação às marcas de modalidade.

É também pensando em um continuum fala-escrita dos gêneros textuais, que

Marcuschi (2010, p. 41) propõe o seguinte gráfico:

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

35

Gráfico 1: representação do contínuo dos gêneros textuais, retirado de Marcuschi (2010, p. 41)

sobre o continuum dos gêneros textuais.

Considerando o gráfico 1, podemos refletir sobre a composição do roteiro,

corpus utilizado nesta pesquisa, já que, embora seja um gênero de concepção escrita, é,

porém, de reprodução oral.

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

36

Gráfico 2: meio de reprodução e concepção discursiva, retirado de Marcuschi (2010, p. 39) sobre meio de

produção e concepção discursiva.

Com base no gráfico 2, pode-se afirmar que o corpus roteiro de cinema,

utilizado por nós, pode, na verdade, ser considerado como um gênero misto e não

híbrido. Isso porque o roteiro mescla características das duas modalidades da língua

(fala e escrita) sendo, portanto, um gênero concebido pela escrita, porém com

reprodução oral. Já o hibridismo se configura, na realidade, como uma mescla de

características de diferentes gêneros textuais, o que não ocorre em relação ao roteiro.

Partindo-se dessa premissa, compreendemos que, de acordo com o exposto,

podemos traçar, com base nos usos de onde, um continuum fala-escrita, mesmo fazendo

uso de um texto, grosso modo, de escrita.

3.1.2 O continuum fala-escrita: a descrição do corpus

Preti (2004), ao estabelecer uma analogia dos diálogos de ficção e a realidade

linguística, afirma que a literatura já serviu como corpus para inúmeras pesquisas

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

37

linguísticas. Tanto a prosa quanto a poesia forneceram amplo material, objetivando

descrever normas de evolução histórica da língua, na sintaxe, na morfologia e no léxico.

O autor atesta que os textos de base literária supriram, durante muito tempo, a falta de

documentação gravada, isto é, que não existia, para registrar variantes da modalidade

oral da língua, servindo, desse modo, como um testemunho por escrito de como as

pessoas falariam em determinados contextos reais de interação comunicativa. Nesse

sentido, narradores e personagens assumem o lugar de falantes reais, reproduzindo uma

determinada realidade linguística que se pretende investigar.

Preti (2004) ressalta, no entanto, que não se pode dizer que a utilização de um

corpus literário retrata fielmente as situações reais de interação, mas que podemos, sim,

afirmar que em todos os momentos da literatura, encontramos escritores que se deixam

influenciar pela oralidade. É nesse sentido que justificamos a utilização de nosso

corpus: o roteiro de cinema. Embora seja ele um corpus de características literárias e,

por isso, conforme proposto, não seria a representação ideal da realidade linguística,

atende aos nossos propósitos, uma vez que, diferentemente dos textos literários

clássicos a que Preti (2004) faz referência ao trazer essa teorização, os roteiros

utilizados por nós possuem a intenção comunicativa de representar, de fato, a oralidade.

Isso porque eles têm por finalidade serem encenados, sendo, portanto, uma

representação da fala. Exatamente por se tratar de uma representação da oralidade é que

não chamaremos as porções textuais analisadas de sequências ou fragmentos de fala ou

escrita, mas, sim, de sequências ou fragmentos inerentemente da fala e inerentemente da

escrita. Tal opção metodológica, além de justificar a crítica feita por Preti (2004),

possibilita que adotemos, conforme Marcuchi (2010), o continuum fala e escrita, pelo

qual o gênero roteiro pode ser considerado um gênero misto, no que tange a essas duas

modalidades.

Justificando nossa escolha e confirmando a separação entre o que seria um

fragmento inerente à fala e um fragmento inerente à escrita, vale resgatar a assertiva de

Preti (2004, p. 120):

se podemos afirmar que existe na Linguística, em todo mundo, nas

últimas décadas, uma valorização dos estudos de língua oral [...] que

nos dão conta da importância do ato conversacional e da ação de

fatores internos e externos que o influenciam, também podemos dizer

que, na literatura, há uma tendência para aceitar melhor a contribuição

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

38

da língua oral, no sentido de caracterizar, dar um tom mais realista às

vozes das personagens (e do narrador de primeira pessoa).

Levando-se em consideração o exposto pelo linguista, pode-se afirmar que as

passagens inerentes à fala (aquelas que representam a fala de personagens e seus

diálogos, por exemplo) podem ser utilizadas como um instrumento de investigação, uma

vez que, para retratar uma fala mais próxima à realidade, o autor fará uso de construções

tipicamente orais, a fim de se adequar a situações reais de interação.

Preti (2004, p. 121) chama a atenção também para o fato de, em se tratando de

um corpus literário, duas possibilidades de análise sejam possíveis: (i) a “macroanálise

da conversação literária”, que, para o teórico, é uma análise que levará em conta

aspectos extralinguísticos que poderão influenciá-la, tais como o grau de escolaridade, a

profissão, a posição social, a faixa etária e o sexo desses personagens, ou seja, aspectos

sociolingüísticos; (ii) a “microanálise da conversação literária”, isto é, uma análise que

se centraria nas informações trazidas pela situação interacional, compreendendo todos

os elementos pragmáticos que acompanham as falas, além das estratégias

conversacionais empregadas pelos interlocutores durante os diálogos. Em nossa

descrição, privilegiamos a “microanálise da conversação” por entender ser essa a que

melhor reflete nossos objetivos.

Preti (2004) retoma a ideia de que não se deve pensar na fala como uma

modalidade desorganizada, como costuma(va)-se afirmar. Além disso, o autor propõe

que a língua falada teria uma gramática diferente da língua escrita. Essa gramática da

fala é aquela que os falantes aprenderiam em seus usos diários e cujas categorias de

análises diferem da gramática da língua escrita. Nesse sentido, o linguista chama a

atenção para, na organização textual e interacional da fala, haver marcadores

conversacionais, repetições, correções, paráfrases etc. Na sintaxe, para Preti (2004),

predomina períodos sintáticos curtos, tais como a justaposição, e a baixa ocorrência de

estruturas de subordinação. No entanto, essas diferenças, que seriam mais evidentes em

textos prototípicos de fala e de escrita, não valem para o nosso corpus roteiro de

cinema, já que, nesse caso, não estamos diante de um texto prototipicamente

oral/escrito, mas, sim, diante de um texto misto, isto é, escrito, porém com finalidade de

ser reproduzido oralmente e, por isso, algumas marcas da oralidade podem se fazer

presentes em sua construção por escrito.

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

39

Nesse sentido, Preti (2004) afirma que no continuum fala-escrita existe, a rigor,

uma tipificação textual, que iria desde a conversa distensa do dia a dia, até a exposição

científica tensa ou o pronunciamento oficial de uma autoridade, no caso da língua

falada; e desde a informalidade de uma carta pessoal até a elaboração de um texto

literário ou de um artigo científico, no caso da língua escrita. Todavia, ao observarmos

quaisquer desses textos, em que se notam diferenças e semelhanças entre a escrita e a

oralidade, seria pouco provável afirmar que existe uma perfeita correspondência entre

eles, uma vez que a linguagem informal escrita de uma carta familiar não corresponde à

linguagem informal oral de uma conversa do dia a dia. Assim, recuperando a ideia de

Marcuschi (2010), a escrita, levando-se em conta a situação de comunicação entre

autor/leitor e falante/ouvinte, não poderia ser uma reprodução fiel e absoluta da fala.

Contudo, Preti (2004, p. 121) afirma que é possível chegar ao leitor a “ilusão

de uma realidade oral, desde que tal atitude decorra de um hábil processo de elaboração,

privilégio do texto literário”. Assim, devido às marcas de oralidade empregadas pelo

autor em sua escrita, que tenta, de certo modo, se aproximar e reproduzir a fala, é que o

leitor pode reconhecer no texto a realidade linguística que se habituou a ouvir ou que,

pelo menos, já ouviu alguma vez na vida e que internalizou. Logo, de acordo com Preti

(2004, p. 126), isso remete às “estruturas de expectativa”, ou seja, a aquilo que o

ouvinte/leitor espera que o falante/escritor fale ou escreva e em que tipo de linguagem o

faça.

É nesse sentido que Preti (2004) afirma que, ao pensarmos nos diálogos

literários, a reprodução da fala, certamente, representaria as marcas do uso linguístico

de sua época, considerando-se a microanálise e seus contextos pragmáticos comentados

anteriormente. Além disso, o autor propõe ainda que, diferentemente dos diálogos, que

melhor representam as marcas de oralidade, os narradores, bem como suas passagens,

representam as marcas de escrita. A partir disso, confirmamos nossa divisão, comentada

anteriormente, em fragmentos inerentemente de fala (os diálogos entre personagens) e

os fragmentos inerentemente de escrita (passagens de narrador, além de localização da

cena e/ou sua apresentação). O linguista afirma, no entanto, que a estratégia ficcional

sempre encontrou sérios problemas para elaborar a língua falada e, na maioria das

vezes, o vocabulário é a única marca mais próxima à oralidade.

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

40

Assim, por tudo o que foi exposto sobre o continuum fala-escrita e a respeito

da relação entre a oralidade e os textos literários, parece ter ficado clara a nossa intenção

ao optar por analisar um corpus misto.

Após, então, a descrição no que tange à constituição e à descrição do corpus

em análise, explicitam-se a seguir as noções de gêneros e tipos textuais, objetivando

retomar conceitos que justifiquem nossa escolha pela noção de sequência textual, já que

esta noção é um dos critérios utilizados, além do conceito de fala e escrita, para a nossa

análise dos dados.

3.2. Língua e texto: noções relevantes

Partindo-se da perspectiva sociointerativa, Marcuschi (2008), ao traçar as

diferenças entre texto e discurso, afirma que essa distinção é cada vez mais complexa, já

que, em certos casos, tais distinções são vistas como intercambiáveis. Para o

pesquisador, a tendência é ver o texto no plano das formas linguísticas e de sua

organização, ao passo que o discurso seria compreendido através do plano do

funcionamento enunciativo, isto é, o plano da enunciação e efeitos de sentido na sua

circulação sociointerativa e discursiva, envolvendo outros aspectos. O autor chama a

atenção para o fato de as noções de texto e discurso não distinguirem fala e escrita e

nem serem compreendidas de forma dicotômica. Isso porque essas noções são maneiras

complementares de enfocar a produção linguística em funcionamento.

Marcuschi (2008, p. 58), preocupado em refinar a definição de discurso,

destaca que essa noção é vista como uma “prática e não um objeto ou artefato

empírico”, isto é, para ele, discurso é a noção que permitirá abordar os fenômenos

extralinguísticos “sem cair no subjetivismo”.

Ao delimitar a noção de língua que serve de aporte para suas análises textuais,

o linguista afirma que esta deve ser compreendida como uma atividade sociointerativa

situada, ou seja, considerando os aspectos sociointeracionais e os relacionando aos

aspectos históricos e discursivos. Assim, o autor não deixa de admitir que a língua seja

sistemática e constituída por um conjunto de símbolos ordenados, mas se leva em conta

também o fato dela ser compreendida como uma atividade sociointerativa, que se

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

41

desenvolve em contextos comunicativos historicamente situados. Nesse sentido, a

língua é vista por ele como um conjunto de práticas sociais e cognitivas historicamente

situadas. Desse mesmo modo, podemos relacionar a definição de língua adotada pelo

autor com a definição de texto.

Marcuschi (2008, p. 72), em uma breve revisão, relembra o fato de que a

comunicação linguística não se dá por meio de unidades isoladas, tais como fonema,

morfema ou palavras soltas, mas, sim, por meio de unidades maiores: os textos. Os

textos são, a rigor, para ele, o único material linguístico observável, ou seja, um

fenômeno linguístico de caráter enunciativo e que, por isso, constitui uma unidade de

sentido. O texto pode ser considerado, então, como um “tecido estruturado”, para usar o

termo do autor, isto é, uma entidade significativa e comunicativa, de base sócio-

histórica. Desse modo, o texto pode ser considerado, como propõe Beaugrande (1997),

como um evento comunicativo em que convergem ações linguísticas, sociais e

cognitivas.

A respeito de uma gramática de texto, Marcuschi (2008), ao criticar essa visão,

explica que, ao se pensar numa gramática de texto, o que se pensaria, na realidade, é na

possibilidade de identificar um conjunto de regras para atender a boa formação textual.

No entanto, o linguista ressalta que isso seria impossível e pouco provável, já que texto

não é meramente uma unidade formal que poderia ser definida e compreendida como

um conjunto de regras formais. O autor, portanto, questiona a dificuldade que seria

propor regras para todos os gêneros textuais, por exemplo, tendo em vista que são

compostos por uma listagem em aberto, além de serem construídos socialmente.

Logo, partilhamos da visão de que texto é, na realidade, uma interação

comunicativa entre autor/leitor, no texto escrito, e locutor/interlocutor, no texto oral.

Pensando assim, adotamos como corpus o roteiro de cinema, por entender que, apesar

de ser um texto literário, ele parece refletir essa interação entre os usuários da língua.

Assim, consideramos indispensável para nossa análise, diferenciar as noções de tipos,

gêneros textuais e sequências textuais, para justificar nossa escolha metodológica pela

análise das sequências textuais.

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

42

3.2.1. Tipos e gêneros textuais: breves reflexões

Bronckart (2010, p. 168), ao revisar as teorias dos textos, afirma que, de um

modo geral, essas teorias de organização dos textos são oriundas de duas tradições

diferentes. A primeira, que estaria centrada na estruturação, ou seja, em sua organização

interna. Esse tratamento é, para o autor, “ascendente, isto é, parte de unidades mais

simples, como as palavras ou os signos, que se organizam em frases ou proposições, de

acordo com as regras da microssintaxe”, que se organizam em macroproposições, de

acordo com as regras da “macrossintaxe”. É nessa abordagem que se identificam

diferentes superestruturas, como as sequências textuais. A segunda tradição das teorias

sobre texto centra-se na relação existente entre os textos e as atividades humanas,

levando em conta a função comunicativa e social dos textos. Para Bronckart (2010),

essa segunda tradição recebe um tratamento “descendente”, isto é, partindo-se primeiro

da análise das interações sociais, seguida da análise dos gêneros de textos produzidos no

quadro dessas interações, para, enfim, chegar a analisar as unidades e estruturas

linguísticas no interior desses gêneros. A proposta de visão “ascendente” faria o

caminho inverso, de acordo com o autor.

Com base no reconhecimento dessas tradições teóricas, deixamos de lado a

cultura de analisar somente os gêneros considerados “nobres”, ou seja, aqueles que eram

reconhecidos como tendo valor literário (romance, novela, epopéia, tragédia etc.), e

considerados como os únicos dignos de serem ensinados, para analisar, de acordo com a

proposta dos gêneros textuais, todas as espécies de textos produzidos por membros de

uma comunidade verbal. No entanto, embora a análise de textos se dê de forma ampla

na atualidade, Brandão (1999) afirma que ainda impera a ideia de que o texto é

compreendido como fonte ou pretexto para exploração das formas gramaticais,

desconsiderando-se, desse modo, sua realidade pragmático-discursiva.

Marcuschi (2008) assim como Brandão (1999), ao tratar da noção de gênero

textual, afirma que o fato social, isto é, aquilo que se acredita ser uma verdade

socialmente construída, é, na verdade, uma realidade construída por um discurso

situado. Segundo esse aspecto, a noção de gênero textual leva em conta as motivações

socialmente construídas. Marcuschi (2008) afirma ainda que os gêneros textuais

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

43

possuem propósitos comunicativos bastante claros e isso é o que determina suas esferas

de circulação. O linguista esclarece também que todo gênero textual apresenta uma

forma e uma função delimitadas, mas que sua determinação se dá tão somente por meio

da sua função comunicativa, e não por meio de sua forma. Portanto, os gêneros não

devem ser concebidos como modelos estanques nem como estruturas rígidas, pelo

contrário, os gêneros são, para ele, formas culturais e cognitivas de ação social. É nesse

aspecto que, para Marcuschi (2008), a noção de gênero textual se diferencia da noção de

tipo textual.

Marcuschi (2008) chama a atenção para o fato dos gêneros serem considerados

como uma lista aberta e difusa, isto é, estamos submetidos a uma variedade de gêneros

textuais. No entanto, para o estudioso, cabe destacar que uma lista aberta não significa

uma listagem infinita. Isso porque a apropriação dos gêneros textuais se dá por meio da

socialização, isto é, eles estão situados em uma relação social, histórica e cultural. Nesse

sentido, para o autor, os gêneros são textos materializados em situações comunicativas

recorrentes. Em contraposição aos tipos textuais, os gêneros são construídos em

situações comunicativas, podendo expressar designações diversas, além de constituírem

uma listagem aberta, em princípio.

Marcuschi (2008) afirma que os tipos correspondem a uma espécie de

construção teórica definida pela natureza linguística de sua composição. Para o teórico,

os tipos correspondem mais a sequências linguísticas que a textos materializados, na

verdade. São, a rigor, modos de organização textual, que, para ele, são divididos em

categorias diferentes, tais como: narração, argumentação, exposição, descrição,

injunção. O conjunto de tipos textuais é, diferentemente dos gêneros, limitado e

corresponde a uma lista fechada, isto é, sem tendência a aumentar. Ao analisar um tipo

textual, analisa-se, na verdade, o modo de organização que predomina em um dado

texto. Nesse sentido, o corpus utilizado por nós, do gênero roteiro, apresenta tipologia

predominantemente narrativa. No entanto, considerando-se a noção de sequência

textual, que será mais bem descrita adiante, é possível analisarmos outras tipologias

presentes em partes menores dos roteiros.

Marcuschi (2008) ressalta a importância de se analisar a sequência textual,

porque, para o autor, é através do estudo dela que é possível se comprovar que, embora

se faça a distinção, as noções de gêneros e tipos textuais não são dicotômicas, na

Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

44

verdade, são complementares e estão também dispostas em um continuum. Isso porque

gêneros e tipos não estão isolados um do outro, pelo contrário, são formas que

constituem um texto em funcionamento. É por concordar com a noção de Marcuschi

(2008) que, em nosso trabalho, adotamos a noção de sequência textual, descrita na seção

3.2.2 seguinte.

3.2.2 Sequências textuais: uma escolha metodológica

Tomando por base os aspectos linguísticos e, portanto, uma visão

“ascendente”, de acordo com a proposta de Bronckart (2010), Adam (1992), focado

nessa visão teórica, apesar de também considerar alguns aspectos da segunda vertente,

argumenta que as sequências textuais organizam as frases de um texto ou o modo como

esses textos serão tipificados, isto é, o autor postula que os tipos textuais podem se

diferenciar através do tipo de sequência específica que os organiza. É nesse mesmo

sentido que Marcuschi (2008) também considera a importância das sequências textuais.

Assim, Adam (1992) distingue os textos em narrativos, descritivos, argumentativos,

explicativos e dialógicos. No entanto, para Bronckart (2010), as sequências textuais são

formas de planificação possíveis, mas não necessárias para distinguir os tipos textuais.

Adam (2008) declara ainda que as sequências textuais representam um tipo de operação

textual, isto é, uma estrutura composicional de natureza linguística, mas que sofre

interferências das práticas discursivas. Nesse sentido, a noção de sequência textual

representa, como propõe Sousa (2012), uma contrapartida à noção de tipo textual.

Cavalcante (2013), ao tratar da noção de sequência textual, afirma que todo

texto é constituído por sequências e que essas sequências são unidades estruturais,

relativamente autônomas e organizadas em frases. Nesse sentido, as sequências textuais

podem se constituir com funções específicas, podendo ser a de narrar (narrativa),

descrever (descritiva), orientar (injuntiva), argumentar (argumentativa), explicar

(expositiva) e apresentar uma conversa (dialogal). Em geral, a autora afirma o mesmo

que Marcuschi (2008), propondo que um mesmo texto poderá apresentar diferentes

sequências textuais, confirmando a tese de que as noções textuais (tipos, gêneros e

sequências) não são dispostas de modo estanque.

Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

45

A noção de sequência textual tem, na verdade, origem na proposta de Adam

(1992) e, por isso, a breve revisão sobre sua visão teórica. No entanto, esse trabalho se

centrará na perspectiva de Marcuschi (2008), por entender ser a proposta desse autor a

que melhor atende às nossas expectativas.

Diferentemente de Adam (1992), que propõe as sequências narrativa,

descritiva, argumentativa, explicativa e dialogal, como antes mencionado, Marcuschi

(2008) propõe como sequências tipológicas a sequência descritiva, a narrativa, a

expositiva, a argumentativa e a sequência injuntiva. É essa proposta de Marcuschi

(2008) que adotamos em nossas análises, por compreender ser ela a mais adequada à

nossa realidade linguística, uma vez que temos a intenção de investigar e compreender

se as sequências tipológicas serão ou não um aspecto relevante na investigação dos usos

de onde. Para isso, utilizaremos os critérios propostos por Marcuschi (2005) para

caracterizar e diferenciar as diferentes sequências tipológicas, a saber:

i. Sequência descritiva: tipo de sequência textual que pode apresentar verbo estático

no presente ou no imperfeito, além de uma indicação de lugar. Em se tratando do corpus

roteiro de cinema, ela poderá estar presente em descrição de cenas, personagens e/ou

lugares, conforme atesta a sequência textual a seguir, retirada do roteiro É proibido

fumar.

Exemplo: “Apartamento idêntico ao de Baby, mas vazio, sem móveis e espelhado. Por

ele caminham um corretor de imóveis, 35 anos, com calça e camisa social e capanga

embaixo do braço. e Mikaela, a sua cliente, uma mulher jovem, com ar determinado.

Ele abre a janela, onde está pregado um anúncio onde se lê: Imobiliária RODRIGUES

– ALUGA-SE. Ela olha tudo, em silêncio.” (É proibido fumar)

ii. Sequência narrativa: tipo de sequência textual que pode apresentar verbo de

mudança no passado. Trata-se de um fragmento de texto que indica a ação ou o diálogo

entre personagens, como mostra a sequência textual seguinte, coletada do roteiro Feliz

ano velho.

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

46

Exemplo: “Comecei pesquisando a questão clínica: Marcelo me descreveu todo seu

cotidiano de tetraplégico e me levou à instituição onde havia feito o trabalho de

reabilitação. Tive contato com sua fisioterapeuta e outros que participaram do

processo.” (Feliz ano velho)

iii. Sequência expositiva: tipo de sequência que tem por finalidade informar, esclarecer

e/ou explicar determinadas ações, sem que haja o intuito de opinar. Essas sequências

poderão ser de dois tipos: sintética ou analítica, cujos propósitos serão, basicamente,

identificar fenômenos e interligar esses fenômenos, respectivamente, conforme se vê na

sequência textual seguinte, extraída do roteiro Dores e amores.

Exemplo: “As ideias continuavam a surgir: procurar as locações nos bairros

cariocas onde houvesse um legado arquitetônico português, fossem casas coloniais ou

construções da época imperial, em contraste com o Rio de Janeiro modernista e

turístico.” (Dores e amores)

iv. Sequência argumentativa: sequência textual cuja forma verbal pode aparecer no

presente. Trata-se de um fragmento de texto avaliativo, isto é, de atribuição de

qualidade e opinião, como se nota pela sequência textual seguinte, coletada do roteiro

Antes que o mundo acabe.

Exemplo: “Sabe que no Islã é permitida a poligamia? Deve ser estranho ser mulher

numa sociedade onde é permitido ao homem ter quantas mulheres quiser e puder

sustentar. Mas imagina o contrário. Uma sociedade onde é a mulher que pode ter

quantos maridos quiser?” (Antes que o mundo acabe)

v. Sequência injuntiva: sequência representada por verbo no imperativo, ou verbos que,

embora não estejam nesse modo verbal, tenham a mesma intenção comunicativa de

ordenar, aconselhar e/ou pedir. São sequências que, de certo modo, incitam às ações dos

personagens, como se vê na sequência textual seguinte, coletada do roteiro Carro de

paulista.

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

47

Exemplo: “Ó a piranha aqui! Xispa daqui, seus bostinhas! Volta pro mato de onde

vocês vieram!” (Carro de paulista).

Explicitados os procedimentos metodológicos adotados: continuum fala-

escrita, a diferenciação entre gêneros e tipos textuais, a escolha da noção de sequência

textual, além da revisão dos conceitos de língua e texto, na seção 3.3, ressaltam-se

alguns aspectos da teoria que fundamenta este estudo: a teoria funcionalista.

3.3 O funcionalismo: definições e contribuições

Para esta pesquisa, utilizamos os pressupostos teóricos funcionalistas, que

consideram a linguagem em seu uso real, servindo à função comunicativo-interacional

da linguagem, ou seja, visando, dentre outras coisas, a relação gramatical das línguas e

seus contextos de interação, valorizando o uso que o falante faz dessas estruturas. Por

isso, Neves (1997) explicita que, ao se afirmar que a gramática funcional considera a

competência comunicativa, significa dizer que o que ela considera é a capacidade que os

indivíduos têm não apenas de codificar e decodificar expressões, mas também de

interpretá-las de forma interacionalmente satisfatória. Neves (1997) aponta ainda que se

entende por gramática funcional a organização gramatical das línguas naturais, que

procura integrar-se em uma teoria global da interação social. Trata-se, portanto, de uma

teoria que considera as relações entre as unidades e as funções das unidades têm

prioridade sobre seus limites e sobre sua posição. A teoria funcionalista entende, então,

a gramática como acessível às pressões do uso. Ainda com base nesta perspectiva, Dik

(1989) aponta que, em um paradigma funcional, a língua é concebida como um

instrumento de interação social entre os seres humanos, usada com o objetivo principal

de estabelecer relações comunicativas entre os usuários. Esta teoria preza, então, pelo

estudo das estruturas linguísticas dentro de seu contexto de uso, reforçando a ideia de

que discurso e gramática interferem um no outro.

Nesse sentido, para os funcionalistas, a gramática de uma dada língua é

formada não só a partir de pressões internas a seu sistema, mas também de pressões

externas a ele. Sendo assim, a gramática é concebida como um sistema adaptativo, que

Page 48: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

48

está em constante reformulação por meio dos usos que os falantes fazem da língua em

situações comunicativas reais.

Sabendo que a língua é um organismo vivo e se encontra em constante

reformulação, podemos entender melhor o surgimento de novas estruturas linguísticas a

partir de uma visão funcionalista da língua. O surgimento de estruturas novas em um

sistema linguístico não envolve elementos totalmente novos, pelo contrário, apresenta

elementos já disponíveis no sistema com uma funcionalidade diferenciada. Desse modo,

parece ser recurso recorrente nas línguas o uso de estruturas velhas com finalidades

novas. Não é rara, portanto, a utilização de itens e construções lexicais com finalidades

mais gramaticais. Esse processo é conhecido por gramaticalização.

No que se refere à gramaticalização, Meillet (1948 [1912]) define esse

processo como uma mudança de categoria, em que uma palavra autônoma passa a ter

um caráter mais gramatical. Para o autor, essa mudança está associada a um

esvaziamento semântico e formal, em consequência da frequência de uso de

determinadas formas.

Seguindo os pressupostos de Castilho (2010), a língua, para a proposta

funcionalista, é um instrumento de interação social, cujo correlato psicológico é a

competência comunicativa, ou seja, a capacidade de se manter a interação por meio da

linguagem. Para Castilho (2010), diferentemente da sintaxe formal, que contextualiza a

língua nela mesma, isto é, leva em consideração as propriedades internas e as relações

estabelecidas entre seus constituintes e seus significados, a sintaxe funcional

contextualiza a língua na situação interacional a que as estruturas se correlacionam,

dedicando-se mais ao modo como ela se gramaticaliza, ou seja, ao modo como ela

representa as categorias sociais e cognitivas em sua estrutura gramatical. Castilho

(2010) afirma ainda que as diferentes tendências da sintaxe funcionalista possuem em

comum a eleição do discurso e da semântica como sendo os componentes centrais da

língua e, consequentemente, seu ponto de partida.

Apesar de expor diferenças entre o funcionalismo e o formalismo, Castilho

(2010) destaca que, embora o funcionalismo seja mais recente, as duas vertentes

apresentam pontos de convergência. Isso porque, segundo o linguista, o gerativismo faz

menção à semântica ao tratar das subcategorias dos papeis temáticos, enquanto que o

Page 49: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

49

funcionalismo, apesar de levar em consideração o caráter social, não poderia deixar de

considerar as regularidades da estrutura da língua.

Neves (1997, p. 5), ao tratar das funções da linguagem, afirma que função, para

o funcionalismo, apresenta algumas possibilidades de variedades. São elas:

i. o valor de “papel” ou de “utilidade de um objeto ou de um comportamento”;

ii. o valor de “papel de uma palavra em uma oração”, acrescentado ao sentido que uma

palavra tem em um determinado contexto;

iii. o valor matemático de “grandeza dependente de uma ou de diversas variáveis”.

No entanto, Martinet (1994) afirma que o termo função tem sentido, para os

linguistas, de papel que a língua pode desempenhar na comunicação entre seus usuários.

Nesse sentido, no que se refere à linguagem, a significação de função, levando-se em

conta seu sentido matemático, não será pertinente. Para explicar a difícil conceituação

dos termos função e funcional, recorrentes na produção linguística da escola de Praga,

Neves (1997) explicita cinco diferentes motivos para essa dificuldade de conceituação,

que são:

i. há nas produções linguísticas muito poucas tentativas de definição dos termos

usados;

ii. o conceito é aplicado a variados domínios e fenômenos da linguagem e, por isso,

sofre muitas modificações, aparecendo com variações nocionais;

iii. há diferenças e vacilações entre os diferentes autores;

iv. o termo funcional é usado, em alguns casos, em sentido vago, como uma espécie de

rótulo;

v. os termos função e funcional não são os únicos relevantes para uma abordagem de

cunho funcionalista.

Nesse sentido, para Neves (1997), a função de uma entidade linguística é

constituída pelo papel que ela desempenha no processo comunicativo, ou seja, para

maioria dos autores, o termo função é usado como o propósito que os componentes

gramaticais desempenham. Halliday (1985) afirma que a noção de função não se refere

Page 50: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

50

aos papeis que desempenham as classes de palavras ou os sintagmas dentro da estrutura

maior, mas ao papel que a linguagem desempenha na vida dos indivíduos, servindo aos

muitos e variados tipo de demanda. Assim, o termo função, em relação à linguagem,

tanto pode se referir ao propósito de uso quanto ou papel ou efeito de uso. Nesse

sentido, em se tratando dos usos de onde, função terá o sentido de efeito de uso, isto é,

onde podendo funcionar como (i) conjunção integrante, (ii) conjunção subordinativa e

(iii) pronome relativo (retomando outros valores semânticos além do de lugar).

Para Halliday (1985), a gramática funcional é essencialmente uma gramática

natural, no sentido de que tudo nela pode ser explicado, com referência a como a língua

é usada. Desse modo, cada elemento numa língua é explicado por sua função no sistema

linguístico. Assim, a gramática funcional é aquela que constrói todas as unidades de

uma língua como configurações orgânicas de funções. Nesse sentido, o autor explicita

dois pontos básicos: (i) a unidade maior de funcionamento é o texto e (ii) os itens são

multifuncionais.

Nessa concepção de que a maior unidade de funcionamento é o texto, a língua

é concebida como um sistema de produção de sentidos através de enunciados

linguísticos. É a gramática, então, que codifica o significado. Para Halliday (1985), o

estudo da multifuncionalidade prevê, entre outras coisas, (i) a investigação de diferentes

funções e (ii) a investigação do funcionamento de um determinado item de acordo com

os limites linguísticos, desde os sintagmas menores até as porções textuais. Assim, a

investigação da multifuncionalidade de onde prioriza a função desse item e seus níveis

de análise.

Ao estabelecer a noção de multifuncionalidade, recorremos à noção de

gramaticalização, que, segundo Gonçalvez et al (2007), dentre os vários processos de

mudança linguística, é considerada uma das mais comuns que se tem observado nas

línguas. Isso porque a constante renovação do sistema linguístico, que é percebida,

principalmente, pelo surgimento de novas funções para formas já existentes, traz a

noção de gramática emergente. Para alguns autores, a gramaticalização pode ser

considerada um processo ou um paradigma, podendo ser um fenômeno diacrônico ou

sincrônico.

A gramaticalização pode, então, ser considerada de dois modos: (i) como um

processo, ao se deter na identificação e análise de itens que se tornam mais gramaticais

Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

51

e (ii) como um paradigma, caso observada como um estudo que se preocupa em

focalizar a maneira como formas gramaticais e construções surgem e como são usadas.

O estudo da gramaticalização pode ainda ser diacrônico, se a preocupação estiver

voltada para a explicação de como as formas gramaticais surgem e se desenvolvem na

língua, como os trabalhos de Barreto (1999) e Poggio (1999) sobre, respectivamente, a

gramaticalização das conjunções e das preposições no português, ou o estudo da

gramaticalização pode ser sincrônico, se a preocupação estiver voltada para a

identificação de graus de gramaticalidade que uma forma linguística desenvolve a partir

dos deslizamentos funcionais que pode sofrer a partir dos usos linguísticos. Este estudo

se filia ao estudo sincrônico da gramaticalização, compreendendo-a como um processo.

A gramaticalização prevê, então, que à medida que as propriedades de uma

unidade linguística vão se alterando, ela vai se tornando membro de novas categorias

em razão de uma reanálise categorial, o que permite enquadrar uma mesma forma em

diversas outras categorias.

Apresentamos o processo de gramaticalização de forma sucinta, por

considerarmos, em nossas análises, que o item onde já se gramaticalizou, como atestam

os trabalhos expostos na seção 2.3 (“Onde em outras abordagens”). Portanto, o objetivo

dessa dissertação, é investigar e descrever os usos desse item após seu processo de

gramaticalização. Sendo assim, da teoria da gramaticalização, utilizamos, tão somente,

para justificar as mudanças ocorridas e que ainda podem ocorrer com o onde, as noções

de (i) alta frequência, ou seja, o enfraquecimento semântico de uma dada forma devido

à habitualidade e (ii) o princípio da persistência, proposto por Hopper (1991), que prevê

a manutenção de alguns traços semânticos da forma-fonte na forma gramaticalizada, o

que poderá causar certas restrições semânticas para o uso da forma gramaticalizada.

Essas noções serão mais comentadas na seção 3.4 seguinte, em que se aplica a proposta

funcionalista na análise dos dados.

Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

52

3.4 A proposta de análise funcionalista

Segundos os pressupostos da tradição gramatical, no que tange ao tratamento

das orações complexas (ou o período composto, para se utilizar os rótulos tradicionais),

Carvalho (2004) afirma que a ausência de consistência teórica na formulação desses

conceitos é que tem motivado diversas investigações na área. Isso porque essa

inconsistência surge em decorrência do fato de a tradição considerar somente os

processos sintáticos da coordenação e da subordinação para tratar das possibilidades de

articulação de orações diversas.

É nesse sentido que recorremos aos estudos funcionalistas sobre articulação de

cláusulas, por compreender serem eles os que melhor se adéquam às nossas

necessidades. Para isso, analisamos nossos dados sob a perspectiva de Castilho (2010),

Matthiessen e Thompson (1988), Hopper e Traugott (1993), Decat (2011) entre outros.

Isso porque esses teóricos têm se preocupado, em suas investigações, em postular outros

procedimentos de organização sintática, além dos processos coordenação –

subordinação. A tríade subordinação – hipotaxe – parataxe, proposta por Matthiessen

e Thompson (1988) e a proposta discursiva-pragmática do desgarramento de Decat

(2011) evidenciam essas novas formas de se pensar a articulação de cláusulas.

Além de rever a insuficiência na dicotomia coordenação – subordinação,

adotando a tríade proposta por Matthiessen e Thompson (1988) e a proposta de

desgarramento de Decat (2011), em nossa descrição, para atender a uma análise

funcionalista dos dados, adotamos alguns aspectos e nomenclaturas específicas desta

teoria. A noção de cláusula, por exemplo, para o funcionalismo, que não é,

necessariamente, sinônima de oração. Nesta corrente teórica, a noção de cláusula

envolveria aspectos não só gramaticais, como propõe o rótulo tradicional, mas também

aspectos discursivos. Decat (2011) afirma que o que importa não é classificar uma

cláusula, mas reconhecer a capacidade que elas têm de se combinarem umas com as

outras. Em nossos dados, no entanto, cláusula corresponde à oração. Castilho (2010)

afirma que a polarização coordenação/subordinação é bastante antiga na reflexão

gramatical. Para o autor, esses dois procedimentos sintáticos representam expansões de

uma sentença simples. Nesse sentido, enquanto que na coordenação a função do

elemento acrescentado é idêntica à função dos elementos preexistentes, na subordinação

Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

53

os elementos subordinados teriam natureza sintática distinta. Assim, a coordenação seria

um procedimento combinatório sintático de termos equivalentes, ou seja, de um mesmo

estatuto hierárquico. Contrário a isso, a subordinação seria um procedimento

hierárquico do ponto de vista sintático. É por isso que, para Castilho (2010), as orações

subordinadas podem ser focalizadas por clivagem, já que funcionam como constituintes

integrados em sentenças hierarquicamente mais altas, ao passo que as orações

coordenadas não possuem essa propriedade.

O linguista, seguindo a ideia de que essa dicotomia não é suficiente para

analisar as diversas possibilidades de combinação de cláusulas em contextos reais de

interação, afirma que, embora as subordinadas sejam tratadas como dependentes

sintaticamente, os tipos de subordinadas (substantivas, adjetivas e adverbais) possuem

propriedades sintáticas diferentes. Para ele, ao passo que as substantivas teriam caráter

argumental, as adjetivas e as adverbiais apresentariam caráter adjuncional. Além disso,

Castilho (2010), assim como Rodrigues (2007), compreendem a correlação como sendo

um procedimento sintático diferente dos tradicionalmente descritos (a coordenação e a

subordinação), isto é, para os autores, a correlação seria um terceiro tipo de relação

intersentencial, cuja característica principal seria a interdependência sintática, relação

materializada por meio de expressões correlatas. No entanto, no que se refere à

justaposição, Castilho (2010) não a considera como um procedimento sintático, mas, na

verdade, como um artifício para justificar o procedimento sintático da coordenação. A

coordenação, a correlação e a justaposição, no entanto, não serão levadas em

consideração em nossas análises, já que o fenômeno em tela não ocorre em nenhum

desses contextos. Focalizaremos, então, os procedimentos que envolvem a subordinação

e a hipotaxe.

Nesse sentido, adotando a proposta funcionalista, a fim de associarmos os

aspectos gramaticais aos aspectos discursivos, consideramos (i) cláusulas

completivas/encaixadas; (ii) cláusulas relativas restritivas e (iii) cláusulas hipotáticas,

para designar, respectivamente, o que tradicionalmente seria chamado de orações

substantivas, orações adjetivas restritivas e orações adverbiais e adjetivas

explicativas/apositivas, respectivamente (cf. quadro 2 a seguir).

Page 54: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

54

Quadro 2: a proposta de análise funcionalista.

Sobre o quadro 2, vale explicitar que, segundo o funcionalismo, a noção de

subordinação não corresponde à visão tradicional. No âmbito funcionalista,

subordinação pressupõe encaixamento, relação de constituência entre elementos. Por

esse motivo, só podemos falar de subordinação, seguindo esta proposta, para o caso das

completivas (substantivas da tradição) e relativas restritivas (adjetivas restritivas da

tradição) – as primeiras encaixadas ao sintagma verbal (SV) e as segundas encaixadas

ao sintagma nominal (SN). No caso da hipotaxe, uma cláusula não estabelece relação de

constituência com outra, mas contribui para expandir/realçar seu conteúdo como

acontece com as hipotáticas - adverbiais da tradição e as relativas apositivas (adjetivas

explicativas da tradição). As paratáticas, além de não serem constituintes de outra

cláusula, são sintaticamente independentes (cf. MATTHIESSEN e THOMPSON,

1988). A adoção da tríade subordinação, hipotaxe e parataxe permite que repensemos

Gramática Tradicional (GT)

A Visão Funcionalista

Subordinadas Substantivas

Cláusulas Completivas/encaixadas

Subordinadas Adjetivas Restritivas

Cláusulas Relativas

Subordinadas Adjetivas Explicativas

Subordinadas Adverbiais

Cláusulas Hipotáticas

Page 55: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

55

as relações entre as orações no âmbito da tradição gramatical, conforme visualizado no

continuum a seguir:

Continuum 1: a tríade proposta por Hopper e Traugott (1993, p. 171).

As estruturas de parataxe são, então, caracterizadas, como se pode atestar no

continuum 1, como estruturas sem vínculo sintático e sem encaixamento entre as

cláusulas. Já as estruturas de hipotaxe e subordinação apresentam um ponto em comum:

a noção de dependência. No entanto, diferenciam-se em relação ao encaixamento. Isso

porque as estruturas de hipotaxe, contrapondo-se às de subordinação, não apresentam

níveis de encaixamento.

Halliday (1985) analisa as orações complexas segundo duas dimensões:

relações semântico-funcionais e relações de dependência. Matthiessen e Thompson

(1988), recuperando a ideia de Halliday (1985), diferenciam as estruturas de hipotaxe

(cláusulas hipotáticas e cláusulas relativas explicativas) das estruturas de parataxe

(cláusulas coordenadas) por meio de dois tipos de relações semântico-funcionais: a

projeção (parataxe) e a expansão/realce (hipotaxe). Ao diferenciar as estruturas de

encaixamento, os autores levam em consideração o fato das cláusulas encaixadas

(cláusulas completivas e cláusulas relativas restritivas) representarem cláusulas que

funcionem como constituinte de outra, seja vinculada ao sintagma verbal (SV), no caso

das cláusulas completivas, seja vinculada ao sintagma nominal (SN), no caso das

cláusulas relativas restritivas. As estruturas de hipotaxe (ou adverbiais), por sua vez, não

constituem uma subordinação, por estarem privadas do traço de encaixamento.

Em nossas análises, trataremos nossos dados conforme descrito a seguir:

Page 56: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

56

Eixo da Subordinação/ Encaixamento

Eixo da Hipotaxe/Estruturas de

Realce

Cláusulas Completivas

Cláusulas Relativas Explicativas3

Cláusulas Relativas Restritivas

Cláusulas Hipotáticas

Quadro 3: a proposta de divisão dos dados analisados4 5.

Após essa breve revisão sobre a teoria funcionalista no que tange à articulação

de cláusulas, faz-se, em seguida, uma breve sistematização sobre os contextos sintáticos

em que onde pode se inserir, ou seja, em cláusulas desgarradas e não desgarradas, para

demonstrar como se deu a análise efetiva dos dados para esta pesquisa.

3.4.1 Cláusulas Completivas

Gonçalvez, Sousa e Casseb-Galvão (2016) afirmam que o rótulo subordinação

tem servido para identificar não somente a relação de dependência entre as cláusulas,

mas também outras relações de constituência, como a dependência entre um núcleo

3 As Cláusulas Relativas Explicativas não foram encontradas em nosso corpus. Por isso, não serão

mencionadas na seção correspondente à análise dos dados. 4A proposta de análise e organização dos dados analisados surgiu a partir da ideia de Matheus et al

(2003). Além disso, é das mesmas autoras a justificativa para nossa interpretação de onde como (i)

articulador de cláusulas completivas, (ii) articulador de cláusulas relativas e (iii) articulador de cláusulas

hipotáticas, já que, para as teóricas, a posição do conector é um dos critérios para essas análises. 5 Os usos descritos no quadro 3 podem ocorrer ou não sob a forma de desgarramento.

Page 57: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

57

lexical e os adjuntos e/ou modificadores dele dependentes. No entanto, abordaremos

somente as relações entre cláusulas. Nesse sentido, o termo subordinação é usado para

identificar o ambiente sintático entre as cláusulas, já que uma funciona como um

constituinte argumental de outra. Assim, os termos cláusulas subordinadas, encaixadas

e/ou completivas são adotados como sinônimos e, ao longo de nosso texto, podem ser

intercambiáveis. Muito embora, privilegiaremos o termo cláusulas completivas quando

nos referirmos às cláusulas com maior nível de encaixamento.

As cláusulas encaixadas para nós são aquelas que apresentam o maior grau de

dependência sintática e encaixamento com um termo de outra cláusula.

Tradicionalmente correspondem às substantivas, que ocorrem vinculadas por uma

hierarquia sintática ao sintagma verbal (SV) da cláusula núcleo (ou a oração principal,

ainda no rótulo tradicional). Além disso, são as cláusulas completivas que podem

assumir posição sintática, equiparando-se a um sintagma nominal. O fato das

completivas serem encaixadas ao sintagma verbal (SV) e poderem assumir posição

sintática é o principal critério para nossa identificação. Por assumirem posição sintática

e serem equivalentes a um sintagma nominal é que são tradicionalmente denominadas

como substantivas. Em termos de uso, essas cláusulas podem ser consideradas

argumentos de um predicado (verbal ou nominal) se ocorrerem em posição argumental

semelhante à de um termo simples. É por isso que, para Gonçalvez, Sousa e Casseb-

Galvão (2016), as cláusulas completivas podem assumir a função de um sintagma

nominal.

Podemos corroborar essas noções na seção 4.1.1, que se destina a descrever os

dados analisados.

3.4.2 Cláusulas Relativas

As cláusulas relativas, tradicionalmente descritas como adjetivas, poderão

pertencer ao eixo da subordinação, no caso das relativas restritivas, ou pertencer ao eixo

da hipotaxe, no caso das relativas não restritivas (ou explicativas). As relativas não

restritivas têm a função, de acordo com a proposta de Souza (2009), de expandir as

cláusulas núcleo, ou seja, oferecendo um maior detalhamento das informações ou

Page 58: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

58

fornecendo comentários a respeito do antecedente nominal. Do ponto de vista sintático,

ela não funciona como constituinte da cláusula núcleo. É por isso, então, que são

consideradas como cláusulas pertencentes ao eixo hipotático. As relativas restritivas,

por sua vez, também podem expandir a informação da cláusula núcleo. No entanto,

diferenciam-se das cláusulas relativas não restritivas pelo fato de poderem assumir a

função de um constituinte da cláusula núcleo, sendo, portanto, do eixo da

subordinação/encaixamento.

As cláusulas relativas, restritivas e não restritivas, têm como principal critério

de análise o fato de retomarem o antecedente nominal, principal função de um pronome

relativo, conector prototípico desse tipo de cláusula. Além disso, as cláusulas relativas

podem assumir, a depender do contexto em que estiverem inseridas, leituras

circunstanciais diversas. É nesse ponto que daremos ênfase ao uso de onde como

pronome relativo, uma vez que, tradicionalmente, essa função do item já é descrita. No

entanto, onde funcionando como pronome relativo é, de acordo com a tradição,

estritamente locativo, ou seja, veicula somente valor semântico de lugar. Contrariando a

perspectiva tradicional, em nossos dados, onde como pronome relativo, introduz

cláusulas, retomando, além do valor locativo, outros valores semânticos, que são

descritos no item 4.1.2.

3.4.3 Cláusulas Hipotáticas

Rodrigues (2010), no que se refere às cláusulas hipotáticas, afirma que, no

âmbito tradicional, essas cláusulas correspondem às orações subordinadas adverbiais,

caracterizando-se, normalmente, por serem equivalentes a um advérbio ou a um adjunto

adverbial de uma oração principal. Além disso, a autora enumera ainda outros critérios

que nos permitem refletir acerca das definições e caracterizações apresentadas pela

tradição gramatical, como o fato de algumas adverbiais não serem contempladas pela

Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), a exemplo das locativas, que é um dos usos

de onde rastreados por nós nesse trabalho. Outro aspecto comentado por ela é o de que,

embora as adverbiais sejam reconhecidas pela mobilidade, algumas, tratadas como

correlatas, não apresentariam essa possibilidade. No entanto, isso não se verificará em

Page 59: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

59

nossos dados, já que em todos os casos de onde funcionando como articulador de

cláusulas hipotáticas (ou adverbiais), a mobilidade das cláusulas é possível.

É nesse sentido que, nessa investigação, tratamos como critérios para

identificação de uma cláusula hipotática, sua leitura circunstancial (locativa, por

exemplo), além de sua mobilidade em relação à cláusula núcleo.

Ainda em relação às adverbiais locativas (isso para usar o rótulo tradicional),

Kury (2002) afirma que essas orações assemelham-se a um complemento adverbial de

lugar, sob a forma desenvolvida, mas sem a presença de uma conjunção. Isso porque,

para o autor, o conector onde, que introduz essas orações, não é reconhecido como uma

conjunção. É nesse ponto que discordamos da abordagem tradicional.

3.4.4 Cláusulas Desgarradas

Decat (2011) afirma que o desgarramento envolve estruturas analisadas como

subordinadas (adverbiais e adjetivas explicativas) e, obviamente, tidas como

dependentes pela Gramática Tradicional, mas que vêm ocorrendo, tanto no português

escrito quanto no falado, sintaticamente independente da cláusula núcleo, ou seja, de

forma solta, isolada, como um enunciado independente.

A partir desta afirmação, o presente trabalho analisará e descreverá também os

casos em que onde aparece na forma desgarrada no corpus analisado. Vale ressaltar

que, para uma melhor análise desses dados, o ideal seria submetê-los a um tratamento

prosódico, isto é, por meio da interface sintaxe-prosódia. Assim, seria possível verificar

se, além da estrutura sintática, há algum comportamento prosódico, como a pausa ou a

curva entoacional, que indique o seu desgarramento, comprovando, portanto, a

afirmação da autora de que este fenômeno vem ocorrendo não só na escrita, mas

também na fala. No entanto, esta dissertação limitar-se-á a descrever, conforme

proposto, os usos de onde, em contextos oracionais, incluindo seu provável

desgarramento, sem, no entanto, submeter os dados ao tratamento prosódico/acústico.

Decat (2011) propõe que a noção de “unidade de informação” pode ser um

instrumento importante para o estudo e análise da (in)dependência entre as cláusulas.

Segundo a autora, poder ou não constituir uma única unidade de informação é uma

Page 60: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

60

distinção fundamental entre estruturas de encaixamento e estruturas de hipotaxe. Chafe

(1980) propõe a noção de idea unit, traduzida como “unidade de informação” (ou

“unidade informacional”). Esta noção designa, segundo o autor, um “jato de linguagem”

que contém toda a informação manipulada pelo falante em um único estado de

consciência. Isso, para Decat (2011, p. 28), “quer dizer que há um limite de informação

que a atenção do falante pode focalizar de uma única vez, ou seja, a unidade de

informação expressa o que está na „memória de curto termo‟”. Segundo considerações

da autora, cláusulas menos dependentes (as tradicionalmente chamadas de adjetivas

explicativas e, principalmente, as adverbiais), ou seja, aquelas que não podem ser

constituintes de um elemento de outra e que, portanto, podem formar uma unidade de

informação à parte, estariam propensas ao desgarramento, ou seja, poderiam ocorrer,

sintaticamente, independentes na língua.

Ainda sobre a noção de unidade informacional, Decat (2011, p. 43) afirma que

a noção de „unidade de informação‟ está correlacionada com a

ocorrência isolada de cláusulas subordinadas. Caracterizando-se como

opções do discurso, servindo a objetivos comunicativo-interacionais,

tais cláusulas desgarram-se porque constituem unidades de

informação à parte, o que as reveste de um menor grau de

dependência, tanto formal quanto semântica, chegando mesmo a se

identificarem como cláusulas tidas como independentes, à maneira de

alguns tipos de coordenadas. A dependência que se estabelece, nesses

casos, será pragmático-discursiva.

Assim, para Decat (2011), as tradicionais adjetivas explicativas e as adverbiais,

isto é, as cláusulas hipotáticas estão mais propensas ao desgarramento. Isso porque

essas cláusulas são as mais periféricas, ou seja, essas cláusulas estabelecem relações

semânticas mais frouxas, constituindo um único ato de fala ou, como propõe Chafe

(1980), uma unidade de informação à parte. Com base nisso, abordaremos os casos de

onde introduzindo cláusulas desgarradas da seguinte maneira:

Page 61: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

61

Usos Multifuncionais

Usos Desgarrados

Cláusulas Hipotáticas

Cláusulas Hipotáticas Desgarradas

Cláusulas Relativas

Cláusulas Relativas Desgarradas

Cláusulas Completivas

Cláusulas Completivas Desgarradas

Quadro 4: usos de onde desgarrados e não desgarrados.

A análise dos dados de onde contempla, conforme previsto no quadro 4

anterior, os casos desgarrados e não desgarrados. No entanto, conforme prevê Decat

(2011), as cláusulas hipotáticas, relativas e completivas não se desgarram do mesmo

modo, isto é, umas são mais propensas que as outras, conforme antes comentado. Isso

porque quanto maior for o nível de encaixamento entre as cláusulas, menor será a

probabilidade de essa cláusula ocorrer de modo desgarrado. Assim, segundo o

continuum 2, pode-se estabelecer uma gradiência entre as cláusulas mais propensas ao

desgarramento e entre as cláusulas menos propensas ao desgarramento:

Page 62: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

62

Continuum 2: o desgarramento

Com base no continnum 2, observa-se que se indica por [+] as cláusulas

prototipicamente mais desgarradas e por [-] as cláusulas menos prototipicamente

desgarradas. Assim, estamos diante de um continuum que vai das cláusulas mais

propensas ao desgarramento, no topo da seta, até as cláusulas menos propensas ao

desgarramento, na base da seta. Dito isso, é possível afirmar que as cláusulas em

análise não constituem um mesmo contexto de desgarramento. Diferentemente do que

propõe Decat (2011), em nossas análises separamos os tipos de desgarramento

existentes, uma vez que a autora não parece fazer nenhuma diferenciação em relação às

diferentes possibilidades de desgarramento. Assim, vejamos o quadro 5 a seguir:

Page 63: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

63

Tipos de desgarramento

(i) Desgarramento inerentemente pragmático

(ii) Desgarramento cotextual

(iii) Desgarramento contextual

Quadro 5: tipos de desgarramento

Decat (2011), ao estabelecer a noção de desgarramento, como mencionamos

antes, não faz nenhuma diferenciação entre os tipos de dados desgarrados, além da

diferenciação sintática entre eles. No entanto, percebe-se que alguns dos dados

desgarrados apresentados, inclusive, pela autora, se organizam de modo diferente um

dos outros. É pensando nisso e, em relação ao tratamento dado em Rodrigues (no prelo),

que adotamos as nomenclaturas propostas no quadro 5, que se destina a caracterizar os

tipos de desgarramento. Todavia, antes de explicarmos as noções do quadro 5 anterior,

vale ressaltar que, no que se refere às orações subordinadas (no tratamento tradicional),

Decat (2011) estabelece que as orações adverbiais e as orações adjetivas explicativas,

que possuem um menor grau de integração sintática, seriam as mais

propensas/prototípicas ao desgarramento, porque, além de não constituírem argumentos

das orações principais, já que estabelecem uma relação de adjunção, podem ser

consideradas unidades de informação à parte (cf. Chafe, 1980). Contudo, Decat (2011)

afirma ainda que as orações com maior integração sintática e/ou encaixamento, isto é, as

tradicionais substantivas, também podem se desgarrar, porém com uma ressalva: essas

orações só podem se desgarrar se antes uma oração estruturalmente equivalente já vier

sob a forma não desgarrada em relação à oração principal. Em nossos dados, há apenas

uma ocorrência de cláusulas completivas desgarradas, nesses moldes (cf. seção 4.2.1).

Assim, recorremos a exemplos de outros corpora, como o que segue:

Page 64: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

64

(5)

Imagem 1: conversa pessoal de whatsapp.

O exemplo (5), ilustrado anteriormente, é fruto de uma conversa pessoal entre

amigos no aplicativo whatsapp, em que se falava sobre o filme O silêncio do céu

(2016), cuja temática gira em torno de um grande trauma por parte da personagem

principal, Diana (Carolina Dieckmann). Vítima de um estupro dentro de sua própria

casa, a personagem tenta esconder o caso e não conta a ninguém sobre o ocorrido,

apesar de saber quem é o estuprador e onde ele mora e trabalha. É a partir dessa

informação que o interlocutor da conversa pessoal no exemplo (5) constrói “Vc [você]

sabe onde o estuprador está. Onde ele trabalha.”, em que a segunda cláusula

introduzida por onde [.Onde ele trabalha] é considerada como uma cláusula completiva

desgarrada. Nesse exemplo, ocorre o que propõe Decat (2011): a cláusula completiva

só está desgarrada, porque antes uma cláusula de mesma estrutura sintática [onde o

estuprador está] ocorreu de modo não desgarrado. Assim, a cláusula desgarrada

funciona como uma reiteração em relação à cláusula não desgarrada.

Page 65: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

65

Após a explicação do exemplo (5), voltemos ao quadro 5, que se destina a

classificar os tipos de desgarramento. Consideramos como desgarramento

inerentemente pragmático, aqueles casos de desgarramento em que a cláusula

desgarrada aparece completamente independente sintaticamente. Isso porque essa

cláusula ocorre sem a presença de uma principal (no rótulo tradicional) ou uma cláusula

núcleo, para utilizarmos o rótulo funcional. A exemplo do que propõe Decat (2011, p.

25) na cláusula “Se eu ganhasse na Sena!”, já comentado brevemente na seção 2. Esse

seria, então, o desgarramento considerado prototípico em nossas análises. O

desgarramento cotextual é aquele caso de desgarramento, cujo referente está expresso e

explícito, a exemplo do que ocorre no dado (4), descrito na seção 2. O desgarramento

contextual é aquele cujo referente está mais distante no contexto, ou aquele que se

refere a uma porção de texto maior, ou seja, não há um referente explícito ou facilmente

recuperável no nível sentencial. O desgarramento cotextual tem se mostrado ser o mais

frequente em relação aos usos de onde desgarrados encontrados em nosso corpus. Na

seção 4, que se refere à análise dos dados, serão mostrados os usos de onde introduzindo

cláusulas desses três tipos de desgarramento caracterizados por nós, com base na

proposta de Rodrigues (no prelo).

Feita a revisão do tratamento funcional que norteou nossa descrição e justifica a

análise dos dados descritos, na seção 4 seguinte, apresenta-se a análise dos dados de

onde em contextos oracionais diversos, descrevendo seus usos desgarrados e não

desgarrados. Iniciamos a análise pelos usos de onde em cláusulas não desgarradas,

seção 4.1, que chamaremos de “a multifuncionalidade de onde”.

Page 66: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

66

4. A análise dos dados

Neste capítulo faz-se a análise dos dados, que será dividida da

seguinte forma: primeiro descrevem-se os usos de onde

multifuncionais analisados no corpus roteiro de cinema, em

seguida descrevem-se seus usos desgarrados, também

recolhidos desse mesmo corpus. Ao término dessas descrições,

apresenta-se o desgarramento de onde em outros corpora, a fim

de demonstrar outros contextos em que esse uso tem ocorrido.

Page 67: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

67

Nesta seção, apresentamos as nossas análises. Para isso, foram selecionados

alguns exemplos para cada tipo de funcionamento de onde, em contexto oracional,

encontrados nos roteiros analisados. Primeiro, descrevemos os casos de onde

multifuncionais, isto é, onde como um articulador de cláusulas completivas, onde como

um articulador de cláusulas relativas e onde como um articulador de cláusulas

hipotáticas. Após a descrição da multifuncionalidade do item, faz-se a descrição de seus

usos desgarrados, também em cláusulas completivas, relativas e hipotáticas. Na seção

4.2, correspondente aos usos desgarrados de onde, além dos dados encontrados nos

roteiros analisados, descrevemos outros dados de outros corpora, como propagandas e

textos do facebook. Esses dados, no entanto, não serão contabilizados na seção 5, que se

destina aos resultados da pesquisa com base no corpus dos roteiros. Eles são, portanto,

uma forma que encontramos para ilustrarmos que o desgarramento de onde não parece

restrito a um único gênero textual.

4.1. A multifuncionalidade de onde

Os usos multifuncionais de onde identificados no corpus foram: (i) articulador

de cláusulas completivas, (ii) articulador de cláusulas relativas, (iii) articulador de

cláusulas hipotáticas, (iv) onde em contextos sintaticamente intermediários e, por fim,

(v) onde em contextos semanticamente intermediários.

4.1.1. Onde com função de articulador de cláusulas completivas

Como já dito anteriormente, onde tem sido empregado pelo falante em

contextos oracionais diversos, explicitando, assim, sua multifuncionalidade. Um de seus

usos que se destacam é o funcionamento como um articulador de cláusulas completivas,

isto é, a cláusula introduzida por onde possui maior nível de integração sintática, ou

melhor, maior nível de encaixamento em relação à cláusula núcleo. Os exemplos que se

seguem, retirados e analisados do corpus roteiro de cinema, indicam essa relação.

Page 68: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

68

(6) O que você viu nesse cara? O que ele tem que eu não tenho? Poxa, se

você pelo menos me contasse onde foi que eu errei, quem sabe eu pudesse

corrigir e a gente começasse tudo de novo? (Dores e Amores)

(7) Agora ela me mandou ir pra casa. E eu não tenho a menor idéia de onde tá

meu primo! Sem o Raio, eu nem volto mais! (Carro de paulista)

(8) Alberto dorme encostado à sua mala de viagem. Tem o chapéu pousado

na cara, tentando cortar o sol forte que o ilumina sem piedade. É acordado

pelos salpicos de água dos marinheiros que, com maus modos, baldeiam e

esfregam o convés. Durante alguns momentos fica baralhado, esfregando

os olhos e tentando perceber onde está. (A selva)

Em (6), (7) e (8) há exemplos de onde introduzindo cláusulas completivas. Em

(6), fragmento inerentemente de fala e de sequência textual argumentativa, a cláusula

introduzida por onde [onde foi que eu errei] está encaixada, isto é, dependente

sintaticamente, em relação ao sintagma verbal [contasse] da cláusula núcleo [Poxa, se

você pelo menos me contasse]. A cláusula introduzida por onde assume, então, função

sintática de um objeto direto no contexto em que se insere.

Em (7), fragmento inerentemente de fala e de sequência textual narrativa,

ilustra-se onde funcionando como um articulador de cláusulas completivas. Neste caso,

no entanto, a relação de encaixamento não se dá em relação ao verbo da cláusula núcleo

[E eu não tenho a menor ideia], mas, sim, em relação ao sintagma nominal [menor

ideia]. Assim, a cláusula introduzida por onde [de onde tá meu primo!] assume a função

sintática de um complemento nominal.

Em (8), fragmento inerentemente de escrita e de sequência textual descritiva,

há também onde em seu funcionamento como um articulador de cláusulas completivas.

Diferentemente do que ocorre em (7), agora a integração sintática da cláusula

introduzida por onde [onde está.] se encaixa ao sintagma verbal [tentando perceber] da

cláusula núcleo [Durante alguns momentos fica baralhado, esfregando os olhos e

tentando perceber], assumindo a função sintática de um objeto direto.

Page 69: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

69

Em relação ao funcionamento de onde como articulador de cláusulas

completivas, cabe salientar que, embora alguns gramáticos normativos (cf. Bechara,

2009) admitam a existência de orações substantivas introduzidas por pronomes ou

advérbios interrogativos, quando estão na forma de uma oração interrogativa indireta,

isto não inviabiliza nossa análise. Muito pelo contrário, a reforça, porque, os gramáticos

que assim o fazem, percebem exatamente o mesmo que percebemos, isto é, onde

funcionando como se fora uma conjunção integrante. Não podemos nos esquecer,

também, de que tal abordagem não é consensual entre eles, o que nos ajuda a defender a

ideia de que não é, portanto, o uso prototípico do item.

4.1.2 Onde com função de articulador de cláusulas relativas

Ainda em relação à multifuncionalidade de onde, um de seus usos que mais

têm se destacado em trabalhos diversos, como os citados na seção 2.3, é o uso como um

articulador de cláusulas relativas. O grande interesse por esse funcionamento se dá,

exclusivamente, pelas diversas possibilidades de leitura que o item pode assumir, uma

vez que é sabido que as cláusulas relativas podem assumir leituras hipotáticas diversas

(cf. Sousa, 2009). Com o onde, nesse contexto, não é diferente. Os exemplos a seguir

atestam as possibilidades de leitura encontradas no corpus analisado.

(9) Vários bombeiros e motoristas estão ali, em silêncio, aguardando uma

emergência. Som de pernilongo no ar. Um dos bombeiros caminha em

direção ao portão, onde apoia-se e acende um cigarro, quando, de repente,

o silêncio é interrompido pelo som do telefone, que toca. Bombeiro-chefe

atende o telefone. (É proibido fumar)

(10) Apartamento idêntico ao de Baby, mas vazio, sem móveis e espelhado.

Por ele caminham um corretor de imóveis, 35 anos, com calça e camisa

social e capanga embaixo do braço. e Mikaela, a sua cliente, uma mulher

jovem, com ar determinado. Ele abre a janela, onde está pregado um

Page 70: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

70

anúncio onde se lê: Imobiliária Rodrigues – Aluga-se. Ela olha tudo, em

silêncio. (É proibido fumar)

(11) Nesse marco, a influência dos EUA é notória, onde são recrutados

alguns dos melhores alunos das grandes universidades. Graças a esse

recrutamento, muitas ONGs dispõem assim de quadros qualificados, que

trabalham nessas associações, tornando-se parceiros críticos das empresas

multinacionais e dos Estados – como relata o artigo de Yves Dezalay e

Bryant Garth, autores de La Mondialisation des guerres de palais. (Quanto

vale ou é por quilo?)

(12) Mário desliga as luzes de seu quarto e dirige seu olhar para a tela branca

onde, depois de instantes, aparecem as primeiras imagens do filme nas quais

ele se encontra deitado na cama de hospital, iluminado pela luz azulada da

televisão. (Feliz ano velho)

Em (9), fragmento inerentemente de escrita e de sequência textual narrativa,

retomando o que propõe a tradição gramatical, onde funciona como um articulador de

cláusulas relativas, cujo antecedente nominal assume valor semântico de lugar. Esse uso

passa ser, então, o único considerado por nós como um uso padrão. Isso porque é esse o

funcionamento de onde, em contextos oracionais, licenciado pela gramática tradicional.

Assim, a cláusula introduzida por onde [onde apoia-se e acende um cigarro] retoma o

antecedente nominal locativo [ao portão], inserido na cláusula núcleo [Um dos

bombeiros caminha em direção ao portão].

Em (10), fragmento inerentemente de escrita e de sequência textual descritiva,

há duas cláusulas introduzidas por onde, a primeira, tal como ocorre em (9), de uso

padrão locativo [onde está pregado um anúncio], retomando a ideia de lugar expressa

pelo antecedente nominal [janela], presente na cláusula núcleo [Ele abre a janela]. A

segunda cláusula introduzida por onde, no entanto, assume o valor nocional, isto é, não

se trata mais de um lugar físico. O falante, nesse sentido, expande a noção de lugar,

alargando-a. Assim, compreende-se que há uma noção de lugar e não propriamente um

lugar físico. A cláusula [onde se lê: Imobiliária Rodrigues – Aluga-se.] é uma relativa,

Page 71: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

71

cujo antecedente nocional é [um anúncio] inserido na cláusula núcleo [onde está

pregado um anúncio].

Em (11), ainda em seu funcionamento como um articulador de cláusulas

relativas, onde não parece mais veicular a noção de lugar. Nesse exemplo,

inerentemente de escrita e de sequência textual argumentativa, a cláusula introduzida

por onde [onde são recrutados alguns dos melhores alunos das grandes universidades.]

parece apresentar leitura circunstancial de causa, em relação ao sintagma nominal [a

influência dos EUA] inserido na cláusula núcleo [Nesse marco, a influência dos EUA é

notória,]. A leitura causal fica mais evidente por meio da paráfrase (11`) a seguir:

(11`) Nesse marco, a influência dos EUA é notória, onde [porque] são

recrutados alguns dos melhores alunos das grandes universidades. Graças a

esse recrutamento, muitas ONGs dispõem assim de quadros qualificados, que

trabalham nessas associações, tornando-se parceiros críticos das empresas

multinacionais e dos Estados – como relata o artigo de Yves Dezalay e Bryant

Garth, autores de La Mondialisation des guerres de palais. (Paráfrase do

exemplo 11)

Por meio da paráfrase anterior, é possível compreendermos que o que justifica a

influência dos EUA é o fato de serem recrutados os melhores alunos das grandes

universidades.

Em (12), fragmento inerentemente de escrita e de sequência textual descritiva,

há outra leitura circunstancial presente na cláusula introduzida por onde [onde, depois

de instantes, aparecem as primeiras imagens do filme nas quais ele se encontra deitado

na cama de hospital, iluminado pela luz azulada da televisão.] parece assumir valor

temporal em relação à cláusula núcleo [Mário desliga as luzes de seu quarto e dirige seu

olhar para a tela branca]. O conteúdo semântico de tempo fica ainda mais evidente por

meio da leitura da paráfrase em (12`) a seguir:

(12`) Mário desliga as luzes de seu quarto e dirige seu olhar para a tela branca

onde [quando], depois de instantes, aparecem as primeiras imagens do filme

Page 72: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

72

nas quais ele se encontra deitado na cama de hospital, iluminado pela luz

azulada da televisão. (Paráfrase do exemplo 12)

Nesse sentido, por meio da descrição dos usos em (9), (10), (11) e (12), foi

possível compreender como onde, em seu funcionamento como pronome relativo, pode

assumir outros valores semânticos, além do tradicional locativo.

4.1.3. Onde com função de articulador de cláusulas hipotáticas

Além dos usos já descritos, outro uso também multifuncional de onde é seu

funcionamento como um articulador de cláusulas hipotáticas. Nesse contexto, além do

conteúdo circunstancial de lugar, presente na cláusula em que onde se insere, a

mobilidade entre as cláusulas, que indica menor integração sintática entre elas também

foi um critério de análise. Nesse funcionamento, não há, portanto, relação de

encaixamento ou complementação, a relação aqui é de adjunção. Os exemplos a seguir

atestam essas características.

(13) Ênio se surpreende com o comentário.

ÊNIO - É aí que começa a ficar interessante. Tem que tomar cuidado pra isso

não acontecer muito. É essa a negociação.

BIA - Mas pra alguém pegar mais luzes verdes, alguém tem que pegar mais

vermelhas?

ÊNIO - Onde alguém ganha, alguém tem que perder. Silêncio.

Ênio volta-se para Bia. (Não por acaso)

(14) Em Angola, Daniel, vi escolas onde poucas crianças tinham as duas

pernas. Todas as outras tinham as pernas amputadas por uma mina. Daquelas

que explodem quando a gente pisa. E que podem estar em qualquer lugar. Que

você acha disso? Você vai jogar bola, vai ao supermercado comprar leite, ou

Page 73: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

73

vai na casa da namorada e dá azar, pisa onde não devia. (Antes que o mundo

acabe)

(15) Não é grana o problema, Jorginho. É que... Ah, quer saber, eu fiquei de

saco cheio! A gente sai do nosso pedaço, vem até onde todo mundo diz que

tem as minas mais bacanas e volta de mão abanando!!! Pô, que merda!!!

(Carro de paulista)

Em (13), fragmento inerentemente de fala e de sequência textual narrativa,

onde funciona como um articulador de cláusulas hipotáticas, em que a cláusula

introduzida por onde [Onde alguém ganha,] se relaciona por adjunção à cláusula núcleo

[alguém tem que perder.], em que a mobilidade entre essas cláusulas se faz possível,

evidenciando o menor grau de integração sintática entre elas, uma vez que a cláusula

hipotática já se apresenta em ordem inversa em relação à cláusula núcleo. Além do

mais, o item onde, nesse contexto, não parece veicular conteúdo semântico de lugar,

transmitindo, na verdade, conteúdo circunstancial de tempo, conforme a paráfrase (13´):

(13`) Ênio se surpreende com o comentário.

ÊNIO - É aí que começa a ficar interessante. Tem que tomar cuidado pra isso

não acontecer muito. É essa a negociação.

BIA - Mas pra alguém pegar mais luzes verdes, alguém tem que pegar mais

vermelhas?

ÊNIO – Onde [Quando] alguém ganha, alguém tem que perder. Silêncio.

Ênio volta-se para Bia. (Não por acaso)

Nesse sentido, onde funcionando como um articulador de cláusulas hipotáticas

não funcionar somente em cláusulas do tipo locativas, como também em cláusulas

temporais.

Em (14), fragmento inerentemente de fala e de sequência narrativa, há dois

usos de onde: o primeiro, já descrito por nós como um articulador de cláusula relativa, e

o segundo, como um articulador de cláusula hipotática. Como já descrevemos os usos

Page 74: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

74

de onde como relativo, nos centraremos agora em seu segundo funcionamento presente

no exemplo em questão. A cláusula em que onde se insere [onde não devia.] assume

relação de adjunção no que se refere à cláusula núcleo [pisa]. Semelhante a esse

funcionamento, é o que ocorre no exemplo (15), fragmento inerentemente de fala e de

sequência textual narrativa, em que a cláusula introduzida por onde [até onde todo

mundo diz que tem as minas mais bacanas e volta de mão abanando] assume relação de

adjunção no que tange à cláusula núcleo [vem].

Nesses exemplos, em que foi possível compreender a multifuncionalidade de

onde, no que se refere a seu uso como um articulador de cláusulas hipotáticas, além da

mobilidade, critério que indica o menor grau de integração sintática, a ausência de

antecedente nominal expresso, como ocorre nos exemplos (13), (14) e (15), inviabiliza a

análise de onde como um relativo.

Os usos citados nos exemplos de (6) a (15) demonstram que onde pode ser

considerado como um articulador multifuncional e universal. No entanto, onde não

aparece somente em contextos com características prototípicas. Há ainda seus contextos

sintaticamente e semanticamente intermediários, como atestam os exemplos nas seções

4.1.4 e 4.1.5, respectivamente.

4.1.4. Onde em contextos sintaticamente intermediários

No que se refere aos usos de onde em contextos sintaticamente intermediários,

os exemplos (16) e (17) transcritos a seguir, podem veicular a leitura de onde como um

articulador de cláusulas completivas ou como um articulador de cláusulas hipotáticas.

Vejamos:

(16) Pô, que chato. Justo hoje que minha mãe me deu um monte de grana, eu

não tenho onde gastar. (Carro de paulista)

(17) Eu até poderia contar onde é que você errou... Mas isso não adiantaria

absolutamente nada. (Dores e amores)

Page 75: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

75

Em (16), fragmento inerentemente de fala e de sequência narrativa, há as duas

possibilidades de análise. Isso porque a cláusula introduzida por onde [onde gastar.]

pode tanto ser compreendida como uma complementação ao sintagma verbal da

cláusula núcleo [tenho], indicando maior integração sintática, isto é, maior nível de

encaixamento. Podendo, assim, ser analisada como uma cláusula completiva. Esse

mesmo exemplo, por meio do critério da mobilidade, entre as cláusulas [eu não tenho] e

[onde gastar.] também pode ser analisada como uma cláusula hipotática. Análise

semelhante ocorre no exemplo (17), fragmento inerentemente de fala e de sequência

argumentativa, em que a cláusula introduzida por onde [onde é que você errou] pode

tanto ser entendida como complementação ao sintagma verbal da cláusula núcleo

[poderia contar] como, por conta da mobilidade entre essas cláusulas, ser compreendida

como uma relação de adjunção. Assim, podem ser tanto classificadas como cláusulas

completivas ou como cláusulas hipotáticas.

É nesse sentido que estamos diante de casos de onde introduzindo cláusulas

sintaticamente (completivas ou hipotáticas) intermediárias. Vale destacar ainda que o

critério da mobilidade para analisarmos as cláusulas como hipotáticas é válido, uma vez

que as cláusulas completivas prototípicas não possuem essa característica, salvo àquelas

com função de sujeito, tradicionalmente chamadas de subjetivas, o que não ocorre nos

exemplos (16) e (17) e em nenhum outro analisado por nós como um contexto

sintaticamente intermediário. No entanto, os contextos intermediários não se esgotam na

questão sintática, já que, no que se refere ao contexto semântico, essas relações

intermediárias também se fazem presentes nas cláusulas introduzidas por onde,

conforme notado nos exemplos da seção seguinte.

4.1.5. Onde em contextos semanticamente intermediários

Para finalizarmos a seção que se refere à multifuncionalidade de onde,

analisaremos agora os contextos semanticamente intermediários, isto é, usos de onde

como articulador de cláusulas relativas, assumindo mais de uma possibilidade de

interpretação semântica, conforme demonstram os exemplos que se seguem:

Page 76: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

76

(18) Uma carta é virada e aparece a Torre.

PAULA - (off) Torre!

HELENA (ansiosa) - É bom ou ruim?

PAULA - A Torre significa uma grande transformação. Uma transformação

violenta onde muita coisa pode ser destruída. Você tem idéia do que possa ser?

HELENA - A campanha. Paula olha para ela interrogativamente.

HELENA - Eu vou mexer na campanha do Cláudio. (Se eu fosse você)

(19) Corta para plano geral onde se vê o carro sendo rebocado por um

guincho da cet tendo ao fundo o prédio do detran. entram os créditos finais.

(Carro de paulista)

(20) Klauss vira-se e vai até a parede em frente à cama de Mário, de onde

retira o calendário lá pendurado, colocando o pôster em seu lugar. Só então

podemos ver a foto. Nela, os dois amigos estão cantando enquadrados de forma

que lembra os pôsteres dos grandes ídolos de rock. (Feliz ano velho)

Em (18), fragmento inerentemente de fala e de sequência textual narrativa, há

duas possibilidades de leitura em relação ao funcionamento de onde como um

articulador de cláusula relativa. Isso porque a cláusula introduzida por onde [onde muita

coisa pode ser destruída.] pode assumir, em relação à cláusula núcleo, [Uma

transformação violenta,] a ideia nocional, interpretada como a expansão da noção de

lugar e a ideia causal, já que se trata de uma forma de justificar o porquê de a Torre

(carta retirada) ser considerada uma “transformação violenta”. A leitura causal fica

ainda mais evidente por meio da paráfrase em (18`) a seguir:

(18`) Uma carta é virada e aparece a Torre.

Page 77: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

77

PAULA - (off) Torre!

HELENA (ansiosa) - É bom ou ruim?

PAULA - A Torre significa uma grande transformação. Uma transformação

violenta, onde [já que] muita coisa pode ser destruída. Você tem idéia do que

possa ser?

HELENA - A campanha. Paula olha para ela interrogativamente.

HELENA - Eu vou mexer na campanha do Cláudio. (Paráfrase do exemplo 18)

Em (19), fragmento inerentemente de escrita e de sequência textual descritiva,

as duas possibilidades interpretativas são: nocional e temporal. Nocional pelos mesmos

critérios já adotados anteriormente, trata-se da expansão da noção de lugar do

antecedente nominal [plano geral]. Temporal porque a cláusula introduzida por onde

[onde se vê o carro sendo rebocado por um guincho da cet tendo ao fundo o prédio do

detran.] pode ser considerada como a noção de tempo em relação à cláusula núcleo

[corta para plano geral]. Isso porque podemos compreender que, no momento em que se

corta a ação para o plano geral, ocorre a ação de ver o carro sendo rebocado. Neste caso,

também utilizamos o recurso da paráfrase.

(19`) Corta para plano geral onde [quando/ no momento em que] se vê o

carro sendo rebocado por um guincho da CET tendo ao fundo o prédio do

detran. Entram os créditos finais. (Paráfrase do exemplo 19)

Em (20), fragmento inerentemente de escrita e de sequência descritiva, também

um caso de onde introduzindo cláusulas relativas, cujo conteúdo semântico pode ser

considerado ambíguo, uma vez que a cláusula introduzida por onde [de onde retira o

calendário lá pendurado, colocando o pôster em seu lugar.] pode ser considerada como

uma cláusula, cujo antecedente nominal é locativo, já que retoma o sintagma nominal [a

parede em frente à cama de Mário] presente na cláusula núcleo ou pode ser considerada

como uma cláusula, cujo conteúdo semântico é final. Isso porque a cláusula introduzida

por onde pode ser entendida como a finalidade ou o propósito com que o personagem

Klauss vira-se e vai até a parede. Para esta leitura, recorremos à seguinte paráfrase:

Page 78: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

78

(20`) Klauss vira-se e vai até a parede em frente à cama de Mário, de onde

[para] retira[r] o calendário lá pendurado, colocando o pôster em seu lugar. Só

então podemos ver a foto. Nela, os dois amigos estão cantando enquadrados de

forma que lembra os pôsteres dos grandes ídolos de rock. (Paráfrase do

exemplo 20)

Muito embora algumas leituras sejam mais proeminentes que outras, como o

próprio exemplo (20), em que a noção de lugar se manifesta de forma mais evidente que

a noção de finalidade, não podemos, no entanto, descartar as possibilidades

interpretativas mais periféricas. Para justificarmos esse tratamento recorremos às

leituras de Hopper (1991) e seu critério da persistência. O autor afirma que, em uma

forma que parece passar por seu processo de gramaticalização, é comum que as

características da forma fonte ainda permaneçam na forma gramaticalizada. Isso parece

ocorrer no exemplo (20), que não será considerado por nós como um exemplo de uso

prototípico. Isso porque, embora veicule o valor tradicional de lugar, essa não é a única

possibilidade de leitura, mesmo que seja mais a proeminente.

No entanto, por já considerarmos onde como um item gramaticalizado, sendo,

portanto, nosso objetivo principal descrever e identificar os usos desse item após o seu

processo de gramaticalização, recorremos a outro autor, Kortmann (1996), uma vez que

não há em seus postulados a preocupação com o processo de gramaticalização. Assim,

Kortmann (1996) afirma que, no que se refere às relações de lugar, os marcadores das

relações locativas e modais também apresentam uso como subordinadores temporais.

Além disso, o autor afirma ainda que, em sua investigação sobre as relações de lugar, o

marcador locativo prototípico do inglês (where) cobre todas as noções resultantes de

lugar (correspondendo no português a de onde, para onde, onde quer que), de forma

semelhante que o marcador prototípico temporal do inglês (when) cobre as relações

temporais. É nesse sentido que o linguista afirma que há relação de semelhança entre

essas noções semânticas, justificando nossos dados semanticamente intermediários.

Após a descrição dos usos multifuncionais de onde encontrados no corpus

roteiro de cinema, descrevemos a seguir os usos desgarrados de onde. Primeiro,

fazemos a descrição dos usos encontrados no corpus analisado. Depois, com o intuito de

Page 79: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

79

demonstrar outros contextos em que onde desgarrado pode aparecer, analisamos outros

dados, recolhidos de outros corpora.

4.2. Os usos desgarrados

Seguindo a mesma divisão proposta na análise sintática, apresentaremos agora

os usos desgarrados de onde: primeiro apresentaremos os usos desgarrados

completivos, em seguida os usos desgarrados relativos e, por fim, os usos desgarrados

hipotáticos. Ao final, na seção 4.2.4, faremos uma breve apresentação de outros

exemplos de onde desgarrado, recolhidos no facebook, em propagandas e em textos

diversos, a fim, tão somente, de ilustrar outros casos desse uso. A motivação para

apresentarmos outros casos de desgarramento em outros corpora se deu pelo fato de, no

corpus roteiro de cinema, poucos dados de onde em desgarramento terem sido

encontrados. Com um total de 388 dados de onde introduzindo cláusulas diversas, 11

apenas eram casos de onde em cláusulas desgarradas. Sendo que desses 11 casos, 5

casos de onde introduzindo cláusulas relativas desgarradas, 5 casos de onde

introduzindo cláusulas hipotáticas desgarradas e apenas 1 caso de onde introduzindo

uma cláusula completiva desgarrada. É por essa distribuição de dados desgarrados que

o número de exemplos de onde apresentados a seguir em cláusulas relativas

desgarradas, cláusulas hipotáticas desgarradas e cláusulas completivas desgarradas

será diferente.

4.2.1. O desgarramento de onde em cláusulas completivas

Esta seção refere-se aos usos desgarrados de onde em cláusulas completivas,

isto é, cláusulas como as descritas na seção 4.1 sobre os usos multifuncionais de onde,

que aparecem sintaticamente desvinculadas de suas cláusulas núcleo, por meio de algum

sinal de pontuação (o ponto final, normalmente). No entanto, embora o termo

desgarramento pressuponha um agarramento prévio, Decat (2011) afirma que isso não

se verifica em relação às cláusulas desgarradas, que já nascem assim, isto é, são

Page 80: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

80

construídas desse modo pelos usuários da língua. Para a teórica, as cláusulas

desgarradas são, na realidade, as orações subordinadas tradicionais que podem

constituir uma unidade de informação à parte, isto é, não necessitam de uma oração

principal, materializando-se, assim, desvinculadas sintaticamente dessas. Decat (2011)

afirma que o procedimento do desgarramento não se dá de forma aleatória ou por um

simples desvio de pontuação, pelo contrário, para a autora, o desgarramento é, na

verdade, uma forma de tornar a porção de texto em desgarramento mais enfática e/ou

argumentativa, como uma espécie de focalização da informação contida na cláusula

desgarrada. O desgarramento seria, então, uma estratégia de focalização tal qual se

verifica nos processos de clivagem e topicalização, embora estes sejam estruturalmente

diferentes do desgarramento.

Após essa retomada do conceito de desgarramento, descrevemos agora seus

usos. Primeiro, faremos isso em relação ao uso de onde introduzindo cláusulas

completivas desgarradas, conforme o exemplo (21) a seguir:

(21) FEITOSA

Você acha que eu sou otário?

ANDRÉ

Você acha que eu vou fugir? Você sabe onde eu moro, onde minha mãe mora.

FEITOSA

Onde a sua amiga mora.

ANDRÉ

Pois é. Eu não vou fugir. Te dou o dinheiro amanhã. (O homem que copiava)

Em (21), fragmento inerentemente de fala e de sequência narrativa,

encontramos onde introduzindo uma cláusula completiva desgarrada. De modo

semelhante ao que ocorre no exemplo (5), na seção 3.4.4, que se destina a descrever o

fenômeno do desgarramento. Há lá o exemplo de desgarramento de uma cláusula

completiva, como propõe Decat (2011), que afirma que esta cláusula por ser a mais

Page 81: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

81

integrada/encaixada sintaticamente à cláusula núcleo, só pode se desgarrar quando uma

mesma cláusula também completiva já vier agarrada à cláusula núcleo. É o que ocorre

em (21), uma vez que à cláusula núcleo [Você sabe], na fala do personagem André,

integra-se às cláusulas completivas não desgarradas [onde eu moro,] e [onde minha

mãe mora]. Só a partir disso, é que a cláusula completiva desgarrada, escrita na fala de

Feitosa, [Onde a sua amiga mora.] ocorre, constituindo, portanto, uma enumeração, que

reforça a ideia de que o desgarramento não é um mero caso de desvio da norma padrão.

Nesse sentido, confirma-se o que Decat (2011) estabelece: as cláusulas completivas não

constituem por si só uma única unidade de informação. Na verdade, uma cláusula

completiva integra parte de uma unidade de informação que é constituída pela cláusula

núcleo e a cláusula completiva.

4.2.2. O desgarramento de onde em cláusulas relativas

Após a descrição do único dado encontrado no corpus em análise de onde

introduzindo uma cláusula completiva desgarrada, descrevemos a seguir os casos

desgarrados de onde em cláusulas relativas que, segundo afirma Decat (2011), são as

mais propensas, juntamente com as hipotáticas, ao desgarramento, conforme

demonstram os exemplos a seguir:

(22) Na dialética das imagens, fica claro que o dinheiro é o motor histórico

deste país. Mas a montagem também comprova que o tempo parece. Quanto

vale miolo novo. Estático, único. Onde passado e presente são como espelhos

a refletir, um no outro, a mesma situação, que é nada menos que horripilante,

com homens devorando-se. (Quanto vale ou é por quilo?)

(23) Silêncio. O alemão termina de traduzir. Silêncio. Nogueira faz um olhar

de estranhamento para Ênio.

Nogueira:

Page 82: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

82

Vamos subir agora e conhecer a engenharia. Onde se planeja os ciclos.

Nogueira sai. Ênio senta em sua bancada. Liga um monitor. Vê-se a livraria de

Mônica. Nesse exato momento, Jaime e Bia estão saindo de carro. Bia traz uma

mala. Ênio espanta-se e sai apressado. (Não por acaso)

(24) ANDRÉ (VS)

Da janela do meu quarto eu vejo um clube, o Gondoleiros...

(Narrador) Uma festa no salão do clube, casais dançando

...onde tem umas festas. No teto do prédio tem uma gôndola. Não sei se em

Porto Alegre já teve alguma gôndola. (O homem que copiava)

Sendo consideradas as cláusulas mais facilmente desgarráveis, uma vez que

podem se constituir em uma unidade de informação à parte, justamente porque podem

assumir leituras circunstanciais, os exemplos (22), (23) e (24) são exemplos de

cláusulas relativas desgarradas.

Em (22), fragmento inerentemente de escrita e de sequência textual

argumentativa, há o caso de um desgarramento contextual, uma vez que não parece

haver um referente explícito, sendo, portanto, a cláusula relativa desgarrada introduzida

por onde [Onde passado e presente são como espelhos a refletir, um no outro, a mesma

situação, que é nada menos que horripilante, com homens devorando-se.] um

desgarramento que se refere à porção de texto anterior, sem que haja um único

antecedente explícito.

Em (23), fragmento inerentemente de fala e de sequência narrativa, há também

um desgarramento de uma cláusula relativa, em que a cláusula desgarrada [Onde se

planeja os ciclos.] retoma o sintagma nominal [engenharia] da cláusula anterior [Vamos

subir agora e conhecer a engenharia.]. Sendo, portanto, um exemplo de desgarramento

cotextual. Isso porque, embora esteja separada por um ponto, seu antecedente é

recuperável na sentença anterior à cláusula desgarrada. Nesse sentido, o desgarramento

cotextual está mais para o nível sentencial, ao passo que o desgarramento contextual

está mais para o nível textual.

Page 83: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

83

Em (24), fragmento inerentemente de fala e de sequência textual descritiva, a

cláusula [...onde tem umas festas.] parece estar desgarrada, uma vez que se liga ao

sintagma nominal [o Gondoleiros...] inserido na cláusula [Da janela do meu quarto eu

vejo um clube, o Gondoleiros...]. Essas duas cláusulas, no entanto, são separadas por

uma informação de localização da cena [Uma festa no salão do clube, casais dançando].

Nesse sentido, a cláusula introduzida por onde parece estar desgarrada em relação à

cláusula núcleo. Por haver a retomada do sintagma nominal, esse seria um

desgarramento cotextual. Para comprovar esse desgarramento de fato, somente um

tratamento acústico, com o áudio original do filme, a fim de verificar como o ator

interpretou essa desvinculação sintática na escrita. No entanto, é interessante ressaltar

que a cláusula desgarrada e a cláusula núcleo, embora estejam separadas por uma

informação de cena, pertencem a uma mesma fala de um mesmo personagem.

4.2.3. O desgarramento de onde em cláusulas hipotáticas

Com base na descrição feita dos demais contextos sintáticos do desgarramento,

faremos agora a análise de outro contexto mais favorável ao desgarramento. Isso

porque as cláusulas hipotáticas, por apresentarem leitura circunstancial e serem mais

periféricas, estando sintaticamente à margem da sentença, podem constituir-se, por si

só, unidades de informação à parte, favorecendo, desse modo, o desgarramento. Os

exemplos (25) e (26) a seguir ilustram isso:

(25) BRÁS - Tens coragem?

VIRGÍLIA - De quê?

BRÁS - De fugir. Iremos aonde nos for mais cômodo. Uma casa pequena ou

grande, na roça, na cidade ou na Europa. Onde te parecer melhor. Onde

ninguém te aborreça e não haja perigos para ti. (Memórias Póstumas)

Page 84: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

84

(26) MARSHALL - Você me leva?

BEATRIZ - Porra, gringo... isso não estava nos planos... Ir à Petrolina? É longe

pra caralho...

MARSHALL - Eu pago.

BEATRIZ - Onde é que eu fui amarrar a minha égua. Tá bom, vamos. Mas

trate de alugar um carro que eu não vou despencar pra Petrolina num ônibus

pé-duro, não. E ó, o carro tem que ter ar-refrigerado, que faz um calor danado

na estrada... ah, outra coisa. Tô com duas mensalidades atrasadas na faculdade?

Dá pra você quebrar o meu galho? (Olhos Azuis)

Em (25), fragmento inerentemente de fala e de sequência textual

argumentativa, encontramos o desgarramento de onde em cláusulas hipotáticas, as mais

facilmente desgarráveis juntamente com as relativas apositivas. O desgarramento em

(25) deixa claro que as estruturas desgarradas não podem ser consideradas meros

desvios, no que se refere às regras de pontuação. Isso porque as cláusulas desgarradas

estão inseridas em uma enumeração, uma vez que uma cláusula hipotática [aonde nos

for mais cômodo.] aparece não desgarrada da cláusula núcleo [Iremos]. Só a partir

disso, é que as cláusulas hipotáticas desgarradas introduzidas por onde [Onde te

parecer melhor.] e [Onde ninguém te aborreça e não haja perigos para ti.] ocorrem. Essa

enumeração, constituída por uma cláusula introduzida por aonde, uso equivalente, em

nosso corpus, ao uso de onde, seguida de duas cláusulas hipotáticas desgarradas

também introduzidas por onde, confirma o fato do desgarramento poder ser

interpretado como uma estratégia textual que contribui para a ênfase e/ou argumentação

do texto. Essa argumentação fica ainda mais evidente se analisarmos o contexto, uma

vez que as cláusulas desgarradas são, na verdade, argumentos utilizados como uma

forma de convencimento para a fuga, assunto da conversa entre os personagens.

Em (26), fragmento inerentemente de fala e de sequência textual narrativa, há

um exemplo do desgarramento prototípico, descrito como o desgarramento

inerentemente pragmático. Isso porque a cláusula hipotática desgarrada introduzida por

onde [Onde é que eu fui amarrar a minha égua.] não se relaciona a nenhuma outra que

seria sua suposta cláusula núcleo ou principal e nem tampouco ao constituinte verbal

dentro dela, mas, tão somente, ao contexto como um todo, isto é, à porção de texto em

Page 85: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

85

que o exemplo se insere. Assim, essa cláusula não se relaciona sintaticamente a

nenhuma outra, sendo, portanto, completamente independente sintaticamente de outras

cláusulas, fator preponderante para considerarmos esse desgarramento como o

prototípico, isto é, como um desgarramento inerentemente pragmático.

Após a descrição dos casos de onde desgarrados encontrados no corpus roteiro

de cinema, passamos agora a análise desse fenômeno em outros corpora, a fim de

demonstrarmos que o desgarramento de onde não se restringe ao gênero roteiro na

sincronia atual. Para isso, recorremos a textos do facebook, propagandas e um exemplo

diacrônico. Esses dados, no entanto, não serão contabilizados na seção 5, que se refere

aos resultados da análise de nossos dados no corpus. Constituem, portanto, apenas uma

forma de confirmar aquilo que acreditamos acerca do nosso objeto de estudo: a

descrição dos usos de onde não parece ter se esgotado, pelo contrário, constituem um

campo fértil para novas pesquisas linguísticas.

4.2.4. O desgarramento de onde em outros corpora

Os dados a seguir provêm de textos retirados do facebook, através do

compartilhamento entre amigos na rede social, de uma propaganda, encontrada no site

da ABAP (Associação Brasileira de Agências Publicitárias) e de um dado do século

XIII, retirado de Barreto (1999), em que a autora objetiva descrever a evolução das

conjunções portuguesas do Latim até a atual sincronia. A apresentação desses dados

desgarrados seguirá a ordem dos tipos de desgarramento descrito por nós no quadro 5,

na seção 3.4.4.

Page 86: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

86

(i) Desgarramento inerentemente pragmático.

(27)

Imagem 2: facebook/igrejadesantacher.

O desgarramento de onde presente em (27) [Onde os feios não tem vez] pode

ser considerado como um desgarramento prototípico, uma vez que não se integra

sintaticamente a nenhuma outra cláusula, isto é, não há, em relação a esse exemplo,

nenhuma oração principal, para usar o rótulo tradicional. O desgarramento em questão

se referia, na postagem original do facebook, a uma crítica aos hábitos de alguns

membros da comunidade LGBT (principalmente os gays, o “G”, portanto, já que a

postagem se dirigia a eles) em que padrões de beleza são, normalmente, ostentados e

supervalorizados. A esse grupo que supervaloriza o culto ao corpo é que se refere a

construção “A elite do gueto” e o desgarramento “Onde os feios não tem vez”,

indicando que, esse grupo de pessoas seria a elite dentro de um grupo de minorias e, a

esse grupo, os feios não poderiam pertencer. Cabe ressaltar que a postagem original não

continha nenhum teor homofóbico. Pelo contrário, trata-se de uma página gay no

facebook que defende os direitos da comunidade LGBT, independente de padrões

estéticos, socialmente construídos.

Page 87: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

87

(ii) Desgarramento cotextual

O desgarramento cotextual parece ser o mais produtivo em nossa análise e, por

isso, apresentamos mais exemplos desse caso dos corpora antes mencionados em

conjunto. Logo, esse parece ser o tipo mais frequente, em termos de uso, em relação ao

desgarramento de onde.

(28)

Imagem 3: faceboook/otediomeama

Page 88: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

88

(29)

Imagem 4: abap.com.br/

(30)

Porque os homees sabhiã e entendã quaes preytos se possam demandar

per accusaçõ ou quaes per querella, queremos os departir per esta lee.

Onde dizemos que se algue fezer algua cousa que seya contra pessõa

del rey ou perdimento de seu reyno ou de mingameto de seu senhorio ou

matar ou chagar ou der heruas ou poçonha por mal fazer ou se fezer falsa

moeda ou outra falsidade ou adulterio ou forçar molher ou a leuar per

força ou fur[t]ar ou for herege ou que lexe a fe catholica ou que fezer outra

cousa qualquer desguisada per que deua a receber morte ou pea de seu

corpo ou perda de seu auer assy como mandã as leys e os dereytos a cada

huu d‟ataes cousas como estas possansse demãdar per accusaçoes. E se

for preyto de uenda qualquer ou de conpra ou de lauar alguu que á de

Page 89: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

89

fazer ou de qual cousa quer per que nõ deue auer justiça no corpo, ne

deytameto da terre ne permimeto d‟auer, estas se possã demandar

per querelhas e nõ per outras accusaçoes.

(FR, liv. IV, l. 989-1005, séc. XIII. In: Barreto: 1999, p. 445)

Em (28), há o desgarramento de onde também em uma enumeração, tal como

ocorre nos exemplos (21) e (25), respectivamente em cláusulas completivas e cláusulas

hipotáticas, só que agora em cláusulas relativas. As cláusulas relativas desgarradas

introduzidas por onde [Onde morrem pessoas por não terem vagas em hospitais.] e

[Onde políticos desviam dinheiro e nada acontece.] referem-se ao sintagma nominal

locativo [um país] inserido na cláusula núcleo [Estou de luto por viver em um país].

Vinculada sintaticamente a essa cláusula núcleo, está a cláusula relativa não desgarrada

[onde bandido tem mais dinheiro que cidadão], constituindo, desse modo, a enumeração

que reforça o conteúdo enfático/argumentativo do desgarramento. Além disso, esse

desgarramento ocorre em uma cláusula relativa padrão, já que retoma, como

antecedente nominal, a ideia de lugar.

Em (29), do gênero textual propaganda, cuja intenção comunicativa é a de

convencer o interlocutor sobre a ida ao outlet, lugar onde roupas são vendidas por um

preço mais barato, a cláusula relativa desgarrada [Onde o desconto está sempre na

moda.] retoma o antecedente [off outlet], inserido na cláusula núcleo [Venha para o off

outlet]. O contexto em que se insere esse desgarramento também favorece a análise de

um conteúdo enfático e/ou argumentativo, uma vez que o desgarramento, em questão,

constitui parte do slogan da propaganda, que se destina a convencer o interlocutor a

frequentar o lugar Off Outlet. Nesse sentido, a cláusula relativa desgarrada não parece

ser um simples desvio gramatical, mas, na verdade, uma porção de texto em ênfase, uma

vez que a informação contida na cláusula desgarrada constitui um argumento em

relação à cláusula núcleo.

Em (30), texto do século XIII, diacrônico, retirado de Barreto (1999), há

também um caso de onde introduzindo uma cláusula relativa desgarrada. Isso porque a

cláusula [Onde dizemos que se algue fezer algua cousa que seya contra pessõa del

rey ou perdimento de seu reyno ou de mingameto de seu senhorio ou matar ou chagar

Page 90: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

90

(...) e os dereytos a cada huu d‟ataes cousas como estas possansse demãdar per

accusaçoes.] retoma o sintagma nominal [esta lee] inserido na cláusula núcleo [Porque

os homees sabhiã e entendã quaes preytos se possam demandar per accusaçõ ou quaes

per querella, queremos os departir per esta lee.]. Vale destacar ainda que, nesse

exemplo, onde não ocorre em seu uso prototípico, uma vez que, além de configurar um

caso de desgarramento, já que vem, sintaticamente isolado de sua principal por conta do

sinal de pontuação, também não retoma um antecedente nominal locativo, mas, na

verdade, recupera um antecedente de valor nocional. Destaque-se ainda que o exemplo

(30), retirado de Barreto (1999, p. 445), está inserido na seção 4.8.3.3, que se destina a

descrever a conjunção correlata ou...ou, não, sendo, portanto, o item onde objeto de

análise para a autora. Assim, nenhuma menção ao uso de onde, seja em seu conteúdo

nocional, seja em seu desgarramento, é traçada. Esse exemplo, portanto, pode ser um

indício de que o fenômeno do desgarramento pode não ser exclusividade da atual

sincronia do português.

(iii) Desgarramento contextual

O desgarramento contextual, aquele que envolve a macroestrutura textual,

pode ser verificado no exemplo (31) a seguir, em que a imagem da propaganda tem um

papel preponderante na compreensão do uso desgarrado da cláusula introduzida por

onde:

(31)

Page 91: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

91

Imagem 5: facebook.com/catracalivre

O desgarramento presente em (31) ocorre na legenda para uma postagem de

uma página do facebook, em que a cláusula desgarrada iniciada por onde [Onde eu

gostaria de estar agora...] não se vincula a uma cláusula núcleo explícita, já que, no

contexto da propaganda, a imagem é que parece fazer esse papel. Assim, não estamos

considerando esse caso como um desgarramento inerentemente pragmático, uma vez

que a cláusula em desgarramento refere-se à foto da postagem. Isso porque se trata de

um texto multimodal, isto é, um texto que, de acordo com Dionísio e Vasconcelos

(2011), é produzido para ser lido pelos nossos sentidos, uma vez que um ambiente

multimodal é aquele em que se inserem palavras, imagens, sons, cores, músicas,

movimentos variados, texturas, formas diversas que se misturam e formam um grande

mosaico multissemiótico. O desgarramento em textos multimodais não ocorre só com o

exemplo (31), mas também com os exemplos (27), (28) e (29), descritos anteriormente.

Após a descrição dos dados analisados no corpus roteiro de cinema, em que se

buscou apresentar os usos multifuncionais e os usos desgarrados de onde, bem como a

descrição do desgarramento em outros corpora, a fim de demonstrar que, sobre esse

fenômeno, há muito para se fazer ainda, a seguir, na seção 5, por meio da quantificação

Page 92: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

92

dos dados, explicitaremos os critérios de análise mais relevantes em nossa interpretação

dos dados.

Page 93: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

93

5. Os resultados da análise

Este capítulo pretende apresentar os resultados da

análise descrita no capítulo anterior. Discriminaremos agora os

resultados em fragmentos inerentes à fala e à escrita, além dos

resultados encontrados em cada sequência textual analisada, a

fim de demonstrar qual(is) fator(es) parece(m) ter influenciado

nos usos de onde, em contextos desgarrados e não desgarrados.

Ao final, propomos três continua de usos de onde: um de cunho

funcional-discursivo, em que levamos em consideração o maior

ou menor esvaziamento semântico do item, e o segundo e o

terceiro, de cunho pragmático, já que levamos em conta a maior

ou a menor ocorrência de dados em fragmentos inerentes à fala e

à escrita, respectivamente.

Page 94: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

94

Após a descrição da análise dos dados na seção anterior, apresenta-se a seguir a

descrição dos resultados dessa análise, a fim de demonstrar quais critérios foram

condicionantes no que se refere à multifuncionalidade e ao desgarramento de onde no

corpus roteiro de cinema. Após a apreciação dos resultados, três continua desses usos

serão propostos: (i) o continuum dos usos de onde encontrados no corpus, (ii) o

continuum dos usos de onde nos fragmentos inerentemente de escrita e, por fim, (iii) o

continuum dos usos de onde nos fragmentos inerentemente de fala.

Em relação aos dados multifuncionais de onde analisados no roteiro de cinema,

a seguinte configuração foi encontrada:

Usos de onde Número de dados

Cláusula Relativa Padrão 207

Cláusula Relativa não

Padrão

57

Cláusula Intermediária

Sintática

46

Cláusula Hipotática 31

Cláusula Completiva 18

Cláusula Intermediária

Semântica

18

TOTAL: 377

Quadro 6: distribuição de usos multifuncionais de onde no corpus roteiro de cinema.

Em um total de 377 usos multifuncionais de onde, foram analisados 207 usos

de onde como articulador de cláusulas relativas padrão, ou seja, seu uso como pronome

relativo, cujo antecedente nominal é estritamente locativo, seguido do uso de onde

também como um relativo, admitindo, no entanto, outras possibilidades semânticas,

além da tradicional locativa. Foram analisados ainda 46 casos em que esse item

funciona como articulador de cláusulas sintaticamente intermediárias, 18 casos de onde

funcionando como articulador de cláusulas completivas e 18 casos de onde funcionando

Page 95: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

95

como articulador de cláusulas semanticamente intermediárias. Nesse sentido, pode-se

considerar que os usos de onde como articulador de cláusulas relativas (retomando ou

não a noção de lugar) parecem ser o mais prototípico em relação a seus usos

multifuncionais.

Após, então, a distribuição total dos usos multifuncionais de onde, explicitam-

se, a seguir, a distribuição desses usos em fragmentos inerentes à fala e à escrita,

objetivando descrever como parte dos usos de onde se comporta em relação às

modalidades da língua.

Apesar de considerarmos fala e escrita como modalidades dispostas em um

continuum, é sabido, no entanto, que a escrita prototípica, normalmente, se comporta

como sendo o contexto mais conservador em relação à fala. Foi pensando nisso e, com o

intuito de verificar se a configuração semelhante ocorre com os usos de onde, que

recorremos a essa diferenciação. No que se refere aos dados dos fragmentos

inerentemente de fala, os seguintes resultados foram encontrados:

Gráfico 3: distribuição de usos multifuncionais de onde em fragmento inerentemente de fala.

O gráfico 3 refere-se à distribuição dos 99 usos multifuncionais de onde

encontrados no corpus em fragmentos inerentemente de fala, em que 34 casos de onde

representam seu funcionamento como articulador de cláusulas sintaticamente

intermediárias (I.SI), isto é, cláusulas que podem apresentar comportamento sintático de

Page 96: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

96

uma cláusula completiva e/ou de uma cláusula hipotática, seguido de 33 casos em que

onde funciona como articulador de cláusulas relativas padrão (R.P), retomando um

antecedente nominal locativo, 15 casos de onde funcionando como articulador de

cláusulas hipotáticas (C.H), 10 casos de onde funcionando como um articulador de

cláusulas completivas (C.C) e, por fim, 7 casos de onde (sendo 5 casos com valor

semântico nocional e 2 casos com valor semântico causal) funcionando como um

articulador de cláusulas relativas não padrão (R.N), isto é, onde funcionando como um

pronome relativo, porém veiculando outros valores semânticos além do tradicional

locativo. Nenhum dos 99 dados analisados em fragmento inerentemente de fala

funcionou como articulador de cláusulas semanticamente intermediárias.

Após a descrição do gráfico 3, a respeito dos usos multifuncionais de onde em

fragmentos inerentemente de fala, segue a distribuição dos dados multifuncionais em

fragmentos inerentemente de escrita.

Gráfico 4: distribuição de usos multifuncionais de onde em fragmento inerentemente de escrita.

O gráfico 4 revela a distribuição dos 278 usos multifuncionais de onde em

fragmentos inerentemente de escrita. Sendo 174 desses usos de onde em seu

funcionamento como articulador de cláusulas relativas padrão (R.P), seguido por 50

casos de onde em seu funcionamento como articulador de cláusulas relativas não padrão

(R.N), 18 casos de onde em seu funcionamento como articulador de cláusulas

semanticamente intermediárias (I.SE), 16 casos de onde como articulador de cláusulas

Page 97: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

97

hipotáticas (C.H), 12 casos de onde funcionando como articulador de cláusulas

sintaticamente intermediárias (I.SI) e apenas 8 casos de onde funcionando como

articulador de cláusulas completivas (C.C).

No que se refere a seus usos como articulador de cláusulas relativas não

padrão, isto é, onde introduzindo cláusulas que retomam outros valores semânticos,

além do locativo, em fragmentos inerentemente de escrita, nota-se a seguinte

distribuição:

Valores semânticos Número de dados

Nocional 36 dados

Causal 9 dados

Final 3 dados

Temporal 2 dados

Quadro 7: valores semânticos de onde relativo em fragmento inerentemente de escrita.

Assim, é evidente que o uso mais prototípico de onde é seu funcionamento

como articulador de cláusulas relativas, seja em seu uso padrão, retomando a ideia de

lugar, seja em seu uso não padrão, retomando outros valores semânticos, além do

locativo. No entanto, em se tratando de seu funcionamento como relativo não padrão,

seu uso mais frequente é aquele em que onde retoma o antecedente com valor nocional.

Nesse sentido, nota-se que os usos mais prototípicos de onde são aqueles que retomam a

noção de lugar ou que mais se aproximam desse valor semântico (o valor nocional).

Com base na distribuição dos dados multifuncionais de onde em fragmentos

inerentemente de fala e de escrita, é possível percebermos que, em se tratando da fala,

foram contabilizados 33 dados de onde em seu funcionamento tradicional (pronome

relativo, cujo antecedente nominal expressa a noção de lugar) e 66 dados de onde em

funcionamento diferente do tradicionalmente descrito (outros valores semânticos além

do de lugar em seu funcionamento como pronome relativo, além de seu funcionamento

como articulador de cláusulas completivas e hipotáticas e seus contextos sintaticamente

Page 98: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

98

e semanticamente intermediários). Já em fragmentos inerentemente de escrita, foram

analisados 174 casos de onde em seu funcionamento tradicional contra 104 dados de

onde em funcionamentos distintos do descrito pela tradição. Nesse sentido, a fala, que

apresenta o dobro do número de dados de onde não descritos pela tradição gramatical,

parece, de fato, ser um contexto mais inovador que a escrita, uma vez que, em

fragmentos inerentes à escrita, o número de usos tradicionais de onde supera o número

de usos não previstos pela descrição tradicional da língua portuguesa, pautada num ideal

linguístico e coercitivo. Assim, os fragmentos inerentes à escrita, no que se refere aos

usos de onde, parecem ser um contexto mais conservador que os fragmentos inerentes à

fala.

Após a distribuição de dados multifuncionais de onde em fragmentos

inerentemente de fala e de escrita, mostraremos a seguir a distribuição dos 11 dados

desgarrados de onde encontrados no corpus roteiro de cinema.

Cláusulas desgarradas Número de dados

Hipotática desgarrada 5 dados

Relativa desgarrada 2 dados

Completiva desgarrada 1 dado

Quadro 8: dados de onde em cláusulas desgarradas em fragmentos inerentemente de fala.

Vejamos agora a distribuição do desgarramento de onde em fragmentos

inerentemente de escrita:

Cláusula desgarrada Número de dados

Relativa desgarrada 3 dados

Quadro 9: dados de onde em cláusulas desgarradas em fragmentos inerentemente de escrita.

Page 99: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

99

Em relação aos 11 dados encontrados de usos de desgarramento de onde, é

possível percebermos que, embora o desgarramento seja um procedimento prototípico

da escrita, no corpus analisado, pareceu ser mais recorrente em fragmentos

inerentemente de fala, uma vez que foi, nesse contexto, que houve a ocorrência do

desgarramento em três estruturas sintáticas diferentes, sendo 5 dados em cláusulas

hipotáticas desgarradas, 2 dados em cláusulas relativas desgarradas e apenas 1 dado

em cláusulas completivas desgarradas, confirmando, portanto, a ideia proposta por

Decat (2011), de que as cláusulas relativas apositivas e hipotáticas seriam as mais

propensas ao desgarramento, uma vez que constituem uma unidade de informação à

parte. Em se tratando de fragmentos inerentemente de escrita, somente 3 dados em

cláusulas relativas desgarradas ocorreram, não, sendo, portanto, encontrado nenhum

dado em cláusulas hipotáticas e completivas desgarradas. Assim, compreende-se que,

em se tratando do desgarramento, a fala também parece ser um contexto mais favorável

a esse fenômeno do que a escrita. No entanto, em relação aos fragmentos inerentemente

de escrita, tido como os mais conversadores, o desgarramento mais produtivo parece

ser aquele em que onde assume sua função mais próxima daquela descrita pela tradição:

como pronome relativo, cujo antecedente é locativo.

Após, então, a descrição dos dados multifuncionais e desgarrados de onde em

fragmentos inerentemente de fala e de escrita, explicitamos a seguir a distribuição

desses dados em relação à sequência textual em que se encontram.

Gráfico 5: usos multifuncionais de onde em sequência textual narrativa.

Page 100: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

100

Em um total de 119 sequências textuais narrativas, foram analisados 55 dados

de onde como articulador de cláusulas relativas padrão (R.P), cujo antecedente nominal

é locativo, seguido de 30 dados de onde funcionando como articulador de cláusulas

sintaticamente intermediárias (I.SI), 14 dados de onde funcionando como articulador de

cláusulas hipotáticas (C.H), 11 dados de onde funcionando como articulador de

cláusulas completivas (C.C), 6 dados de onde funcionando como articulador de

cláusulas relativas não padrão (R.N), veiculando outros valores semânticos além do

locativo, e, por fim, 3 dados de onde funcionando como articulador de cláusulas

semanticamente intermediárias (I.SE). Nesse sentido, a sequência textual narrativa

parece favorecer o funcionamento de onde como articulador de cláusulas relativas

locativas (seu uso descrito tradicionalmente) e como articulador de cláusulas

sintaticamente intermediárias.

Vejamos a seguir a distribuição de dados em relação à sequência textual

descritiva:

Gráfico 6: usos multifuncionais de onde em sequência textual descritiva.

No gráfico 6, em que 211 sequências textuais descritivas foram analisadas, 136

delas eram de onde introduzindo cláusulas relativas locativas (seu uso padrão) (R.P),

seguido de 35 casos de onde em funcionamento como articulador de cláusulas relativas,

porém retomando outros valores semânticos, além do tradicional locativo (R.N). Além

desses usos, foram também encontrados, 16 casos de onde funcionando como

Page 101: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

101

articulador de cláusulas hipotáticas (C.H), 10 casos de onde funcionando como

articulador de cláusulas sintaticamente intermediárias (I.SI), 9 casos de onde

funcionando como articulador de cláusulas semanticamente intermediárias (I.SE) e, por

fim, 5 casos de onde funcionando como articulador de cláusulas completivas (C.C).

Assim, compreende-se que as sequências descritivas parecem possibilitar o

funcionamento de onde como um articulador de cláusulas relativas, seja antecedendo a

ideia de lugar ou não.

Vejamos a seguir a distribuição de dados em relação à sequência textual

expositiva:

Gráfico 7: usos multifuncionais de onde em sequência textual expositiva.

No gráfico 7, que se destina a descrever os dados de onde na sequência textual

expositiva, em que foram analisadas 18 sequências desse tipo, há 7 dados de onde

funcionando como um articulador de cláusulas relativas locativas (R.P), 5 casos de onde

funcionando como um articulador de cláusulas relativas, retomando outros valores

semânticos (R.N), 5 casos de onde funcionando como articulador de cláusulas

semanticamente intermediárias (I.SE) e apenas 1 caso de onde funcionando como

articulador de cláusulas completivas (C.C). Em relação a essa sequência textual,

destaca-se o fato de os funcionamentos de onde como articulador de cláusula hipotática

e articulador de cláusulas sintaticamente intermediárias não terem sido encontrados.

No gráfico 8 a seguir, há a distribuição de dados multifuncionais de onde na

sequência textual argumentativa.

Page 102: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

102

Gráfico 8: usos multifuncionais de onde em sequência textual argumentativa.

No que tange à sequência textual argumentativa, em que foram analisadas 25

sequências desse tipo, há a ocorrência de 10 casos de onde funcionando como

articulador de cláusulas relativas não padrão (R.N), retomando outros valores

semânticos além do locativo, seguido de 7 casos de onde funcionando como articulador

de cláusulas relativas locativas (R.P), 5 casos de onde funcionando como articulador de

cláusulas sintaticamente intermediárias (I.SI), 1 caso de onde funcionando como

articulador de cláusulas hipotáticas (C.H), 1 caso como articulador de cláusulas

semanticamente intermediárias (I.SE) e 1 caso de onde funcionando como articulador de

cláusulas completivas (C.C).

A seguir, a distribuição dos usos multifuncionais de onde em sequência textual

injuntiva:

Page 103: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

103

Gráfico 9: usos multifuncionais de onde em sequência textual injuntiva.

O gráfico 9 apresenta a distribuição de dados nas 4 sequências textuais

injuntivas encontradas no corpus. Nessa sequência textual, só três funcionamentos de

onde foram identificados: 2 casos de onde funcionando como articulador de cláusulas

relativas locativas (R.P), 1 caso de onde funcionando como articulador de cláusulas

relativas, retomando outros conteúdos semânticos, além do locativo (R.N) e, por fim, 1

caso de onde como articulador de cláusulas sintaticamente intermediárias (I.SI).

Todavia, não foram verificadas ocorrências, em sequências injuntivas, dos

funcionamentos de onde como articulador de cláusulas completivas, hipotáticas e em

contextos semanticamente intermediários.

Com base na observação dos usos de onde nas sequências textuais, não se pode

afirmar que estas interfiram na frequência maior ou menor de usos de onde. No entanto,

podemos dizer que, de um modo geral, as sequências narrativas e descritivas foram as

mais prototípicas em relação ao gênero roteiro, o que já era de se esperar. Foi possível

perceber, então, que os funcionamentos padrão (como um relativo locativo) e mais

próximo ao que descreve o padrão (relativo, porém com outros conteúdos semânticos)

foram os mais produtivos em todas as sequências analisadas, ocorrendo, em maior

número nas sequências narrativas e descritivas. Em relação aos usos mais inovadores

(onde em cláusulas completivas, hipotáticas e nos contextos sintaticamente ou

semanticamente intermediários), o maior número de ocorrências também foi nas

sequências narrativas e descritivas, indicando que as sequências argumentativas,

Page 104: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

104

expositiva e, até mesmo, injuntivas, por serem, teoricamente, mais formais (no que se

refere às sequências argumentativas e expositivas), apresentaram uma menor frequência

em relação aos usos mais inovadores.

Em relação aos usos desgarrados de onde, as sequências textuais também

parecem não interferir, conforme demonstram os resultados do quadro 9 a seguir:

Quadro 10: distribuição de dados de onde desgarrados por sequência textual.

Segundo, então, demonstra o quadro 10, anteriormente apresentado, o

desgarramento também ocorre em maior número em sequências narrativas. Assim,

compreendemos que os usos de onde, seja em sua multifuncionalidade, seja em seu

desgarramento, parecem ainda não serem amplamente usados em todas as sequências

textuais.

Após a análise dos usos de onde em contextos inerentes de fala e inerentes de

escrita e em relação às sequências textuais, apresentam-se a seguir os continua dos usos

de onde.

Sequência

textual

Relativa

desgarrada

Hipotática

desgarrada

Completiva

desgarrada

Narrativa 3 dados 2 dados 1 dado

Descritiva 1 dado -- --

Expositiva -- 2 dados --

Argumentativa 1 dado 1 dado --

Injuntiva -- -- --

Page 105: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

105

5.1. Os continua dos usos de onde

Com base na distribuição de dados feita na seção 5 anterior, traçamos aqui três

continua dos usos de onde. O primeiro, em que adotamos como critério o esvaziamento

semântico, isto é, partimos dos usos mais canônicos em que o antecedente é mais

locativo e o contrastamos com seus usos mais esvaziados de sentido, isto é, seu

funcionamento como conjunção subordinativa e integrante. Em relação ao segundo e ao

terceiro continuum adotamos como critério os usos mais frequentes nos fragmentos

inerentes de fala e de escrita, respectivamente.

Vejamos, então, o continuum 1, a respeito dos usos de onde:

Continuum 3: usos de onde.

De acordo com o continuum 3, partimos do funcionamento de onde mais

canônico/prototípico até seu estágio de maior esvaziamento semântico: onde 1,

funcionamento de onde como articulador de cláusulas relativas, passando a onde 2, seu

estágio intermediário semanticamente, seguindo de onde 3, uso como articulador de

cláusulas hipotáticas, passando a onde 4, como articulador de cláusulas sintaticamente

intermediárias, onde 5, seu estágio de maior esvaziamento semântico, isto é, como

articulador de cláusulas completivas, até chegar a onde 6, seu desgarramento, que se

apresenta em uma configuração diferente, uma vez que as estruturas de onde 1 a onde 5

podem ou não estar sob a forma de cláusulas desgarradas. Assim, através desse

continuum, conseguimos compreender qual pode ser a trajetória do item, em relação ao

seu maior ou menor estágio de esvaziamento semântico.

Page 106: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

106

Os continua a seguir foram pensados em relação ao número de dados

multifuncionais de onde, isto é, os continua partem dos funcionamentos de onde com

maior número de ocorrência até seu funcionamento com menor número de ocorrência

em fragmentos inerentes à fala e à escrita.

Continuum 4: usos multifuncionais de onde em fragmentos inerentes à fala.

O continuum 4 organiza os usos multifuncionais de onde em uma gradação do

mais recorrente ao menos recorrente em fragmentos inerentes à fala. Nesse sentido,

então, agora onde 1 passa a representar o funcionamento do item como um articulador

de cláusulas relativas locativas, onde 2 passa a representar o funcionamento como o do

contexto sintaticamente intermediário, onde 3, o funcionamento como articulador de

cláusulas hipotáticas, onde 4, o funcionamento como articulador de cláusulas

completivas, chegando a onde 5, funcionamento de onde como articulador de cláusulas

relativas, retomando outros valores semânticos, além do de lugar e, por fim, onde 6, o

funcionamento em um contexto semanticamente intermediário.

Já em relação aos fragmentos inerentes à escrita, o seguinte continuum com os

usos multifuncionais de onde pode ser estabelecido:

Continuum 5: usos multifuncionais de onde em fragmento inerentes à escrita.

Em relação ao continuum 5, sobre os usos multifuncionais de onde em

fragmentos inerentemente de escrita, é possível perceber uma disposição dos usos de

onde semelhante ao continuum 3, que se destina a organizar esses funcionamentos do

Page 107: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

107

estágio mais ou menos esvaziado de sentido. Assim, no continuum 5, onde 1

corresponderia ao funcionamento de onde em cláusulas relativas locativas, passando a

onde 2, seu funcionamento como cláusulas relativas, retomando outros valores

semânticos, onde 3, seu funcionamento em contextos semanticamente intermediários,

onde 4, seu funcionamento como articulador de cláusulas hipotáticas, chegando a onde

5, seu funcionamento em contexto sintaticamente intermediários e, por fim, onde 6,

correspondendo ao seu funcionamento como articulador de cláusulas completivas.

Após a análise dos dados e a configuração dos continua a partir dos usos

multifuncionais de onde, em que, além de verificar sua mudança, no que se refere a seu

deslizamento semântico, foi possível também constatar como o usuário da língua, em

contextos reais de interação, faz uso do conectivo onde, tanto em fragmentos inerentes à

fala como em fragmentos inerentes à escrita. É importante ressaltar que os usos

desgarrados de onde não entraram nos continua 4 e 5, a respeito dos usos do item nos

fragmentos inerentes à fala e à escrita, uma vez que o número de dados recolhidos no

corpus roteiro de cinema foi baixo. Nesse sentido, o desgarramento de onde, em nosso

corpus, parece ainda ser pouco usado pelo falante dos roteiros em contextos reais de

interação comunicativa por eles reproduzidos/veiculados.

A guisa de sistematização dos resultados encontrados e da análise realizada

durante nossa pesquisa, a seguir apresentamos nossas considerações finais, a fim de

compreender e reorganizar as ideias apresentadas e discutidas ao longo desta

dissertação.

Page 108: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

108

6. Considerações finais

Este capítulo retoma o tema apresentado, bem como as

hipóteses e os objetivos, além dos critérios analisados, a fim de

propor conclusões a respeito da análise e da teoria demonstradas

nos capítulos anteriores, procurando responder aos

questionamentos e reflexões apontados ao longo desta

investigação.

Page 109: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

109

Com este trabalho, pretendeu-se, no que tange ao articulador de cláusulas onde,

demonstrar seus usos efetivos em situações reais de interação comunicativa, buscando

descrever seus usos mais inovadores e, consequentemente, não descritos e licenciados

pela tradição gramatical. No entanto, ainda que com propósitos distintos dos nossos,

parte desses usos já haviam sido elucidados em estudos anteriores, como os propostos

na seção 2, que se preocupou em traçar a revisão do item nas abordagens tradicional e

etimológica, bem como em abordagens de outras vertentes linguísticas. Nesse sentido,

procurou-se a partir do corpus roteiro de cinema, corpus analisado por nós como sendo

misto, já que se trata de um texto escrito, com a finalidade de ser reproduzido

oralmente, podendo, assim, conter características tanto da escrita quando da oralidade,

verificar o comportamento desse item em cláusulas diversas, desgarradas e não

desgarradas, a fim de constatar como o falante da língua tende a usar onde após seu

estágio de gramaticalização.

Em seu uso como articulador de cláusulas relativas, embora a tradição

gramatical afirme que onde em função de pronome relativo só deve retomar a ideia de

lugar, outros valores semânticos foram encontrados ao longo de nossas análises, tais

como: (i) nocional, em que o falante expande a noção de lugar, tornando-a mais

abstrata, (ii) causal, em que onde parece introduzir uma cláusula com ideia de causa

e/ou justificativa, (iii) temporal, em que onde parece introduzir a ideia de tempo e, por

fim, (iv) final, em que onde parece introduzir uma cláusula com conteúdo semântico de

finalidade ou propósito.

Além de seu funcionamento como articulador de cláusulas relativas, outros

dois funcionamentos foram descritos: (i) onde em função de articulador de cláusulas

hipotáticas, descritas como as que possuem um menor grau de integração sintática, além

da leitura hipotática e (ii) onde em função de articulador de cláusulas completivas,

estágio de maior esvaziamento semântico do item, introduzindo cláusulas com maior

nível de encaixamento sintático.

No entanto, os usos previstos anteriormente ainda não dão conta da descrição

completa acerca das funções que onde desempenha em contextos reais de comunicação.

Isso porque nem sempre os contextos em que o item se insere parecem prototípicos,

Page 110: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

110

havendo, portanto, os casos intermediários, sintaticamente e semanticamente, também

descritos por nós.

É sabido ainda que os contextos de onde descritos podem ocorrer ou não sob a

forma do desgarramento. Assim, em nosso corpus, as cláusulas que se apresentaram

desgarradas foram as cláusulas relativas, com 5 casos em desgarramento, seguido das

cláusulas hipotáticas, também com 5 dados desgarrados e, por último, as cláusulas

completivas, com apenas 1 dado em desgarramento. Assim, a partir desses resultados,

confirmou-se a proposta de Decat (2011), de serem as cláusulas relativas e hipotáticas

mais favoráveis ao contexto do desgarramento, uma vez que, por apresentarem um

menor nível de integração sintática, além da possibilidade de leitura circunstancial,

podem constituir unidades de informação à parte. Já as cláusulas completivas, por

apresentarem maior nível de encaixamento, só se desgarrarão em contextos específicos,

formando, por exemplo, uma enumeração, em que outras cláusulas completivas já

tenham ocorrido sob a forma não desgarrada.

Ainda em relação ao desgarramento de onde, com base no quadro 5, na seção

3.4.4, foi possível perceber que nem toda cláusula introduzida por onde constitui um

desgarramento prototípico (desgarramento inerentemente pragmático), uma vez que

nem sempre essas cláusulas formam uma unidade de informação à parte, já que o item,

em alguns contextos, ainda não se apresenta totalmente esvaziado de sentido. Nesse

sentido, onde se assemelha ao que nas possibilidades de funcionamento. No entanto,

que, por se apresentar de forma mais esvaziada de sentido, pode ser mais propenso ao

desgarramento prototípico que onde. Assim, os desgarramentos cotextual e contextual

foram os mais produtivos em relação às cláusulas introduzidas por onde.

Para essas análises, recorremos ao funcionalismo, por acreditarmos ser essa a

vertente teórica que melhor iria atender às nossas expectativas. Além disso, recorremos

também ao continuum fala-escrita (cf. seção 3.1.1), já que analisamos um corpus misto.

Assim, conseguimos compreender que, embora os usos inovadores de onde sejam mais

produtivos em fragmentos inerentes à fala, eles também ocorreram em fragmentos

inerentes à escrita, demonstrando que, parte desses usos, não podem não sofrer mais

estigma por parte do falante da língua portuguesa. Ainda em relação à nossas análises,

adotamos também, após uma breve revisão sobre os conceitos de gênero e tipos

textuais, a noção de sequência textual para minimizar as especificidades peculiares sob

Page 111: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

111

as partes dos roteiros analisados e, ainda, procurar descrever se esse contexto pode ou

não influenciar nos usos de onde, o que não se confirmou, uma vez que os usos de onde,

embora ocorram mais em sequências narrativas e descritivas, também ocorrem em

sequências textuais de outros tipos. Além disso, o elevado número de ocorrências de

onde em sequências narrativas e descritivas se dá, inclusive, por essas serem as mais

prototípicas e as mais encontradas no corpus analisado. Assim, não parece ser um

aspecto determinante nos usos de onde nos contextos rastreados por nós.

Após a análise desses dados, procuramos apresentar três continua de onde. O

primeiro (continuum 3), um continuum funcional-discursivo, em que procuramos

apresentar o nível de esvaziamento semântico sofrido pelo item durante a mudança

linguística. Em sua gramaticalização, onde passa, usando os rótulos tradicionais, de seu

funcionamento como pronome relativo, estágio de menor esvaziamento semântico,

chegando a seu funcionamento como conjunção subordinativa, até chegar ao nível de

maior esvaziamento semântico: conjunção integrante. Entre esses níveis há ainda os

contextos semanticamente e sintaticamente intermediários. No entanto, cabe destacar

ainda que o item onde não chegou ainda ao seu maior nível de esvaziamento semântico,

mesmo funcionando como uma conjunção integrante, uma vez que, ainda que em menor

grau, onde, nesse contexto sintático, veicula ainda leituras hipotáticas, sobretudo a

prototípica locativa, embora mais abstratizada, muitas vezes.

Esse fato, bem como os usos sintaticamente e semanticamente intermediários

do item, atestam que a mudança pela qual passou onde parece ainda não ter sido

concluída, evidenciando, portanto, que os estudos acerca deste articulador de cláusulas

parecem estar longe de chegar ao fim, sobretudo em relação a seu desgarramento. Os

outros dois continua (4 e 5) traçados são de cunho pragmático, uma vez que levam em

conta a organização, em fragmentos inerentes à fala e à escrita, dos usos mais ou menos

frequentes em relação aos usos efetivamente produzidos pelos falantes. Nesse sentido,

nesses dois últimos continua esboçamos os usos mais recorrentes e os usos menos

recorrentes de onde nos contextos inerentes à fala e à escrita analisados.

Nesse sentido, conseguimos atingir nosso intento: descrever e organizar os

usos de onde de acordo com o uso efetivo dos falantes em língua portuguesa,

procurando demonstrar como o usuário da língua tem interpretado os usos desse item

em contexto reais de interação comunicativa. Além disso, alcançamos comprovar um

Page 112: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

112

dos objetivos propostos em nossa introdução: onde, no que tange a seus usos efetivos,

faz parte da lista de itens multifuncionais, podendo, portanto, ser considerado um item

tão multifuncional e universal quanto o que, mesmo que com nível de esvaziamento

semântico diferente. Com base no Princípio do Uniformatarismo proposto por Labov

(1994), é possível afirmarmos que onde poderá atingir os mesmo níveis de

esvaziamento semântico que o que, sendo, nesse sentido, um exemplo de item

multifuncional e universal em contextos oracionais.

É assim, então, que, por ora, damos por encerrada essa pesquisa, esperando que

ela possa contribuir para a revisão da abordagem dos conectores no português, além, é

claro, de auxiliar professores e alunos no que se refere ao ensino e descrição da língua.

Embora o ensino não tenha sido o fio condutor deste trabalho, não há como, nós,

professores, não fazermos tal associação, uma vez que grande parte desses usos são

amplamente utilizados por alunos não só do nível médio, mas também por escritores,

como vimos em nosso corpus. Nesse sentido, este estudo espera contribuir, em termos

de ensino da língua escrita, principalmente, no âmbito da revisão textual, para a

conscientização da necessidade de uma correção mais relativizada dos textos dos

aprendizes, no que se refere aos usos de onde, no ambiente escolar, uma vez que essa

correção é pautada, na maioria das vezes, na descrição da tradição gramatical, que

privilegia o ideal linguístico em detrimento dos usos que intuitivamente os falantes

utilizam e que são empregados por ele para reforçar, enfatizar estruturas que não

promoveriam o mesmo efeito de sentido, caso se pautasse apenas no que prevê a norma

considerada padrão.

Page 113: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

113

7. Bibliografia

Neste capítulo, estão listadas as nossas fontes bibliográficas,

leituras que, direta ou indiretamente, contribuíram para o estudo

desenvolvido ao longo dessas páginas e ainda os sites dos

respectivos corpora utilizados.

Page 114: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

114

ADAM, Jean-Michel. Les textes: types et prototypes. Paris: Nathan, 1992.

________. A linguística textual: Introdução à análise dos discursos. São Paulo: Cortez,

2008.

AMORIM, Monika Benttenmüller. Orações adjetivas e o ensino: perspectiva

funcionalista. In: Revista Odisseia – ppgel/UFRN. N° 5, 2010.

AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos de gramática do português. 4ª ed. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar ed., 2008.

BARRETO, Therezinha Maria Mello. Gramaticalização das conjunções na história do

português. Salvador, Universidade Federal da Bahia, 1999. Mimeo. Tese de Doutorado.

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37ª ed. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 2009.

BEAUGRANDE, R. New foundations for a science of text and discourse: cognition,

communication, and the freedom of access to knowledge and society. Norwood, New

Jersey: Ablex, 1997.

BISPO, E. B., & OLIVEIRA, M. R. (orgs.), Orações relativas no português brasileiro:

diferentes perspectivas, 2014.

BRAGA, Maria Luiza & MANFILI, Keylla. Essa é a preocupação onde eu quero

chegar. “Onde” em referências anafóricas no português do Brasil. VEREDAS - Rev.

Est. Ling., Juiz de Fora, v.8, n.1 e n.2, p.233-243, jan./dez. 2004.

BRANDÃO, H. H. Nagamine (coord.). Gêneros do discurso na escola – mito, conto,

cordel, discurso político, divulgação científica. São Paulo: Cortez Editora, 1999.

BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um

interacionismo sócio-discursivo. São Paulo:EDUC, 1999.

Page 115: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

115

___________. Gêneros de textos, tipos de discurso e sequências. Por uma renovação do

ensino da produção escrita. PUC/SP, 2010.

CASTILHO, Ataliba T. de. Nova gramática do português brasileiro. 1ª ed. São Paulo:

Contexto, 2010.

CAVALCANTE, Mônica Magalhães. Sequências textuais. IN_____: Os sentidos do

texto. São Paulo: Contexto, 2013, p. 61-76.

CHAFE, Wallace L. The Pear Stories: Cogntive, Cultural, and Linguistic Aspects of

Narrative Production. Vol. III. University of California, Berkeley, 1980.

CARVALHO, Cristina dos Santos. Processo sintáticos de articulação de orações:

algumas abordagens funcionalistas. IN: Veredas, Juiz de Fora, v.8, n. 1 e n. 2, p. 9-27,

2004.

CARVALHO, José Ricardo. Gênero textual sob a ótica da retextualização: uma

experiência de escrita e oralidade. Anais do IX Encontro do CELSUL Palhoça, SC,

Universidade do Sul de Santa Catarina, 2010.

CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima Gramática da Língua Portuguesa. 18º

edição. Companhia Editora Nacional, 1978.

CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua

portuguesa. 1° edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

CUNHA, Celso & CINTRA, L. F. Lindley. Nova gramática do português

contemporâneo. 5° edição. Rio de Janeiro, 2008.

DECAT, Maria Beatriz Nascimento. Estruturas Desgarradas em Língua Portuguesa.

Campinas, SP: Pontes Editora, 2011.

Page 116: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

116

__________. Leite com manga morre: da hipotaxe adverbial no português em uso. Tese

de Doutorado, 1999.

DIONISIO, A. P.; VASCONCELOS, L. J. Multimodalidade, gênero textual e leitura.

In: BUNZEN, C.; MENDONÇA, M. Múltiplas linguagens para o ensino médio. São

Paulo: Parábola, 2011. 19-42 p.

DIONISIO, A. P.; VASCONCELOS; L. J.; SOUZA, M. M. Multimodalidade,

convenções visuais e leitura. In: DIONISIO, A. P.; VASCONCELOS; L. J. & SOUZA,

M. M. Multimodalidade e leituras. Recife: Pipa comunicação, 2014. p.41-69

DIK, C. S. The theory of functional Grammar. Dordrecht: Foris Publication, 1989.

GONÇALVES, S.C.L., LIMA-HERNANDES, M.C. & CASSEB-GALVÃO, V.C.

(orgs.). Introdução à gramaticalização. São Paulo: Parábola, 2007.

GONÇALVES, S.C.L., SOUZA, G.C., & CASSEV-GALVÃO, V. As construções

subordinadas substantivas. In: NEVES, Maria Helene de Moura. (org). A construção

das orações complexas. São Paulo: Contexto, 2016.

HALLIDAY, Michael A.K. Above the clause: the clause complex. In: Introduction to

Funcional Gammar. Great Britain, Edward Arnold, p. 192-271, 1985.

HOPPER, Paul J. On Some Principles of Grammaticalization. In: TRAUGOTT, E. C;

HEINE, B. (orgs.). Approaches to Grammaticalization. Amsterdam: John Benjamins,

1991.

HOPPER, P. & TRAUGOTT, E. Gramaticalization. Canbridge: Canbridge University

Press, 1993.

HOFFNAGEL, Judith C. A diversidade de gêneros e a intergenerecidade na construção

de um corpus para o estudo da fala e da escrita. In: MOURAS, Denilda (org).

Oralidade e escrita: estudos sobre os usos da língua: UFAL, 2003.

Page 117: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

117

Kortmann, Brend. Adverbial subordination: a typology and history of adverbial

subordinators based on European languages. Berlin, New York: Mouton de Gruyter,

1996.

KURY, Adriano da Gama. Novas Lições de Análise Sintática. Rio de Janeiro, Ática,

2002.

LABOV, William. Principles of linguistic change. Vol. 1: Internal Factors. Cambridge:

Blackwell publishers. 1994.

LUFT, Celso P. Moderna gramática brasileira. Porto Alegre: Globo, 2002.

_____________. Gramática resumida. Porto Alegre: Globo, 1978.

MACHADO, Gustavo Benevenuti. A Multifuncionalidade de ONDE: uma descrição de

seus usos. UFRJ, 2011. Apresentação de trabalho na Jornada de Iniciação Científica –

JIC.

______. Da fala para a escrita: a multifuncionalidade de ONDE. UFRJ, 2012.

Apresentação de trabalho na Jornada de Iniciação Científica – JIC.

______. O desgarramento de ONDE em português. UFRJ, 2013. Apresentação de

trabalho na Jornada de Iniciação Científica – JIC.

_______. & RODRIGUES, V. V., Onde: um conectivo multifuncional?. In: Revista

Percursos Linguísticos, v. 5, n. 10, p. 112-127, 2015.

MACHADO, José Pedro. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 2. Ed. V.III.

Ed. Editorial Confluência/Livros Horizonte. 1967.

MANFILI, Keylla C. Uma análise funcionalista do uso das construções com onde no

português do Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ (Dissertação de Mestrado), 2007.

MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo:

Cortez, 2010.

Page 118: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

118

___________. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO, A.P.,

MACHADO, A.R., & BEZERRA, M.A. (orgs.) Gêneros textuais e Ensino. Rio de

Janeiro: Lucerna, 2005.

___________. Produção Textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo:

Parábola Editorial, 2008.

MARTINET, André. Qu´est-ce que La linguistique fonctionnelle? Alfa: Revista de

Linguística. São Paulo, v. 38, p. 11-19, 1994.

MEILLET, A. L´evolution dês formes grammaticales. In: _________. Linguistique

historique et linguistique générale. Paris: Champion, (1948 [1912]), p. 130-148.

MATEUS, Maria H. M. et al. Gramática da Língua Portuguesa. Lisboa: ed. Caminho

S.A., 2003.

NEVES, Maria Helena de Moura. A Gramática Funcional. 1ed. São Paulo: Martins

Fontes, 1997.

________. Gramática de usos do Português. 2.ed. São Paulo: Unesp, 2011.

MATTHIESSEN, Christian; THOMPSON, Sandra. The structure of discourse and

„subordination‟. In: HAIMAN, John; THOMPSON, Sandra A. (eds.). Clause

combining in grammar and discourse. Amsterdam: John Benjamin‟s Publishing, 1988.

PRETI, Dino. Estudos de língua oral e escrita. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.

POGGIO, Rosauta M. G. Fagundes. Relações expressas por preposições no período

arcaico do português em confronto com o latim. Tese de Doutoramento. Universidade

Federal da Bahia. Salvador, 1999.

RELVAS, Vanessa Pernas Ferreira. O conector quando: uma análise pancrônica. Rio

de Janeiro, Faculdade de Letras/UFRJ, 2013. Tese de Doutorado.

Page 119: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

119

ROCHA LIMA, Carlos H. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. 32ª ed. Rio de

Janeiro, 2011.

RODRIGUES, Violeta Virginia. Correlação. In: VIEIRA, S.R. & BRANDÃO, S.F.

(orgs.). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007.

____________.(org.). Articulação de orações: pesquisa e ensino. RJ: ed. UFRJ, 2010.

____________. (org). Gramaticalização, combinação de cláusulas, conectores. Rio de

Janeiro: UFRJ, 2013.

____________. Desgarramento: um novo olhar. Anais do I Seminário do Grupo de

Pesquisa Conectivos e Conexão de Orações. Niterói, UFF, 2016.

SAID ALI, M. Gramática histórica da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos,

1964.

SILVIA, Fernanda Cunha Pinheiro da. O percurso de mudança do item onde na

perspectiva da gramaticalização. UFMG, 2008. Dissertação de mestrado.

SIQUEIRA, Sirley Ribeiro. Usos do elemento ONDE: trajetória e funcionalidade. UFF,

2009. Dissertação de mestrado.

SOUSA, Socorro Cláudia Tavares. "As abordagens tipológicas dos textos". In.:

Linguagem em (Dis)curso. Santa Catarina. v. 12, n. 1, p. 347-364, jan./abr. 2012.

SOUZA, Elenice Santos de Assis Costa de. A interpretação das cláusulas relativas no

português do Brasil: um estudo funcional. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2009. Tese de

Doutorado.

SOUZA, Emília Helena Portella Monteiro de. O onde em estruturas relativas no

português atual. ENANPOLL, 2004.

Page 120: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ PROGRAMA … · 2020-01-30 · Gustavo Benevenuti Machado Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues Dissertação de Mestrado

120

PAIVA, Maria da Conceição de. & GOMES, Christina Abreu (orgs.). Dinâmica da

variação e da mudança na fala e na escrita. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2015.

Referência dos corpora:

Roteiro de Cinema: http://www.roteirodecinema.com.br/

ABAP: http://www.abap.com.br/

Facebook/Igreja de Santa Cher: https://www.facebook.com/igrejadesantacher/

Facebook/Catraca Livre: https://www.facebook.com/CatracaLivre/?fref=ts

Facebook/O tédio me ama: https://www.facebook.com/amgsaddfim080808808/?fref=ts