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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA CLÁUDIA SILVA DE SOUZA A (DOCÊNCIA)LESCÊNCIA: PRESSUPOSTOS PARA UM ENSINO DESENVOLVIMENTAL UBERLÂNDIA 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

CLÁUDIA SILVA DE SOUZA

A (DOCÊNCIA)LESCÊNCIA: PRESSUPOSTOS PARA UM ENSINO

DESENVOLVIMENTAL

UBERLÂNDIA

2016

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CLÁUDIA SILVA DE SOUZA

A (DOCÊNCIA)LESCÊNCIA: PRESSUPOSTOS PARA UM ENSINO

DESENVOLVIMENTAL

Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação

em Educação da Universidade Federal de

Uberlândia como requisito parcial para a obtenção

do título de Doutora em Educação.

Área de concentração: Saberes e Práticas

educativas

Orientação: Dr. Roberto Valdés Puentes

Coorientação: Dra. Silvia Maria Cintra da Silva

UBERLÂNDIA

2016

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.

S729d

2016

Souza, Cláudia Silva de, 1980

A (docência)lescência: pressupostos para um ensino

Desenvolvimental / Cláudia Silva de Souza. - 2016.

249 p.

Orientador: Roberto Valdés Puentes.

Coorientadora: Silvia Maria Cintra da Silva.

Tese (doutorado) - Universidade Federal de Uberlândia, Programa

de Pós-Graduação em Educação.

Inclui bibliografia.

1. Educação - Teses. 2. Adolescência - Teses. 3. Ensino - Aspectos

psicológicos - Teses. 4. Ensino e aprendizagem - Teses. I. Valdés

Puentes, Roberto. II. Silva, Silvia Maria Cintra da. III. Universidade

Federal de Uberlândia. Programa de Pós-Graduação em Educação. IV.

Título.

CDU: 37

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Dedico esta tese aos adolescentes e aos seus professores.

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AGRADECIMENTOS

Sou grata a Deus e aos meus queridos pais, que me deram a vida e as condições

necessárias para que eu trilhasse os caminhos do saber, da melhor maneira possível. Sou grata aos meus amigos e familiares, por me apoiarem durante todo o meu percurso de

vida, propiciando-me a sensação de acolhimento e amorosidade necessários para eu caminhar

com segurança em/para qualquer destino. Sou grata à ESEBA, instituição na qual tenho exercido minha profissão e onde encontrei

amigos e colegas que me apoiaram nessa trajetória de pesquisa. Agradeço, especialmente, aos

meus amigos e colegas da área de Psicologia Escolar e Educação Especial. Sou grata aos meus queridos orientadores, Roberto e Silvia, com os quais me senti respeitada

e estimulada a desenvolver este trabalho. A eles, um agradecimento especial, pois sua atenção

e apoio foram simplesmente perfeitos. À Zezé, sou grata pela amizade, incentivo e sugestões cheias de sabedoria. Aos meus colegas e amigos do curso de doutorado, que começaram juntos comigo nesta

jornada repleta de desafios, especialmente a querida Érika, com quem troquei muitas

experiências e consolidei uma grande amizade. Minha gratidão aos funcionários da Faculdade de Educação-FACED/UFU, especialmente o

James, pela competência e disponibilidade em ajudar. À professora Laura, que me orientou na ocasião do meu estágio em Cuba, pela simpatia e

imensa generosidade com que disponibilizou cursos e materiais fundamentais para a pesquisa. À CAPES, pelo incentivo financeiro para a realização do estágio doutoral em Havana-Cuba. À Anabela e Myrtes, professoras que participaram da minha banca de qualificação e que com

respeito e zelo ofereceram ótimas contribuições para o trabalho final. Minha gratidão aos colegas - professores que aceitaram participar da pesquisa,

disponibilizando o seu tempo e confiando no meu trabalho. Sou grata a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a construção desta tese.

Com certeza, são muitos nomes que aqui não foram citados, mas nem por isso deixam de ser

importantes. Pessoas que, anonimamente, apresentaram para comigo atitudes as mais

compreensivas e colaborativas e que, por isso, também fazem parte desta conquista. Gratidão a todos!

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RESUMO A adolescência tem sido focalizada, sob o ponto de vista da Psicologia tradicional, como uma etapa natural e universal do desenvolvimento humano, que considera o sujeito em uma perspectiva individualizante. Tal compreensão traz repercussões não apenas para o entendimento acerca da adolescência como para as práticas realizadas com este público, notadamente a pedagógica. Neste sentido, apoiamo-nos no Enfoque Histórico-Cultural, fundamentação teórico-metodológica que busca entender dialeticamente as relações entre indivíduo e sociedade, destacando a dimensão histórica de sua constituição, para a realização da presente tese. Assim, o objetivo geral desta pesquisa é investigar a compreensão do professor de adolescentes sobre as características psicológicas dos seus alunos e como esta influencia sua prática pedagógica. Tivemos como objetivos específicos a realização de uma caracterização psicológica da adolescência; a identificação e análise das compreensões dos professores sobre as características psicológicas na adolescência e as práticas pedagógicas desenvolvidas a partir destas compreensões. Por meio de uma abordagem qualitativa de pesquisa, os procedimentos metodológicos utilizados para a apreensão da realidade investigada foram questionários seguidos da realização de entrevistas semidirigidas com nove professores de adolescentes de uma escola pública federal de Minas Gerais. As análises destacam a compreensão docente como aspecto significativo no desenvolvimento da personalidade do adolescente. Identificamos que esta compreensão não requer do professor apenas conhecimentos gerais sobre a adolescência como etapa evolutiva, mas também a observação da singularidade de cada aluno. Outro aspecto importante é o posicionamento docente mediante tal compreensão, ou seja, a sua prática pedagógica que, por sua vez, está inserida num contexto escolar de uma dada sociedade. Identificamos que a adolescência é uma etapa do desenvolvimento humano que, como qualquer outra, possui características, peculiaridades, tendências psicológicas e regularidades, constituídas a partir das condições concretas em que vivem os sujeitos. Contudo, a situação social do desenvolvimento é uma categoria central para entendermos todas as transformações que ocorrem nesta fase, pois diz respeito à grande reestruturação que se opera nas relações do sujeito com o seu meio, por meio de mudanças que apresentam, sobretudo, um caráter qualitativo, resultando em novas formações na personalidade. Dentre as várias dimensões que constituem a situação social do desenvolvimento, as relações entre professor e aluno tiveram destaque neste estudo, uma vez que as compreensões dos professores sobre as características dos adolescentes foram, preponderantemente, relacionadas a este aspecto. O professor se depara, no cotidiano escolar, com estudantes que demandam formas de atuação muito peculiares à etapa em que vivem, exigindo-lhe determinados conhecimentos e habilidades que ultrapassam o domínio dos conteúdos e apontam para a importância de saber conduzir as relações interpessoais, considerando as características psicológicas desse público. Nesse sentido, torna-se fundamental a organização do coletivo da sala de aula, tendo em vista os impactos deste na formação da personalidade do aluno, cujo processo intensivo de formação da identidade pessoal o torna extremamente sensível às opiniões sociais. Esperamos que as sistematizações realizadas no presente estudo contribuam para a produção de subsídios teóricos sobre as relações entre ensino e desenvolvimento de adolescentes, no Enfoque Histórico-Cultural. Este trabalho apresenta-se como um conjunto de informações que podem configurar-se em pressupostos para a constituição de um Ensino Desenvolvimental, voltado para a adolescência. Tais pressupostos podem, ainda tornar-se fonte de estudos e de outras pesquisas, além de constituir-se em conteúdos para cursos de formação inicial e continuada de professores da educação básica.

Palavras-chave: Adolescência. Docência. Enfoque Histórico-Cultural. Ensino Desenvolvimental. Personalidade.

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ABSTRACT Adolescence has been focused, under the point of view of traditional Psychology, as a natural and universal phase of human development, which considers the subject on na individualizing perspective. Such understanding brings out repercussions not only to the understanding about adolescence but to the practices driven to this public, notedly the pedagogical one. In this sense, one has searched support on the Historical-Cultural Approach, a theoretical-methodological foundation which tries to understand dialetically the relationships between the individual and the society, highlighting the historical dimension of its constitution, to do this thesis. Thus, the general objective of such research is to investigate the teacher s understanding of adolescents on the psychological characteristics of his students and how it influences his pedagogical practice. One has had as specific objectives the building of a psychological characterization of adolescence; the identification and analysis of teacher s understanding about the psychological characteristics of adolescence and the pedagogical practices developed from such understanding. Through a qualitative approach of research, the methodological procedures used to apprehend the reality investigated were questionnaires followed semi addressed interviews with nine teachers of adolescents from a federal state school of Minas Gerais. The analysis pinpoint the teacher s understanding as a significant aspect in the development of the adolescent s personality. One has identified that such understanding does not require from the teacher only general knowledge about adolescence as an evolutionary phase, but also the observation of singularity of each student. Another important aspect is the teacher s positioning before such understanding, that is, his pedagogical practice which, by its turn, is inserted on the school context of a certain society. One has identified that adolescence is a phase of human development which, as any other, has characteristics, peculiarities, psychological tendencies and regularities, constituted from concrete conditions under which subjects live. However, the social situation of the development is a central category to understand all the transformations which take place at this phase, for it is related to the great restructuration which takes place in the relationships between the subject and his environment, through changes that present, above all, a qualitative character, resulting in new formations of personality. Among the several dimensions which constitute the social situation of the development, the relationships between student and teacher have had a highlight in this study, once the understanding of teachers about adolescent s characteristics was, predominantly, related to such aspect. The teacher faces, in the school daily routine, students which demand ways of acting too much peculiar to the phase they live, demanding form him such knowledge and abilities which surpass the domain of contents and point to the importance to know how to conduct the personal relationships, considering the psychological characteristics of such public. In this sense, it is fundamental the organization fo the colective of the classroom, having in mind the impacts of such on the sutdent s personality, whose intensive formation process of personal identity makes him extremely sensitive to social opinions. One hope that such systematizations done in the present study contribute to the production of theoretical subsidies about the relationships between teaching and adolescent s development, in the Historical-Cultural approach. This work presents as a group of information which may configure into assumptions to the constitution of a Developmental Teaching, turned to adolescence. Such assumptions may even become source of studies and of other researches, as well as constitute of contents for pre service teaching and post graduation for teachers of elementar school.

Keywords: Adolescence. Teaching. Historical-Cultural Approach. Developmental Teaching. Personality.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................10 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................13 1 METODOLOGIA ..................................................................................................................20 Objetivos da pesquisa .............................................................................................................20 Pressupostos qualitativos .......................................................................................................21 Cenário da presente pesquisa ................................................................................................25 Construção e análise dos dados .............................................................................................29

2 A PERSONALIDADE E SEU DESENVOLVIMENTO A PARTIR DO ENFOQUE HISTÓRICO-CULTURAL E DA TEORIA DA SUBJETIVIDADE......................................33 Processos do desenvolvimento psicológico: concepções, estrutura e dinâmica .................33 Estrutura da idade: as novas formações...............................................................................35 Situação social do desenvolvimento: o papel do meio na dinâmica da idade ....................36 As idades estáveis e as idades críticas ...................................................................................37 A personalidade no Enfoque Histórico-Cultural .................................................................40 A personalidade como nível superior de organização da subjetividade ............................46 Aspectos que caracterizam a personalidade ........................................................................47 A estrutura da personalidade ................................................................................................50 Relações entre personalidade e desenvolvimento psicológico por idades ..........................53 3 CONSTITUIÇÃO DA ADOLESCÊNCIA ...........................................................................62 4 OS SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO NA ADOLESCÊNCIA ..........................................74 Relações entre adolescentes e adultos ...................................................................................76 Os conflitos entre adolescentes e adultos ..............................................................................79 O modelo adulto no desenvolvimento da personalidade do adolescente ...........................82 Relações dos adolescentes com seus pares ............................................................................84 5 A ATIVIDADE DE ESTUDO E O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO NA

ADOLESCÊNCIA........................................................................................................90 Os interesses cognitivos ..........................................................................................................91 Processos cognitivos ................................................................................................................95 Dificuldades no desenvolvimento cognitivo e suas implicações para a formação da

personalidade na adolescência ...................................................................................98 6 DESENVOLVIMENTO AFETIVO-MOTIVACIONAL NA ADOLESCÊNCIA .............102

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A autoconsciência .................................................................................................................103 A identidade pessoal ou autovaloração ...............................................................................109 O desenvolvimento moral e dos ideais ................................................................................111

A formação da direção moral da personalidade do adolescente ......................................115 O desenvolvimento motivacional profissional ....................................................................118 7 O PAPEL DO ENSINO NO DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE NA

ADOLESCÊNCIA......................................................................................................120 O Ensino Desenvolvimental .................................................................................................127 A constituição da subjetividade docente e o processo ensino-aprendizagem-

desenvolvimento ........................................................................................................134 8 O OLHAR DO PROFESSOR: COMPREENSÃO E ATUAÇÃO NA DOCÊNCIA COM

ADOLESCENTES .....................................................................................................143 8.1 Sistemas de comunicação ...............................................................................................143 Relações professor-aluno .....................................................................................................144 A importância dos vínculos afetivos na relação professor-aluno .....................................155 O exercício da autoridade e os conflitos na relação professor-aluno ...............................159 Estabelecimento de limites, regras de convivência e o diálogo em sala de aula ..............166 Processos de colaboração .....................................................................................................171 Relações entre os adolescentes .............................................................................................177 8.2 Atividade de estudo ........................................................................................................186 Aspectos motivacionais do estudo: compreensão docente sobre a motivação do aluno e

suas causas .................................................................................................................187 O papel docente na formação da motivação para os estudos ...........................................194 8.3 Identidade pessoal...........................................................................................................210 8.4 Os professores e a leitura das transcriações: segundo momento de participação na

pesquisa......................................................................................................................219 8.5 Algumas considerações sobre as análises das entrevistas ...........................................223 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................226 REFERÊNCIAS .....................................................................................................................234 APÊNDICE A – Questionário de dados gerais ......................................................................231 APÊNDICE B – Roteiro de entrevista ...................................................................................245 ANEXO C – Termo de consentimento livre e esclarecido .....................................................249

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APRESENTAÇÃO1

Propiciar que este processo [de desenvolvimento da subjetividade humana] 2transcorra adequadamente é tarefa primordial de todos os especialistas,

que de uma ou outra forma, nos encontramos frente ao imenso desafio e às vezes enorme privilégio, de contribuir com a educação das jovens

gerações, cujo desenvolvimento psicológico deve produzir-se de acordo com as exigências e valores que sustentam nosso projeto social.

Domínguez García (2003a, p. 341)

A epígrafe que elegi para esta apresentação diz muito sobre os meus anseios

profissionais. Como psicóloga escolar que atua com adolescentes, contribuir com a educação

desse público é, sem dúvida, uma tarefa primordial. Se me perguntarem se gosto de trabalhar

com esse público, eu diria que aprendi a gostar. Não pretendo, com isso, reforçar estereótipos

sobre a adolescência, como o de que se trata de um período difícil, conturbado ou coisa

semelhante. Porém, considero importante assinalar que desde que iniciei o meu trabalho junto

a adolescentes, pondero em uma palavra a essência do que ele representa para mim: desafio.

No início da minha prática como psicóloga escolar e professora de adolescentes,

sentia, por vezes, certa dificuldade em alcançá-los, em adentrar o seu mundo, em ser aceita

por eles. Percebia que “aquela massa de garotos e garotas” tinha seu jeito especial de ser e

nem todos os adultos conseguiam se aproximar deles de modo a conhecê-los profundamente,

sem entraves ou problemas de ordem relacional. Eu me percebia como um desses adultos que,

devido a minha formação em Psicologia, via-se também no dever de compreendê-los em sua

integralidade e realizar um bom trabalho psicoeducacional com os meus colegas de outras

áreas do conhecimento.

Ao rememorar tal época, vejo, ainda, rostos de professores que pareciam ter uma

mágica no trato com os adolescentes. Um deles era um cativante e jovem docente que se

aproximava informalmente dos alunos, dizendo: “- E aí, galera, beleza?” e era considerado um

dos professores mais queridos por eles. Não me lembro dele se queixar dos seus alunos, mas

de sempre levar alguma novidade para a escola, sobretudo relacionada às novas tecnologias.

E, claro, o simples “-E aí, galera, beleza?” ilustrava apenas o quanto ele se sentia à vontade

para estar com os seus alunos e estabelecer uma boa comunicação com eles.

1 Esta apresentação, assim como parte da introdução deste trabalho está escrita na primeira pessoa do singular,

por se tratar de um texto mais narrativo acerca de minhas experiências pessoais e profissionais. Contudo, o restante do texto apresenta-se na primeira pessoa do plural, uma vez que considero que muitos contribuíram para a realização deste trabalho.

2 A explicação entre colchetes: [de desenvolvimento da subjetividade humana], de minha autoria, foi inserida

para auxiliar na compreensão da citação.

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Em meu trabalho atual, tenho buscado desenvolver atividades com os alunos de modo

que nos sintamos à vontade para debater assuntos relacionados aos projetos que realizamos.

Assim, foram criados espaços como o Projeto Adolescer: Afetividade e Sexualidade na

Adolescência, com alunos dos sétimos anos, desenvolvido em parceria com colegas

professores da área de Filosofia da escola e as Assembleias Escolares, com alunos de sétimos

a nonos anos, nas quais buscamos promover o diálogo construtivo com o intuito de exercitar a

cidadania na melhoria das condições da sala de aula, promovendo a autonomia discente. Estes

são apenas alguns exemplos de trabalhos em que senti uma aproximação maior dos

adolescentes, de modo que as ações realizadas fizessem sentido para eles.

Pois bem, voltando à pergunta inicial desta apresentação, quero dizer que, se antes o

trabalho com adolescentes causava-me certa ansiedade, hoje eu o experimento muito mais

como um convite à superação de desafios, algo que me provoca e me faz querer aprender

mais. Ao longo dos anos, tendo acumulado algumas experiências com este público e ainda me

sinto bastante desafiada a me aproximar dos estudantes e a desenvolver experiências

educativas interessantes que contribuam para a formação da sua personalidade. Tenho

percebido que a formação de vínculos mais duradouros é essencial para se estabelecer um

bom relacionamento com os adolescentes. Nesse sentido, o presente trabalho vem somando-se

aos meus saberes e práticas.

A cada leitura sobre a formação da personalidade na adolescência, ampliam-se

possibilidades de realização de atividades com esses alunos, cresce o sentimento de empatia

mediante todos os processos psicológicos pelos quais os adolescentes se constituem e aumenta

a vontade de conversar sobre isso com meus colegas de trabalho, por meio de trocas

profissionais.

Em certa ocasião, num curso ministrado sobre a adolescência para docentes de escolas

municipais de Uberlândia (MG), realizei uma dinâmica inicial com o grupo, na qual foi

solicitado que cada um buscasse nas suas memórias algum momento marcante vivenciado em

suas adolescências: pensamentos, emoções, relacionamentos, concepções sobre os estudos e a

escola, motivações e interesses. A experiência fez despertar emoções, sentimentos e

aproximações entre os presentes. Acredito que serviu como oportunidade de pensarmos o

período da adolescência dos nossos alunos, por meio de um elo afetivo, buscando em nós

mesmos a nossa própria adolescência que ficou em alguma janela do tempo e que, certamente,

também trazemos conosco, configurando aquilo que somos hoje e como nos constituímos.

Assim, creio que todo trabalho com adolescentes, aqui incluo o trabalho científico, é

também autobiográfico. Falamos um pouco de nós e também nos transformamos, na medida

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em que os conteúdos trabalhados, elaborados e apresentados, vão ganhando vida em nosso

universo semântico, afetivo, experiencial. Já não vejo mais os adolescentes como “aquela

massa de garotos e garotas” com seu jeito especial de ser. Vejo que cada um dos alunos com

quem convivo é um sujeito constituído e, ao mesmo tempo, que vem se constituindo por

histórias diversas, amores e dores, merecendo toda a atenção e o respeito da equipe

pedagógica, o que significa percebê-lo em sua singularidade.

A princípio, quando definimos como objeto de investigação o desenvolvimento

humano na etapa da adolescência em sua relação com a educação, tínhamos por intuito

relacionar Psicologia do Desenvolvimento, ensino e aprendizagem, com base no princípio

vigotskiano segundo o qual o bom ensino promove o desenvolvimento, constituindo-se em

duas dimensões dialeticamente relacionadas. Os pressupostos vigotskianos, juntamente com o

arcabouço teórico do Ensino Desenvolvimental, inspiraram-nos a seguir este caminho de

diálogo. Ademais, a prática profissional da pesquisadora como professora de Psicologia

Escolar numa escola de Educação Básica tornava tal objeto de pesquisa um universo mais

familiar uma vez que as relações que buscamos investigar se evidenciam intensamente no

cotidiano escolar.

É preciso esclarecer que esse lugar de pesquisadora que se relaciona cotidianamente

com os sujeitos e objetos de estudo, ora facilita a produção de interpretações sobre o objeto de

estudo, ora nos faz questionar com mais intensidade as implicações desse olhar que lançamos

cuja perspectiva é marcada pelas nossas experiências cotidianas, tornando a tarefa de pesquisa

muito mais desafiadora. Neste sentido, numa análise crítica da realidade não nos esquivamos

da compreensão subjetiva do objeto, até mesmo porque entendemos a impossibilidade de

interpretações supostamente neutras e objetivas. Uma vez que a produção de subjetividade é

condição humana em todos os processos de vida, o que inclui as investigações científicas,

agregamos aos nossos estudos a contextualização de onde partimos, implicando-nos também

como sujeitos de pesquisa.

Ainda que eu me considere uma pesquisadora e uma profissional totalmente imersa no

campo educacional, com o qual a epígrafe da introdução deste trabalho faz um aporte com que

me identifico, é preciso resgatar meu lugar de psicóloga, mais precisamente, do campo da

Psicologia Escolar, lugar de onde venho trilhando meus caminhos pela teoria e pela prática.

Para tal, apresentarei, a seguir, o referencial teórico que direcionou meus estudos anteriores e

meu trabalho, cujo objeto são os processos de desenvolvimento humano, ensino e

aprendizagem.

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13

INTRODUÇÃO

Estudar e tentar compreender um ou outro aspecto da educação, sem perder

de vista sua diversidade e complexidade, é uma tarefa difícil. Pesquisar na educação é tão difícil e desafiador quanto trabalhar nesta área, até porque

compreensão e ação interrelacionam-se no trabalho dos profissionais da educação. Inicialmente, podemos dizer que, na educação, todo recorte ou

seleção que é feito para constituir e apresentar um objeto de estudo coloca-nos em contato com a complexidade de seus sujeitos: sua constituição, seus

modos de ser e agir e seus relacionamentos (CUNHA, 2000, p. 32-33).

A Psicologia tradicional tem focado, sobretudo, o fator “etapa de vida”, buscando

compreender o desenvolvimento humano a partir do indivíduo isolado e de elementos que

ocorrem com todos os seres humanos de modo semelhante, como os processos de mudança

física do organismo, tais como a dentição e o envelhecimento. As teorias desenvolvidas nesta

perspectiva são baseadas nos processos biológicos de maturação, consideradas universais para

todos os indivíduos. Tal ênfase nos processos de origem biológica soma-se à busca da

universalidade como meta científica maior, resultando na “apresentação daquilo que é

contextualizado historicamente como sendo universal” (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 2002, p. 26).

A tendência da ciência em universalizar os fenômenos pode ser percebida na própria

história da Psicologia que, tradicionalmente, se constituiu como uma ciência do indivíduo.

Desta forma, uma de suas peculiaridades é a apresentação de teorias com menor densidade e

articulação à medida que se avança o desenvolvimento da pessoa, ou seja, há mais

conhecimento sobre bebês, crianças, do que de jovens e de adultos, uma vez que, nesta

perspectiva, é mais fácil construir teorias para etapas de vida em que o ser humano esteja mais

próximo de sua origem animal, como bebês de diferentes culturas que são bem similares entre

si, do que para a etapa adulta, na qual os indivíduos já passaram por inúmeros e diferentes

processos culturais em sua constituição (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 2002).

No entanto, este cenário tem se modificado nas últimas décadas. No Brasil, as

mudanças epistemológicas na área de Psicologia Escolar e Educacional ocorreram

simultaneamente a profundas mudanças na esfera político-social brasileira, nas décadas de

1970, 1980 e 1990, uma vez que as produções científicas passaram a adotar novas posturas

teórico-metodológicas (SOUZA, 2010).

De acordo com Tanamachi (2000), ao se reportar à história da Psicologia Escolar no

Brasil, nota-se que, inicialmente, a Psicologia era marcada por concepções que fragmentavam

e universalizavam o ser humano, descontextualizando-o de sua história. Somente a partir da

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década de 1970 foi feito um movimento de crítica e revisão das bases epistemológicas da

Psicologia Escolar, na busca por compreender as relações entre indivíduo e sociedade de

forma dialética.

Autoras como Patto (1981; 1984; 1990; 2005), Souza (2007); Machado (2003), Meira

(2000), Tanamachi (2000) e Bock (2000, 2007), se destacaram na constituição de uma

Psicologia Escolar crítica que, diferentemente da visão positivista e liberal, respaldam-se na

Psicologia Histórico-Cultural, fundamentada no materialismo histórico-dialético para a

análise e a interpretação da realidade. Neste sentido, “compreendem o homem como sujeito

que, embora sendo produto das relações sociais, é capaz de produzir e transformar a sua

história” (SOUZA, 2010, p.19).

De uma Psicologia marcada por práticas psicométricas, adaptacionistas e

individualizantes, fundamentada numa visão ideologizada dos problemas de aprendizagem,

passou-se a uma Psicologia que investiga dialeticamente as relações entre sociedade e

indivíduo. Tais mudanças foram identificadas como indícios de um pensamento que demarcou

a Psicologia Escolar Crítica (TANAMACHI, 1992).

O pensamento crítico procura nas raízes históricas e sociais dos fenômenos, a relação

dialética entre indivíduo e meio, diferenciando-se do pensamento tradicional que estabelece

dicotomias entre indivíduo e sociedade (TANAMACHI, 2000). Ao esforçar-se por

compreender a realidade como algo em movimento permanente, nos quais são produzidos os

fenômenos, o materialismo histórico-dialético oferece as condições necessárias para a

superação da perspectiva positivista e idealista presente na Psicologia (BOCK, 2007).

Assim, o Enfoque Histórico-Cultural, fundamentação teórico-metodológica da qual

partimos para a realização de nossos estudos, busca entender dialeticamente as relações entre

indivíduo e sociedade, destacando a dimensão histórica de sua constituição. Também parte-se

de uma premissa essencial, segundo a qual “através dos outros constituímo-nos” (VIGOTSKI,

2000, p. 24).

A despeito de as concepções de universalização e de maturação biológica ainda

exercerem, na atualidade, forte influência na compreensão dos processos de desenvolvimento

humano, sabemos que a totalidade desses processos não se limita a fatores biológicos. Facci

(2004a) ressalta que, “filogeneticamente, o homem já nasce hominizado, mas é o convívio

com outros homens, a interação e apropriação dos bens culturais, no desenvolvimento

ontogenético, que permitirão que haja o desenvolvimento do complexo psiquismo humano” (FACCI, 2004a, p. 204). Para entendermos esse processo, faz-se necessário nos debruçarmos

sobre um dos principais constructos teóricos da abordagem Histórico-Cultural: a mediação.

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Enquanto os animais são dotados de mecanismos instintivos de adaptação ao mundo,

foi preciso que o homem criasse instrumentos e signos para se comunicar, desenvolver novas

funções psicológicas, conhecer o mundo e transformá-lo. Para transformar a natureza, o

homem criou o instrumento, elemento concreto a mediar a relação entre o trabalhador e o seu

objeto de trabalho. Já os signos são ferramentas psicológicas que foram criadas pelo homem

para que este pudesse controlar suas ações psíquicas. É preciso destacar que a condição

humana não é dada ao nascer, uma vez que a criança ainda não tem os recursos simbólicos

para adentrar no universo da cultura. É graças à mediação do outro, que já detém a

significação cultural que, paulatinamente, o indivíduo se introduz nas práticas sociais, nas

relações humanas (PINO, 2005).

Angel Pino (2005) trata das origens da constituição humana, na obra “As marcas do

humano”, esclarecendo que a constituição cultural parte do biológico ao cultural e deste ao

biológico. Os sinais emitidos por um bebê, indicativos de seus estados internos,

posteriormente, são transformados em signos. Quando o bebê busca alcançar um objeto que se

encontra distante, ele movimenta suas mãos para tentar pegá-lo. Os adultos que o rodeiam

interpretam tal gesto como um “apontar” para o objeto, num movimento de mediação no qual “o grupo social trata de introduzir no circuito comunicativo, sensório-motor da criança a

significação do circuito comunicativo, semiótico, do adulto” (PINO, 2005, p. 65). Assim é

que as ações da criança vão sendo interpretadas, significadas e incorporadas à cultura. Quando

as ações naturais da criança e tudo aquilo que a rodeia passa a ter significação, pois antes

disso tiveram significação para o outro, ocorre o nascimento cultural da criança.

A mediação, feita via signos ou instrumentos é o canal por meio do qual as funções

psíquicas superiores se desenvolvem. Estas se caracterizam por apresentarem uma origem

social, controle voluntário e a realização consciente. As funções psicológicas superiores

modificam a estrutura do funcionamento mental e estruturam a personalidade, sendo que o

desenvolvimento de tais funções passa pela apropriação dos bens culturais e, para isso, é

fundamental a contribuição do processo de escolarização (FACCI, 2004a, p. 210).

De acordo com Cunha (2000, p. 67, grifo do autor), “a escola tem enfatizado mais o

seu papel de ensinar, restringindo-o a fornecer informações, valorizando a memorização, a

repetição, a aprendizagem de conteúdos isolados e menos a educação ‘como desenvolvimento

da personalidade dos educandos e de sua condição de sujeitos individuais’. (REY: 1995:20)”.

Contudo, o processo ensino-aprendizagem pressupõe uma relação dialética entre professor-

aluno, na qual as funções de ambos vão sendo desenvolvidas. Partindo dessa premissa

fundamental é que pretendemos, neste trabalho, articular a adolescência como etapa do

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desenvolvimento humano, o desenvolvimento da personalidade do estudante e os processos de

ensino-aprendizagem.

Ressaltamos que as produções em Psicologia Escolar têm dado mais ênfase ao processo

educacional infantil, sobretudo no I Ciclo do Ensino Fundamental, sendo pouco enfocada a

escolarização na adolescência, o que justifica a importância de se intensificar estudos neste

tema (CHECCHIA, 2010). Nesse sentido, somos de acordo com Cecchia (2006), ao ressaltar a

importância de se considerar a condição de adolescentes, sem fazer referências à categoria de

alunos, de modo abstrato, aspecto também ressaltado por Dayrell (2002), que analisou

produções acadêmicas sobre o tema juventude no campo da educação e evidenciou a escassez

de pesquisas direcionadas à condição de ser jovem dos estudantes, de forma a não restringir a

condição de aluno de forma homogênea ou abstrata, atentando-se para as especificidades da

experiência juvenil no processo de escolarização. O autor ressalta a necessidade de se avançar

na compreensão da juventude em seu processo de escolarização, por meio de estudos que

abarquem os tempos vividos pelos estudantes na especificidade de sua faixa etária, de sua

condição humana, gênero, cultura e relações.

O leitor perceberá, ao longo do texto, que o objeto desta pesquisa situa-se na interface

entre, no mínimo, quatro grandes campos do saber científico: a Psicologia Escolar, a

Psicologia do Desenvolvimento, a Psicologia da Personalidade e a Educação. Os estudos

sobre o Ensino Desenvolvimental (PUENTES; LONGAREZI, 2013; LONGAREZI;

PUENTES, 2013; PUENTES, 2015) também demarcaram os nossos caminhos

epistemológicos e consideramos que este trabalho vem somar-se às produções que têm sido

realizadas na última década neste campo. Destacamos que, em meio a tantos saberes, o

Enfoque Histórico-Cultural constitui a confluência desses campos, a partir do qual

investigamos a compreensão de professores de adolescentes sobre as características

psicológicas dos seus alunos e sua influência na prática pedagógica.

Inicialmente, o nosso intuito era entender de que modo a compreensão3 do professor

sobre as características psicológicas dos alunos adolescentes influencia sua prática

pedagógica. Para isto, teria sido preciso conhecer a compreensão do professor sobre o seu

aluno e, a partir de seu posicionamento mediante nossas formulações, buscaríamos aprofundar

o nosso estudo acerca das possíveis relações existentes entre compreensão do professor e a

sua influência no ensino.

3 Conforme explicitado na Metodologia deste trabalho, o termo compreensão refere-se aos sentidos subjetivos

(ideias, representações, concepções, sentimentos e emoções), produzidos pelo docente a partir do contato com os seus alunos e do exercício da docência.

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Neste enfoque, as principais categorias selecionadas para a análise do estudo foram:

adolescência, prática pedagógica e desenvolvimento humano. O foco do estudo delineou-se

em torno do professor de estudantes no período da adolescência, sua percepção sobre estes e o

seu fazer junto destes. Para tal, optamos por trabalhar com entrevistas semidirigidas,

formulando algumas questões para o professor responder de modo que, posteriormente,

pudéssemos analisá-las a partir do referencial teórico que nos respaldaria ao longo da

pesquisa.

Buscamos estudar o desenvolvimento de sujeitos no período da adolescência à luz dos

pressupostos teóricos do Enfoque Histórico-Cultural, sobretudo da pesquisadora soviética

Lidia I. Bozhovich (1908-1981). A partir dos trabalhos de Bozhovich, especialmente, bem

como das discussões realizadas durante os encontros de orientação, surgiu o interesse por

outra categoria de análise: a personalidade.

Sentimos a necessidade de entender as relações entre personalidade e

desenvolvimento, e articulá-las ao que vínhamos buscando, a partir das entrevistas já

efetuadas com professores. Assim, a relação entre personalidade e desenvolvimento passou a

se constituir como um importante ponto de análise, acrescido do conceito de subjetividade

proposto por González Rey (2013), o qual entendemos estar relacionado a um modo

específico de se tratar o desenvolvimento do psiquismo no Enfoque Histórico-Cultural, cujo

foco é a constituição do sujeito como produtor do psiquismo em lugar de mero assimilador da

cultura. Ademais, este enfoque valoriza a unidade afeto-cognição, ao contrário de perspectivas

mais objetivistas, que destacam e supervalorizam os aspectos cognitivos do desenvolvimento

psíquico.

É preciso ressaltar que, durante as entrevistas com os docentes, não fizemos referência

ao conceito de personalidade, mas nos referimos, de maneira geral, à adolescência e ao

desenvolvimento psíquico dos adolescentes a partir da concepção de personalidade que fora

construída. Antes de procedermos às perguntas, dissemos aos professores: “interessa, para

nossa pesquisa, conhecer o que você, como professor de adolescentes, pensa sobre esta etapa

de vida, sobretudo ao que se relaciona à sua prática, ou seja, ao seu pensar e fazer

pedagógico”.

Assim, compreendendo a importância de se investigar a adolescência e a relação dos

professores junto aos alunos adolescentes, ao longo de sua prática pedagógica, formulamos o

seguinte problema de pesquisa: “Como a compreensão do professor de adolescentes sobre as

características psicológicas dos seus alunos influencia sua prática pedagógica?”.

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O nosso objeto de pesquisa envolve três dimensões que se articulam: a personalidade

na adolescência; a compreensão dos professores sobre a adolescência; as práticas pedagógicas

influenciadas pela compreensão dos professores sobre a adolescência. O universo de pesquisa

abarca nove professores de adolescentes que trabalham numa escola pública federal, sendo

que foram utilizadas como instrumentos de pesquisa questionários e entrevistas semi-

estruturadas. Para a análise do material construído baseamo-nos no Enfoque Histórico-

Cultural, a partir de autores como Vigotski (2006, 2000, 1995, 1935), Bozhovich (2003,

1976), Domínguez García (2007, 2003a, 2003b, 2003c), González Rey (2013, 2002, 1989,

1985), Dragunova (1980), dentre outros.

O conteúdo do trabalho foi organizado da seguinte forma: Apresentação e Introdução;

Capítulo I “Metodologia de pesquisa”; Capítulo II “Personalidade e seu desenvolvimento a

partir do Enfoque Histórico-Cultural e da Teoria da Subjetividade”; Capítulo III “Constituição

da Adolescência; Capítulo IV “Os sistemas de comunicação na adolescência”; Capítulo V “A

atividade de estudo e o desenvolvimento cognitivo na adolescência”; Capítulo VI

“Desenvolvimento afetivo-motivacional na adolescência”, Capítulo VII “O papel do ensino

no desenvolvimento da personalidade dos adolescentes”, Capítulo VIII “O olhar do professor:

compreensões e atuação docente frente aos adolescentes”; Considerações finais; Referências;

Apêndices e Anexos.

No Capítulo 1- Metodologia- expusemos os objetivos da pesquisa e o percurso

metodológico construído para a sua efetivação. No Capítulo 2 – A personalidade e seu

desenvolvimento a partir do Enfoque Histórico-Cultural e da Teoria da Subjetividade -

apresentamos o desenvolvimento psicológico e a formação da personalidade, descrevendo,

relacionando e contextualizando as concepções de desenvolvimento e de personalidade a

partir das quais nos respaldamos para tecer as análises que compõem o nosso trabalho e que

têm como fundamento as teses principais de ambas as teorias.

No Capítulo 3- Constituição da adolescência- apresentamos como se constitui

historicamente este período do desenvolvimento humano, sob o Enfoque Histórico-Cultural.

No capítulo 4 – Os sistemas de comunicação na adolescência - tratamos sobre os sistemas

de comunicação na adolescência, quais sejam: as relações que se estabelecem entre o

adolescente e os adultos de sua convivência, como seus pais e professores e as relações entre

o adolescente e seus pares.

No Capítulo 5- A atividade de estudo e o desenvolvimento cognitivo na

adolescência - discutimos sobre o tema da apropriação do conhecimento pelos adolescentes,

tais como os processos cognitivos e suas relações com a formação da personalidade. No

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Capítulo 6 - Desenvolvimento afetivo-motivacional na adolescência- abordamos o

desenvolvimento afetivo-motivacional na adolescência e suas implicações na formação da

personalidade. No Capítulo 7- O papel do ensino no desenvolvimento da personalidade na

adolescência- apresentamos uma discussão sobre o papel do ensino no desenvolvimento da

personalidade na adolescência e algumas das possíveis contribuições do professor neste

processo, a partir do pressuposto vigotskiano segundo o qual o bom ensino é base do

desenvolvimento.

No Capítulo 8- O olhar do professor: compreensão e atuação na docência com

adolescentes- produzido a partir das análises das entrevistas que fizemos com professores de

adolescentes, discorremos sobre as principais demandas que o trabalho com adolescentes

apresenta ao professor, bem como as práticas pedagógicas citadas para o desenvolvimento

deste trabalho, a partir de suas compreensões.

Por fim, convidamos o leitor a adentrar o universo pesquisado no presente trabalho,

intitulado: “A (DOCÊNCIA)LESCÊNCIA4: PRESSUPOSTOS PARA UM ENSINO

DESENVOLVIMENTAL”. Apresentaremos, a seguir, o percurso metodológico deste estudo.

4 O título deste trabalho foi elaborado a partir da sugestão de um dos entrevistados, o professor Milton, na

ocasião da devolutiva do texto que escrevemos com informações das entrevistas. Milton sugeriu a utilização da expressão “A (DOCÊNCIA)LESCÊNCIA”, por conseguir transmitir um sentido de unidade entre a prática docente e os adolescentes discentes. Consideramos o título muito apropriado tendo em vista que conseguiu traduzir, de forma criativa, a relação dialética estabelecida entre professores e alunos adolescentes.

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1 METODOLOGIA

Objetivos da pesquisa

Considerando a unidade ensino-aprendizagem-desenvolvimento concebida numa

perspectiva Histórico-Cultural, o objetivo geral desta pesquisa é investigar a compreensão do

professor de adolescentes sobre as características psicológicas dos seus alunos e como esta

influencia sua prática pedagógica. Tivemos como objetivos específicos:

1. Realizar uma caracterização psicológica da adolescência por meio de revisão

bibliográfica.

2. Identificar e analisar as compreensões dos professores sobre as características

psicológicas na adolescência.

3. Especificar as práticas pedagógicas desenvolvidas a partir das compreensões

docentes.

Para uma melhor compreensão do nosso objeto de estudo, a seguir, apresentamos a

definição das principais categorias de análise:

-Características psicológicas da adolescência: são os aspectos psicológicos do

adolescente que envolvem as principais configurações subjetivas da etapa, aspectos de seu

desenvolvimento integral e regularidades de suas relações interpessoais em seu sistema de

atividades e de comunicação.

- Compreensões dos professores sobre as características psicológicas dos seus

alunos: são os sentidos subjetivos sobre as características psicológicas na adolescência que o

professor produz a partir do contato com os seus alunos e do exercício da docência, o que

implica em ideias, representações, concepções, sentimentos e emoções.

- Prática pedagógica: são as atividades de ensino-aprendizagem que o professor

desenvolve em sala de aula e nos demais espaços junto aos seus alunos com vistas ao

desenvolvimento integral destes.

Assim, procuramos sistematizar os conhecimentos e as práticas docentes relacionadas

ao público na adolescência, identificar as principais demandas do trabalho docente junto aos

alunos com esse perfil, bem como os conteúdos, os objetivos, as atividades, as metodologias,

os recursos, as estratégias e as modalidades de avaliação utilizadas pelos docentes como

resposta às demandas dos alunos.

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Pressupostos qualitativos

O presente trabalho fundamenta-se em pressupostos qualitativos. Para González Rey

(2002) o conhecimento científico a partir de uma epistemologia qualitativa é legitimado pela

qualidade da expressão do(s) sujeito(s) e não pela quantidade destes. Assim, a história e o

contexto de desenvolvimento do sujeito constituem os fenômenos subjetivos, processos a

serem pesquisados de modo integrado em suas inter-relações complexas e dinâmicas.

Na investigação qualitativa reconhece-se “as exigências epistemológicas inerentes ao

estudo da subjetividade como parte constitutiva do indivíduo e das diferentes formas de

organização social” (GONZÁLEZ REY, 2002, p. 28). Neste sentido, tomamos como

referencial para a compreensão da constituição da subjetividade humana, o Enfoque

Histórico-Cultural e a Teoria Histórico-Cultural da Subjetividade.

De acordo com os pressupostos vigotskianos, são princípios metodológicos para

investigar os fenômenos psicológicos a análise de processos e não somente de resultados e a

explicação ao invés da descrição – o que significa investigar a gênese e essência dos

fenômenos – e não a investigação dos comportamentos fossilizados, ou seja, mecanizados,

afastados de sua origem e aparentemente incapazes de revelar a sua natureza interna. Sob esta

ótica, entende-se que toda e qualquer produção humana é desenvolvida na e pela cultura,

ideologicamente inscrita num dado contexto social (VIGOTSKI, 2000). Assim, a

subjetividade é um sistema em desenvolvimento no qual o individual e o social constituem-se

reciprocamente em sua rede de significações e sentidos (GONZÁLEZ REY, 2002).

Ademais, a perspectiva qualitativa escolhida para o desenvolvimento deste trabalho

compreende a participação do pesquisador na pesquisa em sua condição de sujeito pensante,

de modo a conceber o caráter subjetivo e interativo de seu objeto de conhecimento. Deste

modo, a relação entre pesquisador-pesquisado configura-se numa condição para o

desenvolvimento da pesquisa: “o pesquisador, como sujeito, produz ideias ao longo da

pesquisa, em um processo permanente que conta com momentos de integração e continuidade

de seu próprio pensamento” (GONZÁLEZ REY, 2002, p. 33).

González Rey (2002) assegura que a temática da subjetividade tem sido pouco

compreendida e tratada na Psicologia e aponta que, embora a compreensão do objeto da

Psicologia próxima a uma concepção de subjetividade tenha sido apresentada pelos pioneiros

da Psicologia soviética, a orientação ao tema da subjetividade “se vê abortada pelas limitações

mecanicistas na compreensão do marxismo naquela época, assim como pela intervenção do

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estado totalitário nas ciências particulares” (GONZÁLEZ REY, 2002, p. 20). Nesse sentido,

pondera que:

a subjetividade a definimos como uma forma ontológica do psíquico quando passa a ser definido essencialmente na cultura, através dos processos de significação e de sentido subjetivo que se constituem historicamente nos diferentes sistemas de atividade e comunicação humanas. A subjetividade não é algo dado, que a priori determina o curso das ações humanas, como por um largo tempo foi compreendido o psíquico a partir de sua definição interpsíquica: a subjetividade implica de forma simultânea o interno e o externo, o intrapsíquico e o interativo, pois em ambos momentos se estão produzindo significações e sentidos dentro de um mesmo espaço subjetivo, em que se integram o sujeito e a subjetividade social em múltiplas formas. (GONZÁLEZ REY, 2002, p. 22).

O autor afirma que há uma relação constitutiva entre sujeito individual e subjetividade

social, uma vez que “o sujeito individual está constituído pela subjetividade social e, por sua

vez, é um dos momentos constituintes daquela, por meio das consequências de suas ações

criativas dentro do tecido social em que atua” (GONZÁLEZ REY, 2013, p. 136).

Partindo do princípio segundo o qual “o sujeito representa a singularização de uma

história irrepetível” (GONZÁLEZ REY, 2002, p. 136), as suas expressões individuais

apresentam elementos da subjetividade social. Deste modo, o autor sugere alguns

procedimentos como fonte de acesso ao material produzido nessa relação:

As entrevistas abertas, os sistemas conversacionais e dialógicos que caracterizam o momento de uma investigação, representarão a única fonte de acesso a esse material que aparece nos interstícios das produções do sujeito, os quais têm lugar na expressão de suas representações. (GONZÁLEZ REY, 2013, p. 136).

Partindo desses pressupostos, os procedimentos metodológicos utilizados para a

apreensão da realidade investigada foram: um questionário com dados gerais sobre os

professores (Apêndice A), seguido da realização de entrevistas semidirigidas com os

docentes, cujo roteiro encontra-se no Apêndice B. O convite aos participantes da pesquisa foi

feito na escola, a partir do contato cotidiano da pesquisadora com os professores. A

pesquisadora encaminhou-se às salas dos professores que trabalhavam diretamente com

alunos de sétimos, oitavos e nonos anos e apresentou a sua intenção de pesquisa, deixando-os

à vontade para aceitarem ou não o convite. A partir deste convite, alguns professores disseram

que não tinham interesse no momento, alegando falta de tempo e envolvimento com outros

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compromissos. Outros demostraram interesse e com esses foram agendadas as entrevistas. A

princípio, tínhamos treze pessoas que ficaram prontamente interessadas em colaborar, mas

apesar de manifestarem empenho, devido à incompatibilidade de horário, não conseguimos

agendar as entrevistas no prazo de duas semanas que estabelecemos para essa finalidade.

Desse modo, fechamos o número de nove entrevistas, por consideramos que em pesquisa

qualitativa a quantidade de sujeitos não é determinante para se realizar um bom trabalho

investigativo, mas sim a qualidade das informações fornecidas pelo sujeito.

No horário e local marcado para a entrevista, explicamos novamente o objetivo da

pesquisa, garantimos o sigilo das informações e apresentamos também o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo A) para ser analisado e assinado pelos

participantes. Explicamos que seria necessário o preenchimento de um questionário de

informações gerais, antes de começarmos a entrevista. Todos os participantes concordaram

que as entrevistas poderiam ser gravadas em áudio para posterior transcriação e construção

das informações e assim procedemos. De acordo com Penna (2005) o termo transcriação foi

uma adequação de José Carlos Meihy, a partir de conceitos linguísticos, conceito que busca

privilegiar o sujeito, o diálogo e a sua criação textual.

Para Meihy (1990), a transcriação é a fase final do trabalho discursivo, na qual se

recria a atmosfera da entrevista, valorizando-se a narrativa como elemento de comunicação

repleto de sugestões. Utilizamos o conceito de transcriação, uma vez que tal procedimento

abarca a legitimação das entrevistas pelos depoentes. Nesse sentido, após a construção do

texto de análise das entrevistas, enviamos o material por e-mail para os participantes para que

pudessem ler e, caso aceitassem, nos dessem uma devolutiva sobre o que leram. Solicitamos

aos participantes que se posicionassem quanto à concordância ou não da manutenção das

citações de suas falas no texto, uma vez que as falas foram por nós interpretadas e inseridas

numa totalidade analítica. Também deixamos os participantes à vontade para tecerem críticas

e/ou sugestões sobre o texto, bem como comentários acerca das impressões que a leitura do

material lhes proporcionou.

As partilhas foram feitas de acordo com a disponibilidade dos participantes. A

princípio, intentávamos formar um grupo de discussão para que os participantes pudessem

conhecer as percepções dos demais e, assim, obtermos um momento de trocas. No entanto,

devido a fatores como incompatibilidade de horário, falta de disponibilidade e o não retorno

de um dos participantes, algumas devolutivas foram realizadas de forma individual e uma

delas num grupo de três pessoas.

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A utilização do questionário foi realizada para a constituição de um quadro de dados

gerais de identificação dos professores, incluindo sexo, idade, tempo e instituição de

formação, anos de experiência de ensino e disciplinas ministradas. Tais dados poderiam ser

solicitados durante a entrevista; porém, por considerarmos que as informações eram de caráter

extremamente objetivo, preferimos solicitar que os professores preenchessem o questionário,

tomando o cuidado de não identificá-los com seus respectivos nomes. Assim, destinamos o

tempo da entrevista para questões mais amplas.

As entrevistas constaram de questões que buscaram investigar a compreensão do

professor de adolescentes sobre as características psicológicas dos seus alunos na docência,

abarcando os processos de comunicação entre eles e com os adultos, a dimensão motivacional

dos adolescentes perante o estudo e as principais demandas destes alunos. Ademais, buscou-se

conhecer como o professor organiza a sua prática a partir de tais aspectos. Por fim, as

questões versaram sobre a formação inicial e continuada, assim como buscamos investigar

quais temas, conteúdos e outros aspectos que o professor de adolescentes considera

importante conhecer de modo a contribuir de maneira positiva em sua prática pedagógica.

O procedimento das entrevistas vem ao encontro do caráter interativo da produção de

conhecimentos, ao valorizar o diálogo durante o processo de produção de informações para a

pesquisa. De acordo com Queiroz (1988, p. 20), “a entrevista supõe uma conversação

continuada entre informante e pesquisador”, cujo tema central é escolhido conforme o

interesse do pesquisador. O momento da entrevista constitui-se num espaço de organização de

ideias e construção do discurso para o interlocutor. Ademais, caracteriza-se por sua qualidade

reflexiva, de trocas e produções de significados e sentidos entre o entrevistado e o

entrevistador (SZYMANSKI, 2004).

No presente estudo, foram realizadas entrevistas individuais com os professores para

investigar quais eram suas compreensões sobre as características psicológicas dos seus alunos

e a influência destas na prática pedagógica. O fato de a pesquisadora trabalhar na mesma

instituição dos participantes da pesquisa facilitou o contato com eles. Os professores foram

muito cordiais, aceitando serem entrevistados e prontamente agendando a entrevista. Tivemos

alguns contratempos devido à dificuldade de encontrarmos um horário compatível com as

demais atividades da instituição, mas que foram rapidamente superados por alguns docentes,

mediante a flexibilidade para reagendamentos.

O local definido para a realização das entrevistas foi estabelecido de acordo com a

preferência dos participantes, em ambiente reservado e garantida a privacidade, o sigilo e o

silêncio propício para as gravações. A duração das entrevistas variou de uma a duas horas,

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respeitando-se as necessidades dos entrevistados. Algumas entrevistas duraram,

aproximadamente, uma hora e tivemos uma entrevista que perdurou por duas horas.

Acreditamos que um dos benefícios da entrevista para os participantes consiste na valorização

e reconhecimento profissional do professor de adolescentes, possibilitando a produção de

novos sentidos para a sua prática, tanto pela reflexão acerca de sua própria experiência quanto

pela interação com a pesquisadora.

As entrevistas foram todas realizadas na escola em que os profissionais trabalham. A

maioria delas foi feita na sala de leitura da biblioteca da instituição. De modo geral, a relação

entre a pesquisadora e os participantes foi amistosa e tranquila, não havendo nenhum receio

destes em responder às perguntas. Um dos professores entrevistados solicitou que pudesse ter

acesso ao texto escrito referente à sua entrevista para que ele pudesse utilizá-la como material

de sua própria pesquisa de doutorado, com o que concordamos prontamente. Ademais, o

contato com os professores na situação de entrevista propiciou-nos grande satisfação, uma vez

que na ocasião, pudemos conhecer um pouco mais sobre as percepções dos colegas de

trabalho, estreitando alguns laços e dedicar um tempo único para refletir sobre as experiências

profissionais junto aos nossos alunos.

Cenário da presente pesquisa

Para se compreender o cenário no qual a pesquisa se desenvolveu, faz-se importante

descrever três elementos que o constituem: a instituição na qual o trabalho foi realizado, os

participantes da pesquisa e a relação da pesquisadora com a instituição.

-Instituição:

A instituição em que a pesquisa foi desenvolvida trata-se da Escola de Educação

Básica da Universidade Federal de Uberlândia5 (ESEBA-UFU), instituição de ensino que

funciona desde 1977 e atende aproximadamente mil alunos em 40 turmas, distribuídos na

Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos. Os estudantes dos

anos finais do Ensino Fundamental, foco desta pesquisa, somam aproximadamente 250,

divididos em turmas de sétimos, oitavos e novos anos. A escola conta com três turmas para

cada ano do ensino fundamental, sendo que cada sala de aula comporta de 25 a 30 alunos.

5 Os dados apresentados sobre a instituição na qual a pesquisa se desenvolve foram encontrados na página

eletrônica da referida escola, no sítio: http://www.eseba.ufu.br/. Acesso em 08 de junho de 2013.

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No início de seu funcionamento a instituição era considerada uma “escola benefício”, pois atendia exclusivamente aos filhos de professores e técnicos administrativos da

Universidade de Uberlândia, que ainda não havia sido federalizada. Contudo, em 1988 a

instituição passou a ser uma escola pública, como outras escolas do país que são consideradas

Colégios de Aplicação pelo Ministério da Educação6. Desde então, o ingresso dos alunos é

feito mediante um sistema de sorteio público. Tal condição favorece a entrada de estudantes

das mais variadas condições, conformando um público heterogêneo com diferenças de classe,

etnias, gênero, dentre outras características que demarcam a pluralidade no processo ensino-

aprendizagem e os seus desafios para a equipe pedagógica.

Vale ressaltar que a ESEBA é uma escola pública com condições mais satisfatórias

que a maioria das escolas públicas municipais e estaduais e, tendo em vista que possui um

corpo docente altamente qualificado, situa-se conforme os demais colégios de aplicação do

Brasil, como instituição diferenciada em relação aos demais estabelecimentos de ensino

público (LIMA, 2015). Por se constituir como unidade especial da Universidade Federal de

Uberlândia, as ações da escola devem se pautar na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e

extensão7. Deste modo, os docentes da ESEBA desenvolvem, para além das aulas, projetos de

pesquisa e extensão, contribuindo para a ampliação do conhecimento científico e buscando

desenvolver ações educacionais com outros segmentos da comunidade.

-Participantes:

Os participantes desta pesquisa são nove professores do Ensino Fundamental Final da

Educação Básica da ESEBA. Esses professores ministram aulas de disciplinas diversas, sendo

os alunos adolescentes o principal público de seu trabalho. A escolha dos participantes foi

realizada mediante o contato da pesquisadora com os professores na escola. Conforme

esclarecemos anteriormente, fizemos o convite aos profissionais com os quais trabalhamos

diretamente para participarem da pesquisa e, destes, foi possível agendar e realizar a

entrevista com nove. A quantidade de sujeitos com os quais conseguimos a confirmação da

sua participação pareceu-nos suficiente para realizarmos as análises pretendidas.

6 Para maiores esclarecimentos sobre os Colégios de Aplicação no Brasil, consultar a tese de doutorado de

Lima (2015), intitulada “Atuação do psicólogo escolar nos colégios de aplicação das universidades federais: práticas e desafios”.

7 De acordo com a Constituição Federal de 1988, no Art. 207, “As universidades gozam de autonomia

didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.

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Assim, a eleição dos participantes teve como critério principal o fato de haver

compatibilidade de horários para a realização das entrevistas. Na ocasião, explicamos o

objetivo da pesquisa e, mediante as possibilidades em comum, agendamos a data e o horário

para a realização da entrevista. Ressalta-se que a escola conta com aproximadamente 34

professores que atuam nos sétimos, oitavos e nonos anos do Ensino Fundamental, sendo que

os nove professores entrevistados representam 26,5% desta população.

Dos nove professores entrevistados, três são do sexo feminino e seis do sexo

masculino. De acordo com os dados dos questionários, identificamos que cinco professores

têm de 31 a 40 anos de idade, três possuem entre 41 e 50 anos e um deles apresenta menos de

trinta anos de idade. Os conteúdos ministrados pelos participantes da pesquisa são:

Matemática, História, Educação Física, Filosofia, Geografia, Artes e Língua Portuguesa.

Tratando-se da formação acadêmica dos entrevistados, todos fizeram pós-graduação.

Destes, um é especialista, seis professores são mestres e, destes, um está com o doutorado em

andamento; dois professores são doutores. Quanto ao tempo de experiência no Ensino

Fundamental Final, quatro professores têm até cinco anos de experiência, três professores

possuem de seis a dez anos de trabalho com esse público e dois professores têm mais de vinte

anos de trabalho com adolescentes. No que se refere às condições de trabalho, dos nove

professores, oito deles são professores públicos federais efetivos e um deles é professor

público federal substituto. Desse modo, podemos visualizar tais dados no quadro 1:

Quadro 1 – Informações gerais dos participantes da pesquisa

Nome Sexo Idade Formação Última Pós- Conteúdo

inicial graduação ministrado

Bruno8 Masculino 20 a 30 Matemática Mestrado Matemática

Fernanda Feminino 41 a 50 Matemática Especialização Matemática

Carlos Masculino 31 a 40 História Doutorado História

Márcio Masculino 31 a 40 Educação Mestrado Educação

Física Física

Patrícia Feminino 31 a 40 Filosofia Mestrado Filosofia

Milton Masculino 41 a 50 Geografia Doutorado Geografia

Rafael Masculino 31 a 40 Filosofia Mestrado Filosofia

8 Ao longo do trabalho, utilizamos pseudônimos em substituição aos nomes reais dos docentes que

participaram da pesquisa, a fim de não identificá-los.

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Rodrigo Masculino 31 a 40 Artes Doutorando Artes

Isabela Feminino 41 a 50 Letras Mestrado Língua

Portuguesa

Fonte: questionário aplicado pela pesquisadora

-Relação da pesquisadora com a instituição:

A proposta de se realizar uma pesquisa com tais professores advém de um contato

permanente da pesquisadora com a realidade de adolescentes e de seus respectivos professores

na escola. A pesquisadora é docente efetiva há mais de quatro anos na área de Psicologia

Escolar e Educação Especial na instituição, desenvolvendo um trabalho no Ensino

Fundamental Final que abrange a realização de oficinas psicoeducacionais, projetos de ensino

sobre afetividade e sexualidade na adolescência, intervenções psicoeducacionais em sala de

aula, acompanhamento psicoeducacional a alunos e famílias, coordenação de reuniões de

diálogo junto a docentes e outros projetos de extensão com alunos e famílias.

Assim, a relação da pesquisadora com a instituição tem um caráter singular, que será

considerado nas análises dos dados. Desse modo, o interesse em aprofundar os estudos sobre a

prática docente com os adolescentes advém de um contato permanente da pesquisadora com

alunos desta faixa etária e seus respectivos professores que compartilham conosco diversas

situações geradas a partir das relações estabelecidas no cotidiano escolar.

Podemos afirmar que a pesquisadora insere-se numa comunidade de destino (BOSI,

2012). De acordo com Bosi, que buscou em Jacques Loew o conceito de comunidade de

destino, para se alcançar compreensão plena sobre uma determinada condição humana, é

preciso “sofrer de maneira irreversível, sem possibilidade de retorno à antiga condição, o

destino dos sujeitos observados” (BOSI, 2012, p. 38).

Nesse sentido, embora com funções diferentes dos professores entrevistados, a

pesquisadora trabalha na mesma instituição dos participantes da pesquisa e com o mesmo

público, o que evidencia que há muitos aspectos que os aproximam. Sem dúvida, há um lugar

de pertencimento profissional e humano que apresenta certa base material comum, produzindo

algumas vivências coletivas. Além disso, compartilhamos de uma subjetividade social

proporcionada por elementos subjetivos produzidos a partir das experiências na mesma

instituição, o que favorece certa identidade grupal.

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Construção e análise dos dados

De acordo com Gómez, Flores e Jiménez (2002, p. 200), a análise de dados trata-se de “um conjunto de manipulações, transformações, operações, reflexões, [...] que realizamos

sobre os dados com a finalidade de extrair significado relevante em relação a um problema de

investigação”. Nesse sentido, o roteiro de entrevista deste trabalho foi elaborado a partir de

nossas vivências e leituras sobre adolescência e desenvolvimento. Buscamos elaborar

perguntas que pudessem abarcar a compreensão do professor sobre as características

psicológicas de adolescentes na docência, com suas demandas e práticas. Ademais,

procuramos conhecer algo da formação do professor sobre tais temas. Outro motivo pelo qual

optamos por utilizar o roteiro citado é que consideramos que as questões que o constituem

contemplavam o nosso objetivo principal.

Fundamentados na epistemologia qualitativa, segundo a qual o conhecimento é uma

produção construtivo-interpretativa, cujo caráter interpretativo é oriundo da necessidade de se

atribuir sentido às expressões do sujeito estudado (GONZÁLEZ REY, 2002, p. 31), a análise

dos dados da entrevista foi realizada de forma interpretativa, partindo-se do pressuposto que

neste processo, o pesquisador integra, reconstrói e produz indicadores, que só fazem sentido

no conjunto da pesquisa.

Nesse sentido, o dado é considerado uma elaboração, na qual se constroem

informações sobre a realidade interna ou externa aos sujeitos e que é utilizada com propósitos

investigativos. “O dado sustenta uma informação sobre a realidade, implica uma elaboração

conceitual dessa informação e um modo de expressá-la que faz possível sua conservação e

comunicação” (GÓMEZ; FLORES; JIMÉNEZ, 2002, p. 199).

Desse modo, com as entrevistas transcritas por auxiliares de pesquisa 9 em mãos,

debruçamo-nos sobre o material para uma leitura minuciosa e analítica, buscando identificar

elementos que se sobressaíam/ destacavam no relato dos profissionais. Destaca-se que

tínhamos um grande volume de dados, fato que nos despertou para a necessidade de se criar

uma forma de trabalhar com as informações, começando com a seleção daquilo que seria mais

importante para a pesquisa. De acordo com Gómez, Flores e Jiménez (2002, p. 205), um

9 Para o processo de transcrição das entrevistas, contamos com o apoio de sete auxiliares de pesquisa que

foram contatadas a partir de um e-mail que encaminhamos aos estudantes da graduação em Psicologia da UFU, explicando os objetivos da pesquisa e as funções do auxiliar de pesquisa e, mediante o interesse das alunas, agendamos uma reunião na qual explicitamos a metodologia do trabalho. Ao final, foram emitidos certificados de auxiliar de pesquisa pelo programa de pesquisa ao qual estamos vinculados.

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primeiro tipo de tarefa com que o pesquisador se depara “consiste na redução dos dados, na simplificação, no resumo, na seleção da informação para fazê-la abarcável e manejável”.

Inicialmente, as perguntas do roteiro nos direcionaram a determinados categorias e

eixos de análise, mas à medida que líamos as entrevistas e relíamos a fundamentação teórica,

as reelaboramos. Alguns aspectos foram adquirindo contornos mais sólidos, uma vez que

percebemos a existência de temas mais recorrentes na fala dos profissionais, bem como a

existência de algumas questões importantes que não havíamos percebido e que, para alguns

participantes, era mais interessante e/ou foco de sua atenção/preocupação.

Depois dessa primeira leitura, tendo em vista que não tínhamos ainda um olhar

direcionado para algo específico, procuramos construir alguns eixos de análise, a partir de

algumas das perguntas da entrevista que reunimos em blocos, ou mesmo a partir da leitura de

toda a transcriação, sem nos restringir a uma pergunta ou outra como fonte para determinado

eixo de análise.

De acordo com Gómez, Flores e Jiménez (2002), ao produzir informações para a

pesquisa, o pesquisador identifica os elementos que compõem a realidade investigada e

enuncia proposições narrativas para descrevê-la. O modo como focaliza a sua percepção sobre

os dados e o que faz com ela sugerem a existência de um referencial teórico que influencia o

modo de interpretar o que vê.

Desse modo, obtivemos um grande volume de dados e, inicialmente, nos orientamos

pelas perguntas do roteiro da entrevista para organizar os eixos de análise. Nesse sentido, no

processo geral de análise e construção dos dados adotamos, a princípio, o critério temático,

que considera unidades de análise em função do tema abordado na pesquisa (GÓMEZ;

FLORES; JIMÉNEZ, 2002). Contudo, com a sucessão de leituras analíticas, decidimos por

abordar um tema central: a compreensão do professor de adolescentes sobre as características

psicológicas dos seus alunos e sua influência na prática. Optamos por este tema central porque

consideramo-lo mais representativo das principais temáticas emergidas no contato com os

participantes deste trabalho. Deste tema central, surgiram as categorias que refletem as

dimensões do processo ensino-aprendizagem-desenvolvimento, envolvidas na docência junto

a adolescentes. Conforme Gómez, Flores e Jiménez (2002, p. 210):

As categorias podem ser definidas à medida que se examinam os dados, ou seja, seguindo um procedimento indutivo. Ao examinar os dados vamos refletindo acerca do conteúdo dos mesmos, nos perguntaríamos pelo tópico capaz de cobrir cada unidade. Deste modo vão se propondo categorias provisórias, que na medida em que avança a codificação podem ir sendo consolidadas, modificadas ou suprimidas a partir da comparação entre os

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dados agrupados sob uma mesma categoria ou a partir da comparação com os dados incluídos em outras diferentes.

A categorização torna possível classificar conceitualmente as unidades dentro de um

mesmo tópico e sustenta um significado ou tipo de significado. De acordo com Gómez, Flores

e Jiménez, “uma categoria fica definida por um constructo mental ao qual o conteúdo de cada

unidade pode ser comparado, de modo que possa determinar-se seu pertencimento ou não a

essa categoria” (GÓMEZ; FLORES; JIMÉNEZ, 2002, p. 208) e podem referir-se a “situações

e contextos, atividades e acontecimentos, relações entre pessoas, comportamentos, opiniões,

sentimentos, perspectivas sobre um problema, métodos e estratégias, processos” (GÓMEZ;

FLORES; JIMÉNEZ, 2002, p.208).

Contudo, compreendemos que a teoria consiste num instrumento de base para o

processo interpretativo que foi construído ao longo da pesquisa, e não como categorias ou

eixos de análises prontos a priori (GONZÁLEZ REY, 2002). Consequentemente, a

organização das informações em eixos de análises ou categorias foi realizada por meio de um

diálogo entre os autores estudados e os dados da investigação, uma vez que, conforme afirma

Silva (2007, p. 5), as categorias também surgem das teorias e “vão buscar elementos

explicativos para que efetivamente possa haver uma análise e não uma mera descrição de

acontecimentos”.

Destacamos que, da forma como foi elaborado o presente estudo, valorizamos o relato

dos profissionais e tentamos apresentar a correspondência entre a fala dos entrevistados e os

nossos apontamentos. Para isso, trabalhamos a partir de um processo de devolutiva da

produção textual, em consonância com as considerações de Bosi (2003, p. 66), segundo a qual “o depoimento deve ser devolvido ao seu autor. Se o intelectual quando escreve, apaga,

modifica, volta atrás, o memorialista tem o mesmo direito de ouvir e mudar o que narrou”.

No caso do presente trabalho, consideramos oportuno devolver o texto no qual fizemos

as análises das narrativas dos entrevistados, para que estes pudessem ler e contribuir com

sugestões, críticas ou comentários. Para tal, enviamos um e-mail para cada participante das

entrevista com os seguintes dizeres: “Caro colega, a pesquisa de doutorado da qual você

participou por meio de uma entrevista está em andamento. Depois de sua avaliação parcial

pela banca de qualificação, foi sugerido pela banca que eu disponibilizasse o capítulo em que

faço as análises das entrevistas para os entrevistados lerem e, caso concordem, que fosse

realizado um encontro para dizer das impressões do trabalho, tecendo críticas e/ou sugestões

de alterações no texto como acréscimo ou retirada de algum trecho que acharem necessário.

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Você teria interesse e disponibilidade para, inicialmente, realizar essa leitura, e

depois participar de um grupo de discussão? O texto para sua leitura estará disponível a

partir de hoje (em anexo), enquanto que a realização do grupo de discussão está prevista

para o fim de fevereiro, em uma data a ser combinada entre todos os sujeitos envolvidos.

Gostaria de reiterar a importância dessas duas atividades para o trabalho que realizamos,

contudo, deixo você à vontade para decidir. Aguardo seu retorno. Atenciosamente, Cláudia.”

Após encaminharmos o e-mail, obtivemos o retorno de oito professores que

manifestaram o interesse ou não em participar dessa etapa final. Tivemos a colaboração da

maioria dos professores, mas um deles não quis participar, devido às questões urgentes com

que estava envolvido. Outro professor não respondeu aos e-mails que lhe enviamos e não

obtivemos outro contato, já que ele não trabalha mais na ESEBA. A descrição mais detalhada

sobre a forma como as devolutivas foram realizadas e o material construído neste processo foi

agregado ao corpo das análises, num tópico que denominamos de “Os professores e a leitura

das transcriações: segundo momento de participação na pesquisa”, no capítulo que trata das

análises das entrevistas.

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2 A PERSONALIDADE E SEU DESENVOLVIMENTO A PARTIR DO ENFOQUE HISTÓRICO-CULTURAL E DA TEORIA DA SUBJETIVIDADE

O presente capítulo discorre sobre o desenvolvimento psicológico e a formação da

personalidade a partir do Enfoque Histórico-Cultural, sobretudo à luz do pensamento de

Vigotski (2006), Bozhovich (2003), Domínguez García (2007, 2003a, 2003b) e Fernández

(2003a, 2003b). Destacamos, dentro do Enfoque Histórico-Cultural, a Teoria Histórico-

Cultural da Subjetividade de González Rey (2013). O objetivo deste capítulo é descrever,

relacionar e contextualizar as concepções de desenvolvimento e de personalidade a partir das

quais nos respaldamos para tecer as análises que compõem o nosso trabalho e que têm como

fundamento as teses principais de ambas as teorias. Logo, o presente capítulo perpassa as

concepções, estrutura e dinâmica do desenvolvimento psicológico, a personalidade no

Enfoque Histórico-Cultural e na Teoria da Subjetividade, bem como as relações entre

personalidade e desenvolvimento psicológico por idades.

Processos do desenvolvimento psicológico: concepções, estrutura e dinâmica

Para Vigotski (2006), as teorias do desenvolvimento podem ser reduzidas a duas

concepções: uma que preconiza que o desenvolvimento limita-se à realização, às mudanças e

combinações proporcionadas por capacidades inatas; outra, que percebe o desenvolvimento

como um processo contínuo de automovimento, onde o novo surge e se forma

constantemente. Esta última concepção agrega tanto a teoria idealista quanto a teoria

materialista da formação da personalidade.

A idealista sugere, dentre outros aspectos, a existência de um impulso autônomo

interno da personalidade que se autodesenvolve pela vontade de autoafirmação e

aperfeiçoamento. A materialista entende o desenvolvimento como um processo de unidade do

material e do psíquico, do social e do pessoal, que perpassa todo o desenvolvimento infantil e

é nesta última teoria que Vigotski e os demais autores do Enfoque Histórico-Cultural e da

Teoria da Subjetividade situam os seus estudos.

Domínguez García (2007) assinala que, nessa perspectiva, o desenvolvimento psíquico

constitui-se num processo complexo 10 , pois é formado por inúmeros fatores, objetivos e

subjetivos; dialético, pois apresenta uma relação entrelaçada entre fatores internos e externos,

10

Ao longo do texto, com o intuito de destacar alguns conceitos, colocamos algumas palavras e/ou expressões em itálico.

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que expressam a lei da unidade e luta de contrários; contraditório, “ao constituir expressão da

lei da dialética da unidade e luta dos contrários” (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2007, p. 28), uma

vez que é um processo que possui seu próprio automovimento, sendo atravessado por crises e

dando lugar aos chamados períodos críticos.

No que se refere especificamente à periodização do desenvolvimento, Vigotski (2006)

apresenta as ideias de três grupos teóricos diferentes. O primeiro relaciona os processos de

desenvolvimento a processos referentes aos estágios de educação e de ensino, não se

reportando à divisão do curso do desenvolvimento infantil como critério de periodização. Este

grupo encontra certo respaldo porque os processos de desenvolvimento infantil estão muito

vinculados à educação da criança que, por sua vez, é segmentada em etapas.

O segundo grupo busca estabelecer indícios do desenvolvimento físico ou psíquico da

criança como critério convencional para a periodização como, por exemplo, os indícios de

dentição ou o próprio desenvolvimento sexual. O autor afirma que os critérios nos quais se

baseiam esses dois grupos teóricos não conseguem abarcar a complexidade e a mutabilidade

do desenvolvimento da criança, uma vez que “a complexidade do desenvolvimento infantil impede que se possa determinar alguma etapa, de maneira mais ou menos completa, por um

único indício11” (VIGOTSKI, 2006, p. 253).

Vigotski esclarece que um dos problemas apresentados por esquemas baseados em

critérios é que estes investigam os indícios externos do processo de desenvolvimento infantil e

não a sua essência interna. Nesse sentido, o autor considera que a tarefa da Psicologia é

investigar a essência que está por detrás dos indícios externos e se constitui em leis internas

do processo de desenvolvimento. Nas palavras de Vigotski,

Em relação ao problema da periodização do desenvolvimento infantil isso significa que devemos renunciar a toda intenção de classificar as idades por sintomas e passar, como fizeram outras ciências em seu tempo, a uma periodização baseada na essência interna do processo estudado. (VIGOTSKI, 2006, p. 253).

O autor se situa no terceiro grupo teórico, que apresenta uma tendência à investigação

das características essenciais do desenvolvimento. De acordo com Vigotski (2006), as

mudanças internas do próprio desenvolvimento devem ser a base principal a partir da qual

estrutura-se a real periodização. Ele considera que para o estabelecimento da periodização do

desenvolvimento, há que se levar em consideração a estrutura e a dinâmica da idade em cada

período da infância. Por estrutura, entende-se a existência de formações específicas em cada 11 A tradução de todas as citações em espanhol, ao longo do texto, é de nossa autoria.

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período do desenvolvimento infantil, que se configuram em formações globais, cuja estrutura

é específica e irrepetível. Para se compreender tal estrutura, é preciso distinguir as linhas

centrais das linhas acessórias do desenvolvimento. Quanto à dinâmica da idade, o autor

refere-se ao conjunto de leis que regulam a formação, as mudanças e as conexões das novas

formações de estruturas em cada idade.

Estrutura da idade: as novas formações

Vigotski (2006) afirma que o essencial em cada idade são as novas formações, ou

seja, o novo tipo de estrutura da personalidade e de sua atividade, consideradas critérios a

partir dos quais se pode determinar o que é fundamental em cada idade. Tal estrutura abarca

as mudanças psíquicas e sociais que se produzem pela primeira vez em cada idade,

determinando a consciência da criança, sua relação com o meio, sua vida interna e externa, ou

seja, todo o curso do desenvolvimento ao longo de determinado período de vida.

As novas formações correspondem a uma nova estrutura da consciência da criança,

adquirida em cada idade, o que significa que há mudança de percepção da criança sobre a sua

própria vida interior, fazendo com que ela perceba o mecanismo interno de suas funções

psíquicas de maneira diferente. À medida que a criança se desenvolve, a situação de

desenvolvimento anterior se desintegra, sendo que a nova situação de desenvolvimento torna-

se ponto de partida para a próxima idade.

O processo de desenvolvimento em cada período de idade constitui um todo único,

dotado de uma estrutura determinada, ou seja, formações globais que definem o significado e

o destino de cada parte que a integra. Este aspecto teórico apresenta a relação direta que o

autor faz entre desenvolvimento e personalidade, uma vez que afirma que há uma nova

formação central em cada etapa de idade, que funciona como guia para todo o processo

desenvolvimental, caracterizando a reorganização da personalidade da criança sobre uma

nova base.

Ao redor da formação central são agrupadas outras formações parciais, relacionadas a

aspectos isolados da personalidade da criança ou mesmo a processos de desenvolvimento

oriundos de formações anteriores. As linhas centrais do desenvolvimento são definidas como

os processos relacionados à nova formação principal, enquanto que os processos parciais e as

mudanças que se produzem são denominados linhas acessórias do desenvolvimento.

Assim, os processos que se configuram em linhas centrais numa determinada idade se

convertem em linhas acessórias na idade seguinte e vice-versa, uma vez que as linhas

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acessórias de uma idade passam a ser principais em outra, já que o seu significado e valor

específico se modificam, na estrutura geral do desenvolvimento. Nesse sentido, as linhas

centrais e acessórias mudam de lugar, pois modificam constantemente sua relação com a nova

formação central, uma vez que a passagem de uma idade para a outra reconstrói toda a

estrutura desta.

Vigotski (2006) assinala que, ao analisarmos a consciência da criança como produto

das transformações físicas e sociais do indivíduo, sendo expressão integral dos aspectos

superiores e mais importantes da personalidade, verifica-se que na transição de uma idade

para outra há uma modificação da estrutura geral da consciência. Com isso, o sistema da

consciência se reestrutura e as linhas centrais e acessórias de desenvolvimento trocam de

lugar.

Desse modo, o autor aponta que as novas formações não são suficientes para uma

periodização científica do desenvolvimento infantil, sendo necessário considerar a sua

dinâmica e a dinâmica da passagem de uma idade para a outra, as quais descreveremos a

seguir.

Situação social do desenvolvimento: o papel do meio na dinâmica da idade

Vigotski (2006) aponta que a dinâmica de desenvolvimento representa o conjunto de

todas as leis que regulam a formação, as mudanças e as conexões das novas formações

psicológicas na estrutura em cada idade. Ele ressalta que “para definir a dinâmica da idade é

preciso compreender, como condição essencial e primeira, que as relações entre a

personalidade da criança e seu meio social é dinâmica em cada etapa (...)” (VIGOTSKI, 2006,

p. 263). Nesse sentido, destaca a importância de se compreender o problema do meio e seu

papel na dinâmica da idade.

Em cada idade há uma situação social do desenvolvimento 12 , ou seja, um tipo

específico, peculiar, único e irrepetível de relação que a criança estabelece com o seu entorno. Essa situação social é o ponto de partida das mudanças produzidas no processo de

desenvolvimento em cada idade, o que torna a realidade social a verdadeira fonte do

desenvolvimento (VIGOTSKI, 2006).

Assim, Vigotski (2006) afirma que no estudo da dinâmica de qualquer idade, a

primeira questão a ser resolvida é o esclarecimento da situação social do desenvolvimento. A

12 Este conceito é aprofundado por Bozhovich (1976), conforme exposto posteriormente, neste capítulo.

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segunda questão é esclarecer a gênese das novas formações centrais, ou seja, como surgem e

se desenvolvem as novas formações próprias de determinada idade, na situação social dada,

uma vez que as novas formações caracterizam a reestruturação da personalidade consciente

da criança e são resultantes do desenvolvimento da idade, por isso, amadurecem sempre ao

final de uma dada idade e não no seu começo. Elas modificam a personalidade consciente da

criança, influenciando o seu desenvolvimento posterior.

Vigotski (2006) conclui que a lei fundamental da dinâmica das idades consiste em que

as forças que movem o desenvolvimento em uma determinada idade acabem por negar e

destruir a própria base de desenvolvimento da idade, determinando o fim da situação social

do desenvolvimento, o fim da etapa dada do desenvolvimento e o passo seguinte ao próximo

período de idade. Nesse sentido,

os períodos de crises que se intercalam entre os estáveis configuram os pontos críticos, de viragem, no desenvolvimento, confirmando mais uma vez que o desenvolvimento da criança é um processo dialético onde a passagem de um estágio a outro não se realiza por via evolutiva e sim, revolucionária. (VIGOTSKI, 2006, p. 258).

Desse modo, o autor assinala a importância do estudo das idades críticas, pois no

decorrer do processo evolutivo desaparece o velho e nasce o novo, e a culminância da

extinção do velho ocorre nas idades críticas, mas a obra criadora jamais se interrompe no

desenvolvimento e até nos momentos críticos se produzem processos construtivos.

As idades estáveis e as idades críticas

Algumas idades apresentam um curso evolutivo lento, com pequenas mudanças na

personalidade da criança, podendo permanecer imperceptíveis por longos períodos de tempo e

não exibir mudanças bruscas ou desvios capazes de reestruturar a personalidade. Nestas

idades, consideradas estáveis, as transformações ocorrem de forma microscópica e se

acumulam de modo que, posteriormente, se manifestem como uma formação repentina e

qualitativamente nova de uma idade (VIGOTSKI, 2006).

Vigotski (2006) esclarece que existem estudos detalhados das idades estáveis, em

detrimento das idades em que predominam as chamadas crises que constituem outro tipo de

desenvolvimento. Nesse sentido, ele faz uma importante distinção entre “idades estáveis” e “idades críticas”. Estas últimas, por não terem sido estudadas de modo sistematizado e

também por não terem sido incluídas na periodização geral do desenvolvimento, muitas vezes

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são consideradas como desvios da norma. Contudo, as idades críticas distinguem-se das

idades estáveis, pois aquelas se configuram em períodos nos quais ocorrem bruscas e

repentinas mudanças na personalidade da criança que transformam as suas características

básicas em intervalos de tempo relativamente curtos como meses, um ou dois anos, no

máximo. Tais pontos de passagem podem assumir formas de crises agudas.

Os períodos ou idades críticas apresentam três peculiaridades: primeiramente, não têm

começo ou fim definidos, pois as crises iniciam-se de modo imperceptível, embora as idades

críticas tenham um ponto culminante das crises, diferenciando-as das etapas estáveis do

desenvolvimento infantil (VIGOTSKI, 2006).

Em segundo lugar, há uma dificuldade maior em se educar crianças que vivem o seu

período crítico de desenvolvimento. Vigotski afirma que quando comparada consigo mesma,

no período de crise toda criança é mais difícil de educar, pois o ritmo de desenvolvimento que

caracterizava os períodos estáveis diminui. Muitas vezes, há queda no rendimento do estudo,

diminuição do interesse pelas aulas e da capacidade geral de trabalho. Neste período, a criança

pode sofrer vivências internas dolorosas e conflitos íntimos e o seu desenvolvimento pode ser

acompanhado de conflitos agudos com pessoas mais próximas (VIGOTSKI, 2006). Tais

aspectos são compreensíveis, se levarmos em consideração que as exigências das relações

interpessoais são outras, uma vez que as mudanças apresentadas pela criança incidem em

novos modos de ser e estar no mundo. Tal processo sobrevém sobre as pessoas que a

circundam, que também se deparam com novas demandas nas relações com tais crianças.

O autor ressalta que a quantidade de variações entre diferentes crianças e a influência

de condições internas e externas sobre a crise são importantes e profundas, sendo que “as

condições externas determinam o caráter concreto em que se manifestam e transcorrem os

períodos críticos” (VIGOTSKI, 2006, p. 256). Tal aspecto merece relevância quando nos

remetemos ao papel do adulto nos processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança e

do adolescente, uma vez que ele pode contribuir no sentido de propiciar condições externas

mais favoráveis para a vivência de tais processos. Entretanto, Vigotski esclarece que não são

as condições externas específicas que provocam a necessidade dos períodos críticos, mas sim

a lógica interna do próprio processo de desenvolvimento.

A terceira peculiaridade das idades críticas, considerada pelo autor a mais importante

teoricamente, mas a menos clara, é chamada de “índole negativa do desenvolvimento” (VIGOTSKI, 2006, p. 257). Vigotski pontua que outros autores consideram que na idade

crítica aparecem mais aspectos destrutivos que criativos, levando a uma noção aparente de

que o desenvolvimento da personalidade, que antes se apresentava progressivo, se detém

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39

provisoriamente. Nesse sentido, o advento da idade crítica não é marcado pelo surgimento de

novos interesses, motivações ou atividades, e sim pela perda do interesse que orientava a sua

atividade anterior.

Vigotski esclarece que os conceitos sobre idades críticas foram introduzidos na ciência

empiricamente e a crise dos sete anos foi a primeira a ser identificada e descrita. Esta idade

marca a transição entre o período pré-escolar e a puberdade e manifesta como conteúdos

negativos, dentre outros, a alteração do equilíbrio psíquico, a mudança no estado de ânimo e o

caráter instável da vontade. Já a crise dos três anos foi descoberta posteriormente e, por

muitos autores, foi denominada como fase da obstinação.

Em seguida, foi estudada a crise dos treze anos, que coincide com a passagem da idade

escolar à puberdade, identificada como fase negativa da maturação sexual e apresentando as

seguintes características: baixo rendimento escolar e capacidade de trabalho, desequilíbrio da

estrutura interna da personalidade, redução e extinção dos interesses apresentados

anteriormente, índole negativa, protesto comportamental, dentre outras. Além das idades

críticas citadas, Vigotski (2006) considera que a transição que ocorre no primeiro ano de vida

e o nascimento são períodos críticos.

Para Vigotski (2006), os processos considerados negativos no desenvolvimento e que

surgem nas idades críticas constituem-se faceta oculta das mudanças positivas da

personalidade, configurando o sentido básico e principal de toda idade crítica. Na crise dos

três anos, por exemplo, surgem novos traços de personalidade da criança como significado

positivo da crise.

Por outro lado, quando as crises transcorrem de maneira inexpressiva e apática, na

idade seguinte ocorre um grande atraso no desenvolvimento das faces afetivas e volitivas da

personalidade da criança. Na crise dos sete anos os sintomas negativos são acompanhados de

aspectos positivos como maior independência da criança e mudança de atitudes perante as

outras crianças. Do mesmo modo, aos treze anos, a transição para uma forma superior de

atividade intelectual é acompanhada da redução temporária da capacidade de trabalho. Assim, “atrás de cada sintoma negativo se oculta um conteúdo positivo que consiste, quase sempre, na passagem a uma forma nova e superior” (VIGOTSKI, 2006, p. 259).

Conforme assinalado, para Vigotski as novas formações são consideradas o critério

fundamental para classificar o desenvolvimento infantil em diversas idades e o sistema

desenvolvido pelo autor determina a sucessão das etapas da idade pela alternância entre

períodos estáveis e críticos.

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40

No desenvolvimento das idades críticas o essencial é o surgimento de novas

formações e estas se diferenciam das novas formações dos períodos estáveis devido ao seu

caráter transitório, uma vez que “não se conservam tal como são na etapa crítica nem se

integram como fatores imprescindíveis na estrutura integral da personalidade futura”

(VIGOTSKI, 2006, p. 261). As novas formações das idades críticas se diluem e se

transformam em aquisições da idade estável seguinte de modo quase imperceptível. Ademais,

as novas formações seguem existindo em estado latente com o advento da idade estável

seguinte, participando do desenvolvimento interno que nas idades estáveis gera formações

qualitativamente novas.

Assim, Vigotski (2006) propôs um sistema de periodização das idades em que se

alternam períodos críticos e estáveis, quais sejam: Crise pós-natal; Primeiro ano (dois meses a

um ano); Crises de um ano; Primeira Infância (um a três anos); Crise dos três anos; Idade Pré-

escolar (três a sete anos); Crise dos sete anos; Idade Escolar (oito a doze anos); Crise dos treze

anos; Puberdade (catorze a dezoito anos); Crise dos dezessete anos.

Ainda que outros autores da abordagem Histórico-Cultural, a partir dos quais também

nos baseamos para compreender o período da Adolescência, não sigam exatamente o mesmo

sistema de periodização de Vigotski, somos de acordo que as considerações deste autor

podem nos auxiliar a compreender os princípios do desenvolvimento psíquico, tais como o

papel dialético das condições internas e externas que o sujeito vivencia neste processo e da

situação social de desenvolvimento.

Nesse sentido, entendemos que a periodização utilizada por Vigotski e por outros

autores russos como Bozhovich (2003) e Dragunova (1980) fazem referência aos fatores que,

face às condições histórico-culturais vivenciados na época de suas pesquisas, consideraram

mais importantes para serem destacados enquanto marcas da periodização. Assim, para

Vigotski a adolescência corresponde aos períodos que englobam uma idade crítica, a Crise

dos Treze anos, e uma idade estável, a Puberdade. Por sua vez, Bozhovich e Dragunova,

discípulas de Vigotski, estabeleceram uma periodização tendo a escolarização como

referência central e, por essa razão, a adolescência é chamada de Idade Escolar Média. Apesar

das distinções, entendemos que os princípios são os mesmos, o que nos possibilita agregar as

várias contribuições de autores que puderam aprofundar suas pesquisas sobre o

desenvolvimento psicológico humano.

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A personalidade no Enfoque Histórico-Cultural 41

Bozhovich (1976), discípula e estudiosa do Enfoque Histórico-Cultural, deu

continuidade a muitos dos estudos de Vigotski, apontando limites e novas possibilidades na

compreensão do desenvolvimento com a execução de pesquisas focadas na análise da

personalidade. De acordo com González Rey (2013), a obra da autora representa a primeira

aproximação para a explicação de cada uma das etapas do desenvolvimento a partir do estudo

da personalidade, com ênfase no princípio da situação social do desenvolvimento. Nesse

sentido, a autora elaborou um quadro sobre as diferentes etapas do desenvolvimento da

personalidade, que nos permite compreender o tipo essencial de formação que caracteriza a

personalidade em suas diferentes etapas13.

Ao tratar do conceito de personalidade, a autora aponta que a concepção de

personalidade na psicologia soviética fundamenta-se no enfoque marxista, segundo o qual a

personalidade é produto do desenvolvimento histórico-social. A autora relaciona a

personalidade ao desenvolvimento da psique, uma vez que a psique é compreendida em sua

natureza social e o seu desenvolvimento ocorre sob a influência do meio social.

Bozhovich (1976) inaugura uma linha de investigações na Psicologia da Personalidade

bastante difundida na ex-União Soviética, que busca descobrir as relações de regularidades

existentes entre, de um lado, a forma de vida e a educação da criança e, por outro, as

particularidades de sua personalidade. Neste sentido, busca-se compreender de que modo e

sob quais condições de vida e educação se formam determinados traços em cada sujeito,

fundamentais e determinantes nestas condições e como a vida deve ser organizada para

formar a personalidade de acordo com os objetivos da educação.

A autora considera que o traço essencial das investigações soviéticas, que as diferencia

das estrangeiras, é que, além de se buscar estabelecer as relações entre determinadas

condições de vida e as particularidades da personalidade, busca-se descobrir a natureza

psicológica do próprio processo de formação destas particularidades. Tal tarefa demanda um

princípio metodológico segundo o qual se faz necessário estudar as leis da formação da

personalidade ao longo do processo pedagógico, ou seja, nas reais condições educacionais.

Contudo, Bozhovich (1976) entende que as investigações sobre a personalidade

tendem a apresentar alguns problemas como, por exemplo, a pouca confiabilidade científica e

a separação insuficiente dos fenômenos estudados. Portanto, a autora realizou estudos

buscando superar tais deficiências e fazendo experimentos sobre as condições e o processo de

formação da personalidade.

13

As contribuições da autora sobre a adolescência como etapa específica de desenvolvimento da personalidade-encontram-se mais concentradas, nesta tese, no capítulo III, intitulado: “Constituição da adolescência”.

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42

De modo geral, Bozhovich considera que a Psicologia soviética produziu variadas

investigações sobre a personalidade e suas condições de formação, mas entende a escassez de

estudos sob a perspectiva da personalidade como um todo único, “como sujeito de atividade

psíquica” (BOZHOVICH, 1976, p. 105), o que explica porque a psicologia soviética não tem

uma única e desenvolvida concepção psicológica da personalidade e de sua formação. Os

vários autores soviéticos interpretam, sistematizam e generalizam de formas diferentes as

posições marxistas da personalidade e, consequentemente, ainda que o conceito de

personalidade seja muito utilizado, “[...] encontra-se, do ponto de vista psicológico,

insuficientemente estabelecido e, frequentemente, resulta-se em sinônimo, ora de consciência,

ora de autoconceito, de orientação ou da psique em geral” (BOZHOVICH, 1976, p. 105-106).

Assim como González Rey (2013), a autora aponta uma tendência na psicologia

soviética de se compreender a psique somente como resultado da assimilação ou da

apropriação das formas sociais de consciência e das formas de atividade psíquica cristalizadas

no processo de desenvolvimento histórico, produtos do trabalho, da cultura humana. Neste

enfoque, o desenvolvimento da psique é compreendido apenas no aspecto da apropriação,

deixando de lado o aspecto da cristalização da atividade psíquica em seus próprios produtos

que, posteriormente, convertem-se em fonte de formação da psicologia individual. Tal

conjuntura parece deixar à margem o aspecto ativo, gerador e criador da psique.

Bozhovich pontua que, embora os psicólogos retomem a frase de Karl Marx, segundo

a qual “as circunstâncias criam as pessoas, na medida em que as pessoas criam as

circunstâncias” (MARX; ENGELS, p. 37 apud BOZHOVICH, 1976, p. 114)14, em geral, eles

enfocam apenas a primeira parte da frase. Tal perspectiva não reconhece o papel da psique

como realidade que pode influenciar os processos subjetivos e objetivos. A partir desta linha

de compreensão, torna-se impossível conhecer e estudar a psicologia da personalidade,

já que sua função na interação do homem com o mundo consiste, precisamente, em que a mesma não somente favoreça que o homem se faça estável e independente frente às influências diretas do meio, como também o faz em certo sentido, o criador de si mesmo e do mundo em que vive. (BOZHOVICH, 1976, p.114).

Não obstante tais considerações, Bozhovich (1976) entende que todas as investigações

feitas com suas respectivas conquistas na compreensão da formação da personalidade devem

14

MARX, C.; ENGELS, F. Obras escogidas. (Edición en ruso). Moscú: Editorial Progreso, 1974. Tomo 3. In: BOZHOVICH, L. I. La personalidad y su formación en la edad infantil: investigaciones psicológicas. La Habana: Editorial Pueblo y Educación, 1976.

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43

ser apreciadas na elaboração de uma concepção integral da personalidade. A partir de tais

estudos, é necessário revelar as particularidades da interação do sujeito nas diferentes idades

com o meio que os rodeia e compreender as leis psicológicas da formação da personalidade

em cada idade.

Para Bozhovich (1976), o lugar que a pessoa ocupa no sistema de relações sociais,

bem como a atividade realizada neste sistema é a condição fundamental que determina a

formação da personalidade do sujeito. A autora assegura que a formação da personalidade é

decisiva para caracterizar o homem, uma vez que propicia formas de conduta e atividades

mais elevadas e conscientes e ainda permite a unidade de todas as suas atitudes voltadas para

a realidade. Consequentemente, “as reações do homem e todo o sistema de sua vida afetiva

interna são determinados por aquelas particularidades da personalidade que se formaram

durante o processo de sua experiência social” (BOZHOVICH, 1976, p. 99).

No estudo dos processos psíquicos, a autora menciona a importância do trabalho de A.

N. Leontiev, sobretudo quando este faz uma diferenciação entre significado e sentido, ao

estabelecer que o significado representa a generalização da realidade, cristalizada na palavra,

enquanto que o sentido envolve o motivo pelo qual uma pessoa se envolve em determinada

atividade.

Ainda que o autor não tenha desenvolvido investigações teóricas ou experimentais

neste campo, Bozhovich (1976) considerou importante a introdução do conceito de sentido,

uma vez que tal conceito destacou o aspecto pessoal no estudo da consciência humana, ou

seja, na interpretação dos processos psíquicos. Não obstante, este conceito foi desenvolvido

por González Rey (2013), que o articula a categorias como configuração subjetiva e

subjetividade, a partir dos quais ele desenvolve o conceito de personalidade. Assim,

apresentaremos, a seguir, algumas ideias desenvolvidas por esse autor para compreendermos

melhor o conceito de personalidade.

Entende-se por sujeito o homem concreto, ou seja, o ser biopsicossocial dotado de uma

subjetividade humana, constituída nas e pelas inter-relações sociais da pessoa num dado

contexto histórico (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2007). Por sua vez, o sentido compreende a

produção subjetiva constante, gerada nas e a partir das experiências de vida do sujeito

(GONZÁLEZ REY, 2013).

O autor toma por unidade de estudo o conceito de configuração subjetiva, concebida

como a integração dos diferentes sentidos que se constituem de maneira relativamente estável

na organização subjetiva da experiência do sujeito. Tal configuração possui núcleos de

sentido mais estáveis “que se manifestam na oposição do sujeito a aspectos novos de suas

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experiências e que entram em conflito com esses núcleos” (GONZÁLEZ REY, 2013, p. 256).

Para González Rey (2013), os núcleos de sentido mantêm a organização da

configuração subjetiva, dando-lhe integridade. Tais núcleos são organizados por sentidos

subjetivos dominantes e qualquer mudança no núcleo representa profundas

mudanças no desenvolvimento da personalidade. Desse modo, as configurações subjetivas

são formações estáveis geradoras de sentido que variam conforme a dinâmica da

personalidade, a depender do contexto e das condições sociais em que o sujeito age. A

configuração subjetiva é uma categoria de caráter processual e integradora no sistema da

personalidade. Além disso, é móvel e dinâmica, ainda que apresente uma estabilidade relativa.

O conceito de configuração responde ao homem atual implicado em uma simultaneidade de atividades e relações em tempo e espaço, que tem levado a uma modificação do próprio sentido subjetivo do espaço e do tempo. Nessas condições, a diversidade de situações e contextos em que simultaneamente se manifesta a subjetividade passa a ser um elemento essencial dos processos de subjetivação que, portanto, deve expressar-se nas teorias orientadas à sua construção. (GONZÁLEZ REY, 2013, p. 259).

As configurações subjetivas formam a personalidade, ou seja, a personalidade

apresenta-se como o “sistema de configurações subjetivas, representando um sistema gerador

de sentidos no curso de todas as atividades do sujeito” (GONZÁLEZ REY, 2013, p. 259). Na

sala de aula, por exemplo, todas as expressões de um aluno relacionam-se entre si pelo sentido

que a sala tem para ele:

Assim, por exemplo, a indisciplina de um aluno na escola não está separada de seu nível de integração em sala de aula, de seu rendimento acadêmico, de sua percepção sobre o nível de aceitação que a professora tem dele, etc. Todos esses aspectos são elementos de sentido da configuração subjetiva em que se expressa o sentido subjetivo da atividade escolar para o aluno. Toda experiência humana é plurideterminada quanto ao seu sentido subjetivo. (GONZÁLEZ REY, 2013, p. 206).

Em sala de aula podem aparecer outros elementos referentes à condição social e de

vida do aluno fora da sala, que podem implicar na condição emocional do estudante

apresentada neste espaço e, portanto, ter repercussões no sentido das atividades escolares.

Portanto,

[...] na condição subjetiva da pessoa circulam dentro de um mesmo “espaço” de sentido elementos provenientes das mais diversas zonas da vida social das pessoas. Portanto, na qualidade do subjetivo aparecem dentro de uma mesma

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configuração elementos gerados em tempos e espaços diferentes da vida social do sujeito. (GONZÁLEZ REY, 2013, p.260).

González Rey entende que os processos e os modos de organização subjetiva dos

indivíduos concretos constituem a subjetividade individual. “Nela aparece constituída a

história única de cada um dos indivíduos, a qual, dentro de uma cultura, se constitui em suas

relações pessoais” (GONZÁLEZ REY, 2013, p.241). Nesse sentido, a subjetividade não

existe apenas no nível individual, mas também no nível cultural, uma vez que “a própria

cultura dentro da qual se constitui o sujeito individual, e da qual é também constituinte,

representa um sistema subjetivo, gerador de subjetividade” (GONZÁLEZ REY, 2013, p. 78).

Para superar o paradigma mecanicista, que dicotomiza o social e o subjetivo e o individual e o

social, o autor estabeleceu o conceito de subjetividade social. Para ele, o conceito de

subjetividade social gera visibilidade sobre as inter-relações complexas e ocultas que ocorrem

nas diferentes instituições e processos subjetivos da sociedade. Assim, o emprego de tal

categoria contribui para definir as várias instâncias que desencadeiam processos de sentido

como, por exemplo, as diferenças sociais, os códigos jurídicos, os critérios de propriedades, as

relações de poder, dentre outros elementos que incidem em processos parciais de subjetivação

social tais como os padrões familiares, os jogos e a violência. Desse modo, o autor introduziu

a categoria de subjetividade social para romper com a concepção segundo a qual a

subjetividade é um fenômeno individual, apresentando-a como

um sistema complexo produzido de forma simultânea no nível social e individual, independentemente de que em ambos os momentos de sua produção reconheçamos sua gênese histórico-social, isto é, não associada somente às experiências atuais de um sujeito ou instância social, mas à forma em que uma experiência atual adquire sentido e significação dentro da constituição subjetiva da história do agente de significação, que pode ser tanto social como individual. (GONZÁLEZ REY, 2013, p.202).

Um dos desafios teóricos do conceito de subjetividade social consiste em articular os

processos de subjetivação dos espaços sociais e individuais “sem antropomorfizar os espaços

individuais e sem reduzir a gênese da subjetivação aos indivíduos” (GONZÁLEZ REY, 2013,

p. 205). Logo, tanto os processos de subjetividade social como os de subjetividade individual

são produzidos ao mesmo tempo, de modo inter-relacionado, constituindo-se reciprocamente.

Desse modo,

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46

Os processos de subjetivação individual estão sempre articulados com os sistemas de relações sociais; portanto, têm um momento de expressão no nível individual, e um outro no nível social, ambos gerando consequências diferentes, que se integram em dois sistemas da própria tensão recíproca em que coexistem que são a subjetividade social e a individual. (GONZÁLEZ REY, 2013, p. 205).

O autor esclarece também que a atuação dos sujeitos concretos no sistema da

subjetividade social não depende somente das suas intenções, e sim das configurações sociais

em que as ações dos sujeitos se inscrevem e dos sistemas de relações em que vivem, pois “[...]

a condição de sujeito individual se define somente dentro do tecido social em que o homem

vive” (GONZÁLEZ REY, 2013, p. 206). Desse modo, os processos de subjetividade social e

individual são momentos contraditórios e se integram de forma tensa, numa dimensão

processual constante.

Sob esse enfoque, o sujeito, estando em determinados espaços sociais, compartilha

elementos de sentido e significados que são gerados nesses espaços e que passam a fazer parte

da constituição da sua subjetividade individual. Porém, o sujeito é ativo e sua trajetória de

vida gera sentidos e significados que produzem novas configurações subjetivas e individuais

que, por sua vez, transformam-se em elementos de sentido contraditórios às configurações

dominantes nesses espaços sociais (GONZÁLEZ REY, 2013).

A personalidade como nível superior de organização da subjetividade

González Rey (2013, p. 241) define a personalidade como “o sistema subjetivo auto-

organizador da experiência histórica do sujeito concreto”. Desse modo, a personalidade é

compreendida como organização sistêmica da subjetividade individual, “comprometida com o

momento atual de expressão e subjetivação do sujeito”. A personalidade é considerada, pois,

um sistema autônomo, que se constitui constantemente num “processo gerador de sentidos ao

longo da história do sujeito individual” (GONZÁLEZ REY, 2013, p. 254, 256). Ademais,

Na personalidade aparecem organizadas subjetivamente todas as experiências do sujeito em um sistema em que os sentidos subjetivos produzidos por uma experiência passam a ser elementos constituintes de outras, dando lugar a cadeias complexas de configurações que aparecem no sentido subjetivo produzido a cada experiência concreta do sujeito. (GONZÁLEZ REY, 2013, p. 256).

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Nesta mesma linha de pensamento, Domínguez García (2007, p. 58) considera a

personalidade como “nível superior de organização dos componentes da subjetividade e de

regulação do comportamento”, ou seja, a personalidade representa o nível maior de integração

dos conteúdos e funções da subjetividade humana. Assim, ela forma parte da subjetividade e,

sob esta perspectiva, nem todos os conteúdos da subjetividade são componentes integrantes da

personalidade, isto é, nem todo o psicológico é personológico (DOMÍNGUEZ GARCÍA,

2003). Neste sentido, Fernández (2003a, p.306) esclarece que

Nem sempre e nem em todos os espaços de interação com a realidade, nos expressamos e nos implicamos como personalidade. Há conteúdos psicológicos que não intervêm, não decidem neste nível superior e integrado de regulação comportamental. De modo que, nem todo o psicológico é personalidade (ex: capacidade de observação, excitabilidade, velocidade de reação, volume da memória, conteúdos formais que não mobilizam o comportamento, etc.), ainda que toda a personalidade seja psicológica. Podemos dizer que os indicadores para identificar o nível personológico de organização e funcionamento do psicológico são: conteúdos relevantes para a regulação do comportamento, conteúdos predominantes, integridade, caráter sistêmico e relativa estabilidade dos mesmos, individualidade, especificidade do sistema, orientação e direcionalidade do comportamento, conteúdos que caracterizam e determinam a posição do sujeito diante da vida, possibilitam a independência, a autorregulação e o dinamismo comportamental.

Aspectos que caracterizam a personalidade

Com base nos trabalhos de González Rey (1985, 1989) e de Fernández (2003a),

Domínguez García (2007) afirma que para se obter a definição da categoria personalidade, é

preciso considerar um conjunto de aspectos, que descreveremos a seguir. Em primeiro lugar, a

autora considera que a personalidade é uma realidade subjetiva, oriunda das inter-relações

que o sujeito estabelece num dado contexto histórico. Nesse sentido, a personalidade

constitui-se em condições sócio-históricas nas quais a vida transcorre, dentro dos variados

sistemas de atividade e comunicação, os quais determinam seus conteúdos principais. Para

Fernández (2003a, p. 296), “estamos diante de uma realidade que é subjetiva, de modo que

não podemos apreciar de modo direto sua expressão. Somente apreciamos a conduta, o

comportamento, as expressões verbais”. Ademais, a personalidade possui um caráter ativo,

uma vez que a apropriação dos conteúdos é mediatizada pelas condições internas do sujeito e

pela possibilidade deste de exercer uma influência transformadora sobre o externo

(DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003, p. 296).

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O segundo aspecto a ser considerado na compreensão da personalidade tem a ver com

fato de que os conteúdos da personalidade se caracterizam pela unidade dos aspectos

cognitivos e afetivos. Tal unidade garante que a personalidade cumpra a sua função principal:

possibilitar ao sujeito a regulação e a autorregulação de seu comportamento, utilizando-se de

diferentes recursos psicológicos. Neste sentido, os processos cognitivos e afetivos estão

fundidos nos conteúdos da personalidade e constituem a célula funcional da personalidade e

dela se derivam as potencialidades do sujeito de regular e autorregular o seu comportamento.

Os processos cognitivos são aqueles que nos permitem ter uma visão da realidade, através de representações, recordações, conceitos, etc. Os processos afetivos nos oferecem a visão da nossa relação com a realidade, de como ela nos permite ou impede de obter a satisfação de nossas necessidades. (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2007, p. 59).

O terceiro aspecto diz respeito ao fato de que o núcleo da personalidade é a esfera de

necessidades e motivos, “ao redor da qual se integram outros de seus componentes, como por

exemplo, as capacidades e as qualidades que derivam do temperamento” (DOMÍNGUEZ

GARCÍA, 2007, p. 59). Há motivos conscientes e inconscientes, sendo que os primeiros têm

graus diferentes de elaboração por parte do sujeito e são apoiados em operações intelectuais,

enquanto que os motivos inconscientes se subordinam aos primeiros. A autora aponta que a

motivação humana superior é considerada essencialmente consciente, sem negar a existência

de motivos inconscientes que também se convertem em estímulos do comportamento do

sujeito.

Em quarto lugar, Domínguez García (2007) afirma que a personalidade tem caráter

singular e irrepetível. Nesse sentido, de acordo com Fernández (2003a), a natureza dos

conflitos vividos é diferente para cada sujeito, tendo em vista o caráter único da organização

personológica.

O quinto aspecto ressaltado pela autora é o principio segundo o qual a personalidade é

estado e, por sua vez, processo. Contudo, sendo estável, a personalidade não é estática. Nesse

sentido, “a personalidade e as peculiaridades das formações psicológicas que a integram,

caracterizam de modo relativamente estável a projeção integral do sujeito e as formas em que

operam suas funções reguladoras e autorreguladoras” (FERNÁNDEZ, 2003a, p.297).

O sexto aspecto aponta que a personalidade é dinâmica e processual, ou seja, há uma

mobilidade de significação e de valores dos conteúdos personológicos ao longo da existência.

Deste modo, a personalidade se desenvolve durante toda a vida, sobretudo a partir dos três

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anos, quando surge a autoconsciência ou a consciência de si mesma na criança, e esta se

reconhece como um ser particular e diferente dos outros.

O sétimo aspecto indica que os conteúdos da personalidade têm o social como fonte,

ainda que o sujeito construa os conteúdos de sua personalidade, empregando-os de maneira

voluntária na regulação e autorregulação do comportamento. Neste sentido, a formação da

personalidade apresenta um caráter ativo e a produção dos conteúdos pelo sujeito relaciona-se

às suas condições internas e à possibilidade dele mesmo exercer uma influência

transformadora sobre o contexto em que vive.

O oitavo aspecto propõe que os sistemas de atividade e de comunicação nos quais

transcorre a vida do sujeito são as vias essenciais para que se produza o desenvolvimento e a

formação da personalidade. Tais vias se convertem em caminhos metodológicos

fundamentais para o estudo da personalidade.

Já o nono aspecto considera que a vivência é uma categoria essencial para o estudo e

caracterização da personalidade. Sobre este aspecto, Bozhovich (1976) afirma que para se

compreender as influências do meio sobre o sujeito e como elas configuram o seu

desenvolvimento, é preciso compreender as vivências deste sujeito, ou seja, “o caráter de sua

relação afetiva com o meio” (BOZHOVICH, 1976, p. 123).

O décimo aspecto refere-se à concepção segundo a qual o desenvolvimento da

personalidade se direciona para a conquista da capacidade de autodeterminação do sujeito.

Nesse sentido, “seu núcleo é a esfera motivacional que, estruturada em sistemas motivacionais

de regulação, se integram, formando um todo que define a capacidade de autodeterminação,

caracterizando e determinando a posição do sujeito para a realidade” (FERNÁNDEZ, 2003a,

p.297). A capacidade de autodeterminação é a “capacidade de cada pessoa de atuar com

relativa independência das influências externas […]” (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2007, p. 60).

O décimo primeiro aspecto indica que a personalidade constitui o nível superior de

integração dos conteúdos da subjetividade e possui caráter holístico (de totalidade), uma vez

que seus conteúdos e funções constituem um sistema e não o resultado de uma somatória de

conteúdos e funções (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003b). Nesse sentido, conforme Fernández

(2003a, p.296),

[...] um elemento psicológico isolado não possui significação psicológica, senão em virtude do sistema no qual se integra. Os conteúdos psicológicos integradores da personalidade, originam uma entidade nova, diferente e irredutível a cada um deles separadamente, existindo uma relação dinâmica e

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dependência funcional entre estes conteúdos e entre estes e o sistema personológico como totalidade.

A estrutura da personalidade

Conforme visto, a personalidade “é a organização, a integração mais completa e

estável de conteúdos e funções psicológicas, que intervém na regulação e autorregulação do

comportamento nas esferas mais relevantes para a vida do sujeito” (FERNÁNDEZ, 2003a, p.

306). A estrutura da personalidade, por sua vez, é a forma em que se organizam e se integram

seus conteúdos para definir seu sentido. Considera-se que há duas formas principais de

expressão dos sentidos psicológicos que formam a estrutura da personalidade: as unidades

psicológicas primárias e as formações motivacionais (FERNÁNDEZ, 2003a).

As unidades psicológicas “são conteúdos parciais, estáveis, portadores de determinado

valor emocional, expressas em diferentes formas definidas comportalmentalmente ou

psicologicamente” (FERNÁNDEZ, 2003a, p. 301). São consideradas unidades psicológicas as (1) necessidades, os (2) motivos, (3) o caráter, (4) os interesses, (5) as atitudes e (6) os

hábitos. Já as formações psicológicas (ou motivacionais) são (1) a identidade pessoal, (2) os

ideais, (3) as intenções e (4) a concepção de mundo.

Entende-se por necessidades as qualidades estáveis da personalidade, que se

distinguem por apresentar conteúdo emocional positivo ou negativo e que se expressam nas

vivências do sujeito. As necessidades podem ser de afeto, de contato íntimo, de

reconhecimento social, de auto-realização, dentre outras. Elas geram tensão emocional,

devido à contradição entre a satisfação e a insatisfação e podem dinamizar o comportamento,

voltando-se para determinados objetos ou pessoas e atuando de modo intencional, oculto ou

levando a uma busca ativa de sua conscientização (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003b).

Por sua vez, “os motivos, de maneira semelhante às necessidades, constituem

conteúdos estáveis da personalidade e são o resultado da forma em que a mesma assume,

processa e elabora suas necessidades” (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003b, p. 6). Os motivos

podem ser conscientes ou inconscientes e se expressam no plano reflexivo-valorativo e

comportamental. Eles oferecem força, intensidade, direção e sentido ao comportamento e

estruturam-se numa hierarquia. O nível superior desta hierarquia são as tendências

orientadoras da personalidade. Estas são consideradas subsistemas de regulação

motivacional, cujos conteúdos se elaboram conscientemente pelo sujeito e possuem para este

grande significação emocional. As tendências orientadoras da personalidade mobilizam o

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sujeito para seus objetivos essenciais na vida, expressam a dimensão temporal da motivação

(passado, presente e futuro) e orientam-se para diferentes esferas da vida do sujeito: estudo,

profissão, trabalho, família, lazer, dentre outras.

Domínguez García (2003b) aponta que o caráter é um conjunto de motivos

generalizados que se expressam em traços estáveis associados a uma conduta definida, sendo

considerado uma unidade psicológica importante que forma a personalidade. Um mesmo traço

de caráter se expressa de modo distinto em diferentes sujeitos e de variadas formas em esferas

distintas num mesmo sujeito. Os traços se expressam com maior intensidade nas esferas mais

significativas da vida, sendo que em sujeitos inseguros, se expressam de maneira mais rígida e

compulsiva e em pessoas com uma identidade estruturada e estável, expressam-se com maior

flexibilidade. De acordo com Fernández (2003a), são traços de caráter a sociabilidade, a

persistência, a sinceridade, a honestidade, a timidez, a extroversão, a introversão, dentre

outros.

Já os interesses são motivos orientados à busca de informação, tornando seletiva a

conduta do sujeito. “Não funcionam isolados senão em um complexo sistema que se constitui

em estilo de vida. Orienta e unifica o que faz e pensa o sujeito” (FERNÁNDEZ, 2003a,

p.303). Por sua vez, os hábitos constituem-se na automatização de determinadas condutas,

enquanto que as atitudes consistem numa forma de organização estável, na qual o motivo se

estrutura, na manifestação concreta da personalidade em direção a objetos, situações ou

pessoas. Incluem valorações, emoções e comportamentos (FERNÁNDEZ, 2003a, p. 303).

Fernández (2003a) aponta que, mais que descrever quais são os conteúdos

psicológicos, necessitamos saber como se integram e se articulam em sistemas, de modo que

alcancem seu real potencial mobilizador na personalidade. Sob este enfoque,

Os sentidos pessoais adquirem maior intensidade na medida em que vão articulando-se entre si, formando configurações reais. Se produz aqui uma forte imbricação e organicidade entre os processos psicológicos de natureza afetiva e cognitiva, pois o sentido que a realidade alcança para o sujeito se produz em função das necessidades e motivos de sua personalidade. Os diversos motivos e necessidades se aglutinam ao redor dos motivos hierarquicamente mais significativos, os quais conferem o sentido psicológico às formações motivacionais em que se integram. (FERNÁNDEZ, 2003a, p. 305).

As formações motivacionais possibilitam a regulação mediada do comportamento por

meio da elaboração de objetivos a médio e a longo prazo, bem como das estratégias

correspondentes. Ao contrário das unidades psicológicas primárias, as formações

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52 motivacionais adquirem lugar relevante nas operações intelectuais e os principais motivos da

personalidade se expressam através delas (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003b).

Segundo Domínguez García (2003b), o termo formações motivacionais, proposto por

González Rey (1989), permite identificar aqueles subsistemas de regulação motivacional que

integram diferentes motivos cujos conteúdos são elaborados pelo sujeito por meio de suas

operações intelectuais e que participam de modo mediado na regulação e autorregulação do

comportamento. As formações motivacionais principais são a identidade pessoal (ou

autovaloração), os ideais, os projetos de vida, as intenções e a concepção de mundo.

A identidade pessoal ou autovaloração se expressa no conceito preciso e generalizado

do sujeito sobre si mesmo, que elabora em função de suas principais necessidades, motivos e

aspirações. Os componentes da identidade pessoal são: (1) a autoconsciência ou consciência

de si mesmo, (2) o nível de aspiração, ou seja, a elaboração de metas a alcançar em relação às

suas possibilidades, (3) o sentido de identidade, que significa a valoração que cada um faz das

qualidades que o diferencia dos demais e o caracteriza e (4) o sentido de autoestima, que

envolve uma maior ou menor satisfação consigo mesmo, com base em seus defeitos ou

virtudes (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003b).

A identidade pessoal tem função (1) subjetivo-valorativa, ou seja, a possibilidade de o

sujeito conhecer com relativa objetividade suas características pessoais, tanto físicas como

psicológicas e morais e de ajuizá-las no sentido positivo ou negativo; (2) reguladora, pois

indica como se expressam os conteúdos autovalorativos do sujeito na regulação de seu

comportamento, na elaboração de metas a alcançar-nível de aspiração-e em seu sentido de

autoestima; (3) autoeducativa, sendo que está associada ao surgimento da concepção de

mundo, permitindo ao sujeito propor-se tarefas relativas ao seu autoaperfeiçoamento.

Ademais, a autovaloração pode ser adequada ou inadequada (subvalorização ou

supervalorização de si mesmo).

Outra formação motivacional importante são os ideais, que correspondem à imagem

cognitivo-afetiva almejada pelo sujeito. Os ideais designam a capacidade de cada pessoa de

elaborar uma projeção futura como conteúdo de suas motivações. No aspecto estrutural,

podem ser: (1) concretos, como modelo concreto com forte vínculo emocional, (2) sintéticos,

ou seja, a soma de qualidades de diferentes modelos concretos, onde há um baixo nível de

abstração e (3) generalizados, no qual há a integração de qualidades abstraídas e generalizadas

de diferentes modelos e onde o sujeito se converte no centro do seu ideal. São considerados

indicadores para o estudo do ideal: (a) a riqueza de conteúdo, ou seja, as esferas de

significação que o sujeito destaca em sua projeção futura; (b) a estrutura, ou seja, o ideal

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concreto, sintético ou generalizado e (c) o vínculo afetivo e elaboração pessoal, ou seja, o

nível de implicação emocional e de argumentação do conteúdo por meio de juízos próprios

(DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003b).

Por fim, a autora destaca as intenções profissionais como formações motivacionais que

caracterizam o nível de desenvolvimento da motivação profissional, quando se converteu em

tendência orientadora da personalidade e o sujeito elabora os conteúdos nesta esfera em uma

perspectiva temporal a médio e longo prazo, com um elevado compromisso de identidade

pessoal. Os indicadores para o estudo das intenções profissionais são: (a) componente

cognitivo, ou seja, o conhecimento do sujeito sobre o conteúdo da profissão; (b) componente

afetivo, que corresponde à atitude emocional positiva, negativa ou ambivalente; (c) componente autovalorativo, ou seja, a valoração das características pessoais em função das

desejáveis à profissão em questão, bem como a necessidade de autoaperfeiçoamento; (d)

componente de projeção futura, ou seja, planos a médio e longo prazo, de estratégias para a

consecução e previsão de obstáculos.

Relações entre personalidade e desenvolvimento psicológico por idades

Conforme assinalado, a personalidade é uma configuração subjetiva com estrutura e

dinâmica inter-relacionadas. Nesse sentido, Bozhovich (1976) afirma que a caracterização

psicológica por idades determina-se pela estrutura integral da personalidade do sujeito, que é

diferente em cada etapa do desenvolvimento, o que inclui o campo de suas necessidades, a

estrutura de sua consciência e o caráter de suas atitudes diante da realidade. Ela esclarece que “cada etapa do desenvolvimento se caracteriza não apenas pelo conjunto de particularidades

isoladas, senão por uma estrutura integral peculiar da personalidade da criança, assim como

pela existência de uma tendência do desenvolvimento específico para esta etapa” (BOZHOVICH, 1976, p.353).

Ao posicionar-se sobre alguns questionamentos quanto aos possíveis limites do

desenvolvimento por idades e a presença de etapas nesse desenvolvimento, a autora pondera

que, ainda que estudos demonstrem progressos em determinados processos psíquicos, que

ultrapassam os limites do que se espera em cada idade, eles não anulam as peculiaridades das

etapas de acordo com a idade do desenvolvimento psíquico do sujeito. Além disso, “ainda que

as funções e processos psíquicos isolados avancem em seu desenvolvimento, se estes

progressos não se relacionam com a mudança da personalidade da criança em seu conjunto, os

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mesmos não podem caracterizar seu desenvolvimento evolutivo”. (BOZHOVICH, 1976, p. 353).

Nesse sentido, é preciso entender as inter-relações entre as condições internas e

externas do desenvolvimento de cada etapa, que resultam na posição interna do sujeito:

Cada uma destas etapas se caracteriza por uma combinação, típica para a mesma, das condições externas e internas do desenvolvimento, que criam a posição interna da criança, específica para a idade. Esta posição interna constitui-se em condição também para a dinâmica do desenvolvimento psíquico da criança durante a correspondente etapa e aquelas novas formações psicológicas que surgem ao final da mesma. (BOZHOVICH, 1976, p. 352).

Bozhovich (1976) afirma que, já no início da vida, no período de lactância,

apresentam-se duas necessidades fundamentais: a cognitiva e a de comunicação. Nos períodos

de desenvolvimento psíquico posteriores, estas necessidades não se acabam, mas apresentam

conteúdo, estrutura e especificidade nas variadas formas de conduta e de atividade da criança.

Devido a isso, em cada estágio do desenvolvimento ocorre um conjunto funcional peculiar de necessidades e aspirações, geneticamente relacionadas com as necessidades primárias da criança. Este conjunto se expressa nas formas especiais de conduta e atividade, específicas para as crianças da idade correspondente. (BOZHOVICH, 1976, p.355).

Embora considere que não existam limites exatos de idade entre as etapas de

desenvolvimento, uma vez que tais limites dependem das circunstâncias concretas da vida e

da atividade do sujeito, ao tratar dos diferentes enfoques sobre as características das idades e

do conceito de situação social de desenvolvimento, Bozhovich (1976) parte de um modo de se

entender o desenvolvimento, apresentando-o em três etapas sucessivas: a idade escolar

primária, a média e a superior.

Ainda que haja mobilidade entre os limites de cada idade, a autora reitera a existência

de etapas qualitativamente típicas do desenvolvimento infantil, caracterizadas “pela

peculiaridade de certa estrutura integral da personalidade da criança e pela presença de

tendências específicas para uma etapa determinada de desenvolvimento” (BOZHOVICH,

1976, p. 116).

Ainda, ressalta o caráter dialético complexo existente no vínculo entre as condições de

vida do escolar e suas particularidades psicológicas, entendendo-se que “cada etapa se

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caracteriza por um conjunto especial de condições de vida e de atividade dos alunos e por sua

estrutura de particularidades psicológicas que se forma sob a influência destas condições” (BOZHOVICH, 1976, p. 115).

Desse modo, a compreensão do desenvolvimento psíquico exige uma análise, “não

apenas das condições objetivas que influenciam a criança, mas também das particularidades já

formadas de sua psique, através das quais se refrata a influência destas condições”

(BOZHOVICH, 1976, p.115).

A passagem de uma idade para a outra ocorre por meio de um salto dialético, ou seja,

por transformações qualitativas, sendo que cada idade se diferencia uma da outra pela

estrutura qualitativamente típica de suas particularidades. A autora remete tal compreensão

também à Vigotski, que apontou uma caracterização de cada período por uma estruturação da

consciência como um todo, ou seja, uma estrutura especial de conexões e relações

interfuncionais, que constitui, por sua vez, “o caráter especial e o papel de cada função

psíquica que entra na estrutura da consciência” (BOZHOVICH, 1976, p. 122). Desse modo,

para compreender a influência do meio na formação das particularidades da criança segundo sua idade, há que se ter em conta, não somente as mudanças ocorridas no meio (por exemplo, durante a passagem do círculo infantil à escola), mas também as mudanças ocorridas na própria criança que, por sua vez, constituem o caráter da influência do meio sobre seu desenvolvimento psíquico posterior. (BOZHOVICH, 1976, p. 122-123).

Vigotski (1935) assinala que o papel do entorno no desenvolvimento do sujeito deve

ser compreendido a partir de uma perspectiva relativa, uma vez que o meio não se trata de

uma condição que determina o desenvolvimento de modo puramente objetivo, mas deve-se

considerar o ponto de vista da relação existente entre o sujeito e seu entorno. Ademais, o autor

aponta que o papel de qualquer fator ambiental varia conforme as diferentes idades.

O autor salienta que são as experiências emocionais da criança, os aspectos

fundamentais que explicam a influência do entorno no desenvolvimento psicológico. Neste

sentido, uma mesma situação ambiental pode influenciar o desenvolvimento de pessoas

distintas de formas diferentes, de acordo com a idade em que ocorrem e da forma como a

criança se relaciona emocionalmente com os acontecimentos.

De acordo com Vigotski (1935), mais importante do que saber quais são as

características constitucionais do sujeito, é descobrir quais destas características

desempenharam um papel decisivo na determinação da relação deste com uma dada situação.

Assim, as diversas situações vitais geram efeitos diferentes no desenvolvimento, dependendo

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dos sentidos e significações atribuídas pelo sujeito. O entorno exerce sua influência conforme

o modo como ele organizou as suas experiências emocionais para desenvolver sua atitude

interna face às demandas situacionais. Desse modo,

O entorno é um fator no campo do desenvolvimento da personalidade e de seus traços humanos específicos, e seu papel consiste em servir de fonte deste desenvolvimento, ou seja, o entorno é a fonte do desenvolvimento e não seu âmbito. (VIGOTSKI, 1935, p. 17).

Ainda referindo-se ao papel do meio no desenvolvimento psíquico da criança,

Bozhovich (1976) enfatiza a importância do conceito de situação social do desenvolvimento,

desenvolvido por Vigotski, o qual designou como sendo

aquela combinação especial dos processos internos do desenvolvimento e das condições externas, que é típica em cada etapa e que propicia condições também para a dinâmica do desenvolvimento psíquico durante o período evolutivo correspondente e as novas formações psicológicas, qualitativamente peculiares, que surgem no final deste período. (BOZHOVICH, 1976, p. 123).

De acordo com Bozhovich (1976), o conceito de situação social de desenvolvimento

levou Vigotski a buscar a unidade de análise correspondente a ele. O autor encontrou-a no

conceito de vivência, entendida como a relação afetiva da criança com o seu meio:

A vivência, segundo Vigotski, é uma “unidade” em que estão representados, num todo indivisível, por um lado o meio, ou seja, o experimentado pela criança; por outro, o que a própria criança contribui nesta vivência e que, por sua vez, se determina pelo nível que ela já alcançou anteriormente. (BOZHOVICH, 1976, p. 123).

Bozhovich compreende por estado afetivo as “vivências emocionais prolongadas e

profundas, diretamente relacionadas às necessidades e aspirações ativas, que tem importância

vital para o sujeito” (BOZHOVICH, 1976, p. 123). Nesse sentido, a vida afetiva está presente

em todas as pessoas, em maior ou menor intensidade, sem a qual elas seriam passivas ou

indiferentes. A autora aponta que “a vivência é como um nó no qual estão atadas diversas

influências e circunstâncias, tanto externas como internas. Mas, precisamente por isso, é

impossível examinar a vivência como um todo indivisível” (BOZHOVICH, 1976, p. 124).

De acordo com Bozhovich (1976), tal dificuldade de análise foi manifestada pelo

próprio Vigotski que, inicialmente, definiu o conceito de vivência como unidade de análise

para a compreensão da influência do meio ao longo do desenvolvimento infantil. Mas, em

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seguida, abordou a vivência de modo intelectualista, ao considerar que se pode determiná-la

pela forma com que a criança compreende as circunstâncias que a influenciam, pelo nível de

suas generalizações, ou seja, pelas possibilidades intelectuais da criança, de suas

interpretações. Tal mudança de compreensão foi, para Bozhovich, um retrocesso e sua tese foi

por ela considerada errônea.

A autora entende que “o caráter das vivências deve definir o caráter e o estado das

necessidades presentes no sujeito” (BOZHOVICH, 1976, p. 127) e, quanto mais essenciais

são as necessidades, mais fortes e profundas serão as vivências. Ademais, afirma que a força e

o conteúdo das vivências dependerá, primeiramente, das necessidades ou da combinação de

necessidades manifestadas a partir da vivência e, depois, do grau de satisfação destas

necessidades.

Bozhovich (1976) afirma que há um vínculo interno entre, de um lado, o caráter

(conteúdo e força) da vivência e, de outro lado, o sistema de necessidades e motivos, que se

manifesta na vivência. Ademais, “partindo das vivências, é possível desvelar as necessidades

e aspirações do sujeito que determinaram a vivência e, consequentemente, toda a

complexidade das condições internas e externas que determinam a formação da

personalidade” (BOZHOVICH, 1976, p. 132).

A autora considera que a interpretação da natureza psicológica da vivência é um ponto

de partida para a análise psicológica dos sentimentos e das emoções e afirma que estas últimas

eram caracterizadas, até então, por seus processos fisiológicos e bioquímicos e de forma

descritiva. Contudo, a interpretação a partir da vivência abre o campo para a caracterização

das emoções com mais conteúdos, ao descobrir suas origens, os mecanismos psicológicos que

constituem as diferenças qualitativas entre os vários estados emocionais e também as

particularidades individuais das mesmas emoções em pessoas diferentes. Assim, os estudos

que a autora analisa apontam para o fato de que

[...] a vivência reflete realmente o estado de satisfação do sujeito em suas relações mútuas com o meio social e cumpre, assim, na vida do mesmo uma função extremamente importante: ‘lhe informa’ em que relação se encontra com esse meio, e em correspondência a isso orienta sua conduta, estimulando-o a atuar naquela direção que diminua ou acabe totalmente com o desacordo surgido. (BOZHOVICH, 1976, p. 132-133).

Ressalta-se que para Bozhovich (1976) a compreensão das particularidades das

vivências que são características dos sujeitos de uma determinada idade leva à análise das

necessidades e aspirações do sujeito, combinadas com as possibilidades objetivas de suas

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satisfações. Contudo, para a realização desta análise é preciso valer-se de alguns conceitos

complementares, quais sejam: a posição ocupada pelo sujeito no sistema de relações sociais

acessíveis para ele e sua posição interna. Tais conceitos expressam a posição marxista

segundo a qual a vida social do homem determina sua consciência.

Em suas investigações junto a alunos com histórico de indisciplina e fracasso escolar,

Bozhovich (1976) chegou à descoberta de que as influências do meio “constituem um

determinado sistema, cujo centro são as influências vinculadas à posição que uma dada

criança ocupa entre os que a rodeiam; mais exatamente, entre as pessoas de quem depende

diretamente seu bem-estar emocional” (BOZHOVICH, 1976, p. 136-137).

A autora aponta duas condições que determinam a situação social de um dado sujeito:

primeiramente, as exigências historicamente formadas pelo meio social e que correspondem à

determinada idade, como pré-escolar, escolar, adolescente, etc. Em segundo lugar, “pelas

exigências feitas à uma dada criança pelos que a rodeiam, partindo das particularidades

individuais do desenvolvimento da própria criança e da situação concreta formada em uma

determinada família” (BOZHOVICH, 1976, p. 137).

Esta última condição envolve, por exemplo, a posição de filho único, de criança

inteligente da qual a família espera um futuro brilhante, da adolescente responsável pelo único

sustento da família, dentre outros. A autora aponta que pode haver contradições neste aspecto

quando, por exemplo, enquanto um professor enfoca a posição de aluno de uma determinada

criança, seus pais podem vê-la, antes de tudo, como uma ajudante nos afazeres domésticos,

considerando o estudo em segundo plano.

Um terceiro fator a ser considerado como condição que pode determinar a situação

social de um sujeito é o coletivo de pares, que estabelece exigências especiais a seus

membros, distintas daquelas oriundas de seus pais e professores. A autora afirma que “esta última força pode resultar decisiva, especialmente para os adolescentes, para os quais seu

lugar no coletivo, as relações com os companheiros, com frequência, são as mais importantes” (BOZHOVICH, 1976, p. 137).

A autora entende que todos os fatores apontados acima se constituem em uma situação

complexa, sendo necessária uma cuidadosa análise para o estudo das circunstâncias objetivas

que influenciam a personalidade do sujeito.

Ainda que a análise dos fatores do desenvolvimento psíquico parta do lugar ocupado

pelo sujeito em seu meio, é impossível limitar-se a isso, pois “em cada etapa de seu

desenvolvimento, a criança possui já determinadas particularidades psicológicas, adquiridas

na etapa anterior” (BOZHOVICH, 1976, p. 139). Tais particularidades, embora tenham

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surgido sob a influência do meio, são internas, inerente ao sujeito, e constituem-se em fatores

reais do desenvolvimento.

Para ilustrar tal fato, Bozhovich (1976) comenta sobre um aluno que passa para o

quinto ano, mas não possui as formas de pensamento, conhecimentos e hábitos prévios,

necessários à apropriação do programa educacional previsto para o quinto ano. Tal situação

traz implicações no desenvolvimento do estudante, uma vez que existem exigências reais que

são apresentadas ao aluno de quinto ano, podendo chocar-se com as suas reais possibilidades,

ou seja, há discrepância entre as exigências apresentadas ao sujeito e as suas próprias

necessidades e aspirações.

Neste sentido, Bozhovich destaca que “é precisamente a correlação das exigências

externas com as possibilidades e necessidades da própria criança o que constitui o eixo central

e determinante de seu desenvolvimento posterior” (BOZHOVICH, 1976, p.140). Tal

conjuntura implica na necessidade de se considerar o conceito de posição interna como um

sistema de fatores internos que, da mesma forma que os fatores externos, influenciam a

conduta do sujeito e o seu desenvolvimento posterior.

A posição interna se forma a partir da atitude adotada pelo sujeito, tendo em vista a

sua experiência, as suas possibilidades, necessidades e aspirações, surgidas ao longo do seu

desenvolvimento anterior. “Precisamente, esta posição interna influencia a estrutura de sua

atitude para a realidade, para os que a rodeiam e para si mesma, e é por meio dela que se

interpretam em um determinado momento as influências provenientes do meio”

(BOZHOVICH, 1976, p. 140).

Nesse sentido, tudo o que acontece ao redor do sujeito, a partir do seu meio social, ou

seja, as exigências do meio, somente influenciam o seu desenvolvimento, atuando como

fatores reais deste desenvolvimento, se estiverem de acordo com a estrutura das necessidades

internas do sujeito. Em outras palavras,

a necessidade, pois, de cumprir esta ou aquela exigência do meio somente surge na criança quando ela não apenas assegura sua posição objetiva entre os que a rodeiam, mas também lhe possibilita ocupar a posição a que aspira, quer dizer, satisfaz sua posição interna. (BOZHOVICH, 1976, p. 140).

A autora traz que para se ter uma compreensão acerca da formação de traços novos no

desenvolvimento é necessário que se diferencie a situação objetiva ocupada pelo sujeito na

vida e sua própria posição interna. Consequentemente, a mudança de atitude do sujeito

mediante os fenômenos da realidade requer mudança na sua posição interna.

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A guisa de conclusão, Bozhovich (1976) preconiza que a formação da personalidade é

determinada pela correlação entre, de um lado, o lugar que o sujeito ocupa no sistema das

relações humanas a ele acessíveis, o que inclui as exigências que lhe são apresentadas neste

sistema e, de outro, pelas particularidades psicológicas já formadas a partir da experiência

anterior do sujeito.

Além disso, Bozhovich (1976) afirma ser necessário compreender a situação social

concreta do desenvolvimento, que é específica em cada etapa da evolução do sujeito, ou seja,

determinar o lugar ocupado pelo sujeito da idade correspondente no sistema de relações

sociais frente às exigências, direitos e obrigações apresentadas pela sociedade. Contudo, a

compreensão da situação social do desenvolvimento também requer que se considerem as

possibilidades e necessidades deste sujeito que foram constituídas em períodos anteriores e

que têm importância atual no que se refere à sua localização em determinada etapa de sua

evolução. Tal conjuntura torna necessária a análise dos fatores internos e externos do

desenvolvimento, “tomados em sua unidade e interdependência, já que somente considerando

esta unidade poderemos compreender a estrutura de aspirações e necessidades da criança, cujo

processo de satisfação determina seu desenvolvimento em um determinado período de idade”. (BOZHOVICH, 1976, p. 144).

Vimos que, para analisar a peculiaridade qualitativa de um nível de idade determinado,

bem como as tendências do desenvolvimento característico de um dado nível e as novas

particularidades psíquicas, ou novas formações que surgem no desenvolvimento ao final de

cada período, é preciso, primordialmente, estudar a situação social de desenvolvimento

(BOZHOVICH, 1976; VIGOTSKI, 2006).

Tal estudo pressupõe a análise da posição objetiva do sujeito ou do sistema de

condições objetivas em que ele vive e de sua posição interna, ou seja, de como ele reage às

circunstâncias externas, tendo em conta o seu nível de desenvolvimento alcançado. Esta

análise conduz ao exame da correlação entre as exigências e expectativas do meio e as

possibilidades que o sujeito dispõe para responder a elas. De tal correlação surgem novas

necessidades, desejos e aspirações “(...) que constituem o sistema motivacional específico

para uma dada idade, que determina, por sua vez, a tendência geral de sua personalidade e sua

vida afetiva” (BOZHOVICH, 1976, p.166).

No próximo capítulo apresentaremos algumas contribuições de autores do Enfoque

Histórico Cultural para o estudo da etapa da adolescência como momento evolutivo específico

do desenvolvimento da personalidade. Acreditamos que, somado ao que vimos sobre o

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desenvolvimento da personalidade de modo geral, será possível compreender de maneira mais

ampla como ocorre o desenvolvimento da personalidade na adolescência.

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62

3 CONSTITUIÇÃO DA ADOLESCÊNCIA

Poderíamos iniciar este capítulo buscando responder à pergunta: “o que é a adolescência?”. Contudo, seguiremos o mesmo movimento de Aguiar, Bock e Ozella (2007),

segundo o qual o Enfoque Histórico-Cultural15 exige uma reformulação desta questão para a

seguinte pergunta: “como se constituiu historicamente esse período do desenvolvimento?” (AGUIAR; BOCK; OZELLA, 2007, p. 169).

Até o século XVIII, a adolescência não era considerada uma fase do desenvolvimento

humano, confundindo-se com a infância. Foi o processo de escolarização e o distanciamento

paulatino da criança em relação ao mundo do trabalho que propiciou o reconhecimento da

adolescência como etapa do desenvolvimento humano (ARIÈS, 1981). Desde então, os fatores

de ordem biológica e individual foram associados à adolescência, vista como fenômeno

universal. Atualmente, ainda predominam concepções naturalizantes sobre a adolescência,

universalizando e patologizando este período do desenvolvimento humano, levando-a a ser

considerada naturalmente conflituosa, turbulenta, difícil, cheia de crises e instabilidades que

são atribuídos ao psiquismo do adolescente (CHECCHIA, 2006).

Em pesquisa bibliográfica, Alves e Leal (2015), investigaram as concepções de

adolescência presentes em artigos científicos na área da Psicologia e da Educação, por meio

de consulta nas bases de dados SCIELO e PEPSIC, com os descritores “adolescência” e

“adolescente”. A maioria dos artigos encontrados (47%) concebe a adolescência numa

perspectiva naturalizante e universalizante, como transição para o mundo adulto e cheia de

crises, enquanto que apenas 29 % a concebem como construção histórica, nas quais as

condições sócio-históricas são suas constituintes.

Neste trabalho, não é nossa intenção discorrer sobre a visão naturalizante da

adolescência encontrada na literatura, atividade já realizada por outros autores como

Mascagna (2009), Leal (2010), Bock (2004) e outros. Conforme assinalado na Introdução

deste trabalho, a abordagem Histórico-Cultural fundamenta nossos estudos, razão pela qual

optamos por ressaltar algumas das pesquisas mais recentes sobre a adolescência à luz deste

referencial, tais como os estudos de Cecchia (2010, 2006), Anjos (2011, 2014, 2015),

Basmage (2010), Mascagna (2009), Leal (2010), Toledo e Araújo (2011), Koshino (2011),

15

Os referidos autores utilizam a nomenclatura “abordagem sócio-histórica”, em vez de “enfoque histórico-cultural”. Optamos por utilizar a última expressão e consideramos que tais diferenças não modificam o sentido da ideia apresentada.

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Montezi e Souza (2013), Tomio e Facci (2009), Leal e Facci (2014), Mascagna e Facci

(2014), Roman e Souza (2014), Aguiar, Bock e Ozella (2007), dentre outros.

A perspectiva Histórico-Cultural tem questionado a visão que restringe o conceito de

adolescência a uma categoria homogênea ou abstrata, uma vez que a constituição histórica e

social considera que “(...) as representações, significações, atributos e papeis socialmente

vinculados aos adolescentes apresentam variações em uma mesma sociedade ao longo da

história, bem como entre distintas conjunturas ou contextos sociais” (CECCHIA, 2006, p.

131). Sob este enfoque, é preciso compreender as singularidades presentes em adolescências

diferentes, pois existem distintas formas de vivenciar a condição de ser adolescente, variando

conforme a classe social, o gênero, a raça, o contexto sócio-histórico no qual os adolescentes

se situam.

Observamos, cotidianamente, sejam em conversas informais ou mesmo em

apresentações midiáticas, referências negativas em relação à adolescência. É comum

ouvirmos termos como “aborrecentes”, “fase difícil”, “crise”, dentre outras expressões que

contribuem para reforçar alguns estigmas referentes à adolescência. Entretanto, Cecchia

(2006) considera que é preciso apreciar a positividade deste período, atentando-se para a

singularidade da adolescência, sem limitá-la a uma etapa do meio entre a infância e a vida

adulta, descrevendo-a como algo que falta, ou seja, fazendo referências ao que se deixou de

ser ou ao que ainda será (CECCHIA, 2006).

Contudo, as concepções que dominam a sociedade atual estão presentes no próprio

discurso dos adolescentes sobre eles mesmos (LEAL; FACCI, 2014). Mascagna (2009), em

pesquisa na qual realizou entrevistas com adolescentes, identificou que o discurso destes é

permeado por ideais pós-modernos, refletindo as concepções dominantes da sociedade atual.

A própria concepção de adolescência dos entrevistados relaciona-se com teorias biologicistas

que justificam comportamentos como rebeldia por meio de explicações de caráter hormonal.

Tais concepções que naturalizam a adolescência podem ter repercussões muito sérias

na sociedade, como por exemplo, o fato de que a adolescência tem sido foco de notícias na

mídia e de Projetos de Lei, em que há um interesse por parte de segmentos da sociedade em

modificar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para que a idade de responder

criminalmente por delitos cometidos16 seja reduzida. Tal movimento é devido, dentre outros

fatores, à indignação de muitos pela participação de adolescentes em crimes hediondos. Nesse

16

Projeto de Lei que tramita na Câmera dos Deputados que visa à Redução da Maioridade Penal de 18 para 16 anos. Para saber mais sobre este projeto ler a entrevista do Dr. Olímpio de Sá Sotto Maior Neto, Procurador de Justiça. In: http://www.netbabillons.com.br

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sentido, não se considera a responsabilização social pelo estado de coisas, focando a

responsabilidade no indivíduo por problemas de origem social, sem se compreender a

totalidade dos fatos. Assim, comportamentos delituosos e violentos passam a ser naturalizados

(MASCAGNA, 2009).

Roman e Souza (2014) analisam a adolescência em conflito com a lei, apontando as

dimensões ideológica, institucional e ontológica do processo de desumanização desses

adolescentes. A dimensão ontológica assinala o papel da mídia na construção da imagem do

adolescente, como a divulgação do mito de que o jovem é o grande responsável pelos altos

índices de criminalidade e autores dos piores crimes. As informações divulgadas pela mídia

sugerem que criminalidade e funcionamento social são processos independentes e, nesse

sentido, “a fim de retirar o foco da multideterminação envolvida no fenômeno da

criminalidade, ocultando, sobretudo, sua raiz social, o discurso ideológico separa o

adolescente das condições concretas de vida que o constituem” (ROMAN; SOUZA, 2014, p.

164).

Os autores indicam a predominância da lógica punitiva da justiça nos casos de

adolescentes que cometeram infrações, em detrimento do trato educacional a estes problemas. “Abstraídos da rede de relações sociais em que se constituem, adolescentes em conflito com a

lei aparecem como sede e origem do mal de que são efeitos” (ROMAN; SOUZA, 2014, p.

167).

A construção social da imagem do adolescente infrator como aquele que não pode se responsabilizar por seus atos, sendo irracionalmente perigoso e, por isso, devendo ser objeto de enérgica intervenção, justifica a perpetuação da violência, do confinamento e do descaso aos direitos humanos no controle tradicionalmente exercido pelo Estado. Reflete a tortuosidade das práticas institucionais cotidianas e torna evidente o abismo entre o que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o que de fato ocorre nas instituições encarregadas de lidar com a questão. (ROMAN; SOUZA, 2014, p. 167-168).

Os autores afirmam que é preciso esclarecer o contexto de vida desses jovens em

conflito com a lei que são, majoritariamente, pobres, filhos das classes trabalhadoras numa

sociedade em que o trabalho é desvalorizado, vivendo em condições precárias de existência,

com falta ou insuficiência de serviços básicos de bem-estar social, de vivências culturais,

educativas e esportivas e de exercício profissional. Ao mesmo tempo, as mercadorias são

atraentes para esses adolescentes. Assim,

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Na busca desenfreada por dinheiro, mulheres, carros, grifes, drogas, armas, o adolescente em conflito com a lei leva às últimas consequências a formulação fetichista de que o poder está na coisa, que deve ser possuída e exibida, a qualquer custo, até mesmo o da própria vida, invertendo assim a ideia de posse: são vidas à disposição de coisas (ROMAN; SOUZA, 2014, p. 182).

Toledo e Araújo (2011) observam que existe uma ambivalência nos discursos sobre a

adolescência, uma vez que as características desta fase ora são consideradas marginais e

patológicas, ora são valorizadas socialmente, tais como a rebeldia, a juventude e a beleza.

Além disso, ora os adolescentes são considerados vítimas do meio social caótico, ora são

vistos como agentes desse meio, tal como exemplificamos com o Projeto de Lei que visa à

redução da maioridade penal.

Conforme notado, não é possível falar de desenvolvimento humano sem articulá-lo às

questões histórico-culturais, das quais fazem parte aspectos político-ideológicos. As

contradições vividas em nossa sociedade estão presentes não somente nos discursos, como

fazem parte da própria constituição da adolescência, uma vez que:

Os discursos que constroem a adolescência e ditam padrões de relacionamento com esses sujeitos (entre um desses padrões, a hebefobia17) atuam na formação de uma subjetividade social que envolve não apenas os sujeitos nesse período de vida, mas também adultos, idosos e crianças. A configuração dessa subjetividade social atua na construção própria da subjetividade individual – em uma relação dialética – dos sujeitos adolescentes. Essa dinâmica faz com que, muitas vezes, a subjetividade social atue nos indivíduos de forma a confirmar parte das representações sobre a adolescência. Isso significa que os adolescentes, muitas vezes em resposta aos discursos sociais, ajam dentro do que é esperado para um adolescente. (TOLEDO; ARAÚJO, 2011, p. 105 e 106).

A ambivalência da sociedade frente ao adolescente também é observada por Salles

(2005), segundo a qual a sociedade busca promover uma igualdade entre as faixas etárias,

diluindo as suas fronteiras, mas ao mesmo tempo perpetua as diferenças, atribuindo papeis e

atividades específicas para cada faixa etária. Nesse sentido, questiona a utilização dos critérios

etários tradicionais, uma vez que percebe a necessidade de construção de novos parâmetros de

reconhecimento da adolescência, próprios de nossa época.

As representações sociais sobre a adolescência, oriundas de informações divulgadas

pelos meios acadêmicos e científicos, bem como pelos meios de comunicação, que costumam

17 Hebefobia significa medo ou aversão a adolescentes (TOLEDO; ARAÚJO, 2011).

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identificar a adolescência como período de desequilíbrio, rebeldia e instabilidade são, muitas

vezes, apropriadas pelos próprios adolescentes, formando-se modelos estereotipados de

conduta. Ainda, as relações que se estabelecem entre adulto e adolescente são perpassadas por

tais concepções e as expectativas adultas com relação ao modo com que os adolescentes se

inserem na sociedade e se relacionam são expressas nas atitudes de todos os envolvidos, “o

que torna necessária a compreensão dessas relações e do lugar que elas assumem no

comportamento e no desenvolvimento dos indivíduos” (LEAL; FACCI, 2014, p. 36).

Leal e Facci (2014) destacam as diferenças entre as adolescências vividas a partir das

oportunidades distintas e não igualitárias de cada sujeito de ter acesso aos bens culturais, o

que resulta em diferentes formas de se viver a adolescência e de manifestá-la nos vários

segmentos sociais. Contudo, afirmam que a tendência a igualar todos os adolescentes é

compreensível dentro do contexto social em que vivemos atualmente, cujos valores se

flexibilizam, o consumo se faz premente, há uma apologia ao descartável, dentre outros

aspectos da sociedade atual.

Assim, a identidade de crianças e adolescentes, hoje, tem se constituído a partir de uma cultura cuja característica marcante é a existência de uma indústria da informação, de bens culturais, de lazer, de consumo. Há uma ênfase no momento presente, na satisfação pessoal, no prazer imediato. (LEAL; FACCI, 2014, p. 38).

Mascagna e Facci (2014, p. 64) entendem que os adolescentes estão inseridos numa

sociedade pós-moderna onde a individualidade extrema é marcada em seus comportamentos. “(...) A pós-modernidade instituiu uma cultura cuja geração é voltada para si mesma, sem

pensar na coletividade, voltada para os direitos individuais acima de tudo e de todos”. Assinalam, ainda, que os adolescentes do início do século XXI “são individualistas, negam o

conhecimento e principalmente o outro como referência; muitos acreditam que aprendem por

si só, pois se acham autônomos e criativos” (MASCAGNA; FACCI, 2014, p. 64).

Os indivíduos se relacionam de forma fetichizada e viram meros expectadores da realidade. Ocupam seus tempos livres em frente à televisão, à internet, aos videogames e aos celulares que fazem tudo, principalmente, simular a realidade de forma distorcida e fragmentada, como é comum presenciar nos adolescentes. Na pós-modernidade, observa-se cada vez mais o prolongamento da infância, a falta de vínculos afetivos, o aumento dos relacionamentos superficiais, o pluralismo e o relativismo do conhecimento. (MASCAGNA; FACCI, 2014, p. 64).

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A individualidade é fetichizada pela sociedade atual, conforme Duarte (2004) descreve

em seu livro “Fetichismo da Individualidade” e, com os adolescentes isso não seria diferente.

Nesse sentido, Mascagna (2009) afirma que a naturalização da adolescência é apoiada nos

princípios da pós-modernidade, que concebem o homem como um ser único, livre, autônomo

e individualista.

Características de uma dada sociedade, no caso, a burguesa, que passam a ser naturalizadas, como se os homens nascessem com elas. Os adolescentes acreditam que seus comportamentos são inatos e que a sociedade espera deles tais condutas, como ser diferente, curtir a vida, ser rebelde e andar em grupo (MASCAGNA, 2009, p. 151).

Até este ponto de nossas considerações sobre a adolescência, trouxemos aspectos

importantes para contextualizarmos o nosso adolescente brasileiro, que vive numa sociedade

capitalista, ocidental, repleta de desigualdades sociais, onde imperam inúmeros padrões

político-ideológicos. Estamos longe de tecer considerações que abarquem todo o contexto

cultural e as diferenças de condições em que cada adolescente se constitui.

Contudo, encontramos na literatura russa e cubana autores que compartilham do

Enfoque Histórico-Cultural e que desenvolveram pesquisas muito importantes a partir dos

estudos vigotskianos, produzindo um legado para a compreensão da adolescência inexistente

em nossas produções brasileiras. Desse modo, trouxemos para este estudo, sobretudo, as

contribuições de L. B. Bozhovich (2003), L. G. Domínguez García (2003a) e T. V.

Dragunova (1980). Estas últimas desenvolveram pesquisas sobre a personalidade humana, em

especial, direcionadas para o estudo das características psicológicas da personalidade na

adolescência, que se configura num dos focos principais de nosso estudo.

Sabemos que os estudos realizados por autores estrangeiros, como é o caso dos russos

e dos cubanos, com os quais nos fundamentamos neste trabalho, devem ser contextualizados,

uma vez que foram produzidos em condições culturais e períodos histórico-sociais diferentes.

Contudo, durante a leitura desse referencial teórico, percebemos muitas coincidências com as

características psicológicas dos adolescentes com os quais convivemos. Tal observação é feita

no sentido de esclarecermos ao leitor que não podemos universalizar nenhum dado, mas

acreditamos que as pesquisas que fundamentaram as produções teóricas devem ser respeitadas

e analisadas à luz do contexto em que se vive.

Mascagna (2009), em seus estudos sobre a adolescência, apresentou uma preocupação

em contextualizar as produções vigotskianas sobre a atividade principal de adolescentes. A

autora constatou que o estudo e a comunicação íntima pessoal continuam sendo atividades

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dominantes dos adolescentes na contemporaneidade, embora com roupagens diferentes. Ela

observou também que, enquanto Vigotski vivia um período histórico numa sociedade

revolucionária, que tinha por objetivo o socialismo, as exigências histórico-sociais da

sociedade atual são bem diferentes. Além disso, apresenta o fato de que o avanço tecnológico

a que os jovens têm acesso modificou suas formas de relacionamento, atualmente

comprometido com ideais neoliberais. Porém, a sua pesquisa confirmou que as atividades

principais continuam sendo as mesmas apresentadas por Vigotski, embora com novas formas

de funcionamento e, consequentemente, novas qualidades psíquicas.

A adolescência e a juventude têm sido tradicionalmente definidas na literatura sobre o

desenvolvimento humano como idades de trânsito entre a infância e a vida adulta, sendo

considerados momentos centrais no processo de socialização dos indivíduos, no transcurso

dos quais o sujeito se prepara para cumprir determinados papeis sociais próprios da vida

adulta, nos campos profissionais e relacionais (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a).

Por esse motivo, concordamos com Domínguez García (2003a) ao afirmar que há uma

complexidade do desenvolvimento subjetivo da etapa da adolescência, somada à diversidade

de enfoques que a abordam e a inexistência de uma única teoria que faça uma completa

caracterização desta etapa de vida. Ademais, a autora considera impossível abarcar o estudo

das regularidades psicológicas a partir de uma única definição.

As regularidades da adolescência se apresentam como tendências do desenvolvimento

psicológico e permitem estabelecer os limites das idades, sem desconsiderar que tais

regularidades se expressam no sujeito individual de maneira particular, a depender de vários

fatores, dentre eles, as condições educacionais do sujeito, as aquisições psicológicas

alcançadas em etapas anteriores e, principalmente, a forma do sujeito se apropriar das

influências externas e compor a sua própria subjetividade. Segundo Domínguez García

(2003a), independentemente da concepção teórica que os autores assumam, a maioria destes

considera que a idade cronológica não é o principal critério de determinação das etapas da

adolescência e da juventude, porém, os estudiosos propõem alguns limites etários para tais

momentos.

Para Dragunova (1980) e Domínguez García (2003a) a adolescência inicia-se entre os

11-12 anos e termina aos 14-15 anos, com algumas pequenas variações. Ademais, é preciso

reconhecer a existência de uma juventude precoce, de 14-15 anos a 17-18 anos e de uma

juventude tardia, de 17-18 a 25 anos, aproximadamente. Tal etapização vai ao encontro do

Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece para a adolescência o período entre os

doze e dezoito anos de idade (BRASIL, 2002).

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Toledo e Araújo (2011) apontam a existência de uma tendência social ao

prolongamento da adolescência, sendo que, em nossa sociedade ocidental atual, muitas

características atribuídas a esta fase tornam-se mais valorizadas: beleza, rebeldia e culto ao

corpo. Deste modo, a juventude tem se apresentado enquanto um bem de consumo que pode

ser obtido por pessoas de qualquer idade, desde que possuam recursos econômicos. Outro

fator preponderante nesse prolongamento da adolescência é a necessidade de Formação

Permanente ou Educação Continuada, fenômeno social oriundo das novas demandas de

mercado de trabalho que exige que o indivíduo atinja um alto grau de instrução para inserir-se

no mercado.

Nesse sentido, as etapas de desenvolvimento devem ser compreendidas como “idades

psicológicas”, tendo em vista o caráter complexo do processo de desenvolvimento humano,

que depende não só da maturação orgânica, uma vez que, antes de tudo, há uma configuração

histórico-social.

Bozhovich (2003) denomina a adolescência como “Idade Escolar Média”, período que

corresponde à idade dos 11-12 anos a 13-14 anos. Para a autora, a idade escolar média é

também chamada de idade de transição, uma vez que é um período decisivo no qual o sujeito

conclui a sua infância e passa para uma etapa de desenvolvimento psíquico que o prepara para

a independência. Assim,

Apesar de que a posição geral das crianças (posição de escolar) e de que sua atividade fundamental (o estudo) não mudem, no essencial, na idade escolar média, em comparação com a idade escolar pequena, ocorrem mudanças essenciais, tanto em seu modo de vida como nas condições internas do seu desenvolvimento. (BOZHOVICH, 2003, p. 342-343).

Segundo Bozhovich (2003), quanto mais velha é a criança, mais profundas são as

marcas das condições que caracterizam a vida social na qual se desenvolvem as

particularidades de sua vida individual. Por isso, defende a inviabilidade de se ter uma

caracterização geral do adolescente, desconsiderando a sua história. Sob este enfoque,

Domínguez García (2003a) aponta que as principais limitações das teorias sobre adolescência

e juventude se devem ao fato de conceberem as regularidades destes momentos como

universais, invariáveis e independentes do contexto social de onde os indivíduos se

desenvolvem.

A caracterização das idades está relacionada à existência de diferentes enfoques na

Psicologia do Desenvolvimento, que levou a uma diversidade de explicações sobre as

regularidades do desenvolvimento psíquico e da personalidade, apresentando suas marcas

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históricas. No final do século XIX surgiram as mais variadas concepções sobre a adolescência

e a juventude, momento em que o desenvolvimento das Ciências Sociais alcançava o seu

auge, passando a adotar os métodos das Ciências Naturais. Embora tais conhecimentos

tivessem seu valor, eles corroboraram com uma interpretação dicotômica que caracterizou a

ciência, seja enfatizando os fatores biológicos na determinação das principais regularidades

que diferenciam os períodos, seja enfatizando as condições sociais a atuarem de forma linear

no processo de desenvolvimento. Algumas concepções ainda destacavam o aspecto

psicológico como determinante nos processos desenvolvimentais (DOMÍNGUEZ GARCÍA,

2003a).

Contudo, para além das tendências lineares e reducionistas na compreensão do

desenvolvimento humano, Domínguez García indica o enfoque de Kon (2003), elaborado a

partir da categoria “situação social do desenvolvimento” de Vigotski, o qual propõe que se

considerem duas linhas na caracterização das etapas de desenvolvimento, a saber: a linha

natural de desenvolvimento, que engloba os processos de maturidade física, e a linha social de

desenvolvimento, que compreende as peculiaridades do processo de socialização, incluindo a

posição social ocupada pelos adolescentes e jovens como grupos evolutivos.

Além de se compreender as regularidades e as tendências psicológicas gerais que são

diferentes em cada etapa do desenvolvimento, reiteramos a importância de considerarmos a

análise particular de tais regularidades e tendências em cada sujeito, como única e irrepetível

(DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a). Nesse sentido, Bozhovich (2003) pondera que as

condições de vida e educação dos adolescentes não são uniformes em nenhum país, além das

condições de vida em família, ainda que algumas condições sociais como a uniformidade dos

modos sociais de educação possam propiciar alguns traços em comum em adolescentes de

uma mesma nacionalidade.

Com enfoque no sistema de escolarização, Bozhovich (2003) postula como principal

mudança na adolescência a passagem do nível primário ao médio, o que faz variar a atividade

escolar tanto na forma de ensino como no conteúdo das matérias, que se torna cada vez mais

aprofundado. Tal mudança exige a adoção de novos métodos de assimilação por parte do

aluno, o que “pressupõe um nível superior de desenvolvimento do pensamento teórico

abstrato e o surgimento de uma atitude cognitiva qualitativamente nova mediante os

conhecimentos” (Bozhovich, 2003, p. 344).

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Além disso, ressalta que do quinto ao oitavo nível18 o ensino não é realizado apenas

por um professor, como era feito na escola primária, e sim por vários, o que faz com que os

alunos não experimentem uma unidade absoluta de exigências e esbarrem nas diferenças de

valores que os adultos atribuem aos fenômenos que os circundam: às condutas, aos pontos de

vista, às atividades e atitudes, à personalidade de seus alunos. Observamos que esta lógica de

escolarização, presente na abordagem de Bozhovich ainda se faz percebida em nossa

realidade educacional, com algumas pequenas alterações conforme a estrutura curricular de

cada escola.

Tais aspectos também determinam uma posição diferente dos alunos adolescentes em

relação a seus professores e educadores, pois parecem libertar-se da influência direta dos

adultos, tornando-se mais independentes. Se antes o professor era uma figura central na qual a

criança confiava e lhe servia de modelo, agora o adolescente deve organizar a sua própria

conduta e atividade, controlando-se e tendo mais responsabilidade pelos seus atos, resolvendo

com mais independência as questões diárias e elaborando suas próprias opiniões sobre seus

companheiros e outras questões.

Ademais, conforme Domínguez García (2003a), o amadurecimento do pensamento

conceitual teórico leva à formação de um novo nível de autoconsciência, além de uma intensa

formação da identidade pessoal. Assim, na adolescência começam a se desenvolver

determinados processos internos que conduzem à formação de opiniões e valores

relativamente estáveis e independentes, bem como um sistema de atitudes perante tudo o que

os cerca e a eles mesmos (BOZHOVICH, 2003, p. 344).

De maneira geral, as autoras assinalam que na adolescência há o estabelecimento de

novas formas de relação do adolescente com o mundo. As relações estabelecidas com os

adultos, às vezes, geram conflitos e aumentam-se as manifestações da chamada crise da

adolescência, mas as novas formas de relação também se estendem aos colegas, nas quais a

aceitação do adolescente no grupo social representa grande significação para o seu bem estar

emocional (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a).

A mudança na relação do adolescente com sua família também é destacada por

Bozhovich (2003), segundo a qual a modificação da posição do adolescente na família advém

das novas possibilidades psicológicas formadas, fazendo com que as pessoas que lhe

circundam apresentem-lhe maiores exigências, além de maiores direitos. Contudo, a mudança

mais importante na situação social de desenvolvimento dos adolescentes talvez seja o novo

18 O quinto ao oitavo nível corresponde à etapa do sexto ao nono ano do ensino fundamental brasileiro.

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papel que começam a desempenhar no coletivo de alunos. A participação do adolescente em

diferentes organizações escolares e não escolares, esportes, círculos de interesse, dentre outros

grupos, ampliam e tornam mais complexas as suas relações com os companheiros de sala e

outros alunos e, gradualmente, na vivência coletiva, na convivência com várias pessoas, ele

encontra o próprio lugar. (BOZHOVICH, 2003). Nessa direção, “o primeiro fator de

desenvolvimento da personalidade adolescente é sua própria atividade social intensa” (DRAGUNOVA, 1980, p.119), que se direciona a assimilar modelos e valores, construção de

relações interpessoais satisfatórias e consigo mesmo.

Entretanto, as mudanças podem ocorrer de forma desigual, uma vez que dependem de

múltiplas condições. Isso significa que o adolescente pode trazer, ao mesmo tempo, traços

infantis em alguns aspectos e traços adultos em outros e, além disso, podem existir diferenças

essenciais em adolescentes de uma mesma idade. Existem, pois, fatores que limitam o

desenvolvimento de características adultas como, por exemplo, quando as crianças se dedicam

somente ao estudo e não têm obrigações permanentes e importantes que caracterizam algum

tipo de trabalho cotidiano. Há também fatores que acentuam os traços adultos como uma

grande quantidade de informações direcionadas às crianças, desenvolvimento físico e sexual

acelerado e independência precoce dos filhos devido ao aumento de ocupações dos pais

(DRAGUNOVA, 1980).

Outro aspecto a ser considerado na formação da personalidade dos adolescentes é o

fato de que nesta etapa eles começam a fazer exigências morais cada vez maiores uns aos

outros e, à medida que o adolescente atende a tais exigências ele conquista autoridade sobre

os demais. Além disso, ele passa a se relacionar mais estreitamente com os outros, o que o

conduz a se aderir a grupos que nem sempre compõem a rede oficial de suas relações, mas

cuja influência também é grande sobre a formação da personalidade deles (BOZHOVICH,

2003).

Dragunova (1980) refere-se à adolescência como um período marcado pela passagem

da infância para a idade adulta, no qual em todos os aspectos da vida, sejam físicos, mentais,

morais ou sociais, se operam a estruturação de formações qualitativamente novas. Nesse

sentido, a importância da adolescência se deve ao fato de que é nela que se formam as bases e

se esboça a orientação geral da formação das atitudes morais e sociais da personalidade.

A adolescência é considerada um período difícil e crítico, uma vez que nele reside uma

multiplicidade de mudanças qualitativas que, às vezes, caracteriza-se pela transformação

radical das características, dos interesses e relações anteriores da criança, podendo acontecer

num prazo breve e de forma inesperada. Além disso, tais mudanças podem vir acompanhadas

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de dificuldades subjetivas e também em sua educação, pois o adolescente não se submete à

influência do adulto e surgem diversas formas de desobediência, resistência e protesto

(DRAGUNOVA, 1980).

Nos próximos capítulos discorreremos com mais profundidade sobre algumas das

principais dimensões que constituem a adolescência: Os sistemas de comunicação na

adolescência; Atividade de estudo e desenvolvimento cognitivo na adolescência;

Desenvolvimento afetivo-motivacional na adolescência.

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4 OS SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO NA ADOLESCÊNCIA

Neste capítulo trataremos sobre os sistemas de comunicação na adolescência, quais

sejam: as relações que se estabelecem entre o adolescente e os adultos de sua convivência,

como seus pais e professores e as relações entre o adolescente e seus pares. As mudanças que

ocorrem nesta etapa do desenvolvimento humano são profundas e intensas, uma vez que a

situação social do desenvolvimento se transforma qualitativamente, conforme veremos neste

texto e nos próximos capítulos. Por situação social do desenvolvimento, entendem-se as

mudanças produzidas nos sistemas de atividade e comunicação vividas pelos adolescentes na

sociedade, bem como suas principais aquisições relacionadas ao desenvolvimento biológico,

aos processos psicológicos e às formações da personalidade, concretizadas ao final do período

(DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a).

No início da adolescência, as crianças não se parecem com os adultos, pois ainda

jogam, correm, fazem travessuras, são espontâneas, inquietas, dispersas, instáveis em seus

interesses e aflições, simpatias e atitudes e se deixam influenciar facilmente, mas esse quadro

de infância oculta importantes processos de formação do novo, pois os adolescentes podem

tornar-se adultos de forma imperceptível. As principais mudanças de personalidade da criança

que entra na adolescência estão determinadas por transformações qualitativas no

desenvolvimento da autoconsciência. Esta nova formação central e específica em sua

personalidade é o aparecimento da noção de que já não se é uma criança, o que o faz rejeitar o

seu pertencimento ao grupo das crianças, mas ainda falta-lhe a sensação de ser um autêntico

adulto, pois se remete a ele e necessita ser reconhecido como tal (DRAGUNOVA, 1980).

O sentimento de ser adulto pode resultar da tomada de consciência e compreensão das

mudanças no desenvolvimento físico e na maturação sexual e na imagem que têm de si

mesmos. As mudanças físicas que ocorrem na adolescência afetam significativamente os

sujeitos, uma vez que estas repercutem psicologicamente em suas vidas. Tais mudanças

podem ser mais ou menos impactantes, dependendo do modo como as pessoas que os rodeiam

lidam com elas e se expressam a respeito, ou seja, da opinião social acerca dessas mudanças e

os recursos psicológicos que os adolescentes têm para lidar com tais transformações

(DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a).

De acordo com Domínguez García (2003a), as transformações puberais provocam

consequências para a subjetividade dos adolescentes, sobretudo quanto aos aspectos

autovalorativos, o que inclui a imagem corporal e a avaliação que o adolescente recebe em

suas relações de comunicação tanto com adultos como com colegas. Sobre este aspecto,

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Dragunova (1980) preconiza que a maturação sexual e as mudanças no desenvolvimento

físico do adolescente têm muita importância no surgimento de novas formações psicológicas,

primeiramente, porque o fazem se sentir mais adulto e são uma das origens da sensação de

maturidade, baseada na ideia de semelhança com o adulto. Depois, porque a maturação sexual

estimula a atração sexual e o surgimento de novas sensações, sentimentos e vivências. Além

disso, as fontes sociais também podem colaborar para o sentimento de ser adulto nas relações

com os adultos, se o adolescente não mais ocupa a posição de criança, participa do trabalho e

tem obrigações importantes. Assim, “uma independência precoce e a confiança de quem os

circundam fazem da criança um adulto não somente no plano social, mas também no

subjetivo” (DRAGUNOVA, 1980, p. 130).

Dragunova (1980) considera que os fatores que contribuem para o adolescente sentir-

se adulto são: o fato de alguém que ele considera muito maior o tratar como igual, quando o

adolescente estabelece alguma semelhança entre ele e uma pessoa a quem considera adulta e,

conforme assinalado, pela iniciação da maturidade sexual. A principal peculiaridade da

personalidade, seu centro estrutural é a nova formação da autoconsciência, pois expressa a

nova posição vital do adolescente acerca das pessoas e do mundo, determinando a orientação

e o conteúdo da sua atividade social, suas aspirações, vivências e reações afetivas. A atividade

social específica do adolescente consiste em receber e assimilar as normas, os valores e

condutas do mundo adulto e em suas relações.

De acordo com Mascagna (2009), com as mudanças históricas e sociais, novas

exigências são feitas ao adolescente que hoje se constitui em meio a um avanço tecnológico,

no qual ele tem acesso a tecnologias que modificam os sistemas de comunicação, como, por

exemplo, a informatização que provocou o desenvolvimento da comunicação virtual e,

consequentemente, produziu e produz, constantemente, novas formas de relacionamento.

Ao investigar a constituição do sujeito adolescente na apropriação da internet em seu

cotidiano, Basmage (2010) percebeu que a internet encontra lugar de destaque na vida dos

adolescentes que, por sua vez, dela se apropriam e utilizam-na como forma de interagir com

seus pares, demarcando suas identidades. A autora afirma que a interação virtual é um agente

de socialização entre os adolescentes e permite a criação de novos referenciais na formação da

sua identidade. Neste aspecto, o computador e a internet são considerados novos instrumentos

culturais e mediadores na constituição do adolescente, tendo em vista a expansão da rede de

comunicação e o domínio destes instrumentos nas inter-relações dos adolescentes.

Em pesquisa, Mascagna (2009) identificou que as atividades dominantes do

adolescente na contemporaneidade são os estudos e as amizades, coadunando com os estudos

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de Vigotski (1996), segundo os quais o grupo de estudos e a comunicação íntima pessoal

conformam as atividades principais do adolescente. Contudo, ressalta que as relações são

completamente diferentes da época do autor russo, uma vez que as amizades de hoje estão

comprometidas com o ideal pós-moderno e estar com os amigos significa frequentar cinemas,

shoppings, bater papo em redes sociais, enviar mensagens pelo celular, dentre outras práticas.

Ademais, quando falamos de relações interpessoais, estamos de acordo com Toledo e

Araújo (2011), ao destacarem que os padrões de relacionamento dos adolescentes, bem como

das demais pessoas que interagem com eles são constituídos também pelos discursos sociais

sobre a adolescência que ditam padrões de relacionamento, carregados, muitas vezes, de

estereótipos de conduta (CECCHIA, 2006). Nesse sentido, muitas vezes os adolescentes agem

conforme o que é esperado de um adolescente (LEAL; FACCI, 2014), uma vez que a

subjetividade social relaciona-se dialeticamente com a subjetividade individual, na

constituição do psiquismo humano (GONZÁLEZ REY, 2013).

Relações entre adolescentes e adultos

É na adolescência que se produz a transição de um tipo de relação entre adulto e

criança, próprio da infância, para um tipo qualitativamente novo e específico de relação entre

adultos. Novos modos de interação social são formados, substituindo os velhos modos por

novos. No entanto, a mudança gradual pode gerar dificuldades para adolescentes e adultos,

devido às contradições existentes nas relações entre eles.

A Psicologia marxista compreende a crise da adolescência como “uma crise de caráter

psicológico que expressa a contradição existente entre as potencialidades psicológicas

crescentes do adolescente, – das quais este vai sendo cada vez mais consciente – e as

possibilidades reais para sua realização” (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a, p. 464).

A existência de crises na adolescência e de um conjunto de características específicas

nos adolescentes foi, até por volta de 1925, considerada como fenômeno inevitável e universal,

devido ao seu condicionamento biológico, caracterizando a corrente do universalismo

biológico. Estas ideias foram introduzidas por Stanley Hall e Sigmund Freud. Nos anos 1920 e

1930 surgiu uma corrente contrária a esta, baseada em investigações que demonstravam as

relações entre aspectos da personalidade do adolescente e o seu pertencimento social. A

Psicologia soviética fez parte desse grupo e um de seus representantes, Vigotski, propôs a

hipótese segundo a qual a falta de coincidência entre os três pontos de maturação: sexual,

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orgânica geral e social, é a base da peculiaridade e contradição da adolescência

(DRAGUNOVA, 1980).

Dragunova (1980) ressalta que Vigotski apontou a necessidade de destacar a nova

formação básica na consciência do adolescente e de esclarecer a situação social do

desenvolvimento que existe em cada idade que, por sua vez, constitui um sistema de relações

entre a criança e o meio que não se repete. Ele considerava que “a reestruturação desse

sistema de relações constitui o conteúdo fundamental da ‘crise’ da idade de transição” (DRAGUNOVA, 1980, p. 128).

De acordo com a autora, os antropólogos norte-americanos também fizeram muitas

contribuições ao estudarem as chamadas “civilizações primitivas” e estabeleceram que o

homem está determinado por condições concretas histórico-sociais e não biológicas.

Dragunova faz referência a Ruth Benedict19, que fez pesquisas etnográficas e concluiu que a

passagem da infância para a vida adulta em alguns momentos é ininterrupta (quando há

semelhança no conjunto de normas e exigências para as crianças e adultos) e em outros existe

uma ruptura (quando há diferentes normas e exigências para crianças e adultos). A ruptura

ocorre em meio a conflitos externos e internos e tem por resultado específico a falta de

preparação para cumprir o papel de adulto quando se chega à maturidade formal. Nesse

sentido, cada sociedade apresenta uma passagem diferente da infância à idade adulta e em

nenhuma delas se considera a passagem como natural.

Em resumo, os estudos etnográficos demonstraram que as circunstâncias sociais

concretas da vida da criança determinam a duração do período da adolescência, a existência

ou ausência de crise, conflitos e dificuldades e as características da passagem da infância para

a vida adulta. Para os antropólogos, a adolescência é o caminho em que a criança busca o seu

lugar na sociedade, para incorporar-se à vida social dos adultos. Concluíram, pois, que “no

homem o natural não pode ser contraposto ao social porque o natural nele é o social” (DRAGUNOVA, 1980, p.127).

Assim, as contradições existentes na crise da adolescência decorrem da posição

intermediária em que se encontra o sujeito: por um lado, há uma exigência elevada para que

cumpra suas tarefas, seja disciplinado, reflexivo e independente; por outro, ao mesmo tempo,

o adolescente não está preparado para ter todo o nível de independência almejada e, desse

modo, lhe são oferecidas poucas possibilidades de organizar o seu próprio comportamento.

19

De acordo com Kon (2003, p. 23), a pesquisadora norte-americana Ruth Benedict, em seus estudos etnográficos chegou à conclusão de que o tipo de transição da infância à vida adulta depende da dimensão da ruptura nas normas e nas exigências impostas aos sujeitos pela sociedade.

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Diante de tais contradições, o adolescente apresenta manifestações diversas como expressões

da crise que vivencia, tais como: conversar alto, demonstrar-se muito sabido, fazer perguntas

que deixam os adultos desconcertados, originalidade no uso da moda ou mesmo descuido da

aparência física. Muitas vezes, tais expressões são desagradáveis para o adulto, mas a sua

intensidade dependerá da forma pela qual os adultos próximos lidarão com o comportamento

do adolescente (DOMÍNGUEZ GARCIA, 2003a, p. 64).

Os adolescentes tendem a ser mais críticos em relação à avaliação das figuras adultas,

apresentando certa rigidez, devido ao caráter dicotômico do seu pensamento e à ausência de

algumas formações motivacionais. No caso dos professores, é o estilo de comunicação destes

que propicia maior aceitação dos adolescentes, e nem tanto os aspectos técnicos dos

professores. Aqueles que estabelecem diálogos mais abertos com eles e que demonstram

preocupação por suas inquietações e interesses nos mais variados temas da vida são mais

queridos pelos adolescentes (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a).

De acordo com Cecchia (2006), em pesquisa realizada com adolescentes, estes

destacaram como atributos dos “bons professores” o uso da autoridade em oposição ao

autoritarismo, a didática e o investimento no processo de ensino-aprendizagem e o fato de tais

professores entenderem os adolescentes e acreditarem em seu potencial. Já os “maus

professores” são considerados aqueles com os quais as relações são truncadas, perpassadas

por medo e ameaça, nas quais estão presentes visões estereotipadas sobre os jovens.

A autora também identificou em sua pesquisa a necessidade dos jovens de serem

ouvidos, ou seja, de que suas afirmações e opiniões tenham crédito. Além disso, os

adolescentes destacam a importância de que a comunicação entre os participantes do contexto

escolar seja efetiva, de que estabeleçam diálogos entre alunos e professores de forma que

possam esclarecer seus pontos de vista sobre aspectos da escolarização como cotidiano

escolar, relação professor-aluno e qualidade do ensino.

Nas relações entre o adolescente e seus pais, vários fatores interferem como nível

socioeconômico familiar, nível escolar e cultural dos pais e o modo como a comunicação

entre eles vem sendo desenvolvido nas outras etapas. Assim, “se existe o costume de dialogar

em família, se compartilham-se as decisões, se respeita-se a diversidade das individualidades

e o direito à independência dos filhos, a passagem para esta etapa será menos conflituosa” (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a, p. 215).

Por tratar-se de um momento de vida em que o sujeito começa a se emancipar em

vários aspectos, como os emocionais e comportamentais, o adolescente pretende ter novos

direitos e, nesse sentido, passa a resistir mediante exigências que antes cumpria de bom grado,

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protestar quando limitam a sua independência, o protegem, o controlam e não consideram

suas opiniões e interesses. Pouco a pouco, fortalece-se um sentimento de dignidade pessoal e

ele se percebe como um ser que não se pode humilhar, diminuir ou privar de independência.

Ou seja, o adolescente quer igualdade de direitos com os adultos e se esforça para que as

pessoas à sua volta admitam que ele é adulto, o que geralmente resulta num problema novo:

os direitos dos adultos e dos adolescentes em suas relações mútuas (DRAGUNOVA, 1980).

A passagem para um novo tipo de relação entre adulto e adolescente pode ser positiva

quando o adulto tem iniciativa ou modifica sua atitude para com ele, deixando de tratá-lo

como uma criança. Contudo, vários fatores favorecem a manutenção das relações anteriores,

como o fato da posição social do adolescente continuar a mesma: ser um estudante; depender

materialmente dos pais e dos professores que atuam em sua educação; a dificuldade do adulto

em romper com o controle que estava acostumado em relação à criança; o fato de o

adolescente conservar traços infantis em sua fisionomia e em sua conduta. Não obstante a

dificuldade em transformar as relações, o desenvolvimento da maturidade social do

adolescente é necessário para prepará-lo para a vida futura e isso requer sim, mudanças no

tipo de relação dos adultos e adolescentes, que o levem a participar do sistema de normas e

exigências vigentes para o adulto, aumento de independência, ampliação de deveres e direitos

(DRAGUNOVA, 1980).

Os conflitos entre adolescentes e adultos

Dragunova (1980) afirma que a contradição que origina os conflitos e dificuldades

entre adultos e adolescentes refere-se à atitude do adulto em tratar o adolescente como criança.

Esta contradição é gerada por dois motivos: porque as tarefas da educação são direcionadas

para o desenvolvimento da maturidade social do adolescente e devido à percepção que o

próprio adolescente tem sobre o grau de sua maturidade e suas pretensões de adquirir novos

direitos. Conforme visto, quando o adulto insiste em tratar o adolescente como criança, pode

desencadear reações de protesto e desobediência. Se o antagonismo e a resistência mútua se

sustentarem por muito tempo, o negativismo do adolescente pode se acentuar e, tal situação

pode assumir a forma de conflito crônico durante toda a adolescência, que pode continuar até

que o adulto modifique a sua atitude ante o adolescente.

As relações conflituosas favorecem o desenvolvimento de formas adaptativas de

conduta e emancipação do adolescente, como a indiferença, o convencimento de que o adulto

é injusto, de que ele não o compreende. Tal conjuntura pode criar uma negação consciente

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acerca das exigências, dos valores e opiniões do adulto e, consequentemente, o adulto pode

perder a sua possibilidade de influenciar o adolescente, no período em que este mais necessita

dele para formar as atitudes morais e sociais da personalidade (DRAGUNOVA, 1980).

Considerando que “o conflito é consequência da incapacidade ou da falta de desejo do

adulto para encontrar um novo lugar para o adolescente junto a ele” (DRAGUNOVA, 1980,

p. 134), é necessário encontrar um grau de independência que concorde com as possibilidades

do adolescente e com as exigências sociais dirigidas a ele, de modo que também seja possível

ao adulto orientá-lo e influenciá-lo.

Assim, quando ocorre o processo de colaboração na relação entre o adulto e o

adolescente, aos poucos, novos modos de interação social se cristalizam, com conteúdo ético-

moral capaz de contribuir no desenvolvimento da maturidade social do adolescente e suas

novas exigências para com o caráter de suas relações com os adultos. A colaboração permite

que o adulto situe o adolescente como ajudante e companheiro em tarefas e ocupações,

convertendo-se também em modelo e amigo para ele. Essas relações são “subjetivamente

necessárias para o adolescente e objetivamente necessárias para a sua educação”

(DRAGUNOVA, 1980, p. 134).

A divergência de opinião entre adultos e adolescentes, sobretudo quanto a direitos e

deveres dos últimos, causa de muitos conflitos nesta relação, está configurada por fatores

objetivos e subjetivos, uma vez que o adolescente ainda ocupa uma posição intermediária, na

qual depende dos pais economicamente, vai à escola para se preparar para o futuro

profissional e ainda apresenta condutas infantis ou traços de imaturidade. Ao final da

adolescência, este conflito tende a diminuir e o caráter mais ou menos agudo deste “depende

da capacidade ou incapacidade dos adultos, e em particular dos pais, para deixar de lado a

moral de obediência, própria das relações com seus filhos em etapas anteriores e estabelecer

um diálogo aberto e uma atitude de entendimento mútuo” (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a,

p.216).

Para Dragunova (1980), no início da adolescência, os adolescentes já se relacionam

entre si sob a “moral de igualdade” adulta, enquanto que suas relações com os adultos

baseiam-se na “moral de obediência” infantil. Tal paradoxo pode ter como consequências o

fato de a colaboração desenvolver-se na personalidade do adolescente somente nas relações

com os companheiros e, por isso, o trato com os companheiros pode constitui-se em algo

subjetivamente mais satisfatório, necessário e significativo do que com os adultos,

desempenhando um papel direcionador no desenvolvimento da maturidade social e moral e na

formação da personalidade. Além disso, as normas de moral adulta, assimiladas pelo

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adolescente, podem chocar e entrar em contradição com as normas da moral de obediência e

triunfar sobre elas porque esta moral infantil é inaceitável para o adolescente.

O sistema educativo de Makárenko20 é referendado por Dragunova como exemplo de

solução dos mais difíceis problemas sociais e morais dos adolescentes, porque Makárenko

organizou as relações dos adultos e adolescentes sobre as normas da moral dos adultos na

sociedade socialista e encontrou formas de organização coletiva baseadas em normas de

centralismo democrático: o respeito, a igualdade, a ajuda mútua e a confiança estavam

presentes nas discussões coletivas de diversos problemas. As decisões tomadas eram leis para

todos, adultos e adolescentes, em situações de igualdade e a moral era única para todos.

Segundo a autora, a fonte da grande autoridade de Makárenko foi o respeito à

personalidade e à coletividade, uma vez que para ele o respeito à personalidade é o que o

adolescente mais precisa. Não temos notícias de que um sistema como esse esteja em vigor

em alguma instituição atual, embora saibamos que há um crescimento de experiências

educacionais que demarcam algumas mudanças no sistema de relações entre adultos e

crianças/adolescentes, como as apresentadas pela Escola da Ponte21, em Portugal, em que,

resguardadas as condições específicas da escola, as quais não nos propomos a analisar neste

trabalho, os estudantes são estimulados a participarem ativamente da escola, a partir de

princípios de solidariedade, autonomia e responsabilidade.

Contudo, acreditamos que a escola pode promover mudanças no estilo de comunicação

entre adolescentes e adultos, a partir de atividades que visem instigar o desenvolvimento de

parcerias, em que o adolescente seja colocado em situações de responsabilidade e autonomia

nas decisões da escola, tais como as assembleias escolares e a participação ativa em grêmios

estudantis. Ressaltamos que tais mudanças devem estar relacionadas ao projeto político

pedagógico da escola, uma vez que nele se definem os objetivos educacionais, servindo de

base para a escola desenvolver seus projetos de forma coletiva, e não apenas como iniciativas

isoladas de um ou outro professor que, por sua vez, têm seu mérito, mas podem perder seu

alcance, caso não façam parte de um sistema integrado.

De acordo com Domínguez García (2003a), a produção de mudanças no estilo de

comunicação com os adolescentes é um dos principais caminhos para atenuar os conflitos ou

20

Importante educador marxista que se dedicou à atividade pedagógica, sobretudo em escolas semelhantes às de tempo integral, nas quais cuidava de crianças e jovens tidos como delinquentes. Fonte: MAIMOME, E. R.; VIEIRA, V. M. O. Grupos operativos na formação de professores em escola de tempo integral. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), v. 13, n. 1, Janeiro/Junho de 2009.

21 VASCONCELLOS, C. dos S. Reflexões sobre a Escola da Ponte. Revista de Educação AEC, Brasília, n.

141, out./dez. 2006.

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solucioná-los, de modo que o adulto apresente uma orientação firme e consequente, junto com

a flexibilidade e a racionalidade que as situações lhe exigem. Uma abordagem como essa

aponta que os adultos devem explicar aos adolescentes os motivos de suas exigências,

provocar reflexões mútuas e aplicar a força do seu poder só em casos imprescindíveis.

A autora esclarece que é no plano das relações de comunicação que se opera o conflito

adulto-adolescente e não se deve confundi-lo com o conflito de gerações, que se trata de um

fenômeno social que se refere à sucessão entre gerações e que é sempre seletiva quanto aos

conhecimentos, normas e valores que se assimilam e se transmitem a novas gerações e a

outros que não correspondem às novas circunstâncias e que, por isso, são isolados ou

transformados. Tais fenômenos envolvem moda, emprego do tempo livre, interesses sociais,

valores sociais, políticos e morais.

O modelo adulto no desenvolvimento da personalidade do adolescente

Ainda que os conflitos entre adolescentes e adultos sejam comuns na adolescência,

conforme explicitado anteriormente, o modelo adulto é fundamental para o desenvolvimento

da personalidade do adolescente. Segundo Dragunova (1980), as diferenças de caráter dos

modelos por meio dos quais os adolescentes se orientam na aquisição de traços adultos

resultam em orientações diversas no desenvolvimento do ser adulto. Cada modelo define o

conteúdo dos valores vitais na formação e direção geral da estruturação da personalidade.

O estudo já não ocupa lugar central na vida do adolescente, dando lugar aos

passatempos, perfazendo um processo no qual o adolescente, muitas vezes, se atrai pelas

manifestações exteriores do mundo adulto, o que pode envolver o consumo de bebidas

alcoólicas, o emprego de uma linguagem especial, o uso da moda adulta na roupa, no

penteado, nos adornos, nas diversões, nos galanteios, dentre outras expressões culturais.

Gradualmente e, de maneiras diversas, a partir do modelo adulto o adolescente assimila

normas, valores, exigências sociais, modos de conduta e formação de valores pessoais que

determinam a orientação e o conteúdo da atividade, os critérios de valor e autovalor. Contudo,

é preciso contextualizar tais valores, uma vez que os atuais modelos culturais são constituídos

por ideais neoliberais (MASCAGNA, 2009).

As condições histórico-culturais nas quais os adolescentes têm se desenvolvido têm

implicações diretas na constituição destes sujeitos. Os modelos sociais presentes em nossa

sociedade, nos quais grande parte dos adolescentes tem encontrado referências, são pautados

no individualismo, frutos de uma sociedade capitalista que vive o fetichismo da

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individualidade (DUARTE, 2004).

As figuras públicas, sobretudo no âmbito político são, de forma generalizada, vistas

com descrédito por grande parte da população, insatisfeita com o serviço realizado por eles e,

na ausência ou escassez de pessoas públicas cuja referência em valores morais possa ser fruto

de admiração e, consequentemente, exemplo para os jovens, observamos que muitos

adolescentes praticam o culto a personalidades famosas como cantores de bandas musicais da

moda e jogadores de futebol que, resguardadas as exceções, representam indivíduos que

alcançam o sucesso financeiro rapidamente, que se enriqueceram devido a atributos pessoais e

que seguem suas vidas sob o holofote de uma mídia descompromissada com as realidades

sociais. Nesse sentido, Mascagna e Facci (2014, p. 68) constataram em pesquisa que os

adolescentes concebem a própria adolescência a partir da ideologia dominante, na qual “os

objetos e as coisas assumem vida enquanto os homens se tornam mercadorias e passam a se

relacionar com os outros homens também como mercadoria”.

Assim, a subjetividade do adolescente se constitui “numa cultura caracterizada pela

existência de uma indústria da informação, de bens culturais, de lazer e de consumo onde a

ênfase está no presente, na velocidade, no cotidiano, no aqui e agora, e na busca do prazer

imediato” (SALLES, 2005, p. 35). Nesse contexto, Dragunova (1980) ressalta o papel do

adulto como modelo para as atividades realizadas pelo adolescente, uma vez que o

desenvolvimento da maturidade social e moral se constitui quando existe colaboração do

adulto com o adolescente em diferentes tipos de atividades, quando este orienta-se para o

adulto como a um modelo e ocupa a posição de seu colaborador. Ao participar no trabalho

junto aos adultos e no mesmo nível que eles, numa relação de confiança, formam-se nele

sentimentos de responsabilidade, independência e desenvoltura ao cumprir tarefas e

obrigações, a atitude de pensar e preocupar-se com os demais, a sensibilidade e a solicitude.

Tudo isso atrai o adolescente quando este vai aprendendo coisas novas, vendo os resultados

do seu esforço, bem como a utilidade social e pessoal do mesmo.

Desse modo, o adolescente aprende a ser adulto, por meio das relações que estabelece

com os adultos, via imitação, apropriação direta, autoeducação e assimilação de

conhecimentos sobre adultos, hauridas em fontes diversas. A qualidade dessas relações é

fundamental para a formação da personalidade do adolescente, pois “as novas normas que

mediatizam a conduta do adolescente, sua identidade pessoal e a valoração da atitude dos

adultos para ele são a base da concepção ética do mundo, em formação” (DRAGUNOVA,

1980, p. 132).

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Relações dos adolescentes com seus pares

O lugar que o adolescente ocupa no grupo de seus iguais desempenha um papel

importante no desenvolvimento de sua personalidade e seu equilíbrio e bem-estar dependerá

do êxito na ocupação deste lugar e da aceitação no grupo. Estudos como os de Domínguez

García (2003a), Bozhovich (2003) e Dragunova (1980) apontam que no período da

adolescência, a aprovação social e a busca por encontrar um lugar no grupo de pares, levam o

adolescente a determinadas condutas para conquistar a estima dos companheiros, ou seja,

buscarem a aprovação social a qualquer custo. É comum que, para alcançar estes objetivos,

adolescentes incorporem determinados padrões em sala de aula como de ser “o engraçado”, “o

inteligente”, “a bonita”, “o indisciplinado”, dentre outros. Até mesmo conseguir boas notas

via fraudes acadêmicas pode estar relacionada a essa necessidade do adolescente em ser aceito

pelo grupo de colegas.

“A má conduta dos alunos, geralmente é uma consequência de sua intenção de

conquistar, por meio de um falso temor, da tolice, etc., a estima dos companheiros, já que não

podem fazê-lo mediante qualidades positivas” (BOZHOVICH, 2003, p. 363). A falta de

reconhecimento desejado por parte dos colegas pode levar o adolescente a converter-se no

pior aluno da sala e, neste caminho, desenvolver condutas antissociais e até mesmo cometer

delitos (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a; DRAGUNOVA, 1980). A aspiração do adolescente

de chamar a atenção dos colegas, interessá-los e angariar simpatia pode levá-lo a demonstrar

as suas qualidades ou ridicularizar os adultos, não cumprindo as exigências destes.

Ressaltamos que, para o adolescente, a opinião dos colegas adquire um peso maior que

a opinião dos adultos, sejam eles pais ou professores e, nesse sentido, a tendência a evitar a

todo custo a crítica de colegas de sala, o medo de serem rejeitados por eles, o excesso de

exposição à influência grupal e o desejo de ser aceito pelos colegas pode provocar a renúncia

de suas próprias convicções. Muitas vezes, eles sentem grande inquietude quando percebem

que a sua popularidade no grupo está em perigo, o que faz com que eles até mesmo evitem o

contato com colegas que têm ideias diferentes das do grupo.

Segundo Bozhovich (2003), a aspiração a encontrar o seu lugar entre os companheiros

no coletivo da sala de aula é o principal motivo da conduta e da atividade de estudos dos

adolescentes e, segundo Dragunova (1980), a situação mais ingrata para o adolescente é a

condenação da coletividade, dos companheiros, e o castigo mais doloroso é a indiferença a

ele, o boicote declarado. Se as relações com os colegas da escola vão mal, eles buscam

companheiros e amigos fora da escola, o que pode gerar lamentáveis consequências.

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Uma das principais funções dos grupos na adolescência é permitir que o adolescente

satisfaça suas necessidades de independência e autoafirmação e também servir como meio

para se separar do controle adulto. No grupo, o adolescente encontra um espaço para

reflexões, trocas afetivas, surgimento de novas expectativas e demandas para si mesmo e para

o grupo social. Além disso, o adolescente pode vivenciar variados papéis sociais, ora como

líder, ora como colaborador, nos quais adota posturas divergentes ou conformistas. Desse

modo, “as normas e valores do grupo influenciam na aquisição de uma nova perspectiva de

seus próprios valores e atitudes” (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a, p. 258).

Dragunova (1980) indica que a formação de relações do adolescente é diferente do

pré-escolar devido ao fato de que os adolescentes passam a distinguir uns aos outros por seu

grau de intimidade: podem ser colegas, amigos e amigos íntimos. Assim, o trato com os

companheiros adquire grande valor, uma vez que ultrapassa os limites das atividades de

estudo e escolaridade. Às vezes, colocam o estudo em segundo plano, bem como as relações

familiares, das quais pode se distanciar e, quanto menos felizes são as relações com os

adultos, maior a influência e o lugar dos companheiros na sua vida. O adolescente manifesta a

tendência ao trato e atividades conjuntas com seus pares, ter amigos, um amigo íntimo e

demonstra o desejo de ser aceito, reconhecido e respeitado por seus companheiros. Por isso,

qualquer problema nas relações com os colegas e amigos é sentido penosamente e transforma-

se num drama pessoal.

A importância das amizades no desenvolvimento da personalidade do adolescente tem

a ver com o fato de que a situação de igualdade entre os companheiros da mesma idade

encerra o conteúdo ético do sentimento de ser adulto (DRAGUNOVA, 1980). O fato de que

todos os adolescentes sofrerem mudanças em seu desenvolvimento, tais como novas

necessidades, aspirações e vivências, contribui para aprofundar as relações entre os

companheiros, uma vez que um compreende o outro mais do que os adultos.

Ainda segundo a autora, os psicólogos soviéticos observaram que existe uma

dependência direta entre a ampliação e aprofundamento dos contatos entre as crianças e o

crescimento de suas exigências para com as relações (aumento do significado das normas de

igualdade e lealdade). Tais normas são essenciais nas inter-relações adultas. Por isso “a

comunicação da criança com seus pares, com seus companheiros cumpre uma função

específica: na prática destas relações vão assimilando a moral dos adultos” (DRAGUNOVA,

1980, p.135). O conteúdo desta moral é contrário às normas de “moral de obediência” nas

relações da criança com o adulto.

As relações que o adolescente estabelece com seus colegas “[...] é baseada no código

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de companheirismo que regula as relações entre adolescentes, sob os princípios de ajuda

mútua, confiança total e respeito” (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a, p. 260). Em tais relações,

o adolescente desenvolve sua capacidade de reflexão para a formação de sentidos e juízos

sobre a realidade, além de ser um espaço importante de busca de informação em torno de suas

preocupações íntimas, relacionadas à sua vida pessoal. Há uma tendência à idealização do

amigo e da relação de amizade e, em consonância com o seu desenvolvimento intelectual, que

tende à dicotomia e à inflexibilidade, tal relação pode romper-se facilmente (DOMÍNGUEZ

GARCÍA, 2003a).

Segundo Dragunova (1980), o caráter da autovaloração do adolescente é fator

importante para as relações com os companheiros, sendo que, neste período, aumentam os

grupos extremos de crianças- populares e isoladas- e cresce a estabilidade da posição da

criança na coletividade. A posição da criança menor na coletividade depende desta cumprir as

exigências do estudo. Já para os adolescentes, são considerados mais importantes outros

méritos como as qualidades de ser companheiro e amigo, demonstrar inteligência e

conhecimentos (não só êxito nos estudos) e a possibilidade de dominar a si mesmo. A

qualidade de camaradagem é a mais apreciada entre eles para se conquistar popularidade e

respeito. Por isso, é comum que no começo da adolescência haja mudanças de popularidade,

desaparecendo as autoridades anteriores e surgindo novas.

Muitas vezes, os alunos mais ativos nos estudos não são os mais companheiros, pois

os grupos ativos podem não ser muito prestigiados pelos demais. Os professores tendem a

criar um conjunto ativo com alunos com maior desempenho escolar e disciplina, sem observar

suas qualidades como companheiros. Os adolescentes exigem tanto dos companheiros quanto

dos adultos o respeito à personalidade e à dignidade humana e, tal exigência é o eixo do

código de companheirismo dos adolescentes. Por isso, condenam as traições, a violação ao

acordo, a negação de ajudar, o egoísmo e a avareza, a tendência à supremacia, a mandar, a

presunção e o exagero dos próprios méritos. Também condenam aqueles com baixa

autoestima, sem opinião própria, que não se defendem e não respondem a quem os ofende,

sendo que os aduladores e os acomodados despertam antipatia. Nesse sentido, o código de

ética do adolescente junto aos seus companheiros é semelhante ao do adulto- compreensão da

camaradagem, da amizade e de relações autênticas de colaboração- e, por isso, a prática de

relações com os companheiros, o trato do adolescente com seus pares constituem-se numa

escola para o desenvolvimento da sua maturidade social e moral (DRAGUNOVA, 1980).

Ainda de acordo com a autora, as conversas são muito importantes entre os

adolescentes e, muitas vezes, elas ocupam todo o tempo que passam juntos, pois eles trocam

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informações que lhes interessam, discutem os acontecimentos de sua vida, o comportamento

dos colegas, as relações, as questões pessoais que não devem ser divulgadas como planos,

sonhos, projetos, paqueras e questões íntimas de maturidade sexual.

Conforme assinalado anteriormente, as relações entre os adolescentes tem se

modificado com os avanços tecnológicos. Mascagna (2009) aponta que, com o processo de

informatização, houve um distanciamento das relações de corpo presente e os adolescentes

têm se comunicado mais virtualmente. Também passam horas de seu tempo em jogos

eletrônicos, muitas vezes, sozinhos, o que pode diminuir significativamente suas relações em

grupo, embora possam estar conectados em rede com outros adolescentes enquanto jogam.

Ainda que de formas diferentes de outras épocas, os adolescentes buscam intensamente a

comunicação íntima uns com os outros, passando o tempo com os amigos frequentando

cinemas, shoppings, conversando em redes sociais e enviando mensagens pelo celular.

O aumento e o aprofundamento das questões pessoais formam uma necessidade de se

ter um amigo para compartilhar e aconselhar-se, encontrar apoio e ajuda. Ao amigo exige-se

sinceridade e compreensão, sensibilidade e simpatia, afinidade e condições de guardar

segredos, sendo que todos querem ter e ser um verdadeiro e único amigo e, deste modo, zelam

e protegem sua relação da intrusão de outras pessoas. A criação de amizades com afinidade

espiritual está acompanhada por debates de todos os problemas da vida, éticos e estéticos e as

discussões têm marcado componente emocional. Elas são importantes para o desenvolvimento

ético, pois cada um demonstra e defende a sua opinião e percebe os seus erros e, neste

processo de discussão e reflexão, vai formando as suas convicções (DRAGUNOVA, 1980).

As relações com um companheiro muito afim, com o amigo, são objeto de meditações

especiais para o adolescente. Ele busca compreender o que gosta e o que não gosta nestas

relações e no companheiro, compara as suas atitudes para com ele e vice-versa, distingue os

atos que o ofendem e compreende as suas causas. Nesse sentido, o processo de reflexão e

avaliação vai formando a ideia das causas pelas quais os relacionamentos são insatisfatórios,

quem é o culpado e o que fazer adiante, como, por exemplo, perdoar uma traição ou deixar de

ser amigo por esse motivo (DRAGUNOVA, 1980, p. 158).

O adolescente passa a aspirar por influenciar outra pessoa, manifestando sua iniciativa

social e, assim, os adolescentes se educam um ao outro, porque cada um apresenta ao outro

um sistema complexo de exigências definidas sobre a relação e a conduta. Tudo isso contribui

para o domínio das normas de um tipo especial de relações, as pessoais, que são específicas

dos adultos. Assim, “a assimilação das normas de amizade constitui uma importantíssima

aquisição da criança na adolescência” (DRAGUNOVA, 1980, p. 158).

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Na adolescência, há uma necessidade maior de autoexpressão do que de escuta ao

outro e o “ego” instável expressa contradição entre o desejo de unir-se ao outro e o medo de

perder a individualidade nesta união. À medida que surgem as relações de casal, as relações

de amizade são relegadas ao segundo plano (DOMÍNGUEZ GARCIA, 2003a).

De acordo com Dragunova (1980), no período da adolescência surge o interesse entre

meninos e meninas e isso leva à preocupação com a aparência, em ser atraente. As meninas

desenvolvem-se fisicamente e sexualmente antes dos meninos. Já nos quinto ou sexto ano

algumas meninas são mais altas que os meninos, o que leva alguns meninos a se sentirem

inferiores. No começo, o interesse pelo sexo oposto apresenta um caráter difuso em muitos

meninos e se manifesta de um modo típico do pré-adolescente: em buscar brigar com as

meninas, as que se queixam dos meninos, mas que compreendem bem os motivos de tais

ações e por isso não se ofendem seriamente. Depois essas relações se modificam, uma vez que

perdem a espontaneidade, aparecem a inabilidade e a timidez. Em uns isso é claro, em outros

se oculta por trás de uma suposta indiferença ou desprezo pelo sexo oposto. Há uma conduta

ambivalente na qual o interesse de um pelo outro coexiste com o isolamento de meninas e

meninos, mas ficam bastante curiosos nas relações que surgem nas particularidades de seu

desenvolvimento.

Domínguez García (2003a) aponta o fato de que na adolescência se acentuam os

estereótipos masculinos e femininos e a necessidade dos adolescentes de corresponderem aos

mesmos. As relações de casal são geralmente instáveis, pois têm caráter experimental e

contribuem para o desenvolvimento da autovaloração ou identidade pessoal, sobretudo a

identidade sexual e de gênero do adolescente.

Isso resulta perigoso, pois os adolescentes em muitos casos não contam com uma adequada educação sexual, pelo que constituem um grupo de risco por excelência para contrair enfermidades de transmissão sexual e também podem chegar a uma maternidade ou paternidade precoce, para que não estão nem objetivamente nem subjetivamente preparados. (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a, p. 262).

De modo geral, o adolescente apresenta grande excitabilidade com relação às emoções

e aos sentimentos, o que demonstra a sua alta sensibilidade afetiva. Surgem novos

sentimentos, como os amorosos, e ocorre uma maior variação e profundidade de sentimentos,

além de um maior controle consciente da expressão dos sentimentos. Os adolescentes

encontram dificuldade para elegerem seu par ideal de modo a coincidirem as qualidades tanto

do ponto de vista físico, pois atribuem grande importância à imagem corporal, como do ponto

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de vista psicológico e moral que aspiram encontrar em seus pares (DOMÍNGUEZ GARCÍA,

2003a).

Segundo Dragunova (1980), o interesse sexual pelos pares tem significação para o

desenvolvimento da personalidade do adolescente, uma vez que o aumento de atenção sobre o

outro se expressa na atenção seletiva: observam sutis mudanças na conduta do outro, seus

atos, reações, estados interiores, vivências. Também aparece a atenção dirigida aos próprios

estados psíquicos que surgem como resultado do trato com os pares. A simpatia romântica faz

o adolescente querer ser melhor, a fazer algo para que o outro lhe seja grato, a ajudá-lo e a

defendê-lo, interesse que se converte num dos motivos do autoaperfeiçoamento.

Consequentemente, o trato com os companheiros exerce uma influência decisiva na formação

da personalidade do adolescente.

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5 A ATIVIDADE DE ESTUDO E O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO NA ADOLESCÊNCIA

A escola e o estudo ocupam lugar importante na vida dos adolescentes, mas não têm a

mesma importância para todos, apesar de terem consciência da importância e necessidade de

estudar. Para muitos, o atrativo da escola é aumentado pela possibilidade de travar relações

com colegas da mesma idade e o estudo muitas vezes fica prejudicado por isso. Não obstante,

o conteúdo do conceito “estudo” amplia-se no período da adolescência, precisamente porque

nesta idade a aquisição de conhecimentos já costuma ultrapassar os limites da escola, dos

programas de estudo e realiza-se não só em forma independente, mas também claramente

orientada (DRAGUNOVA, 1980).

Para Mascagna e Facci (2014), os adultos precisam investir nas capacidades psíquicas

dos adolescentes em várias dimensões: estudos, cursos, artes e trabalho como aprendiz. De

acordo com a autora, “o que devemos evitar é a ociosidade, a incapacidade para a reflexão, o

individualismo exacerbado e o esvaziamento dos conteúdos científicos, pois é por meio destes

e da mediação com os outros que os indivíduos se desenvolvem” (p. 68).

Segundo Dragunova (1980), as condições ideais para o desenvolvimento da

personalidade se criam quando a aquisição de conhecimentos se transforma para o adolescente

em algo subjetivamente necessário e importante para o presente, para prepará-lo com vistas ao

futuro e quando os diversos tipos de ocupações estão cheios de tarefas de caráter cognitivo e

criativo, chegando à autoinstrução e ao autoaperfeiçoamento. Nesse sentido, na adolescência

surge e se forma um tipo de atividade qualitativamente nova e superior, na qual o estudo

adquire um sentido pessoal e se transforma em autoinstrução (DRAGUNOVA, 1980). Tanto o

conteúdo quanto a forma da atividade de estudo se modificam, impondo ao adolescente a

necessidade de utilizar novos métodos de assimilação do conhecimento (DOMÍNGUEZ

GARCÍA, 2003a). Desse modo,

Adolescentes e jovens devem assimilar conceitos científicos, descobrir por trás da aparência dos fenômenos a sua essência e ser capazes de estabelecer relações entre os diversos conceitos, a fim de captar determinadas leis, regularidades ou dependências causais dos objetos e fenômenos da realidade e dominar o sistema particular de símbolos das Ciências Exatas (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a, p.185- 186).

Ainda de acordo com Domínguez García (2003a), o processo de produção de

conceitos científicos e o estabelecimento das relações entre os conceitos permitem ao sujeito

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as bases para a constituição da concepção do mundo, formação da personalidade que é típica

da juventude. Nesse sentido, Bozhovich (2003) considera que a aquisição de conhecimentos

está diretamente relacionada à formação da personalidade do adolescente, uma vez que no

processo de assimilação dos conhecimentos escolares ocorre a percepção e a compreensão dos

conteúdos que são elaborados ativamente na consciência e transformados em conquista

pessoal do aluno, ou seja, em convicções.

A influência do ensino na formação da personalidade do adolescente também é

ressaltada por Domínguez García (2003a), segundo a qual as variações que são produzidas no

conteúdo e nos métodos de elaboração do conhecimento influenciam muito no

desenvolvimento da personalidade, sobretudo no desenvolvimento intelectual geral e

particular do pensamento, bem como no que se refere aos interesses cognitivos e

profissionais.

Os interesses cognitivos

Ao tratarmos do tema Atividade de estudo e desenvolvimento cognitivo na

adolescência, uma questão que consideramos extremamente relevante são os interesses

cognitivos do estudante, porque se este não apresenta interesse pelo conhecimento em

determinado assunto, dificilmente poderá aprender os conceitos científicos a ele relacionados

e, consequentemente, haverá uma lacuna no desenvolvimento das conexões necessárias para a

ampliação de novos conhecimentos e a formação de novas funções psíquicas.

O componente motivacional é central na escolha das atividades realizadas pelos

adolescentes, já que eles desenvolvem suas atividades informais de modo mais intencional

que na idade escolar, ou seja, selecionam as atividades em função de seus interesses gerais,

sendo que algumas destas atividades podem ocupar um lugar tão elevado na hierarquia

motivacional, que alguns deles relegam a atividade de estudo para segundo plano

(DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a).

Nesse sentido, Montezi e Souza (2013, p. 81), a partir de constatações de pesquisa,

observaram que na escola “parece improvável a criação de espaços que facilitem a

emergência do sujeito”, de modo que os alunos tenham seus interesses mobilizados pelo

professor, para que participem das atividades pedagógicas. As autoras propõem que na escola

sejam valorizados o cotidiano e o contexto de cada aluno para que encontrem sentido naquilo

que está sendo estudado, abrindo possibilidades de autoria e autonomia.

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Na adolescência, os alunos devem assimilar os fundamentos da ciência e, nesse

sentido, o material a ser assimilado, de um lado exige um nível de atividade cognitiva e

mental mais elevado que anteriormente e, de outro lado, está orientado a desenvolver o

intelecto em nível superior do pensamento, ou seja, teórico, formal e reflexivo

(DRAGUNOVA, 1980).

O tema dos interesses cognitivos é de grande relevância quando se parte do princípio

de que o ensino do conhecimento sistematizado pode contribuir com o desenvolvimento

psicológico dos adolescentes, uma vez que a formação dos conceitos científicos constitui-se

em importante salto qualitativo no desenvolvimento humano. O pensamento conceitual

permite que o adolescente desenvolva a sua concepção de mundo e que se conheça

profundamente, percebendo a sua realidade interna (ANJOS, 2014). Contudo, não basta o

contato com o conhecimento científico, mas “a apropriação desses conhecimentos como

ferramentas e instrumentos de compreensão da realidade” (LEAL, 2010, p. 305), o que impõe

a necessidade de a atividade de estudo ser significativa, orientada para o objetivo da

aprendizagem, cujo motivo central é adquirir conhecimento para ações conscientes e

transformadoras da realidade.

Concordamos com Leal (2010), quando esta afirma que a escola se encontra diante de

um desafio mediante a falta de sentido da educação e, de forma geral, pelos trabalhadores da

educação, que encontram dificuldades mediante alunos que não cumprem atividades e não

demonstram interesse pelos temas trabalhados. A autora percebe que os educadores não

conseguem gerar motivo para a aprendizagem e, diante disso, questiona: “se a escola não

consegue adquirir sentido para os alunos, como ela pode contribuir para seu desenvolvimento

e para a constituição de sua consciência na perspectiva da humanização?” (LEAL, 2010, p.

303).

O desenvolvimento dos interesses cognitivos na adolescência e na juventude é

marcado por um aumento de variedade de interesses e, na passagem da adolescência para a

juventude, o sujeito se torna mais seletivo e intencional quanto àquilo que o interessa

(DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a). A autora afirma que, no que se refere ao interesse e à

atitude frente à atividade de estudo, há uma diversidade muito grande de motivação interna

entre os adolescentes, que variam desde uma intensa orientação ao estudo e uma atitude de

compromisso com a escola à indiferença a tais questões.

Domínguez García (2003a) explica que enquanto na juventude o sujeito se orienta

mais para o conteúdo das disciplinas e prefere aquelas que promovem sua reflexão e o

conduzem a generalizações, a partir das quais podem explicar fatos concretos, na adolescência

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há uma tendência do sujeito em classificar as disciplinas escolares em interessantes ou não

interessantes, variando conforme os próprios interesses e a análise que fazem quanto à

qualidade do ensino. Contudo, a variedade de interesse dos sujeitos pode combinar-se com a

incapacidade de organizar o seu tempo e sua própria atividade cognitiva, a qual tende a ser

dispersa.

Enquanto que, comumente, alunos da idade escolar pequena ainda não manifestam

interesse específico por uma determinada disciplina, sendo que o que lhes atrai é o mesmo em

todas as disciplinas: assimilação de hábitos e habilidades, o novo conhecimento, a superação

das dificuldades e a satisfação pelo esforço intelectual, os alunos adolescentes demonstram

interesse por disciplinas específicas, e justificam o interesse devido ao conteúdo destas,

referindo-se às conexões, às leis, às relações e aos vínculos internos nelas contidos

(BOZHOVICH, 2003).

Segundo Domínguez García (2003a), a tendência dos adolescentes de classificar as

disciplinas em necessárias ou desnecessárias está relacionada a seus interesses profissionais

momentâneos. Muitos adolescentes se sentem mais atraídos pelos aspectos externos das

disciplinas escolares do que por seus conteúdos e mantém hábitos comuns da idade escolar,

como o modo passivo de assimilação da matéria de estudo e a utilizando técnicas de

memorização textual sem compreensão da matéria. Tais características são, muitas vezes,

condicionadas pelo próprio caráter tradicional do ensino.

Bozhovich (2003) afirma que enquanto no final da idade escolar pequena são

introduzidas as disciplinas e as matérias possuem um caráter mais concreto e descritivo, no

nível médio, que corresponde aos anos finais do Ensino Fundamental, os conteúdos vão se

tornando mais abstratos e são incluídas matérias novas, como química, física, álgebra e

geometria, cujas exigências são bem diferentes no que diz respeito ao processo de assimilação

de conhecimento. Tais conhecimentos, muitas vezes não têm apoio concreto, seja nas relações

cotidianas do estudante ou mesmo nos conhecimentos já adquiridos anteriormente e podem

entrar em contradição tanto com as noções que ele tem como com a sua experiência sensorial

ou a realidade diretamente percebida. Nesse sentido, as disciplinas exigem do aluno uma

maior assimilação de conceitos científicos e de suas relações causais.

Por isso, querer que os alunos compreendam a relação entre a realidade e os conhecimentos por eles adquiridos no estudo dos fundamentos das ciências deve constituir uma tarefa especial. O aluno deve aprender a ver no conceito, a realidade nele generalizada. Por trás do sistema de conhecimentos escolares deve ver o mundo em toda sua variedade concreta. Isto se faz mais complexo devido a que numerosos conceitos e leis assimilados nos níveis

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médios da escola, podem se referir à realidade somente de forma mediatizada, por meio do sistema de outros conceitos. Isto, por sua vez, exige dos estudantes que eles aprendam, no processo do seu pensamento, a ir não somente dos objetos concretos (ou de sua representação) para os conceitos e vice-versa, mas também de um conceito abstrato a outro. Em outras palavras, isto exige que os estudantes- adolescentes aprendam a raciocinar em um plano puramente teórico. (BOZHOVICH, 2003, p. 349).

O fato de não haver uma relação direta entre a vida cotidiana do aluno e o conteúdo dos

conhecimentos que ele assimila no sistema das novas disciplinas científicas não permite que o

ensino-aprendizagem se apoie completamente no interesse direto do aluno nos fenômenos e

fatos da realidade, nas causas e efeitos, como se baseava nos primeiros níveis de ensino. Por

isso, “as particularidades do material de ensino-aprendizagem exigem dos alunos adolescentes

um enfoque totalmente novo para sua assimilação, tanto no aspecto motivacional, no

cognitivo, como nas operações intelectuais que devem realizar” (BOZHOVICH, 2003, p. 349).

Dragunova (1980) destaca que o desenvolvimento de características adultas na

atividade cognitiva dos adolescentes constitui-se a partir das inquietações e da vontade de

fazer algo além do programa escolar, o que propicia o surgimento de uma atividade cognitiva

independente. Assim, o adolescente parte para a busca pelo conhecimento, podendo ter caráter

de paixão, quando passa boa parte do seu tempo em busca do saber. Pela coincidência de

inquietações, eles estabelecem profundos contatos com colegas, discutem problemas, trocam

livros e materiais, se ajudam com conselhos, enfim, desenvolvem o interesse positivo e uma

atividade efetiva, mediante a autoeducação. Assim, o adolescente segue de forma

independente e criativa, sendo precisamente na adolescência que se forma a orientação

principal dos interesses cognitivos.

Geralmente, nessas condições despontam inclinações profissionais e o adolescente

combina jogos, elementos de autoeducação e autoinstrução com o tema de interesse. Além

disso, quanto mais estável e definida é a concepção do adolescente sobre sua futura profissão,

opera-se uma diferenciação entre conhecimentos necessários e não necessários. Assim, os

conhecimentos, nível e profundidade são considerados critérios para compreensão de um

adulto, companheiro ou a si mesmo. “O afã de saber e a curiosidade são peculiaridades do

adolescente. Está aberto à percepção do novo, o interessante, o significativo [...]”

(DRAGUNOVA, 1980, p. 145). A autora acrescenta que o conteúdo que é oculto pelos

adultos desperta mais interesse do adolescente para conhecê-lo.

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Processos cognitivos

De acordo com Anjos (2014), a educação escolar deve focar na transmissão de

conceitos científicos como pilar para a formação da personalidade, de forma que o indivíduo

mantenha uma relação cada vez mais consciente com a cotidianidade. “E só a partir da

compreensão do fenômeno para além das aparências, ou seja, a compreensão da realidade, é

que se pode conquistar a liberdade, ou seja, o autodomínio da conduta e a superação da

espontaneidade” (ANJOS, 2014, p. 235).

Embora na idade escolar muitos estudantes apresentem um pensamento conceitual

teórico, ou seja, o desenvolvimento do seu pensamento já superou o caráter empírico,

correspondendo ao que Piaget denominou de inteligência operatório-formal ou estágio das

operações formais, na adolescência essa mudança qualitativa do pensamento adquire maior

solidez. De acordo com Domínguez García (2003a), o pensamento conceitual teórico

possibilita operações no plano abstrato, sem apoio de objetos concretos, por ser hipotético-

dedutivo e reflexivo. No entanto, é possível que na adolescência os juízos careçam de

fundamentação e apresentem um caráter dicotômico, ou seja, pouco flexível. Não obstante, “o

desenvolvimento intelectual alcançado dependerá muito dos avanços alcançados nas etapas

anteriores e da forma em que se organiza e estrutura o processo de ensino-aprendizagem”

(DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a, p. 194).

A autora afirma que, ao longo de sua vida escolar, o adolescente já assimilou

conscientemente um sistema de conceitos que, somando-se às exigências da nova etapa de

estudo, consolida o pensamento conceitual teórico, que permite que ele faça reflexões teóricas

baseadas em conceitos e elabore hipóteses utilizando-se de afirmações verbais, comprovando-

as e demonstrando-as via processo dedutivo, ou seja, do geral para o particular.

Ademais, o pensamento conceitual teórico possibilita ao adolescente a fundamentação

de seus juízos, o uso da lógica na exposição de ideias, a realização de generalizações e o

exercício da crítica acerca de determinadas teorias e quanto ao seu próprio pensamento. O

pensamento teórico permite a utilização de símbolos, fórmulas, dentre outras formas

linguísticas do pensamento abstrato. Contudo, é possível que alguns adolescentes apresentem

limitações em seu desenvolvimento intelectual, as quais se manifestam na simplicidade e na

falta de fundamento ou de elementos criativos nas teorias que elaboram e nos argumentos de

seus juízos (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a).

Baseando-se nos estudos de Rubinstein, Domínguez García (2003a) aponta que o

pensamento conceitual teórico tem um caráter teórico tanto no conteúdo quanto na forma,

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pois se apoia em operações intelectuais no plano mental. “O adolescente realiza operações

mentais em um nível abstrato, sem requerer o apoio dos objetos concretos, para a formação de

conceitos e para mover-se de um conceito para outro” (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a,

p.189).

Além disso, o pensamento conceitual teórico é reflexivo, no qual “as operações

intelectuais próprias do sujeito se convertem em objeto de sua atenção, análise e avaliação e

ele deve aprender a operar com elas de maneira intencional” (DOMÍNGUEZ GARCÍA,

2003a, p.189). Ademais, o pensamento conceitual teórico é também dedutivo, o que significa

que opera do geral ao particular, diferentemente do pensamento conceitual empírico, que é

essencialmente indutivo e se move do particular ao geral. “O adolescente não somente vê no

conceito a realidade generalizada, mas também se move de um conceito a outro, isto é,

raciocina em um plano teórico” (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a, p. 189).

Segundo Dragunova (1980), a novidade no desenvolvimento do intelecto do

adolescente reside na modificação de sua atitude em relação às tarefas cognitivas como em

relação a algo que exige antes de tudo uma solução mental prévia através da construção de

diversas hipóteses e comprovação. O pensamento com suposições é um instrumento

característico do raciocínio científico, sendo que a peculiaridade deste nível de evolução do

pensamento consiste não só no desenvolvimento da abstração, mas também pelo fato de que

as próprias operações intelectuais passam a ser também objeto da atenção, análise a avaliação

do adolescente. Por isso, esse pensamento se chama reflexivo e o adolescente toma

consciência de suas próprias operações intelectuais e as dirige. Esse processo passa a ser

típico também de outras funções psíquicas, como a fala, que se faz cada vez mais controlável

e direcionável. Além disso, nesta idade se desenvolve a atitude para manter a atenção por

longo tempo em um material abstrato, logicamente organizado, mas essa atitude se

desenvolve paulatinamente e não na mesma medida em todos os adolescentes.

Ainda segundo Dragunova (1980), a intelectualização dos processos de percepção é

um requisito necessário para assimilar com êxito qualquer tema de estudo, inclusive o

material ilustrativo. Assim, é imprescindível criar nos adolescentes a disposição para refletir e

buscar, a destacar os nexos significativos e essenciais e as dependências causa-efeito ao

trabalhar com qualquer material, seja ilustrativo ou abstrato, concreto ou generalizado, e ao

cumprir tarefas de estudo práticas de qualquer tipo.

Nesta mesma linha, Bozhovich (2003) ressalta que, enquanto nos primeiros anos

escolares a assimilação do material didático podia ser realizada apenas mediante o processo

de repetição, nos níveis médios é preciso que os alunos dominem outras operações de

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aprendizagem e, portanto, “devem aprender a distinguir o essencial, a dividir o texto em

porções lógicas, a estabelecer um plano, um resumo do material assimilado, a transmitir o

sentido do aprendizado, etc.” (BOZHOVICH, 2003, p. 354).

O desenvolvimento dos processos cognitivos na adolescência passa por mudanças

quantitativas e qualitativas. Quanto às mudanças quantitativas, estudos indicam que os

adolescentes conseguem resolver problemas vinculados ou não aos conteúdos de estudo, com

mais rapidez, facilidade e efetividade que anteriormente. Já em relação às transformações

estruturais observadas na atividade cognitiva, que demonstram as mudanças qualitativas,

observa-se que a percepção do adolescente adquire um caráter mais intelectual, pois ele se

orienta a destacar ou abstrair os aspectos essenciais de um material e a captar a sua

contribuição na solução de um problema. Ademais, a memória do adolescente se torna mais

consciente e intencional, havendo um aumento significativo da habilidade para memorizar

material verbal e abstrato. As mudanças qualitativas marcam um avanço em comparação com

o desenvolvimento destes processos na idade escolar (DOMÍNGUEZ-GARCÍA, 2003a).

Bozhovich (2003) faz referência aos estudos de A. A. Smirnov sobre a memória,

segundo os quais nos processos de memorização os adolescentes vão do geral ao mais

concreto e particular. Além disso, os estudos indicam que a habilidade de elaborar os

materiais de forma lógica aumenta consideravelmente na adolescência, o que está de acordo

com o estudo de E. A. Faraponova, que aponta para o aumento da capacidade de memorização

de materiais verbais, em detrimento de materiais concretos, bem como o aumento de palavras

de caráter abstrato na adolescência.

Ainda no tocante à memorização, a autora refere-se ao estudo de P. I. Zinchenko,

segundo o qual “a memorização adquire na adolescência um caráter consideravelmente mais

consciente e premeditado. Os alunos começam a aplicar distintos métodos de memorização

dependendo dos objetivos e tarefas que se planejam” (BOZHOVICH, 2003, p. 355). Contudo,

a autora faz uma ressalva com referência aos vários estudos realizados: “Todos eles constatam

a existência daquelas particularidades que se formaram em nossos escolares conforme os

métodos de educação e ensino-aprendizagem existentes. É indubitável que estas

particularidades podem ser variadas consideravelmente sob outras condições”. (BOZCHOVICH, 2003, p. 355).

Dragunova (1980) explica que a tendência de muitos alunos de memorização textual

do material é um sério obstáculo para desenvolver a linguagem e, em particular, para saber

formular e expressar o pensamento com suas próprias palavras. Nesse sentido, é necessário

superar a tendência a memorizar o material e o hábito de aprendê-lo mediante a repetição, ao

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invés de compreendê-lo. Domínguez García (2003a) salienta que os meios ou recursos

mnemônicos utilizados pelo adolescente para memorizar são ampliados, não sendo apenas de

caráter externo, mas também internos, como é o caso das associações, dos agrupamentos

lógicos e de sentido.

Dificuldades no desenvolvimento cognitivo e suas implicações para a formação da personalidade na adolescência

Consideramos que o papel da educação escolar seja a socialização do saber erudito,

sistematizado, como condição para o desenvolvimento das funções psíquicas superiores e da

formação do pensamento conceitual, que leva o indivíduo a conhecer além das aparências e,

consequentemente, o sujeito passa a dominar a própria conduta, o que está diretamente

relacionado à formação da personalidade (ANJOS, 2014).

Leal e Facci (2014) destacam a importância da formação do pensamento conceitual na

adolescência, segundo a concepção vigotskiana, pois o conceito permite que o sujeito conheça

os fenômenos e objetos em suas relações, em sua essência, as leis que regem o mundo, o que é

indispensável para a formação da consciência, para o desenvolvimento da autopercepção. Tal

tipo de pensamento torna possível o domínio do pensamento dialético. Nesse sentido

O grande salto desse período é que o adolescente não se limita a tomar consciência da realidade percebida, mas passa a pensá-la por meio dos conceitos, passa a regular a realidade visível com ajuda dos conceitos elaborados em seu pensamento. (LEAL; FACCI, 2014, p. 41).

Assim, as mudanças nos processos psíquicos cognitivos configuram-se em condição

fundamental para o desenvolvimento psicológico geral e para a formação da personalidade

dos adolescentes. A verdadeira produção do conhecimento permite que os conhecimentos

sejam fixados e não esquecidos, havendo uma reestruturação dos conceitos e representações

anteriores do aluno e, quanto mais o conceito é presente na consciência do aluno, mais

livremente ele pode operar com ele na escola e no cotidiano (BOZHOVICH, 2003). Contudo,

[...] a ausência do nível necessário no desenvolvimento dos interesses cognitivos, de um lado, e a insuficiente preparação para o desenvolvimento das formas abstratas de pensamento da criança, de outro, podem conduzir e frequentemente conduzem pelos métodos de ensino-aprendizagem existentes ao formalismo na assimilação dos conhecimentos escolares. (BOZHOVICH, 2003, p. 355-356).

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O formalismo resulta em consequências negativas para a formação da personalidade

do adolescente, uma vez que freia a elaboração de uma correta concepção de mundo e de

convicções científicas, limitando “a formação de ideais generalizados, da autoconsciência e

do autocontrole, que exigem um nível suficiente de pensamento conceitual” (BOZHOVICH,

2003, p. 356).

O fenômeno do formalismo ocorre de duas formas: uma delas caracteriza-se pela

aprendizagem sem uma compreensão suficiente do conteúdo real estudado, na qual, muitas

vezes, o aluno apenas compreende as regras e as fórmulas verbais. Este tipo de formalismo se

manifesta nas atitudes dos alunos por meio de verbalismos e uma tendência a frases feitas,

tanto na linguagem como no pensamento. Ademais, os alunos apresentam uma indiferença à

essência daquilo que estudam, como se fosse algo imposto de fora e alheio às suas vidas e não

o resultado da generalização dos fatos e fenômenos reais. Forma-se também o hábito da

atividade irreflexiva, sem sentido e a memorização de materiais inúteis. “A presença no

escolar deste tipo de conhecimentos formais é pior que sua ausência absoluta” (BOZHOVICH,

2003, p. 356).

A autora aponta a dificuldade de se propor uma tarefa cognitiva teórica aos alunos que

apresentam formalismo, sendo necessárias habilidades pedagógicas especiais para que tais

alunos compreendam as concepções que não se apoiam de forma direta na experiência

sensorial ou que entram em aparente contradição com esta.

Estes alunos não sentem nenhum interesse pelo conteúdo teórico da disciplina, se contentam em interpretar a realidade na medida de sua experiência cotidiana. Mas como devem dominar o material [docente] escolar estabelecido no programa, o estudam cuidadosamente, ainda que sem a devida compreensão. (BOZHOVICH, 2003, p. 357).

Bozhovich (2003) considera que muitos desses alunos apresentam boa disposição para

o estudo, são responsáveis e aplicados, mas têm um nível de desenvolvimento intelectual

insuficiente e carência de interesse cognitivo, caracterizando uma atitude específica destes

alunos mediante o conhecimento e sua assimilação.

O segundo tipo de formalismo também se caracteriza por uma determinada atitude dos

alunos para o conhecimento, mas neste caso, os alunos dominam, relativamente, as formas de

pensamento teórico, conhecendo, compreendendo e recordando-se das regras e das leis.

Contudo, têm dificuldade de “separar o conceito do objeto, nem sempre sabem regressar a ele,

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ver no conceito científico toda a variedade da realidade concreta refletida nele mesmo” (BOZHOVICH, 2003, p. 358).

O esquematismo dos conhecimentos apresenta-se como manifestação deste tipo de

formalismo, no qual o aluno não sabe empregar os conhecimentos adquiridos para explicar os

fenômenos da realidade e apresenta indiferença pelo conhecimento assimilado na escola.

Assim, os conceitos novos estudados representam uma abstração inútil, sem sentido real para

o aluno, como se o que ele aprendesse em determinada disciplina fosse uma realidade

independente, isolada das verdadeiras leis naturais ou mesmo da vida, o que faz com que ele

permaneça, nas situações cotidianas, fora do ambiente escolar, no enfoque pré-científico de

compreensão dos fenômenos da realidade.

Assim, ambos os tipos de formalismo, estão condicionados por uma formação incorreta da necessidade cognitiva, que resulta fundamental para o desenvolvimento da psique da criança. Para o desenvolvimento psíquico do adolescente de hoje, que estuda na escola média, é evidente que esta necessidade deve alcançar o nível de aspiração, a descobrir as relações entre os fenômenos da realidade, que não se manifestam diretamente, a compreender as dependências causais existentes entre os mesmos; em outras palavras, deve elevar-se ao nível de um interesse teórico. Os alunos que possuem qualquer tipo de formalismo carecem deste interesse e os inclinados ao primeiro tipo de formalismo, ademais, não têm o nível necessário de desenvolvimento do pensamento. (BOZHOVICH, 2003, p. 360).

De acordo com Bozhovich (2003), os conteúdos e os procedimentos de ensino-

aprendizagem nos graus primários podem ser a causa das insuficiências assinaladas na

assimilação dos conhecimentos escolares. Além disso, nesse caso, o ensino-aprendizagem na

escola primária não enriquece ou sistematiza suficientemente a experiência sensorial direta

para a criança, ou seja, os conceitos concretos e generalizações que servem de base para o

desenvolvimento do pensamento abstrato, que preparariam a criança para evitar o formalismo

de segundo tipo.

O desenvolvimento do pensamento e da atitude teórica nos escolares pequenos

pressupõe a sistematização e a generalização da experiência social, o que é uma tarefa

complexa, uma vez que se corre o risco de que o desenvolvimento da criança se detenha no

estágio do pensamento concreto sensorial ou também pode acontecer que “as formas abstratas

de pensamento do escolar não partam da riqueza de sua experiência sensorial direta e percam

seu verdadeiro conteúdo” (BOZHOVICH, 2003, p. 361), como ocorre o segundo tipo de

formalismo. Nesse sentido, “a negação da experiência sensível e a soma de conhecimentos

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práticos concretos pode estar repleta de más consequências, tanto para o desenvolvimento

posterior da criança, como para a assimilação plena dos fundamentos das ciências nos graus

médios” (BOZHOVICH, 2003, p. 362).

Embora Bozhovich (2003) considere que a raiz do formalismo se encontre no ensino

primário, ela não acredita que reestruturar o ensino neste nível seja o único caminho para

superar o formalismo nos níveis médios, pois os problemas relacionados aos conteúdos e

métodos de ensino devem ser abordados na própria escola média. No entanto, ressalta que a

assimilação do conhecimento teórico tem uma grande importância na formação da

personalidade do adolescente, pois esta assimilação reestrutura os processos cognitivos, forma

o pensamento conceitual, a memória lógica, o pensamento categorial, dentre outros aspectos

que, juntos, modificam a percepção e a atitude do adolescente sobre a realidade que o rodeia.

Nesse sentido, Domínguez García (2003a) indica que, em decorrência da unidade do

cognitivo e do afetivo, o desenvolvimento insuficiente dos interesses cognitivos e do

pensamento conceitual teórico compromete a formação da personalidade do sujeito, uma vez

que tais processos estão diretamente relacionados à constituição da concepção de mundo, da

generalização de ideias, da autoconsciência e da identidade pessoal.

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6 DESENVOLVIMENTO AFETIVO-MOTIVACIONAL NA ADOLESCÊNCIA

Em capítulos anteriores, abordamos a constituição do adolescente, tendo em vista o

contexto Histórico-Cultural no qual ele está inserido. Destacamos os sistemas de comunicação

e de atividade de estudo, bem como o desenvolvimento cognitivo como processos em

profunda transformação, uma vez que, conforme assinalado, na adolescência ocorre um salto

qualitativo na situação social do desenvolvimento. No presente capítulo, abordaremos o

desenvolvimento afetivo-motivacional na adolescência, porquanto entendemos que o afeto

direciona o pensamento, ou seja, “a orientação afetiva apresenta a relação vital da pessoa

(corpo e mente) com seu meio, impedindo a transformação do pensamento numa sequência de

abstrações vazias e auto explicativas” (TOASSA, 2009, p. 265).

Tomando por base os estudos das emoções em Vigotski, Toassa (2009) afirma que

toda vivência, isto é, as experiências do mundo externas e internas do sujeito são carregadas

de afeto: “As emoções são funções psíquicas superiores, funções mentais cujas formas e

conexões biológicas, inferiores, são transformadas pela vida social e cultural” (TOASSA,

2009, p. 283). Assim, pode-se falar também em “vivências emocionais”, ou seja, aquelas em

que prevalece a emoção como função psíquica superior.

A importância de se cuidar das interações sociais estabelecidas nos vários contextos de

atividade humana remete-nos ao que Toassa (2009) assegura, ao referir-se à teoria de

Vigotski: “episódios emocionais prejudiciais à vida da consciência, para o autor, têm uma

história, funções criadas em interações sociais adoecidas, relações com a história da

personalidade como um todo (...)” (p. 300 e 301).

Assim, consideramos fundamental um olhar atencioso para o desenvolvimento afetivo-

motivacional na formação da personalidade do adolescente. Para tal, apresentaremos as

principais formações psicológicas afetivo-motivacionais desta etapa: a autoconsciência, a

identidade pessoal, o desenvolvimento moral e dos ideais, a formação da direção moral da

personalidade do adolescente e o desenvolvimento motivacional profissional. Esclarecemos

ao leitor que, tendo em vista a escassez de produções brasileiras na perspectiva Histórico-

Cultural sobre esta temática, deter-nos-emos, sobretudo, nas contribuições de Bozhovich

(2003), Domínguez García (2003a) e Dragunova (1980), que apresentam uma caracterização

psicológica da adolescência conforme estudos realizados no contexto Histórico-Cultural em

que viviam.

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As novas formações psicológicas produzidas na adolescência variam de acordo com

cada sociedade, cada cultura, cada época distinta. Nesse sentido, o texto que segue apresenta

aspectos gerais do desenvolvimento afetivo-motivacional na adolescência que devem ser lidos

a partir de uma perspectiva na qual, conforme assinala Bock (2007) a sociedade registra e

significa essa etapa de desenvolvimento, tendo em vista os contornos e exigências desta

sociedade, expressos nas relações dos adolescentes com os adultos.

A autoconsciência

A autoconsciência “consiste no surgimento de representações e ideias sobre os traços

da própria personalidade e de sua avaliação” (BOZHOVICH, 2003, p. 386). De acordo com

Bozhovich (2003), o surgimento de um novo nível de autoconsciência é uma nova formação

da adolescência que ocorre ao final deste período, após todas as mudanças que aconteceram

tanto na situação social do desenvolvimento do adolescente como nas particularidades de seu

psiquismo.

Diferentemente das concepções tradicionais sobre a adolescência, que postulam que no

período da maturação sexual se manifesta a capacidade de introspecção, de modo que as

crianças descobrem seu “eu”, para Bozhovich (2003a), a autoconsciência não surge, mas sim

se desenvolve e, na adolescência, adquire uma forma qualitativamente nova. Nesse sentido,

ela passa por várias transformações ao longo da vida da criança, começando com o reflexo de

estímulos elementares pelo cérebro, oriundos do próprio organismo e que despontam e se

desenvolvem quando a criança dirige sua atenção para si até o período da adolescência.

Ocorre uma mudança qualitativa na adolescência, período em que o adolescente adota

uma atitude nova para a realidade que o rodeia, assimila valores, normas e formas de conduta

do mundo adulto, constituindo o novo conteúdo da consciência e se transforma em exigências

para com a conduta de outra pessoa e de si mesmo, em critério de valoração e autovaloração.

Vale ressaltar que o modo e o conteúdo com que o adolescente produz as mudanças na

adolescência relacionam-se também à condição social em que ele se encontra. Nesse sentido,

as características que ele desenvolve “(...) não são tomadas aqui como naturais e sim,

constituídas no processo histórico e social” (BOCK, 2007).

Para Dragunova (1980), a necessidade do adolescente em conhecer suas

particularidades, o interesse por si mesmo, as meditações sobre si, conhecer os defeitos e

qualidades, tem o objetivo de responder às exigências que fazem às outras pessoas e a si

próprio. Ele recorre às análises de sua personalidade como um meio para organizar as inter-

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relações e a atividade, para alcançar os seus objetivos no presente e no porvir. Ademais, o

adolescente presta atenção aos seus defeitos e sente necessidade de eliminá-los, e esta atenção

especial aos defeitos se conserva durante toda a adolescência. Os seus cismares sobre si

mesmo têm um caráter intencional, se convertendo em processo interior, independente e

valorizado como algo necessário e novo, comparado ao período da primeira idade escolar.

Algo que o estimula a refletir sobre si mesmo é a necessidade de ocupar uma posição

de respeito no círculo de companheiros e a aspiração de encontrar aqueles afins e um amigo,

conforme assinalado em capítulo anterior sobre os sistemas de comunicação na adolescência.

É muito importante que um colega apareça como objeto de comparação consigo e como

modelo com o qual se observa a partir dele. Uma vez que o adulto é um modelo dificilmente

alcançável na prática, torna-se mais fácil comparar-se com um colega do que com um adulto e

tal processo é adequado, servindo para a tomada de consciência e valoração das próprias

particularidades, para a autoeducação (DRAGUNOVA, 1980).

Neste processo de olhar para si mesmo e se avaliar, ocorrem muitas inadequações, pois

ora o adolescente se supervaloriza, exagerando as qualidades positivas, ora ele se subestima.

Na relação com os outros, esta disparidade pode causar alguns conflitos quando, por exemplo,

o adolescente se sente injustamente julgado. De acordo com Bozhovich (2003), a necessidade

do adolescente em se conhecer relaciona-se, dentre outros aspectos, às exigências de

independência em seu trabalho escolar e na sua conduta, à vontade de encontrar um lugar no

coletivo de alunos e pelo interesse de uns por outros, que surge neste período, situações que,

somadas, impulsionam o adolescente ao conhecimento de si mesmo, à comparação com os

colegas e a avaliação das qualidades de sua personalidade. O adolescente, gradualmente, vai

distinguindo algumas qualidades de aspectos isolados da atividade, generalizando-as e

considerando-as, inicialmente, como características de sua conduta e, posteriormente, como

qualidades relativamente estáveis de sua personalidade (BOZHOVICH, 2003).

Para que todo o complexo processo de autoconsciência possa realizar-se, é necessário que a criança alcance determinado nível de experiência de vida e de desenvolvimento psíquico que lhe permita o conhecimento e a avaliação dessa complexa atividade que constitui a esfera psicológico-moral do homem. (BOZHOVICH, 2003, p. 387).

Neste sentido, o pensamento conceitual e a aparição de características de linguagem

mais elevadas adquirem grande importância. O estudo dos conceitos gramaticais propicia que

o adolescente faça da linguagem o seu próprio objeto de consciência, levando-o a tomar uma

atitude consciente e voluntária diante de si mesmo. Assim, ele se sente capaz de fazer do seu

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próprio pensamento, objeto de consciência. “Para distinguir uma determinada qualidade e

definir a atitude a tomar para si mesma, é necessário designá-la pela palavra e introduzi-la no

sistema dos conceitos psicológicos-morais” (BOZHOVICH, 2003, p. 388).

Bozhovich (2003) apresenta alguns dados de estudos, segundo os quais no processo de

formação da autoconsciência e da autovaloração nos adolescentes o primeiro objeto de

consciência são as qualidades da personalidade relacionadas com os vários tipos de atividade,

sobretudo a atividade escolar tais como aplicação, estabilidade no trabalho, amor pelo

conhecimento, o cumprimento de tarefas, dentre outros. O segundo objeto de consciência são

as qualidades da personalidade que caracterizam as relações dos escolares com as pessoas que

os cercam, tais como ser obstinado, ter desenvoltura, ser justo, dentre outras. Contudo, as

mudanças mais notáveis não são dadas pelas qualidades da personalidade do adolescente que

se convertem em objeto da consciência, mas sim pela medida em que se fazem independentes

em seus juízos e sabem diferenciar esta ou aquela qualidade em aspectos concretos de sua

conduta e atividade. Assim, seus juízos sobre si mesmos, gradualmente, deixam de ser

imitados dos adultos para serem elaborados com base no autoconhecimento.

Não obstante, “o conhecimento e a avaliação das próprias qualidades pressupõem o

conhecimento e a avaliação das qualidades de outra pessoa” (BOZHOVICH, 2003, p. 389), ou

seja, o conhecimento do outro antecede, servindo de apoio e origem ao conhecimento de si

mesmo. Além disso, “a avaliação que outras pessoas fazem dos resultados da conduta e a

atividade do adolescente, assim como a avaliação direta das qualidades de sua personalidade,

constituem outra fonte importante do desenvolvimento da autoconsciência” (BOZHOVICH,

2003, p. 389). Tal afirmação conduz-nos a ressaltar a importância da mediação de adultos e,

principalmente, de educadores na formação da personalidade do adolescente. No contexto

escolar, faz-nos pensar o quanto a conduta e a fala do professor dirigida ao estudante pode

impactar no desenvolvimento deste. Com base nisso, acreditamos que a organização de

projetos pedagógicos que trabalhem com as potencialidades dos alunos, a partir da implicação

destes na identificação de suas próprias qualidades e no desenvolvimento destas podem se

constituir em grandes propulsores na formação da autoconsciência e da autovaloração.

O olhar do outro e o seu posicionamento sobre o adolescente tem uma ampla

significação nesta etapa da vida, uma vez que, segundo Bozhovich (2003), a avaliação social

tem um duplo papel na formação da autoconsciência do adolescente: primeiro, ao compor o

critério de correlação entre sua conduta e as exigências dos que o cercam, tal avaliação

mostra-lhe o caráter de suas inter-relações com o meio social que o rodeia, o que determina

tanto o seu bem-estar emocional como sua conduta e atitude diante de si mesmo enquanto

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sujeito de conduta. Além disso, a avaliação social auxilia-o no processo de distinguir

determinada qualidade em tipos concretos de conduta e atividade e a fazer dela objeto de

consciência e avaliação. “A função da avaliação social na formação da autoconsciência do

escolar determina sua grande importância pedagógica” (BOZHOVICH, 2003, p. 390).

A avaliação dos adultos que convivem com o adolescente pode vir por parte da família,

da escola e de outros grupos sociais. Contudo, o modo como o adolescente se apropria de tais

avaliações depende muito de como elas são feitas e também da harmonia ou não entre elas.

Nesse sentido, a autora ressalta que a falta de concordância nos juízos de valores das pessoas

que circundam o adolescente podem desorientar e até limitar o processo de formação da sua

autoconsciência, embora também a ausência de unidade nesta avaliação possa conduzir o

adolescente a formar os seus próprios juízos, de modo independente dos adultos. Os estudos

apontam que é mais efetiva a avaliação dos resultados da atividade e da conduta do

adolescente do que a compreensão direta das qualidades da personalidade do adolescente, pois

a primeira provoca a necessidade de alcançar o resultado exigido, instigando a necessidade de

alcançar as qualidades da personalidade que garantam uma correspondência da conduta do

adolescente com as valorações dos adultos.

Bozhovich (2003, p. 391) destaca que “a formação da autoconsciência exerce uma

influência muito grande, tanto sobre a conduta do adolescente, como sobre toda uma série de

particularidades de sua personalidade”. A autora assinala o resultado de estudos feitos por

Dragunova e Sedov, que fizeram uma caracterização comparativa dos traços mais típicos dos

adolescentes que vivem em condições histórico-concretas diferentes e descobriram que, com

relação ao desenvolvimento da autoconsciência, há um interesse forte pelo mundo interno das

pessoas que os cercam e por ele mesmo, juntamente com a necessidade de não só

compreender as particularidades da personalidade dos outros e de suas próprias, como

também de considerá-las em seus sentimentos e valorar as suas possibilidades.

Ao contrário do comportamento observado em sujeitos de 11 anos, as pesquisas

apontaram um interesse maior pelo mundo interno a partir dos 12 anos de idade, sendo que

nesta faixa etária, eles têm interesse em discutir a respeito das qualidades morais, das

motivações e de outras particularidades da personalidade. Neste sentido, há uma necessidade

do adolescente em conhecer e valorar as qualidades da sua personalidade, o que cria nele uma

grande sensibilidade mediante a avaliação das pessoas que os cercam.

É comum observarmos, no contexto escolar, que os adolescentes demonstram grande

necessidade em manterem conversas íntimas, em dividir seus segredos, suas histórias. Esse

contato estreito com os companheiros tem uma razão subjetiva formativa. Segundo

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Dragunova (1980), quanto mais estreita a relação com os companheiros, mais ele conhece as

características destes. As qualidades ligadas à aparência e ao estudo já não são tão destacadas,

mas sim as qualidades ligadas às atitudes para os colegas. Também aumenta a frequência de

mencionarem particularidades do pensamento, dos sentimentos e da atitude para si mesmo e

para o futuro.

Os alunos tentam determinar com maior frequência do que os professores a atitude de

um colega para com seus companheiros e em geral para com os outros, sendo que a

quantidade de qualidades diferentes que mencionam é maior que a dos professores quando os

caracterizam. Assim, o adolescente é muito sensível às valorações, ao êxito e ao fracasso, e

tendem a evidenciar o que têm de melhor, para merecer aprovação, sobretudo de pessoas cuja

avaliação e atitude têm grande importância para ele. Em alguns, o medo de mostrar a sua

inabilidade ou falta de conhecimento origina a timidez (DRAGUNOVA, 1980).

Nesse sentido, “o adolescente percebe e vivencia os êxitos e os fracassos de sua

atividade de forma muito aguda. Não sendo capaz de compreender as causas do êxito ou do

fracasso, se inclina frequentemente, em um e outro caso, a atribuí-lo a suas qualidades

pessoais” (BOZHOVICH, 2003, p. 394). Para a autora, tal é a razão das reações inadequadas

do adolescente diante dos contratempos, das dificuldades e dos resultados dos seus atos.

Observa-se uma incapacidade do adolescente de valorar a conduta global do ser humano, o

que pode levar a ambivalências, próprias de suas vivências e de sua personalidade. Por isso,

os adolescentes apresentam uma tendência a um fetichismo de certas qualidades da

personalidade, tais como força e audácia, apresentando um entusiasmo externo por uma ação

ou proeza, independentemente do objetivo pelo qual tais ações são realizadas:

A incapacidade que os adolescentes têm de valorar a conduta do homem em geral, de por-se em seu lugar, de tomar em consideração e pesar todas as circunstâncias de sua conduta, os objetivos e motivos de seus atos, explica a particularidade própria dos adolescentes a julgar o homem de uma forma direta, transferindo a avaliação de uma qualidade qualquer a toda a personalidade. De todos é conhecido que, às vezes, é suficiente que uma pessoa realize um só ato honesto, ou, pelo contrário, que cometa um erro, para que ele determine, durante longo tempo, a atitude do adolescente para ele. Precisamente por isto é muito fácil e ao mesmo tempo muito difícil, conquistar a autoridade entre os adolescentes. (BOZHOVICH, 2003, p.35).

Outra característica importante do desenvolvimento da autoconsciência do adolescente

refere-se ao forte desejo de ficar só, de vez em quando, devido ao caráter deste

desenvolvimento: “[...] pela transformação da reflexão sobre si mesmo em uma atividade

interna individual e pela necessidade nova de compreender-se a si mesmo, suas impressões,

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sentimentos e vivências” (BOZHOVICH, 2003, p. 396). Assim, o desejo de estar só vincula-

se à vontade de criar boas condições para conhecer melhor sua atitude para si mesmo, para o

mundo e para os outros e não tem nada em comum com uma tendência à solidão, derivada do

egocentrismo e do individualismo, considerado algo próprio do adolescente, conforme aponta

a psicologia tradicional.

Ainda de acordo com Bozhovich (2003), um traço característico da adolescência é a

tendência à autoafirmação, mas tal traço apresenta dimensões muito díspares em pessoas

formadas em condições de vida e de educação diferentes. A tendência à autoafirmação trata-se

das particularidades da motivação, que impulsionam o adolescente em suas relações com

outras pessoas. O tipo de autoafirmação em que predominam o egocentrismo e o egoísmo,

vinculado à tendência individualista da personalidade, frequentemente, conduz a conflitos

entre o adolescente e as pessoas que o rodeiam, como, por exemplo, a tendência do

adolescente em destacar-se dos demais, de mandar nos companheiros, demonstrar

superioridade e até a prejudicar os colegas. Por outro lado, a autoafirmação pode estar

vinculada ao desejo do adolescente de conquistar a estima dos outros, de demonstrar sua

independência, sua capacidade de corresponder às exigências dos adultos. Tal tipo de

autoafirmação pode estar presente em adolescentes que apresentam tendência social em sua

personalidade.

Outra particularidade do desenvolvimento do adolescente apontada pela autora, no

tocante à caracterização psicológica de sua conduta e personalidade é, por um lado, certa

incompatibilidade entre as possibilidades já formadas do adolescente e suas aspirações e,

por outro, o caráter de sua posição objetiva. Tal situação marca toda a conduta do

adolescente, bem como suas inter-relações com os que o cercam, podendo conduzir à vontade

do adolescente em se esquivar das condições cotidianas, aspirar ao romântico, ao

extraordinário e ao secreto.

Ainda no que se refere à dimensão da autoconsciência do adolescente, ressalta-se a

autoeducação enquanto dimensão considerável da formação da personalidade. Um fator novo

e muito importante no desenvolvimento da personalidade do adolescente é que ele próprio se

converte em objeto de sua atividade e, por meio da autoeducação e da autoinstrução amplia as

possibilidades do seu próprio desenvolvimento e se prepara para o porvir (DRAGUNOVA,

1980).

Os adolescentes maiores já dominam suas reações afetivas e sua conduta, sendo que

muitos já sabem se conter e ocultar sua verdadeira atitude, opinião ou estado de ânimo, se

necessário. Geralmente, suas decisões não coincidem com os seus desejos, resultando no

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conflito mente-coração. Assim, a educação da vontade surge como objetivo prioritário: eles

buscam o avanço, fazem controle de suas conquistas e se amargam por não conseguir cumprir

os objetivos a que se propuseram (DRAGUNOVA, 1980).

A autoconsciência na adolescência “adquire um caráter generalizado, permitindo ao

adolescente uma maior objetividade em seus juízos, assim como na avaliação de suas próprias

qualidades e as de outras pessoas e influenciando de maneira decisiva no desenvolvimento da

identidade pessoal” [grifo da autora]. (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a, p. 466).

A identidade pessoal ou autovaloração

Vimos que a autoconsciência é uma formação psicológica qualitativamente nova da

adolescência, relacionada à compreensão do adolescente sobre si mesmo. A identidade

pessoal é outra formação peculiar da adolescência, diretamente articulada ao desenvolvimento

da autoconsciência. Segundo Domínguez García (2003a), o conceito de identidade pessoal,

conhecido também por autovaloração, autoconceito ou autoimagem, designa a formação

motivacional que permite ao sujeito ter um conceito de si mesmo, relativamente preciso e

generalizado. Tal conceito tem uma importância central na regulação do comportamento e é

elaborado no decorrer da vida, baseado nas necessidades principais da pessoa e nos motivos

da personalidade. Além disso, o conceito possui um sentido emocional e não apenas uma

intelectualização do sujeito sobre si mesmo.

Os elementos que interferem no desenvolvimento da identidade pessoal do adolescente

são as transformações da puberdade e a repercussão psicológica de tais mudanças, sobretudo

quanto à imagem corporal, às novas exigências referentes ao sistema de atividades e de

comunicação comuns deste período, ao desenvolvimento intelectual e às necessidades de

independência e de autoafirmação. (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a).

A autora cita as contribuições de I. S. Kon (1990) segundo o qual a identidade pessoal

resulta da inter-relação de um conjunto de componentes subjetivos, dentre os quais os

cognitivos (conhecimento de si mesmo e representação das qualidades e propriedades

pessoais), os emocionais (processo de valoração de suas qualidades e do amor-próprio a ela

relacionados) e os condutais (atitudes práticas sobre si mesmo). Neste processo de

constituição da identidade, a interiorização da qualidade de ser único e particular pode

conduzir o adolescente ao sentimento de solidão. Ademais, a percepção de que o tempo passa

e não volta o faz enfrentar o problema da finitude da existência, levando o adolescente a

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elaborar o conceito de morte. A representação da morte, por sua vez, provoca-lhe angústias e

o leva a começar a pensar sobre o sentido da vida.

Na adolescência, a identidade pessoal torna-se mais consciente e generalizada, mas o

adolescente ainda não é capaz de se analisar adequadamente, muitas vezes, ressaltando

qualidades abstratas, sem vínculo adequado com o seu comportamento diário. Ainda,

Domínguez García (2003a) assinala que, para o adolescente, a representação de si mesmo

ainda é inexata e instável, pois depende de critérios externos como o valor que lhe atribuem os

companheiros, os pais e os professores. Nestas relações, o adolescente pode tanto

sobrevalorizar-se ou considerar que as outras pessoas não o valorizam adequadamente, seja

por desconhecê-lo ou por subvalorizarem as suas questões. Além disso, há uma tendência dos

adolescentes a uma avaliação estereotipada dos outros e de si mesmo:

Um êxito ou fracasso em determinado contexto o leva de forma bastante imediata a elevar sua autoestima exageradamente ou a insegurança, timidez, etc. Também, e em consonância com esta característica da idade, costumam classificar ou etiquetar uma pessoa a partir de um ato ou qualidade isolada, o que explica em ocasiões a crueldade que manifestam, sobretudo, nas relações com seus iguais. (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a, p. 333).

A importância atribuída à imagem corporal e às qualidades vinculadas às relações

interpessoais para a autoestima e a identidade pessoal é marcante, pois

na adolescência se integram as funções subjetivo-valorativa e reguladora da identidade pessoal, ainda que na juventude, além de continuar unidas estas duas funções, a função reguladora adquire a condição de autoeducativa, orientando o comportamento do jovem em sua projeção presente e futura (DOMÍNGUEZ GARCIA, 2003a, p. 333).

Segundo Bozhovich (2003, p. 398), a avaliação positiva cria na pessoa em

desenvolvimento a vivência de bem-estar emocional, o que é uma condição para a formação

da personalidade saudável. Concomitantemente, baseando-se nesta avaliação e considerando

os resultados das próprias atividades realizadas, forma-se nos adolescentes uma identidade

pessoal que, aos poucos, no final da adolescência, começa a adquirir para eles igual ou maior

importância do que a avaliação dos que os circundam. Assim, a adolescência é o período

ótimo do desenvolvimento da identidade pessoal e, assim, reforça-se a importância e o papel

da identidade pessoal na formação da personalidade do sujeito.

Destacamos que a formação da identidade pessoal do adolescente está diretamente

relacionada ao processo de ensino-aprendizagem e, particularmente, à relação entre alunos e

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professores, pois o sentimento de ser adequado ou não causa grande impacto no envolvimento

do estudante no processo ensino-aprendizagem. Bozhovich (2003) explica que o adolescente

apresenta um nível de aspiração para determinadas realizações que se determina por uma

autovaloração estável e pela necessidade de sua conservação. Mas as situações nas quais ele

se sente fracassado exige-lhe a diminuição desta autovaloração. Nestas condições, geralmente,

os adolescentes utilizam a autodefesa e podem eliminar o fracasso recebido, ou seja, não o

deixam chegar à consciência, explicando o seu fracasso por qualquer outra causa alheia a eles.

Assim, são criados os sentimentos de inadequação, a conduta inadequada, a impermeabilidade

ante a experiência e, consequentemente, às influências pedagógicas daqueles que os

circundam.

[...] o desenvolvimento intensivo da identidade pessoal, o nível de aspiração, a presença da tendência à autoafirmação, tudo isso são componentes que originam o conflito afetivo, o efeito de inadequação [...]. A importância e o papel da identidade pessoal na adolescência se reafirmam também por outro fator: pelo fato de que as vivências afetivas agudas influem de modo decisivo na formação do caráter. (BOZHOVICH, 2003, p. 401).

Bozhovich (2003) postula que o surgimento de uma identidade pessoal estável, assim

como de ideais estáveis, nos quais as aspirações dos escolares possam se concretizar, no

tocante à esfera moral e às qualidades de sua personalidade, constituem fatores

importantíssimos de seu desenvolvimento ao final da adolescência, o que significa que cresce

ainda mais neste período a importância dos fatores internos do desenvolvimento que

determinam um novo tipo de inter-relação entre o adolescente e o meio, no qual o adolescente

se faz cada vez mais autônomo a partir da sua autoeducação e do seu autoaperfeiçoamento.

O desenvolvimento moral e dos ideais

À medida que a autoconsciência e a identidade pessoal se desenvolvem, surge também “um conjunto de pontos de vista, juízos e opiniões próprios de caráter moral, que participam

na regulação do comportamento do adolescente, com relativa independência das influências

situacionais” (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a, p. 465), caracterizando o desenvolvimento

moral na adolescência. Contudo, suas posições morais ainda dependem bastante das

exigências morais de seu grupo de companheiros e não se alcançou o nível superior de

autorregulação, pois o adolescente ainda não formou a sua concepção moral de mundo, que só

será consolidada na juventude (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a; BOZHOVICH, 2003).

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Domínguez García (2003a) aponta que há diferenças entre a regulação moral na idade

da juventude e a da adolescência, uma vez que o adolescente ainda não apresenta a concepção

de mundo, uma neoformação específica da juventude que representa a generalização da

realidade em seu conjunto, suas leis e as exigências do meio social em que o jovem vive. Ela

serve como sustentação para a elaboração do sentido da existência, expresso na atividade do

sujeito. O desenvolvimento desta neoformação varia de jovem para jovem e a implicação de

adolescentes na solução de problemas que tenham alto significado social leva ao

desenvolvimento de valores, à responsabilidade e ao compromisso pessoal com o seu meio

social:

A vinculação às atividades de conteúdo social permite projetar o futuro, a partir dos resultados de suas ações presentes, sempre e quando estas atividades não se realizem de maneira formal, porque realizar-se assim, conduz à imaturidade, à falta de implicação e ao formalismo moral. (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a).

Domínguez García (2003a) cita uma investigação realizada em Cuba22, na qual se

buscou compreender o processo de autorregulação moral em diferentes idades, analisando o

papel de componentes cognitivos, afetivos e autovalorativos no comportamento honesto. Os

resultados da pesquisa indicaram que ainda que apareça uma necessidade interna de

comportar-se moralmente, é a necessidade de aprovação social que leva ao comportamento

honesto dos adolescentes.

Nesse sentido, mesmo que as questões relacionadas a regras e normas vinculadas às

relações interpessoais e à conduta social sejam importantes e façam parte das reflexões do

adolescente, os pontos de vista, os juízos de valor e as opiniões de caráter moral têm uma

estabilidade relativa e certa independência de opiniões externas, mas ainda não se

converteram em convicção, pois podem ser modificadas em determinados contextos,

sobretudo influenciados pelas opiniões dos colegas (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a).

Segundo Bozhovich (2003), na adolescência não ocorre nenhum salto qualitativo com

relação ao aspecto moral da personalidade, embora sentimentos e representações morais se

ampliem, aprofundem e enriqueçam significativamente. Contudo, surgem duas

particularidades na esfera moral neste período: em primeiro lugar, as questões vinculadas às

regras, normas de conduta social e normas das relações interpessoais ocupam o centro da

22 A referida pesquisa foi feita por Otmara González. Fonte: GONZÁLEZ, O.; MARTÍNEZ, G. (Compiladoras). Selección de lecturas de desarrollo moral. Facultad de Psicología,Universidad de La Habana, 1987.

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atenção do adolescente e, em segundo, os pontos de vista, os juízos e as opiniões morais

começam a se formar com relativa estabilidade e independência de influências situacionais.

Caso as exigências e valorações morais do coletivo, fruto da experiência dos

adolescentes com seus pares, não coincidam com as dos adultos, os adolescentes atuam de

acordo com a moral adotada em seu meio. Deste modo, surge na adolescência um sistema de

normas e exigências próprias que são defendidas com firmeza e até mesmo sem medo de

represálias dos adultos, embora a moral do adolescente não seja suficientemente estável, o que

facilita a sua modificação, sob a influência da opinião social dos companheiros

(BOZHOVICH, 2003).

Os estudos analisados por Bozhovich indicam que “a adolescência representa o

período em que surgem nas crianças convicções com relação à aceitação ou não aceitação de

determinadas formas de conduta” (BOZHOVICH, 2003, p.369), sendo que a assimilação das

normas morais ocorre como resultado de três processos: pelo desejo de conquistar a estima ou

evitar a reprovação; pela vontade de se identificar com o modelo aceito e, por fim; pelo desejo

de coincidir com seus próprios valores, que já se assimilam do meio que os cercam e se

convertem em valores internos. Estes últimos fatores criam grande estabilidade na conduta

moral dos adolescentes.

Bozhovich (2003) cita um estudo no qual foram investigadas as convicções morais e

seu papel na conduta de adolescentes. Percebeu-se que na maioria dos adolescentes há um

entusiasmo pela proeza de outras pessoas, bem como um interesse pelos problemas morais

relacionados aos atos humanos e pelas formas elevadas de conduta. Em alunos das séries

finais do ensino fundamental, percebeu-se que grande parte manifestava altas qualidades

morais, ainda que frequentemente apresentasse conduta indisciplinada no cotidiano,

cumprisse mal as tarefas e não se submetesse às exigências dos adultos.

A análise desse paradoxo revelou que os adolescentes não sabem correlacionar as mais

elevadas aspirações com as exigências da conduta cotidiana, não percebendo, portanto, que

uma má conduta em sala pode estar relacionada às elevadas exigências morais que

reconhecem e estimam; que o fato de não prepararem adequadamente as lições demonstra

debilidade na conduta volitiva ou que o alvoroço e as brigas no recreio mostram a falta do

autodomínio que querem alcançar. Ademais, ao se mostrar aos adolescentes do estudo o

sentido moral dos seus atos cotidianos, eles mudaram totalmente a conduta.

Assim, o interesse especial dos adolescentes pelos problemas morais vinculados à

conduta e a atividade das pessoas e o desenvolvimento dos sentimentos morais que antecedem

o desenvolvimento da consciência moral são os traços específicos do desenvolvimento moral

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dos adolescentes demonstrados nas investigações de A. L. Maliovanov (BOZHOVICH, 2003,

p. 370).

Bozhovich (2003) cita outro estudo sobre o processo de formação de atitudes

adequadas mediante o estudo, conduta disciplinada de hábitos higiênicos e de atitudes

responsáveis face às obrigações dos adolescentes. Foi demonstrado que a organização da

opinião social, baseada em uma atividade conjunta e direcionada para o alcance de um

objetivo importante para todos os integrantes de um determinado coletivo de adolescentes é

uma das condições mais importantes para que estes assimilem as exigências, as regras e as

condutas propostas, ainda que tal condição não seja suficiente para a manutenção de tais

atitudes.

Também, ficou demonstrada a importância do coletivo da sala de aula, de sua opinião

social e da valoração que faz de cada um dos seus membros para a formação do aspecto moral

da personalidade da criança e das formas morais de sua conduta. A autora acrescenta que o

ideal psicológico moral, ou seja, as qualidades morais das pessoas, as normas de conduta, suas

inter-relações e atos morais, conformam um modelo de grande significação emocional e

interiormente aceito para o adolescente, que é convertido em regulador de sua conduta e no

critério para avaliar a conduta dos outros (BOZHOVICH, 2003).

Domínguez García (2003a) afirma que os ideais, ou seja, a tendência do sujeito de

projetar-se ao futuro, ter objetivos, planos e intenções, se transformam em padrão de evolução

do próprio comportamento e o dos outros e, ao longo da adolescência, deixam de ser um

modelo particular e passam a ser modelos generalizados. Embora os ideais morais comecem a

ser representados na adolescência por modelos abstratos nos quais se ressaltam qualidades

morais elevadas, de difícil imitação para o adolescente, na juventude os ideais vão se

generalizando e o sujeito se torna centro do seu próprio ideal, por meio de um processo que se

articula à elaboração de projetos futuros e do sentido da vida do sujeito (DOMÍNGUEZ

GARCÍA, 2003a).

O surgimento dos ideais morais positivos na adolescência é uma condição necessária e

decisiva para a educação do adolescente, enquanto que “a imposição de ideais alheios a ele

cria obstáculos à educação, uma vez que as exigências dos adultos não serão aceitas pelos

adolescentes, enquanto elas estiverem isoladas de suas próprias exigências e dos ideais a que

aspiram” (BOZHOVICH, 2003, p. 372).

A estrutura interna dos ideais concretos varia muito no decorrer da pré-adolescência a

adolescência, conforme pesquisa que investigou os ideais nos alunos adolescentes

(BOZHOVICH, 2003). Para alunos do quarto ano, a pessoa que representa um ideal para a

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criança é percebida apenas dentro de determinada situação na qual ela atua, constituindo um

modelo situacional, aceito em sua totalidade, perfazendo um modelo mais emocional que

racional. Além disso, tal modelo é instável, modificando-se facilmente conforme a influência

que recebem de livros, filmes e encontros casuais, mas o caráter global do modelo ideal vai

desaparecendo, aos poucos, dando lugar ao aparecimento de traços isolados, o que exige um

grau cada vez maior de abstração. Gradualmente, os traços concretos de pessoas escolhidas

como ideal vão cedendo lugar às suas qualidades. No quinto ano, juntamente ao seguimento

de um modelo, surge a vontade de se autoeducar, ou seja, formar em si mesmo as qualidades

consideradas ideais por ele e no sexto ano os traços ideais sempre se referem a uma

determinada pessoa.

Esse tipo de estrutura dos ideais, unido ao fato de que por seu conteúdo os mesmos representam pessoas que atuam em circunstâncias especiais, heroicas, dificulta aos adolescentes segui-las em tudo. Os adolescentes não sabem encontrar em sua vida cotidiana as formas concretas de manifestação das qualidades de seu ideal, já que não podem separar as mesmas dos atos concretos. Por isso, com frequência imitam a seu herói em uma situação imaginária, por meio do jogo. (BOZHOVICH, 2003, p. 374).

No sétimo ano, já se manifesta certa imagem sintética abstrata e, nos anos posteriores,

os alunos já elegem seu ideal muito conscientemente e com responsabilidade, a partir dos

quais organizam ativamente sua conduta, buscando os modelos para imitá-los, comparando

sua própria conduta com o modelo elegido e valorando os atos das pessoas a partir de seus

ideais. “Pouco a pouco o ideal moral se converte no critério do qual se vale o adolescente, de

forma consciente, para valorar tanto sua própria personalidade como a dos demais”

(BOZHOVICH, 2003, p. 375).

A formação da direção moral da personalidade do adolescente

Bozhovich (2003) estabelece a existência de uma formação da direção moral da

personalidade do adolescente. De acordo com a autora, a formação de uma direção coletivista

da personalidade do adolescente resultaria de uma adequada organização da sua vida num

coletivo escolar. “A direção da personalidade é resultado da presença no homem de

determinada estrutura de sua esfera motivacional” (BOZHOVICH, 2003, p. 376). Neste

sentido, alguns motivos subordinam outros e a presença estável dos motivos dominantes da

conduta e da atividade direcionam a personalidade nas mais diferentes idades.

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O que caracteriza moralmente a personalidade é a sua direção, considerada do ponto

de vista da atitude da pessoa para si mesma e para a sociedade, ou seja, “[...] a direção social

da personalidade caracteriza toda a esfera de suas necessidades e aspirações, o sistema de sua

atitude ante a realidade, para as outras pessoas e para si mesmo” (BOZHOVICH, 2003, p.

378). Assim, a direção pode ocorrer em vários sentidos: voltada para os interesses pessoais,

para a autoafirmação ou para os interesses de outras pessoas ou mesmo apresentar uma

direção para a coletividade. Os estudos analisados pela autora indicam que na adolescência a

maioria dos alunos apresenta uma preponderância estável tanto do motivo pessoal como do

social. Ainda, os estudos apontam para um predomínio de motivos pessoais, por meio de uma

tendência à autoafirmação.

Contudo, ao comparar com outros estudos feitos com estudantes, e que indicaram uma

tendência social dos mesmos em detrimento de uma tendência pessoal da direção da

moralidade, Bozhovich (2003) concluiu que as escolas não fizeram um trabalho educativo

adequado com os alunos, havendo uma falha na orientação para a coletividade que resultou no

favorecimento da formação de uma tendência personalista nos adolescentes. A autora ressalta

que o princípio da educação voltada para o coletivo é aceito entre os pedagogos soviéticos e

que, mais do que um princípio, expressa um enfoque pedagógico.

É preciso problematizar a que tipo de coletivo estamos nos reportando, a fim de

compreendermos o lugar de onde Bozhovich fala e contextualizarmos a nossa realidade social.

A autora se remete à organização pedagógica da escola soviética, voltada para o coletivo, que

tem como base o socialismo ou o comunismo. Contudo, ela admite que mesmo entre os

psicólogos ou pedagogos soviéticos não existe uma compreensão profunda do papel do

coletivo na formação integral da personalidade da criança. Neste sentido, “a subestimação

teórica do papel do coletivo na prática do trabalho educativo conduz, evidentemente, à

formação nos adolescentes e, sobretudo “nos dirigentes” do coletivo infantil, de uma tendência

individualista da personalidade” (BOZHOVICH, 2003, p. 382).

Bozhovich (2003) faz uma importante distinção entre o que considera um coletivo e o

que considera um agrupamento de estudantes, indicando que há uma interpretação errônea de

alguns professores e educadores que consideram o coletivo como o conjunto de alunos em

uma sala de aula. Esclarece que os adolescentes devem estar unidos por uma atividade

socialmente importante e atrativa para cada um dos seus membros. Mas o que seria uma

atividade socialmente importante? Esta pergunta requer uma compreensão sobre a

abrangência dos componentes ideológicos que constituem a realidade social. O que torna uma

atividade socialmente importante e atrativa, no contexto em que vivemos?

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No caso da sociedade brasileira, a instituição pública escolar tem sido desvalorizada,

dentre outros fatores, pelo escasso investimento governamental neste segmento. Segundo

Guzzo e Euzébios Filho (2005), ao passo que as instituições escolares tem se constituído em

espaços estratégicos de convivência social para a reprodução da dinâmica capitalista de nossa

sociedade, a educação tem assumido uma função central na manutenção da alienação e da

divisão social do trabalho.

Tal situação obedece à lógica do neoliberalismo, caracterizada, dentre outros aspectos,

pelo enfraquecimento dos investimentos públicos, em detrimento dos privados. No campo

educacional, esta lógica se manifesta no processo de mercantilização do ensino, cuja origem

reside na desvalorização do sistema público e na destinação de verbas do Estado para projetos

de caráter privatista. Esta dinâmica é percebida na precarização das escolas públicas, as quais

são frequentadas pela maioria da população e no fortalecimento do sistema de ensino privado,

contribuindo para o aprofundamento da desigualdade social.

Consequentemente, o trabalho do professor não tem sido referendado como uma

atividade significativamente importante, o que, a nosso ver, compromete também a formação

de interesses cognitivos dos estudantes pela atividade escolar. Neste sentido, maior é o desafio

de se desenvolver uma direção moral coletivista, no sentido de se formar nos alunos atitudes

colaborativas com conteúdo ético-político, que considerem as necessidades de todos, em

busca de um bem comum, considerando que vivemos num sistema de organização social

capitalista cuja orientação ideológica é mais individualista que coletivista (DUARTE, 2004).

Contudo, a atividade coletiva é base para o surgimento da opinião social e, de acordo

com Bozhovich (2003, p. 383), somente o trabalho em comum propicia condições para o

surgimento das regras de conduta, tendo como regra básica a observação dos interesses do

coletivo. Mais importante ainda é que cada adolescente aceite as exigências do coletivo e as

valorações como suas, uma vez que ele tenha contribuído na sua construção. Sobre este

aspecto, a educação para uma orientação moral coletiva não se realiza mediante pressão, mas

pela autoeducação. Neste processo,

[...] cada adolescente não só é “objeto” da influência pedagógica, senão também seu “sujeito”. Ademais, é importante que as tarefas do coletivo não sejam casuais, mas que constituam um eixo de uma cadeia única na solução de problemas cada vez mais complexos e atrativos. Então, o coletivo de alunos vive uma vida ativa e emocionalmente intensa, em cujo processo se formam suas relações mútuas, a tendência coletivista de sua personalidade e os correspondentes traços de seu caráter. (BOZHOVICH, 2003, p. 383).

A autora menciona que a escola de Makarenko propôs um complexo sistema de

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“dependência responsável”, ou “destacamento” no qual uma mesma criança atuava, de forma

temporária, como dirigente e, ao mesmo tempo, como subordinada. “[...] Isto constitui

também uma das condições mais importantes para a correta formação da tendência social da

personalidade e das qualidades psicológicas morais em todos os membros de um coletivo

infantil” (BOZHOVICH, 2003, p. 384). Além das experiências relatadas, Domínguez García

(2003a) aponta que as situações de conflito podem constituir-se em importantes espaços para

se conhecer a orientação moral da personalidade do adolescente e podem, consequentemente,

se constituir em espaços formadores da experiência moral.

O desenvolvimento motivacional profissional

De maneira geral, a temática da profissionalização não é questão central na

adolescência 23 . Contudo, nesse período da vida surgem, como tendência, os interesses

profissionais, baseados nos interesses cognitivos. Tais interesses não são estáveis como na

juventude, etapa em que os interesses profissionais se consolidam e podem converter-se em

intenções. A escolha por uma área profissional ainda não consiste num problema essencial nas

reflexões do adolescente, e sim na etapa da juventude. Para o adolescente, tal questão está

associada ao prestígio social das profissões ou ao vínculo delas com suas matérias preferidas.

Domínguez García (2003a) aponta que a formação psicológica denominada motivação

profissional, conhecida por interesses profissionais, ainda é incipiente na adolescência, pois

eleger a futura profissão ainda não se configura num problema para o adolescente. Não

obstante, os interesses cognitivos do adolescente despertam o desenvolvimento dos interesses

profissionais.

A autora assinala que os estudos dos problemas vinculados à motivação profissional

ainda sofrem limitações teóricas e metodológicas, mas todas as investigações indicam as

limitações do desenvolvimento da motivação profissional nos estudantes, o que levanta

questionamentos sobre quais fatores podem estar relacionados a tal fato e o problema da “educabilidade” da motivação profissional como formação da personalidade.

Os fatores relacionados às limitações do desenvolvimento da motivação profissional

englobam a informação limitada dos jovens quanto às várias profissões e o desenvolvimento

23

Vale ressaltar que o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2002) prevê que ao adolescente é resguardado o direito de estudar e a legislação brasileira garante ao adolescente a possibilidade de trabalhar, porém, na posição de aprendiz. Nesse sentido, dos 14 aos 16 anos o adolescente poderá ingressar no mercado de trabalho, mas como meio de aprendizagem e terá o direito de associar a sua atividade formativa profissional ao ensino regular. Para tal, terá direito de trabalhar em horário especial e com carga de trabalho reduzida.

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insuficiente da sua personalidade para adaptar-se às exigências profissionais e traçar

estratégias definidas para alcançar os objetivos neste campo. Outro fator importante é a

desarticulação entre os interesses profissionais do jovem e as necessidades da sociedade. Por

fim, a autora considera que a motivação profissional é educável, sendo determinantes as

influências da família, da escola e da sociedade em geral no processo de formação e

desenvolvimento do sujeito (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a).

Acreditamos que, mesmo que o adolescente não tenha que escolher uma profissão

imediatamente, possa se beneficiar com projetos de orientação profissional que lhe possibilite

reflexões sobre o mundo do trabalho, as influências sociais nas escolhas das profissões, o

autoconhecimento como caminho para a futura escolha profissional, elaboração de projeto de

vida (BOCK, 2006), dentre outras temáticas que colaborem para a ampliação da sua

concepção de mundo e podem contribuir positivamente para o desenvolvimento da motivação

profissional do adolescente.

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7 O PAPEL DO ENSINO NO DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE NA ADOLESCÊNCIA

Em capítulos anteriores, à medida que tratávamos sobre as características psicológicas

do adolescente, pontuamos alguns aspectos educacionais que interferem no desenvolvimento

da personalidade. Contudo, este capítulo apresenta uma discussão mais concentrada sobre o

papel do ensino no desenvolvimento da personalidade na adolescência e algumas das

possíveis contribuições do professor neste processo, a partir do pressuposto vigotskiano

segundo o qual o bom ensino é base do desenvolvimento. Neste sentido, as implicações

educacionais de suas concepções sobre o desenvolvimento em sua interação com a

aprendizagem incidem sobre uma proposta na qual o desenvolvimento deve ser analisado

considerando-se que os indivíduos apresentam dois níveis de desenvolvimento: o real e o

potencial. O primeiro se refere ao que o sujeito consegue realizar de forma independente, ou

seja, às suas conquistas já realizadas, enquanto que o segundo se refere àquele

desenvolvimento em vias de ser atingido, com a ajuda de terceiros, ou seja, de outros

elementos do seu grupo social, sobretudo o professor.

A distância psicológica existente entre o que o sujeito é capaz de realizar sozinho

(nível de desenvolvimento real) e o que ele realiza com a ajuda de terceiros (nível de

desenvolvimento potencial) consiste na zona de desenvolvimento próximo. Assim, a partir de

situações mediadas, de aprendizagem, cria-se a zona de desenvolvimento próximo, pois em

contato com outras pessoas, por meio de relações de ensino, o sujeito movimenta seus

processos de desenvolvimento sobre a base do aprendizado.

O Enfoque Histórico-Cultural enfatiza a necessidade de o desenvolvimento ser guiado

pela educação, isto é, que haja uma sistematização da educação de forma que esta conduza ao

desenvolvimento por meio de ações que exerçam influência sobre este. Contudo, Venguer

(1975) assinala que, embora o ensino se adiante e conduza o desenvolvimento, o ensino deve

considerar, necessariamente, as próprias leis de desenvolvimento.

Sob este enfoque, o autor faz referência à concepção vigotskiana sobre os períodos

sensíveis, segundo a qual há certos períodos do desenvolvimento da criança que são

especialmente sensíveis para a assimilação de certos tipos de aprendizagem e, nesses

períodos, o ensino pode exercer um maior efeito sobre o desenvolvimento. O autor aponta que

Vigotski relacionava a existência dos períodos sensíveis à maturação das funções psíquicas,

uma vez que quando uma nova função psíquica começa a se constituir, as crianças são mais

sensíveis às formas de ensino em que essas funções psíquicas se baseiam.

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De acordo com Vigotski (1995, p. 153), a atividade mediadora é a base das formas

culturais de comportamento. Conduzindo a prática pedagógica, o professor tem papel

destacado nesta atividade, sendo que “[...] os educadores, de uma forma geral, precisam estar

atentos às peculiaridades do desenvolvimento psíquico em diferentes etapas evolutivas, para

que possam estabelecer estratégias que favoreçam a apropriação do conhecimento científico” (FACCI, 2004, p.78).

Kostiuk (1991) ressalta que é necessário que o professor tenha clareza de como o

ensino influi sobre o desenvolvimento dos alunos, e que se estudem maneiras de valorizar a

eficácia dos diversos métodos de ensino no desenvolvimento integral dos sujeitos. Sobre este

aspecto, Neimark (1975) considera que a personalidade é o produto do desenvolvimento da

psique em condições sociais e, sendo assim, o processo educacional incide sobre a direção e a

formação da personalidade. Assim,

A direção da personalidade exige, deste modo, além do conhecimento da natureza psicológica da personalidade, o conhecimento dos objetivos da educação claramente planejados para cada período por idade, uma clara ideia dos métodos de educação e dos critérios de nível de educação, sem os quais é impossível o controle do processo de educação. (NEIMARK, 1975, p. 162).

A autora aponta que os objetivos e métodos educacionais dependem da compreensão

da personalidade e dos caminhos de sua formação. Nesse sentido, qualquer método somente

terá êxito se estiver apoiado nas necessidades desenvolvimentais do estudante. Contudo,

destaca que a própria esfera motivacional e de necessidades também se desenvolve e se forma

no processo educacional, o que expressa a relação dialética entre ensino e desenvolvimento.

Embora “as qualidades da personalidade e a esfera moral do homem se formem no

processo de assimilação dos modelos existentes numa dada sociedade” (BOZHOVICH, 1976, p. 364), a assimilação de tais modelos não conduz, em todos os casos, ao desenvolvimento

psíquico da criança ou adolescente. Algumas vezes, tal assimilação24 permanece no sujeito

apenas como um conhecimento, uma habilidade ou hábito, sem influenciar na sua conduta

nem em sua caracterização psicológica moral. Desse modo, não há coincidência em todos os

casos entre a assimilação e o desenvolvimento, o que faz a autora problematizar sob que

condições a assimilação conduz ao desenvolvimento.

24

Compreendemos que a terminologia “assimilação”, utilizada pela autora, diz respeito à apropriação de elementos culturais, o que envolve, dentre outras práticas sociais, o conhecimento escolar, as condutas, os costumes, dentre outros aspectos constituídos histórico-culturalmente. Tal apropriação é ativa, uma vez que a subjetividade elege e transforma aspectos que fazem sentido na história do sujeito, na formação da sua personalidade. Tal princípio diz respeito, sobremaneira, à função do ensino no desenvolvimento.

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Ao tratarem das relações entre educação e desenvolvimento da personalidade,

González Rey e Mitjáns Martínez (1989) estabelecem uma distinção entre o processo ensino-

aprendizagem25 e educação e apontam que, muitas vezes, tais processos são confundidos.

Assim:

No processo de educação, junto ao aperfeiçoamento de planos e programas, dos recursos pedagógicos de professores para realizar suas aulas, do conhecimento das próprias operações que o conhecimento exige, de outros elementos do processo mesmo do compartilhamento do conhecimento e da aprendizagem deste pelas crianças, é necessário desenvolver as vias para o desenvolvimento da personalidade do estudante, estimular sua iniciativa, sua persistência, sua capacidade de discussão, sua segurança em si mesmo e outros muitos elementos psicológicos da personalidade, que terão um significado essencial na forma em que o aluno utiliza seus conhecimentos. (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 1989, p.103).

Os autores afirmam que “o processo de educação necessita de uma inter-relação

permanente entre a assimilação de conhecimento e o desenvolvimento da personalidade do

aluno; ambos os elementos constituem uma unidade indissolúvel” (GONZÁLEZ REY;

MITJÁNS MARTÍNEZ, 1989, p. 103). Neste sentido, os alunos não se apropriam do

conhecimento por meio de mecanismos padronizados de assimilação ou por sequências de

operações generalizadas, uma vez que o aluno deve individualizar os conhecimentos que

recebe e, desse modo, desenvolver a sua capacidade para utilizá-los de forma generalizada nas

várias situações da vida. Logo, a informação que o sujeito individualiza ao longo da vida

escolar “constitui a base do sistema de operações que definem a constituição de suas próprias

capacidades, e tem um importante papel nas operações que desenvolve como personalidade” (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 1989, p. 104).

Na medida em que a criança desenvolve interesses, que se sente bem em seu coletivo escolar, que respeita seus professores e os admira, que desenvolve um sistema de comunicação adequado na escola, estará em melhores condições para individualizar os conhecimentos que recebe e experimentar um desenvolvimento consistente em toda sua individualidade. (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 1989, p. 104).

González Rey e Mitjáns Martínez (1989) apontam que o desenvolvimento de alguns

aspectos da personalidade, tais como os interesses, a flexibilidade, a capacidade de reflexão e

de estruturação do campo da ação, garantem uma orientação ativa-transformadora do

25

Em espanhol, a palavra “enseñanza” abarca uma concepção mais ampla que a palavra “ensino”, na Língua Portuguesa. Assim, em nossa tradução, traduzimos a palavra “enseñanza” por “processo ensino-aprendizagem”.

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educando para o conhecimento, tornando-o sujeito do processo de aprendizagem. O estudante

com tal orientação é capaz de se implicar no processo ensino-aprendizagem que, por sua vez,

converte-se numa via de desenvolvimento de suas potencialidades.

Por outro lado, os alunos que não desenvolvem tais características de personalidade e

que, pelo contrário, apresentam aspectos como a rigidez, a falta de interesses, a pobreza de

reflexão e a insegurança se conduzem por uma orientação passivo-descritiva.

Consequentemente, tais alunos se implicam de forma insatisfatória no processo ensino-

aprendizagem, pois trabalham com as informações apenas para cumprir com as exigências

que, para eles são externas, de modo que o ensino perde o seu valor educativo e não apresenta

nenhuma significação para o desenvolvimento da personalidade.

Os autores assinalam que as reflexões, as ideias, as dúvidas e as vivências produzidas

na atividade de estudo, durante a assimilação de conhecimentos, são elementos fundamentais

para que o professor conduza o processo de individualização do conhecimento. Muitas vezes,

tais elementos não são cultivados nem estimulados pelo professor no processo ensino-

aprendizagem. Deste modo, se incita a “condição passivo-reprodutivista”, ou seja, a

capacidade do educando para reproduzir a informação, sem sentido educativo para si. Este

modo de compreender o processo ensino-aprendizagem resulta na dicotomização da educação

e do processo ensino-aprendizagem, de modo que o último fica reduzido a memorizar e

reproduzir, e não a pensar.

Assim, a formação de estudantes ativos, criativos e audazes requer que “o processo

educativo contemple espaços para a individualização do conhecimento, para a formulação de

perguntas, problemas, questionamentos” (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 1989,

p. 108). Sob esse enfoque, os autores apontam que “o erro é um momento necessário da

aprendizagem e do desenvolvimento da personalidade; saber utilizar o mesmo como fonte de

estímulo e de desenvolvimento é um importante elemento do processo educativo” (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 1989, p. 108). Inclusive, a compreensão do erro

como momento necessário na aprendizagem, e não como vergonha, é um elemento que

contribui para o desenvolvimento de qualidades como a persistência, a segurança e a

autocrítica, incidindo no desenvolvimento da esfera moral.

Um processo ensino-aprendizagem adequadamente desenvolvido é essencial para a

educação da personalidade, uma vez que nele, além de obter conhecimentos, o aluno

desenvolve interesses, aprende a se expressar, a defender seus critérios, a formar suas

convicções, a propor questionamentos mediante a realidade, a educar sua persistência, sua

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autocrítica, dentre outras particularidades centrais para o desenvolvimento da personalidade.

Assim, é essencial o papel criativo e ativo do professor,

orientado a adequar o material que deve oferecer às particularidades das crianças que têm à frente, procurando a comunicação com estas e desenvolvendo as atividades de ensino-aprendizagem em um marco de participação que estimule a dúvida, a reflexão e a participação dos alunos. (GONZÁLEZ REY; MARTÍNEZ, 1989, p. 109).

Fariñas (1999) discute a importância de se tomar os aspectos cognitivos e afetivos

como unidade, uma vez que na escola, os parâmetros de qualidade exigidos para a avaliação

da aprendizagem têm sido eminentemente cognitivos e, neste sentido, componentes afetivos

tais como as emoções e os sentimentos, muitas vezes não são considerados como

características intrínsecas à formação humana. Tal dicotomia reflete-se no pensamento

equivocado segundo o qual os aspectos cognitivos devam ser tratados exclusivamente pela

Pedagogia, da mesma forma que os aspectos emocionais/relacionais/afetivos devam ser

tratados somente pela Psicologia.

Nesta perspectiva, Toassa (2009) lembra-nos de que Vigotski apresenta uma

compreensão dialética do psiquismo, e por isto, não separa pensamento/cognição de

afeto/emoção. O autor estabelece que a emoção e a cognição formam uma unidade,

preconizando que, assim como a memória, a atenção e o pensamento, os afetos consistem em

funções psicológicas superiores, portanto, passíveis de mediação. Nesse sentido, Tanamachi e

Meira (2003, p. 50) destacam que “na medida em que é impossível separar processos

intelectuais e afetivos, para que a aprendizagem ocorra, é preciso que se estabeleça um

vínculo que possa levar o aluno a dirigir sua atenção para o objeto do conhecimento”.

Ademais, conceber o sujeito em sua condição subjetiva é essencial para a

compreensão do seu processo de aprendizado, pois torna possível reconhecer e compreender

as emoções do sujeito produzidas no processo de aprendizagem, que é repleto de produção de

sentidos:

Assim, quando estudamos a aprendizagem como uma função geral fora do sujeito que aprende, estamos ignorando um momento constitutivo essencial do processo de aprendizagem, definido pelo sentido que esse processo tem para o sujeito dentro da condição singular em que se encontra inserido em sua trajetória de vida. Quando nos orientamos a estudar o aprendizado, considerando a condição subjetiva do sujeito que o empreende, temos acesso a emoções geradas em diferentes espaços de sua vida social que aparecem em sala de aula, constituindo momentos de sentido do sujeito dentro desse

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espaço, o que é essencial na compreensão das emoções produzidas na aprendizagem. (GONZÁLEZ REY, 2013, p. 237).

Nesta perspectiva, o sujeito da aprendizagem não se constitui como mero assimilador

de conhecimentos, mas sujeito ativo, gerador de sentidos na produção do conhecimento. Para

melhor compreensão desse processo no qual o aluno é concebido como um sujeito ativo no

espaço escolar, González Rey (2013) indica que, assim como na escola são constituídas

práticas sociais específicas, há vários espaços sociais em que o sujeito vive e transita, cujas

práticas sociais ocorrem simultaneamente. Nesse sentido,

o sujeito é o indivíduo comprometido de forma permanente em uma prática social complexa que o transcende, e diante disso tem de organizar sua expressão pessoal, o que implica a construção de opções pelas quais mantenha seu desenvolvimento e seus espaços pessoais dentro do contexto dessas práticas. (GONZÁLEZ REY, 2013, p. 238-239).

Assim, o sujeito participa de várias práticas sociais e, ao dominar novos espaços e

estratégias de ação pessoal comprometidas com tais espaços, opera com maior complexidade,

construindo constantemente novas alternativas que entram em conflito com a sua identidade. “O sujeito representa uma opção criativa, geradora de sentidos, que define novos espaços de

integração pessoal que, no caso de não serem alcançados, podem transformar-se em um

momento de gênese patológica” (GONZÁLEZ REY, 2013, p.239).

A capacidade do sujeito de produzir sentido mediante os seus conflitos relaciona-se à

saúde física e mental e uma das características necessárias ao sujeito comprometido com a

produção de sentidos subjetivos nas mais variadas esferas da vida é a reflexividade ou

capacidade de refletir. “Portanto, o sujeito produz verdadeiros desenhos mentais por meio de

seu pensamento que o levam a reassumir posições e a definir constantemente novas posições

dentro dos contextos sociais em que se desenvolve” (GONZÁLEZ REY, 2013, p. 240).

Considerando que a escola constitui-se num espaço social significativo na vida de

crianças e adolescentes e tendo em vista que o professor apresenta-se nele como uma figura

importante em suas vidas, uma vez que tem como uma de suas funções a organização do

processo ensino-aprendizagem, as considerações de González Rey (2013) explicitam algumas

particularidades presentes na mediação educativa sob a perspectiva da subjetividade.

O autor assinala que, partindo dessa perspectiva, nenhuma função psicológica estaria

separada da sua constituição subjetiva na história social do sujeito e, assim, a função

psicológica expressaria o caráter Histórico-Cultural da psique.

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Assim, por exemplo, uma função como o aprendizado, que até hoje constitui um campo particular de produção do conhecimento psicológico, se converteria em um campo que integraria o estudo da constituição subjetiva do sujeito que aprende, pois dela dependerá, entre outros elementos, a produção de sentidos no processo de aprendizado. Nessa perspectiva, o aprendizado estaria mediatizado pelos sentidos subjetivos manifestados em outras esferas da vida do sujeito, como sua vida social e familiar em um sentido geral, o que definiria a circulação de emoções particulares no espaço da sala de aula, cuja procedência não está ligada de forma imediata aos processos que têm lugar na sala de aula, que irão adquirir sentido somente por meio da mediatização ativa da história social de cada aluno, constituída em sua dimensão subjetiva e social atuais. (GONZÁLEZ REY, 2013, p. 196-197, grifo nosso).

Ademais, González Rey (2013) sublinha que os processos sociais nem são externos

aos indivíduos e nem estanques, mas são sistemas complexos em que o indivíduo é, ao mesmo

tempo, constituinte e constituído. Trata-se de um processo que adquire contornos

diferenciados, a depender das relações que se estabelecem entre o indivíduo e o social, onde

[...] a ação do indivíduo dentro de um contexto social não deixa uma marca imediata nesse contexto, mas é correspondida por inúmeras reações dos outros integrantes desse espaço social, pelas quais se preservam os processos de subjetivação característicos de cada espaço social, criando-se no interior desses espaços zonas de tensão, que podem atuar tanto como momentos de crescimento social e individual ou como momentos de repressão e constrangimento do desenvolvimento de ambos os espaços. (GONZÁLEZ REY, 2013, p.203, grifo nosso).

As ponderações do autor levam-nos a compreender a complexidade das relações

estabelecidas no contexto escolar, esclarecendo o modo como os elementos de sentido, que se

estendem àqueles gerados nos processos relacionais restritos ao espaço escolar, se integram e

constituem a subjetividade escolar:

[...] na subjetividade social da escola, além dos elementos de sentido de natureza interativa gerados no espaço escolar, se integram à constituição subjetiva deste espaço elementos de sentido procedentes de outras regiões da subjetividade social, como podem ser elementos de gênero, de posição sócio-econômica, de raça, costumes, familiares, etc., que se integram com os elementos imediatos dos processos sociais atuais da escola. Este conjunto de sentidos subjetivos de diferente procedência social se integra na configuração única e diferenciada da subjetividade social da escola. (GONZÁLEZ REY, 2013, p. 203).

Assim, a configuração da subjetividade social da escola consiste em um “núcleo dinâmico de organização que se nutre de sentidos subjetivos muito diversos, procedentes de

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diferentes zonas de experiência social e individual” (GONZÁLEZ REY, 2013, p. 204). O

autor ressalta que os elementos de sentido presentes em configurações subjetivas de espaços

sociais concretos relacionam-se, constantemente, com outros elementos de sentido de

diferentes espaços sociais e é precisamente nesses espaços interconectados, constituídos

histórico-culturalmente, que a personalidade se desenvolve. Compreender a articulação de tais

elementos e considerá-los, atuando de forma a promover o desenvolvimento psíquico dos

estudantes por meio do ensino trata-se de um desafio ainda a ser superado. Neste viés, o

Ensino Desenvolvimental emerge como uma proposta que visa a contribuir na construção de

um processo de escolarização que, realmente, reconheça e atue na tríade ensino-

aprendizagem-desenvolvimento, conforme veremos, a seguir.

O Ensino Desenvolvimental

De acordo com Puentes (2015), é recente o surgimento do Ensino Desenvolvimental

no Brasil, proposta didática fundamentada no Enfoque Histórico-Cultural e no materialismo

histórico-dialético. Nesse sentido, a teoria da atividade de estudo de V.V. Davídov e D. B.

Elkonin é considerada um marco importante no processo histórico de gênese e consolidação

desta proposta. No Brasil, o Ensino ou Didática Desenvolvimental surgiu no cenário das

pesquisas no campo da educação há aproximadamente dezesseis anos e, desde então, tem

crescido, conforme observamos em muitas produções científicas (LIBÂNEO, 2004, 2015;

FREITAS, 2012; FREITAS e ROSA, 2015; MIRANDA, 2010).

Atualmente, o Grupo de Estudos em Didática Desenvolvimental e Profissionalização

Docente (GEPEDI) da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia

(FACED/UFU) tem promovido estudos, pesquisas26 e eventos científicos em torno do Ensino

Desenvolvimental, como o Colóquio Internacional Ensino Desenvolvimental: vida,

pensamento e obra dos principais representantes russos, que já está em sua segunda edição.

Tal grupo também tem buscado sistematizar os conhecimentos desta proposta, por meio da

publicação de livros específicos nesta temática (LONGAREZI; PUENTES, 2013, 2016).

Puentes e Longarezi (2016) afirmam que a Didática Desenvolvimental originou-se

entre os fins de 1950 e início de 1960, com os trabalhos iniciais de V. V. Davidov, e foi se

estabelecendo com as teses desse autor e de Elkonin, nos anos de 1960 a 1990. Basicamente, a

26

Assim como outras pesquisas que vem sendo desenvolvidas dentro da proposta do Ensino Desenvolvimental, o presente trabalho de pesquisa está inserido no GEPEDI-FACED/UFU, do qual o professor Dr. Roberto Valdés Puentes é um dos coordenadores.

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ideia dessa didática é a de que o ensino promove o desenvolvimento e que não há

desenvolvimento sem ensino. Nesse sentido, apostaram no princípio de que seria necessário

ensinar a criança a pensar, desenvolvendo nos estudantes os fundamentos do pensamento, por

meio de um ensino organizado para tal.

O nascimento e a consolidação da Didática Desenvolvimental ocorreram na União

soviética, tendo sido fundamentada no materialismo histórico-dialético, cujos principais

expoentes são C. Marx, R. Engels, V. I. Lenin, E. V. Iliénkov e M. Bakhtin; na fisiologia

marxista, assentada na teoria do reflexo e outras ideias de Ivan Petrovich Pavlov; e na

psicologia marxista, a que mais influenciou a Didática Desenvolvimental, representada por

vários autores soviéticos, dentre os quais destacamos L. S. Vigotski, L. Bozhovich, D.B.

Elkonin, A. R. Luria e A. N. Leontiev (PUENTES, 2015).

A psicologia marxista soviética foi marcada por diferentes tendências, uma vez que

seus teóricos divergiam em muitos aspectos e, sob este enfoque, Puentes (2015) considerou

quatro tendências principais: a psicologia marxista, a Psicologia Histórico-Cultural, a

Psicologia Histórico-Cultural da atividade e a Psicologia Histórico-Cultural da subjetividade.

Dentre os teóricos da psicologia marxista, K. Blonsky foi o primeiro a anunciar o caráter

desenvolvimental do ensino e este teórico, juntamente com K. Kornilov, que introduziu o

marxismo na psicologia soviética, foram de grande influência na formação do pensamento de

Vigotski, o grande expoente da Psicologia Histórico-Cultural, abordagem que se desenvolveu

em três etapas. Puentes e Longarezi (2016) afirmam que a Psicologia Histórico-Cultural

originou-se da oposição de Vigotski às concepções psicológicas, sobretudo oriundas de

Kornilov, que buscavam forçar a psicologia aos princípios marxistas.

Puentes (2015) apresenta a Psicologia Histórico-Cultural em etapas, sendo a primeira

delas, ocorrida de 1925 a 1928, correspondendo à obra inicial de Vigotski que,

posteriormente, se desdobrou na história da formação das funções psíquicas superiores e o

conceito de interiorização, constituindo a segunda etapa, nos anos de 1928 a 1931. A terceira

etapa foi marcada pelo caráter contraditório do pensamento de Vigotski e de S. L. Rubinstein,

que oscilava entre posições deterministas e anti-dialéticas sobre o papel do social no

desenvolvimento e o caráter passivo da psique e propostas mais dialéticas do papel do social,

bem como do caráter ativo e gerador da psique. Esta fase abarcou os anos de 1931 a 1934,

com a obra final de Vigotski, somada aos trabalhos de S. L. Rubinstein, iniciados em 1930 e

concluídos em 1960.

O autor destaca que a Psicologia Histórico-Cultural da atividade, entre as décadas de

1930 a 1970, foi idealizada por A. N. Leontiev que, junto a colaboradores e seguidores

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demarcaram uma tendência cuja maior influência veio da teoria dos reflexos condicionados de

Pavlov, bem como das teses de Leontiev sobre a atividade e a assimilação, da periodização do

desenvolvimento de Elkonin, da gênese dos processos cognitivos de P. Ya. Galperin e da

atividade de estudo de Davídov e Elkonin. Tal tendência também foi marcada por estudos dos

processos cognitivos em detrimento dos aspectos afetivos do desenvolvimento humano, tendo

sido a mais disseminada na União Soviética e, portanto, causando mais impacto na educação

deste país.

Por fim, Puentes (2015) apresenta a Psicologia Histórico-Cultural da subjetividade,

tendência que surgiu na década de 1940 com os trabalhos de L. Bozhovich sobre a

personalidade, inspirada nas ideias de Vigotski e Rubinstein sobre o caráter ativo e gerador da

psique, considerando a unidade cognitiva e afetiva do desenvolvimento humano, com enfoque

na subjetividade e na dialética social-individual, externo-interno, material-psíquico. De acordo

com o autor, na década de 1970 tal tendência se consolidou com o enfrentamento teórico entre

alguns dos seus representantes e seguidores da teoria da atividade, cujo principal teórico era

Leontiev.

Os principais expoentes da Psicologia Histórico-Cultural da subjetividade são L. I.

Bozhovich, B. G. Ananiev, B. F. Lomov, K. A. Abuljanova, V. E. Chudnovsky e N. I.

Nepomnichaya. Puentes (2015) aponta que os fundamentos da didática marxista se

estabeleceram a partir da Psicologia Histórico-Cultural da atividade, enquanto que as demais

tendências psicológicas não desenvolveram ou não serviram de base para o desenvolvimento

de uma didática. Nesse sentido, o que ficou conhecido como Didática Desenvolvimental, na

verdade, configura-se numa Didática Desenvolvimental da atividade, cujos representantes

mais conhecidos são L. Zankov, P. Ya. Galperin, N. Fl Talízina, V. V. Davídov, D. B.

Elkonin, dentre outros. Desse modo:

Todos esses intelectuais contribuíram na criação das bases da nova teoria e prática da educação marxista, bem como da nova escola e da nova pedagogia. Foram elaboradas e estabelecidas as teses fundamentais sobre o papel da educação e do ensino na criação das condições necessárias para o surgimento da consciência, no processo de formação do pensamento e da linguagem, no desenvolvimento histórico-social do Homem e no problema da apropriação da experiência histórico-social etc. (PUENTES, 2015, p. 6 e 7).

Tais teses fundamentavam-se no princípio segundo o qual a pedagogia deve se orientar

para o futuro do desenvolvimento da criança, uma vez que “[...] o único bom ensino é o que se

adianta ao desenvolvimento [...]” (Vygotski, 2010, p. 114). Ressalta-se que a Didática

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Desenvolvimental da atividade de estudo foi assumida como teoria oficial nas redes de ensino

público da Rússia, Ucrânia e outras repúblicas da União Soviética na década de 1990,

associada à reforma escolar realizada em 1984 (PUENTES, 2015). A atividade de estudo,

neste processo, passou a ter como foco a transformação do sujeito da atividade, o que envolve

não apenas o domínio pelo estudante das ações e princípios de ação como a formação do

pensamento teórico, mas, sobretudo as mudanças de caráter qualitativo no desenvolvimento

psíquico do sujeito. Assim, a estrutura da atividade de estudo se constituiu em três

componentes principais: a compreensão pelo aluno das tarefas de estudo, a realização das

ações de estudo pelo estudante e o controle e avaliação das ações pelo mesmo.

A Didática Desenvolvimental da atividade de estudo adotou como método a teoria da

formação por etapas das ações mentais e dos conceitos, desenvolvida por P. Ya. Galpérin. O

autor afirma que ainda que a Didática Desenvolvimental da atividade tenha apresentado

limitações, a mesma trouxe muitas contribuições para o ensino na educação básica na União

Soviética e em Cuba. Nesse sentido, ele entende que

Na tradição da Psicologia Histórico-Cultural e do Ensino Desenvolvimental estão os fundamentos necessários para fazer com que a teoria da atividade de estudo assuma como princípio didático fundamental a unidade do cognitivo e do afetivo no desenvolvimento integral da personalidade dos estudantes. (PUENTES, 2015, p. 15).

Puentes e Longarezi (2016a) apontam que somente em Cuba a Didática

Desenvolvimental foi divulgada e assumida oficialmente pelo Ministério da Educação na

ocasião em que o sistema nacional de ensino foi aperfeiçoado, a partir da década de 1970. Os

autores esclarecem que o que hoje se conhece como Ensino ou Didática Desenvolvimental

sustenta-se na Psicologia Histórico-Cultural da atividade, embora a Psicologia Histórico-

Cultural da subjetividade também tenha interferido no ensino de forma reduzida e mais

intencional do que aplicada.

A Didática Desenvolvimental se estabeleceu a partir da tese segundo a qual a cultura,

constituída ao longo da história, consiste em fonte e determinante do desenvolvimento

psíquico do homem. A consciência, nesse sentido, desenvolve-se a partir da relação do sujeito

com a realidade, configurando-se numa forma superior de manifestação da psique. Assim, a

educação teria o papel de propiciar as condições necessárias para que o sujeito se aproprie do

conhecimento, da cultura que foi desenvolvida pela humanidade ao longo do tempo

(PUENTES; LONGAREZI, 2016a). Os autores apontam que apenas um sistema educacional

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consistente, baseado em princípios democráticos, poderia promover uma educação que se

configure em ferramenta social de inserção dos indivíduos na realidade.

A didática desenvolvimental, enquanto ciência interdisciplinar, vinculada à Pedagogia e à Psicologia Pedagógica, ocupa-se da organização adequada da atividade de ensino-aprendizagem-desenvolvimento, tendo o ensino intencional como seu objeto, a aprendizagem como condição e o desenvolvimento das neoformações e da personalidade integral do estudante, especialmente do pensamento teórico, como objetivo. Em outras palavras, a didática desenvolvimental se ocupa do estudo dos princípios mais gerais de organização adequada da atividade de ensino ou instrução, tendo as leis do desenvolvimento mental da criança, as particularidades das idades e as características individuais da aprendizagem como condições desse processo (PUENTES; LONGAREZI, 2016b, p. 18 e 19).

O ensino é considerado uma atividade específica que gera desenvolvimento, quando é

direcionado à zona de desenvolvimento potencial.

Nessa perspectiva, a didática desenvolvimental tem por finalidade criar as condições objetivas e subjetivas de colocar os sujeitos em atividade de ensino-aprendizagem-desenvolvimento, de tal modo que seja possível a apropriação de conhecimentos científicos como objetivo-meio para que o pensamento teórico seja desenvolvido como objetivo-fim. Esse processo se realiza enquanto unidade apropriação-objetivação, pois se intenciona, não apenas a internalização dos conhecimentos, mas a mudança na forma de pensamento, de modo que o sujeito se relacione teoricamente com a realidade, pense e aja conceitualmente, portanto, desenvolva ações mentais importantes para um novo olhar e uma nova ação sobre o mundo objetivo. (PUENTES; LONGAREZI, 2016b, p. 30 e 31).

A Didática Desenvolvimental tem como objeto o ensino intencional e, neste viés,

sinaliza para um trabalho docente que identifique as necessidades dos estudantes e crie

necessidades comuns ao coletivo de alunos, desenvolvendo os motivos de modo que as ações

individuais e coletivas sejam movidas conjuntamente no processo ensino-aprendizagem-

desenvolvimento. O desenvolvimento das neoformações e da personalidade do estudante é o

objetivo principal desta didática, considerando a aprendizagem como condição para alcançar

tal objetivo. Este processo envolve a organização de condições objetivas e subjetivas “para a

elaboração e o desenvolvimento de atividades de ensino e atividades de aprendizagem,

enquanto unidade formativa e formadora” (PUENTES; LONGAREZI, 2016a).

Conforme visto, a Didática Desenvolvimental foi constituída, sobretudo, a partir da

teoria da atividade, cujo foco é maior nos processos cognitivos. Contudo, no presente

trabalho, ao sublinharmos os aspectos afetivos e cognitivos enquanto unidades na formação da

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personalidade, trazendo como principais referências autores como González Rey e Lídia

Bozhovich, enfatizamos a importância da subjetividade e da afetividade na constituição desta,

direcionando-se a uma didática que ainda não está pronta.

A Didática Desenvolvimental que toma como unidade o cognitivo e o afetivo tal e

como colocado por González Rey (2013) e Lídia Bozhovich (2003) não está elaborada, mas

está se constituindo. Em tal sentido, os trabalhos de Albertina Mítjans (1997, 2002, 2012),

tem permitido a construção de um sistema de princípios didáticos que, ainda que ela não

chame de princípios para uma Didática Desenvolvimental, é dela que se trata. Sua obra é

fundamentada no Enfoque Histórico-Cultural e pode constituir-se numa importante base para

a construção de uma Didática Desenvolvimental com foco na subjetividade.

De acordo com Muniz (2015), Mitjáns Martínez desenvolveu a teoria da aprendizagem

criativa dialogando com o seu Sistema Didático Integral, que aponta ações pedagógicas tendo

por base o caráter ativo, intencional e participativo do estudante. O referido Sistema criado

por Mitjáns Martínez tem como princípios a participação do aprendiz em todo o processo de

ensino-aprendizagem, desde a elaboração dos objetivos ao acompanhamento do processo; sua

contribuição na seleção e na organização dos conteúdos; a proposição de atividades que levem

em consideração o interesse dos alunos, estimulando-os a serem protagonistas deste

aprendizado; a preferência por atividades direcionadas para a produção autoral dos estudantes;

a utilização de materiais didáticos que desafiem o aluno, instigando-o a transcender as

concepções dos autores trabalhados; o estímulo à autoavaliação do aluno e o foco na

elaboração reflexiva e individualizada do conhecimento; o incentivo à curiosidade, a

imaginação, a confiança mútua, a valorização do esforço e da reflexão nas relações entre

professor e aluno e a valorização do clima comunicativo-emocional da sala de aula (MUNIZ,

2015).

Mítjans Martínez (2002) desenvolveu propostas pedagógicas que se direcionam ao

desenvolvimento da criatividade e da inovação no ambiente escolar, com foco tanto na

expressão criativa do docente como dos estudantes. Em seu livro Criatividade, personalidade

e educação (MÍTJANS MARTÍNEZ, 1997), a autora empregou o Sistema Didático Integral

para o desenvolvimento da criatividade na escola, elencando elementos essenciais de um

sistema de atividade-comunicação para favorecer o desenvolvimento da criatividade dos

aprendizes. Sua abordagem considera a configuração personológica que se conforma no

decorrer da história de vida dos sujeitos.

Em um dos seus trabalhos sobre o desenvolvimento da criatividade em estudantes

(MÍTJANS MARTÍNEZ, 2002), a autora propõe algumas habilidades comunicativas docentes

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essenciais para contribuir com o desenvolvimento da personalidade dos alunos, tais como:

fazer perguntas provocativas, sensibilidade e habilidade para manejar o erro como um

processo natural e positivo da aprendizagem, sensibilidade e habilidade para perceber os

avanços dos alunos tanto em termos de conhecimento como de recursos pessoais como

segurança, independência e motivação, sensibilidade para detectar as necessidades e

problemas dos alunos e manejá-los adequadamente, habilidade para escutar e colocar-se no

lugar do outro, dentre outras.

Conforme Muniz (2015), o desenvolvimento da criatividade na aprendizagem é foco

do trabalho de Mitjáns Martínez (2012), segundo a qual a escola enfrenta três grandes

desafios. Um deles é a mudança de representações e sistemas de valores sobre a

aprendizagem, o outro é o enfoque da ação educativa no desenvolvimento de recursos

subjetivos e não apenas na apropriação dos conhecimentos culturalmente acumulados ao

longo da história e, por fim, o desafio de personalizar os processos de ensino.

Como visto, os princípios desenvolvidos por Mitjáns Martínez consideram a

constituição da subjetividade no processo ensino-aprendizagem, o que nos leva ao

entendimento de que os trabalhos desta autora são contribuições importantes para a

constituição de um Ensino ou Didática Desenvolvimental da Subjetividade. Contudo, uma

proposta como esta ainda não está concluída e, acreditamos que seja necessária a realização

de mais estudos e pesquisas que, assim como o presente trabalho, poderão oferecer alguns

subsídios para um Ensino Desenvolvimental da Subjetividade.

Em nossa opinião, um Ensino Desenvolvimental deve levar em consideração a

subjetividade do estudante e, tal subjetividade vai sendo constituída ao longo do

desenvolvimento da personalidade do sujeito, daí a importância destes constructos teóricos.

A personalidade se forma dialeticamente ao longo da vida e, na complexidade de sua

dinâmica, vai constituindo e ao mesmo tempo sendo constituída por inúmeros elementos tais

como as principais neoformações e tendências no desenvolvimento em dada etapa de vida em

que o sujeito se encontra, a sua situação social de desenvolvimento e a sua posição interna.

Desse modo, ao nos referirmos à docência com adolescentes e vislumbrarmos uma proposta

de Ensino Desenvolvimental que atenda a esse público, importa destacar todos esses

elementos que se imbricam no processo ensino-aprendizagem-desenvolvimento.

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134 A constituição da subjetividade docente e o processo ensino-aprendizagem- desenvolvimento

O presente trabalho apresentou, até o momento, considerações sobre a adolescência

enquanto etapa de desenvolvimento e a formação da personalidade. Trouxemos à baila o tema

do ensino relacionado ao desenvolvimento da personalidade na adolescência e apresentamos

algumas das condições e trabalhos educativos que conduzem ao desenvolvimento da

personalidade. No entanto, ainda não falamos diretamente sobre o maior agente deste

processo, responsável pela escolarização dos alunos.

Assim, apresentamos a seguir algumas reflexões sobre a constituição da subjetividade

docente, uma vez que a presente pesquisa se remete ao trabalho do professor, ao seu olhar

sobre o aluno e sobre a sua própria prática. Compreendendo que a subjetividade se produz em

sua dialeticidade, em condições objetivas e subjetivas, buscamos as contribuições de autores

como Facci (2004b), Arendt (2005), Pino (2005), Fontana (2003) e Cunha (2000).

A constituição do professor vem sendo discutida por muitos autores, como é o caso da

obra “Cartografias do trabalho docente” (GERALDI; FIORENTINI; PEREIRA, 1998), que

destaca a complexidade do processo de apropriação e produção de saberes docentes na

também complexa prática pedagógica. Facci (2004b) sublinha o esvaziamento que o trabalho

do professor vem sofrendo, na atualidade, devido às condições produzidas pelo contexto

histórico-social em que vivemos. Sob este enfoque, o trabalho do professor é analisado a

partir das relações entre duas condições: subjetivas e objetivas. Estas últimas, apresentadas a

seguir, referem-se às circunstâncias concretas de realização do trabalho, bem como ao

contexto político-social em que as práticas são desenvolvidas (FACCI, 2004b).

A autora nos traz que, em tempos hodiernos, a profissão do professor está inscrita

numa sociedade que passa por profundas mudanças, em que se acentua o antagonismo de

classes, o avanço tecnológico e seus efeitos como o aumento da produtividade, o desemprego

e a consequente precarização da vida de muitas pessoas. O processo de globalização e

internacionalização do capital trouxe consequências como a dominação do capital financeiro,

gerando mudanças no trabalho, num processo de transição das forças produtivas (FACCI,

2004b).

Também aumenta a incapacidade de acompanharmos as contradições sociais, ao passo

que nos sentimos cada vez mais culpados pela não integração ou adaptação ao novo contexto

de globalização. Nesse ínterim, as necessidades psicológicas e emocionais têm sido “gratificadas” pelo consumo e bens econômicos. Logo, as necessidades de mercado são apropriadas como nossas e todo esse contexto social apresenta seus efeitos na educação atual:

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“A competitividade no mundo econômico é naturalizada e busca-se, por meio da escola,

preparar os alunos para ela no mercado nacional e internacional” (FACCI, 2004b, p. 9).

Contudo, concordamos com Facci (2004) ao defender que “não é a escola que define o

lugar que os indivíduos irão ocupar na produção e não é a escola que vai resolver a crise do

emprego. Esta é uma idéia veiculada dentro dos preceitos do neoliberalismo” (FACCI, 2004b,

p. 11). Nesse sentido, há uma tendência nas políticas neoliberais, inclusive educacionais, em

associar a escola à formação para o mercado de trabalho, creditando-se aos indivíduos

incluídos no mercado, o mérito por terem qualificação, habilidade e características

psicológicas apropriadas ao emprego. Ou seja, “há uma transferência de responsabilidade do

aspecto social para o individual na inserção profissional dos indivíduos” (FACCI, 2004b, p.

13).

As condições de trabalho do professor, as expectativas sociais para com o seu trabalho

e a imagem docente veiculada pela mídia são três elementos apontados por Nacarato, Varani e

Carvalho (1998) como geradores de tensões no trabalho do professor. Por condições de

trabalho, entendem-se as condições físicas da escola, as relações entre os participantes-alunos,

docentes técnicos, as condições profissionais dos professores, a burocracia imposta ao

trabalho docente, os controles externos e a implicações político-governamentais.

Os autores assinalam que as transformações sociais têm produzido implicações nos

sistemas familiares, nas relações de convivência e de poder, que produzem efeitos no sistema

escolar. Na prática, tem-se que muitos alunos apresentam falta de limite e não respeitam os

direitos e diferenças dos outros atores da escola, como o professor, num processo de inversão

de poderes. “A falta de mecanismos que possam efetivamente arbitrar com justiça e

imparcialidade as relações de convívio social tem dificultado o trabalho pedagógico”

(NACARATO; VARANI; CARVALHO, 1998, p.82), resultando num alto dispêndio de

energia do professor para negociar com os alunos. Também mencionam a falta de interesse

dos alunos por temas da escola, questionando: “Qual seria a causa desse desinteresse? Estaria

relacionada à tácita desvalorização, que vinha sendo promovida pela sociedade como um

todo, do conhecimento escolar como forma cultural e de ascensão social-de aquisição de

status e garantia de bom emprego?” (NACARATO; VARAN; CARVALHO, 1998, p. 82).

A este tipo de perguntas os autores ponderam a necessidade de se avaliar fatores intra

e extra-escolares, uma vez que tais questões são muito complexas. Apontam que a diversidade

de expectativas sobre o trabalho do professor tem causado tensão no trabalho docente que,

além de ter o domínio do conteúdo e das estratégias pedagógicas, é esperado que ele cuide do

equilíbrio afetivo-emocional dos alunos, da integração social e até mesmo que atenda as

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exigências do mercado de trabalho, oriundas da globalização da economia. Tal tensão pode

gerar conflitos psicológicos, sentimentos de autolimitação por não poder cumprir todos os

papéis que lhes são atribuídos e sensação de baixa autoestima.

Somado a isso, a imagem do professor veiculada pela mídia tem sido permeada por

informações dicotomizadas, que ora mostram o processo de precarização das escolas, a

criminalidade e o baixo salário dos docentes, ora mostram experiências educacionais bem-

sucedidas que passam a imagem de que basta querer, ou seja, ser um profissional qualificado,

que se é possível fazer (NACARATO; VARAN; CARVALHO, 1998). Além disso, há uma

divulgação massiva enquanto propaganda do governo sobre a transformação da escola,

gerando outra tensão sobre o professor, que se sente impotente para atender a expectativa

criada pela propaganda de que ele será o grande mágico que fará possível tal transformação na

realidade escolar.

Os escritos de Hanna Arendt (2005) sobre a crise na educação também nos auxiliam na

compreensão do contexto no qual o professor exerce a sua profissão. Produzido em 1958, “A crise na educação” é o texto no qual Arendt destaca a crise que se passa na educação do

mundo ocidental, tendo sido produzido num contexto histórico pós Segunda Guerra Mundial.

Embora o texto de Hanna Arendt seja datado em pouco mais da metade do século XX, somos

de acordo que ele apresenta-se bastante atual, ao pensarmos na conjuntura em que vivemos

hoje.

A autora entende que os problemas educacionais de uma sociedade de massas foram

sensivelmente percebidos pelos povos americanos, mas por outro lado, as teorias pedagógicas

modernas foram aceitas de forma acrítica e servil. Considerados por Arendt (2005) como “medidas catastróficas”, alguns procedimentos educacionais foram desenvolvidos nesse

contexto, tendo por base três ideias: (1) a divisão entre o mundo dos adultos e o mundo das

crianças, abandonando a criança à própria sorte, (2) o esvaziamento dos conteúdos do ensino

e, concomitantemente, a precariedade da formação docente, e (3) o pragmatismo educacional,

ou seja, a substituição do aprender pelo fazer.

A primeira ideia foi assentada na divisão entre o mundo dos adultos e o mundo das

crianças, sendo este último constituído como uma sociedade autônoma que deveria ser

governada pelas crianças. Nela, o adulto deveria apenas assistir, de modo que o mundo dos

adultos e o mundo das crianças fossem divididos, diferentemente do que acontece na

sociedade. Nesta perspectiva, a criança não é vista em sua individualidade, mas apenas em

grupo, estando suscetível à autoridade de um grupo de crianças, mais forte e mais tirânica do

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137

que a de um indivíduo. Ainda, a pressão do grupo pode provocar na criança duas reações: o

conformismo ou a delinquência juvenil, quando não as duas coisas juntas.

Arendt (2005) afirma que ao tentar estabelecer um mundo próprio das crianças, a

educação moderna tem destruído as condições apropriadas para que elas cresçam e se

desenvolvam, uma vez que introduzir a criança a um mundo próprio, separado dos adultos, de

alguma forma expõe a criança ao aspecto público que caracteriza o mundo adulto. Tudo isso

contradiz o que foi considerado um erro da educação passada: considerar a criança como um

pequeno adulto.

A segunda ideia-base presente na crise educacional refere-se ao esvaziamento do

conteúdo do ensino, influenciado pela psicologia moderna e pelo pragmatismo. “O que daqui

decorre é que, não somente os alunos são abandonados aos seus próprios meios, como ao

professor é retirada a fonte mais legítima da sua autoridade enquanto professor” (ARENDT,

2005, p.6). Esta ideia é reforçada por Moraes (2001) e Facci (2004b). Facci descreve

pormenorizadamente de que forma as concepções de Professor reflexivo e o Construtivismo

contribuíram para o esvaziamento do trabalho docente.

A terceira ideia-base que configura a crise na educação segundo Arendt (2005) baseia-

se na concepção segundo a qual só se sabe e se compreende o que se faz por si mesmo,

substituindo, deste modo, o aprender pelo fazer. A ideia leva a transformar as instituições de

ensino geral em institutos de profissionalização e a substituir o trabalho pelo jogo.

Arendt (2005) afirma que a difícil tarefa de educar é permeada pelo conflito entre

conservar o velho e também preparar o novo. A autora ressalta a complexa empreitada do

professor em apresentar o mundo ao jovem, mesmo não concordando com este mundo e não o

compreendendo em sua totalidade, face às drásticas transformações pelas quais o mundo vem

passando. Esta responsabilidade pelo mundo é concretizada sob a forma de autoridade. Não

obstante, a autoridade já não desempenha papéis na vida pública e privada, no sentido de não

se pedir ou querer de ninguém a responsabilidade por alguma coisa.

Se outrora, as figuras de autoridade estavam relacionadas à responsabilidade pelo

curso das coisas, ao se retirar a autoridade, fica para cada indivíduo igual responsabilidade

pelo curso do mundo. Essa transferência de responsabilidade do âmbito social para o

individual também foi discutida por Facci (2004b), quando abordou o tema da inserção

profissional na sociedade capitalista, que faz parecer culpados os indivíduos que não

conseguem um lugar no mercado de trabalho, supostamente devido à sua incompetência ou

inabilidade, relegando a último plano as causas sociais do desemprego, por exemplo.

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Arendt (2005) associa o problema da autoridade à recusa da tradição e afirma que a

crise da autoridade pode significar também certa rejeição de todos pelas exigências e

necessidades de ordem que o mundo demanda, tanto no sentido de dar ordens quanto de

recebê-las. Contudo, a autora pondera que na escola, é necessário que os estudantes aceitem a

autoridade dos professores.

A crise de autoridade na educação está intimamente ligada com a crise da tradição, isto é, com a crise da nossa atitude face a tudo o que é passado. Para o educador, este aspecto é especialmente difícil uma vez que é a ele que compete estabelecer a mediação entre o antigo e o novo, razão pela qual a sua profissão exige de si um extraordinário respeito pelo passado. (ARENDT, 2005, p.12).

O panorama apontado acima representa uma mostra do contexto no qual as condições

subjetivas de trabalho docente estão sendo produzidas e articuladas. Entendemos que tais

condições, por fazerem parte do contexto social em que estamos inseridos, estão imbricadas

na compreensão do próprio professor sobre o significado de sua atividade.

De acordo com Facci (2004b, p. 247), “a unidade básica do trabalho docente seria o

sentido que têm, para o professor, as ações que ele realiza em seu trabalho. A ruptura entre

significado e sentido caracteriza a alienação”. Quando se rompe o significado e o sentido, há

uma ruptura na estrutura interna da consciência, fenômeno comum na sociedade capitalista,

que separa o trabalhador do seu trabalho (FACCI, 2004b). A autora salienta que “quando o

sentido pessoal do trabalho do professor se separa do significado dado socialmente, pode-se

considerar esse trabalho alienado e este pode descaracterizar a prática educativa escolar” (p.

249). A superação da alienação, por sua vez, depende não somente de condições subjetivas,

como de condições concretas de trabalho que auxiliem ou não o docente a encontrar relações

mais conscientes na docência.

Faz-se necessário abarcar a profissão do professor “tratando de forma indissociada

questões relativas à formação, condições de trabalho, salário, jornada, gestão, currículo e à

subjetividade presente na prática pedagógica” (FACCI, 2004b, p. 250). Ressaltamos que,

conforme aponta Cunha (2000, p. 51), “(...) do ponto de vista de uma análise histórico-

cultural, a constituição do professor, qualquer um e todos eles, ocorre no dia-a-dia de acordo

com as vivências e relações deste profissional, quaisquer que sejam elas” (CUNHA, 2000, p.

51).

A importância de compreendermos, de forma dialética, a presença de elementos

objetivos e subjetivos na constituição da docência, remete-nos à formação da própria

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139

subjetividade docente, tema abordado por Roseli Fontana (2003) em sua obra “Como nos

tornamos professoras?”, na qual a autora aborda a constituição da subjetividade docente,

apoiada na tese vigotskiana segundo a qual nas relações sociais é que a consciência de nossa

individualidade se organiza e se desenvolve.

Neste sentido, Fontana (2003) destaca a necessidade de entendermos a constituição do

ser professor a partir de sua história de vida, que se desenvolveu nas/pelas relações do sujeito

com outros sujeitos, que serviram ora como modelos de identificação, ora de oposição. Na

relação com o outro, tornamo-nos capazes de perceber a nós mesmos, nossas características

pessoais e profissionais, diferenciarmos nossas metas ou interesses das dos outros e de julgar

a nós mesmos e o nosso fazer. Porém,

[...] a constituição do sujeito não resulta de uma internalização da realidade exterior; não se trata de uma simples transposição. Acreditamos que a dinâmica que se estabelece entre o que está fora e o que está dentro do homem é mediada pela produção e interferência da subjetividade. A constituição do sujeito é um processo histórico complexo que envolve, ao mesmo tempo, uma dimensão externa e contextual, uma dimensão interna referente a indivíduos e grupos e também uma dimensão singular, configurada a partir das duas anteriores. Podemos denominar de subjetiva essa dimensão singular que constitui grupos ou sujeitos (CUNHA, 2000, p. 139).

Fontana (2003) aborda a constituição do ser professora (fazendo questão de utilizar o

termo no feminino, mostrando que todas as questões relacionadas ao gênero feminino

tangenciam a profissão docente), identificando neste processo o fluxo ininterrupto da vida, em

seus conflitos e dramas nos quais entram e saem de cena os diversos papéis sociais que se

atravessam e se engendram, bem como o aprendizado contínuo da docência, que não se separa

de aspectos pessoais, das questões de gênero, conforme dito, das escolhas, da formação

escolar, da família, das condições materiais e subjetivas nas quais o trabalho é produzido. Para

a autora:

Somos uma multiplicidade de papéis e de lugares sociais internalizados que também se harmonizam e entram em choque. Cada um de nós não é apenas professor ou professora. Somos também homens e mulheres, negros, mulatos, brancos, brasileiros, estrangeiros, ou mesmo brasileiros estrangeiros em nosso próprio chão, velhos e moços, pais e filhos, irmãos, esposos, a professora mais antiga da escola, aquela que está iniciando seu primeiro ano de trabalho, a professora militante, a professora não-sindicalizada, a professora que dobra período, aquela que não depende do seu salário para viver etc... Muitos em um” (FONTANA, 2003, p. 64).

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140

Ademais, a constituição docente se produz nas relações intersubjetivas configuradas

no relacionamento do professor com o coletivo da escola, com os conhecimentos a serem

ensinados, com os alunos e o seu envolvimento ativo com a realidade. Nesse contexto, estão

presentes a subjetividade docente e a subjetividade da escola. Assim, a formação docente

pode ser melhor compreendida, em suas limitações e possibilidades, tendo em vista o contexto

histórico e subjetivo destas relações estabelecidas. A imprevisibilidade destas relações e o

julgamento docente, dia a dia, são aspectos importantes a serem considerados no processo de

formação do professor (CUNHA, 2000).

Somos de acordo com Cunha (2000, p.21), segundo a qual “a constituição de

professores é um processo contínuo que envolve toda a sua história de vida e a sua vida como

um todo”. Contudo,

a singularidade do professor só pode ser compreendida quando a relacionamos com o contexto maior da escola e, apesar de sabermos que a definição desta está dada pelo papel social que desempenha como instituição, nela encontramos particularidades. (CUNHA, 2000, p. 246).

Sendo a escola um lugar repleto de imprevisibilidades, de situações inesperadas que

nos provocam a constituição de significações novas e sentidos diversos a cada momento,

Cunha (2000) sublinha a importância e a vitalidade do fazer cotidiano do docente, permeado

de sentidos e significados que se produzem a cada instante, de modo que “o fazer docente é

resultado de julgamentos e estes são, por sua vez, mediados pela subjetividade (individual e

social) e desenvolvem-se no ritmo cotidiano” (CUNHA, 2000, p. 24).

Segundo Cunha (2000, p. 186),

[...] a ação cotidiana do professor está relacionada com sua interpretação de necessidades e possibilidades que estão em jogo em cada momento de sua prática [...] Em relação a tais necessidades e possibilidades, o fazer do professor envolve um jeito de levar em conta - a partir de sua subjetividade - a subjetividade da escola, onde se destacam as relações com os alunos, com o conhecimento e com a própria instituição. (CUNHA, 2000, p. 185, 186).

O professor vai se constituindo nos relacionamentos que estabelece em sua vida,

sobretudo no âmbito escolar, em sala de aula. Contudo, tal processo não ocorre numa relação

direta com a sua realidade, uma vez que todo o relacionamento do sujeito com o mundo, sua

constituição, é mediado pela subjetividade (CUNHA, 2000, p. 139). Ou, conforme apresentou

Fontana (2003):

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141

Nesse percurso de aprendizagens, tecido no tempo, a presença constante do outro- nas interações face-a-face, como discurso e como prática social-apontando os sinais e indícios imprimidos no vivido e ensinando (na identificação e na oposição) a lê-los, a interpretá-los e re-interpretá-los, a interpretar-me e re-interpretar-me frente a eles. (FONTANA, 2003, p. 111).

Não obstante, “(...) há uma dificuldade em reconhecer que todo professor é sujeito de

sua prática, ou seja, no seu dia-a-dia, o professor pensa e age e tem seus motivos para fazê-lo.

Esse movimento não deveria ser desconsiderado” (CUNHA, 2000, p. 37). Nesse sentido,

somos de acordo com a autora segundo a qual podemos conhecer o professor como produtor

de sua prática e não como bom ou mau profissional.

Os professores produzem-se em função de relações que estabelecem, principalmente com seus alunos. Nesse caso, a relação entre estes sujeitos, o docente e o aluno, caracteriza-se como sendo de ensinoaprendizagem e estrutura-se em função de um produto que é o conhecimento; a via complementar desta relação também é importante: o produto da mesma relaciona-se com as características das interações produzidas por estes sujeitos e também com as características particulares de cada sujeito (CUNHA, 2000, p. 38).

A partir de tais apontamentos que buscam compreender o processo de constituição da

subjetividade docente, entendemos que o professor de adolescentes aprende, em seu dia-a-dia,

mediante todos os aspectos que foram tratados, a conhecer os adolescentes e a se deixar

conhecer por eles e, nesse processo, ocorrem as transformações na subjetividade de ambos e,

consequentemente, na prática pedagógica. Em pesquisa junto a professores de adolescentes,

Menezes (2004) constatou que os docentes trabalham na lógica do que os alunos expressam e

no que os professores anseiam desenvolver junto a eles. Além disso, nas relações com os

adolescentes, buscam mudanças no pensamento e nas ações para estarem consigo mesmos e

com os alunos.

Na constituição da subjetividade do professor, na medida em que novas relações são

estabelecidas, as compreensões também se modificam, num movimento dialético de constante

superação. Bozhovich (1976) aponta que o desenvolvimento da personalidade se produz

durante a ontogênese e a tendência geral desse desenvolvimento é que o sujeito se transforme

de um ser submetido às influências externas para um ser que atue de modo independente,

baseado em objetivos e decisões conscientemente propostos e adotados. Tal transformação

apresenta um caráter de regularidade e pode ser compreendida como resultado do surgimento

e reestruturação dos processos psíquicos, sob a influência de sua experiência social.

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Neste processo, as necessidades, fatores que impulsionam a conduta e a atividade do

sujeito, transitam de elementares a mediatizadas, ou seja, deixam de impulsionar diretamente

a conduta e atividade e passam a atuar por meio de objetivos e propósitos conscientemente

planejados. Assim ocorre com os estudantes durante a atividade de estudo e assim ocorre com

os professores, ao longo da atividade docente. A profissionalização docente também segue a

linha do desenvolvimento, segundo a qual “de sujeito que assimila a experiência social

acumulada pela humanidade, se transforme em criador dessa experiência, dos valores

materiais e espirituais que cristalizam em si todas as novas riquezas da psique humana” (BOZHOVICH, 1976, p. 362).

Desse modo, o trabalho do professor pode colaborar para que a formação da

personalidade do adolescente siga “[...] a linha de uma liberação gradual da influência direta

do meio e sua conversão em um transformador ativo deste meio e em um educador de sua

própria personalidade” (BOZHOVICH, 1976, p. 363, grifo nosso). Finalmente, concordamos

com González Rey e Mitjáns Martínez (1989, p. 111), segundo os quais “educar, em seu

sentido mais amplo, é aprender a viver de uma forma mais comprometida, mais criativa, mais

autodeterminada e saudável”. Por isso, compreendemos que o ensino voltado para a

independência e para a autonomia é uma das funções primordiais da educação escolar no

desenvolvimento da personalidade dos adolescentes.

Assim, partiremos para o próximo capítulo, produzido a partir das análises das

entrevistas que fizemos com professores de adolescentes, nas quais procuramos investigar

como o professor compreende os seus alunos adolescentes e, a partir dessa compreensão,

desenvolve as suas práticas.

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8 O OLHAR DO PROFESSOR: COMPREENSÃO E ATUAÇÃO NA DOCÊNCIA COM ADOLESCENTES

“Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos apesar

das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao

aprender” (FREIRE, 1996, p. 23).

O presente capítulo constitui-se de uma análise das entrevistas realizadas com os

docentes, em que buscamos identificar as principais demandas que o trabalho com

adolescentes apresenta ao professor, bem como as práticas pedagógicas citadas para o

desenvolvimento deste trabalho, a partir das compreensões dos participantes desta pesquisa.

O processo de identificar e analisar elementos relevantes no presente estudo por meio

da apreciação aprofundada do relato dos professores entrevistados, articulada aos elementos

teóricos que nos embasa, levou-nos ao agrupamento de algumas dimensões ou

categorias27que mais se destacaram, quais sejam: Sistemas de comunicação, Atividade de

estudo e Identidade pessoal.

Em “Sistemas de comunicação” apresentamos as compreensões dos professores

sobre os aspectos relacionais da docência junto a adolescentes. Desse modo, discorremos

sobre alguns fatores que se sobressaem nas relações entre professor e adolescente, bem como

nas relações entre os próprios adolescentes que influenciam a prática pedagógica. Em

“Atividade de estudo”, reportamo-nos às compreensões acerca das características

psicológicas do aluno adolescente apresentadas durante a atividade de estudo e suas

implicações práticas. A dimensão “Identidade pessoal ou autocompreensão” aborda as

compreensões docentes referentes ao processo de formação da Identidade pessoal do

adolescente que incide no contexto de ensino-aprendizagem, provocando a necessidade de

mudanças nas práticas pedagógicas. Ressaltamos que, a despeito de termos optado pelo

agrupamento de temas nas categorias citadas tendo em vista uma melhor apresentação do

assunto, elas estão todas interligadas, estabelecendo conexões entre si.

8.1 Sistemas de comunicação

Um dos aspectos mais ressaltados na compreensão dos professores entrevistados sobre

a docência com adolescentes refere-se aos sistemas de comunicação que se estabelecem

27 As categorias citadas são descritas em capítulos anteriores, nos quais explicitamos toda a fundamentação teórica que as embasa.

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durante o processo ensino-aprendizagem-desenvolvimento, em que se destacam as relações

entre professor e aluno, bem como o relacionamento entre os adolescentes.

Segundo Ibarra (2007, p. 15), a comunicação é “um processo de interação entre as

pessoas, no qual se expressam suas qualidades psicológicas e no qual se formam e

desenvolvem suas ideias, representações, etc.”. A comunicação é formada por estruturas e

funções, das quais se destacam o processo informativo, no qual a comunicação cumpre a

função de intercâmbio de informações, o processo de interação ou de influência recíproca,

onde a comunicação cumpre a função de regulação da conduta e o processo de compreensão

mútua de percepção interpessoal, que abarca as emoções das pessoas e tem uma função

afetiva.

A autora preconiza que, muitas vezes, a função informativa é mais enfocada do que as

demais, manifestando um caráter irregular da comunicação, que pode diminuir a sua eficácia,

uma vez que a sua regularidade demanda que os participantes se impliquem como sujeitos da

comunicação e não como meros receptores ou emissores de mensagens. Assim, “no processo

de intercâmbio de informação se produz uma influência mútua que incide no comportamento

do aluno” (IBARRA, 2007, p.15). Deste modo, podem ser produzidas barreiras psicológicas

na comunicação, tanto pelo docente, se este não expõe de forma clara os seus objetivos ou

ignora as necessidades, interesses, motivos e atitudes dos alunos, como pelos alunos, se

apresentam uma percepção distorcida do professor.

No que se refere ao processo de compreensão mútua, é nele que se manifesta o aspecto

afetivo da interação professor-aluno, o que envolve a semelhança de pontos de vista, critérios

e valores sobre a realidade, a aceitação mútua do desempenho de seus papéis e a compreensão

de suas respectivas possibilidades. Neste processo, “a identificação é a assimilação e

compreensão do outro para colocarmo-nos em seu lugar. O mecanismo de identificação do

aluno com o professor supõe uma aprendizagem via imitação das características do modelo,

no caso, o professor” (IBARRA, 2007, p.16).

Tendo em vista a importância da percepção docente acerca do processo educacional, a

seguir discorreremos sobre as compreensões docentes referentes às relações entre professor-

aluno, bem como as práticas desenvolvidas a partir de tais compreensões.

Relações professor-aluno

O dispêndio, por parte do docente, de muita energia física e mental, é um dos aspectos

destacados na relação professor-aluno adolescente, conforme apontaram os professores

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Milton28 e Isabela. De acordo com a professora Isabela, tal dispêndio energético se deve a

algumas características dos alunos:

A docência com a adolescência exige uma energia muito grande da gente até no aspecto físico, porque eles conversam muito, eles são muito interativos, eles gostam de conversar demais [...]. A docência para adolescentes exige muito nesse sentido também de energia, de disposição, porque você tem que estar disposto o tempo todo, não só fisicamente, também, mas em relação à paciência. Percebo que eu tenho que exercitar muito a minha paciência com eles por causa dessa energia aflorada que eles têm. 29(Isabela)

Toda essa energia do adolescente, denominada de “animação, vivacidade e

entusiasmo” pela professora Fernanda, demanda uma constante reorganização de sua prática: “[...] É aquela coisa [que] não tem limites, ali eles ousam, eles se imaginam, eles vão

empreender. É lógico que a gente tem que ficar ali, reorganizando isso, um pé no alto e um

pé no chão, mas eu gosto muito disso, dessa empolgação deles”.

Compreender a adolescência como uma etapa de transição para a vida adulta, na qual

seja possível realizar um trabalho educativo cujo objetivo ou desdobramento se estenda para o

futuro, faz parte da perspectiva de alguns professores. Assim, para o professor Márcio, “a

relação com o adolescente é fundamental. É um homem que vai se tornar no futuro, se você

tiver uma boa relação ali”. Também o professor Rafael afirma que a adolescência é um

momento em que há uma chance de o adulto conversar com o jovem para tentar contribuir de

alguma maneira com a sua formação, de modo que ele chegue à fase adulta com seus

problemas minimizados. Contudo, expõe uma contradição:

Apesar de que o nosso adolescente hoje está muito mais maduro; maduro não, ele está mais prematuro. Hoje, você vai tentar passar alguma coisa, só que ele já aprendeu alguma coisa de bom ou de ruim com a família ou com a sociedade. Então, quando chega lá na adolescência mesmo, ele já tem os seus valores todos construídos. Mas mesmo assim eu ainda acho que vale a pena. (Rafael)

Igualmente, o professor Milton aponta o desdobramento futuro do seu trabalho junto

ao adolescente como a formação de cidadãos e afirma que nas relações que o professor

estabelece com os seus alunos é necessário que o primeiro esteja atento para a constituição do

28

Reiteramos que, ao longo desta tese, utilizamos pseudônimos em substituição aos nomes reais dos docentes que participaram da pesquisa, a fim de não identificá-los.

29 Optamos por destacar em itálico as transcrições de trechos das falas dos professores entrevistados, a fim de

diferenciá-las das citações teóricas.

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pensamento dos adolescentes, uma vez que, ao mesmo tempo em que a sua fala como docente

é balizada pela ciência, por ser um conhecimento oficial, os alunos demandam construir o seu

pensamento a partir, também, de elementos de sua própria individualidade. Nesse sentido,

assevera:

Eu pretendo formar cidadãos. Então, a ciência é importante, mas as relações demandam outras formas porque há sempre uma expectativa de saber qual a opinião do professor, qual a opção dele em vários sentidos e aí eu sempre respondo para o meu aluno de forma madura: “a minha opinião não é o mais importante, mas é a estrutura de pensamento, às vezes, até para elaborar a resposta que me interessa, muito mais do que especificar a minha opinião, porque ela é uma construção pessoal”. A gente precisa respeitar as construções pessoais, individuais, mas a construção é individual. Mas, ao mesmo tempo, passa pelo coletivo e ao passar pelo coletivo, há uma mistura, às vezes, de papel no processo e, por isso, o professor precisa fazer o distanciamento necessário para que a mudança de paradigma ocorra. (Milton)

Ademais, Milton entende que a relação professor-aluno vai muito além do que se passa

em sala de aula, uma vez que “mobiliza coisas muito mais amplas, ela passa por relações

pessoais, por família, por fragilidades, ela traz à tona as necessidades”. Assim, ressalta o

poder da palavra e da ação docente nas relações em sala de aula e aponta que o adolescente

percebe a forma pela qual o adulto age e, nesse sentido, “o professor é formador de opinião e

na oralidade ele tem que escolher as palavras o tempo todo”.

Entendemos que a figura do professor exerce uma grande influência na formação da

personalidade do adolescente e que tal influência depende muito do vínculo estabelecido entre

ambos. Assim, quando o adolescente enxerga no professor uma figura fechada, distante ou

muito autoritária, ele pode rejeitar a sua autoridade em sala de aula e até mesmo apresentar

dificuldades no conteúdo ministrado pelo professor, uma vez que afeto e cognição caminham

juntos. Ainda, é preciso salientar que a influência do professor não é exercida apenas

individualmente, mas sobretudo, na coletividade, o que torna o manejo de grupo essencial

para o desenvolvimento de sua prática. Muitas vezes, uma fala direcionada a um determinado

aluno causa um efeito sobre vários outros que, por sua vez, a tomam para si. Sobre isso,

Milton assinala as implicações de falas e conduções inadequadas no contexto de sala de aula:

Errar no universo de vinte e seis pensando em professor e aluno, pode virar uma marca na personalidade do professor que, depois, para se desfazer dessa marca, vai demandar um tempo muito maior do que você escolher as palavras certas, do que proferir uma frase. Uma situação de conflito com o adolescente, uma retirada da sala é muito delicado. Às vezes, o que você faz

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com uma sala não funciona com outra. Mesmo ações acertadas com a maioria, às vezes com um aluno não é um ato correto. Não é que o professor errou, é que na verdade o professor mobilizou o ato de interferir na formação do adolescente. (Milton)

Milton assinala que o docente tem uma função social, no sentido dele atuar de modo

crítico para provocar a reflexão dos sujeitos envolvidos no processo educativo. O seu papel

também se destaca na formação do futuro cidadão, vinculando-o a aspectos sociais na

formação do adolescente:

Eu vejo um momento de muito sofrimento para toda a sociedade, isso acaba chegando até o professor e você não precisa só reconhecer isso, você tem que trabalhar com isso e tratar para que eles também percebam que eles serão os futuros empresários, políticos, elaboradores de políticas públicas, gestores. Então, é importante colocar esse adolescente para pensar numa prospecção do futuro. Eu vejo um momento de muito conflito, é preciso ser muito maduro para enfrentar, é preciso ser muito maduro enquanto educador para sobreviver a tudo isso, por conta da situação que a profissão coloca, é preciso ser muito maduro para trabalhar com o adolescente e poder transformar toda essa frustração, que de certa maneira é coletiva, é quase efeito manada, frustração coletiva, e dizer dos lugares, da oportunidade de ocupar outros lugares. (Milton)

O docente faz referência à situação política do país30 e a posição que o adolescente

pode exercer neste contexto, relacionando o seu papel de educador à conscientização dos

alunos sobre tal temática:

Eu acho que nós passamos por um momento político muito ruim, nosso país ainda é um país sem identidade, as instituições não têm identidade, o país está com a identidade muito fragilizada. Você tem que explicitar em sala de aula, é uma fragilização que faz parte do sistema, então não é uma fragilidade, inocente, ingênua- é uma fragilidade colocada, construída coletivamente, que privilegia a manutenção do status quo de uma classe social colocada, existente. (Milton)

A fala apresentada pelo professor Milton nos remete à nossa concepção de educação.

Entendemos que a educação não está desvinculada da política, pois ela não se encontra

separada da realidade social, assim como o profissional da educação também adota uma

perspectiva político-ideológica, que se manifesta em sua atuação em sala de aula. Somos de

acordo com Saviani (2004) que apresenta uma perspectiva crítica e não-reprodutivista

segundo a qual a escola é determinada socialmente e a educação tem um papel no processo de

30

Para fins de contextualização histórica sobre a realidade do país, informamos que as entrevistas foram feitas no ano de 2014.

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transformação estrutural da sociedade, inserida na contraditória sociedade capitalista por meio

de mediações complexas.

A educação, nessa perspectiva, não é neutra, pois deve lutar contra a discriminação, a

seletividade e a precarização do ensino para o povo. Saviani (2004) aponta para a necessidade

de se apreender o indivíduo concreto, isto é, de modo contextualizado em sua constituição

social. De forma dialética, entende-se que “os homens determinam as circunstâncias ao

mesmo tempo em que são determinados por elas” (SAVIANI, 2004, p. 26). Tal premissa leva-

nos a entender o papel do profissional da educação em perceber a dialética da constituição

social humana e, a despeito de saber não ser o único responsável pelo estado de coisas em que

se encontra o seu país ou o mundo, reconhecer as suas possibilidades de atuação e

transformação na sociedade. Essa perspectiva se evidencia na fala de Milton, quando ele se

depara com o adolescente “perdido”, ou seja, alienado e, mediante tal condição, reconhece o

seu papel na formação do sujeito crítico:

Eu vejo muitos dados que contribuem para esse adolescente perdido. Se ele está perdido fica difícil você transformar esse adolescente em cidadão crítico. Então, para esse sistema é o que interessa: quanto menos crítico esse adolescente for, mas fácil para quem está no poder se manter nele, neste lugar. Então você tem que explicitar essas coisas. (Milton)

Assim, também somos de acordo que o professor pode contribuir, sim, contra o

processo de alienação, ou seja, à falta de consciência da situação social, que leva os

indivíduos a não se reconhecerem como sujeitos da sua própria história, identificando-se nas

atividades que realiza.

As diferenças geracionais também são assinaladas como fator que influencia o vínculo

professor-adolescente. Neste enfoque, o professor Márcio compreende que as relações dos

adolescentes de hoje com os adultos são muito diferentes das que se estabeleciam em gerações

anteriores:

Eu percebia uma necessidade que o adolescente tinha de chocar o adulto, de ir contra as ideias do adulto. Hoje não, hoje o adulto e o adolescente têm as mesmas vontades. O mesmo i-phone que o menino quer o adulto também quer. Então, de certa forma, os adultos hoje são grandes adolescentes, assim eu vejo. É muito comum você ver os pais se confundirem [e dizerem]: eu sou amigo dos meus amigos, amigos dos amigos dos meus filhos. Às vezes, até com situações grotescas de relacionamento mesmo e tudo, que a gente infelizmente vê em certos casos. Eu vejo que os adultos não se diferenciam muito dos adolescentes, eles não conseguem ver isso. (Márcio)

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A fala do professor Márcio nos provocou algumas reflexões. Uma delas diz respeito às

mudanças na subjetividade social, geradas a partir da produção de novas tecnologias, como é

o caso da utilização massiva de telefones celulares e internet nas várias instâncias da vida,

inclusive na sala de aula. Sem dúvida, é preciso reconhecer que as novas tecnologias não só

geraram mudanças nos processos de trabalho como marcaram profundamente as relações

interpessoais. Os adolescentes, de maneira geral, se apropriam com rapidez e facilidade destas

novas tecnologias (MASCAGNA, 2009), uma vez que nasceram num momento histórico em

que muitas delas já eram acessíveis a grande parte da população, ao contrário da geração

anterior da qual fazem parte muitos adultos, incluindo muitos dos pais e professores destes

adolescentes.

Outra reflexão que fizemos diz respeito à afirmação do professor segundo a qual os

adolescentes e os adultos de hoje apresentam muitos interesses em comum. Concordamos

com estes apontamentos, uma vez que a subjetividade humana se constitui a partir da cultura

e, na contemporaneidade, esta tem sido marcada pela indústria da informação, lazer, consumo,

velocidade, dentre outras características (SALLES, 2005). Porém, a ideia complementar

apresentada pelo docente segundo a qual o adolescente de outras gerações apresentava a

necessidade de se confrontar com as ideias do adulto faz parte de uma concepção tradicional

de adolescência, na qual o adolescente é visto como um sujeito rebelde e contestador das

figuras de autoridade. Tal paradigma é universalista e desconsidera as condições sociais nas

quais o adolescente se constitui. Contudo, entendemos que o processo de globalização e todos

os seus efeitos como a massificação e o consumismo exagerado, a padronização dos costumes

e também os novos modelos relacionais contemporâneos tornam mais homogêneos os

interesses dos indivíduos, até mesmo estando estes em faixas etárias diferentes. Porém, é

preciso ressaltar que as necessidades evolutivas são distintas em cada etapa de vida, o que nos

leva a discordar da afirmação segundo a qual adultos e adolescentes apresentam as mesmas

vontades.

Ao se referir à compreensão da relação professor-aluno, o professor Rodrigo considera

que o fundamental é o relacionamento que se estabelece de um ser humano para o outro e nem

tanto a relação entre os papéis desempenhados por aluno e professor. Ainda, assinala a

importância de o professor evitar o controle e promover mais a escuta e o conhecimento do

outro neste vínculo:

Para mim, existe uma relação de um ser humano com outro. Ela tem atritos, tem alegrias, confiança, desconfiança; o meu amigo de hoje, amanhã me disse algo que eu não gostei, e tudo mais. O grande lance é como que as

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relações evoluem, crescem, amadurecem, se tornam sadias. Eu nem sempre tive boas relações com meus alunos, mas eu acho que quanto mais eu fui abandonando a vontade de controle da situação e mais escuta, não sei se essa seria a palavra, mais uma proximidade começou a acontecer. Isso primeiro tem que acontecer comigo, porque também é uma dificuldade entre eles e com eles mesmos, mas não é por conta estritamente do adolescente em si, mas por conta de um modo de vida. As pessoas não são educadas, não são estimuladas a se conhecer, não são estimuladas a falar de si, a escutar o outro, a entender o outro e a se relacionar. Isso parece que não é importante. Mas é importante eu ter alguma medida de prevenção quando uma briga acontece. (Rodrigo)

Um dos aspectos que nos chama a atenção na fala de Rodrigo diz respeito à existência

de uma relação dialética presente nos vínculos entre professor-aluno, associada à importância

de que o professor também se conheça para que, na relação com o aluno, possam ser

estabelecidos vínculos positivos. Nesse sentido, Rodrigo não atribui à adolescência, como

etapa do desenvolvimento humano, o ônus das dificuldades relacionais entre professor-aluno.

Outro ponto interessante de suas considerações refere-se à ideia de que as pessoas não

sejam educadas, socialmente, para se relacionar umas com as outras de forma saudável.

Sobretudo no que se refere à instituição escolar, percebemos que, embora os Parâmetros

Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) concebam e proponham que a escola seja um

contexto gerador de atitudes relativas não apenas ao conhecimento, como também aos seres

humanos, a aprendizagem relacional- que abarca noções de ética e de cidadania nas relações

interpessoais que constituem a convivência entre os membros da comunidade escolar-, muitas

vezes, faz parte do Projeto Político Pedagógico das escolas, mas não se apresenta como

conteúdo sistematizado a ser aplicado e desenvolvido no ensino coletivamente. A

aprendizagem relacional fica, desse modo, implícita nas atitudes individuais de todos que

compõem o cotidiano escolar que, por sua vez, estão imersos na subjetividade social da

escola.

O professor Rafael aponta a existência de distintos comportamentos dos adolescentes

quando se dirigem ao professor como, por exemplo, o fato de alguns “fingirem” que não

conhecem o professor quando encontram com este nos corredores da escola. Por outro lado,

outros desenvolvem uma relação até mesmo de amizade com o docente. Ademais,

diferentemente da criança que, segundo ele, não separa a pessoa do seu papel de professor, o

adolescente já faz essa distinção e, muitas vezes, a demonstra ao comentar com o docente que

este poderia dar aula de outra disciplina, uma vez que o adolescente não gosta tanto da

disciplina por ele ministrada, mas deixa claro que gosta da pessoa do professor. Tal

característica do adolescente é apreciada e compreendida como sinal de maturidade pelo

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docente. Ressaltamos que na adolescência, o estilo de comunicação do professor, sua abertura

para com as questões e inquietações dos alunos é o principal canal para o estabelecimento de

relações satisfatórias entre aluno e professor (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a). Em nossa

experiência como psicóloga escolar, percebemos que é muito comum que os alunos

adolescentes façam comparações entre seus professores, elegendo alguns como professores

queridos e outros como professores detestados. Nesse sentido, Milton expõe que:

O adolescente percebe exatamente o adulto com o qual ele se relaciona, muitas vezes de maneira crítica, muitas vezes de maneira perversa. Eu percebo nos adolescentes, admiração, ódio para com os adultos. É uma relação complicada porque eles tentam trazer nomes para as discussões, eles comparam os professores o tempo todo. [...] Então, assim eu vejo a relação do adolescente para com o adulto: primeiro, eles sabem exatamente com quem eles estão lidando. Eu acho que desde a primeira infância, eles manipulam o discurso, eles manipulam as ações, eles têm instrumental suficiente para tomar as decisões deles no sentido de proteger um educador ou de massacrá-lo. Para mim, isso é bastante claro, eles têm a noção exata sobre a relação que ele mantém com os adultos nesta instituição escolar. (Milton)

Embora o professor afirme que muitas vezes os alunos fazem comparações acerca do

estilo de aula de cada professor, ele assinala que, independentemente de o docente ministrar

aulas de forma inovadora ou tradicional, se ele “consegue conduzir uma conversa, devolver a

pergunta, botar o aluno para refletir, ele vai conseguir estabelecer, mesmo com aquele

diferencial todo, uma relação sadia”. Tal afirmação diz respeito à maior importância atribuída

aos alunos ao estilo de comunicação que esse professor desenvolve com os seus alunos do que

às metodologias de ensino, propriamente ditas, aspecto corroborado pelo professor Márcio,

segundo o qual “A relação de conhecimento é importante, mas com o adolescente o

relacionamento se torna principal. Principalmente, é uma questão de identificação de

modelos mesmo que se estabelece”.

Nesse sentido, o professor Bruno ressalta a importância de o docente buscar

estabelecer uma relação de proximidade com os seus alunos:

Enquanto professor, eu percebo que os tempos vão mudando, e nós mudamos com eles. Então, aquele professor que não é dinâmico, que não vive aquela intensidade ali, aquele professor não é bem aceito, não é bem quisto ali, talvez seja até bem respeitado, mas não é tão próximo. Até os conteúdos, as disciplinas [...] “Por que eu tenho que copiar o enunciado do exercício? Por que eu tenho que copiar no caderno se eu tiro do meu celular uma foto e a guardo no meu computador? Eu estudo lá”. Tudo tem um por que e se você não viver esses momentos com eles, ou seja, se você se colocar como professor aqui, e aluno daí, esse corredor está dividindo a gente e não

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dá certo. Pode o professor ser respeitado, mas não vai viver toda aquela intensidade de uma relação, onde não sou eu como professor que te educo como aluno, nem você como aluno me educa como professor, nós nos educamos ao mesmo tempo, então eu acho que caminha nesse sentido na relação professor-aluno. (Bruno)

Bruno aponta que os adolescentes “cobram, em síntese, essa relação de dois lados, de

ida e volta, só que talvez em alguns aspectos eles cobrem mais da vinda. Para eles, às vezes,

não tem muito a volta e, quando tem, é do jeito deles”. Para exemplificar, o professor expõe

que, muitas vezes, em sala de aula, os alunos querem mudanças na organização da sala, como

na disposição espacial das carteiras. Então, ele diz aos alunos: “Já que vocês estão se

tornando mais maduros, vamos organizar a sala do jeito que vocês querem organizar”. Nesse

sentido:

Coloco a responsabilidade neles, para eles naquele momento. Espere aí, eu contesto tanto a sala desse jeito, mas quando ele me permite fazer a sala de outro jeito, eu não sei, porque eu não refleti sobre. Eu sei contestar com relação ao padrão que eu me acostumei. Só que eu não sei. Eu sei contestar as coisas que meu pai e minha mãe falam, mas eu não sei fazer a compra no supermercado ainda. Só que essa outra vivência eles não estão tendo, os valores vem se modificando, mas tudo é dinâmico, eu penso. (Bruno)

Para Bruno, é muito comum que os adolescentes contestem as práticas docentes e,

sobre esse aspecto, evidencia a importância de o docente explicar os motivos que

fundamentam tais práticas, gerando, deste modo, reflexão junto aos alunos, tal como

exemplifica:

“Então, vamos tentar fazer de dupla hoje?”. “Ah professor, mas nem tem exercício do livro para copiar”. “Ah, vamos fazer de dupla. Vamos ver se dá certo? Se der, temos um acordo. Toda aula pode ser de dupla, não tem porque não ser. Se não deu, vamos voltar para a fila, um atrás do outro, fazer o quê? Vamos ter uma aula em círculo hoje?” “Vamos! Para que serve uma aula em círculo?”. “Por que a mesma aula que eu estou dando em círculo eu não daria em fila ou em dupla? Tem um motivo. Por que as mesas do laboratório são em círculo? Tem um motivo. Porque no laboratório é o momento de nós refletirmos de forma um pouco diferente da sala; nessa reflexão talvez exija que eu olhe no seu olho. Tem um momento, tem um porquê de se ter um círculo”. “Porque que toda aula não é em círculo? Porque o círculo é bacana para o debate e eu preciso olhar no seu olho, eu preciso saber quem levantou a mão para debater. No entanto, tem hora que nós vamos precisar da lousa, da projeção, tem aquele momento individual seu, o teste vai ser individual”. “Ah, professor, [deixa-nos fazer o teste] em dupla”. “Não, calma! O teste individual é para nós vermos como você está, se for em dupla eu não vejo como você está em termo de conteúdo”. Então exige os porquês, exige os momentos de reflexão com eles. (Bruno)

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Os apontamentos do professor Bruno nos remetem à concepção de desenvolvimento

moral na adolescência, segundo a qual nesta etapa é preciso que os adultos trabalhem tendo

em vista a moral da colaboração e não a da obediência (DRAGUNOVA, 1980), ou seja, que

sejam realizadas atividades nas quais os estudantes sejam implicados e responsabilizados nas

escolhas dos processos de convivência e, quiçá, dos próprios conteúdos pedagógicos.

Outro aspecto ressaltado nas relações professor-aluno refere-se à identificação do

aluno com o professor como um elemento importante nos vínculos que se estabelecem entre

ambos. De acordo com o professor Márcio, “Quando o adolescente se identifica com a

expressão verbal [do professor], a forma de se vestir, as posturas, isso eu acho que tem um

rebatimento nessa relação e no aprendizado do aluno”. Contudo, a questão da identificação

do estudante com o professor, ou vice-versa, é um processo que requer algumas

problematizações tratando-se de relações entre adolescentes e adultos. De acordo com Márcio,

existe certa dificuldade da parte de alguns adultos em desenvolver o seu papel, distinguindo-

se do papel do adolescente:

Com os professores eu percebo um pouco dessa dificuldade também. A gente, às vezes, quer também manter uma relação próxima com os meninos e acaba entrando num mundo deles e que, às vezes, eu vejo que alguns professores acabam se misturando nesses papéis. Hoje, na experiência que eu tenho mais próxima nessa instituição, por exemplo, eu consigo ver claramente professores que se identificam com o mundo do adolescente, mas que o compreendem de uma forma de fora, e olham e ajudam, às vezes. E, às vezes, eu vejo professores que se misturam também nesse personagem de ser adolescente-adulto, ele quer criar uma falsa disciplina e tal, mas que na verdade ele também é adolescente. Para mim, um exemplo claro disso é a questão do celular na escola, que os próprios professores também não dão conta de lidar com isso. A gente fala da importância dos meninos de lidar [com o uso do celular em sala], mas a gente vê que muitos professores descumprem as próprias regras criadas pelos adultos, e tudo é meio confuso então. (Márcio)

A fala do professor Márcio traz como ponto de discussão a relação do adolescente

mediante as regras estabelecidas. É importante contextualizar que, na época em que a

entrevista foi realizada, o uso do celular na escola estava sendo problematizado. Alguns

professores defendiam a utilização pedagógica do celular em sala de aula, enquanto outros

eram contrários a tal medida. Tendo se configurado num assunto novo e que ainda não havia

sido amplamente discutido em contextos formais na instituição, alguns professores passaram a

fazer uso do instrumento em sala de aula mesmo quando o conselho pedagógico da escola,

instância máxima deliberativa da instituição, não havia autorizado tal procedimento como

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regra para todos. Foi nesse sentido que Márcio fez referência a um comportamento adotado

por alguns docentes que, para ele, seria típico do adolescente, ou seja, infringir normas.

Porém, a literatura (DRAGUNOVA, 1980; DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003a; BOZHOVICH,

2003), mostra que esse tipo de comportamento não é preceito para todos os adolescentes, uma

vez que reações de protesto e desobediência ocorrem, sobretudo, quando o adolescente quer

se emancipar e os adultos permanecem tratando-o como criança, deixando de conduzi-lo a

reflexões que possam levá-lo ao entendimento das leis, das regras e normas sociais, não o

chamando a participar e se envolver nas atividades enquanto parceiro e colaborador.

Ainda no tocante às aproximações entre professor e aluno adolescente, o professor

Carlos percebe que a comunicação na relação entre os adolescentes se estabelece “de uma

forma mais fácil”, comparada à relação entre adolescente e adulto e, sobre isso, afirma que “talvez aí que esteja a chave do acesso ao jovem. Talvez a orientação é que a gente possa

vestir a roupa do adolescente para que a gente possa acessá-los”. Nesse enfoque, Carlos

expõe que uma das estratégias que utiliza para melhorar a comunicação entre ele e os seus

alunos é reservar um tempo para que possam conversar ao final da aula e, assim, conhecer

melhor e fazer parte do mundo dos seus alunos. Sobre tal procedimento, afirma: “Eu sinto que

é como se uma chave fosse mudada e aí eles entram num mundo paralelo, num mundo

diferente e o meu desafio, inclusive recentemente, tem sido fazer parte desse mundo, porque

as relações são diferentes” (Carlos).

Nesse sentido, em suas compreensões sobre as características relacionais dos

adolescentes, Carlos aponta a necessidade de modificar a sua prática a partir da mudança nas

relações que estabelece com os alunos, o que para ele constitui-se num desafio: “A linguagem

talvez seja diferente, o ponto de vista é diferente, mas, apesar dessas distinções, eu sinto que

existe uma recepção. Eles estão dispostos a compartilhar o mundo deles”. Tal apontamento

vai ao encontro da fala do professor Bruno, segundo o qual “os adolescentes, tirando algumas

exceções, são muito receptivos. No entanto, se você mostrar para eles de alguma maneira que

não vale a pena, eles vão entender que não vale para sempre também”.

Os apontamentos docentes indicam que as relações entre professor-aluno são

perpassadas por distintos aspectos, tais como o dispêndio, por parte do docente, de muita

energia física e mental, as diferenças geracionais e o seu papel docente como formador de

cidadãos. Neste sentido, percebem que a relação entre eles vai além das paredes da sala de

aula, se estendendo à família e a toda sociedade. Também assinalam a necessidade de

demarcação do seu papel de professor e, muitas vezes, a dificuldade em exercê-lo.

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Para Ibarra (2007), a coincidência entre a percepção do professor sobre si mesmo e a

percepção que os alunos têm dele é condição essencial para a prática educativa, uma vez que

permite a identificação entre ambos. “Da imagem que o aluno forma de seu professor depende

a compreensão da informação que este lhe transmite, além da assimilação das normas e

valores propostos pelo professor” (IBARRA, 2007, p. 16). A autora preconiza que, no

processo de comunicação entre professor e aluno: “Quando o funcionamento do sistema é

gratificante para seus participantes, devido a pautas de comunicação efetivas, se manifesta

uma relação comprometida com o outro, que facilita os vínculos que se requerem para o

desenvolvimento da tarefa educativa” (IBARRA, 2007, p. 25).

Neste enfoque, os docentes indicam que o adolescente compreende os seus professores

e já sabem diferenciar a pessoa do papel que realiza. Os alunos exigem a reciprocidade nestas

relações, o cuidado na explicação da ordem das coisas e não apenas a imposição de normas. A

partir de suas compreensões, concluímos que os professores indicam a necessidade de se criar

formas de conhecer e de se aproximar dos seus alunos para desenvolverem um vínculo afetivo

que permita que as relações professor-aluno sejam mais satisfatórias.

A importância dos vínculos afetivos na relação professor-aluno

A necessidade de escutar e acolher os adolescentes em suas angústias, dúvidas e

questionamentos é assinalada por alguns professores como fundamental no trato com os

alunos. De acordo com o professor Rodrigo, os estudantes sofrem de uma falta de escuta

muito grande em seu cotidiano, o que vai ao encontro dos estudos de Checchia (2006) que

apontam a necessidade de os alunos adolescentes serem ouvidos. Nesse sentido, o docente

identifica na escola a existência de elementos de ordem institucional nos quais prevalece a

imposição ao invés do diálogo e entende que tal processo não é bem quisto pelos alunos que,

por sua vez, querem sempre contestar.

Nesta mesma perspectiva, Carlos destaca a necessidade de se construir uma relação de

maior proximidade entre o adolescente e seu professor, opinião compartilhada pela professora

Fernanda que ressalta a importância do estabelecimento de vínculos afetivos entre professor e

aluno. Ela aponta que o adolescente demanda ser tratado como indivíduo, com as suas

particularidades e, por isso, quando o professor consegue criar um vínculo afetivo mais

próximo com o aluno, este tende a respeitar mais o trabalho do professor, até mesmo quando

não gosta do conteúdo ministrado. Nesse sentido, afirma: “[...] eu gosto de trabalhar com

adolescente, porém eu percebo que é mais fácil a gente trabalhar com adolescente quando

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você cria um determinado vínculo com eles [...]”. A docente expõe que, ao longo de sua

experiência profissional, conseguiu melhores resultados com turmas que estava

acompanhando há algum tempo e, a este respeito esclarece que:

O trabalho é outro, cria-se um vínculo de respeito, de conhecimento, até de afetividade mesmo. Acaba que a gente conhece a história de cada aluno, porque são quatro anos, dá tempo disso acontecer. O aluno também acaba conhecendo a gente em outras situações que não somente de sala de aula, porque também dá tempo de acontecer isso. Então, cria-se esse vínculo que, do meu ponto de vista, facilita o trabalho docente, porque eu acho que o aluno respeita mais, mesmo que ele não goste do conteúdo que você está ministrando, por respeito a você ele procura se envolver. Então, eu vejo que o adolescente não aceita ser tratado como número, de forma impessoal. Eu acho que eles são muito de sentimento. Eu vejo que esse envolvimento facilita no trabalho. (Fernanda)

Na mesma direção, Márcio entende que as relações entre professor e aluno adolescente

seriam mais bem constituídas se houvesse um acompanhamento contínuo do docente junto a

um mesmo grupo de estudantes ao longo do ciclo de ensino. Assim, o professor passaria mais

tempo com eles durante a sua formação, garantindo-se uma maior rotina de organização

escolar, além do fato de que os alunos já compreenderiam o “estilo” do professor, evitando os

impactos gerados pelas constantes adaptações:

O processo de ensino-aprendizagem do aluno hoje é curto, o tempo que a gente tem na escola não é suficiente e, daí quando você passa para essa questão dos relacionamentos, perde-se muito tempo na adaptação novamente do jovem ao grupo, aos professores. Então essas mudanças têm que ser as mínimas possíveis, para que se aproveite mais o tempo. (Márcio)

O professor Rodrigo entende que o docente tem o papel de estabelecer uma ponte entre

o que o outro é e sabe, com outro universo correspondente. No entanto, ele aponta a

dificuldade de alguns professores em conduzirem esse processo, uma vez que muitos não

querem mudanças neste sistema relacional baseado numa relação mais hierárquica e menos

dialógica. Do mesmo modo, o professor Bruno expõe que ser um professor preocupado com a

formação do aluno exige que se seja dinâmico, que se façam reflexões com a turma e não

apenas “passar cinquenta minutos dentro da sala de aula e ir embora. É viver intensamente

aquilo, assumir que sou professor e pronto”. Neste processo de construção de vínculos,

também é apontada a importância de o professor compreender o momento evolutivo pelo qual

o adolescente passa. Nesse sentido, Patrícia afirma:

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Acho que o adolescente demanda do professor que este compreenda o mundo dele, compreenda a fase em que ele está vivendo e não o trate nem como criança e nem necessariamente como adulto, porque se não, ele não vai consegui manter um diálogo num relacionamento. Se houver um bom relacionamento, se houver empatia de ambas as partes, já é um pontapé para um bom trabalho. (Patrícia)

O docente Carlos também faz referência à necessidade de se conhecer os alunos e

construir relações em que sejam valorizados os vínculos afetivos:

Eu vejo que o professor precisa, primeiramente, conhecer o seu aluno. No início do ano é fundamental que ele tenha um momento, talvez crie um questionário ou então faça uma dinâmica onde o aluno se mostre, porque a partir de então, é possível você construir uma rede de relação diferenciada. O seu tratamento vai ser outro em relação aos alunos. Aí, muitas vezes, entra o lado afetivo. O afetivo não é exclusividade do pai ou da mãe. O afeto é humano. Então, eu sinto que, muitas vezes, quando o professor estimula a autoestima de um aluno, ele responde positivamente. (Carlos)

Nesse sentido, Carlos acrescenta outras formas ideais de aproximação com os alunos

que poderiam ser desenvolvidas na escola:

Nós impomos as normas e, talvez, seja necessário, se nós pudéssemos, na primeira semana [de aula], viajarmos para um parque aquático, que é uma realidade próxima de nossa cidade. Se ficássemos, por exemplo, dois, três dias juntos, eu tenho certeza que isso teria um reflexo fundamental na relação professor-aluno durante o ano inteiro. Diria mais: durante a vida inteira. (Carlos)

Para o professor Rodrigo, os alunos carecem de uma maior proximidade com os

professores de um modo geral, o que ficou evidente para ele quando alguns de seus alunos

explicaram-lhe que, em algumas situações, conseguem entender melhor a matéria quando são

os estagiários que a explicam31. Sobre isso, o professor compreende que o estagiário costuma

ser mais próximo dos adolescentes, o que facilita a compreensão da matéria: “Mas essa

sensação de proximidade, eles estão carecendo disso, e eles sabem que comigo eles têm,

porque eu não julgo. Só que eu evito o disse que disse, com nomes, eu tento discutir a

situação” (Rodrigo).

Assim, Rodrigo refere-se à necessidade de que os professores de adolescentes se

aproximem da cultura juvenil, uma vez que “os professores que favorecem essa ponte têm um

31

Por se tratar de um colégio de aplicação, a escola em que os entrevistados atuam recebe muitos estudantes do Ensino Superior para que estes realizem estágios, atendendo a uma demanda de formação em licenciatura. Os estagiários são, majoritariamente, pessoas mais jovens que os professores atuantes o que, supostamente, os tornariam, de alguma maneira, mais próximos dos adolescentes.

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rendimento fabuloso”. Ademais, ele compreende tal aproximação como um modo de estar

culturalmente atualizado diante das mudanças que ocorrem no mundo:

Hoje, eles [os adolescentes] são, para mim, os meus pluguins do mundo. Eu vivo em 2014 por conta deles, porque senão, talvez, eu já tivesse envelhecido mais. Eu lido com jovens porque eles são a minha fonte da juventude. Eu gosto de saber o que acontece hoje, mesmo que eu não busque diretamente quem são os cantores ou os livros, eu vejo, passa por mim. Porque senão, eu fico carregando o peso de uma cultura que não se atualiza, não vem para o presente e isso para um professor é muito triste e as pessoas não se dão conta de como elas se relacionam, enquanto professores, com o campo da cultura presente, de como isso poderia facilitar o entendimento dessa juventude. [...] Eu acho que isso me ajuda a “baixar a guarda”, a entender o campo da cultura hoje, no que eles vivenciam hoje, mesmo para que eu possa ampliar e trazer outro referencial. (Rodrigo)

De acordo com Milton, a constituição do adolescente atual, que se desenvolve na

sociedade contemporânea, atravessada por vetores como o aumento da velocidade das

informações e do ritmo de vida e as alterações nos sistemas de comunicação, incide na sala de

aula. Nesse sentido, o professor considera que, nas relações estabelecidas em sala, alguns

professores têm dificuldades em lidar com as diferenças que surgem a partir das novas

configurações no pensamento dos adolescentes, uma vez que “[...] o adolescente vem para a

sala de aula muito desprovido do pensamento lento, da lentidão necessária para a

acomodação do conhecimento, desrespeitando os professores que são lentos, porque eles

estão acostumados com um mundo da rapidez” (Milton).

Milton entende que há uma lentidão necessária para a “acomodação do

conhecimento”. Contudo, a velocidade ao lidar com as novas informações e a ênfase no

momento presente (LEAL; FACCI, 2014; SALLES, 2005) são aspectos da pós-modernidade

que incidem na subjetividade social, perfazendo uma cultura cuja geração manifesta novos

comportamentos, exigindo do professor novas formas de ser e estar com os estudantes. Tais

fatores, somados à influência da mídia na constituição psicológica dos adolescentes e da

sociedade, em geral, são ressaltados pelo professor Milton, que diz: “Eu vejo um perfil

psicológico muito influenciado pela mídia, porque as famílias, a sociedade, incluindo a mim,

nós somos muito influenciados pela mídia, pouco preparados para a construção do

conhecimento”. Por se tratar de uma atividade que, muitas vezes, quebra alguns padrões

midiáticos e demanda uma concentração maior para o desenvolvimento de conceitos

científicos que são dialogados com a realidade do cotidiano, o professor pontua que estudar é

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um processo que causa dor e desconforto e, em sala de aula, ele percebe que é preciso estar

atento a isso.

De forma geral, as compreensões docentes apontam para a importância do

estabelecimento de vínculos afetivos na relação professor-aluno, o que, conforme Ibarra

(2007) assegura, atendem às funções de interação ou influência recíproca e de compreensão

mútua no processo comunicativo. Logo, assinalam a necessidade de escutar e acolher os

adolescentes em suas angústias, dúvidas e questionamentos, construindo uma relação de

maior proximidade, na qual o adolescente possa ser tratado enquanto indivíduo, com as suas

particularidades.

Além disso, destacam a importância de o professor compreender o momento evolutivo

pelo qual o adolescente passa, abrangendo a constituição do adolescente que se desenvolve na

sociedade contemporânea e, por isso, demandando novas formas de relacionamento e até

mesmo de procedimentos pedagógicos.

O exercício da autoridade e os conflitos na relação professor-aluno

Em que medida a autoridade do professor não ultrapassa a linha do autoritarismo? De

que modo ele lida com a necessidade de impor limites aos adolescentes e como são

percebidos e conduzidos os conflitos que surgem nas relações entre alunos e docentes? Tais

aspectos foram destacados, de diferentes perspectivas, pelos educadores deste estudo.

De acordo com Isabela, o componente de autoridade nas relações entre professores e

alunos pode trazer implicações importantes na prática docente, visto que alguns alunos

demonstram dificuldade em lidar com figuras de autoridade:

[...] eu percebo de alguns [alunos] uma revolta, às vezes, com a gente, nesse sentido da figura que eu represento, não por mim, mas por ser a voz da autoridade e, ali, eles não querem aceitar nenhuma autoridade na sala. Já outros não, outros são tranquilos, lidam com uma relação mais próxima, conversam, trazem sugestões, fazem questionamentos para a gente. (Isabela)

Assim, a docente entende ser necessário impor limites aos adolescentes que exigem

posturas mais firmes:

Os adolescentes demandam muito limite, tanto dos pais quanto de nós, professores, porque eles estão o tempo inteiro tentando ultrapassar. Então, eu sou muito firme em sala de aula, porque eu penso que é necessário. Isso é

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outra coisa que eles demandam da gente: firmeza, atitude, postura, autoridade em sala. Não o autoritarismo, mas a autoridade. (Isabela)

De acordo com Ibarra (2007, p. 23), ante a preocupação docente pela possível perda de

autoridade na educação dos alunos, é preciso refletir sobre o conceito de autoridade.

“Etimologicamente, “autoridade” deriva de “autor” e este de augere, que significa aumentar,

fazer crescer, ou seja, a força que serve para sustentar e acrescentar”. Assim, a partir de sua origem, a autoridade do professor pode ser definida como

uma influência que sustenta e acrescenta a autonomia e a liberdade dos alunos. É um serviço às crianças e adolescentes em seu processo educativo, que implica o poder decidir e sancionar em determinadas circunstâncias, é uma ajuda que consiste em promover a participação dos alunos na vida escolar e em orientar sua crescente autonomia e responsabilidade (IBARRA, 2007, p. 23).

A autora assegura que algumas dificuldades no exercício da autoridade são oriundas da

falta de constância e serenidade, resistência à frustração e pouca capacidade de decisão,

rigidez na tomada de decisões e nas exigências adotadas após as decisões tomadas. Tais

dificuldades expressam falta de autoridade. Por outro lado, o exercício arbitrário da autoridade

constitui-se em autoritarismo, um tipo de autoridade exercida a partir das necessidades do

adulto, que pode ser o professor ou pais, sem legitimar as necessidades do adolescente, o que

provoca neles a rebeldia.

Ibarra (2007) expõe que o paternalismo é também uma forma de autoritarismo,

caracterizada pela imposição de interesses, gostos e decisões de quem tem o poder a outro,

que é anulado nessa relação. No paternalismo, considera-se que é uma forma de proteger e

educar o outro, quando na verdade, se está limitando o seu crescimento, tornando-o

dependente e, se o adolescente reclama autonomia, o adulto sente isto como deslealdade, uma

vez que considera que há uma dívida de gratidão a ser paga. Ademais, pode acontecer de este

tipo de vínculo se manter e o adolescente não sentir a necessidade de independência.

Milton indica a importância do cuidado que o docente deve ter para evitar ser

autoritário e transformar situações de conflito em situações de aprendizagem:

É muito comum nesta fase ele questionar o porquê das coisas e a gente precisa transformar esse porquê em situação de aprendizagem o tempo todo. Não podemos enfrentar de forma autoritária, mas nós temos que ter autoridade suficiente para devolver, muitas vezes, a pergunta do adolescente. Por que não aprender, sermos um pouco Caetano, ou não, ao final das falas? Eu vejo no trabalho com as crianças e adolescentes sempre

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o ato de não resposta, perguntas cada vez mais profundas que trabalhem com a situação-problema e, à medida que você colocar uma pergunta que seja profunda, ela pressupõe a leitura, pressupõe a investigação, ela pressupõe a pesquisa. (Milton)

Ainda, o professor aponta que o conflito faz parte da etapa de vida em que o

adolescente se encontra e, somado a isso, entende que o próprio ato de aprender pressupõe

conflitos:

No trabalho do educador com o adolescente tem o fato de o conflito ser o curto circuito da idade, mas ao mesmo tempo, à medida que você ensina, o próprio ato de ensinar na sua complexidade, necessariamente, coloca um curto circuito: o aluno tem de ser mobilizado o tempo todo e ele só é mobilizado a partir de situações-problema. Então, a gente tem que ter uma clareza muito grande, é um trabalho de autoconhecimento que nos permite entender que na relação da escola com o educando, o tempo todo você tem conflito colocado e, à medida que você resolve um conflito, você precisa colocar uma situação-problema que vai desestabilizar toda a aprendizagem para que novas coisas sejam agregadas ali, novas formas de pensar, de construir, novas fórmulas, novos conceitos que vão iluminar qualquer problema. (Milton)

As observações de Isabela e de Milton destacam o conflito como um fenômeno

comum na docência com adolescentes. Porém, Milton demonstra a apropriação que faz deste

fenômeno como parte do processo de ensino-aprendizagem, dando ênfase aos conflitos

cognitivos que ocorrem durante o aprendizado, a partir das situações-problemas que são

apresentadas aos estudantes. Assim, percebemos dois tipos de conflito: o interpessoal baseado

nas relações de papéis (professor-aluno) e o intelectual, fundamentado nos procedimentos

pedagógicos que criam situações nas quais os estudantes se deparam com questões que, por

serem problemáticas, causam atritos, desconforto, exigindo deles a busca pela resolução de

problemas.

Apesar de entendermos que todos os conflitos vividos pelo adolescente sejam

manifestações da sua subjetividade, podendo estar relacionados especificamente à etapa de

desenvolvimento em que se encontram, como também às circunstâncias concretas da vida de

cada um, percebemos um terceiro viés de conflito, que diz respeito mais especificamente aos

aspectos que incidem na formação da identidade do adolescente, o que se relaciona às

questões de autoimagem, ao olhar dos colegas sobre ele e como isso lhe provoca dúvidas e

questionamentos, às questões da sexualidade, dentre outros elementos que podem provocar

agitações internas no adolescente e, consequentemente, manifestar-se na escola. Nesse caso, o

professor de adolescentes pode, direta ou indiretamente, entrar em contato com tais

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expressões de conflito e, de acordo com suas possibilidades, desenvolver estratégias

pedagógicas capazes de transformá-las em instrumentos de aprendizagem, conforma aponta

Milton:

[...] O adolescente vem e passa 4 a 5 horas na escola, mas passa o restante do tempo fora da escola, então, aquilo que ele traz, também acaba por contaminar o trabalho do educador e ao contaminar o trabalho do educador, automaticamente, você tem que pegar tudo aquilo junto e fazer a coisa nova acontecer e sempre iluminado pelo conceito, pelo conhecimento; transformar o senso comum enquanto possibilidade de análise. Então eu vejo que o adolescente é conflituoso e chega à escola, ele fica mais conflituoso ainda e, a partir do conflito, você tem que constituir nele uma maturidade suficiente para que ele construa conhecimentos, conceitos, novas possibilidades. Eu acho que essa é a situação colocada frente ao trabalho com o adolescente. (Milton)

Também partindo da concepção segundo a qual o conflito faz parte da adolescência, o

professor Bruno percebe que o adolescente estabelece determinadas atitudes de confrontação

com o adulto devido à sua vontade de ser adulto e, ao mesmo tempo, por saber que ainda não

o é. Tal argumento está de acordo com os estudos sobre a crise da adolescência a partir do

Enfoque Histórico-Cultural, os quais ressaltam que, muitas vezes, o adolescente entra em

crise devido às contradições que percebe ao sentir-se potencialmente capaz e, ao mesmo

tempo, limitado por fatores externos que o impedem de exercer toda a sua potencialidade.

No entanto, é preciso diferenciar “crise” de “conflito”, uma vez que a crise tem caráter

psicológico e resulta das contradições entre o que o sujeito pode e o que ele não pode realizar,

cujas causas podem ser biológicas, sociais e psicológicas. Já o conflito existe, sobretudo, no

plano das relações de comunicação e, neste sentido, trata-se de uma expressão da crise

(DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2007). Logo, no plano das relações de comunicação entre

professor e aluno, Bruno afirma:

Na relação deles com os adultos nós percebemos, talvez a palavra mais adequada não seja essa, a rebeldia, o entrave mesmo. Ele quer se ver como adulto, mas ao mesmo tempo ele sabe que não o é, só que não dá o braço a torcer. Então, como ele olha o adulto como alguém que ele vai vir a ser ele, já quer se colocar, mas ainda não é. Ele vê no adulto, seria como se fosse uma inveja, mas não é uma inveja. Ele ainda não pode ser, então ele se manifesta contra aquilo: “eu já sei, então não adianta você vir discutir comigo que eu já sei”. Ele se coloca meio que num mesmo nível de disputa. Então, a ordem já não pega bem mais, porque “eu também já sou adulto”. No fundo, ele sabe que não o é, só que na adolescência ele não quer dar o braço a torcer. (Bruno)

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De acordo com Bozhovich (2003), na adolescência muitos conflitos podem ocorrer

devido à diferença de percepção de adolescentes e adultos acerca dos deveres e direitos do

adolescente e à falta de flexibilidade do adulto em transformar as relações entre eles. O

adulto, muitas vezes, fundamenta o seu trato com o adolescente baseado numa moral de

obediência, na qual dá ordens e espera que seja obedecido. Contudo, esse tipo de relação já

não se coaduna com as mudanças que ocorrem com o adolescente que, por sua vez, passa a

demandar um novo tipo de relação com os adultos, baseada numa moral de colaboração.

Assim, segundo Domínguez García (2003a), as situações de conflito podem ser aproveitadas,

tornando-se espaços de identificação e formação da orientação moral dos estudantes.

As contradições do adolescente relacionadas à vontade de ser independente e, ao

mesmo tempo, não ter a autonomia desejada são ressaltadas pelo professor Bruno como

características psicológicas que incidem na relação professor-aluno:

Os adolescentes pensam “eu já consigo ter a verdade sobre isso, eu não preciso ouvir o adulto mais”. As regras que valiam antes não vão valer mais para mim. Eu já consigo ir para a escola sozinho, eu já consigo me virar sozinho. No entanto, nós vivemos em uma realidade onde a maioria desses jovens, talvez parte desses jovens, não pôde passar por situações onde eles vão saber que, de fato, não era isso que eles estavam pensando, como uma situação de pobreza severa. Então, a maioria dos jovens que disputa com os adultos não sabe o que é ir para o serviço às cinco horas da manhã e voltar só à noite. Eles querem viver uma vida de adultos sem as mesmas tarefas, deveres dos adultos. Então, existe esse entrave e, do outro lado, tem o adulto que, às vezes, não compreende também o pensamento do adolescente porque são muitos, são diversos. (Bruno)

As observações de Bruno ilustram a dificuldade que, muitas vezes, o adolescente

demonstra em perceber a realidade em sua complexidade. Tal aspecto vincula-se ao

desenvolvimento do pensamento abstrato e da formação da concepção de mundo que, na

adolescência ainda está em vias de formação. Muitas vezes, os adolescentes compreendem as

situações de forma dicotomizada porque ainda não desenvolveram a concepção de mundo,

uma formação psicológica que se concretizará apenas na juventude (DOMÍNGUEZ GARCÍA,

2003).

Entendemos que, gradualmente, com a formação de novos conceitos científicos ao

longo do processo de escolarização, tal formação garantirá ao jovem uma percepção mais

ampla da realidade que o cerca e, neste aspecto, poderá compreender melhor a posição do

professor em sala de aula. Além disso, via de regra, as próprias condições concretas

permitirão que o sujeito resolva boa parte das contradições que a etapa da adolescência lhe

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impõe, uma vez que ele já não será percebido como criança, terá mais responsabilidades e

mais possibilidades de demonstrar as suas potencialidades.

A rivalidade que alguns alunos desenvolvem em relação à figura do professor é

destacada por Milton, segundo o qual, no início da relação professor-aluno, o adolescente

percebe o professor como um rival, pois “é aquele que vai “ferrar”, dar a prova mais difícil

ou mais fácil [...]. Eu vejo que eles chegam muito despreparados, com expectativas muito

interessantes e você tem que fazer um convencimento de por que você não é o rival”. Tal

rivalidade também é assinalada pelo professor Rafael, que observa uma mudança brusca na

relação professor-adolescente, uma vez que, diferentemente de quando era uma criança, o

adolescente adota uma postura de enfrentamento frente ao docente.

Uma vez que o professor trabalhou com os mesmos alunos em diferentes etapas de seu

desenvolvimento, ele pôde perceber as transformações de ordem relacional e, sobre isso,

assegura que, mesmo considerando essa situação como algo que lhe provoca desconforto,

compreende que tais comportamentos fazem parte da adolescência:

A gente acaba achando ruim, mas também penso que é uma prática natural própria do adolescente mesmo. Eu já vi alguns alunos depois que saíram aqui da escola, que ficam amigos da gente no face, verem a gente nos lugares e é outra coisa, o menino já está bom de novo, sabe?! Então, foi uma fase, vamos respeitar a fase. Eu acho interessante, mas hoje eu lido um pouco melhor com isso. Tanto que tem aluno que a gente até já jogou bola [juntos] depois que ele saiu daqui [...]. Como diz o outro: “não é pessoal, era da minha idade, não é pessoal não, eu gosto de você, mas é da minha idade, sabe?”. (Rafael)

Para Carlos, o conflito entre adulto e adolescente não se limita às relações deste com o

professor, mas se estende aos pais e aos adultos de outros setores da sociedade: “Eu sinto que

existe aí uma demarcação de território, como se fossem lobos que demarcam seu território”. Nesse sentido, ele considera importante que o adulto encontre canais de acesso ao

adolescente, pois “está aí um grande nó, um nó das relações sociais: jovem e adulto

encontrarem canais de comunicação”. Ao relatar sobre experiências negativas nas relações

com os adolescentes, o professor afirma:

Não adianta você criar um personagem autoritário para lidar com adolescente. Ele nunca funciona. Talvez, você até acredite que funcione, mas se você fizer uma avaliação, uma análise, você vai perceber que isso não tem repercussão. Na verdade, você é respeitado pelo medo. (Carlos)

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A necessidade de o professor se manter como “o adulto na relação” na mediação de conflitos é ressaltada como aspecto central da docência pelo professor Milton:

Quando você vai trabalhar com o adolescente, você agrega vários fatores, primeiro, o fato de que na relação, você é um adulto. Então, sempre que você vai trabalhar com o adolescente, você vai ter muitos conflitos, que vão, de certa forma, atravessar seus próprios conflitos enquanto educador. Quando você vai fazer o trabalho com eles você não pode se esquecer de que você é o adulto na relação. Então, o ser adulto é conseguir brincar, é conseguir sentar no chão para fazer uma atividade, fazer junto, usar a palavra, usar a música da moda, não há problema. Mas ao mesmo tempo, ele sabe que se você tiver de interferir, se ele for inadequado, você vai interferir, [e ele] vai respeitar a interferência, porque ela é adequada. (Milton)

Ademais, no processo de conduzir situações de conflito, Milton destaca a importância

do controle das emoções, uma vez que

Se o adulto deixa o emocional aparecer, ele pode deixar o emocional aparecer desde que seja o emocional voltado para a reflexão. Se ele explode, aí perdeu. No próximo conflito ele vai continuar perdendo. Aí o aluno pode perceber que ele pode desestabilizar o professor porque, também, o limiar entre o racional e o emocional é muito tênue e, se o professor tem essa fragilidade, os alunos sabem exatamente onde vão botar o dedinho, e eles são perversos, sempre quando eles querem, eles são terríveis. Esse é o ser adulto, é discutir tudo, mas no momento certo, no tom de voz correto. (Milton)

O tema do controle das emoções nas relações professor-aluno ressaltado por Milton

leva-nos a pensar num dos fundamentos da teoria vigotskiana que diz respeito à dialética

presente na unidade afeto-cognição, princípio segundo o qual não há aprendizagem que não

mobilize afetos. As emoções são funções psicológicas superiores e, como tal, podem ser

mediadas (TOASSA, 2009). Nesse sentido, entendemos que o professor é o principal

responsável pela mediação das emoções que emergem em sala de aula, pois como adulto e

parte mais experiente da relação, uma de suas funções é cuidar para que os aspectos afetivos,

tais como a motivação e o interesse, possam ser direcionados para que se alcancem os

objetivos pedagógicos. Contudo, sabemos que, no cotidiano escolar, nem sempre os

professores conseguem lidar de forma adequada com os imprevistos que acontecem em sala

de aula, como as explosões emocionais que emergem, vez ou outra, devido a inúmeros fatores

que não nos cabe, aqui, nos limites deste trabalho, apontar ou deduzir.

Nesse sentido, o professor Milton pondera que as escolas precisam aprender a lidar

com a leitura que os alunos fazem sobre “o adulto da relação” para evitar que os professores

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percam o controle ao realizarem enfrentamentos desnecessários com o aluno, que poderiam

ser abordados de maneiras mais construtivas e emancipatórias. Nessa perspectiva, “a pessoa

tem que ser razão; a emoção dele se trabalha em outro momento, não que ela não tenha que

ser trabalhada, mas na situação de conflito, se você vai para o emocional é um de um lado e

vinte e cinco do outro” (Milton). Ainda que o professor faça uma aparente cisão entre os

aspectos racionais e emocionais, percebemos que ele valoriza a capacidade docente de

compreender as suas próprias emoções e não deixá-las dominar a cena no palco da sala de

aula. Ao contrário, Milton sugere que o professor utilize a sua capacidade de pensar sobre as

próprias emoções e, mediante o coletivo de estudantes, saiba conduzir os processos subjetivos

de uma maneira adequada. Nesta acepção, o docente explica que é preciso trabalhar de

maneira contínua com os conflitos, mobilizando os alunos por meio de recursos racionais, que

os estimulem a pensar, pois:

Se você trabalha com o conflito ao longo do tempo, dando pistas que contribuam para o distanciamento necessário para a resolução do conflito, causando o menor prejuízo possível, ele se dissolve. Às vezes, é preciso amadurecer nas relações pessoais, nas relações profissionais, é preciso amadurecer para que esse conflito se efetive e se calcifique mesmo, porque fica uma camada de calcificação, o conflito vai acontecer, não vai ser negado, não pode ser negado, ele fez parte da sua existência, mas ele pode se descalcificar sem prejuízo dentro daquelas descalcificações já existentes, sem grandes problemas e mazelas. (Milton)

Dentre as compreensões acerca do exercício da autoridade e dos conflitos na relação

professor-aluno, os professores assinalam que alguns estudantes demonstram dificuldade em

lidar com figuras de autoridade e, neste sentido, é necessário impor limites aos adolescentes

que exigem posturas mais firmes. Contudo, percebemos que os docentes buscam estabelecer

relações em sentido contrário às de autoritarismo, uma vez que indicam que o professor deve

evitar ser autoritário e saber transformar as situações de conflito em situações de

aprendizagem, entendendo que o conflito faz parte da etapa de vida em que o adolescente se

encontra. Nesse sentido, apontam que o adolescente estabelece determinadas atitudes de

confrontação mediante o adulto que podem estar relacionadas à vontade de ser independente

e, ao mesmo tempo, não ter a autonomia desejada. Ainda, assinalam a função mediadora do

professor perante os conflitos que surgem nas relações entre professor e aluno.

Estabelecimento de limites, regras de convivência e o diálogo em sala de aula

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A busca pela compreensão das características psicológicas dos adolescentes, sobretudo

quanto aos seus processos de formação de pensamento, é destacada pelo professor Bruno

como um caminho possível para que o docente lide melhor com os seus alunos:

Como as opiniões estão sendo formadas de maneira mais forte, talvez [o adulto] não aproveite o movimento do adolescente para convergir para outro lugar, para poder desviá-lo e ir para um caminho mais bacana. Às vezes, o adulto quer chegar e parar esse movimento, falar o que tem que falar, para depois apontar: “Você vai para ali”. Assim, entra de novo a questão do entrave. Como professor, eu percebo que se você tenta compreender isso, você se dá um pouco melhor com eles. Acho que já foi o tempo das nossas crianças, com professores como antigamente, hoje eu acho que isso não é bem aceito mais. (Bruno)

Tal apontamento está em consonância com a afirmação de González Rey e Mitjáns

Martínez (1989), segundo os quais, com o início da adolescência, o jovem passa a

desenvolver de forma acelerada suas reflexões sobre si mesmo, seu lugar na vida e no sistema

de relações. Tais reflexões podem configurar-se como convicções equivocadas e a falta de

esclarecimento dessas questões por parte do adulto, sobretudo pais e professores, pode levar

ao desenvolvimento de qualidades e posições negativas na personalidade do adolescente, além

de embates desnecessários e desgastantes entre este e os adultos.

A falta de preparo do adolescente para lidar com as frustrações é considerada um fator

predisponente de conflitos em sala de aula, nas relações entre professor e aluno. Contudo,

Milton compreende que tal configuração não é oriunda apenas de aspectos internos do

adolescente, mas resulta de toda uma conjuntura social:

Muitas vezes, em síntese, é necessário viver a frustração. Então, a nossa sociedade é uma sociedade que prepara para a não frustração. Você vai ao shopping, tudo está disponível para você comprar, você vai ao cinema, as condições que o cinema retrata são condições ideais, a novela retrata a condição ideal, a propaganda traz um dado novo, que geralmente é satisfação. Então, quando a frustração acontece, ou ela vira uma relação de ódio para com o educador, ou o educador tem que se desdobrar enquanto profissional, tem que transformar aquela relação numa relação de amor-ódio, porque eu acho que a educação é um pouco isso: ao mesmo tempo em que você idolatra o seu formador, seu professor, você tem com ele certa energia ali que, às vezes, pega curto circuito. Tem vontade de falar umas boas para ele, mas no fim, você acaba não falando e você percebe que a relação é essa mesmo. (Milton)

Neste enfoque, a professora Patrícia também faz referência ao cotidiano das relações

estabelecidas em sala de aula, destacando que, uma vez detectada alguma dificuldade do

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aluno, ela busca observá-lo e se aproximar da sua realidade para “trazê-lo” à aula, utilizando-

se de alguns procedimentos que primam pelo uso adequado da linguagem e do diálogo:

Se o aluno está com alguma dificuldade, [digo-lhe para sair da sala e] tomar alguma água, respirar um pouquinho e depois voltar. Daí, você vai brincando com ele e falando ao mesmo tempo a sua linguagem e a gente consegue ter um diálogo, porque eu acho que é questão de linguagem. [...] Acho que por aí o relacionamento vai bem, através do diálogo. (Patrícia)

Patrícia expõe a importância de o adulto se aproximar do adolescente, por meio do uso

da linguagem, promovendo relações mais dialógicas com os adolescentes:

Se o adulto chega numa posição de adulto mesmo, com uma linguagem menos apropriada, com uma posição de imposição, ele não consegue manter um diálogo, mas se ele leva de uma forma mais maleável, se ele entra mais no universo do adolescente, trazendo coisas que fazem parte do mundo do adolescente, ele consegue se aproximar num diálogo. (Patrícia)

Ademais, conforme Patrícia afirma, para que se tenha um bom relacionamento entre

aluno e professor, é importante que este não recrimine o adolescente em sala de aula, e sim

que, de forma dialógica, mostre as regras e determine os limites:

Você tem que saber chamar a atenção, tem que ser uma coisa [voltada] para o diálogo, tem que levá-lo a refletir sobre as atitudes dele, com calma, com perguntas, por meio do diálogo socrático. Você leva o aluno a perceber o seu erro e tal, mas não impondo, não chegando [e dizendo]: “pare com isso”. Se você chegar numa posição de distanciamento, você não terá um bom relacionamento também, mas se você tentar chegar numa posição de permear o mundo dele, saber que assunto, qual é o assunto do momento, o que faz parte do mundo do adolescente, pois todos nós já fomos adolescentes, você vai ter um bom relacionamento com eles.(Patrícia)

Quando Patrícia sublinha que todos nós já fomos adolescentes, tal afirmação parece

ser uma pista de aproximação entre o mundo do adolescente e o mundo do professor. Embora

passando por experiências diferentes, em culturas marcadas por tempos e espaços distintos, o

adulto da nossa sociedade ocidental já foi um adolescente e a rememoração deste fato pode

estabelecer uma ponte de identificação capaz de aproximá-los e propiciar trocas.

Dragunova (1980) considera que os professores e pais precisam ajudar os adolescentes

a internalizar os valores do mundo dos adultos, pois do contrário eles se integrarão ao mundo

de modo a privilegiar a ajuda dos companheiros, amigos e outros adultos. Isso poderá gerar

dificuldades nas relações com os adolescentes de sétimo e oitavo ano, devido à divergência de

opiniões. Neste sentido, a autora ressalta que o adulto não deve dizer que a opinião do

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adolescente não importa, mas lidar com opiniões equivocadas argumentando, escutando-o

com serenidade, moderação, tomando com seriedade as discussões, propiciando um meio para

o desenvolvimento ético do adolescente.

Nesta perspectiva, Patrícia entende que o mais importante no processo de impor limites

é que o professor saiba dialogar com o aluno acerca das regras. Por exemplo, quando o aluno

questiona “por que eu não posso ficar andando toda hora na sala?”, o professor pode, ao

invés de simplesmente determinar que não se deva ficar andando pela sala, explicar-lhe que tal

conduta pode interferir na concentração tanto dele quanto do professor, desviando a atenção

que necessita estar direcionada à atividade de ensino-aprendizagem. Da mesma forma,

tratando-se da conversa inadequada em sala de aula, o professor precisa explicar:

“- Por que eu não posso conversar em determinados momentos? Porque a conversa tem que ser dialogada, um fala e o outro escuta”. Então, eu acho que, a princípio, o professor deve criar regras, trabalhar essas regras, mostrando o porquê das regras, levando-o a uma reflexão para que o próprio aluno perceba que aquelas regras são importantes para o nosso convívio, para a aprendizagem, para que as coisas fluam bem. Mas ele precisa de limites, acho que isso é fundamental para o desenvolvimento dele. A questão é como dar esse limite: não de maneira impositiva, mas dialogada. (Patrícia)

A necessidade de impor limites a algumas atitudes de alunos adolescentes no exercício

da função docente pode se tornar uma experiência negativa, a partir do momento em que o

professor não consegue estabelecer o diálogo com os alunos, conforme narra Rodrigo:

De [experiência docente] negativa, eu acho que foi todas as vezes que eu fui intolerante. Eu não tenho clareza para eu te falar qual foi o dia porque eu acho que eu quis apagar isso, mas o “Cale a boca! Respeite-me! Façam silêncio!” – disso eu tenho vergonha. Quando vem esse monstrinho, esse discurso falido de quem não consegue estabelecer essa conexão com o outro, isso me dói quando eu faço, porque eu faço, eu sou humano, eu erro quando eu quero ser ouvido e não sou, e caio nessa armadilha. Isso é horrível porque, justamente, depõe contra aquilo que eu quero ser, não que eu seja, mas uma pessoa aberta ao diálogo, à escuta. Então, quando isso acontece, é eu me apoiar num discurso falido que eu sei que é reproduzido por inúmeras pessoas: “cale a boca, vocês não estão me respeitando, eu estudei”, e aí você começa a vomitar em cima do menino coisas que você é para ser respeitado. A gente não faz isso com um amigo, a gente não precisa fazer isso. (Rodrigo)

A questão da imposição de limites também é identificada como um processo mais

amplo, que não se limita à relação professor-aluno, mas que está imersa numa dinâmica

institucional e social. Por exemplo, Márcio salienta a importância de se criar uma rotina

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coletiva dos professores junto aos alunos para que o adolescente não fique testando as

relações com aqueles. Para o docente,

Ele testa porque, na verdade, cada professor estabelece uma rotina diferente. Alguns são mais flexíveis, outros não, e não é questão da flexibilidade do lado bom, é porque é a falta dela. Tem professor que a cada dia age de uma forma. Então, os meninos, infelizmente, têm que se adequar a cada ano de ensino, de vida da adolescência, eles têm que se adequar a oito professores com rotinas diferentes, com formas de expressão, com limites diferentes. Então isso é uma grande dificuldade. (Márcio)

Já Rodrigo refere-se ao demasiado controle dos corpos que é exercido na escola,

como, por exemplo, alguns tipos de posturas proibitivas quanto ao uso de roupas curtas pelos

alunos em eventos específicos realizados na escola que poderiam ser mais flexíveis. Quanto a

isso, o professor se sente muito mobilizado com as queixas que os alunos adolescentes fazem

sobre tal tema, por se tratar de uma questão complexa, uma vez que “historicamente, o corpo

foi calado e é calado” e, nesse sentido, “nós não somos uma sociedade que lida bem quando o

corpo fala, quando o corpo se expressa”.

Por outro lado, o docente compreende que os adolescentes também “têm um grande

apelo contra tudo aquilo que cerceia, que limita, que denomina antes de qualquer coisa”. Sob

este aspecto, diante dos questionamentos que os alunos lhe fazem, ele procura conversar,

acolhê-los e explicar como, por exemplo, o cerceamento corporal foi constituído

historicamente e como influencia as práticas sociais, incluindo as escolares, até os dias atuais.

Também o professor Bruno concorda sobre a importância de se estabelecer diálogos

junto aos alunos adolescentes, mediante as suas contestações:

Eu sempre fui mais brincalhão, então, isso conta a favor, porque quando você se coloca próximo deles, quando você precisar chamar atenção deles também, eles te ouvem mais. Você não quer impor uma nova regra, você não quer parar o movimento deles, desviar e apontar para onde não se deve ir dando outra ordem. Na verdade, você quer acompanhá-los ali e falar assim: “não é bacana”, e outra coisa: mostrar o porquê. Se você falar que um cara tem que fazer a tabuada dez vezes em uma folha de papel, isso já não funciona mais, pois ele vai te questionar: por que eu tenho que ficar fazendo isso aqui se eu tenho a calculadora? Então, [o que funciona é] vir com argumentos e discutir, ter muita discussão e, ao longo da adolescência, essa discussão vai amadurecendo. No começo é muito complicado, porque eles estão vivendo tudo isso e discutem muito e, enquanto professores, nós percebemos isso, só que eles parecem não interiorizar tudo. Por quê? De novo, aqueles pensamentos, eles têm que manifestar tudo e tem tanta coisa na cabeça que não assenta nada no lugar, ou parte disso no lugar, claro. Eles estão naquele momento, e acho que isso vai se modificando. (Bruno)

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O ato de dialogar com os alunos também é valorizado pelo professor Milton, que

costuma fazer muitas aulas dialogadas, ao invés de expositivas, pois acredita que é importante

permitir que o aluno se expresse, exponha suas ideias, elabore conceitos e discuta. Sobre isso,

comenta que “a aula dialógica proporciona para o professor maior possibilidade de mostrar

o que ele sabe”. Nesse sentido, o docente considera que, para ser um bom mediador, o

professor deve ser estudioso, ser um bom contador de histórias, ser leitor de jornais e revistas

e estar atento aos acontecimentos mundiais.

Assim, ao instigar o debate junto aos alunos, eles se sentem privilegiados e, ao mesmo

tempo, se tornam leitores. De acordo com o professor Milton, “a escola tem de ser madura

suficiente para olhar para esse adolescente em formação e, às vezes, dizer para ele, frente às

perguntas que ele faz para os conhecimentos, ‘como, por que estou aprendendo isso’”.

De forma geral, as compreensões docentes indicam a necessidade de compreenderem

as características psicológicas dos adolescentes em suas relações com estes. Apontam a falta

de preparo do adolescente para lidar com as frustrações e a importância da busca por

procedimentos pedagógicos que primem pelo uso adequado da linguagem e do diálogo, o que

requer também a não recriminação do adolescente, mas o estabelecimento de conversações

dialógicas, nas quais se mostrem as regras e se determinem limites na convivência entre eles.

Neste sentido, o estabelecimento de limites, regras de convivência e o diálogo em sala

de aula vão ao encontro do desenvolvimento da maturidade social dos alunos, uma vez que

tais aspectos da prática pedagógica são condições para um novo tipo de relação entre adulto e

adolescente o qual, conforme afirma Dragunova (1980), pode favorecer o aumento da

independência, dos direitos e deveres do adolescente e, consequentemente, de sua participação

no sistema de normas e exigências que vigoram para o adulto.

Processos de colaboração

De acordo com Dragunova (1980), a colaboração permite que o adulto situe o

adolescente como ajudante e companheiro em tarefas e ocupações, convertendo-se também

em modelo e amigo para ele. Essas relações são “subjetivamente necessárias para o

adolescente e objetivamente necessárias para a sua educação” (DRAGUNOVA, 1980, p. 134).

Sob este prisma, alguns professores de nosso estudo têm desenvolvido, em sua atuação

profissional, práticas de colaboração nas quais os alunos são efetivamente implicados no

processo ensino-aprendizagem e, de acordo com as compreensões docentes, por meio da

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colaboração, têm conseguido resultados satisfatórios nas relações que estabelecem com os

alunos adolescentes.

A valorização de formas colaborativas no relacionamento professor-aluno é um

aspecto bastante abordado pelos docentes. Os processos de colaboração são desenvolvidos ao

longo da prática pedagógica, mediante as mais variadas situações e de acordo com objetivos

os mais distintos. O professor Carlos, por exemplo, revela algumas estratégias colaborativas

como a negociação, utilizada em sala para lidar com o “embate de alguns alunos que fica

muito evidente na adolescência”, conforme veremos a seguir:

Eu tenho pensado muito num caminho seguro para lidar com isso: é a negociação, sempre. Hoje eu tenho a certeza que a negociação é o caminho mais salutar para lidar com adolescente. Eu tenho uma marca aqui na escola que é a vaca amarela, que é uma brincadeira, é uma dinâmica para que o aluno lembre-se do acordo. O acordo é respeitar ao próximo. Mas eu sei que eu preciso de uma contrapartida e ela surgiu com o “minutos do bem” que é, justamente, a reserva de 5 minutos, quando a aula é de 50 minutos, para que o aluno tenha um momento dele. É uma conquista que o aluno teve comigo e eu sinto que ele não quer perder. E isso demonstra que a negociação é importante. (Carlos)

Solicitado a explicar como funciona a dinâmica do recurso “vaca amarela”, Carlos esclarece:

Cada professor escolhe uma representação, um simbolismo para lembrar ao aluno de que ele precisa respeitar o professor e os colegas. Seguindo aquela linha do lúdico, eu incorporei, eu trouxe para sala de aula uma brincadeira popular que é a vaca amarela. Eu nem chego ao final da música, mas é apenas pra lembrá-los que depois daquele momento nós vamos brincar de fazer silêncio. Então, é aquela preocupação em mostrar para o aluno que em qualquer espaço da sociedade nós precisamos escutar alguém e falar no momento adequado. Eu admito que a “vaca amarela” não é bem vinda, ou melhor, ela não é bem quista. É claro, porque ela existe para coibir uma situação de excesso e a marca do adolescente é o excesso, o exagero. Só que diminui um pouco essa revolta, essa chateação com a “vaca amarela” quando ele percebe que existe uma contrapartida. Então existe uma negociação, é aquele momento em que ele levanta, ele conversa com o colega e tem, por exemplo, apresentações musicais. Então, ele sabe que apesar da “vaca amarela”, existe no final da aula um momento que é o momento dele. [...] A vaca amarela tem por objetivo tirá-los daquele status quo, que é o excesso, o exagero. Então eu tiro, eu faço uma marca no nome do aluno e, depois, ele tem que escrever uma carta para alguém para que eu tire aquela marquinha. Então, na verdade, eu uso aquela linha da compensação, mas é para que ele perceba que o mal pode ser substituído pelo bem. Eu espero que isso, pelo menos, fique [guardado nas memórias dos alunos] porque eu já encontro com ex-alunos que falam: “E a vaca amarela, hein, professor?”. Então, ficou aquela marca: a marca de que você precisa respeitar o seu colega. (Carlos)

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Percebemos, no relato docente, uma grande valorização das relações de colaboração,

ou seja, dos processos de reciprocidade na prática pedagógica, nos quais alunos e professor

são implicados num mecanismo de mútua responsabilidade, incidindo sobre o processo

ensino-aprendizagem. Assim, os acordos também são citados como procedimentos

necessários para que haja um benefício mútuo:

Talvez seja um momento para a gente pensar mais nos acordos e, às vezes, o professor tem que ceder e se ele não cede, isso acaba potencializando o conflito, porque as relações interpessoais interferem no processo cognitivo. O professor que é rejeitado pela turma, dificilmente, por qualquer motivo, vai conseguir acessar a turma. O aproveitamento não acontece como se espera. (Carlos)

Ademais, a colaboração é identificada como importante elemento no desenvolvimento

de relações com os alunos e, nesse sentido, indica algumas práticas como a nomeação de

alunos monitores em sala de aula, que acabam incidindo na dimensão motivacional dos

estudantes:

Quando você convida um aluno para ser seu braço direito, seu monitor durante um período, você percebe até na postura, porque o corpo fala: ele começa a recuperar o amor próprio e aí isso começa a refletir em outros momentos. (Carlos)

Os processos de colaboração aos quais o professor Carlos se refere estão diretamente

relacionados às noções de convivência em sala de aula. Contudo, o professor Milton estende a

ideia de colaboração para o processo de apropriação do conhecimento, entendendo que a

relação professor-aluno é um processo em construção, sendo preciso implicar os alunos na

busca do conhecimento, para que os mesmos se sintam envolvidos no processo:

Eu percebo muito o adolescente, ele não admira as pessoas de resposta pronta somente. Elas são importantes, mas quando eles se veem envolvidos na situação, eles tendem a aprender mais, a ser mais parceiros e a sensação de desconforto para com o professor vai sendo transformada à medida que a relação vai acontecendo, porque é uma construção. Ela é uma construção diuturna. (Milton)

A participação do aluno no processo de organização da prática pedagógica como

sujeito que apoia e colabora com o professor, parece suscitar um sentimento de

corresponsabilidade no aluno que gera, também, uma maior fluidez nas relações entre

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professor e aluno. Nesse sentido, Carlos descreve uma experiência positiva na qual realizou

um acampamento junto aos estudantes:

Nós acampamos com os alunos e isso foi no início do ano, nós fizemos um acampamento e não aconteceu nada de errado, pelo contrário, houve um censo entre os jovens, um censo de colaboração, de apoio. O acampamento é interessante, porque você precisa dividir tarefas. Então, no momento em que nós tivemos que buscar graveto para fazer uma fogueira, nos dividimos em grupos e aí nós já tínhamos feito um acordo: “olha gente, vamos tentar seguir as nossas regras, enfim...”Então, nós sentados ali, tomando um suco e cantando, eu senti que aquele momento, que foi uma tarde na cachoeira, uma noite e a manhã do dia seguinte, aquilo teve uma repercussão que me trouxe benefícios no ano inteiro, só não digo para vida porque eu não reencontrei esses alunos, mas eu tenho certeza que agora que eles estão, provavelmente, no mercado de trabalho, eles vão reencontrar comigo e falar assim: “Professor...” (Carlos)

Nesta mesma linha de raciocínio, Patrícia fala da importância de se implicar o aluno

no processo ensino-aprendizagem: “eu preciso chamar o aluno para participar, ele precisa

participar também, porque quando ele fala e é ouvido, ele se sente motivado também, eu acho

que isso é fundamental”.

Márcio, por sua vez, denomina “corresponsabilidade” a este processo no qual o

estudante é implicado no processo ensino-aprendizagem. Assim, questionado sobre o que o

aluno adolescente demanda do professor, responde:

Para mim, ele demanda uma corresponsabilidade. Existem professores, por exemplo, que organizam sua aula, deixam tudo pronto, daí o aluno vai lá, executa, o aluno vai embora, o professor organiza. Eu, particularmente, não acredito nisso com o jovem. Eu gosto muito de trabalhar com o menino corresponsável, por exemplo, especificamente na minha aula: carregar o material, organizar o material, ao terminar as atividades, recolher esse material, ser responsável por ele. (Márcio)

Neste processo de corresponsabilização, o professor destaca a importância da rotina

como um modo de organizar a prática pedagógica no qual os alunos já sabem quais são as

suas tarefas na aula e ainda auxiliam o professor na organização dos recursos pedagógicos:

Eu acho que tudo tem a ver com o padrão de organização e rotina que a gente vai estabelecendo. Sobre a forma: todos podem entrar lá na sala? Não, tem uma rotina. Hoje uns vão ajudar a carregar esse material; na volta, são outros que ajudam. Isso os torna corresponsáveis, e ajuda muito metodologicamente porque quando você quer pensar uma atividade que demanda muitos materiais, por exemplo, isso não se torna um empecilho para que algo aconteça. Às vezes, a demanda da preparação da aula é tão

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grande que o professor desiste de utilizar aquilo ali metodologicamente, utiliza uma coisa mais simples, que vai dar menos trabalho. Então, eu acho que quando você passa a ter uma rotina com os meninos ajudando e trabalhando junto, você ameniza esse tipo de situação. As coisas passam a ser mais produtivas e possíveis, porque tem horas que, realmente, a gente não tem tanto tempo para essa preparação, então, quando envolve os meninos, principalmente nessa parte de apoio, de entendimento da importância de cada coisa naquele processo, se torna mais útil, produtivo. (Márcio)

Percebemos que a noção de colaboração, participação e corresponsabilidade são

diferentes para cada professor, embora todas tenham como fundamento o convite ao estudante

para que este tome consciência de que o processo ensino-aprendizagem é uma via de mão

dupla e, desta forma, se inteire e se responsabilize de alguma maneira para que este processo

seja satisfatório. Tal postura não exime o professor de ser o principal condutor deste processo.

Neste sentido, ao referir-se à docência junto a adolescentes, o primeiro aspecto

apontado pelo professor Milton é que o professor seja o condutor da relação e o segundo

aspecto diz respeito ao papel mediador do professor. Assim, ele destaca que o processo

ensino-aprendizagem é uma relação na qual “o professor não é o dono do conhecimento, ele é

um grande fofoqueiro, é um grande falador, contador de história, que chega ali na frente e

propõe um tema”. Com isso, o docente ressalta o papel do aluno neste processo, e salienta que

em cada turma de alunos a dinâmica é diferente, o que significa que, não obstante haja um

professor mediador, os alunos que conformam cada sala participam ativamente, “porque, na

verdade, você tem um professor adulto mediador que não é único. Ele, na verdade, digamos

que é o fio terra, porque ele vai filtrar todas aquelas contribuições daqueles outros alunos,

20, 25, que estão ali à sua frente”.

Bozhovich (2003) aponta que a formação de um coletivo de alunos significa a união

dos alunos em uma atividade socialmente importante e atrativa, no qual cada membro aceita

as regras e compreensões do grupo como suas, pois se sente sujeito ativo. O coletivo tem por

principal característica a independência. Para a formação do coletivo, os processos de

colaboração no qual cada membro tem função importante no grupo são fundamentais. Nesta

perspectiva, Dragunova (1980) destaca que os processos de colaboração do adulto com o

adolescente podem favorecer a maturidade social e moral, na medida em que favorecem o

desenvolvimento no aluno de sentimentos de responsabilidade, independência, habilidade no

cumprimento das tarefas, dentre outros.

Conforme vimos, as relações entre professores e adolescentes na perspectiva do

professor são permeadas, dentre outros aspectos, por suas compreensões sobre as

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características dos adolescentes, por suas concepções de escola, educação, papel docente e

visão de mundo. O modo como o professor percebe a adolescência implica em determinadas

formas de conduzir o processo pedagógico.

O professor que compreende a adolescência como etapa de transição para a vida adulta

e se percebe como formador de cidadãos, identifica no seu trabalho dimensões que

ultrapassam o ensino de elementos conceituais da disciplina que ministra, estendendo-se para

um âmbito educacional mais amplo, que inclui a dimensão afetiva e moral-valorativa na

formação dos alunos.

Também identificamos que a percepção dos professores sobre as relações entre

docentes e alunos varia muito, influenciando no enfoque que atribuem às suas práticas. Desse

modo, por exemplo, o docente que assinala as diferenças geracionais como fator determinante

nas relações em sala de aula demonstra maior sensibilidade para as mudanças culturais e, de

certa forma, busca compreender as características dos seus alunos neste viés das mudanças

socioculturais vivenciadas na sociedade contemporânea.

O papel desempenhado pelo professor em sala de aula é compreendido por distintos

enfoques, bem como a compreensão docente sobre como os adolescentes o percebem em sua

atuação. Sob este aspecto, alguns professores evidenciam um olhar mais analítico para as

práticas de outros colegas, enquanto outros se limitam à análise de suas próprias práticas.

Outros destacam, em suas falas, o olhar dos alunos sobre o seu trabalho e apontam que

percebem uma compreensão contínua do aluno adolescente sobre os seus professores,

inclusive com comparações acerca do estilo de aula de cada um. Ainda, há um olhar mais

direcionado para as relações humanas, de forma mais ampla, assim como há olhares que

demarcam os limites dos papéis sociais desempenhados por professor e aluno, e desenvolvem

suas ideias no sentido de atenuar tais demarcações ou elaborar formas de lidar com suas

implicações no cotidiano escolar.

De modo geral, os professores valorizam o diálogo nas relações com os adolescentes e

apontam a necessidade de se promover mais a escuta e o conhecimento do outro nestas

relações. Percebem a importância de o docente estabelecer relações de proximidade com os

seus alunos e, neste sentido, há relatos que demonstram o movimento de alguns professores

para compreenderem o universo do adolescente e, inclusive, compartilhar deste mundo.

Deste modo, tem destaque nos relatos docentes a importância dos vínculos afetivos na

relação professor-aluno e, neste enfoque, alguns professores apontam para o valor da escuta e

do acolhimento dos adolescentes em suas angústias, dúvidas e questionamentos. Na busca de

se estabelecer bons vínculos junto aos alunos, é mencionada a necessidade de se compreender

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o momento evolutivo pelo qual o adolescente passa, bem como de se aproximar da cultura

juvenil, compreendida em seu contexto social.

As relações entre professor e aluno adolescente passam, também, pelo problema do

exercício da autoridade, da imposição de limites e da mediação de conflitos. Nesse sentido,

destaca-se a existência de uma linha tênue entre o ser autoritário e o ter autoridade em sala de

aula, bem como a importância de se transformar situações de conflito em situações de

aprendizagem, compreendendo-se que os conflitos fazem parte da adolescência.

Além disso, o estabelecimento de limites, a elaboração e a reflexão sobre as regras de

convivência e o diálogo contínuo são indicados como procedimentos fundamentais na

construção de boas relações em sala de aula. Por fim, os docentes ressaltam a importância dos

processos de colaboração no estabelecimento de relações junto aos adolescentes, o que

demanda a utilização de posturas e recursos pedagógicos capazes de implicarem o aluno,

corresponsabilizando-o no processo ensino-aprendizagem.

Relações entre os adolescentes

São distintas as compreensões docentes sobre as relações entre os adolescentes, desde

aquela que considera que os relacionamentos entre eles não se diferenciam muito das relações

entre os adultos, até as que buscam, no contexto da sociedade contemporânea, as origens de

determinados comportamentos dos adolescentes. Assim, de tais compreensões derivam

distintas formas de exercer a prática pedagógica.

O professor Bruno considera que as relações interpessoais que acontecem na

adolescência não se diferenciam tanto de outras etapas da vida, a não ser pelo modo como os

adolescentes se expressam. Neste sentido, ele analisa que, “às vezes, acontece essa disputa

por: ‘estou mais bonito, estou mais forte do que você’. Eu acho que também acontece em

outras etapas, só que os adultos camuflam isso melhor”. Já Márcio destaca que os

relacionamentos entre os adolescentes são muito superficiais e atribui à causa disso ao modo

como as famílias têm se constituído atualmente:

As famílias hoje [...] acabam tendo pouco: pouco relacionamento, o relacionamento não é profundo. [...] Às vezes, as palavras “eu te amo”, “eu gosto de você”, são tão comuns hoje na internet, nas novelas, na televisão que, às vezes, os meninos fazem uso delas sem ter a profundidade realmente do que é aquilo. Então, são relacionamentos que se tornam muito superficiais, mas que nas falas, nas expressões verbais, é como se fosse profundo. Então, eles amam com muita intensidade, em três dias. Deixam de

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amar em cinco, então é essa a situação que eu vejo entre eles. A falta de realmente entenderem o sentido do sentimento que eles expressam verbalmente. (Márcio)

Da mesma forma, o docente Bruno destaca a dificuldade apresentada pelo adolescente

em refletir sobre os seus sentimentos e o sentido de suas ações, uma vez que está sob a

influência de estereótipos e, muitas vezes, tomado pela necessidade de ser aceito pelo grupo.

Nesse sentido, ressalta a influência da mídia na constituição psicológica do adolescente que,

por sua vez, incide sobre o sentimento deste de ser aceito ou excluído do grupo:

Às vezes, vem a mídia também, eles se cobram junto com a mídia, de novo em volta de um estereótipo. Está na moda ser desleixado, um palmo de cueca mostrando, “então espera aí, eu tenho que ser assim. Se eu não for, eu estou sendo fora daquela realidade, eu vou ser excluído daquele grupo”. No entanto, não existe processo de reflexão: “por que eu vou ser assim?” Esse “por que” vem só em outros momentos, mas não “porque” para ele refletir para ele. Por que para os outros, para ele não. (Bruno)

A preocupação com o olhar e a compreensão de outros adolescentes sobre si mesmo e

a necessidade do adolescente mostrar suas qualidades aos colegas é ressaltada pelo docente

Bruno como recorrente nas relações entre os adolescentes, o que vai de acordo com os estudos

de Bozhovich (2003) sobre a necessidade do adolescente de encontrar uma posição no grupo

de pares e, consequentemente, a extrema sensibilidade ao olhar dos colegas. Neste sentido,

Bruno aponta que são frequentes as preocupações com a aparência física, como ser atraente e

seguir padrões estéticos e comportamentais da moda. Assim:

A demanda deles com eles mesmos é: “Será que eu passei maquiagem hoje? Tem que retocar”. Então, tem muito a questão do estereótipo, da sexualidade estar muito aflorada: “eu tenho que parecer bonito”- não é para ser amado, mas é para aparecer desejado ou bonito, essa é uma demanda que eu percebo. “Como está meu corpo? Eu sou o mais forte?” Existe isso. Às vezes, você precisa mudar uma mesa de lugar de um jeito tão simples, [mas o aluno] “pega e sai carregando aquilo”. “Cuidado com a luz, fulano”, mas não pensou na luz. Então, existe bem essa demanda física, do estereótipo, isso fica muito aflorado. A questão da sexualidade, tanto aqui no final do ensino fundamental, quanto no ensino médio, também está presente. Então, passa a ser vergonha não ser virgem, passa a ser vergonha não ter menstruado, tudo isso passa a ser vergonha de uns tempos para cá. Então aí sim, exige bastante, isso deve ficar remoendo na cabeça deles e vai influenciando outras coisas, eu percebo mais a cobrança nesse sentido [...]. (Bruno)

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Características dos adolescentes tais como serem muito exigente consigo mesmos,

supervalorizarem a aparência e serem muito críticos foram assinaladas pela professora

Fernanda como aspectos que causam impactos na docência:

Isso dificulta nosso trabalho porque, muitas vezes, ele não consegue se expressar, ele tem medo de expressar uma dúvida, medo de errar, uma série de coisas. Então, eu vejo que eles são muito exigentes com eles mesmos, a ponto de, muitas vezes, exigirem uma perfeição e, às vezes, não se perdoarem, sentirem muito uma falha, quando não conseguem alcançar um objetivo, [de] ficarem muito, como eu disse, [pensando]: “não me importa, não me interessa, eu não estou nem aí”. Mas a gente sabe que por detrás daquilo existem várias coisas. (Fernanda)

A mudança nos sistemas de comunicação na adolescência, a maior valorização das

relações estabelecidas com seus pares e a intensa formação da identidade dos adolescentes

constituem-se em fatores que fazem intensificar o vínculo entre eles e, consequentemente, os

efeitos da aproximação entre os adolescentes tornam-se cada vez mais fortes. Segundo

Márcio, ao contrário de épocas passadas em que a convivência entre os alunos se restringia ao

tempo que passavam juntos na escola, hoje, a convivência entre eles é muito intensa e

extrapola os limites da escola:

Hoje eles praticamente convivem vinte horas pelas redes sociais. Estão na escola convivendo e, saindo da escola, vinte minutos depois eles já estão batendo papo. Então, as coisas que acontecem na escola, às vezes, não tem nem um tempo para digerir e eles continuam remoendo aquilo lá em outros espaços, na maioria deles espaços virtuais. (Márcio)

Tendo em vista a grande influência da internet na vida dos adolescentes (BASMAGE,

2010), as redes sociais têm se constituído em espaços de intensa troca entre os adolescentes

que, muitas vezes, passam horas a fio trocando mensagens, compartilhando ideias,

sentimentos e emoções. Tais configurações virtuais produzem novas formas de

relacionamento (MASCAGNA, 2009), mas as amizades apresentam-se em destaque, sendo

fundamental no desenvolvimento psíquico dos adolescentes (DRAGUNOVA, 1980).

Conforme assinalado pelo professor Bruno:

É uma época que fortalece demais as amizades. Então, parece que a amizade passa a fazer mais sentido quando ele é mais novo: “eu tenho o meu melhor amigo, mas talvez não tenha noção do que é melhor amigo”. E talvez seja melhor amigo só na escola; sai da escola, nem conhece mais. Na adolescência, isso parece fortalecer: um compra a briga do outro, já toma as dores e isso parece se fortalecer justamente por que eles estão formando umas opiniões, mas talvez críticas. (Bruno)

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De acordo com Patrícia, as relações entre os adolescentes apresentam-se tranquilas e

marcadas por uma linguagem própria, as gírias que delimitam o seu universo particular. Já na

visão de Márcio, os adolescentes apresentam muitas dificuldades em se compreenderem uns

aos outros e, por isso, ele considera que os relacionamentos entre os adolescentes são muito

conflituosos, envolvendo questões afetivas, sexuais e valorativas. Nesta perspectiva, Rafael

expõe que os adolescentes fazem muitas exigências uns aos outros em suas amizades:

O adolescente exige mais do outro: “eu não quero apenas que você seja meu amigo, eu quero que você seja o meu melhor amigo, você tem que ser meu melhor amigo”. E, às vezes, essa relação é egoísta: “eu quero que você seja meu melhor amigo, mas eu quero que você não converse mais com o fulano ali, porque eu não gosto muito dele, já que você é meu melhor amigo, você vai me contrariar desse tanto, a ponto de ser amigo do meu desafeto?!” Então, o adolescente acaba exigindo muito do outro e também de si mesmo, porque aquele que é perfeccionista, a criança que é perfeccionista até se exige bastante, mas o adolescente perfeccionista, nossa, ele se exige demais! Mas demais mesmo, e eu acho que é bom por um lado, mas por outro lado é tão ruim, porque eu já vi menino chorar aos prantos lá no recreio. (Rafael)

Conforme assinala a docente Patrícia, a principal demanda do adolescente com relação

aos outros é sentir-se aceito pelos colegas. Esta necessidade de sentir-se aceito também é

abordada pelo professor Márcio que percebe também que há uma necessidade de se

pronunciar como melhor amigo que se torna mais importante que agir como melhor amigo.

Ao mesmo tempo em que alguns docentes percebem a necessidade do adolescente de

estabelecer relações mais próximas em suas amizades e de se sentir aceito pelos outros,

também assinalam a existência de problemas relacionais cuja origem remonta à constituição

familiar. Assim, Márcio indica a existência de dificuldades no relacionamento afetivo dos

adolescentes em suas relações de amizade e assinala o papel da família na origem da

insegurança emocional apresentada pelos adolescentes. Sobre isso, afirma:

[Nota-se que] na relação familiar há uma insegurança; quando você pergunta hoje, uma pergunta simples ao menino: “o que a sua mãe faz? Não sei”. “Onde sua mãe está? Não sei”. Então, isso gera uma insegurança muito grande que não ocorria antes. Antes, a gente sabia exatamente o que a sua família fazia ou seu pai fazia, onde sua mãe estava, e isso dá uma tranquilidade, de certa forma, uma segurança, porque quando eu tenho segurança interna, familiar, eu tenho uma segurança para lidar com o outro de uma forma mais tranquila. (Márcio)

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De acordo com González Rey e Mitjáns Martínez (1989), na sociedade atual, que

exige múltiplas exigências às pessoas nos vários papéis que assumem, o tempo efetivo de

comunicação da criança ou do jovem na família é pequeno e, também, o pouco tempo que se

tem nem sempre é utilizado para que os pais conversem com seus filhos.

Embora ressaltemos o equívoco que se incorre ao culpabilizar a instituição familiar

pelas dificuldades de escolarização de crianças e jovens, concordamos com os autores

segundo os quais, muitas vezes, a família não contribui efetivamente na educação dos filhos e

as diferenças de tratamento que as crianças recebem em casa é um aspecto central expressado

pela criança na escola, que afeta o seu comportamento das mais variadas formas. “Muitas

vezes, as crianças mais necessitadas de apoio e compreensão, e inclusive da ação direta da

escola sobre sua família, são as que recebem castigos mais severos e, em geral, sentem o

rechaço por parte dos professores” (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 1989, p.

110).

Ademais, a indisposição diante dos companheiros de sala, os gritos e humilhações são

formas de agressão à criança que a levam a sentir-se mal e alterar ainda mais a sua conduta,

fazendo com que ela se distancie dos professores e da escola e, consequentemente, tal situação

traz consequências negativas na apropriação dos conhecimentos e no desenvolvimento de sua

personalidade. Em concordância com os apontamentos de González Rey e Mitjáns Martínez

(1989), o professor Márcio afirma que a insegurança gerada no seio familiar pode causar

situações de conflito e até mesmo de violência entre os adolescentes:

Hoje os meninos são muito dependentes e isso gera muito mais conflito entre eles. Daí vem a questão da violência, porque a violência está, hoje, em toda sociedade. Quanto mais inseguro o menino é em relação aos seus sentimentos familiares e dos relacionamentos entre eles, isso gera mais violência. Então, não acho que só o menino que é exposto à violência em casa como alguns discutem e tal, mas eu acho que tem a ver com essa insegurança gerada a partir do ambiente familiar e que o menino transfere nas relações com os colegas. (Márcio)

De acordo com Domínguez García (2003a), a inexatidão e a instabilidade da

representação de si mesmo leva o adolescente, muitas vezes, a uma avaliação estereotipada de

si mesmo e dos outros, resultando em classificações pessoais a partir de um ato ou qualidade

isolada, que podem ser até mesmo cruéis. Em consonância com esta afirmação, segundo o

professor Milton, os adolescentes rotulam uns aos outros e, sobre isso, se expressa: “nas

relações interpessoais, eu fico preocupado porque são relações, muitas vezes, perversas,

daquele que destoa um pouquinho já ser massacrado, porque eles passam como se fossem

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serra elétrica naquele colega”. Nesse sentido, também Carlos observa situações em que as

relações entre os adolescentes são perpassadas por conflitos desta ordem:

Uma coisa que eu tenho notado muito é como os alunos têm participado, têm feito intervenções na vida dos colegas. O bullying que hoje está tão na moda, é apenas a ponta do iceberg, porque a intervenção é constante no olhar, no riso, às vezes, em um comentário. E isso aí parece que é do momento em que eles chegam [na escola] até quando eles saem e se prolonga pelas redes sociais, pela internet. (Carlos)

O manejo adequado de grupos de adolescentes na escola, referente às questões de

amizade e coleguismo é fundamental para o desenvolvimento destes ao longo do processo

ensino-aprendizagem, conforme aponta Dragunova:

Os companheiros se transformam em modelos para o adolescente, as crianças influenciam intensamente um sobre o outro, se educam mutuamente. Por isso, na órbita da influência pedagógica devem introduzir-se não somente as inter-relações práticas dos adolescentes, mas também as relações com seus companheiros mais próximos e seus amigos. (DRAGUNOVA, 1980, p. 160).

Ao identificarem e valorarem algumas características relacionais dos adolescentes em

sala de aula, muitos docentes realizam intervenções educacionais buscando conduzir alguns

processos que demandam ações mais diretivas. O professor Carlos, por exemplo, pondera que

os adolescentes solicitam auxílio do professor para lidar com as situações de desrespeito que

surgem na convivência em sala de aula: “Muitos, inclusive, pedem para que o professor faça

uma intervenção, para que isso não ocorra mais, porque ela tem acontecido com uma

frequência assustadora. Isso me preocupa”.

Nesse sentido, também Rodrigo entende que os adolescentes precisam de ajuda para o

desenvolvimento de seus relacionamentos. Sobre isso, narra que ministrou aulas nas quais os

alunos fizeram atividades de aproximação um do outro cujo objetivo foi estabelecer relações

de confiança entre eles. Sobre isso, comenta:

Acho que de forma geral, lidar com essas coisas, com essa sutileza desses sentimentos entre eles ou dar espaço para que eles parem, porque é o que eu acho, não é só deles. Todos nós estamos assim acelerados, nós não nos escutamos, eu acho que, às vezes, a gente gasta muito tempo com conteúdo. [...] É pegar o ser humano pelo pescoço, tirar o pó da garganta, abrir, deixar aquele menino que fala baixo, falar alto. O outro que está muito agitado, de alguma forma tocá-lo para que ele possa pensar em si mesmo. A chave de qualquer sucesso pessoal, eu não digo sucesso, mas essa felicidade está aí no entendimento de si mesmo, do outro. (Rodrigo)

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As relações que se constituem entre os alunos incidem sobre a prática pedagógica, na

medida em que produzem demandas específicas, próprias da condição de adolescentes. Sobre

isso, Fernanda diz:

O adolescente tem muito essa necessidade da aprovação, de se sentir parte de um grupo mesmo e, realmente dele conquistar espaço, de sentir que ele pertence àquele ambiente, que ele tem um lugar ali, que ele é importante; eu acho que existe essa necessidade. E eu vejo que isso é um desafio para o professor que trabalha com essa faixa etária porque nós, como seres humanos, temos a tendência de olhar os defeitos e é mais difícil perceber as qualidades. Eu vejo que é necessário a gente aprender a perceber as qualidades de cada um deles e valorizar essas qualidades. (Fernanda)

Os apontamentos dos professores sobre a necessidade de aprovação dos colegas e a

excessiva sensibilidade ao olhar do outro vão ao encontro dos estudos de Bozhovich (2003),

segundo a qual a opinião e a valorização dos companheiros adquirem uma importância cada

vez maior na adolescência, superando a dos pais e a dos professores. Deste modo, os alunos

apresentam uma tendência a evitar a todo custo a crítica de colegas de sala e sentem medo de

serem por eles rechaçados. Neste sentido, o excesso de exposição à influência grupal e o

desejo do adolescente de ser aceito pelos colegas pode provocar a renúncia a suas próprias

convicções. Quanto a isso, o professor Bruno afirma:

Eles ainda estão formando muito as opiniões e, às vezes, ainda têm muito aquilo de “Maria vai com as outras”, ou seja, da influência. Eles estão muito suscetíveis, sobretudo no início da adolescência. Você pega a mídia, eles embarcam na mídia e, de novo, o docente tem muito a ver com isso no meio do caminho. (Bruno)

Carlos observa que nos primeiros anos do ensino básico os alunos disputam para

responder as questões propostas pelo professor, enquanto que a partir do sétimo ano, os alunos

já não erguem as mãos para participarem em sala de aula respondendo às questões. Na visão

do professor, tal fato acontece porque nesta fase o aluno começa a desenvolver o medo de ser

criticado. Tal consideração vai ao encontro dos estudos sobre a formação da identidade

pessoal na adolescência (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2007), segundo os quais o adolescente

vive um processo em que se atribui grande importância às opiniões dos colegas, assim como

dos pais e professores na formação do seu autoconceito.

Tendo em vista a compreensão do professor Carlos sobre os limites que muitos alunos

se impõem quanto à sua participação em sala de aula, devido a uma maior suscetibilidade a

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críticas dos colegas, o docente destaca a utilização de recursos lúdicos para lidar com tal

problema:

Talvez, se nós [professores] criássemos algumas estratégias usando o lúdico ou qualquer outro recurso, eu acho que iríamos pulverizar essa sensação [o medo do aluno de ser criticado], porque hoje falta essa disposição [de participar, de se expor] em sala de aula. E essa indisposição tem interferido no aproveitamento escolar do aluno. (Carlos)

Por sua vez, Fernanda aponta que o manejo do grupo de adolescentes em sala de aula

constitui-se num desafio para o professor, tendo em vista a importância de contribuir para que

o aluno se sinta parte do grupo, aceito pelos colegas. Nesse sentido, destaca a necessidade de

valorizar as qualidades de cada adolescente para que ele sinta aprovação social. Uma das

formas de lidar com tais demandas é orientar o trabalho para a descoberta e o

desenvolvimento de potencialidades dos alunos, bem como do protagonismo, conforme a

professora assinala:

[...] eu vejo [que] o maior desafio é a gente aprender a descobrir as potencialidades de cada um e investir nas potencialidades, procurar trabalhar em atividades que explorem essas potencialidades. E [há] uma coisa, também, que eu acho muito importante: é a gente procurar desenvolver o protagonismo deles, porque eles também não gostam de ser manipulados [...] (Fernanda).

Assim como percebemos nas falas de outros professores, os relatos da docente

demonstram uma tendência em conceber o ensino como propulsor do desenvolvimento, uma

vez que ressalta o papel do professor no desenvolvimento psicológico dos alunos. Além disso,

ela demonstra uma ampla compreensão sobre o papel do professor a partir das demandas

apresentadas pelos adolescentes, expressas pelas características percebidas por ela, em seu

contato com os alunos:

[...] é um papel docente estar trabalhando o respeito pelas diferenças, que é uma coisa difícil até para a gente, que tem que começar a ser trabalhada com eles. Aquela questão de [se entender que] porque não é do meu grupo que eu vou desprezar, que eu vou rejeitar [...]. (Fernanda)

Fernanda reitera que o trabalho na organização do grupo trata-se de uma importante

demanda docente, uma vez que os adolescentes apresentam demasiada criticidade em sua

autoavaliação e, nesse sentido, o lugar do adolescente no grupo é uma questão muito premente

entre os alunos.

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Outro aspecto a ser considerado na organização do coletivo na realização de atividades

escolares, indicado pelo professor Milton, é o fato de alguns adolescentes se organizarem,

intencionalmente, para se beneficiar do trabalho de um determinado colega, em detrimento da

realização da sua parte do trabalho. Sobre isso, afirma:

Eu acho que é sempre uma relação, às vezes, de conivência, às vezes, de parasitismo. A sala de aula é um universo, ele tem referenciais. Então os bons referenciais se tornam pólos refratores. Na dupla, o cara quer colar no outro, se é trio, eles querem que pelo menos um vá fazer efetivamente no grupo. (Milton)

Ainda sobre o lugar do adolescente no grupo e o manejo da turma, a professora

Fernanda considera:

Eu vejo que é necessário o professor respeitar também os grupos que eles formam porque, muitas vezes, a gente percebe por partes dos professores [uma tendência] em querer separar os grupos, principalmente na enturmação. Mas eu acho que tem que haver um respeito com esses grupos e que o professor veja como ele pode explorar isso, inclusive de estar colocando um para ajudar o outro, dessa questão da monitoria e tudo mais. Eu acho que é uma coisa muito interessante, já que eles gostam de andar em grupo, explorar isso de alguma forma. (Fernanda)

De maneira geral, os relatos dos professores destacam a importância de se atentar para

a relação entre os próprios alunos, na formação do coletivo da sala de aula, corroborando

apontamentos de autores como Bozhovich (2003), Dragunova (1980) e Domínguez García

(2007), segundo os quais é parte essencial da função docente organizar o coletivo da sala de

aula de modo que os alunos se beneficiem nas relações estabelecidas entre eles.

De acordo com Bozhovich (2003), para o adolescente são muito importantes as

opiniões e os valores dos colegas sobre si e, qualquer observação ou desagrado manifestado o

obriga a meditar sobre as causas disso e voltar a sua atenção a si mesmo, ajudando-o a ver e a

compreender as suas próprias deficiências. Assim, há o desenvolvimento de um tipo de

orientação voltado para as exigências dos companheiros, indispensável para os

relacionamentos uns com os outros e, nesse caso, o motivo principal para as relações entre

eles não irem bem é a autovalorização do adolescente, impermeável à crítica e às demandas

dos colegas.

Neste sentido, surge um novo sistema de exigências e novos critérios de avaliação na

adolescência, cujas exigências morais são mais elevadas. Ressalta-se que, enquanto a criança

pequena tinha o seu bem-estar emocional determinado essencialmente pela atitude dos

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adultos, na adolescência este bem-estar passa a ser determinado, sobretudo, pela atitude e

opinião dos colegas (BOZHOVICH, 2003). Sobre este aspecto, a autora aponta fatores que

podem remeter-se ao manejo do professor em sala de aula na formação da personalidade dos

alunos:

[...] Esta enorme importância do coletivo para a formação do aspecto moral da personalidade do adolescente aborda a aguda questão da correta direção do coletivo de alunos, especialmente nos graus médios. Ao organizar a opinião social do coletivo, suas exigências e compreensões, criamos um poderoso fator de influência sobre a personalidade; mas se este fator atua como uma pressão, obteremos na educação (tal e como no ensino) um formalismo na assimilação de exigências morais, das compreensões, da conduta moral. Isto resulta muito mais perigoso para a correta formação da personalidade que o formalismo do ensino. (BOZHOVICH, 2003, p. 366).

Assim, as intervenções docentes no coletivo da classe, tais como o auxílio do professor

em situações de conflito ente os alunos, a realização de dinâmicas de grupo para aumentar as

relações de confiança entre os adolescentes, a utilização de recursos lúdicos e a valorização

das qualidades de cada aluno no grupo são práticas diretamente relacionadas às compreensões

docentes sobre características relacionais dos adolescentes em sala de aula, tais como a grande

suscetibilidade à crítica e a necessidade de aprovação social do adolescente.

8.2 Atividade de estudo

Denominamos atividade de estudo os processos referentes às ações do aluno na

apropriação do conhecimento, envolvendo as dimensões afetivas e cognitivas, em sua

dialeticidade. Nos relatos dos participantes deste estudo, consideramos todas as suas

compreensões sobre os aspectos psicológicos discentes que estejam mais diretamente ligadas

ao estudo como atividade fundamental na vida do adolescente, sobretudo no contexto da

escola. Destacam-se, pois, a compreensão docente sobre os aspectos motivacionais do estudo,

os quais envolvem o papel da família e outros aspectos sociais na formação da motivação e o

papel docente na formação desta motivação.

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Aspectos motivacionais do estudo: compreensão docente sobre a motivação do aluno e suas causas

De acordo com o professor Carlos, na adolescência a disposição para estudar começa a

diminuir, embora o aluno passe a desenvolver um pouco mais de autonomia, o que faz parte do

seu processo de amadurecimento. Os alunos passam a apresentar determinados comportamentos

que podem ser interpretados como indisciplina, mas que teriam como causa a manifestação de

uma disposição para argumentação, como é o caso dos sétimos anos que, de modo geral,

começam a apresentar problemas de indisciplina, “mas uma indisciplina mais combativa, o aluno

tem mais disposição para tentar argumentar e, às vezes, isso pode soar como indisciplina”.

Percebe-se no relato de alguns professores uma compreensão sobre a perda do

interesse dos adolescentes em atividades que, em etapas anteriores do desenvolvimento, eram

bem aceitas na sala se aula. Sob este aspecto, Rafael explica que, enquanto a criança pequena

tem motivação para aprender a ler e a escrever, o adolescente já não apresenta este tipo de

interesse e, quando o professor pede para que algum aluno leia algo em sala de aula,

geralmente, ele não quer fazê-lo. O docente assinala que quando passa algum conteúdo no

quadro para que os alunos o copiem no caderno, é comum que digam: “Ah não, professor, por

que você não digitou isso aqui, e entregou numa folha para nós?”.

Entendemos que o exercício da escrita como reprodução mecânica pode se apresentar

como algo enfadonho para o estudante, uma vez que não se configura numa atividade

desafiadora e nem mobiliza aspectos da imaginação e da criação. Contudo, percebemos que o

advento da internet propiciou à nova geração de adolescentes uma preferência pela digitação

em detrimento da escrita manual, comparada às gerações anteriores. De acordo com Xavier

(2005), a internet possibilita o contato dos adolescentes com mais diversos gêneros de texto e

expressões linguísticas do que os das gerações anteriores e lidar com essa nova mídia tem sido

mais motivador do que permanecer na escola, sobretudo em metodologias mais tradicionais.

Não obstante, Patrícia também menciona a perda de interesse do adolescente pela

escola “o adolescente está querendo descobrir outras coisas, então ele perde aquele interesse,

a escola deixa de se interessante”. Há uma compreensão sobre o direcionamento para outros

tipos de interesse nesta fase, conforme aponta Carlos:

Hoje eu sinto que nós estamos vivendo uma epidemia do desânimo e eu teria que refletir mais sobre as razões desse desânimo. Mas, tem situações de alunos que eu tenho acompanhado que chegam em casa e permanecem durante toda a tarde dormindo. Então, parece que eles estão extremamente seletivos em relação ao que eles querem fazer. É muito seletivo. Eles querem fazer apenas aquilo que lhes dão prazer. (Carlos)

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Nesta mesma direção, Patrícia considera a existência de dificuldades do docente em

lidar com esta configuração psicológica do adolescente em sala:

Eu acho que a gente tem essa dificuldade, eles estão sempre muito descrentes, é difícil você chamar atenção deles para o lado do assunto [da aula], tudo que você leva [para trabalhar em sala de aula], é chato, não quero, têm toda essa dificuldade de chamar a atenção, de prender a atenção dele por muito tempo. (Patrícia)

Os procedimentos e recursos pedagógicos necessários para que o docente desperte o

interesse do seu aluno são temas que perpassam os relatos dos professores. O professor Rafael

entende que há alguns elementos que motivam o aluno a estudar, mas sublinha que há muito

mais fatores que o desmotivam:

Então, para o jovem ser motivado, hoje em dia, não está tão fácil assim, não. Ele não tem tanta coisa para motivá-lo não. Filme, a gente até já passou um filme para os meninos, filme bacana, que traz uma mensagem bacana, que poderia motivá-lo para mudar a vida dele, olhar a vida com outros olhos. Mas o aluno fala: “– Nossa, que palhaçada!” (Porque o termo que o adolescente usa é esse). “– Que palhaçada, não tem outra coisa pior não?!” E ele é irônico, coisa que a gente acha um pouco ruim, mas em relação à motivação é isso, tem coisa que motiva, mais tem muito mais coisa para desmotivar. Então, eu não vejo o adolescente motivado na escola. Não vejo. (Rafael)

A falta de interesse nas atividades em sala refere-se, sobretudo, à correção de

exercícios em sala. Nesse sentido, a professora Isabela diz: “Eu acho que uma das tarefas

mais árduas do professor é corrigir exercícios em sala, porque os alunos, isso eu tenho

percebido nas turmas desse ano, eles não estão predispostos a corrigir”.

Nesta mesma linha de pensamento, Carlos explicita a sua percepção de que os alunos

não apresentam interesse no procedimento de correção de exercícios, identificando em sua

própria prática que algumas atividades pedagógicas parecem não ter mais sentido para os

alunos, o que o faz apontar a necessidade de mudanças:

Algumas atividades não funcionam mais. Por exemplo, eu sinto que a correção de exercícios não funciona, o “para casa”, o dever de casa, como se dizia antigamente, não tem sido um momento muito proveitoso. Então, eu tenho trazido para a sala de aula e criado situações para que haja um estímulo. Por exemplo, numa revisão de matéria, às vezes eu penso em fazê-la através de uma gincana. Aí entra aquela dinâmica diferente e eles participam com muita vontade. Mas, se for só uma revisão, aí a participação é mínima. (Carlos)

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Bruno aponta que o mundo ao redor do adolescente apresenta-se mais atraente para o

aluno do que a atividade de estudo. Assim:

É complicado, ele tem o mundo inteiro para viver, é a fase que ele tem para viver a vida ali, tem a mídia, tem a internet, tem tudo. Hoje, vários dos recursos tecnológicos estão bem mais acessíveis, então é bem complicado porque é muito melhor – mais chamativo – assistir a um filme do que pegar um caderno para estudar. (Bruno)

Também o professor Rafael destaca a desmotivação do aluno para o estudo e ressalta o

papel das redes sociais na (des) motivação para o estudo:

Hoje, a motivação, às vezes, é o cara olhar lá na internet, procurar alguma coisa que faça sentido para ele, aí ele fica motivado. Mas eu vejo que na escola é complicado porque, principalmente, as redes sociais incentivam o aluno a não ter tanto interesse na escola. Eu já vi algumas postagens no face, inclusive, uma foi assim: se mostrou a fórmula de Báskara e outras equações matemáticas e falou assim: mas um dia isso passou e eu não utilizei isso aqui na minha vida em nada. Aí o aluno vê isso aí no face e fala assim: ‘nossa, eu conheço o fulano, porque se eu estou vendo é por que ele é meu amigo no face, o cara já se formou, o cara já não sei o quê, isso aqui não ajudou o cara em nada. Então, na hora em que ele vai ver aquele conteúdo, ele vai se lembrar do cara: “Nossa, mas se não o ajudou em nada, para que eu vou ver isso?”. (Rafael)

Em artigo sobre o adolescente mediante as tecnologias da informação e da

comunicação, Rosell, Sánchez-Carbonell, Jordana e Fargues (2007) ponderam que a

utilização da internet pode se tornar um problema caso a quantidade de horas em que os

adolescentes estejam conectados provoquem sintomas como sonolência, mudanças no estado

de ânimo, redução das horas de estudo ou das obrigações, afetando a vida cotidiana. Contudo,

os autores indicam a atuação preventiva dos adultos para melhorar o uso da internet pelos

adolescentes, educando o uso da internet como fonte de informação e formação. Neste

sentido, apontam para a incorporação da internet às metodologias de estudo dos adolescentes,

de modo que a rede se configure num espaço de comunicação vinculado à reflexão e ao

conhecimento.

O professor Milton assinala como uma das características do adolescente o fato de ele

ter desenvolvido a capacidade de ouvir e ver várias coisas ao mesmo tempo. De acordo com o

docente, tais aspectos demandam que o professor saiba lidar com isso. Ademais, ele aponta

que há outros fatores que incidem na motivação do estudante em sala de aula, como é o caso

de alguns alunos “limitados em sua formação cultural básica”. Assim:

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Eu acho que o adolescente tem essa pré-disposição de olhar para situações que são instigadoras e, mesmo que ele negue a curiosidade de estar envolvido com a música, com a Internet, com o colega, com a fofoca, com a balada, ele tem a capacidade de olhar tudo isso no mesmo tempo, coisa que minha geração não tem. Eu tenho muita dificuldade de ouvir as coisas ao mesmo tempo. Os meus alunos têm a facilidade de ouvir muitas coisas ao mesmo tempo. Eles percebem, alguns conseguem fazer sinapse no sentido de resgatar aquilo numa situação que você acha que ele esteja absorto, mas que ele não está absorto. Então, é preciso lidar ao mesmo tempo com isso e com o adolescente que tem dificuldade, que tem limitação, que tem uma formação cultural que deixa a desejar. Nós professores, sempre exigimos que os alunos sejam sempre alunos sempre bons, mas na verdade não é assim que a coisa acontece, eles sempre vêm de família com pouco contato com uma série de coisas, de mundos muito distintos e, às vezes, até a própria iniciação, portal de entrada para esse mundo mais amplo, às vezes, a única porta que a avó do adolescente tem para conhecer essas coisas é a escola. Então, a escola tem que trabalhar com essa diversidade de possibilidades. (Milton)

Bruno também vincula a falta de motivação de alguns alunos ao fato de muitos não

terem vivido experiências sociais relevantes que os levassem a atribuir sentidos de valor ao

estudo, capazes de mobilizá-los para esta atividade:

Vários dos alunos não têm a oportunidade de vivenciar o outro lado da moeda. Tem aqueles que conhecem e não vivenciam, mas tem aqueles que nem conhecem aquilo, e eu acho que a escola tem muito haver com isso. Então, o aluno que sujou a carteira, por que ele não limpa? Ele não conhece aquela realidade de limpar, não sabe como que o pessoal da limpeza vive para limpar o banheiro que ele faz xixi no chão, que poderia ter um zelo maior. Hoje, nós ouvimos falar menos, a pessoa que antes era obrigada, pois não tinha outro recurso, a pegar no cabo da enxada desde menino, conhecia a realidade de ter que ficar debaixo do sol, de ter o horário certo para almoçar, o pouco que tinha para almoçar, e hoje nós não vemos isso. O cara de antigamente via que era sofrida a possibilidade de não ter oportunidade de estudar, porque é muito melhor se debruçar sobre os estudos para conseguir uma vida mais adequada em termos financeiros, do que simplesmente ficar ali trabalhando. Hoje eu percebo muito isso: essa relação, ela tende a se distanciar e eu não vou colocar só esses fatores de tecnologia, acho que valores nas famílias também têm se modificado, então isso fica complicado. (Bruno)

O papel da família é destacado por alguns docentes como fundamental na formação da

motivação do adolescente para o estudo. Assim, além de aspectos já apontados pelos docentes

que intervém na motivação para os estudos, o incentivo e a valorização familiar desta

atividade são apontados como fatores importantes neste processo:

[A motivação para os estudos] varia muito de aluno para aluno, de família para família. Têm famílias que incentivam muito, mas têm famílias que não

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incentivam nada. E têm famílias que, de certa maneira, quase proíbem, fazendo com que os meninos façam outras atividades, é como se estivesse proibindo. Então, a gente já teve aluno aqui, que saía da escola e ia cuidar do irmão. Ou, senão, estudava à tarde, mas ficava a manhã inteira cuidando do irmão. A mãe tinha um bar e ficava lá, e o menino cuidando do irmão. Aí chegava lá, a atividade não estava feita. “Por que você não fez”?”“ Porque estava cuidando do meu irmão. (Rafael).

De acordo com Milton, muitas vezes, as famílias não colaboram com a educação dos

filhos, uma vez que, quando comparecem à escola, ao invés de fazerem parceria com os

professores, “a família, quando vem, também vem falar como se o professor fosse responsável

pelo insucesso da criança. O professor tem uma responsabilidade muito grande, como eu

disse, [mas] nós não temos uma contrapartida”.

Márcio também considera que a família não tem cumprido a sua função como

participante ativa na formação da motivação para os estudos de seus filhos. Assim:

As famílias são tão superficiais, tudo é tão emergencial, que elas não conseguem trabalhar com uma coisa mais profunda de objetivo, de sonho, de uma coisa maior. As coisas são muito imediatistas. A preocupação da família hoje é cobrar a nota no trimestre, é a passagem [do ano], elas não tentam incutir, por exemplo, nos meninos, o que seria o papel da educação no sentido muito mais amplo, o de mudança de vida, de mudança de hábitos culturais, financeiros, nesse sentido de construir um sonho maior através da escola. A escola é uma coisa momentânea, é mandar ele para lá para ele poder trabalhar. Então, os meninos não conseguem construir uma importância e uma responsabilidade com o próprio saber deles. As coisas são muito imediatistas, “ah tirei tal nota, eu vou ter isso”. A maioria não constrói um sonho em relação a uma profissão, a um jeito de viver, a uma maneira de acreditar no mundo. Elas são imediatistas, tirei a nota, não tenho “encheção de saco”, não têm um compromisso cognitivo com elas mesmas, mas sim com as coisas que são cobradas momentaneamente, só em cada etapa. (Márcio)

O professor assevera que as famílias não têm conseguido contribuir para a construção

de projetos de vida com os seus filhos e, quando fazem algum tipo de orientação para os

estudos, geralmente estão focadas nas notas, em detrimento de realizarem orientações

voltadas para a importância do conhecimento na vida dos filhos. Nesse sentido, as famílias

costumam utilizar sistemas de recompensas para que os filhos estudem e, desse modo, “as

motivações deles estão muito ligadas a retornos materiais: o celular, a internet, se vai ser

cortada ou não, e não uma coisa mais ampla. Então eu vejo uma motivação restrita. Hoje há

recompensas muito curtas, muito próximas”.

Ademais, Milton assinala que as famílias têm compreendido a educação como

mercadoria, o que gera consequências psicológicas em seus filhos, uma vez que:

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Você tem a escola como um lugar de colocar o filho, é um tempo que ele está fora, então a família pode fazer outras coisas, inclusive trabalhar. A gente sabe que as famílias têm que trabalhar. Então, do ponto de vista psicológico, os alunos estão muito frágeis, a fragilidade é muito presente, e vem para a relação com o professor, do ponto de vista da mercadoria, no lugar onde você coloca seu filho, e esquece que, na verdade, quando a criança está na escola, ela está na escola por um período muito menor do que ela está com a família e com o mundo. (Milton)

O docente destaca que, embora os professores tenham uma grande responsabilidade na

formação do aluno, há outras instâncias, incluindo a família, nas quais o adolescente passa

mais tempo de sua vida e que são tão responsáveis como a escola na formação do sujeito.

Oliveira e Marinho-Araújo (2010), ao se referirem à relação entre a família e a escola,

entendem que a participação dos pais nas atividades escolares dos filhos diminui na medida

em que os filhos avançam nas séries. As autoras consideram que é preciso transformar essas

relações pela valorização dos aspectos positivos relacionados ao processo educativo. Sob este

enfoque, acreditamos que a responsabilização pela formação da motivação para os estudos é

tarefa de ambas as instituições e que quando há parceria entre as duas, o processo ensino-

aprendizagem desenvolve-se de maneira satisfatória.

A motivação para o estudo é um tema que perpassa distintos papéis e instituições

sociais. Nesse sentido, alguns docentes ressaltam que as mudanças de caráter histórico e

cultural pelas quais a sociedade passa incidem sobre as formas pelas quais o adolescente

estabelece suas relações com o estudo. O professor Bruno, por exemplo, assinala que aspectos

tais como a rapidez do fluxo do consumo e da produção de informações influenciam na

formação psicológica do aluno, além de problematizar o papel da mídia na desmotivação do

estudo:

Essa motivação com o estudo está muito distante, porque eles não têm relação. Estou dizendo eles, mas não se pode generalizar, claro. Existe essa desvalorização da comida, existe essa desvalorização do bem material. Tudo é rápido, então você pega uma sociedade que é rápida, que já está em um momento em que as coisas não param, todo dia é coisa nova, todo dia muda e encaixa essa realidade ou coloca junto dessa realidade uma mente adolescente, que também é rápida. Imagine que antes você tinha que conservar a garrafinha do leite para poder ter mais leite em casa, hoje você não precisa fazer isso, você joga o saquinho de leite fora, você joga a caixinha de leite fora. Você tinha que conservar as coisas, as coisas eram mais bem feitas também, porque você tinha que conservar. Hoje não, isso acabou. Então, você junta essa realidade em que nós vivemos com uma mente que está sempre em formação, essa mente está explodindo. Acontece mesmo esse distanciamento, a mídia mostra isso, querendo ou não. [...] Se

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você não tem conhecimento suficiente para discutir, mas você pega realidades, por exemplo, os orientais, onde existe uma disciplina: as coisas andam muito rápido, bem mais rápidas do que aqui, mas ainda existe uma disciplina, o foco é outro. No entanto, para a gente, não é isso. O foco para a gente é ser jogador de futebol, não desmerecendo jogador de futebol, mas “por que você quer ser jogador de futebol?” Pergunte para a criança ou adolescente, eles que exigem tanto o porquê. Ser jogador de futebol, querendo ou não, não exige que você se debruce para estudar. No entanto, um jogador de futebol em um mês ganha mais que você quando se tornar doutora e em toda a sua vida, quando você se tornar doutora. Agora pense, a pessoa vai até o terceiro ano do ensino médico, [faz] quatro anos de graduação, dois anos de mestrado, quatro anos de doutorado, são dez anos da universidade e não vai chegar nem perto do salário de um jogador de futebol. Veja a realidade em que nós estamos inseridos. Essa realidade também influencia, tem muita coisa que eu posso fazer para não precisar estudar e ganhar dinheiro (Bruno).

Também as políticas públicas são mencionadas como fatores que determinam, em

parte, a falta de motivação do adolescente para estudar:

Pegue políticas públicas que talvez, dinamizam também, facilitam que os alunos cheguem ao ensino superior, ao final do ensino médio. Mas facilitam de que forma? Havia um professor recentemente surpreso porque um aluno saiu daqui [da escola] no nono ano e que não conseguia em termos de conteúdo, acompanhar muito bem [a turma]. No entanto, foi realocado na [nova] escola no segundo ano do ensino médio, porque é uma política pública, está vendo? Para quê eu vou estudar, se a minha idade me permite fazer uma provinha que de vez em quando eu posso até levar para a casa, para quê eu vou estudar? E então, como eles estão nesse momento de questionar e questionar, eles começam a perceber essa realidade também no processo de amadurecimento. Eles entram nessa onda sem saber das consequências. (Bruno).

Para Domínguez García (2003a), na adolescência o desenvolvimento dos interesses

cognitivos caracteriza-se por uma crescente multiplicidade de interesses. Porém, no que

concerne à atividade de estudo, há uma grande diversidade de motivações internas, uma vez

que enquanto alguns adolescentes manifestam completa indiferença ao estudo, outros

demonstram uma grande orientação a tal atividade. No presente trabalho, constatamos que, de

modo geral, os relatos dos docentes indicam uma perda de interesse do aluno adolescente pela

atividade de estudo.

De acordo com as compreensões docentes, a diminuição do interesse dos adolescentes

pelo estudo parece estar relacionada ao direcionamento do interesse do aluno para outros

aspectos da vida, como às redes sociais, o que vai ao encontro do que afirma Domínguez

García (2007), segundo a qual os adolescentes elegem e desenvolvem diversas atividades em

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seu tempo livre e, algumas destas atividades podem ser altamente motivadoras para eles, em

detrimento das atividades ligadas à escola.

Alguns docentes apontaram que muitos alunos não valorizam o estudo por não terem

tido experiências sociais relevantes que os levassem a atribuir sentido ao estudo e, nessa

perspectiva, apontam que, muitas vezes, a família e a sociedade não têm cumprido o seu papel

na formação da motivação para os estudos.

Nesse sentido, concordamos com Mészáros (2005) ao asseverar que, da forma como

tem sido constituída, a educação legitima determinados valores responsáveis pela

internalização de posições conferidas aos indivíduos na hierarquia social, fornecendo

conhecimentos e mão de obra necessária para o mercado em expansão. Tal abordagem destaca

os aspectos ideológicos presentes na estrutura educacional, tomando a educação como um

elemento que geralmente é utilizado para manter as perspectivas de uma sociedade

mercantilizada e não de uma sociedade em cuja prática de estudo, que leve ao conhecimento,

seja capaz de gerar liberdade e autonomia dos sujeitos.

Neste âmbito, as relações entre educação e sociedade caracterizam-se por um

movimento constitutivo no qual o sujeito é, simultaneamente, produto e produtor das

contradições do sistema social. Inserido nesse mecanismo dialético, em dado contexto

histórico, cultural e temporal, o professor, como qualquer outro profissional da Educação,

vivencia condições sociais determinadas, embora nem sempre perceba os mecanismos que as

engendram.

Somado a outros fatores, consideramos que tais efeitos ideológicos também podem

gerar o desinteresse dos estudantes pelos estudos, o que incide em sala de aula pela sua

indisposição para realizarem algumas tarefas propostas pelo professor ou mesmo de buscarem

o sentido daquilo que é proposto. Não obstante, a compreensão da falta de interesse dos

alunos pelos estudos leva os professores a buscarem procedimentos e recursos pedagógicos

que despertem seu interesse, conforme veremos, a seguir.

O papel docente na formação da motivação para os estudos

A despeito de se considerar o papel da família, da mídia e de outros fatores na

formação da motivação para os estudos, a maioria dos professores identifica e ressalta o seu

papel nesta questão, assinalando a necessidade de se buscar recursos pedagógicos que

despertem o interesse do aluno adolescente para o estudo, sobretudo durante as aulas.

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Nesse sentido, o professor Carlos esclarece que a atividade “tem que vir de uma forma

divertida, interessante, envolvente”. E, na visão do docente, isso se trata de um desafio muito

grande para quem lida com o adolescente. Isabela, por sua vez, aponta que a maior dispersão e

menos foco nos estudos é pertinente à fase em que os alunos estão e compartilha da opinião

de Carlos, uma vez que indica a necessidade de buscar materiais que sejam alvo de interesse

dos alunos, próprios da adolescência.

Carlos aponta a importância de se atentar para os interesses dos seus alunos no

desenvolvimento de suas ações em sala de aula, o que requer um esforço para conhecê-los e, a

partir disso, elaborar práticas pedagógicas nas quais se envolvam positivamente:

O professor precisa conhecer os seus alunos, porque dependendo do seu perfil você constrói uma abordagem diferente, uma metodologia diferente, mas, principalmente, uma abordagem. Por exemplo, eu tinha um sétimo ano B muito musical, era só ele. E é uma coisa muito nítida do jovem, a música é muito forte e eu tive bons resultados utilizando a linguagem musical; algo que eu não tive, por exemplo, no sétimo ano A nem no C. Numa sala, por exemplo, que tinha um perfil muito esportivo, eu dava atividades, por exemplo, como criar um jogo, um jogo de tabuleiro ou, então, eles mesmos criaram um jogo de quadra, um jogo de pátio. Eu percebi que lá funcionou muito melhor do que nas outras turmas. Então, eu acho que [conhecer o perfil dos alunos de uma sala de aula e a partir dele desenvolver estratégias] também, é outro caminho muito seguro. Paulo Freire já falava disso: partir da realidade do próprio aluno, pois nós não conhecemos a realidade deles. (Carlos)

Nesse sentido, o professor aponta o lúdico como um caminho para desenvolver

propostas pedagógicas que contribuam para aumentar a disposição do adolescente para o

estudo:

O grande desafio de qualquer profissional que esteja lidando com o jovem é encontrar caminhos que façam com que essa disposição exista. E, por isso, eu tenho acreditado, por enquanto, no lúdico, porque o jogo faz parte da condição humana. Eu gosto muito daquele livro do Huizinga, Homo ludens, que fala que por toda a existência o jogo, o torneio e a competição fazem parte do homem. Então, talvez, isso seja uma forma de recuperar essa disposição. (Carlos)

A persecução por notas, pelos alunos, ao invés do interesse pelo conhecimento é

salientada pelo professor Rodrigo, que também destaca o papel do professor nesse processo:

Nota ainda é uma grande questão. São raros os momentos eu que eu os vejo falar do conhecimento como algo saboroso. É algo extremamente funcional que serve para que eu possa ascender, para que eu possa passar de ano e é

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isso. Esse é o jogo, então eu vou jogar. Quando tem significado, ele modifica aquilo, ele se apropria, se modifica, se aproxima, tece outras relações com o mundo. Não sei se é pelo professor ou se é pelo conteúdo em si que ele se conectou. Isso é bacana de ver quando acontece... Acontece comigo também! Agora, quando a coisa não tem por si só nenhum princípio de oferecer uma oportunidade para que essa conexão se estabeleça, é funcional, é para nota, para prova, para eu passar de ano, para eu sair dessa escola. Só que mal sabem eles, que se eles continuarem nesse jogo é isso que eles vão trilhar. Eu não tiro esse modo de se relacionar com o conhecimento também do ensino médio e também da própria universidade. É lógico que em todos os âmbitos do ensino tem exceções, tem professores que conseguem fazer com que aquilo dialogue de alguma forma com o mundo e não como uma ferramenta a ser adquirida para alguma coisa. (Rodrigo)

Diferentemente do que afirma Bruno, Milton assinala que os seus alunos, “estranhamente, não demandam nota, não fazem questão da nota” e isso, para ele, é um sinal

de que as famílias não têm acompanhado a produção dos alunos, o que gera desconforto no

docente. Embora ele considere que a nota poderia ser abolida da escola, o que gera

desconforto é perceber que, para a maioria dos alunos, é indiferente ter um bom ou um mau

desempenho nas produções realizadas em sala. Nesse sentido, ele permite que seus alunos

refaçam trabalhos sempre que manifestem interesse, fato considerado positivo pelo professor,

uma vez que os estudantes teriam a oportunidade de reelaborarem seus pensamentos e

conceitos.

Muitos docentes identificam que os adolescentes não demonstram interesse por todos

os conteúdos ministrados e, deste modo, cabe ao professor encontrar meios de fazer com que

aqueles conteúdos façam sentido na vida do aluno. Sob este enfoque, Rafael afirma que,

diferentemente das crianças menores que aceitam tudo sem se queixar, uma vez que para elas

tudo se apresenta como novidade, no caso dos adolescentes a situação muda, pois já trazem

alguma bagagem experiencial e se eles não perceberem nenhum sentido na matéria, irão se

queixar para o professor, expondo sua contrariedade. Sobre isso, diz:

Com o adolescente você tem que, de fato, além de preparar, porque normalmente você tem que preparar para todo mundo mesmo, você tem que fazer o negócio mais estruturado, principalmente em relação a alguns assuntos. [Se] o menino já vivenciou, [se] já falaram disso lá na família dele, então, nesse sentido, o adolescente acaba te exigindo mais. Mas é rico, porque se te exige mais, isso é bom para você! (Rafael)

De acordo com Bozhovich (2003), na adolescência, a assimilação do conhecimento

teórico contribui para a formação, dentre outros elementos, do pensamento conceitual e

categorial, de modo que os processos cognitivos se reestruturam, modificando,

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consequentemente, o modo pelo qual o adolescente percebe e atua sob a realidade. Nesse

sentido, o professor Milton vincula a postura crítica do adolescente frente aos conceitos que

aprende na escola à forma pela qual a ciência transforma o senso comum, processo que

desestabiliza o adolescente:

O adolescente frente às ciências humanas está sempre sendo colocado em xeque, porque o conceito ilumina aquilo que acontece na vida. Então, você vai olhar para aquele de uma forma crítica, porque para mim, a escola é um lugar da construção da ciência e transformação do senso comum em pensamento científico. Ele está o tempo todo desestabilizado. (Milton)

De acordo com o professor Bruno “o adolescente é um sujeito muito crítico”, que “absorve bem a mídia”, porém, “ele tem muita absorção, isso não quer dizer que ele sempre

tem reflexão sobre aquilo”. Entendemos que a criticidade refere-se a uma forma de conceber a

realidade de forma aprofundada, questionadora, que busca ir à raiz das situações para se

compreendê-la. Nesse sentido, quando Bruno diz que “o adolescente é um sujeito muito

crítico” e, ao mesmo tempo, que “absorve bem a mídia”, temos aí uma contradição, uma vez

que a ideia de “absorver” a mídia nos remete a uma aceitação passiva daquilo que a mídia

transmite. Contudo, se tomarmos a fala de Bruno sob a ótica de que o adolescente leva

bastante informação para a sala de aula e que, com isso, o professor precisa lidar com esse

universo de informações que o estudante traz consigo para promover um diálogo em sala de

aula, utilizando tais informações para articulá-las ao conhecimento científico que a escola

proporciona, provavelmente o docente estaria contribuindo, decisivamente, para manter o

interesse do aluno no processo ensino-aprendizagem.

Domínguez García (2003a) aponta que o baixo desenvolvimento de interesses

cognitivos e do pensamento conceitual dos estudantes pode prejudicar a formação da

personalidade, uma vez que estes processos estão ligados, dentre outros, à concepção de

mundo, à autoconsciência e a identidade pessoal, que dizem respeito ao modo pelo qual o

adolescente percebe e se posiciona na realidade.

Nesse sentido, a professora Patrícia compreende que na adolescência são múltiplas as

condições que influenciam a disposição do aluno para estudar e, desse modo, é preciso

associar o conteúdo da aula ao seu mundo. Assim,

Ele [o aluno adolescente] pede a motivação. Então eu tenho que ligar o conceito ao mundo deles, [e estar] sempre fazendo isso. Eu vejo que a motivação dele tem que partir muito da gente porque, às vezes, ele tem muito problema na família, às vezes, a família dele não estudou, não o

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incentiva nos estudos, não está ali. Claro que tem poucos alunos que naturalmente têm uma disposição [para estudar], não posso dizer que são todos, porque cada ser humano é um, mas em geral a gente percebe que não há essa motivação, mas a motivação dele é para o namoro, é para conhecer outras coisas, para o show, para a festa, para a roupa da moda, em geral é assim. (Patrícia)

Neste caso, a docente entende que o professor precisa pensar em estratégias que

auxiliem o aluno a desenvolver o interesse pelo estudo:

Ele não tem motivação, então a motivação tem que vir do professor, por mais que a gente pense por aquela visão mais tradicionalista, mais fechada [segundo a qual se ele está] na escola, ele tem que estar motivado sim. Mas ele acorda cedo, ele tem muito sono nessa fase, uma questão física mesmo, hormonal. Então eles chegam aqui e aquilo ali não é interessante para ele, aquele quadro cheio de coisa, esse mundo em que tem que sentar em fila, tem que fazer uma coisa muito fechada, isso não é interessante para ele. Então, eu tenho que motivá-lo, eu tenho que chamar a atenção dele para que seja interessante, tenho que usar imagem, a questão da linguagem novamente, preciso fazer alguma coisa mais dinâmica, mais rápida, se eu quero dialogar com o aluno. (Patrícia)

A formação motivacional do aluno para o estudo é um aspecto abordado também por

Milton, que atribui ao educador um papel significativo nesse processo:

Como é que você consegue se mobilizar para fazer uma atividade que mobilize seu aluno? Você tem que estar muito antenado porque, na verdade, quando o educador vai fazer o planejamento dele, ele tem que pensar muito; primeiro, na metodologia. Então, não dá para você trabalhar texto o tempo todo, não dá para você trabalhar aula expositiva o tempo todo. Então, professor tem que dar possibilidade para que o aluno se envolva na atividade de maneira plena, ampla. (Milton)

Milton afirma que em suas aulas utiliza uma miríade de possibilidades, tais como

recursos do celular, a construção de mapas conceituais, documentários, vídeos, mídias,

reportagem, ou seja, “uma série de metodologias que tem como âncora sempre a leitura, não

é nem o texto. Então você percebe os alunos muito envolvidos nesta possibilidade”.

Quando você tem um arsenal metodológico mais amplo e que você vai sempre mudando, apresentando novas possibilidades para o aluno, ele se sente mais motivado, isso, no primeiro momento. Essa possibilidade de instrumentos de contato que ele tem com os alunos tem como pano de fundo [o fato de] ele ter contato com conceitos. Então, sempre um documentário pressupõe um conceito que você vai construir depois. Esse conceito pode ser construído depois na sistematização que o professor faz, porque ele é o mediador da aula, é condição sine qua non no ato de educar. No segundo

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momento, você [deve] botá-lo em uma situação em que ele também pode se expressar de diversas formas. (Milton)

Além disso, ele assinala que os alunos precisam se expressar de formas variadas, o que

implica que o professor utilize metodologias variadas e tenha flexibilidade em experimentar

novas estratégias para que o aluno também se expresse de distintos modos. Nesta perspectiva,

citou uma situação em que um aluno lhe pediu para confeccionar um gibi como forma de

demonstrar o seu conhecimento e ser avaliado, uma vez que não conseguiu fazer uma boa

apresentação em formato de seminário, como os demais alunos fizeram. Embora o objetivo da

aula não fosse a elaboração de gibis, nessa situação específica o professor entendeu que o

aluno poderia ter uma nova chance de demonstrar o seu conhecimento por meio da elaboração

de um gibi, procedimento que obteve sucesso.

Contudo, nem todas as situações de falta de motivação para o estudo são

responsabilidade exclusiva do docente, de acordo com Milton, uma vez que a heterogeneidade

de alunos e posturas em sala de aula com relação ao conhecimento e as possibilidades de

aprendizagem são amplas e, no universo de uma sala de aula há alunos que sempre prestam

atenção ao que diz o professor, enquanto outros fazem o mínimo e outros que são apáticos.

Quanto a estes últimos, afirma:

Não me sinto culpado por ele ser apático, não é responsabilidade do professor. É responsabilidade do professor criar situações, tentar envolver, acompanhar, pontuar, entrar em contato com a família, encaminhar para as instâncias pertinentes para trabalhar com esse aluno, mas não é culpa do professor, é do aluno, é da família, é do lugar onde ele vem, é do lugar para onde ele quer ir; então, são as escolhas (Milton).

Para Bozhovich (2003, p. 350), na adolescência “o interesse cognitivo começa a

diferenciar-se por outra particularidade qualitativamente nova e adquire precisamente um

caráter pessoal”. Nesse sentido, a professora Isabela também avalia que, para o desempenho

de suas ações em sala de aula, seja necessário preparar as aulas a partir de temas de interesse

dos alunos:

Eu acho que há uma necessidade maior de estar mais atualizada, de trazer textos interessantes. Você tem que ser crítica em relação aos textos que traz também, para eles. No meu caso, eu trabalho muito com textos, com exercícios. Então, eu percebo alguns [alunos] abertos ao conhecer, ao novo. Mas, é necessário que eu prepare bem as aulas, porque eles são muito críticos, então eu sempre faço isso porque eu não gosto de passar apuro em sala de aula.

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Ainda no que se refere à dimensão motivacional dos alunos, Fernanda enfatiza a

importância de que os conteúdos façam sentido na vida do aluno, conforme preconiza

González Rey (2013). Assim, questionada sobre a motivação dos alunos para o estudo, ela se

posiciona:

O papel do educador é o de estar realmente ali, não só nessa questão de cobrança, mas também de estar passando prazer pela descoberta. [...] A gente percebe o quanto é prazeroso quando eles entendem e conseguem fazer uma atividade proposta. Eles se sentem bem, a autoestima vai lá em cima. Então, dentro do meu conteúdo, eu procuro sempre estar trazendo para a realidade deles uma coisa assim: eu percebo que eles são muito imediatistas, então eu procuro sempre trazer situações problemas, da vida prática mesmo, coisas que eles possam visualizar a aplicação daquele conteúdo de modo que eles se interessem em aprender aquilo. Caso contrário, fica complicado. Então, eu percebo que eles não aceitam coisas “goela abaixo”, tem que ter uma explicação, um por que, uma lógica. Senão a tendência é menosprezar aquilo. (Fernanda)

O professor Rafael considera que a utilização de exemplos em sala de aula para

explicar o seu conteúdo é muito importante no trabalho junto aos alunos adolescentes.

Contudo, ele ressalta que em suas aulas costuma tomar cuidado para não usar alguns tipos de

exemplos hipotéticos utilizando o nome de estudantes, sobretudo quando se trata de questões

que envolvem a sexualidade, o que pode causar um grande tumulto em sala de aula. O docente

explica o motivo pelo qual gosta de utilizar a exemplificação, tomando “emprestados” nomes

de alguns alunos da sala:

“Imaginem que o João é namorado da Maria”. Eu só estou trazendo o personagem ali mais próximo para o aluno identificar melhor, porque eu poderia muito bem falar: imaginem um casalzinho de adolescente. Mas se for o João e a Maria, já vai ficar um pouco mais próximo. (Rafael)

O professor relata uma situação em que não obteve sucesso com a utilização desse tipo

de exemplos. Neste caso, alguns alunos passaram a comentar que os colegas citados nos

exemplos realmente namoravam e uma aluna ficou chateada com o fato. Ademais, a utilização

de exemplos é empregada pelo professor com o objetivo de direcionar a atenção do aluno para

a aula. Assim, ele utiliza o nome de alunos que, porventura, estejam conversando enquanto

explica a matéria. O docente esclarece que, embora seja proveitosa, a utilização desse tipo de

técnica pode resultar em constrangimentos, pois, às vezes, provoca nos alunos a disposição

para comentarem sobre a vida de colegas. Neste sentido, Rafael ressalta que costuma ser

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muito cauteloso para utilizar-se deste recurso devido à imaturidade apresentada por alguns

alunos.

Identificamos que todos os professores já modificaram as suas aulas a partir das

demandas apresentadas pelos alunos. Márcio, por exemplo, fala que já modificou a sua aula

muitas vezes a partir da observação de uma demanda ou de um interesse específico dos alunos

e, sobre isso, diz:

Em termos práticos da sala de aula, a gente tem atividade que a gente sabe que dá certo. Mas, por quê? Não é desse ano, mas é de muitos anos de experiência com os jovens. Então, muitas coisas que a gente vai utilizando, às vezes, você percebe que não deu muito certo e no outro ano você já não a utiliza daquela forma, utiliza outra. Às vezes, até mudanças mais radicais na própria aula, às vezes tem atividades que você bola, e chega lá e você vê que não acontece [...]. Eu sempre falo para os meus alunos que estagiam comigo: “a gente sempre tem que ter umas três cartas na manga para fazer aquilo ali de forma diferente. Às vezes, num grupo dá certo de uma forma e em outro vai dar de outra maneira, mas o caminho tem que ser mudado a todo o momento”. (Márcio)

O docente assinala que a forma pela qual o conteúdo é ministrado é fundamental e,

para tal, ele busca observar as reações dos alunos para saber se a aula está sendo atrativa ou

não. Ademais, ele ressalta a importância das mudanças nas propostas de aula:

Eu percebo o seguinte: eu não sou aquele tipo de professor que acha que porque aquilo ali é um conhecimento e é importante, que ele tenha que ser passado, independente da forma. Tem gente [que pensa que] não, isso é igual injeção, é ruim, mas tem que ter. Eu não acredito nessa maneira. Eu acho que a coisa tem que ser sempre atrativa. Quando eu mesmo percebo que a coisa não está boa- eu observo muito as reações dos meninos, as conversas, as expressões deles- quando eu vejo que aquilo ali não está agradando, eu já começo a pensar como eu posso modificar aquilo ali. Eu acho que não adianta obrigar os meninos a passarem por uma coisa que não está agradável, independente da importância daquele conhecimento. Às vezes, até retirar aquele conhecimento daquele momento e depois retorná-lo de outra forma, em outra etapa, talvez. (Márcio)

Percebemos na fala do professor Márcio uma preocupação em alinhar os conteúdos

trabalhados com os estudantes aos interesses deles, de forma a priorizar o envolvimento do

alunado no processo ensino-aprendizagem, em detrimento de uma ordem, feita à priori, para o

desenvolvimento destes conteúdos. Tal fala deixa implícita a autonomia na qual o professor se

apoia para realizar mudanças, inclusive, na estrutura curricular dos conteúdos que ministra, o

que nos parece algo fundamental na docência. Tal condição de trabalho é um dos aspectos a

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ser considerados quando se trata de um colégio de aplicação, contexto em que o professor

atua.

Nesta perspectiva, também Rafael comenta que costuma analisar o resultado das

atividades propostas e, a partir disso, introduzir mudanças:

Eu aplico e vejo o resultado. Deu certo? A gente continua. Não deu certo? A gente troca. Então, a gente tem percebido que algumas coisas não têm dado certo, a gente tem que trocar. Sempre temos que trocar algumas coisas, por exemplo: têm alguns filmes que são perfeitos para trabalhar alguns conteúdos, a gente vai e aplica o filme. Se percebermos que o filme é muito cansativo, se é muito longo, se é inadequado, a gente simplesmente retira. Se for totalmente adequado [em termos de conteúdo], mas para aquela faixa etária não deu certo, então a gente retira. Assim, fizemos atividade curta, que tivemos que alongar e já fizemos atividade longa, que tivemos que encurtar. Por que a gente não retirou a atividade? Porque a atividade é importante para o aluno, mas não precisa ser tão longa. [...] E coisas assim que a gente achou que nem ia dar muito “ibope” e deu. Então eu pensei: acho que a gente pode aprofundar um pouco mais. (Rafael)

Rafael afirma, ainda, ter ministrado alguns conteúdos em determinados anos de ensino

que não foram bem recebidos pelos alunos, uma vez que identificou que eles não tinham

maturidade para se apropriarem de tais conteúdos. Então, os conteúdos foram alocados em

anos de ensino posteriores, nos quais os alunos já teriam mais maturidade para compreendê-

los. Fernanda também diz que já modificou suas aulas inúmeras vezes para atender as

demandas dos alunos e, a esse respeito, comenta:

[...] eu acho que a maior qualidade de um professor é a perseverança, porque muitas vezes a gente faz um planejamento e [diz] eu vou arrebentar e aí você chega lá e sai arrebentado. Daí você tem que reformular as suas estratégias e pensar qual é a necessidade realmente que aquela turma está demonstrando e se adequar aquilo. Inúmeras vezes eu tive que “replanejar” as minhas ações para conseguir um êxito melhor. (Fernanda)

Tais apontamentos remetem-nos aos benefícios da flexibilidade curricular, que estão

diretamente relacionados ao conceito vigotskiano de zona de desenvolvimento próximo

(VIGOTSKI, 1984; 1987), segundo o qual um terceiro pode contribuir para que o sujeito

desenvolva o seu potencial, uma vez que ele não pode se desenvolver de forma independente.

Contudo, quando se avalia que, mesmo com a ajuda deste terceiro, no caso o professor, o

estudante não consegue resolver determinado problema apresentado em sala de aula, uma das

hipóteses a ser levantada é a de que a aprendizagem em questão se encontra fora da zona de

desenvolvimento próximo do aluno, isto é, além de suas possibilidades naquele momento.

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Nesse caso, a modificação da estrutura curricular, no que se refere à ordem de

desenvolvimento dos conteúdos, ou o replanejamento metodológico podem se constituir em

estratégias pedagógicas pertinentes na docência com adolescentes. Outra alternativa pode ser

a colaboração com outros estudantes mais experientes no conteúdo que, na função de

monitores, podem auxiliar os colegas com uma mediação diferente da apresentada pelo

professor naquela situação específica.

A docente Isabela também demonstra flexibilidade no planejamento de suas aulas a

partir das necessidades apresentadas pelos alunos, como o fato de preparar mais materiais para

atender a variados ritmos de aprendizagem dos alunos na turma, a seleção de conteúdos para

serem trabalhados com mais tempo e qualidade e também a adoção de recursos a partir do

interesse dos estudantes, tal como a adoção de um livro de literatura para ser trabalhado em

sala a partir da sugestão de uma aluna. Ela também aponta que a demanda para ajudar o

estudante a se organizar na atividade de estudo é intensa e, sobre este aspecto, associa

algumas características apresentadas pelos adolescentes às modificações que ela faz em sala

de aula. De acordo com ela, os adolescentes apresentam desorganização interna, no que se

refere a aspectos cognitivos e emocionais, e desorganização externa, no que concerne a

aspectos de caráter mais comportamental. Por isso, ela organiza a sua aula para ajudá-los a se

orientarem melhor no espaço físico, nas tarefas, nos estudos, na hora da explicação da

matéria, conforme narra:

Eu faço muito isso no quadro porque eu acho que é atrativo para eles: eu uso várias cores, geralmente seis cores de pincéis, porque isso atrai muito. Então, eu não fico nas cores básicas. Eu comprei outros para usar, porque eu acho interessante, eu gosto, isso me desperta a atenção e eu acho que neles também. Então, eu uso cores diferentes, eu uso destaques, eu faço esquemas e alguns copiam direitinho. (Isabela)

Além da utilização de recursos visuais que facilitem a orientação das tarefas e estudos,

a professora ressalta que a dispersão ou a falta de foco nos conteúdos trabalhados em sala gera

a necessidade de outras modificações na aula para que os alunos compreendam melhor a

matéria:

A gente sempre orienta onde está [o conteúdo a ser estudado], como estudar, como pesquisar [...]. Então, por exemplo, quando eu trabalho um conteúdo, se eu vou avaliar aquele conteúdo, eu só gosto de avaliar quando eu percebo que eu trabalhei o suficiente para que eles pudessem aprender. Eu não gosto da sensação de que ficou solto. Então, às vezes, eu trabalho menos conteúdo no ano, mas tento trabalhar com uma profundidade maior, porque, como eles são muito dispersos para aprender, a gente tem que falar

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várias vezes, trazer em vários momentos, repetir, fazer exercícios e, às vezes, só na hora da prova é que ele se desperta para aquilo que você falou (Isabela).

A docente também relata a desorganização espacial dos alunos em relação ao trato dos

materiais escolares e apresenta algumas de suas práticas em sala de aula para lidar com tais

questões:

Você precisa ajudar [o aluno] a se organizar no espaço. Tem alunos que eu acho que é um não perceber, também, a realidade. Vou dar um exemplo simples, prático: eles recortam folhas e deixam tudo caído, põem debaixo da carteira, deixam no chão. Se você não fala para ele pegar e colocar no lixo, ele não faz, ele deixa desorganizado assim como ele está. Então, com caderno, por exemplo, nós somos exigentes aqui na escola em relação a ter caderno, então o aluno tem um caderno de cada disciplina. Eu acho que isso é bom, porque força ele a ter uma divisão, uma organização e porque eu acho que eles mesmos se perderiam num caderno, às vezes, múltiplo, a não ser que fosse um fichário dividido, organizadinho [...] (Isabela).

O fato de os alunos apresentarem dificuldade em manter o foco nos estudos e de

exibirem ritmos de aprendizagem diferentes requer uma maior preparação de aula do

professor, de modo que ele consiga atender às diferentes necessidades dos seus alunos no

momento da aula:

Existem alunos em diferentes momentos também, uns são rápidos, outros são muito lentos. Então, eu sempre deixo duas, três questões aparecendo, porque os mais rápidos vão adiantando e os mais lentos também podem copiar. E [...] eu não quero que eles copiem tudo, porque, às vezes, as respostas são grandes, mas eu quero que eles comparem, que eles acrescentem. Então, eu destacava, às vezes, com marca texto lá no quadro, no computador, quais palavras chaves, por exemplo, orientar, conscientizar, que a gente estava trabalhando esses dias nos textos. [...] Então, eu acho que demanda de mim essa preparação, porque para eu trazer, por exemplo, todas as respostas digitadas, isso demanda muito tempo. Eu tenho que fazer. Mas, eu acho que pela própria fase deles de maior dispersão e menos foco nos estudos, o visual ajuda. Então, [o trabalho com os adolescentes demanda buscar e trabalhar com] os textos atualizados, discutir assuntos pertinentes nessa fase deles (Isabela).

Em consonância com os apontamentos da professora Isabela, Bruno percebe que os

adolescentes recebem muitas informações ao mesmo tempo, pois na adolescência há um

“bombardeamento de pensamentos” e, nesse sentido, acredita que os estudantes não sabem

lidar com isso, a princípio. Contudo, ao longo da adolescência eles vão aprendendo a se

organizar, tanto psicologicamente quanto comportamentalmente:

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Você pode ter garotos e garotas que organizam o caderno muito bem no inicio da adolescência, mas não organizam os pensamentos. E, talvez mais para o final você pode encontrar meninos e meninas que organizam razoavelmente o caderno, mas já têm a organização de pensamento muito melhor. No entanto, o docente tem muito a ver com isso, no meio do caminho. Então, tem essa questão de organização também e além da inquietude física, tem essa inquietude psicológica. (Bruno)

Patrícia, por sua vez, destaca algumas características psicológicas do adolescente que

devem ser observadas como aspectos que requerem mudança nas estratégias pedagógicas,

uma vez que trazem implicações diretas no trabalho em sala de aula:

O adolescente tem dúvida, ele está sempre em dúvida, ele não tem certeza. Então ele está sempre naquelas fases assim: ou ele está muito alegre ou ele está muito triste, eufórico, com momentos de altas e momentos de baixas. Tédio, ele está sempre entediado, não consegue ficar ali parado. Como ele tem muito sono, ele sempre está entediado com alguma coisa. Sempre quer fazer alguma coisa divertida, quer falar de algumas coisas divertidas. Estou vendo que hoje em dia têm muito adolescente triste, distante, estou percebendo isso em muitas salas também. A gente tem essa dificuldade também, eles ficam assim, distantes, aéreos, passam uma expressão de que eles estão tristes, estão vivendo algum problema. (Patrícia)

Assim, Patrícia também aponta a necessidade de que o professor busque “técnicas de

ensino, maneiras com que a aula se torne mais dinâmica” e explica que isso se deve

porque essa geração, principalmente, está vivendo num mundo onde tudo é muito rápido, a informação chega muito rápido, ele chega ali na internet, vai buscar um assunto e ele já chegou ali para ele. Então, porque vir à escola? Porque ele vai aprofundar, ele vai ter contato não só com a informação, mas com o conhecimento. Então, eu preciso saber como fazer isso, eu preciso estar atualizada, eu preciso saber usar as tecnologias sim, eu preciso me valer de dinâmicas sim, dinâmicas em que eu consiga fazer de estratégias para que a aula não fique só no momento expositivo. (Patrícia)

Em relação aos adolescentes, especificamente, Bruno pondera algumas características

que devem ser consideradas pelo professor em sua prática:

Com os adolescentes, nós encontramos esse momento neles, que é meio conturbado, talvez confuso. Então, [deve-se] observar e tentar refletir com eles que não é só de número que vai viver o sujeito. Então, talvez na aula, em determinadas situações, existam momentos em que a matemática tenha que se tornar um debate e não só uma matemática, que possa ser produtivo para a vida dele enquanto cidadão. Então, nós temos que ficar atentos a esses momentos. Enquanto professor, você tem que ir observando e falar: ‘não, hoje não é o momento de ter aula de matemática ou hoje é o momento de nós começarmos aqui para não deixar o conteúdo em defasagem, mas

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vamos parar aqui e vamos fazer diferente. Eu acho que essa percepção nós temos que ter. Logo, um fundamento é nós podermos, nas condições que temos, observar aquela dinâmica para saber como lidar com ela de diferentes maneiras. (Bruno)

A modificação da proposta de aula também se vincula à leitura da expressão

emocional dos alunos em sala, conforme Carlos exemplifica por meio da descrição de uma

ocasião em que percebeu que os alunos não estavam em condições emocionais de

participarem de uma aula normal, com conteúdo específico, pois estavam abalados devido ao

falecimento de um dos colegas de sala:

Eles tinham perdido um colega, o colega faleceu no final de semana e, logo que eu entrei, era a primeira aula e eles estavam muito sensibilizados com a perda do colega. E, daí eu aboli o conteúdo e falei: “olha, nós vamos, agora, escrever uma carta, lembrando-nos das coisas boas, uma história, um rememorar, vamos lembrar-nos das experiências que ele teve conosco na escola e nós vamos levar no velório”. Vocês vão levar isso pra entregar pra mãezinha, para os pais. Aquilo me trouxe, também, muitos benefícios depois porque, você mergulha no mundo deles. Eu não poderia ter dado aula e eu sei que professores deram aula naquele dia, mas eles não estavam psicologicamente preparados para a aula, pois tinham perdido um garoto muito querido. Então, aquilo fez com que estabelecesse uma conexão entre professor e o adolescente. Era uma sala de segundo colegial e a gratidão que eles tinham por mim foi tão grande que eu não tive mais problemas de indisciplina naquela sala. (Carlos)

As situações apresentadas pelos docentes com respeito às mudanças que realizam em

suas práticas para atender às demandas dos alunos, indicam que a educação e o processo

ensino-aprendizagem, conforme González Rey e Mitjáns Martínez (1989, p. 107)

afirmam,“representam um ato criativo, tanto por parte do professor em sua expressão para os

alunos e na interação com estes, como por parte dos alunos na assimilação do material que o

professor oferece e na configuração de seu sentido para si”.

Além disso, as compreensões docentes sobre sua própria prática abrangem aspectos

que transcendem a sala de aula, como o fato de estarem dentro de um sistema institucional

que traz alguns limites para a realização de determinadas práticas pedagógicas. Neste aspecto,

três docentes fizeram referência direta à escola como sistema institucional que influencia o

cotidiano do seu trabalho, ressaltando a necessidade de que sejam realizadas mudanças gerais

na escola para que haja, também, transformações nas práticas pedagógicas.

Sob este enfoque, o professor Rodrigo faz uma observação ampla sobre as condições

escolares e educacionais, a começar pela arquitetura e jardinagem da escola, aspectos

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estéticos que deveriam ser mais bem cuidados para que o espaço escolar fosse educativo e

inspirador. Ele considera a necessidade de mudanças nas práticas pedagógicas:

O que eu percebo é que essa aula que, às vezes, um professor dá como uma aula diferente, uma aula que ele preparou uma dinâmica, essa para mim é a aula. Essa é que tinha que ser a prática anual e esse estudo de mesa, de sala de aula fechada é o que deveria acontecer como um quartel general, onde as coisas voltariam para serem amarradas. Às vezes, nem seria necessário. [Em outros espaços se] constrói tudo muito em roda, em grupos pequenos, a gente se escuta. Eu vejo isso na educação infantil e quase choro, porque isso vai perder, vai sumir, como se isso de escutar o outro, saber como foi o seu dia não fosse de importância. [...] Eu acho que existe uma inversão de práticas. O que é uma aula diferente é o que deveria ser o cotidiano, só que isso demanda uma série de outras questões que a gente sabe que são políticas, também. Porque por mais que o professor também queira modificar a sua prática, dentro de uma instituição ele precisaria de outro tipo de suporte, inclusive, número de aulas, espaço diferenciado [...] (Rodrigo).

O docente Carlos, por sua vez, aponta que a forma como a escola está organizada

como espaço de convivência, muitas vezes limita ou dificulta a realização de mudanças nas

relações entre professor e aluno, o que, tal como expõe, requer um maior contato e

aproximação entre eles:

Dificilmente um professor convive com o aluno, mesmo que seja por 15 minutos ou 20 minutos, que é o tempo do intervalo. Mas, se nós, por exemplo, estivéssemos ali na porta [da sala de aula] por 10 minutos, na saída, na entrada ou, então, se desenvolvêssemos alguns momentos específicos em sala de aula, que fossem 5 minutos por aula, 3 minutos, eu acho que isso seria muito salutar, porque, talvez, as distâncias seriam diminuídas, certamente. (Carlos)

Rodrigo demonstra a sua preocupação com o sistema escolar, da maneira como está

estabelecido atualmente e sua fala se remete, mais uma vez, à necessidade de mudanças:

Alguma coisa está errada, alguma coisa está me desconfortando aqui, eu fico pensando o tanto que é ruim ficar sentado em uma sala como essa. As cadeiras são confortáveis? Na sua medida, sim! Mas não é isso, não há corpo que aguente tanto tempo, ficar sentado focando a concentração em uma coisa só, principalmente em uma era mediada por um monte de aparelhos e formas fragmentadas de receber o conhecimento. Quando eu entro na internet, eu abro dez páginas ao mesmo tempo para fazer uma busca, leio, vejo, escuto, e aí eu entro num espaço que é analógico. Então, se é analógico, tira tudo e vamos para o corpo. Mas a escola não está preparada para viver o corpo, porque o dia que tiver... Nossa! Ela vai renascer linda. E os exemplos que acontecem, onde o corpo tem vez no conhecimento, onde as salas são amplas, onde os grupos se formam a partir

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das afinidades, que não são seriadas, [conformam] outra realidade, aí a coisa caminha. (Rodrigo)

Rodrigo ressalta que os adolescentes chegam à escola e “tiram os demônios para fora,

porque é um lugar de encontro, e não um lugar de saber”. Assim, destaca a necessidade dos

adolescentes de estabelecerem relações e, deste modo, propõe a escola como o lugar do

encontro, das relações, da comunicação e não somente o lugar do conhecimento:

Hoje eles precisam, por exemplo, da escola, não só como um lugar de conhecimento, por isso que não me agrada escutar que a escola é lugar da ciência. A escola, hoje, para mim é muito mais que o lugar da ciência, é um lugar do encontro. Esses meninos ficam em um apartamento, são vigiados por uma grade horária que os pulveriza durante o dia, de um lado para outro, para que eles possam se ocupar e não ficar à toa. Eles precisam se encontrar, conversar, eles precisam do ócio, porque eles não se reconhecem mais. Quando a gente fala de valores, de respeito, de amizade, eles querem isso. Eles querem amar, querem ter acesso às grandes emoções, mas parece que eles não estão tendo nem espaço para isso, para viver. Simplesmente assim, porque a família virou quase que um referencial que cerca também e ali, às vezes, ele não tem também apoio, exemplos, referenciais claros, essas coisas. Eu fico pensando que o que a sociedade hoje faz é sempre ficar jogando igual a uma peteca a responsabilidade para a escola, ou para outra instituição que possa sanar isso e os meninos precisam de encontro (Rodrigo).

Em concordância com as afirmações de Rodrigo, Milton também expressa o seu

desejo de mudança da forma como a escola está constituída atualmente:

Nós, como formadores de opinião, tínhamos que ter uma escola mais ousada, uma escola em que os muros fossem pichados, tivesse arte, tivessem bicicletas no muro. Enfim, outra dimensão de escola que o aluno chegasse e tivesse um vetor que atravessasse o olhar que lhe causasse mobilização [...]. Eu não acredito que a escola seja um lugar só de passagem, eu acho que é um lugar de paragem. Então, a escola como um lugar de paragem significa ter tempo e ter espaços para que as pessoas parem para conversar sobre as coisas, para elaborar as coisas que não foram devidamente elaboradas, para transformar as situações em situações de aprendizagem mais ampla. (Milton)

Milton aponta que, “ao mesmo tempo em que a escola é libertadora, ela é cerceadora,

ela coloca cercas o tempo todo: no pensar, no aluno, que é a questão da ética, da moral que

tem que existir”. Ainda, o docente expõe o seu interesse de que a escola se torne um espaço

mais dinâmico e interativo, no qual ocorram exposições de trabalhos dos alunos de forma

interativa, e que o erro possa ocorrer sem nenhum problema, uma vez que ele vai sendo

transformado em situação de aprendizagem. Com tais elementos, o docente acredita que a

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escola poderia ser muito mais libertadora. Segundo Milton, a escola também deveria ser um

espaço mais formador, mais provocativo, de discussão e participação dos pais, mas cuja

participação fosse diferente do que vem ocorrendo. Nesse sentido, ele ressalta que seria

importante que os pais não viessem à escola para discutir a nota do filho ou dizer que “não dá

conta mais do filho”, mas sim para discutir o projeto político pedagógico da escola,

problematizar porque a escola não está discutindo isso ou aquilo e que as reuniões de pais

consistissem num processo de formação de pais “no sentido mais amplo da política, discutir a

participação da escola na formação de seus filhos”.

Assim, o docente chama a atenção para a influência que a escola exerce não apenas na

vida do aluno, como também em toda a sociedade:

Tudo o que acontece na escola passa pela vida deles. Algumas coisas ficam, outras não, e esse passar significa, necessariamente, que eles levaram a escola, como se fosse uma cicatriz na sua formação. Eles levam a escola como marcas importantes da formação, então eu acho que o trabalho com o adolescente não é só um trabalho com o adolescente, mas é com a família, com a sociedade, com a escola, do aluno com o aluno, com o aluno e o educador, o aluno com a família [...] (Milton).

Nesse sentido, Milton pondera que é preciso se pensar em formas de se ampliar a

cultura do aluno, proporcionando aos adolescentes “uma explosão de coisas, de literatura, de

ciência, de artes, de música, de práxis”, não somente dentro do espaço escolar, mas em toda a

sociedade e isso não seria responsabilidade somente dos educadores, mas também da

efetivação de políticas públicas, tornando qualquer espaço social em espaço educativo: “[...],

uma praça, enquanto um espaço educativo, uma biblioteca enquanto espaço de leitura, a

circulação de mídias faladas e escritas, de registro, para que os alunos tivessem um contato

maior com essas possibilidades”.

Sob este aspecto, González Rey e Mitjáns Martínez (1989) assinalam que a escola não

deve ser vista como a única responsável pelo processo educativo e, nesse sentido,

concordamos com a ideia segundo a qual “toda a sociedade cumpre uma função educativa, a

qual chega ao homem por via e formas diferentes, de acordo com a idade e o papel que

desempenha na vida social” (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 1989, p. 111).

Os relatos docentes expressam o interesse de que a escola amplie o seu papel como

espaço formativo fundamental na sociedade, agregando novos elementos, construindo e

desconstruindo práticas. De alguma forma, estes professores parecem se sentir um pouco

aprisionados nos muros deste modelo de escola atual e, por isso, assinalam a existência de

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dificuldades que carecem de mudanças estruturais, espaciais, relacionais, organizacionais e

sistêmicas. Consideramos que as reflexões docentes sobre sua atuação trazem elementos

inovadores, com propostas de mudanças que podem e devem ser produzidas na escola e

na/pela sociedade.

8.3 Identidade pessoal

Há indicadores de compreensões docentes sobre aspectos que envolvem a formação da

Identidade Pessoal do aluno, uma vez que os professores percebem algumas características

psicológicas que têm a ver com a formação da identidade e que incidem no contexto de

ensino-aprendizagem, provocando a necessidade de algumas mudanças nas práticas

pedagógicas.

Conforme relata a professora Isabela, os adolescentes demandam muito do professor,

porque estão numa fase de maior desorganização em todos ou em vários sentidos da vida,

como a desorganização emocional que está diretamente relacionada ao processo de conhecer-

se, perceber-se no mundo, “quem eu sou, quem eu era, quem eu estou me tornando, e isso

reflete no estudo”. A professora sublinha a existência de processos na constituição da

subjetividade do aluno adolescente que trazem implicações no processo ensino-aprendizagem-

desenvolvimento, como o fato do interesse do aluno focar-se em outras questões, que não são

o estudo, com exceção de uma minoria de vinte a vinte e cinco por cento de estudantes numa

sala de aula que demonstram foco nos estudos.

Isabela percebe que muitos alunos comparecem à aula porque os pais impõem esta

condição, “[...] porque se fosse por eles, eles iam dormir, eles iam fazer todas as atividades

de lazer que eles gostam, eles não estudariam [...]. Então, como eles estão nessa atitude, com

o foco não no estudo, eles acabam demandando muito do professor [...]”.

De acordo com Isabela, os alunos apresentam conflitos emocionais que necessitariam

de mais espaço e tempo para serem trabalhados: “Eu vejo que a gente precisaria ter mais

espaço e mais tempo pra discutir as questões emocionais em sala, porque eles estão num

conflito enorme”. Nesse sentido, ela percebe a necessidade de mediação de adultos para que

os adolescentes resolvam seus conflitos internos e observa que alguns alunos conversam com

os seus pais sobre os conflitos que estão vivenciando, envolvendo questões de sexualidade,

namoro e outros relacionamentos, enquanto outros não têm esse diálogo familiar. Sobre isso,

afirma: “sou uma professora que se o aluno não traz as questões emocionais e de

relacionamento, eu não fico procurando muito o aluno”. Contudo, ela aponta que, ao

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perceber a dificuldade de alguns alunos em buscar o apoio dos pais para lidarem com os

problemas emocionais, ela os encaminha aos profissionais da Psicologia da escola, e ressalta:

Eu não tenho tanto essa liberdade com os alunos nesses aspectos enquanto, eu sei que, às vezes, outros professores já têm. Mas eu os percebo muito frágeis emocionalmente e, se a gente tivesse mais espaço para discutir, seria interessante. [...] Porque a gente convive, só que você conhece até certo ponto. A gente não conhece o aluno porque a rotina da sala exige muito: você tem datas, você tem prazos, você tem etapas a serem cumpridas. Então acaba que a gente fica preso a esse cronograma que você tem que cumprir e, o espaço para discussões, mais nesse sentido da emoção, do viver, da fase em que eles estão, eu, pelo menos, não tenho muito na minha disciplina. (Isabela)

Percebe-se no relato de Isabela que, ao mesmo tempo em que ela demonstra perceber

as necessidades emocionais e dialógicas dos alunos, ela indica não sentir muita liberdade para

abordar os temas nas aulas, uma vez que há outras exigências cotidianas que o trabalho em

sala de aula impõe, como datas e prazos que devem ser cumpridos. Assim, demonstra

dificuldade em trabalhar tais temas a partir de sua disciplina e entende que seria necessária a

criação de um espaço diferente, com grupos menores, para que pudessem ser realizadas

propostas que contemplassem tais demandas discentes.

Patrícia também identifica a especificidade deste período em que os adolescentes estão

vivenciando questões que incidem em suas formações psicológicas e, nesse sentido, comenta

uma atividade realizada na qual os alunos puderam expressar suas condições psicológicas:

Teve uma atividade que eu passei para eles que foi legal, pois eu li para eles um texto sobre adolescência, sendo que a gente está trabalhando sobre liberdade nos sétimos anos. Este texto falava sobre liberdade, responsabilidade do adolescente, e tinha uma frase no texto que dizia que o adolescente está na fase em que não existe problema, em que a vida dele é feliz, em que só existem descobertas e a maioria da sala discordou, porque eles colocam que existem muitos problemas, como problemas com aparência, “-Ah! Não estou do jeito que eu gostaria de estar, eu preciso emagrecer, eu preciso ter um cabelo diferente”, ou os meninos já não se sentem tão desenvolvidos. Então eu vejo que é um período angustiante para eles, é um período de formação. (Patrícia)

Por sua vez, Rafael também percebe algumas necessidades emocionais dos

adolescentes e aponta que eles encontram-se num momento em que predomina mais a

dimensão emocional em detrimento da cognitiva e que isso provoca alguns comportamentos

inadequados:

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O adolescente não tem maturidade como o adulto. O adulto é mais norteado pela razão. O adolescente, às vezes, deixa a razão de lado e vai pela emoção. O adolescente tem mais essa dificuldade, em algumas situações, de seguir a razão. Ele vai num poço, na hora que ele vê, já fez alguma coisa que, depois, talvez ele venha até a se arrepender. (Rafael)

De modo geral, cada professor ressaltou aspectos que consideram mais significativos

no trabalho realizado junto a adolescentes e, ao mencioná-los, expressaram também algo de

suas concepções sobre a adolescência, por meio das compreensões das características dos

alunos e relacionando-as com a prática pedagógica. Pudemos observar, por exemplo, que a

professora Fernanda demonstra uma tendência a apresentar uma visão positiva da

adolescência. De acordo com ela, muitas vezes se é passada, socialmente, uma imagem

negativa da adolescência, mas considera que esta é uma etapa de muitas possibilidades de

transformação em todos os níveis, o que a faz percebê-la muito mais como uma possibilidade

do que como um problema.

A referida professora demonstra compreender a adolescência como um processo no

desenvolvimento humano e se posiciona como mediadora deste processo, à medida que se

implica no direcionamento deste desenvolvimento. Assim como outros docentes, ela parece

perceber a personalidade dos alunos no contexto de seu desenvolvimento, uma vez que

destaca nuances da constituição da subjetividade individual dos alunos ao mencionar a

expressão singular do sujeito, por meio da importância atribuída à compreensão da

individualidade dos alunos e do trabalho realizado para identificar as suas potencialidades.

Embora de maneiras diferentes, Isabela também demonstra a sua percepção sobre a

constituição subjetiva do adolescente, destacando a dimensão afetiva que incide no processo

ensino-aprendizagem-desenvolvimento. Contudo, ela se limita a identificar tais processos,

uma vez que em sala de aula ainda não encontrou ensejo para trabalhar diretamente com os

alunos a partir daquilo que observou serem temáticas importantes do momento de vida deles.

Suas percepções sobre as características dos adolescentes levam-na a realizar algumas

modificações de estratégias em sala de aula, contudo, não se observa um olhar específico para

a personalidade de cada adolescente.

Alguns professores enfocaram, em suas compreensões, aspectos mais gerais da

adolescência, como Carlos, segundo o qual a adolescência é “um momento em que o jovem

começa a manifestar certa rebeldia, aquele senso crítico, certo cinismo. Também, é um

momento em que a personalidade começa a se estabelecer”. Também Patrícia demonstra

compreender o adolescente em sua etapa de vida o que, segundo ela, demanda compreensão,

uma vez que ele está num período de transição e confusão que gera dificuldades para o adulto

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se aproximar e orientá-lo. A professora aponta que o adolescente está na fase do meio termo, “ele não é nenhum adulto e nem é uma criança, ele quer ser adulto, quer ser ouvido como

adulto, mas ele tem atitudes como crianças, às vezes”.

Concordando com a ideia segundo a qual a adolescência é um período de transição,

Rafael igualmente afirma que a adolescência é “quase que um meio termo”. Nesse sentido, “o

cara não é mais criança, mas ele também não é adulto [...]. Parece que é uma fase

intermediária. Não é adulto, mas já não é mais criança, mas a gente percebe muito as

mudanças”.

Por sua vez, Bruno enfatiza o papel docente no sentido de perceber as características

da personalidade do aluno para, em seguida, poder influenciá-lo de modo que, ao entrar na

fase adulta, ele não seja manipulado e saiba atuar no mundo. Bruno considera que no início da

adolescência talvez exista uma espécie de confusão, como o fato de “querer falar e não saber

verbalizar aquilo e à medida que elas vão passando, em sua maioria, é que essas coisas vão

se organizando”. Ele ressalta que como o adolescente vivencia um momento de

transformação do pensamento, o professor precisa “tentar aproveitar essa energia toda e

convergir para que aqueles sujeitos se tornem realmente conscientes, cidadãos”.

Ao dizer sobre como percebe a docência junto a adolescentes, o professor aponta a

multiplicidade de fatores que influem na adolescência e destaca que, nesta etapa, há variações

ao longo do tempo, ou seja, alunos que estão no início da adolescência possuem

características bem diferentes dos que se encontram ao final, resultando em características

diversas dos adolescentes ao longo desta etapa do desenvolvimento humano.

Estes e outros apontamentos docentes levam-nos a alguns questionamentos, tais como: “Como diferenciar o que é da personalidade de cada um e o que é próprio da adolescência e

conduzir o processo educativo?”. Ainda que, durante as entrevistas, conduzimos as nossas

perguntas de forma geral, ou seja, tratando o adolescente de forma genérica, percebemos que

muitos docentes compreendem aspectos específicos da personalidade dos seus alunos, ou seja,

da singularidade discente, o que entendemos como algo fundamental que pode gerar práticas

pedagógicas que contribuam para o desenvolvimento da identidade pessoal. Esta é a principal

formação psicológica constituída na adolescência, que diz respeito às vivências de cada

adolescente em seu processo de constituição enquanto sujeito singular, dotado de qualidades

únicas. Este processo incide significativamente no trabalho do professor, uma vez que a

escola é um local em que o adolescente passa grande parte do tempo de sua vida e onde as

relações que estabelece com as pessoas são muito importantes na formação da sua identidade

pessoal.

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Nesse sentido, a professora Isabela expressa o desejo de conhecer o aluno em sua

singularidade, mas ao mesmo tempo não acredita que isso seja possível nos padrões comuns

da situação de sala de aula. Já a professora Fernanda relata uma necessidade de conhecer a

singularidade do adolescente e, a partir desta necessidade, manifesta uma tendência para, a

partir deste saber, investir no potencial específico de cada aluno. Ao ser questionada sobre

quais aspectos ela considera necessário se atentar para a execução de suas ações em sala de

aula, Fernanda diz:

Principalmente essa questão do respeito da individualidade, eu acredito que estou falando como professora [...], [cujo trabalho com] o conteúdo é um desafio para a gente e, então, a gente sempre tem que respeitar essa individualidade do aluno e sempre deixar claro para o aluno que é possível, eu sempre procuro fazer isso, é possível para alguns e é mais difícil para outros, mas é possível para todos. Então, nunca fechar as possibilidades para eles e sempre estar incentivando, acreditando, apostando na capacidade deles. (Fernanda)

A professora destaca que a expectativa positiva quanto ao desenvolvimento do aluno

configura-se em fator determinante na relação professor-aluno. Tal aspecto indica que a

docente se implica na relação professor-aluno e se responsabiliza pela/na constituição

subjetiva presente no processo ensino-aprendizagem-desenvolvimento, o que vai de acordo

com o que afirma Ibarra (2007):

As expectativas dos docentes sobre seus alunos e o sentimento de aceitação por eles são duas condições necessárias, ainda que insuficientes para o professor em sua intencionalidade educativa com as crianças, adolescentes e jovens. Se o professor é consciente de suas expectativas e as coloca em função de sua prática docente, as converte em um instrumento para seu labor. (IBARRA, 2007, p.86).

Ao se referir às demandas dos adolescentes para o professor, Fernanda afirma que o

aluno adolescente demanda que o professor acredite nele, pois: “A partir do momento que o

professor olha um aluno na sala e lá no interior dele, pensa: “isso aí não vai dar em nada”,

eu já acho que eles percebem, eles sentem, já [se] cria uma barreira, que para mim é muito

complicado”.

De acordo com Ibarra (2007), as expectativas docentes, positivas ou negativas, a

respeito dos seus alunos podem modificar o seu rendimento real. A autocompreensão do aluno

sobre suas próprias potencialidades reflete de alguma forma a compreensão que as outras

pessoas fazem dele. Nesse sentido, há uma coerência entre aquilo que o professor

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pensa sobre as capacidades do aluno e o que o próprio aluno pensa de si mesmo. “Essa

compreensão que os outros têm resulta importante para o sujeito e incidirá em seu

comportamento” (IBARRA, 2007, p.83). Nesta perspectiva, Fernanda expõe que

[...] quando eles [os alunos] percebem que você acredita no potencial deles, que você espera deles, eu já acho que abre uma ponte. Então, eu acho que demanda que realmente goste muito, que valorize, que incentive o protagonismo, como eu já falei, procurando atividades que eles desenvolvam realmente, que não fiquem simplesmente como receptores.

Os estudos de Ibarra (2007) sobre a comunicação entre professor e aluno constataram

que o ideal de aluno que o professor possui incide sobre a comunicação entre eles. Nesse

sentido, o professor que, no seu conceito de aluno ideal, tem como único indicador a

dedicação deste ao estudo, tende a estabelecer com este tipo de alunos uma maior frequência

de conversações, centradas na atividade de estudo. Com os demais, o docente estabelece uma

menor interação, também centrada no estudo, “mas com um predomínio da função regulativa

em seu sentido de restrição, em contraste com os primeiros, a comunicação regula

estimulando o comportamento dos alunos” (IBARRA, 2007, p. 14).

A autora discorre sobre o efeito das expectativas interpessoais sobre a percepção dos

professores sobre os seus alunos e indica que a fonte das impressões sobre os estudantes pode

ser a informação oferecida por outros professores ou pelo contato direto que se tem com os

alunos. Este contato, muitas vezes, é reduzido na etapa da adolescência, interferindo de

alguma forma nas relações estabelecidas entre professor e aluno. Além disso, a autora ressalta

que as interações variam para cada aluno, devido à quantidade de alunos na sala de aula, o que

torna quase impossível uma distribuição homogênea de contatos.

Ibarra (2007) afirma que o professor constrói a sua opinião sobre o aluno ideal e, tal

conceito envolve os juízos sociais próprias da cultura docente e da escola em que trabalha.

“Durante suas interações com os alunos valorará estes em função das características

distintivas de seu ideal de aluno” (IBARRA, 2007, p.14), de modo que alunos mais próximos dos indicativos de seu ideal serão mais bem valorados e sua relação será mais direta e estreita

com eles do que com os demais. Nesse sentido, há que se pensar que, teoricamente, da mesma

forma que existe um aluno ideal, há também um professor ideal, assim como adolescentes,

escolas e sociedades idealizadas, contrariando a realidade que transcende a tudo isso. Por isso,

há que se reconhecer a complexidade da docência junto a adolescentes, constituída por tais

contradições.

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Além de destacar a importância de se manter uma expectativa positiva sobre os seus

alunos, a professora Patrícia afirma que não há como considerar todos os alunos adolescentes

como fazendo parte de um todo homogêneo, uma vez que, questionada sobre o que ela acha

que o adolescente demanda de si mesmo, ela diz:

Eu acho que cada um é diferente, não consigo enxergar os adolescentes como um todo não. Acho que tem uma individualidade ali, então eu preciso conhecer o aluno para saber o que ele demanda dele mesmo, o que ele demanda de mim. Acho que cada adolescente vai de um jeito, tem adolescente que precisa mais de motivação, ele precisa de se motivar, chamar a atenção, se perceber, se valorizar. Tem adolescente que já precisa mais de limites, porque isso está faltando ali para ele poder se concentrar. (Patrícia)

Neste mesmo sentido, Carlos fala do desafio de um professor em lidar com vários

microuniversos que compõem uma sala de aula. Mas, quanto a isso, assevera que: “quando

você dá uma abertura para que o adolescente possa se manifestar e desenvolver as suas

capacidades e se você alimentar aquilo que ele já tem, aí eu acredito que as coisas vão

desenvolvendo”.

Tal aspecto parece estar relacionado à visão docente sobre a constituição singular de

cada adolescente, o que, conforme assinala Carlos, demanda muito esforço na prática, uma

vez que o docente é responsável por gerir uma sala de aula com vinte a quarenta alunos,

aproximadamente. Nesse sentido, aponta para a valorização da individualidade, dos potenciais

de cada aluno:

Eu gosto muito daquela obra do Ziraldo chamada “A professora maluquinha”, personagem que valoriza todos os alunos, inclusive aquele aluno que se pensava que não tinha nada positivo, mas que sabia cuspir longe, ele era campeão de cuspe. É óbvio que eu não quero valorizar o negativo, mas todos os alunos têm coisas boas. Talvez, um ponto de partida, inclusive para diminuir os conflitos, os nós, seria justamente essa valorização e esse incentivo para que o aluno recuperasse coisas que ele, talvez, perdeu em algum momento, em algum lugar. (Carlos)

Também o professor Milton compreende a importância e, ao mesmo tempo, a

dificuldade de conceber o aluno em sua singularidade:

[...] A tarefa do professor é árdua, porque [é necessário] olhar para esse coletivo inteiro e perceber todos ao mesmo tempo. Então, assim como os alunos percebem tudo ao mesmo tempo, o educador tem que perceber no todo, a particularidade. E se somar cada particularidade, será muito maior

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que o todo. Então, a totalidade é um movimento explosivo, o tempo todo na sala de aula, essas questões vão acontecer o tempo todo. (Milton)

O processo de individualização da experiência e do sistema de influências que atuam

sobre o aluno, sobretudo a escola e a sociedade, é determinante para o desenvolvimento da

sua personalidade. Neste sentido, a participação individual do estudante na assimilação do

conhecimento é condição essencial para que o conhecimento seja realmente transformado em

elemento integrador da sua personalidade.

O processo ensino-aprendizagem é uma via essencial de educação quando estimula verdadeiramente a participação individual do estudante, que se implica no processo de assimilação do conhecimento de forma ativa, mediante suas dúvidas, contradições e reflexões, personalizando a informação que recebe, não somente como parte do sistema de conhecimentos, senão como informação relevante da personalidade, a qual adquire um sentido para a função reguladora desta (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 1989, p. 114).

Contudo, o processo docente de identificar as particularidades de cada aluno, num

universo amplo que constitui uma sala de aula não se constitui numa tarefa fácil, conforme

assinala Rodrigo:

É muito difícil também se colocar no lugar do próprio adolescente, porque a gente não vive, o “mundinho” de cada um é muito mais amplo que o mundo da sala de aula, então, quando você soma tudo aquilo é quase um universo a parte. Estar em sala de aula com o adolescente é lidar com um universo muito particular, repleto de coisas que você vê e coisas que você não vê, que você imagina, é uma matriz muito ampla e complexa [...] para você dar conta de trabalhar com esses adolescentes nesse mundo que nos coloca frustrados o tempo todo. Então, eu acho um trabalho difícil. Eles são reflexo do humano, eles não são textos fora do contexto, eles são os adolescentes de um mundo como se coloca hoje, numa particularidade, que é um lugar chamado Brasil, em outra particularidade menor, que é uma escola [...]. (Rodrigo)

Atentar-se para a singularidade do aluno resulta na implicação docente no processo de

formação da identidade pessoal discente, conforme menciona o professor Carlos, para quem o

adolescente “precisa procurar nele mesmo, talvez seja essa autoestima que, quiçá, ele tenha

perdido. Talvez, a identidade dele, talvez ele precise, justamente, pensar nisso. São coisas que

não têm acontecido, que ele pense nele”. Nesse sentido, Carlos considera que o docente de

adolescentes pode auxiliar o aluno nesse processo de autodescoberta e, a partir daí,

desencadear alguns desdobramentos, tais como orientações que partam dos interesses do

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próprio aluno, do que o adolescente espera de si mesmo e não tanto do que o adulto espera

dele, e aponta que isso pode ser feito de forma coletiva.

Quando questionado sobre as características que ele percebe nos adolescentes, Rodrigo

assegura que algumas características são comuns aos adolescentes, tais como rebeldia,

contestação de regras, “um puxar para si uma atenção, às vezes egóica, porque a minha dor é

a maior”. Contudo, o professor destaca o componente individual e entende que qualquer

característica que ele possa mencionar está perpassando pelo componente relacional:

Qualquer característica que eu possa falar, em grupo ou individual, vai ser diluída pela relação, porque assim, como por exemplo, você sabe que eu tenho as minhas características que, às vezes, não são fáceis [...], enfim, que qualquer outro tem, eles como indivíduos também têm. Eu acho que a grande questão é como que eu estabeleço uma relação, mesmo porque eu sei que existem, por exemplo, alunos extremante tímidos, muito fechados, certinhos que não querem de forma nenhuma fazer revolução na escola, agora tem outros que se eu deixar, saem fazendo performance para contestar a respeito do shortinho que está proibido. (Rodrigo)

Neste sentido, Bozhovich (2003) explica que “como a representação de si mesmos

ainda não se formou neles e vacilam na autocompreensão, percebem e vivenciam de forma

muito aguda a opinião e os distintos matizes da atitude de outras pessoas para com eles”

(BOZHOVICH, 2003, p. 392-393), de onde se compreende também a grande sensibilidade

dos adolescentes, sua suscetibilidade sem causa ou motivo aparente do ponto de vista dos

adultos, suas reações violentas ante as palavras e os fatos que os circundam.

Ao longo dos relatos docentes sobre a constituição da identidade pessoal dos

adolescentes, percebemos que alguns professores reconhecem a importância de atuarem na

formação da identidade e, consequentemente, muitos têm desenvolvido práticas voltadas para

contribuírem neste processo.

No âmbito da formação da identidade pessoal, os docentes apontaram a dimensão da

singularidade de cada aluno e a necessidade de se promover práticas pedagógicas que

contribuam para tal. Contudo, assinalam a dificuldade de se trabalhar no nível da

singularidade dada a quantidade de alunos numa sala de aula e a necessidade de gerir o

coletivo, bem como devido à dificuldade de se criar momentos de aproximação entre

professor e aluno e a própria dificuldade em se colocar no lugar do adolescente e de entender

o seu mundo.

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8.4 Os professores e a leitura das transcriações: segundo momento de participação na pesquisa

O presente texto foi produzido a partir das análises das entrevistas e o conteúdo

apresentado anteriormente foi encaminhado aos participantes para que conhecessem o modo

como nos apropriamos de suas falas e construímos um material, à luz de nosso aporte teórico.

Solicitamos que os entrevistados conferissem o material e nos dissessem se concordavam ou

não com o que foi escrito a partir das entrevistas, se tinham algo a acrescentar, a alterar ou

mesmo a retirar do texto. Também expusemos aos participantes que eles poderiam tecer

comentários, reflexões, críticas ou sugestões sobre o que leram.

A princípio, a pesquisadora não revelou, de antemão, quais eram os pseudônimos

utilizados para substituir os nomes dos participantes, deixando-os à vontade para

perguntarem-lhe, caso lessem e não se identificassem. Tal procedimento foi realizado porque

pretendíamos criar um elemento surpresa, deixando a leitura mais instigante. Nesse sentido,

após tentar se identificar e ficar em dúvidas, o professor Márcio nos solicitou que lhe

informássemos qual era o seu pseudônimo, assim como o professor Milton que ficou em

dúvida entre o pseudônimo Rodrigo e Milton.

Dos nove participantes, conseguimos nos comunicar com oito, pois um deles não

respondeu aos e-mails que lhe enviamos e não tínhamos outro contato que não fosse o

endereço eletrônico, uma vez que o professor não trabalha mais na mesma escola. Dois

participantes demonstraram que não tinha disponibilidade para fazer a leitura do material.

Porém, seis participantes se dispuseram a ler e, com eles, agendamos momentos para que

tivéssemos um encontro no qual eles pudessem falar sobre o material, conforme lhes

havíamos explicado.

Tivemos vários tipos de partilhas a partir da leitura das transcriações, desde as mais

elaboradas, com discussão em grupo até as mais simples, com poucos comentários sobre o

texto. Consideramos que essas diferenças se devam às condições concretas vividas pelos

participantes como (in) disponibilidade para ler todo o material, tal como nos comunicou o

professor Rodrigo, bem como às condições subjetivas como o (des)interesse em participar

mais ativamente da pesquisa e vínculos de amizade e coleguismo com a pesquisadora.

A professora Fernanda preferiu fazer a partilha em particular e disse que, ao ler o

material, pôde identificar a sua fala no texto, tendo gostado de lê-lo e considerando que a sua

fala foi apropriada corretamente, ou seja, de acordo com as ideias que ela havia expressado. A

participante não quis acrescentar nada e nem tecer mais comentários sobre o material. Já com

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os participantes Patrícia, Márcio e Rafael foi possível realizar uma conversa coletiva, uma vez

que eles se mostraram solícitos para esta atividade e se apresentaram disponíveis para tal.

A princípio, Patrícia considerou que as percepções dos professores foram muito

variadas, o que chamou a sua atenção, pois ela não esperava que houvesse tantas opiniões

diferentes sobre um mesmo tema. Outro aspecto que lhe atraiu foi a ideia apresentada pelo

professor Márcio de que, na tentativa de se aproximarem dos adolescentes, alguns adultos se

comportam como adolescentes, sejam pais ou professores. Patrícia disse que nunca havia

pensado sob este prisma e considerou-o muito interessante, concordando com as observações

feitas por Márcio.

Outro ponto ressaltado por Patrícia a partir de sua leitura do texto foi o tema da

importância da família na formação da motivação dos estudos dos alunos, uma vez que quase

não se fala sobre isso na escola e, pela experiência da professora, realmente a família pode

produzir um impacto muito grande sobre a vontade dos estudantes de aprender e de se

envolver com as atividades de estudo. Patrícia afirmou que aprendeu muito com o texto,

identificando-se com algumas falas e com outras não. Ela gostou de saber que não é a única a

sentir angústia na docência e que algumas questões apontadas por colegas são por ela

compartilhadas.

O professor Márcio disse que gostou muito da leitura, mas sentiu algum desconforto

ao se deparar com algumas opiniões de colegas com as quais se confrontou. Percebeu a

presença de concepções tradicionais de ensino em algumas falas e afirmou ter sentido falta de

uma unidade no discurso dos professores, uma vez que considera que deve haver unidade

pedagógica por parte do grupo docente para que este desenvolva atividades mais coesas junto

aos alunos. Ele destacou que sua fala parte de duas vertentes: como professor e como pai de

adolescentes, o que lhe propicia uma posição diferente perante outros colegas que não têm

esta experiência. Márcio ressaltou que muitos pais são condescendentes com algumas atitudes

negativas dos filhos, mesmo quando tais atitudes não sejam pautadas na ética e que isso

influencia na conduta dos estudantes.

A leitura do material também propiciou a Márcio algumas reflexões sobre a

importância da convivência entre professor e aluno fora do âmbito da sala de aula. Segundo

ele, muitos professores não querem conviver com os seus alunos. Um exemplo disso é a hora

do recreio, momento em que poucos professores buscam aproveitar para estreitar laços com os

estudantes, conhecendo-os de outra forma, conversando informalmente. Ele ressaltou que o

fato de o professor estar informalmente com os adolescentes é fundamental para que a

relação entre eles flua, desenvolvendo-se a confiança mútua.

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Ao ouvir as considerações do professor Márcio, Patrícia concordou e ressaltou que

existem poucos espaços de convivência na escola e questionou a imposição de um silêncio

absoluto por parte da escola perante os alunos. A professora aponta que existe uma espécie de “bagunça produtiva” e relaciona isso a um novo tipo de aluno que tem se desenvolvido no

momento histórico atual, com características marcantes, como a intimidade com os recursos

tecnológicos e a capacidade de buscar informações em alta velocidade.

Ainda no tocante às relações entre professor e aluno, Márcio disse que, numa conversa

recente com os alunos adolescentes, perguntou-lhes qual seria o perfil de um bom professor

na visão deles e os estudantes destacaram três aspectos: que o professor deve ter amor pelo

que faz, além de ser alegre e divertido. Márcio percebeu que os alunos reconhecem a

competência técnica dos professores, mas que gostariam que estes fossem mais próximos.

Sobre isso, ele concorda com os alunos e considera que alguns docentes adotam a mesma

postura de constantes embates com os alunos e não aproveitam situações imprevistas e

cotidianas que ocorrem na escola para trazer os estudantes à aula, vinculando-as aos

conteúdos.

Márcio acrescenta que os alunos confidenciam algumas situações para ele, devido à

confiança em que nele depositam e, a este respeito, reitera que a confiança se constrói fora da

sala de aula, em situações informais como recreio e viagens promovidas pela escola. O

professor afirma que as pessoas, em geral, estão carentes de relações mais próximas e, em sua

opinião, conversar com o aluno é papel do professor e não apenas ministrar conteúdo da

disciplina.

Ouvindo a fala de Márcio, Rafael estabeleceu um contraponto ao ponderar que, às

vezes, “os estudantes exigem mais do que o professor consegue oferecer”. Neste sentido, ele

explica que, geralmente, os estudantes querem que o professor não apenas ministre suas aulas,

mas que seja amigo deles. Assim, o tema central da discussão do grupo foram as relações

estabelecidas entre professores e alunos adolescentes, aspecto que diz respeito,

principalmente, aos Sistemas de Comunicação.

Outra partilha particular que tivemos foi a do professor Carlos que considerou que a

leitura do material provocou-lhe uma mobilização interna, devido ao processo de ler e refletir

sobre sua fala, permeada de novos significados e contextualizada com outras falas de

professores. Carlos nos contou que, em alguns momentos da leitura, passou a se questionar se

estaria sendo ingênuo por querer trabalhar com os alunos temas que envolvessem afetividade

e valores humanos, tal como a solidariedade. O professor afirmou que na academia o tema da

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afetividade é, muitas vezes, tratado sob um viés simplista e, por isso, ao ler o material que lhe

enviamos, sentiu que pudesse estar sendo ingênuo em suas colocações.

Contudo, afirmou que desde o momento em que leu o texto até o instante em que nos

reunimos para o segundo momento da pesquisa, ele teve acesso a um texto de Freire, Freire e

Oliveira (2014) que trata sobre amorosidade e solidariedade e as reflexões propiciadas por tal

leitura fortaleceram as suas convicções, ajudando-o a compreender melhor o sentido do seu

trabalho e de suas ações, uma vez que os autores trazem a amorosidade como elemento

fundamental da educação e aponta que, na docência, envolve uma disposição interna para

lidar com os alunos e com a própria atividade de ensinar.

De acordo com Freire (1996), a afetividade envolve um querer bem aos alunos que faz

parte do compromisso do educador e, desse modo, a afetividade e a cognoscibilidade são

unidades fundamentais da prática pedagógica. Para o autor, a “educação é um ato de amor” (1987, p. 79) e que este amor dispensado à humanidade é fundamento do diálogo,

comprometido com a libertação. Nesse sentido, a afetividade não aparece como algo ingênuo,

mas como uma condição fundamental nas relações estabelecidas entre professor e aluno,

numa perspectiva política claramente democrática.

Tivemos também a partilha do professor Milton que, embora tenha afirmado que

gostou muito da escrita do material, suas considerações ficaram mais circunscritas à forma

como o texto foi redigido do que propriamente ao conteúdo abordado. Assim, ele fez várias

sugestões para a melhoria do texto como, por exemplo, a elaboração de desenhos (diagramas)

para apresentar as análises realizadas e a mudança do título do capítulo. Tais considerações

foram apreciadas por nós que já havíamos pensado nestas possibilidades de mudanças.

Milton quis saber por que algumas categorias ficaram mais extensas que outras. Por

exemplo, ele observou que o número de páginas que gastamos para falar sobre o tópico

“Sistemas de Comunicação” foi bem maior do que o número de páginas utilizado para tratar do tópico “Identidade Pessoal”. Diante de tal questionamento, explicamos que a categoria “Sistemas de Comunicação” foi mais destacada pelos participantes que, ao discorrerem sobre

suas práticas, se referiram mais aos Sistemas de Comunicação, ou seja, às relações entre

alunos e alunos e entre estes e professores, seguida da categoria “Atividade de Estudo” e, por

fim, à “Identidade pessoal”. Logo, o número de páginas correspondeu à quantidade de

referências feitas à categoria apresentada. Além disso, Milton pontuou que sentiu falta do uso

do contraditório nas análises das falas. Diante disso, expliquei-lhe que o material enviado aos

participantes se tratava de um texto em processo de constituição e, por ser inacabado, a

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pesquisadora ainda não havia agregado a síntese das análises, uma vez que estas estavam

sendo construídas.

8.5 Algumas considerações sobre as análises das entrevistas

As análises que realizamos neste trabalho apontam que a dimensão mais destacada

pelos docentes que influencia em sua prática pedagógica são os sistemas de comunicação, que

diz respeito às relações interpessoais, sobretudo no que tange à relação professor-aluno. Logo,

a principal demanda da docência junto a adolescentes requer uma preparação profissional para

lidar com as nuances que as características relacionais dos adolescentes conferem ao processo

ensino-aprendizagem. Diríamos que estas relações também exigem determinadas disposições

pessoais do professor, como abertura para o diálogo e dinamicidade para modificar suas

práticas a partir das demandas discentes.

Ibarra (2207) assinala que, no processo de comunicação entre professor e aluno, a

percepção docente sobre as características pessoais dos alunos condicionam o efeito das

expectativas no comportamento destes, gerando, muitas vezes, o cumprimento de profecias

auto-realizadoras. Deste modo, quando as expectativas de professores comunicam-se com sua

conduta, exercem uma ação direta sobre alunos mais dependentes. A autora aponta também a

existência de manifestações de “efeito halo”, que ocorrem por meio da atribuição de

características a partir da percepção de determinadas qualidades, na interação professor-aluno. “Assim, o aluno que é percebido com facilidade de expressão pelo professor é valorado como mais capacitado e se extrapola essa impressão a outras esferas” (IBARRA, 2007, p. 17).

Considerando a importância das compreensões docentes sobre as características dos

alunos na determinação da qualidade das interações estabelecidas na prática pedagógica e,

consequentemente, no desenvolvimento da personalidade do aluno, os apontamentos da autora

podem subsidiar discussões importantes neste âmbito. Contudo, nosso trabalho não buscou

analisar os efeitos da compreensão docente no desenvolvimento da personalidade do aluno, o

que demandaria objetivos e metodologias distintas. O nosso intuito foi identificar como as

compreensões docentes sobre as características psicológicas dos alunos influenciam a prática

docente.

As relações entre os adolescentes foram identificadas como aspectos que requerem

uma atenção especial dos docentes, uma vez que destacam as características psicológicas

discentes nestas relações e assinalam a importância de um manejo adequado destas relações

no coletivo da sala de aula. Constatamos que foram feitas muitas referências às características

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psicológicas dos adolescentes no âmbito das relações entre eles, apontando as suas

dificuldades relacionais e o sofrimento de muitos alunos oriundos de suas necessidades de

aceitação no grupo, no coletivo da sala de aula. Contudo, poucas práticas foram citadas a

partir de tais observações, o que pode indicar uma dificuldade dos docentes em realizar o

manejo do coletivo, o que requer um maior investimento na formação docente que abarque

teorias de grupo associadas ao desenvolvimento psicológico dos adolescentes no contexto

escolar.

A segunda dimensão mais ressaltada pelos docentes refere-se à atividade de estudo, em

que se destacou a falta de interesses dos alunos para o estudo e as práticas pedagógicas

desenvolvidas para despertarem o interesse discente no processo ensino-aprendizagem. Assim,

a maior parte das compreensões docentes incide sobre as motivações dos alunos para o estudo,

bem como sobre o papel do professor na formação da motivação para os estudos.

Por fim, com menor intensidade, os docentes direcionam suas compreensões à

dimensão da identidade pessoal do adolescente. Neste sentido, outro aspecto fundamental

destacado na docência junto a adolescentes é a compreensão da singularidade do aluno, ou

seja, da personalidade que está em desenvolvimento e, como tal, requer do professor

sensibilidade para perceber até onde incidem as características gerais do aluno adolescente no

coletivo da sala de aula e em que momento se apresentam as demandas específicas do

processo de formação da personalidade do aluno.

Buscamos, neste trabalho, valorizar o relato dos participantes, deixando o texto mais

vívido, com as cores e tons da singularidade de cada professor. Por isso, optamos por manter

muitas citações de falas e alguns trechos longos, para que o leitor apreendesse o sentido da

fala do professor por ele mesmo. Conforme dissemos, os sistemas de comunicação foi o

aspecto mais mencionado na docência com adolescentes, o que vai ao encontro da principal

mudança na situação social que ocorre na adolescência: a mudança no sistema de relações.

Assim, este trabalho indica que para que o professor de adolescentes promova o

desenvolvimento, é importante que se inclua os sistemas de comunicação como fundamento

para o desenvolvimento de suas metodologias. Defendemos que o conhecimento sobre a

adolescência e as relações entre ensino e desenvolvimento podem contribuir, significamente,

para que a docência com adolescentes tenha mais condições de promover o desenvolvimento

humano, conforme preceitua o Ensino Desenvolvimental (PUENTES; LONGAREZI, 2013;

LONGAREZI; PUENTES, 2013; PUENTES, 2015).

O Ensino Desenvolvimental, enquanto concepção educacional pode auxiliar

educadores a elaborarem suas práticas com o intuito de promover o desenvolvimento

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psicológico dos estudantes, levando-se em consideração o momento evolutivo em que se

encontram seus alunos, fundamentados no princípio vigotskiano segundo o qual o bom

ensino promove o desenvolvimento.

Desse modo, defendemos que o ensino que observa as condições reais dos alunos e

volta-se para o aprimoramento das práticas pedagógicas, promove mudanças substanciais na

vida dos alunos e contribui para a formação da personalidade dos educandos. Neste trabalho,

percebemos que as principais demandas de alunos adolescentes devem ser observadas e

tomadas como parte importante do planejamento docente, do desenvolvimento e da

avaliação das práticas pedagógicas. A docência não se resume ao conhecimento dos

conteúdos e competência técnico-metodológica, mas pressupõe a sensibilidade do professor

para com os sujeitos da aprendizagem, sujeitos que vivenciam etapas de vida cujas condições

e necessidades não podem ser ignoradas, sob o risco de não haver uma aprendizagem

verdadeiramente transformadora. Assim, acreditamos que este trabalho pode constituir em

pressupostos para um Ensino Desenvolvimental, ao valorizar a unidade adolescência-

docência no processo ensino-aprendizagem.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Adolescentes

Exaustos, mudos, sempre que os vejo,

Nos bancos tristes que há na cidade, Sobe em mim próprio como um desejo

Ou um remorso da mocidade...

E até a brisa, perfidamente Lhes roça os lábios pelos cabelos

Quando a cidade, na sua frente Rindo e correndo, finge esquecê-los!

Eles, no entanto, sentem-na bela.

(Deram-lhe sangue, pranto e suor). Quantos, mais tarde se vingam dela Por tudo o que hoje sabem de cor!

E essas paragens nos bancos tristes

(Aquela estranha meditação!) Traz-lhes, meu Deus, só porque existes,

A garantia do teu perdão!

Pedro Homem de Mello

O poema “Adolescentes” (MELLO, 1999) em sua nostálgica apresentação, parece

mostrar-nos alguns sentimentos ou estados emocionais despertados por alguém que se depara

com adolescentes, atribuindo-lhes sentidos. Olhar permeado por configurações subjetivas,

deduzindo o que se passaria “nos bancos tristes”, naquela “estranha meditação”. Observando-

os, compreende-os a partir de suas vivências e, quiçá, das representações sociais sobre as

pessoas que estão vivendo nessa etapa de vida.

Como vimos ao longo desta tese, para além de uma “estranha meditação”, há muito

que conhecer sobre esta etapa do desenvolvimento humano, articulada ao desenvolvimento da

personalidade de cada sujeito que nela se encontra. A adolescência se constitui, histórico-

culturalmente, apresentando determinadas características e tendências no desenvolvimento.

Neste processo, o ensino tem um papel fundamental na formação da personalidade do

adolescente e, especificamente, o olhar do professor, por meio de sua compreensão e atuação

frente a ele. Esse olhar desperta, provoca e articula novas configurações subjetivas que vão

constituindo a sua atuação frente a este aluno adolescente.

Buscamos, ao longo deste trabalho, investigar como a compreensão do professor de

adolescentes sobre as características psicológicas dos seus alunos influencia sua prática

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pedagógica. Identificamos que os vários aspectos que constituem a compreensão docente

sobre as características psicológicas dos alunos e sua influência na prática pedagógica

tornam a tarefa de sua sistematização um desafio, tendo em vista a sua complexidade.

Ademais, as considerações que ora esboçamos partem, também, de nossas compreensões, na

medida em que o trabalho de pesquisa exige do pesquisador um constante posicionar-se

perante as informações que se tem em mãos.

Tendo em vista nosso objetivo geral, consideramos, primeiramente, que as

compreensões docentes se inserem num contexto social muito mais amplo que não depende,

somente, da relação professor-aluno. Neste enfoque, concordamos com González Rey e

Mitjáns Martínez (1989), segundo os quais é equivocado se pensar que a criança e o jovem

somente se educam no período de sua vida escolar, pois o processo de educação da

personalidade é ilimitado, uma vez que a educação e o desenvolvimento ocorrem no decorrer

de toda a vida humana.

Contudo, neste trabalho, destacamos a compreensão docente como aspecto

significativo no desenvolvimento da personalidade do adolescente. Identificamos que esta

compreensão não requer do professor apenas conhecimentos gerais sobre a adolescência como

etapa evolutiva, mas requer também a observação da singularidade de cada aluno. Tais

compreensões envolvem múltiplos fatores a serem considerados, tais como as representações

sociais sobre a adolescência, o conhecimento da situação social de desenvolvimento do aluno,

das leis que regem o desenvolvimento humano, das regularidades e tendências de cada idade

ao longo desse desenvolvimento, da posição interna de cada adolescente, dentre outros

aspectos levantados neste trabalho.

Entendemos que identificar as características psicológicas do aluno é apenas um dos

aspectos da compreensão docente. Outro aspecto importante é o posicionamento do professor

mediante tal compreensão, ou seja, as suas ações, a sua prática, o seu manejo de sala, a

constituição permanente do seu “fazer pedagógico” que, por sua vez, está inserido num

contexto escolar de uma dada sociedade. Concordamos com Menezes (2004), segundo a qual,

muitas vezes, a formação do professor não contempla o conhecimento de tais dimensões em

sua complexidade e a principal via de conhecimento docente torna-se a experiência

profissional. Desse modo, a produção de sentidos sobre tais questões é constituída no dia a

dia, no chão da sala de aula, baseada, sobretudo, nas experiências vividas junto aos alunos.

O primeiro dos objetivos específicos deste trabalho foi realizar uma caracterização

psicológica da adolescência a partir de revisão bibliográfica. Nesse sentido, identificamos que

a adolescência é uma etapa do desenvolvimento humano que, como qualquer outra, possui

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características, peculiaridades, tendências psicológicas e regularidades. Contudo, no Enfoque

Histórico-Cultural, a situação social do desenvolvimento é uma categoria central para

entendermos todas as transformações que ocorrem nesta fase, pois diz respeito à grande

reestruturação que se opera nas relações do sujeito com o seu meio, por meio de mudanças

que apresentam, sobretudo, um caráter qualitativo, resultando em novas formações na

personalidade.

Dentre as várias dimensões que constituem a situação social do desenvolvimento, as

relações entre professor e aluno tiveram destaque neste estudo, uma vez que as compreensões

dos professores sobre as características dos adolescentes foram, preponderantemente,

relacionadas a este aspecto. Importa ressaltar que a posição social do adolescente, ou seja, o

novo papel que ele ocupa nos grupos do qual faz parte é a base para a sua nova situação social

de desenvolvimento.

Um dos maiores desafios no estudo do desenvolvimento psicológico humano talvez

seja perceber algumas regularidades e tendências do desenvolvimento e, ao mesmo tempo,

reconhecer a expressão particular de cada sujeito, ativo em sua constituição. Portanto, para os

adultos que convivem com o adolescente, acompanhá-lo em seu processo de mudanças pode

ser tarefa complexa, tendo em vista a necessidade de se compreender o processo educativo na

adolescência articulado ao desenvolvimento da personalidade do sujeito.

O segundo objetivo específico deste trabalho foi identificar as compreensões docentes

sobre as características psicológicas na adolescência e o terceiro, distinguir as práticas

pedagógicas desenvolvidas a partir das compreensões docentes. Estes dois objetivos

caminharam juntos ao longo das análises, uma vez que, à medida que os docentes

apresentavam as suas compreensões sobre as características psicológicas dos alunos,

distinguiam as práticas decorrentes destas compreensões. Neste sentido, a compreensão

docente sobre as características psicológicas dos alunos e as práticas pedagógicas constitui

uma relação dialética e não nos pareceu possível fragmentá-la.

Pelo exposto, é indiscutível a complexidade da docência junto a adolescentes. O

trabalho nesse nível de ensino, que é especializado em determinado conteúdo específico,

provém de uma formação em licenciatura, focada em conteúdos de determinada disciplina e

que não se aprofunda nas questões pedagógicas que o Ensino Fundamental exige. Sob este

aspecto, conforme identificamos nas entrevistas com os docentes, a maioria dos docentes não

teve a oportunidade de estudar sobre o desenvolvimento humano na adolescência e,

tampouco, de relacioná-lo, sistematicamente, à prática pedagógica. Tal realidade diz respeito

à importância do conteúdo de Psicologia do Desenvolvimento e Psicologia da Educação nas

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licenciaturas, tema abordado pela tese de Checchia (2015) sobre a disciplina Psicologia da

Educação nas licenciaturas. A Psicologia Escolar, por sua vez, pode contribuir muito em

propostas como a de formação continuada, a partir do conhecimento de um sólido referencial

teórico sobre a adolescência.

Acreditamos que a experiência profissional oferece ao docente variadas vivências que

tornam o seu conhecimento um sólido referencial que vai sendo ressignificado, gradualmente,

a partir do cotidiano da sala de aula. O olhar do professor para os seus alunos não traz uma

perspectiva ingênua, mas repleta de sentidos e significações. São olhares que se encontram,

pois, ao contemplar os seus alunos, os professores também são notados e, esta troca de olhares

e de constantes compreensões, também determina a forma pela qual desenvolverá a sua

atuação profissional.

O professor se depara, no cotidiano escolar, com alunos que demandam formas de

atuação muito peculiares à etapa em que vivem, exigindo-lhe determinados conhecimentos e

habilidades que ultrapassam o domínio dos conteúdos e apontam para a importância de saber

conduzir as relações interpessoais, considerando as características psicológicas desse público.

Nesse sentido, torna-se fundamental a organização do coletivo da sala de aula, tendo em vista

os impactos deste na formação da personalidade do aluno, cujo processo intensivo de

formação da identidade pessoal o torna extremamente sensível às opiniões sociais.

Todos os aspectos mencionados anteriormente fazem parte de um conjunto complexo

de fatores, nos/a partir dos quais o docente compreende e produz a/na sua prática cotidiana.

Assim, ao reconhecermos a importância dos conhecimentos acumulados pelos docentes ao

longo de sua trajetória profissional, tivemos como desafio transformá-los em saberes

sistematizados, que pudessem ser compartilhados coletivamente sem perder de vista a

dinamicidade do processo da docência. Contudo, ressaltamos a importância da formação

continuada para auxiliar o docente a compreender o seu cotidiano, a partir do conhecimento

teórico, por meio do qual ele poderá desenvolver novos modos de pensar e fazer a sua atuação

profissional.

Por fim, acreditamos que as entrevistas realizadas constituíram-se em momentos

significativos na formação dos professores, uma vez que aqueles que participaram da pesquisa

puderam refletir sobre suas compreensões e o modo com que desenvolvem suas práticas. Em

algumas entrevistas, os professores expressaram nunca terem pensado sobre o ponto

questionado e, portanto, puderam elaborar suas concepções na medida em que transcorria a

entrevista. Alguns momentos foram permeados de muita emoção, principalmente quando

alguns participantes se lembravam de ocasiões marcantes em sua trajetória na docência junto

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a adolescentes. Escutar aos docentes também foi uma experiência de grande aprendizado, uma

vez que as histórias, as concepções, as emoções oriundas das memórias de cada um,

constituíram-se em material para reflexões profundas, a partir da articulação com os

fundamentos teóricos que viemos pesquisando, ao longo da pesquisa.

É preciso assinalar que, durante a releitura deste trabalho, foi possível perceber

algumas questões teóricas que se destacaram na jornada de pesquisa. O conceito de posição

interna foi uma grande descoberta, uma vez que não o conhecíamos antes de adentrarmos no

universo conceitual dos autores russos que pesquisamos. Consideramos que esse conceito

pode auxiliar na prática pedagógica, quando nos deparamos com estudantes que apresentam

dificuldades no processo de escolarização e, aparentemente, não se exibem condições externas

que estariam interferindo no processo ensino-aprendizagem. Desse modo, pensar que cada

sujeito apresenta uma posição interna que, de alguma forma, tangencia a sua situação social

de desenvolvimento e sua aprendizagem, pode se constituir num ponto de análise significativo

e em desdobramentos de ações mais efetivas junto a este estudante.

Também consideramos que foi de grande importância o nosso estudo sobre a Teoria da

Personalidade na perspectiva Histórico-Cultural, tendo sido um grande desafio para nós

articulá-la às Teorias do desenvolvimento humano. Este caminho somente foi possível graças

ao estágio de doutoramento que realizamos no Instituto de Psicologia de Havana-Cuba, onde

fizemos investigações bibliográficas e cursos com a professora Dra. Laura Domínguez-

García, que nos apresentou elementos teóricos que não encontráramos no Brasil.

Esperamos que as sistematizações realizadas no presente estudo contribuam para a

ampliação da produção de subsídios teóricos sobre as relações entre ensino e desenvolvimento

de adolescentes, no Enfoque Histórico-Cultural. Este trabalho sobre a (docência)lescência,

longe de pretender esgotar um tema tão complexo, apresenta-se como um conjunto de

informações que podem configurar-se em pressupostos para a constituição de um Ensino

Desenvolvimental, voltado para a adolescência. Tais pressupostos podem tornar-se fonte de

estudo e de outras pesquisas, além de constituir-se em conteúdos para cursos de formação

inicial e continuada de professores da educação básica. Desejamos que, a partir das indicações

de nossos achados, também sejam feitas novas investigações com os adolescentes, com o

intuito de contribuir para melhorar a qualidade de ensino, numa proposta efetivamente

desenvolvimental.

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242

APÊNDICE A – Questionário de dados gerais

Universidade Federal de Uberlândia

Programa de Pós-graduação em Educação- FACED

Doutorado em Educação

Título: A personalidade do adolescente: percepção docente e sua influência na prática

pedagógica

Pesquisadora/doutoranda: Ms. Cláudia Silva de Souza Orientador: Dr. Roberto Valdés Puentes Co-orientadora: Dra. Silvia Maria Cintra da Silva

DADOS GERAIS

1. Gênero: • Feminino •Masculino

2. Idade: • 20 a 30 anos • 31 a 40 anos • 41 a 50 anos • 51 a 60 anos •> 61 anos

3 Graduação em: _________________________________________Ano de conclusão: _____ Instituição • Pública • Particular

Modalidade • Bacharel •Licenciado • Tecnólogo •Graduando

4. Pós - Graduação: •Não • Sim

Nível: • Especialização, Qual?__________________________________________________________________ Instituição__________________________________

Modalidade • à distância • presencial • Mestrado acadêmico, Qual?____________________________________________________________

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243

•Mestrado Profissionalizante, Qual?______________________________________________________

• Doutorado, Qual?____________________________________________________________________

• Pós- doutorado,

Qual?________________________________________________________________

5. Anos de experiência no ensino:

•Educação Infantil, _____anos •Ensino Fundamental (II Ciclo/anos iniciais), _____anos

•Ensino Fundamental (III Ciclo/anos finais) _____anos •Ensino Profissionalizante, _____anos

•Ensino Médio, _____anos •Universitário, _____anos

6. No III Ciclo, anos de experiência em cada ano de ensino:

• 7 anos. ________anos • 8 anos. ________anos • 9 anos. ________anos

Trabalha em outro ciclo de ensino? Com quantas turmas?

7. Tempo de trabalho nessa Escola (dd/mm/aa): _____/_____/_______

8. Situação Funcional: • Efetivo • Substituto

9. Disciplina que ministra:

•Artes Visuais • Teatro • Música

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244

• Ciências •Educação Física •Filosofia •Geografia •História •L.Inglesa; •L Francesa; •L. Espanhola •Língua Portuguesa •Matemática

10. Número total de turmas do III Ciclo: _______7 anos_________8 anos_______9 anos 11. Número total de alunos______________ 12. Ministra aula em outros ciclos?________Quais anos de ensino?_______________

Muito obrigada!

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245

APÊNDICE B – Roteiro de entrevista

Universidade Federal de Uberlândia

Programa de Pós-graduação em Educação- FACED

Doutorado em Educação

Título: A personalidade do adolescente: percepção docente e sua influência na prática

pedagógica

Pesquisadora/doutoranda: Ms. Cláudia Silva de Souza Orientador: Dr. Roberto Valdés Puentes Co-orientadora: Dra. Silvia Maria Cintra da Silva

ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM PROFESSORES

“Como sabemos, a adolescência é considerada uma etapa do desenvolvimento humano

que pode ser caracterizada de diferentes pontos de vista: anatômico, fisiológico, motor,

cultural, psicológico. Destes, vamos considerar nesta entrevista, sobretudo o aspecto

psicológico do desenvolvimento, que envolve componentes comportamentais, relacionais,

emocionais, motivacionais e cognitivos do adolescente. Para o Estatuto da Criança e do

Adolescente, a adolescência é o período de vida que começa aos 12 anos e se estende até os

18 anos. Interessa para nossa pesquisa, conhecer o que você, enquanto professor de

adolescentes, pensa sobre esta etapa de vida, sobretudo ao que se relaciona à sua prática, ou

seja, ao seu pensar e fazer pedagógico. Assim, eu farei algumas perguntas gerais para

direcionar a entrevista e gostaria que você se sentisse à vontade para expressar suas opiniões e

sentimentos sobre o assunto. Muito obrigada”. 1-De maneira geral, como você percebe a docência junto a adolescentes?

2- Na sua percepção, quais as principais características psicológicas dos alunos

adolescentes? -cognitivas

-comportamentais

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-emocionais

-interesses

-relacionamentos

3- Como você percebe as relações entre adolescentes, dos adolescentes com os adultos e,

em especial, com os professores?

4- De maneira geral, como você percebe a motivação dos adolescentes em relação à atividade de estudos?

5- O que os alunos adolescentes, em suas especificidades, demandam:

5.1- do professor? -modos de organizar a prática pedagógica: métodos, procedimentos didáticos, organização do

espaço físico -disponibilidade pessoal/interna para lidar com os alunos

-aspectos do relacionamento professor-aluno -conteúdos

5.2- dos colegas?

5.3- de si mesmos?

6-Quais os aspectos que você, como professor de adolescentes, considera necessário se atentar

para a execução de suas ações em sala de aula?

7-Você já modificou a sua aula a partir de sua constatação/observação de algum tipo de

demanda ou interesse dos seus alunos? Quais foram essas demandas? Quais foram essas

mudanças? Qual foi o resultado desta mudança?

8-Se possível, descreva alguma experiência profissional positiva vivenciada no seu trabalho

com os adolescentes.

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9-Se possível, descreva alguma experiência profissional negativa vivenciada no seu trabalho

com os adolescentes.

10-Em sua formação inicial, na graduação, você estudou sobre o desenvolvimento humano?

Especificamente, estudou conteúdos relacionados à adolescência? E sobre didática para

adolescentes? Quais aspectos/temáticas foram estudadas? Você poderia citar algum autor ou

referencial teórico estudado?

11-Você já realizou algum tipo de formação continuada/complementar? Em caso afirmativo,

ela contribuiu para o seu conhecimento sobre o adolescente?

12-No que se refere ao conhecimento sobre o desenvolvimento humano no período da

adolescência, quais temas, conteúdos ou outros aspectos você considera interessante e/ou

importante aprofundar que poderiam contribuir em sua prática pedagógica?

13-Você gostaria de participar de algum tipo de formação/cursos sobre a adolescência? Para

que houvesse êxito, como você acha que poderia ser?

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ANEXO C – Termo de consentimento livre e esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Prezado(a) Professor, você está sendo convidado (a) para participar da pesquisa intitulada “As neoformações na adolescência e seus impactos na prática pedagógica” sob a responsabilidade dos pesquisadores Cláudia Silva de Souza, Roberto Valdés Puentes e Silvia Maria Cintra da Silva. Nesta pesquisa nós estamos buscando: 1) entender as novas formações da adolescência, bem como as percepções dos professores sobre estas; 2) apreender os princípios didáticos das práticas pedagógicas mediante tais percepções e 3) desenvolver processo formativo junto aos docentes do III Ciclo de ensino. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido-TCLE será obtido pela pesquisadora Cláudia Silva de Souza antes do início da pesquisa durante o período de aulas na escola quando os convidados estiverem disponíveis para ler e preencher o documento. Na sua participação você tomará parte de uma entrevista e de um seminário formativo que não consta identificação do participante. As entrevistas poderão ser gravadas e no processo de transcrição das gravações para a pesquisa as mesmas serão desgravadas. Em nenhum momento você será identificado. Os resultados da pesquisa serão publicados e ainda assim a sua identidade será preservada. Você não terá nenhum gasto e ganho financeiro por participar na pesquisa. O projeto não apresenta riscos diretos para os participantes, porém uma coleta de dados em sala de aula pode oferecer alguns riscos indiretos como em relação à identificação dos participantes da pesquisa. Para evitar qualquer possibilidade de identificação dos participantes a equipe de pesquisa se responsabilizará pelo manuseio dos dados não permitindo em hipótese alguma que qualquer outra pessoa tenha acesso aos originais dos questionários, as gravações das aulas ou dos roteiros de observação de aulas. Não será permitido em hipótese alguma que as anotações, as gravações das entrevistas ou do seminário formativo sejam copiados ou gravados por outras pessoas. A pesquisa proposta não oferece riscos físicos, morais ou psicológicos aos participantes, pois remetem a atividades de pesquisa científica e cultural em ambiente institucional. Os benefícios remetem aos objetivos do presente estudo: conhecer e divulgar o conhecimento sobre o desenvolvimento do adolescente, as percepções dos professores sobre este e investigar de que modo os professores organizam a sua prática pedagógica, mediante tais percepções, ou seja, os impactos pedagógicos. Por fim, objetiva-se realizar uma ação formativa junto aos docentes referente aos impactos das neoformações na adolescência na prática pedagógica. Você é livre para deixar de participar da pesquisa a qualquer momento sem nenhum prejuízo ou coação. Uma via original deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ficará com você. Qualquer dúvida a respeito da pesquisa, você poderá entrar em contato com: Roberto Valdés Puentes - Universidade Federal de Uberlândia- Faculdade de Educação: Av. João Naves de Ávila, 2121 - Secretaria da FACED, Campus Santa Mônica – Uberlândia- MG, CEP: 38400-902 – Brasil; Telefone: (34) 3239-4212. Silvia Maria Cintra da Silva- Universidade Federal de Uberlândia- Instituto de Psicologia: Av. Pará, 1720 - Bairro Umuarama, Campus Umuarama - Bloco 2C - Sala 34-Uberlândia - MG - CEP 38400-902; Telefone: (34) Telefone: 34 3218-2182.

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249 Cláudia Silva de Souza - Universidade Federal de Uberlândia- Faculdade de Educação: Av. João Naves de Ávila, 2121 – Programa de Pós graduação em Educação- FACED, Campus Santa Mônica – Uberlândia- MG, CEP: 38400-902 – Brasil; Telefone: (34) 3218-2922. Poderá também entrar em contato com o Comitê de Ética na Pesquisa com Seres-Humanos – Universidade Federal de Uberlândia: Av. João Naves de Ávila, nº 2121, bloco Uberlândia, ....... de ........de 2013. _______________________________________________________________ Assinatura dos pesquisadores Eu aceito participar do projeto citado acima, voluntariamente, após ter sido devidamente esclarecido. _________________ Participante da pesquisa

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