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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO GABRIEL COSTA VAZ DISTÂNCIA ENTRE NORMAS E O USO DE MEDICAMENTOS: UM ESTUDO SOBRE O INÍCIO E A ADESÃO AO TRATAMENTO MÉDICO NA BAIXA RENDA BRASILEIRA RIO DE JANEIRO – BRASIL 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO

GABRIEL COSTA VAZ

DISTÂNCIA ENTRE NORMAS E O USO DE MEDICAMENTOS: UM ESTUDO SOBRE O INÍCIO E A ADESÃO AO TRATAMENTO

MÉDICO NA BAIXA RENDA BRASILEIRA

RIO DE JANEIRO – BRASIL

2015

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GABRIEL COSTA VAZ

DISTÂNCIA ENTRE NORMAS E O USO DE MEDICAMENTOS: UM ESTUDO SOBRE O INÍCIO E A ADESÃO AO TRATAMENTO

MÉDICO NA BAIXA RENDA BRASILEIRA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração.

Orientadora: Claudia Affonso Silva Araújo

RIO DE JANEIRO – BRASIL

2015

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FICHA CATALOGRÁFICA

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GABRIEL COSTA VAZ

DISTÂNCIA ENTRE NORMAS E O USO DE MEDICAMENTOS: UM ESTUDO SOBRE O INÍCIO E A

ADESÃO AO TRATAMENTO MÉDICO NA BAIXA RENDA BRASILEIRA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração.

Aprovada em:

Profª. Claudia Affonso Silva Araújo, D.Sc. (COPPEAD, UFRJ) - Orientadora

Profª. Roberta Dias Campos, D.Sc. (COPPEAD, UFRJ)

Profª. Carla Fernanda Pereira Barros, D.Sc. (UFF)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, sobretudo, à minha família, em especial aos meus pais Alexandre e

Silvana, pelo apoio incondicional a todas as minhas escolhas até este

momento. Sem este, sem dúvidas, a trajetória acadêmica não teria êxito. Ao

meu irmão Benício que, mesmo criança, alegra toda família e nos faz almejar

um futuro melhor e mais digno.

À minha parceira, Thayane, pela paciência e dedicação mesmo nos momentos

mais difíceis, apoiando as minhas escolhas e sendo compreensível com todas

as renúncias feitas em função do mestrado.

À minha orientadora, Cláudia Araújo, pela dedicação e boa vontade, mesmo

tendo assumido o compromisso com esta dissertação com tempo curto para

execução da mesma. Sua competência, disponibilidade, conhecimento e

ensinamentos foram fundamentais não apenas para a conclusão da

dissertação, mas para o meu aprendizado ao longo do mestrado.

A todos os professores do COPPEAD, que me possibilitaram grande

aprendizado ao longo do curso. A experiência de vida acumulada ao longo

desses mais de dois anos será útil em minha vida acadêmica, profissional e,

principalmente, pessoal.

Aos amigos da turma 2013, que compartilharam comigo suas experiências e

sabedoria, contribuindo para o meu aprendizado.

Por fim, mas não menos importantes, aos funcionários do COPPEAD, pela

atenção e boa vontade dispensadas a mim e aos demais alunos.

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RESUMO

No cenário atual, os cuidados de saúde estão envolvidos em uma trama

altamente complexa: ambiente de pressão e rápida transformação. Levando

em conta a realidade brasileira, então, pode-se imaginar os desafios diários

evidenciados na luta por um melhor sistema de saúde no país. Não bastassem

os problemas estruturais, a área de saúde ainda lida com um assunto

altamente relevante: a adesão ao tratamento médico. Um problema complexo

e sempre presente, de grande destaque no âmbito internacional e que

representa um alto custo para os sistemas de saúde de todo o mundo.

As implicações da baixa adesão ao tratamento médico são diversas e

comprometem severamente a eficácia do tratamento, tornando este um

problema crítico na saúde da população, tanto do ponto de vista da qualidade

de vida como da economia. Quando abordado o tema da adesão ao consumo

de fármacos do ponto de vista da literatura acadêmica, têm-se evidências de

uma literatura esparsa, coincidindo com a ausência de artigos nacionais que

abordem os problemas médicos no Brasil do ponto de vista da adesão ao

consumo de medicamentos.

Dessa forma, este estudo direcionou os esforços de pesquisa para a

compreensão do início e da adesão ao tratamento médico da população

brasileira de baixa renda. Em linha com estudos de importantes organismos

internacionais como a Organização Mundial da Saúde, a revisão da literatura e

a pesquisa de campo apontaram uma série de variáveis interferentes no

processo de adesão ao tratamento médico, reforçando o arcabouço

abrangente ao qual está inserido o tema e sua inerente complexidade.

Como resultados, têm-se evidências que reforçam a literatura internacional e

ajudam a compreender importantes nuances da adesão ao tratamento médico

como, por exemplo, o conceito de doença para o grupo de pesquisa, a

percepção de risco dos sintomas, em quais situações recorresse a um

especialista, entre outros.

Palavras chave: adesão, tratamento médico, baixa renda, saúde.

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ABSTRACT

Nowadays health care are involved in a highly complex network: pressure

environment and rapidly changing. Taking into account Brazilian reality, it is

possible to imagine the daily challenges perceived in the struggle for a better

health system in the country. Not enough structural, health area also deals with

a highly relevant issue: adherence to medical treatment. A complex and ever-

present problem of high profile internationally that represents a high cost for

health systems around the world.

The implications of poor adherence to medical treatment are diverse and

severely compromise the effectiveness of treatment making this a critical issue

in population health, both from the point of view of quality of life as the

economy. By the point of view of academic literature, it has been evidence of a

sparse literature, coinciding with the absence of national articles focused on

adherence issues.

Thus, this study directed research efforts to understanding the beginning and

adherence to medical treatment of the population with low incomes. In line with

studies of major international institutions like the World Health Organization,

the literature review and field research showed a number of confounding

variables in the adherence process to medical treatment, reinforcing the

comprehensive framework to which the subject is inserted and its inherent

complexity.

As a result, there are evidences that reinforce the international literature

reserch and help to understand important nuances of adherence to medical

treatment as, for example, the concept of disease to the research group, risk

perception of symptoms, in which situations paciente demand an expert,

among others.

Keywords: adherence, medical treatment, low income class, health care.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURAS Figura 1 - Dimensões do IDH .................................................................................... 17

Figura 2 - Cinco Dimensões Adesão Segundo OMS ................................................ 35

QUADROS

Quadro 1 - Métodos de Mensuração da Adesão ....................................................... 23

Quadro 2 - Modelo Paternalístico .............................................................................. 25

Quadro 3 - Dimensões Pesquisadas ......................................................................... 39

TABELAS

Tabela 1 – Perfil dos Entrevistados ........................................................................... 46

Tabela 2 - Bairro e Características Residência ......................................................... 47

Tabela 3 - Acesso a veículos, Plano de Saúde e Acesso a Internet ......................... 47

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Sumário 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 12

1.1 Objetivo do Estudo ..................................................................................... 12

1.2 Relevância do Estudo ................................................................................ 15

1.3 Delimitação do Estudo ............................................................................... 16

1.4 Organização do Estudo ............................................................................. 18

2 REVISÃO DA LITERATURA ............................................................................ 19

2.1 Adesão ao tratamento médico .................................................................. 20

2.1.1 Causas da Não Adesão ......................................................................... 23

2.2 Automedicação: um problema social ........................................................ 26

2.3 Itinerário Terapêutico ................................................................................. 27

2.4 As Cinco Dimensões da Adesão segundo a OMS .................................. 35

2.4.1 Fatores relacionados com o sistema de saúde ..................................... 36

2.4.2 Fatores socioeconômicos ...................................................................... 36

2.4.3 Fatores relacionados com o tratamento ................................................ 36

2.4.4 Fatores relacionados com o paciente .................................................... 37

2.4.5 Fatores relacionados com a doença ...................................................... 37

2.4.6 Relação das Dimensões da OMS e Pesquisa de Revisão da Literatura 37

3 MÉTODO DA PESQUISA ................................................................................. 40

3.1 Tipo de Pesquisa ........................................................................................ 40

3.2 Pesquisa de campo .................................................................................... 40

3.3 Sujeitos da Pesquisa ................................................................................. 41

3.4 O Processo de Confecção do Roteiro de Entrevista .............................. 42

3.5 As entrevistas ............................................................................................. 42

3.6 Tratamento e Análise das Entrevistas .......................................................... 44

3.7 Limitações Ligadas à Pesquisa .................................................................... 44

3.8 Limitações Ligadas ao Método ..................................................................... 45

4 RESULTADOS DA PESQUISA ........................................................................ 45

4.1 Perfil dos Entrevistados ................................................................................ 45

4.2 Dimensões de Pesquisa e Resultados Encontrados .................................... 47

4.2.1 Fatores relacionados com o sistema de saúde ..................................... 48

4.2.2 Fatores socioeconômicos ...................................................................... 51

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4.2.3 Fatores relacionados com o tratamento ................................................ 54

4.2.4 Fatores relacionados com o paciente .................................................... 62

4.2.5 Fatores relacionados com a doença ...................................................... 66

5 ANÁLISE DOS RESULTADOS ........................................................................ 69

5.1 Fatores relacionados com o sistema de saúde ............................................ 70

5.2 Fatores Socioeconômicos ............................................................................ 72

5.3 Fatores Relacionados com o Tratamento .................................................... 74

5.4 Fatores Relacionados com o Paciente ......................................................... 79

5.5 Fatores Relacionados com a Doença .......................................................... 82

6 RESUMO E CONCLUSÕES ............................................................................ 83

6.1 Resumo do Estudo ....................................................................................... 83

6.2 Principais Conclusões .................................................................................. 84

6.3 Sugestões de Pesquisas Futuras ................................................................. 88

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 90

ANEXO 1 – Roteiro de Pesquisa ............................................................................... 94

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1 INTRODUÇÃO 1.1 Objetivo do Estudo

“Somente com vontade política, financiamento adequado e gestão

qualificada romperemos com o ciclo histórico da desigualdade que

tem mantido o Brasil, em diversos indicadores de saúde, em

posições incompatíveis com os anunciados progressos na área

econômica.

É preciso que o governo demonstre sua compreensão de que o

investimento em saúde – assim como em educação – coloca o

cidadão como fim maior de sua existência, provando que no país o

desenvolvimento econômico andará de braços dados com avanços

sociais”. (Demografia Médica no Brasil, CONSELHO FEDERAL DE

MEDICINA, 2013) 1

Com base no trecho retirado do estudo realizado pelo Conselho Federal

de Medicina (CFM), é possível atentar para os constantes desafios

evidenciados na luta por um melhor sistema de saúde no Brasil. Nosso país,

quinta maior nação em número de médicos formados e com uma densidade de

1,95 médicos para cada 1000 habitantes, posiciona-se acima da média

mundial (DEMOGRAFIA MÉDICA NO BRASIL, CONSELHO FEDERAL DE

MEDICINA, 2011) 2. Se consideradas as disparidades sociais e econômicas

presenciadas em nosso território, algumas regiões detêm índices que se

aproximam dos principais países europeus, o que sugere que os problemas de

saúde enfrentados dentro de nossas fronteiras não decorrem da falta de mão

de obra (SCHEFFLER, 2008).

Ainda no estudo Demografia Médica no Brasil, percebe-se que outro

indicador de qualidade na área de saúde refere-se à composição de gastos

públicos e privados na área de saúde. Nesse quesito, os países com melhores

índices são justamente aqueles com maior aporte de gastos públicos, em

contraposição ao capital privado (DEMOGRAFIA MÉDICA NO BRASIL,

1 http://www.flip3d.com.br/web/pub/cfm/index10/?numero=8 2 http://www.flip3d.com.br/web/pub/cfm/index10/?numero=3

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CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2011). Ainda de acordo com o estudo,

esta relação na área de saúde brasileira é composta de 45% em gastos

governamentais para 55% de gastos de empresas do setor privado, sendo

ainda que a maior parte da oferta de médicos direcionada para o capital

privado, o que sugere discrepância de qualidade dos serviços entre os setores

público e privado, sendo a baixa renda diretamente afetada pela baixa qualidade dos

serviços de saúde visto que é a principal consumidora dos mesmos.

O cenário presenciado no sistema de saúde é altamente complexo, pois

envolve um ambiente que lida com rápidas mudanças, muita tecnologia e,

diariamente, envolve dezenas de decisões e julgamentos por parte do quadro

de funcionários (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2006). Ainda no

estudo da Organização Mundial a Saúde (OMS), é destacado que erros

médicos são responsáveis, de maneira estimada, por entre 44.000 e 98.000

mortes todos os anos em hospitais dos Estados Unidos, tornando-se uma

causa mais fatal que câncer de mama ou acidentes de carro. O cenário chama

ainda mais atenção quando voltamos o foco para os países emergentes, que

em boa parte carecem de infraestrutura, controle de epidemias, baixo

desempenho, entre outras condições (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE,

2006).

Não bastasse o cenário acima relatado, a área de saúde ainda lida com

um problema altamente relevante: a adesão ao tratamento médico e,

correlatamente, o abandono do tratamento. A adesão ao tratamento médico é

classificada por Vermeire (2001) como um problema complexo e sempre

presente, sendo ainda um assunto de grande destaque no âmbito da saúde.

De maneira complementar, a não adesão representa ainda um alto custo

para os sistemas de saúde, que levam em conta o retrabalho nos

atendimentos quando uma doença não é tratada da maneira correta, custos

com medicamentos desperdiçados, entre outros fatores (HORNE, 1997;

MORRIS et al, 1992; DONOVAN, 1995 apud VERMEIRE, 2001). Apenas nos

EUA, em 2001, os custos com cuidados médicos nos Estados Unidos

ultrapassaram a marca de 1,2 trilhões de dólares (DIMATTEO, 2004), estando

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o custo associado a não adesão na casa de 300 bilhões de dólares, ainda

segundo o mesmo autor, ressaltando assim a expressividade do tema.

Assim, além de um problema médico, a adesão e a não adesão

representam um caso de gestão pública de interesse governamental de

diversos países (VINCENT, 2005), principalmente para o Brasil um dos

maiores consumidores de remédios no mundo (FLEISCHER, 2012).

Desta forma, a presente dissertação tem como objetivo principal analisar

e compreender o que leva a população brasileira da baixa renda,

possivelmente usuária do sistema público de saúde e, provavelmente, mais

carente na oferta e na qualidade do serviço de saúde, a iniciar e aderir ao

tratamento prescrito pelo médico. Em outras palavras, buscou-se identificar

qual a distância entre as normas (padrões sociais e medicinais) e o uso de

medicamentos neste grupo social a ser analisado.

Assim, a pergunta geral desta pesquisa é: “O que leva a população

brasileira da baixa renda a iniciar e a aderir ao tratamento prescrito pelo

médico?”. Além disso, como objetivos secundários, buscaram-se avaliar

questões subjacentes ao tema central da pesquisa, quais sejam:

• Para a classe social estudada, o que significa estar doente?

• Como funciona a percepção de risco dos sintomas? E como isto

está associado ao uso de medicamentos?

• Em quais situações os usuários reconhecem a necessidade de um

especialista, seguindo o ‘itinerário protocolar’?

• Como a composição do medicamento (cápsulas, pomadas)

influencia os hábitos de consumo?

• Quais os agentes influenciadores (grupos sociais, influência

religiosas, entre outros) nos hábitos de consumo de medicamento

da população de baixa renda?

• Quais os atributos de qualidade avaliados em um atendimento

médico?

• O que leva a população de baixa renda a se automedicar.

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De cunho abrangente, mas trabalhando de forma paralela ao objetivo

geral, pretende-se que os objetivos específicos sirvam de suporte analítico

para o propósito maior explicitado nesta dissertação.

1.2 Relevância do Estudo

As implicações da utilização ou não de remédios são, além de um

problema médico, representam um caso de gestão pública de interesse das

autoridades governamentais de diversos países (VINCENT, 2005), bem como

dos principais fabricantes de medicamentos e da sociedade como um todo.

Considerando ainda que o Brasil é um dos maiores consumidores de fármacos

do mundo (FLEISCHER, 2012), é possível compreender ainda melhor a

relevância do tema.

Apesar desta relevância, a literatura sobre adesão ao consumo de

fármacos ainda é esparsa e sinaliza falta de consistência na definição do

termo, bem como na proposição de um modelo que integre os diferentes

estudos (VERMEIRE, 2001). A revisão da literatura realizada por Vermeire

(2001), num recorte de tempo de quase 30 anos – de 1975 a 1999 –, é

respaldada por outras revisões da literatura acerca do tema, como as

realizadas por Dimatteo (2004) e Longtin et al (2010), que destacam o mesmo

problema de uma literatura esparsa e não conclusiva. Além disto, há também a

ausência de artigos nacionais ou que, pelo menos, abordem os problemas

médicos no Brasil, evidenciado pela baixa quantidade de artigos encontrados

nas bases de dados no tocante à adesão de medicamentos.

O foco na população de baixa renda tem diferentes justificativas como,

por exemplo, a escassez de publicações encontradas com ênfase nesta classe

social. Além disso, o presente trabalho tem um apelo acadêmico e social,

buscando agregar novos conhecimentos dentro do tema da adesão ao

consumo de medicamentos. Ainda, um apelo gerencial, visto que busca

analisar e compreender ações com impacto direto na rotina de médicos e

pacientes. Por fim, o estudo Demografia Médica no Brasil (CONSELHO

FEDERAL DE MEDICINA, 2011) aponta que a população de baixa renda é a

mais impactada pela qualidade dos serviços médicos no Brasil, uma vez que a

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oferta de médicos na rede de saúde privada é muito maior que a oferecida no

Sistema Único de Saúde (SUS).

1.3 Delimitação do Estudo

Algumas delimitações foram colocadas na pesquisa, visando facilitar a

operacionalização da mesma. O primeiro ponto é que a pesquisa foi realizada

apenas com usuários de medicamentos. Ou seja, o presente estudo não

aborda a visão de médicos, empresas de saúde, gestores e outras partes

interessadas no tema da adesão ao tratamento médico. Assim, as

considerações e conclusões do trabalho partiram exclusivamente da

perspectiva dos pacientes, que podem ser distintas daquelas de outros grupos

envolvidos.

No âmbito desta dissertação, os termos iniciar e aderir, que constam na

pergunta de pesquisa, dizem respeito, respectivamente, ao início do

tratamento médico prescrito, uma vez que este seja receitado pelo especialista

– considerando que em muitos casos a taxa de conversão entre prescrição e

compra é baixa (VINCENT, 2005) –, e ao correto cumprimentos das

recomendações médicas, sejam elas medicamentosas ou relativas aos hábitos

de vida do paciente (OMS, 2003).

Com relação às famílias de baixa renda, foco desta pesquisa, tentou-se

classificar as mesmas conforme decreto governamental3 que regula o cadastro

de famílias aptas a usufruir dos programas sociais do governo, que define

como baixa renda aquelas famílias com renda familiar per capta de até meio

salário mínimo ou aquelas que possuam renda familiar mensal (soma dos

rendimentos brutos) de até três salários mínimos. No entanto, julgou-se

constrangedor e incômodo, no momento da entrevista, questionar o

entrevistado quanto ao nível de renda da família, já que este poderia se

rejeitar a responder a pergunta ou até mesmo informar dados imprecisos.

De maneira alternativa, pensou-se em utilizar o Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH) como ferramenta de seleção, uma vez que 3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6135.htm

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foram encontrados dados de IDH relativos aos bairros cariocas através do

GEORIO4. Assim, levando em consideração o recorte de IDH proposto pela

Organização das Nações Unidas, seriam selecionadas as localidades com

baixo nível de IDH. No entanto, estes dados limitavam-se apenas aos bairros

do município do Rio de Janeiro, o que reduziria o escopo de participantes,

além de datarem do ano de 2008 e não terem sido encontradas versões mais

recentes do estudo.

A fonte mais confiável de IDH a nível local seria o Índice de

Desenvolvimento Humano dos Municípios (IDH-M), desenvolvido pela própria

ONU através do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD), mas ainda assim considerou-se que uma visão municipal sobre o

assunto não traria as discrepâncias sociais à tona, podendo pinçar

entrevistados que vivessem em áreas consideradas de baixo IDH, mas com

padrão de vida distante da realidade local.

Figura 1 - Dimensões do IDH

Fonte: Adaptado de Atlas Brasil5

O IDH, de forma sintética, é um índice que tem por base a utilização de

três dimensões para avaliação do desenvolvimento humano, conforme

ilustrado na Figura 1. São elas: longevidade, educação e renda. A longevidade

requer que sejam ampliadas as oportunidades que as pessoas têm de evitar a

morte prematura, e que seja garantido a elas um ambiente saudável, com 4http://portalgeo.rio.rj.gov.br/estudoscariocas/download/2394_%C3%8Dndice%20de%20Desenvolvimento%20Social_IDS.pdf 5 http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/o_atlas/desenvolvimento_humano/

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acesso a saúde de qualidade, para que possam atingir o padrão mais elevado

possível de saúde física e mental. A educação é fundamental para expandir as

habilidades das pessoas para que elas possam decidir sobre seu futuro,

construindo confiança, conferindo dignidade e ampliando os horizontes e as

perspectivas de vida. Por fim, a renda é um meio para uma série de fins,

possibilitando a adoção de alternativas disponíveis e sua ausência poderia

limitar as oportunidades de vida.

Dessa forma, utilizaram-se as dimensões de Educação e Renda para

determinar a escolha dos entrevistados. No quesito educação, buscaram-se

pessoas que tivessem apenas até o 2ª grau; já no quesito renda, para não

incorrer no mesmo problema de questionar o entrevistado quanto ao nível de

salário, buscaram-se pessoas que trabalhassem em profissões comumente

associadas à baixa remuneração como, por exemplo, porteiros, empregadas

domésticas, cuidadores de idosos, auxiliares de serviços gerais, donas de

casa, entre outros.

1.4 Organização do Estudo

A presente dissertação, com foco na adesão do paciente de baixa renda

ao tratamento médico, está dividida num total de seis capítulos. Inicialmente,

uma breve introdução, abordando as origens do estudo, bem como a

relevância e suas delimitações. Posteriormente, seguida de uma revisão da

literatura, que tem por objetivo organizar os assuntos inerentes ao estudo e

que se relacionam entre si, sedimentando e confrontando definições de

pesquisa a respeito do tema. O capítulo 3 apresenta o método de pesquisa,

definindo o tipo de pesquisa, o trabalho e campo e as consequentes limitações

do método e da pesquisa. O capítulo 4, por sua vez, trará os resultados da

pesquisa, sem entrar no mérito da análise. Já o capítulo 5 trará as análises

decorrentes dos resultados encontrados. Por fim, tem-se no sexto capítulo um

breve resumo e a conclusão, que é seguida das referências bibliográficas e

dos anexos.

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2 REVISÃO DA LITERATURA

A revisão da literatura está estruturada considerando três dimensões: a

adesão ao tratamento médico; a automedicação; e, por fim, os itinerários

terapêuticos. A espinha dorsal desta dissertação é a adesão ao tratamento

médico, mas com desdobramentos na automedicação e, também, nos

itinerários terapêuticos visto que estes temas têm relação e impacto direto com

o tema central deste estudo. O termo itinerário terapêutico tem como base a

proposta de Gerhardt (2006), sendo usado como sinônimo de busca de

cuidados terapêuticos e procura descrever e analisar as práticas individuais e

socioculturais de saúde em termos dos caminhos percorridos por indivíduos

pertencentes a camadas de baixa renda, na tentativa de solucionarem seus

problemas de saúde.

A pesquisa sobre o tema central da adesão balizou-se, inicialmente, no

aprofundamento do estudo de Vermeire (2001). Este estudo é importante para

a literatura pesquisada, uma vez que faz um apanhado de quase trinta anos

sobre os principais artigos publicados dentro deste tema, abordando e

discutindo os principais problemas encontrados.

A partir do estudo de Vermeire (2001), a presente dissertação seguiu

dois caminhos complementares. O primeiro, a busca em cascata dos artigos

citados por Vermeire (2001), que balizaram seu estudo. O segundo caminho foi

utilizar bases de dados relevantes na área de gestão, como EBSCO, Science

Direct, ProQuest e Web of Science. A utilização de tais bases foi importante

para se desprender da linha de raciocínio atrelada ao estudo de Vermeire

(2001), visto que há um período de tempo significativo entre a publicação do

referido artigo e o presente, possibilitando a utilização de muitos outros

estudos.

As palavras chave utilizadas para a pesquisa de adesão ao consumo de

medicamentos foram “patient compliance”, “patient concordance” e “patient

adherence” associadas em algumas buscas a um segundo termo como, por

exemplo, “drugs” ou “medication”. A pesquisa não se prendeu a um recorte

temporal, mas sim levou em consideração a relevância indicada pelas próprias

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bases de dados, que permitem classificar a pesquisa de acordo com uma série

filtros (relevância, temporalidade, etc) e a relação entre o presente estudo e as

informações encontradas nos abstracts dos artigos pesquisados. Artigos que

abordaram diretamente a adesão, itinerários terapêuticos ou automedicação,

com informações conexas com a pesquisa, foram pinçados para compor a

revisão da literatura.

2.1 Adesão ao tratamento médico

A adesão ao tratamento médico, terminologia usada nesta dissertação, é

classificada por Vermeire (2001) como um problema complexo e sempre

presente, sendo ainda um assunto de grande destaque no âmbito da saúde. A

não adesão representa um alto custo para os sistemas de saúde (HORNE,

1997; MORRIS et al, 1992; DONOVAN, 1995 apud VERMEIRE, 2001), bem

como impacta negativamente os próprios médicos, frustrados com os

resultados obtidos, os resultado das instituições de saúde (RAEBEL et al,

2012; MELNIKOW, 1994), e também a efetividade do tratamento e a saúde dos

pacientes (ELLIOT, 2008).

Em 2001, os custos com cuidados médicos nos Estados Unidos

ultrapassaram a marca de 1,2 trilhões de dólares (DIMATTEO, 2004). Segundo

DiMatteo (2004), que estimou um custo financeiro para a não adesão, as cifras

giram em torno de 300 bilhões de dólares por ano nos Estado Unidos. Apesar

dos impactos significativos da não adesão aos tratamentos médicos, Vermeire

(2001) afirma que, mesmo com publicações que apontaram mais de 200

variáveis analisadas desde 1975 sobre o tema, falta consistência na definição

do termo, bem como um modelo que integre os diferentes estudos. Alguns

destes estudos, inclusive, deixam de definir o significado do termo adesão

(DONOVAN, 1995 apud VERMEIRE, 2001).

No âmbito da língua inglesa, o termo adesão pode ser reconhecido na

revisão da literatura de várias formas. O termo mais utilizado (VERMEIRE,

2001) é “compliance”, que pode ser definido como o comportamento individual

no âmbito da utilização de medicamentos que coincide com as ordens médicas

ou de saúde (URQUHART, 1996). Ainda segundo Vermeire (2001), porém, os

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21

termos “concordance” e “adherence” também são bastante utilizados na

literatura.

As diferentes terminologias trazem consigo, também, questões mais

profundas do que apenas uma nova nomenclatura. O termo “concordance”, por

exemplo, aborda questões como o paciente como um tomador de decisão

dentro do processo de adesão ao medicamento (ANON, 1997 apud

VERMEIRE, 2001), bem como a empatia profissional para fins de resultado na

administração de medicamentos (MIBORN et al, 1997). O termo “adherence”,

por sua vez, reduz a atribuição de poder do médico na relação médico

paciente que o termo “compliance” carrega (SACKETT et al, 1975).

A mudança da nomenclatura ao longo do tempo traz, implicitamente,

outra questão: a perspectiva do paciente no processo de adesão. A própria

definição do termo “compliance” exalta este fator, uma vez que a palavra

conota complacência, submissão, onde a perspectiva do paciente é

negligenciada ou não relevante para o estudo (ANON, 1997 apud VERMEIRE,

2001). Esta falta da perspectiva do paciente no processo de adesão ao

tratamento médico foi um dos grandes responsáveis pelo atraso no

desenvolvimento de estudos mais abrangentes (DONOVAN, 1995 apud

VERMEIRE, 2001). Além disso, a ausência de um método válido para

mensurar a não adesão também se configura como uma grande barreira para a

área de pesquisa (MORRIS et al, 1992; KRUSE, 1992).

As taxas de adesão aos medicamentos, segundo DiMatteo (2004), que

fez uma revisão da literatura de aproximadamente 50 anos e analisou 569

artigos, foi de 76% na média. Vermeire (2001) relata que há uma série de

maneiras de medir o nível de adesão no processo de utilização de

medicamentos. Estas podem ser classificadas, ainda segundo o autor, como

diretos ou indiretos, conforme Quadro 1. Quando diretos, envolvem a utilização,

por exemplo, de exames de sangue ou urina para medir a presença de

substâncias no organismo do paciente (GORDIS, 1979 apud VERMEIRE,

2001). Apesar de mais apurados, não podem ser usados para todos os

medicamentos, e também são considerados mais invasivos para os pacientes

e, portanto, inaceitáveis em muitos os casos. Os indiretos, por sua vez,

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22

envolvem entrevistas, anotações, contagem cartelas, entre outros (GORDIS,

1979 apud VERMEIRE, 2001). Vermeire (2001) destaca, no entanto, que

independente do método, todos têm inconvenientes.

O avanço tecnológico recente permitiu que formas eletrônicas de

controle fossem implementadas (OLIVIERI et al, 1991). Este recurso, porém,

também não pode ser classificado como totalmente seguro para o controle da

adesão, uma vez que não há comprovação de que a medicação foi utilizada

pelo paciente (WAGNER et al, 2001). No entanto, este recurso foi capaz de

revelar comportamentos desconhecidos da literatura como, por exemplo,

“férias da medicação” (período em que paciente interrompe o uso da

medicação), e a “adesão do jaleco-branco” (situação na qual o paciente

administra as doses do medicamento para coincidirem com as datas da

próxima visita ao médico) (RAYNOR, 1992; OSTERBERG et al, 2005).

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23

Quadro 1 - Métodos de Mensuração da Adesão

Fonte: Adaptado de Osterberg et al, pág. 3 (2005)

2.1.1 Causas da Não Adesão

Apesar da vastidão de variáveis apontadas como interferentes no

processo de adesão, nenhuma delas mostrou-se consistentemente relacionada

(ANON, 1997 apud VERMEIRE, 2001). Variáveis demográficas (sexo, idade,

número de habitantes na residência) foram consideradas indicadores fracos no

âmbito do estudo da adesão. Outros fatores correlacionados à baixa adesão

são, por exemplo, duração do tratamento, número de medicamentos prescritos,

custo financeiro e a frequência das dosagens (MORRIS et al, 1992; GRIFFITH,

1990).

TESTE VANTAGENS DESVANTAGENS

- Terapia diretamente observada Maior Precisão

Pacientes podem esconder pilulas na boca e

posteriormente descartá-las; Impraticável

para uso de rotina

- Mensuração do nível de medicamento ou

metabolito no sangueObjetivo

Caro; Variações no metabolismo; "adesão ao

jaleco branco" podendo dar a falsa impressão

de adesão

- Mensuração de marcadores biológicos no

Sangue

Objetivo; Em triagens clínicas pode ser usado

também para mensurar placebo

Requer ensaios quantitativos caros e a coleta

de fluidos corporais

- Questionários aos Pacientes; Relatórios

Preenchidos pelos próprios pacientes

Simples; barato; método mais comum no

attendimento clínico

Suscetível ao erro com aumentos de tempo

entre visitas; Resultados são facilmente

distorcíveis pelos pacientes

- Contagem de Pílulas Objetivo; Confiável; fácil de aplicar

Informações facilmente alteradas pelos

pacientes (p. ex.: jogar pílulas não tomadas

fora)

- Taxa de reemissão das prescrições Objetivo; Fácil de coletar informações

Nova prescrição não é equivalente a ingestão

do medicamento; Requer um sistema de

monitoramento da farmácia

- Avaliação das respostas clínicas dos

pacientesSimples; Geralmente fácil de avaliar

Fatores aleatórios a adesão podem afetar

respostas clínicas

- Medidores eletrônicos de medicação

Preciso; Resultados facilmente

quantificáveis; Monitora padrões na ingestão

dos medicamentos

Caros; Demandam o retorno do paciente e o

download de informações dos fracos de

medicamentos

- Monitoramento de marcadores fisiológicos Geralmente fácil de mensurarMarcadores podem estar alterados por outras

razões

- Diários do paciente (quando o paciente for

uma criança, questionários para o cuidador)Simples; objetivo; ajuda a corrigir falhas Facilmente alterados pelos pacientes

MÉTODOS DE MENSURAÇÃO DA ADESÃO

MÉTODOS DIRETOS

MÉTODOS INDIRETOS

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24

A complexidade da prescrição, representada por um conjunto de

instruções variadas, ou a falha de comunicação também foram apontadas

como causas comuns para a não adesão, especialmente de pessoas idosas e

com problema de memória, o que as torna incapazes de seguirem um

complexo conjunto de regras (DONOVAN, 1995 apud VERMEIRE, 2001). A

falha de comunicação pode ser definida como a incapacidade de recordar as

instruções do médico (DIMATTEO, 1994 apud VERMEIRE, 2001).

Outros fatores que contribuem ainda para a causa da não adesão são

elementos pessoais dos pacientes como, por exemplo, ausência de sintomas –

visto que esta desestimula a utilização de medicamentos –, tempo entre o

início do tratamento e o efeito da medicação e o medo de efeitos colaterais

(ANNALS OF PHARMACOTHERAPY, 1993 apud VERMEIRE, 2001). Nesse

contexto, melhorar a relação médico paciente é percebido como fundamental

para reduzir as taxas de não adesão (DONOVAN, 1995 apud VERMEIRE,

2001). Pode-se considerar, por exemplo, negociação dos objetivos do

tratamento, redução da complexidade do tratamento, encorajar o apoio

familiar, adequar o tratamento ao estilo de vida do paciente, entre outros

fatores (SANSON-FISHER et al, 1989 apud VERMEIRE, 2001).

Uma perspectiva alternativa considera não apenas a relação médico

paciente, mas também as crenças do próprio usuário da medicação (CONRAD,

1985). Elementos como o controle dos sintomas, prevenção de crises,

manutenção do conforto financeiro e do ritmo de vida são temas que têm

precedente dentro da área de estudo (VERMEIRE, 2001).

No entendimento de Longtin et al (2010), a participação mais ativa do

paciente no processo de adesão à medicação é um conceito complexo que

surge como consequência de movimentos do consumidor na década de 60,

que lutavam pelo direito de escolha, segurança e informação. Ainda segundo

estes autores, e também notórias instituições como a Organização Mundial da

Saúde (OMS) têm assinalado o papel dos pacientes e seus familiares na

melhoria do sistema de saúde (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2006).

Esse novo arranjo se opõe, assim, ao sistema paternalista vigorante na

relação médico paciente (LONGTIN et al, 2010), conforme Quadro 2.

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25

Quadro 2 - Modelo Paternalístico

Fonte: Adaptado de LONGTIN et al, 2010, pág. 2.

Como já abordado anteriormente, as mudanças de nomenclatura

percebidas ao longo dos anos como a transição de ‘compliance’ até

‘adherence’ vieram se modificando a reboque da discussão conceitual dos

termos, refletindo o papel desempenhado atualmente pelo paciente como um

ator central no sistema de saúde, e não mais um mero espectador (LONGTIN

et al, 2010). Na literatura, no entanto, o termo ainda é mal definido e muitos

são utilizados de maneira intercambiável (‘patient colaboration’, ‘patient

involvement’, ‘partnertship’, entre outros) e sem precisão (LONGTIN et al,

2010).

Pesquisa realizada por LONGTIN et al (2010) para avaliar a opinião dos

pacientes a respeito da participação dos mesmos na escolha de seus

tratamentos não mostrou números consistentes, mas revelou que esse apelo

pela participação pode chegar até 86% de acordo com a amostra examinada

em seu estudo. Ainda segundo os autores, algumas variáveis, no entanto,

tornam-se obstáculos para o incremento da participação como a confiança na

própria capacidade, tipo de decisão a ser tomada, o tipo de doença etc.

(LONGTIN et al, 2010).

Além disso, em termos de significado, a participação do paciente pode

estar relacionada a diferentes aspectos da assistência médica tão diversos

como: participação no processo de decisão sobre o tratamento a ser seguido

(HAYWOOD; MARSHALL; FITZPATRICK, 2006; ELDH; EKMAN; EHNFORS,

2010; LONGTIN et al, 2010); administração da própria medicação (LONGTIN

MODELO PATERNALÍSTICO DE RELACIONAMENTO DO

PROFISSIONAL DE CUIDADOS DA SAÚDE DO PACIENTE

- Somente especialistas (profissionais da área de saúde) são

qualificados para diagnosticar e tratar saúde

- Todas as decisões recaem inteiramente sobre o conhecimento

do profissional de saúde

- O profissional de saúde é o guardião dos interesses do

paciente e deve respeitar os princípios de beneficência

- O paciente é um beneficiário passivo de ajuda

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26

et al, 2010); autocuidado (LONGTIN et al, 2010); instrução do paciente

(LONGTIN et al, 2010); determinação dos objetivos do tratamento

(TRIPICCHIO et al, 2009; LONGTIN et al, 2010), ou participação efetiva nos

cuidados físicos (LONGTIN et al, 2010).

2.2 Automedicação: um problema social

A automedicação é considerada um dos grandes desafios das

autoridades sanitárias no Brasil (FLEISCHER, 2012), visto que as políticas

públicas específicas vêm se revelando frágeis e pouco atuantes para inibir

essa prática. Isto se dá em grande parte pela facilidade de comprar

medicamentos sem receitas médicas, seja pela falta de controle nos pontos de

venda, seja pelo acesso a mercados ilegais (MOURA et al, 2012).

Este, no entanto, está longe de ser um problema exclusivamente

brasileiro (MOURA et al, 2012). Mesmo em nações mais desenvolvidas, a

automedicação tem participação significativa, como demonstrou Vincent (2005)

ao revelar em seu estudo que na França o consumo de fármacos sem

prescrição atingiu 10% das vendas totais no ano de 1999.

Apesar de surpreendente, pesquisa de campo realizada por Moura et al

(2012) na cidade de Santos, Brasil, com o objetivo de conhecer o perfil dos

medicamentos utilizados pelos idosos, demonstrou que nível de renda tem

relação direta com a prática de automedicação. No grupo de pesquisa

estudado, ficou evidente a procura de uma farmácia pelas classes mais

elevadas antes mesmo de se consultar com um especialista, especialmente

diante da facilidade da oferta e da baixa exigência na compra dos mesmos.

Esta atitude do grupo estudado por Moura et al (2012) é para Merino

(2007) um reflexo de crenças sociais, uma vez que as concepções de saúde

entre os indivíduos são determinadas de acordo com o meio em que estão

inseridos, sendo influenciadas pela sociedade, comunidade, família, além do

conhecimento de ciência e tecnologia a que cada indivíduo tem acesso. Merino

(2007) identificou em sua pesquisa - que buscou investigar as concepções de

saúde e itinerário terapêutico adotado por adultos no município de Porto Rico,

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27

Paraná - expressões como “doença leve pode ser tratada em casa, doença

grave é que precisa de médico”.

Fleischer (2012) ressalta ainda que a prática da automedicação, ao

contrário do que o nome sugere, muitas vezes acontece após o contato com o

médico. Neste mesmo sentido, o estudo de Helman (1981), realizado quatro

décadas antes, aponta que inicialmente os usuários optam por resolver seus

problemas no âmbito imediato e familiar, mas mesmo após a avaliação de um

especialista não é garantido que o tratamento será seguido até que os

sintomas desapareçam.

Além de questões familiares, sociais e culturais no constructo da

automedicação, é possível evidenciar ainda problemas de ordem operacional

que incentivam tal prática. Merino (2007) observou, por exemplo, que para a

maioria dos entrevistados em seu estudo, o horário de atendimento dos postos

de saúde da região de Porto Rico (PR) e a dificuldade de agendamento de

consultas eram um dos principais entraves para a busca dos serviços oficiais

de saúde na região.

Como apontado por Fleischer (2012), os pacientes precisam acreditar

incialmente na palavra médica, adquirindo e consumindo os medicamentos.

Porém, depois das primeiras experiências, dosagens, horários e interações

medicamentosas são adaptados de acordo com as percepções e conhecimento

de cada indivíduo. As concepções sobre a interação entre os corpos e os

medicamentos são construídas coletivamente.

2.3 Itinerário Terapêutico

A literatura disponível sobre itinerários terapêuticos está calcada em

grande parte na antropologia – haja vista a necessidade de se entender o ser

humano neste processo -, e tem como principal objetivo interpretar os

processos pelos quais os indivíduos ou grupos sociais escolhem, avaliam e

aderem (ou não) a determinadas formas de tratamento (ALVES et al, 1999).

Apesar de apresentado na década de 60 por Mechanic & Volkart (1960)

e discutido desde então, o estudo dos itinerários terapêuticos não tem

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28

relevância conhecida no Brasil, mesmo considerando a potencialidade para a

compreensão do comportamento em relação ao cuidado com a saúde e ao uso

de serviços.

Dentro desse campo, os estudos no Brasil dividem-se em três categorias

de pesquisa: (1) as percepções do paciente sobre a doença e a influência da

mesma sobre seu comportamento em relação à procura de tratamento; (2)

utilização do conhecimento como suporte para a avaliação da efetividade das

redes de serviços na garantia do acesso e para a detecção de necessidades a

serem consideradas no desenvolvimento de programas educativos em saúde,

capacitação de profissionais e adequação de fluxos e, por fim, (3) abordagens

que incorporam as duas perspectivas quando, além do reconhecimento dos

diferentes sistemas de atenção à saúde, consideram na leitura dos itinerários

que os processos saúde/doença/cuidado estão inseridos em um macro

contexto formado por dimensões sociais e macroeconômicas (CABRAL et al,

2009).

A diferença entre as duas primeiras abordagens refere-se,

principalmente, ao enfoque das pesquisas, uma vez que a primeira apresenta

um enfoque mais comunitário, sem se debruçar sobre questões econômicas ou

sociais. Além disto, o grupo de interesse predominante nos estudos desta

categoria são os portadores de doenças crônicas, que necessitam de

acompanhamento contínuo.

O itinerário terapêutico é um fenômeno por demais complexo para que

possa ser submetido a generalidades que procedem pela descoberta de leis

que ordenam o social. A recorrência simultânea a vários tratamentos e a

existência de visões discordantes - e até mesmo contraditórias - sobre a

questão terapêutica evidenciam que tanto a doença como a cura são

experiências intersubjetivamente construídas, em que o paciente, sua família e

aqueles que vivem próximos estão continuamente negociando significados

(ALVES et al, 1999).

Além disto, estudar o ritual seguido na compra de medicamentos

envolve muitas variáveis como, por exemplo, o tipo de medicamento a ser

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comprado (se controlado ou de livre comercialização); de que forma é feito o

diagnóstico médico; no caso de medicamentos prescritos, quais atores

influenciam o paciente a aderir ou não o tratamento indicado (histórico do

paciente, credibilidade do médico, atores influentes no processo de compra

como a figura materna ou uma personalidade que transmita confiabilidade).

Entender como e em que momento as pessoas buscam ajuda para

solucionar problemas médicos tem estado cada vez mais presente em estudos

recentes, uma vez que estes podem subsidiar a formulação de estratégias

públicas de saúde mais eficazes para a população (CABRAL et al, 2009).

Outro fator relevante apontado por Gerhardt (2006) evidencia que ao se

deparar com um ou mais sintomas anômalos, o individuo encontra uma rede

de escolhas complexas na busca por um tratamento médico, sendo

imprescindível a análise do contexto dentro do qual o indivíduo está inserido.

Dessa forma, averiguar a avaliação dos indivíduos dentro do itinerário

terapêutico e, assim, a adesão ao tratamento é fundamental para a pergunta

de pesquisa e a classe social em questão.

Segundo Fleischer (2012), a conclusão do tratamento é relevante, pois

após iniciado, uma série de motivos podem levar os pacientes a mudar ou

largar o tratamento. Suspender ou, ao menos, reduzir ou modificar as

dosagens dos medicamentos é apenas uma consequências quando os mesmo

provocam reações indesejadas ou inesperadas nos organismos dos usuários.

O [meu marido] Bruno aqui tomou o capitopril

também. Mas começou a tossir, a tossir, a

tossir. Não parava mais. A gente não sabia o

que era. Mas aí, um dia, eu tava na fila do

posto, e eu ouvi uma mulher na fila dizendo

que a mãe dela quase morreu tomando o

capitopril. Tossia muito também. Aí, eu voltei

para casa e disse, “Meu velho, chega. Você

não vai mais tomar esse remédio. Eu ouvi que

pode causar essa tosse aí”. (FLEISCHER,

2012; pág. 2)

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30

No exemplo anterior, não apenas os efeitos indesejados estavam

presentes, mas também a influência de atores externos contribuindo para a

mudança no tratamento inicial. Essa influência foi descrita também por

GERHARDT (2003), ao afirmar que a abordagem acadêmica não pode estar

centrada no sujeito, visto a multiplicidade de escolhas, condutas e tratamentos

que podem ser adotados. Como definido pelo próprio autor, há um pluralismo,

resultado das relações sociais, que transcendem as condutas individuais.

Ainda segundo FLEISCHER (2012), a posologia também é um dos

aspectos que tem relevância na adesão do tratamento, como pode ser descrito

pelo depoimento abaixo:

“O doutor mandou passar de duas em duas

horas. Mas quando que eu consigo fazer isso?

Eu pego na água o tempo todo! Não tem como

passar assim como ele mandou. Aqui no

cotovelo, eu até consigo passar mais. Mas eu

também me esqueço. Mas tô passando.”

(FLEISCHER, 2012, pág. 8)

No relato anterior, a indicação de uma pomada para psoríase não estava

sendo seguida em função da incompatibilidade da posologia e das atividades

diárias da lavadora de roupas, que lidava com água durante boa parte do dia.

Outras incompatibilidades de ordem física e perceptiva também foram

levantadas pelo autor, uma vez que os remédios indicados podem estar

associados a efeitos colaterais como enjoos e tonteiras ou associações de

sabores, por exemplo, influenciando assim a manutenção do tratamento.

“Da última vez, o doutor me passou um

bocado de remédio. Foram uns 140 AAS.

Muito mesmo. Eu tomei um bocado, depois

parei. Fiquei enjoada de tomar. Tem um gosto

de framboesa que me enjoou.” (FLEISCHER,

2012, pág. 7)

Como apontado por Gerhardt (2006), a busca pelo itinerário terapêutico

origina-se de situações diversas, sendo difícil definir objetivamente os fatores

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que levam os indivíduos a buscarem tratamentos para as variações de saúde.

Mesmo apresentando os mesmos sintomas patológicos, cada individuo reage

de uma forma particular aos sintomas percebidos. Desta forma, a definição de

doença para um grupo social pode ser complexa e multivariada.

Gerhardt (2006) também evidencia que a procura de cuidados está

condicionada pelas atitudes, valores e ideologias, perfis da doença, o acesso

econômico e a disponibilidade de tecnologias. Estes fatores reforçam ainda

mais o caráter multidisciplinar do tema e sua inerente complexidade.

Merino (2007), por sua vez, aponta que a concepção sobre o estado de

saúde varia de acordo com o gênero. Este é um conceito que incorpora os

fatores sociais associados aos diferentes padrões de socialização de homens

e mulheres, que tem a ver com a organização familiar, as condições de

trabalho, o tipo de ocupação e a cultura, os quais, por sua vez, interferem no

processo saúde-doença.

Ainda segundo Azevedo et al (2004), masculino e feminino definem um

perfil estereotipado de homem e mulher. Os homens são vistos como ativos,

fortes, capazes do trabalho físico árduo, produtivos, competitivos e orientados,

enquanto as mulheres como sensíveis, frágeis, dependentes e geralmente

mais aptas ao cuidado. Não à toa, a concepção de saúde para os homens foi

classificada pelo autor como “aptidão para o trabalho”, enquanto para as

mulheres está relacionada a aparência física.

Por fim, Merino (2007) demonstra em sua pesquisa de campo que o

conceito de saúde descrito pela maioria dos entrevistados é coerente com

aquele adotado pela Organização Mundial de Saúde, que valoriza não apenas

a ausência de doença, mas a situação de perfeito bem estar físico, mental e

social da pessoa.

Para tratar da complexidade levantada por alguns autores, Raynaud

(2002) sugere que a interdisciplinaridade se imponha cada vez mais como uma

exigência imprescindível para abordar as questões relativas à saúde da

população e dos indivíduos. Interdisciplinaridade esta que se faz presente no

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estudo dos itinerários terapêuticos, vide o amparo antropológico e médico na

elaboração de diversos artigos.

Novakoski (1999) sugere que a trajetória terapêutica dos indivíduos está

diretamente ligada à avaliação do estado de saúde. Para casos considerados

leves, a automedicação é a principal saída utilizada. Esta é a mesma visão

demonstrada por Merino (2007), que constatou que problemas mais comuns no

cotidiano como febre, tosse, cólica ou dores de cabeça não necessitam de

acompanhamento médico, na opinião da maior parte dos entrevistados.

Por outro lado, pesquisa de campo realizada no estudo de Gerhardt

(2006) revelou que nas situações leves, à medida que a prática da

automedicação e a adoção de cuidados tradicionais aumentam em relação aos

estratos sociais médio e inferior, inversamente há diminuição na procura de

serviços de saúde. Já para o estrato superior da sociedade, contradizendo os

resultados encontrados na pesquisa de Moura et al (2012) comentados

parágrafos antes, a procura maior é por serviços de saúde.

A definição de delitos leves ou graves tem como referencial a

experiência acumulada pela própria vivência de determinados episódios, os

hábitos culturais transmitidos de uma geração para outra, o conhecimento

incorporado pelo contato com profissionais da saúde, as mensagens

veiculadas pelos meios de comunicação, a convivência e o intercâmbio de

conhecimentos e experiências com amigos e vizinhos, eis o que determinam a

escolha de um ou outro tipo de recurso (GERHARDT, 2006).

Na mesma linha de raciocínio, no trabalho de interpretação dos

pacientes, os medicamentos são vistos ao mesmo tempo como cura e veneno

e, dessa forma, impõem aos indivíduos fazer escolhas quanto ao seu uso, que

podem ser influenciadas por ideologias, construções culturais ou até mesmo

percepções da eficácia dos mesmos (DESCLAUX, 2006).

A religião, outro tópico com influência no itinerário terapêutico, foi

demonstrado por Rabelo (1993), que ao investigar a influência desta variável

no itinerário terapêutico se deparou com um caso de uma doente mental, cuja

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família, resignada com a falta de soluções, apelou a diferentes religiões e

centros religiosos na busca de uma cura para os problemas relatados. Ainda

no estudo de Rabelo (1993), pode-se observar a influência do meio no

processo de construção da doença, visto que a família estudada não passou

apenas por soluções de cunho religioso, mas também pela influência da rede

de contatos que permeava a região, reforçando a tese de diversos autores que

advogam sobre a interdisciplinaridade dos itinerários terapêuticos.

Este processo de busca de soluções evidenciado por Rabelo (1993) foi

também identificado por Gerhardt (2003) como uma estratégia percebida em

diferentes países onde as classes menos favorecidas criam uma rede de

relacionamentos a fim de encontrarem estratégias de sobrevivência que as

façam amenizar a situação de penúria evidenciada em seus meios sociais.

As famílias estudadas mostraram que apesar

de sua marginalização social, elas conseguem

criar práticas originais, reinterpretar ideias e

sugestões, reinventar o concreto e fazer de

suas vidas uma travessia balizada de partilhas

e de mudanças. Encontrar soluções,

reinventar a partir do nada, recriar uma vida

coletiva, tudo isso possui uma expressão

simbólica expressiva, portadora de

ensinamentos, que um olhar distante é

incapaz de compreender. (GERDHART, 2003,

pág. 13)

Nesta busca constante pela solução dos problemas de saúde

evidenciada pelos diversos autores até agora citados, duas esferas dentro da

adesão de medicamentos merecem atenção, levando-se em consideração o

conceito de itinerários terapêuticos: medicamentos genéricos6 e medicinas

alternativas.

6 Medicamento similar a um produto de referência ou inovador, que se pretende ser com este intercambiável, geralmente produzido após a expiração ou renúncia da proteção patentária ou de outros direitos de exclusividade, comprovada a sua eficácia, segurança e qualidade. Fonte: http://www.anvisa.gov.br/medicamentos/conceito.htm#2.5

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34

No estudo de Sanyal et al (2011) - que realizou uma pesquisa acerca do

efeito da qualidade percebida sob o valor da marca de medicamentos

genéricos – mostrou-se que a qualidade percebida dos medicamentos

genéricos afeta o valor agregado das marcas de diversas maneiras, entre elas

na prescrição dos medicamentos. Segundo Zeithaml (1988, apud Sanyal,

2011), qualidade percebida pode ser definida como o julgamento dos

consumidores sobre a superioridade ou excelência do produto.

Ainda de acordo com Zeithaml (1988, apud Sanyal, 2011), teorias de

comportamento do consumidor descobriram que há relação entre qualidade

percebida e intenções de compra. Um produto percebido pelos consumidores

como sendo de alta qualidade tende a contribuir para a satisfação do

consumidor para esse mesmo produto. Assim, a compreensão da percepção

de qualidade dos consumidores frente aos medicamentos genéricos faz-se

necessária para entender seus efeitos sobre a adesão a prescrição médica.

Do lado da medicina alternativa e complementar (MAC), Azevedo et al

(2004), afirmam que esta abrange um enorme espectro de práticas e crenças,

sendo difícil defini-las. Ainda segundo os autores, muitas são bem conhecidas,

outras são exóticas, misteriosas e algumas vezes perigosas. Assim, o modo de

lidar com a doença e os recursos utilizados para cuidar da saúde relacionam-

se dentre complexas variáveis de ordem psicológica e social, à cultura de

origem (AZEVEDO et al, 2004).

Algumas das técnicas da medicina alternativa e complementar podem

ser descritas como uso de ervas medicinais, massagens e trabalhos corporais.

Segundo Azevedo et al (2004), as formas da MAC que trazem a promessa de

cura em curto espaço de tempo podem constituir-se em sério risco quando

conduzem à desistência do tratamento tradicional, contribuindo, por exemplo,

para um aumento na frequência de crises, além de retardarem o diagnóstico

médico adequado.

Ainda segundo estes autores, ao lado das formas tradicionais de

tratamento, a medicina alternativa e complementar (MAC) vem sendo bastante

difundida na sociedade e pelos meios de comunicação, sendo por vezes mais

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35

acessível à nossa população do que a própria medicina tradicional,

especialmente se considerarmos a baixa renda e as restrições financeiras

enfrentadas. Dessa forma, faz-se necessário investigar os impactos da

medicina alternativa e complementar na adesão para avaliar o grau de

interferência no processo tradicional de itinerário terapêutico.

2.4 As Cinco Dimensões da Adesão segundo a OMS

Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (ADHERENCE TO

LONG-TERM THERAPIES, 2003), a adesão é um fenômeno multidimensional

determinado pela influência de cinco conjuntos de fatores, descritas como

‘dimensões’. As cinco dimensões, conforme já abordado nos três primeiros

subitens do capítulo dois, reforçam a ideia de que a questão da adesão não

deve ser estudada apenas pela ótica do paciente, sendo na verdade uma

questão multidisciplinar (OMS, 2003).

Conforme Figura 2, as cinco dimensões são (1) fatores relacionados com

o sistema de saúde, (2) fatores socioeconômicos, (3) fatores relacionados com

o tratamento, (4) fatores relacionados com o paciente e (5) fatores

relacionados com a doença.

Figura 2 - Cinco Dimensões Adesão Segundo OMS

Fonte: OMS (2003)

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36

2.4.1 Fatores relacionados com o sistema de saúde

Segundo a OMS (2003), poucas pesquisas foram conduzidas no sentido

de descobrir os fatores relacionados ao sistema de saúde que impactam na

adesão. Ainda segundo o estudo, apesar de a relação do médico-paciente ser

importante para promover a adesão, muitos fatores contribuem negativamente

para esta relação como, por exemplo, serviços de saúde precários, sistemas

de reembolso ausentes ou inadequados pelos planos de saúde, falta de

conhecimento e/ou treinamento dos profissionais, sobrecarga de trabalho,

ausência de incentivo e feedback sobre o desempenho, consultas de curta

duração, entre outros.

2.4.2 Fatores socioeconômicos

Apesar de fatores socioeconômicos não terem sido encontrados

consistentemente relacionados à adesão, em países em desenvolvimento o

baixo status socioeconômico pode colocar os pacientes em situações onde

deverão escolher entre prioridades competitivas (OMS, 2003) como, por

exemplo, recursos limitados já direcionados para outros membros da família

como crianças e idosos.

Outros fatores considerados relevantes no quesito da adesão são baixo

status socioeconômico, pobreza, analfabetismo, baixo nível de educação,

desemprego, ausência de redes de apoio social, condições de vida instáveis,

grandes distâncias de centros de tratamento, alto custo de transporte, altos

custos de medicação, cultura, crenças leigas sobre doença e tratamento, entre

outros (OMS, 2003).

2.4.3 Fatores relacionados com o tratamento

Os fatores relacionados com o tratamento envolvem, segundo a OMS

(2003), questões como a complexidade do regime de medicamentos, duração

do tratamento, falhas em tratamentos prévios, mudanças frequentes no

tratamento, a urgência do efeito dos benefícios, efeitos colaterais e a

disponibilidade de suporte médico para lidar com os problemas.

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37

2.4.4 Fatores relacionados com o paciente

Os fatores relacionados com o paciente envolvem, segundo a OMS

(2003), questões como esquecimento, estresse psicossocial, ansiedade

provocada por possíveis efeitos colaterais, baixa motivação, conhecimento e

habilidade inadequada para gerenciar os sintomas da doença e o tratamento.

Por fim, os conhecimentos e crenças dos pacientes sobre as suas

doenças, motivações para gerenciar a doença, expectativas com relação aos

resultados do tratamento e as consequências da baixa adesão, entre outros,

são fatores relacionados, mas não totalmente compreendidos pela literatura

referente à adesão e, portanto, possíveis campos de estudos futuros.

2.4.5 Fatores relacionados com a doença

Por fim, os fatores relacionados com a doença envolvem, segundo a

OMS (2003), questões enfrentadas pelos usuários no tangente à adesão como,

por exemplo, a severidade dos sintomas, o grau de incapacidade

experimentado (física, psicológica, social e vocacional), taxa de evolução dos

sintomas / doença, severidade da doença e a avaliação da efetividade do

tratamento. Além disso, ainda segundo o estudo, o impacto destas variáveis

está diretamente correlacionado com a influência na percepção de risco do

paciente.

2.4.6 Relação das Dimensões da OMS e Pesquisa de Revisão da Literatura

De acordo com as a pesquisa de revisão da literatura levantada nos

itens 2.1 (Adesão ao Tratamento Médico), 2.2 (Automedicação: um problema

social) e 2.3 (Itinerários Terapêuticos), é possível perceber que foram

levantados aspectos diretamente correlacionados com as dimensões

categorizadas pela Organização Mundial da Saúde, conforme itens 2.4.1 à

2.4.5. Apesar de classificado pela OMS como fatores relevantes para a

adesão, as cinco dimensões propostas no estudo têm alta conexão com as

questões abordadas nos três primeiros subitens da revisão da literatura de

maneira abrangente, reforçando o caráter holístico do tema em questão.

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No Quadro 3 é possível visualizar, segundo proposto pelo próprio, como

ocorre a relação entre as dimensões levantadas no início da revisão da

literatura e as dimensões abordadas pela Organização Mundial da Saúde. A

relação foi feita com base na própria caracterização do organismo

internacional sobre que fatores influenciam cada uma das dimensões. Esta

caracterização, descrita no estudo, foi abordada anteriormente ainda nesta

seção, onde tratou-se individualmente de cada uma das dimensões da OMS.

Já na coluna “Autores / Ano”, tem-se os autores pesquisados para embasar as

dimensões pesquisadas pelo próprio autor durante a revisão da literatura.

Dessa forma, por exemplo, podemos visualizar que, segundo a

dimensão da OMS de fatores relacionados com o paciente, estão relacionadas

questões conhecimentos e crenças dos pacientes, que foram abordados pelas

dimensões de pesquisa de “crenças sociais”, “influência da religião”,

“percepção sobre o papel dos medicamentos” e outros. Em alguns casos, a

OMS não faz menção a alguns itens percebidos pela revisão da literatura,

como é o caso de medicamentos genéricos, o que leva a um trabalho de

interpretação deste item de pesquisa na revisão de literatura dentro da

dimensão de medicamentos genéricos.

A relação entre as dimensões propostas pela OMS e a literatura

disponível acerca da adesão ao tratamento médico também pode ser reforçada por

outros estudos com este mesmo propósito. A partir dos estudos de Jin et al (2008) –

que realizou uma revisão sistemática da literatura entre 1970 e 2005 – foram

propostas correlações semelhantes as do Quadro 3. No entanto, diferenças são

inevitáveis visto que estão sujeitas a interpretação do autor e, também, a revisão da

literatura e a nomenclatura utilizada para cada variável em função da pesquisa.

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Quadro 3 - Dimensões Pesquisadas

Dimensões OMS Dimensões Pesquisadas Autores / Ano

Fatores Relacionados com

a Doença

Percepção de Doença e

Cura

ALVES et al (1999), MERINO (2007);

GERHARDT (2005)

Crenças Sociais MERINO (2007)

Impacto Empatia

Profissional na Adesão

MILBORN et al (1997); DONOVAN

(1995)

Influência da Religião RABELO (1993)

Influência do Meio

ALVES et al (1999); CABRAL et al (2009);

GERHARDT (2005); RABELO (1993);

GERDHART (2003)

Percepção Sobre o Papel

dos MedicamentosDESCLAUX (2006)

Dificuldades Operacionais

no Tratamento MédicoMERINO (2007)

Envolvimento do Paciente

no Processo de Decisão

ANON (1997); SACKETT et al (1975);

DONOVAN (1995); SANSON-FISHER et

al (1995); LONGTIN et al (2010);

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE

(2006); HAYWOOD; MARSHALL &

FITZPATRICK (2006); ELDH, EKMAN &

EHNFORS (2010); TRIPICCHIO et al

(2009)

Falhas de Comunicação na

relação Médico-PacienteDIMATTEO; 1994

Complexidade da

PrescriçãoDONOVAN (1995)

Efeitos Colaterais FLEISCHER (2012)

Medicamentos Genéricos SANYAL (2011)

Medicina Alternativa AZEVEDO (2004)

Percepção dos Pacientes

sobre o Tratamento

ANNALS OF PHARMACOTHERAPY

(1993); CONRAD (1995); VERMEIRE

(2001)

Posologia do

MedicamentoFLEISCHER (2012)

Processo de Compra de

MedicamentosALVES et al (1999)

Variáveis DemográficasMORRIS et al (1992); GRIFFITH (1990);

GERHARDT (2005)

Fatores Relacionados com

o Paciente

Fatores Relacionados com

o Sistema de Saúde

Fatores Relacionados com

o Tratamento

Fatores Socioeconômicos

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3 MÉTODO DA PESQUISA

Este capítulo tem por objetivo apresentar o método utilizado no trabalho

e especificar detalhadamente os procedimentos utilizados para a realização

desse estudo. O capítulo se inicia descrevendo o tipo de pesquisa realizada e

a justificativa para essa escolha. A segunda seção abordará as perguntas de

pesquisa. Na terceira parte, é detalhada a metodologia utilizada e, por fim, as

limitações do método escolhido.

3.1 Tipo de Pesquisa

A presente pesquisa pode ser classificada, a partir dos critérios

sugeridos por Malhotra (2004), como uma pesquisa qualitativa exploratória.

Este é um tipo pesquisa que tem como principal objetivo o fornecimento de

critérios sobre a situação problema enfrentado pelo pesquisador e sua

compreensão (MALHOTRA, 2004). Ainda segundo Malhotra (2004), a pesquisa

exploratória é usada em casos nos quais é necessário definir o problema com

maior precisão, identificar cursos relevantes de ação ou obter dados adicionais

antes que se possa desenvolver uma abordagem. Além disso, é caracterizada

por flexibilidade e versatilidade com respeito aos métodos, porque não são

empregados protocolos e procedimentos formais de pesquisa.

3.2 Pesquisa de campo

Após a revisão da literatura, foi elaborado um roteiro de entrevista para

servir de guia para o pesquisador. A entrevista é uma técnica de observação

direta intensiva muito empregada na pesquisa das ciências sociais

(ANDRADE, 2001). No presente estudo, foi utilizada a entrevista em

profundidade, na qual há uma entrevista não estruturada, direta e pessoal, em

que um único respondente é testado por um entrevistador para descobrir

motivações, crenças, atitudes e sensações subjacentes sobre o tópico

(MALHOTRA, 2004).

Como inspiração, a presente pesquisa utilizou como modelo o método

dos itinerários. Desenvolvido pelo antropólogo Dominique Desjeux (DESJEUX,

2006), a partir de pesquisas empíricas realizadas em diversos países, e tem

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41

sido aplicado no estudo de comportamento do consumidor (CAMPOS et al,

2006).

O método dos itinerários é um método qualitativo indutivo, que propõe o

acompanhamento do objeto estudado ao longo de sete etapas do itinerário de

consumo: a decisão de compra, o transporte ao local de compra, a compra

propriamente dita, a estocagem, a preparação para o consumo, o consumo e o

descarte. O princípio que norteia esta prática está em acumular observações

qualitativas dentro de um mesmo quadro comparativo dos itinerários,

evidenciando a diversidade de ocorrências dentro da estrutura do itinerário.

Pode-se dizer que a pesquisa foi inspirada no método dos itinerários

uma vez que não utilizou todas as sete etapas do método na prática. Não

foram, por exemplo, observados propriamente ditos aspectos como preparação

para consumo, consumo e descarte. Estas perguntas foram consideradas

durante a elaboração do questionário e os entrevistados naturalmente

perguntados e contestados acerca de todos os sete aspectos. Mas, por

questões operacionais, optou-se por não realizar entrevistas in loco na casa

dos entrevistados para acelerar o processo de entrevistas e, também, evitar

recusas dos selecionados para a pesquisa.

3.3 Sujeitos da Pesquisa

Como o objetivo do estudo é entender o comportamento da população

de baixa renda quanto à ao início e a adesão a tratamentos médicos, optou-se

por adotar, como critério de inclusão, duas das três dimensões utilizadas para

compor o IDH, o qual utiliza como base indicadores de longevidade, educação

e renda para compor suas análises. Neste estudo, utilizaram-se as dimensões

de Educação e Renda para determinar a escolha dos entrevistados. No quesito

educação, buscaram-se pessoas que tivessem apenas até o 2ª grau; já no

quesito renda, para não incorrer no mesmo problema de questionar o

entrevistado quanto ao nível de salário, buscaram-se pessoas que

trabalhassem em profissões comumente associadas a baixa remuneração

como, por exemplo, porteiros, empregadas domésticas, cuidadores de idosos,

auxiliares de serviços gerais, entre outros.

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42

3.4 O Processo de Confecção do Roteiro de Entrevista

O roteiro utilizado como base para realizar as entrevistas em

profundidade foi desenvolvido em seis etapas, conforme apresentado a seguir:

1ª) Revisão da literatura – a revisão da literatura foi a fonte primária de

informações. Nessa etapa, vários artigos apontaram os caminhos a serem

utilizados para a elaboração das perguntas de pesquisa, roteiro e entrevistas,

bem como o desenvolvimento de perguntas.

2ª) Elaboração do roteiro inicial – Foi elaborada pelo autor uma primeira

versão do roteiro, com base na literatura revisada.

3ª) Teste do roteiro – após a avaliação e comentários da orientadora da

dissertação, o roteiro foi levado a campo para a realização de um pré-teste

com um voluntário de baixa renda. Este voluntário é homem, na faixa dos 40

anos, e preenche os requisitos de pesquisa, uma vez que não finalizou o

ensino fundamental e exerce a profissão de porteiro. Como não houve

dificuldade em relação aos enunciados ou em relação a qualquer outro aspecto

do instrumento, julgou-se que não seria mais necessário prosseguir com o pré-

teste.

4ª) Elaboração definitiva do roteiro – após a realização do pré-teste, foram

feitos os últimos ajustes de ordem formal no instrumento, de maneira a obter a

versão final do roteiro da pesquisa. Esta versão encontra-se no anexo um.

3.5 As entrevistas

As entrevistas foram feitas pelo próprio pesquisador, seguindo uma linha

mais informal para que os entrevistados se sentissem mais à vontade com o

conteúdo das perguntas e não ficassem inibidos com a presença do gravador

ou do próprio entrevistador, que realizou perguntas de cunho pessoal. Todos

foram informados sobre a gravação da conversa, que teria apenas fins de

recordar o conteúdo das respostas e não iria expor os entrevistados de

maneira alguma. De todo modo, desvantagens como a possibilidade de os

respondentes se sentirem inibidos ou de responderem aquilo que acham que o

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pesquisador quer ouvir, ao invés de revelarem sua opinião mais franca, devem

ser considerados.

As perguntas foram lidas pelo próprio entrevistado, em tom de conversa,

não seguindo necessariamente a estrutura do roteiro. De acordo com o grau

de abertura do entrevistado, ou a antecipação de respostas, alterava-se a

ordem da entrevista para garantir a descontração.

O fato de o pesquisador ser o único responsável pela coleta de dados

apresenta uma vantagem, que se refere ao maior controle sobre a aplicação

do instrumento de pesquisa, no sentido de serem evitadas possíveis distorções

causadas pela aplicação do roteiro por pessoas diferentes.

Cabe mencionar que as entrevistas foram realizadas de acordo com a

rede de contatos do autor e da professora orientadora, levando em

consideração os critérios que se encaixassem no perfil de seleção (renda e

escolaridade).

As entrevistas foram realizadas todas no mês de Maio de 2015, estando o

entrevistador responsável por realizar o deslocamento até o encontro com o

entrevistado, na maior parte do tempo o local de trabalho, visando facilitar a

adesão dos mesmos à pesquisa. Tal prática, no entanto, esbarrou na limitação

de concentração dos entrevistados, que em alguns momentos viam-se presos

em situações profissionais que demandavam a interrupção da entrevista,

fragmentando a captura de algumas ideias.

Do total de nove entrevistas, a duração média das entrevistas foi de

quarenta e dois minutos, sendo a máxima de uma hora e 28 minutos, e a

mínima de vinte e cinco minutos. A variação de tempo nas entrevistas deve-se

principalmente a abertura e detalhe das respostas dadas pelos entrevistados

para a realização da pesquisa. Em alguns casos, entrevistados mais tímidos

ou diretos em suas respostas não contribuíam com um material de pesquisa

muito relevante do ponto de vista da descoberta de pesquisa.

Dessa forma, foi analisado o conteúdo das respostas dos entrevistados

durante as entrevistas para avaliar o melhor momento de finalização da

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44

mesma. Na ausência de respostas satisfatórias, mais perguntas eram feitas

aos entrevistados com o objetivo de entender as lacunas da pesquisa.

O total de entrevista (nove) foi compreendido como satisfatório para os

objetivos da pesquisa uma vez que percebeu-se a repetição dos argumentos e

exemplos utilizados pelos entrevistados nas respostas. Além disso, em função

da variação de perfil de entrevistados entre gênero, faixa etária e profissão,

entendeu-se que novas entrevistas não iriam agregar informações relevantes

para a pesquisa.

3.6 Tratamento e Análise das Entrevistas

Após o trabalho de campo, as informações obtidas pelas entrevistas

foram analisadas com base nas dimensões apresentadas na literatura. Mesmo

que de caráter qualitativo, buscou-se pinçar as principais informações através

da compilação das entrevistas, trazendo de forma mais clara para o leitor em

formato de quadros e tabelas como, por exemplo, a respeito do perfil

demográfico dos entrevistados.

As entrevistas foram transcritas e analisadas pelo próprio pesquisador,

que utilizou o Excel como ferramenta de suporte para organizar as

informações nas de acordo com as dimensões extraídas pela literatura.

3.7 Limitações Ligadas à Pesquisa

Esta pesquisa está sujeita a limitações, que não podem deixar de ser

consideradas, conforme seguem.

Subjetividade de parte das informações coletadas – deve-se atentar para o

fato de que as informações fornecidas derivam exclusivamente das

percepções e da sinceridade dos respondentes, podendo suas visões estarem

enviesadas ou até mesmo alteradas pela presença do entrevistador.

A ordem de apresentação das perguntas – a ordem em que as questões são

apresentadas no roteiro pode introduzir um viés de resposta. No caso desse

trabalho, os respondentes podem se sentir induzidos a manter a coerência em

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relação às respostas anteriormente fornecidas, mesmo que isso não

represente inteiramente a verdade de suas atitudes.

Perfil dos respondentes – pode-se dizer que a seleção dos entrevistados

voluntária, ou seja, onde o participante decide se quer ou não ser incluído

(TRIOLA, 2008 apud SUCCAR, 2013). Desta forma, é possível que seja

introduzido um viés na seleção dos entrevistados e consequentemente na

coleta de dados. A introdução desse viés foge ao controle do pesquisador.

3.8 Limitações Ligadas ao Método

De maneira similar as limitações ligadas a pesquisa, o estudo também

apresenta limitações ligadas ao método, conforme seguem:

Não possibilidade de generalização dos resultados – dado o escopo qualitativo

da pesquisa, não se podem generalizar os resultados encontrados.

Entrevistas realizadas no ambiente de trabalho dos entrevistados – para

facilitar a participação dos entrevistados, optou-se por realizar entrevistas indo

ao encontro dos entrevistados, na maioria das vezes em seus locais de

trabalho. Tal fato foi um complicador no momento da entrevista em função das

interferências externas ocorridas durante as entrevistas, que demandavam que

o entrevistado, em alguns casos, tivesse que se ausentar por alguns instantes

da entrevista e quebrando a sequencia de respostas.

Ausência de comprovação visual de algumas informações – realizar a

entrevista no ambiente de trabalho dos entrevistados facilitou a aceitação das

entrevistas, mas tornou impossível confrontar os entrevistados quanto alguns

relatos em termos da pesquisa e a prática (práticas de estocagem, verificação

da validade, entre outros fatores).

4 RESULTADOS DA PESQUISA 4.1 Perfil dos Entrevistados

Foram entrevistadas nove pessoas selecionadas através da rede de

contatos do pesquisador e da orientadora, sempre levando em consideração

os critérios de renda e escolaridade destacados anteriormente.

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Dos selecionados para as entrevistas, foram um total de cinco homens e

quatro mulheres, com idades que variaram entre vinte e dois e setenta e sete

anos, conforme Tabela 1. Na mesma tabela, e respeitando as informações

dadas aos entrevistados antes da gravação das entrevistas, nenhum deles

seria identificado, razão pela qual estão sendo identificados apenas como

entrevistados de 01 a 09. A média de idade dos entrevistados ficou em 45,22

anos.

Tabela 1 – Perfil dos Entrevistados

Dos nove entrevistados, o grau máximo de escolaridade atingido foi o

ensino médio completo, assinalado por dois entrevistados, conforme Tabela 1 –

Perfil dos Entrevistados. Os demais interromperam os estudos, em alguns

casos, ainda bem cedo. No quesito profissão, todos se encaixaram em funções

que não demandam elevado grau de especialização ou capacitação técnica, o

que reforça que os entrevistados se encaixam no perfil procurado.

Com relação ao bairro de residência e ao perfil do imóvel em termos de

infraestrutura, as respostas também se mostraram em consonância com o

esperado para o perfil dos entrevistados: em sua grande maioria, casas com

apenas um banheiro, poucos quartos e em localidades distantes da localidade

ENTREVISTADO IDADE GÊNERO ESCOLARIDADE PROFISSÃO

01 56 Mulher4ª Série Ensino

FundamentalEmpregada Doméstica

02 58 Mulher7ª Série Ensino

FundamentalCuidadora de Idosos

03 54 Homem 2º Grau CompletoPorteiro, Técnico Seg.

Trabalho e Detetive Particular

04 22 Homem8ª Série Ensino

FundamentalPorteiro

05 32 Homem 1º Ensino Médio Porteiro

06 54 Mulher4ª Série Ensino

FundamentalDiarista

07 22 Homem 2º Grau Completo Instalador Equip. Eletrônicos

08 32 Mulher8ª Série Ensino

FundamentalAuxiliar de Serviços Gerais

09 77 Mulher2º Grau

Incompleto

Técnica Enfermagem / Dona

de Casa / Costureira

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de trabalho ou em regiões carentes como favelas, vide Tabela 2 - Bairro e

Características Residência.

Tabela 2 - Bairro e Características Residência

Além disso, conforme Erro! Fonte de referência não encontrada.,

apenas um entrevistado relatou ter plano de saúde, como beneficiária do

marido, servidor aposentado do Exército Brasileiro. Um total de cinco

entrevistados afirmou ter acesso à internet em casa, seja nos aparelhos de

telefone ou via contratação de empresa especializada de banda larga. Por fim,

apenas dois entrevistados alegaram ter acesso a veículos.

Tabela 3 - Acesso a veículos, Plano de Saúde e Acesso a Internet

4.2 Dimensões de Pesquisa e Resultados Encontrados

Como forma de organizar esta seção, optou-se por apresentar os

resultados obtidos de acordo com as dimensões de adesão da Organização

Mundial da Saúde, permitindo ao leitor maior facilidade de exploração dos

resultados em função da dimensão.

Entrevistado Bairro de Residência Quantidade Banheiros Quantidade Quartos

01 Queimados 01 01

02 Nilópolis 01 01

03 Maurimárcia (Magé) 01 02

04 Usina (Favela Casa Branca) 01 01

05 Usina (Favela Casa Branca) 02 01

06 Bairro Peixoto 01 01

07 Pavuna 01 03

08 Guadalupe 01 02

09 Engenho de Dentro 01 02

Entrevistado Acesso a Veículos Plano de Saúde Acesso a Internet em casa / Celular

01 Não Não Não

02 Veículo Filha Não Não

03 Carro Não Sim

04 Não Não Celular

05 Não Não Sim

06 Não Não Sim

07 Não Não Sim

08 Moto Não Celular

09 Não Sim Não

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4.2.1 Fatores relacionados com o sistema de saúde

De acordo com o estudo “Adherence to long-therm therapies” da OMS,

os fatores relacionados ao sistema de saúde que impactam na adesão podem

ser descritos como serviços de saúde precários, sistemas de reembolso

ausentes ou inadequados pelos planos de saúde, falta de conhecimento e/ou

treinamento dos profissionais, sobrecarga de trabalho, ausência de incentivo e

feedback sobre o desempenho, consultas de curta duração, entre outros.

Como abordado anteriormente, este estudo está focado na percepção

dos pacientes sobre o processo de adesão e, dessa forma, as variáveis

mencionadas pelo estudo da OMS referentes aos profissionais de saúde como

falta de conhecimento e sobrecarga não serão abordados. Da mesma forma,

questões que envolvem o reembolso por parte dos planos de saúde e,

portanto, as empresas privadas do setor também não serão comtemplados.

No âmbito das dificuldades operacionais no tratamento - uma das

dimensões de pesquisa e em linha com o artigo da OMS no sentido de ser

avaliado como potencial incentivador da baixa adesão ao tratamento médico -,

esta foi relevantemente citada por todos os entrevistados como empecilhos

para a busca e adesão ao tratamento médico.

Dentro da classe social estudada, apenas um dos entrevistados tinha

plano de saúde, o que significa que os demais estavam à mercê das

instituições públicas de saúde. Como é possível imaginar, a avaliação geral

dos entrevistados foi péssima quanto à qualidade do serviço público. As

reclamações foram diversas: demora nos atendimentos, falta de médicos

especialistas, impossibilidade de realizar exames, entre outras queixas.

Chamam a atenção, no entanto, as opiniões das entrevistadas 01 e 09,

coincidentemente ou não com problemas crônicos de saúde – problemas como

diabete, pressão, colesterol alto –, que relataram ser bem atendidas em

situações específicas.

“UPA e eu faço tratamento no CETHID. É pra

pressão alta, diabetes. Porque eu já fui

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diabética. Então lá eles dão remédio, fazem

todos os exames direitinho. Lá nessa parte eu

não tenho do que reclamar”. Entrevistada 01

O CETHID, como relatado pela entrevistada, é o Centro Especializado no

Tratamento de Hipertensão e Diabetes localizado em Queimados, ao qual

afirma ter acesso a especialistas e medicamentos sem grandes complicações.

É possível identificar nas entrevistas, no entanto, que a avaliação positiva está

ligada a esta instituição e não ao sistema de saúde como um todo, sistema

esse avaliado como precário pela própria entrevistada.

A entrevistada 09 também não teceu grandes reclamações, informando

ser bem atendida quanto vai a um hospital perto de sua casa, sendo possível

agendar consultas e pegar medicamentos. A entrevistada é usuária regular de

mais de nove medicações diárias em função de mais de 12 cirurgias realizadas

para tratamento de diversos problemas de saúde. A mesma entrevistada é a

única com acesso a plano de saúde.

Os demais entrevistados, no entanto, são críticos da qualidade da saúde

pública, fator que pode ser correlacionado a não adesão visto que os mesmos

não tem acesso ao tratamento e, principalmente, com a automedicação,

prática rotineira entre os entrevistados.

Entre as unidades de atendimento mais procuradas no aparecimento de

problemas estão as Unidades de Pronto Atendimento (UPA) que, mesmo com

as críticas, são enxergadas como a primeira opção para parte dos

entrevistados.

No âmbito do envolvimento do paciente no processo de adesão – aspecto

também categorizado pela OMS como inerente à dimensão relacionada ao

sistema de saúde - percebe-se que o termo adesão carrega implicitamente a

redução da atribuição de poder do médico nesta relação médico-paciente,

trazendo consigo uma noção de cooperação, parceria, evidenciando o paciente

não como um ser passivo nesta relação, mas como proeminente na aceitação

e discussão do tratamento. No entanto, o envolvimento dos pacientes no

processo de decisão não apareceu nas entrevistas como um fator relevante.

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Poucos foram os casos no quais os entrevistados afirmaram questionar os

médicos sobre tópicos gerais dentro das consultas. De maneira mais

acentuada, questionamentos sobre se os medicamentos prescritos eram ou

não os genéricos foram os que aparecem com maior evidência. Poucos foram

os questionamentos sobre qual a real necessidade da medicação, possíveis

efeitos colaterais, entre outros fatores.

Em alguns casos, predomina a visão de que, para estar naquela posição

em uma consulta, o médico já demonstrou capacidade suficiente para exercer

a profissão e, portanto, não deveria ser questionado ou indagado sobre o

tratamento.

“Se eu procurei um médico, e ele passou

aquilo, ele sabe o que está fazendo”.

Entrevistado 03

Tal opinião, no entanto, pode ser confrontada com as alegações de que a

falta de confiança do paciente no médico pode sim ter impacto na adesão ao

tratamento médico. A falta de clareza e o uso de palavras rebuscadas na

consulta podem contribuir para o grau de confiança no médico, conforme

palavras do entrevistado 04. Em outros casos, a idade dos médicos – que

seria um fator relacionado a experiência – também apareceu como

impulsionador da confiança.

“Acha ele assim, até já faleceu, muito sincero.

Aquele médico que todo mundo... fomos nele

eu e Almir várias vezes, aquele médico antigo,

que abria a boca e você já estava entendendo

o que ele dizia. Você abria a boca e ele já

estava entendendo o que você queria falar”.

Entrevistada 09

Dessa forma, percebeu-se nas entrevistas realizadas que, dentro do

grupo de pesquisa, os pacientes adotam uma postura mais passiva quanto à

interação com os médicos e possíveis questionamentos sobre seus

diagnósticos.

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51

Ainda considerando a relação médico paciente, mas no âmbito das falhas

de comunicação nesta relação, as mesmas podem ser definidas como a

incapacidade de recordar as instruções do médico, contribuindo assim para a

baixa adesão ao tratamento médico. Tais falhas de comunicação podem estar

associadas, em alguns casos, à complexidade da prescrição.

No entanto, falhas de comunicação na relação médico-paciente não foram

largamente relatadas. De maneira hipotética, muitos entrevistados afirmaram

que em casos de falha de comunicação ou dúvidas quanto à prescrição,

voltariam a consultar o médico para se informar sobre o tratamento.

A principal reclamação que pode gerar falhas é com relação à letra dos

médicos na prescrição, o que pode gerar dúvidas quanto ao medicamento que

está sendo indicado, dosagens, prazos, entre outros fatores. Tais incidentes

podem contribuir, assim, para afetar a adesão ao tratamento médico visto que

as dificuldades operacionais no tratamento como falta de médicos e hospitais

de qualidade podem interferir na decisão do paciente em voltar a buscar

auxílio médico.

4.2.2 Fatores socioeconômicos

Segundo a OMS, fatores socioeconômicos são mais relevantes

principalmente em países em desenvolvimento, onde o baixo status

socioeconômico pode colocar os pacientes em situações onde deverão forçar

escolhas entre prioridades competitivas Outros fatores considerados

relevantes no quesito da adesão estão relacionados a variáveis demográficas

como baixo status socioeconômico, pobreza, analfabetismo, baixo nível de

educação, desemprego e também a ausência de redes de apoio social,

condições de vida instáveis, grandes distâncias de centros de tratamento, alto

custo de transporte, altos custos de medicação, cultura, crenças leigas sobre

doença e tratamento, entre outros.

Consideradas as variáveis sugeridas pela OMS, a revisão de literatura

buscou compreender o processo de compra de medicamentos, que tem como

principal objetivo interpretar os processos pelos quais os indivíduos ou grupos

sociais escolhem, avaliam e aderem (ou não) a determinadas formas de

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tratamento calcado no conceito de itinerário terapêutico abordado na revisão

de literatura. Dessa forma, o processo de compra dos medicamentos foi

abordado para avaliar os possíveis fatores de interferência entre a prescrição

médica e o ato de compra, especialmente quando o aspecto financeiro gera

conflitos de prioridades competitivas, conforme destacado pela OMS.

Como já abordado anteriormente, a questão financeira é um grande

empecilho para as famílias de baixa renda. A entrevistada 01, por exemplo,

alega esperar ter condições financeiras para comprar os medicamentos

receitados, o que é uma prática recorrente de outros entrevistados diante das

dificuldades financeiras.

Não obstante o adiamento da compra, alguns entrevistados também

levantaram o fato de comprarem menos medicamentos do que o recomendado

pelo médico, em função de situações como cartelas em quantidades

incompatíveis com as dosagens prescritas pelo médico. Nesses casos,

também houve uma justificativa financeira, o que pode ser percebido pela

opinião do Entrevistado 05:

“Aí depende... depende do valor do remédio,

né? Se o remédio for caro e o meu bolso não

der, né? Passa pra sete dias, e aí vem uma

caixa de remédio com cinco comprimidos, aí

meu bolso não dá, eu não vou comprar. Vou

parar o tratamento, entendeu?”. Entrevistado

05

Além do fator financeiro interferindo no ato da compra e, por

consequência, na adesão ao tratamento médico, outro aspecto muito

levantado pelos entrevistados foi a interferência de balconistas e

farmacêuticos no ato da compra. Esta interferência pode ocorrer de maneiras

distintas como, por exemplo, influência no processo de automedicação, onde o

entrevistado não tem uma demanda específica de medicamento, o que o leva a

estar refém de conselhos diversos. Em outros casos, a falta do remédio

receitado pelo médico no ato da compra também pode abrir caminho para os

funcionários dos estabelecimentos recomendarem outros medicamentos.

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53

Alguns entrevistados afirmaram, ainda, desenvolver uma relação de

confiança com funcionários de suas farmácias de preferência, o que pode

contribuir para mudanças no tratamento. As entrevistadas 02 e 09 alegam ter o

hábito de comprar remédios em estabelecimentos conhecidos de longa data,

nos quais conhecem os funcionários e desenvolveram assim, uma relação de

confiança.

Outro fator relevante no ato da compra, levantado pelos entrevistados 06

e 08, foi que ambos relataram comprar os remédios indicados pelo médico

apenas após conversarem com parentes ou fontes de confiança próximas,

podendo ser caracterizado como a rede de apoio social descrita pela OMS. No

caso da entrevistada 06, a compra ocorre apenas após falar com a filha. Já

para o entrevistado 08, a opinião dos sogros é relevante, visto que estes

trabalham na área de saúde:

“Porque no fundo, no fundo, você sempre

sente aquela desconfiança. E eles podem

dizer como usa esse, ou se consultar em outro

médico”. Entrevistado 08.

No âmbito das variáveis demográficas, muitos são os fatores que

contribuem para a adesão ao tratamento médico. Atitudes, valores, ideologias,

perfis da doença não são os únicos fatores correlacionados, mas também

acesso econômico, disponibilidade de tecnologias, escolaridade, renda e

outras variáveis demográficas, reforçando o caráter multidisciplinar do tema e

sua inerente complexidade.

O perfil de entrevistados da pesquisa mostrou-se bem variado. Apesar do

número relativamente baixo de entrevistados, em função da técnica de

pesquisa (entrevistas em profundidade), conseguiram-se entrevistados

equilibrados em termos de gênero, e ao mesmo tempo com realidades e

características distintas, conforme pode ser percebido pelas tabelas anexadas

no item de perfil da dos entrevistados.

Dentro deste contexto, das variáveis demográficas verificadas, não é

possível fazer grandes suposições a respeitos da baixa renda no que tange à

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adesão aos medicamentos. No entanto, algumas considerações fazem-se

relevantes. Variáveis demográficas como idade, escolaridade, número de

filhos, entre outras não foram percebidas como variáveis relevantes para

indicar reflexões sobre os impactos das mesmas na adesão ao consumo de

medicamentos, em linha com os achados na literatura pesquisada, que

apontavam as variáveis demográficas como indicadores fracos na relação com

a baixa adesão.

4.2.3 Fatores relacionados com o tratamento

Os fatores relacionados ao tratamento foram caracterizados pela OMS

como questões que envolvem a complexidade do regime de medicamentos,

duração do tratamento, falhas em tratamentos prévios, mudanças frequentes

no tratamento, a urgência do efeito dos benefícios, efeitos colaterais e a

disponibilidade de suporte médico para lidar com os problemas.

No âmbito dos efeitos colaterais, a suspensão ou, ao menos, redução ou

modificação das dosagens dos medicamentos é apenas uma das

consequências quando os mesmo provocam reações indesejadas ou

inesperadas no organismo dos usuários. Ou seja, os possíveis efeitos

colaterais resultantes da ingestão medicamentosa podem ser potenciais

inibidores da adesão de medicamentos, influenciando na alteração dos

horários programados ou até mesmo na interrupção de eventuais tratamentos.

A entrevistada 01, por exemplo, informou sobre a percepção de não

ingerir medicamentos de barriga vazia. Por morar distante do trabalho –

deslocamento de Queimados até Ipanema – afirma acordar muito cedo para

trabalhar e, em função disso, demonstra certo receio de algum efeito colateral

advindo da ingestão da medicação, deixando para tomar os remédios apenas

quando chega ao trabalho. Além da entrevistada 01, a entrevistada 06 também

levantou consideração parecida, conforme segue:

“Às vezes o estômago não está bom, né? Ou

então você toma um café quente, né? Ai pra

depois você pra tomar o remédio ou com suco

ou com agua não fica legal, entendeu? Ai eu

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deixo dar um intervalor quando eu chego no

serviço”. Entrevistada 06

Além disso, a entrevistada 01 alega ficar “empanzinada”, conforme suas

próprias palavras, com a quantidade de remédios que toma diariamente (para

diabetes e pressão alta), mas que esse efeito colateral não a faz parar de

tomar os medicamentos, por esta entender a necessidade de preservar sua

saúde.

A Entrevistada 02 alegou já ter sofrido sérias complicações após a

ingestão de medicamentos. Na ocasião, em função da automedicação para

tratar problemas de estômago, seu corpo apresentou sinais de inchaço e

vermelhidão, que não geraram maiores complicações após a suspensão da

medicação.

A entrevistada 06 também alegou ter sofrido de efeitos colaterais. Na

primeira ocasião, após uma crise de dor na coluna, tomou injeções que não

surtiram efeito e ainda agravaram ainda mais o quadro de dor, nas palavras da

entrevistada. Já na segunda ocasião, após sofrer um aborto espontâneo, foi-

lhe receitado um antidepressivo pelo médico. Porém, o remédio teve

resultados indesejados, deixando a entrevistada mais nervosa que o habitual.

Nesta ocasião, a percepção dos efeitos colaterais fez com que a entrevistada

voltasse ao médico e que este receitasse outro medicamento. Nestes dois

casos, no entanto, os efeitos colaterais foram assistidos por especialistas que

puderam propor a melhor solução.

Ainda sobre a entrevistada 06, a mesma já chegou também a dispensar

tratamento receitado pelo médico por acreditar que aquela medicação estaria

associada a efeitos colaterais perigosos como o câncer, evidenciando assim

que as percepções sobre os possíveis efeitos colaterais têm influência sobre o

comportamento dos pacientes.

Parte dos entrevistados afirmou ler a bula dos medicamentos, não apenas

para avaliar a necessidade dos medicamentos diante dos sintomas

evidenciados, mas também para avaliar efeitos colaterais. Em alguns casos,

principalmente na automedicação, possíveis efeitos colaterais considerados

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arriscados pelos entrevistados funcionaram como inibidores da

automedicação. Os demais entrevistados não levantaram informações

relevantes ou afirmaram que, na presença de efeitos colaterais,

interromperiam o uso do medicamento.

A complexidade da prescrição, representada por um conjunto de

instruções variadas, não foi levantada por muitos entrevistados como um

potencial influenciador na adesão aos medicamentos. A grande maioria

afirmou não ter problemas em entender as prescrições e alegou que, em casos

de dúvida, voltariam a questionar o médico para utilizar os medicamentos da

maneira adequada.

Neste cenário, chamam a atenção as respostas do Entrevistado 05, que

ao se deparar com um problema dermatológico, alegou ficar confuso com o

regime prescrito pelo médico, conforme segue:

“Porque o shampoo era um dia e o outro não.

O sabonete é todos os dias. Ai você pega

shampoo, sabonete e o remédio três

comprimidos ao dia. Acabei esquecendo”.

Entrevistado 05.

Os demais entrevistados, apesar de não levantarem questões sobre a

complexidade da prescrição, afirmaram sentir dificuldades de entender a letra

do médico, o que pode ser caracterizado por uma falha de comunicação e é

também um potencial inibidor da adesão ao tratamento médico.

Outro fator que pode ser levantado dentro do campo de complexidade da

prescrição é que parte dos pacientes afirmou ser mais fácil lembrar-se dos

medicamentos quando estes são utilizados apenas uma vez ao dia ou menos.

Tais afirmações foram acompanhadas de relatos sucessivos de esquecimento

na utilização de medicamentos, o que indica relação entre a complexidade da

prescrição e a quantidade de doses a serem utilizadas por dia durante o

tratamento.

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No âmbito dos medicamentos genéricos – apesar de não ser classificado

pela OMS como um fator impactante na adesão, mas presente na revisão da

literatura e categorizado como um dos aspectos relacionados ao tratamento -

todos os entrevistados afirmaram fazerem uso ou já terem usado genéricos. A

primeira impressão, quando questionados, é de que os entrevistados não têm

má impressão quanto à eficácia dos medicamentos genéricos. Em alguns

casos, existia sim um preconceito inicial quanto ao uso deste tipo de

medicamento, mas logo desmistificado em função de experiências positivas,

também relatadas por muitos como diferenciais para a utilização de

medicamentos genéricos.

O mais impressionante foi que, quando abordados de outra forma ou com

perguntas subjetivas, ficou evidente que existe sim certa resistência ao

medicamento genérico. Em alguns casos, foi perceptível que a escolha entre o

medicamento genérico e o de marca fica restrita a uma esfera financeira.

“É igual eu ter cinco reais no bolso, aí tem a

Coca-Cola e como é o nome do outro?

Paquera, né? Eu prefiro pagar a Coca-Cola,

né? Entrevistado 03

A escolha das palavras também revela uma percepção negativa quanto

ao genérico quando percebe-se entrevistados referindo-se ao medicamento de

marca como o “verdadeiro”, em contraposição ao medicamento genérico, ou

“não-verdadeiro”.

Dessa forma, entende-se que apesar da primeira impressão não ter sido

detectada resistência quanto à utilização de medicamentos genéricos, quando

olhado com mais cuidado este é sim um fator relevante no quesito

confiabilidade para os entrevistados.

Mesmo com experiências positivas, percebeu-se que para parte dos

entrevistados, a figura do médico é percebida como incontestável, não sendo

apropriado questioná-lo sobre a medicação escolhida como, por exemplo, se

caberia a utilização de medicamentos genéricos ou se o próprio remédio

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receitado já é o genérico. Outros entrevistados, no entanto, afirmam questionar

abertamente os médicos sobre os genéricos.

Vale ressaltar, também, que muitos entrevistados fazem o uso da

automedicação, o que tem uma alta influência de outros atores como

farmacêuticos, balconistas e rede de contados pessoais na escolha dos

remédios e, portanto, na escolha de medicamentos genéricos.

No âmbito da medicina alternativa, assim como nos medicamentos

genéricos, todos os entrevistados também relataram terem feito ou fazerem

uso regular de medicinas alternativas para o combate de doenças. Para o

grupo de pesquisa estudado, entende-se majoritariamente como medicina

alternativa o uso de chás e ervas medicinais para o alívio de sintomas

diversos.

De todos os entrevistados, apenas a entrevistada 09 informou ter utilizado

medicamentos para homeopatia como alternativa aos tratamentos

convencionais. Fora esta, demais práticas não foram levantadas pelos

entrevistados para referir-se a medicinas alternativas, apesar da revisão da

literatura apontar para uma lista extensiva de práticas.

Pela descrição dos entrevistados, a utilização de chás e ervas com

propósito medicinal é fruto de experiências de família, conhecimentos

passados através de gerações e que, por tradição e crença em seus

resultados, são utilizados em diversas situações.

Para a entrevistada 06, por exemplo, chás também têm algum valor

terapêutico quando há confusão em saber se algum medicamento foi ou não

tomado no momento correto. Nesses casos, para não repetir a dose do

remédio ao qual se está confuso, opta-se por um chá para aliviar quaisquer

sintomas ao invés de correr o risco de ingerir o mesmo medicamento duas

vezes.

Para o entrevistado 07, chás podem ser considerados em casos mais

brandos, quando o entrevistado acreditava que o problema em questão não

precisaria de intervenção médica – em geral sintomas brandos – , podendo

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aguardar os efeitos do chá quando tivesse a oportunidade de ingeri-lo, ao

invés de utilizar remédios.

Para a entrevistada 09, a utilização de chás para o combate a um

problema crônico de gastrite poderia evitá-la de realizar uma endoscopia,

procedimento ao qual a entrevistada recusava-se em fazer em função do

receio que existia pelo desconforto causado pela técnica. Mesmo após ser

operada do problema no estômago, afirma continuar tomando o chá para o

estômago mesmo que não haja nenhuma validação dos benefícios ou

indicação médica.

Outro ponto relevante foi levantado pela entrevista 01, a qual afirmou que

os chás são percebidos como menos arriscados que os medicamentos

convencionais, uma vez que são caseiros, o que também foi levantado pelo

entrevistado 03 e sua percepção sobre os medicamentos, conforme segue.

“No meu caso, eu particular, eu evito muito

usar remédio. Evito porque, como eu estava

falando, teve um curso que eu fiz anterior,

existe uma NR chamada NR15 que só fala

tudo sobre agente químico e agente agressivo.

E muitos desses produtos estão munidos nas

bulas de remédio. Então o que acontece, você

tem uma dor de cabeça, você vai tomar um

remédio para aquela dor de cabeça e isso vai

te prejudicar o outro organismo seu”.

Entrevistado 03.

Ainda para a entrevistada 01, os benefícios da medicina alternativa não

se limitam apenas ao combate dos sintomas percebidos, mas como podem,

inclusive, preparar o corpo para procedimentos de rotina, conforme transcrição

a seguir:

“Então, tipo assim, tem que fazer um

preventivo, que a mulher tem que fazer. A

mulher pode se preparar tomando um chá que

faz a limpeza e quando você vai fazer esse

exame já dá tudo certo e tudo bom, já vem

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escrito parabéns porque você está se

cuidando, né?.” Entrevistada 01.

No âmbito das percepções dos pacientes sobre o tratamento, dentre

algumas das causas que contribuem para a não adesão estão as percepções

pessoais dos pacientes como, por exemplo, ausência de sintomas, tempo

entre o início do tratamento e o efeito da medicação, entre outros.

Em linhas gerais, a percepção dos entrevistados aos medicamentos é

negativa. Apesar dos possíveis benefícios advindos da utilização de

medicamentos, para a maior parte dos entrevistados há a percepção de que

remédios são necessários em caso de doença e, portanto, algo não prazeroso.

Dos entrevistados, a única avaliação positiva quanto ao uso de

medicamentos foi do entrevistado 03, que afirmou acreditar no objetivo do

medicamento de melhoria das condições de saúde. No entanto, o mesmo

entrevistado alega ter realizado um curso sobre saúde e segurança e que evita

tomar remédios, pois acredita que os medicamentos estão cheios de agentes

químicos que são muito agressivos para o corpo humano.

O término dos sintomas após o início do tratamento também foi levantado

por parte dos entrevistados como um fator relevante para abandonar o

medicamento, mesmo que a recomendação médica insista que o tratamento

deva durar mais tempo do que o adotado pelo paciente. A entrevistada 09, por

exemplo, afirma que após a utilização da medicação, com o efeito dos

remédios e a posterior ausência dos sintomas da doença, esta interrompe o

tratamento mesmo que a recomendação dada pelo médico seja diferente.

Por outro lado, diferentes entrevistados fazem uso de remédios de rotina

para combater problemas como colesterol e pressão e, mesmo sem ter efeitos

perceptíveis no dia a dia, consideram-se saudáveis e continuam a fazer o uso

dos medicamentos. A própria entrevistada 09 faz uso de medicações diárias.

Assim, o abandono de tratamentos em curso está mais associado a problemas

pontuais de saúde.

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Complementarmente, a entrevistada 02 foi enfática ao afirmar que a

continuação do tratamento médico depende exclusivamente do resultado

rápido da medicação sobre os sintomas, conforme relato a seguir:

“Remédio para mim, eu tenho que tomar ele e

em cinco dias ele tem que fazer efeito. Se ele

em cinco dias não fizer efeito eu paro, troco”.

Entrevistada 02.

No âmbito da posologia, esta foi percebida pelos entrevistados como um

fator associado à eficácia dos medicamentos e, portanto, influenciando na

adesão dos mesmos. Para parte dos entrevistados, a posologia foi levantada

como incompatível com as atividades desenvolvidas ou até mesmo como

menos efetiva no tratamento de algumas doenças.

Por tratar-se de uma diarista e, portanto, habituada a lidar com água e

produtos químicos durante boa parte de seu dia, a entrevistada 06 alega que

ao ter sido prescrita uma pomada para o ressecamento da pele, seu

tratamento não foi efetivo uma vez que demorava mais para secar e

atrapalhava suas funções diárias. Em contrapartida, utilizou um creme para

suprir o problema de ressecamento, o qual alegou ter uma ação mais eficaz.

O entrevistado 05, por sua vez, alegou não confiar na eficácia de

pomadas, chegando inclusive a não considerar as mesmas como um remédio

de uso tópico.

“Olha, depende do remédio, entendeu? Mas

pra mim eu não acredito muito em pomada,

não. Meu negócio é remédio mesmo.

Comprimido, vacina.” Entrevistado 05.

O mesmo entrevistado ainda complementa:

“Eu passei a pomada na minha pele, e eu

tomo banho toda hora. E por isso eu não

confio, entendeu? E o remédio não. Com

remédio é diferente, entendeu?”. Entrevistado

05.

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No quesito eficácia, também foi possível perceber diferenciações quanto

à posologia dos medicamentos. O entrevistado 06, por exemplo, afirmou que

acredita que determinadas formas de medicamentos, como as injeções, são

aconselháveis em casos onde os sintomas são mais agudos, acelerando os

efeitos no corpo do paciente. Os demais entrevistados não teceram

considerações sobre a interferência da posologia na manutenção do

tratamento.

4.2.4 Fatores relacionados com o paciente

Os fatores relacionados com o paciente envolvem, segundo a OMS

(2003), questões como esquecimento, estresse psicossocial, ansiedade

provocada por possíveis efeitos colaterais, baixa motivação, conhecimento e

habilidade inadequada para gerenciar os sintomas da doença e o tratamento.

Além desses fatores, conhecimentos e crenças dos pacientes sobre as suas

doenças, motivações para gerenciar a doença, expectativas com relação aos

resultados do tratamento e as consequências da baixa adesão, entre outros,

são fatores relacionados.

No âmbito da percepção sobre o papel dos medicamentos, estes são

vistos como cura e veneno, impondo aos indivíduos escolhas quanto ao seu

uso que podem ser influenciadas por ideologias, construções culturais ou até

mesmo percepções da eficácia dos mesmos.

Desse ponto de vista, a visão geral relatada pelos entrevistados sobre

medicamentos é negativa, associando os mesmos a doenças, sempre do ponto

de vista pessimista. Tal percepção pode ser descrita através da frase da

entrevistada 09, que afirma que “se você não está doente, então você não

toma remédio”.

Além disso, ideologias e construções culturais estão muito presentes no

meio, seja através de crenças ou do conhecimento acumulado em função da

experiência e das percepções sobre o uso de medicamentos que serão

detalhados em outros tópicos.

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No âmbito da influência do meio social, cura e doença são experiências

intersubjetivamente construídas, em que o paciente, sua família e aqueles que

vivem próximos estão continuamente negociando significados. Ou seja,

percebemos que a influência do meio no constructo da adesão é

extremamente relevante para o tema.

A influência do meio aparece de maneira expressiva nas entrevistas de

maneira geral. São inúmeros os relatos de casos onde pacientes são

influenciados a tomar medicamentos, trocar prescrições e até mesmo tentar

tratamentos alternativos objetivando a cura.

Foi possível identificar, por exemplo, que todos os entrevistados, sem

exceção, têm pontos de referência no sentido de buscar ajuda ou tirar dúvidas,

no que tange à utilização de medicamentos. Não necessariamente os pontos

de referência precisam ser ligados à área de saúde, mas são pessoas que têm

uma relação de confiança com o paciente.

Em alguns casos, as fontes de confiança são sim ligadas à área de

saúde, como no caso da entrevistada 02, cuja filha estuda enfermagem em

uma Universidade Pública na cidade do Rio de Janeiro e, dessa forma, acaba

sendo referência para a mãe não apenas para tirar dúvidas, como também é

uma fonte de acesso a remédios, conforme relatado pela entrevistada.

“Que eu tenho outra filha que trabalha em

posto de saúde também, ela é técnica de

enfermagem. Aí de vez em quando em peço a

ela: arruma umas amoxicilinas para mim? Aí

ela me dá. Nem tomei ainda. Tá dentro da

minha bolsa”. Entrevistada 02.

Em outro exemplo, o entrevistado 05 informa que a esposa trabalha para

uma médica e que, nesse caso, quando há dúvida sobre tratamentos ou

remédios, esta médica é o ponto de referência do casal.

Não apenas de pontos de referência individuais são constituídas as

redes de relacionamento. A entrevistada 01, por exemplo, afirma que em sua

localidade de residência, a comunidade reconhece um médico particular da

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área como um “super médico”, referência quando os moradores estão com

algum problema de saúde e não dispõem de auxílio na rede pública,

recorrendo a uma consulta particular. Dessa forma, a rede de contatos dos

entrevistados aparece como um grande influenciador no processo de adesão

ao tratamento médico no sentido do compartilhamento de informações e na

percepção e definição do que vem a ser bons médicos.

No âmbito da influência da religião, todos os entrevistados declararam,

em maior ou menor grau de fervor, sua fé religiosa, sendo estes praticantes ou

não. No entanto, apenas um entrevistado, o de número 03, afirmou perceber

conexões entre a cura de problemas de saúde e sua religião, conforme citação

a seguir.

“Eu quando era mais jovem, tinha um

problema de febre, e meu olho me dava tipo

assim uma “tontissa” e eu caia e se

machucava. Depois que eu aceitei Jesus, não

tenho mais”. Entrevistado 03.

Ainda no campo da religião, os demais entrevistados não compartilharam

da mesma opinião do entrevistado 03, revelando acreditar no máximo no poder

da fé como um revigorante no sentido de crer na melhora individual, mas não

como um fator determinante para a cura.

Por fim, no âmbito da empatia profissional, melhorar a relação médico

paciente é percebido como fundamental para reduzir as taxas de não adesão e

consideraram estratégias como, por exemplo, negociação dos objetivos do

tratamento, redução da complexidade do tratamento, encorajar o apoio

familiar, adequar o tratamento ao estilo de vida do paciente, entre outros

fatores.

Desse ponto de vista, a empatia profissional mostrou-se um aspecto

altamente relevante sobre a adesão. Comentado por quase todos os

entrevistados, a confiança no profissional faz toda a diferença no tratamento.

Mesmo que alguns entrevistados tenham mostrado uma postura de respeito

frente aos médicos, reconhecendo-os como uma figura quase que ilibada, a

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65

falta de confiança no diagnóstico ou na consulta pode fazer toda a diferença

entre escolher seguir a prescrição ou não.

Determinados hábitos médicos durante a consulta que podem contribuir

para criar uma boa impressão cabem ser levantados. A entrevistada 02, por

exemplo, afirma que um bom médico é aquele que escuta o que o paciente tem a

dizer, examinando-o, em oposição à figura de um médico que mantem a cabeça

baixa e fica escrevendo, conforme palavras da entrevistada.

Assim como na opinião da entrevistada 02, o entrevistado 03 compartilha

da mesma visão, preferindo médicos que realizem exames “pelo corpo” para

desenvolver uma relação de confiança. Caso essa relação de confiança não se

estabeleça, todos os entrevistados afirmaram que não seguiriam as

recomendações médicas, em alguns casos optando por uma nova consulta.

Para o entrevistado 04, outras variáveis que podem interferir na relação

de confiança é o uso de palavras rebuscadas ou não claras, contribuindo

assim para a troca de médico ou o não seguimento da prescrição.

Por fim, no âmbito das crenças sociais, estas são determinadas de

acordo com o meio em que estamos inseridos, sendo influenciadas pela

sociedade, comunidade, família, além do conhecimento da ciência e tecnologia

a que cada indivíduo tem acesso. Dessa forma, muitos outros tópicos

abordados anteriormente têm sintonia com o que será abordado dentro de

crenças sociais e, portanto, não serão repetidos como, por exemplo, a

influência do meio.

No quesito de conhecimento de ciência e tecnologia a que cada

indivíduo tem acesso, o grupo pesquisado não demonstrou engajamento, por

exemplo, com plataformas online para o debate de tratamentos, fóruns,

dúvidas ou leitura de bulas, não sendo este um canal relevante. Quando muito,

pacientes mais velhos que têm como ponto de referência filhos ou pessoas

mais jovens, alegam que estes recorrem a informações na internet, mas não

souberam precisar qual nível nem quais as principais informações procuradas.

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66

Tal fato chama a atenção, pois apesar de não usarem a internet com

este propósito, muitos dos entrevistados alegaram ter acesso à internet em

casa ou celular, demonstrando que a falta de acesso não reside na

impossibilidade técnica de acesso, mas sim nos hábitos de cada entrevistado.

4.2.5 Fatores relacionados com a doença

Por fim, os fatores relacionados com a doença envolvem, segundo a OMS

(2003), questões enfrentadas pelos usuários no tangente à adesão como, por

exemplo, a severidade dos sintomas, o grau de incapacidade experimentado

(física, psicológica, social e vocacional), taxa de evolução dos sintomas /

doença, severidade da doença e a avaliação da efetividade do tratamento.

Além disso, ainda segundo o estudo, o impacto destas variáveis está

diretamente correlacionado com a influência na percepção de risco do

paciente.

Na revisão da literatura, os fatores categorizados pela OMS como

relacionados a doença podem ser compreendidos de maneira abrangente pela

percepção de doença e cura dos pacientes. Percebe-se que a adesão ao

tratamento médico incorpora fatores sociais associados aos diferentes padrões

de socialização de homens e mulheres, que tem a ver com a organização

familiar, as condições de trabalho, o tipo de ocupação e a cultura, os quais por

sua vez, interferem no processo saúde-doença. Dessa forma, a adesão ao

tratamento médico é significantemente influenciada pela percepção do que

vem a ser doença.

Ficou evidente que, para a o grupo de entrevistados analisados,

praticamente todos têm como recurso número um a automedicação como

principal saída para sintomas considerados mais brandos. A exceção da regra

poderia ser exemplificada pelo entrevistado 03, que afirmou não ficar doente

em quase nenhuma situação e, portanto, não precisaria de medicamentos.

“Você pode até falar: mas você não é biônico.

Eu quando tô com dor de cabeça, às vezes é

porque eu não dormi direito. Às vezes. Aí eu

durmo, e passa. Gripe, eu não sei se é porque

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meu sangue é forte, não é assim, é.. Tipo A ou

B. Ele é O+, eu não tenho gripe. Raramente. E

quando eu tenho eu apelo muito para o

remédio de mato.” Entrevistado 03

No entanto, o mesmo entrevistado, após o fim das gravações e em um

momento mais descontraído, afirmou que em um momento de estresse

vivenciado em uma situação com sua família, apelou para calmantes em

função dos sintomas que estava sentindo, contradizendo assim suas palavras

de não se automedicar e de não ficar doente. Além disto, o mesmo

entrevistado sofre de problemas na coluna recorrentes, o que foi identificado

por seu médico como reflexo do trabalho na lavoura quando este era mais

novo, reforçando a ideia de percepção de doença e cura retratada neste

tópico.

Como apontado pela literatura, cada individuo reage de uma forma

particular aos sintomas percebidos. Desta forma, a definição de doença para

um grupo social pode ser complexa e multivariada. A procura de cuidados está

condicionada pelas atitudes, valores e ideologias, perfis da doença, o acesso

econômico e a disponibilidade de tecnologias. Estes fatores reforçam ainda

mais o caráter multidisciplinar do tema e sua inerente complexidade.

No quesito perfil da doença, sintomas corriqueiros do cotidiano não

foram considerados pelos entrevistados como doença. Tal opinião pode ser

retratada pela percepção do entrevistado 08, conforme transcrito a seguir.

“Não foi uma doença, teve uma vez que eu

tava com uma dor de coluna muito forte e teve

uma amiga minha que mandou eu tomar um

certo medicamento”. Entrevistado 08

São inúmeros os exemplos que podem ser citados pelos entrevistados

para caracterizar ou não doenças. Em linhas gerais, são feitas diversas

associações para caracterizar uma doença, como: (1) o tempo de duração dos

sintomas, que quando de curta duração não são considerados efetivamente

doenças (ex. de gripes e resfriados); (2) severidade dos sintomas, que quando

brandos e não impedem o entrevistado de trabalhar também não são

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consideradas doenças; (3) conhecimento dos sintomas, que quando já são

conhecidos pelo entrevistado não geram grande preocupação.

“Melhorei, não sinto nada? Jogo pra lá. Pra

que eu vou tomar remédio? Mesmo sem

acabar o tratamento”. Entrevistada 09

Muitos entrevistados, com problemas de saúde como diabetes, pressão,

colesterol e até mesmo glaucoma alegavam não ter nenhum problema de

saúde, mas quando indagados ao decorrer das entrevistas se tomavam algum

medicamento, lembravam-se dos tratamentos, mas não os associavam a

doenças propriamente ditas. Nas palavras da entrevistada 01, por exemplo,

doença seria estar com AIDS ou câncer.

Além desses fatores, a responsabilidade do trabalho e do dever

apareceu como um inibidor da busca por tratamento médico, em casos mais

brandos. Como relatado pela entrevistada 02, que é cuidadora de idosos, a

responsabilidade de sua profissão faz com que esta sinta-se impossibilitada de

ir ao médico, especialmente o sistema público de saúde, exceto em casos

extremos.

Por fim, foram relatados pelos entrevistados percepções de saúde mais

amplas, assim como de acordo com a literatura, como, por exemplo, realização

de atividades físicas e disposição para o trabalho, levantados pelo

entrevistado 03, homem. A entrevistada 06, mulher, de maneira complementar,

também classifica saúde como aparência física, reforçando as evidências

encontradas na literatura que fazem uma contraposição ao conceito de saúde

e doença percebido por homens e mulheres.

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69

5 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Em linha com a ampla revisão de literatura realizada acerca do consumo

de fármacos, encontraram-se evidências relevantes e diversificadas que

ajudam a compreender essa complexa teia que envolve o início e a adesão ao

tratamento médico no Brasil na baixa renda.

Nesta seção, assim como na seção de Apresentação dos Resultados da

Pesquisa, as dimensões de pesquisa estudadas serão destrinchadas em

tópicos, onde serão tecidos comentários a respeito das evidências

encontradas após entrevistas, levando em consideração a literatura

pesquisada.

Antes de destrinchar os resultados, algumas considerações de cunho

generalista fazem-se válidas no âmbito desta pesquisa. Foi possível afirmar,

por exemplo, a existência de diferentes fatores que poder ser classificados em

sistemas interferindo no âmbito da adesão. Foram identificados fatores que

podem ser subdivididos em três grandes categorias: operacional, social e

simbólico, conforme proposto pelo autor.

No âmbito operacional, encontram-se fatores funcionais ligados ao

acesso aos médicos e a infraestrutura de saúde. Já no âmbito social, estão

fatores relacionados ao meio em que as pessoas estão inseridas e,

naturalmente, a influência exercida por este ciclo social, através da troca de

experiências, sugestões, conselhos etc. Por fim, a última esfera seria a

simbólica, que poderia ser analisada a partir do ponto de vista dos próprios

pacientes e de como estes se relacionam com a doença através de

interpretações, crenças valores etc.

Pode-se dizer que estes três sistemas interagem de maneira

interdependente, contribuindo cada qual com a temática da adesão ao

consumo de fármacos sendo, portanto, relevantes para compreensão do tema

de forma categorizada.

Além disto, através das pesquisas de campo e revisão de literatura,

podemos afirmar que existem tipos diferentes de adesão. Não foram

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70

encontrados relatos na literatura a respeito desta subclassificação, e o

presente estudo considera o estrito entendimento de adesão como a correta

utilização de medicamentos conforme instrução médica. No entanto, diferentes

tipos de adesão podem ser considerados como, por exemplo, adesões

integrais, conforme definido no estudo; não adesão que pode ocorrer, por

exemplo, em função de questões financeiras; adesões parciais marcadas pelo

esquecimento de algumas doses ou até mesmo pela mudança de remédios;

entre outras subclassificações.

O entendimento tanto dos diferentes tipos de adesão como dos sistemas

agindo no âmbito do consumo de fármacos ajuda a destrinchar e compreender

melhor este tema, saindo de uma esfera de análise em uma escala macro e

permitindo gerenciar o tema de maneira mais prática.

5.1 Fatores relacionados com o sistema de saúde

No âmbito dos fatores relacionados com o sistema de saúde levantados

pela OMS (2003), a seção de Resultados da Pesquisa abordou uma série de

variáveis interferentes no processo de início e adesão ao tratamento médico.

Ainda segundo a OMS (2003), as dificuldades operacionais podem ser

caracterizadas como dificuldades de ordem prática como, por exemplo, a

distância percorrida pelos pacientes até as unidades de atendimento, a

incompatibilidade do horário de atendimento com os possíveis problemas

enfrentados pelos pacientes, e até mesmo a falta de profissionais capacitados

nos plantões.

Nesta linha, as críticas dos entrevistados ao sistema de saúde são

consistentes e ilustram a dificuldade dos pacientes em conseguir tratamento

na rede pública de saúde - que é a única saída para a maioria dos

entrevistados -, em linha com o estudo de Merino (2007), que detectou o

mesmo problema em sua pesquisa. As críticas são as mais variadas, desde

relatos de horas de espera em unidades de atendimento até ausência de

especialistas, ocasionando a impossibilidade do atendimento. Podemos dizer,

dessa forma, que a falta de estrutura para atendimento dos pacientes é um

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71

fator relevante no âmbito da adesão, criando uma barreira antes mesmo de o

paciente ser diagnosticado, incentivando assim ações como a automedicação.

No âmbito da relação médico paciente, melhorá-la é fundamental para

reduzir as taxas de não adesão (DONOVAN, 1995 apud VERMEIRE, 2001),

pois há fatores que contribuem para a mesma, derivados de percepções

pessoais dos pacientes como, por exemplo, ausência de sintomas – visto que

esta desestimula a utilização de medicamentos –, tempo entre o início do

tratamento e o efeito da medicação e o medo de efeitos colaterais (ANNALS

OF PHARMACOTHERAPY, 1993 apud VERMEIRE, 2001). Dessa forma, a

melhora na relação médico paciente é um fator relativamente recente que visa

agregar benefícios a adesão, visto que um tratamento mais personalizado

pode fazer a diferença em função da adaptação das necessidades do paciente

ao tratamento conforme abordado por Longtin et al (2010).

No entanto, apesar de vasta literatura apontando para a evolução do

conceito do tratamento médico desde o conceito de “compliance” a

“adherence” passando pelo modelo paternalístico proposto por Longtin et al

(2010), o envolvimento dos pacientes não foi um fator de destaque nas

entrevistas. Poucos foram os casos no quais os entrevistados afirmaram

questionar os médicos sobre tópicos gerais dentro das consultas. Assim, pode-

se dizer que, dentro do grupo de pesquisa, os entrevistados demonstraram

uma postura mais passiva quanto à interação com os médicos e possíveis

questionamentos sobre seus diagnósticos, numa relação mais próxima do

conceito de “compliance”, que foi definido como o comportamento individual no

âmbito da utilização de medicamentos que coincide com as ordens médicas ou

de saúde (SACKETT, 1979 apud VERMEIRE, 2001).

Como afirmado anteriormente, no entanto, ações que visem melhorar a

relação médico paciente parecem ser não triviais e passar por outras questões

de cunho cultural e até mesmo educacional, pois esta relação entre médico e

paciente pode esbarrar em aspectos da língua (vocabulário mais técnico ou

rebuscado), a percepção do médico como uma peça dentro do processo e não

como ator principal e até mesmo sujeito a erros como em qualquer outra

profissão, devendo ser questionado pelos pacientes.

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72

Ainda no âmbito da relação médico paciente, mas abordando as falhas

desse processo, a falha de comunicação pode ser definida como a

incapacidade de recordar ou compreender as instruções do médico

(DIMATTEO, 1994 apud VERMEIRE, 2001). Como abordado anteriormente,

este é um item de difícil mensuração, uma vez que os entrevistados

pesquisados têm um forte viés de automedicação, sendo difícil avaliar esta

questão.

No entanto, chama a atenção o fato de que, apesar de não terem sido

reveladas maiores dificuldades de compreensão do tratamento, todos os

entrevistados relataram já ter se esquecido de tomar os medicamentos no

prazo ou dosagem corretos, o que pode ser indicativo de uma possível falta de

compreensão em alguns casos.

Outros fatores foram percebidos como contribuintes para a não adesão,

como um número excessivo de doses ao dia – fator também relacionado ao

esquecimento das doses –, como também o número de medicações diferentes

a serem utilizadas num mesmo dia, em linha com os estudos de Morris et al

(1992) e Griffith (1990). Conforme levantado pelo entrevistado 05, a

combinação de medicamentos diferentes, em dias alternados, o confundiu no

processo de adesão, sendo um claro exemplo de que determinados

tratamentos podem ser simplificados para evitar falta de adesão ao tratamento,

estando em cheque a relação médico paciente e as possíveis falhas de

comunicação oriundas deste processo.

5.2 Fatores Socioeconômicos

Dentro dos fatores socioeconômicos apontados pela OMS (2003),

abordou-se o processo de compras dos medicamentos, que pode ser

caracterizado como uma compilação de variáveis citadas pela OMS (2003)

como interferentes no processo de adesão aos medicamentos como, por

exemplo, baixo status socioeconômico, pobreza, condições de vida instáveis, e

altos custos de medicação. Esbarrou-se mais uma vez, no entanto, em outros

problemas como, por exemplo, o alto índice de automedicação percebido pelos

entrevistados e em questões estruturais como a carência e a baixa qualidade

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de serviços de saúde. Ao avaliar o processo de compra, tem-se como principal

objetivo interpretar os processos pelos quais os indivíduos ou grupos sociais

escolhem, avaliam e aderem (ou não) a determinadas formas de tratamento

(ALVES et al, 1999).

Nas entrevistas, percebeu-se que a rede de contatos dos entrevistados –

que pode ter se articulado em função da baixa qualidade dos serviços

públicos, forçando os entrevistados a buscarem alternativas – tem grande

influência na adesão ao tratamento médico, em linha com os estudos de

Gerhardt (2003). Mesmo quando prescritos por um especialista, os

entrevistados relataram consultar-se com suas fontes de confiança. Como

abordado por Alves et al (1999), tanto a doença como a cura são experiências

intersubjetivamente construídas, em que o paciente, sua família e aqueles que

vivem próximos estão continuamente negociando significado. Dessa forma,

não podemos afirmar que os resultados foram surpreendentes, pois já poderia

se esperar tal configuração social.

Além disso, a questão financeira parece relevante para a adesão ao

tratamento (GEHARDT, 2005). Medicamentos muito caros, ou vendidos em

doses incompatíveis com a prescrição médica, têm maiores chances de

estimular a baixa adesão conforme percebido pelas entrevistas.

No âmbito das variáveis demográficas, analisá-las através de uma

seleção de entrevistados em busca de relações entre estas variáveis e a

adesão ao tratamento médico não é trivial, muito em função do tipo de

pesquisa. Por tratar-se de uma pesquisa qualitativa, baseada em entrevistas

de profundidade, o número de pesquisados é baixo quando comparados a

pesquisas quantitativas, que permitem tecer maiores generalizações quanto à

amostra do estudo. Outra justificativa seria que variáveis demográficas (sexo,

idade, número de habitantes na residência) foram consideradas indicadores

fracos no âmbito do estudo da adesão conforme pesquisa de revisão da

literatura (ANON, 1997 apud VERMEIRE, 2001).

No entanto, podem ser tecidas algumas considerações a respeito das

entrevistas realizadas. Conforme pesquisa de literatura, fatores como

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ideologias, acesso econômico e disponibilidade de tecnologias são variáveis

demográficas correlacionas a adesão ao tratamento médico.

Neste sentido, apesar de acesso a internet estar mais difundido nos dias

de hoje, não foi percebido movimento de interação e de busca de informação

na rede, seja através das redes sociais, seja por meio de ferramentas de

busca. Considerando que pessoas mais jovens também foram entrevistadas, a

internet não parecer ser uma ferramenta aliada dos entrevistados no auxílio ao

tratamento médico.

Além disso, a grande maioria dos entrevistados não tem acesso aos

planos de saúde particulares. No entanto, mesmo aqueles que têm algum tipo

de acesso – foram dois os entrevistados que relataram a disponibilidade –

apresentaram comportamento similar no âmbito da automedicação e do

abandono do tratamento.

Por fim, no quesito da religião, apesar de todos os entrevistados terem

relatado vínculos ou crenças religiosas das mais variadas, este não apareceu

como um aspecto de interferência no âmbito da adesão ao tratamento médico,

diferentemente do estudo de Rabelo (1993) que apontou a religião como um

processo interferente na busca pelo tratamento médico.

5.3 Fatores Relacionados com o Tratamento

No âmbito dos possíveis efeitos colaterais resultantes da utilização de

medicamentos, estes foram percebidos como potenciais inibidores da adesão

de medicamentos (ANNALS OF PHARMACOTHERAPY, 1993 apud

VERMEIRE, 2001), influenciando na alteração dos horários programados ou

até mesmo na interrupção de eventuais tratamentos.

Não apenas efeitos colaterais concretos, mas como também o risco

associado a hábitos ou crenças culturais, como a utilização de remédios de

estômago vazio, um suposto ensinamento geracional ou talvez uma percepção

pessoal sem comprovação científica, assim como experiências de pessoas

próximas com a medicação em questão podem provocar resistência ao seu

uso (FLEISCHER, 2012).

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75

A percepção de riscos de efeitos colaterais também pareceu estar em

linha com o tipo de medicamento que está sendo utilizado, em linha com os

estudos de Fleischer (2012). A automedicação foi percebida como uma prática

altamente banalizada nas entrevistas realizadas, o que pode contribuir para a

incidência de problemas advindos da utilização de medicamentos sem a

devida prescrição médica. No entanto, o risco percebido é maior quando os

medicamentos não são de uso familiar do entrevistado, estando estes em

muitos casos receosos quanto à utilização de remédios que tenham relação

direta com o coração, antidepressivos, entre outros. A leitura das bulas, neste

caso, é um balizador das decisões sobre a utilização ou não dos

medicamentos, não apenas pela percepção de relação entre sintomas e

benefícios, mas também pelos riscos associados.

A complexidade da prescrição citada por Donovan (1994, apud

VERMEIRE, 2001), por sua vez, gera uma interpretação dúbia sobre como os

pacientes reagem a problemas dessa natureza. A figura do médico foi relatada

por muitos entrevistados como ilibada, no sentido de não questionarem seu

conhecimento ou suas práticas. Dessa forma, apesar da grande maioria ter

relatado não sentir dificuldades quanto à complexidade da prescrição,

praticamente todos os entrevistados afirmaram terem se esquecido de tomar

medicações dentro do prazo em algum momento de suas vidas. Tal fato pode

sugerir não apenas descaso quanto ao uso correto dos medicamentos, mas

dificuldades de compreensão que em muitos casos podem não ser sanadas

em virtude do receio do entrevistado em questionar as instruções do médico.

Além disso, devemos considerar a estrutura carente à qual estão

submetidos os entrevistados, na qual faltam médicos e qualidade no

atendimento, desestimulando o retorno do paciente ao centro médico para

sanar quaisquer objeções que este possa vir a ter quanto à utilização dos

medicamentos, como apontado por Merino (2007).

No âmbito dos medicamentos genéricos, estes se mostraram amplamente

difundidos pela população de baixa renda, muito em função das restrições

econômicas vividas pelos entrevistados. No entanto, apesar das inúmeras

experiências positivas quanto ao uso dos medicamentos genéricos, ficou

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evidente que existe sim certa restrição quanto ao uso dos mesmos, uma vez

que a compra destes medicamentos ficou condicionada à viabilidade

econômica para alguns entrevistados. Dessa forma, os estudos de Sanyal et al

(2011) trazem importantes contribuições como a relação entre qualidade

percebida e eficácia e, portanto, o possível viés de qualidade negativa imposto

aos medicamentos genéricos.

O uso de palavras como “original”, para referir-se ao remédio de marca,

e questionamentos sobre como o entrevistado realizava a escolha entre

medicamento genérico e de marca – associação com a viabilidade financeira -

revelam a faceta da desconfiança sobre a utilização de genéricos.

Desconfiança esta também relatada por alguns entrevistados, que alegaram

acreditar que o remédio genérico é mais fraco que o de marca, podendo ser

esta uma das causas da desconfiança na eficácia do tratamento.

Conforme abordado na revisão de literatura, a qualidade percebida dos

medicamentos genéricos afeta significativamente o valor agregado das marcas

(SANYAL et al, 2011). Desta forma, mesmo que haja vantagens financeiras

quanto à utilização de medicamentos genéricos para a população estudada, é

possível que exista relação entre genéricos e adesão ao tratamento médico no

sentido definido nesta pesquisa, que considera o início e conclusão do

tratamento.

No âmbito da medicina alternativa e complementar abordado por Azevedo

et al (2004), esta apareceu em larga escala nos comentários dos

entrevistados. Mais do que um fator cultural, fica a impressão de que o uso de

alternativas terapêuticas é um reflexo dos problemas estruturais vivenciados

pela população das baixa renda. Ainda segundo o autor, o modo de lidar com a

doença e os recursos utilizados para cuidar da saúde relacionam-se dentre

complexas variáveis de ordem psicológica e social, à cultura de origem,

reforçando a influência de fatores como a carência estrutural e o meio social

ao qual os entrevistados estão inseridos.

Durantes as entrevistas, o entrevistado 03 chegou a afirmar que seu

primeiro contato com “medicamentos de farmácia” teria sido aos quinze anos,

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77

pois naquela época, morando na “roça”, não se tinha acesso a tais

medicamentos. Essa situação ilustra exatamente o exposto no primeiro

parágrafo, onde tem-se a nítida sensação de que, em função de problemas

assistenciais, foram criadas alternativas construídas ao longo das gerações

anteriores, e mantidas em função de crenças sociais ou experiências positivas,

mesmo que não haja evidência científica que suporte a validade de

determinados tratamentos, em linha com Gerhardt (2006).

Apesar de o conhecimento estar mais difundido nos dias de hoje, ainda

assim os serviços de saúde para a população de baixa renda são muito

deficitários, incentivando práticas não indicadas como a automedicação ou de

medicinas alternativas, contribuindo assim para a não adesão.

No âmbito da percepção dos pacientes sobre o tratamento, os

medicamentos são vistos ao mesmo tempo como cura e veneno e, dessa

forma, impõem aos indivíduos fazer escolhas quanto ao seu uso, que podem

ser influenciadas por ideologias, construções culturais ou até mesmo

percepções da eficácia dos mesmos (DESCLAUX, 2006).

Dessa forma, fatores relacionados a percepção dos pacientes e que

contribuem para a não adesão podem ser exemplificadas como: ausência de

sintomas, tempo entre o início do tratamento e o efeito da medicação e o medo

de efeitos colaterais (ANNALS OF PHARMACOTERAPY, 1993, apud

VERMEIRE, 2001). Relevante nesse contexto, a relação médico paciente é

percebido também foi percebida como fundamental para reduzir as taxas de

não adesão através de ações como, por exemplo, negociação dos objetivos do

tratamento, redução da complexidade do tratamento, encorajar o apoio

familiar, adequar o tratamento ao estilo de vida do paciente, entre outros

fatores.

Do lado dos pacientes, os fatores levantados pelos entrevistados foram

sim percebidos como fatores influenciadores na adesão ao tratamento médico.

Ausência de sintomas, duração do tratamento, número de utilizações do

medicamento por dia, tempo de efeito da medicação e efeitos colaterais foram

citados pelos entrevistadores e aparecem com fatores de interferência no

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tratamento, em linha com diversos estudos levantados na revisão de literatura

como Annals of Pharmacoterapy (1993, apud VERMEIRE, 2001). Dessa forma,

soluções no campo da medicina como encurtamento dos tratamentos, redução

dos efeitos colaterais com dosagens menos agressivas fazem-se necessárias

para reduzir a baixa adesão.

Por outro lado, são necessárias medidas sócio educativas, seja por parte

das empresas ou governos, no sentido de mobilizar a população quanto à

importância do tratamento, mesmo que não haja sintomas, e também na

perseverança do tratamento mesmo diante de alguns possíveis efeitos

colaterais.

No cenário brasileiro, no entanto, melhorar a relação médico paciente

parece ser um problema mais profundo. Ações que visem estimular a

negociação dos objetivos do tratamento e encorajar o apoio familiar não

parecem ações triviais. Durantes as entrevistas, percebeu-se pouca interação

dos médicos com os pacientes, exceto em questões mais triviais como, por

exemplo, perguntar se o medicamento indicado é ou não o genérico,

contrapondo a literatura que identificou uma participação crescente do

paciente na escolha e negociação do tratamento médico (OMS, 2003). Há

casos, no entanto, em que nem mesmo esta pergunta que poderia ser

considerada básica, é contestada pelos pacientes, mostrando que o estímulo a

ações dessa natureza pode residir em questões sociais mais profundas como,

por exemplo, a educação.

No âmbito da posologia dos medicamentos, esta é percebida como

relevante para a adesão ao tratamento médico em dois sentidos. No primeiro,

quando a posologia é inadequada para o tratamento do paciente em função da

incompatibilidade entre posologia e as funções diárias exercidas pelos

pacientes (FLEISCHER, 2012). No segundo, quando a posologia é percebida

como ineficaz pelo paciente, podendo ser descartada pelo mesmo antes até do

início do tratamento (FLEISCHER, 2012).

Ambas as situações puderam ser evidenciadas através das entrevistas.

Tanto no primeiro quanto no segundo problema, as soluções remetem ao

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tópico anterior, na qual o paciente e o médico deveriam ter uma relação mais

estreita durante a consulta para, em conjunto, chegarem ao melhor tratamento,

onde o paciente possa tirar suas dúvidas quanto à eficácia, outras soluções

etc.

5.4 Fatores Relacionados com o Paciente

Como abordado anteriormente, medicamentos são vistos como cura e

veneno, conforme literatura pesquisada, impondo aos indivíduos escolhas

quanto ao seu uso que podem ser influenciadas por ideologias, construções

culturais ou até mesmo percepções da eficácia dos mesmos (DESCLAUX,

2006).

Apesar, no entanto, da maioria dos entrevistados revelar uma faceta

negativa quando a percepção dos medicamentos, sempre associando-os a

doença, e não a cura, por exemplo, não foram detectados traços relevantes de

pacientes que abdicam do tratamento médico em função desta avaliação

negativa quando aos medicamentos.

O mais próximo a que se chegou foi o entrevistado 03, que afirmou ter

conhecimentos sobre a grande quantidade de agentes químicos presentes nos

remédios, evitando tomar medicações, principalmente a automedicação. Este

mesmo entrevistado, no entanto, estava realizando tratamento para coluna no

momento da pesquisa, sendo consumidor de fármacos em um tratamento

estimado em 03 meses.

Dessa forma, não podem ser consideradas relevantes para o âmbito da

adesão a percepção dos pacientes da baixa renda brasileira sobre o papel dos

medicamentos, visto que não foram detectados casos nos quais os pacientes

se neguem ou interrompam o tratamento em função da percepção negativa

sobre os medicamentos.

Doença e cura são experiências intersubjetivamente construídas, em

que o paciente e o meio ambiente (familiar, trabalho, lazer etc.) estão

constantemente negociando significados (ALVES et al, 1999). Considerando

este conceito, a influência do meio aparece de maneira expressiva nas

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entrevistas de maneira geral. São inúmeros os relatos de casos onde

pacientes são influenciados a tomar medicamentos, trocar prescrições e até

mesmo tentar tratamentos alternativos objetivando a cura, tendo todos esses

cenários impactos diretos na adesão de medicamentos.

Todos os entrevistados, sem exceção, têm pontos de referência no

sentido de buscar ajuda ou tirar dúvidas, no que tange a utilização de

medicamentos. Os meios pelos quais estas redes informais se articulam

podem estar conectadas com a falta de serviços de saúde de qualidade,

fazendo com que um espírito de comunidade se fortaleça. Isso fica evidente no

compartilhamento de soluções, como exposto pelos entrevistados que indicam

remédios que já utilizaram caso os vizinhos estejam sentindo sintomas

parecidos, por exemplo.

Mesmo que os pacientes consigam atendimento na rede de saúde, seja

pública ou até mesmo pagando por uma consulta na rede particular, a prática

de referendar o tratamento médico é comum diante da baixa qualidade do

serviço.

No âmbito da religião, apesar de todos os entrevistados terem se

declarado religiosos, não foram encontrados relatos relevantes da influência

da religião na adesão ao tratamento médico, não tendo nenhum entrevistado

relatado contraindicações advindas da religião acerca do uso de

medicamentos. Tal fato confronta, assim, a pesquisa de Merino (1993), que

abordou em sua pesquisa o impacto da religião na busca por tratamentos de

uma família resignada com o diagnóstico da filha, sendo influenciada pelo meio

a buscar diferentes religiões para a solução do problema.

No âmbito da empatia profissional, devemos levar em consideração,

antes disso, que ao buscar tratamento médico os pacientes estão envolvidos

em uma teia complexa de fatores e preocupações pessoais como, por

exemplo, tempo entre o início do tratamento e o efeito da medicação, o medo

de efeitos colaterais, receio dos impactos da doença, ausência de sintomas

etc.

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Assim, a empatia profissional está altamente atrelada a interação do

profissional de saúde e o paciente, visto que em virtude dos anseios de cada

paciente o tratamento dado pelo médico, se mais solicito e atencioso, pode ser

fundamental para a adesão ao tratamento médico (DONOVAN, 1995 apud

VERMEIRE, 2001).

Não à toa, grande parte dos entrevistados utilizou-se de exemplos

práticos para suportar como a empatia do profissional era percebida. Para os

entrevistados, o médico realizar procedimentos básicos de saúde como checar

a pressão ou sentir os batimentos cardíacos são importantes para a avaliação

do profissional, pois demonstram cuidado. Além disso, a paciência na hora de

explicar os sintomas, os resultados de exames foram descritos como

relevantes.

Dessa forma, e com base nas entrevistas e na revisão de literatura

realizada, podemos dizer que a empatia é sim um fator relevante para a

adesão ao tratamento médico.

Como abordado na revisão de literatura, crenças sociais são

determinadas de acordo com o meio em que estamos inseridos, sendo

influenciadas pela sociedade, comunidade, família, além do conhecimento da

ciência e tecnologia as quais cada indivíduo tem acesso (MERINO, 2007).

Muitos dos aspectos foram abordados em outros tópicos, como a

influência do meio, caracterizado pela comunidade, família etc. Além disso, a

tecnologia representada pelo conhecimento e acesso a internet, neste caso,

pouco difundidos com o propósito da informação na área de saúde no grupo

pesquisado.

No entanto, não podemos ignorar que o ser humano, como indivíduo, é

balizado por crenças. Crenças essas que tem interferência direta na adesão ao

tratamento médico. Foi aspecto comum nas entrevistas notar que, cada

entrevistado a sua maneira, baliza determinadas decisões referentes à saúde

de acordo com crenças do tipo acreditar que chás têm funcionalidades

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terapêuticas capazes de auxiliar no resultado de exames periódicos, por

exemplo.

Tais crenças, assim como outros aspectos aqui levantados, são difíceis

de serem trabalhados uma vez que são reflexos de traços culturais e até

mesmo de educação e conhecimento. Tal análise só evidencia que o consumo

de fármacos está envolto em uma rede complexa e densa de informações.

5.5 Fatores Relacionados com a Doença

As percepções sobre doença e cura tem impacto significativo na adesão

ao tratamento médico a partir do momento em que, em função da percepção

dos entrevistados, estes julgam determinados sintomas não como doenças,

mas como enfermidades de baixo risco e, assim, optam pela automedicação,

soluções caseiras, ou até mesmo a espera pelo fim dos sintomas.

As razões que vão determinar a busca pelo tratamento médico vão em

função da percepção da gravidade dos sintomas, do conhecimento dos

mesmos – se novos ou desconhecidos -, assim como de aspectos financeiros,

incidência de sintomas similares na comunidade ou região, entre outros

aspectos mais.

A realidade é que a percepção de cura e doença tem total conexão

também com a adesão ao tratamento médico, potencializado pela carência na

estrutura de serviços de saúde vivenciado pelos entrevistados, que buscam

outras alternativas de tratamento, exceção em casos excepcionais,

influenciando diretamente no tratamento médico.

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6 RESUMO E CONCLUSÕES

Este é o capítulo de conclusão e nele serão apresentados um breve

resumo do estudo e as principais conclusões da pesquisa. Além disso, são

sugeridas pesquisas futuras, endereçadas tanto a expandir o conteúdo que foi

abordado nesse trabalho quanto a investigar pontos que divergiram do que era

esperado, segundo a literatura.

6.1 Resumo do Estudo

No contexto atual, os cuidados de saúde estão envolvidos em uma trama

altamente complexa. O ambiente vivenciado nas unidades de saúde, pelos

profissionais, entre outros atores, é de pressão e rápida transformação,

envolvendo uma vasta gama de tecnologia, muitas decisões individuais e

julgamentos por parte da equipe de profissionais. Se considerada a realidade

brasileira, então, pode-se imaginar os desafios evidenciados na luta por um

melhor sistema de saúde no Brasil.

Não bastasse o cenário acima relatado, a área de saúde ainda lida com

um problema altamente relevante: a adesão ao tratamento médico e,

correlatamente, o abandono do tratamento. Um problema complexo e sempre

presente, sendo ainda um assunto de grande destaque no âmbito da saúde,

representando um alto custo para os sistemas de saúde, seja pelo retrabalho

nos atendimentos quando uma doença não é tratada, seja pela potencialidade

de novas enfermidades surgirem quando o tratamento não é feito da maneira

adequada (ex. administração de antibióticos).

As implicações da baixa adesão ao tratamento médico são diversas e

comprometem severamente a eficácia do tratamento, tornando este um

problema crítico na saúde da população, tanto do ponto de vista da qualidade

de vida como da economia. Uma série de variáveis interferentes no processo

de adesão ao tratamento médico foram estudadas ao longo de mais de 50

anos de revisão de literatura, conforme abordado previamente, e muito bem

condensadas através de estudo da Organização Mundial de Saúde em cinco

grandes dimensões: (1) fatores relacionados com o sistema de saúde, (2)

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fatores socioeconômicos, (3) fatores relacionados com o tratamento, (4)

fatores relacionados com o paciente e (5) fatores relacionados com a doença.

Considerados os objetivos do estudo, entendeu-se que a pesquisa

qualitativa – de natureza exploratória e desestruturada -, seria a mais

adequada para alcança-los. Diante da incipiência dos estudos, a pesquisa

exploratória se encaixa, pois é usada em casos nos quais é necessário definir

o problema com maior precisão, identificar cursos relevantes de ação ou obter

dados adicionais antes que se possa desenvolver uma abordagem mais direta.

Para alcançar o objetivo pretendido, foi elaborado um roteiro de

entrevista para servir de guia para o pesquisador durante as entrevistas em

profundidade. A abordagem escolhida leva em consideração a técnica de

‘Laddering’ que tem por objetivo ir além da superfície aparente para descobrir

mecanismos geradores e estruturas ocultas. Assim, a pesquisa não é

interrompida ao se encontrar as causas de um evento particular, mas

continuam a buscar continuamente os mecanismos ocultos que expliquem a

realidade.

6.2 Principais Conclusões

Conforme destacado por inúmeros autores e organismos internacionais

como a OMS, a revisão da literatura abordou a complexidade do assunto e a

vastidão de variáveis que exercem influência no processo de adesão ao

consumo de medicamentos.

Tal complexidade dificulta, por exemplo, o processo de análise visto que

é difícil atribuir relações causais para os problemas evidenciados. Mais do que

relações de causas e consequências, o tema da adesão ao consumo de

fármacos poderia ser melhor definido por de um sistema, visto que os agentes

desse sistema exercem influência simultânea e tem interferência direta entre

si, afetando seu funcionamento.

De todo modo, foram coletadas evidencias suficientes capazes de

responder as perguntas de pesquisa propostas, atingindo o objetivo de

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pesquisa proposto inicialmente. Dessa forma, as perguntas de pesquisa

específica e geral serão respondidas na sequência.

Para a primeira pergunta específica, que questionava o significado de

doença para a classe social estudada, por exemplo, tanto a revisão de

literatura quanto pesquisa de campo evidenciaram que a procura de cuidados

está condicionada por uma série conjunta de fatores como atitudes, valores e

ideologias, perfis da doença, entre outros. Foi comum perceber, por exemplo,

entrevistados afirmando que não tinham condições de se ausentar do trabalho

em função de sintomas conhecidos ou classificados como de menor

importância, relevando a faceta anteriormente detalhada das atitudes e dos

valores pessoais na adesão ao tratamento médico.

A concepção sobre o estado de saúde varia também de acordo com o

gênero, incorporando fatores sociais relacionados a organização familiar, as

condições de trabalho, o tipo de ocupação e a cultura. Masculino e feminino

definem um perfil estereotipado de homem e mulher. Os homens são vistos

como ativos, fortes, capazes do trabalho físico árduo, produtivos, competitivos

e orientados, enquanto as mulheres como sensíveis, frágeis, dependentes e

geralmente mais aptas ao cuidado. Dessa forma, foi notório nas palavras dos

entrevistados percepções de saúde associada à disposição para o trabalho,

em ambos os gêneros, e também de aparência visual.

O conceito de saúde descrito pela maioria dos entrevistados é coerente

com o adotado pela Organização Mundial de Saúde, que valoriza não apenas

a ausência de doença, mas a situação de perfeito bem estar físico, mental e

social da pessoa, pontos levantados por praticamente todos os entrevistados

durante a pesquisa.

Já no âmbito da segunda pergunta, que questiona sobre a percepção de

risco dos sintomas e o impacto desta no na adesão ao tratamento, a literatura

afirma que mesmo apresentando os mesmos sintomas patológicos, cada

individuo reage de uma forma particular aos sintomas percebidos. Esse

comportamento já poderia ser esperado de acordo com o respondido na

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primeira pergunta, mas no caso da percepção de risco, há mais do que apenas

atitudes e valores.

A trajetória terapêutica dos indivíduos está diretamente ligada à

avaliação de seu próprio estado de saúde. Ou seja, para casos considerados

leves, a automedicação é a principal saída utilizada, fato comumente abordado

por praticamente todos os entrevistados.

A definição de casos leves ou graves tem como referencial a experiência

acumulada dos indivíduos, caracterizada pela própria vivência, pelos hábitos

culturais, o conhecimento incorporado pelo contato com profissionais da

saúde, rede de apoio social, entre outras experiências. Dessa forma, podemos

afirmar que a percepção de risco dos sintomas está em linha com o início e a

adesão ao tratamento médico.

Em linha com a segunda pergunta, compreender em quais situações os

usuários reconhecem a necessidade de um especialista, seguindo o ‘itinerário

protocolar’, acaba sendo um desdobramento da pergunta anterior, visto que a

severidade dos sintomas tem influência direta na busca pelo tratamento

médico. Neste sentido, sintomas considerados graves pelos pacientes irão

gerar, num primeiro momento, preocupação. Tal preocupação, no entanto,

também não é garantia de busca pelo tratamento médico. Como percebido

pelas entrevistas, a duração dos sintomas também se torna relevante. Ou seja,

se forem problemas pontuais, mesmo que percebidos como grave, muito

provavelmente não irão mobilizar o paciente a seguir o itinerário protocolar.

Dessa forma, apenas problemas considerados graves e persistentes são

tratados, forçando o paciente a buscar auxílio de especialistas.

No âmbito da composição dos medicamentos, a posologia foi percebida

pelos entrevistados como um fator associado à eficácia dos medicamentos e,

portanto, influenciando na adesão dos mesmos. Em depoimento, foi possível

perceber entrevistados descrentes com o uso de pomadas, por exemplo, ou

ainda afirmando que para problemas graves o que funcionava era injeção

apenas. Dessa forma, há indícios da posologia dos medicamentos interferindo

na percepção de eficácia e, portanto, na adesão ao tratamento médico.

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Por outro lado, não apenas do ponto de vista da eficácia a posologia de

determinados medicamentos foi contestada. Em alguns caos, percebeu-se que

a composição dos medicamentos tem interferência direta na rotina de

determinados trabalhadores, demonstrando que a incompatibilidade entre

posologia e tarefas pessoais ou profissionais também têm impacto na adesão

ao tratamento médico.

Neste processo de busca pelo tratamento de saúde, não

necessariamente seguindo o itinerário protocolar, diversos agentes

influenciadores podem ser percebidos na adesão dos pacientes. Na ausência

de estruturas de saúde de qualidade, a rede de contatos dos entrevistados é

fundamental no auxílio ao tratamento médico nas classes menos favorecidas

de diversos países, pois criam uma rede de relacionamentos capaz de

encontrar estratégias de sobrevivência que as façam amenizar a situação de

penúria evidenciada em seus meios sociais. Essa estrutura de apoio foi

largamente evidenciada pelas entrevistas, que identificaram que todos os

entrevistados recorrem a pontos de referência, mesmo que não ligados a área

de saúde, para confrontar opiniões médicas, sugestões, ou conselhos, e se

mostrou-se relevante para influir na adesão ao tratamento médico.

Em menor grau, mas também percebido pelas entrevistas, é possível

destacar a influência de outros agentes atuando no processo de compra como,

por exemplo, balconistas e farmacêuticos, que em alguns casos foram

apontados como relevantes no aconselhamento de remédios similares e

genéricos para o tratamento médico.

Conforme literatura, melhorar a relação médico paciente é percebido

como fundamental para reduzir as taxas de não adesão. Assim, no âmbito dos

atributos de qualidade avaliados no atendimento médico, as entrevistas

demonstraram que a empatia profissional é um aspecto relevante dentro do

relacionamento médico paciente e, portanto, influenciador na adesão.

Foi identificado que determinados hábitos médicos durante a consulta

podem contribuir para criar uma boa impressão por parte dos pacientes.

Relatos como afirmar que um bom médico é aquele que escuta o que o paciente

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tem a dizer, examinando-o, em oposição à figura de um médico que mantem a

cabeça baixa e fica escrevendo; médicos que realizem exames “pelo corpo” para

desenvolver uma relação de confiança; o uso de palavras rebuscadas ou não

claras são exemplos de ações que contribuem para a adesão ao tratamento

médico.

Por fim, como última pergunta específica de pesquisa, pode-se afirmar

que os motivos que levam a população de baixa renda a se automedicar são

diversos. No entanto, chamam a atenção dois aspectos primordiais. O primeiro

deles, estrutural, pois como apontado por diversas vezes pelos entrevistados,

a carência de bons hospitais e atendimento de qualidade faz que com seguir o

itinerário protocolar seja a última das escolhas dos entrevistados. Em um

segundo plano, pode-se perceber também um viés cultural, em função de

percepções sobre o que vem a ser estar doente, implicações do tratamento

médico, riscos da automedicação etc.

Diante do exposto, e tendo por base a pergunta principal de pesquisa a

respeito do que leva a população brasileira de baixa renda a iniciar e a aderir

ao tratamento prescrito pelo médico, pode-se afirmar que a adesão é um

fenômeno complexo para que possa ser submetido a generalidades. Como viu-

se, as variáveis interferentes no processo de início e adesão ao tratamento

médico são diversos, passando por questões culturais, estruturais, sociais,

entre outras. No entanto, foram fornecidas evidências suficientes para nortear

políticas públicas capazes de combater a falta de adesão ao tratamento

médico, assunto de relevância internacional que deveria ser administrado

como caso de gestão pública em função de sua relevância social.

6.3 Sugestões de Pesquisas Futuras

Diante de um cenário de descobertas, a pesquisa exploratória veio a

calhar em função da necessidade de definir o problema com maior precisão,

identificando os cursos relevantes de ação. Dessa forma, foram propostas

entrevistas em profundida que ajudaram a compreender em que situação

estava a baixa renda brasileira diante das dimensões de pesquisa acerca do

consumo de fármacos.

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Dessa forma, como sugestões de pesquisa futuras, a primeira das ideias

a se explorar é uma pesquisa quantitativa capaz de avaliar em larga escala,

com validade estatística, algumas ou a totalidade das dimensões apresentadas

neste estudo, uma vez que a espinha dorsal sobre o consumo de fármacos nas

na baixa renda está sendo lançada.

Outra ideia de pesquisa que surge é uma possível comparação entre

classes, para entender quais as diferenças básicas entre, por exemplo, a baixa

renda, aqui estudada, e as classes A e B brasileiras. Serão encontradas

diferenças quanto à interação com os médicos, automedicação, influência do

meio e outros aspectos relevantes na adesão ao consumo de fármacos? E

como essas diferenças podem influenciar políticas públicas capazes de reduzir

os problemas inerentes da falta de adesão?

Além disso, diante do grande número de variáveis estudadas, podem ser

realizadas pesquisas que compreendam de maneira mais específica uma ou

duas dimensões correlatas, de forma a explorar de maneira mais profunda a

relação destes itens com a adesão ao consumo de fármacos.

Por fim, estudos podem ser desenvolvidos no sentido de compreender o

papel e as ações históricas de outros agentes no processo de adesão ao

consumo de fármacos. Como governo, médicos e empresas do setor estão

lidando com esta questão para entender os impactos e soluções para esse que

parecer ser um problema global?

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ANEXO 1 – Roteiro de Pesquisa

1. APRESENTAÇÃO DA PESQUISA E AUTORIZAÇÃO PARA

GRAVAÇÃO/FOTOS

Bom dia / tarde / noite, meu nome é Gabriel Vaz e sou aluno da COPPEAD

(UFRJ). Nós estamos realizando uma pesquisa sobre o consumo de medicamentos

pelos brasileiros.

Nós gravamos as entrevistas. O objetivo disso é não perdemos detalhes

importantes da nossa conversa. Em nenhum momento sua identidade será

divulgada. Ou seja, a Sra. não será identificado em nenhum momento. Ok?

2. CONTEXTO:

A. Qual seu nome?

B. Idade?

C. Formação?

D. Qual a profissão?

E. Tem plano de saúde?

F. Tem filhos? Se sim, quantos? De qual idade?

G. De onde você é? E sua família?

H. Qual o bairro de residência?

I. Com quem vive em sua residência?

J. Alguém mais frequenta sua casa diariamente? Quem?

K. Tem acesso a internet? (Celular, em casa, vizinhos, lan houses)

L. A residência tem quantos:

i. Banheiros?

ii. Quartos?

iii. Automóveis?

3. AQUECIMENTO:

A. Qual a sua avaliação do sistema de saúde público?

B. Quando eu digo a palavra remédio, o que lhe vem à cabeça?

C. O que é ter saúde para você?

D. Você toma algum remédio?

E. Toma algum remédio diariamente? Para que?

F. Você tem algum problema de saúde?

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G. Quando você tem uma dor de cabeça, o que você faz?

H. Que tipo de problema te leva a procurar um médico?

I. O que é para você estar doente?

4. MÉDICOS E MEDICAMENTOS

A. Você tem costume de ir ao médico? Se sim, em quais ocasiões (prevenção ou

aparecimento de algum sintoma?). Se não, por quê?

B. Quando o médico te passa um medicamento que você ainda não conhece, o

que você faz? Você busca informações sobre ele? Você pergunta para o

médico? Pergunta sobre o novo medicamento para outras pessoas? Para

quem? Por quê?

C. Já pesquisou sobre um medicamento na internet? Qual(is)? O que você

queria saber? O que encontrou? Em que sites? Com que frequência você

procura a internet?

D. Você tem o hábito de ler a bula dos medicamentos? Quando? Por quê?

E. Você costuma seguir a risca a prescrição do médico? Completa os dias e

horários? Em quais momentos isso não foi possível? Por quê?

F. O tipo (pomada, comprimido etc.) e a finalidade do remédio influenciam a sua

percepção sobre o medicamento? Você busca mais informações de acordo

com o tipo ou acha que alguns são melhores que outros?

G. A duração do tratamento influencia na correta utilização?

H. O valor dos remédios influencia na compra dos medicamentos?

I. A quantidade de vezes ao dia / semana que é preciso tomar a medicação

influencia?

J. A prescrição do médico é sempre clara quanto aos remédios e dosagens? Se

você tiver qualquer dúvida, como faz? Volta para falar com o médico? Pede

ajuda?

K. Você acha que as prescrições são difíceis de entender?

L. Se o médico detecta algum problema em sua saúde, mas você não tem

sintomas aparentes, vai tomar os remédios mesmo que não sinta

necessidade?

M. Quando você tem efeitos colaterais ao tomar remédios, interrompe o

tratamento?

N. Em quais ocasiões você toma remédios sem consultar um médico? Por quê?

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O. Quando você não tem confiança no médico, o que faz? Procura outros

médicos? Ou segue a receita mesmo assim?

5. PERCEPÇÃO SOBRE GENÉRICOS

A. O que você acha dos medicamentos genéricos?

B. Você confia neste tipo de medicamentos? O que te faz confiar (ou não)

neles? Por quê?

C. Você costuma dar preferência para genéricos ou medicamentos de marca?

Quando opta por um ou por outro?

D. Na escolha entre genérico e de marca, faz diferença se o medicamento é

para você ou para seu(s) filho(s)?

E. Quando o médico prescreve um medicamento, você procura ver se tem

genérico?

F. Tem preferência por algum laboratório, alguma marca? Qual? Por qual

motivo? Deixa de comprar o medicamento de algum laboratório? Por qual

motivo?

6. APRENDIZADO SOBRE MEDICAMENTOS

A. Contexto familiar: pais/familiares tinham alguma doença, tomam muito

remédio? Iam a médico?

B. Há alguém que você procura quando você tem alguma dor, ou se sente mal?

Quem? Por que?

C. Consegue recordar de coisas que aprendeu com essa pessoa sobre

tratamento de doenças e medicamentos? O quê? Ainda usa estes

ensinamentos? O quê? Quando?

D. Consegue listar medicamentos que você ainda usa e que aprendeu com

alguém da família?

7. CUIDADOS COM A PRÓPRIA SAÚDE E USO DE MEDICAMENTOS

A. Quando você sente alguma coisa como dor de cabeça, enjoo, gripe, virose...

(algo que você tenha tido algumas vezes ou tenha com frequência...). O que

você costuma fazer?

B. Qual foi a última vez que você foi a um médico?

C. Que (tipo de) medicamentos você só usa quando receitado por um médico?

Por quê?

D. Tem algum remédio que você não usa mesmo que o médico mande? Por

que?

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E. O que te faz não usar o remédio prescrito por um médico?

F. Que medicamentos você sempre tem em casa? O que não pode faltar na sua

casa? O que faz destes medicamentos necessários?

G. Há algum medicamento que leve sempre com você? Qual(is)? Por quê?

H. Como é que você carrega estes medicamentos? Bota no bolso? Na bolsa?

Em caixinha?

8. ITINERÁRIOS DE CONSUMO DE MEDICAMENTOS

A. MOMENTO DA COMPRA:

• Onde/como os medicamentos são comprados?

i. Onde você costuma comprar medicamentos?

ii. Como escolhe a farmácia / loja online?

iii. Você tem alguma farmácia que você frequenta mais? Por que?

iv. Você compra remédio pela internet? Pede pelo telefone ou vai até a

farmácia? (explorar possíveis diferenças)

v. Compara preços? Para todos os medicamentos ou medicamentos

específicos?

• Compra de medicamentos prescritos: escolha do medicamento/marca

i. Quando o médico te prescreve um remédio, você vai direto

comprar? Ou conversa com alguém?

ii. E se você vai na farmácia e não encontra, o que faz? (Entra em

contato com o médico? Busca orientação de alguém? Quem?

Compra outra? Como escolhe?)

iii. Você busca exatamente a marca do remédio indicado pelo médico

ou procura também genéricos ou outras marcas? Por quê? Isso

varia dependendo do medicamento? Por quê?

iv. Contou ao médico da mudança do remédio prescrito? Por quê?

Caso tenha contado, o que o médico achou da mudança?

• Influências do balconista e/ou do farmacêutico (explorar situações)

i. No momento da compra, você busca orientação de alguém? De

quem?

ii. Você lembra de alguma situação em que foi comprar um

medicamento e recebeu indicação não solicitada do balconista da

farmácia (explorar balconista x farmacêutico)? Você seguiu a

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sugestão dele? E o medicamento indicado fez o efeito desejado?

Isso já ocorreu outras vezes/é algo comum de acontecer?

iii. Você confia no que o balconista diz? Por quê? Em todas as

farmácias ou em alguma específica? E no farmacêutico?

• Outras influências na compra (redes sociais)

i. Você procura informações sobre remédios, doenças na internet?

ii. Que sites você usa?

iii. Visita comunidades?

• Em caso de compra online

i. Quais sites você utiliza para a compra?

ii. Com que frequência?

iii. Começou a comprar pela internet quando?

B. ARMAZENAMENTO / ESTOCAGEM:

• Onde / como são guardados os medicamentos na sua casa? Por quê?

i. Quando o medicamento chega a casa, onde você guarda? Por quê?

ii. Onde o medicamento fica quando está sendo usado? Por quê?

iii. Explorar os locais de armazenagem e diferenças no

armazenamento de medicamentos dos filhos e dos pais.

iv. Que critérios você utiliza para guardá-los em locais diferentes? Qual

é o critério para passar os medicamentos de um lugar para outro?

• O que você guarda junto com medicamentos? Por quê?

i. Você guarda algum outro tipo de produto no mesmo lugar que os

medicamentos? Quais? Por que eles podem ser guardados juntos?

• Explorar possíveis estoques de medicamentos

i. Faz estoque de algum medicamento? Quais? Por quê? Como é a

reposição deste estoque? Quando é hora de repor?

C. CONSUMO DO MEDICAMENTO

i. Quando você está tomando um medicamento, como você faz para

lembrar das doses/horários?

ii. E para lembrar o que já tomou/deu ou não? O que faz quando não

lembra se tomou/deu uma dose? O que faz quando esquece de

tomar/dar uma dose?

D. DESCARTE

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i. Você tem o hábito de verificar os medicamentos que estão

vencidos?

ii. O que você faz com medicamentos vencidos? Por quê? Como?

Onde? Separa o medicamento da embalagem?

iii. O que faz com os medicamentos que para de usar? Guarda? Por

quê? Onde? Como?

iv. Joga fora? Por quê? Como? Onde? Separa o medicamento da

embalagem?

v. Doa? Para quem?

9. FECHAMENTO

A. Outros tratamentos: Além dos medicamentos que nós conversamos, você usa

ou já usou outros tratamentos de medicina natural (como homeopatia, ervas

ou chás, acupuntura, massagens, etc...) em você? (Caso sim:) Poderia contar

como foi (ou é) este tratamento? Qual avaliação que você faz do resultado

desses outros tratamentos?

10. RELIGIÃO A. Você é religioso (a)?

B. Qual a sua religião?

C. (Caso sim) Você considera que a religião é importante para a sua saúde? De

que modo?