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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS MESTRADO EM LETRAS NEOLATINAS JULES VERNE E O ETHOS DISCURSIVO DO PERSONAGEM DE HERNÁN CORTÈS NA CONQUISTA DO MÉXICO Vanessa de Oliveira Gomes Laga RIO DE JANEIRO 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE LETRAS

MESTRADO EM LETRAS NEOLATINAS

JULES VERNE E O ETHOS DISCURSIVO DO PERSONAGEM DE HERNÁN CORTÈS NA CONQUISTA DO MÉXICO

Vanessa de Oliveira Gomes Laga

RIO DE JANEIRO

2015

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JULES VERNE E O ETHOS DISCURSIVO DO PERSONAGEM DE

HERNÁN CORTÈS NA CONQUISTA DO MÉXICO

Vanessa de Oliveira Gomes Laga

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção Língua Francesa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro –UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas.

Orientadora: Profa. Doutora Angela Maria da Silva Corrêa

FACULDADE DE LETRAS–UFRJ

Rio de Janeiro, 2015

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FICHA CATALOGRÁFICA JULES VERNE E O ETHOS DISCURSIVO NO PERSONAGEM DE

HERNÁN CORTÈS NA CONQUISTA DO MÉXICO

LAGA, Vanessa de Oliveira Gomes Jules Verne e o ethos discursivo do personagem de Hernán Cortès na conquista do México /Vanessa de Oliveira Gomes Laga. – Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2015. 86 f : il., 30 cm.

Orientadora: Angela Maria da Silva Corrêa Dissertação (mestrado) – UFRJ / FL/ Programa de Pós – Graduação em Letras Neolatinas, 2015. Referências Bibliográficas : f. 85,86.

1. Ethos, 2. Discursivo, 3. Les Conquistadors. I. Corrêa, Angela Maria da Silva II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós- graduação em Letras Neolatinas – Estudos Linguísticos. III. Título.

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Dedico este trabalho

A Deus que sempre está ao meu lado. À Paulo Roberto Rodrigues Gomes, meu amado

avô e um grande amigo, Sônia Maria Rodrigues Gomes, mãe e grande amiga e Rudy

Laga, marido, amigo e grande companheiro, por confiarem e acreditarem em mim.

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AGRADECIMENTOS

À Angela Maria da Silva Corrêa, minha orientadora, pela dedicação a esse trabalho,

pela orientação valiosa e pelo incentive, pela grande contribuição neste projeto, pelo

exemplo, apoio e compreensão.

Ao professor Pierre François Georges Guisan, pelos ensinamentos que vem me

fornecendo desde a graduação, pela preocupação com minha vida acadêmica.

Aos professores de francês da UFRJ que me acolheram com muito carinho e respeito

nesta instituição.

Aos queridos amigos Michele Sodré, Milena Fonseca Santos, Rosimere Soares Correia

Marmain, Cristiane da Silva Machado, Juliana Rodrigues de Castro, Bianca Araújo,

Jupira Ribeiro e Camila Rebelo pelo interesse, participação na minha vida acadêmica e

amizade.

À amiga Elaine Vieira, por me escutar sempre. Às amigas Michele Tracerra, Amanda

Ramos, Luciana Roberta Silva, Renata Amaro, Cristiane de Souza e a prima querida

Jorgeane Pedro da Costa por fazerem parte da minha vida.

A todos os amigos e familiares, pelo carinho, apoio e incentivo. E enfim às amigas

Laure Kéravec, Samira Marques e Rosilene de Menezes Januário pela grande

participação na minha vida acadêmica.

Aos irmãos Paulo Márcio Vargas Rodrigues Gomes, Márcia de Paula Vargas Rodrigues

Gomes e Suelem dos Santos Silva pela grande amizade e companheirismo.

A Rudy Laga, meu marido, por estar comigo em cada momento dessa trajetória, por

toda dedicação, amor, carinho e motivação para essa conquista.

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Vanessa de Oliveira Gomes Laga JULES VERNE E O ETHOS DISCURSIVO DO PERSONAGEM DE

HERNÁN CORTÈS NA CONQUISTA DO MÉXICO

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção Língua Francesa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas. Aprovada em

__________________________________________________ Orientadora: Profa. Dra. Angela Maria da Silva Corrêa - LEN

Universidade Federal do Rio de Janeiro

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Luiz Carlos Balga Rodrigues - LEN

Universidade Federal do Rio de Janeiro

_________________________________________________________________

Profa. Dra. Maria Aparecida Lino Pauliukonis - LEV

Universidade Federal do Rio de Janeiro

_________________________________________________________________

Prof. Dr. Pierre François Georges Guisan - LEN - suplente

Universidade Federal do Rio de Janeiro

__________________________________________________________________

Prof. Dr. Ricardo de Souza Nogueira – LEC- suplente

Universidade Federal do Rio de Janeiro

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RESUMO

LAGA, Vanessa de Oliveira Gomes. Jules Verne e o ethos discursivo do personagem de Hernán Cortès na conquista do México. Rio de Janeiro, 2015. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. Esta pesquisa propõe-se a analisar o ethos discursivo na obra de Jules Verne Les

Conquistadors (1870) sobre o personagem de Hernán Cortès (1485-1529), assim como

a aceitação e conquista de Cortès através do discurso. Trata-se do processo de

credibilidade e legitimidade como um ato comunicacional onde o conquistador Hernán

Cortès utiliza estratégias para incitar e persuadir o outro.

Hernán Cortès é um dos maiores conquistadores do século XVI. Jules Verne, fascinado

por um universo de conquistas das Américas, escreve sobre elas e escolhe Hernán

Cortès como um de seus conquistadores favoritos. O trabalho que segue mostra a

trajetória do conquistador até o momento de sua maior conquista, a conquista da cidade

do México. Verne nos mostra os passos do conquistador com riqueza de detalhes,

elencando seus maiores momentos na História. Assim, a análise que nos cabe será a

busca de credibilidade e legitimidade diante do rei da Espanha, dos índios e de seus

companheiros de viagem. Cortès torna-se assim, segundo historiadores, um dos mais

temidos e odiados homens do século XVI, no entanto, como nos exibem Jules Verne e o

Historiador Bartolhomé Benassar na obra Cortès le conquérant de l’impossible (2001),

ele é, antes de tudo um grande estrategista e homem politico de seu tempo.

Sendo assim, utilizaremos os autores supracitados, as cartas de Cortès enviadas ao rei da

Espanha no século XVI e para a análise do discurso político Patrick Charaudeau

Discurso Político (2008).

Palavras-chave: Ethos, estratégias de persuasão, credibilidade, legitimidade, conquista.

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RÉSUMÉ

LAGA, Vanessa de Oliveira Gomes. Jules Verne e o ethos discursivo do personagem de Hernán Cortès na conquista do México. [Jules Verne et l’éthos discursif chez le personnage d’Hernán Cortès dans la conquête du Mexique]. Rio de Janeiro, 2015. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas) [Mémoire (Master en Lettres Néolatines)] – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015

Cette recherche se propose à analyser l’éthos discursif dans l’oeuvre de Jules Verne Les

conquistadors (1870) à propos du personnage d’Hernán Cortès (1485-1529), aussi bien

que son acceptation et conquête à travers le discours. Il s’agit du processus de crédibilité

et de légitimité comme un acte communationnel où le conquérant utilise des stratégies

pour inciter et persuader l’autre.

Cortès est un des plus grands conquérants du XVIe siècle. Jules Verne, fasciné par

l’univers des conquêtes des Amériques, écrit à propos de ces conquêtes et choisi Hernán

Cortès comme l’un de ses conquérants préférés. Le travail de mémoire, ici, montre la

trajectoire du conquérant jusqu’au moment de sa plus grande conquête, celle de la ville

du Mexique. Verne nous montre les chemins du conquérant de manière très détaillée,

mettant en relief les plus grands moments de l’Histoire. Donc, l’analyse proposée sera

celle de la recherche de crédibilité et légitimité devant le roi de l’Espagne, des indiens et

de ses compagnons de voyage. Cortès devient ainsi, selon les historiens, l’un des plus

effroyables et haïs du XVIe siècle. Pourtant, comme nous font remarquer Jules Verne et

l’historien Bartolhomé Bennassar avec l’oeuvre Cortés le conquérant de l’impossible

(2001), il est avant tout un grand stratégiste et homme politique de son temps.

Nous utiliserons donc, dans notre analyse, les auteurs déjà mentionnés, également les

lettres envoyées par Cortès au roi de l’Espagne au XVI siècle et pour une analyse du

discours politique, Patrick Charaudeau (Discours Politique, 2008).

Mots-clés: Éthos, strategies de persuasion, créditibilité, légitimité, conquête.

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ABSTRACT

LAGA, Vanessa de Oliveira Gomes. Jules Verne e o ethos discursivo do personagem de Hernán Cortès na conquista do México. [Jules Verne and the discursive ethos in Hernán Cortès character in the conquest of Mexico]. Rio de Janeiro, 2015. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas) [Dissertation (Master of Neo-Latin Letters)] – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015

This research proposes to analyze the discursive ethos Charaudeau (2008) about the

Hernán Cortès character (1485-1529), his acceptance process and achievement through

discourse. It is the credibility and legitimacy process as a communicative act where the

conqueror uses strategies to encourage and persuade the other.

Hernan Cortes is one of the greatest conquerors of the sixteenth century. Jules Verne,

fascinated by the sequence of conquests in the Americas, writes about them and chooses

Hernán Cortès as one of his favorite conquerors. The work that follows, shows his

pursuit for the conqueror until the moment of his greatest achievement, the conquest of

Mexico City. Verne shows the steps of the conqueror in great details, listing his greatest

moments in history. Thus, the analysis that should be done is between the pursuit of

credibility and legitimacy to the king of Spain, the Indians and their fellows.

Keywords: Ethos, persuasion strategies, credibility, legitimacy, achievement.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .........................................................................................................11

2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS............................................16

2.1 O ethos e o discurso político......................................................................................16

2.2 O herói da Conquista, por quê Cortès?........................................................................16

2.3 O que é política?........................................................................................................17

2.4 Discurso e poder?.........................................................................................................21

3. ANÁLISE DO CORPUS......................................................................................35

3.1 Relação com índios, Coroa e Conquistadores: o ethos construído pelo

conquistador.....................................................................................................................35

3.2 Como Hernán Cortès se legitima segundo Verne....................................................42

3.3 A questão da fé..........................................................................................................49

3.4 A imagem do sujeito político.....................................................................................57

4- CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................70

5- ANEXOS.....................................................................................................................73

6- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................85

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1. INTRODUÇÃO

O recorte histórico da pesquisa compreende a conquista do México, que se deu no

século XVI, assim como o cenário de retomada de conquistas exposto pelos autores

franceses do século XIX. Nos séculos XVIII e XIX, a França é marcada por

transformações sociais, políticas e econômicas que influenciaram muito na literatura e

na arte. Personagens históricos e místicos, como Hernán Cortès, fazem parte de um

mundo de transformações e desenvolvimentos sociais assinalados pelas conquistas.

Explorar o desconhecido vem da vontade do homem de se afirmar diante do mundo.

Muitos conquistadores marcaram a História. Na França, o personagem que mais se

sobressai na literatura é Napoleão Bonaparte (1769-1821) que foi general, cônsul e

depois imperador. Este conquistou a Europa continental com genialidade militar e

política.

A temática de conquistas é bastante representada na literatura francesa do século

XIX. O autor Jules Verne (1828-1905), por exemplo, possui grande parte de sua obra

consagrada a romances de aventuras. Em sua obra Verne apresenta ensaios, obras

históricas, poemas, canções, obras teatrais, etc. Seu primeiro romance, Cinq semaines

en ballon (1863) conhece um grande sucesso dando início a sua trajetória. Sendo assim,

em 1870 e 1875 o autor escreve entre outros sobre as grandes conquistas do século XIV,

com as obras Les conquistadors e Cristophe Colomb respectivamente.

Em Les conquistadors (1870), Verne escreve entre outros sobre o conquistador

Hernán Cortès (1485-1547), mostra um grande interesse pelo personagem analisando

seus atos, suas paixões, seus objetivos, sua religião, sua vida e sua morte. Cortès

acompanha muito jovem outros conquistadores, partindo para as Índias em 1504 como

secretário. O futuro conquistador fica muito entusiasmado com as terras, ouro e pedras

preciosas que seus companheiros já haviam encontrado na América a partir de 1492.

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Ele segue então à procura do Novo Mundo que sonhava conquistar. Cortès é um herói

épico; sua influência sobre suas tropas e sua habilidade eram extraordinárias, como nos

disse Verne. Apesar de todas as resistências encontradas, ele pôde conquistar o

continente graças a sua bravura e sua inteligência:

La passion pour le romanesque aurait pu réduire le conquérant du Mexique au rôle d’un vulgaire aventurier ; mais Cortès fut certainement un profond politique et grand capitaine, si l’on doit donner ce nom à l’homme qui accomplit des grandes actions par son seul génie1. (VERNE, 2005: 90).

Na construção do personagem, Verne nos mostra um herói que procurou colonizar

sem violência. Contudo nos perguntamos se é possível colonizar um povo, dar-lhe sua

religião, sua língua e seus princípios sem que este sofra violências? É neste quadro que

o herói tentará dominar uma população maior que a do seu país. Ele lhes dará sua

cultura devastando as origens destes habitantes. Observa-se um conquistador exaltante e

destruidor, fortemente engajado por uma grande vontade de conquista. Cortès é, aos

olhos de Verne, aquele que possui um enorme desejo da expansão de si mesmo. O

personagem toma, por assim dizer, uma dimensão mítica que reúne os sonhos e as

preocupações do Ocidente, mesmo possuindo uma realidade histórica menos

prestigiada. Cortès é, de fato, um conquistador de seu tempo, diferente dos outros. É um

personagem digno de uma visão mitológica, que se insere em um mundo fabuloso onde

somente heróis como Aquiles, o famoso personagem de Homero, podem se inserir.

Influenciar, persuadir, conseguir credibilidade e por fim legitimar-se vem do

desejo de convencer o outro a adotar um posicionamento e agir a seu favor. Por

intermédio da palavra, o enunciador coloca sua capacidade de levar o outro a incorporar

1 Tradução (esta e as demais traduções fornecidas em pé de página são de nossa autoria):

A paixão pelo romanesco poderia ter reduzido o conquistador do México ao papel de um vulgar aventureiro; mas Cortès foi certamente um profundo politico e grande capitão, se deve-se dar este nome ao homem que completou grandes ações unicamente com sua genialidade.(VERNE, 2005: 90)

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um conjunto de atitudes. Patrick Charaudeau, na obra Discurso Político (2008), analisa

criticamente os diversos tipos de discurso e os possíveis tipos de jogos que nele

encontramos. Neste trabalho estudaremos quais são os propósitos implícitos no discurso

de Hernán Cortès (1485-1529), tal como relatado pelo narrador Verne, e como foi o

processo de aceitação do mesmo, para que se faça a Conquista do México.

Na tentativa de conquistar o interlocutor, é preciso que haja sentido no que se diz

para que este o aceite como sujeito comunicante. Assim, dentro do enunciado, aquele

que o produz busca aceitação, credibilidade e em seguida legitimação. Segundo

Charaudeau, a legitimidade de maneira geral, designa o estado ou a qualidade daquele

cuja ação é bem fundamentada. O mecanismo pelo qual se é legitimado é o

reconhecimento de um sujeito por outros, é o que dá direito a exercer um poder

específico com a sanção ou gratificação que o acompanha (CHARAUDEAU, 2008: 65).

Neste trabalho faz-se uma análise do discurso de Jules Verne (1828-1905) sobre o

herói Hernán Cortès na obra Les conquistadors (1870). Utilizarei também a obra Cortès

le conquérant de l’impossíble, do historiador Bartolomé Bennassar, que descreve a

história do herói, mostrando como este consegue, apesar dos impedimentos, conquistar

uma nação maior que a sua.

Les Conquistadors é um dos poucos livros não-ficcionais de Jules Verne. Conta a

história dos conquistadores da América de um ponto de vista crítico. Homens

como Francisco Pizarro, Américo Vespúcio, Cristóvão Colombo e Hernán Cortès,

entre outros, têm suas histórias narradas de modo a exibir traços característicos de suas

personalidades. O presente trabalho objetiva analisar criticamente a narrativa de Verne

sobre Hernán Cortès no momento em que se fez a conquista do México. Objetiva-se

descobrir aqui como Verne constrói os fatos pelo discurso e analisar o ethos discursivo

no personagem.

Cortès tornou-se, entre os conquistadores espanhóis, um dos mais consagrados e

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odiados da Conquista das Américas. Em suas cartas enviadas ao imperador Carlos V, da

Alemanha e da Espanha, Cortès narrou em detalhes como foi a chegada e a conquista

destes povos. Segundo relatos históricos, Cortès partiu para Yucatán no dia 10 de

fevereiro de 1519. Em suas cartas ele expõe a exploração e a conquista que o elevou ao

cargo de Governador. Aqui analisaremos o que aconteceu para que este se legitimasse

desde a chegada ao Yucatán até a conquista e a queda de Tecochtitlán (1521), a capital

Asteca. Porém, deve-se ressaltar que, das Cartas contidas hoje em um códice da

Biblioteca Imperial de Viena, a primeira, escrita por Cortès em 1519, nunca foi

encontrada e foi substituída pelo relato que foi enviado ao imperador pela Justiça e

Regimento da Vila Rica de Vera Cruz de no dia 10 de julho de 1519.

Dessa maneira, para que se faça uma análise crítica destes documentos

adotaremos as propostas do linguista Patrick Charaudeau como fonte principal de

pesquisa em sua obra sobre o discurso político, para melhor entendermos o discurso

utilizado por Cortès para se legitimar enquanto Imperador do México. O trabalho será

feito com base no discurso de Jules Verne sobre Cortès e a conquista. Abordaremos três

tipos de discurso: Cortès e suas quatro cartas, Jules Verne narrando os passos do

conquistador, e o historiador Bartolhomé Bennassar. Ambos os discursos serão tratados

de forma a compreender os passos de Cortès para a conquista através de sua habilidade

corporal, sua inteligência e estratégia política e discursiva. Sendo assim,

compreendemos o conquistador da seguinte forma: Hernán Cortès passa a ser

apresentado com um grande conquistador, pois possuía muita habilidade com as armas;

Hernán Cortès um grande estrategista, ele é aquele que Segundo Verne e Bennassar

consegue colonizar toda uma população através da conquista de aliados, fazendo várias

alianças pelo país e Hernán Cortès um grande sujeito político, ele pode ser considerado

um sujeito político pela sua habilidade discursiva.

O trabalho que segue objetiva mostrar como o conquistador consegue, através do

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discurso, credibilidade e legitimação para conseguir a conquista. Provaremos que nas

obras examinadas Cortès é construído como sujeito político através de seus

interlocutores, pois consegue legitimação porque expõe para a coroa suas habilidades

para conseguir aliados para conquistar o país. Ele se legitima porque a coroa espanhola

é em primeiro lugar a beneficiária de suas ações e assim com suas atitudes e a sua

oratória transforma-se em um sujeito politico de seu tempo. Em resumo ele consegue

credibilidade e legitimidade pelos seguintes fatos:

� Consegue homens e pedras preciosas

� Envio de cartas e pedras preciosas para o rei

� Conquista povos e novas terras para o rei – inclusive as terras de Montezuma

� Credibilidade através de seus atos e suas estratégias - se legitima

Charaudeau (2010) diz que o ato de linguagem não se esgota em sua significação

explícita. O autor nos mostra que este explícito significa outra coisa além de seu próprio

significado, algo que é relativo ao contexto sócio-histórico. Um dado ato de linguagem

pressupõe que nos interroguemos a seu respeito sobre as diferentes leituras que ele é

suscetível de sugerir. Isso nos leva a considerá-lo como um objeto duplo, constituído de

um Explícito (que é manifestado) e de um Implícito (lugar de sentidos múltiplos que

dependem das circunstâncias de comunicação). Tudo isso nos leva à conclusão de que

o sujeito falante não se posiciona como autoridade, e sim tem que fazer o outro

acreditar, executando o papel daquele que faz acreditar. Parte-se da constatação de que,

como resultado destes processos de fazer acreditar, a linguagem é, por assim dizer, um

jogo de remissões constantes a alguma coisa além do enunciado explícito, que se

encontra antes e depois do ato de atualização da fala. O personagem de Hernán Cortès é

construído através do discurso do narrador – assim, temos acesso ao ethos discursivo, à

credibilidade e à legitimação do personagem através do olhar avaliador do narrador.

O trabalho é dividido entre o que é o discurso politico, com definição sobre a

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política assim como credibilidade e legitimidade; e uma abordagem da construção do

ethos discursivo.

2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

2.1 O ethos e o discurso político

Segundo Charaudeau, dentro da ação política há a existência de um Decisor, ou

seja, de um agente que não apenas elaborou um projeto no qual está inscrito o fim a

atingir, mas que, além disso, tomou a decisão de engajar-se na concretização dessa ação

pela qual ele é, a partir desse momento, totalmente responsável. Os meios de obter um

resultado positivo significam que é esse mesmo agente que planifica da melhor forma

possível a sucessão de seus atos, preocupando-se unicamente com a eficácia (não se

planeja para fracassar), mas avaliando, ao mesmo tempo, as vantagens e desvantagens

da escolha desse ou daquele meio (fonte de uma possível reflexão ética). Sendo assim,

podemos concluir que ao analisar as expedições de Cortès, vemos que o Conquistador e

seu poder oratório é assunto de debate em vários autores. Verne, por exemplo, em Les

conquistadors, mostra as questões humanitárias, os sofrimentos desses batalhadores e as

facetas do conquistador.

A narrativa de Verne é composta de realidades que nos fazem compreender esta

época, o homem e a brutalidade da guerra. O autor deixa para seus leitores uma visão

ampla da tomada do país e considera os acontecimentos históricos presentes na

conquista, com a finalidade de dar aos leitores a possibilidade de entender as

circunstâncias sociais e políticas para a conquista do poder.

Charaudeau propõe, em seu livro, vários tipos de ethos. Neste trabalho

abordaremos principalmente a imagem do sujeito político: como este sujeito busca

através de sua imagem persuadir o outro e quais são os tipos de discurso que Cortès

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utiliza para fazer sua conquista, segundo o relato de Verne. De acordo com Charaudeau

(2008), o ethos é voltado para o orador e através da tekhné este mesmo orador mostra-se

digno de fé. O ethos, enquanto imagem que se liga àquele que fala (o locutor)

“relaciona-se ao cruzamento de olhares: olhar do outro sobre aquele que fala e olhar

daquele que fala sobre a maneira como ele pensa que o outro o vê”. Para construir a

imagem do sujeito que fala, esse outro se apoia ao mesmo tempo nos dados

preexistentes ao discurso – o que ele sabe a priori do locutor – e nos dados trazidos pelo

próprio ato de linguagem. (CHARAUDEAU, 2008: 115).

Para proteger sua imagem, nos momentos da conquista Cortès utiliza várias

estratégias. Em suas cartas escritas ao Rei Carlos V, ele nos mostra como fez, por

exemplo, para invadir pequenas regiões:

Chegados aos presos, falei-lhes através dos intérpretes que tinha e me pareceu que o capitão não os havia entendido bem. Mandei soltá-los e os satisfiz dizendo-lhes acreditar que eram leais vassalos de vossa alteza e que eu queria ir em passos desbaratar aqueles de Culúa. E para demonstrar força, tanto aos meus inimigos como aos meus amigos, parti naquele momento e naquele mesmo dia cheguei à cidade de Churultecal, que está a oito léguas de distância... Como tal, me rogavam que, mesmo que o outro voltasse, não o aceitasse como senhor daquele povoado. Eu lhes disse que, como sempre estavam aliados aos de Culúa, eu pensava eliminar suas pessoas e fazendas, mas diante desta mudança, em nome de vossa majestade eu lhes perdoava o erro passado e os admitia ao real serviço do soberano da Espanha. (CORTEZ, 2007: 85 a 87).

Existe uma relação incontestável entre a política e o discurso. Os homens não

tinham acesso à realidade, mas temiam Cortès unicamente pelo fato de seus feitos terem

passado de povoado em povoado. Os povos temiam sua força, todo seu plano estava

diretamente ligado ao seu discurso. Muitos povos, nos diz Bernal Diaz, se entregaram

sem lutar. Somente com seu dom de palavra, Cortès fez muitos aliados. O discurso se

relaciona diretamente com suas atitudes e, no caso de Cortès, a influência sobre os

índios aparece como força de intervenção na história, para as conquistas. O poder de

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persuasão do conquistador foi fundamental para que ele construísse sua imagem. Na

questão da oratória o ethos não é somente uma postura que manifesta o pertencimento a

um grupo dominante, ele é uma imagem de si construída no discurso que influência

opiniões e atitudes. (AMOSSY, 2013: 142.) Trata-se aqui portanto, do conjunto de

atitudes mostradas ao longo de sua trajetória, seu posicionamento em relação a

conquista e sua bravura diante das dificuldades encontradas: “La situation était critique.

Après avoir mûrement réfléchi et pesé le pour et le contre du parti qu’il allait prendre,

Cortès se determina à combattre, malgré tout son désavantage, plutôt que de sacrifier

ses conquêtes et les intérêts de l’Espagne.” (VERNE, 2005: 65).

O ethos aparece como forma de melhor compreender o processo de enunciação do

locutor, a partir de um contexto sócio-histórico específico onde podemos fazer uma

releitura dos processos e etapas da conquista. Desta maneira, Cortès passa a usar a

persuasão como estratégia para defesa de seus argumentos: levando em consideração

sempre os interesses da Coroa, ele convence os outros que naquele momento o melhor a

fazer era lutar, mesmo com aquela grande desvantagem. Para a política ser exercida, a

legitimidade não é suficiente, já que o político precisa demonstrar credibilidade e

persuadir o maior número de pessoas com quem partilha determinados valores.

Charaudeau aponta que a credibilidade é o resultado da construção de uma identidade

discursiva pelo sujeito falante, realizada de tal modo que os outros sejam conduzidos a

julgá-lo digno de fé. (Charaudeau: 2008; p.119).

Na mesma ocasião podemos observar, como nos aponta Verne, que Cortès estava

sempre pronto a enfrentar quaisquer dificuldades e que o fazia de forma brilhante:

Narvaez fut informé que Cortès offrait des choses à ses soldats, ne voulut pas laisser plus longtemps ses troupes exposées à la séduction: il mit à prix la tête de Cortès et de ses principaux officiers et s’avança à sa reconcontre. Ce dernier était trop habile pour livrer bataille dans des conditions défavorables. Il temporisa, lassa Narvaez et ses troupes, qui rentrèrent à Zempolla, et prit si bien ses mesures que, la surprise et

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la terreur d’une ataque nocturne compensant l’inferiorité de ses forces, il fit prisonnier son adversaire et toutes ses troupes, et ne perdit lui-même que deux soldats. (VERNE, 2005: 65 e 66)2.

Charaudeau (2008) mostra que, de maneira geral, um individuo pode ser julgado

digno de crédito se houver condições de verificar que aquilo que ele diz corresponde

sempre ao que ele pensa. Ele deve convencer todos da pertinência de seu projeto

político e deve fazer o maior número de cidadãos aderirem a esses valores. Amossy

(2013) diz que o lugar que engendra o ethos é o discurso, o logos (significa em primeiro

lugar fala ou discurso e, em segundo razão ou exercício da razão) do orador e esse lugar

se mostra apenas mediante as escolhas feitas por ele (AMOSSY, 2013: 31). Segundo

Verne (2005), Cortès soube sempre fazer boas escolhas: “Le vainqueur traita bien les

vaincus, leur laissant le choix de se retirer à Cuba ou de partager sa fortune.” (VERNE:

2005: 66). Charaudeau (2008) aponta que o político deve utilizar todas as estratégias

disponíveis para fazer com que o maior número de pessoas se junte a suas ideias, a seu

programa, à sua política e à sua pessoa. Ainda em Verne, na mesma ocasião, com

Narvaez e seus soldados vejamos o exemplo apontado por Cortès, que nos evidencia a

proposta de Charaudeau. “Cette dernière perspective, appuyée de présents et de

promesses, parut tellement séduisante aux nouveaux débarqués, que Cortès se vit à la

tête de mille soldats, le lendemain du jour où il était sur le point de tomber entre les

mains de Narvaez”. (VERNE, 2005: 66). Assim, seu poder de persuasão possui um tom

que lhe dá autoridade e o remete a uma caracterização da conquista, podendo ser

interpretado como legítimo e digno de crédito. A imagem construída deste, que assume

a responsabilidade do que é dito e lhe é conferido um caráter, um ethos de seriedade

2 Tradução: Narvaez foi informado que Cortès oferecia coisas aos seus soldados, e não quis mais deixar suas tropas expostas por muito tempo à sedução: ele colocou a cabeça de Cortès e de seus principais oficiais a prêmio e foi ao seu encontro. Cortès era muito hábil para combater em condições desfavoráveis. Ele ganhou tempo, deixou Narvaez e suas tropas cansados, que retornaram para Zampolla, e tomou suas precauções de modo que, a surpresa e o terror de um ataque noturno compensando a inferioridade de suas forças, Cortès prendeu seu adversário e todas as suas tropas, perdendo somente dois soldados. (Verne, 2005: 65 e 66).

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onde o sujeito mostra grande energia e capacidade de trabalho, onipresença em todas as

linhas de frente na vida política e social. (CHARAUDEAU, 2008: 120).

2.2 O herói da Conquista, por que Cortès?

Le rôle du héros se situe dans l'aspiration métaphysique, presque religieuse, la volonté de dépasser la condition humaine. Cela signifie que le héros prend ses distancesavec l’homme ordinaire, il est un surhomme, celui qui cherche le bien de la communauté et qui travaille à la recherche de gloire et d’honneur (TESTAS, 1988: 18).3

Cortès se enquadra entre os heróis legendários. É um herói que não possui destino

pré-definido e para isso deve inventá-lo. Bennassar, em seu livro Cortés le conquérant

de l’impossible, nos deixa uma questão sobre o herói da conquista : seria ele um modelo

de Conquistador? A pergunta feita pelo historiador nos evidencia a grande influência

que Cortès exercia sobre os outros conquistadores. Os conquistadores que virão após o

herói tentarão descobrir novas terras. Como nos diz Verne , Cortès é um gênio político

que soube melhor explorar o Novo Mundo.

Jules Verne escolhe incluir Cortès em seu romance porque acredita que este é um

dos grandes conquistadores da História da Humanidade. Mais conhecido como escritor

futurista, Jules Verne nos leva a algumas viagens para o passado, onde nos mostra, por

exemplo, a época das expedições marítimas com relatos das descobertas em suas obras:

Les Conquistadors e Les découvreurs des Amériques. As ciências naturais e as viagens

são as paixões que marcam a vida do autor. As questões geográficas, sociais, políticas

são sempre tratadas por Verne no seu imaginário fazendo do leitor o seu companheiro

de viagem. As viagens e a procura por aventuras sempre estiveram no imaginário do

homem. Com Verne e sua ficção, o leitor prova todas as possibilidades do mundo

3 Tradução: O papel do herói se situa na aspiração metafísica, quase religiosa, de ultrapassar a condição humana. Isso significa que o herói se distancia do homem comum, ele é um super-homem, aquele que procura o bem da comunidade e que trabalha à procura de glória e honra. (TESTAS,1988: 18).

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ficcional saindo de seu meio para além do real. Nas duas obras escritas sobre a

descoberta das Américas, o autor evoca Hernán Cortès, mas é em Les Conquistadors

que ele nos mostra as aventuras do herói na época das conquistas. Segundo o autor, o

conquistador é um grande herói de seu tempo que soube colocar em cena gloriosas

batalhas onde ele era sempre um gênio político.

2.3 O que é política?

A palavra Política (do Grego: πολιτικός / politikos, significa "de, para, ou

relacionado a grupos que integram a Pólis") denomina a arte ou ciência da organização,

direção e administração de nações ou Estados. A palavra tem origem nos tempos em

que os gregos estavam organizados em cidades-estados chamadas "pólis", nome do qual

se derivaram palavras como "politiké" (política em geral) e "politikós" (dos cidadãos,

pertencente aos cidadãos), que estenderam-se ao latim "politicus" e chegaram às línguas

europeias modernas através do francês "politique" que, em 1265 já era definida nesse

idioma como "ciência dos Estados".

Muitos autores tentaram definir a palavra política, porém, torna-se difícil

conseguir, uma definição que represente tudo que está por trás deste fenômeno que é a

política. Charaudeau (2008) diz que as respostas sobre o que é discurso político não são

evidentes e jamais podem emergir dissociadas de um ponto de vista particular. Segundo

Charaudeau, cada disciplina o constrói como um objeto de estudo que lhe é próprio.

(CHARAUDEAU, 2008: 15). E por isso torna-se complicada a definição sobre o

assunto. Aqui procuraremos definir o objeto do Discurso Político: no dizer de Verne,

Cortès torna-se o sujeito político que, através de sua oratória, consegue influenciar

povos e até seu próprio Rei em busca de seus objetivos. Apesar do fato de que naquela

época não existia o conceito de Política que surge na era moderna, Cortès pode ser

considerado um político de seu tempo.

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Segundo Fiorin (2009), a política diz respeito ao poder, ou melhor, aos poderes.

Isso permite incorporar à política não só o que está dentro do campo da aceitabilidade

tradicional desse termo, mas também todas as relações de poder que se exercem na vida

cotidiana. A arte de convencer o outro através da palavra é muito antiga. No caso dos

Conquistadores, vimos que alguns destacaram-se dos demais devido a seus poderes de

persuasão. No caso do sujeito político, ele tenta convencer, segundo Charaudeau, com

estratégias discursivas para atrair a simpatia do público (CHARAUDEAU, 2008: 82).

Cada sujeito político tem sua forma de persuadir. Amossy (2013) diz que todo ato

de tomar a palavra implica na construção de uma imagem de si. Deliberadamente ou

não, o locutor efetua em seu discurso uma representação de si. O orador influencia as

opiniões que, no momento oportuno, traduzir-se-ão em atos, e é por isso que ele deve

produzir em seu discurso uma imagem adequada de sua pessoa. A construção discursiva

de uma imagem de si é suscetível de conferir ao orador sua autoridade, isto é, o poder

de influir nas opiniões e de modelar atitudes.(AMOSSY, 2013: 142.)

A Análise do Discurso institui uma relação entre língua e história, onde se busca

explicar o funcionamento dos sentidos nela envolvidos. Muitos políticos têm como

finalidade principal persuadir o outro através de um discurso e argumentos bem

analisados e preparados. É dessa forma que ele mostra que seu ponto de vista está

coerente e que é o certo a se fazer. É o que podemos observar em Cortès. Ao tentar

convencer o rei da Espanha de que as cidades deveriam ser exploradas, Cortès envia

mais relatos sobre o povo, as batalhas, as cidades e sobre as riquezas:

Procurarei dar, mui poderoso senhor, um pequeno relato das grandezas. Maravilhas e estranhezas desta grande cidade de Tenochtilán, de sua gente, seus ritos e costumes, assim como da maneira ordeira como governam, o que se dá da mesma forma nas outras cidades. Mas, certamente, tudo que direi será pouco para descrever o que existe. Mas, pode acreditar vossa majestade que, se

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algum erro cometer, será por exclusão e não por excesso. (Cortez4 2007; p.62).

Podemos averiguar que em Cortès existe um movimento estratégico de tom

apelativo que se torna forte e representativo quando ele mostra ao rei as riquezas, para

convencê-lo de que o melhor a fazer é explorar estas terras. Esta é uma prática política

descrita por Charaudeau, onde o discurso torna-se instrumento da prática política que

faz com que o receptor da mensagem seja coagido a aderir ao que o sujeito comunicante

produz. (CHARAUDEAU, 2008: 17). A carta enviada no dia 10 de julho de 1519 pela

justiça e regimento de Vila Rica e de Vera Cruz mostra essa relação, pois Cortès busca

coagir o rei Carlos V a continuar essas expedições, mostrando sempre vantagens para

convencê-lo a investir no país recentemente descoberto.

Estes dados que estamos enviando a vossas majestades é que são corretos e tratamos aqui, desde o momento em que estas terras foram descobertas até o estado em que se encontram no presente, para que vossas majestades conheçam a terra como é, a gente que habita, sua maneira de viver, seus ritos e cerimônias, suas leis, e o fruto que dela vossas altezas reais poderão obter, e também para que vossas altezas reais saibam que nela têm sido servidos. (CORTEZ, 2007: 13).

O processo de elaboração da legitimação passa por um processo de encenação,

pois os indivíduos constroem valores através do que eles veem. Embora cada um de

nós seja um indivíduo dotado de uma história singular, forjamos essa individualidade e

essa singularidade mediante nossas relações com os outros, nas comunidades mais ou

menos constituídas, mais ou menos fechadas, e nas situações de troca que são

simultaneamente diversas e recorrentes (CHARAUDEAU, 2008: 51). Para o autor,

podemos representar a comunicação humana como um teatro. Segundo ele, estamos o

tempo todo representando, encenando nossas ações e falas. E é desta forma que age o

sujeito político, ele representa, ele encena suas ações e retira muitas vezes proveito do

4 Optou-se pelo sobrenome Cortès, para o presente trabalho. No entanto a forma “Cortez” aparecerá unicamente quando for uma citação de suas cartas.

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seu saber discursivo. Verne, ao mostrar Cortès como herói principal da conquista do

México, nos expõe como este é hábil no momento de encontrar seus aliados e

principalmente em convencer os índios a se tornarem submissos a seu rei, o rei da

Espanha Carlos V.

Lorsqu’ils s’aperçurent que dans tous ces combats, qui avaient coûté la vie à un si grand nombre de leurs plus braves guerriers, pas un seul Espagnol n’avait été tué, ils prêtèrent à ces étrangers une nature supérieure, tout en ne sachant quelle opinion se faire d’hommes qui renvoyaient, les mains coupées, les espions surpris dans leur camp, et qui, après chaque victoire, non seulement ne dévoraient pas les prisionniers comme l’auraient fait les Aztèques, mais encore les relâchaient chargés de présents et demandaient la paix. Les Tlascalans se reconnurent donc vassaux de l’Espagne, et jurèrent de seconder Cortès dans toutes les expéditions. De son côté, celui-ci devait les protéger contre les ennemis.5 (VERNE, 2005: 56).

A Análise do Discurso Político considera, então, que a linguagem não é transparente

e que os sujeitos, ao produzirem seus discursos, tentam definir-se em relação ao outro.

Charaudeau (2008) diz que um sujeito pode definir-se em relação ao outro por um

princípio de alteridade, ou seja, sem a existência do outro, não há consciência de si.

Partimos, assim, do princípio que nessa relação, o sujeito não cessa de trazer o outro

para si, segundo um princípio de influência, para que esse outro pense, diga ou aja

segundo a intenção daquele. Por meio da linguagem, pode-se dizer que Cortès

transforma a realidade em que vive e a si mesmo. Ele constrói seu próprio destino. O

exemplo abaixo mostra como Verne observa essa genialidade política discursiva do

herói:

5 Tradução: Assim que eles perceberam que em todos estes combates, que haviam custado a vida de um graande número de seus mais bravos guerreiros, nenhum espanhol havia sito morto, eles atribuíram àqueles estrangeiros uma natureza superior, sem saber qual opinião se deve ter de homens que devolviam, com as mãos cortadas, os espiões surpreendidos em seus campos, e que, após cada vitória, não devoravam os prisioneiros como teriam feito os Aztecas, e também os soltavam carregados de presentes e pediam a paz. Os Tlascalans se reconheceram assim vassalos da Espanha, e juraram acompanhar Cortès em todas as expedições. Quanto a ele, devia protegê-los de seus inimigos. (VERNE, 2005: 56).

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Le vainqueur traita bien les vaincus, leur laissant le choix ou de se retirer à Cuba ou partager sa fortune. Cette dernière perspective, appuyée de présents et de promesses, parut tellement séduisante aux nouveaux débarqués, que Cortès se vit à la tête de mille soldats, le lendemain du jour où il était sur le point de tomber sur les mains de Narvaez. Ce brusque revirement de fortune fut puissament secondé par l'habilité diplomatique de Cortès qui hâta de reprendre le chemin de Mexico6. (CORTEZ, 2007:66).

A citação acima mostra a genialidade descrita por Verne, temos assim elementos

importantes no processo formador dos seguidores do herói. Estes elementos

representam, a partir daí, a conquista de uma nova sociedade, de novos objetivos a

serem alcançados. Sua diplomacia e habilidade discursiva criam novas perspectivas para

os outros soldados que também sonhavam com o Novo Mundo.

2.4 Discurso e poder

Segundo Charaudeau (2008: 17) todo ato de tomar a palavra determina uma

imagem de si. O sujeito falante constrói sua imagem através do seu ato de fala. A

linguagem é uma atividade humana que se desdobra no teatro da vida social e cuja

encenação resulta de vários componentes, cada um exigindo um “savoir-faire”.

Charaudeau (2010: 7) diz que este “savoir-faire” implica o que chamamos de

competência do sujeito comunicante. No ato politico, o discurso torna-se eficaz a partir

do momento em que se consegue atingir o outro; é a ação política que, idealmente,

determina a vida social ao organizá-la tendo em vista um bem comum. Assim, parece-

nos que na busca pelo poder, o sujeito comunicante desempenha o papel de influenciar

um ou mais sujeitos com a finalidade de dominar o outro de maneira que este não

interfira nos seus propósitos.

6 Tradução: O vencedor tratou bem os vencidos, deixando-lhes a escolha ou de se retirar para Cuba ou de dividir sua fortuna; a última perspectiva reforçada com presentes e promessas, pareceu tão sedutora aos novos desembarcados, que Cortès se viu comandante de mil soldados, no dia seguinte ao dia em que estava a ponto de cair nas mãos de Narvaez. Esta brusca reviravolta da sorte foi impulsionada pela habilidade diplomática de Cortès que não via a hora de retomar o caminho para o México. (CORTEZ, 2007:66).

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Na conquista do México (Nova Espanha) Hernán Cortès constrói para si

primeiramente credibilidade, para atingir uma legitimação dada posteriormente tanto

pelo Rei Carlos V, quanto pelos povos indígenas. A realidade da época passa por um

histórico onde se observa que do ponto do vista do Conquistador, a linguagem passa a

ser um instrumento com o qual ele deve buscar sua autonomia. O itinerário vivido por

Cortès é compreendido a partir do momento em que, do ponto de vista discursivo, o

sujeito para o qual o discurso está direcionado coloca-se em situação de submissão em

relação ao sujeito comunicante. Hernán Cortès entende que para que a Conquista se

torne possível, ele deveria buscar estratégias de comunicação além da força de suas

armas. Em Les Conquistadors (1870), o autor apresenta um discurso sobre o

personagem e ao mesmo tempo engloba em seu discurso um possível olhar sobre a

forma de Cortès administrar seus soldados. Verne mostra como Cortès consegue fazer

de seus inimigos seus aliados. Ele mostra qual a relação entre esses fatos e como foi

possível que um só homem apresentasse tal poder político discursivo a ponto de fazer

de seus inimigos seus aliados para outras conquistas no país. De certa forma, questiona-

se de que maneira foi possível que Cortès conquistasse uma população maior que a de

seu país, como nos diz Bennassar, somente com suas forças militares.

O que podemos observar em Verne, é que o Conquistador possui um grande poder

de orador, sendo assim, pode-se considerar a conquista destes vários aliados

conseguidos por Cortès, como resultado de seu poder de influência através do seu dizer.

Do ponto de vista do discurso político, Charaudeau (2008) diz que o ator político se

manifesta na cena do teatro social, com uma dupla identidade, que destina ao outro, seu

público, a feição ideal de um cidadão que seria seu duplo, cúmplice. Sendo assim, a

definição encontrada por Charaudeau nos sugere que Cortès fez de seus inimigos seus

cúmplices através dos atos de comunicação. A possível influência sobre estes sujeitos

fizeram dele certamente um grande herói, mas acredita-se que não seria possível esta

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conquista se Cortès não soubesse administrar seus subalternos e fazer de imperadores

como Montezuma seus cúmplices.

Verne, ao mostrar Cortès como herói principal da conquista do México, nos expõe

como este é hábil na hora de encontrar seus aliados e, principalmente, em convencer os

índios a se tornarem soberanos a seu rei, o rei da Espanha Carlos V. O sujeito político

busca legitimidade. Assim, podemos compreender que Cortès, ao tentar esta

legitimidade, se utiliza deste discurso para conseguir credibilidade e confiança de sua

alteza para que possa agir em seu nome. O conquistador não afirma de forma explícita

que quer ter este poder vindo das mãos de sua majestade, mas através do seu discurso

justifica-se de forma a convencer a corte de que o melhor a fazer é instruir estas pessoas

na Santa fé. Assim, ele pede para ser nomeado como governador e executor da justiça

nestas terras, até que as mesmas estejam conquistadas e pacificadas:

Todo sangue que corre oferecem àqueles ídolos, espalhando-o por todas as partes daqueles oratórios ou elevam-no para o céu. Todavia, praticam uma outra coisa horrível e abominável, digna de ser punida, jamais coisa vista em outra parte que é a seguinte: toda vez que pedem a seus ídolos alguma coisa que muito desejam, tomam meninos e meninas ou até mesmo adultos, colocam diante destes ídolos e abrem seus peitos, arrancando o coração e queimando-o em oferenda... Vejam vossas altezas reais que se deve evitar tão grande mal e que Deus Nosso Senhor será servido pela mão de vossas majestades se estas pessoas forem instruídas e introduzidas em nossa santa fé católica. (CORTEZ, 2007: 31)

Segundo Charaudeau (2008), a legitimidade, de maneira geral, designa o estado

ou a qualidade daquele cuja ação é bem fundamentada. Pois o mecanismo pelo qual se é

legitimado é o reconhecimento de um sujeito por outros, que dá direito a exercer um

poder específico com a sanção ou gratificação que o acompanha. A relação que o sujeito

estabelece é, por assim dizer, uma exposição de suas qualidades favoráveis que apontam

para o sujeito interpretante com o propósito linguageiro de convencê-lo a investir e

confiar em suas intenções.

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Cortès mostra o primitivismo vivido por aquele povo, com uma única finalidade:

legitimar-se. Como sabemos, o sujeito interpretante , o rei, cria hipóteses. Charaudeau

(2010) nos evidencia que este sujeito cria estas hipóteses expondo seus pontos de vista

em relação ao destinatário. Sendo assim, segundo ele, não há circunstâncias linguageiras

nas quais o sujeito interpretante possa deixar de criar hipóteses. Imagina-se então que

Cortès expõe suas intenções escrevendo cartas com o objetivo de motivar o rei a investir

no que ele acredita.

Para o cumprimento do presente projeto, partimos, primeiramente, da leitura e

seleção de um corpus inicial, que permitisse levantar as principais questões a serem

trabalhadas. Assim, chegamos a um corpus composto por uma produção histórica,

obtendo referências históricas, sobre a vida de Cortès, para construir uma base do

pensamento de Verne sobre o mesmo. O livro de Bartolomé Bennassar, Cortés le

conquérant de l’impossible (2002) constitui uma fonte importante para o seguimento

das análises sobre o personagem. Bennassar, em sua obra, reconstrói historicamente os

passos do conquistador. O autor mostra o retrato de um gênio político hábil que constrói

seu caminho através de estratégias e vontade de conquistas. Sua visão sobre o

conquistador complementa a de Jules Verne, que seria a de um conquistador que soube

trabalhar com sua genialidade.

« Car voici un homme qui n’avait rien, ou presque, et qui s’inventa un destin

prodigieux grâce à l’empire qu’il exerça sur les autres. » (BENNASSAR, 2002: 235).

Em seu livro, o historiador desfaz o retrato de um conquistador carrasco, ele analisa a

vida do herói até o fim de seus dias. Para ele, a personalidade deste homem é complexa,

um mundo se abre para Cortès, maravilhoso e mítico, e o gosto pela aventura é tão forte

quanto o resto. « Est-il un modèle de conquistador? » (BENNASSAR, 2002: 314) A

questão posta pelo autor coloca em evidência o valor do conquistador. Segundo ele, é

evidente que o conquistador exerceu uma imensa influência sobre os conquistadores que

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virão a descobrir, após Cortès, novas terras e riquezas:

A vrai dire, Cortés était inimitable car il fut le seul “conquistador”qui eût du génie. Aucun n’aima autant que lui le pays qu’il avait contemplé avec émerveillement lors du fabuleux été 1520, aucun ne chercha avec autant de persévérence à le transformer selon ses croyances et ses idéaux. (BENNASSAR, 2002: 316)7.

Faz-se necessário também a obra que Bernal Diaz de Castilho escreveu sobre seu

companheiro de viagem a partir de 1551, pois foi certamente a leitura da mesma que

influenciou Jules Verne para compor a trajetória do conquistador. Verne escreve sua

narrativa sobre Cortès a partir desta leitura. A escolha da obra justifica-se, portanto, pelo

fato de haver um interdiscurso entre ambos. O conquistador aparece em Verne como um

homem com uma grande vontade de vencer, vontade esta que o impulsionou em direção

ao desconhecido. O herói queria conquistar o país e conseguir a vitória sobre os índios

e, segundo Verne, ele certamente traçou todos os passos para conseguir seus objetivos.

Verne mostra, em um interdiscurso com Diaz de Castilho, o fato de o herói saber

realmente se utilizar de seu poder de fala, de sua oratória e faz alusão à fé do herói

citando Bernal Diaz: « peut-être, ne devrait-il recevoir sa récompense que dans un

meilleur monde, et je le crois pleinement; car c´était un honnête cavalier, très sincère

dans ses dévotions à la Vièrge, à l’apôtre saint Pierre et à tous les saints » (VERNE,

2005: 91)8

No discurso de Verne sobre Cortès, o que se encontra é um herói singular. Cortès é

visto como alguém que soube comandar muitas batalhas e sair vitorioso destas, até a

conquista. Verne cita suas várias facetas e como ele soube se legitimar através de sua

7 Tradução: Para dizer a verdade, Cortés era inimitável, porque ele foi o único “conquistador” que teve genialidade. Nenhum amou tanto o país, que ele contemplou maravilhado após o fabuloso verão de 1520, ninguém procurou com tanta perseverança transformá-lo segundo suas crenças e seus ideais. (BENNASSAR, 2002: 316). 8 Tradução: Talvez ele deva receber sua recompensa somente em um mundo melhor, e eu acredito plenamente, porque era um cavaleiro honesto, muito sincero em suas devoções à Virgem, ao apóstolo São Pedro e a todos os santos. (VERNE, 2005: 91).

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fala, sabendo trazer aliados para fazer parte de sua luta. Ele utiliza muitas vezes o nome

da coroa e de Deus para conseguir o que deseja, seu discurso está também ligado à

questão da fé, da Igreja Católica e à sua majestade. Neste exemplo, Cortès busca uma

justificativa para continuar explorando as terras encontradas. Ele menciona o que

acontecia para convencer o rei a deixá-lo continuar as explorações.

Ao falar dos sacrifícios, como vimos no exemplo acima, (CORTEZ, 2007: 31),

Cortès se introduz e está certo de que deve evitar tais fatos, pois estes fatos não estão de

acordo com os princípios da Santa Igreja Católica. E por isso, ele tenta se legitimar

através do seu discurso, mostrando para sua Majestade o que é tão abominável e deixa

subentendido que só ele pode evitar tais coisas dizendo que são coisas dignas de serem

punidas buscando assim sua legitimação como a pessoa que deve punir estes atos.

Charaudeau, ao falar de instâncias, ou seja da posição do sujeito político, diz que

o político encontra-se no lugar em que os atores têm um "poder fazer" – isto é, de

decisão e de ação – e um "poder de fazer pensar" – isto é de manipulação. É o lugar da

governança. Por conta disso, segundo o autor, - é onde o político busca legitimidade.

Assim, podemos compreender que Cortès, ao tentar esta legitimidade, se utiliza deste

discurso para conseguir credibilidade e confiança de sua alteza para que possa agir em

seu nome. O conquistador não afirma de forma explicita, que quer ter este poder vindo

das mãos de sua majestade, mas através do seu discurso justifica-se de forma a

convencer a corte de que o melhor a fazer é instruir estas pessoas na Santa fé. Assim, ele

pede para ser nomeado como governador e executor da justiça nestas terras, até que as

mesmas estejam conquistadas e pacificadas.

Patrick Charaudeau se faz necessário pelos pressupostos teóricos de sua obra e por

suas reflexões sobre o discurso político nas análises do pensamento de um político. E

também pelos capítulos sobre ethos, credibilidade e legitimidade, presentes na obra

Discurso Político (2008). A escolha se configurou pela importância do discurso

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histórico presente em Verne, que fez de Cortès um sinônimo de grande orador. Esta

escolha, juntamente com outras obras sobre Cortès, possibilita um rico material

referente à construção do ethos de Cortès em Verne. Somado às obras de cunho teórico,

esse recorte parece ser primordial para o entendimento deste personagem em Verne.

Charaudeau em seu texto Uma Teoria dos Sujeitos da Linguagem (2010 – originalmente

1984), apresenta princípios para a base da comunicação. Seguindo o principio de

pertinência, por exemplo, fez-se necessário que os índios aceitassem Cortès como

sujeito comunicante.

As quatro cartas de Cortès enviadas ao rei Carlos V também se fazem necessárias

para o cumprimento do trabalho. Cortès coloca-se como narrador, apresentando o

México de forma persuasiva e convincente com a finalidade de ocupar o lugar de

governador nas conquistas. Charaudeau (2010) acrescenta que nem sempre os fatos

narrados correspondem necessariamente ao que aconteceu, mas são apresentados “como

se”. Segundo Charaudeau um narrador pode desempenhar seu papel como historiador,

ele organiza a representação da história contada da maneira mais objetiva possível,

mais próxima dos fatos da realidade, utilizando arquivos, testemunhos e documentos.

Este narrador historiador implica o leitor destinatário de uma história contada que deve

ser recebida (e eventualmente verificada) como representação de uma história real.

Entende-se Cortès como historiador, pois ele narra investido de intencionalidade, isto é,

de querer transmitir alguma coisa (uma certa representação da experiência do mundo) a

um destinatário (espectador, leitor, ouvinte etc.). (CHARAUDEAU, 2010: 153-154).

Para convencer o Rei da Espanha Carlos V de que sua história era verdadeira,

Cortès, o narrador, constrói os ethé (Charaudeau; 2008) de credibilidade, digno de

crédito; de sério, mostra capacidade de autocontrole e calcula objetivos táticos; de

virtude, pois supõe–se que ele, como representante da coroa, dá o exemplo; de

competência, mostra-se capaz de realizar seus objetivos; Charaudeau também apresenta,

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dentro deste ethos, a malícia, definida por ele como um saber jogar com o ser ou

parecer: saber dissimular certas intenções, fazer crer que se tem certos objetivos para

melhor atingir seus fins. Segundo este, para realizar certos projetos, o político não pode

revelar todas as suas intenções. Algumas vezes o político chegará a fingir ir em uma

direção para depois tomar o caminho oposto. Para construir todos esses ethé, o

conquistador trabalha de várias formas diferentes: ao Rei, ele enviava uma porcentagem

do que conseguia e buscava, assim, persuadi-lo de que era confiável para este papel; aos

índios aliava-se com aqueles que estavam contra Montezuma oferecendo riquezas e a

salvação de suas almas, introduzindo-os mesmo contra suas vontades na santa fé

católica; e aos outros conquistadores ele oferecia glória e riquezas.

Na obra A conquista do México, apresentam-se quatro cartas escritas por Cortès

que foram entregues à coroa, onde ele propõe relatar os fatos de forma objetiva. Ele se

descreve inicialmente como súdito da coroa e pede a permissão do Rei para conquistar

esse vasto domínio. Cortès procura nessas cartas mostrar à coroa espanhola, de maneira

convincente, o quão interessante seria se eles pudessem conquistar o México. O

conquistador apresenta-se como herói, ou seja, busca a consolidação da conquista para a

coroa, age em prol da comunidade e por isso é considerado como herói também por

Verne.

Como pudemos observar Cortès se legitima através de vários pontos estratégicos:

religião, força, aliados e uma verdadeira demonstração de coragem e fé que levaram o

conquistador a uma legitimação sobre os outros povos.

O discurso de Verne sobre o herói nos anuncia que é principalmente através do

seu discurso religioso e de sua força que Cortès consegue se legitimar, pois ele

consegue evangelizar muitos indígenas. Verne diz que Cortès é um homem de muita fé,

mas ao mesmo tempo um grande guerreiro. Cortès busca sua legitimidade diante dos

indígenas e ele a consegue, pois muitos se aliam a ele contra seu próprio povo, como

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podemos observar em suas cartas. "Os índios nossos amigos usavam para com os

adversários tanta crueldade, que não diminuía nem com nossas ameaças de

castigo"(Cortès: 2007; p.139). O discurso de legitimação do herói diante dos indígenas

é feito através de um discurso de fé e ao mesmo tempo um discurso de promessas em

que Cortès oferecia as vantagens de sua coroa. Dessa forma, ele conseguiu pacificar

muitos povos.

Em suas cartas, Cortès apresenta um "eu" discursivo se justificando o tempo todo

para a coroa, o discurso é construído em forma de justificativa para a conquista. Esta

exige que o autor disponha de certas representações das situações por ele vividas que

aparecem a partir de suas palavras postas do discurso:

Esforcei-me para dizer a vossa majestade toda verdade, o menos mal que possa. Todavia suplico a vossa alteza que mande me perdoar se não contei todo o necessário ou se não acertei alguns nomes de cidades, de vilas e de seus senhores, que ofereceram seus serviços a vossa majestade, dando-se por súditos e vassalos. (CORTEZ, 2007: 34).

Assim, o seu texto passa a ser o resultado material do ato de comunicação, ele

combina vários elementos do modo de organização (como: descritivo, narrativo e

argumentativo – Charaudeau: 2010) . Cortès narra os fatos descrevendo e argumentando

com a Coroa sua possível conquista. Os modos narrativo e argumentativo em um

mesmo texto, juntamente com o descritivo dão sentido ao seu texto. Ele busca

legitimidade pontuando fatos pertinentes ocorridos em suas batalhas, organiza a

sucessão de suas ações e dos eventos com a função de transmitir alguma coisa a alguém,

sendo este alguém seu destinatário, o rei. Cortès busca elaborar uma sequência de ações

que se encadeiam progressivamente dando sentido ao seu "poder fazer" de modo que a

partir daí haja um contexto para o desenvolvimento de sua conquista.

Em relação à narração, devemos ressaltar alguns pontos:

- o descritivo e o narrativo distinguem-se pelo tipo de visão do mundo que

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constroem e pelos papéis desempenhados pelo sujeito que descreve ou narra.

- o descritivo faz-nos descobrir um mundo que se presume existir como um estar-

aí que se apresenta como tal, de maneira imutável. Este mundo, que necessita apenas ser

reconhecido, basta ser mostrado.

- o narrativo, ao contrário, leva-nos a descobrir um mundo que é construído no

desenrolar de um sucessão de ações que se influenciam umas às outras e se transformam

num encadeamento progressivo.

Sendo assim, Charaudeau (2010) nos mostra dois tipos de papéis dos sujeitos:

1) o sujeito que descreve desempenha os papéis de observador (vê os detalhes)

de sábio (que sabe identificar, nomear e classificar os elementos e suas propriedades),

de alguém que descreve (que sabe mostrar e evocar);

2) o sujeito que narra desempenha essencialmente o papel de uma testemunha

que está em contato direto com o vivido (mesmo que seja de uma maneira fictícia), isto

é, com a experiência na qual se assiste a como os seres humanos se transformam sob o efeito de

seus atos.

Desse modo, vale a pena ressaltar que Cortès é um narrador investido de

intencionalidade. Segundo Charaudeau (2010), isto significa dizer que ele é aquele que

quer transmitir alguma coisa. Neste caso, o narrador é um ser social e um ser

discursivo. Ou seja, narrador e autor se fundem e se confundem no discurso.

Enfim, concluídas as leituras e seleção do corpus, passamos para a análise. Com o

fluxo de leitura, verificamos os textos com a finalidade de organizar a estrutura do

trabalho a ser realizado. Selecionamos e analisamos os textos aqui elencados que

apresentam o narrativo e o descritivo. O argumentativo, apresentado nas cartas de

Cortès, acentua as relações existentes entre as ações apresentadas pelo modo narrativo,

com a função de persuadir e convencer o rei através da argumentação e posição dos

fatos.

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3. ANÁLISE DO CORPUS

3.1 Relação com índios, Coroa e Conquistadores: o ethos construído pelo

conquistador

Cortès coloca-se como narrador em suas cartas, apresentando o México de

forma persuasiva e convincente com a finalidade de ocupar o lugar de governador nas

conquistas. Charaudeau (2010) diz que nem sempre os fatos narrados correspondem

necessariamente ao que aconteceu, mas são apresentados “como se”. Segundo

Charaudeau, um narrador pode desempenhar seu papel de dois modos distintos:

historiador ou contador. O primeiro organiza a representação da história contada da

maneira mais objetiva possível, mais próxima dos fatos da realidade, utilizando

arquivos, testemunhos e documentos. Este narrador historiador, implica o leitor

destinatário de uma história contada que deve ser recebida (e eventualmente

verificada) como representação de uma história real.

Com finalidade de dramatizar seu texto, Verne nos mostra em seu capítulo

sobre Cortès também os atos de sacrilégio de uma época corrompida por uma categoria

social que traça o destino de toda uma sociedade. Os índios fazem parte de um ciclo da

história que possuem um destino trágico e notável. Quando Verne nos expõe o

personagem de Cortès enquanto um grande gênio que cria seu próprio destino, ele nos

exibe igualmente quanto este mesmo destino foi cruel para os índios. O personagem se

caracteriza pela sua força e pela sua bravura, no entanto, segundo Verne, os mexicanos

também são um povo que possui estas mesmas características. Logo depois da morte de

Montezuma, Cortès teve que fazer mais uma vez prova de competência e habilidade,

pois os mexicanos lutaram bastante para resistir a sua saída da cidade: “Mais, grâce à sa

force et à son agilité exceptionnelles, Cortès put échapper à leur étreinte, et ces braves

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Mexicains périrent dans leur tentative généreuse et inutile pour le salut de leur pays”

(Verne, 2005: 69). Verne mostra claramente que seu herói é superior aos índios, que

apesar da bravura deles, sua força não seria nada diante de Cortès. É essa grande batalha

que dá inicio a famosa noite triste3. No decurso dos combates, Cortès perde metade dos

homens: tem de decidir pela evacuação de Tenochtitlán (cidade do México) em direção

a Tlascala e em seu discurso com seus soldados, mostra mais uma vez que é capaz de se

fortalecer e convence os espanhóis de não entrar em conflito com seus aliados :

En entrant sur le territoire de Tlascala, Cortès recommanda à ses hommes, et particulièrement à ceux de Narvaez, de ne commettre aucune vexation à l’égard des indigènes, car il allait du salut commun, et pas irriter les seuls alliés qui leur restassent. Par bonheur, les craintes qu’on avaient conçues sur la fidélité des Tlascalans furent vaines. L’accueil qu’ils firent aux Espagnols fut de plus en plus sympathique ; ils ne songeaient qu’à venger la mort de leurs frères massacrés par les Mexicains. (VERNE, 2005 : 75).9

9 Tradução: Ao entrar no território de Tlascala, Cortés recomendou a seus homens, e particularmente aos de Narvaez, que não fizessem nada que causasse mal aos indígenas, pois isso traria consequências para a salvação comum, e que não irritassem os únicos aliados que lhes restavam. Por felicidade, os temores que mostraram sobre a fidelidade dos Tlascalenses foram vãos. A acolhida aos espanhóis foi cada vez mais simpática; eles só almejavam vingar a morte de seus irmãos massacrados pelos mexicanos. (VERNE, 2005: 75).

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A Noite Triste (em espanhol, La Noche Triste) foi uma batalha que ocorreu no dia 30 de junho de 1520 em Tenochtitlán, no México, entre forças astecas e espanholas.

A chamada noite triste representa para Cortès uma grande perda, a imagem

ilustrada acima acontece no Lago de Texcoco, no México, e tem como a vitoriosos os

astecas que conseguem eliminar muitos dos homens de Cortès. Esta é a batalha mais

dura que o conquistador teve que enfrentar, além disso, além da perda de seus homens,

ele sofre igualmente um pouco da perda de credibilidade, tendo que refazer suas

estratégias para continuar no país. A pintura mostra uma noite sombria, com muitos

homens jogados ao chão apontando como esta batalha foi difícil tanto para os

espanhóis, quanto para os índios. Nela podemos observar um jogo de luzes muito

intenso e sombras acentuadas com cores escuras predominantemente fortes, ressaltando

a tristeza desta noite.

A recomendação em nome da aliança feita entre Cortès e os indígenas, valendo-se

da persuasão e da eloquência, fundamenta-se em decisões sobre o futuro, o herói se

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justifica sobre o que pode ser feito, de forma a persuadir os espanhóis a não abandonar

os projetos. Ele busca ao mesmo tempo convencê-los de que somente com a ajuda

daquele povo eles poderiam ter mais resultados.

Charaudeau (2008: 37) diz que o ethos político é o resultado de uma alquimia

complexa feita de traços pessoais de caráter, de corporeidade, de comportamentos, de

declarações verbais, tudo relacionado às expectativas vagas dos cidadãos, por meio de

imaginários que atribuem valores positivos e negativos a essas maneiras de ser.

Segundo o autor, toda construção do ethos se faz em uma relação triangular entre si, o

outro e um terceiro ausente portador de uma imagem ideal de referência: o si procura

endossar essa imagem ideal; o outro se deixa levar por um comportamento de adesão à

pessoa a que ele se dirige por intermédio dessa imagem ideal de referência. O ethos

construído por Cortès se liga completamente à sua imagem de homem excepcional, de

um herói acima de tudo.

O discurso político é uma ação e muitos políticos ou homens de determinadas

posições jogam com elementos contraditórios. Cortès, alguns anos depois de sua

chegada à cidade do México, ao saber da traição liderada pelo último imperador asteca,

faz de Guatimozin10 seu prisioneiro, e o elimina para agradar seus homens, visto que o

Imperador nada quis dizer com relação ao ouro que escondia:

A l’ivresse du succès succédèrent presque aussitôt chez les Espagnols le dépit et la rage. Les immenses richesses sur lesquelles ils avaient compté n’existaient pas ou avaient été jetées dans le lac. Cortès, dans l’impossibilité de calmer les mécontants, se vit contraint de laisser mettre à la torture l’empereur et son Premier ministre. (VERNE: 2005; p.81). 11

10 Guatimozin ou Cuauhtémoc foi o último Imperador asteca. Cortès ordenou a morte de Cuauhtémoc no dia 26 de fevereiro de 1525. 11 Tradução: À embriaguez do sucesso sucederam quase imediatamente nos espanhóis o despeito e a raiva. As imensas riquezas com as quais haviam contado não existiam ou tinham sido jogadas no lago. Cortès, na impossibilidade de acalmar os descontentes, viu-se obrigado a deixar torturar o imperador e seu Primeiro ministro.

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Cuauhtémoc sendo torturado por Hernán Cortès. Pintura do século XIX por Leandro Izaguirre, México.

A imagem mostra a tortura de Cuauhtémoc no dia 26 de fevereiro de 1525. Data

em que Cortès ordena a morte do último imperador asteca, a imagem mostra a tortura

pelo fogo, onde Cortès é colocado diante do imperador asteca mostrando sua

superioridade. A pintura ilustra um cruzar de olhares, mostrando que Cuauhtémoc não

tinha medo de Cortès. Apesar de Cortès se colocar em posição de superioridade, o

imperador asteca é colocado diante de sua morte pelo pintor como um homem digno de

seu império e pronto para morrer por ele. Em seu olhar não está descrito o medo de um

homem diante da morte, como podemos observar no outro asteca ilustrado também

como prisioneiro. A tortura pelo fogo representa o domínio de Cortès sobre o

imperador, ou seja, Cortès domina o fogo e o fogo domina o imperador asteca com a

tortura.

Qual é o objetivo do discurso e quais são os recursos mediante os quais o orador

pretende alcançar esse objetivo? O objetivo de Cortès aqui pode ser visto como uma

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maneira de alcançar mais credibilidade de seus homens que haviam sonhado com uma

riqueza não encontrada, para que depois de tantas lutas, os mesmos tivessem um pouco

de consolo. O risco de perda de prestígio era grande e o herói da conquista buscava

ainda algumas batalhas. Cortès, imediatamente instaurando um processo de sedução,

através de outros recursos se fixa enfim entre os mexicanos. As imensas riquezas com

as quais eles haviam contado não existiam ou haviam sido jogadas no lago.

Cortès na impossibilidade de acalmar os descontentes, se viu constrangido de

deixar ser torturado o imperador e seu primeiro-ministro. (VERNE, 2005: 81).

Cortès enfin confirmé dans sa situation n’avait plus qu’à organiser sa

conquête. Il commença par établir le siège de sa puissance à Mexico

qu’il rebâtit. (VERNE : 2005; p.82).12

Ele busca mais uma vez a comunicação das partes, dos seus soldados, para, finalmente

entrar na cidade e nela fica por alguns anos. Cortès ativa o imaginário de seus

conquistadores enunciando e argumentando sempre que eram válidas aquelas

expedições. Em seu discurso estava sempre a presença de Deus e as possibilidades de

novas riquezas. Segundo Cortès, ele sempre deixou claro em suas expedições que ele

serviria sempre em prol de sua majestade.

Tenho certeza que os juízes de vossa majestade hão de comprovar que não há ordem de vossa majestade que eu não tenha cumprido... Não fosse assim eu não teria saído a seiscentas léguas desta cidade, caminhando por terras até então não trilhadas, por meio aos mais diversos perigos de vida, tendo deixado nesta cidade oficiais de vossa majestade encarregados de manter o zelo em nome de vossa alteza. (CORTEZ, 2007: 214).

Neste discurso de Cortès, se reflete o medo de perder sua legitimidade e

credibilidade conquistadas com tantos esforços:

12 Tradução nossa de: Cortès enfim conformado com a situação tinha somente que organizar sua conquista. Ele começou estabelecendo o trono de seu poder no México que ele construiu. (VERNE, 2005: 82).

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Dizem que não tenho obedecido aos seus reais mandamentos e que atuo nesta terra em seu poderoso nome de forma tirânica e inefável, dando para isto algumas depravadas e diabólicas razões. (CORTEZ, 2007: 214).

Charaudeau (2008: 127) diz que todo modo é importante para o político responder

à acusação de culpa ou de responsabilidade, se quiser sair ileso do ataque. A acusação

de culpa designa o autor do ato delituoso como tendo agido de maneira consciente e

voluntária; daí, justificar-se consiste, então, em negar o caráter consciente e voluntário e

a possibilidade de ter sido mal-intencionado. A responsabilidade gera um ator do fato

involuntário, este justifica-se minimizando seu papel e evidenciando o caráter não

intencional do ato protestando sua inocência. Muitas acusações são feitas com o

propósito de retirar Cortès do poder e de suas conquistas. Em sua última carta podemos

observar que ele se manteve muito preocupado em perder seu cargo e tenta de todas as

formas convencer sua majestade de que o melhor a ser feito é mantê-lo na cidade do

México e, para isso, produz um discurso justificando que o que falavam de suas

conquistam eram inverdades.

Outra coisa que me têm acusado é de que tenho a maior parte destas terras para mim, me servindo e aproveitando delas, de onde se tem extraído grande quantidade de ouro e prata. Que tenho feito fortuna e ainda por cima gastado sessenta e tantos mil pesos de ouro de vossa majestade sem necessidade. E mais que não tenho enviado o ouro e as rendas de vossa majestade. Quanto a ter a maior parte da terra, isto é verdade, pois a tenho conquistado para o reino de vossa majestade, aumentando seu real patrimônio. Quanto ao ouro e prata digo que não há o bastante para que eu deixe de ser pobre e deixe de estar endividado com mais de quinhentos mil pesos de ouro, sem ter um castelhano com que pagar, pois se muito ganhei, muito gastei com trabalho, riscos e perigos para ampliar o reino de vossa majestade. (CORTEZ, 2007: 214-215).

Charaudeau (2008: 153) diz que o ethos é voltado ao mesmo tempo para si e para

o outro. Ele é uma construção de si para que o outro adira, siga, identifique-se a este ser

que supostamente é representado por um outro si mesmo idealizado. Na busca de

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conquista de territórios, Cortès se faz reconhecer por todos, transmite insegurança para

alguns e conquista e poder para outros. Como quer que seja, é importante para o político

responder à acusação de culpa ou de responsabilidade, se quiser sair ileso do ataque.

A fama de Cortès até a conquista também foi construída por declarações de

terceiros. Como se sabe ele tinha muita fama de destruidor, desde seus primeiros

contatos teve que agir com violência: “... des indigènes étaient entièrement changés, et

l’on dut employer la violence.” (CORTEZ, 2007: 46). Charaudeau (2008:155) mostra

que o sujeito político pode pretender ocupar uma posição de leadership13 na cena

política e aparecerá como um ser “inspirado”, um “visionário”, o depositário de uma

fonte de inspiração misteriosa, o porta-voz do terceiro que se encontra na onipotência do

além. É dessa forma que o herói da conquista, colocado por Verne, em seu exemplo,

indica com evidência um apelo no que diz respeito à forma de suas atitudes: palavra e

ação definem o estilo do herói. Ambas funcionando como estratégias para atrair os

índios e aliados:

…Il y14 attira les Espagnols en leur donnant des concessions de terre, les Indiens en les laissant tout d’abord sous l’autorité de leurs chefs naturels, quoiqu’il eût bientôt tous réduits, sauf les Tlascalans, à l’état d’esclaves par le vicieux système des repartimientos

15 en usage dans les colonies espagnoles. (VERNE, 2005: 82).16

3.2 Como Hernán Cortès se legitima segundo Verne

Inicialmente, podemos observar que Cortès consegue credibilidade através de seus

atos, pois o objetivo do conquistador era o de conseguir legitimar-se diante da coroa.

13 Diz-se que liderança é a arte de comandar pessoas, atraindo seguidores influenciando de forma positiva mentalidades e comportamentos. 14 Referência à cidade do México. 15

Foi um sistema de trabalho forçado imposto pelos espanhóis em diversos lugares da América, do final do século XVI até o início do século XIX. 16 Tradução: Ele atraiu os espanhóis para a cidade do México dando-lhes concessões de terra, os índios deixando-os primeiramente sob a autoridade de seus chefes naturais, embora logo todos tenham sido reduzidos, salvo os Tlascalans, ao estado de escravos pelo vicioso sistema de repartimentos em uso nas colônias espanholas.

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Charaudeau aponta que a legitimidade dá ao sujeito o direito de dizer ou de fazer, já a

credibilidade dá ao sujeito a capacidade de dizer ou fazer. O sujeito deve, assim,

conseguir credibilidade para em seguida ser legitimado. A partir da visão que

Charaudeau nos deixa sobre a legitimação de um sujeito, podemos analisar a

legitimação buscada por todo sujeito político e na qual Cortès se enquadra. Cortès tenta

se legitimar como governador da Nova Espanha pedindo isso diretamente e para isso se

coloca diante da coroa espanhola descrevendo seus feitos, mostrando à Sua Majestade o

seu próprio reconhecimento por ela.

... em uma nau que despachei desta Nova Espanha a 16 de julho de 1519, enviei a vossa alteza longo e particular relato do que aqui sucedeu... E depois disto só não mandei informações por falta de navios e por estar ocupado na conquista e pacificação desta terra, porque é meu desejo que vossa alteza saiba tudo o que está ocorrendo nesta terra. (CORTEZ, 2007: 34 e 35).

Verne faz um relato onde mostra como Cortès age para conseguir ganhar suas

batalhas e chegar ao final de sua conquista. O autor evidencia em seu discurso como

Cortès pôde conquistar essa nação com ‘peu de ressources’ (VERNE, 2005: 90). E

mostra a competência discursiva e guerreira que o herói tem para suas finalidades.

Segundo ele, o conquistador é um grande herói de seu tempo que soube colocar em cena

muitas batalhas gloriosas onde era sempre um grande gênio político. (VERNE, 2005:

90).

On peut vraiment dire que Cortès a conquis le Mexique avec ses seules ressources. Son influence sur l’esprit de ses soldats était le résultat de leur confiance dans son habileté, mais on doit attribuer aussi à ses manières populaires, qui le rendaient éminemment propre à conduire une bande d’aventuriers (VERNE, 2005 : 90 e 91). 17

17Tradução: Pode-se dizer que Cortès conquistou o México com seus próprios recursos. Sua influência sobre os outros soldados era o resultado da confiança deles na sua habilidade, mas deve-se atribuir também às suas maneiras populares, que o tornavam eminentemente apropriado para conduzir um bando de aventureiros. (Verne, 2005: 90 e 91).

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A glória e o dinheiro são coisas conquistadas pelo herói através de seus esforços.

Por outro lado, Verne também nos mostra as dificuldades encontradas durante as

guerras. Nestes combates ele mostra que Cortès perdeu muitos homens, pois as

condições eram às vezes muito difíceis e com a falta de recurso tudo parecia impossível.

Apesar disso, os autores Verne e Bennassar concordam quando descrevem a

determinação com a qual o herói trabalha para dominar os índios. Um exemplo disso é a

noite do dia 30 de junho de 1520 que Verne nos mostra em seu texto:

Avant le jour tout ce qui a pu échapper au massacre de cette noche

triste, comme fut désignée cette épouvantable nuit, se trouvait réuni à Tacuba. Ce fut les yeux pleins de larmes que Cortès passa revue de ses derniers soldats, tous couverts de blessures, et qu'il se rendit compte des pertes sensibles qu'il avait essuyées (VERNE, 2005 : 71). 18

Bennassar comenta que o mais surpreendente em Cortès é o fato de ele ter perdido

a metade de sua tropa e, mesmo assim, acreditar que era possível a sua Conquista “Le

plus surprenant dans le cas de Cortès n’est pas ce qu’il a réalisé mais, simplement, qu’il

ait cru possible de réaliser!” Verne acrescenta que estes fatos não desanimam o herói,

segundo ele isso o impulsiona a não deixar a conquista:“Dans leur capitale, Cortès

apprit encore la perte de deux détachements, mais ces échecs, si graves qu'ils fussent, ne

le découragèrent pas. Il avait sous ses ordres des troupes aguerries, des alliés fidèles’’

(VERNE, 2005 : 75).

Verne acrescenta que o conquistador estava tão certo de seus propósitos que

entrega suas riquezas já conquistadas em nome de novas batalhas. O domínio dos

vencidos se concretiza a cada momento até que ele obtenha o que almejava.

18 Tradução: Antes de amanhecer o dia tudo que pôde escapar ao massacre desta Noite triste, como foi designada esta terrível noite, se encontrava reunido em Tacuba. Foi com os olhos cheios de lágrimas que Cortès passou em revista seus últimos soldados, todos cobertos de feridas, e que ele se dá conta das perdas que tivera. (Verne, 2005: 71)

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Verne o constrói como um conquistador que soube ‘‘travailler sur l’impossible’’

(VERNE, 2005: 75) e é exatamente isso que fascina o autor. O herói se destaca, no

romance de Verne, como aquele que consegue vencer pela sua inteligência e pela tática

política. O autor observa no herói que ele sabe utilizar das várias possibilidades que

existem em um discurso político com finalidade de convencer o outro, fazer o que ele

quer. Charaudeau nos diz que a exemplo da legitimidade, a credibilidade não é

qualidade ligada à identidade social do sujeito. Ela é, ao contrário, o resultado da

construção de uma identidade discursiva pelo sujeito falante, realizada de tal modo que

os outros sejam conduzidos a julgá-lo digno de crédito. (CHARAUDEAU, 2008: 119).

Sendo assim, o que podemos notar no herói é a busca não somente de credibilidade, mas

também de legitimidade. Bennassar 2001, mostra que inicialmente, o herói acaba

conseguindo a confiança dos índios, fato que o favoreceu para dominar povos até chegar ao

seu objetivo: aos Astecas. Vejamos o exemplo exposto pelo historiador Bennassar:

Cortés fils de ses oeuvres, dépourvu des atouts initiaux de Pedrarias, fut à l’évidence le premier conquistador qui se soit rendu maître d’un grand empire, qui ait vaincu des armées constituées par des guerriers de valeur, qui ait su conclure des alliances durables et efficaces avec des peuples indiens, qui ait jeté les bases d’une nouvelle société, tout en introduisant en Amérique les plantes et les animaux domestiques de l’Ancien Monde. Tout cela sans qu’il en coûte rien au fisc royal, bénéficiaire d’importants envois de métaux précieux (BENNASSAR, 2001 : 314).19

Em sua obra Linguagem e discurso (2010:7) Charaudeau diz que é a linguagem

que permite pensar e agir. Pois não há ação sem pensamento, nem pensamento sem

linguagem. É também a linguagem que permite ao homem viver em sociedade. Sem a

linguagem ele não saberia como entrar em contato com os outros, como estabelecer 19 Tradução: Cortés filho de suas obras, desprovido dos atrativos iniciais de Pedrarias, foi com evidência o primeiro conquistador que tenha se tornado mestre de um grande império, que tenha vencido exércitos constituídos por guerreiros de valor, que tenha sabido fazer alianças duráveis e eficazes com os povos indígenas, que tenha jogado as bases de uma nova sociedade, introduzindo na América as plantas e os animais domésticos do Antigo Mundo. Tudo isso sem custo ao fisco real, beneficiário de importantes envios de metais preciosos. (BENNASSAR, 2001: 314)

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vínculos psicológicos e sociais com esse outro que é, ao mesmo tempo, semelhante e

diferente. Da mesma forma, ele não saberia como construir comunidades de indivíduos

em torno de um ‘desejo de viver juntos’. “A linguagem é um poder, talvez o primeiro

poder do homem”. (CHARAUDEAU, 2010: 7) O autor acrescenta, dizendo que os

homens constroem essa linguagem através de suas trocas e ao longo da história. Cortès

se legitima diante da coroa e diante dos povos que conquista, também por meio da

linguagem. Em suas cartas, ele utiliza um tipo de discurso descritivo como fonte de

informação e ao mesmo tempo ele busca a confiança da Corte espanhola para dar

continuidade a sua conquista. O conquistador se desdobra em um teatro da vida social

para conseguir a confiança dos povos por ele conquistados.

De acordo com Verne, através de sua força e de seu poder de persuasão, Cortès

traz aliados e consegue até mesmo fazer de Montezuma seu prisioneiro:

Enfin pour empêcher le retour d´agressions qui ne pouvaient que nuire à la bonne harmonie et enfin de prouver aux Mexicains qu’il ne nourrisait contre les Espanhols, aucun mauvais dessein, Montézuma n´avait d´autre parti à prendre que de venir résider au milieu d´eux. L´empereur ne s´y décida pas facilement, cela se comprend de reste, mais il lui fallut céder à la violence et aux menaces. (VERNE, 2005: 61.) 20

Cortès diz à Sua Majestade que o fez em nome dela: “senti que convinha ao real

serviço de Vossa Majestade e à nossa segurança que aquele senhor Montezuma ficasse

em meu poder e não em sua total liberdade. E assim determinei prendê-lo e colocá-lo no

aposento onde eu estava, que era muito forte e seguro” (CORTEZ, 2007: 55). Isto foi

para o conquistador mais uma forma de mostrar à coroa que ele já tinha poder suficiente

dentro do México. Sua autoridade diante dos mexicanos era tanta que ele já podia tomar

20 Tradução: Finalmente para evitar o retorno de agressões que só podiam prejudicar a harmonia e, finalmente, para provar aos mexicanos que ele não alimentava contra os espanhóis nenhum mau projeto, Montezuma não podia fazer nada senão vir residir no meio deles. O imperador não se decidiu facilmente, isso se compreende, mas ele teve que ceder à violência e às ameaças (VERNE, 2005: 61.)

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posse de uma das maiores tribos da época.

Segundo Charaudeau, a autoridade está intrinsecamente ligada ao processo de

submissão do outro. Ela coloca o sujeito em uma posição que lhe permite obter dos

outros um comportamento (fazer fazer) ou concepções (fazer pensar e fazer dizer) que

eles não teriam sem sua intervenção. No caso de Montezuma, como podemos observar

em Verne e mesmo na descrição de Cortès, esta autoridade se confunde com

legitimidade, é com a finalidade de se fazer prevalecer (CHARAUDEAU, 2008: 68).

Cortès consegue convencer a coroa e finalmente, depois de várias batalhas ele

prende Montezuma e o faz prisioneiro de Sua Majestade. Como podemos observar em

Verne, Cortès não só faz uso de sua autoridade como forma de legitimação, mas também

para humilhar o imperador asteca: “Cortès imposa une nouvelle humiliation à

Montézuma en lui mettant les fers aux pieds, sous prétexte que les coupables l´avaient

accusé au dernier moment” (VERNE, 2005: 61).

Cortès diz que, depois de ter conversado muito com Montezuma, retirou suas

algemas deixando o imperador muito contente e que a partir disso ele procurou agradar

Montezuma no que ele pedia. Hernán Cortès era um homem cheio de estratégias. Ao

conversar com o imperador asteca e depois libertá-lo, o conquistador mostra mais uma

vez que é autoridade neste lugar, e que o imperador não poderia fazer nada para mudar

sua situação. Sendo assim, este teve de aceitar o domínio espanhol: tanto ele como os

demais senhores se alegravam muito em se manter como súditos de Vossa Majestade.

(CORTEZ, 2007: 56) .

Charaudeau diz que a autoridade vem se somar à legitimidade. Ela decorre do fato

de que um sujeito, para confirmar sua posição de legitimidade, necessita exercer uma

sanção sobre aqueles que não querem se submeter, recorrendo, eventualmente, à

violência para se fazer obedecer. É o que podemos observar em Cortès. Ao entrar no

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México, ele busca aliados tentando convencê-los a servir à sua majestade e com aqueles

que não querem ele se utiliza da força tal como ele fez com Montezuma e seus súditos:

Pendant six mois, le “conquistador” exerça au nom de l´empereur, réduit au rôle de roi fainéant, l´autorité suprême, changeant les gouverneurs qui lui déplaisaient, faisant rentrer les impôts, présidant à tous les détails de l´administration, envoyant, dans les différentes provinces de l´empire, des Espagnols chargés de reconnaître leurs productions et d´examiner avec un soin tout spécial les districts miniers et les procédés en usage pour la récolte de l´or. (VERNE, 2005: 62).21

Cortès reduz o imperador e todos os indígenas daquela região a seus servidores,

apenas com poucos soldados ele foi conquistando várias tribos, até chegar ao maior dos

imperadores. Como diz Charaudeau, a política é um domínio de prática social em que se

enfrentam relações de forças simbólicas para a conquista e a gestão de um poder e ela só

pode ser exercida na condição mínima de ser fundada sobre uma legitimidade adquirida

ou “atribuída” (CHARAUDEAU, 2008: 79). E para que esta legitimidade funcione, o

autor acrescenta que o político deve se mostrar um sujeito em quem se possa confiar,

ou seja, ele deve conseguir persuadir as pessoas de seus valores. Sendo assim, Cortès só

consegue aliados por sua força de persuasão. Ele soube mostrar a este povo que o

melhor a fazer era servir à coroa espanhola e a seu Deus. Todavia, ele não consegue

trazer Montezuma para sua fé. Embora Cortès tentasse lhe mostrar seu Deus, Verne diz

que o imperador se manteve em sua religião, ainda que tivesse que ceder no ramo

político:

Si Cortès avait réussi à convaincre Montézuma dans tout ce qui touchait à la politique, il n´en fut pas de même pour ce qui avait trait à la religion. Jamais il ne put le décider à se convertir, et lorsqu´il voulut renverser ses idoles comme il l´avait fait à Zempoalla, il souleva une

21 Tradução: Durante seis meses, o conquistador exerceu, em nome do Imperador, reduzido ao papel de rei preguiçoso, a autoridade suprema, alterando os governadores que o desagradavam, recolhendo Impostos, presidindo a todos os detalhes da administração, enviando nas diferentes províncias do império, os espanhóis encarregados de reconhecer as suas produções e de examinador com um cuidado muito especial os distritos mineiros e os procedimentos utilizados para colher o ouro. (Verne, 2005: 62).

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sédition qui n´aurait pas manqué de devenir très sérieuse, s´il n´avait pas aussitôt abandonné ses projets. (VERNE, 2005: 63 e 64). 22

Mesmo que Cortès não tivesse conseguido fazê-lo com Montezuma, ele o

consegue com vários de seus súditos, utilizando várias estratégias políticas, a fim de

trazer estes índios para sua fé, pois é em nome de seu Deus que ele age. Cortès parece

surpreso pelo fato destas pessoas possuírem tanta riqueza, mesmo elas não acreditando

em seu Deus. Ele relata em suas cartas que isto é de se admirar: “considerando ser esta

gente bárbara e tão apartada do conhecimento de Deus, é de se admirar ao ver como têm

todas as coisas. As pessoas andam bem vestidas, com boas maneiras, quase da mesma

forma como se vive na Espanha.” (CORTEZ, 2007: 64 ).

3.3 A questão da fé

A fé está sempre presente nas palavras de Cortès. A figura divina dos índios era

evidentemente bem diferente da de Cortès. Verne tendo estudado a vida e a conquista

do herói nos mostra a superioridade dos espanhóis e também sua tática. Cortès tem a

seu favor a ciência militar e também a ciência política. Ele procura sempre obter aliados

(Tlaxala), ou no mínimo a neutralidade das populações vencidas (Cholula) antes de

entrar em guerra, buscando a diplomacia. Cortès tenta mostrar sua fé , suas ideias e

coloca em cena suas ambições pessoais, ou seja terminar a conquista com a riqueza que

ele tanto sonhava. Cortès tenta mostrar-lhes a importância da fé, ele tenta convertê-los

antes de adotar a utilização da força:

O capitão disse que não vinham por mal, mas apenas para lhes dar conhecimento de nossa fé e para que soubessem que tínhamos como senhores aos maiores príncipes do mundo e que estes obedeciam a um príncipe ainda maior. (CORTEZ, 2007: 21).

22 Tradução: Se Cortes tinha convencido Montezuma em tudo relacionado à política, não houve o mesmo com a religião. Ele nunca pôde convencê-lo a se converter, e quando tentou derrubar seus ídolos, como tinha feito em Zempoalla, ele provocou uma rebelião que teria se tornado muito grave se ele não tivesse abandonado imediatamente seus projetos. (Verne, 2005: 63 e 64).

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Bartolhomé de Las Casas, em Très brève relation de la destruction des Indes

mostra claramente as consequências das missões que os espanhóis pensavam ter o dever

de fazer. Segundo ele, o nome da Igreja é fortemente utilizado para conseguir a

colonização desses povos:

Tous ces peuples universels et innombrables, de toutes sortes, Dieu les a créés extrêmement simples, sans méchanceté, ni duplicité, très obéissants et très fidèles à leurs seigneurs naturels comme aux chrétiens qu'ils servent; les plus humbles, les plus patients, les plus pacifiques et tranquilles qui soient au monde; sans rancune et sans tapage, ni violences ni querelles, sans rancœur, sans haine, sans désir de vengeance. (B. DE LAS CASAS, 1996: 49) 23

O conquistador é representado para alguns, como Las Casas, como um homem

com uma ambição perigosa, pois Cortès reduz toda uma civilização em uma época em

que as conquistas fascinavam muitos guerreiros. Cortès se mostra diante deles como

uma fonte de esperança, riqueza e glória. Sendo assim, a destruição e o sangue

derramados, muitas vezes em nome de Deus, para muitos dos conquistadores não eram

consideráveis. Os índios são fortemente inseridos na questão da religião, que tem por

finalidade “civilizá-los”. Cortès se apresenta como um homem de muita fé, e sempre em

seu discurso podemos observar a presença de Deus. Ele possui também um discurso de

agradecimento:

Acreditem vossas altezas que esta batalha foi vencida muito mais pela vontade de Deus do que por nossas forças, pois, para quarenta mil homens de guerra, quatrocentos, como éramos, se tornava um número insignificante. (CORTEZ, 2007: 27)

Os massacres desses povos são muito conhecidos na História, como elenca Las

Casas, estes povos são muitas vezes explorados, mas Cortès não os vê como vítimas, ao

23 Tradução: Todos estes povos universais e incontáveis, de todos os tipos, Deus os criou extremamente simples, sem maldade, nem duplicidade, muito obedientes e muito fiéis a seus senhores naturais como os cristãos que eles servem; os mais humildes, os mais pacientes, os mais pacíficos e tranquilos que existam no mundo; sem rancor e sem brutalidade, nem violência e nem querelas, sem amargura, sem ódio, sem desejo de vingança (B. DE LAS CASAS, 1996: 49).

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contrário, na busca por credibilidade e legitimidade, ele sempre encontrava razões para

obrigá-los a praticar sua religião, como no exemplo a seguir:

Mostramos-lhes o mal que faziam em adorar aqueles ídolos, fazendo-os entender que deviam vir para a nossa fé. Deixamos uma cruz e eles ficaram muito contentes, dizendo que se tornavam nossos amigos e vassalos de vossas majestades. (CORTEZ, 2007: 27)

O poeta Alexis Piron diz que a Europa criou a civilização que foi chamada de

Novo Mundo: “C’est la civilisation du monde par l’Europe”. (PIRON, 1744: 430).

Assim como Verne, como pudemos observar ao longo deste trabalho, Piron acredita que

Cortès era um homem de valores e de muita fé, Cortès possui uma valoração constituída

sobre uma imagem já preexistente. Nestes autores o herói é alguém a se destacar dos

outros, a questão da fé possui um apelo no que diz respeito à civilização desses povos,

sendo ela também uma estratégia para atrair novos soldados para sua conquista. Piron

defende o herói:

Cortès a pour lui la valeur, la prudence, l’humanité, la fortune et la Religion. A quels titres plus justes méritera-t-on jamais les bonheurs de l’héroïsme? Vous l’aurez quelque part lui nommer de Cruel, Avare, Exterminaeur. Hypebole e mauvaise foi! Jalosie nationale qui se plaît à confondre Pizarre 24 avec CORTÈS. 25 (PIRON, 1744: 431)

Segundo o autor, Cortès era um homem de muita fé e dignidade, contudo

podemos dizer que Cortès utiliza o discurso cristão com a finalidade de: em primeiro

lugar, conseguir soldados para sua conquista, pois uma vez catequizados e convertidos,

estes índios passavam a ser vassalos do rei e logo estariam a seu comando e em segundo

lugar, como forma de legitimar-se diante do rei, já que o rei também queria converter

estes povos.

24

Francisco Pizarro foi um explorador e aventureiro espanhol. Conquistou o Império Inca, uma civilização avançada da América do Sul, e fundou a cidade de Lima, hoje capital do Peru. Pizarro nasceu em Trujillo, na Espanha, por volta de 1475. 25 Tradução: Cortès tem em si o valor, a prudência, a humanidade, a fortuna e a Religião. A quais títulos mais justos se merecerá a felicidade do heroísmo? Vocês podem tê-lo em algum lugar chamado de Cruel, Avaro, Exterminador. Hipérbole e má fé! Ciúme nacional que se compraz em confundir Pizarro com CORTÈS.

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Charaudeau (2008: 52) elenca que, de fato, o discurso politico, no que concerne às

suas significações e a seus efeitos, não resulta da simples aplicação de esquemas de

pensamento pré-construídos que se reproduziriam sempre da mesma maneira quer se

esteja do lado dos dominantes ou dos dominados. As significações e os efeitos resultam

de um jogo complexo de circulação e de entrecruzamentos dos saberes e das crenças

que são construídos por uns e reconstruídos por outros. Isso significa dizer que o

político está sempre em um jogo de troca, buscando estratégias e analisando seu

adversário. Os trechos que fazem alusão à questão da fé, mostram sempre um discurso

com argumentos que nos fazem acreditar que Cortès era realmente um homem de muita

fé:

E parece que o Espírito Santo me dera um aviso com a ideia que tive, pois no outro dia foram tantos os índios que nos cercaram por todos os lados como nunca tínhamos visto antes. Mas quis Nosso Senhor mostrar seu grande poder e misericórdia conosco, pois com toda sua grandeza conseguimos reunir forças e quebrar a sua resistência, embora eles fossem tantos que chegavam a bate runs nos outros, a ponto de se estorvarem mutuamente. (Cortez, 2007: 82)

Seu discurso reforça esse imaginário, sua relação com a corte, sendo a fé um dos

símbolos usados para seduzir o rei, uma vez que desperta o encantamento por essa nova

civilização que precisava ser civilizada. Muitos autores porém, acreditam que esta

cultura e a história destes povos não correspondem a um jogo de interação do eu com o

outro, mas sim do seu próprio eu, pois mostrar sua própria cultura e identidade em

busca do reconhecimento e aceitação do outro, pode assim como ocorreu, causar

estranheza dos valores e símbolos que compõem essa realidade.

Lafaye (1973:4) diz:

… les résultats de la conquête: porter la parole aux Gentils, autrement dit, civiliser les sauvages (comme on dira au XIXe siècle); ces fins idéales, justifient-elles les moyens employés par les conquérants: le pillage, les massacres, les tortures et finalement la déploration et le

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travail forcé? 26

São as cenas de pilhagem e massacre que tornaram tristemente célebre o nome de

Cortès. Como se pode constatar, a conquista da América não é somente um grande fato

da História, é também um triste momento em que os conquistadores tratam cruelmente

os indígenas e acabam por “exterminar” esta população. O mundo chamará o índio de

“o bom selvagem”, facilmente colonizado. E os espanhóis colocarão fim à sua cultura e

à sua história. Em Poèmes Aztèques Auguste Génin (1884-1889: 167) escreve:

Égorger des païens, ne saurait être un crime! Cortèz comme Pizarre, abrités par la croix, À ton voile étoile, religion sublime! Après plus d’un massacre ont essuyé leurs doigts. 27

Nesse sentido, identifica-se a crença destes povos como quase totalmente

eliminada pelos conquistadores. No lugar de acrescentar sua fé e sua cultura, os

espanhóis exterminam, o mundo cristão torna-se assim, um mundo pessimista, onde os

conquistadores aproveitam o nome de Deus para destruir tudo que eles encontram em

seu caminho. O poeta supracitado, mostra em seus versos um mundo desiludido com

imagem de horror deixada pelos espanhóis. A fé é representada como desculpa para

guerrear com estes povos para assim eliminá-los. O autor pinta uma imagem de terror

vivida pelos astecas e desfaz ao mesmo tempo, a imagem que os historiadores dão ao

conquistador, ele mostra um conquistador violento, que é um verdadeiro bárbaro. Las

Casas também acredita que esta legitimação através da fé não é plausível. Ele considera

que o Deus dos conquistadores durante a conquista era o ouro: “Ce tyran commença à

commettre les cruautés et les forfaits habituels, que tous les Espagnols ont coutume de

commetre aux Indes et beaucoup d’autres encore, afin d’obtenir ce qu’ils considèrent

26 Tradução: …os resultados da conquista: levar a palavra aos gentios, em outras palavras, civilizar os selvagens (como se dirá no século XIX); estes resultados ideais, justificam eles os meios empregados pelos conquistadores: a pilhagem, os massacres, as torturas e finalmente a lamentação e o trabalho forçado? 27 Tradução: Matar os pagãos, não pode ser um crime! Cortès como Pizarro, protegidos pela cruz, Em teu véu estrela, religião sublime! Após mais de um massacre limparam os dedos.

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comme leur Dieu: l’or.” 28

As vítimas de Cortès e dos seus companheiros aparecem nas diferentes obras,

introduzindo um discurso problemático em relação à religião e à colonização. A

educação religiosa praticada ao longo dos séculos de colonização é tão assustadora que

é difícil imaginar uma crença religiosa em Cortès e em seus companheiros. Estas

guerras em nome de Deus retomam o antagonismo existente diante do que ele

acreditava ser uma religião. Para os índios, seus Deuses eram incomparáveis,

deslegitimando o Deus da Igreja Católica e por assim dizer Cortès.

Comparando a religião dos índios com a que aparece em Cortès e nos outros

conquistadores, pode-se dizer que os índios respeitavam primeiramente a natureza, eles

se consideram como parte desta natureza que está a seu redor e não como seus mestres.

Havia uma sociedade igualitária, o chefe era seguido pelos outros índios de maneira

espontânea. Como sabemos, os imperadores que eram os governantes antes da chegada

dos espanhóis, batizavam o seu povo pelas suas crenças e costumes. Ao longo do século

XVI um dos sacrifícios impostos pelos espanhóis foi o batismo, e Cortès consegue

evangelizar muitos destes índios, visto que os mesmos queriam se emancipar dos

astecas.

28 Tradução: Este tirano começou a cometer as crueldades e os castigos habituais, os quais todos os espanhóis têm por hábito cometer nas Índias e muitos outros ainda, com a finalidade de obter o que eles consideravam como seu Deus: o ouro.

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Les espagnols attisaient le feu au-dessous du grill (VERNE, 2005: 80).

A imagem acima representa o domínio dos espanhóis para com aqueles que não

quiseram se catequizar. Cortès exige que seus homens tenham a mesma fé que a coroa

espanhola. O fogo representa mais uma vez o domínio. O padre no meio dos cristãos

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queimando aqueles que não possuem a mesma religião, simboliza o domínio da Igreja

Católica em relação às outras crenças.

Sendo assim, a legitimação através da fé aparece sob forma de força e discurso.

Como pudemos observar, no exposto por Verne, mais força do que discurso. Ele utiliza

sua imagem para incitar os outros conquistadores em nome da fé, porém muitos

utilizavam seu nome para matar e violar mulheres:

Mon père, je n’ai pu refuser aux soldats cette occasion d’amusement et de gaiété que Votre Révérence connaît, mais je ne l’ai point fait sans répugnance. C’est à Votre Révérence qu’il appartient maintenant d’ordonner une procession, de dire une messe et de faire un prêche pour en prendre occasion de recommender aux soldats de ne point enlever les filles des Indiens, de ne pas voler, de point chercher querelle et de se conduire en bons chrétiens catholiques, afin de mériter que Dieu nous favorise. (CORTEZ IN CASTILLO, 2003: 473) 29

Castillo destaca as reclamações do monge Bartolomé de Olmedo (?- 1524), que

havia expressado nesta ocasião um descontentamento enfatizando que “cela lui

paraissait répréhensible et ajoutant que c’était là une triste façon de rendre grâces à Dieu

et de mériter qu’il nous protégeât à l’avenir.” (CASTILLO, 2003: 473). 30 Essa troca

comunicativa deixa em evidência que, por algumas vezes, Cortès não era o responsável

direto, mas que também não impedia que seus soldados praticassem maus tratos. Se

ocultava, para não se colocar na função de chefe, de questionador, de determinador de

funções. Simplesmente deixava que seus soldados se divertissem, para que assim,

ficassem satisfeitos e continuassem reconhecendo-o como líder. Ele, enquanto

enunciador, utiliza-se de seu poder de persuasão, mostrando para o monge Bartolomé de

29 Tradução: Meu padre eu não podia recusar aos soldados esta ocasião de divertimento e alegria que a Vossa Reverência conhece, mas eu não o fiz sem repugnância. Cabe a Vossa Reverência agora ordenar uma procissão, e rezar uma missa e para pregar e utilizar a ocasião para recomendar aos soldados para não remover as meninas indianas, não roubar, não procurer briga e de se comportar como bons cristãos católicos, para merecer o que Deus nos favoreça. 30 Tradução: Aquilo lhe parecia repreensível e ainda era uma maneira triste de render graças a Deus e de merecer que ele os protegesse no futuro. (CASTILLO, 2003: 473)

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Olmedo que o papel de parar com as atrocidades lhe cabia, que essa transmissão de fé e

compaixão para com as filhas dos indígenas fazia parte de uma construção discursiva,

que consiste em assegurar sua posição, legitimando o monge a mostrar aos outros

conquistadores que tais atos não deveriam ser cometidos por católicos. De maneira a

postular-se diante de tais comportamentos, ele se distancia influenciando o outro a

tomar a palavra em seu lugar, revelando mais uma vez seu saber político.

3.4 A imagem do sujeito político

Verne se coloca como historiador, o autor se apropria inteiramente da História

para mostrar aos leitores os problemas encontrados ao longo das expedições,

descrevendo suas batalhas. A proposta principal de Verne é desvelar o modelo de

conquistador que ele encontra no herói. Um homem que domina tão bem as questões

políticas que consegue tudo o que quer. A competição e o interesse pessoal do

conquistador constituem em sua obra o sujeito político que melhor soube explorar o

Novo Mundo.

Cortès trabalha com a sua imagem para conseguir a conquista. Ele se apresenta

para a Corte Espanhola, para Montezuma, para outros conquistadores e para os índios

como um conquistador digno de confiança e como um homem de fé: verifica-se que, em

sua primeira carta, ele tenta construir sua imagem diante do Rei para que o mesmo lhe

permita continuar as expedições. Cortès tenta convencê-lo de que os índios precisam ser

instruídos na fé católica e que se o Rei da Espanha permitisse teria também suas

vantagens. E para convencê-lo, Cortès descreve não somente os sacrifícios, como

também mostra à Sua Majestade as vantagens que ele obterá com essa conquista. (Ver

também páginas 21-22):

E deixei na vila de Vera Cruz cento e cinquenta homens construindo uma fortaleza, que já está quase pronta. Esta província de Cempoal é

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formada de cinquenta vilas e fortaleza, tendo até cinquenta mil homens de guerra, os quais ficaram muito seguros e pacificados, como leais vassalos de vossa majestade como agora são, porque eles eram súditos daquele senhor Montezuma. E segundo fui informado, o eram pela força e de pouco tempo para cá, e como por mim tiveram notícia de vossa alteza e de seu real grande poder, disseram que queriam ser vassalos de vossa majestade e meus amigos, e que os defendesse daquele grande senhor que os mantinha pela tirania e que tomava seus filhos para matar e sacrificar a seus ídolos. (CORTEZ, 2007: 34).

“É certo que se servissem a Deus com tanta fé e dedicação, muitos milagres

obteriam e é certo que esta gente veria mais facilmente o verdadeiro caminho da fé

porque vivem politicamente melhor que outra gente por estas partes temos visto”.

(CORTEZ, 2007: 31).

E para legitimar-se como governador dessas terras, o conquistador pede

diretamente ao Rei que não nomeie Diego Velásquez, descontruindo a imagem do outro

conquistador e mostrando como ele, Cortès, é “fiel” a sua coroa:

Com nossos procuradores... há um pedido para que, em nosso nome, supliquem a vossas majestades para que de nenhuma maneira faça de Diego Velásquez, tenente de almirante da Ilha Fernandina, o adiantado31 ou o governador desta região, nem tampouco o executor da justiça, porque a vontade de vossas altezas é defendida nestas terras pelo que aqui praticamos... Cremos que não seria vontade dele enviar ouro, prata e joias a vossas altezas reais como nós estamos fazendo. Isto ficou muito claro quando quatro criados de Velásquez nos disseram que deveríamos enviar para ele o que agora estamos enviando a vossas altezas. (CORTEZ, 2007: 32).

Estes tipos de discursos são nomeados pelo linguista Charaudeau como estratégia

para o discurso político. No capítulo “Ethos, uma estratégia para o discurso político”, na

obra O Discurso Político, o autor nos evidencia como o homem político trabalha sua

imagem para colocar-se diante dos espectadores. Cortès mostra-se “digno de fé” ao

entrar no Castelo do Imperador Asteca, dando prova de ponderação (a phronésis), de

31 Um adiantado ou adelantado era um funcionário do Reino de Castela que tinha a máxima autoridade judicial e governativa sobre um distrito

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simplicidade sincera (a arétê) e de amabilidade (a eunóia) (CHARAUDEAU, 2008:

113). Estas estratégias, descritas por Charaudeau, podem ser observadas na segunda

carta escrita por Cortès à Coroa Espanhola onde descreve sua chegada diante do

Imperador, nos evidenciando em suas atitudes o que faz para ganhar a confiança de

Montezuma, o Imperador Asteca.

Montezuma vinha pelo meio da rua, ladeado por dois senhores, um que viera me falar nas montanhas e o outro que era seu irmão, que também já se encontrara comigo. Aproximei-me para abraçar Montezuma mas os dois me impediram, mesmo assim todos os três fizeram a cerimônia de beijar o solo. Ele pediu ao senhor que o acompanhava que me tomasse pelo braço, para que seguíssemos caminhando. Antes disso coloquei em seu pescoço um colar de diamantes. (CORTEZ, 2007: 53).

Ao discorrer sobre a construção do ethos, Charaudeau diz que sujeito linguageiro é

um ser feito de discurso e ao mesmo tempo um sujeito social empírico. O que significa que

o ethos, enquanto imagem, se liga àquele que fala, não a uma propriedade exclusiva dele;

ele é antes de tudo a imagem de que se transveste o locutor a partir daquilo que diz. “O

ethos relaciona-se ao cruzamento de olhares: olhar do outro sobre o que fala, olhar daquele

que fala sobre a maneira como ele pensa que o outro vê”. Ora, para construir a imagem do

sujeito que fala, esse outro se apoia ao mesmo tempo nos dados pré-existentes ao discurso –

o que ele sabe a priori do locutor – e nos dados trazidos pelo próprio ato de linguagem.

(CHARAUDEAU, 2008: 115). Podemos dizer então que, aquilo que o sujeito de fala é,

pode ou não aparecer no discurso.

Verne nos mostra que o Imperador Asteca tinha medo da figura do conquistador, pois

ele sempre enviava seus súditos até Cortès para dar-lhe presentes e convencê-lo a não ir

encontrá-lo:

Mais, le lendemain du débarquement, Teutile, gouverneur de la province, envoyé par Montézume, se trouva assez embarrassé pour répondre à Cortés, qui lui demandait de le conduire sans retard devant son maître. Il savait toutes les inquiétudes et les craintes qui hantaient

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l’esprit de l’empereur depuis l’arrivée des Espagnols.32 (VERNE, 2005: 48).

Todavia, sabemos que esse processo de convencimento se dá de maneira sutil;

Montezuma precisava convencer Cortès de que seus produtos oferecidos: ouro, pedras

preciosas, colares, etc. deveriam ser suficientes para que o conquistador desistisse de

entrar em suas terras. Contudo, como podemos ver no relato da segunda carta do

conquistador, isso só fazia aumentar a vontade de Cortès de conhecer essas terras.

E que adiante eu veria se era verdade ou não o que me dizia e pedia que não fosse à sua terra, porque era estéril e padeceríamos necessidades, podendo eu, onde quer que estivesse, pedir o que precisasse que ele mandaria. Eu respondi que não poderia deixar de ir à sua terra, porque precisava enviar um relato dela a vossa majestade. (CORTEZ, 2007: 49).

Em Linguagem e Discurso: Modos de Organização (2010) , Patrick

Charaudeau mostra, na seção “Definição e função do narrativo”, onde fala sobre os

papéis dos sujeitos, que o sujeito narrador desempenha essencialmente papel de uma

testemunha que está em contato direto com o vivido (mesmo que seja de maneira

fictícia), isto é, com a experiência na qual se testemunha como os seres se transformam

sob o efeito de seus atos. (CHARAUDEAU, 2008: 157). Verne mostra uma sucessão de

ações segundo uma lógica com que ele constrói sua trama. Muitas vezes o autor faz uso

de algumas estratégias, tais como a persuasão, a manipulação e o envolvimento para

provocar efeitos em seu destinatário: “Alors pour donner à ces pauvres Indiens une idée

de sa puissance, Cortès fit manoeuvrer ses soldats et tirer quelques pièces d’artillerie,

dont les décharges les glacèrent de terreur.” (VERNE, 2005: 49).

32 Tradução: Mas no dia seguinte ao desembarque, Teutile, governador da província, enviado por Montezuma, viu-se sem jeito para responder a Cortés, que lhe pediu para levá-lo ao seu senhor sem demora. Ele conhecia todas as preocupações e medos que assombravam a mente do Imperador desde a chegada dos espanhóis. (VERNE, 2005: 48).

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Observamos em Verne um narrador com caráter persuasivo que toma partido ora

dos indígenas, como “Pauvres Indiens”, ora de Cortès, “sa puissance”, transformando

Cortès em um grande guerreiro. Por outro lado, nas cartas de Cortès, observa-se que o

conquistador procurava sempre mostrar aos Astecas que sua força era muito superior e

que eles deveriam respeitar a sua Coroa. No exemplo a seguir, Cortès havia sido traído

pelos enviados de Montezuma e decide então guerrear, porém sua fama tomara grandes

proporções e os enviados lhe pedem clemência e uma última chance.

Reuni os mensageiros de Montezuma que iam comigo e lhes falei da traição urdida por seu líder, dizendo que não era digno de tão grande senhor como ele enviar-me representantes tão honrados a dizer que é meu amigo e depois me atraiçoar. E que diante disto eu queria mudar meu propósito e não iria mais conversar com ele mas guerrear como inimigo, fazendo-lhe todo dano que pudesse. (CORTEZ, 2007: 48).

Para Charaudeau (2008: 117) em “Ethos e imaginário social”, no capítulo de seu

livro Discurso Político, é preciso lembrar que a questão da identidade do sujeito passa

por representações sociais. Cortès, ao discursar sobre o que ele faria deste momento em

diante, segue sua conquista em busca de aliados, ouro e territórios. Para isso, o

conquistador posiciona seu discurso primeiramente de acordo com a realidade por ele

presenciada ao longo do percurso que já havia percorrido. Sendo assim, durante seu

processo de formação do imaginário social, percebe os problemas existentes entre as

tribos distintas e que poderia aproveitar-se de suas guerras e o faz. Charaudeau (2008:

117) explica que o sujeito falante não tem outra realidade além da permitida pelas

representações que circulam em dado grupo social e que são configuradas como

imaginários sócio-discursivos. O autor acrescenta que essas representações sociais

dizem respeito tanto a indivíduos quanto a grupos. Verne, em sua narrativa, mostra que

Cortès era um grande orador e que por conta disso ele consegue seus aliados e sua

conquista. O autor relata que a conquista se faz porque Cortès soube trazer aliados para

sua causa e se aproveitou do fato de que muitas tribos disputavam entre si: “Puis, il

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reçut les envoyés de la ville de Zempolla qui venaient solliciter son alliance et sa

protection contre Montézuma, dont ils supportaient le joug avec impatience’’ (VERNE,

2005: 53).

Segundo Charaudeau, os políticos devem agir de maneira eficaz, pois é pela

visão do conjunto do percurso de um politico que se pode julgar seu grau de

competência. O politico possui sempre um discurso de justificação que equivale a

navegar entre a intenção e o resultado. O que significa dizer que sua ação é legítima

apesar do resultado obtido. A eficácia da palavra está ligada à autoridade do orador, seja

um enunciador tanto da forma oral quanto da forma escrita.(AMOSSY, 2013: 143). Na

realidade, o poder das palavras deriva tanto da função social do locutor quanto de seu

discurso: o discurso não pode ter autoridade se não for pronunciado pela pessoa

legitimada a pronunciá-lo em uma situação legítima, portanto, diante dos receptores

legítimos. É assim com o sermão, com a entrevista coletiva, com o poema, enfim com

todas as formas de discurso que circulam em uma sociedade. (AMOSSY, 2013: 120).

Sendo assim, o sujeito que ocupa o lugar de orador possui uma legitimidade que foi

conquistada. Cortès constrói sua imagem utilizando de forma brilhante seu discurso. Na

tentativa de chegar à casa de Montezuma Cortès busca um entendimento com seus

soldados para que esta caminhada se faça sem atritos, no entanto, Montezuma tentava

resistir dizendo que em seu reino nada tinha de interesse para Cortès. Mas Cortès era

muito determinado a percorrer todo o caminho que ele havia traçado, e isso incluía

também as terras do Imperador asteca.

Trouxeram-me até três mil pesos em ouro e o pedido de Montezuma, mais uma vez, para que não entrasse em sua cidade, porque era muito pobre em comida e que estava toda em água, não podendo chegar lá a não ser em canoa, além de outros inconvenientes. Eu os recebi muito bem, dei-lhes algumas coisas da nossa Espanha, especialmente ao que dizia ser irmão de Montezuma, mas insisti que havia vindo a esta terra a mando de vossa majestade e que a principal coisa que me mandara fazer era um relato de Montezuma e de sua cidade, da qual vossa

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alteza havia tido notícia. E que rogava que minha ida fosse por bem. (CORTEZ, 2007: 50-51).

Como pudemos observar, Cortès é um locutor que utiliza argumentos para

valorizar seu poder, sua finalidade é conseguir chegar à casa de Montezuma. Ele busca

atrair a atenção do Imperador, mostrando que ele é o mais forte, pois já havia

conseguido neste momento muitos soldados que estavam em guerra como Montezuma.

Colocando-se como referência nesse critério, Cortès é visto como uma figura de

destaque em relação aos outros. Tudo ocorre através do discurso de um conquistador

forte e determinado: para Cortès o predominante neste momento é chegar ao Imperador,

e assim ele busca atuar de forma que Montezuma não tivesse como recuar, o discurso de

Cortès impõe uma resposta positiva da parte do Imperador, do contrário ele encontraria

a guerra:

E que adiante eu veria se era verdade ou não o que me dizia e pedia que não fosse à sua terra, porque era estéril e padeceríamos necessidades, podendo eu, onde quer que estivesse, pedir o que precisasse que ele mandaria. Eu respondi que não poderia deixar de ir à sua terra, porque precisava enviar um relato a vossa majestade. E portanto, mesmo se quisesse ou não quisesse iria vê-lo e que me pesaria qualquer restrição por parte dele. Vendo minha determinação, pediu que eu viesse em boa hora que ele me esperaria naquela grande cidade onde estava, tendo mandado muitos dos seus para me acompanhar. (CORTEZ, 2007: 49).

O discurso de Montezuma tem a finalidade de fazer Cortès e seus homens

recuarem, no entanto ele não consegue, pois a determinação e a vontade de vencer eram

maiores e o conquistador segue suas conquistas. Montezuma se vê sem poder e não

sabendo o que poderia fazer naquele momento, ele pede então que Cortès venha a seu

encontro. Temos assim um discurso subentendido que seria: ou você me recebe por

bem, ou você e seu povo terão grandes problemas, caso eu entre à força em seu

território. Cortès joga com o imaginário do Imperador, este fragmento nos traz a

imagem que os índios têm de suas conquistas até o momento. O problema também é

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criado por Montezuma, pois cada vez que tentava afastar Cortès, ele despertava no

conquistador uma curiosidade em relação àquelas terras. As primeiras tentativas de

abordagem foram sem sucesso, a influência deste último discurso antes de invadir

Tenochtitlán trouxe exclusivamente benefícios para Cortès e seus homens que

ocupavam mais especificamente a cidade de Churultecal (Cholula) bem próxima da

cidade de Tenochtitlán. No caso do nosso estudo, estão apresentadas a seguir a rota de

Cortès até a conquista e o Império Asteca respectivamente.

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Mapa ilustrando o tamanho do Império Asteca na época da invasão.

A partir deste momento, Cortès, determinado a entrar, segue sua rota atrás dos

mensageiros de Montezuma. Os mapas acima mostram a quantidade de terras por onde

Cortès teve que passar até chegar finalmente em Tenochtitlán. Este momento se passa

em harmonia e tensão:

Aproximei-me para abraçar Montezuma mas os dois me impediram, mesmo assim todos os três fizeram a cerimônia de beijar o solo. Ele pediu ao senhor que o acompanhava que me tomasse pelo braço, para que seguíssemos caminhando. Antes disto, coloquei em seu pescoço um colar de diamantes. Enquanto seguíamos caminhando um de seus servidores trouxe-lhe um colar com oito camarões de ouro, feitos com muita perfeição, que ele colocou em meu pescoço. (CORTEZ, 2007: 53).

O modo argumentativo e fortemente persuasivo de Cortès, e sua representação; no

caso dos valores ideológicos e dos interesses reais de um grupo, em nome do bem

comum e de sua doutrina ideológica influenciaram na busca de suas conquistas.

Independentemente dos pontos de vista do Imperador, ou de informações

compartilhadas a seu respeito, neste momento Cortès é o que ele representa, ele procura

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sobrepor-se em nome dos interesses do rei e de seus soldados. Passados seis dias nesta

nova terra, Cortès, como todo bom político, se ajusta a novas circunstâncias, faz do

Imperador seu prisioneiro:

... e depois de ter visto muitas coisas, senti que convinha ao real serviço de

vossa majestade e à nossa segurança que aquele senhor Montezuma ficasse

em meu poder e não em sua total liberdade. E assim determinei prendê-lo e

colocá-lo no aposento onde eu estava, que era muito forte e

seguro.(CORTEZ, 2007: 55).

No entanto, tudo isso estava numa dinâmica social que permitisse que Cortès

ficasse com o poder sem que Montezuma se visse como prisioneiro e antes que seu

povo desconfiasse deste fato, Cortès se mostra maleável e joga com seu discurso:

... falei-lhe a respeito do que ficara sabendo que ocorrera na cidade de Almería, onde, por ordem dele haviam matado alguns espanhóis que ali estavam. O próprio senhor daquela cidade, Qualpopoca, confessou que como seu vassalo só cumpria suas ordens. E disse-lhe que eu não acreditava que isso fosse verdade, mas que o fato iria desagradar profundamente a vossa majestade e, por isto, pedia que buscasse qualquer senhor de Qualpopoca para esclarecer os fatos... Então eu disse que ele deveria ficar em minha pousada até que se esclarecesse a verdade, salientando que ele não ficaria como preso, mas com toda liberdade, podendo usar seus serviçais... E assim o mantivemos sob o nosso controle sem causar qualquer problema nem reação da população. (CORTEZ, 2007: 55).

O herói da conquista possui grandes objetivos e quer que a sua decisão se

imponha acima das necessidades elementares dos outros. Seu discurso político tem por

finalidade a persuasão do outro, a afirmação do outro enquanto prisioneiro, para que

aconteça o percebimento do outro, ele necessita de argumentação que envolva um

raciocínio que procure seduzir o outro sem mostrar-lhe que, a partir deste momento, ele

fora feito prisioneiro, pois é isso que o discurso político faz, ele é baseado na retórica e

na oratória. Orientado para convencer o outro, o herói que destacamos aqui é um grande

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político. É sem dúvida aquele que procura impor as suas ideias, os seus valores e

projetos, recorrendo à força persuasiva. Nada disso teria valor, se nesse jogo do poder

Cortès não tivesse modulado sua fama, a imagem que os outros tinham dele era a de

um homem poderoso e determinado, sendo assim, ir contra todo esse poder que ele

representava, era praticamente impossível na época.

É importante destacar neste trabalho que Cortès não falava as línguas indígenas

em uso naquela época. Em Tabasco ele recebe uma escrava chamada Doña Marina33

que passa assim a ser sua tradutora oficial. Nem tudo vinha somente de seu dom

estratégico de um sujeito político. Os historiadores dizem que Marina teve um papel

fundamental na conquista. Tradutora oficial e mulher de Cortès, Doña Marina ajudava

Cortès em suas expedições, assim como Geronímo de Aguilar34 que ficou prisioneiro

dos índios durante oito anos. Dos meios pelos quais se chegou à conquista, já citados

neste trabalho, nos cabe ainda elencar mais um. É certo que Cortès se legitima provando

tudo o que fez, colocando a coroa e seu país como beneficiários de suas ações. Tudo que

ele diz é comprovado, ele exerce a posição de representante da coroa através de um

discurso de autoridade, o poder que ele pratica é em função da coroa.

Mas como foi possível realizar este poder sem falar a língua destes povos? O

estudo mostra as extensões do ethos baseado na hipótese do papel do corpo para tal.

Mais detalhadamente, é importante postular que Cortès se coloca como sujeito político

através de seus interlocutores e seus tradutores. Ele não falava a língua, mas sua atitude,

o tom de voz, e sua força diante dos seus interlocutores, nos fazem acreditar que estes

teriam sido fatores primordiais na busca por sua credibilidade e legitimidade. Sua força

33 Malintzin, também chamada de Malinche ou Doña Marina, nome que ganhou depois de seu batizado, índia dada aos espanhóis em Tabasco. Intérprete excepcional; amante de Cortès. Mãe de seu primeiro filho Martín Cortès. Malinche (nascida em 1496 – morta em 1529, apesar de algumas fontes citarem o ano de 1551), também conhecida como Malintzin e Doña Marina, foi uma indígena que foi decisiva na Conquista do México. (BENNASSAR, 2001: 13, 30, 66) 34 Geronímo de Aguilar foi um espanhol prisioneiro dos índios de Tabasco durante 8 longos anos, foi liberado por Cortès e torna-se o primeiro e precioso intérprete de sua tropa. Ele discutirá mais tarde com Cortès. (BENNASSAR, 2001: 12, 66)

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e bravura diante das diversas batalhas também aumentaram sua credibilidade diante da

coroa e de seus companheiros de viagem. O que é relevante em nossa análise é como a

combinação destes elementos que integram a formação de seu caráter, junto aos outros,

contribui para a persuasão como estratégia de credibilidade e legitimidade. Sendo assim,

elencamos aqui a questão do discurso verbal e a questão corporal, uma vez que Cortès

era traduzido. O enunciador aparece na transmissão das informações. Através dessa

construção discursiva, ele também se legitima mostrando sua imagem de soberano

absoluto. No exemplo abaixo, Bennassar evoca as qualidades e também as proposições

de Cortès:

Qui était donc cet homme dont l’intelligence saisit aussitôt le parti qu’il pouvait tirer du don des langues de Malintzin, dont l’habileté politique inventa les solutions administratives qui interdirent de le considérer comme un rebelle et exploita, d’emblée, les divisions et les haines entre les peuples du Mexique central? Dont le génie militaire éclata dès sa première campagne au point que la référence la plus commune soit César? (BENNASSAR, 2001: 21)35

Bennassar exalta mais uma vez o herói, sem o qual a vitória, segundo ele, não

seria gloriosa. Cortès faz parte dos legendários, é aquele que melhor soube explorar o

Novo Mundo. É, em suma, um grande gênio político. Por mais que os autores o

chamem de devastador, destruidor, ele foi um grande político de seu tempo. Trabalhou

rotas, estratégias e batalhas, até conseguir seus propósitos. Bennassar trabalha seu

ponto de vista em relação aos fatos: Cortès enquanto homem da conquista, o herói que é

a alma desta idealização, que passa igualmente a ser um exemplo para os conquistadores

que virão após a conquista do México. Foi o único que foi um gênio.

35 Tradução: Quem era esse homem cuja inteligência imediatamente aproveitou a vantagem que poderia aproveitar do dom com as línguas de Malintzin cuja a habilidade política inventou soluções administrativas que proibiram de considerá-lo como um rebelde e explorou desde o início, as divisões e ódio entre os povos da região central do México? Cujo gênio militar estourou desde sua primeira campanha a tal ponto em que a referência mais conhecida seja a de César? (Bennassar 2001: 21)

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A literatura de Verne vem também de uma época com numerosos movimentos

artísticos e culturais. A Europa conhece muitas guerras que desenham seu mapa. Os

intelectuais vão trabalhar as conquistas tecnológicas, científicas e artísticas. A narração

que o autor apresenta parece ser um projeto para que o leitor conheça a História. Cortès

aparece forte e indescritível assim como um homem político com grande poder. Verne

traça a personalidade forte do herói e nos dá cada elemento de sua conquista. Após a

tomada de Montezuma e seu palácio, o autor nos faz conhecer como Cortès exercia seu

poder e trabalhava ao mesmo tempo sua imagem.

Enhardi par tant de preuves de soumission et d'humilité, Cortès alla plus loin et exigea de Montézume qu'il se reconnût le vassal et le tributaire de l'Espagne. Cet acte de foi et hommage fut accompagné, on le devine facilement, de riches et nombreux présents, ainsi que d'une forte contribution qui fut levée sans trop de difficulté. On en profita pour rassembler tout ce qui avait été extorqué en or et en argent aux Indiens, et le fondre, sauf certaines pièces qui furent conservées à cause de la beauté du travail. (VERNE, 2005: 62) 36

A inscrição da conquista nas obras aqui citadas se compreende do ponto de vista

de várias teorias, cada escritor e historiador terá uma visão diferente do herói e

evidentemente da tomada do México. O personagem se introduz então em uma época da

História movimentada e ele deverá se ilustrar enquanto herói e homem político, para se

afirmar diante dos soldados e dos índios. A perspectiva da guerra, sua condição social, e

seu gosto pelo romanesco,37 explicariam a determinação do herói. A influência dos

outros conquistadores o levam a provar o gosto pela aventura que Verne descreve, pois

os eventos anteriores à conquista, aqui já citados, até a tomada do México, são

essenciais para afirmar a personalidade de Cortès.

36 Tradução: Encorajado por tantas provas de submissão e humildade, Cortés foi mais longe e exigiu de Montezuma que este se reconhecesse como vassalo e tributário da Espanha. Este ato de fé e homenagem foi acompanhado, pode-se supor facilmente, de ricos e numerosos presentes, assim como de uma forte contribuição que foi retirada sem muita dificuldade. Aproveitaram a oportunidade para reunir tudo o que tinha sido extorquido em ouro e prata dos índios, e derretê-lo, exceto algumas peças que foram preservadas por causa da beleza da obra. (Verne, 2005: 62) 37 J. VERNE, Les Conquistadors, Paris, Magellan, 2005, cit., p.90

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4- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nosso trabalho teve como objeto de análise o ethos discursivo na obra Les

conquistadors, original de 1870, sendo analisada a versão de 2005 escrita pelo autor

Jules Verne. Em relação aos conquistadores da América, estudou-se a obra de

Bartolhomé Bennassar 2001 e as cartas de Hernán Cortez, na versão de 2007. A

representação de Cortès aqui analisada é uma grande fonte histórica. O herói da

Conquista do México é um personagem que sabe perfeitamente o que quer: poder, ouro

e riqueza, Cortès é um grande conquistador da História tendo vivido a época das

descobertas e do Renascimento. Para Verne (2005), Cortès tem todas as qualidades de

um herói: coragem, generosidade e nobreza de sentimentos.

Os historiadores mostram um grande conquistador, mas também uma potência

sem limites que sabia exatamente o que estava fazendo no momento de suas conquistas.

Ele é mostrado como um homem notável em seu domínio. Cabe ressaltar que ele é

grande conquistador que toma voluntariamente seu lugar na História e que se coloca

como um modelo para os conquistadores que virão. Era essencial para o conquistador

conseguir convencer os índios de que ele tinha o poder e fazê-los acreditar igualmente

no Rei da Espanha e na sua religião, para obter a confiança e o território dos mexicanos.

A influência que ele manteve sobre os índios foi através de estratégias usadas para

convencê-los a lutar em nome do rei da Espanha. Ele se legitima conseguindo a

confiança destes índios, assim como terras para o rei e com isso constrói sua imagem de

homem digno de confiança e ao mesmo tempo um homem temido por alguns povos.

Para classificarmos o ethos discursivo e a imagem do herói, podemos dizer que o

ethos é uma estratégia do discurso político, onde existe um jogo de influência sobre o

outro, tendo como base a sedução e a persuasão. Sendo assim, entendemos que o

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discurso construído por Cortès, por suas estruturas discursivas, teve como base

primordial um discurso político, onde se destaca sua imagem de grande conquistador.

Em nossas análises percebemos o poder político que exercia Cortès quando

falava com seus homens ou com os índios que o seguiam. Podemos dizer que a

conquista se fez então por três motivos: a força de Cortès, seu dom discursivo para

questões políticas e sua imagem, ou seja seu ethos discursivo. Na realidade, o fato de as

armas espanholas serem melhores não garantiria sua vitória, uma vez que ele possuía

um número muito menor de soldados. Com certeza a política de alianças de Cortès foi

um dos maiores trunfos dos espanhóis que, além da política de alianças, trouxe para o

seu lado todos os povos descontentes com a dominação Asteca.

Verne conclui sua narrativa dizendo que Cortès se legitima através de vários

pontos estratégicos: religião, força, a busca de aliados e uma verdadeira demonstração

de coragem e fé. Estes acontecimentos, de fato, levaram o conquistador ao

reconhecimento, por estes povos, de sua força ou de sua oratória. Sabe-se que é também

através do discurso religioso e da força que Cortès consegue se legitimar, pois ele

consegue evangelizar muitos indígenas. Cortès é um homem de muita fé, mas ao mesmo

tempo, um grande guerreiro que busca sua autenticidade diante dos índios e a consegue,

pois muitos se aliam a ele contra seu próprio povo, como podemos observar em suas

cartas. O discurso de legitimação do herói diante dos índios é feito através de um

discurso de fé e ao mesmo tempo um discurso de promessas onde Cortès oferecia as

vantagens de sua coroa. Dessa forma, ele conseguiu pacificar muitos povos.

A narrativa de Verne é composta de realidades que nos fazem compreender esta

época, o homem e a brutalidade da guerra. O autor deixa para seus leitores uma visão

ampla da tomada do país, considerando os acontecimentos históricos presentes na

conquista, com a finalidade de dar aos leitores a possibilidade de entender as

circunstâncias sociais e políticas para a conquista do poder.

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Finalizando, como projetos futuros, procuraremos iniciar novas pesquisas no

âmbito da questão do ethos.

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5-ANEXOS

Com a finalidade de reforçar a visualização deste trabalho, colocamos abaixo

mapas, da época da conquista, assim como ilustrados no corpo da mesma. Colocamos

também uma árvore genealógica de Cortès, seus companheiros de viagem também estão

aqui ilustrados. Por fim estão aqui também um resumo da cronologia histórica de seus

passos38

38

Bennassar: 2001.

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6-REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS

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