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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CINCIAS JURDICAS
FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO R SUBSTITUDOS PELO EVIDO CONTEDO.
ARTUR OSMAR NOVAES BEZERRA CAVALCANTI
INCENTIVOS ESTATAIS AO DESENVOLVIMENTO ECONMICO: FORMAS
CONJUGADAS DE ATUAO ESTATAL E O PRINCPIO DA EFICINCIA
Dissertao de Mestrado
Recife-PE
2012
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CINCIAS JURDICAS
FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO R SUBSTITUDOS PELO EVIDO CONTEDO.
ARTUR OSMAR NOVAES BEZERRA CAVALCANTI
INCENTIVOS ESTATAIS AO DESENVOLVIMENTO ECONMICO: FORMAS
CONJUGADAS DE ATUAO ESTATAL E O PRINCPIO DA EFICINCIA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Direito da Faculdade de Direito
do Recife, Centro de Cincias Jurdicas da
Universidade Federal de Pernambuco, como
requisito parcial obteno do grau de Mestre,
na rea de concentrao Estado, Regulao e
Tributao Indutora.
rea de Concentrao: Estado, Regulao e
Tributao Indutora
Orientador: Prof. Dr. Marcos Antnio Rios da
Nbrega.
Recife-PE
2012
Catalogao na fonte Bibliotecria Eliane Ferreira Ribas CRB/4-832
C376i Cavalcanti, Artur Osmar Novaes Bezerra Incentivos estatais ao desenvolvimento econmico: formas conjugadas de
atuao estatal e o princpio da eficincia / Artur Osmar Novaes Bezerra Cavalcanti. Recife: O Autor, 2013.
117 folhas : quadro. Orientador: Marcos Antnio Rios da Nbrega. Dissertao (Mestrado) Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Direito,
2013. Inclui bibliografia. 1. Brasil - Poltica econmica. 2. Direito e economia. 3. Servios pblicos -
Regulao - Contratao - Brasil. 4. Desenvolvimento econmico. 5. Incentivos fiscais. 6. Direito - Aspectos econmicos. 7. Comrcio internacional. 8. Programa Minha Casa Minha Vida - Incentivos. 9. Plano Brasil Maior- Incentivos. 10. Direito constitucional - Brasil. 11. Impostos - Brasil. 12. Incentivos fiscais - Direitos fundamentais. 13. Brasil - STF - Incentivos. 14. Eficincia (Direito) - Brasil. I. Nbrega, Marcos Antnio Rios da (Orientador). II. Ttulo.
343.8107 CDD (22. ed.) UFPE (BSCCJ2013-011)
http://catalogos.bn.br/scripts/odwp032k.dll?t=bs&pr=livros_pr&db=livros&use=sh&disp=list&sort=off&ss=NEW&arg=direito|e|economiahttp://catalogos.bn.br/scripts/odwp032k.dll?t=bs&pr=livros_pr&db=livros&use=sh&disp=list&sort=off&ss=NEW&arg=direitohttp://catalogos.bn.br/scripts/odwp032k.dll?t=bs&pr=livros_pr&db=livros&use=sh&disp=list&sort=off&ss=NEW&arg=eficiencia|(direito)
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3
Aos meus avs.
4
AGRADECIMENTOS
minha esposa Juliana, por todo o amor e incentivo.
minha famlia, Francisco, Svia e Bruno, por todo o carinho e suporte.
Aos professores e funcionrios do Programa de Ps-Graduao em Direito da Universidade
Federal de Pernambuco.
Aos amigos que sempre incentivaram, apoiaram, torceram e contriburam para a realizao
deste trabalho.
A Themis e Gandalf, pela mais pura amizade.
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RESUMO
CAVALCANTI, Artur Osmar Novaes Bezerra. Incentivos estatais ao desenvolvimento
econmico: formas conjugadas de atuao estatal e o princpio da eficincia. 2012 115f.
Dissertao (Mestrado em Direito) Programa de Ps-Graduao em Direito, Centro de
Cincias Jurdicas / FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 2012
Aps a crise de 2008, percebeu-se, novamente, a relevncia do Estado como agente de
atuao na atividade econmica. A necessidade de uma regulao e atuao pblica, de forma
eventual, como produtor, ou, sobretudo, incentivando e induzindo a economia, fez-se sentir.
Um elemento fundamental nesse campo a conjugao dos estudos entre a economia e do
direito, por meio da chamada anlise econmica do direito (Law and Economics). Verifica-se,
ainda, e o que se tenta demonstrar, que a conjuno de variadas formas de induo
representa um ganho de eficincia, em relao a benefcios utilizados isoladamente. Para
demonstrar esse fato, trazido o exemplo do maior programa de incentivo setorial atualmente
existente no mbito federal, o chamado Programa Minha Casa Minha Vida. Alm dele,
tambm utilizado o Programa Brasil Maior, recentemente criado pelo governo federal.
Alm disso, procura-se destacar a necessidade de observncia dos parmetros constitucionais,
quando da concesso de incentivos, tendo como referncia os princpios constitucionais,
evitando-se a transformao de atividades indutoras em mecanismos para consolidao de
situaes de injustia e de privilgios em uma sociedade to desigual como a brasileira.
Examina-se a atividade incentivadora do Estado em suas vrias acepes, levando-se em
conta o princpio da eficincia, instrumental relevante para a necessria compatibilidade entre
a discricionariedade estatal, na concesso de state aids, com o dever de contribuir para a
formao das receitas estatais.
Palavras-chave: Direito. Anlise econmica do direito. Incentivos. Conjugao. Eficincia.
Dever de pagar tributos.
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ABSTRACT
CAVALCANTI, Artur Osmar Novaes Bezerra. State Benefits for Economics Development:
combinated forms of state action and the principle of effectiveness. 2012 115f. Dissertation
(Masters Degree of Law) - Programa de Ps-Graduao em Direito, Centro de Cincias
Jurdicas / FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 2012
After the 2008 crisis, the relevance of the State as an active agent regarding the economic
activity could once again noticed. The need for an effective regulation and occasional public
intervention, mainly to incentive and to induce the economy has arisen. A fundamental
element in this field is the linkage between studies of two areas, Law and Economics. It could
also be noticed - and the present study aims to reveal - that a combination of diverse
incentives represents a gain in effectiveness when compared to benefits given separately. To
demonstrate this, the largest existing sectional benefits program within the federal sphere,
Programa Minha Casa Minha Vida, has been given as an example. Another program recently
implemented by the federal government and named Programa Brasil Maior, has also been
used as an example. Besides that, this study aims to emphasize the need for observance
regarding constitutional parameters, as to the granting of benefits, using constitutional
principles as a reference point in order to avoid transforming incentives into mechanisms for
consolidating circumstances of injustice and privileges in a society as inequitable as that of
Brazil. The government's benefits activity has been examined in its various understandings,
taking into account the principle of effectiveness, relevant element for the necessary
compatibility of the state's discretion regarding grants of state benefits with the duty to
contribute to state income growth.
Keywords: Law, Economic Analysis of Law, benefits, conjunction, effectiveness, duty to pay
taxes
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LISTA DE ABREVIATURAS E DE SIGLAS
ADC Ao declaratria de constitucionalidade
ADI ou ADIN Ao direta de inconstitucionalidade
ADPF Arguio de descumprimento de preceito fundamental
ANAC Agncia Nacional da Aviao Civil
ANATEL Agncia Nacional de Telecomunicaes
ANTAQ Agncia Nacional de Transportes Aquavirios
ANEEL Agncia Nacional de Energia Eltrica
ANP Agncia Nacional de Petrleo, Gs e Biocombustveis.
ANVISA Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria
BACEN Banco Central do Brasil
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social
EMBRATUR Instituto Brasileiro do Turismo
IBDF Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
IDH ndice de Desenvolvimento Humano
MERCOSUL Mercado Comum do Sul
OCDE Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico
OMC Organizao Mundial do Comrcio
PGFN Procuradoria Geral da Fazenda Nacional
PMCMV Programa Minha Casa Minha Vida
RET Regime Especial de Tributao
RFB Receita Federal do Brasil
SUDAM Superintendncia de Desenvolvimento da Amaznia
SUDENE Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste
SUSEP Superintendncia de Seguros Privados
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justia
EU Unio Europeia
USTR United State Trade Representative
WTO World Trade Organization
8
SUMRIO
Introduo ................................................................................................................................. 10
I.2 Intervenes Estatais: breves consideraes ....................................................................... 19
I.3 O Ressurgimento das Ideias Keynesianas e a Modificao do Quadro Legal das
Intervenes Estatais ................................................................................................................ 23
I.4 As Regulaes Setoriais e a Crise do Estado Mnimo ........................................................ 25
II Formas de Interveno do Estado na Economia ................................................................... 28
II.1 O Papel do Estado e as Formas de Interveno Estatal na Economia ............................... 28
II.2 Legalidade e Regulao. .................................................................................................... 31
II.3 Regulao e Eficincia ....................................................................................................... 33
III A Teoria Dos Incentivos E Anlise Econmica Do Direito ................................................ 35
III.1 A interao Entre Direito e Economia. ............................................................................. 35
III.2 Intervenes Estatais na Economia da Crise e Ps-Crise ................................................. 38
III.3 Breve Referncia Teoria dos Incentivos ........................................................................ 39
III.4 Espcies de Instrumentos Incentivadores ......................................................................... 41
III.5 Limites e Crticas aos Mecanismos de Incentivos ............................................................ 43
III.6 Incentivos Como Despesa ................................................................................................ 45
III.7 A Anlise Econmica e os Incentivos. ............................................................................. 47
IV Consideraes Sobre as Formas Estatais de Induo .......................................................... 50
IV.1 Consideraes Iniciais ...................................................................................................... 50
IV.2 Elenco das Formas Estatais de Induo ........................................................................... 51
IV.3 State Aids e Comrcio Internacional de Bens e Servios ................................................. 54
IV.4 Algumas Formas de Proteo Estatal ao Comrcio Internacional ................................... 57
V Formas Combinadas de Induo. O Exemplo do Programa Minha Casa Minha Vida e do
plano Brasil Maior ................................................................................................................ 60
V.1 A Conjugao das Aes Estatais Indutoras ..................................................................... 60
V.2 A Conjugao de Incentivos no Programa Minha Casa Minha Vida ............................ 63
V.3 Regime Especial de Tributao Como Incentivo .............................................................. 72
V.4 Os incentivos Estatais no Plano Brasil Maior ................................................................ 76
VI Os Limites Constitucionais s Formas de Induo do Estado ...................................... 80
VI.1 A Distribuio da Carga Tributria e a Funo Social do Tributo ................................... 80
VI.2 Incentivos Fiscais e Eficincia ......................................................................................... 82
9
VI.3 A legitimidade do Incentivo como Despesa ..................................................................... 82
VI.4 Incentivos Fiscais e Direitos Fundamentais ..................................................................... 84
VI.5 Dificuldades de Concretizao de Alguns Direitos Fundamentais .................................. 87
VI.6 O Dever de Pagar Tributos ............................................................................................... 89
VI.7 O Papel Extrafiscal de Alguns Tributos ........................................................................... 90
VI.8 Incentivos Fiscais Estaduais e Guerra Fiscal ................................................................ 92
VI.9 O Supremo Tribunal Federal e o Controle dos Incentivos ............................................... 93
VI.10 Alguns Limites na Concesso de Benefcios Estatais .................................................... 93
VI.11 Espcies de Limites s Atividades Indutoras ................................................................. 99
Concluso ............................................................................................................................... 104
Referncias ............................................................................................................................ 107
10
Introduo
A tentativa de compreenso da complexa sociedade atual leva,
necessariamente, a uma srie de indagaes, sobretudo quando o intrprete e pesquisador se
depara com mecanismos que podem ser desenvolvidos para o aperfeioamento social e
econmico. Questiona-se, por exemplo, o que fazer para a reduo das desigualdades
regionais, que so to evidentes em um pas como o Brasil? A resoluo de questes como
essa influi positivamente em toda a sociedade, pois traz como consequncia a reduo dos
ndices de violncia, atenuao dos custos com sade e previdncia, dentre outros.
A busca pelos instrumentos de induo dever ser sempre precedida por uma
definio poltica dos objetivos almejados, que sero mais ou menos intensos, a depender da
viso da sociedade que se tenha e do ritmo que se pretenda impor s mudanas. Contudo,
pode-se afirmar que no h, nos dias de hoje, Estado no mundo que no interfira, s vezes de
forma mais ostensiva, s vezes de modo mais discreto, no reforo das ferramentas econmicas
existentes, no intuito de possibilitar uma evoluo das condies socioeconmicas de suas
populaes.
A crise que veio a tona em 2008, e persiste at hoje, alcanou com mais
intensidade pases da Europa Ocidental, sobretudo Grcia, Portugal, Itlia e Espanha. Porm
tambm foi bastante sentida nos demais, o que levou os Estados Unidos da Amrica grande
mudana de postura, no tocante relao entre Estado e economia, desfazendo, ao menos
parcialmente, a ideia da autoregulao unicamente pelo mercado, da desregulao, para
fazer ressurgir, com bastante intensidade, o pensamento de John Maynard Keynes.
As angstias da crise que se iniciou h mais de 5 anos tm hoje mais variantes
que no passado. No se pode esquecer, primeiramente, a maior abertura das economias, com
reduo das barreiras alfandegrias, por fora de vinculaes multilaterais, como as
decorrentes de obrigaes contradas no mbito da Organizao Mundial do Comrcio. O
dilema entre reduzir as despesas pblicas para evitar desequilbrios e a necessidade da
ampliao das desoneraes outro aspecto a se lembrar. Fala-se em abertura de economias
para ampliao de mercados, mas, mesmo assim, observa-se, nitidamente, a tentativa de
elevao das barreiras alfandegrias, medidas protecionistas como forma de garantia do nvel
de emprego e de produo de empresas situadas nos territrios nacionais. O Brasil, nos
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ltimos 12 meses, tem editado inmeras normas nessa linha, na esteira de vrios outros pases.
Pode-se lembrar, ainda, por exemplo, de algumas medidas protecionistas adotadas pela
Argentina que foram bastante noticiadas pela imprensa brasileira.
Por outro lado, contata-se que as intervenes estatais no podem ser intuitivas,
empricas, ao sabor de meros impulsos, sob pena de resultados desastrosos no futuro. No
Brasil, encontram-se vrios casos de intervenes realizadas sem um prvio e adequado
planejamento e, consequentemente, sem a perspectiva de efeitos futuros.
Podem-se lembrar, como exemplos dessas medidas intervencionistas
inoportunas, os congelamentos de preos de bens e servios impostos pelo Estado brasileiro
em 1986 e, novamente em 1989, com o chamado Plano Vero, que criou um novo padro
monetrio, o cruzado novo, inicialmente, com artificial paridade com o dlar americano,
alterao dos rendimentos das cadernetas de poupana (que gerou, nos dias de hoje, inmeras
demandas judiciais), chegando at a ocasionar desabastecimento.
Outro grande exemplo de interveno com planejamento inadequado foi o
chamado Plano Collor, que viria a ser desdobrado em Plano Collor I, Plano Collor II e
Plano Marclio (assim chamado em referncia ao Ministro da Fazenda Marclio Marques
Moreira, que substituiu Zlia Cardoso de Mello, em 10 de maio de 1991). Atribui-se, como
grande falha desses ltimos, as dificuldades decorrentes da forte queda na produo industrial,
comercial, bem como a reduo das despesas pblicas e a remonetizao da economia, ou
seja, a volta de liquidez aos mercados, com o risco de reacelerao da inflao, fato que
efetivamente viria a acontecer.
Tais fatos servem para demonstrar a importncia de uma interao, inclusive
no planejamento das aes do Estado, entre economia e direito. O preciso e adequado estudo
dos efeitos econmicos, os quais se pretende alcanar, os instrumentos jurdicos que sero
utilizados e os limites em virtude dos ditames constitucionais, a necessidade de adequao s
regras e princpios previstos na Carta Magna, bem como aos objetivos estabelecidos pelo
legislador constituinte, dos quais se destacam os princpios norteadores da Ordem Econmica,
presentes no art. 170 da CF/88.
Com base nessa perspectiva, procurou-se observar os recentes estudos na rea
da Law and Economics, que serviram como plataforma, para auxiliar no desenvolvimento do
presente trabalho.
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Posteriormente, durante o desenvolvimento desta dissertao, foi feito um
esboo das formas de interveno do Estado na economia, ou seja, das maneiras pelas quais o
Poder Pblico passa a ser um elemento ativo, ao impulsionar a atividade econmica, desde a
maneira mais direta, exercendo, ele prprio ou atravs de pessoas jurdicas sob o seu controle,
a atividade, devendo, sempre, lembrar que o nvel de exerccio direto depender da moldura
constitucional adotada em cada pas. No Brasil, com um modelo capitalista mitigado, tem-se a
presena estatal em reas em que o Texto Constitucional determina o monoplio, como a
atividade postal; em outras, a presena estatal se d em virtude de relevante interesse coletivo
ou segurana nacional, podendo-se citar, como exemplo desse ltimo caso, a Nuclebrs
Empresas Nucleares Brasileiras S/A.
Prev ainda, a Constituio Federal, em vrias outras reas, a possibilidade de
explorao de atividades de cunho econmico atribuveis ao Estado, atravs de concesses,
tradicionais ou parcerias pblico-privadas, permisses ou autorizaes (essas em pequena
escala), com o exerccio da atividade particular, ou por empresas estatais, estruturadas sob o
regime de direito privado.
Ao lado da atuao direta, o modelo brasileiro prev diversas formas de
interveno indireta. Os mecanismos de regulao e planejamento, com fundamento no art.
174 da Carta Magna, os instrumentos de induo, financeiros, tributrios, creditcios ou de
outras naturezas.
Deve-se destacar que as formas mais eficientes de induo so as que
conjugam diversas ferramentas de estmulos. Na atualidade, pode-se afirmar que no
possvel assegurar, com sucesso, estmulos a projetos de grande porte, setores da economia,
quando no se tem a utilizao de instrumentos de induo de forma conjugada. Neste
trabalho, foram selecionados projetos de desenvolvimento econmico-social do Governo
Federal, como o Programa Minha Casa Minha Vida, na tentativa de se comprovar esse fato.
Outro elemento fundamental no exame dos mecanismos de induo a
necessidade de se ter sempre como baliza que as desoneraes, os incentivos, possuem um
custo e representam uma reduo nas receitas pblicas, que so compensados com o
fortalecimento de receitas oriundas de outras fontes. Ou seja, a sociedade financia e custeia as
opes de incentivos, politicamente definidas pelo Estado. Necessrio, ento, que esse custo
adicional que se impe a todos, seja direcionado para alcanar a mxima efetividade no
cumprimento de regras e princpios constitucionais, sob pena de, em assim no se fazendo,
13
estar diante de uma flagrante inconstitucionalidade, um mascarado protecionismo a
determinados grupos, com a criao de privilgios odiosos e consequente violao ao dever
constitucional de contribuir para a formao da receita estatal na medida de capacidade de
cada um.
Este trabalho tambm possui como referncia o princpio da eficincia, que
deve servir de moldura para o conjunto de atuaes conjuntas do Estado em suas variadas
formas, como incentivos fiscais, auxlios financeiros, redues de exigncias burocrticas,
entre outras, visando, por vezes, incentivar setores da atividade econmica e, em outros
momentos, proteger segmentos econmicos, sobretudo em relao concorrncia
internacional.
Relevante observar a necessidade de se ter, como parmetro para a realizao
das atividades indutoras do Estado, o princpio da eficincia, que deve ser utilizado como
imprescindvel referencial ou moldura para o exerccio das atividades indutoras. No se olvide
que a eficincia, mesmo antes da expressa incluso como princpio constitucional da
Administrao Pblica, pela Emenda Constitucional n 19/98, j era prevista em vrias
passagens da Carta Magna e tambm em normas preexistentes, como bem lembram Telho e
Caetano1.
Na verdade, a doutrina brasileira j se referia ao principio da eficincia, bem
antes de sua incorporao na Constituio. A insero explcita desse princpio inspirou-se em
previses de sistemas jurdicos aliengenas, como o italiano e o espanhol. Humberto vila
destaca que o tema da eficincia tambm j objeto de estudo h bastante tempo no direito
anglo-saxo2.
Verifica-se, tambm, a existncia de princpio nos mesmos moldes, nas regras
oriundas da Unio Europeia, a exemplo do que consta no Regulamento CE-EURATOM n
2343/2002, em seu captulo 7, intitulado Princpio da Boa Gesto Financeira, que
estabelece, no art. 25: As dotaes oramentais sero utilizadas em conformidade com o
princpio da boa gesto financeira, ou seja, em conformidade com os princpios da economia,
da eficincia e da eficcia.
1 Cf. TELHO, Frederico; CAETANO, Tiago L. Fraga. O princpio da eficincia e o controle da atuao
administrativa discricionria. Frum de Contratao e Gesto Pblica FCGP, Belo Horizonte: Frum, ano
3, n. 25, jan. 2004. 2 Cf. VILA, Humberto. Sistema constitucional tributrio. 2. ed. So Paulo: Saraiva, 2006. p. 432.
14
No mesmo sentido, a Constituio espanhola de 1978, cujo art. 103, 1,
consagra o princpio da eficcia, ao lado de outros considerados fundamentais
Administrao Pblica, como a legalidade, a hierarquia, a descentralizao, a desconcentrao
e a coordenao. Pereda Rodrigues bem defende que o princpio da eficincia, deve presidir a
atitude administrativa, sua organizao e o regime da funo pblica3.
Na mesma linha Alexandre de Moraes leciona que a eficincia impe
Administrao Pblica e seus agentes a persecuo do bem comum, por meio do exerccio de
suas competncias de forma imparcial, neutra, transparente, tica, em busca da qualidade,
observando-se sempre a adoo de critrios que possam garantir a melhor utilizao dos
recursos pblicos, evitando, dessa forma, desperdcios e assegurando uma maior rentabilidade
social4.
Esse aspecto, do ganho social relevante e pertinente, quando se trata de
projeto ou programa de incentivos. Jamacy Jos da Silva Junior, de forma bastante clara,
ressalta que a eficincia um comando dirigido a todos que exercem funo administrativa,
ou simplesmente queles que manipulam recursos pblicos [...], para que busquem, sempre,
o melhor resultado, ou seja, no sentido do menor custo para os administrados, respeitados
todos os princpios e regras que regem o regime jurdico-administrativo5.
Conforme se observar, a conjugao de incentivos fiscais com outras formas
de induo, como os incentivos financeiros e creditcios, leva a resultados mais eficientes.
Exemplos demonstram que a concesso de incentivos fiscais isolados, como ocorreu no
passado, como o modelo da Sudene/Finor, no geram os efeitos esperados, e a probabilidade
de insucesso do empreendimento aps a extino do benefcio significativa.
Para isso, utiliza-se como marco delimitador a atuao indutora do Estado,
atravs de seus vrios instrumentos, dentre eles a adequada regulao e os mecanismos de
induo, enfatizando a conjugao desses instrumentos e a necessidade da compatibilizao
dos mesmos. Saliente-se no se ter a pretenso de apresentar minuciosos detalhes sobre cada
uma das formas de induo.
3 Cf. PEREDA RODRGUEZ et al. Constitucin espaola, com la doctrina ms relevante del tribunal
constitucional. Madrid: COLEX, 2002. p. 482. 4 Cf. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional administrativo. So Paulo: Atlas, 2002. p.108. 5 SILVA JUNIOR, Jamacy Jos da. A gesto por projetos e o princpio da eficincia na Administrao Pblica.
Revista da Procuradoria-Geral do Banco Central, Braslia: BACEN, v. 4, n. 1, jun. 2010. p. 30.
15
Procura-se desenvolver o tema, sobretudo, atravs de pesquisas bibliogrficas,
por doutrina nacional e estrangeira. Sobre a temtica da regulao e da induo, h vasta
produo de autores norte-americanos e ingleses, alm de textos franceses, espanhis e
portugueses, muitos dos quais inspirados na doutrina alem. Necessria tambm uma incurso
em campos de estudo no jurdicos, como os relacionados economia e, especificamente,
anlise econmica do direito. Tambm se procura destacar os limites da funo indutora do
direito tributrio, em virtude da globalizao, e a necessidade de observncia dos deveres
sociais decorrentes de princpios como o da solidariedade e o da isonomia, sendo esses
utilizados como base para aferio da eficincia.
A presente dissertao foi desenvolvida com base no seguinte raciocnio:
direito e economia, formas de interveno, conjugao das formas de incentivos e o dever
fundamental de contribuir como parmetros para a desonerao. Finalmente, os efeitos
almejados por essa conjugao, tendo como objetivo alcanar a maior eficincia possvel.
Eficincia que, no se pode deixar de lembrar, princpio norteador da atuao estatal,
inclusive no campo da induo ao desenvolvimento econmico e social.
Podem ser citados alguns campos, acerca desse tpico, merecedores da maiores
aprofundamentos, como, por exemplo, o caso da Zona Franca de Manaus, que j conta com
um longo perodo desde a implantao e continua com perspectivas de extrema longevidade,
com o objetivo de minimizar os custos naquela regio. Merecero tambm, no futuro, exames
mais aprofundados, os instrumentos de desonerao recentes como o INOVAR-AUTO,
programa de incentivo inovao tecnolgica e adensamento da cadeia produtiva de veculos
automotores, objeto do Decreto n 7.819, de 3 de outubro de 2012.
O objetivo que se busca, com a realizao deste trabalho, demonstrar a
necessidade de uma adequada anlise econmica, para nortear a criao e, posteriormente,
monitorar a eficincia de instrumentos jurdicos no campo da induo econmica. Tentar
apresentar as balizas dessa atuao, evitando que elas sejam transformadas em instrumentos
de proteo de grupos, mais influentes e prximos ao poder, o que sempre um risco, em uma
sociedade com desigualdades to grandes como a brasileira, e indicar a eficincia, como um
dos mais relevantes referenciais a serem observados. No demais reiterar o insucesso de
programas de incentivos setoriais ocorridos no passado, como o da Sudene/Finor, que aps
um perodo de manuteno de indstrias na rea que recebeu o incentivo, viu o fechamento
das portas aps o termino de regime mais favorvel.
16
Os resultados apresentados at o momento so provisrios, representam o
pensamento em seu atual estgio. As concluses so pessoais e procuram representar uma
contribuio, ao estudo da matria, a qual ainda carente de obras, sobretudo elaboradas por
autores com formao jurdica.
17
I Breves Consideraes Sobre Estado e Economia
I.1 Estado, Economia e Crise
As intervenes estatais para o desenvolvimento socioeconmico, bem como a
maioria dos temas que relacionam o Direito com a Economia, mostram-se instigantes e de
grande atualidade.
Embora na ltima dcada do sculo passado e nos primeiros anos do sculo em
curso estivesse em alta a tese do Estado Mnimo, fomentada sobretudo por fortes interesses
econmicos, a crise dos ltimos anos deixou evidente que a corrente acentuada do
neoliberalismo estava, ao menos em parte, equivocada.
Saber se o Estado induz, regula, incentiva, produz ou, ainda, conjuga todas
essas formas, uma opo poltica, efetivada a partir de uma srie de instrumentos jurdicos,
e, por essas razes, tem seus limites estabelecidos na Constituio.
A crise, ainda no superada, dos anos 2008/2009, ampliou as hesitaes e
renovou o debate acerca dos papis do Estado na sociedade atual. Aps anos de prevalncia
das teses neoliberais, ressurgiram tendncias de ampliao dos mecanismos de interveno do
Estado na economia e, por conseguinte, a necessidade de uma adequada definio de seus
limites.
A persistncia dos efeitos da crise algo preocupante, agravada, muitas vezes,
por problemas circunstanciais, como, por exemplo, as mudanas ocorridas ao longo do ano de
2011, desaceleraes creditadas a fatores como alta de commodities agrcolas e preos do
petrleo, ocorridas no primeiro semestre, em virtude da Primavera rabe, o terremoto que
assolou o Japo. No segundo semestre, viu-se uma disseminao na crise econmica europeia,
a chamada Zona do Euro, passando a atingir pases como a Itlia. Por essas razes, a
desacelerao da atividade econmica atingiu diversos mercados, inclusive pases emergentes,
acarretando a reduo dos preos das commodities, das exportaes, e piora nas condies de
crdito6.
6 Cf. RELATRIO da Administrao Sistema BNDES, de 31.12.2011. Dirio Oficial da Unio, 06 mar. 2012.
Seo 1, p. 115.
18
Os reflexos desse estado de coisas puderam ser sentidos, por exemplo, no
Brasil, onde se verificou uma reduo do nvel de crescimento nos ltimos dois anos,
atingindo patamar considerado, por grande parte dos especialistas, como insuficiente para
atender s necessidades de desenvolvimento do pas. A mdia de crescimento do ano de 2011,
e esperada para 2012, tem oscilado entre 3,0% e 3,5%, taxa semelhante verificada nos dois
anos anteriores, nos quais ocorreram flutuaes atpicas7.
As preocupaes com essas questes, e outras decorrentes da crise, se
expressam nas manifestaes de estadistas, economistas, juristas e de pessoas de relevo da
sociedade em geral. H poucos anos, Yoon Young-Kwan8, ex-Ministro das Relaes
Exteriores da Coria do Sul, bem sintetizou a dimenso do problema, ao afirmar que, no
ultimo sculo, sempre que uma mudana dessa monta atingia as relaes entre Estado e o
mercado, tinha-se como consequncia uma importante comoo poltico-econmica.
Exemplifica que a Primeira Guerra Mundial foi responsvel pela transio entre o liberalismo
no intervencionista do Sculo XIX, para uma poca em que se viram os sistemas econmicos
centrados na figura do Estado.
Outro exemplo de mudana, lembrado pelo ex-Ministro, foi a inaugurao do
sistema de Bretton Woods, que surgiu em decorrncia da Grande Depresso e da Segunda
Guerra Mundial, trazendo um relacionamento mais equilibrado entre o Estado e mercado. De
forma analgica, entende, o citado poltico, que a crise financeira iniciada em 2008 marcou o
fim de trs dcadas de neoliberalismo, cujas caractersticas principais foram o livre comrcio
e a globalizao financeira, e, da mesma forma que nos exemplos citados, estamos diante de
uma mudana de enorme magnitude, porm sem sabermos qual a natureza da era que est
diante de ns.
Dessa forma, apesar de se esperar que a crise esteja em seus dias finais, no se
pode deixar de lado a necessidade de se aprofundar no estudo das relaes entre o Estado e a
economia, para, ento, se tentar compreender os inmeros efeitos decorrentes desse inter-
relacionamento. Tal fato se torna evidente no estgio atual ps-crise, em que se verifica, ao
7 Cf. ACIOLI, Cludio. As dores do crescimento. Conjuntura Econmica, Rio de Janeiro: FGV, v. 66, n. 02,
fev. 2012. p. 16. 8 Cf. KWAN, Yoon Young. A economia global est diante de uma crise de grande magnitude. Jornal Valor
Econmico, 5/6/7 nov. 2010. p. A15.
19
menos em parte, a restaurao das teorias de John Maynard Keynes, com uma retomada da
presena do Estado na economia.
Vasto o conjunto de obras sobre regulao. Tony Prosser, por exemplo,
efetua um relevante estudo sobre a atuao dos entes pblicos reguladores, inclusive quanto
necessidade de adequada disciplina sobre os prprios reguladores, como bem ressalta no livro
The Regulatory enterprise: government, regulation and legitimacy9. Tambm rica a
literatura existente sobre incentivos e outras formas de state aids. No entanto, a interao
entre esses instrumentos, o modo como devem se harmonizar juridicamente, as ligaes
necessrias entre cada um deles, formando um conjunto uniforme, ainda campo carente de
bibliografia.
I.2 Intervenes Estatais: breves consideraes
Os trabalhos acadmicos, de maneira geral, segmentam as formas de
interveno, de modo que se encontram excelentes teses e dissertaes sobre regulao
econmica, sobre incentivos fiscais, sobre planejamento e, em menor monta, sobre outras
formas de induo. No entanto, a anlise da atuao conjugada dessas formas que, regra
geral, no feita, e que se pretende, aqui, desenvolver. Em sntese, a proposta principal deste
trabalho a demonstrao da importncia da conjugao de instrumentos de auxlios estatais,
com o objetivo de se conseguir um resultado mais eficiente.
Para melhor compreender essa interao, torna-se importante a utilizao da
anlise econmica do direito, observada, sempre, a moldura traada pela Constituio, assim
como no se pode esquecer que qualquer desonerao, como a concesso de incentivos, gera
despesas e, por essa razo, obriga a obteno de receitas de outras fontes, geralmente
onerando os demais sujeitos passivos, que compe a sociedade.
Deve-se destacar, ento, que nem sempre as formas de interveno estatal so
evidentes. Por vezes, o Estado se utiliza de mecanismos atpicos para a reduo dos custos em
9 PROSSER, Tony. The regulatory enterprise: government, regulation and legitimacy. Oxford: Oxford
University Press, 2010. p. 200/221.
20
benefcio do setor privado, muitas vezes dissimulados ou realizados na tentativa de que
passem despercebidos em outros institutos jurdicos, sendo exemplo disso as barreiras
fitossanitrias, as quais, muitas vezes, encobrem polticas protecionistas.
Um exemplo de interveno que vem ocorrendo e se repetindo de maneira
dissimulada pode ser visto com a moratria de quase dois anos que a Fazenda Nacional
levou para efetuar a consolidao dos dbitos parcelados no chamado Refis da Crise, j que,
durante esse lapso, as empresas realizam apenas o pagamento de uma parcela mnima, com
direito certido negativa de dbitos e suspenso das execues. Contudo, aps a
consolidao dos dbitos, a regra tem sido um perodo em que as empresas seguem realizando
pagamentos durante um curto perodo, pois se segue com um novo programa de parcelamento
especial, como vem se sucedendo a cada 3 anos, aproximadamente, de forma assemelhada ao
que ocorreu com o Refis I, Paes, Paex e deve ocorrer com o Refis da Crise, de sorte que as
empresas, simplesmente, aderem novamente ao sistema mais benfico.
O Brasil, constantemente, sofre os efeitos dessas dissimuladas barreiras
protecionistas. A ttulo de exemplo, bem atual, pode-se citar a reduo das licenas
automticas de importao de produtos pela Argentina, fato esse que vem causando
transtornos a exportadores brasileiros e a setores produtivos argentinos que necessitam de
insumos importados. Com tal inovao, pretende o Estado argentino melhorar a balana
comercial, como detalha Javier Lewkowicz, ao lecionar que devem os importadores informar
de maneira detalhada AFIP (Administrao Federal de Ingressos Pblicos), previamente,
qualquer pedido de compra realizado no exterior daquele pas. O objeto do governo argentino,
com essa medida burocrtica, dificultar as importaes, ao reduzir a velocidade das
operaes. O intuito governamental, com essas medidas, foi tambm obter um supervit
comercial estipulado entre 10 e 12 bilhes de dlares no ano de 2012, sendo que, como
instrumento operacional dessa restrio, foi editada a Resoluo n 3252 da AFIP, criadora da
declarao antecipada de importao10.
A crise financeira, cujo pice se deu nos anos de 2008 e 2009, foi, sem
dvidas, grave e de enorme relevo, responsvel por levar os principais Estados defensores de
10 Cf. LEWKOWICZ, Javier. Nuevas reglas de comercio en un ao complicado. Disponvel em:
. Acesso em: 15 abr. 2012.
21
sistemas econmicos neoliberais, a reverem seus posicionamentos absentestas, sobretudo em
matria de interveno direta na economia e regulao.
Referida tendncia pode inclusive ser facilmente visualizada no Brasil, que, nas
ltimas trs dcadas, sobretudo a partir dos anos noventa do sculo XX, vinha apregoando o
afastamento do Estado da condio de agente de atividades econmicas, sobretudo com a
implantao, ainda que parcial, do programa de Reforma do Estado brasileiro. Basta observar
a grande quantidade de dispositivos constitucionais que foram objeto de modificaes, para
possibilitar tais mudanas, a exemplo dos artigos 21, XI, 171, 173, 177 e 192 da Constituio
Federal de 1988.
Relevante, ainda, referir-se a Nicola Phillips, quando lembra que as mudanas
relacionadas com a globalizao da economia internacional tm efeitos sobre a natureza dos
Estados nacionais, ressaltando, entretanto, que isso no significa necessariamente um
declnio, mas sim uma mudana no papel do Estado, criando uma situao que se pode
chamar de paradoxo do poder estatal, simultaneamente enfraquecido e fortalecido. Ressalta,
ainda, no caso da Amrica Latina, aquilo que denomina de internacionalizao do Estado,
concluindo que os poderes do Estado foram enfraquecidos em um nvel global, como
resultado das mudanas na estrutura de incentivos e sanes na economia internacional,
porm, fortalecidos em um nvel domstico, como resultado do espao criado pela
internacionalizao estatal e pela consolidao da economia e da reforma poltica11. Lembra-
se, tambm, da estabilizao econmica ps-anos oitenta, a sucesso dos golpes de Estado e a
estabilizao poltica.
As ideias bsicas de competitividade, liberdade de mercado, reduo de
barreiras alfandegrias, restries a mecanismos protecionistas, vinham sendo propagadas12
(embora nem sempre praticadas) e construdas, frente ao fenmeno da globalizao e do novo
substrato ideolgico que surgia13. Porm, o modelo de Estado mais reduzido e menos
11 Cf. PHILIPS, Nicola. Globalisation and the Paradox of State Power: perspectives from Latin America.
Disponvel em: . Acesso em:
21 fev. 2012. 12 Cf. BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU Nuria Cunill. Entre o estado e o mercado: o pblico no
estatal na Reforma do Estado. Rio de Janeiro: CLAD/FGV, 1999. p. 17. 13 Cf. GERBER, David J. Constitutionalizing the Economy: german neo-liberalism, competition law and the
New Europe. The American Journal of Comparative Law, Berkley, v. 42, 1994. p. 25.
22
interventor, como agente da atividade econmica e com consequente ampliao da atuao do
setor privado, em comparao com o modelo do Welfare State, no se mostrou como o
caminho mais adequado.
Em virtude da crise, o modelo do Estado Empresrio foi, ao menos em parte,
restaurado. Isso se deu para preservao do prprio sistema, evitando a quebra de grandes
conglomerados, o que arrastaria, inclusive, fundos de penses, como poderia ter acontecido
com a paradigmtica General Motors. Vrias formas de state aids foram utilizadas,
destacando-se a aquisio de participaes societrias e controles acionrios de bancos, de
imobilirias e de seguradoras.
A crise dos dias atuais, apesar de nem de longe ter alcanado as propores da
ocorrida em 1929, foi e ainda grave. As consequncias sobre a Unio Europeia, sobretudo
em relao a Estados mais perifricos, como o caso de Portugal, da Irlanda e, sobretudo, da
Grcia, so preocupantes.
Alguns autores, de grande relevo, como Paul Krugman, chegaram a referir-se
ao return of depression economics14, em obra na qual aquele economista aponta as
caractersticas dessa economia de depresso, tais como: a insuficincia do segmento da
demanda, inclusive em honrar as obrigaes, e os efeitos da globalizao, com a facilidade de
ampliao das crises e a necessidade de interveno estatal. Bem lembra as medidas do
Estado americano, aps quebra do Lehman Brothers, com um grande programa estatal de
recapitalizao do sistema e de estmulo fiscal, fazendo ressurgir the good old Keynesian
stimulus, como representativo dessa fase da economia, onde, o socorro estatal se mostra
necessrio. Segundo Krugman, a crise de 2008-2009 tem caractersticas especficas, pois, for
the first time since the 1930s, the creditworthiness of the worlds banking system not just
individual banks was called into question.
Mostra, ento, o autor, a necessidade de vis diferenciado para um Estado
Ps-Crise, com perfil mais amplo e intervencionista, que aquele do Estado tpico do modelo
neoliberal, sobretudo no que diz respeito ao uso de instrumentos de regulao mais rgidos e
incentivos, ou seja, a retomada ao modelo keynesiano.
14 KRUGMAN, Paul. The return of depression economics and the crisis of 2008. New York: Norton, 2009. p.
164/191.
23
Essa atitude pode ser verificada no Brasil, que, nos ltimos anos, vem tentando
reutilizar tal modelo mais intervencionista, com uma tentativa de resgate da poltica industrial,
tecnolgica e de comrcio exterior (2004), da poltica de desenvolvimento produtivo (2009) e
do Plano Brasil Maior (2011), aps mais de uma dcada de difuso de que ideias
liberalizantes seriam suficientes para restabelecer o desenvolvimento econmico brasileiro15.
I.3 O Ressurgimento das Ideias Keynesianas e a Modificao do Quadro Legal das
Intervenes Estatais
Ressurgiram, com a crise, as evidncias de que o Estado continua sendo
elemento de enorme relevo no cenrio econmico, capaz de tornar setores da economia
extremamente sedutores e outros sem qualquer atrativo16. Com isso, a figura dos incentivos
positivos e negativos ganhou grande flego.
Foi uma reao que os Estados tiveram para salvar o sistema, enfrentando com
mais presteza e eficincia a crise, como forma de arrostar aquilo que Alan Greenspan
denominou de a era da turbulncia, destacando-se da obra do mencionado autor frase
lapidar: Por mais estupenda que seja a produtividade do capitalismo de mercado, seu
calcanhar de Aquiles a percepo crescente de suas recompensas, que cada vez mais
favorecem os mais qualificados, no se distribuem com equidade17. O mesmo Greenspan
que, posteriormente, admitiu estar descrente e, pode-se dizer, at mesmo, chocado, em virtude
da capacidade de autocorreo do livre mercado ter se mostrado equivocada18.
Nesse contexto de intervenes do Estado, no Brasil, verificou-se uma
modificao do quadro legal de atuaes estatais, para resistir aos efeitos da crise, inclusive
no papel empresarial, com mudanas que possibilitaram a empresas estatais do setor
15 Cf. NASSIF, Andr. Contradies do ativismo keynesiano brasileiro. Valor Econmico, 20/22 abr. 2012. p.
14. 16 Cf. PROSSER, Tony. The limits of competition law. Oxford: Oxford University Press, 2005. p. 17. 17 GREENSPAN, Alan. A era da turbulncia: aventuras em um novo mundo. Traduo de Afonso Celso da
Cunha Serra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 490. 18 Cf. ANDREWS, L. Edmund. Greenspan concedes error on regulation. Disponvel em:
. Acesso em: 20 nov. 2012.
24
financeiro, como o Banco do Brasil e a Caixa Econmica Federal, exercer uma interveno
mais efetiva.
Observe-se, como exemplo, o surgimento do Programa Minha Casa Minha
Vida, estimulando a construo civil atravs de um conjunto coordenado de medidas, que
vo desde a simplificao dos instrumentos de atuao de bancos federais, incentivos fiscais e
financiamentos para os adquirentes. Esse programa ser especificamente trabalhado nesta
dissertao, como exemplo da atuao combinada de auxlios estatais.
Outro exemplo, mais recente, o Plano Brasil Maior, tambm expresso de
uma conjugao de modalidades de auxlios estatais, representados por ampliao do limite de
financiamentos subsidiados pelo BNDES, sobretudo nos setores de inovao e engenharia.
Efetuou-se, ainda, relevante modificao na legislao, no tocante s linhas de
crdito para exportao e houve diversas desoneraes tributrias, inclusive em relao s
contribuies patronais para a previdncia social. Autorizou-se, a criao de uma empresa
pblica: Agncia Brasileira de Gesto de Fundos e Garantias S.A (ABGF) e de um Fundo
Garantidor de Projetos de Infraestrutura de Grande Vulto (FGIE), com participao da Unio
Federal em onze bilhes de reais. Tais medidas foram previstas nas Medidas Provisrias n
563 e 564, ambas de 03 de abril de 2012 564 (j convertidas nas Leis 12.715/2012 e
12.712/2012, respectivamente).
Esse conjunto de medidas vem sendo objeto de anlises econmicas
contraditrias, recebendo, por vezes, fortes crticas, embora no se possa esquecer que, muitas
vezes, por trs de uma crtica de natureza aparentemente tcnica, encontra-se uma defesa de
tese em favor de um segmento desfavorecido pela atuao estatal.
Observe-se, tambm, o exemplo de utilizao de instrumentos conjugados para
atender a regies especficas do pas, ou em setores especficos, como o caso da Zona
Franca de Manaus, ou, ainda, um exemplo local, como a construo do estaleiro Atlntico
Sul, na rea porturia de Suape, Pernambuco. Para que tal acontecesse, houve a conjugao de
vrios instrumentos de induo, desde os de natureza tributria, como a concesso de isenes
de ICMS sobre a comercializao de navios, de IPI, de ISS sobre reparos e outros servios
navais, e incentivos financeiros e creditcios atravs de linhas de crdito subsidiadas. Tudo
isso se mostrou imprescindvel para que o projeto industrial pudesse ter possibilidade de ser
bem sucedido.
25
I.4 As Regulaes Setoriais e a Crise do Estado Mnimo
Aspecto tambm de grande relevncia o aprimoramento dos meios de
regulao, considerando-se a absoluta insuficincia da produo normativa primria, para
disciplinar a vida na sociedade atual. Essa questo da ampliao dos mecanismos de
regulao, com a criao de microssistemas regulatrios, uma realidade inafastvel e de
extrema complexidade. Como exemplos, tm-se as normas regulatrias oriundas do Banco
Central, no tocante s instituies financeiras; as da Comisso de Valores Mobilirios, em
relao ao mercado de valores mobilirios; as da Superintendncia de Seguros Privados,
quanto ao mercado de seguros privados; as da ANATEL, no que respeita s
telecomunicaes. Em todos esses campos, surgem problemas referentes necessria
delimitao do quadrante sob reserva legal.
Relevante, tambm, se observar, em relao aos entes reguladores, a existncia
do risco de capturas polticas e econmicas, alm da insuficincia dos instrumentos de
legitimao. Esse problema examinado por Maria Salvador Martinez, ressaltando-se um
importante estudo comparativo sobre a inexistncia, ou insuficincia, do controle poltico
democrtico, pondo em questo a legitimidade dos entes reguladores, mesmo em pases como
o Reino Unido, Estados Unidos e Alemanha19.
Luciana de Medeiros Fernandes, ao explorar o tema, salienta aspectos de
relevo que fragilizam as regulaes setoriais, tais como: a figura da captura, seja ela
econmica ou poltica, a falta de coordenao entre os vrios instrumentos de atuao estatal e
suas limitaes frente a fenmenos como as integraes regionais e a globalizao econmica,
destacando entender justificada:
a interveno do governo para evitar uma ruptura de padres de produo e
comrcio. Sustenta-se a adequao da regulao para que ela seja til realidade
vigorante, bem como se advoga pela racionalizao do sistema de regulao e
fiscalizao, adotando-se uma estrutura mais moderna, com rgos divididos em
19 Cf. MARTINEZ, Maria Salvador. Autoridades independientes. Barcelona: Ariel, 2002. p. 381.
26
funo de seus objetivos, e no mais em funo da natureza das instituies
reguladas e fiscalizadas20.
No Brasil, infelizmente, o mrito tecnocrtico no vem sendo observado como
critrio de investidura dos dirigentes dos entes reguladores, em razo da preponderante
captura poltica, implicando diretamente nas indicaes desses cargos e, por outro lado,
pacfico que o mecanismo de legitimao procedimental existente no Brasil deficiente, e,
em muitos casos, meramente formal, como se verifica pelas audincias pblicas e consultas
pblicas realizadas por esses entes. Essas deficincias fazem cair por terra, no Brasil, uma
relevante lio de Ario Ortiz, quando afirma que a poltica regulatria tem como objetivo a
defesa e boa ordenao do sistema de prestaes nas melhores condies possveis de
segurana, qualidade e preos, exigindo-se empresas solventes, estveis, dinmicas e
rentveis, realando, ainda, o autor, que somente se torna possvel uma boa regulao de
setores estratgicos, se tivermos uma adequada mistura de anlise econmica, engenharia e
direito pblico.
A deficincia na regulao normativa e da regulao administrativa decorrente
tem, como consequncias, regra geral, a ineficincia e a insuficincia do setor21, violando,
diretamente, o principio da eficincia, presente no Texto Constitucional, que deve ser
observado em qualquer atuao estatal.
Os problemas existentes nos diversos instrumentos utilizados pelo Estado para
intervir na economia pretendem ser, examinados, numa tentativa de se demonstrar que a falta
de uma adequada coordenao na utilizao dos mesmos tem sido um dos elementos a
fragiliz-los.
De se atentar necessria observncia dos limites constitucionais, para no
transformar as atividades indutoras do Estado em instrumentos que, em vez de servirem o
desenvolvimento econmico e social, passam a ter majoritariamente utilizao para beneficiar
de forma indevida, segmentos e grupos prximos aos detentores do poder estatal.
Outro ponto de constante tenso na disciplina regulatria estatal a necessria
harmonizao do poder normativo dos entes com o princpio da legalidade, ainda mais patente
20 FERNANDES, Luciana de Medeiros. O Estado da crise. Revista Brasileira de Direito Administrativo e
Regulatrio, So Paulo: MP, n. 1, 2010. p. 113. 21 Cf. SAMPAIO, Patricia et al. Dificuldades na regulao dos transportes coletivos. Revista Conjuntura
Econmica, v. 66, n. 3, mar. 2012.
27
em sistemas como o brasileiro, onde a legalidade se apresenta de forma bastante densa, sem a
flexibilidade existente em modelos como o francs, onde a Constituio de 1958, em vigor,
estabelece, em seu art. 37, que os contedos outros, fora do reserva da lei, tm natureza
regulamentar22, e o art. 34 claramente delimita as matrias sob reserva de lei. A esse respeito,
Guy Cassone afirma:
O campo de ao limitado. [...] O poder regulamentar, realizado primordialmente
pelo Primeiro Ministro, excede largamente, o campo de aplicao das leis. Alm
dessa competncia, que subsiste, tem-se regulamentao autnoma, todas as vezes
que normas so necessrias alm dos domnios reservados pela Constituio lei,
orgnica ou ordinria23.
O sistema brasileiro, apesar de tender ao abrandamento da ideia de uma
legalidade mais estrita, ainda apresenta mais complexidade e dificuldade para a expanso da
atividade regulatria normativa24, que o padro francs.
A crise dos ltimos anos mostrou a inviabilidade do modelo do Estado
Regulador, com o vis de Estado Mnimo25, de forma que devem ser aprofundados os estudos
acerca das formas de induo pelo Estado dirigidos ao desenvolvimento econmico e social,
inclusive como instrumento de defesa contra um sistema que, apesar de em si, no ser danoso,
sabe-se que excessos e descontroles podem ter consequncias deplorveis26. Dessa forma, o
presente estudo tem o intuito de demonstrar, inclusive com anlise de exemplos, que a
conjugao das vrias tcnicas o melhor caminho para se ganhar eficincia na atividade
indutora estatal.
22 Art. 37 Les matires autres que celles qui sont du domaine de la loi ont un caractre rglementaire. 23 CASSONE, Guy. La Constitution, introduire et commente. 9. ed. Paris: Seuil, 2009. p.178 e 189. 24 Sobre o tema da regulao e legalidade, o mestrando publicou o artigo Legalidade e regulao pelas agncias
no direito brasileiro. Revista da Escola da Magistratura Federal da 5a. Regio, Recife: Esmafe, n. 16, dez.
2007. p. 135/157. 25 Sobre essa figura, merece consulta a obra de Robert Nozick, denominada, em portugus, de Anarquia, Estado
e utopia. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. 26 Cf. DIXIT, Avinash K. Lawlessness and economics: alternative modes of governance. New Jersey: Princeton
University Press, 2004. p. 03.
28
II Formas de Interveno do Estado na Economia
II.1 O Papel do Estado e as Formas de Interveno Estatal na Economia
As intervenes efetuadas pelo Estado na economia tm, nos dias atuais, um
papel fundamental e, muitas vezes, decisivo no mercado. As formas de interveno do Estado
na economia podem ser classificadas, basicamente, em atuao direta e indireta, sendo a
primeira realizada atravs de empresas estatais e a segunda efetivada por meio da regulao,
do planejamento e dos incentivos. A esse respeito, Christopher Pierson27 afirma que a
atividade econmica do Estado pode ser divida em duas: a primeira se d naquelas reas em
que o Estado est diretamente envolvido como um ator econmico; a segunda diz respeito ao
campo de atividade no qual o Estado procura influenciar o processo econmico, sublinhando-
se que essa segunda categoria pode ainda ser subdividida entre as polticas de Estado que so
voltadas diretamente economia, como a poltica industrial e monetria, e aquelas polticas
que, apesar de indiretas, possuem um impacto profundo na atividade econmica.
Destaca o autor que, na atualidade, os Estados podem ser chamados de Estados
Fiscais, utilizando-se, primordialmente, da tributao para obteno de receita, e,
consequentemente, essa renda que vai ser gasta nas polticas pblicas, sendo que esse
mecanismo justamente aquele por meio do qual o Estado redistribui a riqueza, apesar da
reduo ocorrida na produo de bens e servios diretamente pelos Estados: esto
massivamente presentes nos processos mediatos de produo, distribuio e trocas, alm de
possuir um papel extremamente importante como definidor das polticas econmicas28.
A primeira forma, ou primeiro modelo, aquele no qual o Estado atua
diretamente na economia esteve fortemente presente no Brasil, no perodo que antecedeu a
Constituio de 1988, quando ocorria a prestao de diversos servios, por empresas estatais,
em substituio s concessionrias, como o caso das ferrovias, com a criao da Rede
Ferroviria Federal S/A (RFFSA), sociedade de economia mista federal, sucessora das
27 Cf. PIERSON Christopher. The Modern State, 2.ed. London and New York: Routledge, 2004, p.81-91 e 93. 28 PIERSON Christopher. The Modern State, 2.ed. London and New York: Routledge, 2004, p.81-91 e 93.
29
concessionrias estrangeiras em sua maioria. Outro exemplo o da estatizao dos servios
de correios e telgrafos. Na mesma linha, surgiram a Portobras, sociedade de economia mista
federal, responsvel, ento, pela explorao da grande maioria dos portos organizados no
Brasil; a Eletrobras, responsvel pela produo de energia eltrica, atravs de subsidirias,
tambm estatais, como a Eletronorte e a Chesf, dentre outras, e tambm responsvel pelas
concesses das transmisses eltricas. Outro grande empreendimento estatal foi a criao da
entidade binacional de Itaipu, aps acordo com o Paraguai, para aproveitamento dos recursos
hidrulicos de trecho do Rio Paran29.
Outro exemplo relevante que poderia ser citado a criao da Telebrs,
empresa holding do sistema de telecomunicaes, tendo como empresas do grupo: a Embratel
para comunicaes a grande distncia e as empresas de telefonia de base estadual, como, no
caso de Pernambuco, a TELPE.
O caminho para o segundo modelo, comeou a ser trilhado com o Programa
Nacional de Desestatizao PND, que surgiu por fora da Medida Provisria n 155, de 15
de maro de 1990, posteriormente convertida na Lei n 8.031/90, alterada pela Lei n 9.491,
de 9 de setembro de 1997. Com a implantao do programa, ainda que parcial, houve sensvel
reduo da atuao do Estado como empresrio. Como decorrncia, por exemplo, o segmento
dos bancos estaduais foi quase que integralmente desestatizado, aps saneamento dos
mesmos, que, por muitas vezes, funcionavam como brao poltico dos governantes, sem a
necessria observncia das adequadas cautelas, em relao s operaes que realizavam, quer
emprstimos, quer financiamentos, ou de outras ordens.
A telefonia foi tambm desestatizada e as antigas telefnicas pblicas tiveram
seus controles societrios adquiridos por empresas privadas, e alm dessas, surgiram novas
empresas, as quais passaram a atuar no mercado de telefonia, em sistema concorrencial.
A desestatizao tambm ocorreu com a grande maioria das distribuidoras de
energia eltrica. Como exemplos, houve a transferncia do controle societrio da CELPE em
Pernambuco, da COELCE no Cear, da CEAL em Alagoas, fato que se reproduziu em quase
todo o Brasil, com poucas excees (parte do Estado de So Paulo30).
29 Cf. HISTRIA da Usina Hidreltrica de Itaipu. Disponvel em: .
Acesso em: 19 out. 2012. 30 Informao disponvel em:. Acesso em: 23 set.
2012.
30
O relatrio de avaliao do Programa Nacional de Desestatizao, elaborado
pela Controladoria Geral da Unio e publicado no ano de 2001, demonstra que, at aquele
ano, os resultados acumulados das privatizaes realizadas desde 1991 haviam alcanado o
montante de U$103,3 bilhes, este montante incluindo no s as empresas inseridas no
prprio PND, como tambm aquelas privatizadas no mbito dos Estados membros, alm das
concesses na rea das telecomunicaes. Ainda segundo o relatrio, houve a transferncia ao
setor privado de empresas dos seguintes setores: siderrgico, petroqumico, fertilizantes,
minerao, telecomunicaes, transporte ferrovirio, diversos bancos, rodovias e portos.
Contabilizando-se, apenas no mbito do PND, na dcada entre 1991 e 2001, foi apurada uma
receita equivalente a 28,5 bilhes com a venda e participaes acionrias dessas empresas,
que acrescida ao valor da dvida transferida ao setor privado resultou num total de US$37,7
bilhes. J na esfera estadual, esses valores foram, respectivamente, de US$27,9 bilhes,
auferidos das privatizaes entre 1996 e 2001, que, quando acrescidos s dvidas transferidas,
totalizam US$34,7 bilhes. Nas telecomunicaes, esses valores chegaram a um resultado
acumulado (at 2001) de US$30,9 bilhes, com US$2,1 de dvidas transferidas ao setor
privado31.
Trata-se de montantes por demais expressivos. De qualquer sorte, para
consolidao do processo de desestatizao ocorrido no Brasil, importou-se o modelo de
reguladores autnomos, os quais teriam o objetivo de evitar a captura poltica dos entes
responsveis pela regulao administrativa e normativa que veio a se tornar necessria, com a
transferncia desses setores para a iniciativa privada.
Surgiram, inicialmente, a Agncia Nacional do Petrleo (ANP) e a Agncia
Nacional de Telecomunicaes (ANATEL), estas em observncia s alteraes efetuadas no
art. 177, pela Emenda Constitucional n 09/1995, e no art. 21, XI, pela Emenda Constitucional
n 08/1995, respectivamente. Posteriormente, veio a Agncia Nacional de Energia Eltrica
(ANEEL), para regulao e decorrente exerccio do papel de concedente no setor eltrico. Na
sequncia, foram criadas a Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (ANVISA), a Agncia
Nacional de Sade Suplementar (ANS), a Agncia Nacional de Transportes Terrestres
31 Relatrio disponvel em: . Acesso em: 12
nov. 2011.
31
(ANTT), a Agncia Nacional de Transportes Aquticos (ANTAQ), a Agncia Nacional de
Aviao Civil (ANAC) e a Agncia Nacional do Cinema (ANCINE).
O funcionamento dessas instituies vem sendo objeto de profundas crticas.
Os maiores problemas em relao a elas, dizem respeito captura poltica e econmica dos
seus dirigentes, de modo que os reguladores terminam por funcionar, mais como instrumentos
que atendem s convenincias e interesses de regulados, que aos interesses da sociedade. No
Brasil, esse fenmeno vem ocorrendo com frequncia e de modo bastante precoce.
II.2 Legalidade e Regulao.
Outro srio problema envolvendo essas instituies o choque entre o
princpio da legalidade e os limites ao poder normativos dos reguladores. De fato, h um
relevante ponto de tenso entre a necessidade de disciplina jurdica dos microssistemas, que
representam a complexa sociedade moderna, e o princpio da legalidade. Tal aspecto
abordado com extrema preciso por autores como Paulo Otero, que deixa claro que muitas
vezes sob uma aparncia formal e proclamada de estado de juridicidade, esconde-se uma
realidade muito diferente, um Estado Administrador que completamente responsvel pela
criao e aplicao normativa em todas as fases32.
Essa figura dos reguladores autnomos tem gerado acesas controvrsias,
sobretudo em pases do modelo europeu continental, como o francs, e aqueles deles
decorrentes, como o brasileiro. Alguns autores criticam a figura da normatizao pelas
agncias, como expresso de quebra da unidade do sistema, uma espcie de feudalizao do
direito, como ressalta Brigitte Masquet33.
No Brasil, sem dvidas, o disposto no art. 5 e no art. 37, da Constituio
Federal de 1988, representa um efetivo obstculo, em relao possibilidade de exerccio de
um poder normativo mais extenso por agncias independentes, ou por reguladores
tradicionais, como o Banco Central do Brasil, a Superintendncia de Seguros Privados
32 OTERO, Paulo. Legalidade e Administrao Pblica: o sentido da vinculao administrativa juridicidade.
Coimbra: Almedina, 2003. p. 1102. 33 MASQUET, Brigitte. Les autorits administratives indpendantes. Paris: Dalloz, 2007. p. 11.
32
(SUSEP), dentre outros. Tampouco possvel defender que as agncias referenciadas nos arts.
21 e 177 da Constituio Federal, Anatel e ANP, teriam, por esse fato, competncia normativa
independente. H clara incompatibilidade entre o princpio da legalidade, com as
caractersticas que ele apresenta no padro brasileiro e o modelo regulatrio independente. A
ideia de poder normativo das agncias, no Brasil, deve ser construda sempre como um poder
normativo secundrio, feito com fundamento na moldura legal j existente.
Bem destaca Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti que a separao dos
poderes, ou a moderna separao das funes, sofre, por vezes, algumas dificuldades com a
teoria dos entes reguladores autnomos34.
Muitos tm sido os conflitos decorrentes das normatizaes produzidas pelas
agncias que invadem reas sob reserva legal. Celso Antnio Bandeira de Mello deixa claro
que as determinaes oriundas dos entes reguladores devem cingir-se a aspectos estritamente
tcnicos, e mesmo essas devem amparadas nas normais legais, no havendo possibilidade de a
norma tcnica contradizer ou distorcer o sentido daquilo disposto na lei35.
Para possibilitar uma compatibilizao, defende-se a figura da lei standard ou
skeleton type, nos moldes j reconhecidos pela doutrina norte-americana, ou seja, tais leis
devem possuir standards suficientes para guiar a ao executiva. J tivemos a oportunidade
de referenciar, em momento anterior, com base em lio de Oswaldo Aranha Bandeira de
Mello, as leis de delegao ou leis de habilitao, chamadas pelos franceses de lois-cadres
(leis-quadros), assim chamadas em razo de traarem uma moldura, um contorno limitativo
ao do Poder Executivo ou seja, essas leis delimitam o objetivo sob qual o Executivo
poder exercer a edio de atos normativos36.
Justamente em funo da existncia desse contorno limitativo, que deve estar
presente a figura das leis standards, ou seja, aquelas sobre as quais Dinor Adelaide Musetti
Grotti afirma que a constitucionalidade da lei atributiva depende de o legislador haver
estabelecido standards suficientes, pois do contrrio haveria delegao pura e simples de
funo legislativa, e por esse motivo que saber qual esse contedo mnimo necessrio,
34 Cf. CAVALCANTI, Francisco de Queiroz Bezerra. A independncia da funo reguladora e os entes
reguladores independentes. Revista de Direito Administrativo, So Paulo: FGV, v. 219, jan./mar. 2000. 35 Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antnio. Curso de direito administrativo. 20.ed. So Paulo: Malheiros,
2007. p.157. 36 Cf. CAVALCANTI, Artur. Legalidade e a regulao pelas agncias no Direito Brasileiro. Revista da Escola
de Magistratura da 5a. Regio. Recife: Esmafe, 2007. p. 155.
33
que deve estar presente nas leis, no tarefa das mais fceis, segundo a autora citada, uma
das questes mais clssicas e tormentosas presentes no constitucionalismo de pases como os
Estados Unidos, a Alemanha e a Frana37.
clara a existncia de controvrsias acerca do modelo regulatrio brasileiro,
aqui referido e cujo enfrentamento ensejaria uma tese especfica. No se pode, entretanto,
deixar de referenciar que o Brasil vem tendo uma atuao ineficiente e insuficiente no campo
da regulao econmica, em detrimento do mercado e da sociedade em geral, pois vem
apresentando resultados aqum daquilo que seria aceitvel, sobretudo em se considerando as
razes que motivaram a criao desses entes38.
Verifique-se, apenas a ttulo de exemplo, que a Agncia Nacional de
Telecomunicaes precisou ser notificada pelo Tribunal de Contas da Unio, que cobrou
posies mais firmes do ente regulador, com o intuito de punir as operadoras de telefonia, em
razo da m qualidade dos servios prestados. De se registrar ao que culminou com a
proibio de vendas de chips pela TIM, Claro e Oi, no dia 18 de julho de 2012, por motivos,
que em sua maioria decorreram de determinaes do Tribunal de Contas da Unio, que exigia
um maior peso dos indicadores de atendimento ao cliente, na frmula utilizada para efetuar o
clculo das metas de qualidades dos servios prestados39.
II.3 Regulao e Eficincia
V-se, pois, a necessidade de que, tais fatos sejam analisados luz do princpio
constitucional da eficincia.
Ao lado e conectado atividade regulatria, o art. 174 da Constituio Federal
de 1988 tambm prev um conjunto de atividades que representam o planejamento,
compreendendo:
37 GROTTI, Dinor Adelaide Musetti. As agncias reguladoras. Revista Eletrnica de Direito Administrativo
Econmico, Salvador: IDPB, n. 06, mai./jun. 2006. p. 14. 38 Com simples consulta no stio institucional do Tribunal de Contas da Unio na internet (www.tcu.gov.br),
pode-se verificar a existncia de diversos documentos comprobatrios da atuao deficiente dos entes
reguladores. 39 Registro disponvel em: .
Acesso em: 23 set. 2012.
34
A definio de objetivos e estratgias de ao administrativa destinadas a atender
metas e prioridades que compem as polticas pblicas de ordenao da atividade
econmica no mercado nacional. Para que o seu produto, o plano, tenha validade e
eficcia jurdicas, imprescindvel a sua veiculao por meio ato normativo do
rgo ou entidade competente40.
A Constituio estabelece que o planejamento apenas indutor para o setor
privado, porm vinculante ao setor pblico. No se pode esquecer a estreita vinculao entre o
planejamento e a disciplina setorial, legal e regulatria, alm dos meios utilizados pelo Poder
Pblico para induzir condutas, atividades, profisses. As formas de agir do Poder Pblico,
sobretudo em relao normatizao, conjugada com planejamento, induo fiscal e
financeira, so atividades que esto intrinsecamente ligadas e em relao s quais o agir em
conjunto, aps acurada anlise econmica, que possibilita uma adequada possibilidade de
sucesso da atuao estatal.
importante destacar, como o fazem Maria Manoel Leito Marques e Vital
Moreira, que, mesmo antes da crise iniciada em 2008, quando se verificou a necessidade de
uma reverso, ao menos parcial, no sentido de reduzir o Estado-Agente, se entendia, que a
trilha que estava sendo seguida no era de retorno ao laisser faire e ao capitalismo liberal,
mas de forma contrria, pois o fim dos exclusivos pblicos provocou, em geral, um reforo
da atividade reguladora do Estado41.
40 FRANA, Wlademir Rocha et al. Comentrios Constituio Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense;
Gen, 2009. p. 1999. 41 LEITO MARQUES, Maria Manoel; MOREIRA, Vital. A mo visvel: mercado e regulao. Coimbra:
Almedina, 2003. p. 13.
35
III A Teoria Dos Incentivos E Anlise Econmica Do Direito
III.1 A interao Entre Direito e Economia.
A viso do direito isolado de outros fenmenos sociais um equvoco presente
em grande parte da doutrina jurdica nacional, fruto de uma tradio bacharelesca que
acompanha a formao cultural brasileira. A influncia, os efeitos do elemento econmico e a
utilizao desse, como referencial para a anlise dos institutos jurdicos, uma construo
relativamente recente, sobretudo no Brasil, mas de grande relevo. Ivo Gico Jr.42 ressalta que o
direito no possui uma teoria sobre o comportamento humano, e nesse sentido a anlise
econmica torna-se mais til, pois tem o condo de fornecer ferramentas tericas, j
maturadas, que ajudam na compreenso dos fatos sociais e, principalmente, de como a
sociedade ir responder a alteraes nas estruturas de incentivos.
Essa mesma concepo tambm trazida por Cooter e Ullen43, ao afirmarem
que a economia capaz de fornecer uma teoria comportamental (behavior) que capaz de
ajudar na previso de como as pessoas reagem s leis, tendo-se como base a reao das
pessoas aos incentivos. Os referidos autores afirmam que a utilizao dessa teoria suplanta a
intuio da mesma forma como a cincia suplanta o bom senso. Os autores citam, ainda, o
subttulo utilizado por Guido Calabresi, no texto Property rules, liability rules and
inalienability: one view of the catedral44, em aluso s pinturas de Monet, que possuam a
Catedral de Rouen como tema, pois o pintor, ao longo da vida, retratou o mesmo objeto com
diferentes cores e texturas, de modo que a anlise de apenas uma das telas no possibilitaria
uma compreenso mais completa da obra.
42 Cf. GICO JR. Ivo. Introduo ao Direito e Economia. In: TIMM, Luciano Benetti. (Org.) Direito e Economia
no Brasil. So Paulo: Atlas, 2012. p.02. 43 Cf. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito & Economia, 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p 26. 44 CALABRESI, Guido. Property rules, liability rules and inalienability: one view of the cathedral.
Disponvel em: .
Acesso em: 31 out. 2012.
36
Utilizando-se, ainda, da metfora empregada por Calabresi, Cooter e Ullen
afirmam que a cincia comportamental pode ser entendida como uma argamassa que, naquela
mesma catedral, encontra-se em todas as partes, e, em conjunto com as demais matrias-
primas, d sustentao ao todo, concluindo que a economia atualmente a parte da cincia
comportamental mais til ao direito.
Da o grande relevo da figura da disciplina Law and Economics, que pode ser
definida, como o fazem Mercuro e Medema, como: A aplicao da economia,
primordialmente as teorias microeconmicas e dos conceitos bsicos da economia do bem
estar, para examinar a formao, estrutura, procedimentos e impacto econmico no Direito e
nas instituies jurdicas45.
Os efeitos econmicos de qualquer ao ou omisso so fundamentais na vida
atual. Destaca-se, nesse contexto, o artigo intitulado The problem of social cost, de autoria
de Ronald Coase, publicado no Journal of Law and Economics 1, em 1961, como pioneiro ao
desenvolvimento do que veio a se chamar anlise econmica do direito.
Entretanto, a vinculao entre economia e direito j era apontada por autores
clssicos como Adam Smith e Karl Marx.
Os estudos da relao entre direito e economia ganharam um grande impulso
com Richard Posner e sua obra intitulada Economic analyses of law. Posteriormente,
surgiram vertentes diversas com base nesse pensamento.
Richard Posner afirma que a anlise econmica do direito possui aspectos
heursticos, descritivos e normativos. O primeiro deles, por apresentar a unidade subjacente s
doutrinas e instituies jurdicas. O aspecto descritivo, por procurar identificar o mecanismo,
causa e consequncia econmica das doutrinas e suas consequentes transformaes jurdicas.
J o aspecto normativo, por auxiliar os aplicadores do direito a encontrar formas de
regulamentao das condutas mais eficientes46.
Fernando Arajo, de seu lado, salienta que a grande evoluo decorrente dessa
teoria reconhecer que a insistncia nos incentivos e na eficincia que faz da Law and
Economics uma teoria comportamentalista (behavioral theory), que comea por ser corolrio
do reconhecimento de que o Direito no existe num vcuo e se vai adensando, com sucessivas
45 MERCURO, Nicholas; MEDEMA, Steven. Economics and the law: from Posner to postmodernism and
beyond. New Jersey: Princeton University Press, 2006. p. 01. 46 Cf. POSNER. Richard A. Fronteiras da teoria do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2011. p. XII.
37
constataes de que a conduta individual no se esgota em puras e mecanicistas
demonstraes de racionalidade47.
Atualmente, possvel encontrar aplicaes da abordagem econmica, nos
mais variados campos do direito, desde aqueles englobados no tradicionalmente denominado
direito privado, aos caracterizados como de direito pblico, como o direito penal48. Observe-
se, por exemplo, em uma questo relativamente simples: o combate ao descaminho de
produtos (art. 334 do Cdigo Penal brasileiro). Qual a alternativa que causa maior reflexo em
detrimento das atividades criminosas? Seria o investimento em pessoal e equipamento para a
represso, ou seria a reduo das alquotas dos tributos sobre a importao com a facilitao
do ingresso de mercadorias regulares, com as devidas garantias, compensando-se a perda
unitria de ganho fiscal pela escala? Essa segunda alternativa mostrou-se economicamente a
mais eficiente, e hoje a mais adotada.
No campo do direito da propriedade rural, verifica-se que a tributao
progressiva da terra improdutiva e a possibilidade de expropriao se transformam em um
estmulo produtividade.
Alm da necessidade de se visualizar as relaes econmicas, no se pode
esquecer a mudana de posicionamento adotada pelos chamados Estados centrais, em virtude
da recente crise, ainda no superada, com o intuito de preservar o sistema capitalista. Foi
necessrio restaurar, ao menos em parte, a figura do Estado empresrio, para evitar que
grandes conglomerados fossem levados falncia.
Ressurgiram, em decorrncia, provas de que o Estado continua a exercer um
papel fundamental no cenrio econmico, capaz de atribuir, ou no, atratividade a
determinados setores. Tais avaliaes so feitas, com base em estudos econmicos, e normas
jurdicas so editadas como instrumento de concretizao das intervenes econmicas.
A ideia de livre mercado est, hoje, absolutamente superada, mesmo em
sistemas econmicos predominantemente liberais49. Esse fato pacificamente aceito, tendo a
recente crise afastado as ltimas resistncias.
47 Cf. ARAJO, Fernando. Anlise econmica do direito: programa e guia de estudo. Coimbra: Almedina,
2008. p. 23. 48 Cf. TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito e economia no Brasil: So Paulo: Atlas, 2010. 49 Cf. LEYSAC, Claude; PERLEANI, Gilbert. Droit du marche. Paris: Press Universitaires de France, 2002. p.
25/50.
38
Algumas observaes sobre o relevo da participao estatal na disciplina da
economia so elencadas por Avinash K. Dixit50, afirma, esse autor que que os economistas
tm sempre reconhecido a necessidade da governabilidade, entretanto, at recentemente,
entendiam que o governo, especificamente, as instituies e os mecanismos jurdicos oriundos
do Estado satisfaziam essa necessidade de governabilidade. Outro ponto por ele realado
que parece haver um universal entendimento, nos estudos econmicos tradicionais, no sentido
de que a estrutura jurdica no uma condio necessria para o sucesso da economia de
mercado. Um terceiro aspecto destacado por Dixit que as primeiras contribuies para o
direito e a economia dizem respeito mais com as implicaes do direito para a economia, ou
seja, os efeitos que as normas jurdicas exercem nas escolhas individuais e, no que diz
respeito s empresas, os resultados de mercado.
Como salientado pelo autor, a vertente mais destacada pela doutrina, tem sido a
do direito em relao economia, sobretudo nos pases onde o estgio de interao entre esses
campos do conhecimento ainda se encontra num nvel bastante inferior quele existente nos
EUA.
III.2 Intervenes Estatais na Economia da Crise e Ps-Crise
Na verdade, a interao entre direito e economia , hoje, inarredavelmente
reconhecida e imprescindvel compreenso da sociedade, alm de fornecer uma teoria social
apta a auxiliar na indicao das opes jurdicas possveis e com melhores possibilidades de
superao dos quadros desfavorveis encontrados.
Em virtude da crise, os Estados procuraram reagir, alguns, com mais presteza e
eficincia, outros no, como forma de enfrentar uma era de turbulncia que se avizinhava.
Nesse contexto das intervenes estatais, teve-se, no Brasil, a modificao do quadro legal
autorizativo, possibilitando que empresas estatais do setor financeiro, como o Banco do Brasil
e a Caixa Econmica Federal, interviessem mais efetivamente, inclusive com a aquisio de
50 Cf. DIXIT, K Avinash. Lawlessness and economics: alternative modes of governance. New Jersey:
Princeton, 2009. p. 09, 11 e 12.
39
controles societrios de outras instituies financeiras, seguradoras e imobilirias.
Instrumentalizou-se o Banco Central do Brasil para a aquisio de ttulos de maior risco e
outras medidas foram tomadas para evitar o desaquecimento de setores relevantes do mercado
produtivo. Mais recentemente, v-se no Plano Brasil Maior uma tentativa de reaquecer a
atividade industrial brasileira, quase que estagnada, desde 2008.
Pois, os dados mostram haver um problema de competitividade que aflige a
indstria brasileira. Mansueto Almeida mostra que, desde o ano de 2008, a produo fsica da
indstria de transformao est no mesmo patamar, ou seja, sem crescimento, j que, no ano
de 2011, alcanou um valor total de U$ 92 bilhes, quantitativo semelhante ao do ano de
2008, apesar de ter-se verificado um crescimento no nmero de empregos formais e uma
recuperao das exportaes de manufaturados.
Diante disso, a anlise econmica deve ser utilizada, quando da elaborao de
programas de incentivos e de desenvolvimento social, que, por bvio, acarretaro alteraes
no ordenamento jurdico, para a fixao de paradigmas e metas a serem alcanadas, bem
como para possibilitar uma verificao do nvel de eficincia desses mesmos programas.
Sero aqui utilizados, como referncias, projetos de incentivos setoriais
amplos, do governo federal, como o caso do denominado, por expressa previso legal,
Programa Minha Casa Minha Vida (Lei n 11.977, de 07 de julho de 2009, com alteraes
pela Lei n 12.424, de 16 de junho de 2011), PMCMV; e tambm do Programa intitulado
Brasil Melhor.
As intervenes do Estado brasileiro tm sido imprescindveis, quer para o
desenvolvimento do pas, quer para a superao de momentos de crise. O elemento
econmico e a avaliao de seus reflexos est presente na motivao da ordem jurdica, sendo
capaz de induzir comportamentos, atividades e abstenes.
III.3 Breve Referncia Teoria dos Incentivos
Fundamental, tambm, trazer considerao a teoria dos incentivos, pois
incentivos so a pedra angular da vida moderna, entend-los e investig-los a chave para
resolver qualquer enigma, dos crimes violentos, fraudes nos esportes, passando at pelos
40
encontros marcados online51, enfatizam Levvit e Dubner na popular obra Freakonomics.
Dessa forma, o elemento econmico e a ideia de incentivo mostram sua influncia perante
toda a sociedade. Lembram os autores que a economia, no fundo, um estudo de incentivos,
que so, por eles, classificados em trs ordens: econmica, moral e social.
Afirmam esses estudiosos que, inmeras vezes, esses trs tipos de incentivos
podem ser encontrados em um nico sistema de incentivos, citando como exemplo a
campanha antitabaco americana, pois o incentivo econmico ocorre em virtude do aumento de
3 dlares americanos por pack de cigarros, atravs de imposto que ficou conhecido como sin
tax. O incentivo social pode ser visto com a proibio de fumar em restaurantes e bares, e o
incentivo moral por meio das propagandas divulgadas pelo governo norte-americano
vinculando a venda de cigarros no mercado negro ao terrorismo.
Ademais, segundo Mankiw, incentivo algo que induz a pessoa a agir. Como
as pessoas racionais tomam decises comparando custo e benefcio, elas respondem a
incentivos52.
Jean-Jacques Laffont e David Martimort apresentam uma relevante base a ser
utilizada como ponto de partida para o exame dos incentivos. Iniciam com referncias
histricas, que remontam a Adam Smith e figura dos incentivos, em relao aos contratos na
agricultura. Seguem, examinando Chester Barnard, no tocante aos incentives in management;
Borda, Bowen, Vickrey, quanto aos incentives in voting; Knight, Arrow e Pauly, no que tange
aos incentives in insurance; seguindo com a anlise dos incentivos e redistribuio, dos
incentivos nas economias planificadas e desenvolvendo uma adequada apreciao sobre a
teoria dos incentivos, mesmo para no experts em economia53.
O Estado, como se sabe, pode interferir no fenmeno econmico, incentivando
o desenvolvimento e a correo ou, ao menos, a reduo, a atenuao das desigualdades
regionais e setoriais (princpio da Ordem Econmica Constitucional brasileira, inserido no art.
170 da CF/88). O professor Luiz S. Cabral de Moncada bem lembra a amplitude das atuaes
estatais, quando esclarece que o fenmeno econmico no se encerra numa tipologia muito
definida e, menos ainda, dentro do espartilho de uma taxatividade legal. Sustenta que a
51 LEVVIT, Steven D.; DUBNER, Stephen. Freakonomics: a rogue economist explores the hidden side of
everything. New York: Harpertorch, 2006. p. 11. 52 MANKIW. N. Gregory. Introduo economia. So Paulo: Cengage Learning, 2012. p. 07. 53 Cf. LAFFONT, Jean-Jacques; MARTIMORT, David. The theory of incentives: the principal - agent model.
New Jersey: Princeton, 2002. p. 01/29.
41
relao jurdica de fomento pode ser de natureza privada, como nos contratos de mtuo ou de
natureza pblica, como nos exemplos de subvenes. Afirma que os meios mais comuns
utilizados para o fomento econmico so os benefcios, fiscais e de outras naturezas, nesses
ltimos o aval do Estado, a garantia de emisso de obrigao, os emprstimos e os
subsdios54.
III.4 Espcies de Instrumentos Incentivadores
Pode-se, mesmo observada a diversidade dos tipos de intervenes existentes,
classific-las em de trs grandes espcies:
I) o Estado como agente da atividade econmica, exceo no sistema brasileiro
e nos demais Estados que adotam o modelo capitalista. De acordo com a Constituio Federal
de 1988, essa excepcional forma de atuao somente pode acontecer em hipteses de
segurana nacional ou relevante interesse coletivo, sempre com expressa autorizao legal;
II) a segunda forma engloba o planejamento, vinculante para o setor pblico e