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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI UFSJ CAMPUS CENTRO-OESTE DONA LINDU CCO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE LÍLIAN NARA DAVID E SILVA AVALIAÇÃO DA MODULAÇÃO DO PERFIL LIPÍDICO E ATIVIDADE DA Na,K- ATPase DE CÉLULAS TUMORAIS TRATADAS COM GLICOSÍDEOS CARDÍACOS Divinópolis-MG Fevereiro-2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI – UFSJ CAMPUS CENTRO-OESTE DONA LINDU – CCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE

LÍLIAN NARA DAVID E SILVA

AVALIAÇÃO DA MODULAÇÃO DO PERFIL LIPÍDICO E ATIVIDADE DA Na,K-

ATPase DE CÉLULAS TUMORAIS TRATADAS COM GLICOSÍDEOS

CARDÍACOS

Divinópolis-MG

Fevereiro-2016

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI – UFSJ CAMPUS CENTRO-OESTE DONA LINDU – CCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE

LÍLIAN NARA DAVID E SILVA

AVALIAÇÃO DA MODULAÇÃO DO PERFIL LIPÍDICO E ATIVIDADE DA Na,K-

ATPase DE CÉLULAS TUMORAIS TRATADAS COM GLICOSÍDEOS

CARDÍACOS

Orientador: Leandro Augusto de Oliveira Barbosa

Co-orientadora: Hérica de Lima Santos

Divinópolis- MG

Fevereiro- 2016

Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde, da Universidade Federal de São João Del Rei, como requisito parcial para a obtenção do

grau de Mestre.

ii

À minha mãe pelas orações, apoio, incentivo e

por ser minha fonte inesgotável de amor.

Ao meu marido, pelo imenso carinho e

companheirismo.

iii

AGRADECIMENTOS

Primeiramente à Deus, toda gratidão! Dele vem toda a sabedoria, força e luz.

Gratidão também pelas pessoas que colocou em meu caminho e que foram

importantes para que eu chegasse até aqui.

À minha mãe Heloísa, meu maior presente Divino, minha base e meu

principal exemplo de ser humano. Obrigada por me ensinar a lutar com fé, amor e

dedicação. Eu não seria nada sem você!

Ao meu pai Wagner, que ainda tão distante, se fez presente em alguns

momentos.

Aos meus irmãos Letícia, Guilherme e Karol; e meu sobrinho-afilhado, por

estarem sempre ao meu lado e por alegrarem minha vida. Obrigada por confiarem

em mim. Por vocês o amor mais puro e verdadeiro que existe!

Ao meu marido Adriano, por ser tão companheiro e amigo. Por cada palavra

de incentivo e carinho, pelo abraço apertado e sorriso de todos os dias. Por ouvir

inúmeras apresentações de trabalho, lamentações e alegrias e por me tranquilizar

sempre. Essa conquista também é por você!

Às minhas queridas avós Conceição e Ana, e tios, em especial Maria, Ulisses,

André e Vitor, pelas orações em minha intenção. Obrigada pela torcida!

Aos meus amigos Ana Elisa e Douglas, pelos bons encontros. Esses

momentos de descontração foram muito importantes pra mim! À minha amiga

querida, Fernanda, que mesmo há tantos quilômetros de distância está sempre

presente. É muito bom ter amigos, com quem posso contar. A amizade é um bem

muito valioso!

Ao meu orientador, Leandro, pela orientação do trabalho e por transmitir tanto

conhecimento. Pela oportunidade de aprender um pouco mais a cada dia. Obrigada

pela atenção mesmo quando esteve longe e pelo exemplo de profissionalismo. À

você minha admiração e eterna gratidão!

À minha co-orientadora, Hérica, por ser tão atenciosa e solícita. Obrigada pela

orientação durante todo o projeto, principalmente enquanto o Leandro esteve longe.

iv

Nossas conversas foram muito valiosas para a construção do trabalho. Muito

obrigada!

À professora Vanessa, sempre sorridente, pelo carinho e apoio que também

foram fundamentais para a concretização desse projeto.

À equipe do laboratório de Bioquímica Celular, em especial Grazi, por não ser

simplesmente a técnica do laboratório, por ser nossa amiga. Obrigada por todo seu

cuidado com o laboratório e conosco! Aos alunos de iniciação científica, mestrado e

doutorado. Aqui, agradeço com carinho à Duane (minha duplinha) e Marco Túlio por

terem me ensinado uma das técnicas tão necessárias para a realização desse

trabalho, o Western Blotting. Agradeço com o mesmo afeto à Letícia, por tudo que

sei sobre as técnicas da cultura celular. Obrigada por me ensinar com tanta

paciência e pela sua amizade! Aos amigos, ‘Cris’ e ‘Isma’, meus companheiros não

só de laboratório, mas também graduação e mestrado, pelos muitos e proveitosos

dias de estudos, trabalhos e pelas tantas discussões e padronização de protocolos.

Pelos tantos anos de convivência e principalmente pela amizade! Ao casal amigo,

Luana e Marco Túlio, pelos bons encontros ‘regados’ por boa comida e boa

conversa, muitas vezes aliviaram o meu coração. Aos amigos que fiz aqui, meu

sincero obrigado!

Ao professor José Villar por ceder os compostos que utilizei no trabalho e ao

professor Fabio Vieira por ceder gentilmente espaço e materiais necessários em

alguns experimentos. À Fundação Ezequiel Dias (FUNED-BH) pela doação de

composto e principalmente pela doação das células HeLa.

As professoras Luciana Maria Silva e Nayara Delgado A. Bordoleto, por terem

aceitado o convite para compor a minha banca de defesa de dissertação.

À UFSJ e ao Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde, pelo apoio

institucional para a realização do mestrado. À CAPES, pelo suporte financeiro para

realização deste trabalho.

v

“Depois de termos conseguido subir a uma grande montanha, só descobrimos que

existem ainda mais grandes montanhas para subir.”

Nelson Mandela

vi

RESUMO

Os esteroides cardiotônicos, entre eles a digoxina, tem se mostrado como potenciais

fármacos antitumorais. A 21-benzilideno digoxina (21-BD) é um derivado sintético da

digoxina que apresenta um grupo estireno adicional em sua estrutura. Essa

alteração na estrutura tem mostrado efeitos interessantes e diferentes dos

observados com a digoxina. O objetivo do trabalho foi avaliar possíveis alterações

na atividade da Na,K-ATPase, composição lipídica e estado redox de células HeLa

tratadas com digoxina e 21-BD. A atividade da Na,K-ATPase e a expressão da

subunidade α1 foi avaliada nas células tratadas por 48 horas com 21-BD. A 21-BD

apresentou um efeito bifásico na atividade da Na,K-ATPase, aumentando em 5µM e

diminuindo em 50µM, entretanto, a expressão proteica não foi alterada. A modulação

do perfil lipídico foi avaliado na célula e na membrana celular. Após o tratamento das

células com as drogas, foi realizado um homogenato total e preparação de

membrana. As determinações do conteúdo de colesterol e fosfolipídios das células

foram realizadas nos dois tipos de amostra. A digoxina diminuiu os níveis de

colesterol e fosfolipídios totais das células e não alterou o conteúdo desses lipídios

na membrana. A 21-BD não alterou os níveis de colesterol total e diminuiu o

conteúdo de fosfolipídios das células, porém na membrana foi observado o aumento

desses lipídios. A diminuição da atividade da Na,K-ATPase parece estar

correlacionada com a diminuição da fluidez da membrana celular. Para avaliar o

estado redox das células após o tratamento com as drogas, foi avaliada a

peroxidação lipídica, a atividade catalítica da superóxido dismutase, catalase e o

conteúdo de glutationa reduzida (GSH). A peroxidação lipídica e a atividade da

superóxido dismutase foram diminuídas após o tratamento com digoxina e 21-BD.

Os níveis de GSH e atividade da catalase permaneceram inalterados nas células.

Os esteroides cardiotônicos, 21-BD e digoxina, apresentaram resultados

interessantes sobre a modulação da composição lipídica e estado redox das células.

As alterações observadas podem fazer parte do mecanismo de ação dos esteroides

cardiotônicos.

Palavras- Chave: esteroides cardiotônicos, Na,K-ATPase, estado redox, perfil

lipídico

vii

ABSTRAT

Cardiotonic steroids, including digoxin, has proven as potential antitumor drugs. 21-

benzylidene digoxin (21-BD) is a synthetic derivative of digoxin and presents an

additional styrene group in its structure. This structure modification has shown

interesting and different effects of the observed with digoxin. The objective of the

work was to evaluate possible changes in Na,K-ATPase activity, lipid composition

and redox state on in HeLa cells treated with digoxin and 21-BD . The 21-BD showed

a biphasic effect on Na,K-ATPase activity, increasing in 5 µM and decreasing in 50

µM, however, the protein expression was not altered. Modulation of lipid profile was

evaluated in cell and cell plasma membrane. After cell treatment, it was carried out a

total homogenate and a membrane preparation. Cell cholesterol and phospholipids

contents were assessed in both samples. Digoxin decreased cholesterol levels, and

total phospholipids of the cell, but did not alter phospholipids content in plasma

membrane. The 21-BD did not change total cholesterol and decreased phospholipid

content of the cells, but in the membrane was observed the increase of these lipids.

The decrease in Na, K-ATPase activity appears to be correlate with the decrease in

cell membrane fluidity. To evaluate the redox state of cells after treatment with the

drugs, the lipid peroxidation, the catalytic activity of superoxide dismutase, catalase

and reduced glutathione (GSH) content was evaluated. Lipid peroxidation and activity

of superoxide dismutase were decreased after treatment with digoxin and 21-BD.

The GSH levels and activity of catalase remained unchanged in cells. The

cardiotonic steroids, digoxin, and 21-BD, showed interesting results On lipid profile

modulation and cell redox state. The observed changes coud be part of the

mechanism of action of cardiotonic steroids.

Key-words: Cardiotonic steroids, Na,K-ATPase, redox state, lipid profile

viii

SUMÁRIO

RESUMO .................................................................................................................... vi

ABSTRACT ............................................................................................................... vii

LISTA DE FIGURAS.................................................................................................... x

I) INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 12

I.1) REVISÃO DA LITERATURA ............................................................................... 13

I.1.1) Câncer .............................................................................................................. 13

I.1.1) Células de carcinoma de colo uterino (Células HeLa) ........................... 14

I.1.2) Esteroides cardiotônicos .................................................................................. 16

I.1.2.1) 21-benzilideno digoxina (21-BD) ......................................................... 20

I.1.3) Na,K-ATPase .................................................................................................. 21

I.1.4) Membrana Celular ........................................................................................... 26

I.1.4.1) Interação lipídio-proteina.................................................................... 29

I.1.4.2) Esteroides cardiotônicos e modulação do perfil lipídico......................30

I.1.5) Estresse oxidativo e peroxidação lipídica ........................................................ 31

I. 2) JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS ......................................................................... 33

I.2.1) Justificativa ...................................................................................................... 33

I.2.2) Objetivo Geral ................................................................................................. 34

I.2.3) Objetivos específicos ...................................................................................... 34

II) MATERIAL E MÉTODOS ...................................................................................... 35

II.1) Cultura de células .............................................................................................. 35

ix

II.2) Tratamento com esteroides cardiotônicos ......................................................... 35

II.3) Preparação do homogenato total ....................................................................... 36

II.4) Preparação de membrana plasmática ............................................................... 36

II.5) Preparação da membrana livre de hemoglobina (Ghost) .................................. 36

II.6) Dosagem da atividade ATPásica de Na,K-ATPase............................................ 37

II.7) Dosagem de proteínas totais ............................................................................. 38

II.8) Extração de lipídios ............................................................................................ 38

II.9) Dosagem do conteúdo de fosfolipídios totais ..................................................... 38

II.10) Dosagem do conteúdo de colesterol total ........................................................ 39

II.11) Determinação de substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS) ......... 39

II.12) Dosagem da atividade das enzimas antioxidantes........................................... 40

II.13) Determinação da atividade enzimática da Superóxido Dismutase (SOD) ........ 40

II.14) Determinação da atividade enzimática da catalase (CAT) .............................. 40

II.15) Determinação do conteúdo de Glutationa Reduzida (GSH) ............................. 41

II.16) Análises de expressão proteica por Western Blotting ..................................... 41

II.17) Análise Estatística ............................................................................................ 42

III. RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................ 43

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 57

V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 58

x

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Estrutura química geral de esteroides cardiotônicos. ................................ 17

Figura 2: Mecanismo de ação de esteroides cardiotônicos. ..................................... 18

Figura 3: Estrutura química da digoxina e da 21-benzilideno digoxina. .................... 21

Figura 4: Representação esquemática da estrutura da Na,K-ATPase . ................... 23

Figura 5: Representação esquemática do ciclo de reação da Na,K-ATPase. .......... 25

Figura 6: Modelo do mosaico fluido. ......................................................................... 27

Figura 7: Esquema de integração das enzimas antioxidantes ................................ 33

Figura 8: Atividade da Na,K-ATPase de células Hela tratadas por 48h com 21-BD 43

Figura 9: Expressão da subunidade α1 da Na,K-ATPase da membrana plasmática

de células HeLa tratadas por 48 horas com 21-BD .................................................. 45

Figura 10: Porcentagem de colesterol total do homogenato e da membrana

plasmática de células HeLa tratadas por 48 horas com digoxina ............................. 46

Figura 11: Porcentagem de colesterol total do homogentato e da membrana

plasmática de células HeLa tratadas por 48 horas com 21-BD. ................................ 47

Figura 12: Porcentagem de fosfolipídios totais do homogento e da membrana

plasmática de células HeLa tratadas por 48 horas com digoxina ............................. 47

Figura 13: Porcentagem de fosfolipídios totais do homogento e da membrana

plasmática de células HeLa tratadas por 48 horas com 21-BD.. ............................... 48

Figura 14: Porcentagem de colesterol total e de fosfolipídios totais de membrana de

eritrócitos incubadas com digoxina e 21-BD por 1 hora. ......................................... 49

Figura 15: Determinação da peroxidação lipídica de células HeLa tratadas por 48

horas e por 1 hora com 21-BD e digoxina ................................................................ 52

Figura 16: Atividade catalítica da superóxido dismutase de células HeLa tratadas

por 1 hora com digoxina e 21-BD ............................................................................. 54

Figura 17: Atividade catalítica da catalase de células HeLa tratadas por 1 hora com

digoxina e 21-BD. ...................................................................................................... 54

xi

Figura 18: Níveis de GSH de células HeLa tratadas por 1 hora com digoxina e 21-

BD ............................................................................................................................ 55

12

I. INTRODUÇÃO

Os esteroides cardiotônicos, inibidores da Na,K-ATPase, são fármacos

utilizados há muitos anos para tratar a insuficiência cardíaca congestiva e

atualmente tem apresentado interessantes efeitos antitumorais frente a diversas

linhagens celulares. No entanto, o mecanismo de ação do efeito antitumoral exercido

por esses fármacos não está claramente elucidado. Alguns efeitos causados pelos

esteroides cardiotônicos como, inibição da Na,K-ATPase, alterações da fluidez de

membrana e o aumento da geração de espécies reativas de oxigênio (EROS)

parecem estar envolvidos no mecanismo de ação pelo qual esses fármacos exercem

seus efeitos citotóxicos (CERELLA; DICATO; DIEDERICH, 2013; MIJATOVIC; KISS,

2013).

Devido à estrutura química dos esteroides cardiotônicos, eles podem interagir

com a membrana e alterar sua fluidez e microviscosidade, como foi demonstrado em

células tratadas com oleandrina. A modulação do perfil lipídico da membrana celular

pode alterar a funcionalidade de proteínas de membrana e por consequência

interferir em processos celulares fundamentais (RAGHAVENDRA; SREENIVASAN;

MANNA, 2007).

Efeitos como carbonilação de proteínas (JORNADA et al., 2011) e

peroxidação lipídica (BROCARDO et al., 2010) são consequências do estresse

oxidativo observadas após o tratamento com esses fármacos. O tratamento de

células com esteroides cardiotônicos induz o estresse oxidativo, por aumentar a

produção de EROS e modular o sistema de defesa antioxidante, como foi

demonstrado por NEWMAN e colaboradores (2006), onde o tratamento de células

BRO (melanoma humano) com oleandrina induziu uma diminuição dos níveis de

glutationa reduzida (GSH) (NEWMAN et al., 2006). Além disso, tem sido

demonstrado que EROS podem ativar vias de sinalização celular que induzem as

células à apoptose ou autofagia (NEWMAN et al., 2006; XIE et al., 2011).

É importante ressaltar que EROS podem inativar a Na,K-ATPase por levar à

modificações na estrutura da enzima (YAN et al., 2013), ou indiretamente por causar

danos na membrana celular através da peroxidação lipídica. A peroxidação lipídica

pode alterar a fluidez de membrana que está diretamente correlacionada com

alterações na atividade da Na,K-ATPase (RODRIGO et al., 2007)

13

I.1) REVISÃO DA LITERATURA

I.1.1) Câncer

Câncer é um termo utilizado para denominar um conjunto de doenças onde as

células apresentam um crescimento anormal, acelerado, e que são capazes de

invadir outros tecidos, propagando-se para outras partes do corpo em um processo

conhecido como metástase. O crescimento desordenado das células pode ter várias

causas externas e internas como, o ambiente e alterações no material genético. As

alterações no material genético são as principais causas das replicações infinitas

que conferem a imortalidade das células, além disso, elas se tornam resistentes aos

supressores de crescimento e aos mecanismos de morte celular. As células tumorais

passam também a induzir a formação de novos vasos, processo conhecido como

angiogênese, o que facilita a invasão das células em outros tecidos (HANAHAN;

WEINBERG, 2011; INCA, 2015).

Além disso, o metabolismo de células tumorais pode se diferenciar das

células normais. Devido a proliferação acelerada das células tumorais, elas

necessitam de uma maior disponibilidade de blocos de construção para a síntese de

proteínas, lipídios, nucleotídeos, etc. O metabolismo de lipídios se encontra alterado

no câncer e parece estar envolvido nos mecanismos da tumorigênese. As células

tumorais frequentemente apresentam níveis de expressão anormais das enzimas

envolvidas na biossíntese do colesterol, em especial, um aumento da expressão e

da atividade de HMG-CoA redutase (3-hidroxi-3-metil-glutaril-CoA redutase). Por

essa razão, o conteúdo de colesterol geralmente é maior em tecidos tumorais do

que em tecidos normais (CASEY et al., 2015; FABIANI, 2015). A composição dos

fosfolipídios de membrana também é diferente em algumas células tumorais em

relação às células normais, sendo que os diferentes tipos de fosfolipídios se

encontram em níveis aumentados no câncer. As modificações na composição de

fosfolipídios poderiam ser usados como mais um biomarcador relacionado ao câncer

(CÍFKOVÁ et al., 2014).

A alteração do sistema de enzimas antioxidantes e o aumento da produção de

espécies reativas de oxigênio (EROS) é outra diferença encontrada em células

tumorais. As EROS contribuem para o desenvolvimento do câncer através da

mutagênese e efeitos no microambiente tumoral, além disso, os oncogenes e genes

supressores tumorais podem ser regulados por EROS. As células tumorais

14

apresentam níveis mais elevados de EROS e alterações no sistema de defesa

antioxidante, que podem ser encontradas em níveis menores ou maiores

dependendo do tipo celular. O aumento da atividade das enzimas antioxidantes em

células tumorais pode ser entendido como uma forma de adaptação, para que

possam sobreviver mesmo com altos níveis de EROS. Esse processo de adaptação

ao estresse oxidativo pode contribuir para progressão do câncer, invasão e

resistência a medicamentos (BULDAK et al., 2014; NOGUEIRA; HAY, 2013).

O câncer acomete milhões de pessoas no mundo todo. A incidência de câncer

em 2012 foi de 14 milhões, sendo 8,2 milhões de mortes em todo o mundo. A

estimativa de novos casos de câncer para 2015 chega a 15,2 milhões e 8,8 milhões

de mortes. O câncer de colo uterino é o terceiro tipo de câncer mais comum entre as

mulheres, correspondendo a aproximadamente 4% dos casos de câncer no mundo

todo (GLOBOCAN, 2012).

Devido ao crescente número de novos casos e por ser uma doença que

apresenta diversas causas e efeitos, a busca e o desenvolvimento de novos

fármacos, vem sendo um intenso alvo de estudos para encontrar terapias eficientes

contra o câncer.

I.1.1.1) As células de carcinoma de colo uterino (Células HeLa)

A linhagem celular de adenocarcinoma cervical (HeLa) , foi a primeira

linhagem de células humana mantida em cultura. Essas células foram obtidas de

tecido proveniente da biopsia do tumor de colo uterino de uma jovem afroamericana

de aproximadamente 31 anos, chamada Henrietta Lacks, por essa razão foram

nomeadas "HeLa" (sigla formada pela primeira sílaba do primeiro e do segundo

nome). No entanto, por uma questão de confidencialidade, foi dito o doador ser

Helen Lane, ou Helen Larson (R.MASTERS, 2002).

Em 1951, Henrietta Lacks se apresentou à ginecologia do Hospital de Johns

Hopkins em Baltimore, com suspeita de câncer de colo uterino. Os tecidos obtidos

da biopsia foram enviados ao departamento de patologia da universidade Johns

Hopkins e o câncer foi confirmado. George Gey, pesquisador na universidade,

retirou uma amostra do tecido enviado para biopsia e levou para seu laboratório,

onde trabalhava com o isolamento e manutenção de células em cultura obtidas a

partir de tecidos normais e tumorais. Ao contrário de outras células, as células HeLa

15

cresceram em tubo de cultivo de forma acelerada, em um meio composto por

extrato de embrião bovino e soro do cordão de placenta humana em tipo de cultura

utilizando a técnica . Era a primeira vez que se conseguia cultivar células humanas

“imortalizadas”, elas estavam sempre em divisão. Henrietta Lacks faleceu no mesmo

ano em que iniciou os tratamentos, porém suas células continuam sendo

comercializadas até hoje (GEY; COFFMAN; KUBICEK, 1952; LUCEY; NELSON-

REES; HUTCHINS, 2009). O cultivo celular da HeLa representou um grande

benefício para a área médica e biológica, pois permitiu estudos sobre os processos

celulares e desenvolvimento de fármacos. Um dos primeiros usos dessa linhagem

celular foi para o desenvolvimento da vacina contra o vírus da poliomielite

(SCHERER; SYVERTON; GEY, 1953).

As células HeLa possuem morfologia de células epiteliais, são células

aderentes e se proliferam rapidamente (o tempo de replicação é de

aproximadamente 24 horas), tais características a tornam um bom modelo celular à

ser empregado em diversas linhas de pesquisa. A capacidade de proliferação

dessas células tem sido atribuída à atividade da telomerase, que faz com que a

célula possa se dividir infinitamente sem perder a estabilidade do genoma

(BLACKBURN, ELIZABETH H. GREIDER; SZOSTAK, 2009; BRYAN et al., 1998).

Também foi demonstrado que as células HeLa possuem o vírus do papiloma

humano (HPV) 18 e desde então têm-se associado o HPV com adenocarcinomas

agressivos. Além da atividade da telomerase, o fato de as células HeLa possuírem o

HPV-18 também pode explicar o crescimento acelerado das células em cultura,

observado primeiramente por Gey (YEE et al., 1985). As pesquisas sobre a

presença do vírus HPV em células HeLa desempenharam um papel fundamental,

pois permitiram correlacionar o vírus do papiloma humano com a ocorrência do

câncer cervical (HAUSEN, 2008).

O fator limitante de se trabalhar com esse tipo celular é a facilidade dessa

linhagem em contaminar outras linhagens celulares. Porém, por muitos anos esse

problema não era conhecido e as células HeLa que eram comercializadas e

cultivadas em laboratórios do mundo todo haviam contaminado outras linhagens

celulares (LUCEY; NELSON-REES; HUTCHINS, 2009). No entanto, mesmo com

essa limitação as células HeLa ainda são bastante utilizadas como modelo de

células tumorais em estudos de citotoxicidade e mecanismo de ação de novos

fármacos.

16

Os esteroides carditônicos são fármacos já utilizados há alguns anos no

tratamento da insuficiência cardíaca congestiva e têm também apresentado efeito

antitumoral frente a algumas linhagens tumorais. As células HeLa tem sido utilizadas

nesses estudos e elas são sensíveis ao efeito citotóxico de digitalis (Gupta et al.,

1989). O efeito antiproliferativo e apoptótico da ouabaína e digoxina, foram

demonstrados em células HeLa e a citotoxicidade desses compostos tem sido

correlacionada à eventos envolvendo a Na,K-ATPase expressa nesse tipo celular,

como inibição da enzima e desequilibrio iônico ou ativação de vias de sinalização

desencadeada pela ligação das drogas na enzima (RAMIREZ-ORTEGA et al.,

2006). Outros estudos tem demonstrado o efeito citótóxico da ouabaína (ALONSO et

al., 2013), digoxina e derivados sintéticos da digoxina (ALVES et al., 2015; ROCHA

et al., 2014) em células HeLa. Contudo, essa linhagem celular tem sido empregada

como modelo na investigação do efeito antiproliferativo e do mecanismo de ação de

esteroides cardiotônicos.

I.1.2) Esteroides cardiotônicos

Os esteroides cardiotônicos têm sido utilizados por mais de 200 anos para

tratar a insuficiência cardíaca congestiva. Em 1785, o médico britânico William

Withering descreveu as propriedades da dedaleira (Digitalis purpurea), durante seus

estudos sobre o uso medicinal da planta para o tratamento de pacientes com

hidropsia (WILKINS; KENDALL; WADE, 1985; WITHERING, 1785). Anos mais tarde,

John Ferriar propôs a ação do extrato da planta no tecido cardíaco (FERRIAR,

1799).

Essa classe de compostos pode ser obtida através do metabolismo

secundário de algumas espécies de plantas e também podem ser encontrados em

algumas espécies de animais. A planta mais conhecida por conter esses compostos

é a dedaleira (Digitalis lanata e Digitalis purpurea), por isso os esteróides

cardiotônicos são comumente chamados de digitálicos cardíacos. Os esteróides

cardiotônicos mais encontrados são originados das plantas pertencentes as famílias

Scrophulariaceae (digoxina e digitoxina) e Apocynaceae (ouabaína e oleandrina). A

digoxina, digitoxina, ouabaína e oleandrina são isolados de plantas como, Digitalis

lanata, Digitalis purpurea, Strofanthus gratus e Nerium oleander, respectivamente.

17

Outras famílias de plantas como Asclepiadacea e Ranunculacea também contém

esteroides cardiotônicos (ALEVIZOPOULOS et al., 2014; MELERO; MEDARDE;

SAN FELICIANO, 2000).

Em animais, esses compostos são obtidos principalmente das secreções das

glândulas da pele de sapos do gênero Bufo. Exemplos de esteroides cardiotônicos,

mais precisamente bufadenolídeos, encontrados nos venenos de sapos das

espécies Bufo gargarizans e Bufo marinus, são a bufalina e marinobufagenina

respectivamente (PRASSAS; DIAMANDIS, 2008; STEYN; VAN HEERDEN, 1998).

Os esteroides cardiotônicos também estão presentes em tecidos e fluidos corporais

de mamíferos, como por exemplo, cérebro, glândulas adrenais, coração, plasma,

fluido cerebroespinal e urina (BAGROV; SHAPIRO; FEDOROVA, 2009).

A estrutura dos esteroides cardiotônicos é composta por um núcleo esteroidal

ligado à um anel lactônico na posição C17, o que determina se o composto é um

cardenolídeo (anel lactônico de cinco membros), ou bufadenolídeo (anel lactônico de

seis membros). A estrutura pode ou não conter uma ou mais unidades de açúcar na

posição C3 do núcleo esteroidal e predominantemente em posição β,

caracterizando-os em glicosídeos (glicosídeos cardíacos) ou genina. Os açúcares

mais comumente encontrados são a ramnose, glicose, digitalose e digitoxose

(MIJATOVIC; KISS, 2013; MIJATOVIC et al., 2007). A estrutura química geral dos

esteroides cardiotônicos está representada na figura 1.

Figura 1: Estrutura química geral de esteroides cardiotônicos (Adaptado de

MIJATOVIC; KISS, 2013).

18

O uso de esteroides cardiotônicos para tratar a insuficiência cardíaca, deve-se

ao seu efeito inotrópico positivo causado pela inibição parcial da Na,K-ATPase.

Esses compostos têm a capacidade de se ligarem a uma alça extracelular na

subunidade catalítica da enzima e, por consequência, inibir sua atividade. Em doses

terapêuticas, a inibição parcial da Na,K-ATPase provoca um aumento da

concentração de Na+ intracelular. O desbalanço de Na+/K+ causa inibição do

transporte de Ca2+ pelo trocador Na+/Ca2+ levando ao acúmulo de Ca2+ no interior da

célula. O aumento dos níveis de Ca2+ no interior da célula favorece a ativação das

proteínas miosina II e actina, aumentando a contração muscular (figura 2). No

entanto, em doses mais altas, os altos níveis de Na+ e Ca2+ intracelulares promovem

efeitos tóxicos demonstrados pelos sintomas de arritmias cardíacas (STUCKY;

GOLDBERGER, 2015; THOMAS; GRAY; ANDREWS, 1990).

Figura 2: Mecanismo de ação de esteroides cardiotônicos (Adaptado de

KLABUNDE, 2015).

Observações importantes feitas por Stenkvist e colaboradores sobre a

utilização de esteroides cardiotônicos e a inibição de células tumorais fizeram com

que crescesse o interesse dos pesquisadores por esses fármacos. Em uma série de

trabalhos eles demonstraram o potencial antitumoral desses fármacos. Foi

demonstrado que a capacidade proliferativa de células de câncer de mama era

menor em pacientes que faziam uso de esteroides cardiotônicos e que as células

tumorais das pacientes possuíam alterações em sua morfologia, apresentando maior

característica benigna do que as células cancerígenas obtidas de pacientes controle,

19

que não estavam sob uso desses fármacos (STENKVIST, 1980; STENKVIST et al.,

1979). Em outro estudo foi relatado que mulheres que foram mastectomizadas e que

não faziam uso de digitalina apresentaram uma taxa de recorrência 9,6 vezes maior

do que mulheres que faziam uso desse medicamento (STENKVIST, 1982). Além

disso, observaram que os pacientes que faziam uso de esteroides cardiotônicos

raramente morriam de câncer (STENKIVIST, 2001). Desde então, interessantes

efeitos antitumorais têm sido observados e apontado que além do uso para o

tratamento de insuficiência cardíaca, os esteroides cardiotônicos podem ser

potentes fármacos para o tratamento do câncer.

O efeito antitumoral dos esteroides cardiotônicos já foi demonstrado para uma

série de linhagens tumorais como células T Jurkat e células B Daudi humanas

(HAUX, 1999), TK-10 (adenocarcinoma renal), MCF-7 (adenocarcinoma de mama),

UACC-62 (melanona maligno), e K-562 (células leucêmicas) (LÓPEZ-LÁZARO et al.,

2005) e células de linfoma (U937) (CUOZZO et al., 2012).

A digoxina, usada para tratar insuficiência cardíaca, também tem apresentado

resultados relevantes como antitumoral. O efeito antiproliferativo e pró-apoptótico

induzido pela digoxina, foi observado em diversas linhagens de células tumorais

como, células de câncer de mama (MCF-7) (BIELAWSKI; WINNICKA; BIELAWSKA,

2006; LÓPEZ-LÁZARO et al., 2005), próstata (PC-3) (MCCONKEY et al., 2000),

pulmão (H69 AR), leucemia (CCRF-CEM), renal (ACHN), mieloma (8226-S, 8226-

LR5, 8226-DOX-40) (JOHANSSON et al., 2001) e células de carcinoma oral

escamoso (SCC-25) (CHAVES et al., 2014).

O mecanismo de ação pelo qual os esteroides cardiotônicos exercem seus

efeitos antitumorais tem sido alvo de estudo de muitos pesquisadores. Possíveis

mecanismos de ação têm sido apontados, como por exemplo, alteração da

homeostase de Na+, K+, e Ca2+, por inibição da Na,K-ATPase, aumento da geração

de EROS (NEWMAN et al., 2006), alterações na fluidez de membrana (MANNA,

SUNIL K.; SREENIVASAN, YASHIN; SARKAR, 2006), inibição da topoisomerase II

(BIELAWSKI; WINNICKA; BIELAWSKA, 2006), entre outros (CERELLA; DICATO;

DIEDERICH, 2013). No entanto, o mecanismo de ação exato dos esteroides

cardiotônicos ainda não foi completamente elucidado.

20

I.1.2.1) 21-benzilideno digoxina (21-BD)

A 21-benzilideno digoxina é um derivado sintético da digoxina que apresenta

em sua estrutura um grupo estireno adicional no carbono C21 do anel da lactona

(Figura 3). A adição do grupo estireno no anel lactônico, fornece a 21-BD

características diferentes das observadas para outros esteroides carditônicos,

provavelmente porque o grupo aromático adicional pode promover um impedimento

estérico no sítio de ligação da Na,K-ATPase. Por essa razão a Na,K-ATPase possui

uma menor afinidade por 21-BD, em relação a digoxina e ouabaína. Foi

demonstrado que além da Na,K-ATPase, a 21-BD pode ter outros alvos celulares

como Pdr5p, uma proteína da família de transportadores ABC de Saccharomyces

cerevisiae, que teve sua atividade inibida por 21-BD e não pela digoxina. Esses

dados sugerem que 21-BD poderia atuar como um medicamento para reverter o

fenótipo de tumores resistentes a múltiplas drogas (ROCHA et al., 2014).

Avaliando o potencial antitumoral da 21-BD em células de carcinoma de colo

uterino e carcinoma de cólon (HeLa e RKO) verificou-se que ela apresenta uma

citotoxicidade menor (IC50= 56,16 μM ±8,12 μM) em relação a digoxina (IC50=2,2 μM

±0,8 μM) e que não apresentou toxicidade para as células normais de rim canino

(MDCK). A 21-BD induziu a morte de células de ovário de hamister chinês (CHO-K1)

e células HeLa, por apoptose. Mesmo apresentando uma baixa citotoxicidade, a 21-

BD apresentou resultados interessantes que motivaram a continuação dos estudos

com essa molécula. A 21-BD modulou as junções oclusivas aumentando a

expressão de claudina-4 e ZO-1, e inibindo a expressão de claudina-2. Dessa forma

a 21-BD pode fortalecer as junções oclusivas, podendo regular características

importantes na metástase como: migração, transformação, proliferação e invasão

celular (ROCHA et al., 2014).

21

Figura 3: Estrutura química da digoxina e da 21-benzilideno digoxina (Adaptado de

ROCHA et al., 2014)

I.1.3) Na,K-ATPase

A Na,K-ATPase, ou bomba de sódio e potássio, foi descrita em 1957 por Jens

Skou em experimentos com nervo de caranguejo, onde foi demonstrado a existência

de uma adenosina trifosfatase na membrana que estaria envolvida na extrusão de

íons sódio (SKOU, 1957). Através das observações de Skou, sabe-se hoje que a

enzima atua acoplando a energia obtida a partir da hidrólise do ATP, para

transportar íons Na+ para fora da célula e íons K+ para o interior da célula.

Essa enzima está presente em todas as células de animais e o gradiente de

Na+ gerado, através do transporte de Na+/K+, dirige muitos processos por meio de

co-transportadores (ex: sódio/glicose) e trocadores (Na+/Ca2+). Este gradiente

conduz o transporte de aminoácidos e vitaminas para dentro da célula. Além disso, o

gradiente eletroquímico fornece energia para muitos processos fisiológicos

essenciais como, excitabilidade elétrica, transmissão nervosa e contração muscular

(HORISBERGER, 2004).

A Na,K-ATPase (figura 4) é encontrada na maioria das células como um

heterodímero composto por duas subunidades, α e β . A subunidade catalítica, α,

22

que tem uma massa molecular de aproximadamente 112 kDa e apresenta 10

segmentos transmembrânicos onde estão os sítios de ligação para os íons sódio,

potássio, ATP e para os esteroides cardiotônicos, como por exemplo, ouabaína que

é um inibidor específico dessa enzima (BLANCO; MERCER, 1998; LINGREL;

KUNTZWEILER, 1994). São descritas 4 isoformas da subunidade α (α1, α2, α3

(SHULL; GREEB; LINGREL, 1986) e α4 (BLANCO et al., 1999; SHAMRAJ;

LINGREL, 1994). A subunidade α1 é encontrada na maioria dos tecidos, a α2 é

encontrada no músculo esquelético, cérebro e coração, α3 é essencialmente de

tecido cardíaco e neural (LINGREL; KUNTZWEILER, 1994) e a subunidade α4 é

encontrada em testículos (BLANCO et al., 1999; SHAMRAJ; LINGREL, 1994).

A subunidade glicosilada, β, regula a atividade catalítica da enzima. Ela

apresenta um único segmento transmembrânico de massa molecular que varia de

40 a 60kDa dependendo do grau de glicosilação (BLANCO; MERCER, 1998;

KAPLAN, 2002). Existem 3 isoformas da subunidade β : β1, β2 e β3 (MALIK et al.,

1996; MARTIN-VASALLO et al., 1989). A subunidade β1 é amplamente distribuída

entre os tecidos, a β2 é encontrada principalmente em tecido nervoso e a

subunidade β3 está presente na retina, fígado, testículos e pulmão (BLANCO;

MERCER, 1998). As possíveis combinações de α e β resultam em enzimas

cataliticamente funcionais nas células.

Em alguns tipos celulares como, células renais, é encontrada uma terceira

subunidade, a subunidade γ, que foi recentemente identificada. Essa subunidade

apresenta um caráter hidrofóbico e faz parte de um grupo de proteínas com resíduo

conservado FXYD composto por sete proteínas pequenas, possuindo uma massa

molecular entre 7,5 e 14kDa. A subunidade γ parece estar envolvida na modulação

da atividade da enzima (BLANCO; MERCER, 1998).

23

Figura 4: Representação esquemática da estrutura da Na,K-ATPase (Adaptado de

BAGROV; SHAPIRO; FEDOROVA, 2009)

A Na,K-ATPase é classificada como uma ATPase do tipo P, uma classe de

enzimas responsáveis pelo transporte de íons através da membrana, cujo nome

deriva do fato de que um intermediário fosforilado é formado em um resíduo de

aspartato durante a catálise. As ATPases do tipo P contêm cinco domínios

funcionais estruturalmente distintos. Três são domínios citoplasmáticos (um atuador,

A; um de ligação à nucleotídeos, N; um de fosforilação, P) e dois domínios de

membrana (transporte, T; apoio específico, S). Apresenta também um domínio

regulamentar (R) que está situado na região N-terminal ou C-terminal (ou ambos).

Durante cada ciclo catalítico, o domínio P é fosforilado em um resíduo de aspartato

pelo domínio N e subsequentemente desfosforilado pelo domínio A. Desse modo, o

domínio N opera como uma proteína quinase, o domínio A como uma fosfatase e o

domínio P como substrato tanto para as proteínas quinase e fosfatase (PALMGREN;

NISSEN, 2011; PEDERSEN; CARAFOLI, 1987).

24

O mecanismo de reação da Na,K-ATPase, baseia-se no modelo descrito por

Albers-Post, que fundamenta-se na mudança de afinidade da enzima pelos íons Na+

e K+ e na mudança conformacional da mesma (ALBERS; FAHN; KOVAL, 1963;

POST; SEN; ROSENTHAL, 1965). Na etapa inicial a enzima encontra-se no estado

E1, que possui afinidade pelo Na+ citoplasmático. Nessa etapa, a enzima apresenta

um ATP previamente ligado e por afinidade três íons Na+ ligam-se à ela no lado

citoplasmático, o que provoca uma mudança conformacional, fazendo com que o

resíduo de aspartato da enzima seja fosforilado pelo ATP presente no sítio N. A

mudança conformacional para o estado E2 faz com que a enzima perca a afinidade

por Na+ e tenha maior afinidade pelos íons K+. Os sítios de ligação ao sódio são

expostos para a superfície extracelular e nessa conformação os três íons Na+ são

liberados e dois íons K+ extracelulares ligam-se à enzima. A ligação dos íons K+ faz

com que a enzima mude novamente sua conformação o que resulta na

desfosforilação do resíduo de aspartato, pelo domínio A. O domínio N apresenta-se

agora acessível ao nucleotídeo intracelular e a ligação do ATP promove a mudança

do estado E2 para a conformação E1. Na conformação E1 a enzima possui baixa

afinidade para K+ e a mudança conformacional resulta na abertura do canal

intracelular e a subsequente liberação de K+ para o lado citoplasmático. O esquema

do ciclo de reação está representado na figura 5 (KÜHLBRANDT, 2004;

HORISBERGER, 2004; KAPLAN, 2002).

25

Figura 5: Representação esquemática do ciclo de reação da Na,K-ATPase

(Adaptado de KAPLAN, 2002).

.

Além da funcionalidade no transporte de íons e ser extremamente importante

para a homeostase iônica, evidências sugerem que a Na,K-ATPase pode ter função

como receptor e que a ligação de esteroides cardiotônicos na enzima ativa vias de

sinalização intracelular que estão envolvidas na regulação da expressão gênica,

síntese de proteínas e proliferação celular (CHEN et al., 2006; XIE; ASKARI, 2002).

Considerando que a Na,K-ATPase é importante para diversas funções

celulares, a modulação da atividade da enzima pode resultar em danos para a

célula. A atividade da Na,K-ATPase pode ser inibida diretamente pelos esteroides

cardiotônicos ou indiretamente por alterações na fluidez da membrana plasmática

(RAUCHOVÁ; DRAHOTA; KOUDELOVÁ, 1999).

26

I.1.4) Membrana Celular

A membrana celular é formada por uma dupla camada de moléculas

anfifílicas, os lipídios, onde as porções hidrofóbicas se associam excluindo as

interações com a água e as porções hidrofílicas interagem com o ambiente aquoso.

Os lipídios que compõe a membrana são o colesterol e os fosfolipídios como,

fosfatidilserina, fosfatidiletanolamina, fosfatidilinositol, fosfatidilcolina e

esfingomielina. Além de lipídios, as membranas biológicas, apresentam também

proteínas e glicoproteínas. As proteínas presentes na membrana podem estar

inseridas (integrais de membrana), periféricas ou associadas à membrana. As

proteínas integrais são ligadas à membrana por interações hidrofóbicas, enquanto

que proteínas periféricas são mantidas na membrana por interações eletrostáticas.

Os componentes proteicos e lipídicos específicos e as proporções de proteínas para

lipídios variam de acordo com o tipo celular (MARQUARDT; GEIER; PABST, 2015;

NELSON; COX, 2014; NICOLSON, 2014).

O modelo atualmente aceito para representar a membrana plasmática é o que

foi proposto por Singer e Nicolson em 1972. O modelo do mosaico fluido (Figura 6)

apresentado descreve a dinâmica e a estrutura da membrana e foi assim

denominado pela disposição das proteínas e lipídios e pelo fato de que os lipídios

podem se movimentar pela camada e permitem que as proteínas também alterem

sua posição (SINGER; NICOLSON, 1972).

27

Figura 6: Modelo do mosaico fluido (Adaptado de PIETZSCH, 2004).

A membrana da célula é assimétrica, apresentando uma distribuição de

diferentes lipídios, proteínas e glicoproteínas entre as camadas internas e externas.

A camada interna apresenta fosfatidilserina, fosfatidilinositol e fosfatidiletanolamina e

a membrana externa apresenta fosfatidilcolina e esfingomielina. Assim, alterações

nessa distribuição dos fosfolipídios entre a bicamada podem sinalizar diversos

processos como agregação, adesão e apoptose (MARQUARDT; GEIER; PABST,

2015; NICOLSON, 2014).

A membrana plasmática apresenta diferentes fases, ou diferentes estados de

organização e fluidez. Na fase de líquido desordenado, os lipídios estão

desordenados e a membrana possui uma maior fluidez o que permite uma rápida

difusão lateral dos fosfolipídios no plano da camada lipídica. Na fase líquido-

ordenado a movimentação dos lipídios é mais restrita. A fluidez da membrana

plasmática depende da composição lipídica e da temperatura. A presença do

colesterol diminui a fluidez, pois sua estrutura rígida devido ao núcleo esteroidal

restringe a movimentação dos fosfolipídios. O conteúdo de ácidos graxos saturados

28

também pode diminuir a fluidez da membrana, pois as cadeias de ácidos graxos

saturados se acondicionam bem em um conjunto paracristalino (empacotado). No

entanto, as insaturações fornecem ‘dobras’ na cadeia dos ácidos graxos insaturados

e interferem no acondicionamento (empacotamento) aumentando a fluidez da

membrana (NELSON; COX, 2014; VOET; VOET; PRATT, 2008).

As membranas celulares representam importantes barreiras, atuando como

filtros que podem transmitir seletivamente sinais e substâncias do meio externo ou

de células adjacentes para o interior de uma célula. Íons, hormônios, citocinas,

fatores de crescimento, entre outros devem primeiro interagir com os lipídios e

proteínas da membrana para serem internalizados ou iniciar os processos de

sinalização (NELSON; COX, 2014; VOET; VOET; PRATT, 2008).

A primeira estrutura de contato de células normais e cancerosas é a

membrana plasmática. As membranas celulares são essenciais em muitos

processos bioquímicos e em particular, estão intensamente envolvidas na metástase

do câncer. O processo de invasão e metástase requer uma interação complexa

entre as células malignas e as células normais e estas interações são mediadas

principalmente pela membrana das células (NICOLSON, 2015).

As células cancerígenas, em contraste com células normais, apresentam um

metabolismo acelerado e usam intermediários metabólicos principalmente para

processos anabólicos em vez de para a produção de ATP. O crescimento das

células é dependente da síntese de lipídios (FABIANI, 2015) e a composição lipídica

da membrana determina as propriedades bioquímicas e biofísicas dos processos

celulares. A biossíntese dos lipídios tem se tornado um alvo interessante na

bioquímica do câncer devido ao elevado grau da dependência dessas biomoléculas,

em especial do colesterol, para a célula tumoral (GORIN; GABITOVA;

ASTSATUROV, 2012)

A modulação da atividade das proteínas envolvidas na síntese de lipídios, ou

a modulação direta da composição do colesterol e fosfolipídios das membranas

celulares pode causar um efeito intenso sobre o tráfico vesicular, sinalização e

atividade de enzimas integrais com potenciais implicações para a terapia do câncer.

29

I.1.4.1) Interação lipídio-proteína

A composição lipídica e a fluidez da bicamada podem modular a atividade de

proteínas associadas a membrana, como, a Na,K-ATPase (DE LIMA SANTOS et al.,

2005). Além disso, a cristalografia de raio-x da estrutura da proteína revelou a

ligação de fosfolipídios e colesterol em sítios específicos da enzima, e que a

atividade catalítica também é dependente dessas interações específicas entre

lipídios e proteína (CORNELIUS et al., 2015; HABECK et al., 2015). Foi

demonstrado que a enzima possui três sítios específicos de ligações aos

fosfolipídios e colesterol. Um sítio (A) onde ocorre a interação da fosfatidilserina e

colesterol, estabilizando a atividade da enzima; um sítio (B) de interação com

fosfatidilcolina e fosfatidiletanolamina poliinsaturadas que estimulam a atividade

catalítica e o sítio (C) onde a interação com o colesterol e fosfatidilcolina causam a

inibição da atividade enzimática (CORNELIUS et al., 2015).

A estabilização das proteínas integrais depende da interação entre elas e os

lipídios da membrana celular. A primeira camada de lipídios que revestem a

superfície das proteínas integrais de membrana é denominada de lipídios anulares e

as interações entre esses lipídios e as proteínas são estabilizadas por interações

polares entre o grupo cabeça polar dos fosfolipídios e aminoácidos específicos da

proteína e por interações apolares entre a cadeia de ácidos graxos e o domínio

transmembranar. Existem também os lipídios não anulares, que não circundam a

proteína, mas que também contribuem para a estabilização desses na membrana,

através de interações hidrofóbicas. A composição dos lipídios anulares da Na,K-

ATPase são principalmente fosfatidilcolina, fosfatidilserina e colesterol

(CONTRERAS; ERNST; WIELAND, 2011; CORNELIUS et al., 2015).

Geralmente, os modelos utilizados para se estudar a relação entre a

composição lipídica e a atividade da Na,K-ATPase são os lipossomos. Nesses

modelos a reconstituição da enzima é feita em lipossomos de composição lipídica

definida a fim de entender a influência e as interações entre os lipídios e a proteína.

Os estudos têm demonstrado que o conteúdo de colesterol, comprimento da cadeia

de ácidos graxos dos fosfolipídios, saturações e tipo de fosfolipídios (grupo polar)

influenciam na atividade e na estabilidade da Na,K-ATPase (DE LIMA SANTOS et

al., 2005). Cornelius e colaboradores (2001 e 2003) demonstraram que a

composição lipídica da membrana plasmática é provavelmente muito importante na

30

regulação da atividade da Na,K-ATPase e que o mecanismo de reação da enzima é

modificada através da interação proteína-lipídio (CORNELIUS; TURNER;

CHRISTENSEN, 2003; CORNELIUS, 2001).

I.1.4.2) Esteroides Cardiotônicos e Modulação do perfil lipídico

Existem poucos relatos na literatura mostrando o efeito do tratamento com

esteroides cardiotônicos sobre o conteúdo de lipídios e a modulação da fluidez da

membrana celular. Manna e colaboradores (2006) demonstraram que o tratamento

com oleandrina causou alteração da fluidez e da microviscosidade da membrana

plasmática em diferentes linhagens celulares. Os autores sugeriram que devido a

estrutura química da oleandrina, por conter um núcleo esteroidal como outros

esteroides cardiotônicos, ela poderia interagir diretamente com os lipídios da

membrana e assim alterar a fluidez. Em células, como macrófagos e neutrófilos, foi

observado que a oleandrina impede a ligação de interleucina-8 (IL-8) ao receptor (IL-

8R). Além desse ligante, a oleadrina afeta a ligação de fator de crescimento

epidermal (EGF) e fator de crescimento nervoso (NGF) em seus respectivos

receptores. A diminuição da afinidade e ligação dos ligantes em seus respectivos

receptores pode ter sido causada pela alteração da fluidez de membrana que

consequentemente pode levar a uma alteração na conformação dos receptores

(MANNA, SUNIL K.; SREENIVASAN, YASHIN; SARKAR, 2006).

O mesmo grupo de pesquisadores demonstrou que a oleandrina induz

apoptose em diferentes linhagens tumorais humanas (células T Jurkat; linfoma -U-

937 e HL-60; colo uterino -Hela; mama -MCF-7), porém células de murinos foram

insensíveis à esse esteroide cardiotônico. Dessa forma, sugeriram que as diferentes

respostas dessas linhagens celulares frente ao tratamento com oleandrina seria pela

interação da droga com a membrana de células humanas e não com células

murinas. Os autores sugerem ainda que a ligação da oleandrina pode ser afetada

pela composição lipídica da membrana plasmática, uma vez que a composição

lipídica da membrana das células humanas pode ser diferente das células murinas

(RAGHAVENDRA; SREENIVASAN; MANNA, 2007).

Além dos estudos com oleandrina, existe um relato na literatura

demonstrando que a ouabaína alterou a fluidez da membrana plasmática de células

31

de câncer de próstata. Os pesquisadores demonstraram alterações nos níveis de

esfingomielina e fosfatidilinositol, que são lipídios importantes na sinalização celular

(GASPER; VANDENBUSSCHE; GOORMAGHTIGH, 2011).

I.1.5) Estresse oxidativo e peroxidação lipídica

As espécies reativas de oxigênio (EROS) são moléculas que apresentam um

par de elétrons desemparelhados e por isso são instáveis e extremamente reativas.

São produzidos na mitocôndria durante a respiração celular pelos complexos da

cadeia de transporte de elétrons. São moléculas importantes para diversas funções

celulares, porém o excesso pode levar ao estresse oxidativo que é definido como um

desequilíbrio entre moléculas oxidantes (EROS) e antioxidantes, onde os primeiros

estão em nível mais elevado do que o segundo, resultando em danos moleculares e

celulares (LICHTENBERG; PINCHUK, 2015).

EROS como, radicais hidroxila (OH-), peróxido de hidrogênio (H2O2) e radical

superóxido (O2) podem atacar as macromoléculas das células como proteínas, DNA

e lipídios, formando um novo radical que pode se propagar em uma reação em

cadeia. O ataque às proteínas pode resultar em modificações em sua estrutura e

alteração ou perda da função; o ataque ao DNA pode causar mutações e o ataque

aos lipídios de membrana pode causar uma variedade de modificações funcionais

(LICHTENBERG; PINCHUK, 2015).

A peroxidação lipídica é uma das consequências mais estudadas da ação de

EROS na estrutura e função da membrana. A membrana celular contem fosfolipídios

com a cadeia de ácidos graxos insaturados e a peroxidação ocorre quando as

EROS atacam as insaturações desses ácidos graxos formando radicais

hidroperóxidos que propagam a reação (MAFRA, 1999). Um dos produtos formados

na peroxidação lipídica é o malondialdeído, que é utilizado como biomarcador desse

processo oxidativo (ABDALLA; DE SENA, 2008). A reação em cadeia causa lesões

na membrana que contribuem para a perda de funções celulares através da

alteração na composição lipídica, fluidez e inativação de proteínas de membrana.

A atividade de enzimas integrais da membrana, como a Na,K-ATPase, podem

ser inibidas em consequência do estresse oxidativo. Diretamente, a atividade pode

ser inibida pelo ataque de EROS à proteína, causando modificações em sua

32

estrutura como carbonilação ou indiretamente, por alterações na fluidez da

membrana, provocada pela peroxidação lipídica (RAUCHOVÁ; DRAHOTA;

KOUDELOVÁ, 1999).

A redução da atividade da Na,K-ATPase foi observada em pacientes

hipertensos e os dados indicam uma correlação entre a diminuição da atividade da

enzima e o aumento da peroxidação lipídica, consequência do estresse oxidativo

que é um fato central desse processo patológico. A peroxidação lipídica provocou

mudanças na composição dos ácidos graxos, aumentando o conteúdo de ácidos

graxos saturados em relação aos ácidos graxos mono e poliinsaturados. A diferença

na composição lipídica da membrana pode resultar na diminuição da fluidez da

membrana e ,consequentemente, na diminuição da atividade da Na,K-ATPase

(RODRIGO et al., 2007). Em um modelo animal de isquemia cerebral, também foi

demonstrado o aumento da peroxidação lipídica e a diminuição da atividade da

Na,K-ATPase. Nesse estudo o uso do antioxidante resveratrol, reverteu a inibição da

Na,K-ATPase observada em ratos com isquemia, sugerindo que a atividade da

enzima é inibida sob o estresse oxidativo (SIMÃO et al., 2011).

As células possuem mecanismos de defesa que as protegem contra os danos

provocados por EROS. Uma das principais barreiras das células contra o ataque de

EROS à membrana celular é a glutationa reduzida (GSH) e as principais enzimas

antioxidantes presentes nas células são a catalase (CAT), superóxido dismutase

(SOD), glutationa peroxidase (GPx) e glutationa redutase (GR) (ARMSTRONG,

2011).

A GSH é um tripeptídeo com grupos tiol (-SH), um bom nucleófilo, o que a

torna um potente agente redutor. Ela remove as EROS e lipidioperóxidos em uma

reação catalisada pela glutationa peroxidase (GPx), convertendo H2O2 em H2O e os

lipidioperóxidos em seus respectivos alcoóis, resultando na formação de glutationa

oxidada (GSSH). A GSSH é novamente convertida à GSH pela glutationa redutase

(GR). A superóxido-dismutase é uma metaloproteína e se classifica de acordo com o

metal presente em sua estrutura, que pode ser cobre (CuSOD), zinco (ZnSOD), ferro

(FeSOD) ou manganês (MnSOD). MnSOD é encontrada na matriz mitocondrial e

CuSOD e ZnSOD são encontrada no espaço intermembranas da mitocôndria e no

citosol. A superóxido dismutase faz a conversão do radical superóxido em peróxido

de hidrogênio que é decomposto pela catalase. A catalase está localizada em

peroxisomos e ela decompõe o peróxido de hidrogênio em água e oxigênio

33

(ARMSTRONG, 2011). As enzimas antioxidantes estão integradas em um sistema

eficiente de defesa contra os danos celulares (Figura 7).

Figura 7: Esquema de integração das enzimas antioxidantes. SOD: Superóxido

dismutase; CAT: catalase; GPx: glutationa peroxidase; GSH: glutationa reduzida;

GSSG: glutationa oxidada; GRD: glutationa redutase; NADPH: Fosfato de

dinucleotído de nicotinamida e adenina.

I.2) JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS

I.2.1) Justificativa

O câncer está entre as principais causas de morte no mundo todo

(GLOBOCAN, 2012) e por essa razão, tem sido crescente a busca por

medicamentos eficazes contra essa doença. Os esteroides cardiotônicos, entre eles

a digoxina, têm mostrado efeitos antitumorais interessantes. No entanto, o

mecanismo de ação pelo qual eles exercem o efeito citotóxico não está totalmente

compreendido.

A 21-benzilideno digoxina é um esteroide cardiotônico, mais precisamente um

glicosídeo cardíaco, que foi recentemente sintetizado a partir da estrutura da

digoxina. Apesar de essa molécula apresentar uma menor citotoxicidade em células

tumorais, em relação à digoxina, ela tem apresentado efeitos relevantes e diferentes

34

em relação aos efeitos já descritos por outros esteroides cardiotônicos, como por

exemplo a inibição da proteína Pdr5p e fortalecimento das junções oclusivas que

foram observado após o tratamento com 21-BD e não com digoxina (ROCHA et al.,

2014). Tais observações motivam a continuação dos estudos sobre os efeitos

causados nas células após o tratamento com essa molécula.

Existem poucos registros na literatura mostrando o efeito dos esteroides

cardiotônicos sobre a modulação do perfil lipídico e do estado redox de células

tumorais. Devido a importância do conteúdo lipídico da membrana celular para as

funções intracelulares e tendo indícios de que a alteração do conteúdo lipídico pode

estar envolvida com processos característicos de células malignas (FABIANI, 2015)

faz-se necessário analisar a modulação, causada por esses fármacos, no conteúdo

dos lipídios em células tumorais. As células tumorais apresentam altos níveis de

EROS e alterações da atividade das enzimas antioxidantes, como forma de

adaptação ao estresse oxidativo. O aumento da geração de EROS poderia induzir

danos nas células e até a morte celular (BULDAK et al., 2014).

Tendo em vista a importância da integridade da membrana e a manutenção

do equilíbrio redox para a funcionalidade adequada da célula, é importante investigar

se a modulação do perfil lipídico e do estado redox das células HeLa podem estar

incluídos no mecanismo de ação dos efeitos antitumorais apresentados pelos

esteroides cardiotônicos, digoxina e 21-BD.

I.2.2) Objetivo geral

Avaliar o efeito dos esteroides cardiotônicos, digoxina e 21-BD, sobre a

atividade da Na,K-ATPase, modulação do perfil lipídico e estado redox de células de

carcinoma de colo uterino (HeLa).

I.2.3) Objetivos específicos

Avaliar a atividade da Na,K-ATPase e a expressão da subunidade α1 nas

células de carcinoma de colo uterino, após o tratamento com 21-BD;

Analisar o conteúdo de fosfolipídios totais e colesterol total nas células e na

membrana plasmática, após o tratamento com digoxina e 21-BD;

35

Avaliar a formação de malondialdeído (MDA), produto da peroxidação lipídica,

após o tratamento das células com os glicosídeos cardíacos;

Determinar a atividade da catalase e superóxido dismutase; e os níveis de

glutationa reduzida após o tratamento das células com os glicosídeos

cardíacos;

II. MATERIAL E MÉTODOS

II.1) Cultura de células

A linhagem de células HeLa (carcinoma de colo uterino, ATCC CCL2) foram

gentilmente cedidas pela Fundação Ezequiel Dias (FUNED) de Belo Horizonte, MG.

As células foram cultivadas em estufa a 37ºC, atmosfera de 5% de CO2 e em meio

DMEM estéril suplementados com 10% de soro fetal bovino e 0,1% de gentamicina.

O meio de cultura foi trocado a cada dois dias e as células lavadas com tampão PBS

estéril [pH=7,4] (NaCl 137 mM, KCl 2,7 mM e PO43- 10 mM). Para o repique celular,

o meio foi descartado, as células lavadas com PBS e incubadas por 3 minutos com

tripsina 0,025%. Em seguida, as células foram ressuspendidas em meio DMEM e

uma alíquota foi retirada para contagem das células em câmara de Neubauer. A

concentração de células adequada para cada experimento foi adicionada em

garrafas ou placas de cultivo.

II.2) Tratamento com esteroides cardiotônicos

A digoxina foi obtida por doação da Fundação Ezequiel Dias (FUNED) de

Belo Horizonte, MG. A 21-benzilideno digoxina, derivado da digoxina, foi

recentemente sintetizada no laboratório de Síntese Orgânica da Universidade

Federal de São João del-Rei (ROCHA et al., 2014). As células foram tratadas com

50 nM, 150 nM e 1 µM de digoxina e 5 µM e 50 µM 21-BD. As soluções estoque

foram preparadas diluindo-se as drogas em 100% de DMSO (dimetilsulfóxido). Em

seguida, a solução de digoxina foi diluída em tampão PBS autoclavado e a solução

de 21-BD foi diluída em água MiliQ ultrapura autoclavada. Para evitar o efeito

36

citotóxico do DMSO, as drogas foram diluídas à uma concentração que continha no

máximo 1% de DMSO. As soluções preparadas foram mantidas a -20°C.

II.3) Preparação do homogenato total

Um volume da suspensão correspondente a 5x105 células foram plaqueadas

em placa de seis poços e cultivadas até atingirem 80% de confluência, quando

foram tratadas com as concentrações estabelecidas anteriormente, por 48 horas.

Em seguida, as células foram retiradas da placa com o auxílio de rupper em 500 µL

de tampão (Tris-HCl 6 mM, imidazol 20 mM, sacarose 0,25 M, SDS 0,01%, EDTA

0,1 M e inibidor de protease PMSF 2 mM) e sonicadas por três ciclos de 15

segundos e 45% de potência. As amostras foram mantidas em -20°C.

II.4) Preparação de membrana plasmática

Uma alíquota correspondente a 2,25x106 células foram colocadas em garrafas

de 75 cm2 e cultivadas até atingirem 80% de confluência. Em seguida as células

foram tratadas por 48 horas com diferentes concentrações de 21-BD e digoxina.

Após o tratamento as células foram lavadas com PBS e removidas com auxílio do

rupper em 3mL de tampão (Tris-HCl 6 mM, imidazol 20 mM, sacarose 0,25 M, SDS

0,01%, EDTA 0,1 M e inibidor de protease PMSF 2mM). As amostras foram

homogeneizadas em homogeinizador de tecidos tipo potter por 20 vezes e

posteriormente centrifugadas em ultracentrífuga rotor WTi 45 por 20 minutos a

10.000g. O pellet foi descartado e o sobrenadante centrifugado novamente a

70.000g. O pellet obtido após a segunda centrifugação foi ressuspendido em 300 µL

do tampão. As amostras foram armazenadas em freezer a -20°C.

II.5) Preparação da membrana livre de hemoglobina (Ghost)

A preparação da membrana plasmática de eritrócitos humanos (ghost) foi

realizada pela metodologia descrita por REGA e colaboradores (1979). As hemácias

37

foram separadas do plasma e dos leucócitos por centrifugação a 6000g por 17

minutos a 4°C. Em seguida, foram resuspensas em tampão (Tris-HCl 20 mM, pH

7,4, KCl 130 mM e inibidor de protease PMSF 0,6 mg/ml) e centrifugadas a 6000g

por 17 minutos, a 4°C. O pellet foi submetido a congelamento em nitrogênio líquido e

descongelado à temperatura ambiente, sendo em seguida resuspenso em tampão

(Hepes 5 mM, pH 7,4 EDTA 1mM e PMSF 0,6 mg/mL) e centrifugado novamente a

8000g por 17 minutos a 4°C. Esta etapa foi repetida 4 vezes, sendo a última

lavagem feita na ausência de PMSF e de EDTA. Após cada lavagem com tampão as

amostras eram homogeneizadas em homogeneizador de tecidos tipo Potter e após

cada centrifugação o sobrenadante foi descartado. Em seguida o pellet obtido foi

ressuspenso em tampão (Hepes pH 7,4) e centrifugado 8000g por 17 minutos a 4°C.

Novamente o sobrenadante foi descartado e o pellet ressuspendido em tampão

(Tris-HCl 10 mM, pH 7,4, KCl 130 mM, MgCl2 0,5 mM e CaCl2 50 μM) e centrifugado

a 8000g por 17 minutos, a 4ºC. O pellet obtido corresponde a fração de membranas

de eritrócitos livre de hemoglobina, e foi resuspenso no último tampão e estocado

em freezer -80ºC.

II.6) Dosagem da atividade ATPásica de Na,K-ATPase

A atividade ATPásica foi determinada pela quantificação do fosfato inorgânico

(Pi) liberado pela hidrólise de ATP pela Na,K-ATPase, usando o método

colorimétrico de FISKE e SUBBAROW (1925). A atividade catalítica foi realizada em

meio reacional contendo: Hepes 50 mM, NaCl 120 mM, KCl 20 mM, MgCl2 2 mM.

Esse experimento foi realizado em placa de ELISA de 96 poços. Foi adicionado em

cada poço 15 µg de proteína, 25 µL de meio reacional e a reação foi iniciada com a

adição de 3 mM de ATP. O experimento foi realizado sem e com o inibidor da

enzima, ouabaína 1 mM. A placa foi incubada em estufa a 37ºC por 1 hora,

marcando a partir do primeiro poço onde se iniciou a reação. Após 1 hora a placa é

retirada da estufa e adicionado 100 µL de SDS 1% sem fosfato (dodecil sulfato de

sódio) em cada poço, para parar a reação, seguindo a ordem em que a reação foi

iniciada. Posteriormente, foi adicionado 100 µL da solução de molibdato de

amônio/reagente de Fiske na proporção 5:1. Após a adição da solução esperou-se

15 minutos e em seguida realizou-se a leitura da placa de ELISA em

espectrofotômetro, em um comprimento de onda de 660 nm.

38

II.7) Dosagem de proteínas totais

A dosagem de proteína foi realizada pelo método colorimétrico de

BRADFORD (1976) em placa de 96 poços. As amostras foram diluídas em 50x e em

seguida foram adicionados 40 µL dessas diluições nos poços. Posteriormente foi

adicionado 200 µL de reagente de Bradford e a placa foi deixada em repouso por 15

minutos. As leituras foram realizadas em espectrofotômetro no comprimento de onda

de 595 nm. Foi ultilizada uma curva padrão variando-se as concentrações de

albumina.

II.8) Extração de lipídios

As frações de membrana de células HeLa, de eritrócitos e o homogenato total

de células foram submetidas à extração por solvente pelo método de Folch adaptado

(FOLCH; LESS; STANLEY, 1987). Foi adicionado às amostras 5 mL de

clorofórmio/metanol (2:1), deixando-as em agitação por 1 hora a temperatura

ambiente. Em seguida, foi adicionado 1 mL de NaCl 0,9% e agitadas em vórtex por

alguns segundos. As amostras foram centrifugadas a 670g por 20 minutos e

deixadas em repouso por 30 minutos, para melhorar a separação de fases. Após a

separação de fases, foi adicionado à fase orgânica metanol/água (1:1) e à fase

aquosa foi adicionado clorofórmio. As amostras foram agitadas novamente em

vórtex por alguns segundos e deixadas em repouso na geladeira até o dia seguinte.

As fases foram separadas e a fase orgânica foi concentrada em rotaevaporador e

ressuspendidas em clorofórmio. Os extratos foram estocados em freezer -20ºC.

II.9) Dosagem do conteúdo de fosfolipídios totais

A quantificação de fosfolipídios totais foi realizada utilizando-se o

procedimento descrito por CHEN e colaboradores (1956). Uma alíquota de 40 µL

das amostras dos extratos lipídicos foi seca em nitrogênio e digerida com 0,5 mL de

ácido nítrico 65 % (v/v) à temperatura de 120ºC. Em seguida, foi adicionada à

amostra 0,5 mL de água destilada e 1,0 mL do reagente de Chen. As amostras

39

foram levadas ao banho-maria a 45ºC por 20 minutos. O reagente de Chen

complexa-se com o fosfato restante da digestão da cadeia de ácidos graxos dos

fosfolipídios resultando em um produto de coloração azulada. As amostras então

são submetidas à análise espectrofotométrica em comprimento de onda de 820 nm.

Como padrão, foi utilizada uma solução de dihidrogênio fosfato de sódio 1,0 µM.

II.10) Dosagem do conteúdo de colesterol total

A determinação do conteúdo de colesterol foi realizada pelo método descrito

por HIGGINS (1987), baseado na complexação do cloreto férrico (FeCl3.6H2O ) com

o colesterol em meio ácido. Uma alíquota de 40 µL das amostras de extrato de

lipídico foi seca em nitrogênio, e em seguida foi adicionado 0,75 mL de ácido acético

glacial e 0,5 mL do Reagente B. A amostra foi mantida em repouso por 10 minutos à

temperatura ambiente e quantificada em espectrofotômetro em um comprimento de

onda de 550 nm. O reagente B foi preparado pela diluição de 4 mL do Reagente A

em 46 mL de ácido sulfúrico. Para a preparação do reagente A, foi realizada a

dissolução de 2,5 g de FeCl3.6H2O em 100 mL de ácido ortofosfórico 85 %. As

determinações foram feitas em triplicata e a quantidade foi calculada com relação a

uma curva padrão. A curva padrão foi feita através de uma solução padrão de

colesterol 1 mg/mL.

II.11) Determinação de substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS)

Uma quantidade de 7,5x105 células HeLa foi adicionada em garrafas de

25cm2 e cultivadas até atingirem confluência. Em seguida as células foram tratadas

com digoxina e 21-BD por 1 hora e por 48 horas. Após o tratamento as células foram

removidas com rupper, ressuspendidas em 0,5 mL de água ultrapura e sonicadas

por 5 ciclos de 20 segundos em 35% de potência. Foram utilizados 150 µL das

amostras para a dosagem de TBARS. Foi adicionado 1 mL de solução (15% TCA

(ácido tricloro acético), 0,8% TBA (ácido tiobarbitúrico), 0,25 M HCl) às amostras e

em seguida elas foram aquecidas em banho-maria à uma temperatura de 95ºC por

15 minutos. Posteriormente foram deixadas em repouso a temperatura ambiente, até

40

esfriarem. As leituras foram realizadas em espectrofotômetro em comprimento de

onda de 532 nm. Foi utilizado como padrão o malondialdeído (MDA).

II.12) Dosagem da atividade das enzimas antioxidantes

Uma alíquota correspondente a 7,5x105 células foi adicionada em garrafas de

25 cm2. As células foram tratadas por 1 hora com as concentrações pré-definidas de

digoxina e 21-BD e em seguida, foram lavadas com PBS e removidas com o auxílio

de rupper. Posteriormente as amostras foram sonicadas por 3 ciclos de 20 segundos

a 20% de potência e centrifugadas a 13.000g por 10 minutos. O pellet foi descartado

e o sobrenadante foi utilizado nas análises do conteúdo de glutationa reduzida,

atividade enzimática da superóxido dismutase e da catalase.

II.13) Determinação da atividade enzimática da Superóxido Dismutase (SOD)

A determinação da atividade da SOD foi determinada pelo método de Misra e

Fridovich (1972). Esse método se baseia na capacidade da SOD em inibir a

autoxidação da epinefrina à adrenocromo (MISRA; FRIDOVICH, 1972).

Primeiramente realizou-se a leitura do meio reacional (tampão glicina 50 mM pH 10

e 25 µL de epinefrina (60 mM pH 2)), o que corresponde a 100% da reação. Em

seguida foram adicionados 10, 20 e 30 µL de cada amostra ao meio e a reação foi

acompanhada por dois minutos em cada situação. As leituras foram realizadas em

480 nm. A atividade enzimática foi expressa em unidades da enzima necessárias

para inibir 50% da velocidade de formação de adenocromo. Os dados foram

plotados em unidade de enzima/µg de proteína

II.14) Determinação da atividade enzimática da catalase (CAT)

A atividade enzimática da catalase foi determinada pelo método de Aebi

(1984) que avalia a decomposição do peróxido de hidrogênio. O espectrofotômetro

foi zerado com o meio de reação (tampão fosfato 50 µM pH 7,4 e peróxido de

41

hidrogênio), para cada amostra foi utilizada uma alíquota 50 µL e adicionada ao

meio de reação. A decomposição do peróxido foi acompanhada por 1 minuto,

anotando-se a absorbância a cada 15 segundos. As leituras foram realizadas em

240 nm. Uma unidade de enzima foi determinada como sendo 1µmol de H202

decomposto por minuto. Os gráficos foram plotados em razão de Unidade de

enzima/µg de proteína (AEBI, 1984).

II.15) Determinação do conteúdo de Glutationa Reduzida (GSH)

A dosagem do conteúdo de GSH consiste na reação do grupamento sulfidrila

da GSH com o reagente DTNB (ácido 5,5'-ditio-bis-2- nitrobenzóico), formando o

TNB ou (ácido 5-tio-2-nitrobenzóico) de coloração amarela, ue pode ser quantificado

em espectrofotometro em 412 nm. A formação de TNB é diretamente proporcional à

concentração de GSH na amostra. A concentração de GSH foi avaliada nas

amostras de sobrenadante em placa de 96 poços. Uma alíquota de 50 μL das

amostras foi adicionada à 225 μL de meio reacional (tampão fosfato 0,1 M pH 8,0 e

EDTA1 mM), em seguida foi adicionado DNTB 10 mM. A placa foi deixada em

repouso por 15 minutos em temperatura ambiente e quantificada em

espectrofotômetro em comprimento de onda de 412 nm. Como padrão, foi utilizada

uma solução de cisteína 1,5mM (BEUTLER; DURON; KELLY, 1963; JOLLOW,

1974).

II.16) Análises de expressão proteica por Western Blotting

As amostras de preparação de membrana foram diluídas em água MiliQ

ultrapura e tampão de amostra (Tris-HCl 0,125mM [pH=6,8], Azul de Bromofenol

0,004%, 2-Mercaptoetanol 10%, Glicerol 20%, e SDS 4%) para uma concentração

de 20µg de proteína. Posteriormente, as amostras foram corridas em um gel de

poliacrilamida 10% (Sodium dodecyl sulfate-polyacrylamide gel electrophoresis -

SDS-PAGE) (Gel de corrida – Tris 1,5M [pH=8,8], Acrilamida/bis-acrilamida

30,8%/2,7%, SDS 10%, Persulfato de Amônio 10% e TEMED [N,N,N’,N’-

tetramethylethylenediamine]; Gel de empacotamento – Tris 0,5M [pH=6,8],

42

Acrilamida/bis-acrilamida 30,8%/2,7%, SDS 10%, Persulfato de Amônio 10% e

TEMED; Tampão de corrida – Tris-base 25mM, Glicina 192mM e SDS 0,1%). Após a

corrida das amostras, foi realizada a transferência das proteínas do gel de

poliacrilamida para uma membrana de nitrocelulose por 2 horas em tampão de

transferência –Tris-base 25mM, Glicina 192mM e Metanol 20%. A eficiência da

transferência foi avaliada corando-se o gel de poliacrilamida com solução de Azul de

Coomassie Brilhante G-250 e a membrana de nitrocelulose com solução de

vermelho Ponceau Xilidina. Para bloquear ligações inespecíficas dos anticorpos

utilizados, a membrana foi bloqueada por 1 hora com leite desnatado 5% diluído em

T-TBS (Tris-Base 100mM, NaCl 0,9% e Tween 0,1%). Em seguida, a membrana foi

lavada com T-TBS por 5 minutos e por duas vezes e incubada overnight com

anticorpo primário anti-α1 (Santa Cruz – sc-21712) diluído em T-TBS 1:1000. No dia

seguinte, a membrana foi lavada três vezes por 10 minutos e incubada por 2 horas

com anticorpo secundário goat anti-mouse IgG-HRP (Santa Cruz – sc-2005) diluído

1:2000 em T-TBS. Posteriormente, a membrana foi lavada duas vezes por 5 minutos

e revelada por método de quimioluminescência utilizando uma mistura equimolar de

duas soluções (Solução 1: Tris 100mM [pH=8,5], Luminol 2,5mM e ácido p-cumárico

0,396mM; Solução 2: Tris 100mM [pH=8,5] e H2O2 0,06%). Após a exposição à

mistura, a membrana foi revelada em filme radiográfico (Medical X-ray Film -

KODAK). Os filmes radiográficos foram digitalizados e as bandas correspondentes a

cada amostra foi quantificada por densitometria utilizando-se o programa Image J

1.47.

II.17) Análise Estatística

Foi utilizado o teste One-way ANOVA (Analysis of Variance) para comparação

de mais de duas médias, seguida do teste de Tukey (Tukey’s post-hoc test) para

identificação das médias com diferença estatisticamente significantes. Todas as

análises e gráficos foram feitos utilizando-se o programa GraphPad Prism 5.

43

III. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os esteroides cardiotônicos são inibidores clássicos da Na,K-ATPase. Em um

trabalho recente do nosso gupo foi demostrado a inibição da enzima pela digoxina

nas concentrações testadas (50 nM, 150 nM e 1 µM) (PESSOA, 2014), dessa forma,

como já é conhecido o efeito da digoxina sobre a atividade da Na,K-ATPase, no

presente trabalho avaliamos a atividade da enzima após o tratamento somente com

21-BD.

Após o tratamento das células por 48 horas com 21-BD a atividade catalítica

foi mensurada. Foi observado que o tratamento com 5 µM ocasionou um aumento

de 34% da atividade da Na,K-ATPase, enquanto que, o tratamento com 50 µM

diminuiu em 64% a atividade da enzima. O perfil apresentado na Figura 8 sugere um

efeito bifásico da 21-BD, sendo que a menor concentração da droga estimulou a

atividade da Na,K-ATPase e a maior concentração inibiu a atividade da enzima.

Figura 8: Atividade da Na,K-ATPase de células Hela tratadas por 48h com 21-BD.

*Diferença significativa em relação ao grupo controle (p< 0,05); n=3.

O grupo estireno adicional na molécula da 21-BD pode promover um

impedimento estérico no sítio de ligação da Na,K-ATPase, além disso, essa

44

modificação proporciona efeitos diferentes em relação aos observados com a

digoxina. Nosso grupo demonstrou através de modelagem molecular que a 21-BD

se liga à Na,K-ATPase com uma afinidade similar a ouabaína e digoxina. Porém

experimentos cinéticos mostraram que a 21-BD foi capaz de inibir a atividade da

enzima com isoforma α1, expressa em células de inseto Sf9 e em preparações de

membrana de rim de ratos, somente em concentrações elevadas. E não causou a

inibição da enzima de hemisfério cerebral de ratos, que possui em sua maioria as

isoformas α2 e α3. Tais resultados sugerem uma menor afinidade da enzima pela 21-

BD em relação à ouabaína. Além disso o tratamento de células HeLa por 48 horas

com 10µM de 21-BD causou um aumento da atividade da Na,K-ATPase (ROCHA et

al., 2014).

Já foi relatado o aumento da atividade da Na,K-ATPase após o tratamento

com esteróides cardiotônicos, por exemplo digoxina e ouabaína, porém em doses

mais baixas (em concentrações nanomolares) (GAO et al., 2002; OSELKIN; TIAN;

BERGOLD, 2010) do que a menor dose testada de 21-BD. Sabe-se também que

essas doses podem alterar a expressão das subunidades da Na,K-ATPase. Em

miocárdio ventricular de ratos normais a ouabaína diminuiu a expressão da

subunidade α1 e aumentou a expressão de α3, a digoxina também aumentou a

expressão de α3 e a expressão de α1 permaneceu inalterada nesse tratamento. A

expressão de α2 permaneceu inalterada em ambos os tratamentos. (WANG; YUAN;

LU, 2001). Tian e colabores (2009) demonstraram o aumento da expressão da

subunidade α1 em células normais de rim de porco (LLC-PK1) e a diminuição da

expressão em células tumorais de câncer de mama humano (BT-20) e células de

câncer de próstata humano (DU145), sugerindo que a regulação da expressão seja

dependente do tipo celular (TIAN et al., 2009).

O tratamento com 50 µM de 21-BD aumentou os níveis de mRNA de Na,K-

ATPase em células HeLa e aumentou a expressão proteica em células normais de

rim canino (MDCK) (ROCHA et al., 2014). Para comprender se a 21-BD altera a

atividade da enzima por modular a expressão proteica, foi realizado um westen

blotting das frações de membrana das células após 48 horas de tratamento.

Não foram observadas diferenças significativas na expressão da subunidade

α1 da Na,K-ATPase na membrana plasmática das células HeLa após o tratamento

(Figura 9). Esse dado sugere que a atividade da Na,K-ATPase pode estar sendo

modulada por outro fator que não seja a expressão proteica, pois mesmo com os

45

níveis de expressão de Na,K-ATPase inalterados na membrana celular, a atividade

da enzima foi alterada nas células HeLa.

Figura 9: Expressão da subunidade α1 da Na,K-ATPase da membrana plasmática

de células HeLa tratadas por 48 horas com 21-BD.

A fluidez da membrana plasmática pode modular a atividade de enzimas

integrais de membrana, como a Na,K-ATPase. Tendo em vista que a alteração da

fluidez de membrana é um dos efeitos provocados nas células pelos esteroides

cardiotônicos (RAGHAVENDRA; SREENIVASAN; MANNA, 2007), foi avaliada a

composição lipídica das células HeLa após o tratamento por 48 horas com 21-BD e

com digoxina.

As dosagens lipídicas das células foram observadas em dois tipos de

amostras. Primeiramente foi avaliado o conteúdo lipídico total da célula, para isso foi

realizado um homogenato total e foi também realizado a preparação de membrana

das células, para avaliar a modulação dos lipídios presentes na membrana.

46

O tratamento com doses mais baixas de digoxina não causou efeito

significativo no conteúdo de colesterol, porém a concentração de 1 µM causou uma

diminuição de 30% do colesterol total das células. Não houve alterações no

conteúdo do colesterol da membrana plasmática em nenhuma das concentrações de

digoxina testadas (Figura 10).

Figura 10: Porcentagem de colesterol total do homogenato (A) e da membrana

plasmática (B) de células HeLa tratadas por 48 horas com digoxina. * Diferença

significativa em relação ao grupo controle (p< 0,05); n=3.

A 21-BD não alterou significativamente o conteúdo de colesterol total das

células, no entanto, aumentou em duas vezes os níveis desse lipídio na membrana

plasmática das células que foram tratadas na concentração de 50 µM (Figura 11).

47

Figura 11: Porcentagem de colesterol total do homogenato (A) da membrana

plasmática (B) de células HeLa tratadas por 48 horas 21-BD. * Diferença significativa

em relação ao grupo controle (p< 0,05); n=3.

Todas as concentrações de digoxina testadas induziram uma diminuição, em

torno de 40%, do conteúdo de fosfolipídios totais nas células e não alterou o

conteúdo na membrana plasmática (Figura 12).

Figura 12: Porcentagem de fosfolipídios totais do homogento (A) e da membrana

plasmática (B) de células HeLa tratadas por 48 horas com digoxina. * Diferença

significativa em relação ao grupo controle (p< 0,05); n=3.

48

A concentração de 50 µM de 21-BD causou uma diminuição em torno de

40% dos fosfolipídios totais nas células e um aumento de 50% do conteúdo de

fosfolipídios totais da membrana plasmática (Figura 13). Esse resultado indica que a

21-BD pode estar causando a translocação de fosfolipídios totais da célula para a

membrana.

Figura 13: Porcentagem de fosfolipídios totais do homogento (A) e da membrana

plasmática (B) de células HeLa tratadas por 48 horas com 21-BD. * Diferença

significativa em relação ao grupo controle (p< 0,05); n=3.

Sabe-se que os esteróides cardiotônicos podem interagir com a membrana

através da interação com os lipídios e assim exercerem seus efeitos nas células.

Com o objetivo de verificar se os esteróides utilizados conseguem modular os

lipídios por agirem diretamente na membrana das células, foram utilizadas frações

de membrana plasmática de eritrócitos e essas foram incubadas com as maiores

concentrações de digoxina e 21-BD.

Não foi observado efeito significativo dos esteróides sobre o perfil lipídico da

membrana de eritrócitos (Figura 14), sugerindo que não seja uma modulação lipídica

direta causada pela droga na membrana, mas possivelmente a alteração observada

no conteúdo dos lipídios na célula e na membrana celular seja provocado por

alguma resposta da própria célula por exemplo, uma alteração no metabolismo dos

lipídios.

49

Figura 14: Porcentagem de colesterol total (A) e de fosfolipídios totais (B) de

membrana de eritrócitos incubadas com digoxina e 21-BD por 1 hora.

O primeiro estudo que avaliou o efeito do tratamento com esteroides

cardiotônicos no metabolismo de colesterol em células demonstrou que a digoxina e

ouabaína estimularam a síntese de colesterol em diferentes tipos celulares (células

hepáticas - HepG2; células de câncer de cólon - HT29; células de leucemia - THP-1

e cardiomioblasto H9c2). As duas drogas regularam a etapa limitante da síntese de

colesterol nessas células. Os dados mostram que ambas aumentaram a síntese de

colesterol, por aumentar a atividade e a expressão da HMG-CoA redutase, de

maneira dose e tempo-dependente. O aumento da expressão e atividade da enzima

é provocado pela ativação do complexo SRBP2/SCAP. Os autores sugerem que

ouabaína e digoxina podem se ligar ao domínio de ligação a esterol na SCAP,

impedindo que o colesterol se ligue e por essa razão mantenha o complexo

SRBP2/SCAP ativo (CAMPIA et al., 2009). No entanto, em nosso modelo de estudo,

células HeLa, a digoxina causou a diminuição do conteúdo de colesterol total

enquanto que a 21-BD aumentou os níveis desse lipídio nas células.

Nossos dados mostram que a 21-BD, causou efeitos interessantes sobre o

conteúdo de colesterol e fosfolipídios totais, aumentando o conteúdo desses lipídios,

na membrana das células HeLa. As mudanças na composição de fosfolipídios e do

conteúdo de colesterol alteram a fluidez da membrana plasmática das células

50

podendo alterar as funções celulares que dependem da membrana (BLOJ et al.,

1973).

Há muitos anos tem se investigado se existe uma correlação entre a fluidez

de membrana e a atividade da Na,K-ATPase. Como essa proteína é integral de

membrana e são necessárias interações entre seus resíduos hidrofóbicos e os

lipídios da bicamada, as alterações no conteúdo de fosfolipídios e colesterol

poderiam alterar a fluidez da membrana e interferir na atividade catalítica de tais

enzimas. Muitos desses estudos têm apontado que a atividade da Na,K-ATPase é

modulada por seu microambiente lipídico ( CORNELIUS et al., 2015; RODRIGO et

al., 2014; YONEDA et al., 2014; DE LIMA SANTOS et al., 2005; DIOMEDE et al.,

1992; TANAKA et al., 1988; YEAGLE, 1983;KIMELBERG, 1975; BLOJ et al., 1973).

Muitos dos trabalhos encontrados na literatura apontam uma correlação direta

entre a diminuição da fluidez da membrana e a inibição da atividade da Na,K-

ATPase. Em 1975, Kimelberg demonstrou que o aumento do colesterol diminuia a

atividade da Na,K-ATPase purificada de rim de coelho, solubilizada em lipossomos

(KIMELBERG, 1975). Em um outro estudo com Na,K-ATPase reconstituída em

lipossomos, foi demonstrado que a quantidade de colesterol afeta diretamente a

atividade da atividade enzimática. A incorporação do colesterol no modelo da

bicamada lipídica pode alterar o estado de líquido-cristalino por uma fase com um

grau intermediário de organização. O efeito inibidor do colesterol é provavelmente

causado por uma redução do movimento molecular ou limitação da liberdade

conformacional da enzima na bicamada. Isso porque a alteração na composição

lipídica, pelo aumento do colesterol, provoca uma diminuição da fluidez de

membrana que restringe as alterações conformacionais da enzima prejudicando a

atividade catalítica (YONEDA et al., 2014).

Tanaka e colaboradores (1988) demonstraram a diminuição da atividade da

enzima assim como, a diminuição da fluidez da membrana durante o processo de

diferenciação de células epidérmicas de porquinho da índia (TANAKA et al., 1988). A

diminuição da fluidez da membrana e a redução da atividade da Na,K-ATPase

também foi demonstrada em células leucêmicas humanas, onde as células que

apresentavam um maior conteúdo de colesterol exibiram uma menor atividade da

Na,K-ATPase (células HL60 suplementadas com colesterol em relação as células

HL60), e que células que apresentavam um menor conteúdo de colesterol exibiram

uma maior atividade enzimática (K562 depletadas de colesterol e células K562)

51

(DIOMEDE et al., 1992). Além disso, a diminuição da fluidez de membrana causada

pelo aumento de ácidos graxos saturados em relação aos ácidos graxos

insaturados, provocou a inibição da Na,K-ATPase na membrana de eritrócitos de

pacientes hipertensos (RODRIGO et al., 2014).

No presente trabalho, o tratamento com 50 µM de 21-BD causou o aumento

do conteúdo de colesterol e fosfolipídios totais da membrana plasmática das células

HeLa. Essa mesma concentração diminuiu significativamente a atividade da Na,K-

ATPase nessas células. Esses resultados em conjunto, sugerem que a diminuição

da atividade da enzima esteja correlacionada com a possível diminuição da fluidez

da membrana celular, causada pelo aumento do conteúdo de colesterol e

fosfolipídios (especialmente se forem fosfolipídios de cadeia saturada), uma vez que

a Na,K-ATPase possui baixa afinidade para 21-BD e que não foi encontrado

alteração na expressão proteica da subunidade α1. Os mecanismos moleculares

pelos quais a composição lipídica da membrana influencia na atividade da Na,K-

ATPase provavelmente envolve alterações conformacionais da proteína, devido ao

estado físico dos lipídios que se encontram aumentados levarem à restrições do

movimento molecular necessário para o ciclo de reação.

Tem sido demonstrado que o aumento de colesterol, aumenta a espessura da

bicamada lipídica, o que pode deslocar o equilíbrio conformacional da Na,K-ATPase

de E2P/E1P para E1P e de E2/E1 para E1 (CORNELIUS et al., 2015). Além disso,

as alterações estruturais podem resultar em um aumento da exposição do sítio de

ligação ao esteroide cardiotônico e por consequência, aumentarem a sensibilidade

ao ligante (RODRIGO et al., 2014).

A fluidez e integridade da membrana celular podem ser comprometidas por

ataque de EROS aos lipídios da membrana, levando à peroxidação lipídica. Alguns

estudos demonstram que o tratamento com esteroides cardiotônicos causam um

aumento na produção de EROS em diferentes linhagens celulares, podendo causar

danos as células e atuar como segundo mensageiros em eventos de sinalização

celular, que desencadeiam processos como apoptose e autofagia. O tratamento de

células de osteosarcoma (MG-63) com bufalina causou um aumento da geração de

EROS de maneira dose dependente e induziu a apoptose das células por aumentar

a permeabilidade mitocondrial e permitir a ativação de caspases (WANG; BI, 2014).

Em células de câncer de cólon (HT-29 e Caco-2) a bufalina causou autofagia das

células através da geração de EROS via JNK (XIE et al., 2011). A digoxina e

52

ouabaína induziram o aumento de EROS, mediada por Src, em linhagens de células

não pequenas de pulmão (A549 e H460) e também induziram a morte celular por

autofagia (WANG et al., 2014). Em um outro estudo, foi demonstrado que a

ouabaína aumentou a produção de EROS e a concentração de Ca2+ em células de

linfoma (U937), o que causou a morte celular (CUOZZO et al., 2012).

Tendo em vista alguns estudos demonstrando que alguns esteroides

cardiotônicos induzem o estresse oxidativo, e que por essa razão podem causar

danos celulares como, a peroxidação lipídica; foi avaliado o conteúdo de

malondialdeído (MDA), atividade de enzimas antioxidantes (CAT e SOD) e os níveis

de GSH após o tratamento 21-BD e digoxina. Tais parâmetros podem ser utilizados

como biomarcadores do estresse oxidativo.

O tratamento com digoxina nas concentração de 150 nM por 48 horas e, 1

μM de digoxina e 50 μM de 21-BD por 1 e 48 horas causaram uma redução da

peroxidação lipídica da membrana celular, representada pela diminuição de

aproximadamente 30% dos níveis de MDA (Figura 15).

Figura 15: Determinação da peroxidação lipídica de células HeLa tratadas por 48

horas (A) e por 1 hora (B) com digoxina e 21-BD. Determinação foi realizada pela

quantificação de MDA produzido em homogenato total de células. *Diferença

significativa em relação ao grupo controle (p< 0,05); n=3.

53

A maioria dos estudos encontrados sobre os efeitos do estresse oxidativo

causado pelos esteroides cardiotônicos são realizados em animais. A administração

de ouabaína in vivo causou o aumento de EROS, peroxidação lipídica e do nível de

proteínas carboniladas no cérebro como um todo (BRÜNING et al., 2012) e em

algumas regiões específicas (RIEGEL et al., 2010) como prefrontal (JORNADA et al.,

2011), córtex cerebral e hipocampo (BROCARDO et al., 2010; SOUZA et al., 2014).

Também foi observado o aumento de EROS seguido do aumento da peroxidação

lipídica e diminuição dos níveis de GSH, em homogenato de fígado que foram

incubados com digoxina. Tais observações foram revertidas quando as amostras

foram tratadas com antioxidantes em conjunto com a droga, demonstrando que a

peroxidação lipídica foi consequência do estresse oxidativo provocado pelo

tratamento com os esteroides cardiotônicos (ROY; SAHA; SENGUPTA, 2001).

O pré-tratamento de células de linfoma (U937) por 1 hora com oleandrina

diminuiu a produção de EROS e diminuiu também a peroxidação lipídica induzida

por TNF (fator de necrose tumoral), o que os autores relacionaram com o bloqueio

da ativação de NF-κB (fator nuclear kappa B) por TNF causada pela oleandrina

(MANNA et al., 2000). Porém, em células HeLa, a oleandrina aumentou a produção

de EROS e a peroxidação lipídica consideravelmente. E o pré-tratamento com

oleandrina por 4 horas potencializou o efeito da ceramida aumentando a geração de

EROS e a peroxidação lipídica nesse tipo celular (SREENIVASAN; SARKAR;

MANNA, 2003).

No presente trabalho, a peroxidação lipídica diminuída após o tratamento com

21-BD, pode ser explicada pelo aumento do colesterol e fosfolipídios totais na

membrana celular. A peroxidação lipídica ocorre principalmente em ácidos graxos

insaturados, pode ser que a 21-BD aumente a composição lipídica de ácidos graxos

saturados em relação aos insaturados que são mais susceptíveis ao ataque de

EROS. Embora a digoxina não tenha modulado o conteúdo de colesterol e

fosfolipídios totais, pode haver alterações em de fosfolipídios específicos que

conduzam essa diminuição observada na peroxidação lipídica da membrana.

Após o tratamento com as drogas, as enzimas antioxidantes sofreram

alterações em sua atividade. A atividade da superóxido dismutase (Figura 16) foi

reduzida significativamente, enquanto que os níveis da catalase (Figura 17) e da

GSH (Figura 18) se mantiveram.

54

Contr

ole

Dig

oxina

50nM

Dig

oxina

150n

M M

Dig

oxina

1M

21-B

D 5

M

21-B

D 5

0

0

10

20

30

40

50

* * * **

U/

g d

e p

rote

ína

Figura 16: Atividade catalítica da superóxido dismutase de células HeLa tratadas

por 1 hora com digoxina e 21-BD. *Diferença significativa em relação ao grupo

controle (p< 0,05); n=3.

Contr

ole

Dig

oxina

50nM

Dig

oxina

150n

M M

Dig

oxina

1M

21-B

D 5

M

21-B

D 5

0

0.00

0.02

0.04

0.06

U/

g d

e p

rote

ína

Figura 17: Atividade catalítica da catalase de células HeLa tratadas por 1 hora com

digoxina e 21-BD. *Diferença significativa em relação ao grupo controle (p< 0,05);

n=3.

55

Contr

ole

Dig

oxina

50nM

Dig

oxna

150n

M M

Dig

oxina

1M

21-B

D 5

M

21-B

D 5

0

0.00

0.05

0.10

0.15

nm

ol

GS

H/

g p

rote

ína

Figura 18: Níveis de GSH de células HeLa tratadas por 1 hora com digoxina e 21-

BD. *Diferença significativa em relação ao grupo controle (p< 0,05); n=3.

Os relatos encontrados na literatura demonstram que a atividade das enzimas

antioxidantes são alteradas em resposta ao aumento de EROS após o tratamento

com esteroides cardiotônicos. A atividade da glutationa redutase, glutationa

peroxidase e catalase foram reduzidas em algumas regiões específicas do cérebro

(BROCARDO et al., 2010; BRÜNING et al., 2012; JORNADA et al., 2011; RIEGEL et

al., 2010; SOUZA et al., 2014). O desequilíbrio entre a produção de EROS e a

atividade das enzimas antioxidantes, é a causa dos danos observados em lipídios e

proteínas.

Em células de melanoma humano, a oleandrina aumentou a produção de

EROS, especificamente de radicais superóxido. O aumento dos níveis de EROS

causou a diminuição dos níveis de GSH, levando ao aumento do estresse oxidativo,

e induziu a morte celular (NEWMAN et al., 2006). No presente trabalho, os níveis de

GSH permaneceram praticamente inalterados. Além do aumento dos lipídios da

membrana, que podem ser a causa da diminuição da peroxidação lipídica discutido

anteriormente, nós podemos inferir que os níveis de GSH continuariam protegendo a

membrana do ataque de EROS e por essa razão, os níveis de MDA foram

reduzidos.

56

Alguns tipos de células tumorais possuem níveis aumentados de EROS

(BULDAK et al., 2014) e que o tratamento com esteroides cardiotônicos

potencializam a produção dessas moléculas reativas, principalmente radicais

superóxido (NEWMAN et al., 2006). O aumento de EROS pode levar ao aumento da

atividade das enzimas antioxidantes como uma forma de proteger as células aos

danos celulares, ou também podem inibir a atividade dessas enzimas. A inibição das

enzimas antioxidantes causada por EROS pode ser provocada pelo ataque das

próprias moléculas reativas à estrutura da proteína. Por exemplo, o aumento de

peróxido de hidrogênio ou íons superóxido induzido pelos esteroides cardiotônicos

podem resultar na inibição da atividade da superóxido dismutase por oxidar resíduos

de aminoácidos no sítio de ligação ao substrato. A diminuição da atividade da

superóxido dismutase resulta em uma menor formação de moléculas de peróxido de

hidrogênio, devido a menor decomposição dos íons superóxido pela enzima

(ARMSTRONG, 2011; CHAUDHARY; PARVEZ, 2012). A atividade da catalase se

manteve inalterada, assim como os níveis de GSH, podemos inferir que esses dados

sejam devido a inibição da superóxido dismutase e consequente diminuição de

peróxidos de hidrogênio.

As modificações oxidativas nas proteínas, causadas por EROS como,

carbonilação em alguns resíduos de aminoácidos podem resultar na diminuição da

atividade de outras enzimas além das antioxidantes, por exemplo a Na,K-ATPase.

Os resíduos de lisina, argenina, treonina e prolina das subunidades da enzima

podem ser carbonilados por EROS. Além disso, os resíduos de cisteínas podem

sofrer glutationilação. Foi demonstrado em células LLC-PK1, que o aumento da

geração de EROS causou a carbonilação reversível da subunidade α1 da Na,K-

ATPase, que resultou na inibição do fluxo de Na+. Tais modificações são

responsáveis pela perca da atividade catalítica, pois podem estabilizar a enzima na

conformação E2 ou bloqueiam a ligação do ATP. Além de levar a inibição da

enzima, o aumento de EROS e o estresse oxidativo podem levar a enzima à

degradação (YAN et al., 2013).

A diminuição da atividade da Na,K-ATPase, observada quando as células

foram tratadas com 50 µM de 21-BD, também pode estar correlacionada com o

aumento da produção de EROS induzida por esse esteroide cardiotônico.

57

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os efeitos dos esteroides cardiotônicos em células tumorais não são

totalmente conhecidos, são poucos os estudos existentes na literatura em relação

aos efeitos desses fármacos sob a modulação do perfil lipídico e o estado redox de

células tumorais.

A 21-BD, derivado sintético da digoxina, tem apresentado efeitos

interessantes em células tumorais. Foi demonstrado um apresentou um efeito

bifásico na atividade da Na,K-ATPase das células após o tratamento, onde a droga

foi capaz de inibir a atividade da enzima somente na maior concentração testada.

Nossos resultados em conjunto indicam que a inibição da atividade da Na,K-ATPase

está correlacionada com a diminuição da fluidez da membrana e com o possível

aumento de EROS, uma vez que a expressão da subunidade α1 não sofreu

alterações e que a enzima possui baixa afinidade pela 21-BD.

Tanto a digoxina, quanto a 21-BD provocaram alterações no conteúdo celular

de colesterol e fosfolipídios totais, no entanto efeitos na composição lipídica da

membrana foram observados somente em células tratadas com 21-BD. As

alterações na composição lipídica da membrana podem comprometer eventos

fundamentais para a sobrevivência celular, como alterações conformacionais das

proteínas integrais de membrana e de receptores, podendo comprometer vias de

sinalização celular.

As duas drogas inibiram a atividade da superóxido dismutase, possivelmente

por causa do aumento da produção de EROS induzido pelo tratamento. No entanto

a atividade da catalase e os níveis de GSH não foram alterados, o que pode explicar

a diminuição da peroxidação lipídica observada após os tratamentos.

Portanto, a modulação lipídica e a alteração do estado redox das células

HeLa tratadas com 21-BD e digoxina, são efeitos que provavelmente façam parte do

complexo mecanismo de ação dos fármacos dessa classe.

58

V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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