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1 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE Financiamento de campanha eleitoral no Brasil Uma análise do modelo de financiamento misto na atual conjuntura do País. Celso Vinícius da Silva Manoel de Oliveira Erhardt Recife 2017

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE

Financiamento de campanha eleitoral no Brasil

Uma análise do modelo de financiamento misto na atual conjuntura do País.

Celso Vinícius da Silva

Manoel de Oliveira Erhardt

Recife 2017

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Celso Vinícius da Silva

Financiamento de campanha eleitoral no Brasil

Uma análise do modelo de financiamento misto na atual conjuntura do País.

Recife 2017

Projeto de Monografia apresentado para obter nota no componente curricular Projeto de TCC, requisito para obtenção do título de Bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco.

Direito Eleitoral; Direito Constitucional.

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RESUMO

O presente trabalho tem como tema o financiamento das campanhas eleitorais no

Brasil e os impactos da minirreforma eleitoral de 2017, em especial a adequabilidade

do modelo, diante do cenário de crise política e econômica do país. O objetivo

principal é entender se as medidas adotadas serão eficazes no combate à corrupção

e se são compatíveis com os anseios socais. A primeira parte do trabalho busca

apresentar os aspectos doutrinários gerais sobre os modelos de financiamento de

campanha. Em seguida, tem-se um breve apanhado histórico das eleições no Brasil,

para entender como foi a evolução da sociedade no engajamento político, bem como

situação o país diante de outras nações de forte tradição democrática e republicana,

como os Estados Unidos e a França. Compreendidos os aspectos doutrinários sobre

os modelos financiamento de campanha e a evolução brasileira, quanto ao processo

eleitoral, segue-se para a última parte, em que se desenvolve o atual modelo

brasileiro, bem como as alterações decorrentes do julgamento da ADI 4.650 e das

sanções das Leis nº 13.487/207 e 13.488/2017. Por fim, expõem-se os impactos que

o Fundo Partidário e o Fundo Especial para Financiamento de Campanha geram nas

contas públicas, desviando valores de outros setores para suprir as lacunas

financeiras decorrentes da ADI. 4.650.

Palavras-chave: Financiamento de campanha eleitoral. Minirreforma eleitoral.

Fundo Partidário. Fundo Especial para Financiamento de Campanha (FEFC). Custo

social de financiamento de campanha eleitoral.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................5

1. FINANCIAMENTO DE CAMPANHA ELEITORAL.............................................7

1.1 Financiamento exclusivamente público de campanha eleitoral.......................7

1.2 Financiamento exclusivamente privado de campanha eleitoral.......................9

1.3 Financiamento plural de campanha eleitoral.................................................11

2. A PERSPECTIVA HISTÓRICA DAS ELEIÇÕES NO BRASIL........................12

2.1 Histórico das eleições no Brasil.....................................................................12

2.1.1 Brasil Colonial (1532-1821).........................................................................12

2.1.2 Disputas no Império (1821 – 1882).............................................................14

2.1.3 O Voto de Cumpadre (1882 – 1932)...........................................................15

2.1.4 Surgimento da Justiça Eleitoral e o Hiato Eleitoral (1932-1945).................16

2.1.5 Partidos Nacionais e das Campanhas Eleitorais (1945 – 1964).................18

2.1.6 A Ditadura (1964-1985)...............................................................................19

2.1.7 O Retorno democrático e o voto eletrônico (1986 – dias atuais)................20

2.2 Financiamento de campanha eleitoral em direito comparativo: os modelos

norte-americano e francês...................................................................................23

3. O MODELO BRASILEIRO DE FINANCIAMENTO ELEITORAL......................27

3.1. Financiamento privado de campanha eleitoral no Brasil: redução da

corrupção ou falácia política?..............................................................................34

3.2. Minirreforma Eleitoral de 2017 e o financiamento de campanha..................40

3.3. O custo social do financiamento eleitoral público no modelo brasileiro e o

novo Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC)..........................46

CONCLUSÃO......................................................................................................49

REFERÊNCIAS....................................................................................................52

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar o financiamento das

campanhas eleitorais brasileiro, sem o qual restaria inconcebível o processo

eleitoral, e as recentes modificações realizadas pela minirreforma de 2017. A

pesquisa recairá, especificamente, sobre a adequabilidade do modelo teórico ao

caso concreto, a fim de verificar se os mecanismos vigentes corroboram para um

pleito justo, igualitário e transparente.

O crescente volume financeiro, seja público, seja privado, direcionado para as

campanhas eleitorais nas últimas duas décadas, somados aos incontáveis

escândalos de corrupção envolvendo a Administração Pública, apontam para uma

relação invasiva do poder econômico sobre o poder político. Casos envolvendo

grandes empresas doadoras e candidatos à mandatos eletivos motivaram o estudo

sobre o tema, de modo que se faz necessário entender o papel de uma peça

fundamental nas campanhas eleitorais: o dinheiro.

Nesse sentido, muito se discute doutrinariamente sobre quais seriam as

melhores fontes financeiras, capazes de suportar os gastos das campanhas

eleitorais, garantindo a lisura e o caráter democráticos das eleições. Entre o perfil de

financiamento publico e o privado, existem várias alternativas, com diferentes

mesclas dos extremos, de acordo com a realidade de cada caso concreto.

Diante do arcabouço teórico-jurisprudencial majoritário, o presente trabalho

reserva seu primeiro capítulo para estabelecer o referencial teórico sobre os

modelos de financiamento de campanha eleitoral, em aspectos genéricos,

hipotéticos. Com isso, busca-se estabelecer uma moldura de possibilidades para

existentes, a partir de modelos “puros” de financiamento (público e privado), que

dificilmente são encontrados na realidade, mas que servem de parâmetro para a

realidade de cada país.

O segundo capítulo faz um breve apanhado histórico do funcionamento das

eleições do Brasil, desde o período colonial, quando havia eleições para as Câmaras

Municipais, as quais serviam de mecanismo de nobilitação para os colonos, até os

dias atuais, quando o eleitor tem um papel fundamental, ao exercer um direito-dever

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com a nação, para a escolha de seus representantes. O ponto chave do trajeto

histórico está em compreender a participação social no processo eleitoral, bem

como os critérios permissivos ao voto, além da influência que o dinheiro exercia

sobre a capacidade política do cidadão.

Ademais, o capítulo ainda apresenta um comparativo geral sobre os modelos

adotados nos Estados Unidos da América e na França, por serem países de forte

tradição democrática e republicana. Assim, é possível situar a evolução eleitoral

brasileira em um contexto global.

Por fim, o terceiro capítulo debruça-se sobre o atual modelo de financiamento

de campanha eleitoral brasileiro, apontando as modificações marcantes trazidas

com o advento das Leis nº 13.487/2017 e 13.488/2017. As Leis podem ser

interpretadas como uma resposta ao julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da

Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.650, proposta pela Ordem dos Advogados

do Brasil, a qual proibiu a doação por parte das pessoas jurídicas às campanhas

eleitorais. Ademais, o aumento da verba para o Fundo Partidário e a criação do

Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) projetam um impacto

social, retirando investimento de outros setores, para direcionar ao custeio das

campanhas, reforçando as criticas existentes, em cenário de crise econômica, social

e de representatividade política.

Diante dos aspectos levantados, o presente estudo se propõe a analisar o perfil

de financiamento que está sendo implementando no Brasil, com minirreforma

eleitoral de 2017, e a compatibilidade do modelo com os anseios da sociedade,

diante dos vultosos valores destinados ao poder político.

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1. FINANCIAMENTO DE CAMPANHA ELEITORAL

Em um regime democrático, a escolha dos governantes é feita através de um

processo eleitoral. Nesse sentido, os candidatos aos cargos eletivos precisam

realizar campanhas que os permitam expor as ideias e projetos, a fim de se

aproximarem do eleitorado e captarem os votos necessários à ascensão política.

Para concretizar o objetivo eleitoral, as campanhas eleitorais irão gerar custos,

dispêndio de recursos, sem os quais as eleições seriam inconcebíveis.

A campanha eleitoral é um complexo de atos e procedimentos técnicos

desempenhados por um candidato e por sua agremiação política, a fim de obter os

votos dos eleitores e conseguir vencer a disputa de cargo público-eletivo. Para tanto,

faz-se necessário o emprego de um quantitativo de recursos humanos e financeiros

direcionados à campanha.

Desse modo, é preciso haver um conjunto de regras que disponha sobre a

legitimidade, a lisura, o controle e a transparência das arrecadações e dos gastos

realizados nas campanhas eleitorais, a fim de viabilizar à Justiça Eleitoral a

manutenção de um sistema democrático coerente. Tal conjunto de regras segue, em

linhas gerais, um dos três modelos de financiamento de campanha, abordados na

sequência.

1.1 Financiamento exclusivamente público de campanha eleitoral

O financiamento exclusivamente público de campanha eleitoral é um modelo

em que as formas de financiamento decorrem exclusivamente das atividades

estatais, com recursos públicos oriundos das arrecadações tributárias. Com o

término da Segunda Guerra Mundial, os partidos políticos começaram a figurar como

instituições enraizadas do Estado, garantindo sua manutenção e, para isso,

passaram a receber recursos financeiros deste.

Aos defensores de um modelo exclusivamente público de campanha eleitoral,

os argumentos favoráveis baseiam-se na maior transparência financeira e na

redução da corrupção da gestão estatal, já que os candidatos não estariam sujeitos

às influências daqueles que os financiaram durante a campanha. Tal influência seria

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capaz de desvirtuar o certame eleitoral e, principalmente, o aspecto democrático e

representativo das eleições, uma vez que candidato eleito represente seu

financiador, em detrimento do eleitorado.

Sem a influência negativa, os candidatos disporiam de uma atuação equitativa

em termos de oportunidades, tornando-os mais engajados em seus compromissos

sociais e programas de partidários, além de aumentar a proximidade com a

população. Evitar-se-ia, desse modo, que a competição eleitoral fosse pré-definida,

em virtude do maior ou menor grau de investimento financeiro que determinado

candidato obteve, por vias privadas.

Para contrapor os argumentos, aqueles contrários ao financiamento

exclusivamente público de campanha expõe que o modelo não seria

comprovadamente capaz de findar o tráfico privado nas disputas eleitorais, servindo,

em verdade, para corroborar com um crescimento das ilicitudes. Ademais,

argumenta-se que os patrocinadores privados não representam o epicentro da

corrupção, visto que a mesmo, em geral, decorre da cobiça e ambição do próprio

agente público, sendo este ocupante ou não de cargo eletivo.

Apesar de argumentos contrários sólidos, é mister anotar que poucos

candidatos resistiram a cooptação do poder econômico extremamente sedutor. Em

boa parte dos casos, são pessoas já provenientes de grupos político-econômicos

com forte representatividade e influência, garantindo-lhes apoio moral e financeiro

no decorrer da batalha eleitoral, como também no decorrer de toda a trajetória

política. Seria inimaginável que tal simbiose fosse sobre algum abalo pelo fato de o

financiamento ser apenas público.

Segundo Gomes1, o financiamento público exclusivamente não porá fim à

corrupção, por esta encontrar na leniência e na impunidade suas mais entusiásticas

aliadas e apoiadoras. Percebe-se, por fim, aquilo com clareza aquilo que Del Castillo

e Zovatto2 explicaram:

Sin embargo vale la pena de toma r consciencia sobre el

riesgo que se corre al sustentar el sistema de financiación en

1 GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 413.

2 DELCASTILLO,P.;ZOVATTO,D. La financiacion de la politica em Iberoamerica. San Jose: IIDH, 1998. p.64-77.

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grandes aportes públicos, cual es la estatalización, burocratización y

osificación de los partidos (es decir la dependencia económica

crónica de parte de estos de los recursos estatales y la consiguiente

pérdida de contacto con la sociedad), lo cual repercute en una

merma de su libertad, en su acomodación al status quo, y en su

alejamiento de la cambiante realidad social.

Em sua obra, Alice Kannan3 ressalta que não há relatos de experiências bem-

sucedidas em nenhum país, quanto a manutenção de um modelo de financiamento

exclusivamente público de campanha eleitoral. Tal percepção decorre da fragilidade

de um modelo que encontra, no limitado orçamento público, uma barreira ao

sustento das despesas partidas e da campanha eleitoral.

1.2 Financiamento exclusivamente privado de campanha eleitoral

O financiamento exclusivamente privado de campanha eleitoral é o modelo que

se contrapõe ao exclusivamente público. Nele, as campanhas seriam financiadas

integralmente por particulares, sejam eles pessoas físicas, sejam pessoas jurídicas e

dar-se-iam por recursos do próprio candidato, de seu partido político por terceiros.

Os argumentos positivos ao modelo orbitam na perspectiva de que, ao obter

recursos diretamente do cidadão, haveria um enraizamento salutar por parte dos

partidos na sociedade, desde que existam mecanismos controladores capazes de

limitar os montantes doados, evitar o abuso e manter uma disputa igualitária. No

mesmo sentido, a atividade de captação de recursos seria capaz de incentivar o

aumento de simpatizantes, bem como permitir um maior alinhamento do candidato

ao programa de governo apresentado, já que a população se sentiria mais próxima

para realizar cobranças.

3 KANAAN, Alice. Financiamento público, privado e misto frente à reforma política eleitoral que propõe

o financiamento público exclusivo. In: RAMOS, André de Carvalho (coord.). Temas de direito eleitoral

no século XXI. Brasília: Escola Superior do Ministério Público, 2012, p. 271-313.

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Em contrapartida, Zavatto4 aponta que, no sistema baseado exclusivamente no

financiamento privado, a ausência de um financiamento público pode levar a uma

influência (legal ou ilegal) desmesurada de certos sujeitos ou empresas sobre os

partidos que financiam, diante do desespero dos partidos e dos candidatos em

conseguir recursos financeiros, esta tendência se fortificaria porque as cotas

compostas por filados aos partidos não desempenha, hoje em dia, nenhum papel

significativo no financiamento dos partidos latino-americanos.

Ao quórum negativo, acrescenta-se a ideia de que as pessoas jurídicas não

exercem direitos políticos, de sorte que não são cidadãs. Assim, as doações

provenientes de empresas fariam parte de um perfil estratégico, com o objetivo de

estreitar laços com os financiados, exercendo-lhes influencias para obter benefícios

econômicos no futuro. Fica visível a atuação empresarial nesse sentido exposto,

quando se vê um perfil de doador que não está atrelado posicionamentos

ideológicos, sendo comum encontrar empresas que doam recursos financeiros a

vários candidatos de deferentes partidos, às vezes até opostos, os quais disputam

inclusive o mesmo cargo.

Segundo José Jairo Gomes5:

Com efeito, ninguém (sobretudo pessoas jurídicas que doam

expressivos recursos) contribui financeiramente para uma campanha

sem esperar retorno do agraciado, caso seja eleito. Der sorte que,

uma vez eleito, fica o donatário comprometido com o doador que o

apoiou concreta e significativamente.

Justamente haver tal visão de doação como investimento, em que existe

expectativa de (alto) retorno econômico-financeiro, a corrupção aflora. A prática vem

mostrando que a retribuição do investimento converte-se em contratações com a

Administração Pública, por vezes superfaturada, ou em benefícios fiscais

agressivos. O objetivo nítido, portanto, é recuperar as somas de recursos injetadas

nas campanhas, acrescidas de bons lucros.

4 ZAVATTO, D. Financiamento dos partidos e campanhas eleitorais na America Latina: uma analise comparada.

OPINIAO PUBLICA, Campinas, Vol. XI, no 2, Outubro, 2005, p. 287-336.

5 GOMES, J. J. 2016. p. 413

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Nesse caminho, fica evidente a deturpação das disputas eleitorais, as quais

servem para ludibriar os eleitores, que serão privados de benefícios políticos e

investimentos públicos sérios e de qualidade. O bem estar social entra em segundo

plano, diante das ilícitas contratações que não contribuem para a melhoria da

qualidade de vida dos cidadãos, nem estimulam uma concorrência empresarial

salutar.

1.3 Financiamento plural de campanha eleitoral

Também conhecido como modelo de financiamento misto de campanha

eleitora, agrega pontos dos dois modelos exclusivos, havendo recursos

disponibilizados tanto pelo Estado, como por agentes privados. Por se tratar de um

modelo misto, existem inúmeras formas de configurações e adaptações em cada

caso concreto.

Dentre as inúmeras possibilidades, o setor público costuma participar

através de: quantia destinada aos partidos e aos candidatos; modelos de reembolso

de gastos em campanha eleitoral; e custeio de parte dos valores envolvendo o

acesso à televisão e ao rádio, para fins de propaganda eleitoral.

Já a participação privada distingue-se em fórmulas para as pessoas físicas e

as pessoas jurídicas. De maneira geral, o financiamento por pessoa física pode ser

feito dentro de limites prefixados pela legislação, ao passo que as empresas e

organizações possuem maior grau de limitação, a depender do país analisado. Tais

restrições normalmente permitem doações apenas aos partidos políticos, ou aos

partidos e aos candidatos, ou ainda que sejam feitas despesas independentes, as

quais não se vinculam aos partidos e candidatos, mas buscam promover as ideias e

projetos destes.

Em que pese uma conclusão prática dos modelos de financiamento de

campanha eleitoral, é importante evitar uma visão romântica sobre o tema, pois os

maiores problemas não decorrem necessariamente da origem do dinheiro. O ponto

crucial é a regulamentação adequada, a qual precisa impor rigorosamente a

transparência da origem e o do destino dos valores doados e gastos.

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2. A PERSPECTIVA HISTÓRICA DAS ELEIÇÕES NO BRASIL

Para melhor compreender o caso brasileiro, é importante observar o fluxo

histórico do financiamento das campanhas eleitorais, a fim de observar os

fenômenos decorrentes do avanço do poder econômico sobre o poder político, bem

como perceber que o modelo atual, apesar de representar uma boa alternativa para

um processo democrático justo, carece de regulamentação.

2.1 Histórico das eleições no Brasil

2.1.1 Brasil Colonial (1532-1821)

Apesar de a Justiça Eleitoral surgir apenas em 1932, existem registros

históricos de eleições ao longo de toda a história do Brasil. A primeira delas ocorreu

em 1532, na Vila de São Vicente, período em que o Brasil era colônia lusitana, como

forma de acesso à Câmara Municipal. Vistas como órgãos administrativos, as

Câmaras Municipais representavam, nas colônias, um mecanismo de nobilitação

para os colonos, a fim de conquistarem privilégios e honras.

Portugal, na época, era uma sociedade corporativa, onde cada indivíduo

pertencia a uma ordem e, por esta, era representado. Essa divisão fomentava a

ideia de segmentos sociais com privilégios e responsabilidades específicas,

decorrentes do nascimento e da posição social ocupada.

Foi um período em que o Rei não era detentor exclusivo do poder, dividindo-o

com diversos grupos, a fim de garantir um equilibro de poder e interesses. Em um

contexto como esse, a eleições existentes eram não universais, de sorte que não

era permitido a todos o direito de voto.

Assim, para as eleições colônias, em primeiro de janeiro, os oficiais, homens

bons e o povo se reunião em Assembleia para escolher os vereadores dos próximos

três anos. Inicialmente, era feita a escolha dos eleitores, já que nem todos poderiam

votar. Os eleitores eram escolhidos em número de 6, por aqueles presentes na

Assembleia, e, após escolhidos, faziam “o juramento dos Santos Evangelhos para

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que bem e verdadeiramente escolhessem aos cargos do Conselho as pessoas que

mais pertencentes lhes parecessem” (Ordenações Filipinas, Livro I, Titulo LXVII). A

partir dai, começam os trabalhos na construção da lista dos candidatos escolhidos.

O trabalho era bastante manual e rudimentar. Os eleitores trabalhavam em

dupla, de modo que cada dupla deveria elaborar três listas, uma para vereadores,

outra para procuradores e a última para juízes, com os nomes daqueles que

deveriam ocupar os cargos, resultando, ao final, em nove listas. O objetivo final era

transformar as nove listas em apenas três, uma para cada cargo. Após formadas as

três listas, iniciava-se a fase do pelouro.

Os pelouros eram basicamente bolas de cera, contendo os nomes dos nove

nomes fornecidos pelas três listas, que ficavam guardadas em um saco, dentro de

um cofre. As bolas ficavam guardadas até o dia em que fosse necessário conhecer

os novos ocupantes dos cargos, cujos nomes seriam escolhidos através da sorte de

um “moço de ate sete anos” que escolheria um pelouro dentre aqueles que estavam

guardados.

Era, portanto, um procedimento eleitoral bastante rústico, quase ritualístico,

que refletia os valores da sociedade há época, como a harmonia, a hierarquização e

a verdade eleitoral que se revelava paulatinamente. Tais valores eram expressos na

organização das listas finais (harmonia); na distinção entre o povo, os homens bons

e os oficiais (hierarquia); e no desenvolvimento de procedimentos eleitorais por atos

graduais, sem que a proclamação dos eleitos fosse imediata6.

Todo esse procedimento tinha como previsão legal as Ordenações Reino,

embora não fosse seguido à risca em todas as colônias. O ponto crucial de tais

eleições no período colonial não era apenas para estabelecer a gestão

administrativa da colônia, mas também era representar um sistema político que

reforçava os laços com Portugal e reafirmar o poderio e influência local.

Nesse sentido, não havia um sistema eleitoral que precisasse de financiamento

ou que gerasse custos ao Estado.

6 Interpretaçao formulada a partir da leitura da obra de Michel Foucault, A Verdade e as Formas Juridicas.

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2.1.2 Disputas no Império (1821 – 1882)

Com o fim do período colonial e a transferência da corte portuguesa, o Brasil foi

elevado ao título de Reino Unido, o que representava uma mudança na perspectiva

eleitoral brasileira. Iniciou-se uma fase de eleições para deputados, os quais seriam

enviados à Corte de Lisboa, a fim de elaborar a nova Constituição do Império

Português. Era, pois, o início das Eleições Gerais no território brasileiro.

Para tais eleições, usou-se como base o modelo espanhol de degraus

eleitorais. Os “cidadaos de freguesia” elegia os “compromissarios”, que eram os

responsáveis por escolher os “eleitores de paroquia”, os quais deveriam apontar os

“eleitores da comarca”, sendo estes capazes de escolher os deputados. Era um

sistema complexo e demorado.

Após a independência do Brasil, D. Pedro I tornou-se o primeiro Imperador do

Império do Brasil e adotou um sistema parlamentarista bicameral, com um processo

eleitoral mais simples para as eleições da Câmara e do Senado. O processo

estabelecia apenas dois graus, os “votantes” que escolheriam os “eleitores” e estes,

por sua vez, votariam para o preenchimento dos cargos de Deputado e Senador.

O primeiro pavimento, os votantes, era composto por cidadãos brasileiros ou

naturalizados, com mais de vinte e cinco anos e que possuíssem renda superior a

cem mil réis (bens de raiz, comércio, indústria, ou emprego. Algumas proibições

eram aceitas na época, a exemplo do voto feminino, dos filhos de famílias que não

servissem nos Ofícios Públicos e dos religiosos que levassem vida de

enclausuramento.

Já para o segundo pavimento, os eleitores, poderiam participar aqueles que

tivessem duzentos mil reis de renda liquida, desde que, contra eles, não houvesse

queixa, denúncia ou summario, pois seriam considerados criminosos; ou ainda que

fossem ex-escravos libertos. O terceiro pavimento, dos deputados, era possível para

aqueles com renda a partida quatrocentos mil réis, professassem a fé adotado pela

Estado e não fossem estrangeiros, mesmo que naturalizados.

O último grau era o dos senadores, compostos por aqueles que dispusessem

de oitocentos mil réis. Era preciso que ser brasileiro, com mais de quarenta anos, e

de saber, capacidade e virtude, não havendo o requisito religioso existente para o

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cargo de deputado. Importante frisar que algumas pessoas já estavam destinadas

ao cargo de senador, a exemplo dos Príncipes das Casa Imperial, os quais eram

investidos no cargo de senador a partir dos vinte e cinco anos completos.

Tal perspectiva escalonada era um reflexo de um período em a sociedade se

entendia como composta por pessoas diferentes, com qualidades, posições e

funções distintas, formando um todo orgânico. O participação política de cada

membro era, portanto, condizente com sua capacidade, o que justifica a

desigualdade de direitos entre seus membros.

Em uma sociedade baseada na lógica do serviço, beneficio e da generosidade

pela gratidão, o clientelismo era característica marcante. Desse modo, o voto seguia

o mesmo padrão de comportamento comum naquela época, pois era ele motivo de

negociações e solidariedade entre grupos.

Vencer uma disputa eleitoral era sinônimo de eficiência na formação de

alianças. Os candidatos faziam verdadeiras maratonas, circulando em cidades e

fazendas, reunindo autoridades locais e buscando apoio entre seus eleitores.

Não se encontra, durante o período, nenhum registro de financiamento público

de campanha, uma vez que um dos principais critérios para as escalada dos graus

que qualificavam as pessoas era censitário.

2.1.3 O Voto de Cumpadre (1882 – 1932)

A partir da Primeira República, houve um crescimento dos valores burgueses,

levando a uma febre pelo enriquecimento, acompanhada de uma supervalorização

dos bens matérias e um profundo sentimento de angustia decorrente do processo de

acumulação. Em contrapartida, o novo regime trouxe o entusiasmos e a expectativa

de outras camadas da população, as quais buscavam redefinir suas atuações

políticas.

Era evidente a distância entre a sociedade civil e a sociedade política, de sorte

que os cidadãos ativos eram aqueles que possuíam direitos civis e políticos, ao

passo que os cidadãos inativos ou simples só eram dignos dos direito civis. Assim o

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direito político não era um direito natural e sua existência dependia de outorga pela

sociedade àqueles merecedores dele.

No mesmo raciocino seguiria o voto. Tratava-se de uma função social, um

dever, conferidos aos que a sociedade julgava capaz de bem exercer. Assim, eram

proibidos de votar os pobres, seja por questão de renda, seja por questão de

alfabetização; os mendigos, as mulheres, os menores de 21 anos e os

representantes do clero. Percebe-se, portanto, que grande parte da população era

excluída dos direitos políticos.

2.1.4 Surgimento da Justiça Eleitoral e o Hiato Eleitoral (1932-1945)

A Revolução de 1930 trouxe consigo uma força comum aos movimentos

revolucionários, a de estabelecer-se como um contraponto, um marco, um divisor de

aguas entre o “Velho” e o novo período da república. À vista disto, a nova elite

revolucionária busca um legitimar-se no poder, através de seu poder de antídoto à

fase anterior. Segundo Gomes7:

A Revoluçao de 1930 assinalaria um novo e grande ponto de

partida na historia do Brasil, rompendo definitivamente com o

passado; vale dizer, com os erros da Primeira República: liberal,

oligarquica, fraca, inepta, europeizante e politica e culturalmente

afastada do “povo brasileiro”.

Com o objetivo de modernização do país e de transformação da vida social, foi

necessário o estabelecimento de novas práticas eleitorais, capazes de refletir os

novos valores da sociedade. Do esforço realizado pela Comissão de Reforma da

Legislação Eleitoral, resultou a elaboração do primeiro Código Eleitoral do Brasil,

instituído pelo Decreto n. 21.076 de 24 de fevereiro de 1932, e a criação da Justiça

Eleitoral.

7 GOMES, Angela de Castro e ABREU, Martha. A nova “Velha” República: um pouco de historia e historiografia.

Revista Tempo, n. 26, janeiro de 2009. Disponivel em: http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/v13n26a01.pdf. Acessado em: 25 de abril de 2012

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17

O recém-nascido Código apresentava, portanto, a necessidade de moralizar o

processo eleitoral, combatendo as fraudes e caos que lhes eram inerentes durante o

período da República Velha. Um exemplo disso foi o voto, que servia como

instrumento mantenedor das elites oligárquicas no poder, e agora passaria por uma

reforma, devendo ser feito em segredo. Para assegurar o individualismo do voto,

instituiu-se o uso de envelope uniforme oficial, sem nenhum tipo de marcas

identificadoras, bem como o “gabinete indevassavel”, o qual criava um espaço

isolado para o eleitor, no momento de preencher sua cédula.

O indivíduo, que outrora representava um voto de massa, de caráter

clientelista, usado como instrumento de disputa de poder entre os coronéis, passou

a ser visto como eleitor. A nova posição era refletida por seu caráter individual, em

que lhe era asseguro o direito de expressar sua vontade, sem a interferência

externa.

O novo contexto de voto individual também fez surgir o questionamento a

respeito do voto feminino. De acordo com Letícia Cânedo8:

Foi o aparecimento do voto individual masculino que trouxe

‘uma visibilidade sem precedente para a separaçao politica entre os

homens e as mulheres’, em razao da nao inclusao das mulheres no

corpo eleitoral. Mais do que a exclusao, [...] e a nao-inclusao que

começou a ser questionada e se transformou em luta politica

parlamentar e, sobretudo, intelectual (KARAWEJCZYK, 2012).

A conquista do voto feminino só veio com o Código Eleitoral de 1932. A Justiça

Eleitoral buscava assim ampliar o espectro de eleitores, como forma de garantir a

pacificação social através do voto, já que as antigas revoltas e motins ganhariam

novo espaço de disputa dentro do âmbito eleitoral.

8 CANEDO, Leticia Bicalho apud KARAWEJCZYK, Monica. Mulheres lutando por sua cidadania politica - um

estudo de caso: Diva Nolf Nazario e sua tentativa de alistamento em 1922. X ENCONTRO ESTADUAL DE HISTORIA. O Brasil no Sul: cruzando fronteiras entre o regional e o nacional. 26 a30 de julho de 2010. Santa Maria – RS. Universidade Federal de Santa Maria. Disponivel em: http://www.eeh2010.anpuh-rs.org.br/resources/anais/9/1279290254_ARQUIVO_MK- Mulhereslutandoporsuacidadaniapolitica.pdf. Acessado em 30 de abril de 2012.

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Além do voto feminino, o Código Eleitoral de 1932 trouxe importantes

inovações capazes de romper com a estrutura anterior. Foi a criada Justiça Eleitoral,

como órgão judicial especializado, responsável por todo o processo eleitoral, desde

o alistamento até a proclamação dos eleitos. Houve a organização dos órgãos

constituintes da Justiça Eleitoral (Tribunal Superior, Tribunais Regionais e Juízes

Eleitorais), bem como a regulamentação sancionatória para as fraudes eleitorais.

Estabeleceu-se, ainda, o sufrágio universal direto e o sistema de representação

proporcional misto.

O Código Eleitoral de 1932 regulamentou as eleições de 1933 e 1934, sendo

substituído pelo Segundo Código Eleitoral Brasileiro, em 1935, que introduziu a

figura do Ministério Público Eleitoral.

Com o apoio de setores conservadores, Vargas estabeleceu a “Nova Ordem”

do país, outorgando a Constituição de 1937. Extinguiu a Justiça Eleitoral, aboliu os

partidos políticos, estabeleceu um sistema de eleições indiretas para a Presidência,

e o Brasil passou por uma década sem que houvesse eleição. A Justiça Eleitoral só

foi restabelecida em 1945, por meio do Decreto n. 7.568 de 28 de maio de 1945.

É possível perceber, durante o hiato eleitoral de uma década, um

deslocamento no eixo da relação cidadão-eleitor para o eixo cidadão-trabalhador.

Durante o período, a ideia de ser cidadão era estritamente ligada à participação no

mundo laboral. Assim, ser cidadão era participar da vida econômica do país, através

do trabalho e da geração de riqueza, fortalecendo o Estado e engrandecendo a

nação.

2.1.5 Partidos Nacionais e das Campanhas Eleitorais (1945 – 1964)

Com a deposição de Getúlio Vargas e queda do Estado Novo, a Justiça

eleitoral é restabelecida definitivamente, por meio da Lei Agamemon (Código

Eleitoral de 1945). O novo Código orientava as eleições para a Assembleia

Constituinte de 1945 e para as eleições diretas de todos os cargos, nos três níveis

do governo.

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19

Em termos inovadores, Código Eleitoral de 1945 trouxe a obrigatoriedade de

filiação partidária por parte dos candidatos, além de ampliar novamente o espectro

eleitoral, ao reduzir a idade mínima de 21 para 18 anos. A promulgação da

Constituição de 1946 veio ratificar a Justiça Eleitoral como órgão do Poder Judiciário

e vedou que um mesmo candidato concorresse por mais de um Estado. Em 1950,

foi elaborado um novo Código Eleitoral, que durou até 1964. Entre os pontos de

destaque, estabeleceu o alistamento obrigatório para todos cidadão maior de 18

anos.

A obrigatoriedade de filiação partidária para o lançamento das candidaturas

gerou um explosão no número de partidos políticos. A relação entre os partidos

políticos, que precisavam dos votos, e dos eleitores, agora obrigados a votar, torna-

se intensa. Era necessário estabelecer uma popularidade Eleitoral, a fim de se

manter no poder, o que propiciou o surgimento de novas formar de interação com a

população e o aumento da preocupação do candidato com sua imagem.

Notou-se, por conseguinte, o surgimento e o fortalecimento de partidos

políticos nacionais, com bases ideológicas sólidas e capazes de aglutinar parcelas

da população em torno dos projetos políticos de cada grupo.

2.1.6 A Ditadura (1964-1985)

O Golpe de 1964 instaurou um período de 21 anos de regime militar no Brasil.

Apesar de ter fundamentado seu discurso na defesa da democracia, não tardou para

que a ditadura se tornasse evidente. Após o golpe, várias perseguições

aconteceram, a exemplo de membros da UNE, do Comando Geral dos

Trabalhadores (CGT) e da Liga dos Camponeses.

Além das perseguições políticas, houve a extinção de partidos políticos,

sindicatos, prisões e até exílio de seus líderes e representantes. Não apenas isso,

ficou evidente a expansão de direitos sociais, no entanto os direitos civis e políticos

foram duramente restringidos.

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Os Atos Institucionais, instrumentos usados para garantir certo aspecto

legítimo-legal aos atos praticados pelo governo, tiveram influencia direta no sistema

eleitoral, uma vez que eles determinavam se haveriam ou não eleições no país.

Assim, o Poder Executivo ganhou poder de sobremaneira a suplantar os demais,

podendo inclusive decretar o recesso parlamentar, como aconteceu

corriqueiramente.

Ápice do regime é a entrada do Ato Institucional n. 5. Com ele, o Presidente

poderia decretar o recesso parlamentar, de modo que este só voltaria a funcionar

quando convocado pelo Chefe do Executivo. Manteve a possibilidade de cassar

direitos políticos e mandatos por até dez anos, além de restringir outros direitos,

como a possiblidade de uma liberdade vigiada, proibição para frequentar

determinados locais e mandar domicílio que fosse conhecido pelas autoridades.

As eleições no período do Regime Militar foram direitas e indiretas e serviam,

basicamente, para legitimar as decisões tomadas pelo governo, pelo menos

formalmente, e servir como um tipo de laboratório eleitoral, onde a população

exerceria o direito de voto, mas de maneira controlada. Tal controle se deve pela

ideia que permeava o pensamento político do país, na qual a cidadania precisava

ser ensinada a população, pois esta não estava preparada para o seu exercício.

Diante da extinção dos partidos políticos e com a finalidade de realizar o

experimento, estabeleceu-se o bipartidarismo no país, por meio do Movimento

Democrático Brasileiro (MDB), como partido de oposição, e a Aliança Renovadora

Nacional (Arena), representando os militares. Apesar da aparente existência

democrática, era evidente a existência de grandes dificuldades para que o MDB se

firmasse como real oposição ao regime.

2.1.7 O Retorno democrático e o voto eletrônico (1986 – dias atuais)

O término do Regime Militar trouxe as eleições diretas para a Presidência da

República ao cenário político novamente. A partir daí, a comunicação social entre os

Partidos Políticos e a sociedade ganhou novo fôlego, transpassando por inúmeros

meios de comunicação. Os debates televisionados ganharam destaque como

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maneira de expressar as ideias e projetos que cada candidato possui, além de criar

um ambiente capaz de confrontá-los com os anseios da sociedade.

As campanhas passaram receber vultuosos recursos financeiros, o que deu

aos candidatos a possibilidade de criar outros canais de comunicação, como a

panfletagem, os comícios mais elaborados e toda uma sorte de facilidades que o

dinheiro pode proporcionar.

Nesse contexto, a Constituição Federal de 1988 trouxe novos avanços sociais,

ao ampliar o espectro Eleitoral, pois permitiu o voto do analfabeto e reduziu a idade

eleitoral para 16 anos. Passou também a considerar os Partidos Políticos como

pessoas jurídicas de direito privado, com autonomia de auto-regulamentação e

autogestão.

Após as eleições do Presidente Collor e seu processo de impeachment, o tema

das doações às campanhas eleitorais ganhou destaque. Em decorrência dos

inúmeros questionamentos sobre doações ilegais que orbitaram a campanha do

então eleito presidente, a vedação que havia às empresas privadas para doarem

recursos foi afastada em 1993, com o objetivo de tornar o processo de arrecadação

financeira mais transparente e regulamentado. Além disso, apesar de insuficientes, o

Fundo Partidário passou a receber mais recursos, com o objetivo de permitir à

Justiça Eleitoral um maior controle na fiscalização do processo eleitoral.

Sobre os anos mais recentes, Agra9 aponta:

É necessário recordar que nesse período ocorreu um

conhecido caso de fraude a partir de bônus eleitorais nas

eleições de 1994, com o candidato a presidência do PL

(Partido Liberal), Flávio Rocha. Os bônus funcionavam como

recibos. Os partidos deveriam entregavam um comprovante

aos doadores de recursos no valor das suas doações. Naquele

ano, o PL solicitou R$ 177 milhões à Casa da Moeda,

9AGRA, Walber de Moura. Financiamento eleitoral no Brasil. Disponível em:

<https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/150/edicao-1/financiamento-eleitoral-no-brasil> Acesso em:

02.08.2017

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responsável pela emissão, constituindo-se como um dos

partidos mais importantes.

A fraude ocorria quando o partido vendia um lote de um

determinado valor e recebia outro valor do doador. No caso da

reportagem da Folha, o partido que vendeu um lote de R$ 140

mil em bônus e recebeu apenas R$ 70 mil em dinheiro. Para

conseguir prestar contas deveria ter mais R$ 70 mil em notas

fiscais “frias” e justificar a saida do total de bonus ao TSE

(Tribunal Superior Eleitoral).

No entanto, esse foi um período de claras mudanças

com a criação, na década de 1990, da Lei Complementar

64/1990 (Lei de Inelegibilidade), da Lei 9.096/1995 (Lei dos

Partidos Políticos) e da Lei 9.504/1997 (Lei das Eleições).

Em 2010, foi editada a Lei Complementar 135 (Lei da

Ficha Limpa), oriunda de iniciativa popular, acrescentando

novos casos de inelegibilidade infraconstitucionais e

aumentando o seu lapso temporal, angariando o escopo de

trazer maior probidade e moralidade administrativa ao cenário

político brasileiro. Além do que, em regra, a cada nova eleição

é criada uma minirreforma eleitoral que modifica a legislação

eleitoral.

Em 2015 entra em vigor uma nova restrição com

relação às doações feitas por pessoas jurídicas aos candidatos

e partidos políticos, tema discutido pelo Supremo Tribunal

Federal na ADI 4650.

Com um cenário sem a participação do empresariado, o setor Político do país

encontra-se em intensos debates, a fim de estabelecer novas formas de incrementar

as lacunas deixadas pelo julgado de ADI 4.650. Várias alternativas estão sendo

discutidas, seja como uma forma de legislar sobre a possibilidade das empresas

atuarem de forma expressa, seja por alternativas ao fundo partidário ou a novos

fundos eleitorais, conforme abordado em ponto específico neste trabalho.

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2.2 Financiamento de campanha eleitoral em direito comparativo: os modelos

norte-americano e francês

Com o objetivo de melhor avaliar o modelo adotado pelo Brasil, é importante

observar como outros países conduzem seus financiamentos de campanha. No

presente trabalho, buscou-se informações sobre os modelos norte-americano e

francês, por serem nações de forte tradição democrática e republicana.

Importante destacar que o comparativo com os Estados Unidos da América é mais

bem concebido, quando atrelado às eleições federais, visto que as campanhas

estaduais e municipais seguem regras próprias e a variação seria infindável.

O modelo norte-americano de financiamento de campanha para as eleições

federais é modelo dual, com predominância de capital privado. Tal distinção é

resultado da possibilidade do candidato escolher entre um perfil de financiamento,

seja ele público, seja ele privado, atendendo a determinados critérios.

Para os candidatos que adotam o financiamento público, há um limite imposto pela

legislação, para que seja respeitado um teto de gasto, impedindo o candidato de

arrecadar recursos, através de doações, depois de receber o valor do Fundo

Eleitoral, além de estarem sujeitos a limite de gastos mais árduo, inclusive para

recursos pessoais. Essa limitação de gastos tem sido o fator determinado no uso

incipiente do financiamento público das campanhas eleitorais. O declino pela opção

pública ficou evidente nas eleições de 2016, em que apenas um único pré-candidato

à presidência, o democrata Martin O'Malley, decidiu recorrer ao Fundo10.

Em contrapartida, o financiamento privado das campanhas eleitorais norte-

americana é fiscalizado por uma agência reguladora independente, a Comissão

Eleitoral Federal (Federal Election Comission – FEC). Assim, o financiamento

particular provém de fontes individuais (pessoas que colaboram com pequenas

quantias mensais, de até U$ 200,00 por ano), de grandes doadores individuais (que

injetam mais de U$200 anuais), dos comitês de ação política, conhecidos como

PACs, de grupos cívicos, como também de autofinanciamento, quando o candidato

utiliza recursos próprios.

10

Carta Capital. Disponível em : <https://www.cartacapital.com.br/politica/o-financiamento-publico-de-

campanhas-pelo-mundo>. Acesso em 10.09.2017

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Existem três caminhos mais comuns para a doação nos EUA. O primeiro deles

envolve as Contribuições. As Contribuições são classificadas como tudo aquilo que

tenha valor e tenha o propósito de influenciar as eleições. Desse modo, consideram-

se Contribuições as doações de dinheiro, bens e/ou serviços, incluindo descontos

que fujam da rota normal dos negócios. As contribuições estão sujeitas aos limites

estabelecidos pelo FEC, quanto à fonte e ao volume doado, sendo indispensável a

transparência pública dos mesmos.

Se um particular doar mais de U$200 por ano, o FEC irá tornar seus dados

(nome, endereço, ocupação e empregador) públicos. A legislação proíbe a

contribuição de algumas figuras, como as corporações e organizações de trabalhos,

empresas contratantes com o Governo Federal dos EUA, além de Nações

Estrangeiras.

Como exceção da atividade corporativa, é permitido a elas formarem os PACs,

Comitês de Ação Política, os quais são organizações que se destinam a levantar

recursos para as disputas eleitorais. Para aqueles que integram as empresas

contratantes com o Governo, as doações empresarias não são permitidas, no

entanto as individuais, desde que respeitados os limites anteriormente apontados,

são viáveis. A vedação referente às Nações Estrangeiras engloba todos aqueles que

não possuem passaporte ou Green Card, a fim de assegurar que não haja interferia

Candidate

committee

PAC† (SSF and

nonconnected)

Party

committee:

state/district/lo

cal

Party

committee:

national

Additional

national party

committee

accounts‡

Individual$2,700* per

election$5,000 per year

$10,000 per

year

(combined)

$33,900*

per year

$101,700* per

account, per year

Candidate committee$2,000 per

election$5,000 per year

Unlimited

transfers

Unlimited

transfers

PAC: multicandidate$5,000 per

election$5,000 per year

$5,000 per year

(combined)

$15,000 per

year

$45,000 per

account, per year

PAC: nonmulticandidate$2,700* per

election$5,000 per year

$10,000 per

year

(combined)

$33,900*

per year

$101,700* per

account, per year

Party committee: state/district/local$5,000 per

election$5,000 per year

Unlimited

transfers

Unlimited

transfers

Party committee: national$5,000 per

election**$5,000 per year

Unlimited

transfers

Unlimited

transfers

Fonte: Federal Election Comission. < https://www.fec.gov/help-candidates-and-committees/candidate-taking-

receipts/contribution-limits-candidates/ > Acesso em 11/08/2017

Recipient

Donor

Limites de Contribuições para as Eleições Federais 2017–2018

* Indexed for inflation in odd-numbered years.

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externa, quanto à soberania dos EUA. Por fim, é proibida a realização de

contribuição em nome de terceiros, como também o reembolso de contribuições.

O segundo caminho decorre das Despesas Independentes. Estas, em sentido

contrário às Contribuições, não possuem um teto de gastos, nem há vedação à

participação das Corporações, que podem realizar gastos independentes, através de

pagamentos relativos à comunicação, propaganda, desde que expressem o

posicionamento da Organização, independente de vínculo ao candidato, sendo

obrigatória a identificação de quem está fazendo a Despesa Independente.

Se um particular decidir realizar Despesas Independentes, há um limite para que o

valor seja divulgado à FEC. Não se trata de um teto aos gastos, mas apenas de uma

maneira de manter a transparência das eleições, com a divulgação de dados

relevantes. Para doações de U$250 ou mais, há um formulário específico para a

declaração, a qual deve ser feita em datas preestabelecidas no calendário eleitoral.

Nas doações de U$10.000 ou mais, com até 20 dias para as eleições, a informação

deve ser repassada à FEC em até 48 horas. Já nas doações de U$1.000 dólares ou

mais, a partir do vigésimo dia anterior às eleições, a divulgação precisa ser

repassada à FEC em ate 24 horas.

Por fim, o terceiro está relacionado às Atividades Voluntárias, sobre as quais a lei

permite que agentes individuais realizem serviços voluntários a candidatos e

partidos políticos, nas campanhas federais, sem que isso represente uma

Contribuição. Nesse aspecto, encontram-se as atividades de serviço pessoal, desde

que não haja nenhum tipo de contraprestação pelo serviço; de recepção de evento

em casa, desde que estes respeitem o limite de gasto de U$1.000 em comidas,

bebidas e convites; e de uso de instalações corporativas e sindicais, desde que não

haja interferência no trabalho do agente individual ou da Organização e não

superem a duração de uma hora semanal, ou de quatro horas mensais.

Fica evidente, por conseguinte, que o modelo de financiamento de campanha

eleitoral norte-americano é dual, por permitir a escolha entre o financiamento público

ou privado das campanhas eleitorais. Fica evidente, inclusive, a predominância da

esfera privada de financiamento.

O modelo de financiamento francês, o segundo observado neste trabalho,

reflete um posicionamento diferente. Apesar de ser um modelo misto, a França

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apresenta uma adaptação peculiar de financiamento. O perfil público adota é

basicamente realizado por meio de reembolso de valores, após o termino da

campanha.

Nas disputas presidenciais, por exemplo, o repasse de recurso é feito

proporcionalmente ao número de votos da circunscrição conquistados. Assim,

aqueles que conseguem acima de 5% dos votos da circunscrição (com mais de 9 mil

habitantes) podem pleitear até 47,5% do limite estabelecido para as despesas11.

Além disso, os candidatos não podem receber mais do que gastaram e,

independente do resultado do certame eleitora, todos eles têm direito ao reembolso

de um valor de 4,75% dos gastos definidos em lei.

Nas campanhas presidenciais, o limite de gastos no primeiro turno era de 13,7

milhões de euros. Para o caso de segundo turno, o valor aumenta em mais 4,6

milhões de euros, totalizando um perfil (para os dois turnos) de 18,3 milhões de

euros.

Ao analisar a perspectiva privada de financiamento de campanha francês,

desde 1995 as pessoas jurídicas, incluídos os sindicatos, não podem realizar

contribuições financeiras seja para a campanha eleitora, seja para a manutenção

financeira de um partido politico. Reforça-se, assim, a ideia de controle do poder

11

Art. L-52-11, do Capítulo V do Código Eleitoral:

(Loi nº 90-55 du 15 janvier 1990 art. 1 Journal Officiel du 16 janvier 1990 en vigueur le 1er septembre 1990) (Loi nº 91-428 du 13 mai 1991 art. 9 Journal Officiel du 14 mai 1991) (Loi nº 93-122 du 29 janvier 1993 art. 9 Journal Officiel du 30 janvier 1993) (Loi nº 95-65 du 19 janvier 1995 art. 5 Journal Officiel du 21 janvier 1995) (Ordonnance nº 2000-916 du 19 septembre 2000 annexe Journal Officiel du 22 septembre 2000 en vigueur le 1er janvier 2002)

Pour les élections auxquelles l'article L. 52-4 est applicable, il est institué un plafond des dépenses électorales, autres que les dépenses de propagande directement prises en charge par l'Etat, exposées par chaque candidat ou chaque liste de candidats, ou pour leur compte, au cours de la période mentionnée au même article.

(···)

Le plafond des dépenses pour l'élection des députés est de 38 000 euros par candidat. Il est majoré de 0,15 euro par habitant de la circonscription.[6]

(···)

Ces plafonds sont actualisés tous les trois ans par décret, en fonction de l'indice du coût de la vie de l'Institut national de la statistique et des études économiques.

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econômico sobre o resultado dos certames eleitorais, a fim de assegurar a fiel

representatividade democrática do resultado eleitoral.

Desse modo, o financiamento privado adota basicamente o segmento de

doações por pessoas físicas12. Há, inclusive, um limite máximo global para doações

por pessoa, no valor de 4.600 euros, atualizado monetariamente a cada eleição. Tal

limite torna-se global, porque se trata de um limite que independe de quantos

candidatos o cidadão deseje beneficiar.

3. O MODELO BRASILEIRO DE FINANCIAMENTO ELEITORAL

A atuação do poder econômico na esfera política de um país desperta

preocupação social, quando o assunto em pauta versa sobre a forma e as fontes de

custeio para os pleitos eleitorais.

No caso brasileiro, o modelo de financiamento de campanha eleitoral adotado é

o misto. A Constituição Federal de 1988, antes da Emenda Constitucional nº 97 de

2017, previa em seu art. 17, §3º, o resguardo ao regime democrático e a isonomia,

12

Segundo o art. L-52-8 do Capítulo V do Código Eleitoral:

(Loi nº 90-55 du 15 janvier 1990 art. 1 Journal Officiel du 16 janvier 1990 en vigueur le 1er septembre 1990) (Loi nº 93-122 du 29 janvier 1993 art. 9 I Journal Officiel du 30 janvier 1993) (Loi nº 95-65 du 19 janvier 1995 art. 4 I II III Journal Officiel du 21 janvier 1995) (Ordonnance nº 2000-916 du 19 septembre 2000 annexe II Journal Officiel du 22 septembre 2000 en vigueur le 1er janvier 2002) (Loi nº 2005-1719 du 30 décembre 2005 art. 5 II finances pour 2006 Journal Officiel du 31 décembre 2005)

Les dons consentis par une personne physique dûment identifiée pour le financement de la campagne d'un ou plusieurs candidats lors des mêmes élections ne peuvent excéder 4 600 euros.

Les personnes morales, à l'exception des partis ou groupements politiques, ne peuvent participer au financement de la campagne électorale d'un candidat, ni en lui consentant des dons sous quelque forme que ce soit, ni en lui fournissant des biens, services ou autres avantages directs ou indirects à des prix inférieurs à ceux qui sont habituellement pratiqués.

Tout don de plus de 150 euros consenti à un candidat en vue de sa campagne doit être versé par chèque, virement, prélèvement automatique ou carte bancaire.

Le montant global des dons en espèces faits au candidat ne peut excéder 20 % du montant des dépenses autorisées lorsque ce montant est égal ou supérieur à 15 000 euros en application de l'article L. 52-11.

Aucun candidat ne peut recevoir, directement ou indirectement, pour quelque dépense que ce soit, des contributions ou aides matérielles d'un Etat étranger ou d'une personne morale de droit étranger.

Par dérogation au premier alinéa de l'article L. 52-1, les candidats ou les listes de candidats peuvent recourir à la publicité par voie de presse pour solliciter les dons autorisés par le présent article. La publicité ne peut contenir d'autres mentions que celles propres à permettre le versement du don.

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ao dispor que os partidos políticos possuíam direito aos recursos do fundo partidário,

no entanto tal recursos não era suficiente sequer para manutenção estrutural básica

das agremiações. Em contrapartida, conforme apontado na primeira parte deste

trabalho, o financiamento privado torna sobressalente o poderio econômico,

fomentando a desigualdade nos disputas eleitorais.

Nesse sentido, nota-se que todos os sistemas de financiamento de campanha

eleitoral idealizam uma disputa igualitária, evitando que tais desequilíbrios

aconteçam. Porém, a verdade é que não existe sistema imune a fraude, a qual pode

variar de acordo com os interesses sociais, culturais e até mesmo do próprio

procedimento eleitoral, repleto de viciosas trocas de interesses.

Atentas ao cenário de possíveis corrupções, a Lei nº 9.504/1997 e a Resolução

nº 23.463/2015 estabelecem parâmetros para os candidatos, os partidos e as

coligações, com o objetivo de preservar a igualdade de armas nos pleitos eleitorais.

Faz-se mister apontar que, em decorrência da Lei nº 13.488 de 2017, algumas

mudanças importantes foram feitas, no cenário do financiamento de campanha, as

quais serão abordadas no decorrer deste capitulo.

Desse modo, a perspectiva pública do financiamento de campanha no Brasil,

em seu viés positivo, pauta-se nos valores do fundo partidário, através de valores

recolhidos pelo erário, decorrente de multas e penalidades pecuniárias eleitorais e

partidárias; de eventuais valores destinados por lei; de dotação orçamentária anual

especifica; e do horário obrigatório em emissoras de rádio e televisão, para a

propaganda eleitoral gratuita. Com a lei 13.488/2017, criou-se um novo Fundo

Eleitoral, com dinheiro público, a fim de suprir o fim das doações de empresas, que

foram proibidas pelo Supremo Tribunal Federal.

Estima-se que o valor do fundo chegue a R$ 1,7 Bilhão, distribuído da seguinte

maneira13:

2% igualmente entre todos os partidos;

35% entre os partidos com ao menos um deputado na Câmara;

13

ÚLTIMO SEGUNDO. <http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2017-10-08/eleicoes-reforma-

politica.html> Acesso em 26/10/2017.

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29

48% entre partidos na proporção do número de deputados na Câmara em

28 de agosto de 2017;

15% entre os partidos na proporção do número de senadores em 28 de

agosto de 2017.

Dentre outras mudanças importantes, a nova lei de 2017 estabeleceu uma

cláusula de desempenho para os partidos políticos, de modo que – para acessar

uma parcela do fundo partidário e ter um tempo de propaganda em emissoras de

rádio e televisão – os legendas precisaram de um desempenho eleitoral mínimo.

Nas eleições de 2018, por exemplo, o acesso a tais formas de financiamento

público somente será para os partidos que alcançarem ao menos 1,5% dos votos

válidos, distribuídos em, no mínimo, nove estados do país, com pelo menos 1% dos

votos em cada um deles. Uma alternativa de acesso seria para o caso da legenda

eleger ao menos nove deputados, distribuídos em um terço dos estados da

Federação.

Em contrapartida, é vedado que os candidatos e os partidos recebam direta ou

indiretamente qualquer tipo de benefício em dinheiro ou estimável em dinheiro de

entidades ou governos estrangeiros (incluídas as organizações sem fins lucrativos,

que recebam recursos do exterior), bem como de órgão da Administração Pública

direita ou indireta, ou ainda fundação que seja mantida com recursos públicos. A

proibição é estendida aos concessionários e permissionários de serviços públicos,

como também às entidades de classe ou sindical, além dos demais casos

apresentados pelo rol do art. 24 da Lei nº 9.504/1997:

Art. 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou

indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive

por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I - entidade ou governo estrangeiro;

II - órgão da administração pública direta e indireta ou fundação

mantida com recursos provenientes do Poder Público;

III - concessionário ou permissionário de serviço público;

IV - entidade de direito privado que receba, na condição de

beneficiária, contribuição compulsória em virtude de disposição legal;

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30

V - entidade de utilidade pública;

VI - entidade de classe ou sindical;

VII - pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do

exterior.

VIII - entidades beneficentes e religiosas;

IX - entidades esportivas;

X - organizações não-governamentais que recebam recursos

públicos;

XI - organizações da sociedade civil de interesse

público.

XII - (VETADO).

§ 1o Não se incluem nas vedações de que trata este artigo as

cooperativas cujos cooperados não sejam concessionários ou

permissionários de serviços públicos, desde que não estejam sendo

beneficiadas com recursos públicos, observado o disposto no art.

81.

§ 2o (VETADO).

§ 3o (VETADO).

§ 4o O partido ou candidato que receber recursos provenientes

de fontes vedadas ou de origem não identificada deverá proceder à

devolução dos valores recebidos ou, não sendo possível a

identificação da fonte, transferi-los para a conta única do Tesouro

Nacional.

Sob o enfoque do financiamento privado, os partidos políticos podem receber

doações financeiras feitas por pessoas físicas, não mais sendo admitido a doação

por pessoa jurídica ao pleito eleitoral, consequência do julgado da ADI nº4.650, sob

relatoria do Ministro Luiz Fux, na qual assentou a inconstitucionalidade das doações

feitas por pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, a partir de 2016.

Para aqueles que desejam fazer doações e contribuições privadas, existe um

limite de 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador durante

o ano que antecede a eleição. Ao TSE, cabe apurar o limite estipulado anualmente,

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31

no entanto a regra não se aplica às hipóteses de doação estimável em dinheiro

relativas à utilização de bens móveis e imóveis do doador, desde que não

ultrapassem o montante de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).

Em caso de descumprimento dos limites estabelecidos, o candidato poderá

responder por captação ilícita de gastos e arrecadação. Para o doador que

desrespeitar a limitação, a penalidade é de multa, fixada em 100% (cem por cento)

da quantia que excede o limite permitido.

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou

estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o

disposto nesta Lei.

§ 1o As doações e contribuições de que trata este artigo ficam

limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos

pelo doador no ano anterior à eleição.

I - (revogado);

II - (revogado).

§ 1o-A O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha

até o limite de gastos estabelecido nesta Lei para o cargo ao qual

concorre.

§ 2o As doações estimáveis em dinheiro a candidato específico,

comitê ou partido deverão ser feitas mediante recibo, assinado pelo

doador, exceto na hipótese prevista no § 6o do art. 28.

§ 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo

sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem

por cento) da quantia em excesso. (Redação dada pela

Lei nº 13.488, de 2017)

§ 4o As doações de recursos financeiros somente poderão ser

efetuadas na conta mencionada no art. 22 desta Lei por meio de:

I - cheques cruzados e nominais ou transferência eletrônica de

depósitos;

II - depósitos em espécie devidamente identificados até o limite

fixado no inciso I do § 1o deste artigo.

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32

III - mecanismo disponível em sítio do candidato, partido ou coligação

na internet, permitindo inclusive o uso de cartão de crédito, e que

deverá atender aos seguintes requisitos:

a) identificação do doador;

b) emissão obrigatória de recibo eleitoral para cada doação

realizada.

IV - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento

coletivo por meio de sítios na internet, aplicativos eletrônicos e outros

recursos similares, que deverão atender aos seguintes

requisitos: (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

a) cadastro prévio na Justiça Eleitoral, que estabelecerá

regulamentação para prestação de contas, fiscalização instantânea

das doações, contas intermediárias, se houver, e repasses aos

candidatos; (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

b) identificação obrigatória, com o nome completo e o número de

inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) de cada um dos

doadores e das quantias doadas; (Incluído pela Lei nº

13.488, de 2017)

c) disponibilização em sítio eletrônico de lista com identificação dos

doadores e das respectivas quantias doadas, a ser atualizada

instantaneamente a cada nova doação; (Incluído pela

Lei nº 13.488, de 2017)

d) emissão obrigatória de recibo para o doador, relativo a cada

doação realizada, sob a responsabilidade da entidade arrecadadora,

com envio imediato para a Justiça Eleitoral e para o candidato de

todas as informações relativas à doação; (Incluído pela

Lei nº 13.488, de 2017)

e) ampla ciência a candidatos e eleitores acerca das taxas

administrativas a serem cobradas pela realização do

serviço; (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

f) não incidência em quaisquer das hipóteses listadas no art. 24

desta Lei; (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

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g) observância do calendário eleitoral, especialmente no que diz

respeito ao início do período de arrecadação financeira, nos termos

dispostos no § 2o do art. 22-A desta Lei; (Incluído pela

Lei nº 13.488, de 2017)

h) observância dos dispositivos desta Lei relacionados à propaganda

na internet; (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

V - comercialização de bens e/ou serviços, ou promoção de eventos

de arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo

partido político. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

§ 4º-A Na prestação de contas das doações mencionadas no §

4o deste artigo, é dispensada a apresentação de recibo eleitoral, e

sua comprovação deverá ser realizada por meio de documento

bancário que identifique o CPF dos doadores. (Incluído

pela Lei nº 13.488, de 2017)

§ 4o-B As doações realizadas por meio das modalidades previstas

nos incisos III e IV do § 4o deste artigo devem ser informadas à

Justiça Eleitoral pelos candidatos e partidos no prazo previsto no

inciso I do § 4o do art. 28 desta Lei, contado a partir do momento em

que os recursos arrecadados forem depositados nas contas

bancárias dos candidatos, partidos ou

coligações. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

§ 5o Ficam vedadas quaisquer doações em dinheiro, bem como de

troféus, prêmios, ajudas de qualquer espécie feitas por candidato,

entre o registro e a eleição, a pessoas físicas ou jurídicas.

§ 6º Na hipótese de doações realizadas por meio das modalidades

previstas nos incisos III e IV do § 4o deste artigo, fraudes ou erros

cometidos pelo doador sem conhecimento dos candidatos, partidos

ou coligações não ensejarão a responsabilidade destes nem a

rejeição de suas contas eleitorais. (Redação dada pela

Lei nº 13.488, de 2017)

§ 7º O limite previsto no § 1o deste artigo não se aplica a doações

estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou

imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços

próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00

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(quarenta mil reais) por doador. (Redação dada pela

Lei nº 13.488, de 2017)

§ 8o Ficam autorizadas a participar das transações relativas às

modalidades de doações previstas nos incisos III e IV do § 4o deste

artigo todas as instituições que atendam, nos termos da lei e da

regulamentação expedida pelo Banco Central, aos critérios para

operar arranjos de pagamento. (Incluído pela Lei nº

13.488, de 2017)

§ 9o As instituições financeiras e de pagamento não poderão recusar

a utilização de cartões de débito e de crédito como meio de doações

eleitorais de pessoas físicas.

3.1. Financiamento privado de campanha eleitoral no Brasil: redução da

corrupção ou falácia política?

A viabilização financeira das campanhas eleitorais sempre despertou grandes

debates no Brasil. O papel das doações privadas, em especial o das empresas -

quando tal tipo de doação era permitida – era preponderante no desempenho de

uma candidatura.

Nesse sentido, a justificativa para afastar as doações empresariais ganhou

força, por ser o poder econômico capaz de afetar desigualmente o resultado dos

pleitos eleitorais. Assim, o presente tópico serve para uma análise sobre os impactos

que das doações feitas por pessoas jurídicas nas últimas eleições, em especial nas

Presidenciais, quando tal modalidade ainda era possível.

A disputa presidencial de 2014 entrou para a história brasileira, como uma das

Todos Eleitos

Vices e suplentes de

senador0 0 R$ 0,00

Presidente 11 1 R$ 880.309.718,12

Governador 166 27 R$ 1.450.866.663,18

Senador 172 27 R$ 282.335.884,65

Deputado Federal 6.175 513 R$ 1.168.886.633,60

Deputado Estadual 14.875 1.035 R$ 1.223.529.506,01

Deputado Distrital 978 24 R$ 34.920.289,12

Total 22.377 1.627 R$ 5.040.848.694,68

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Projeto Às Claras. Disponível em <

http://www.asclaras.org.br/@index.php?ano=2014 >. Acesso em 07/08/2017

Distribuição de receitas por cargoCargo

CandidatosReceitas

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mais concorridas. No perfil financeiro das campanhas, a injeção de valores foi

exacerbada, chegando a superar os R$ 800 milhões de reais no segundo turno para

Presidente. O crescimento foi vertiginoso e, em comparação às eleições de 2010, o

valor chegou a ser duas vezes maior. Acrescenta-se: se o comparativo foi feito com

as eleições de 2002, tem-se um aumento de dez vezes nos valores arrecadados14.

Tamanho grau de direcionamento financeiro gera desconfiança, quanto ao grau

de interesse da esfera econômica sobre a politica. Assim, o modelo adotado pelo

Brasil, até o julgamento da ADI 4.650, favorecia a aproximação não tão republicana

entre os agentes políticos e os empresários com interesses econômicos direitos

sobre a atuação estatal.

É nítida a tensão existente entre o dinheiro e a democracia, quando se trata de

campanha eleitoral. A possibilidade que o dinheiro tem de afetar a igualdade de

condições entre os candidatos pode levar a uma democracia distorcia, favorecendo

o surgimento de espaços privilegiados de acesso ao poder, é marcante. Nesse

contexto, o dinheiro torna-se uma das maiores ameaças ao regime democrático, já

que se eleger sem o acesso aos recursos privados é uma tarefa difícil, em um

quadro de eufemismo15.

De acordo com David Samuels16, existem três fatores que tornam caras as

eleições no Brasil. Em primeiro lugar, destaca-se o sistema eleitoral proporcional de

lista aberta, que estimula os candidatos a traçarem estratégias individualistas, já que

estão competindo com todos os demais candidatos, inclusive os da mesma legenda.

O segundo fator é a crescente competitividade dos pleitos eleitorais após a

redemocratização, fomentando um aumento dos gastos. Além disso, muitos partidos

promovem candidaturas fadadas ao fracasso, mas com o objetivo de agregar votos

14

FALCÃO, Joaquim (Org.). Reforma eleitoral no Brasil: legislação, democracia e internet em debate.

1. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015, p.101.

15 LETERME, Yves. Funding of political parties and election campaigns: a handbook on political

finance. International Institute for Democracy and Electoral Assistance, 2014, p. V. Disponível em: <https://www.idea.int/sites/default/files/publications/funding-of-political-parties-and-election-campaigns.pdf> Acesso em 20/10/2017.

16 SAMUELS, David. Financiamento de campanha e eleições no Brasil. In: BENEVIDES, Maria

Victoria; VANNUCHI, Paulo; KERCHE, Fábio (Orgs.). Reforma política e cidadania. São Paulo: Instituto da Cidadania, 2003, p.370.

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à legenda no sistema proporcional, bem como fortalecer a base na disputa do

Executivo.

O último fator apresentado pelo autor versa sobre a baixa capacidade de

construção programática e ideológica dos partidos. Essa deficiência termina por criar

campanhas voltadas a retratar a vida e a imagem do candidato, com a finalidade de

convencer o eleitorado sobre as ideias dele. Tal falta de agenda político-ideológica

dos partidos não simplifica, portanto, o trajeto eleitoral dos candidatos.

Com a facilidade para angariar recursos privados antes da proibição, formou-se

um espécie de consortismo entre os partidos políticos, acomodados com a

abundância de recursos, e o empresariado, estabelecendo seus canais de acesso

ao poder. Destarte, em pouco mais de uma década, o fluxo financeiro de doações

empresariais cresceu em dez vezes e a tendência era de aumento, se não fosse a

ADI nº 4.650.

Em consulta ao site AS CLARAS, é possível encontrar os dados referentes ao

investimentos/doações feitos por pessoas jurídicas. A consulta torna-se bastante

didática e reforma a determinação do resultado das campanhas eleitorais, em

virtude do montado que cada candidato, partido, e coligação recebeu:

Nome CGC Doações

Jbs S/A 02.916.265/0001-60 R$ 323.868.612,62

Construtora Andrade Gutierrez SA 17.262.213/0001-94 R$ 93.155.138,40

Construtora OAS S.A. 14.310.577/0001-04 R$ 81.971.389,23

Construtora Queiroz Galvao S A 33.412.792/0001-60 R$ 56.196.702,62

Cervejaria Petropolis S/A 73.410.326/0001-60 R$ 52.007.914,46

U T C Engenharia S/A 44.023.661/0001-08 R$ 49.060.759,80

Construtora Norberto Odebrecht S A 15.102.288/0001-82 R$ 38.354.792,50

Crbs S/A 56.228.356/0001-31 R$ 32.829.819,34

Banco Btg Pactual S.A. 30.306.294/0001-45 R$ 31.528.659,15

Bradesco Vida e Previdencia S.A. 51.990.695/0001-37 R$ 30.857.263,23

Doadores (Pessoas físicas e empresas) a Candiatos - 2014

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Projeto Às Claras. Disponível em <

http://www.asclaras.org.br/@index.php?ano=2014 >. Acesso em 07/08/2017

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Apesar do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais

serem fundamentais para a democracia, a injeção de capital privado sem

regulamentação gera desigualdade. Explica Kofi. A. Annan17 que,

The explosive growth in campaign expenditures fuels the perception

that wealth buys political. influence and threatens political equality. e

abuse of state resources by the ruling party to put itself in an

advantageous position also remains a problem in many countries. is

lack of a level playing field prohibits the equal participation and

representation of all citizens in democratic political processes.

(...)

There is clearly an urgent need to better control political finance.

Governments should regulate political donations and expenditures

effectively. is will require full transparency and disclosure of

donations, with penalties for non- compliance. Effective monitoring

and enforcement of regulations are also crucial.

A grande disponibilidade financeira coloca os candidatos em um patamar

confortável, de menor suscetibilidade às pressões sociais e pouco motivador para

17

LETERME, Yves. Funding of political parties and election campaigns: a handbook on political

finance. International Institute for Democracy and Electoral Assistance, 2014, p. III-IV. Disponível em: <https://www.idea.int/sites/default/files/publications/funding-of-political-parties-and-election-campaigns.pdf> Acesso em 20/10/2017.

Nome CGC Doações

Jbs S/A 02.916.265/0001-60 R$ 374.015.418,53

Construtora Andrade Gutierrez SA 17.262.213/0001-94 R$ 111.048.100,00

Construtora OAS S.A. 14.310.577/0001-04 R$ 91.819.244,00

Construtora Queiroz Galvao S A 33.412.792/0001-60 R$ 91.310.193,60

Construtora Norberto Odebrecht S A 15.102.288/0001-82 R$ 59.279.000,00

U T C Engenharia S/A 44.023.661/0001-08 R$ 48.141.671,00

Arcelormittal Brasil S.A. 17.469.701/0001-77 R$ 41.919.847,85

Crbs S/A 56.228.356/0001-31 R$ 39.846.841,96

Cervejaria Petropolis S/A 73.410.326/0001-60 R$ 36.661.484,12

Amil Assistencia Medica Internacional S.A. 29.309.127/0001-79 R$ 35.768.851,96

Doadores (pessoas físicas e empresas) a comitês e diretórios -2014

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Projeto Às Claras. Disponível em <

http://www.asclaras.org.br/@index.php?ano=2014 >. Acesso em 07/08/2017

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO · eleitoral, segue-se para a última parte, em que se desenvolve o atual modelo brasileiro, bem como as alterações decorrentes do julgamento

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observar a correspondência entre a atuação politica e as expectativas dos eleitores.

Isso porque a capacidade econômica tem uma relação direta com o sucesso na

campanha eleitoral, fato constatado em todos os estados e em relação a todos os

cargos:

Ao observar os conjunto de dados fornecido pelo Projeto Às Claras, é possível

perceber que as próprias doações empresarias apresentam um perfil de

concentração. A existência de pouco atores e a diversidade com que os volumes de

recursos são doados, sugere que as empresas não agiriam por preferência

ideológica, e sim por motivações similares aos investimentos financeiros.

Todos Eleitos Todos Eleitos Todos Eleitos Todos Eleitos

PSDB 978 160 160.385.993 56.279.200 R$ 997.244.707,56 R$ 351.656.126,51 R$ 6,22 R$ 6,25

PT 1.228 184 162.422.616 81.529.157 R$ 974.418.970,15 R$ 590.578.048,90 R$ 6,00 R$ 7,24

PMDB 1.119 219 69.937.589 28.418.766 R$ 795.395.208,80 R$ 280.275.302,75 R$ 11,37 R$ 9,86

PSB 1.189 103 54.603.898 19.987.131 R$ 348.402.026,07 R$ 101.612.551,95 R$ 6,38 R$ 5,08

PSD 620 113 22.036.982 14.692.678 R$ 228.035.244,10 R$ 120.072.223,05 R$ 10,35 R$ 8,17

PP 682 91 14.201.696 7.928.847 R$ 177.983.232,14 R$ 103.920.665,54 R$ 12,53 R$ 13,11

PR 731 81 12.469.820 7.043.024 R$ 146.381.587,49 R$ 78.983.538,65 R$ 11,74 R$ 11,21

DEM 576 69 13.635.070 7.242.017 R$ 146.353.387,69 R$ 89.905.411,05 R$ 10,73 R$ 12,41

PDT 941 86 12.669.083 8.823.954 R$ 134.023.329,08 R$ 76.441.436,01 R$ 10,58 R$ 8,66

PTB 849 66 11.102.372 5.931.307 R$ 130.831.452,38 R$ 61.619.683,71 R$ 11,78 R$ 10,39

SD 493 38 5.312.229 2.417.992 R$ 102.087.252,53 R$ 33.578.216,68 R$ 19,22 R$ 13,89

PROS 411 42 7.911.610 3.262.586 R$ 88.409.778,09 R$ 51.142.402,26 R$ 11,17 R$ 15,68

PC do B 779 36 7.110.274 3.856.174 R$ 79.894.082,54 R$ 34.128.842,99 R$ 11,24 R$ 8,85

PV 965 35 6.300.115 2.126.141 R$ 67.363.575,51 R$ 21.998.033,62 R$ 10,69 R$ 10,35

PSC 844 48 6.737.463 3.208.700 R$ 61.286.551,71 R$ 25.530.062,52 R$ 9,10 R$ 7,96

PPS 581 32 3.854.357 2.178.545 R$ 55.267.829,80 R$ 27.338.183,12 R$ 14,34 R$ 12,55

PRB 675 53 11.936.353 4.634.876 R$ 46.861.672,92 R$ 19.312.077,10 R$ 3,93 R$ 4,17

PSL 700 18 2.217.425 601.475 R$ 32.605.755,42 R$ 5.022.053,45 R$ 14,70 R$ 8,35

PT do B 688 16 1.933.464 549.634 R$ 25.953.639,50 R$ 9.014.143,37 R$ 13,42 R$ 16,40

PEN 807 17 2.158.817 794.020 R$ 22.188.774,35 R$ 6.207.320,60 R$ 10,28 R$ 7,82

PTN 554 22 2.185.297 1.047.232 R$ 20.917.528,44 R$ 10.163.920,88 R$ 9,57 R$ 9,71

PHS 853 16 2.110.001 571.526 R$ 20.592.480,61 R$ 6.442.761,48 R$ 9,76 R$ 11,27

PRP 793 15 1.905.284 400.385 R$ 19.975.558,21 R$ 5.061.185,94 R$ 10,48 R$ 12,64

PMN 479 11 1.257.165 417.413 R$ 17.935.349,99 R$ 7.518.190,07 R$ 14,27 R$ 18,01

PSDC 674 11 1.359.893 238.890 R$ 17.018.438,10 R$ 3.924.171,49 R$ 12,51 R$ 16,43

PTC 688 13 1.331.033 394.766 R$ 15.278.450,66 R$ 6.553.441,01 R$ 11,48 R$ 16,60

PRTB 608 11 1.690.976 299.777 R$ 12.777.452,76 R$ 3.555.988,40 R$ 7,56 R$ 11,86

PSOL 1.086 17 7.411.511 1.489.106 R$ 12.551.633,61 R$ 2.131.648,25 R$ 1,69 R$ 1,43

PCB 111 0 270.270 0 R$ 10.326.445,87 R$ 0,00 R$ 38,21 R$ -

PPL 402 4 557.040 83.925 R$ 8.045.475,74 R$ 985.677,06 R$ 14,44 R$ 11,74

PSTU 246 0 836.982 0 R$ 1.533.384,50 R$ 0,00 R$ 1,83 R$ -

PCO 27 0 54.507 0 R$ 43.440,47 R$ 0,00 R$ 0,80 R$ -

Total 22.377 1.627 609.907.185 266.449.244 R$ 4.817.983.696,79 R$ 2.134.673.308,41 R$ 7,90 R$ 8,01

Receita arrecada por Partido Político -2014

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Projeto Às Claras. Disponível em <

http://www.asclaras.org.br/@index.php?ano=2014 >. Acesso em 07/08/2017

PartidosCandidatos Votos Receitas* Receitas/Votos

* No caso de cargos majoritários são incluídas receitas de comitês e diretórios de coligações, descontadas de doações que tenham realizado. Não se incluem R$ -2.277.908,16 referentes a doações feitas a comitês de cargos proporcionais e a comitês de majoritários não associados a coligações.

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39

Nesse sentido, a pesquisa produzida pelo Kellogg Institute for International

Studies18 indicou uma relação de lucro exacerbado entre as empresas doadoras em

campanhas eleitorais, que chegava a um retorno de 850% do valor doado. Tal

retorno efetiva-se por meio de contrato celebrados com o Poder Público, sugerindo

que existam, em alguns casos, arranjos ilegais para contratações. Seria, portanto,

esse o ciclo de conveniência da relação entre doadores e candidatos.

A proibição das doações por pessoas jurídicas foi pleito da Ação Direta de

Inconstitucionalidade 4.650, proposta pela OAB e julgada em 2015. Em seu voto, o

ministro Marco Aurélio de Mello afirmou que19:

Em sintese, revelada a influencia do poder economico no processo

politico, os articulistas apontam que a disciplina juridica atual do

financiamento eleitoral transgride principios fundamentais da ordem

constitucional, os da democracia, da igualdade, da República e da

proporcionalidade – artigos 1o, cabeça e paragrafo único, 3o, incisos

I e IV, e 5o, cabeça, da Carta.

Partindo de identicas premissas teoricas, filosoficas e faticas,

entendo que importa em ofensa aos mencionados principios

constitucionais a disciplina legal a autorizar o financiamento eleitoral

e de partidos politicos por pessoas juridicas privadas. A participaçao

politica no Brasil, considerado o estagio atual de desigualdade de

forças socioeconomicas, apenas pode ser elevada, do ponto de vista

tanto quantitativo como qualitativo, se for limitada acentuadamente a

participaçao daqueles que buscam cooptar o processo eleitoral por

meio do “dinheiro”. A comunidade juridica nacional nao pode

acreditar no patrocinio desinteressado das pessoas juridicas, ao

contrario, deve evitar que a riqueza tenha o controle do processo

eleitoral em detrimento dos valores constitucionais compartilhados

pela sociedade. A pretensao formulada nesta açao mostra-se, a mais

nao poder, passo largo e indispensavel para colocar um fim no

18

BOAS, Taylor C.; HIDALGO, Daniel F.; RICHARDSON, Neal P. Spoils of victory: campaign donations and government contracts in Brazil. The Helen Kellog Institute for International Studies. Working paper # 329. Ago., 2011

19 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp?id=308746530&tipoApp=.pdf> Acessado em: 21/10/2017

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monopolio financeiro das empresas e grandes corporações sobre as

eleições e alcançar-se a equidade do processo eleitoral exigida pela

Constituiçao de 1988.

Seguindo a mesma postura20, a ministra Cármen Lúcia apontou para o artigo

1º, Paragrafo Unico da Constituiçao, em que “todo poder emana do povo, que o

exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da

Constituiçao”. Dessa maneira, em uma democracia representativa, o povo e quem,

de fato, exerce a cidadania. Salientou também a importância da igualdade de

oportunidades na campanha, além de atentar que a influência do poder econômico

modifica esse cenário. Apelou, ainda, para que seja feito o devido controle daquilo

que fosse decidido, a fim de resguardar a legalidade dos processos eleitorais.

Com o impedimento das pessoas jurídicas, quanto ao financiamento de

campanha eleitoral, duas alternativas sobressaíram, a fim de manter o aparato

eleitoral: a ampliação da participação dos recursos públicos para as campanhas; e a

transformação criativa dos meios de contribuição de pessoas físicas21. Nesse

sentido, a Lei 13.488/2017 criou um novo Fundo Especial de Financiamento de

Campanha, além do tradicional Fundo Partidário já existente, previsto na

Constituição Federal.

3.2. Minirreforma Eleitoral de 2017 e o financiamento de campanha

Em outubro de 2017, foram publicas as Leis nº 13.487/2017 e 13.488/2017, as

quais alteraram pontos da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97), da Lei dos Partidos

Políticos (Lei nº 9.096/95), e do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65).

Das alterações que influenciaram o financiamento de campanha eleitoral, é

possível destacar a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha

(FEFC), com previsão nos arts. 16-C e 16-D da Lei das eleições:

20

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=300015> Acessado em 21/10/2017.

21 FALCÃO, Joaquim (Org.). Reforma eleitoral no Brasil: legislação, democracia e internet em debate.

1. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015, p.111.

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41

Art. 16-C. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC)

é constituído por dotações orçamentárias da União em ano eleitoral,

em valor ao menos equivalente: (Incluído pela Lei nº

13.487, de 2017)

I - ao definido pelo Tribunal Superior Eleitoral, a cada eleição, com

base nos parâmetros definidos em lei; (Incluído pela Lei

nº 13.487, de 2017)

II - a 30% (trinta por cento) dos recursos da reserva específica de

que trata o inciso II do § 3o do art. 12 da Lei no 13.473, de 8 de

agosto de 2017. (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017)

§ 1o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017)

§ 2o O Tesouro Nacional depositará os recursos no Banco do Brasil,

em conta especial à disposição do Tribunal Superior Eleitoral, até o

primeiro dia útil do mês de junho do ano do

pleito. (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017)

§ 3o Nos quinze dias subsequentes ao depósito, o Tribunal Superior

Eleitoral: (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017)

I - divulgará o montante de recursos disponíveis no Fundo Eleitoral;

e (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017)

II - (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017)

§ 4o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017)

§ 5o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017)

§ 6o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017)

§ 7o Os recursos de que trata este artigo ficarão à disposição do

partido político somente após a definição de critérios para a sua

distribuição, os quais, aprovados pela maioria absoluta dos membros

do órgão de direção executiva nacional do partido, serão divulgados

publicamente. (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017)

§ 8o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017)

§ 9o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017)

§ 10. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017)

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42

§ 11. Os recursos provenientes do Fundo Especial de

Financiamento de Campanha que não forem utilizados nas

campanhas eleitorais deverão ser devolvidos ao Tesouro Nacional,

integralmente, no momento da apresentação da respectiva prestação

de contas. (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017)

§ 12. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017)

§ 13. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017)

§ 14. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017)

§ 15. O percentual dos recursos a que se refere o inciso II

do caput deste artigo poderá ser reduzido mediante compensação

decorrente do remanejamento, se existirem, de dotações em excesso

destinadas ao Poder Legislativo. (Incluído pela Lei nº

13.487, de 2017)

Art. 16-D. Os recursos do Fundo Especial de Financiamento de

Campanha (FEFC), para o primeiro turno das eleições, serão

distribuídos entre os partidos políticos, obedecidos os seguintes

critérios: (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

I - 2% (dois por cento), divididos igualitariamente entre todos os

partidos com estatutos registrados no Tribunal Superior

Eleitoral; (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

II - 35% (trinta e cinco por cento), divididos entre os partidos que

tenham pelo menos um representante na Câmara dos Deputados, na

proporção do percentual de votos por eles obtidos na última eleição

geral para a Câmara dos Deputados; (Incluído pela Lei nº

13.488, de 2017)

III - 48% (quarenta e oito por cento), divididos entre os partidos, na

proporção do número de representantes na Câmara dos Deputados,

consideradas as legendas dos titulares; (Incluído pela Lei

nº 13.488, de 2017)

IV - 15% (quinze por cento), divididos entre os partidos, na proporção

do número de representantes no Senado Federal, consideradas as

legendas dos titulares. (Incluído pela Lei nº 13.488, de

2017)

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43

§ 1o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

§ 2o Para que o candidato tenha acesso aos recursos do Fundo a

que se refere este artigo, deverá fazer requerimento por escrito ao

órgão partidário respectivo. (Incluído pela Lei nº 13.488,

de 2017)

Com as alterações, o Projeto de Lei Orçamentária de 2018 conterá reservas

específicas, com o objetivo de atender as programações decorrentes de emendas

de bancada Estadual de execução obrigatória, como também das despesas

necessárias para custear as campanhas eleitorais. Ademais, perece-se que, para as

eleições de 2018, a distribuição de recursos levará em conta o numero de

representantes titulares que cada partido possui na Câmara dos Deputados e no

Senado Federal, até 29 de agosto de 2017. Nas eleições subsequentes, a base será

calculada de acordo com o último dia da sessão legislativa imediatamente anterior

ao ano eleitoral.

Outro ponto importante diz respeito aos limites de gastos com campanhas

eleitorais. Os limites que anteriormente eram definidos pelo TSE, com base em

parâmetros legais, agora serão definidos por Lei, cabendo ao TSE apenas a

divulgação dos mesmos.

Para os pleitos presidenciais, o limite, em 2018, será de R$ 70 milhões por

candidato, no primeiro turno. Havendo segundo turno, o valor cairá para 50% do

limite do primeiro turno (R$ 35 milhões).

Já nas disputas para Governador de Estado, o limite de gasto, em 2018, será

definido de acordo com o número de eleitores de cada unidade da Federação

apurado no dia 31 de maio de 2018. Assim, os limites os seguintes:

I - nas unidades da Federação com até um milhão de eleitores: R$ 2,8

milhões;

II - nas unidades da Federação com mais de um milhão de eleitores e de até

dois milhões de eleitores: R$ 4,9 milhões;

III - nas unidades da Federação com mais de dois milhões de eleitores e de até

quatro milhões de eleitores: R$ 5,6 milhões;

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44

IV - nas unidades da Federação com mais de quatro milhões de eleitores e de

até dez milhões de eleitores: R$ 9,1 milhões;

V - nas unidades da Federação com mais de dez milhões de eleitores e de até

vinte milhões de eleitores: R$ 14 milhões;

VI - nas unidades da Federação com mais de vinte milhões de eleitores: R$ 21

milhões.

No caso de 2º turno, o limite de gastos de cada candidato será de 50% dos

limites acima apontados, seguindo o mesmo raciocínio do pleito presidencial.

Na disputa para o Senado Federal, tem-se um limite definido de acordo com o

número de eleitores de cada unidade da Federação apurado no dia 31 de maio de

2018. Os limites de gastos de campanha de cada candidato a Senador Federal

serão os seguintes:

I - nas unidades da Federação com até dois milhões de eleitores: R$ 2,5

milhões;

II - nas unidades da Federação com mais de dois milhões de eleitores e de até

quatro milhões de eleitores: R$ 3 milhões;

III - nas unidades da Federação com mais de quatro milhões de eleitores e de

até dez milhões de eleitores: R$ 3,5 milhões;

IV - nas unidades da Federação com mais de dez milhões de eleitores e de até

vinte milhões de eleitores: R$ 4,2 milhões;

V - nas unidades da Federação com mais de vinte milhões de eleitores: R$ 5,6

milhões.

Por fim, para as disputas dos cargos de Deputados, o limite em 2018 será de

R$ 2,5 milhões, para as campanhas dos candidatos à Deputado Federal; e de R$ 1

milhão para as campanhas à Deputado Estadual e Distrital.

Ponto importante, que envolve tais limites, é a possibilidade de transferência

dos valores excedentes para o partido do candidato, caso ele consiga arrecadar um

montante acima do limite legal, incluídas as doações de pessoas físicas e os

recursos públicos.

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Outra forma de arrecadar recursos para as campanhas é a chamada

Crowdfunding, como possibilidade de candidatos e partidos políticos angariarem

recursos por meio “vaquinhas virtuais”, através de páginas na internet. Tem-se,

portanto, uma forma de financiamento coletivo para as campanhas eleitorais, que

antes não era permitido.

Em consulta ao TSE, no ano de 2014, o então Deputado Federal Jean Wyllys

(PSOL-RJ), questionou a Corte Eleitoral sobre a possibilidade de tal financiamento.

Na ocasião, a resposta foi negativa, baseada no fato de que as arrecadações

nesses websites seriam concentradas em uma única pessoa, a qual repassaria as

doações ao candidato, figurando como doação única, sem que fosse possível a

individualização dos doadores.

A solução que viabilizou o Crowdfunding veio com a Lei nº 13.488, ao vincular

tais doações à identificação obrigatória, com nome completo e o número de

inscrição no Cadastro de Pessoas Física (CPF) de cada um dos doadores, bem

como as quantias doadas.

Fato relevante, quanto ao Crowdfunding, é a possibilidade de começar a

arrecadar a partir de 15 de maio do ano eleitoral, fase esta em que há apenas pré-

candidatos. Destarte, a liberação dos recursos fica condicionada ao registro da

candidatura, devendo as entidades arrecadadoras devolver os valores arrecadados

aos doadores, em caso de não efetivação do registro de determinada candidatura.

As alterações trazidas pela minirreforma eleitoral de 2017 apontam para fatores

de modernização, quanto aos mecanismos de participação individual dos eleitores.

Há novas possibilidades, para que o cidadão participe de maneira mais ativa no

pleito eleitoral, ao poder contribuir com a candidatura que lhe for mais adequada.

A crítica resta quanto ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha,

como mais uma fonte de financiamento público, que vai terminar direcionando

recursos, os quais deveriam ser utilizados em benefícios sociais, para suprir a falta

das verbas decorrentes das doações empresarias.

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3.3. O custo social do financiamento eleitoral público no modelo brasileiro e o

novo Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

Nas últimas décadas, as campanhas eleitorais encareceram de forma

exorbitante. A maior fonte de renda dos Partidos Políticos e dos candidatos era a

partir das doações feitas pelas empregadas privadas, com interesses e negócios

dentro do aparato estatal.

Com os recentes casos de corrupção, ficou evidente o tipo de relação

promiscua existente entre o poder econômico e o pode político, em que as trocas de

favores criavam uma espécie de ciclo “harmonico” de corrupçao. Basicamente,

existiam as doações para as campanhas, por parte do empresariado, ao passo que

a contratação com a Administração Pública seria a moeda de troca ofertada pelos

candidatos.

Nesse sentido, a pesquisa produzida pelo Kellogg Institute for International

Studies22 indicou uma relação de lucro exacerbado entre as empresas doadoras em

campanhas eleitorais, que chegava a um retorno de 850% do valor doado, nos 33

primeiros meses, após o investimento nas campanhas eleitorais.

A repercussão do tema terminou com o julgamento pelo STF da ADI 4.650,

ocasião em que ficou vedada a doação por parte das pessoas jurídicas. O resultado

foi sentido nas eleições de 2016, quando a arrecadação para os pleitos eleitorais

caiu pela metade, se comparada ao ano de 201223. Tamanho impacto estimulou os

partidos a reforçarem a necessidade de encher novamente o caixa eleitoral.

Como solução, o Congresso Nacional aprovou proposta que transfere, para o

Estado Brasileiro, boa parte da lacuna financeira deixada pela proibição de doações

empresariais. A proposta prevê a transferência de 30% do valor das emendas de

bancadas de deputados e senadores, para o Fundo Especial, no ano eleitoral.

Ademais, os valores das compensações fiscais, que antes eram destinados às

22

BOAS, Taylor C.; HIDALGO, Daniel F.; RICHARDSON, Neal P. Spoils of victory: campaign donations and government contracts in Brazil. The Helen Kellog Institute for International Studies. Working paper # 329. Ago., 2011

23 BBC. Entenda o novo fundo público para campanhas eleitorais aprovado na câmara. Disponível em: <

http://www.bbc.com/portuguese/brasil-41507850 > Acesso em 21/10/2017.

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emissoras de rádio e televisão, serão extintos e direcionados ao novo Fundo. Nesse

sentido, estima-se que o valor do FEFC para 2018 fique em torno de R$ 1,7 bilhão.

O FEFC já enfrenta forte desaprovação. O Partido Social Liberal (PSL) ajuizou

uma Ação Direita de Inconstitucionalidade contra o Fundo Especial, sob alegação de

que o Congresso Nacional criou uma fonte de financiamento de campanha eleitoral

por caminhos diversos, que não o da Emenda Constitucional, com claro objetivo de

burlar a Constituição.

Segundo matéria jornalística publicada pelo Estadão24:

Na petição, o PSL ainda destaca reportagem do Estado, que apontou

que o fundo provocará no Orçamento do ano que vem um

"rombo" de ao menos R$ 300 milhões.

Para o PSL, há o potencial risco de danos aos direitos sociais dos

cidadãos brasileiros, sobretudo nas áreas de saúde e educação, já

que 30% dos recursos das emendas serão destinados para custear

partidos e seus candidatos a partir do ano que vem.

Além do FEFC, o governo reservou quase R$ 900 milhões25 para o atual fundo

partidário, aquele previsto na Constituição Federal. O aumento do fundo partidário

foi de 8,5%, em um período que a inflação não chegou a 3%. Esse aumento

representa um montante de R$ 45 milhões, acima do teto de gasto, o que aponta

para uma necessidade de redirecionar o dinheiro de outras áreas, para suprir o

fundo.

Os valores direcionados para o fundo partidário foram retirados de áreas

essências da Administração Pública, a exemplo do fundo da segurança publica,

responsável pelo suprir os equipamentos e fomentar o treinamento de policiais, teve

um orçamento reduzido de R$ 506,3 milhões para R$ 170,4 milhões, um corte de

um terço do valor.

24

ESTADÃO. Rosa Weber será relatora de Ação do PSL contra fundo eleitoral bilionário. Disponível em: <

http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,psl-entra-com-acao-no-stf-contra-fundo-eleitoral-

bilionario,70002050005 > Acesso em 21/10/2017

25 JORNAL NACIONAL. Governo reserva quase R$ 900 milhões para fundo partidário. Disponível em:

<http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/09/governo-reserva-quase-r-900-milhoes-para-fundo-

partidario.html> Acesso em: 21/10/2017

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Outro setor fortemente afetado foi o de estradas e rodagem, já que o DNIT

sofreu um corte de 50% no orçamento, deixando uma previsão de R$ 9,7 bilhões

para R$ 4,8 bilhões.

Em termos de proporção, o Fundo Partidário vai passar a receber quase o

mesma verba destinada a toda a Controladoria-Geral da União, órgão responsável

pelo combate à corrupção, e quase o dobre do orçamento recebido pelo Ministério

do Esporte.

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CONCLUSÃO

A concretização do objetivo eleitoral gera dispêndio de recursos, sem os quais

as eleições seriam inconcebíveis. Para tal, precisa-se de um conjunto de regras que

disponha sobre a legitimidade, a lisura, o controle e a transparência das

arrecadações e dos gastos realizados nas campanhas eleitorais, a fim de viabilizar à

Justiça Eleitoral a manutenção de um sistema democrático coerente.

O financiamento exclusivamente público de campanha eleitoral é um modelo

em que as formas de financiamento decorrem exclusivamente das atividades

estatais, com recursos públicos oriundos das arrecadações tributárias. Em

contrapartida, no financiamento exclusivamente privado de campanha eleitoral, as

campanhas seriam financiadas integralmente por particulares, sejam eles pessoas

físicas, sejam pessoas jurídicas.

O modelo de financiamento misto de campanha eleitora, agrega pontos dos

dois modelos exclusivos, havendo recursos disponibilizados tanto pelo Estado, como

por agentes privados. Por se tratar de um modelo misto, existem inúmeras formas de

configurações e adaptações em cada caso concreto.

Em que pese uma conclusão prática dos modelos de financiamento de

campanha eleitoral, é importante evitar uma visão romântica sobre o tema, pois os

maiores problemas não decorrem necessariamente da origem do dinheiro. O ponto

crucial é a regulamentação adequada, a qual precisa impor rigorosamente a

transparência da origem e o do destino dos valores doados e gastos.

Ao observar o fluxo histórico do financiamento das campanhas eleitorais,

percebe-se o avanço do poder econômico sobre o poder político. Desde o período

do Brasil Colonial, há relatos de eleições como forma de acesso à Câmara

Municipal, as quais representavam um mecanismo de nobilitação para os colonos, a

fim de conquistarem privilégios e honras.

Durante a fase imperial, não há nenhum registro de financiamento público de

campanha, pois os critérios para exercício do voto e ocupação dos cargos seguia

uma escalada censitária dos graus que qualificavam as pessoas. A partir da Primeira

República, outros critérios, além do financeiro, passaram a caracterizar o

distanciamento entre a sociedade civil e a sociedade política, pois o voto tinha uma

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função de dever social. Nesse sentido, deveria ser exercido pelos membros que a

sociedade julgava capaz, excluindo os pobres, as mulheres, os menores de 21 anos

e os representantes do clero.

O cenário modifica com a Revolução de 1930, a qual transformou a vida social

do país. A criação da Justiça Eleitoral em 1932, a conquista do voto feminino, o fim

do voto coronelista, trouxe a concepção de cidadania atrelada à participação

político-econômica do país, através do trabalho, da geração de riqueza e do

fortalecimento do Estado-Nação. Como resultado, o período subsequente, entre

1945-1964, foi marcado pelo fortalecimento dos partidos políticos nacionais, de

grande força ideológica e com projetos políticos marcantes.

Com a ditadura militar, os partidos políticos foram extintos, lideranças foram

exiladas e os direitos civis e políticos foram duramente restringidos. O retorno

democrático trouxe novas eleições presidenciais e as campanhas passaram a

receber vultosos recursos financeiros, a fim viabilizar os canis de comunicação entre

os partidos políticos e a sociedade.

Depois do impeachment do Presidente Collor, o volume de doações às

campanhas recebeu especial atenção, pois inúmeras criticas surgiram a respeito dos

valores doados por empresas privadas. Anos de debate levaram ao ajuizamento e

julgamento da ADI 4.650, a qual vedou a participação de pessoas jurídicas.

A minirreforma eleitoral de 2017 trouxe modificações referentes ao fundo

partidário, além de criar um novo fundo especial de financiamento de campanha,

mas que é passível de criticas. No entanto, em linhas gerais, o modelo atual

representa uma boa alternativa para um processo democrático justo, porém carece

de regulamentação.

As comparações feitas entre os modelos adotados pelos EUA e pela França

revelam a mutabilidade dos modelos mistos de financiamento, aplicáveis a cada

caso real. As variações decorrem do perfil de cada sociedade e de como elas

concebem o processo eleitoral como justo e igualitário.

O combate à influência do pode econômico é tema recorrente, quanto ao

financiamento das campanhas eleitorais. Em que pese as recentes alterações

decorrentes do julgamento da ADI nº 4.650 e da aprovação da minirreforma eleitoral

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de 2017, ficou nítida a relação simbiótica que existia entre as doações empresariais

e os candidatos. Após a proibição das doações de empresas, os setor político traçou

manobras para recuperar as lacunas deixadas pela falta de “investimento” privado.

O aumento dos valores destinado ao Fundo Partidário e a criação de um Fundo

Especial para Financiamento de Campanha (FEFC) revela um fortalecimento do

perfil financiamento publico no modelo brasileiro, no entanto com fortes reflexos

sociais. Em meio a tantos escândalos de corrupção, a sociedade sente-se agredida,

ao ver recursos originariamente dos setores de segurança, saúde e infraestrutura,

sendo transferidos para o custeio das campanhas eleitorais.

Dos temas apontados neste trabalho, depreende-se que o impedimento de

doações empresariais tende a não gerar a idealizada aproximação entre os

candidatos e os cidadãos. O reforço financeiro que o setor politico está construindo

através dos Fundos com dinheiro público permitirá que a classe política continue

agindo em interesse próprio, sem enraizar ideias e projetos políticos junto à

sociedade.

O modelo adotado no Brasil, teoricamente, é coerente. Falta, por conseguinte,

que seja efetivamente implementado, pois mesmo as melhores regulamentações,

sem a devida efetivação, não surtem resultados.

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