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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA A influência de Federico García Lorca na Poesia de Pablo Neruda por Roberto Ponciano Gomes de Souza Júnior Curso de Mestrado em Letras Neolatinas (Programa de estudos literários: Literatura Hispânica) RIO DE JANEIRO 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE LETRAS

COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

A influência de Federico García Lorca na Poesia de Pablo Neruda

por

Roberto Ponciano Gomes de Souza Júnior

Curso de Mestrado em Letras Neolatinas

(Programa de estudos literários: Literatura Hispânica)

RIO DE JANEIRO

2015

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE LETRAS

COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

A influência de Federico García Lorca na Poesia de Pablo Neruda

Roberto Ponciano Gomes de Souza Júnior

Dissertação de Mestrado apresentadaao Programa de Pós-Graduação emLetras Neolatinas da Faculdade deLetras da Universidade Federal do Riode Janeiro como requisito à obtençãodo título de Mestre em LetrasNeolatinas (Estudos Literários:Literaturas Hispânicas).

Orientador: Prof. Doutor Miguel ÁngelZamorano Heras.

RIO DE JANEIRO2015

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE LETRAS

COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

A influência de Federico García Lorca na Poesia de Pablo Neruda

Roberto Ponciano Gomes de Souza Júnior

Orientador: Professor Doutor Miguel Ángel Zamorano Heras.

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação

em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de

Janeiro (UFRJ), como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em

Letras Neolatinas (Estudos Literários: Literaturas Hispânicas).

Aprovada em ____/____/_____, por

Presidente, Prof. Dr. Miguel Ángel Zamorano Heras (UFRJ)

Prof.ª Dr.ª Silvia Inés Cárcamo de Arcuri (UFRJ)

Prof.ª Dr.ª Helena Días dos Santos Lima (CEFET e UERJ)

Prof. Dr. Víctor Manuel Ramos Lemus (UFRJ) (Suplente)

Prof.ª Dr.ª Maria do Carmo Cardoso da Costa (UFRJ) (Suplente)

Agradecimentos

A Pricila Regina Teixeira, minha esposa, pelo tempo roubado ao convívio familiar e

aos meus filhos, Ana Carolina de Jesus Souza, Bruna de Jesus Souza e Enzo

Teixeira Correia Palma.

Ao meu orientador, Miguel Ángel Zamorano pela paciência inesgotável e pelas firme

orientação que tornaram possível esta dissertação.

A meu pai, Roberto Ponciano, me deste a retidão que necessita a árvore para

crescer, e a minha mãe, Sueli de Jesus Pereira e toda a minha família.

À professora Helena Días, que plantou a semente que originou este trabalho.

À professora Sílvia Cárcamo e, através dela, a todos os professores e professoras

do curso de letras da UFRJ.

A Fernando Ladera Cubero, descendente de exilados e lutadores socialistas e

republicanos espanhóis, que semeou em mim o amor pela Espanha.

A João Mcormick, que me auxiliou na revisão última dos textos e na formatação

final.

Por último aos pobres e oprimidos do mundo, a quem Neruda e Lorca dedicaram

sua poesia.

RESUMO

GOMES DE SOUZA JÚNIOR, Roberto Ponciano. A influência de Federico García

Lorca na Poesia de Pablo Neruda. Rio de Janeiro, 2015. Dissertação de Mestrado

em Letras Neolatinas (Estudos Literários: Literaturas Hispânicas), Faculdade de

Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O objetivo deste trabalho é fazer um estudo comparativo da obra de Pablo Neruda,

antes de sua estada na Espanha, confrontando sua poética com as mudanças de

posição estética, política e ideológica — causadas principalmente pelo encontro com

Federico García Lorca e a Geração de 1927 (a vanguarda poética espanhola de

então, que revolucionará a forma e o conteúdo da poesia de Neruda).

Ressaltaremos, entretanto, que na verdade há troca mútua de influências e

experiências, Neruda receberá os influxos da vanguarda de 1927 na Espanha, mas

também trará novidades estéticas e temáticas para esta geração. A finalidade é

provar que este encontro leva a uma série de mudanças na obra nerudiana, que

assim vai se “contaminar” de Espanha e de Lorca, mas também de todos os

problemas de forma e conteúdo que abalam a Espanha; Neruda recebe a influência

espanhola e das vanguardas que dinamizaram a Geração de 1927 e a traz para um

modo poético chileno, fazendo o encontro de duas pátrias literárias. Assim, o recorte

a ser mostrado neste projeto é este salto qualitativo dialético: Parte-se de um Pablo

Neruda inicial, místico e mítico, quase niilista, descompromissado politicamente,

frente a uma situação-limite da Guerra Civil (que o leva a uma superação de seu

pensamento inicial), ampliando seu campo estético literário. Sua poesia estará

prenhe do compromisso político e da prática militante, mas carregará todas as

influências poéticas anteriores: as vanguardas, o realismo fantástico, o surrealismo.

O suporte teórico do texto e a origem dos dados serão textos originais de Neruda e

de Federico García Lorca, e textos teóricos de Yurkiévich, de Rovira, de Dámaso

Alonso, de Octavio Paz, para compreender as questões estéticas envolvidas aqui.

Vamos comparar os textos de Neruda até a fase das duas primeiras Residências na

Terra com os textos posteriores a estada de Neruda, como cônsul, em Madrid e

Barcelona; principalmente a III Residência na terra e o Canto Geral. Assim a

proposta da análise e o objetivo da pesquisa são situar Neruda na literatura latino-

americana, como um elo entre a poética latino-americana e os caminhos de

vanguarda da Geração de 1927 na Espanha. Entender Neruda como síntese,

simbiose de um tempo histórico chamado por Hobsbawm de “o breve século XX”, a

mescla de ismos e vanguardas, que revolucionará a poesia chilena ao trazer a

influência de todas as invenções modernas experimentadas na Europa.

Palavras-chave: Guerra Civil Espanhola; Mudança estética; Vanguarda,

Modernidade, Mudança temática, Geração de 1927.

ABSTRACT

GOMES DE SOUZA JÚNIOR, Roberto Ponciano. A influência de Federico García

Lorca na Poesia de Pablo Neruda. Rio de Janeiro, 2015. Dissertação de Mestrado

em Letras Neolatinas (Estudos Literários: Literaturas Hispânicas), Faculdade de

Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

The objective of this work is to make a comparative study of the work of Pablo

Neruda before his stay in Spain, faced with changing aesthetic position, political and

ideological — mainly caused by the encounter with Federico García Lorca and the

Generation of 1927, the vanguard poetic Spanish then, that will revolutionize the form

and content of Neruda's poetry. We stress, however, that in fact there is mutual

exchange of influences and experiences, Neruda will receive the 1927 forefront of

inflows in Spain, but also bring aesthetic and thematic news for this generation. The

purpose is to prove that this meeting leads to a lot of changes in nerudiana work, so

will change Generation of 1927 and Lorca, but also all the problems of form and

content that upset the poets of Spain; Neruda receives the Spanish influence and

avant-garde that streamlined the Generation of 1927 and brings a Chilean poetic

way, making the meeting of two literary homelands. There is a dialectical qualitative

leap: It starts with a Pablo Neruda initial, mystical and mythical, almost nihilistic,

uncompromising politically front of a Civil War-limit situation extending his literary

aesthetic field, his poetry is pregnant with political commitment and militant practice,

but it charges all previous poetic influences: the avant-garde, the fantastic realism,

surrealism. The theoretical support of the text and the data source will be original

texts of Neruda and Federico García Lorca, and theoretical texts of Yurkiévich of

Rovira, of Dámaso Alonso, of Octavio Paz, to understand the aesthetic issues

involved here. Let's compare the Neruda texts to the stage of the first two Residence

on Earth with the later texts the stay of Neruda as consul in Madrid and Barcelona;

especially the Third Residence on Earth and Canto General. Thus the proposal of the

analysis and the research objective are located Neruda in Latin American literature,

as a link between the Latin American poetry and avant-garde ways of generating

1927 in Spain, understand it as a synthesis, symbiosis of a time history by

Hobsbawm called the “short twentieth century”, the mixture of isms and vanguards,

which will revolutionize the Latin American poetry to bring the influence of all modern

inventions experienced in Europe.

Keywords: Spanish Civil War; Aesthetic change; Vanguard, Modernity, thematic

change, Generation of 1927, the Spanish Civil War.

RESUMEN

GOMES DE SOUZA JÚNIOR, Roberto Ponciano. A influência de Federico García

Lorca na Poesia de Pablo Neruda. Rio de Janeiro, 2015. Dissertação de Mestrado

em Letras Neolatinas (Estudos Literários: Literaturas Hispânicas), Faculdade de

Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

El objetivo de este trabajo es realizar un estudio comparativo de la obra de Pablo

Neruda antes de su estada en España, ante el cambio de posición estética, política e

ideológica — causada principalmente por el encuentro con Federico García Lorca y

la Generación del 1927, la vanguardia poética española de entonces, que va a

revolucionar la forma y el contenido de la poesía de Neruda. Resaltamos, sin

embargo, que, de hecho, hay intercambio de influencias y experiencias. Neruda

recibirá de la vanguardia de 1927 sus problemáticas e experimentos, pero también

traerá cosas nuevas en la forma y en el contenido. Esta reunión lleva a una gran

cantidad de cambios en el trabajo nerudiano, por lo que Pablo Neruda se

“contamina” de España y Lorca, y también de todos los problemas de forma y

contenido que interesaban a la generación del 1927; Neruda recibe la influencia

española y vanguardista que de esta Generación, en canje ofrece una forma poética

chilena, por lo que hay el encuentro de dos patrias literarias. Así, el dibujo para

mostrar en este proyecto es este salto cualitativo dialéctico: Se inicia con un Pablo

Neruda, místico y mítico, casi nihilista, sin influencias políticas en su poesía,

enfrentando a una guerra civil (lo que lleva a una revisión de sus pensamientos

iniciales), extendiendo su campo de la estética literaria. Su poesía está embarazada

con el compromiso político y la práctica militante, pero que tiene influencia de todas

las influencias poéticas anteriores: la vanguardia, el realismo fantástico, el

surrealismo. El soporte teórico del texto y las fuentes de datos serán textos

originales de Neruda y Federico García Lorca, y los textos teóricos de Yurkiévich de

Rovira, de Dámaso Alonso, de Octavio Paz, para enfrentar a las cuestiones estéticas

que trabajamos aquí. Vamos a comparar los textos de Neruda a la etapa de las dos

primeras Residencias en la Tierra con los textos posteriores de la estancia de

Neruda como cónsul en Madrid y Barcelona; especialmente la III Residencia en la

tierra y el Canto General. Así, la propuesta del análisis y el objetivo de la

investigación es situar Neruda en la literatura latinoamericana, como un enlace entre

la chilena y las formas de vanguardia de la Generación del 1927 en España, lo

entienden como una síntesis, la simbiosis de una época histórica, que Hobsbawm

llama el “corto siglo XX”, la mezcla de ismos y vanguardias, que va a revolucionar la

poesía chilena para llevar la influencia de todas las invenciones modernas

experimentadas en Europa.

Palabras clave: Guerra Civil Española; Cambio estético; Vanguard, la modernidad,

el cambio temático, Generación de 1927.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO........................................................................................................11

2. NERUDA PRÉ-ESPANHA......................................................................................19

2.1 OS PRINCÍPIOS DA POESIA DE PABLO NERUDA...........................................19

2.2 O POETA E SUA PASSAGEM PELO ORIENTE — PARA UMA POESIA

IMPURA.......................................................................................................................27

3. A GERAÇÃO DE 1927 E FEDERICO GARCÍA LORCA.......................................66

4. A GERAÇÃO DE 1927 E A GUERRA CIVIL ESPANHOLA.................................71

5. A ANÁLISE DA POESIA DE LORCA....................................................................78

5.1 LORCA E A INFLUÊNCIA POPULAR — EL CANTE JONDO.............................78

5.2 LORCA E O PICTÓRICO — O SURREALISMO..................................................88

6. A CONVIVÊNCIA DE NERUDA COM A GERAÇÃO DE 1927, EM ESPECIAL

COM FEDERICO GARCÍA LORCA.........................................................................105

7. SÍNTESE DIALÉTICA: NERUDA PÓS-ESPANHA.............................................119

8. CONCLUSÃO.......................................................................................................140

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................149

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1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é fazer um estudo comparativo da obra do poeta

chileno Pablo Neruda, desde seus primeiros poemas, até as duas primeiras

Residências na Terra, confrontado estas poesias iniciais com as mudanças de

posição estética, política e ideológica — causadas principalmente pelo encontro com

Federico García Lorca e a Geração de 1927 na Espanha, e o resultado deste salto

qualitativo na sua poesia posterior, utilizando principalmente dois livros principais

situados posteriores a esta experiência: Canto Geral e Terceira Residência na Terra.

A hipótese é que a passagem de Neruda pela Espanha vai modificar de forma

indelével sua poesia, que é um mescla de influências, que vão desde Góngora e

Quevedo, a Rubén Darío, Joyce, T. S. Eliot, Walt Whitman, Gustavo Adolfo Bécquer,

Mallarmé, Baudelaire, assim como a da Geração de 1927 na Espanha: que no seu

vanguardismo fez a síntese dialética entre o passado (representado por Góngora) e

as influências da poesia francesa e anglo-saxã, que vão renovar o ritmo e os temas

desta geração. Ela vai criar uma forma de fazer poesia que vai recuperar o ritmo

livre do poema, com rima internas, liberando-se do petraquismo do verso métrico

rimado e experimentando formas e temas. Uma síntese do que foi feito por esta

Geração se encontra no manifesto Por uma poesia impura, do próprio Neruda,

publicada na revista que ele fundou, Caballo Verde. Este manifesto vai se antepor às

tentativas de conservação da métrica antiga, representadas principalmente por

Ramón José Jimenez e sues “motivos nobres” para a poesia, que seriam a

manutenção da forma poética anterior e dos motivos greco-romanos e “ideais

elevados”.

Neruda vai representar a liberação da forma e do conteúdo, sua poesia se

aproximara da poesia-prosa, com muitos poemas descritivos e narrativos, com

musicalidade interna e seus temas serão todos os temas populares e do cotidiano

(mesmos os políticos), mas também o vinho, o sino, o mar, as cebolas (assim como

na poesia de Federico García Lorca, seu literário). Nos possíveis temáticos da nova

geração de poetas espanhóis não havia assunto que não interessasse à poesia.

Lorca chega a colocar o escatológico em seus poemas, e Neruda também chega a

comentar as funções mais baixas do organismo humano: na sexualidade descrita

com sensualidade, mas sem subjetividade amorosa, típica da fase das duas

primeiras Residencias na Terra. Assim, este trabalho tem como hipótese como estes

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influxos variados recebidos pela Geração de 1927 na Espanha vão influenciar a

poesia nerudiana.

Defendemos a ideia de que Neruda é um poeta inovador e renovador das

artes na América Latina: sem se juntar a nenhum manifesto surrealista, foi

surrealista antes do surrealismo e realista fantástico antes do realismo fantástico. Ao

contrário de muitos que creem que sua poesia foi diminuída por seu engajamento

político, demonstraremos nas páginas a seguir, que Neruda não restringiu sua

poesia a um panfleto político partidário, nem mesmo na fase em que ele participou

ativamente da Guerra Civil Espanhola, ou quando se candidatou e foi eleito senador

pelo Partido Comunista Chileno e ajudou a eleger Salvador Allende. Nossa hipótese

é que as influências anteriores, panteístas, vanguardistas, surrealistas, realistas

fantásticas, líricas, pós-românticas, todas permaneceram, mesmo em seus poemas

mais politizados como o Canto Geral.

A importância deste trabalho, num momento de “crise da poesia”, com as

desconstruções da linguagem e do sentido pós-modernas, é entender (através de

um poeta que vai catalisar todos os ismos do que Hobsbawm chamou de “o breve

século XX”) esta relação de ruptura entre tradição de vanguarda, manutenção e

revolução, que se realiza em Neruda sem destituir sua poesia de sentido e narrativa.

Neste ponto vamos utilizar os conceitos de vanguarda, modernismo, ruptura de um

grande poeta e ensaísta latino-americano, Octavio Paz, no seu ensaio Os filhos do

barro, no qual ele entende que o modernismo é uma “tradição de ruptura”, e que a

questão primordial neste embate, se liga ao processo de reificação que a poesia faz

diante da destruição de sentidos e teorias trazidos pelo desenraizamento, que vai

ocorrer na tradição ocidental desde a ideia da “morte de Deus”. Ideia esta entendida

como ruptura do presente eternizado cristão simbolizado pelo paraíso, e que foi

expresso na poesia por Madame de Staël e na filosofia por Nietzsche. A orfandade

de um futuro sem mudança, no paraíso (que também pode ser visto como inferno do

imobilismo, por uma quimera de futuro sem futuro), esvaziado pela passagem sem

volta de Cronos, que engole a todos os seus filhos, os filhos do barro: nós, reles

mortais, órfãos de Deus e da imortalidade:

O tema da morte de Deus é um tema romântico. Não é um tema filosófico esim um tema religioso. Para a Razão, Deus existe ou não existe. Noprimeiro caso, não pode morrer, e no segundo caso, não pode morreralguém que nunca existiu? Esse raciocínio é válido na perspectiva domonoteísmo e do tempo necessário e irreversível do ocidente. A antiguidadesabia que os deuses são mortais mas que, manifestações do tempo cíclico,

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ressuscitam e voltam. Os marinheiros escutam de noite uma voz quepercorre o Mediterrâneo dizendo “Pã morreu”, e essa voz anuncia a mortedo deus e também anuncia sua ressurreição.A lenda náiade nos conta que Quetzalcoarl abadona Tula, imola-se, e setransforma no planeta duplo (estrela da manhã e estrela da tarde), mas quehá de regressar um dia para retomar sua herança. Em contraste Cristo sóveio à Terra uma vez. Cada acontecimento da história sagrada dos cristãosé único e não se repetirá. Se alguém disser “Deus morreu”, anuncia um fatoirreproduzível. Deus morreu para todo o sempre. Na concepção do tempocomo sucessão linear irreversível, a morte de Deus é um acontecimentoimpensável.A morte de Deus abre as portas da contingência e da sem-razão. A respostadupla: a ironia, o humor, o paradoxo intelectual; também a angústia, oparadoxo poético, a imagem. As duas atitudes aparecem em todos osromânticos: sua predileção pelo grotesco, pelo horrível, pelo estranho, pelosublime irregular, a estética dos contrastes, a aliança entre riso e pranto,prosa e poesia, incredulidade e fideísmo, as mudanças súbitas, ascambalhotas, tudo enfim, o que faz de cada poeta romântico um Ícaro, umSatanás ou um palhaço não passa de resposta ao absurdo-angústia eironia. Embora a origem de todas essas atitudes seja religiosa, trata-se deuma religiosidade singular e contraditória, pois consiste na consciência deque a religião está vazia. A religiosidade romântica é irreligião: ironia; airreligião romântica é religiosa, angústia (PAZ, 2013, 54-55).

Dando uma nova perspectiva à crítica de vanguarda da poesia de

Neruda, trazemos a ideia de Octavio Paz, de que a contradição vanguardista da

poesia vem da criação romântica de Richter da ideia da morte de Deus e da

orfandade da humanidade, ligada à ruptura do tempo cíclico das religiões anteriores

ao cristianismo. Desta forma, a tensão permanente entre ruptura e a busca de um

refúgio através da poesia, com relação ao caos causado pela irreversibilidade do

tempo e da maldição do ser para a morte. Assim surgem todas as utopias de um

tempo cíclico, que de certa forma são um retorno a uma era mitológica de perfeição,

era de ouro, desde o bom selvagem e o passado idílico da humanidade, às utopias

marxistas e anarquistas; todas são de certa forma reações à destruição moderna e

sua criação do novo a qualquer custo a todo tempo. Contradictio in adjecto da

tradição da ruptura. Ruptura que vira ismo, truísmo e obrigatoriedade, o que é novo

hoje, amanhã já é o velho que tem de ser destruído. Os retornos à antiguidade

oriental e africana, feitos pelas vanguardas, expressam de certa forma esta nostalgia

a um tempo que não seja linear e destruidor de todas as escolas e tradições. Na

famosa frase de Karl Marx no Manifesto do Partido Comunista, o que identifica a

modernidade é que tudo que é sólido se desmancha no ar, o que trazemos de novo,

na pesquisa sobre Neruda, é ligar este desejo de utopia a uma criação imagética

poética, o que resulta de uma imagem religiosa, a utopia marxista interpretada

poeticamente dentro da tradição ocidental da orfandade de Cristo:

Universo sem leis, mundo à deriva, visão grotesca do Cosmos. A eternidade

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está assentada sobre o caos e, ao devorá-lo, se devora. Estamos diante da“natureza caída” dos cristãos, mas a relação entre Deus e o mundo seencontra invertida. não é o mundo caído na mão de Deus que se precipitano nada, é Deus quem cai no poço da morte. Blasfêmia enorme, ironia eangústia. A filosofia havia concebido um movido não por um criador, maspor uma ordem inteligente; para Jean Paul e seus descendentes, acontingência é uma consequência da morte de Deus: o universo é um caosporque não tem criador. O ateísmo de Jean Paul é religioso e se opõe aoateísmo dos filósofos: a imagem do mundo como um mecanismo ésubstituída pela imagem de um mundo convulsionado que não para deagonizar mas não chega a morrer. A contingência universal se chama naesfera existencial, orfandade. E o primeiro órfão, o grande órfão não é outrosenão Cristo. O “sonho” de Jean Paul escandaliza tanto o filósofo, como odevoto (PAZ, 2013, p. 57).

Os vanguardistas, tantos os da reação moderna simbólica latino-

americana e espanhola, aos vanguardistas do século XX, retomam este tema: do

caos, da contingência do homem na terra. Neste texto vamos situar Neruda dentro

desta tradição e colocar a utopia socialista não só como questão política, mas como

solução poética da contradição e deste paradoxo permanente. O resultado atual das

pesquisas teóricas sobre a obra de Neruda o situam sempre num patamar de

ligação entre a poesia latino-americana/chilena e espanhola/europeia (Carlos

Rovira, Saúl Yurkiévich), como um poeta engajado e bibliográfico, que traz para a

poesia os temas considerados “não nobres”, do quotidiano: a dura vida dos mineiros

explorados nas minas de cobre no Chile, o massacre dos povos originais, dos

operários e camponeses, a vida dos pescadores e das mulheres pobres chilenas,

mas também o bosque chileno, a natureza exuberante de Macchu Picchu, o gato, a

cebola, as uvas, o vinho, o mar, os sinos, a chuva, o sexo muitas vezes rude e sem

pretensões líricas e românticas. Nosso texto não é inovador no sentido de que traz

uma nova grande descoberta à análise de Neruda, mas se justifica como pesquisa

acadêmica porque traz em seu bojo uma nova análise destas relações, a ideia

analítica de Octavio Paz de que as vanguardas literárias do século XX, ao construir

utopias, tentam reificar o destrutivo do tempo linear, inaugurado pela modernidade, e

o abandono da utopia cristã do tempo eterno pós mortem. A ideia do ser para a

morte heideggeriana é uma ideia que vai ser debelada nas utopias poéticas,

construídas que são, de uma certa forma, como um retorno à perfeição e uma

proteção à destruição revolucionária do tempo histórico,

Paz mostra, assim como Jakobson, que a utopia socialista quando

transformada em crença de perfeição e de funcionamento de um mecanismo

perfeito, não suporta a idealização da poesia, Jakobson relata em A geração que

esbanjou seus poetas, como uma geração inteira de poetas russos ou morreu na

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prisão, ou se suicidou, ou foi executada por não conseguir se inserir na ideia

destrutiva revolucionária. Assim, nosso trabalho traz a inovação de trazer para a

narrativa da história de Neruda este truísmo do poético em sua contradição insolúvel

com o revolucionário, como toda a modernidade, a tradição da ruptura, a busca da

quimera, da utopia, da revolução; que destrói e retira pela raiz tudo que é velho e

representa o passado; do outro lado, a mesma utopia como um espaço de conforto

e retiro desta destruição permanente e cotidiana:

(…) crítica da crítica e das suas construções, a poesia moderna, desde ospré-românticos, busca se assentar num princípio anterior à modernidade eantagônico a ela. Esse princípio, impermeável à mudança e à sucessão, é ocomeço do começo de Rousseau, mas também é o Adão de William Blake,o sonho de Jean Paul, a analogia de Novalis, a infância de Wordsworth,imaginação de Coleridge. Seja qual for seu nome, esse princípio é negaçãoda modernidade. A poesia moderna afirma que é a voz de um princípioanterior à história, a revelação de uma palavra original da sociedade —paixão e sensibilidade — e por isto mesmo é a verdadeira linguagem detodas as revelações e revoluções. Esse princípio é social, revolucionário:regresso ao começo de antes da desigualdade: esse princípio é individual ediz respeito a cada homem, a cada mulher: reconquista da inocênciaoriginal. Dupla oposição à modernidade e ao cristianismo, que é uma duplaconfirmação tanto do tempo histórico da modernidade (Revolução) como dotempo do cristianismo (inocência original). Num extremo o tema dainstauração de outra sociedade é um tema revolucionário, que insere nofuturo o tempo do começo; no outro extremo, o tempo da restauração dainocência original é um tema religioso que insere o futuro cristão numpassado anterior à Queda. A história da poesia moderna é a oscilação entreestes dois extremos: a tentação revolucionária e a tentação religiosa (PAZ,2013, pp. 54-55).

Para cumprir nossos objetivos, aqui delineados, utilizaremos a

metodologia de fazermos a comparação dos textos de Neruda anteriores a sua

passagem na Espanha, com os textos posteriores dele, dentro de uma perspectiva

teórica poliforme. Seria impossível metodologicamente darmos conta de uma tarefa

tão complexa (a das influências recíprocas entre Neruda e Lorca), com um único

teórico. Usaremos Dámaso Alonso para entender a poesia espanhola, do

romantismo e da chamada modernidade espanhola (diferente no tempo e na

classificação da modernidade europeia), dos caminhos e perspectiva poéticas da

Geração de 1927, principalmente de Federico García Lorca; Para Neruda usaremos

primeiro Carlos Rovira, para entender o conceito de Neruda como poeta

“autobiográfico”, o que não diminuiu em nada sua poesia. As auto-citações da

poesia de Neruda, o fato de Pablo Neruda ser personagem de seus próprios

poemas, o tornam um poeta ímpar, o Quixote de sua própria passagem pela

Mancha. Neruda poeta-personagem acaba assim por personificar a destruição

permanência do tempo histórico. Nossa análise se vale de Rovira mas não fica

16

restrita a uma autobiografia ou a uma notação da história de Neruda: se assim

fosse, não seria um trabalho acadêmico com uma hipótese a ser confirmada, mas

necessita desta linha histórica para demarcar o campo sociológico da atuação

poética nerudiana. Yurkiévich será utilizado para entender o labirinto teórico de

Neruda na Espanha, suas relações com Lorca e a Geração de 1927, mas também o

que ele já traz formado em si e o que Neruda dá a Espanha. O manifesto nerudiano,

Por uma poesia impura, é escrito por um chileno, que não é considerado nas

análises espanholas da Geração de 1927 como membro desta, mas que é a mais

perfeita descrição pormenorizada daquela geração. Entendemos que sim, Neruda,

dentro dos possíveis estéticos, será influenciado por esta vanguarda espanhola,

mas já traz em si, em gérmen, muitos destes elementos na obra anterior a sua

chegada na Espanha, já que Residência na terra será escrita no Oriente, mas

Residência na terra II será escrita em parte e finalizada na Espanha. Usaremos

Angélica Cortázar, crítica e biógrafa de Neruda para explicar a marca autobiográfica

na poesia de Neruda e as influências da militância política, do marxismo, da Guerra

Civil, de como todo este conjunto de vivências ira transformar a poesia de Neruda:

as transformações e as permanências das influências anteriores, a negação da

negação. De como o Neruda militante político, em lugar de restringir, alarga o campo

estético-teórico, ao incorporar novas possibilidades, sem eliminar as

experimentações e vivências anteriores.

Utilizaremos também Hernán Loyola, um dos principais críticos e

biógrafos de Neruda, para refutar a ideia de que Neruda seja apenas um poeta

autobiográfico, ou que tenha apenas sofrido influência espanhola, ou que tenha

reduzido a sua poesia por conta de sua militância. Em primeiro lugar, Loyola vai

mostrar como o autobiografismo de Neruda não reduz sua poesia, que contém,

muito antes de serem oficializado por manifestos de vanguarda, elementos

revolucionários e revolucionantes: como o onírico do surrealismo; o

desenraizamento e o desencontro que serão temas recorrentes da literatura do

século XX; o banal, o vulgar, os temas “baixos” e impuros, até mesmo os temas

escatológicos ou o tédio do trabalho burocrático. Loyola reforça a ideia que Neruda

não caiu na armadilha do “realismo socialista”, e mesmo quando sua poesia parece

apenas um panfleto militante, como quando narra a batalha de Stalingrado, ele

mantém todos os elementos literários intactos, sendo sempre um poema, e nunca

apenas um folhetim do Partido Comunista.

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Por fim, utilizaremos Octavio Paz para encontrar a síntese dialética do

trabalho Nerudiano, para mostrar como as buscas de utopias se assinalam dentro

da tradição poética do século XX,: da destruição do vanguardismo e da busca de

conforto e reconciliação através de utopias filosóficas, políticas e poéticas, sejam

estas poesias revolucionárias socialistas ou mero retorno poético ao passado, o que

assinala o novo e a importância do que trazemos no nosso trabalho. Este é o liame

que utilizaremos para perpassar o trabalho, que tem fontes literárias muito maiores,

compulsamos praticamente toda a poesia de Pablo Neruda e de Federico García

Lorca, assim como farta pesquisa bibliográfica teórica, não só literária, mas filosófica

e histórica, Em que pese não seja um trabalho de biografia literária, não entendemos

a literatura como campo à parte do mundo, que é uma ilusão de alguns teóricos,

necessitamos resgatar o tempo histórico e os embates teóricos e filosóficos do

tempo de Neruda e Lorca, para entendermos suas poesias, por isto a farta consulta

de livros que vão de Hobsbawm a Marx, Nietzsche, Lúcáks, Deleuze, Adorno. Se

não entendermos a complexa problematização teórica da literatura no século XX,

seus embates e debates, não poderemos traduzir as imbricações teóricas da obra

de Neruda e Lorca.

Por fim, nesta introdução, ressaltamos que não é um trabalho de

autobiografia literária de Neruda. Mesmo quando há descrição pormenorizada de

fatos históricos, estes são pano de fundo para uma análise teórico-literária da poesia

de ambos, de Neruda e de Lorca. Impossível, por exemplo, analisar a teoria de

Lorca sem entender o que seja o Cante Jondo e a influência árabe e cigana em

Andaluzia. Entender a poesia de Lorca sem a historicizar seria girar em falso e criar

tautologias, mas a pretensão não é fazer história literária, ao reconstituir a

historicidade do truísmo literário, imediatamente se passa a fazer a análise técnica

dele por mecanismo da própria literatura e não por mecanismos históricos e ou

sociológicos. A ideia deste trabalho não é narrar em detalhes a vida de Lorca, o

objetivo é entender as inovações de forma de sua poesia, de onde elas vem, em que

nível são um retorno ao passado e de que forma são revolucionárias suas invenções

e influenciam na poesia de vanguarda da Geração de 1927.

Assim também em Neruda, o objetivo não é traçar um paralelo histórico

dele, não é uma apologia narrativa da vida do militante comunista, a ideia é entender

como os traços literários de várias tradições, de Góngora a Rubén Darío, de Walt

Whitman a Lorca, vão renovar a poesia de Neruda e através dela, vão influenciar

18

toda a vanguarda latino-americano. O objetivo deste trabalho acadêmico e

correlacionar todas estas influências, sintetizá-las, explicá-las e concluir com a

novação de que inserimos a contradição poesia x revolução em Neruda, na ideia da

construção da própria poesia de vanguarda de todo o século XX, como defende

Octavio Paz, que viveu no fio da navalho destas dicotomais e embates dialéticos:

tradição x ruptura; conservação x renovação; destruição x retorno ao passado.

Consideramos que esta seja a novidade teórica que traduzimos e que justifica a

pesquisa acadêmica deste trabalho.

19

2. NERUDA PRÉ-ESPANHA

2.1 OS PRINCÍPIOS DA POESIA DE PABLO NERUDA

Pablo Neruda é, antes de sua passagem pela Espanha, na construção

inicial de sua poesia, um poeta metafísico, panteísta (com alguma influência de sua

mestra na infância, a também prêmio Nobel de literatura, Gabriela Mistral), com

inspiração na natureza e na mulher, com muito talento, mas com pouca

preocupação com a temática social. Seus poemas são líricos, com ecos de

romantismo tardio, vejamos por exemplo, o texto abaixo, de Proêmio, de Cadernos

de Temuco:

Uma rota de sol e uma luz e um roseiral.Nada mais eu pedia e naquela inquietudepousaram as sedas da minha branda canção (NERUDA, 1998, p. 27).

O poema referido reflete as preocupações iniciais do jovem Neruda. Um

poeta pobre, que parte para Santiago para estudar literatura (contra a vontade

paterna, que o queria engenheiro), que é extremamente tímido e avesso às

badalações, que veste roupas negras e escreve versos ora místicos, ora panteístas,

ora românticos, extremamente exagerados em seus arroubos líricos.

Não há nenhum traço que indique que ele será um poeta militante,

engajado política e socialmente, como em sua história pessoal das décadas

posteriores, de militância política assumida no Partido Comunista Chileno, do qual

chega a ser senador e candidato à Presidência. Também não há as características

da influência da modernidade espanhola, da temática variada, popular e social,

assumida pela Geração de 1927, ou do desespero existencialista e do desencontro

do homem com o mundo do século XX.

Ricardo Eliécer Nefatalí Reyes Basoalto, um jovem que para escrever

poesia vai cunhar um pseudônimo transformado depois em nome, Pablo Neruda —

como o pai de Ricardo não o queria estudando poesia ou escrevendo poemas, o

jovem poeta vai tomar de empréstimo o nome de um poeta tcheco. O interessante

desta anedota real é que o Neruda original não chegou a ter a metade da fama

daquele que lhe tomou de empréstimo o nome. Neruda não tem atividades políticas

neste momento, ele não se infiltra em nenhum movimento de protesto organizado,

nenhuma marcha de trabalhadores, nenhum ato socialista, nenhuma greve, não

toma parte em sindicatos ou partidos políticos, o máximo que faz é escrever poemas

20

em jornais estudantis de cunho anarquista.

Está bem distante de ser o poeta subversivo do futuro, é antes um jovem

absorto na leitura de Gôngora, Baudelaire, Rubén Darío, Mallarmé, que tenta

publicar seus livros e sobreviver através deles. Suas obras vão refletir, nesta época,

as leituras apaixonadas de poetas espanhóis como Gôngora e Quevedo, Bécquer,

Garcilaso de La Vega e de hispano-americanos como Rubén Darío e Gabriela

Mistral. Ainda não havia a influência da leitura de Walt Whitman e dos poetas

estadunidenses e anglo-saxões. Ele navega numa dualidade entre o misticismo

panteísta e o lirismo-romanticismo tardio. Ratificamos que a obra nerudiana ainda

não tem a marca do político-social em seus primeiros livros, que só aparecerão após

a sua estada na Espanha, a convivência com a Geração de 1927 e a tragédia da

Guerra Civil, que o marcará indelevelmente. Vejamos, por exemplo este poema de

20 poemas de amor e uma canção desesperada:

Cuerpo de mujer, blancas colinas, muslos blancos,te pareces al mundo en tu actitud de entrega.Mi cuerpo de labriego salvaje te socavay hace saltar el hijo del fondo de la tierra.

Fui solo como un túnel. De mí huían los pájarosy en mí la noche entraba su invasión poderosa.Para sobrevivirme te forjé como un arma,como una flecha en mi arco, como una piedra en mi honda.

Pero cae la hora de la venganza, y te amo.Cuerpo de piel, de musgo, de leche ávida y firme.Ah los vasos del pecho! Ah los ojos de ausencia!Ah las rosas del pubis! Ah tu voz lenta y triste!

Cuerpo de mujer mía, persistiré en tu gracia.Mi sed, mi ansia sin límite, mi camino indeciso!Oscuros cauces donde la sed eterna sigue,y la fatiga sigue, y el dolor infinito (NERUDA, 2004, pp. 12 e 13, Poema I).

Este poema é típico desta primeira fase. Rico em figuras de linguagem

como metáforas e hipérboles, o poema está prenhe de um exagerado romantismo

tardio, entretanto, das novas correntes literárias, a única influência que vemos são

os versos brancos, livres, sem a métrica ritmada pelas rimas dos versos finais, mas

marcadas por um ritmo interno, solto. Salvo esta liberdade na forma, o conteúdo

nada tem de revolucionário, ainda que sejam poemas extremamente bem

construídos para um jovem escritor de pouco mais de vinte anos, em nada

prenunciam um poeta que trará para sua poesia o sujo, o horror, a guerra, os temas

do cotidiano: a vida do povo, o sofrimento. O jovem estudante chileno em nada

prenuncia o viajante do mundo com toda a temática do seu tempo. Umas das

21

poucas características que ela já carrega e será comum a quase todas as suas

fases é o seu panteísmo. Mesmo sendo um poeta ateu na sua idade madura, a

poesia de Pablo Neruda sempre vai ter a natureza cantada de forma exuberante,

num tom quase místico,mítico e panteísta, herdado de sua infância e adolescência

acompanhando seu pai pela selva chilena — o pai de Neruda era condutor de

locomotivas, e traço da poesia de vanguarda iconoclasta.

Neste período da vida do poeta, na década de 20, ele ainda não tem

nenhum posicionamento filosófico definido e nenhum engajamento político-social, o

máximo que Neruda se permite é uma aproximação a círculos estudantis

anarquistas em Santiago. A natureza e as mulheres são seu principal material

inspirador; dotado, que era, de uma sensibilidade incomum e sensualidade sempre

constante, forte, com uma ousadia acima da moral da época. A poética nerudiana,

todavia, amadurecerá, florescendo pouco a pouco. Já no livro Vinte poemas de amor

e uma canção desesperada, vê-se um poeta que, ainda que continue não engajado

em lutar por mudanças sociais, em termos de forma, vive uma grande maturidade na

parte estética. Não parece o livro de um jovem escritor, ainda principiante nas letras,

mas sim a obra de um poeta seguro esteticamente em seus experimentos e

ousadias na linguagem e na forma. Com este livro, Neruda alcançará, ainda muito

jovem, fama e prestígio literário, mesmo entre os críticos mais exigentes, que

vislumbram no jovem poeta um talento inato.

Vejamos este outro texto lírico do livro 20 poemas, no qual se vislumbra

ainda mais o panteísmo, na comparação da mulher com a natureza:

Casi fuera del cielo ancla entre dos montañasla mitad de la luna.Girante, errante noche, la cavadora de ojos.A ver cuántas estrellas trizadas en la charca.

Hace una cruz de luto entre mis cejas, huye.Fragua de metales azules, noches de las calladas luchas,mi corazón da vueltas como un volante loco.Niña venida de tan lejos, traída de tan lejos,a veces fulgurece su mirada debajo del cielo.Quejumbre, tempestad, remolino de furia,cruza encima de mi corazón, sin detenerte.Viento de los sepulcros acarrea, destroza, dispersa tu raíz soñolienta.Desarraiga los grandes árboles al otro lado de ella.Pero tú, clara niña, pregunta de humo, espiga.Era la que iba formando el viento con hojas iluminadas.Detrás de las montañas nocturnas, blanco lirio de incendio,ah nada puedo decir! Era hecha de todas las cosas.

Ansiedad que partiste mi pecho a cuchillazos,es hora de seguir otro camino, donde ella no sonría.

22

Tempestad que enterró las campanas, turbio revuelo de tormentaspara qué tocarla ahora, para qué entristecerla.Ay seguir el camino que se aleja de todo,donde no esté atajando la angustia, la muerte, el invierno,con sus ojos abiertos entre el rocío (NERUDA, 2004, pp. 36-38, Poema 11).

Neste poema vemos uma alusão à noite em termos figurativos, cavadora

de “ojos”, através do seu reflexo na água. A obscuridade da noite revela na verdade

a obscuridade do poeta e sua melancolia em torno de suas primeiras experiências

sexuais e amorosas. Este poema tem uma musa real, a irmã de um amigo de

Neruda, com quem o poeta teve um caso de amor. Evocando inclusive a morte:

“Hace una cruz de luto entre mis cejas”, como desespero causado pela ausência e

separação. Como nos poemas românticos, a idealização da figura da amada: “Niña

venida de tan lejos, traída de tan lejos”, a distância aqui não alude à distância física,

mas a saudade, a ausência do objeto amado. Por isto a recordação do poeta é uma

tempestade, um vento que destroça, uma fúria desesperada na impossibilidade de

tê-la novamente. Logo uma inversão violenta, numa antítese entre a intensa imagem

de seus sentimentos e a delicadeza da musa: “clara niña, pregunta de humo,

espiga”. Por fim, os elementos da natureza, era “echa de todas las cosas” ela é tudo:

lírios, espigas, “la formadora del viento”. O romantismo tardio de Neruda se vê em

estes versos, quando o poeta terá que vencer a ansiedade e a dor e partir —

“ansiedad que partiste el pecho a cuchillazos” — até onde, como diria Bécquer,

habita o esquecimento, “por el camino que se aleja de todo”. O Neruda do exílio vai

se distanciar dos exageros românticos desta fase inicial.

Ressaltamos que estes versos mostram um Neruda que não é um poeta

pior que o Neruda Pós-Espanha, apenas menos maduro e incompleto em sua

temática. Os versos de Vinte poemas estão dentre os melhores de Neruda, ainda

que neles cantem traços românticos tardios, gongóricos (Gôngora fora um dos

poetas prediletos de Neruda na adolescência), com jogos de palavras e exagero de

figuras de linguagem, com um panteísmo esotérico. Neruda não era um católico

praticante, seu panteísmo não se traduziu numa religiosidade confessa, como o de

Gabriela Mistral, sua evocação da natureza antes, traz a marca do divino sem definir

claramente a figura de uma determinada divindade. Se Deus está na poesia da

Neruda, em nenhum momento ele expressa isto claramente. Mas o ritmo que o

poeta capta na natureza é um ritmo que transcende um mero naturalismo narrativo e

explode em cores místicas, como é comum a visão de natureza como organismo

dos poetas de vanguarda, em choque com uma visão de uma natureza/mecanismo.

23

Neruda traz em toda sua obra a marca de sua infância passada no interior

do Chile, quando passeava com seu pai de locomotiva, não só por Temuco, mas por

toda a cordilheira andina chilena e encantava-se com a imponência da selva andina.

Esta vivência, afastado das grandes cidades, isolado no interior do país, em contato

permanente com uma América ainda indomada, vai brotar por toda a vida do poeta

em seus escritos, mesmo em sua fase mais militante. Para José Carlos Rovira, um

dos mais importantes e respeitados nerudistas, a infância de Neruda em Temuco, o

contato estreito com a natureza selvagem chilena vai imprimindo no poeta a

impressão fortíssima de uma natureza selvagem e indomada, na qual explodem

fenômenos de raríssima beleza, dentro da selva andina. De Rovira, retiramos um

pequeno trecho para nossa análise:

En el principio fue la soledad de Temuco, la estación de ferrocarril dondetrabajaba su padre, la costa cercana de puerto Saavedra, la naturalezadeshabitada, la flor del copihue, el ruido de los trenes o su silencio, el rumordel mar o todos los sonidos de la naturaleza, agolpados a las palabras quese van aprendiendo para llamar a cada cosa por su nombre. (…) La infanciaen Temuco es un aprendizaje de soledad y naturaleza; (…) En Confieso quehe vivido narró el poeta ampliamente todas las sorpresas de aquellainfancia: la naturaleza que le provoca «una especie de embriaguez», lospájaros y su canto, los insectos, o los juegos infantiles. (…) La narración deinfancia tiene un bellísimo momento en su primera llegada al mar, en unvapor a lo largo del río Imperial: (…)«Cuando estuve por primera vez frenteal océano quedé sobrecogido. Allí entre dos grandes cerros (el Huilque y elMaule) se desarrollaba la furia del gran mar. No sólo eran las inmensas olasnevadas que se levantaban a muchos metros sobre nuestras cabezas, sinoun estruendo de corazón colosal la palpitación del universo».Pablo Neruda es un poeta que ha reflexionado ampliamente sobre supoesía y sobre su biografía, hasta el punto de resultar imprescindibles sustextos en prosa para adentrarnos en su mundo poético. (…) De los textosanteriores surge la imagen de un adolescente débil, ensimismado, solitario,en continua sorpresa ante diferentes naturalezas que se sitúan ante susojos. La prehistoria poética de Neruda se desarrolla además en clave desoledad, tristeza, amargura, dolor, desesperación, etc., como contraseñasadolescentes de mundo poético que se gesta también en reacción a unreferente continuo de la naturaleza (mar, lluvia, insectos, etc.) (Rovira, 1991,p. 57).

Algo que é imprescindível notar, desde o nascedouro dos poemas de

Neruda, que assim como Dante, Neruda é um poeta autobiográfico. Isto não significa

(como não significa na Divina Comédia que Dante tenha de verdade ido ao inferno),

que Neruda é o personagem de seus próprios arroubos oníricos e de suas próprias

referências pictóricas. Este fato, em muitas críticas, é como uma censura, como se o

fato de se autorreferenciar e suas poesias, o tornasse um poeta menor. Não nos

alinhamos com estas observações, poesia não é narrativa pessoal restrita; a poesia,

assim como o subconsciente, o id, é sempre um ir além um explorar de espaços

24

ignotos e remotos, que não traduzem de forma fiel um tempo histórico, mas sim

todas as suas possibilidades subjetivas e humanas. De certa forma, Neruda é um

bardo, o profeta cantador cego das travessias de Homero, Tirésias, que canta não o

que vê, mas o que sente, assim, o que ele traduz nas poesias não é simples

narrativa linear, mas as inquietações, dores, esperanças das várias gerações de

poetas e seres humanos do século XX:

Entre 1920 y 1923 se genera Crepusculario, cuyas resonancias, desde eltítulo, al modernismo y al decadentismo europeo son evidentes. El tiempobiográfico de Crepusculario (Santiago, ediciones Claridad, 1923) coincidecon el final de su estancia en Temuco y su traslado a Santiago para seguirestudios de francés en el Instituto Pedagógico. Se trata de una obra queestá plenamente integrada en un mundo adolescente de sensaciones quequieren dar cuenta del propio vivir (…). En 1923, Neruda escribe El honderoentusiasta, que se publicará sin embargo diez años más tarde. El poetanarró las circunstancias de creación de la obra años después: «En 1923,tuve una curiosa experiencia. Había vuelto tarde a mi casa en Temuco. Eramás de medianoche. Antes de acostarme, abrí las ventanas de mi cuarto. Elcielo me deslumbró. Era una multitud pululante de estrellas. Vivía todo elcielo. La noche estaba recién lavada, y las estrellas antárticas sedesplegaban sobre mi cabeza. Me agarró una embriaguez de estrellas, sentíun golpe celeste. Como poseído, corrí a mi mesa, y apenas tuve tiempo deescribir, como si recibiera un dictado. Al día siguiente, leí, lleno de gozo, mipoema nocturno. Es el primero de El hondero entusiasta… Me movía en unanueva forma como nadando en mis verdaderas aguas. Estaba enamorado ya El hondero… siguieron torrentes y ríos de versos amorosos…». En 1925aparece en la Editorial Nascimento Tentativa de hombre infinito, que es laobra que cierra este conjunto de incitaciones poéticas que conforman laprehistoria nerudiana. En Tentativa aparece claramente diseñado un mundopropio y profundamente original que, en alguna medida, cumple el papel degénesis del lenguaje de las Residencias. La obra es un conjunto defragmentos mediante los que el poeta nos entrega una parcela de su mundode la infancia, de su naturaleza, junto a la conciencia de su enfrentamientocon el espacio y el tiempo.La construcción poética inicial, con el desarrollo de los primeros mitospoéticos, se realiza al tiempo que la escritura del amor juvenil, intensificadaen el momento esencial de su estancia en Santiago. En 1924, en junio, laeditorial Nascimento de Santiago publica los Veinte poemas de amor y unacanción desesperada, libro escrito a lo largo de 1923 en su mayor parte, delque habían aparecido ya algunos poemas en la revista Claridad. Los Veintepoemas significan, sobre todo, un ejemplo para entender la fortuna literariade Neruda, su conexión en 1924 con una sensibilidad adolescente y pos-romántica, una relación con el lector que el tiempo se habría de encargar deacrecentar.” (Rovira, 1991, p. 57).

Nota-se nas palavras deste importante crítico que a construção poética

inicial de Pablo Neruda, de Cadernos de Temuco até Vinte poemas de amor, tem

uma unidade essencial, baseada na natureza, na busca do eu interior, no fascínio e

na exaltação pela mulher. É um poeta em desenvolvimento, em busca insaciável,

vivendo a vida com intensidade interior e a registrando em seus poemas. Há uma

linha condutora, com o desenvolvimento dos mitos poéticos iniciais realizados no

tempo dos seus amores juvenis, intensificada no momento essencial da passagem

25

dele em Santiago, quando começa a tomar contato com uma outra realidade, que

não a vivida em sua infância em Temuco. Pablo Neruda crava seus primeiros

acordes, em seus poemas iniciais há a falta ainda das notas político-sociais, mas as

outras notas não são menos belas ou impressionam menos, pela força e pela

vivacidade da poesia. O poeta carrega consigo Temuco e a natureza do Chile, é o

que ele mesmo diz em Confieso que he vivido:

Bajo los volcanes, junto a los ventisqueros, entre los grandes lagos, elfragante, el silencioso, el enmarañado bosque chileno… Se hunden los piesen el follaje muerto, crepitó una rama quebradiza, los gigantescos raulíeslevantan su encrespada estatura, un pájaro de la selva fría cruza, aletea, sedetiene entre los sombríos ramajes. Y luego desde su escondite suenacomo un oboe… Me entra por las narices hasta el alma el aroma salvaje dellaurel, el aroma oscuro del boldo…El ciprés de las Guaitecas intercepta mi paso… Es un mundo vertical: unanación de pájaros, una muchedumbre de hojas… Tropiezo en una piedra,escarbo la cavidad descubierta, una inmensa araña de cabellera roja memira con ojos fijos, inmóvil, grande como un cangrejo… Un cárabo doradome lanza su emanación mefítica, mientras desaparece como un relámpagosu radiante arco iris… Al pasar cruzo un bosque de helechos mucho másalto que mi persona: se me dejan caer en la cara sesenta lágrimas desdesus verdes ojos fríos, y detrás de mí quedan por mucho tiempo temblandosus abanicos… helecho (Neruda, 2005, pp.37).

Algo que se nota, mesmo no início de sua poesia, e que é fatal

demonstrar para nós, e que neste nosso trabalho usaremos a explicação de Octavio

Paz para relatar, é a dialética entre um homem que caminha para um ateísmo cru e

materialista e um homem que trabalha a natureza e o bosque como um membro de

uma religião pagã. O bosque é mágico, mítico e místico. Paz vai nos explicar que

desde a perda da magia, na “morte de Deus” (que antes de ser um mito filosófico

fartamente usado na filosofia de Nietzsche, é um mito poético disseminando na

poesia ocidental principalmente por Madame de Staël) os poetas, desde o

romantismo, vão negar a religião, refugiando-se em processos mágicos, oníricos e

místicos em seus poemas. É a contradição própria de um tempo, em que a perda do

presente eterno na orfandade de Deus, da tradição da ruptura permanente,

necessita de um consolo subjacente, que se dá através de místicas poéticas muitas

vezes imperceptíveis para ouvidos e olhos destreinados. O poema e a poesia é um

refúgio, por isto o eterno retorno de Neruda à infância, que é um lugar-comum entre

os poetas, desde o romantismo. O bom selvagem de Rousseau e o retorno à

infância do gênero humano é um retorno orientalista e grego a um tempo de ouro,

sem sofrimentos, utópico e perfeito do gênero humano. Esta infância será

irremediavelmente perdida para a filosofia (não para a poesia) com o hegelianismo,

26

que transformar a infância da humanidade num barbarismo atávico não desejável,

com a Razão se realizado num eterno e ansiado devir. Mesmo o eterno retorno

nietzschiano não é um consolo, haja vista que estar condenado a fazer eternamente

e sem ter consciência os mesmos atos com os mesmos erros e acertos, recende a

um bramanismo ateu, que pouco consola a quem perdeu o eterno presente do

paraíso cristão. O bosque chileno é o refúgio na infância de Neruda:

Un tronco podrido: qué tesoro!… Hongos negros y azules le han dadoorejas, rojas plantas parásitas lo han colmado de rubíes, otras plantasperezosas le han prestado sus barbas y brota, veloz, una culebra desde susentrañas podridas, como una emanación, como que al tronco muerto se leescapara el alma… Más lejos cada árbol se separó de sus semejantes… Seyerguen sobre la alfombra de la selva secreta, y cada uno de los follajes,lineal, encrespado, ramoso, lanceolado, tiene un estilo diferente, comocortado por una tijera de movimientos infinitos…Una barranca: abajo el agua transparente se desliza sobre el granito y eljaspe… Vuela una mariposa pura como un limón, danzando entre el agua yla luz… A mi lado me saludan con sus cabecitas amarillas las infinitascalceolarias… En la altura, como gotas arteriales de la selva mágica secimbran los copihues rojos (Lapageria rosea)… El copihue rojo es la flor dela sangre, el copihue blanco es la flor de la nieve…En un temblor de hojas atravesó el silencio la velocidad de un zorro, pero elsilencio es la ley de estos follajes… Apenas el grito lejano de un animalconfuso… La intersección penetrante de un pájaro escondido… El universovegetal susurra apenas hasta que una tempestad ponga en acción toda lamúsica terrestre.Quién no conoce el bosque chileno, no conoce este planeta. De aquellastierras, de aquel barro, de aquel silencio, he salido yo a andar, a cantar porel mundo (Neruda, 2005, pp.37).

Em 1924 a editorial Nascimento, de Santiago, publica os Vinte poemas de

amor e uma canção desesperada, no qual se vislumbra uma sensibilidade visceral,

pós-romântica, numa relação direta com o leitor que o tempo haveria de aprimorar,

com influências que vão de Gabriela Mistral a Gôngora e Quevedo. Ainda não é o

Neruda moderno que nascerá no livro Espanha no Coração. Evolução realizada em

livros como Memorial de Isla Negra e Residência na Terra III, como o próprio

reconhece em Confieso que he vivido: “El mundo ha cambiado y mi poesía ha

cambiado. Una gota de sangre caída en estas líneas quedará viviendo sobre ellas,

indeleble como el amor”.

Ainda não haviam lágrimas, nem dores no caminho de Neruda antes de

sua ida à Espanha. O jovem poeta, já famoso e popular (embora muito pobre),

começa a dar os primeiros passos na vida cultural em Santiago, aproveita-se de

suas amizades iniciais e de seu prestígio de jovem prodígio para conseguir uma

colocação como Cônsul e é designado para a Birmânia. Neste país viverá

praticamente no ostracismo, recluso na pequena localidade para o qual foi mandado

27

e onde terminará os livros Residência na Terra I e Tentativa del hombre infinito e

começará a escrever a Segunda Residência na Terra. Estes livros tem algo de

místicos, no sentido poético baudelariano pagão não religioso, e, poderíamos dizer,

existencialistas, no sentido mais formal do termo. São dois livros quase niilistas, já

que a preocupação do poeta é com sua “vida interior”, com seu “eu interior” apenas

e tão somente. Esta é a tríade que caracteriza a fase inicial de Neruda: Lirismo,

baseado na figura da mulher; panteísmo, com adoração da natureza e, por último,

esta preocupação mística-esotérica, mas sem uma religião definida, que o leva

quase ao niilismo, num torvelinho, num turbilhão de emoções que a solidão num

país com uma cultura completamente diferente (a qual Neruda não tentou desvendar

ou compreender, mas analisou como um estrangeiro exilado) vai levar o poeta.

2.2 O POETA E SUA PASSAGEM PELO ORIENTE — PARA UMA POESIA

IMPURA

Neruda já tinha lançado quatro livros em 1926: Crepusculário. Santiago,

Ediciones Claridad, 1923; Veinte poemas de amor y una canción desesperada.

Santiago, Nacimiento, 1924; Tentativa del hombre infinito. Santiago, Nacimiento,

1926; El habitante y su esperanza. Novela. Santiago, Nascimento, 1926. Como o

próprio poeta falava, ele se refugiava nos livros com a ferocidade de um tímido, mas

conseguiu algum prestígio, fama e certo reconhecimento nos meios literários e

culturais, principalmente com os Vinte Poemas, que serão fartamente premiados.

Como já citado, o poeta pobre e interiorano vai usar do prestígio e do conhecimento

alcançados para começar uma carreira diplomática. Seus amigos intercederam por

ele junto ao Ministro das Relações Exteriores do Chile e o poeta será nomeado

Cônsul do Chile em Rangoon, uma região extrema da Birmânia, onde passará uma

obscura vida de burocrata, reduzido a assinatura de pequenos papéis relativos a

exportação de chá do Chile para o Oriente.

Ainda que Neruda houvesse abraçado uma carreira que tem relação com

a política, isto não o levou a criar uma consciência social, na verdade o diplomata

era mais um burocrata responsável por assinar os papéis de importação de chá para

a Birmânia do que um representante político chileno. Suas funções consulares à

época eram bastante reduzidas, e ele se entregou a uma experimentação, que

esteve bem longe de ser mística. Neruda terá experiência com várias mulheres

orientais e, nos momentos em que a sua carreira diplomática deixava, viajava e

28

explorava os povoados do Oriente, em busca não de experimentações místicas, mas

de contato humano. Estas visitas não tinham caráter esotérico ou religioso, é

impressionante a dicotomia que há na poesia desta época, com arroubos místicos e

a visão materialista direta do mundo. Neruda não se encanta com o Oriente, só

consegue ver miséria, tristeza, abandono, no lugar no qual outros poderiam ver o

fervor místico. Pelo contrário, o cônsul vai fazer uma relação de efeito-causa e vai

depreender o misticismo dos povos orientais de uma necessidade de filosofia

estoica de vida, para sobreviver se submetendo a tanta miséria. Isto não o leva a

uma atitude de revolta ou de contestação, mas o fato de ele romper as cortinas

místicas e enxergar a realidade material concreta, determinada socialmente e não

religiosamente, já é o primeiro passo que possibilitará o nascimento do Neruda

engajado e militante do futuro. Veja o que Rovira, José Carlos, fala da poesia

Nerudiana desta época:

En 1927 comienza la biografía consular del poeta. A través de ella, otranaturaleza, la de oriente, se pone ante sus ojos, para ser la base de unanueva experiencia poética. En 1927, es nombrado cónsul en Batavia (Java);en el 31, en Singapur. Son cuatro años que configuran una nuevaconstrucción en el quehacer literario de Neruda, años de viajes, naturaleza,amores, y años, sobre todo, de definición de un mundo profundamenteoriginal que hace entrar al poeta en una dimensión diferente.En abril de 1933, aparece en la editorial Nacimiento de Santiago, con tiradade 100 ejemplares, Residencia en la tierra (1925-1931). Se trata de laprimera Residencia en el momento en que ya se están componiendo lospoemas de la segunda parte. Tras un regreso a Chile, en mayo de 1934, esnombrado cónsul en Barcelona. En el 35 es cónsul en Madrid y, enseptiembre de ese año, Cruz y Raya publica en dos volúmenes Residenciaen la tierra (1925-1935) con las dos partes que integran la obra. Un procesode escritura se ha cumplido. Al final de él, la experiencia española catalizarála poesía de Neruda en el ámbito de la historia, generando la Terceraresidencia, pero eso ya entronca con el devenir hacia la conciencia histórica.Aquí, en las dos Residencias, el poeta es testigo de la tierra, en laperspectiva ya citada de autorrepresentación. Aquí es fundamental laconciencia de la materia, descubierta como en una sorpresa, que determinaese mundo de destrucción y descomposición de la realidad que la críticaaisló hace mucho tiempo en esta obra.La etapa consular en Asia concluye con un regreso a Chile, en 1932, dondeel poeta vive unos meses de angustia económica y de hastío en un oscurotrabajo burocrático. En agosto de 1933 obtuvo un cargo consular en BuenosAires, donde establece relación con varios escritores, entre ellos OliverioGirondo, la chilena María Luisa Bombal, y Raúl González Tuñón. Enoctubre, conoce a Federico García Lorca y vive con él varios episodios,como una famosa conferencia al alimón en la que cada uno va alternandopárrafos, narrada en Confieso que he vivido. En mayo de 1934 es nombradocónsul en Barcelona, puesto que consigue permutar por el de Madrid conGabriela Mistral al poco tiempo (Rovira, 1991, p. 34).

A poesia de Neruda desta época, Residência na Terra e parte de

Segunda Residência na Terra, será ainda mais mística, esotérica, interiorizada,

preocupada em definir o poeta como um ser humano em busca de sua essência

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existencialista, que não está, de maneira nenhuma, relacionada a um papel social

coletivo, pelo contrário, prefere caminhar pelos labirintos da busca mística, do

onírico, do panteísmo, ainda que mantenha um traço lírico erótico que vai perdurar

como linha tênue de costura em toda a poesia de Neruda que fala do amor.

Como já observado, há uma dicotomia entre o cônsul que já divisa a

miséria no meio do fervor místico e o poeta que se interioriza e constrói um

pensamento individualista, como uma forma de proteção àquele Oriente que o

assusta, o atemoriza. Pablo Neruda, em nenhum momento vai conseguir se adaptar

à vida na Birmânia. Ao contrário do que aconteceu na Espanha, Neruda será apenas

um trabalhador, obrigado a fazer uma passagem pelo Oriente, vendo tudo com olhos

de turista acidental. Em nenhum momento ele vai conseguir se inserir no contexto

daquela realidade tão diferente da que havia em sua terra natal, abrigar-se-á em

leituras de poetas vanguardistas, volta a Mallarmé e Baudelaire, mas também lê

Joyce, Walt Whitman, T. S. Eliot. ELe está extremamente influenciado por esta

vanguarda anglo-saxã europeia e estadunidense. Neruda escreve poemas

altamente revolucionários em forma e conteúdo. Vejamos o experimentalismo e os

novos temas que Pablo Neruda apresentará, tomando este poema de Residencia en

la tierra I:

Caballo de los sueños

INNECESARIO, viéndome en los espejoscon un gusto a semanas, a biógrafos, a papeles,arranco de mi corazón al capitán del infierno,establezco cláusulas indefinidamente tristes.

Vago de un punto a otro, absorbo ilusiones,converso con los sastres en sus nidos:ellos, a menudo, con voz fatal y fríacantan y hacen huir los maleficios.

Hay un país extenso en el cielocon las supersticiosas alfombras del arco irisy con vegetaciones vesperales:hacia allí me dirijo, no sin cierta fatiga,pisando una tierra removida de sepulcros un tanto frescos,yo sueño entre esas plantas de legumbre confusa.

Paso entre documentos disfrutados, entre orígenes,vestido como un ser original y abatido:amo la miel gastada del respeto,el dulce catecismo entre cuyas hojasduermen violetas envejecidas, desvanecidas,y las escobas, conmovedoras de auxilios,en su apariencia hay, sin duda, pesadumbre y certeza.Yo destruyo la rosa que silba y la ansiedad raptora:yo rompo extremos queridos: y aún más,

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aguardo el tiempo uniforme, sin medidas:un sabor que tengo en el alma me deprime.

Qué día ha sobrevenido! Qué espesa luz de leche,compacta, digital, me favorece!He oído relinchar su rojo caballodesnudo, sin herraduras y radiante.Atravieso con él sobre las iglesias,galopo los cuarteles desiertos de soldadosy un ejército impuro me persigue.Sus ojos de eucaliptus roban sombra,su cuerpo de campana galopa y golpea.

Yo necesito un relámpago de fulgor persistente,un deudo festival que asuma mis herencias (Neruda 1998, p. 85).

Algo extremamente interessante e incrível em sua passagem pelo oriente

é que Neruda é surrealista, antes do manifesto surrealista, e realista fantástico,

antes que exista o truísmo de realismo fantástico. O poema utiliza o material

pictórico onírico, parece um quadro de uma pintura de Dalí, e ele pinta sua

experiência oriental através de sensações de nojo, medo, recusa, angústia, torpor.

Já existe uma grande transformação do poeta anterior lírico e pós-romântico.

Também, neste poema se vê algo extremamente forte em Neruda, a utilização

autobiográfica de sua poesia. O que facilita nosso trabalho de análise, haja vista que

ele expressa sua experiência através das metáforas poéticas, suas aventuras no

mundo, como cavaleiro andante de seu próprio romance. Todas as fases

expressivas de sua vida estão relatada como sentimento e ideia em sua forma.

Neruda, o poeta que pouco leia romances, mas que romanceou sua própria vida,

inclusive com dois livros autobiográficos, também fez poesia autobiográfica,

expressando em imagem poética sua vivência e fases no mundo. Vejamos como isto

se expressa num dos estudiosos mais importantes de Neruda, Hernán Loyola:

Dentro de la complejísima y densa estructuración de Residencia en laTierra, los modos de autorreferencia son particularmente variados en susformas y ricos en su multiplicidad intencional. En cuanto a variedadesformales, es posible registrar una gama que va desde la presencia rotundadel YO hasta las más extrema desubjetivación. Considerando el caráctermóvil y viajero de la poesía de Neruda, su determinación fluyente ytemporal, no puede resultar extraña la abundancia de autoalusiones enprimera persona ni el propósito evidente en éstas de reflejar el movimientobiográfico del poeta, el decurso de su intimidad y de las circunstanciasexternas que lo perfilan. “Paso entre documentos disfrutados, entreorígenes, /… / Yo destruyo la rosa que silba y la ansiedad raptora: / yorompo extremos queridos: y aún más, / aguardo el tiempo uniforme,”(“Caballo de los Sueños”). O bien: “Yo lloro en medio de lo invadido, entre loconfuso, / entre el sabor creciente.” (I, “Débil del Alba”). También: “Hevencido al ángel del sueño…” (I, “Colección Nocturna”), “O recuerdo el díaprimero de la sed” (I, “Serenata”), “De pasión sobrante y sueños de ceniza /un pálido palio llevo…” (I, “Diurno Doliente”), “Un esfuerzo que salta, unaflecha de trigo / tengo…” (I, ibid.) (LOYOLA, 1964).

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Surpreendente como a poesia de Neruda é de vanguarda, a

dessubjetivação do sujeito é algo ainda em debate e em voga na poesia… do século

XXI! Sem se prender a ismos e não participando de nenhuma escola, por instinto e

por leitura, Neruda vai caminhando por novas rotas, descobrindo, criando novas

formas poéticas. O Ego transformado em ID: o "Yo" não é o Eu do sujeito

autobiográfico, o poeta autobiográfico cria a biografia do subjetivo e sinestésica das

sensações e experimentações internas. Está à frente de seu tempo, e finca marcos

bastante claros e novos para a poesia latino-americana, alarga seu campo de temas

e formas. Se é um poema quase narrativo, típico das novas vanguardas, não é um

poema narrativo de uma experiência puramente descritiva, mas a descrição da

complexidade dos sentidos de um exilado voluntário, assim vê Loyola esta fase de

Neruda:

Se muestra muy clara, en los ejemplos citados y en muchos otros de laprimera Residencia, la intención básica de autodescribirse o autodefinirse através de un relato introspectivo y pormenorizado en el que predominan, porlo mismo, los verbos transitivos. (amo, oigo, acecho, divido, llevo, hago,visito, llamo, sostengo, recuerdo, tengo, busco, examino, reconozco…). Estoocurre, sobre todo, en los poemas que integran la primera de las cuatropartes de la primera Residencia. En las restantes zonas del volumen (queparecen reflejar más directamente las vivencias de Neruda a lo largo de susaños asiáticos) cobrarán mayor predominio verbos intransitivos con sentidode movimiento, de actividad, de circunstancias desplazándose, de procesosen desarrollo, de anécdotas: “Paso entre mercaderes mahometanos, entregentes que adoran la vaca y la cobra” (I, “La Noche del Soldado”); “sueño,de una ausencia a otra” (I, “El Deshabitado”); “Yo trabajo de noche, rodeadode ciudad, / de pescadores…” (I, “Entierro en el Este”); “He llegado otra veza los dormitorios solitarios” (I, “Tango del Viudo”); “sobrevivo en me dio delmar” (I, “Cantares”) (LOYOLA, 1964).

A transitividade, o uso do acusativo em Neruda, dos verbos transitivos

com objetos diretos, são em Neruda um recurso para que esta autorreferência

biográfica não seja circular, encerrada em si mesmo. Ainda que marcada duramente

por sua experiência pessoal, pelos sentimentos de angústia, que a vida caótica no

Oriente causava em Neruda; o poeta não se referência apenas em sua

subjetividade, mas faz a descrição poética do seu tempo e do seu espaço. Há uma

narratividade poética, que faz os poemas algumas vezes quase descambarem para

a prosa pura, tornando o leitor cúmplice da experiência personalíssima de Neruda no

Oriente. O poeta-narrador de primeira pessoa, através da subjetivação, faz com que

o leitor se transfira para o lugar não-geográfico e para o sentido sinestésico da

poesia, numa transferência de sentidos e sensações que vence e transpassa o

tempo histórico:

Y es significativo que los verbos transitivos que, por supuesto, también

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ocurren en estas mismas zonas de la primera Residencia, tenganigualmente una orientación anecdótica y temporal: “A menudo, de atardeceracaecido, arrimo la luz a la ventana, y me miro, sostenido por maderasmiserables, tendido en la humedad…” (I, “El Deshabitado”); “Difícilmentellamo a la realidad, como el perro…” (I, “Establecimientos Nocturnos”);“Cómo amaría (yo) establecer el diálogo del hidalgo y el barquero, pintar lajirafa…” (I, ibid.); “largamente he permanecido mirando mis largaspiernas…” (I, “Ritual de mis Piernas”); “y otra vez tiro al suelo los pantalonesy las camisas” (I, “Tango del Viudo”); “Daría este viento del mar gigante portu brusca respiración” (I. ibid).La desolación física y anímica; la angustia del espíritu y del sexo; laincomunicación; la miseria económica del cargo consular; la nostalgia de lafamilia, de los amigos, de la tierra propia; los recuerdos de antiguos amores;la vigilia del aislamiento, la constante espera de una carta o de un beso quevinieran de su patria lejana; los eventuales contactos eróticos y losimposibles contactos con una atmósfera extranjera cuya naturaleza, cuyahistoria, cuya tradición, cuya gente lo rechazaban con violencia, cerrándosefrente a sus anhelos de comprender y de incorporarse: tal es el múltipledrama que relatan, en su mayor porcentaje, los versos de la primeraResidencia. El segundo volumen de esta obra desenvuelve un clima similar,una, parecida presión lírica, una cierta continuidad de estilo, pero reflejandocon claridad una diferente circunstancia biográfica, enraízan o en otrodecurso anecdótico. (LOYOLA, 1964).

O sexo puramente físico, quase escatológico, as mais baixas e vis

sensações, o incômodo, a náusea, a peste. Para o senso comum que tem uma visão

pouco ampla de Neruda, como um poeta militante, ou um poeta lírico, todas as

experimentações e vanguardas foram acessadas por ele, como grande e

inclassificável criador, não pode ser puramente enquadrado em nenhuma. Mas

efetivamente, os poemas de Residencia en la tierra, estão entre o que melhor se fez

na literatura latino-americana naquela época, e à altura dos grandes poetas

vanguardistas europeus, tanto pela forma impressionantemente livre, quanto pelo

conteúdo, incrivelmente extenso e variado:

Al regresar a Chile en 1932 Neruda venía casado, sin dinero y con dudosasprobabilidades de trabajo seguro. Durante un tiempo desempeñará cargosoficinescos en el Ministerio de Trabajo, para luego ser trasladadoinestablemente a Buenos Aires y de ahí, ya con pie más firme, a Barcelonay a Madrid. En medio de ajetreos y de pagos atrasados nacerá su hija MalvaMarina, después de un parto muy difícil que afectará decisivamente eldesarrollo físico de la niña. Desacuerdos hogareños, amores repentinos ytorturantes, envidias y hostilidades, la muerte de un gran amigo (RojasJiménez). Toda esta línea subterránea de acontecimientos (1932-1935)alcanzará un trasunto lírico de gran poderío en el segundo tomo deResidencia en la tierra, que en cierta medida, sobre todo en aquellas partesque se apoyan en la biografía del poeta transcurrida entre el regreso a Chiley la estabilización en Madrid en 1934, presenta un tono de angustia ydesconcierto (jamás de desesperación) similar al de la primera Residencia.Una lenta maduración humana, una mejor comprensión de los procesossociales y culturales, el ingreso de Neruda a un círculo de escritores y deamigos entrañables (en Madrid), una atmósfera simpática y propicia para sutrabajo literario, confieren a la segunda Residencia un acento nuevo, másdespejado, que resulta ostensible en los últimos poemas del libro. Lasautorreferencias en primera persona tienen, en Residencia 2, un predominio(LOYOLA, 1964).

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Assim, Residencia na terra 2 é um ponto de inflexão na poesia de Neruda,

uma busca de formas novas e temas novos, ligados a própria experiência

autobiográfica e às leituras da vanguarda europeia. A obra acompanha a mudança

de Neruda para a Espanha. Seus poemas são mais límpidos, menos exagerados na

figura de linguagem, mais diretos e mais angustiados. Eles traduzem a passagem do

jovem chileno para um homem maduro, que agrega à própria vida a experiência do

exílio voluntário no Oriente. Pablo Neruda, ao contrário de outros viajantes e

escritores, não vai viver um êxtase místico, mesmo ainda não sendo o poeta

marxista, vai ver com olhos céticos as manifestações religiosas do Oriente, e vai

ligar muitas destas práticas à extrema miséria em que viviam os habitantes da Índia

e da Birmânia. Misticismo como complemento necessário desta miséria, o fervor

místico para suportar a rudeza e a pobreza da vida. Este poeta cético e niilista

prepara o terreno necessário para a passagem a uma poética e a um poeta mais

engajado.

Neruda é neste sentido, um escritor moderno, no sentido que

empregamos, tomando a classificação do crítico latino-americano Octavio Paz,

ligada à morte de Deus e à cisão continuada do tempo, num futuro inalcançável.

Com a derrubada da promessa de um eterno presente (através da salvação) a

modernidade constrói seus cânones num eterno vir-a-ser, num futuro inalcançável,

que é o leitmotiv de todo o fazer literário e poético. O eterno revolucionar-se, a

fadiga da eterna destruição, contra o inferno disfarçado em paraíso: do eterno

presente imutável. Sem a promessa da salvação, a perfeição não é individual, mas

social e inerente à espécie. O construir estético é um contínuo destruir de formas

antigas e estabelecimento de novos fazeres, a permanência da mudança. Neste

sentido, Neruda é ator destas mudanças, vivamente sentidas na literatura e

expressas na poesia do século XX:

A eternidade cristã era a solução de todas as contradições e agonias, o fimda história e do tempo. Nosso futuro, embora seja depositário da perfeição,não é um lugar de repouso, não é um fim; ao contrário, é um contínuocomeço, um permanente ir além. Nosso futuro é um paraíso/inferno; paraísopor ser o lugar preferencial do desejo, inferno por ser o lugar dainsatisfação. Por um lado, nossa perfeição é sempre relativa, porque —como dizem, com o olhar no horizonte, os marxistas e outros historicistasempedernidos —, uma vez resolvidos os conflitos atuais, as contradiçõesreaparecerão em níveis cada vez mais elevados; por outro lado, sepensamos que no futuro está o fim da história e a resolução dosantagonismos, acabamos sendo vítimas voluntárias de uma miragem cruel:o futuro é por definição a terra prometida da história, é uma regiãoinacessível, e é nisso que se manifesta de maneira mais imediata edilacerante a contradição que constitui a modernidade . A crítica da

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modernidade à realidade cristã e ao cristianismo ao tempo circular daantiguidade são aplicáveis a nosso próprio arquétipo temporal. Asuperestimação da mudança implica a superestimação do futuro, um tempoque não é (PAZ, 2013, pp. 40-41).

Situamos Neruda dentro desta tradição ocidental da ruptura permanente,

(espalhada na poesia por Madame de Staël, e na filosofia por Nietzsche) e da busca

de reificação poética dos conflitos de humanidade, que vive uma vida não

teleológica e sem esperanças de salvação. Filósofos modernos como Alain Badiou

defendem que, com a dessubjetivação do eu e com o fim das grandes narrativas

filosóficas, quando a filosofia não pretende mais ser uma narração coerente e que

explica o mundo (como o foram grandes sistemas filosóficos como o hegeliano e o

marxista) só a poesia então é capaz de reorganizar os sentidos humanos.

Utilizando-se o mito da morte de Deus, entende-se melhor o leitmotiv da poesia de

vanguarda, mesmo a atéia e maldita, mesmo a blasfema e pagã. A busca de um

sentido num mundo órfão de sentido:

A consciência poética do Ocidente viveu a morte de Deus como um mito.Ou melhor, essa morte foi realmente um mito e não um simples episódiodas ideias religiosas de nossa sociedade. O tema da orfandade universal,tal como o encarna a figura de Cristo, o grande órfão e irmão maior de todasas crianças órfãs que são os homens, exprime uma experiência psíquicaque lembra a via negativa dos místicos: a “noite escura” em que nossentimos flutuando a deriva, abandonados num mundo hostil e indiferente,culpados sem culpa e inocentados sem inocência. Contudo, há umadiferença essencial, é uma noite sem desenlace, um cristianismo sem Deus.Ao mesmo tempo, a morte de Deus provoca um despertar da fabricaçãomítica na imaginação poética e assim se cria uma estranha cosmogonia emque cada Deus é criatura, o Adão de um novo Deus. Regresso do tempocíclico, transmutação de um tema cristão num mito pagão. Um paganismoincompleto, um paganismo cristão tingido pela angústia pela queda nacontingência (PAZ, 2013, p. 58).

Dentro desta mitologia poética, se entende melhor a tecitura da poesia de

Neruda. Neste sentido, Neruda é tremendamente vanguardista, o poeta sente a

náusea, a falta de sentido da modernidade de forma avassaladora nos seus poemas

do Oriente. A busca de novas formas acompanha a busca de novos sentidos, a

destruição da forma antiga de romantismo tardio é a destruição também da falta de

sentido em tudo que ele vê ao seu redor: o horror entendiado do burocrata se choca

com a antiga exaltação do poeta, como no poema, em tudo inovador,

Desespediente:

Desespediente

La paloma está llena de papeles caídos,su pecho está manchado por gomas y semanas,por secantes más blancos que un cadávery tintas asustadas de su color siniestro.

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Ven conmigo a la sombra de las administraciones,al débil, delicado color pálido de los jefes,a los túneles profundos como calendarios,a la doliente rueda de mil páginas.Examinemos ahora los títulos y condiciones,las actas especiales, los desvelos,las demandas con sus dientes de otoño nauseabundo,la furia de cenicientos destinos y tristes decisiones.Es un relato de huesos heridos,amargas circunstancias e interminables trajes,y medias repentinamente serias.Es la noche profunda, la cabeza sin venasde donde cae el día de repentecomo de una botella rota por un relámpago.Son los pies y los relojes y los dedosy una locomotora de jabón moribundo,y un agrio cielo de metal mojado,y un amarillo río de sonrisas.

Todo llega a la punta de dedos como flores,y uñas como relámpagos, a sillones marchitos,todo llega a la tinta de la muertey a la boca violeta de los timbres.Lloremos la defunción de la tierra y el fuego,las espadas, las uvas,los sexos con sus duros dominios de raíces,las naves del alcohol navegando entre navesy el perfume que baila de noche, de rodillas,arrastrando un planeta de rosas perforadas.Con un traje de perro y una mancha en la frentecaigamos a la profundidad de los papeles,a la ira de las palabras encadenadas,a manifestaciones tenazmente difuntas,a sistemas envueltos en amarillas hojas.Rodad conmigo a las oficinas, al inciertoolor de ministerios, y tumbas, y estampillas.Venid conmigo al día blanco que se mueredando gritos de novia asesinada (NERUDA, 2004, pp. 36-37).

Um poema extremamente original, para o que Neruda vinha fazendo até

então. Talvez o que melhor reflita toda a angústia da solidão e do exílio no Oriente.

Um poema seco, duro, angustiado, no qual a “paloma” (ou seja, a poesia), “está

llena de papeles caídos,/su pecho está manchado por gomas y semanas,/por

secantes más blancos que un cadáver”. A poesia está resseca de álcool e de

burocracia. Neste poema aparece tudo que está refletido na vida de Neruda, o álcool

e o sexo, da vida desregrada que acompanha a sua vida de burocrata, a angústia, a

solidão, o medo. As setecentas folhas amareladas, as manifestações tenazmente

defuntas. É um outro tipo de poesia, para um outro tipo de poeta, que começa a

tomar como seu os temas do cotidiano, seu e de alhures. Um poema sobre a

burocracia, em que, tirante algumas referências sobre os temas antes comuns de

sua poesia (como terra, fogo, raízes rosas, mas que são mostrados apenas como

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antítese), o que salta é o mundo de mata-borrão, papéis, petições, ofícios. O mundo:

sem sentido para ele da burocracia e como este mundo contradiz a sua vocação

poética, mas que ainda sim vai estar em seus versos. Toda a experiência

angustiante, como burocrata no Oriente, o leva a uma mudança de rumos e temas,

alargando o campo semântico poético.

É a tentativa do homem infinito, o homem órfão de Deus da modernidade

se abriga na poesia, através da poesia ele reifica o caos que o capitalismo instaura

em sua destruição das formas estáveis e estamentais da vida, a nostalgia do

moderno, como nos explica Octavio Paz:

A nostalgia moderno de um tempo originário e de um homem reconciliadocom a natureza exprime uma atitude nova. Embora postule como ospagãos, a existência de uma idade de ouro anterior à história, não insereesta idade numa visão cíclica do tempo; o regresso à idade feliz não vai serconsequência da revolução dos astros, mas da revolução dos homens. Naverdade, o passado não regressa, os homens, por um ato voluntário edeliberado o inventam e o instalam na história. O passado revolucionário éuma forma que o futuro assume; um disfarce. A fatalidade impessoal dodestino cede lugar a um conceito novo, herança direta do cristianismo: aliberdade. O mistério que inquietava Santo Agostinho — como se podeconciliar a liberdade humana e a onipotência divina? — transforma-se desdeo século XVIII num problema que preocupa tanto o revolucionário como oevolucionista: em que sentido a história nos determina e até que ponto ohomem pode desviar seu curso e alterá-la?O paradoxo da conjugação entre necessidade e liberdade deve se somar aoutro: a renovação do pacto original implica um ato de inusitada emborajusta violência, a destruição da sociedade baseada na desigualdade entreos homens. Tal destruição é, de certa forma, a destruição da história, já quea desigualdade se identifica com ela; no entanto, é realizada mediante umato eminentemente histórico: a crítica como revolucionário, o regresso aocomeço do tempo anterior à ruptura implica uma ruptura. Não há comonegar, por mais surpreendente que esta proposição nos pareça, que só amodernidade pode realizar a operação de volta ao princípio original, porquesó a idade moderna pode negar a si mesma (PAZ, 2013, pp. 44-45).

Temos, necessariamente o cerne do paradoxo da poesia de vanguarda,

moderna. Não que Neruda, nas duas primeiras residências, já tenha chegado à

temática da Revolução. Mas a náusea, o caos, a peste, os temas modernos

relacionados com a “morte de Deus”, o desenraizamento, o caos do ser para a

morte; são temas comuns de todas as vanguardas e aparecem implícitos em sua

poesia. A busca de um tempo infinito e que reifique, restaure o desenraizamento (o

desarraigo), a busca da terra natal como o retorno à inocência da infância, que é

também e sempre época de ouro, infância da humanidade. Se a Revolução ainda

não está colocada como ruptura e retorno à idade de ouro, a temática do caos e do

desencontro prepara esta temática. Paradoxo dos paradoxos, a Revolução que

instaura o novo absoluto é a busca do eterno retorno e da inocência perdida, ao

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suprimir a desigualdade entre os homens. Assim, constatamos que até a saída

revolucionária é um desemboque de uma solução temática/estéticas, a saída das

encruzilhadas em que se colocou Neruda nas duas primeiras Residências na Terra.

Alguns críticos, como Saúl Yurkiévich vão considerar esta duas obras de

Neruda no Oriente, as duas Residência na Terra, como obras de vanguarda. Seu

isolamento no Oriente fará com que ele busque no místico e na interiorização das

emoções, nas imagens anímicas, o suporte para sua poesia, o que vai diferenciar

bastante de sua anterior poesia lírica panteísta. Vejamos o que diz um crítico, Saúl

Yurkiévich in A través de la trama:

Residencia en la tierra integra, junto con Trilce de César Vallejo y Altazor deVicente Huidobro, la tríada de libros fundamentales de la primeravanguardia literaria en Hispanoamérica. Posee todos los atributos quecaracterizan a la ruptura vanguardista. Surge íntimamente ligado a la nociónde crisis generalizada y, promueve un corte radical con el pasado. Participaen la renovación profunda de las concepciones, las conductas y lasrealizaciones artísticas. Cambio de percepto y cambio de precepto van a lapar. Neruda acomete una revolución instrumental porque promueve unarevolución mental. Su arte impugna la imagen tradicional del mundo,contraviene sobre todo la altivez teocéntrica y la vanidad antropocéntrica delhumanismo idealista; e impugna el mundo de la imagen: la mímesis realista,la visión perspectivista, la representación progresiva y cohesiva, lafiguración simétrico-extensiva, la composición concertante, la expresiónestilizada, el arte de la totalidad armónica (Yurkiévich, 1984).

A ideia de crise, e não é só crise de cânones, de limites da literatura.

Crise real de um mundo que vive o caos existencial de uma curta paz entre duas

guerras, e a vivência em tudo transformadora da primeira tentativa vencedora de

uma Revolução Socialista, a de Revolução de Outubro na União Soviética. Alguns

poetas colocar-se-ão inclusive a serviço do comunismo e da Revolução Mundial,

como Brecht, Maiakovski; já outros se refugiarão na poesia, diante de um mundo

que não conseguem mais compreender ou desvendar. A poesia é uma válvula de

escape, mas não chega a ser um consolo, muitas vezes um ópio (Baudelaire) que

não acaba com a dor, apenas a mitiga e a torna suportável. Neruda reflete este

turbilhão, é turbilhão também sua poesia neste tempo, poesia sem consolo e sem

ilusões, sem paraísos ou utopias, poesia da desarmonia, poesia da agonia, do caos.

Com estas construções poéticas ele dialoga com todas as experimentações de

vanguarda do seu tempo, não está longe de Joyce ou de Rubén Darío. É um

catalisador criativo de influências, sigamos com Loyola:

Neruda no da cuenta del vertiginoso remodelado impuesto por la eraindustrial ni del rápido trastocamiento del hábitat urbano producido por larevolución tecnológica. Residencia en la tierra se ocupa de una mudanzaíntima, de un cambio de mentalidad que conlleva una crisis raigal de

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valores. Refleja ese estallido de los marcos familiares, de vida y dereferencia que trastorna la estabilidad del orden preindustrial (comarcano,aldeano, rural, artesanal), que trastoca el mundo solariego de las relacionespersonalizadas, las solidaridades seculares de la comunidad localsometidas ahora al embate de un proceso que masifica y uniformizaaceleradamente. Neruda no adhiere a la modernolatría futurista, no participade la vanguardia eufórica (la del primer Huidobro, la de los ultraístas),aquella que alaba las conquistas del mundo moderno, la que asume losimperativos del programa tecnológico: avance permanente, incesanterenovación de procedimientos y de productos, constante suplantación de loobjetual, perpetua modificación nocional. Neruda no canta la loa del siglomecánico, no alaba la era de las comunicaciones, de las circulacionesinternacionales, de las babeles electrificadas, no multiplica en sus textos losíndices de actualidad: no explícita estrepitosamente su modernidad. Aunqueella aparezca a veces, en la literalidad, se manifieste en la ambientación deciertos poemas donde tierra baldía equivale a contexto urbano, no vale lapena inventariar en Neruda los signos de contemporaneidad explícita. Sumodernidad, como la de Vallejo, está interiorizada. Hay que buscarla en sutumor de conciencia, en su representación de la vida fraccionada, delhombre escindido que sufre un doloroso divorcio entre mente y mundo. Sumodernidad se detecta en las relaciones dislocadas por una angustiosainadaptación a la precariedad, a la insignificancia, a la intrascendencia deuna vida alineada, acechada por las incertidumbres fundamentales (origen,condición, destino, sentido) (Yurkiévich, 1984).

Ressaltamos a linha revolucionária de Neruda, não só em termos de

forma, mas na temática. Não pretende um retorno ultraísta ao passado, nem quer

que o homem volte a apascentar cabras e viver no campo, o que vai aparecer na

poesia até de alguns revolucionários como Miguel Hernández. A natureza para ele é

sempre um panteísmo, uma volta à infância e às origens, mas sempre subjetiva,

Neruda é um poeta citadino, conformado com a modernidade, ainda que inquietado

e insatisfeito pelo não-lugar que esta modernidade gera. Assim, seus poemas não

constroem retornos a mundos idílicos imaginários, nem recai num orientalismo

mistificador como acontecerá como outros poetas. O Oriente para Neruda sempre

será um incômodo e um acidente, não por outra razão ele se refugia na poesia

ocidental para sobreviver na Birmânia e na Índia. Seu retorno às origens é um

mergulho onírico no subconsciente e no inconsciente, uma busca de fundar a si

mesmo, tentativa do homem infinito, que só pode ser tentativa literária, utopia

inalcançável poética: caminante no hay camino, el camino se hace al caminar, com

toda inquietação e permanente insatisfação que esta busca incessante causa:

Desde el comienzo, Residencia en la tierra dice acerca de la sumergidalentitud, de lo informe, de lo confuso pesando, haciéndose polvo, del rodeoconstante, del vasto desorden, de naufragio en el vacío. Dice la astenia, laduración átona, la pura expectativa de una existencia expectante sólo conrespecto a su propio existir, sumida por la lasitud en días de débil tejido-acaecer que no se entrama, que no se tensa-, entre materiasdesvencijadas. Esta existencia está desnuda, fuera del orbe laboral, de todamotivación utilitaria, sin razón suficiente, abierta a su circunstancia solitaria,a un acontecer sin conexión, sin cauce, no encausado, no conduscente:

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Yo lloro en medio de lo invadido, entre lo confuso,entre el sabor creciente, poniendo el oídoen la pura circulación, en el aumento, cediendo sin rumbo el paso a lo quearriba,a lo que surge vestido de cadenas y claveles,yo sueño, sobrellevando mis vestigios morales. («Débil del alba»)La desolación existencial (como lo asevera Neruda en sus memorias, enConfieso que he vivido) es agudizada por su estada en un oriente sinprestigio que lo aísla, lo desvincula de su mundo y lengua maternos, lo varaen un medio doblemente extranjero, donde no puede establecer relacionesde solidaridad ni social ni cultural; esta temporada en el infierno lo vuelve unmero coexistente, una especie de prófugo mental.La distancia todo lo deslíe. Si Neruda se aferra a veces a los recuerdosreparadores y restauradores, a la naturaleza natal, a algún amor quiméricoque ejercen, fantasmáticamente, en la escena utópica del poema, su poderlustral, regenerador, en lo mejor de Residencia en la tierra se entrega a esaexperiencia de apertura del ser al no ser, a una inmanencia anuladora, a laexploración del desamparo, al rescate, por la escritura, de sueñoscenicientos y devaneos funestos (Yurkiévich, 1984).

Ressaltamos esta encruzilhada na travessia de Neruda, este momento de

ruptura, de ultrapassagem. Momento de regurgitar a experiência oriental que o poeta

vivencia como caos desesperado, mas que é também catártica: ela faz a “limpeza

dos estábulos de Áugias”. Não por outra razão, a busca mítica da infância original,

do bosque de Temuco, da casa paterna e da madrasta. A infância mítica é na poesia

sempre um retorno à idade de ouro, à inocência perdida rousseauniana da

humanidade, uma forma de tentar a estabilidade no meio do naufrágio. O Oriente foi

para o navegador Neruda um naufrágio, necessário como foi para Ulisses para se

encontrar, se perfazer. A Odisseia não seria de tal profundidade e beleza sem o

naufrágio e a busca do eterno regresso, de Ítaca, porto de partida e chegada.

Neruda usa o bosque andino como Ítaca, mas o momento não é de retorno, é de

naufrágio, tempestade, Cila e Caríbides. A nau de Neruda não passa incólume pelo

Oriente, é destroçada, assim como a forma e o conteúdo de sua poesia, que vão se

prefazer e se renovar, para só se reconstituírem e se reintegrarem novamente com

sua chegada à Espanha:

É o poeta vivenciando a experiência do Oriente de forma desencontrada e

desesperadora. E encontrando novas formas poéticas, mesmo estando longe do

Chile, com sua obra, ele se coloca na vanguarda da renovação de temas e formas

da poesia latino-americana, trazendo para a poesia a obscuridade, a dor, o

desencontro, o desenraizamento de não estar em lugar nenhum, a desolação das

vertiginosas mudanças do século XX, século de Revoluções e Guerras. Veja como

Yurkiévich faz a crítica desta fase:

40

A un mundo inconexo, a la realidad desintegrada corresponden la texturafloja, la concatenación debilitada, las relaciones inciertas las asociacionesdesatinadas. Neruda se mueve en un ámbito de acontecer sin dirección, demanifestación fuera de provecho, fuera de toda funcionalidad utilitaria, almargen del proceso de producción y de reproducción sociales. Se mueve enuna cáscara de extensión fría y profunda, sujeto a un movimiento sin treguay sin nombre. Enfrenta el gran galimatías, el absurdo desorganizador quetodo lo opaca, confunde y anonada.En ese tiempo inconduscente, no vectorial, Neruda percibe por sobre todo lamerma, el deterioro, la destrucción. De ahí el descendimiento desublimanteque opera su poesía, de ahí esa visión de vida estrecha, de actos menores,de grisura doméstica, de funciones inferiores, de materias residuales. Trestemas ponen de manifiesto este descenso: la ciudad como espacio de ladegradación y del vaciamiento humanos, la crudeza somática y las materiasde desecho (Yurkiévich, 1984).

Neruda vivencia esta agonia oriental denunciando a cidade como espaço

de solidão acompanhada, de desespero e caos, de esvaziamento de sentidos até se

chegar à nudez total do ser humano, relatado como ser apenas sensual e sensitivo:

sexo e excreção. Não se pode todavia entender de forma apenas torpe este

esvaziamento do ser, é uma denúncia também, a denúncia do ser contra a

desvalorização do ente agora apenas mecanismo de valor do Capital. Mesmo que

ainda não seja o poeta revolucionário, e seus poemas não sejam denunciantes do

capitalismo, a forma e o conteúdo são revolucionários no sentido de mostrar, através

dos sentidos mais básicos do ser humano, que este ser biológico, bicho, animal,

existe além das estruturas em que está preso, que seu labirinto leva à solidão e à

agonia:

Marco de la pérdida, de la incompletud, de la desvirtuación, la ciudad puestaen escena por Residencia en la tierra es la del ser gregario en medio de lamultitud anónima, es sociedad masiva de hábitos reglamentados, es paisajemanufacturado y hábitat unificador Si contra la concentración aplanadoraNeruda apea a la mitopoesis que le permite el reintegro imaginario alespacio restaurador, si a veces recurre a la regresión hacia lo natural,primigenio, maternal, principalmente ahonda en su desoladora experienciadel aislamiento urbano. Registra la aridez, el apocamiento, la separación, lafealdad, la clausura de esa existencia reificada, cosificada por laimposibilidad de pactar psicológica, socialmente con esa cohabitacióndirigida a la producción y al consumo masivos, con el orden mercantil yburocrático (Yurkiévich, 1984):

Neruda, muito antes de ser o poeta militante engajado, já carrega no

sentido de sua poesia um anticapitalismo instintivo: a denúncia do fetichismo e da

alienação, do estar sozinho em meio à multidão, da falta de sentido e do ritmo

maquinal e acelerado que a transformação que o capitalismo fez de toda atividade

humana; atividade de produção e reprodução sócio-metabólica do sistema, que só

se revaloriza, só se repactua quando o trabalho gera valor. Ainda que

inconscientemente, Neruda recusa todos os retornos reacionários a idílios pré-

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capitalistas, sua denúncia ainda não é coletiva, é individual e existencialista, da

perda de referência e de pertencimento, de sentido comunitário e coletivo. A forma

de seus poemas, que para muitos pode ser niilista, carrega elementos críticos, assim

como a poesia marginal de Baudelaire (que sem ser socialista e revolucionária é

uma negação de fazer parte de uma coletividade amorfa burguesa no nascente

capitalismo francês). Vejamos como Neruda expressa estes desespero em sua

poesia:

«Walking around», «Desespediente» y «La calle destruida» dan cuentacabal del caballero solo que deambula por el páramo ciudadano:Sucede que me canso de ser hombre.Sucede que entro en las sastrerías y en los cinesmarchito, impenetrable, como un cisne de fieltronavegando en un agua de origen y ceniza...............................................................................Yo paseo con calma, con ojos, con zapatos,con furia, con olvido,paso, cruzo oficinas y tiendas de ortopedia,y patios donde hay ropas colgadas de un alambrecalzoncillos, toallas y camisas que lloranlentas lágrimas sucias. («Walking around»)(Neruda citado por LOYOLA, 1964)

Influenciado pela poesia underground de Joyce, T. S. Eliot, Mallarmé,

Baudelaire, Neruda vai mostrar o lúmpen. Não é o poeta ainda do proletariado

triunfante e lutador, mas de sua parcela mais marginalizada, o lumpesinato,

desprezada até por Marx. Esta observação é extremamente importante, porque para

a literatura “oficial” do movimento comunista, a parte boemia e marginal não deveria

ser parte de uma apologia, ao menos nos manuais estéticos do Komintern. Neruda

nunca foi um poeta de manual, não só na época do Oriente, mas continuadamente

valorizaria e cantaria em seus poemas a prostituta, o contrabandista, o bandoleiro,

(em La Barcarola, Joaquín Murietta). Desta forma se afasta do chamado “realismo

socialista”. E não só em temática, mas na forma: vanguardista do poema com rimas

internas e do poema-prosa; vanguardista também no do uso do surrealismo e do

realismo fantástico. Não era um apologista frio da lógica do movimento comunista,

ainda que haja, em seu poemário, várias odes inspiradas no movimento comunista

internacional, Neruda tem um temário muito maior e variado.

A apologia do lumpesinato é outro fato de vanguarda, inclusive em termos

de teoria marxista. Se numa leitura ortodoxa estreita do marxismo o lúmpen é tido

inclusive como uma classe ligada à reação, os movimentos de excluídos do fim do

século XX e do início do século XXI resgatarão a necessidade de se incluir na luta

estes excluídos. Serão egressos do lumpensinato que agitarão o mundo nos

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momentos em que se apregoava o fim da história: o MST no Brasil, formado por

trabalhadores rurais despossuídos; os zapatistas, deserdados da terra no México; os

povos originários de Bolívia e Equador; os piqueteiros sem trabalho na Argentina:

todos estes movimentos de despossuídos fizeram com que os teóricos dos

movimentos revolucionários olhassem de outra forma os antes excluídos (até na

teoria), os assim chamados lúmpen:

Tiendas inhóspitas, oficinas tumbales, peluquerías malolientes, hotelessórdidos, habitáculos librados al abandono, lugares envilecidos, son todosparadigmas del desamparo, infunden un frío de muerte. Por ahí aparecenlos pobladores de esas moradas de la mala vida la fauna infame -tahúres,abogados, notarios- y los hombres del montón, los destinos mediocres. Pormomentos, la proximidad entre Residencia en la tierra y The waste land deT. S. Eliot salta a la vista; una misma visión genera ambos textos y suelocución es se mejante:

El pequeño empleado, después de mucho,después del tedio semanal, y las novelas leídas de noche en camaha definitivamente seducido a su vecina,y la lleva a los miserables cinematógrafosdonde los héroes son potros o príncipes apasionados,y acaricia sus piernas llenas de dulce vellocon sus ardientes y húmedas manos que huelen a cigarrillo. (Caballero solo) (Yurkiévich, 1984).

Neruda já está além das influências puramente hispânicas, leitor de

Baudelaire e Mallarmé, vai se aproximar em seus escritos de outros poetas, como T.

S. Eliot e Walt Whitman, tanto nos termos da modernidade, como na liberdade

métrica e rítmica da poesia. As duas Residências na Terra, são fase de intenso

experimentalismo nerudiano. Sem participar de manifestos, ou subscrever escolas

literárias, as usa em seus poemas, com isto vai inadvertidamente formando parte da

vanguarda poética de dois continentes. Do latino-americano, por ser chileno e

publicar suas obras em sua terra natal; e da Europeia, já que a Segunda Residência

começa a ser produzida no Oriente, mas só é finalizada na Espanha (contando com

a fortíssima influência da Geração de 1927). Alguns dos traços típicos de vanguarda

são a dissecação sexual dos seres humanos e o escatológico, beirando o niilismo

filosófico:

Con referencia a la escala humana, Neruda opera un rebajamiento hacia losseres y actividades sin prestigio, practica un rescate poético de lo prosaico,de la experiencia ordinaria, de lo basto y grueso y hasta de lo degradante.En el plano de las manifestaciones corporales, ese descenso se presentacomo crudeza somática, como ampliación descarada del decible corporal,como franqueza física y sobre todo sexual. «Ritual de mis piernas»constituye un buen ejemplo de esta expresión no eufemística del cuerpo ensu más concreta materialidad; las piernas, compactos cilindros conmusculatura masculina, criaturas de hueso con forma dura y mineral «sonallí la mejor parte de mi cuerpo: /lo enteramente substancial, sin complicado

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contenido / de sentidos o tráqueas o intestinos o ganglios». Residencia en latierra ofrece el vasto repertorio de la carne y el vientre. Lo genital, loseminal, lo fecal aparecen desnudamente mencionados:

Y por oírte orinar, en la oscuridad, en el fondo de la casa,como vertiendo una miel delgada, trémula, argentina, obstinada,cuántas veces entregaría este coro de sombras que poseo (…) (Tango del viudo) (Yurkiévich, 1984).

Para entendermos como é revolucionária esta temática em Neruda e

como ele se irmana como poetas malditos como Joyce e Baudelaire, temos que

entender que estamos no fim da década de 20, muito longe da revolução sexual.

Falar de funções fisiológica, de excreção do ser humano, não é, de forma nenhuma,

fazer uma poesia usual. Falar do sexo apenas como prazer (até voyeurístico, de

visualizar a uma mulher urinando), falar de excrementos e vômitos, é, de todas as

maneiras, revolucionário. E é, de certa forma, gritar, sou homem, sou bicho-homem,

não sou máquina.

Ser bicho, ser excremento, ser sexo é ter a ligação telúrica, biológica, é

ressaltar a natureza humana contra o homem-máquina. É vomitar na cara da

sociedade de consumo que não somos máquinas, homens é o que somos (Charles

Chaplin). Neruda, visionário, bardo, vate. Muito antes dele tomar partido ou ser

socialista, ele ressalta sua base terrenal. O poeta grita, se masturba, ri, chora,

vomita, urina, defeca. A busca de uma base biológica, no burocrata esvaziado de

sentido e exilado do seu lar. Na travessia que é a poesia de Neruda, a aventura

oriental é uma das partes mais interessantes:

Los residentes en la tierra orinan, defecan, vomitan, se masturban, copulan,eyaculan, ingieren y expulsan, como seres carnales ligados por su cuerpo alas materias terrestres, seres igualados por lo bajo, por lo gruesamentecorporal. Lo corporal conecta con el fondo entrañable, con el centrovivificador, con lo medular, con lo genésico; lo corporal posibilita la regresiónregeneradora. Lo corporal se cosmifica, la introyección hacia lo visceralpuede volverse vía mística; así el éxtasis orgásmico de «Agua sexual» seconfunde con estro visionario, es reactor onírico que instala al poeta en lamatriz imaginante:Veo el verano extenso, y un estertor saliendo de un granero,bodegas, cigarras,poblaciones, estímulos,habitaciones, niñasdurmiendo con las manos en el corazón,soñando con bandidos, con incendios,veo barcos,veo árboles de médulaerizados como gatos rabiosos,veo sangre, puñales y medias de mujer,y pelos de hombre,veo camas, corredores donde grita una virgen,veo frazadas y órganos y hoteles (Yuerkiévich, 1984).

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A palavra é carne, é sexo, é excremento. Esta direção da poesia de

Neruda, de violento erotismo impudico e impuro, tem um diálogo bem claro com as

ideias psicanalíticas, com o freudianismo que descobriu as relações entre as

funções excretoras e os impulsos sexuais. Freud retirou a sujeira das pulsões de

debaixo do tapete, mostrando como é impura nossa condição humana. Mais

vanguarda na forma e no conteúdo, impossível, Neruda declama contra uma

sociedade que vaga sonâmbula de si mesma. Sua poesia se cansa de ser homem e

o cheiro das barbearias e dos homens comuns o faz vomitar. É necessário um

reencontro, uma reconciliação, mas corajosamente, Neruda não encontra nenhum

caminho. E uma poesia do desacerto e do desencontro, e desta forma é uma

etnologia de uma sociedade doente de progresso, que se aliena de sua base

humana:

Por lo bajo, por contacto directo con las funciones elementales, por la visiónvisceral, la palabra remitida a la carnalescencia (como diría Darío) sereconcilia con su base material, vuelve a habitar el cuerpo que la profiere.Los desechos constituyen el descarte inútil, corresponden a lo que estáfuera de función. La visión nerudeana se apodera de los residuos paraconvertirlos en representantes o manifestantes de la subjetividad atribulada,marginada con respecto al circuito de la servidumbre social, incompatiblecon la integración oprimente. Las materias residuales revelan la mismacarencia de entidad que el sujeto que en ellas se reconoce, equivalentepérdida de identidad, identidad entendida como filiación, pertenencia, claraasignación, designación que individualiza:

Estoy solo entre materias desvencijadas,la lluvia cae sobre mí, y se me parece,se me parece con su desvarío, solitaria en el mundo muerto,rechazada al caer, y sin forma obstinada. (Débil del alba) (Yurkiévich,1984).

As tomadas de posição estética são também posicionamentos políticos. A

estética de Neruda muda de maneira violenta. O poeta juvenil, de romantismo tardio,

faz um rebaixamento intencional e intencional da poesia até à náusea, até o sujo, o

escatológico, o feio, o mórbido, a monstruosidade, o tédio, a necessidade mais vil e

imediata. Quando se faz uma análise pouco profunda de Pablo Neruda, se faz

antíteses absolutas entre fases. Usam-se declarações do próprio poeta para se

negar este momento das “Residências”, negá-lo como algo sem importância, se

comparado com a poesia da fase seguinte, “engajada”. Devido a seus

compromissos com o movimento comunista internacional, e seu engajamento por

uma estética realista, há declarações de Neruda de “abandono” da poesia das

“Residências”. Como este não é um texto de autobiografia literária, mas de análise

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das mudanças na poesia do poeta chileno, nossa posição não é a de reduzir a

importância da fase inscrita nas residências. É uma fase riquíssima, em que a

poesia impura toma assento. Sem esta tomada de posição, em termos de temática,

rica e variada, e em termos estéticos, de total liberdade formal, sequer haveria o

poeta engajado. Neruda participa também na reforma do verso espanhol e latino-

americano, experimentando todas as novas fórmulas e chegando ao poema-prosa,

no reaparecimento da versificação acentual com rimas internas, que

contraditoriamente, é, na explicação de Octavio Paz, uma vanguarda que traz de

volta uma tradição do verso espanhol, a de ritmo assilábico.

O romantismo iniciou uma tímida reforma do verso espanhol, mas foram osmodernistas1 que, levando-a ao extremo, a consumaram. A revoluçãométrica dos modernistas não foi menos radical e decisiva que a deGarcilaso e dos italianismos do século XVI, embora em sentido contrário.Consequências opostas e imprevisíveis de duas influências estrangeiras, aitaliana no século XVI e a francesa no século XIX: num caso triunfou aversificação regular silábica, ao passo que no outro a contínuaexperimentação rítmica desembocou no reaparecimento dos metrostradicionais e, sobretudo, provocou a ressurreição da versificação acentual.É impossível fazer aqui um resumo da evolução métrica em nossa língua,de modo que me limitarei a uma enumeração: o verso primitivo espanhol éirregular do ponto de vista silábico, e o que lhe dá a unidade rítmica são ascláusulas prosódicas marcadas pelo golpe dos acentos: com a aparição do“mister de clerezia” se introduz o princípio da irregularidade silábica,provavelmente de origem francesa, e há um imenso conflito entreisossilabismo (regularidade silábica) e ametria (versificação acentual); noperíodo conhecido como Gaia Ciência — poesia cortesã de tardia influênciaprovençal — já há um predomínio da regularidade silábica nos metroscurtos, mas não no verso da arte maior, cuja medida é flutuante; a partir doséculo XVI triunfa a versificação silábica e o hendecassílabo à italianasubstitui o verso de arte maior, os períodos seguintes, até o século XVIII,acentuam o isossilabismo; a partir do romantismo tem início a tendência àirregularidade métrica, que culmina no modernismo e na épocacontemporânea. Essa brevíssima recapitulação mostra que a revoluçãomodernista foi uma volta às origens. Seu cosmopolitismo desembocou numregresso à verdadeira tradição espanhola: a versificação irregular rítmica(PAZ, 2013, p. 98).

Para entender as influências comuns, de Neruda e Lorca, analisaremos

como as vanguardas os afeteram. No capítulo sobre Lorca, mostraremos como o

arabismo, o período muçulmano vai influenciar a poesia espanhola, como o ritmo

interno assimétrico está ligado à poesia árabe e cigana. Para se retomar esta

tradição, que se fez vanguarda futurista, Lorca vai mergulhar no Cante Jondo e

trazer não só os ritmos, mas até os falares incomuns e “irregulares” dos povos

marginalizados da Espanha. Neruda é partícipe desta ruptura na forma, até o limite,

1 O modernismo, como classifica Paz, começa na Espanha com a poesia simbolista e não guarda

assim sinonímia com outros modernismos europeus ou com o brasileiro. O movimento que

corresponderia a estes “modernismos” Paz chama de vanguarda.

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até o poema prosa. Seus poemas com rimas internas por vezes reproduzem o som

da chuva, do mar ou dos sinos. A poesia expressa também uma mudança de

paradigma na cultura ocidental, a perda da ideia de cosmos mecanismo para uma

outra ideia de cosmos fluido, como um processo, um organismo, ainda que caótico.

O ritmo como símbolo do universo:

Já apontei a conexão entre versificação acentual e visão analógica domundo. Os novos ritmos dos modernistas induziram o reaparecimento doprincípio rítmico original do idioma; tal ressurreição métrica, por sua vez,coincidiu com a aparição de uma sensibilidade que, afinal, se revelou comouma volta à outra religião: a analogia. Tout se tient. O ritmo poético nadamais é que uma manifestação do ritmo universal. Tudo se correspondeporque tudo é ritmo. A vista e o ouvido se enlaçam; o olho vê o que o ouvidoouve e vê o que pensa. E mais, pensa sons e visões. A primeiraconsequência dessas crenças é que o poeta é elevado à dignidade de umser iniciado: se ele ouve o universo como uma linguagem também ele diz ouniverso. Nas palavras do poeta ouvimos o mundo, o ritmo universal. Mas osaber do poeta é um saber proibido e seu sacerdócio é um sacrilégio: suaspalavras, mesmo quando não negam expressamente o cristianismo,dissolvem-no em crenças mais vastas e antigas. O cristianismo não passade uma das combinações do ritmo universal. Cada uma destascombinações é rítmica e todos dizem a mesma coisa. A paixão de Cristo,como vários poemas de Darío afirmam inequivocadamente, nada mais éque uma imagem instantânea na rotação das idades e das mitologias. Aanalogia afirma o tempo cíclico e desemboca no sincretismo. Tal acento nãocristão, às vezes anticristão, mas tingido de uma estranha religiosidade, eraabsolutamente novo na poesia hispânica (PAZ, 2013, 99).

Com esta visão sobre analogia e ritmo entendemos melhor a novidade

rítmica e estética das poesias de Neruda no Oriente. Sua irreligiosidade cristã, por

vezes seu ateísmo, combinado com um paganismo quase panteísta, sua

incredulidade é ruptura de paradigma. Pablo Neruda é partícipe em forma e

conteúdo da vanguarda, sua temática abrangente, que dá voz e ritmo às sensações

mais básicas e, às vezes, aos desejos mais baixos e sórdidos do ser humano. A

busca de um ritmo que grite, que denuncie. A poesia com um ponto fora da curva,

um momento que não pode ser valorado de acordo com a escala de produção, do

valor de troca do capitalismo. Os poetas são malditos e sempre marginais no mundo

contemporâneo, não há lugar para a poesia, a não ser que seja uma poesia

domesticada e de apologia aos valores da sociedade de consumo. Mas não é esta a

poesia que a vanguarda produz, ela produz uma poética com traços irreligiosos,

pagãos, de religiões ora orientalistas, ora grega, ora como exortação do misticismo

dos povos originários da América Latina (Alturas de Macchu Picchu). Os poetas da

vanguarda são uma válvula de escape ao mundo do desencontro e da produção da

solidão na multidão da metrópole.

Muitos dos traços da poesia que Neruda escreveu no Oriente vão

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permanecer em toda a poesia posterior. A humanização da poesia e seu interesse

no banal, no cotidiano, no comezinho da vida humana; a ideia de que nada está fora

do alcance da poesia; então, a guerra, a dor, os conflitos sociais, a luta socialista,

nada mais são do que um alargamento de temática desta poesia impura. A fase

Oriental e “existencialista” de Neruda é uma fase de limpeza de terreno e salto

qualitativo, que prepara a poesia seguinte. Também é importante explicar o que

entendemos como “existencialismo”. Não que Neruda em algum momento tenha

tomado parte do movimento filosófico existencialista. Mas as ideias ligadas ao

desespero, à náusea, à aflição do homem para a morte, depois de decretada a

morte de Deus (o ser para a morte, nos termos heideggerianos), vai perpassar toda

a poesia desta época.

Neruda pessoalmente criticará Sartre quando os PCs entrarem em

choque com a ideologia existencialista. A posteriori, quando Sartre se alia ao PCF,

Neruda irá elogiá-lo e até reatar a amizade com ele. Para nosso trabalho, isto pouco

importa, importa notar, nas letras do que ele escreve nesta fase, as mesmas

temáticas que são desenvolvidas em prosa por Camus, Joyce: de desconstrução de

sentido e até da gramática. Relembramos que Neruda nesta época é leitor de Joyce,

T. S. Eliot, Walt Whitman, portanto aberto a todas as influências e

experimentalismos que identificamos nas “Residências”:

Las identificaciones son disgregadoras, disolutoras, analogías con lodesvalido, lo ruinoso, lo perecedero. Neruda hace arte pobre o trash-art(arte de residuos, arte de basural) porque en esos desperdicios está lamarca del uso y del desuso que los humaniza. Neruda los convierte eníconos de la condición humana. Con sus figuraciones de lo residual anula lafrontera entre material noble, específicamente artístico, y materialextrartístico. Esas acumulaciones heteróclitas que hacen de tantas callessucios vaciaderos, se aglomeran, se adensan, cercan:

Me rodea una misma cosa, un solo movimiento:........................................................las cosas de cuero, de madera, de lana,envejecidas, desteñidas, uniformes,se unen en torno a mí como paredes. (Unidad)(Yurkiévich, 1984).

Neruda é, segundo Yurkiévich, um formador de paradigmas da primeira

vanguarda latino-americana. Sua poesia dos dejetos, do residual, dos vagabundos,

das ruas malcheirosas, é uma tomada de posição. É uma poesia antielitista em sua

origem e sua essência. Ele toma partido do sujo, do desvalido, do bêbado, do

marginal, da prostituta. Tudo que não era nobre e não merecia lugar no poema

clássico, está em Neruda, corajosamente e sem fazer manifestos. Criador de um

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alargamento admirável da temática, como no adágio humanista, nada que é humano

me é indiferente (Terêncio). Para Neruda o cânon não é mais a poesia metrificada e

rimada, herdeira do petrarquismo, mas o verso livre; também não são mais os temas

nobres: o amor platônico, o lirismo, a herança grega; mas toda uma temática suja e

rebaixada, toda a temática humana, em toda a sua singularidade, até o vômito e as

fezes interessam ao poeta. Tudo que faz do ser humano um ser humano. Tudo que

o diferencia e o singulariza com relação às máquinas. É também o momento que a

concepção de universo como aparato, como mecanismo (Galileu/Kleper) começa a

ceder lugar a uma concepção de universo como fluxo e organismo. Todos os

embates temáticos e filosóficos estão subjacentes na poesia de Neruda:

Las materias desvencijadas son intercesoras de lo oscuro, de lo abisalentrañable, ligan con el centro tenebroso, con lo humano medular, remiten alo profuso y lo confuso primordiales, al caos primigenio, son las mediadorasdel mundo de abajo, del mar de fondo, comunican con el infierno íntimo.Cualquier substancia, cualquier objeto puede ser conductor de la visiónnerudeana, manifestante sentimental, vector de energía poética, cualquiercosa puede ser implicada por la subjetividad, volverse metonimia del yo quese autoexpresa a través de esas convocatorias de lo dispar, mediante esosheterogéneos inventarios que son las enumeraciones caóticas. Las dosmejores, es decir las dos más diversas, cuyos componentes proceden decontextos más distantes, están en «Un día sobresale». La poesía ya noimita las apariencias sensibles, no acata las asignaciones de lo real legible,libera los signos del yugo referencial, abre el texto al más acá aliterario, a lapromiscuidad confusa de lo extra textual. Redispone lo real externo pararevelar lo real interno, para que la escritura pueda acoger la pujanza de unexceso no codificable, centrífugo al discurso, que desbarata lasdisposiciones del entendimiento discursivo, que desbarajusta el arreglo delcontinuo consciente para reintroducir en el orden simbólico la móvil ysimultánea pluralidad de lo real:

Zapatos bruscos, bestias, utensilios,olas de gallos duros derramándose,relojes trabajando como estómagos secos,ruedas desenrollándose en rieles abatidos,y water-closets blancos despertandocon ojos de madera, como palomas tuertas,y sus gargantas anegadassuenan de pronto como cataratas.(Un día sobresale) (Yurkiévich, 1984).

Assim, Neruda recria sua realidade. Bem distante da natureza e do amor

idealizados, da perplexidade metafísica diante do mar e da selva chilena, ou da

agonia e êxtase da descoberta do amor e do sexo. Agora o sexo é uma função

maquinal de um ser humano reduzido a seus apetites. Uma realidade dura e seca,

não idealizada, ultrajante e repugnante. Se não há engajamento e denúncia social, a

simples pintura da perplexidade do homem diante de um mundo que não consegue

entender ou controlar também é denúncia. Não há soluções homéricas românticas,

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não há caminhos ou saídas, só há degredo solidão e desarraigo. A potência agônica

do tema está em consonância com todo o vanguardismo da época. As duas

residências são com um acerto de contas necessário à fase poética de maturidade,

mas de per si, merecem ser estudados tanto por sua temática, quanto pelas

soluções que o poeta emprega. Vejamos o que diz Yurkiévich:

Lo real nerudeano es materia extensible y deformable; deja siempre libre laposibilidad de crear nuevos conjuntos. La realidad exterior e interior,interpenetradas, constituyen una misma mezcla incierta, dispar, cambiante.La realidad deja de ser materia dada, no tolera asentamiento mental niestable ni seguro. La naturaleza humana ya no puede ser aprehendida através de descripciones realistas, mediante exhaustivas listas de detallesnaturalistas, es elusiva, múltiple, plurívoca; es irreductible a paradigmas.Toda realidad deviene campo de fuerzas en pugna. Caduco el sistemasimbólico basado en la imitación de apariencias, invalidado el ordenmensurable, formulable a partir de un órganon de símbolos normativos,Neruda opta decididamente por el abordaje imaginario, por la constituciónhipotética de un corpus regido por su propia coherencia, opta por lainstalación intuitiva en pleno plexo, en plena turbamulta de lo real. Lainformación es librada en grueso, abigarrada, enrarecida, sujeta a relacionesaleatorias y perspectivas diversas, excentrada por la variación de marcos dereferencia. No hay manera de domesticar el sentido, de sofrenar tantatraslación de sentidos tránsfugas (Yurkiévich, 1984).

O revolucionarismo de Neruda vai mais longe. Na era do fascismo e do

nazismo, da eugenia e da perfeição, Neruda escolhe o feio, o marginal, o rejeitado.

Isto já é tomada de posição antes da tomada de posição. Não o louvor da velocidade

e do progresso, mas a desconfiança diante dele. Não o louvor da organização e da

obediência, mas do indivíduo e do residual. Mesmo no Neruda comunista, este

existencialismo (que ele chegou a renegar em termos teóricos) não deixará de existir

em sua poesia. Este existencialismo humanista individual permanece mesmo no

poema mais militante e coletivo dele, o Canto Geral (no qual há descrições

pormenorizadas de pessoas comuns e sua vida sofrida e ordinária). Para quem vê

interrupção, nós nos colocamos numa posição antagônica, vemos continuidade

dialética nas narrativas que estabelece de cada um de seus personagens

proletários:

Por un lado existe esta transmigración simbólica que provoca un éxodocategorial; y por el otro, una situación simbolizante autónoma, ligada a laexperiencia material, directa, que extrae materia prima del entornoinmediato para crear símbolos crudos, frescos, símbolos instaurados exnihilo a partir de la propia aprehensión imaginante. Símbolos noprovenientes del acervo simbólico tradicional, que no remiten al almacéncultural, símbolos inaugurales de una nueva simbología. En su exploraciónde territorios que desbordan el dominio literario, fuera del decible y dellegible colonizados, Neruda cultiva el desgobierno retórico y el desvacíometafórico; borra las marcas diferenciales (exterior/interior,subjetivo/objetivo, real/imaginario, temporal/espacial, natural/artificial);ejerce a fondo las libertades textuales (sobre todo de composición,

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dirección, asociación); desescribe lo escribible basando su acción de zapaen códigos negativos, de modo tal que el poema parece ser nada de normay todo licencia (Yurkiévich, 1984).

Segundo Yurkiévich, Neruda é um precursor da contracultura, da

antipoesia, do temário que está longe da bela arte. Apagando as marcas entre o

interior e exterior, fazendo antecipadamente um experimento surrealista e realista

fantástico (se antecipando assim a estes dois movimentos), destruindo as normas

rítmicas e métricas, Pablo Neruda alarga a temática da poesia e a faz companheira

de aventura e desventura do ser humano. Um refúgio catártico do caos e da

desordem, mas, ao mesmo tempo, uma incendiária mimésis desta mesma

desordem. Não há mais nada de pequeno, torpe, vil, mesquinho ou impuro que não

seja matéria da poesia. A poesia desce do parnaso e se torna companheira da dura

travessia humana no mar das incertezas, do desvario revolucionário do que

Hobsbawm chamou o curto século XX, que não se inicia cronologicamente em 1901

e termina em 2000, mas começa com a primeira Guerra Mundial e a Revolução

Russa, que vão mudar toda a configuração, inclusive de pensamento do mundo, e

termina em 1991 com o fim da União Soviética. Neruda foi viajante desta aventura

revolucionária, mas também testemunha do genocídio e do desastre que foi a

Segunda Grande Guerra, com seus 50 milhões de vítimas, e que tem seu início real

na Guerra Civil Espanhola (durante a qual Hitler pode treinar livremente sua

estratégia de guerra, bombardeando impune e covardemente as cidades

republicanas espanholas), e as fez imagem de sua poesia:

Esta antipoesía respaldada por una contracultura funciona, por su puesto,sobre la base de un sistema menos, por carencia o contravención de lasmarcas características de la poesía artística y en relación siempre con labipolaridad arte/antiarte, que no excluye definitivamente ninguno de lostérminos de la antinomia. Neruda desarregla la relación de encuadre estableanexando y coaligando fragmentos de realidades disímiles, según unacombinatoria autónoma que concita acontecimientos verbales sorpresivos ysorprendentes. El desborde de sentido indómito, la polisemia erranteprovocada por extrañas constelaciones de imágenes revelan la implicaciónemotiva de la subjetividad que moviliza fa impulsión figural, subjetividadexcéntrica al lenguaje que, para manifestar su alteridad, se libra a la palabraespontánea poniendo en juego una red de relaciones equívocas que aludena un referente soterrado, innominable y omnipresente. El sujeto lírico deResidencia en la tierra rompe los retenes logométricos, desquicia latemporalidad fáctica para trasladar el poema a la otra escena, escenacríptica, donde puedan emerger reminiscencias de la historia oculta. Nerudaemprende el descenso onirogenésico; bucea por debajo del orden simbólicotratando de rescatar el trasfondo subliminal, preconsciente. Propulsa suescritura hacia los límites del entendimiento (Yurkiévich, 1984).

Surpreendente é ver um Neruda pictórico e surreal mesmo antes de

Lorca, e entender que esta temática é recíproca. Não só o onírico, e o surreal, mas a

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pintura subjetiva da realidade, traduzindo de forma íntima o mundo que desmorona

ao redor. Neruda é um pintor poético do caos do início do século XX: os sentimentos

e as sensações de cada indivíduo, assim como os sentimentos do inconsciente

coletivo e sensações de grupos, escolas, partidos, agrupamentos em luta, inclusive

em luta armada pelo poder:

Neruda crea visión inédita que proyecta sentido enigmático; pero a la vezopera, por condicionamiento histórico, dentro del marco de su época.Nuestra perspectiva de medio siglo de distancia (la primera Residencia en latierra aparece en Santiago en 1933) nos permite comprobar cómo aparecenya en este libro paradigmático los arquetipos de la imaginación moderna, losque van a constituir la iconología característica del arte contemporáneo.Cuántas figuraciones de Residencia en la tierra evocan cuadros de Giorgiode Chirico, de George Grosz, de Salvador Dalí, de Max Ernst. Residencia enla tierra surge a la par de la primera poesía surrealista sin que ésta ejerzainfluencia directa en la poética nerudeana. Son creaciones sincrónicas querespiran, una y otra, el aire del tiempo. Coincidencias de actitud, deobjetivos, similitud de proyecto estético producen resultados semejantes.Por ejemplo, «Oda con un lamento» o «Materia nupcial» provienen de unamisma matriz visionaria que El perro andaluz del dúo Buñuel-Dalí, operaninstrumentalmente dentro de un mismo encuadre artístico:

Debe correr durmiendo por caminos de pielen un país de goma cenicienta y ceniza,luchando con cuchillos, y sábanas, y hormigas,y con ojos que caen en ella como muertos,y con gotas de negra materia resbalandocomo pescados ciegos o balas de agua gruesa. (Materia nupcial) (Yurkiévich, 1984).

Neruda trabalha com a ideia do mal, mas não com uma ideia cristã, a ideia

do mal que salta de forma niilista das condições sociais e históricas. Do mal

necessário e inevitável, o mal como estrutura, como prega Hannah Arendt. Sem

nenhuma forma de solução e engajamento, o poeta toma, pela primeira vez contato

com uma realidade que o oprime. Os poemas são da fase de aceitação fatalista da

existência do mal e o convívio angustiado com ele. Ao mesmo tempo em que reflete

a influência sinestésica do caos ao seu redor.

Esta é a fase de maior confusão sentimental na vida do poeta, uma fase

promíscua, na qual ele se submerge numa volúpia carnal, se aproveita das delícias

da milenar arte do sexo cultuada pelo Oriente. Terá um caso passional com uma

nativa, que o abandonará numa cena tragicômica, mas terá uma série de outros

casos e, ou relações sexuais sem grande ligação afetiva. Assim, com esta vida

altamente erotizada, não é de se estranhar que mesmo na fase mais orientalista de

seus textos, não deixe de aparecer a face sensual em seus poemas, mas numa

sensualidade sórdida, sem ligações amorosas. Constatamos que há uma clara

relação da vida conturbada de Neruda no Oriente, de sua reação psicológica de

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interiorização para se defender do mundo que considera hostil (ainda que,

contraditoriamente participe ativamente deste mundo) e da poesia que escreve

nesta época. A experiência orientalista de Neruda o deixa pronto para o próximo

passo na sua evolução poética:

Sin duda que el encuentro con Federico García Lorca en 1933 y la estadamadrileña, a partir de 1934, en estrecho contacto con Rafael Alberti y losotros poetas de la generación del 27, influyen en Neruda. Las editoriales dela revista Caballo Verde para la Poesía demuestran la íntimacorrespondencia entre Neruda y los surrealistas españoles. La imaginaciónde Neruda se arrebola arrebatada por la vehemencia española. El cambiode registro, que también tiene que ver con el cese de la temporada infernal,la superación del ensimismamiento angustioso, la recuperación del gozovital y de la solidaridad humana, es notorio en la parte final de Residenciaen la tierra.Residencia en la tierra es una obra generada en una travesíaintercontinental, a lo largo de un periplo transcultural y translingüístico. Segesta en relación con realidades no localizadas, con experiencias de la vidamoderna generalizadas, y se sitúa estéticamente con referencia a un estadointernacional de la literatura. Porque presupone la noción de una literaturamundial, Residencia en la tierra no puede ser recuperada por vía vernácula;su carencia de referencias autóctonas invalida toda lectura limitada a lonacional. En Residencia en la tierra todo secunda la visión: la lengua escoadyutora y el ritmo se subordina a la andadura semántica, al flujoimaginante, lo que da una melodía atenuada, no aliterativa, sin efectosorquestales, una especie de salmodia monótona sin brillantez ni fónica niléxica (Yurkiévich, 1984).

Como viemos mostrando, as influências entre Lorca e Neruda são

comuns. Neruda vai participar ativamente da fixação dos novos cânones da Geração

de 1927, fundando inclusive uma revista literária, embate teórico e de novos

estatutos para a poesia. Ele vai assim receber como, se fora um espanhol nato,

todos os ismos desta geração, mas ele também tem sua herança poética anterior, e

sua vivência latino-americana, e a verterá para esta geração. Espanha será sua

segunda pátria, Lorca, seu irmão literário. Eles viverão uma influência recíproca de

experimentalismos e inovações. Não é algo que Neruda “sofra” apenas como

paciente e estudante passivo que recebe uma “cultura superior”, antes é como

partícipe e construtor desta nova vanguarda, como o fez outro hispano-americano,

Rubén Darío. Esta troca de influências, leituras e experimentações alargará o campo

da Geração de 1927, seu manifesto de uma poesia impura e uma tradução de todos

os experimentos desta geração. Assim, Residencia na Terra II vai refletir todas estas

inquietações e experimentos:

De conversaciones gastadas como usadas maderas,con humildad de sillas, con palabras ocupadasen servir como esclavos de voluntad secundaria,teniendo esa consistencia de la leche, de semanas muertas,de aire encadenado sobre las ciudades.

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(Sabor)

La prosodia no adquiere relieve autónomo, está casi por completodespojada de metronómica. En Residencia en la tierra no hay ahínco formalinmediatamente perceptible. Los principios constitutivos del verso sereducen a su mínima manifestación: cortes versales y estróficos, versos yestrofas de medida fluctuante. Esta poesía en verso verdaderamente librese aproxima a la prosa cadenciosa, orienta la dinámica versal hacia su poloopuesto, opera en la zona fronteriza entre prosa y verso e incursiona, comoen la segunda parte de la primera Residencia, en el dominio de la prosapropiamente dicha (Yurkiévich, 1984).

Como defendemos desde o início do nosso trabalho, Neruda é um dos

construtores da vanguarda tanto na América Latina, quanto posteriormente na

Espanha. Sim, na Espanha, já que, ao se mudar para a Península Ibérica, conviverá

com toda uma Geração de poetas que estão propondo novos experimentos em

temas, formas e linguagens. Assim como a Geração de 1927 vai se libertar do

petrarquismo e das formas rimadas metricamente formadas; Pablo Neruda, mesmo

antes de chegar à Espanha, seguirá o caminho do experimentalismo linguístico e

poético, esculpindo versos livres, assonantes, com rimas internas baseadas no ritmo

da conversação: o poema-prosa, próprio da vanguarda, incorporando todos os fatos

linguísticos do linguajar popular e toda a temática do mundo em transformação:

Neruda asume su función vanguardista de liberador de lo concebible y de loformulable. Y para decir .la fealdad y el sin sentido de la existenciaincompleta, oprimida por un mundo indeseable, para registrar en bruto losólito, lo pedestre, lo crudamente psicosomático, para mostrar el embatedesarticulador, para dar cuenta de su pugna mental, para abrirse a laspotencias desfigurantes necesita desmantelar el sistema literarioprecedente, desarmar los dispositivos placenteros, la estilizada elegancia,los rebuscamientos verbales y los arreglos eufónicos del modernismo.,Neruda pone en práctica un arte radical, por lo tanto un arte de negación,agresivo y sombrío. Residencia en la tierra participa en la primera faseeruptiva del rechazo; representa un mundo neurálgico, da curso a lasdescargas de la subjetividad rebelde, egotista y neurópata, que extrema sunegación para preservarse de la falsa conciliación, de la integración falaz;expresa la impronta de lo oscuro reprimido, inscribe los afloramientosdesconcertantes de la tiniebla interior; es arte de la incertidumbre regido poruna conciencia de la desazón, dice la angustia imperiosa que no acepta sermediatizada por la transfiguración estética. Luego, en la fase tética, la delordenamiento, asimilada ya la ofensiva demoledora, nos ocupamos deincorporar este antiarte, agente de la cultura adversaria, al museo de lahistoria monumental. Creo que Residencia en la tierra resiste todavía a larecuperación (o sea a la legibilidad) institucional, creo que mantiene activasu poderosa, su tentadora carga de oscuridad (Yurkiévich, 1984).

Assim, vemos que no final da Segunda Residência na Terra e,

principalmente na Terceira Residência, Neruda vai completar seu amadurecimento e

sua mudança estética. Neruda é um poeta autobiográfico, suas mudanças estéticas

deixam marcas tanto literárias, das leituras e influências que são captadas em sua

poesia, quanto dos acontecimentos da sua vida. No caso da segunda residência, a

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liberdade completa de formas, com os versos sem rima silábica, e com ritmo interno,

comum às vanguardas literárias, e que também será encontrado em Federico García

Lorca (neste por influência do Cante Jondo e da poesia árabe).

Na Espanha, com o advento da Guerra Civil, a temática de Neruda

chegará ao social e ao ideológico, influenciado pela ideologia marxista, ele

participará na Guerra Civil ajudando solidariamente os republicanos. A poesia de

Neruda vai se despedir do niilismo e tomar lado na batalha de ideias, sem nunca,

todavia, poder ser classificada no termo “realismo socialista” (que era a camisa de

força usada pelo movimento comunista para todos os escritores comunistas). A

variedade de influências e temas em Neruda é tão forte, violenta, que sua poesia

mantém uma integralidade vital que vai se encher de realidade, sem a tornar

"realista". Em Neruda conviverão o pictórico, o onírico, a manutenção de um certo

panteísmo (uma grande contradição num poeta ateu), junto aos novos temas

políticos. A conjunção de influências, sem que ele jamais tenha mergulhado de

cabeça em nenhuma escola, o torna um poeta de difícil classificação e análise.

Vamos usar Angélica Cortázar para explicar Neruda deste período de

transição e a participação, a partir de sua estada na Espanha, nos rumos da

Geração de 1927, e citaremos na íntegra, por total necessidade, o manifesto de

Neruda escrito para a sua revista Caballo verde:

UNA POESÍA IMPURA: aproximación A LA POÉTICA DE PABLO NERUDADe la poética de Pablo Neruda (1904-1973) es importante resaltar que estepoeta incursiono en diferentes tendencias, por lo tanto, es difícil encasillarloen un movimiento específico; de igual forma, abrió el camino a una nuevasensibilidad poética, a través de recursos que ya habían utilizado otrosgrandes vanguardistas como Huidobro, como desechar el uso racional dellenguaje, la sintaxis lógico, forma declamatoria, rima, métrica y privilegiar elejercicio de la imaginación, a las imágenes insólitas y visionarias,disposición tipográfica y efectos visuales. La diferencia con Huidobro radicaen que Neruda no aspiró a ser líder de un movimiento ni a liberar el arte detodo sentimentalismo e impureza; todo lo contrario, promulgaba una poesíaimpura, apegada a la realidad material, a los hombres con todas suspasiones y patetismos, que responda a impulsos naturales y a la caóticadiversidad del mundo: Así sea la poesía que buscamos, gastada como porun ácido por los deberes de la mano, penetrada por el sudor y el humo,oliente a orina y azucena, salpicada por las diversas profesiones que seejercen dentro y fuera de la ley. Una poesía impura como un traje, como uncuerpo, con manchas de nutrición, y actitudes vergonzosas, con arrugas,observaciones, sueños, vigilia, profecías, declaraciones de amor y de odio,bestias, sacudías, idilios, creencias políticas, negaciones, dudas,afirmaciones, impuestos(Verani, 1990:243)

Es evidente cómo en el poema vanguardista Tentativa del hombre infinito(1926) no se descuida la esencia del hombre, sus contradicciones y, sobretodo la melancolía y el gastado sentimentalismo, estadios a quien el mismo

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Neruda denomina “perfectos frutos impuros de maravillosa calidad olvidada”y que evocan, sin lugar a dudas, algunos versos de veinte poemas de amory una canción desesperada.Tentativa del hombre infinito está en consonancia con su manifiesto “Sobreuna poesía sin pureza”, puesto que se incorpora la totalidad de la vida,teniendo en cuenta incluso las manchas, las actitudes vergonzosas, lasarrugas en la defensa de una poesía que se acerca a las fuerzas naturales,a los sentidos y que repudian el. rótulo de “artística” (Cortázar, 2013).

Tentativa do homem infinito está no meio do caminho entre o jovem poeta

de Parral e dos bosques de Temuco, e o Neruda experimentalista na angústia da

busca existencial. Nele se antevê a aflição do poeta diante do tempo e da existência,

resistindo através da arte ao seu próprio apagamento. Ainda há fortemente o

panteísmo natural e resistem os exageros românticos, é uma fase de início de

transição, impura, heterodoxa. Aliás, Neruda será um poeta “impuro” até o fim de

seus dias, mesclando Marx com Mallarmé, Walt Whitman com Rubén Darío, estando

na vanguarda não por se definir por uma escola, mas por fazer não deliberadamente

inflexões em seus poemas sobre muitas delas. Bebendo de fontes diversas sem se

incluir em nenhuma, como mesmo se definiu, sua poesia acabará por ser um

calidoscópio de várias influências e escolas de séculos variados: Góngora,

Mallarmé, Bécquer, Baudelaire, Walt Whitman, Victor Hugo, Gabriela Mistral (amiga

e contemporânea), Federico García Lorca, e mais a sinestesia do bosque chileno e

do mar e a angústia do viajante sem pátria:

La sagrada ley del madrigal y los decretos del tacto, olfato, gusto, vista,oído, el deseo de justicia, el deseo sexual, el ruido del océano, sin excluirdeliberadamente nada, sin aceptar deliberadamente nada, la entrada en laprofundidad de las cosas en un acto de arrebatado amor, y el productopoesía manchado de palomas digitales, con huellas de dientes y hielo, roídotal vez levemente por el sudor y el uso (Verani, 1990:243)Para lograr estos efectos, Neruda acude a procedimientos surrealistas;Verani afirma que Tentativa del hombre infinito y el Relato del habitante y suesperanza son los primeros en incorporar dicho procedimiento a la literaturahispanoamericana en forma paralela al movimiento francés, sin sertributarios de Breton. Un dato relevante es que un año después de lapublicación de dichos libros apareció el primer manifiesto surrealista. Por lotanto, el fenómeno que se percibe en este poema se percibe es una realidadcaótica ligada a lo caótico: imágenes inconexas, eliminación de puntuación,flujo verbal que se desintegra en una estética impura que hace patente lacondición humana y como las ansias de infinitud se desintegran, en eseviaje sonámbulo a través de la noche y que avizora un día inalcanzable,pues al final sólo queda la muerte…, una muerte con tono inconcluso ysuspensivo (Cortázar, 2013).

Um surrealismo pré movimento surrealista, baseado no onírico e no

pictórico, que indelevelmente vai unir sua poesia, em termos temáticos, à poesia de

Lorca. Um Neruda tão aberto a tudo que é fomentador de movimentos e participa

deles, dirigindo a revista Caballo Verde na Espanha, sem que, por não ser espanhol,

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ser citado como um dos expoentes desta Geração. Aliás, esta questão é algo que

ressaltamos no nosso trabalho, Neruda vai participar ativamente do movimento da

Geração de 1927 (mesmo tendo chegado após seu lançamento). Neruda reunirá

poetas, dirigirá e editará uma revista, apoiando esta vanguarda. Na nossa visão, por

não ser espanhol, Neruda é esquecido em dez entre dez trabalhos acadêmicos que

versam sobre a Geração de 1927. Esta é uma questão que levantamos, por sua

importância e temática comum, Neruda não deveria ser estudado como um dos

membros ativos desta geração, ainda que seu nascimento se dê no Chile e tenha

chegado após seu lançamento? Impossível descolar a poesia de Neruda, desta

época na Espanha, da poesia dos outros poetas da Geração de 1927. Neruda foi

influenciado por esta, mas também os influenciou, como vemos aqui em seu

surrealismo pré-surrealista. Neruda não só lia os poetas da Geração de 1927, era

também lido e aclamado por eles:

Pero es en ese intento por traspasar lo conocido que se evidencia como seapoya en el cosmos para encontrar una posibilidad de infinito, la noche haceparte del poeta, de su estado de ánimo y he aquí un recurso interesante: elpoema se inicia aludiendo a unas hogueras pálidas y a humos difuntos, queno son precisamente la salvación o la luz, sino que presagian la oscuridadtotal; y a toda una simbólica que vincula con la tristeza del poeta: “elcrepúsculo rodaba apagando flores/ tendido sobre el pasto hecho detréboles negro”.Es así como nos enfrentamos a un viaje por la noche, que se podría pareceral “Altazor” de Vicente Huidobro, porque se configura una realidad paralelaen la cual el poeta sube y aja en una eclosión de sentidos, en la cual ellenguaje cada vez se complejiza, pero a su vez adquiere la belleza yprofundidad propias del estado inconmensurable al que se ha llegado, luegode un trasgar por zonas ocultas, en la cuales ciudad, universo y el hombreestán en sintonía; de ahí que se experimenta un dolor cósmico: el dolor delas estrellas crucificadas y se pida a la noche que se acoja un corazóndesventurado (Cortázar, 2013).

Vemos no Neruda de 1926, um ano antes do manifesto da Geração de

1927, várias características pictóricas e oníricas que depois Lorca reuniria como

característica em seus poemas. A noite, o sonho, a angústia, o negro da morte, o

lado inconsciente, mítico e sempre angustiado da poesia. O poeta chileno já trilha

um caminho de renovação, mas ao se renovar, prenuncia um caminho para a poesia

latino-americana, e com sua forte influência na Espanha (somente Rubén Darío vai

influenciar tanto a Geração de 1927 quanto Neruda) também vai dar sua

contribuição às vanguardas da poesia espanhola:

Así como la mujer al estar invadida por un enigma, al igual que la noche, lopone cara a cara frente a un embarcadero de dudas que todo lo invade, lanoche-mujer se quiere poseer, pero es infinita, inalcanzable; por eso eldeseo deviene en fatalidad, en crepúsculos, en vivir sonámbulo en buscadel alba que es tan lejana, en ser un náufrago que vive solo en una pieza sin

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ventanas una yegua que solo galopa perdidamente a la siga del alba muytriste.En conclusión, se puede decir que Neruda supo plasmar de la mejor formauna realidad irreductible y contradictoria en la cual el sentimiento deangustia y desolación se expresa a través de imágenes incongruentes yfantasmagóricas que muestran la condición del poeta: un ser que vive en unnavío que no se detiene como la noche en que el viaja, única e interminabley en la cual la posibilidad de una luz (consumación del deseo) es imposible,porque, incluso, cuando se de cantar, sobrepasar los límites de lamortalidad se queda atemorizado al borde del precipicio, o porque hay unabarrera frente al otro: “El aire estaba frío en tu corazón como una campana”.De igual forma, en Neruda, el amor es un tema recurrente y no es laexcepción en Residencia en la Tierra; pero ahora con una tonalidad distintaa la expresada en Veinte poemas de amor y Tentativa del hombre infinito,libros en los que subyace la nostalgia y un lirismo exacerbado de profundasmagnitudes, casi etéreo y evasivo. En Residencia en la Tierra surge unareflexión poética fuertemente enraizada al ser y lo hacen sentir vivo en unmundo cargado de belleza y placer y en el cual lo aparentemente banal, espor medio de imágenes recurrentes, que dan un sentido vitalista, a pesar dehacer alusiones a la muerte(Cortázar, 2013).

Angélica Cortázar nos faz coro, ao mostrar como entre Tentativa del

hombre infinito e a Residência na terra, há uma ruptura. O amor, tema recorrente na

poesia de Neruda permanece, mas há uma mudança na forma de o cantar. Não é

mais o amor idílico, ainda que angustiado, idealizado. É o amor cotidiano, muitas

vezes reduzido a apenas as sensações sexuais, e a sua posição na tentativa de

suportar a carga dura de um mundo desconexo. É um poeta menos otimista, que

através dos prazeres da carne e do corpo, carrega a carga vital para suportar a

presença da morte, que mostra sua presença na poesia:

Es así, como el poeta, albergando un espacio trascendente, paraísosidílicos. Por ejemplo en “Caballo de los sueños” dice:Hay un país extenso en el cieloCon las supersticiosas alfombras del arco irisY con vegetaciones vesperales:

Hacia allí me dirijo, no sin cierta fatiga,Pisando una tierra removida de sepulcros un tanto frescos,Yo seño entre esas plantas de legumbres confusas (Neruda, 1971)(Cortázar, 2013).

Antíteses violentas no poema Nerudiano, o poeta cético e niilista, fala de

um paraíso que muito se aproxima do cristão, mas de forma onírica, não como uma

promessa de eternidade, como forma de fuga do caótico, do confuso, da angústia,

da solidão, do tédio, da promessa da morte. Não é uma promessa, é uma evasão,

assim como toda sua geração de poetas, céticos e anticlericais, Neruda vai

expressar suas incertezas e buscas como se fosse uma pintura, no pictórico vai

recompor como catarse o desencontro do cotidiano, como se fosse possível parar o

tempo.

También es poseedor de una fuerza pasional que lo impulsa en ese trasegar

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por el mundo; en “Sonata y destrucciones”: “He oído relinchar su rojocaballo desnudo, sin herraduras y radiante” y “Yo necesito un relámpago defulgor persistente” (Neruda,1971). Es de allí de donde deviene el espaciocuerpo de mujer-tierra fecunda, que activa de igual forma ese paraísoanhelado; esto se puede ver en “Alianza”:

Con tu cuerpo de numero tímido, extendido de prontoHasta las cantidades que definen la tierraDetrás de la pelea de los días blancos de espacioY fríos de muertes lentas y transitar tus besosHaciendo golondrinas frescas en mi sueño (Neruda, 1971) (Cortázar, 2013).

Neruda tem uma linha biográfica em sua poesia, e permanência. Nesta

poesia de transição, de novas marcas, reaparece sempre a sensualidade do

encontro sexual, da amada e a evocação mística da natureza. É quase como uma

linha que une toda sua criação, do adolescente de Temuco, ao diplomata chileno na

França no fim da sua vida. Pegadas que dão pista aos nerudistas de que o poema

tem o cheiro de Neruda, as digitais de Neruda, o beijo extasiado de Neruda. A

permanência todo o tempo deste êxtase panteístico metafísico, mesmo em seus

poemas mais céticos e a busca do reencontro com a mulher amada:

Por otro lado, el tiempo se presenta como un proceso pasivo, una inercia,un letargo: “aguardo el tiempo uniforme, sin medida” (“Caballo de lossueños”) y los días, el nacimiento a una nueva agonía; en “Débil del alba”:“El día de los desventurados, el día pálido se asoma/ son un desgarradorolor frio con sus fuerzas en gris/ sin cascabeles, goteando el alba por todaspartes/ es un náufrago en el vacío, con un alrededor de llanto”(Neruda,1971). De igual forma, la necesidad de amor se convierte en unareminiscencia fantasmal, en la que prevalece un transcurrir extenso ydesolado: “Mientras tanto crece a la sombra/ del largo transcurso en olvido/la flor de la soledad húmeda, extensa/ como la tierra en un largo invierno”(Fantasma).

En “Lamento lento” es evidente como el nombre de la amada invade losespacios, lo que genera toda una seria de imágenes insólitas que perpetúanun estado emotivo (la tristeza del corazón) que se va tornando en noche, enagua, en frio de otoño: “La gota de tu nombre lento/ en silencio circula ycaer/ y rompe y desarrolla su agua u hace fragmentar el tiempo en mitadesinaccesibles” (Neruda, 1971). Nuevamente, está la situación compruebacomo la mujer, poseedora de una extrañeza u una belleza indescriptible, escapaz de fragmentar el tiempo, generar confusión, desvarió (Cortázar,2013).

O mal do século XXI. A náusea, o ser se desintegrando diante da morte.

O tempo passivo, e a tentativa do homem infinito. A amada sempre cantada como

aquela que é mais do que a mulher, a que vem retirar o poeta da letargia e da

angústia. A poesia como catarse e refúgio diante da morte, escapar para o sonho e

para o pictórico, para a beleza, mesmo que dura da arte. O Neruda que vai para o

exílio voluntário na Birmânia vai experimentando na vida, no poema, no ritmo, na

temática e assim vai construindo novas formas de expressão e se inserindo no

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espaço de poetas vanguardistas do seu tempo. Este poeta na sua jornada pelo

Oriente e a caminho da Espanha é um sorvedor de influências multifacéticas, e um

recriador antropofágico delas, numa poesia que nada fica a dever aos melhores

poetas europeus:

Pero al avanzar progresivamente en los poemas, se hace evidente comopara la prosa poética las historias son más complejas y adoptan un vuelvototal, porque se pasa a una realidad más objetiva, aunque la angustia y latristeza sigan prevaleciendo. El humor negro y la imaginación vanconstituyendo otros espacios concretos que dejan entrever una facetamenos etérea y cada vez más terrena. En “Caballero solo”, lo banal invadeuna existencia solitaria rodeaba por un gran bosque de placer: “Los jóveneshomosexuales […] y las jóvenes señoras preñadas hace treinta horas […]rodean mi residencia solitaria”. El ritual de observar las piernas, es risible,pero más allá de esto, hay una carga de emotividad que constata el estadoal que se puede llegar luego e experimentar la ausencia en un tiempo quepasa inexorable y sin un atisbo de esperanza como una mujer al lado,respirando, durmiendo desnuda(Cortázar, 2013).

Residencia na terra é a busca permanente do ente por sua essência

perdida, o ser humano em potência, que não consegue se realizar num mundo

caótico. Assim a importância do corpo, limite material e dado biológico primeiro, as

sensações mais básicas e triviais, as necessidades mas elementares, alimento,

excreção, satisfação sexual, são uma forma básica de recomeçar a busca, de tentar

de alguma reintegralizar o ser humano com sua essência perdida (teoria de

alienação de Marx e Hegel, mesmo que Neruda neste momento não tenha contato

com ela). Neste ponto de temática é um texto eminentemente revolucionário,

inovador e intenta resolver os anseios criados pelas transformações sociais

revolucionárias criadas pelo capitalismo, que destrói os antigos laços comunitários,

camponeses, fraternais, e coloca no lugar deles relações modernas de valorização

econômica, inclusive para as obras de arte. Como diz Marx, 1998 “A burguesia, lá

onde chegou à dominação, destruiu todas as relações feudais, patriarcais, idílicas.

Rasgou sem misericórdia todos os variegados laços feudais que prendiam o homem

aos seus superiores naturais e não deixou outro laço entre homem e homem que

não o do interesse nu, o do insensível ‘pagamento a pronto’. (…) Transformou o

médico, o jurista, o padre, o poeta, o homem de ciência em trabalhadores

assalariados pagos por ela”. Mesmo ainda não sendo marxista, Neruda tem na sua

poesia uma crítica explícita ao processo de alienação capitalista, Angélica Cortázar

relata assim a forma que Neruda traduz isto em sua poesia:

Todo ellos ocasiona una profunda reflexión e torno a la importancia delcuerpo por albergar la vida misma, el efecto de lo accesorio, los ropajes, yen sí el abatimiento que trae consigo las cadenas que impiden sacar a flotela esencia que subyace dentro y del afuera, instancias que Neruda

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reivindica en al descubierto lo voluble de la condición humana.En Residencia en la Tierra es reiterativo el rasgo vanguardista, en la medidaen que las ambigüedades, sobre todo, en el ámbito de los sentido vinculan aimágenes insólitas que perpetran la angustia, el letargo y la soledad;estados propios de poeta que atado a la tierra se cansa de ser hombre yanhela un mundo distinto.En este sentido, se ve como al iniciar los poemas, un hálito de ambigüedadinvade los espacios, predeterminado el sonido como sentido capaz degenerar efectos sorprendentes que hacen evidentes las polaridades de lacondición humana: “del sonido salen números, rayos humedecidos,relámpagos sucios”; pues este sentido tiene la particularidad de crecer, espor medio de este como el alma rueda, se desvanece; pero a la vez essinónimo de devastación “silencioso galopando den caballos” (“Un díasobresale”); “las tumbas llenas de huesos sin sonido/ la muerte como unsonido puro “(“solo la muerte”).Entonces, para simbolizar la muerte se acude al contraste de los sentidos:“una muerte golpea, grita sin boca pero sus pasos suenan”; esta en elsinsabor de la noche y en el canto de color de violetas húmedas. Aquí,color, sonido y humedad se funden en una imagen que sintetiza sabiamentela idea de muerte, que luego es personificada con matices recurrentes: lamirada de la muerte es verde, la muerte va vestida de escoba y lame elsuelo buscando difuntos (Cortázar, 2013).

O poeta dos arroubos juvenis é substituído pelo poeta que está cansado

de ser homem. A experiência oriental não o leva a um mergulho misticista

orientalista, ao contrário, o leva a compreender sua mortalidade e a angústia do ser

para a morte heideggeriano. E nos seus poemas há vários tipos de morte, não só a

física, mas a pequena morte que levamos a cada dia, quando vivemos de forma

caótica sem absolutamente nenhum sentido, o que nos deixa cansados de ser

homem. Esta mescla de pictórico, onírico, morte, sensualidade, panteísmo, catarse

no sexo e no amor, caracteriza uma poesia extremamente variada na temática. A

forma é descompromissada com os cânones da poética tradicional, versos sem

métrica marcada e sem rima silábica, muitas vezes próximos da prosa poética.

Neruda se reconstrói como poeta vanguardista, experimentalista e renovador. Um

viajante do tempo, que vai anotando tudo a seu redor e recompondo a experiência

em poesia, para tentar integralizar seu sentido:

En “Walking Around” el cansancio de ser hombre, estar marchito, se hacepalpable en una cotidianidad que explota pues el olor de las peluqueríashace llorar a gritos, así como la ropa: calzoncillos, toallas y camisas quelloran lentas lagrimas sucias. Todo este sentimiento, producto del letargo devivir anclado en la tierra, hace en esta en una escapatoria, entendiendo quela vida está invadida por la suciedad de las ocupaciones, frías y monótonas,en las que predominada materiales que carecen de vitalidad (papeles,secantes, tintas).Por eso se habla en “Despidiente” de un agrio cielo de metal mojado, de laboca violeta de los timbres, el incierto olor de ministerios y tumbas yestampillas, palabras que remiten a la muerte, la cual invade todos losespacios y adopta dimensiones surrealistas, en las cuales los sentimientosson los encargados de generar sensaciones que hacen percatar de unaatmósfera legumbre propia de este estado. Por ejemplo, en la calla

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destruida se hace palpable un sabor mortal: “lenguaje de polvo podrida seadelanta”. En “Barcarola”: “suena el corazón como un caracol agrio”.Pero el placer también es un estado recurrente en Residencia de la Tierra,porque el hombre, habido de experiencias busca alternativas que lo hagansentir vivo en medio de la muerte. Es así como en “Estatuto del vino” sehace evidente como este licor genera una serie de efectos capaces dearticular sentidos: “Me gusta el canto tono de los hombres del vino/ y el olorde zapatos y de uvas y de vómitos verdes” y llevar a un estado de evasión einfinitud que se ansia, solo perdiéndose en la oscuridad (túneles) se puedellegar azul de la tierra…(Cortázar, 2013)

O poemário das Residências é de uma tremenda profundidade filosófica.

Nos faz lembrar o ser em potência de Aristóteles. Entre Platão e Aristóteles, há uma

diferença na busca do sentido do homem no mundo. Enquanto Platão opta pelo

Sophos, pelo filósofo que contempla a existência sem se abalar com a aparência,

Aristóteles coloca o acento na ação, no ser em potência. Dialético, escolhe o

Phronemus, e a deliberação, que não é um simples escolher, mas um optar

ativamente por um caminho, tirando a filosofia e a ética da paralisia contemplativa,

colocar como missão do ente ser ativamente no mundo. Neruda é um poeta da

ação, diante da tirania do tempo e da angústia da morte, sua poesia opta por agir.

Seja através do amor erótico e sexual consumado, seja pelas opções das pequenas

ações cotidianas e da busca do encontro. Não é o poeta militante engajado, mas

não é o poeta da inação frente a corrosão do tempo. E o poeta da vivência, do

diário, que busca na junção das pequenas ações dar sentido à vida. É o poeta que

opta pela travessia, assim como Ulisses, e traça o sentido da vida no caminho que

percorre, como no ditado, caminhante, o caminho se faz ao caminhar, o itinerário

autobiográfico composto em seus poemas é o que dá sentido a sua existência:

Residir en la tierra es aletargante y hostil, sin embargo, subyacentonalidades, a veces fiugaces, que hacen soportable el suplicio y se cuelanpor los resquicios de una vida al borde del abismo. Vida que Neruda plasmaen una poesía, en la cual el desequilibrio, las ambigüedades de lasimágenes insólitas y el juego de oposiciones ponen de manifiesto al hombreen su desnudez.Finalmente, vale la penas, abordar la visión política de Neruda en su poéticapues, a pesar de escribir bajo diferentes estilos y tonalidades, fue intimista,romántico y vanguardista; ante todo, se comprometió con las circunstanciassociales y políticas, no solo de su país, sino también de la Latinoamérica,tanto así que varios de sus obras como Canto general (1950) y Las uvas yel viento (1954) llegaron a constituirse en verdaderos símbolos de laidentidad de nuestros pueblos, en los que prima la lucha contra la injusticiasocial y el anhelo de progreso e igualdad.Por ejemplo en esta última afirma que habrá un día en el cual todos nosreuniremos en la altura, porque bajo la tierra nada nos espera y solo sobreesta (cima) llegara la unidad. Sin lugar a dudas, una metáfora bastanterecurrente de la victoria, en la cual los pueblos oprimidos llegan a ser libres(Cortázar, 2013).

Este ainda não é o capítulo da análise do Neruda marxista do pós-guerra.

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Assim, não nos deteremos muito em explicar este caminho, mas temos de

prenunciá-lo para seguirmos no nosso caminho. Pablo Neruda multifacetado já deita

os alicerces do poeta engajado que será após a Guerra Civil. Ao destroçar o idílio e

os arroubos românticos juvenis, ao chegar ao niilismo e ao desespero diante da

morte, ele necessita reconstruir o sentido da sua busca. Limpando os destroços e

abrindo caminho, Neruda, sem abrir mão de todas as influências recebidas, como

raízes da imensa árvore, busca unidade em sua poesia através das ideias

socialistas de povo, proletariado, revolução, unidade, partido, emancipação,

socialismo, comunismo. Não que sua poesia fique adstrita a este temário, ou presa

da tosca classificação de “realismo socialista” dos manuais soviéticos. Mas,

efetivamente, ele será um homem de partido e do Partido Comunista. Escolherá um

lado e lutará ativamente por ele, e isto marcará a sua poesia. Ao lado de todas as

temáticas novas, ele construirá a temática do engajamento e do poeta militante:

Sin lugar a dudas, los estragos de la guerra y la opresión surten efecto en elpoeta quien-sensible ante el mundo- se hermana y compadece de aquellosque sufren. Este es el caso de Miguel Hernández, aquel poeta queincorporándose al regimiento republicano al comenzar la guerra- y quemuere precisamente en prisión-, produce una poesía que se nutre de losocial y de la experiencia colectiva. De el habla Neruda en su poema “Elpastos perdido”, en el que lo hace ver como un poeta de pueblo, cuya vozsus verdugos ahora tienen que por porque hicieron derramar sangre, lasangre de los pueblos de España que no olvidan y claman por liberta,porque precisamente con su muerte se “apaga las lámparas de España”Otros poemas referidos son el turco Nazim Hikmet, afiliado al partidocomunista, quien al igual que Hernández, sufrió exilio y prisión. De él seafirma que sus versos son tejidos con sangre por enfrentarse desde laclandestinidad a la opresión, y que juntos compartieron la lucha por elpueblo; y el francés Paul Eluard, amigo que amo entrañablemente, el cualse sentía fuertemente ligado al pueblo de Francia, a sus razones y a susluchas. Fue miembro del partido comunista y uno de los poetas másimportantes de la Resistencia. A el Neruda le dedica unos versos en loscuales, al igual que Hernadez y Hikmen, exalta su condición de poetacomprometido y revindica el poder de unos versos capaces de, incluso,hacer florecer la paz.Es así como se nos plantea una estrecha relación entre poesía y política porser la primera, la portadora de la voz del pueblo, la que habla de aquello queno se quiere revelar muestra en toda su desnudez la situación del hombrede cada aun mundo adverso y paradójico del que solo recibe golpes; conello constituye un entramado simbólico ligado a la liberación, a la revolucióny al compromiso que permite ir de las esferas de lo mediático a la dimensiónde lo perenne: “eres eterno, eres España, eres tu pueblo, ya no puedenmatarte. Ya has levantado tu pecho de granero, tu cabeza llena de rayosrojos, ya no te detuvieron” (“El pastor perdido”), “Por eso cuando ríe […] esmás blanca su risa, en el ríe la luna, la estrella, el vino, la tierra que nomuere, todo el arroz saluda con su risa, todo su pueblo canta por su boca”(“Aquí viene Nazim Hikmet”) (Cortázar, 2013).

Assim, é na sua estada na Espanha e na sua convivência, tanto com a

Geração de 1927 e com Federico García Lorca, quando com os horrores da Guerra

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Civil, que temos de buscar os possíveis temáticos que explicam a transformação da

poesia de Neruda em poesia militante e engajada. Uma simbiose cujos alicerces são

todavia cavados ainda na passagem de Neruda pelo Oriente. Pablo Neruda nunca

foi um ocidental extasiado num mergulho místico pelo budismo ou pelas outras

religiões orientais. Ele via, no misticismo do Oriente, um reflexo da pobreza material

extrema, no estoicismo dos povos explorados. Em lugar de uma exortação, o poeta

reagiu com a angústia, com a dor de quem sente em si a dor dos outros, lembrando

o aforismo de Che Guevara: “o verdadeiro revolucionário é aquele que sente no seu

próprio rosto o soco dado no semblante do próximo”. Esta vivência transmuta e

prepara Neruda para a fase seguinte: revolucionária e engajada. Para entender esta

fase posterior vamos analisar a poesia de Federico García Lorca, o principal poeta

da Geração de 1927, buscar os influxos comuns entre ele e Neruda. Vamos também

analisar a influência de Lorca na Geração de 1927, e em Pablo Neruda da Guerra

Civil Espanhola. Assim podermos responder as indagações a que se propõe esta

dissertação.

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3. A GERAÇÃO DE 1927 E FEDERICO GARCÍA LORCA

Afinal, o que foi a Geração de 1927 na Espanha, qual seu significado?

Optamos por definir a Geração de 1927 como um conjunto de escritores, pintores e

até cineastas (Buñuel, por exemplo) que nasceram em anos próximos, tiveram

formação intelectual com influências semelhantes e tiveram por base guias

canônicos comuns. Lorca é desta geração o escritor mais influente. Ao mesmo

tempo que Lorca é o mais espanhol por sua temática e seu destino, é o mais local, o

que mais absorve a temática regional, de sua terra natal: Andaluzia, incluindo o

idioma dos ciganos em seu Cante Jondo. Andaluzia é um dos locais de maior

influência árabe na Espanha, assim, na poética de Lorca, também há, de forma

indireta, reflexos do arabismo andaluz, da cultura árabe que durante séculos

dominou a Península Ibérica, e que refletirá na poesia de Lorca não só no léxico,

mas no ritmo e na temática.

O significado da Geração de 1927 na Espanha transcende a questão

meramente estética, é uma geração de intelectuais que busca entender o lugar da

nação, após a perda da hegemonia da antiga metrópole e império colonial. É

chamada de Geração de 1927, por terem nascido em anos próximos, terem

recebido formação intelectual com influência semelhante, e terem por base literária

ícones comuns: o espanhol Gôngora e o latino-americano Rubén Darío. Como eram

todos jovens, renovaram a linguagem literária, com o uso do coloquial e do popular,

ao mesmo tempo que iam buscar palavras perdidas ou não descobertas da

Espanha. Criaram cânones libertários e renovadores não só na poesia, mas também

no teatro, com o próprio Lorca; no cinema, com Luiz Buñuel; e nas artes plásticas

com Salvador Dalí. A geração constituiu-se como tal após o manifesto da

comemoração do nascimento de Luis de Góngora y Argote, que foi considerado o

poeta por excelência, pela limpidez de seu verso, focado no equilíbrio sem os

exageros românticos. Esta geração criou relações pessoais e políticas, tinham

consciência de serem um grupo, criando e escrevendo em revistas literárias comuns

— Caballo Verde, Revista Sevillana Grécia, etc — e em atitudes estéticas e políticas

coletivas, assim, a temática popular e espanholista era comum a obra de quase

todos.

Temáticas da Geração de 1927: esta geração, ao mesmo tempo que fazia

a apologia do equilíbrio e da simplicidade, acabou enovelada em contradições do

65

seu próprio tempo, em que a dialética marxista causava grande impacto na estética

literária (ainda que o grupo não tivesse nenhum escritor que seguisse uma estética

de influência marxista), é que a confrontação de classes sociais e as revoltas

populares, que inspiraram inclusive a República, acabavam por se impor no tom de

crítica social de muitas obras, e no inconformismo dos costumes, tanto na atitude

antiburguesa pessoal e de vida, quanto no experimentalismo estético. Assim, eram

temas da Geração de 1927, sempre em contradição:

1) o equilíbrio na forma e a contradição no conteúdo; de um lado o

equilíbrio buscado na poesia de Góngora, um verso límpido, fluido, sem os exageros

românticos; de outro lado as contradições que assolam a própria Espanha, em suas

lutas para sair da influência feudal e se modernizar, com a pressão da classe

trabalhadora, que elegeu um governo socialista;

2) o intelectual e o sentimental; De um lado a busca de um equilíbrio e da

eliminação das influências românticas, vistas como decadentes e burguesas; de

outro lado, o retorno do lírico, na transcrição dos cantos populares.

3) Pureza de sentimentos e revolução temática, chegando ao surrealismo

(inclusive política); De um lado a busca de sentimentos estáveis e sem arroubos, de

outro os sentimentos revolucionários, inclusive os trágicos (presença recorrente da

morte). Se no início a Geração de 1927 busca o equilíbrio na poesia, com o

crescimento da influência surrealista (com seu subjetivismo, onírico, louvor do id),

todos os temas, inclusive os escatológicos e mórbidos, entrarão na poesia da

Geração de 1927;

4) Cânon culto e influência estética e linguística popular; Uma das

maiores contradições da Geração de 1927, que se inaugura como corrente fazendo

a apologia do Góngora e do cultismo; logo em seguida, até pelos compromissos

políticos, esta geração vai se contaminar dos temas e da estética popular, o que era

completamente estranho ao cânon culto original, o manifesto “Para uma poesia

impura”, que é de Pablo Neruda, e que, em geral, os estudos sobre a Geração de

1927 não o ligam a esta geração, pelo fato de Neruda ser chileno, é uma boa

síntese do pensamento desta geração. Lorca vai coletar as variantes ditas incultas

da fala popular e até do dialeto cigano;

5) Universalismo e internacionalismo versus o espanholismo (ultraísmo),

ou seja a busca de uma glória e de uma identidade perdida que na verdade ninguém

sabia onde buscar, apologia de Mancha e Andaluzia, como mitos originais de

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fundação da Espanha ideal, apologia do local e do particular universalizados. Devido

à debilidade da classe dominante, da burguesia espanhola, a nova identidade era

buscada na vida e na linguagem das classes populares e marginalizadas;

6) Tradição e respeito aos clássicos e renovação e experimentalismo nos

modelos literários; A Geração de 1927 vai chegar ao experimentalismo extremo com

a mescla entre a pintura de Dalí, o cinema de Buñuel e a pintura de Lorca, o

pictorismo e o surrealismo expressos na poesia, o surrealismo será o avant-garde

dos experimentalismos desta geração.

Vê-se que o movimento se processa em contradição hegeliana, na

negação da negação, sempre em tensão dialética entre o passado e o futuro, a

ruptura e a tradição, a busca de um novo caminho e o reconhecimento do ser

espanhol. Isto, em lugar de levar a uma estagnação, levou a uma grande riqueza de

formas, já que todos os cânones não eram fixos, havia um experimentalismo em

busca do que seria esta nova identidade. Na verdade, o movimento refletia o

momento da própria Espanha, um signo de uma contradição de um sentimento

nostálgico de um passado perdido, e as rupturas revolucionárias que acabarão por

gestar a República. O tragicismo dos poemas de Lorca, acabariam profeticamente

por prenunciar o genocídio ao qual sucumbirá a jovem República e a própria

tragédia pessoal do jovem escritor.

A Geração de 1927 receberá a influência passadista de Góngora e do

cultismo, ou seja, de limpeza e elegância nos versos, de jogos de palavras sem

arrebatamentos românticos; contraditoriamente, receberá também a influência de

Gustavo Adolfo Bécquer, e sua poesia pós romântica, que ainda que tenha lirismo,

tem comedimento em seu sentimentalismo e influência da poesia francesa pós

romântica; por último, Rubén Darío e as inovações vanguardistas, o poeta latino-

americano que mais influenciou Espanha, mas que dialogava com toda a vanguarda

europeia.

A Geração de 1927 também sofreu a influência de Antônio Machado e da

assim chamada Geração de 1898, geração esta que também vivia a contradição

entre o ultraísmo e a busca de um novo cânone espanhol. Os poetas da Geração de

1898 vivem as mesmas questões históricas da Espanha no início do século XX, e

enfrentam problemas estéticos de renovação e de temática semelhantes. Além de

Antônio Machado, influenciarão a Geração de 1927 Ortega e Gasset, Ramón Gomes

de la Sierra, Juan Ramón Jimenez. Assim, a elegância e a limpeza nos versos,

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musicais e sem exageros ou desesperos românticos é síntese de todas estas

influências.

A Geração de 1927, a partir destas influências vai cada vez mais fazendo

uma poesia mesclada, “impura”, para além dos cânones que a inspiraram, se

distanciando das vanguardas e dos experimentalismos e se aproximando do

engajamento e do compromisso Político (Lorca, Miguel Hernández). Também surge

o surrealismo, aproximando a poesia da pintura, mas também do subconsciente, do

onírico, do pictórico. Há o casamento da geração literária com o cinema e a pintura

através das relações estéticas e da amizade (as vezes agressiva e contraditória)

entre Lorca, Dalí e Buñuel, que moraram juntos na residência dos estudantes em

Madrid, em 1920. Há rumores e evidências inclusive de um caso de amor entre

Lorca e Dalí, a homossexualidade de Lorca tão discutida, teria expressão trágica na

sua poesia (Ode a Walt Whitman). O surrealismo será o experimento mais

vanguardista da Geração de 1927, incorporando à estética espanhola o onírico, o

subconsciente, o sonho, a agonia, o diálogo com Thanatos e Eros.

O grupo se reuniu como Geração no natalício dos 300 anos de

falecimento de Luis de Gôngora, a partir daí começou a influenciar toda a literatura e

a arte espanhola. Em Málaga, resultado deste encontro e manifesto, a revista Litoral,

dirigida por Emílio Prados e Manuel de Altolaguirre, publicou um número especial

em homenagem a poesia deste grupo de poetas. Por conta desta revista, Ignácio

Sánchez Mejía, famoso toureiro espanhol, os convida a ir a Sevilha ler seus poemas

numa tertúlia literária aberta ao público. Compareceram neste evento: Federico

García Lorca, Rafael Albertí, Jorge Guillén, Dámaso Alonso e Gerardo Diego. A

partir daí o grupo se torna conhecido e influente em toda Espanha e lança várias

revistas, seus livros obtém relativo sucesso e a Geração de 1927 passa a ditar o

novo cânone literário, através das revistas literárias e de suas obras, passam a ser a

estética a ser seguida a partir daí.

Importante ressaltar que esta geração não se fixou somente na poesia, foi

uma geração que trabalhou em todas as áreas das artes. Além do trabalho de

poesia, houve ensaístas como Dámaso Alonso (também prolífico poeta), Pedro

Salinas, dramaturgos como García Lorca y Alejandro Casona; Buñuel, que era

cineasta e artistas plásticos, influenciados por estes poetas com os quais

conviveram na residência de Madrid: Almada Negreiros, Manuel Ángeles Ortiz, John

Armstrong, Maurice Asselin, Rafael Barradas, Juan Bonafé, Francisco Bores, Norah

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Borges, Pancho Cossío, Salvador Dalí, Robert y Sonia Delaunay, Francesc

Domingo, Apelles Fenosa, Pedro Flores, Luis Garay, Federico García Lorca, Gabriel

García Maroto, Ramón Gaya, Ismael González de la Serna, Juan Gris (muere en

1927), Marcel Gromaire, José Gutiérrez Solana, Wladislaw Jahl, Cristóbal Hall,

Manolo Hugué, Maruja Mallo, Joan Miró, José Moreno Villa, Jesús Olasagasti,

Santiago Ontañón, Benjamín Palencia, Joaquín Peinado, Santiago Pelegrín, Pablo

Picasso, Gregorio Prieto, Pere Pruna, Olga Sacharoff, Alberto Sánchez, Ángeles

Santos, Pablo Sebastián, Josep de Togores, José María Ucelay, Adriano del Valle,

Daniel Vázquez Díaz, Esteban Vicente y Hernando Viñes.

Os artistas plásticos que foram influenciados ou tiveram relação com esta

geração se moveram entre o cubismo, o neoclassicismo, a figuração líricas, os

realismos de novo tipo e o surrealismo, estes “ismos”, nas palavras de Eugenio

Carmona, são como «um repertorio de que podem extrair soluções específicas para

problemas concretos». Com nomes relacionais a Geração de 1927 como os de Dalí,

Miró e Picasso, mostram a extensão e a influência desta geração.

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4. A GERAÇÃO DE 1927 E A GUERRA CIVIL ESPANHOLA

A geração foi extremamente marcada pela Guerra Civil Espanhola, que

estala em 1936, através de um golpe de cunho fascista, conservador-monarquista e

de direita, contra a República democraticamente eleita. De um lado, os

Republicanos, socialistas, anarquistas e comunistas, que haviam sido eleitos

democraticamente, lutam para manter o Governo legítimo. Do outro lado,

monarquistas, falangistas (um movimento de cunho fascista) e golpistas

conservadores de todos os matizes se organizam para dar um golpe militar. Os dois

lados se enfrentam numa guerra civil de 3 anos, que dividirá a Espanha em duas, e

será a antessala da Segunda Grande Guerra Mundial. Hitler pode treinar livremente

sua tática de Blitzkrieg (Guerra Relâmpago), bombardeando cidades indefesas:

Guernica, obra-prima de Picasso, é retrato trágico e genial deste período, a tragédia

traduzida na pintura (o que também é revolucionário em estética e como temática: o

horror e a dor expressos como estética plástica, a arte como arma de luta social).

Pela primeira vez na história há o uso de bombardeios aéreos e a Luftwaffe alemã

pode impunemente atacar posições não só militares, mas também civis dos

republicanos. Soldados fascistas italianos e nazistas alemães entram regularmente

na Espanha e lutam ao lado de Franco. Do outro lado os republicanos recebem o

apoio das brigadas internacionalistas, voluntários socialistas e comunistas do mundo

inteiro que se entregam de corpo e alma em defesa da jovem república assassinada,

é que é uma das mais belas páginas de solidariedade da história da humanidade.

A maior parte da Geração de 1927 posicionou-se ao lado da República,

não que todos fossem militantes políticos, mas a própria estética deste período

levava a que muitos poetas deste período fossem identificados com a nova

Espanha, por exemplo, Lorca e seu teatro mambembe. Lorca é assassinado, Miguel

Hernández baleado em combate, morre na prisão; Antônio Machado (da Geração de

98) morre a caminho do exílio, num campo de concentração francês. Salinas,

Cernuda e Emílio Prados, exilados, morrerão fora da sua terra natal; Rafael Albertí

volta no fim de sua vida. Apenas Aleixandre, Dámaso Alonso e Gerardo Diego

permanecerão na Espanha.

Federico García Lorca foi a vítima mais famosa da Ditadura Fascista que

seria instalada por Franco. Lorca fora identificado com a República, por conta de

seus inúmeros amigos socialistas e de seu grupo teatral popular, “La Barraca”, que

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interpretava peças para o povo de forma mambembe, durante a República. Ainda

que não fosse um militante político, havia em seus livros um claro compromisso

estético com ideais de emancipação. Quando estalou a Guerra Civil, fugiu de Madrid

por achar que ficaria mais seguro em sua terra natal, Andaluzia. Ledo engano, à sua

finca foram dois estranhos que o vigiavam, por conta desta incursão, ele fugiu da

sua finca e se escondeu na casa de um amigo falangista. Depois de dois dias

escondido, foi delatado e capturado por um grupo de milícia fascista, levado a um

terreno baldio (acredita-se atrás do cemitério da cidade), foi sentenciado a morte

sem julgamento, por ser “rojo y maricas” e executado, com um grupo de militantes

socialistas. Foi a morte mais famosa da crueldade fascista dos golpistas franquistas.

Até hoje não foi encontrado o corpo do mais famoso e mais talentoso dos poetas da

Geração de 1927.

O crime foi narrado poeticamente de forma dolorosa e magistral por

Antonio Machado e Pablo Neruda:

El crimen fue en Granada — Antonio Machado (Machado, Antonio, 1936)A Federico García Lorca

IEL CRIMENSe le vio, caminando entre fusilespor una calle larga,salir al campo frío,aún con estrellas, de la madrugada.Mataron a Federicocuando la luz asomaba.El pelotón de verdugosno osó mirarle a la cara.Todos cerraron los ojos;rezaron: ¡ni Dios te salva!Muerto cayó Federico—sangre en la frente y plomo en las entrañas—.… Que fue en Granada el crimensabed —¡pobre Granada!—, ¡en su Granada!…

IIEL POETA Y LA MUERTESe le vio caminar solo con Ella,sin miedo a su guadaña.—Ya el sol en torre y torre; los martillosen yunque, yunque y yunque de las fraguas—.Hablaba Federico,requebrando a la Muerte. Ella escuchaba.«Porque ayer en mi verso, compañera,sonaba el eco de tus secas palmas,y diste el hielo a mi cantar, y el filoa mi tragedia de tu hoz de plata,te cantaré la carne que no tienes,los ojos que te faltan,tus cabellos que el viento sacudía,

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los rojos labios donde te besaban…Hoy como ayer, gitana, muerte mía,qué bien contigo a solas,por estos aires de Granada, ¡mi Granada!»

IIISe les vio caminar… Labrad, amigos,de piedra y sueño, en el Alhambra,un túmulo al poeta,sobre una fuente donde llore el agua,y eternamente diga:el crimen fue en Granada, ¡en su Granada! (MACHADO, 1936).

Antonio Machado, no poema que nos apresenta, descreve em três partes,

El crimen, El poeta y la muerte, e a terceira parte sem título, as últimas horas e a

morte de Federico García Lorca. Na primeira parte, ele descreve os momentos

prévios e o momento da morte do poeta, fora do povoado, num lugar sem luz. A

maneira fria, calculada, sem testemunhas para que o crime contra a humanidade e

arte ficasse com sua vergonha para sempre oculta. O poema mostra a crueldade e a

frieza da execução: com um tiro na cabeça, se apagou a luz mais brilhante de toda

uma geração de escritores. Machado faz com que na segunda parte os sinos

toquem, como anunciando e denunciando a morte de Lorca. Por último, na terceira

parte, a denúncia é um pedido que não se esqueçam nem de sua morte, do crime,

nem da sua poesia, que foi a forma de Lorca, um obsessivo pela morte, a ludibriar e

se eternizar.

Neruda, por sua vez, narrou assim, tragicamente a perda de seu irmão de

letras, em sua Terceira Residência, livro de combate, dedicado quase na

integralidade à jovem república assassinada, e que citaremos, de forma integral

neste trabalho, por ser de extrema necessidade sua leitura, para entendermos os

sentimentos que a morte de Federico García Lorca causou em Pablo Neruda:

Oda a Federico García Lorca — Pablo Neruda

SI pudiera llorar de miedo en una casa sola,si pudiera sacarme los ojos y comérmelos,lo haría por tu voz de naranjo enlutadoy por tu poesía que sale dando gritos.

Porque por ti pintan de azul los hospitalesy crecen las escuelas y los barrios marítimos,y se pueblan de plumas los ángeles heridos,y se cubren de escamas los pescados nupciales,y van volando al cielo los erizos:por ti las sastrerías con sus negras membranasse llenan de cucharas y de sangrey tragan cintas rotas, y se matan a besos,y se visten de blanco.

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Cuando vuelas vestido de durazno,cuando ríes con risa de arroz huracanado,cuando para cantar sacudes las arterias y los dientes,la garganta y los dedos,me moriría por lo dulce que eres,me moriría por los lagos rojosen donde en medio del otoño vivescon un corcel caído y un dios ensangrentado,me moriría por los cementeriosque como cenicientos ríos pasancon agua y tumbas,de noche, entre campanas ahogadas:ríos espesos como dormitoriosde soldados enfermos, que de súbito crecenhacia la muerte en ríos con números de mármoly coronas podridas, y aceites funerales:me moriría por verte de nochemirar pasar las cruces anegadas,de pie llorando,porque ante el río de la muerte llorasabandonadamente, heridamente,lloras llorando, con los ojos llenosde lágrimas, de lágrimas, de lágrimas.

Si pudiera de noche, perdidamente solo,acumular olvido y sombra y humosobre ferrocarriles y vapores,con un embudo negro,mordiendo las cenizas,lo haría por el árbol en que creces,por los nidos de aguas doradas que reúnes,y por la enredadera que te cubre los huesoscomunicándote el secreto de la noche.

Ciudades con olor a cebolla mojadaesperan que tú pases cantando roncamente,y silenciosos barcos de esperma te persiguen,y golondrinas verdes hacen nido en tu pelo,y además caracoles y semanas,mástiles enrollados y cerezasdefinitivamente circulan cuando asomantu pálida cabeza de quince ojosy tu boca de sangre sumergida.

Si pudiera llenar de hollín las alcaldíasy, sollozando, derribar relojes,sería para ver cuándo a tu casallega el verano con los labios rotos,llegan muchas personas de traje agonizante,llegan regiones de triste esplendor,llegan arados muertos y amapolas,llegan enterradores y jinetes,llegan planetas y mapas con sangre,llegan buzos cubiertos de ceniza,llegan enmascarados arrastrando doncellasatravesadas por grandes cuchillos,llegan raíces, venas, hospitales,manantiales, hormigas,llega la noche con la cama en donde

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muere entre las arañas un húsar solitario,llega una rosa de odio y alfileres,llega una embarcación amarillenta,llega un día de viento con un niño,llego yo con Oliverio, NorahVicente Aleixandre, Delia,Maruca, Malva Marina, María Luisa y Larco,la Rubia, Rafael Ugarte,Cotapos, Rafael Alberti,Carlos, Bebé, Manolo Altolaguirre,Molinari,Rosales, Concha Méndez,y otros que se me olvidan.Ven a que te corone, joven de la saludy de la mariposa, joven purocomo un negro relámpago perpetuamente libre,y conversando entre nosotros,ahora, cuando no queda nadie entre las rocas,hablemos sencillamente como eres tú y soy yo:para qué sirven los versos si no es para el rocío?

Para qué sirven los versos si no es para esa nocheen que un puñal amargo nos averigua, para ese día,para ese crepúsculo, para ese rincón rotodonde el golpeado corazón del hombre se dispone a morir?

Sobre todo de noche,de noche hay muchas estrellas,todas dentro de un ríocomo una cinta junto a las ventanasde las casas llenas de pobres gentes.

Alguien se les ha muerto, tal vezhan perdido sus colocaciones en las oficinas,en los hospitales, en los ascensores,en las minas,sufren los seres tercamente heridosy hay propósito y llanto en todas partes:mientras las estrellas corren dentro de un río interminablehay mucho llanto en las ventanas,los umbrales están gastados por el llanto,las alcobas están mojadas por el llantoque llega en forma de ola a morder las alfombras.

Federico,tú ves el mundo, las calles,el vinagre,las despedidas en las estacionescuando el humo levanta sus ruedas decisivashacia donde no hay nada sino algunasseparaciones, piedras, vías férreas.

Hay tantas gentes haciendo preguntaspor todas partes.Hay el ciego sangriento, y el iracundo, y eldesanimado,y el miserable, el árbol de las uñas,el bandolero con la envidia a cuestas.

Así es la vida, Federico, aquí tienes

74

las cosas que te puede ofrecer mi amistadde melancólico varón varonil.Ya sabes por ti mismo muchas cosas.Y otras irás sabiendo lentamente (NERUDA, 2004, pp. 94).2

Neste poema Neruda usa do panteísmo, da animação da natureza que

chora a morte do amigo, mas que também o fará voltar numa improvável

ressurreição vestido de durazno (pêssego), os elementos ligados à terra de Lorca,

que era um poeta telúrico das ressecas terras de Andaluzia, Nos elementos da

poesia de Neruda e de Lorca, o poeta chileno tira a força para chorar a morte de seu

irmão Federico. O mar é noturno, negro sombrio, mas também para dizer que nos

elementos da poesia de Federico viceja sua imortalidade. As estrelas correm em um

rio interminável é há muito pranto nas janelas, é como se toda Espanha e todo o

mundo literário sofresse a grande perda. O cego iracundo, o bandoleiro, são

símbolos do fascismo, que cegamente retirou a vida do mais importante membro da

Geração de 1927.

Neruda convoca todos os amigos poetas para o pranto, mas tem também

a ternura lírica, Lorca morto, jovem, mantivera sua pureza, frescor e eterna infância,

é um relâmpago negro perpetuamente livre. Para alguém que não é religioso,

Neruda prenuncia a imortalidade a Lorca, se literária ou literal, no poema: cabe a

polissemia do leitor decidir-se por qual imortalidade. Mas é uma homenagem em

forma de luto e pranto, pois, por causa de Lorca se pintam de azul os hospitais e

crescem as escolas e os bairros marítimos. O pranto e o luto de Neruda é tão

intenso, que como Édipo, ele queria arrancar os olhos e ir além, comê-los, para

espiar a dor da perda do poeta irmão. E a partir deste poema que a poesia de

Neruda fará a inflexão política e se manchará de vermelho, a cor do sangue, a cor

do movimento socialista e comunista.

Dois poemas que expressam a dor profunda que a perda do maior poeta

da Geração de 1927 causou, fatidicamente, o primeiro escrito pelo principal poeta da

Geração de 1989, Antônio Machado (que morrerá também fugindo da Guerra Civil,

num campo de concentração francês, à beira do exílio); o outro do seu irmão em

letras, Neruda. Estes poemas mostram o marco que foi para toda aquela Geração a

perda de Lorca, e também o marco para nosso trabalho, já que este acontecimento

trágico será determinante para as mudanças poéticas de Neruda.

2 Preferimos citar integralmente os dois poemas, o de Neruda e o de Antônio Machado e só após o

texto integral fazer a análise, para não haver quebra no ritmo de ambos que são fundamentais no

entendimento do desfecho deste trabalho.

75

5. A ANÁLISE DA POESIA DE LORCA

5.1 LORCA E A INFLUÊNCIA POPULAR — EL CANTE JONDO

Para se entender as influências que Neruda sofrerá de Lorca é

fundamental entender como Federico García Lorca absorverá em sua poesia a

influência da cultura popular, do Cante Jondo, e através deste, da influência árabe e

cigana na Espanha. Lorca é o mais multifacético dos poetas da Geração de 1927,

que sofre um sentimento de perda de referência, derivado do fim do Império

Espanhol. Os poetas não sabiam qual era o papel da Espanha e dos seus

intelectuais no século XX. Por conta desta decadência espanhola, há uma busca de

um retorno poético, a busca de um novo “espanholismo”. Lorca será assim,

contraditoriamente, o mais espanhol, o mais universal e o mais local de todos os

poetas espanhóis. Ele conseguirá isto, porque se recebe influência do passado

espanhol, esta será estética, na busca inicial de um gongorismo que acabará por

soar pouco em seus versos. Sua busca do passado, o remeterá ao futuro, aceitará

os ritmos, a musicalidade dos marginais apátridas na Espanha, os mouros e os

ciganos. Com isto sua poesia será a mais inovadora, ao mesmo tempo que sorverá

séculos de tradição multicultural negada na Espanha tradicional católica e imperial.

Lorca será o poeta dos marginais. Na busca de um novo espanholismo pela

Geração de 1927, ele será internacional e multicultural, sem sequer necessitar sair

da temática andaluz.

O Cante Jondo é uma marca indelével e permanente na sua poesia, tanto

na forma, no ritmo interno e na musicalidade, quanto na temática “Bodas de

Sangre”, “Romance de la Luna”. Lorca não só foi influenciado pelo Cante Jondo, foi

um estudioso do ritmo e da poesia cigana, tendo escrito trabalhos teóricos e feito

conferências sobre o tema. Numa Espanha convulsionada, isto por si só era uma

opção de classe, os ciganos, povo nômade por excelência e marginalizado, tanto na

idade média, quanto no nascente capitalismo espanhol, o lumpesinato perseguido e

apátrida.

A Espanha vivia uma transição difícil, antigo império colonial, seu poderio

e sua riqueza também foram sua desgraça. O ouro espanhol financiou a revolução

industrial na Inglaterra. O fácil acesso da Espanha ao ouro e a prata das Américas,

sem investimento nas manufaturas e na futura industrialização, acabou por tornar a

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indústria espanhola incipiente e a Espanha completamente dependente dos países

industrializados dominantes, principalmente depois da derrota da “armada

invencível”. Mesmo numa situação de dependência, indústria desestruturada,

estrutura feudal no campo e na sociedade. Os ciganos eram duplamente

marginalizados e estigmatizados: na sociedade feudal, perseguidos pela religião

oficial por paganismo; no capitalismo, incompatíveis por seu nomadismo com a

revolução burguesa.

Neste capítulo, vamos trabalhar com a transcrição de uma conferência

proferida por Lorca em um jornal chamado, El Noticiero Granadino, em dias

posteriores a uma conferência proferida em Sevilha, em 1922. Segundo Lorca, o

Cante Jondo é um conjunto de canções cujo tipo genuíno e perfeito é a “siguiriya

gitana”, vejamos a definição de Lorca:

Se da el nombre de cante jondo a un grupo de canciones andaluzas, cuyotipo genuino y perfecto es la siriguiya gitana, de las que derivan otrascanciones aún conservadas por el pueblo, como los polos, martinetes,carceleras y soleares. La coplas llamadas malagueña, granadinas,rondeñas, peteneras, etc., no pueden considerarse más que comoconsecuencia de las antes citadas, y tanto por su arquitectura como por suritmo, difieren de las otras. Estas son llamadas flamencas.El gran maestro Manuel de Falla, auténtica gloria de España y alma de esteconcurso, cree que la caña y la playera, hoy desaparecidas, casi porcompleto, tienen en su primitivo estilo la misma composición que la siguiriyay sus gemelas, y cree que dichas canciones fueron, en tiempo no lejano,simples variantes de la citada canción. Textos relativamente recientes, lehacen suponer que la caña y la playera ocuparon en el primer tercio delsiglo pasado, el lugar que hoy asignamos a la siguiriya gitana. EstébanezCalderón, en sus lindísimas “Escenas andaluzas”, hace notar que la caña esel tronco primitivo de todos los cantares, que conservan su filiación árabe ymorisca (…)(LORCA, FALLA, 2005)

Assim, o Cante Jondo é, desde seus primórdios, uma mescla de culturas,

Andaluzia foi um dos principais polos de dominação e da cultura árabe, assim, o

ritmo, a musicalidade e a poesia, herdada pelos ciganos, se deu com uma mescla

em relação a cultura mourisca que lá havia antes. Lorca mostra que a caña é o

tronco primitivo destes cantares, e tem origem árabe, ele observa com agudeza que

caña se diferencia pouco de gamis, que segundo Lorca daria o similar árabe para

canto. Lorca, todavia, diz que o Cante Jondo é uma mescla de música indiana,

segundo ele, os grupos originais de ciganos que habitavam em Andaluzia teriam

vindo da Índia e de lá trazido sua música, na Espanha se mesclou, o cante jondo,

aos ritmos árabes, enquanto o Flamenco, seu parente próximo, recebeu uma mescla

maior da cultura europeia.

É importante ressaltar que la Sirigaya, não é só uma transplantação

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cultural, mas esta mistura de ritmos, harmonias e estéticas musicais e poéticas, com

influência dos vários povos que habitavam a Andaluzia, tanto que o Cante Jondo

não se desenvolve em outras regiões da Espanha. Para García Lorca, o Cante

Jondo tem influência até da igreja católica, em seu canto litúrgico, gregoriano

lamentoso, na invasão da península pelos árabes islâmicos, houve tolerância

religiosa e os cristãos puderam conservar sua crença, cultos, culturas, festas e

tradições. Assim, na invasão islâmica, ao canto católico, juntou-se a música dos

árabes sarracenos, criando uma nova forma de cultura popular. Por fim, a chegada

dos ciganos à Espanha foi o último elemento que faltava para a estrutura final que

se conhecia então como Cante Jondo. Ratificamos, que a prova de que ele não é

um canto genuinamente, ou puramente cigano, é que ele não existe em nenhum

outro lugar que não seja Andaluzia, que ele é resultado desta mescla cultural única,

dos povos que habitavam esta região. Vejamos o que ele diz:

Las diferencias esenciales del cante jondo con el flamenco, consiste en queel origen del primero hay que buscarlo en los primitivos sistemas musicalesde la India, es decir, en las primeras manifestaciones del canto, mientrasque el segundo, consecuencia del primero, puede decirse que toma suforma definitiva en el siglo XVIII.El primero, es un canto teñido por el color misterioso de las primerasedades, el segundo, es un canto relativamente moderno, cuyo interésemocional desaparece ante aquél. Color espiritual y color local, he aquí lahonda diferencia.Es decir, el Cante Jondo, acercándose a los primitivos sistemas musicalesde la India, es tan sólo un balbucio, es una emisión más alta o más baja dela voz, se una maravillosa ondulación bucal, que rompe las celdas sonorasde nuestra escala atemperada, que no cabe en el pentagrama rígido y fríode nuestra música actual, y abre en mil pétalos las flores herméticos de lossemitonos.El cante Flamenco no procede por ondulación sino por saltos; como ennuestra música tiene un ritmo seguro y nació cuando ya hacía siglos queGuido d´Arezzo había dado nombre a las notas.El Cante Flamenco se acerca al trino del pájaro, al canto del gallo y a lasmúsicas naturales del bosque y la fuente.Es, pues, un rarísimo ejemplar de canto primitivo, el más viejo de todaEuropa, que lleva en sus notas de desnuda e escalofriante emoción de lasprimeras razas orientales.El maestro Falla, que ha estudiado profundamente la cuestión y del cual yome documento, afirma que la siriguiriya gitana es la canción tipo del grupoCante Jondo y declara con rotundidad que es el único canto que en nuestrocontinente ha conservado toda su pureza, tanto por su composición, comopor su estilo, las cualidades que lleva en sí el cante primitivo de los pueblosorientales (LORCA, FALLA, 2005).

Assim, o Cante Jondo é uma mescla de cantos andaluzes, carregados de

orientalismo que tem origem na civilização bizantina. Segundo a versão de Lorca, os

ciganos chegaram à Espanha por volta de 1400, fugindo da Índia, em meio ao

conflito de Mouros com Cristãos, expulsos, segundo a versão meio mítica e lendária,

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pelos cem mil guerreiros do Grande Tamerlan.

Conceituando, em poucas linhas o que seja o Cante Jondo, é importante

entender a influência que ele vai ter na poesia lorquiana. Se vemos nas próprias

notas de Lorca, há questões conceituais estéticas importantes, como a “pureza” e o

“primitivismo” do Canto, há em todos os escritores da Geração de 1927, a busca de

um “espanholismo perdido”, com a timidez da classe burguesa espanhola, e a

decadência de sua aristocracia, a opção pelos pobres e marginalizados é uma das

formas de procurar uma nova identidade nas camadas populares. Também há

questões técnicas. O Cante Jondo dialoga com a temática lorquiana, já que o

desespero, a dor, a morte, são temas afeitos à Lorca, vejamos na poesia do Cante

Jondo:

Ay de mí, perdí el camino;en esta triste montañaay de mí, perdí el camino;déxame meté l´rebañupor Dios en la to cabaña.Entre la espesa flubina,¡ay de mí, perdí el camino!déxame pasar la nocheen la cabaña contigo.Perdí el caminoentre la niebla del monte,¡ay de mí, perdí el camino! (LORCA, FALLA, 2005).

Lorca alimenta-se de boa parte desta temática e estética. A repetição de

palavras para marcar o ritmo, dor, solidão, desespero, lamento. O Cante Jondo

dialoga com a temática da poesia de Lorca. Federico, o poeta da lua, da noite, da

solidão, do desespero, da agonia, do subconsciente, do onírico, que acabará por

levá-lo até o surrealismo. Lorca é um sorvedouro de influências e temáticas, um

calidoscópio que leva para a estética canônica acadêmica todo o influxo da cultura

popular, por exemplo:

Romance de la Luna Luna — A Conchita García Lorca

La luna vino a la fraguacon su polisón de nardos.El niño la mira, mira.El niño la está mirando.En el aire conmovidomueve la luna sus brazosy enseña lúbrica y pura,sus senos de duro estaño.Huye luna, luna, luna.Si vinieran los gitanos,harián con tu corazóncollares y anillos blancos.Niño, déjame que baile.

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Cuando vengan los gitanos,te encontrarán sobre el yunquecon los ojillos cerrados.Huye luna, luna, luna,que ya siento tus caballos.Niño, déjame, no pisesmi blancor almidonado.

El jinete se acercabatocando el tambor del llano.Dentro de la fragua el niñotiene los ojos cerrados.

Por el olívar venían,bronce y sueño, los gitanos.Las cabezas levantadasy los ojos entornados.

¡Cómo canta la zumaya,ay cómo canta el árbol!Por el cielo va la luna.con un niño en la mano.

Dentro de la fragua lloran,dando gritos los gitanos,El aire la vela, vela.El aire la está velando (LORCA, 1999, 350).

O Romance de la luna luna, um dos poemas mais famosos de Lorca tem

transplantado para a poesia acadêmica vários elementos populares do Cante Jondo.

Primeiro o uso de versos com ritmo musical sem rima. Boa parte da estrutura rítmica

de toda a poética de Lorca, se dá na repetição de palavras ou estruturas, assim

como a canção popular feita na rua, as coplas. Estruturas muito comuns na canção

popular medieval e que chegaram até o Brasil através dos cordéis e dos repentistas.

Também a temática. O mundo de Lorca é caótico, não é o mundo romântico que

busca uma redenção e tem heróis com valores decadentes cavalheirescos. Há uma

fotografia da realidade, crua, sem que seja suavizada, todo martírio, dor, mas

também a musicalidade, a festa, a sexualidade (Bodas de Sangre).

Neste poema, parece que há uma fotografia de uma cena, como se Lorca

fosse um pintor ou um cineasta e captasse o momento, incluído seu movimento. O

poeta não influencia moralmente no texto, não faz nenhum tipo de evocação, parece

que ele apenas pinta a estrutura que vê, como um pintor numa tela. Isto não

signifique que ele seja neutro, a própria escolha da temática e da estética, já é uma

posição, humanista e antiburguesa por excelência, além de inovadora popular,

renovando a estrutura temática e estética da Espanha. Luna, gitanos, morte (vela,

“ojos” cerrados), os temas de Lorca se repetem neste poema e se fixam como uma

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nova estrutura e marca poética. Vejamos outro poema extremamente famoso de

Lorca:

La luna y la muerte

La luna tiene dientes de marfil¡Qué vieja y qué triste asoma!Están los cauces secos,los campos sin verdoresy los árboles mustiossin nidos y sin hojas.Donde Muerte, arrugada,pasea por sauzalescon su absurdode ilusiones remotas.Va vendiendo coloresde cera y de tormentacomo una hada de cuentomala e enredadora

La luna le ha compradopintura de la Muerte.En esta noche turbía¡está la luna loca!

Yo mientras tanto pongoen mi pecho sombríouna feria músicacon las tiendas de sombra (LORCA, 1999, pp. 280).

Lorca expressa neste poema os temas mais variados do Oriente. A morte,

a lua (identificada com a morte, a escuridão), o sacrifício. Nota-se também o

elemento pictórico, “pintura de la muerte”, o mundo como representação, a poesia

como pintura a agonia de viver à sombra da morte, a noite, que evoca o sonho e o

subconsciente: elementos, estes últimos que fariam a passagem para a poesia

surrealista, que não é tema deste texto. Como o tema desta dissertação é a

influência do Cante Jondo, e as influências que sofrem o Cante Jondo. Vamos agora

mostrar como esta opção pela confluência popular Andaluz, importante centro de

difusão da cultura árabe na Península Ibérica, fez com que Lorca fosse o poeta

espanhol que mais vai influenciar a poesia árabe, inclusive a contemporânea.

Segundo Maritza Requena, a obra lorquiana realiza um resgate do

romano ou do latino, do outro lado do árabe, no ritmo, nas palavras e na temática.

Lorca é um retrato da diversidade cultural que conforma la identidade espanhola, o

principal poeta desta confluência da Geração de 1927, e cuja influência vai

transcender esta geração e as fronteiras espanholas. Córdoba, Granada e Andaluzia

foram as grandes cidades de dominação árabe, assim, a cultura andaluz reflete

estes séculos de dominação e influência, como inclusive já vimos, ao explicar o

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Cante Jondo. Segundo Maritza Requena, os mesmos temas do sacrifício, do amor

sem fim e vivo aparecem expressos com o mesmo fim nos poetas árabes

antecessores de Lorca na cultura árabe andaluz.

Em Lorca se fundem, o erudito (Góngora), o popular e o folclórico; O

galego e o árabe andaluz; o antigo e o tradicional e o novo e vanguardista, o

espanhol e o universal, o mais universal dos espanhóis, por ser o mais espanhol dos

universais. Em Lorca pulsa o espanholismo trágico de Cervantes em Quixote, é o

trágico da aridez da terra que foi um império, mas não fez a passagem deste império

para um país que tivesse hegemonia na modernidade, o bucólico, o trágico e o

cômico de Quixote. La tauromaquia espanhola como o próprio Lorca denominou,

como busca de uma força que estaria na terra espanhola, a resseca Mancha e a

Andaluzia, esta busca de uma identidade e uma essência perdida, que o fazem

símbolo de uma época trágica para os espanhóis. Era que culmina no seu sacrifício,

em sua tragédia pessoal, como se ele fora o sacrifício humano, o cordeiro, desta

busca incessante um novo ente espanhol.

Por conta destas contradições vivas que foi a poesia lorquiana, de suas

opções temáticas e estéticas, ele foi o poeta predileto dos jovens poetas árabes.

Além das questões estéticas, há questões políticas que explicam esta confluência

(Lorca influenciado pelo arabismo, Lorca influencia os árabes). As opções que Lorca

fez, sua identidade socialista (mesmo que não militante com o PSOE) e sua

execução por razões político-estéticas. E porque dizemos político estético, porque

Lorca não pode ser considerado um militante socialista como Miguel Hernández.

Todavia, todas as suas opções, seu laicismo rebelde, sua opção pela língua,

temática e estética popular, cigana, com extrema influência árabe, seu teatro

mambembe e popular, dedicado às massas pobres espanholas; tudo o identifica

como um escritor libertário militante. Sua influência moura por suas opções

populares podem-se ver em poemas que louvam as cidades espanholas Mouriscas:

Sevilla

Sevilla es una torrellena de arqueros finos.

Sevilla para herir.Córdoba para morir.

Una ciudad que acechalargos ritmos,y los enroscacomo laberintos.

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Como tallos de parraencendidos.

¡Sevilla para herir!

Bajo el arco del cielo,sobre su llano limpio,dispara la constantesaeta de su río.

¡Córdoba para morir!

Y loca de horizonte,mezcla en su vinolo amargo de Don Juany lo perfecto de Dioniso.

Sevilla para herir.¡Siempre Sevilla para herir! (LORCA, 1999, pp. 378).

O elogio às cidades mouras, a estética de repetição popular, como se

fora uma canção ou uma procissão, o poema limpo, claro, sem exageros, transborda

todavia da referência popular e faz um retrato de uma das mais importantes cidades

de influência mourisca. Aqui uma observação é necessária, este poema de Lorca

aqui transcrito está bem longe dos poemas prosa, mesmo que neles haja a liberação

da antiga métrica italiana, e haja uma mudança para versos livres assimétricos, os

poemas são musicais com ritmo marcado internamente mesmo que não rimados.

Lorca vai retomar na sua ruptura, na verdade, a tradição anterior da poesia

espanhola, com origens mouriscas, do ritmo musicado interno, muitas vezes dado

pela repetição de palavras, como em Verde que te quiero verde, assim, a influência

mourisca e cigana faz de Lorca o poeta espanhol, local e internacionalista por

excelência. Vejamos um poema que se enquadra perfeitamente na referência

estética temática que aqui elucidamos:

Canción del Jinete Muerto

En la luna negrade los bandoleros,cantan las espuelas.

Caballito negro.¿Dónde llevas tu jinete muerto?

…Las duras espuelasdel bandido inmóvilque perdió las riendas.

Caballito frío.¡Qué perfume de flor de cuchillo!

En la luna negra,

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sangraba el costadode Sierra Morena.

Caballito negro.¿Dónde llevas tu jinete muerto?

La noche espoleasus negros ijaresclavándose estrellas.

Caballito frío.¡Qué perfume de flor de cuchillo!

En la luna negra,¡un grito! y el cuernolargo de la hoguera.

Caballito negro.¿Dónde llevas tu jinete muerto? (Lorca, 1999, pp. 290).

Já o título do poema é revolucionário, Canção do ginete morto, a morte

não era um tabu para Lorca, antes, um tema recorrente, a noite, a escuridão (até o

cavalo é negro), a beleza lúgubre (flor de cuchillo), enfim, a estética e a temática

lorquiana estão prenhes de toda uma temática milenar, do embate dos povos que

habitavam e habitam a região granadina. A temática árabe dialoga facilmente com a

estética proposta por Lorca. O recebimento dos influxos árabes no ritmo e na

métrica lorquiana, assim como sua temática, em que aparecem os povos

marginalizados e as cidades de colonização árabe, reforçam os traços que o fariam

ser amado e cantando por poetas islâmicos. A temática da lua, da noite, da morte,

uma temática que aliás, dialogará com um movimento ao qual, sem aderir em

manifestos, Lorca foi prenunciador na Espanha e um de seus incentivadores, o

surrealismo, no qual o sonho, o onírico, o medo, a morte, o id, o subconsciente, todo

o lado oculto do ser humano transborda. Sigamos na temática do lúgubre, da morte

em Lorca:

Murió al amanecer

Noche de cuatro lunasy un solo árbol,con una sola sombray un solo pájaro.

Busco en mi carnelas huellas de tus labios.El manantial besa al vientosin tocarlo.

Llevo el no que me diste,en la palma de mi mano,como un limón de ceracasi blanco.

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Noche de cuatro lunasy un solo árbol,En la punta de una aguja,Está mi amor ¡girando! (LORCA, 1999, 316)

A obsessão pela morte, que era pessoal, mas que era também influência

literária islâmica e cigana. Parecia uma previsão da tragédia de seu término precoce,

ele era o poeta que morreu ao amanhecer. Numa noite surrealista de quatro luas e

um campo desnudo de uma só árvore. Assim foi também a sua morte, a poesia

imitou a vida e o tragicismo de sua poesia foi também a tragédia de uma geração

abortada por um golpe fascista e uma guerra violenta que dividiu Espanha em duas.

Assim, sua tragédia pessoal, sendo o grande mártir de uma Guerra Civil

que sequer chegou a lutar, o torna de uma atração irresistível para poetas de povos

que também lutavam suas próprias lutas e até guerras de libertação nacional. Assim,

Lorca retém em si a influência árabe de forma indireta em sua temática do Cante

Jondo, dos povos marginalizados, entre eles os ciganos e os mouros e das cidades

mouriscas; de outro lado, o amálgama de sua poesia atrai irresistivelmente estética

e politicamente a poetas de povos que tem como pano de fundo projetos de

libertação popular e nacional.

Isto explica porque o sacrifício pessoal de Lorca, sua perda, a tragédia de

sua morte precoce que será a gota de sangue que manchará a poesia de Neruda,

ajuda a explicar o engajamento posterior de Neruda, assim como o seu

multiculturalismo na poesia e na formação de Federico García Lorca. Os influxos

populares no mais complexo poeta da Geração de 1927. Desde o espanholismo, ao

surrealismo. Lorca é uma contradição em movimento, um poeta dialético por

excelência, que consegue unir o erudito e o popular, o sagrado e o profano.

Ultrapassando todos os cânones, é o mais vanguardista de todos os poetas de sua

geração, flertando com o surrealismo, e elaborando poemas que são verdadeiros

retratos não estáticos da realidade.

Através do Cante Jondo explicamos indiretamente a influência não só

cigana, mas árabe na poesia de Lorca. Demonstramos como a busca de um modelo

popular e direto de poesia, provindo do Cante Jondo, já era em si uma mescla,

confessada inclusive pelo próprio Lorca, na conferência que aqui trabalhamos, em

que ele explica que o Cante Jondo reúne a influência do canto religioso católico, os

cantos e os ritmos árabes, e o canto modular de voz indiano cigano. Toda a

temática, de morte, tragédia, noite, escuridão, já era comum aos poetas árabes

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anteriores à Lorca, e por conta de ele ter percebido esta influência, será o poeta

espanhol mais reproduzido e comentado pelos poetas árabes posteriores.

Lorca só pode ser universal por seu particularismo. Foi o mais universal

dos poetas espanhóis do século XX, por ser o mais territorial e andaluz dos poetas

espanhóis, uma contradição dialética permanente. Sua busca de um novo

espanholismo entre os pobres e os deserdados, construiu um halo irresistível de

atração com sua obra, e seu destino trágico, no início da Guerra Civil espanhola

(executado por ser “rojo y maricas”), o transformou em um mártir literário, capaz de

inspirar a todos os poetas que lutam por libertação, como inspirou, por exemplo, ao

chileno prêmio nobel Pablo Neruda. Lorca segue cantando e alegremente tocando

sua viola em todos aqueles em que nele se espelham e espalham ao vento o

irresistível Cante Jondo do poeta granadino.

5.2 LORCA E O PICTÓRICO — O SURREALISMO

Uma das outras linhas de influência mútua e o uso de ambos os poetas,

Lorca e Neruda, do pictórico, do onírico e do surreal em seus poemas. Alguns

poemas de Neruda são verdadeiras marinhas. O mar, os sinos, os caracóis, as

cebolas, as uvas, os elementos naturais pincelados como uma natureza morta, é

uma característica que aparece também nos poemas de Federico García Lorca que

é uma das maiores influências inclusive na pintura posterior de Salvador Dalí. A

convivência entre Dalí e Lorca vai preparar o salto que o pintor dará do cubismo

para o surrealismo. Já vimos em capítulo anterior, que prenunciando o movimento

surrealista de Breton, Neruda em suas residências colocava elementos do onírico e

do realismo fantástico ou do surrealismo em sua poesia. A convivência comum na

Espanha, a nosso ver, só aguçou a utilização destes elementos por Neruda, é uma

dos possíveis estéticos comuns a Geração de 1927, de extremo experimentalismo.

Assim, a troca de experiências, inclusive literárias, serviram para que depois na

poesia de Neruda estas características, a do pictórico, do onírico, do realismo

fantástico, permaneçam. Aliás, o realismo fantástico, uma versão latino-americana

aprimorada do surrealismo, chegou mesmo a ser uma corrente de romances na

América do Sul, que dentre outros gênios teve Cortázar, Borges, Gabriel García

Marques. Defendemos que Neruda em seus versos já namorava este fazer. Este

capítulo serve para demonstrar como a experiência comum entre Dalí e Lorca serviu

para consolidar e preparar o surrealismo em ambos e o pictórico na poesia de Lorca.

86

Lorca e Dalí influenciaram-se reciprocamente. Ambos se conheceram na

residência dos estudantes em 1922. Dalí, mais novo, tinha 19 anos, Lorca, mais

velho e socialmente mais desenvolto tinha 23, uma forte atração recíproca os

aproximou. O poeta era brilhante socialmente e logo ficou fascinado pelo pintor

tímido que usava roupas de dândi inglês, ambos se tornaram companheiros

inseparáveis entre 1923 e 1928. Relação expressa no poema Ode a Salvador Dalí e

no quadro, O mel é mais doce que o sangue. Quando ambos se conheceram, Lorca

já era um poeta conhecido, que vinha da interpretação fracassada da sua peça

Malefício da Mariposa, mas que não afetará seu prestígio poético. Dalí ainda é um

poeta iniciante, praticamente desconhecido, saindo da fase impressionista e

entrando no cubismo. Faziam parte de um grupo social mais amplo de amigos,

inclusive de boemia, que incluía ainda Pepín Bello e Buñuel.

Lorca e Dalí vão estreitar amizade e passar alguns verões juntos entre

1923-1925. Neste período Lorca escreva a peça Mariana Piñeda e o Romancero

Gitano, que só farão aumentar seu prestígio. Dalí, por sua vez, pintará Natureza

morta e Convite ao sono, obra esta que já conta com os valores surrealistas que o

farão famoso. Em 1926, Dalí adere de vez ao surrealismo, mas esta passagem, se

dá em convívio pessoal com Lorca, e ambos se influenciaram mutuamente na

temática, assumiram compromisso com o experimentalismo e ir mais além dos

limites da arte formal. Além da amizade e da relação erótico amorosa entre ambos,

os une na vida e na arte, a temática da morte. Tanto um quanto outro tinham fixação

por ela, Lorca, a cantará continuamente em seus versos, e chegará a simular seu

próprio funeral desfilando num féretro em Andaluzia, fazendo mesmo da obsessão

da morte um culto. Dalí ficou famoso por sua obsessão e medo da morte, ao pintar

era uma forma catártica de desafiá-la, por isto também a obsessão com o tempo,

cronos, que inevitavelmente vai corroendo a natureza e a nossa vida. Vejamos um

poema sobre a morte, de Lorca, que exemplifica bem o que dissemos:

Muerto de amor

¿Qué es aquello que relucepor los altos corredores?Cierra la puerta, hijo mío,acaban de dar las once.En mis ojos, sin querer,relumbran cuatro faroles.Será que la gente aquéllaestará fregando el cobre.

Ajo de agónica plata

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la luna menguante, ponecabelleras amarillasa las amarillas torres.La noche llama temblandoal cristal de los balcones,perseguida por los milperros que no la conocen,y un olor de vino y ámbarviene de los corredores (LORCA, 1999, 384).

A lua, a noite, a morte, a agonia. Lorca fala da própria morte, uma

obsessão, um poeta no limiar permanente entre a vida e a morte, como um vate de

seu próprio sacrifício, cordeiro branco da poesia, manchado de sangue ainda muito

jovem. Dialoga com sua mãe sobre seu desejo permanente de morrer, sobre seu

próprio velório. A forma é curta, contrasta com o lúgubre do conteúdo, ágil, viva,

brilhante, como se a morte ganhasse música e fosse uma celebração. Parece dizer

que ao vivermos permanentemente neste limiar imprevisível entre nossa existência

curta e finita e a eterna “noche” comandada pela lua, devíamos celebrar a vida como

se celebra a morte. O medo e a recorrência temática à morte, também é uma forma

catártica de ao celebrá-la como inevitável, afastarmos nosso horror, continuemos no

poema:

Brisas de caña mojaday rumor de viejas voces,resonaban por el arcoroto de la media noche.Bueyes y rosas dormían.Solo por los corredoreslas cuatro luces clamabancon el fulgor de San Jorge.Tristes mujeres del vallebajaban su sangre de hombre,tranquila de flor cortaday amarga de muslo joven.Viejas mujeres del ríolloraban al pie del monte,un minuto intransitablede cabelleras y nombres.Fachadas de cal, poníancuadrada y blanca la noche.Serafines y gitanostocaban acordeones (LORCA, 1999, 384).

Brisas de caña mojada, y rumor de viejas voces, esta parte do poema

remete ao simbolismo e seus recursos sonoros sinestésicos e ritmo baseado não na

rima das vogais, mas nos sons consonantais. O poema sibila, baila, como se

festejasse a morte. O tema é lúgubre, o ritmo alegre, com acordeões, lavadeiras,

carpideiras, ciganos e serafins. O poeta pagão, que mistura o sacro celestial

(serafins) com o maldito e excomungado (ciganos). A morte aqui se lamenta e

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celebra, chora, canta e dança, é um festim profano, dionísico. Lorca, que era

músico, pianista, não precisa da métrica marcada e do ritmo final. Conhecedor

profundo da musicalidade, usa a sonoridade interna das palavras para dar uma

musicalidade extrema ao poema, como se celebrasse sua própria morte, pedindo

que seu mundo poético chore em sua homenagem, numa mistura que é onírica,

surreal e inovadora:

Madre, cuando yo me muera,que se enteren los señores.Pon telegramas azulesque vayan del Sur al Norte.Siete gritos, siete sangres,siete adormideras dobles,quebraron opacas lunasen los oscuros salones.Lleno de manos cortadasy coronitas de flores,el mar de los juramentosresonaba, no sé dónde.Y el cielo daba portazosal brusco rumor del bosque,mientras clamaban las lucesen los altos corredores (Lorca, 1999, 384).

O que se nota no poema, além da recorrência da morte, da lua, da noite,

da tormenta, é a naturalidade com relação à morte. Nos poemas de Lorca a morte

vibra, e só falta cantar e dançar. O tragicismo da morte, contrasta com seu colorido,

ainda que um colorido de tormentas. Vemos claramente que os temas que

aparecerão na poesia de Dalí já se encontram plasmados na poesia de Lorca, quase

como quadros não pintados. Em 1926 Dalí adere definitivamente ao surrealismo. O

contato entre eles, mesmo quando distantes, através de cartas, é constante e

continuado. Dalí está em Figueiras e Lorca em sua amada Granada. Em 1927,

Lorca e Dalí voltam a se encontrar em Figueiras e Cadaques, na casa dos pais de

Dalí; logo após, Mariana Piñeda é encenada e o cenário é desenhado por Salvador

Dalí. Cabeça de Dalí sobreposta a de Lorca faz parte do cenário, como se ambas

fossem uma única, este é um tema recorrente que aparece até na pintura de Dalí e

que também é desenhado por Lorca (que faz vários desenhos, alguns ilustram seus

livros de poesia). Estas cabeças sobrepostas são interpretadas como amizade e

influência recíproca, mas também são vistas por muito biógrafos como retratos do

envolvimento amoroso de ambos, é fato que tanto Dalí é fascinado pela poesia e

pela figura de Lorca, da qual confessou em sua biografia sentir uma certa inveja pelo

brilho social; quanto Lorca é fascinado pela arte e também pela figura, incluindo o

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corpo do jovem Dalí. Em sua biografia, Dalí relata que teria resistido a várias

investidas de Lorca.

Entre 1928 e 1929 acontecerá a ruptura entre ambos. Dalí vai se

relacionar com Buñuel, e vai ser incentivado por este a desprezar Lorca. Buñuel tem

um irmão homossexual, o homossexualismo numa Espanha conservadora e

ultracatólica pode se transformar num drama social. Buñuel despreza e hostiliza

Lorca por sua homossexualidade e encoraja Dalí a fazer o mesmo. Em 1928, Dalí

vai fazer uma crítica atacando o Romancero Gitano de Lorca, por seu ‘populismo’

artístico; por sua vez, Lorca vai se aproximar, em sua viagem a Nova Iorque do

artista plástico Aladrén. Dalí critica Lorca por esta aproximação por considerar

Aladrén um artista “sofrível”, todavia, alguns biógrafos consideram que razões

também sentimentais teriam levado à crítica tão feroz de Dalí.

Em 1929, Dalí e Buñuel filmam o Cão andaluz, filme que levará ao

afastamento entre Lorca e Dalí. Ainda que Buñuel não admita, o nome de Cão

andaluz é uma referência feroz e direta à Lorca, que estaria sendo hostilizado e

ridicularizado por Buñuel por ser o poeta ser gay. Cão era o apelido que os

estudantes madrilenhos pejorativamente davam, na residência dos estudantes, aos

vindos do sul. Lorca e Dalí só se veriam após 1929, em 1935, um ano antes da

morte do poeta. Depois de tão prolongada e intensa convivência, é óbvio que este

afastamento atesta uma ruptura da proximidade e da intimidade entre ambos.

Quando se reveem em 1935, Lorca conhece Gala, mulher de Dalí, a peça Yerma é

encenada, com ruidoso sucesso. Gala fica impressionada com Lorca e o convida

para ir a Paris estar com eles, mas Lorca recusa. Depois, este episódio será

lembrando com remorsos por Dalí, que não se conforma por não ter insistido para

que Lorca fosse com eles para Paris, e sente culpa pela morte de Lorca, a quem

considera um de seus mortos queridos, Dalí considera que se tivesse insistido talvez

o poeta tivesse ido a Paris e isto teria evitado sua morte. É lógico que esta

conjectura de Dalí é apoiada mas no sentimento de estima e até de amor que sentia

por Lorca, que por qualquer fato objetivo, Dalí não tem absolutamente nada que ver

com a morte de Federico. Mas Dalí dizia que “Lorca for fuzilado por engano. O caos

espanhol me transtornou e os monstros da Guerra Civil invadiram minha tela”. Aqui,

duas observações nossas, a primeira, não concordamos que Lorca tenha morrido

por engando, ele foi uma vítima intencional trágica de uma ditadura de cunho

fascista que o odiava duplamente: por seus pendores socialistas e por ser gay. O

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segundo, já prenunciamos, a de que mesmo no auge da Guerra Civil espanhola a

pintora de Lorca continuou sendo mais surrealista que engajada, a guerra civil

entrou mais como monstro, terror e morte do que como guerra, realidade social, Dalí

tomava o lado das vítimas, não o lado de uma das facções em disputa, como outros

artistas tomaram.

Para entender melhor a relação entre o pictórico e o poético, vamos fazer

uma comparação das figuras estéticas inscritas tanto no poema, Ode a Salvador

Dalí, quanto no quadro, O mel é mais doce que o sangue, que foram feitas, ambas

as obras, no auge da relação íntima de amizade e ou amorosa dentre ambos, que

confluiu para uma relação de parceria estética. Vejamos o poema:

ODA A SALVADOR DALÍ

Una rosa en el alto jardín que tú deseas.Una rueda en la pura sintaxis del acero.Desnuda la montaña de niebla impresionista.Los grises oteando sus balaustradas últimas.

Los pintores modernos en sus blancos estudios,cortan la flor aséptica de la raíz cuadrada.En las aguas del Sena un iceberg de mármolenfría las ventanas y disipa las yedras.

El hombre pisa fuerte las calles enlosadas.Los cristales esquivan la magia del reflejo.El Gobierno ha cerrado las tiendas de perfume.La máquina eterniza sus compases binarios.

Una ausencia de bosques, biombos y entrecejosyerra por los tejados de las casas antiguas.El aire pulimenta su prisma sobre el mary el horizonte sube como un gran acueducto (LORCA, 1999, 618).

O poema já começa contraditório. Primeiro, porque ao contrário da

maioria das poesias de Lorca, estes versos não são versos livres, em versos

alexandrinos, clássicos, ainda que não rimados, Lorca faz a apologia da ruptura.

Como assinala Octavio Paz, a vanguarda criou a “tradição da ruptura”. Escrevendo

sobre movimentos de poesia e pintura e suas relações, Lorca usa na forma a

tradição para falar de vanguarda, o que já é a demonstração de per si de seu incrível

talento. Cioso do controle que tem das formas, ele usa uma ode clássica sem rimas

para fazer apologia de um momento de ruptura, é uma contradição o próprio poema,

como será todo o tempo a vanguarda na incessante necessidade de superar-se a si

mesma, na busca cotidiana de um futuro que no dia seguinte já é passado:

Marineros que ignoran el vino y la penumbra,decapitan sirenas en los mares de plomo.La Noche, negra estatua de la prudencia, tiene

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el espejo redondo de la luna en su mano.

Un deseo de formas y límites nos gana.Viene el hombre que mira con el metro amarillo.Venus es una blanca naturaleza muertay los coleccionistas de mariposas huyen.Cadaqués, en el fiel del agua y la colina,eleva escalinatas y oculta caracolas.Las flautas de madera pacifican el aire.Un viejo dios silvestre da frutas a los niños.

Sus pescadores duermen, sin ensueño, en la arena.En alta mar les sirve de brújula una rosa.El horizonte virgen de pañuelos heridos,junta los grandes vidrios del pez y de la luna.

Una dura corona de blancos bergantinesciñe frentes amargas y cabellos de arena.Las sirenas convencen, pero no sugestionan,y salen si mostramos un vaso de agua dulce (LORCA, 1999, 618).

Para os que conhecem a relação entre ambos esta é a parte

autobiográfica no poema. Cadaqués, a convivência recíproca, a pintura O sangue é

mais doce que o mel, os marinheiros como a autorreferência ao tempo passado

entre ambos na residência. No poema, o recurso estilístico muito comum à poesia

de Lorca, que é a repetição de frases para marcar o rimo e retomar cada verso, ¡Oh,

Salvador Dalí, de voz aceitunada!, mostra intimidade e carinho íntimo, não é uma

elogio só ao pintor, é elogio ao homem adolescente que viveu uma relação íntima

intensa que os biógrafos de ambos não sabem precisar(o que inclusive está relatada

na pintura O grande masturbador, referência explícita a Federico García Lorca e aos

momentos em que ambos estiveram a sós e juntos). Só conhecendo a biografia de

ambos para entender a sutil referência à intimidade que Lorca faz, de forma discreta

faz Lorca. O poema é referência a experimentos teóricos, mas refere-se também ao

caso de amor (platônico ou mais do que isto) entre ambos, que vai marcar a arte e a

poesia de ambos:

¡Oh, Salvador Dalí, de voz aceitunada!No elogio tu imperfecto pincel adolescenteni tu color que ronda la color de tu tiempo,pero alabo tus ansias de eterno limitado.

Alma higiénica, vives sobre mármoles nuevos.Huyes la oscura selva de formas increíbles.Tu fantasía llega donde llegan tus manos,y gozas el soneto del mar en tu ventana.

El mundo tiene sordas penumbras y desorden,en los primeros términos que el humano frecuenta.Pero ya las estrellas ocultando paisajes,señalan el esquema perfecto de sus órbitas.

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La corriente del tiempo se remansa y ordenaen las formas numéricas de un siglo y otro siglo.Y la Muerte vencida se refugia temblandoen el círculo estrecho del minuto presente.

Al coger tu paleta, con un tiro en un ala,pides la luz que anima la copa del olivo.Ancha luz de Minerva, constructora de andamios,donde no cabe el sueño ni su flora inexacta.

Pides la luz antigua que se queda en la frente,sin bajar a la boca ni al corazón del bosque.Luz que temen las vides entrañables de Bacoy la fuerza sin orden que lleva el agua curva.

Haces bien en poner banderines de aviso,en el límite oscuro que relumbra de noche.Como pintor no quieres que te ablande la formael algodón cambiante de una nube imprevista.

El pez en la pecera y el pájaro en la jaula.No quieres inventarlos en el mar o en el viento.Estilizas o copias después de haber mirado,con honestas pupilas sus cuerpecillos ágiles.

Amas una materia definida y exactadonde el hongo no pueda poner su campamento.Amas la arquitectura que construye en lo ausentey admites la bandera como una simple broma.

Dice el compás de acero su corto verso elástico.Desconocidas islas desmiente ya la esfera.Dice la línea recta su vertical esfuerzoy los sabios cristales cantan sus geometrías (LORCA, 1999, 618).

Geometria, movimento, estrela como ironia, escárnio, broma, forma

perfeitas de pássaros desfeitos em sonho. Morte e mitologia greco-romano. O

experimentalismo extremo de quem capta a imagem como símbolo e não como

imagem, quem irá além de todas as formas e conteúdos. Manifesto surreal em

poesia, em ode, experimentalismo difuso de todos os dados das sensações, pintura

que é poema, poesia que é tela, quadro que capta o movimento de forma poética.

Lorca escreve quase uma manifesto performático do que viria a fazer Dalí, em pouco

tempo, de uma pintura que se contaminou de poesia, de uma poesia que pretendeu

ser pictórica e onírica. A influência recíproca de ambos, de dois titãs, acabou por

fazer explodir a poesia nas telas, e o surreal, o sonho, a morte, a noite, a lua, na

poesia. Nesta ode-manifesto, Lorca vai descrevendo o começo da caminhada de

seu amigo/amante Salvador Dalí:

Pero también la rosa del jardín donde vives.¡Siempre la rosa, siempre, norte y sur de nosotros!Tranquila y concentrada como una estatua ciega,ignorante de esfuerzos soterrados que causa.

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Rosa pura que limpia de artificios y croquisy nos abre las alas tenues de la sonrisa(Mariposa clavada que medita su vuelo).Rosa del equilibrio sin dolores buscados.¡Siempre la rosa! (LORCA, 1999, 618)

A rosa comunica na poesia e na pintura de ambos, o frugal, o cotidiano,

que nada está além da poesia e da pintura. O que se transvalora na arte não mais

apenas no que é excelso ou sublime, mas a beleza subterrânea de todos os atos e

coisas. Uma rosa, que é geometria, simplicidade, dado cubista passo rumo ao

surreal. Mas que também é signo, elemento subjacente, íntimo, onírico, lírico e

amoroso. A explosão de sentidos que a descoberta do subconsciente, do id,

representou para a renovação da arte. A rosa é rosa e não é rosa, assim como a

vida é sonho, mas o sonho não é a vida real, mas a revela e a revalora. Lorca

continua traçando a multiplicidade da arte de ambos:

¡Oh, Salvador Dalí de voz aceitunada!Digo lo que me dicen tu persona y tus cuadros.No alabo tu imperfecto pincel adolescente,pero canto la firme dirección de tus flechas.

Canto tu bello esfuerzo de luces catalanas,tu amor a lo que tiene explicación posible.Canto tu corazón astronómico y tierno,de baraja francesa y sin ninguna herida.

Canto el ansia de estatua que persigues sin tregua,el miedo a la emoción que te aguarda en la calle.Canto la sirenita de la mar que te cantamontada en bicicleta de corales y conchas.

Pero ante todo canto un común pensamientoque nos une en las horas oscuras y doradas.No es el Arte la luz que nos ciega los ojos.Es primero el amor, la amistad o la esgrima.

Es primero que el cuadro que paciente dibujasel seno de Teresa, la de cutis insomne,el apretado bucle de Matilde la ingrata,nuestra amistad pintada como un juego de oca.

Huellas dactilográficas de sangre sobre el oro,rayen el corazón de Cataluña eterna.Estrellas como puños sin halcón te relumbren,mientras que tu pintura y tu vida florecen.

No mires la clepsidra con alas membranosas,ni la dura guadaña de las alegorías.Viste y desnuda siempre tu pincel en el airefrente a la mar poblada de barcos y marinos (LORCA, 1999, 618).

Por fim, Lorca novamente atesta a experiência íntima de amizade e de

amor entre os dois. A mescla de influências e elementos, desordenados no estilo e

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no caos que foi a tumultuada relação dos dois artistas, cuja homossexualidade

sempre foi um estigma e um dado biográfico difícil de ser desvendado, até pela

repressão de uma Espanha católica inquisitorial, patriarcal e machista. No poema

impressiona a ausência de sentimentalismo, mesmo a relação de ambos é exposta

de forma discreta, quase imperceptível, e a fluidez da forma “desnuda a montanha

de névoa impressionante”. A poesia escrita como arte plástica, pictórica, e o verso

como pinceladas. O poema, em versos, o que é no quadro, o manifesto antiartístico

de Dalí, a “santa objetividade”, do jovem Dalí, anterior ao surrealismo. A arte

despida de sentimentos (que mostramos anteriormente está nos ideais da Geração

de 1927 desde o manifesto gongórico), razão-luz-geometria (que efetivamente, na

fase surrealista seriam superados pelo inconsciente-noite-disformismo). Fase ainda

de formação, mas que já se captam os elementos posteriores de ambos, do que

viria a ser o Dalí surrealista.

Para entendermos a influência recíproca,

além do poema de Lorca, analisaremos uma pintura de

Dalí. O quadro, O mel é mais doce que o sangue já

inclui componentes que apontam para o surrealismo,

analisemos o quadro, que exibiremos abaixo:

A crítica não apreciou a tela, que tem uma

história baseada na amiga esquizofrênica de Dalí

chamada Lídia. Dalí em Lorca estavam em Cadaqués,

local idílico litorâneo, em companhia de Lídia e do artista Eugênio d´Ors. O filho de

Lídia levou Eugênio, que tinha fobia a alto-mar, a uma pescaria em mar aberto.

Eugênio voltou mareado e assustado. Lídia brigou com o filho, que revoltou-se,

dizendo que a mãe defende alguém que não era do seu sangue, então, ela disse a

frase que denominou o quadro: “o mel é mais doce que o sangue”. A presença de

Lídia, que por vezes ficava completamente fora da realidade, já que era

esquizofrênica, serviu de pano de fundo para exercitar o surrealismo, tanto em Dalí,

quanto em Lorca, uma arte para além da objetividade.

O quadro, que não agradou a crítica, é um Dalí pré-surrealista, mas já

margeando esta temática, com influência cubista, é dividido numa diagonal com um

plano de fundo montanhoso, agulhas fincadas produzem a impressão de espelhos,

um corpo feminino escultório remete à metafísica. A figuração do quadro nos faz

lembrar Miró. Aliás, Miró considera esta obra a primeira obra surrealista de Dalí.

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Alguns críticos preferem catalogar esta obra como a fase “Lorca”, de Dalí. Aparecem

superpostas as cabeças de Lorca e Dalí (o que era muito comum nos desenhos de

ambos deste período), sugerindo a ligação, confluência intelectual e relação erótica

entre ambos. A cabeça de Lorca aparece como um busto caído na área, sugerindo

decepamento e morte (temática recorrente de ambos). Lorca é comparado nas

pinturas de Dalí a São Sebastião, o que tem um componente erótico sádico

homossexual, o corpo nu e flechado do santo, como referência a auto-imolação

martírica (o que no caso de Lorca resultaria profético). A morte explode no carro,

com cadáveres de burro em putrefação, esqueleto de burro, as cabeças decepadas,

a angústia, o agon da morte para quem vive, que além de ser um tema recorrente, é

um tema surrealista, já que dialoga com as pulsões freudianas, libido, Eros x

Thanatos. Dalí e Lorca tinham paixão pela temática da morte, assim como pavor de

morrer, esta obsessão/fobia, chegaria ao ponto de Lorca representar seu funeral

pelas ruas de Granada, uma forma de catarse artística da morte, amor/obsessão

pelo objeto de fobia.

Dalí seria no quadro Pólux, o imortal dos Dióscuros, mas jorram fios de

sangue da cabeça de ambos. Lorca em seu poema fará a apologia da obra de Dalí,

e se referencia neste quadro, na mulher morta (e a obsessão edipiana de ambos

pelo corpo feminino sem chegar à posse sexual). A mulher morta representa o

conflito erótico sexual, da mulher interditada que não deve ser possuída. A relação

de Lorca com Gala, que será sua mulher da vida inteira, e a quem Dalí se submete,

sem que haja posse sexual entreammbos. A relação sexual entre eles era sui

gêneris, Dali a visualizava e depois ia se masturbar, sem nunca chegar ao coito com

Gala.

A partir desta obra, Dalí volta-se para a pesquisa do inconsciente e

mergulha no surrealismo. Logo após esta obra surge o grande masturbador (1929),

é uma fase fálica e escatológica, que está relacionada à tensão que surgiu da

relação de ambos sobre a posse sexual. Se não sabemos ao certo até onde chegou

a ligação erótica, os quadros poderiam ser uma catarse da relação sexual não

concretizada, e os quadros refletiriam também a fixação onanista não só de Lorca,

mas também de Dali (que na relação amorosa com Gala não chegava à posse

sexual, mas à visão do corpo da esposa, sucedia à masturbação). Esta fase

escatológica/onanista foi criticada pelos próprios surrealistas, que temiam uma

crítica negativa ao movimento, Gala, que na época era esposa de Paul Eluard, teve

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como missão, pedir a Dalí que suavizasse sua obsessão escatológica (que sugere o

caráter sexual passivo anal).

Todos estes conflitos eróticos de Dalí e Lorca são aqui relatados não

como dados biográficos, mas porque são refletidos em suas obras, e tem função

tanto na junção dos dois, quanto na separação contenciosa que se deu. Após Dalí

filmar O Cão Andaluz com Buñuel (que instigou a Dalí a rejeitar Lorca por conta das

investidas homossexuais deste), ridicularizando as características homossexuais de

Lorca, houve um rompimento na amizade, com reflexos traumáticos para Lorca.

Além da rejeição, Dalí ridicularizava o antigo parceiro de arte e convívio

afetivo/erótico. Nas memórias de Dalí, ele relata que Lorca o procurava sexualmente

e este sempre o rejeitava. Não sabemos até que ponto o relato unilateral é

fidedigno, só podemos ir até onde a documentação nos deixa chegar.

A partir de 1930, já em Paris, para se juntar aos surrealistas Renê

Margrite, Paul Eluard, e Gala (que nesta época era esposa de Eluard), Dalí vai se

incorporar ao grupo, mergulhando na pesquisa do subconsciente, do sono e do

sonho, dos estados oníricos da alma. Como já relatamos. Gala tem, como já

relatamos, a missão de frear a obsessão escatológica de Dalí nos quadros. Dalí se

apaixona por Gala e faz tudo para seduzi-la. A relação é como o movimento,

surrealista. Gala, linda, acaba abandonando Eluard (que continua amigo e vai

conviver com ambos) por um jovem Dalí que é, segundo ele mesmo relata, virgem

em relação a sexo com mulheres. O contraditório da relação, é que a ligação

edipiana é bem nítida. Gala e Dalí não são um casal em que não há o ato sexual,

pelo menos não o de posse, como relatado na sua arte e em sua biografia, Dalí se

excita com Gala, mas só chega ao êxtase através da masturbação. É Gala quem

conduz o casal, administrando a arte e a carreira de Dalí. A vida imitou a arte neste

caso. A figura feminina reincidente nos quadros de Dalí, seriam a interiorização em

si do feminino, do desejo de ser como a mulher. Em Paris e com Gala, Dalí faz a

passagem completa para o surrealismo, que não é o objeto deste estudo e termina

sua fase de influência lorqueana, que, todavia, estará em sua obra o resto da vida

(noite, sono, morte).

Como resposta à obra O cão andaluz, Lorca realizou, na sua fase Nova-

iorquina, com Emilio Armero, o roteiro para o filme Viagem à lua. Um roteiro para um

filme completamente incomum, que só foi redescoberto na década de 80, nos

Estados Unidos, junto aos pertences do mexicano Emilio Armero. O roteiro do filme

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ganhou sua primeira edição crítica, na Espanha, só em 1994. Foi filmado, pouco

depois, em duas diferentes versões: a de Javier Martín Domínguez, de 1997, e a de

Frederic Amat, de 1998. Neste trabalho faremos a crítica somente do roteiro, sem

entrar na polissemia das versões filmadas:

Segue o roteiro na íntegra e com análise somente a posteriori:

Viaje a la Luna1. Cama blanca sobre una pared gris. Sobre los paños surge un baile denúmeros 13 y 22. Desde dos empiezan a surgir hasta que cubren la camacomo hormigas diminutas.2. Una mano invisible arranca los paños.3. Pies grandes corren rápidamente con exagerados calcetines de rombosblancos y negros.4. Cabeza asustada que mira fija un punto y se disuelve sobre una cabezade alambre con un fondo de agua.5. Letras que digan Socorro Socorro Socorro con doble exposición sobre unsexo de mujer con movimientos de arriba abajo.6. Pasillo largo recorrido por la máquina con ventana de final.7. Vista de Broadway de noche con movimientos de tic-tac. Se disuelve enel anterior.8. Seis piernas oscilan con gran rapidez.9. Las piernas se disuelven sobre un grupo de manos que tiemblan.10. Las manos que tiemblan sobre una doble exposición de un niño quellora.11. Y el niño que llora sobre una doble exposición de una mujer que la dauna paliza.12. Esta paliza se disuelve sobre el pasillo largo otra vez, que la máquinarecorre con rapidez.13. Al final un gran plano de un ojo sobre una doble exposición de peces, yse disuelve sobre el siguiente.14. Caída rápida por una montaña rusa en color azul con doble exposiciónde letras de Socorro Socorro.15. Cada letrero de Socorro Socorro se disuelve en la huella de un pie.16. Y cada huella de pie en un gusano de seda sobre una hoja en fondoblanco.17. De los gusanos de seda sale una gran cabeza muerta y de la cabezamuerta un cielo con luna.18. La luna se corta y aparece un dibujo de una cabeza que vomita y abre ycierra los ojos y se disuelve sobre19. dos niños que avanzan cantando con los ojos cerrados.20. Cabezas de los niños que cantan llenas de manchas de tinta.21. Un plano blanco sobre el cual se arrojan gotas de tinta. (Todos estoscuadros rápidos y bien ritmados.) Aquí un letrero que diga No es por aquí.22. Puerta23. Sale un hombre con una bata blanca. Por el lado opuesto viene unmuchacho desnudo en traje de baño de grandes cuadros blancos y negros.24. Gran plano del traje sobre una doble exposición de un pez.25. El hombre de la bata le ofrece un traje de arlequín pero el muchachorehúsa. Entonces el hombre de la bata lo coge por el cuello, el otro grita,pero el hombre de la bata le tapa la boca con el traje de arlequín.26. Gran plano de manos y traje de arlequín apretando con fuerza.27. Se disuelve sobre una doble exposición de serpientes de mar delaquárium y éstas en los cangrejos del mismo aquárium y éstos en otrospeces con ritmo.28. Pez vivo sostenido en la mano en un gran plano hasta que muera yavance la boquita abierta hasta cubrir el objetivo.29. Dentro de la boquita aparece un gran plano en el cual saltan, en agonía,

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dos peces. Éstos se convierten en un caleidoscopio en el que cien pecessaltan o laten en agonía.30. Letrero: Viaje a la Luna.Habitación. Dos mujeres vestidas de negro lloran sentadas con las cabezasechadas en una mesa donde hay una lámpara. Dirigen las manos al cielo.Planos de los bustos y las manos. Tienen las cabelleras echadas sobre lascaras y las manos contrahechas con espirales de alambre.31. Siguen las mujeres bajando los brazos y subiéndolos al cielo.32. Una rana cae sobre la mesa.33. Doble exposición de la rana vista enorme sobre un fondo de orquídeasagitadas con furia. Se van las orquídeas y aparece una cabeza enormedibujada de mujer que vomita que cambia de negativo a positivo y depositivo a negativo rápidamente.34. Una puerta se cierra violentamente y otra puerta y otra y otra sobre unadoble exposición de las mujeres que suben y bajan los brazos.Al cerrarse cada puerta saldrá un letrero que diga: Elena Helena elhenaeLHeNa.35. Las mujeres se dirigen rápidamente a la puerta.36. La cámara baja con gran ritmo acelerado las escaleras y con dobleexposición las sube.37. Triple exposición de subir y bajar escaleras.38. Doble exposición de barrotes que pasan sobre un dibujo: Muerte deSanta Rodegunda.39. Una mujer enlutada se cae por la escalera.40. Gran plano de ella.41. Otra vista de ella muy realista. Lleva pañuelo en la cabeza a la maneraespañola. Exposición de las narices echando sangre.42. Cabeza boca abajo de ella con doble exposición sobre un dibujo devenas y granos gordos de sal para el relieve.43. La cámara desde abajo enfoca y sube la escalera. En lo alto aparece undesnudo de muchacho. Tiene la cabeza como los muñecos anatómicos conlos músculos y las venas y los tendones. Luego sobre el desnudo llevadibujado el sistema de la circulación de la sangre y arrastra un traje dearlequín.44. Aparece de medio cuerpo. Y mira de un lado a otro. Se disuelve sobreuna calle nocturna.45. Ya en la calle nocturna hay tres tipos con gabanes que dan muestras defrío. Llevan los cuellos subidos. Uno mira la luna hacia arriba levantando lacabeza y aparece la luna en la pantalla, otro mira la luna y aparece unacabeza de pájaro en gran plano a la cual se estruja el cuello hasta quemuera ante el objetivo, el tercero mira la luna y aparece en la pantalla unaluna dibujada sobre fondo blanco que se disuelve sobre un sexo y el sexoen la boca que grita.46. Huyen los tres por la calle.47. Aparece en la calle el hombre de las venas y queda en cruz. Avanza ensaltos de pantalla.48. Se disuelve sobre un cruce en triple exposición de trenes rápidos.49. Los trenes se disuelven sobre una doble exposición de teclados depianos y manos tocando.50. Se disuelve sobre un bar donde hay varios muchachos vestidos deesmoquin. El camarero les echa vino pero no pueden llevarlo a su boca. Losvasos se hacen pesadísimos y luchan en una angustia de sueño. Entra unamuchacha casi desnuda y un arlequín y bailan en ralentí. Todos prueban abeber pero no pueden. El camarero llena sin cesar los vasos que ya estánllenos.51. Aparece el hombre de las venas gesticulante y haciendo señasdesesperadas y movimientos que expresan vida y ritmo acelerado. Todoslos hombres se quedan adormilados.52. Una cabeza mira estúpidamente. Se acerca a la pantalla y se disuelveen una rana. El hombre de las venas estruja la rana con los dedos.

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53. Sale una esponja y una cabeza vendada.54. Se disuelve sobre una calle. La muchacha vestida de blanco huye con elarlequín.55. Aparece una cabeza que vomita. Y en seguida toda la gente del bar quevomita.56. Se disuelve sobre un ascensor donde un negrito vomita. La muchacha yel arlequín suben en el ascensor.57. Suben en el ascensor y se abrazan.58. Plano de un beso sensual.59. El muchacho muerde a la muchacha en el cuello y tira violentamente desus cabellos.60. Aparece una guitarra. Y una mano rápida corta las cuerdas con unastijeras.61. La muchacha se defiende del muchacho, y éste con gran furia le da otrobeso profundo y pone los dedos pulgares sobre los ojos como para hundirlos dedos en ellos.62. Grita la muchacha y el muchacho de espaldas se quita la americana yuna peluca y aparece el hombre de las venas.63. Entonces ella se disuelve en un busto de yeso blanco y el hombre de lasvenas la besa apasionadamente.64. Se ve el busto de yeso con huellas de labios y huellas de manos.65. Vuelven a salir las palabras Elena elena elena elena.66. Estas palabras se disuelven sobre grifos que echan agua de maneraviolenta.67. Y estos grifos sobre el hombre de las venas muerto sobre periódicosabandonados y arenques.68. Aparece una cama y unas manos que cubren un muerto.69. Viene un muchacho con una bata blanca y guantes de goma y unamuchacha vestida de negro. Pintan un bigote con tinta a una cabeza terriblede muerto. Y se besan con grandes risas.70. De ellos surge un cementerio y se les ve besarse sobre una tumba.71. Plano de un beso cursi de cine con otros personajes.72. Y al final con prisa la luna y árboles con viento (LORCA, 1929).

Lorca, neste argumento, mistura todo o pictorismo herdado de sua

relação com Dalí, ao onírico, a sua nova influência surreal. Explodem no argumento:

peixes, serpentes, vermes, luas, um arlequim, ou, um homem vestido de arlequim

em uma fantasia que já não lhe cabe (inadequação à idade adulta), mãos, cabeças

(corpo mutilado), vômitos, câimbra, escadas, corredores vazios e escuros, um

mundo em ruínas, violento. O texto tem um substrato mítico na representação da

morte, na tragédia da passagem da infância para a idade adulta, e a relutância em

assumir estes papéis impostos socialmente; representado por cadeias, pelos

corredores negros (subconsciente, id x ego). Pode se relacionar este roteiro

escatológico, com o Lorca do poema do Lago Éden (infância feliz), no qual Adão

fecunda peixes e Eva come formigas, no roteiro de Viagem à lua, de um Lorca

pictórico e surrealista, passa uma multidão que vomita, é o nojo, a náusea na vida.

Lorca recebe a influência do círculo Nova Iorquino, das mensagens

modernas da grande metrópole e dos intelectuais avant-garde, e a fase em que se

vê mais nitidamente seus problemas de identidade com relação à

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homossexualidade: Ode a Walt Whitman, considerado um ícone gay. O arlequim

que não cabe na fantasia, o adulto na roupa de adulto representaria o agon da vida,

a inadequação sexual, a angústia, e logo o vômito, a escatologia. O argumento,

segundo seus biógrafos, tem influência do cinema de Keaton e Chaplin, que Lorca

assiste nesta época, e das telas e da convivência com Salvador Dalí. É um roteiro

polissêmico que só foi filmado na década de 90, e que expressa toda contradição e

angústia da poesia Lorquiana.

Dalí e Lorca foram representantes de uma Espanha que estava em luta

consigo mesmo, em luta mortal, com milhões de vítimas. Ambos tinham obsessão

pela morte, Lorca, chegou a ser seu cultor, namorava com a morte, em seus

poemas, como que cantando a sua beleza. Será que adivinhava seu fim trágico e

precoce? Seu fim trágico lhe dá um ar mítico, de profeta sacrificado por seu próprio

povo, por espalhar as verdades que antecedam seu tempo. O mais genial escritor

do século XX na Espanha, que não era um militante político, foi julgado e condenado

pela excelência e o alcance de suas obras, estas sim, um ariete poderoso contra

uma Espanha conservadora, ultracatólica e feudal.

Este capítulo fez a relação entre o poético e o pitagórico, a correlação

entre a poesia de Federico García Lorca e os quadros de Salvador Dalí. Mostrou-se

como, de forma efetiva, não só a poética, mas a convivência de Dalí com Lorca o

ajudou a aperfeiçoar sua arte, mas que a mistura estética e temática, a inter-relação

de temas e cânones, acabaram por enriquecer de um lado as telas de Dalí, de outro

a poesia de Lorca. A fase “Lorca” de Dalí preparou seu salto para o surrealismo, na

verdade, muitos dos temas que ficaram permanentemente presentes nos quadros

do pintor surrealista já estavam pintados nos poemas de Lorca: a morte, a agonia, a

solidão, o desespero, a noite, o onírico, o subconsciente. De outro lado, Lorca tentou

transpor para sua poesia a objetividade da pintura, vários dos poemas narram

cenários, sem que haja a intervenção do poeta, sem impressões subjetivas, como se

ele fora apenas o espectador de um cenário.

A relação contraditória, e por vezes antagônica com Buñuel, a ruptura

entre Lorca e Dalí, também acabou virando proposta estética e temática. O filme

Cão andaluz é um marco não só para Buñuel, mas para Dalí, que a partir deste

ponto é considerado um dos integrantes do movimento surrealista, e também para

Lorca, que em seu exílio voluntário em Nova Iorque, reage ao filme modificando sua

estética nos poemas e até realizando um roteiro. Contraditoriamente, a ruptura

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pessoal não levou a uma ruptura artística e temática, Lorca incorporará os temas

surrealistas a sua poesia, ainda que estes já estivessem de forma inata, em gérmen

nela.

Lorca, em que pese seu grande talento formal, é um poeta intuitivo, e

escreve sobre temas que a poesia da própria Geração de 1927 não ousava tocar.

Uma geração que começa querendo uma poesia limpa, sem arroubos, e que depois

vai se aproximando do coloquial e dos temas populares e políticos (Lorca também

fez este caminho). Mas Federico vai além, insere no movimento os temas da pulsão,

da libido, do subconsciente, da angústia, da morte, da agonia, da loucura. Nenhum

outro poeta desta geração teve temática tão ampla ou mergulhou tão profundamente

neste temas.

Assim, concluímos que a relação entre ambos artistas acabou por diluir as

fronteiras da poesia e das artes plásticas, o manifesto antiartístico de ambos,

acabou resultando numa arte por excelência, de extremo apuramento, numa estética

de contracultura, do bizarro, do feio, do vômito, da escuridão, do medo, do

escatológico, da homossexualidade e da repressão sexual, da pulsão, da morte, do

id e do ego. Feliz encontro artístico que nos legou obras, em que vemos o pictórico

de Dalí nos poemas de Federico García Lorca, e a poética de Lorca nos quadros de

Salvador Dalí.

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6. A CONVIVÊNCIA DE NERUDA COM A GERAÇÃO DE 1927, EM ESPECIAL

COM FEDERICO GARCÍA LORCA

A estada de Pablo Neruda na Espanha, e sua relação com a Geração de

1927, mudou completamente sua obra e sua vida. Todavia, os primeiros contatos

entre Neruda e o principal poeta da Geração de 1927, Federico García Lorca,

ocorreram durante um tempo consideravelmente longo em Buenos Aires, entre 1933

e 1934. O primeiro encontro foi na casa de um amigo em comum, chamado Roja

Paz, no final de 1933. Por coincidência, Lorca havia chegado a Buenos Aires em

Outubro de 1933, e ficaria na Argentina até a fevereiro do ano seguinte; já Neruda

havia chegado, como cônsul a Buenos Aires. em Julho e ficaria na Argentina até

maio. Ambos já eram poetas consagrados, com vários livros lançados. Lorca, além

de poeta, era um escritor teatral com várias peças produzidas e um grupo teatral

chamado “La Barraca”, criado por ele, na Espanha.

Antes da chegada de Neruda na Argentina, ele havia desempenhado a

função de cônsul na Birmânia até 1927, no Ceilão, até 1928, em Java até 1930, e

em Cingapura até 1931. Quando chegou à Argentina, já haviam sido publicadas

várias de suas obras como: Crepusculário (1923), Veinte Poemas de Amor (1924),

Tentativa del Hombre Infinito (1926), El Habitante y su Esperanza (1926), Anillos

(1926), El Hondero Entusiasta (1933) e sua Primera Residencia en la Tierra 1925-

1931 (1933). Já Lorca, que estava em Buenos Aires para acompanhar a montagem

de sua peça teatral pela companhia de “Lola Membrives”, havia publicado os

seguintes livros: Libro de Poemas (1921), Primeras Canciones (1922), Poema del

Cante Jondo (1931),Primer Romancero Gitano (1928) e já havia estreado as peças

teatrais, Mariana Pineda (1927), La Zapatera Prodigiosa (1929) e Bodas de Sangre.

Além dos compromissos já elencados, Lorca dirigiu pessoalmente a montagem da

peça La Dama Boba, de Lope de Vega.

Ambos receberam uma homenagem num memorável jantar do Pen Club

de Buenos Aires, no final de 1933, na ocasião foi feito um discurso em conjunto, em

memória a Rubén Darío, que foi chamado de tourear ao Alimón (que é quando dois

toureiros toureiam juntos com só uma capa). Segundo Vitor Raviola Molina, Neruda

recordará a propósito:

Aquel discurso fue dedicado a Rubén Darío, porque tanto García Lorcacomo yo, sin que se nos pudiera sospechar de modernistas, celebrábamosa Rubén Darío como uno de los grandes creadores del lenguaje poético enel idioma español. (p. 158 de sus memorias Confieso que he Vivido, 1997).

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Este breve “Discurso al Alimón sobre Rubén Darío se reprodujo en el diariomadrileño “El Solo con fecha 30 de diciembre de 1934. Curiosamente, no hasido recogido en la recopilación de las obras completas de F. García Lorca(por lo menos en la edición más oficial: Madrid, Aguilar, 1954), salvo lamención fragmentaria quehace el poeta Jorge Guillén en el emotivo “prólogo. Sí aparece en las ObrasCompletas de Pablo Neruda (Buenos Aires, Losada, 1967, tomo I, pp. 1032-1035) y nuevamente en su obra de publicación póstuma Confieso que heVivido (B. Aires, Planeta, 1997, pp. 158-161) (Molina, 1998).

Para entender melhor esta amizade e as relações literárias ambivalentes

entre os dois, vejamos na íntegra a bela homenagem de ambos a Rubén Darío, que

representa exatamente o mesmo anseio de vanguarda que os irmanava. Rubén

Darío vai influenciar as vanguardas tanto da América Latina quando europeias, sua

mescla moderna de ruptura e retomada de tradição (o dualismo modernista já

apresentado neste trabalho com a citação de Octavio Paz), esta tensão dialética

entre renovação e busca do eterno, a elegância comedida dos poemas de Rubén

Darío. O Discurso ao Alimán, com sua forma ousada, vanguardista, mas, ao mesmo

tempo, uma referência à tradição brutal e atávica das touradas, mostra esta tensão

dialética entre novo e retomada do eterno:

Neruda: Señoras…Lorca: y señores: Existe en la fiesta de los toros una suerte llamada “toreo alalimón” en que dos toreros hurtan su cuerpo al toro cogidos de la mismacapa.Neruda: Federico y yo, amarrados por un alambre eléctrico, vamos a pareary a responder esta recepción muy decisiva.Lorca: Es costumbre en estas reuniones que los poetas muestren supalabra viva, plata o madera, y saluden con su voz propia a sus compañerosy amigos.Neruda: Pero nosotros vamos a establecer entre vosotros un muerto, uncomensal viudo, oscuro en las tinieblas de una muerte más grande queotras muertes, viudo de la vida, de quien fuera en su hora maridodeslumbrante. Nos vamos a esconder bajo su sombra ardiendo, vamos arepetir su nombre hasta que su poder salte del olvido.Lorca: Nosotros vamos, después de enviar nuestro abrazo con ternura depingüino al delicado poeta Amado Villar, vamos a lanzar un gran hombresobre el mantel, en la seguridad de que se han de romper las copas, han desaltar los tenedores, buscando el ojo que ellos ansían y un golpe de mar hade manchar los manteles. Nosotros vamos a nombrar al poeta de América yde España: Rubén…Neruda: Darío. Porque, señoras…Lorca: y señores…Neruda: Dónde está, en Buenos Aires, la plaza de Rubén, Darío?Lorca: Dónde está la estatua de Rubén Darío?Neruda: El amaba los parques. Dónde está el parque Rubén Darío?Lorca: Dónde está la tienda de rosas de Rubén Darío?Neruda: Dónde esta el manzano y las manzanas de Rubén Darío?Lorca: Dónde está la mano cortada de Rubén Darío?Neruda: Dónde está el acento la resina, el cisne de Rubén Darío?Lorca: Rubén Darío duerme en su “Nicaragua natal” bajo su espantoso leónde marmolina, como esos leones que los ricos ponen en los portales de suscasas.Neruda: Un león de botica, a él, fundador de leones, un león sin estrellas a

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quien dedicaba estrellas.Lorca: Dio el rumor de la selva con un adjetivo, y como fray Luis deGranada, jefe de idioma, hizo signos estelares con el limón, y la pata deciervo, y los moluscos llenos de terror e infinito: nos puso al mar confragatas y sombras en las niñas de nuestros ojos y construyó un enormepaseo de Gin sobre la tarde más gris que ha tenido el cielo, y saludó de tú atú el ábrego oscuro, todo pecho, como un poeta romántico, y puso la manosobre el capitel corintio con una duda irónica y triste, de todas las épocas.Neruda: Merece su nombre rojo recordarlo en sus direcciones esencialescon sus terribles dolores del corazón, su incertidumbre incandescente, sudescenso a los hospitales del infierno, su subida a los castillos de la fama,sus atributos de poeta grande, desde entonces y para siempre eimprescindible.Lorca: Como poeta español enseñó en España a los viejos maestros y a losniños, con un sentido de universalidad y de generosidad que hace falta enlos poetas actuales. Enseñó a Valle Inclán y a Juan Ramón Jiménez, y a loshermanos Machado, y su voz fue agua y salitre, en el surco del venerableidioma. Desde Rodrigo Caro a los Argensolas o don Juan Arguijo no habíatenido el español fiestas de palabras, choques de consonantes, luces yforma como en Rubén Darío. Desde el paisaje de Velázquez y la hoguerade Goya y desde la melancolía de Quevedo al culto color manzana de laspayesas mallorquinas, Daríó paseó la tierra de España como su propiatierra.Neruda: Lo trajo a Chile una marea, el mar caliente del Norte, y lo dejó allí elmar, abandonado en costa dura y dentada, y el océano lo golpeaba conespumas y campanas, y el viento negro de Valparaíso lo llenaba de salsonora. Hagamos esta noche su estatua con el aire, atravesada por el humoy la voz y por las circunstancias, y por la vida, como ésta su poéticamagnífica, atravesada por sueños y sonidos.Lorca: Pero sobre esta estatua de aire yo quiero poner su sangre como unramo de coral, agitado por la marea, sus nervios idénticos a la fotografía deun grupo de rayos, su cabeza de minotauro, donde la nieve gongorina espintada por un vuelo de colibrís, sus ojos vagos y ausentes de millonario delágrimas, y también sus defectos. Las estanterías comidas ya por losjaramagos, donde suenan vacíos de flauta, las botellas de coñac de sudramática embriaguez, y su mal gusto encantador, y sus ripios descaradosque llenan de humanidad la muchedumbre de sus versos. Fuera de normas,formas y escuelas queda en pie la fecunda substancia de su gran poesía.Neruda: Federico García Lorca, español, y yo, chileno, declinamos laresponsabilidad de esta noche de camaradas, hacia esa gran sombra quecantó más altamente que nosotros, y saludó con voz inusitada a la tierraargentina que pisamos.Lorca: Pablo Neruda, chileno, y yo, español, coincidimos en el idioma y en elgran poeta, nicaragüense, argentino, chileno y español, Rubén Darío.Neruda y Lorca:Por cuyo homenaje y gloria levantamos nuestro vaso (NERUDA, 2005, p.153).

Nesta homenagem a Rubén Darío assinalamos que há traços de

pensamento estético comum, ambos são vanguardistas e fazem experimentos de

forma e tema. Darío influencia toda a vanguarda espanhola e latino-americana, é um

ponto de encontro de vários poetas. Escolher Rubén Darío não é só uma

homenagem, é também um marco referencial do que os dois poetas estavam

experimentando. Segundo o mesmo Molina, este discurso não foi a única obra

literária conjunta de ambos os poetas, nas obras completas de Neruda há a

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informação de que ambos prepararam, em edição privada e limitada, um caderno

mecanografado e encadernado como um exemplar único feito em honra de Dona

Sara Tornú de Roja Paz (esposa do anfitrião do primeiro encontro de ambos, Roja

Paz), com o título de Paloma o Mano de Vidrio. era composto de sete poemas de

Neruda e oito desenhos de Federico García Lorca. Seis dos poemas, com variações,

foram recolhidos na Terceira Residência na Terra, menos o poema “Severidad”, que

continua inédito em toda a obra publicada de Neruda. Já os desenhos de Lorca

continuam inéditos e não foram dados a público em nenhuma das versões de suas

obras completas ou escolhidas.

Lorca, antes de chegar a Buenos Aires, além das obras lançadas, e de

ser um poeta reconhecido e famoso, era um homem viajado. Ele estudou Direito na

Universidade de Granada (1914-1919) e residiu na famosa Residência dos

Estudantes na Universidade de Madrid (1919-1928), onde gozou da amizade e da

influência recíproca de Salvador Dalí e da companhia nem sempre amistosa de

Buñuel. Lorca também morou nos Estados Unidos e estudou na Columbia University

(1929-1930), visitou Cuba e fez conferências nestes dois países. Na Espanha, era

famoso seu projeto de teatro mambembe, conhecido como La Barraca. A atração

intelectual entre ambos e a amizade foi recíproca desde o início.

Neruda agora será transferido em maio de 1934 para a Espanha, com um

cargo de vice-cônsul em Barcelona, a partir do dia 5 de maio. Em dezembro do

mesmo ano, Neruda apresenta um recital da sua poesia na Universidade de Madrid.

O encarregado de fazer sua apresentação para os poetas espanhóis é Federico

García Lorca. O texto da conferência, entretanto, não se encontra nas obras de

nenhum dos dois poetas. Através de gestões do próprio Neruda e com a ajuda de

Lorca, Neruda consegue se transferir para Madrid em fevereiro de 1935, trocando de

posto com outra poetisa, Gabriela Mistral, que não chega a ocupar o posto de

Neruda na Catalunha, já que, no meio da viagem dela, acaba sendo nomeada como

consulesa em Lisboa. A troca de cargos permitiu a Neruda ter acesso à fina-flor da

poesia, teatro e artes plásticas da Espanha de então. Sua residência de Los

Arguelles, na qual aconteciam encontros, tertúlias, jantares, era frequentada por

Lorca, Albertí, Miguel Hernández, Antônio Machado, dentre outros. Segundo Molina:

“En Madrid, Neruda desarrolla numerosas actividades intelectuales, entrelas cuales cabe mencionar su dirección de la revista “Caballo Verde para laPoesía en la que colaboran muchos poetas españoles del momentoincluyendo obviamente a García Lorca; allí se publicó, por ejemplo, elpoema “Nocturno del Hueco en octubre de 1935. Sólo cinco números de la

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revista alcanzaron a salir a la luz pública. Neruda recordará: El sextonúmero de “Caballo Verde se quedó en la calle Viriato sin compaginar nicoser. Estaba dedicado a Julio Herrera y Reissig (…) y los textos que en suhomenaje escribieron los poetas españoles, se pasmaron ahí con subelleza, sin gestación ni destino. La revista debía aparecer el 19 de julio de1936, pero aquel día se llenó de pólvora la calle. Un general desconocido,llamado Francisco Franco, se había rebelado contra la República en suguarnición de África. (op. cit., 1997, p. 169) (MOLINA, 1998).

A insurreição, comandada por Franco, contra um Governo legitimamente

eleito, a Guerra Civil que se seguiu, não encerrou as atividades da revista Caballo

Verde apenas, selou o destino de muitos dos artistas espanhóis que tomaram

partido pela jovem República assassinada. Era a velha Espanha inquisitorial e

tradicionalista que se levantava contra o novo, e isto não terá reflexos somente

políticos: toda esta Geração fantástica sofrerá o aborto da tentativa da construção de

um socialismo democrático, com resultados de esvaziamento artístico da fina-flor da

cultura espanhola, em sua maior parte exilada e fazendo arte fora da Península

Ibérica. Neruda terá sua poesia “manchada de sangue”, também tomará partido e

transmutará sua estética:

Del mismo año es la edición especial de los Tres Cantos Materialesnerudianos (Madrid, Plutarco, abril de 1935, 16 páginas sin numerar) queaparece como “Homenaje a Pablo Neruda de los poetas españoles. El textodel homenaje está firmado por casi todos los poetas españoles integrantesde la generación literaria de 1927(Aleixandre, Cernuda, Bergamín, etc.)incluyendo, por supuesto, a Federico García Lorca.No debe sorprender mucho este “homenaje de los poetas españoles.Biógrafos de Neruda y el propio poeta en sus Memorias de publicaciónpóstuma (1997, p. 166) recuerdan que el cónsul-poeta residió entonces enel barrio de Arguelles, en la que fue la famosa “Casa de las Flores, lugar enque desarrolló una permanente y animada tertulia literaria con asistencia demuchos literatos y artistas españoles jóvenes, sin contar numerosos viajerosy el matrimonio del Embajador Morla LynchBebé Vicuña. En la “Oda aFederico García Lorca que se menciona más adelante, Neruda dejó unimportante registro de los concurrentes a dicha tertulia, entre los quedestacan Delia del Carril, Acario Cotapos, María Luisa Bombal y casi todoslos poetas españoles del 27.Además, en sus Memorias explicita: Con Federico y Alberti, que vivía cercade mi casa en un ático sobre una arboleda, la arboleda perdida, con elescultor Alberto, panadero de Toledo que por entonces ya era maestro de laescultura abstracta, con Altolaguirre y Bergamín; con el gran poeta LuisCernuda, con Vicente Aleixandre, poeta de dimensión ilimitada, con elarquitecto Luis Lacasa, con todos ellos en un solo grupo, o en varios, nosveíamos diariamente en casas y cafés. (op. cit., 1997, p. 166) (MOLINA,1998).

A Guerra Civil vai interromper esta convivência artística fértil e pacífica.

Em julho de 1936 começa a Guerra Civil com a sublevação de Franco em Marrocos,

a maioria dos poetas e escritores da Geração de 1927 toma parte a favor da

República, poucos são os que advogam a causa conservadora, do lado realista e

fascista. Logo no início da Guerra, Lorca vai para Andaluzia, considerando que em

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sua terra natal estaria seguro. É preso na casa de um amigo falangista, fuzilado por

ser “rojo y maricas” e enterrado numa vala comum, com dezenas de partidários da

República. Até hoje é ignorado o local de seu túmulo, seu corpo nunca foi

encontrado. Neruda é destituído do seu cargo de cônsul e viaja para Paris para

ajudar a organizar, com outros intelectuais, um grupo de resistência e solidariedade

à República Espanhola. Neruda recordará, que a guerra da Espaça começou para

ele com a desaparição de seu poeta irmão Lorca e o desaparecimento de vários

outros amigos intelectuais. Esta tragédia o fez organizar, junto com o poeta peruano

César Vallejo, o “Grupo Hispano-americano de Ajuda a Espanha", assim como uma

conferência em Paris em homenagem a Federico, desaparecido; além de ter

composto o poema El Crimen fue en Granada.

É o momento exato de viragem estética e de temática em Neruda,

causada pela Guerra Civil Espanhola. Neruda se envolverá em várias outras

iniciativas, como o prólogo que fará para a segunda edição do Poema do Cante

Jondo, de Lorca, que se publicará em Madrid, no meio da Guerra Civil, em 1937; o

que demonstrará o carinho, a admiração e o respeito que Neruda tinha por Lorca.

Também participará do lançamento da revista, Los Poetas del Mundo Defienden al

Pueblo Español, dirigida e imprensa em parceria com Nancy Cunard, com um único

número editado no meio da Guerra Civil em Paris.

Logo depois, ainda durante a Guerra Civil, Neruda é nomeado como

Cônsul chileno para emigração espanhola, cargo no qual teve um papel admirável e

salvou milhares de republicanos espanhóis da morte, mais de 2 mil deles só no

cargueiro Winnipeg. Foi Neruda que organizou a viagem do cargueiro, resgatando

um grande grupo de combatentes espanhóis que estavam exilados na França. No

total, acredita-se que cerca de 500 mil espanhóis tenham cruzado a fronteira, boa

parte deles acabou por ter como destino o Chile, Neruda era o encarregado dos

vistos e das viagens dos republicanos derrotados.

Em setembro de 1939, 2365 republicanos espanhóis chegam a

Valparaíso no Chile, num dos capítulos mais importantes do exílio dos republicanos.

A história deles começa em condições extremamente difíceis. A solidariedade do

governo “socialista” francês com os republicanos espanhóis era pouca, ou quase

nenhuma. A maioria dos refugiados foram confinados em campos de concentração,

cercados por arames farpados, num inverno (o de 1939) particularmente frio:

segundo entrevista concedida à BBC de Londres, pelo professor chileno Jaime

108

Ferrer Mir, autor do livro Winnipeg, o navio da esperança. Combatente na França

pelos republicanos, Neruda sabia das péssimas condições em que viviam na

fronteira os refugiados republicanos. O poeta fora cônsul em Barcelona e Madrid,

tinha estado num breve tempo no Chile para participar da campanha de Pedro

Aguirre Cerda, recém-eleito presidente. Neruda então pediu a nomeação como

Cônsul chileno de emigração espanhola em Paris, para trazer espanhóis para o

Chile. O Chile acabava de perder 30 mil pessoas num terrível terremoto

No Chile também foram tempos difíceis e, após o terrível terremoto, que

matou mais de 30.000 pessoas, o país precisava de trabalhadores. Cifras não

oficiais, falam de cerca de 40 mil emigrados espanhóis no Chile, fugindo da Guerra

Civil. Em Paris., Neruda entrou em contato com o Serviço Espanhol de Evacuação

para os Refugiados (SERE), que começou a enviar cartas para as pessoas que

fugiam da guerra e estivessem interessadas em viver no Chile. Para a emigração,

Neruda contratou o cargueiro Winnipeg, barco de cargas francês, utilizado na

primeira guerra mundial e que nunca tinha transportado pessoas. O navio foi

reformado e foram instalados beliches para mais de duas mil pessoas. Em 4 de

agosto de 1939, o Winnipeg, com sua preciosa carga humana saiu de Valparaíso,

com 2365 refugiados da guerra, entre combatentes e suas família. Demorou mais de

um mês para os combatentes espanhóis chegarem à nova pátria, que graças a

Neruda e Aguirre Cerda, os receberia de braços abertos.

No dia 3 de setembro de 1939, um dia depois de chegar a Valparaíso, os

republicanos espanhóis desembarcaram, sendo recepcionados com uma chuva de

rosas, por uma multidão de mais de 70 mil pessoas. A grande maioria permaneceu

no Chile, constituindo família, as quais vivem até hoje na nova pátria, poucos

voltaram à Espanha. Em 2009, a Fundação Casa de Pablo Neruda organizou uma

homenagem à viagem e ao Cônsul poeta Pablo Neruda, com cerca de 200

passageiros ainda vivos da viagem do Winnipeg, em frente ao Palácio La Moneda.

Alguns dos sobreviventes relataram, que todo ano vão ao túmulo de Pablo Neruda,

em Isla Negra, homenageá-lo, jogando terra espanhola no túmulo do poeta. Neruda,

como os exilados, é um poeta com duas pátrias, e leva sempre Espanha no

Coração. Não por outra razão, ele comentou sobre a viagem do Winnipeg: “A crítica

pode apagar todas as minhas poesias, se quiser, mas, este poema, eles não

poderão apagar jamais”.

Voltando a Lorca, Neruda o descreveu assim em sua conferência em

109

1937:

Era popular como una guitarra, alegre, melancólico, profundo y claro comoun niño, como el pueblo. Si se hubiera buscado difícilmente, paso a pasopor todos los rincones a quién sacrificar, como se sacrifica un símbolo, nose hubiera hallado lo popular español, en velocidad y profundidad, en nadieni en nada como en este ser escogido. Lo han escogido bien quienes alfusilarlo han querido disparar al corazón de su raza. Han escogido paradoblegar y martirizar a España, agotarla en su perfume más rápido,quebrarla en su respiración más vehemente, cortar su risa másindestructible, y recuerda los éxitos argentinos al señalar:He visto en Buenos Aires, hace tres años, el apogeo más grande que unpoeta de nuestra raza haya recibido, las grandes multitudes oían conemoción y llanto sus tragedias de inaudita opulencia verbal. En ella serenovaba cobrando nuevo fulgor fosfórico el eterno drama español, el amory la muerte bailando una danza furiosa, el amor y la muerte enmascarados ydesnudos.Más adelante lo describe como un relámpago físico, una energía encontinua rapidez, una alegría, un resplandor, una ternura completamentesobrehumana. Su persona era mágica y morena, y traía la felicidad…Por último, hará una comparación con otro poeta andaluz contemporáneo,Rafael Alberti, hablará de su preocupación social y recordará la anécdotapremonitoria ocurrida en una aldea de Extremadura cuando García Lorcasale al alba a mirar el sol y observa con pavor cómo seis o siete cerdosnegros despedazan y devoran un cordero extraviado de su rebaño,concluyendo: Cuando me lo contó al regresar a Madrid su voz temblabatodavía porque la tragedia de la muerte obsesionaba hasta el delirio susensibilidad de niño. Ahora su muerte, su terrible muerte que nada nos haráolvidar, me trae el recuerdo de aquel amanecer sangriento.Por otro lado, en el apartado “Cómo era Federico de sus Memorias depublicación póstuma subraya el banquete que en honor de ambos realizaroncasi cien escritores argentinos en el PEN CLUB de B. Aires, recuerda eldiscurso conjunto sobre Rubén Darío y la anécdota erótica en casa delmillonario argentino Natalia Botana en que la complicidad de García Lorcaresulta con una cojera. Desliza la siguiente impresión del poeta granadino:(Federico) estaba feliz. Esa era su costumbre. La felicidad era su piel(MOLINA, 1998).

Seguramente, das obras em homenagem a Lorca morto, uma das mais

candentes e fortes foi a poesia Oda a Federico, que faz Segunda Residencia e já a

comentamos aqui anteriormente. Segundo comentários do próprio Neruda, este

texto foi feito sobre o impacto da morte de Lorca e do resultado da guerra na

Espanha, quando o mundo ocidental assistiu de forma negligente e com isto foi

cúmplice do crime cometido contra a jovem República.

No livro Confieso que he vivido, Neruda diz que o monarca de ouro e azul

passa em revista as tropas junto ao embaixador dos Estados Unidos e da Inglaterra,

que em nada criaram dificuldades para a invasão de Franco (com seus 40 mil

soldados vindos de Marrocos, transportados pela marinha italiana, passando pelo

estreito de Gibraltar sob a complacência inglesa). Neruda os culpa por um milhão de

espanhóis mortos, e isto o faz se aproximar da União Soviética, o único país que

enviou ajuda militar à República. Esta ajuda sofreu todo tipo de dificuldades para

110

passar pela França e por fim, teve de cessar, sob a pressão internacional, que exigia

“neutralidade”. Foi durante a Guerra Civil espanhola que a força aérea alemã, a

Luftwaffe, pode bombardear livremente a populações civis espanholas e Hitler

treinar sua tática de guerra relâmpago, ou Blitzkrieg. A primeira cidade a sofrer a

devastação nazista foi Guernica, imortalizada no genial quadro de Picasso, através

do horror das vítimas inocentes da guerra.

Neruda relata ainda em Confieso que ha vivido, que na noite de 19 de

julho de 1936 teria um encontro com Federico García Lorca no Grande Circo Price

de Madrid, a guerra já havia estalado. Ele nos conta que Lorca faltou ao encontro,

porque estava indo para Granada, caminho de sua própria morte, como se cumprira

as profecias de seus poemas lúgubres. Nesta parte do livro que ele diz que a Guerra

Civil começa com a desaparição de Federico e muda para sempre sua poesia. E faz

uma apologia sensível e fraterna do irmão-poeta desaparecido:

“Qué poeta! Nunca he visto reunidos como en el la gracia y el genio, elcorazón alado y la cascada cristalina. Federico García Lorca era el duendederrochador, la alegría centrífuga que recogía en su seno e irradiaba comoun planeta la felicidad de vivir. Ingenuo e comediante, cósmico eprovinciano, músico singular,espléndido mimo, espantadizo y supersticioso,radiante e gentil, era una especie de resumen de las edades de España, delflorecimiento popular, un producto arábigo-andaluz que iluminaba yperfumaba como un jazminero toda la escena de aquella España, ay de mí!,desaparecida.A mi me seducía el gran poder metafórico de García Lorca y me interesabatodo cuanto escribía. Por su parte, él me pedía a veces que le leyera misúltimos poemas y, a media lectura me interrumpía a voces: 'no sigas, nosigas, que me influencias!'En el teatro y en el silencio, en la multitud en y en el decoro, era unmultiplicador de la hermosura. Nunca vi un tipo con tanta magia en lasmanos, nunca tuve un hermano más alegre. Reía, cantaba, musicaba,saltaba, inventaba, chisporroteaba. Pobrecillo, tenía todos los dones delmundo, y así como fue un trabajador de oro, un abejón comenar de granpoesía, era un manirroto de su ingenio (NERUDA, 2005, p. 167).

Fica claro da leitura do texto a profunda devoção que sentia Neruda por

García Lorca, a relação fraterna e íntima, a devoção e admiração mútua que

reciprocamente sentiam, e qual profundamente a morte de Lorca o abalou. Em uma

parte de sua biografia, ele mostra como, durante uma viagem do grupo do poeta

111

andaluz, “La Barraca”, Lorca pressentira sua própria morte. Ele havia contado a

Neruda que, durante uma das viagens do grupo, quando eles se encontravam em

Castilla, Lorca não conseguira dormir e saíra vagando pela noite. Na entrada de um

pequeno sítio feudal, Federico avistou a um pequeno cordeiro branco, no meio da

névoa da madrugada, como uma aparição divina. Não passou muito tempo e quatro

porcos selvagens surgiram e, famintos, atacaram e fizeram em pedaços o pobre

cordeiro, que seria símbolo da poesia e da pureza. Teria realmente acontecido isto?

Neruda questiona se não era uma visão da própria morte, Lorca o cordeiro poético

despedaçado pelos porcos do fascismo que se abateu sobre a Espanha. Tendo

sendo ou não verídica a visão, a lembrança é poética, dolorosa e forte. Como diz

Neruda, de todos os poetas Espanhóis Federico era o mais amado, o mais querido e

o mais semelhante a ele mesmo. Ele não compreende que, com toda aquela alegria,

houvesse monstros sobre a terra desejosos de sua execução. Nas palavras do

próprio Neruda:

La incidencia de aquel crimen fue para mi la más dolorosa de una largalucha. Siempre fue España un campo de gladiadores, una tierra con muchasangre. La plaza de toros, con su sacrificio y su elegancia cruel, repite,engalanadora de farándulas, el antiguo combate mortal sobre la sombra y laluz.La inquisición encarcela a fray Luis de León, Quevedo padece en suCalabozo, Colón camina con grillos en los pies. Y el gran espetáculo fue elosario en El Escorial, como ahora el Monumento a los Caídos, con una cruzsobre un millón de muertos y sobre incontables e oscuras prisiones(NERUDA, 2005, p. 170).

Lendo estes trechos de Confieso que he vivido, não é difícil entender o

quão profunda foi a experiência da guerra para Neruda, Toda a influência estética

que ele recebera dos poetas espanhóis, agora se cruza com sua simpatia pela

República Espanhola, o que o leva a uma passagem para o marxismo e para o

comunismo (principalmente pelo fato de a União Soviética ter sido o único país a

defender Espanha). Para Neruda, havia mais que uma relação intelectual, havia uma

relação sentimental, a URSS passa a ser a pátria de todos que combatiam o

fascismo. Nem o pacto de não-agressão entre URSS e Alemanha Nazista diminuiria

esta simpatia. Na verdade, a campanha da Segunda Guerra Mundial, quando a

União Soviética foi a principal adversária de Hitler nos campos de batalha, estreitaria

esta relação que se tornará ideológica. Neruda entrará para o Partido Comunista

Chileno e depois será candidato a senador e presidente pelo PCC.

Segundo Molina, na conclusão de ser artigo, é clara la relação e a troca

de experiências poéticas entre ambos. Não há, segundo Molina, traços de influência

112

de Neruda em Lorca, porque Federico morrerá logo após o início da relação de

amizade entre os dois, em 1936, quando quase toda a produção lírica de García

Lorca estava realizada, e as preocupações de Lorca naquele momento estavam nas

atividades teatrais. Mas há evidentes traços de influência de Lorca e da Geração de

1927 na poesia de Neruda. Segundo Molina, depois da experiência espanhola, a

poesia de Neruda é mais madura, mais inovadora, mais surpreendente que a

criação anterior de Neruda. Segundo ele, seria difícil registrar a ampla gama de

recursos poéticos e procedimentos estilísticos do poeta granadino, que depois

aparecerão também em Neruda:

Entre esos procedimientos menciono: impertinencias predicativas,desplazamientos calificativos, ruptura de sistema, imágenes, visiones,metáforas, el rico y atrevido uso del adjetivo, antítesis, plurimembraciones,prosopopeyas, paralelismos, correlaciones y paradojas. A ello habría queagregar la luminosidad, calidez, imaginación, vitalidad, cromatismo ymusicalidad propias de los artistas andaluces, como Luis de Góngora,piedra de tope para García Lorca y demás miembros de su generaciónliteraria de 1927 (MOLINA, 1995).

Góngora era influência poética de Neruda mesmo antes de conhecer

Lorca. O gongorismo de Neruda, no início de sua poesia parece anacrônico, depois

da influência da Geração de 1927, se torna de vanguarda. Neruda retoma o

gongorismo contra os românticos, a poesia de Neruda então passa a partilhar do

que há de mais “avant-garde”. Os jogos de palavras e os exageros superlativos

serão vistos, por exemplo, em Alturas de Macchu Picchu, do seu Canto Geral.

Vejamos, estas comparações, sugeridas por Molina, entre Lorca e Neruda, tomemos

primeiro, poemas de Lorca no seu livro de Poemas:

Canción OtoñalNoviembre de 1918 (Granada)

Hoy siento en el corazónun vago temblor de estrellas,pero mi sienda si pierdeen el alma de la nieblaLa luz me troncha las alasy el dolor de mi tristezava mojando los recuerdosen la fuente de la idea.

Todas las rosas son blancas,tan blancas como mi pena,y no son las rosas blancasque ha nevado sobre ellas.Antes tuvieron el iris.También sobre el alma nieva.La nieve blanca del alma tienecopos de besos y escenasque se hundieron en la sombra

113

o en la luz del que las piensa.

La nieve cae de las rosas,pero la del alma queda,y la garra de los añoshace un sudario con ellas.

¿Se deshelará la nievecurando la muerte nos lleva?¿O después habrá otra nievey otras rosas más perfectas?¿Será la paz con nosotroscomo Cristo nos enseña?¿O nunca será posiblela solución del problema?

¿Y se el amor nos engaña?¿Quién la vida nos alientasi el crepúsculo nos hundeen la verdadera cienciadel Bien que quizá no exista,y del mal que late cerca?

¿Sí la esperanza se apagay la Babel se comienza,qué antorcha iluminarálos caminos en la Tierra?

¿Si el azul es un ensueño,que será de la inocencia?¿Qué será del corazónsi el amor no tiene flechas?

¿Si la muerte es la muerte,que será de los poetasy de las cosas dormidasque ya nadie las recuerda?¡Oh sol de las esperanzas!¡Agua clara! ¡Luna nueva!¡Corazón de los niños!!Almas rudas de las piedras!Hoy siento en el corazónun vago temblor de estrellasy todas las rosas son tan blancas como mis penas (LORCA,1995, p. 20).

Comparemos com este poema de Neruda de seu livro, Jardim de Inverno,

tanto na temática quanto na construção da forma do poema, do ritmo interno, feito

pela repetição de palavras, uma certa nostalgia, mais que agonia da morte. Uma

canção suave com um vago temblor de estrellas, uma canção de inverno, com tons

outonais, vagamente tristes, vejamos a forma poética num poema de Neruda muito

parecido:

Jardín de invierno

Llega el invierno. Espléndido dictado me dan las lentas hojasvestidas de silencio amarillo.Soy un libro de nieve,

114

una espaciosa mano, una pradera,un círculo que espera,pertenezco a la tierra y a su invierno.

Creció el rumor del mundo en el follaje,ardió después el trigo consteladopor flores rojas como quemaduras,luego llegó el otoño a establecerla escritura del vino;todo pasó, fue cielo pasajerola copa del estío,y se apagó la nube navegante.

Yo esperé del balcón, tan enlutadocomo ayer con las yedras de mi infancia,que la tierra extendierasus alas en mi amor deshabitado.Yo supe que la rosa caeríay el hueso del durazno transitoriovolvería a dormir e germinar:.y me embriagué con la copa del airehasta que todo el mar se hizo nocturno.

La tierra vive ahoratranquilizando su interrogatorio,extendida a la piel de su silencio.Yo vuelvo a ser ahorael taciturno que llegó de lejosenvuelto en lluvia fría e en campanas:debo a la muerte pura de la tierrala voluntad de mis germinaciones (NERUDA, 2005, p. 50).

É incrível em ambos os poetas, primeiro la forte melancolia e a presença

da morte, o poema de Neruda finaliza dizendo que seus poemas germinam da morte

pura da terra, e deixa implícito (assim como em Lorca), uma esperança de

continuidade, de infinito, de renascimento. Recordemos que a morte era um tema

recorrente na poesia de Lorca, as imagens poéticas de frio, sombra, passagem

inexorável do tempo, germinação e morte das flores, frio, estio, inverno, neve,

mostram uma tendência panteísta na poesia de ambos, mesmo sem a presença de

uma religiosidade que a ampare. Além disto, a angústia do fim, de um exílio é aquele

que eternamente vem de longe, trazendo a chuva. Lorca é o que vive exilado

mesmo quando está na Andaluzia, porque é mensageiro de uma Espanha que

nunca chegou a ser. Cantor dos oprimidos e infelizes, ele mesmo um oprimido e

infeliz, perseguido inclusive por sua homossexualidade. O ritmo interno dos poemas,

que nos faz lembrar neve ou chuva é outra característica que Lorca vai buscar na

poesia árabe, no Cante Jondo e Neruda a incorpora em definitivo na sua poesia, de

forte musicalidade interna, quase nunca rimada. A morte, o sentido da vida em dois

poetas que não tem religião, a busca de dar sentido a sua caminhada no mundo, é

115

outro elo que liga os dois poemas. Este é apenas um dos paralelismos dos vários

que se podem encontrar entre o Neruda pós Espanha e os poemas da Geração de

1927 (da qual usamos Lorca para provar as ligações de Neruda com esta geração).

Pablo Neruda foi partícipe desta geração, mesmo não tendo nascido na Espanha,

ele vai levar alhures, além-mar, para o Chile toda a temática e a poética

revolucionário da Espanha do início do século XX, da Geração que foi desfeita pela

catástrofe da Guerra.

116

7. SÍNTESE DIALÉTICA: NERUDA PÓS-ESPANHA

Uma análise apressada e puramente sectária da poesia de Neruda pós

Espanha pode seguir por caminhos de incompreensão de sua estética e de sua

temática. De um lado, para uma apologia do engajamento, com apagamento de toda

a arte poética anterior, como sendo de menor qualidade, ou de menos importância,

já que seriam traços de um poeta menor e sem compromisso político. Quem assim

age, reduz a poesia a discurso utilitarista e a um biografismo estéril, e não consegue

enxergar nem as marcas de continuidade na poesia de Neruda, nem a importância

de cada passo de construção da sua poesia. De outro lado, uma outra forma de

sectarismo, a de enxergar nesta fase de poesia engajada do bardo uma poesia

menor, uma poesia reduzida, ortodoxa e dogmática, a serviço da luta social e por

isto, menos livre em forma e conteúdo. Esta análise é a outra face da mesma moeda

da crítica anterior, defendemos que Neruda alargou a temática de sua poesia, sem

abrir mão de nenhuma das características anteriores. Na fase militante de sua

poesia, encontramos o lirismo, o panteísmo, o pictórico, o onírico, a variedade de

temas humanos. Ao lado do mineiro comunista chileno, estão as uvas, o mar, a

cebola. O poeta militante negou-se a reduzir sua poesia de forma sectária, e fiel ao

seu Manifesto por uma poesia impura, a alargou para todo e qualquer campo de

conhecimento e atividade humana, como no famoso adágio humanista, nada do que

é humano me é estranho. Neruda ao fim e ao cabo, se definiu melhor no manifesto

que publicou na revista Caballo Verde, e ao qual foi fiel por toda a vida:

Es muy conveniente, en ciertas horas del día o de la noche, observarprofundamente los objetos en descanso: las ruedas que han recorridolargas, polvorientas distancias, soportando grandes cargas vegetales ominerales, los sacos de las carbonerías, los barriles, las cestas, los mangosy asas de los instrumentos del carpintero. De ellos se desprende el contactocon el hombre y de la tierra como una lección para el torturado poeta lírico.Las superficies usadas, el gasto que las manos han infligido a las cosas, laatmósfera a menudo trágica y siempre patética de estos objetos, infundeuna especie de atracción no despreciable hacia la realidad del mundo. Laconfusa impureza de los seres humanos se percibe en ellos, la agrupación,uso y desuso de los materiales, las huellas del pie y de los dedos, laconstancia de una atmósfera humana inundando las cosas desde lo internoy lo externo. Así sea la poesía que buscamos, gastada como por un ácidopor los deberes de la mano, penetrada por el sudor y el humo, oliente aorina y a azucena salpicada por las diversas profesiones que se ejercendentro y fuera de la ley. Una poesía impura como traje, como un cuerpo, conmanchas de nutrición, y actitudes vergonzosas, con arrugas, observaciones,sueños, vigilia, profecías, declaraciones de amor y de odio, bestias,sacudidas, idilios, creencias políticas, negaciones, dudas, afirmaciones,impuestos. La sagrada ley del madrigal y los decretos del tacto, olfato,gusto, vista, oído, el deseo de justicia, el deseo sexual, el ruido del océano,sin excluir deliberadamente nada, sin aceptar deliberadamente nada, la

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entrada en la profundidad de las cosas en un acto de arrebatado amor, y elproducto poesía manchado de palomas digitales, con huellas de dientes yhielo, roído tal vez levemente por el sudor y el uso. Hasta alcanzar esadulce superficie del instrumento tocado sin descanso, esa suavidad durísimade la madera manejada, del orgulloso hierro. La flor, el trigo, el agua tienentambién esa consistencia especial, ese recurso de un magnífico acto. Y noolvidemos nunca la melancolía, el gastado sentimentalismo, perfectos frutosimpuros de maravillosa calidad olvidada, dejados atrás por el frenéticolibresco: la luz de la luna, el cisne en el anochecer, “corazón mío” son sinduda lo poético elemental e imprescindible. Quien huye del mal gusto caeen el hielo (NERUDA, 1974)

A primeira coisa a ser notada neste manifesto é o plural, o nós, e não é

um plural majestático. Neruda está no ápice de um debate com Ramón José

Jimenez, que simbolizaria a “poesia velha”, a que não tem inspiração vanguardista e

que defende os motivos nobres e a forma casta, petrarquista. Neste debate, Neruda

que poucas vezes é catalogado como um poeta da Geração de 1927, faz um

manifesto de toda esta Geração. As preocupações temáticas e estéticas desta

geração estão sintetizados de forma sucinta em Para uma poesia impura, uma

poesia que se abre para o cotidiano, para a fealdade, para o banal e vulgar, para o

sexo sem amor e castidade, para a velhice e a morte, para a guerra, para a

exploração e luta de classes. É um calidoscópio do experimentalismo desta geração,

na transversal do tempo entre o passado e o futuro, buscando em formas antigas

populares a renovação estilística da literatura espanhola.

Olhando este manifesto conseguimos enxergar uma continuidade no

Neruda pós-Espanha face aos Nerudas anteriores, um alargamento. Isto não

significa que Espanha e a Guerra Civil, assim como sua estada como Cônsul em

Madrid e Barcelona não tenham modificado sua poesia, o que defendemos é que

houve um salto, uma síntese dialética que alargou seu campo de entendimento da

poesia, sem que ele houvesse abandonado características e influências anteriores.

O Neruda pós-Espanha não é um poeta “melhor”, é um poeta mais completo, mais

variado, com uma maior visão social e melhor compreensão do mundo. Não

conseguimos enxergar como uma visão mais aprofundada do mundo e dos

problemas humanos possa rebaixar uma poesia ou reduzi-la. Na poesia sem pureza

de Pablo cabe seu passado nos bosques em Temuco, sua dura passagem pelo

Oriente, a amizade e as tertúlias em comum com os poetas da Geração de 1927 e o

horror da Guerra Civil.

Para se entender esta fase político engajada por Guerra Civil espanhola é

necessário entender os móveis político-ideológicos, os fatores que o levarão a se

118

tornar um poeta militante, socialista e membro do Partido Comunista Chileno e do

movimento comunista internacional. Usaremos o conceito gramsciano de bloco

histórico (conjunto de fatores econômicos, políticos, ideológicos que acontecem

agrupados em um determinado tempo histórico) para entender o conjunto de

acontecimentos que levarão não só Neruda, mas um grande número de intelectuais,

tanto na Europa, quanto na América, a se situarem no campo marxista entre as

décadas de 1930 e 1950: Gabriel García Marques, Nancy Cunard, César Vallejo,

Oscar Niemeyer, Jorge Amado, Dias Gomes, Pagu, Di Cavalcanti, Portinari, André

Breton, Frida Khalo, Diego Rivera, Paul Róbson, Carlos Drummond de Andrade,

Tarsila do Amaral, Cesar Vallejo, dentre outros.

A Guerra Civil Espanhola quando, em que pesem todas as críticas à

União Soviética, a República somente recebeu ajuda e apoio dos soviéticos, que

solidarizou-se enviando ajuda militar, inclusive com assessores para treinar o

exército republicano e as incríveis brigadas internacionais, que reuniram voluntários

do mundo inteiro para lutar até a morte ao lado da República assassinada, levou a

uma onda de simpatia pelo movimento comunista internacional. Esta onda de

simpatia teve um lapso com o pacto de não agressão entre Alemanha e URSS entre

1939 e 1941, mas a onda pró movimento comunista foi retomada com a invasão da

União Soviética, e a resistência russa, principalmente em Moscou, Leningrado e

Stalingrado. Os comunistas não organizavam somente a resistência na Rússia, os

principais movimentos guerrilheiro de resistência na Europa eram organizados pelos

comunistas, os chamados partisanos. A conhecidíssima resistência na França

ocupada (e não o governo francês no estrangeiro) era encabeçada pelos comunistas

e pelo Partido Comunista Francês, na clandestinidade. Também os movimentos

intelectuais de resistência ao nazifascismo eram quase todos encabeçados por

intelectuais comunistas. Num bloco histórico como este, não seria de se estranhar

que Neruda tomasse partido pelos comunistas, embora ele só se filie formalmente

ao Partido Comunista do Chile em 1945.

A simpatia e o trabalho junto com os intelectuais comunistas começa em

Neruda ainda em 1936, na Espanha que resistia ao fascismo dos falangistas e de

Franco:

Aunque el carnet militante lo recibí muchos más tarde en Chile, cuandoingresé oficialmente al partido, creo haberme definido ante mí mismo comocomunista durante la guerra de España. Muchas cosas contribuyeron a miprofunda convicción.Mi contradictorio compañero, el poeta nietzscheano León Felipe, era un

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hombre encantador. Entre sus atractivos el mejor era un anárquico sentidode indisciplina y de burlona rebeldía. En plena guerra civil se adaptófácilmente a llamativa propaganda de la FAI (Federación AnarquistaIbérica). Concurría frecuentemente a los frentes anarquistas, dónde exponíasus pensamientos y leía sus poemas iconoclastas. Estos reflejaban unaideología vagamente ácrata, anticlerical, con invocaciones y blasfemias. Suspalabras cautivaban a los grupos anárquicos que se multiplicabanpintorescamente en Madrid mientras la población acudía al frente de batalla,cada vez más cercano. Los anarquista habían pintado tranvías y autobuses,la mitad roja y la mitad amarilla.Con sus largas melenas y barbas, collares y pulseras de balas,protagonizaban el carnaval agónico de España. Vi a varios de ellos,calzando zapatos emblemáticos, la mitad de cuero rojo y la otra de coronegro, cuya confección debía haber costado muchísimo trabajo a loszapateros. Y no se crea que era una farándula inofensiva. Cada uno llevabacuchillos, pistolones descomunales, rifles y carabinas. Por lo general sesituaban a las puertas principales de los edificios, en grupos que fumaban eescupían, haciendo ostentación de su armamento. Su principalpreocupación era cobrar las rentas a los aterrorizados inquilinos. O bienhacerlos renunciar voluntariamente a sus alhajas, anillos y relojes.Volvía León Filipe de una de sus conferencias anarquistas, ya entraba denoche, cuando nos encontramos en el café de la esquina de mi casa. Elpoeta llevaba una capa española que iba muy bien con usa barba nazarena.Al salir rozó, con los elegantes pliegos de su atuendo romántico, a uno desus quisquillosos correligionarios. No sé si la apostura de antiguo hidalgo deLeón Filipe molestó a aquel “Héroe” de la retaguardia, pero lo cierto es quefuimos detenidos a los pocos pasos por un grupo de anarquistas,encabezados por el ofendido del café. Querían examinar nuestros papelesy, tras darles un vistazo, se llevaron al poeta leonés entre dos hombresarmados.Mientras lo conducían hacia el fusilamiento próximo a mi casa, cuyosestampidos nocturnos muchas veces no me dejaban dormir, vi pasar dosmilicianos armados que volvían del frente. Les expliqué quién era LeónFilipe, cuál era el agravio en que había incurrido y gracias a ellos pudeobtener la liberación de mi amigo.Esta atmósfera de turbación ideológica y de destrucción gratuita me diomucho que pensar. Supe las hazañas de un anarquista austríaco, viejo ymiope, de largas melenas rubias, que se había especializado en dar“paseos”. Había formado una brigada que bautizó “Amanecer” porqueactuaba a la salida del sol.— No ha sentido usted alguna vez dolor de cabeza? — le preguntaba a lavíctima.— Sí, claro, alguna vez.— Pues yo le voy a dar un buen analgésico — le decía el anarquistaaustríaco, encañonándole la frente con su revólver y disparando un balazo.Mientras estas bandas pululaban por la noche ciega de Madrid, loscomunistas rema la única fuerza organizada que creaba un ejército paraenfrentarlo a los italianos, a los alemanes, a los moros y a los falangistas. Yeran, al mismo tiempo, la fuerza moral que mantenía la resistencia y la luchaanti-fascista.Sencillamente, había que elegir un camino. Eso fue lo que yo hice aquellosdías y nunca he tenido que arrepentirme de una decisión tomada entre lastinieblas y las esperanzas de aquella época trágica (NERUDA, 2005, pp.155).

Assim, Neruda toma partido e faz opção pelos comunistas ainda na

Guerra Civil Espanhola, embora só vá se declarar formalmente ligado ao partido em

1945. Era algo comum na época os artistas tomarem posição a favor dos

120

comunistas, já que estes eram os mais fervorosos propagandistas contra a guerra e

o nazifascismo. Para os artistas, o nazifascismo significava guerra, morte, exílio: o

Puntsch de Hitler na Áustria em 1934, a Guerra da Etiópia em 1935, a reocupação

da Renânia e a Guerra Civil Espanhola em 1936. Os móveis desta decisão estão

narrados acima, da citação retirada do livro “Confieso que he vivido”, em que ele

narra como sua casa ficava no meio do caminho da frente de batalha e como ele foi

testemunha dos trágicos acontecimentos, tomando partido a favor dos republicanos

e militando por eles. Temos que retomar neste capítulo, a cadeia de acontecimentos,

alguns já relatados no capítulo anterior, que abre a fase do Neruda engajado,

militante socialista, com uma poesia manchada de sangue, do sangue dos seus

companheiros mortos em batalha, ou simplesmente fuzilados pelos fascistas.

A narrativa poética do desaparecimento de Federico García Lorca tem a

confissão de próprio punho de uma virada intelectual e poética. O marco de

mudança causado pelo trauma da perda e da guerra. O sacrifício de Lorca é um

símbolo, cruel, absurdo, mas exatamente por isto um marco. O maior poeta daquela

geração morto por ser “rojo y maricas”. Lorca não foi assassinado sequer por sua

militância política, mas por suas obras e pensamentos. A velha Espanha tentando

matar a primavera vermelha ao destruir as flores. O cordeiro branco sacrificado

lembra a mitologia cristã, com os sacrifícios de Jesus e João Baptista, ou o

assassinato de Sócrates por suas ideias. É uma vítima inocente que pagou por

crimes que não cometeu para que simplesmente a Espanha nascente revolucionária

e popular fosse sufocada.

Como poeta autobiográfico, é fácil seguir as pegadas de mudança de

Neruda, porque ele as deixas visíveis nas próprias obras, não só em Confieso que

viví ou para Nascer Nasci, mas também nos seus poemas, como España en el

Corazón, esta marcado o itinerário poético. Mesmo a morte de Lorca, acontecimento

trágico, é pintado em prosa poética:

Federico tuvo un preconocimiento de su muerte. Una vez que volvía de unagira teatral me llamó para contarme un suceso muy extraño. Con los artistasde “La Barraca” había llegado a un lejanísimo pueblo de Castilla yacamparon en los aledaños. Fatigado por las preocupaciones del viaje,Federico no dormía. Al amanecer se levantó y salió a vagar solo por losalrededores. Hacía frío, ese frío de cuchillo que Castilla tiene reservado alviajero, al intruso. La niebla se desprendía en masas blancas y todo loconvertía a una dimensión fantasmagórica.(…) un corderito pequeñito llegó a ramonear las yerbas entre las ruinas y suaparición era como un pequeño ángel de niebla que humanizaba de prontola soledad del paraje. El poeta se sintió acompañado.De pronto una piara de cerdos entró también al recinto. Eran cuatro o cinco

121

bestias oscuras, cerdos negros semisalvajes con hambre cerril y pezuñasde piedra.Federico presenció entonces una escena de espanto. Los cerdos seecharon sobre el cordero y junto al horror del poeta lo despedazaron y lodevoraron.Este escena de y soledad hizo con que Federico ordenara a su teatroambulante continuar inmediatamente el camino.Transido de horror todavía, tres meses antes de la guerra civil, Federico mecontaba esta historia terrible.Yo vi después, con mayor y mayor claridad, que aquel suceso fue larepresentación anticipada de su muerte, la premonición de su increíbletragedia.Federico García Lorca no fue fusilado, fue asesinado. Naturalmente nadiepodía pensar que lo matarían alguna vez. De todos los poetas de Españaera el más amado, el más querido, y el más semejante a un niño por sumaravillosa alegría. Quién pudiera creer que hubiera sobre su tierra, y sobresu tiempo, monstruos capaces de un crimen tan inexplicable.La incidencia de aquel crimen fue para mi la más dolorosa de una largalucha. Siempre fue España un campo de gladiadores, una tierra con muchasangre. La plaza de toros, con su sacrificio y su elegancia cruel, repite,engalanando de farándula, el antiguo combate mortal entre la sombra y laluz (NERUDA, 2005, p. 168-170).

A simbologia deste trecho é autoelucidativa. No caso, há até simbologia

cristã, com Federico García Lorca sendo sacrificado e pagando com seu sangue

como um cordeiro (como Jesus, cordeiro de Deus), pelos ímpios. Os porcos, que na

bíblia são possuídos por demônios, demonstram, nesta constituição parabólica da

conversação entre ambos os poetas, porcos negros (cor do fascismo), a opinião

depreciativa que Neruda tinha dos golpistas. Lorca era sem dúvida nenhuma um

poeta que tinha amigos dos dois lados da contenda, não era um militante socialista

(embora fosse um simpatizante) e não havia tomado lado na guerra. Pensou que

estaria seguro indo para sua terra natal e cometeu um terrível erro. Foi morto pelo

que significava a sua poesia e seu teatro, uma denúncia permanente de uma

Espanha Feudal e conservadora, o que é uma demonstração irrefutável de que a

arte pode ter um engajamento, para além até do que pretendem seus autores. A

reação de Neruda ao crime contra Lorca foi a de pegar os mesmos motivos que

ensejaram a poesia de Lorca, ser a voz do oprimido e continuá-la, dando nova

roupagem. O Neruda pós-Espanha é resultado, síntese dialética deste conjunto de

influxos.

O Neruda pós-Espanha, militante socialista e poeta engajado, começa na

Espanha, durante o conflito, com a Terceira Residência na Terra e seu poema

Espanha no Coração:

España en el CorazónExplico algunas cosas

Preguntaréis: Y dónde están las lilas?

122

Y la metafísica cubierta de amapolas?Y la lluvia que a menudo golpeabasus palabras llenándolasde agujeros y pájaros?

Os voy a contar todo lo que me pasa.

Yo vivía en un barriode Madrid, con campanas,con relojes, con árboles.

Desde allí se veíael rostro seco de Castillacomo un océano de cuero.Mi casa era llamadala casa de las flores, porque por todas partesestallaban geranios: erauna bella casacon perros y chiquillos.Raúl, te acuerdas?Te acuerdas, Rafael?Federico, te acuerdasdebajo de la tierra,te acuerdas de mi casa con balcones en dondela luz de junio ahogaba flores en tu boca?Hermano, hermano!Todo eran grandes voces, sal de mercaderías,.aglomeraciones de pan palpitante,mercados de mi barrio de Argüelles con su estatuacomo un tintero pálido entre las merluzas:el aceite llegaba a las cucharas,un profundo latidode pies y manos llenaba las calles,metros, litros, esencia aguda de la vida,pescados hacinados,contextura de techos con sol frío en el cualla flecha se fatiga,delirante marfil fino de las patatas,tomates repetidos hasta el mar..Y una mañana todo estaba ardiendo,y una mañana las hoguerassalían de la tierradevorando seres,y desde entonces fuego,pólvora desde entonces,y desde entonces sangre.Bandidos con aviones y con moros,bandidos con sortijas y duquesas,bandidos con frailes negros bendiciendovenían por el cielo a matar niños,y por las calles la sangre de los niñoscorría simplemente, como sangre de niños.

Chacales que el chacal rechazarla,piedras que el cardo seco mordería escupiendo,víboras que las víboras odiaran!

Frente a vosotros he visto la sangre de España levantarse

123

para ahogaros en una sola olade orgullo y de cuchillos!

Generales traidores:mirad mi casa muerta,mirad España rota:pero de cada casa muerta sale metal ardiendoen vez de flores,pero de cada hueco de España sale España,pero de cada niño muerto sale un fusil con ojos,pero de cada crimen nacen balasque os hallar n un día el sitio del corazón.

Preguntaréis por qué su poesíano nos habla del sueño, de las hojas,de los grandes volcanes de su país natal?

Venid a ver la sangre por las calles,venid a ver la sangre por las calles,venid a ver la sangre por las calles! (NERUDA, 2004, P. 76).

O Neruda de Espanha no Coração já possui todas as características

poéticas do Nerudas pós-Espanha. O niilista existencialista cedeu lugar ao militante

engajado, que nos convida a ver o sangue nas ruas e faz da poesia crítica social. No

poema nota-se que no início, Neruda é o poeta da feira, da alegria, dos peixes, dos

amigos, do cheiro e dos sons da rua. O mesmo Neruda de sempre, que vem mesclar

sangue a seus poemas, que clama por Federico debaixo da terra. Seus amigos

estão debaixo da terra ou exilados, a guerra partiu sua poesia. A influência do amigo

Lorca também se vê no ritmo e na musicalidade usados no fim do poema (venid a

ver la sangre en la calle) através da repetição de versos, recurso usado muitas

vezes por Lorca, inclusive no famosíssimo, Verde que te quiero verde. España en el

corazón alude a outro recurso que é redundante em Neruda, a autobiografia, sua

experiência grita no poema, como um antigo cantador da era homérica, Neruda

como Hesíodo, canta e denuncia seu tempo, para que nunca seja esquecido o

sangue dos espanhóis derramado pelo golpe fascista. O processo de transformação

já está completo, a síntese de todos os elementos está completa. Neruda já tem

todos os componentes que estarão doravante em suas criações. De tal importância

é España en el Corazón, que assim o poeta testemunha como se deu seu livro:

MI LIBRO SOBRE ESPAÑAPasó el tiempo. La guerra comenzaba a perderse. Los poetas acompañaronal pueblo español en su lucha. Federico ya había sido asesinado enGranada. Miguel Hernández, de pastor de cabras se había transformado enverbo militante. Con uniforme de soldado recitaba sus versos en primeralínea de fuego. Manuel Altolaguirre seguía con sus imprentas. Instaló una enpleno frente del Este, cerca de Gerona, en un viejo monasterio. Allí seimprimió de manera singular mi libro España en el corazón. Creo que pocoslibros, en la historia extraña de tantos libros, han tenido tan curiosa

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gestación y destino.Los soldados del frente aprendieron a parar los tipos de imprenta. Peroentonces faltó el papel. Encontraron un viejo molino, y allí decidieronfabricarlo. Extraña mezcla la que se elaboró, entre las bombas que caían,en medio de la batalla. De todo le echaban al molino, desde una banderadel enemigo hasta la túnica ensangrentada de un soldado moro. A pesar delos insólitos materiales, y de la total inexperiencia de los fabricantes, elpapel quedó muy hermoso. Los pocos ejemplares que de ese libro seconservan, asombran por la tipografía y por los pliegos de misteriosamanufactura. Años después vi un ejemplar de esta edición en Washington,en la biblioteca del Congreso, colocado en una vitrina como uno de los librosmás raros de nuestro tiempo.Apenas impreso y encuadernado mi libro, se precipitó la derrota de laRepública. Cientos de miles de hombres fugitivos repletaron las carreterasque salían de España. Era el éxodo de los españoles, el acontecimientomás doloroso en la historia de España.Con esas filas que marchaban al destierro iban los sobrevivientes delejército del Este, entre ellos Manuel Altolaguirre y los soldados que hicieronel papel e imprimieron España en el corazón.Mi libro era el orgullo de esos hombres que habían trabajado mi poesía enun desafío a la muerte. Supe que muchos habían preferido acarrear sacoscon los ejemplares impresos antes que sus propios alimentos y ropas. Conlos sacos al hombro emprendieron la larga marcha hacia Francia.La inmensa columna que caminaba rumbo al destierro fue bombardeadacientos de veces. Cayeron muchos soldados y se desparramaron los librosen la carretera. Otros continuaron la inacabable huida. Más allá de lafrontera trataron brutalmente a los españoles que llegaban al exilio. En unahoguera fueron inmolados los últimos ejemplares de aquel libro ardiente quenació y murió en plena batalla (NERUDA, 2005, 170-171).

O viajante exilado e sem pátria no Oriente adota uma pátria na Espanha,

como os espanhóis exilados no Winnipeg, que tiveram uma nova pátria no Chile

graças a Neruda. O poeta também tem duas pátrias, a de nascimento e a de adoção

poética e militante, a Espanha Republicana. A Espanha de um sonho jovem de

constituição do socialismo com democracia, e de renovação artística e de suas

estruturas. O poeta do caos e da incerteza, da fragilidade diante do tempo, se torna

passageiro do tempo histórico e toma parte como soldado literário no conflito, é

adotado pelos brigadistas e republicano como um deles, um soldado socialista do

internacionalismo, cujos poemas viraram canções de guerra e de resistência.

Neruda já é o camarada Pablo Neruda, que vai se dedicar, durante toda a Guerra

Civil, a ajudar os republicanos e, após a guerra, cuidará de salvar muitos deles os

exilando em segurança no Chile. Sem fazer deste trabalho um estudo de

biografismo literário, não temos como não relatar que neste caso, neste momento,

arte e vida se confundem em um só caudal, como no relato sobre seu trabalho na

emigração de republicanos derrotados e acuados em campos de concentração na

França:

Pero la vida me sacó de inmediato de allí.Las noticias aterradoras de la emigración española llegaban a Chile. Más de

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quinientos mil hombres y mujeres, combatientes y civiles, habían cruzado lafrontera francesa. En Francia, el gobierno de Léon Blum, presionado por lasfuerzas reaccionarias, los acumuló en campos de concentración, los repartióen fortalezas y prisiones, los mantuvo amontonados en las regionesafricanas, junto al Sahara.El gobierno de Chile había cambiado. Los mismos avatares del puebloespañol habían robustecido las fuerzas populares chilenas y ahora teníamosun gobierno progresista.Ese gobierno del Frente Popular de Chile decidió enviarme a Francia, acumplir la más noble misión que he ejercido en mi vida: la de sacarespañoles de sus prisiones y enviarlos a mi patria. Así podría mi poesíadesparramarse como una luz radiante, venida desde América, entre esosmontones de hombres cargados como nadie de sufrimiento y heroísmo. Asími poesía llegaría a confundirse con la ayuda material de América que, alrecibir a los españoles, pagaba una deuda inmemorial.Casi inválido, recién operado, enyesado en una pierna -tal eran miscondiciones físicas en aquel momento salí de mi retiro y me presenté alpresidente de la república. Don Pedro Aguirre Cerda me recibió con afecto.-Sí, tráigame millares de españoles. Tenemos trabajo para todos. Tráigamepescadores; tráigame vascos, castellanos, extremeños.Y a los pocos días, aún enyesado, salí para Francia a buscar españolespara Chile.Tenía un cargo concreto. Era cónsul encargado de la inmigración española;así decía el nombramiento. Me presenté luciendo mis títulos a la embajadade Chile en París.Gobierno y situación política no eran los mismos en mi patria, pero laembajada en París no había cambiado. La posibilidad de enviar españoles aChile enfurecía a los engomados diplomáticos. Me instalaron en undespacho cerca de la cocina, me hostilizaron en todas las formas hastanegarme el papel de escribir. Ya comenzaba a llegar a las puertas deledificio de la embajada la ola de los indeseables: combatientes heridos,juristas y escritores, profesionales que habían perdido sus clínicas, obrerosde todas las especialidades.Como se abrían paso contra viento y marea hasta mi despacho, y como mioficina estaba en el cuarto piso, idearon algo diabólico: suspendieron elfuncionamiento del ascensor. Muchos de los españoles eran heridos deguerra y sobrevivientes del campo africano de concentración, y medesgarraba el corazón verlos subir penosamente hasta mi cuarto piso,mientras los feroces funcionarios se solazaban con mis dificultades(NERUDA, 2005, 191-192).

Nesta citação, há uma explicação a mais para a opção marxista e

comunista de Neruda, o nenhum apoio dado pelas “democracias ocidentais” à

tragédia do povo espanhol. Estados Unidos, França e Inglaterra, preocupados com o

avanço dos socialistas e comunistas na Espanha, simplesmente declararam

neutralidade e não deram nenhum apoio à jovem república assassinada. Franco

pode cruzar tranquilamente, embarcado em barcos de guerra italianos, o estreito de

Gibraltar, sem que a marinha inglesa criasse qualquer dificuldade. Hitler pode

bombardear livremente as cidades republicanas espanhola e o mundo ocidental

sequer fingiu indignação com o feito. Esta série de atitudes empurraram mais e mais

o poeta Neruda para sua opção comunista.

Para compreendermos de forma integral a mudança de Neruda, vamos

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utilizar os poemas do Canto General, sua obra mais militante. Na análise desta obra

poderemos entender como o poeta autobiográfico (e é impossível não reconstituir

neste caso a história de Neruda, dado o entendimento de seus próprios críticos de

que ele transfere para a sua poesia os acontecimentos históricos de seu tempo) faz

uma viragem e uma opção militante de artista engajado, como na classificação

gramsciana de “intelectual orgânico”:

A relação entre os intelectuais e o mundo da produção não é imediata,como é o caso nos grupos sociais fundamentais, mas é “mediatizada”, emdiversos graus, por todo o contexto social, pelo conjunto dassuperestruturas, do qual os intelectuais são precisamente os “funcionários”.Poder-se-ia medir a “organicidade” dos diversos estratos intelectuais, suamais ou menos estreita conexão com um grupo social fundamental, fixandouma gradação das funções e das superestruturas de baixo para cima (dabase estrutural para cima). Por enquanto, pode-se fixar dois grandes“planos” superestruturais: o que pode ser chamado de “sociedade civil” (istoé; o conjunto de organismos chamados comumente de “privados”) e o da“sociedade política ou Estado”, que correspondem à função de “hegemonia”que o grupo dominante exerce em toda a. sociedade e àquela de domíniodireto” ou de comando, que se expressa no Estado e no governo “jurídico”.Estas funções são precisamente organizativas e conectivas Os intelectuaissão os “comissários” do grupo dominante para o exercício das funçõessubalternas da hegemonia social e do governo político, isto é: 1) doconsenso “espontâneo” dado pelas grandes massas da população àorientação impressa pelo grupo fundamental dominante à vida social,consenso que nasce “historicamente” do prestígio (e, portanto, daconfiança) que o grupo dominante obtém, por causa de sua posição e desua .função no mundo da produção; 2) do aparato de coerção estatal queassegura “legalmente” a disciplina dos grupos que não “consentem”, nemativa nem passivamente, mas que é constituído para toda a sociedade, naprevisão dos momentos de crise no comando e na direção, nos quaisfracassa o consenso espontâneo (…) (Gramsci, 1982, pp. 9).

Para continuarmos nossa dissertação é fundamental sim fixar o conceito

de intelectual orgânico, que no marxismo foi estabelecido por Gramsci. Marx já

notara que o capitalismo fizera a separação entre trabalho manual e trabalho

intelectual, separação aparente, já que já nas teses sobre Feuerbach Marx

estabelece que todo trabalho manual é ao fim também pré-idealizado e racionalizado

e, assim, de certa forma, intelectual também. O intelectual orgânico é aquele então

engajado nas mudanças sociais de sua época, o que tenta influenciar com sua arte

o destino social dos povos, o que tomar partido e não acredita em neutralidade

política, nem que a arte seja um espaço técnico à parte e privativo. Assim como toda

atividade intelectual é práxis social, acabando assim com dicotomias absolutas entre

o pensar e o fazer, é a crítica ao materialismo vulgar “contemplativo” de Feuerbach:

A principal insuficiência de todo o materialismo até aos nossos dias — o deFeuerbach incluído — é que as coisas [der Gegenstand], a realidade, omundo sensível são tomados apenas sobre a forma do objecto [des Objekts]ou da contemplação [Anschauung]; mas não como atividade sensível

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humana, práxis, não subjectivamente. Por isso aconteceu que o lado activofoi desenvolvido, em oposição ao materialismo, pelo idealismo — masapenas abstractamente, pois que o idealismo naturalmente não conhece aactividade sensível, real, como tal. Feuerbach quer objectos [Objekte]sensíveis realmente distintos dos objectos do pensamento; mas não toma aprópria actividade humana como atividade objectiva [gegenständlicheTätigkeit]. Ele considera, por isso, na Essência do Cristianismo, apenas aatitude teórica como a genuinamente humana, ao passo que a práxis étomada e fixada apenas na sua forma de manifestação sórdida e judaica.Não compreende, por isso, o significado da actividade “revolucionária”, decrítica prática (MARX, ENGELS, 2007, pp. 27).

Não há como prosseguir na análise sem saber o terreno em que estamos

pisando, partindo destas duas premissas, da ideia de intelectual orgânico elaborada

por Gramsci, e da ideia de práxis elaborada por Marx e Engels, união indissolúvel de

teoria e prática, podemos entender a autoconcepção de Neruda de sua nova forma

de fazer poesia, catalisada em Canto Geral, uma espécie de livro de travessia, Ilíada

épica de luta latino-americana, de um poeta que como Homero, andava errante pelo

mundo, longe de sua casa de Isla Negra, sua Ítaca. O poeta engajado orgânico tinha

que pertencer a uma organização, o sujeito coletivo, o “moderno príncipe”, segundo

a concepção marxista-gramsciana:

O problema mais interessante é o que diz respeito, se considerado desteponto de vista, ao partido politico moderno, às suas origens reais, aos seusdesenvolvimentos, às suas formas. O que é que o partido politico se tornaem relação ao problema dos intelectuais? É necessário fazer algumasdistinções: 1) para alguns grupos sociais, o partido politico não é senão omodo próprio de elaborar sua categoria de intelectuais orgânicos (que seformam assim, e não podem deixar de se formar, dadas as característicasgerais e as condições de formação, de vida e de desenvolvimento do gruposocial dada) diretamente no campo politico e filosófico, e já não mais nocampo da técnica produtiva? 2) o partido politico, para todos os grupos, éprecisamente o mecanismo que representa na sociedade civil a mesmafunção desempenhada pelo Estado, de um modo mais vasto e maissintético, na sociedade política, ou seja, proporciona a fusão entre osintelectuais orgânicos de um dado grupo — o grupo dominante — e osintelectuais tradicionais; e esta função é desempenhada pelo partidoprecisamente em dependência de sua função fundamental, que é a deelaborar os próprios componentes, elementos de um grupo social nascido edesenvolvido como “econômico”, até transformá-los em intelectuais políticosqualificados, dirigentes, organizadores de todas as atividades e funçõesinerentes ao desenvolvimento orgânico de uma sociedade integral, civil epolítica. Aliás, pode-se dizer que, no seu âmbito, o partido politicodesempenha sua função muito mais completa e organicamente do que, numâmbito mais vasto, o Estado desempenha a sua: um intelectual que passa afazer parte do partido politico de um determinado grupo social confunde-secom os intelectuais orgânicos do próprio grupo, Liga-se estreitamente aogrupo, o que não ocorre através de participação na vida estatal senãomedíocre — 9 No campo da técnica produtiva, formam-se os estratos quecorrespondem, pode-se dizer, aos “praças graduados” no exército, isto é, osoperários qualificados e especializados na cidade e, de modo maiscomplexo, os parceiros e colonos no campo, pois o parceiro e o colonocorrespondem geralmente ao tipo artesão, que é o operário qualificado deuma economia medieval. 14 mente ou mesmo nunca. Aliás, ocorre quemuitos intelectuais pensem ser o Estado: crença esta que, dado o imenso

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número de componentes da categoria, tem por vetos notáveisconsequências e leva a desagradáveis complicações para o grupofundamental econômico que é realmente o Estado. Que todos os membrosde um partido político devam. set considerados como intelectuais, eis umaafirmação que se pode prestar à ironia e à caricatura; contudo, sepensarmos bem, veremos que nada é . mais exato. Dever-se-á fazer umadistinção de graus; um partido poderá ter uma maior ou menor composiçãodo grau mais alto ou do mais, baixo, mas não é isto que importa: importa,sim, a função, que é diretiva e organizativa, isto é, educativa, intelectual. Umcomerciante não passa a fazer parte de um partido politico para podercomerciar, nem um industrial para produzir mais e com custos reduzidos,nem um camponês para aprender novos métodos de cultivar a terra, aindaque alguns aspectos destas exigências do comerciante, do industrial, docamponês possam ser satisfeitos no partido políticos Para estas finalidades,dentro de certos limites, existe o sindicato profissional, no qual a atividadeeconômico-corporativa do comerciante, do industrial, do camponês,encontra seu quadro mais adequado. No partido politico, os elementos deum grupo social-econômico superam este momento de seudesenvolvimento histórico e se tomam agentes de atividades gerais, decaráter nacional e internacional. Esta função do partido político apareceriacom muito maior clareza mediante uma análise histórica concreta do modopelo qual se desenvolveram as categorias orgânicas e as categoriastradicionais dos intelectuais, tanto no terreno das várias histórias nacionaisquanto no do desenvolvimento dos vários grupos sociais mais importantesno quadro das diversas nações; notadamente daqueles grupos cujaatividade econômica foi sobretudo instrumental.(GRAMSCI, 1982, pp. 14).

Mesmo que Neruda não tenha se autodenominado gramsciano, não há

classificação ou explicação melhor para sua atividade neste momento. Poeta

orgânico, de uma classe e de um partido, menestrel de uma causa a qual se dedicou

e dedicou sua poesia até a morte. Mas nos cabe defender Neruda dos

reducionismos críticos, Pablo Neruda não reduziu sua poesia ao “realismo

socialista”. Realista fantástico antes de que nascera o movimento realista fantástico,

surrealista antes do manifesto surrealista, panteísta, inovador, vanguardista de

forma e conteúdo. O poeta vai manter todas estas características até o fim da sua

vida, aliadas ao seu engajamento. Assim, sua adesão ao comunismo não torna sua

poesia unilateral ou utilitarista, pelo contrário, ao encontro do sujo, do vulgar, do

erótico, da impureza, do cotidiano, a lírica nerudiana vai manter todos os elementos

anteriores: o sexo, o mar, os sinos, a uva, o vinho, as cebolas, tudo que é humano

interessa a sua poesia impura, menos o patrulhamento ideológico.

Canto Geral é a simbiose disto. Ele escreveu o livro entre 1945 e 1949,

sobre a influência indelével da Segunda Grande Guerra mundial e da Guerra Civil

Espanhola. Já não é mais um poeta jovem buscando um estilo, é um poeta maduro,

Senador pelo Partido Comunista Chileno, de Recabarén. É um intelectual definido

esteticamente e um militante político engajado. As condições em que finalizou o livro

são extremas: Em fevereiro de 1948 a Suprema Corte Chilena, a pedido do

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presidente Gabriel González Videla aprova sua cassação e ele tem sua prisão

ordenada. A polícia o caça, está escondido em um apartamento em Vicuña Mackena

com sua mulher Délia del Carril, a passos da Alameda principal de Santiago. Neruda

não tem nenhuma comodidade, deixou a barba crescer para se disfarçar, ficará na

clandestinidade total durante 13 meses. Neste tempo será escondido por camaradas

do Partido Comunista Chileno, em dezenas de casas, entre Santiago e Valparaíso.

Camaradas pobres: operários, pescadores, agricultores, contrabandistas. Ele

consegue escapar em 1949, com a identidade com o nome de Antonio Ruiz

Legarreta, com a profissão poética de ornitólogo, atravessa os Andes rumo ao sul, à

Argentina, aventura que recordará no discurso do prêmio nobel.

É o poeta que vivenciou sua própria poesia, sua Ilíada, o Canto Geral,

narrará esta travessia épica. É um livro no qual personagem e autor, poeta e poesia

se confundem. E é uma história de traição política, já que González Videla ganha a

eleição e inicia seu governo em 1947 com o apoio dos comunistas, prometendo

mudanças. O chefe da sua campanha por parte do Partido Comunista Chilena é o

poeta Pablo Neruda, que foi eleito senador. Em outubro do mesmo ano há uma

greve histórica dos mineiros de Chuquicamata, liderados pelo Partido Comunista

Chileno. Os trabalhadores de todo o país entram em greve apoiando os mineiros. As

lideranças comunistas são presas e mandados para o presídio de Pisagua. Neruda

publica no diário Nacional de Caracas, Venezuela, um artigo intitulado Carta íntima

para millones de obreros, no qual denúncia a política repressiva de Videla. Em 6 de

dezembro de 1948, Neruda lê um discurso acusatório contra González Videla na

tribuna do Senado. Logo em seguida, ele terá sua prisão decretada e terá que se

esconder e viver fugitivo. O PC Chileno cuida da segurança de Neruda e de sua

fuga, Victor Pey será encarregado pessoalmente da tarefa, a perseguição que sofreu

o tornará um ícone nacional de resistência, já que, mesmo eleita pelas urnas, teve

seu mandato cassado e sua prisão decretada. González Videla governa o Chile de

forma ditatorial, colocando líderes sindicais na prisão e relegando o Partido

Comunista à ilegalidade. É claro que um livro escrito nestas condições (de pós-

guerra, Guerra Fria, perseguição a intelectuais e trabalhadores) é, além de um livro

de poesia, um documento histórico.

Começaremos a análise do Canto Geral, que tem a dupla função de

mostrar como Neruda receberá as influências espanholas vanguardistas de sua

residência na Espanha durante a República e a Guerra Civil, e também de corolário

130

final da poesia nerudiana, com o poema Alturas de Macchu Picchu:

IIDel aire al aire, como una red vacía,iba yo entre las calles y la atmósfera, llegando y despidiendo,en el advenimiento del otoño la moneda extendidade las hojas, y entre la primavera y las espigas,lo que el más grande amor, como dentro de un guanteque cae, nos entrega como una larga luna.

(Días de fulgor vivo en la intemperiede los cuerpos: aceros convertidosal silencio del ácido:noches desdichadas hasta la última harina:estambres agredidos de la patria nupcial.)

Alguien que me esperó entre los violinesencontró un mundo como una torre enterradahundiendo su espiral más abajo de todaslas hojas de color de ronco azufre:más abajo, en el oro de la geología,como una espada envuelta en meteoros,hundí la mano turbulenta y dulceen lo más genital de lo terrestre.

Puse la frente entre las olas profundas,descendí como gota entre la paz sulfúrica,y, como un ciego, regresé al jazmínde la gastada primavera humana (NERUDA, 2003, pp. 40-53).

O mais interessante de Alturas de Macchu Picchu é que Neruda se

refunda sem abandonar nenhum de seus elementos. Primeiro, e é bom relembrar

Lorca, que fez o mesmo em Espanha, com os ciganos, ele vai escolher um povo

oprimido e relegado na história, os derrotados, não os vitoriosos, os incas, os povos

originários, para cantar sua saga. Assim, o poema é uma recriação do mito da

origem, mas desta vez uma origem mítica que o liga aos povos originários e à

resistência anticolonialista, ao mesmo tempo, os elementos fundantes da sua poesia

estão todos ali, a natureza mítica, mística, com uma força panteística, a busca de

uma infinitude que não pereça, desta vez realizada através da vida coletivo. O que

não perece é a vida, a vida de Neruda, por certo perecerá, mas a vida de todos não

perecerá, quando ele se faz um, se faz “povo”, através da luta, ele realiza de forma

ideológica sua tentativa do homem infinito. E lá está a água, o bosque, as árvores, o

mar, todos os signos que teimam em retornar sempre em sua poesia. Fundamental

neste trabalho frisar isto, o militante poeta engajado, senador do Partido Comunista

não restringe sua poesia, a luta politica, a busca de uma outra visão de povo e de

nação, miscigenada, dos derrotados, dos humilhados, dos explorados são novos

elementos de sua poesia, amalgamado aos demais, como na visão de pátria de

131

Neruda ficará a amálgama daqueles que não tem pátria, dos deserdados, do

camponês explorado, do mineiro e sua vida infernal embaixo da terra, do operário

sindicalizado e filiado ao Partido Comunista que luta por emancipação. A poesia

continua impura e variada:

(…)Juan Cortapiedras, hijo de Wiracocha,Juan Comefrío, hijo de estrella verde,Juan Piesdescalzos, nieto de la turquesa,sube a nacer conmigo, hermano.

XII

Sube a nacer conmigo, hermano.Dame la mano desde la profundazona de tu dolor diseminado.No volverás del fondo de las rocas.No volverás del tiempo subterráneo.No volverá tu voz endurecida.No volverán tus ojos taladrados.Mírame desde el fondo de la tierra,labrador, tejedor, pastor callado:domador de guanacos tutelares:albañil del andamio desafiado:aguador de las lágrimas andinas:joyero de los dedos machacados:agricultor temblando en la semilla:alfarero en tu greda derramado:traed a la copa de esta nueva vidavuestros viejos dolores enterrados.Mostradme vuestra sangre y vuestro surco,decidme: aquí fui castigado,porque la joya no brilló o la tierrano entregó a tiempo la piedra o el grano:señaladme la piedra en que caísteisy la madera en que os crucificaron,encendedme los viejos pedernales,las viejas lámparas, los látigos pegadosa través de los siglos en las llagasy las hachas de brillo ensangrentado.Yo vengo a hablar por vuestra boca muerta (NERUDA, 2003, pp. 40-53).

Neruda, intelectual orgânico e poeta do povo, agora dá voz aos que não

tem voz, rosto aos que não tem rosto. Por sua poesia falarão o mineiro, o operário, a

mulher pobre, a camponesa, os sem-terra, os povos originários. Poesia que vira

também narração de seu tempo, tempo de genocídios, tempo de ditaduras, pobreza

extrema na América Latina, massacres, violações. Neruda não tem medo de todas

as impurezas, tudo que é humano lhe interessa, ele alarga a fronteira temática da

poesia a “sujando” de povo:

A través de la tierra juntad todoslos silenciosos labios derramadosy desde el fondo habladme toda esta larga nochecomo si yo estuviera con vosotros anclado,contadme todo, cadena a cadena,

132

eslabón a eslabón, y paso a paso,afilad los cuchillos que guardasteis,ponedlos en mi pecho y en mi mano,como un río de rayos amarillos,como un río de tigres enterrados,y dejadme llorar, horas, días, años,edades ciegas, siglos estelares.

Dadme el silencio, el agua, la esperanza.

Dadme la lucha, el hierro, los volcanes.

Apegadme los cuerpos como imanes.

Acudid a mis venas y a mi boca.

Hablad por mis palabras y mi sangre (NERUDA, 2003, pp. 40-53).

É uma refundação, da poesia e do homem Pablo Neruda. Convoca,

chama os trabalhadores pelos seus nomes de João, de homem comum. E os chama

para a luta, é uma apologia do homem comum, mas não do homem pacífico. Pede

que cada um afiem suas facas e a ponham na mão do poeta, aí poesia e dialética

marxista se confundem, já que para Marx, “a arma da crítica tem de virar crítica das

armas”. O poeta, intelectual orgânico, coloca sua poesia a serviço dos pobres e

deserdados. Assim, ele mescla suas influências estilísticas com suas influências

políticas e clama por Ayllú, a pátria grande, por isto canta todos os libertadores e

convoca todos os latino-americanos:

AMÉRICA, no invoco tu nombre en vano.Cuando sujeto al corazón la espada,cuando aguanto en el alma la gotera,cuando por las ventanasun nuevo día tuyo me penetra,soy y estoy en la luz que me produce,vivo en la sombra que me determina,duermo y despierto en tu esencial aurora:dulce como las uvas, y terrible,conductor del azúcar y el castigo,empapado en esperma de tu especie,amamantado en sangre de tu herencia. (Neruda, 2003, pp. 40-53)

Mesmo num poema político por excelência, a poética nerudiana vem

empapada de suas influências juvenis, elas permanecem, retornam. O erótico e o

sexual, na evocação do esperma como sua semente e origem, sangue, uvas, luz, a

sinestesia dos jogos de palavras e símbolos do qual não abre mão para falar de

forma mais direta, e que namora com o surrealismo em suas construções oníricas e

com o realismo fantástico. Insistimos em traçar esta linha de permanência, de um

poeta que mantém todos os seus fantasmas, seus Gôngoras, Quevedos, Bécquers,

Whitman, Albertís, Lorcas, mesclados com o bosque chileno e com a fragrância do

133

Oriente e dos Andes.

Um poeta em fuga, escapando para o exílio, mas retratando

pictoricamente tudo que vê, todas as características humanas, todo o drama e todos

os sentimentos no caminho a sua volta:

VIPAZ para los crepúsculos que vienen,paz para el puente, paz para el vino,paz para las letras que me buscany que en mi sangre suben enredandoel viejo canto con tierra y amores,paz para la ciudad en la mañanacuando despierta el pan, paz para el ríoMississippi, río de las raíces:paz para la camisa de mi hermano,paz en el libro como un sello de aire,paz para el gran koljós de Kíev,paz para las cenizas de estos muertosy de estos otros muertos, paz para el hierronegro de Brooklyn, paz para el carterode casa en casa como el día,paz para el coreógrafo que gritacon un embudo a las enredaderas,paz para mi mano derecha,que sólo quiere escribir Rosario:paz para el boliviano secretocomo una piedra de estaño, pazpara que tú te cases, paz para todoslos aserraderos de Bío Bío,paz para el corazón desgarradode España guerrillera:paz para el pequeño Museo de Wyomingen donde lo más dulcees una almohada con un corazón bordado,paz para el panadero y sus amores y paz para la harina: paz para todo el trigo que debe nacer, para todo el amor que buscará follaje, paz para todos los que viven: paz para todas las tierras y las aguas (NERUDA, 2002, pp. 306).

Exilado da sua pátria, o poeta não pede vingança, pede paz. Embora

clame pela libertação dos povos, do fim das tiranias e dos tiranos, a poesia segue

clara, pedindo a paz, a divisão do pão. Sua pátria é sempre o retorno às origens, a

volta ao bosque, ele parte, sabendo que seu destino é voltar e morrer mil vezes em

sua pátria. Homem ligado à terra araucana, ao bosque chileno, a poesia dele canta

as origens e a identidade, é a inauguração de uma nova pátria imaginária, mais

solidária, fraterna, igual e livre:

Yo aquí me despido, vuelvoa mi casa, en mis sueños,vuelvo a la Patagonia en dondeel viento golpea los establosy salpica hielo el Océano.

134

Soy nada más que un poeta: os amo a todos,ando errante por el mundo que amo:en mi patria encarcelan minerosy los soldados mandan a los jueces.Pero yo amo hasta las raícesde mi pequeño país frío.Si tuviera que morir mil vecesallí quiero morir:si tuviera que nacer mil vecesallí quiero nacer,cerca de la araucaria salvaje,del vendaval del viento sur,de las campanas recién compradas.Que nadie piense en mí.Pensemos en toda la tierra,golpeando con amor en la mesa.No quiero que vuelva la sangrea empapar el pan, los frijoles,la música: quiero que vengaconmigo el minero, la niña,el abogado, el marinero,el fabricante de muñecas,que entremos al cine y salgamosa beber el vino más rojo.

Yo no vengo a resolver nada.

Yo vine aquí para cantary para que cantes conmigo (NERUDA, 2002, pp. 306).

Um poeta que conclama os trabalhadores a lutar, mas para lutar para sua

emancipação para que os trabalhadores finalmente tenham paz. No meio da Guerra

Fria, ele deseja a paz para o operário do Kolkoz de Kiev e para o negro do Brooklyn,

para os trabalhadores de todo o mundo, sejam soviéticos ou estadunidenses. Paz

para o Chile e para sua Espanha derrotada na Guerra Civil que ele nunca esqueceu.

Ele toma o partido dos humilhados e decide dar voz aos que não tem voz. E sua

poesia, além de documento histórico não perde o estilo, a cadência musicada

interna, a versatilidade, a beleza pictórica. O Neruda que denuncia que em sua

pátria se prendem os mineiros e os soldados mandam na justiça, fala disto sem

perder as qualidades literárias e poéticas, sem rebaixar seu estilo para se fazer

entender, e ainda assim se torna um ícone de resistência e de luta dos

trabalhadores. Assim, Neruda, traduz as lutas e aspirações de seu tempo, dormindo

na cama dura de seus companheiros, dedica seu livro ao Partido em que se fez

povo, massa, homem coletivo:

A mi partidoMe has dado la fraternidad hacia el que no conozco.Me has agregado la fuerza de todos los que viven.Me has vuelto a dar la patria como en un nacimiento.Me has dado la libertad que no tiene el solitario.Me enseñaste a encender la bondad, como el fuego.

135

Me diste la rectitud que necesita el árbol.Me enseñaste a ver la unidad y la diferencia de los hombres.Me mostraste cómo el dolor de un ser ha muerto en la victoria de todos.Me enseñaste a dormir en las camas duras de mis hermanos.Me hiciste construir sobre la realidad como sobre una roca.Me hiciste adversario del malvado y muro del frenético.Me has hecho ver la claridad del mundo y la posibilidad de la alegría.Me has hecho indestructible porque contigo no termino en mí mismo(NERUDA, 2002, pp. 441).

Assim, o Canto Geral marca de forma definitiva a passagem para a

poesia madura de Pablo Neruda. Todavia, ao acabar este capítulo, fazemos questão

de frisar, que Neruda não abriu mão de nenhuma de suas características anteriores,

o militante comunista e marxista, em sua poesia, continuou heterodoxo. Há mais

Gôngora, Quevedo, T. S. Eliot, Baudelaire, Mallarmé, Bécquer, Alberti, Miguel Ángel,

Lorca, Whitman, Joyce na poesia de Neruda do que Marx, Engels, Lênin e Gramsci.

Afora as citações a Stálin, que tantos dissabores custaram a Neruda, depois da

Primavera de Praga. Seus livros traçam a historiografia da classe trabalhadora de

seu tempo, seus sofrimentos, lutas, aspirações, muito mais do que um manual do

que um simples folhetim de apologia ao Partido Comunista. Por isto, em que pese

toda a crítica contrária ao poeta, sua sobrevivência, superveniência, importância e

permanência, a ponto de ser o poeta latino-americano mais citado em Espanha

(mais que Rubén Darío!) e pelos poetas muçulmanos, que veem nele um

companheiro de luta pela emancipação. Este vate autobiográfico, com sua poesia

impura e manchada de sangue é um pintor e um menestrel latino-americano do

nosso breve século XX.

136

8. CONCLUSÃO

Neste projeto pretenderemos expor, de forma cronológica, as várias fases

do poeta Pablo Neruda, com a linha de análise, de que há um salto qualitativo

dialético de sua poesia inicial até sua passagem à Espanha. Para isto usamos vários

críticos, e inserimos uma novação na análise de Neruda, que é utilizar os conceitos

de Octavio Paz, de seu livro, Os filhos do barro, para analisar as soluções estéticas

e temáticas pretendidas por Neruda. O que fazermos de novo, é mostrar que a

adesão socialista, marxista e comunista de Neruda, não é só um dado biográfico,

mas é uma elegante solução poética para o problema da agonia do “desarraigo”

(com a tradução não literal de desenraizamento em português) causada pela

modernidade destruidora. Neruda assim, insere-se numa tradição de poetas

modernos e vanguardistas, que se inicia desde o mito da Morte de Deus, iniciada na

era romântica, e que vai ter suas versões na náusea sartriana, na peste de Camus,

no homem destroçado pelos mecanismos do Estado em Kafka, nos poetas

marginais franceses. Como partimos da afirmação de que a obra de um escritor é

influenciada por sua vida, por suas experiências, sonhos, desejos, alegrias,

frustrações, tramas, realizações, fizemos a correlação entre as diversas experiências

tidas por Neruda na vida e como elas se refletiram na sua obra. Mas não só isto,

pois senão cairíamos num biografismo estreito. Não é apenas um dado biográfico, é

um tema e um estilo poético no qual Neruda dialoga permanentemente com toda

uma vanguarda, e sua saída para uma utopia marxista também é uma saída estética

para derrotar a inevitabilidade e a inexorabilidade do tempo cronológico. Mostramos

as influências poéticas, as escolas, os movimentos de vanguarda da época que vão

influenciar a forma e a estética de Neruda.

Neruda anterior a Espanha já é um poeta em transformação. Do jovem

nascido no interior do Chile, estudante tímido que escrevia poesia pós-romântica ao

funcionário consular que vive um exilo voluntário e é tragado no turbilhão da vida do

Oriente, já há uma grande transformação estética. Influenciado pela leitura dos

poetas de vanguarda, de Mallarmé e Baudelaire, a T. S. Eliot, Whitman, Joyce,

Rubén Darío, ele vai desenvolver uma poesia cuja temática e estética é

impressionantemente inovadora. Não tocado por orientalismos místicos, Neruda

tratará o Oriente como um ambiente hostil, e reagirá a ele refugiando-se na poesia,

uma poesia que não tratará dos altos temas, mas que se ocupará de absolutamente

137

tudo: o tédio e o horror da vida burocrática, a pobreza e o fanatismo místico, o sexo

sem nenhuma sublimação subjetiva, meramente corpóreo e por vezes escatológico,

a natureza sufocante e aterradora. Na forma, com o assilabismo, com os versos

livres de ritmo interno, chegando ao poema prosa, ele será também um

prenunciador de vanguardas tanto para a Espanha quando para a América Latina,

com poemas que tem traços de realismo fantástico e surrealismo, mesmo antes que

surjam estes movimentos. Neruda, como Lorca, é um poeta acima de escolas,

sorveu de todas elas, não pode ser classificado rigorosamente em nenhuma.

Se a poesia foi fuga introjetada, esta fuga não é buscada numa

transcendência, as pequenas vivências do cotidiano, até com o escatológico, do

fumar um cachimbo ao gozo sexual, tudo é uma forma em cada dia de se dizer,

estou vivo, existo, frente ao caos. A poesia é catarse deste tempo desconexo, de

experiências desconexas. Pictórico e onírico, Neruda vivencia um realismo fantástico

e por vezes quase fantasmagórico em sua poesia, a busca de uma reintegralização

do ser, de uma essência perdida e que paradoxalmente ele não encontra em lugar

nenhum. É uma poesia de vanguarda, experimental, que desconstrói a realidade, e

desconstrói também a métrica, a rima, muitas vezes chegando à prosa poética. A

fase oriental preparar o terreno, faz a projeção do novo edifício da nova poesia.

Nossa tese central, todavia, é a de que há uma experiência é central na

vida do Poeta. Esta experiência é sua estada na Espanha. A segunda residência é

escrita uma parte no Oriente, outra na Espanha. A Ode a Federico García Lorca,

poema que inaugura a fase em que uma gota de sangue caiu na poesia de Neruda e

a manchou de vermelho, é poema ainda da Segunda Residência. Neruda se

estabelece na Espanha e é Ligado a ela não só pelas amizades; da qual García

Lorca fora preponderante, já que Neruda o considerava irmão de coração; mas pela

arte. Neruda participará, como se espanhol fora, nos destinos literários da Geração

de 1927, chegando mesmo, ele que era chileno, a dirigir uma das mais importantes

publicações modernistas da Espanha, junto com Rafael Alberti, a revista Caballo

Verde, na qual ele escreve um manifesto, Para uma poesia impura, que

consideremos síntese da Geração de 1927. Aliás, também defendemos neste

trabalho de que Neruda devia ser considerado partícipe desta Geração Espanhola, e

só não o é, por ter nascido no Chile, seu manifesto, por exemplo, é traço distintivo

entre os poetas que agora utilizavam-se de todos os temas do cotidiano e das

manifestações populares da jovem República, contra a poesia do “tema nobre”,

138

representada por Ramón José Jimenez.

Ele é partícipe dos experimentalismos da Geração de 1927, e a partir daí

começa a beber dos influxos que serão constantes na sua poesia dita engajada,

como solução teleológica final para o agon da sua época, o breve século XX, século

de duas grandes guerras e de 70 milhões de mortos só nestas duas guerras. Século

da Revolução Socialista Russa, da Guerra Civil Espanhola, do Holocausto, da

experiência Socialista Democrática de Allende e do Golpe Militar de Pinochet, que

assassinará o presidente amigo íntimo de Neruda. Assim, a solução socialista

revolucionário, do homem novo, é também um retorno, na tensão permanente dos

modernismos e da vanguarda da tradição das rupturas, a utopia socialista como

solução anticíclica do tempo, ainda que na realidade, boa parte da vanguarda

literária russa não tenha resistido e tenha sido devorada pela própria revolução

bolchevique, vejamos as contradições entre poesia e utopia do breve século XX,

para entendermos melhor a nossa tese de que a utopia socialista também é uma

solução poética para Neruda:

A condenação da poesia pelo espírito moderno evoca imediatamente outrascondenações. Com a mesma ferocidade com ue a igreja castigou osmísticos, iluminados e quietistas, o Estado Revolucionário perseguiu ospoetas. Se a poesia é a religião secreta da era moderna, a política é suareligião pública. Uma religião sangrenta e mascarada. O processo da poesiafoi um processo religioso e a revolução condenou a poesia como umaheresia. O equívoco é amplo: se na poesia se manifesta uma visão religiosapessoal do mundo e do homem, na política revolucionária reaparece umadupla aspiração religiosa: mudar a natureza humana e instaurar uma igrejauniversal baseada também num dogma também universal. Num casoanalogia e ironia; no outro, transposição da dogmática e da escatologia àesfera da história e da sociedade (PAZ, 2013, p.113).

Assim, a passagem de Neruda para as fileiras revolucionárias também é

uma passagem para uma solução estética. Vista ou não como ilusão, é uma forma

de escape ao tempo cíclico e um retorno à bondade da era de ouro e a igualdade

pré-capitalista. Nossa tarefa aqui não é de fazer análise marxista se Revolução e o

socialismo são possíveis ou não, mas de analisar a Revolução como imagem

estética, imagem que ao mesmo tempo que é destruidora e revolucionária, também

é um retorno imagético à era de ouro da abundância, bondade, solidariedade e

igualdade. Neruda viverá todas estas contradições e sobreviverá política e

poeticamente até as denúncias contra o stalinismo desferidas em 1956, por uma

razão bem concreto, sua poesia não era só panfleto, estava prenhe de imagem e

forma poética e seus temas eram largos e amplos para que valha à pena ainda hoje

ler todos os seus poemas. Em Macchu Picchu, ao lado da apologia a Stálin, há toda

139

uma série de vozes que só tomam forma pelas mãos de Neruda, que mais parece

um escultor primitivista, pintando a camponeses operário, o mineiro, o militante

comunista assassinado. Militante de duas causas perdidas, a República Espanhola e

a experiência Socialista Chilena, seus poemas ganham valor de documento trágico.

Ao nos filiarmos a ideia de Octavio Paz de que a Revolução é um retorno

típico da modernidade, uma forma de escapar ao devoramento do tempo cíclico,

abrimos a rota para estabelecer as ligações da poesia de Neruda com todas as

grandes poesias inovadoras, desde Baudelaire a Lorca. Neruda é um poeta no qual

há permanências, o lirismo do amor, seja sensual, seja idealizado, é uma constante

em toda sua obra. Outra constante permanente é a exaltação quase mítica e mística

da natureza, um certo panteísmo sem divindade, que também é autobiográfico e um

eterno retorno à sua infância em Temuco, na verdade, dois retornos ambivalentes, o

retorno permanente ao bosque, a infância fundadora do eu (id) da identidade, e

também o retorno revolucionário, fundador de uma pátria mística coletiva que vença

o tempo e se torne eterna porque a imortalidade não é individual, mas é coletiva,

como dizia don Pablo, “Me has hecho ver la claridad del mundo y la posibilidad de la

alegría. Me has hecho indestructible porque contigo no termino en mí mismo”. Assim

a tentativa do homem infinito se dá em soluções coletivas, povo, Partido Comunista,

proletariado.

Neruda foi, no modo de dizer da vanguarda modernista brasileira,

antropofágico3, sorvendo o melhor da experiência estética da poesia latino-

americana (José Martí, Gabriela Mistral, Rubén Darío) com a poesia mais

revolucionária (tanto na forma, quanto no conteúdo) da Europa e dos Estados

Unidos (Baudelaire, Mallarmé, Joyce, T. S. Eliot, Walt Whitman; assim como dos

espanhóis da Geração de 1927, principalmente Federico García Lorca). Esta mescla

o fará predecessor de vanguardas na América Latina e na Europa, partícipe direto

da Geração de 1927, irmão de letras e de ideias de Federico.

Dentre estes escritores revolucionários espanhóis, o mais significativo e

influente era, exatamente, o melhor amigo de Neruda, seu irmão de coração:

Federico García Lorca. Desta amizade, na vida real e literária, surgirá uma influência

3 O manifesto antropofágico é uma das manifestações da vanguarda de 1922, feito por Oswald de

Andrade e que defendia que devíamos consumir todas as boas influências estrangeiras, como

faziam os caraíbas com os bravos derrotados em guerra, e condicioná-las a uma estética própria

local.

140

mútua. De Lorca, Neruda tomará a poética popular e de cunho social (ainda que a

obra de García Lorca não tivesse cunho socialista), mas também tomará o verso

livre e branco, a musicalidade, o elogio às heróis anônimos do povo. Lorca, como

mostramos nesta obra, terá a influência do ritmo interno da poesia muçulmana, o

fúnebre e a musicalidade da poesia do Cante Jondo cigano. Este louvor ao que é

apátrida, do que é marginalizado, será uma temática comum. Neruda escreverá uma

obra dedicada a um bandoleiro, La Barcarola, Joaquín Murietta, um marginalizado

na história do Chile. Os ciganos de Lorca, serão os mineiros e os operários para

Neruda. Em lugar dos apátridas de Andaluzia, os apátridas exilados de sua própria

terra, o proletariado. Como diz Karl Marx no Manifesto do Partido Comunista, o

proletariado não tem pátria e é internacional. Este internacionalista, colocando o

homem sofrido e marginalizado acima de sua origem e crença, será então comum a

ambos.

Também será comum em ambos o experimentalismo nos versos, Neruda

chegará, como Federico García Lorca a um poema sem rigidez em sua construção

silábica e marcado pelo ritmo interno do poema (outra influência árabe, no caso de

Lorca), muitas vezes namorando com o poema prosa. Também será terreno fértil

comum a ambos o onírico, o pictórico. Se Lorca desenhava a terra de Andaluzia,

seus personagens e suas características em seus poemas, Neruda vai pincelar o

bosque chileno, o mar, os caracóis, os portos e todas as características marinhas.

Uma poesia pictórica e com elementos oníricos em ambos. Em Neruda a influência

da matéria do sonho é anterior à Espanha, em sua experiência oriental, a passagem

e o convívio com a Geração de 1927 só aguçará esta característica. Como uma

permanente refundação, a tentativa do homem infinito, a ideia de vencer o

isolamento, a solidão, o caos, a angústia com a morte. Nesta busca, a ideia

engajada da política, do Partido Comunista como escola de humanidade, da luta

socialista e internacionalista, é uma forma de reificar e reintegralizar as experiências

e buscar um porto na sua jornada de viajante sem destino.

Este viajante, levará sua influência, de seus poemas, viagens e liderança

para a Geração de 1927, e como exilado de duas pátrias, expulso pela Guerra Civil,

mesmo não sendo espanhol, levará de volta a guitarra de Andaluzia de Lorca para o

Chile, e ela continuará a tocar depois da morte de Lorca, já que seus versos

influenciarão toda a sua geração. Neruda, chileno de nascimento, é espanhol,

todavia, em grande parte de sua poética. Lorca não influenciará somente a Neruda;

141

a Geração de 1927 da Espanha, com certeza ecoará no florescimento da nova

poesia latino-americana, não por coincidência, que acontecerá quase

concomitantemente a esta época, já que Neruda é parte desta renovação na

América Latina, é um marco na poesia Latino-americana. Contraditoriamente, ao ser

marco na poesia chilena e latino-americana, Neruda mescla a influência de duas

pátrias e dois continentes, de tal maneira, que é impossível saber de onde e como

surgiu cada parte que compõe sua temática e forma.

Explicitamos que o grande marco na vida do poeta, a estada na Espanha,

a Geração de 1927, a poesia e a amizade de Lorca, a Guerra Civil, são

catalisadores de uma mudança que desembocará num Neruda Múltiplo. O Neruda

dos Vinte poemas não é um Neruda menor ou pior do que o Neruda de A Uva e o

Vento, é somente um poeta mais completo, um poeta que agregou à face lírica uma

outra face, social e política. Não há como deixar de se emocionar com a beleza

estética na forma e no conteúdo dos versos dos Vinte Poemas, ainda que neles não

fique caracterizada nenhuma militância social. Mas a face lírica, panteísta,

interiorizada de Neruda não sumirá, somente trabalhará em conjunto, em textos

como os do Canto Geral, já que o tempo inteiro Neruda cantará a natureza com

riqueza de adjetivos e com uma profundidade metafísica, mas destes traços, já

presentes no Neruda jovem, agregam-se o experimentalismo, a liberdade na forma e

no conteúdo: o cotidiano, a crítica social, a guerra, a luta política, a revolução; ao

lado do amor, das uvas, da cebola, do vinho. O lirismo juvenil não desvanece, mas

junto a ele, surge o cantor do sexo muitas vezes sem máscaras e sem idealização, o

crítico social, o humanista em busca de um sentido para a existência, o exilado de

duas pátrias, testemunha visual de duas guerras e tomando lado em cada um

conflito.

Ao contrário da crítica mais feroz a Neruda, não acreditamos que a

adesão socialista de Neruda tenha transformado sua poesia num pastiche, num

folhetim. Neruda não ficou unilateral, continuou múltiplo, e se foi censurado por sua

adesão e engajamento, do outro lado foi censurado por poetas cubanos e

comunistas de várias partes do mundo, por não ter restrito sua estética ao “realismo

socialista”. Insistimos que a forma panteísta que é uma característica nerudiana que

o liga a tradição de vanguarda desde o romantismo, já que as formas míticas que

não são da religião oficial católica e ou oriundas da reforma protestante, também

sempre foram uma forma de ruptura e não adesão. O leitmotiv, o moto perpétuo de

142

todas as vanguardas desde os românticos, a “tradição da ruptura”, uma dicotomia,

Ouroboros, a serpente, o dragão que devora a si mesmo pela cauda. Assim, a utopia

em Neruda, assim como em Brecht, em Maiakovski, são formas poéticas de fuga do

caos do tempo devorador, soluções finalistas teleológicas, como as do sistema

hegeliano, traduzido em Marx, como Revolução Comunista:

As origens da nova religião política, uma religião que ignora a si mesmaremontam ao século XVII. David Hume foi o primeiro a observar isto, eleafirmou que a filosofia de seus contemporâneos, especialmente a crítica aocristianismo, já continha os germes de uma outra religião: atribuir umaordem ao universo e descobrir uma vontade e uma finalidade era incorrer denovo na ilusão religiosa. Mas Hume não testemunhou, embora tenhaprevisto, a queda da filosofia na política e sua encarnação, no sentidoreligioso da palavra, nas revoluções. A epifania do universalismo filosóficologo adotou a forma dogmática e sangrenta do jacobinismo e seu culto àdeusa Razão. Não é uma mera coincidência que o dogmatismo e osectarismo tenham acompanhado os movimentos revolucionários dosséculos XIX e XX; Tao pouco que, uma vez no poder estes movimentos setransformassem em inquisições que realizavam periodicamente cerimôniasdos sacrifícios astecas e dos autos de fé (PAZ, 2013, 114).

Neruda viverá como militante todas estas contradições, pois será

contemporâneo das revisões do stalinismo. Entretanto, como nunca foi um poeta

oficial, e tem sua biografia ligada a dois movimentos tragicamente derrotados, a

República Espanhola e o Governo de Allende no Chile, não chega a vivenciar

profundamente a contradição inquisitorial da censura e expulsão dos escritores na

União Soviética. Poeta latino-americano, é mais ligado a uma tradição de sofrer

exílio, perseguição, ameaça de prisão, censura, já que a América Latina é

laboratório capitalista de ditaduras e tortura durante a guerra fria, assim poesia

revolucionária na América Latina é sinônimo de ruptura e luta do lado dos

explorados e perseguidos. A revolução para Neruda é a pátria dos que não têm

pátria:

O tema crítico do tempo original se transforma no tema revolucionário dasociedade futura. Desde o final do século XVIII, e sobretudo desde aRevolução Francesa, a filosofia política revolucionária confisca um por umos conceitos, valores e imagens que tradicionalmente pertenciam àsreligiões. Esse processo de apropriação se torna mais agudo no século XX,o século das revoluções políticas, assim como os séculos XVI e XVII foramdas guerras de religião. Vivemos há duzentos anos, primeiros os europeus,e depois todos os homens, à espera de um acontecimento que possui paranós a gravidade e a fascinação terrível que a segunda vinda de Cristo tinhapara os primeiros cristãos: a Revolução.Esse acontecimento visto com esperança por uns e com choro por outros,tem um duplo significado, como foi dito: é a instauração de uma sociedadenova e é restauração da sociedade original, antes da propriedade privada,do Estado, da escrita, da ideia de Deus, da escravidão e da opressão dasmulheres. Expressão da razão crítica, a Revolução se situa no tempohistórico: é a troca do presente iníquo pelo futuro justo e livre. Essa troca éuma volta: a volta ao tempo do início, à inocência original. Assim, a

143

Revolução é uma ideia e uma imagem, um conceito que participa daspropriedades do mito e um mito que se funda na autorrazão. (PAZ, 2013,176-177).

Neruda, poeta personagem de seus próprios poemas, é o Quixote

revolucionário de seus versos. Seus moinhos são reais, talvez a utopia seja ilusória,

o caminho que se faz ao caminhar. O fundamental é mostrar que a ideia

revolucionária, esta é também imagem poética, inserida na tradição ocidental como

paradoxo, futuro e eterno retorno, busca do tempo perdido e da libertação da

humanidade. E todas estas soluções teóricas, sendo reais ou não, fundadas no

mundo real ou não, estarão nos poemas de Neruda. Para a análise literária o que

importa não é a coisa em si, mas seu signo, como ele é traduzido e transformado em

arte, sua techné, e nisto don Pablo é perito, escultor de sonhos, pintor de mundos,

da analogia e do ritmo do mar e dos sinos, sua poesia da ampla voz a todas as

contradições literárias e sociais de sua época.

Por isto defendemos que Neruda é múltiplo, viajante do tempo e do

espaço, poeta autobiográfico, e como sua biografia se confunde com a do “breve

século XX”, de uma história deveras interessante, uma epopeia, que reúne em seus

versos, a visão ocidental de um oriente desbravado pelo capitalismo, as tragédias da

Guerra Civil Espanhola, da jovem República assassinada e da Segunda Guerra

Mundial; as tragédias das ditaduras militares da América Latina, a esperança da

Revolução Socialista pelo voto da Frente Ampla e de Salvador Allende, e como

epílogo trágico de sua vida e obra, narrada em sua biografia, o assassinato da

experiência e inclusive do presidente, seu amigo íntimo. O conjunto de sua poesia é

como uma Odisseia latino-americana que conta em versos boa parte da história do

século XX.

Assim, concluímos que Neruda amadurece com a Espanha e com os

influxos de Lorca e da Geração de 1927, mas também influenciando toda esta

geração, já que foi um precursor e um organizador destes mesmos escritores.

Neruda trazia em sua poesia, muitas das temáticas comuns da geração de poetas

espanhóis, o vanguardismo e o experimentalismo, a convivência com os poetas da

Geração de 1927 e o exercício comum da poesia, o moldou para que fosse um

poeta de duas pátrias e de dois continentes, bebendo das temáticas e das correntes

de ambas as pátrias.

Foi por conta desta polissemia, desta variedade de influências e portanto

de significados e temáticas, que Pablo Neruda se tornou o poeta latino-americano

144

mais influente do século XX, trazendo sempre, em sua natureza chilena, Espanha no

coração.

145

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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