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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE CENTRO DE HUMANIDADES UNIDADE ACADÊMICA DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA AS REINVENÇÕES DAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS EM CAMPINA GRANDE- PB (1920-1980) AMANDA PEIXOTO DE CARVALHO CAMPINA GRANDE PB 2011

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Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE CENTRO … Digital/Dissertacoes... · autor relatava que foi delegado em Natal e lá combatia com violência os ―praticantes da magia negra‖,

UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

CENTRO DE HUMANIDADES

UNIDADE ACADÊMICA DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

AS REINVENÇÕES DAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS EM

CAMPINA GRANDE- PB (1920-1980)

AMANDA PEIXOTO DE CARVALHO

CAMPINA GRANDE – PB

2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

CENTRO DE HUMANIDADES

UNIDADE ACADÊMICA DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

AS REINVENÇÕES DAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS EM

CAMPINA GRANDE- PB (1920-1980).

AMANDA PEIXOTO DE CARVALHO

Orientador: Luciano Mendonça de Lima

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em História da Universidade Federal

de Campina Grande, junto à Linha de pesquisa:

Cidade e Cultura, como parte dos requisitos para

obtenção do título de Mestre em História.

Campina Grande – PB

2011

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AMANDA PEIXOTO DE CARVALHO

AS REINVENÇÕES DAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS EM

CAMPINA GRANDE- PB (1920-1980).

Aprovada em:____/_____/_2011.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________

Prof. Dr. Luciano Mendonça de Lima – (UFCG)

Orientador

___________________________________________________

Prof. Dr. Gervácio Batista Aranha – (UFCG)

Examinador Interno

_____________________________________________________

Prof. Dra. Patrícia Cristina de Aragão Araújo – (UEPB)

Examinador Externo

_____________________________________________________

Prof. Dr. Jomar Ricardo da Silva - (UEPB)

Examinador Externo (Suplente)

______________________________________________________

Prof. Dr. Severino Cabral Filho- (UFCG)

Examinador Interno (Suplente)

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Ao meu esposo, Francisco de A. V. de

Carvalho, pela dedicação, companheirismo e

amor. E a meu pai que através do seu

exemplo em vida me incentivou nos estudos,

DEDICO.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus, pois é através de uma força divina e superior que me

ajudou nesta etapa de minha vida. Que nos momentos tempestivos durante esta caminhada

(Mestrado, especialização e vida pessoal ao mesmo tempo) acalentou meu coração. Mas,

reconheço meu esforço para superar este percurso, apesar de todas as falhas cometidas.

À meu esposo, Francisco, por toda a dedicação, companheirismo, amor que nos

momentos difíceis ficou ao meu lado me dando força. Também reservo meu carinho a minha

mãe, Natália e meu filho Gabriel, pelo amor incondicional.

Minhas irmãs Mônica, Simone e Iasmim que são antes de tudo minhas melhores

amigas, as quais são de grande importância na minha vida e na superação dessa trajetória.

Agradeço a meu orientador Luciano Mendonça de Lima, pela orientação e

compreensão no percorrer desta caminhada.

Igual satisfação aos professores Gervácio e Patrícia pelas contribuições teóricas e

sugestões para este trabalho.

A meus amigos do mestrado, Elane, Fátima, Luís, Leonardo e Michele, que

compartilharam várias discussões teóricas e metodológicas durante as disciplinas. Também

reservo um espaço para agradecer a Luciana Estevam que me ajudou em momentos de

dificuldade.

Não esqueço também de meus professores Clarindo, Cabral, Osmar e Iranilson, que

durante as disciplinas por eles lecionadas, contribuíram diretamente na escrita deste trabalho.

Também agradeço as pessoas que me ajudaram na pesquisa como Vicente Mariano

pela entrevista e compreensão, como também a todos que me concederam entrevistas. Ao

pessoal do arquivo do Diário da Borborema, Átila Almeida, Lael-UFCG, pois sem estas

pessoas que dedicam seu tempo em manter estes espaços de memória, fragmentos do passado

se apagariam.

Obrigada a família de Evandro Barros, em especial a seu neto Evandro e sua filha por

ter cedido uma das muitas gravações da série radiofônica ―Contos que a noite conta‖.

Além de estender ainda meu agradecimento ao secretário do mestrado Arnaldo, pela

paciência e educação que nos tem tratado, sua compreensão e dedicação que foi importante

nesta etapa.

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RESUMO

Neste trabalho tentamos contribuir com a história das religiões afro-brasileiras na

Paraíba e principalmente na cidade de Campina Grande, no qual buscamos evidenciar as lutas,

resistências, conflitos e repressões sofridas pelos praticantes destas religiosidades. Nosso

principal objetivo é de problematizar as reinvenções históricas-sociais das religiões afro-

brasileiras neste Estado em meados do século XX. Reinvenções não nas formas de culto, mas

formas como elas conseguiram ter mais espaço na sociedade, em meio a uma história de

repressão. Além das representações construídas pela sociedade em torno das religiões afro-

brasileiras. Para tal estudo, utilizamos fontes variadas como leis, processos criminais, relatos

orais, cordel, jornais, dados estatísticos do IBGE, além de uma gravação de um programa de

uma Rádio local. A pesquisa se desenvolveu a partir dos referenciais principais como E.

Thompson, James Scoot, Michael de Certeau e Roger Chartier, entre outros. Assim dividimos

o trabalho em três momentos, primeiro discutimos como conceito de religião e religiões afro-

brasileiras e os diferentes usos dos territórios e espaços da cidade de Campina Grande pelos

―Catimbozeiros‖ e ―feiticeiros‖. Num segundo momento, evidenciamos as repressões por

variados estratos sociais e científicos para com as religiões afrodescendentes e também a

resistência dos religiosos para manter seus cultos. Em nosso último capítulo, discutimos as

representações ou imagens construídas em torno das religiões afro-brasileiras nos jornais,

cordéis ou no Rádio, que na maioria dos casos são relatadas de forma estereotipada. Assim,

dentre as várias observações, nesse estudo, pudemos concluir que foi e continua a ser uma luta

contra a intolerância religiosa, além de uma longa história de resistência para manter os cultos

nos terreiros na cidade. Assim, os praticantes das religiões afro-brasileiras tiveram que se

―reinventar‖ para conseguir a permanência dos rituais.

Palavras-chaves: Religião Afro-brasileira, Resistência e Repressão.

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ABSTRAT

In this work we try to contribute to the history of african-Brazilian religions and especially in

Paraiba in Campina Grande, in which we seek to highlight the struggles, resistance, conflict

and repression suffered by these practitioners religiousness. Our main objective is to

problematize the social-historical reinventions of african-Brazilian religions in this state in the

mid-twentieth century. Reinventions not in forms of worship, but ways in which they could

have more room in society, in the midst of a history of repression. In addition to the

representations constructed by the society around african-Brazilian religions. For this study,

we used various sources such as laws, criminal procedures, oral histories, string, newspapers,

statistical data from the IBGE, and a recording of a local radio program. The research grew

out of the major benchmarks such as E. Thompson, James Scoot, Michael de Certeau and

Roger Chartier, among others. Just divide the work into three times, first discussed how the

concept of african-Brazilian and the different uses of spaces and territories of the city of

Campina Grande "Catimbozeiros" and "witches." Secondly, the repressions evidenced by

various social strata to scientific and religions of African descent and also the strength to keep

their religious cults. In our last chapter we discuss the representations and built around images

of african-Brazilian religions in the newspapers, radio or in twine, which in most cases are

reported in a stereotyped fashion. Thus, among the various observations in this study, we

conclude that it was and continues to be a struggle against religious intolerance, and a long

history of resistance to keep the services in the yards in town. Thus, practitioners of african-

Brazilian religions had to "reinvent" to achieve the permanence of the rituals.

Keywords: African-Brazilian Religion, Resistance and Repression.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

GRÁFICO 1: Censo de 1890 sobre a religião e cultos da cidade de Campina Grande............43

GRÁFICO 2: Censo de 1980 da cidade de Campina Grande sobre a religião.........................47

Imagem 1: ―Mãe Lidia, uma vida dedicada a Umbanda‖.........................................................56

Imagem 2: Vicente Mariano e Manuel Rodrigues....................................................................59

Imagem 3: Passeata em prol da regulamentação da umbanda no Estado................................91

Imagem 4: Doação do terreno para a construção de uma sede social em Campina Grande pelo

prefeito Evaldo Cruz. ............................................................................................................103

Imagem 5: MACUMBA1 MACUMBA!................................................................................108

Imagem 6: Espíritos baixam na delegacia‖. ...........................................................................109

Imagem 7: ―Xangozeiras presas fazendo ‗despacho‘ no cemitério‖.......................................111

Imagem 8: ―Nudismo no Xangô de Maria do Rato‖...............................................................113

Imagem 9: ―Xangozeira volta a presença da autoridade policial‖..........................................114

Imagem 10: ―Magia Negra na morte do Carapuceiro.............................................................115

Imagem 11: ―Bruxa da cachoeira...‖.......................................................................................116

Imagem 12: I Festival de Umbanda e realizado no Teatro Municipal ..................................117

Imagem 13: Comemoração a Oxum......................................................................................118

Imagem 15: Religiosidade em Campina Grande....................................................................121

Imagem 16..............................................................................................................................129

Imagem 17: cordel..................................................................................................................137

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LISTA DE SIGLAS

FCAEP - Federação dos Cultos Afro Brasileiros do Estado da Paraíba

FICAB-PB - Federação Independente dos Cultos Afros-Brasileiros do Estado da Paraíba.

FUBCUFEP - Fundação Beneficente dos Cultos Umbandisticos e filosóficos do Estado da

Paraíba.

INTECAB- Instituto da Tradição e Cultura Afro-brasileira

SEDHIR/UFCG- Setor de Documentação e História Regional da Universidade Federal de

Campina Grande

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................11

2. CAMPINA E SEUS ARRABALDES: RELIGIÃO E DIFERENTES USOS DOS

TERRITÓRIOS PELOS “CATIMBOZEIROS” E “FEITICEIROS”..............................35

2.1. RELIGIÃO AFRO-BRASILEIRA E RELIGIOSIDADE NA CIDADE DE CAMPINA

GRANDE NO SÉCULO XX...................................................................................................35

2.2. MÚLTIPLOS TERRITÓRIOS E SEUS CONFLITOS....................................................50

2.3. DIFERENTES USOS DO ESPAÇO: NOS TERREIROS DE CAMPINA GRANDE E

SEUS ARRABALDES.............................................................................................................64

3. REPRESSÃO E RESISTÊNCIA DOS “FEITICEIROS” E “CURANDEIROS” ......70

3.1. MÉDICOS E LETRADOS: REPRESSÃO CONTRA CURANDEIROS E

FEITICEIROS...........................................................................................................................71

3.2 A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA LEI..................................................................... 81

3.3. RESISTÊNCIA E LEGITIMAÇÃO DAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS..........86

4. IMAGENS DAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS NA CIDADE.........................105

4.1. IMAGENS DE JORNAIS SOBRE O NEGRO E SUA RELIGIOSIDADE.................105

4.2. CONTOS QUE A NOITE CONTA: ―NÃO ABRA A SUA PORTA A MEIA

NOITE‖...................................................................................................................................124

4.3. CORDÉIS: ENTRE O PRECONCEITO E A ACEITAÇÃO........................................130

5. CONCLUSÃO: A luta continua contra a intolerância Religiosa.................................140

BIBLIOGRAFIA...................................................................................................................143

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ANEXOS................................................................................................................................148

1. INTRODUÇÃO

As religiões afro-brasileiras como Candomblé1 ou a Umbanda, esta última considerada

religião tipicamente nacional, mesmo que legitimadas atualmente, sofreram, no Brasil,

variadas represálias, como também na Paraíba e na cidade de Campina Grande. A

historiografia nos permite afirmar que a repressão a estas religiões, e consequentemente, seus

adeptos ocorreram em outras cidades brasileiras ao longo da História, como Salvador, Rio de

Janeiro e Recife, entre outras2.

O presente estudo também se preocupa com as dificuldades ou represálias que os

praticantes das religiões afro-brasileiras sofreram em Campina Grande-Pb. O que pôde ser

logo percebido em algumas fontes por nós pesquisados, como os jornais que traziam matérias,

com afrontas diretas aos praticantes das religiões de matriz africana, a exemplo, da coluna

semanal ―Por esse mundo do Além‖, de Antônio Barroso Pontes, em um jornal local3. Neste o

autor relatava que foi delegado em Natal e lá combatia com violência os ―praticantes da magia

negra‖, enfatizava que ao chegar num terreiro ou ―numa maloca‖, todos eram condenados

pela prática de feitiçaria, curandeirismo ou outros motivos para apreensão e ainda, casos

fossem pegos em flagrante, levavam uma ―dúzia de bolos‖4 e outras surras que poderiam levar

se ―os feiticeiros não tivessem a coragem precisa, de botar um feitiço‖ nele. E como os

feitiços não davam certo, então sempre os praticantes do xangô5 retornavam à delegacia.

Segundo ele, foi assim que ―sanou‖ tais práticas na capital natalense. Mas, continuava

indignado, pois, ―em plena época de evolução‖ na Paraíba e na sua Capital ainda estas

práticas continuavam a ocorrer e dizia:

Vi a poucos dias um dêsses 'trabalhos' executados por feiticeiros vulgares,

em que procuravam com o feitiço levar ao ridículo, famílias honestas, como

quem tem o recalque de não poder se aproximar dos ambientes recatados6.

1 Culto afro-brasileiro ligado às tradições africanas, onde se cultua os orixás. Que possuí algumas variantes como

Candomblé de Angola, Caboclo, Congo, Keto, Nagô e de baianos. Ver definição de todos em: CACCIATORE,

Olga Gudolle. Dicionário de Cultos Afro-brasileiros. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1977. P.78-80. 2 Ver os trabalhos de SAMPAIO, Gabriela dos Reis .―Pai Quilombo, o chefe das macumbas do Rio de Janeiro

imperial‖. In: revista Tempo. Univ. Federal do Fluminense. Vol. 6, nº11. Rio de Janeiro: 7 Letras. 2001.p.157-

169. REIS, João José. Domingos Sodré: um sacerdote africano. Escravidão, liberdade e candomblé na

Bahia do século XIX. São Paulo Companhia das Letras, 2008. E de, COSTA, Valéria Gomes. É do Dendê!

História e memória urbanas da Nação Xambá no Recife (1950-1992). São Paulo: Annablume, 2009.

3 Diário da Borborema. 20 de dezembro de 1962. p.4 4 Termo popular que o jornalista e ex-delegado do jornal citado, se referia a maus tratos ou espancamentos que

os referidos presos sofriam na delegacia. 5 Termo genérico leigo, para designar os cultos afro-brasileiros no Recife, Alagoas, Sergipe e Paraíba.

6 DB. 20.12.1962. p.4

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Neste trecho podemos notar que mesmo depois da constituição de 1889 e em pleno

século XX as religiões de matriz africana ainda sofriam forte repressão policial, conforme

representação nos jornais, os quais as desqualificavam como feitiçaria e ainda consideravam

os terreiros como locais onde pessoas podiam ser enganadas. Não podendo dessa forma

continuar a existir, segundo o jornalista e ex-delegado do jornal citado, práticas como o

Xangô num período de ―evolução‖ que afirmava uma imagem de ―barbárie‖.

O mesmo ex-delegado ainda comenta que as vítimas que procuraram os terreiros,

como mulheres, apesar de terem se defendido dizendo que eram de ―famílias‖, elas na

verdade estavam entre a casa e os bordéis, ou seja, eram prostitutas mascaradas, pois, segundo

ele, eram ―apenas de fato, porque ainda não está fichada na polícia, para se tornar uma

maripôsa de direito.‖7 Ressalta que a delegacia de costumes devia estar atenta a práticas como

esta.

A narrativa desse cronista nos inquietou em muitas passagens, como comparar a

religiosidade dos populares à pratica de ―magia negra‖, preconceito construído em torno dessa

religiosidade que é parte da herança africana e indígena, mas que foi considerada por muito

tempo como prática demoníaca.

Tais visões colaboram para a formação de representações negativas, preconceituosas e

atos repressivos como a apreensão ou agressão física, pois os ―catimbozeiros‖ no relato do

jornal ―levavam uma dúzia de bolos‖. Até as mulheres que participavam ou buscavam auxílio

nos terreiros, para ele, eram tidas como prostitutas, ou a comparação do terreiro a uma

maloca8 ou zona, esconderijo de malandros.

Esse e inúmeros outros relatos nos jornais evidenciam a dificuldade e o preconceito

desses praticantes de religiões afro-brasileiras em continuarem seus cultos ao longo do século

XX. Dificuldades resultantes da repressão sofrida através da violência policial e judicial, além

de serem estigmatizadas pelas outras religiões, como práticas demoníacas, entre outras formas

de repressão a qual tivemos interesse de aprofundar. Não podemos esquecer processos e

formas de resistência a estas repressões, além das representações negativas construídas sobre

esta religiosidade na cidade de Campina Grande.

7 Diário da Borborema. 20 de dezembro de 1962. p.4

8 Maloca em Campina Grande esse termo podia ter o sentido de verdadeiros bolsões de miséria, formados por

dezenas de casebres, todos amontoados. Em outras cidades esse tipo de formação domiciliares são conhecidos

como mocambos.

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Por isso, neste trabalho tentamos contribuir com a história das religiões afro-brasileiras

na Paraíba e principalmente na cidade de Campina Grande, no qual buscamos evidenciar as

lutas, resistências, conflitos e repressões sofridas pelos praticantes destas religiosidades.

Nosso principal objetivo foi de problematizar as reinvenções históricas-sociais das

religiões afro-brasileiras neste Estado em meados do século XX. Reinvenções não nas formas

de culto, mas formas como elas conseguiram ter mais espaço na sociedade, em meio a uma

história de repressão. Além das representações construídas pela sociedade em torno das

religiões afro-brasileiras.

Para desenvolvermos uma problemática como esta não poderíamos deixar de refletir

sobre o tema cidade, porque nossa pesquisa está inserida na linha I - Cidade e Cultura, do

Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal de Campina Grande. Uma

temática que já foi estudada por pesquisadores em diversas áreas de conhecimento, como a

Sociologia, Antropologia, Geografia, Arquitetura, Economia e também a História. Cada uma

delas propondo abordagens diferentes sobre o problema do crescimento e da vida nas cidades

entendendo, regulando, desenhando e planejando e historicizando os processos de

urbanização.

Os primeiros estudos sobre a história urbana iniciam no século XIX, com a emergência

de enfermidades como a cólera e a intensa preocupação com os novos elementos e medos

provocados pelas transformações na vida das cidades. Segundo Maria Stella Bresciani9, a

história urbana oferece alguns caminhos possíveis para ser problematizada. Ela sugere sete

possibilidades de estudo ao fazer uma analogia entre as entrada das antigas cidades muradas

como Tebas.

Algumas abordagens para o estudo sobre a cidade surgiram logo no século XIX, mas

permanecem atualmente. Bresciani divide em sete possibilidades ou sete portas: (1) a

―técnica‖, quando a cidade é problematizada a partir de um instrumento de modificação do

meio, por exemplo, como ocorreu com a emergência do saber médico e sanitarista que se

preocupava com o comportamento das pessoas, além da reorganização do espaço urbano; (2)

a questão social estudo realizado através dos impactos do crescimento populacional, como a

pobreza; (3) das identidades sociais na cidade; (4) a formação de uma nova sensibilidade da

redução dos sentidos da população urbana na vida frenética; (5) o habitante do espaço urbano

9 BRESCIANI, Maria Stella, As sete portas da cidade. In: Espaço & Debates. São Paulo: NERU, 34: 10-15,

1991.

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(6) cidade como objeto da história. E a última ―porta‖ (7) direciona no estudo da cultura

popular.

Seguindo esta linha de pensamento, a autora destaca que em estudos mais recentes

sobre a cidade, que ela considera como ―sétima porta‖, seria o estudo da cidade dividida em

múltiplas espacialidades, distante da lógica dos urbanistas. Onde os espaços da cidade são

problematizados pelos seus diferentes usos, territórios e memórias que modificam a própria

matéria urbana10.

Contudo, pesquisas históricas relacionadas à religiosidade na cidade, principalmente

sobre os cultos afro-brasileiros, ainda são escassas. Encontramos estudos sobre esta prática

religiosa em outras áreas de conhecimento, tais como na Sociologia e Antropologia.

O tema cidade na área histórica vem sendo estudada nos cursos de pós-graduação

especificamente nos anos 80 com a implantação da Linha de Pesquisa ―Cultura e Cidades‖ na

Pós-Graduação de Hist. Social da Unicamp, em 198511 e posteriormente, na Paraíba, com o

mestrado em História, na UFCG em 2006. Como também existem inúmeras pesquisas

isoladas pelo Brasil afora.

Existem algumas produções com uma dimensão étnico–racial e sobre o cotidiano das

cidades que nos trazem caminhos possíveis ou inspiraram este trabalho, particularmente da

experiência de africanos e afro-descentes no Brasil. Principalmente para problematizar nosso

objeto e objetivo durante a introdução.

Trabalhos que evidenciam a repressão aos afro-descendentes, as resistências da

população escrava diante da opressão e do controle, a exemplo dos escravos no Rio de

janeiro, no século XIX, quando a repressão a esta população, por meio da violência física ou

não, e em espaços múltiplos (público ou privado).

Luís Carlos Soares12 nos faz refletir sobre a noção de violência, uma medida

fundamental para o controle dos escravos pelos seus senhores no âmbito doméstico, auxiliado

pelo feitor. Na ausência deste, como nos espaços urbanos, cabia ao Estado este papel

coercitivo, através da instituição policial. Esta agia na cidade não somente em logradouros

públicos, mas para quem cometesse crimes ou infringisse as leis. Também se fazia presente

10

BRESCIAN, Ob. Cit, p. 11.

11 BRESCIANNI, Maria Stella M. História e Historiografia das Cidades, um percurso. In: FREITAS, Marcos

Cezar de.(org.) Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo: Contexto, 1988.

12 SOARES, Luís Carlos. As tentativas de controle da população escrava no Rio de Janeiro. In: O povo de

“CAM” na capital do Brasil: escravidão urbana no Rio de Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: 7 Letras,

2007. p. 195-305.

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quando seus senhores não queriam punir pessoalmente, dessa forma levavam na delegacia

para tal realização.

A violência, nesse sentido, vinha acompanhada de um aparato legal para que

funcionasse, como os códigos de posturas municipais, que, a princípio, serviam para punir e

vigiar, evitar crimes, rebeliões ou desordem.

Assim, as autoridades municipais procuravam evitar que os escravos ―ofendessem‖ os

padrões morais, coibindo o escravo de diversas formas, como proibição de roupas

inadequadas nas ruas e manifestações culturais e religiosas que não podiam se opor aos da

sociedade branca. Não deviam funcionar então batuques, candomblés ou qualquer

ajuntamento de escravos.

Este aspecto de violência anunciada também se faz presente neste trabalho, por meio

de normas e leis que auxiliavam o Estado a coibir a religiosidade afro-brasileira, através,

também da violência policial e, posteriormente, do preconceito sob variadas formas e

representações, ressignificadas ao longo do tempo.

Além da noção de repressão, violência, também nos ajudaram os trabalhos que seguem

uma linha social e que possuem uma riquíssima produção nos estudos sobre a temática do

povo negro. Os quais fazem uso de conceitos thompsonianos13, por exemplo, a experiência

dos escravos, as relações entre eles e o senhor em uma nova perspectiva, em constante

conflito, ambiguidades, confrontos, não se restringindo apenas à violência física, cultural e

religiosa ou interesses econômicos, mas recuperando personagens antes esquecidos e

destacando o agenciar destes no cotidiano14. Aqui destacaram-se as múltiplas formas de

resistência dos escravizados.

Sidney Chalhoub, em ―Visões da liberdade‖15, procurou recuperar história de alguns

escravos do Rio de Janeiro nas últimas décadas do século XIX. Destacando personagens

outrora esquecidos na documentação de arquivos como Adão Africano, Genuíno, Juvêncio,

Bonifácio, entre outros. Dessa forma, analisou os processos criminais de obtenção de alforria

que estes negros estavam envolvidos, revelou interesses e conflitos existentes nestes

13

Resistência, classe, experiência, entre outros. 14

LARA, Silvia Hunold. BOLWIN‘ IN WIND: E.P. Thompson e a experiência negra no Brasil. In: Projeto

História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-

SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). São Paulo, 1981.p. 46. 15

CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte.

São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

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processos e destacou que o papel da cidade negra, com seus esconderijos, desempenhou em

suas vidas.

Para ele, o esforço é essencial para a compreensão adequada do sentido que as

personagens históricas de outra época atribuíam às suas próprias lutas. Dessa forma, buscou

compreender o significado da liberdade para escravos e libertos, buscando perceber o que os

diferentes sujeitos históricos entendiam por escravidão e liberdade e como interagiam no

processo de produção dessas visões ou percepções.

Para este autor, o significado da liberdade, para os negros, foi forjado na experiência

do cativeiro. Sem dúvida, um dos processos mais traumáticos da escravidão era a constante

compra e venda de seres humanos. Assim, a liberdade foi conquistada de diversas formas,

devido ao grande esforço dos próprios escravos que buscavam meios para adquirir sua

alforria.

Além dos trabalhos de história social que envolvem a experiência dos escravos,

também há outros estudos no campo da história, que abordam a religiosidade afro-brasileira,

mas fazendo um exercício de micro história, com personagens singulares, antes excluídos,

que modificam sua própria história e evidenciam um cotidiano social antes esquecido.

Gabriela dos Reis Sampaio, com o trabalho ―Pai quilombo, o chefe das macumbas do

Rio de Janeiro imperial‖16, utilizou documentos como jornais e processos crimes para trazer à

luz as pessoas comuns que antes não eram enfatizadas na história. Com isso, a autora conta a

história de um feiticeiro negro conhecido como Pai Quilombo, cujo nome era Juca Rosa. Ele

era procurado por diferentes grupos sociais em busca de conselhos, curas ou promessas de

fortuna. Suas atividades, durante muito tempo, foram exercidas sem sofrer muitas

intervenções da Secretaria de Polícia, mas, após uma denúncia de envolvimento com

mulheres (casadas e solteiras), espiritualmente e sexualmente, ele foi preso por seis anos.

Nesta mesma linha, João José Reis faz uma redução de escala para estudar a trajetória

de um sacerdote africano na Bahia do Século XIX, o Domingo Sodré17, que provavelmente

nasceu em Onin ou Lagos, na atual Nigéria, por volta dos anos 1797, e morreu em 1887.

Transitou entre a condição de escravo no Brasil e a de homem livre, transformando-se em

muitos sujeitos e negociou ou manteve relações de sociabilidade com personagens sociais

diversos, dentre os quais poderiam auxiliá-lo nas suas práticas religiosas. Reis acompanhou a

vida desse homem por meio de fontes oficiais e buscou pistas que levaram à presença e a

16 SAMPAIO, Op. Cit..

17 REIS, Op. Cit. 2008.

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17

pratica do candomblé na Bahia, que, nesta época, era fortemente reprimida. Mas, em várias

passagens do livro, devido às lacunas de fontes ou um silêncio nos arquivos, o autor permite

ao leitor, a ―imaginar‖ o que poderia ter acontecido. No entanto, sempre baseado na

evidencia.

João José Reis18 ressalta ainda as dificuldades existentes para o estudo das religiões

afro-brasileiras, que já há muito foram exploradas por outras disciplinas, como a Antropologia

e Sociologia, as quais foram pioneiras neste estudo. Alerta ainda sobre a dificuldade de

encontrar uma documentação específica, porque este tipo de religiosidade permaneceu por

muito tempo na clandestinidade

Durante a escravidão, e mesmo após, as expressões religiosas negras foram

descritas por escrivãos de polícia que narravam invasões de terreiros ou

derrotas de revoltas, por autoridades eclesiásticas e civis preocupadas em

combater a feitiçaria e a subversão dos costumes, por viajantes estrangeiros

ávidos pelo exotismo. Por isso, as informações trazem sempre distorções e

preconceitos marcantes19.

No entanto, Reis salientou sobre a dificuldade de acesso a fontes eclesiásticas ou civis,

dificultando o estudo dos ―inúmeros aspectos das camadas populares, especialmente daqueles

setores quase absolutamente à margem da cultura escrita.‖20. O autor relata a repressão de um

―terreiro‖, no Recôncavo Baiano, em 1785, utilizando esta fonte empírica, para extrair

elementos que pudessem ajudar a entender a trajetória da religião negra e a lógica da

repressão.

Diferente desses trabalhos, nós não conseguimos seguir rastros de um único

personagem enquanto biografia, devido à dificuldade de encontrar ou rastrear fontes que nos

enveredasse por este caminho. O que encontramos foram fontes variadas que se cruzam no

tema religiosidade e que, posteriormente, apresentaremos na metodologia. Mas que, de certa

forma, tentamos ressaltar personagens em nossa narrativa, retirando-lhes do anonimato. Não

obstante, percebemos que pessoas comuns, ao longo do tempo, podem transformar a

sociedade e não somente uma elite ou um discurso legitimador, através da resistência diante

18

REIS, João José. Magia Jeje na Bahia: A invasão do calundu do Pasto de Cachoeira. 1785. In: Revista

Brasileira de História. ANPUH: Escravidão nº especial. Organizado por Silvia Hunold Lara. São Paulo:

Marco Zero, v.8. n. 16, p. 57-81. mar./ago. 1998. 19

Ibid. p. 57-58. 20

Ibid. p.58

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18

da opressão, das redes de sociabilidade, como utilizou o personagem Domingo Sodré21, e de

táticas e astúcias para burlar as redes disciplinares como no trabalho de Valéria Gomes22.

Outros estudos que remontam à pós-abolição também foram relevantes para a

compreensão de outras formas de coerção e repressão da população e da vida nas cidades.

Quando as cidades brasileiras nos fins do século XIX e principalmente no século XX

passaram por muitas transformações e urbanizações, aspirando uma ―civilidade‖. Embora esse

ideário de ―civilidade‖ procurasse moldar a população com ares de elegância e etiqueta,

muitos populares não aceitaram ou demoraram a entender as novidades modernizantes.

Recife – Pe foi estudada nesse momento de transformações urbanas, por Raimundo

Arrais23, que analisou o espaço urbano no início do século XX pensando-o como um lugar

carregado de ambigüidades com conflitos e confrontos, devido a interesses diferentes entre a

elite intelectual ou política e os populares. Um capítulo do livro ―Recife: culturas e

confrontos...‖ analisou alguns espaços da cidade após a reforma que eram consideradas

lugares de civilidade e elegância como a Praça da República, onde ocorriam variados eventos

como a apresentação de bandas.

Mas, nesses momentos de festividades havia o ajuntamento de um público

diversificado, o que gerava muitos tumultos, as quais eram fortemente criticados pelos

letrados da época como jornalistas. Este autor nos traz ainda exemplos de variadas práticas

populares de sociabilidade, que por outros segmentos sociais não eram considerados

aceitáveis como capoeiragem, maltas, brabos e os pastoris.

O que nos leva a pensar a cidade não como espaço homogêneo, mas diversificado e

como um espaço ou lugar onde as pessoas podem nutrir diferentes usos, embora não tenha a

mesma aceitabilidade por outros o que gera muitos conflitos e confrontos.

Numa outra perspectiva, Flávio W Teixeira24 escreve, sobre Recife, dos anos 1950, em

que analisa a sensibilidade das pessoas no encontro das reformas urbanas, evidenciando o uso

que as pessoas faziam em certos espaços da cidade e o cotidiano dos conflitos dos populares

com a modernização. Tais mudanças influenciaram nos valores, comportamentos e hábitos de

consumo das pessoas.

21

REIS, Op. Cit, 2008. 22

COSTA, Valéria Gomes. É do Dendê! História e memória urbanas da Nação Xambá no Recife (1950-

1992). São Paulo: Annablume, 2009.

23 ARRAIS, Raimundo Pereira Alencar. A cidade popular. In: Recife, culturas e confrontos: As camadas

urbanas na Campanha Salvacionista de 1911. Natal: EDUFRN, 1998, p77-146.

24TEIXEIRA, Flávio ―Weinstein. Modernidade, modernização, relações sociais, cultura e sociabilidades no

Recife nos anos 1950‖. Revista CLIO. N. 21. Recife: Ed Universitária – UFPE; p.9-32.

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19

Segundo este autor, Recife possuía uma malha urbana bem definida, até os anos 30,

mas isto se dilui principalmente com o crescimento populacional, quando houve a ocupação

de áreas na cidade antes vazias. Esta cidade possui peculiaridades geográficas como o traçado

dos rios e muitos bairros sofriam transtornos em decorrência do inverno, por alagamentos que

ficavam ―intransponíveis‖.

Os pobres sofriam transtornos diferentes de outras camadas sociais, pois suas

residências eram alvo constantes de alagamentos, insetos, ratos, deslizamentos, entre outros.

Além desses problemas nas suas moradias, também passaram a ser objeto de perseguição

devido a seus costumes, pelo poder público, tais como a proibição de criar animais, como

galinhas ou porcos, nas áreas urbanas, coibindo uma prática que lhes eram costumeiras. Essa

mesma preocupação se dava com o comércio ambulante nas áreas centrais, com o objetivo de

controlar a propagação dos ambulantes.

A religiosidade e as crenças de populares também foram alvo de repressão, uma vez

que houve a ocorrência de prisões de catimbozeiros, que, segundo um ―jurista local (não

especificado),‖ o catimbó não se classificava como religião, ―não estando, por conseguinte,

amparado pela prerrogativa constitucional de liberdade de culto‖25. A polícia, amparada por

essa questão jurídica, prendia religiosos e os objetos de cultos dos catimbozeiros. Esse autor

nos traz exemplos de variados casos em que mesmo diante desta repressão as práticas

cotidianas de criatórios, ambulantes e crenças populares continuaram a existir.

Já numa historiografia paraibana sobre cidade, também encontramos eixos geradores

sobre esta temática como modernidade, cotidiano, imagens, recorte ético-racial, entre outros.

E isto pode ser percebido em estudos recentes sobre a cidade de Campina Grande, como a

dinâmica da escravidão neste município, no século XIX26

, as mudanças ou transformações

advindos com os aparelhos modernizantes como ―sistema de telégrafo, telefônico, ferroviário

etc, e na adoção de equipamentos de higiene e/ou conforto...‖ os quais viabilizavam a ideia de

25 Ibid p.15

26 LIMA, L. M. Cativos da “Rainha da Borborema”: uma história social da escravidão em Campina

Grande – século XIX. R. Tese (doutorado em História) - UFPE. Recife, PE, 2008.

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20

vida moderna27

, relacionando ainda a conflitos, confrontos, tensões e sensibilidade em

espaços de lazer e trabalho28.

Num sobre a Paraíba com recorte ético racial temos trabalhos como o de Luciano

Mendonça, que estudou em especial o período da escravidão na cidade de Campina Grande.

Inicialmente estudou o movimento Quebra-Quilos29, movimento que contou com a

participação de diversos grupos sociais, os quais entraram em confronto com as forças

policiais, contra o novo sistema métrico decimal de pesos e medidas, além dos novos

impostos como o de chão. Esse evento ocorreu em diversas vilas e cidades das províncias de

Pernambuco, Alagoas, Rio grande do Norte e Paraíba. Mas Campina Grande – PB se

singularizou-se em virtude da participação dos escravos, que aproveitaram a ocasião par se

rebelar contra os seus senhores, quando ameaçaram e aprisionaram autoridades locais,

exigindo os papeis da tão sonhada liberdade. Mas, todos os participantes foram fortemente

reprimidos até com tropas oriundas do Rio de Janeiro e os escravos punidos com diversos

―castigos‖.

Em outro estudo este autor procurou entender a dinâmica da escravidão, priorizando o

processo de formação de uma cultura de resistência escrava ao longo do século XIX,

destacando muitas experiências dos escravizados e destacando os mesmos como sujeitos da

história na ―Rainha da Borborema‖ 30. A história da escravidão em Campina Grande está

vinculada ao processo de conquista e ocupação de seu território original. Assim, o autor

escreveu sobre o processo histórico de formação da Paraíba e de Campina Grande e

relacionou com a conjuntura da escravidão no Brasil e na localidade, também evidenciou as

origens das nações africanas de Campina Grande e a distribuição, posse e preços dos

escravizados. Além das formas de resistência, mesmo que através de negociações entre

senhores e escravos, analisou ainda os males da escravidão e a estrutura familiar dos

escravos.31

27 Ver ARANHA, Gervácio Batista. Seduções do moderno na Parayba do norte: trem de ferro, luz elétrica e

outras conquistas materiais e simbólicas (1880-1925). In: Paraíba no Império e na República: Estudos de

História Social e Cultural. João Pessoa: Idéia, 2005.

28 Ver SOUSA, Fábio Gutemberg Ramos B. Territórios e Confrontos: Campina Grande – 1920-1945. Campina

Grande: EDUFCG, 2006. E SOUZA, Antônio Clarindo, Lazeres Permitidos, Prazeres Proibidos: sociedade,

cultura e Lazer em Campina Grande (1945-1965). Tese – doutorado em História. Recife: UFPE, 2002.

29 LIMA, Luciano. M. Derramando susto: os escravos e o Quebra-Quilos em Campina Grande. 1. ed.

Campina Grande: EDUFCG, 2006.

30 Id. Cativos da “Rainha da Borborema”: uma história social da escravidão em Campina Grande –

século XIX. R. Tese (doutorado em História) - UFPE. Recife, PE, 2008. 31

Ainda no contexto da escravidão na Paraíba podemos ainda citar: LIMA, Maria da Vitória Barbosa. Liberdade

interditada, liberdade reavida: escravos e libertos na Paraíba escravista (século XIX) Tese de Doutorado

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21

Estes trabalhos até agora citados relativos a um, antes e pós-abolição estão inseridos na

história social e cultural, os quais enfatizavam as experiências, resistências, as práticas

culturais. Que como já referimos, foram importantes para a problematização ou inspiração de

nossos objetivos. Mas, nosso trabalho está inserido numa vertente da História Social e

Cultural, pois enquanto a história social nos permite estudar as práticas sociais, as

experiências de determinados grupos.

A História cultural permite resgatar os sistemas de representação que compõe o

imaginário social, pois pensamos o social inseparável do cultural. Para tal proposta, alguns

estão presentes nas contribuições de E. Thompson, James C. Scott, M Certeau e Roger

Chartier.

A história social inglesa com Thompson32, sob o seu viés de um marxismo revisitado,

possui alguns pressupostos importantes como a experiência humana como fundamento

agenciador dos processos históricos, por isso a valorização da experiência e da cultura de

classe. Ele realizou preferencialmente a história ―vista de baixo‖, dando voz aos excluídos,

preocupando-se com a opinião das pessoas comuns; oferecendo o redimensionamento do

conceito de classe, até porque as classes sociais não são homogêneas, elas possuem fissuras

internas, que se modificam segundo suas peculiaridades em diferentes locais e

temporalidades.

A idéia de consciência de classe elaborada por Marx33 foi ampliada por Thompson, o

qual advertiu que a classe não pode ser considerada homogênea 34 e não está presa a uma

estrutura. Ele ressalta que a classe se constitui a partir das experiências e interesses comuns

entre as pessoas. Essa experiência possui uma temporalidade e é sócio-culturalmente

formado, pois os interesses dos indivíduos mudam com o tempo e são influenciadas por seu

apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2010.

E ROCHA, Solange Pereira da. Gente negra na Paraíba oitocentista: população, família e parentesco

espiritual. São Paulo: Editora UNESP, 2009. 32

THOMPSON, E. P. Prefácio: A formação da classe Operária Inglesa. In: A Árvore da liberdade. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1987. 33

Para Marx a classe social é composta de grupos de homens que por se diferenciam entre o lugar que ocupam

num sistema de produção social e são historicamente determinados e cada grupo tem afinidade políticas e

ideológicas. Sendo que nas sociedades capitalistas ou pré-capitalistas existia a classe dominante que controla

direta ou indiretamente o Estado e outra a classe dominada, por aquelas que impõem uma estrutura social. Para

Marx, no decorrer da história existiram sucessivas lutas entre estas duas classificações sociais, que para ele esta

classe dominada poderia assumir o papel de dominante através do confronto entre os opressores (burguesia) e

dominados (proletários). Ver: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto do partido comunista. Trad.

Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2002, passin. LIMA, Rômulo de Araújo. Em busca da Dialética.

Apontamentos acerca do conceito de modo de produção. Campina Grande- PB: FURNe, 1983. p . 54-75. 34

THOMPSON, Op. Cit. 1987. p.9-12

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22

contexto social e cultural. No entanto, ela não se forma simplesmente num dado momento,

porque a formação da classe, como demonstrou Thompson no tocante à experiência inglesa

foi um percurso longo e complexa e não apenas um corpo a mesa de ajuste e operações.

Outros conceitos foram e são importantes para a história social inglesa como os

conceitos de economia moral, agenciar humano, luta de classes, direito consuetudinário,

paternalismo, junções e inter-relações recíprocas, todos constituídos a partir da noção da

experiência.

O conceito de economia moral da multidão, por exemplo, foi desenvolvido por

Thompson35, para estudar os motins de fome e a ação no século XVIII, confrontando com a

visão espasmódica e alertando que as pessoas, na verdade, estavam defendendo seus

interesses ou costumes tradicionais.

Os conflitos por pão, nos mercados da época, foram geradas, principalmente, pela

valorização do trigo branco, pela população pobre inglesa e pela recusa de se alimentar com o

pão grosseiro. Este autor destaca as normas de mercado, que protegia e assegurava a compra

do pobre, antes dos grandes comerciantes. Havia ainda toda uma legislação, baseada numa

tradição concentrada no direito consuetudinário, para garantir o preço justo, ou um

―paternalismo‖ de mercado que impedia a concorrência e protegia o pobre, mas não se

tramitava a legislação no sentido positivo e/ou normativo do termo, para as punições, por que

eram as pessoas comuns que puniam os infratores do direito do preço justo. Mas, no momento

em que os mercadores começaram a quebrar estas normas paternalistas, a população

desprotegida reage com os motins.

Já o conceito de agenciar humano extraído da noção de experiência, mas que está

presente em várias obras de Thompson, mas não com essa nomenclatura. Mas, esse agenciar

permite as pessoas serem responsáveis por fazer também a história, são sujeitos que fazem e

participam do processo histórico. E, por isso, são evidenciadas as suas práticas e experiências.

O conceito de junção que também está nas entrelinhas dos trabalhos de Thompson se

materializa no modo em que os indivíduos possuem experiências comuns, que unidas

explicam as ações dos indivíduos e dos grupos.

A história social da cultura valoriza as tensões como criações culturais e as resistências

como comportamentos e atitudes em defesa do costume. Destacando as resistências sociais e

lutas de classes em conexão com as tradições, os ritos e o cotidiano. Assim, E. P. Thompson

35

Id. A economia moral da multidão inglesa no século XVIII. In: Costumes em comum. São Paulo: Companhia

da Letras, 1998. P. 150-200

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23

passou a se interessar por aquilo que chamava de mediações culturais ou morais. Neste

sentido, considerou que “a experiência de classe é a forma como essas são tratadas em

termos culturais: encarnadas em tradições, sistemas de valores, ideias e formas

institucionais.‖36

Dessa forma, estão presentes variados momentos de resistência dos praticantes das

religiões afro–brasileira, para continuar suas práticas, como também as tensões entre os vários

extratos sociais da localidade paraibana e campinense que repreendiam estas crenças, além

das experiências, mesmo que individuais, de vários personagens sobre os quais discutiremos

posteriormente.

Além de Thompson, outro autor, James Scott37, trabalha com noção de resistência, mas

se concentra nas diversas maneiras (em muitos casos formas singulares e individuais) que as

pessoas comuns podiam resistir à dominação. Ele estudou os camponeses na Malásia, na

aldeia de Sedaka, entre os anos de 1970 e 1980, quando ocorreu uma mudança

socioeconômica com a ―dupla safra e a mecanização das colheitas‖. Muitos camponeses

perderam espaços de trabalho e, dessa forma, houve reações ou resistência aberta, silenciosa,

mas raramente coletiva. Assim, este autor se dedica às formas de resistência cotidiana que

evitam confrontação direta com as classes dominantes e sem uma coordenação, embora possa

ter os mesmos objetivos da confrontação direta que é a resistência.

Muito semelhante as formas de resistência de nosso estudo, em que ―personagens‖ do

cotidiano ou pessoas ligadas as religiões afro-brasileiras insistiram em manter suas práticas e

lutaram para isso, muitas vezes de foram silenciosa, através de relações de solidariedade ou

dependência, a qual restringe a ação de homens e mulheres, operando laços em troca de

favores, em muitos casos políticos. Em certos momentos em nosso estudo, houve uma

resistência mais coletiva semelhante às lições de Thompson. Mas, no decorrer deste trabalho

aprofundaremos a discussão sobre outros conceitos desenvolvidos por Scott.

Já Michel de Certeau nos permite problematizar a noção de espaço, locais onde as

práticas cotidianas mudam simples trajetórias nos espaços urbanos, onde o indivíduo traça

novos caminhos não lineares, mas estão em constantes movimentos. Movimentos que

quebram o controle e organização do espaço social e constrói outras significações do mesmo

36

THOMPSON, Op. cit. 1987, p.10 37

SCOTT, James C. Formas cotidianas da resistência camponesa. Trad. Marilda a. de Menezes e Lemuel

Guerra. Revista Raízes. V. 21, n. 01, jan/jun. 2002.

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24

espaço social, assim os indivíduos que disseminam a pluralidade ou ―mil maneiras de fazer e

usar os espaços.‖38.

Um trabalho inspirado nas noções Certeaunianas, e qual podemos ver os usos dos

espaços por adeptos ou praticante de religiões de matriz africana no Brasil, é o de Valéria

Gomes da Costa39, que analisou as diversas práticas de apropriação dos espaços urbanos de

filhos-de-santos, especificamente do terreiro Santa Bárbara Xambá, localizado no bairro do

Beberibe, em Olinda. Mas, a autora realizou alguns movimentos, como as mudanças no

espaço urbano e como as paisagens urbanas imprimem a cartografia da cidade, como também

nos traz espaços demarcados pelas práticas das pessoas no seu dia-dia. E como a cultura,

como a prática religiosa, demarca uma certa carga simbólica a alguns espaços como o terreiro,

onde mantém laços de solidariedade e afetividade.

Ela também evidenciou a repressão aos ―xangozeiros‖ e a resistência nos moldes

certeaunianos, que através de ações sociais e astuciosas, os indivíduos driblam a violência,

prisões e fechamentos dos terreiros, sejam por meio da mudança constante dos espaços

religiosos, para lugares onde pudessem continuar a praticar suas crenças ou através de

algumas reações sociais que pudessem favorecer a continuidade das práticas religiosas. Já em

nosso estudo nos diferenciamos desta autora porque trabalhamos com as noções de resistência

baseada em Thompson e Scott, e também Valéria Gomes se especifica apenas na nação

Xambá.

Nós estudamos as resistências e as formas de repressão das religiões afro-brasileiras,

tais como, umbanda (mesmo sendo considerada uma religião totalmente brasileiras, ainda que

possam possuir tradições africanas), candomblé, catimbó-jurema (apesar de se originar numa

tradição indígena, também em nosso estado, o culto da jurema está inserido em muitos

terreiros de umbanda). Em certos momentos empregamos termos de xangô, apesar de ser

desenvolvido mais em Pernambuco, mas alguns jornais da localidade utilizam este termo.

Assim, sabendo que existem várias vertentes das práticas considerados como religiões

afro-brasileiras, podemos identificar40, no Brasil, o ―candomblé da Bahia‖; o ―batuque‖ do Rio

38

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 13ª ed. Trad. De Ephraim Ferreira Alves.

Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.p.37. 39

COSTA, Op. Cit.

40 SILVA, Vagner Gonçalves da. Candomblé e Umbanda: caminhos da devoção brasileira. Editora Ática:

São Paulo, 1994 p.82.

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Grande do Sul e o ―xangô‖ de Pernambuco; o ―tambor-de-mina‖41, na região do Maranhão e

do Pará; a ―cabula‖, praticada na região do Espírito Santo, com influência das práticas bantos;

a ―macumba‖ do Rio de Janeiro; o ―candomblé de caboclo‖42; o ―catimbó‖, que se expandiu

pelo norte e nordeste do Brasil; além da umbanda.

Sendo que na região Nordeste o culto da jurema se destaca, dada à influência indígena,

culto que se misturou com o catolicismo, com as tradições dos negros bantos e com o

espiritismo Kardecista, formando o catimbó. Esse culto denominado umbanda, cruzada com

jurema, ou simplesmente jurema, tem como símbolo mágico sagrado a árvore da jurema, que

floresce no agreste e na caatinga nordestina e dela pode-se fazer uma bebida que permite aos

praticantes entrar em transe43.

O culto da jurema estava presente nas populações nativas da Paraíba. Segundo

Herckman44, existiam os índios do litoral da Paraíba, ―os naturais da região‖, ―os índios

brasilienses‖, chamados de ―Pitiguaras‖ e os que habitam o interior do Estado como os

―Tapuias‖.

Estudos mais atuais classificam os indígenas dessa região em Tupis que se

localizavam mais próximo do litoral, e dividiam-se em Tabajaras e Potiguaras, e no interior

Cariris e Tarariús. José Elias Borges45 foi quem destacou esta subdivisão no interior,

diferenciadas por seu grupo lingüístico, além de fatores históricos e antropológicos.

Ressaltando que os tarairiús dividiam-se em várias aldeias como na região de Campina

Grande, como a dos Cavalcantis dos Ariús, e em suas proximidades, pertencente a

ramificação cariris, existiam os Bodopitás.

Segundo René Vandezande46, os tupis da região de Baia da Traição utilizavam a árvore

da jurema nos seus cultos, além da tradição do tore. O mesmo encontrou vestígios do culto da

árvore da jurema junto aos cariris, concluindo que este culto está ligado aos índios do

41 ―termo mina é referência à procedência dos escravos, aprisionados no forte português São da Mina, na África

Ocidental, antes de embarcarem para o Brasil.‖ Ibid p.83

42 ―culto aos caboclos, tão presentes na religiosidade dos bantos, deu origem ao candomblé de caboclo,

considerado por muitos adeptos como variação do candomblé de Angola, no qual deuses indígenas assumiriam o

papel central, com o mesmo status dos orixás‖. Ibid p. 87

43 BRANDÃO e NASCIMENTO. O catimbó-jurema. Trabalho apresentado na VIII Jornada sobre Alternativas

Religiosas na América Latina. São Paulo, setembro, 1998. 44

HERCKMAN, Elias. Descrição Geral da Capitania da Paraíba. João Pessoa: A União, 1982. 45

BORGES, José Elias. Os Ariús e a fundação de Campina Grande. Revista Campinense de Cultura. Campina

Grande: Prefeitura Municipal de CG. N° 09 p.8-11, abril de 1976. E Idem. Indígenas da Paraíba (1) Classificação

Preliminar. Revista Educação e Cultura. João Pessoa: [s.n], Ano III. N. 12 jan.- mar. p. 30 – 43, 1984. 46

VANDEZANDE, René. Catimbó: Pesquisa Exploratória sobre uma forma Nordestina da Religião

Mediúnica. Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 1975.

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26

Nordeste. Assim, até o século XVIII as reuniões para beber a jurema eram vistas como

reuniões de feitiçaria e muitos foram presos por essa prática.

Na cidade de Campina Grande, por exemplo, a influência indígena está bastante

presente nos cultos da jurema, como também de umbanda, até os dias atuais47. Podemos

encontrar algumas características dessa origem indígena nos rituais, a exemplo da cultuação

da árvore da Jurema, a existência de entidades cultuadas relacionadas aos caboclos e ìndios;

encontramos objetos sagrados como a tronqueira, o arco e a fecha; enfeites e adornos como os

penachos, saiotes, cocais; instrumentos musicais como o tambor e maracá; a tradição narrada

através das melodias e do mestre; o uso da defumação e do cachimbo; a fabricação da bebida

feita a partir da árvore de jurema e a semelhança da dança do toré com as giras no ritual do

toque de jurema.

No século XX, na Paraíba e em Campina Grande, já havia a prática do catimbó-

jurema, mas nesse século também teve início da tradição da umbanda e do candomblé48. Por

isso, mesmo tendo toda a tradição indígena nos rituais, no caso da jurema e também na

umbanda, nós utilizaremos o termo religiões afro-brasileiras, por elas possuírem a vertente da

cultura negra, a exemplo do candomblé.

Ocorre que a presença do povo negro se fez presente no Brasil desde o período

colonial. Sendo que houve três regiões da África que forneceram os maiores contingentes de

escravos para o Brasil, como as áreas em torno da Costa de Mina, do complexo Angola,

Congo e Moçambique49.

Segundo Luciano Mendonça,50no caso da Paraíba, desembarcavam primeiro no porto

de Recife, embora algumas levas de africanos tenham sido enviados para este Estado em

meados do século XVI. No que se refere a Campina Grande, é muito provável que os

primeiros africanos tenham chegado nas primeiras décadas do século XVIII e na sua maioria

eram de origem banta.

Este autor, ao analisar os inventários ―post-mortem‖, identificou que a maior parte dos

cativos eram da África Ocidental, e neste inventários referiam com nomes genéricos quanto a

origem dos escravos como Angola, Mina, Guiné, Moçambique, Benguela, Cabinda ou Congo.

Povos da cultura sudanesa e banto.

47 CARVALHO, Amanda Peixoto de. A influência indígena na jurema. Relatório. PIBIC/CNPQ/UEPB, 2004.

48 SANTIAGO, Idalina Maria F. L. O jogo do gênero e da sexualidade nos terreiros de umbanda cruzada

com jurema na grande João Pessoa. Tese (doutorado). Pontifica Universidade Católica de São Paulo. 2001 49

LIMA, Op.Cit, 2008. 50

LIMA, Op.Cit, 2008. p.151-176.

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27

Estes povos, durante a sua vivência na África, possuíam peculiaridades no que se

refere à religiosidade. Os sudaneses possuíam religião de comunidade (o culto dos deuses da

natureza em benefício de comunidade e cada deus tem sua função determinada) e de

linguagem (todos os membros da família descendem de uma mesma divindade, onde cada

deus tem descendência e face a esta tem o poder de nela perpetuar através dos filhos) e

estavam ligadas à tradição dos orixás. Os Bantos possuíam mitologia centrada na adoração de

seus antepassados, ligados à linguagem familiar (ao culto dos mortos) e aos acidentes

geográficos vinculados a locais específicos nos seus países. Acreditavam em espíritos dos

ancestrais mortos, porém esses estavam ligados a florestas, rios, montanhas, grutas, pântanos,

que não puderam migrar com eles.

Devido à proximidade com a religiosidade indígena, estes povos, como tiveram seus

referenciais distanciados, como a natureza, se identificaram com as crenças dos nativos do

Brasil. Não podemos esquecer também a presença marcante do catolicismo nas religiões de

matriz ―afro-india‖ brasileira. Mesmo que imposto, era uma das formas para manter os rituais

sem sofrer tantas represálias.

Dessa forma, essas populações, tanto indígenas quanto negras, foram importantes na

constituição não somente da religiosidade como também na configuração do espaço urbano.

Influenciando costumes que foram recriados nas cidades brasileiras.

Por isso, nosso principal objetivo é de problematizar as reinvenções históricas-sociais

das religiões afro-brasileiras na Paraíba, principalmente na cidade de Campina Grande, em

meados do século XX. Reinvenções não nas formas de culto, mas nas formas como elas

conseguiram ter mais espaço, em meio a uma história de repressão. Seja por meio de relações

de sociabilidade entre indivíduos que pudessem auxiliar na permanência das praticas

religiosas, na camuflagem de centros espíritas para cultuar sem interferência da polícia ou

mesmo o ―sincretismo‖ religioso. Por que foi neste século que elas conseguiram legalmente

ter o direito de culto, que será relatado no segundo capítulo.

Delimitamos nosso recorte temporal entre os anos de 1920 e 1980, porque nos

primeiros anos do século estudado tentamos identificar esta prática religiosa em Campina

Grande e as repressões existentes ou os usos dos espaços pelos religiosos. Como também na

segunda metade do século estas religiões conquistaram o direito legal para suas práticas em

território paraibano que se encerra no inicio dos anos 1980 com o direito de cultuar sem

precisar ir à polícia para conseguir a licença.

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Trabalhamos com a noção de ―reinvenção‖, o qual desenvolvemos a partir das leituras

de Eric Hobsbawn51

sobre a ―tradição inventada‖, entendida como qualquer prática social que

seja repetida com redes de operações definidas, o que facilita a transmissão do costume, mas,

ao mesmo tempo essas redes definidas podem modificar de acordo com as necessidades

práticas. Dessa forma a tradição inventada pode ser estabelecida através da coesão social;

quando legitimam instituições e por último inculcam padrões ou comportamentos.

Em nosso estudo detectamos alguns destes fatores de uma tradição inventada, pois as

religiões afro-brasileiras no século XX buscam legitimar padrões e comportamentos do grupo

religioso como também tentam manter uma certa imagem de coesão perante a sociedade. E

principalmente essa religiosidade foi institucionalizada ou mantinham relações com as

autoridades como iremos desenvolver no decorrer do trabalho.

Assim, a reinvenção seria as transformações que as pessoas ou os contextos sociais

fazem e terminam modificando as práticas culturais, mas que de certa forma possui uma

continuidade. No nosso trabalho, a continuidade pode ser percebida através da cultura

religiosa afro-brasileira que foi repassada ou transmitida ao longo da história. E mesmo com

as dificuldades sofridas com as repressões, os praticantes resistiram e mantiveram suas

práticas. Destacamos também as rupturas, fraturas ou deslocamentos na forma de ler as

religiões afro-brasileiras.

Hans Gadamer52, por exemplo, nos esclarece sobre a noção de tradição quando

discutiu que a história está marcada por descontinuidades, como também de continuidades

que se concretiza na forma de tradição e transmissão, as quais, mesmo sendo combatidas, não

são ―inocentes‖ e ―não conservam seu verdadeiro sentido‖53. A ideia de tradição, entendida

por Gadamer não se trata apenas da ―compreensão da história como transcurso, mas de uma

compreensão daquilo que nos vem ao encontro na história.‖ E esta compreensão histórica

―está sempre determinada por uma consciência histórica‖54, um comprometimento com o

passado.

51

HOBSBAWN, Eric. A invenção das tradições. Trad. Celina C. Cavalcante. 3 ed. São Paulo: Paz e Terra.

2002.p. 9. 52 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método II: complementos e índice. Trad. Ênio Paulo Giachini.

Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. 53 Ibid. p.173. 54 Ibid, p. 171-172.

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Assim, mesmo que a história seja marcada por transformações e rupturas, ela também

possui certa continuidade. Paul Ricoeur55, a partir das leituras de Gadamer, aprimora a noção

de ―tradição transmitida‖, definindo-a como ―coisas já ditas‖ que são transmitidas ao longo de

cadeia de interpretações e reinterpretações. Numa dialética entre o passado e o presente, entre

o afastamento e distanciamento. Ele faz uma analogia entre o ser no presente afetado pelo

passado56.

Destacamos, dessa forma, personagens (religiosos ou não) que tiveram experiências

comuns e que resistiram para continuar praticando essa religiosidade, mesmo sendo

considerada uma prática proibida neste período. Personagens que fizeram diferentes usos e

ressignificaram rituais ou espaços físicos e sociais. Analisamos como os espaços foram

repensados e, com eles, os valores e sensibilidades. E por último, enfocamos as

representações que diferentes camadas sociais tinham a respeito dessas práticas.

No primeiro momento evidenciamos o conceito de religião e religião afro-brasileira

para destacar a pluralidade de religiões na cidade de Campina Grande, com a devida

cartografia dos alguns terreiros na cidade, como também nos seus ―arrabaldes‖. Destacamos a

cidade numa visão múltipla, modernizante ou não, além das apropriações e os usos de certos

espaços na cidade pelos adeptos das religiões afro-brasileiras.

No segundo momento, focalizamos a repressão aos terreiros nas representações dos

letrados, médicos e juristas, como também as resistências implicadas na criação da Federação

dos Cultos Afro-brasileiros no Estado da Paraíba e as conquistas legais para culto no Estado.

E no último capítulo será o resultado de todo este processo de repressão, que seria uma

violência indireta, ou as representações57

construídas, as visões estereotipadas, presentes nas

imagens de jornais, nas narrativas do rádio e nos cordéis.

Para tal empreendimento utilizamos fontes variadas, como documentação oficial,

relatos orais, jornais (textos e imagens), processos criminais, além de um conto de rádio e

cordéis. Esta documentação foi pensada não como fontes neutras, mas resultante de uma

montagem de uma época que quer deixar uma determinada imagem de si.

55 RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa: Tomo III. Trad. Roberto Leal Ferreira. Campinas, SP: Papirus, 1997.

p. 372-391. 56 Ricoeur critica o pensamento de Michel Foucault em ―Arqueologia do saber‖ sobre a noção de

descontinuidades, porque mesmo que a tese arqueológica se fundamente em cortes epistemológicos e seu método

tenha como principio as ―rupturas epistemológicas, não impede, que as sociedades existam de maneira contínua

em outros registros‖. Não pode se livrar também do ―contexto geral em que a continuidade temporal reencontra

seus direitos‖. Idib. p. 375. 57

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,

1990.

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30

Mas, sabemos que o historiador não cria fontes, ele apenas seleciona documentos, os

quais podem possuir um número limitado para seu campo de estudo. Feita essa seleção,

transforma os documentos em fonte histórica, a partir dos questionamentos ou interrogações

que se quer retirar e compreender informações do passado.

Os questionamentos desses documentos devem levar em consideração o conteúdo, o

autor, o contexto, forma da escrita, o tempo e o lugar social (do autor e do documento-

instituição). No entanto, não se deveria ficar apenas preso aos procedimentos de construção

do texto, pois este pode nos informar os ―movimentos sociais‖ que queremos estudar como

também confrontando com outras fontes sobre o mesmo fato abre outros campos de

possibilidade para a pesquisa58.

Esta noção de seleção de documentos se distancia da ideia que o historiador os elabora,

pois, como já dissemos, depende do questionamento ou das interrogações pertinentes aos

vestígios do passado. E se aproxima da noção de rastro, que Paul Ricouer59 refere como

―requisito da prática historiadora‖. Este autor lembra que a história é construída por narrações

a partir de processos do real, numa tripla dimensão como a ação humana, linguagem e

narração. No tocante ao diálogo possível entre história e ficção, este autor destaca a ―ficção

remodelando a experiência do leitor pelos únicos meios de sua irrealidade; a história o

fazendo em favor de uma reconstrução do passado sobre a base dos rastros dos rastros

deixados por ele‖. Então, a história se diferencia da ficção, pois ela realiza sua narrativa a

partir de rastros do passado.60

Esta ligação entre a construção da história e um passado, o qual já foi abolido, porém

preservado em seus rastros, Ricoeur define como representância do passado. Assim é que o

historiador deve ter, durante a pesquisa, o compromisso ―ético em não abandonar os mortos‖,

pois a pesquisa documentária deve possuir uma significação.

O rastro está intrinsecamente ligado à noção de vestígio, sendo que o rastro seria

visível de algo do passado que deixou sua marca. ―O vestígio, a marca indicam o passado da

passagem, a anterioridade do arranhão, do entalhe, sem mostrar, sem fazer aparecer, aquilo

que passou por ali‖. Sendo que a passagem não existe mais, mas o rastro permanece. Este

então, se configura com um convite ao momento da passagem dos homens caso esteja

58

LARA, Silvia Hunold. Os documentos textuais e as fontes do conhecimento histórico. Revista: Anos 90. Porto

Alegre, RS. v. 15, n. 28, p.17-39, dez. 2008 59 RICOEUR, Op. Cit. 1997. 60 Ibid. 173-178.

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conversado, pois ao mesmo tempo o rastro é frágil pode ser perdido e com isso se perde com

o passado. Os rastros conservados nos dá uma significância de ―um passado findo que, no

entanto, permanece preservado em seus vestígios‖.61 Ele ao marcar a passagem no espaço e no

tempo torna-se documento. Mas, ao segui-lo, rastreamos no tempo, deciframos no espaço.

Isto é semelhante a uma ―caça‖, a uma investigação sobre os homens do passado.

Dessa forma, as fontes são peças importantes para nosso trabalho, porque é através

delas, que temos indícios de um passado, fazendo o historiador ter um papel semelhante a um

detetive, o qual se baseia em ―indícios imperceptíveis para a maioria‖.62 Para que possa

montar sua narrativa através de algum vestígio ou ―prova‖, para se aproximar, mesmo que

fazendo suas interpretações (que envolve pré-noções e outras influências) de uma dada

realidade.

O historiador, ao construir seu enredo, ele tem que se basear em alguns indícios,

vestígios do passado. Ginzburg63, ao refletir sobre os efeitos da pós-modernidade na história

encontrou em suas pesquisas um texto da juventude de Nietzsche, o qual defendia o papel

central da retórica (sistema de tropos), onde a noção de verdade histórica não teria lugar. Este

autor demonstra como Nietzsche foi construindo seu pensamento através de várias leituras na

sua vida. No entanto, ele não deu importância ao pensamento de Aristóteles que associava a

retórica com a prova. E que também hoje muitos intelectuais esquecem desta concepção.

Possuir um olhar detetivesco diante das fontes, interpretando os sinais, estabelecendo nexos e

relações para chegar ao vivido passado.

Com isto, Ginzburg estabelece todo um acerto de contas com certo ceticismo. Por

exemplo, contra o ceticismo de White64, o qual defendeu que nas narrativas formuladas pelos

historiadores, as estratégicas e procedimentos são as mesmas da literatura. A história não

dependeria de uma realidade do passado ou das operações da disciplina, com isso, a história

produziria uma ficção. No entanto, houve várias reações por parte dos historiadores como

Ginzburg ou Certeau. Chartieur esclarece: a ―história não pode ser considerada, com efeito,

61

Idid. 200-201. 62

GINZBURG, Carlo. Sinais: Raízes de um paradigma indiciário. In: Mitos, emblemas e sinais. Trad. Frederico

Carotti. São Paulo. Companhia das Letras. 2009. p. 143-180. 63

Id. Relações de Força: história, retórica, prova. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 64

WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso: Ensaios sobre a crítica da Cultura. São Paulo: Editora

Universitária de São Paulo, 1994.

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pura retórica ou tropologia que faria dela ficção, semelhante a outras ficções. Ela pretende ser

um discurso de verdade, construindo uma relação, que pretende ser controlável‖65.

E é isso que nos move. Além do problema, são os diversos tipos de documentos que

tivemos contato como oficiais, jornais e relatos orais, mas tendo como fio condutor a nossa

problemática para fazer o elo ou o sentido de fontes tão distantes.

Dentre os documentos oficiais estão leis federais e estaduais, além de decretos e códigos

criminais. Também fazemos uso de Censos demográficos para analisar a configuração

religiosa na cidade ao longo do século XX.

Alguns processos criminais66 foram utilizados e nestes pudemos identificar ―não só o

discurso e a lógica de funcionalismo da justiça (mediante a análise da ação e o saber dos

juízes, promotores, advogados e escrivãos), mas principalmente as tensões e conflitos de

sociedade‖67. Além disso, pudemos identificar a visão de populares sobre as religiões afro-

brasileiras, os cultos existentes, os motivos das pessoas procurarem os terreiros, entre outras

questões.

Os processos criminais foram divididos em algumas etapas. Primeiro, a queixa ou

denúncia, depois de aberto o inquérito faz-se o exame de corpo de delito, qualificação dos

envolvidos, arrola-se as testemunhas e anexa o sumário de culpa. O segundo momento, o

julgamento, quando

o acusado é pronunciado com base na legislação criminal e seu nome é

lançado no rol dos culpados. A partir de então, o juiz de direito autoriza e

encaminha a seqüência do processo, na seguinte ordem: libelo crime

acusatório redigido pelo promotor público, contrariedade do libelo crime

acusatório feito pelo advogado defensor do réu, novo parecer do juiz de

direito.68

Satisfazendo o juiz, este encaminha o processo para a reunião do júri, caso não seja

solicitado mais provas ou outras questões. Daí em diante há todo um encaminhamento do

processo até a sentença. Nos processos que acompanhamos, como o de Thenório Cabral69, o

material estava dividido em: autuação, compondo os réus e testemunhas; o libelo, crime que o

65

CHARTIER, Roger. Estratégias e táticas. De Certeau e as ‗artes de fazer.‘.In: À beira da falésia: a história

entre certezas e inquietude. Trad. Patrícia C. Ramos. Porto Alegre: Editora Universitária da UFRS, 2002.

P.158-159 66

Pesquisamos no Fórum Afonso Campos, além de termos acesso a outras pesquisas realizadas pelo projeto:

Memória da Justiça Paraibana: organização e catalogação da documentação judiciária do fórum Afonso Campos

– Campina Grande – PB, realizado pela DHG-UFCG. 67

LIMA, Op. cit. 2008. p. 44-45.

68 GRINBERG, Keila. A história nos porões dos arquivos judiciários. In: PINSKY, Carla B. et al. O

historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto. 2009. p. 122. 69

Primeiro Tribunal do Júri do Fórum Afonso Campos, Campina Grande – Pb. Ação Criminal contra Thenório

Cabral de Oliveira e outros. s/n de 18/09/1923 e 15/02/1924.

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promotor público constrói; uma narrativa dos crimes e acusação formalmente na forma da lei,

relatando quais crimes infringidos e as testemunhas arroladas; a anexação do inquérito

policial com a denúncia do crime; o auto de corpo de delito; auto de perguntas aos réus e

depois as testemunhas, depois um longo relatório do processo e, por último, a sentença.

Realizamos algumas entrevistas (gravadas e transcritas) com religiosos e também de

pessoas que freqüentaram terreiros na cidade de Campina Grande, coletando as narrativas de

indivíduos como um ponto de vista do real ou uma realidade individual. Terminadas as

entrevistas elaboramos um termo de esclarecimento e consentimento, explicando os objetivos

da pesquisa e o consentimento para que a entrevista fosse publicada parcialmente. Em outros

casos apenas gravamos a concessão da entrevista pelo depoente. Então, o entrevistado pôde

concordar ou não verbalmente através da gravação com a ―cessão, acrescentando ou não

ressalvas pelo uso que se pode fazer de sua entrevista.‖70 Assim, devido as ressalvas de alguns

entrevistados colocamos apenas as iniciais dos seus respectivos nomes para resguardar as suas

identidades e outros tivemos a liberdade de citar seus nomes.

Essas narrativas, lembranças, ou depoimentos mesmo que individuais possuem um elo

comum sobre a religiosidade de matriz africana e indígena (catimbó), o que permite fazer uma

leitura, mesmos que parcial da experiência religiosa afro-brasileira na cidade de Campina

Grande. Depois, ao confrontar e comparar com outras narrações e documentos, pudemos

perceber uma certa memória ―coletiva‖, pois detectamos aproximações em alguns relatos

sobre determinados fatos, acontecimentos e situações. Mas é interessante lembrar que a

memória reelabora-se constantemente.71,.

Segundo Halbwachs72, uma semente de rememoração pode permanecer um dado

abstrato, pode, ainda, formar-se em imagem e como tal permanecer ou, finalmente, pode

tornar-se lembrança viva. Estes destinos dependem da ausência ou presença de outros que se

constituem como grupos de referência.

O grupo de referência é um grupo do qual o indivíduo já fez parte e com o qual

estabeleceu uma comunidade de pensamentos, identificou-se e confundiu seu passado. O

grupo está presente para o indivíduo não necessariamente, ou mesmo fundamentalmente, pela

sua presença física, mas pela possibilidade que o indivíduo tem de retomar os modos de

70 ALBERTI, Verena. Manual da História Oral. 3. Ed. Rio de Janeiro: FGV, 2005. P. 132-136. 71

MONTENEGRO, Antônio T. História oral e memória: a cultura popular revisitada. São Paulo: Contexto.

2001. p. 21

72 HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice. 1990.

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pensamento e a experiência comum próprios do grupo. A vitalidade das relações sociais do

grupo dá vitalidade às imagens, que constituem a lembrança. Portanto, a lembrança é sempre

fruto de um processo coletivo e está sempre inserida num contexto social preciso.

Os grupos, no presente e no passado, permitem a localização da lembrança num quadro

de referência espaço-temporal que, justamente, possibilita sua constituição como algo distinto

do fluxo contínuo e evanescente das vivências. A memória é este trabalho de reconhecimento

e reconstrução que atualiza os "quadros sociais" nos quais as lembranças podem permanecer

e, então, articular-se entre si.

Sendo que estas memórias nós entrecruzamos com outras fontes, a exemplo de jornais73,

entendidos não apenas como veículo de informações, mas como meio de intervenção e

manipulação social74. Porque o jornal é um canal de expressão de ideias e condições de vida

da sociedade, e divulga diferentes temas, o que possibilita captar, de certa forma, o cotidiano

da cidade.

E, por fim75, utilizamos no último capítulo fontes de caráter mais lúdico, que carregam

também traços de seu contexto histórico como uma gravação de uma peça de rádio teatro,

cordéis e imagens dos jornais. Primeiro destacamos um episódio da série radiofônica ―contos

que a noite conta‖, de Evandro Barros, ―Não abra a porta a meia noite‖, que era transmitido

num programa da Rádio Borborema. Também analisarmos imagens de jornais e cordéis76, os

quais são fontes que contém representações da realidade social, construídas, apropriadas e

reconfiguradas. Representações77 que nascem de conflitos sociais e são construídas no social,

por isso carregaram pré-noções, estereótipos e também evidenciam as mudanças de

concepções das pessoas para alguns temas como as religiões afro-brasileiras.

73

Foram pesquisados jornais nos arquivos do Átila Almeida, LAEL, SEDHIR/UFCG e AMHPMCG, além do

arquivo do Diário da Borborema.

74 LUCA, Tânia Regina de. Fontes impressas: história dos, nos e por meio dos periódicos. In.: PINSKY, Carla

B. (org); BACELLAR, Carlos. et al, Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005. 75 Este trabalho foi organizado, segundo as normas da ABTN NBR 14724: 2011. 76

Que discutiremos o uso dessas recursos como fonte histórica no último capítulo. 77

CHARTIER Op. Cit., 1990.

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2. CAMPINA E SEUS ARRABALDES: RELIGIÃO E DIFERENTES USOS DOS

TERRITÓRIOS PELOS “CATIMBOZEIROS” E “FEITICEIROS”.

2.1. RELIGIÃO AFRO-BRASILEIRA E RELIGIOSIDADE NA CIDADE DE CAMPINA

GRANDE NO SÉCULO XX.

A temática da religiosidade na história há muito tempo já vem sendo estudada, mas

atualmente o historiador pode abordar os fenômenos religiosos de forma bem diversificada.

Há um reconhecimento de que as questões religiosas permeiam a vida cotidiana e fornecem

elementos para a construção de identidades, memórias coletivas, experiências sociais e não se

restringe ao domínio das igrejas organizadas e institucionais.

A história estuda esse tema há bastante tempo, no entanto tivemos a necessidade de

conceituar religião e, posteriormente, religiosidade. A primeira deriva etimologicamente da

palavra latina religio de ‗re-ligere‘. (designa sempre um revolver-se, a observação cuidadosa,

conscienciosa de alguma coisa. Aquilo em torno do qual gira a consideração, cuidado e

dignidade). Ou se for derivado de re-ligare, ação de ligar, ou ‗re-ligação (especificamente,

será a origem primeira e fim último, e sendo o primeiro e último que merece ser valorizado

acima de tudo).78 Mas hoje a religião pode ser considerado como um conjunto de crenças

relacionadas com aquilo que parte da humanidade considera como sobrenatural, divino,

sagrado e transcendental, bem como o conjunto de rituais e códigos morais que derivam

dessas crenças.

Émile Durkheim79 se aprofunda no que se refere ao conceito de religião, porque para ele

a religião seria um sistema de crenças seguintes e de práticas relativas a coisas sagradas, por

isso a religião em geral são todas comparáveis, pois são todas do mesmo gênero. As religiões

possuem características comuns como sistema de crenças, a idéia de divindade superior, a

presença de rituais ou cerimônias, a organização hierárquica, além de um espaço físico para

funcionar.

78

Conferir esta e outras definições sobre religião, a exemplo, deste conceito na filosofia e psicologia, em

BRUGGER, Walter. Dicionário de filosofia. Trad. Antônio Pinto de carvalho. 3 ed. São Paulo: EPU, 1977.E

também, no Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa corresponde à 3ª. edição, 1ª. impressão da Editora

Positivo, revista e atualizada do Aurélio Século XXI, O Dicionário da Língua Portuguesa, contendo 435 mil

verbetes, locuções e definições. 79

DURKEIM, Émile. As Formas Elementares de Vida Religiosa: o sistema totêmico na Austrália. Trad.

Pereira Neto. São Paulo: Paulinas, 1989.

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Para Georg Simmel80, religião e religiosidade são considerados distintos, porque a

primeira refere-se a uma estrutura institucional, e a segunda traduz uma característica

individual, uma disposição interna, não necessariamente vinculada às instituições. Nesse

sentido, a religiosidade pode ocorrer independente das instituições na relação entre o sagrado

e o indivíduo e o grupo coletivo.

A religiosidade seria a dimensão humana, histórica e cultural, transcendente do

indivíduo, que no plano religioso está marcada pela relação entre o indivíduo e a divindade

como também a sociedade. Ela não se define unicamente dos objetos religiosos, mas, pode ser

considerada toda uma prática cultural, psicológica e social dos indivíduos no conjunto

existencial e fundamental da alma e do corpo.

Já a história religiosa por muito tempo confundiu-se com a história eclesiástica desde

o século IV, e somente com Alphonse Dupront, influenciado por Micea Eliade, realizou uma

abordagem fenomenológica com ênfase no cultural. Na escola francesa, a história religiosa

teve duas abordagens: a quantitativa (tendo como eixo os números que foram muito

associados às práticas) e qualitativa (relativo ao sentimento e articulada com a história

cultural). Também esse tema se destaca na história das mentalidades, com influência da

antropologia religiosa italiana. Atualmente existe uma renovação de abordagens e objetos,

tendo como uma das preocupações fazer o elo entre religião e cultura, além da preocupação

das práticas, dos grupos religiosos com a história social81.

No entanto, Simmel e Durkheim são pensadores que nos auxiliam na compreensão

desses conceitos para pensar durante todo esse trabalho sobre as religiões afro-brasileiras na

Paraíba e em especial na cidade de Campina Grande. Os conflitos para serem reconhecidas

como religião na sociedade, como também as suas práticas. Neste sentido, iremos utilizar o

conceito de religiões e não religiosidade (esta última entendida por estes dois autores como

não religiões oficiais).

Em nosso primeiro capítulo evidenciamos que candomblé ou umbanda por muito tempo

não foram consideradas religiões. Apesar do teor evolucionista a respeito de religião,

80

Ver os trabalhos de RIBEIRO, Jorge Cláudio. Georg Simmel: Pensador da Religiosidade Moderna. Revista de

Estudos da Religião. Nº 2, 2006 . pp. 109-126. No site http://www4.pucsp.br/rever/rv2_2006/p_ribeiro.pdf. E

RODRIGUES, Denise dos Santos. Os sem religião no Censo Nacional: investigações e ponderações acerca da

ausência de pertencimento religioso no Brasil. Revista Espaço Acadêmico, nº 94, março de 2009. Disponível:

http://www.espacoacademico.com.br/094/94rodrigues.htm (Acesso em 12.08.2010) 81

Segundo LAGRÉE, Michel. História religiosa e História cultural. In: RIOUX , Jean-Pierre e SIRINELLI,

Jean-François. Para uma História Cultural. Trad. Ana Moura. Lisboa: Estampa, 1998. P.365-374.

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37

Durkheim evidenciou que não existe religiões falsas, porque todas são verdadeiras a sua

maneira e respondem a interesses sociais e a contextos diferentes.

Dessa forma, também não deixamos de lado as experiências religiosas que nós

definimos como religiosidades, deixando de lado a ideia anterior de não religião oficial e

passando a investigar as experiências de vida do ―povo santo‖ incorporado no cotidiano da

cidade.

Para compreendermos um pouco mais sobre religiões afro-brasileiras no Brasil e,

posteriormente, as formas de repressão na lei, destacamos alguns autores fundamentais para o

estudo deste tema: Nina Rodrigues, Roger Bastide, Prandi, entre outros.

Um dos estudos sobre as religiões afro-brasileiras mais sistematizados foi o de Nina

Rodrigues. Apesar da sua preocupação sobre a degeneração da formação da sociedade

brasileira, ele publicou, na passagem do século XIX para o XX, ―O animismo fetichista dos

negros bahianos‖ e depois com a obra ―Africanos no Brasil‖. Quando se realizou um

mapeamento inicial da diversidade religiosa no Brasil, apesar de estar centrado nos aspectos

etnográfico e exóticos, além de descrever sobre a mitologia africana, suas transformações e as

sobrevivências africanas no Brasil.

Seguindo a corrente do pensamento de Nina, seguem Arthur Ramos e Edson Carneiro,

que estudou sobre os candomblés de caboclo na Bahia. Este último também seguia a lógica do

empobrecimento cultural da nação com a adaptação da cultura negra. Carneiro apresenta um

elemento importante, a medicina mágica:

Contudo, seus dados se fundamentam, quase que exclusivamente, nos

estudos realizados por Arthur Ramos. Eles nos revelam que a medicina

mágica ou o curandeirismo é exercido por babalaôs e pais-de-santo e que o

processo consiste, inicialmente, no diagnóstico da doença através da posição

dos búzios lançados pelos babalaôs, e os procedimentos da cura, por sua vez,

em ―banhos de folhas‖ e nas ―rezas mágicas‖. Ambos os autores acreditam

que, com a medicina mágica, ocorrem ―as origens do fenômeno social do

curandeirismo no Brasil‖. E se esquecem da contribuição também do

indígena para o desenvolvimento desse fenômeno82

Outro estudo também de caráter descritivo foi o de Pierre Verger, em 1957, ―Notes sur

le culte dês Orisa ET vodun à Baie de Tous lês Saints au Brésil ET à l´ancienne Côte dês

Esclaves em Afrique‖. No período não teve repercussão, somente com o tempo as obras de 82 LIMA, Maria da Vitória Barbosa. Liberdade interditada, liberdade reavida: escravos e libertos na

Paraíba escravista (século XIX). Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em História

da Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2010, p.52

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Pierre Verger ganharam seu espaço. Depois desse período apenas descritivo, nos anos 1960

iniciam estudos de cunho interpretativo sobre as religiões afro-brasileiras com ―Procópio

Camargo, Kardecismo e Umbanda, de 1961; e de Roger Bastide‖ com duas obras: Candomblé

da Bahia (1958) e As religiões Africanas no Brasil (1960) .83

Bastide demonstra a necessidade de compreender as manifestações culturais, não apenas

descrevendo os ritos ou citando nomes das divindades, ele procura compreender o significado

dos mitos e dos ritos. Para ele, as religiões africanas no Brasil carregam aspectos de variadas

culturas: africana, indígena e europeia. No entanto, é fato que a herança africana se manifesta

ao longo de ―três séculos precedentes‖ que termina por resistir ao lado da herança portuguesa.

Com a escravidão, que destruía a sociedade na África e não permitia o negro trazer

consigo nada material e apenas os valores culturais (suas histórias, costumes, tradições

alimentares) e, principalmente religiosos, o qual propiciou posteriormente na construção de

uma resistência. Por que a religião encontra-se ―presente na luta de classes, no dramático

esforço do escravo para escapar a um estado de subordinação econômica e social.‖84

Mas, segundo Bastide, as religiões de matriz africana se desenvolveram de forma

diferente em diversos lugares do Brasil e que foram sincretizando ao longo do tempo com

outras culturas. Mas, o sincretismo religioso não foi pensado por Bastide como Nina

Rodrigues, décadas antes ―viu que o sincretismo constitui um processo progressivo e que

nessa evolução deveriam ser observadas algumas etapas‖85, até chegar a um branqueamento

dessas religiões.

Mas Nina não imaginava que o sincretismo é fluido, móvel e muitas religiões

procuraram fazer um retorno da África, purificando a religião aos moldes africanos e em

certos momentos o catolicismo e as religiões africanas podem coincidir, no entanto, segundo

Bastide, é preciso entender o termo sincretismo.

Existiram dois fenômenos africanistas que são distintos: o sincretismo regional (quando

o isolamento geográfico determina a diferenciação regional para determinada entidade) e o

sincretismo étnico (sinalizado pela nação de origem), dessa forma se diferencia a significância

de algumas entidades e sua mitologia.

83 PRANDI, Reginaldo. ―Tudo que você precisa ler para saber quase tudo sobre as religiões afro-brasileiras‖.

(texto publicado com o título As religiões afro-brasileiras nas ciências sociais: uma conferência, uma

bibliografia). Revista Brasileira em ciências sociais. BIB- ANPOCS, São Paulo, nº 63, p. 7-30, 2007, p. 4. 84 BASTIDE, ROGER. As religiões africanas no Brasil. São Paulo: Pioneira da USP, vol. 1 e 2, 1971p. 113 85

Ibid., p.359.

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Também existiu uma diferença do sincretismo com outras culturas não africanas, a

exemplo do catolicismo. Primeiro, a um ―sincretismo religioso (por correspondência) e o

sincretismo mágico (por adição de elementos)‖. No primeiro, há uma identificação dos orixás

com os santos, que irá variar em determinadas regiões, mas esta correspondência foi

completada com a relação das características de determinado santo. Bastide exemplifica que:

Oxocê, o deus da caça, não podia se unir a não ser com santos

guerreiros como São Jorge e São Miguel, que as imagens mostram

varando com suas lanças dragões ou animais monstruosos,

agonizantes em sues pés. Iansã é identificada como santa Bárbara,

porque Lea comeu a magia de seu marido Shangô e, por conseguinte,

lança raios de sua boca; ora Santa Bárbara é padroeira dos artilheiros e

a todos protege contra raios e incêndios [...]86

Estas correspondências também podem variar além do lugar, como também com o

tempo, ―nascem e morrem conforme as épocas‖, mas,

[...] quando vai a missa depois da iniciação, as palavras ladinas que ouve não

dirigem seu pensamento a Deus, mas a seu orixá pessoal e se segue numa

procissão a imagem de Nossa senhora da Conceição, não acredita estar indo

atrás da Virgem e sim de Iemanjá.87

Já no o sincretismo mágico ocorre a adição, a acumulação e a intensificação de culturas.

Como o catolicismo mantinha orações fortes contra doenças, isto propiciou para que a

tradição católica fosse reinterpretada em termos da magia, misturando ritos cristãos para dar

mais força. Mas, não apenas no catolicismo, mas em varias partes.

Realmente não, há uma combinação de elementos mágicos com elementos

católicos, há um aumento no desenvolvimento, intensificação da magia

africana pela utilização de processos católicos que tomam imediatamente, no

novo complexo formado, um caráter mágico.88

Bastide descreveu características da religiosidade de várias regiões no Brasil, mas

especifica que a Paraíba está situada numa área de limite da prática do xangô e do catimbó.

Este último mantém fortes traços da cultura indígena como o canto, danças, uso do tabaco, a

erva sagrada (jurema).

Um dos primeiros indícios da prática do catimbó é que segue um caráter messiânico,

que segundo mulheres interrogadas na inquisição, existia um deus da pedra que libertaria os

fieis. Depois essa entidade desaparece e permanecem as características do catolicismo com os

elementos indígenas. Mas o catimbó foi se caracterizando como um ―culto individual e não

86 Ibid., p. 362. 87 Ibid., p. 381. 88 Ibid., p. 385.

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mais social, para onde as pessoas vão para curar seus males físicos e espirituais.‖89 Mas, todo

culto é social, por mais individual que seja sua prática.

Nos terreiros de catimbó (jurema) existe um altar denominado ―pegí‖, o qual possui

um acervo com objetos católicos, misturados a charutos, garrafas de aguardente, arcos,

maracás, entre outros. Também nesses locais existem algumas sessões ou rituais em que os

fiéis fazem pedidos ou solicitam curas. Para o auxílio dos males que afligem as pessoas

―consiste em assoprar a fumaça sobre a parte do doente, massagem e sucção [...] às vezes o

espírito indica também remédios; dessa forma, existe toda uma farmacopeia [...] de plantas

[...]‖.90 Além da junção dos remédios com orações católicas e durante as orações o uso das

velas.

O ritual do catimbó também tem nas suas origens a tradição indígena com forte

ligação com a natureza e em seus rituais existem o uso dos maracás, arcos e flechas, além da

tronqueira ou bebida a base da jurema (planta tóxica do Nordeste) nos rituais. No entanto o

catimbó também sofreu influência de outras culturas como a africana. Pois os negros que

vieram de Angola (bantos) acreditavam em espíritos ligados à natureza, a qual deixaram para

trás, mas o caráter animista conservou, junto ao novo território, com o catimbó. Outra

influência no catimbó foi o espiritismo que reúne os espíritos dos mortos catimbozeiros a dos

índios.

Houve outra junção com deuses africanos e ameríndios, sendo que dentro do catimbó

o mestre recebe todas as entidades e o negro no candomblé tradicional não pode receber mais

de um orixá. Segundo Bastide, nas sessões de catimbó as pessoas permanecem sentadas e no

candomblé é caracterizado com danças e mudança de trajes91.

Relembramos que na introdução destacamos a tradição da jurema ou catimbó-jurema

na Paraíba que possui uma forte influência da cultura indígena como também da africana, em

que esta tradição hoje está centralizada em alguns terreiros de umbanda cruzada com jurema.

Tradições religiosas que conservam em seus rituais a noção de cura mágica.

Em Campina Grande, segundo nossas pesquisas, existem terreiros de jurema

(semelhantes aos antigos catimbós), umbanda cruzada com jurema, umbanda e candomblé.

No entanto, a umbanda surge no Brasil como um culto organizado, entre as décadas de 1920 e

1930 no Sudeste e Sul do país, mas elementos formadores desta religião já estavam presentes

89 Ibid., 246. 90 Ibid., p.248. 91 Ibid., p251-253.

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no ―universo religioso no final do século XIX‖, pois a origem do nome Umbanda

possivelmente pode ter se originado da ―Cabula‖92, um culto praticado no século XIX, onde o

chefe do culto era denominado ―embanda‖. Também na macumba as denominações embanda,

umbanda ou quimbanda siginificava uma linha e chefe do culto.93

A umbanda na sua formação possuía traços afro-brasileiros com entidades africanas,

além de caboclos, santos católicos e espiritismo. Mas, inicialmente ela assimilou traços do

espiritismo de mesa branca, se dedicando em ganhar espaço na sociedade com a valorização

de uma certa racionalidade, educação e caridade. Se aproximando das entidades como

caboclos e pretos velhos, ―representando os espíritos dos índios brasileiros e dos escravos‖

com o objetivo de unir todas as classes sociais. Mas, preservou a noção Kardecista de

evolução espiritual, por isso retiraram elementos tidos ―atrasados‖ como o sacrifício de

animais, entre outros; e quando era necessário o uso de alguns desses elementos no ritual,

como o uso de bebidas, justificava-se cientificamente como os Kardecitas.94

O candomblé foi formado a partir de fragmentos de ―várias religiões africanas, tinha

na família de santo uma forma de reconstituir (através de parentesco mítico) as contribuições

étnicas dos negros desagregados‖. Esta religião foi criada a partir de uma necessidade de parte

dos africanos que estavam no Brasil para manter laços e identidade com suas nações.

Na África, o culto tinha um caráter familiar, por isso se restringiam apenas a uma ou

poucas divindades, visto que nas sociedades tradicionais africanas existia uma grande

valorização do núcleo familiar. Diferente do mundo ocidental, que divide os parentes diretos e

indiretos, a família africana é extensa ―não existe a palavra ‗primo‘, nem para ‗tio‘, pois todos

são considerados irmãos.‖ Nessa família extensa determinada pela linhagem ―leva em

consideração um ancestral conhecido, presente na memora das pessoas, por exemplo, um

bisavô ou um teatravô. O culto aos ancestrais está fortemente presente na vida social.‖95

O mesmo ocorre nos terreiros de tradições afro-brasileiras, porque a comunidade do

terreiro também possui este laço ―familiar‖, em que regente dos terreiros são de ante mão,

92 Culto de forte influência banto. Era praticada na região do Espírito Santo no século XIX. SILVA, Vagner

Gonçalves da. Candomblé e Umbanda: caminhos da devoção brasileira. São Paulo, SP: Ática, 1994. p. 86 93 SILVA, Op. Cit. 94 Ibid., p. 106-113 e também PRANDI, Reginaldo. Herdeiras do Axé: sociologia das religiões afro-

brasileiras. São Paulo, SP: HUCIEC, 1996, P.80. 95 SERRANO, Carlos e WALDMAN, Mauricio. Resistência e lutas pela independência. In: ___ Memória da

África: a temática africana em sala de aula. S. Paulo: Cortez, 2007, p.130

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denominados de ―pai‖ ou ―mãe‖ de santo e são responsáveis coesão do grupo. Igualmente, os

chefes das comunidades africanas são intermediários entre o mundo visível e invisível.

Também os ancestrais são cultuados, nos terreiros os ancestrais podem elevar-se para entidade

como ocorre nos terreiros de umbanda.

O candomblé tentou reproduzir os padrões africanos, seguindo o rito de nação. No

entanto, diferente da tradição africana, o terreiro de candomblé congrega várias entidades

(orixás) até de etnias diferentes, por que ―a escravidão separou famílias e etnias trazendo

escravos de diferentes lugares‖, além das dificuldades impostas pela repressão dos rituais

africanos no Brasil96.

Mas, depois de explicitarmos um pouco sobre a noção de religiões africanas,

consideramos religião, seja ela católica, protestante ou afro-brasiliera, como um sistema de

crenças e sem hierarquia. Assim, passamos a analisar alguns censos demograficos no que se

refere a religiosidade na Paraíba e em especial na cidade de Campina Grande e detectamos as

mudanças no aspecto religioso durante o século XX. Embora dados oficiais como os censos

não definam de fato a configuração religiosa conquanto muitas pessoas não são recenseadas,

outras negam a sua escolha religiosa ou optam por outra religião, para não falar em censos

demográficos que sequer tocam no assunto ainda assim são uma importante fonte de consulta.

Identificamos também quando as religiões de matriz africana começaram a fazer parte

dos censos ou quando elas começaram a ser consideradas como religião nestes dados. Além

de observarmos os termos que definiam as religiões, as quais mudaram com o tempo.

Para tal análise retiramos dados dos Censos de 1890, 1940, 1950,1960, 1970 e 198097,

visto que nosso recorte temporal de estudo termina nos anos 1980 e detectamos algumas

mudanças principalmente no que se refere as religiões afro-brasileiras. Colocamos o Censo de

1890, mesmo não fazendo parte do século XX, porque deste ano até 1940 não houve censos

que trouxessem dados a respeito da religiosidade local, por isso este salto. Mas, o censo de

1890 nos traz elementos para identificar que a noção da religião estava relacionada somente

ao Cristianismo ou ao Catolicismo. Dessa forma abaixo está o gráfico com os dados retirados

deste Censo, sobre a cidade de Campina Grande, em escala logarítima:

96 SILVA, Op. cit. 97

Em anexo os gráficos dos censos demográficos da população de Campina Grande, segundo a condição

religiosa e tabelas segundo o sexo e religião. Todos disponíveis:

http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/visualiza_colecao_digital.php (Acesso em 03/07/2010

01:00).

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GRÁFICO 1: Censo de 1890 sobre a religião e cultos da cidade de Campina Grande.

Fonte: MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA, VIAÇÃO E OBRAS PÚBLICAS: Diretoria

Geral de Estatística. População Recenseanda de 1890. Rio de Janeiro: Officina da

Estatística, p.341, 199898

.

Assim, de acordo com estes dados do gráfico, 99,97% da população em Campina

Grande eram de católicos e apenas 5 pessoas, de um total de 21475 seriam de outras religiões

não identificadas e apenas 1 sem religião. Apesar de estarem presentes nos censos, os

ortodoxos, evangélicos, presbiterianos, islamitas e positivistas não houve números que

indicasse a presença destas religiões na cidade.

Isto pode ser explicado pela presença marcante do catolicismo desde a formação do

povoado, que teve a presença de sacerdotes católicos, com sua igreja matriz, onde a população

se distribuía em seu entorno como ocorreu em várias cidades brasileiras99. Quando elevada à

categoria de cidade, em 1864, já contava com duas igrejas católicas, a Matriz e a do

Rosário.100

E mesmo com a instauração da República, quando o catolicismo foi retirado como

religião oficial da Constituição e marcou o início de um Estado brasileiro laico, o Catolicismo

tinha forte presença durante todo o inicio do século XX.

98

Disponível no site do IBGE:

http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/visualiza_colecao_digital.php?titulo=Sexo, raça estado

civil, nacionalidade, filiação, culto e analphabetismo da população recenseada em 31 de dezembro de

1890&link=Sex_raca_est_civil_Nac_1890# . Acesso em ( 03/07/2010- 01:34). 99

CÂMARA, Epaminondas. Os alicerces de Campina Grande. 2 ed. Campina Grande: Caravela, 1999. p.26. 100

Id. Ibid. p.89.

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Ainda podemos encontrar a influência do catolicismo na vida dos campinenses

conforme mostrado no jornal Gazeta do Sertão (na sua segunda fase)101, que registra uma

aliança com o Partido Católico em 1890. E publica a seguinte afirmação de um teólogo: ―não

somos ateus, menos retrógrados [...] o progresso material é o efeito do progresso moral, sem

intervenção deste o mundo jazeria no primitivo estado.‖102 Valorizando todo o processo de

catequese iniciado desde o período colonial como forma de grande ―benefício‖ para a

sociedade.

Este jornal foi conhecido por idealizar e reivindicar a República nos seus primeiros anos

após a sua fundação, mas após a morte de um dos diretores, Retumba, o jornal perdeu, pelo

menos por pouco tempo, esse seu caráter liberal e permitiu a influência do Partido Católico.

E em outra nota em forma de protesto do vigário Luiz José de Araújo, contra a

República, publicou-se que ―porém hoje esquecendo-se o governo de tamanhos rasgos de

benevolência, diz não queremos que a Religião tenha influência no poder... O que pretende o

governo? Ser ateu? ―. E continua a nota enfatizando a igreja católica como ―única verdadeira‖

e que ―conceder a mesma liberdade a ela e às falsas não será confundir a Santíssima espôsa de

Cristo com prostitutas?...‖103

Essa crítica partia do pressuposto da nova Constituição instaurada de 1890 que

legitimava a liberdade religiosa e de culto no Brasil. O que permitia a inserção oficial de

novas religiões no país.

Já no censo de 1940104 entraram novas religiões ou novos termos nos dados oficiais

como protestantes, israelitas, maometanos, budistas, espíritas, positivistas, além dos católicos,

positivistas, sem religião e condição religiosa não declarada. E no censo de 1950105 houve um

101

A Gazeta passou por duas fases: este jornal foi fundado por Irineu Jofflily e na sua primeira fase tinha como

um dos diretores o engenheiro Francisco Soares da Silva, o Retumba, até 1890. É importante destacar que a

oficina deste jornal, localizado em Campina Grande durante três anos, foi destruída em 1891. A segunda fase

reinicia suas publicações nos anos 20 e começa com a morte de Irineu Joffily. Neste momento surge uma

aproximação com partido católico, quando o jornal passa a ser distribuído pelos diferentes vigários e em

diversas cidades. Depois em 1981 foi lançado a Gazeta do Sertão trazendo apenas o título do antigo homônimo

Ver JOFFILY, Irineu. Um cronista do sertão no século passado: apontamentos à margem das “notas sobre

a Paraíba” de Irineu Joffily. Ed. Comissão Cultural do Município. CG. 1965. E em ARAÚJO, Fátima.

História e ideologia da imprensa na Paraíba dados históricos e técnicos. Ed. Ilustrada. Sec. de Educação e

Cultura. 1983. 102

Gazeta do sertão. 4 de abril de 1890. p.86 103

Gazeta do Sertão. 30/V/1890. Idem. p.86. 104

Em anexo encontra-se o gráfico com base no censo de 1940, retirados e feito as adequações, a partir do site:

http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/CD1940/CensoDemograficoEconomico/1940_pt_VIII_P

B.pdf (Acesso dia 03.07.2010- 1: 45) 105

http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20%20RJ/CD1950/CD_1950_XVI_t1_P

B.pdf (Acesso dia 03.07.2010 -1:50)

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aumento considerável no que se refere aos espíritas. Sendo que 97% da população eram de

católicos e um novo dado importante seria sobre os que se declararam espíritas com apenas

2,42% e apenas um total de 1,16% para as pessoas que não declararam sua religião, sem

religião e outra religião.

Este último dado é importante para ressaltar que deste total de 1,16% podiam existir

pessoas ligadas às religiões afro-brasileiras como também entre os declarados espíritas, pois

muitos terreiros se passavam por Centros espíritas para fugir da ilegalidade106. E ainda os

Católicos, porque muitas pessoas que freqüentam terreiros são fiéis católicos. Mas,

certamente que não devemos nos limitar aos números contidos nos censos, os quais não

expressam o mapa da cartografia da religiosidade em Campina Grande e na Paraíba.

Mesmo assim, segundo o censo de 1940, podemos perceber ainda a presença do

protestantismo que nos primeiros anos do século XX, em Campina Grande, passou por

algumas dificuldades. Porque muitos campinenses tinham preconceitos em relação a essa

―nova‖ religião nesse período e algumas pessoas que assumiram essa religiosidade sofreram

represarias por parte da população.

A exemplo do o casal Olindo Cardoso e Rita de Sousa que em 1901, ao aderir à nova

religião passaram por várias conflitos na cidade, como evidencia Cleófas L. A. de Freitas

Júnior:

Rita Cordeiro tinha uma escola com cinqüenta alunos, o povo incitado pela

pregação do vigário de que ela aceitaria uma seita satânica, os alunos se

ausentaram. Em outro dia, o vigário da cidade incitou as crianças na rua a

gritarem: ―cão coxo‖ com o senhor Olinto Cordeiro, pois claudicava de uma

perna. As perseguições também atingiram cultos nas residências com pedras

jogadas sobre os telhados e a zombaria do povo durante o cântico dos hinos.

Até que pararam as perseguições durante os cultos porque falaram com o

delegado da cidade e ele ameaçou prender os que perturbassem107.

Neste caso, podemos identificar algumas opressões, atos de violência e preconceitos que

o casal sofreu, que muitos desses atos foram incitados pelo vigário da cidade, desencadeando

até vandalismo contra a residência das vítimas, sendo o senhor Olindo denominado de ―Cão

coxo‖, em virtude de sua deficiência, o que evidencia um duplo preconceito.

106

CAMPOS, Zuleica Dantas Pereira. Os Afro-Umbandistas e a resistência do Estado Novo. Revista de História:

Saeculun. nº8/9 Jan./Dez. João Pessoa, PB: Universitária - UFPB, 2003. 107

JÚNIOR FREITAS, Cleófas L. A. A inserção do discurso protestante em Campina Grande (1901-1930):

uma introdução. Trabalho apresentado na Anpuh –PB. p. 5 Disponível no site:

http://www.anpuhpb.org/anais_xiii_eeph/textos/ST%2014%20%20Cle%C3%B3fas%20Lima%20Alves%20de%

20Freitas%20J%C3%BAnior%20TC.PDF

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Esse quadro de represálias atenuou-se nos anos 20 com o surgimento da Escola

Dominical que acentuou o processo de evangelização108.

Neste mesmo período foi fundada em 1923 a loja Maçônica Regeneração Campinense

com o primeiro mestre Targino da Costa Barbosa, esta entidade fundou o grupo escolar

Antônio Vicente e o Hospital Pedro I, este último em 1932109.

No entanto, não podemos deixar de ressaltar que religiosidade da cultura negra também

se fazia presente neste período. Mesmo não sendo citada nos dados, sabemos que as religiões

afro-brasileiras se desenvolveram praticamente em quase todos os estados brasileiros, onde

houve a presença do negro e de seus antecedentes. E na Paraíba e em Campina Grande não foi

diferente, apesar da forte presença da cultura indígena nos rituais paraibanos com o catimbó-

jurema.

Nos anos 1970 suprimiram os termos religiões, ficando apenas católicos, evangélicos e

espíritas, além dos que se não declararam, de outra religião e sem religião. O reconhecimento

formal das religiões afro-brasileiras no censo, somente ocorreu na década de 1980, para

diferenciar os Espíritas Kardecistas com Espírita Afro-Brasileira.

GRÁFICO 2: Censo de 1980 da cidade de Campina Grande sobre a religião. Fonte:

INSTITUTO BRASILIERO DE GEOGRAIFA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico:

Paraíba. In: IX Recenseamento Geral do Brasil de 1980. Vol.1, n.11. Rio de Janeiro:

IBGE, p.43-57, 1982.110

108

Idem. 109

Livro do município de Campina Grande. Projeto Gincana Cultural. Coleção livro dos municípios. Campina

Grande: Mobral. 1983. p.164. 110

Disponível no site do IBGE: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-

%20RJ/CD1980/CD_1980_Dados_Distritais_PB.pdf (Acesso em 03.07.2010, as 21:02)

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Segundo esse censo, de 1980, a cidade de Campina possuía uma população de

aproximadamente 247.827, sendo que foram declarados Espíritas Afro-brasileiros 457

pessoas, um dado considerável para um período de afirmação da religiosidade negra na cidade

apesar de um número pequeno de declarados111. Porque, se colocarmos estes números em

percentagem são apenas 0,18% declarados Espíritas Afro-brasileiros, uma quase ausência que

pode ser explicado talvez, por um discurso oculto diante do recenseador.

Essa menção da religiosidade afro-brasileira neste censo, apesar de ainda associar ao

espiritismo em virtude da utilização das práticas mediúnicas, foi muito lento, se levarmos em

consideração que a liberdade religiosa se fazia presente desde 1890. Mas, dizer que este

processo foi lento não queremos afirmar que a população afro-descendente ficou passiva a

esse processo. Porque desde o contexto pós-abolição que existiram vários movimentos de

conscientização negra no país, que combatiam o racismo, melhores condições no mercado de

trabalho, além da valorização da cultura negra, em especial a religiosidade.

Segundo Ivonildes Fonseca112, um dos processos de conscientização foi por meio da

Frente Negra Brasileira, fundada em 1931 em São Paulo e vai até 1935, que tinha como

objetivos ―levantar a moral da raça, alfabetização do povo negro, reconstrução da família;

formação da elite da mulher negra e trabalho‖113. Após a Frente Negra, surgiu o Teatro

Experimental Negro - TEM no RJ em 1944, para afirmar a identidade negra valorizando sua

cultura. Além dessas teve outros movimentos de ações, como o aparecimento do jornal

Quilombo em 1948, dirigido por Abdias Nascimento, que tinha como meta melhorar a

condição do negro no aspecto político, econômico, cultural e educacional.

Já nos primeiros números desse jornal, valorizava-se a religiosidade negra, trazendo

matérias, como o desenvolvimento de sessão de Candomblé114, descrevendo a festa do início

ao fim, para esclarecer como era esta sessão e tentar desmistificar os preconceitos. E também

acelerar o processo de aceitação das religiões de matriz afro sem sofrer represálias policiais,

como por exemplo, um artigo publicado em 1950, que referia às práticas religiosas ainda não

reconhecidas:

111

Ressaltamos ainda que os termos de Umbanda e Candomblé surgiu somente o censo de 1991, que num total

de 326305 da população da cidade de Campina Grande 523 declararam-se da Umbanda e do Candomblé. (Em

anexo também estes esses dados do censo de 1991.) 112

FONSECA, Ivonildes da Silva. Movimento Negro na Paraíba: Breve Histórico. In: População negra na

Paraíba: história, política e ensino. Vol.1 Campina Grande, PB: EDUFCG, 2009. Pág. 83-97. 113

Ibid., .p.85. 114

CARNEIRO, Edison. ―Teogonia negra‖. Jornal: Quilombo. 4 de dezembro de 1948. p.3

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no país já sofreram, ora menos, por este ou por aquele motivo, limitação na

sua liberdade primária [...]O que fazer diante da intromissão policial, senão

resistir pacificamente, mas com firmeza, em defesa dos direitos? [...]

contando com o declarado apoio de dezenas de milhares pessoas, em cada

cidade brasileira, as religiões perseguidas necessitam de uma coesão entre

si115

.

O jornalista nesta citação critica a constituição brasileira da época, que apesar de

possuir como premissa a liberdade religiosa, as religiões de matriz africana, em vários

Estados, sofriam a ―intromissão policial‖, e reforçando a necessidade de união das religiões

para conseguir seu reconhecimento e garantir o direito de culto.

A partir dos anos 1950 surgem as primeiras Federações dos Cultos Afro-Brasileiros no

país para unificar e fugir de tais repressões policiais, e somente em meados dos anos 1960 que

veio a primeira Federação dos cultos Afro-Brasileiros para a Paraíba. Mas iremos nos

aprofundar sobre este movimento federativo no segundo capítulo.

Após um período de ―sufocamento do exercício da cidadania‖, dos anos 1930 até os

anos 1970, com o Estado Novo e também com o Regime militar, na década de 70, quando

ressurge a atuação da população negra com a ―fundação de movimentos teatrais‖. E a

fundação do movimento negro unificado contra a discriminação racial (MMUCDR), que

muda de nomenclatura em 1979 para Mov. Negro Unificado (MNU). E logo após ainda neste

último ano nasce um grupo organizado na Paraíba denominado ―Movimento Negro de João

Pessoa (MNJP)‖. 116

Em geral, o MNU possuía três correntes de militância à procura dessa nova identidade

do negro. A primeira preocupava-se com a ―preservação dos valores de origem africana

ligados à tradição e costume‖; a segunda valorizava a ―expressão da cultura religiosa negra

que considera o espaço do terreiro como espaço de resistência‖ e a terceira estimula a tomada

de consciência sobre a identidade do negro no Brasil, afirmando uma imagem positiva e

valorizada117.

Percebemos que o século XX foi marcado por mudanças políticas, sociais e culturais.

De valorização da consciência, cidadania e luta por espaços no campo religioso. Como

também muitas cidades passaram por transformações urbanas que influenciaram os costumes

e a vida cotidiana.

115

Idem. ―Liberdade de Culto‖. Jornal: Quilombo. 2 de janeiro de 1950. Estas duas matérias do jornal quilombo

foram republicadas na Edição fac-similar de Quilombo: vida, problema e aspirações do negro, em 2002. 116

FONSECA, Ob cit., p.86-87. 117

ADESKY, Jacques Edgard d'. O anti-racismo diferencialista do movimento negro. In: Pluralismo

étnico e multiculturalismo. São Paulo: Pallas. 2001, p. 151- 162.

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49

Assim, a cidade de Campina Grande do início do século XX até os anos 1980, não

passou por mudanças apenas no que se refere ao campo religioso. Mas, transformações e

conquistas materiais tidas como ―modernas‖, que deram um ar de civilidade. Conquistas que

os cronistas da época designavam modernas e civilizadas, muito embora não podessamos

comparar estes avanços das primeiras décadas nessa localidade com a modernidade urbana

das capitais européias em que a modernidade estava relacionada a certos ritmos sociais de

vida agitada e a uma grande massa populacional118. Mudanças que destacaremos no próximo

item.

118

ARANHA, Gervácio Batista. Seduções do moderno na Parahyba do norte: trem de ferro, luz elétrica e outras

conquistas materiais e simbólicas. In: Agra do Ó, et al. A Paraíba no Império e na República: estudos de

história social e cultural. 2 ed. João Pessoa: Idéia, 2005. p. 47-132

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2.2. MÚLTIPLOS TERRITÓRIOS E SEUS CONFLITOS

Campina Grande foi impactada por equipamentos de uso coletivo que passaram no

imaginário urbano como símbolos modernos, os quais pretendiam dar ares de civilidade à

cidade, como os novos meios de comunicação e transporte, higiene nas ruas e casas, conforto

e educação. Tentando distanciar-se de um passado associado o atraso, ao velho ou à

decadência cultural, que ao mesmo tempo tinha espaço para o tradicional ou para os costumes

populares, como as suas crenças religiosas.

No caso, as práticas como o catimbó, que funcionavam em diversos espaços na cidade

ou nas suas proximidades eram procuradas por pessoas de diversas classes sociais por

variados motivos, mesmo que na clandestinidade.

É um fato que Campina Grande civiliza-se, no início do século, quando em 1907, a

cidade recebe o primeiro trem, uma reivindicação que já vinha sendo cultivada desde 1890

com Cristiano Lauritzen, chefe na articulação político local, do prolongamento da estrada de

ferro desde Itabaiana para esta localidade. Enfim, ferrovias que eram de interesse público e

das forças políticas e econômicas. Inicialmente a ligação seria de Mulungu à Campina, mas o

prolongamento só teve início em 1904 de Itabaiana até Campina Grande com a inauguração

em 1907119.

Outros equipamentos trouxeram até certo ponto conforto, como a instalação de

telefones residenciais em 1918120, energia elétrica mesmo que precária nos primeiros anos a

partir de 1920. Além das reformas urbanas empreendidas entre os anos 1930 e 1940, as quais

aderiam aos reclames dos letrados locais que seguiam a lógica reformista e higienista de

várias cidades do Brasil e fora do país121, que modificaram do traçado das ruas não apenas

para embelezar, mas para higienizar a cidade.

Isto foi uma das preocupações sanitárias das autoridades públicas, ou seja, de

intervir do traçado da cidade, principalmente em áreas comerciais, industriais ou zonas

residenciais ricas. Dentre as reivindicações estavam a limpeza das ruas, com a coleta do lixo,

instalação de sistema de esgoto e distribuição da água. Retirando tudo que pudesse

119

ARANHA, Gervácio Batista. Trem e imaginário na Paraíba e região: Tramas do político –econômico

(180-1925). Campina Grande, PB: EDUFCG, 2006. 120

Ibid., p. 112. 121

Essa tendência de reformar as cidades se inicia fora do país, no século XIX em Paris com as reformas

efetuadas pelo barão Haussumam, quando construíram largas avenidas e ruas, redes de esgotos, entre outros

empreendimentos. Ver em: BENJAMIM, Walter. Passagens. Trad. Irene A. Belo Horizonte/São Paulo: UFMG/

Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007.

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51

demonstrar ―perigo‖ à saúde pública e nada ficando de fora desta verdadeira ―limpeza‖,

fossem os espaços privados ou os próprio indivíduos122.

Em Campina Grande, a partir de 1935, inicia-se a Campanha do bota-abaixo com o,

decreto municipal de n° 51, do prefeito Antônio Pereira Diniz, o qual aspirava o

―embelezamento‖ da cidade. Assim, neste decreto nas ruas principais deveriam apenas existir

construções com mais de um pavimento123. Porém, é preciso ressaltar que antes disso e

durante, já haviam outras medidas para modificar as áreas centrais da cidade como:

localização do meretrício nos Currais, ainda no início dos anos 30; a

derrocada do Cemitério Velho, nas Boninas, em 1931, e a venda do seu sítio

para comerciantes e industriais instalarem armazéns e fabricas; a destruição

da antiga cadeia, localizada na praça Clementino Procópio e a construção de

uma Penitenciária Pública no Monte Santo; a implantação de sistema de

saneamento e abastecimento de água, 1935-1939124

.

Essa noção de retirar o cemitério da área central da cidade também seguia um propósito

higienista, porque a medicina social desde o século XIX tinha por objetivo prevenir doenças e

não apenas curar, já alertava sobre os modos de vida das pessoas, suas habitações e os locais

considerados insalubres.

Dessa forma, algumas instituições eram consideradas focos de doenças como hospitais,

prisões, cemitérios entre outros, os quais deveriam ser construídos longe do centro da cidade e

de fontes de água, preferencialmente em lugares altos onde os ventos não poderiam trazer os

miasmas doentios para a cidade125.

Mas as reformas que tiveram grande repercussão ocorreram na gestão do prefeito

Vergniaud Wanderley, que dirigiu a cidade por duas vezes126, sendo que na segunda realizou-

se uma verdadeira varredura de imóveis do passado colonial, desapropriando casebres ou

casarões e tudo que ficasse no meio do projeto de alargamento das principais ruas.

Nesta reforma foram prejudicados não apenas populares, mas comerciantes e pessoas

ricas que possuíam imóveis na localidade. Fabio Gutemberg127 nos traz variados relatos sobre

122 Para os anos de 1945 e 1965, ver os textos de SOUZA, Antônio Clarindo B. Lazeres Permitidos, Prazeres

Proibidos: sociedade, cultura e Lazer em Campina Grande (1945-1965). Tese – doutorado em História.

Recife: UFPE, 2002. 123

SOUSA, Fabio Gutemberg Ramos Bezerra. Cartografias e Imagens da Cidade: Campina Grande – 1920-

1945. Tese Doutorado. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP. 2001. p. 279. 124

SOUSA, Ob. Cit. P. 282. 125

REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São

Paulo: companhia das Letras, 1991. p. 247-248 126

1935-1937;1940-1945. 127

Ob. Cit., 2001. p.296-297.

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os conflitos e confrontos em torno deste episódio. Quando demoliram-se casarões de famílias

tradicionais, prédios de comerciantes, entre outros imóveis pertencentes a pessoas de

condição social relevante, como o bancário Pedro do Egito, que mesmo a contra gosto teve

sua casa demolida128.

Além dos conflitos gerados pela reforma, a cidade pode ser percebida na sua

multiplicidade, que distancia do discurso homogeneizador dos reformadores, ou seja, a cidade

na sua diversidade social e cultural, com variadas atividades e usos que as pessoas faziam dos

espaços. Dessa forma, certos grupos delimitam algumas trajetórias em suas vidas cotidianas,

como o espaço do trabalho, lazer e diversão.

Alguns lugares podem conter marcas de memória, como algumas categorias de

profissionais que utilizam certos territórios e espaços durante o trabalho, a exemplo dos

―vendedores de pães que percorriam os ‗subúrbios‘, zona rural e adjacências‖; os carregadores

que faziam sua vida nas áreas centrais, a dona de casa, que embora tivesse o espaço do

privado para cuidar ela também tinha sua presença nos bairros onde mora, ou os choferes que,

ao dirigir diariamente deixaram suas marcas de historicidade pelas ruas da cidade.129

Determinados espaços da cidade podiam ser conhecidos também pelo prazer que

proporcionam para alguns, como o bairro da Manchúria ou zona do meretrício, onde

indivíduos ―perambulavam altas horas da madrugada, por ruas esburacadas ou limpas,

calçadas e saneadas, moradores em algazarras, ou na disputa por prostitutas, davam a elas

tonalidades que destoavam das cores que o discurso moderno pretendia.‖130

Assim, mesmo a cidade passando por modificações tidas como civilizadoras, ainda as

ruas eram palco entre o novo e os antigos costumes populares e de personagens que não se

adequavam aos padrões da época, que faziam usos diversos dos espaços da cidade. Como a

Tenda do Mestre Honório, situada na travessa Lindolfo Montenegro, que segundo Cristino

Pimentel131 situava-se numa rua como um ―circulo formado por um bêbedo‖ e não podia ser

concebida numa ―cidade que segue os traçados modernos‖132.

128

Idem. 296-298. 129 SOUSA, 2001. 130

Idem. p.181. 131

PIMENTEL, Cristino. ―Tenda de Mestre Honório‖. Sem referência. No entanto, Fábio G., comenta que este

cronista publicou seus escritos entre as décadas de 1930 e 1940 (ver se é 60), nomeando suas crônicas como

―cousas da cidade, e a maioria das crônicas que ele utilizou estavam sem data. Ver em : Sousa. Op. Cit. p. 20.

Destacamos que esta crônica ―Tenda de mestre Honório‖ faz parte da pesquisa de Fábio G. de Sousa. 132

Ibid.

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53

E na tenda deste senhor havia muitos objetos antigos, ―imprestáveis‖, acumulados e

desorganizados. Ressalta Pimentel que ―há em Campina Grande uma latoaria original‖ e Honório

estava envelhecendo no oficio. E para quem entrasse na sua tenda era como um:

ninho de arumará, nessa panela de formigas de asas, onde as lamparinas são

tanajuras, tocando-se em tudo, derrubando se tudo, à ―gaiga‖, como diz o

rústico e macerado vulgo, esgueirando-se e espremendo-se, como quem sai

do cinema .Para todos, depois de uma sessão apinhada, no desejo intenso de

aliviar os pulmões de carga do ar impuro de escarro e fumo de que é cheio o

recinto, e o piso um tapete de pulgas hábeis farejadoras de cós e barras de

saias.133

O cronista ainda descreve que ao fazer o serviço não tinha muita distinção entre o

espaço de morar com o ―portal‖ afora, porque havia os utensílios necessários a seu ofício. E

finaliza dizendo que ―assim era a tenda de mestre Honório. Um ninho de recordações e uma

latoaria original de onde extrai ele, como um mineiro consciente o ouro para seus netos‖134.

É possível perceber através dessa narrativa a valorização dos novos valores modernos

que depreciam as tradições populares de procurar ―aconselhamentos‖ nestes ambientes. Como

também a aversão a uma habitação rústica como a tenda do mestre Honório.

Embora o espaço urbano fosse pensado pelos planejadores de cada época com

estratégias para modificar e civilizar a cidade, muitos moradores como o senhor Honório se

reaproprivam do espaço fazendo destes usos diferentes e muito distantes do ideal dos

urbanistas e de letrados como Cristino Pimentel.

As práticas cotidianas reinventam cotidianamente os espaços, manipulam de acordo

com os usos que se faz deste. Mesmo o espaço físico sendo fixo, as pessoas criam narrativas,

fazem percursos dirigentes, transgridem os limites fixados como proibidos e inserem novos

significados a determinados espaços fazendo assim novos territórios135.

Raquel Rolnik136 nos esclarece sobre a diferença entre a noção de espaço e território,

pois este último refere-se ao espaço vivido e o primeiro existe independentemente do sujeito.

Por exemplo, o espaço denominado por Rolnik é o físico, geográfico, mas a utilização ou a

vivencia deste espaço pelo homem, o qual dá novos significados e que demarca diferenças

espaciais (culturais e sociais) na cidade é denominado de território. Dessa forma, as práticas

de territorialidade são inscritas nas relações entre os sujeitos estabelecidos espacialmente.

133

Ibid. 134

Ibid. 135

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Vol. 1 . Trad.: Ephraim Ferreira Alves, 13ª

Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007, p. 169-191. 136

SOUSA, Ob. Cit., p.172-173.

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54

Assim, alguns espaços na cidade possuem cargas de memória, quando se formam

narrativas, mitos, crenças e preconceitos sobre determinados territórios. E Campina Grande,

como toda cidade, possui vários usos e significados nos seus espaços. A exemplo do antigo

bairro da Madchúria espaço de encontrar o prazer sexual, à noite, e durante o dia nas

proximidades do mercado central, o comércio, representando o mundo do trabalho diário.

Podemos perceber a presença de práticas religiosas de alguns populares como as

prostitutas da zona do meretrício no bairro da Manchúria, as quais tinham tempo também para

o exercício da fé, ao analisarmos um processo criminal ocorrido em 1933.

Em meio às disputas entre a proprietária da Pensão Moderna, Josefa Tributino e Maria

Amélia de Morais, da Pensão Nice, que tomou grande proporção jurídica. Pois Josefa

Tributino mandou duas de suas ―hospedes‖, Djanira e Alice, espancarem as mulheres da

pensão rival, causando vários ferimentos.

Tudo isso, segundo o depoimento da testemunha Adalgiza Cortiz, foi resultado de um

possível catimbó, que Josefa Tributino havia realizado. Como evidenciamos no relato abaixo

da testemunha:

....a proprietária da pensão Nice são desafetos uma com a outra, por motivos

insignificantes, isto é, por questões de catimbó, em que a proprietária da

pensão Nice, acusa a proprietária da pensão moderna, como autora dessa

magia negra, que a proprietária da pensão moderna, chama-se Josefa

Barbosa, conhecida por Josefa Tirbutino e Maria Amélia, são desafetos uma

com a outra, por causa do profalado catimbó137.

Podemos perceber na narrativa que o catimbó estava relacionado à magia negra, uma

maneira de tentar arruinar a vida do outro através da ―magia‖. Mesmo que não houvesse a

certeza do ―feitiço‖, era motivo para provocar esta rivalidade entre as duas cafetinas por muito

tempo, conforme evidenciou Maria Amélia de Morais.

...Josefa Tirbutino, é sua inimiga rancorosa, há mais de ano, por questões

insignificantes, isto é, por questões de catimbó, praticado por ela contra a

depoente, e por causa desse catimbó ela depoente prestou queixa a polícia

desta cidade, no que resultou ser, Josefa Tirbutino intimada, que devido a

isso, rancorosamente contra ela de presente, que segunda feira, vinte e um do

corrente, Josefa Tirbutini, cheia de surperstição, mandou revistar o telhado

da casa da pensão dela, Josefa, por supor haver catimbó e nada tendo

encontrado, mandou revistar o telhado da casa da Pensão dela depoente; que

137

Ação Criminal s/n. contra Djanira de Tal; Alice Tenório e Josefa Barbosa, vulgo Josefa Tributino, Ação de

24/07/1933 a 28/12/1933. Arquivo do Primeiro Tribunal do Júri do Fórum Afonso Campos. Campina Grande.

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a pessoa que revistava as telhas de ambas as casa era um caiador, de nome

Manoel de Tal138.

O Catimbó, nesse caso, era motivo de medo e também de desrespeito, pois Maria

Amélia levou o caso à polícia e Josefa teve que prestar esclarecimento ao Tenente João de

Souza. Como também ficou com receio de receber também um catimbó por vingança. Daí

contratou um caiador para revistar até o telhado à procura de algum indício.

Na localidade da Manchúria, ao analisarmos esses trechos do processo139, percebemos a

múltiplicidade de territórios na mesma espacialidade, de prazer sexual, comercial e também

da crença de seus ocupantes, no caso, o catimbó. Mas não somente o bairro da Manchúria era

território dos adeptos do ―catimbó‖, porque em outros bairros também detectamos esta

presença.

O fato é que identificamos, na maioria das fontes, alguns lugares de práticas das

religiões afro-brasileiras na cidade na segunda metade do século XX. Em muitos jornais,

como o Diário da Borborema, conseguimos identificar alguns bairros com seus respectivos

terreiros, somente em meados dos anos 60 em diante.

Tentamos fazer a identificação anterior de outro modo, através da pesquisa no 5°

Cartório de Registro e Títulos e Documentos para obter acesso aos registros de atas e

fundação de casas religiosas, com intuito de identificar os primeiros registros de casas

religiosas de tradição afro-brasileira neste município, mas a tabeliã não permitiu observar o

conteúdo das atas e somente foi permitida a observação da primeira folha, onde continha o

nome e o ano de fundação. No entanto, até os anos 1970 muitos terreiros se registravam como

Centros

Espíritas, para puderem cultuar legalmente, o que dificultou a identificação das mesmas.

Conseguimos os endereços de alguns terreiros, através do contato pessoal com chefes

religiosos, mas a maioria deles foi fundada entre os anos 1970 e 1980. Foi quando visitamos a

Federação dos Cultos Afro-Brasileiros de Campina Grande, situado no bairro do Rocha

Cavalcante, em 2003, mas atualmente encontra-se fechado140. No entanto, muitos filiados à

Federação dos Cultos Afro-Brasileiros não possuem terreiros, eles apenas tem em casa a

138

Idem. 139

Idem. 140

Nesta Federação dos Cultos Afro-Brasileiros na cidade não foi permitido a pesquisa no arquivo, que nos

restou ter o contato com alguns filiados que estavam presentes no local.

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―mesinha‖ para consulta, ou seja, fazem apenas a jurema de mesa141. Por isso, colocamos

apenas alguns exemplos das localidades dos terreiros na cidade.

Existiram diversos terreiros na cidade de Campina Grande. Tentamos situar alguns

destes em seus respectivos bairros, procurando evidenciar algumas histórias e conflitos nos

bairros da cidade.

Assim, ainda quando as autoridades faziam sérias restrições à prática dos cultos

africanos na cidade, identificamos no ano de 1942, no bairro de José Pinheiro, um terreiro de

―umbanda‖, segundo do jornal Diário da Borborema142

, da ―yalorixá Mãe Lydia‖, ela ―fundou

um centro onde atendia pessoas em todo Estado, principalmente as oriundas do sertão‖. Mas,

passou apenas cinco anos e retornou para a capital pernambucana, onde fundou o terreiro é

―Bom-fim em Águas Compridas‖.

Segundo o Diário da Borborema ela era baiana descendente de africanos de angola143

.

Em outra matéria que era realmente natural da cidade de Lajos, em Angola144

. A yalorixá

Lydia Alves da Silva retorna em 1979 para Campina Grande e abre outro terreiro no bairro do

Monte Castelo, na rua Sindolfo Montenegro, no qual procurou ―desenvolver sua religião nesta

cidade‖, já com mais de 80 anos de idade145. Abaixo a imagem desta yalorixá:

Imagem 1: ―Mãe Lidia, uma vida dedicada a Umbanda‖. Fonte: Diário da

Borborema. 02 de novembro de 1973., p.7.

141

A jurema de mesa é uma sessão de cura ou pedidos, onde são invocados os mestres, preto(a) velho(a), e

caboclo. 142 Diário da Borborema. 02 de novembro de 1973 p. 7 143 Idem. 144

Diário da Borborema. 13 de agosto de 1979 p.3 145 Idem.mãe

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Além de mãe Lídia, os primeiros que abriram seus terreiros e permaneceram na cidade

foram de três pessoas:

que tinham mediunidade e frequentavam terreiros indo a Pernambuco:

Vicente Mariano, Maria de Lourdes e Cleonice, que instalaram os primeiros

movimentos umbandísticos na rua Conde D‘ EU (a volta de Zé Leal), na

José Aranha (Nova Brasília) e na rua do Fogo (Estação Velha), Maria de

Lourdes e Cleonice morreram algum tempo depois, mas Vicente tornou-se

um dos importantes precursores da umbanda na Paraíba146.

Maria de Lourdes de Medeiros fundou o ―Centro Espírita Manoel Alagoano‖, em 21

de agosto de 1956. Ela era segundo o Cartório presidente deste centro, mas antes de ser

fundado legalmente, já existia desde 1947147. Segundo Vicente Mariano148, Maria de Lourdes

já tinha terreiro antes dele, mas apenas fazia jurema.

Seu terreiro localizava-se no Bairro do Monte Santo, na rua conde D‘Eu, próximo a

―volta de Zé Leal‖. No entanto, mesmo registrada no Cartório, ela sofreu represálias policiais

devido ao exercício ilegal da medicina ou ao curandeirismo. E quando presa, em presença do

Coronel Luís Barros e demais pessoas que se ―encontrava na especializada Campinense, a

Sra. Maria de Lourdes Medeiros, confessou sem qualquer pressão, que realmente vinha

exercendo a cura de algumas pessoas, inclusive de elementos que tem sido enviados ao centro

por parentes da Polícia Militar do Estado‖149.

O terreiro era procurado por diferentes classes sociais e os chefes religiosos

mantinham relações de sociabilidade com representantes do ―poder‖ como a própria polícia,

para manter suas práticas. No entanto, mesmo fazendo uso dessas relações sociais, ainda

havia muitas denúncias na polícia, o que terminava sendo noticiado. Por exemplo, de quando

Maria de Lourdes foi detida na polícia em decorrência da denúncia de uma moça que fora,

―desvirginada‖ e teve a promessa de ser ―curada‖ por Maria de Lourdes, em troca do

―pagamento de vinte mil cruzeiros‖, os pais da moça desconfiaram do fato e procuraram as

autoridades.

Na entrevista150 que fizemos com uma adepta do antigo terreiro de Maria de Lourdes

houve esta e outras denúncias deste terreiro na polícia, mas devido ao ―barulho‖ das sessões.

No entanto, o terreiro nunca foi fechado ou a M. de Lourdes foi presa, apenas prestava

esclarecimentos e retomava às suas atividades no dia seguinte.

146 Diário da Borborema. 28 de Outubro de 1973. p.1 147

Dado localizado no Cartório de Registro e Títulos. Registro sob o n. 117, livro A-1 p. 335 a 337. 21.08.56. 148

Chefe de Terreiro Senhor do Bonfim na cidade desde os anos 60. 149

Diário da Borborema, 10 de fevereiro de 1962 .p.4. 150

Entrevista realizada no dia 27.07.2009, com a senhora também M. L.

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O território, o terreiro junto com a vizinhança, era um espaço marcado por estes

conflitos de não aceitabilidade dos costumes dos outros, que acabava na maioria dos casos

arquivados na delegacia. A repressão era originada principalmente pelos moradores do bairro

em decorrência dos barulhos dos tambores e para de manter a ordem pública.

Além do terreiro de Maria de Lourdes, Vicente Mariano151 destaca ser o primeiro a

abrir casa de Candomblé em Campina Grande nos anos 60, afirma ainda a existência de outro

juremeiro conhecido como ―Zé Capoeira‖, onde ―era o São Vicente de Paula, ele era e a mãe

dele que rezava‖. A maioria das pessoas que procuravam Zé Capoeira era em decorrência de

doenças. ―Era aquele povo que chegava doente [...] ele curava aquele povo.‖152 Vicente

Mariano esclarece que a jurema de mesa serve para ―para cura, é pra trabalho, emprego. É pra

essas coisas.‖

Os bairros na cidade que encontraram a presença dos terreiros são marcados por este

território religioso, no entanto, este território foi palco de vários conflitos entre os moradores

e a polícia que não aceitava as práticas religiosas dos terreiros.

Foi nos anos 1960 e 1970 que encontramos fontes que trouxeram diversas localidades

na cidade. Até porque o reconhecimento oficial dessas religiões, ou seja, o direito de culto

ocorreu somente em 1966 com a Lei Estadual n °4242, sobre a qual discorreremos no segundo

capítulo deste trabalho. Isso não quer dizer que estes terreiros começaram a existir somente

nos anos 1960. Como relatamos o caso de Maria de Lourdes e Zé da Capoeira, eles para

fugirem da repressão, faziam suas práticas escondidos, o que dificulta realizar uma pesquisa

mais detalhada.

Quando algum adepto da religião de matriz afro era preso, isto gerava uma

repercussão maior para ser processado ou noticiado. Não ocorrendo, então resta utilizar a

história oral, mas também encontramos impedimentos, pois muitas pessoas que vivenciaram e

podiam lembrar como era este período da primeira metade do século XX, já faleceram. A

exemplo de Maria de Lourdes e Zé Capoeira que são falecidos.

Mas existem dois babalorixás que iniciaram na década de 1960, e nos anos de 1970 já

eram respeitados e destacados na cidade como ―proprietários dos maiores terreiros‖153, os

quais ainda permanecem na cidade: Vicente Mariano e Manuel Rodrigues. A seguir está a

imagem dos dois, publicado no jornal local, na década de 1970:

151

Entrevista realizada no dia 25.07.09, com Vicente Mariano. 152

Idem. 153 Diário da Borborema. 26 de outubro de 1972 p., 1

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Imagem 2: Vicente Mariano e Manuel Rodrigues. Fonte: Diário da

Borborema. 26 de outubro de 1972 p., 1.

O primeiro teve seu terreiro inaugurado em novembro de 1967, com o nome ―Terreiro

de Umbanda Senhor do Bonfim, localizado na rua Prudente de Morais, bairro da Estação

Velha. Na solenidade da inauguração estavam presentes a Yalorixá Lidia Alves, que nesta

época era presidente dos cultos Africanos no Estado de Pernambuco154

Também estavam presentes na inauguração do terreiro de umbanda Senhor do Bonfim

jornalistas, políticos e empresários, além de populares. De acordo com o jornal Diário da

Borborema, estiveram lá os:

Jornalistas Tarcísio Cartaxo, Amauri Capiba e Luiz Maria Alves,

superintendente dos Emissôras Associados para a Paraíba e Rio Grande do

norte; deputados Vital do Rêgo e esposa, Ronaldo Cunha Lima e Raimundo

Asfóra; vereador Severino Souza e o médico João Marinheiro.155

Este terreiro foi inaugurado como de Umbanda, no entanto, em entrevista, Vicente

Mariano disse que iniciou no espiritismo aos 16 anos, em Recife, sua ―mãe-de-santo‖ era

―Zefa Filino da Costa, filha de pai Adão e dona Lídia Alves‖. Sua iniciação foi num terreiro

de Nagô Africano. Depois que ele fez o ―santo‖, se dedicou, e abriu um terreiro em Campina

Grande. Mas, ele afirmou que era um terreiro de Nagô, e continua:

154 Diário da Borborema. 18 de novembro de 1967. p.8 155 Diário da Borborema. 21 de novembro de 1967. p. 5

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Nagô. Porque tem a jurema, mas veio depois. Quem trouxe tudo para

Campina fui eu. Campina não sabia o que era umbanda, não sabia o

que era umbanda. Não sabia o que era Nagô. Nada disso [...] Quem

trouxe foi eu‖. [...] Ninguém conhecia. E os que tinha era tudo

escondido. Quando inaugurei isso aqui era no tempo de seu Cabral156.

Já o terreiro de ―Pai Manuel‖, ou Manuel Rodrigues, do terreiro Oxum Jaguará,

localizado na rua Cícero Jacinto, no bairro do Catolé, que foi inaugurado em 21 de novembro

de 1967 e fundado em 1968, se destacou ―por conta do trabalho sério‖157 . E em 1973 ele já

contava com mais de ―quinhentos sócios‖158 ou fiéis que participavam deste terreiro. Neste

período Manuel Rodrigues organizava ―procissões‖ comemorativas para ―Oxum e Orixá

(Nossa Senhora do Carmo)‖, evento que percorria vários bairros da cidade159 e ainda em

comemoração a ―Cosme e Damião‖.

Segundo o Diário da Borborema, a religião da umbanda, quando ―chegou oficialmente

na cidade‖, contava com apenas três adeptos, e em 1973 passou a existir ―três mil filhos-de-

santo campinenses e quase 400 terreiros e centros.‖. Os terreiros se desenvolveram sobretudo

em ―bairros populosos da cidade, ao ponto de obter vinculação com o instituto Nacional de

Previdência Social para babalorixás e responsáveis por terreiros, em caráter autônomo‖160. O

que questiona os dados contidos no censo de 1980, citado no idem anterior deste capítulo, que

apenas notificou 457 ―Espíritas Afro-brasileiras‖.

Sendo que dentro do total de filhos de santos, deste mesmo ano, que possuíam ―iaô‖,

uma consagração na seita como ―pai-pequeno‖ eram apenas 300 pessoas, e somente ―15

babalorixás‖ tinham ―alto poder mediúnico, que são os pais de santo. Outros terreiros bastante

frequentados, além do terreiro Senhor do Bonfim, de Vicente Mariano e Oxum Jaguará, de

Manuel Rodrigues, pela sociedade campinense‖, existiam os ―terreiros ‗Oxum Talademim‘,

de Gláucia Mendes Martins, na Liberdade, ‗Rainha da Mata‘ e o ‗São Jorge‘, de José

Hipólito, em José Pinheiro‖.161.

Também localizamos outros terreiros entre os anos 1960 e 1970 como o terreiro de ―Pai

Moisés‖, como o terreiro ―Umbanda Santa Barbara‖, no bairro de José Pinheiro, terreiro ―Pena

156 Entrevista realizada no dia 25-07-09 157 Diário da Borborema. 23 de fevereiro de 1973., sp. 158 Diário da Borborema. 17 de julho de 1973., p.1 159 Idem. 160 Diário da Borborema. 28 de outubro de 1973. p. 1 161 Idem. E também 5 de outubro de 1972. P.3

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Verde, em Nova Brasília‖, ―Terreiro da Cigana Mariana‘, ―Terreiro de Umbanda Cabocla Joana‖, no

bairro do Catolé‖162, entre outros.

Os bairros que encontramos terreiros em Campina Grande foram da ―Moita‖, Estação

Velha, José Pinheiro (em várias de suas ruas, como também na antiga favela da ―Cachoeira‖);

bairro do Quarenta (em várias ruas e becos como o ―Beco da Pavoa‖), Nova Brasília,

Jeremias, Bela Vista, Monte Santo, Centenário, Palmeira, Conceição e Catolé e Liberdade163.

Sendo que os territórios mais recorrentes em número de terreiros ficavam na zona leste

da cidade, como confirma um morador desta região no bairro Monte Castelo quando falava

sobre os terreiros onde morava:

Isto foi uma coisa que fez parte da minha vivência cotidiana. Aliás todos

nós, da zona leste. Por que uma coisa que [...] viu era a grande quantidade de

terreiros, e isso era uma coisa já incorporada no cotidiano, de certa forma eu

acho que, que hoje, eu percebo que no final dos anos 70 e começo dos 80

[...] tudo indica que os terreiros já passavam por [...] Já viviam num período

de liberação mesmo.164

A partir dos anos 60 os bairros de Campina Grande se caracterizavam relativamente

uma divisão social ou uma territorialidade social:

havia bairros tipicamente proletários, como Monte Santo, Moita, Cruzeiro,

liberdade, José Pinheiro, Bodocongó e Jeremias. Outros que poderiam ser

considerados classe média, como Palmeira, São José, alto Branco e,

finalmente, aqueles onde já predominava desde o início dos anos 50 uma

classe mais abastada que se diferenciava das antigas elites produtoras de

algodão que moravam no centro, estes bairros eram principalmente, a Prata,

Jardim Lauritzen e Jardim Tavares.165

A maioria destes bairros que citamos e que possuíam terreiros fazia parte da periferia

da cidade e poucos de uma classe média. Mas, dentro destes mesmos bairros os participantes

dos terreiros inscrevem seus territórios. Que devido a conflitos existentes entre os moradores,

estes territórios também foram marcados pela religiosidade, que não se restringia apenas ao

espaço de culto ou o terreiro, por que era comum encontrar marcas desta religiosidade nas

ruas da cidade, como explicitou um antigo morador do bairro de Monte Castelo que contou

sobre sua vivência até os anos 1980:

as ruas que faziam parte da zona leste não tinha uma rua que não tivesse

terreiros, né. Funcionava em dias da semana e na quarta feira a noite. E no

162 Diário da Borborema. 31 de agosto de 1973. p. 1; 02 de novembro de 1973 p. 7; 20 de agosto de 1969. p. 3 163

Encontramos a maioria das referencias das localidades no jornal diário da Borborema desde a fundação até o

inicio de 1980. 164 Entrevista realizada em 29 de maio de 2011, com G. A. B. 165

SOUZA, Ob. cit., 2002. p. 32.

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domingo a tarde, era sagrado. Quem vinha circulando pelas ruas já ouvia os

batuques.166

As marcas desta religiosidade pelas ruas não se restringia apenas ao som ou aos

―batuques‖, que ecoavam para fora dos terreiros. Como também poderiam ser encontradas

facilmente as oferendas ofertadas às entidades até a década de 1980, como evidencia este

relato:

Era muito comum se falar. No dia a dia se comentava que: não sei quem

passou por ai afora, e viu um despacho. Galinha preta, farofa, moeda e não

sei o que. Só que comentava sobre os despachos, mas não sabia quem havia

colocado. [...].Então, era comum encontrar despachos nos cruzamentos.

Como também era comum encontrar pessoas dizendo que não tinha medo.

Até tinha gente que se aproveitava, do que era aproveitável, dos

despachos167.

Esses códigos culturais que imprimem suas territorialidades, como códigos religiosos,

nos faz lembrar do trabalho de Raquel Rolnik168, ao analisar as reformas urbanas em São

Paulo quando esclareceu que a cidade possui várias territorialidades e está marcada por

relações de segregação de grupos étnicos raciais. E alguns territórios eram marcados pela

presença de Negros, que ela denomina ―território negro‖, outras do imigrante, do operário ou

do pobre, territórios que em muitos casos são localizados na periferia da cidade, desenhando a

cidade de São Paulo com diferentes hierarquias espaciais.

Aqui em Campina Grande percebemos a presença dos territórios dos terreiros nos

subúrbios da cidade que marcavam também alguns conflitos, as quais se davam como já

ressaltamos, no próprio bairro, junto aos moradores. As queixas eram geralmente em

decorrência da perturbação ao sossego público, como os moradores do bairro do Quarenta,

que denunciaram um ―xangô‖ no ―beco da Pavoa‖ ―que costuma perturbar o sossêgo público,

'batendo bombo' até altas horas da noite‖169

.

Ou em virtude do aumento significativo de terreiros na cidade, o Pe. Otávio Santos

que tinha um programa de rádio no domingo, segundo um jornal local, disse que estava

crescendo através dos ouvintes de vários bairros da cidade o número de reclamações sobre as

―batucadas nos cultos‖ africanos que iam até a madrugada e quem morava próximo não

166 Entrevista realizada em 29 de maio de 2011, com G. A. B. 167 Idem. 168

ROLNIK, Raquel. A cidade e lei. Legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São

Paulo: Studio Nobel- Fapesp, 1997. p.59-91. 169

Diário da Borborema. 1 de junho de 1967. P.5

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―conseguia conciliar o sono‖. Ele pedia as autoridades policiais providências170. Mas, os

umbandistas e kardecistas se defendiam dizendo que as acusações eram generalizadas e

estavam insatisfeitos com as acusações de perturbadores do sossego, porque ―aqueles que

seguem os rituais africanos – fazem uso dos seus ‗elus‘. Os kardecistas e umbandistas fazem

uso apenas de orações e vezes cântigos, como as demais seitas praticadas em Campina

Grande‖171.

Esses territórios desenhados pelos terreiros na cidade também eram palco de

segregação e de intolerância entre os moradores. Mas, em certos momentos os conflitos

existentes nos bairros eram resolvidos através de certos acordos entre os próprios moradores,

sem a intervenção da polícia. No entanto, quando estas relações dentro do bairro não eram

resolvidas, eram denunciadas na delegacia de Costumes.

A conveniência no bairro impõe minúsculas repressões ―o que ‗não convém‘, ‗o que

não se faz‘; ela mantém à distância, filtrando-os ou banindo-os, os sinais de comportamentos

ilegíveis no bairro, intoleráveis para ele, destruidores, por exemplo, da reputação pessoal‖172

.

São regras de educação implícita no bairro, mas que deviam ser respeitadas. Caso não

acontecesse, todo desvio explicito desencadeia repressões e estereótipos.

Mas os usuários que seguiam a conveniência do bairro continuvam suas práticas sem

aborrecimento tendo o reconhecimento entre os moradores, como afirma Vicente Mariano:

―não, os vizinhos que eu morei aqui, nunca tive problemas. Por que se eu tinha reunião,

começa de 5 horas e termina de 9 horas da noite [... ] Sempre foi assim, nunca tive

aborrecimento‖173.

Nesse sentido, ser do bairro ocorre quando o sujeito tem reconhecimento dos

moradores ou vizinhos e não basta estar no bairro, mas tem que respeitar os códigos morais

invisíveis, como respeitar o sossego público da vizinhança.

170 Diário da Borborema. 14 de Janeiro de 1971. sp. 171 Diário da Borborema. 15 de Janeiro de 1971. sp. 172

CERTEAU, Michel et. al. A invenção do cotidiano: morar, cozinhar. v. 2. Trad. Ephairm F. Alves e Lúcia

E. Orth. 7 ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2008. p.49. 173

Entrevista com Vicente Mariano realizada no dia 25.07.09.

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2.3. DIFERENTES USOS DO ESPAÇO: NOS TERREIROS DE CAMPINA GRANDE E

SEUS ARRABALDES

Como já referimos anteriormente, os diferentes usos dos espaços geográficos na

cidade delimitam territórios. Mas dentro dos territórios há espaços relacionados que são

definidos como lugares, que tem uma forma de organização própria, os quais sofrem a

intervenção dos seus usuários174.

O espaço pode ser pensado primeiramente como algo físico. Em nosso estudo, o

terreiro, que além do ambiente físico possui uma conotação espiritual e litúrgica. A

construção do terreiro possui características peculiares para seu funcionamento. Embora

sejam construções simples com janelas que dão acesso ao salão, espaço principal da casa, a

maioria das casas religiosas podem ser ao mesmo tempo unidades de residência e culto como

também apenas locais de culto175.

O espaço central é o salão destinado para rituais e festividades, alguns salões dão

acesso a jardins ou quintais onde são plantados ervas para os rituais. O salão também possui

uma decoração própria e colorida, flores, bandeiras, imagens e esculturas de entidades e

santos, também existem bancos e cadeiras. Dentro do espaço do salão existe o pegí (altar dos

terreiros de umbanda) onde são colocados objetos sagrados e imagens como a de Exú, Pomba

Gira, caboclos, copos, taças, jarras, cigarros, tronqueira da jurema, entre outros objetos. Em

alguns terreiros de umbanda existe o quarto de Exú, o quarto dos orixás. E não pode misturar

os objetos de jurema com dos orixás176.Além desta divisão do sagrado, o terreiro também tem

que ter outros espaços como a cozinha e vestuários.

O terreiro pode ser pensado a partir de cada sujeito participante no cotidiano das casas

religiosas cujo funcionamento depende, além da dedicação do chefe do terreiro, um grupo de

pessoas que auxiliam no trabalho assumindo algumas funções: pai-pequeno ou mãe-pequena

(ocupa o segundo lugar da hierarquia do terreiro, auxilia e coordena rituais e pode substituir o

chefe se precisar), cambone (―é exigida dedicação ao terreiro, as entidades espirituais, e a

assistência aos participantes nas ‗giras‘ e à clientela durante o desenrolar das cerimônias

174

CERTEAU, Ob. Cit., 2007. 175 ASSUNÇÃO, Luiz Carvalho de. Reino dos mestres: a tradição da jurema na umbanda nordestina. Rio

de Janeiro: Pallas, 2006. P.153-155. 176 Ibid.

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ritualísticas‖) e tocador de tambo (não necessita ser iniciado, apenas precisa saber tocar), isto

nos terreiros de Umbanda cruzada com jurema ou apenas jurema177.

Em terreiros de candomblé ou mesmo de umbanda os nomes e as funções podem

mudar, por exemplo, existem a Abiã ―iniciado na religião, escolhido pela divindade e

entidade‖; Iaô ―filho/a-de-santo que pode ou não ‗receber‘ entidade‖, Ebômi, ―Iaô que

cumpriu as obrigações de sete anos, este ―recebe‖ divindade; Iabassê, ―responsável pela

cozinha do terreiro‖; Iaiaxé, ―responsável pelas oferendas e objetos de cultos das divindades

e entidades‖; Baba-quequerê e Iaquequerê, ―pai ou mãe – pequeno/a‖; Babalorixá e Ialorixá

(pai e mãe-de-santo), além dos Ogãs pode ser Axogum (responsável pelo sacríficio de

animais) ou Alabê (tocador dos instrumentos musicais); e por fim a Equede, que ―cuida das

divindades e das entidades quando descem sobre os médiuns e de seus objetos‖178.

Mas, o espaço do terreiro é aberto a todos, mas não significa conhecer todos os seus

corredores que carregam conhecimento mágico. E que seu conhecimento depende de um

aprendizado e dedicação à religião. No entanto, muitos não procuram o terreiro para uma

iniciação religiosa, mas para outros objetivos.

Assim, o terreiro é um lugar ou espaço físico organizado, que os sujeitos reapropriam

de formas diferentes, segundo interesses próprios, seja para obter cura, em função de sua

religiosidade ou mesmo para ―diversão‖. E ainda estes lugares possuem práticas que são

entendidas de maneira diversa, a exemplo da noção do uso do termo ―catimbó‖ que pode ser

utilizados com muitos significados, como feitiço, ritual ou religiosidade.

Em áreas mais distantes da ―Rainha da Borborema‖ ou nos arrabaldes, mas que ainda

pertenciam a este município, também encontramos a presença desta religiosidade como

também a superstição em torno dela. Que podemos exemplificar com o processo criminal do

ano de 1930 em Queimadas179, quando ainda era distrito de Campina.

No dia nove de maio de 1930, num lugar denominado Catolé, no distrito de Queimadas,

os senhores Villario José da Silva e Bertho Damião agrediram violentamente com socos e

pontapés a senhora Theresa Maria José. Para tal feito, se fantasiaram com roupas femininas

177 Ibid., 157-158. 178 MELO, José Macêdo de. Trilhando os caminhos das religiões afro-brasileiras em Campina Grande.

Monografia. UEPB, 2011. p. 34-35. 179

Queimadas desmembrou-se de Campina Grande 14.12.1961. Até 1956 Campina Grande era composta por 9

distritos: Campina Grande, Boa Vista, Galante, Fagundes, Catolé, Lagoa Seca, Massaramduba, Queimadas, e

São João da Mata. Ver em: IBGE, Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Vol. XVII. Rio de Janeiro, 1960.

p.235.

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para que ninguém os reconhecesse. Tudo por que eles achavam que ela havia ―botado um

catimbó‖ na família deles. Como relatou a própria vítima:

...elles na terça - feira estiveram lá, [...] a depoente chamou, por elles e não

responderam, só fizeram dá com a cabeça, neste momento elles se retiraram

e voltam depois batendo na porta que estava fechada, e ella depoente, abre a

porta e elles perguntaram por que tinham visto uma pessoa junto a casa,

disse mais que o motivo della apanhar foi por que soube ella a depoente que

tinha botado um catimbó no pai de Villarino e irmão de Bertho e a mulher do

José Damião. Disse ao cunhado e entiado que dando uma surra de pinhão

tirava o catimbó180.

Segundo a crença popular, o catimbó seria desfeito dando uma surra de Pinhão na

pessoa que o tivesse feito. Então, foi o que Villarino e Damião concretizaram na infeliz

Theresa.

A noção de fazer um catimbó, neste caso estava associada à feitiçaria e à magia, como

forma de realizar algum malefício ao seus inimigos. A magia que designa as faculdades

sobrenaturais de uma pessoa e que geralmente se utiliza de ritos mágicos, no caso o catimbó.

Por isso, o medo parece que estava presente neste caso, para que a tida ―feiticeira‘ levasse

uma ―surra de Pinhão‖. Ou ela era desafeta deles por outros motivos e elee usaram como

pretexto para surrá-la.

A surra da planta do pinhão roxo era utilizada pelos antigos catimbozeiros para curar

estados mentais com agitação, que podiam ser tratados com ―sarro de cachimbo e exorcismo

de pinhão roxo. Raspam o sarro do cachimbo [...] e colocam o resíduo obtido na língua do

paciente. Depois dão-lhe uma surra com ramos de pinhão roxo‖181

Diferente desses casos muitas pessoas não procuravam os catimbós apenas para estes

fins vingativos. Outros vão em busca de alternativas para entender sua espiritualidade e

alguns participavam ou visitavam a procura de um sentido mais lúdico nas sessões ou mesmo

em busca de diversão. O terreiro, neste sentido, é um lugar de sociabilidade para as pessoas e

em algumas sessões há o ―Toque de Jurema‖182, que se destaca pelas danças e cantigos.

Um dos participantes, hoje com 81 anos, comenta que freqüentava o ―xangô‖ de Maria

de Lourdes já citado anteriormente, e segundo ele muitos vizinhos reclamavam, enquanto

outros gostavam.

180

Primeiro Tribunal do Júri do Fórum Afonso Campos, Campina Grande – Pb. Ação Criminal contra Villarino

José da Silva e Bertho Damião s/n 12.05.1930. 181 FERNANDES apud ASSUNÇÃO. Luiz Carvalho de. Reino dos mestres: a tradição da jurema na

umbanda nordestina. Rio de Janeiro: Pallas, 2006, p.86. 182

Sessão com danças em forma de gira, ao som do tambor, maracás e cantigos. A gira é composta de pelo

menos sete médiuns ou sete filhos.

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Naquele tempo as pessoas gostavam muito de xangô. Nera? Gostava muito

de xangô. E eu pelo menos gostava muito. Freqüentava lá em Zé Pinheiro.

Vinha as mulher, que muitas já morreu. Vinha aquele pessoá que negociava

na rua João Pessoa. Muita gente vinha. [...] Vinha aquele pessoal da

Rodagem. Era muito bonito [...] Eu não sei agora nestes xangô que tem por

aí. Tinha um tocador que tocava, era muita gente dançando. [...] Tinha festa

do arroz. Arroz não sei o quê? Era bom. [...] Passava a noite todinha,

terminava no outro dia.183

Semelhante aos interesses deste senhor ao procurar os terreiros apenas para distração ou

diversão, outro entrevistado nosso, que também visitava alguns terreiros do bairro do Monte

Castelo era impulsionado pela curiosidade tinha também o objetivo de namorar ou: ―tentar

paquerar as meninas lá. [...] eram muitas que dançavam e ficavam por ali não é. As filhas das

ogas, dos fiéis do terreiro. Tinha umas morenas bem gatinha lá‖.184

Nesse sentido o espaço do terreiro passa por usos inventivos, que se apropriam da

situação que tinha outros objetivos e estabelece uma pluralidade de sentido. O lugar passa a

ser visto também como diversão, que são estas atividades mais aleatórias, diferente dos

espaços de lazer que remetem aos eventos planejados ou programados. Antônio Clarindo de

Souza185, delineia entre 1945 e 1965, alguns espaços considerados de lazer (permitidos) e

diversão (proibidos) na cidade de Campina Grande como desfiles, carnaval, que são

festividades em lugares abertos. Clubes, cinema, auditórios de rádio (lugares fechados). Além

das diversões como os cabarés e outros divertimentos populares. No entanto elencamos mais

outro espaço de diversão e sociabilidade, que seriam os terreiros sobre a qual o autor não se

deteve.

Mas na maioria dos casos relatados em jornais, entrevistas, conversas informais ou em

processos criminais que motivaram as pessoas procurarem os terreiros foi justamente para

obter cura. Em alguns casos era o único auxílio para males que a medicina não podia auxiliar.

Como a campinense Lydia da Veiga e Silva186, cujo marido desiludido dos recursos médicos

procurou ajuda para sua esposa com o senhor Thenório Cabral de Oliveira, um ―afamado

feiticeiro‖, residente em Aroeira, que tinha o oficio de curandeiro.

Para realizar tal cura Thenório realizou algumas sessões de catimbó na casa de Lydia,

rezando orações e cantando em torno de uma mesa, sobre a qual colocaram um ―crucifixo e

diversas velas acesas‖. E para ―afungentar‖ do demônio de dona Lydia assistiram a sessão

183

Entrevista realizada em 27.07.09, com seu H. E. C. 184 Entrevista realizada em 29 de maio com o Sr. G. A. 185

SOUZA, Ob. Cit., 2001. 186

Ação Criminal contra Thenório Cabral de Oliveira e outros. s/n de 18/09/1923.

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mais vinte e cinco pessoas e foram utilizadas bebidas como aguardente, vinho e cigarros, além

―uma substância branca e pulverulenta extrahida por elle em jurema e do jucá, árvore

leguminosas e sapotacea que crescem em nossos campos‖187. Ressaltamos que essa sessão de

catimbó é semelhante às sessões de mesa relatadas por René Vandezande188

em Alhandra -

Pb, na década de 1970.

Após estas primeiras sessões Thenório retorna para Aroeiras e recebe seu pagamento,

então fornece aos familiares, Juca e Jurema para continuarem com as sessões de ―candomblé‖

Executando as ordens recebidas, Severina e Francisco Mairinho, aquela

dizendo-se o arcanjo Gabriel e este, o espírito de José Francisco de

Alcantara, realizaram na casa da família Veiga e Neto, sessões de catimbó,

durante as quais faziam os circunstantes fumarem cigarros, cantando as

substancias cima alludidas189.

Durante uma sessão de catimbó-jurema ou jurema é comum o uso de bebidas, cigarros e

o transe dos médiuns. Podemos identificar ainda a referência a ícones católicos como o

―arcanjo Gabriel‖ associado ao papel da médium, no entanto isto pode ser a interpretação do

escrivão do processo. Mas, numa sessão algo saiu errado, pois Lydia veio a falecer a

marteladas por Severina e Francisco, entre outros, que no final ainda queimaram o corpo.

A procura de obter cura junto aos ―feiticeiros‖ foi uma constante desde os primórdios e

não foi diferente com Lydia, ao ser completamente desiludida pelos médicos locais. Segundo

os depoimentos, ela tinha uma ―loucura‖, que só podia ser o ―demônio‖, mas nem o vigário de

Fagundes soube resolver a questão, então procuraram o ―curandeiro e feiticeiro afamado‖

Thenório.

Não apenas Lydia procurava um terreiro em virtude de doenças, pois no decorrer deste

texto citamos vários casos de pessoas que procuravam terreiros para obter cura de doenças.

Como também muitos chefes religiosos e praticantes em entrevista relataram o motivo de ter

entrado em contato com o mundo do terreiro e as entidades por males incuráveis pela

medicina. Referenciado neste trecho:

Eu tinha mais ou menos uns 16 anos quando eu entrei no espiritismo com

uma dor de cabeça e inchava a cabeça e perdia muito pus. Aí foi no médico

187

Idem.

188 VANDEZANDE, René. Catimbó: Pesquisa Exploratória sobre uma forma Nordestina da Religião

Mediúnica. 1975. Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Pernambuco. Recife. Que defende que

Alhandra/Pb é considerada como o ―berço da Jurema‖, porque nos arredores desta cidade foi guardada a tradição

indígena da Jurema e do Toré, devido a presença dos índios nesta localidade. O autor encontrou nesta região

duas propriedades Estivas e Acaís, onde se praticava o culto vivo do catimbó. 189

Ação Criminal contra Thenório Cabral de Oliveira e outros. s/n de 18/09/1923 e 15/02/1924

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que só tinha desengano. Eu já falava o espírito. Aí foi numa casa de uma

senhora que eu fiquei bom. Aí eu me dediquei ao santo190

Os sintomas da doença espiritual e do corpo revelam o grau de proximidade do

indivíduo com a religião. As práticas de cura apresentam uma função de inserção comunitária

e muitas pessoas se aproximam das religiões afro-brasileiras procurando soluções para

queixas que vão desde situações de saúde, problemas financeiros e de relacionamentos

interpessoais. Mas em virtude dessa aproximação com as práticas de curas que os praticantes

sofreram muitas repressões por variadas camadas sociais, como médicos e juristas que

legitimaram noções de charlatanismo contra os chefes religiosos. O saber médico-jurídico que

tentou desqualificar os curandeiros e legitimar um saber autorizado, assunto que discutiremos

no capítulo a seguir.

190

Entrevista realizada em 25 de julho de 2009 com Vicente Mariano.

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3. REPRESSÃO E RESISTÊNCIA DOS “FEITICEIROS” E “CURANDEIROS”

Em Campina Grande, então, mortalidade infantil mesmo vista a grosso

modo, é um facto deplorável. A cifra de Creanças que morem nesta cidade

eleva-se cada dia. Há entre nós 16 médicos dos quaes 3 especialistas no

assunto: portanto estamos bem servidos tecnicamente. O que falta á a

necessária iniciativa das mães no sentido de uma proteção mais eficiente e

mais radical do que os chás e mezinhas191

Como vimos anteriormente, muitos indivíduos procuravam o terreiro para curar seus

males. E médicos passaram a repreender tal comportamento e tentaram deslegitimar os

saberes dos ―feiticeiros‖, impondo um saber médico, científico e por isso aceitável. O que

influencia na concepção de juristas com a interpretação das leis vigentes que se modificaram

durante o século XX. Por exemplo, estabelecendo limites à prática dos ―xangôs ou catimbós‖

com a ilegalidade do curandeirismo.

No entanto, ―catimbozeiros‖ encontraram formas diversas para continuar suas práticas

na cidade, seja por relações de sociabilidade com personalidades influentes ou da própria

policia local. As manutenções das práticas religiosas permaneceram ocultas ou desconhecidas,

e lembramos que muitos terreiros se passavam por espíritas.

Para conquistar mais espaços, as religiões de matriz africana se organizaram para lutar

pela legalização dos seus cultos com a formação das Federações, representantes dos cultos

Afro-Brasileiros no país. Processo que se iniciou na região Sudeste e se estendeu até nosso

Estado em 1966, desdobrando-se esta luta na cidade.

Para isso, utilizamos fontes jornalísticas, a exemplo da Voz da Borborema, jornal da

Paraíba e Diário da Borborema, sendo que este último teve mais representatividade em nosso

trabalho porque a partir dos fins dos anos 50 se ―constituiu como das principais formadoras de

opinião dos habitantes da cidade192.

Também citamos leis federais, estaduais e municipais para evidenciar a relação de

juristas, médicos. Retornamos ao processo de resultado do ―feiticeiro‖ Thenório, citado no

capítulo anterior, para evidenciarmos através do Código Penal, as leis que tenham sido

infringidas, como também do desfecho do caso. E relacionamos as leis que auxiliaram na

instauração da Federação dos Cultos Afro-Brasileiros no Estado da Paraíba, com as narrativas

dos jornais e depoimentos orais sobre este processo.

191

Denúncia do médico foi publicada no jornal campinense, Voz da Borborema, no dia 16 de julho de 1937.p.4 192

Souza, 2002.p. 39.

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3.1. MÉDICOS E LETRADOS : REPRESSÃO CONTRA CURANDEIROS E

FEITICEIROS

Voltemos à citação do jornal A Voz da Borborema193, do início deste capítulo, em que

um médico a cidade de Campina Grande estava bem em relação ao número de médicos

especializados para atender a sociedade local com vistas a evitar a mortalidade de crianças.

Reforçando a idéia que a verdadeira medicina seria a racional e científica.

Mas a população ainda mantinha o costume de procurar formas alternativas de cura para

doenças, com os chás e as mezinhas de catimbozeiros. Prática que já não era novidade, que

em séculos anteriores, em que não havia um número significativo de médicos, os curandeiros

atuavam com certa liberdade, pois não havia muitas alternativas para os populares.

Ocorre que a história da medicina no Brasil, principalmente a medicina social, se

iniciou no século XIX, com a chegada da família real em 1808, quando se instaurou uma

―polícia medica‖, que se definia como um ―conjunto de teorias, políticas e práticas que se

aplicam à saúde e bem-estar da população [...] prevenção de acidentes, controle de epidemias

organização da profissão médica, combate ao charlatanismo.‖194

A precariedade de médicos formados no Brasil se dava pelo fato de no período colonial

não havia ensino universitário, o que obrigava algumas pessoas estudarem no exterior.

Somente com a instauração da Corte no Brasil a situação muda com a criação da escola de

medicina na Bahia, em 1808,195 e somente em 1832 foi criada as Faculdades de medicina no

Rio e na Bahia.

A medicina no país passa a auxiliar o Estado na tentativa de melhorar a saúde pública,

como ocorreu em 1829 no Rio de Janeiro em que a sociedade da medicina social tinha um

projeto de regulamentação sanitária, mudança de costumes populares, intervenção nos

hospitais, prisões e escolas, além do controle dos médicos e consultas gratuitas. Estes últimos

pontos visavam justamente combater as práticas de cura que visavam o ―lucro‖, quebrando as

práticas de charlatanismo.196

193

Voz da Borborema no dia 16 de julho de 1937.p.4 194

SAMPAIO, Gabriela dos Reis. Nas trincheiras da cura: as diferentes medicinas no Rio de Janeiro

Imperial. Campinas, SP: UNICAMP, 2001.p.24 e MACHADO, Roberto. Danação da norma: a medicina

social e construção da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Edições Graal 1978, P. 167 195

Ibid., p. 10, e Ibid. MACHADO, p.. 172. 196

MACHADO, Op. cit., p.186.

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Em 1830 a sociedade de medicina passou a funcionar e legitimar o saber médico em

detrimento dos praticantes da medicina popular, construindo a noção de charlatanismo como

desvio. Segundo os médicos, em uma sociedade civilizada, a medicina legal seria necessária e

o ―charlatão‖ seria a representação da ―não ciência médica, dos sistemas imaginários ou das

experiências não dirigidas pela razão‖.197 Por muito tempo a história se pautou nesta ótica

elitista, para difundir a visão ―marginal‖ das práticas populares de curar, como pertencentes a

um conjunto de atitudes pré-racionais e ilógicas.

Durante o período imperial os médicos lutaram por mais espaço junto com as

autoridades, depreciando todas as ,formas de cura diferente do saber médico que estavam

cristalizadas no cotidiano das pessoas. E para fortalecer a corporação médica fundaram

instituições nacionais, como a sociedade de Medicina da corte (1829) que depois passou a

denominar-se Academia Imperial de Medicina (1835).198

Mas a questão estava longe de sanar, então os médicos passaram a assessorar

teoricamente as câmaras municipais, através de ofícios ou jornais como fonte de informação

da ciência médica, para melhorar as condições da saúde pública. Por último, muitos médicos

se inserem como políticos nas câmaras como vereadores.

O que passa a limitar a prática de curandeiros, que até 1824 era liberado os ofícios de

barbeiro-sangradores, cirurgiões–barbeiros, boticários, parteiras, dentistas práticos como

também os curandeiros. No entanto, a partir de 1832 os que eram considerados praticantes da

medicina oficial eram os médicos e cirurgiões, boticários e parteiras. ―Os outros curandeiros

ficaram doravante excluídos da legalidade199‖.

Os médicos se pautavam como ícones da civilização e procuravam desqualificar os

outros saberes de cura como charlatanismo, saberes que não tinham sido instituídos por

faculdades de medicina. No entanto, apesar dos avanços que a cidade ou a idealizada

assistência na ciência médica, a população continuou a procurar por ―curandeiros‖,

―feiticeiros‖ ou indo a sessões de ―catimbó‖ até a atualidade.

197

Ibid., p. 198. 198

SAMPAIO, Ob. Cit., 2001, 24. 199

WITTER, Nikeler Acosta. ―Curar como Arte e Ofício: contribuições para um debate historiográfico sobre

saúde, doença e cura‖. Revista Tempo, Rio de Janeiro: Univ. Federal Fluminense. V.10, n19, 2005, p.19

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Isto pode ser notado em diversas cidades do Brasil, como em Campina Grande, etc., nas

quais Recife era comum as práticas de cura populares, as quais conviviam lado a lado com a

medicina oficial, que segundo Sylvia C. Couceiro200, num estudo sobre médicos e charlatões,

no século XX, mesmo com o crescente número de médicos diplomados, a

população continuava a buscar alívio para os seus males nesses populares

[...] mais do que a falta de médicos credenciados, o que fazia a população

procurar essas formas de tratamento na tentativa de solucionar seus

problemas físicos e espirituais‖. Então, ―Curandeiros populares, pais-de-

santo e praticantes de culto afro, além de indivíduos que se diziam

possuidores de poderes especiais, incomodaram os médicos de Recife

Esse incômodo dos médicos se dava devido à concorrência que se estabelecia, haja

vista que esses curandeiros atendiam diversas camadas sociais, como também a pessoas

pertencentes a elite. Notamos esse desapontamento e não aprovação das curas alternativas

com o relato do médico de Campina Dr. Humberto Cavalcante201, em 1937, que segundo ele,

as mães ao procurarem estas formas de cura ou ―assistência caseira‖, mesmo que fosse na

‖melhor da boa vontade‖, entretanto, não possuiria os ―requisitos necessários ao bom êxito,

quando não conduzem, por excesso de zelo, ao êxito letal‖.

Podemos notar no final desta afirmação o posicionamento do médico que a medicina

seria o meio para ter êxito para cura de doenças. No entanto, para ele as pessoas que ainda

procuram os curandeiros ou mesmo as ―comadres e os vizinhos‖ os quais se baseavam numa

―experiência falha e cheia de heresias‖ podiam, dessa forma não cientifica, ―sacrificar vidas

que poderiam mais tarde ser uteis a sociedade e à Pátria‖.

Dr. Humberto, juntamente com a imprensa, tinha uma ―missão pedagógica de

persuasão e doutrinamento do povo‖202 para fazer com que os mesmos não continuassem a

procurar estas formas alternativas e confiassem somente nos médicos habilitados na cidade.

Ele afirma ainda que a cidade de Campina Grande estava bem em relação ao número

de médicos especializados para atender a sociedade local, cerca de ―16 médicos dos quais 3

especialistas no assunto‖ para evitar a mortalidade de crianças. Reforçando a ideia que a

verdadeira medicina seria a racional e científica.

200

COUCEIRO, Sylvia Costa Couceiro. Médicos e Charlatães: conflitos e convergências em torno do poder

de cura no Recife dos anos 1920. Revista de Pesquisa Histórica, n24, v 2, 2006. Recife: UFPE, 9-31. 201

Voz da Borborema, 16 de julho de 1937.p.4 202

SAMPAIO, Ob. Cit., 2001. p. 22.

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Contrariando a tese do Dr. Humberto Cavalcante, que a cidade tinha um número

significativo de médicos para atender a população, na mesma década de 30, especificamente

em 1932, outro médico, denominado Luiz Ribeiro, afirmou que havia poucos médicos e

apenas um hospital para atender a demanda local e das cidades vizinhas:

Quando aqui cheguei, em 1932, Campina Grande não tinha uma rede

hospitalar que pudesse atender a população, como também as cidades

vizinhas. Aqui, encontrei apenas cinco colegas, que eram: Dr. Chateaubriand

Bandeira de Melo, Dr. Elpídio de Almeida, Dr. Arlindo Correia. Em seguida,

foram chegando: Dr. Heleno Henriques, Dr. Hênio Azevedo, [...], entre

outros.203

Isto reforça a perpetuação das práticas de curas populares na cidade, como também a

procura dos catimbozeiros.

Outro médico, Dr. João Arlindo Correia, da cidade de Campina Grande –Pb, também

perpetua a repressão aos ditos ―Charlatões‖ na cidade. Ele era diretor na década de 1930 do

Serviço de Higiene da cidade e certa vez denunciou Joaquim Pontual porque o encontrou

clinicando em sua residência. Dessa forma, Joaquim foi preso e várias testemunhas foram

intimadas. Como evidenciou o trecho do processo:

Aos três dias do mez de Dezembro do anno de mil novecentos e trinta e dois,

na Delegacia de Policia desta cidade de Campina Grande, ali presente o 2º

tenente João de Souza e Silva, Delegado de Policia desta cidade, comigo

escrivão effetivo de seu cargo, adiante declarado, pela mesma autoridade foi

declarado, que chegando o Doutor João Arlindo Corrêa, médico Diretor do

Hospital Pedro I, desta cidade, e do serviço e hygiene desta mesma cidade

denunciando que o senhor Joaquim Pontual, residente nesta cidade, à rua

Arlindo Barreto nº 208, estava continuando na prática da medicina ellegal,

não obstante já haver o chamado a atenção por este feito e por isto obrigava

que a policia agisse na forma da lei, que sabendo em companhia do mesmo

médico, Doutor João Corrêa, dirigindo-se à casa o Joaquim Pontual, ahi

encontrou-o receitando a diversas pessoas204.

Percebe-se que o médico assegurado pelo Serviço de Higiene da cidade tinha o poder

legal de denunciar o acusado e assegurar junto a força policial encaminhando o mesmo para a

delegacia. O relatório da delegacia, anexado ao processo, evidencia que Joaquim Pontual já

havia sido avisado que suas práticas estavam à margem da lei, mas continuou receitando as

pessoas, o que a impulsionou a prisão.

203

DINOÁ, Ronaldo. Memórias de Campina Grande. Campina Grande: Editoração Eletrônica, 1993, vols. 1 e

2. p. 273, 204

Arquivo do Primeiro Tribunal do Júri do Fórum Afonso Campos. Processo s-n, contra Joaquim Pontual,

Campina Grande, 03 de dezembro de 1932.

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Mas nem todos estavam ao lado da repressão instaurada pelos médicos considerados

oficiais por serem formados, em detrimentos dos curadores populares. O cronista, advogado e

historiador o Sr. Hortênsio Ribeiro, ao criticar médicos sanitaristas, defendeu um curandeiro,

o senhor José Casimiro Barbosa (conhecido como ―língua de Aço‖) da cidade de Campina

Grande, em 1934, quando este foi preso por ―exercício ilegal da medicina‖.205

No jornal A União, em 07 de março de 1934, Hortênsio Ribeiro comenta que não era

―preciso estar habilitado para matar‖, ao criticando os médicos formados que apesar de serem

formados levava pacientes a óbito devido a sua ―arrogância e insensibilidade‖, e que

terminam por desenganar muitos doentes. Enquanto os curadores levam a esperança de cura,

seja através de benzeduras ou ervas.

Este pensamento de Hortênsio é corroborado por José Lins do Rego, em 1935,

também no jornal A União, quando afirmou que ―Um curador nordestino nunca desengana

um doente‖, e defende que a medicina popular não seria como a dos médicos formados que

não são sensíveis aos doentes ―perdidos‖.206

Nesta disputa de opiniões sobre os curadores populares, a repressão aos curandeiros

não se restringiu apenas aos praticantes da medicina popular com seus chás e infusões, por

que esta problemática alcançou até os praticantes das religiões de matriz africana e indígenas

considerados ―feiticeiros‖.

Isto se deve ao fato de que estas práticas também faziam uso de ervas, chás, infusões e

sessões de cura em seus rituais. Como também a repressão às religiões afro-brasileiras no

Brasil perpassa por teorias racistas que desencadearam uma série de preconceitos em torno da

cultura negra.

Alem das repressões por parte de médicos na cidade também havia ―médicos ocultistas‖

ligada à tradição espírita Kardecista, que reforçava as críticas sobre os curandeiros. Segundo

médico ocultista Williams Araújo expressou [...] sua opinião a respeito da

prática do xangô em receitar medicamentos sem nenhuma orientação médica

mostrando-se contrário à prática do espiritismo com interesses comerciais.

Disse favorável ao espiritismo quando bem conduzido, afirmando que sem

nenhuma rentabilidade207

205

AGRA, Giscard f. A Urbs doente medicada: a higiene na construção de Campina Grande - 1877 a 1935.

Campina Grande: versão revista da monografia da UFCG, 2006, p. 105. 206

Ibid., p. 105-107. 207 Diário da Borborema. 7 de Outubro de 1972, p.1. ―Ocultista fala sobre xangô e critica comércio na

prática do espiritismo‖.

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A crítica se pautava em virtude dos espíritas Kardecistas de também se utilizar de

preceitos científicos e de caridade para evolução espiritual.

O preconceito científico no Brasil foi tratado em diversos campos com eugenistas,

antropólogos e sociólogos, principalmente no início do século XX, quando o país passou por

transformações logo após o advento da República. A preocupação desses cientistas se dava

em torno da grande massa populacional negra presente na sociedade brasileira.

Então começou a se pensar em tentar moldar ou minimizar as tradições de origem negra

no Brasil em virtude das visões racistas da época. Assim, eugenistas, antropólogos e

sociólogos auxiliaram na visão negativa para com as práticas de origem africana, bem como

suas formas religiosas no Brasil. E ainda preocuparam-se que poderiam minimizar, através do

processo de mestiçagem, o que gerou debates e impregnou visões raciais no país.

Nas primeiras décadas do século XX, no Brasil, através de dirigentes e cientistas da

época, como já referimos, estavam preocupados com a construção da sociedade brasileira e,

precisamente, em torno da imagem do homem brasileiro, que se fundamentou em teorias

ligadas ao evolucionismo racial.

A preocupação com a imagem de como deveria ser o homem brasileiro no século XX,

surgiu em 1938 quando o ministro da Educação Gustavo Capanema havia encomendado uma

estátua que deveria ter a aparência do homem brasileiro. Mas qual seria? Ele ―deveria

simbolizar o produto da engenharia racial e social‖208

Sendo que para a elite intelectual o futuro do Brasil era de uma nação branca e forte,

pois se orientaram na teoria a evolucionismo racial. O primeiro artista contratado para fazer

estátua do homem brasileiro, a fez à imagem de um caboclo, mas seu trabalho foi criticado e

recusado. Por que não concebia a ideia de fazer uma escultura contrária, com os moldes

exigidos pelo ministro de distanciar dos traços de pessoas negras. Este por sua vez buscou

outro artista, mas a obra nunca foi terminada209.

Para formar a nação com esse ideário de futuro do ―homem brasileiro‖ utilizaram-se as

teorias eugênicas, as quais defendiam que o problema do país tinha um cunho racial ―as

subclasses de raças mistas e não brancas do Brasil eram, segundo a opinião geral,

culturalmente atrasadas e, na opinião de alguns, racialmente degeneradas‖.210

208 DÁVILA, Jerry. Diploma da brancura. Política social e racial no Brasil (1917-1945). Trad. Claudia S. A.

Martins. São Paulo: UNESCP, 2006, p. 48 209 Ibid., p. 49. 210 Ibid., p. 52.

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No entanto, existiram duas vertentes da eugenia: a ―leve‖ ou lamarkista, em que a

população poderia melhorar a genética através da educação ou da saúde, e a ―pesada‖ ou

mendeliana, com a esterilização forçada de pobres, negros ou deficientes. No Brasil foi

empregada com mais ênfase a primeira.

Uma grande ironia desse processo era que as pessoas ou os eugenistas que defendiam

essas teses, eram médicos, cientistas sociais, ou seja, uma elite intelectual, mas que utilizava

da ciência para praticar racismo. O papel público da eugenia era diagnosticar a inferioridade

racial e buscar uma solução.

Assim, pregou-se a noção de um branqueamento comportamental, aperfeiçoando a raça

através da educação física, eliminando práticas de culturas africana ou indígenas na escola e

na saúde. Dessa forma, a religiosidade afrodescendente também fazia parte do rol destas

repressões.

Um pouco antes desse processo já existia alguns estudos de cunho racistas que se

destacaram na virada do século, como o de Nina Rodrigues, formado em medicina, que

desenvolveu pesquisas e anos após um dos seus seguidores foi Arthur Ramos.

Nina Rodrigues no livro ―Africanos no Brasil‖211, tinha a preocupação de estudar as

raças brasileiras, em 1890, após a Proclamação da República (1889). Para ele, era necessário

estudar a ―evolução‖ da raça brasileira, que segundo pensamento da época, a solução para o

problema do negro no Brasil seria extinguido, após a abolição, com a mestiçagem entre

brancos e negros, ocorrendo desta forma um branqueamento da sociedade brasileira.

Todavia, segundo Nina Rodrigues, este processo de mestiçagem seria muito lento e um

dos fatores para a degeneração no Brasil seria marcada pela presença dos negros na

população. ―Consideramos a supremacia imediata ou mediata da Raça Negra nociva à nossa

nacionalidade, prejudicial em todo o caso a sua influência não sofreada aos progressos e à

cultura do nosso povo‖.212

Nina, baseando-se em teorias do século XIX, acreditava que as ―raças‖ humanas

estavam em estágios evolutivos diferentes, sendo que o negro seria inferior físico e

mentalmente em relação ao branco. Dessa forma, também a religião destes últimos também

era superior. E a religiosidade do negro ainda estaria num estágio fetichista.

211 RODRIGUES, Raynubdo Nina. Africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais.

2010. 212 Ibid., p.15.

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Para Nina a religiosidade no Brasil, na virada do século XIX para o XX, estava

marcada por alguns estágios evolutivos, sendo que num estágio mais avançado está o

monoteísmo católico considerado por ele mais evoluído.

A segunda, espessa e larga, da idolatria e mitologia católica dos santos

profissionais, para empregar a frase de Taylor, abrange a massa da

população, aí compreendendo Brancos, Mestiços e Negros mais inteligentes

e cultos. Na terceira está, como síntese do animismo superior do Negro, a

mitologia gege-iorubana, que a equivalência dos orichás africanos com os

santos católicos, por nós largamente descrita e documentada, está

derramando na conversão cristã dos negros crioulos. Vem finalmente o

fetichismo estreito e inconvertido dos africanos das tribos mais atrasadas,

dos índios, dos Negros crioulos e dos Mestiços do mesmo nível

intelectual.213

O problema é que Nina Rodrigues seguia os métodos sugeridos e desenvolvidos pela

antropologia criminal de Cesare Lombroso e ―evolucionismo‖ de Spencer, que defendiam a

inferioridade da “raça‖ negra e outras frente à branca214. Para Nina, seguindo a vertente

evolucionista, ele se preocupava com a questão da mestiçagem e defendia que isto era um

processo longo e que resultaria num produto mal equilibrado e de frágil resistência moral e

física.

Este autor analisando alguns casos de Candomblés na Bahia, no final do século XIX e

início dos XX, defendeu que a atuação da polícia, ao prender chefes de terreiros, era

arbitrária, e elencou algumas alegações por parte da polícia para realizar as apreensões como

―nos terreiros só existe devassidão... exercício ilegal da medicina, é o segundo item das

alegações‖.215

Segundo este autor, era ilegal o ato de exercício da medicina, no entanto, as pessoas que

procuram os terreiros são conscientes de suas ações e se deixam explorar. Mas, ao ler este

autor defender como arbitrário as repressões legais aos candomblés pareceu contraditório,

quando comentamos a sua visão negativa sobre a população e a cultura negra.

Por que de um lado ele enfatizava a inferioridade da religiosidade negra, comparado

com a religiosidade europeia ou cristã. Destacava como sendo atrasadas, mas por outro lado

ele acreditava que mesmo estando num estágio de atraso, as religiões de matriz afro não

deviam ser perseguidas pela policia. De um lado ele criticou e de outro ele defendeu. Mas

213 Ibid., p. 241. 214 NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Qual a condição social dos negros no Brasil depois do fim da escravidão?

O pós-abolição no ensino de história. In: SALGUEIRO, Maria Aparecida . A República e a questão do negro

no Brasil. Rio de Janeiro: Museu da República, 2005. 215 RODRIGUES, Ob. Cit., p. 272-277.

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uma defesa que não parte da igualdade racial, por que para ele os homens não poderiam ser

equivalentes racialmente e culturalmente.

Nina começou a ser contra ao discurso jurídico, principalmente o código penal, em

que igualava todos perante a lei. Porque, para ele os seres humanos não eram iguais, pois se

diferenciavam biologicamente e culturalmente. E defendeu uma ideia de ―imputabilidade das

raças‖, em que algumas raças seriam responsáveis e outras não, devido ao seu estágio

evolutivo.

Assim, para ele deveria haver códigos penais diferenciados, por que a criminalidade,

como todas as outras manifestações congêneres, biológicas ou sociológicas, seriam de fundo

degenerativo, e ligado às más condições antropológicas do mestiçamento no Brasil. A

degeneração no Brasil para Nina aumentaria com o processo da mestiçagem, então apenas um

médico jurista poderia legislar nesta noção de sociedade.

Já o Antropólogo Arthur Ramos acreditava que a ―mistura das raças não resultava em

híbridos inferiores, como Nina Rodrigues acreditava. Em vez disso, afirmava ele, dêem-lhe

condições de boa higiene física e mental e a pretensa inferioridade desaparece.‖216

Mas A. Ramos acreditava em diferenças de desenvolvimento cultural, por isso estudou

a cultura africana e identificou elementos que considerou de inferioridade cultural, além de

patológico, defendendo a eliminação dessa cultura, e o combate a práticas como a macumba

―e do feitiço que se infiltra em todos os atos da nossa vida. Olhar para a própria obra da

formação espiritual, orientando-a aos influxos da verdadeira moral científica.‖217

No entanto, muitos trabalhadores de baixa renda, a exemplo do no Rio de Janeiro na

primeira metade do século XX, procuravam práticas populares. Então Mario M. Machado

diretor do departamento de obras do Rio, influenciado por esse discurso eugênico, explicava

que muitos ―brasileiros de classe baixa, especialmente os não-brancos, buscavam tratamento

médico só depois de uma peregrinação laboriosa na tenda de macumbeiros, terreiros de ‗pais

de santos‘, sessões de catimbó....‖218

Tentando se distanciar da visão de evolucionismo racial, Gilberto Freyre defendeu a

noção de mestiçagem que, segundo ele, foi fundamental para a formação da sociedade

brasileira, um processo que iniciou com a colonização, em meio à ―casa-grande e a senzala‖,

216 DÁVILA, Ob. Cit., 2006, p. 75 217 RAMOS apud, DÁVILA, Ob. Cit., p. 75. 218 DÁVILA, 2006, p.79.

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onde o ―negro torna-se parceiro natural para a união pelo sexo e pelo trabalho‖.219 A união das

raças, segundo Freyre, se dava por meio de uma relação ―harmoniosa‖ entre o senhor e

escravo, como se houvesse a inexistência de um conflito ou total passividade. Mas ele tenta

quebrar com os modelos cristalizados da segregação racial, e demonstra as contribuições

culturais do negro na formação da sociedade brasileira.

E essa segregação foi desaparecendo com a instauração da República, quando já não

havia a dicotomia entre senhores e escravos. Dessa forma, a sociedade brasileira constituída

dessa miscigenação não poderia haver o preconceito ou racismo, e sim uma democracia racial,

que louvava a interação progressiva do negro na sociedade.

Isto forjou uma consciência falsa da igualdade racial brasileira, quando tentava apagar a

realidade de desigualdade (social, econômica e política) entre brancos e negros, anulava a

responsabilidade da deterioração social do negro ou mulato220. Todas essas teorias

influenciaram na composição da legislação brasileira e acentuaram o racismo e a

discriminação das práticas de origem negra, a exemplo, das praticas religiosas.

219 SANTOS, Gislene Aparecida dos. A invenção do ser negro: um percurso que naturalizam a inferioridade

dos negros. São Paulo, SP: Educ/Fapesp; Rio de Janeiro: Pallas, 2002. p, 154 220 FERNANDES. Florestan Cap. III: Heteronômia racial na sociedade de classes: o mito da democracia racial.p.

249-269. In: A integração do negro na sociedade de classes. 5 ed. São Paulo: Globo, 2008. p. 255

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3.2 A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA LEI

Como vimos, as práticas consideradas charlatãs, marcadas por feitiçaria, foram

combatidas por médicos e cientistas, mas a repressão a estas práticas se consolidou na forma

da lei, em que se destacava o curandeirismo como ilegal. Fator que influenciou para que as

religiões afro-brasileiras, mesmo após a instauração da noção de liberdade religiosa com a

República continuassem a ser repreendidas, tendo seus terreiros fechados e seus praticantes

presos.

Assim, mesmo sabendo que na Constituição de 1891 já estava inscrito a liberdade

religiosa (abolindo dessa foram o conceito de religião oficial de 1824), as essas ―religiões‖

afro-índio brasileira continuaram na ilegalidade, por estarem ligadas à noção de magia,

espiritismo e curandeirismo.

Fatores como magia, espiritismo e o curandeirismo eram fortemente reprimidos pelo

Código Penal Republicano de 1891 nos artigos (156, 157 e 158) 221. Com isso, muitas casas

onde se praticavam esses cultos eram invadidas e destruídas pela polícia, sob pretexto de

perturbação da ordem pública, de exercício ilegal da medicina, ou curandeirismo.

Escamoteando dessa forma o verdadeiro sentido da proibição, ou seja, não se trata

propriamente de uma religião, o que estava em contradição com a Constituição vigente que

tinha como lei a liberdade religiosa.

Por isso, no caso de Ação Criminal contra Thenório Cabral de Oliveira 222, citado no

primeiro capítulo, em que esse curandeiro de Aroeiras que realizava sessões catimbó para

curar a senhora Lygia da Veiga e Silva após varias sessões fornece uma mistura de ervas em

forma de bebida, a denominada Jurema e Jucá,223 para que os familiares continuassem outras

sessões de candomblé, sem a sua presença. No entanto, como já dissemos anteriormente,

155

Ver no endereço eletrônico: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66049

(Pesquisado em 12.08.09). Nestes artigos do código penal eram considerados crimes contra a saúde pública, a

exemplo do artigo 156. Era proibido exercer ―a medicina em qualquer dos seus ramos, a arte dentária ou a

farmácia; praticar a homeopatia, a dosimetria, o hipnotismo ou magnetismo animal, sem estar habilitado segundo

as leis e regulamentos‖. Mas segundo SILVA JR, Hédio, mesmo com as transformações do código de 1940

manteve-se os delitos de charlatanismo no art. 283 e curandeirismo com o 284. Ver em: SILVA JR, Hédio.

Intolerância religiosa nos meandros da lei. In: Guerreiras de Natureza: mulher negra, religiosidade e

ambiente. Elisa L. Nascimento (org). São Paulo: Selo Negro, 2008. 222

Arquivo do Primeiro Tribunal do Júri do Fórum Afonso Campos. Campina Grande- PB. Ação Criminal

contra Thenório Cabral de Oliveira e outros. s/n de 18/09/1923. 223

Ambas conter substâncias alucinógenas.

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Severina e Francisco Moisinho224, se excedendo durante uma sessão no ato de beber jurema,

mataram a senhora Lygia.

Nesse caso, o curandeiro Thenório foi processado pelos artigos 157 e 158 do código

penal de 1891. No primeiro artigo, o 157, o individuo não podia,

praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e

cartomancias para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de

moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a

credulidade publica225.

E no art. 158 seria ―ministrar, ou simplesmente prescrever, como meio curativo para

uso interno ou externo, e sob qualquer forma preparada, substancia de qualquer dos reinos da

natureza, fazendo, ou exercendo assim, o oficio do denominado curandeiro‖226.

Então ele foi processado nestes dois artigos combinados por ter praticado ―magia‖,

―inculcar cura‖, ter como seu ofício de curandeiro, entre outras combinações. E ainda

sentenciado nos artigos 294, 2ª p; art. 18, 2ª p. 30, 4ª p.

Em meio a este processo podemos perceber a que, nos termos jurídicos, religiosidade

sem ser a cristã, a exemplo do catimbó, não era religião, e sim apenas uma prática de magia

ou espiritismo, as quais ambas eram praticas ilegais. Podemos ainda inferir o papel de

destaque do médico formado como único meio legal de medicar os enfermos.

Então, houve uma grande mudança com a Constituição de 1891 sobre a liberdade

religiosa, em comparação ao período imperial, que em 1830 considerava crime qualquer culto

que não fosse oficial, ou seja, o catolicismo. Mas, apesar desse avanço as práticas como

espiritismo e curandeirismo foram legitimadas como crimes.

Dessa forma, as religiões afro-brasileiras possuem dentro de suas práticas estas duas

modalidades, por isso estavam dentro da ilegalidade perante a lei. Hédio Silva Jr que

evidenciou que a intolerância religiosa ―constitui uma das facetas do racismo‖ destacou que

própria constituição brasileira foi historicamente instituindo essa discriminação desde o

Império até a República227.

Na constituição política do império brasileiro, o Brasil seguiu algumas regras ou leis

de Portugal como o Código Filipino, o qual considerava crime de heresia a negação ou

224

Ressaltamos que a família Veiga e Moisinhos eram todos parentes consangüíneos da vítima. 225

Código penal de 1890, Ver no endereço eletrônico:

http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66049 (Pesquisado em 12.08.09) 226

Idem. 227 SILVA Jr., Ob Cit., 2008. p. 169.

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blasfêmia contra Deus ou Santos, a feitiçaria. Punindo o feiticeiro com a pena capital,

criminalizava ―reuniões ou bailes organizados por escravos‖, entre outras punições.228

Com a República, mesmo inscrita a liberdade religiosa, não houve efetivamente a

igualdade para a prática de algumas religiosidades, pois o espiritismo estava proibido em

1891. Criminalizava e punia também a capoeiragem (artigo 402), o curandeirismo (artigo

158), a mendicância (artigo 391) e a vadiagem (artigo 399).

Décadas depois, em 1940, retirou-se a ilegalidade do espiritismo, mas manteve os

delitos de charlatanismo e curandeirismo com os artigos 283 e 284229. O que manteve a

repressão as religiões de origem afro-brasileiras por elas estarem manterem nos seus rituais e

tradições a noção de cura.

Na Paraíba, a prática de curandeirismo ou das religiões de matriz africana e indígenas

foram fortemente combatidas, e muitos os praticantes dessas religiosidades foram perseguidos

pela ação policial. Como evidenciou o depoimento realizado através de artigo de uma figura

representante da igreja católica, D. José Maria Pires:

Desde o início a religiosidade do negro foi proibida de manifestar-se sob

suas formas originais. Foram-lhe impostas as formas européias [...] Isto

significava que as expressões religiosas dos negros trazidos para aqui como

escravos eram todos consideradas erradas e pecaminosas. A religião deles se

confundia com mais sórdida superstição. Em meu tempo de criança, eram

proibidos de ver um batuque porque ―era pecado‖. E até o ano de 1966,

quando fui transferido para a Paraíba, os chamados cultos afro-brasileiros

eram proibidos por lei. O então capelão da Polícia narrava com entusiasmo

suas numerosas façanhas noturnas de comandar grupos de soldados para

―acabar‖ com um terreiro de xangô que funcionava clandestinamente.230

Dom José Maria Pires, apesar se sua forte ligação com a igreja católica, era um crítico

contra as injustiças sociais e reconheceu as atrocidades que o negro sofreu desde o período

colonial, com a escravidão e quando foram impostas de forma arbitrária a catequese dos

negros, tentando suprimir a sua cultura religiosa. E como mostra no artigo não era a favor das

perseguições policiais à religiosidade resistente do negro231.

228 Ibid., p. 170-171. 229

Ibid., p. 175. 230

PIRES, D José Maria. "Identidade do negro", escrito em janeiro de 1988. O código do arquivo da cúria, cód.

C:f/5 (051) Al. p.14. Neste ano da publicação o tema da Campanha da fraternidade foi ―A fraternidade e o

Negro‖, com o lema Ouvi o clamor deste povo! Também neste ano de 1988 foi Centenário da Abolição. 231 Idem.

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Mas a repressão, legalmente falando, não ocorria somente por estas religiões estarem

ligadas à prática de culto, mas as pessoas podiam ser acusadas por vadiagem ou perturbação

da ordem pública. Em alguns jornais encontramos situações como esta na Paraíba.

Essas arbitrariedades jurídico-policiais foram frequentes até a década de 1960, quando

os próprios religiosos começaram a lutar por seus direitos no estado da Paraíba. Sendo que

este processo de conscientização e reivindicação pelas religiões afro-brasileiras se iniciou em

décadas anteriores, ou buscaram algumas formas para continuarem as suas praticas religiosas.

No início do século XX a Umbanda continuou a ser discriminada e buscou conquistar

seu reconhecimento na sociedade. Lísias Negrão232, que fez um estudo sobre a umbanda no

Brasil, sobretudo a umbanda paulista, defende que a Umbanda tinha sua imagem depreciada

pela imprensa oficial e seus praticantes sofriam perseguições tanto por parte do Estado, como

da igreja católica. Então muitos terreiros de Umbanda, para burlar estas perseguições,

registravam-se nos cartórios como centros espíritas para que dessa forma não fossem

identificados como práticas mágicas.

Como vimos, o Código Penal de 1940 retirou o espiritismo da ilegalidade, então

muitos terreiros se registravam nos cartórios, se passando por centros espíritas. Na Paraíba

alguns terreiros se registraram em cartórios como centros espíritas como forma de burlar as

ações da polícia, a exemplo do Centro Espírita Manoel Alagoano, de 1957, que tinha como

presidente Maria de Lourdes de Medeiro, em Campina Grande233.

Alguns anos depois, Maria de Lourdes Medeiros foi acusada de prática de

curandeirismo no Centro Manoel alagoano. Segundo a peça de acusação, o referido centro

espírita não se encontrava ―obedecendo às normas dos seus Estatutos, registrados no Cartório

de Registro e Títulos e Documentos, uma vez que sua diretoria vinha exercendo abertamente

o curandeirismo‖234

.

Mas, ainda nos anos 1940, diante de tal prática de catimbó ou terreiros de umbanda se

passando por centros espíritas, um jornalista, José Gaudêncio Sobrinho, em 1945, no jornal a

Voz do Dia, criticou com uma matéria intitulado ―Catimbó‖235

.

232 NEGRÃO, Lísias. Entre a cruz e a encruzilhada: formação do Campo Umbandista em São Paulo. São

Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996. 233

Cartório de registro e título de Campina Grande, Registro sob o n/ 335 a 337.21 de agosto de 1956, publicado

no Diário da União. de 7 de agosto de 1956... Existe desde agosto de 1947. 234

Diário da Borborema. 10 de fevereiro de 1962 p.8. ―Diretoria de centro espírita exerce curandeirismo‖ 235

A Voz do Dia. 7 de junho de 1945. Campina Grande – PB.

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Segundo ele, nos últimos anos da década de 1940 houve muitos casos relatados no

Brasil sobre o espiritismo, como as ―obras psicografadas de Humberto de Campos, curas

milagrosas, intervenções cirúrgicas assombráveis‖. No entanto, para ele, o que ocorria na

cidade de São João do Cariri não era a pratica do espiritismo. E ressaltou: ―espiritismo pode

existir, mas o caso de S. João do Cariri é Catimbó‖ .236

O espiritismo Kardecista surgiu na França em 1857 e os primeiros grupos espíritas

foram formados no Brasil na década de 1860. Essa crença possuía teorias sofisticadas e

articulava-se com o erudito ao popular. Nas primeiras décadas do século XX o espiritismo

sofreu restrições, como as religiões de matriz africana, com o código de 1890, além de

perseguições de autoridades policiais e sanitárias237.

O espiritismo começou a se organizar no final do século XIX com a FEB (Federação

Espírita Brasileira), a qual lutava pela liberdade religiosa e no período republicano seu

objetivo era de unificar os trabalhos dos centros espíritas com doutrinas e rituais comuns.

A umbanda inicialmente se constituiu como modalidade do espiritismo, com a criação

Espírita de Umbanda e, em 1941, o I congresso Brasileiro de Espiritismo, quando houve

debates para a institucionalização da umbanda. Mas, em 1940 começa a tentativa de se

diferenciar do espiritismo Kardecista da umbanda, pois havia um incomodo por parte dos

Kardecista que buscavam uma doutrina unificada.

Mas, quando o termo espiritismo foi retirado da ilegalidade no código penal de 1940

manteve os delitos de charlatanismo (artigo 402) e curandeirismo (artigo 158), os

―Kardecistas deixaram de ser assediados pelas autoridades. O mesmo não aconteceu com os

cultos afro-brasileiros, que continuaram sendo vítimas de perseguição,‖ consideradas como

―primitivas e bárbaras‖. 238

As sociedades espíritas, temendo perseguições da Secretaria de Segurança Pública,

passam a delimitar quais os Centros estariam dentro dos princípios Kardercistas em suas

práticas e quais aqueles que estariam fugindo a esses padrões. Considerando que para o

espiritismo Kardecista, os orixás africanos representavam pouca elevação espiritual; e para

cristãos católicos, a religião era sacrílega e demoníaca.

236

Idem. 237 GIUMBELLI, Emerson. ―Kardec nos trópicos‖. Revista História da Biblioteca Nacional. Ano. 3, n. 33,

Junho de 2008., p. 15-16. 238 Ibid., p. 18.

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3.3. RESISTÊNCIA E LEGITIMAÇÃO DAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

Até 1945 as repressões à Umbanda foram intensas. Com a ―redemocratização‖

(processo de restauração da democracia e do estado de direito no país após um período de

autoritarismo, neste caso estamos nos referindo após a deposição de Getúlio Vargas, que pôs

fim a ditadura iniciada em 1937), a interferência política diminuiu em relação aos

umbandistas. Neste período pós-45 inicia um processo no país de definição da identidade

nacional, o que ajuda a enaltecer a cultura popular e as tradições dos negros abrindo muitas

brechas para a continuidade das práticas religiosas afro-brasileiras.

Dada as perseguições sofridas por estes religiosos, eles se organizaram e buscaram

uma legitimação social, que se concretizou com as federações. ―O terreiro passou, então, a

funcionar segundo um estatuto que estabelecia os cargos (como presidente, secretário,

tesoureiro), as funções dos membros, os horários de funcionamento e de atendimento ao

público‖239, etc. Além dessa organização interna burocrática, a umbanda se inspirou nas

federações Kardecistas e criou suas próprias federações.Em 1939, no Rio de Janeiro, surge a,

primeira federação de umbanda, a União Espírita da Umbanda do Brasil,

principal articuladora do Primeiro Congresso de Umbanda, ocorrido em

1941, no Rio de Janeiro [...]Os objetivos das federações, que a partir da

década de 1940 começaram a proliferar também em outros estados onde a

umbanda foi se expandindo, como São Paulo e Porto Alegre, eram os de

fornecer assistência jurídica aos seus filiados contra a perseguição policial,

patrocinar cerimônias coletivas, organizar eventos de divulgação da religião

e, na medida do possível, impor a regulamentação sobre as práticas rituais e

da fiscalização.240

O primeiro Congresso tinha como objetivo de eliminar traços africanos tidos como

atrasados e criar uma imagem de umbanda ―branca‖ e mais aceita socialmente. No entanto,

anos depois, na década de 1950, alguns estratos sociais dessa religião começaram a contestar

esse distanciamento da umbanda com as tradições negras e tentaram recuperar os valores

africanos.

Entre os anos de 1953 a 1970 surgiram as primeiras federações de terreiros de

umbandas, como a ―Fuesp (Fundação Umbandista do Estado de São Paulo), [...] outra

federação importante, hoje denominada União de Tendas de Umbanda e Candomblé do

Brasil‖241, estas duas foram fundadas em 1953 em São Paulo. No entanto, para a umbanda ser

239 SILVA, Vagner Gonçalves da. Candomblé e Umbanda: caminhos da devoção brasileira. Editora Ática:

São Paulo, 1994., p. 115. 240 Ibid., loc. cit. 241 NEGRÃO, Ob. Cit., 1996, p. 76.

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reconhecida oficialmente teve que se desvencilhar das práticas da macumba, associados à

feitiçaria e se tornar uma Umbanda mais branca ou cristã, para ganhar espaço na sociedade e

reconhecimento neste primeiro momento.

Nos anos 60 o movimento federativo se intensificou apesar do regime militar que

começa em 1964. Na verdade, as federações neste período organizaram importantes

congressos de umbanda, como o I congresso Nacional paulista para legitimar a umbanda ou

tornando-a ―respeitável‖: ―o II Congresso Brasileiro buscava dar uma estrutura nacional

unificada e centralizada, um código-doutrinário calcado na moralidade cristã e na ordem

vigente e um ritual padronizado.‖242

O Regime militar não dificultou o processo de institucionalização, podemos dizer que

até facilitou, porque o Estado nesse período reforçou a noção de Estado moderno e laico, sem

vinculo com a igreja. Além disso, nesse período parte da igreja católica não estava mais aliada

ao Estado, devido aos movimentos esquerdistas de oposição ao governo. O Estado, por sua

vez, para chegar perto da população aproximou-se das religiões populares visando às eleições

municipais.

O governo dos militares não negou aos umbandistas seus direitos políticos, no que se

refere ao plano religioso. Ao contrário, ajudou na institucionalização, assim a religião da

umbanda foi reconhecida como religião oficial. Depois dessa ―legitimação social a umbanda

aos poucos foi adquirindo permissão legal e apoio institucional dos órgãos governamentais

para a realização de suas festas em espaços públicos‖.243

No Estado da Paraíba esse processo institucional da umbanda, também ocorreu na

década de 60, sendo que a umbanda foi trazida neste Estado neste período para que o culto

afro-índio-descendentes, no caso, a jurema pudesse obter também status legal.

O processo sincrético de junção da jurema ou catimbó paraibano à umbanda

sulista, trazida oficialmente a João Pessoa por volta da década de sessenta, as

especialidades que assumiu a umbanda nessa região a partir do caldo cultural

aqui encontrado, criando condições para a formação do complexo jurema

cruzada com umbanda244.

242 SANTIAGO, Idalina Maria F. L. O jogo do gênero e da sexualidade nos terreiros de umbanda cruzada

com jurema na grande João Pessoa. Tese (doutorado). Pontifica Universidade Católica de São Paulo.

2001.p,77. 243 SILVA., Ob. Cit., 2004, p. 117. 244 SANTIAGO, Ob. Cit., p. 82.

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Os antigos catimbozeiros ou juremeiros substituíram esta denominação para

umbandistas, mas não deixaram de praticar o culto da jurema. Aqui no Estado da Paraíba os

catimbós eram vistos como prática de feitiçaria, sendo constantemente perseguidos pela

polícia. A umbanda que estava legalizada para manter seus cultos através da Federação, então

a união entre a jurema com a Umbanda foi importante para os juremeiros para continuar seus

cultos, dessa forma se registravam também nas federações como umbandistas.

Outra intenção da Federação dos cultos Africanos do Estado da Paraíba, que

representava a umbanda, de agregar o catimbó, cultuada, por exemplo, no município de

Alhandra -PB, tinha como finalidade de ―não somente ter o crescimento numérico e

financeiro da Federação, mas há claras indicações que se quer aproveitar de elementos do

catimbó para enriquecer os rituais da umbanda local‖.245

Na década de 1960 as religiões afro-brasileiras começaram a lutar por essa

institucionalização, movimento que já se iniciou em décadas anteriores no resto do país.

Movimento que representava a tentativa de utilização dos mesmos mecanismos para legitimar

estas práticas na sociedade. Primeiro fazendo uma organização e unificação de suas práticas,

criando mecanismos de institucionalização e respeitabilidade na sociedade.

Utilizando mecanismos de resistência, através da legislação e o auxílio do poder

político. Por exemplo, o que ocorre na Paraíba, em que os praticantes conseguiram auxílio

político, para legalizar e firmar a Federação dos cultos afro-brasileiros no Paraíba em 1966.

Com o governador do Estado João Agripino, conhecido como ―salvador‖ das religiões afro-

brasileiras pelos religiosos, até hoje.

O que não pode ser concretizado no governo anterior ao de Agripino, pois antes com o

governador Pedro Gondim, que governou por duas vezes, a primeira, de 1958 a 1960 e a

segunda, de 1961 a 1966. Quando eleito em 1960, que iniciou com uma política populista

contraditória, pois para conseguir se eleger ele contou com o apoio das oligarquias e do outro

apoio popular, através do ―queremismo‖. No entanto, nos primeiros três anos de

administração com sua postura populista, grupos se fortaleceram como as ligas camponesas e

245

VANDEZANDE, René. Catimbó: Pesquisa Exploratória sobre uma forma Nordestina da Religião

Mediúnica. Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 1975, p. 200

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sindicatos rurais, em virtude desse avanço de esquerda os grupos oligárquicos reagiram

provocando tensões e luta de classes no Estado246.

Esse mesmo governo foi conhecido pelo povo santo247 como um período de intensa

repressão no Estado, principalmente na cidade de João Pessoa através relatos de religiosos

contida no trabalho de Stênio Soares ―Anos da Chibata perseguição aos cultos afro-

pessoenses e o surgimento das federações‖248. Segundo relatos neste período havia prisões,

invasões nos terreiros pela policia arbitrariamente, pois os religiosos além de presos eram

espancados pelos policiais, que agiam ―conhecidos como macacos do governo – invadiam

terreiros batiam e prendiam religiosos, além de levar objetos religiosos.‖249

Após o golpe militar que mudou o campo político, econômico e social do país, pondo

fim ao Estado democrático e populista, para caminhar a um Estado autoritário, que implantou

as formas de repressão numa ordem interna e ao mesmo tempo queria promover o

desenvolvimento. Na Paraíba, o caráter repressivo iniciou com o afastamento do reitor da

UFPB por um capitão, as associações estudantis sofreram intervenções. No âmbito político

alguns deputados e vereadores tiveram seus mandatos cassados e as ligas camponesas foram

consideradas ilegais, tendo alguns líderes presos e torturados.250

No entanto, após estes primeiros momentos de repressão foram marcadas as últimas

eleições por voto direto para governadores em 1965, em 11 Estados, inclusive na Paraíba. Um

dos candidatos foi João Agripino, que em campanha demonstrava, um ―candidato de todas as

classes, e por tanto, livre de qualquer compromisso.‖ Em um refrão das músicas de campanha

enfatiza que ―ele é contra qualquer perseguição‖251

No entanto, Monique Cittadino252 que trata de todo o governo de João Agripino

durante a ditadura militar, não faz nenhuma menção da relação entre esse governador do

Estado com as religiões de Matriz africana, pois foi ele, como destacaremos logo em seguida

que decretou a liberdade de culto no Estado.

246

CITTADINO, Monique. A política paraibana e o Estado autoritário (1964-1986). In: SILVEIRA, Rosa Maria

Godoy da, et al. Estrutura de poder na Paraíba. João Pessoa, PB: Universitária- UFPB. 1999, p. 111-113. 247

Praticantes das religiões afro-brasileiras. 248

SOARES, Stênio. ‗Anos da Chibata‘: perseguição aos cultos afro-pessoenses e o surgimento das federações.

Revista CAOS – Revista Eletrônica de ciências Sociais. N. 14, setembro de 2009. P. 134-135. 249

Ibid., p. 138. 250 CITTADINO, Monique. Poder local e Ditadura: o Governo João Agripino – Paraíba (1965-1971). Bauru,

SP: Edusc, 2006., p. 115-122. 251 Ibid., 123-144. 252 Ibid.

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90

Neste momento, as religiões de matriz africana passaram a se organizar e se unificar, e

criaram instituições como as Federações para dar credibilidade e unidade dos cultos e rituais

no Brasil e de forma organizada ampliaram seus espaços de liberdade.

Alguns chefes religiosos e pessoas ligadas às religiões de matriz africana iniciaram de

forma organizada em busca de melhores espaços na sociedade. Assim, uniram-se, fizeram

passeatas em prol da libertação da umbanda no Estado na década de 1960, estabeleceram

laços de solidariedade com o governador do Estado, com reuniões para e discutir legalização

de seus cultos. Como afirmou o senhor Carlos Leal ao jornal diário da Borborema sobre o

entendimento com o governador:

Frizou Cícero Tomé, que aquele encontro com o babalorixá, tomou

conhecimento do entendimento havido entre aquele representante

umbandista e o governador João Agripino Filho, ocasião em que Carlos Leal

Rodrigues teve oportunidade de oferecer ao chefe do Estado um LP, com

gravações e cânticos de Umbanda, gravado quando a realização do

congresso realizado na Guanabara. Naquela, ocasião foi também oferecido

ao Governador um livro intitulado de 'O Candomblé no Brasil'.Continuando

em suas declarações, o nosso entrevistado disse que por ocasião do encontro

em palácio o Sr. João Agripino, num espírito elevado de compreensão sentiu

a necessidade de haver uma Federação oficializada, tendo prometido de

enviar mensagem a esse respeito ao poder Legislativo253.

Semelhantes às práticas de paternalismo e clientelismo254

, pois uma depende da outra

para sobreviver, porque no mercado paternalista que representa a proteção dos ―fracos‖ e

impõe regras contra as infrações ou neste caso ajuda na legalização dos cultos afro-brasileiros

no Estado da Paraíba. O paternalismo sugere uma relação entre os direitos e responsabilidade

e a clientela submissa e complacente. Neste nosso caso, o governador e os ―umbandistas‖ se

também estão inserido nesta relação clientelista para com o governador, que podia se

promover politicamente através dessa troca de favores.

E após esse encontro com o governador, o senhor Carlos Leal, nesta mesma matéria,

convidou os chefes de terreiros no Estado para se inscreverem e entenderem a função da

Federação dos cultos Afro-brasileiros no Estado, que foi oficializada após a promulgação da

lei.

253

Diário da Borborema. ―Governo quer regulamentar a prática da Umbanda no Estado‖. Domingo, 18 de

setembro de 1966. p. 5 254 Paternalismo é um termo impreciso para um conceito que pode englobar elementos muito diferenciados,

dentro de uma mesma experiência de concentração de autoridade econômica e cultural. Ver: THOMPSON, E. P.

Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 29-30.

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Carlos Leal era uma pessoa que conseguia transitar facilmente entre os terreiros da capital e

o cenário político da época. Pois como vimos na citação acima ele tentava manter uma relação

amistosa com o governador, até lhe oferecendo ―LP‖ e livros. Ele também era babalorixá e

conseguiu se manter por muito tempo como presidente da Federação dos cultos Afro-brasileiros

da Paraíba.

Neste mesmo período foi organizada uma passeata na cidade de João Pessoa- Pb, em

prol da legalização da umbanda no Estado, evento que contou com a participação do

governador do Estado João Agripino junto com as pessoas em meio a cartazes e

manifestantes, como narrou o Sr. Saulo Roberto Silva, filho do presidente da Federação

Umbandista do Estado no ano de 2007:

João Agripino quando saiu a passeata em João Pessoa, conta as pessoas mais

antiga que a primeira pessoa que saiu na frente de todos os terreiros foi ele,

ele foi quem saiu a frente dos terreiros, e os pessoal tudo a pé, entendeu ?

Com faixa, com cartazes com tudo, mais com João Agripino no meio255

Claudio Barroso (2007) destaca uma foto retirada no dia da passeata, que possui logo a

frente a pessoa de Manoel Rodrigues que possui um terreiro de Candomblé até hoje no bairro

do catolé da cidade de campina Grande.

255

Entrevista com Sr. Saulo realizada no dia 03/02/07 por Claudio C B. Neto. Ver em: BARROSO NETO,

Cláudio da Costa. Formação da Umbanda Cruzada com Jurema. Relatório: PROINCI, 2007. p. 22-23.

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256

Imagem 3: Passeata em prol da regulamentação da umbanda no Estado.

Na foto o Cartaz em que os manifestantes estão segurando possui a seguinte frase:

―Terreiro Afro-Brasileiro Pai Orixalá, saúda o governador João. Agripino‖. O que nos pode

Inferir sobre a representação que foi construída do governo para com os adeptos das religiões

de matriz africana no Estado. Um fator importante da trajetória desse governador que no

estudo sobre seu governo realizada por Monique Cittadino257 não há qualquer comentário a

respeito.

Neste momento podemos fazer um contraponto entre o ―discurso oculto‖ e o ―discurso

(transcrição) público‖, esta última seria a relação:

para descrever as interações abertas entre subordinados e aqueles que os

dominaram [....] Público aqui se refere à ação que é abertamente dirigida à

outra parte nas relações de poder e transcrição é usada quase em seu sentido

jurídico (processo verbal) de um registro completo do que foi dito258.

256

Ver esta imagem em BARROSO NETO, Ob. Cit. p. 23. Esta foto pertence a pai Manuel Rodrigues que

permitiu a publicação no trabalho do pesquisador Cláudio Barroso Neto. 257

CITTADINO. Ob. Cit., 2006. 258 SCOTT, apud. MENESES, Marilda aparecida de. O cotidiano camponês e sua importância enquanto

resistência à dominação: a contribuição de James Scott. Revista Raízes, Campina Grande, v. 21 n.1, jan/jun.

2002, p.34.

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Esse discurso público entre o governador do Estado e o processo da legalização dos

cultos Afro-brasileiros pôde ser encontrado abertamente em várias matérias do jornal. É um

discurso autorizado e controlado. Já a passeata ou a resistência aberta e coletiva realizada em

João Pessoa, que contou com a participação de vários campinenses não foi evidenciada nos

jornais locais, mesmo que tivesse uma carga apelativa para o governador, pois na faixa da

imagem dizia que estavam saudando o governador, ela foi sufocada e permaneceu anônima

nos jornais desta cidade.

Entre os anos de 1966 e 1971 a Paraíba foi governada por João Agripino, homem de

família tradicional, os Maias, dos municípios do Catolé do Rocha e Brejo da Cruz, sendo esta

última a localidade onde nasceu em 1° de março de 1914. Ele se formou em direito no ano de

1937, foi promotor público de 1935 a 1938 no Rio Grande do Norte e advogou até 1945,

quando iniciou a carreira política como deputado Federal pela UDN e reeleito até 1962. Logo

após assumiu o mandato de Senador, cargo que não concluiu, porque foi empossado

governador da Paraíba em 1966259.

João Agripino num de seus depoimentos disse que considerava a mais relevante em

sua gestão foi a proibição de ―espancamentos policiais; liberdade de crença; regulamentação

do exercício da crença africana; [...] entre outras obras que beneficiaram a Paraíba.‖ 260

Assim, no ano de 1966, João Agripino, assina a lei n° 3443, em 6 de novembro. Neste

mesmo dia foram realizadas várias festividades no Estado, como em João Pessoa, na avenida

Félix Antônio, no bairro de Cruz das Armas, solenidade que reuniu órgãos espíritas

congregados junto a Federação, acontecimento que se denominou como ―Festa de Libertação

de Terreiros de Umbanda da Paraíba‖. As festividades se iniciaram a tarde e se culminaram

com assinatura da Lei, o evento contou com a participação do governador e outras ―altas

autoridades civis e militares.‖261

O governador ficou conhecido como libertador, grande benfeitor e responsável pela

criação da lei. Como evidencia um trecho da matéria do jornal Diário da Borborema ―Para

seguidores da Umbanda Agripino é grande protetor‖ e continua:

O apoio de um governo como o de João Agripino, nada haveria sido feito.

Explicou que devido ao espírito sábio, humanitário e cristão do atual

governador, é que os paraibanos tiveram direito de seguir o ritual daquela

259

CITTADINO, Ob. Cit. 2006. 260

MAIA, Benedito. ―Governadores da Paraíba‖ (1947-1986). 4º ed. João Pessoa, PB: União. 1986, p.73 261

Ver em: Diário da Borborema, ―Libertação da Umbanda será assinada hoje‖, 6 de novembro de 196.‖. p.5

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religião no próprio Estado[...] Em seguida a irmã Maria Lina, em nome das

mulheres umbandistas e irradiada pela força de Iemanjá, de quem é

discípula, pediu glória as alturas e paz na terra para todos os homens de boa

vontade. Iemanjá, sua liberdade tinha finalmente chegado, sendo eles que

trouxeram João Agripino Filho para o governo do Estado. [...] Finalizou

todos que protejam o libertador da santa seara e que todos os umbandistas do

Estado tem o dever sagrado de querer-lhe e consagrá-lo.262

João Agripino foi o representante legal desse processo de institucionalização da

umbanda na Paraíba e a matéria acima demonstra a ideia da liberdade realizada por parte do

governador para esta religião no Estado.

Carlos Leal numa entrevista em Campina Grande concedida ao jornal Diário da

Borborema, afirmou:

não fôra o apoio de um governo como o de João Agripino, nada haveria sido

feito. Explicou que devido ao espírito sábio, humanitário e cristão do atual

governador, é que os paraibanos tiveram direito de seguir o ritual daquela

religião no próprio Estado, pois antes disso, os que têm a mediunidade

espírita dos Orixás, tinham que se deslocar para outros lugares, a fim de

seguir a obediência dos poderes astrais. Disse ainda, que naquele tempo,

uma pessoa dotada de mediunidade e que não procurasse se desenvolver em

outro Estado, passaria a viver perturbada, chegando muitas vezes a ponto de

ser internada no hospital de alienados.263

O que reafirma a atuação do governador e retrata a situação anterior a lei, que religiosos

tinham que se deslocar para outros lugares a fim de se desenvolver espiritualmente e destaca o

caso de pessoas que eram tidos como loucos se não procurassem ajuda espiritual.

Mas a Lei 3443264 além de liberar estas práticas religiosas no Estado também tinha o

objetivo de disciplinar e homogeneizar os cultos no Estado. Assegurando no artigo 1° dessa

lei havia o livre exercício dos cultos Africanos em todo território do Estado da Paraíba. No

entanto, as restrições são citadas no art. 2°, em que para que os estabelecimentos do terreiro

funcionassem era preciso solicitar autorização na Secretaria de Segurança Pública, munidos

de documentação regularizada do terreiro e o responsável pelo culto teria que provar sua

―idoneidade moral‖. Além de provar sua sanidade mental, atestado por um laudo psiquiátrico.

Ainda podemos notar que a lei não era tão livre, pois havia restrições em virtude do

laudo psiquiátrico e a autorização na delegacia que liberava através de oficio ―a carta de

alforria do terreiro‖. A influência do saber médico se fez presente, por meio da psiquiatria,

262 Diário da Borborema. 11 de março de 1967, sp. 263

Ver em: Diário da Borborema. ―Para seguidores da Umbanda Agripino é grande protetor‖, 11 de março

de 1967 p. 5 . 264

Ver em anexo a cópia da lei.

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com o poder de analisar sanidade mental do chefe do terreiro, dessa forma, dar um laudo, que

possuía a capacidade retirar ou não o direito a licença para os rituais.

A autoridade policial ainda poderia intervir em caso de infrações e deveria se adequar

a estas normas com prazo de 180 dias a contar da data da lei. Os terreiros ainda deveriam estar

submetidos a Federação dos Cultos Africanos do Estado da Paraíba, a qual disciplinaria ―o

exercício desses cultos no Estado e exercer a representação legal de suas filiadas‖265

.

Semelhante a esse processo, a lei n° 3.097, de 29 de dezembro de 1972, do Estado da

Bahia obrigava até o ano de 1976, as sociedades de culto afro-brasileiro a se registrarem na

Delegacia de Polícia.

Dias depois de ser oficializada a lei 3443 na Paraíba em 6 de novembro de 1966, no

dia 13 de novembro, foi fundada a Federação dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado da

Paraíba (FCAEP), em João Pessoa. Que tinha como primeiro presidente o Sr. Carlos Leal,

personagem que transitava nos terreiros e no cenário político do Estado, foi ele quem auxiliou

junto ao governador para que a lei fosse sancionada266. Para a construção da sede João

Agripino doou incentivos materiais e doação de um terreno no bairro do Tambauzinho, local

onde hoje reside a viúva de Carlos Leal, pois o terreno foi registrado em seu nome. Depois,

em 1986, que a sede da Federação foi transferida para o bairro do Mangabeira para outro

terreno, também doado pelo governo Estadual267.

Esta entidade tinha o objetivo de fiscalizar e unificar os rituais e práticas de culto

criando inúmeras regras dentro do seu regimento para os filiados. Como a proibição de

―roupas de santo‖ em giras, a obrigação de comunicar a Federação por escrito e dez dias antes

sobre a realização de festas que iriam de realizar. Bem como multa para quem não cumprisse

as regras, entre outras normas268

. Esses regramentos foram criados com o objetivo de

controlar e obter respeitabilidade na sociedade, que evidenciamos no trecho da matéria do

jornal diário da Borborema, quando a Federação dos cultos Afro Brasileiros do Estado da

Paraíba publicou normas, que se baseava de acordo com o artigo 12° do estatuto da entidade:

Todos os Centros, Terreiros, Tendas, Cabanas ou qualquer entidade filiadas

a esta federação, realizarão sessões da mesa ou pura, sem toque, das 19 às

22:30 horas, .... Será permitido o toque aos domingos. O horário para o

início ficará a critério do chefe ou responsável pelo terreiro etc., não

265

Em anexo está a cópia da lei 3443. 266

BARROSO NETO, 2007 e SOARES, 2009. 267

SOARES, 2009. P. 141. 268

Normas da Federação de fevereiro de 1968. Como evidencia cópia do documento em anexo.

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podendo ultrapassar o horário das 22 horas ... Nenhuma sessão realizada nos

Centros, Terreiros, tendas, Cabanas, etc, será iniciada ou encerada sem

prece, bem como também serão obrigatórios 15 minutos de exploração sobre

assuntos espirituais (umbanda), principalmente o Evangelho. [...] É

terminantemente proibido a permanecia de menores de 10 anos nos centros

Terreiros, Tendas, etc. Em giras e mesa e em horários impróprios... Em todas

as entidades filiadas, poderão ser formuladas sessões especiais de

evangelização puramente espiritual e científica para as crianças de 10 e 14

anos, sem toque e sem gira269.

Nota-se que as normas acima citadas eram objetivadas principalmente para unificar os rituais no

que se refere a horários, certos rituais como toques realizados apenas aos domingos, orações, proibição

de menores nos rituais. Além, disso houve a proibição de uso de bebidas alcoólicas durante as sessões

religiosas nos terreiros.270

Que segundo o vice-presidente da FCAEP, Cícero Tomé em 1967,

afirmou que haveria uma severa vigilância por parte da Federação ―contra o uso de bebidas

alcoólicas nos candomblés e de outros meios que fogem à verdadeira religião umbandista‖ e

para quem desobedecesse as normas teria o terreiro fechado pela federação271

. Um ambiente

repressivo próprio da ditadura.

No que se refere à proibição de menores nos terreiros, foi em virtude do pedido do

Comissário de Vigilância do Juizado de Menores, o Sr. João Bezerra da Silva, dirigida através

de ofício ―047.67-6‖ ao Juiz de direito da 6º Vara, solicitando a proibição de menores de 18

anos no ―chamados Xangôs a fim de evitar a repetição de crimes.‖272

O comissário estava se referindo a um crime que ocorreu em João Pessoa num terreiro de

xangô, localizado na fazenda Cuiá, vila de Gramame, de propriedade do Dr. Cícero Leite,

quando a mulher Severina André do Nascimento assassinou seus dois filhos. Segundo relato

do jornal, Diário da Borborema, conforme apurou que durante os trabalhos do terreiro foi

utilizado muito aguardente pela mulher e seu marido, sendo que foi Severina que assassinou

os dois filhos com a garrafa vazia de aguardente273. Por isso a FECAP foi direcionada a proibir

o uso de bebidas alcoólicas nos rituais e também a participação de menores nos terreiros.

Evidente que este crime não deveria ser associado a prática das religiões afro-

brasileiras, pois como defendeu o próprio presidente da FECAP, que crimes como este

269

DB (27/05/69, p.8). Estas mesmas normas além de outras também estão presentes num documento em anexo,

da Federação dos Cultos Afro-brasileiros do Estado da Paraíba, com normas aprovadas de 1968. 270

Diário da Borborema. ―Será fechado o 'Terreiro' onde entrar bebidas‖. 15 de março de 1967. p. 9. 271

Diário da Borborema .08 de abril de 1967 p.1 272

Idem. ―Proibição de menores nos xangôs da capital‖. 273

Diário da Borborema. 6 de abril de 1967. ―Mãe mata filho a cacetadas numa sessão de Xangô em JP‖.p.5.

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ocorrem em todo o país e ―não são causados por qualquer religião, mas sim devido ao vício da

embriagues, loucuras ou desespero de causa‖274.

A FECAP neste período passou a obrigar um prazo para os terreiros se filiarem junto a

entidade, como já estava previsto na lei 3443 de 180 dias, que terminaria no dia 10 de maio de

1967, mas a entidade ainda prorrogou por mais quarenta dias, quando Cícero Tomé destacou

que depois daquela data estabelecida os terreiros não regularizassem a situação com a devida

licença junto a Federação teria os estabelecimentos religiosos fechados fechados275.

Mesmo após a legalização ainda havia denúncias das práticas de terreiros nas

delegacias que estavam atuando de forma irregular, como em Campina Grande, conforme o

Jornal Diário da Borborema publicou que:

os responsáveis pela prática do espiritismo baixo e clandestino no bairro da

Bela Vista, os quais funcionam na base de aguardente, das baforadas de

cachimbo e muita anarquia [... ]denúncia, feita de público, através da

imprensa tudo indica que a Delegacia de Costumes e a Federação dos Cultos

Africanos tomem providencias enérgicas, para acabar com o espiritismo

grosseiro na rua Edelfonso Aires.276

A matéria se refere como prática de ―baixo espiritismo‖, os terreiros que utilizam

aguardente e cachimbo. Assim, o alto espiritismo, neste sentido do trecho, seria a religião

protegida pelo Estado e o baixo espiritismo envolvia práticas fora das normas estabelecidas,

com pessoas desqualificadas como citado no trecho, são práticas que envolviam muito

aguardente, fumo ―cachimbo‖ e ―muita anarquia‖. Além de nomear estas práticas como

―espiritismo grosseiro‖ reafirmando o sentido pejorativo destes cultos.

No ano de 1968 a FCAEP ainda decretou a proibição de cerimônias de casamentos e

batizados nos terreiros, em virtude de uma denúncia realizada junto a um programa ―A

Patrulha da Cidade‖ da Rádio Borborema em Campina Grande, no horário do meio dia,

dizendo que um militar já casado e pai de dois filhos, seduziu uma moça e casou-se de novo

com esta num xangô, com isso a Federação resolveu proibir as celebrações de casamento e

batizados nos rituais até que pudesse realizar uma melhor fiscalização, ―a fim de evitar esses

abusos praticados por pessoas que se utilizam da seita para fins amorais‖, disse o vice-

presidente ao jornal do DB277

.

274

Diário da Borborema. 7 de abril de 1967. p.5 ―Babalorixá protesta: acusam xangô injustamente‖ 275

Diário da Borborema. 15 de junho de 1967 p. 5 ― Terreiros faltosos serão fechados” 276

DB (01/06/68, p. 5). 277

Diário da Borborema. 4 de abril de 1968 p. 5 ―Campina Grande livre dos batuques de xangô‖

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A FCAEP ainda apresentou uma circular que determinou apenas nos dias festivos aos

orixás poderia utilizar a batida do elú, em apenas 15 datas: ―20 de abril, 5 de fevereiro, 23 de

abril,12 de maio,29 de maio, 24 de junho, 29 de junho, 4 de julho, 13 de agosto, 27 de

setembro, 30 de setembro, 4 de dezembro, 8 dezembro, 24 de dezembro278‖. Segundo consta

na matéria do jornal DB esta medida também foi em virtude dos reclames de populares que se

sentiam prejudicados, ―com o abuso do batuque diário nos xangôs localizados em meio a

residências particulares‖ 279.

Devido a vários terreiros em situação irregular ou de desobediência na cidade de

Campina Grande, a Federação realizou algumas reuniões na cidade com o responsável pela

seção desta localidade, Cícero Tomé, que sempre lembrava sobre os centros espíritas que se

encontravam irregulares favorecia ―o aparecimento de terreiros clandestinos de baixo

espiritismo‖, que só serviam ―para manchar o bom nome daquela seita‖. Ele também

destacava que a FCAEP visava uma vigilância mais severa contra os quimbandeiros da

cidade, evitando-se dessa maneira a pratica do ―baixo espiritismo em Campina Grande.‖280

A quimbanda (uma prática semelhante a linha da Umbanda, popularmente

denominado de macumba, conhecida também pela prática ritual maligno) citada por Cícero

Tomé estava sendo cultuada na cidade e que a Federação visava controlar. No entanto, para

alguns autores como Reginaldo Prandi a umbanda pode ser dividida em duas linhas: a direita,

voltada para a manifestação de forças do bem, a qual ―trabalha‖ com entidades

espiritualmente ―desenvolvidas‖ (caboclos, preto-velhos etc.), e numa linha da ―esquerda‖,

também chamada quimbanda, que pode trabalhar com forças do ―mal‖, cujas entidades,

espiritualmente ―atrasadas‖ (Exus e Pombagiras) que popularmente associadas às do inferno

católico. Para este autor, esta divisão é apenas formal, pois na prática ―não há quimbanda sem

umbanda nem quimbandeiro sem umbandista.‖ 281

Esta aversão da FCAEP então pode ser explicada, pois na linha denominada

quimbanda as entidades como Pombagiras e exus, quando manifestadas são ―mal-educados,

despudorados, agressivos‖ e todo o cerimonial para estes tem que ser ao som de atabaques e

278 Algumas datas conseguimos associar aos orixás como 23 de abril, dia de Ogum São Jorge, 24 de junho São J.

Batista, 27 de setembro dia de São Cosme e Damião, 4 de dezembro dia de Iansã, 8 de dezembro Iemanjá. Mas,

pode mudar de região para região. 279

Idem. 280

18 de junho de 1968p.5 ―Federação combate baixo-espiritismo. 281

PRANDI, Reginaldo. Herdeiras do Axé: sociologia das religiões afro-brasileiras. São Paulo: HUCITEC.

1996, p. 142

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danças. O que fugia das normas da FCAEP, pois somente deveria ter toque nos dias

estabelecidos ou solicitando antecipadamente a Federação uma permissão para alguma

festividade. No entanto, muitos quibamdeiros não esperavam dias estabelecidos, o que gerava

muitas reclamações de populares que moravam próximo a estes terreiros que observamos em

muitos destes relatos na cidade de Campina Grande.

Assim, não apenas a Federação tentava controlar os batuques na cidade como também

a secretaria de segurança pública, que em 1971, com Secretário, o coronel Walmir Alves

Nobrega282, em acordo com os delegados do Estado resolveram acabar com os ―abusos

cometidos que o pessoal da umbanda vinha provocando em todo o Estado, passando até alta

noite e as vezes de manhãzinha fazendo zoada.‖ Através de normas agora impostas pela SSP,

que determinou a proibição de instrumentos sonoros após as 22 horas, fixou um prazo de ―15

(quinze) dias, para que os proprietários de Tendas e Terreiros‖ se regularizassem junto ao ―

Serviço de Censura da Secretaria‖, determinou que os delegados tinham autonomia para

fechar o terreiro caso transgredisse a portaria283. Enfim, uma medida que nos parece um

grande retrocesso na época para estes religiosos.

Mas, diante do controle demasiado da Federação, houve um primeiro

desmembramento da mesma dando origem à outra Federação em João Pessoa, segundo Stênio

Soares,284 ―a Cruzada Federativa de Umbanda‖, como afirma o relato de uma mãe de santo de

João Pessoa narrado no trabalho deste autor:

A gente tava no repressivo de Pedro Gondim, saímos pra liberação de João

Agripino, mas ficamos debaixo do pé de uma federação, aonde se você fosse

lavar a cabeça de um filho de santo, você tinha que ir lá e pagar. Diz que

naquela época você ia pra federação, mas pra poder liberar tinha que ir pra

delegacia; aí a gente começou a ver que isso tava errado, aí começou a se

formar um grupo285.

Este trecho nos permite destacar que além de se filiar junto a Federação para se ter

uma efetiva liberação de culto ainda tinha que ir na delegacia. Na cidade de Campina Grande

não foi diferente, porque o babalorixá Vicente Mariano disse em entrevista que antigamente

responsável pelo terreiro tinha que tirar licença na polícia: ―Já faz uns [...] Eu tô com 65 anos

282

DB. 22 de outubro de 1971, p.1 ―Terreiros não vão atrapalhar o sono‖. 283

Idem. 284

Ob. Cit. 2009 285

SOARES, Ob. Cit. 2009, P. 142.

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de feito. Já to com uns 50 anos de casa [...] Você antes tinha que pegar licença na polícia [...]

Você pedia autorização pegava um ofício, botava na parede e pronto‖286

.

Este desmembramento da FCAEP também foi sentido na cidade de Campina Grande,

quando esta entidade numa reunião em outubro de 1968 retirou do cargo de vice-presidência,

Cícero Tomé, o qual orientava assunto referente a cidade de campina Grande. E criou uma

secretaria nesta cidade, que ficou como responsável o fiscal Emídio do Oriente287.

Em 1969, na cidade de Campina Grande, foi fundada outra Federação denominada

Federação Espírita e Beneficente dos Cultos de Umbanda Jurema, Junça e Vajuncá, que tinha

como presidente Cícero Tomé e ―como presidente de Honra o bel. Raimundo Asfora‖, além

do secretário geral o general reformado José Mauro Porto. O presidente também possuía um

terreiro na cidade denominado ―Centro Espírita Mestre Manoel Chaves‖288.Esta Federação

seria a terceira existente com jurisdição no Estado da Paraíba.

Mas destacamos que esta Federação fundada em Campina Grande foi o primeiro

desmembramento da FECAP e não a terceira, pois ela foi fundada em 1969 e a Cruzada

Federativa de Umbanda e Cultos Afro-brasileiros de João Pessoa surgiu em 1972, é que no

trabalho de Stênio Lopes289

não há referência a Federação de Campina Grande. A Cruzada

Federativa de Umbanda em 1996 também se desfaz e alguns de seus membros fundam a

―Federação Independente dos Cultos Afros-Brasileiros do Estado da Paraíba (FICAB-PB)‖290.

Com isso a FCAEP reage diante ao aparecimento destas outras federações e seu

presidente Carlos Leal envia um ofício,

ao Major Marcílio Pio Chaves, Delegado de Vigilância Geral e Costumes

desta cidade, solicitando o empenho daquela autoridade no sentido de fazer

cumprido a Art. 5ª da Lei 3.443, publicado no Diário Oficial do Estado, no

dia 10 de Novembro de 1966, que diz claramente sobre a criação de

Federação dos Cultos Africanos Do Estado da Paraíba com a finalidade de

congregar, disciplinar o Culto no Estado e representar seus filiados291.

No ofício Carlos Leal esclarece que não tinha fundamento a criação de outras

Federações, ―pois a lei oficializou o Culto também criou a Federação‖. O que podemos inferir

também que a FCAEP estava perdendo filiados que ajudavam a mesma através do pagamento

de variadas taxas cobrado como a ficha de filiação, permissão para toque, etc. Em entrevista

286

Entrevista em 25-07-09. 287

18 de outubro de 1968 p.6 ―Federação dos Cultos Africanos tem reunião domingo próximo: J. Pessoa 288

7 de junho de 1969 p.6 ―Federação de Umbanda de CG reconhecida na Guanabara 289

2009. 290

Idem p, 143. 291

24 de Outubro de 1969 p. ―Criação de nova Federação traz problemas para culto de Umbanda

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com Vicente Mariano, babalorixá em Campina Grande, disse que após a legalização os

filiados à Federação apenas pagavam ―dois cruzeiros por mês e iam para as reuniões e pronto.

Quando fosse fazer um toque mandava um ofício para a federação, marcava a hora e

pronto‖292

.

Segundo uma matéria do jornal do DB, em 1972 Carlos Leal teve uma possível

acusação, por um filiado, de utilizar o dinheiro da Federação para uso próprio. O babalorixá

Pedro Batista dos Santos, dono do Terreiro Oxosse Rompe Mato, localizado na rua Olegario

Maciel, 663, no Monte Santo, em Campina Grande, denunciou o presidente da FCAEP de

desviar o dinheiro da Federação. Porque ao tentar apresentar uma sugestão na secretaria da

entidade de Campina Grande para reverter à renda em prol da construção de uma sede

própria, o presidente suspendeu o funcionamento do seu terreiro por seis meses. Pedro Batista

disse ainda numa matéria concedida ao jornal que havia ―cerca de oitocentos terreiros filiados

à Federação e todos pagavam suas mensalidades em dia, bem como outras obrigações que

rendiam grandes soma para os cofres da entidade.‖ E ainda frizou que Carlos Leal não

prestava contas dos seus gastos.293

Dias depois Carlos Leal se defende, através do mesmo jornal, e acusa o Pedro Batista

de desobedecer a hierarquia religiosa e que o mesmo ainda não tinha terminado sua iniciação

religiosa para ser considerado um babalorixá. A polícia tentou depois amenizar a situação.

Outra denúncia foi feita por outro filiado à federação em 1970. O babalorixá Emanuel

Nascimento Costa que tinha um terreiro, ―Nossa Senhora da Conceição‖ na rua Gonçalves

Dias, fundado em 1969. Este alegou que o presidente da FCAEP não declarava as ―doações

recebidas‖ e chegou ao ―ponto de demitir toda a comissão fiscal de Campina Grande por ter a

mesma solicitado uma prestação de contas‖. Foi neste período que o responsável da secretaria

de Campina Grande que tinha ficado no lugar de Cícero Tomé, o Sr. Emídio do Oriente,

renunciou o cargo. Assim, contrariando os Estatutos Carlos Leal naquele momento da

denúncia estava ocupando os cargos de presidente, secretário, tesoureiro, além de cobrador294.

Emídio do Oriente também era funcionário público e responsável pela Seção de

Censura da Delegacia de polícia de Campina Grande, que também controlava os terreiros na

292

Entrevista realizada no dia 25-07-09 com Vicente Mariano. 293

Diário da Borborema. 15 de março de 1972, p. 8. 294

Idem.10 de maio de 1970. P.5

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cidade, por que todos os terreiros tinham que pedir autorização de funcionamento na

Delegacia295, como afirmamos anteriormente.

Em meados do ano 1970 a Federação Espírita e Beneficente dos cultos de umbanda,

Jurema, Junça e Vajucá foi extinta, então durou apenas um ano e seu ex-vice presidente

Cícero Tomé da Silva inaugurou pouco depois um terreiro de umbanda denominado ―Palácio

dos Orixás‖ na rua Clementino Siqueira. Passado mais um tempo, aparece no ano de 1972 nos

jornais, outra Federação na cidade de Campina Grande também dirigida por Cícero Tomé,

com o nome Federação Espírita e Umbandista da Paraíba. Talvez seria a mesma Federação

apenas mudou o nome. A qual continuou fiscalizando os terreiros na cidade como destacamos

na citação a seguir:

O presidente da Federação Espírita e Umbandista da Paraíba, babalorixá

Cícero Tomé, comprovando suas intenções de promover um verdadeiro

expurgo no meio da seita, neste Estado, irá propor o fechamento do Terreiro

de Umbanda São Jerônimo [...] Santa Rosa296.

Em outubro de 1972, Cícero Tomé, presidente da Federação Umbandista Espírita da

Paraíba e o presidente da Federação dos cultos Afro-brasileiros do Estado da Paraíba, Carlos

Leal trocaram acusações e o último ameaçou de denunciar na justiça. Dois babalorixás,

Vicente Mariano, do Terreiro de umbanda Senhor do Bonfim, e Manuel Rodrigues, do Ogum

Jaguará de Campina Grande, deram suas opiniões que deveria existir paz entre as Federações.

Mas o primeiro destacou que ―Carlos Leal estava com a razão e Cícero Tomé não entendia

sobre o espiritismo e que entrou na umbanda por intermédio do seu terreiro‖, Senhor do

Bonfim.297

Cícero Tomé além de ser presidente da Federação Umbandista Espírita da Paraíba

fundou um terreiro como já referimos ―Palácio dos Orixás‖. Depois, este terreiro passou a ser

uma Fundação Beneficente dos Cultos Umbandisticos e filosóficos - do Estado da Paraíba-

FUBCUFEP - Palácio dos Orixás, em 23 de abril de 1971. De acordo com o Estatuto desta

fundação298 os objetivos da fundação seria a criação de uma escola primária, ―Bom Jesus

Passos‖, criação de uma escola de artes domésticas, assistência social, ambulatório médico

295

Idem. 1 de setembro de 1966, sp. 296

Idem. . 6 de novembro de 1972. sp. 297

Idem. 26 de outubro de 1972, p. 1 ―Umbandistas são unanimes: deve existir paz entre as federações‖ 298 O Estatuto encontramos no arquivo do 2° Batalhão da policia de Campina Grande –PB. Este Estatuto foi

registrado no Cartório de Registros de Titulos e documentos de Campina Grande em 11 de julho de 1974, sob o

livro – A .3 (livro do Registro civil da Pessoas jurídicas), pág. 263 a 267.

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(odontológico, pediátrico e clínica geral), além de assessoria Jurídica e criação de curso de

evangelização.

O prefeito da cidade Evaldo Cruz reconheceu a Fundação Beneficente dos Cultos

Umbandistas da Paraíba, como órgão de utilidade pública, pois tinha o objetivo de ―assistir

aos necessitados‖, através de decreto municipal, 105/75 de 14 de abril de 1975 e em Lei n.

108/75. O prefeito Evaldo Cruz também doou um terreno para construção de uma sede nesta

cidade. Na matéria do jornal da Paraíba ainda informou que:

Segundo informa Cícero Tomé, presidente, da entidade, aproximadamente

170 terreiros e Centros Espíritas estão filiados a fundação, que vem

orientando e apoiando esses terreiros para uma melhor compreensão do que

seja realmente a umbanda.299

Este trecho exemplificou a demanda de terreiros na cidade e a necessidade de

encontrar maiores espaços e reconhecimento para a livre prática dos rituais em Campina. E o

número crescentes de terreiros na cidade, pois nesta contagem de 170 terreiros faltava os que

continuaram filiados a federação em João Pessoa, a qual também possuía uma secretaria em

Campina Grande.

Mas, esse prefeito também se aproximou da FCAEP junto ao seu presidente Carlos

Leal, através de uma doação de um ―terreno de 698 metros quadrados‖ para a construção de

uma sede social do órgão, no bairro de Santa Rosa, em Campina Grande. A seguir esta a

imagem da solenidade de doação do terreno:

299

Jornal da Paraíba. 11 de maio de 1975.

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Imagem 4: Doação do terreno para a construção de uma sede social em Campina Grande pelo prefeito Evaldo

Cruz. Fonte: Diário da Borborema, 29 de novembro de 1973.

Na imagem aparece Carlos Leal cumprimentando o senador Milton Cabral, prefeito

Evaldo Cruz e o empresário Salvador Neto. Próximo estava ainda Manuel Rodrigues do

terreiro Ogum Jaguará.

Estas disputas por territórios entre as federações dificultava a vida dos chefes de

terreiros, que além de ter que se filiar a uma das federações, tinha também que retirar uma

licença na polícia para ter efetivamente o direito de cultuar. Somente na década de 1980,

especificamente em 08 de junho de 1981 que existiu uma lei estadual de n° 4242, que isentou

a Licença de prática de cultos Afro-brasileiros na Paraíba junto às autoridades policiais.

Segundo o art. 1° dessa lei:

[...] as sociedades que praticam o culto Afro-brasileiro poderão exercitar as

formas externas de sua confissão religiosa, independentemente de registro de

obtenção de Licença às autoridades policiais.300

Então, faltando uma década para completar 100 anos da constituição de 1890, em que

continha a prerrogativa de ―liberdade religiosa‖, foi que os cultos de tradições africanas no

Estado da Paraíba puderam exercer livremente, sem amarras, seus rituais. No entanto, os

discursos médico, científico e jurídico repercutiram em outros campos da sociedade, a

exemplo dos jornais, os quais reconfiguraram e impregnaram representações, em certos casos,

preconceituosas em relação ao negro e sua religião.

300

Em anexo está a cópia da lei 4242.

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4. IMAGENS DAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS NA CIDADE

Para problematizarmos sobre as representações que foram construídas sobre a

religiosidade de tradição africana e indígena e, consequentemente, sobre o negro na cidade de

Campina Grande destacamos três vertentes: uma estória que foi transmitida na rádio da

cidade, alguns cordéis e também fotos e matérias de jornais locais que reconfiguram de forma

criativa as questões reais do cotidiano, dando forma e outros sentidos, e na maioria dos temas

por nós pesquisados carregam preconceitos e estereótipos da sociedade campinense.

4.1 IMAGENS DE JORNAIS SOBRE O NEGRO E SUA RELIGIOSIDADE

No século XX, apesar do contexto pós–abolição, os jornais ainda carregam

representações preconceituosas em relação à imagem do negro. Representações que nasceram

de um passado escravocrata, mas que ainda se manteve, sendo que adaptado a uma nova

realidade social e temporal.

O ser humano, ao longo de toda a sua história, manteve certo medo, ou até mesmo

receio pelas coisas diferentes do seu cotidiano. Considerando sua cultura e seu meio superior

a dos demais (o etnocentrismo) surgindo, então, o preconceito. O qual se denomina a não

aceitação, a discriminação, o não permitir as diferenças com ações desrespeitosas e/ou

excludentes. Tendo em vista esse pressuposto, analisamos as imagens do negro e sua cultura

nos jornais locais. Neste texto, destacaremos alguns artigos de jornais que corroboram com a

imagem depreciativa do negro como degenerado, pervertido ou desordeiro.

Imagens semelhantes ao que foi construído no século XIX, que segundo Lilia Moritz

Schwarcz301, muitas destas representações presentes, mas no jornal eram filtros de teorias

raciais em voga na época, como a de Nina Rodrigues que defendia a ―incapacidade do negro à

civilização, hierarquia racial, utopia na igualdade de negros e brancos‖. Além de ver a

mestiçagem como um problema, pois resultaria de um ―produto mal equilibrado e de frágil

resistência moral e física‖.

Influência dessas teorias em outros espaços não somente acadêmicos como os

jornais, o negro passou a ser visto como desequilibrado, degenerado, violento, pervertido

301 SCHWARCZ, Lilia Moritz . Retrato em Branco e Negro: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no

final do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras. 2001.

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sexual, propenso a vícios como alcoolismo, que possui defeitos físicos e morais, degenerado

devido aos maus hábitos, etc.

Isto ainda pode ser filtrado atualmente, ou resquícios destas visões preconceituosas,

identificamos no século XX em jornais da Paraíba, especialmente de Campina Grande como o

jornal ―A Voz do Dia‖ de 1945, que apesar de ser um jornal Campinense, trazia materiais das

cidades vizinhas. E em 11 de julho de 1945 reportou numa matéria sobre um caso que causou

―escândalo‖ em Pombal, quando o delegado foi averiguar um tumulto num dos hotéis do

centro da cidade e lá

[...] encontrou em prantos uma respeitável senhora, enquanto que tinha ao lado

um cavalheiro regularmente trajado apesar de homem de cor, vociferando

afrontas à dignidade da senhora indicada. Logo em tom harmonizador,

interveio o Te. Wilson, mas o agressor, redobrando em ofensas, tratou mal a

autoridade como em verdadeiro desacato a suas funções, até então de

apaziguador.302

Segundo o delegado, o acusado estava com aparência de embriaguês e o desacatou,

dessa forma o indivíduo foi preso. No entanto, ao lermos uma matéria como esta, o jornalista

destaca bem que se trata de um homem negro ou ―homem de cor‖ e fica, ao que parece,

surpreso por esse senhor estar bem ―trajado‖. No decorrer da matéria, ele, ao que parece,

queria se defender, mais foi interpretado como desacato a autoridade.

Outro ponto que podemos ressaltar neste exemplo é a identidade que se tenta

construir de oposições: o homem negro representa o desordeiro, mal educado, enquanto a

mulher branca representaria a imagem da ―dignidade‖. Como também o delegado

representando a ordem ou o bem.

Schwarcz303, afirma que também no século XIX era comuns artigos insistirem nesta

polaridade entre brancos e negros, construindo um sentido da impossibilidade de igualdade.

Associando o negro geralmente à violência. Pudemos notar ainda no artigo acima citado, que

exemplificou a imagem da mulher branca (digna) e o negro (desordeiro).

Esta autora também enfatizou a aversão nos jornais pela cultura negra, seja em

sambas, capoeiras e as feitiçarias. Caracterizadas na época como incivilizadas ou exótica

representação de negros.304 Os ―feiticeiros‖ ora foram vistos como ironização ou que realizava

302 Voz do Dia, 11 de julho de 1945 sp. 303 Ob. Cit. 2001, p. 171 304 Ibid., p.229.

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praticas bárbaras e num segundo momento do século XIX havia a dualidade entre o feiticeiro

que estava distante dos padrões morais e o médico assegurado pela medicina moderna.

Essa desqualificação dos considerados ―feiticeiros‘ ou dos praticantes das religiões

afro-brasileiras nos jornais ainda permanece por bom tempo no século XX. Em muitos casos

o termo muda para catimbozeiros, xangozeiros ou macumbeiro. Essas características estão

presentes nos textos dos jornais que projetam feixes de significados, mas também utilizam de

imagens que auxiliam na construção de novos sentidos, em muitos casos, pejorativo.

Esse estima social envolvendo práticas como o ―catimbó‖ pode ser observado numa

matéria de jornal ―A Batalha‖, fundado em 1934, que tinha como diretor o sr. Arlindo de

Correira da Silva, e redator chefe, Isidro Aires de Castro. No jornal conta o episódio do

desaparecimento desse redator nas últimas semanas de novembro de 1934, na cidade de

Lagoa Seca. Mas durante as buscas pelo desaparecido, encontraram na residência do redator

dois indivíduos e vários objetos ritualísticos provenientes do ―baixo catimbó. Cerca de 19

velas acesas. Um signo de Salomão. Uma garrafa de aguardente[...]‖305.

Somente no dia seguinte que encontraram a vítima em estado de ―alienação mental e

levaram-no para o Hospital Pedro I, o sr. Isidro ficou aos cuidados do médico e diretor do

hospital, Dr. João Arlindo Correia que o diagnosticou como ―estado crepuscular‖. Termo que

não existia na psiquiatria, segundo o diretor do jornal após se informar com outros

profissionais da classe médica.

Esse diagnóstico irresponsável do diretor do hospital com o paciente, que segundo o

jornal esse profissional da saúde estava tripudiando da ―infelicidade, do sr. Isidro, porque não

sentia simpatia pelo homem‖. Devido a rixas e conflitos existentes entre os membros do

jornal a Batalha que faziam denúncias fervorosas contra alguns médicos da localidade, o dr.

Arlindo Correia e Diógenes de Miranda que tratavam os pacientes com desumanidade e

desprezo. E também contra o prefeitos da cidade o dr. Antônio Pereira Diniz, culpando pela

falta de higiene pública.306

305 Jornal A Batalha. 28 de novembro de 1943. 306 AGRA, Giscard f. A Urbs doente medicada: a higiene na construção de Campina Grande, 1877 a 1935.

Campina Grande: versão revista da monografia da UFCG, 2006., p120

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Imagem 5: MACUMBA1 MACUMBA! Fonte: do jornal a Batalha de 28 de novembro de 1934.

Mas além das rivalidades políticas envolvendo os médicos e jornalistas, podemos notar

o aspecto místico, destacando o desaparecimento de Isidro Aires, através da ação de

―catimboseiros‖ que está bem destacada na manchete como ―MACUMBA! MACUMBA!‖.

Para esta e outras matérias de jornais é importante destacar que o jornal pode emitir

diversos sentidos sobre determinado assunto, pois além dos interesses sociais, políticos e

econômicos, existem os também os individuais dos jornalistas. Este veículo de informações é

formado por um conjunto de elementos como texto e iconografias impressas, ou seja, imagens

originadas de fotografias.

Também podemos observar que as imagens de jornais podem apresentar conotações

diferentes ao serem reunidas ao texto. Porque entendemos que a fotografia reproduz um

determinado real (denotativo), em que você pode reconhecer literalmente o fato ou pessoas,

mas, ao ser reunida com um texto escrito, no caso, do fotojornalismo, o título, legenda,

manchete, matéria ou artigo, a fotografia vai emitir mensagens sob dois pontos: o código

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imagético e o escrito. Podendo dar sentidos, características ou conotações diferentes sobre a

imagem307.

Este jogo entre texto e imagem transformada pelo texto nós observamos em algumas

matérias relacionadas às religiões de matriz africana na Paraíba e em especial nos jornais da

cidade de campina Grande. Que por vezes, na maioria dos casos pesquisados, este ―jogo‖

fotojornalístico sobre este assunto é referendada de forma pejorativa.

No Diário da Borborema308

, do ano de 1967, existe uma matéria sobre Maria Claudete,

uma mulher comum (observando a foto), do bairro de José Pinheiro, que logo abaixo da sua

imagem, possuí uma legenda, que traz outro sentido, informando que ela: ―costuma se excitar

fumando jurema e depois afirma está possuída por espíritos‖. A matéria relatava que ela foi

acusada de espancar sua mãe depois de fumar jurema no xangô.

;

Imagem 6: ―Espíritos baixam na delegacia‖. Fonte: Diário da Borborema de 14 de janeiro de 1967

Através dessa imagem podemos entender como a união entre texto e imagem conduz a

fazer uma leitura intencional ou direcionada. Que em outras situações pode não corresponder

a realidade, mas é o que se quer mostrar ou construir e o leitor muitas vezes não consegue

enxergar as intencionalidades do jornal.

Uma mensagem construída se desenvolve a partir de uma mensagem sem código, que

você reconhece à primeira vista seus atores, parte de um real. Mas, ao mesmo tempo, numa

307 Roland Barthes utiliza os conceitos da lingüística, a denotação e conotação, representar o

mundo da fotografia e ainda analisa a fotografia como uma representação intencional para

suscitar a leitura. BARTHES, Roland. Mensagem Fotográfica. Trad. Lea Novaes. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 1990 308

Veja-se no D. B. 14/01/1967 p. 5

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segunda análise temos que levar em consideração o interesse do fotografo, como a escolha do

ângulo, da cena e do momento da foto, que também irá possuir toda uma carga subjetiva309.

Mas a imagem ao ser colocada dentro de uma estrutura, a mensagem emite um

paradoxo entre a imbricação denotativa e conotativa, realidades ou imposição de sentidos.

Com a junção do texto se processa dessa forma o fotojornalismo, que além da representação

inicial da foto, pode emitir outros sentidos ao ser unida no texto.

Assim, o sujeito no jornal pode ser reconhecido como bruxo ou no sentido pejorativo do

termo de catimbozeiro, através de sua foto estampada no jornal. Sendo deturpada a sua

imagem na sociedade, que talvez seja completamente diferente em seu bairro ou entre seus

conhecidos.

Que através de uma foto sensacionalista de jornal pode quebrar a reputação do

indivíduo com os seus conhecidos. Outro exemplo, de ligação com os praticantes do xangô foi

de uma ―mãe que matou o filho numa sessão de xangô em João Pessoa‖310

, crime este que

repercutiu em jornais locais da cidade de Campina Grande com várias matérias sobre o caso.

A defesa e posicionamento da Federação dos Cultos Afro-Brasileiros. A qual defendeu

dizendo que assassinatos ou crimes não eram uma prática comum nos terreiros e que essas

ligações noticiadas estavam depreciando a imagem de tais cultos. Então, para tentar

minimizar essa relação do assassinato ao xangô, a polícia tentou desviar o rumo do inquérito

ao xangô e se focou no homicídio.

Outros conceitos utilizados por jornalistas para desqualificar as religiões de matriz

africana foram ―baixo espiritismo‖311

, ―bruxaria‖, e ―anarquia‖. O baixo espiritismo

geralmente era caracterizado como ―espiritismo grosseiro, com garrafas de aguardente,

cachimbo e muita anarquia‖. Diferenciando do espiritismo kardecista que era mais racional e

cristão. As mulheres realizavam as praticas como o catimbó eram comumente denominadas

de bruxas312

ou feiticeiras.

309 BARTHES, Ob. Cit. p. 307. 310

D. B. 6/04/1967, p.5 311

O termo ―baixo espiritismo‖ foi utilizado por Centros espíritas para denominarem os praticantes das religiões

afro-brasileiras, conseqüentemente se diferenciando. Porque estas últimas, antes de terem a efetiva legalização,

se passavam por centro-espíritas. Para se aprofundar ver CAMPOS, Zuleica Dantas Pereira. ―Os Afro-

umbandistas e a resistência na ditadura do Estado Novo‖. Revista de História: Saeculun. João Pessoa:

Universitária /UFPB, 2003. n° 8/9 Jan./Dez. Ou ainda COSTA, Valéria Gomes. É do dendê! História e

memória urbanas da Nação Xambá no Recife (1950 -1992). São Paulo: Annablume, 2009. p.52 312

Exemplificados no Diário da Borborema, em 30/04/1968, p.5, 02/02/1974, sp. e 06/03/1977, p.7

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Imagem 7: ―Xangozeiras presas fazendo ‗despacho‘ no cemitério‖. Fonte: Diário da Borborema de 30 de

abril de 1968.

A matéria acima destacou o ―despacho‖ como ato de vandalismo, com a imagem duas

mulheres com a panela de barro, as quais foram presas por fazerem um despacho no cemitério

do bairro de José Pinheiro na cidade de Campina Grande. Segundo o jornal elas estavam

praticando baixo espiritismo e por isso foram detidas na delegacia acusadas de vandalismo e

posteriormente tiveram seus terreiros fechados pela Federação.

Mas para as religiões de matriz africana o despacho tem a função, um ritual de oferenda

aos orixás ou entidades, com o objetivo de render-lhes homenagens e obter proteção contra as

demandas. O despacho pode ainda ser:

Uma oferenda a Exú, como mensageiro, aos orixás e de conseguir sua boa

vontade para que a cerimônia a ser feita não seja perturbada....A oferta feita

Exú, por terreiros de macumba (quimbanda), Catimbó, ou alguns

candomblés de caboclos, com a finalidade de pedir mal a alguém...Oferenda

a exu também tem por finalidade de desfazer ―trabalho‖maléfico313.

Segundo a matéria, elas preparavam um ―mingau para as almas‖, e quando interrogadas

pelo capitão João Valdevino explicaram que o ritual era para Maria Marciano de Brito, a qual

estava doente e resolveu procurar a catimbozeira Severina Ferraz da cidade de Campina

313 CACCIATORE, Olga Gudolle. Dicionário de cultos Afro-brasilieros. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense

universitária, 1977, p. 103.

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Grande, residente na rua São Luis, em Monte Castelo. A cura seria mediante um despacho

para as almas no cemitério, ritual que foi antecipadamente pago pelo marido da enferma.

Levaram o mingau para o cemitério ainda fervendo e colocaram numa cova junto com velas,

mas foram flagradas pelo coveiro e as denunciou.

Além das mulheres serem evidenciadas nos jornais como feiticeiras ou sob nova outra

terminologia, agora, xangozeiras, também os homens praticantes adeptos da religião afro-

brasileira,em algumas matérias foram sendo associados a um ―Dom Ruam‖ conforme a

manchete: ―Xangozeiro dançou nú com a mulher também nua‖314 ou em outro caso que um

babalorixá é acusado de seduzir mulher:

O babalorixá Carlos Leal Rodrigues é casado com a senhora Creusa Braga

que por motivos desconhecidos por ele abandonada. Em seguida passou a

viver maritalmente uma senhora casada que foi por ele desencabeçada, tendo

a união perturbada apenas por um ano período em que a sua família viveu dias

amargos, já que o chefe da casa, desgostoso com o acontecimento entregou-se

ao álcool. Continuando com a sua corrução, o D. Juan vive atualmente com

uma mulher feita por ele, que por incrível que pareça era sua filha de santo.315

O babalorixá está representado na matéria como um homem de vícios (álcool) e há uma

degeneração em sua família. Além de ser acusado como pevertido sexual. O apelo sexual ao

negro e adeptos das religiões de matriz africana pode ser explicado com a construção de

arquétipos como a do ―Negão‖.

Esse arquétipo do ―Negão‖ e do Exú, segundo João Carlos Rodrigues316, que explica

através do cinema com a imagem do afro-descente ligado as religiões afro-brasileiras, que

reforça erroneamente a imagem de Exú ― estuprador sanguinário, terror dos pais-de-família

[...] É um simbolo sexual ao inverso...‖.317, pois Exú no candomblé é uma figura ligada a

sensualidade e violência. Essa relação de Exú a sedução e diabólica também está ligada a

noção construida por parte da igreja católica que liga a visão de Exú ao diabo.

Então, na matéria acima citada percebemos o afro-descente ligado a religião afro-

brasileira com características semelhantes a esse arquétipo e Exú defendido por Jão C.

Rodrigues.

314 Diário da Borborema. 10 de novembro de 1972. 315 Idem 10.05.1970. p.5 316 RODRIGUES, João Carlos. O negro brasileiro e o cinema. 3 ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2001. 317 Ibid., p. 40-41.

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Uma figura que nos chamou atenção e que foi mencionada com frequência nos jornais

relacionada as práticas criminosas em Campina Grande foi ―Maria Timbú‖, a qual estava

ligada a diversos assuntos de criminalidade como nudismo, algazarra ou assassinato.

Ela residia na Cachoeira, antiga favela da cidade de Campina Grande, cujos moradores

foram transferidos para um novo bairro denominado Glória. Essa antiga favela possuía

diverso terreiros e um deles ganha as páginas dos jornais com o caso de nudismo. A vizinha

do terreiro de Maria do Rato acusou de praticar cenas de nudismo dentro do terreiro. Na

imagem do jornal abaixo vemos uma fotografia com a seguinte legenda dizendo que Maria de

Nazaré foi presa por praticar nudismo na Cachoeira.

Imagem 8: ―Nudismo no Xangô de Maria do Rato‖. Fonte: Diário da Borborema, 13 de maio de 1967.

Um dia depois318

, a acusação de ter iniciado a prática de nudismo na localidade recaiu

para o terreiro de Maria Timbú. E em consequência dessa denúncia foi fechado pela

Federação, como evidencia a citação abaixo:

Federação dos Cultos africanos do Estado da Paraíba, através do babalorixá

Cícero Tomé, seu vice-presidente e responsável por aquela entidade em

Campina Grande, tomou a resolução de fechar o xangô de 'Maria Timbu'

localizado na favela da cachoeira. [...], tendo em vista a denúncia e posterior

a comprovação de que duas mulheres haviam dançado nuas naquele local319.

318

Idem 14 de maio de 1967 sp. 319 Idem. 16 de maio de 1967 p.5

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Vemos nestas matérias as relações autoritárias da Federação junto aos terreiros, que

mesmo após o decreto da liberdade religiosa na Paraíba, os terreiros passaram a ser alvo da

repressão não apenas por parte da polícia, mas da Federação dos Cultos Afro-brasileiros. A

qual tentou disciplinar os terreiros segundo as normas sociais e da própria Federação. Assim,

quem não contrariasse essas normas tinham seus estabelecimentos fechados.

Percebemos isto em diversos casos, a exemplo do terreiro de Maria Timbú, que foi

fechado pela Federação depois das acusações da vizinhança sobre um possível nudismo no

seu terreiro. Entretanto, Maria Timbú ficou contrariada com tais acusações ―voltou à

presença da autoridade policial‖320

, pois a mesma quis vingar-se da vizinha denunciante, por

ter influenciado no fechamento de seu terreiro, então, ―embriagou-se com aguardente e

jurema e depois de alucinada, dirigiu-se para a casa da vizinha com o intuito de agredi-la.‖ E

em virtude disto foi presa e as autoridades policiais ―aplicaram o devido corretivo.321

Ao

que parece ela foi agredida fisicamente.

. Imagem 9: ―Xangozeira volta a presença da autoridade policial‖

Fonte: Diário da Borborema, 20 de maio de 1967 p.5

320

Diário da Borborema. 20 de maio de 1967 p.5 321 Idem.. 20/05/67 p.5

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Nesta imagem de Maria Timbú podemos ver uma mulher humilde, aparentemente

frágil, que aguardava no banco da Delegacia de Costumes, o investigador Antônio Paz, o qual

―determinaria as providencias contra ela.‖

Devido a variadas denúncias de terreiros irregulares, o vice-presidente da Federação dos

Cultos Africanos do Estado da Paraíba, Cícero Tomé justifica toda a situação de escândalos

que estavam acontecendo com os terreiros situados em Campina Grande e tomou várias

medidas, como o imediato fechamento de terreiros, a exemplo de Maria Timbú, para mostrar

a sociedade que a Federação tinha como objetivo disciplinar nestes recintos. 322

Um ano depois Maria Timbú estava envolvida agora com um caso de assassinato

de um homem, o qual o irmão da vítima dizia que ele havia sido morto num ritual de ―magia

negra‖ e acusou Maria Timbú de cumplicidade no caso, porque foi ela que encontrou o cadáver

do seu irmão, residente na Cachoeira onde clandestinamente trabalhava com as ―forças ocultas‖ numa

tenda próxima a sua casa. O rimão da vítma ainda relatou ao jornal que a ―macumbeira‖ retirou um

pouco do sangue do morto e ainda cortou o ―dedo para um catimbó‖. Depois, segundo o irmão, ela

escondeu o cadáver.323

Imagem 10: ―Magia Negra na morte do Carapuceiro‖. Fonte: Diário da Borborema,

20 de outubro de 1971, p.1

Maria Timbú não pôde ser acusada ou presa, porque as testemunhas arroladas no

caso recusaram-se a contar ―o que sabiam‖. Então, o caso foi arquivado.

Notem que no título ―magia negra‖ está bem evidente, como se fosse já elucidado o

caso, e já possuíssem provas de que realmente tivesse havido tal ritual. Neste sentido, temos

322

Diário da Borborema. 04 de junho de 1967 p.5 323 Idem. 20 de outubro de 1971 p.1. ―Magia Negra na morte do carapuceiro‖

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116

uma naturalização deste termo no jornal e, consequentemente, impondo ligações com a

referente imagem.

Em 1972 Maria Timbú foi acusada de matar um garoto chamado Edil, também num

ritual de magia negra, a denúncia partiu de uma carta anônima, segundo o artigo do ano de

1972324

acompanhada de fotografia e a manchete abaixo.

Imagem 11: ―Bruxa da cachoeira...‖Fonte: 03 de março de 1972, p.1

A carta não foi divulgada, mas havia a seguinte afirmação: ―Prendam 'Maria Timbú,'

pois ela sabe muita coisa a respeito da morte do menino!‖ Ela foi presa para investigações,

porém sem provas conclusivas parece que não pode ser condenada, como evidencia num

artigo, ―Crime na cachoeira‖, publicado um mês depois:

Transcorridos mais de trinta dias do crime da cachoeira, no qual perdeu a

vida, de modo misterioso, um menor de oito anos de idade, a polícia acaba

de remeter os autos do inquérito à justiça, sem qualquer elucidação dos

criminosos. As diligencias empreendidas nada esclareceram. Nenhuma pista

foi encontrada que pudesse levar ao criminoso. Estamos, assim, diante de

mais um crime para qual tudo indica não haver solução. Porque, então, êsses

fatos misteriosos estão acontecendo em Campina Grande [...] (28/03/1972 sp.)

Vicente Mariano, chefe religioso muito antigo na cidade de Campina Grande, afirma

que lembra o caso e disse que era tudo ―mentira‖ e que nada disso tinha acontecido.325

Dessa

forma, como não houve provas cabíveis para tais acusações não encontramos um processo

criminal no fórum da cidade.

Além de Maria Timbú, identificamos outros casos de mulheres e de homens também

ligados a práticas criminosas, mas destacamos o caso de Maria Timbú por ela estar envolvida

324

03 /03/ 1972, p.1 e p.8 325

Entrevista com Vicente Mariano realizada no dia25 de julho de 2009.

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117

em casos diversificados e que através do discurso jornalístico ela representa toda essa imagem

de enquadramento como bruxa, feiticeira, arruaceira e assassina.

Enfim, todas essas publicações em jornais repercutem na sociedade e termina

impregnando uma ideia de que nos terreiros existiam apenas pessoas pobres, desordeiras,

assassinas, ou que essas religiões estavam ligadas a bruxarias.

Para evidenciar o esforço que os adeptos das religiões afro-brasileiras fizeram para

tentar mudar sua imagem depreciativa, organizaram além das festividades e reuniões no final

de década de 1960, os adeptos da umbanda começaram a promover a I Semana do Folclore

em Campina Grande326

. Depois em 1970 foi organizado em Campina Grande o I Festival de

Umbanda realizado no Teatro Municipal, onde os terreiros se apresentavam como um grande

show327

. Essa I Mostra Paraibana de Rituais de Umbanda tinha a finalidade de arrecadar

fundos para a construção da sede própria da entidade.

Imagem 12: I Festival de Umbanda e realizado no Teatro Municipal Fonte: 18 de novembro de

1970. p.1

Através da imagem de capa do jornal podemos perceber a valorização da cultura afro-

brasileira e o respeito com os praticantes destacados na legenda. Com ―a demonstração

umbandista realizada na 2º Feira no Teatro Severino Cabral‖. Na foto podemos perceber a

326

Diário da Borborema. 28/06/67, p.1 ―Umbanda de Natal na Semana no folclore em Campina‖ 327

Idem. 05/06/70, p.1 ―Festival de umbanda será em setembro: CG‖; (14/10/70, p.6) ―Campina realiza no

teatro municipal o Festival da umbanda‖

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importância das vestimentas, principalmente da cor branca, a qual transmite a sensação de

assepsia, calma, paz espiritual, serenidade e outros valores de elevada estirpe.

Os tipos de roupas usadas variavam, predominando o modelo de baianas, compostos

com saias diversas e blusas geralmente brancas. Os tecidos utilizados na confecção de saias

tinham bastante brilho, como: cetim, seda, tafetá. Blusas com bicos, bordados e babados, e os

tecidos mais utilizados são linho, viscose e seda.

O reforçando deste aspecto cultural foi afirmado em outro trecho após esse evento:

―Encerrou-se ontem I mostra de umbanda‖328

:

mostrar ao povo que a Umbanda tem Cultura e serviu inclusive de fonte de

pesquisa para estudiosos....serviu não só para demonstrar a cultura da nossa

religião como também mostrar ao povo a confraternização dos seus adeptos,

ficando assim claro que na Umbanda não há separação de cor, nem sexo, de

pobre, nem rico[...]329

Neste trecho acima percebemos também a influencia da ideia de uma ―verdadeira‖

democracia racial entre pobres e ricos não importando a cor dos indivíduos e na umbanda isto

seria evidente. E também demonstra a tentativa de certa folclorização da umbanda sem um

entendimento da mesma.

Assim, encontramos variados artigos que noticiavam sobre festas, inaugurações, posse

de diretoria das federações ou terreiros, visitas de mestres de outros lugares, a construção de

um hospital pelos umbandistas, ligando os cultos ao folclore brasileiro, além de assuntos

informativos e divulgação de suas práticas.

Imagem 13: Comemoração a Oxum. Fonte: Diário da Borborema, 18 de julho de 1973, sp.

328

Essa mostra foi repetida em outros anos. 329

Diário da Borborema. 21 de novembro de 1970 sp.

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119

Na imagem acima330

podemos perceber a comemoração da umbanda dedicada a Oxum,

em vários bairros da cidade de Campina Grande, destacando também que se tratava da festa

de Nossa Senhora do Carmo para os católicos. O que exemplifica a noção de sincretismo

religioso por correlação, defendida por Roger Bastide, em que Oxum na Bahia poderia ser

relacionada com a Virgem Maria, N. S. da Candelaria, N. S. da Conceição, entre outras.

Em Campina Oxum tem correspondência com a Nossa Senhora do Carmo. Na foto, as

fiéis carregam a sua imagem, fazendo uma procissão pelas ruas da cidade. No entanto, os fiéis

estão cultuando outra entidade, neste caso Oxum. Festividade promovida pelo terreiro Oxum

Jaguará do bairro do Catolé.

Mas em outro momento festivo, em meio a matérias sobre o carnaval em João Pessoa,

foi destacada uma matéria sobre o terreiro de Umbanda ―Mãe Iemanjá‖, no Cristo Redentor,

em João Pessoa, com uma cerimônia em que a Ialorixá Beatriz Barbosa reuniu os fiéis para

―despachar‖ Exús. Com uma manchete em cima da foto: ―os exus estão soltos‖.

Imagem 14: ―Exús estão soltos‖331.

Na matéria, mesmo tentando explicar o significado de exús, ainda percebemos a

tentativa de ligar as religiões de matriz africana, as práticas demoníacas, como descreve neste

trecho:

[...]o exu pomba gira foi a mais invocada. Ela é a mulher de Lúcifer e dos

sete maridos. Neste carnaval, com o euforismo dos foliões, todos os exús

estão soltos, praticando as possíveis desordens existentes durante os quatro

dias de folia...No entanto, se você é folião e ainda não prestou uma

330

D.B. 18/07/1973 sp. 331 Jornal O Momento. João Pessoa, 25 de fev- a 03 de mar. de 1974.

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homenagem a Exú, tenha muito cuidado, pois ele pode está bem próximo a

você[...]332

Mesmo na tentativa de valorização, alguns estereótipos estão presentes, neste exemplo,

e ainda com tom de deboche, exemplificado neste trecho ―tenha cuidado, pois ele pode está

bem próximo a você‖.

O Exú que foi uma das figuras mais controvertidas do panteão afro-brasileiro. No

Candomblé ele é um mensageiro entre os deuses e os homens, levando pedidos, e trazendo

respostas. Na umbanda e nos cultos de influência banto, exu era confundido com o diabo dos

cristãos.333

Na Paraíba nos terreiros de umbanda cruzada com jurema existe o Exú Macho está

representado pelo agdá de barro, que é mais conhecido como bacia de barro, contendo um otá

(pedra que simboliza a entidade) ou uma ferragem (tridente), escolha feita pela entidade

incorporada no fiel, e uma faca com a qual são cortadas as oferendas.

Exú fêmea ou Pomba-Gira está representado por um agdá de barro, sete pratos de louças

(porcelana ou vidro), sete punhais, uma faca, sete taças para champanhe, uma tigela de vidro e

um otá334.

Para concluirmos, destacamos a imagem a seguir, que coloca a umbanda fazendo parte

da configuração religiosa na cidade.

332

O momento. João Pessoa, 25 de fev., a 03 de mar. de 1974. ano 1 n°09. sp 333 CACCIOTORE, Ob. Cit., 1977, p. 118. 334 CARVALHO, 2004, p.23 -24

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Imagem 15: Religiosidade em Campina Grande. Fonte: Diário da Borborema, 11 de ago. de 1973, p. 8.

Evidenciado a diversidade de cultos religiosos na cidade, como o catolicismo

(destacando muitas igrejas), os reformistas (as presbiterianas, evangélicos da Assembléia de

Deus, entre outros) e também os umbandistas (com o terreiro Senhor do Bonfim, Pai umbanda

Oxalá, entre outros). Para nós este última imagem configura uma mudança significativa de

visibilidade das religiões afro-brasileiras enfocadas na representatividade do Diário da

Borborema.

Diante dos fatos apresentados podemos perceber que o fotojornalismo utiliza o texto e

imagens sempre partindo de uma determinada realidade, mas a palavra ou o ângulo

fotográfico pode trazer à tona outras significações a mesma realidade.

E ao legitimar certos conceitos ou conotações sobre as imagens, que transparecem como

―corretos‖ sobre tais diferenças, estamos na verdade instituindo preconceitos. Mas o ato de

ter algum preconceito não é tão condenável, afinal, ele surge de acordo com seu nível de

compreensão a certa coisa, mas há uma diferença em ser ignorante e saber, mas não aceitar. O

ignorante é aquele que se depara com uma diferença nova para seu mundo, então ele poderá

desenvolver diversos preconceitos, até poder entender e aceitar tal diferença. Porém, quando

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122

este não a aceita ele provavelmente desenvolverá atos de discriminação, condenáveis de

acordo com a moral, ética e leis vigentes no mundo.

Nosso caso especifico, o preconceito pode ter um direcionamento para uma intolerania

religiosa, caracterizada pela falta de habilidade ou vontade em reconhecer e respeitar as

diferenças ou crenças religiosas de terceiros. Poderá ter origem nas próprias crenças religiosas

de alguém ou ser motivada pela intolerância contra as crenças e práticas religiosas de outrem.

No entanto, quando há vontade de respeitar este outro ou a crença do outro abrimos um

novo campo de possibilidade de conhecimento. E quando isto acontece com um meio

jornalístico o respeito as diferenças é multiplicado socialmente. Mas, que infelismente na

maioria dos casos que nos ilustramos isso não aconteceu. Esse pequeno estudo abre espaço

para outras possibilidade de estudo, a exemplo, da recepção dessas matérias na comunidade

campinense, seja dos grupos ligados as religiões afro-bralieiras ou da população comum.

Neste tópico destacamos artigos dos jornais principalmente do Diário da Borborema,

que foi fundado em 02 de outubro de 1957. A implantação deste jornal na cidade de Campina

Grande neste período foi uma promessa do então senador Assis Chateaubriand, cumprida em

pleno exercício de seu mandato.

A idealizaçao desse jornal nasceu do paraibano e jornalista Assis Chateaubriand como

um desejo de estender ―seu império empresarial pelo interior do Nordeste‖, criando uma

cadeia de jornais que pudesse ser comandada com pulso forte, mesmo à distância‖. De certa

forma era uma maneira de influenciar na opinião pública que se concretizou com a criação do

jornal. Ele e ―seus jornais para atingir seus objetivos políticos e empresariais, mesmo que isso

representasse ferir de morte a ética e o bom senso.335

A inauguração deste jornal foi prestigiada por gente importante. Além de

Chateuabriand, a elite política e econômica da cidade, como o prefeito Elpídio de Almeida, o

bispo da época, dom Otávio Aguiar, entre outras autoridades.

Este jornal desenvolvia temas em torno principalmente do progresso de Campina, como

"para onde vai Campina Grande", "o que se podia fazer para o futuro de Campina Grande",

eram assuntos bastante debatidos entre alguns intelectuais da elite campinense.

335 PEREIRA, Cícero Antônio Dias. Racismo e marginalidade no discurso da mídia impressa campinense – uma

análise acerca dos pressupostos fáticos da discriminação ao negro no jornalismo policial. Monografia. UEPB,

2011.

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123

No jornal também se constitui ―das representações do mundo social — que, a revelia

dos atores sociais, traduzem as suas posições e interesses objetivamente confrontados e que,

paralelamente, descrevem a sociedade tal como pensam que ela é ou como gostariam que

fosse‖336.

Dessa forma, a preocupação de manter a cidade com ares civilizados e ―evoluidos‖ era

tema sempre em pauta. Como também em defesa desta ―evolução‖, em muitas matérias,

criticava-se muito so adeptos das religiões de matriz africana, pois eram vistas como atraso

cultural.

Por outro lado, na década de 60 quando o governo do Estado decretou a liberdade dos

cultos e defendeu a sua legitimidade, então houve outros interesse de não ir contra os ditames

da política local, então em algumas matérias passou a se elogiar os cultos afro-brasileiros

Mesmo assim, alguns jornalistas se dividiam em elogiar mesmo que de forma folclorizada ou

ridicularizar.

336

CHARTIEUR, 1990, p.19.

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4.2. CONTOS QUE A NOITE CONTA: ―NÃO ABRA A SUA PORTA A MEIA NOITE‖

―Contos que a Noite Conta‖ era um programa da Rádio Borborema que era dirigido e

apresentado por Evandro Barros, o qual também escrevia as estórias apresentadas durante o

programa. Este programa foi apresentado nas décadas de 1980 e foi reapresentado nos anos

90. Mas a estória que selecionamos foi escrita pelo próprio radialista e foi denominada ―Não

abra sua porta a meia noite‖. A narração dessa estória337 e de outras, a qual transcrevemos a

gravação do programa, sempre começava da seguinte forma:

Neste horário e numa produção de Evandro Barros, a rádio Borborema

apresenta... Contos que a noite conta. Uns atos dos mais aprimorados dos

contos de terror, onde os ouvintes entrarão em contato com personagens de

uma outra dimensão. E agora ouvintes o conto reservado para a noite de

hoje: ―Não abra sua porta à meia noite‖.

A estória criada se passava em nossa cidade, ―há muitos anos, mas que poderia muito bem

ocorrer nos dias de hoje‖, frizou o autor. Começa o enredo na cadeia pública, quando a polícia estava

atrás de um ―louco‖,ele se dizia médico e estava a solta com um bisturi na mão. ―Ele quase mata

aquela garota do alto branco. Vocês se lembram?‖ E começa a narrar sobre os motivos que

levaram o ―louco‖ a cometer crimes na cidade: ―Naquela noite do dia treze de abril de mil

novecentos e onze a chuva caia fina e constante na cidade‖.

O ―louco‖ Januário antes era um estudante de medicina em Recife no curso noturno e

ao terminar uma prova na universidade queria se divertir; seu amigo, André, então o convidou

para um terreiro de quimbanda do babalorixá pai Miguel, um ―famoso e temível pai de santo

do Recife‖ no bairro de Casa Amarela. O personagem André destacou que o pai de santo era

temido porque trabalhava com ―baixa magia‖. Januário afirmou que não acreditava e ficou

curioso em conhecer o tal lugar.

Quando chegaram, o terreiro estava em festa ao som de músicas de candomblé,

religiosos dançando em forma de giras e cantando. Mas, o que chamou a atenção do

personagem principal, o Januário foi uma moça ―morena bonita de olhos verdes, cabelos

negros, lisos, caindo-lhes os ombros esbeltos e bem feitos.‖ Seu amigo lhe chamou-lhe

atenção, dizendo que ela era filha do pai Miguel e que o mesmo não iria gostar de vê-lo

flertando com sua filha. Mesmo assim, insistiu e aproximou-se da moça.

337

Transcrição foi baseada na gravação do programa que nos foi cedido uma cópia de áudio, em CD pela família

do radialista, o seu neto Evandro Neto.

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125

O babalorixá advertiu Januário e mandou que se retirasse dizendo que o moço estava

com ―enxerimento com minha filha‖. Ele foi embora, mas dias depois voltou embriagado para

se vingar da humilhação, espancando o velho pai de santo, que foi hospitalizado. Dias depois

o ―pai Miguel‖ também quis vingar do rapaz através de uma ―feitiçaria‖, como destacamos no

trecho a seguir:

Pai Miguel: Aí... ele vai ver só uma coisa. [Risos maquiavélicos]. Vou jogar

um pouco de sangue na panela, [rum, rum rá, rá, rá, rá]. Agora um pouco de

estrumo, esterco de gente. Assim. [rá, rá, rá]. Sete velas pretas derretidas.

Éeee, assim, assim, [rum, rum, rá , rá, rá, rá]. Duas línguas de sapo e muito

vinagre [rum, rum rá, rá, rá]. Ele vai ser um cirurgião muito cedo, muito

cedo. Mais vai matar muita gente em vez de curá-la. [rum, rá, rá, rá, rá].

Na outra noite, especificamente à meia noite, Januário manifestou uma forte dor de

cabeça, seus olhos ficaram vermelhos e ele, enlouquecido, corta a barriga de seu amigo com

um bisturi. Ele foi preso, mas depois foi encaminhado ao psiquiatra retornando a cidade de

Campina Grande. Januario no final da estória ainda mata seu pai e sai pelas ruas da cidade ,

no que a ―policia foi chamada e o alerta foi dado a população por uma rádio local‖:

Voz do delegado na radio: Senhoras e senhores, aqui fala o delegado. Existe

um louco pelas ruas. Ele está armado, com uma faca muito afiada. Ele

costuma atacar as pessoas dizendo ser um cirurgião. Muito cuidado! Ele é

perigoso. Não abram suas portas após a meia noite.

O personagem criminoso ainda matou um morador campinense e foi morto pela policia

por metralhadoras. A narração desta estória contou com a participação das vozes de ―Evandro

Barros, Eliane Barros e Alfredo Marques‖; Paulo Bertrâ (narração); Guilherme Diniz

(sonoplastia); e a produção de Evandro Barros, além da abertura Evilázio Junqueira.

Evandro Barros era natural de São João do Cariri - Pb, nascido no ano de 1938, mas

veio para a cidade de Campina Grande com poucos meses após seu nascimento. Além de

radialista era escritor, teatrólogo e jornalista (por mérito, pois não tinha formação acadêmica).

Ele escreveu cinco peças teatrais, dezoito crônicas, dezenove contos, vinte poemas e cento e

um episódios da série radiofônica, ―Contos que a Noite Conta‖. Sua primeira obra literária foi

escrita em 1956, quando tinha dezoito anos, foi uma peça denominada ―Libertação‖. Suas

obras são marcadas pela ―aproximação do social‖.338

Para muitos ouvintes e amigos, este programa da considerado de muito sucesso da

Rádio Borborema, que era apresentado por volta das 23h 30m. Era escrito, produzido e

338

Ver em BARROS, Evandro. Teatro Completo. Campina Grande: Coletivo Campina Cultural. 2007. E

também entrevista com Eliangela Barros, filha de Evandro Barros, realizada em 12 de agosto de 2011.

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126

apresentado em forma de rádio-teatro por Evandro Barros e convidados para interpretar os

personagens. Algumas pessoas da cidade comentam que ouviam as estórias do referido

programa e tinham medo, pois muitos temas eram de terror. Amigos argumentam que ele se

inspirava nas obras do autor Edgar Alan Poe, além do cotidiano campinense.

A estória por nós selecionada, ―Não abra a sua porta à meia noite‖, foi contextualizada

na localidade de Campina Grande e Recife, o autor constrói sua narrativa partindo do

imaginário social que tem a religiosidade de matriz africana como algo mágico, ―coisa de

feitiçaria‖, ―que deve ser temida‖, devido ao desconhecimento da mesma.

O autor refere na estória a um personagem, o ―pai Miguel‖, que possuía uma casa de

Quimbanda no bairro de Casa Amarela em Recife. O bairro existe e a quimbanda na época era

conhecida por realizar feitiços visando prejudicar ou favorecer determinada pessoa. Segundo,

o dicionário de cultos Afro-Brasileiros a quimbanda se configura em:

Linha de ritual da umbanda que pratica magia negra. [...] cultua os mesmos

orixás e entidades que a umbanda ―branca‖, mas trabalha principalmente

com exus que são espíritos desencarnados. [...] Mediante pagamento

realizam feitiços ou contra feitiços. [...] realizadas comumente a parti da

meia-noite na sexta-feira. Exus e pombagiras baixam, dançam, fumam

charutos ou cigarrilhas, bebem aguardente (marafo), dizem gentilezas ou

palavrões339.

No enredo, o personagem Januário foi enfeitiçado pelo pai Miguel, que justamente a

meia noite começou a sentir os sintomas da prejudicial magia. Semelhante ao conceito do

dicionário dos cultos Afro-Brasileiros que foi escrito na década de 1970, que explica que

alguns feitiços são realizados nas sextas-feiras no horário da meia noite.

Dessa forma, nesta história escrita por Evandro Barros podemos identificar algumas

práticas culturais como a religiosidade praticada nos terreiros e a representação reconfigurada

de uma dada realidade e ficcionalizada pelo autor. No entanto, este texto serve para discutir

algumas noções desenvolvidas por Roger Chartieur como práticas culturais, representação e

apropriação.

As práticas culturais são os costumes e modos de convivência, os modos de vida,

condutas, as atitudes gerando padrões de vida cotidiana e criando objetos culturais. A prática

cultural não é construída apenas no momento da produção, mas também da recepção. No

texto de Evandro Barros podemos notar além da questão religiosa, outros fatores como os

padrões de vida da cidade de Campina Grande, mesmo sabendo que o autor ―inventa‖ a sua

339

CACCIATORE, 1977, p.219.

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127

narrativa ficcionalizada, ele estava inserido numa realidade social a cidade de Campina

Grande e isto pode ser notado na estória que o autor reconfigurou seu contexto no texto, pois

utiliza como palco a sua cidade Campina Grande, além de Recife.

Também notamos a noção de divertimento ou passatempo a ida a um terreiro de

candomblé, quando o personagem foi convidado pelo amigo para ir a um terreiro, após um dia

cansativo na universidade. Esta prática de visitar um terreiro com o objetivo de se divertir

pode ser notada no nosso primeiro capítulo quando dois entrevistados afirmaram que iam ao

terreiro para se distrair.

Então houve uma representação no texto de uma dada realidade, pois as

representações são constituídas no social, nascem de conflitos e são históricas. Produzem

sentidos e interferem no real. Mas este real também é fruto de representações sobre ele340.

Seriam modos de ver; as visões de mundo, as representações sociais do mundo coletivo,

grupal e individual.

Assim as representações criam práticas e as práticas criam representações.

As representações sociais sobre determinado objeto, ou sujeito, criam

práticas sobre o objeto, ou sujeito; de tal modo, as representações passam a

ser a própria realidade.341

Mas, as representações não são apenas uma representação do real, pois podem dar

sentido ao real. Ressignificam o mundo social, impõe atos e criam atitudes e não são

constituídas fora de um grupo.

O autor, Evandro Barros, por ser um jornalista também devia ter lido o jornal do diário

da Borborema, pois também fazia parte dos Diários Associados através da Rádio Borborema.

E possivelmente leu muitas das matérias que nós destacamos no item anterior deste capítulo e

no segundo capítulo, nas quais percebemos uma longa trajetória de debates em torno das

religiões afro-brasileiras na cidade. Também ficamos sabendo por seus familiares que ele já

havia visitado alguns terreiros da cidade como o de Vicente Mariano, para conhecer e poder

escrever melhor sobre este assunto.

A Rádio Borborema da cidade de Campina Grande entrou no ar em 08 de Dezembro

de 1949, sendo a segunda rádio mais antiga da cidade, pertencente aos Diários Associados, foi

340

CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre as praticas e representações. Trad. Maria Manuela Galhardo.

Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. 341

Ibid., p.25

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128

inaugurada por Assis Chateaubriand. A partir de 20 de Agosto de 2008 a emissora perdeu sua

identidade e referencial histórico ao passar a se chamar Rádio Clube AM Campina Grande342.

Dessa forma, o texto feito por Evandro foi criado com uma soma de representações de

sua realidade ou contexto e de outros textos inseridos inconscientemente ou consciente.

Chartieur343 nos explica que as representações são feitas também por apropriações que permite

estudar as representações sociais, as quais recebem construções de sentidos diversos ao longo

do tempo, determinadas por elementos sociais, culturais e institucionais.

A apropriação não se configura apenas como forma de dominação, mas também de

resistência, também permite entender o leitor (ou ouvinte) como são afetados pela leitura e as

compreensões de si e do mundo. Pois a leitura não é passiva, ela é uma forma de produção344.

Assim, podemos inferir a importância da leitura do jornal diário da Borborema e as

vivencias cotidianas na cidade de Campina para a produção do texto ―Não abra a sua porta a

meia noite‖ pelo autor, que podemos perceber em variadas passagens deste texto como já

referimos. Também podemos imaginar os diversos sentidos que os ouvintes fizeram desta

estória por nós problematizada, que foi contada de forma teatralizada no programa da rádio ao

vivo. Destacamos que a Rádio Borborema foi de grande sucesso e bastante ouvida desde a sua

fundação, como evidencia a foto a seguir:

342

22 de Julho de 2008. D. B online. Nova Rádio Borborema começa a funcionar em Agosto. Ver em:

http://www.db.com.br/noticias/?86303

343 CHARTIER, Ob. Cit. 1990, 344

Ibid., p. 26.

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129

Imagem 16 345

A imagem acima mostra uma multidão que seguia o transmissor da Rádio Borborema

instalado na caminhonete na cidade de campina Grande, em 1957, passando por uma rua que

cruzava a Praça da Bandeira em direção à rua Getúlio Vargas. Mas, ainda na década de 1980 a

programação desta Rádio ainda fazia sucesso, pois muitos campinenses guardam na memória

as estórias narradas no programa ―contos que a noite conta‖.

Levando em conta a estória ―Não abra a sua porta a meia noite‖ e a noção de

representação que só é legitimada quando é partilhada socialmente. Agora, as representação e

as apropriações partilhadas pelos ouvinte cabe a outra pesquisa, mas a representação que o

autor constituiu no texto a respeito do terreiro foi reflexo de uma representação social que se

345

Ver esta imagem no site: http://cgretalhos.blogspot.com/2010/08/memoria-fotografica-transmissao-da.html

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130

tinha sobre esta prática religiosa na cidade como ―mistério‖, ―temível‖, e desvalorizado na

sociedade.

4.3. CORDÉIS: ENTRE O PRECONCEITO E A ACEITAÇÃO

Os primeiros poetas ou cantadores que carregavam consigo toda uma tradição oral que

se tem registro no Brasil, e por isso denominados fundadores, foi o paraibano, natural de serra

da Teixeira, ―Agostinho Nunes da Costa, que viveu entre 1797 e 1858‖. Seguindo essa

tradição, que fazia parte do ―grupo dos Teixeira‖, seguiram os filhos de Agostinho, Nicandro

e Ugulino, além de Romualdo C. Manduri, Silvino Pirauá, Bernardo, entre outros.

Assim os cordéis no Nordeste feitos como criações de poetas populares que se

restringiram somente pela tradição oral, mas que tinham uma estrutura metrificada e rimada,

permaneceram até meados do século XIX, pois em 1893 inicia primeira publicação de folheto

impresso, com o poeta Leandro Gomes de Barros. ―O poeta popular, além de detentor da

tradição comum à literatura oral, a qual o cantador, urde desafios e de sua parte tematiza o

cotidiano.‖ Mas, o poeta tem mais liberdade em relação ao cantador, pois tem uma certa

independência econômica vivendo da sua produção. Enquanto o cantador ―vive sob tutela dos

fazendeiros, promotores das cantorias‖ ou sobmetidos aos políticos locais346

.

A literatura de cordel reflete as aspirações do povo. Às vezes recriados da própria

imprensa. Poetas populares são diretamente influenciados pelos acontecimentos do dia-a-dia e

abordam uma diversidade de temas cotidianos como política, romances, sexualidade,

religiosidade, aventura com heróis e lutas, acontecimentos históricos e sociais, além de

denúncias que sofriam a sociedade local através de queixas e denúncias. O cordel poderia

servir principalmente como porta-voz na luta pela dignidade do povo brasileiro, mas

disseminou, muitas vezes, o preconceito. Por que muitos dos cordéis quando tematizam o

tema sobre a religiosidade de matriz africana ou sobre o negro e sua cultura propagam

estereótipos, inferiorizando e ridicularizando. E somente um cordel por nós pesquisado que

possui um viés educativo a respeito dessa temática.

Dessa forma selecionamos alguns cordéis do Nordeste e principalmente de paraibanos

como os campinenses Antônio Patrício de Souza (Toinho da Mulatina) que ainda reside na

cidade e está com 80 anos de idade, Francisco Sales Arêda nascido em 1916 e faleceu nos

anos 2000 em Caruaru-Pe e teve sua primeira publicação nos anos de 1940 (tido pela ABLC

346

Terra, 1983, p. 17.

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comum dos grandes cordelistas do Brasil) e Silas Silva; além do Cearense Gonçalo Ferreira

da Silva que nasceu em 1937, tendo começado começou a produzir cordel em meados de

1970347 e outro cearense João Siqueira de Amorim. Também desçamos o trabalho de Flávio

Fernandes Moreira, natural do Rio de Janeiro, mas seus poemas chegaram até o Nordeste, em

especial Campina, pois encontramos em dois arquivos por nós pesquisados como no Acervo

Átila Almeida e o IEL na UFCG e o cordel que selecionamos foi o único com teor educativo

sobre a prática da Umbanda.

O primeiro cordel que abordamos de ―Toinho da Mulatinha‖ tem como título ―Folheto

da negra Trouxa‖, esse cordel tivemos acesso na casa do autor que vende as cópias dos seus

cordéis xerocados, esse em especial era muito simples a capa não possui o desenho em

xilogravura, mas um desenho manual de uma mulher com uma ―trouxa‖ de roupa suja na

cabeça e foi escrito em maio de 1957.

A história narra sobre a personagem ―Chica‖, uma mulher negra que em todo o texto é

ridicularizada e criticada de forma racista. Abaixo destacamos algumas estrofes:

Negra da trouxe grande

É irmã do cão Bigode

Gosta de Banho de Praia

Cinema Xangô pagode

Aonde tem cachorrada

a negrinha se sacode

[...]

Ela anda procurando

O povo desmantelado

Corno galheira ladrão

Bêbado velhaço viado

Fuxiqueiro jogador

Catimbozeiro tarado.

Vemos que mesmo após a abolição o negro continuou excluído na sociedade sob forma

de discriminação. No poema acima, a personagem, mesmo sendo uma trabalhadora ou

lavadeira, ela é tida como desordeira e encrenqueira ou uma pessoa que vivia procurando o

lado imperfeito da vida. A noção da religiosidade sendo representada como Xangô e Catimbó

também está depreciada, pois o xangô é comparado a um lugar onde existe ―cachorrada‖ ou

bagunça e desordem. Além de comparar no último verso o catimbozeiro a um tarado.

347

Ver nos sites: http://www.ablc.com.br/historia/hist_cordelistas.htm e

http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/apresentacao.html

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Em outro cordel, deste do cearense João Siqueira de Amorim, denominado ―O reino do

catimbó e o caboclo mamador,‖348 explica sobre a função do ―catimbozeiro‖ que segundo o

próprio cordel o autor afirmou que aprendeu a conhecer os catimbozeiros quando trabalhou

em uma delegacia, que destacamos abaixo:

Por trabalhar muitos anos

Em uma Delegacia,

Lutando entre várias classes

Noite a noite, dia a dia,

No calor da Grande forja

Eu conheci esta corja

Que Satanás anuncia.

Em nossa Ordem Social,

Onde o bom senso não falha,

Toda semana aparece

Estes povos que ―trabalha‖,

E, para tirar a rêima,

De quando em quando se queima

Mil troços deste canalha. P.1

Nessas duas primeiras estrofes podemos inferir que possivelmente o autor utilizou parte

da sua própria vivência cotidiana em Fortaleza, local destacado em outro verso, que muitos

―catimbozeiros‖ eram presos toda a semana e os objetos rituais eram apreendidos e queimados

pela polícia ―de quando em quando se queima mil troços deste canalha‖ e continua em outra

estrofe afirmando que queimava-se ―flexas, calungas, vidro de estrato, combinações, velas,

meias‖ entre outros artigos religiosos.

No entanto, o autor interpreta de forma demonizada, ao se referir como ―corja que

satanás anuncia‖ e ironiza em outro momento que ao serem presos os catimbozeiros, seja

―velhos, velhas, moços, moças‖ as entidades como ele refere os ―caboclos‖ que ―não vieram

soltá-los nem uma vez.‖ Destaca os catimbozeiros como praticantes do charlatanismo, que

como vimos era coibido perante a lei, afirmando que indivíduos quando não querem trabalhar,

aprende a função do catimbó, ―até ficar preparado para iludir e roubar‖.

Acusa ainda os religiosos de sedução a moças para iniciar a mediunidade e para se

prostituírem: ―seduzem mocinhas pobres/ para os donos do dinheiro‖ e segue em outro verso,

―vão servir de aparelho/ para aos ricos dar prazer‖. Também neste cordel retrata a função do

catimbozeiro como curandeiro, que muitos pobres procuram esse recurso para ―males físicos‖,

348 Encontramos esse cordel no arquivo do LAEL-UFCG, mas não possuía data de publicação.

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mas segundo o autor esses pobres são iludidos, ―em vez de ser operado/ vai beber golda grude‖.

A procura das pessoas junto aos terreiros para curar suas doenças ainda é recorrente e

enfatizamos sobre este aspecto em capítulos anteriores.

Ainda em tom racista em alguns versos o autor afirmou que o catimbozeiro rouba o

dinheiro das pessoas, usam defumadores para afastar os ―malefícios‖, mas para ele ―isto é

propaganda/ dos negróides de Loanda‖. E para fugir da repressão policial os terreiros se

passavam como centros espíritas, ―na capa de ‗centro espírita‘/ há centros de catimbó‖. E

conclui dizendo que no reino do catimbó/ é mentira e de horror; não frequenta tais lugares/

pessoas que tem valor‖. Desqualificando as pessoas que frequentam os terreiros, que são locais

para ele de ―mentira‖ e ―horror‖.

O cordelista de Campina Grande Francisco Sales Arêda destacamos o cordel a ―Embolada

da Velha Chica‖349. A personagem no enredo morava do sertão, não tinha muita higiene e era

preguiçosa, além de ser considerada feia, que o autor descreve como ―parecia uma serpente/

banguela só tinha um dente e a venta arrebentada‖ e tinha uma corcunda nas costas. Na capa a

imagem apresenta a descrição do autor que pode ser apreciada abaixo,:

Imagem 17: cordel

Na imagem existe a personagem junto a alguns animais como sapo, gato preto, bode e

morcego. Que dentro do cordel o autor justifica que ela era ―macumbeira‖ que era também

resadeira que curava a enfermidade de variadas pessoas como ―dor de dente e junta inchada‖.

Mas, para o autor essa personagem era temida por ser catimbozeira e fazer ―bruxaria‖ que

349

Infelizmente não detectamos o ano de publicação.

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guardava seus ingredientes em um ―cumbuco‖ como ―caroços de pinhão e uma unha de veada‖,

―jurema preta e terra de cemitério/ pra fazer do mistério com raiz de encruzilhada‖. E finaliza

aconselhando para os leitores terem cuidado com ―essa velha‖ que quando tinha raiva de

alguém se vingava ―preparando uma panelada‖.

Esse medo do ―feitiço‖ ou do catimbó já evidenciamos em capítulos anteriores, como o

caso de um processo criminal350 quando dois homens agrediram uma mulher, pois suspeitarem

que ela tivesse ―botado um catimbó‖. O que no cordel está representado pelo menos no

sentido do ―medo do feitiço‖ do próprio imaginário social, que no processo se concretizou em

forma de violência.

Outro conterrâneo de Campina Grande é Silas Silva, que segundo os informes do

próprio cordel, ele é, atualmente, além de cordelista artista plástico, poeta popular, xilógrafo,

entre outras funções. O cordel que selecionamos foi intitulado como ―a chegada de João bobo

e Biu Rolinha num terreiro de catimbó‖, que narra a estória de dois homens João e Biu,

ambos mecânicos que foram beber ―meiotas‖ em variados bares e ―bodegas‖da cidade de

Campina Grande como nos bairros do ―cruzeiro‖ e ―40‖. Depois resolveram entrar num

terreiro de ―Mãe Mada‖ que realizava seus ―trabalhos‖ ―recebendo pombagira‖. E lá durante a

sessão ritual do terreiro:

Biu sentado em um banco

E perto dele ali tinha Três velas e um prato

Uma bem preta Galinha

- João suspendeu a FRANGA

Dizendo tá bem gordinha.

Biu lhe fez advertência:

deixa aí, essa MANDINGA

Que pra isso a nossa FÉ

Já sabemos que não vinga.

Mas comer ela com PINGA.

E após muita correria atrás de Biu que tentou furtar a galinha, mas a energia no

terrerio foi apagada e Biu e João conseguiram fugir. Mas está história pode o autor ter se

inspirado em fatos que ocorrem no cotidiano de Campina Grande, pois um caso semelhante

ocorreu no ano de 1968, quando um terreiro de Xangô no bairro de José Pinheiro foi invadido

350

Ação Criminal contra Villarino José da Silva e Bertho Damião s/n 12.05.1930

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por ―três ébrios [...] os desordeiros embriagados entraram na casa do xangozeiro e cobriram

todos os presentes no pau.‖351

Também o fato de existir uma galinha dentro do ambiente do terreiro sabemos que é

comum, porque animais como galinha ou bode são utilizados como oferendas para as

entidades.

Outro cordel que se assemelha ao cotidiano que permite a discussão sobre a

problemática entre os ―evangélicos‖ e os praticantes das religiões afro-brasileiras, que é um

transtorno, principalmente para os terreiros na atualidade. Mas o ano da publicação que

encontramos no arquivo do LAEL –UFCG foi de 1988 e outra edição atual compramos na

feira livre da cidade, denominado ―A discussão do macumbeiro e o crente‖, do cearense

Gonçalo Ferreira da Silva.

Que de inicio o autor alerta que não se deve discutir sobre política ou religião que

―embora mereçam critica/ não se deve discutir‖. Mas, os personagens ―Pilintra‖ e

o―Evangelista‖ insistem na discussão e cada um defende a sua religiosidade ao se

encontrarem quando:

Um dia Evangelista

voltava alegre do culto

quando avistou muito longe

de Pilintra o negro vulto

que já vinha da macumba

no morro da catacumba

já foram trocando insultos

E onde os dois se encontraram

Era uma encruzilhada

Onde havia uma bebida

à Pombagira deixada

e uma galinha preta

Pertinho de uma valeta

para Exú colocada.

351

Diário da Borborema. 15 de junho de 1968 p.5 ―Xangô em José Pinheiro terminou debaixo de pau‖

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A Pombagira citada neste trecho do cordel é uma entidade ligada as questões da

afetividade, amor e sexualidade. Que nos terreiros os fiéis fazem pedidos que são atendidos

mediante algumas oferendas, como a pombagira Cigana que pode atender um pedido sobre

―prender um homem ao lado de uma mulher para sempre‖, para esta solicitação deve-se

colocar numa encruzilhada, perto da meia noite, vinho ou champanhe, garrafa de cachaça,

velas vermelhas, além de outros elementos352. Por isso a referencia do cordel que na

encruzilhada havia uma bebida.

A ênfase do autor pela encruzilhada, como vimos no próprio cordel, serve para deixar

as oferendas a algumas entidades, por exemplo, a pombagira. Segundo Cacciotone a

encruzilhada pode ser um ―cruzamento de ruas, estradas, vias férreas, locais em que se

‗arriam‘ os ‗despachos‘ de Exú (geralmente os de quimbanda), pois é seu ponto preferido‖.

―Também dito ‗encruza‘ ‖.353

Mas voltamos aos personagens, o Pilintra, durante a narrativa possuiu mais

argumentos ao defender a religião dos orixás e mostrou respeito a religiosidade do outro.

Como evidenciamos nos trechos a seguir: ―Vocês os crentes só fazem o bem/ mas falam de

todo o mundo,/ razão só vocês tem / e eu na minha macumba/ Vivo bem com minha dumba/

sem falar mal de ninguém.‖ Já o ―crente‖ se defende em tom de ameaça e ofensas, além de

destacar que os espíritos da ―macumba‖ vive ―nas trevas‖ e desqualificou as entidades dos

orixás dizendo que queria ―dar uma vaia‖, enfatizando que não respeitava nenhum. E no final

sem mais argumentos disse em ―desespero‖ que ―todo infeliz macumbeiro/ é bandido e

maconheiro/ é assassino e ladrão.‖

Essa discussão abordada neste cordel da década de 1980 ainda é bem atual, por que

segundo Vagner G. da Silva354 nas últimas décadas aumentou o número de investida pública

contra às religiões afro-brasileiras pelas igrejas neopentecostais, em virtude da disputa por

―adeptos de uma mesma origem socioeconômica‖. Assim, a intolerância por parte dos

neopentecostais se faz presente por meio de agressões físicas, desqualificação das religiões de

matriz africana através dos meios de comunicação de massa com programas de televisão, em

que os terreiros são associados a locais onde existe a presença do demônio.

352 PRANDI, 1996, p156. 353 1977, p. 112 354 SILVA, Vagner Gonçalves. Intolerância Religiosa: impactos do Neopentecostalismo no campo Religioso

Afro-brasileiro. Ari Pedro, et al. São Paulo, SP: Editora da universidade de São Paulo. 2007.

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Alguns destes programas televisivos exibem os ―símbolos e elementos das religiões

afro-brasileiras [...] retratados como meios espirituais para a obtenção unicamente de

malefícios: morte de inimigos, disseminação de doenças, separação de casais‖, entre outros355.

Atualmente os membros das igrejas neopentecostais invadem terreiros e destroem

objetos sagrados e tentam ―exorcizar‖ frequentadores. Somente no Estado da Bahia existe

mais de duzentos processos e reclamações contra sacerdotes evangélicos e seguidores, além

de padres, por difamarem as religiões de matriz africana. Mas, este não é apenas um caso

isolado na Bahia, pois na Paraíba como no município de Alhandra, conhecida como ―berço da

jurema‖ uma tradição que iniciou com os indígenas daquela localidade, muitos dos locais

―santos‖ pela Jurema estão sendo destruídas por evangélicos da localidade.

Também aqui no município de Campina Grande quando fomos tentar entrevistar

pessoas ligadas à religião afro-brasileira encontramos resistência, até que provamos através de

declaração da universidade que se tratava de uma pesquisa acadêmica. O fato da resistência a

nossa entrevista ou visita nos terreiros, segundo os entrevistados é que certas pessoas se

passam como estudantes para entrar nos terreiros, mas depois descobrem que eram

evangélicos que tentam destruir os altares (pegí) ou tirar fotos para depois desqualificar os

terreiros nos cultos.

O último cordel que destacamos que possui um conteúdo educativo a respeito das

religiões de matriz africana, do cordelista Flávio Fernandes Moreira, com o cordel ―Umbanda

em Versos‖ de 1978, que segundo o autor foi uma tradição que se inicia no ―tempo da

escravidão‖:

Foi quando o povo africano

Trouxe a modificação

De lá para cá nossa umbanda

Teve grande evolução

Entre os próprios umbandistas

Existe mais união.

Só mesmo quem é do contra

Por não conhecer a magia

É que diz que a umbanda

Pratica a feitiçaria

Pra isto tem a quimbanda

E pra tudo tem hora e dia.

355 Ibid., p.9-11.

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Depois o autor explica no cordel que a umbanda está dividida em sete linha ―que se

forma em legião‖, que cada linha tem um ―chefe‖, a primeira foi do ―santo‖ ele se referencia

aos santos católicos como Jesus, depois a linha de Iemanjá que ele associa a virgem Maria,

além das linhas do Oriente, de Oxosse, de Ogum ( que também serve na linha dos

quibandeiros) e é associado a São Jorge, a linha de Xangô (São Jerônimo) e por último a linha

de São Cipriano.

Ainda ele destaca a importância dos ―pretos velhos‖ que conversam, consultam e dão

conselhos aos ―filhos no terreiro‖, os ibejs ou as entidades das crianças ―que apresenta

alegria‖, representado por São Cosme e Damião. O autor também escreveu sobre a quimbanda

que se divide, segundo o autor, em sete linhas e geralmente exerça função para ―pratica do

mal‖, também ―podem fazer o bem‖.

E realmente a umbanda nos terreiros que acompanhamos se divide em sete linhas

semelhante a divisão do cordel que são divididos em: Linha de Oxalá ou Linha de Santo,

Linha de Yemanjá, Linha do Oriente, Linha de Oxossy, Linha de Xangô, Linha de Ogun e a

Linha Africana .

Que se assemelha a descrição de Roger Bastide, que segundo ele a primeira linha

dirigida por Jesus Cristo, ―se compõe de espíritos de diversas nações, mas principalmente na

terra bons católicos‖. Esta linha se divide em falanges ou legiões de santos como Santo

Antônio, São Cosme e São Damião, Santa Rita, Santa Catarina, Santo Expedito, S. Benedito e

São Francisco de Sales. A segunda linha a de Iemanjá (protege os marinheiros e as

mulheres)―dirigida pela Virgem Maria‖ se divide em uma legião de Sereias, Ondinas,

Caboclos, Mar, Rios (Iára), Marinheiros, Calungas, Estrela da Guia; a terceira linha de

Oriente se ―compõe de espíritos de asiáticos, bem como europeus‖, se divide numa legião de

hindus, médicos, árabes, japoneses, incas, índios caraíbas, europeus e outros356.

A quarta linha segundo Bastide foi denominada de ―Oxocê‖ dirigida por ―São

Sebastião‖ é composta de espíritos de caboclos e se divide em legião de Urubatão, caboclo

das sete Encruzilhadas, Tamoios, caboclos Jurema, entre outros. A quinta linha a de ―Shangô‖

também é composta de caboclos (Pena Branca, Vento, Negros, etc) e é dirigida por S.

Jerônimo. A sexta linha de Ogum dirigida por São Jorge se divide em Ogum Beira Mar, Iára,

Megê, Nagô, etc; e por último a linha africana que se divide em uma legião como ―Povo da

356 BASTIDE, ROGER. As religiões africanas no Brasil. São Paulo: Pioneira da USP, vol. 1 e 2, 1971, p. 445

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Costa‖ chefiada por ―Pai Cabinda‖, além de outras legiões como Congo, Angola,

Moçambique, etc357.

Mas, além dos cordéis que selecionamos e discutimos, também encontramos358 outros

que abordam a religiosidade de matriz africana como, ―A macumba Negra que saiu errada‖,

de Rodolfo Cavalcante (1978), ―A enrolada do Xangozeiro e a fé dos seus clientes‖, de

Emiliano José de Souza Campos, ―Peleja de José Gustavo com Maria Roxinha da Bahia‖, de

José Gustavo, ―O encontro de um feiticeiro com a negra de um peito só‖ de Enéias Tavares

dos Santos, ―Macumba na Bahia‖ de Rodolfo Cavalcante (1976) e ―Yemanjá- a Rainha do

Mar e os seus adoradores‖, também de Rodolfo Coelho Cavalcante.

Sendo que estes dois últimos cordéis de Rodolfo foram os únicos da seleção do

parágrafo anterior que possui uma narrativa harmoniosa, sem preconceito e até de forma

elogiosa. No entanto, os demais apenas visam desqualificar, desmoralizar as religiões adeptos

de matriz africana e indígena, além de destacar alguns personagens de forma racista.

357 Ibid., 446. 358

Nos arquivos do Átila Almeida e LAEL-UFCG.

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5. CONCLUSÃO: A luta continua contra a intolerância Religiosa

Vimos nos capítulos deste trabalho como a religiosidade de matriz africana se

configurou na Paraíba e em especial na cidade de Campina Grande. Uma história de luta

contra a intolerância religiosa e de resistência com objetivo de manter os cultos nos terreiros

na cidade. Os praticantes das religiões afro-brasileiras tiveram que se ―reinventar‖ para

conseguir a permanência dos rituais.

Reinventaram formas de resistência seja, por meio da mudança de rituais ou terminologias

como os juremeiros que passaram a ser umbandista, quando a umbanda se legalizou no estado

da Paraíba. Outros se passaram por centros espíritas para não serem perseguidos pela força

policial. Além das formas de resistência através da luta aberta como passeatas em prol da

legalização dessas religiões no estado.

Também a resistência ―oculta‖ mediada através de laços de solidariedade ou

conhecimento com pessoas da elite política ou que tinha influencia com a polícia. Em virtude

de uma longa repressão gerada por vários extratos sociais, além de médicos, cientistas sociais

e a legislação do país que institucionalizou esta repressão no âmbito jurídico.

Mas, a repressão contra as religiões africana foi transportada da esfera social e

representada nas fotos de jornais, nos cordéis, além de histórias teatralizadas que se passaram

na Rádio da cidade.

Infelizmente a intolerância religiosa continua como referimos no último capítulo, que

exemplificamos com a ação dos neopentecostais que difamam abertamente e chegam a

agredir babalorixás e Yalorixás dos terreiros. No entanto, esses religiosos tem se articulado no

Brasil contra a intolerância no país, como a criação do ―movimento contra a Intolerância

Religiosa, iniciada em 2000‖ na Bahia; em São Paulo existe o ―instituto da Tradição e cultura

Afro-brasileira (Intecab) e a comissão de Assuntos religiosos Afrodescendentes tem buscado

articular a comunidade religiosa.‖além de outras instituições nacionais como a União das

Tendas de umbanda e Candomblés do Brasil que procuram auxílio jurídico para se

defenderem.

Na Paraíba existe entidades que são contra a intolerância religiosa no Estado como:

entidades Federação Cultural Paraibana de Umbanda, Camdomblé e Jurema

(Fcpumcanju), Articulação da Juventude Negra – Paraíba, Organização de

Mulheres Negras na Paraíba (Bamidelê), Federação Independente de Cultos

Afrobrasileiros do Estado da Paraíba, (Ficab), Instituto de Referência Étnica

(IRE), Movimento Negro Organizado da Paraíba (MNO-PB), Núcleo de

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Estudantes Negras e Negros da UFPB (NENN), Rede de Mulheres de

Terreiros, Instituto Nacional de Tradição e Cultura Afro-Brasileira (Intecab),

Casa de Cultura Ilê Axé Omi Dewá, Centro de Referência dos Direitos

Humanos (CRDH) e Ilê Tatá do Axé e Casa de Cultura Ilê Ase D'osoguia

(IAO). (Jornal correio, Quarta, 27 de Outubro de 2010)

Estas entidades repudiaram junto ao ministério público sobre o descaso das eleições do

ano de 2010 no estado, quando ―diversos materiais anônimos (em veículos de comunicação e

espaços comunitários) desqualificando e desrespeitando as religiões de matriz africana, com a

divulgação de imagens de pessoas associando-as ao culto de entidades demoníacas.‖ O O

ministerio público divulgou uma nota de repúdio e justificou que iram investigar o caso.

(J.Correio, 27.10 .2010)

Outro caso de intolerância no Estado na atualidade foi no município de Sapé em maio

de 2011, quando o prefeito resolveu interditar um terreiro naquela cidade359,o terreiro ficava

num loteamento denominado cidade cristã e tal vez em virtude disto foi alvo de perseguição

religiosa.

Neste ano de 2011 na cidade de Campina Grande houve um grande debate durante o

Encontro da Nova Consciência, evento que ocorre a dezoito anos na cidade, durante o

carnaval. Nesta versão do evento ocorreu uma mesa redonda debatendo o tema ―Tolerância e

Intolerância Religiosa No Século 21‖, que participaram do debate duas sacerdotisas da

umbanda paulista, além Simin Rabanni (Fé Baha‘í) – Irã e e Handa Jishô, da Comunidade

Budista Soto Zenshu da América do Sul, também de São Paulo. E outra mesa redonda

composta com sacerdotisas paulista da umbanda que tinha como tema ―Sem Natureza Não Há

Orixá‖ 360.

Dessa forma, a luta continua contra a intolerância religiosa nesta cidade e no resto do país,

que estudo podem auxiliar para entender e discutir formas de acabar com práticas

antirracistas.

359

Ver o oficio 150/10 cid do Ministério público do Estado da Paraíba, que liberou o fechamento do terreiro que

funcionava de modo clandestino. E também o processo de n. 00041.000499/2011-30, aberto junto a Presidência

da república – Secretaria de políticas de igualdade Racial, interessado Pai Carlos e Jair Silva. Assunto: Denúncia

de suposta intolerância religiosa em interdição de terreiro de umbanda no município de Sapé/PB.. 360

Ver programação do encontro da Nova Consciência de 2011, no site:

http://novaconsciencia.multiply.com/journal/item/359/359

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Fontes

1. Periódicos

1.1. Jornais

DIÁRIO DA BORBOREMA, Campina Grande, 1958-1980 (Coleção completa pertencente

aos diários Associados)

GAZETA DO SERTÃO. Campina Grande, números avulsos de 1890 e 1923 (exemplares no

LAEL e SEDHIR na UFCG, Acervo Átila Almeida e Museu Histórico de Campina Grande)

VOZ DA BORBOREMA, Campina Grande números avulsos de 1937 (Idem)

JORNAL DA PARAÍBA, números avulsos dos anos 70.(Idem)

QUILOMBO, números avulsos de 1948 a 1950. (Ed. Fascimili)

Crônica de Cristino Pimentel. ―Tenda de Mestre Honório‖. Sem referência (SHEDIR)

2. Processos Criminais (Arquivo do Primeiro Tribunal do Júri do Fórum Afonso Campos.

Campina Grande-PB)

Ação Criminal contra Thenório Cabral de Oliveira e outros. s/n de 18/09/1923 e 15/02/1924

Ação Criminal s/n. contra Djanira de Tal; Alice Tenório e Josefa Barbosa, vulgo Josefa

Tributino, Ação de 24/07/1933 a 28/12/1933.

Ação Criminal contra Villarino José da Silva e Bertho Damião s/n 12.05.1930

3. Fontes Orais

Entrevista com seu H. E. C. 27.07.09.

Entrevista realizada com Vicente Mariano no dia 25.07.09.

Entrevista com M. de L. O., 27.07.09.

Entrevista com G. A.B. 29. 05. 2011.

Gravação de um Episódio da série radiofônica, ―contos que a noite Conta‖ – Não abra sua

porta a meia noite (cedida por familiares do autor Evandro Barros)

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ANEXOS

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Anexo A- Gráficos (com Base no Censo do IBGE)

Dados do censo de 1940 da cidade de Campina Grande-PB, quanto aos cultos.

Fonte: IBGE – Recenseamento Geral do Brasil de 1940, Rio de Janeiro:

Serviço Gráfico DO IBGE, 1952.

Dados do censo de 1950 da cidade de Campina Grande sobre os cultos. Fonte: IBGE –

VI Recenseamento Geral do Brasil – 1950 – Estado da Paraíba. Série Regional,v.

XVI, Tomo 1. Rio de Janeiro: 1955.

123737

1757

2

20 5

0 0

188

1

152 144 133

126139

Série1

Censo de 1940

168100

3767

1

17

0 0 0

419

0

128 506 298

173236 Série1

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150

Dados do censo demográfico da cidade de Campina Grande-PB. Fonte: IBGE-

Censo demográfico da Paraíba -1970. VIII Recenseamento Geral do Brasil -

1970- Série Regional. V.1 Tomo IX, 1970.

182696

9247

1058 492

1624

186

195303

Dados do Censo de 1970

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ANEXO B – Normas da Federação dos Cultos Africanos do Estado da Paraíba

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ANEXO C- Lei Estadual Da Paraíba 3.443 DE 1966.

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154

ANEXO B – Lei Estadual 4.242 de 1981.

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ANEXO D- Tabelas dos Censos segundo o sexo e a religião

Censo de 1890

Católicos Rom.

Ortodoxos

Evangélicos

Presbiterianos Outras seitas

Islamit

as Positivistas Sem culto Total

21469 5 1 21475

Censo de 1940 Catolicos Católicas

Protestantes

Protestantes Ortodoxos Israelitas Israelitas Maometanos

Maometanos Budistas

Xintoistas

Homens Mulheres Homens

Mulheres Homens

Mulheres Homens Mulheres Homens

Mulheres H+M H+M

59462

64.27

5 817 940 2 0 13 7 4 1 0 0

123.737 1757 2 20 5 0 0

Espíritas

Espíri

tas

Positivista

s

outra

religião

Sem

religião Condição religiosa não

declarada

Homens

Mulheres H+M Homens Mulheres

Homens Mulheres Homens Mulheres

111 77 1 86 66 72 72 69 64

Total de H. e M 188 1 152 144 133

126.139

Censo de 1950 Catolicos Católicas

Protestante

s

Protestantes Ortodoxos Israelitas Israelitas Maometanos

Maome

tanos Budistas

Xinto

istas

Homens Mulheres Homens

Mulheres Homens

Mulheres Homens Mulheres Homens

Mulheres H+M H+M

79901 88199 1769 1998 1 0 7 10 0 0 0 _

168100 3767 1 17 0 0

Espíritas

Espíri

tas

Positivista

s

outra

religião outra religião

Sem

religião Pessoas de condição

religiosa não declarada

Homens Mulheres H+M Homens Mulheres

Homens Mulheres Homens Mulheres

218 201 _ 61 67 307 199 144 154

Total de H. e 419 128 506 298

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156

M

173236

Consta no censo 173206

Censo de 1970 Católicos Evangélicos Espíritas Outras religiões Sem religião

Sem decl. de religião

Homens Mulheres Homens

Mulheres Homens

Mulheres Homens Mulheres Homens

Mulheres Homens

Mulheres

84999 97697 4240 5007 491 567 274 218 961 663 75 111

Total 18269

6 9247 1058 492 1624 186

195303

Censo de 1980 Católicos Protestantes trad.

Prostetantes pentecostal

Espíritas Kardecistas

Espírita Afro-brasileira Orientais

Homens Mulh Homens Mulher Homens Mul Homens Mulheres Homens Mulheres Homens

Mulheres

107623 12243

7 3320 4421 1840 2412 429 327 187 270 8 20

230060 7741 4252 756 457 28

Judaica ou Israelita

Outras religiões Sem religião

Sem declaração de religião

Homens

Mulheres Homens

Mulheres Homens

Mulheres

0 0 417 527 Falta pág. Falta pág.

Total

247827 944